“salÁrio mÍnimo a partir de primeiro de janeiro”: os ... · não deixando os patrões...

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1 “SALÁRIO MÍNIMO A PARTIR DE PRIMEIRO DE JANEIRO”: OS TRABALHADORES ALAGOANOS E A CAMPANHA SALARIAL DE 1959 1 ANDERSON VIEIRA MOURA Doutorando em História Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) E-mail: [email protected] 1. Após muita luta e mobilização por parte da classe trabalhadora brasileira, o presidente Juscelino Kubitscheck havia aumentado o salário mínimo em 1956, mas o mesmo era sempre minorado por conta da inflação 2 . A década de 1950 é marcada pela escassez e diminuição no padrão de consumo das classes populares, que não possuem condições de adquirir nem os gêneros de primeira necessidade, com o abastecimento popular minimamente normalizado. Murilo Leal levanta a hipótese de ser ainda resultado do período de guerra e o aumento meteórico da inflação (LEAL, 2011, p. 192). Os trabalhadores alagoanos sempre buscavam acompanhar o movimento operário nacional nas campanhas salariais (MELO, 2013). Não por menos, em meados de maio de 1958 aconteceu uma reunião ordinária do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem de Fernão Velho 3 na sede do próprio sindicato tendo como assunto de pauta o ordenado dos operários. Nessa reunião fizeram-se presentes, além de “um grande número de associados”, o delegado do Trabalho e os presidentes sindicais de mais duas fábricas têxteis (localizadas no município de Rio Largo e em Maceió). Infelizmente a ata é muito resumida e o máximo que temos é o fato do 1 Agradeço aos amigos Rodrigo e Airton pela leitura criteriosa e sugestões feitas ao texto. Como sempre, os equívocos são de minha inteira responsabilidade. 2 A inflação no governo JK girou numa média de 25% ao ano durante todo o seu mandato (Cf: JATOBÁ, Roniwalter. O jovem JK. São Paulo: Nova Alexandria, 2005), mas sua política econômica veio refletir nos anos seguintes, marcados por uma aguda crise do capitalismo nacional (além, é claro, da crise política enfrentada por João Goulart. Cf.: DELGADO, 1968 e LEAL, 2011. 3 Doravante Sindicato de Fernão Velho.

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1

“SALÁRIO MÍNIMO A PARTIR DE PRIMEIRO DE JANEIRO”: OS

TRABALHADORES ALAGOANOS E A CAMPANHA SALARIAL DE 19591

ANDERSON VIEIRA MOURA

Doutorando em História Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)

E-mail: [email protected]

1.

Após muita luta e mobilização por parte da classe trabalhadora brasileira, o

presidente Juscelino Kubitscheck havia aumentado o salário mínimo em 1956, mas o

mesmo era sempre minorado por conta da inflação2. A década de 1950 é marcada pela

escassez e diminuição no padrão de consumo das classes populares, que não possuem

condições de adquirir nem os gêneros de primeira necessidade, com o abastecimento

popular minimamente normalizado. Murilo Leal levanta a hipótese de ser ainda

resultado do período de guerra e o aumento meteórico da inflação (LEAL, 2011, p.

192).

Os trabalhadores alagoanos sempre buscavam acompanhar o movimento

operário nacional nas campanhas salariais (MELO, 2013). Não por menos, em meados

de maio de 1958 aconteceu uma reunião ordinária do Sindicato dos Trabalhadores na

Indústria de Fiação e Tecelagem de Fernão Velho3 na sede do próprio sindicato tendo

como assunto de pauta o ordenado dos operários. Nessa reunião fizeram-se presentes,

além de “um grande número de associados”, o delegado do Trabalho e os presidentes

sindicais de mais duas fábricas têxteis (localizadas no município de Rio Largo e em

Maceió). Infelizmente a ata é muito resumida e o máximo que temos é o fato do

1 Agradeço aos amigos Rodrigo e Airton pela leitura criteriosa e sugestões feitas ao texto. Como sempre,

os equívocos são de minha inteira responsabilidade. 2 A inflação no governo JK girou numa média de 25% ao ano durante todo o seu mandato (Cf: JATOBÁ,

Roniwalter. O jovem JK. São Paulo: Nova Alexandria, 2005), mas sua política econômica veio refletir nos

anos seguintes, marcados por uma aguda crise do capitalismo nacional (além, é claro, da crise política

enfrentada por João Goulart. Cf.: DELGADO, 1968 e LEAL, 2011. 3 Doravante Sindicato de Fernão Velho.

2

presidente do sindicato de Fernão Velho ter anotado “as propostas dos associados no

sentido do referido aumento salarial” (Sindicato de Fernão Velho. Ata da reunião, 18 de

maio de 1958).

Os comunistas desde outubro de 1958 estavam falando sobre o salário mínimo e

a necessidade de reajuste. Em um curto artigo publicado no jornal oficial do Partido

Comunista do Brasil (PCB) em Alagoas – assinado por um João da Paz –, temos um

ataque aos “argumentos infantis” de alguns setores da sociedade (apoiados por parte da

imprensa) que diziam que um aumento “no ordenado” não resolveria o problema da

classe trabalhadora. E vai mais longe: a ideia de que um aumento salarial “encarece o

custo de vida é uma argumentação quase superada (pelo menos no Brasil)”.

Denunciando a miséria em que vivia os operários alagoanos, João da Paz convidava os

trabalhadores a unirem-se em prol de suas plataformas de lutas e de um salário melhor,

não deixando os patrões influenciarem os “presidentes desonestos dos sindicatos”

contra seus anseios, “e para que isso se concretize é preciso a união de todos em defesa

de todos” (“A BATALHA do salário mínimo”. A Voz do Povo, Maceió, 26 out. 1958, n.

43, p. 3).

Na noite de 19 de novembro, realizou-se uma reunião extraordinária bastante

movimentada, convocada pelo presidente do sindicato da Fábrica Alexandra – indústria

têxtil localizada no bairro do Bom Parto, em Maceió. Além dos operários da fábrica,

fizeram-se presentes Abelardo Lins (presidente do Sindicato de Fernão Velho) e os

comunistas Renalvo Siqueira (vereador de Maceió) e Nilson Miranda (jornalista). Ao

abrir a sessão, o presidente ressaltou a necessidade de um aumento salarial naquele

momento e em seguida sublinhou “com bastante precisão a necessidade da unidade dos

trabalhadores como fator de garantia das suas reivindicações”. O operário Aureliano

Gama foi o primeiro a falar após o presidente franquear a palavra, “propondo que o

salário de Alagoas fosse igual ao do Sul do país”. Segundo a reportagem, praticamente

todos os oradores que se seguiram concordaram com a proposta de Gama

(“DECIDIRAM OS operários: o salário mínimo deve ser igual ao do Sul”. A Voz do

Povo, Maceió, 23 nov. 1958, n. 47, pp. 1,4). Pouco depois o Sindicato de Fernão Velho

fez uma assembleia geral com o mesmo intuito. Solon Araujo propôs Cr$ 8,000,00

mensais para Alagoas. Em seguida falou o operário Luiz Januário, aprovando a

sugestão. Também o fizeram Abílio Flor e José Lisboa. Não havendo outras sugestões

3

de valores, a assembleia aprovou a proposta de Solon (Sindicato de Fernão Velho. Ata

da reunião, 22 de nov. de 1958).

Para Murilo Leal, a mobilização dos trabalhadores nesta conjuntura de

democratização (1945-1964) não deixou de passar por dentro dos sindicatos, “embora

sem descartar diversas instâncias independentes” (LEAL, 2011, p. 339). Ainda assim,

os sindicatos não deixaram de ser, de uma forma ou de outra, uma instituição de suma

importância para os trabalhadores. Segundo o autor, os sindicatos eram “organizações

complexas”: ao mesmo tempo em que estavam completamente atreladas ao Estado, não

deixaram de ser, em momento alguma, “a casa do trabalhador” (Ibid., p. 340). Um bom

exemplo seria a Delegacia Regional de Alagoas da Confederação Nacional dos

Trabalhadores da Indústria (CNTI), que nos fins de novembro publicou um convite nos

jornais alagoanos para uma reunião que aconteceu no Palácio do Trabalhador, no Centro

de Maceió. Nessa reunião foram “debatidos assuntos referentes à campanha que ora se

move em todo país, qual seja a da revisão do Salário Mínimo”. O convite era extensivo

a autoridades e jornalistas, para que a causa seja divulgada a um maior número de

pessoas (“ATUALIZAÇÃO do salário mínimo”. Diário de Alagoas, Maceió, 25 nov.

1958, n. 300, p. 6).

José Luiz Ferreira, delegado da CNTI em Alagoas, foi a capital federal

“participar de uma reunião da Confederação” (Ibid., p. 6). Os líderes sindicais do país

reuniram-se com o Governo Federal e alguns deputados e para que estes, juntamente

com “seus órgãos competentes”, pressionassem os patrões para a instalação de um novo

salário mínimo. José Ferreira contou ter havido reuniões com a bancada do Norte e

Nordeste em prol de uma equiparação salarial para as duas regiões, “desde a Bahia até o

Pará” (Ibid., p. 5). A proposta foi de um salário-base de Cr$ 5.000 cruzeiros para as

duas regiões, “unificando desta forma os trabalhadores nordestinos por uma única

reivindicação” (Ibid., p. 5).

Em seu trabalho acerca do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), Lucília de

Almeida Neves Delgado (1986, p. 83) propõe dois eixos investigativos: a própria

estrutura sindical do país, em especial os meios utilizados para atuar dentro dos limites

da lei, e a relação dos sindicatos com as bases, relação esta limitada pela própria lei.

Para esse estudo, interessa-nos o primeiro eixo.

4

Um estudo mais detalhado do movimento sindical no início dos anos 60 e em

especial um estudo das intersindicais que se formam e atuam naquela conjuntura esbarra necessariamente com a questão da autonomia e liberdade

sindicais (relação sindicato-Estado) e com a questão da relação sindicato-

bases sindicais (sindicato-fábrica ou local de trabalho).

Delgado também sublinha a dependência que as intersindicais tinham de seus líderes e

de sua vanguarda. Para a autora, eram entidades muito ligadas as suas lideranças. É

exatamente isso – a dependência de suas lideranças e questão da autonomia perante o

Estado – que veremos aqui em relação a CNTI alagoana.

Em frente ao Palácio do Trabalhador foi realizado um “importante comício [...]

objetivando a validação e consequentemente execução do decreto presidencial que

dispõe sobre o congelamento dos preços de nossas mercadorias, em todo território

nacional”. Os trabalhadores sabiam que apenas aumentar o salário não significaria uma

grande mudança em suas vidas, com a inflação diminuindo seu poder de compra. No

comício os trabalhadores mostraram-se entusiasmados com o decreto, sendo feito

propostas para colaborar com os órgãos governamentais na fiscalização dos preços

(“TRABALHADORES querem criar uma polícia de economia popular”. Diário de

Alagoas, Maceió, 10 dez. 1958, n. 321, p. 6). No mesmo local ocorreu uma concorrida

assembleia em meados de dezembro, no qual várias categorias “lançaram um apelo

dramático” a Juscelino Kubitscheck em prol de um salário mínimo de Cr$ 5.000, única

solução para evitar “que os trabalhadores alagoanos não morram de fome”. O pedido era

extensivo aos deputados federais, senadores e, claro, ao governador Muniz Falcão – até

então, o nome de Falcão não havia sido citado. (“APELO DRAMÁTICO dos

trabalhadores: 5 mil cruzeiros para não morrer de fome”. A Voz do Povo, Maceió, 25 a

31 dez. 1958, n. 51, p. 1).

2.

Então na véspera de Natal de 1958, Juscelino Kubitscheck finalmente publicou o

Decreto nº 45.106-A que alterava “a tabela de salário-mínimo e dá outras providências”,

exatos dois anos e meio depois do último reajuste (Decreto 39.604-A). Para Alagoas, os

novos valores eram os seguintes:

Região Mensal Diário Horário

Maceió 3.600 120,00 15,00

5

Demais municípios 3.000 100,00 12,50

Fonte: Diário Oficial da União - Seção 1 - 26/12/1958, Página 27.177 (publicação original). Consultado

em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-45106-a-24-dezembro-1958-384179-

publicacaooriginal-1-pe.html.

O quinto e último artigo do decreto dizia: “O presente decreto entrará em vigor a

1º de janeiro de 1959, revogadas as disposições em contrário”. Com apenas uma semana

para se ajustarem, os empregadores não ficaram parados4 e logo se apegaram a um

dispositivo legal existente na CLT: somente depois de 60 dias de decretado, deveriam

ser pagos os novos salários. Os trabalhadores igualmente não ficaram esperando. Em

Alagoas, foi marcado um “comício monstro” na Praça do Trabalhador num domingo.

José Luiz Ferreira novamente falou ao Diário de Alagoas:

Enquanto a classe patronal declara, por intermédio da imprensa, que não está

disposta a pagar o salário mínimo a partir de 1º de janeiro, desrespeitando o

decreto presidencial, como se Cr$ 3.600,00 fosse um salário que viesse a

satisfazer às necessidades dos trabalhadores, os operários lutarão para que o

decreto presidencial seja cumprido e respeitado “TRABALHADORES

lutarão pela vigência do novo salário-mínimo a partir de janeiro”. Diário de Alagoas, Maceió, 3 de jan. 1959, nº 330, p. 6).

Logo começaram a surgir rumores de uma greve pelo cumprimento do decreto

(“POSSIVELMENTE surgirão greves pelo pagamento novo salário”. Diário de

Alagoas, Maceió, 4 de jan. 1959, n. 331, p. 5). Os rumores fazem sentido dentro dessa

conjuntura. Segundo Lucília Neves Delgado, juntamente com as “passeatas, comícios e

congressos”, as greves eram “as principais formas de mobilização dos trabalhadores nos

anos imediatamente anteriores a 1964” (DELGADO, 1986.p. 178).

O ano de 1959 entrava em sua segunda semana e os trabalhadores alagoanos

ainda “esperavam pacientemente que o decreto presidencial fosse cumprido”, mesmo

havendo alguns sindicatos “se movimentado para fazer valer o ato presidencial”. Nesse

momento, segundo o repórter do Diário de Alagoas, apenas a Fábrica Carmem e

algumas casas comerciais pagariam o mês de janeiro com o reajuste (“OS PATRÕES

começam a aderir ao pagamento do novo salário”. Diário de Alagoas, Maceió, 11 de

jan. 1959, n. 8, p. 6). Não foi tão simples assim. Em uma reunião ocorrida no final de

4 “Ainda assim, o abismo entre aparência e realidade era tão grande que parecia intransponível. Direitos

garantidos categoricamente em lei eram rotineiramente desrespeitados na prática daqueles que

gerenciavam a expansão do setor industrial” (FRENCH, 2002, p. 16).

6

fevereiro na sede do Sindicato de Fernão Velho, informou-se sobre o reajustamento

salarial da secção de tecelagem conseguido através do sindicato em reunião com o

Alberto Bezerra de Melo – diretor da Fábrica Carmen. Ou seja, nem toda a fábrica teve

reajuste salarial, sendo a tecelagem aquela que abrigava o maior número de operários.

Nessa reunião o diretor se prontificou “de fazer o reajustamento do salário daquela

secção e das demais que não tivessem ainda seu salário reajustado” (Sindicato de

Fernão Velho. Ata da reunião, 27 de fev. de 1959).

Piorando a situação da classe operária, desde antes do anúncio do aumento

salarial os preços vinham aumentando consideravelmente no estado. Para o delegado da

CNTI era inaceitável que os trabalhadores esperassem por 60 dias para receber o salário

reajustado “quando os senhores empregadores já fizeram o reajustamento dos preços de

suas mercadorias”. Ao fim de sua entrevista, José Luiz fez mais um apelo, mas dessa

vez aos industriais: “Como dirigente da entidade máxima do operariado das indústrias

alagoanas, faço um apelo aos senhores empregadores, para que não seja quebrada a

harmonia das classes em nosso estado, não criando embaraços à medida, justa e

humana, que pleiteamos” (“JOSÉ LUIZ DOS Santos ao ‘D.A’: ‘Salário mínimo a partir

de primeiro de janeiro’”. Diário de Alagoas, Maceió, 25 de jan. 1959, n. 20, p. 6. Grifos

meus).

Osvaldo Veloso Rosas, então presidente da Federação dos Trabalhadores de

Alagoas e secretário da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria, esteve

em Maceió para falar de como os operários alagoanos deveriam defender seu novo

salário. Para Veloso, “o movimento sindicalista” visava “apoiar intransigentemente o

Governo, na autoridade que lhe compete de decretar o salário mínimo para vigência, em

qualquer tempo” (“ARTICULAÇÃO SINDICAL (norte) para vigência imediata do

salário mínimo”. Diário de Alagoas, Maceió, 31 de jan. 1959, n. 25, p. 1. Grifos meus).

De Maceió, Osvaldo Veloso seguiu para o Maranhão e retornou a capital alagoana, com

um novo discurso: o objetivo de seu retorno era “concitar os trabalhadores do Norte e

do Nordeste a entrar em greve caso o decreto presidencial [...] não seja respeitado pelos

empregadores”. Continuando, Osvaldo Veloso informava ao jornal que já havia entrado

em contato (e em entendimento) com vários presidentes sindicais, levando o repórter da

folha governista a “crer que se os empregadores não resolverem pagar realmente o

salário mínimo a partir de janeiro, o nordeste operário entrará em greve”, fato que

7

apenas traria “consequências terríveis para a nossa subdesenvolvida região”

(“TRABALHADORES articulam greve pelo pagamento do salário-mínimo”. Diário de

Alagoas, Maceió, 8 de fev. 1959, n. 32, p. 6).

Passados quase os 60 dias desde a publicação do decreto e não houve greve.

Apesar do “direito de greve” ter sido “limitado pelo Decreto-Lei nº 9.070, de 1946, os

movimentos paredistas são episódios quase que rotineiros na história brasileira pós-45”

(DELGADO, 1986, p. 103). No entanto, para essa questão em especial a greve não

aconteceu por outro motivo. Em um telegrama enviado por Osvaldo Veloso à CNTI,

informava “que quase 70% das empresas estão pagando o salário mínimo”. Na noite do

dia 17 (data em que estava marcada uma greve), houve mais uma reunião no Palácio do

Trabalhador com os presidentes sindicais, na qual Veloso passou as novas diretrizes da

CNTI: os sindicatos deviam enviar a DRT uma lista das empresas que ainda não

estavam pagando o novo salário mínimo (“SINDICATOS DEVEM enviar à Delegacia

do Trabalho”. Diário de Alagoas, Maceió, 18 de fev. 1959, n. 38, p. 6).

3.

Em seu livro “A tessitura dos direitos”, Larissa Corrêa nos chama a atenção para um

meio de ação encontrado nas petições iniciais dos processos trabalhistas impetrados por

trabalhadores: para casos de querelas por aumento salarial, os valores solicitados eram

bem mais elevados por conta da provável redução no momento da decisão final

(CORRÊA, 2011). Na visão de Clarice Speranza (2013, p. 53) “isso demonstra que os

trabalhadores e seus representantes tinham plena consciência da diferença entre o que

era reivindicado e o que seria pago”. Para o nosso caso, isso não ocorreu: foi pedido o

valor exato, afinal os operários não estavam pedindo um aumento, pois o mesmo já

havia sido dado.

E dessa forma, no início e no final de janeiro de 19605, aproximadamente 334

operários da Fábrica Alexandria deram entrada na Junta de Conciliação de Julgamento

5 Isso porque foram abertos dois processos e que depois foram transformados em um. O primeiro é o

processo n. 2 de 4 de janeiro e o segundo, do dia 28 do mesmo mês, é n. 13. O que muda de um para o

outro é a lista de operários (com o nome, número da carteira de trabalho e data de admissão), sendo a

primeira lista contando com cerca 297 operários a segunda com apenas 37, totalizando 334 trabalhadores

(os números do primeiro não são muito precisos por conta de várias repetições nas diversas listas

anexadas ao processo. Tem lista dos operários que deram entradas, dos que receberam o pagamento, lista

8

(JCJ) de Maceió contra seus patrões6. O motivo foi o exposto aqui: o Decreto 45.106-A

instituía que o novo salário mínimo entrava em vigor a partir de janeiro de 1959. “No

entanto, a reclamada somente passou a pagar os salários de acordo com o supracitado

Decreto nº 45.106-A, a partir de fevereiro de 1959”. Dessa forma, os trabalhadores

reivindicavam “o pagamento da diferença salarial de Cr$ 1.400,00 por cada reclamante

abaixo relacionado”. Por ser uma enorme quantidade de operários, o que poderia até

paralisar “a indústria durante vários dias”, todos “os reclamantes” solicitaram serem

“representados” pelo tintureiro Aurélio Cavalcante Vieira e por Rubem Ângelo,

respectivamente presidente e advogado do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de

Fiação e Tecidos de Maceió7.

Aliás, esse era um expediente normal. Primeiro porque não eram todas as

localidades que possuíam um TRT por perto. Segundo, não deixava de ser uma

significativa estratégia.

O sindicato representa, de uma só vez, dezenas de trabalhadores, que

ingressam conjuntamente na Justiça do Trabalho, em ações plúrimas,

reclamatórias individuais que tramitam como se fossem uma só. Trata-se

aqui, na prática, de uma mudança significativa do caráter individualizador

dessa Justiça para sua utilização como arma de luta coletiva pelos

trabalhadores e líderes sindicais. Mesmo que fosse necessário nominar todos

os trabalhadores reclamantes, eles enfrentavam as mineradoras coletivamente, representados e organizados por um sindicato (SPERANZA,

2013, p. 67. Grifos da autora).

de procuração etc.). Os processos estão disponíveis para consulta no Memorial Pontes de Miranda da Justiça do Trabalho em Alagoas, pertencente ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 19º Região. 6 Antes de ser criado o Tribunal Regional do Trabalho da 19º Região (Alagoas), instalado só em 28 de

junho de 1992, o Estado era coberto por Juntas de Conciliação e Julgamento, as JCJ, subordinadas ao

Tribunal Regional do Trabalho da 6º Região, em Pernambuco. A primeira JCJ alagoana foi criada, por

decreto, em dezembro de 1940, passando a funcionar em 1º de maio de 1941. 7 TRT19, Processos no 2 e 13, 1960. Para o caso de Alagoas, nesse momento, esse também era o caminho

mais comum. Clarice Speranza (pp. 79-80, nota 44, grifos meus) nos explica melhor: “Antes da Justiça do

Trabalho, as Juntas de Conciliação e Julgamento criadas nos anos 1930 examinavam somente litígios

individuais, enquanto as reivindicações coletivas cabiam às Comissões Mistas de Conciliação, que

sofriam maior resistência do patronato. Com a instalação da Justiça do Trabalho, em 1941, a incumbência

de examinar os dissídios coletivos passou aos Conselhos Regionais do Trabalho (CRT). As novas Juntas,

ligadas à Justiça do Trabalho e com poder executório, mantiveram a incumbência de julgar os conflitos individuais. A transformação dos Conselhos Regionais em Tribunais Regionais ocorreu em 1946 e foi

instituída pelo decreto-lei n. 9.797, que também converteu o Conselho Nacional do Trabalho (CNT) em

Tribunal Superior do Trabalho (TST)”. Ou seja, para que fosse instalado um dissídio coletivo, o sindicato

da Fábrica Alexandria teria que ir até a cidade do Recife, sede do TRT. Além dos gastos inerentes ao

deslocamento, na década de 1950 as viagens de trem para a capital vizinha eram diárias, mas só havia um

único horário de partida (pela manhã) e um único de volta (à tarde). Os ônibus só saiam nas terças,

quartas e sábados, igualmente num único horário.

9

Além do mais, a petição inicial afirmava que a fábrica poderia até mesmo parar por

algum tempo caso todos os operários listados entrassem individualmente. Ao invés de

uma movimentação paredista, os operários resolveram lutar por outro meio igualmente

legal, como uma greve. Eram os trabalhadores enxergando a Justiça do Trabalho de

outra forma, como os historiadores só vieram a perceber quando passaram a estudá-la.

“A lei e a justiça [...] deixaram de ser vistas como simples instrumentos de dominação

de classe para se configurarem como recursos que poderiam ser apropriados por

diferentes sujeitos históricos que lhes atribuíam significados sociais distintos” (LARA e

MENDONÇA, 2006, pp. 11-12).

Após alguns adiamentos de audiência pelas mais diversas razões, no dia 23 de

fevereiro o advogado Rubem Ângelo apresentou à JCJ um documento no qual dizia

“haver celebrado um acordo com a reclamada na base de 60%” – ou seja, os

trabalhadores receberiam Cr$ 840,00 pela diferença salarial de janeiro. Para tanto, os

proprietários da Fábrica Alexandria desembolsariam um valor total de Cr$ 280.560,00,

pagos

[...] em quatro prestações semanais, sendo a primeira no dia 17 do mês de março corrente, [...] aos primeiros oitenta e três trabalhadores reclamantes,

isto é, os trinta e sete do processo JCJ-13/60 e os quarenta e oito primeiros

reclamantes do processo JCJ-2/60; a segunda prestação [...] será paga no dia

24 do mês de marco do corrente ano, aos oitenta e três reclamantes seguintes

do processo JCJ-2/60, isto é, de Irene Oliveira Santos até Manoel José dos

Santos; a terceira prestação [...] deverá ser paga no dia 31 de março do

corrente ano aos oitenta e quatro reclamantes seguintes do processo JCJ-2/60,

isto é, de Maria do Carmo da Silva até Maria José Vicente; e como quarta e

última prestação, pagará a reclamada [...] aos oitenta e quatro últimos

reclamantes, isto é, de Gerson Oliveira dos Santos a Hilda Jovino dos Santos,

no dia 7 de abril do corrente ano, sendo todos os pagamentos efetuados na

Secretaria desta Junta, às 14 horas dos dias mencionados (TRT19, Processos no 2 e 13, 1960).

Além disso, cada operário ainda deixaria Cr$ 73,20 na Junta, como pagamento pelas

custas do processo.

Os pagamentos foram feitos nas datas indicadas e, um ano depois, os

trabalhadores da Fábrica Alexandria conseguiram reaver ao menos uma parte do novo

salário mínimo referente ao mês de janeiro. Aurélio Vieira, presidente do sindicato,

ficou responsável de ir à JCJ receber o dinheiro e repassá-lo aos associados. Mas a

vitória não se restringia ao pagamento (de parte) do aumento. Lopes (1988, pp. 359-

10

368) indicou que a atuação dos trabalhadores na Justiça do Trabalho, independente dos

resultados, era benéfico para a classe, mobilizando-a e criando uma percepção de

direitos em seu seio.

4.

Defensor da unidade sindical, o delegado da CNTI José Luiz Ferreira provavelmente

ficou satisfeito com essa atuação do sindicato têxtil maceioense na Justiça do Trabalho.

Encerrou uma entrevista dada no final de 1958 ao Diário de Alagoas fazendo críticas à

situação sindical alagoana e deixou (mais) um apelo aos operários alagoanos, para que

lutem pela liberdade de seus sindicatos, sem perseguições, “sendo respeitada, portanto,

a autonomia sindical assegurada na constituição e garantida pelo governador Muniz

Falcão” (“SALÁRIO MÍNIMO de cinco mil cruzeiros no nordeste”. Diário de Alagoas,

Maceió, 18 de nov. 1958, n. 303, pp. 5-6. Grifos meus).

Obviamente, não vamos encontrar qualquer tipo de crítica a Muniz Falcão nas

páginas do Diário de Alagoas (e não há edições disponíveis referentes a esse período do

jornal comunista8). No entanto, são raríssimas às vezes em que encontramos o

governador nas fontes, num momento de importantes lutas dos trabalhadores.

Em dezembro de 1958, o Serviço de Estatística e Previdência do Trabalho

(ligado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio) apresentou uma tabela no qual

apontava que o novo salário mínimo em Alagoas seria (ou deveria ser) de Cr$ 3.200,

bem abaixo dos Cr$ 5.000 pleiteados – como vimos, acabou sendo fixado em Cr$

3.600. A tabela apresentada pelo Serviço foi debatida, posteriormente, pela Comissão

do Salário Mínimo, formada por três operários, três patrões e um representante

governamental (que seria o presidente. Chamava-se Ivanildo Bezerra e não é

mencionado onde trabalhava). Os operários escolhidos foram Pedro Farias e José

Francisco da Silva (ambos operários têxteis de Rio Largo) e Bráulio Feliciano da Silva

8 Ainda que existissem tais edições, podemos especular que as possíveis críticas muito provavelmente

seriam bem amenas. O PCB alagoano chegou até mesmo a compor a gestão Muniz Falcão, quando o

coronel do exército e membro do partido, o carioca Henrique Oest, assumiu a pasta da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior, Justiça e Segurança Pública nos últimos dois anos do governo. O PCB

de Alagoas pediu votos para Muniz nas eleições de 1955, defendeu seu mandato no processo de

impeachment de 1957 e apoiou seus candidatos ao Legislativo de 1958 e na sucessão de 1960 (sendo

alguns inimigos mortais dos comunistas, como o ex-governador Silvestre Péricles). Em contrapartida, foi

o período em que os comunistas mais tiveram liberdade de atuação (chegaram até a eleger vereadores em

Maceió e suplentes a deputado estadual) e o jornal A Voz do Povo teve um tempo de paz, após os

corriqueiros empastelamentos (que voltariam após Muniz sair do poder).

11

(de Fernão Velho, demonstrando bem a representatividade dos têxteis9). O lado patronal

era representado por Abelardo Lopes, Cícero Cabral Toledo e Napoleão Barbosa

(presidente da Federação das Indústrias de Alagoas durante todo o mandato do

governador Muniz Falcão) (“FALHA A TABELA apresentada pelo Serviço E. da

Previdência”. Diário de Alagoas, Maceió, 11 de dez. 1958, n. 313, p. 6).

A Comissão, no entanto, pendeu para o lado mais forte. Com três patrões e três

operários, a votação acerca dos os valores apresentados pelo Serviço de Estatística

aconteceu na DRT e terminou empatada. Ivanildo Bezerra, na condição de presidente,

desempatou a mesma para o lado patronal, deixando os trabalhadores descontentes e

resultando

[...] num protesto por parte dos operários que, reunidos em comissão,

visitaram os principais jornais desta capital, afirmando os seus propósitos de

luta pacifica, a fim de que sejam aceitas as suas reivindicações que

representam as verdadeiras necessidades indispensáveis à manutenção de

suas famílias (“TRABALHADORES descontentes com salário mínimo

fixado”. Diário de Alagoas, Maceió, 18 de dez. 1958, n. 319, pp. 5-6).

Após algumas notas semanais na última página cobrindo, sobretudo, a

movimentação (da cúpula) sindical, o jornal governista escancarou o lado político da

comissão do salário mínimo em Alagoas com uma matéria de capa.

O presidente da Comissão, Sr. Ivanildo Bezerra, membro militante do Partido

Trabalhista Brasileiro (PTB), que deveria ser, por todos os princípios, um

defensor intransigente dos direitos dos trabalhadores, votou, desempatando,

contra o salário de Cr$ 5.000,00, ficando ao lado dos patrões, em flagrante

atentado contra os interesses da massa obreira de Alagoas.

Podemos fazer um paralelo aqui com os trabalhistas de São Paulo, analisado por Murilo

Leal. O PTB paulista, além de seguir a diretriz básica do partido (“para os

trabalhadores” e não “dos trabalhadores”), era formado também por muito industriais.

Não cresceu como partido – sindical e eleitoralmente falando – propositalmente, pois

corria o “risco” de ficar muito grande e escapar do controle dos dirigentes, que eram

partidários, na verdade, da paz social e harmonia entre capital e trabalho típicos do

trabalhismo e herdados do Estado Novo. (LEAL, 2011, p. 403). Não tenho elementos

para comprovar a faceta industrial do PTB alagoano, mas é bastante claro essa tendência

9 Segundo Costa (1995, p. 253 – Nota 32), em São Paulo os têxteis também exerciam grande influência

sobre as demais categorias de trabalhadores.

12

de harmonia de suas lideranças. Dessa forma, em Alagoas, o PTB e desvinculava da sua

proposta nacional inicial, de ser o suporte institucional para “as propostas políticas e

sociais de Getúlio Vargas” (DELGADO, 1989, p. 45).

Revoltados, os trabalhadores “imediatamente pediram às autoridades federais” a

destituição de Bezerra, através de (mais) um telegrama enviado ao presidente Juscelino

e ao Ministro do Trabalho, Fernando Nóbrega, relatando sobre o desejo de um salário

de Cr$ 5.000, conforme expresso em reuniões ocorridas em Fortaleza (“PROTESTO

(UNÂNIME) dos trabalhadores contra o esbulho do salário mínimo”. Diário de

Alagoas, Maceió, 19 de dez. 1958, n. 320, p. 1). Apesar de não ser indicado, certamente

Ivanildo Bezerra era funcionário público federal, o que não justifica a falta de

intromissão ou apoio do governador Muniz Falcão na causa. Não encontrei no jornal

governista qualquer matéria, editorial ou mesmo pronunciamento do mesmo em relação

a luta dos trabalhadores pelo aumento salarial.

A matéria fez questão de citar o fato de Ivanildo ser filiado ao PTB. A razão é

muito simples: o Partido Trabalhista Brasileiro em Alagoas era liderado desde muito

tempo pelo deputado federal Ari Pitombo10

e havia se desentendido com o governador

Muniz Falcão pouco tempo antes. Com efeito, as relações de Falcão com o PTB nunca

foram das melhores. O ex-governador, por exemplo, sempre esteve ligado a corrente

trabalhista alagoana, mas nunca foi filiado ao PTB, consagrando-se pelo Partido Social

Progressista (PSP), de Ademar de Barros. Ao contrário do que acontecia no cenário

nacional, no qual figurava entre as três maiores agremiações políticas do Brasil entre

1945 e 1964 (GOMES e D'ARAÚJO, 1989, p. 5), o PTB alagoano nunca conseguiu

fazer frente à União Democrática Nacional (UDN) ou ao Partido Social Democrático

(PSD), ficando em alguns momentos à margem nos governos e coligações políticas.

Apesar de marcharem juntos nas eleições legislativas de 1950, 1954 e 1958, PTB e PSP

não integraram a mesma coligação11

.

Na noite dessa mesma sexta-feira em que foi publicada a matéria denunciando a

atuação de Ivanildo Bezerra dentro da Comissão, reuniram-se no Palácio do

10 Nesse momento, Pitombo era deputado federal pela terceira vez consecutiva (antes havia sido deputado

estadual em 1947). Nesses quatro mandatos, apenas em 1950 não foi eleito pelo PTB e sim pelo Partido

Social Trabalhista (PST). 11 Por motivos de espaço, não irei expor as razões para o racha definitivo. Mas vale o registro: Ari

Pitombo lançou sua candidatura ao Governo do Estado 1960, disputando os mesmos votos que Abrahão

Moura, candidato de Muniz e diretor do Diário de Alagoas.

13

Trabalhador líderes sindicais e operários para protestarem contra o novo mínimo.

“Apesar de se notar a ausência dos vogais da referida Comissão, os trabalhadores

concentraram-se em grande assembleia acertando medidas no sentido de reparar a

injustiça que representa para Alagoas a aprovação do novo salário mínimo naquela

importância”. É nesse momento que o governador aparece nas reportagens. Após os

debates, ficou decidido que um telegrama seria enviado a Muniz Falcão, aos senadores e

deputados federais alagoanos. “Num ambiente da mais perfeita ordem, os representantes

dos diversos sindicatos de classe, foram unanimes em manifestar o mais veemente

protesto contra a atitude do Sr. Ivanildo Bezerra [...]” (“PROTESTOS CONTRA o

salário-mínimo aprovado”. Diário de Alagoas, Maceió, 21 de dez. 1958, n. 322, p. 6).

Em nenhuma das fontes consultadas encontrei qualquer relação direta entre a

luta pelo aumento e vigência do salário mínimo e o governador. O jornal governista

tratou de entrevistar (as mesmas) lideranças sindicais, não conversando com os

trabalhadores diretamente. Até mesmo os telegramas, meio de luta mais utilizado por

essas lideranças nesse momento, eram sempre enviados ao Presidente da República.

Nessa luta por um salário digno, o governador Muniz Falcão foi habilmente blindado.

Finalizo com uma entrevista dada por Napoleão Barbosa, então presidente da

Federação das Indústrias do Estado de Alagoas (FIEA), ao Diário de Alagoas no final

de janeiro de 1959. Vale ressaltar que Barbosa, “proprietário de uma pequena fábrica de

móveis”, elegeu-se presidente da FIEA com amplo apoio de Muniz Falcão,

desbancando os dois principais setores industriais (e econômicos) de Alagoas:

açucareiro e têxtil (TENÓRIO, 2007, p. 205). Barbosa afirmou que o novo salário só

podia (e não deveria) ser pago a partir do final de fevereiro, quando completado 60 dias

do decreto. Ainda segundo o presidente, uma empresa ganhou uma causa na Justiça do

Trabalho na Bahia, baseado no artigo 116 da CLT. Em Sergipe, os industriais fizeram

uma espécie de pacto e só pagariam a partir de 25 de fevereiro. Ainda segundo Barbosa,

“A multa (...) é inconstitucional. Eu quero crer que a própria Delegacia do Trabalho não

pode multar qualquer empresa que se disponha a não pagar até antes do dia 25 de

fevereiro” (“‘AS EMPRESAS NÃO são obrigadas a pagar o salário em janeiro’”.

Diário de Alagoas, Maceió, 24 de jan. 1959, n. 19, p. 6).

Em 1961 a conjuntura já era outra. O PIB crescia 7,7% e a indústria 12%. Por

outra lado, a inflação chegava aos 52,3% e a dívida externa só crescia. “O problema de

14

a que classes impor perdas a fim de estabilizar a economia já se anunciava e marcaria a

conjuntura pelos anos seguintes” (LEAL, 2011, p. 288). Em Maceió, era a classe

trabalhadora quem perdia, pois continuava com dificuldades para receber até mesmo seu

aumento. Nesse ano de 1961, operários de Fernão Velho queixavam-se pelo não

pagamento do valor integral do mínimo, a mesma fábrica que foi uma das primeiras em

Alagoas a reajustar os salários de seus empregados. Em reunião ordinária ocorrida em

fevereiro de 1961, na sede do sindicato, o operário José Antônio denunciava “a empresa

Othon Bezerra [proprietária da fábrica], pois a mesma vem pagando salários inferiores

ao mínimo a diversos empregados que trabalham 48 horas [semanais] completas,

inclusive a ele”. Ainda segundo José Antônio, “em uma semana anterior recebeu o seu

salário faltando Cr$ 200,00 para o mínimo”. Após fazer essa denúncia, o presidente

sindical “declarou que vai tomar providência”. Infelizmente, ficamos sem saber qual

providência, pois não temos mais qualquer registro. (Sindicato de Fernão Velho. Ata da

reunião, 26 de fev. de 1961).

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