saberes e mistérios sáliba

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Saberes e mistérios Sáliba Relato de uma viagem iconográfica entre os Sáliba, grupo ameríndio equatorial de Orocué, Casanare, Colômbia Rita de Cácia Oenning da Silva 1 Resumo: Neste ensaio, relato de uma viagem iconográfica, abordo os saberes e os mistérios dos Sáliba, povo indígena que vive nas proximidades de Orocué, Casanare, Colômbia, de família lingüística Sáliba-Piaroa, destacando sua agência na recuperaçao de saberes ancestrais práticos e simbólicos pela reintrodução do uso cotidiano da língua sáliba entre as gerações mais recentes. Buscam assim, manter a alteridade e autonomia daquele povo recuperando aspectos da cultura e cosmologia que consideram fundamentais, em parte aqui relatados. Afirmam que esses vinham sendo esquecidos pelas novas gerações por mudanças estruturais na vida cotidiana Sáliba. O artigo aponta como, através do uso de ferramentas modernas como a mídia digital, e dos filmes feitos com o auxílio das crianças em três reservas sáliba, esses criam um material que os representa iconograficamente para si e para seus outros. O contato Final de outubro do ano 2007. Chegávamos entre os Sáliba, povo indígena de família lingüística Sáliva-Piaroa da planície (Llanos) Colômbiana, situados mais precisamente nas reservas próximas do Rio Meta, no município de Orocué, Estado de Casanare, Colômbia 2 . Depois de trabalharmos com jovens fugitivos da guerrilha Colômbiana em Bogotá, seguiríamos, à convite de alguns líderes Sáliba, para realizar um trabalho com as crianças nas reservas. A viagem tinha a tensão do desconhecido: Quais os perigos de dois estrangeiros viajarem sozinhos para a região campesina da Colômbia, local onde se concentrara a guerrilha há anos? Como seriam os Sáliba? Como 1 Doutora em Antropologia Social/UFSC, Co-diretora Shine a Ligh, Membro Grupo Gesto/UFSC. 2 Segundo Júlio César Melatti, num pequeno texto sobre os povos indígenas dos llanos, “Os Llanos se estendem entre a margem esquerda do Orinoco e os flancos orientais dos Andes, prolongando-se até o delta do mesmo rio. Os Llanos Ocidentais, que têm como limite meridional o Guaviare, é um tributário do Orinoco ao sul do qual domina a floresta amazônica e como fronteira setentrional o rio Portuguesa, um afluente do Apure, por sua vez afluente do Orinoco, que constituiria uma fronteira cultural dos índios dos Llanos. A fronteira colombiano-venezuelana cruza os Llanos Ocidentais. Trata-se de uma planície coberta de savanas e matas-galeria, cujo clima alterna regularmente uma estação chuvosa com outra seca. É uma região que parece assemelhar-se com os cerrados e florestas-galeria do centro-oeste do Brasil, inclusive pela freqüência da palmeira moriche (Mauritia flexuosa), do mesmo gênero de nossa palmeira buriti (Mauritia vinifera)” (Melatti, 1997:01).

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Page 1: Saberes e mistérios Sáliba

Saberes e mistérios Sáliba

Relato de uma viagem iconográfica entre os Sáliba, grupo ameríndio

equatorial de Orocué, Casanare, Colômbia

Rita de Cácia Oenning da Silva1 Resumo: Neste ensaio, relato de uma viagem iconográfica, abordo os saberes e os mistérios dos Sáliba, povo indígena que vive nas proximidades de Orocué, Casanare, Colômbia, de família lingüística Sáliba-Piaroa, destacando sua agência na recuperaçao de saberes ancestrais práticos e simbólicos pela reintrodução do uso cotidiano da língua sáliba entre as gerações mais recentes. Buscam assim, manter a alteridade e autonomia daquele povo recuperando aspectos da cultura e cosmologia que consideram fundamentais, em parte aqui relatados. Afirmam que esses vinham sendo esquecidos pelas novas gerações por mudanças estruturais na vida cotidiana Sáliba. O artigo aponta como, através do uso de ferramentas modernas como a mídia digital, e dos filmes feitos com o auxílio das crianças em três reservas sáliba, esses criam um material que os representa iconograficamente para si e para seus outros.

O contato

Final de outubro do ano 2007. Chegávamos entre os Sáliba, povo indígena de

família lingüística Sáliva-Piaroa da planície (Llanos) Colômbiana, situados mais

precisamente nas reservas próximas do Rio Meta, no município de Orocué, Estado de

Casanare, Colômbia2. Depois de trabalharmos com jovens fugitivos da guerrilha

Colômbiana em Bogotá, seguiríamos, à convite de alguns líderes Sáliba, para realizar

um trabalho com as crianças nas reservas. A viagem tinha a tensão do desconhecido:

Quais os perigos de dois estrangeiros viajarem sozinhos para a região campesina da

Colômbia, local onde se concentrara a guerrilha há anos? Como seriam os Sáliba? Como

1 Doutora em Antropologia Social/UFSC, Co-diretora Shine a Ligh, Membro Grupo Gesto/UFSC. 2 Segundo Júlio César Melatti, num pequeno texto sobre os povos indígenas dos llanos, “Os Llanos se estendem entre a margem esquerda do Orinoco e os flancos orientais dos Andes, prolongando-se até o delta do mesmo rio. Os Llanos Ocidentais, que têm como limite meridional o Guaviare, é um tributário do Orinoco ao sul do qual domina a floresta amazônica e como fronteira setentrional o rio Portuguesa, um afluente do Apure, por sua vez afluente do Orinoco, que constituiria uma fronteira cultural dos índios dos Llanos. A fronteira colombiano-venezuelana cruza os Llanos Ocidentais. Trata-se de uma planície coberta de savanas e matas-galeria, cujo clima alterna regularmente uma estação chuvosa com outra seca. É uma região que parece assemelhar-se com os cerrados e florestas-galeria do centro-oeste do Brasil, inclusive pela freqüência da palmeira moriche (Mauritia flexuosa), do mesmo gênero de nossa palmeira buriti (Mauritia vinifera)” (Melatti, 1997:01).

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seria possível um trabalho de vídeo com os mesmos? Íamos acompanhados de um líder

sáliba. Aquela era uma longa e noturna viagem, por uma estrada de buracos gigatescos,

saindo de Yopal, capital de Casanare, em direção a Orocué. Pelo caminho, alguns

soldados pararam o ônibus para vistorias, ocasionando mais tensões na viagem.

Depois de um lindo amanhacer nas planícies, chegamos numa pequena vila, onde nos

esperavam num centro comunitário, professores e lideranças Sáliba. Cedo pela manhã

conversamos sobre o projeto de vídeo a ser desenvolvido com esses.

Atento à internet e à produção videográfica feita sobre e por indígenas, Herardo

Horopo, um líder dos Índios Sáliba da cabeceira do Río Orinoco, havia contactado

Kurt Shaw em 2004, através do site da ONG Shine a Light. Quando foi possível a

execução do projeto em 2007, eu realizava alguns projetos de produção videográfica

com Shine a Light, e esse seria um dos projetos a ser desenvolvido.

O intuito de Heraldo Horopo era de produzirmos com as crianças das reservas

sáliba um material videográfico ao modelo do Statel Stuk, feito com os Mayas de

Chiapas, México, numa parceira de Shine a Light com a Organização Não

Governamental Maya Melel Xojobal3. O que fizera o líder Sáliba buscar meios para

produzir um material sobre eles próprios, era o fato que enfrentavam-se com um

dilema: o contato com o mundo fora das reservas, que vem sendo uma constante entre

os Sáliba desde o século XVII com o contato com os missionários, bem como a entrada

dos serviços do estado e dos benefícios oferecidos por esse (escola, sistema público de

saúde, cesta básica), vinha fazendo os Sálibas afastarem-se gradativamente do uso da

língua Sáliba na cotidianidade, e de hábitos ancestrais que, segundo eles próprios,

caracteriza a vida sáliba. Embora os Sálibas sejam conhecidos como negociadores com

outros povos, e demonstrassem desde o princípio do contato conosco de gostar de

interagir com os produtos culturais e com o modo de vida moderno (incluso alguns

deles frequentando universidades), não queriam perder o seu próprio modo de vida,

sua língua, seus rituais, etc. Estavam cientes que a perda da língua implica em perder

muito mais, conforme afirmou um dos professores Sálibas quando chegamos na

3 Statel Stuk trata-se de um trabalho videográfico onde as crianças mayas mostram uma visão sobre si mesmos, incluíndo o seu modo de pensar, agir e representarem-se. Alguns líderes mayas, organizados, queriam mostrar as dificuldades que seu povo enfrentava vivendo num meio urbano, turístico, fora da aldeia.

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reserva. Os Sálibas que nos contactaram pretendiam reavivar o uso da língua nas

reservas, mantendo-se bilíngues; queriam produzir um material bilíngue sobre si

mesmos – tanto em espanhol quanto em Sáliba, que auxiliasse as crianças, mesmo

frequentando a escola (cujo ensino era ainda em espanhol) falassem o idioma nativo.

Embora nos anos oitenta os Sáliba tivessem conquistado o direito a escolas nas

reservas, foi somente nos anos 2000 que conseguiram que os professores dessas

escolas fossem, em maioria, membros da comunidade sáliba. Isso mudara a dinâmica da

escola e eles queriam aproveitar da situação para voltar a falar a língua sáliba entre as

várias gerações. Antecipando-se ao movimento em prol do direito ao uso da própria

língua nativa nas escolas indígenas, os sálibas propunham fazer algo concreto que os

auxiliasse nesse processo, já que percebiam o forte interesse das crianças pela

tecnologia, mas com a desvantagem a eles que grande parte da tecnologia se acessa em

outras línguas que não sáliba.

A língua Sáliba parece ser entendida por seus falantes como um importante

aspecto de diferenciação entre os demais grupos étnicos, mas também aquela que

carrega em si aspectos cosmológicos, identitários, do fazer cotidiano, dos ritos e mitos,

etc, como nos mostra o documento produzido por esses: “Proyecto Educativo

Comunitario del Pueblo Sáliba de Casanare”

Una de las preocupaciones sobre la permanencia y el control de las

dimensiones culturales, lo aporta nuestra lengua materna, la que nos permite una manera de pensar y conducirnos con autonomía; nuestro ethos cultural genera costumbres y usos, que nos definen como un pueblo dentro del concierto de lo diverso; los ritos y los mitos, son la estrategia de transmisión de la cultura permitiendo la actualización; nuestra medicina tradicional constituye una manera de restituir la armonía y el equilibrio entre la Madre Naturaleza, el comportamiento social y las normatividad trasgredida; el mundo diverso en que vivimos, nos da un territorio, donde está la vida de nosostros y de todos los seres, espacio de reproducción cultural dónde se desarrolla el pensamiento, sistema de gobierno, la cultura, el arte, la educación,entre otros tejidos sociales (Proyecto Educativo Comunitario del Pueblo Sáliba de Casanare, 2006:86)

A língua sáliba somente se assemelharia em parte com a língua falada pelos

piaroa, da Venezuela, com os quais os próprios Sálibas admitem haver algum

parentesco lingüístico. “Conseguimos nos comunicar”, afirmou um dos líderes sáliba.

Em alguns casos vêm sendo classificada por especialistas como família lingüística

Sáliba-Piaroa, e em outros somente Sáliba. Em 1920, Paul Rivet já destacava esse

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afinidade lingüística entre os Piaroa e os Sáliba4, tese essa que parece não ter sido

contrariada até o momento, embora alguns lingüístas queiram agregar a essa família

outros grupos como os mako, considerado por Migliazza (1985) como um dialeto dos

Piaroa - logo, parte da família lingüística sáliba-piaroa.

No primeiro dia em que nos reunimos com alguns dos professores das reservas

Sáliba, esses afirmaram perceber que com o desuso da língua também iam se perdendo

aspectos importantes da convívio e da cultura Sáliba, como os rezos, os rituais de

iniciação, os modos de convívio diário. Um dos educadores afirmou que toda a riqueza

que os sáliba possuem e valorizam na sua cultura pode se perder com a perda da

língua, uma riqueza que, segundo ele, remete ao mundo ancestral sáliba; isso acarretaria

na perda de muitas coisas da “grande história do nosso povo”, nos afirmou esse

informante. Também afirmou que para seguirem com a cosmologia sáliba precisam da

lingual. Só assim poderiam se relacionar com os diferentes mundos dessa cosmologia,

aspecto que vamos tratar com mais detalhes adiante. Afirmaram que atualmente já não

praticavam rituais que eram freqüentes poucos anos atrás, como pintar as adolescentes

quando mestruassem pela primeira vez, preparando-as assim para o casamento. Os

jovens e as crianças não usavam, como os velhos e alguns adultos ainda o faziam, os

rezos sáliba, o uso ritual das ervas e os métodos tradicionais de cura, as técnicas de

caça e pesca, os conhecimentos de parto, e especialmente, sentiam estarem perdendo

prescrições e o respeito a determinados mitos Sáliba. Um dos professores disse que

por adquirirem o hábito de viverem em pequenas casas nucleares5, agora bastante

difundido naquelas comunidades, eliminaram um importante momento nas reservas: o

da vida comunitária na “casa redonda”, local onde gerações podiam conviver e aprender

mutalmente. Nas antigas moradias coletivas, “as casas grandes redondas”, afirmavam

ser freqüente a fogata, um fogo feito no centro da casa, ocasião em que se aprendia e se

mantinha, através do contato freqüente entre as diversas gerações Sáliba, aspectos

fundamentais da cosmovisão e da cultura Sáliba. Na fogata, afirmou Samuel Joropa,

4 Rivet, Paul. Affinités du Sáliba et du Piaróa. Journal de la Société des Américanistes. Year 1920. Volume 1. Issue 12, pp. 11-20. 5 Embora as casas se situem sempre perto de parentes próximos, como de costume, agora, apoiados por programas de governo os Sálibas constróem também pequenas casas, onde se agregam famílias nucleares. Muitas dessas casas, no entanto, ainda seguem o modo tradicional de construção, com

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era frequente se contar histórias, falar do modo como os Sálibas concebem a vida

comunitária, lembrar das prescrições e proibições relacionadas à cosmovisão do grupo,

aprender a conviver e a interagir diariamente com diferentes gerações. Assim, parecia

que os Sáliba buscavam, através da produção dos vídeos, ferramentas que

possibilitassem negociar entre a modernidade e a tradição, entre o modo de vida dos

anciões e o das crianças, já que, segundo eles, os mais velhos conservam e conhecem

vários aspectos que consideram essencial manter no estilo de vida sáliba6, mas são

também as crianças e os jovens agentes de mudanças para uma vida melhor, e as que

entendem melhor o mundo contemporâneo e o acesso à tecnologia, essa considerada

importante para os sáliba.

Os Sáliba mostraram-se cientes do que diz Cauby Novães (1998:117) de que

“Imagens (…) são artefatos culturais” (…). E que “que a produção de registros

fotográficos, fílmicos e videográficos pode permitir a reconstituição da história cultural

de grupos sociais, bem como permitir um melhor entendimento de processos de

mudança social, do impacto das frentes econômicas e da dinãmica das relações

interétnicas”. Era por isso que nos contactaram, embora eles mesmos revelaram que

tinham corrido com alguns outros pesquisadores, especialmente um “antropólogo”

que segundo um dos informantes, “queria descobrir onde estaria enterrado o Tesouro

do Caribabare”7. No entanto, afirmaram terem ocasionalmente visitas de estudiosos

paredes e telhados feitos de folhas de palmas, o que garante o frescor das casas sáliba. Algumas casas têm, em separado, banheiros feitos de cimento. 6 Os modos tradicionais de produção de artesanatos de uso doméstico e cotidiano (talhadas em madeira, no barro e ou com fibras), a medicina tradicional, as formas tradicionais de cultivo, de caça, pesca, os rituais de cura, ainda praticados pelos curandeiros locais, os rezos, também em parte presentes no dia-a-dia especialmente dos anciões e dos acima de 30 anos, entre outros. 7 Contam os sálibas que tal tesouro fora enterrado pelos jesuítas no período que foram expulsos da Colômbia. Ao serem expulsos das missões, os jesuítas não conseguiram levar todo o ouro pego pelos fiéis e o enterraram na missão jesuítica, que fica próxima das terras onde se localizam os resquardos sáliba. (Ver Omaña, 1995). Segundo Pacheco (sd) a missão jesuítica nas planícies Colômbianas começou quando o arcebispo de Santafé, Hernando Arias de Ugarte, preocupado com o “abandono espiritual de los Índios de los Llanos del Casanare, confió esta región a la Compañía de Jesús (1624), entregándole la doctrina de Chita, entonces en mano del clero diocesano” (:10). Alguns jesuitas trabalharam por alguns anos nesta missão, até que o sucessor da sede de Santafé passou a duvidar do mesmo e os jesuitas tiveram que abandonar-la en 1628 (Pacheco, sd). Depois disso, em 1959, alguns indigenas de Tame foram a Santafé pedir doutrineiros. Diz Pacheco (sd) ainda que “Em 1659 o provincial Hernando Cabero restaurou a anterior misión. Enviou em 1661, Ignacio Cano, Juan Fernández Pedroche e Alonso de Neira, a los que se unió el francés Antonio Bois-le-vert (castellanizado en Monteverde). Estes misionários fundaram as doctrinas de o reducciones de Pauto, Tame, San Salvador del Casanare, Nuestra Señora del Pilar de Patute y Macaguane, as quais se juntaram novos misionários. “Los indígenas evangelizados eran al principio sobre todo achaguas y tunebos; se

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lingüístas, com os quais mantinham largo contato8. Nós, em contraste, íamos a convite

deles e para o fim específico que desejavam. Os onze dias que estivemos entre eles foi

de imensa troca, resultando numa produção videográfica interessante e reveladora do

modo de vida e dos mistérios9 sálibas.

Os principais resguardos sáliba são: Consejo, Ucumo, Duya, San Juanito,

Caimán, Paravare, Guanapalo, Macucuama, Tapaojo e Santa Rosalía, este último

situado no baixo Casanare. Segundo Sanches (2003), a população estimada, somando

os vários resguardos é de 1.929 pessoas. Estivemos em três reservas: Consejo, Duya e

San Juanito, locais onde realizamos o trabalho de vídeo, articulado entre os líderes, os

professores locais, as crianças Sáliba, especialmente as freqüentadoras das escolas

Sáliba presentes em cada uma das reservas, e suas famílias. Os Sálibas foram bastante

acolhedores. Nos receberam com curiosidade, e normalmente com um tom bastante

descontraído, fazendo piadas jogosas sobre “gringos”. Tanto os bebês, as crianças

quanto jovens, adultos e anciãos10 estavam presentes nos eventos de gravação, e notei

haver entre eles um respeito ao conhecimento e ao interesse de cada qual. Os grupos

onde estive normalmente falavam Sáliba em casa, especialmente entre os adultos e os

mais velhos (alguns somente falantes da língua Sáliba), mas com as crianças e entre as

crianças, predominava o espanhol, já que essas foram inseridas nas escolas, onde se

ensinou por anos somente em espanhol. Todas as crianças Sáliba pareciam

compreender perfeitamente a língua Sáliba, mas normalmente respondiam em

extendió luego a guahivos y sálibas” (Pacheco, sd: 14,15). 8 Talvés seja esse um dos motivos de existirem poucos trabalhos acadêmicos antropológicos sobre os Sálibas, mas acredito que outro forte motivo era que nos anos oitenta, período de poucos estudos naquela região, a Guerrilha Colombiana era bastante acentuada naquela parte do país. Encontrei disponível, em grande parte, estudos lingüísticos sobre os sáliba. Ainda assim, Alain Fabre (2005:01), considera que “La lengua sáliba ha sido objeto de pocos estudios. Caben mencionarse, entre los más recientes, a los siguientes: Benaissa (1979, 1991), Estrada (1996, 2000), Morse & Frank (1997), Morse, Frank & Simons (2003) y Suárez (1977)”. Alguns dos pesquisadores que estiveram entre os sáliba e aqui citados, são parte do Summer Institute of Linguistics (SIL), tão fortemente criticado por ter um projeto de pesquisa e conhecimento da língua que envolve, ao mesmo tempo, catequizar os povos indígenas dentro de uma doutrina evangélica. Nas conversas sobre religião, creencias, como eles diziam, percebi que os sálibas aderem ainda hoje alguns preceitos jesuíticos da velha catequisação, mais que aos novos movimentos religiosos que vêm catequizando grupos índigenas pelo mundo. 9 Expressão usada por alguns sáliba para referir-se aos aspectos simbólicos e praticos, essências dentro do conhecimento e dos habitos sáliba, não evidentes por si, como as prescrições.

10 Segundo o “Plan de Vida Pueblo Sáliba. Sueños de Pervivencia”. documento formulado pela Asociación de Autoridades Indígenas Sálibas de Orocué (ASAISOC) em 2004, enviado a nós antes de

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espanhol. Alguns adultos mencionaram o fato das crianças demonstrarem uma certa

vergonha em falar“la lengua”. Explicaram que isso se deu quando as escolas foram

criadas nas reservas, e os profissionais contratados combatiam o uso da língua nativa,

por não a entenderem.

A produção do material videográfico bilíngue, resultado da nossa estada entre

os sáliba e dsiponível online em http://www.shinealight.org/Saliva.html, serve

atualmente como recurso didático nas escolas indígenas, que vêm gradativamente

substituindo as aulas em espanhol pelas aulas em Sáliba. Seu uso, segundo o relato

posterior à nossa estada na região feita pelos sáliba, auxilia no processo de recuperação

do uso cotidiano da língua Sáliba. A produção, embora acompanhada e mediada pelos

adultos, foi feita especialmente com as crianças Sáliba11. Entrevistamos os mais velhos

e ou alguns especialistas sáliba.

Patrícia Monte-Mór (1990:6), falando sobre texto escrito e imagem nos

estudos antropológicos, diz que “Conscientes de que ambos são construções, autorais,

ficamos mais livres para produzir novos filmes, vídeos e ensaios fotográficos, não

como ‘simples registros do real’, mas como construções a partir da observação e da

pesquisa”. Para mim, e, certamente para os próprios Sálibas, o material produzido foi

um meio de pesquisa e de contato com aspectos que consideram importantes na sua

própria cultura e uma possibilidade de construção de conhecimento. Como Lagrou

(2005:23), falo de imagens (verbais, visuais e virtuais) “em vez de em artefatos”

porque meu interesse foi também “em imagens veladas e imateriais e com a

importância de experiências às quais se ilude apenas, […] quanto em objetos

interagindo uns com os outros num mundo imediatamente observável”.

Os sáliba vivem certamente um processo de autopoiesis, como veremos no

decorrer desse artigo e nos filmes que resultaram do contato com esses. Isto é, vivem

um processo constante de produção de novos sentidos. Esse processo, como indica

visitarmos a reserva, os Sálibas dividem as idades da seguinte forma: menores de um ano, menores de 5 anos, entre 5 e 18 anos, entre 18 e 60 anos, e finalmente os maiores, considerados anciões. 11 Os Sálibas haviam nos convidado para esse projeto por trabalharmos com mídia digital com crianças. Entendiam que necessitavam acessar conhecimentos com os mais velhos e que se pudessem colocar o interesse das crianças na própria fala deles usando a mídia, estariam dando um passo importante para colocar em foco o saber Sáliba; queriam que fossem as próprias crianças as que produzissem esse conhecimento, podendo assim sentirem-se parte da produção de um saber que estariam apreciando mais tarde.

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Lagrou (2005) continua, no nosso caso, no contexto do encontro etnográfico. E

acrecentaria, videográfico. Foram os próprios sáliba os que dicidiram o que queriam

filmar. Por isso, o nosso olhar seguia principalmente os interesses deles, do mesmo

modo que esse artigo o segue. Os “nativos” fizeram perguntas aos seus, embora nossa

presença e indagações tenha reavivado memórias, saberes, vínculos. Nós

acrescentamos outras perguntas mais, que nos foram incitadas nesse contato.

Olhar persistente

Querendo interagir um pouco mais com os garotos da família que nos recebera

para o almoço no primeiro dia, fomos numa tarde a uma partida de futebol, que

aconteceria entre os moradores da reserva Concejo. Dela participariam crianças, jovens

e homens Sáliba, mas especialmente as crianças eram os protagonistas da partida.

Também eram em maior número. Quando chegamos, os rapazes se dirigiram ao campo,

e eu me direcionei ao local onde sentavam várias mulheres e crianças, num dos lados do

campo. Fui me aproximando, cumprimentando as pessoas. Apenas duas ou três

mulheres responderam, timidamente, e as muitas crianças pequenas que lá se

encontravam, ficaram me olhando fixamente, sem nada dizer. Segui até onde estavam

algumas mulheres e, pedindo permissão, sentei mais ou menos próximo a elas. Um

silêncio se fez entre nós por uns minutos e só se rompeu quando o jogo começou.

Os jogadores corriam de um lado a outro, gritando. Embora o jogo de futebol

enchesse agora o silêncio do lugar, eu pouco pude participar do evento futibolístico,

ainda que como expectadora. Uma cena instigante foi se construindo ao meu redor, sem

que eu tivesse chance de sair dela. Várias crianças pequenas, entre 2 e 5 anos

aproximadamente, foram se aproximando de mim e num instante me vi completamente

cercada por umas 15 delas. Me olhavam fixamente, sem desviar o olhar um segundo

sequer. Aquele modo de me olhar fixamente foi me constrangindo de tal modo, que,

sem saber exatamente como agir, tentei, sem sucesso, mudar e expressão da face, afim

de interagir com as mesmas. Nada. Quando tentei falar em espanhol, não notei

resposta além de olhares fixos aos meus momvimentos. Confesso que me senti como

um animal na jaula; ou, quem sabe, como um “nativo” se sente ao ser observado por

seus antropólogos? Envergonhada, completamente sem saber o que fazer, me mantive

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ali, quase imóvel, alvo daqueles pequenos olhos.

Depois de vários minutos, o movimento de uma das meninas que estava perto

de mim, mudou a situação. Ela deixara cair uma pequena pulseira de missangas que

tinha entre as mãos. Todos olhamos para a pulseira, que caíra bem perto de mim.

Parecia que algo grave acontecera que preocupara a todos. Um silêncio no ar. Eu

aproveitei a situação para uma aproximação da menina. Tomei a bijuteria do chão e

entreguei à menina. Ela sorriu timidamente, e ao pegar, deixou cair novamente e eu

aproveitei e juntei-a, jogando mais próximo dela, que agora notou minha intenção de

brincar, e jogou novamente a pulseira na minha direção, soltando uma tímida risadinha.

Percebendo que a brincadeira atraira alguns dos meus observadores, peguei um

pequeno pedaço de madeira que se encontrava no solo, joguei na direção de um outro

menino, que se encontrava ao lado da menina, acompanhando atento o jogo que

iniciara. Ele juntou e devolveu, rindo para mim. Fiz isso mais umas duas vezes antes

de ter todas as demais crianças juntando coisas do solo e lançando em minha direção,

rindo quando as lancavam e esperando que eu devolvesse para o arremesssador. Ali

fiquei por quase 30 minutos, ocupada com a nova estratégia de fazer vínculos, agora

coberta de pedaços de madeira, pequenas plantas soltas ao solo, partes secas de

árvores, as quais, ao receber, tentava devolver ao emissário. Ao final, depois de uns

minutos, tinha o colo coberto de coisas, e passei somente a soltá-los ao meu lado,

deixando claro que me cansara da brincadeira.

Nesse mesmo momento as mães passaram e chamaram algumas das crianças

para seguirem com elas, já que o futebol tinha finalizado. Voltaram às suas casas. A

brincadeira rendeu um vínculo com as crianças, ainda que temporário, e muitas picadas

de um pequeno e invisível ácaro chamado pelos Sáliba de coloradito12, que vinham

junto com o material orgânico que as crianças jogavam sobre meu colo. Acordei naquela

madrugada com dezenas de picadas, crescendo em bolas vermelhas pelo corpo, e

passei mais de uma semana tentando evitar aumentar o tamanho das feridas que dela se

originaram, que eram muitas. Quando cheguei em Bogotá novamente, ainda estava

12 No Brasil é conhecido como micuim. É um ácaro da família Trombiculidae, gênero Trombicula. As larvas desse ácaro são parasitas do homem e de diversos animais e ficam 15 dias no hospedeiro e causam dermatite intensa, pois inoculam saliva tóxica, que lesa as células, alimentando-se de tecido linfóide (Barsa).

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enfeita de picadas e tive dois dias de um cansaço intenso, com febre.

Dessa história, uma série de aspectos poderia explorar para falar sobre o modo

pelo qual percebi os Sáliba, e do modo que penso que se relacionam com o mundo.

Mas vou me centrar num aspecto que foi recorrrente durante a minha visita a eles: a

tremenda capacidade de concentração e observação que notei existir entre eles, também

espressa no olhar daquelas crianças. Notei entre eles uma grande valorização do olhar e

um senso estético que revelaram ter sobre o mundo. Os Sáliba, como os Piaroa

(Overing, 2005), parecem dar especial atenção a uma estética do cotidiano, marcando

no fazer diário, o cuidado com os objetos e com os seres que os rodeiam (humanos e

não humanos) e nas relações que tecem entre si. Parte do conhecimento adquirido entre

e sobre os sálibas relato abaixo.

A arte Sáliba no fazer

O primeiro dia entre os Sáliba foi na Reserva Concejo, fomos recebidos por um

grupo de famílias locais, e várias das crianças que vinham para a escola. Fomos

especialmente acolhidos pela família do professor Samuel Joroba e pela família de Don

Evaristo Catimay, o mais velho ancião Sáliba da região. Em contato com as crianças e

alguns dos membros dos resguardos, foi interessante notar o interesse dos mesmos

pela produção de imagens. Em poucos minutos em contato com a câmera fotográfica e

com a filmadora, os Sálibas produziram um acervo interessante de imagens. Foram

rapidamente conversando entre eles e agilizando os recursos humanos para as

filmagens, falando com uns para concederem entrevistas, com outros para traduzirem

ao espanhol, etc.

Flechas: eu cuido pra fazer bem bonita

Nesse primero dia inicíamos as filmagens. Don Evaristo Catimay (86 anos),

ancião caçador, famoso por produzir boas flechas, aceitou imediatamente produzir e

ensinar frente às câmeras como fazer uma flecha. As crianças, auxiliadas por mim e

Kurt Shaw, filmaram e fotografaram as diferentes etapas do processo. Ensinando em

língua Sáliba, o que Don Evaristo dizia era filmado pelas crianças e traduzido para o

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espanhol por Samuel Joropa, professor daquela reserva. Ao lado de Don Evaristo

estavam também lideranças e caçadores Sáliba, que discutiam, paralelamente à

filmagem, como eram as caças, o que era importante saber para ser um bom caçador,

causos e situações que há poucos anos tinham experimentado, quando a caça era mais

presente entre eles. Antes de serem restrigidos em reservas, os homens Sáliba eram

exímios caçadores e pescadores, usando seu conhecimento para alimentar suas famílias.

O filme “Como hacer una Flecha”, disponível online em

http://www.shinealight.org/Flecha.html, resultado desse dia de filmagem, tem a beleza

e a calma que senti entre os Sáliba. Don Evaristo é um dos maiores conhecedores da

caça local, e por isso recebe o respeito da comunidade. Tal respeito não é uma

exigência do conhecedor, mas um forma dos sáliba em reconhecer o conhecimento que

uma pessoa possui, fato que vi existir também com as crianças, que eram incentivadas,

mas não forçadas, a participarem de cada atividade proposta naquele dia. Participavam

na medida do seu interesse, e da forma como desejassem. Ao construir a flecha, Don

Evaristo tomava cuidados especiais na produção de cada etapa, e a beleza da flecha

estava também ligado ao seu bom funcionamento. O ferro deveria ser bem polido, as

penas bem cortadas e atadas, as partes da flecha (macho e fêmea) bem encaixáveis um

ao outro, e ao final, um olhar apurado do artista notava se essa tinha a simetria e

alinhamentos corretos para o seu funcionamento. Um comentário ao final mostra o

senso do ideal estético da produção da flecha. Sr Evaristo - A flecha está pronta. Tá bonita. Rita - O que se pode caçar com essa flecha? E - A Cachican...Dá uma olhada. Como lhe pareceu que ficou? Tem que ver de qual lado se

pode botar o arco. Hoje em dia o pessoal não tenta fazer flechas tão bonitas. Eles não tomam cuidado ao fazer. Mas quando eu vejo uma flecha, eu presto atenção. Eu cuido para fazer bem bonita.

E o especialista brinca com os demais: E - Quando nós costumávamos caçar perto daqui, eu pegava peixes grandes. Vamos para o

riacho para flechar e pescar, então? (risos) R -Vamos.

Depois de filmarmos Don Evaristo fazendo a flecha, as crianças seguiram com

a câmera fotográfica em mãos, e a levaram para outros ambientes onde não entrei.

Foram para dentro da grande casa, onde fotografaram a família, fotografaram-se uns

aos outros sorrindo, brincando, estudando, etc. Nos fotografaram várias vezes ao lado

Page 12: Saberes e mistérios Sáliba

deles. Mas o maior motivador das fotos era a relação deles com os animais. Patos,

cachorros, gatos, gados, pareciam parte da vida cotidiana das crianças, com os quais

demonstram ter alegria e intimidade no convívio caseiro. As fotos tiradas pelos sáliba

revelam simplicidade e a beleza do convivio entre os mesmos, bem como a intimidade

da aproximação e o contexto do processo da filmagem13.

Artesanato e o respeito ao conhecimento da astronomia

O mesmo zelo pelo fazer artesanal de Don Evaristo ao cofeccionar a flecha

mostrou ter Tobias Guacarapare, da reserva San Juanito, ao fazer o sibucán e o roba

índia, dois outros artesanatos tradicionais entre os Sáliba, bem como na reserva Duya,

o Sr. Santos Heliodoro Caribana, ao fazer o sombreiro de palha (chapéu de palha) e

Luís María Caribana e Domitila Guacarapare, ao mostrarem o processo do fazer da

roupa ritualística sáliba.

O sibucán é um aparato de uso culinário dos Sáliba; trata-se de uma espécie de

saco feito de filamentos de Palma de Moriche14, que serve para expremer massas,

separando a água nela contida (de yuca, maiz, etc), secando a mesma para o fabrico de

alimentos. É usado especialmente no fabrico do casabe, um pão típico feito de yuca

doce, descrito também nesse artigo. Já o roba índia, que segue mais ou menos o

mesmo padrão de produção do sibucán, é uma peça que serve de adorno e para

brincadeiras acerca do rapto de mulheres15. O detalhe na produção dos dois artefatos

vai desde a colheita do material (fibras), que devem seguir prescrições, a preparação da

mesma, que implica no bom corte da fibra, separação da parte mais flexível e durável

da mesma, e o processo de entrelaçamento entre as fibras, que requer atenção, cuidado

e conhecimento artesanal e geométrico. No caso do sibucán, as várias fibras (num

número aproximado de 42 - dependendo do tamanho do sibucán que se deseja se pode

agregar mais, mas sempre em número par) são entrelaçadas numa trança complexa,

13 Ver artigo iconográfico nessa mesma edição da Revista Tellus. 14 Também conhecida no Brasil como Palma de Buriti. 15 Embora tenham usado o termo rapto de mulheres e até brincado com uma das adolescentes de que ia ser raptada, não fui capaz de perceber se há ou houve, em algum período, a prática do rapto, ou se aquela foi apenas uma brincadeira usado naquele momento.

Page 13: Saberes e mistérios Sáliba

iniciada num entrelaçamento transversal de dois feixes da fibra, de forma a permitir

que, ao serem devidamente malhadas, corram entre si, para aumentar e diminuir o

espaço interno do “saco”, e assim ser capaz de espremer a massa nele introduzida.

Para produzir um sibucán, um especialista necessitará de 6 horas de trabalho intenso.

Já um Rouba índia foi produzido como modelo em menos de 1 hora de trabalho. Para

ver o filme “Artesania Sáliba: Roba índia e Sibucán”, onde acessar

http://www.shinealight.org/salibasibucan.html. Depois de fabricar um roba índia,

acompanhados de um número de quase 20 crianças seguimos até a casa do especialista

para ver os sibucáns já fabricados e um deles iniciado.

O chapéu de palha dos sáliba feito pelo Sr. Santos Heliodoro Caribana

(Reserva Duya) é tradicionalmente produzido a partir de um capim chamado

colemocho, que só pode ser cortado no período de lua minguante para que o mesmo

não mude de cor e não apodreça rapidamente16. Sr. Santos disse ser necessário rezar o

pasto no ato da colheita, para que os bebês não tenham problemas com a ação desse

sobre si17. Afirmou que quando se colhe e não se reza o pasto, esse pode ferir o

umbigo da criança e pode matá-la. Depois de cortado o capim, se deixa secar na

sombra, e depois de seco, se tece o chapéu com cuidado para que as fibras sejam

costuradas uniformemente, sem deixar uma parte grossa e outra fina. A costura é

tradicionalmente feita com fibra de Moriche, uma palmeira comum na região, que

envolve várias prescriçoes entre os sáliba, como destacaremos mais adiante. Os sáliba,

atualmente, vêm usando fibra de nylion para que o chapéu tenha maior durabilidade.

Para ver o filme “El Sombrero de Palha”, acessar

http://www.shinealight.org/Sombrero.html.

16 Os sáliba guardam o conhecimento da lua adequada para a colheita e plantio de cada espécie. Respeitam a colheita no período de lua indicado por seus ancestrais para todos os materiais, incluso os utilizados para fabrico de artesanato e construção de casas. Nesse caso, não devem ser cortados na fase crescente. Já existem outros devem ser cortados na fase crescente, como a do talho de Moriche para confeccionar o sibucán e o roba índia. Já no plantio, a mazorca (milho), a yucca (mandioca ou aipim), e plátano (banana), devem ser plantados em lua minguante, pois se plantados na fase da lua crescente, vão crescer bonitas, mas não darão frutos bons ou raíz grande. A cana de açúcar, ao contrário, deve ser plantada na crescente. Também têm restrições para os dias da semana. Nas quintas feiras, por exemplo, não recomendam plantar a yuca, pois dizem que se plantada nesse dia, a raiz ficara presa no meio do talo. Também evitam sair na terça feira para caçar nem para viajar, já que nesse dia estão mais suceptíveis a acontecimentos desagradáveis. Por isso, evitam-no. Estes são conhecimentos que os sáliba aprenderam de seus antepassados e que respeitam no seu cotidiano, e que temem perder com o desuso da língua sáliba. 17 Este é um tema recorrente entre os sáliba e voltarei a ele nos sub-ítens que se seguem.

Page 14: Saberes e mistérios Sáliba

Culinária Na reserva de San Juanito, fomos recebidos na escola local pelas crianças e

pelos professor Teófilos Joropa. Nessa reserva queriam gravar como se faz um prato

típico da culinária Sáliba: o casabe, que se trata de um pão fino feito de farinha de

mandioca doce. Acompanhados de umas 15 crianças de faixa etária entre 5 e 14 anos, e

do professor e professora sáliba, seguimos para a casa dos tios de Teófilos, que nos

aguardavam para a gravação. Lá, encontramos Dionilda Catimay, uma senhora de

aproximadamente 55 anos, que se encontrava deitada numa rede, já que estava doente

naqueles dias. Segurava consigo, uma criança de aproximadamente dois anos. Também

estava na casa duas de suas filhas e seu marido, que costurava um saco de pesca com

uma grande agulha.

Acompanhados de umas 15 crianças, fomos até o plantio de yuca dulce (aipim

ou mandioca doce18) e gravando cada passo, registramos na língua Sáliba traduzido

para o espanhol, o modo de produzir casabe. O processo de fazer o casabe se começa

arrancando a yuca da terra, pois se precisa de yuca fresca. Dessa, se aproveita a raíz

para o casabe e os talos ou caules se usa para um novo plantio. Se prepara yuca doce

também cozida, em forma de yare (suco de yuca) e o mañoco, todos comidas típicas

entre os sáliba. Segundo Teófilos, fazer o casabe é um dos hábitos cotidianos entre os

sáliba, e são as mulheres quem normalmente se encarregam do mesmo. Adolescentes

aprendem desde cedo a preparar essa comida.

Durante o fabrico do casabe, Dionilda Catimay, da rede situada na entrada da

cozinha, ajudava na descrição do modo de fazer. Se raspa a raiz da yuca doce para

extrair a parte escurecida, se lava e rala a mesma em um grande ralador feito de

alumínio, para transformar a raíz em massa de yuca. Depois de ralado, se coloca a

massa num sibucán, o espremedor feito de bambu citado já no item anterior, para

extrair a água da farinha. Depois disso, coloca-se em um manar (um pilão) e soca para

afinar a farinha ralada. Peneira-se essa farinha, separando a parte mais fina da mais

18 No Vocabulário Sáliba-Espanhol, Espanhol-Sáliba, compilado por Taik Benaissa em 1991, pude encontrar mais de10 tipos diferentes de yuca.

Page 15: Saberes e mistérios Sáliba

grossa. Da parte mais fina se faz o casabe. Estando a massa pronta, se prepara o fogo,

e se espalha a mesma no budare de argila, uma espécie de forma feito pelos sáliba,

onde se cozinha. É preciso saber como se espalha a massa no budare para que o

casabe não fique desuniforme, e também saber controlar o fogo para que o casabe não

que se queime. Embora alguns dos membros do grupo tivessem dito que as jovens não

se interessam mais pelo fabrico do casabe, foram 3 delas, todas com aproximadamente

15 anos, quem lideraram e fizeram o processo como um todo, descascando, limpando,

ralando a yuca, extraindo o líquido da massa, e preparando a farinha sobre o budare

para o cozimento do casabe. O modo como os Sáliba realizaram a produção do casabe

mostrou ser essa uma tarefa feminina, embora os homens sejam tambem responsáveis

pelo prantio da yuca. Assim como o casabe, as peças em argila usadas na cozinha

sáliba normalmente são feita unicamente por mulheres.

Durante o processo da gravação desse documentário foram as crianças de 04 a

14 anos de idade que filmavam. O modo com que essas mantinham o foco e a firmeza

ao segurarem a câmera mostrava a atenção que os Sáliba mantêm num determinado

tema, aspecto nem sempre encontrado em grupos que havia trabalhado anteriormente

que tinham pouco acesso à tecnologia. O filme “Como hacer Casabe” está disponível

em http://www.shinealight.org/salibacasave.html.

Uma cosmologia Sáliba: medicina, parto, rezos e outros mistérios

A medicina

O segundo dia na reserva de Concejo foi dedicado a gravar conhecimentos de

medicina entre os Sáliba. Iríamos aproveitar a visita do pai de Samuel Joropa, o Sr Juan

de La Cruz Joropa19, de aproximadamente 75 anos, à reserva Concejo. Vinha

caminhando desde a Reserva Guanapalo, situada à sete horas de Concejo. Com ele, seu

filho Samuel, seus dois netos, Neider e Gordo e um dos sobrinhos, Esau Alberto

Gaitán Ponare percorremos a reserva, buscando ervas, árvores e arbustos os quais os

19 Infelizmente Sr Juan de La Cruz Joropa, um homem doce e de muito bom humor, faleceu em meados de 2009.

Page 16: Saberes e mistérios Sáliba

Sáliba recorrem em casos de enfermidade. Com um humor peculiar, sempre

comentando situações engraçadas ou fazendo pequenas piadas contextualizadas, Sr

Juan ensinou em língua sáliba os métodos de colheita, as receitas de cura e o modo de

usar cada um dos medicamentos. Embora o Sr Juan fosse procurado como conhecedor

de botânica, medicina, rezos Sáliba, e fosse até um parteiro conhecido, disse que nunca

quiz assumir a profissão de curador pois, segundo ele, exige uma série de

comportamentos da pessoa que ele não queria assumir como o jejum sexual e os

estados de embriagues necessários. Um curandeiro, para obter esse status entre os

Sáliba, deve fazer jejum sexual e alimentar e deve beber frequentemente a bebida

alcóolica dos Sáliba para que possa acessar o conhecimento da emfermidade de forma

mais eficaz. Sr. Juan disse ser incapaz de cumprir com tais aspectos, e que prefiria

fazer o que sabia sem precisar recorrer profundamente aos conhecimentos que

recorrem os chupadores e curandeiros Sáliba. Falava especialmente da especialidade do

chupador, um curandeiro sáliba que tem capacidade de extrair a doença do enfermo

chupando a mesma com a boca. Segundo Sr. Juan, somente alguns dos curandeiros

chegam a desenvolver essa capacidade, especialmente porque é uma especialidade que

exige muito contato com os espíritos, que é feito em momentos de embriagues do

curandeiro. Para a filmagem, fomos percorrendo os pasto, os quintais onde se cultivam

ervas caseiras, a floresta e as proximidades dos rios dos Sáliba, para buscar plantas que

servem de medicamentos Sáliba.

Embora se possa recorrer à essas plantas e colhe-las quando se precisa delas, Sr

Juan disse que Se tem tradição que a maioria dos remédios se colhe na Sexta feira Santa. Qualquer planta que se pode guardar se colhe nesse dia. […] se colhe na sexta feira Santa e se guarda sobre o fogão, onde se cozinha. Aí ela fica e quando uma pessoa precisa, se cozinha e se serve.

As principais emfermidades apontados pelos Sáliba são a dor de rins, diarréia,

especialmente infantil, a agitação infantil, as infecções, gripes, febres, tosses, feridas no

corpo, dores no peito (coração, pulmão), males ocasionados pelos espíritos malos

(painodo) especialmente aos recen nascidos, como a diárreia, o susto, os sonhos ruins

(também a mãe pode ser atacada). Painodos podem levar uma criança consigo,

matando-a. Também atacam as mulheres em período menstrual. Para defenderem-se

desses espíritos, uma das estratégias dos sáliba é queimar a resina de uma árvore,

Page 17: Saberes e mistérios Sáliba

encontrada nas florestas, a qual Sr Juan fez questão de nos mostrar, e que Samuel

explicou:

Samuel: Essa árvore se chama Paraño. É uma madeira. Ela tem uma resina que se usa para fazer "salmério", ou seja, se queima a resina para espantar os espíritos maus. Quando uma criança recen nasceu, ou quando uma mulher recen deu a luz, se queima a resina e se usa como protetor. Eles [a mae e o recen nascido] são perseguidos pelos espíritos maus. Esta é uma crença dos sálibas. Por exemplo, um menino pequenino não pode banhar-se no riacho. Entre os sáliba se crê que os espíritos maus saem da água. São os que nós chamamos Vainodos. Em sáliba o chamamos Vainodo. Ou vainode quando é um só.Existem muitos espíritos na água que são maus.Então para que eles não se aproximem e façam mau às pessoas, se molha com essa resina. Essa é uma resina grossa, parecida com a borracha. Rita - E qual é o mau que os espíritos fazem? Samuel: Causam muitos males. As vezes lhes dá diarréia, uma diarréia forte. As vezes os assustam, e se assusta as crianças não dormem tranqüilos. Ou a mãe, pode ter sonhos ruins. Então é porque os espíritos maus os estão perseguindo. Se perseguem muito a criança, matam-na. Sim, e a levam. Se crê que nos riachos, onde estão as pedras, nelas existem outros espíritos, maus também. Por isso se têm como proteção a resina dessa árvore. Ao se queimar a resina, ela produz um cheiro forte, que impede que os maus espíritos se aproximem da criança ou da mãe. Também as mulheres que estão no período menstrual, para que os espíritos maus não as persigam devem queimar a resina ou colocar na parte superior da coxa.

Aspectos similares foram relatados pelos demais informantes que nos

concederam entrevistas, como veremos. O filme “La Medicina Sáliba”, contando mais

sobre os rezos e os mistérios sáliba se encontra disponível no link

http://www.shinealight.org/hierbas.html.

Segundo os sáliba, a infermidade é usualmente atribuída a uma violação das

normas sociais, em especial as dirigidas a controlar e previnir a própria enfermidade,

ou seja, os cuidados higiênicos com os alimentos, o manejo sanitário adequado, do

descuido com o manejo dos recursos naturais, os cuidados com o corpo. Portanto, aos

sáliba é necessário estar atento todo momento ao cumprimento das normas sociais. O

ritual é o espaço próprio de cura. Isso se dá dentro de um sistema imaginário

representativo da enfermidade, que depende da cosmovisão do grupo. Ou seja, das

relações entre a comunidade, a natureza, as deidades e o médico tradicional. O ritual

de cura tenta restabelecer a harmonia e o equilibrio perdido nessa relação20.

Page 18: Saberes e mistérios Sáliba

O nascimento Sáliba

Ainda na reserva Concejo, gravamos a entrevista com a parteira Angela Ponare,

mãe de Marta Ponare, professora sáliba. Dona Angela contou sua própria história

como parteira. Com apenas 8 anos de idade, na casa dos tios, participou ativamente do

primeiro parto. Uma prima iniciara o trabalho de parto, mas tinha dificuldades porque

a criança se encontrava na posição virada ao esperado a um parto normal. Foi quando,

ao presenciar o sofrimento da prima e ao perceber que os adultos presentes (a mãe e

sua tia) não sabiam o que fazer, Angela começou a tocar a barriga da parturiente e

sentindo a posição da criança, tratou de movê-la para deixá-la com a cabeça para baixo.

Durante a entrevista, falou dos cuidados que a parteira deve ter ao auxiliar um parto, as

etapas do mesmo e deu especial enfase aos cuidados que se deve ter a família quando

nasce uma criança.

Quando uma criança sáliba está por nascer, a família da parturiente busca a

parteira em sua casa, e essa, ao chegar, verifica se a criança está na posição normal para

nascer. Se não está, arranja com as mãos para que a criança fique na posição certa;

depois prepara uma cama21, onde a criança será recebida no momento do parto, e

abraçando a parturiente por detrás, aperta na sua barriga, ajudando-a a fazer força para

o nascimento. Quando a mulher tem dificuldades no parto, os Sáliba preparam alguns

tipos de chás, como água das folhas de café, chá de barba de uma lapa macho (um tipo

de bagre), que auxiliam na descida da criança. Se ainda assim a criança não desce, é

preciso esperar um pouco mais para iniciar o parto. Entre os Sáliba, os homens

também exercem o papel de parteiros. Na entrevista, Samuel Joropa explica como seu

pai, Sr. Juan de La Cruz Joropa, utilizava métodos distintos para ajudar no processo

do nascimento. Esse faz rezos, bate com uma sombrinha preta nas costas da mulher,

ou oferece a essa chás de teia de aranha ou a clara de ovo para a mulher beber.

Quando nasce a criança, se corta o cordão umbilical com uma tesousa, se limpa

o sangue de todos os utensílios utilizados e ao pai da criança, se esse estiver presente

20 Referências encontradas no Proyecto Educativo Comunitario del Pueblo Sáliba de Casanare de 2006 (p. 85, 86), mas também comentado por ocasião da visita entre os sáliba. 21 Os Sáliba normalmente não dormem em camas, mas sim em redes confeccionadas por eles mesmos.

Page 19: Saberes e mistérios Sáliba

na hora do parto, obrigatoriamente caberá fazer um buraco no solo e enterrar a

placenta. Dona Angela e Samuel salientam que o parto, assim como todas as coisas

sáliba, têm seus “mistérios”. E falam longamente da importãncia dos cuidados que

devem ter o pai e a mãe da criança recem nascida. Depois que a criança nasce, o pai e a

mãe devem ficar atentos ao seu umbico, pois se crê que é pelo umbigo que vêm a vida

da criança. Entre os cuidados a serem tomados, os sáliba dizem que os pais não podem

usar agulhas para costurar por uns 15 - 20 dias, pois se o faz, maltrata o umbigo da

criança. Também não pode cortar coisas com facas. O pai não pode trabalhar e não

pode fazer coisas pesadas, pois se o faz a criança sofre e o peso do esforço pode fazer

saltar o umbigo para fora. Não pode sair para qualquer parte; não deve pisar onde

pisam vacas, cavalos, especialmente o gado zebu, pois esse tem um espírito mau que

pode afetar a criança e matá-la. Não pode passar por cima das pedras, ou andar pelos

rios pelas tardes, ou passar pelos pântanos, pois aí existem os espíritos maus da água,

que segundo os sáliba, são os piores espíritos que podem existir. Esses podem levar à

morte os recem nascidos. Também a mãe e a criança não podem passar por rios, pois o

espírito da água podem caçar a criança e matá-la. É preciso também cuidar das fezes da

criança, enterrando-a. Não se pode deixá-la sem cuidados pois existe um espanto, um

espririto chamado choloantê (tambem chamado pelos Sáliba de tui, ruainodito, ou

silvador), que se lambe as fezes, pode causar uma diarréia verde que destrói a criança.

Para se protegerem desses espíritos, os sálibas usam constantemente os rezos, que são

direcionados aos mesmos. As restrições também estão relacionadas ao alimento e à

bebida. Durante uns 15 a 20 dias a mãe não pode comer pescado, e quando for comer

pescado, esse deve ser rezado. O pai não pode ingerir bebida alcóolica, pois isso

embriagaria também a criança. Enquanto os pais estão em dieta, cabe à família e à

comunidade colaborar levando comida, especialmente carne, pescado, ou mariscos. Se

o casal já tem outros filhos mais velhos, cabe a esses a caça e a pesca. Se não, cabe aos

cunhados, aos tios da parturiente, ou a outro membro da família da mesma. Os

vizinhos podem levar alimento, como o casabe ou a mandioca, banana. Na dieta da

mulher, para que recupere as forças perdidas no parto, estão incluídos o caldo de ovos

e o sancoche (caldo de galinha criola).

As prescrições relacionadas a gerar um novo sáliba se extendem ao período de

Page 20: Saberes e mistérios Sáliba

gravidez. Os sálibas reconhecem que uma criança começa a aprender ainda dentro do

ventre. Assim, uma mulher Sáliba normalmente deve, ao engravidar, trabalhar do

mesmo modo ou ainda mais do que trabalha em outros períodos. Deve mostrar sua

força de trabalho, pois ainda no ventre a criança aprenderá a ser esforçado e a valorizar

o trabalhar. Dona Angela enfatizou que uma mulher preguiçosa produzirá uma criança

preguiçosa, o que é contrário ao modo de vida e ao ideal de pessoa sáliba.

Reconhecendo-se como fortes e trabalhadores, não cultuam a preguiça entre si e

valorizam uma pessoa que se esforça e trabalha duramente.

A cosmologia sáliba

Através da entrevista com o sr Juan de la Cruz Joropa e de Angela Ponaré, da

Reserva Concejo e com Luiz Maria Caribana e Santos Heliodoro Caribana, da Reserva

Duya, foi possível entender um pouco da cosmovisão dos sálida. Essa cosmovisão

relaciona todos os momentos da vida sáliba, cotidiano e ritualístico, e se relacionam

com os vários momentos da biografia de uma pessoa. Segundo a cosmologia Sáliba, é

na ação cotidiana e ritualística que esses se relacionam com todos os outros seres,

incluso os que eles chamam de seres invisíveis, que se encontram em todas as coisas

que vivem, como o espírito das árvores, das pedras, dos Moriches (palmeiras), e com

os quais eles dizem que se relacionam em todas as instancias da vida, respeitando-as.

Segundo os antepassados sáliba, conforme nos informa Luiz Maria Caribana Nos dizem os antepassados que na vida tudo se transformava: em pessoas, em coisas. Que tudo era uma só relação e que todos se comunicavam. E por isso, ao Moriche, se tem respeito, se tem cuidado. As árvores, todas as árvores têm um espírito ao qual se deve pedir permissão para usar, por exemplo, das frutas. O rezo é um pedido de pedido de permissão para se utilizar disso. E se não falamos a língua sáliba, como vamos fazer esses rezos para pedir a permissão, por exemplo? Um desenho encontrado no documento “Proyecto Educativo Comunitario del

Pueblo Sáliba de Casanare” de 2006, que segundo um dos informantes da Reserva

Duya, foi feito por uma das crianças sáliba, nos apresenta essa interrelação. A criança

mostra uma conexão entre o mundo mortal, o mundo cultural e o mundo imortal.

Embora para uma maior explanação do desenho penso ser necessário uma conversa

com o seu realizador, vou sugerir que esse expressa a relação agônica e fundamental

que os sáliba têm com esses três mundos, que em verdade são parte de um mesmo

Page 21: Saberes e mistérios Sáliba

mundo: o mundo sáliba. Parece que para os sáliba, a relação com a mortalidade e

imortalidade, passa pelo próprio mundo cultural que esses vivem, embora reconheçam

a existência de elementos que interagem com esse mundo e que, em relação com os

sáliba, pode causar desequilíbrio no seu universo cotidiano. Por isso, precisam sempre

cuidar, lutar, enganar os espíritos, ao mesmo tempo em que precisam cuidar desses e

respeitar sua existência, ou seja, negociar constamente com esses mundos.

O conhecimento saliba considera a agência da natureza e do mundo dos

espíritos em relação à agência humana. Para fazer extração de qualquer fruta, para

caçar, para pescar, devem pedir permissão a esses seres. Esse respeito é um respeito à

lei da origem, segundo o relato do Sr Santos Heliodoro. Se uma pessoa desrespeita tal

lei, esse desrespeito causa danos ao equilíbrio da vida comunitária e especialmente à

saúde de joxo (pessoa) e do grupo. Segundo a filosofia Sáliba, todas as coisas que

existem têm agência, têm sua própria vontade, mas cabe aos sáliba saberem como

evitarem que coisas ruins aconteçam, tomando precauções adequadas, e com isso,

controlando a ação dos demais seres sobre a vida deles. Assim, as enfermidades e a

morte, os conflitos latentes se manifestam quando os Sáliba não tomam conhecimento

de alguma proibição ou não cumprem com os preceitos da natureza. A cosmologia

sáliba faz uma conexão entre ecologia, saúde, ética, moral e estética cotidiana e extra-

cotidiana.

Percebi que suas prescrições/prevenções de males mais fortes relacionam-se à

Page 22: Saberes e mistérios Sáliba

água, pois dizem ser nela, especialmente, que estão os espíritos de água22, também

chamados de madres de água, ou em Sáliba, fainohdu (plural)/ fainodi (singular), seres

invisíveis os quais podem matar uma criança recen nascida facilmente, caso o pai ou a

mãe passem por um caño (um riacho, córrego, ou rio) sem fazer um rezo adequado.

Mas também é à água que se deve apresentar uma criança quando essa nasce, fazendo-

a conhecida e dando-lhe um lugar social e espiritual. Esse constitui o batismo sáliba:

dar um lugar à criança dentro da cosmologia.

[…] As crianças, todas nossas crianças são batizadas na nossa cultura. Batizar na nossa cultura é dar-lhe de alimento o pescado e levar a banhar no caño e ai se está purificando e se tá dando a conhecer esse outro…, ou seja, que banhando se permite que a água conheça essa nova pessoa que chegou. Isso é o que fazemos. Por exemplo, o pai de uma criança não pode andar por ai com a mesma sem dar-lhe essa purificação e dizer que há esse outro ser que se vai conviver dentro desse meio. Então, se uma pessoa sai assim, como se não tivesse acontecido nada, então há algo negativo que faz com que essa criança morra. Não se pediu permissão e entrou como se fosse dono de tudo. Para tudo há um dono: para o pasto há um dono, para a agua há outro dono, para as árvores há um dono, e todos esses são deuses que estão convivendo ai, e são eles seres superiores que se deve estar em contato com eles.

A pegunta que fiz aos sáliba era se os espíritos eram todos maus, e eles

disseram: Um diz as vezes que são maus porque mataram a uma criança, ou são maus porque, por exemplo, uma jovem foi ao caño em sua primeira mestruação e se engravidou, não é porque os deuses são maus, mas é porque desobedece a essas regras. São regras que se deve estar sempre em contato, e se não se segue, há reação contra essa pessoa. São as leis de origem. São leis que estão postas e não foram implantadas pelas pessoas. Por exemplo, agora estão abundando as lagostas por aqui um animal que está danificando todas as árvores. Então, cada coisa ruim que acontece a uma pessoa, depende dela mesma. Por exemplo, o mosquito se previnia atraves do uso da fumaça [feita da queima da planta] de mata ratão e de outras árvores. E tambem quando se contruia uma casa, pegava um salmoro, e queimava dentro da casa, com mataraton, e o mesmo fazia ao redor da casa feita de palma, e deixava durante nove dias assim, sem ir viver nela… (ver filme http://www.shinealight.org/astronomia.html

Embora vários entre os Sálibas adultos que conheci aleguem que muitos dos

rezos e das prescrições sejam hoje esquecidos pelo seu povo, percebi, de modo forte e

geral, uma consciência e um esforço entre esses para reaver e reconsiderar tais

prescrições, mitos, rezos na cotidianeidade para manter o sistema e a vida comunitária

sáliba em equilíbrio.

Quando falávamos sobre esse tema com a família que nos acolhera para um

22 Entre os Sáliba se pensa que todos os espíritos maus provêm da água. Existem ainda outros espíritos menores que também fazem mau. Se crê que a terra tem um espírito, as pedras outro, os pântanos outro, e se crê que todos eles vivem na água.

Page 23: Saberes e mistérios Sáliba

almoço, relataram um evento acontecido com eles próprios que os fazia repensar os

rumos do futuro do seu povo e deles próprios. Os sáliba têm um forte poder

organizativo e todos os temas importantes na coletividade são discutidos e as medidas

tomadas para as melhorias.

O evento se relacionava ao perigo de não seguirem as prescrições para o pós-

parto e de como acreditam elas serem verdadeiras. Como vimos, as restrições

relacionadas ao nascimento de uma criança (nee) são muitas. Entre essas restrições,

além das já destacadas acima, está o pai e a mãe não poderem sair de casa e não poder

fazer qualquer tipo de trabalho por uns 15 dias para que a criança não fique cansada e

venha a adoecer; a mãe não poder comer pescado ou somente comer depois de rezado

para que não adoeça; o pai não pode seguir o rastro de animais, para que a criança não

fique nervosa. Os Sáliba precisam também evitar totalmente, por aproximadamente 15

dias, o contato de uma criança recen-nascida com o arco-íris. Para explicar o porque do

seu relato, contaram um mito relacionado ao arco-íris, que dizem terem aprendido dos

ancestrais, mito esse não respeitado por eles por ocasião do nascimento do seu último

filho e que quase ocasionou a morte desse. Esse mito, embora tenha efeito forte na vida

de um recem nascido, fala também do descumprimento do ritual de passagem de uma

menina à chegada de sua primeira menstruação. Uma jovem, quando chegava sua

primeira menstrução, tinha que ser rezada e não deveria sair de um lugar especial, onde

era levada, e permanecia deitada por 4 dias em um chinchorro (rede), sem comer.

Depois desses 4 dias passados, davam-lhe comida e era rezada. Depois, para finalizar

o rito de passagem, era levada ao rio ou um córrego para ser banhada acompanhada

de por um médico tradicional ou rezador e um jovem e outros membros da

comunidade.

Vamos ao mito do Arco-íris:

O mito conta que uma jovem que estava passando pelo ritual da primeira

menstruação, tendo seu pai saído para caçar e a mãe saído para a roça, foi fortemente

recomendada a não sair de casa de modo algum. Vendo que os pais demoravam muito a

chegar, desrespeitando a prescrição, a jovem saiu e cruzou um rio sem fazer os rezos

adequados. No outro lado do rio, encontrou uma cobra, que a atacou e a engravidou. A

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moça, assustada, voltou à casa, mas não revelou à família que tinha saido. Sua barriga

cresceu e ela deu a luz uma “criança-cobra”, que não obedecia nem a mãe, nem os avós.

Essa criança sempre feria as pessoas, não ajudava nos afazeres da casa, criava conflitos

no grupo, enfim, tinha um comportamento considerado inadequado a um sáliba e fazia

coisas consideradas erradas por esses. Pelos sucessivos mal comportamentos, um dia

a crianca foi explulsa de casa pelo avô e, sendo rechassada pela família, vai em direção

ao rio. Lá, encontra-se com seu pai, e toma a forma de uma cobra de muitas cores – um

arco-íris. Sobe ao céu em forma de arco-íris. Assim, cada vez que uma mulher sáliba

menstrua, ou que uma criança recem nasce, devem evitar de todo modo o contato com

essa cobra, que está no céu em forma de arco-íris.

O ritual de passagem da menina é um dos quais os sáliba não praticam mais.

Segundo eles várias outras prescrições da cultura cosmológica sáliba vêm sendo,

gradativamente deixadas de lado por motivos práticos, ou por contato com a cultura

institucional exterior. No entanto, como salientei acima, o temor e as histórias que

confirmam a importãncia de seguir tais prescrições e de não abandonar completamente

essas, está muito presente na vida cotidiana do grupo, como veremos, finalmente, na

narrativa do casal sáliba que acabara de me contar o mito.

Na gravidez do último filho, que na época em que eu estava por lá tinha

aproximadamente 4 anos, a mãe, embora filha de parteira, preferiu dar à luz no hospital

pública da cidade de Orocué, distante 4 horas caminhando da Reserva Concejo, onde

moram. O parto no hospital era agora um dos recursos que tinha sido oferecido aos

sáliba pela saúde pública municipal. A família, pelos costumes sáliba, deveria ficar

pelo menos 15 dias sem expor-se ao tempo, para evitar o contato com o Arco-íris e

mesmo de não fazer o esforço do retorno, aspecto que poderia também criar problemas

ao menino. Como o sistema hospitalar não cobria os vários dias de estada no hospital,

a família decidiu pagar um quarto particular. Já haviam se passado dez dias e a família

já não tinha recursos para permanecer os 15 dias necessários. A mulher foi convencida

pelo homem a voltarem para casa. Para convencer a mulher o homem alegou que aquele

era um hábito passado, e que as coisas tinham mudado muito e por isso não sofreriam

mais por causa de 5 dias. Ainda não completamente convencida e temerosa, voltaram

os 3, pai, mãe e a criança. No meio do caminho iniciou uma garoa, e para o susto do

Page 25: Saberes e mistérios Sáliba

casal, especialmente da mulher, apareceu um arco-íris no horizonte. Embora tivessem

embrulhado a criança nas cobertas para protégé-la dos raios do arco-íris, essa adoeceu

fortemente. Por meses os médicos nos hospitais em Yopal (Capital de Casanare) e até

de Bogotá, ao qual a família recorreu indo de moto já que as estradas ruins fazem a

viagem longa e dificil via carro, não conseguiram dar um diagnóstico exato. A criança

quase morreu. Depois dessas muitas ídas aos médicos sem qualquer sucesso, em

Bogotá a família encontrou por acaso com um curandeiro Sáliba, que também tinha ido

buscar ajuda para sua própria doença. Esse disse, quase de imediato, saber qual era o

problema da criança, e que sabia quem poderia curá-la. Disse, sem que o casal relatasse

a saída antes dos 15 dias do hospital, que o mal que afligia a criança vinha do arco-íris.

Indicou um curandeiro Sáliba, que procurado confirmou o diagnóstico e fez os rituais

de cura, os rezos, e pode finalmente curar a criança. O casal, ao me contar a história,

discutia também entre eles, o fato que ambos tinham deixado para trás duas coisas

fundamentais na sua cultura, que ocasionava esse mal: não ter o parto caseiro e não

ficar em repouso por 15 dias.

Foi na casa desse casal que gravamos os filmes sobre o parto Sáliba e sobre a

medicina, rezos, mistérios do uso de ervas. Estavam empenhados em retomar ao modo

tradicional Sáliba de saúde para poder viver melhor nos resquardos, já que isso define,

em grande parte, o que é ser Sáliba.

Nosotros los Sáliba nos definimos a partir de un sistema cultural propio, construido

ideológicamente desde nuestras concepciones cosmológicas - principios que rigen el mundo; cosmogónicas - orígenes del mundo, y de cosmovisión - manera de pensar e interpretar el mundo. (Proyecto Educativo Comunitario del Pueblo Sáliba de Casanare, 2006).

Para finalizar:

Os sáliba não são, de modo algum, saudosistas ou tradicionalistas. Sua

performance não se dirige ao passado como algo perdido no tempo nem para o futuro

sem esperança. Não pensam que o conhecimento, a cultura e a vida são estáticas ou

que sistema fechado. São, ao contrário, completamente abertos ao contato com o

mundo que os cerca fora das reservas. Estão constantemente em debate com o poder

público, discutindo os modos de saúde e educação oferecidos por esses, têm uma

Page 26: Saberes e mistérios Sáliba

organização interna rigorosa, embora aberta e democrática, onde discutem seu passado,

presente e futuro. Tampouco demonizam o mundo moderno e os benefícios por esse

oferecidos, como foi o caso da utilização da mídia digital. São, nesses termos, quase

canibais. Alimentam-se com o que vêm do outro, para pensar e construírem a si

mesmos. Mas não fazem isso ingenuamente. Fazem com a consciência da sua

alteridade, e com a agência necessária para repensarem sua própria história. Sua

performance é tanto para si quanto para o outro, buscando, nessa relação a auto-

formatação. Não esperam presentes e ofertas do poder público. Buscam interagir com

esse de forma igualitária e não como esmoleiros. Nesse sentido, foi que talves tenha

aprendido tanto com eles nesses 11 dias que lá passei. Foi uma experiência única, e

firmei com eles uma relação de amizade sincera e de respeito mútuo que se mantém

ainda hoje, embora por internet e telefone. Eles muito me ensinaram com seu modo

calmo de viver, sua estética, a persistência em valorizar o seu próprio saber, e de

garantir o seu lugar no mundo, sem se fecharem em si mesmos. Se precisasse descrever

esse povo em poucas palavras, diria que ser sáliba é ser agente, é fazer o mundo,

embora cientes que o mundo também os faz.

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