salmo 119 - o alfabeto de ouro - charles haddon spurgeon.pdf

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Sa mo CHARLES HADDON SPURGEON

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Sa mo

CHARLES HADDON SPURGEON

Sa mo

“CHARLES H a d d o n S p u RGEON nasceu em 1834 e faleceu em 1892. Seu prim eiro pasto rad o , aos 17 anos de idade, foi num a igreja em C am bridgeshire. M u d o u -se p ara N ew Park S tree t Chapei, Londres, em 1854, e em 5 anos to rn o u -se o m in istro mais fam oso da cidade. A pedra fundam enta l de um novo edifício cham ado M etropo litan T abernacle foi lançada em 1859, e aí S purgeon p regou constan tem en te p a ra um a congregação de cerca de 6 .0 0 0 pessoas. Tam bém alcançou um a audiência m aior de aprox im adam ente um m ilhão de pessoas a quem se dirigia sem analm ente através de seus serm ões im pressos” . (E xtraído de Serm ões Sobre a Salvação, Publicações Evangélicas Selecionadas, p. 7.)

H fJE D IÇ Õ E S ± Z J PARAKLETOS

Saimo

© ̂ â k lfa b e í o c fe (P )iu r o

de

CHARLES HADDON SPURGEON

T rad u ção Valter G raciano M artins

Do original em inglês Psalm 119 - The Golden Alphabet

Os direitos desta edição são reservados

I a edição - 2001 3000 exemplares

Editoração e capa Eline Alves Martins

EDIÇÕES PARAKLETOS

Rua Clélia, 1254 • Cj. 5B • Vila Romana • 05042-000 ■ São Paulo, SP • Brasil Telefax: 55 11 3673-5123 ■ e-mail: [email protected]

I M P O S I Ç Ã O 1

(w. 1 -8)Bem-aventurados os impolutos em seus caminhos, que andam na lei do Senhor. Bem-aventurados os que guardam seus testemunhos, e que o buscam de todo seu coração. Eles também não praticam iniqüidade, mas andam em seus caminhos. Tu nos ordenaste que guardássemos teus preceitos com diligência. Quem dera que meus caminhos fossem bem direcionados para que eu observe teus estatutos. Então não fica­ria envergonhado, quando tiver respeito para com todos teus m anda­mentos. Louvar-te-ei com retidão de coração quando tiver aprendido teus justos juízos. Observarei teus estatutos; oh, não me desampares totalmente!Estes oito prim eiros versículos são associados à contem plação

da bem -aventurança que procede da observância dos estatutos do Senhor. O tem a é tratado de um a form a devocional, e não num estilo didático. Sincera com unhão com Deus se desfruta através tio am or àquela Palavra que é a m aneira de Deus com unicar-se com a alma através de seu Espírito Santo. O ração e louvor, bem como toda sorte de atos e sentim entos devocionais, perpassam esses versículos com o os raios da luz solar refletidos através da folhagem de um a árvore frondosa. Você se sente não só instruído, mas tam bém influenciado com santa em oção e levado a expressar o mesmo.

Os que am am a Santa Palavra de Deus são bem -aventurados, porque são preservados de contam inação (v. 1), porque se tornam santos na prática (w . 2, 3) e guiados a ir a Deus sincera e in tensa­mente (v. 2). E evidente que se deve desejar um viver santo, p o r­que é isso que Deus ordena (v. 4); por isso a alma pia ora por esse vivei- santo (v. 5) e sente que seu conforto e coragem devem de­pender de sua obtenção (v. 6). No prospecto da oração respondi­

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Salmo II?

da, sim, enquanto a oração está sendo respondida, o coração se enche de gratidão (v. 7) e se fixa em solene disposição de não perder a bênção, se o Senhor lhe der a graça que o capacita (v. 8).

As m udanças começam nas palavras ‘cam inho’ — “retos em seus cam inhos”, “andam em seus cam inhos”, “Q uem dera meus caminhos fossem direcionados”; ‘guardar’ - “guardar seus teste­m unhos”, “guardar diligentemente teus preceitos”, “levados a guar­d ar”, “guardarei” ; e ‘andar’ - “andar na lei”, “andar em seus ca­m inhos”. Contudo, não existe tautologia; nem é reiterado o m es­mo pensamento, ainda que ao leitor displicente possa parecer assim.

A m udança de afirmações sobre outros e sobre o Senhor, para mais tratam ento pessoal com Deus, com eça no quarto versículo, e se torna mais evidente à m edida que avançamos, até nos últimos versículos a com unhão tornar-se mais intensa, com ovendo a alma. “Louvar-te-ei. Guardarei teus estatutos. Oh, não te esqueças de mim totalm ente.” Q ue todo leitor possa sentir incandescente d e ­voção pessoal enquanto estuda esta prim eira seção do Salmo!

[v. 1]Bem-aventurados os impolutos em seus caminhos, que andam na leido Senhor.Bem-aventurados. O salmista se sente tão arrebatado pela lei

do Senhor, que considera como estando conform ado a ela seu mais elevado ideal de bem -aventurança. Ele está olhando adm ira­do para as belezas da lei perfeita; e, como se nesse versículo en ­contrasse a suma e resultado de todas suas emoções, ele exclama: “Bem -aventurado é o hom em cuja vida é a transcrição prática da vontade de D eus.” A religião genuína não é apática nem árida; ela tem suas exclamações e êxtases. N ão só julgamos ser a guarda da lei de Deus um a atitude sábia e correta, mas nos sentimos arden­tem ente extasiados ante sua santidade, e clamamos em extasiante adoração: “Bem -aventurados são os im aculados!” Significando com isso que ardentem ente desejamos tornar-nos assim. Nosso desejo por felicidade não é m aior que o de sermos perfeitam ente santos. E possível que o escritor tenha laborado sob o senso de sua própria falha, e portanto invejado a bem -aventurança daqueles cuja

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vida havia sido mais perfeita e santa que a dele; aliás, a própria contem plação da lei perfeita do Senhor na qual ele agora tem in ­gresso fosse suficiente para levá-lo a deplorar suas imperfeições pessoais e a suspirar pela bem -aventurança de um viver sem mácula.

A religião genuína é sempre prática, pois ela não nos perm ite deleitar-nos num a regra perfeita sem excitar em nós profundo anelo de conform ar a essa regra nossa conduta diária. Uma bênção p er­tence aos que ouvem, lêem e entendem a Palavra do Senhor; não obstante, um a bênção ainda maior advém da real obediência a ela e concretiza em nosso andar e conversação o que aprendem os em nosso exame das Escrituras. A mais genuína bem -aventurança consiste na pureza de nosso cam inho e de nossa cam inhada.

Este prim eiro versículo constitui não só um prefácio a todo o Salmo, mas pode tam bém ser considerado como o texto sobre o qual o resto é um discurso. E sem elhante à bênção do prim eiro Salmo, o qual é o próprio cabeçalho de todo o livro: há certa se­melhança entre este Salmo 119 e o Saltério, e este é só um ponto dele, que começa com um a bênção. Neste também vemos algumas prefigurações do Filho de Davi, que com eçou seu grande serm ão como Davi com eçou seu grande Salmo. E bom abrir nossa boca com bênçãos. Q uando não podem os concedê-las, podem os apon­tar o cam inho de sua obtenção; e ainda quando nem m esm o as possuam os, pode ser proveitoso contem plá-las, para que nossos desejos sejam excitados e nossas almas movidas a buscá-las. Se­nhor, se não sou ainda tão abençoado ao ponto de não ser ainda contado entre os imaculados em teu caminho, contudo meditarei intensam ente na felicidade que desfrutam , e a porei diante de meus olhos como um a ambição a ser concretizada em m inha vida.

Do m odo como Davi começa seu Salmo, os jovens deveriam com eçar suas vidas; os recém -convertidos deveriam iniciar sua profissão de fé; todos os cristãos deveriam com eçar cada dia. As- sentem em seus corações como prim eiro postulado e sólida regra da ciência prática qu e santidade é sinônimo de felicidade-, que nossa sabedoria consiste em prim eiram ente buscar o reino de Deus e sua justiça. O bom com eço já é meio triunfo. Com eçar com uma idéia veraz de bem -aventurança é im portante além de toda m edi­

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Salmo II?

da. O hom em com eçou sendo bem -aventurado em sua inocência; e se nossa raça caída visa a ser bem -aventurada outra vez, então ela deve encontrar a bem -aventurança onde ela a perdeu no p rin ­cípio, ou seja, conform ando-se com os m andam entos do Senhor.

Os impolutos em seu caminho. Estão no caminho; o caminho reto; o caminho do Senhor; e guardam o caminho, andando com santa prudência e lavando seus pés diariamente, para que não sejam maculados pelo contato com o mundo. Desfrutam de grande bem- aventurança em suas próprias almas; aliás, já sentem um a preliba- ção do céu, onde a bem -aventurança é absolutam ente impossível de ser maculada; e onde poderão prosseguir plena e perfeitam ente sem m ancha; na verdade, devem viver já seus dias celestiais na te rra .'O mal externo pouco nos feriria se fôssemos inteiram ente isentos do mal do pecado, cuja obtenção, mesmo para o melhor dentre nós, ainda se encontra na região do desejo, o qual ainda não se concretizou plenamente, ainda que tenham os um a visão bem nítida do que consideram os ser bem -aventurança p ropria­mente dita, e portanto nos precipitamos avidamente em sua direção.

Bem -aventurado é aquele cuja vida é, no sentido evangélico, impoluta, sem mácula, porque jamais lhe seria possível alcançar esse ponto se infindas bênçãos ainda não lhe houvessem sido d e r­ram adas. Somos por natureza im puros e extraviados do caminho; e por isso temos que ser lavados no sangue expiador para que a im pureza seja removida, e temos que ser convertidos pelo poder do Espírito Santo, do contrário não nos ingressaremos na vereda da paz, nem seremos íntegros em seu percurso. Mas isso não é tudo, pois faz-se mister que o poder contínuo da graça m antenha o cristão na vereda direita e o preserve da poluição. E preciso que todas as bênçãos do pacto sejam, em certa medida, derram adas sobre aqueles que, dia a dia, são capacitados a aperfeiçoar sua santidade no tem or do Senhor. Sua vereda é a evidência de serem eles os bem -aventurados do Senhor.

Davi fala de um elevado grau de bem -aventurança; pois há aqueles que já se encontram no cam inho e que são genuínos se r­vos de Deus; todavia se acham ainda m aculados de diversas fo r­mas e ainda atraem sobre si muitas máculas. Outros andam envol­

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tos em luz mais plena e m antêm com unhão mais íntim a com Deus, e são aptos a m anter-se imunes das im purezas do m undo, os quais desfrutam de mais paz e alegria do que seus irm ãos m enos vigilan­tes. Sem dúvida, quanto mais profunda é nossa santificação, mais intensa é nossa bem -aventurança. Cristo é o nosso cam inho, e não só estam os vivos em Cristo como tam bém devemos viver nele. O lamentável é que nós salpicamos sua santa vereda com nosso ego­ísmo, nossa vangloria, nossa obstinação e nossa carnalidade, p e r­dendo com isso, em grande medida, a bem -aventurança que se acha nele como nosso caminho. O cristão que erra continua salvo, porém deixa de experim entar a alegria de sua salvação; continua redim ido, porém não enriquecido; muitíssimo disposto, porém não m uitíssim o abençoado.

Q uão facilmente pode sobrevir-nos impureza, m esm o em n o s­sas coisas santas, sim, até mesmo no caminhol E até m esm o pos­sível achegarm o-nos para o culto público ou privativo m aculados em nossa consciência, quando ainda nos achamos de joelhos. Não havia assoalho no tabernáculo, mas apenas areia; daí os sacerdo­tes, p ara o serviço junto ao altar, careciam constantem ente de la­var seus pés; e, pela bondosa provisão de seu Deus, o lavatório lhes estava sem pre à disposição para que se purificassem. Q uanto a nós, nosso Senhor ainda se dispõe a lavar nossos pés, para que estejam os totalm ente limpos. E assim nosso texto preanuncia a bem -aventurança dos apóstolos no cenáculo, quando Jesus lhes assegura: “Vós já estais lim pos.”

Q u e gloriosa bem -aventurança aguarda os que seguem o C or­deiro p ara onde quer que ele vá, e são preservados do mal que im pregna o m undo de luxúria! Estes atrairão a inveja de toda a hum anidade “naquele dia” . Ainda que agora sejam m enospreza­dos com o fanáticos e puritanos, os mais prósperos dos pecadores então desejarão que possam trocar de lugar com eles. O m inha alma, b u sca tu a bem -aventurança em seguir os passos de teu Se­nhor, o qual foi santo, inculpável, imaculado; pois se até aqui des- Iru taste de paz, haverás de desfrutá-la para todo o sempre.

Q u e andam na lei do Senhor. Neles se acha presente a san ti­dade h ab itua l. Seu andar, sua vida cotidiana, é de obediência ao

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Salmo \\JSenhor. Vivem segundo um a norm a, que é segundo o m andam en­to do Senhor Deus. Q uer comam, quer bebam, quer façam qual­quer outra coisa, tudo fazem no nom e de seu grande M estre e Modelo. Para eles, religião não é outra coisa senão viver no cam i­nho, é seu andar diário; ela molda tanto suas ações com uns q uan­to suas devoções especiais. Isso lhes assegura a bem -aventurança. Aquele que anda na lei de Deus, anda na com panhia de Deus, é portanto abençoado; desfruta do sorriso de Deus; da força de Deus; da intim idade com Deus: como não seria ele abençoado?

Vida santa é um andar, um progredir constante, um avançar sereno, um perseverar contínuo. Enoque andava com Deus. Os hom ens bons se tornam cada vez melhores, e por isso vão sempre em frente. Os hom ens bons não conhecem a indolência, e por isso não caem prostrados nem delongam na jornada, mas continuam sempre cam inhando rum o a seu almejado porto. N ão se apres­sam, nem se azucrinam , nem se perturbam ; apenas se m antêm no curso de seu caminho, cam inhando firmemente rum o ao céu. Não se deixam dom inar por perplexidade acerca de com o devem con- duzir-sc, porque possuem uma regra perfeita, a qual orienta seu ditoso cam inhar. A lei do Senhor não lhes é enfadonha; seus m an­dam entos não lhes são penosos; suas restrições, em seu apreço, não os fazem servis. Não a visualizam como um a lei impossível, teoricam ente admirável, praticam ente absurda; senão que andam por meio dela e nela. Não a consultam de vez em quando como um tipo de retificador de suas andanças, mas a usam como um a bússola de seu velejar diário, um m apa da estrada que devem p e r­correr em sua vida de peregrinação [rum o a Canaã], Tam pouco sentem saudade depois de se haverem ingressado na vereda da obediência, nem a deixam ao contem plarem as dificuldades, m es­mo ante as multiformes tentações que lhes oferecem a chance de regressarem; seu andar contínuo na lei do Senhor é seu melhor testem unho da bem -aventurança de tal condição de vida. Sim, são bem -aventurados mesmo agora. O próprio salmista é um a teste­m unha desse fato: ele o pôs à prova, o experim entou e o escreveu como um fato que arrostou toda negação. Aqui jaz no frontispício da opus m agnum de Davi, no cum e mais elevado do m aior de seus

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f 7xpo s i ç Ã o !

salmos — “Bem-aventuraclos são aqueles que andam na lei do S e ­nhor.” Áspero pode ser o caminho; inflexível, a regra; severa, a disciplina - disso temos plena consciência. Todavia, um acúm ulo de milhares de bem -aventuranças ainda se encontra no viver pie­doso, pelo quê bendizem os ao Senhor.

Temos neste bendito versículo pessoas que desfrutam de cinco coisas benditas: um cam inho bendito, um a pureza bendita, um a lei bendita, dada por um Senhor bendito, e um abençoado cam i­nhar nela. A estas podem os acrescentar o bendito testem unho do Espírito Santo, dado nesta m esm a passagem, para que tais p es­soas sejam, em seus feitos, os benditos do Senhor.

Devemos almejar a bem -aventurança que é posta diante de nós, mas não devemos imaginar que podem os obtê-la sem solícito es­forço. Davi tinha sobeja razão em falar sobre ela; seu discurso neste Salmo é longo e solene, e nos sugere que não se aprende num só dia o m étodo da perfeita obediência; é m ister que haja preceito sobre preceito, norm a sobre norm a; e depois de esforços bastante prolongados, pondo-nos diante do versículo 176 deste Salmo, é possível que ainda clamemos: “D esgarrei-m e com o um a ovelha perdida; busca teu servo, pois não me esqueço de teus m an ­dam entos.”

Entretanto, nosso plano deve ser guardar a palavra do Senhor no recôndito de nossa mente; pois este discurso sobre a beni-aven- turança tem por seu clímax o testem unho do Senhor, e un icam en­te pela com unhão diária com ele, m ediante sua Palavra, é que p o ­dem os nutrir a esperança de aprender seu cam inho, ser purifica­dos de toda m ácula e esforçar-nos por andar em seus estatutos. Tomando como ponto de partida esta exposição sobre a bem -aven­turança, visualizamos o cam inho para ela, e sabemos onde sua lei pode ser encontrada. Orem os para que, prosseguindo em nossa meditação, desenvolvamos o hábito de andar em obediência, e por fim sintam os a bem -aventurança da qual lemos aqui.

[V. 21

Bein-aventurados os que guardam seus testemunhos, e que os buscamde lodo o coração.

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Salmo 115?

O quê! U m a segunda bênção? Sim, são duplam ente abençoa­dos aqueles cuja vida é nutrida por um zelo íntimo pela glória de Deus. No prim eiro versículo, tivemos um cam inho impoluto, e fi­cou estabelecido que a pureza nesse cam inho não é um a obra m e­ram ente superficial, mas é assistida pela verdade no íntimo e pela vida procedente da graça divina. Aqui, o que era implícito se torna explícito. Atribui-se bem -aventurança aos que entesouram os te s­tem unhos do Senhor; no quê está implícito que eles exam inam as Escrituras, que adquirem com preensão delas, que as am am e e n ­tão passam a praticá-las. Primeiro temos que adquirir um a coisa antes de poderm os guardá-la. A fim de guardá-la bem, é preciso que nos apoderem os firmemente dela. Não podem os guardar no coração aquilo que não abraçam os sinceram ente pelas afeições. A palavra de Deus é sua testem unha ou que com unica o testem unho e im portantes verdades que dizem respeito a ele e a nossa relação com ele. Isso devemos desejar conhecer; conhecendo-o, devemos crer nele; crendo-o, devemos amá-lo; e am ando-o, devemos retê- lo com firmeza contra todos os que se opuserem . H á um a obser­vância doutrinai da palavra quando nos dispomos a m orrer em sua defesa, e um a observância prática dela quando realm ente vive­mos sob seu poder. A verdade revelada é preciosa com o d iam an­tes, e deve ser guardada ou entesourada na m em ória e no coração com o jóias num escrínio, ou como a lei era guardada na arca; isso, contudo, não basta; pois ela se destina ao uso prático, e por isso deve ser guardada ou seguida, com o os hom ens se m antêm no cam inho ou seguem um a linha de negócios. Se guardarm os os testem unhos de Deus, eles por sua vez nos guardarão; nos m an te­rão retos na opinião, confortáveis no espírito, santos na conversa­ção e esperançosos na expectativa. Se foram sem pre de real valor, e nenhum a pessoa sensata põe isso em dúvida, então são dignos de ser guardados; seu efeito designado não é um a conquista tem ­porária, mas vem por um a perseverante posse deles: “em os g u a r­dar há grande recom pensa.”

Somos obrigados a guardar a Palavra de Deus com todo cu i­dado, porque ela são seus testem unhos. Ele no-los deu, mas ainda são dele. E preciso que os guardem os como um vigilante guarda a

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casa de seu patrão; como um mordomo adm inistra os bens de seu senhor; com o um pastor guarda o rebanho de seu proprietário. Somos obrigados a prestar contas, porquanto o evangelho nos foi confiado, e ai de nós se form os encontrados infiéis. N ão podem os com bater o bom combate, nem concluir nossa carreira, a m enos que guardem os a fé! Com este alvo em vista, o Senhor nos guarda­rá; som ente aqueles que são guardados pelo poder de Deus, para a salvação, é que serão capazes de guardar seus testem unhos. Por­tanto, que bem -aventurança se evidencia e se testifica m ediante m eticulosa convicção na Palavra de Deus e um a contínua obe­diência a ela! Deus os tem abençoado, os está abençoando e os abençoará para sempre. A bem -aventurança que Davi visualizou em outros, ele a concretizou em si, pois ele diz no versículo 168: “Tenho guardado teus preceitos e teus testem unhos”; e nos versí­culos 54 a 56, ele associa seus cantos jubilosos e suas felizes m e­m órias a esta m esm a observância da lei, e confessa: “E isto eu fiz, porque guardei teus m andam entos.” As doutrinas que ensinam os a outros, antes devemos experim entar em nós mesmos.

E que os buscam de todo o coração. Os que guardam os tes­tem unhos do Senhor se asseguram de que vão em busca deles m esm os. Se sua Palavra é preciosa, podem os estar certos de que ele m esm o é ainda mais precioso. O tratam ento pessoal com um D eus pessoal é a aspiração de todos quantos se asseguram de que a Palavra do Senhor tenha seu pleno efeito sobre eles. U m a vez tenham os experim entado realm ente o poder do evangelho, é m is­ter que busquem os o Deus do evangelho. Nosso sincero clamor se rá este: “Oh, que eu saiba onde posso encontrá-lo!” Veja o d e ­senvolvim ento que essas frases indicam: primeiro, no caminho; en tão , no transpô-lo; em seguida, descobrindo e guardando o te ­so u ro da verdade; e, acima de tudo, ir após o Senhor da m aneira com o ele preceitua. N ote tam bém que, à m edida que um a alma avança na graça, mais divinas e espirituais são suas aspirações: o an d a r externo não satisfaz à alma agraciada, nem m esm o os teste­m unhos entesourados; no devido tem po, ela se entrega a Deus pessoalm ente, e quando, em certa m edida, o encontra, ainda o deseja m uito mais, e continua a buscá-lo.

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5aimo 11?

Buscar a Deus significa o ardente desejo de ter com unhão com ele de m aneira mais íntima, segui-lo mais plenamente, m anter a mais perfeita união com sua m ente e vontade, prom over sua glória e com preender plenam ente tudo o que ele é para os corações san ­tos. O hom em abençoado já possui a Deus, e por esse motivo ele o busca. Isso pode parecer contraditório; mas é apenas um paradoxo.

Deus não é buscado genuinam ente pelas frias ponderações do cérebro; é preciso que o busquem os com o coração. O am or se m anifesta am ando; Deus m anifesta seu coração no coração de seu povo. E vão esforçarm o-nos em com preendê-lo através da razão; é preciso com preendê-lo através da afeição. O coração, porém , não deve ser dividido entre muitos objetos, se porventura o S e­nhor é buscado por nós. Deus é um só, e não o conhecerem os até que nosso coração seja um com o dele. U m coração quebrantado não necessita de ser dom inado pela angústia, porque nenhum co ­ração é tão íntegro em sua busca por Deus como o coração q u e­brantado, do qual cada fragm ento suspira e clama pelo rosto do grande Pai. E o coração dividido que a doutrina do texto censura, e, por estranho que pareça, na fraseologia bíblica um coração pode estar dividido sem estar quebrantado, e pode estar quebrantado, porém não dividido; e no entanto pode ser quebrantado e estar curado, e nunca pode estar curado antes de ser quebrantado. Q uan­do nosso coração inteiro busca o Deus santo em Cristo Jesus, en ­tão ele se chega para aquele de quem está escrito: “Tantos quantos o tocavam, ficavam perfeitam ente curados.”

O que o salmista adm ira neste versículo ele reivindica no déci­mo, onde diz: “De todo m eu coração te busquei.” Fica tudo bem quando a adm iração de um a virtude leva à obtenção da mesma. Os que não crêem na bem -aventurança de buscar o S enhor p ro ­vavelmente não terão seus corações estim ulados para a deseja­rem; mas aquele que acena para outro bem -aventurado por cau ­sa da graça que nele vê, está no cam inho de granjear para si a m esm a graça.

Se os que buscam o Senhor são bem -aventurados, o que d i­zer daqueles que realm ente habitam com ele e sabem que ele lhes pertence?

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“Quão bondoso és para com os Que caem!Quão benigno, para com os Que te buscam!Mas, o Que dizer daoueles Que te acham?Ah! isto nenhuma língua nem pena pode expressar:O amor de )esus - o quc é,Ninguém, senão seus amados, pode saber."

[v. 31Também não praticam iniqüiclacle, mas andam em seus caminhos.Também não praticam iniqüidade. Aliás, bem -aventurados

devem ser todos aqueles de quem se pode isso afirm ar sem reserva e sem explicação: Teremos atingido a região da perfeita bem -aven­turança quando cessarm os totalm ente de pecar. Os que seguem a Palavra de Deus não am am a iniqüidade; a regra é perfeita, e se ela for constantem ente seguida não haverá erro. A vida, para o obser­vador do lado de fora, consiste em atos; e aquele que, em suas atividades, nunca se desvia da eqüidade, quer em relação a Deus, quer em relação aos hom ens, realm ente tom ou o cam inho da p er­feição, e estejamos certos de que seu coração é íntegro nele. Então notam os que um coração íntegro se desvia do mal, porquanto o salmista diz: “Q ue o buscam de todo o coração. Também não p ra ­ticam iniqüidade.” Receamos que ninguém tenha com o alegar ser absolutam ente destituído de pecado; todavia nutrim os confiança de que existam m uitos que podem alegar que intencional, voluntá­ria, consciente e continuam ente fogem de fazer o que é perverso, ímpio ou injusto. A graça conserva a vida íntegra, m esm o quando o cristão se põe a deplorar as transgressões do coração. C onside­rados como seres hum anos, julgados por seus semelhantes de aco r­do com as norm as que os hom ens im põem aos hom ens, o genuíno povo de Deus não pratica iniqüidade: são honestos, íntegros e cas­tos e, no que tange à justiça e m oralidade, são inculpáveis. Portan­to são bem -aventurados.

Andam em seus caminhos. Inclinam -se não só para os g ran ­des princípios da lei, mas tam bém para os mínimos detalhes de preceitos específicos. U m a vez que fogem de perpetrar qualquer pecado de comissão, assim tam bém esforçam -se por se ver livres de todo pecado de omissão. Não lhes basta ser inculpáveis, tam ­

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Salmo 11?

bém desejam ser ativamente justos. É possível que um erm itão fuja para a solidão a fim de não praticar a iniqüidade; um santo, to d a­via, vive em sociedade a fim de servir a seu Deus andando em seus caminhos. Precisam os ser justos tanto positiva quanto negativa­mente: jamais terem os a posse do segundo, a m enos que tom em os posse do primeiro; pois os hom ens terão que percorrer um cam i­nho ou outro, pois se não seguirem a vereda da lei de Deus, logo/ estarão praticando a iniqüidade. A mais segura m aneira de abster- se do mal é vivendo totalm ente ocupados na prática do bem. Este versículo descreve os cristãos com o existem entre nós: em bora se­jam falhos e frágeis, todavia odeiam o mal e não se perm itirão viver nele; am am as veredas da verdade, da justiça e da genuína piedade, e habitualm ente andarão nelas. Não alegam ser absoluta­m ente perfeitos, exceto em seus anseios, nos quais são de fato puros; pois anseiam ser guardados de todo pecado e de ser gu ia­dos a toda a santidade. G ostariam de andar sem pre segundo o anseio de seus corações renovados, de seguir o Senhor Jesus em cada pensam ento, palavra e ação; sim, gostariam que todo seu ser fosse a encarnação da santidade.

[v. 4]Tu ordenaste teus mandamentos, para que diligentemente os obser­vássemos.De tal sorte que, quando tivermos feito tudo, nos sintam os

servos inúteis, tendo feito som ente aquilo que nos com petia fazer, não indo além do m andam ento de nosso Senhor. Os preceitos de Deus requerem criteriosa obediência, não sua observância por aci­dente. H á quem presta a Deus um serviço displicente, um a sorte de obediência à revelia; o Senhor, porém, não ordenou tal serviço, tam pouco o aceita. Sua lei dem anda o am or de todo nosso co ra­ção, de toda nossa mente, de toda nossa alma e de toda nossa força; e um a religião displicente não contém nada disso. Somos tam bém cham ados a um a zelosa obediência. Devemos guardar os preceitos sobejamente: os vasos de obediência devem estar cheios até à borda; e o m andam ento concretizado, à plenitude de seu significado. Com o um profissional diligente se ergue para fazer

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tanto negócio quanto possa, assim devemos ser solícitos em servir ao Senhor o máximo que puderm os. Tam pouco devemos poupar sacrifícios em agir assim, pois um a obediência diligente tam bém será laboriosa e saturada de renúncia. Os que são profissionais diligentes levantam mais cedo e assentam mais tarde, e negam a si o m erecido conforto e repouso. N ão se m ostram logo cansados; ou, se o sentem, perseveram mesm o com a fronte dolorida e os olhos pesados. É assim que devemos servir ao Senhor. Tal M estre m erece servos diligentes; tal serviço ele dem anda e nada m enos que isso o satisfaz. Q uão raram ente os hom ens o atendem! Por isso muitos, por sua negligência, perdem a duplicada bênção ex­pressa neste Salmo.

Alguns são diligentes em superstição e indispostos a cultuar; é nosso dever ser diligentes em observar os preceitos de Deus. Não viajaremos com rapidez se não estivermos habituados com a rodo­via. Os homens se fazem diligentes num a empresa que está gerando prejuízo; quanto mais negócio fazem, mais perda têm: se isso é um grande mal no comércio, pior ainda o é no tocante a nossa religião.

Deus não nos ordenou ser diligentes em fazer preceitos, mas em guardá-los. H á quem põe jugo em seu próprio pescoço e faz algemas e norm as para outros; mas um a diretriz sábia se satisfaz com as norm as da Santa Escritura, em relação a todos os hom ens e em todos os aspectos. Caso não ajam os assim, podem os tornar- nos em inentes em nossa própria religião, mas não terem os obser­vado o m andam ento de Deus, nem seremos por ele aceitos.

O salmista com eçou com a terceira pessoa: “Bem -aventurados são os retos.” Ele está agora aproxim ando-se do pessoal, atingin­do a prim eira pessoa do plural: “Tu [nos] ordenaste teus m anda­m entos.” Logo o ouviremos clam ando pessoalm ente para si m es­mo: “Q uem dera meus cam inhos fossem dirigidos para observar teus m andam entos.” Q uando o coração se avoluma em am or pela santidade, mais interesse pessoal tem os nela. A Palavra de Deus é um livro repassado de afeto; e quando com eçam os a entoar os louvores divinos, ele logo nos dom ina interiorm ente e passam os a orar para serm os conform ados a seus ensinam entos. N ão gostaria o leitor de parar aqui, e de en tregar-se à extasiante m editação dc

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Salmo 115?

seu próprio coração na autoridade divina das Escrituras, a fim de devotar-se pessoalm ente a cuidadosa, meditativa, constante, p o n ­tual e alegre observância dos preceitos do Senhor?

[v. 5]Quem dera meus caminhos fossem dirigidos para observar teus man­damentos!Os m andam entos divinos devem inspirar o tem a de nossas o ra ­

ções. Nós mesmos não podem os guardar os estatutos de Deus exatam ente com o ele quer que sejam guardados, e contudo aspi­ram os fazê-lo; o que fazer, senão orar? Precisamos pedir ao S e­nhor que realize em nós suas obras, do contrário jamais cum prire­mos seus m andam entos. Este versículo expressa um lam ento de dor do salmista por sentir que não guardava os preceitos de Deus diligentemente; é um clam or do fraco que pede socorro a alguém que podia ajudá-lo; é uma súplica de alguém em profunda perple­xidade, que perdeu seu cam inho e se dispõe a cam inhar nele nova­mente; e é a petição da fé de alguém que am a a Deus e confia nele para receber a graça.

Nossos caminhos são, por natureza, opostos ao cam inho de Deus, e é preciso que nos deixemos orientar pelo Senhor naquela direção que originalm ente seu cam inho nos conduzia, do co n trá ­rio serem os conduzidos à destruição. Deus pode dirigir a m ente e a vontade sem violar nossa livre agência, e fará isso em resposta a nossas orações. Aliás, ele já com eçou a operar naqueles que since­ram ente oram em harm onia com o padrão encontrado neste versí­culo. O desejo por santidade atual em ana do coração crente: oh, que bom que ela já estivesse presente em mim! Mas tam bém signi­fica um a perseverante santidade para o futuro; pois o salmista a n ­seia pela graça de guardar doravante e para sem pre os estatutos do Senhor.

O texto realmente expressa um a oração em forma de suspiro, ainda que não assum a exatam ente essa forma. Desejos e anelos fazem parte da essência da súplica, e pouco im porta que forma eles tom em . A oração aceitável é repassada de expressão como esta: “Oh, nosso Pai!”

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Alguém dificilmente teria esperado um a oração por d ireciona­m ento; antes, teríam os esperado um a petição por capacitação. Podemos sozinhos tom ar um a direção certa? Se não podem os re ­mar, podem os obedecer. O salmista, inclusive, confessa que m es­m o na m enor parte de seu dever ele se sentia incapaz sem a graça. Ele ansiava que o Senhor influenciasse tanto sua vontade quanto o vigor de suas mãos. Carecemos de um a vara que nos oriente no cam inho e de um cajado que nos sirva de apoio.

O anseio do texto é inspirado pela adm iração da bem -aventu- rança provinda da santidade, pela contem plação da beleza de ca ­ráter do hom em justo e pelo reverente tem or ao m andam ento de Deus. E um a aplicação pessoal, extraída da própria experiência do escritor, das verdades que ele esteve considerando. “Oh, que meus caminhos sejam orientados em guardar teus estatutos.” Q ue bom seria se todos os que ouvissem esta palavra copiassem este exemplo e revertessem em oração tudo o que ouvissem. Teríamos mais guar­dadores dos estatutos se tivéssemos mais quem suspirasse e cla­masse por aquela graça que nos impede de vaguearmos sem rumo.

[v. 6]Então não serei envergonhado, quando tiver respeito por todos teusmandamentos.Então não serei envergonhado. Ele tinha conhecim ento da

vergonha [ou perturbação do espírito], e aqui se regozija ante a visão de ver-se livre dela. O pecado traz vergonha, e quando o pecado se vai, dissipa-se o motivo para envergonhar-se. Q ue grande livramento é este! Pois, para certas pessoas, seria preferível a m o r­te do que a vergonha! Quando tiver respeito por todos teus m an­damentos. Ao respeitarm os a Deus, aprendem os a respeitar-nos e a ser respeitados. Sem pre que errarm os, estamos nos preparando para o rubor da face e o abatim ento do coração. Se ao com eter iniqüidade ninguém sentir vergonha de mim, eu mesm o me senti­rei envergonhado. Nossos primeiros pais nunca haviam conheci­do a vergonha, até que se tornaram amigos da antiga serpente; e cia nunca mais os deixou, até que seu gracioso Deus lhes cobriu a nudez com peles de animais sacrificados. A desobediência os to r­

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Salmo 119nou nus e confusos. Nós tam bém terem os sempre motivo para sentir-nos confusos, até que cada pecado seja vencido e cada d e ­ver, cum prido. Q uando tivermos devotado um respeito contínuo e universal pela vontade do Senhor, então seremos capazes de visua­lizar nosso próprio rosto no espelho da lei, e não nos envergonhare­mos diante dos homens e dos demônios, por mais profunda ira e malícia possam eles revelar, tentando culpar-nos de alguma coisa.

M uitos sofrem de excessiva timidez, e neste versículo tem os a sugestão da cura. Um senso perm anente do dever nos fará o u sa ­dos; terem os m edo de ter medo. N enhum acanham ento na p re ­sença do hom em nos estorvará quando o tem or de Deus tom ar posse plena de nossas mentes. Q uando estivermos na estrada do rei em plena e radiante aurora, e estivermos engajados na ativida­de do Soberano, então não precisarem os pedir nenhum a perm is­são ao hom em . Seria um a desonra a um rei envergonhar-se de sua criadagem e de seu serviço; nenhum a vergonha desse tipo jamais deveria enrubescer a face de um cristão, nem lhe faltará a devida reverência pelo Senhor seu Deus. N ão existe num a vida santa motivo algum para envergonhar-se: alguém pode envergonhar-se de seu orgulho, de sua opulência, de seus próprios filhos; porém jam ais se envergonhará de haver em tudo respeitado a vontade do Senhor seu Deus.

É digno de nota que Davi não prom ete a si nenhum a im unida­de de sentir vergonha até que tenha cuidadosam ente prestado h o ­m enagem a todos os preceitos. Pondere na palavra ‘todos’ e não deixe que um m andam ento fique sem ser respeitado por você. A obediência parcial ainda nos deixa sujeitos a prestar conta dos m andam entos que negligenciamos. Uma pessoa pode possuir mil virtudes, e ainda um a única falha pode cobri-la de vergonha.

A um pobre pecador que se vê m ergulhado em desespero pode parecer totalm ente improvável que seja um dia libertado da vergo­nha. Enrubesce-se e se sente confuso, como se nunca mais haverá de novam ente erguer seu rosto. Deveria ler estas palavras: “Então não terei de que me envergonhar.” Davi não está sonhando nem idealizando um caso impossível. Ele assegura-lhe, querido amigo, que o Espírito Santo pode renovar em você a imagem de Deus, de

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sorte que poderá levantar o rosto sem m edo. Oh, santificação que nos põe novam ente no caminho de Deus! A qual nos dá a ousadia de fitar a Deus e a seu povo, e nos faz dar adeus ao rubor e ao espírito conturbado.

O Dr. W atts expressa a idéia em sua admirável estrofe, que nos leva a cantar com ele:

Então meu coração se alegrará:E meu rosto não mais mostrará rubor,Quando obedecer teus estatutosE honrar teu santo Nome.

[v. 7]Render-te-ei graças com integridade de coração, quando tiver apren­dido teus retos juízos.Render-te-ei graças. Da oração ao louvor nunca é um a jo rn a ­

da longa demais nem difícil. Esteja certo de que aquele que ora por santidade um dia há de louvar agradecido pela felicidade. A vergonha um a vez desvanecida, o silêncio é quebrado, e a pessoa outrora m uda passará a cantar: “Louvar-te-ei.” Ela não pode fa­zer outra coisa senão com prom eter-se a louvar enquanto busca a santificação. Isso revela que ela sabe m uito bem em que cabeça porá a coroa: “L ouvar-T £-ei.” Poderia sentir-se um a pessoa lou­vável, mas prefere considerar a D eus com o o único digno de seu louvor. Pelo prism a da dor e da vergonha provenientes do pecado, ela m ede suas obrigações para com o Senhor, o qual lhe ensina a arte de viver, levando-a prim eiram ente a escapar, purificando-se de sua miséria.

Com integridade de coração. Seu coração será íntegro, se o Senhor instruí-lo para em seguida poder louvar seu M estre. Existe algo cham ado louvor falso e fingido, o qual o Senhor abomina; porém não existe música comparável àquela que brota de um a alma purificada e que perm anece em sua integridade. E na escola em que se ensina a integridade que se requer louvor sincero que brota da retidão do coração. O coração íntegro certam ente bendirá o Senhor; pois a adoração agradecida é parte de sua integridade -

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Salmo 115*

ninguém poderá ser justo enquanto não for im poluto para com Deus; e isso envolve o dever de render-lhe louvores.

Quando tiver aprendido teus retos juízos. Precisam os apren­der a louvar; aprender que podem os louvar; e louvar quando tiver­mos aprendido. Q uando estivermos abertos ao aprendizado, e n ­tão o Senhor poderá ensinar-nos, especialmente diante de um tema como teus juízos, pois eles são um abismo profundo. Enquanto passam diante de nossos olhos, e com eçam os a aprendê-los, p as­samos a louvar a Deus; pois o original não é: “Q uando tivermos aprendido”, e, sim: “durante m inha aula” . Enquanto sou ainda estudante, serei um corista: meu íntegro coração louvará tua reti­dão; m inha m ente purificada adm irará teus juízos. A providência divina é um livro cheio de instruções, e para aqueles cujo coração é íntegro ele é um hinário, no qual entoam os cânticos de Jeová. A Palavra de Deus é repassada de registros de suas justas providên­cias, e quando a lemos nos sentimos compelidos a irrom per-nos em expressões de santo deleite e de ardente louvor. Q uando lemos os juízos de Deus e participam os efusivamente deles, somos d u ­plam ente movidos a cantar - cânticos sem qualquer formalidade, sem hipocrisia, sem indiferença; pois o coração se revela íntegro na apresentação de seu louvor.

[v. 8]Guardarei teus estatutos. Não me desampares completamente.Guardarei teus estatutos. Uma calma resolução. Q uando lou­

vamos calmamente, em sólida resolução, estará tudo bem com nossa alma. O zelo que se esm era em cantar, porém não deixa nenhum resíduo prático de um viver santo, é bem pouco digno: “Louvar - te-ei” está em íntima parceria com “G uadarei” . Essa firme reso lu­ção é de nenhum a form a jactanciosa, no dizer de Pedro: “Ainda que eu m orra contigo, contudo não te negarei” ; porque vem se­guido de um a hum ilde oração por auxílio divino: “Oh, não me desampares com pletam ente!” Sentindo sua própria incapacidade, ele trem e de m edo de ficar sozinho, e tal medo é agravado pelo horror ante a possibilidade de cair em pecado. O ‘guardarei’ soa justam ente agora que o humilde clam or é ouvido juntam ente com

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ele. Eis um ditoso amálgama: resolução e dependência. E n co n tra ­m o-nos com aqueles que oram aparentando hum ildade, mas não vemos neles nenhum a força de caráter, nenhum a decisão e, co n ­seqüentem ente, o recurso da m editação não se acha incorporado em sua vida; em contrapartida, nos deparam os com abundância de resolução acom panhada de total ausência de dependência de Deus, e isso faz um caráter tão paupérrim o com o a prim eira atitu­de. Q ue o Senhor nos conceda possuirm os um a tal com binação de excelências, para que sejamos “perfeitos e íntegros, em nada deficientes”.

Esta é um a oração que indubitavelmente será ouvida; pois ousa­dam ente se põe a rogar a Deus que olhe para um a pessoa que se dispõe a obedecer a sua vontade, e por isso deve ser-lhe muitíssimo agradável estar presente com tal pessoa e socorrê-la em seus esfor­ços. Como poderia ele esquecer alguém que não esquece sua lei?

A reverência peculiar que m atiza esta oração com cores som ­breadas é o m edo do total abandono. E natural que a alma clame contra tal calam idade. Viver isolados para poderm os descobrir o quanto somos frágeis é um a prova suficientem ente terrível; ser totalm ente abandonado eqüivale a ruína e m orte. O cultar D eus o rosto num laivo de ira, por um instante apenas, produz em nós profunda hum ilhação - absoluta desolação nos m ergulharia final­m ente no mais profundo inferno. O Senhor, porém , jam ais esque­cerá seus servos com pletam ente, e bendito seja seu Nom e, porque ele nunca quer fazer issoí Se aspirarm os guardar seus estatutos, ele nos guardará; sim, sua graça nos levará a cum prir sua lei.

H á um a descida abrupta do m onte de bênção, que com eça no prim eiro versículo, ao quase pranto deste oitavo versículo; todavia isso é espiritual e experim entalm ente um decidido e gracioso cres­cim ento; pois da simples adm iração da benevolência de Deus che­gam os ao ardente anelo por ele, anelando pela com unhão com ele e vendo-nos dom inados por intenso h o rro r de não desfrutá-la. O suspiro do versículo 5 é agora suplantado por um a oração verbal que procede das profundezas de um coração cônscio de sua indig­nidade e sensível a sua inteira dependência do am or divino. Os dois verbos no fu turo — “louvar-te-ei” e “guardarei teus estatu tos”

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Salmo Uy— precisam ser tem perados com um a hum ilde petição, do co n trá ­rio poder-se-ia im aginar que a dependência da pessoa bondosa estava até certo ponto fixa em sua própria determ inação. Ele ap re­senta suas resoluções como sacrifício, mas clama ao céu pelo fogo. O querer está nele, mas não pode concretizar aquilo que tanto gostaria, a m enos que o Senhor o habite e o habilite.

Este último versículo da prim eira oitava tem um elo de ligação com o prim eiro da próxima [oitava, v. 9], nesta forma: Senhor, não te esqueças de mim, pois de que m aneira purificarei meu ca ­m inho se não cam inhas comigo, e tua lei cessa de exercer poder sobre mim?

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(w. 9-16)De que maneira poderá o jovem guardar puro seu caminho? Obser­vando-o segundo tua palavra. De todo o coração te busquei; não me deixes fugir de teus mandamentos. Guardei no coração tuas palavras, para não pecar contra ti. Bendito és tu, ó Senhor; ensina-me teus esta­tutos. Com meus lábios tenho narrado todos os juízos de tua boca. Mais me regozijo com o caminho de teus testemunhos do que com todas as riquezas. Meditarei em teus preceitos e a tuas veredas terei respeito. Deleitar-me-ei em teus estatutos; e não me esquecerei de tua palavra.Estes versículos começam nos prim órdios da vida. Em bora es­

critos por um ancião, foram escritos visando a todos os jovens. Som ente aquele que começa com Deus no verdor da juventude é que será capaz de escrever assim com base na experiência e na m aturação da idade. Logo que Davi term ina de introduzir seu tem a com um a oitava de versículos, ele passa a focalizar os jovens na presente estrofe de oitava. Como teria ele ponderado sobre a ju ­ventude piedosa! No hebraico, cada versículo, nesta seção, com e­ça com B. Se pensam entos sobre o Bendito Cam inho form a seu A, então os pensam entos sobre a Bendita Juventude saturarão a p ró ­xima letra. Que glória estar prim eiram ente com Deus! Oferecer- lhe o orvalho da aurora da existência é fazer da vida a suprem a felicidade.

[v. 9]De que maneira poderá o jovem guardar puro seu caminho? Obser­vando-o segundo tua palavra.De que maneira poderá o jovem guardar puro seu cam i­

nho? Com o poderá ele tornar-se e m anter-se santo na prática?

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Salmo 11?

Ele não passa de um jovem, cheio de quentes paixões e carente de conhecim ento e experiência; com o poderá conquistar o certo e conservar o certo? Nunca houve um a pergunta mais im portante para qualquer pessoa; nunca haverá um tem po mais oportuno para fazê-la do que no início da vida. Não é um a tarefa de form a algu­ma fácil para um jovem ver-se no espelho da realidade. Deseja escolher um cam inho limpo, sendo ele mesmo limpo, ver seu ca ­m inho isento de qualquer imundície que porventura surja no fu tu ­ro e encerrar m ostrando um curso límpido desde o prim eiro passo até o último. Mas, ai de mim!, dirá ele, m eu cam inho já é im puro pelo pecado atual que já cometi, e eu mesm o possuo em m inha própria natureza a tendência para aquilo que contam ina. Mas essa é um a questão m uito difícil: primeiro, de com eçar certo; em se­guida, de ser sem pre capaz de saber escolher o certo e de prosse­guir agindo certo até que a perfeição seja por fim alcançada — se isso é difícil para qualquer pessoa, como um jovem poderá conse­gui-lo? O caminho, ou a vida, de um a pessoa tem que ser purifica­da dos pecados de sua juventude atrás de si, e m antida pura dos pecados que surgirão diante de si: eis a obra; eis a dificuldade.

N enhum a ambição mais nobre que esta poderá um jovem de­parar diante de si, nenhum a para a qual é ele cham ado a assegurar um a vocação; porém nenhum a em que encontrará maiores difi­culdades. Entretanto, que ele jamais se esquive do glorioso em pre­endim ento de viver um a vida pura e graciosa; ao contrário, que ele descubra no cam inho todos os obstáculos que precisam ser venci­dos. Tam pouco pense ele que já conhece a estrada para um a vitó­ria fácil, nem sonhe que pode guardar-se por sua própria sabedo­ria. Fará bem seguindo o exemplo do salmista, tornando-se um solícito inquiridor, perguntando como poderá purificar seu cam i­nho. Q ue se torne um discípulo prático do santo Deus, o único que pode ensiná-lo como vencer o m undo, a carne e o diabo, esta tríade de conspurcadores por meio da qual a vida prom issora de muitos se torna conspurcada. Ele é jovem e inexperiente na estra ­da, por isso não se acanhe de freqüentem ente inquirir sobre o ca­m inho de alguém que está pronto e habilitado para instruí-lo no mesmo.

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E x p o s i ç ã o 2

Nosso cam inho é um tema que nos preocupa profundam ente, c é muitíssimo preferível inquirir sobre ele do que especular acerca de temas m isteriosos que antes fascina do que ilumina a m ente. Dentre todas as perguntas que um jovem faz, e são muitas, que esta seja a prim eira e principal: “De que m aneira poderei guardar puro meu cam inho?” Esta é um a pergunta sugerida pelo senso com um e acossada pelas ocorrências diárias; mas não deve ser respondida pela razão desam parada; nem, quando respondida, as diretrizes podem ser confirm adas pelo poder hum ano im potente. Nossa tarefa é form ular a pergunta; a Deus cabe fornecer-nos a resposta e capacitar-nos para torná-la concreta.

Observando-o segundo tua palavra. Q uerido jovem, que a Bíblia seja seu mapa, e que você exerça grande vigilância para que seu cam inho se am olde a suas diretrizes. Você deve cuidar para que sua vida diária seja pautada pelo estudo de sua Bíblia, e deve estudá-la para que aprenda a precaver-se em sua vida diária. Com o máximo cuidado, um a pessoa ainda poderá extraviar-se, caso seu m apa a conduza equivocadamente; porém, com um bom mapa, ela ainda poderá perder sua estrada, caso esteja desatenta. O ca­minho estreito jamais poderá ser achado por acaso, tam pouco um a pessoa descuidosa jamais viverá um a vida santa. Podemos pecar sem refletir; o que tem os a fazer é apenas negligenciar a grande salvação e arru inar nossa alma. Obedecer, porém , ao Senhor e andar retam ente carece de todo nosso coração, alma e m ente. Que os displicentes recordem isso.

Não obstante, a palavra é absolutam ente necessária; pois, caso contrário, a prudência se transform ará em m órbida ansiedade e a cscrupulosidade poderá transform ar-se em superstição. Um capi­tão poderá vigiar de seu tom badilho a noite inteira; mas se nada conhecer da região costeira e não tiver a bordo nenhum piloto apto, com toda sua prudência poderá apressar-se para o n au frá­gio. N ão basta querer ser certo; pois a ignorância pode levar-nos a pensar que estam os fazendo o serviço de Deus, quando, na verda­de, o estam os provocando; e o fato de nossa ignorância não rever­terá o caráter de nossa ação, por mais que ela mitigue seu poder crim inoso. Se um a pessoa dem arcar cuidadosam ente o que crê

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Saim o 11?ser um a dose de m edicam ento útil, ela m orrerá se vier a perceber que lançou m ão de um frasco errado e que serviu-se de um vene­no mortífero; o fato de fazer isso ignorantem ente não alterará o resultado. Ainda assim, um jovem poderá cercar-se de dez mil males ao valer-se cuidadosam ente de um critério im ponderado e recusar o recebim ento da instrução da Palavra de Deus. Ignorância in ten­cional por si só eqüivale a pecado intencional, e o mal advindo daí é injustificado. Q ue cada pessoa, seja jovem ou idosa, que anseia ser santa, então m antenha em seu coração um a santa vigilância, e m antenha sua santa Bíblia aberta bem diante de seus olhos. Aí ela encontrará assinalada cada curva da estrada, cada lamaçal, cada atoleiro indicado, com a via de chegada desimpedida; e aí, tam ­bém, achará luz para suas trevas, conforto para sua exaustão e com panhia para sua solidão, de m odo que, com seu auxílio, alcan­çará a bênção do prim eiro versículo do Salmo, a qual inspirou a solicitação do salmista e despertou seus anseios.

N ote a posição que a prim eira seção de oitos versículos m an­tém para com seu prim eiro versículo: “Bem -aventurados os irre­preensíveis em seu cam inho”, e a segunda seção corre paralela a ele, com a pergunta: “De que m aneira poderá o jovem guardar puro seu cam inho?” A bem -aventurança que é posta diante de nossos olhos num a prom essa condicional deve ser buscada de fo r­ma prática na forma designada. Diz o Senhor: “Por isso eu serei buscado pela casa de Israel para agir por eles.”

Q uanto mais depressa nos valemos de um a prom essa de Deus, melhor; especialmente quando no raiar do dia nos nutrim os de ânimo, pois disse a Sabedoria: “Aqueles que no alvorecer me bus­cam, encontrar-m e-ão .” E lamentável que por um ano, ou mesmo um dia ou um a hora, percam os a bem -aventurança que pertence à santidade.

[v. 10]De todo meu coração te busquei; não me deixes fugir de teus m anda­mentos.De todo meu coração te busquei. Seu coração saíra em busca

de Deus como tal; não só desejava obedecer a suas leis, mas tam ­

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bém com ungar com sua pessoa. Essa é um a busca real, justa e persistente, e pode m uito bem ser continuada de todo o coração. O m odo mais seguro de purificar o cam inho de nossa vida é b u s­cando a Deus como tal e diligenciando-nos em perm anecer em com unhão com ele.

E agradável ver como o coração do escritor se volve distinta e diretam ente para Deus. Ele estivera considerando um a im portan­te verdade no versículo anterior; aqui, porém , ele mais poderosa­m ente sente a presença de seu Deus, e lhe fala e ora a ele como alguém que se encontra bem perto. Um coração sincero não pode viver por m uito tem po sem com unhão com Deus.

Sua petição se fundam enta no propósito de sua vida; ele está buscando o Senhor e roga a que o Senhor não perm ita que ele' desista de sua busca. E através da obediência que vamos após Deus; daí a oração: “Não me deixes fugir de teus m andam entos.” Pois se desistirm os dos cam inhos designados por Deus, certam ente não acharem os o Deus que os designou. Q uanto mais a totalidade do coração hum ano é posta na santidade, mais ele teme cair em peca­do. Ele não se sente suficientemente tem eroso de com eter tran s­gressão deliberadam ente quando não passa de um viandante d is­plicente. Ele não pode tolerar um aspecto displicente nem um pen­sam ento disperso que vagueia para longe dos limites do preceito. Devemos ser com o os que sinceram ente buscam a Deus, os quais não têm tem po nem vontade de peram bular, e juntam ente com nossa sinceridade devemos cultivar um zeloso tem or para não va­guearm os longe da vereda da santidade.

Duas coisas podem ser bem parecidas e ao mesmo tempo total­mente distintas: os santos são ‘peregrinos" - “Sou peregrino na te r­ra” (v. 19) - , m as não são andarilhos; estão de passagem pelo país dos inimigos, mas sua rota segue em frente; estão buscando seu Senhor enquanto atravessam essa terra estrangeira. Seu caminho não é visto pelos homens; porém ainda não perderam sua rota.

O hom em de Deus se exercita, m as não confia em si mesmo; seu coração está em seu cam inhar com Deus; mas ele sabe que m esm o toda sua força não basta para m antê-lo no rum o certo, a m enos que seu Rei seja seu guardador; e Aquele que fez os m an­

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5almo WSdam entos o fará perseverante em obedecê-los; daí a oração: “Não me deixes fugir.” Não obstante, tal senso de carência jamais se converteu em apologia da indolência; pois enquanto orava para ser guardado na rota certa, ele se precavia para percorrê-la, bus­cando o Senhor com todas as veras de seu coração.

N ote como a segunda oitava deste Salmo se harm oniza com a primeira: onde o versículo 2 declara que o homem, para ser bem- aventurado, deve buscar o Senhor de todo seu coração; o presente versículo reivindica a bênção declarando o caráter: “De todo meu coração te busquei.”

[v. 11]Guardo no coração tuas palavras para não pecar contra ti.Q uando um a pessoa piedosa suplica pelo favor divino, ela deve

criteriosam ente usar todos os meios para sua obtenção; e, con­seqüentem ente, como o salmista suplicara que fosse preservado de vaguear sem rum o, ele aqui nos m ostra a santa precaução que tom ara para evitar de cair em pecado. “Guardei no coração tuas palavras.” Seu coração seria guardado pela palavra, visto haver guardado a palavra em seu coração. Tudo quanto escrevera sobre a palavra, e tudo quanto lhe fora revelado pela voz divina - tudo, sem exceção, ele arm azenara em suas afeições, como um tesouro a ser preservado num escrínio, ou como um a sem ente selecionada para ser depositada no solo fértil - que solo mais fértil há do que um coração renovado, totalm ente dedicado a buscar o Senhor? A palavra era do próprio Deus, e por isso era preciosa ao servo de Deus. Ele não usa a palavra sobre seu coração como um talismã, mas a ocultou em seu coração como um a norm a. Ele a deposita onde habita o am or e a vida, e ali ela encheu as recâm aras com doçura e luz. Devemos imitar a Davi, im itando tanto sua atitude subjetiva quanto seu caráter objetivo. Primeiro, devemos ponde­rar que o que cremos é genuinam ente a palavra de Deus; isso fei­to, devemos ocultá-la ou entesourá-la, cada um de per si; e é p re­ciso que notem os bem que isso deve ser feito não com o um a proe­za da memória, mas como um jubiloso ato das afeições.

Para não pecar contra ti. Eis aqui o objetivo almejado. Como

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disse alguém corretam ente: Aqui está a coisa mais preciosa - tua palavra; oculta no melhor lugar - em meu coração; com o m elhor dos propósitos - para não pecar contra ti. Isso foi feito pelo sal­m ista com cuidado pessoal, como alguém que oculta cu idadosa­m ente seu dinheiro quando receia a presença de ladrões; neste caso, o temível ladrão era o pecado. “Pecar contra D eus” é o co n ­ceito cristão de mal moral; as demais pessoas só se preocupam quando ofendem seus semelhantes. A palavra de Deus é o m elhor preventivo para a ofensa contra Deus, pois ela expressa sua m ente e vontade e se propõe a levar nosso espírito a conform ar-se com o divino Espírito. N enhum a cura para o pecado na vida se com para à palavra na sede da vida, que é o coração.

O btém -se um a agradável variedade de significado pondo a ênfase nas palavras ‘tu a’ e ‘ti’. Ele fala a Deus, ama a palavra p o r­que ela é a palavra de Deus e odeia o pecado porque ele é pecado contra o próprio Deus. Se porventura aborrece alguém, sua con ­clusão é que com isso ele ofendeu a Deus. Se não provocam os o desprazer de Deus é porque entesouram os sua própria palavra.

É também digno de nota o m odo pessoal como alguém tem en­te a Deus faz isso: “De todo m eu coração te busquei.” Seja o que for que outros escolham fazer, ele já fez sua escolha e já colocou a Palavra nos recessos mais íntimos de sua alma como seu mais d e ­sejável deleite; e se porventura outros preferem transgredir, seu alvo é seguir após a santidade: “Para eu não pecar contra ti.” Isso não era o que se propusera fazer, mas o que já havia feito. M uitos são ostensivos em prom eter; o salmista, porém, fora autêntico em concretizar; por isso esperava ver um resultado seguro. Q uando a Palavra está escondida no coração, a vida estará resguardada do pecado.

O paralelism o entre a segunda oitava e a prim eira ainda conti­nua. O versículo 3 fala de não praticar iniqüidade, enquanto que este versículo trata do m étodo de não pecar. Q uando formamos uma idéia de alguém abençoadam ente santo (v. 3), ela nos leva a lazer um ardente esforço para atingirmos a mesma sacra inocên­cia c divina felicidade; e isso só pode ocorrer através de um co ra­ção piedoso alicerçado nas Escrituras.

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Salmo U5?

[v. 12]Bendito és tu, ó Senhor; ensina-me teus estatutos.Bendito és tu, ó Senhor. Estas palavras de adoração são oriun­

das de intensa adm iração pelo caráter divino, o qual o escritor hum ildem ente almeja imitar. Ele bendiz a Deus por tudo o que lhe revelara e operara nele; ele o louvo com a calidez de reverente am or e com a profundidade de santa adm iração. Estas são tam ­bém palavras de percepção que em anam da consciência da p ro ­funda e infinita felicidade de Jeová em seu interior. O Senhor é e deve ser bendito, pois ele é a perfeição da santidade; e essa prova­velmente seja a razão por que isso é usado como um a súplica neste lugar. E como se Davi dissesse: Vejo que de conform idade contigo meu cam inho para a felicidade foi encontrado, pois tu és supre­m am ente bendito; e se em minha estatura assimilei tua própria santidade, tam bém serei participante de tua bem -aventurança.

Mal chegou a palavra em seu coração quando um ardente de­sejo veio à tona para assimilá-la e guardá-la. Q uando o alimento é deglutido, 0 próximo passo é digeri-lo; e quando a palavra é rece­bida no âmago da alma, a prim eira oração é: Senhor, ensina-m e seu significado. “Ensina-m e teus estatu tos.”; pois som ente assim posso aprender o caminho da bem -aventurança. Tu és tão bem- aventurado, que estou certo de que te deleitarás em abençoar o u ­tros; e im ploro-te que me dês esta dádiva a fim de que eu seja instruído em teus m andam entos. As pessoas felizes geralm ente sentem o m aior prazer em fazer outros felizes; e com toda certeza o Deus feliz se disporá em com unicar santidade que é a fonte da felicidade. A fé inspirou esta oração e a alicerçou, não em algo visto no hom em orando, mas exclusivamente na perfeição do Deus a quem se faz a súplica. Senhor, tu és bendito, por isso abençoa- me com tua doutrina.

Precisam os ser discípulos ou aprendizes - ensina-m e. Q ue honra ter Deus pessoalmente como professor! Q uão ousado é Davi em suplicar ao Deus bendito que o ensine! Todavia foi o Senhor mesmo quem pôs tal desejo em seu coração quando a sacra pala­vra foi depositada ali, e portanto podemos estar certos de que ele

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E x p o s i ç ã o 2

não se m ostrou exageradam ente ousado em expressá-la. Quem não se dispõe a entrar na escola de tal Professor com o fim de aprender dele a arte do santo viver? A este Instru tor devemos sub- m eter-nos, caso queiram os guardar de m aneira prática os esta tu ­tos da retidão. O Rei que ordenou os estatutos sabe perfeitam ente seu significado, e visto serem eles o produto de sua própria n a tu ­reza, ele pode inspirar-nos melhor com o espírito dos m esm os. A petição se impõe a todos quantos desejam purificar seu cam inho, visto ser ela m uito prática e solícita por instrução, não com base na erudição secreta, mas com base na lei na form a de estatuto. Se porventura conhecem os os estatutos do Senhor, então possuím os um a educação que é muitíssimo essencial.

Q ue cada um de nós saiba dizer: E nsina-m e teus estatutos. Eis aqui um a doce oração para ser feita a cada dia. Ela está a um passo do versículo 10: “Não me deixes fugir”, como este está a um passo do versículo 8: “Não me desam pares jam ais.” Sua resposta se acha nos versículos 98-100: “Teus m andam entos me fazem mais sábio que meus inimigos; porque, aqueles, eu os tenho sempre comigo. Com preendo mais que todos meus mestres, porque m e­dito em teus testem unhos. Sou mais prudente que os idosos, p o r­que guardo teus preceitos.” Não, porém , até que fosse repetido ainda pela terceira vez no “E nsina-m e” dos versículos 33 e 66, para o quê solicitei a atenção de meus leitores. M esmo depois des­ta terceira súplica, a oração ocorre novam ente em diversas pala­vras nos versículos 124 e 139, e o mesm o anseio se aproxim a do final do Salmo, no versículo 171: “Profiram louvor m eus lábios, pois me ensinas teus decretos.”

[v. 13]Com os lábios tenho narrado todos os juízos de tua boca.O aluno do versículo 12 é aqui o próprio professor. O que

aprendem os em secreto devemos proclam ar dos telhados. O sal­mista havia feito isso. A m edida que conhecia, ele falava. Deus revelara com sua própria boca, por assim dizer, m uitos de seus juízos através de revelação clara e pública; esses juízos é nosso dever repetir, transform ando, por assim dizer, em ecos infinitos e

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Salmo 11?

exatos de sua própria e infalível voz. H á juízos divinos que são um profundo abismo, os quais ele não revela e nos quais seremos sábi­os em não introm eter-nos. O que o Senhor ocultou nos será p re ­sunçoso tentar descobrir; mas, em contrapartida, o que o Senhor revelou nos será vergonhoso m anter velado. Ao cristão é um g ran ­de conforto, em tempo de tribulação, volver seus olhos para a vida pregressa e poder exclamar haver cum prido seu dever à luz da Palavra de Deus. De haver sido, como Noé, um pregador da ju sti­ça; desfrutar de grande alegria quando vierem os dilúvios e o m undo ímpio estiver sendo destruído. Os lábios que tiverem sido usados na proclam ação dos estatutos de Deus estão certos de ser aceitos quando im plorarem que Deus cum pra suas prom essas. Se tiver­mos tal respeito por aquilo que procede da boca de Deus, aquilo que temos publicado longe e amplam ente, podem os descansar ple­nam ente certos de que Deus também respeitará as orações que forem pronunciadas por nossa boca.

Um m étodo eficaz para um jovem purificar seu cam inho é d e ­dicando-se ele continuam ente à pregação do evangelho. Ele não pode deixar de notar aqueles cuja alma se ocupa totalm ente em proclam ar os juízos do Senhor. Ao ensinarm os, aprendem os; ao treinarm os a língua para a santa proclamação, dom inam os todo o corpo; ao nos familiarizarmos com o divino procedim ento, nos deleitamos na justiça; e assim, de um a tríplice forma, nosso cam i­nho é purificado enquanto proclam am os o cam inho do Senhor.

Q ue alegria para alguém que é capaz de retroceder sua visão para o fie l testem unho em prol da divina verdade! Q uando os can ­sativos e sacros serviços dominicais cheguem ao fim, quão doce é sentir que proclam am os, não nossas próprias palavras, mas as doutrinas da divina revelação! Q uando chegar o dia de nossa p a r­tida, que imensa consolação poder dizer: “G uardei a fé.” S egura­m ente Cristo rogou por aqueles cujas vidas são gastas em im plo­rar a ele.

[v. 14]Mais me regozijo com o caminho de teus testemunhos do que comtodas as riquezas.

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E x p o s i ç ã o 2

Deleitar-se na Palavra de Deus é um a prova infalível de que ela de fato tom ou posse do coração, e assim está purificando a vida. O salmista não só afirma que se regozija, mas que se regozijara. D urante anos sua alegria e bênção tinham sido dedicar sua alma ao ensino da Palavra. Seu júbilo não só procedia da Palavra de Deus, mas também das características práticas dela. O cam inho lhe era tão precioso quanto a Verdade e a Vida. Com Davi não era um a simples questão de pegar e escolher, mas que escolheu p ri­meiro o mais prático. “Do que com todas as riquezas.” Ele com ­parou seu intenso prazer na vontade de Deus com grandes e vari­adas situações que um a pessoa possui, e seu coração se regozija nessas coisas. Davi tinha experiência com as riquezas oriundas da soberania cuja posse veio de conquistas; ele valorizava a riqueza que procede do labor ou que vem de herança: ele conhecia “todas as riquezas”. O gracioso rei se alegrava em ver o ouro e a prata lançados em seu tesouro para em pregar grandes quantias na cons­trução do Templo de Jeová no M onte Sião. Alegrava-se em todas as sortes de riquezas consagradas e destinadas aos mais nobres usos; e todavia o cam inho da Palavra de Deus lhe injetara m uito mais prazer do que mesmo tais riquezas. Observe que sua alegria era pessoal, distinta, com pensadora e sobeja Não adm ira que no versículo anterior tenha ele se gloriado em haver falado m uito d a ­quilo em que tanto se regozijava: um a pessoa pode falar com boca cheia daquilo em que se deleita.

[v. 15]Meditarei em teus preceitos e a tuas veredas terei respeito.Meditarei em teus preceitos. Aquele que se deleita in terio r­

mente em algo não afasta do mesm o sua m ente. Com o o avarento am iúde volta a falar de seu tesouro, assim o crente devoto, por meio de freqüente meditação, se volve para a principesca riqueza que descobriu no Livro do Senhor. Para algumas pessoas, m edita­ção é um a tarefa; para a pessoa de cam inho purificado, ela é uma alegria. Aquele que tem m editado voltará a meditar; aquele que diz: “regozijei-m e” é o mesmo que acrescenta: “m editarei” . N e­nhum exercício espiritual é mais gratificante à alma do que o da

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Salmo 11?

m editação devota; por que, pois, m uitos de nós somos tão excessi­vamente relapsos quanto a ela? E digno de observação que a parté preceptiva da Palavra de Deus era um especial tema de m editação para Davi; e isso é m uito natural, porquanto estava ainda em sua m ente a pergunta concernente ao jovem que purifica seu caminho. Piedade prática é piedade vital.

E a tuas veredas terei respeito. O u seja, pensarei m uito sobre elas à m edida que sei o que teus cam inhos significam; e ainda: Pensarei m uito nelas à medida que vai crescendo a reverência que nutro por teus caminhos. Avaliarei o que teus caminhos significam para mim, para que me encha de reverência, de gratidão e de amor; e então observarei quais são os cam inhos nos quais queres que te siga; desses terei cuidadosa vigilância, para que eu me torne obe­diente e prove ser um genuíno servo de um Senhor tão amável.

Note com o os versículos se tornam mais íntimos à m edida que avançam: do resultado do versículo 13 avançamos para a alegria do versículo 14; e então chegamos à secreta m editação do espírito feliz. As graças mais ricas são aquelas que habitam no recôndito mais profundo da alma.

[v. 16]Terei prazer em teus decretos; não me esquecerei de tua palavra.Terei prazer em teus decretos. N este versículo, o deleite segue

a m editação, da qual advém o florir e o am adurecer. Q uando não contam os com nenhum outro lenitivo, mas nos achamos totalm ente sozinhos, é um a profunda alegria para o coração m editar consigo m esm o e suavemente sussurrar: “D eleitar-m e-ei em mim mesmo. M esm o que o tem po do gorjeio dos pássaros ainda não tenha che­gado, e a voz da rola não se ouviu em nossa terra, todavia me deleitarei em mim m esm o.” Essa é a m elhor e a mais nobre de todas as alegrias; de fato, é a boa parte que jamais nos será tirada; mas nenhum deleite nosso em algo que esteja abaixo de Deus se destina a ser a satisfação eterna da alma. O livro de estatutos se destina a ser a alegria de toda pessoa leal. Q uando o cristão se delonga sobre as sacras páginas, sua alma arde em seu íntimo q uan­do ele se volta para um a e então para outra das grandes e régias

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palavras do grande Rei - palavras copiosas e sólidas, imutáveis e divinas.

Não me esquecerei de tua palavra. Os hom ens não esquecem facilmente o que entesouraram (v. 14), aquilo em que m uito p en ­sam (v. 15) e aquilo de que m uito falam com freqüência (v. 13). Todavia, visto que nossa m em ória sem pre nos trai, é bom que a am arrem os com um nó bem forte, usando este cordão: “Não me esquecerei.”

N ote bem como duas ‘vontades’ (w . 13 e 14) seguem duas ‘posses’. N ão podem os nos dar ao luxo de prom eter para o futuro se fracassam os totalm ente no passado; mas enquanto a graça nos capacitar para a realização de algo, podem os confiadam ente espe­rar que ela nos capacite a fazer m uito mais.

Uma ação reiterada se torna um hábito, e quando os hábitos são bem form ados, podem os sem alarde conservá-los bem, e a in ­da im plantá-los em outros exercícios mais im portantes. Não obs­tante, é bom nunca perm itirm os que nosso querer resolva exceder nosso ter.

É curioso observar com o estes dezesseis versículos estão m ol­dados no versículo 8: as m udanças são expressas nas m esm as p a ­lavras, mas o significado é com pletam ente diferente; não há su s­peita de haver um a repetição fútil. O m esm o pensam ento nunca pára neste Salmo. E simplório quem assim pensa. Algo na posição de cada versículo afeta seu significado, de m odo que m esm o onde suas palavras são quase idênticas com as de outro, o sentido é deliciosam ente variado. Se não vemos um a variedade infinita de lênues som bras de pensam ento neste Salmo, podem os concluir que somos daltônicos; se não ouvimos m uitas doces harm onias, podem os julgar nossos ouvidos com o sendo insensíveis, porém não podem os acusar o Espírito de Deus de m onotonia.

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(w. 17-24)Sê generoso para com teu servo, para que eu viva e observe tua pala­vra. Desvenda meus olhos, para que eu contemple as maravilhas de tua lei. Sou peregrino na terra; não escondas de mim teus mandamen­tos. Consumida está minha alma por desejar, incessantemente, teus juízos. Repreendeste os soberbos, os malditos, que se desviam de teus mandamentos. Remove de mim o opróbrio e o desprezo, pois tenho guardado teus testemunhos. Assentaram-se príncipes e falaram contra mim, mas teu servo ponderou em teus decretos. Com efeito, teus teste­munhos são meu deleite e meus conselheiros.N esta seção, as provações do cam inho parecem ter-se m ani­

festado à m ente do salmista, e ele ora, portanto, pelo socorro que atenda sua causa. Com o nos últimos versículos ele orou com o jo ­vem recentem ente ingressado no m undo, assim aqui ele suplica com o servo e peregrino que paulatinam ente vai descobrindo ser um estranho num país inimigo. Seu apelo é dirigido a Deus so ­mente, e sua oração é especialmente direta e pessoal. Ele fala com o Senhor com o um a pessoa fala com seu amigo.

[v. 17]Sê generoso para com teu servo, para que eu viva e observe tua palavra.Sê generoso para com teu servo. Ele tem prazer em reconhe­

cer seu dever para com Deus, e é cônscio de que a alegria de seu coração se deve ao fato de estar ele a serviço de seu Deus. Nessa condição ele faz um a súplica, pois um servo desfruta de algum a influência da parte de seu senhor; mas, neste caso, o vocabulário da súplica desfaz a idéia de reivindicação legal, visto que ele busca com preensão, e não galardão. Seja m inha recom pensa segundo tua benevolência, e não segundo m eu mérito. Retribui-m e segun­

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do a grandeza de tua liberalidade, e não segundo a deficiência de meu serviço. Os servos contratados pelo nosso Pai têm abundân­cia e disponibilidade de pão, e ele não deixará sequer um de seus domésticos perecer de fome. Se o Senhor sim plesm ente nos tratar com o trata o m enor de seus servos, temos motivo para con ten ta­m ento; pois todos seus verdadeiros servos são filhos, príncipes de sangue, herdeiros da vida eterna. Davi sabia que suas grandes n e ­cessidades requeriam abundante provisão, e que seu ínfimo m éri­to jamais granjearia tal suprim ento. D aí haver ele de esconder-se na graça divina e buscar as grandes coisas de que necessitava na infinita benevolência do Senhor. Ele suplica pela liberalidade da graça, segundo a form a de outra oração que fez: “O Senhor, ou me dês grande misericórdia, ou nenhum a; pois pouca m isericór­dia não me ajudará a voltar.”

Para que eu viva. Ele não poderia viver a não ser com p ro fu ­são de misericórdia. Requer-se um a graça m uito rica para que um santo se m antenha vivo. M esmo a vida é um dom da divina libera­lidade para um dem érito tão grande com o o nosso. Som ente o Senhor pode guardar-nos com vida; e é sua poderosa graça que nos preserva a vida a cujo direito perdem os em decorrência de nosso pecado. E natural querer viver; é um direito orar pela vida; mas é justo atribuir a longevidade ao favor de Deus. A vida espi­ritual, sem a qual esta vida natural é m era existência, deve tam bém ser buscada na liberalidade do Senhor; porquanto ela é a mais nobre obra da graça divina, e nela a liberalidade divina é g loriosa­m ente exibida. Os servos do Senhor não podem servi-lo movidos por sua própria força, pois nem m esm o podem viver se sua graça não encher ricam ente a vida deles.

E observe tua palavra. Esta deve ser a norm a, o objetivo e a alegria de nossa vida. E possível que não queiram os viver em p e ­cado; m as é preciso que orem os por um a vida que tenha a Palavra de D eus em íntima consideração. A existência é algo pobre se não desfru tar o bem -estar. A vida só é digna quando observam os a Palavra de Deus; aliás, não há vida nenhum a, no mais elevado sen ­tido, senão aquela que se associa à santidade — vida que não re s­peita a lei de Deus não passa de m ero vocábulo.

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Salmo 115?

A oração deste versículo m ostra que é som ente através da divi­na liberalidade ou graça que podem os viver como fiéis servos de Deus e m anifestar obediência a seus m andam entos. Se prestam os serviço a Deus, isso se deve ao fato de ele nos conceder sua graça. Trabalhamos para ele porque ele trabalha em nós. Podemos fo r­m ar um a corrente dos versículos iniciais das três prim eiras oitavas deste Salmo: o versículo 1 bendiz a pessoa santa; o versículo 9 indaga com o podem os obter essa santidade; e o versículo 1 7 liga essa santidade com sua fonte secreta, e nos m ostra com o buscar a bênção. Q uanto mais um a pessoa preza a santidade, e quanto mais solicitam ente se esforça em buscá-la, mais vai a Deus com o fim de obtê-la; pois essa pessoa percebe claram ente que sua força pes­soal é insuficiente, e que não pode nem mesm o viver sem a liberal assistência do Senhor seu Deus.

[v. 18]Desvenda meus olhos, para que eu contemple as maravilhas de tua lei.Desvenda meus olhos. Esta é um a parte da divina liberalidade

pela qual ele tem indagado. N enhum a liberalidade é m aior do que aquela que beneficia nossa pessoa, nossa alma, nossa m ente e traz benefício a um órgão tão im portante com o os olhos. E muitíssimo preferível ter os olhos abertos do que ver-se no seio dos mais n o ­bres prospectos e contudo perm anecer cego para as belezas que nos cercam . Para que eu contemple as maravilhas de tua lei. Certas pessoas não conseguem perceber nenhum a maravilha no evangelho. Davi, porém, estava convencido de que havia coisas gloriosas na lei - ele não possuía sequer a m etade da Bíblia, mas a valorizava mais que muitas pessoas que possuem -na toda. Ele sentia que Deus pusera grandes belezas e abundância em sua Palavra, e então solicita poder para percebê-la, apreciá-la e dela tirar provei­to. Necessitam os não tanto que Deus nos conceda mais benefíci­os, e, sim, que nos dê capacidade de ver o que ele já nos deu.

A oração subentende a consciência da existência de trevas, de im precisão da visão espiritual, de im potência de remover o defeito e da plena certeza de que Deus pode removê-las. Ela m ostra tam ­bém que o escritor sabia da existência de vastos tesouros na Pala­

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[ E x p o s iç ã o 5

vra que ele possuía, os quais não eram plenam ente vistos; de m a ­ravilhas que não havia ainda contem plado, de mistérios nos quais escassam ente cria. As Escrituras são ricas em maravilhas; a Bíblia é um país encantado; ela não só relata milagres, mas ela m esm a é um universo de prodígios. N ão obstante, o que vale tudo isso se nossos olhos estão fechados? Deus m esm o deve trazer ilum inação a cada coração. As Escrituras precisam ser abertas, mas não meia abertura com o agora ocorre com nossos olhos. O véu não está no livro, m as em nosso coração. Q ue perfeitos preceitos, que precio­sas prom essas, que inestimáveis privilégios são negligenciados por nós, só porque peram bulam os com o por entre cegos que, por sua vez, peram bulam por entre as belezas da natureza, as quais são para nós um a bela paisagem oculta na escuridão!

A oração de Davi, neste versículo, é um a boa seqüência ao versículo 10, que lhe corresponde na posição em sua oitava. Ali ele disse: “Oh, não me deixes vaguear [fugir]”; e quem c mais apto a vaguear que um cego? E ali tam bém ele declarou: “De todo meu coração tenho te buscado”; daí o desejo de ver o objeto de sua busca. Singulares são os entrelaçam entos dos galhos da vetusta árvore deste Salmo, os quais revelam entre si infindas maravilhas, se porventura tivermos os olhos abertos para divisá-las.

[v. 19]Sou peregrino na terra; não escondas de mim teus mandamentos.Sou peregrino na terra. Isso traz implícito um pleito judicial.

Por ordem divina, os hom ens se vêem obrigados a viver com o es­trangeiros ou peregrinos; e o que Deus ordena em outros, ele exem ­plificará nele próprio. O salmista era um estrangeiro por am or a Deus. Ele não era estrangeiro em relação a Deus, m as estrangeiro cm relação ao m undo, um hom em banido enquanto estivesse fora do céu. Portanto suplica: não escondas de mim teus mandamen- (os. Se estes [m andam entos] me forem suprim idos, o que será de mim? ]a que nada do que me cerca é meu, o que será de mim se perder tua Palavra? Já que dos que me cercam ninguém sabe nem procura saber o cam inho que leva a ti, o que será de m im se não puder ver teus m andam entos, som ente por meio dos quais posso

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Salmo 11,9

guiar m eus passos em direção à terra onde habitas? Davi insinua que os m andam entos de Deus eram o lenitivo em seu exílio; trazi­am -lhe recordações do lar e lhe indicavam o longo cam inho, e portanto suplica que nunca fossem escondidos dele, já que ele, por si só, era incapaz de entendê-los ou de obedecê-los. Se a luz espiritual for subtraída, o m andam ento se oculta, e isso um co ra­ção agraciado condena profundam ente. O que adiantaria os olhos abertos, se o mais deleitoso objeto de sua contem plação for afas­tado de seu alcance? Enquanto peregrinam os aqui, podem os su ­portar com paciência todos os males provindos desta terra estra­nha, se a Palavra de Deus for aplicada a nossos corações pelo E s­pírito de Deus; mas, se as coisas celestiais que produzem nossa paz forem ocultas de nossos olhos, ficaremos em maus lençóis - aliás, nos veremos em alto mar, sem bússola; num deserto, sem guia; num país inimigo, sem amigo.

Esta oração é um suplem ento a “abre meus olhos”, com o al­guém que ora para ver e outro condena ver, ou seja, o m andam en­to ser oculto, e ficar assim fora da vista. Faremos bem em visuali­zar ambos os lados da bênção que estamos buscando para vê-los de todos os ângulos. As orações são apropriadas para os caracte­res m encionados: com o um servo, ele roga que seus olhos sejam abertos para que jamais deixe de contem plar seu Senhor como bom servo; com o um peregrino, ele roga que não seja um estranho na estrada pela qual cam inha rum o ao lar. Em cada caso, sua in ­teira dependência é exclusivamente de Deus.

N ote que o terceiro versículo da segunda oitava (11) tem a m esm a palavra-chave, com o a tem o terceiro versículo da terceira oitava: “Escondi tuas palavras”; “Não escondas de mim teus m an ­dam entos.” Isso convida à m editação nos sentidos distintos de esconder em e esconder de.

[v. 20]Consumida está minha alma por desejar, incessantemente, teus juízos.A genuína piedade está em grande medida nos desejos. Como

não somos o que seremos, assim também não somos o que deverí­amos ser. São intensos os desejos que as pessoas agraciadas nutrem

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pela santidade; ou causam um desgaste cardíaco, ou um estresse mental, até que estejam prontas a saborear o céu. Um elevado valor dado aos m andam entos do Senhor conduz a um forte desejo de conhecê-los e cumpri-los, e isso tanto pesa na alma que ela se dispõe a despedaçar-se sob o peso de seus próprios anseios. Que grande bênção quando todos nossos desejos têm por alvo as coisas de Deus!

Os juízos divinos são suas decisões sobre questões que estão cm controvérsias. Cada preceito é um juízo pronunciado do mais elevado tribunal sobre um a questão de ação, um a infalível e im u tá­vel decisão sobre um a questão moral ou espiritual. A Palavra de Deus é um código de justiça à luz do qual não há apelação.

“ Há um Juiz Que põe termo à discórdia,Onde a perspicácia e a razão fracassam;Nosso Guia através das tortuosas veredas da vida,Nosso Escudo Quando as dúvidas nos assaltam."

Davi nutria tal reverência pela Palavra, tal anseio de conhecê- la e de conform ar-se a ela, que seus anelos geravam nele o que- brantam ento que ele aqui põe diante de Deus. Solicitude é a alma da oração, e quando a alma geme até quebrantar-se, não desiste até que a bênção lhe seja concedida. A mais íntima com unhão e n ­tre a alma e seu D eus é concretizada pelo processo descrito no texto. D eus revela sua vontade, e nosso coração suspira por ver-se conform ado a ela. Deus julga, e nosso coração se alegra com o veredicto. Esta é a mais real e com pleta com unhão do coração.

N ote bem que nosso desejo segundo a m ente de Deus deve ser constante; devemos sentir santos anelos “em todo tem po” . D ese­jos que podem ser despidos e vestidos com o fazemos com nossas roupas, podendo ser melhores, porém meros desejos, e dificilm en­te poderão ser cham ados por esse nom e — não passam de em oções tem porárias oriundas de excitam ento e se destinam a m orrer q u an ­do o coração que os gerou se arrefece. Aquele que sem pre anela em conhecer e fazer o que é certo é realm ente um ser hum ano certo. Seu juízo é sadio, pois am a todos os juízos divinos e os segue com perseverança. Seus tem pos serão bons, visto que anela ser bom e fazer o bem em todo tem po.

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Salmo 115>

O bserve com o este quarto versículo da terceira oitava se h a r­m oniza com o quarto versículo da quarta oitava. “C onsum ida está m inha alm a”; “M inha alma, de tristeza, verte lágrim as” . S egura­m ente há algum a secreta arte poética em tudo isso, e nos é acon­selhável a prudência quando estudam os o que o salmista solicita­m ente com punha.

[v. 21]Repreendeste os soberbos, os malditos, que se desviam de teus manda­mentos.Repreendeste os soberbos, os malditos. Aqui está um dos ju í­

zos divinos: indubitavelmente, ele trata aqui de um a terrível p o r­ção dos hom ens de aparência altiva. Deus puniu Faraó com te rrí­veis pragas; e no M ar Vermelho, “os fundam entos do m undo fo­ram descobertos por tua repreensão, ó Senhor” . Na pessoa dos arrogantes egípcios, ele instruía a todos os soberbos de que certa ­m ente os humilharia. Os soberbos são pessoas malditas: ninguém os abençoa, e logo se convertem num fardo para si próprios. A soberba por si só é um a praga e um torm ento. Ainda que nenhum a m aldição proviesse da lei de Deus, a própria lei da natureza ensina que os soberbos são pessoas infelizes. Isso levou Davi a abom inar a soberba; ele temia a repreensão divina e a maldição da lei. Os pecadores soberbos de seu tem po eram seus inimigos, e sentiu-se venturoso de Deus não se pôr em controvérsia contra ele.

Que se desviam de teus mandamentos. Som ente os corações humildes são obedientes, pois som ente eles se deixarão adm inis­trar e governar. Os soberbos aparentam altivez, tanta altivez que seus pés são m antidos longe do cam inho do Senhor. A soberba é a raiz de todo pecado; se os hom ens não fossem arrogantes, não seriam desobedientes.

Deus repreende a soberba m esm o quando as m ultidões lhe prestem hom enagem , pois a vê como franca rebelião contra sua própria m ajestade e vê nela a sem ente de futuras rebeliões. Ela é a essência do pecado. Os hom ens falam de um a soberba honesta; porém se fossem sinceros veriam que ela, à luz de todos os peca­dos, longe está de ser honesta, e longe está de assentar-se bem

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num a criatura, especialmente um a criatura apostatada. Todavia, bem poucos soberbos conhecem sua própria e verdadeira cond i­ção sob a maldição divina, que se erguem para censurar os santos e expressar desdém por eles, como se pode ver no próxim o versí­culo. Eles pessoalm ente são desprezíveis, e todavia são altivos em relação a seus superiores. Fazemos bem em am ar os juízos divi­nos, quando os vemos tão decisivamente direcionados contra a altiva arrogância daqueles que prazerosam ente dom inam sobre os justos; e fazemos bem em consolar-nos ante as repreensões dos ímpios, visto que seu poder de ferir-nos é destruído pelo próprio Senhor. “O Senhor te repreenda”, é resposta satisfatória a todas as acusações dos hom ens e dos dem ônios.

No quinto versículo da oitava anterior, o salmista escreveu: “Com os lábios tenho narrado todos os juízos de tua boca”, c aqui ele prossegue no m esm o diapasão, apresentando um exemplo p a r­ticular dos juízos do Senhor contra os rebeldes arrogantes. As duas próxim as porções do quinto versículo tratam da m enlira e da vai­dade, e a soberba é um a das form as mais com uns desses males.

[v. 22]Tira de sobre mim o opróbrio e o desprezo, pois tenho guardado teustestemunhos.Tira de sobre mim o opróbrio e o desprezo. Aqui tem os coi­

sas por demais dolorosas para se conservarem na m ente. A Davi foi possível suportá-las por am or à justiça, mas foram -lhe um p e ­sado jugo e levou m uito tem po para livrar-se delas. Ser caluniado e em seguida ser desprezado em conseqüência das vis acusações é um a aflição muitíssim o dolorosa. N inguém gosta de ser difam ado, m uito m enos desprezado. Aquele que diz: “N ão d ou a m enor im ­portância a m inha reputação” não é um a pessoa sábia; pois, no conceito de Salomão, “um bom nom e é m elhor que o ungüento precioso” . A m elhor form a de tra tar a calúnia é o ra r a respeito: Deus ou a rem overá ou rem overá o espinho dela. G eralm ente fra­cassam nossas tentativas pessoais de nos justificarm os. Som os com o o garoto que queria rem over a m ancha de seu copo, que, com seu grande em penho, acabou fazendo dez vezes pior. Ao so-

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Salmo 11?

frerm os um a difamação, é melhor orarm os sobre o problem a do que recorrerm os à lei para resolvê-lo, ou mesmo exigir desculpas por parte do inventor. Q uando você for acusado, leve seu proble­ma perante o suprem o tribunal e deixo-o aos pés do Juiz de toda a terra. Deus repreenderá seu soberbo acusador; fique tranqüilo e deixe seu Advogado defender sua causa.

Pois tenho guardado teus testemunhos. A inocência pode com razão pedir esclarecimento sobre a causa da repreensão. Se p o r­ventura houver razão nas acusações alegadas contra nós, o que podem os exigir de Deus? Se, não obstante, formos injustam ente acusados, nosso apelo tem um locus standi no tribunal e não pode ser rejeitado. Se pelo medo do opróbrio ignorarm os o testem unho divino, m erecerem os a sentença de covardia; nossa segurança está em m anter-nos à som bra da verdade e da justiça. Deus guardará os que guardam seus testem unhos. U m a sã consciência é a m elhor segurança para o bom nome; o opróbrio não habitará com aqueles que habitam com Cristo, nem o desprezo perm anecerá sobre aque­les que perm anecem fiéis nos cam inhos do Senhor.

Este versículo faz paralelo com o sentido e a posição do versí­culo 6, e form a o slogan de ‘testem unhos’, por meio do qual se harm oniza com o versículo 14.

[v. 23]Assentaram-se príncipes e falaram contra mim, mas teu servo ponde­rou em teus decretos.Assentaram-se príncipes e falaram contra mim. Davi estava

num a partida de alto nível, e os grandes da terra eram seus adver­sários. Os príncipes viam nele um a grandeza de causar inveja, e por isso abusavam dele. Em seus tronos, podiam encontrar algo superior a considerar e de que falar, mas converteram o trono de juízo em trono de escárnio. A m aioria dos hom ens cobiça a boa palavra dos príncipes, e ser difamado por um grande hom em é motivo de grande desânimo; o salmista, porém, suportou sua p ro ­vação com santa tranqüilidade. M uitos daqueles que exerciam se­nhorio eram seus inimigos, e seu hobby era falar mal dele; conver­teram seus tronos em escândalo, suas reuniões em calúnia, seus

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parlam entos em falsidade; todavia, Davi sobreviveu a todas as suas tentativas contra ele.

Mas teu servo ponderou em teus decretos. Isso na verdade foi um ato de bravura. Ele era servo de Deus, e por isso atentava para os negócios de seu Senhor; era servo de Deus, e por isso estava certo de que o Senhor o defenderia. Ele não deu atenção a seus principescos caluniadores; nem ainda perm itiu que seus p en ­sam entos fossem perturbados com a inform ação que recebia das tram as que teciam em suas reuniões. Q uem eram esses virulentos para desviar a atenção que este servo punha em seu Senhor, ou para privar o eleito do Senhor de dedicar um m om ento de co m u ­nhão? A turba de príncipes não era digna da atenção de cinco m inutos, se tais cinco m inutos tivessem que ser subtraídos da san ­ta m editação. E em extremo glorioso ver os dois tronos: os prínci­pes assentados para lançar opróbrio contra Davi; e Davi assen ta­do com seu Deus e sua Bíblia, com o resposta aos caluniadores, não respondendo-lhes absolutam ente nada. Os que se nutrem da Palavra crescem fortes e pacíficos, e são pela graça de Deus defen­didos da difam ação das línguas perversas.

N ote que no final da oitava anterior ele dissera: “M editarei” ; e aqui ele m ostra com o redim ira sua prom essa, m esm o sob grande risco de esquecê-la. E algo digno de nota quando a decisão de nossas horas felizes é devidamente tom ada em nossos m om entos de aflição.

[v. 241Com efeito, teus testemunhos são meu maior prazer e meus conselheiros.Eles não constituíam sim plesm ente tem as para m editação, mas

‘tam bém ’ fontes de deleite e meios de orientação. Enquanto seus inimigos tom avam conselho entre si, o santo hom em tom ava c o n ­selho com os testem unhos de Deus. Os caçadores não podiam espantar a ave de seu ninho com toda sua algazarra. O deleite deles era caluniar; o deleite dele era m editar. As palavras do S e­nhor nos servem para muitos propósitos: em nossas tristezas, elas são nosso deleite; em nossas dificuldades, são nosso guia; deriva­mos delas alegria e nelas descobrim os sabedoria. Se desejarm os

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Salmo 115?

encontrar conforto nas Escrituras, que então nos subm etam os a seu conselho; e quando seguirm os seu conselho, não façamos isso com relutância, mas com deleite. Eis o m odo seguro de tratar com aqueles que fazem planos para arruinar-nos; que dem os mais a ten ­ção aos verdadeiros testem unhos do Senhor do que aos falsos tes­tem unhos de nossos desafetos. A m elhor resposta à acusação de príncipes é a Palavra do Rei que justifica.

No versículo 16, diz Davi: “Terei prazer em teus decretos”; e aqui ele diz: “Eles são m eu m aior prazer.” E assim as resoluções form adas na força de Deus produzem fruto; e os desejos espiritu­ais sazonados, em reais obtenções. Q ue esse seja o caso em rela­ção a todos os leitores destas linhas!

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(w. 25-32)Minha alma está apegada ao pó; vivifica-me segundo tua palavra. Eu te expus meus caminhos, e tu me valeste; ensina-me teus estatutos. Faz-me compreender o caminho de teus preceitos, e falarei de tuas maravilhas. Minha alma, de tristeza, verte lágrimas; fortalece-me se­gundo tua palavra. Afasta de mim o caminho da mentira e concede- me graciosamente tua lei. Escolhi o caminho da verdade e teus juízos os tenho diante dos olhos. A teus testemunhos me apego; não permitas, ó Senhor, seja eu envergonhado. Percorrerei o caminho de (eus imui- damentos, quando me alegrares o coração.Aqui, a m eu ver, temos o salmista a deplorar aflitivamente a

servidão às coisas terrenas às quais ele descobrira estar sua m ente cativa. Sua alma se apega ao pó, se desintegra pelo peso e grita pela dilatação de sua prisão espiritual. Nestes versículos veremos a influência da palavra divina num coração que lam enta suas d e ­cadentes tendências e se vê saturado de pranto em decorrência de suas trevosas circunstâncias. A Palavra do Senhor evidentem ente desperta a oração (vv. 25-29), confirm a a opção (v. 30) e inspira a resolução renovada (v. 32); ela é em toda tribulação, quer do corpo quer da mente, a mais infalível fonte de socorro.

Esta porção tem D por sua letra alfabética; ela celebra a D e­pressão, no espírito de Devoção, D eterm inação e Dependência.

[v. 25]Minha alma está apegada ao pó; vivifica-me segundo tua palavra.Minha alma está apegada ao pó. Ele, em parte, tenciona d i­

zer que estava dom inado pela tristeza; pois os pranteadores no oriente lançavam pó sobre suas cabeças e sentavam -se sobre cin ­zas, e o salm ista sentia com o se essas insígnias de dor lhe estives-

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Saimo I!?

sem grudadas, e sua própria alma se destinasse a viver inseparável delas, em virtude de sua im potência pairar acima de sua tristeza. Não sentia ele pronto até mesm o para m orrer? Não sentia ele sua vida absorvida e assenhoreada pela argila da sepultura, já meio agredida pelo pó da m orte? E possível que a linguagem não seja bem afinada, se im aginarm os que ele tam bém sentia e lamentava sua inclinação m undana e entorpecim ento espiritual. Havia uma tendência em sua alma para o apego a este m undo, pela qual d e ­plorava grandem ente. Seja qual for a causa de seu lamento, o mal não era superficial, mas um a luta de espírito mais secreta; sua alma apegava-se ao pó; e não era um a questão de cair casual e aciden­talm ente no pó, mas um a tendência contínua e poderosa, ou um forte apego às coisas terrenas. Que grande misericórdia, porém, esse bom hom em podia sentir e deplorar tudo quanto havia de mal nesse apego! A sem ente da serpente pode encontrar seu alimento no pó, mas a sem ente da m ulher jamais suportaria ser assim d e ­gradada. M uitos são os am antes deste m undo, e nunca lam entam por isso; som ente o espírito nascido do alto, e que paira nas a ltu ­ras, é que reluta para que sua m ente não se apegue a este m undo e não se deixe engodar por suas tristezas ou por seus prazeres.

Vivifica-me segundo tua palavra. Vida abundante é a cura para todas as nossas doenças. Som ente o Senhor pode concedê- la. Ele pode concedê-la, e concedê-la im ediatam ente, e fazê-lo se ­gundo sua palavra, sem afastar-se do curso usual de sua graça, com o vemos indicado nas Escrituras. E bom saber pelo que orar — Davi busca vivificação — ele poderia ter orado por conforto ou ascensão. Ele, porém , sabia que essas coisas viriam da vida en ri­quecida, e por isso buscou aquela bênção que é a raiz do descan ­so. Q uando um a pessoa se vê com espírito oprimido, fraca e a rro ­jada ao chão, a principal coisa a fazer é aum entar sua energia e im buir-se de mais vida; então seu espírito revive e seu corpo se põe ereto. Na vivificação da vida o homem, em sua totalidade, é renovado. Sacudir o pó é por si só um a coisa insignificante; mas, quando ela segue a vivificação, é um a bênção do m aior valor; a s ­sim com o as nobres atitudes, que fluem de um a boa saúde, tam ­bém se dá entre as mais seletas de nossas mercês. A frase, “segun-

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j^X P O S IÇ Ã O 4"

tio tua palavra”, significa segundo teu m étodo revelado de vivificar teus santos. A Palavra de Deus nos m ostra que aquele que prim ei­ro nos criou tam bém nos guardará vivos; e nos inform a que o Espírito de Deus, através de suas ordenanças, derram a nova vida em nossas almas. Roguemos ao Senhor que aja em nós através de seu m étodo regular de conceder sua graça. E provável que Davi recordasse da Palavra do Senhor com o está em D euteronôm io 32.39, onde a Jeová com pete tanto m atar quanto fazer viver, e ele roga ao Senhor que exerça aquele poder vivificante em favor de seu servo já quase a expirar. Com certeza o hom em de Deus não contasse com tantas e ricas prom essas sobre as quais descansar como hoje temos; mas um a única palavra lhe era suficiente, e ele solicitam ente opta por argum entar “segundo tua palavra” . E algo com provado ver um crente no pó e, contudo, reivindicar a p ro ­messa, pessoa essa que clama já na entrada da sepultura: “viviíica- me” , esperando que assim se fará.

N ote com o este prim eiro versículo da quarta oitava co rres­ponde ao prim eiro da terceira oitava (v. 17): “Para que eu viva” ; “Vivifica-me” . E nquanto se vê num a situação ditosa, ele ora para ser tratado com liberalidade; e quando se vê num a condição de desam paro, ele ora por vivificação. A vida, em am bos os casos, é o objeto de busca — para que possa ter vida, e vida com abundância. Isso realm ente eqüivale a sabedoria. Os tolos anseiam por alim en­to, e contudo perdem a vida; os sábios, porém , sabem que a vida é mais que o alimento. N utrir ansiedade por riquezas, e negligenciar a alma, é o pecado corriqueiro dos incrédulos; e buscar as verda­deiras riquezas visando ao aum ento de vida é a prudente trajetória dos cristãos verdadeiros. Vida, eterna vida, é o tesouro genuíno. Nosso Senhor veio não só para que tivéssemos vida, m as tam bém para que a tivéssemos com muita abundância. Senhor, derram aste lua abundante vida em nós, para que fôssemos vivificados e para alcançarm os a plenitude de nossa hum anidade e serm os cheios de toda a plenitude de Deus.

[v. 26]Eu te declarei meus caminhos, e tu me ouviste; ensina-me teus estatutos.

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Salmo 11?

Eu te declarei meus caminhos. A confissão pública é algo muito saudável para a alma. N ada traz mais tranqüilidade e mais vida a um a pessoa do que o reconhecim ento franco do mal que causou tristeza e letargia. Tal declaração [ou exposição] prova que o h o ­m em conheceu sua própria condição, e não é mais cego pela so ­berba. Nossas confissões não pretendem fazer Deus conhecer nos­sos pecados, mas fazer-nos conhecê-los. E tu me ouviste. Sua confissão fora aceita; não foi perda de tempo; através dela, Deus aproxim ou-se dele. Não devemos jamais exercer um dever sem antes sermos aceitos para tal função. O perdão acom panha um a confissão penitente, e Davi sentia que o obtivera. E próprio dc Deus perdoar nosso cam inho pecam inoso quando sinceram ente confessam os o erro.

Ensina-me teus estatutos. U m a vez sentindo profundam ente seu erro, e um a vez havendo obtido o pleno perdão, Davi se em pe­nha a evitar com eter nova ofensa, e por isso ele roga que a obedi­ência lhe seja ensinada. Ele não se dispunha a pecar m otivado pela ignorância; deseja conhecer a m ente de Deus através da instrução m inistrada pelo m elhor dos mestres. Ele se fatigava em busca da santidade. As pessoas justificadas estão sem pre ansiosas por mais santificação. Q uando Deus perdoa nossos pecados, todos nos sen ­timos tem erosos de pecar novamente. A mercê que perdoa a tran s­gressão nos faz ansiosos pela graça que previne a transgressão. Podemos ousadam ente pedir mais, depois de Deus já nos haver dado muito; aquele que já lavou a m ancha de outrora não recusará aquilo que nos preservará da contam inação presente e futura. Esse ciam or por instrução é freqüente no Salmo; no versículo 12, ele procedeu de um a visão de Deus; aqui, ele procedeu de um a visão de si mesmo. Cada experiência deve levar-nos a pleitear assim junto a Deus.

[v. 27]Faz-me compreender o caminho de teus preceitos, e falarei de tuasmaravilhas.Faz-me compreender o caminho de teus preceitos. D á-m e

uma profunda percepção do significado prático de tua palavra;

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E x p o s i ç ã o 4

que eu tenha um a idéia clara do caráter e teor de tua lei. A obedi­ência cega tem um a beleza muito pequena; Deus quer que o siga­mos com nossos olhos abertos. O bedecer à letra da palavra é tudo quanto se pode esperar do ignorante; se desejam os guardar os preceitos em seu espírito, devemos chegar-nos para com preendê- los, e isso não se recebe em parte algum a senão das mãos do S e­nhor. N osso entendim ento precisa de iluminação e diretriz; aquele que fez nosso entendim ento também tem de fazer-nos entender. A última frase foi: “ensina-m e teus estatu tos”; e as palavras: “faze- me com preender” são um a ampliação e exposição instrutivas d es­ta frase: precisam os ser tão instruídos, que cheguem os a entender o que aprendem os. E preciso notar que o salmista não está ansio ­so para entender as profecias, e, sim, os preceitos, e não está p re o ­cupado com as sutilezas da lei, m as com as normas com uns e d iá ­rias dela, as quais são descritas com o “o cam inho de teus preceitos”.

E falarei de tuas maravilhas. [Ou: E assim falarei de tuas maravilhosas obras.] C ontinua falando do que não entendem os. Temos de ser instruídos por D eus até que entendam os, e então podem os esperar com unicar nosso conhecim ento a outros com a esperança de favorecê-los. Falar sem inteligência é m ero e fútil tagarelar; as palavras dos instruídos, porém , são com o pérolas que adornam os ouvidos daqueles que ouvem. Q uando nosso coração é aberto ao entendim ento, nossos lábios devem abrir-se para com - partir conhecim ento; e nós m esm os podem os esperar ser in stru í­dos quando sentirm os em nosso coração a disposição para ensi­nar o cam inho do Senhor àqueles entre os quais m oram os.

Tuas maravilhas. [Ou: luas obras maravilhosas.] Observe que o entendim ento mais claro não nos faz cessar de m aravilhar-nos ante os cam inhos e obras de D eus. O fato é que, quanto mais conhecem os os feitos de Deus, m ais os adm iram os e mais prontos estam os a falar deles. M etade da adm iração do m undo nasce da ignorância; mas a santa adm iração é filha do entendimento. Q uando um a pessoa entende o cam inho dos preceitos divinos, jamais fala de suas próprias obras; e q uando a língua tem algum assunto so ­bre o qual falar, tal pessoa com eça exaltando as obras do Senhor absolutam ente perfeito.

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Saimo ll?

H á quem lê neste lugar ‘m editar’ ou ‘refletir’, em vez de ‘falar’; é singular que as palavras sejam parentes tão próximos, e no e n ­tanto é um fato que não o eram, pois ninguém , a não ser um in ­sensato, falará sem pensar. Se lermos a passagem neste sentido, devemos tom á-la no sentido de que, em proporção ao que Davi entendia a palavra de Deus, ele meditava nela cada vez mais. G e­ralm ente é assim; o displicente não cuida de conhecer o cerne das Escrituras, enquanto que os que as conhecem mais detidam ente são as pessoas que se esforçam em familiarizar-se mais p ro funda­m ente com elas, e portanto se dedicam a refletir sobre elas.

Observe o terceiro versículo da oitava anterior (19), e veja como o sentido é afim a este. Naquele lugar ele se descreveu com o um estranho [ou peregrino] na terra, e aqui ele ora para conhecer seu caminho; lá, também, ele orou para que a palavra não lhe fosse oculta, e aqui ele prom ete que não a ocultará dos outros.

[v. 28]Minha alma, de tristeza, verte lágrimas; fortalece-me segundo tua palavra.Minha alma, de tristeza, verte lágrimas. Ele se derretia em

lágrimas. A sólida robustez de sua constituição se convertia em líquido, com o se fosse derreter-se na ígnea fornalha de suas afli­ções. A opressão sobre a alma é algo m ortífero, e quando aum enta em intensidade am eaça converter a vida num a m orte duradoura, quando um a pessoa parece transform ar-se num a perene gota de tristeza. As lágrimas são o destilar do coração; quando um a p es­soa chora, ela definha sua alma. Alguns de nós sabemos o que significa um a opressão intensa, pois somos cada vez mais ag a rra ­dos por seu poder, e am iúde nos sentimos derram ados com o água e à m ercê de ser com o água entornada no chão, sem jamais poder ser ajuntada de novo. Há um a boa questão neste estado de depres­são, pois é m elhor derreter-se de tristeza do que ser endurecido pela impenitência.

Fortalece-me segundo tua palavra. Ele se deparara com um a antiga prom essa de que os santos serão fortalecidos, e então aqui a reivindica. Sua esperança, em seu estado de depressão, não p ro ­cede dele mesmo, mas de seu Deus; se ele pode ser fortalecido

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com o poder do alto, então lançará de si a opressão que sente e se alegrará novamente. Observe com o ele reivindica a prom essa da Palavra, e nada mais solicita senão que seja tratado segundo a m ercê do Senhor como se acha registrada. Não cantara Ana: “Ele dá força a seu rei, e exalta o poder de seu ungido”? D eus nos fortale­ce ao infundir graça através de sua Palavra: a Palavra que cria certam ente pode sustentar. A graça pode capacitar-nos para su ­portarm os a constante impaciência por causa de um a tristeza re ­nitente; ela pode reparar a dilapidação causada pelo perene lacri­m ejar e conceder ao cristão as vestes do louvor para o espírito oprim ido. Recorramos sem pre à oração em nossos m om entos de desapontam ento, pois tais m om entos são o cam inho mais certo e mais curto para o abismo. Nessa oração, por nada m ais roguem os além da Palavra de Deus; pois não há nenhum pleito que se asse­melhe a um a prom essa divina; nenhum argum ento que se assem e­lhe a um a palavra que procede do Deus do pacto.

N ote com o Davi registra a intim idade de sua alma. No versí­culo 20, diz ele: “Consum ida está m inha alm a” ; no versículo 25: “M inha alma está apegada ao pó” ; e aqui: “M inha alma verte lá­grimas [se derrete].” Além do mais, no versículo 81, ele clama: “Desfalece-m e a alm a”; no versículo 109: “M inha alm a está con ti­nuam ente em minhas m ãos” [“Estou de contínuo em perigo de vida”]; no versículo 167: “Viva m inha alma para louvar-te.” H á pessoas que nem mesmo sabem que têm um a alma, e aqui Davi é todo alma. Q ue trem enda diferença há entre espiritualm ente vivo e espiritualm ente morto!

[v. 29]Afasta de mim o caminho da mentira e concede-me graciosamentetua lei.Afasta de mim o caminho da mentira. Este é o cam inho do

pecado, do erro, da idolatria, da estupidez, da autojustiça, do fo r­malismo, da hipocrisia. Davi não só seria guardado desse cam i­nho, m as tam bém se m anteria longe dele; ele não podia tolerar que tal cam inho estivesse a seu alcance, e tudo faria para bani-lo de sua vista. Ele deseja ser justo e um a coluna bem estabelecida;

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Salmo 11?

mas tem ia que um a m edida de falsidade lhe aderisse, a m enos que o Senhor a afastasse, e por isso clamava ansiosam ente por sua rem oção. Os falsos motivos podem às vezes apossar-se de nós, e é possível que venham os a cair em noções equivocadas de nossa própria condição espiritual diante de Deus, que conceitos e rrône­os sejam nutridos por um natural preconceito de nossa parte, e assim sejamos confirm ados no em buste e perm aneçam os em erro, a m enos que a graça venha resgatar-nos. N enhum coração veraz pode descansar num falso conceito de si mesmo; ele não encontra nenhum ancoradouro, mas é arrem essado de um lado para outro até que tenha acesso à verdade, e a verdade, acesso a ele. O filho legítimo do céu contem pla e clama contra um a im postura, dese­jando tê-la longe como alguém que deseja ver-se distante de um a serpente venenosa ou de um leão que ruge.

E concede-me graciosamente tua lei. Encontra-se num esta do de graça aquele que m ira a própria lei como um dom da graça. Davi deseja ter a lei acessível a seu entendim ento, esculpida em seu coração e concretizada em sua vida; pois ele busca o Senhor e luta por ela com o um a graciosa concessão. Não há dúvida de que ele via isso com o o único m odo de livrar-se do poder da falsidade; se a lei não estiver em nossos corações, a m entira tom ará posse deles. Davi parecia haver se lem brado dos tempos em que, segun­do o costum e oriental, ele praticava a fraude para sua própria p re ­servação e descobriu que fora fraco e errara nesse ponto; p o rtan ­to, ele sentiu seu espírito encurvado e suplicou para ser vivificado e im pedido de transgredir novamente. Os hom ens santos não p o ­dem rever seus pecados sem lágrimas, nem pranteá-los sem im ­plorar que sejam salvos de futuras ofensas.

H á um a evidente oposição entre a falsidade e o gracioso poder da lei de Deus. A única m aneira de expulsar a m entira é aceitando a verdade. A graça tam bém tem um a nítida afinidade com a verda­de; no m esm o instante em que ouvimos o som da palavra ‘gracio­sam ente’, tam bém ouvimos os passos da verdade: “Eu tenho p re ­ferido o cam inho da verdade.” A graça e a verdade estão sem pre juntas; e a convicção quanto às doutrinas da graça é im enso p re ­servativo contra o erro fatal.

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No quinto versículo da oitava precedente (21), Davi vocifera contra a soberba; e aqui ele clama contra a m entira - am bas eqü i­valem a m esm a coisa. Porventura a soberba não é a m aior de todas as m entiras?

[v. 30]Tenho escolhido o caminho da verdade e teus juízos tenho posto diantede mim.Tenho escolhido o caminho da verdade. Já que ele abom inava

o cam inho da falsidade [ou m entira], então escolheu o cam inho da verdade. Uma pessoa tem que escolher um a ou outra: não lhe é possível optar pela neutralidade, neste caso. Os hom ens não su r­gem no cam inho certo por acaso; eles têm que escolhê-lo e con ti­nuar a escolhê-lo, ou logo se afastarão dele. Aqueles a quem Deus elegeu, no devido tem po escolhem seu caminho. Há um cam inho doutrinai da verdade que devemos escolher, rejeitando todo e qual­quer dogm a de invenção hum ana; há um cerimonial da verdade que devemos seguir, detestando todas as formas que igrejas após­tatas têm inventado; e então há um cam inho prático da verdade, o cam inho da santidade, ao qual devemos aderir, seja qual for nossa tentação de abandoná-lo. Q ue nossa escolha seja feita, e feita irre- vogavelmente. Q ue respondam os a todos os sedutores: “Já esco­lhi, e o que escolhi, está escolhido.” Por tua graça, ó Senhor, con- duz-m e com um coração espontâneo a escolher fazer tua vontade; e assim nossa eterna eleição produzirá o fim que designaste.

E teus juízos tenho posto diante de mim. O que ele escolheu também guardou na mente, pondo-o diante dos olhos de sua mente. Os hom ens não se tornam santos através de um desejo displicen­te; tem de haver esforço, consideração, deliberação e solícita in ­quirição, ou se perderá o cam inho da verdade. Os m andam entos de D eus devem pôr diante de nós a sinalização rum o ao alvo, o m odelo pelo qual lutar, a estrada na qual cam inhar. Se puserm os os juízos divinos como um cenário diante de nós, logo nos vere­mos cam inhando em sua direção.

Aqui um a vez mais nas seis estrofes da terceira e quarta oitavas vibram um a nota similar. “Eu tenho guardado teus testem unhos”

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Salmo 11?

(v. 22) e “e teus juízos tenho posto diante de m im .” Aqui temos um a feliz confissão, e não surpreende que a m esm a seja reiterada.

[v. 31]A teus testemunhos me apego; não permitas, ó Senhor, seja eu enver­gonhado.A teus testemunhos me apego - ou: Tenho aderido; pois a

palavra é a m esm a do versículo 25. Ainda que aderisse ao pó da tristeza e da m orte, contudo guardava firm em ente a palavra divi­na. Esse era seu conforto, e sua fé se lhe apegava, seu am or e obediência se lhe agarravam, seu coração e sua m ente nele persis­tiam em m editação. Sua escolha fora tão sincera e deliberadam en­te consistente, que se lhe apegara para a vida, e não tinha com o ser removido dela ante o opróbrio daqueles que desprezavam o cam i­nho do Senhor. O que poderia haver ganho renunciando o sacro testem unho? Ou, melhor, o que teria perdido se desistisse da ad e­são à palavra divina? E prazeroso retroceder à perseverança pre- gressa e esperar que a graça continue igualmente inabalável no futuro. Aquele que nos capacitou a buscar seu am paro, segura­m ente nos am parará.

Em nossos dias, quando tantos fazem alarde de seus “pensa­mentos avançados”, pode soar estranho falar de aderir aos testem u­nhos de Deus; mas, seja ou não estranho, imitemos o hom em de Deus. Perseverar na verdade quando ela se acha deform ada é um bom teste para o crente. A fé dos eleitos de Deus usa a constância como sua coroa. O utros podem vaguear ao léu em busca das novi­dades da opinião hum ana; mas o filho legítimo de Deus se gloria em confessar a seu Pai celestial: “Tenho aderido a teus testem unhos.”

Não permitas, ó Senhor, seja eu envergonhado, isso ocorre­ria, se as prom essas de Deus não se cumprissem, e se o coração do servo de Deus desfalecesse. Tal coisa não precisam os tem er, já que o Senhor é fiel a sua Palavra. Mas é possível também que ocorra através da ação do cristão de um a m aneira inconsistente, com o Davi mesm o certa vez procedera, quando tom ou a via da m entira e insinuou ser louco. Se não form os verdadeiros em nossa vida cristã, correm os o risco de ser desam parados para am ontoarm os

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o fruto de nossa insensatez, cujo am argo nom e é ‘vergonha’. D a ­qui se faz evidente que o cristão nunca deve deixar-se envergo­nhar, mas, sim, deve agir como um bravo hom em que não tem de que envergonhar-se, senão crer em seu Deus, e que de form a a l­gum a carece assum ir um m aneirism o covarde na presença dos in i­migos do Senhor. Se rogarm os ao Senhor que não nos deixe e n ­vergonhar, seguram ente não precisaremos envergonhar-nos na p re­sença do adversário.

A oração deste versículo se encontra no versículo paralelo da próxima seção (v. 39): “Afasta de mim o opróbrio, que tem o.” Indubitavelm ente é um a petição que estava continuam ente no co ­ração do salmista. Um coração valente se sente mais ferido pela vergonha do que por qualquer espada que porventura a m ão de um soldado venha a brandir.

[v. 32]Percorrerei o caminho de teus mandamentos, quando me cdegrares ocoração.Percorrerei o cam inho de teus mandamentos. Com energia,

prontidão e zelo, ele faria a vontade de Deus, mas carecia de mais vida e liberdade provindas da m ão divina. Quando me alegrares o coração. Sim, o coração exerce o predom ínio; os pés correm ágeis quando o coração é livre e cheio de energia. Q ue as afeições se expandam e se fixem avidamente nas coisas divinas, e então n o s­sas ações serão plenas de força, vivacidade e deleite. Primeiro Deus tem que operar em nós, e então o querer e o fazer estarão em nós, segundo o beneplácito divino. Temos que transform ar o coração, unificar o coração, encorajar o coração, fortalecer o coração e alargar o coração, e então o curso da vida será gracioso, sincero, feliz e solícito; de m odo que, desde nosso mais hum ilde até o mais elevado estado de graça, atribuirem os tudo ao gracioso favor de nosso Deus. Temos que apressar-nos; pois a graça não é um a fo r­ça esm agadora que com pele a m ente indisposta a agir contra sua vontade; nossa m archa é o salto espontâneo para frente de um a m ente que foi posta em liberdade pela m ão de Deus e se deleita em exibir sua liberdade, m archando com determ inação.

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Salmo 11?

Que m udança extraordinária do versículo 25 para este, do apego ao pó para a m archa no caminho! E a excelência de um a santa tristeza que opera em nós aquela vivificação que tanto buscam os, e então exibimos a sinceridade de nossa tristeza e a realidade de nossa renovação, dem onstrando zelo no cam inho do Senhor.

Pela terceira vez um a oitava term ina com “eu quero” . Esses “eu quero” do salmista são dignos de ser, cada um deles, tem as de estudo e de discurso.

N ote com o o coração tem sido expresso até aqui: “todo o co­ração” (v. 2); “retidão do coração” (v. 7); “escondi em meu co ra­ção” (v. 11); “quando alegrares meu coração” . H á m uitas outras alusões, e todas visam a m ostrar o que a religião de Davi fazia no coração. U m a das grandes carências de nossa época é que a cabe­ça é levada mais em conta do que o coração, e que os hom ens se dispõem m uito mais a aprender do que a amar, ainda que de fo r­ma algum a revelem solicitude em ambas as direções.

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(w. 33-40)Ensina-me, ó Senhor, o caminho de teus estatutos, e o seguirei até o fim. Dá-me entendimento, e guardarei tua lei; de todo meu coração a observarei. Faz-me caminhar pela vereda de teus mandamentos, pois nela me deleito. Inclina-me o coração a teus testemunhos e não à cobiça. Desvia meus olhos de contemplar a vaidade, e vivifica-me em teu caminho. Confirma tua palavra para teu servo que se devota a teu temor. Afasta de mim o opróbrio, que temo, porque teus juízos são bons. Eis que tenho suspirado por teus preceitos; vivifica-me em tua justiça.Um senso de dependência e um a consciência de extrem a n e ­

cessidade perm eiam toda esta seção, sendo a m esm a toda elabora­da de oração e apelo. Nos oito versículos anteriores, o salmista trem eu ante o senso do pecado, palpitando com um senso infantil de debilidade e leviandade, o que leva o hom em de Deus a clam ar por socorro, som ente pelo qual sua alma poderia ser preservada de recair em pecado. Esse clamor por socorro é aqui expresso em term os de súplica por doutrinação, edificação, inclinação, estab i­lização e vivificação. A seção é um favo de orações. Pronunciem os petições sem elhantes enquanto lemos, assegurando-nos de que as orações assim m inistradas a nós pelo Senhor serão igualm ente respondidas por ele.

[v. 33]Ensina-me, ó Senhor, o caminho de teus estatutos, e o guardarei até o fim.Ensina-m e, ó Senhor, o caminho de teus estatutos. Palavras

singelas, confiantes, benditas, pronunciadas pelos lábios de um ancião, crente experiente, sendo ele um rei e um inspirado hom em

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Salmo 115?

de Deus. Ai daqueles que nunca se deixam instruir! Aqueles que caducam em sua própria sabedoria, m as que sua estultícia é evi­dente a todos os de são juízo. O salmista deseja ter o Senhor como seu professor; pois sente que seu coração não aprenderia se não tivesse um instrutor eficiente. O senso de profunda lentidão em aprender nos leva a buscar um grande professor. Q ue grande co n ­descendência da parte de nosso infinito Jeová que se propõe ensi­nar os que o buscam! A lição almejada é totalm ente prática; a pes­soa santa não aprende só os estatutos, mas tam bém o caminho para eles, o uso diário deles, seu teor, espírito, diretriz, hábito, tendência. Ela sabe que a vereda da santidade é cercada pela lei divina, junto à qual os m andam entos do Senhor se posicionam com o placas de sinalização, indicações de quilom etragem , orien­tando e dem arcando nosso avanço. O próprio desejo de conhecer essa vereda é por si só a certeza de que a aprenderemos; pois aquele que nos predispôs a aprender certam ente tam bém satisfará tal desejo.

E o guardarei até o fim. Os que são instruídos por Deus ja ­mais esquecem suas lições. Q uando a graça divina põe um a pes­soa no cam inho certo, ela será certa para ele. A m era tendência e vontade hum anas não possuem um a influência tão duradoura; existe um fim para toda perfeição carnal, mas a graça celestial nunca finda, mas avança para alcançar seu próprio objetivo que é o ap er­feiçoam ento da santidade no tem or do Senhor. A perseverança em tal propósito é certam ente vaticinada em relação àqueles cujo p rin ­cípio está em Deus, e com Deus, e por meio de Deus. Mas os que com eçam sem a instrução do Senhor logo esquecem o que ap ren ­deram e com eçam a afastar-se do cam inho que antes confessavam estar trilhando. N inguém pode gloriar-se de perm anecer firme em seu cam inho por sua própria força, visto que dependem os con ti­nuam ente da instrução do Senhor: se confiarm os em nossa p ró ­pria firmeza, cairemos como sucedeu a Pedro. Se Deus nos g u a r­dar, sem dúvida nos m anterem os em seu caminho — e é um grande conforto saber que é o propósito de Deus guardar os pés de seus santos! Não obstante, é nosso dever vigiar como se nossa conser­vação no cam inho dependesse totalm ente de nós mesm os; pois,

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EXPOSIÇÃO 5

segundo este versículo, nossa perseverança repousa não em qual quer força ou com pulsão, mas na instrução do Senhor; e indubi­tavelmente, quem quer que seja o professor, a instrução requer aprendizado daquele que é instruído; ninguém pode instruir a quem rejeita a instrução. Bebamos, pois, avidam ente da instrução divi­na, para que solidifiquemos nossa integridade, e no últim o in stan ­te de nossa vida prossigam os ainda na vereda da retidão! Se rece­berm os a sem ente viva e incorruptível da palavra de Deus, viva­mos por ela; à parte dela não tem os vida eterna, m as apenas o m ero nom e de que vivemos.

O ‘fim ’ de que fala Davi é o térm ino da vida terrena ou a pleni­tude da obediência. Ele confiava na graça que o fazia fiel ao m áxi­mo, sem nunca fugir um a vírgula ou dizer à obediência: “Até aqui virás comigo, m as não m ais.” O fim de nossa observância da lei só term inará quando o fôlego cessar. N inguém pensará em m arcar um a data e dizer: “Basta, agora posso relaxar minha vigilância e viver segundo os costum es dos hom ens.” Com o Cristo nos ama até o fim, assim tam bém o sirvamos até o fim. O fim da instrução divina é para que o sirvamos até o fim.

As porções da oitava revelam ainda um a relação. G im el com e­ça com oração pela vida, para que ele pudesse guardar a palavra (v. 17); Daleth clama por mais vida, segundo a m esm a palavra (v. 25); e agora H e abre com um a oração por instrução, p ara que o hom em de Deus possa guardar o cam inho dos estatutos de Deus. Uma atenção aguçada voltada para estes versículos discernirá um a afinidade mais estreita entre eles.

[v. 341Dá-me entendimento, e guardarei tua lei; de todo meu coração a ob­servarei.Dá-m e entendimento, e guardarei tua lei. H á aqui a m esm a

oração am pliada, ou, melhor, um suplem ento que a intensifica. Ele não só necessita de instrução, mas tam bém de poder p a ra apren­der; quer não apenas entender, mas tam bém a obtenção de enten­dim ento. A quanta m iséria o pecado nos arrastou; pois ainda nos falta a faculdade para a com preensão das coisas espirituais, e sere­

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Salmo 11?

mos com pletam ente incapazes de conhecê-las até que sejamos dotados de discernim ento espiritual! Deus, em cada ato, nos dará com preensão? Esse é um milagre da graça! Entretanto, jamais será operado em nós até que tenham os consciência de nossa necessi­dade; e nem mesmo descobrirem os que somos carentes, até que Deus nos dê um a m edida de com preensão para percebê-lo. Vive­mos num estado de com plicada ruína, da qual nada, senão a mul- tiform e graça, pode livrar-nos. Aqueles que sentem sua estultícia são, m ediante o exemplo do salmista, encorajados a orar por en ­tendim ento; que cada um, pois, pela fé clame: “Dá-me en tendi­m ento .” O utros o tiveram; por que ele não me atinge? Ele foi um dom para eles; o Senhor não mo concederá graciosam ente tam ­bém a m im ?

N ão devemos buscar esta bênção simplesmente para nos to r­narm os famosos em sabedoria, mas para que sejamos abundantes em am or pela lei de Deus. Aquele que tiver entendim ento ap ren ­derá, recordará, entesourará e obedecerá à lei do Senhor. O evan­gelho nos dá a graça para guardarm os a lei; o dom gratuito nos guia ao serviço santo; não há outro cam inho para se alcançar a santidade senão pela aceitação do dom divino. Se Deus no-lo der, guardem o-lo; porém jamais guardem os a lei a fim de obter a g ra ­ça. O resultado seguro da regeneração, ou a obtenção do en ten ­dim ento, é um a pia reverência pela lei e um a firme resolução de guardá-la no coração. O Espírito de Deus nos faz conhecer o S e­nhor e entender o máximo de seu amor, sabedoria, santidade e m ajestade; e o resultado é que passam os a honrar a lei e a entregar nosso coração à obediência da fé.

M athew Henry sabiamente observa que “um entendim ento ilu­m inado consiste nisto: aquilo pelo que somos devemo-lo a Cristo; pois ‘o Filho de Deus veio e nos deu entendim ento’” ( l jo 5.20). Q ualquer escritor pode oferecer-nos algo para com preender, mas somente o Senhor Jesus pode dar-nos entendim ento propriam ente.

De todo o coração a observarei. O entendim ento opera sobre as emoções; ele convence o coração da beleza da lei, de m odo que a alma a ame com suas faculdades; e então ele revela a m ajestade do Legislador, e toda a natureza se curva diante de sua suprem a

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vontade. Um juízo iluminado cura as divisões do coração c su b ­mete os afetos unidos a um a estrita e vigilante observância da n o r­ma de vida. Só obedece a Deus quem pode dizer: “M eu Senhor, eu te sirvo, e o faço de todo meu coração”; e ninguém pode real­mente dizer isso enquanto não houver recebido com o concessão gratuita a iluminação interior do Espírito Santo. O bservar a lei de Deus de todo o coração, em todo tempo, é um a grande graça, e poucos há que a encontram ; contudo ela só poderá ser possuída se consentirm os em ser instruídos pelo Senhor.

Olhe de trás para diante e observe o paralelo deste versículo nos versículos 2 e 10, onde toclo o coração é expresso em referên­cia a buscar, e então observe no paralelo similar do versículo 58 a súplica por misericórdia; e isso ocorre em todos os segundos ver­sículos em suas oitavas. A freqüente repetição da frase todo o co­ração m ostra a im portância do am or indiviso; o coração nunca é íntegro ou santo enquanto não for íntegro e totalm ente unido no tem or do Senhor. O coração nunca é um só indiviso para com Deus enquanto não for uno em si mesmo; e nunca c uno em si mesmo enquanto não for um todo indiviso para com Deus.

[v. 351Faz-me caminhar pela vereda de teus mandamentos, porque nela medeleito.“Pois o querer o bem está em mim; não, porém , o efetuá-lo.”

Tu me fizeste am ar o cam inho; agora faz-m e andar nele. Ele é um a vereda plana na qual outros estão tentando andar por tua graça; vejo-a e adm iro-a; capacita-m e a cam inhar por ela. Esse é o cla­m or de um a criança que anela cam inhar, mas que ainda é frágil demais; de um peregrino que se sente exausto, mas que ainda in ­siste em sua m archa; de um aleijado que acredita ser capaz de correr. D eleitar-se na santidade é algo em extremo bendito; e ce r­tam ente aquele m esm o que nos deu tal deleite operará em nós a alegria ainda mais profunda de possui-lo e vivê-lo. Aqui está nossa única esperança; pois não transitarem os pela vereda estreita e n ­quanto não vivermos assim pelo poder de nosso próprio Criador. O tu que um a vez me criaste, rogo-te que me cries de novo. Tu me

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Salmo 11?

fizeste conhecer; agora me faças prosseguir! Certam ente nunca serei feliz até que o consiga, pois m eu único deleite está em andar em tua presença.

O salmista não pede ao Senhor que faça por ele o que ele m es­mo deve fazer; ele deseja ‘prosseguir’ ou trilhar a vereda do m an ­dam ento. Ele não pede que seja levado enquanto perm anece p as­sivo; mas que Deus faça com que ele ‘vá’. A graça não nos trata com o toras de m adeira ou pedras, que são arrastadas por animais adestrados ou m áquinas, mas com o criaturas dotadas de vida, ra ­zão, vontade e forças ativas que se dispõem e são capazes de mo- ver-se se porventura houver necessidade. Deus opera em nós, mas é para que possam os querer e agir de acordo com seu beneplácito. A santidade que buscam os não é um a aquiescência forçada por m andam ento, mas a indulgência de um a sincera em oção que im ­pulsiona para a bondade, de m odo que conform e nossa vida com a vontade do Senhor. O leitor poderá dizer: Nela eu me deleito? E piedade prática, a própria jóia da alma, o cobiçado galardão da m ente? Se esse é o caso, então a vereda externa da vida, por mais íngrem e que seja, será lum inosa e guiará a alma ao deleite mais inefável. Aquele que se deleita na lei não deve nutrir dúvida de que será capaz de percorrer suas veredas; pois onde o coração já en ­controu sua alegria, os pés são firm ados para avançar.

N ote que o versículo correspondente na oitava anterior (v. 35) foi: “Faz-m e entender”; e aqui temos: “Faz-me prosseguir.” O b ­serve a ordem: primeiro, entendimento; e então, prosseguimento. Pois um entendim ento esclarecido é um a grande assistência para a ação prática.

[v. 36]Inclina-me o coração a teus testemunhos, e não à cobiça.Inclina-me o coração a teus testemunhos. Esta oração não

parece supérflua, já que, evidentemente, o coração do salmista es­tava posto na obediência? Estamos convencidos de jam ais haver sequer um a palavra sobrando [ou supérflua] na Escritura. Depois de rogar por um a virtude ativa, era indispensável que o hom em de Deus rogasse para que seu coração fosse posto em tudo quanto

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ele fizesse. O que seriam seus avanços se seu coração não avan­çasse tam bém ? E possível que Davi sentisse um desejo flutuante, um a propensão desordenada de sua alma por lucros m ateriais; possivelmente, m esm o instruído em suas mais devotas m editações, de repente clamasse por mais graça. A única form a de curar um a inclinação errônea é m anter a alma voltada para a direção oposta. A santidade do coração é a cura para a cobiça. Q ue bênção p o d er­mos pedir ao Senhor até m esm o um a inclinação! N osso querer é livre; todavia, m esm o sem violar sua liberdade, a graça pode incli­nar-nos na direção certa. Isso pode ser feito através da ilum inação do entendim ento quanto à excelência da obediência, através do fortalecim ento dos hábitos de nossa virtude, pela experiência da doçura da piedade e por muitos outros meios. Se algum dever se nos torna m açante, cabe-nos oferecer-lhe esta oração com especi­al referência; é preciso que am em os todos os testem unhos do S e­nhor; e se falharmos em algum deles, então que prestem o-lhe d u ­plicada atenção. A tendência do coração é o cam inho para o qual a vida se inclina; daí a força da petição: “Inclina m eu coração .” Fe­lizes serem os quando nos sentirm os habitualm ente inclinados a tudo quanto é bom! Esse não é o m odo com o um coração carnal sem pre se inclina; todas as suas inclinações estão em franca o p o ­sição aos testem unhos divinos.

E não à cobiça. Esta é a inclinação da natureza, e a g raça tem de pôr um basta nela. Este vício é tão injurioso quanto com um ; é tão banal quanto miserável. E idolatria, e portanto destrona a Deus; é egoísmo, e portan to é cruel a todos em seu poder; é sórdida ambição, e portanto venderia o próprio Senhor por dinheiro. E um pecado degradante, aviltante, obstinado, mortal, que destrói tudo o que o rodeia, tudo o que é amável e cristão. O cobiçoso pertence à confraria de Judas, que com toda probabilidade se to r ­nará pessoalm ente o filho da perdição. O crime da cobiça é co ­m um , porém bem poucos se dispõem a confessá-lo; pois quando um a pessoa cum ula ouro em seu coração, o pó dele em baça seus olhos, de m odo que não consegue divisar seu próprio erro. N osso coração provavelmente tenha algum objeto de desejo, e a única m aneira de isentá-lo do lucro profano é pondo em seu lugar os

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Saimo 11?

testem unhos do Senhor. Se nos sentirm os inclinados a tom ar um a vereda, serem os atraídos para outra; a virtude negativa com certe­za é mais facilm ente dom inada quando a graça positiva predom ina.

[v. 37]Desvia meus olhos de contemplar a vaidade, e vivifica-me em teu ca­minho.Desvia meus olhos de contemplar a vaidade. Ele havia orado

por seu coração, e alguém poderia pensar que os olhos pudessem ser influenciados pelo coração, de m odo que não houvesse neces­sidade de fazê-los objetos de petição especial; nosso autor, porém , está resolvido a fazer a certeza duplam ente infalível. Se os olhos não vêem, talvez o coração não deseje. De qualquer forma, fecha- se um a porta para a tentação quando deixamos de olhar para al­gum a quinquilharia bem adornada. O pecado inicialmente p ene­trou a m ente hum ana através dos olhos, e estes continuam ainda sendo a porta favorita para as inconvenientes seduções de S ata­nás; daí a necessidade de um a dupla vigilância sobre esse portal. A oração não visa tanto a que os olhos sejam fechados, mas que sejam ‘desviados’; pois nos é indispensável que eles estejam aber­tos, porém direcionados para os objetos certos. E possível que você esteja neste exato m om ento fitando algum a tolice; se esse é o caso, você preciso desviar os olhos; e se estiver contem plando as coisas celestiais, será sábio rogar que seus olhos sejam guardados da vai­dade. Por que olhamos para a vaidade? — elas se desvanecem com o o vapor. Por que não contem plam os as coisas eternas? O pecado é vaidade; o lucro injusto é vaidade; a auto-apreciação exagerada é vaidade; aliás, tudo o que não procede de Deus pertence ao m es­mo catálogo. De tudo isso temos que nos desviar. E um a prova do senso de fraqueza sentido pelo salmista, bem como de sua inteira dependência de Deus, por isso ele m esm o pede que seus olhos fossem voltados para Deus; sua intenção não é ser passivo, mas revelar seu total desam paro quando longe da graça de Deus. Te­m endo que esquecesse de si próprio e viesse a fitar dem oradam en- te algo que fosse proibido, ele im plora que o Senhor im ediatam en­te fizesse seus olhos retrocederem, livrando-o de tão perigosa parla-

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m entação com a iniqüidade. Se formos protegidos da atenção dada à vaidade, serem os tam bém preservados de am ar a iniqüidade.

E vivifica-me em teu caminho. D á-m e tanta vida, que a m o r­tífera vaidade não tenha poder algum sobre mim. C apacita-m e a transitar tão rapidam ente na estrada para o céu, que não tenha com o deter-m e dem oradam ente à vista da vaidade que ali fascina. A oração indica nossa extrema necessidade - mais vida em nossa obediência. Revela o poder preservador da vida enriquecida para guardar-nos dos males que nos cercam, e tam bém nos diz onde essa vida mais rica deve ser encontrada, a saber, som ente no S e­nhor. A vitalidade é a cura da vaidade. Q uando o coração tran s­borda de graça, os olhos são purificados da im pureza. Em co n tra ­partida, se nos encherm os de vida no tocante às coisas de Deus, terem os com o proteger-nos do pecado e da futilidade; do co n trá ­rio, nossos olhos prontam ente cativarão a m ente e, com o Sansão, que pôde m atar seus milhares, venceremos a luxúria que entra pelos um brais dos olhos.

Este versículo é paralelo aos versículos 21 e 29 nas oitavas anteriores: ‘opróbrio’, ‘rem oção’, ‘desvio’; ou ‘soberba’, ‘m entira’, ‘vaidade’.

[v. 38]Estabelece tua palavra para teu servo que se devota ao teu temor.Estabelece tua palavra para teu servo. Faz-m e seguro de tua

palavra infalível; que eu tenha certeza quanto a mim, e que eu tenha certeza quanto a ela. Se possuím os o espírito de serviço, e contudo nos deixamos afligir com pensam entos cépticos, não p o ­dem os fazer algo m elhor do que o rar para que sejamos solidifica­dos na verdade. Tempos virão quando toda doutrina e prom essa parecerão estar abaladas e nossa m ente sem qualquer repouso. Então terem os que apelar para que Deus estabeleça a fé; pois ele quer que todos os seus servos sejam bem instruídos e confirm ados em sua palavra. M as é preciso que tenham os bem fixo em nossa m ente que somos servos do Senhor, do contrário não teremos longa e saudável perm anência em sua verdade. A santidade prática c um grande auxílio para a convicção doutrinai; se somos servos

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Salmo II?

de D eus, confirm arem os sua palavra em nossa experiência. “Se alguém fizer a vontade dele, esse saberá se a doutrina procede dele ou n ão ” ; e assim saberem os se estamos plenam ente convictos dela. O ateísm o no coração é um a praga terrível para alguém tem ente a Deus; ele traz mais torm ento do que é possível descrever; e nada, senão a visitação da graça, pode estabilizar a alma que se vê vio­lentam ente assaltada. A vaidade ou falsidade é m á para os olhos, mas é ainda pior quando m acula o entendim ento e lança dúvida sobre a palavra do Deus vivo.

Q ue se devota ao teu temor. Ou, seja, faz boa tua palavra sem pre que existir piedoso tem or. Fortalece todo o corpo da pes­soa reverente. Estabelece tua palavra, não só em relação a mim, mas em relação a todas as pessoas piedosas debaixo do sol. “E sta­belece tua palavra para teu tem or”, ou, seja, para que os hom ens possam ser guiados a tem er-te; visto que um a fé inabalável na d i­vina prom essa é a fonte e fundam ento do santo tem or. N ão p o d e­mos buscar o cum prim ento das prom essas em nossa experiência, a m enos que vivamos sob a influência do tem or do Senhor. O estabelecim ento em graça é o resultado de santa vigilância e en er­gia provinda da oração. Jamais serem os radicados e solidificados em nossa convicção, a m enos que diariam ente pratiquem os o que professam os crer. Plena certeza é o galardão da obediência. R es­postas à oração são dadas àqueles cujo coração corresponde ao m andam ento do Senhor. Se nos devotamos ao tem or de Deus, serem os livres de todo e qualquer medo. Aquele que não se arre- ceia da veracidade da Palavra, é porque está cheio do tem or do Autor da Palavra. O cepticismo é ao m esm o tem po pai e filho da impiedade; mas a fé forte ao mesmo tem po produz piedade e é dela gerada. Recom endam os todo este versículo a qualquer c ris­tão piedoso cuja tendência pende para o cepticismo; ele constitu i­rá um a admirável oração para ser usada em ocasiões de dúvidas inusitada m ente fortes.

Temos aqui um a oração argumentativa. Como diz o bom Bispo Cowper: “Aquele que tem recebido do Senhor a graça de temê-lo pode ser ousado em buscar nele qualquer bem necessário; porque o temor de Deus se lhe anexou a promessa de todas as demais bênçãos.”

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P X PQ 5 IÇ Ã O J

[v. 39]Afasta de mim o opróbrio, que temo, porque teus juízos são bons.Afasta de mim o opróbrio, que temo. Ele temia justam ente o

opróbrio, tem endo que fosse a causa de o inimigo blasfem ar por algum a inconsistência solerte de sua parte. Devemos tem er isso, e vigiar para que o evitemos. A perseguição na form a de calúnia pode tam bém ser motivo de oração, pois que isso constitui do lo ­rosa provação, talvez a mais dolorosa das provações para as pes­soas de m entes sensíveis. M uitos prefeririam queim ar-se num a estaca de m artírio do que enfrentar a provação proveniente de cruéis zom barias. Davi era um hom em que se acalmava facilmente, e p ro ­vavelmente tivesse m uito m edo da calúnia, visto despertar ela sua ira, e não soubesse dizer o que aconteceria se fosse provocado. Se Deus desvia nossos olhos da falsidade, podem os tam bém esperar que ele desvie a falsidade para que a m esm a não prejudique nosso bom nom e. Serem os protegidos da m entira, sc tam bém nos g u a r­darm os dela.

O s juízos dos ímpios são perversos, e por isso podem os apelar deles para o tribunal de Deus. N ão obstante, se agirm os assim quando estivermos expostos às censuras dos hom ens, que motivo temos nós de tem er os mais justos juízos do Senhor?

Porque teus juízos são bons. Por isso ele se sente solícito de alguém vir falar mal dos caminhos de Deus, ao ouvir as más no tí­cias acerca dele. Lastimamos quando somos caluniados; visto que o vexame é lançado mais sobre nossa religião do que sobre nós m esm os. Se os hom ens se sentem felizes por atribuir-nos mal, e não passa disso, podem os suportá-lo, porquanto somos maus; mas nossa angústia consiste em que eles lançam estigma sobre a pala­vra e caráter de Deus, cuja benevolência é impossível de qualquer com paração. Q uando os hom ens se irritam com o governo que Deus exerce no m undo, é nosso dever e privilégio defendê-lo e publicam ente declarar diante dele: “Teus juízos são bons.” E deve­mos fazer o m esm o quando assaltam a Bíblia, o evangelho, a lei, ou o nom e de nosso Senhor Jesus Cristo. Mas devemos atentar bem que não podem fazer qualquer acusação fidedigna contra nós, do contrário nosso testem unho seria pura perda de tem po.

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Salmo 119Esta oração contra o opróbrio é um paralelo ao versículo 31, e

em geral a muitos outros dos sete versículos nas oitavas, os quais geralm ente implicam oposição externa e um a sacra satisfação in ­terior. Observe as coisas que são boas: “Teus juízos são bons” (v. 39); “Tu és bom e fazes o bem ” (v. 68); “Bom é para mim ter sido afligido” (v. 71); “Ensina-m e o bom ju ízo” (v. 66).

[v. 40]Eis que tenho suspirado por teus preceitos; vivifica-me em tua justiça.Eis que tenho suspirado por teus preceitos. Ele pode pelo

m enos alegar sinceridade. Acha-se profundam ente prostrado pelo senso de sua fraqueza e pela necessidade da graça; mas deseja em todas as coisas conform ar-se à vontade divina. O nde nossos ane- los estão, ali estamos nós diante dos olhos de Deus. Se ainda não atingimos a perfeição, não devemos desistir de suspirar por ela. Aquele que nos deu o desejo há de nos dar tam bém a obtenção. Os preceitos são penosos para os ímpios, e portanto, quando nossa transform ação corresponde a nossa aspiração por eles, tem os cla­ra evidência de conversão, e podem os com segurança concluir que aquele que com eçou a boa obra tam bém a com pletará. Q ualquer pessoa pode ansiar pelas promessas; porém ansiar pelos preceitos é a m arca registrada de um coração renovado.

Vivifica-me em tua justiça. O salmista já tinha vida suficiente, mas anela por mais vida para poder mais perfeitam ente conhecer e observar os preceitos do Senhor. D á-m e mais vida com quê seguir tua justa lei; ou dá-m e mais vida, pois prom eteste ouvir as o ra ­ções; e é em sintonia com tua justiça que guardo tua palavra. Q uão am iúde Davi implorava por vivificação! Mas nunca tão am iúde com o neste Salmo. Carecem os de vivificação a cada instante do dia, pois somos dolorosam ente disçostos a agir com lentidão e languidez nos cam inhos de Deus. E o Espírito Santo que pode derram ar nova vida em nosso coração; não cessemos de clam ar a ele. A criação da vida é um a obra divina; da m esm a form a é o aum ento dela. Não nos esqueçam os jamais de orar por vivificação em cada e em todas as atividades. Os preceitos podem parecer um a letra m orta, até que sintam os vida em nossa obediência a

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eles. N ada é pior na religião do que a m orte espiritual. O Deus vivo só pode ser servido através de um culto vivo.

Os últimos versículos das oitavas geralm ente apresentam um a visão progressiva de resolução, esperança e oração. Aqui frutos passados da graça são motivos de súplica por mais bênção. “P ro ­gresso na vida celestial!” é o clam or deste versículo. Q ue a graça me faça prosseguir e diariam ente m archar rum o ao céu.

(w. 41-48)Venham também sobre mim tuas misericórdias, ó Senhor, e tua salva­ção, segundo tua palavra. E saberei responder a quem me insulta, pois confio em tua palavra. Não tires jamais de minha boca a palavra da verdade, pois tenho esperado em teus juízos. Assim, observarei de con­tínuo tua lei, para todo o sempre. E andarei em liberdade, pois eu busco teus preceitos. Também falarei de teus testemunhos na presença dos reis e não serei envergonhado. Deleitar-me-ei em teus manda­mentos, os quais eu amo. Também para teus mandamentos, que amo, levantarei minhas mãos e meditarei em teus estatutos.Nestes versículos um santo tem or se faz evidente e proem inen­

te. O hom em de Deus trem e para que, de m aneira algum a ou em grau algum, o Senhor remova dele seu favor. Os oito versículos form am um a súplica contínua pela perm anência da graça em sua alma, e é apoiada por argum entos tão santos, que desvendam um espírito ardente de am or por Deus.

[v. 41]Venham também sobre mim tuas misericórdias, ó Senhor, e tua salva­ção, segundo tua palavra.Venham também sobre mim tuas misericórdias, ó Senhor.

Davi desejava ao m esm o tem po misericórdia e instrução, pois era a um a só vez culpado e ignorante. Ele era carente de m uita m iseri­córdia e de variada misericórdia, daí o pedido estar no plural. Era carente das misericórdias divinas mais do que das hum anas, e por isso suplica por “tuas m isericórdias”. O cam inho da graça parecia estar bloqueado, e por isso ele im plora que as m isericórdias de- sentulhassem e iluminassem seu cam inho para Deus, e assim p u ­desse aproxim ar-se dele. Aquele que disse: “Haja luz” , tam bém

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diz: “Haja m isericórdia.” É possível que, sob o senso de indigni­dade, o escritor tem esse que as misericórdias fossem dadas a o u ­tros, e não a ele; por isso clama: “Q ue elas venham a m im ”-, “A ben­çoa-m e, inclusive a mim, ó meu Pai!” As palavras são equivalentes a nossa bem conhecida estrofe:

"Senhor, tenho ouvido das chuvas de bênçãosQue espalhas abundante e graciosamente:Chuvas para quc se refresQue a terra sedenta.Que algumas gotas desçam sobre mim,Sim, até mesmo sobre mim."

Senhor, quando teus inimigos vierem a mim para me trazer opróbrio, que tuas misericórdias se revelem e me defendam ; as provações e tribulações são abundantes, e não poucos trabalhos e sofrim entos me cercam; Senhor, que tuas m isericórdias, em g ran ­de medida, entrem pelo portão da graça; pois não cs íu “o Deus de m inhas m isericórdias”?

E tua salvação. Esta é a sum a e coroa de todas as m isericórdi­as - o livramento de todo o mal, tanto agora com o no porvir. Aqui a salvação aparece pela prim eira vez no Salmo, e se acha associa­da à misericórdia: “Pela graça sois salvos.” A salvação é qualifica­da de “tua salvação”, atribuindo-a, assim, totalm ente ao Senhor: “Aquele que é o nosso Deus é o Deus da salvação.” Q ue infinita m assa de m isericórdias é acum ulada na única salvação provinda de nosso Senhor Jesus! Inclui a m isericórdia que nos poupa até serm os convertidos, e ela m esm a nos conduz à conversão. Temos a m isericórdia que nos chama, a que nos regenera, a que nos co n ­verte, a que nos justifica, a que nos perdoa. Tampouco podem os excluir da salvação plenária qualquer um a das m uitas m isericórdi­as que conduzem o cristão em segurança à glória. A salvação é um conjunto de m isericórdias, incalculáveis em núm ero, cujo valor é sem preço, cuja aplicação é incessante, cuja duração é eterna. Ao Deus de nossas misericórdias seja a glória no porvir eterno.

Segundo tua palavra. O cam inho da salvação é descrito na Palavra; a própria salvação é prom etida na Palavra; e sua m anifes­tação interior é operada pela Palavra; de m odo que, em todos os

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Salmo 115>

aspectos, a salvação que está em Cristo Jesus está em harm onia com a Palavra de Deus. Davi amava as Escrituras, mas anelava, no âm bito da experiência, conhecer a salvação nelas contida. Ele não se contentava em ler a Palavra; anelava experim entar seu sentido interior. Ele valorizava toda a esfera da Escritura em virtude de descobrir nela o mais valioso tesouro. Não se contentava em ter um capítulo ou um versículo: ele queria as misericórdias e a salvação.

N ote que no prim eiro versículo da seção que traz a letra He (v. 33), o salmista orou para que pudesse guardar a Palavra de Deus; e aqui, na letra Vau, ele suplica ao Senhor que fosse capacitado a guardar sua Palavra. No prim eiro caso, ele anelava aproxim ar-se do Deus das misericórdias; e aqui, ele quer que as misericórdias do Senhor estejam perto dele: no prim eiro caso, ele buscava a g ra ­ça para perseverar na fé; e, neste, ele busca o alvo de sua fé - a salvação de sua alma.

[v. 42]E saberei responder a quem me insulta, pois confio em tua palavra.E saberei responder a quem me insulta. Esta é um a resposta

incontestável. Q uando Deus, ao conceder-nos a salvação, respon­de nossas orações com paz, nos sentim os im ediatam ente p repara­dos para dar resposta às objeções dos infiéis, aos sofismas dos cépticos e às zom barias dos escarnecedores. E m uito mais desejá­vel que os ultrajes sejam respondidos, e daí podem os esperar que o Senhor salve seu povo a fim de que um a espada seja posta em suas m ãos com a qual disperse seus inimigos. Q uando os que nos hum ilham são tam bém humilhados por Deus, podem os rogar-lhe que nos ajude a silenciá-los com provas incontestáveis de sua m i­sericórdia e fidelidade.

Pois confio em tua palavra. Sua fé foi vista por ser ele confi­ante enquanto se achava sob provação, e roga que pudesse repelir os escarnecedores através de um a experiência feliz. A fé é nosso argum ento quando buscam os as misericórdias e a salvação; fé no Senhor que nos fala em sua Palavra. “Confio em tua palavra” é um a declaração mais digna de se fazer do que qualquer outra; pois aquele que pode realm ente fazê-la certam ente recebeu o p o ­

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der de tornar-se filho de Deus e ser assim herdeiro das m isericór­dias infinitas. D eus nutre mais respeito pela confiança de um a p es­soa do que por tudo mais que se acha nela; pois o Senhor escolheu a fé para ser a m ão aberta a receber suas misericórdias e sua salva­ção. Se alguém nos reprova por confiarm os em Deus, replique- m o-lhe com argum entos conclusivos, m ostrando que Deus cu m ­priu suas prom essas, ouviu nossas orações e supriu nossas n eces­sidades. Ainda o mais céptico se vê forçado a curvar-se diante da lógica dos fatos.

N este segundo versículo desta oitava, o salmista faz um a c o n ­fissão de fé, e um a declaração de sua certeza e experiência. N ote que ele faz o m esm o nos versículos correspondentes das seções que se seguem. Veja o versículo 50: “Tua palavra m e vivifica” ; v er­sículo 58: “Im ploro tua graça”; versículo 66: “Pois creio em teus m andam entos”; versículo 74: “Porque cm tua palavra tenho espe­rado .” Um sábio pregador pode encontrar nestas expressões um a valiosa série de serm ões em torno da experiência hum ana.

[v. 43]Não tires jamais de minha boca a palavra da verdade, pois tenho espe­rado em teus juízos.Não tires jam ais de minha boca a palavra da verdade. N ão

me impeças de rogar-te que não me deixes destituído de livram en­to; pois com o poderia eu continuar a proclam ar tua palavra se achar-m e caído? Esse parece-m e ser o curso do significado. A palavra da verdade não pode ser alegria em nossa boca, a m enos que tenham os experiência dela em nossa vida, e m anter silêncio não pode ser dem onstração de sabedoria se não podem os apoiar nosso testem unho no veredicto de nossa consciência. Esta oração pode tam bém indicar outros m odos pelos quais podem os ser im ­pedidos de falar em nom e do Senhor: com o, por exemplo, por cairm os em pecado público; por nosso aspecto deprim ido revelar frustração; por nosso labor sob enferm idade ou aberração mental, por não encontrarm os nenhum a chance de proclam ação ou não encontrarm os nenhum auditório disposto. Aquele que ou trora p re­gou o evangelho com entusiasm o fica cheio de horror ante a idéia

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de ser despojado de seu ministério; ele im plorará que lhe seja p e r­mitido partilhar um pouco seu santo testem unho e considerará seus dom ingos silenciosos como dias de banim ento e punição.

Pois tenho esperado em teus juízos. Ele esperava que Deus surgisse e defendesse sua causa, para que pudesse falar com con­fiança acerca de sua fidelidade. Deus é o Autor de nossas esperan­ças, e podem os mais oportunam ente rogar-lhe que as concretize. Os juízos de sua providência são o resultado de sua Palavra; o que ele diz nas Escrituras realmente põe em obra em seu governo provi- dente; podemos, pois, rogar-lhe que se mostre forte no meio de suas próprias ameaças e promessas, e que não esperarem os em vão.

Os m inistros de Deus são às vezes silenciados diante dos peca­dos de seu povo, e isso os leva a rogar contra tal juízo; seria m u i­tíssimo preferível que sofressem enferm idade ou pobreza do que ser apagada a cham a do evangelho entre eles, e que, portanto, fossem deixados a perecer sem remédio. Livre-nos o Senhor de que seus ministros se transform em em instrum entos na aplicação de tal penalidade. D em onstrem os um a esperançosa alegria em Deus, para que possam os suplicar em oração diante dele quando am eaçar fechar nossos lábios.

No final deste versículo há um a declaração do que o salmista tinha feito em referência à Palavra do Senhor, e nisto três das o ita­vas se assem elham com freqüência. Veja o versículo 35: “Pois nela me deleito” ; versículo 43: “Tenho esperado em teus juízos” ; versí­culo 51: “Não me afasto de tua lei”; versículo 59: “E volto meus passos para teus testem unhos”; e os versículos 67, 83, 99 etc. E s­tes versículos fornecem um a admirável série de meditações.

[v. 44]Assim, observarei de contínuo tua lei, para todo o sempre.N ada mais eficazm ente retém um a pessoa no cam inho do S e­

nhor do que a experiência da veracidade de sua Palavra, incorpo­rada na form a de misericórdias e livramentos. A fidelidade do S e­nhor não só abre nossas bocas contra seus adversários, mas tam ­bém une nossos corações a seu tem or, e faz nossa união com ele mais e mais sólida. As grandes m isericórdias nos levam a sentir

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uma inexprimível gratidão, a qual, deixando no tem po de expri­mir-se, prom ete encher a eternidade com louvores. Para um co ra ­ção inflamado com gratidão, os “para sempre, de eternidade a e te r­nidade”, do texto, não parecerão ser redundância. A hipérbole de Addison, em seu fam oso verso, é apenas um vislumbre de seu só ­lido sentido:

“Por toda a eternidade a tiUm jubiloso cântico entoarei:Mas, oh! a eternidade é breve demaisPara entoar todo teu louvor.”

Som ente a graça de Deus nos capacita a guardar seus m an d a­m entos sem interrupção e sem fim; o am or eterno deve transm itir- nos vida eterna, e desta vida eterna nos advém obediência eterna. Não há outra form a de a verdade perm anecer em nós, com o Davi orou para que ela perm anecesse nele.

O versículo com eça com “Assim”, com o fez o versículo 42. Q uando Deus concede sua salvação, somos assim favorecidos para silenciar nosso pior inimigo e glorificar nosso m elhor Amigo. A m isericórdia responde a todas as coisas. Se Deus pelo m enos nos der a salvação, podem os vencer o inferno e com unicar-nos com o céu, respondendo aos opróbrios e guardando a lei, e isso para todo o sempre.

Não podem os ignorar outro sentido que aqui se insinua. Davi orou para que a Palavra da verdade não fosse retirada de sua boca, e assim pudesse guardar a lei de Deus; ou, seja, m ediante o te s te ­m unho público e a vida pessoal, ele pudesse satisfazer a vontade divina e confirm ar os laços que o uniam para sem pre a seu S e­nhor. Indubitavelm ente, a graça que nos capacita a dar te s tem u ­nho com os lábios é de grande ajuda, para nós e para outros. S en ­timos que os juram entos do Senhor estão sobre nós, e q u e não podem os recuar. N osso m inistério é útil prim eiram ente a nós m es­mos, ou ele não seria, em segundo lugar, útil a outros. D evem os assim pregar e ensinar a Palavra de Deus para que, por ela, se cum pra nossa vida ativa e cum pram os a lei do amor, constan te e consistentem ente. E algo horrível quando a pregação h u m an a só

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Salmo 119faz aum entar o pecado do hom em , visto ela contrariar o que a Escritura ensina.

[v. 45]E andarei em liberdade, pois eu busco teus preceitos.Os santos não vêem escravidão na santidade. O Espírito de

santidade é um espírito livre; ele põe os hom ens em liberdade e os capacita para que resistam todo em penho para serem trazidos em sujeição. O cam inho da santidade não é um a pista para escravos, mas a rodovia do Rei para hom ens livres que jubilosam ente viajam do Egito da servidão para a Canaã do repouso perene. As m ise­ricórdias de Deus e sua salvação, ao ensinar-nos a am ar os precei­tos da Palavra, nos põem em deleitoso descanso; e quanto mais buscarm os a perfeição de nossa obediência, mais desfrutarem os a com pleta em ancipação de toda form a de servidão espiritual. Davi em certa época de sua vida se viu em grande servidão por haver seguido um a política tortuosa. Ele enganou Aquis tão persistente­m ente que foi levado a atos de ferocidade a fim de ocultar a frau ­de, o que o teria feito sentir-se infeliz em sua inusitada posição com o aliado dos filisteus e capitão da guarda de seu rei. Ele teria tem ido que, através de seu fracasso nas tortuosas veredas da falsi­dade, a verdade não mais estivesse em sua língua, e portanto orou para que Deus, de alguma forma, operasse seu livramento e o liber­tasse de tal escravidão. Por meio de coisas terríveis, com justiça, o Senhor respondeu a Ziklague: a rede foi rom pida, e ele escapou.

O versículo está unido ao que vem antes; pois ele com eça com a palavra: ‘E’, a qual funciona com o um gancho para ligá-lo aos versículos precedentes. Ele faz m enção de outro dos benefícios esperados da chegada das misericórdias de Deus. O hom em de Deus m encionou o silêncio de seus inimigos (v. 42), o poder para dar testem unho (v. 43) e a perseverança em santidade; agora ele habita em liberdade, a qual, associada à vida, é a mais desejada de todos os hom ens bravos. Diz ele: ‘andarei’, indicando seu p ro ­gresso diário pela vida a fora; ‘em liberdade’, como alguém fora da prisão, desim pedido dos adversários, desvencilhado dos fardos, desalgemado, com uma ampla visão e pairando sem m edo. Tal

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liberdade seria perigosa se um a pessoa visasse a si própria e a seus próprios prazeres; mas quando o único objeto buscado é a v on ta­de de Deus, não pode haver necessidade de constranger a quem busca. Não é preciso circunscrever a quem pode dizer: “Eu busco teus preceitos.” Observe, no versículo precedente, que ele disse que guardaria a lei; aqui, porém, ele fala de buscá-la. N ão tem ele em m ente que obedeceria o que conhece, e se em penharia em co ­nhecer m ais? Não é esse o cam inho para a mais elevada form a de liberdade — estar sem pre labutando por conhecer a m ente de Deus e conform ar-se a ela? Aqueles que guardam a lei estão certos de buscá-la, e afana-se em guardá-la mais e mais.

[v. 46]Também falarei de teus testemunhos na presença dos reis, e não sereienvergonhado.Isso é parte desta liberdade; ele está livre do medo dos hom ens

mais eminentes, mais soberbos, mais tiranos. Davi foi cham ado a pôr-se diante dos reis quando era um exilado; e depois, quando ele m esm o veio a ser um m onarca, já conhecia a tendência dos hom ens de sacrificar sua religião à pom pa e à política; m as tom ara a resolução de não fazer nada disso. Ele santificaria os princípios políticos e faria os estadistas saberem que som ente o Senhor é soberano entre todas as nações. Com o rei, ele falaria aos reis acer­ca do Rei dos reis. Diz ele: ‘Falarei’: a prudência poderia sugerir- lhe que sua vida e conduta seriam suficientes, e que seria aconse­lhável não tocar em questões de religião na presença de persona­gens da realeza que cultuavam outros deuses e reivindicavam o direito de assim o fazer. Ele já havia oportunam ente tom ado esta resolução m ediante a declaração: ‘A ndarei’; mas não fizera de sua conduta pessoal um a justificativa para o silêncio pecam inoso, pois acrescenta: ‘Falarei.’ Davi reivindicava sua liberdade religiosa e to ­mava cuidado em usá-la, pois falava daquilo em que ele cria m es­mo quando se achava na mais em inente com panhia. N o que ele dizia, tom ava cuidado em guardar a própria Palavra de Deus, pois diz: “Falarei de teus testemunhos.” N enhum tem a se assem elha a este, e não há o que fazer para que o tem a fique oculto no livro e

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Salm o 115?

usar seu pensam ento e linguagem . N ossa grande dificuldade em falar sobre tópicos sacros em todas as com panhias é a vergonha, porém o salmista afirma: “N ão terei vergonha.” Não há nada de que envergonhar-se, e não há justificativa para envergonhar-se, e não obstante m uitos ficam m udos com o cadáveres de m edo que algum a criatura como nós se sinta ofendida. Q uando Deus conce­de a graça, a covardia logo se desvanece. Aquele que fala como arauto de Deus, no poder de Deus, não se envergonha quando com eça a falar, nem enquanto está falando, nem depois de falar; pois seu tem a é próprio para reis, indispensável para reis e benéfi­co para reis. Se os reis objetarem, poderem os sentir vergonha de­les, porém jamais de nosso Senhor que nos enviou, nem de sua m ensagem , nem de seu propósito em enviá-la.

[v. 47]Deleitar-me-ei em teus mandamentos, os quais eu amo.Em com panhia da liberdade e da coragem vem o deleite. Q u an ­

do tivermos cum prido nosso dever, acharem os um a grande re ­com pensa nele. Se Davi não houvera falado por seu Senhor diante dos reis, teria tido m edo de m editar na lei que negligenciara; mas depois de falar por seu Senhor ele sentia a suave serenidade de coração, quando pondera sobre a Palavra. Obedeça ao m anda­m ento, e então você o amará; suporte o jugo, e ele será suave e o descanso procederá dele. Depois de falar da lei, o salmista não se cansava de seu tema, mas retirou-se para m editar nele. Depois de discursar, ele se deleitava; depois de pregar, ele recorria a seu es­tudo para renovar sua força, nutrindo-se um a vez mais da precio­sa verdade. Q uer deleitasse outros quer não, quando falava, nunca deixava de deleitar-se enquanto ponderava sobre a Palavra do S e­nhor. Ele declara que amava os m andam entos do Senhor; e a tra ­vés de sua confissão ele revelava a razão de deleitar-se neles — onde nosso am or está, aí está nosso deleite. Davi não se deleitava nas cortes dos reis, pois ali encontrava ocasiões de tentação para envergonhar-se; nas Escrituras, porém , era com o estar em casa; seu coração estava nelas, elas eram seu suprem o prazer. N ão su r­preende que falasse de guardar a lei, a qual amava. Disse Jesus:

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“Se alguém me ama, guardará m inhas palavras.” N ão surpreende que falasse de andar em liberdade e falar ousadam ente, pois o g e ­nuíno am or é sem pre livre e destem ido. O am or é o cum prim ento da lei; onde o am or pela lei de D eus reina no coração, a vida se enche de bem -aventurança. Senhor, que tuas misericórdias nos encontrem , para que possam os am ar tua Palavra e teu cam inho, e para que encontrem os neles todo nosso deleite.

O versículo está no tem po futuro, e daí ele expressa, não só o que Davi fizera, mas o que ele pretendia fazer; ele queria o p o rtu ­nam ente deleitar-se nos m andam entos de seu Senhor. Ele sabia que eles não podem ser alterados, nem deixar de produzir nele alegria. Ele sabia tam bém que a graça o guardaria na m esm a c o n ­dição de seu coração am ar os preceitos do Senhor, de m odo que, ao longo de toda sua vida, desfrutaria de suprem o deleite na san ­tidade. Seu coração estava tão fixo no am or para com a vontade de D eus, que tinha certeza de que a graça scmpTe o sustentaria sob sua deleitosa influência.

Todo o Salmo é um a constante expressão de am or pela Pala­vra; aqui, porém , pela prim eira vez, ele é verbalmente expresso. Ele aqui se acha associado ao deleite; e no versículo 165, à “g ra n ­de paz” . Todos os versículos em que o am or se expressa em tantas palavras são dignos de nota. Veja os versículos 47, 97, 113, 119, 127, 140, 159, 163, 167.

[v. 48]Levantarei minhas mãos para teus mandamentos, que amo, e medita­rei em teus estatutos.Levantarei minhas mãos para teus mandamentos, que amo.

Ele estende os braços para a perfeição até onde pode, esperando um dia poder alcançá-la. Q uando suas mãos penderem , ele recu- perar-se-á do langor pela visão prospectiva de glorificar a Deus através da obediência; e dará solene sinal de seu cordial assen ti­m ento e consentim ento quanto a tudo o que seu Deus ordena. A frase, “levantarei minhas m ãos”, é m uito significativa, e sem dúvi­da o terno cantor tinha em m ente tudo quanto podia ver nela e mais um a grande m edida. Uma vez mais ele declara seu amor;

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Salmo X\Jpois um coração sincero am a para expressar-se; é um gênero de fogo que espalharia suas chamas. Era natural que ele tivesse a seu alcance um a lei na qual se deleitava, com o se fosse um a criança que estende sua mão para receber um presente m uito desejável. Q uando um objeto tão amável, com o a santidade, é posto diante de nós, somos impulsionados em direção a ele em penhando toda nossa natureza, e enquanto não for plenam ente concretizado, no m ínim o estenderem os nossas m ãos em oração para recebê-lo. A onde mãos santas e corações santos vão, o hom em todo, um dia, tam bém irá.

E meditarei em teus estatutos. E possível que nunca tenha meditação bastante. Os súditos zelosos desejam familiarizar-se com os estatutos de seus soberanos para não ofendê-los em deco rrên ­cia da ignorância. O ração com m ãos erguidas, e m editação com olhos direcionados para o alto, num a ditosa união, produzirão os melhores resultados interiores. A oração do versículo 41 já se cu m ­priu na pessoa que luta olhando para cima e estuda visando às profundezas de seu coração. A totalidade deste versículo está no tem po futuro, e pode ser vista não só como um a determ inação da m ente de Davi, mas como um resultado que ele sabia se seguiria de enviar-lhe o Senhor suas misericórdias e sua salvação. Q uando a m isericórdia desce até nós, nossas mãos se erguem; quando d es­frutam os a consciência de que Deus pensa em nós com um am or especial, nos asseguram os de pensar tam bém nele.

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(w. 49-56)Lembra-te da palavra proferida a teu servo, na qual me tens feito es­perar. O que me consola em minha aflição é isto: que tua palavra me tem vivificado. Os soberbos zombam intensamente de mim; todavia não me afastei de tua lei. Lembrei-me de teus juízos de outrora e me sinto consolado, ó Senhor. De mim se apoderou a indignação, por causa dos perversos que abandonaram tua lei. Teus estatutos têm sido meus cânticos na casa de minha peregrinação, lenho recordado de teu nome, ó Senhor, durante a noite, e tenho guardado tua lei. 1'em-se dado assim comigo, porque guardo teus preceitos.Esta oitava trata do conforto oriundo da Palavra. Com eça b u s­

cando a principal consolação, ou, seja, o cum prim ento da p ro ­m essa do Senhor, e então m ostra como a Palavra nos sustenta na aflição e nos faz tão inacessíveis ao ridículo, movidos pela ríspida conduta dos ímpios, mais pelo horror de seu pecado do que por algum a subm issão a suas provocações. Somos, pois, inform ados como a Escritura apresenta cânticos para os peregrinos e m em óri­as para os vigias noturnos; e a porção term ina com a afirm ação geral de que toda sua felicidade e conforto são oriundos de g u a r­darem eles os estatutos do Senhor.

[v. 49]Lembra-te da palavra que proferiste a teu servo, na qual me tens feito esperar.Lembra-te da palavra que proferiste a teu servo. Ele indaga

não de um a nova prom essa, mas da antiga palavra cum prida. Ele está agradecido por haver recebido tão boa palavra, a qual abraça com todas as veras do coração, e agora suplica ao Senhor que o trate de acordo com ela. Ele não diz: “Lem bra-te de m eu serviço a

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Salmo Upti prestado”, mas de “tua palavra [ou prom essa] que proferiste a m im ” . As palavras dos senhores a seus servos nem sem pre são tais que os servos queiram que seus senhores as repitam; pois geral­m ente anotam as faltas e falhas no trabalho feito, naquilo que não correspondem à palavra de ordem. Mas servimos o m elhor dos senhores, sem medo de um a de suas palavras cair ao chão, visto que o Senhor tão bondosam ente nos lem bra de sua palavra de ordem , quando nos dá a graça para que possam os obedecer e nos traz à m em ória igualmente sua prom essa, de m odo que nosso co ­ração seja consolado. Se a palavra de Deus dirigida a nós como seus servos é tão preciosa, que diremos de sua palavra dirigida a nós com o seus filhos?

O salmista não teme estar ausente na m em ória do Senhor, se­não que faz uso da prom essa com o um a reivindicação, e esta é a form a na qual ele fala, segundo a m aneira dos hom ens quando argum entam uns com os outros. Q uando o Senhor lem bra os pe­cados de seus servos, e os põe diante de sua consciência, o peni­tente clama: Senhor, lem bra-te de tua palavra de perdão, e p o r­tanto lem bra-te de meus pecados e não inquiras nada mais. H á um universo de significado no verbo ‘lem brar’, quando dirigido a Deus; é usado na Escritura no mais terno sentido, e se adequa à depressão e ao deprim ido. O salmista clamou: “Senhor, lem bra-te de Davi e de todas as suas aflições” ; Jó também orou para que o Senhor lhe designasse um tem po determ inado e se lem brasse dele. No presente exemplo, a oração é tão pessoal como o “Lem bra-te de m im ” do ladrão, pois sua essência está nas palavras: “de teu servo” . Ser-nos-ia tudo em vão se a prom essa fosse lem brada em relação a todos os outros, e não se concretizasse em relação a nós; porém não existe tal probabilidade; pois o Senhor nunca olvidou sequer uma prom essa, feita a algum crente nele.

Na qual me tens feito esperar. O argum ento consiste em que Deus, havendo nos dado a graça para esperarm os, jamais nos d e ­sapontará nessa espera. Ele não pode fazer-nos esperar sem m oti­vo. Se esperam os em sua palavra, temos a base infalível sobre a qual edificar - nosso gracioso Senhor jamais zom bará de nós, nos incitando a falsas esperanças. A esperança indeferida faz o co ra­

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ção enfermo; daí a petição para im ediata lem brança da palavra de ânimo. Além do mais, ela é a esperança de um servo, e não é p o s­sível que um grande e bom senhor decepcione seu dependente. Se a palavra de um tal senhor não for guardada, isso só se daria a tra ­vés de um descuido; daí o aflitivo clamor: “L em bra-te.” N osso grande Senhor não esquecerá seus próprios servos, nem frustrará a expectativa que ele mesmo suscita; porque som os do Senhor, e nos esforçarem os por lem brar de sua palavra para obedecê-la; e estejam os certos de que ele se lem brará de seus próprios servos, e se lem brará de sua própria prom essa, fazendo com que se cum pra.

Este versículo é a oração de am or de alguém que teme ser es­quecido; de hum ildade de alguém que é cônscio de sua insignifi­cância e que tem e ser ignorado; de arrependim ento de alguém que trem e, esperando que o mal de seu pecado não tolde a prom essa; de ardente desejo de alguém que anela pela bênção; c de santa confiança de alguém que sente que tudo o que se deseja eslá co m ­preendido na Palavra. Sim plesm ente deixemos que o S enhor se lem bre de sua prom essa; e o ato prom etido é tão bom com o o concretizado.

[v. 50]O que me consola em minha aflição é isto: que tua palavra me temvivificado.Sua intenção é: Tua palavra é m eu conforto; ou: meu conforto

está no fato de que tua palavra me traz vivificação. Ou quis dizer que a esperança que Deus lhe deu era seu conforto, pois D eus o vivificara através dela. Seja qual for o sentido exato, é evidente que o salm ista sofria aflição — aflição peculiar a sua pessoa, a qual ele cham a “m inha aflição” ; que ele experim entava conforto nela —, conforto própria e especialmente seu, porquanto o denom inou de “m eu conforto”; e ele sabia qual era o conforto e donde viera, pois exclama: “Eis m eu conforto .” Os profanos seguram sua bolsa de dinheiro, e dizem: “Eis m eu conforto”; o perdulário aponta para a jovialidade e grita: “Eis meu conforto”; o ébrio ergue sua garrafa e canta: “Eis m eu conforto” ; mas a pessoa cuja esperança vem de Deus sente a vida gerada pelo poder da Palavra do Senhor e testi­

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fica: “Eis m eu conforto.” Paulo diz: “Eu sei em quem tenho crido .”O conforto é desejável em todo tem po; mas o conforto na afli­

ção é como um a lâm pada num lugar escuro. M uitos são incapazes de achar conforto na tribulação; mas esse não é o caso com os cristãos, pois seu Salvador lhes disse: “N ão vos deixarei órfãos.” Alguns têm conforto, porém não aflição; outros têm aflição, po ­rém não conforto; mas os santos têm conforto em sua aflição.

O term o freqüentem ente nos conforta, aum entando a força de nossa vida interior: “Este é m eu conforto; tua palavra me tem vivi- ficado.” Vivificar o coração é im prim ir espírito jovem à pessoa toda. As vezes o m odo mais prático para consolação é através da santificação e revigoram ento. Se não podem os afastar o nevoeiro, podem os subir a um ponto mais alto e ficar acima dele. As prova­ções que nos fazem vergar enquanto nos sentimos meio m ortos se tornam m era irrisão quando nos acham os no vigor da vida. E as­sim às vezes nosso espírito é soerguido pela graça que vivifica; e o m esm o às vezes se repete, pois o Consolador está ainda conosco, a Consolação de Israel sem pre vive e o próprio Deus de Paz é perenem ente nosso Pai. Ao volvermos nossos olhos para nossa vida pregressa, nos deparam os com motivos de conforto no que tange a nosso estado - a Palavra de Deus nos vivificou e nos conservou assim. Estávamos m ortos, mas não continuam os m ortos. Desse fato alegrem ente inferimos que, se o Senhor pretendesse destruir- nos, ele não nos teria vivificado. Se fôssemos apenas hipócritas dignos de irrisão, como os soberbos costum am dizer, ele não nos teria renovado por sua graça. Uma experiência de vivificação pela Palavra de Deus é um a fonte de efusivo bem.

Veja com o a experiência deste versículo se transform a em o ra ­ção no versículo 107: “Estou mui aflito; vivifica-me, ó Senhor, segundo tua palavra.” A experiência nos ensina com o orar e for­nece os argum entos para a oração.

[v. 51]Os soberbos zombam intensamente de mim; todavia, não me afasteide tua lei.Os soberbos zombam intensam ente de mim. Os soberbos

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nunca am am as pessoas agraciadas; e visto que as tem em , d isfar­çam seu tem or com pretenso desprezo. N este caso, seu ódio se manifesta no ridículo, e tal ridículo é altissonante e duradouro. Q uando queriam divertir-se, divertiam -se às custas de Davi, visto que ele era servo de Deus. Os hom ens devem ter olhos estranhos para serem capazes de ver farsa na fé e com édia na santidade; não obstante, é algo doloroso que os hom ens que são de pouca im agi­nação geralm ente conseguem provocar um a profusa gargalhada ao ridicularizar um santo. Pecadores conceituados conseguem d i­vertir-se de pessoas piedosas. Conseguem provocar ruidosa b rin ­cadeira quando caricaturam um m em bro fiel de “O Clube S an to” : seus m étodos de vida organizada são m atéria de gracejos, cha­m ando-o de “o m etodista”; e seu pecam inoso ódio põe suas lín­guas a falarem jocosidade contra o carrancudo e escrupuloso p u ­ritano, cham ando-o de hipocrisia. Se Davi era grandem ente es­carnecido, não podem os esperar escapar do escárnio dos ímpios. Existem ainda na face da terra hostes de pessoas soberbas, e se encontrarem um cristão em aflição serão bastante m aldosas e bas­tante cruéis para fazerem troças em seu detrim ento. Faz parte da natureza do filho da escrava escarnecer do filho da prom essa.

Todavia, não me afastei de tua lei. E assim os escarnecedores erraram o alvo: deram gargalhada, porém não venceram. O p iedo­so, ainda que se desvie de seu reto cam inho, nem assim se extin­gue sua paz, nem em qualquer sentido se desprende de seus hábi­tos santos. M uitos ter-se-iam declinado; m uitos têm se declinado; Davi, porém , não se declinou. Prestar dem asiada honra aos insen­satos eqüivale a conceder-lhes meia vitória. Sua profana hilarida- de não nos prejudicará se não lhe prestarm os atenção, porquanto a lua nada sofre dos cães que uivam olhando para ela. A lei de Deus é nossa suprem a via de paz e segurança, e os que m ofam de nós não nos desejam nenhum bem.

A luz do versículo 61, notam os que Davi não se deixaria ven­cer pelo espólio de seus bens em bora sofresse à vista de motejos tão cruéis. Veja tam bém o versículo 157, onde a m ultidão de p e r­seguidores e inimigos se viu frustrada em suas tentativas de fazê- lo desistir dos cam inhos de Deus.

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[v. 52]Lembrei-me de teus juízos de outrora e me sinto consolado, ó Senhor.Ele havia pedido ao Senhor que se lembrasse; aqui ele se lem ­

bra de Deus e de seus juízos. Q uando não divisarmos nenhum a m anifestação atual do poder divino, é sábio voltarm os aos reg is­tros de épocas anteriores, visto que são tão valiosos como se as transações fossem de ontem, já que o Senhor é sem pre o mesmo. Nosso verdadeiro conforto deve ser encontrado no que nosso Deus opera no interesse da verdade e do direito, e como as histórias dos tem pos de outrora estão saturadas das intervenções divinas, é bom nos fam iliarizarmos totalm ente com elas. Além do mais, se somos de idade avançada, temos diante de nós as providências de nossos primeiros anos, e elas não devem de form a alguma ser esquecidas nem deixadas fora de nossos pensam entos. O argum ento é bom e sólido: aquele que se tem dem onstrado forte em favor de seu povo crente é o Deus imutável, e portan to podem os esperar o livram en­to que vem de suas mãos. O sarcasm o dos soberbos não nos afligi­rá quando guardam os na m em ória como o Senhor tratou seus predecessores nos períodos primevos: os destruiu no dilúvio; os confundiu em Babel; os afogou no M ar Vermelho; os expulsou de Canaã - em todas as épocas ele desnudou seu braço contra os arrogantes, e os esmiuçou como se fossem vasos nas mãos do oleiro. Enquanto em nosso próprio coração hum ildem ente beberm os da m isericórdia divina em quietude, não ficaremos sem conforto em tem pos de tum ulto e escárnio; pois em tais m om entos recorrere­mos à justiça divina e nos lem brarem os como Deus escarnece dos escarnecedores: “Ri-se aquele que habita nos céus, o Senhor zomba deles.”

Ao ver-se profundam ente escarnecido, o salmista não sentou- se em desespero, mas recobrou seu ânimo. Ele sabia que o confor­to é indispensável ao vigor no serviço e à paciência na persegui­ção, portanto procurou confortar-se. Ao agir assim, ele recorreu não tanto ao lado dócil, mas ao lado austero dos tratos do Senhor - ele perm aneceu em seus juízos. Se podem os achar suavidade na justiça divina, quanto mais a sentiremos no am or e na graça de Deus! O hom em precisa estar em paz com Deus de tal form a que

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o conforto lhe seja assegurado, não só em suas prom essas, mas tam bém em seus juízos! M esmo as coisas terríveis de D eus são alvissareiras para o coração dos cristãos. Eles sabem que nada é mais vantajoso a todas as criaturas de Deus do que serem elas governadas por um a m ão forte que intervém com justiça. A pessoa justa não teme a espada do soberano, a qual só é terror para os malfeitores. Q uando o piedoso é injustam ente tratado, ele en co n ­tra conforto no fato de existir um Ser que é o Juiz de toda a terra, o qual vingará seus próprios eleitos e com pensará os males desses tem pos desordenados.

[v. 53]De mim se apoderou a indignação, por causa dos perversos que aban­donaram tua lei.Ele ficou horrorizado com a ação deles, com a soberba que os

levou a agirem assim e com o castigo que certam ente recairia so ­bre eles por causa de sua atitude. Ao m editar sobre os antigos juízos de Deus, ele encheu-se de horror ante a sorte dos ímpios, a qual poderia ser sua também. Seus zom badores não lhe causaram angústia, mas foi afligido pela antevisão da ruína deles. As verda­des que lhes serviam de troça, para ele eram motivo d e espanto. Ele os via totalm ente apostatados da lei de Deus, deixando-a com o um a vereda deserta e coberta de vegetação por falta de trânsito , e tal abandono da lei o encheu das mais dolorosas em oções. Ele estava atônito com a im piedade deles, estupefato com su a p resu n ­ção, alarm ado com a expectativa de sua súbita ruína, espan tado ante o terro r de sua infalível destruição.

Veja os versículos 106 e 158, e note a ternura que se harm o n i­za com tudo isso. Os que nutrem a mais firme convicção do eterno castigo dos ímpios são os que mais se entristecem co m sua d es­truição. N ão é evidência de ternura fechar alguém os o lhos para a pavorosa destruição dos ímpios. A com paixão é m uitíssim o m e­lhor dem onstrada ao tentarm os salvar os pecadores do q u e a te n ­tativa de to rnar agradáveis as coisas que cercam a to d o s. Ah! se Iodos nós nos sentíssem os mais aflitos ao m editar na so rte que aguarda os ímpios no inferno! O costum e geral é fech ar os olhos

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para ela, ou tentar ignorá-la; mas o servo fiel de Deus pode dizer: “N ão agi assim porque tem o a D eus.”

[v. 54]Teus estatutos têm sido meus cânticos na casa de minha peregrinação.Com o outros servos de Deus, Davi sabia que ele não tinha

casa neste m undo, mas era um peregrino nele, buscando um país superior. N ão obstante, ele não lastimava este fato, mas cantava a despeito dele. Ele não nos diz nada acerca de seus lamentos pere­grinos, mas fala de seus cânticos peregrinos. M esmo o palácio em que habitava não passava de “a casa de suas peregrinações” , a estalagem onde repousava, a estação onde parava por algum tem ­po. Os hom ens costum am cantar enquanto se acham em suas es- talagens, e assim faziam estes ímpios hóspedes de passagem . Ele, porém, cantava os cânticos de Sião, os decretos do grande Rei. Os m andam entos de Deus lhe eram sobejam ente conhecidos com o as baladas de seu país, e eram agradáveis a seu paladar e sonoros a seus ouvidos. Feliz é o coração que acha sua alegria nos m anda­m entos de Deus e faz da obediência sua recreação! Q uando há m úsica na religião, tudo fica bem. Q uando cantam os nos cam i­nhos do Senhor, isso m ostra que nosso coração está neles. N o s­sos Salmos são peregrinos, ou Cânticos dos Degraus; m as são de tal natureza que podem os cantá-los por toda a eternidade; pois os decretos do Senhor são o saltério dos mais altos céus.

Os santos acham horror no pecado e harm onia na santidade. Os ímpios se esquivam da lei; os justos a celebram com cântico. Nos dias de ou trora cantávam os os decretos do Senhor, e neste fato podem os extrair conforto para a aflição no presente. Visto que nossos cânticos são tão diferentes daqueles dos soberbos, p o ­dem os esperar reunir-nos num coral m uito diferente, no futuro, daquele em que ora cantam os, e com por m úsica num lugar m uito distante daquele em que os soberbos habitam.

N ote com o nos sextos versículos de suas respectivas oitavas encontram os am iúde disposição para bendizer a Deus, ou regis­tros de testem unhos. No versículo 46, temos: “Falarei” ; e no 62: “para te dar graças” ; enquanto que aqui ele fala de cânticos.

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[v. 55]Tenho recordado, ó Senhor, de teu nome durante a noite, e tenho guar­dado tua lei.Tenho recordado, ó Senhor, de teu nome durante a note.

Enquanto outros dorm iam , eu ficava acordado pensando em ti, em tua pessoa, em tuas ações, em teu pacto, em teu nom e — term o este no qual ele envolve o caráter divino até onde é ele revelado. Ele vivia tão ansioso pelo Deus vivo que acordava nas horas m o r­tas da noite a m editar sobre ele. Estes eram os “pensam entos n o ­tu rn o s” de Davi. Se não eram “m em órias lum inosas”, eram m e­m órias do Sol da Justiça. E ótimo quando nossa m em ória nos fo r­nece consolação, de m odo a poderm os dizer com o salmista: sen­do inicialm ente instruído a conhecer-te, só tinha que recordar as lições de tua graça, e m eu coração foi consolado. Este versículo revela não só que o hom em de Deus recordava, mas também que ele ainda lem bra do Senhor seu Deus. Temos que santificar o nom e de D eus, e não podem os fazer isso se ele escapa a nossa mem ória.

E tenho guardado tua lei. Ele encontrou santificação através da m editação; através dos pensam entos noturnos ele adm inistrava as ações diurnas. Com o as ações diurnas às vezes criam os sonhos noturnos, assim os pensam entos noturnos produzem os feitos d iu r­nos. Se não guardarm os o nom e de Deus em nossa memória, não guardarem os a lei de Deus em nossa conduta. A negligência m en ­tal nos leva à negligência no viver diário.

Q uando ouvim os as canções noturnas dos farristas, temos nisso segura evidência de que não guardam a lei de Deus; m as as silen- tes m editações das pessoas agraciadas são prova positiva de que o nom e do S enhor lhes é mui querido. Por suas canções podem os julgar as nações, e o m esm o se dá no tocante aos hom ens; e no caso dos justos, seu cantar e seu meditar são ambos indicações de seu am or a D eus: quer elevem suas vozes, quer se quedem em silêncio, continuam glorificando o Senhor. Bem -aventuradas são as pessoas cujos “pensam entos noturnos” são m em órias da luz eterna; serão lem bradas pelo Senhor quando a noite da m orte che­gar. Am ado leitor, seus pensam entos na escuridão são cheios de luz, por serem cheios de D eus? Seu N om e é o tem a natural de

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suas reflexões noturnas? Então ele dará um doce matiz a suas h o ­ras noturnas e meridianas. O u seria o caso de você dedicar toda sua m ente a preocupações evanescentes e a deleites deste m undo? Se esse é o caso, não surpreende de você não viver com o deveria. N inguém é casualm ente santo. Se não nutrim os nenhum a m em ó­ria de Jeová, é evidente que tam bém não nos lem brarem os de seus m andam entos; se não pensam os nele secretam ente, não o obede­cerem os publicamente.

[v. 56]Tem-se dado assim comigo porque eu guardei teus preceitos.Ele estava de posse deste conforto, desta lem brança de Deus,

deste poder para cantar, desta coragem para encarar o inimigo, desta esperança na prom essa, porque tinha ardentem ente obser­vado os m andam entos de Deus e se diligenciava em andar neles. N ão somos galardoados por nossas obras, mas há nelas um a re ­com pensa. Para muitos, o conforto só é obtido por um viver zelo­so. Podemos seguram ente dizer de tal consolação: “Eu obtive isto por guardar teus preceitos.” Com o podem os vencer o ridículo se estam os vivendo de m aneira inconsistente? Com o podem os con­fortavelmente lem brar-nos do N om e do Senhor se vivemos displi­centem ente?

É possível que Davi quisesse dizer que ele fora capacitada a guardar a lei em virtude de haver considerado os preceitos separa­dam ente; que havia tom ado os m andam entos detalhadam ente, e assim atingira a santidade de vida. Aquele que não é zeloso das partes da lei não pode guardá-la como um todo. O u é possível que ele quisesse dizer que, ao guardar determ inados preceitos, adqu i­rira força espiritual para guardar os outros. Pois Deus dá mais graça aos que têm alguma m edida dela, e os que aperfeiçoam seus talentos descobrirão que eles m esm os são aperfeiçoados. Talvez seja m elhor deixar a passagem aberta justam ente com o faz nossa versão; de m odo que possam os dizer de mil bênçãos inestimáveis: “Elas nos alcançaram no cam inho da obediência.” Todas as n o s­sas possessões são dons da graça, e no entanto é inquestionavel­m ente verdadeiro que algumas delas nos vêm na form a de galar­

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dão. M esmo quando as coisas boas nos vêm nesta form a de galar­dão, não assum em o caráter de dívida, m as de graça. Deus prim ei­ro opera em nós as boas obras, e em seguida nos galardoa em função delas. Esta é um a condescendência complexa, um fruto da benevolência.

N este versículo temos um a conclusão apropriada para esta se­ção do Salmo, visto que ela contém um forte argum ento em prol da oração que abriu a seção. Se tem os sido auxiliados a recordar os m andam entos de nosso Senhor, podem os estar certos de que ele se lem brará de nossas necessidades. O terno cantor tinha ce r­teza de haver guardado os preceitos de Deus, e portanto podia suplicar mais apropriadam ente que o Senhor mantivesse suas p ro ­messas. Por toda a passagem podem os deparar-nos com apelos, especialm ente nas duas lembranças. “Tenho lem brado de teus ju í­zos” e “Tenho lem brado de teu nom e”; “Lem bra-te de tua palavra para com teu servo”.

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(w. 57-64)Tu és minha porção, ó Senhor; eu disse que guardaria tuas palavras. Imploro de todo o coração teu favor; sê misericordioso para comigo, segundo tua palavra. Pondero em meus caminhos e volto meus passos para teus testemunhos. Apresso-me, não me detenho em guardar teus mandamentos. Os laços dos perversos me enleiam; contudo não me esqueci de tua lei. Levanto-me à meia-noite para te render graças, movido por teus retos juízos. Companheiro sou de todos os que te te­mem e dos que guardam teus preceitos. A terra, Senhor, está cheia de tua misericórdia; ensina-me teus estatutos.N esta seção, o salmista parece tom ar sólida posse de Deus

mesmo: apropriando-se dele (v. 57); clam ando a ele (v. 58); vol­tando-se para ele (v. 59); consolando-se nele (w . 61, 62); associ­ando-se a sua pessoa (v. 63); e suspirando por sua instrução pes­soal (v. 64). N ote como o prim eiro versículo desta oitava é vincu­lado ao último da anterior, do qual ele é de fato um a expansão. “Tem-se dado assim comigo, porque guardo teus preceitos. Tu és m inha porção, ó Senhor; eu disse que guardaria teus preceitos.” Em bora sejam muitos, estes versículos são apenas um único pão.

[v. 57]Tu és minha porção, ó Senhor; eu disse que guardaria tuas palavras.Tu és minha porção, ó Senhor. Uma expressão interrom pida.

Os tradutores a têm m elhorado com algumas inserções, mas é p ro ­vável que o m elhor seja deixá-la como está, e então apareceria com o um a exclamação — “M inha porção, ó Senhor!” O poeta se sente absorto em perplexidade enquanto se dá conta de que o im en­surável e glorioso Deus é toda sua possessão! E bem provável que seja assim, porque não há possessão como o próprio Jeová. A fo r­

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m a da sentença expressa jubiloso reconhecim ento e apropriação - “M inha porção, ó Jeová!” Davi am iúde presenciava a divisão da presa e ouvia os gritos dos vitoriosos em torno dela; aqui ele se regozija como alguém que tom a posse de parte do despojo; ele escolhe o Senhor para ser sua parte do tesouro. Com o os levitas, ele tom ou Deus para ser sua porção, e deixou outras partes para aqueles que as cobiçavam. Eis aqui um a grande e duradoura h e ­rança, pois ela inclui tudo, e mais que tudo, e que dura mais que tudo; e no entanto ninguém a escolhe para si enquanto Deus não o houver abençoado, separado e renovado. Q uem é realm ente sábio que hesitaria por um instante quando o D eus infinitam ente bem - aventurado se põe diante dele para ser o objeto de sua escolha? Davi aproveitou a oportunidade e apoderou-se da inestimável d á ­diva. N osso autor, aqui, ousa exibir o certificado de propriedade de sua porção na presença do próprio Senhor, pois ele expressa sua jubilosa declaração diretam ente a Deus, a quem ousadam ente cham a m inha porção. Tendo amplo cam po onde escolher, pois ele era rei e um hom em de grandes recursos, deliberadam ente volta as costas a todos os tesouros do m undo e declara que o Senhor, Jeo­vá mesmo, é sua porção.

Eu disse que guardaria tuas palavras. Nem sempre podem os relem brar com conforto daquilo que dissemos, mas neste exemplo Davi expressou-se sabiamente e m uito bem. Ele declarou sua es­colha; ele preferiu a palavra de Deus às riquezas m undanas. Era sua firme resolução guardar - ou seja, entesourar e observar - as palavras de seu Deus; e como havia outrora solenem ente expresso na presença do próprio Senhor, assim aqui ele confessa a penho- rada obrigação de seu juram ento anterior. Disse Jesus: “Se a l­guém me ama, guardará minhas palavras”, e esse é um caso que ele podia citar com o um a ilustração; pois o am or do salmista por Deus, com o sua porção, o levou a guardar as palavras de seu Deus. Davi tom ou a Deus tanto como seu Príncipe quanto com o sua Porção. Ele estava confiante quanto a seu interesse por Deus, e por isso estava resoluto em sua obediência a ele. A plena convic­ção é um a poderosa fonte de santidade. As próprias palavras de Deus devem ser harm azenadas; pois quer se relacionem com a

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doutrina, com a prom essa, ou com o preceito, são m uitíssim o p re­ciosas. Q uando o coração está determ inado a guardar essas pala­vras, e tenha registrado seu propósito no tribunal celestial, está preparado a enfrentar todas as tentações e provações que porven­tura lhe recaiam ; pois, com Deus por sua herança, ele sem pre des­fruta a boa atmosfera.

[v. 58]Imploro de todo o coração teu favor; sê misericordioso para comigo,segundo tua palavra.Imploro de todo o coração teu favor. Uma posse plenam ente

assegurada de Deus não descarta a oração; ao contrário, nos im ­pele para ela. Aquele que sabe ser D eus o seu Deus buscará sua face, anelando por sua presença. Buscar a presença de Deus é a idéia com unicada pela leitura marginal, “tua face”, e isso condiz com o hebraico. A presença de Deus é a mais elevada form a de seu favor [graça], e por isso é o mais urgente desejo das almas agraci­adas. A luz de seu semblante nos transm ite um a prelibação do céu. Oh, que sem pre desfrutem os dela! O bom hom em suplicou o so r­riso de Deus como alguém que implorava por sua vida, e toda a força de seu desejo acom panhava a súplica. Apelos tão ardentes garantem o sucesso; aquilo que vem de nosso coração certam ente irá ao coração de Deus. Todas as graças de Deus estão à disposi­ção daqueles que as buscam de todo seu coração.

Sê m isericordioso para com igo, segundo tua palavra. Ele im plorou por graça, e a form a em que mais necessitava dela é a da misericórdia; pois ele é mais pecador do que todos os demais. Ele nada pede além da prom essa, apenas roga por aquela m isericórdia revelada pela palavra. E o que mais poderia ele querer ou desejar? Deus revelou essa infinita m isericórdia em sua palavra, de m odo que seria impossível conceber mais que isso. Veja com o o salmista insiste no favor e misericórdia; ele nunca sonha com mérito. Ele não exige; suplica. Pois sente sua própria indignidade. N ote como ele perm anece um suplicante, em bora soubesse que em seu Deus ele possuía todas as coisas. Deus é sua porção, e m esm o assim ele im plora para contem plar sua face. N unca entrou em sua m ente a

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idéia de qualquer outra posição diante de Deus além daquela de alguém im erecidam ente favorecido. Aqui tem os seu “sê m isericor­dioso para com igo” em anando com tal intensidade de hum ilde apelo com o se ainda perm anecesse entre o mais trem ente dos p e ­nitentes. A confiança da fé nos torna ousados em oração, m as ela nunca nos ensina a vivermos sem oração, ou a nos justificarm os em ser algo mais além de humildes suplicantes diante do portão da m isericórdia.

[v. 59]Pondero em meus caminhos e volto meus passos para teus testemu­nhos.Enquanto estudava a Palavra, ele era levado a estudar sua p ró ­

pria vida, e isso provocava poderosa revolução. Ele chegava-sc à Palavra e em seguida volvia para si próprio, e isso o fazia erguer-se e chegar-se a seu Pai. A ponderação é o início da conversão. Pri­meiro pensam os; e então nos volvemos. Q uando a m ente se a rre ­pende dos m aus cam inhos, os pés são logo guiados aos bons c a ­minhos. Mas não há arrependim ento algum enquanto não houver reflexão profunda e sincera. M uitas pessoas são contrárias a qual­quer tipo de reflexão; e no que tange à ponderação sobre seus cam inhos, não podem suportá-la, pois seus cam inhos não supor­tam que sejam examinados. Os cam inhos de Davi não eram tudo aquilo de que ele desejava que fossem, e assim seus pensam entos eram tem perados com o ânimo extraído do pesar; mas ele não concluiu com lam entações frívolas, mas deu início a um a repara­ção prática: volveu-se e revolveu-se, buscou os testem unhos do Senhor e apressou-se em desfrutar um a vez mais o inconfundível favor de seu Amigo celestial. Ação sem reflexão é estupidez; e re ­flexão sem ação é indolência. Refletir cuidadosam ente e então agir determ inadam ente é um a feliz com binação. Ele im plorara por co ­m unhão renovada, e agora prova a genuinidade de seu anelo d e ­m onstrando obediência renovada. Se nos encontrarm os em trevas c sentirm os a ausência de Deus, nosso mais sábio m étodo será não tanto ponderar sobre nossas angústias, mas sobre nossos ca ­minhos: ainda que não possam os reverter o curso da providência,

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Salmo 11?

podem os reverter o cam inho de nossa jornada, e isso eqüivale a imediata reparação. Se podem os endireitar im ediatam ente os pés para um a santa jornada, podem os endireitar im ediatam ente n o s­sos corações para um santo viver. Deus aprim orará seus santos quando se volverem para ele; sim, ele já os favoreceu com a luz de seu rosto quando com eçaram a pensar e a dar meia volta.

[v. 60]Apresso-me, e não me detenho em guardar teus mandamentos.Ele preparou tudo rapidam ente para reaver a estrada real da

qual se desviara e voltou a percorrê-la com os cam inheiros do Rei. Prontidão no arrependim ento e prontidão na obediência são dois fatores excelentes. Tão am iúde nos apressam os para o pecado. Tomara que tenham os mais pressa rum o à obediência! Delonga em arrepender-se propicia o arrefecim ento no pecado. Ser lento em guardar os m andam entos eqüivale a transgredi-los. H á m uito mal em retardar o passo quando o m andam ento de Deus precisa ser seguido. U m santo entusiasm o no serviço deve ser bem culti­vado. Ele é operado em nós pelo Espírito Santo, e os versículos precedentes descrevem o m étodo dele — passam os a perceber e a chorar nossos erros, somos levados de volta à vereda certa e então nos anim am os a recuperar o tem po perdido, lançando-nos ao cum ­prim ento do preceito.

Sejam quais forem as escorregadelas e desvios de um coração honesto, ainda resta nele bastante da vida genuína para produzir piedade ardente quando for vivificado pela visitação de Deus. O salmista suplicou por misericórdia, e quando a recebeu tornou-se entusiasta e veemente nos cam inhos do Senhor. Ele os am ara sem ­pre, e por isso, quando foi enriquecido com a graça, dem onstrou grande vivacidade e deleite neles. Ele foi duplam ente dinâmico: positivamente, “apressou-se”; negativamente, recusou a dar qual­quer motivo que insinuasse procrastinação - ele “não delongou” . E assim fez rápidos avanços e realizou m uito serviço, cum prindo assim o juram ento que está registrado no versículo 57: “Eu disse que guardaria tuas palavras.” Os m andam entos que ele nutria tan ­ta solicitude em obedecer não eram ordenanças hum anas, e, sim,

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E x p o s i ç ã o &

preceitos do Altíssimo. M uitos são zelosos em obedecer a co stu ­mes e a agrem iações religiosas, e no entanto são relapsos em ser­vir a Deus. E um clam oroso vexame que os hom ens sejam servidos com toda presteza, e que a obra de Deus seja encarada com d es­consideração ou realizada com displicente negligência.

[v. 61 ]Os laços dos perversos me enleiam; contudo não me esqueci de tua lei.Os laços dos perversos me enleiam. O utrora zom bavam dele;

agora o defraudam . Os ímpios se tornam piores e ficam cada vez mais ousados, ao ponto de passarem do ridículo ao roubo. M uita dessa ousada oposição surge de se juntarem em bandos. M uitas pessoas ousam fazer em grupos o que não ousariam nem m esm o pensar quando sozinhas. Q uando se põem tições juntos, não há com o dizer que tipo de cham a poderão produzir. Tudo indica que jun taram todos os bandos com o intuito de assaltar este filho de Deus; são suficientem ente covardes para qualquer coisa; em bora não pudessem matá-lo, todavia o roubavam; os cães de Satanás atorm entam os santos, caso não possam devorá-los. Os inimigos de Davi fizeram seu máximo: prim eiro, as serpentes silvam; em seguida, picam . Já que as palavras não surtiram efeito, os perver­sos recorreram aos golpes. Q uanto os ímpios têm saqueado os santos em todos os tem pos, e quão am iúde têm os justos su p o rta ­do alegrem ente o espólio de seus bens!

Contudo não me esqueci de tua lei. Isso foi m uito bom. Nem seu senso de justiça, nem sua m ágoa em suas perdas, nem suas tentativas em defender-se o desviou dos cam inhos de Deus. Ele preferiu não e rrar para impedir o sofrim ento proveniente do erro, nem fazer o m al com o vingança contra o mal. Ele levava a lei em seu coração, e por isso nenhum a perturbação de seu espírito p o ­deria desviá-lo de segui-la. Ele preferia esquecer de si próprio a n ­tes que esquecer da lei. Estava pronto a perdoar e esquecer as injúrias feitas contra si, pois seu coração estava saturado com a Palavra de D eus. Os bandos de perversos não o espoliaram de seu mais precioso tesouro, visto que não lhe roubaram sua santidade e sua felicidade.

Salmo 11?

H á quem lê esta passagem assim: “Bandos de perversos me cercam .” Encurralaram -no; suprim iram -lhe todo e qualquer so ­corro; bloquearam toda via de escape; o hom em de Deus, porém , tinha consigo um protetor; um a consciência límpida confiava na prom essa, e com um a brava resolução aferrou-se ao preceito. Ele não podia ser nem seduzido nem m anobrado pelo pecado. O co r­dão dos ímpios não podia ocultar Deus dele, nem ele de Deus. Deus era sua porção, e ninguém podia privá-lo dela, nem por fo r­ça, nem por fraude. Eis a genuína graça que pode suportar o teste. Alguns são graciosos apenas entre o círculo de seus amigos; este hom em , porém , era santo m esm o rodeado por seus inimigos.

[v. 62]Levanto-me à meia-noite para te dar graças, por causa de teus justosjuízos.Ele não nutria m edo algum dos ladrões; erguia-se do leito não

para vigiar sua casa, mas para louvar a Deus. M eia-noite é a hora dos arrom badores, e havia um a horda deles em torno de Davi, mas eles não ocupavam seus pensam entos; foram todos apanha­dos e destruídos pelo Senhor seu Deus. Ele não cogitava de la­drões, mas de dar graças; não do que eles poderiam roubar, mas do ele daria a seu Deus. Um coração grato é um a bênção tal que afasta os tem ores e dá lugar ao louvor. Ações de graças convertem noite em dia e consagram todas as horas ao culto divino. Cada hora é canônica para um santo.

O salmista observava a postura; ele não continua deitado en ­quanto louva. Não existe m uita im portância na posição do corpo, mas há algo, e esse algo tem de ser observado sem pre que o m es­m o seja útil à devoção e expresse nossa diligência ou hum ildade. M uitos ajoelham sem orar; alguns oram sem ajoelhar; m as o p re ­ferível é associar joelhos e oração. Isso ocorreu aqui; não teria havido virtude alguma levantar-se do leito sem render graças, e não haveria pecado algum em dar graças sem levantar-se do leito; mas levantar-se e dar graças são um a ditosa com binação. Era um tem po de quietude e solidão, quando seu zelo foi provado. A meia- noite ninguém o estaria observando nem o perturbando; era seu

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merecido tempo, o qual reservara para dorm ir, quando estaria isen­to de sacrificar os deveres públicos e dedicar-se a suas devoções privativas. M eia-noite encerra um dia e com eça outro; era, p o r­tanto, necessário entregar-se a m om entos solenes de com unhão com o Senhor. No meio da noite ele apresentava-se a seu Deus. Ele tinha ações de graças a oferecer pelas m isericórdias que Deus exercera para com ele. Ele tinha em sua m ente a verdade contida no versículo 57: “Tu és m inha porção” ; e se algo pode levar al­guém a cantar no meio da noite, aqui está esse algo.

Os feitos justos do grande Juiz alegraram o coração deste san ­to hom em . Os juízos divinos são o lado som brio de Deus, mas não exercem terror algum nos justos; eles os adm iram e adoram o S e­nhor deles; eles se erguem do leito no meio da noite para bendizer a Deus, para que ele vingue seu próprio eleito. H á quem odeia a própria noção de justiça divina, e nisso constituem o polo oposto deste hom em de Deus, que se enchia de jubilosa gralidão ante a m em ória das sentenças do Juiz de toda a terra. Não há dúvida de que na expressão, “teus justos juízos”, Davi se refere tam bém aos juízos escritos de Deus sob vários pontos da conduta moral; aliás, todos os preceitos divinos podem ser visualizados p o r esse pris­ma; são todos eles as decisões legais do Suprem o Arbitro quanto ao certo e errado. Davi sentia-se fascinado com esses juízos. Com o Paulo, ele pôde dizer: “Deleito-me na lei de Deus em consonância com o hom em interior.” E possível que não achasse tem po sufici­ente durante o dia para estudar as palavras da divina sabedoria, ou para bendizer a Deus por elas, e assim renunciava seu m erecido sono para que pudesse expressar sua gratidão por tão santa Lei e por tão soberano Legislador.

Este versículo é um avanço no sentido do 52, e contém , em adição, a essência do 55. N osso autor nunca se repete; em bora suba e desça a m esm a escala, sua m úsica tem um a variedade infi­nita. As perm utas e combinações que podem ser form adas com um as poucas verdades vitais são inumeráveis.

[v. 63]Companheiro sou de todos os que te temem e dos que guardam teuspreceitos.

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Salmo 11̂

Companheiro sou de todos os que te temem. O últim o versí­culo diz: “Levanto-m e”; e este diz: “Eu sou” . E difícil nu trir certe ­za quanto ao futuro, a m enos que estejamos certos agora. O santo hom em gastava suas noites com Deus e seus dias com o povo de Deus. Os que temem a Deus am am os que o temem, e fazem uma seleção m uito dim inuta do núm ero de seus com panheiros sobre a base de serem eles hom ens tem entes a Deus. Davi era um rei, não obstante era amigo de todos os que tem iam ao Senhor, quer fos­sem obscuros ou famosos, pobres ou ricos. Ele era m em bro do colégio de todos os santos.

Ele não selecionou uns poucos santos especialmente em inen­tes e deixou os crentes com uns fora. Ele sentia-se feliz por p erten ­cer à sociedade daqueles que tinham apenas o princípio da sabe­doria na form a de “o tem or do Senhor” . Ele sentia-se prazeroso em sentar-se com eles nas mais humildes formas da escola da fé. Ele buscava o tem or piedoso do coração, mas tam bém esperava ver a piedade externa naqueles a quem ele admitia em sua socieda­de; daí acrescentar: e dos que guardam teus preceitos. Se g u ar­dassem os m andam entos do Senhor, o servo do Senhor conserva­ria sua com panhia. Davi tinha consciência de estar do lado piedo­so; ele sem pre pertencera à confraria puritana. Os hom ens de Be- lial o odiavam por isso, e sem dúvida o desprezavam por conservar essa incom ensurável com panhia de hom ens e m ulheres humildes, escrupulosos e religiosos; mas o hom em de Deus de form a alguma se envergonhava de seus associados; por isso até m esm o se glori­ava em confessar sua união com eles - que seus inimigos façam o que puderem com ela. Ele encontrou prazer e proveito nessa santa sociedade; ele cresceu mais associando-se aos bons e recebendo honra por conservar tão honrosa com panhia. O que diz o leitor? Você confia nessa santa sociedade? Sente-se em casa entre essas pessoas agraciadas? Se a resposta é positiva, então você pode ex­trair conforto desse fato. As aves da m esm a espécie se m antêm juntas. U m a pessoa é conhecida pela com panhia que m antém . Os que não nutrem o tem or de Deus em seu coração dificilmente d e ­sejarão a com panhia dos santos; isso seria m uito desconcertante; seria m açante demais. Eis nosso conforto quando somos entre -

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gues à morte: congregar-nos-em os com aqueles que am aram os santos na terra; serem os contados em seu núm ero nas regiões ce ­lestiais.

H á um tesouro de paralelismo entre a oitava sete e oito, entre a sétim a de Teth e de Jod (v. 79); m as, com o regra, as sim ilaridades que foram tão claras nos versículos iniciais estão agora se to rn an ­do indistintas. A m edida que o sentido se aprofunda, a form a a rti­ficial de expressão é m enos perceptível.

[v. 64]A terra, Senhor, está cheia de tua misericórdia; ensina-me teus estatutos.A terra, Senhor, está cheia de tua misericórdia. Davi tem

vivido em exílio, porém nunca esteve longe da misericórdia, pois descobrira que o m undo está por toda parte saturado dela. Ele vagueara pelos desertos e vivera escondido pelas cavernas, e ali vira e sentira a munifícência do Senhor. A prendera que, longe dos limites da terra da prom essa e da raça de Israel, o am or dc (eová ali se estendia, e neste versículo ele expressa a idéia da m agnani­m idade de Deus que é tão raram ente vista entre os judeus m oder­nos. Q ue doce nos é saber que não só há m isericórdia estendida por todo o m undo, mas tam bém que há um a imensa profusão dela perm eando toda a terra! Não há que estranhar que o salmista, já que conhecia o Senhor como sua porção, esperasse obter para si um a boa m edida de misericórdia. Ele desejava conhecer mais de alguém tão bondoso; e como o Senhor tão graciosam ente se tem revelado na natureza, ele sentiu-se encorajado a orar: “ensina-m e teus estatutos” . Ser ensinado pessoalm ente por Deus era-lhe um a idéia magnífica, bem como ser instruído na própria lei de Deus. Não lhe era possível im aginar um a m isericórdia m aior que essa. Seguram ente, aquele que enche o universo com sua graça a tende­rá a um pedido com o este, provindo de seu próprio filho. Anele- mos pelo Jeová Todo-m isericordioso, e que nos assegurem os de que isso se cum pra em nós.

O prim eiro versículo desta oitava é arom atizado com plena certeza e forte resolução, e este últim o versículo transborda com a convicção da plenitude divina e com a dependência pessoal do

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Salmo 11<?

salmista. Isso serve de ilustração p a ra o fato de que a plena certeza não desencoraja a oração nem serve de obstáculo à hum ildade. Não seria erro algum se disséssem os que ela cria a hum ildade e estim ula a súplica. “Tu és m inha porção, ó Senhor” é seguido bem de perto por “ensina-m e” ; pois o herdeiro de um grande estatuto deve ser plenam ente educado, para que seu com portam ento esteja em plena harm onia com seu bom êxito. Que exemplo de d iscípu­los devemos revelar cuja herança é o Senhor dos Exércitos! A que­les que têm Deus por sua Porção anseiam tê-lo como seu Mestre. Além do mais, aqueles que decidiram obedecer são os mais solíci­tos em deixar-se instruir. “Eu disse que guardaria tuas palavras” é lindam ente seguido de “ensina-m e teus estatutos”. Os que dese­jam guardar um a lei tam bém anseiam conhecer todas as suas cláu­sulas e provisões para que não ofendam pela inadvertência. A que­le que não se preocupa em deixar-se instruir pelo Senhor jamais nutrirá honesta resolução de ser santo.

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(w. 65-72)Tens tratado bem a teu servo, ó Senhor, segundo tua palavra. Ensina- me bom juízo e conhecimento, pois tenho crido em teus mandamentos. Antes de ser afligido, eu andava errante, mas agora guardo tua pala­vra. Tu és bom e fazes o bem; ensina-me teus estatutos. Os soberbos têm forjado mentiras contra mim; não obstante, guardarei teus precei­tos de todo o coração. Tornou-se-lhes o coração insensível, como se fosse de sebo; mas eu me deleito em tua lei. Foi bom ter eu sido afligi­do, para que aprendesse teus estatutos. Para mim vale mais a lei que procede de tua boca do que milhares de ouro ou de prata.N esta nona seção, os versículos no hebraico com eçam todos

com a letra Teth. Estes versículos são os atributos da experiência testificando da benevolência divina, da graciosidade de suas ativi­dades em relação a nós e da preciosidade de sua Palavra. Especial­m ente, o salmista proclam a o excelente uso da adversidade e da bondade de Deus ao ser ele afligido. O versículo 65 é o texto- chave de toda a oitava.

[v. 65]Tens feito bem a teu servo, ó Senhor, segunda tua palavra.Este é o sum ário de sua vida, e com certeza é o de nossa p ró ­

pria vida. O salmista dá ao Senhor o veredicto de seu coração. Ele não pode ficar em silêncio, e tem de expressar sua gratidão na presença de Jeová, seu Deus. A luz da bondade universal de Deus na natureza, no versículo 64, é um passo simples e agradável a um a confissão da invariável bondade do Senhor para com nossa personalidade. E algo com que D eus por fim terá que tra tar com cada um de nós, seres insignificantes e destituídos de m éritos. E seu trato conosco é muitíssimo bom, m aravilhosam ente bom. Ele

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Salmo WJfez todas as coisas bem; não há exceção nesta regra. Ao providen­ciar, ao agraciar, ao proporcionar prosperidade e ao enviar adver­sidade, em tudo isso Jeová nos tem tratado bem. E agir bem de nossa parte dizer ao Senhor que sentimos que ele tem agido bem em relação a nós. Pois tal louvor é especialmente oportuno e con ­veniente. Essa bondade do Senhor não é de form a algum a casual. Ele prom eteu agir assim, e o tem cum prido segundo sua palavra. É muitíssimo precioso ver a palavra do Senhor sendo cum prida em nossa ditosa experiência. Ela faz com que a Escritura se nos torne muitíssimo valiosa e nos leva a am ar o Senhor da Escritura. O livro da Providência corresponde ao livro da Promessa. O que lemos na página da inspiração encontram os nas folhas da história de nossa vida. N em imaginávamos que fosse assim; m as nossa incredulidade é desfeita assim que vemos a m isericórdia do S e­nhor em nosso favor e sua fidelidade para com sua Palavra. D o ­ravante nos vemos forçados a exibir um a fé mais sólida, tanto em Deus quanto em sua prom essa. O m esm o que falou fielmente tam ­bém age fielmente. Ele é o melhor dos senhores; pois é em favor de servos por demais indignos e incapazes que ele age assim tão g ra ­ciosamente. Não é esta, porventura, a causa de nos deleitarmos mais e mais em seu serviço? Não podem os dizer que temos tra ta ­do corretam ente nosso Senhor; pois quando tivermos feito tudo, ainda serem os servos inúteis. No caso de nosso Senhor, porém, ele nos tem dado trabalho leve, proteção sobeja, encorajam ento am oroso e salários liberais. Porventura nos surpreende se ele há m uito tem po nos haja desobrigado, ou, pelo m enos, reduziu n o s­sas porções e nos tratou asperam ente? Contudo não tem os sofri­do m aus tratos; tudo tem sido ordenado com tanta consideração, como se tivéssemos prestado perfeita obediência. Temos tido pão suficiente e até de sobra; nossa vida tem sido suprida e seu serviço nos tem enobrecido e nos feito felizes com o reis. Não temos m oti­vo algum para queixa. Entregam o-nos a ações de graças adorati- vas e nos acham os outra vez ocupados em render graças.

[v. 66]Ensina-me bom juízo e conhecimento, pois creio em teus mandamentos.

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f TX PO S IÇ Ã O J

Ensina-me bom juízo e conhecimento. U m a vez mais ele roga por instrução, com o no versículo 64, e um a vez mais usa a m iseri­córdia divina com o argum ento. Visto que Deus o tra tara bem , ele se vê anim ado a orar por juízo a fim de apreciar a bondade do Senhor. O dom do bom juízo é um a forma de bondade de que o piedoso mais carece e mais deseja, e é aquela que o Senhor está mais pronto a conceder. Davi sentia que fracassava com freqüên­cia no juízo em questão do trato do Senhor com ele — da falta de conhecim ento que o levava a julgar mal a mão disciplinadora do Pai celestial, e por isso pede que agora que seja melhor instruído, já que percebe a injustiça que fizera ao Senhor por suas conclu ­sões precipitadas. Eis o que ele quer dizer: Senhor, tu me Iratavas bem quando eu pensava estivesse sendo duro e arbitrário; que te aprazas dar-m e mais bom senso, para que em m om ento algum pense eu tão injustam ente de meu Senhor. Um vislumbre de n o s­sos erros e um senso de nossa ignorância podem tornai'-nos dó ­ceis. Não somos aptos a julgar, porquanto nosso conhecim ento ó lam entavelm ente inexato e imperfeito; se o Senhor nos m inistrar conhecim ento, obterem os bom juízo, mas não de outra forma. Só o Espírito Santo pode encher-nos de luz e dar-nos discernim ento equilibrado. Q ue anelemos ardentem ente por suas instruções, vis­to ser mais desejável que não mais sejamos m eras crianças em conhecim ento e discernim ento.

Pois creio em teus mandamentos. Seu coração era reto, e por isso esperava que sua cabeça tam bém o fosse. Ele tinha fé, e por isso esperava receber sabedoria. Sua m ente estabelecera a convic­ção de que os preceitos da Palavra do Senhor eram, portanto, ju s ­tos, sábios, saudáveis e proveitosos. Ele cria na santidade, e visto que tal convicção com certeza é obra da graça na alma, ele b u sca ­va ainda mais operações da graça divina. Aquele que crê nos m a n ­dam entos é a pessoa que pode conhecer e entender as doutrinas e as prom essas. Se olharm os para trás, para nossos equívocos e ig- norâncias, poderem os ver se ainda am am os sinceram ente os p re ­ceitos da vontade divina; terem os boas razões de esperar que seja­m os discípulos de Cristo e que ele nos ensinará e nos fará pessoas de bom juízo e de são conhecim ento. A pessoa que aprende o d is­

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Salmo 115?

cernim ento através da experiência, e dessa m aneira se to rna a l­guém de são juízo, é um valioso m em bro da igreja e o instrum ento de m uita edificação para outros. Sejamos todos muitíssimo úteis, apresentando a oração deste versículo: “Ensina-m e bom ju ízo e conhecim ento.”

[v. 67]Antes cie ser afligido, eu andava errante, mas agora guardo tua palavra.Antes de ser afligido, eu andava errante. Em parte, quem

sabe, pela ausência de provação. As vezes nossas provações funci­onam com o um a cerca de espinho a proteger-nos na boa p asta ­gem; nossa prosperidade, porém , é um a fenda através da qual nos extraviamos. Se algum de nós se lem bra de algum a vez em que não tinha provação, provavelmente tam bém recorde que então a graça era lenta e a tentação m uito forte. E provável que algum cristão clame: “Oh, está acontecendo com igo o m esm o que n a ­queles dias antes de ser afligido!” Esse é um lam ento m uito estu l­to, e procede de um am or carnal por boa vida. A pessoa espiritual que prega o crescim ento em graça bendirá a Deus pelo fato de que aqueles dias podem vir; e se o tem po for tem pestuoso demais, isso tam bém será m uito saudável. E bom quando a m ente é aberta e cândida, com o no presente caso. E provável que Davi jamais h o u ­vera conhecido e confessado seus próprios extravios, não fora ele golpeado pela vara divina. Por que razão um pouco de tranqüili­dade nos causa tanta mazela? N unca podem os descansar sem e n ­torpecer-nos? N unca estar cheios sem engordar? N unca subir em relação a um m undo sem descer em relação ao outro? Q ue cria tu ­ras som os sendo incapazes de suportar um pouco de prazer?! Que corações vis são os que convertem a abundância da bondade divi­na em ocasião para pecar?!

Mas agora guardo tua palavra. A graça está no coração que tira proveito de sua disciplina. N ão existe proveito algum em arar um solo im produtivo. Q uando não há vida espiritual, a aflição não produz benefício espiritual. Mas quando o coração é saudável, a dificuldade desperta a consciência, o desvio é confessado, a alma se torna um a vez mais obediente ao m andam ento e continua firme

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nessa vereda. C horar não converte um rebelde em filho; m as ao verdadeiro filho um toque de vara é um corretivo infalível. N o caso do salmista, a m edicina da aflição operou um a m udança — “m as” ; um a m udança im ediata - “agora”; um a m udança final - “g u a r­do” ; um a m udança em direção a Deus - “tua palavra” . Antes que lhe sobreviesse tribulação, ele andou errante; mas depois que c o n ­servou no íntimo a cerca da Palavra, e deparou-se com boa p asta ­gem para a alma, a provação o acorrentou a seu devido lugar; ela o guardou, e ele, por sua vez, guardou a palavra de Deus. D oces são as utilidades da adversidade, e esta é um a delas. Ela põe um freio na transgressão e fornece um a espora para a santidade.

[v. 68]Tu és bom e fazes o bem; ensina-me teus estatutos.Tu és bom e fazes o bem. M esmo na aflição, Deus c bom c faz

o bem. Aqui está um a confissão provinda da experiência. Deus c inerentem ente bom, e em cada atributo de sua natureza ele c bom na plenitude do term o; aliás, ele possui o m onopólio da bondade, pois ninguém há que seja bom senão Deus. Seus atos são segundo sua natureza - de um a fonte pura só pode fluir águas puras. Deus não é bondade latente e inativa; ele se manifesta por meio de seus feitos; ele é ativam ente beneficente; ele fa z o bem. Todo o bem que ele nos faz nenhum a língua poderia contar! Q uão bom ele é n e ­nhum coração pode conceber! E bom adorar o Senhor, com o faz o poeta aqui, ao descrevê-lo. Os fatos acerca de Deus são o m e­lhor louvor que se pode atribuir a Deus. Toda glória que podem os tribu tar a Deus é refletir sua própria glória sobre ele mesmo. Não podem os expressar a bondade de Deus m elhor do que ele m esm o o faz. Crem os em sua bondade, e assim o honram os por meio de nossa fé; adm iram os sua bondade, e assim o magnificamos por meio de nosso testem unho.

Ensina-me teus estatutos. A m esm a oração de antes, secun­dada pelo m esm o argum ento. Ele ora: “O Senhor é bom e m e faz o bem, para que eu seja igualm ente bom e faça o bem através de sua instrução .” O hom em de Deus era um erudito e se deleitava na instrução. Ele atribuía isso à bondade do Senhor, e esperava que,

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Salmo 11?

pela m esm a razão, lhe fosse perm itido perm anecer na escola e aprender ainda que pudesse praticar perfeitam ente cada lição. Sua cartilha preferida eram os estatutos [decretos] divinos; ele não queria nenhum a outra. Conhecia o doloroso resultado de tran s­gredir esses estatutos [ou decretos], e através de um a dolorosa experiência foi reconduzido ao cam inho da justiça; e por isso ro ­gava, com o o maior exemplo possível da bondade divina, que pudes­se adquirir um perfeito conhecimento da lei e um a completa con ­formidade com ela. Aquele que lamenta não haver guardado a pala­vra, anela por ser instruído nela. E aquele que se regozija no fato de que pela graça tem sido instruído a guardá-la, não se sente menos ansioso para que a mesma instrução tenha seguimento para ele.

N o versículo 12, que é o quarto versículo de Beth, tem os o m esm o sentido que neste quarto versículo de Teth.

[v. 69]Os soberbos têm forjado mentiras contra mim; não obstante, eu guar­darei teus preceitos de todo o coração.Os soberbos têm forjado mentiras contra mim. Prim eiram en­

te, zom baram dele (v. 51); em seguida, o defraudaram (v. 61); e agora, o difamam. Ao injuriarem seu caráter, recorreram à falsida­de, pois, se falassem a verdade, nada encontrariam contra ele. F o r­jaram m entira com o o ferreiro que, na bigorna, dá form a a uma arm a de aço; ou falseavam a verdade como os hom ens que forjam um a m oeda falsa. O original pode sugerir um a expressão comum: “Eles im provisaram um a m entira contra m im .” Para a m entira não se revelavam tão soberbos. A soberba é um a m entira; e quando um soberbo pronuncia m entiras, “fala do que lhe é próprio” . Os so ­berbos geralm ente são os mais am argos oponentes dos justos. N utrem inveja de sua boa fama e são ávidos em arruiná-la. A calú­nia é um a arm a vulgar e sem pre à mão, se o objetivo for a destru i­ção de um a reputação agraciada; e quando muitos soberbos en ­tram em conluio para exagerar e divulgar falsidade maliciosa, g e ­ralm ente conseguem ferir suas vítimas, e não é por falta de esforço se não conseguem m atá-las de vez. Oh, veneno viperino que corre dos lábios dos mentirosos! M uitas vidas felizes têm sido am argu­

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f 7XPOSIÇÃO ?

radas por ele, e m uita reputação intocável tem sido envenenada como se fosse por um a droga letal. E em extremo doloroso ouvir pessoas inescrupulosas m alhando persistentem ente na b igorna do diabo a fim de forjar um a nova calúnia; o único antídoto contra ela é a doce prom essa: “N enhum a espada desem bainhada contra ti prosperará, e condenas toda língua que age contra ti em ju ízo.”

Não obstante, eu guardarei teus preceitos de todo o coração.M inha ansiedade consiste em atentar p a ra m inha própria situação e aderir aos m andam entos do Senhor. Se a lama lançada contra nós não cegar nossos olhos, nem m acular nossa integridade, p o u ­co prejuízo nos causará. Se guardarm os os preceitos, estes m es­m os preceitos nos guardarão no dia da afronta e da calúnia. Davi renova sua resolução — “guardarei”; e tem um a nova visão dos m andam entos, e os vê como sendo realm ente do Senhor — “teus preceitos” ; e desperta toda sua natureza para a atividade - “de todo m eu coração” . Q uando os ditam adores nos lorçam a uma obediência mais resoluta e atenta, eles contribuem para (ornar nosso bem mais durável. A falsidade proferida contra nós pode ser uma arm a a prom over nossa fidelidade à verdade, e a malícia dos h o ­m ens pode contribuir para o aum ento de nosso am or por Deus. Se tentarm os responder às m entiras verbalmente, podem os ser batidos na batalha; um a vida santa, porém , é uma refutação inde­fensável contra todas as calúnias. A malevolência é desviada se perseverarm os em santidade a despeito de toda oposição.

[v. 70]Tornou-se-lhes o coração insensível, como se fosse de sebo; eu, porém,me deleito em tua lei.Tornou-se-lhes o coração insensível, como se fosse de sebo.

Eles se deleitam na gordura; eu, porém , me deleito em ti. Seus corações, pela indulgência sensual, tornaram -se insensíveis, g ros­seiros e torpes; tu, porém , me salvaste de tal destino por tua m ão disciplinadora. Os soberbos engordam -se pelas luxúrias carnais, e isso os torna ainda mais soberbos. Espojam-se em sua prosperi­dade, e com isso enchem seus corações ainda mais, tornando-se insensíveis, efem inados e am antes dos prazeres. U m coração se ­

Salmo \\Jboso é algo horrível; é um a sebosidade que leva um a pessoa a to r­nar-se estulta, um a degeneração oleosa do coração que conduz à debilidade e m orte. A gordura em tais pessoas eqüivale a destru i­ção da vida nelas. D ryden escreveu:

“Oh almas! Nas Quais não se vê nenhum fogo celestial,Mentes sebosas, sempre rastejantes pela terra."

N esta conexão, os hom ens não têm o coração posto em nada mais senão na luxúria; seu próprio ser não parece outra coisa fa­zer senão cozinhar lentam ente na gordura da panela para o b an ­quete. Vivendo da gordura da terra, sua natureza é subjugada por aquilo que os tem alimentado; os m úsculos de sua natureza se to rnam frágeis e sebosos.

Eu, porém, me deleito em tua lei. Q uão m elhor é alegrar-se na lei do Senhor do que alegrar-se nas indulgências sensuais! Isso faz o coração saudável e m antém a m ente submissa. N inguém que ame a santidade tem o mais leve motivo de invejar a prosperidade de pessoas m undanas. O deleite na lei enaltece e enobrece, e n ­quanto que o prazer carnal obstrui o intelecto e degrada as afei­ções. H á e sem pre haverá um vivido contraste entre o cristão ge­nuíno e o m oralm ente depravado, e esse contraste se vê tanto nas afeições do coração quanto nas ações da vida: o coração deles é gordo e seboso; e o nosso se deleita na lei do Senhor. Nossos deleites são o m elhor teste de nosso caráter do qualquer outra coisa: o hom em é exatam ente o que é seu coração. Davi lubrifica- va as rodas da vida com seu deleite na lei de Deus, e não com a gordura da sensualidade. Ele tinha suas delícias e requintes, suas festas e deleites, e tudo isso ele desfrutava fazendo a vontade do Senhor seu Deus. Q uando a lei se converte em deleite, a obediên­cia é um a bênção. A santidade no coração leva a alma a alim entar- se da abundância da terra. Tendo a lei por nosso deleite, produzirá em nossos corações os efeitos opostos da própria soberba: o en ­torpecim ento, a sensualidade e a obstinação serão curados, e nos tornam os dóceis à instrução, sensíveis e espirituais. Q uão criteri­osos devemos ser, vivendo sob a influência da lei divina, para não cairmos debaixo da lei do pecado e da morte!

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[v. 71]Foi bom ter sido eu afligido, para que aprendesse teus estatutos.Foi bom ter sido eu afligido. M esmo quando a aflição prove­

nha de pessoas ruins, ela conduzia a fins benéficos; ainda que fos­se prejudicial quando provinda de tais pessoas, para Davi ela era boa. Ele sabia m uito bem que ela o beneficiava de m uitas m anei­ras. Q uaisquer que fossem os pensam entos que lhe sobreviessem enquanto enfrentava a provação, ele tinha consciência de que era m elhor assim. Não era bom ver os soberbos prosperando, pois seus corações se tornavam ainda mais sensuais e insensíveis; mas a aflição tinha um caráter positivo para o salmista. N osso pior nos é m elhor que o m elhor para os pecadores. Para os pecadores, a alegria se torna nociva; e para os santos, a tristeza é benéfica. In findos benefícios nos têm sobrevindo através de nossas dores c tristezas; e no mais, perm anece isto: que assim temos sido instru í­dos na lei.

Para que aprendesse teus estatutos. N osso conhecim ento c nossa observância destes estatutos nos vieram enquanto sentía­mos os golpes da vara. O ram os ao Senhor para que nos instruísse (v. 66), e agora percebem os que ele já fez isso. Aliás, na verdade ele nos tem tratado bem, pois nos tem tratado de form a m uito sábia. Temos sido guardados, através de nossas provações, da ig­norância e de um coração seboso, e isso, se porventura não exis­tisse nada mais, seria causa suficiente de constante gratidão. Ser engordado pela prosperidade não é saudável para a soberba; mas, em prol da verdade, ser instruído pela adversidade é saudável para a hum ildade. Mui pouco se tem a aprender sem aflição. Para se r­mos bons alunos, temos de ser bons sofredores. Com o dizem os latinos: Experientia clocet - a experiência ensina. N ão há estrada régia para se aprenderem estatutos régios; os m andam entos de Deus são m elhor lidos por olhos úm idos de lágrimas.

[v. 72]Para mim vale mais a lei que procede de tua boca do que milhares deouro ou de prata.A lei que procede de tua boca. Um título docem ente expressi­

Salmo U?

vo para a Palavra de Deus. Ela vem da própria boca de Deus com frescor e poder para nossas almas. Coisas escritas são com o ervas secas; m as a expressão verbal tem em si jovialidade e bálsamo. Fazemos bem em buscar a Palavra do Senhor como se ela fosse um a nova expressão para nossos ouvidos; pois em cada verdade não se vê a defasagem dos anos, mas é tão eficaz e veraz com o se fosse expresso pela primeira vez. Os preceitos são apreciados q uan­do se descobre que saíram dos lábios de nosso Pai que está no céu. Os m esm os lábios que nos com unicaram a existência, com unica­ram a lei pela qual devemos governar essa mesma existência. D o n ­de é possível que um a lei proceda tão docem ente com o aquela que procedeu da boca do Deus do pacto? Bem que poderíam os avaliar acima de todo e qualquer preço aquilo que provém de um a tal fonte!

Para mim vale mais do que milhares de ouro ou de prata. Seum pobre houvera dito isso, as pretensões do m undo teriam insi­nuado que as uvas são ácidas e que os hom ens que não possuem riquezas são os primeiros a desprezá-las; mas este é o veredicto de um hom em que era dono de riquezas, e que podia julgar, com base na experiência real, o valor do dinheiro e o valor da verdade. Ele fala de grandes riquezas; as am ontoara aos milhares; ele faz m enção das variedades de suas formas — “ouro e p ra ta”; e então põe a Palavra de Deus em prim eiro lugar, como sendo o m elhor para si mesmo, ainda que outros não cressem que ela fosse m elhor para eles. A riqueza é benéfica em alguns aspectos, mas a obediên­cia é m elhor em todos os aspectos. E bom guardar os tesouros desta vida; porém m uito mais recomendável é guardar a lei do Senhor. A lei é m elhor que o ouro e a prata, pois estes podem ser roubados de nós, porém não a Palavra; ouro e prata podem criar asas, porém a Palavra de Deus perm anece; ouro e prata são inúteis no m om ento da morte; mas é nesse m om ento que a prom essa é mais preciosa. Os cristãos instruídos reconhecem o valor da Pala­vra do Senhor, e ardorosam ente a expressam, não apenas em seu testem unho, a seus semelhantes, mas, em suas devoções, a Deus. E um sinal indelével de um coração que aprendeu os estatutos de Deus quando temos por eles um valor superior a todas as posses­

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sões terrenas; e é igualm ente um a m arca infalível da graça quando os preceitos da Escritura são tão preciosos quanto suas p rom es­sas. O Senhor nos leva assim a valorizar a lei de sua boca.

Veja com o esta porção do Salmo está sazonada com benevo­lência. Os tratos de Deus são bons (v. 65); seu santo juízo é bom (v. 66); a aflição é boa (v. 67); Deus é bom (v. 68); e aqui a lei é não apenas boa, mas m elhor que o m elhor tesouro. Senhor, faz- nos bons, através de tua boa Palavra! Amém.

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(w. 73-80)Tuas mãos me fizeram e me formaram; dá-me entendimento para apren­der teus mandamentos. Os que te temem alegrar-se-ão quando me vi­rem; porque tenho esperado em tua palavra. Bem sei, ó Senhor, que teus juízos são retos, e que em tua fidelidade me afligiste. Rogo-te que tua misericordiosa benevolência seja para meu conforto, segundo tua pa­lavra a teu servo. Que tuas temas misericórdias venham sobre mim, para que eu viva; pois tua lei é meu deleite. Sejam os soberbos enver­gonhados; pois sem causa me trataram perversamente; eu, porém, meditarei em teus preceitos. Voltem-se para mim os que te temem, e aqueles que têm conhecido teus testemunhos. Que meu coração seja íntegro em teus testemunhos, para que eu não seja envergonhado.Chegam os agora à décima porção, a qual em cada instância

com eça com Jod; mas certam ente não trata de coisas mínimas, rótulos e outras futilidades. O profeta está profundam ente triste, porém espera ser libertado e tornar-se alvo de bênção. Esforçan- do-se na vereda da instrução, o salmista primeiro busca ser instruído (v. 73), se persuade de que será bem recebido (v. 74) e então repe­te o testem unho que tencionava transm itir (v. 75). O ra por mais experiência (w . 76, 77), pela frustração dos soberbos (v. 78), pela reunião dos piedosos a seu redor (v. 79) e, um a vez mais, por si mesmo, para que pudesse ser plenam ente equipado para dar seu testem unho e fosse sustentado no mesm o propósito (v. 80). Este é um ansioso, porém esperançoso, clamor de alguém que se sente profundam ente aflito em virtude dos cruéis adversários, e p o rtan ­to faz seu apelo a Deus com o seu único Amigo.

[v. 73]Tuas mãos me fizeram e me formaram; dá-me entendimento para aprender teus mandamentos.

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Tuas mãos me fizeram e me formaram. É proveitoso reco r­dar nossa criação; é agradável ver que a m ão divina tem m uito a ver conosco; pois ela nunca se move à parte do pensam ento divi­no. Excita a reverência, a gratidão e a afeição para com Deus q u an ­do o visualizamos com o nosso Criador, exercendo ele a criteriosa habilidade e poder de suas mãos em form ar-nos e m oldar-nos. Ele tom ou um pessoal interesse por nós, fazendo-nos com suas p ró ­prias mãos; foi duplam ente solícito, pois ele é descrito tanto com o a criar-nos com o a m oldar-nos. Seja em dar existência, ou em organizar a existência, o Senhor m anifestou am or e sabedoria; e portanto acham os motivo para louvor, confiança e expectativa em nosso ser e bem -estar.

Dá-me entendimento para aprender teus mandamentos. Umavez que me fizeste, agora ensina-m e. Aqui está o vaso que form as- te: enche-o, ó Senhor! Tu me deste tanto a alma com o o corpo: concede-m e agora tua graça para que m inha alma saiba o que queres, e que m eu corpo se lhe una plenam ente para fazer tua vontade. A súplica é m uito vivaz; é um a ampliação do clamor: “Não te esqueças da obra de tuas próprias m ãos.” Sem discernirm os a lei do Senhor e nos tornarm os obedientes a ela, somos imperfeitos e inúteis; m as podem os racionalm ente esperar que o grande O lei­ro com plete sua obra e lhe dê o toque final, com unicando-lhe sa ­cro conhecim ento e santo caráter. Se Deus nos fizera toscam ente e não nos form ara elaboradam ente, este argum ento perderia m u i­tíssimo sua força; mas seguram ente à luz da delicada arte e m ara ­vilhosa habilidade como o Senhor dem onstrou na form ação do corpo hum ano, podem os inferir que ele está pronto a exercer igual em penho para com a alma, até que ela assum a perfeitam ente sua imagem.

U m a pessoa sem m ente é um idiota, um m ero arrem edo de ser hum ano; e um a m ente sem a graça [divina] é ímpia, a dolorosa perversão de um a mente. O ram os para que não sejamos deixados sem juízo ou discernimento espiritual: isso o salmista buscou no versículo 66, e aqui suplica novam ente pelo mesmo: sem ele não há com o realm ente conhecer e guardar os m andam entos. Os tolos podem pecar; mas som ente os que são instruídos por Deus podem

Salm o 11?

ser santos. Às vezes falamos de pessoas dotadas; mas aquele que tem os melhores dons é a quem Deus tem dotado com um discer­nim ento santificado para assim conhecer e valorizar as veredas do Senhor. N ote bem que a oração de Davi por discernim ento não é um a busca de conhecim ento especulativo, para o deleite de sua própria curiosidade: ele deseja um juízo iluminado, para que p o s­sa aprender os m andam entos de Deus e assim tornar-se obediente e santo. N ão há melhor aprendizado do que este. U m a pessoa pode perm anecer no colégio onde esta ciência é ensinada todos os dias, e todavia clamar por aquela habilidade que a faça aprender mais. O m andam ento de Deus é excessivamente amplo, e portanto p ro ­picia liberdade de ação para que a m ente seja ainda mais vigorosa e instruída; de fato, ninguém possui, por natureza, um entendi­m ento capaz de ultrapassar tão amplo campo; daí a oração: “Dá- me entendim ento” ; como costum a-se dizer: posso aprender outra coisa com a m ente que tenho, mas tua lei é tão pura, tão perfeita, espiritual e sublime, que necessito de um a m ente alargada antes de tornar-m e proficiente nela. Ele apela a seu Criador para que faça isto, como se sentisse que nenhum poder tacanho o poderia fazer sábio para a santidade. Necessitamos de nova criação, e quem no-la pode conceder senão o próprio Criador? Aquele que nos fez viver deve fazer-nos aprender; aquele que nos concede poder tem condi­ção de dar-nos a graça para discernir. Q ue cada um de nós sussurre ao céu a oração deste versículo antes de avançar mais um passo; pois estaremos perdidos mesmo nessas petições a m enos que alce­mos nossa oração dessa forma e clamemos a Deus por discernimento.

[v. 74]Os que te temem alegrar-se-ão quando me virem; porque tenho espe­rado em tua palavra.Q uando um a pessoa tem ente a Deus obtém graça para si, ela

se torna um a bênção para outrem , especialmente se essa graça a fez um a pessoa de são entendim ento e santo conhecim ento. As pessoas tem entes a Deus são encorajadas quando se deparam com cristãos experientes. U m a pessoa cheia de esperança é enviada de Deus quando as coisas estão se declinando ou à beira do abismo.

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Q uando as esperanças de um cristão se concretizam , seus com pa­nheiros são reanim ados e solidificados, e passam tam bém a ter esperança. E agradável aos olhos ver alguém cujo testem unho c o n ­fessa que o Senhor é fidedigno; é um a das alegrias dos santos m anter diálogo com seus irmãos mais m aduros. O tem or de Deus não é um a graça m esquinha, com o alguns a cham am ; ela é p lena­m ente consistente com a alegria; pois se a m era presença de um amigo alegra os tem entes a Deus, quão alegres devem ser aqueles que se encontram na presença do próprio Senhor! Não só p rocu ­ram os levar os fardos uns dos outros, mas também procuram os partilhar as alegrias uns com os outros, e assim as pessoas ag ra­ciadas contribuem sobejamente para o aum ento da felicidade m ú ­tua; os esperançosos levam no âm ago de sua alma a felicidade. Os espíritos desanim ados disseminam o contágio da depressão, e por isso dificilmente alguém se alegra em sua com panhia; enquanto que, aqueles cujas esperanças se fundam entam na Palavra de Deus, levam em si o resplendor em suas faces e recebem as boas-vindas de seus amigos. Q uando os que confessam a Cristo trazem em seus lábios palavras frias e indiferentes, todos os corações dos p ie­dosos evitam sua com panhia. Q ue este jamais seja o nosso caráter!

[v. 75]Bem sei, ó Senhor, que teus juízos são retos, e que em tua fidelidade meafligiste.Bem sei, ó Senhor, que teus juízos são retos. Aquele que

aprende mais deve ser mais grato pelo que já sabe e estar disposto a declará-lo para que Deus seja glorificado. O salmista tinha sido dolorosam ente provado, mas continuou a esperar em Deus em m eio a sua provação, e agora declara sua convicção de que havia sido disciplinado justa e sabiamente. Ele não só imaginava isso, m as tam bém tinha convicção de que assim era, de m odo que foi taxativo e falou sem sequer um m om ento de hesitação. Os santos estão certos sobre a justa razão de suas tribulações, m esm o q u an ­do não consigam ver o propósito delas. Os piedosos se alegraram ao ouvirem Davi dizer isso: E que em tua fidelidade me afligiste. Visto que o am or requeria severidade, então o Senhor a exerceu.

Salmo 11?

Não é por Deus ser infiel que o cristão às vezes se encontra em m om entos dolorosos, mas justam ente por razões opostas: é a fi­delidade de Deus a seu pacto que traz a vara sobre os eleitos. Pode não ser necessário que outros sejam provados da m esm a forma; mas era necessário ao salmista, e por isso o Senhor não reteve a bênção. Nosso Pai celestial não é Eli: ele não pode ver seus filhos pecarem sem repreendê-los; seu am or é im enso demais para que isso aconteça. A pessoa que faz a confissão deste versículo já está progredindo na escola da graça, e está assimilando os m andam en­tos. Este terceiro versículo da seção corresponde ao terceiro do Teth (v. 67), e form a um degrau para os outros vários versículos que fazem as terças em suas oitavas.

[v. 76]Rogo-te que tua misericordiosa benevolência seja para meu conforto,segundo tua palavra a teu servo.Havendo confessado a retidão do Senhor, ele agora apela para

sua m ercê e, enquanto não solicita que a vara seja afastada, fervo­rosam ente roga para que ela lhe traga conforto. Retidão e fidelida­de não nos propiciam conforto se tam bém não provarm os a m ercê divina e, bendito seja Deus, esta nos é prom etida na Palavra, e portanto podem os aguardá-la. As palavras “m isericordiosa bene­volência” são um a feliz combinação, e expressam exatam ente o de que necessitam os na aflição: m isericórdia que perdoa o pecado e benevolência que nos sustenta na tristeza. Com estas podem os ser confortados no dia nublado e frio, e sem elas ficamos, de fato, expostos à miséria; por isso, pois, orem os ao Senhor, a quem te ­mos desagradado com nossos pecados, e apelemos para a palavra de sua graça com o nossa única razão para esperar seu favor. Ben­dito seja seu nome, pelo fato de, não obstante nossas faltas, se r­mos ainda seus servos e servirmos a um Senhor tão compassivo.

H á quem lê assim a última cláusula: segundo teu provérbio a teu servo; algum a palavra especial do Senhor teria sido lem brada e apresentada em form a de apelo. E possível lem brarm o-nos de al­gum a “palavra fiel”, e fazer dela a base de nossa petição? A frase: “segundo tua palavra” é um a muitíssimo favorita; revela o motivo

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para a m isericórdia e o método da misericórdia. Nossas orações estarão de acordo com a mente de Deus quando estiverem de aco r­do com a Palavra de Deus.

[v. 77]Que tuas ternas misericórdias venham sobre mim, para que eu viva;pois tua lei é meu deleite.Que tuas ternas misericórdias venham sobre mim, para que

eu viva. Ele se sentia tão deprim ido, que se via ante a porta da m orte, caso Deus não o socorresse. Ele carecia não só de m iseri­córdia, mas de misericórdias, e estas deveriam ser de um gênero m ui gracioso e obsequioso; sim, ternas misericórdias, pois ele so ­fria com suas dolorosas feridas. Esses ternos favores são proveni­entes do Senhor, pois nada m enos seria suficiente; e devem todos ‘vir’ ao coração do sofredor, pois ele não era capaz de sair em busca deles; tudo o que ele podia fazer era vislumbrá-los de longe e rogar: “Oh, que eles venham!” Se o livramento não viesse logo, ele sentia com o já a expirar; e todavia nos disse em apenas um versículo que havia muito que esperava na palavra do Senhor. Q uão genuína é essa viva esperança quando a m orte parece estar escrita em todos os lugares! Disse um pagão: “dum spiro spero” — e n ­quanto respiro, espero. O cristão, porém , pode dizer: “dum expiro spero” - m esm o quando expiro ainda espero a bênção. Não obs­tante, nenhum genuíno filho de Deus pode viver sem a terna m ise­ricórdia do Senhor; ver-se sob o desprazer de Deus lhe é m orte. Observe outra vez a feliz com binação das palavras de nossas ver­sões. Há, porventura, um som mais doce do que este: “ternas m i­sericórdias”? Aquele que tem sido gravem ente afligido, e todavia socorrido com ternura, é o único ser hum ano que conhece o signi­ficado da escolha de tal linguagem.

Q uão realm ente vivemos quando somos atingidos pelas ternas m isericórdias de Deus! Então não existimos m eram ente, mas vive­mos; somos lépidos, cheios de vida, vivazes e vigorosos. Não sa­beremos o que é vida enquanto não conhecerm os a Deus. H á quem diz que a visitação de Deus o faz m orrer; nós, porém , dizemos que ela nos faz viver.

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Salmo 11?

Pois tua lei é meu deleite. Oh, ditosa fé! Ele não quis dizer que o crente se regozija na lei m esm o quando seus preceitos tran s­gredidos o fazem sofrer. Deleitarm o-nos na Palavra quando ela nos repreende é prova de que extraím os proveito dela. S egura­m ente esta é um a súplica que prevalecerá diante de Deus, por mais am argas sejam nossas tristezas; se ainda nos deleitamos na lei do Senhor, ele não perm itirá que m orram os; ele deseja e quer lançar sobre nós sua ternura e confortar nossos corações.

[v. 78]Sejam os soberbos envergonhados; pois sem causa me trataram per­versamente; eu, porém, meditarei em teus preceitos.Sejam os soberbos envergonhados. Ele rogou que os juízos

de Deus não mais caíssem sobre ele, mas sobre seus cruéis adver­sários. Deus não perm itirá que os que esperam em sua Palavra sejam envergonhados, pois é para os de espírito arrogante que ele reserva tal galardão: eles serão surpreendidos pela confusão e tor- nar-se-ão objetos de desprezo, enquanto os aflitos de Deus ergue­rão novam ente suas cabeças. Vergonha aguarda os soberbos, p o r­quanto vergonhosa coisa é ser soberbo. A vergonha não é para os santos, pois nada há na santidade de que envergonhar-se.

Pois sem causa me trataram perversamente. Sua malícia era arbitrária; ele não os havia provocado. Empregavam a falsidade para forjarem acusação contra ele; teriam que desviar suas ações de sua verdadeira condição antes que pudessem assaltar seu ca rá ­ter. Evidentemente, o salmista sentia agudam ente a malícia de seus inimigos. Sua consciência de inocente em relação a eles gerou um ardente senso de injustiça; então apelou para o justo Senhor para que tom asse seu partido e vestisse seus falsos acusadores com um m anto de opróbrio. Provavelmente os m encionou como “os so ­berbos” em virtude de saber que o Senhor sem pre tom a vingança contra os soberbos e vinga a causa daqueles a quem eles oprim em . As vezes ele m enciona os soberbos e às vezes os perversos, mas sem pre tem em mente as mesmas pessoas; as palavras são a lterna­das: certam ente quem é soberbo é tam bém perverso, e os perse­guidores arrogantes são os piores dentre os hom ens perversos.

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Eu, porém, meditarei em teus preceitos. Ele deixaria os so ­berbos nas m ãos de Deus, e se entregaria aos santos estudos e contem plações. Para obedecerm os os divinos preceitos carecem os de conhecê-los e m editar m uito sobre eles; daí sentir esse santo perseguido que a m editação devia ser seu principal em preendi­m ento. Estudaria a lei de Deus, e não a lei da retaliação. Os sober­bos não são dignos de tal pensam ento. A pior injúria que podem nos fazer é afastando-nos de nossas devoções; frustrem o-los, pois, conservando nossa mais íntima com unhão com Deus enquanto se conservam ainda mais maliciosos em suas investidas.

N um a posição similar a esta, nos temos deparado com os so ­berbos em outras oitavas, e ainda nos depararem os com eles n o ­vam ente. São evidentem ente um a grande praga para o salmista; ele, porém, se ergue acima deles.

[v. 79]Voltem-se para mim os que te temem, e aqueles que têm conhecidoteus testemunhos.É provável que a língua do caluniador tenha alienado alguns

dos santos, e provavelmente as faltas reais de Davi se tenham ag ra­vado m uito mais. Ele roga a Deus que se volte para ele e que então volva seu povo para ele. Os que são retos para com Deus são tam ­bém solícitos em ser retos para com seus filhos. Davi apegou-se ao am or e solidariedade de hom ens graciosos de todos os graus — dos que eram principiantes na graça e dos que eram m aduros na com ­paixão - “os que te tem em ” e “os que têm conhecido teus teste­m unhos” . N ão podem os propiciar a perda do am or ao m enor dos santos; e se porventura já perdem os sua estima, então tem os mais motivo para orar a fim de que lhe seja restaurada. Davi era o líder daquela porção piedosa da nação, e lhe feria o coração quebranta- do quando percebia que os que tem iam a Deus não se sentiam tão felizes com o se sentiam outrora. Ele não provocou tum ulto, e diz que, se podiam provocar sem ele, ele poderia m uito bem provocar sem e/es; mas ele sentia tão profundam ente o valor de sua solida­riedade, que fez dela um assunto de oração para que o Senhor volvesse um a vez mais seus corações para ele. Os que são queri­

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5almo 11?

dos de Deus, e são instruídos em sua Palavra, devem ser m ui p re ­ciosos a nossos olhos, e devemos fazer o máximo possível por vi­ver bem com eles.

Davi faz dupla descrição dos santos: são tem entes a Deus e conhecedores de Deus. Possuem tanto devoção quanto instrução; possuem tanto espírito de ciência quanto de genuína religião. S a ­bem os de alguns cristãos que são generosos, porém destituídos de inteligência; e, em contrapartida, tam bém sabemos de certos reli­giosos professos que possuem boa cabeça, porém não bom co ra­ção: o salmista era alguém que combinava devoção com inteligên­cia. Tampouco nos preocupam os com estúpidos devotos, nem com icebergues intelectuais. Q uando o tem or e o conhecim ento de Deus andam de mãos dadas, levam os hom ens a m unir-se sobejam ente de toda boa obra. Se tais espíritos escolheram tanto os que am am a Deus quanto os aprendem dele, esses são m eus com panheiros favoritos e espero ser m em bro de sua confraria. Concede, ó S e­nhor, que tais pessoas sem pre me busquem , porque vão encontrar em mim um com panheiro à altura!

[v. 80]Que meu coração seja íntegro em teus testemunhos, para que eu nãoseja envergonhado.Isso é ainda mais im portante do que ser tido em estima pelos

hom ens bons. Eis a raiz da questão. Se o coração for sólido na obediência a Deus, tudo está bem, ou estará bem. Se nosso co ra­ção é reto, nossa força será sólida. Se não formos íntegros diante de Deus, nosso nom e como piedosos não passará de som vazio. A m era profissão de fé será um fracasso, e nossa imerecida estima se dissipará como um a bolha quando perfurada; som ente a sinceri­dade e a veracidade suportarão os dias maus. Aquele que é de coração reto não tem motivo para envergonhar-se, e jamais terá algum. Os hipócritas devem envergonhar-se, e virá o dia quando sofrerão vergonha eterna: seus corações serão apodrecidos e seus nomes, desarraigados. Este versículo 80 é um a variação da oração do versículo 73; ali o salmista busca um discernim ento sólido; aqui ele vai mais fundo, e suplica por um coração íntegro. Os que têm

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aprendido de sua própria fragilidade, através das dolorosas expe­riências, são levados a m ergulhar abaixo da superfície e a clam ar ao Senhor pela verdade nas partes mais recônditas. Ao conclu ir­m os a consideração destes oito versículos, unam o-nos com o e s­critor em oração: “Q ue m eu coração seja íntegro para com teus esta tu tos.”

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(w. 81-88)Minha alma desfalece por tua salvação; porém espero em tua palavra. Meus olhos desfalecem por tua palavra, dizendo: Quando tu me conso- larás? Pois sou semelhante a um odre na fumaça; contudo não me es­queço de teus estatutos. Quantos são os dias de teu servo? Quando executarás juízo contra os que me perseguem? Os soberbos me cavaram um poço, os quais não são conformes a tua lei. Todos os teus manda­mentos são verazes; injustamente me perseguem; ajuda-me. Quase me consumiram sobre a terra; mas eu não deixei teus preceitos. Vivifica-me segundo tua benignidade; assim guardarei o testemunho de tua boca.Esta porção do gigantesco Salmo visualiza o salmista in extre-

mi [no auge do sofrim ento]. Seus inimigos arrastaram -no à mais vil condição de languidez e depressão; todavia ele é fiel à lei e co n ­fiante em seu Deus. Esta oitava é a m eia-noite do Salmo, e mui densas e lúgubres são suas trevas. Entretanto as estrelas brilham, e o último versículo apresenta a prom essa da aurora. A melodia vai paulatinam ente tornando-se alegre; mas, entrem entes, ela nos m i­nistra conforto e nos faz visualizar um servo de Deus tão em inente e tão difícil de ser usado pelos ímpios. Evidentemente, em nossas perseguições pessoais, não estranham os aquilo que nos acontece.

[v. 81]Minha alma desfalece por tua salvação; mas espero em tua palavra.Minha alma desfalece por tua salvação. Seu anseio não era

por livramento, mas por aquilo que viesse de Deus: seu único d e ­sejo era que lhe viesse “tua salvação” . Mas, por esse divino livra­m ento ele ardia até o último grau - até a última m edida de sua força; sim, e além dela, até o desfalecimento. Tão forte era seu desejo que ele produziu-lhe prostração de espírito. Ele tornou-se

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F XPOSIÇÃO 11

exausto de tanto esperar, se desfalece de vigiar, enferm a-se com urgente carência de atendim ento. E assim a sinceridade e a solici­tude de seus desejos foram provadas. N ada mais podia satisfê-lo senão o livramento operado da m ão de Deus; sua natureza mais profunda suspirava e se espicaçava pela salvação do D eus de toda graça; e ele, ou a teria, ou se desfaleceria definitivamente.

Mas espero em tua palavra. Portanto, ele sentia que a salva­ção viria; pois Deus não pode quebrar sua prom essa, nem frustrar a esperança que sua própria palavra incitara: sim, o cum prim ento de sua palavra está às portas quando nossa esperança é firm e e nosso desejo fervoroso. A esperança só pode guardar a alma do desfalecimento, ao usar o alabastro da prom essa. Todavia a espe­rança não acende o anseio por um a im ediata resposta à oração; ela aum enta sua im portunação, pois tanto estimula o ardor q u an ­to sustém o coração ante a delonga. Desfalecer-se pela salvação, e ser poupado do total desfalecimento da esperança é a freqüente experiência do cristão. “Desfalecemos, porém não somos destru í­dos.” A esperança se m antém quando o desejo se exaure. E nquan­to a graça do desejo nos lança abaixo, a graça da esperança nos soergue um a vez mais.

[v. 82]Meus olhos desfalecem por tua palavra, dizendo: Quando tu me con-solarás?Seus olhos se escancaravam desm esuradam ente, fixando-se na

aparição do Senhor, enquanto seu coração, em fadiga, clamava por conforto imediato. Ler a palavra até que os olhos não possam mais ver é algo bem m inúsculo em com paração com a vigilância pelo cum prim ento da prom essa antes que os olhos interiores da expectativa com ecem a dim inuir sua opacidade ante a esperança deferida. Não podem os impor tem po a Deus, pois isso seria lim i­tar o Santíssim o de Israel; todavia podem os insistir em nossa im ­portunação e apresentar fervente inquirição quanto à razão por que a prom essa tarda tanto. Davi não buscava conforto a não ser aquilo que vem de Deus; sua pergunta é: “Q uando tu m e confor- ta rás?” Se o socorro não vier do céu, então jamais virá; todo bem

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Salmo 11?

que o ser hum ano espera vem dessa maneira; ele não tem como arrem essar sua visão em qualquer outra direção. Essa experiência de esperar e desfalecer é bem conhecida dos santos já bem desen­volvidos, e ela lhes ensina muitas lições preciosas que jamais apren­deriam pelo uso de qualquer outro m étodo. Entre os resultados escolhidos, este é um deles: que o corpo, erguendo-se em solidari­edade com a alma, ambos, coração e carne, clamam pelo Deus vivo, e até m esm o os olhos acham um idioma para expressar-se: “Q uando tu me confortarás?” Teria sido um intenso anelo que não se satisfazia expressando-se com os lábios, mas fala com os olhos, com aqueles olhos que esm aecem pela intensa vigília. Os olhos podem falar bem eloqüentemente; usam tanto a m udez q uan­to as lágrimas, e podem às vezes dizer mais que as línguas. Davi diz em outro lugar: “O Senhor ouviu a voz de m eu p ran to” (SI 6.8). Nossos olhos são especialmente eloqüentes quando com e­çam a dim inuir com o cansaço e desgosto. Um olhar súplice, e r­guido ao céu em silente oração, pode refletir a cham a que derrete­rá os ferrolhos que obstruem a entrada da oração vocal, e assim o céu será tom ado pela com oção provocada pela artilharia das lágri­mas. Benditos são os olhos que estão acostum ados a olhar para Deus. Os olhos do Senhor verão que tais olhos realm ente não d es­falecem. Q uão preferível é aguardar o Senhor com olhares ansio ­sos do que tê-los lampejantes com o brilho da vaidade!

[v. 83]Pois sou semelhante a um odre na fumaça; contudo não me esqueçode teus estatutos.Pois sou semelhante a um odre na fumaça. Os odres usados

para guardar-se vinho, quando vazios, eram pendurados na te n ­da; e quando o am biente era dom inado por fumaça, os odres fica­vam negros e fuliginosos, e ao calor tornavam -se enrugados e p u ­ídos. A face do salmista, em decorrência da aflição, to rnara-se es­cura e melancólica, sulcada e enrugada; aliás, todo seu corpo se solidarizara tanto com sua mente angustiada que perdera seu vi­gor natural, tornando-se semelhante a um odre seco e surrado. Seu caráter tinha sido enfum açado com calúnias, e sua m ente,

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E X P O S IÇ Ã O 11

crestada com perseguição; seu receio é que se tornasse inútil e incapaz, com tanto sofrimento mental, ao ponto de as pessoas olha­rem para ele com o se vissem um odre velho e puído, sem nenhum conteúdo e sem corresponder a qualquer propósito. Q ue m etáfora para um hom em usar, sendo ele um poeta, um santo e m estre em Israel, se não um rei e um hom em segundo o coração de Deus! Não adm ira se nós, parte do povo com um , somos levados a p e n ­sar bem pouco de nós m esm os e a deixar-nos dom inar pela aflição mental. Alguns de nós conhecem os o significado secreto deste sí­mile, pois nós tam bém nos sentim os denegridos, som brios e in ­dignos, próprios tão-som ente para o lixo. Q uão negra e quente tem sido a fum aça que nos tem envolvido; parece vir não só das fornalhas egípcias, mas também dos abismos sem fundo; e possui um poder de grudar-se que a fuligem dela nos adere e nos enegre­ce com miseráveis pensam entos.

Contudo não me esqueço de teus estatutos. Aqui está a paci­ência dos santos e a vitória da fé. Aquele hom em de Deus podia estar enegrecido pela falsidade, mas a verdade estava nele e jamais a renunciaria. Ele era fiel a seu Rei m esm o quando parece deserta­do e abandonado aos usos mais ignóbeis. As prom essas lhe vieram à m ente, e, o que era ainda m elhor evidência de sua lealdade, os estatutos estavam ali também: ele aferrou-se a seus deveres da m esm a form a que a seus confortos. As piores circunstâncias não podem destruir os verdadeiros cristãos que se apegam a seu Deus. A graça é um vivo poder que sobrevive àquilo que sufocaria a to ­das as form as de existência. O fogo não pode consum i-la e a fu ­m aça não pode enfum açá-la. U m a pessoa pode ser reduzida a um odre e a ossos secos, e todo seu conforto pode estar ausente dela, contudo pode m anter sua integridade e glorificar a seu Deus. E n ­tretanto, não é de estranhar que em tais casos os olhos que são atorm entados pela fum aça se ergam para o céu e clamem pela m ão libertadora do Senhor, e o coração, veemente e desfalecido, suspi­re pela divina salvação.

[v. 84]Quantos são os dias de teu servo? Quando executarás juízo contra osque me perseguem ?

Salm o 119Quantos são os dias de teu servo? N ão posso esperar viver

ainda m uito em tal condição; ou tu vens im ediatam ente em m eu socorro, ou então morrerei. Será o caso de toda m inha curta vida ser consum ida em aflições tão destrutivas? A brevidade da vida é um bom argum ento contra a longa perm anência de um a aflição. Senhor, um a vez que vou viver por um tão curto tem po, agrada-te em abreviar tam bém m inha aflição.

É provável que o salmista quisesse dizer que seus dias pareci­am longos demais para vivê-los som ente em tais angústias. Com o ele desejava que as m esm as chegassem ao fim, aflito pergunta: “Q uantos são os dias de teu servo?” U m a vida longa agora pare- cia-lhe antes um a calam idade do que um a bênção. Com o um ser­vo contratado, ele tinha um certo acordo a cum prir, e não se quei­xaria do que teria que suportar; visto, porém , que o tem po parecia longo demais em razão de suas tristezas, isso era pesado demais. N inguém conhece o núm ero designado de nossos dias, a não ser o Senhor; e por isso ele apela para que Deus não os prolongasse além da resistência de seu servo. N ão pode estar na m ente do S e­nhor que seu próprio servo sem pre seria tratado injustam ente; quando isso teria fim?

Quando executarás juízo contra os que me perseguem? Ele havia posto seu caso nas mãos do Senhor, e então orava para que a sentença fosse dada e posta em execução. N ada desejava além da justiça; que seu caráter fosse inocentado e seus perseguidores, si­lenciados. Ele sabia que Deus certam ente vingaria seu próprio elei­to, mas tardava o dia do resgate; as horas eram terrivelm ente lon­gas, e esse perseguido clamava dia e noite por livramento.

[v. 85]Os soberbos me cavaram poços, os quais não são consoantes a tua lei.Com o os hom ens que caçam animais selvagens costum am fa­

zer foças e armadilhas, assim os inimigos de Davi envidavam es­forços para apanhá-lo. Com grande em penho e astúcia, p ro cu ra­vam arruiná-lo: “cavaram poços”; não apenas um, porém muitos. Se um não o apanhasse, talvez o outro o tivesse êxito; e assim cavavam mais e mais. E possível que alguém pense que pessoas

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j^XPOSIÇAO 11

tão arrogantes não sujariam seus dedos em cavar; porém engoli­am seu orgulho na esperança de engolirem sua vítima. Enquanto deveriam envergonhar-se de tal rebaixam ento, não tinham consci­ência do vexame; ao contrário, se orgulhavam de seu engenho; de arm ar um a rede para o santo varão.

Os quais não são consoantes a tua lei. Nem os hom ens, nem seus poços, eram consoantes à lei divina: eram cruéis e m atreiros enganadores, e seus poços eram contrários à lei levítica e con trá ri­os ao m andam ento que nos ordena a am ar nosso próximo. Se os hom ens guardassem os estatutos do Senhor, ergueriam do poço aquele que ali caíra, ou tam pariam o poço para que ninguém ali caísse, mas jamais perderiam um m om ento sequer em causar in jú­ria a outros. Q uando, porém , se tornam soberbos, se sentem se­guros em desprezar a outros; e por essa razão buscam enredá-los para que possam mais tarde expô-los ao ridículo.

Era bom para Davi que seus inimigos fossem inimigos de Deus, e que seus ataques contra ele não tivessem a sanção do Senhor. Era tam bém para seu próprio lucro que não ignorasse seus in tu i­tos, pois assim se pôs em guarda e foi levado a espreitar bem seu cam inho para não cair em seus poços. Enquanto guardasse a lei do Senhor, estava em segurança, ainda quando lhe fosse algo d es­confortável ter sua vereda cheia de perigosas arm adilhas e abom i­nável malícia.

[v. 86]Todos os teus mandamentos são verazes; injustamente me perseguem;ajuda-me.Todos os teus mandamentos são verazes. Ele não encontrava

nenhum a falta na lei de Deus, mesm o quando se via dom inado por dolorosas tribulações provindas de desobedecê-la. O que quer que o m andam ento lhe custasse, era justo. Sentia que o cam inho de Deus podia ser obstruído, porém era reto; podia encontrar nele inimigos, porém ainda assim ele era seu m elhor amigo. Cria que no fim o m andam ento de Deus se lhe converteria em seu próprio benefício; que ele nada perderia em ser-lhe obediente.

Injustamente me perseguem. A falta está em seus perseguido­

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Salmo ll?

res, e não em Deus ou em si mesmo. Ele não fizera injúria a n in ­guém, nem agiu de outra forma que não fosse de conform idade com a verdade e a justiça; portanto confiadam ente apela para seu Deus e clama: “Ajuda-m e.” Eis aqui um a oração de ouro, tão precio­sa como breve. As palavras são poucas, porém o significado, com ­pleto. Era indispensável que o perseguido fosse socorrido para evitar a armadilha, pudesse suportar o opróbrio e pudesse agir com suficiente prudência diante das investidas de seus inimigos. Nossa esperança está posta no socorro divino. Seja quem for que nos fira, não im porta que tem po leve para Deus nos socorrer; pois se realm ente o Senhor nos socorre, então ninguém poderá real­m ente nos ferir. Estas palavras têm sido m uitas vezes o sussurro dos santos atribulados, pois se adequam a milhares de condições de carência, dores, angústias, fraquezas e pecado. “Socorro, S e­n hor”, será um a oração adequada para jovens e idosos; para as iutas e sofrim entos; para a vida e para a morte. N enhum outro socorro é suficiente; porém o socorro divino é por si só suficiente; lancem o-nos sobre ele sem temor.

[v. 87]Quase me consumiram sobre a terra; porém eu não deixei teus preceitos.Q uase me consumiram sobre a terra. Seus inimigos quase

conseguiram destruí-lo, quase ao ponto de completo desfalecimen- to. Se pudessem o teriam devorado, ou queim ado vivo; de sorte que teriam dado um fim último ao bom hom em . Evidentemente, ele caíra no poder deles por um longo tempo, e tinham assim u sa ­do tal poder para que ele fosse quase consum ido. Ele fora quase que lançado fora da terra; porém quase não é totalm ente, e assim ele escapou por um triz. Os leões estão acorrentados; não podem devastar além do que Deus permite. O salmista percebe o limite do poder deles; no máximo, só podiam consum i-lo “sobre a te r ­ra” ; podiam tocar sua vida terrena e bens materiais. Sobre a terra, quase que podiam devorá-lo; ele, porém, possuía uma porção eterna que jamais poderiam nem mesmo mordiscar.

Mas eu não deixei teus preceitos. Nem temores, nem dores, nem perdas poderiam fazer Davi retroceder do límpido cam inho

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F XPOSIÇÃO 11

dos m andam entos de Deus. Nada poderia dissuadi-lo de obedecer ao Senhor. Se aderirm os aos preceitos divinos, serem os socorri­dos pelas promessas divinas. Se formos cruéis, podem os desviar o santo oprim ido da vereda do direito; o propósito do perverso pode ter êxito e não seremos ouvidos mais que Davi; pela graça divina, porém, ele não foi subjugado pelo mal. Se nos dispusermos a morrer caso venham os a esquecer-nos do Senhor, dependendo dele para não m orrerm os, então viveremos para ver a ruína daqueles que nos odeiam.

[v. 88]Vivifica-me segundo tua benignidade; assim guardarei o testemunhode tua boca.Vivifica-me segundo tua benignidade. M ui sábia e m ui bend i­

ta oração é esta! Se form os vivificados em nossa própria piedade pessoal estarem os fora do alcance dos assaltantes. N ossa m elhor proteção dos tentadores e perseguidores é o cultivo de mais vida. A própria benignidade não pode fazer-nos m aior serviço do que levando-nos a ter vida mais abundante. Q uando somos vivifica­dos, somos capacitados a suportar a aflição, a rebater a astúcia e a vencer o pecado. Olhemos para a benignidade de D eus com o a fonte de vivificação espiritual, e roguem os-lhe que nos vivifique, não segundo nossos méritos, mas segundo a imensurável energia de sua graça. Q ue bendita palavra é esta: ‘benignidade’! Tome-a por partes, querido leitor, e adm ire seu duplo conteúdo: força e amor.

Assim guardarei o testemunho de tua boca. Se form os vivifi­cados pelo Espírito Santo, guardarem os o testem unho de Deus no exercício de um caráter santo. Q uando o Espírito nos visita e nos faz fiéis, nos tornam os também fiéis à sã doutrina. N inguém g u ar­da a palavra dos lábios do Senhor, a m enos que a palavra de seus lábios o vivifique. Devemos adm irar grandem ente a prudência es­piritual do salmista, o qual não som ente ora por isenção da prova, com o tam bém pela vida renovada, para que ele pudesse suportar enquanto estivesse sob seu peso. Q uando a vida íntima é vigorosa, tudo fica bem. Davi, no versículo final da última oitava, orou por

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um coração íntegro; e aqui ele busca um coração vivificado; isso nos leva à raiz da questão: a busca daquilo que é a mais necessária de todas as coisas. Senhor, realiza tua obra em nosso coração para que ele seja reto a teus olhos.

5almo 11?

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f " XPQ5IÇÀQ 12

(w. 89-96)Para sempre, ó Senhor, tua palavra está estabelecida no céu. Tua fide­lidade é por todas as gerações; estabeleceste a terra e ela permanece. Continuam até hoje, segundo tuas ordenações; porque são todos ser­vos teus. Se tua lei não fosse meu deleite, então eu já teria perecido em minha aflição.}amais me esquecerei de teus preceitos; pois por eles me tens vivificado. Eu sou teu, salva-me; pois tenho buscado teus precei­tos. Os ímpios têm esperado por mim, para me destruir; eu, porém, considerarei teus testemunhos, lenho visto um fim de toda perfeição, mas teu mandamento é excessivamente amplo.[v. 89]Para sempre, ó Senhor, tua palavra está estabelecida no céu.O tom é ainda mais jubiloso, pois a experiência m uniu o mavi-

oso cantor de um consolador conhecim ento da Palavra do Senhor, e isso proporciona um alegre tema. Depois de ser acossado por um m ar de provações, o salmista, aqui, desce à praia e sobe num a rocha. A Palavra de Jeová não é instável nem incerta; é estabeleci­da, determ inada, fixa, segura, inamovível. Os ensinos hum anos m udam tão am iúde que nunca estão bem estabelecidos; a palavra do Senhor, porém, é a mesma desde os tempos de outrora, e per­m anecerá eternam ente imutável. Algumas pessoas nunca se sentem tão felizes do que quando se põem a inquietar a tudo e a todos; a m ente de Deus, porém, não é como a delas. O poder e a glória do céu têm confirmado cada uma das sentenças que os lábios do Se­nhor têm pronunciado, e assim as têm confirmado para que toda a eternidade seja sempre a mesma - estabelecida no céu, onde nada pode alcançá-la. N a seção anterior, a alma de Davi desfalecia; aqui, porém, o bom homem olha para si e percebe que o Senhor não desfalece, nem se afadiga, nem há qualquer falha em sua Palavra.

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Salmo 115?

O versículo assum e a forma de um a atribuição de louvor; a fidelidade e a im utabilidade de Deus são temas apropriados para o canto sacro, e quando estamos cansados de fitar as m udanças no cenário desta vida, a lem brança da prom essa imutável de Deus enche nossa boca de melodia. Os propósitos, as prom essas e os preceitos de Deus estão todos bem estabelecidos em sua própria mente, e nenhum deles será perturbado. O pacto bem estabelecido não será removido, por mais num erosos sejam os pensam entos hum anos; portanto, que o firmemos em nossa m ente para que perm aneçam os na fé de nosso Jeová enquanto durar nossa exis­tência [terrena].

[v. 90]Tua fidelidade é por todas as gerações; tu estabeleceste a terra, e elapermanece.Tua fidelidade é por todas as gerações. Esta é um a glória

adicional: Deus não é afetado pelo avanço das eras; ele não só é fiel a um ser hum ano durante sua existência terrena, m as tam bém a seus filhos e a seus netos depois dele, sim, e a todas as gerações enquanto guardarem sua aliança e recordarem de seus m anda­m entos para pô-los em prática. As prom essas são antigas, porém não são gastas por séculos de uso, pois a fidelidade divina dura para sem pre. Aquele que socorreu seus servos m ilhares de anos atrás ainda se m ostra forte em favor de todos aqueles que confi­am nele.

Estabeleceste a terra, e ela permanece. A natureza é governa­da por leis fixas; o globo m antém seu curso pelo com ando divino e não exibe nenhum movimento equivocado: as estações observam sua ordem predestinada; o m ar obedece à norm a de íluxo e reflu- xo; e todas as demais coisas m archam em sua ordem designada. H á um a analogia entre a Palavra de Deus e suas obras, especial­m ente nisto: que ambas são constantes, fixas e imutáveis. A Pala­vra de Deus que estabeleceu 0 m undo é a mesma que ele incorpo­rou nas Escrituras; pela Palavra do Senhor os céus foram feitos, especialmente por aquele que é enfaticam ente O VERBO. Q u an ­do vemos o m undo conservar seu lugar, e todas suas leis perm a­

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E x posição 12

necendo as mesmas, temos nisso a certeza de que o Senhor será fiel a sua aliança e não perm itirá que a fé de seu povo seja fru stra ­da. Se a terra perm anece, a criação espiritual perm anecerá; se a Palavra de Deus é suficiente para estabelecer o m undo, segura­m ente ela é suficiente para o estabelecim ento do indivíduo crente. Virá o tem po quando a terra passará, mas ainda então a Palavra do Senhor perm anecerá; portanto, fiquemos firmes, inamovíveis.

[v. 91 ]Continuam até hoje, segundo tuas ordenações; porque são todos ser­vos teus.Continuam até hoje, segundo tuas ordenações. U m a vez que

o Senhor ordenou que o universo perm anecesse, portanto ele p er­manece, e todas as suas leis continuam a operar com precisão c poder. Uma vez que o poder de Deus está sempre prcsenle para m antê-las, portanto todas as coisas prosseguem . A palavra que ordenou que todas as coisas viessem à existência as tem susten ta­do até o presente, e continuará a sustentá-las em existência e bem- estar. A ordenança de Deus é a razão para a existência contínua da criação. Q ue im portantes forças são essas ordenanças! Q uantas são todas as ordenanças de Deus, assim são tidas em reverência!

Porque são todos servos teus. Criados no princípio por tua palavra, eles obedecem a essa palavra, correspondendo assim ao propósito de sua existência com a operação do desígnio de seu Criador. Tanto as grandes coisas quanto as pequenas prestam h o ­m enagem divina ao Senhor. N enhum átom o escapa a sua norm a, nem o m undo foge a seu governo. Desejaríam os ser livres do d o ­mínio do Senhor e tornar-nos senhores de nós m esm os? Se esse fosse o caso, seriam os um a trem enda exceção a um a lei que asse­gura o bem -estar do universo. Ao contrário, enquanto lemos acer­ca de todas as demais coisas - que prosseguem e servem —, que continuem os a servir, e a servir mais perfeitam ente enquanto n o s­sa vida prossegue. Podemos ser estabelecidos por essa palavra que é estabelecida; podem os ser estabelecidos por essa voz que estabe­lece a terra; e por essa ordem, à qual todas as coisas criadas obe­decem, podem os ser feitos servos do Senhor Deus O nipotente.

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Salmo 115?

[v. 92]Se tua lei não fosse meu deleite, então eu já teria perecido em minhaaflição.Essa palavra que tem preservado os céus e a terra tam bém pre­

serva o povo de Deus em seus m om entos de provação. Essa pala­vra nos encanta e nos é um a mina de deleite. Nela temos um duplo e triplo deleite e dela extraímos um múltiplo deleite, e este é um bom lugar quando todos os deleites nos forem suprim idos. Já es- taríam os prontos a nos deitarm os e m orrerm os em nossas triste­zas se os confortos espirituais provindos da Palavra de Deus não nos soerguessem; mas, m ediante sua influência m antenedora, te ­mos pairado acima de todas as depressões e desesperos que n a tu ­ralm ente aum entam a severa aflição. Alguns de nós podem os pôr nosso selo nesta afirmação. N ossa aflição, não fosse pela divina graça, já nos teria eliminado a existência, de sorte que já teríam os perecido. Em nossos m om entos mais escuros, nada nos protege­ria do desespero, exceto a prom essa do Senhor; sim, às vezes nada resta entre nós e a autodestruição salvo a fé na eterna Palavra de Deus. Q uando gememos com dores, até o âmago, nos sentimos aturdidos e a razão quase extinta, um doce texto nos sussurra um a certeza íntima, e nossa pobre e relutante m ente recebe a resposta vinda do coração de Deus. Aquilo que era nosso deleite na prospe­ridade tem sido nosso deleite na adversidade; aquilo que durante o dia nos guardou de conjeturar, durante a noite nos tem guardado de perecer. Este versículo contém um a lam entosa suposição — “a não ser q u e descreve um a horrível condição — “quase pereci em m inha aflição”; e implica livramento; pois ele não m orreu, senão que viveu para proclam ar as honras da Palavra de Deus.

[v. 93]/ amais me esquecerei de teus preceitos; pois por eles me tens vivificado.Q uando sentimos o poder vivificante de um preceito, jamais

nos esquecemos dele. Podemos lê-lo, aprendê-lo, repeti-lo e ter receio de que ele escape de nossa mente; mas, se um a vez ele nos deu vida, ou renovou nossa vida, não há motivo para tem erm os que ele escape de nosso reconhecim ento. A experiência ensina, e

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j^xposiçÃo 12

ensina com eficácia. Q uão bendita é a sorte de term os os preceitos escritos no coração com a pena de ouro da experiência, e gravada na m em ória com o divino estilete da graça! O esquecim ento é um grande mal em relação às coisas santas; vemos aqui o hom em de Deus lutando contra ele, e o seguro senso da vitória, porque ele conhecia a energia geradora de vida da Palavra em sua própria alma. Aquilo que vivifica o coração certam ente vivificará a memória.

Parece singular que ele atribua aos preceitos a vivificação, e todavia ela está neles e igualm ente em todas as palavras do S e­nhor. Deve-se notar que, quando o Senhor ressuscitava os m o r­tos, dirigia-lhes a palavra de ordem. Disse ele: “Lázaro, vem para fora”; ou: “M enina, levanta-te” . N ão carece que receem os decla­rar os preceitos evangélicos aos pecadores espiritualm ente m o r­tos, visto que, por meio deles, o Espírito lhes com unica vida. O b ­serve que o salmista não diz que os preceitos o vivificavam, mas que o Senhor o vivificou por meio deles; assim ele traça a vida a partir do canal até a fonte, e põe a glória no devido lugar. Todavia, ao m esm o tem po ele valorizava os instrum entos da bênção, e deci­diu jamais olvidá-los. Ele já os havia recordado, quando com pa­rou-se a um odre na fumaça, e agora sente que, quer na fumaça ou no fogo, a m em ória dos preceitos do Senhor jamais se desvanece­rá de sua mente.

[v. 94]Eu sou teu, salva-me; porque tenho buscado teus preceitos.Eu sou teu, salva-me. Uma oração abrangente com um argu ­

m ento prevalecente. A consagração é um a boa súplica por p reser­vação. Se somos cônscios de que pertencem os ao Senhor, então podem os nutrir a confiança de que ele nos salvará. Som os do S e­nhor por criação, eleição, redenção, rendição e aceitação; e daí nossa firme esperança e sólida convicção de que ele nos salvará. Seguram ente, um a pessoa salvará a seu próprio filho: Senhor, sal­va-me. A necessidade de salvação é m elhor visualizada pelo povo do Senhor do que por qualquer outra pessoa, e daí a oração de cada um deles é: “salva-me”; sabem que som ente Deus pode sal­vá-los, e por isso clamam unicam ente a ele; sabem que nenhum

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Salmo 11?

m érito será encontrado em si mesmos, e por isso apresentam um a razão extraída da graça de Deus - “Eu sou teu .”

Porque tenho buscado teus preceitos. E assim provou ele ser do Senhor. N ão havia atingido toda a santidade que almejava, mas almejara exaustivam ente ser obediente, e por isso suplicou que fosse salvo até o fim. Uma pessoa pode estar buscando as do u tri­nas e as prom essas, e não obstante não ter um coração renovado; buscar os preceitos, porém, é um seguro sinal da graça; ninguém jamais ouviu de um rebelde ou de um hipócrita que buscasse os preceitos. O Senhor, evidentemente, operara um a grande obra no salmista, e por isso ele rogou-lhe que a completasse. Salvar está associado a buscar - “salva-me, porque eu te tenho buscado” ; e quando o Senhor nos vê buscando-o, ele nos vem ao encontro salvando-nos. Aquele que busca santidade já está salvo; se temos buscado o Senhor, podem os estar certos de que o Senhor já nos buscou, e ele certam ente nos salvará.

[v. 95]Os ímpios têm esperado por mim, para me destruírem; eu, porém, con­siderarei teus testemunhos.Eram com o bestas selvagens agachadas à beira do caminho,

ou um salteador a saltar sobre um viajante indefeso; o salmista, porém , avançava em seu cam inho sem levá-los em conta, pois ti­nha algo melhor em mente, a saber: o testem unho que Deus dava dele [Davi] aos filhos dos hom ens. Ele não permitia que a malícia dos ímpios lhe roubasse a santa m editação na divina palavra. Ele estava calmo demais para poder “considerar”; tão santo que se deleitava em considerar os “testem unhos” do Senhor; vitorioso demais acima de todas as tram as dos inimigos para lhes perm itir desviá-lo de suas pias contemplações. Se o inimigo não pode le­var-nos a abandonar nossos pensam entos do santo estudo, ou nossos pés do santo caminho, ou nosso coração das santas asp ira­ções, ele ter-se-ia nutrido com um pobre sucesso em seu assalto. Os ímpios são os inimigos naturais das pessoas santas e dos p en ­sam entos santos; se pudessem , não só nos causariam dano, mas nos destruiriam; e se não podem fazer isso, então esperarão por

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E x p o s i ç ã o 12

outras oportunidades, sempre na esperança de que seus maus d e ­sígnios sejam concretizados. Até agora esperaram em vão, e terão que esperar m uito mais ainda; pois se somos tão indiferentes, que nem m esm o lhes cedemos um pensam ento, sua esperança de des- tru ir-nos deve ser pobre demais.

N ote a dupla espera - a paciência dos ímpios que velam m uito e cuidadosam ente por um a chance de destruir os santos; e, então, a paciência dos santos que não desistirão de suas m editações, m esm o para apaziguar seus inimigos. Veja com o a serpente se ­meia a m entira de em boscada como um a víbora que m orde as p e r­nas dos cavalos; veja, porém, com o os escolhidos do Senhor vi­vem acima de seu veneno, e não mais podem notá-la, com o se não mais existisse.

[v. 96]Tenho visto um fim de toda perfeição; teu mandamento, porém, é ex­cessivamente amplo.Tenho visto um fim de toda perfeição. Ele vira seu limite, pois

ela andara apenas meio caminho; vira sua evaporação sob as p ro ­vações da vida, sua detecção sob a m ira perscrutadora da verdade, sua exposição pela confissão do penitente. N ão há perfeição abai­xo da lua. As pessoas perfeitas, no sentido absoluto do term o, só vivem num m undo perfeito. Algumas não vêem nenhum fim para sua própria perfeição, mas isso se deve ao fato de que são perfeita­m ente cegas. O cristão experiente tem visto um fim de toda perfei­ção em si mesmo, em seus irmãos, nas melhores obras do m elhor dos hom ens. Seria bom se alguém que professa ser perfeito p u ­desse ainda ver o princípio da perfeição; pois tem em os que não possam ter com eçado bem, ou que não falem tão arrogantem ente. N ão é o princípio da perfeição lam entar sua im perfeição? N ão existe tal coisa com o perfeição em algo que é obra do hom em .

Teu mandamento, porém, é excessivamente amplo. Q uando a excessiva am plitude da lei se faz notória, se desvanece a noção de perfeição na carne: que a lei toca cada ato, palavra e pen sam en ­to, e ela é de natureza tão espiritual que julga os motivos, desejos e em oções da alma. Revela a perfeição que nos convence tan to das

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Salmo ]]$deficiências quanto das transgressões, e não nos perm ite reparar as deficiências em nenhum a direção pela atenção especial em o u ­tras. O divino ideal de santidade é tão amplo para esperarm os co ­brir toda sua ampla área, e ainda não é tão ampla quanto deveria ser. Q uem desejaria ter um a lei imperfeita? N ão só isso, sua p e r­feição é sua glória; porém é a m orte de toda vangloria em nossa própria perfeição. H á um a am plitude no m andam ento que jamais foi levada à plenitude por um a am plitude correspondente de san ti­dade num m ero ser hum ano enquanto vive aqui em baixo; som en­te em Jesus a vemos plenam ente incorporada. A lei é, em todos os aspectos, um código perfeito; cada m andam ento separado desse código está longe de ser atingido por nós em seu sacro significa­do, e todos os dez cobrem tudo, e não deixam sequer um espaço em si para o prazer de nossas paixões. Bem que poderíam os a d o ­rar a ínfinitude da santidade divina, e então m edir-nos por seu padrão, e curvar-nos diante do Senhor em toda nossa vileza, reco ­nhecendo quão longe estamos dela.

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P XPQS1ÇÂO 15

(w. 97-104)Oh, quanto amo tua lei! é minha meditação todo o dia. Tu, por meio de teus mandamentos, me tens feito mais sábio que meus inimigos; pois eles estão sempre comigo. Tenho mais entendimento que todos meus mestres, porque teus testemunhos são minha meditação. Enten­do mais que os antigos, porque guardo teus preceitos. Refreei meus pés de todo mau caminho, para poder guardar tua palavra. Não me apar­tei de teus juízos; pois me tens ensinado. Quão doce a meu paladar são tuas palavras! sim, são mais doces que o mel a minha boca. Através de teus preceitos obtive entendimento; por isso odeio todo falso caminho.[v. 971Oh, quanto amo tua lei! é minha meditação todo o dia.Oh, quanto amo tua lei! Aqui está um a nota de exclamação.

Seu am or é tão forte que ele tem que expressá-lo, e o expressa diante de Deus em extasiante devoção. Ao fazer a tentativa, ele percebe que sua em oção é inexprimível, e portanto clama: “Oh, quanto amo!” Não só reverenciamos a lei, mas também a am am os, a obedecem os com am or, e ainda quando ela nos reprove por d e ­sobediência, não a am am os menos. A lei é a lei de Deus, e portanto ela é objeto de nosso am or. Amamo-la por sua santidade, e anela- mos por ser santos; am am o-la por sua sabedoria, e nos esforça­mos por ser sábios; am am o-la por sua perfeição, e suspiram os por ser perfeitos. Os que conhecem o poder do evangelho percebem na lei um a beleza infinita, quando a vemos cum prida e incorpora­da em Jesus Cristo.

Ela é minha meditação todo o dia. Esse foi tanto o efeito de seu am or à lei quanto a causa desse amor. Ele meditava na palavra de D eus, porque a amava; a amava ainda mais, porque nela m edi­

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Salmo 11?

tava. Ele não poderia ter dela o suficiente, por isso ardentem ente a amava; todo o dia não lhe era suficiente para dialogar com ela. Sua oração matinal, sua m editação ao m eio-dia, sua oração ves­pertina, tudo procedia do Santo Escrito; sim, em suas atividades seculares, ele ainda m antinha sua m ente saturada com a lei do Senhor. Ouvimos acerca de algumas pessoas que, quanto mais as conhecem os, m enos as adm iram os; mas o reverso se dá no to can ­te à Palavra de Deus. A familiaridade com a Palavra de Deus gera afeição, e a afeição busca ainda m aior familiaridade. Q uando “tua lei” e “m inha m editação” se juntam a “todo o d ia”, o dia se torna santo, devoto e feliz, e o coração vive com Deus em am or a sua Palavra e se deleita nela. Davi desviava-se de tudo mais em prol da Palavra e da vontade do Senhor, pois no versículo precedente ele nos inform a que vira um fim de toda perfeição; mas se volvia para a lei e aí ficava todos os dias de sua vida na terra, to rnando-se cada vez mais sábio e mais santo.

[v. 981

Tu, por meio de teus mandamentos, me tens feito mais sábio que meusinimigos; porque eles estão sempre comigo.Tu, por meio de teus mandamentos, me tens feito mais sábio

que meus inimigos. Os m andam entos eram seu Livro, porém Deus era seu Mestre. A letra pode levar-nos a conhecer, porém só o Espírito divino pode fazer-nos sábios. Sabedoria é conhecim ento posto em uso prático. A sabedoria nos vem através da obediência: “Se alguém fizer a vontade de Deus, conhecerá a dou trina .” Não aprendem os só da prom essa, da doutrina e da história sacra, mas também do preceito e do m andam ento; de fato, dos m andam entos deduzim os a mais prática sabedoria e aquilo que nos capacita a m elhor com petir com nossos adversários. Uma vida santa é a mais elevada sabedoria e a mais segura defesa. Nossos inimigos desfru ­tam de renom e através de sutileza, de seu prim eiro pai, a antiga serpente, procedente do último basilisco que saiu do ovo; e ser- nos-ia inútil tentar form ar um par com eles na astúcia e no m isté­rio da velhacaria; pois os filhos deste m undo são, em sua geração, mais sábios que os filhos da luz. Temos de ir a outra escola e ap ren ­

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Exp o siç ã o 15

der de um diferente instrutor, e então, com integridade, m alogra­remos a fraude; com a simples verdade venceremos seu esquem a astuciosam ente elaborado; e, com um a candura franca, derro tare­mos os caluniadores. Uma pessoa totalm ente sem rodeios, desvi­ando-se de toda politicagem, é um terrível quebra-cabeças para os diplomatas; suspeitam que ela esconde um a sutil duplicidade a tra ­vés da qual não podem ver; enquanto ela, indiferente a suas suspei­tas, m antém -se no mesm o ritmo de seu caminho e se desvencilha de suas artimanhas. Sim, “a honestidade é a melhor política” . Aquele que é ensinado por Deus tem um a sabedoria prática tal que a m alí­cia não pode fornecer ao astuto; enquanto é simples com o um a pomba, ele também exibe uma sabedoria maior que a da serpente.

Porque eles estão sempre comigo. Ele sem pre foi estudioso e obediente aos m andam entos; estes eram seus escolhidos e co n s­tantes com panheiros. Se desejarm os tornar-nos proficientes, te ­mos de ser infatigáveis. Se guardarm os a lei sábia sem pre junto ao coração, nos tornarem os sábios; e quando nossos adversários nos assaltarem , estarem os preparados para eles com aquela sabedoria cuja base é a Palavra de Deus que a tudo sonda. Com o um soldado na batalha nunca deve pôr de lado seu escudo, assim nunca deve­mos nós ter a Palavra de Deus fora de nossa mente; ela tem de ir sem pre conosco.

[v. 99]Tenho mais entendimento que todos meus mestres; porque teus teste­munhos são minha meditação.Tenho mais entendimento que todos meus mestres. Aquilo

que o Senhor lhe havia ensinado fora útil no campo, e agora ele o encontra igualm ente valioso nas escolas. Nossos mestres nem sem ­pre são confiáveis; aliás, nem sem pre podem os seguir im plicita­m ente alguns deles, pois Deus nos cham ará a prestar contas de nossos discernim entos. Q uando m esm o nosso piloto errar, cabe- nos seguir bem o m apa da Palavra de Deus, para que sejamos c a ­pazes de salvar a em barcação. Se nossos mestres são em todas as coisas íntegros e seguros, ser-nos-á um a grande alegria poderm os excedê-los, e eles serão os primeiros a confessar que o ensino do

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Salmo U9Senhor é m elhor que qualquer ensino que porventura possam m i­nistrar-nos. Os discípulos de Cristo, que se assentam a seus pés, com freqüência são m elhor habilitados nas coisas divinas do que os doutores em teologia.

Porque teus testemunhos são minha meditação. A m editação na própria Escritura é o melhor m odo de adquirir entendim ento. Podemos ouvir o mais sábio dos m estres e perm anecer obtusos; mas, se m editarm os na sacra Palavra, certam ente nos tornarem os sábios. H á mais sabedoria nos testem unhos do Senhor do que em todos os ensinos dos hom ens, se forem todos reunidos num a vasta biblioteca. O Livro dos livros excede em peso a todo o resto.

Davi não hesita em falar a verdade neste ponto acerca de si mesmo, ainda quando é para sua própria honra, pois ele é to ta l­m ente inocente da autoconsciência. Ao falar de seu ‘entendim en­to’, sua intenção é enaltecer a lei e o Senhor, e não a si próprio. Não há um vislumbre sequer de vangloria nessas expressões o u sa ­das, mas som ente um desejo infantil de enaltecer a excelência da Palavra do Senhor. Aquele que conhece as verdades ensinadas na Bíblia não será culpado de egoísmo, se ele crê estar de posse das verdades mais im portantes do que professam todos os gnósticos.

[v. 100]Entendo mais que os antigos, porque guardo teus preceitos.Os hom ens idosos, e os hom ens de outrora, eram excedidos

pela juventude mais santa e mais culta. Ele tinha sido instruído a observar no coração e na vida os preceitos do Senhor, e isso era mais do que o pecador mais venerável jamais aprendera; mais do que o filósofo da antigüidade tanto aspirara conhecer. Ele possuía em si a Palavra, e assim superava seus inimigos; ele meditava nela, e assim ultrapassava seus amigos; ele a praticava, e assim eclipsa­va seus anciãos. A instrução derivada da Santa Escritura é útil em muitas direções, superior a muitos pontos de vista, sem rival por toda parte e de todas as maneiras. Com o nossa alma pode o rg u ­lhar-se no Senhor, assim ela pode orgulhar-se em sua Palavra. “N ada existe que se lhe assemelhe; eu a quero”, disse Davi da espada de Golias, e podem os dizer o mesmo da Palavra do S e­

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E x p o s i ç ã o 15

nhor. Se os hom ens prezam a antigüidade, aqui eles a têm. Os antigos são tidos em elevada conta; porém , o que todos sabiam daquilo que percebem nos divinos preceitos? “O antigo é m elhor”, diz um; mas o mais antigo de todos é o m elhor de todos, e o que é isso senão a palavra do Ancião de dias?

[v. 101]Tenho refreado meus pés de todo mau caminho, para que possa guar­dar tua palavra.N ão há com o entesourar a santa palavra, a m enos que nos

desvencilhemos de toda impureza; se guardarm os a boa Palavra, estarem os livres do mal. Davi tinha zelosam ente vigiado seus pés e posto um freio a sua conduta - tinha refreado seus pés. N enhum a form a de mal podia assenhorear-se dele, pois sabia que, se sim ­plesm ente se deslizasse para um a estrada, ele teria, praticam ente, abandonado o cam inho da justiça; portanto , ele evitava todo gê­nero de vício. Os atalhos eram planos e floridos, mas clc sabia m uito bem que eram nocivos, e assim desviou dali seus pés e a r­rastou-se em direção à vereda estreita e espinhosa que conduz a Deus. E um prazer voltar-se em direção às autoconquistas - “"le­nho refreado” —, um deleite ainda m aior é saber que viver com nossos sem elhantes não procede de um m ero desejo, mas do m o ­tivo de guardar a lei do Senhor. A essência deste versículo é evitar o pecado de que a obediência pode ser perfeita; ou pode ser que o salm ista nos ensine que não há reverência real pelo Livro onde não há o cuidado de evitar toda e qualquer transgressão de seus p re ­ceitos. Com o é possível que nós, servos do Senhor, guardem os sua Palavra, se não guardam os nossas próprias obras e palavras de trazer sobre ela a desonra?

[v. 102]Não me apartei de teus juízos; porque me tens ensinado.São bem instruídos aqueles a quem Deus instrui. O que ap ren ­

dem os do S enhor jamais esquecemos. A instrução de Deus tem um efeito prático — seguimos seu cam inho quando ele nos ensina; e tem um efeito perm anente - não nos apartam os da santidade.

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Salmo 11<?

Leia este versículo em conexão com o precedente, e você verá o “eu tenho” e “não tenho” do cristão: ele é bom tanto positiva quanto negativamente. O que ele fez, ou seja, “refreou seus pés”, o p re­servou de fazer o que, de outra forma, poderia ter feito, ou, seja, “N ão m e apartei de teus juízos”. Aquele que é prudente não vai sequer um a polegada ao lado de quem abandona a estrada reta. Aquele que nunca toca o copo inebriante jamais ficará em briaga­do. Aquele que nunca pronuncia um a palavra ociosa jamais será profano. Se com eçarm os a afastar-nos um pouco que seja, nunca poderem os dizer onde acabarem os. O Senhor nos leva a perseve- rar em santidade através da abstinência da inauguração do peca­do; mas, seja qual for o m étodo, o Senhor é o operador de nossa perseverança, e a ele seja toda a glória.

A Palavra de Deus pronuncia juízos contra as ações m orais, e farem os bem em m anter esses juízos com o nossa regra infalível do pensam ento e da vida.

[v. 103]Quão doces a meu paladar são tuas palavras! sim, mais doces que omel a minha boca!Quão doces a meu paladar são tuas palavras! Ele havia não

só ouvido as palavras de Deus, mas as havia deglutido; afetaram seu paladar, como haviam feito a seus ouvidos; exerceram um efeito interior a seu paladar com o haviam feito a sua audição. As pala­vras de Deus são m uitas e variadas, e todas elas form am o que cham am os “a Palavra”. Davi amava a cada uma delas, individual­m ente, e a todas elas com o um todo, e por isso experim entou nelas um a indescritível doçura. Ele expressa o fa to de sua doçura; mas, como não expressa o grau dessa doçura, ele clama: “Q uão doces!” Sendo as palavras de Deus, elas eram divinamente doces para o servo de Deus; aquele que pôs nelas a doçura, preparou o paladar de seu servo para discerni-la e desfrutá-la. Davi não faz distinção entre prom essas e preceitos, doutrinas e ameaças; estão todos in ­clusos nas palavras de Deus, e todos são preciosos em sua estima. Oh, que profundo am or o Senhor tem revelado a todos nós, seja qual for a form a que ele assuma!

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r XPOSIÇÃO 15

Sim, mais doces que o mel a minha boca! Q uando ele não sóa comeu, mas tam bém a expressou verbalmente, instru indo a o u ­trem, ele sentiu um crescente deleite nela. A mais doce de todas as coisas tem porais provém da infinita delícia da Palavra eterna: o próprio mel, em sua doçura, é excedido pela Palavra do Senhor. Q uando o salmista alimentou-se dela, ele a achou doce; mas quando deu testem unho dela, então ela se to rnou ainda mais doce. Q uão sábio será de nossa parte guardar a Palavra em nosso paladar a tra ­vés da m editação; e em nossa língua, através de nossa confissão! Ela será doce a nosso paladar quando pensarm os nela; ou não será doce a nossa boca, quando falarmos dela. Provarem os no es­tudo o que pregarm os no púlpito. Devemos, antes, to rnar-nos hom ens espiritualm ente de paladar, e então terem os um verdadei­ro desfruto em anunciar a beleza c doçura da verdade divina.

[v. 104]Através de teus preceitos obtive entendimento; por isso odeio todo ca­minho falso.Através de teus preceitos obtive entendimento. A orientação

divina é nossa instrução. A obediência à vontade divina gerará sa ­bedoria mental e ativa. Como o cam inho de Deus é sem pre m e­lhor, os que o seguem estão certos de ser justificados por seus resultados. Se o Legislador fosse insensato, sua lei seria o m esm o, e a obediência a tal lei nos envolveria em milhares de equívocos; mas com o o caso é bem outro, podem os considerar-nos felizes em possuir um a lei tão sábia, prudente e benéfica com o a norm a de nossas vidas. Serem os sábios, se a obedecerm os; e é pela obediên­cia que crescem os em sabedoria.

Por isso odeio todo caminho falso. Porque tinha en tendim en­to, e por causa dos preceitos divinos, ele detestava o pecado e a falsidade. Todo pecado é falsidade; pecamos porque crem os num a m entira, e no fim o mal prom issor se converte em m entiroso, e descobrim os que fomos traídos. Os corações verdadeiros não são indiferentes ante a falsidade, sua indignação se inflama; como am am a verdade, daí odeiam a mentira. Os santos nutrem um horror universal por tudo o que é contrário à verdade; não toleram qual­

Salmo 11?

quer falsidade ou insensatez; reagem contra todo erro doutrinai ou vida perversa. Aquele que é am ante de um pecado está inscrito no exército de todos os pecados; não devemos dar trégua nem parlam entar sequer com um dos am alequitas, pois o Senhor faz guerra contra eles de geração em geração, e assim devemos fazer o mesmo. E bom ser alguém que saiba odiar. O que isso significa? Alguém que odeia corretam ente não odeia gente, mas odeia “todo cam inho falso” . O cam inho do livre-arbítrio, da autojustiça, da busca egoísta, do m undanism o, da soberba, da descrença, da h i­pocrisia, da luxúria — esses são, todos eles, caminhos falsos, e por isso não só devem ser evitados, mas tam bém abom inados.

Este último versículo da estrofe m arca um grande avanço no caráter, e m ostra que o hom em de Deus está se tornando mais forte, mais ousado e mais feliz do que antes. Ele já foi instruído pelo Senhor, de m odo que discerne entre o precioso e o vil, e en ­quanto am a a verdade fervorosamente, odeia intensam ente a falsi­dade. Q ue todos nós alcancemos este estado de discrim inação e determ inação, de m odo a poderm os glorificar a Deus gloriosa­mente!

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f 7XPQ51ÇÃQ Vr(w. 105-112)Tua palavra é lâmpada para meus pés, e luz para meu caminho. Jurei, e cumprirei, que guardaria teus justos juízos. Estou muitíssimo aflito; vivifica-me, ó Senhor, segundo tua palavra. Aceita, eu te rogo, as ofe­rendas voluntárias de minha boca, ó Senhor, e ensina-me teus juízos. Minha alma está continuamente em minhas mãos; todavia não me esqueço de teus preceitos. Os ímpios me armaram uma rede; contudo não me desviei de teus preceitos. Teus testemunhos os tenho por heran­ça, para sempre, pois eles são o júbilo de meu coração. Inclinei meu coração a guardar teus estatutos, para sempre, até o fim.[v. 105]Tua palavra é lâmpada para meus pé, e luz para meu caminho.Tua palavra é lâmpada para meus pés. Somos andarilhos

pela cidade deste m undo, e amiúde somos cham ados a sair de sua escuridão; que jam ais nos aventuremos ali sem a Palavra geradora de luz, para que não escorreguem nossos pés. Cada um de nós deve usar a Palavra de Deus pessoal, prática e habitualm ente, para que visualizemos seu cam inho e percebam os o que ele contém . Q uando as trevas descem e me cercam, a Palavra do Senhor, como um a chama, um a tocha, ilumina meu caminho. Não havendo lâm ­padas fixas nas cidades orientais, nos tem pos antigos, cada um levava consigo um a tocha para que não caísse num esgoto aberto, ou tropeçasse nos m ontes de esterco que infestavam a estrada. Este é um quadro genuíno de nossa vereda por este m undo escu­ro; não conheceríam os o caminho, nem saberíamos andar nele, se a Escritura, como um luminoso refletor, não o iluminasse. Um dos benefícios mais práticos da Santa Escritura é sua diretriz nos atos do cotidiano: não para estarrecer-nos com sua radiância, mas para guiar-nos por sua instrução. E verdade que a cabeça necessi­

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Salm o 115?

ta de iluminação; os pés, porém , necessitam ainda mais de d ire ­ção, senão cabeça e pés, ambos, poderiam cair num a vala. Feliz a pessoa que se apropria pessoalm ente da Palavra de Deus e a usa de m aneira prática como seu consolador e conselheiro — um a lâm ­pada para seus pés.

E luz para meu caminho. E um a lâm pada durante a noite, um a luz durante o dia e um deleite em todos os m om entos. Davi guiou seus próprios passos pela instrum entalidade dela, e tam ­bém, através de seus raios, viu as dificuldades de sua jornada. Aquele que anda nas trevas está certo da possibilidade de um m om ento para outro tropeçar. Enquanto que, aquele que anda em plena luz do dia, ou que leva sua lâm pada no meio da noite, não tropeça, porém m antém sua retidão. A ignorância é dolorosa em questões práticas; gera indecisão e perplexidade, e isso traz desconforto. A Palavra de Deus, com unicando conhecim ento celestial, conduz à decisão, e quando isso é seguido de determ inada resolução, com o neste caso, ela traz consigo profundo repouso para o coração.

Este versículo dialoga com Deus em term os adorativos e em tons familiares. Temos, porventura, algo de teor semelhante com que falar com nosso Pai celestial?

N ote o quanto este versículo se assemelha ao prim eiro versícu­lo da prim eira oitava, e o prim eiro da segunda e das demais o ita­vas. As alternâncias às vezes são tam bém uníssonas.

fv. 106]Jurei, e cumprirei, que guardaria teus juízos.Sob a influência da clara luz do conhecim ento, ele tinha firm e­

m ente m oldado sua m ente e solenemente declarado sua resolução aos olhos de Deus. Talvez desconfiando de sua própria m ente vo ­lúvel, ele se penhora na sacra forma de perm anecer fiel às determ i­nações e decisões de seu Deus. Q ualquer que fosse a vereda que se lhe abrisse, ele jurara seguir somente aquela na qual a lâm pada da Palavra fosse resplandecente. As Escrituras são os juízos divinos, ou os veredictos nas grandes questões morais; eles são todos ju s ­tos, e daí os hom ens justos devem viver determ inados a guardá-los sob quaisquer riscos, visto ser sem pre certo fazer o que é certo. A

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p XPOSIÇAO 14

cxperiência com prova que, quanto m enos acordo e juram ento os hom ens form alm ente assumam, m elhor será, e o gênio do ensino de nosso Salvador é contra toda prom essa e juram ento desneces­sários; e todavia sob o evangelho devemos sentir-nos com o que obrigados a obedecer à Palavra do Senhor com o se fizéssemos um juram ento de assim o fazer. Os vínculos do am or não são m enos sacros do que as restrições da lei. Q uando um a pessoa assum e um com prom isso, ela deve ser cuidadosa em ‘cum pri-lo’; e quando um a pessoa não assum e um com prom isso com base num grande volume de palavras, de guardar os juízos de Deus, ainda assim ela é igualm ente obrigada a fazê-lo com base nas obrigações que exis­tem à parte de qualquer prom essa de nossa parte — obrigações fundam entadas na eterna exatidão das coisas e confirm adas pela bondade do Senhor nosso Deus, a qual obriga a consciência. Não está cada cristão obrigado para com o Senhor e R edentor de se ­guir seu exemplo e de guardar suas palavras? Sim, os votos do Senhor estão sobre nós, especialmente pelo fato de term os feito o com prom isso de discipulado, tendo sido batizados no nom e três vezes santo, comido os elementos consagrados do sacram ento e falado no nom e do Senhor Jesus. Estam os inscritos, ajuram enta- dos e obrigados com o leais soldados para a guerra. Portanto, ten ­do recebido a Palavra em nosso coração, com a firme resolução de obedecê-la, temos um a lâm pada nos recessos de nossa alma, da m esm a forma que se encontra no seio do sacro Livro, e nossa trajetória será lum inosa até o fim.

[v. 107]Estou muitíssimo aflito; vivifica-me, ó Senhor, consoante tua palavra.Estou m uitíssim o aflito. De acordo com o último versículo,

ele havia jurado com o um soldado do Senhor; neste próxim o ver­sículo, ele é cham ado a enfrentar dificuldades nessa função. N o s­so serviço prestado ao Senhor não nos exime de provação, ao co n ­trário, ela nos é assegurada. O salmista era um hom em consagra­do, e todavia um hom em castigado; e seus castigos não eram le­ves, pois era com o se, quanto mais obediente, mais afligido fosse. Evidentemente, ele sentia a vara a vergastá-lo com a máxim a se­

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Salmo 11?

veridade, e ele põe diante do Senhor a gravidade de sua aflição com o um a razão pela qual devesse ser sustentado nela por um enriquecim ento de sua vida interior. Ele fala não num a tonalidade de m urm uração, mas de súplica; no meio de sua profunda aflição ele insiste em prol de um a profunda vivificação.

Vivifica-me, ó Senhor, consoante tua palavra. H á para a tri- bulação um rem édio superior; a alma é soerguida acima das cogi­tações da presente angústia, e se enche de santo júbilo que expan­de todo o vigor da vida espiritual, e assim a aflição se converte em luz. Jeová som ente é capaz de vivificar-nos: ele tem vida em si mesmo, e por isso pode com unicá-la graciosam ente; ele pode dar- nos vida a qualquer m om ento; sim, neste exato m om ento; pois é da natureza da vivificação ser imediata em sua operação. O S e­nhor prom eteu, preparou e providenciou esta bênção de vida re ­novada a todos os seus servos que nela esperam ; é um a bênção proveniente do pacto, e é tão acessível quanto necessária. A aflição se faz com freqüência o meio da vivificação, m esm o quando a es­timulação de um fogo prom ove o calor da chama. Em sua aflição, alguns preferem a morte; nós, porém , oram os pela vida. Nossos pressentim entos, em meio à provação, às vezes se tornam lúgu- bres demais; então devemos rogar ao Senhor que nos trate, não consoante nossos temores, mas consoante sua própria Palavra. Davi tinha apenas um as prom essas a citar, e algumas delas se acham registradas em seus próprios salmos, todavia ele declara a l^alavra do Senhor; quanto mais devemos agir assim, um a vez que tantas pessoas santas nos têm falado pelo Espírito Santo do Senhor a tra ­vés desta maravilhosa biblioteca que hoje é nossa Bíblia! Visto que temos mais prom essas, ofereçamos mais orações e m anifestem os mais do poder vivificante da Palavra.

[v. 108]Aceita, te rogo, ó Senhor, as espontâneas oferendas de minha boca, eensina-me teus juízos.Aceita, te rogo, ó Senhor, as espontâneas oferendas de m i­

nha boca. Louvor vivo, ao Deus vivo, e com isso o vivificado ap re ­senta seu sacrifício. Ele oferece oração, louvor, confissão e teste­

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r~ x P Q S iç Â o 14-

m unho; estes, apresentados com sua voz na presença de um audi- lório, eram o tributo de sua boca, a Jeová. Ele treme, receando que os m esm os fossem mal expressos causando o desprazer divino, e por isso implora que sejam aceitos. Roga que a hom enagem de sua boca fosse prestada com alacridade e espontaneam ente: todas suas declarações eram oferendas espontâneas. Não pode haver valor algum nas confissões obtidas pela violência; as receitas de Deus não se derivam de im postos forçados, mas de doações espon tâne­as. N ão pode haver aceitação onde não há espontaneidade; não existe qualquer obra da livre graça onde não existe nenhum fruto da vontade livre. A aceitação é um favor a ser obtido do Senhor, com toda solicitude, pois sem ela nossas oferendas são piores que inúteis. Q ue espantosa graça é que o Senhor aceite algo tão indig­no com o o somos nós!

E ensina-m e teus juízos. Ao oferecerm os ao Senhor nosso m elhor, nos tornam os ainda mais preocupados em fazer o melhor. Q uando descobrim os que o Senhor nos aceitou, então anelam os por mais instrução, para que sejamos ainda mais aceitáveis. Após a vivificação, necessitam os de aprender mais: a vida sem luz, ou o zelo sem conhecim ento, seria m enos de meia bênção. Esses re ite­rados clam ores por instrução revelam a hum ildade do hom em de Deus, e tam bém traz a lume nossa própria necessidade de sem e­lhante instrução. Nosso juízo deve ser educado até que saibamos, concordem os e ajamos em consonância com os juízos do Senhor. Esses juízos nem sem pre são assim tão claros que sejam percebi­dos im ediatam ente; necessitamos de ser instruídos neles até adm i­tirm os sua sabedoria e adorarm os sua bondade tão logo as perce­bam os.

[v. 109]Minha alma está continuamente em minha mão; todavia não me es­quecerei de tua lei.Minha alma está continuamente em minha mão. Ele vivia

em m eio aos perigos. Tinha de estar sem pre lutando pela existên­cia - escondendo-se em cavernas, ou digladiando-se nas batalhas. Essa é um a condição de vida m uito desconfortável e dolorosa, e o

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Salmo 115?

ser hum ano está sem pre pronto a inventar algum expediente ju sti­ficável pelo qual possa pôr term o a tal condição. Davi, porém , não procurava achar segurança no pecado, pois diz:

Todavia não me esquecerei de tua lei. Ouvimos que todas as coisas são lícitas no am or e na guerra; aquele santo hom em , p o ­rém, não pensava assim: enquanto levava sua vida em sua mão, tam bém levava a lei de Deus em seu coração. Não há perigo para o corpo que nos faça pôr em risco nossa alma pelo esquecim ento do que é certo. A tribulação tende a levar as pessoas a esquecerem seu dever, e teria o m esm o efeito sobre o salmista não houvera obtido a vivificação (v. 107) e o ensino (v. 108). Ele sentia-se se­guro em recordar a lei do Senhor; e com certeza não se esquecia de seu Deus, porquanto este jamais se esquecia do salmista. E um a prova especial da graça quando nada consegue desviar a ver­dade de nossos pensam entos, nem a santidade de nossas vidas. Se nos lem brarm os da lei, ainda quando a m orte nos desvende sua face, podem os nutrir toda certeza de que o Senhor nos tem em sua memória.

[v. 110]Os ímpios me armaram uma rede; todavia não me desviei de teuspreceitos.Os ímpios me armaram uma rede. A vida espiritual é o cená­

rio de perigo constante: o crente vive com sua vida em sua mão, enquanto tudo parece tram ar arrebatá-la dele, através de astúcia, caso não possa fazê-lo pela violência. Não acharem os nada mais difícil de se fazer do que viver um a vida de fidelidade. Os espíritos perversos e os hom ens ímpios não deixarão sequer um a pedra no lugar visando a nossa destruição. Q uando todos os engenhos fra ­cassam, e ainda os poços ocultos não surtem efeito, os ímpios a in ­da perseverarão em seus traiçoeiros em penhos, tornando-se ainda mais astutos, arm ando redes para as vítimas de seu ódio. Os m e­nores gêneros de jogos são geralm ente usados por este método: laço, armadilha, rede ou cilada. Os ímpios são totalm ente indife­rentes quanto à m aneira como poderão destruir a pessoa de bom coração; não pensam dela nada superior a um coelho ou um rato.

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J ^ x p o s iç ã o H

A astúcia e a traição são sempre os aliados da malícia, e tudo quanto tenha a aparência de generosidade ou sentim ento de fidalguia é totalm ente desconhecido entre os que são destituídos da graça, que tratam os santos com o se fossem vermes que têm de ser exter­m inados. Q uando um a pessoa sabe que é assim assaltada, ela é tam bém suscetível de tornar-se tim orata e de inventar precip ita­dam ente um meio de livramento, não sem pecar na tentativa; Davi, porém , calm am ente se m antinha em seu cam inho e foi capaz de escrever:

Todavia não me desviarei de teus preceitos. Não caíra num a arm adilha por m anter seus olhos abertos e bem perto de Deus. Não fora enredado nem roubado, visto que seguia a reta estrada do Rei, que é de santidade, onde Deus garante segurança a todo transeunte. Não se desviara da retidão, e não fora im pedido de segui-la, porque atribuía ao Senhor sua orientação, e assim a o b ­teve. Se nos desviarm os dos preceitos, não tem os parte nas p ro ­messas; se fugirm os da presença de Deus, vaguearem os por a n ­tros inóspitos, onde os caçadores livremente espalham suas redes. A luz deste versículo, aprendam os a viver em guarda, pois tam bém tem os inimigos, tão astutos como ímpios. Os caçadores espalham suas arm adilhas por onde geralm ente os animais passam , e nossas piores arm adilhas são arm adas em nossos próprios cam inhos. Ao conservarm o-nos nos cam inhos do Senhor, estarem os tam bém escapando das redes de nossos adversários, pois os cam inhos do Senhor são seguros e livres de traição.

[v. 111]Teus testemunhos os tenho por herança, para sempre, porque são ojúbilo de meu coração.Teus testemunhos os tenho por herança, para sempre. Ele os

escolheu com o sua sorte, sua porção, sua condição; e o que é mais: ele se manteve firme neles e fez deles sua possessão e júbilo. A escolha de Davi é tam bém a nossa. Se puderm os ter o que deseja­m os, então que desejemos guardar perfeitam ente os m andam en­tos de Deus. Conhecer a doutrina, desfrutar da prom essa, praticar o m andam ento - eis um reino suficientem ente amplo para nós.

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5almo 11?

Aqui tem os um a herança que não pode fenecer nem ser alienada; ela dura para sem pre e será eternam ente nossa, se é que temos tom ado posse dela. As vezes, como Israel em seu prim eiro ingres­so em Canaã, tem os que tom ar posse de nossa herança pela via de dura luta, e quando é assim, ela é digna de todo nosso labor e sofrim ento; mas ela terá sempre de ser apossada por um a escolha decidida do coração e pelas garras da vontade. E preciso que a eleição divina seja tam bém a nossa eleição. O que Deus dá pela graça temos de tom ar posse pela fé.

Porque são o júbilo de meu coração. O júbilo que lhe veio através da Palavra do Senhor o levou a fazer um a escolha inalterá­vel dela. Todas as partes da Escritura despertavam prazer em Davi, e ainda continuavam, e por isso ele as m antinha e pretendia tê-las em sua posse para sempre. Aquilo que traz regozijo ao coração m erece ser escolhido e entesourado. N ão é o conhecim ento in te ­lectual, e, sim, a experiência do coração que traz a genuína alegria.

Neste versículo, que é o sétimo de sua oitava, atingimos a m es­ma suavidade do sétimo da última oitava (103). E digno de obser­vação que, em diversas das sétimas contíguas, o deleite é evidente. Q uão deleitoso é quando a experiência se aprim ora na alegria, passando pelo sofrimento, oração, conflito, esperança, decisão, e o santo contentam ento culmina no regozijo! A alegria firma o es­pírito. Q uando um a vez o coração hum ano se regozija na divina Palavra, ele grandem ente a valoriza, e por isso se m antém para sem pre unido a ela.

[v. 112]Inclinei meu coração a guarclar teus estatutos, para sempre, até o fim.Ele era ativo e enérgico em dom inar seu próprio coração. Não

só podia dizer: “Estou inclinado” , mas: “Tenho inclinado.” Não estava meio inclinado para a virtude, mas sinceram ente inclinado para ela. Seu coração inteiro se inclinava para a santidade prática e persistente. Estava resolvido a guardar todos os estatutos do Senhor, de todo seu coração, ao longo de todo seu tem po, sem desviar-se e sem deter-se. Ele tom ou como seu objetivo máximo, guardar a lei até o fim, e isso sem desistir. Através da oração, da

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\ ' x p o s i ç ã o H

m editação e da resolução, ele inclinara todo seu ser para os m an ­dam entos de Deus; ou, como diríamos em outros term os: a graça de Deus o inclinara para que seu coração se inclinasse num a d ire­ção santificada. M uitos são inclinados a pregar; o salmista, p o ­rém, estava inclinado à praxe. M uitos são inclinados a realizar ce ­rim ônias; ele, porém , estava inclinado a cum prir os estatutos divi­nos. M uitos estão inclinados a obedecer ocasionalmente; Davi, porém , estava inclinado a obedecer sempre. E, infelizmente, m u i­tos estão inclinados à religião tem porária; este santo hom em , p o ­rém, estava tão inclinado, que se sentia obrigado, por toda a e te r­nidade, a cum prir os estatutos de seu Senhor e Rei. Senhor, envia- nos essa celestial inclinação do coração; e então dem onstrarem os que nos vivificaste e nos instruíste. Para esse fim, cria em nós um coração puro, e renova diariam ente, em nosso íntimo, um espírito reto; pois som ente assim nos inclinaremos na direção certa.

M uitos se têm inclinado quando percebem que ali estão as melhores coisas; que o Senhor assim governe nossos corações para que jam ais percam os a irrestrita inclinação para o viver santo!

(w. 113-120)Odeio os pensamentos vãos, porém amo tua lei. Tu és meu refúgio e meu escudo; espero em tua palavra. Afastai-vos de mim, malfeitores, pois guardarei os mandamentos de meu Deus. Sustenta-me consoante tua palavra, para que eu possa viver, e não me deixes frustrado em minha esperança. Sustenta-me, e serei salvo; e continuamente terei respeito por teus estatutos. Tu tens pisado aos pés todos os que se des­viam de teus estatutos, pois a ilusão deles é a falsidade. Tu tiraste da terra todos os ímpios, como a escória; por isso amo teus testemunhos. Minha carne estremece de temor por ti; e eu tenho temido teus juízos.Esta oitava, cuja letra inicial é Samech, ou S., se assem elha a

Sansão em sua morte, quando se apoia nas colunas do edifício e o faz desabar sobre os filisteus. Assinala com o ele se agarra às colu­nas do poder divino, com o clamor: “Sustenta-m e”, e “D á-m e tua força”, e vê com o o edifício desaba, com o o juízo divino, sobre os ímpios! “Tu tiraste da terra todos os ímpios, como a escória.” Esta seção conduz à guerra no país do inimigo e exibe o crente como guerreando contra a falsidade e a iniqüidade.

[v. 113]Odeio os pensamentos vãos, porém amo tua lei.N este parágrafo, o salmista tra ta dos pensam entos, coisas e

pessoas que se opõem aos santos pensam entos e cam inhos de D eus. Ele é evidentem ente movido de profunda indignação c o n ­tra os poderes das trevas e seus aliados; e toda sua alma se agita e se lhes opõe com determ inada oposição. Precisam ente com o ele com eçou com a oitava, no versículo 97: “Oh, com o am o tua lei!”, assim ele com eça aqui com a declaração de intenso am or; m as o prefacia com um a declaração igualm ente fervorosa de ódio

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XPOSIÇÂO 1^

contra aquele que transgríde a lei. O oposto do testem unho fixo e infalível de D eus é o oscilante e m utável pensam ento dos h o ­mens. Davi sentia um com pleto desprezo e aversão pelas vãs o p i­niões da conceituada sabedoria hum ana; toda sua reverência e respeito se centravam na infalível Palavra da veracidade divina. Em proporção a esse am or pela lei estava seu ódio pelas m aq u i­nações hum anas. A palavra ‘vãos’ é mui ap ropriadam ente usada pelos tradutores; pois a palavra original significa “coxear en tre dois pensam entos” , e daí inclui as dúvidas dos cépticos. O s p e n ­sam entos dos hom ens são vaidade; porém os pensam entos de Deus são a pu ra verdade. Ouvimos m uito nos dias atuais de “h o ­m ens de p en sam en to ”, “m estres p en sad o res” e “p en sam en to m oderno” . O que é isso senão a antiga soberba do coração h u ­m ano? O hom em fútil deve aprender a ser sábio. O salm ista não se gloria em seus pensam entos; e aquilo que ele cham ou ‘p e n sa ­m en to ’, em seus dias era algo de que detestava. Q uando o h o ­m em pensa que seus pensam entos são m elhores, m ais elevados, estes se encon tram m uito abaixo dos pensam entos da revelação divina, com o abaixo está a terra dos céus. Alguns pensam entos são especialm ente fúteis no sentido de vangloria, soberba, p re ­conceito e autoconfiança; outros, no sentido de atrair d e sap o n ­tam ento, tal com o a ambição crédula, a esperança in fundada e a confiança proib ida no homem. M uitos pensam entos são vãos no sentido de vacuidade e frivolidade, tais com o os sonhos in fu n d a ­dos e os rom ances inglórios aos quais tan tos se entregam . U m a vez mais, m uitos pensam entos são vãos no sentido de ser p eca ­m inosos, nocivos e tolos. O salmista não é indiferente aos m aus pensam entos com o fazem os inconseqüentes; porém m irava e s­tes com um ódio tão real como era o am or com que ele aderia aos pensam entos puros de Deus.

A última oitava pertence à esfera prática; esta pertence à esfera da reflexão íntima. Naquela, o hom em de Deus atentava para seus pés; e nesta, para seu coração. As emoções da alma são tão im p o r­tantes com o os atos da vida, pois eles são a fonte e fluxo donde procedem nossas ações. Q uando am am os a lei, ela se to rn a um a lei de am or, e aderimos a ela de todo nosso coração.

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Salmo 115*

[v. 114]Tu és meu refúgio e meu escudo; espero em tua palavra.Tu és meu refúgio e meu escudo. Deus era seu refúgio e escu­

do. Ele corria para seu Deus a fim de escapar dos pensam entos vãos; ali ele se escondia de sua torm entosa intrusão, e em solene silêncio da alma encontrava em Deus seu santuário. No burburi- nho do m undo, se não pudesse ficar a sós com Deus com o um lugar de refúgio, o hom em de Deus podia ter consigo o Senhor como seu escudo, e por esse meio ele podia precaver-se das fle­chas peçonhentas da má insinuação. Este é um versículo experi­mental, e testifica daquilo que o escritor sabia de seu próprio co ­nhecim ento pessoal: não podia fugir de seus próprios pensam en­tos, nem escapar deles, enquanto não fugisse para seu Deus e ali encontrasse livramento. Observe que ele não fala da Palavra de Deus com o sendo sua dupla defesa, mas atribui sua proteção a Deus mesmo: “Tu és meu refúgio e m eu escudo.” Q uando nos virmos cercados por assaltos espirituais sutis, tais com o aqueles que surgem dos pensam entos vãos, faremos bem em fugir direta­m ente para a presença real de nosso Senhor, escondendo-nos em seu poder e am or. O Deus verdadeiro, realmente com preendido, é a m orte da falsidade. Feliz quem pode realmente dizer ao Deus Triúno: “Tu és m eu refúgio e m eu escudo!” Ele é quem contem pla Deus dentro daquele glorioso aspecto pactuai que assegura ao que contem pla a mais forte consolação.

Eu espero em tua palavra. Ao máximo que ele pudesse, visto que a experimentava e a provava. Aquilo que foi verdadeiro no passado, podia ser objeto de confiança para o futuro. O salmista procurava proteção contra todo perigo, bem como a preservação contra toda tentação, no Senhor que fora a torre de sua defesa em toda ocasião. E fácil exercer esperança onde temos experim entado o socorro. Às vezes, quando lúgubres pensam entos nos afligem, a única coisa que podem os fazer é esperar; e, felizmente, a Palavra de Deus sem pre põe diante de nós objetos de esperança, razões para esperança e acenos da esperança, em abundância tal que ela se torna a própria esfera e suporte da esperança, e assim os pensa­m entos tim oratos e tentadores são vencidos. Em meio aos aborre­

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Y X POSIÇÃO 15

cimentos e preocupações, nutrir esperança do céu é um golpe íinal e eficaz contra os mesmos.

[v. 115]Afastai-vos de mim, malfeitores, porque guardarei os mandamentosde meu Deus.Afastai-vos de mim, malfeitores. Os que estão bem cientes de

seus pensam entos não se dispõem a tolerar a má com panhia. Se fugirm os para Deus, procurando escapar dos pensam entos vãos, m uito mais evitaremos os hom ens levianos. Os reis são por demais propícios a deixar-se cercar por certa classe de bajuladores, e ao m esm o tempo se dão o direito de transgredir as leis de Deus. Davi purgou seu palácio de tais parasitas; ele não os acolheria sob seu teto. Não adm ira que atraíssem sobre ele um m au nome; pois seus feitos lhe eram im putados, um a vez que os atos dos cortesãos ge­ralm ente são dados com o atos da própria corte; portanto o rei os enxotou, com arm as e bagagens, dizendo: “Afastai-vos de m im .” Com isso ele antecipou a sentença do último grande dia, quando o Filho de Davi disser: “Apartai-vos de mim, obreiros da iniqüida­de.” N ão podem os com isso despachar todos os malfeitores de nossos lares, mas é possível que, em ocasião própria, sejamos obri­gados a agir dessa maneira. O direito e a razão dem andam que não devemos perm itir ser im portunados por servos incorrigíveis ou inquilinos sem crédito. Uma casa é de todos o m elhor lugar para abrigar m entirosos, larápios, vagabundos obscenos e caluni­adores. O nde podem os escolher nossos próprios com panheiros, somos obrigados, sob quaisquer riscos, a m anter-nos limpos de associados duvidosos. Assim que tivermos motivo de crer que seu caráter é vicioso, ser-nos-á preferível ter seu espaço desocupado do que sua com panhia im portuna. M alfeitores são m aus conse­lheiros, e por isso não devemos assentar-nos com eles. Os que dizem a Deus: “Afasta-te de nós” devem ouvir im ediatamente o eco de suas próprias palavras procedentes dos lábios dos filhos de Deus, dizendo-lhes: Afastem-se de nós.” Não podem os comer pão com traidores, a fim de não sermos também acusados de alta traição.

Porque guardarei os mandamentos de meu Deus. Já que ele

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Salm o 115?

achava difícil guardar os m andam entos do Senhor na com panhia dos ímpios, então deu-lhes ordem de desocupação. Ele guardaria os m andam entos; e assim não era obrigado a m anter a com panhia dos malfeitores. Q ue glorioso título para o Senhor contém este versículo: “meu Deus!” A palavra Deus só ocorre neste único lugar ao longo deste extenso Salmo; e então se acha acom panhada da palavra pessoal ‘m eu’ — “m eu D eus.”

Meu Deus! - Quão encantador isso soa!Que delícia é isso repetir!No coração, alegremente, reboa,Onde Deus fixou seu trono e o faz sentir.

Uma vez sendo Jeová nosso Deus, portanto resolvemos obe­decê-lo e lançar fora de nossa vista aqueles que nos prejudicam em seu serviço. E algo maravilhoso para a m ente chegar a um a firme decisão e m anter solidamente fixo com santa determ inação: “G uardarei os m andam entos de meu D eus.” A lei de D eus é o nosso deleite, já que o Deus da lei é 0 nosso Deus.

[v. 116]Sustenta-me consoante tua palavra, para que eu possa viver; e não medeixes frustrado em minha esperança.Sustenta-me consoante tua palavra, para que eu possa vi­

ver. Era tão necessário que o Senhor sustentasse seu servo, que ele nem m esm o podia viver sem sua Palavra. N ossa alma m orreria, e toda a graça da vida espiritual tam bém extinguiria, caso o S e­nhor lhe negasse sua m ão m antenedora. E mui doce conforto que essa grande necessidade de sustento esteja oferecida na Palavra, e não temos que pedi-la com base num a m ercê não prom etida, mas simplesmente im plorar pelo cum prim ento da prom essa, dizendo: “Sustenta-m e consoante tua palavra.” Aquele que nos deu vida eterna, nesse dom nos assegurou tudo o que nos é essencial até aqui; e sustento gracioso é aquele que tange às coisas necessárias; portanto, estejamos certos de que o teremos. N ote que, quando Davi se viu livre dos malfeitores, nem por isso se sentiu seguro quando sozinho. Sabia que necessitava de ser preservado em sua

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S^ X PO S IÇ Ã O

própria fraqueza da forma como se viu livre do m au exemplo dos maus, e assim orou pela graça que nutre e sustenta.

E que eu não seja frustrado em minha esperança. No versí­culo 114, ele menciona sua esperança com o que fundam entada na Palavra do Senhor, e agora roga pelo cum prim ento da prom essa, para que sua esperança fosse justificada aos olhos dos hom ens. Uma pessoa se sente logo frustrada em sua esperança se esta não possui base sólida; mas isso jamais sucederá em nosso caso, visto que confiamos num Deus fiel. Podemos scr frustrados em nossos pensam entos, em nossas palavras, em nossos atos, porquanto eles fluem de nós mesmos; jamais, porém , nos envergonharem os de nossa esperança, porquanto ela flui do Senhor. Podemos, com ra ­zão, envergonhar-nos de nossa dúvida, porém não precisam os ja ­mais envergonhar-nos de nossa esperança. Tal é a fragilidade de nossa natureza que, a menos que sejamos continuam ente susten­tados pela graça, cairíamos tão abominavelmente, que nos enche­ríamos de pasm o e vergonha de nós mesmos, e nos dom inaria a frustração de todas aquelas graciosas esperanças que ora são a coroa e a glória de nossa vida. Esse pode ser o caso até m esm o da solidão: quando os malfeitores se vão, podem os ainda cair vítimas de nossos tolos temores. O hom em de Deus tinha firm ado sólida resolução, mas não podia confiar em suas próprias resoluções, por mais solenes fossem elas; daí essas orações. Não é errôneo tom ar resoluções, mas é inútil fazê-las se não as tem perarm os bem com convictos clamores a Deus. Davi pretendia guardar a lei do Senhor, mas, antes, era preciso que o Senhor da lei o guardasse!

[v. 117]Sustenta-me, e eu serei salvo; e continuamente terei respeito por teusestatutos.Sustenta-me - com o um a babá sustenta um a criancinha. E eu

serei salvo, não outro. Pois a m enos que tu me sustentes, cairei com o um a criancinha que não tem firmeza em suas pernas. Fo­m os salvos pela graça passada, mas ainda não estam os a salvo, a m enos que recebam os a graça presente. Realmente necessitam os desta bênção em toda form a em que ela porventura nos venha,

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Salmo 115*

pois nossos adversários buscam, de todas as formas, lançar-nos fora do cam inho. Estar salvo é uma feliz condição; só há um cam i­nho para ela, ou seja, pelo sustento divino. Graças a Deus que esse cam inho está aberto para o mais frágil dentre nós.

“Sustenta-m e” pode ser também um a súplica para a elevação da mente. “Mais perto quero estar, meu Deus, de ti”, é a m esm a oração. Devemos ser soerguidos acima do ego e do pecado e de tudo o que avilta; só então é que estarem os com certeza a salvo.

E continuamente terei respeito por teus estatutos. Sendo as­sim sustentados, então obedecemos; e, ao obedecer, estam os a sal­vo. Ninguém, externam ente, guardará os estatutos do Senhor, a menos que nu tra um profundo e íntimo ‘respeito’ por eles; e isso jamais se dará, a menos que a mão do Senhor sustente perpetua­m ente o coração em santo amor. Perseverança até o fim, ou obedi­ência contínua, só vem através do poder divino; nos desviaremos com o a flecha num arco defeituoso, a m enos que sejamos g uarda­dos por aquele que, antes, nos deu a graça. Feliz a pessoa que aplica este versículo ao longo de sua vida; sustentada ao longo de toda sua vida, num curso de invariável integridade, ela se torna um a “pessoa salva”, um a pessoa confiante. Tal pessoa salva m an i­festa um a sacra sensibilidade de consciência que é estranha a o u ­tros. Ela sente um terno ‘respeito’ pelos estatutos do Senhor, que a guardam pura das inconsistências e conform idade com o m undo que são tão com uns entre os outros. Então se torna um a coluna na casa do Senhor. Infelizmente conhecem os alguns professos que não são retos, e por isso se inclinam para o pecado, e ainda caem nele; ainda quando são restaurados e novam ente estabelecidos, nunca estão salvos nem são confiáveis e tam pouco têm aquela doce pureza de alma que é o encanto daqueles que têm sido guardados de cair no lamaçal.

[v. 118]Tu tens pisado aos pés todos os que se desviaram de teus estatutos; poisa ilusão deles é a falsidade.Tu tens pisado aos pés todos os que se desviaram de teus

estatutos. Não há proteção para eles; são precipitados abaixo, e

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P X P Q 5 IÇ A Q

então pisados; pois escolheram precipitar-se nos tortuosos cam i­nhos do pecado. Mais cedo ou mais tarde, Deus porá seu pé no pescoço daqueles que volvem seu calcanhar contra os santos m a n ­dam entos. Foi sem pre assim, e sem pre será até o fim. Se o sal perder seu sabor, para nada mais presta senão para ser pisado sob os pés. Deus consom e os ímpios com o a escória, os quais só s e r ­vem para deitar fora como o cascalho que é pisado.

Pois sua ilusão é a falsidade. C ham am -na plano de previdên­cia, mas é falsidade absoluta, e será tratada com o tal. Os hom ens ordinários cham am -na diplomacia inteligente, mas o hom em de Deus a cham a pelo próprio nome, e a declara ser falsidade, e nada m enos que isso; pois ele sabe que ela é assim aos olhos de Deus. As pessoas que se desviam da ro ta certa inventam atraentes e scu ­sas com que enganar a si e a outros, e assim tentam tranqüilizar sua consciência e m anter seu crédito; mas sua m áscara de falsida­de é por demais transparente. Deus calca aos pés as falsidades; só servem para ser tratadas a pontapés e esm agadas no pó. H orrivel­m ente serão tratados os que gastam toda sua vida m aquinando um a religião de confeitaria, quando a vêem toda pisoteada por Deus como um a im postura que não pode durar!

[v. 119]Tu tiraste da terra todos os ímpios, como a escória; por isso amo teustestemunhos.Tu tiraste da terra todos os ím pios, com o a escória. Ele não

regateia com eles, nem os trata com luvas de pelica. Não, eles os julga como refugo da terra, e os trata da m aneira m erecida, lan ­çando-os para longe. Ele os expulsa de sua igreja, longe de suas honras, longe da terra e, por fim, longe dele próprio. “Apartai-vos de m im ”, diz ele, “malditos." Se m esm o um a pessoa boa se sente forçada a afastar de si os malfeitores, m uito mais o Deus três vezes Santo expulsará os ímpios. Pareciam metal precioso, se confundi­am intim am ente com ele, estavam postos na m esm a pilha; o Se­nhor, porém, é um purificador, e cada dia ele remove alguns dos ímpios do meio de seu povo, seja pela vergonha de descobrirem sua hipocrisia ou consum indo-os da face da terra. São removidos

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Salmo 11?com o a escória, nunca mais serão lembrados. Com o o m elhor para o metal é a perda de sua liga, assim o melhor para a igreja é a rem oção dos ímpios. Esses ímpios são “deste m undo” - “os ím pi­os da terra” —, e não têm nenhum direito de estar com aqueles que “não são deste m undo”; o Senhor vê que estão fora de lugar e são injuriosos, e por isso os tira fora, iodos eles, não deixando nenhum deles deteriorar seu povo. O processo um dia será aperfeiçoado; nenhum a escória será poupada, e nem se permitirá que o ouro seja impuro. O nde estaremos nós quando a grande obra for finalizada? Seremos entesourados com o ouro, ou pisoteados com a escória?

Por isso eu amo teus testemunhos. M esmo a severidade do Senhor desperta o am or de seu povo. Se ele permitisse os hom ens pecarem im punem ente, então não seria tão plenam ente o objeto de nossa amorável adm iração. Ele é glorioso em santidade, por isso livra seu reino dos rebeldes e seu templo, daqueles que o m a­culam. Nestes dias m aus, quando o castigo divino sobre os peca­dores se tornou motivo de soberbo cepticismo, podem os conside­rar como uma m arca do verdadeiro filho de Deus o fato de que ele não am a m enos o Senhor, mas um a grande m edida a mais, por causa de seu condigno juízo dos ímpios. Valorizamos grandem en­te aquelas passagens da Escritura que são mais terríveis em sua denúncia do pecado e dos pecadores. Amamos aqueles testem u­nhos que predizem a ruína do mal e a destruição dos inimigos de Deus. Um Deus mais indulgente seria um Deus m enos am ante e m enos am ado. Os corações santos am am mais um Deus perfeita­m ente justo.

[v. 120]Minha carne estremece de temor por ti; e eu tenho temido teus juízos.Minha carne estremece de temor por ti. Ele não exultava no

castigo que era desferido sobre outros, mas estremecia acerca de si próprio. Tal era sua reverente adm iração na presença do Juiz de toda a terra, sobre cujo juízo ele acabara de ponderar, ou, seja, que ele nutria extrem o tem or e tremor. A familiaridade com Deus arrancara dele um a santa admiração. Até mesmo a parte mais g ro s­seira da pessoa de Davi, sua carne, sentia um a tão solene expecta-

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ção em sua mente, tem endo ofender Aquele que é tão bom e tão imenso, que se dispunha a expulsar de vez os ímpios dentre os justos. Ah! miserável carne, isso é o de mais sublime que você não logrou alcançar! Todavia isso é m uito melhor que sua soberba q uan­do você se exalta contra teu Criador.

E eu tenho temido teus juízos. As palavras do Deus do juízo são solenes, e seus feitos de juízo são terríveis; eles nos arrancam temores e tremores. No pensam ento do Juiz de todos — seus olhos penetrantes, seus livros de registro, seu dia de inquérito judicial, sua terrível sentença e a execução de sua justiça - faremos bem em clam ar por pensam entos, corações, cam inhos puros, a fim de que os juízos sejam mais leves contra nós. Q uando vemos o grande Purificador separando o precioso do vil, é possível que sintam os um santo tem or, receando ser expulsos de sua presença e p isotea­dos sob a planta de seus pés. M esm o seus juízos, com o os encon­tram os na Palavra, nos enchem de trem or; e isso se nos afigura com o uma evidência da graça. O que será, porém , quando seus juízos forem concluídos? Oh! trem or e tem or, que serão a eterna porção daqueles que baterão de encontro com o Jeová dos Exérci­tos, desafiando sua ira!

O amor, no versículo anterior, é plenam ente consistente com o tem or, neste versículo: o tem or que atorm enta é eliminado, mas não o tem or filial que conduz à reverência e obediência.

17!

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(w. 121-128)Tenho exercido juízo e justiça; não me abandones ao poder de meus opressores. Sê o fiador de teu servo para o bem; não deixes que os soberbos me oprimam. Meus olhos desfalecem por tua salvação e pela palavra de tua justiça. Trata teu servo consoante tua misericórdia, e ensina-me teus estatutos. Eu sou teu servo; clá-me entendimento, para eu discernir teus testemunhos. Já é tempo, ó Senhor, de agires; pois eles têm invalidado tua lei. Por isso amo teus mandamentos mais que o ouro, sim, mais que o ouro depurado. Por isso estimo todos teus preceitos con­cernentes a todas as coisas que são retas; e odeio todo caminho falso.N esta oitava o salmista, antes de tudo, implora ao Senhor que

interfira em seu favor: solicita o juízo do grande Rei, ainda q uan­do ele mesmo distribuía justiça entre seu povo. Então declara seu contentam ento sincero e irrestrito com todos os m andam entos e preceitos do Senhor, e roga-lhe que defenda sua própria lei. Es­creve do ponto de vista de sua experiência oficial. Em nossa posi­ção pública, tanto quanto em nossa posição privada, a Palavra de Deus é extrem am ente preciosa.

[v. 121]Tenho exercido juízo e justiça; não me abandones ao poder de meus opressores.Tenho exercido juízo e justiça. Isso era algo m uito im portante

para um governante oriental dizer naquele tempo; pois a m aioria desses déspotas se preocupava mais com lucro do que com justiça. Alguns deles negligenciavam totalm ente seu dever, e o juízo não estava de forma alguma em sua cogitação, preferindo seus deleites a seus deveres; e a maioria deles vendia seus juízos a quem pagas­se mais, aceitando subornos ou levando em conta a posição social

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dos homens. Alguns governantes não m inistravam nem juízo nem justiça; outros ministravam juízo sem justiça. Davi, porém , m in is­trava juízo e justiça, e cuidava para que suas sentenças fossem executadas. Ele podia alegar diante do Senhor que havia d istri­buído justiça e continuava a distribuí-la. Sobre este fato ele basea­va um a súplica com a qual apresentava a oração:

Não me abandones ao poder de meus opressores. Aquele que, quanto está em seu poder, vive fazendo o bem pode ter espe­rança de ser libertado de seus opressores quando tentam de todas as formas prejudicá-lo. Se eu não oprim ir outros, posso orar espe­rançosam ente de que a outros não se perm itirá oprim ir-m e. U m a vida de conduta íntegra é o que nos faz ousados em apelar para o G rande Juiz, para que nos livre da injustiça dos hom ens m aus. Tam pouco se deve censurar esse tipo de súplica, com o sendo au- tojustiça; é um a oração m uito apropriada e aceitável. Q uando nos pom os diante de Deus e falamos com ele sobre nossas insuficiên­cias, usam os um tom bem diferente daquele com que encaram os as censuras de nosso semelhante. Q uando acusações injustas e s­tão em foco, e somos limpos de culpa aos olhos de nossos acusa­dores, então estamos certos em apresentar nossa inocência. A in ­tegridade m oral é um grande am paro para nosso conforto espiri­tual. Se somos íntegros em nossa conduta, podem os estar certos de que o Senhor não nos abandonará, e certam ente não nos dei­xará à mercê de nossos inimigos.

fv. 12 2 ]

Fica por Fiador de teu servo para o bem; não deixes que os soberbosme oprimam.Fica por Fiador de teu servo para o bem. Esse foi o clam or de

Jó e de Ezequias, e é o clam or de cada alma que crê no grande Intercessor e Ancião de Dias. Responde-m e. Não deixes teu h u ­milde servo m orrer nas mãos de seus e teus inimigos. Toma meus interesses e os entrelaces com os teus e cuida de mim. Com o meu Senhor, faz prevalecer a causa de teu servo e representa-m e ante a face dos hom ens arrogantes, até que percebam que augusto aliado eu tenho no Senhor m eu Deus. N ossa suprem a salvação vem da

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Salmo 11?

fiança divina. O Filho de Deus, como nosso Fiador, sofreu as con ­seqüências em nosso lugar, e com isso nos tem feito o bem e nos salvou de nosso arrogante opressor, o arqui-inimigo de nossas almas.

N este versículo, não temos a m enção da lei em qualquer de seus muitos títulos, e este é o único exemplo, em todo o Salmo, em que um versículo omite a m enção da Palavra do Senhor. Todavia, essa não é nenhum a exceção ao espírito da regra; pois aqui encon­tram os m enção de nosso Fiador, o qual é o cum prim ento da lei. O nde a lei fracassa, temos Cristo, o Fiador de um pacto superior. Essa fiança é sem pre para o bem, mas quanto de bem nenhum a língua pode dizer.

Não deixes que os soberbos me oprimam. Tua interposição corresponderá ao propósito de m eu resgate; quando os soberbos perceberem que tu és meu Advogado, cobrirão suas cabeças. Terí­amos sido esm agados debaixo de nosso soberbo adversário, o d i­abo, se nosso Senhor Jesus não se interpusesse entre nós e o acu ­sador, e não se tornasse nosso Fiador. É através de sua fiança que escapam os com o um pássaro escapa da rede do caçador. Q ue bên ­ção poderm os deixar nossos problem as nas m ãos de nosso F ia­dor, sabendo que tudo estará bem, já que ele tem um a resposta para cada acusador, um a repreensão para cada injuriador.

Os hom ens bons têm pavor da opressão, pois ela faz dem ente até m esm o a pessoa mais sábia, e enviam ao céu seus clam ores por livramento; tam pouco clamam em vão, pois o Senhor se encarre­gará da causa de seus servos, e enfrenta suas batalhas contra os soberbos. A palavra ‘servo’ é sabiamente usada com o um a súplica em favor de si próprio, e a palavra ‘soberbo’ é usada com o argu ­m ento contra seus inimigos. Parece inevitável que os soberbos se tornem opressores, e que eles se deleitem em oprim ir os verdadei­ros servos de Deus. Suas opressões logo se desvanecerão, porque elas são opressões, já que seus obreiros são soberbos e já que seus objetos são os servos do Senhor.

[v. 123]Meus olhos desfalecem por tua salvação e pela palavra de tua justiça.Meus olhos desfalecem por tua salvação. Ele chorava, espe­

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rava, vigiava pela mão salvífica de Deus, e esses exercícios subm e­tiam os olhos de sua fé quase ao desvanecim ento. Ele olhava u n i­cam ente para Deus; seu olhar era ávido; olhava para o horizonte longínquo; tanto que seus olhos ardiam . A m isericórdia consiste no fato de que, se nossos olhos ofuscarem, Deus não falhará, nem seus olhos ofuscarão. Os olhos são órgãos sensíveis; assim ta m ­bém nossa fé, esperança e expectativa. O Senhor não nos provará além do que somos capazes de suportar.

E pela palavra de tua justiça. Palavra esta que silenciaria as injustas acusações de seus opressores. Seus olhos, bem com o seus ouvidos, aguardavam pela Palavra do Senhor. Ele procurava divi­sar a Palavra divina m anifestando-se como um fia i em seu livra­m ento. Ele “aguardava pelo veredicto” — o veredicto da própria justiça. Q uão felizes somos quando temos a justiça do nosso lado! Porquanto aquilo que é o terror do pecador é esperança nossa; aquilo que aterroriza o soberbo é nossa expectativa e deleite. Davi deixou sua reputação inteiram ente nas mãos do Senhor, e ansiava por ver tudo esclarecido pela palavra do Juiz, em vez de escudar- se em qualquer defesa de sua parte. Ele sabia que tinha agido c o r­retam ente, e portanto, em vez de evitar a suprem a corte, rogava pela sentença que, ele sabia, operaria seu livramento. Ainda vigia­va com olhares ávidos pelo juízo e pelo livramento, pela palavra de justiça de Deus, a qual significava salvação para si próprio.

[v. 124]Trata teu servo segundo tua misericórdia, e ensina-me teus estatutos.Trata teu servo segundo tua misericórdia. Aqui ele recorda

de si mesmo; ainda que diante dos hom ens ele se achasse tão lim ­po que podia desafiar a palavra de retidão, todavia, diante do S e­nhor, com o seu servo, ele sentia-se em necessidade de apelar para a misericórdia. Neste ponto sentimos a m aior segurança. N osso coração se sente mais seguro em clamar: “Ó Deus, tem m isericór­dia de m im ” do que em apelar para a justiça. E m uito agradável poderm os dizer: “Tenho distribuído juízo e justiça”, e então acres­centar, com toda humildade: “Trata teu servo segundo tua m iseri­córd ia .” O título ‘servo’ envolve um a súplica; um senhor deve p u ­

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Salmo 11?

rificar o caráter de seu servo, caso seja este falsamente acusado, e livrá-lo daqueles que porventura o oprimem; e, além do mais, o Senhor deve dem onstrar m isericórdia para com o servo, ainda quando severam ente tratado como se fosse um estranho. O S e­nhor trata seus servos m unido de condescendência, ou m antendo com unhão com eles, não os tratando com repulsa, mas com diálo­go e brandura; e isso ele faz de um a form a terna e compassiva, pois em qualquer outra forma de tratam ento seriamos esm agados na cinza e no pó.

E ensina-m e teus estatutos. Esta será um a form a de tra ta ­m ento entranhada de m isericórdia em nosso favor. Podemos es­perar que um senhor ensine a seu próprio servo o significado de suas próprias ordens. Todavia, um a vez que nossa ignorância amiú- de provenha de nossa própria estupidez pecam inosa, é m ui grande m isericórdia da parte de Deus que ele se condescenda em instruir- nos em seus m andam entos. Para nosso rei tornar-se nosso profes­sor depende de um ato de infinita graça, pelo qual não há com o sermos excessivamente agradecidos. Entre nossas mercês, esta é a mais preferida.

[v. 125]Eu sou teu servo: dá-me discernimento para que eu possa conhecerteus testemunhos.Eu sou teu servo. Esta é a terceira vez que ele repete este título

nesta m esm a seção. Evidentemente ele apreciava este título e en ­tende ser o m esm o muitíssimo eficaz num a súplica. Q uem de nós se deleita em ser filho de Deus de m odo algum se deleita menos em ser seu servo. Não é verdade que o Filho unigênito de Deus assum iu a form a de servo e cum priu essa função de form a plená­ria? Q ue honra m aior podem os irmãos mais jovens desejar que sejam eles feitos herdeiros de todas as coisas?

Dá-me discernimento para que eu possa conhecer teus tes­temunhos. No versículo anterior, ele buscou instrução; aqui, p o ­rém, ele avança mais e suspira por discernim ento. Usualm ente, se o instru tor m inistra a lição, o aluno expande seu discernim ento; em nosso caso, porém, somos m uito mais dependentes, e deve­

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mos im plorar tanto por discernim ento quanto por instrução: isto o professor com um não pode dar — somos felicíssimos por nosso Divino Tutor poder m unir-nos com ambos. E preciso que confes­semos nossa estultícia, para que, então, nosso Senhor nos faça sábios, como tam bém nos dê conhecim ento. O m elhor d iscerni­m ento é aquele que nos capacita a prestar perfeita obediência e exibir fé inteligente, e isso é o que Davi deseja - “discernim ento para que eu possa conhecer teus testem unhos.” H á quem não co ­nhece bem essas coisas; preferem perm anecer tranqüilam ente nas trevas antes que possuir a luz que conduz ao arrependim ento e diligência. O servo de Deus anela por discernir inteligentem ente tudo o que o Senhor revela do hom em e para o hom em . Ele deseja ser tão instruído, que chegue a apreender e com preender aquilo que lhe é ensinado. Um bom servo não deve ignorar quem seja seu senhor, nem os negócios de seu senhor; ele tem de estudar a m en­te, a vontade, o propósito e o objetivo daquele a quem serve, pois só assim ele executará seu serviço. E como ninguém conhece essas coisas tão bem quanto o conhece seu próprio senhor, assim com freqüência vamos a ele em busca de instruções, a fim de que não com menos zelo, o sirvamos bem e não passemos por crassos idiotas.

É notável que o salmista não ore por entendim ento via aquisi­ção de conhecim ento, mas roga ao Senhor prim eiro que para que ele possua o gracioso dom do entendim ento, e então que ele obti­vesse a desejada instrução. Tudo o que conhecem os antes de p o s­suirm os entendim ento é porta aberta para prejudicar-nos e infla­m ar-nos a vaidade; porém, se prim eiram ente o entendim ento esti­ver presente em nosso coração, entã^ o tesouro de conhecim ento enriquecerá a alma e espantará o pècado e a tristeza. Além do mais, esse dom do entendim ento age tam bém na form a de d iscer­nim ento, e assim a pessoa boa é poupada de entesourar qualquer elemento falso e danoso; ela sabe quais são e quais não são os testem unhos do Senhor.

fv. 126]]á ê tempo de agires, ó Senhor, pois eles têm invalidado tua lei.Davi era servo, e portanto seu tem po de agir era contínuo.

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Salmo WJMas, sentindo-se oprim ido à vista do com portam ento de um h o ­m em ímpio, ele sente falta da m ão de seu Senhor, e por isso apela para que ele aja contra a operação do mal. Os hom ens tentam invalidar a lei de Deus, negando ser ela a lei de Deus, prom ulgan­do m andam entos e doutrinas para fazer-lhe oposição, estabele­cendo em seu lugar tradição [hum ana] ou desrespeitando e escar­necendo sum ariam ente da autoridade do Legislador. O pecado se torna a m oda e o viver santo é considerado desprezível puritanis- mo; o vício é intitulado prazer e a vaidade vai adiante. Então os santos buscam a presença e o poder de seu Deus. Oh! tom ara que o Rei surja em seu trono com o cetro de ferro em sua mão! Oh! ansiam os por outro pentecostes com todos seus prodígios, exibin­do a energia de Deus esm agando os que contradizem e fazendo- os ver que existe Deus em Israel! O extremo do homem, seja de necessidade ou de pecado, é a oportunidade de Deus. Q uando a terra era sem form a e vazia, o Espírito vinha e se movia sobre a face das águas; não devia vir ele quando a sociedade está à mercê de transform ar-se em caos? Q uando Israel no Egito se viu reduzi­do ao ponto extrem o de humilhação, e tudo fazia crer que o pacto seria extinto, então Moisés apareceu em cena e operou porten to ­sos milagres; assim também, quando a igreja de Deus é tripud ia­da, e sua m ensagem ridicularizada, então podem os esperar ver surgir a mão do Senhor estendida para o avivamento da religião, para a defesa da verdade e para a glorificação do N om e divino. O Senhor pode operar, ou através de juízos que derrubem os baluar­tes do inimigo, ou de avivamento que reconstrua os m uros de sua própria Jerusalém. Q uão ardentem ente devemos orar ao Senhor para que levante novos evangelistas, que vivifique os que já exis­tem, que faça o fogo crepitar em toda sua igreja e que conduza o m undo a seus pés! A obra de Deus é sempre digna e gloriosa; e nossa obra, sem sua operação, não passa de nulidade.

[v. 127]Por isso amo teus mandamentos acima do ouro; sim, acima do ourorefinado.Como era o tem po de Deus agir, assim era o tem po de Davi

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amar. Longe de deixar-se influenciar pelo exemplo dos hom ens m aus, unindo-se a eles e negligenciando as Escrituras, ao co n trá ­rio penetrava cada vez mais na vereda de um am or veem ente por essas revelações divinas. Ele amava não só as doutrinas, m as ta m ­bém os m andam entos. Ao ver os m andam entos sendo negligenci­ados pelos ímpios, seu coração se punha em sintonia com o de Deus e sentia um ardente afeto por seus santos preceitos. A m arca de um cristão genuíno é sua dependência de outros no exercício de sua religião, porém bebe água de seu próprio poço, a qual em a­na sempre quando as cisternas da terra estão todas secas. Em meio a um a depreciação geral da lei, nosso santo poeta nutria profunda estim a por ela, m uito acima do valor do ouro e da prata. A riqueza traz consigo tantas conveniências, as quais levam os hom ens a naturalm ente cobiçá-la, e o ouro com o símbolo dela é ainda mais cobiçado. Contudo, no juízo do sábio, as leis de Deus são sua m aior riqueza, e trazem consigo mais conforto do que os tesouros mais desejáveis. O salmista não podia gabar-se de sem pre guardar os m andam entos; mas podia declarar que os amava; em seu co ra­ção, ele era perfeito e de bom grado ansiava por ser perfeito no viver diário. Ele considerava os santos m andam entos de Deus como melhores que a melhor coisa terrena - o ouro! Sim, m elhor que o melhor tipo da melhor coisa terrena - o ouro refinado! E esse apreço foi confirm ado e reforçado em expressão por aquelas m esm as opo- sições do m undo que levam os hipócritas a esquecer o Senhor e seus caminhos.

O avarento vigia seu tesouro da form a mais ansiosa, ao ouvir que há ladrões na redondeza arquitetando privá-lo do mesmo. Q uanto mais os hom ens odeiam as vèrdades eternas, mais nós as amamos.

[v. 128]Por isso estimo todos teus preceitos, concernentes a todas as coisas,como retos; e odeio todo caminho falso.Por isso estimo todos teus preceitos, concernentes a todas as

coisas, com o retos. Uma vez que os ímpios descobriam erros nos preceitos de Deus, por isso Davi estava totalm ente convicto de

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Salmo U?que eles eram retos. A censura dos perversos é um certificado de mérito; podem os com razão suspeitar daquilo que sancionam , mas podem os ardentem ente adm irar aquilo que abom inam . E franco o deleite que o hom em bom sente na lei de Deus; ele crê em todos os preceitos de D eus acerca de todas as coisas. Declaram os nossa fé a todos os quadrantes em proporção à oposição do inimigo. A crítica negativa contrapom os com um a fé destemida. Q uando nossa confiança em Deus é reputada com o algo vil, dispom o-nos a ser ainda mais vis.

E odeio todo caminho falso. O am or à verdade gera ódio à falsidade. Aquele que dá de presente um vestido tem aversão da boca que o desdenha. Este hom em piedoso não era indiferente às coisas do m undo moral e espiritual; mas aquilo que ele não am a­va, odiava. Ele não era um a torrada na sopa sem sabor; era, sim, alguém que sabia am ar e tam bém sabia odiar, mas que nunca era um irresoluto. Sabia m uito bem o que sentia, e o que sentia ex­pressava francam ente. Não era nenhum irresponsável que de nada cuidava. Sua aversão era tão franca quanto sua afeição; ele não tinha um a boa palavra para qualquer prática que não suportasse a luz da verdade. O fato de que tão imensas multidões, seguindo por um a am pla estrada, não exerciam influência sobre este santo va­rão, a não ser torná-lo mais determ inado a evitar toda form a de erro e pecado. Possa o Espírito Santo governar nossos corações para que nossas afeições estejam na m esm a condição determ inada para com os preceitos da Palavra! Possamos nós assum ir nosso lugar ao lado de Deus e da justiça, e jamais portar a espada em vão! Não sejamos belicosos, mas ousem os repudiar a indiferença pecam inosa. Odiem os todo e qualquer pecado; pois qualquer um dentre toda turba será nossa ruína se form os indulgentes. Sobra- cem as armas, ó soldados da cruz!

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P XPQ5IÇÂQ 17

(w. 129-136)Maravilhosos são teus testemunhos; por isso minha alma os guarda. A entrada de tuas palavras produz luz, produz entendimento nos símpli- ces. Abri minha boca, e suspirei; pois tenho saudade de teus m anda­mentos. Olha para mim, e sê compassivo para comigo, como costumas fazer com os que amam teu nome. Ordena meus passos em tua pala­vra; e que a iniqüidade não exerça nenhum domínio sobre mim. Livra- me da opressão do homem; assim guardarei teus preceitos. Faz que teu rosto resplandeça sobre teu servo, e ensina-me teus estatutos. Rios de águas correm de meus olhos, porque não guardam tua lei.[v. 129]Maravilhosos são teus testemunhos; por isso minha alma os guarda.Todos os versículos desta seção com eçam com a décim a séti­

m a letra do alfabeto hebraico; cada versículo, porém , com um a palavra diferente. Esta décima sétima letra é o P. A seção é precio­sa, prática, proveitosa, poderosa. O rem os por um a bênção em prol de sua leitura.

M aravilhosos são teus testemunhos. Cheios de m aravilhosas revelações, m andam entos e promessas. Maravilhosos em sua n a tu ­reza, isentos de todo erro e, portando, em seu âmago esm agadora auto-evidência de sua veracidade; maravilhosos em seus efeitos, ins­truindo, enobrecendo, fortalecendo e confortando a alma. Jesus, o Verbo Eterno, é cham ado Maravilhoso, e todas as palavras p ronun­ciadas por Deus são maravilhosas em sua intensidade. Os que as conhecem ainda mais se extasiam diante delas. E maravilho que Deus tenha dado testem unho a todos os hom ens transgressores; e ainda mais maravilhoso é que seu testem unho seja de um caráter tão celestial, tão límpido, tão pleno, tão gracioso, tão poderoso.

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Salmo 11̂

Por isso minha alma os guarda. Seu maravilhoso caráter es­tava tão im presso em sua mente que ele os guardava em sua m e­mória; sua maravilhosa excelência atraía tanto seu coração que ele os guardava em sua vida. Algumas pessoas se extasiam ante as palavras de Deus e as usam para suas especulações; Davi, porém, era sem pre prático, e por isso mais se extasiava à m edida que as obedecia. N ote bem que sua religião era operosa na alma; não era só com a cabeça e com as mãos que ele guardava os testem unhos; mas os m antinha firmes com sua alma, seu ego mais confiante e mais real. O salmista se sentia tão fascinado pela vontade revelada de Deus que se sentia obrigado a exibir seu poder em sua vida diária. Sua perplexidade e sua ponderação produziam reverente obediência.

[v. 130]A entrada de tuas palavras produz luz, produz entendimento nos sím-plices.A entrada de tuas palavras produz luz. Tão pronto logrem

elas adm issão à alma, esta é iluminada. Q ue bendita luz podem os esperar de sua prolongada permanência! Sua própria entrada inun­da a m ente com instrução, pois elas são plenas e claríssimas; que radiância se deve esperar de sua constante presença! Por outro lado, essa ‘en trada’ é indispensável para que tam bém haja ilum i­nação. O m ero ouvir a Palavra com os ouvidos externos é por si só de pouquíssim o valor; mas quando as palavras de Deus penetram as recâm aras do coração, então a luz se difunde por todos os can ­tos. Essa é um a obra de Deus; som ente ele pode fazer com que sua Palavra penetre em nós. Enquanto a graça não abrir-lhe a porta, em vão batemos à porta. A Palavra não acha entrada em nossas mentes porque as mesmas se acham bloqueadas pelo conceito pessoal, ou preconceito, ou indiferença. Mas onde se lhe dá a devida atenção, a iluminação divina seguram ente leva a m ente a um profundo co ­nhecim ento de Deus. O Senhor, ilumina a entrada de m inha alma! Faz com que tuas palavras, quais raios de sol, entrem pelas janelas de m eu entendim ento e dispersem as trevas de m inha mente!

Produz entendimento nos símplices. Os sinceros e cândidos

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X PQ 5 IÇ A O 1/

são os verdadeiros discípulos da Palavra. A esses ela dá não só conhecim ento, mas também entendim ento. Esses de coração sin­gelo são am iúde desprezados, e sua simplicidade tem outro sen ti­do infuso nela, por exemplo, o de tornar-se tem a de ridículo; mas, que im porta? Aqueles a quem o m undo intitula de tolos se acham entre os verdadeiram ente sábios, se são instruídos por Deus. Q ue divino poder repousa na Palavra de Deus, visto que ela não só outorga luz, mas ainda confere aquele olho m ental pelo qual a luz é recebida - “ela produz entendim ento”! D aí o valor das palavras de Deus aos símplices, que não podem receber a m isteriosa Pala­vra a m enos que suas mentes sejam ajudadas para vê-las e p repa­radas para assenhorear-se delas.

[v. 131]Abri minha boca, e suspirei; pois tenho saudade de teus mandamentos.Abri minha boca, e suspirei. Um desejo expandido é um dos

prim eiros frutos do entendim ento outorgado pelo Senhor. Tão anim ado era o desejo do salmista, que ele buscou no m undo an i­mal um quadro dele. Os hom ens restringem suas expressões; mas no m undo animal tudo é natural e, portanto, verídico e vigoroso. Daí, enchendo-se de intensa saudade, o santo Davi não se enver­gonhava de descrevê-lo, lançando mão de um símbolo m uito ex­pressivo, natural, todavia singular. Com o a corça que, ao ser caça­da nos vaiados, e é duram ente acossada e fica intensam ente ar- quejante, assim o salmista suspira pela entrada da Palavra de Deus em sua alma. N ada mais lhe interessa. Tudo o que o m undp pode­ria propiciar-lhe o deixa ainda mais anelante. Sua alma suspirava por Deus, pelo Deus vivo, e para que a graça cam inhasse com ele no cam inho da santidade.

Pois tenho saudade de teus mandamentos. Ansiava conhecê- los; ansiava obedecê-los; ansiava ser conform ado com seu espíri­to; ansiava ensiná-los a outros . Ele era servo de Deus, sua indus- triosa m ente ansiava por receber ordens; era um aprendiz na esco­la da graça, e seu espírito ardente ansiava ser instruído pelo S e­nhor. Oh, eu quero mais desse ardo r faminto, sedento, lam entoso, suspirante!

183 •

Salmo 115?

[v. 132]Olha para mim e sê compassivo para comigo, como costumas ser para com os que amam teu nome.Olha para mim. Um a pessoa piedosa não pode viver sem o ra ­

ção. Nos versículos anteriores, ele expressou seu am or à Palavra de Deus; aqui, porém , ele está um a vez mais de joelhos. Esta o ra ­ção é especialmente breve, mas profundam ente enérgica e solene: “O lha para m im .” E nquanto ficava com a boca aberta, respirando com dificuldade pelos m andam entos, implorava ao Senhor que olhasse para ele e permitisse que sua condição e seus suspiros inex­primíveis o defendessem. Ele deseja ser conhecido de Deus e d ia­riam ente observado por ele. Deseja tam bém ser favorecido com o divino sorriso que se acha incluso na palavra ‘olha’. Se um olhar nosso para Deus possui em si eficácia salvífica, o que não espera­ríamos nós de um olhar divino para n ó sll

E sê com passivo para comigo. O olhar de Cristo para Pedro foi de compaixão, e todos os olhares do Pai celestial são igualm en­te compassivos. Se nos olhasse com estrita justiça, não suportarí­amos seu olhar; porém nos olhando com clemência, ele nos poupa e nos abençoa. Se Deus nos olha e nos vê suspirantes, ele não deixa de exercer sua compaixão em nosso favor.

Como costumas ser para com os que amam teu nome. Olha para mim com o olhas para os que te amam; tem m isericórdia de m im com o costum as ter dos que verdadeiram ente te servem. H á um a prática e costum e que Deus observa em relação aos que o am am , e Davi cria poder experimentá-los. Seu desejo é que o S e­nhor não o trate nem melhor nem pior do que costum ava tratar seus santos — pior que isso, ele não se salvaria; melhor, seria im ­possível. Com efeito ele ora: “Eu sou teu servo; trata-m e com o tratas teus servos. Eu sou teu filho; trata-m e como tratas o restan ­te de teus filhos.” Especialmente óbvio à luz do contexto, ele dese­java um a entrada tal da Palavra, e um discernim ento tão nítido dela, com o Deus costum eiram ente dá aos seus, segundo sua p ro ­messa: “Todos teus filhos serão ensinados pelo Senhor.”

Leitor, você am a o nome do Senhor? Seu caráter é nobilíssimo

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H X P O S IÇ Ã O 17

a seus olhos? am antíssim o a seu coração? Eis um a m arca infalível da graça; pois nenhum a alma jamais am ou o Senhor exceto com o resultado do am or recebido do próprio Senhor.

[v. 133]Ordena meus passos em tua palavra; e que a iniqüidade não exerçanenhum domínio sobre mim.Ordena meus passos em tua palavra. Esta é um a das co stu ­

meiras mercês do Senhor em favor de seus eleitos - “ele guarda os pés de seus santos” . Assim ele costum a fazer àqueles que am am seu nome. Por sua graça ele nos capacita a pôr nossos pés, passo a passo, precisam ente no lugar que sua Palavra ordena. Esta oração busca um favor m uito seleto, ou, seja: que um ato m uito distinto, o próprio passo, seja disposto e governado pela vontade de Deus. Isso não interrom pe a santidade, nem os desejos dos cristãos se ­rão satisfeitos com algo inferior à bendita consum ação.

E que a iniqüidade não exerça nenhum dom ínio sobre mim. Este é o lado negativo da bênção. Pedimos para que façamos tudo o que é certo, e não caiamos sob o poder de algo que seja errôneo. Deus é nosso soberano, e nossa segurança está em nos subm eter­mos a seu dom ínio. Os cristãos não têm pecados favoritos ante os quais estariam dispostos a curvar-se. Eles suspiram pelo livramento perfeito do dom ínio do mal, e têm consciência de que não podem obtê-lo por suas próprias forças, por isso clamam a Deus por sua posse.

Em conexão com a cláusula anterior, aprendem os que, para evitar todo e qualquer pecado, tem os que observar todo dever. Som ente através de um a obediência real é que podem os ser p re­servados de ceder ao mal. Omissões conduzem a comissões. S o ­mente um a vida bem ordenada pode salvar-nos da desordem e da iniqüidade.

[v. 134]Livra-me da opressão do homem; e assim guardarei teus preceitos.Livra-me da opressão do homem. Davi nutria aversão por

toda a am argura proveniente desse grande mal. Pois ele fora exila­

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Salmo 115?

do de seu país e banido do santuário do Senhor. Por isso implora que seja poupado dele. D iz-se que a opressão faz de um sábio um sádico, e sem dúvida ela tem transform ado muitos justos em tran s­gressores. A opressão é inerentem ente perversiva e conduz os h o ­m ens ao cam inho da perversidade. Poucos de nós sabemos quanto de nossa virtude se deve a nossa liberdade; se estivéssemos em conluio com os tiranos arrogantes estaríam os sob sua sujeição, e em vez de serm os testem unhas de Deus poderíam os ser neste m om ento apóstatas. Aquele que nos ensinou a orar: “N ão nos dei­xes cair em tentação” sancionará esta oração: “Livra-nos da opres­são do hom em ”, pois ela contém o m esm o elemento que a prim ei­ra. Ser oprim ido é ser tentado. Senhor, conserva-nos em retidão.

E assim guardarei teus preceitos. Q uando o estresse oriundo da opressão se assenhoreava dele, ele prosseguia em seu caminho; e esse cam inho não era outro senão o cam inho do Senhor. Ainda que não devamos ceder às am eaças dos hom ens, todavia m uitos agem precisam ente assim; a esposa é, em muitos casos, compelida pela opressão de seu esposo a agir contra sua consciência; filhos e em pregados, famílias e sociedades, e até mesm o nações inteiras, todos têm sido forçados a encarar a m esm a dificuldade. Pecados com etidos pela intimidação serão fartam ente postos à porta do opressor; e com um ente é do agrado de Deus conduzir à ruína os poderes e pessoas que compelem seus semelhantes à prática do mal. O pior de tudo é que algumas pessoas, quando pressionadas a imitar seus opressores, seguem após a injustiça, de sua livre von­tade. E assim com provam que são pecadores por prazer. No caso dos justos, com eles sucede o que sucedeu aos antigos apóstolos: “Sendo-lhes perm itido ir, foram por sua própria conveniência.” Q uando os santos se vêem livres dos tiranos, deleitosam ente ad o ­ram seu Senhor e Rei.

fv. 135]Faz com que teu rosto resplandeça sobre teu servo, e ensina-me teusestatutos.Faz com que teu rosto resplandeça sobre teu servo. Os opres­

sores franzem o cenho; tu, porém, sorris. Eles fazem m inha vida

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] XPO SiÇÂO 1 /

trevosa; tu, porém , resplandeces sobre mim, e tudo o que m e cerca se torna lum inoso. O salmista outra vez se declara servo de Deus; e por isso valoriza o sorriso de seu Senhor. Ele não busca favor em nenhum outro, exceto em seu próprio Senhor e M estre.

E ensina-me teus estatutos. Ele busca santa instrução com o o principal emblema do am or divino. Este é o favor que ele conside­ra como sendo o resplendor do rosto de Deus sobre ele. Se o S e­nhor for prodigam ente gracioso, e fizer dele seu favorito, então ele não pedirá bênção mais elevada que ser instruído nos estatutos divinos. Veja com o o bom hom em se aferra à santidade! Em sua estima, esta é a preferida entre todas as gemas. Com o costum a­mos dizer: entre os hom ens, um a boa educação eqüivale a um a grande fortuna; assim como ser instruído pelo Senhor eqüivale a um dom especial da graça. O cristão mais afortunado necessita dc instrução; m esm o quando anda em meio à luz do sem blante de Deus, ele tem ainda de ser instruído nos estatutos divinos, do co n ­trário os transgredirá.

[v. 136]Rios de águas correm de meus olhos, porque eles não guardam tua lei.Em sua solidariedade em relação a Deus, ele pranteava ao ver

a santa lei desprezada e quebrada. Pranteava movido de com pai­xão para com os hom ens que estavam assim atraindo sobre si a ira ardente de Deus. Sua tristeza era tal que não conseguia im pedir- lhe a vazão; suas lágrimas não eram simples gotas de tristeza, eram rios de águas, torrentes de dor. ;

N esta sacra tristeza, o hom em de Deus chegou a assem elhar- se ao Senhor Jesus, que contem plou a cidade e pranteou sobre ela; e como o próprio Jeová, que não sente prazer na m orte de quem está espiritualm ente m orto, mas em que o m esm o se converta e viva. A experiência deste versículo indica um grande avanço q u an ­to a tudo o que já lemos neste cântico divino: o Salmo e o salmista estão am bos crescendo. Este hom em é um crente m aduro, que sente tristeza por causa dos pecados de outros. Os pranteadores de Sião se encontram entre os principais dos santos. No versículo 120, sua carne trem ia na presença de Deus; aqui, porém , ela pare­

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Salmo 115?

ce derreter-se e borbotar em dilúvios de lágrimas. “Ensina-m e teus estatutos” é seguido por um a expressão de profunda ternura do coração. N inguém é tão afetado pelas coisas celestiais com o aque­les que m ergulham no estudo da Palavra, e assim recebem a verda­de e essência das coisas. Os hom ens carnais arreceiam da força bruta e choram as perdas e dissabores; os hom ens espirituais, p o ­rém, sentem um santo tem or pelo próprio Senhor, e lam entam profundam ente quando vêem a desonra enlam ear seu santo nome.

*3.̂ —vV

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XPQ5IÇÂQ 13(w . 137-144)Tu és justo, ó Senhor, e retos são teus juízos. Teus testemunhos que ordenaste são justos e fidelíssimos. Meu zelo me tem consumido, por­que meus inimigos se esqueceram de tuas palavras. Tua palavra é p u ­ríssima; por isso teu servo a ama. Eu sou pequeno e desprezado; toda­via não me esqueço de teus preceitos. Tua justiça é uma justiça eterna, e tua lei é a verdade. Aflição e angústia têm se apoderado de mim; todavia teus mandamentos são meu deleite. A justiça de teus testemu­nhos é eterna; dá-me entendimento e eu viverei.Esta passagem trata da justiça perfeita de Jeová e de sua pala­

vra, e expressa as lutas de um a alma santa no que respeita a essa justiça. A letra inicial com que cada versículo começa tem um som que lem bra o leitor hebreu da palavra equivalente a justiça. A nota- chave desta seção é justiça. Oh! pela graça, deleitemo-nos na justiça!

[v. 137]Tu és Justo, ó Senhor, e retos são teus juízos.Tu és justo, ó Senhor. O salmista não tem usado com muita

freqüência o título Jeová nesta vasta composição. Todo o Salmo revela que ele era um homem profundam ente religioso, plenamente familiarizado com as coisas de Deus; e tais pessoas nunca usam o santo nome de Deus displicentemente, nem ainda o usam com tanta freqüência em com paração aos prudentes e aos ímpios. Neste caso, a familiaridade gera reverência. Aqui ele usa o sacro nome em ado­ração. Ele louva a Deus atribuindo-lhe justiça perfeita. Deus é sem ­pre reto, e ele é sempre ativamente reto, ou, seja Justo . Esta qualida­de está arraigada em nossa própria idéia de Deus. Não podemos im a­ginar um Deus que fosse injusto. Louvemo-lo atribuindo-lhe justiça, ainda quando seus caminhos nos forem dolorosos à carne e sangue.

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Salmo 115?

E retos são teus juízos. Aqui ele enaltece a Palavra de Deus, ou os juízos registrados, como sendo retos, mesmo porque seu Autor é justo. Aquilo que prom ana do Deus justo é por si só tam ­bém justo. Jeová diz e faz som ente aquilo que é reto. Isso constitui um a poderosa coluna para a alma em tem po de angústia. Q uando somos dolorosam ente afligidos, e não conseguim os divisar razão algum a para a dispensação, então podem os retroceder-nos a este fato certíssimo de que Deus é justo e seus m étodos de lidar conos­co são igualm ente justos. N ossa glória é poderm os cantar esta denodada confissão, quando todas as coisas que nos cercam nos sugerem o contrário. Essa é a mais rica adoração que prom ana dos lábios da fé, quando a razão carnal m urm ura contra a severi­dade aparentem ente injusta.

[v. 138]Teus testemunhos que ordenaste são justos e fidelíssimos.Tudo aquilo que Deus tem testificado em sua Palavra é reto e

fidedigno. Seus testem unhos são justos e dignos de nossa confi­ança no presente; são fiéis e dignos de nossa confiança no futuro. Em cada porção dos testem unhos inspirados há um a autoridade divina; são publicados pela ordenação divina e levam em si a im ­pressão do estilo régio que traz em seu bojo a onipotência. Não apenas os preceitos, mas tam bém as prom essas, são todos o rde­nados pelo Senhor, e assim se dá com todos os ensinos da Escri­tura. N ão é um a questão de decisão nossa, se são aceitos ou não; são emitidos por ordem real e não devem ser questionados. Sua característica consiste em que são com o o Senhor que os tem p ro ­clamado, são a essência da justiça e a alma da verdade. A Palavra de Deus é justa e não pode ser im pugnada; é fiel e não pode ser questionada; é genuína desde o princípio e o será assim até o fim.

H á um a ênfase na doce expressão - fidelíssimos. Q ue mercê temos no Deus que trata com aquele que é escrupulosam ente fiel, fidedigno em todos os pontos e detalhes de suas prom essas, p on ­tual e firme o tem po todo! De fato podem os arriscar tudo nessa palavra que é “sem pre fiel e sem pre infalível”.

Visto que nesses versículos o salmista realça a justiça de Deus

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^ X fO S IÇ A O 15

e de suas palavras, cabe-nos considerar o caráter divino e tudo fazer para imitá-lo. “Se vós sabeis que ele é justo, sabeis tam bém que todo aquele que pratica a justiça é nascido dele” ( l jo 2 .29).

[v. 1391Meu zelo me tem consumido, porque meus inimigos têm olvidado tuaspalavras.Nos dois últimos versículos Davi falou de seu Deus e de sua

lei; aqui ele fala de si mesmo. Isso sem dúvida foi ocasionado por nutrir ele tão agudo senso do admirável caráter da Palavra de Deus. Seu zelo era com o um fogo a arder em sua alma. D iante do fato de o hom em esquecer-se de Deus, seu íntimo era com o veem entes labaredas de fogo a devorá-lo e a consum i-lo. Davi não podia su ­portar que os hom ens olvidassem as palavras de Deus. Ele estava disposto a esquecer a si próprio, sim, a consum ir-se, só porque tais pessoas esqueceram -se de Deus. Os ímpios eram inimigos de Davi; eram seus inimigos porque o odiavam por sua piedade; eram seus inimigos porque ele os abominava por sua impiedade. Tais pessoas tinham ido longe demais em sua iniqüidade; não só viola­vam e negligenciavam os m andam entos de Deus, m as tam bém aparentavam que realm ente que os ignoravam. Isso deixava Davi com um fogo na alma; sua indignação o devorava. Com o ousam pisotear as coisas sacras? Com o era possível que ignorassem co m ­pletam ente os m andam entos do próprio D eus? Ele estava atônito e transbordante de ira santa.

Não é verdade que temos quem professa ser cristão, que co ­nhece a verdade, porém vive como se a esquecera com pletam ente?

[v. 140]Tua palavra é puríssima; por isso teu s^rvo a ama.Tua palavra é puríssima. Ela é verdade destilada, santidade

em sua quintessência. Na Palavra de Deus não há mescla de erro ou pecado. Ela é pura em seu significado; pura em sua linguagem; pura em seu espírito; pura em sua influência; e tudo isso no mais elevado grau e superlativo - puríssima.

Por isso teu servo a ama. O que prova que ele m esm o era

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Salmo 115*

puro de coração; pois som ente os que são puros am am a Palavra de Deus justam ente por ela ser pura. Seu coração estava jungido à Palavra por causa de sua gloriosa santidade e verdade. Ele a adm i­tia; deleitava-se nela; esforçava-se por praticá-la; e ansiava por viver sob seu poder purificador.

[v. 141]Eu sou pequeno e desprezado; todavia não me esqueço de teus preceitos.Essa falta de m em ória que condenava em outros (v. 139) não

podia ser lançada sobre ele. Seus inimigos não faziam conta dele; consideravam -no como um hom em destituído de poder ou habili­dade, e por isso olhavam -no com desdém. Ele parece aceitar a situação e hum ildem ente ocupa um lugar inferior, porém leva con ­sigo a Palavra de Deus. Q uantos têm praticado o mal com o fim de corresponder ao desprezo de seus inimigos! Para tornar-se p roe­m inentes, eles falavam e agiam de um a form a im ponderada! A b e ­leza da piedade do salmista consistia em ser ele calmo e pondera­do; e com o não se deixava levar por lisonjas, tam bém não era ven­cido pelo opróbrio. Se era pequeno, ele ainda mais zelosam ente atentaria para os m enores deveres; e se era desprezado, então mais ardorosam ente guardaria os m andam entos de Deus, os quais eram por eles desprezados.

[v. 142]Tua justiça é uma justiça eterna, e tua lei é a verdade.Tua justiça é uma justiça eterna. Tendo num versículo an teri­

or atribuído justiça a Deus, ele agora prossegue declarando que tal justiça é imutável e dura de eras em eras. Eis aqui a alegria e a glória dos santos: 0 que Deus é ele sempre será, e seu m odo de proceder para com os filhos dos hom ens é imutável, tendo m anti­do sua prom essa e realçado sua justiça entre seu povo; ele agirá assim no m undo até o fim. Tanto a justiça quanto a injustiça dos homens têm um limite, mas a justiça de Deus é ilimitada e infindável.

E tua lei é a verdade. Com o Deus é amor, assim sua lei é a verdade, a própria essência da verdade; verdade aplicada à ética, verdade em ação, verdade no tribunal. Ouvimos grandes disputas

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H x p o s i ç ã o 16

sobre “O que é a verdade?” As Santas Escrituras são a única re s­posta a essa pergunta. N ote que elas não são apenas fidedignas, mas são a própria verdade. Não podem os dizer que elas contêm a verdade, mas que são a própria verdade: “tua lei é a verdade.” N ão há nada falso acerca da lei ou apenas um a parte da Escritura que seja preceptiva. Aqueles que são obedientes descobrem por esse meio que estão andando num cam inho consistente com os fatos. E nquanto aqueles que agem em contrário estão percorrendo um a via ilusória.

Porque a Palavra é verdade, há nela um a justiça eterna. Alterar, dim inuir ou acrescentar algo é m entir contra Deus.

[v. 143]Aflição e angústia têm se apoderado de mim; todavia teus manda­mentos são meu deleite.Aflição e angústia têm se apoderado de mim. E possível que

essa aflição tenha surgido de circunstâncias [pessoais], ou da c ru ­eldade de seus inimigos, ou de seus próprios conflitos íntimos. O certo é que ele se encontrava dom inado por profunda angústia, angústia que o envolvera e o fizera cativo de seu poder. Suas tris­tezas, com o cães ferozes, se assenhoreara dele, e ele sentia suas presas. Ele sentia um a dupla aflição: aflição por fora; ansiedade por dentro. Como o apóstolo o expressa: “enfrentei lutas por fora e tem ores por dentro .”

Todavia teus mandamentos são meu deleite. E assim se tran s­form ara num a peneira: tentava separar a aflição do deleite; a a n ­gústia do prazer. O filho de Deus pode entender esse enigma, pois bem sabe ele que enquanto se vê precipitado num abismo, o qual percebe em seu próprio interior, ele se sente precipitado nas a ltu ­ras pelo que percebe na Palavra [de D eus], Deleita-se nos m anda­m entos [divinos], sendo ao mesmo tem po atribulado pela visão de suas imperfeições. Ele acha luz abundante nos m andam entos, e pela influência dessa luz descobre e lam enta suas próprias trevas. Só a pessoa que se familiariza com as lutas da vida espiritual p o ­derá entender a expressão que se acha diante de nossos olhos. Q ue o leitor possa encontrar um a balança de precisão na qual pese

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Salmo 119a si próprio. M esm o quando se vê envolto em tristezas, ainda a s ­sim você se deleita na vontade do Senhor? Você encontra mais alegria em ser santificado do que em ser castigado pela tristeza? Então a m arca dos filhos de Deus está im pressa em você também.

[v. 144]A justiça de teus testemunhos é eterna; dá-me entendimento, e eu vi­verei.A justiça de teus testemunhos é eterna. Antes ele dissera que

os testem unhos de Deus são justos; em seguida, que eles são e te r­nos; agora, que sua justiça é eterna. E assim, ao prosseguir, ele nos dá um relato mais amplo e mais detalhado da Palavra de Deus. Q uanto mais ele se vê engajado em descrevê-la, mais ainda p ro s­segue descrevendo-a. Q uanto mais ele tenta expressar acerca do santo escrito, mais tem o que expressar e mais poderá expressar. Os testem unhos de Deus dados ao hom em não podem ser dene­gridos; eles são justos do com eço ao fim. Ainda que os ímpios se oponham à justiça divina, especialmente ao plano da salvação, sem ­pre fracassam em estabelecer algum a acusação contra o Altíssimo. Enquanto a terra durar, enquanto houver um a criatura inteligente no universo, haverá quem confesse que os planos de Deus em usar de m isericórdia são em todos os aspectos maravilhosas provas de seu am or pela justiça: em bora seja ele o gracioso Jeová, não pode­rá ser injusto.

Dá-me entendimento, e eu viverei. Aqui está um a oração que ele faz sem cessar: que Deus lhe desse entendim ento. Aqui, ele evidentem ente considera que esse dom é essencial a sua vida. Vi­ver sem entendim ento não é um a vida que mereça ser vivida, mas é estar m orto enquanto se vive. Som ente quando conhecem os e discernim os as coisas de Deus é que podem os dizer que desfru ta­mos da vida. Q uanto mais o Senhor nos ensina a adm irar a eterna perfeição de sua Palavra, e quanto mais nos dinam iza a am ar tal perfeição, mais felizes e melhores seremos. Assim, com o am am os a vida e buscam os dias longos para que vejamos o bem, cabe-nos buscar a im ortalidade na Palavra eterna que é viva e perm anece para sempre, e buscar o bem naquela renovação de toda nossa

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f ~XPOSIÇÃO lá

natureza que tem como ponto de partida a ilum inação do en tend i­m ento que segue o curso da regeneração do hom em todo. Aqui há total dependência do Espírito Santo, o Senhor e D oador da vida, o G uia de todos quantos são vivificados, aquele que nos conduz a toda a verdade. Oh! que as visitações de sua graça ocorram neste precioso momento!

Vivemos pela Palavra de Deus, no sentido em que ela nos p re ­serva dos cam inhos pecam inosos que nos conduziriam à m orte. Entender e imitar a justiça de D eus é o m elhor preservativo contra todos nossos inimigos letais. Se o Senhor nos der entendim ento para que vivamos assim, deveras viveremos no mais elevado e su ­blime sentido, a despeito dos poderes da m orte e do inferno!

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XPQ51ÇÂQ

(w. 145-152)Clamei com todo meu coração: ouve, ó Senhor, e guardarei teus esta­tutos. Clamei a ti: salva-me, e guardarei teus testemunhos. Antecipei o alvorecer do dia, e clamei; esperei em tua palavra. Meus olhos anteci­pam as vigílias da noite para que eu possa meditar em tua palavra. Ouve minha voz segundo tua benignidade; vivifica-me, ó Senhor, se­gundo teu juízo. Aproximam-se os que seguem após o mal; andam longe de tua lei. Tu estás perto, ó Senhor, e todos teus mandamentos são verazes. A luz de teus testemunhos tenho conhecido que desde a antigüidade tu os fundaste para sempre.Esta seção é dedicada às memórias de oração. O salmista des­

creve o tem po e o m étodo de sua súplica, e roga que Deus o liberte de suas tribulações. Ele que tem vivido com Deus de m aneira tão íntima, certam ente o achará na fornalha. Se realm ente clam ar­mos, certam ente seremos ouvidos. Respostas adiadas podem le- var-nos a oportunidades; mas é preciso que não tem am os os re ­sultados últimos, um a vez que as prom essas de Deus não são in ­certas, mas estão “fundadas para sem pre” . A passagem com o um todo nos revela: como ele orava (v, 145); pelo quê orava (v. 146); quando orava (v. 147); quanto tem po orava (v. 148); o que pedia (v. 149); o que acontecia (v. 151); com o foi salvo (v. 150); qual foi seu testem unho sobre toda a questão (v. 152). Q ue o Senhor abençoe nossas meditações sobre esta instrutiva passagem!

[v. 145]Clamei com todo meu coração; ouve-me, ó Senhor, e guardarei teus estatutos.Clamei com todo meu coração. Sua oração era sincera, quei­

xosa, dolorosa, uma expressão natural, com o que provinda de uma

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F X P O S IÇ Ã O l?

criatura que sente profunda dor. Não podem os dizer se todas as vezes ele usava sua voz quando assim clamava; mas som os in fo r­m ados de algo que é de m aior im portância - ele clamava com seu coração. Clamores do coração são a essência da oração. Ele m en ­ciona a integridade de seu coração neste santo em preendim ento. Toda sua alma preiteava perante Deus; todos seus afetos, seus d e ­sejos unificados, sim, tudo nele o impelia para o Deus vivo. E bom quando um a pessoa pode dizer tudo isso em suas orações. E de tem er que muitos jamais clamaram a Deus com todo seu coração durante toda sua vida. Não pode haver beleza de elocução em tais orações, nenhum alcance de expressão, nenhum a profundidade doutrinai, nenhum a exatidão de dicção. Mas se a totalidade do coração estiver neles, encontrarão seu cam inho rum o ao coração de Deus.

Ouve-me, ó Senhor. Seu desejo diante de Jeová é que seus clamores não se percam no ar, mas que D eus atente bem para eles. Os verdadeiros suplicantes não ficam satisfeitos com o exercício em si; eles têm um fim e objetivo quando oram, e saem em sua perseguição. Se Deus não ouvisse a oração, oraríam os em vão. O term o ‘ouve’ é am iúde usado na Escritura para expressar atenção e consideração. N um sentido, Deus ouve cada som que é produzi­do na terra, e cada desejo de cada coração. Davi, porém , tinha em m ente m uito mais que isso: ele desejava ter diante de si um ouvinte bondoso e solidário, tal como o m édico faz com seu paciente q u an ­do lhe conta sua deplorável história. Ele pediu que o Senhor esti­vesse bem perto e o ouvisse, com ouvidos de amigo, a voz de seu queixume, com visão de piedade posta nele e o ajudasse. Observe que sua oração de todo o coração se direciona unicam ente para o Senhor; ele não possui um a segunda esperança nem um segundo ajudador. “Ouve-me, ó Senhor” é a m edida plena de sua petição e expectativa.

E guardarei teus estatutos. Ele não poderia esperar que o Senhor o ouvisse se prim eiro ele não ouvisse o Senhor; nem seria procedente se orava com todo seu coração a m enos que m anifes­tasse que esforçava com toda sua força para ser obediente à v on­tade divina. Seu objetivo em buscar livramento era para que esti­

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Salmo 115?

vesse livre para praticar sua religião; livre para cum prir cada o rd e ­nança da lei; livre para servir o Senhor.

N ote bem que um a santa resolução vai bem com um a súplica que im portuna. Davi está determ inado a ser santo; todo seu co ra­ção acom panha essa resolução, bem com o suas orações. Ele g u a r­dará os estatutos de Deus em suas meditações, em suas afeições e em suas ações. Ele não negligenciará voluntariam ente, nem es­pontaneam ente violará qualquer um a das leis divinas.

[v. 146]Clamei a ti: salva-me, e guardarei teus testemunhos.Clamei a ti. Novam ente m enciona que sua oração se direcio-

nava exclusivamente a Deus. A sentença implica que ele orava com veemência e com muita freqüência; e que se tornara um dos m ai­ores elementos de sua vida o costum e de clamar a Deus.

Salva-me. Esta era sua oração; ninguém , senão o Senhor, p o ­dia salvá-lo; ao Senhor ele clamou: Salva-me dos perigos que me cercam ; dos inimigos que me perseguem ; das tentações que me sitiam; dos pecados que me acusam.

N ão multiplicava palavras, mas simplesmente clamava: “Sal­va-m e.” O ser hum ano nunca usa excesso de palavras quando se vê dom inado por forte emoção. Davi não multiplica os objetivos; simplesmente solicitava que fosse salvo. O ser hum ano raram ente é prolixo quando tem em m ente um a necessidade específica.

E guardarei teus testemunhos. Este era seu grande objetivo ao desejar a salvação: para que fosse capacitado a prosseguir num a vida íntegra de obediência a Deus, bem com o para que fosse capaz de crer no testem unho de Deus e ele mesmo fosse um a testem u­nha de Deus. E m uito im portante quando os hom ens buscam a salvação por um fim tão elevado. Ele não pede para ser libertado com o fim de pecar im punem ente; seu clamor é para que fosse libertado do próprio pecado. C om prom etera-se a guardar os esta­tutos ou leis de Deus; aqui resolve guardar os testem unhos ou doutrinas de Deus e assim ser íntegro de m ente e puro de mãos. A salvação produz todas essas coisas boas em seu séquito. Davi não

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E x p o s i ç ã o \$

tinha idéia de um a salvação que lhe perm itisse viver em pecado ou a estabelecer-se no erro. Ele bem sabia que ninguém está salvo enquanto perm anece em desobediência e ignorância.

[v. 147]Antecipei o alvorecer do dia, e clamei; esperei em tua palavra.Antecipei o alvorecer do dia, e clamei. Ele se ergueu antes

que saísse o sol e com eçou suas súplicas antes que o orvalho co ­m eçasse a secar-se da relva. Tudo quanto é digno de ser feito, é digno de ser feito diligentemente. Esta é a terceira vez que ele faz m enção de seu clamor. Ele clamou, e clamou, e to rnou a clamar. Suas súplicas se tornaram tão freqüentes, tão ferventes e tão in ­tensas, que dificilmente se poderia dizer que ele fazia algo mais além de clamar a seu Deus desde o alvorecer até o anoitecer. Tão veem ente era seu desejo pela salvação, que não conseguia rep o u ­sar em seu leito; tão ardorosam ente ele a buscava, que na prim eira chance possível ele era visto debruçado em seus joelhos.

Esperei em tua palavra. A esperança é um meio poderosíssi­mo em nosso fortalecimento para a oração. Q uem porventura oraria se não nutrisse esperança de que Deus o ouve? Quem não oraria quando nutre firme esperança de um bendito resultado de seus rogos? A esperança do salmista estava posta na Palavra de Deus; e essa é um a âncora segura, porque Deus é veraz, e em hipótese algum a ele recuaria de sua prom essa, ou alteraria aquilo que foi emitido por seus lábios. Aquele que é diligente em orar jamais se verá destituído de esperança. Observe que, com o a ave bem de m anhã sai do ninho para com er insetos, assim a oração m atutina é tão logo bafejada com esperança.

[v. 148]Meus olhos antecipam as vigílias da noite para que possa meditar emtua palavra.Meus olhos antecipam as vigílias da noite. Antes que o vigia

anunciasse a hora, ele lançava seu clam or a Deus. Ele não carecia de ser inform ado sobre quantas horas haviam passado; porque a cada hora seu coração voava rum o ao céu. Ele começava o dia

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Salmo 115*

com oração e continuava em oração ao longo dos labores do dia e das vigílias da noite. Os soldados costum avam perm utar a guarda; Davi, porém , não perm uta sua santa ocupação. Especialm ente durante a noite ele conservava seus olhos abertos, e dele fugia o sono, para que pudesse m anter com unhão com seu Deus. Sua adoração ia de um a vigília a outra, à sem elhança do viajante cuja viagem é de escala a escala.

Para que eu pudesse meditar em tua palavra. Isso veio a ser comida e bebida para ele. A meditação era o alimento de sua espe­rança e o consolo em sua tristeza: o tem a sobre o qual seus pensa­mentos se debatiam era a bendita ‘Palavra’ continuam ente m encio­nada por ele e na qual seu coração tão profundam ente se regozijava. Ele preferia estudar a dormitar, e aprendeu a abster-se de seu sono necessário em troca de um a devoção m uito mais necessária. E ins­trutivo encontrar meditação tão constantem ente conectada com oração fervorosa. Ela é o combustível que sustenta a chama. Quão raro artigo é esse em nossos dias! Quando é que nos deparamos com alguém que gasta noites em oração? Nós mesmos temos feito isso?

[v. 149]Ouve minha voz segundo tua benignidade; vivifica-me, ó Senhor, se­gundo teu juízo.Ouve minha voz segundo tua benignidade. Os hom ens acham

ser m uito útil usar suas vozes na oração; é m uito difícil m anter a intensidade da devoção, exceto quando nos ouvimos falar; daí Davi por fim quebra seu silêncio, interrom pe a quietude de suas m edi­tações e começa a clamar com sua voz e com seu coração ao S e­nhor seu Deus. Note bem que ele não pleiteia seus próprios m ere­cimentos, nem por um m om ento apela para a quitação de um d é­bito por conta do mérito; ele tom a a via da livre graça e a expressa “segundo tua benignidade” . Q uando Deus ouve a oração de aco r­do com sua benignidade, ele passa por alto todas as imperfeições da oração; ele esquece a pecam inosidade de quem ora e, com am or compassivo, atende o desejo, ainda quando o suplicante seja in ­digno. A resposta imediata vem de acordo com a benignidade de Deus — sua resposta freqüente, abundante, sim, resposta que ex­

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r XPOS1ÇÂO \ J

cede muitíssimo a tudo quanto pedim os ou m esm o pensam os. A benignidade é um a das palavras mais doces de nosso idioma. A bondade tem em si algo que é preciosíssimo; a benignidade, p o ­rém, é duplam ente amorável; é a própria nata da bondade.

Vivifica-me, ó Senhor, segundo teu juízo. Esta é um a das o ra ­ções mais sábias e ardentes de Davi. Ele prim eiro grita: “salva- me!” Em seguida: “Ouve-m e!” E agora: “Vivifica-me!” Esta é às vezes a m elhor m aneira de libertarm o-nos da tribulação - com vistas a dar-nos mais vida, a fim de nos escaparm os da m orte; e ao acrescentar mais força a essa vida, som os capazes de desvenci- lhar-nos de seus fardos. Observe bem que ele solicita por vivifica- ção de acordo com o juízo divino, ou seja, andar num cam inho que seja consistente com a sabedoria e a prudência infinitas. Os m éto ­dos divinos de com unicar m aior vigor a nossa vida espiritual são excessivamente sábios; ser-nos-ia provavelmente debalde te n ta r­mos entendê-los; e ser-nos-á sábio nutrirm os o desejo de receber a graça, não segundo nossa noção de com o ela nos viria, m as se­gundo o m étodo celestial e divino de no-la conceder. E p rerro g a­tiva sua vivificar ou tirar a vida; e é m elhor deixar esse ato sobera­no a seu próprio e infalível critério. Porventura já não nos deu ele a graça dessa vida e a bênção de tê-la abundantem ente? Nesse dom “ele nos tem enriquecido com toda sabedoria e prudência” .

[v. 150]Aproximam-se os que seguem a maldade; eles se afastam de tua lei.Aproximam-se os que seguem a maldade. Ele quase podia

ouvir atrás de si o som dos passos deles. N ão o estão seguindo para seu bem, mas para seu mal, e portanto o som de sua aproxi­mação é algo terrível. Não estão perseguindo um bom objetivo, mas estão perseguindo um bom hom em . Com o se não bastasse a maldade que habitava o próprio coração deles, se põem à caça de algo mais. Ele os via correndo e saltando pelos m ontes e vales a fim de fazer-lhe dano; e ele os m encionà diante de Deus e roga ao Senhor que fixe seus olhos neles e os trate de m odo que fiquem confusos. Já estavam para agarrá-lo, quase já com ele nas mãos, e por isso ele clama com mais ardor.

Saimo \\JEles se afastam de tua lei. A vida de perversidade não pode

ser um a vida obediente. Antes que esses hom ens decidissem con­verter-se em perseguidores de Davi, eles se viram obrigados a des- vencilhar-se das restrições da lei de Deus. Não podiam odiar um santo e ao m esm o tem po am ar a lei. Os que guardam a lei de Deus não fazem dano a si próprios e nem tam pouco a outrem . O pecado é o m aior de todos os malfeitores. Davi m enciona o caráter de seus adversários em oração diante do Senhor, sentindo algum gê­nero de conforto no fato de que os que o odiavam, odiavam tam ­bém a Deus e violavam sua santa lei quando o buscavam com o intuito de fazer-lhe mal. Ao saberm os que nossos inimigos são igualm ente inimigos de Deus, são nossos inimigos porque o são tam bém dele, então desse fato extraím os conforto para nossos corações.

[v. 1511Tu estás perto, ó Senhor, e todos teus mandamentos são verdade.Tu estás perto, ó Senhor. Por mais perto estivesse o inimigo,

Deus estava ainda mais perto: aqui está um dos confortos que os perseguidos filhos de Deus mais escolhem. O Senhor está perto para ouvir nossos clamores e para oferecer-nos im ediatam ente seu socorro. Ele está perto para rechaçar nossos inimigos e dar-nos descanso e paz.

E todos teus mandamentos são verdade. Deus não ordena a m entira, tam pouco m ente em seus m andam entos. V irtude é a v er­dade em ação, e isso é o que Deus ordena. Pecado é a falsidade em ação, e isso é o que Deus condena. Se todos os m andam entos de Deus são verdade, então o hom em veraz se alegrará em m anter-se perto deles, e nisso achará o Deus veraz perto de si. Esta sentença será a proteção do hom em perseguido contra os corações falsos que buscam fazer-lhe mal: Deus está perto e Deus é veraz, por isso seu povo está seguro. Se em algum tem po cairmos em perigo por guardarm os os m andam entos de Deus, não precisam os supor que temos agido estultam ente; podem os, ao contrário, estar ple­nam ente convictos de que estamos no cam inho certo; pois os p re ­ceitos de Deus são retos e verazes, e por essa m esm a razão os

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l^ X P O S IÇ A O 15>

ímpios nos assaltam. Os corações falsos odeiam a verdade, e por isso odeiam os que praticam a verdade. Sua oposição pode ser nossa consolação; enquanto a presença de Deus estiver conosco, ela é nossa glória e deleite.

[v. 152]Acerca de teus testemunhos, aprendi desde a antigüidade que tu osfundas te para sempre.Davi descobriu bem cedo que Deus fundara seus testem unhos

desde a antigüidade, e que eles seriam inabaláveis ao longo de to ­das as eras. É algo muitíssim o bendito ser desde bem cedo in s­truído por Deus para que conheçam os as doutrinas essenciais do evangelho desde nossa juventude. Os que conhecem a eterna ver­dade em seus primeiros dias refletirá acerca desse conhecim ento com prazer nos dias de sua m aturidade.

Os que crêem que Davi era jovem quando escreveu este Salmo descobrirão que é bem difícil conciliar este versículo com sua teo ­ria; é m uito mais provável que já estivesse encanecido e que esti­vesse fazendo um a retrospectiva sobre o que aprendera m uito a n ­tes disso. Ele aprendera desde sua infância que as doutrinas da Palavra de Deus foram estabelecidas m uito antes da fundação do m undo, e que elas jamais m udaram e jamais poderiam , por qual­quer possibilidade, ser alteradas. Em seus prim órdios, ele se pôs a edificar sobre a Rocha, tendo consciência de que os testem unhos divinos foram ‘fundados’, ou seja, lançados com o o fundam ento, postos e estabelecidos; e que foram assim estabelecidos com vistas a durarem por todas as eras futuras, em meio a todas as m udanças que viessem à existência. Foi por Davi conhecer tudo isso que ele nutria tal confiança em oração e se fez tão insistente nela. E mui doce pleitear as imutáveis prom essas diante do Deus imutável. Foi em decorrência desse fato que Davi aprendeu a esperar. U m a pes­soa não pode nutrir m uita expectativa direcionada para um amigo mutável; porém pode m uito bem depositar sua confiança num Deus que não pode m udar. Foi em decorrência disso que ele se deleitava em viver perto do Senhor, pois a coisa mais bendita é m anter ín ti­mo diálogo com um amigo que jamais varia. Saibam todos os que

5almo 119escolhem seguir após os calcanhares da escola m oderna em busca do raiar de nova luz, que faça desaparecer a velha luz, que nós vivemos felizes com a verdade que é tão antiga com o as colinas e tão fixas com o as grandes m ontanhas. Inventem os “intelectos cultos” outro deus mais m anso e mais atraente que o Deus de Abraão, porque estamos bem contentes em cultuar a feová que é eternam ente o m esm o [Hb 13.8]. As coisas eternam ente estabele­cidas são a alegria dos santos estabelecidos. As ilusões agradam as crianças; os hom ens, porém, prezam aquelas coisas que são sóli­das e substanciais, com um fundam ento e alicerce que as façam suportar a prova das eras.

p X POSIÇÃO 20(w . 153-160)Considera minha aflição e livra-me; pois não me esqueci de tua lei. Pleiteia minha causa e livra-me; vivifica-me segundo tua palavra. A salvação está longe dos perversos, porque não buscam teus estatutos. Imensuráveis, ó Senhor, são tuas ternas misericórdias; vivifica-me se­gundo teus juízos. Muitos são meus perseguidores e meus inimigos; todavia não me desvio de teus testemunhos. Vi os transgressores, e fiquei angustiado, porque eles não guardavam tua palavra. Considera como amo teus preceitos; vivifica-me, ó Senhor; segundo tua benigni­dade. Tua palavra é verdadeira desde o princípio; e cada um de teus justos juízos dura para sempre.Nesta seção, o salmista parece chegar ainda mais perto de Deus

em oração, declarando seu problema e invocando o divino socor­ro com m uito mais ousadia e expectativa. E um a passagem de um a causa em juízo, e sua palavra-chave é ‘considera’. Com m uita ousa­dia, ele pleiteia sua íntima união com a causa do Senhor com o a razão pela qual ele precisa de auxílio. O auxílio especial que ele busca é a vivificação pessoal, pela qual ele clama ao Senhor vezes e mais vezes.

[v. 153]Considera minha aflição e livra-me; porque não me esqueço de tua lei.Considera minha aflição e livra-me. O escritor tem um a boa

causa, ainda que a m esm a lhe seja dolorosa, e ele está pronto, aliás ansioso, a subm etê-la ao divino Arbitro. Seus problemas são..jus- tos, e ele está pronto a pô-los diante da suprem a corte. Sua atitude é a de alguém que se sente seguro diante do trono. Todavia, não se vê impaciência; ele não solicita um a ação rápida, e, sim, que haja consideração. De fato ele clama: “Olha para m inha tristeza e vê se

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Salmo 115?

não há necessidade de que eu seja socorrido. Q ue m inha dolorosa condição seja julgada pelo uso de um m étodo próprio e justo e em tem po para que eu seja resgatado.” O salmista almeja duas coisas, e essas duas coisas combinadas: prim eiro, um a plena considera­ção de sua dor; segundo, livramento; e, então, esse livramento deve ser seguido de um a consideração de sua aflição. Seria o desejo de um hom em m uito agraciado e que está envolto por adversidade; e que o Senhor olharia para sua necessidade e a am enizaria de tal m odo que a m esm a se reverteria na glória divina e em seu próprio benefício. As palavras “m inha aflição” são pitorescas; é com o se fosse a própria herança do escritor; ele a possui com o nenhum outro jamais teria experim entado, e roga ao Senhor que m antenha essa porção especial diante de seus olhos. Era com o o lavrador que observa todo seu cam po a fim de selecionar um a boa parte. Sua oração é em inentem ente prática, pois ele busca o livramento, ou, seja, poder sair de seus problem as e ser poupado de enfrentar algum sério dano por isso. Pedir que Deus ‘considere’ é pedir que ele aja no tem po próprio - os hom ens consideram e nada fazem, mas essa jamais foi a atitude de Deus.

Porque não me esqueço de tua lei. Mesmo com toda sua am ar­gura, sua aflição não era suficiente para dissipar de sua m ente a m em ória da lei de Deus; tam pouco podia levá-lo a agir con traria­m ente ao m andam ento divino. Ele esqueceu-se da prosperidade, porém não se esqueceu da obediência. Essa é uma boa causa, q uan ­do pode ser honestam ente defendida. Se nos conservarm os fiéis aos preceitos de Deus, podem os estar certos de que Deus perm a­necerá fiel a sua prom essa. Se não nos esquecerm os de sua lei, o Senhor não se esquecerá de nós. Ele não abandonará por m uito tem po um a pessoa em sua angústia, cujo único m edo é de aban ­donar o cam inho da justiça.

[v. 154]Pleiteia minha causa, e livra-me; vivifica-me segundo tua palavra.Pleiteia minha causa, e livra-me. Ele já havia orado no último

versículo: “livra-me.” Aqui ele especifica um m étodo no qual esse livramento se concretizasse, a saber: pela defesa de sua causa. Em

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F XPQ51ÇÃO 2 0

sua providência, o Senhor tem m uitos meios de limpar o calunia­do das acusações lançadas contra ele. Deus pode fazer m anifesto a todos que ele foi caluniado, e com isso pode praticam ente defen­der sua causa. Além do mais, ele pode levantar amigos em defesa do piedoso que não deixará pedra sobre pedra até que seu caráter esteja limpo. O u pode ferir seus inimigos com tal tem or de co ra ­ção que se esforçarão por confessar sua falsidade, e assim o justo será poupado, sem sequer arrem essar um a única flecha. O Dr. Alexander o lê assim: “Luta m inha luta, e redim e-m e” — ou seja, põe-te em m eu lugar, carrega meu fardo, luta m inha luta, quita m inha dívida e conduz-m e à liberdade. Q uando nos sentim os em u ­decidos diante de nossos inimigos, aqui está um a oração a nosso alcance. Q ue conforto sabermos que, se pecarm os, tem os um a d ­vogado; e que, se não pecarm os, o m esm o defensor estará em pe­nhado e bem a nosso lado!

Vivifica-me. Tivemos esta oração na últim a seção, e a terem os mais de um a vez nesta. E um desejo que não pode ser sentido e expresso com dem asiada freqüência. Visto ser a alma o centro de tudo, assim a vivificação é a bênção central. Mais vida significa mais am or, mais graça, mais fé, mais coragem , mais força; e se tom arm os posse desses elementos, m anterem os nossas cabeças erguidas diante de nossos adversários. Unicam ente Deus pode dar- nos essa vivificação; mas para o Senhor e D oador da vida a obra é bastante fácil, e ele se deleita em realizá-la.

Segundo tua palavra. Davi descobrira a bênção da vivificação entre as coisas prometidas, ou, pelo menos, percebeu que ela estava em harm onia com o teor geral da Palavra de Deus de que os c ren ­tes provados seriam vivificados e soerguidos novam ente do pó da terra; portanto ele apela para a Palavra e deseja que o Senhor aja nele em consonância com o teor usual dessa palavra. E um a p ro ­m essa implícita, se não explícita, que o Senhor vivificará a seu povo. Q ue poderoso pleito é este: “segundo tua palavra” ! N enhu­ma arm a, em todos nossos arsenais, poderia rivalizar-se com ela.

[v. 155]A salvação está longe dos perversos, porque eles não buscam teusestatutos.

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Salmo 115?

A salvação está longe dos perversos. Por sua perseverança no mal, eles quase foram totalm ente excluídos do cenário da esperan­ça. Falam em ser salvos, porém não podem conhecer nada da sal­vação, ou não perm aneceriam na perversidade. Cada passo que dão na vereda do mal, mais se afastam do reino da graça. Vão de um a outro grau de dureza, até que seus corações se convertem em pedras. Q uando caem em tribulação, isso se lhes torna um a condição irremediável. Todavia falam grandeza, com o se não c a ­recessem de qualquer salvação, ou pudessem salvar a si próprios, sem pre que sua fantasia os volvia para esse caminho. Têm andado tanto tem po longe da salvação que nem sequer sabem o que ela significa.

Porque não buscam teus estatutos. N ão envidam esforço al­gum no cam inho da obediência; o reverso é que é verdadeiro. Bus­cam agradar a si próprios; buscam o mal; por isso nunca se depa­ram com o cam inho da paz e da justiça. Q uando os hom ens que- brantam os estatutos do Senhor, seu curso mais sábio é rum o ao perdão, via arrependim ento; rum o à salvação, via fé. Então a sal­vação se põe perto deles, tão perto que não podem deixar de vê-la. Mas quando os perversos persistem em ir após o malefício, a sal­vação se põe mais e mais longe deles. A salvação e os estatutos de Deus seguem sem pre juntos: os que são salvos pelo Rei da graça, passam a am ar os estatutos do Rei da glória. A razão prim ordial por que os hom ens não são salvos é que fogem da Palavra de Deus.

[v. 156]Imensuráveis, ó Senhor, são tuas temas misericórdias; vivifica-me se­gundo teus juízos.Este versículo é muitíssim o sem elhante ao 149, e no entanto

ele não é um a vã repetição. H á um a tal diferença na idéia princi­pal, que um versículo destaca a distinção do outro. No primeiro caso, ele m enciona sua oração, porém deixa à sabedoria e ao juízo de Deus o m étodo de sua concretização. Enquanto aqui ele não apresenta nenhum a oração propriam ente dita, mas simplesmente as m isericórdias do Senhor, e roga que seja vivificado pelos juízos, em vez de entregar-se à letargia espiritual. Podemos tom ar como

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axiomático o fato de que um autor inspirado nunca seja tão sucin­to em seus pensam entos que se veja obrigado a repeti-los. E se porventura concluirm os que temos neste Salmo um a repetição da m esm a idéia, somos ludibriados por nossa negligência de um es­tudo mais criterioso. Cada versículo é um a pérola distinta. Cada folha de gram a neste cam po tem sua própria gota do orvalho celestial.

Imensuráveis, ó Senhor, são tuas ternas misericórdias. Aqui o salmista apela para a im ensurabilidade da m isericórdia de Deus, a im ensidão de seu terno amor; aliás, ele fala de misericórdias - m uitas misericórdias, ternas misericórdias, grandes m isericórdi­as. E diante do glorioso Jeová ele faz disto um apelo em prol de sua oração principal, a oração por vivificação. A vivificação p ro ­vém da imensurável e terna misericórdia; e são m uitas m isericór­dias num a só. Aquele que é tão incom ensuravelm ente bom perm i­tirá que seu servo m orra? Não injetará nele seu terno fôlego de nova vida?

Vivifica-me segundo teus juízos. U m a m edida de alento vem com os juízos divinos; eles são alarm antes e excitantes; por isso o crente recebe vivificação por meio deles. A prim eira cláusula deste versículo pode ser assim traduzida: “M uitas” ou “M ultiformes, ó Jeová, são tuas com paixões.” Ele se lem bra disso em conexão com “m uitos perseguidores”, de quem fala no versículo seguinte. M e­diante todas essas m uitas miseriçórdias ele espera a graça do avi- vam ento, e assim ele tem muitas cordas para seu arco. N unca se ­rem os carentes de argum entos se os extrairm os de Deus m esm o e se insistirmos com ele que nos conceda misericórdias e juízos como as razões de nossa vivificação.

[v. 157]Muitos são meus perseguidores e meus inimigos; todavia não me des­vio de teus testemunhos.Muitos são meus perseguidores e meus inim igos. Os que

realm ente me assaltam, ou que secretam ente nutrem aversão por mim, são em grande núm ero. Ele confronta isso com as m uitas e ternas misericórdias de Deus. Soa estranho que um hom em tão

Salmo llp

profundam ente piedoso como Davi tivesse tantos inimigos; p o ­rém tal coisa era inevitável. O discípulo não pode ser am ado onde seu M estre é odiado. A sem ente da serpente se opõe à sem ente da m ulher — faz parte de sua natureza.

Todavia não me desvio de teus testemunhos. Ele não se d es­viava da verdade de Deus, mas prosseguia na reta vereda por mais num erosos fossem seus adversários e por mais que tentassem pôr pedras em seu caminho. Algumas pessoas têm sido desviadas por um só inimigo; aqui, porém, está um santo que se m antinha em seu cam inho entre os dentes de muitos perseguidores. H á m uito nos testem unhos de Deus que com pensa nosso avanço contra to ­das as hostes que porventura tram em contra nós. Enquanto não puderem conduzir-nos nem atrair-nos ao declínio espiritual, n o s­sos inimigos não nos farão grande dano; aliás, com sua malícia nada conseguem concretizar. Se não cederm os, não poderem os ser derrotados. Se não conseguem levar-nos a pecar, terão perd i­do sua força. A fidelidade à verdade prom ove vitória sobre nossos inimigos.

[v. 158]Vi os transgressores, e fiquei aflito, porque não guardaram tua palavra.Vi os transgressores. Vi os traidores; entendi seu caráter, seu

objetivo, seu cam inho e seu fim. Não pude im pedir-m e de vê-los, porque se impeliram em m eu caminho. Visto que fui obrigado a vê-los, fixei neles meus olhos para aprender deles o que eu pudesse.

E fiquei aflito. Fiquei m agoado em ver esses pecadores. Ao vê-los, fiquei doente e desgostoso; não pude suportá-los. N ão tive neles nenhum prazer; foram para mim um a dolorosa visão, por mais fino seja seu vestuário ou mais chistoso seu palavrório. M es­m o quando um a visão deles fosse m uito jubilosa, ela fez meu co ra­ção pesado; não consegui tolerar nem a eles próprios nem a seus feitos.

Porque não guardaram tua palavra. M inha tristeza foi ocasi­onada mais pelo pecado deles contra Deus do que por sua inim i­zade contra mim. O que não pude suportar, ó Senhor, não foi o modo com o trataram m inhas palavras, mas o fa to de negligencia­

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[ xposiçÂo 2 0

rem tua Palavra. Tua Palavra me é tão preciosa, que quem não a guarda provoca m inha indignação. N ão posso conservar a com ­panhia daqueles que não conservam a Palavra de Deus. O fato de não me am arem não tem a m enor im portância; desprezar, porém , a doutrina do Senhor me é um a abom inação.

[v. 159]Considera como amo teus preceitos; vivifica-me, ó Senhor, segundotua benignidade.Considera, ou atenta, como amo teus preceitos. É a segunda

vez que ele roga por consideração. Com o ele disse antes: “C onsi­dera m inha aflição”, assim ele agora diz: “C onsidera m inha afei­ção.” Ele amava os preceitos de Deus - amava-os inexprimivel­m ente —, am ava-os ao ponto de sentir-se trucidado ante a visão daqueles que não os amavam. Eis um teste infalível: m uitos há que sentem profunda paixão pelas promessas, porém não conseguem suportar os preceitos. O salmista, ao contrário, amava tudo q u a n ­to era bom e excelente; ele amava tudo quanto Deus ordenara. Os preceitos são todos eles sábios e santos, por isso o hom em de Deus os amava de form a extremada: amava conhecê-los, pensava neles, proclam ava-os e, principalm ente, praticava-os. Ele pediu que o Senhor se lem brasse desse fato e o considerasse, não com base em seus méritos pessoais, mas para que servisse como resposta às acusações caluniosas que naquela época lhe constituíam com o que um espinho em sua ferida.

Vivifica-me, ó Senhor, segundo tua benignidade. Aqui ele retrocede a sua oração anterior: “Vivifica-me” (v. 154), “vivifica- m e” (v. 156), “vivifica-me”, aqui. Ele ora novam ente pela terceira vez, usando as m esm as palavras. N ão há mal algum em usar rep e­tições; o que é proibido é o uso de vãs repetições, com o fazem os pagãos.

Davi se sentia com o alguém meio atordoado com os assaltos de seus inimigos, quase a desfalecer sob sua incessante malícia. D aí clamar: “Vivifica-me.” O que lhe faltava era avivamento, re s­tauração, renovação; portanto ele implorava por mais vida. O tu que m e vivificaste quando eu estava m orto, vivifica-me novam ente

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Salmo \\Jagora para que eu não volte para o m undo dos mortos! Vivifica- me para que eu possa sobreviver aos golpes de meus inimigos, à debilidade de m inha fé e ao desfalecimento procedente de m inha tristeza. D esta vez ele não diz: “Vivifica-me segundo teus juízos”, mas: “Vivifica-me, ó Senhor, segundo tua benignidade.” No am or e m ercê de Deus ele deposita sua máxima e final confiança. Eis a grande arm a que ele saca para debilitar o conflito; é seu último argum ento. Se não fosse bem sucedido, ele desfaleceria. Ele esti- vera por m uito tem po batendo ante o portão da misericórdia; e com esta súplica ele desfere seu mais pesado golpe. Ao cair em grande pecado, esta fora sua súplica: “Tem misericórdia de mim, ó Deus, segundo tua benignidade” ; e agora que está em grande tri- bulação, ele dá asas ao m esm o raciocínio eficaz. Visto Deus ser am or, ele nos dará vida; visto ser bondade, ele acenderá novam en­te a cham a celestial dentro de nós.

[v. 160]Tua palavra é verdadeira desde o princípio; e cada um de seus justosjuízos dura para sempre.O dolente cantor term ina esta seção da mesma form a que a

última: realçando a infalibilidade da verdade de Deus. E aconse­lhável que o leitor note bem a semelhança entre os versículos 144, 152 e este.

Tua palavra é verdadeira. Seja o que for que os transgresso­res digam, D eus é verdadeiro e verdadeira sua Palavra. O s ímpios são falsos, porém a Palavra de Deus é veraz. Eles nos acusam de serm os falsos, porém nosso consolo está no fato de que a Palavra de Deus nos purificará.

Desde o princípio. A Palavra de Deus tem sido verdadeira desde o primeiro m om ento em que ela foi verbalizada; verdadeira ao longo de toda a história; verdadeira para nós desde o instante em que crem os nela. Aliás, ela nos é verdadeira antes que fôssemos verda­deiros para ela. Alguns lêem: “Tua palavra é verdadeira desde a cabeça” : verdadeira com o um todo, verdadeira de alto a baixo. A experiência ensinara a Davi esta lição; e a experiência nos está ensinando a m esm a coisa. As Escrituras são tão verdadeiras em

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XPOS1ÇAO 20

Gênesis com o em Apocalipse; e os cinco livros de M oisés são tão inspirados com o os quatro Evangelhos.

E cada um de teus justos juízos dura para sempre. Aqui o que decidiste perm anece irreversível em cada caso. C ontra as d e ­cisões do Senhor não se pode dem andar nenhum escrito de erro, nem jam ais haverá rescisão de nenhum dos atos de sua soberania. Não existe um único equívoco, seja na Palavra de Deus, seja nas atividades providenciais de Deus. Nem no Livro da Revelação nem da Providência haverá qualquer necessidade de apor um a única linha de errata. N ão existe no Senhor nenhum arrependim ento nem retratação; nenhum a em enda nem reversão. Todos os juízos de Deus, seus decretos, seus m andam entos e seus propósitos são justos; e visto que são justos, duram para sempre; cada um deles sobreviverá às próprias estrelas. “Enquanto existirem céus e terra, de forma algum a desaparecerá da Lei a m enor letra ou o m enor traço, até que tudo se cum pra” (M t 5.18). A justiça de Deus dura para sem pre. Eis aqui um glorioso pensam ento. Todavia existe um muito mais doce, o qual outrora era o cântico dos sacerdotes no templo, e que o m esm o seja tam bém o nosso: “Sua m isericórdia dura para sem pre.”

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^ XPQ5IÇÃQ 21(w . 161-168)Príncipes me perseguiram sem causa; meu coração, porém, nutre te­mor por tua palavra. Regozijo-me em tua palavra, como alguém que acha um grande despojo. Odeio e aborreço a mentira; amo, porém, tua lei. Sete vezes ao dia eu te louvo por causa de teus justos juízos. Grande paz desfrutam aqueles que amam tua lei; e nada os ofenderá. Tenho esperado, ó Senhor, em tua salvação, e tenho cumprido teus mandamentos. Minha alma tem guardado teus testemunhos; e os amo extremamente. Tenho guardado teus preceitos e teus testemunhos, por­que todos meus caminhos estão diante de ti.Estamos cam inhando para o final. O pulso do Salmo bate com

mais rapidez do que o costum eiro; as sentenças são mais curtas; o sentido, mais vivido; os acordes, mais cheios e profundos. O vete­rano de mil batalhas, o recipiente de dez mil m isericórdias, en u ­m era suas experiências e um a vez mais declara sua lealdade ao Senhor e sua lei. Oh! que ao chegarm os ao final da vida terrena sejamos capazes de falar como Davi falou ao encerrar sua vida ao som de salmos! Não vangloriosamente, porém ousadam ente, ele se põe entre os servos obedientes do Senhor. Oh! que bom que a consciência continue lum inosa quando o sol da vida se põe!

[v. 161]Príncipes me têm perseguido sem causa; meu coração, porém, nutre temor por tua palavra.Príncipes me têm perseguido sem causa. Essas pessoas deve­

riam ter melhor conhecim ento; deveriam sentir-se solidárias para com alguém de sua própria estirpe. Um hom em espera um ju lga­m ento justo por parte de seus iguais. E ignóbil alguém sentir-se prejudicado; pior ainda é que pessoas nobres ajam assim. Se a

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JjSPO siçÃo 21

honra for banida do coração de todos os demais, ela deve p e rm a­necer na vida dos reis; e, por certo, a honra proíbe a perseguição ao inocente. Os príncipes são designados para a proteção dos vir­tuosos e a vingança em prol dos oprim idos; e a ignom ínia triunfa quando se convertem nos próprios assaltantes dos justos. Q uão doloroso era que este hom em se sentisse acossado pelos juizes da terra, pois sua em inente posição adicionava opressão e veneno a sua inimizade. Era indispensável que o sofredor pudesse veraz- m ente asseverar que tal perseguição era “sem causa” . Ele não h a ­via transgredido as leis deles, não os havia injuriado, não desejara vê-los injuriados, não havia sido advogado de rebeldes ou an a r­quistas, nem havia pública nem secretam ente feito oposição ao poder deles e, portanto, enquanto isso tornava sua opressão ainda mais inescusável, removia um a parte de sua picada e ajudava o bravo servo de Deus a suportar suas opressões.

Meu coração, porém, nutre temor por tua palavra. Ele p ode­ria ter-se deixado vencer pela adm iração dos príncipes, não o co r­resse que um tem or m aior afastasse o m enor, e não fora vencido pela adm iração que nutria pela Palavra de Deus. Q uão poucas são as coroas e os cetros no julgam ento daquele hom em que percebe uma realeza mais m ajestosa nos m andam entos de seu Deus! P ro ­vavelmente nãd nos sentirem os desencorajados pela perseguição, nem levados por ela a pecar, se a Palavra de Deus exercer em n o s­sas m entes o suprem o poder.

[v. 162]Regozijo-me em tua palavra como alguém que acha um grande despojo.Sua estupefação não destru ía sua alegria; seu tem or de Deus

não era do tipo que o am or perfeito lança fora, mas de um tipo que é nu trido pelo am or. Ele trem ia da Palavra do Senhor e to d a ­via se regozijava nela. Ele com para sua alegria com a de alguém que esteve por m uito tem po no cam po de batalha e que por fim conquista a vitória e divide o despojo. C om um ente isso faz parte da porção dos príncipes; e ainda que Davi se visse separado de outras m onarquias em virtude de ser perseguido por elas, to d a ­via ele lograra suas próprias vitórias, as quais eles não en ten d i­

Salmo 115?

am, e tesouros dos quais não podiam partilhar. Ele podia dizer:"Sem causa sou odiado e caçado por príncipes;Todavia pus tua Palavra em meu coração.Essa Palavra eu temo; essa Palavra eu retenho,Ela me é mais preciosa Que montões de ouro apossados."

“O despojo de Davi” eqüivalia m uito mais que os ganhos de todos os hom ens poderosos. Sua presa de guerra, apossada por sua enérgica polêmica em prol da verdade de Deus era m aior que todos os troféus que ele poderia ter ganho na guerra. A graça se­para m aior despojo do que o provindo da espada ou do arco.

Nos dias m aus temos que lutar arduam ente em defesa da ver­dade divina: cada doutrina nos custa um a batalha. Mas quando ganham os um a plena com preensão da verdade eterna através de lutas pessoais, cia se nos torna duplam ente preciosa. Se tivermos inusitadam ente que batalhar pela Palavra de Deus, que tenham os por nosso despojo a inapreciável Palavra de Deus!

Talvez a passagem signifique que o salmista se alegrava com o alguém que tom a posse de um tesouro escondido pelo qual não havia lutado, em cujo caso encontram os a analogia no hom em de Deus que, enquanto lê a Bíblia, faz grandes e abençoadas desco­bertas da graça de D eus a ele oferecida - descobertas que o su r­preendem , pois ele parecia não encontrar para elas qualquer p re ­ço. Se nos aproxim arm os da verdade com o descobridores ou com o guerreiros a lutar por ela, o tesouro celestial ser-nos-ia igualm ente precioso. Com que imensa alegria o lavrador volta para casa com o ouro que achou! É com o os vitoriosos que gritam quando rep a r­tem o despojo! Q uão feliz deve ser aquele que descobre sua p o r­ção nas prom essas da Santa Escritura e se vê no desfruto daquela porção que lhe pertence, sabendo pelo testem unho do Espírito Santo que ela é totalm ente sua!

[v. 163]Eu odeio e aborreço a mentira; amo, porém, tua lei.Eu odeio e aborreço a mentira. U m a dupla expressão para

um a inexprimível aversão. Falsidade na doutrina, na vida ou na

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E x p o s i ç ã o 21

linguagem , falsidade em qualquer forma ou aspecto, se to rnara totalm ente detestável ao salmista. Essa era um a notável afirm ação para um oriental fazer; pois, geralm ente, m entir constitui o deleite dos orientais, pois o único erro que vêem nesse ato é quando p e r­cebem que sua habilidade falhou, de m odo que a m entira é desco­berta. Davi m esm o fizera m uito progresso ao chegar a esse ponto, pois ele também, em seus dias, havia praticado a astúcia. E n tre­tanto, ele não só se referia à falsidade na conversação, mas eviden­tem ente sua intenção é a perversidade na fé e na doutrina. Ele atribui à m entira toda e qualquer oposição ao Deus da verdade, e então volve toda sua alma contra ela com a mais intensa form a de indignação. Os hom ens piedosos devem detestar a falsa doutrina mesma, porque abom inam qualquer outra mentira.

Amo, porém, tua lei. Não m eram ente se dedicava a ela, mas sentia profundo prazer nela. Obediência m al-hum orada eqüivale essencialm ente a rebelião. Som ente um am or cordial assegurará lealdade sincera à lei. Davi amava a lei de Deus, porque ela é in i­m iga da falsidade e a guardiã da verdade. Seu am or era tão a rd en ­te com o seu ódio. Ele amava intensam ente a Palavra de Deus, a qual é inerentem ente a pura verdade. Os hom ens verdadeiros am am a verdade e odeiam a mentira. E é bom que saibamos que os cam i­nhos de nosso ódio e de nosso am or correm paralelos. E podem os prestar serviço essencial a outros, declarando quais os objetos de nossa adm iração e de nossa aversão. Ambos, o am or e o ódio, são contagiosos, e quando são santificados, quanto m aior a extensão de sua influência, melhor.

[v. 164]Sete vezes ao dia eu te louvo por causa de teus justos juízos.Ele labutava com integridade para louvar seu Deus íntegro, e

portanto cum pria o núm ero perfeito de cânticos: o núm ero sete. Ele atingia um Sábado em seu louvor; e antes de repousar em seu leito, ele achava doce descanso na alegre adoração a Jeová. Sete tam bém poderia ter a notável intenção de freqüência. F reqüente­m ente ele alçava seu coração em ação de graças a Deus por sua divina doutrina na Palavra e por suas divinas ações na Providên­

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Salmo \\Jcia. Ele exaltava com sua voz a justiça do Juiz de toda a terra. Enquanto ele meditava nos caminhos de Deus, um cântico b ro ta ­va de seus lábios. A vista dos príncipes opressores, e ao ouvir da proliferação da falsidade a circundá-lo, ele sentia ainda mais forte vontade de adorar e magnificar a Deus, o qual em todas as coisas é verdade e justiça. Q uando alguém nos calunia, ou de algum a form a nos rouba o justo prêm io do louvor, isso deve constituir- nos motivo para não cairmos na mesma conduta em relação a Deus, o qual é muitíssimo mais digno de honra. Se louvarmos a Deus quando formos perseguidos, nossa música lhe será muitíssimo mais doce por causa de nossa constância em meio ao sofrim ento. Se nos m antiverm os isentos de toda m entira, nosso canto será ainda mais aceitável, visto que o m esm o em ana de lábios honestos. Se nunca bajularmos os hom ens, estarem os em m elhor condição de honrar ao Senhor. Porventura louvamos a Deus sete vezes ao dia? Aliás, a pergunta precisa ser alterada: louvamo-lo pelo m enos um a vez em sete dias? O fraude deprim ente, que priva o eternam ente Bendito da música desta esfera inferior!

A preem inente santidade das leis e dos atos de Jeová deveria produzir em nós louvor contínuo. Felizes os santos que se deixam governar por um justo Soberano que jamais erra! Cada am ante da justiça dirá em seu coração:

"Justas são tuas leis; eu diariamente te apresentoo sétuplo tributo de meu louvor.”

[v. 165]Grande paz desfrutam aqueles que amam tua lei; e nada os ofenderá.Grande paz desfrutam aqueles que amam tua lei. Q ue ex tra­

ordinário versículo é este! Ele não trata daqueles que guardam perfeitam ente a lei - pois onde acharíam os tais pessoas? - , mas daqueles que a am am , cujos corações e mãos são feitos para ajus­tar-se a seus preceitos e m andam entos. Tais pessoas estão sem pre se esforçando, de todo seu coração, para andar em obediência à lei; e ainda que seja com freqüência perseguidas, todavia desfru ­tam de paz, sim, de grande paz; pois aprenderam o segredo do sangue que traz reconciliação, já experim entaram o poder do E s­

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E x p o s i ç ã o 21

pírito Consolador e já se puseram perante o Pai com o pessoas aceitáveis. O Senhor lhes concedeu sentir sua paz, a qual vai m u i­to além de toda com preensão. Enfrentam m uitos problem as e p ro ­vavelmente serão perseguidos pelos soberbos; porém sua cond i­ção costum eira é a de profunda calma - um a paz profunda demais para que “essas doces afeições” sejam desfeitas.

E nada os ofenderá; ou, “nada realm ente os prejudicará” . “To­das as coisas cooperam juntam ente para o bem daqueles que am am a Deus, daqueles que são cham ados segundo seu decreto .” Faz-se necessário que venham as ofensas; m as esses am antes da lei são pacificadores, e por isso não ofendem nem são ofendidos. Essa paz que se acha fundam entada na conform idade com a vontade de D eus é viva e perene, digna de ser escrita com entusiasm o, com o aqui faz o salmista.

[v. 166]Senhor, tenho esperado em tua salvação, e tenho cumprido teus m an­damentos.Aqui tem os a salvação pela graça e os frutos provenientes dela.

Toda a esperança de Davi estava posta em Deus, e buscava a sal­vação tão-som ente nele; e então se esforçava mais energicam ente ainda por cum prir os m andam entos de sua lei. Os que depositam a mínima confiança nas boas obras hum anas são com m uita fre­qüência os que mais as exibem. Esta m esm a doutrina divina que nos livra da confiança em nossos próprios feitos nos leva a um a rica produção de boas obras para a glória de Deus. Em vez de angústia, há duas coisas a serem feitas: primeiro, esperar em Deus; segundo, fazer aquilo que é correto. A prim eira sem a segunda seria m era presunção; a segunda sem a prim eira seria m ero fo r­malismo. E bom que olhemos para trás para vermos se podem os alegar que agimos da form a ordenada pelo Senhor. Se porventura agimos corretam ente para com Deus, então estam os certos de que agiremos com indulgência para conosco.

[v. 167]Minha alma tem guardado teus testemunhos; e eu os amo excessiva­mente.

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Salmo 115*

Minha alma tem guardado teus testem unhos. M inha vida externa tem guardado teus preceitos; e m inha vida íntima, m inha alma, tem guardado teus testem unhos. Deus tem testificado de m uitas verdades sacras, e estas m antem os firmes com todo nosso coração e alma, pois as valorizamos com o a própria vida. O h o ­mem agraciado entesoura a verdade de Deus em seu coração como um tesouro excessivamente querido e precioso - ele o guarda. Sua alma secreta, seu Eu mais íntimo, vem a ser o guardião desses ensinam entos divinos que são sua única autoridade nas questões da alma. Para ele, torna-se um grande regozijo em sua velhice p o ­der dizer: “M inha alma tem guardado teus testem unhos.”

E eu os amo excessivamente. Essa foi a razão por que os g u ar­dava; e, tendo-os guardado, esse foi o resultado de os haver g u a r­dado. Ele não entesourou a verdade revelada m eram ente à guisa de dever, mas em virtude da profunda e inexprimível afeição por ela. Ele sentia que, assim que m orresse, poderia vir a renunciar parte da revelação de Deus. Q uanto mais nossas m entes entesou- rem a verdade celestial, mais profundam ente a am arem os; quanto mais percebemos as excessivas riquezas da Bíblia, mais nosso am or excederá em m edida e excederá em expressão.

[v. 168]Tenho guardado teus preceitos e teus testemunhos; porque todos meus caminhos estão diante de ti.Tenho guardado teus preceitos e teus testemunhos. Ele ente­

sourou ambas as partes da Palavra de Deus: a prática e a doutrinai, e as preservava e as seguia. E algo bendito ver as duas formas da Pala­vra divina igualmente conhecidas, igualmente valorizadas, igualm en­te confessadas. Conhecemos aqueles que se esforçam por ser cuida­dosos no tocante aos preceitos, mas que parecem concluir que as doutrinas do evangelho são meras questões de opinião, e que podem adaptá-las para si mesmos. Esta não vem a ser uma condição perfeita das coisas. Temos conhecimento de outros que são por demais rígi­dos quanto a doutrinas, e dolorosamente relaxados em referência aos preceitos. Isso também está longe de ser correto. Quando ambos são ‘guardados’ com igual solicitude, então temos o homem perfeito.

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E x p o s i ç ã o 21

Porque todos meus caminhos estão diante de ti. Provavel­m ente, sua intenção era dizer que esse era o motivo de sua diligên­cia em viver com retidão na cabeça e no coração, porque sabia que Deus o via e temia errar im pulsionado pelo senso da divina p re ­sença. Ou, ainda, ele está assim apelando a Deus a que testificasse acerca da veracidade do que ele dizia. Em am bos os casos, não é um a pequena consolação sentir que nosso Pai celestial sabe tudo sobre nós, e que se os príncipes falam contra nós, e as pessoas m undanas enchem suas bocas com m entiras cruéis, todavia ele pode defender-nos, porquanto não há nada secreto para ele e nada que possa ocultar-se dele.

Ficamos chocados com o contraste entre este versículo, que é o último de sua oitava, e o versículo 176, que é sem elhantem ente colocado na próxim a oitava. Este é um protesto de inocência: “Te­nho guardado teus preceitos”, e a confissão de pecado: “Tenho me desviado como um a ovelha perdida.” Ambos eram sinceros; am ­bos, acurados. A experiência torna um paradoxo m uito claro; e este é um deles. D iante de Deus podem os ser purificados de um a falta pública, e no entanto, ao m esm o tem po, estar de luto m ilha­res de corações oscilantes que necessitam de sua mão restauradora.

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(w . 169-176)Que meu clamor, ó Senhor, chegue diante de ti; dá-me entendimento segundo tua palavra. Que minha súplica chegue diante de ti; livra-me segundo tua palavra. Meus lábios proclamarão louvores, quando me tiveres ensinado teus estatutos. Minha língua falará de tua palavra; porque todos teus mandamentos são justiça. Que tua mão me socorra; porque tenho escolhido teus preceitos. Tenho suspirado, ó Senhor, por tua salvação; e tua lei é meu deleite. Que minha alma viva, e ela te louvará; e que teus juízos me ajudem. Tenho me desviado como uma ovelha perdida; busca teu servo, porque não me esqueço de teus m an­damentos.O salmista está agora na última seção do Salmo, e suas peti­

ções ganham ainda mais vigor e mais fervor; é com o se tivesse rom pido o círculo íntimo da com unhão divina e se precipitado aos pés do grande Deus cujo auxílio se põe a implorar. Essa proxim i­dade gera a mais abjeta visão de si próprio e o leva a concluir o Salmo, prostrando-se no pó, na mais profunda hum ilhação pesso­al, rogando que fosse buscado, à semelhança de uma ovelha perdida.

[v. 169]Que meu clamor, ó Senhor, chegue diante de ti; dá-me compreensão segundo tua palavra.Que meu clamor, ó Senhor, chegue diante de ti. Ele está tre ­

m endam ente tem eroso de não ser ouvido. Está cônscio de que sua oração em nada é m elhor que o ‘clam or’ de um pobre filho, ou o gemido de um animal ferido. Ele teme não fazer-se ouvir pelo Al­tíssimo; porém com m uita ousadia ora para que possa chegar-se diante de Deus, para que seja por ele ouvido, estar sob sua obser­vação e contem plado por sua aceitação. Aliás, ele avança mais e

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implora: “Que m eu clamor, ó Senhor, chegue diante de ti.” Ele deseja que a atenção do Senhor, para sua oração, seja m uito ín ti­m a e considerada. Ele usa um a figura de linguagem e personifica sua oração. Podemos descrever sua oração como Ester, aventu­rando-se a entrar na presença real, introduzindo-se num a aud iên­cia e rogando por m ercê aos olhos do bendito e único Potentado. E algo muitíssimo agradável para um suplicante saber que há ga­rantia de sua oração ser ouvida, quando tiver pisado o m ar de vidro diante do trono e tiver ainda chegado ao escabelo do glorio­so trono em torno do qual o céu e terra adoram . E a Jeová que esta oração é pronunciada com trem ente ardor - nossos tradutores, cheios de santa reverência, grafam a palavra toda m aiúscula: O SEN H O R. Não clamamos a nenhum outro, porque não confia­mos em nenhum outro.

Dá compreensão segundo tua palavra. Esta é a oração acerca da qual o salmista está tão extrem am ente ansioso. Com todas suas conquistas ele poderia obter com preensão, e com todas suas p e r­das ele está resolvido a não perder este inapreciável privilégio. Ele deseja luz e entendim ento espirituais, com o estão prom etidos na Palavra de Deus, como procedem da Palavra de Deus e com o p ro ­duzem obediência à Palavra de Deus. Ele suplica como se não p o s­suísse entendim ento algum e solicita que algo dele lhe fosse dado. “D á-m e com preensão.” Aliás, ele tinha aquela com preensão ou entendim ento segundo o critério hum ano; porém , o que ele b u s­cava era um a com preensão proveniente da Palavra de Deus, que é algo com pletam ente distinto. C om preender as coisas espirituais é dom de Deus. Ter um discernim ento ilum inado pela luz celestial e conform ado com a verdade divina é um privilégio que som ente a graça pode conferir. M uito daquilo que leva um a pessoa a ser co n ­siderada sábia de acordo com o critério deste m undo não passa de estultícia, à luz da Palavra do Senhor. Estejamos, pois, entre os filhos ditosos, os quais serão todos ensinados pelo Senhor!

[v. 170]Que minha súplica chegue diante de ti; livra-me segundo tua palavra.Que minha súplica chegue diante de ti. É o m esm o pedido

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Salmo \\9com um a leve m udança de term os. Ele hum ildem ente denom ina seu clam or de súplica, um a espécie de petição do indigente; e novam ente suplica que seja ouvido e atendido. Poderia haver obs­táculos entre ele e Aquele a quem dirigia sua oração, e então roga que fossem removidos: “Que m inha súplica chegue.” O utros cren­tes são ouvidos pelo G rande Senhor, pessoalm ente - que m inha oração chegue diante de ti; que eu tam bém seja ouvido por m eu Deus.

Livra-me segundo tua palavra. Desvencilha-me de m eus a d ­versários; poupa-m e de meus caluniadores; preserva-m e dos que me tentam ; redim e-m e de todas minhas aflições, m esm o porque tua palavra me tem levado a esperar que o faças por mim. E por isso que no versículo anterior ele busca com preensão ou discerni­mento. Seus inimigos, com sua estultícia, prevaleciam - se é que prevaleciam. Se ele, porém, exercesse um a sólida diretriz, eles se­riam frustrados, e ele escaparia deles. O Senhor, em resposta à oração, am iúde livra seus filhos, fazendo-os sábios com o serpen­tes e símplices como pombas.

[v. 171]Meus lábios proclamarão louvores, quando me tiveres ensinados teusestatutos.Ele nem sempre é visto suplicando por si mesmo; ele se põe

acima de todo egoísmo; rende graças pelos benefícios já recebi­dos. Prom ete louvar a Deus quando tiver recebido instrução p rá ti­ca na vida de piedade. Este é um grande motivo de louvor, porque não há bênção mais preciosa. O melhor louvor possível é aquele que procede dos cristãos que honram a Deus, não só com seus lábios, mas também em suas vidas. Aprendem os a m úsica celestial na escola do santo viver. Aquele cuja vida honra ao Senhor com certeza é um a pessoa que sabe louvar. Davi não se calaria em sua gratidão, mas a expressaria com term os apropriados: seus lábios proclam ariam o que sua vida havia praticado. Discípulos em inen­tes costum am falar bem do m estre que os instruíra. E este santo hom em , ao ser instruído nos estatutos do Senhor, prom ete render toda a glória Aquele a quem ela pertence.

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E x p o s iç ã o 2 2

[v. 172]Minha língua falará de tua palavra; porque todos teus mandamentossão justiça.Minha língua falará de tua palavra. Assim que com eçou a can­

tar, ele também começou a proclamar. As ternas misericórdias de Deus são tais que podem ser ou proclamadas ou cantadas. Q uando a língua fala a Palavra de Deus, ela encontra um tem a muitíssimo frutífero. Tal linguagem será como um a árvore de vida, cujas folhas são para a cura dos povos. Os hom ens se reunirão para ouvir tal proclam ação, e a entesourarão em seus corações. O que há de pior em nós é o fato de que, em grande maioria, estam os sa tu ra ­dos de nossas próprias palavras, e falamos m uito pouco a Palavra de Deus. Oh! se pudéssem os chegar à m esm a resolução deste pie­doso salmista, e dizer doravante: “M inha língua proclam ará tua palavra!” Então rom períam os nosso pecam inoso silêncio; não mais agiríam os covardem ente e não mais seriam os tim oratos; mas seri­am os genuínas testem unhas de Jesus. Não é só as obras de Deus que temos de contar; tem os tam bém que falar sua Palavra. Pode­mos enaltecer sua verdade; sua sabedoria; sua riqueza; sua graça; seu poder. E então podem os falar de tudo o que ele tem revelado, de tudo o que tem prom etido, de tudo o que tem ordenado e de tudo que tem efetuado. O tem a nos confere um a am plitude infini­ta de recursos; podem os falar dele para sempre; a história está sendo sempre repetida, sem, porém , jamais chegar ao fim.

Porque todos teus mandamentos são justiça. A im pressão que Davi nos passa é que ele era principalm ente afeiçoado da p a r­te preceptiva da Palavra de Deus; e concernente ao preceito, seu principal deleite estava em sua pureza e excelência. Q uando um cristão pode falar assim de seu coração, este realm ente se tran s­form a em templo do Espírito Santo. Ele disse anteriorm ente (v. 138): “Teus testem unhos são justos”; aqui, porém , ele declara que eles são a própria justiça. A lei de Deus é não só o padrão do certo, mas é a essência da justiça. Isso o salmista afirm a de cada um e de todos os preceitos sem exceção. Seu sentim ento era o de Paulo: “A lei é santa, e o m andam ento, santo, justo e bom .” Q uando um cristão possui um a opinião tão elevada dos m andam entos de Deus,

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Salmo 115*

não surpreende que seus lábios estejam sem pre prontos a enalte­cer o eternam ente glorioso.

[v. 173]Que tua mão me socorra; porque tenho escolhido teus preceitos.Que tua mão me socorra. D á-m e socorro prático. N ão me

confies a m eus amigos, nem a teus amigos, mas põe-m e em tua própria m ão para a realização de tua obra. Tua m ão confere habi­lidade e poder; prontidão e tenacidade: exibe todas essas qualida­des em m eu benefício. Pretendo fazer o máximo que puder; porém necessito de teu auxílio; e isso requer tan ta urgência, que se eu não o tiver, sucumbirei. Não retenhas teu socorro. G rande com o é tua mão, que ela sem pre me guie lum inosam ente. A oração nos lem ­bra Pedro cam inhando sobre o m ar e então com eça a subm ergir- se. E a seguir ele grita: “Senhor, salva-m e/’ E a m ão de seu M estre se estende para seu salvamento.

Porque tenho escolhido teus preceitos. Um ótimo argum en­to. Um a pessoa pode pedir convenientem ente o socorro da mão de Deus quando tiver dedicado suas próprias mãos inteiram ente à obediência da fé. Ele fez sua escolha; sua m ente foi edificada. Em preferência a todas as norm as e cam inhos terrenos; em preferên­cia ainda a sua própria vontade, ele decidira ser obediente aos m andam entos divinos. Deus não ajudará tal pessoa na obra santa e no serviço sacro? Seguram ente que sim. Se a graça nos deu coração para querer, ela tam bém nos dará mãos com as quais p o s­samos realizar. Sem pre, sob a coerção da vocação divina, que nos vemos engajados em algum em preendim ento elevado e sublime, e sentim os que nossa força é por demais pequena, podem os invocar a destra de Deus com palavras semelhantes a estas.

[v. 1 74]Tenho suspirado, ó Senhor, por tua salvação; e tua lei é meu deleite.Tenho suspirado, ó Senhor, por tua salvação. Ele fala como

o velho Jacó em seu leito m ortuário. Aliás, todos os santos, quer em oração quer na m orte, é como se fossem apenas um: em pala­vra, em ação e em mente. Ele conhecia a salvação de Deus, porém

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E x p o s i ç ã o 2 2

suspirava por ela, ou, seja: ele havia experim entado certa m edida dela, e agora era levado a desejar algo ainda mais elevado e mais completo. A fome santa dos santos aum enta até que seja saciada. H á um a salvação ainda por vir, quando estivermos libertados do corpo desta m orte, isentos de toda chaga e tribulação desta vida m ortal, elevados acima das tentações e assaltos de Satanás e co n ­duzidos para bem perto de nosso Deus, para serm os com o ele e estarm os com ele para todo o sempre.

“Tenho suspirado, ó Senhor, por tua salvação; e tua lei é meu deleite.” A prim eira cláusula nos diz pelo quê o santo suspira, e isso nos inform a qual é sua presente satisfação. A lei de Deus, contida nos Dez M andam entos, com unica alegria ao coração do crente. A lei de Deus, ou seja, toda a Bíblia, é um a fonte donde em ana consolação e fruição a todos quantos a recebem. Ainda que não tenham os alcançado a plenitude de nossa salvação, todavia acham os na Palavra de Deus o suficiente da presente salvação, que mesmo agora já nos deleitamos nela.

[v. 175]Que minha alma viva, e então ela te louvará; e que teus juízos meajudem.Que minha alma viva. Enche-a da plenitude de vida, p reser­

va-a de vaguear pelas veredas da m orte; dá-lhe a alegria de ser habitada pelo Espírito Santo; que ela viva a plenitude de vida, até à possibilidade máxima de ser recriada.

E então ela te louvará. Ela te louvará para a vida, para a nova vida, para a vida eterna, porque tu és o Senhor e D oador da vida. Q uanto mais viver, mais ela te louvará; e quando viver em perfei­ção, ela te louvará em perfeição. A vida espiritual consiste em o ra ­ção e louvor.

E que teus juízos me ajudem. E nquanto leio o registro do que tens feito, em tem or e amor, que eu seja vivificado e desfrute de progresso. E nquanto vejo tua m ão realm ente em ação sobre mim, e sobre outros, punindo o pecado e sorrindo para a justiça, que eu seja ajudado a viver bem e louvar-te bem. Q ue todos teus feitos na Providência me instruam e me ajudem na luta para vencer o peca­

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Salmo 115?

do e para a santidade prática. Essa é a segunda vez, nesta porção, que ele suplica por auxílio. Ele era sem pre carente dele, assim como nós tam bém o somos.

[v. 175]Eu me desviei como uma ovelha perdida; busca teu servo; porque nãome esqueço de teus mandamentos.Este é o final, a conclusão de toda a matéria: Eu me desviei

como uma ovelha perdida - freqüente, espontânea, tem erária e m esm o inutilmente, porém pela interposição de tua graça. Em vez de avançar, antes de eu ser afligido e antes que me ensinasses ple­nam ente teus estatutos, eu me desviei. “Eu me desviei” da prática dos estatutos, das doutrinas instrutivas e das experiências celesti­ais que puseste diante de mim. Perdi m inha estrada e perdi a m im próprio. Ainda agora m inha tendência é peram bular e, de fato, tenho peram bulado. Portanto, Senhor, restaura-m e.

“Não sou tua ovelha extraviada?Busca-me, ó Bom Pastor;Encontra-a e, com teu esforço, guardaA querida [ovelha] comprada com teu sangue:Se te afastares, ela novamente se perderá;Por isso oculta-me, ó Salvador, em teu coração.”

Busca teu servo. Ele era não como um cão que, de um m odo ou de outro, pode encontrar seu cam inho de volta; mas era com o um a ovelha perdida, que quanto mais avança mais se extravia do redil. Ele, porém , ainda era um a ovelha, e ovelha do Senhor, sua propriedade e preciosa a seus olhos, e por isso esperava ser busca­do a fim de ser restaurado. Por mais distante pudesse ter vaguea­do, ele era ainda não só um a ovelha, m as também um ‘servo’ de Deus, e portanto desejava estar novam ente na casa de seu D ono e um a vez mais ser honrado com os serviços de seu Senhor. H ouve­ra ele sido apenas um a ovelha perdida, não teria orado para ser buscado; sendo, porém, também um ‘servo’, estava apto a orar. Ele clama: “busca teu servo”, e espera não só ser buscado, mas tam bém perdoado, aceito e recebido novam ente no serviço grac i­osam ente prestado a seu Dono.

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E x p o s iç ã o 2 2

Preste atenção nesta confissão. Diversas vezes no Salmo Davi defende sua própria inocência contra os acusadores obscenos; mas quando chega à presença do Senhor seu Deus, ele se prontifica a confessar suas próprias transgressões. Ele aqui resum e não só seu passado, mas ainda sua vida presente, sob a imagem de um a ove­lha que abandonara suas pastagens, afastara-se do rebanho, virara as costas para o pastor e se em brenhara pelos desertos, onde se tornara com o que algo perdido. A ovelha bale, e Davi ora: “Busca teu servo.”

Seu argum ento é convincente: porque não me esqueci de teus mandamentos. Eu conheço o certo, aprovo e adm iro o certo. A in­da mais: am o o certo e anelo pelo certo. Não posso viver satisfeito por continuar em pecado; preciso ser restaurado nas veredas da justiça. Tenho saudade de m eu Deus; anelo pelas veredas da paz; não me esqueço nem posso esquecer-m e de teus m andam entos; jamais deixo de saber que sem pre sou mais feliz e mais seguro quando escrupulosam ente obedeço a tua lei e acho m inha alegria em agir assim.

Se a graça de Deus nos capacita a m anter em nossos corações a amável m em ória de seus m andam entos, ela seguram ente ainda nos restaurará à santidade prática. Uma pessoa não pode estar irrem ediavelm ente perdida, se seu coração ainda perm anece em Deus. Se ela extraviar-se em m uitos aspectos, ainda assim, se n u ­trir realm ente em sua alma os mais íntimos desejos por Deus, ela será encontrada outra vez e plenam ente restaurada. Todavia, que o leitor lem bre-se do prim eiro versículo do Salmo enquanto lê o último: a m aior bem -aventurança está não em ser restaurado de nossa peregrinação, mas em sermos sustentados na vereda da vida irrepreensíveis até o fim. Cabe-nos guardar nossa coroa ao longo da jornada, jam ais deixando a estrada do Rei pelos atalhos das cam pinas virentes, nem por outra vereda florida de pecado. Possa o Senhor sustentar-nos até o fim. Todavia, ainda então não estare­m os aptos a brasonar-nos com o fariseu, m as continuem os o ra n ­do com o publicano: “O Deus, sê propício a mim pecador”; e com o salmista: “Busca teu servo.”

Q ue a última oração de Davi neste Salmo seja a nossa, ao e n ­

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cerrarm os este livro e elevarmos nosso coração ao Em inente Pas­tor das ovelhas. Amém.

Salmo \\J

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