saint-exupery, antoine de - vôo noturno

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7/24/2019 Saint-Exupery, Antoine de - Vôo Noturno http://slidepdf.com/reader/full/saint-exupery-antoine-de-voo-noturno 1/45 Vôo Noturno Antoine de Saint-Exupéry

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Vôo Noturno

Antoine de Saint-Exupéry

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I

Na tarde dourada, já as colinas, sob o avião, iam cavando o seu rasto de sombra!s campos tomavam-se luminosos, duma luminosidade perene" na#uelas re$i%es,os campos não cessam de espal&ar o seu ouro, assim como no inverno não'ndam a sua apoteose de neve

E o piloto (abien, condu)indo, do extremo sul para *uenos Aires, o correio da+ata$ônia, recon&ecia a aproximaão da noite pelos mesmos sinais das á$uas deum porto" a#uela calina, as pre$as ténues esboadas por nuvens tran#uilasEntrava numa enseada vasta e eli)

+erante tão prounda calma, (abien poderia também jul$ar-se em lon$o passeio,como um pastor !s pastores da +ata$ônia vão, sem pressa, dum reban&o aoutro" ele ia duma cidade a outra, era o pastor das pe#uenas cidades .e duasem duas &oras encontrava uma, aplacando a sede / beira dum rio ou ruminandono meio do seu campo

+or ve)es, ap0s cem #uilômetros de c&arnecas mais despovoadas do #ue o mar,(abien cru)ava com uma &erdade perdida, #ue parecia arrastar consi$o, numaonda de prados, uma car$a de vidas &umanas1 e então o piloto saudava esse

navio com as asas2San 3ulian / vista1 aterramos dentro de de) minutos2

! radiotele$ra'sta transmitia a not4cia a todos os postos da lin&a

Num percurso de mil e #uin&entos #uil0metros, do Estreito de 5a$al&ães até*uenos Aires, sucediam-se escalas semel&antes1 mas esta abria-se sobre asronteiras da noite, como na 6rica, / beira do mistério, se levanta a 7ltima aldeiacon#uistada

! radiotele$ra'sta deu um papel ao piloto"

2As tempestades são tantas #ue os meus auscultadores estão c&eios de

descar$as .ormiremos em San 3ulian82(abien sorriu" o céu estava calmo como um a#uário e dali para rente todas asescalas assinalavam" 29éu limpo, vento nulo2 :espondeu "

29ontinuaremos2

5as o radiotele$ra'sta pressentia #ue as tempestades se &aviam escondido emal$um lu$ar, como os vermes se escondem nos rutos, a noite seria bela, masestra$ada1 repu$nava-l&e entrar na#uela escuridão prestes a apodrecer

Ao descer sobre San 3ulian com o motor au ralenti, (abien sentiu-se cansado9rescia ao seu encontro tudo o #ue torna a$radável a vida dos &omens" as suas

casas, os seus pe#uenos caés, as árvores das suas avenidas (abien sentia-secomo um con#uistador ap0s suas con#uistas #ue, ao debruar sobre as terras doseu império, descobrisse a elicidade dos &omens +recisava depor as armas,sentiu o seu pr0prio peso, o seu es$otamento, por#ue, /s ve)es, até as nossasmisérias nos a)em ricos +recisava ainda sentir-se um &omem simples,contemplando da sua janela uma paisa$em para sempre imutável ;eria aceitoa#uela min7scula aldeia" ap0s &avermos escol&ido, contentamo-nos com o acaso#ue $overna a nossa exist<ncia e podemos amá-lo =imita-nos como o amor

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(abien desejaria viver muito tempo neste lu$ar, desrutando a sua pe#uenaparcela de eternidade, pois as cidade)in&as onde 'cava uma &ora e os seus jardins cercados por vel&os muros, #ue ele cru)ava, pareciam-l&e eternos, por#ueperduravam ora dele E a aldeia crescia ao encontro da tripulaão e abria-se-l&eE (abien son&ava com ami)ades, com a suavidade das moas, com a intimidadecriada por toal&as brancas, com tudo o #ue lentamente o nosso coraão vaiconservando para todo o sempre As asas #uase roavam a aldeia, #ue corria,

desvendando o mistério dos seus jardins encerrados em muros #ue já não osprote$iam 5as, tendo aterrado, (abien compreendeu #ue vira apenas o lentoarrastar dum pun&ado de &omens no meio das suas pedras A esta aldeia,bastava-l&e a imobilidade para $arantir o se$redo das suas paix%es e para ne$ar-l&e, a ele, a sua suavidade" se a #uisesse con#uistar, teria de renunciar / aão

+assados os de) minutos previstos para a escala, (abien teve de partir

Voltou-se para San 3ulian" a$ora era apenas um pun&ado de lu)es, depois deestrelas, depois, até a poeira, #ue por 7ltimo o tentara, se dissipara

23á não vejo os mostradores" vou acender as lu)es2

=i$ou, mas na 2atmosera a)ulada as l>mpadas vermel&as da carlin$a projetaram

sobre as a$ul&as uma lu) ainda tão dilu4da #ue não conse$uiu iluminá-las +assoua mão pela l>mpada" os dedos 'caram apenas r0seos

29edo demais2

+orém, como um umo escuro, a noite ia crescendo e já enc&ia os vales,conundindo-os com os campos E também já se alumiavam as aldeias, e asconstela%es #ue elas ormavam respondiam umas /s outras E ele, por sua ve),acendendo e apa$ando as lu)es de posião respondia /s aldeias A terra enc&ia-se de apelos luminosos, cada lar ateando a sua estrela perante a noite imensa, talcomo a lu) dum arol voltado para o mar ;udo o #ue abri$ava uma vida &umanacintilava já (abien maravil&ava-se ao ver #ue desta ve) a entrada na noite a)ia

lembrar a c&e$ada, lenta e bela, a uma enseadaEn'ou a cabea na carlin$a ! rádio das a$ul&as comeava a lu)ir ! pilotoveri'cou os n7meros um por um e 'cou satiseito Sentia-se solidamente sentadono céu As pontas dos seus dedos a?oraram uma lon$arina de ao e (abien sentiua vida pulsar no metal" o metal não vibrava, vivia !s #uin&entos cavalos domotor a)iam passar pela matéria r4$ida uma corrente muito doce, #uetransormava o $elo em carne velud4nea @ma ve) mais, o piloto não sentia, aovoar, nem verti$em, nem embria$ue) mas o trabal&ar misterioso duma carnecom vida

! seu mundo estava a$ora recomposto e (abien ajeitava-se para se instalar bem

comodamente nele ;ocou levemente no #uadro de distribuião elétrica e em se$uida em, cada umdos contatos, mexeu-se um pouco, encostou-se mais conortavelmente eprocurou a posião em #ue mel&or pudesse sentir o balanar das cinco toneladasde metal #ue a noite movedia soer$uia .epois, /s apalpadelas, procurou al>mpada de socorro, empurrou-a para o seu lu$ar, perdeu-a, voltou a encontrá-la,certi'cou-se #ue não escorre$aria, deixando-a de novo para bater levemente coma ponta dos dedos em cada alavanca automaticamente, adestrando os dedos

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para um mundo de ce$o E s0 então, sentindo-os bem adestrados, decidiu-se aacender uma l>mpada, #ue veio mobilar a carlin$a de instrumentos exatos Ecomo se desse um mer$ul&o, passou a vi$iar apenas, no painel, a entrada danoite .epois, visto #ue nada vacilava, vibrava ou tremia e #ue o $irosc0pio, oalt4metro e o re$ime do motor estavam em ordem, estirou-se um pouco, apoiou anuca no assento de couro e deixou-se levar por a#uela prounda meditaão dovôo, em #ue se $o)a uma esperana inexplicável

E a$ora, no coraão da noite, como um vi$ia, (abien descobre #ue a noite mostrao &omem" a#ueles apelos, a#uelas lu)es, a#uela in#uietaão Esta simples estrelana escuridão" o isolamento duma casa @ma estrela #ue se apa$a" é um lar #uese ec&a no seu amor

!u no seu tédio uma casa #ue cessa de acenar ao resto do mundo !scamponeses, sentados / mesa junto do candeeiro, mal sabem o #ue desejam"i$noram #ue, na imensa noite #ue os contém, o seu desejo tem um tão $randealcance 5as, vindo de mil #uil0metros de dist>ncia, (abien descobre essealcance e sente #ue va$as proundas a)em subir e descer o avião #ue respira,ap0s ter atravessado de) tempestades, como pa4ses em $uerra, separados porclareiras de luar, ao atin$ir, uma a uma, embebido num sentimento de vit0ria,a#uelas lu)es !s camponeses cr<em #ue a lu) do seu lampião ilumina apenas amesa &umilde, mas a oitenta #uilômetros de dist>ncia, al$uém já distin$uiu oap<lo dessa lu), como se a#ueles &omens a balouassem, desesperados, numail&a deserta, em rente do mar

II

!s tr<s avi%es postais da +ata$ônia1 do 9&ile e do +ara$uai voltavam assim do sul,do oeste e do norte para *uenos Aires, onde se a$uardava sua car$a para dar o

sinal de partida, por volta da meia-noite, ao avião da Europa ;r<s pilotos perdidos na noite, cada #ual / ré de um nari) de avião macio comouma bateira, iam meditando no seu pr0prio voo e baixando lentamente dum céude tormenta ou de pa) sobre a cidade imensa, #ual estran&os camponesesdescendo das suas serras

:iviBre, responsável por toda a rede, andava dum lado para outro, no campo deaterra$em de *uenos Aires 5antin&a-se silencioso, por#ue para ele, atéc&e$arem os tr<s avi%es, a jornada encontrava-se povoada de temores 5inuto aminuto, / medida #ue ia recebendo os tele$ramas, :iviBre tin&a a consci<ncia dearrancar um pedao ao destino, redu)indo a parcela de descon&ecido e tra)endo

as suas tripula%es, arrancadas / noite, até / mar$em@m operário acercou-se de :iviBre para l&e comunicar uma mensa$em do postode rádio"

2! correio do 9&ile anuncia #ue já v< as lu)es de *uenos Aires2

C Está bem

:iviBre escutaria em breve o ru4do desse avião" a noite já devolvia um, como ummar c&eio de ?uxo e re?uxo e de mistérios entre$a / praia o tesouro #ue lon$o

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tempo andou balouando E mais tarde, o mesmo mar entre$aria os outros dois

(indaria então o dia As tripula%es cansadas iriam dormir, substitu4das portripula%es novas 5as :iviBre não teria descanso" por sua ve), o correio daEuropa iria enc&<-lo de in#uietaão E seria sempre assim Sempre +ela primeirave) na vida, o vel&o lutador veri'cava, com espanto, #ue se sentia cansado Ac&e$ada dos avi%es não representaria nunca a vit0ria #ue termina uma $uerra eabre uma era de pa) bem-aventurada +ara ele representaria, apenas e sempre,

mais um passo, depois de mil outros passos i$uais ;eve a impressão de estar &ámuito levantando, com todas as suas oras, um ardo enorme" um esoro semdescanso, nem esperana 2Estou a envel&ecerD2 Ele envel&ecia, se de ato jánão encontrasse unicamente na aão o seu contentamento Admirou-se de a$itarproblemas #ue para ele nunca tin&am existido E, não obstante, c&e$avam-l&e,num melanc0lico murm7rio, todas as coisas boas #ue sempre aastara de si" umoceano perdido 2;udo isso está então tão perto8D2 9ompreendeu #ue tin&a eitorecuar, pouco a pouco, para a vel&ice o #ue torna doce a vida dum &omem 9omose realmente se pudesse ter tempo um dia, como se se $an&asse, ao cabo davida, a#uela bem-aventurada pa) #ue ima$inamos 5as a pa) não existe ;alve)não &aja vit0ria Não existe uma c&e$ada de'nitiva de todos os correios

:iviBre parou em rente de =eroux, um vel&o contramestre #ue estava entre$ueao seu trabal&o (a)ia já também #uarenta anos #ue =eroux trabal&ava e o seutrabal&o exi$ia-l&e todas as oras uando, por volta das de) ou meia-noite,=eroux voltava para casa, não era um mundo dierente #ue ia encontrar, esseabandono não representava uma evasão :iviBre sorriu para a#uele &omem #uelevantava o rosto endurecido para l&e indicar um eixo a)ulado F2Estava bemapertado, mas conse$ui2 :iviBre inclinou-se sobre o eixo ! pra)er do o4cioapossara-se de novo dele 2 preciso di)er nas o'cinas para deixarem essaspeas mais ol$adas2 ;ocou com os dedos os sinais deixados pela ricão dosmetais, depois ol&ou de novo para =eroux +erante a#uelas ru$as severas, uma

per$unta absurda subiu-l&e aos lábios Até o a)ia sorrir"C !ua, =eroux, voc< dedicou muito tempo ao amor na sua vida8

C !&G, o amorG ! Sr .iretor sabe

C Voc< é como eu" nunca teve tempo

C =á muito, não

:iviBre observava o tom da sua vo), a 'm de perceber se a resposta era amar$a"não o era +erante a sua vida passada, a#uele &omem mostrava-setran#uilamente satiseito, como o carpinteiro #ue exclama ao acabar de polir umaboa pranc&a" 2+ronto, acabou-se2

2+ronto, pensou :iviBre, a min&a vida está eita2E aastando as ideias tristes, provenientes do cansao diri$iu-se ao &an$ar, pois já se ouvia roncar o avião do 9&ile

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III

! ru4do da#uele motor lon$4n#uo tornavaHse cada ve) mais denso 9&e$ava aoextremo Acenderam-se as lu)es As l>mpadas vermel&as das bali)as descobriramum &an$ar, postes de ; S (, um terreno #uadrado Era a preparaão duma esta

2Ei-loG2! avião já ora apan&ado pelo ac&o de projetores *ril&ava como se osse novo5as, #uando por 'm parou em rente do &an$ar e en#uanto os mec>nicos e osoperários se apressavam para descarre$ar o correio, o piloto +ellerin não semoveu

2Então, o #ue é #ue voc< espera para descer82

Entre$ue a al$um misterioso trabal&o, o piloto não se di$nou responder+rovavelmente, escutava ainda o ru4do do voo #ue o trespassava Abanavalentamente a cabea e, inclinado para a rente, manipulava não se sabia o #u<+or 'm voltou-se para os c&ees e para os camaradas, e ol&ou-os, $ravemente,

como se ossem propriedade sua +arecia estar a contá-los, a medi-los, a pesá-lose pensava #ue, sem d7vida, representavam o seu premio, assim como a#uele&an$ar em esta, a#uele cimento 'rme e, mais lon$e, a#uela cidade com o seubul4cio, as suas mul&eres e o seu calor Se$urava a#uele povo com suas mãosortes, como s7ditos, pois podia tocá-los, ouvi-los e insultá-los +ensou primeiroem insultá-los por estarem ali tão sosse$ados, sem receios pelas suas pr0priasvidas, $o)ando o luar 5as oi $eneroso"

2D Vão pa$ar-me uma bebidaG2

E desceu

uis contar a sua via$em "

2Se soubessemDI2I

Ac&ando, decerto, ter dito o su'ciente, oiHse, para despir a ja#ueta de couro

No momento em #ue o carro o transportava a *uenos Aires, em compan&ia duminspetor soturno e de :iviBre, silencioso, +ellerin sentiu-se entristecer" é umacoisa a$radável vermo-nos livres de tudo e proerir umas boas inj7rias ao pôr denovo o pé em terra ue $rande ale$riaG 5as depois, #uando nos lembramos,duvidamos nem sabemos de #u<

A luta no meio do ciclone era, ao menos, uma coisa real, uma coisa limpa aocontrário do semblante das coisas, da#uele semblante #ue elas tomam #uando se

 jul$am s0s +ellerin pensava "2 tal #ual uma revolta" semblantes #ue empalidecem apenas um pouco, mas #uese transormam completamente2

(e) um esoro para se recordar

 ;ranspun&a, tran#uilo, a cordil&eira dos Andes As neves &ibernais pesavam sobreela com toda a sua pa) As neves &ibernais tin&am imposto a pa) /#uela massa,como os séculos a imp%em aos castelos abandonados Numa área de du)entos

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#uilômetros, nem um &omem mais, nem um sopro de vida, nem um esoro S0arestas verticais, #ue as asas roam a seis mil metros de altitude, e mantos depedra, cortados a pi#ue, e uma extraordinária e imensa tran#uilidade

(oi nas imedia%es do pico ;upun$ato

:e?etiu (oi realmente nessas para$ens #ue ele assistiu a um mila$re

+or#ue nos primeiros momentos não viu nada, sentindo-se apenas contraeito,

como al$uém #ue se jul$asse s0, já não o estivesse e se sentisse vi$iado Viu-se,demasiado tarde e sem perceber bem como, envolto numa onda de c0lera Eraisso .onde proviria ela8

9omo percebia #ue a c0lera escorria das pedras e da neve8 +ois nada parecia virao seu encontro, nen&uma ameaadora tempestade se vi)in&ava 5as, na#uelelu$ar, um mundo, penas um pouco dierente, sur$ia do outro +ellerin ol&ava, comum inexplicável aperto no coraão, a#ueles cumes inocentes, a#uelas arestas,a#uelas cristas de neve, apenas um pouco mais cin)entos e #ue, contudo,comeavam a tomar vida C como se ossem um povo

Sem ter de lutar, ele apertava as alavancas de comando com as mãos +reparava-se #ual#uer coisa #ue não compreendia !s seus m7sculos retesavam-se, comoos de um animal #ue se prepara para o salto, mas era certo #ue perante ele s0&avia calma Sim, calma, mas impre$nada dum estran&o poder

.epois tudo se tomou cortante As arestas, os cumes, tudo 'cou cortante" sentia-os cortando, como proas, o vento rijo E, depois, pareceu-l&e #ue mudavam derumo e derivavam / sua volta, / maneira dos navios $i$antes escol&endo aposião de combate E depois sur$iu, misturada com o ar, uma poeira, umapoeira #ue subia, pairando docemente como um véu ao lon$o das neves Então,buscando uma sa4da em caso de retirada orada, +ellerin voltou-se para trás eestremeceu" por trás dele toda a cordil&eira parecia ermentar

2Estou perdido2

.um dos picos, em rente, irrompeu a neve" um vulcão de neve .epois o mesmosucedeu num se$undo pico, um pouco / direita E do mesmo modo, todos ospicos, um ap0s outro, se in?amaram, dir-se-ia tocados sucessivamente por uminvis4vel estaeta (oi então #ue, aos primeiros redemoin&os do ar, em volta dopiloto as montan&as oscilaram

A aão violenta deixa poucos sinais" já se apa$ara a recordaão dos violentosredemoin&os #ue o tin&am levado aos tombos =embrava-se apenas de ter-sedebatido, raivosamente, no meio da#uelas c&amas pardas

:e?etiu

2! ciclone não tem import>ncia nen&uma Sa4mos dele com vida 5as antes deleGA#uele nosso estran&o encontroG2

+arecia-l&e recon&ecer, entre mil, um certo semblante e, contudo, já o es#uecera

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IV

:iviBre observava +ellerin .a4 a vinte minutos, #uando descesse do carro, $astoe penoso, J piloto iria misturar-se / multidão ;alve) pensasse" 2Estoucansad4ssimo maldita pro'ssãoG2 E conessasse / sua mul&er #ual#uer coisa

nesse $énero" 2Está-se mel&or a#ui do #ue sobrevoando os Andes2 E apesardisso, tudo o #ue prende os &omens tão ortemente desprendera-se dele #uase#ue por completo" con&ecera a miséria das coisas Acabara de passar al$umas&oras do outro lado da cena, sem ter a certe)a de #ue a#uela cidade ouscante delu)es seria de novo dele Sem mesmo saber se voltaria a encontrar as ami$as dein>ncia, maantes mas #ueridas, #ue são as pe#uenas imperei%es do ser&umano 2No meio de #ual#uer multidão, pensava :iviBre, &á &omens #ue não sedistin$uem dos outros e são prodi$iosos mensa$eiros E nem eles pr0prios sabemdisso A não ser #ue 2 :iviBre temia certos admiradores #ue, nãocompreendendo o caráter sa$rado da aventura, estra$am-na com suasexclama%es, tornando menor o &omem 5as a$ora +ellerin conservava toda a

sua $rande)a, pois sabia, mel&or do #ue nin$uém, o #ue vale o mundo visto sobcerto prisma e aastava de si, com um soberbo desdém, os aplausos vul$ares +orisso mesmo :iviBre elicitou-o" 29omo oi #ue voc< venceu82 E +ellerin entrou-l&eno coraão, por#ue alava do trabal&o com simplicidade, considerando o seu vôocomo um erreiro considera a sua bi$orna

+ellerin explicou, em primeiro lu$ar, como vira cortada a retirada uase sedesculpava" 2 certo #ue não tin&a escol&a2 A se$uir não vira mais nada" a nevece$ava-o 5as violentas rajadas salvaram-no, elevando-o a sete mil metros25antive-me, com certe)a, rente /s cristas durante toda a travessia2 ;ambémalou do $irosc0pio, cuja tomada de ar deveria ser mudada" a neve obstru4a-a"2(orma uma camada de $eada, percebe82 5ais tarde, outras rajadas ')eram

+ellerin tombar e, mais ou menos a tr<s mil metros, surpreendia-se de não terainda c&ocado com al$uma coisa #ue já sobrevoava1 a plan4cie 2.ei por issode repente, ao desembocar num céu limpo2 Explicou, en'm, #ue tivera nesseinstante a sensaão de sair duma caverna

C ;ambém &avia tempestade em 5endo)a8C Não Aterrei com céu limpo, sem vento 5as a tempestade se$uia-me de perto

(<) a sua descrião por#ue, di)ia, 2de #ual#uer orma era uma coisa estran&a2 !cimo perdia-se muito alto, nas nuvens de neve, mas a base rolava sobre aplan4cie como uma lava ne$ra @ma a uma, as cidades iam sendo tra$adas2Nunca vi uma coisa assimD2 .epois calou-se, embebido em al$uma recordaão

:iviBre voltou-se para o inspetorC um ciclone do +ac4'co de #ue omos prevenidos demasiado tarde Aliás essesciclones nunca ultrapassam os Andes

2Não se podia prever #ue a#uele continuaria para leste2

! inspetor, #ue não percebia nada disso, aprovou 5ostrando &esitaão, voltou-separa +ellerin e o seu pomo-de-adão mexeu 5as calou-se Ap0s re?etir, ol&ando

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'xamente para a rente, recompôs a sua melanc0lica di$nidade

Esta di$nidade ia com ele como uma ba$a$em ;endo desembarcado na vésperana Ar$entina, c&amado por :iviBre para se ocupar de va$os misteres, o inspetorsentia-se embaraado pelas suas mãos enormes e pela di$nidade do seu o4cioNão tin&a o direito de apreciar a antasia, nem o estro" apreciava, por o4cio, apontualidade Não tin&a o direito de tomar uma bebida em boa compan&ia, detratar por 2voc<2 um camarada, nem de arriscar um trocadil&o, a não ser #ue, por

um inconceb4vel acaso, encontrasse na mesma escala um outro inspetor2 duro, pensava, ser um jui)2 A bem di)er, ele não jul$ava, contentado-se emmenear a cabea K$norante de tudo, a sua cabea acenava a tudo #ue vin&a aoseu encontro Ksso provocava o p>nico nas consci<ncias pouco limpas e contribu4apara a boa conservaão do material Nin$uém l&e #ueria bem, pois um inspetornão é criado para as del4cias do amor, mas para redi$ir relat0rios .esde o dia em#ue :iviBre escrevera" 2+ede-se ao inspetor :obineau para ornecer relat0rios enão poemas ! inspetor :obineau deve usar da sua compet<ncia para estimular o)elo do pessoal2, ele renunciara a propor, nos seus escritos, métodos novos esolu%es técnicas +or isso, a partir desse dia, :obineau saltava sobre asra#ue)as &umanas, como se saltasse sobre o pão de cada dia Sobre o mec>nico#ue bebia, o c&ee do campo de aviaão #ue passava noites em claro, o piloto#ue a)ia saltar muitas ve)es o avião / aterra$em

:iviBre di)ia dele" 2Não é muito inteli$ente, por isso mesmo presta espl<ndidosservios2 @m re$ulamento 'xado por :iviBre representava para este ocon&ecimento dos &omens1 para :obineau, porém, s0 existia a consci<ncia dore$ulamento

C :obineau C disse-l&e um dia :iviBre C Sempre #ue &aja atraso nas partidas,voc< deve suprimir os prémios de re$ularidade

C 5esmo em caso de ora maior8 5esmo #ue &aja nevoeiro8

C 5esmo #ue &aja nevoeiroE :obineau sentia uma espécie de or$ul&o por ter um c&ee tão orte #ue nemtemia ser injusto E o pr0prio :obineau $an&ava uma certa majestade com umpoder de tal orma a$ressivo

C !s sen&ores deram o sinal de partida /s leis e #uin)e C di)ia ele, depois, aosc&ees do Aeroporto C não poderemos pa$ar-l&es o premio

C 5as, Sr :obineau, /s cinco e trinta não se distin$uia nada a de) metros dedist>nciaG

C L o re$ulamento

C 5as, Sr :obineau, n0s não podemos varrer o nevoeiroGE :obineau entrinc&eirava-se no seu mistério Ele a)ia parte da direao Entrea#ueles paus-mandados, ele era o 7nico #ue sabia #ue, in?i$indo casti$o aos&omens, se conse$ue mel&orar o tempo

:iviBre di)ia a seu respeito" 2Este &omem não raciocina, o #ue evita #ue aaracioc4nios errados2

Se um piloto #uebrava um aparel&o, perdia o direito ao premio atribu4do aos #ue

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nada dani'cassem

C 5as se a pane se veri'cou sobre um bos#ue8 C per$untara :obineau

C Sobre um bos#ue também

E :obineau acatava o estipulado, sem pestanejar

C =amento C di)ia ele, depois, aos pilotos, M com uma viva exaltaão C lamentomesmo muito, mas deveriam ter tido a avaria noutro lu$ar

C 5as, Sr :obineau, não se pode escol&erG

C o re$ulamento

2! re$ulamento, pensava :iviBre, assemel&a-se aos ritos duma reli$ião, #ueparecem absurdos, mas moldam os &omens2 +ara :iviBre tanto a)ia parecer justo ou injusto ;alve) essas palavras nem se#uer tivessem sentido al$um paraele !s bur$ueses das pe#uenas cidades passeiam / noite / roda do coreto dapraa e :iviBre pensava" 23usto ou injusto para eles, é coisa sem sentido" essa$ente não existe2 9onsiderava o &omem uma cera vir$em #ue é precisoamassar ;ornava-se necessário dar uma alma a essa matéria, criar-l&e umavontade Não pensava escravi)á-los com essa severidade, mas sim liberá-los de si

pr0prios Ao casti$ar #ual#uer atraso, cometia um ato de injustia mas a)iaconver$ir a vontade de cada escala para a partida1 era ele #uem criava estavontade Não consentindo #ue os &omens se re$o)ijassem com um tempoec&ado, #ue representava um convite ao descanso, obri$ava-os a esperarimpacientemente pela aberta, e essa espera &umil&ava secretamente até o maisobscuro dos operários Estava-se assim atento ao primeiro deeito na armadura"2Aberta ao norte, partidaG2 raas a :iviBre, numa área de #uin)e mil#uil0metros, o culto do correio tin&a a prima)ia sobre tudo

:iviBre di)ia /s ve)es "

2Esses &omens são eli)es por#ue $ostam do seu trabal&o e se $ostam dele é

por#ue sou severo2 ;alve) ')esse sorer os &omens mas também proporcionava-l&es $randesale$rias 2 preciso encamin&á-los, pensava, para uma vida rude, #ue tra) dores eale$rias, mas #ue é a 7nica coisa #ue conta2

! carro c&e$ava / cidade e :iviBre ordenou #ue o levassem ao seu escrit0rio na9ompan&ia (icando s0 com +ellerin, :obineau ol&ou-o e entreabriu os lábios paraalar

V

!ra, nessa noite :obineau sentia-se deprimido +erante +ellerin vitorioso,descobrira #ue a sua pr0pria vida era sem cor .escobrira, sobretudo, #ue ele,:obineau, apesar do seu t4tulo de inspetor e da sua autoridade, valia menos do#ue a#uele &omem morto de adi$a, encol&ido no canto do carro, de ol&oscerrados e mãos ne$ras de 0leo +ela primeira ve) :obineau sentia admiraão Eprecisava conessá-la +recisava, sobretudo, $an&ar uma ami)ade Estavacansado da via$em e dos reveses do dia1 talve) se ac&asse mesmo um pouco

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rid4culo Atrapal&ara-se nas contas, ao veri'car as disponibilidades de $asolina e opr0prio a$ente #ue ele #uisera apan&ar, tomado de compaixão, acabara por a)<-las para ele 5as, pior de tudo, criticara a monta$em duma bomba de 0leo, dotipo * O, conundindo-a com uma do tipo * P, e os vel&acos dos mec>nicostin&am-no deixado, durante vinte minutos, atolar-se 2numa i$nor>ncia sem par2,a sua pr0pria i$nor>ncia

! seu #uarto de &otel também l&e inspirava receios .e ;oulouse a *uenos Aires,

'ndo o trabal&o, ele voltava invariavelmente para o uarto =á se ec&ava,cônscio dos se$redos #ue o amaran&avam, tirava da mala um mao de papel,escrevia lentamente 2:elat0rio2, arriscava duas ou tr<s lin&as e ras$ava tudoostaria de salvar a 9ompan&ia de #ual#uer peri$o $rave 5as a 9ompan&ia nãocorria peri$o al$um Não tn&a salvo até / data senão um eixo de &élice mordidopela erru$em +assara lentamente o dedo, com ar 7nebre, por cima dessaerru$em, perante um c&ee de aeroporto #ue aliás l&e respondera" 2.irija-se /escala precedente1 este avião acaba de c&e$ar de lá2 :obineau duvidava do seupr0prio papel

 ;entando aproximar-se de +ellerin, pediu-l&e"

C uer jantar comi$o8 Necessito de dois dedos de conversa1 o meu o4cio é porve)es bem di4cil

5as lo$o corri$iu, para não descer tão depressa"

C ;en&o tantas responsabilidadesG

!s seus subalternos não $ostavam muito de envolver :obineau na sua vidaprivada +ensavam"

2Se ele ainda não encontrou nada para pôr no relat0rio, como está esomeado,devora-me2

5as nessa noite :obineau s0 pensava na sua pr0pria miséria" o corpo atacado por

um incomodo ec)ema, seu 7nico se$redo verdadeiro ;eria $ostado de alar disso,#ue se condoessem dele e, não encontrando consolaão no or$ul&o, buscá-la na&umildade ;ambém tin&a em (rana uma amante a #uem, nas noites de retorno,descrevia as suas inspeQes, a 'm de deslumbrá-la um pouco e de a)er-seamado, mas, precisamente, essa mul&er comeava a embirrar com ele e:obineau desejaria alar dela

C Então, janta comi$o8

9ondescendente, +ellerin aceitou

VI

uando :iviBre entrou no escrit0rio de *uenos Aires, os secretários dormitavamEle não tirara o sobretudo nem o c&apéu" lembrava um eterno viajante e passava#uase despercebido1 a sua pe#uena estatura deslocava pouco ar e os seuscabelos $risal&os e o vestuário an0nimo adaptavam-se a todos os cenários E,contudo, uma onda de )elo animou aos &omens !s secretários a$itaram-se, oc&ee de seão examinou rapidamente os 7ltimos papéis, as má#uinas de

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escrever tilintaram

! teleonista introdu)ia as 'c&as no #uadro e assentava os tele$ramas num livroespesso

:iviBre sentou-se e leu

.epois da prova do 9&ile, relia a &ist0ria de um dia eli), em #ue tudo entra&armoniosamente na sua ordem, em #ue as mensa$ens, de #ue se libertam um a

um os aeroportos transpostos, são simples boletins de vit0ria! correio da +ata$ônia, por sua ve), a)ia rápidos pro$ressos1 estava adiantado,pois os ventos a)iam correr do sul para o norte uma vasta onda avorável

25ostre-me os comunicados meteorol0$icos2

9ada aeroporto elo$iava o bom tempo #ue lá &avia, o céu transparente, a brisaamena A América en$alanara-se com uma tarde de ouro ! )elo das coisasprovocou $rande contentamento em :iviBre A essa &ora, num ponto #ual#uer, ocorreio da +ata$ônia estava em luta com a aventura, mas com todas asprobabilidades de vit0ria

:iviBre aastou o caderno

2;udo bem2

E saiu para dar uma vista de ol&os pelas várias se%es, $uarda na noite vi$iandometade do mundo

+arou em rente de uma janela aberta e compreendeu a noite Ela contin&a*uenosR Aires, mas também, como uma vasta nave, toda a América Não seadmirou desse sentimento de $rande)a" o céu de Santia$o do 9&ile era um céuestran$eiro, mas, uma ve) #ue o correio estava a camin&o de Santia$o do 9&ile,vivia-se, dum extremo ao outro da lin&a, sob a mesma ab0bada prounda

A$ora o outro correio, cuja vo) se ouvia nos auscultadores de ; S (, mostrava as

suas lu)es de bordo aos pescadores da +ata$ônia A#uela in#uietaão dum aviãovoando, ao pairar sobre :iviBre, pairava i$ualmente, com o roncar do motor,sobre as capitais e as prov4ncias

A noite calma tornava :iviBre eli) a)endo-o recordar certas noites de a$itaão,em #ue o avião l&e parecia peri$osamente embren&ado na noite e tão custoso desocorrer No posto de rádio de *uenos Aires se$uia-se o seu #ueixume misturadoao crepitar das tempestades A bele)a da onda musical era abaada por essa capaespessa ue an$7stia no canto menor dum correio, lanado como uma ?ec&ace$a contra os obstáculos da noiteG

:iviBre ac&ou #ue, numa noite de $uarda, o lu$ar de um inspetor é no escrit0rio

25andem-me c&amar :obineau2:obineau estava prestes a transormar um piloto em ami$o ;in&a aberto peranteele, no &otel, a sua mala, mostrando, assim, a#uelas pe#uenas coisas #ueassemel&am os inspetores ao resto dos &omens" al$umas camisas de mau $osto,um estojo de via$em e também a oto$ra'a de uma mul&er ma$ra, #ue oinspetor oi pendurar na parede (a)ia assim, a +ellerin, a con'ssão &umilde dosseus pesares Alin&ando miseravelmente os seus tesouros, a)ia, em rente dopiloto, estendal da sua miséria @m ec)ema moral 5ostrava a sua prisão

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5as para :obineau, como para todos os &omens, &avia uma pe#uena esperanaExperimentara um suave contentamento ao tirar do-undo da mala,cuidadosamente embrul&ado, um pe#ueno saco Acariciara-o durante lon$osmomentos sem pronunciar uma palavra .epois soltando-o 'nalmente das mãos"

2;rouxe isto do Saara "

! inspetor corara ao ousar uma con'd<ncia destas 9onsolavam-no de todas asdecep%es e do inort7nio conju$al, e de toda esta triste verdade, umas pedrin&asescuras, #ue ras$avam uma janela sobre o mistério9orando um pouco mais"

Encontram-se i$uais no *rasilD2

E +ellerin batera ami$avelmente no ombro dum inspetor debruado sobre aAtl>ntida

(ora também por pudor #ue +ellerin per$untara"

C osta de $eolo$ia8

C a min&a paixão

Na sua vida, s0 as pedras tin&am sido suaves para eleuando o c&amaram, :obineau tornou-se triste, mas recuperou a sua di$nidade

2;en&o de deixá-lo por#ue o Sr :iviBre precisa de mim para tomar certas decis%es$raves2

Na altura em #ue :obineau entrou no escrit0rio, :iviBre já se es#uecera deleEstava meditando em rente dum mapa mural, em #ue a rede da 9ompan&ia oramarcada a vermel&o ! inspetor a$uardou ordens +assando bastante tempo, semvoltar a cabea, :iviBre per$untou-l&e"

C ue pensa deste mapa, :obineau8

+or ve)es, ao sair dum son&o, :iviBre pun&a o interlocutor perante verdadeirasc&aradas

C Esse mapa, Sr .iretor

Na verdade, o inspetor não pensava nada a prop0sito do mapa, mas, ol&ando-o'xamente, com um ar severo, a)ia uma inspeão $eral da Europa e da América.e resto, :iviBre prosse$uia em sil<ncio a sua meditaão" 2! traado desta rede ébelo mas di4cil 9ustou-nos muitos &omens, muitos &omens novos Kmp%em-sea#ui com a autoridade das coisas reali)adas, mas para n0s #uantos problemaslevantaG2 +orém, para ele, s0 o 'm contava

.e pé junto dele, continuando a ol&ar 'xamente para o mapa, :obineau ia-se

pouco a pouco ortalecendo Não contava com compaixão al$uma por parte de:iviBre

 ;entara uma ve) a sua sorte, conessando a sua vida estra$ada por causada#uela rid4cula enermidade e :iviBre tin&a-l&e respondido com um $racejo "

2Se por um lado isso não o deixa dormir, por outro, estimulará a sua atividade2

(ora um $racejo incompleto :iviBre costumava asseverar" 2Se as ins0nias de umm7sico o a)em criar obras belas são belas ins0nias2

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@m dia mostrara =eroux 2:epare como é bela esta ealdade #ue au$enta oamorD2 Era talve) /#uela ealdade, #ue ')era consa$rar a sua vidaexclusivamente ao o4cio, #ue =eroux devia a sua $rande)a

C ! sen&or está em muito boas rela%es com +ellerin8

C TumGD

C Não estou a censurá-lo

:iviBre deu meia volta e, de cabea inclinada, andando com passos curtos,arrastava consi$o :obineau @m pálido sorriso, #ue :obineau não compreendeu,a?orou-l&e aos lábios

C SimplesmenteD simplesmente o sen&or é o c&ee

C Sim, sim C assentiu :obineau

:iviBre pensou #ue era assim #ue, cada noite, como um drama, uma aão sedesenvolvia no céu @ma #uebra de vontade podia acarretar a ru4na e talve) setivesse de lutar encarniadamente até ao romper do dia

C .eve manter-se no seu papel

:iviBre escol&ia as palavras 1C +ode dar-se o caso de ter de ordenar / esse piloto na pr0xima noite umapartida peri$osa" ele deverá obedecer

C Sim, simD

C .esta orma, disp%e #uase da vida dos &omens, e de &omens #ue valem maisdo #ue o Sen&orD

+areceu &esitar"

C uma coisa muito $rave

:iviBre, continuando a andar com passos mi7dos, calou-se durante al$uns

se$undosC Se eles l&e obedecerem por ami)ade, o pen&or cometeu um en$ano Não podeexi$ir por si pr0prio #ual#uer espécie de sacri4cio

C +ois nãoD evidentemente

E, se eles jul$arem #ue a sua ami)ade os ará escapar a #ual#uer trabal&oobri$at0rio, o sen&or comete i$ualmente um en$ano" de todos os modos terão deobedecer Sente-se ali

:iviBre com uma leve pressão da mão encamin&ou :obineau para a suasecretária

C Vou pô-lo no seu lu$ar, :obineau Se se sente deprimido, não é o papel desses&omens valerem-l&e Voc< é o c&ee A sua ra#ue)a é rid4cula Escreva

C EuD

C Escreva " 2! inspetor :obineau aplica ao piloto +ellerin tal casti$o por talmotivoD2 Voc< descobrirá um motivo #ual#uer

C 5as, Sr .iretorG

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C (aa como se compreendesse, :obineau Ame a#ueles em #uem manda 5assem l&es di)er #ue os ama.

Novamente c&eio de )elo, :obineau aria limpar eixos de &élice

@m campo de socorro comunicou pelo ; S (" 2Avião / vista Avião indica" 2*aixade re$ime, vou aterrar2

+erder-se-ia certamente uma meia &ora :iviBre oi presa da#uela irritaão #ue se

sente #uando o rápido pára na lin&a e os minutos #ue passam já não oerecem asua sucessão de campinas A a$ul&a $rande do rel0$io percorria a$ora um espaomorto" tantos acontecimentos poderiam ter ocorrido na#uele compasso deesperaG :iviBre saiu para es#uecer o atraso e a noite pareceu-l&e va)ia, como umteatro sem ator 2@ma noite destas a perder-seG2 (ixava com rancor, da janela, océu sem nuvens, cintilante de estrelas, essas bali)as divinas, e a lua, toda essari#ue)a desperdiada

5as, assim #ue o avião levantou voo, a#uela noite voltou a ser, para :iviBre,emocionante e bela =evava a vida dentro de si :iviBre cuidava-a"

C ue tal o tempo8 C mandou per$untar /tripulaão

+assaram-se de) minutos

C Espl<ndido

Vieram a se$uir al$uns nomes de cidades ultrapassadas e, no meio desta luta,elas representavam para :iviBre terras con#uistadas

VII

@ma &ora mais tarde, o radiotele$ra'sta do correio da +ata$ônia sentiu-se

soer$uido como por um ombro !l&ou / sua volta" pesadas nuvens apa$avam asestrelas .ebruou-se para a terra" procurava as lu)es das aldeias, semel&antes apirilampos escondidos na erva, mas nada bril&ava na#uela erva ne$ra

Sentiu-se aborrecido, prevendo uma noite di4cil" idas e voltas, terreno $an&o #ueé preciso devolver Não compreendia a tática do piloto1 parecia-l&e #ue se iriac&ocar mais lon$e com a espessura da noite, como se osse um muro

.ivisava a$ora, em rente deles, junto / lin&a do &ori)onte, um cintilar #uaseimpercept4vel" a lu) rouxa duma orja ! tele$ra'sta tocou no ombro de (abien,mas este não se moveu

!s primeiros redemoin&os da tempestade distante atacavam o avião Soer$uida

suavemente, a massa metálica premia o corpo do tele$ra'sta, depois pareciaevaporar-se, undir-se e durante al$uns se$undos, ele pairou so)in&o na noiteEntão, com ambas as mãos, a$arrou-se com ora /s lon$arinas de ao

E como nada mais via no mundo, senão a l>mpada vermel&a da carlin$a,estremeceu ao sentir-se baixar no seio das trevas, sem socorro, sob a proteãoexclusiva duma l>mpada de mineiro Não se atrevia a distrair o piloto para sabero #ue ele decidiria e, a$arrado convulsivamente ao ao, inclinado para a rente

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sobre ela, 'xava a#uela nuca sombria

S0 uma cabea e uns ombros im0veis emer$iam da raca claridade A#uele corpoera apenas um vulto escuro, um pouco inclinado para a es#uerda, o rosto voltadopara a tempestade, iluminado decerto por cada clarão ;udo o #ue nesse rosto seconcentrava de sentimentos para enrentar uma tempestade" certa expressão, avontade, a c0lera, todo o duelo #ue se travava entre a#uele rosto pálido e osclar%es lá lon$e, permanecia para ele impenetrável

9ontudo, o tele$ra'sta pressentia a ora concentrada na imobilidade da#uelevulto e isso acalmava-o A#uela ora levá-lo-ia para a tempestade, mas prote$ia-o .ecerto a#uelas mãos, apertadas nas alavancas de comando, já a)iam sentir oseu peso sobre a tempestade, como no cac&ao dum animal, mas as espáduasc&eias de ora permaneciam im0veis e sentia-se #ue conservavam uma imensareserva

! tele$ra'sta considerou #ue a'nal o piloto era o responsável E a$ora, levado /$arupa na#uele $alope a camin&o do o$o, ia saboreando J #ue a#uela massaescura / sua rente representava de material e de ora, o #ue ela representavade duradouro

U es#uerda, rouxo como um arol de rotaão, um novo oco iluminou-se! tele$ra'sta esboou um $esto para tocar no ombro de (abien, preveni-lo, masviu-o voltar lentamente a cabea e manter o rosto, durante al$uns se$undos,bem de rente para a#uele novo inimi$o, depois, lentamente, retomar a primitivaposião !s ombros sempre im0veis, a nuca colada / $ola de couro

VIII

:iviBre sa4ra para dar uns passos e es#uecer o mal-estar #ue sentia de novo Ele,

#ue vivia para a aão, uma aão dramática, via #ue dum modo estran&o o dramase transormava, tornando-se pessoal +ensou #ue, passeando / roda do coreto,os &abitantes das pe#uenas cidades viviam uma vida aparentemente silenciosa,mas por ve)es também carre$ada de dramas" a doena, o amor, os lutos e #uetalve)D ! seu pr0prio mal ensinava-l&e muita coisa" 2Ksto ras$a certas janelassobre novos &ori)ontes2, re?etia

.epois, por volta das on)e da noite, como respirasse mais acilmente,encamin&ou-se para o escrit0rio Ka notando, lentamente, vultos, a multidão #ueestacionava /s entradas dos cinemas Er$ueu os ol&os /s estrelas bril&antandosobre o camin&o estreito, #uase apa$adas pelos letreiros luminosos, e pensou"2Esta noite, tendo dois dos meus correios em pleno voo, sou responsável por umcéu inteiro A#uela estrela representa um *inai #ue me busca nesta multidão eme encontra" é por isso #ue me sinto como se não pertencesse a este mundo umpouco solitário2

Voltou-l&e / mente uma rase musical" al$umas notas duma sonata #ue escutarana véspera juntamente com uns ami$os !s seus ami$os não tin&amcompreendido" 2Essa arte aborrece-nos e aborrece-o1 simplesmente voc< não o#uer conessar2

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2;alve) 2, respondera

9omo a$ora, sentira-se solitário, mas bem depressa descobrira a sorte duma talsolidão A mensa$em dessa m7sica vin&a até ele, s0 até ele, no meio dosmed4ocres, com a suavidade dum se$redo Era assim o sinal da estrela (alavam-l&e, por cima de tantas cabeas, numa lin$ua$em #ue s0 ele compreendia

No passeio empurravam-no1 pensou ainda" 2Não me &ei de )an$ar Sou como opai duma criana doente, #ue vai andando lentamente entre a multidão =evaconsi$o o proundo sil<ncio da sua casa2!l&ou para os &omens +rocurava distin$uir entre eles os #ue levam consi$olentamente a sua invenão ou o seu amor e ima$inava o isolamento dos $uardasde ar0is

! sil<ncio #ue reinava nos escrit0rios a$radou-l&e Atravessou-os, lentamente, uma um, e s0 os seus passos eram ouvidos As má#uinas de escrever dormiam sobas cobertas !s armários ec&ados $uardavam os processos em dia .e) anos deexperi<ncia e de trabal&o Kma$inou #ue estava visitando as caves dum banco,onde as ri#ue)as dormem +ensava #ue cada um da#ueles re$istros contin&amais do #ue ouro" uma ora viva @ma ora viva mas adormecida, como o ouro

dos bancosKria encontrar em #ual#uer recanto o 7nico secretário de $uarda @m &omemtrabal&ava em #ual#uer lu$ar para #ue a vida osse cont4nua, para #ue a vontadeosse cont4nua, e o mesmo estaria sucedendo em cada escala, para #ue de ;oulouse a *uenos Aires a cadeia nunca se rompesse

2Esse &omem i$nora o #uanto vale2

Em al$um ponto os correios lutavam ! vôo noturno se$uia o seu curso comouma doena" era necessário estar de $uarda Era necessário prestar assist<ncia aesses &omens #ue, com as mãos e os joel&os, peito contra peito, desa'avam astrevas sem nada con&ecerem além das coisas movedias, invis4veis, de #ue erapreciso, / custa de braos ce$os, livrarem-se como dum mar ue terr4veiscon'ss%es, por ve)es" 2Kluminei as mãos para v<-las 2 A doura das mãosapenas revelada na#uele ban&o vermel&o de ot0$rao ! #ue resta do mundo e#ue é preciso salvar

:iviBre empurrou a porta da seão de exploraão @ma 7nica l>mpada acesaormava, num >n$ulo, uma praia luminosa ! bater duma 7nica má#uina deescrever dava sentido a este sil<ncio, sem, no entanto, preenc&<-la A campain&ado teleone estremecia por ve)es1 então o secretário de $uarda levantava-se e iaatender essa c&amada repetida, obstinada, triste ! secretário de $uardalevantava o one e a an$7stia invis4vel acalmava-se" entabulava-se uma doce

conversa, num canto de sombra .epois, impass4vel, o empre$ado re$ressava /sua secretária a expressão ec&ada, pela solidão e pelo sono, sobre um se$redoindecirável ue ameaa numa c&amada #ue vem da noite envolvente #uandodois correios estão em pleno vooG :iviBre pensava nos tele$ramas #ue previnemas am4lias em volta do candeeiro / noite e em se$uida a des$raa #ue, durantese$undos #uase eternos, conserva o seu se$redo no rosto do pai Va$a #ueprimeiramente é raca, tão lon$e do $rito lanado, tão calma E, de cada ve),:iviBre ouvia o seu eco amortecido na#uelas campain&adas discretas E, de cada

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ve), os movimentos do empre$ado, #ue a solidão tornava lento como um nadadorentre duas á$uas, voltando da sombra para junto de seu candeeiro, como ummer$ul&ador #ue volta / super4cie, pareciam-l&e carre$ados de mistérios

2Não se levante Eu atendo2

:iviBre levantou o one, recebendo o )umbido do mundo

2A#ui ala :iviBre,2

@m pe#ueno tumulto, depois uma vo)"2Vou pô-lo em comunicaão com o posto de rádio2

Novo tumulto, o das 'c&as no #uadro, depois

outra ve) " 2(ala do posto de rádio Vamos comunicar os tele$ramas2

:iviere anotava-os e assentava com a cabea "

2Esta bem Está bemD2

Nada de importante 5ensa$ens re$ulares de servio :io de 3aneiro pedia umainormaão 5ontevideu alava do tempo em 5endo)a, de material Eram osru4dos amiliares da casa

C E os correios8

C ! tempo está tempestuoso Não conse$uimos ouvir os avi%es

C Está bem

:iviBre pensou #ue a noite a#ui era pura, as estrelas bril&avam, mas osradiotele$ra'stas descobriam nela o premindo de tempestades lon$4n#uas

C Até lo$oG

:iviBre levantava-se1 o secretário acercou-se"

C As ordens de servio para assinarD

C Está bem:iviBre sentia nascer uma $rande ami)ade por este &omem, uma ami)ade #ue opeso da#uela noite carre$ava 2@m compan&eiro de luta, pensava :iviBre9ertamente nunca virá a saber como esta noite de vi$4lia nos aproximou2

IX

Ao diri$ir-se / sua mesa de trabal&o, com um mao de papéis na mão, :iviBrevoltou a sentir a#uela dor a$uda no lado direito #ue &á al$umas semanas o

atormentava2Ksto vai malD2

Encostou-se um instante / parede"

2 rid4culo2

.epois conse$uiu c&e$ar até / cadeira

Sentia-se, mais uma ve), manietado como um leão vel&o e uma $rande triste)a

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invadiu-o

2;anto trabal&o para c&e$ar a istoG ;en&o cin#uenta anos1 durante cin#uenta anosui preenc&endo a min&a vida, a)endo a min&a ormaão, lutei, mudei o cursodos acontecimentos e eis a$ora o #ue me preocupa e me domina, tornando-semais importante do #ue o mundoD rid4culo2

Esperou, limpou umas ba$as de suor e #uando se sentiu mel&or lanou-se aotrabal&o

Examinava lentamente as ordens de servio

2Veri'camos em *uenos Aires, durante a desmonta$em do motor JW aplicaremos ao responsável uma severa sanão2

Assinou

2Não tendo a escala de (lorian0polis se$uido as ordens 2

Assinou

29omo medida disciplinar será transerido de lu$ar o c&ee de aeroporto :ic&ard,#ueD2

Assinou5as a#uela dor no lado direito, se bem #ue adormecida, continuava presente enova como um sentido novo da vida, obri$ando-o a pensar em si, e :iviBre sentiu-se #uase amar$o

2Sou justo ou injusto8 K$noro-o uando casti$o, as avarias diminuem !responsável não é o &omem, é uma espécie de pot<ncia oculta #ue se nãoconse$ue nunca vencer, se não vencermos toda a $ente Se eu osse muito justo,um voo noturno representaria cada ve) uma probabilidade de morte2

Veio-l&e um certo cansao por ter traado o camin&o com tanta dure)a +ensou#ue a piedade é um sentimento a$radável Absorto nos seus pensamentos, ia

ol&eando as ordens de servio2D no #ue se reere a :oblet, deixa, a partir de &oje, de a)er parte do nossopessoal2

+areceu-l&e ver de novo a#uele vel&ote e reviveu a conversa dessa tarde"

C ue #uer8 @m exemplo é um exemplo

C 5as, Sr .iretor @ma ve), uma ve) s0, veja bemG E trabal&ei durante toda avidaG

C preciso dar um exemploG

C 5as, Sr .iretorG !ra veja, sen&orG

A#uela carteira vel&a e a ol&a de jornal onde :oblet rapa) se mostrava em pose,de pé junto dum avião

:iviBre notava o tremor da#uelas vel&as mãos ostentando a sua in$énua $l0ria

C Ksto é de WXWJ, sen&or (ui eu #ue ') a#ui a monta$em do primeiro avião daAr$entinaG A aviaão de WXWJ para cá Sr .iretor, são vinte anosG 9omo podeentão di)er E os novos, sen&or, como vão rir lá na o'cinaG A&G Vão rir de

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bom $ostoG

C Ksso então é-me completamente indierente

C E os meus 'l&os, sen&orG ;en&o 'l&osGC 3á l&e disse" oereo-l&e um lu$ar de servente

C 5as a min&a di$nidade, sen&or, a min&a di$nidadeG 9ompreenda, Sr .iretor,vinte anos de aviaão, um vel&o operário como eu

C @m lu$ar de serventeC :ecuso-o, sen&or, recuso-oG

E as vel&as mãos tremiam e :iviBre aastava os ol&os da#uela pele enru$ada,$rossa e bela

C @m lu$ar de servente

C Não, Sr .iretor, isso não Ainda l&e #uero di)er

C +ode retirar-se

:iviBre pensou" 2Não é este &omem #ue eu despedi assim, brutalmente" é o mal,de #ue talve) não seja responsável, mas #ue passava por ele

2+or#ue os acontecimentos podem ser comandados, pensava :iviBre, eobedecem e assim cria-se uma obra E os &omens são pobres coisas e também secriam !u então aastam-se #uando o mal passa por eles2

2Ainda l&e #uero di)erD2 2ue desejaria di)er a#uele pobre vel&o8 ue l&earrancavam as suas vel&as ale$rias8 ue $ostava de ouvir o ru4do daserramentas batendo no ao dos avi%es, #ue privavam a sua vida duma $randepoesia, e também #ue é preciso viver82

2Estou muito cansado2, pensava :iviBre Numa car4cia a ebre subia pelo seucorpo *atendo com os dedos na ol&a, pensava" 2A$radava-me a cara da#uelevel&o camaradaD2 E :iviBre revia a#uelas mãos Kma$inava o t4mido $esto #ueesboariam para se juntar *astaria di)er" 2+ronto +ronto (i#ue2 :iviBre son&avacom a ale$ria #ue brotava da#uelas mãos E essa ale$ria #ue exprimiriam, #ueiam exprimir, não esse rosto, mas sim a#uelas vel&as mãos de operário, pareceu-l&e a coisa mais bela do mundo 2Vou ras$ar esta ordem82 E a am4lia do vel&o, ea volta a casa e o modesto or$ul&o"

C Então, não te despedem8

C !raG !raG (ui eu #uem e) a monta$em do primeiro avião da Ar$entinaG

E os jovens #ue já não ririam, o veterano K tendo recon#uistado o seu prest4$io

2:as$o82

! teleone tocava :iviBre levantou o one@m lon$o momento, depois a resson>ncia, a proundidade #ue o vento e o espaodão /s vo)es &umanas (alaram por 'm"

C A#ui ala do campo uem ala8

C :iviBre

C Sr .iretor, o OYJ está na pista

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C Está bem

C En'm, está tudo pronto, mas tivemos, / 7ltima &ora, de rea)er o circuitoelétrico por#ue "is li$a%es estavam mal eitas

C Está bem uem montou o circuito8

C Vamos veri'car Se dá licena, tomaremos medidas severas" uma avaria naeletricidade de bordo pode ser $raveG

C Evidentemente:iviBre pensava" 2Se não se corta o mal #uando o encontramos, seja onde ôr,produ)em-se avarias de eletricidade" é um crime deixá-lo escapar #uando poracaso ele p%e a descoberto os seus servidores" :oblet deixará a 9ompan&ia2

! secretário, #ue não dera por nada, continuava a escrever a má#uina

C Ksso #ue é8

C A contabilidade da #uin)ena

C E por #ue não está pronta8

C EuD

C ;emos de ver isso

2 espantoso, como os acontecimentos nos dominam, como uma $rande oraoculta se revela, como a #ue levanta as ?orestas vir$ens, #ue cresce, ora,sur$e2 por todos os lados em volta das $randes obras2 :iviBre pensava nostemplos #ue rá$eis trepadeiras a)em desmoronar

2@ma $rande obraD2

+ensou ainda, para tran#uili)ar-se" 2uero bem a todos esses &omens, mas não écontra eles #ue eu luto contra o #ue passa por eles 2

! seu coraão dava pancadas rápidas #ue o a)iam sorer

2Não sei se o #ue ') está certo Não sei #ual é o valor exato da vida &umana,nem da justia, nem do des$osto Não sei exatamente #uanto vale a ale$ria dum&omem Nem uma mão #ue treme Nem a piedade, nem a doura 2

Son&ou

2A vida contradi)-se de tal modo, temos de nos desvencil&ar dela como podemos5as permanecer, criar, trocar o nosso corpo perec4vel 2

:iviBre re?etiu, depois c&amou

2;eleone ao piloto do correio da Europa ue ven&a alar comi$o antes de partir2

+ensava"

2Esse correio não deve voltar inutilmente para trás Se não der um apertão nosmeus &omens, a noite in#uietá-los-á sempre2

X

A mul&er do piloto, despertada pelo teleone, ol&ou para o marido e pensou"

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2Vou deixá-lo dormir um pouco mais2

9ontemplava a#uele peito nu, com um bonito arcabouo, #ue lembrava um belonavio

Ele descansava tran#uilamente na cama, como num porto, e, para #ue nadaa$itasse o seu sono, ela aastava dele a#uela contrariedade, a ameaa, a onda etra)ia /#uele leito a calma como se acalmasse, com mão divina, o mar

A mul&er levantou-se, abriu a janela e o vento usti$ou-l&e o rosto A#uele #uartodominava *uenos Aires .uma casa vi)in&a, onde se danava, vin&am melodias,tra)idas pelo vento, pois era &ora dos pra)eres e do repouso A cidade encerraraos &omens nas suas cem mil ortale)as1 tudo era calmo e se$uro1 mas estamul&er tin&a a impressão de #ue iam $ritar 2Us armasG2e #ue um 7nico &omem,o seu, responderia ao apelo Ele descansava por en#uanto,

mas o seu repouso era como o tem4vel repouso das reservas #ue vão serc&amadas Esta cidade adormecida já não o prote$ia" #uando se levantasse doseu p0, como um jovem deus, as lu)es parecer-l&e-iam in7teis A mul&ercontemplava estes braos ortes #ue, dentro de uma &ora, teriam sob a sua$uarda o destino do correio da Europa, responsáveis por al$o de $randioso, assim

como a sorte duma cidade E essa idáia perturbou-a Este &omem, entre mil&%esde semel&antes, era o 7nico #ue estava pronto para o estran&o sacri4cio Sentiu-se des$ostosa Ele também escaparia / sua ternura Ela nutrira-o, vi$iara-o,acariciara-o, não para si pr0pria, mas para esta noite #ue ia arrebatar-l&e +aralutas, an$7stias, vit0rias #ue ela descon&eceria Estas mãos carin&osas estavamapenas domesticadas e o seu verdadeiro trabal&o era obscuro Ela con&ecia osorriso da#uele &omem, os seus cuidados de amante, mas i$norava #uais as suasdivinas c0leras no meio das tempestades +rendia-o com doces amarras" m7sica,amor, ?ores, mas, ao soar a &ora da partida, as amarras #uebravam-se sem #ueisso parecesse provocar-l&e o m4nimo sorimento

Ele abriu os ol&osC ue &oras são8

C 5eia-noite

C 9omo está o tempo8

C Não seiD

Ele se levantou e, espre$uiando-se, oi até / janela

C Não sentirei muito rio ual é a direão do vento8

C 9omo #uer #ue eu saibaD! &omem debruou-se "

C Sul Espl<ndido Vai durar pelo menos até ao *rasil

!bservou a lua e sentiu-se aortunado

! seu ol&ar desceu então até / cidade

Não a ac&ou convidativa, nem luminosa, nem reconortante 3á via u$ir-l&e apoeira in7til das suas lu)es

2Em #ue está pensando82

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! piloto pensava #ue possivelmente &averia bruma para os lados de +orto Ale$re

2;en&o a min&a tática Sei por onde devo contornar2

9ontinuava a debruar-se :espirava proundamente, como aria antes de sedeitar, nu, ao mar

2Voc< nem se#uer está triste Vai partir por #uanto tempo82

!ito, de) dias Não estava certo ;riste, não, por #u<8 9ampos, cidades,

montan&as ;in&a a impressão de partir, livre de entraves, para con#uistá-los ;ambém sabia #ue dentro de uma &ora já teria possu4do e abandonado *uenosAires

Sorriu

2Esta cidade estarei tão depressa lon$e dela +artir de noite é um beloespetáculo +uxa-se a alavanca do $ás, voltado para o sul e de) se$undos maistarde modi'ca-se a paisa$em, voa-se para o norte A cidade passa a ser apenasum undo marin&o2

A mul&er do piloto pensava em tudo a#uilo #ue é preciso abandonar para correrem busca de con#uistas

C Voc< não $osta de sua casa8

C osto de min&a casaD

5as a mul&er notava #ue ele já estava a camin&o Estes ombros lar$os jápesavam contra o céu

5ostrou-l&o

C Voc< tem um tempo lind4ssimo ! seucamin&o está juncado de estrelas

Ele riu

C .e atoEla pôs a mão sobre o ombro dele e enterneceu-se ao sentir o seu calor" seriaposs4vel #ue a#uela carne estivesse ameaada8

C Voc< é muito orte, mas seja prudenteG

C Serei prudente, com certe)a E riu-se novamente

Ka-se vestindo Escol&ia para a#uela esta os tecidos mais $rossos, o couro maisorte1 vestia-se como um campon<s uanto mais pesado ele se tornava, maiscrescia a admiraão de sua mul&er (oi ela pr0pria #ue l&e a'velou o cinto, #ue oajudou a calar as botas

C Estas botas incomodam-me

C Estão ali as outras

C Arranje-me um cordão para a min&a l>mpada de socorro

Ela o contemplava (a)ia ela pr0pria desaparecer um 7ltimo deeito na armadura"a$ora tudo ajustava bem

C Voc< está bonito

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.epois, viu-o pentear-se com esmero

C em &onra /s estrelas8

C para não me ac&ar vel&o

C ;en&o ci7mesD

Ele se riu mais uma ve), beijo-a, apertou-a contra o seu vestuário $rosso .epois,estendendo os braos, levantou-a, como se osse uma criana, e, rindo sempre,

deitou-a"C .ormeG

E ec&ando a porta atrás de si deu na rua, por entre a massa descon&ecida dosnoct>mbulos, o primeiro passo da sua con#uista

Ela 'cou ali, ol&ando tristemente as ?ores, os livros, toda a#uela suavidade #uepara ele representava apenas um undo marin&o

XI

:iviBre recebeu-o"

C +re$ou-me uma pea no seu 7ltimo correio Voltou para trás se bem #ue asprevis%es meteorol0$icas ossem boas" podia passar ;eve medo8

Surpreendido, o piloto cala-se Esre$a lentamente uma mão na outra Depoiser$ue a cabea e ol&a bem de rente para :iviBre"

C ;ive

No undo de si pr0prio, :iviBre sente piedade por este rapa) tão corajoso, #ueteve medo ! piloto tenta desculpar-se

C 3á não via absolutamente nada evidente #ue, mais lon$e talve)D o ; S (anunciava 5as a min&a l>mpada de bordo enra#ueceu e já nem podiadistin$uir as mãos uis acender a l>mpada de posião para ao menos ver a asa"não vi coisa al$uma ;ive a impressão de estar no undo dum poo de #ue eradi4cil sair Nessa altura o motor comeou a vibrar

C Não é verdade

C Não é verdade8

C Não Examinamo-lo depois disso ! seu estado é pereito 5as jul$a-se sempre#ue o motor vibra #uando se tem medo

C E #uem não teria medoG As montan&as estavam acima de mim uando #uis

tomar altitude, encontrei violentos redemoin&os ! sen&or sabeD os redemoin&os#uando se não distin$ue nada Em ve) de subir, baixei cem metros 3á nem viao $irosc0pio, nem se#uer os man0metros +arecia-me #ue o re$ime do motorbaixava, #ue o motor a#uecia, #ue a pressão do 0leo descia ;udo isso no meiodas trevas, como uma doena Senti-me bem eli) ao rever uma cidade iluminada

C Voc< tem ima$inaão demais :etire-seE o piloto vai-se embora

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:iviBre acomoda-se no seu lu$ar e passa a mão pelos cabelos $risal&os

2, de todos os meus &omens, o mais corajoso ! #ue ele conse$uiu na#uela noiteoi ma$n4'co, mas estou a curá-lo do medo 2

.epois, como l&e voltasse uma ponta de ra#ue)a"

2+ara #ue nos amem, basta maniestar compaixão Eu não me compadeoacilmente ou escondo-o *em $ostaria, no entanto, de envolver-me de ami)ade e

de doura &umanas No decorrer do seu o4cio, um médico encontra-as, 5as eusirvo os acontecimentos ;en&o de moldar os &omens para #ue eles os sirvamtambém .e noite, no meu escrit0rio, perante itinerários de via$em, sintonitidamente essa lei obscura Se não me domino, se consinto #ue osacontecimentos, bem ordenados, si$am o seu curso, então, misteriosamente,sur$em os incidentes como se s0 a min&a vontade impedisse os avi%es de se#uebrarem em vôo, ou a tempestade de atrasar o correio #ue se$ue o seucamin&o (ico por ve)es surpreso com o meu poder2

E re?ete ainda "

2;alve) isto seja claro ;ambém assim é a luta cont4nua do jardineiro cuidando darelva A ora da sua mão obri$a a terra a $uardar nas suas prounde)as a ?orestaprimitiva #ue tela eternamente apronta2

=embra-se do piloto "

2Arranco-o ao medo Não é ele #ue eu ataco, mas sim, através dele, a#uelaresist<ncia #ue paralisa os &omens perante o descon&ecido Se l&e dou ouvidos,se o lastimo, se tomo a sério a sua aventura, ele se vai ima$inar de volta dumaterra misteriosa e é  precisamente o mistério #ue ele teme preciso #ue &aja&omens #ue ten&am descido a esse poo sombrio e #ue, ao voltar / super4cie,declarem #ue não viram nada preciso #ue este &omem se embren&e naproundidade da noite, nas trevas espessas, sem nem se#uer ter o aux4lio dape#uena l>mpada de mineiro, #ue apenas ilumina as mãos ou a asa, mas #ue criaum estreito osso entre si e o descon&ecido2Apesar de tudo, nessa luta, uma raternidade sem palavras li$ava, lá no undo,:iviBre aos seus pilotos Eram &omens da mesma e#uipe #ue sentiam um i$ualdesejo de vit0ria 5as :iviBre recorda outros combates #ue tivera para con#uistara noite

Esse dom4nio das sombras era temido nos c4rculos o'ciais, como uma selvainexplorada =anar uma tripulaão, a du)entos #uil0metros por &ora, contra astempestades, os nevoeiros e os obstáculos #ue a noite -$uarda escondidos no seuseio, parecia-l&es uma aventura tolerável para a aviaão militar" parte-se dumcampo em noite clara, bombardeia-se e volta-se ao mesmo campo, 5as os

servios re$ulares não teriam <xito de noite 2:epresenta para n0s, retor#uira:iviBre, uma #uestão de vida ou de morte, visto #ue perdemos cada noite oavano $an&o durante o dia, em relaão /s estradas de erro e aos navios2

:iviBre escutara, c&eio de tédio, alar de balanos, de se$uros e sobretudo deopinião p7blica" 2A opinião p7blica , respondera ele, pode ser diri$idaG2+ensava" 2uanto tempo perdidoG Tá #ual#uer coisa #ual#uer coisa #ue temmais import>ncia do #ue tudo isso, ! #ue tem vida passa por cima de tudo para

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viver e cria, para viver, as suas pr0prias leis. irresist4vel2 :iviBre não sabia#uando nem como a aviaão comercial c&e$aria aos voos noturnos, mas eraindispensável preparar essa soluão inevitável

:iviBre lembrava-se das mesas de reunião, junto das #uais, o #ueixo apoiado numpun&o, tin&a ouvido, tomado dum extraordinário sentimento de ora, tantasobje%es Estas pareciam-l&e in7teis, de antemão condenadas pela vida E sentiaa sua pr0pria ora concentrada 2As min&as ra)%es tem ora, vencerei, pensava

:iviBre o desenvolvimento normal dos acontecimentos2 uando l&e exi$iamsolu%es pereitas, #ue aastassem todos os riscos" 2 a experi<ncia #ue ditará asleis, respondia1 o con&ecimento das leis1 nunca precedeu a experi<ncia2

Ap0s um ano inteiro de luta, :iviBre obtivera a vit0ria @ns di)iam 2$raas / suaé2, outros 2$raas / sua tenacidade, / sua orca bruta de urso em movimento2,mas, se$undo ele, mais simplesmente, por#ue se obstinara sempre na direãocerta

A princ4pio, #ue in'nidade de precau%es oram precisasG !s avi%es s0 partiamuma &ora antes de levantar o dia, não aterravam senão uma &ora apenas depoisdo pôr do sol (oi somente #uando :iviBre se jul$ou mais se$uro da sua

experi<ncia, #ue ousou lanar os correios nas prounde)as da noite 9onsideradocomo de pouco interesse, #uase desaprovado, entre$ava-se a$ora a uma lutasolitária

:iviBre c&ama o tele$ra'sta para tomar con&ecimento das últimas mensa$enstransmitidas pelos avi%es no espao

XII

Entretanto, o correio da +ata$ônia abeiravaHse da tempestade e (abien

renunciava a contorná-la 9onsiderava-a demasiado extensa, pois os rel>mpa$osestendiam-se numa lin&a #ue corria para o interior do pa4s e revelava ortale)asde nuvens ;entaria passar por baixo e, se as coisas corressem mal, resolveriavoltar para trás

Veri'cou a altitude" mil e setecentos metros Apoiou, com ora, as palmas dasmãos nas alavancas de comando para comear a redu)ir a altitude ! motorvibrou ortemente e o avião estremeceu (abien corri$iu, com a vista, o >n$ulo dedescida e em se$uida veri'cou no mapa a altura das colmas" #uin&entos metros+ara conservar uma mar$em, nave$aria a cerca de setecentos

Sacri'cava assim a altitude como #uem arrisca uma ortuna

@m redemoin&o e) mer$ul&ar o avião, #ue estremeceu ainda mais ortemente"(abien sentia-se ameaado por invis4veis derrocadas Kma$inou #ue voltava paratrás e deparava com cem mil estrelas, mas não modi'cou a direão nem de um$rau

(abien a)ia o cálculo das suas probabilidades" tratava-se, provavelmente, dumatempestade local, visto #ue a escala se$uinte, ;releZ, assinalava céu coberto atr<s #uartos ;ratavaHse de passar vinte minutos, se tanto, neste cimento ne$roE, contudo, o piloto enc&ia-se de in#uietaão Knclinado para a es#uerda contra a

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massa de vento, tentava perceber o #ue si$i'cavam os clar%es conusos #ue, nasnoites mais cerradas, continuam a sur$ir 5as já nem eram clar%es Apenasdierenas de densidade, na espessura das sombras, ou um cansao da vista.esdobrou um papel #ue l&e entre$ava o tele$ra'sta"

2!nde estamos82

(abien teria dado tudo para sab<-lo :espondeu" 2Não sei Estamos atravessandouma tempestade, se$uindo a b7ssola2

Knclinou-se mais Kncomodava-o a c&ama do tubo de escape, presa ao motor comoum ramo de o$o, tão pálido #ue o luar apa$á-lo-ia, mas #ue, nesta escuridão,absorvia o mundo vis4vel !l&ou-a ! vento mantin&a-a direita, como a c&amaduma toc&a

.e trinta em trinta se$undos, (abien mer$ul&ava a cabea na carlin$a paraexaminar o $irosc0pio e o compasso 3á não ousava acender as racas l>mpadasvermel&as, #ue o deixavam ce$o durante muito tempo, mas todos os aparel&os,com os seus n7meros luminosos, derramavam uma pálida claridade astral Nomeio das a$ul&as e dos n7meros, o piloto deixava-se embalar por urnaen$anadora se$urana" a mesma #ue se sente no belic&e dum navio #ue a onda

$al$a A noite e tudo #uanto ela arrastava de roc&edos, destroos, colinas,passava também pelo avião, com a mesma espantosa atalidade

2!nde estamos82, repetia-l&e o operador

(abien er$uia de novo a cabea e, apoiado / es#uerda, voltava / sua terr4velvi$ia 3á não sabia #uanto tempo, nem #uantos esoros seriam necessários paralibertar-se da#uela escuridão 9&e$ava #uase a duvidar #ue o conse$uisse jamais, pois, para alentar a sua esperana de salvaão, a$arrava-se apenas/#uele pedao de papel, sujo e amarrotado, #ue tin&a desdobrado e lido ve)essem conta" 2;releZ" céu coberto a tr<s #uartos, vento oeste raco2 Se ;releZestava coberto a tr<s #uartos, ver-se-iam as suas lu)es na enda das nuvens A

não ser #ueDA promessa duma pálida claridade mais lon$e incitava-o a prosse$uir1 porém,como duvidava, escreveu / pressa ao tele$ra'sta" 2K$noro se poderei, passar Vejase sabe se o bom tempo continua para trás de n0s2

A resposta consternou-o

29ommodoro indica" 2:e$resso a#ui imposs4vel ;empestade2

(abien comeava a descortinar a oensiva ins0lita #ue, partindo da cordil&eira dosAndes, corria para o mar Antes de poder atin$i-las, o ciclone levaria as cidades

C Knorme-se do tempo em San Ant0nio

C San Ant0nio respondeu" 2=evanta-se vento oeste e tempestade a oeste 9éucoberto a #uatro #uartos2 San Ant0nio escuta mui di'cilmente por causa dosparasitas Escuto mal também +arece-me #ue dentro em breve serei obri$ado arecol&er a antena por causa das descar$as Kremos para trás8 ue projetos tem8

C Não me aborrea +er$unte o tempo a *a&ia *lancaD

C *a&ia *lanca respondeu" 2+revimos em menos de vinte minutos violentotemporal oeste sobre *a&ia *lanca2

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C +er$unte o tempo a ;releZ

C ;releZ respondeu" 2;uão vinte metros se$undo oeste e rajadas de c&uva2

C 9omuni#ue a *uenos Aires" 2+assa$ens cortadas por todos os lados,tempestade desenvolve-se numa área de mil #uil0metros, já não distin$uimosnada ue devemos a)er82

+ara o piloto esta noite não tin&a 'm, visto #ue não poderia alcanar nen&um

porto [pareciam todos inacess4veis\ nem a aurora" a $asolina altaria da4 a uma&ora e #uarenta minutos Visto #ue se veria obri$ado, mais cedo ou mais tarde, adeixar-se aundar /s ce$as no meio da#uela massa ne$ra

Se conse$uisse alcanar o diaD

(ab4en via a aurora como uma praia de areias douradas, onde encal&ariam depoisdesta terr4vel noite Sur$iria, sob o avião ameaado, o abri$o das plan4cies Aterra 'rme traria as &erdades adormecidas, os reban&os e as colinas ;odos osescol&os #ue nasciam nas trevas tornar-seHiam inoensivos Se ele pudesse, com#ue vontade vo$aria em direão ao diaG

9onsiderou #ue estava cercado *em ou mal, tudo teria de se resolver no meio

da#uela prisão verdade" ao nascer do sol, ele jul$ou certas ve)es #ue comeava a convalescer

5as de #ue l&e serviria a$ora cravar o ol&ar no leste, onde o sol vivia" &avia,entre eles, tal proundidade noturna, #ue era imposs4vel venc<-la

XIII

C ! correio de Asunci0n está em bom andamento Vamos t<-lo a#ui por volta dasduas &oras +elo contrário, previmos um $rande atraso do correio da +ata$ônia,

#ue parece encontrar-se em di'culdadesC Sim, Sr :iviBre

C provável #ue não esperemos por ele para mandar decolar o avião da Europa1assim #ue c&e$ar o correio de Asunci0n, pea-nos instru%es ;en&am tudopronto

:iviBre relia a$ora os tele$ramas de proteão das escalas Norte As suasindica%es abriam ao correio da Europa uma rota de luar" 29éu limpo, lua c&eia,vento nulo2 As montan&as do *rasil, recortando-se com nitide) no céu bril&ante,iam ban&ar nas ondas prateadas do mar a sua vasta cabeleira de ?orestasne$ras Essas ?orestas, sobre as #uais bril&am incessantemente, sem l&es dar

côr, os raios de luar E no mar, ne$ras também, como destroos, as il&asE durante todo o camin&o, uma lua sem des$aste" uma onte de lu)

Se :iviBre mandasse partir, a tripulaão do correio da Europa entraria nummundo estável, toda a noite brandamente iluminado @m mundo onde nadaameaava o e#uil4brio das massas ne$ras e da lu) !nde nem se#uer se in'ltrariaa car4cia da#ueles ventos puros #ue, se rerescam, podem, no espao de al$umas&oras, estra$ar um céu inteiro

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+erante a#uela cintilaão, :iviBre &esitava como um pes#uisador de ouro peranteum 'lão proibido ! #ue acontecia no sul desacreditava :iviBre, 7nico deensordos voos noturnos !s seus adversários aproveitariam um desastre na +ata$ôniapara alcanar uma posião moral tão orte, #ue tornaria talve) para sempreimpotente a é de :iviBre1 por#ue a é de :iviBre não estava abalada" uma 'ssurana sua obra dera ensejo aoI drama, mas o drama pun&a apenas a 'ssura adescoberto, não provava mais nada 2;alve) sejam necessários postos de

observaão a oeste ;emos de ver isso2 +ensava ainda" 2;en&o, para insistir, asmesmas ra)%es s0lidas Existe ao menos uma causa de poss4vel acidente" a #uese revelou2 !s reveses ortalecem os ortes Kneli)mente, jo$a-se contra os&omens um jo$o em #ue o verdadeiro sentido das coisas tem tão pouco pesoan&a-se ou perde-se conorme as apar<ncias, não t<m o m4nimo valor os pontos#ue se marcam E 'ca-se amarrado por causa duma apar<ncia de derrota :iviBrec&amou

C *a&ia *lanca continua a não comunicar nada pelo ; S (8

C Não, sen&or

C +on&a-me em comunicaão tele0nica com essa escala

9inco minutos mais tarde, inormava-se"C +or #ue não nos transmitem nada8

C Não ouvimos o correio

C 9alou-se8

C Não sabemos Tá tantas tempestades 5esmo #ue ele tentasse, não oouvir4amos

C ;releZ está / escuta8

C Não ouvimos ;releZ

C ;eleonemC 3á tentamos" a lin&a está cortada  ue tempo está a48

C Ameaador :el>mpa$os a oeste e ao sul 5uito pesado

C Tá vento8

C (raco por en#uanto, mas isto não durará de) minutos !s rel>mpa$osaproximam-se rapidamente

@m sil<ncio

2*a&ia *lanca8 Estão ouvindo8 *em ;eleonem da#ui a de) minutos2

E :iviBre ol&eou os tele$ramas das escalas Sul ;odos mencionavam o mesmosil<ncio do avião Al$umas das escalas já não respondiam a *uenos Aires e, nomapa, ia crescendo a manc&a das prov4ncias mudas, onde as pe#uenas cidades jáeram presas do ciclone, com todas as suas portas ec&adas e cada casa das suasruas sem lu), tão isolada do mundo e perdida na noite como um navio S0 aaurora as viria libertar

Apesar de tudo, :iviBre, debruado sobre o mapa, mantin&a ainda a esperana de

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descobrir um re7$io de céu limpo, pois tele$raara a mais de trinta cidades daprov4ncia para saber o estado do céu e as respostas comeavam a c&e$ar /s suasmãos Numa área de dois mil #uil0metros, os postos de rádio tin&am recebidoordens para, no caso de um deles conse$uir obter um c&amado do avião, avisarimediatamente *uenos Aires, #ue l&e comunicaria, para ser transmitida a (abien,a posião do re7$io

!s secretários, convocados para a uma da man&ã, tin&am voltado aos escrit0rios

E a4 tomavam, misteriosamente, con&ecimento de #ue, talve), ossem suspensosos voos noturnos e #ue o pr0prio correio da Europa já partiria apenas #uandoc&e$asse a man&a (alavam em vo) baixa de (abien, do ciclone e sobretudo de:i-viBre +ressentiam-no ali, muito perto deles, minuto a minuto maisacabrun&ado com este desmentido natural

5as todas as vo)es se extin$uiram" :iviBre acabava de sur$ir / porta do seu$abinete, metido no sobretudo, o c&apéu caindo-l&e sobre os ol&os, como umeterno viajante Encamin&ou-se tran#uilamente para o c&ee de escrit0rio"

C uma &ora e de) !s papéis do correio da Europa estão em ordem8

C Eu eu penseiD

C ! sen&or não tem nada #ue pensar, mas sim #ue executar

As mãos atrás das costas, deu meia volta lentamente e encamin&ou-se para uma janela aberta

@m secretário acercou-se dele "

C Sr .iretor, obtemos poucas respostas Knormaram-nos do interior do pa4s #uemuitas lin&as tele$rá'cas já oram destru4das

C Está bem

:iviBre, im0vel, observava a noite

.este modo, cada mensa$em representava uma ameaa para o correio 9adacidade #ue podia responder, antes da destruião das lin&as, alava do avano dociclone, como se se tratasse de uma invasão 2Vem do interior, da 9ordil&eiraVarre todo o camin&o, em direão ao mar 2 ,

:iviBre ac&ava as estrelas demasiado bril&antes, o ar demasiado 7mido Noiteestran&aG Estra$ava-se, bruscamente aos bocados, como a polpa dum rutoluminoso As estrelas, na sua totalidade, dominavam ainda *uenos Aires, masa#uilo era apenas um oásis e duraria um insante @m porto, #ue de resto seencontrava ora do raio de aão da tripulaão Noite ameaadora, tocada eapodrecida por um vento ruim Noite di4cil de vencer

Num ponto #ual#uer, embren&ado nas suas prounde)as, um avião estava emperi$o" na mar$em 'rme &avia uma vã a$itaão

XIV

A mul&er de (abien teleonou

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Na noite de cada c&e$ada ela calculava o andamento do correio da +ata$ônia"2.eve estar decolando de ;releZ 2 Adormecia em se$uida @m pouco maistarde" 2.eve estar perto de San Ant0nio, já deve distin$uir as lu)es da terra2=evantava-se então, aastava as cortinas e observava o céu" 2;antas nuvensdevem incomodá-lo 2 Us ve)es a lua passeava como um pastor Então a mul&erdo piloto ia novamente deitar-se, tran#uili)ada pela lua e as estrelas, pelosmil&ares de presenas / volta de seu marido +or volta de uma &ora, calculava

#ue ele estava perto" 23á não deve estar muito lon$e, deve avistar *uenosAiresD2 =evantava-se, então, de novo e preparava-l&e uma reeião, com um caébem #uente" 2Está tão rio lá em cimaD2 A$uardava-o sempre como se eleacabasse de c&e$ar duma montan&a coberta de neve"

C 2Voc< está com rio8

C ue ideiaG

C A#uea-se, no entanto 2

+or volta de uma e um #uarto estava tudo pronto ;eleonava então

Na#uela noite, como nas outras, inormou-se"

C ! (abien já aterrou8! secretário #ue a atendia 'cou um pouco embaraado"

C uem ala8

C Simone (abien

C A&G um momento

Não ousando responder, o secretário passou o one ao c&ee do escrit0rio

C uem ala8

C Simone (abien

C A&G #ue deseja, min&a sen&ora8C 5eu marido já aterrou8

Touve um sil<ncio #ue deve ter parecido inexplicável, depois respondeulacônicamente"

C Ainda não

C Vem atrasado8

C VemD Novo sil<ncio

C VemD atrasado

C A&G,

Era um 2a&G2 de carne erida @m atraso não tem import>ncia não temimport>ncia nen&uma mas #uando se prolon$aD

C A&GD e a #ue &oras c&e$ará8

C A #ue &oras c&e$ará8 N0s n0s não sabemos

Ela encontrava a$ora uma espécie de muro / sua rente Não obtin&a senão o ecodas suas per$untas

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C Suplico-l&e, responda-meG !nde estará ele8 !ua

C @m momento, por avor

A#uela inércia a)ia-a sorer Sucedia #ual#uer coisa por detrás da#uele muro

.ecidiram-se

C (abien decolou de 9ommodoro /s de)enove &oras e trinta

C E depois8

C .epois8 5uito atrasado D 5uito atrasado devido ao mau tempo

C A&G sim, o mau tempo

ue injustia, #ue &ipocrisia a da#uela lua ali, descuidadamente adormecidasobre *uenos AiresG A mul&er de (abien lembrou-se de repente #ue bastavamduas &oras para vir de 9omniodoro a ;releZ

C (abien está voando &á seis &oras a camin&o de ;releZ8 5as ele enviamensa$ensG ue di) ele8

C ! #ue ele di)8 Evidentemente, com um tempo destes percebe-seD as suasmensa$ens não são ouvidas

C @m tempo destesG

C (ica então combinado, min&a sen&ora, assim #ue soubermos al$uma coisateleonamos-l&e

C A&G Não sabem nadaD

C Até lo$o, min&a sen&oraD

C EspereG EspereG uero alar com o .iretorG

C ! Sr .iretor está ocupad4ssimo, min&a sen&ora, está em reunião

C Não me interessa Ksso, rancamente, não me interessaG uero alar com eleG

! c&ee do escrit0rio limpou o suorC @m momentoDCEmpurrou a porta de :iviBre "2+ronto, pensou :iviBre, eis o #ue eu temia2

!s elementos aetivos do drama comeam a tomar orma +ensou primeiramentecm aastá-los" as mães e as mul&eres não t<m entradas nas salas de operaão ;ambém se a) calar a emoão nos navios em peri$o +or#ue não ajuda a salvaros &omens 9ontudo aceitou "

C =i$ue para o meu escrit0rio

!uviu a#uela pobre vo) lon$4n#ua, tremula e compreendeu lo$o #ue não l&epoderia responder ! encontro seria, para ambos, absolutamente estéril

C 5in&a sen&ora, acalme-se, suplico-l&eGNo nosso o4cio é tão re#uente esperar muitotempo por not4cias

:iviBre tin&a c&e$ado /#uele ponto em #ue se coloca, não o problema dumam4sera an$7stia individual, mas o da pr0pria aão Na sua rente er$uia-se não a

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mul&er de (abien, mas sim um sentido diverso da vida :iviére s0 podia ouvir elastimar a#uela pobre vo), a#uele canto tão triste, mas inimi$o" +ois nem a aão,nem a elicidade individual admitem a partil&a" estão em con?ito Era certo #uea#uela mul&er alava em nome de um mundo absoluto e dos seus deveres e dosseus direitos ! inundo de uma claridade de candeeiro sobre a mesa, / noite, acarne #ue reclama a sua carne, uma pátria de esperanas, de ternuras, derecorda%es Exi$ia o #ue l&e pertencia e tin&a ra)ão E ele, :iviBre, também

tin&a ra)ão, mas nada podia opor / verdade da#uela mul&er U lu) dum &umildecandeeiro doméstico, a sua pr0pria verdade revela-se inexprim4vel e desumana

25in&a sen&oraD2

Ela já não escutava :iviBre tin&a a impressão de #ue, tendo exaurido a ora deseus racos pun&os contra um muro, a mul&er ca4ra inanimada, #uase a seus pés

@ma ve), junto duma ponte em construão, debruados sobre um erido, umen$en&eiro dissera a :iviBre" 2Valerá esta ponte o preo dum rosto esma$ado82Nem um s0 campon<s teria

aceito, para economi)ar um desvio pela ponte se$uinte, a mutilaão medon&adeste rosto E, no entanto, constroem-se pontes ! en$en&eiro acrescentara" 2!

interesse $eral é ormado de interesses particulares" não justi'ca mais coisaal$uma C E, no entanto, retor#uira-l&e mais tarde :iviBre, apesar de a vida&umana não ter preo, a$imos sempre como se #ual#uer coisa osse mais valiosado #ue ela 5as o #u<82

+ensando na tripulaão, :iviBre sentiu um aperto no coraão A aão, mesmo a#ue consiste em construir uma ponte, destr0i elicidades1 :iviBre já não podiadeixar de per$untar" 2Em nome de #u<82

2Estes &omens, #ue vão talve) desaparecer, poderiam ter vivido eli)es2 Viarostos inclinados no santuário dourado dos candeeiros / noite 2Em nome de #u<,eu os tirei da482 Em nome] de #u<, arrancara-os / elicidade individual8 Não é

uma lei de primeiro $rau prote$er essas elicidades8 5as ele pr0prio as anula Eno entanto, um dia, atalmente, os santuários dourados somem-se comomira$ens A vel&ice e a morte, mais cruéis do #ue ele pr0prio, destroem-nos ;alve) exista al$o mais duradouro, #ue é preciso salvar1 será para salvar essaparte do &omem #ue :iviBre trabal&a8 .outro modo a aão não se justi'ca

2Amar, amar somente, é um beco sem sa4daG2 :iviBre teve a noão obscura dumdever mais orte do #ue o de amar !u talve) se tratasse i$ualmente dumaternura, mas tão dierente das outras Voltou-l&e / mente uma rase" 2;ratasse detorná-los eternosD2 !nde teria lido isso8 2! #ue buscamos vai morrendoconosco2 =embrou-se dum templo er$uido em &onra do deus do sol pelos anti$osincas do +eru +edras er$uidas ao céu, em plena montan&a ue restaria, se elasnão existissem, de uma civili)aão poderosa #ue pesava, com toda a car$a desuas pedras, sobre o &omem dos nossos dias, como um remorso8 2Em nome de#ue dure)a, ou de #ue estran&o amor, o condutor de povos de outrora, obri$andoas multid%es a acarretar com a#uele templo para o topo da montan&a, l&es impôsassim o dever de eri$ir a sua eternidade82 :iviBre voltou a ver, em son&os, asmultid%es das pe#uenas cidades, passeando, / noite, / volta do coreto da praa"2Essa espécie de elicidade, essa armadura D2, re?etia ! condutor de povos de

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outrora, se não sentiu piedade pelo sorimento do &omem, sentiu uma imensapiedade pela sua morte Não pela sua morte individual, mas piedade pela espécie#ue o mar de areia apa$ará E levava o seu povo a er$uer pelo menos pedras,#ue o deserto não poderia soterrar

XV

 ;alve) a#uele papel dobrado em #uatro o K pudesse salvar (abien desdobrou-o,cerrando os dentes

2Kmposs4vel manter comunicaão com *uenos Aires 3á nem se#uer possomanipular, pois saltam-me a4scas aos dedos2

(abien, irritado, #uis responder, mas #uando as suas mãos lar$aram as alavancasde comando para escrever, sentiu-se levado por uma espécie de onda ort4ssima"os redemoin&os levantavam-no, nas suas cinco toneladas de metal, e sacudiam-no .esistiu de escrever

As suas mãos prenderam de novo a onda e ')eram-na desaparecer

(abien respirou proundamente Se o tele$ra'sta recol&esse a antena, com medoda tempestade, (abien partir-l&e-ia a cara, / c&e$ada Era preciso, a todo custo,pôr-se em contacto com *uenos Aires, como se, a mais de mil e #uin&entos#uil0metros de dist>ncia, osse poss4vel lanar-l&es um cabo neste abismo Nãoconse$uindo vislumbrar #ual#uer lu) tremula, uma lanterna de pousada #uasein7til, mas #ue teria provado, como um arol, a exist<ncia da terra, necessitavapelo menos de uma vo), uma s0, vinda dum mundo #ue já #uase não existia !piloto er$ueu e a$itou o pun&o na#uela lu) avermel&ada, para #ue o outro láatrás compreendesse essa trá$ica verdade, mas o compan&eiro, debruado sobreo espao devastado, com as cidades soterradas, as lu)es mortas, não a entendeu

(abien teria se$uido todos os consel&os, contanto #ue l&e ossem $ritados+ensava" 2E se me di)em para andar / roda, ando / roda, e se me di)em paravoar direito ao sul 2 Existia em #ual#uer lado as terras de pa), suaves sob$randes manc&as de luar =á lon$e, os seus camaradas, instru4dos como sábios,debruados sobre mapas, todo-poderosos, ao abri$o de candeeiros belos como?ores, sabem onde essas terras existem E ele #ue sabia, ora dos redemoin&os eda noite #ue lanava contra ele, com a rapide) duma derrocada, a sua lavane$ra8 Não se podia abandonar dois &omens no meio das nuvens, / merc< dasrajadas e das c&amas, Não se podia a)er uma coisa dessas Se ordenassem a(abien" 2overne a du)entos e #uarenta 2, ele $overnaria a du)entos e#uarenta 5as estava s0

+areceu-l&e #ue a matéria também se revoltava A cada mer$ul&o, o motorvibrava tão ortemente #ue toda a massa do avião se pun&a a tremer, como se seenc&esse de c0lera (abien ia perdendo as oras, tentando dominar o avião, acabea metida na carlin$a, o ol&ar 'xo no &ori)onte $irosc0pico, pois, lá ora, ele já não conse$uia distin$uir a massa do céu da da terra, e se$uia perdido numaescuridão onde tudo se misturava, uma escuridão de comeo dos mundos 5as asa$ul&as dos indicadores de posião oscilavam cada ve) mais, tornava-se di4cil

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se$ui-las 3á o piloto, #ue elas en$anavam, lutava di'cilmente1 perdia altitude,deixando-se atolar na#uela sombra Veri'cou a altura a #ue voava" 2#uin&entosmetros2, altura do n4vel das colinas Sentiu as suas va$as verti$inosas lanarem-se contra ele +ercebia também #ue todas as massas do solo, e a menor esma$á-lo-ia, eram como #ue arrancadas do seu suporte, desparausadas, e comeavama $irar, ébrias, / sua volta Tavia ao seu redor uma espécie de dana prounda,cujo cerco cada ve) mais se apertava

 ;omou uma resoluão 9orrendo o risco de espatiar-se, aterraria osse ondeosse E para evitar ao menos as colinas, lanou o seu 7nico o$uete luminoso !o$uete in?amou-se, rodopiou, iluminou uma super4cie plana e nela se apa$ou"era o mar

+ensou rapidamente" 2+erdido uarenta $raus de correão, apesar de tudo,desviei-me ^ um ciclone +ara #ue lado 'ca a terra82 Se$uiria direito a oeste+ensou" 2Sem o$uete, a$ora vou morrer2 Ksto tin&a de suceder um dia E o seucamarada, ali, atrás 29om certe)a já recol&eu a antena2 5as já não l&e #ueriamal por isso Se ele pr0prio abrisse simplesmente as mãos, a vida de ambosdesapareceria lo$o, como uma leve poeira ;in&a nas suas mãos o bater docoraão do seu compan&eiro e o de seu pr0prio coraão E de s7bito suas mãosassustaram-no

No meio da#ueles redemoin&os #ue desec&avam $olpes de ar4ete, a 'm deamortecer as sacudidelas do volante, #ue de outro modo despedaariam os cabosdas alavancas de comando, a$arrara-se com ambas as mãos a esse volante Eassim continuava E eis #ue deixara de sentir as mãos #ue o esoro adormecerauis mexer os dedos para experimentar" não percebeu se eles l&e obedeciam Era#ual#uer coisa de estran&o #ue terminava os seus braos @mas bexi$asinsens4veis e moles +ensou" 2;en&o de me convencer ortemente de #ue estou aapertar2 Não percebeu se o pensamento atin$ia as mãos E como as sacudidelasdo volante s0 se sentiam nos ombros doloridos, pensou" 2! volante vai escapar

Us min&as mãos vão abrir-se 2 5as assustou-se por se permitir tais palavras,pois pa-receu-l&e #ue desta ve) as mãos obedeciam / obscura ora da ima$em ese abriam lentamente na escuridão, para entre$á-lo

+oderia ainda lutar, tentar a sua sorte" a atalidade exterior não existe 5as &áuma atalidade interior" &á um momento em #ue nos sentimos vulneráveis1 então,como uma verti$em, os erros atraem-nos

E oi num momento destes #ue sobre a sua cabea bril&aram, num ras$ão datempestade, como uma isca morta e no undo duma armadil&a, al$umas estrelas

Ele pensou de ato #ue era uma cilada" v<em-se tr<s estrelas num buraco, sobe-se ao seu encontro, depois já não se pode descer e lá se 'ca mordendo as

estrelas 5as a sua ome de lu) era tal #ue (abien subiu

XVI

Subiu, a)endo diminuir os balanos, $raas / indicaão das estrelas ! seu 4mã

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Knclinavam-se sobre um papel completamente em branco e ortemente iluminadoA mão do operador &esitava ainda e o lápis tremia A mão do operador mantin&aainda prisioneiras as letras, mas já os dedos tremiam

C ;emporais8

! tele$ra'sta disse #ue 2sim2 com a cabea ! seu crepitar impedia-o decompreender

.epois alin&ou al$uns sinais indeciráveis .epois palavras +or 'm pôde-serestabelecer o texto"

2*lo#ueados, acima da tempestade, a tr<s mil e oitocentos metros Nave$amospara o interior em direão oeste, pois deriváramos para o mar +or baixo está tudoec&ado K$noramos se ainda sobrevoamos o mar Knormem se tempestade seestende para o interior2

+ara transmitir este tele$rama a *uenos Aires, oi preciso, por causa dostemporais, ormar cadeia de posto para posto A mensa$em avanava, na noite,como um o$o #ue se acende de torre em torre

*uenos Aires mandou responder " 2;empestade $eral no interior uanto l&es

resta de $asolina822@ma meia &ora2

E esta rase, de vi$ia em vi$ia, c&e$ou até *uenos Aires

A tripulaão estava condenada a aundar-se, no espao de trinta minutos, nociclone #ue a arrastaria até ao solo

XVIII

E :iviBre medita 3á não tem esperana" a#uela tripulaão perder-se-á em#ual#uer ponto, na noite

:iviBre recordava uma visão #ue l&e 'cou da in>ncia" esva)iavam um tan#uepara encontrar um corpo ;ambém não se encontrará nada até #ue a massa desombra abandone a terra, até #ue voltem / lu) essas areias, esses campos, essestri$ais :udes camponeses encontrarão talve) duas crianas, o brao tapando orosto, e parecendo dormir, ca4das na erva, sobre um undo dourado e calmo 5asa noite as terá ao$ado

:iviBre son&a com os tesouros escondidos nas prounde)as da noite, como emmares abulosos As macieiras de noite a$uardam o dia com todas as suas ?ores,?ores #ue não servem ainda A noite é rica, c&eia de perumes, de cordeiros

adormecidos e de ?ores ainda incolores+ouco a pouco, sur$irão na man&a os campos artos, os bos#ues orval&ados, osrescos silvados 5as no meio das colinas, a$ora inoensivas, e dos prados e doscordeiros, na#uela bela ordenaão da terra, duas crianas parecerão dormir E#ual#uer coisa terá u$ido do mundo vis4vel para o outro

:iviBre sabe como a mul&er de (abien é in#uieta e terna" a#uele amor oi-l&eapenas emprestado, como um brin#uedo a uma criana pobre

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:iviBre ima$ina a mão de (abien, #ue durante al$uns minutos ainda se$urará oseu destino nas alavancas de comando A#uela mão #ue acariciou A#uela mão#ue pousou sobre um seio, a)endo sur$ir um tumulto, como uma mão divinaA#uela mão #ue pousou sobre um rosto e #ue transormou esse rosto A#uelamão #ue era mila$rosa

(abien va$ueia por cima do esplendor dum mar de nuvens / noite, porém, maisabaixo, é a eternidade Está perdido no meio de constela%es onde s0 ele &abita

Aperta ainda o mundo com as mãos e embala-o contra o seu peito Se$ura, noseu volante, o peso da ri#ue)a &umana e carre$a desesperado, duma estrela paraoutra, o in7til tesouro, #ue terá de devolver / ora

:iviBre sup%e #ue um posto de rádio ainda o escuta S0 uma onda musical, umamodulaão menor li$a ainda (abien ao mundo Não uma #ueixa Não um $rito5as o som mais puro #ue o desespero jamais criou

XIX

:obineau veio arrancá-lo / sua solidão"C Sr .iretor, eu pensei podia-se talve) tentarD

Não tin&a nada a propor, mas testemun&ava assim a sua boa vontade ostariatanto de encontrar uma soluão e procurava-a como #uem procura a c&ave deuma c&arada Encontrava sempre solu%es #ue :iviBre nunca escutava" 2Voc<percebe, :obineau, na vida não &á solu%es Tá oras em movimento" é precisocriá-las e as solu%es sobrev<m2 +or isso :obineau limitava o seu papel / criaãoduma ora em movimento, #ue impedia a erru$em de atacar os eixos de &élice

5as os acontecimentos desta noite apan&avam :obineau desarmado ! seu t4tulode inspetor não tin&a #ual#uer poder sobre os temporais, nem sobre uma

tripulaão antasma, #ue verdadeiramente já não se debatia para $an&ar umpremio de re$ularidade, mas sim para escapar a uma 7nica sanão, #ue anulavaas de :obineau" a morte

E :obineau, a$ora in7til, va$ueava sem préstimo pelos escrit0rios

A mul&er de (abien <)-se anunciar =evada pela in#uietaão, a$uardava, noescrit0rio dos secretários, #ue :iviBre a recebesse !s secretários, /s ocultas,observavam o seu rosto Sentia uma espécie de ver$on&a #ue a a)ia ol&armedrosamente / volta" ali tudo a repudiava Estes &omens #ue continuavam atrabal&ar, como se espe)in&assem um corpo, estes processos onde a vida&umana, o sorimento &umano s0 deixavam um resto de rios al$arismos Ela

procurava sinais #ue l&e alassem de (abien Em sua casa tudo indicava estaaus<ncia" a cama entreHaberta, o caé na mesa, um vaso com ?ores Nãodescobria sinal al$um ;udo se opun&a / piedade, / ami)ade, / recordaão A7nica rase #ue ouviu, pois nin$uém levantava a vo) na sua presena, oi umaimprecaão proerida por um empre$ado #ue reclamava um re$istro" 2D!re$istro de d4namos, santo .eusG, #ue n0s expedimos para Santos2 Er$ueu osol&os para esse &omem com uma expressão de in'nito espanto .epois ol&oupara a parede donde pendia um mapa !s seus lábios tremiam um pouco, #uase

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imperceptivelmente

Ela percebia, com embarao, #ue exprimia ali uma verdade inimi$a, #uaselamentava ter vindo, teria desejado esconder-se e, temendo a)er-se demasiadonotada, contin&a-se para não tossir ou c&orar Ac&ava-se ins0lita, inconveniente,como se estivesse nua 5as a verdade dela era tão orte #ue os ol&ares u$itivosvoltavam, /s ocultas, inati$avelmente, para descobriHla no seu rosto. Estamul&er era muito bela :evelava aos &omens o mundo sa$rado da elicidade

:evelava em #ue matéria sublime tocamos, sem o saber, #uando a$imos Sobtantos ol&ares a mul&er ec&ou os ol&os Ela revelava a pa) imensa #ue, semsaber, podemos destruir

:iviBre recebeu-a

Ela vin&a timidamente a)er a deesa das suas ?ores, do seu caé na mesa, dasua carne jovem .e novo, na#uele escrit0rio mais rio ainda, os seus lábioscomearam a tremer levemente Ela também descobria #ue neste mundodierente a sua pr0pria verdade era inexprim4vel ;udo o #ue sentia em si de amor#uase selva$em C de tal modo era ervoroso C de dedicaão, parecia-l&e tomarali um ar importuno, e$o4sta .esejou poder desaparecer"

C Ven&o incomodá-lo C Não, min&a sen&ora C disse-l&e :iviBre C não me incomoda Kneli)mente,tanto a sen&ora como eu, o mais #ue podemos a)er é esperar

Ela encol&eu os ombros, #uase imperceptivelmente, mas :iviBre compreendeu osentido da#uele $esto" 2+ara #ue servem a l>mpada, a ceia na mesa, as ?ores#ue voltarei a encontrar 2 @ma jovem mãe conessara um dia a :iviBre" 2Amorte do meu 'l&o, ainda não a compreendi bem ! #ue me a) sorer são aspe#uenas coisas, a sua roupin&a #ue encontro por acaso e, se acordo de noite,a#uela ternura #ue apesar de tudo se apodera do meu coraão e é a$ora in7til,como o meu leiteD2 +ara a#uela mul&er também a morte de (abien iria apenas

comear aman&ã, em cada ato da4 em diante vão, em cada objeto (abiendeixaria lentamente a sua casa :iviBre abaava uma prounda compaixão

A mul&er ia-se embora, com um sorriso #uase &umilde, i$norante da sua pr0priaora

:iviBre sentou-se, um pouco cansado

25as ela ajudou-me a descobrir o #ue eu procurava

*atia levemente com as pontas dos dedos nos tele$ramas de proteão dasescalas Norte Son&ava

Nos não pedimos para ser eternos, mas apenas para não ver os atos e as coisas

perderem subitamente o seu sentido ! va)io #ue nos rodeia a)-se entãosentirD2

! seu ol&ar pousou nos tele$ramas" 2E eis por onde a morte entra a#ui" estasmensa$ens #ue já não a)em sentidoD2

!l&ou para :obineau A#uele &omem med4ocre, a$ora in7til, já não a)ia sentido:iviBre disse-l&e #uase em tom áspero"

C Será preciso #ue eu pr0prio l&e d< trabal&o8

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.epois :iviBre empurrou a porta #ue dava para a sala dos secretários e odesaparecimento de (abien saltou-l&e aos ol&os, bem evidente, em sinais #ue asen&ora (abien não soubera ver A 'c&a do : * XJ, o avião de (abien, '$urava já, no #uadro mural, na coluna do material indispon4vel !s secretários #uepreparavam os papéis do correio da Europa, sabendo #ue este partiria comatraso, trabal&avam mal +ediam do campo, pelo teleone, ordens para ase#uipes #ue a$ora velavam sem objetivo As un%es de vida tin&am-se

arouxado 2A morte, ei-la2, pensou :iviBre A sua obra parecia um veleiro parado,sem vento, no mar

!uviu a vo) de :obineau"

C Sr .iretor eles estavam casados &á seis semanasD

— Vá trabal&ar

:iviBre continuava a ol&ar para os secretários e, por detrás deles, os serventes,os mec>nicos, os pilotos, todos a#ueles #ue o tin&am ajudado na sua obra, comuma é de apaixonados +ensou nas pe#uenas cidades de anti$amente #ue,ouvindo alar das 2Kl&as2, constru4am o seu navio +ara o carre$ar com a suaesperana +ara #ue os &omens pudessem ver a sua esperana enunar as velas

sobre o mar ;odos en$randecidos, todos arrancados de si pr0prios, todos libertospor um navio 2! objetivo talve) não justi'#ue nada, mas a aão liberta da morteEra um navio #ue a)ia prolon$ar a vida desses &omens2

E :iviBre também terá lutado, contra a morte, #uando tiver dado aos tele$ramaso seu verdadeiro sentido, /s e#uipes de vi$ia e a sua in#uietaão e aos pilotos, oseu sentido dramático uando a vida reanimar esta obra, como o vento reanimaum veleiro do mar

XX

9ommodoro :ivadavia já não ouve nada, mas, vinte minutos mais tarde, a mil#uil0metros de dist>ncia, *a&ia *lanca capta uma se$unda mensa$em

2.escemos Entramos nas nuvensD2

.epois estas duas palavras dum texto obscuro apareceram no posto de ;releZ "

2D ver nadaD2

As ondas curtas são assim 9aptam-se ali, mas a#ui se 'ca surdo .epois, semra)ão, as coisas mudam A#uela tripulaão, cuja posião permanecedescon&ecida, já se maniesta, aos vivos, ora do espao, ora do tempo e nas

ol&as brancas dos postos de rádio já são antasmas #ue escrevem ;er-se-á acabado a $asolina ou é o piloto #ue, antes da pane, jo$a a sua 7ltimacartada" c&e$ar ao solo sem se esma$ar8

A vo) de *uenos Aires ordena a ;releZ"

2+er$untem-l&o2

! posto de escuta de ; S ( parece-se com um laborat0rio" n4#uel, cobre eman0metros, rede de condutores !s operadores de avental branco, silenciosos,

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parecem entre$ues a uma experi<ncia

!s seus dedos delicados a?oram os instrumentos, exploram o céu ma$nético,pes#uisadores buscando o 'lão de ouro

2Não respondem82

2Não respondem2

Vão talve) apan&ar a#uela nota #ue seria um sinal de vida Se o avião e as suas

lu)es de bordo subirem de novo até /s estrelas, eles talve) ouam o cantoda#uela estrelaD

!s se$undos correm 9orrem verdadeiramente como san$ue Estarão aindavoando8 9ada se$undo a) sur$ir uma probabilidade E eis #ue o tempo #uepassa parece destruir .o mesmo modo #ue, durante vinte séculos, o tempo seapossa dum templo, abre o seu camin&o no $ranito e o desa) em p0, vinteséculos de des$aste concentram-se em cada se$undo e ameaam umatripulaão

9ada se$undo leva consi$o #ual#uer coisa

A vo) de (abien, o riso de (abien, o sorriso ! sil<ncio vai $an&ando terreno @m

sil<ncio cada ve) mais pesado #ue cai sobre a tripulaão como o peso dum marEntão al$uém a) notar " C @ma &ora e #uarenta _ltimo limite da $asolina" éimposs4vel #ue voem ainda

E a pa) desceu

9omo ao cabo das via$ens, vem / boca um travo amar$o e enjoativo 9umpriu-se#ual#uer coisa, de #ue se i$nora tudo, #ual#uer coisa repulsiva E no meio dostubos de n4#uel e destas artérias de cobre, sente-se a mesma triste)a #ue reinanas ábricas arrumadas ;odo este material parece pesado, in7til, ora de uso" umpeso de ramos secos

:esta apenas esperar o dia.entro de al$umas &oras a Ar$entina inteira vai sur$ir / lu) do dia e a#ueles&omens lá 'carão, como se estivessem na praia, ol&ando para a rede #uepuxamos, puxamos lentamente, sem sabermos o #ue trará

No seu escrit0rio, :iviBre sente uma calma #ue s0 é poss4vel por ocasião dos$randes desastres, no momento em #ue a atalidade liberta o &omem Ele pôsemestado de alarma todas as autoridades duma prov4ncia 3á não pode a)er maisnada, é preciso esperar

5as a ordem deve reinar mesmo na casa dos mortos :iviBve a) sinal a :obineau"

C ;ele$rama para as escalas Norte" 2+revemos $rande atraso do correio da+ata$ônia +ara não atrasar demais correio da Europa, juntaremos correio da+ata$onia ao pr0ximo correioda Europa2

Knclina-se um pouco para a rente 5as lembra-se de #ual#uer coisa, eraimportante A&G sim E para não es#uec<-la

C :obineau

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C Sr :iviBre8

C ! sen&or redi$irá uma ordem !s pilotos 'cam proibidos de ultrapassar mil enovecentas rota%es" estão a dar-me cabo dos motores

C Está bem, Sr :iviBre

:iviBre inclinou-se um pouco mais Sente necessidade, sobretudo, de estar s0"

C Vá, :obineau +ode ir, meu ami$oD

E :obineau assusta-se com esta i$ualdade perante sombras

XXI

:obineau va$ueava a$ora, melanc0lico, pelos escrit0rios A vida da 9ompan&iaparara, visto #ue a#uele correio, previsto para as duas &oras, seria anulado e s0partiria de dia !s empre$ados, os rostos sisudos, continuavam de vi$4lia, mastudo era in7til 9ontinuava-se a receber, num ritmo re$ular, as mensa$ens deproteão das escalas Norte, mas os seus 2céus limpos2, as suas 2lua c&eia2, e os

seus 2vento nulo2 su$eriam a ima$em dum reino estéril @m deserto de luar epedras Ao ol&ear, sem aliás saber por #u<, um processo em #ue estavatrabal&ando o c&ee do escrit0rio, :obineau deu por este, de pé, / sua rente,esperando com um respeito insolente #ue ele l&e devolvesse os documentos !seu ar di)ia" 2uando #uiser, não é verdade8 isso é meu 2 Essa atitude duminerior c&ocou o inspetor, mas não encontrou réplica al$uma e, irritado,estendeu-l&e o processo ! c&ee de escrit0rio voltou ao seu lu$ar com um ar de$rande altive) 2.evia t<-lo mandado passear2, pensou :obineau Então, para nãoperder a lin&a, deu uns passos, pensando no drama A#uele desastre implicaria odescrédito duma pol4tica e :obineau c&orava um duplo luto

.epois sur$iu-l&e a ima$em dum :iviBre, ali ec&ado no seu $abinete e #ue l&etin&a dito" 25eu ami$oD2 Nunca &omem al$um estivera a tal ponto alto deapoio :obineau teve uma $rande pena dele +erpassaram-l&e pela cabea váriasrases obscuramente destinadas a lastimar, a consolar Animou-o um sentimento#ue l&e pareceu duma $rande bele)a Então oi bater mansamente / porta Nãoobteve resposta Não se atreveu a bater com mais ora e empurrou a porta:iviBre lá estava +ela primeira ve), :obineau entrava no $abinete de :iviBre,#uase como um i$ual, um pouco como um ami$o, um pouco, pensava ele, como osar$ento #ue se junta, sob a metral&a, ao $eneral erido e o acompan&a naderrota e se torna seu compan&eiro de ex4lio 2Estou a seu lado, acontea o #ueacontecer2, parecia #uerer di)er :obineau

:iviBre permanecia calado e, de cabea ca4da, ol&ava para as mãos E :obineau,de pé / sua rente, já não se atrevia a alar 5esmo abatido, o leão intimidava-o:obineau buscava palavras cada ve) mais tocadas de dedicaão, mas cada ve)#ue levantava os ol&os, dava com a#ueHla cabea inclinada a tr<s #uartos,a#ueles cabelos $risal&os, a#ueles lábios #ue ec&avam tanta amar$ura +or 'mdecidiu-se " C Sr .iretor

:iviBre er$ueu a cabea e ol&ou para ele .espertava de um son&o tão proundo,tão distante #ue talve) nem tivesse dado ainda pela presena de :obineau E

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nin$uém soube nunca #ual oi o seu son&o, nem o #ue ele sentia, nem aimensidão do luto #ue cobria a sua alma :iviBre 'xou :obineau durante muitotempo, como se esse osse a testemun&a viva de #ual#uer coisa :obineausentiu-se embaraado uanto mais :iviBre ol&ava para :obineau, mais a?oravaaos seus lábios uma expressão de ironia incompreens4vel uanto mais :iviBreol&ava para :obineau, mais este corava E mais parecia a :iviBre #ue :obineautin&a vindo ali testemun&ar, com uma boa vontade enternecedora e uma

espontaneidade ineli), a estupide) dos &omens:obineau sentia-se perturbado Nem o sar$ento, nem o $eneral, nem a metral&apodiam a$ora ser para ali c&amados +assava-se al$o de inexplicável :iviBrecontinuava a ol&ar para ele Então :obineau, sem #uerer, corri$iu um pouco a suaatitude, retirou a mão da al$ibeira es#uerda :iviBre continuava a ol&ar para eleEntão, 'nalmente :obineau com um in'nito embarao e sem saber por #u<, disse"

C Vim para receber as suas ordens:iviBre puxou o rel0$io e disse simplesmente "

C São duas &oras ! correio de Asunci0n aterrará /s duas e de) 5ande decolar o

correio da Europa /s duas &oras e um #uartoE :obineau espal&ou a espantosa not4cia" não se suspendiam os voos noturnos E:obineau diri$iu-se ao c&ee de escrit0rio"

C ;ra$a-me esse processo para #ue eu o veri'#ue

E #uando o c&ee de escrit0rio parou em rente dele "

C Espere

E o c&ee de escrit0rio esperou

XXII

! correio de Asunci0n anunciou #ue ia aterrar

5esmo nas &oras mais di4ceis, :iviBre tin&a se$uido, tele$rama a tele$rama, asua marc&a eli) No meio da conusão, a#uele vôo representava para ele adesorra da sua é, a prova A#uele vôo eli) anunciava, pelos seus tele$ramas,mil outros voos i$ualmente eli)es 2Não &á ciclones todas as noites2 :iviBrepensava ainda" 2@ma ve) o camin&o traado, já não se pode deixar de se$ui-loG2

Vindo do +ara$uai, de escala em escala, como dum adorável jardim c&eio de?ores, de casas baixas e de á$uas mansas o avião vo$ava / beira dum ciclone

#ue não l&e escondia uma 7nica estrela Nove passa$eiros, aconc&e$ados nassuas mantas de via$em, encostavam a testa / janela, como uma vitrina c&eia de j0ias, pois as pe#uenas cidades da Ar$entina já des'avam, na noite, todo o seuouro, sob o ouro mais pálido das cidades de estrelas ! piloto, / rente, sustin&acom as mãos a#uele precioso carre$amento de vidas &umanas, com os ol&os bemabertos e c&eios de luar, como os de um pastor *uenos Aires já abrasava o&ori)onte com o seu o$o suave e em breve cintilaria como um tesouro abuloso! tele$ra'sta a)ia partir com os seus dedos á$eis os 7ltimos tele$ramas, como

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os acordes 'nais duma sonata #ue tivesse dedil&ado, ale$remente, no céu e de#ue :iviBre compreendia a melodia1 depois recol&eu a antena, espre$uiou-se umpouco bocejou e sorriu" 29&e$amos2

Ao aterrar, o piloto encontrou o seu camarada do correio da Europa encostado aoseu avião, de mãos nos bolsos

C voc< #ue continua8

C SouC ! avião da +ata$ônia já c&e$ou8

C Não o esperamos" desapareceu Está bom tempo8

C Espl<ndido (abien desapareceu8 ;rocaram poucas palavras a esse respeito

@ma $rande raternidade dispensava-os das rases

(a)ia-se o transbordo para o avião da Europa dos sacos em tr>nsito de Asunci0n eo piloto, sempre im0vel, a cabea inclinada para trás, a nuca encostada /carlin$a, ol&ava as estrelas

Sentia nascer um imenso poder e oi tomado por uma orte ale$riaC 9arre$ado8 C disse uma vo) C Entãopodem li$ar

! piloto não se mexeu +un&am o seu motor em marc&a Sentiria em breve nassuas espáduas, encostadas ao avião, o aparel&o viver ! piloto tran#7ili)ava-se'nalmente, ap0s tantas alsas not4cias" partirá não partirá partiráG !s seuslábios entreabriram-se e os dentes bril&aram sob o luar como os de um jovemelino

C 9uidado com a noite, &einG

Não escutou o consel&o do seu camarada .e mãos nos bolsos, a cabeainclinada, voltado para as nuvens, montan&as, rios e mares, ora tomado por umriso silencioso @m riso rouxo, mas #ue passava através dele, como a brisa passapela ol&a$em das árvores, e o a)ia estremecer vivamente dos pés / cabea @mriso rouxo, mas muito mais orte do #ue as nuvens, as montan&as, os rios e osmares

C ! #ue é #ue voc< tem8

C A#uele idiota do :iviBre #ue me #ue jul$a #ue eu ten&o medoG

XXIII

.entro dum minuto o avião sobrevoará *uenos Aires e :iviBre, #ue volta / luta,#uer ouvi-lo uer ouvi-lo nascer, troar e desvanecer-se como o passo ormidávelde um exército em marc&a nas estrelas

:iviBre, de braos cru)ados, passa por entre os secretários Em rente duma janela aberta, pára, escuta e son&a

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Se tivesse suspendido uma 7nica partida, a causa dos voos noturnos estariaperdida 5as, antecipando-se aos racos, #ue aman&a o reprovarão, :iviBrelar$ou, na noite, outra tripulaão

Vit0ria derrotaD estas palavras não t<m sentido al$um A vida está pordebaixo dessas ima$ens e já prepara novas ima$ens @ma vit0ria enra#uece umpovo, uma derrota acorda outro A derrota #ue :iviBre soreu é talve) umapromessa #ue torna mais pr0xima a verdadeira vit0ria S0 o con&ecimento em

marc&a é #ue conta.entro de cinco minutos os postos de ;S( terão dado o sinal de alerta /sescalas Numa área de mil e #uin&entos #uil0metros o rémito da vida resolverátodos os problemas

 3á se eleva um canto de 0r$ão" o avião

E :iviBre, em passos lentos, volta ao seu trabal&o, no meio dos secretários #ue oseu ol&ar duro a) curvar :iviBre, o rande, :iviBre, o Vitorioso, carre$ando a suapesada vit0ria