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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação ORIVALDA CERDEIRA FEITOSA SABERES E EXPERIÊNCIAS POLÍTICO- PEDAGÓGICAS NO PROCESSO ORGANIZATIVO DA APROPRIAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DO AÇAÍ EM COMUNIDADE MARAJOARA/PA. Belém/PA 2017

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Page 1: SABERES E EXPERIÊNCIAS POLÍTICO- PEDAGÓGICAS ......Miguel Baratinha e a todos que permitiram o meu acesso aos seus lares, em especial a família de Graciano Corrêa Moraes (Ciola)

Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação

ORIVALDA CERDEIRA FEITOSA

SABERES E EXPERIÊNCIAS POLÍTICO- PEDAGÓGICAS NO PROCESSO ORGANIZATIVO DA APROPRIAÇÃO E

DISTRIBUIÇÃO DO AÇAÍ EM COMUNIDADE MARAJOARA/PA.

Belém/PA

2017

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ORIVALDA CERDEIRA FEITOSA

SABERES E EXPERIÊNCIAS POLÍTICO- PEDAGÓGICAS NO PROCESSO ORGANIZATIVO DA APROPRIAÇÃO E

DISTRIBUIÇÃO DO AÇAÍ EM COMUNIDADE MARAJOARA/PA.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Linha: Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria das Graças da Silva.

Belém/PA 2017

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)

Biblioteca do CCSE/UEPA, Belém - PA

Feitosa, Orivalda Cerdeira

Saberes e experiências políticos pedagógicas no processo organizativo da apropriação e

distribuição do açaí em comunidade marajoara/PA / Orivalda Cerdeira Feitosa; orientação

Maria das Graças da Silva, 2017

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2017.

1. Educação não-formal 2. Acaí - Produção. 3. Curralhinho (PA). 4. Aprendizagem I. Silva,

Maria das Graças da Silva (orient.). II. Título.

CDD. 23º ed. 370.11

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ORIVALDA CERDEIRA FEITOSA

SABERES E EXPERIÊNCIAS POLÍTICO- PEDAGÓGICAS NO PROCESSO ORGANIZATIVO DA APROPRIAÇÃO E

DISTRIBUIÇÃO DO AÇAÍ EM COMUNIDADE MARAJOARA/PA.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria das Graças da Silva.

BANCA EXAMINADORA: _______________________________________________________Orientadora Prof.ª Dr.ª Maria das Graças da Silva Doutora em Planejamento Urbano e Social Universidade do Estado do Pará/ UEPA ______________________________________________________Membro Externo Prof.ª Dr.ª Leila Mourão Miranda Doutora em Ciências: Desenvolvimento Socioambiental Universidade Federal do Pará/ UFPA ______________________________________________________Membro Interno Prof.ª Dr.ª Ivanilde Apoluceno Oliveira Doutora em Educação Universidade do Estado do Pará/ UEPA CONCEITO ATRIBUÍDO:____________________________________

DATA DA APROVAÇÃO :_________/__________/____________

Belém/PA 2017

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Com todo amor, aos meus pais que me ensinaram tudo, menos a viver sem eles. Orlando Feitosa Borges e Hilda Cerdeira Feitosa in memoriam.

Aos produtores de açaí da Cooperativa Sementes do Marajó e demais ribeirinhos do Rio Canaticu-PA.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu Deus soberano pelo dom da vida, e pelas maravilhas que tem me

proporcionado.

A Coordenadora do Programa de Pós- Graduação Profª Ivanilde Apoluceno

Oliveira e a instituição Universidade do Estado do Pará- UEPA, por oportunizar uma

linha de pesquisa para debatermos as riquezas Culturais da Amazônica. As profªs.

Drªs Ivanilde, Nazaré Cristina Carvalho e Mª do Perpétuo Socorro presentes na

minha banca de entrevista, processo final de mestrado e selecionando meu pré-

projeto como possibilidade de pesquisa.

A todos os meus professores, que nessa vida estudantil contribuíram para

que hoje eu realizasse o meu sonho. Em especial, aos professores deste programa

de Pós- Graduação, pelas contribuições nessa caminhada, que foram importantes

para o nosso crescimento pessoal e profissional, porém foi apenas o início do que

fomos instigados a buscarmos como pesquisadores na região Amazônica.

A minha orientadora Prof.ª Dr.ª Maria das Graças da Silva pela paciência,

atenção e principalmente pela competência ao nortear este trabalho de pesquisa. E

pelas reflexões imprescindíveis para que pudesse continuar.

À Profª Drª. Leila Mourão Miranda pelas contribuições desde a Qualificação à

Defesa, fazendo sugestões que tornaram-se decisivas para o meu percurso nessa

pesquisa.

Ao Prof. Dr. Romero Ximenes Pontes (UFPA) e a Profª. Drª. Denise Pahl

Schaan (UFPA) que pelo contato por email, ele enviou- me sua tese de doutorado e

ela oportunizando meu acesso ao seu acervo, doando-me três (03) livros de sua

autoria, sendo imprescindível como aporte teórico na minha produção e assim,

dando-me estímulo em continuar.

Ao Prof. Dr. Joaquim Maia de Lima (UFPA), por ter compartilhado

conhecimentos na Graduação, Especialização e sendo um grande incentivador para

nós, alunos marajoaras, a continuarmos os nossos estudos. E ao fazer parte do

processo seletivo neste Mestrado, mesmo residindo (época) em Portugal finalizando

o Doutorado, não mediu esforços para me apoiar e me ajudar.

Em especial a Prefeitura Municipal de Curralinho no mandato do ex- Prefeito

Leonaldo Arruda e aos Secretários de Educação: Rosieri Sales e Marcos Baratinha

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e atualmente no exercício da Prefeita Alda Aires e Secretário de educação

Raimundo Nonato Nogueira, por me apoiarem e concederem a minha licença para

estudo.

Aos produtores de açaí da Cooperativa “Sementes do Marajó”, em especial, a

Miguel Baratinha e a todos que permitiram o meu acesso aos seus lares, em

especial a família de Graciano Corrêa Moraes (Ciola) e Andréa Ferreira de Oliveira,

juntamente com seus filhos Raimundo, Reinaldo, Rildo, Ronildo, Rui, Railana,

Manoel e João, que me acolheram, dispuseram a sua embarcação para trafegar

pelos rios do Canaticu e abrigaram-me não apenas em sua residência, mas na

comunidade.

Aos meus (ex) Diretores das escolas onde trabalho, Paulo Sérgio de S.

Corrêa, Deuzilene C. Miranda, Joana Laudecy G. Santana, Eliel Amaral, Rosely

Freitas de Paula e Francisco Sá dos Anjos, pelo apoio e compreensão para que

pudesse participar das fases do processo seletivo e cursar o Mestrado.

Aos meus amigos professores que permitiram ajustar meus dias e horários de

aulas semanais para que pudesse estudar. E a todos os funcionários das escolas

Prado Lopes, Manoel da V.C Sá e Lindalva Pinho onde trabalho, pelo incentivo e

força nesse percurso.

Ao Vereador zuzuca pelo apoio e doação de sua voadeira e a minha prima

Maxilene e Pedro, pela doação de seu barco para o meu deslocamento a

comunidade.

À minha amiga Profª. Mestre Cristiane Farias, que acreditou em mim, mais do

que eu mesma, me incentivou a fazer o processo seletivo do Mestrado, me

emprestou materiais (livros e dissertação) e me orientou em minha proposta de

pojeto. A minha amiga Profª. Rosely Freitas por me apoiar nesta caminhada e

também por me emprestar material (TCC), as duas me ajudaram no aporte teórico.

E aos demais amigos prof. Carlos Roberto de Matos, Aristides Becker, Jonas Farias,

Carlos Baratinha, Padre Silvio Santos, Dilma Oliveira, Marcileno, Sônia Aleixo,

Mônica Carvalho que cederam- me material, informações/sugestões e entrevistas

que subsidiaram minha pesquisa, não poderia deixar de agradecer aos funcionários

da Secretaria do Mestrado, em especial, ao Jorginho que com sua energia positiva

nos incentiva e nos ajuda na parte burocrática desenvolvendo seu trabalho com

muita competência, e também aos meninos da copiadora Geanechinee Daniel e a

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amiga dos corredores da UEPA Edirene Aguiar (vendedora de livros). E todos

aqueles que torceram por mim e me acompanharam no vai e vem das marés.

Ao meu irmão Orlando e família (tia teca e Yanny) por me acolherem em sua

residência em Belém. E a todos de minha família que amo incondicionalmente, meus

pais Orlando e Hilda (in memoriam) a todos os meus irmãos(a), sobrinhos(a),

cunhados(a), tios(a), primos(a), padrinho/madrinha, compadres, comadres e

afilhados. A todos sintam-se representados. É em vocês que encontro forças para

caminhar, a cada um que me incentiva, me apoia e me ajuda direta e indiretamente,

não tem dinheiro que pague a minha gratidão!

Aos meus nobres colegas da 11ª turma do Mestrado (2015): Dia, Sulivan,

Elayne, Maiara, Renata, Suzianne, Leomax,Francinete, Ataíde, Heriton , Ana Célia,

Priscila, Jaqueline, Fernanda, Laíne, Milene, Suziane, Jhennifer, Márcio. Em

especial ao meu grupo de trabalho, Dilma, Mônica, Sônia, Marlon, Nilson, e Josivan

pela amizade que durante este percurso, sorrimos, aprendemos, reconstruímos,

compartilhamos, interagimos e o melhor de tudo, fortalecemos juntos.

Um sonho realizado! A todos, eternamente grata!

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“Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele”.

FREIRE

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RESUMO

Trata-se de um estudo sobre saberes e experiências político- pedagógicas na apropriação e distribuição do açaí, uma vez que os saberes inscritos nas atividades do cotidiano resultam em práticas educativas entre pais e filhos. Dessa forma, este trabalho tem como objetivo, Analisar os saberes que estão inscritos nas práticas de apropriação, na organização associada dos apanhadores e na distribuição do açaí em comunidade ribeirinha do município de Curralinho, PA. Partindo da seguinte pergunta problema: Que saberes orientam as práticas deapropriação, organização associada dos apanhadores e a distribuição do açaí em comunidade ribeirinha de Curralinho, PA ? Para isso, o lócus de pesquisa é uma comunidade ribeirinha no município de Curralinho no arquipélago do Marajó/ PA. Os participantes da pesquisa são 10 produtores de açaí. A metodologia da pesquisa centra-se numa abordagem qualitativa, de campo e com enfoque no materialismo histórico dialético, com observação registrada em diário, imagens e entrevistas semi-estruturadas. A matriz teórica fundamenta-se nos estudos de Brandão, Charlot, Santos, Maturana, Marx, Gohn, Freire, Mourão, Pontes, Silva e demais autores que contribuíram para estabelecer as conexões entre saberes, práticas educativas e literatura dos açaizais, em especial, a apropriação e distribuição do açaí. Os resultdos evidenciam uma educação não formal, destacando os inúmeros saberes locais que perpassam toda a produção do açaí, desde a apanha até a comercialização via cooperativa, nessa relação, as atividades resultam em práticas educativas e de aprendizagens.

Palavras-chave: saberes e práticas educativas, apropriação do açaí, distribuição do açaí, cooperativa.

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ABSTRACT

It is a study about knowledge and political-pedagogical experiences in the appropriation and distribution of açaí, since the knowledge inscribed in daily activities results in educational practices between parents and children. Thus, this work has the objective of analyzing the knowledge that is inscribed in the appropriation practices, in the associated organization of the catchers and in the distribution of açaí in the riverside community of the municipality of Curralinho, PA. Based on the following question: What knowledges guide the practices of appropriation, associated organization of the catchers and the distribution of açaí in the riverside community of Curralinho, PA? For this, the research locus is a riverine community in the municipality of Curralinho in the Marajó / PA archipelago. Research participants are 10 açaí producers. The research methodology focuses on a qualitative, field-based approach with a focus on dialectical historical materialism, with journalistic observation, images and semi-structured interviews. The theoretical matrix is based on the studies of Brandão, Charlot, Santos, Maturana, Marx, Gohn, Freire, Mourão, Pontes, Silva and other authors that contributed to establish the connections among knowledge, educational practices and literature of açaizais, the appropriation and distribution of the açaí. The results show a non-formal education, highlighting the numerous local knowledge that pervades all açaí production, from picking to commercialization through cooperative, in this relationship, the activities result in educational practices and learning.

Palavras-chave: knowledge and educational practices, appropriation of the açaí, distribution of the açaí, cooperative.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1: Estrutura e uso do açaizeiro (Euterpe Oleracea Mart).................... 33

FIGURA 2: O mapa do Estado do Pará............................................................. 51

FIGURA 3: O mapa do arquipélago do Marajó.................................................. 52

FIGURA 4: Orla antiga de Curralinho................................................................ 58

FIGURA 5: Avenida antiga de Curralinho........................................................ 58

FIGURA 6: Ás margens de Curralinho............................................................... 59

FIGURA 7: Inauguração da Escola Unidos Prado Lopes.................................. 61

FIGURA 8: Cidade de Curralinho- vista do rio Pará.......................................... 64

FIGURA 9: Mapa das principais bacias hidrográficas de Curralinho................. 65

FIGURA 10: Mapa da comunidade Sagrado Coração de Jesus...................... 67

FIGURA 11: Entrada do rio Tartaruga................................................................ 68

FIGURA 12: Casa de oração............................................................................. 69

FIGURA 13: A parteira da comunidade............................................................. 70

FIGURA 14: As residências ribeirinhas.............................................................. 71

FIGURA 15: O campo de futebol/torneio de futebol.......................................... 72

FIGURA 16: O Festival Rural do Açaí............................................................... 73

FIGURA 17: População participando da festa.................................................. 74

FIGURA 18:Exposição e venda de artesanato................................................. 74

FIGURA 19: Olaria............................................................................................. 75

FIGURA 20: Criação de porcos e galinha......................................................... 76

FIGURA 21:Hortaliças e plantas ornamentais.................................................. 76

FIGURA 22: A confecção de remos.................................................................. 77

FIGURA 23: O matapi/ Viveiro.......................................................................... 78

FIGURA 24:Campo de natureza....................................................................... 78

FIGURA 25: O roçado........................................................................................ 79

FIGURA 26: O trabalho familiar na produção da farinha.................................. 80

FIGURA 27: A produção de farinha................................................................... 80

FIGURA 28: Vendedor de pão........................................................................... 81

FIGURA 29: A reprodução do caroço de açaí...................................................

81

FIGURA 30: As partes que compõem o açaizeiro............................................ 82

FIGURA 31: A formação do cacho de açaí....................................................... 83

FIGURA 32: Os tipos (forma e cor) do cacho do açaí....................................... 83

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FIGURA 33: As etapas na apanha..................................................................... 84

FIGURA 34: A máquina de açaí/ o bater açaí.................................................... 85

FIGURA 35: O açaizeiro/ a ramificação de uma riz........................................... 86

FIGURA 36: Termo de uso das terras................................................................ 90

FIGURA 37: A ordenação do açaizal................................................................. 91

FIGURA 38: O fazer peconha/ tipos de peconha.............................................. 101

FIGURA 39: O uso da peconha......................................................................... 102

FIGURA 40: O subir na touceira do açaí........................................................... 108

FIGURA 41: O produtor debulhando o açaí....................................................... 109

FIGURA 42: A basqueta do açaí....................................................................... 125

FIGURA 43: As vendedoras de tapioca............................................................. 129

FIGURA 44: Mapeamento dos portos de açaí................................................... 132

FIGURA 45: Os portos de açaí dos rios Pagão e Tartaruga............................. 133

FIGURA 46: A “entrega” da produção no porto do açaí..................................... 135

FIGURA 47: O açaizal às margens dos rios..................................................... 145

FIGURA 48: O fluxo da maré (enchente).......................................................... 149

FIGURA 49: O uso do transporte na coleta do açaí 150

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TABELA

Tabela 1-Índices territoriais e populacionais do Marajó 53

QUADRO

Quadro 1- Simulação da comercializaçãodo açaí com a Cooperativa 136

Quadro 2- Simulação da comercializaçãodo açaí com o intermediário 136

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LISTA DE SIGLAS

PPGED: PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO- MESTRADO EM EDUCAÇÃO

UEPA: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ

IBAMA: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS

EMBRAPA: EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA

IDH: ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

IDEB: ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

UFPA: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

UNAMA: UNIVERSIADE DA AMAZÔNIA

AMAM: ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO ARQUIPÉLAGO DO MARAJÓ

UVA: UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ

PARFOR: PLANO NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

CEB: COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE

SEMMA: SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE

COOPED: COOPERATIVA MISTA DOS PEQUENOS PRODUTORES RURAIS DOS PROJETOS DE EXECUÇÃO DESCENTRALIZADOS DE CURRALINHO

COOPEMAC: COOPERATIVA DOS EXTRATORES E SERRADORES DE MADEIRA DO MUNICÍPIO DE CURRALINHO

COPA: COOPERATIVA DOS PRODUTORES AGROEXTRATIVISTA DO RIO PAGÃO

CAMTA: COOPERATIVAAGRÍCOLA MISTA DE TOMÉ-AÇÚ

PALAMAZ: PRODUTOS ALIMENTÍCIOS DA AMAZONIA

ECO FOODS:INDUSTRIA E COMÉRCIO DE ALIMENTOS

SAMBAZON: SAVIN AND MANAGING THE BRASILIAN AMAZON

INCRA: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA SISCOOP: SISTEMA PARA CONTROLE DE COOPERATIVAS

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO............................................................................................... 14

1.1 Motivações e Origem da Pesquisa........................................................................ 14

1.2 Problemática e objetivos da pesquisa............................................................. 21

2 Perspectiva teórica de análise......................................................................... 26

3.Caminhos metodológicos da pesquisa............................................................ 36

3.1 As abordagens da pesquisa......................................................................... 36

3.2 Locus da pesquisa........................................................................................ 39

3.3 Produtores de açaí: os sujeitos da pesquisa................................................ 39

3.4 Trabalho de campo e técnica de produção de dados................................... 41

3.5 Sistematização e análise dos dados............................................................ 43

3.6 Estrutura preliminar da dissertação.............................................................. 43

2.CARACTERIZAÇÃO EORGANIZAÇÃO FISICO E SOCIOHISTÓRICA DO

LOCUS DA PESQUISA..................................................................................

45

2.1 Origem e localização da Ilha de Marajó..................................................... 45

2.2 Aorganização social e os perfis dos Marajós............................................. 51

2.3 O rio Canaticu............................................................................................... 65

3.SABERES QUE INFORMAM OS PROCESSOS DE APROPRIAÇÃODO AÇAÍ NA

COMUNIDADE MARAJOARA SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS..........................

87

3.1 O território do açaizal: uma relação de trabalho e cultura............................. 87

3.2 Tempo ecológico e cultural de acesso aos açaizais...................................... 94

3.3 A prática de apropriação do açaí: os saberes que orientam na “apanha” do

açaí.....................................................................................................................

100

3.3.1 O saber fazer e utilizar peconha............................................................... 100

3.3.2 O saber tecer e utilizar a rasa................................................................... 103

3.3.3 O saber identificar e selecionar os frutos.................................................. 104

3.3.4 O saber subir no açaizeiro.......................................................................... 107

3.3.5 O saber debulhar o açaí............................................................................. 109

3.3.6 O saber proteger o corpo........................................................................... 110

4. O PROCESSO ORGANIZATIVO NA DISTRIBUIÇÃO DO AÇAÍ NA

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COMUNIDADE SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS......................................... 113

4.1A distribuição da produção do açaí antes da criação da Cooperativa

“Sementes do Marajó”.........................................................................................

113

4.2Associação dos Produtores de Açaí na Cooperativa “Sementes do Marajó” 114

4.2.1 A orgem do cooperativismo no município de Curralinho........................... 117

4.2.2 Saberes que decorrem da criação da cooperativa.................................... 122

4.2.2.1 O saber preservar a qualidade dos caroços do açaí................................ 124

4.2.2.2 O saber fazer a higienização.................................................................... 126

4.3 Os saberes matemáticos no cotidiano da distribuição do açaí..................... 128

4.4 Os portos como espaços de distribuição de açaí pelos cooperados............. 130

4.5 Os critérios de entrega.................................................................................. 134

4.6 Saberes ambientais inscritos no processo de apropriação e distribuição do

açaí.......................................................................................................................

140

5.COOPERATIVA “SEMENTES DO MARAJÓ”: UM ESPAÇO EDUCATIVO E

DE CIRCULAÇÃO DE SABERES..................................................................

154

5.1 As dimensões político-pedagógicas na apropriação e distribuição do açaí... 165

5.2 Um olhar sobre a Cooperativa “Sementes do Marajó”................................... 167

6.CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 171

7.REFERÊNCIAS................................................................................................... 176

APÊNDICES........................................................................................................ 184

ANEXOS............................................................................................................... 186

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1. INTRODUÇÃO

“Se eu tenho a cara do Pará, o calor do tarubá; Um uirapuru que sonha;

Sou muito mais... Eu sou, Amazônia!”

(Nilson Chaves)

1.1 Motivações e Origem da pesquisa

A Amazônia apresenta uma riqueza incontestável em seus aspectos

socioculturais, ambientais, políticos e outros. Em virtude disso, pela sua extensão e

riqueza na sociobiodiversidade1, despertou cobiça por volta do século XVIII, como

explica Ferreira (2004, p.1) “quando europeus, como La Condamine, cruzaram o

Atlântico para conhecer a geografia, a flora, a fauna e os modos de ser e de viver

dos povos da América do Sul”.

Por sua riqueza natural e diversidade sociocultural, esta região aguça o

interesse em estudá-la. Quando os europeus com a tarefa de descrever o que viam,

relataram as nossas espécies e modos de vida, acabaram contribuindo por meio

dessas informações para a construção do pensamento social sobre a Amazônia.

Ferreira (2004, p.72) considera que,

Os diários redigidos pelos viajantes e naturalistas eram mais ricamente

detalhados se comparados às publicações impressas que eram lançadas no

circuito editorial. Descrições pormenorizadas dos seres, das coisas, dos

costumes dos povos.

A partir dos registros dos viajantes e naturalistas, que tiveram grande

contribuição para a ciência ao catalogar nossas espécies, esta região tornou-se “a

menina dos olhos”, ou seja, relativamente importante destacando-se como uma das

1 A sociobiodiversidade é uma das tentativas de apreender as interações complexas entre sociedade e natureza, associando as idéias de biodiversidade (diversidade biológica da vida natural) e sociodiversidade (diversidade social formada pelos diferentes grupos sociais e culturais que habitam o planeta). Tal noção auxilia-nos a traduzir a indissociável interação entre o mundo natural e o social, da qual resultam as condições de vida humana na terra e as marcas dessa presença na natureza, as quais criam permanentemente, no mundo, novos cursos de vida, fluxos de comunicação e paisagens tanto naturais quanto culturais. Noções como essa buscam evitar o equívoco de tratar a natureza e o mundo humano como independentes e antagônicos entre si.

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maiores florestas do mundo, berço de muitas pesquisas desde o período colonial à

atualidade, na tentativa de “decifrar” as suas variedades botânicas e culturais, com

importantes resultados de estudos sobre as variedades de espécies existentes na

Amazônia.

Sob um olhar descolonizado, estudar esta região significa reconhecer, na sua

história, a existência de uma diversidade de sujeitos possuidores de saberes

práticos, como os indígenas, os negros remanescentes de quilombos, ribeirinhos,

camponeses, colonos emigrantes e outras etnias importantes, resultantes na nossa

formação/identidade, ressignificados, heranças de suas ancestralidades ou trazidas

de fora, o que possibilita afirmar que “as culturas são construídas e mantidas por

sociedades que não existem isoladamente, mas em permanente interação umas

com as outras” (RIBEIRO, 1998, p.46).

Da miscigenação entre povos, resultou costumes e saberes diferenciados,

que conformam uma herança cultural rica, para nós amazônidas, como ressalta

Pacheco (2011, p. 7),

As relações de trocas, empréstimos e sociabilidades estabelecidas entre

índios e negros desde seus primeiros contatos no período colonial, legaram

para as culturas locais do presente cosmologias, saberes e fazeres

específicos.

Por reconhecer na Amazônia uma riqueza natural e cultural invejável, adentro

neste universo, para evidenciar o meu interesse, em estudar os saberes e

experiências político-pedagógicas que estão inscritos nas práticas deapropriação do

açaí e na distribuição do açaí via cooperativa que estão relacionados com a

dinâmica da coleta de um dos frutos mais cobiçados no contexto atual, o açaí, de

uma palmeira desta região, o açaizeiro, Para Mourão (2011, p.129), de um modo

geral, esta palmeira tem se constituído“mais do que qualquer grupo vegetal, em um

dos mais constantes componentes da flora tropical e em especial das regiões Norte

e Nordeste do Brasil”. Dessa forma, restrinjo-me ao grupo vegetal das palmeiras,

que também, ganham destaque especial nas regiões citadas, por serem as maiores

áreas de concentração.

Não cito todas as palmeiras, mas somente as que fazem parte do gênero

Euterpe e ainda assim, é preciso, dentre as tipologias existentes, fazer opção por

uma dada espécie. Assim, por considerar que as palmeiras são recorrentes nesta

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região, dentre os tipos existentes, este estudo enfatiza a espécieEuterpe oleracea

Mart.

De acordo com Mourão (2011, p. 143) “as dez (10) espécies de Euterpe com

ocorrência na Amazônia brasileira são designadas popularmente açaí e os maciços

de dispersão, os açaizais”. A Euterpe oleracea Mart, segundo Oliveira (2002, p.1)“é

uma palmeira elegante, que produz touceira com até 25 estipes, cujos perfilhos

apresentam diferentes estágios de desenvolvimento”. Além de vistosa e elegante,

ela produz um dos frutos mais apreciado da região, o açaí, que se reproduz “em

solos de várzea, igapó e terra firme, sendo predominante em solos de várzea baixa”

(ibid, 2002, p.2). Trata-se de um solo que facilita a reprodução da palmeira do

açaizeiro como é característico neste contexto amazônico.

Esta palmeira além de histórica é cultural no contexto das sociedades

amazônicas. O uso do fruto da palmeira segundo Oliveira (2002, p.1) é remoto

“sendo utilizado pela população amazônica, desde a época pré-colombiana, para

obtenção da bebida denominada açaí”.

Nos registros de viajantes existe a presença da palmeira Euterpe e o uso do

vinho, consumido pela população nativa como prática alimentar. Vejamos,

Pela manhã, à tarde, à noite, e quando possível, também à meia-noite, o

povo do Pará serve-se de açaí. A cidade recebe o seu abastecimento

necessário dos rios vizinhos, Guamá e Mojú, cujas margens são

especialmente ricas dessas Euterpes, dalgumas ilhas e mesmo da mais

longínqua Marajó, pois sem esse açaí a cidade do Pará não saberia como

arranjar-se. Por felicidade, como já disse, há durante todo o ano bagas

maduras de açaí nas vizinhanças do Pará. AVÉ- LAIIEMANT (apud

MOURÃO, 2011, p.203).

A narrativa revela o que na prática pode ser constatado, o consumo do fruto

do açaí configura-se como um elemento importante na cultura alimentar da

população amazônica, independente de horário ou mês, existe uma frequência no

consumo do açaí não só como uso alimentar, mas também como atividade

econômica dascomunidades locais, mesmo como pequena produção, sempre

ajudou na renda familiar.

A “apanha” do fruto do açaizeiro configura-se como uma prática produtiva

cultural e histórica, optou-se em realizar uma pesquisa que abrange não só a

apanha, como também para as atividades de circulação e venda da produção

coletada, pois esse percurso é mediado por uma série de procedimentos, práticas e

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saberes que informam o cotidiano das populações locais2. Estes procedimentos,

práticas e saberes me inquietam e instigam a buscar identificar configurações

educativas que podem estar mediando o processo de apropriação e distribuição do

açaí, pois as comunidades locais organizam suas pequenas produções econômicas

por meio de uma variedade de saberes.

Dessa forma, nesta investigação meu foco de estudo é a organização social

voltado para o processo de apropriação e distribuição do açaí via cooperativa. O

sentido de apropriação significa perceber como o ribeirinho3 convive com os

recursos naturais, a vegetação, o açaizal, como ele maneja o seu açaizal, como

seleciona os cachos de açaí na apanha, como preserva a qualidade do açaí, como

faz a sua higienização e como cuida do seu açaizal e a distribuição refere-se à

organização na prática comercial da produção do açaí, que culminou com a

constituição de uma cooperativa, que de forma coletiva faz a gestão da produção, da

comercialização do produto, do controle financeiro. A prática produtiva voltada para

a “apanha” do açaí, é uma das diversas atividades, neste caso, uma das principais

realizadas pelas populações locais do município de Curralinho.

Com esse recorte, além de reconhecer a necessidade e importância de

ampliar as pesquisas, estou tendo a oportunidade de inserção nesse universo de

pesquisas locais com interlocuções com outros pesquisadores, desde o meu

ingresso no Programa de Pós-Graduação de Mestrado em Educação -PPGED da

Universidade do Estado do Pará –UEPA, que legitima este estudo por meio da linha

de pesquisa “Saberes Culturais e Educação na Amazônia”, na qual o estudo de

processos educativos em contextos não escolarizado, tem espaço para tratar,

debater, estudar e analisar experiências que focalizam outras formas de

conhecimentos, de saberes locais e educação.

Esta pesquisa volta-se, portanto, para uma educação não institucionalizada,

inscrita numa modalidade educativa que ocorre no dia a dia dos produtores de açaí.

É neste contexto de experiências e saberes que Freire (2015) e seus interlocutores

2 Mesmo a categoria população tradicional ser legitimada por meio do Decreto de nº 6.040 de 07 de fevereiro de 2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT, neste trabalho substituo por Populações/Comunidades locais, por entender que a tradição são heranças culturais, porém as comunidades vivem em um mundo contemporâneo. 3É uma característica do estuário amazônico, as pessoas que criam e recriam a vida às margens dos rios, que dependem dos recursos naturais para a dinâmica do cotidiano ou no sentido abrangente o ribeirinho insere-se na cultura marajoara, lócus da pesquisa, fazendo referência a tudo que vem da Ilha de Marajó e a seus nativos.

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discutem a ideia de práticas educativas, e reconhecem que elas só fazem sentido

dentro de uma prática social, das relações do ser humano com a natureza e com a

realidade. Portanto, não se reduzem a conteúdos e espaços escolares. Dessa

forma, pautamo-nos nos pressupostos freirianos de que a educação ocorre em todos

os ambientes, logo compreendo que “quem ensina aprende ao ensinar e quem

aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 2015, p. 25), essa frase é coerente a

qualquer relação de saber, em especial, as práticas educativas que permeiam a

apropriação e distribuição do açaí, cujo contexto é a experiência sociocultural

cotidianade comunidade ribeirinha do município de Curralinho.

Assim, essa educação que se processa em experiências cotidianas, associa-

se ao pensamento de Freire (2015, p.25), ao dizer que “quem ensina, ensina alguma

coisa a alguém”. Acreditando na presença de saberes que permanecem na

cotidianidade das populações locais é que procuro entender como a relação ensino

e aprendizagem ocorrem no contexto dessa prática de apropriação e distribuição do

açaí, pois quem ensina é porque tem um saber a ensinar, e alguém a aprender.

Com os conhecimentos das comunidades locais, é possível perceber que o

saber é cotidianamente compartilhado, os mais velhos ou mais experientes, ensinam

o que sabem e aprendem ao ensinar, pois os jovens aprendem e repassam a outros

ou contribuem na relação educativa, sempre o “ensinar inexiste sem aprender e

vice-versa” (FREIRE, 2015, p.25). Mesmo porque na sociedade somos seres

histórico-sociais, que pensamos, atuamos, e “nos tornamos capazes de comparar,

de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso, nos fizemos

seres éticos” (FREIRE, 2015, p. 34). Tais atitudes contribuem para as nossas

atuações e contribuições sociais.

Freire (2015, p.39) explica também que “não há inteligibilidade que não seja

comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade”, é por meio

da comunicação e do diálogo que mantemos relação com o outro. E nessa

interação, que a educação tem a função de intervenção, no sentido amplo de intervir

em todas as áreas sociais, por reconhecer que não estamos em sociedade de forma

neutra.

Intervir no meio social é compromisso e responsabilidade de cada um de nós,

no sentido de romper e mudar posturas centralizadoras como a ciência moderna.

Contudo, quando isso não acontece, não percebemos as relações de ensino

aprendizagem nas experiências cotidianas, temos dificuldade de ver outros

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ambientes, senão o escolar, como espaço educativo, muitas vezes não nos damos

conta da “importância das experiências informais nas ruas, nas praças, no trabalho,

nas salas de aula das escolas, no pátio dos recreios”. (FREIRE, 2015, p. 44).

Assim, essa pesquisa pauta-se na relação dos saberes que informam a

convivência cotidiana das populações locais, e que perpassam processos

educativos “não-formais” e acenam para outras epistemologias que se deslocam do

universo da “racionalidade tradicional escolar.”

1.2. Problemática e objetivos da pesquisa

Toda a Amazônia sempre foi explorada pelos seus inúmeros recursos

naturais com isso as “estatísticas de desmatamento e a devastação [são] as

problemáticas ambientais mais comentadas nas últimas seis décadas”. (SANTOS,

2015, p. 17). O extrativismo na Amazônia ocorre desde os primórdios, este poder

centrava-se nas mãos dos colonizadores com a retirada das “drogas do sertão”, com

o boom da borracha, sementes, óleos, essas pessoas vinham de fora do

estado/país, em busca de enriquecimento imediato, pois estas atividades eram muito

vantajosas e detinham grandes lucros na Europa com a exportação de tais produtos.

Neste caso, a expressão extrativismo tem sentido de extrativismo predatório, ou

seja, de exaurir a retirada dos recursos naturais sem preocupação com a natureza.

Por séculos, esses produtos representaram uma economia substancial para o

nosso país, na Amazônia com a exploração do látex e no sul, com o café. Com a

crise e queda do preço no exterior, a venda entra em decadência. Assim, o

extrativismo “carro chefe” passa a ser a madeira. O extrativismo vegetal representou

aumento na economia dessa região, depois da borracha, no período áureo da Belle

Época, no século XIX para XX “a queda da produção gomífera na Amazônia na

década de 1920 do século passado, dava início ao novo padrão de exploração

econômico”. (SANTOS, 2015, p.69). Assim a madeira é exportada, pois a região tem

muitas variedades de grande aceitação no mercado internacional, como cedro,

virola, maçaranduba e etc.

A partir da década de 1960 o mercado consumidor madeireiro ganha

destaque no Estado do Pará, perdendo apenas para mineração. A extração da

madeira no arquipélago do Marajó faz parte da memória da população, que

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trabalhavam com mão de obra barata para as grandes empresas capitalistas, “o

município de Breves (PA) chegou a ser considerado o ‘Celeiro Mundial da Madeira’

em virtude da quantidade de madeira extraída e exportada por navios negreiros”

(MIRANDA, 2007, apud SANTOS, 2015, p.). Nos municípios de Breves, Curralinho e

Portel, foram alvos de madeireiros por extração ilegal.

A partir de 1962, mais um extrativismo surge e se expande, é a vez do palmito

Jussara no centro-sul do país. A empresa de palmito denominada Caiçara com

sede no Estado do Paraná, foi uma das primeiras fábricas de palmito do Brasil e a

produção era intensa e atendia o mundo todo, exportava-se para Iraque, China,

Estados Unidos, este último era um dos maiores consumidores da conserva em

palmito. Outra empresa de grande relevância é a Palmazon que instala-se no Pará,

devido a escassez do palmito Jussara no sul do país pertencente a palmeira do

gênero Euterpe edulis Mart., esta possui apenas uma estipe (tronco) e não produz

perfilho, significando que a extração do palmito resulta no sacrifício da planta.

Em virtude disso, em 1971 e 1972, a empresa Caiçara instaura-se no Pará,

uma vez que a palmeira Jussara naquela região, estava desaparecendo, pois a

mesma não perfilha facilmente como o açaizeiro e levando a sua extinção.

Descobriram que o açaizeiro produzia o palmito igualmente ao Jussara e com o

mesmo sabor. Nos períodos de 1973 e 1980, os maiores fornecedores de palmitos

são “Microrregiões dos Furos, do Marajó e a do Baixo Tocantins” (MOURÃO, 2011,

p.224). Devido à facilidade da reprodução do açaizeiro no solo de várzeas, a

matéria– prima era evidente para a fabricação do palmito em conserva. E a filial da

empresa Caiçara fixa primeiramente no município de Abaetetuba este localizado na

mesorregião do nordeste paraense.

Assim, na mesorregião do arquipélago do Marajó à quantidade de maciços

de açaizais aguçavam benefícios por parte das fábricas e por este motivo na

abundância de vegetais, fixam também em Curralinho como relata o Sr. Aristides

Becker, Catarinense, aposentado, residindo desde essa época em Curralinho, expõe

que sempre trabalhou com palmito e parte de sua vida como chefe de produção da

empresa Caiçara, por este motivo foi designado ao Pará por conta da empresa e

ressalta que a comercialização do palmito era intensa devido à grande produção

diária,

Consumia grande quantidade, né? A gente não vencia fabricar e ia

expandindo mais [...] aqui tinha 71 funcionários...aí, cortava uma faixa de 12

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milheiro, 12 mil palmito por dia...consumia muito. (Aristides Becker,

Pesquisa de campo, 2017).

Percebe-se nesse período a ramificação de fábricas nos municípios

marajoaras, gerando movimentação econômica local, pois os trabalhos eram feitos

sem muita tecnologia e pelos próprios funcionários que recebiam treinamento, e

faziam aparentemente de forma simples, seguindo os procedimentos, como

descreve Mourão (2011, p.283) “corte da palmeira, descascagem da gema, corte em

toletes, embalagem com solução da salmora, cozimento, resfriamento e rotulação”.

E os ribeirinhos produtores que forneciam os palmitos para a fábrica, tinham a ilusão

de grandes rendimentos financeiros, o que aconteceu mais uma vez, como em

vários períodos históricos na Amazônia os lucros concentrados nas mãos dos

empresários externos, e outra conseqüência, gerando grandes danos ambientais,

pelas derrubadas dos açaizeiros.

Toda a produção de palmito da região destinava-se para as fábricas centrais

e posteriormente ao exterior. Essa produção decorreu nos anos 70, 80 e 90 e após a

criação de leis e fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, a produção de palmito, entra em

decadência e as fábricas mudaram de local, fecharam ou mudaram de atividade,

como a Caiçara que atualmente fabrica roupas militares, para exército e outros

órgãos públicos.

Após a essas conseqüências desastrosas, várias entidades buscaram

recompor o cenário dos açaizais e alternativas para melhorar a vida das

comunidades locais. E com toda essa problemática, as populações locais

perceberam que a atividade da venda do açaí, seria mais lucrativa e reconheceram

os prejuízos que tinham com a retirada do palmito. O IBAMA atuou em defesa da

degradação do meio ambiente exigindo que qualquer projeto voltado para a extração

de palmito deveria apresentar os métodos de manejos e reposição dos açaizais e

com essa fiscalização as fábricas extinguiram-se deixando sérios problemas pela

ausência da “árvore da vida”, os açaizeiros. Atualmente, a extração do palmito ainda

ocorre nas comunidades locais, porém com um controle na retirada, isso é feito por

meio da limpeza e do manejo do açaizal, neste caso, o sentido de extrativismo

difere, é algo que se extrai, mas recebe cuidado e proteção.

E em meados da década de 90, uma nova história para contar, dessa vez, o

fruto do açaí começa a se expandir no mercado regional e aumento da exportação

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de polpa do açaí, para outras regiões brasileiras como os estados de Rio de Janeiro,

São Paulo, Brasília, Curitiba e Belo Horizonte. O açaí ganha destaque e sua

configuração muda, a forma de valorização não é mais do palmito, mas do fruto.

Dessa maneira, o açaí é considerado uma “apropriação”, pois mesmo sendo uma

planta nativa ganha cuidado. Com essa valorização e expansão, a região marajoara

começou a contribuir para a economia do Estado, porém é uma atividade que não

alcança uma fiscalização do governo, não tendo controle exato de sua produção. Em

Curralinho, a produção do açaí é grande, é uma das principais atividades

econômicas desenvolvidas no município, na maioria das vezes, o único meio de

sobrevivência, onde os produtores de açaí aproveitam a safra, para arrecadarem

recurso financeiro ou adquirirem bens materiais.

Porém no período de safra, os produtores enfrentavam muitas dificuldades no

processo de distribuição do açaí. Desse modo, destacando-se como a maior

problemática dos produtores ribeirinhos a escoação do produto, as dificuldades de

logística, embarcação e desvalorização do trabalho braçal. A comercialização do

produto era limitada, sendo apenas local, e feita geralmente entre produtor e

intermediários. Por esses motivos, precisavam ampliar este espaço de distribuição/

abastecimento para a capital e outros lugares.

Para ratificar meu interesse pela temática do açaí, fiz um levantamento sobre

a literatura dos açaizais para compreender e ter um norte sobre o mundo vasto do

açaí e selecionei os trabalhos mais pertinentes em relação à minha temática. Sentir

dificuldades em adquirir materiais, porém muitas pesquisas sobre essas temáticas

regionais são realizadas por diversos órgãos/instituições e programas federais,

dentre estes, Universidades, grupos de pesquisas, Empresa Brasileira de Pesquisa

Agropecuária- EMBRAPA e Museu Emílio Goeldi, assim é o que revelam as

dissertações.

A temática do açaí, configura-se ao mesmo tempo como uma pesquisa tão

fácil e ao mesmo tempo, tão complexa. Fácil por fazer parte do corpo e da alma do

caboclo marajoara, mas complexo, pelos múltiplos objetos de estudo que lhe

caberia, por poder ser inserida na maioria das áreas de estudos, como

possibilidades de pesquisa. Do levantamento feito selecionei três (03) artigos:

Ribeiro (2014); Fernandes (2011) e Mourão (2010); seis (06) dissertações de

Mestrado: Canto (2001); Correa (2010); Dergan (2006); Marinho (2005); Farias

(2012) e Carvalho (2013); duas (02) teses de Doutorado: Ponte (2013) e Mourão

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(2011). Aos quais foram enriquecedores para meu aprendizado. Os dois últimos

mencionados, são considerados referências na temática do açaí.

Constatei ainda que o município de Curralinho, locus da pesquisa ainda é

pouco estudado, apresenta um número bastante reduzido de pesquisas científicas

em todas as áreas. Com a realização desta pesquisa busco inserir-me no campo de

“Saberes Culturais e Educação na Amazônia”. Após a revisão da literatura, verifiquei

que o açaí, configura-se como objeto de estudo de uma séries de pesquisas, que

focalizam os aspectos químicos, socioeconômicos, ecológicos, nutritivos, mas que

não tratam de segmentos educativos. Dessa mneira, esta pesquisa focaliza na

educação que podem estar inscritos nos saberes que sustentam a realização na

apropriação e distribuição do açaí e suas decorrências por ter um objeto de estudo

que se distingue das demais.

Neste contexto, pela relevância da realização desta pesquisa, que orientou-se

pela seguinte pergunta problema:

Que saberes orientam as práticas de apropriação, organização associada dos

“apanhadores” e a distribuição do açaí em comunidades ribeirinhas de

Curralinho, PA ?

A questão principal desdobrou-se nas seguintes questões norteadoras:

Que saberes perpassam as práticas de apanhar açaí na comunidade

ribeirinha de Curralinho?

Que saberes informam o processo de organização social da Cooperativa

“Sementes do Marajó”?

Como se caracteriza territorialmente o processo de distribuição do açaí (O

processo de entrega nos portos e os critérios estabelecidos)?

Até que ponto a organização dos “apanhadores” de açaí em uma

Cooperativa tem contribuído para relações de trabalho diferenciadas daquelas

anteriormente praticadas?

De que forma a Cooperativa pode se configurar com um espaço educativo e

de circulação de saberes?

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Desta forma, definir como objetivo geral desta pesquisa:

Analisar os saberes que estão inscritos nas práticas de apropriação, na

organização associada dos “apanhadores” e na distribuição do açaí em

comunidade ribeirinha do município de Curralinho, PA.

E como objetivos específicos:

Mapear os saberes que perpassam as práticas de “apanhar” açaí na

comunidade ribeirinha de Curralinho;

Analisar os saberes que informam o processo de organização social da

Cooperativa “Sementes do Marajó”;

Caracterizar territorialmente o processo de distribuição do açaí pelos

cooperados;

Mapeamento dos espaços (ambientes) sociais de entrega e/ou distribuição do

açaí e os critérios estabelecidos;

Analisar de que modo os saberes que orientam a organização dos

“apanhadores” de açaí em uma Cooperativa tem contribuído para relações de

trabalho diferenciadas daquelas anteriormente praticas;

Verificar até que ponto a Cooperativa “Semente do Marajó” materializa-se

como um espaço educativo e de circulação de saberes.

2 Perspectiva Teórica de Análise

Neste trabalho que compreende os saberes e experiências político-

pedagógicas no processo organizativo na apropriação e distribuição do açaí. É um

debate amplo que necessita da abordagem de várias categorias para corroborar tal

estudo. Inicialmente, apresento as principais categorias inseridas no título desta

pesquisa: saberes, experiências político- pedagógicas, organização,

apropriação, distribuição e açaí. As demais serão expostas no decorrer do

trabalho.

Adentrar os saberes é importante, uma vez que a ciência moderna

desconhece essas práticas educativas, que se efetivam no meio social no contexto

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dessas experiências sociais. No entanto, as práticas culturais cotidianas têm

ganhado visibilidade por diversos meios/várias pesquisas nos espaços técnico-

científico das universidades. Com esta pesquisa busco contribuir para a expansão

desses conhecimentos, de forma mais particular àquelas relacionadas às práticas

educativas associadas a saberes do cotidiano por meio da apropriação e distribuição

do açaí.

Antes de tudo, ao adentrar este modelo de educação e diversidades, faz-se

necessário reconstruirmos convicções que achamos únicas e verdadeiras.

Maturana, Varela, (1984, p.05), ressaltam,

Nosotros tendemos a vivir um mundo de certidumbre, de solidez perceptual

indisputada, donde nuestrasconviccionesprueban que las cosas solo son de

lamanera que las vemos, y lo que nos parece cierto no puedetener outra

alternativa. Esnuestrasituación cotidiana, nuestracondición cultural, nuestro

modo corriente de ser humanos.

Nesse sentido os autores defendem que cada ser humano tem uma

interpretação do mundo, por isso que não existe somente uma forma de analisar, de

conceber as coisas por um único ângulo. Nessa perspectiva, Borges (2002, p.21)

explica que “como seres vivos e seres humanos no meio em que vivemos, tudo o

que conhecemos, dizemos e fazemos em interações com o meio é determinado pela

nossa biologia”. Não podemos compreender o nosso modo de viver e de interagir

como verdades únicas, sem considerar outras possibilidades. É preciso uma visão

ampla, pois conforme a teoria da biologia do conhecer ou Autopoiese, gênese dos

estudos de Maturana e Varela afirmam que tudo que fazemos é determinado pela

nossa biologia. Borges (2002, p.43) explica que os autores “propõem uma discussão

a respeito da natureza do conhecer humano”. Dessa maneira, os seres vivos são

“sistemas determinados por sua estrutura que existem em um meio cuja condição de

existência é uma condição de complementaridade estrutural entre sistema e meio.”

(BORGES, 2002, p.43).

Baseado nisso, os autores criam para essa teoria dois conceitos essenciais

que são: Organização e Estrutura. A organização é “entendida como a rede de

relações entre componentes de um sistema, independentemente dos componentes

em si, e é o que define um sistema.” (BORGES, 2002, p.43). Em sintese, a

organização resulta na permanência da identidade de um determinado sistema. E a

estrutura, “consiste dos efeivos componentes- incluídas suas propriedades – e das

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efetivas relações que fazem de um sistema um membro particular da organização à

qual pertence” (BORGES, 2002, p.43). Com isso, a estrutura tem plasticidade de

modificação, se a estrutura sofrer alteração, mas a organização se mantém

podemos considerar que o sistema permanece intacto/mesmo.

O ser humano é autopoiético porque é capaz de renovar-se, a sua estrutura

muda conforme o seu modo de vida e a sua cultura, nessa dinâmica do cotidiano, o

ser humano recebe estímulos do meio externo ao qual corresponde com suas

correlações internas e vai modificando-se. Assim, cada ação gera uma descoberta,

uma renovação ou aperfeiçoamento. Segundo Maturana e Varela (1984, p. 13),

“este encadenamiento entre acción y experiência, esta inseparabilidad entre ser de

uma manera particular y como el mundo nos aparece, nos dice que todo acto de

conocertrae um mundo a la mano”. Nesse universo, não é o meio externo que define

a experiência, mas as nossas estruturas internas, ou seja, o acúmulo de estímulos

entre sistema e meio.

Desse modo, devemos valorizar toda e qualquer forma de saber. Reconhecer

não somente os saberes que perpassam as escolas, que são relevantes, mas não

únicos. Nesta perspectiva de reflexão é que os produtores de açaí mudaram a

realidade a sua volta e criaram soluções na perspectiva do trabalho coletivo

considerando os saberes de cada sócio membro da cooperativa.

Certamente, todo saber que uma pessoa já possui por meio da experiência é

que resulta em aprendizado. Maturana e Varela (1984, p. 12) afirmam que

“losprocesos involucrados em nuestrasactividades, em nuestrasconstitución,

ennuestrosactuar como seres vivos, constituyennuestroconocer”. Da mesma forma,

Borges (2002, p.21-22) explica que “não somos, portanto, meros espectadores

passivos de um mundo pré-dado e independente de nós, mas o mundo que vivemos

depende de nossa estrutura biológica”.

O ato de saber/conhecer ocorre na interação do ser humano com as suas

relações sociais, conforme explica Borges (2002, p.45)

a cognição é uma ação e a aprendizagem é uma negociação entre sistema e meio. Se não há interação, não há cognição. O indivíduo só conhece algo quando interage com esse algo. Dessa forma, os indivíduos têm histórias diferentes porque interagem com o meio de formas diferentes. E, portanto, conhecem e aprendem de formas diferentes. O conhecimento, então, na perspectiva da Biologia do Conhecer, é ‘comportamento adequado’ e ‘ação efetiva’ em um contexto relacional, no qual cada comportamento é um ato cognitivo.

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Maturana; Varela (1984, p.13) sintetizam que “todo haceresconocer y todo

conocer es hacer”, assim, que viver é conhecer e conhecer é viver, ou melhor, que

todo saber/fazer é conhecer e todo conhecer é saber/fazer. Todas as experiências e

práticas são permeadas de saberes, por isso abarca conhecimento, tecnologia e

técnicas. Assim nas atividades da “apanha” do açaí, faz-se por meio do saber/fazer

nas etapas de apropriação e distribuição do açaí. O autor acrescenta,

Cuando hablamos aquí de acción y experiência, sería um error mirarlo como

aquello que ocurre solo em relación com el mundo que nos rodea, em el

plano puramente físico. Esta característica delhacer humano se aplica a

todas las dimensiones de nuestrovivir. (MATURANA; VARELA, 1984, p. 13).

As nossas ações e experiências de trabalho e de vida, é que fazem o ser

humano comportar-se como sabedor de conhecimento ou mais especificamente as

populações locais, ao relacionarem-se com o ambiente em que vivem, criam e

renovam-se por meio de suas experiências diárias. O saber está além do plano

físico, entrelaçado nas relações biológicas, há uma interação, entre corpo e mente, o

corpo realiza o que a mente determina. Além disso, os autores destacam a

linguagem como forma peculiar do ser humano e consideram-a como conduta, e não

um conjunto de símbolos. Assim Borges (2002, p. 45) afirma que “as condutas que

definem uma linguagem são determinadas pelas emoções.” Nesse sentido, as

nossas ações estabelecem-se por meio de nossa estrutura seja

físico/comportamental/ emocional. Dentro dessa teoria, os saberes percorrem em

todas as dimensões da nossa estrutura e do nosso viver, resultando em aprendizado

e educação.

Brandão (1984, p. 32) chama a atenção para os processos educativos que

ocorrem nas práticas e saberes cotidianos, quando cita os espaços, da vida e do

trabalho: a casa, o templo, a oficina, o barco, o mato, o quintal, desta interação,

onde viver o fazer, faz o saber. Ainda assim, a educação se faz por essas

experiências cotidianas e no trabalho, ou seja, sejam elas casa, escola, inseridos em

grupos sociais, na igreja, no teatro, nos terreiros, nos rios, plantando, colhendo,

estamos dialeticamente aprendendo e ensinando.

É neste universo educativo que o sentido de Político- pedagógica está

voltado, para uma experiência que ocorre fora do ambiente escolar e amparado por

uma educação ampla. É nesta perspectiva de educação que pretendemos ratificar

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que as práticas cotidianas, são portadoras de uma dimensão de experiências

político-pedagógica, essas são relações indissociáveis, ao citar o significado político-

pedagógica, entende-se nestas dimensões,

É político no sentido de compromisso com a formação do cidadão para um

tipo de sociedade. A dimensão política se cumpre na medida em que ela se

realiza enquanto prática especificamente pedagógica. Na dimensão

pedagógica reside a possibilidade da efetivação da intencionalidade da

escola, que é a formação do cidadão participativo, responsável,

compromissado, crítico e criativo. Pedagógico, no sentido de definir as

ações educativas e as características necessárias às escolas de cumprirem

seus propósitos e sua intencionalidade. (VEIGA, 2002, p.13).

Com essa pretensão que menciono o político, voltado para a formação do

cidadão e pedagógico toda forma de aprendizado entre os produtores de açaí e a

comunidade. No entanto, o espaço educativo ao qual eu me acentuo, não é o

escolar, mas àqueles que estão impressos nas relações cotidianas das populações

locais, como é o caso das práticas e habilidades na apropriação e distribuição do

açaí. Trata-se de uma atividade que vai além de arrecadação econômica familiar,

porque conforma relações de convivências e de saberes.

Dentro de toda essa prática na produção do açaí, estabeleceu uma

organização social por meio de associação e finalmente uma cooperativa, essa

organização consiste em uma estrutura ou base essencial, para que algo seja

realizado e seguido de uma seqüência lógica, nesse processo são as etapas que

seguem na apropriação e na distribuição do açaí via cooperativa. Assim, como

organização social compreendo o cooperativismo enquanto movimento social que

historicamente se fortaleceu como sistema de organização e de reivindicação nas

lutas por melhores condições sociais.

Dessa forma, os produtores organizaram e almejaram intervir na realidade

local, uma vez que dependem de suas atividades que ocorrem por meio da

apropriação e distribuição do açaí. Segundo o dicionário Aurélio (2001) os

significados do verbo Apropriar são: tomar como seu; tomar como próprio,

conveniente; adaptar-se; apoderar-se. Neste sentido, consideraremos que os

ribeirinhos tomam como seu aquele espaço natural, aquela “árvore da vida” e aquele

fruto e vinho, isso tem as mais diversas representações. Ainda assim, a apropriação

remete-se a identificação, manutenção e cuidado com o açaizal e com o próprio

fruto. Os significados do verbo Distribuir são: atirar, soltar, dar para diferentes partes,

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em diferentes direções; conferir, atribuir; por em ordem; classificar; dar (a uns e

outros); repartir. Desta forma, na distribuição do açaí, os produtores vão atribuir às

atividades de comercialização do fruto.

Deste modo, o interesse pelo objeto de pesquisa são os saberes na

apropriação e distribuição doa çaí, este é um símbolo cultural. Destaco esse

vegetal, palmeira do Açaizeiro, cujo nome científico Euterpe oleracea Mart., é uma

palmeira típica da floresta Amazônica, e, de fácil reprodução. Essa palmeira está

dispersa por toda a Amazônia, Mourão (2010, p. 83) define,

No Brasil, a principal região de dispersão das Euterpes é a Amazônia e nela

os Estados do Pará, Amapá e Maranhão possuem as maiores

concentrações, onde predomina a Euterpe oleracea Mart. Mas é encontrada

nos estados do Amazônas, Mato Grosso, Acre, Roraima e Tocantins. E

também fazem parte da flora da Venezuela, Colômbia, Equador, Suriname e

no Paraná.

No território brasileiro e na Amazônia há uma variedade de palmeiras do

gênero Euterpe, contudo, a Euterpe oleracea Mart. é a de destaque, por dar o fruto

do açaí, esta é encontrada em outros estados e países. Pelo fato da palmeira ser de

proliferação rápida, concentra-se no solo amazônico, a sua utilização é de muita

importância para os nativos e sempre fez-se presente no cotidiano, assim também, o

uso do açaí é um hábito cultural dos ribeirinhos desde o período colonial.

Este hábito cultural do uso do açaí e devido a sua representação no estuário

Amazônico, a sua expressão pode ter o seguinte significado “Açaí é uma palavra

originada do vocábulo tupi yasa’i, que significa: a fruta que chora” Lobato (apud

Canto, 2001, p.28), seu significado é justificado pela “Lenda do açaí” 4, popularmente

4 Uma numerosa tribo indígena existia há muito e muitos anos, antes de Belém ser descoberta. A alimentação era pouca e muito difícil de se achar. Foi então, que o cacique tomou uma decisão muito cruel e resolveu que a partir daquele dia, as crianças que nascessem seriam sacrificadas, para que não faltasse alimento à população tribal, uma vez que a alimentação estava escassa. Algum tempo depois, a filha do pajé e cacique chamada Iaçá deu à luz a uma bela menina o pajé e o cacique dando cumprimento a sua ordem mandou matar a menina. Iaçá ficou desesperava e todas as noites chorava com saudades de sua filhinha. Veio uma noite de luar, Iaçá ouviu um choro de criança e saiu correndo pela floresta avistando uma esbelta palmeira. Aos pés da palmeira, sua filhinha que erguia os bracinhos pedia e colo. Iaçá alegre e sorridente correu para abraçá-la, porém quando abraçou fortemente a criança misteriosamente desapareceu. Iaçá foi encontrada morta no dia seguinte, abraçada ao tronco da palmeira. A felicidade e o sorriso estampavam-lhe o rosto, seus olhos negros fitavam para o alto da palmeira que estava carregado de frutinhas escuras. O pajé e cacique mandaram que apanhassem os frutos e o extraíssem, amassando com as mãos para eles tomarem. A partir daí, os índios passaram a consumir o vinho das frutinhas amassadas. O pajé e cacique então, suspendeu a ordem de matar as crianças da tribo. Elas continuariam nascendo livres da morte, pois na aldeia os alimentos já não faltavam e elas poderiam tomar o suco crescendo fortes e sadias. O

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conhecida e perpetuada por gerações. O minidicionário Aurélio (2001) define açaí de

“Palmácia de frutos bacáceos dos quais se faz um refresco apreciado; juçara”. Para

Mourão (2011), a palavra Açaí é de origem tupi yasa’y (i), significa literalmente

“Palmeira de água”. Com essas definições, o açaí tem vários significados,

dependendo da região ou comunidade. Entretanto, a que faz relação à lenda do

açaí, é intrigante, por fazer parte deste universo mítico amazônico que percorre nas

penumbras noturnas, as famosas histórias e mitos, que tanto nos encanta e fascina.

Neste universo, a “apanha” do açaí é uma das principais atividades que ainda

significa a base de produção das populações locais onde todos a realizam e são

portadores de saberes, de educação. Nessa prática é preciso saber/fazer, usando os

seguintes materiais utilizados, como:

a faca ou facão é um instrumento cortante utilizado para a retirada do cacho

de açaí da árvore do açaizeiro; a peconha é um utensílio tecido a partir da

palha do açaizeiro (podendo ser de outro material como pano ou saca

sarrapilha) é de forma quase arredondada, num tamanho que permita para

pessoa colocar os pés dentro e subir no açaizeiro; o paneiro, ou cestos

como também são conhecidos popularmente, são tecidos artesanalmente

pela própria comunidade, é o recipiente utilizado para colocar o açaí depois

de retirado dos cachos, é tecido de talas retiradas de cipós e outras

palmeiras. (CORRÊA, 2010, p. 13).

Ao mencionar essa atividade é necessário ter conhecimento apurado sobre a

extração do açaí, que requer experiências em todas as etapas, ou melhor, de

práticas/saberes. Da simples identificação aos cachos maduros, o saber/fazer

peconha, subir na árvore, debulhar o açaí e colocar na rasa, todos os materiais

artesanais são confeccionados pelos próprios produtores e/ou familiares que ao irem

para a “apanha” já levam esse material pronto.

O açaí tem uma particularidade, que difere de outros vegetais, a sua

importância ocorre também, pelo fato de saberem reaproveitarem, desde a raiz até o

palmito. Corrêa (2010, p. 16) descreve,

Além da extração do fruto para a retirada da polpa, a fim de consumi-lo como alimento, existem outras formas de aproveitamento do açaizeiro. 5 Do

pajé e cacique em agradecimento à tupã, deu à palmeira e aos frutos de AÇAÍ, invertendo o nome de sua querida filha Iaçá ( FERNANDES, 2011, p. 43). 5Saber aproveitar todas as partes da palmeira, também requer práticas/saberes. Além de alimento, do

caule da árvore, retiramos o palmito e do restante, serve de ponte, serve para cercar ou demarcar área. Até mesmo na sustentação de paredes de casas. Da palha, cobertura de casas de animais, do

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açaizeiro extrai-se o palmito para comercialização, que é transformado em enlatados pela indústria; o caule do açaizeiro é utilizado para a construção de casas rústicas, usadas como moradias, ou para criação de animais, especialmente porco e galinha, ele também é utilizado na construção de pontes conhecidas popularmente como estivas; da palha do açaizeiro faz-se a cobertura de palafitas seja para a moradia ou para casa de animais domésticos; do caroço faz-se adubo orgânico, ração, artesanato; e a raiz do açaizeiro é muito utilizada para a fabricação de remédios caseiros.

A figura (1) mostra a importância e uso da palmeira para as populações locais.

Vejamos:

Figura 1- Estrutura e uso do açaizeiro (Euterpe oleracea Mart.)

Fonte: Jardim; Anderson (1987).

Dentre, outras inúmeras reutilizações das partes da palmeira, que nem foram

mencionadas. A partir de recursos da natureza, por experiência própria, a criança

cria e recria suas brincadeiras e diversões. É comum às crianças ribeirinhas usarem

o cacho seco do açaí como boneca e o facão como barquinho. O cacho do açaí,

ainda serve de vassoura para varrer casas e quintais.

Ressaltando também, que a folha da palmeira usa-se de várias formas, em

decorações de eventos, peças de roupas, e objetos. A folha do açaí como aspecto

religioso “nos arraiais das festas de santo do catolicismo popular, os pátios das

igrejas são “enfeitados” com açaí” (PONTE, 2013, p. 31). Ela é muito utilizada nos

caroço transforma- se nas mais diversas utilidades: adubo orgânico, artesanatos e bijuterias (cordões, pulseiras, adereços de sandálias, roupas, trajes de desfile); e a raiz, de remédios caseiros.

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arranjos de eventos e nas igrejas. No domingo de ramos é comum, o ramo, símbolo

sagrado pelos cristãos ser representado pela folha da palmeira. Dependendo do

lugar, este ramo ganha identidade, pode ser de oliveira, samambaia, mas para os

ribeirinhos, geralmente, é uma folha de açaí que após as bênçãos finais do evento

cristão é levado para casa na crença de proteção, de cunho sagrado.

O açaí é muito representativo, além do fruto como alimento, o açaí é “ouro

preto”, vamos fazer uma analogia ao período da República no Brasil, em que o café

foi denominado de “ouro preto” por ser a maior economia de São Paulo, e também o

cacau, porque não dizer para o açaí, “ouro preto” da Amazônia pela sua potência

econômica das populações locais.

O açaí é muito importante nos aspectos econômicos e culturais, e seu uso

precisa ser contextualizado, pois, usamos a expressão açaí, nas mais diversas

situações,

o “açaí” precisa ser usado de forma aspeada na sociedade amazônica. No geral, ao falar “açaí”, a população “nativa” ou de “fora” pensará majoritariamente no suco do fruto de palmeira Euterpe Oleracea- o açaizeiro. Mas “açaí” também pode ser algo que tem a “cor do açaí”. A blusa é “açaí”, o chapéu é “açaí”, o batom é “açaí”. (PONTE, 2013, p. 31).

O açaí ganha visibilidade e pelos povos da Amazônia marajoara, digo que

“nos perdemos” no uso do açaí, não só de analogia com a cor, mas com o próprio

consumo. E o açaí vai além do consumo do fruto, utilizo o sentido metafórico da cor

da fruta como, por exemplo, fazendo comparações com roupas, casas, objetos e

acessórios etc, todas essas manifestações também fazem parte da cultura local.

Toda a história do açaí tem fortemente relação com a chegada dos viajantes

europeus, uma vez que constam relatos dos viajantes “a designação do suco como

vinho de açaí teve início com a chegada dos europeus que acharam semelhante à

coloração do suco com o vinho europeu” (MOURÃO, 2011, p.187). Com isso, a

comparação e uso do açaí, transcende séculos.

O uso do açaí na vida do Amazônida Marajoara é a representação social,

econômica e cultural para cada um, pois a existência do fruto é fundamental para a

sobrevivência diária, este significado acontece dependendo do uso que os

habitantes fazem da utilização do fruto como hábito cultural. Em suma, Mourão

(2011, p. 188) revela, que “esses significados vão se tornando consistentes e

passam a ser expressos através de símbolos, emblemas e sinais de cultura”. O açaí

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é consumido por grande parte da população e para o fortalecimento da cultura, para

nós paraenses, ele tem inúmeras interpretações,

A expressão “vou tomar açaí” tem um sentido amplo. Pode significar uma mera sobremesa ou merenda, se partir de populações urbanas de classe média, mas no meio rural, ou entre populações migrantes da periferia de Belém, pode ser entendido que alguém terá um almoço cujo prato principal é o “vinho” (suco) de açaí acompanhado de peixe, charque, carne de sol ou camarão assado ou fritos. (PONTE, 2013, p. 31).

Para o ribeirinho, o açaí é alimento, muitas vezes, a refeição principal ou a

única refeição, é acompanhado de charque (carne de sol), camarão e peixe.

Contudo, para a classe média, geralmente é estipulada, dias na semana ou a

quantidade, não pode ser qualquer dia, nem qualquer hora, muito menos, todos os

dias. E quando é consumido, pode ser em forma de suco, merenda, entretanto, não

significa que açaí é alimento de pobre, mas com significados de cultura diversificada.

É comum o hábito de “roer”6 açaí, beber mingau de açaí com farinha, arroz ou

crueira7. Diríamos que não temos hora, toda hora é uma boa hora de consumir o

açaí, portanto é a nossa “árvore da vida”, expressão utilizada por Ponte (2013) e

Mourão (2011), para simbolizá-la, como “vida.”

No entanto, a “árvore da vida”, configura-se em períodos distintos, os

produtores utilizam as expressões safra para o período de abundância da produção

do açaí e entressafra para o período de ausência do fruto. Com essas distinções as

populações ribeirinhas vivem momentos contraditórios, ora de abundância e ora de

ausência do fruto, refletindo diretamente na alimentação e na renda financeira de

cada produtor. No período de safra, é uma das ou a mais importante fonte de renda

dos produtores de açaí e na entressafra em que a economia reduz, passam por

momentos precários, dependendo de outras pequenas produções. É neste contexto

rural, que vivem de seus conhecimentos/saberes e da sua adaptação nas atividades

de acordo com os fenômenos naturais, da mata, da lua e da água.

Esta pesquisa configura-se em mapear os saberes na apropriação e

distribuição do açaí como fator de relevância dessa pesquisa, o fato de o açaí

configurar-se no universo cultural do paraense; ele faz parte do cotidiano ribeirinho e

de grande parte das pessoas da cidade, na alimentação cabocla amazônica

6 Hábito comum dos ribeirinhos, roer o caroço do açaí acompanhado de farinha. 7 No preparo da farinha de mandioca, o resíduo grosseiro que não passa pela peneira e resta depositado sobre sua tela;

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marajoara. Em virtude disso, a apropriação e distribuição do açaí não se tornam

apenas um processo de trabalho, mas de convivências, relações sociais, lugar de

circulação de saberes, de ensino e aprendizagens.

3. Caminhos Metodológicos da Pesquisa

Pesquisar é mais do que querer agradar alguém, ter um interesse particular

ou apenas para obtenção de um título, requer uma indagação ou situação problema,

segundo Lüdke e André (1986, p.1-2) “é preciso promover o confronto entre os

dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o

conhecimento teórico acumulado a respeito dele”.

Isso me fez compreender que pesquisar requer métodos bem elaborados.

Conforme coloca Marconi e Lakatos (2006, p. 46),

O método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo- conhecimentos válidos e verdadeiros-, traçando o caminho a ser seguido.

Na construção de uma pesquisa, as técnicas e os métodos não se aplicam

em função de preferência, mas sim, pela coerência com o objeto ou tipo de

pesquisa. As pesquisas acontecem de formas variadas, com objetivos e métodos

diferentes. Em função de ter pouca experiência em pesquisas de campo sentir

dificuldades na escolha da metodologia, de entender qual a adequada com a minha

proposta, pois para cada objeto, uma metodologia ou método, e também, técnicas e

instrumentos específicos. Cada método se propõe a uma função específica.

3.1 As abordagens da pesquisa

Dessa forma esta pesquisa situa-se no contexto de abordagem qualitativa e

de campo, sustentada nos princípios metodológico e epistemológico do materialismo

histórico e dialético.

Para Santos Filho; Gamboa (2013, p.41), a pesquisa qualitativa:

Rejeita a possibilidade de descoberta de leis sócias e está mais preocupada para a compreensão, explanação e especificação do fenômeno[...]. O pesquisador precisa tentar compreender o significado que os outros dão às suas próprias situações.

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Assim, a pesquisa qualitativa, busca interpretações sobre a vida cultural e

suas relações com o meio, com a comunidade, sua cultura, seus afazeres e seu

modo de viver. E desta forma, entender a configuração do processo educativo nos

saberes cotidianos dos ribeirinhos na apropriação e distribuição do açaí.

Deslandes; Minayo (2009, p. 24) também acrescentam que a pesquisa

qualitativa implica “compreender relações, valores, atitudes, crenças, hábitos e

representações e a partir desse conjunto de fenômenos humanos gerados

socialmente, compreender e interpretar a realidade”.

A pesquisa é de campo, pois o contexto é em comunidade rural-ribeirinha.

Segundo Molina (2006, p.29) “o conceito de campo como espaço de vida é

multidimensional”. E entendo o campo na sua forma de relações, e dotado de

conhecimentos e experiências, que devem ser valorizadas, pois devemos integrar

toda e qualquer forma de saber. Desta forma, enfatizo uma educação que acontece

nas relações e experiências cotidianas na apropriação e distribuição do açaí, pois,

A educação como ação cultural que se reproduz por meio de relações mediadas pela forma de produzir a vida, na relação com o meio ambiente e o trabalho. Toda possibilidade para o ser humano está diretamente ligada com a possibilidade de criar cultura na sua relação com o mundo e com os outros seres humanos (MOLINA, 2006, p.75).

A educação está inserida no ambiente/campo e nas interações por meio do

trabalho e da vida cotidiana, assim nas ações culturais da apropriação e distribuição

do açaí.

Ao adotar o materialismo histórico dialético, busco refletir a presença do ser

humano no meio social, a sua materialidade, uma vez que a vida cotidiana é

regulamentada por meio da organização social, e por meio de um percurso histórico.

Direcionando para os saberes no processo organizativo na apropriação e

distribuição do açaí e interpretar este contexto de trabalho, convivências e relações

socioeducativas.

Marx e Engels (1998, p.13-17) explicam como surgiu o materialismo histórico

dialético, o materialismo foi formado no humanismo naturista em Feuerbach. Além

disso, conservaram a dimensão ética de Kant e a dialética de Hegel. E com

acréscimos de leituras das produções dos historiadores franceses.

Para Pires (1997,p.), o método dialético caracteriza-se da seguinte forma,

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O método materialista histórico dialético, é método de interpretação da

realidade, visão de mundo e práxis [...] para Marx, Hegel trata a dialética

idealmente, no plano do espírito, das idéias, enquanto o mundo dos homens

exige sua materialização. É com esta preocupação que Marx deu o caráter

material (os homens se organizam na sociedade para a produção e a

reprodução da vida) e o caráter histórico (como eles vêm se organizando

através de sua história).

É com essa finalidade que emprego o método de Marx para compreender a

presença do ser humano na sociedade, por meio da sua produção e reprodução da

vida considerando a sua história. Na prática de trabalho da produção do açaí, como

estão organizados socialmente para esse processo, que percorre desde a “apanha”

até a prática comercial.

Nesta perspectiva Pires (1997, p. 91) destaca,

Os homens se caracterizam por um permanente vir a ser, a relação entre os homens não está dada, mas precisa ser construída (vir a ser), construída material (trabalho social) e historicamente (organização social do trabalho). O trabalho, como princípio educativo, traz para a educação a tarefa de educar pelo trabalho e não para o trabalho, isto é, para o trabalho amplo, filosófico, trabalho que se expressa na práxis (articulação da dimensão prática com a dimensão teórica, pensada).

Ao abordar o processo educativo no cotidiano, entendo o trabalho como

humanização. Em educar pelo trabalho e não puramente para o trabalho, isso

significa que as atividades que ocorrem no trabalho diário não são apenas forças

produtivas, e sim, vivenciadas e permeadas de aprendizados. A educação pode

corroborar para uma concepção de humanização ou alienação, mas com certeza

queremos o ser humano na sua integralidade, pleno, com capacidades de interpretar

o seu contexto e não alienado, apenas como reprodutor atuando como máquinas; e

sim, com possibilidades de transformação, pois,

O materialismo dialético é a base filosófica do marxismo e como tal realiza a tentativa de buscar explicações coerentes, lógicas e racionais para os fenômenos da natureza, da sociedade e do pensamento (TRIVINOS, 1987, p. 51).

É nesse sentido de compreender essa organização social, na apropriação e

distribuição do açaí via cooperativa que as relações de trabalho/sociais neste

espaço não formal ocorrem de diversas formas, com familiares, vizinhos e

compadrio. E por meio do trabalho as comunidades se organizam em coletividade

para execução das tarefas, mesmo assim houve a necessidade da criação de uma

cooperativa como intervenção de suas práticas. A formação de cooperativas é uma

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atitude de organização comum, no entanto surgem com diversas finalidades, todas

buscam a sua legalidade e leis próprias, que regem a sua atuação. Como focalizo os

saberes na apropriação e distribuição do açaí incluindo nessa organização a

Cooperativa Sementes do Marajó, destacando, um grupo de produtores que por

meio da cooperação, lutam contra a pobreza e almejam fortalecer suas relações e

mercado regular para as suas produções, em especial, o açaí.

Marconi e Lakatos (2006, p. 83) afirmam que “as coisas não existem isoladas,

destacadas umas das outras e independentes, mas como um todo unido, coerente”.

Assim, imbricados, de uma postura dialética entendo que,

As coisas não são analisadas na qualidade de objetos fixos, mas em movimento: nenhuma coisa está ‘acabada’, encontrando-se sempre em via de se transformar, desenvolver; o fim de um processo é sempre o começo de outro (ibid, 2006, p. 83).

Por entender que o ser humano não vive de forma isolada, mas em sociedade

de maneira dinâmica, em que o renovar-se é uma condição. Dessa forma, como

seres inacabados buscamos a mudança social e concretizamos os nosso objetivos

mais rápidos quando estamos organizados na coletividade, assim, nada está na

postura de fixo, mas de alterações nas relações de convivência, no trabalho, no

meio familiar e no movimento social.

3.2 Locus da pesquisa

A presente investigação insere-se em uma comunidade ribeirinha localizada

no município é Curralinho. A caracterização do locus da pesquisa será detalhada na

próxima seção.

3.3 Produtores de açaí: os sujeitos da pesquisa

Os sujeitos da pesquisa são moradores curralinhenses. Dentre eles, homens

e mulheres, com faixa etária de 32 a 70 anos, são pessoas simples e carentes, que

vivem de suas atividades da produção do açaí e outras rendas financeiras. Esses

sujeitos selecionados possuem uma riqueza cultural diversificada, e detêm em suas

memórias muitos ensinamentos a serem compartilhados.

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Os sujeitos selecionados nesta pesquisa somam-se um total de dez (10),

sendo sete (07) produtores de açaí e cooperados e três (03) produtores de açaí não

cooperados. Os setes (07) produtores de açaí (membros da cooperativa) são: Miguel

Baratinha de Moraes, 51 anos de idade, produtor de açaí, com formação de 4ª série,

com estado civil de casado, pai de 5 filhos (2 mulheres e 3 homens) e sempre

residiu no rio Pagão, integrante da comunidade Boa Esperança, é um dos

fundadores da cooperativa e exerceu o cargo de vice- coordenador de comunidade,

presidente de associação, presidente da Central de Associação e primeiro

presidente da cooperativa (2014-2016); Vicente de Paula Firmino de Oliveira, 58

anos de idade, produtor de açaí, com formação de ensino fundamental incompleto,

com estado civil de união estável, pai de 6 filhos (3 homens e 3 mulheres) e sempre

residiu no rio Tartaruga, integrante da comunidade Sagrado Coração de Jesus, é um

dos fundadores da cooperativa e exerceu o cargo de coordenador de comunidade;

Herde Barreto Maia, 32 anos de idade, produtor de açaí, com formação de 6ª série,

com estado civil de união estável, pai de 4 filhas e sempre residiu no rio Tartaruga,

integrante da comunidade Sagrado Coração de Jesus, exerceu o primeiro mandato

de Diretor financeiro da cooperativa e atualmente presidente da cooperativa; Luciene

Barbosa da Costa, 35 anos de idade, produtora de açaí, com formação de 8ª série,

com estado civil de solteira, não tem filhos é residente na Ilha Santa Apolônia e

exerceu o cargo de presidente de associação; Raimundo Correa de Oliveira, 70

anos de idade, produtor de açaí, com formação de 4ª série, com estado civil de

casado, pai de 10 filhos (3 homens e 7 mulheres) e residente no rio Canaticu

integrante da comunidade Santa Catarina, é um dos fundadores da cooperativa e

exerceu o cargo de coordenador e vice-coordenador de comunidade, presidente de

associação e atualmente é Diretor de produção da cooperativa; Isaias Ferreira da

Silva, 41 anos de idade, produtor de açaí, com formação de 2ª série, com estado

civil de união estável, pai de 5 filhos (3 mulheres e 2 homens) e residente no rio

Jatibuca integrante da comunidade São Francisco de Assis, exerceu o cargo de

presidente de associação, primeiro mandato de Diretor de produção da cooperativa

e atualmente é Diretor financeiro da cooperativa e Carlos Roberto Baratinha Oliveira,

produtor de açaí, professor, com formação superior, com estado civil de união

estável, não tem filhos, residente na cidade de Curralinho e atualmente é Diretor de

Comunicação da cooperativa.

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E três (03)produtores de açaí (não participantes da cooperativa), Maria Izabel

Firmino Monteiro, 43 anos de idade, produtora de açaí, com formação de ensino

fundamental incompleto, com estado civil de solteira, mãe de 4 filhos (3 filhos e 1

filha) e sempre residiu no rio Tartaruga é integrante da comunidade Sagrado

Coração de Jesus; Civaldo Serrão de Moraes,52 anos de idade, produtor de açaí,

com formação de ensino fundamental incompleto, com estado civil de união estável,

pai de 8 filhos (5 homens e 3 mulheres) e sempre residiu no rio Tartaruga, integrante

da comunidade Sagrado Coração de Jesus; Ana Lúcia Borges, 49 anos de idade,

produtora de açaí, com formação de ensino fundamental incompleto, com estado

civil de união estável, mãe de 8 filhos (5 homens e 3 mulheres), nasceu no rio

Pagão, mas reside há 33 anos no rio Tartaruga, integrante da comunidade Sagrado

Coração de Jesus. Entre os sujeitos a escolha deu-se pela representatividade que

possuem na cooperativa, podem ter mais facilidade de interagirem e também pela

acessibilidade aos sujeitos. A finalidade em comum era de entender a organização

de suas práticas/saberes na apropriação ou distribuição do açaí.

3.4 Trabalho de campo e técnica de produção de dados

Toda pesquisa requer planejamento, organização e estratégias à entrada no

campo, como forma de possibilitar uma aproximação com as pessoas do local

selecionado para o estudo, para Neto (2009, p.55-56) “o pesquisador entra em

campo considerando que tudo que vai encontrar serve para confirmar o que ele

considera já saber, ao invés de compreender o campo como possibilidade de novas

revelações”. É neste sentido que a pesquisa deve ser norteada, sempre na busca de

descobertas. Na pesquisa é importante deslocar-se da própria cultura, essa

separação fará a percepção de modos que você pensaria conhecer ou fazer parte.

No percurso desta investigação utilizei várias estratégias na produção de

dados, como a entrevista semiestruturada na qual as perguntas não são totalmente

fechadas e definidas. Para Gil (1994, p. 119),

Desde o primeiro momento se crie uma atmosfera de cordialidade e simpatia.

O entrevistado deve sentir-se absolutamente livre de qualquer coerção,

intimidação ou pressão. Desta forma, torna-se possível estabelecer orapport

(quebra de gelo) entre entrevistador e entrevistado.

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A entrevista ocorreu de forma natural, em que os sujeitos envolvidos sentiam-

se seguros e confortáveis para narrarem. A entrevista é uma das técnicas mais

utilizadas, pois “o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula

perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessam à investigação. A

entrevista é, portanto, uma forma de interação social” (GIL, 1994, p.113).

Outro instrumento utilizado foi o Caderno de anotações ou diário de campo,

Segundo Neto (2009, p. 63),

É um instrumento ao qual recorremos em qualquer momento da rotina do

trabalho [...] é um ‘amigo silencioso’[...] Nele diariamente podemos colocar

nossas percepções, angústias, questionamentos e informações que não são

obtidas através da utilização de outras técnicas.

Neste caderno fiz os registros e anotações observadas que considerei

pertinentes como, por exemplo, os dados pessoais, as relações familiares, o modo

de vida em comunidade, e seus saberes são um conjunto de informações que são

percebidas, mas não inclusas na entrevista. Este instrumento auxilia percepções que

estão para além da entrevista.

Utilizei ainda, a observação, que é imprescindível na produção dos dados,

pois “nada substitui o olhar atento de um pesquisador de campo ao evasivo próprio

da realidade das relações sociais” NETO (2009, p.63). O observar é sinônimo de

perceber, notar, ver, constatar, verificar, examinar e reparar. Dessa forma, a

observação é única, é uma relação em que estamos presente com o saber. É algo

de imediato, pois percebemos algo que pode ser decisivo na argumentação, pois

cada detalhe, sinal, símbolo, apresenta um conjunto de modos, crenças e cultura,

sendo impossível sem a observação.

Outro instrumento utilizado na pesquisa, foi o registro de imagens através de

fotografias e vídeos em que ficam registradas as atividades cotidianas das

populações locais do contexto no qual se desenvolveu a investigação e assim, as

fotografias enriquecem o trabalho na comprovação e descrição da

interpretação/análise dos argumentos.

A dinâmica da produção de dados deste estudo envolveu agendamento das

entrevistas com os membros da cooperativa e contou com deslocamentos semanais

à comunidade e para vivenciar as inúmeras tarefas que realizam no cotidiano.

Enfim, com as informações e modo de vida de cada ribeirinho foi uma

experiência e oportunidade única enquanto pesquisadora, os moradores com pouco

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estudo formal, mas com muitos saberes a compartilharem onde fui uma aprendiz.

Uma vida simples, onde prevalece a união, o amor ao próximo, a atenção, o respeito

e principalmente a cooperação, foi nesse universo de saberes a minha

aprendizagem, posso afirmar que a cooperativa e o espaço ribeirinho são escolas

onde a educação se faz presente.

3.5 Sistematização e análise dos dados

A análise e a sistematização de dados tem por finalidade,

Organizar e sumariar os dados de forma tal que possibilitem o fornecimento

de respostas ao problema proposto para investigação. Já a interpretação

tem como objetivo a procura do sentido mais amplo das respostas, o que é

feito mediante sua ligação a outros conhecimentos anteriormente obtidos

(GIL, 1994, p. 166).

A análise e sistematização de dados deste estudo ocorreu por meio da

análise de conteúdos. Para Bardin (apud GIL, 1994) a análise de conteúdo, divide-se

em três fases: “a) pré-análise; b) exploração do material; e c) tratamento dos dados,

inferência e interpretação”. Inicialmente trata-se da forma organizacional do material,

a segunda fase, é exploração do material coletado e a última, a análise minuciosa

tornando-os válidos e significativos.

E com este caminho traçado, com todo o material produzido, fiz a transcrição

das narrativas, que é uma atividade intensa e requer paciência e atenção. Para

então, realizar a interpretação das narrativas, de acordo com as categorias de

apropriação e distribuição do açaí.

3.6 Estrutura preliminar da dissertação

Desse modo, esta pesquisa segue a seguinte estrutura:

1 Introdução com motivações e origem da pesquisa, problemática e objetivos,

perspectiva teórica de análise, caminhos metodológicos, as abordagens,

caracterização do locus da pesquisa e os sujeitos da pesquisa, trabalho de campo e

técnica de produção de dados, sistematização e análise dos dados e estrutura

preliminar da dissertação.

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2 Caracterização da organização social do arquipélago do Marajó. Neste

sentido, analiso as complexidades desse território, as relações sociais no município

de Curralinho enfatizando o cotidiano da comunidade ribeirinha Sagrado Coração de

Jesus localizada no rio Tartaruga afluente do rio Canaticu como locus da pesquisa.

3 Os saberes que informam os processos de apropriação do açaí na

comunidade ribeirinha marajoara, assim enfatizo as formas de apropriação, suas

relações com o ambiente (açaizal), o tempo ecológico do açaí e especificando os

saberes que permeiam o processo da “apanha” do açaí.

4 O processo organizativo na distribuição do açaí na comunidade Sagrado

Coração de Jesus, apresentando a distribuição do açaí antes da criação da

cooperativa e depois da criação da cooperativa, que a partir da instituição desta,

surge para a efetivação do mercado consumidor regular na distribuição do açaí eos

saberes que perpassam esse processo.

5 Analiso a Cooperativa “Sementes do Marajó” como espaço educativo e de

circulação de saberesdos produtores de açaí, as dimensões político-pedagógicas

na apropriação e distribuição do açaí e por fim uma avaliação da cooperativa pela

comunidade.

6 Considerações Finais

7 Referências e apêndices

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2 CARACTERIZAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO FÍSICO E SOCIOHISTÓRICA DO

LOCUS DA PESQUISA

“Esse rio é minha rua; Minha e tua, mururé; Piso no peito da lua;

Deito no chão da maré”. (cantora: Fafá de Belém; compositor: Paulo André e Rui Barata)

Nesta seção discorro sobre a origem e organização social do Arquipélago

do(s) Marajó(s), as riquezas culturais e também as complexidades. Nessa

caracterização, com realce a Comunidade “Sagrado Coração de Jesus” localizada

no Rio Tartaruga afluente do Rio Canaticu no município de Curralinho – Pará, como

locus dessa pesuisa.

2.1Origem e localização da Ilha de Marajó

Os registros históricos sobre a origem do Marajó neste trabalho, estão

fundamentados nos estudos de Pacheco (2009) e Schaan (2009) que são

referências em pesquisas sobre a região marajoara. A partir dessas pesquisas com

caráter religioso em que consistem em registros de viajantes e padres em missões

religiosas e caráter artístico em que consistem em resquícios das cerâmicas

marajoaras. Alicerçados nessas informações busco uma tentativa de recompor o

passado da cultura dos primeiros povos que habitaram a Ilha de Marajó, porém não

é uma tarefa fácil, pois existem muitas lacunas que talvez seja impossível de traçar

toda a movimentação indígena no arquipélago uma vez que muitos materiais

cerâmicos e registros foram deteriorados.

O descobrimento do Brasil ocorreu em 22 de abril de 1500, quando Pedro

Álvares Cabral chega ao sul da Bahia, Schaan (2009, p 31) afirma que neste período

histórico o “Brasil entrou oficialmente nos registros históricos europeus da época,

apesar de já possuir uma história própria de muitos milhares de anos.” Assim

também, o Marajó já tinha sua população local e seu modo de vida peculiar

mantinham contato e “possuíam redes de troca de longa distância para matérias-

primas e bens que lhes eram valiosos, como pedras raras, animais e seus produtos-

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como peles e penas” (SCHAAN, 2009, p 31). De modo que, essas trocas ocorriam

entre as companhias de comércio holandesas, inglesas e francesas.

Desta forma, o encontro entre as culturas diferentes, europeus e indígenas,

não ocorreu harmoniosamente, gerando conflitos entre os europeus por controle

geopolíticos e econômicos, em virtude disso, Schaan (2009, p.32), esclarece que o

Marajó,

foi cenário de palco de uma acirrada disputa entre as nações européias, que viam o domínio sobre o arquipélago como fundamental para obter o controle do rio Amazonas e garantir acesso às riquezas que esperavam encontrar na nova terra.

Como os europeus tinham interesse na exploração das riquezas na nova

terra, isso gerou disputas e conflitos, Pacheco (2009, p.16) ressalta que os

indígenas “não assistiram, passivamente, àquelas estranhas chegadas de gentes

tão diferentes de suas visões humanas”, e isso teve uma reação à invasão dos

brancos, na terra nativa.

Schaan (2009) acredita que em 1499 o navegador espanhol Francisco Yañez

Pinzón seria o primeiro a chegar a Ilha de Marajó e manter contato com as nações lá

existentes. Porém devido ao comércio holandês nas Guianas serem promissores,

baseado nisso é provável que os holandeses tenham sido os primeiros a selarem

laços efetivos com os índios aruãs. Essa tribo, viveu nas Guianas, na costa

amapaense, e nas Ilhas Mexiana, Caviana e costa norte do Marajó. Essa tribo aruãs,

tiveram provavelmente um tempo limitado por um período de menos de 200 anos de

vivência na Ilha. Devido a uma forte concorrência do comércio europeu,

Lá pelo final do século XVI, os portugueses começaram a se preocupar realmente com a presença de holandeses, ingleses e franceses naquele que entendiam ser seu território por direito. Os europeus tinham estabelecido fortificações e postos de comércio em várias localidades na foz do rio Amazonas e obtinham produtos que lhe rendiam excelentes lucros na Europa. Portugal resolveu, então, lançar uma série de ofensivas militares para expulsar seus rivais, com o que contou com a ajuda dos índios, principalmente os tupinambás. Fundou-se a cidade de Belém em 1616, importante ponto estratégico para a consolidação do domínio português na área. (SCHAAN, 2009, p.32).

Como a ilha já estava composta por europeus, estes já se incomodavam com

a presença de outros intrusos como franceses e holandeses, e sentindo-se

proprietários do local, a única intenção era expulsar os concorrentes, pois os

portugueses mantinham lucros gerados com a matéria prima da região e a economia

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da Amazônia, sempre veio dos recursos naturais, como de diversos tipos de óleos,

madeira, sementes, borracha, etc.

Pacheco (2010, p. 18) explica que, em 1623, os portugueses conseguem o

domínio sobre a fronteira na Ilha de Joanes, os fortins flamengos elevados pelos

holandeses e o forte de São José de Macapá, pelos ingleses no intuito da posse do

rio Amazonas, e eliminação dos concorrentes europeus. Além disso, dominar os

nativos que povoavam a ilha de ponta a ponta. Em relação ao significado do nome

da ilha, Rabelo; Neves (2014, p.02) explicitam que “em 1754, a Ilha Grande de

Joanes, recebeu o nome de Marajó, que significa o vento que sopra a tarde sobre a

ilha”, porém, Mbara-yó, que em tupi significa barreira do mar.”

Segundo Pacheco (2010) a coroa portuguesa com objetivo de monopólio da

região, tenta a todo custo o domínio total, e como estratégias, tentam por meio de

expedições, uma destas chefiada por João Bittencourt Muniz, com 80 soldados de

cavalaria e cerca de 500 selvagens tupinambás. Dessa forma, com tamanho reforço,

os portugueses seriam beneficiados e com o poderio que possuíam o Sr. Muniz

sugeriu o perdão e a paz aos selvagens, no intuito de tornarem-se fiéis a EL-Rei. E

não havendo acordo, isso resultando numa guerra sangrenta, com a morte de 250

tupinambás, 30 portugueses e inúmeros nativos, a expedição não obteve a vitória

pretendida.

Schaan (2009, p.33), esclarece que nessa conquista de território, os conflitos

aconteceram também porque os portugueses buscaram escravizar os índios para o

trabalho, e vencê-los não foi uma tarefa muito simples, mesmo porque,

Os documentos coloniais da época dizem que o centro da ilha de Marajó era habitado por cerca de 29 nações indígenas diferentes, às quais referiam-se genericamente como nheengaíbas, que em língua tupi quer dizer gente de fala incompreensível. (SCHAAN, 2009, p.33).

A ilha possuía uma variedade de tribos,cada uma com seu chefe, habitavam

os tesos do seucentro, porém uma curiosidade, é que não há registros do seu modo

de vida, o que conclui-se que os portugueses nunca visitaram, de fato, as aldeias do

centro da ilha.

Pacheco (2010) explica que o único objetivo dos portugueses era acabar com

os povos nativos, e ano seguinte da primeira expedição, houve outra novamente

para exterminar de vez a valentia dos índios nativos, sob a ordem do novo

governador André Vidal de Negreiro, com apoio da Câmara municipal de Belém.

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Mas desta vez, estavam estrategicamente articulados de quem iriam dominá-los não

seriam os portugueses, e sim, os missionários, pois nesta conquista dos

portugueses sobre a Amazônia, faz-se presente a “memória sobre a Companhia de

Jesus na região, com destaque para os feitos de padre Antonio Vieira”.

Pacheco (2010, p. 23-24) acrescenta que o padre Vieira, conseguiu o “acordo

de paz, por volta de 22 a 27 de agosto de 1659, com chefes das setes nações

Nheengaíbas no rio Mapuá, atualmente meio rural do município de Breves”, o

religioso conseguiu contato com as tribos ao qual levou consigo a sua única arma, o

evangelho. Com o tratado de paz, a coroa portuguesa objetivava politicamente o

Vale amazônico: a liberdade em navegar pelos estreitos de Breves que outrora

foram proibidos pelos nativos, sendo uma rota de acesso importante e onde os

povos indígenas escondiam-se como escape de fuga para sua proteção; e porta de

entrada à extração de riquezas e passagem para alcançar Macapá e Guiana

Francesa. Ainda nas idéias do autor, aos poucos, com total liberdade de trafegar por

toda a ilha criaram-se vários aldeamentos objetivando a catequização dos povos

nativos. E toda essa região foi disseminado, inicialmente no Mapuá, depois

Guaricuru (Melgaço), Arucará (Portel) e Araticu (Oeiras) atualmente onde hoje são

os municípios de Breves, Melgaço, Portel e Oeiras, Gurupá, Chaves.

Pacheco (2010) relata que após a expulsão dos jesuítas, pela Lei Pombalina

de 1959, houve um abandono espiritual, os índios dispersaram e igrejas

enfraqueceram e até desapareceram. E a Ordem dos Agostinianos Recoletos, aos

assumirem, em outubro de 1930, a prelazia do Marajó, recuperaram registro de D.

Frei Caetano Brandão, bispo da época,que expõe,

No ano de 1786, a 12 de Junho aportamos a um pequeno lugar denominado Breves. Consta de alguns moradores pardos ou índios. Não tem igreja, nem capela, e dista de freguesia que é a vila de Melgaço um dia de viagem, por isso se acham muitos ignorantes na doutrina. Perguntando a um grande número de mulheres e meninos quem era a mãe de N. S. Jesus Cristo não souberam responder-me. Preguei e ensinei o que pude em tão pouco tempo. Recomendei a um homem mais inteligente que instruísse aos meninos, para o que lhe dei alguns livros. Crismei, visitei-os nas suas casas estimulando-os ao trabalho corporal e ao de salvação, e às cinco horas da tarde os deixamos. (SOARES 1946: 138 apud PACHECO, 2010, p. 26).

Este trecho revela a ausência espiritual nessa região após a expulsão da

companhia de Jesus das terras marajoaras e assim, ficando enraizado a memória do

padre Antonio Vieira, na região das ilhas. Segundo os registros dos bispos, Vieira

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retorna a Portugal, possivelmente perseguido pela coroa e ao chegar em terras

portuguesas fez cobranças severas da Igreja a posicionar-se sobre as injustiças

provocadas ao povo nativo, principalmente em relação à Câmara municipal de

Belém e São Luis. Além dos grandes benefícios deixados na memória da postura de

Vieira, não podemos esquecer que como conseqüência Vieira também, colaborou

para a escravização e extermínio dos indígenas, uma vez que a região ficou de

“portas abertas”.

Em relação às imensas áreas de campos, foram feitas as concessões junto à

coroa portuguesa e os destinos dessas terras foram doadas aos nobres da corte.

Posteriormente desenvolveram-se muitos sítios e fazendas. E foi a partir de 1800,

que chegaram milhares de cabeças de gados nesse território marajoara, voltado

para uma economia e modo de vida peculiar dos campos do Marajó. A partir disso,

necessitava de mão de obra escrava no trabalho das lavouras e na criação de

gados. Por esse motivo, o tráfico de escravos africanos na Amazônia intensificou-se

e acredita-se que os primeiros escravos tenham vindo juntamente com as cabeças

de gado.

Desse modo, é somente no século XIX que o Brasil e o mundo começaram a

ter informações sobre a valiosa riqueza arqueológica presente na Ilha de Marajó,

com isso, Schaan (2009, p. 33) esclarece que “dezenas de tesos, contendo preciosa

informação sobre vida dos antigos donos da ilha foram saqueados e destruídos na

busca pela bela cerâmica marajoara”. Talvez os modelos de cerâmicas encontrados

presentes nos museus na Europa, Estados Unidos e Brasil, sejam mínimas, muitos

foram perdidos, e junto com isso as histórias dos povos nativos. Esse grande

quebra-cabeça da origem e histórias sobre os nativos é feito atualmente sobre

pesquisas em que “os arqueólogos tentam colocar as poucas peças que restam

sobre a mesa e encher os espaços vazios com possibilidades, comparações e

hipóteses” (SCHAAN, 2009, p. 34). E assim, muitas informações foram juntas com

as cerâmicas.

E para reconstruir esse passado Schaan (2009, p. 34) ratifica que,

Há cerca de 1.500 anos antes de cristo, pequenas vilas com não mais do que 100 a 150 pessoas que viviam da horticultura, caça, pesca e coleta, estabeleceram- se ao norte, sudeste e centro da Ilha de Marajó. O fato de que seus remanescentes são encontrados nos campos, na floresta e ao longo dos rios mostra que exploravam diversos recursos, aprendendo técnicas e experimentando estratégias que vieram a ser importantes para o

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crescimento populacional e incremento da produção de alimentos e utensílios.

Esses povos mantinham interação entre si, isso é comprovado, por meio das

cerâmicas, objetos e acessórios que produziam. É possível definir de acordo com os

diferentes estilos de cerâmicas outros pesquisadores denominaram de “Fases

Cerâmicas”, com isso, os povos foram classificados como: Ananatuba, Mangueiras,

Formiga, Marajoara, Acauã e Aruã.

Percebe-se que a ilha tinha uma miscigenação de tribos, que tinham relação

uma com as outras, porém mantinham também as suas independências, no entanto,

influenciavam umas as outras no seu modo de vida. Em seus rituais, era comum o

uso de,

Igaçabas grande e com elaborada decoração eram continente para mortos ilustres, enterrados juntamente com oferendas de diversos tipos e objetos pessoais, como adornos de pedras verdes e lâminas de machado, bens de luxo importados de regiões distantes [..] o padrão básico de ritual funerário consistia na separação da carne dos ossos, provavelmente deixando que o corpo se decompusesse sob o solo ou dentro de um cesto suspenso, para que depois os ossos fossem limpos e pintados de vermelho.[...] a igaçaba assim preparada era parcialmente enterrada dentro de um templo, ou casa, com o cuidado de que sua abertura permanecesse à superfície, coberta por um prato invertido. Ao redor de igaçaba colocavam-se pratos e tigelas com alimentos. Vários grupos indígenas acreditavam que a alma do morto está na verdade contida nos seus ossos, razão pela qual a carne era desprezada e os ossos eram cultuados. (SCHAAN, 2009, p. 36-7).

Ao reconstruir esta história do arquipélago marajoara, as cerâmicas,

atualmente, são grande referência do Estado do Pará, por este significado de

comprovar a existência, os costumes e rituais dos nativos, e assim sendo possível

este estudo arqueológico que segundo Schaan (2009, p. 89) a arte da cerâmica

marajoara é estudada sob dois olhares “como objeto utilitário e artístico, e como

veículo de comunicação social e cultural”, pois as urnas funerárias e outros objetos

artísticos, além de sua funcionalidade e exuberância na fabricação, representavam a

vida social e a cosmovisão dos primeiros povos da ilha. Assim,

Os povos marajoaras produziram inúmeros tipos de objetos e vasilhas com o barro que é tão abundante na ilha. Apesar das peças mais impressionantes serem as urnas funerárias, pelo seu tamanho e beleza da decoração, as peças menores, como vasos em miniaturas, tangas, vasos, pratos, estatuetas e uma infinidade de adornos aplicados sobre as vasilhas mostram delicados padrões decorativos, figuras animais e humanas que se combinam de maneira surpreendentemente harmoniosa. A cerâmica marajoara é também exuberante pela diversidade de técnicas utilizadas e pelo acabamento cuidadoso. (SCHAAN, 2009, p. 39).

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A única certeza que se tem é que esses povos viveram em épocas remotas

pelas heranças deixadas nas artes, demostrando a sua organização, beleza e

representação cultural diária, porém muitas informações incompletas porque muitas

peças artísticas perderam-se e com isso, a história. Os estudos realizados

apresentam avanços, porém informações preenchido por possibilidades pelos

pesquisadores.

2.2 A organização social e os perfis dos Marajós

No contexto amazônico paraense, insere-se o território do Marajó, destacando

como a maior ilha fluviomarítima do mundo, a Ilha de Marajó. Como observamos na

figura (2).

Figura 2- O mapa do Estado do Pará

Fonte: Google

Essa região marajoara é composta por dezesseis (16) municípios que são:

Afuá, Chaves, Santa Cruz do Arari, Salvaterra, Souré, Cachoeira do Arari, Ponta de

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Pedras, Muaná, São Sebastião da Boa Vista, Curralinho, Bagre, Portel, Breves,

Melgaço, Gurupá e Anajás. Como constatamos na figura (3).

Figura 3- O mapa do arquipélago do Marajó

Fonte: Google

No arquipélago trata-se de uma ilha que não configura- se como um território

homogêneo, segundo alguns autores, são vários Marajós em um só, por isso a

expressão perfis dos Marajós.

Pacheco (2006, p.17) faz a seguinte classificação:

Marajó das florestas, onde predominou a cultura seringueira com forte presença de migrações nordestinas, num tempo em que o “ouro negro” mobilizava diferentes trabalhadores rurais de dentro e de fora da região por riquezas e melhores sobrevivências. [...] Marajó dos campos, parte da região mais conhecida e propalada pelos meios de comunicação massivos, em função de sua política de turismo que vem folclorizando elementos da natureza- exuberantes praias, práticas de passeio em fazendas de gado e divertidas danças para estrangeiro ver.

A classificação feito pelo autor não é simplesmente geográfica, mas as suas

complexidades e formação histórica. No Marajó de campo, os municípios agrupados

a esta área são: Soure, Salvaterra, Cachoeira do Arari, Santa Cruz do Arari, Ponta

de Pedras e Muaná. É composto de extensas áreas de campos, de sítios e

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fazendas, criação de rebanho de búfalos e seus derivados, contribuindo como uma

das principais economias da região, a produção de queijo artesanal, muito

conhecido por “queijo do Marajó”, as praias com beleza exuberante, com água doce

e também salgada porque banhadas pelo oceano atlântico, “o rio banha a maior

parte do arquipélago. Na contra costa se vê a pororoca, as águas do mar medindo

forças com as águas do rio” (RABELO; NEVES, 2014, p.05). Essa região com

fenômeno da natureza grandemente propagadas por serem ponto turístico com

projeção internacional, o que contribui para a economia local desses municípios.

No Marajó das florestas situam-se os municípios de São Sebastião da Boa

Vista, Melgaço, Portel, Chaves, Anajás, Afuá, Bagre, Breves Gurupá e Curralinho.

Nesse Marajó, banhado por rios de água doce, as áreas predominantemente são de

várzeas, onde prevalece a prática do extrativismo (açaí, pesca, madeira, frutos

nativos), pequenas vendas e criação de animais. Trata-se de uma região que é

pouco divulgada como atração turística, por ser distante da capital, dificulta o acesso

e o preço elevado na passagem, o que encarece o turismo e/ou deslocamento.

Os Marajós das Florestas e do Campos, tem uma área extensa, veremos a

sua composição territorial e populacional na tabela baixo:

Tabela 1 - Índices territoriais e populacionais do Marajó

Nº CIDADES POPULAÇÃO

ESTIMADA 2016

AREA

TERRITORIAL

1.

BREVES 99.080 9.563,007

2.

PORTEL 59.322 25.384,960

3.

AFUÁ 37.778 8.372.795

4.

MUANÁ 38.616 3.763,337

5.

CURRALINHO 32.881 3.617,252

6.

GURUPÁ 32.049 8.540,063

7.

PONTA DE PEDRAS 29.700 3.363,749

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8.

BAGRE 29.065 4.397,321

9.

ANAJÁS 28.012 6.913,068

10.

MELGAÇO 26.652 6.774,069

11.

S.S. DA BOA VISTA 25.540 1.632,251

12.

SOURE 24.488 3.517,318

13.

CHAVES 22.821 13.084,755

14.

CACHOEIRA DO ARARI 22.786 3.100,261

15.

SALVATERRA 22.740 1.039,072

16.

SANTA CRUZ DO ARARI 9.635 1.076,652

Fonte: FEITOSA, 2017. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE (2016)

A organização social marajoara é feita por meio destes municípios. Em

relação aos dados, Breves e Portel tem destaque populacional e por este motivo

Breves recebe o título de Capital das Ilhas e Santa Cruz do Arari com menor

porcentagem de habitantes. No entanto, é Soure e Salvaterra que destacam-se

como os principais pólos turísticos pela proximidade com a capital, em muitos

discursos o Marajó resume-se apenas a esses dois (2) municípios.

Adentrar a mesorregião que compreende o arquipélago do Marajó para expor

a organização social é difícil conter-se e “tento quebrar” os protocolos acadêmicos

que tanto nos oprime, quando delimita que não devemos introduzir o nosso discurso

ao nosso lugar, permanecendo-nos “neutros” enquanto pesquisadores. Assim,

Amaral (2012, p.20) reage e explica que “não podemos continuar sendo objetos de

estudos de outros. silenciados, na angústia de não ter o direito de falar de nós

mesmos, de nossa gente.” Desse modo, conheço e vivencio a problemática da

região, uma vez que sou cabocla8 marajoara, compartilho do discurso que apresento

8 É provável que o termo caboclo (a) tenha originado-se da palavra tupi “Caa-boc”, com significado

de “ o que vem da floresta”, no entanto no decorrer histórico ganhou diversos significados ou

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do meu e do nosso Marajó, uma vez que a língua é, “um grande ponto de encontro;

de cada um de nós, com os nossos antepassados, com aqueles que, de qualquer

forma, fizeram e fazem a nossa história.” (ANTUNES 2009, p. 23). Nessa

perspectiva, Antunes (2009, p. 23) afirma que “a língua que falamos deixa ver de

onde somos. De certa forma, ela nos apresenta a outros. mostra a que grupos

pertencemos. É uma espécie de atestado de nossas identidades.”

É por meio da linguagem que nos comunicamos e registramos a nossa

história. Essa região marajoara é bastante complexa, permeada de contradições “tão

rica e tão miserável” ao mesmo tempo, precisamos interferir na nossa realidade para

que a mudança possa acontecer, como Amaral (2012, p. 20) revela “sou filha de

uma realidade paradoxal, um Marajó de lutas e resistências, mas também de

dependências e subordinações”. É local onde vidas “lutam” pela independência, no

entanto a submissão oprime.

Nessa região Amazônica desde o período colonial despertou cobiça pelos

recursos naturais. Uma riqueza que evapora das mãos dos moradores e se

concentra, na maioria das vezes, no domínio de empresas capitalistas nacionais e

internacionais. Esse poder econômico representados por empresários em que a

população local somente figura como mão de obra barata. Descrever a população

marajoara é ter a certeza que “são pessoas em diferentes condições de vida-

sujeitos humanos, mas nem sempre cidadãos”. (AMARAL, 2012, p. 30).

A mídia publica um Marajó sempre “endeusado”, e esquece das

complexidades. Como por exemplo, uma publicação do Amazônia Real que destaca

“o Marajó como um dos mais importantes santuários ecológicos do planeta e um

pólo turístico de alternativas inesgotáveis.” Assim, é exposto como culinária

maravilhosa, artesanato de ponta como a cerâmica marajoara, de grande

repercussão nacional e internacional, a biodiversidade da flora e fauna, abundância

de água (doce e salgada), maior criação de búfalos do Brasil e os passeios turísticos

em Soure e Salvaterra.

Uma região detentora de uma riqueza cultural, retratada nas pesquisas de

Pacheco, Amaral, nas literaturas dos caboclos marajoaras Dalcídio Jurandir e

estereótipos, não é nossa intenção adentrar nesta discussão. E sim, de empregar neste trabalho, a expressão caboclo (a), referindo-se ao povos/ribeirinhos da floresta Amazônica marajoara. Para o debate de conceituação da expressão caboclo (a).

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Antônio Juraci Siqueira; na dança do boto e do lundu, nas inúmeras músicas

nacionais como “Aquarela brasileira” de Martinho da Vila, “Vamos fugir” de Skank e

nas versões regionais; do Mestre Verequete, Nilson Chaves, Lucinha Bastos,

Pinduca e D. Onete, na gastronomia, com destaque para o apreciável peixe com

açaí; os resquícios das artes do museu do Marajó, as festas dos padroeiros, e os

tradicionais festivais do açaí9 e do camarão, passeios a cavalo, viagens à barco,

canoa e os inesquecíveis banhos nos rios e inúmeras praias. Um acervo, que no seu

conjunto, conforma o patrimônio cultural da região insular do Marajó.

Ainda que possuidores desse patrimônio pautado no costume e modo de vida

marajoara, ser reconhecida e cobiçada pela sua extensa floresta, fauna,

biodiversidade, rebanho de búfalos, uma das maiores produções de açaí, maior ilha

fluviomaritima do mundo, concentração de água doce. No entanto, configura-se

como uma região com muitas complexidades e permeada por contradições, com

baixos IDH10 e IDEB11.Na maioria dos municípios há ausência de estruturas dignas à

população que vive com condições mínimas, onde predomina a população rural-

ribeirinha, ou seja, a moradia no meio rural, vivendo em palafitas de forma precária e

sem assistência de saúde, moradia, educação e trabalho. Onde buscam alternativas

de sobrevivência.

Outra complexidade vivenciada pelos Marajós são as enchentes “os campos

se enchem de água, os rios transbordam, as casas ficam imersas”. (RABELO;

NEVES, 2014). A vida da população segue o calendário da natureza, a vida difere

bastante das estações do verão e inverno. No verão é período mais propício para o

trabalho e colheitas, e no inverno é período de precariedade, onde a água invade

seus territórios e com a sabedoria que possuem, criam e (re) inventam as

práticas/saberes do cotidiano.

9O açaí é um fruto de grande importância para esse estuário que além de fazer parte da alimentação

diária da população é representada também nas artes. É tradição a comemoração do “Festival do Açaí” em Curralinho, São Sebastião da Boa Vista e Bagre no mês de Setembro (safra do açaí). 10Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um dado utilizado pela Organização das Nações

Unidas (ONU) para analisar a qualidade de vida de uma determinada população. Os critérios utilizados para calcular o IDH são: grau de escolaridade; renda e nível de saúde (fonte: http://brasilescola.uol.com.br). 11Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)foi criado em 2007, é um indicador de qualidade educacional que combina informações de desempenho em exames padronizados (Prova Brasil ou Saeb) – obtido pelos estudantes ao final das etapas de ensino (4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio) – com informações sobre rendimento escolar (aprovação) (fonte: http://portal.inep.gov.br)

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Dos dezesseis (16) municípios do Marajó, adentro o município de Curralinho,

que faz parte do Marajó das Florestas. Esta cidade originou-se de uma fazenda

particular, cujos proprietários dispunham de muitas relações comerciais. Naquela

época, o lugar constituía-se num porto de parada obrigatória das embarcações e dos

famosos regatões, que se desdobravam para a Amazônia.

Pela sua localização, e também, pelo poder dos donos das terras,e a convite

deste proprietário, os vizinhos edificaram diversas casas e, quando lá se encontrava

suficientemente povoado, foi elevado à categoria de Freguesia e recebeu o nome de

são João Batista de Curralinho.

E a partir da crescente demanda populacional, recebeu várias denominações

de Fazenda, depois Freguesia, Vila até a constituição de município; e mudanças

também quanto a divisão territorial. É com a criação do Decreto da Lei nº 3.131, de

31 de outubro de 1938, que fixa a divisão territorial do município. A origem do nome

é de Portugal, que significa curral pequeno.

Segundo relatos, a cidade de Curralinho por ser fazenda particular além dos

campos e currais, era predominantemente arborizada conforme a narrativa a seguir,

“[...] aqui era só tucumã, era só um tucumanzal. Ih! Eu ainda vi esse Curralinho.

Mangueira, mangueira, mangueira, era tucumã pra cacete! (Dona Dalila, 2015 apud

FARIAS, 2016).” Dessa forma, a moradora revestida das lembranças descreve

“Curralinho era só um campo, tinha só três casas, sabe o que tinha aqui, era muito

boi”. (Dona Ana, 2015 apud FARIAS, 2016)”. Devido a origem de Curralinho ser uma

fazenda, a rememoração volta-se para campos, mata preservada e a criação de boi,

como ilusta a figura (4).

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Figura 4- Orla antiga de Curralinho

Fonte: Redes Sociais

A orla de Curralinho, ou seja, a frente da cidade, percebe-se uma localidade

pacata, com alguns casarões, pouco habitado e muitos bois próximo ao rio. Na

figura (5) confirma uma localidade se destacando com tradicionais casarões e

pessoas bem trajadas: senhora (s) de vestido longo e senhores e crianças de calça

e camisa, supostamente os colonizadores dando vida para esse local.

Figura 5- Avenida antiga de Curralinho

Fonte: De Paula, 2007

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O lugarejo recebe novos moradores e o local passa a ter aparência de

simplicidade, mas também de organização, como notamos na figura (6).

Figura 6- Às margens de Curralinho

Fonte: De Paula, 2007

Observa-se residências, arvoredo e uma torre branca sobreposta que desde

construída é o cartão postal de Curralinho, a igreja de São João Batista12, apresenta

uma distinção pelo seu conjunto estético dentro do contexto marajoara, uma

arquitetura descrita em registros antigos, como segue,

Ao longo ainda, de bordo do “União”, avistava-se o perfil elegante da Igreja de Curralinho, muito branca, sob um céu límpido e iluminado pelo sol de meio dia. Viam-se, como inúmeros flocos de algodão, dançando no ar, a fumaça dos foguetes e ouvia-se o bimbalhar do sino anunciando aproximação da caravana chefiada pelo senador Magalhães Barata [..] confiantes na firmeza e dedicação do eleitorado curralinhense, que obedece a direção do Industrial Francisco Maria Bordallo, membro da executiva do

12Em 1865, foi consolidado a idéia da construção de uma igreja para atender a comunidade católica.

Os mais destacados comerciantes curralinhenses impulsionados pelos lucros com a borracha natural que se tornava o principal produto da Amazônia decidiram investir na construção de uma nova igreja matriz digna de seus ganhos e de suas crenças. Desse modo, o Tenente- Coronel da Guarda Nacional Domingos Francisco Cerdeira, Intendente de Curralinho por três vezes e hegemonia política do momento, foi quem decidiu liderar a empreitada, encabeçando as coletas entre os seringalistas, madeireiros, coletores de drogas do sertão e demais comerciantes locais e a gente simples em geral, que contribuíam com o que tinham. No final do século XIX sob a orientação do bispo do Pará, foi iniciada a construção de uma imponente igreja que foi dispostas de frente para o Rio Pará, antecedendo um largo distante de 80 metros até a orla. Decidiram que seria o mais belo e mais majestoso templo cristão da região. E não se equivocaram. Réplica de memorável igreja italiana, foi adornada com motivos neoclássicos predominantes nas construções, onde não se economizou dinheiro nem gosto na hora de construir. (arquivo: Secretaria de Cultura de Curralinho).

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P.S.D. e candidato a Deputação Estadual (Jornal “O Estado do Pará”, 1947. p.3 Edição 12. 246, em 05.01.1947 apud DE PAULA, 2007 ).

A descrição detalhada da igreja no jornal de 1947, anunciava a chegava de

uma caravana política que foram recebidos em nove municípios marajoaras, e de

modo explícito a hegemonia política de Curralinho, o Coronel Francisco Maria

Bordalo13. A figura desse coronel, segundo De Paula (2007, p.11) caracterizava “a

imagem de um homem rico (ainda que não fosse) autoritário e dono das leis que

regia toda a conjuntura municipal.” Na mesma perspectiva a autora acrescenta que

essa figura de coronel era uma dominação local, que chamando para si toda a

responsabilidade dos munícipes, mantinham laços de dependências, por seus

favores prestados a população, como força policial com ajuda de capangas, doação

de alimentos, empréstimos de dinheiro e nomeação de apadrinhados a cargos

públicos.

Vale ressaltar que mesmo que ideologicamente o coronelismo tenha acabado

em 1930 com o Estado novo, Getúlio Vargas queria exaurir a autonomia regional e o

poder que os coronéis detinham em mãos, porém na prática, o coronelismo

perpassa toda a década de 1940, no Pará permanecia firme e forte a parceria de

Governo estadual e municipal, por permanecerem no poder.

Nos relatos desde 1943, os jornais divulgavam como forma de propagar a

imagem do Governador e todas as suas relações, uma presença constante de

telegramas entre o Interventor Federal Magalhães Barata e Prefeito municipal,

registrados da seguinte forma, “os prefeitos dos municípios mais longínquos e em

nuúmero expressivo, da Ilha de Marajó, [...] com congratulações e agradecimentos

por despachos de receitas”. (DE PAULA, 2007, p.15).

Após anos de poder do coronel Francisco Bordallo, assume como sucessor,

o seu filho Sandoval Cerdeira Bordallo14, e assim, permanece mais uma vez com o

13O patriarca coronel nascido na cidade de Escalhão em Portugal em fins do século XIX, vindo, para o

Pará, diretamente para Curralinho, foi o maior líder político de todos os tempos de nossa história, recuperou a Prefeitura Municipal em 1917, implantou a primeira indústria eletrificada de madeireira do Marajó. Na verdade, a família Bordallo permaneceu por muitos anos desde o século XIX se estendendo até meados do século XX, no cenário econômico e político de Curralinho. Fonte: DE PAULA, 2007. 14 O filho do coronel foi o primeiro prefeito a vencer nas eleições diretas, no dia 16 de abril de 1943, com 32 anos de idade, antes disso, os cargos eram por nomeações dos intendentes, como o coronel. Nasceu em Curralinho, foi advogado formado pela Universidade do Brasil (Rio de Janeiro), juiz togado na Comarca de Breves, foi prefeito por mais dois pleitos (1959/ 1967) até sua morte em 1969 e deputado estadual, e deu continuidade ao trabalho de seu pai, ampliando o poder político da família. Fonte: DE PAULA, 2007.

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controle político do povoado local, e nesse período inaugura a Escola Estadual

“Unidos Prado Lopes”, (atualmente como E.E.E.F.M Prado Lopes) como

identificamos na figura (7).

Figura 7- Inauguração da Escola Unidos Prado Lopes

Fonte: De Paula, 2007

Por este motivo, o prefeito recebe muitos elogios do Governo Estadual, pela

sua “popularidade” baseada na aglomeração da inauguração da escola, pois para os

curralinhenses foi uma conquista.

A presença da família Bordallo faz parte da história curralinhense, no entanto

outra família que predominou nos séculos XX, são os Fonsecas, como afirma Farias

(2016, p.52) “a família Fonseca comandava as terras que iam do meio da cidade até

o rio Canaticu, os domínios da família Bordallo iam da outra metade até o extremo

que vai até o Rio Piriá”. A trajetóriada história de Curralinho, remete a saga dessas

duas famílias de empresários locais que tiveram grande prestígio, ora político, ora

econômico, devido aos seus comércios e propriedades de terra, em virtude disso, na

época ficaram com os maiores patrimônios de terras curralinhenses.

De Paula (2007, p. 20) afirma, que Bordallo também era o “proprietário de

uma das maiores indústrias madeireira eletrificada da região com o slogan Cerdeira

Bordallo”. A autora acrescenta que de tão poderoso, o povo o “respeitava” e os mais

antigos utilizavam a expressão na época “se Deus quiser e o Bordallo deixar”. Ser

curralinhense nesse período a ordem era “render obediência ao coronel e assim

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construírem suas vidas, casando, criando filhos, tendo um pedaço de terra, ou seja,

aprendiam a viver debaixo da tutela do mandão do lugar”. (DE PAULA, 2007, p.48).

Nesse processo histórico de constituição do município, a sede do município

de Curralinho é considerada uma cidade pouco desenvolvida, em relação a outras

que possuem menos anos. Atualmente Curralinho tem como estrutura social, um

hospital municipal de médio porte, e dois recentes postos de saúde inaugurados,

duas escolas estaduais e cinco municipais, sendo duas de educação infantil. Tem

também uma delegacia de polícia, uma agência de correio ampliada recentemente,

uma agência bancária do Banpará inaugurada em 2016, uma lotérica da caixa

econômica federal, Prefeitura (Poder Executivo), Câmara (Poder Legislativo), Fórum

(Poder Judiciário), um mercado municipal, duas praças, um ginásio de esporte,

praias, igrejas, comércios e lojas. Além das residências que alternam-se em casas

de alvenaria, madeira e palafitas, esta última mencionada ficam às margens dos

rios. Mesmo com poucos investimentos em políticas públicas de qualidade, a

população luta diariamente por melhores condições de vida, são pessoas com

epíteto de alegre e hospitaleiro, que gosta de lazer, mas também da vida tranquila e

pacata. E o mais importante, que ama a sua terra como declamado no poema de

Antonio Juraci Siqueira (2010, p. 55), Que mãos caruanas;Teceram esse curral

pequeno; Com talas de bem querer; E embiras de sonho e luz; Para aprisionar sem

dó; O coração da gente?; Ah! Curralinho; Me diz com quantos nós te atastes

(e)ternamente; A nós?; Ah! Curralinho; Me diz em que invisível cacuri; Prendestes o

meu amor; Por ti?. É dessa forma que o autor declara um amor inexplicável que

transborda em cada curralinhense o amor pela sua terra natal.

Dentre a caracterização da organização social de Curralinho, destaco o

aspecto histórico educacional, uma vez que esse Mestrado é em educação.

Compreende-se que pela educação é possível ter uma visão panorâmica do

município.

O quadro de funcionários até as décadas de 90 era predominantemente

composta de professores “leigos” como explica Carlos Roberto de Matos15, que

exerceu várias funções na Secretaria Municipal de Educação,

Os professores da rede municipal [..] nível de formação deles era de 2ª série a 5ª série [...] alguns tinham 6ª, 7ª série. Nessa época tinha 120 escolas

15Professor, natural de Curralinho, exerceu os cargos na Secretaria Municipal de Educação e Diretor

de escola estadual e municipal.

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todas às escolas eram multisseriadas. Com exceção daqui da cidade, que tinha a Capitão Assis, a escola do município que funcionava de 1ª a 4ª série. Tirando disso a Prado Lopes, que era estadual, nessa época eram 8 escolas estaduais, a Prado Lopes, escola sede e funcionava até a sexta série porque não era regularizado o 1º grau na época. (Carlos Roberto de Matos, Pesquisa de Campo, 2017).

Com esse perfil de docentes a educação precisava avançar e ocorreu a

necessidade de capacitação, e por meio de parcerias e convênios com o Governo

federal, ofertaram dois cursos: Habilidade de leitura, para professores com formação

até à 4ª série e 1º grau para os professores com formação de 5ª à 8ª série. Com a

implementação dos cursos ofertados, o ensino era composto por 60 módulos numa

modalidade semi- presencial.

Com essa formação finalizada, almejaram novas capacitações, e novos

convênios foram firmados, e o Projeto Gavião que foi elaborado e executado pela

UFPA e tempo depois pela UEPA é mais uma alternativa para atender a demanda

de professores, e assim implementaram duas (02) turmas na primeira fase do

projeto/ Gavião I, que destinava a conclusão da 5ª e 8ª séries. Nesse período a

Diretora Mª Nancy conseguiu legalizar o 1º grau da Escola Prado Lopes, que não

tinha regularização. Com o término dos cursos, as parcerias com instituição e

Governo Estadual permaneceram e implementaram a segunda fase do projeto/

Gavião II que voltava-se para a formação de Magistério, porém ainda tinha um

impasse na expedição do certificados, uma vez que não havia escola do ensino

médio em Curralinho. Em virtude disso, houve a necessidade de dirigirem-se até a

cidade de Breves/PA e firmar parceria, para a expedição do diploma e assim

sucedeu-se. Dessa forma, a escola do município de Breves –Pará responsabilizou-

se pela comprovação documental e nessa etapa concluíram 86 professores com

formação em Magistério.

Logo em seguida, o Governo do Estado em convênio com a Universidade

Federal do Pará- UFPA, Universidade Estadual do Pará- UEPA e Universidade da

Amazônia- UNAMA ofertaram o processo seletivo (modalidade intervalar), somente

para professores da rede estadual de ensino em curso superior, com pólo na cidade

de Soure- Pará. E os professores curralinhenses formaram-se em curso superior em

nível de Graduação.

Anos depois, também em parceria, a Associação dos Municípios do

Arquipélago do Marajó- AMAM firmaram convênio com a Universidade Federal do

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Pará ofertando processo seletivo somente para os professores da rede municipal de

ensino em curso superior em nível de Graduação, onde ampliou-se o quadro de

formação de professores em curso superior.

E com a extensão da Universidade Estadual Vale do Acaraú- UVA no Pará,

formaram-se três (03) turmas (modalidade intervalar) no município, em parceria com

a Secretaria Municipal de Educação, resultando na formação em média de 200

professores em nível de Graduação (Pedagogia).

E o Governo Federal em parceria com as secretarias estaduais e municipais,

implementaram/executaram o Plano Nacional de Formação de Professores-

PARFOR, para suprir a carência deprofessores que atuavam em sala de aula,

porém não tinham formação em nivel superior, porém o pólo de estudo são nas

cidades vizinhas, Breves e Oeiras. E o município de Curralinho não tem

universidade, a maioria dos estudantes que concluem o Ensino Médio se deslocam

para Belém ou Breves para investir em sua formação. Por esse histórico educacional

nota-se as precariedades nas diversas áreas, no entanto a população local com os

conhecimentos de vida enfrenta os obstáculos da dinâmica do cotidiano.

Nesse contexto marajoara, a cidade de Curralinho é banhada pelo rio Pará e

área de terra firme com vegetação predominante. A figura (8) mostra a cidade de

Curralinho situada em frente ao rio Pará. Sendo o rio a principal viade acesso.

Figura 8- A cidade de Curralinho- vista do Rio Pará

Fonte: Google

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Esta cidade distancia-se da capital (Belém) em 148,813 km. Em 2017

completou 147 anos de existência e de muitas histórias.

2.3 O Rio Canaticu

Este município é banhado de rios, como rio Pará e seus afluentes, e tem

como principais rios de acesso ao meio rural, o Guajará, Mutuacá, Piriá e Canaticú,

todos ligados ao rio Pará, como nota-se na figura (9).

Figura 9- Mapa das principais bacias hidrográficas de Curralinho

Fonte: SIPAM/IBGE, 2004. Adaptado por CARVALHO, 2013.

A referida pesquisa será realizada no meio rural do rio Canaticu, considerado

um rio bastante extenso, e sua divisão faz-se de: Baixo canaticu, Médio Canaticu e

Alto Canaticu, este rio agrega aproximadamente 26 comunidades. É importante

destacar que esse rio também tem uma grande representatividade para a história de

nosso município, pois representou um poder econômico nunca visto até hoje. Esse

rio foi habitado por italianos, que ao partirem, a família que predominou neste local

foram os Fonsecas, Farias (2016, p. 59), explica que,

Antes do início do século XX, já moravam no Canaticu dois irmãos de origem italiana: o senhor Aristeu e o senhor João Marques [...] ambos trabalhavam há tempos no rio onde ficaram até mais ou menos no ano de 1945. Pouco antes de partirem, chegaram por ali os irmãos Fonseca: o senhor Manoel Fonseca e o senhor Antonio Fonseca.

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Ainda nas ponderações da autora, com a partida dos irmãos italianos, e a

presença dos Fonsecas no rio Canaticu, inicialmente fixaram residência na

comunidade Santa Rosa em frente à Vila Calheira e instalaram um comércio

“sortido”, expressão utilizada pela comunidade local para referirem-se a muitas

variedades de produtos. E aos poucos, foram comprando terras e mudaram-se para

o rio Massaranduba, próximo a Vila Calheira e tempos depois para a Vila Ponta

Alegre. Segundo os relatos, “ficaram ricos após encontrarem um pote de dinheiro”

(FARIAS, 2016). Essas lendas comuns nos tempos remotos, que pessoas que

enterravam potes de dinheiro e ouro, porém os Fonsecas de fato, enricaram de

forma imediata, compraram muitas terras, comandavam com o poder econômico que

possuíam. Assim, ofereciam terras para as pessoas habitarem e em troca, a

produção de “borracha, sementes e plantações” só podiam ser vendidas para ele,

controlavam a produção da época. Segundo Farias (2016, p. 63) com tanta

movimentação econômica, a narrativa explica que “[...] a gente não ia em Curralinho,

o barco era do Fonseca e levava pra Belém”. O poder econômico era grande, em

dias de abastecimento do comércio dos Fonsecas ocorria da seguinte forma,

Pra você despachar lá de quarta-feira em diante, você tinha que passar o dia todo, de gente dentro do comércio... era oito, dez cacheiro que tinha... eles tinham tudo também...é... vinha esses navio grande daqui do Amazonas... entrava aí chapado de pirarucu, peixe liso, jacaré e tudo quanto, eles compravam de toneladas. Eles descarregavam quase tudo o navio aí. (FARIAS, 2016, p. 63).

No entendimento da autora, foi dessa maneira que os canaticuenses

conviviam com esse grande patrimônio da família Fonseca. Toda essa riqueza teve

um fim, na véspera do Círio quando a família se deslocou para Belém, e nesse

intervalo de tempo, houve um incêndio em que perderam tudo, a Vila tão ostentosa

viera a chamas, depois disso, desgostaram da vida, tentaram reiniciar com outro

comércio, mas decidiram vender as terras e foram embora, e por meio de

relatos,comprovam que a intensa movimentação naquele rio nunca foi visto até hoje.

Em vista disso, restaram somente as histórias do passado, em um rio que tenta

sobreviver apesar das dificuldades que enfrentam. É deste rio Canaticu que tem

como afluente o rio tartaruga que localiza-se a Comunidade Sagrado Coração de

Jesus selecionada como locus da pesquisa como observa-se na figura (10) e tendo

como referências as Comunidades Ponta Alegre e Vila Calheira.

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Figura 10- Mapa da Comunidade Sagrado Coração de Jesus

Fonte: Farias, 2016 adaptado por Feitosa, 2017

Vale ressaltar que o rio é bastante extenso e os sujeitos produtores de açaí

fazem parte da cooperativa que é composta por 61 cooperados, estes, moradores

de diversas localidades somando-se um total de 17 comunidades que são: Piedade,

Sagrada Família, Rainha da Paz, Nossa Senhora de Nazaré, Santa Catarina de

Sena, Santa Apolônia, São Jorge, Bela Pátria, São Francisco de Assis, Boa

Esperança, São João Apóstolo, João Paulo II, Santa Rosa II, Serafina, Santa Izabel,

sede do município e Sagrado Coração de Jesus. Em virtude disso, como são muitas

comunidades, fica difícil traçar o perfil de todas, então selecionei apenas uma para

demonstrar essa caracterização e o critério de escolha ocorreu pela organização

social que o Médio Canaticu representa e também pela acessibilidade aos sujeitos.

A comunidade selecionada é Sagrado Coração de Jesus, que Segundo o

morador Vicente de Paula Firmino de Oliveira foi fundada aproximadamente a

quarenta e cinco (45) anos, sendo a segunda comunidade a se constituir no rio

Canaticú. Inícialmente, era conhecida como “Comunidade do Tartaruga”, devido ao

preconceito com o nome do rio, houve a necessidade da substituição e para isto, o

padre, bispo e demais fizeram uma assembleia com a comunidade para a troca do

nome, como geralmente sugerem nomes bíblicos/ sagrados. E dentre os vários

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nomes, o eleito foi Sagrado Coração de Jesus, primeiro motivo por ser nome

sagrado e por ser o nome do sítio onde seria construída a capela, isto é, local de

oração. A partir disso, a comunidade passa a ser reconhecida como “Sagrado

Coração de Jesus”.

A figura (11) mostra a “porta de entrada”, ou seja, o acesso a comunidade é

realizada por meio de embarcações, a duração do tempo depende da velocidade do

barco em média duas (2) horas, porém a embarcação comum dos moradores é a

rabeta, por ser mais veloz e tendo a duração em média de uma (1) hora.

Figura 11- Entrada do rio Tartaruga

Fonte: Feitosa, 2016

Ao percorrer o rio Tartaruga a visibilidade que se tem é da abundancia de

água (doce) e vegetação. É na verdade uma contemplação da natureza onde ainda

se pode viver em contato direto com essas riquezas riquezas naturais.

A comunidade local apresenta uma diversidade cultural. Em relação ao

aspecto religioso, prevalece a religião católica e demais evangélicos. E a

participação ocorre em locais considerados sagrados, como observa-se na figura

(12).

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Figura 12- Casa de Oração

Fonte: Feitosa, 2016

A comunidade tem como coordenador o Sr. Manoel Martins, que juntamente

com as pastorais assumem a responsabilidade da evangelização. A capela éde

madeira, coberta com telhas, pintada de branco e tendo o símbolo representativo da

“cruz” e recentemente no ano de 2017 encontra-se em reforma (pinturas). A capela

na comunidade é local de oração e também de eventos, o funcionamento ocorre nos

finais de semana com catequese e reunião. E tendo como festividade religiosa de

maiores destaques, as que ocorrem em datas comemorativas e evento do Sagrado

Coração de Jesus (Agosto) e o mês de Maria/ mês mariano (Maio), nesse caso,

ocorrem novenas (diáriamente), bingo e noite cultural. E nas igrejas evangélicas

também são locais de orações e eventos religiosos.

Em relação a educação, no rio Tartaruga não funcionam escolas, os alunos

seguem em transporte escolar para a Vila Ponta Alegre com funcionamento da

modalidade do ensino fundamental e os alunos de ensino médio seguem para a Vila

Calheira, pois no município de Curralinho, as escolas rurais são nucleadas (pólo),

isto é, localizam-se em local onde seja acessível e atenda várias comunidades.

Contudo, a desvantagem é o tempo que os estudantes permanecem na embarcação

no percurso escola /casa e vice versa, o cansaço e o barulho do motor

comprometendo a sua aprendizagem e outras dificuldades encontradas.

Quanto a saúde, no rio tartaruga também não existe posto de saúde e

quando os moradores necessitam desse atendimento, destinam-se a sede do

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município ou buscam outras alternativas, dependendo da gravidade da doença. O

conhecimento que possuem permitem o uso de ervas/ plantas medicinais e preparos

de pomadas e cremes. No caso específico de partos, as mulheres que realizavam os

partos são conhecidas como “parteiras”, ou seja, quando auxiliam as grávidas na

hora do nascimento da criança, prática comum no contexto amazônico marajoara. E

a parteira da comunidade Sagrado Coração de Jesus é dona Coleta Ferreira

Monteiro de 84 anos de idade, viúva, mãe de 10 fihos, conhecida como dona “coló”

como demonstra a figura (13), ela fez ou como dizem “assistiu”o primeiro parto aos

48 anos de idade e desde esse período até os dias atuais somam-se

aproximadamente dois (2.000) mil partos caseiros, realizados não somente na

comunidade Sagrado Coração de Jesus, mas no rio Canaticu em geral.

Figura 13- A parteira da comunidade

Fonte: Feitosa, 2016

É uma mulher de muitas virtudes e experiência de vida, possui um acervo de

histórias de encantamentos e sobre a sua trajetória de vida. Dentre essas, relatou-

me sobre a educação e as dificuldades daquela época e que teve a oportunidade de

estudar por apenas trinta e seis (36) dias com a Profª Feliciana Peres Duarte no rio

Canaticu quando tinha 14 anos,poréma interrupção deu-se devido ter que trabalhar

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para ajudar os pais nas atividades diárias.No entanto, dona “colo” com período

mínimo de estudo, sabe ler e escrever, e é detentora de muitos saberese

experiências adquiridos na relação com o contexto em que vivem.

A Comunidade Sagrado Coração de Jesus é constituída em média por 115

famílias de 900 a 1.000 pessoas, os moradores são pessoas simples, carentes, com

modos diversificados, mostraram ser pessoas receptivas que vivem em harmonia,

por meio da cooperação e felizes na interação com a natureza. A população local

reside em vilas e a maioria em casas isoladas uma das outras como certifica a figura

(14).

Figura 14- As residências ribeirinhas

Fonte: Feitosa, 2016

As residências alternam-se em casas de madeira, coberta com palha ou de

alvenaria, porém esta última leva mais tempo para serconstruida devido a uma base

reforçada na sustentação do piso pelo contato com a água, uma vez que as

residências ficam às margens dos rios. Com a modernidade, as residências

possuem geradores de energia, eletrodomésticos e objetos eletrônicos, porém os

geradores funcionam em horários estipulados devido o consumo de combustível. No

turno da noite o uso limita-se a assistirem jornais e novelas e durante o dia para

bater o açaí ou conforme a necessidade.

E como “bons costumes” as visitas aos lares na comunidade, são sempre

acompanhadas de café e regadas de muitas histórias e experiências relatadas. O

acesso as casas é somente pelo rio, no entanto, devido as residências serem

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afastadas uma das outras, dificulta a logística do local. Com a proximidade com o rio

é característico as casas terem porto onde encostam as embarcações e quando o

morador tem embarcação constroi-se uma cobertura para proteção como mostrada

na figura (14),fazendo uma analogia, no meio urbano faz-se o estacionamento para

o carro e no meio rural-ribeirinho o “estacionamento” da embarcação.

Em meio ao modo de vida peculiar, com muitas estratégias de sobrevivência,

o lazer faz parte da vida da comunidade local e ocorre por meio dos torneios de

futebol e festas dançantes. Os jogos de futebol, ocorrem em propriedade particular

do Sr. Graciano, conhecido por Ciola e de sua esposa Andréa. Nesse local,o campo

de futebol é feito de moinha, isto é, pó resultante da serragem da madeira como

confirma a figura (15), essa característica de campo é comum nas comunidades

locais. Os moradores usam diariamente nos finais da tarde ou por torneio de

competição. Os jogos são bastantes atrativos e reúnem times de várias

comunidades do rio Canaticu. A premiação do time campeão, alternam-se em valor

em dinheiro, objetos e alimentos como frangos e porcos de criação.

Figura 15- O campo de futebol/ torneio de futebol

Fonte: Feitosa, 2016

Os jogos envolvem a presença da comunidade que comparecem para a

torcida do seu time. A arquibancada foi construída pelo proprietário com o uso de

açaizeiros e outras árvores que compõem o cenário da natureza.

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Além dos jogos como lazer, acontecem festas dançantes geralmente em

datas comemorativas, e a partir do ano de 2015, foi realizado o 1º “Festival Rural do

Açaí”, organizado na comunidade pela Cooperativa Sementes do Marajó. Vale

destacar, que comemora-se tanto na cidade quanto no meio rural, o tradicional

“Festival do Açaí” no mês de setembro por ser a safra do açaí. Isso ressalta a marca

cultural da importância do fruto para os munícipes.

O evento ocorreu na propriedade do Sr. Dedê Santana, pai do atual

presidente da Cooperativa. A figura (16) ratifica a ocorrência do evento, bem como a

entrada que dava acesso à arena do festival, decorada com arranjos de matéria

prima local como sementes, talas e cacho seco de açaí, confeccionados pela própria

comunidade e um banner da Cooperativa.

Figura 16- O Festival Rural do Açaí

Fonte: Feitosa (2015)

O evento ocorreu durante três (3) dias e foi prestigiado não apenas pela

poluação local, mas de diversos lugares como observa-se na figura (17).

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Figura 17- População participando da festa

Fonte: Feitosa, 2016

Este evento é mais uma simbologia da representatividade cultural do açaí e

que gera renda por meio das vendas que ocorrem do fruto, como: o vinho, as

sobremesas, lanches, artesanato etc, para os membros sócios da cooperativa. O

artesanato também merece destaque, pois é uma atividade confeccionada pelos

moradores locais.

Os artesanatos da figura (17) foram confeccionados com a matéria prima

local como: talas, caroços do açaí, cacho seco de açaí e outros vegetais, que

ganham diversos formatos e cores, os preços variam de R$10,00 a R$20,00 reais.

Figura 18- Exposição e venda de artesanato

Fonte: Feitosa, 2016

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A venda e exposição de artesanatos ocorre em eventos locais como

exposição em escolas, por encomendas, e também quando há outras necessidades

de comercialização.

A população local sobrevive de diversas atividades, em relação a organização

para o trabalho ocorre sempre pela ajuda mútua de familiares e amigos e a

produção baseada na necessidade de sobrevivência de cada família.

Na comunidade existe uma olaria de propriedade particular do Sr. Antonio de

Oliveira e dona Izaurita de Oliveira como identificada na figura (19), onde os próprios

familiares fabricam os tijolos para comercializarem na cidade de Curralinho ou

cidades vizinhas.

Figura 19- Olaria

Fonte: Feitosa, 2016

A olaria é localizada no próprio local de morada da família e a fabricação dos

tijolos é recurso da natureza, o barro que é retirado do solo na própria comunidade.

Outra atividade econômica de subsistência é a criação de animais,

geralmente porcos e galinhas que vivem nos quintais e alimentam-se de ração, resto

de comida, caroços de açaí e outros frutos, como notamos na figura (20).

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Figura 20- Criação de porcos e galinha

Fonte: Feitosa, 2016

Além da criação de animais há uma relação íntima com a natureza em

plantação de variados tipos. É hábito a manutenção de hortaliças (cebolinha,

chicória, favaca, pimentinha, cheiro verde) como condimentos dos alimentos,

plantas/ervas medicinais para situações emergenciais de saúde ou simplesmente

plantas como ornamentação, como identifica a figura (21).

Figura 21- Hortaliças e plantas ornamentais

Fonte: Feitosa, 2016

Como proteção das hortaliças, reutiliza-se uma rede de pesca para evitar que

insetos e outros animais tenham acesso.

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Na comunidade entre os inúmeros saberes, é comum a confecção de remos

(objeto utilizado para remar na canoa), barcos e arranjos decorativos. O remo é feito

da matéria prima local, isto é, da tábua de pitaíca, como exposto na figura (22).

Figura 22- A confecção de remos

Fonte: Feitosa, 2016

Vale mencionar que essa atividade requer paciência e cuidado, é um trabalho

demorado, os jovens sabem e fazem. É um objeto de muita utilidade na vida

cotidiana, uma vez que o deslocamento dos moradores ocorre por embarcações.

Serve também como objeto decorativo em que constam pinturas com emblemas de

times, paisagens ou com o nome da pessoa.

Outra atividade econômica ou de subsistência é a coleta do camarão (água

doce) realizada pelo ribeirinho.Essa atividade é de muita importância para o modo

de vida local. Desse modo,a coleta é realizada com o uso do matapi, este

confeccionado pelos moradores que utilizam matéria prima vegetal e tecem até o

formato desejado como observado na figura (23). O matapi é colocado às margens

dos rios e apoiado em varas e dentro é colocado a ração para atrair os camarões.

Após coletar os camarões aqueles que são menores vão para o “viveiro”, ou

seja, um matapi grande que serve como proteção, ficando depositados por algumas

semanas até o tamanho ideal para ser consumido.

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Figura 23- O matapi/ Viveiro

Fonte: Feitosa, 2016

O camarão e o açaí são os alimentos diários característicos desse município

marajoara.

Na comunidade Sagrado Coração de Jesus, há um campo de natureza, isto é,

uma área de campo natural que se distingue da área de mata fechada, é uma área

ampla e as vezes contém árvores, estas geralmente com aparência homogênea e

nesse espaço é como se fosse feita a manutenção da área, incluindo árvore e

campim, portanto é uma paisagem totalmente natural, como comprova a figura (24).

Figura 24- Campo de natureza

Fonte: Feitosa, 2016

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Este Campo de natureza, localiza-se na divisão entre o município de

Curralinho e São Sebastião da Boa Vista, cidade vizinha. É um local distante, segue-

sede embarcação e percorre-se o rio e ao chegar no final do rio Tartaruga, eles

chamam de “escabeceira do rio”, abandona-se a embarcação e segue-se

caminhando até ao acesso aos roçados. É nesse local em regime de parceria com

os proprietários que fazem as suas roças.

Caminham e exibem a roça com muito entusiasmo, fazem pela necessidade e

pela dedicação as suas atividades. A produção da farinha é uma atividade

econômica de muita relevância e a ajuda dos grupos de trabalho é imprescindível,

uma vez que é um trabalho árduo e exige-se força, pois é um processo demorado

desde o preparo da terra a produção da farinha. As primeiras etapas consistem em

capina, queima e preparo do solo à plantação como percebe-se na figura (25).

Figura 25- O roçado

Fonte: Feitosa, 2016

O roçado é local de trabalho e de relações socioeducativas, pois é uma

atividade que ocorre por etapa de saberes/ conhecimentos entre pais e fihos.

Posteriormente a plantação, dependendo do tipo de maniva se é de seis meses ou

de ano, colhe-se (arranca)a mandioca e novamente a família se reúne para as

próximas etapas que são: descascar (raspar) para retirar a casca protetora da

mandioca e lavar, como mostra a figura (26).

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Figura 26- O trabalho familiar na produção da farinha

Fonte: Feitosa, 2016

E na “casa de forno” ou “casa de farinha” como é chamado para este local,

seguem as etapas de sevar, imprensar, coar e torrar (aquecer no fogo) como

observa-se na figura (27).

Figura 27- A produção de farinha

Fonte: Feitosa, 2016

A última parte de aquecer ao forno, requer paciência, pois o movimento é

dinâmico, de mecher sem parar, desse modo, a família vai se revesando para essa

etapa, efinalizam quando a farinha fica no ponto desejado, dependendo da

quantidade, é comum ficarem o dia todo na casa de forno produzindo a farinha.

O modo de vida é peculiar, as práticas seguem a lógica do local, o tempo da

natureza e as necessidades de sobrevivência. É nesse vai e vem das marés que

ocorrem as comercializações de infinitas mercadorias, produtos alimentícios, roupas

etc, esses vendedores são pessoas não apenas da comunidade local, mas de outras

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cidades e regiões, no período da safra do açaí, o rio fica movimentado por inúmeros

vendedores, como por exemplo, os cearenses com as vendas de redes, lençóis e

toalhas, o percurso dessas vendas são de casa em casa ou ainda cotidianamente

como os vendedores de pães identificado na figura (28).

Figura 28- Vendedor de pão

Fonte: Feitosa, 2016

De todas as atividades produtivas e de trabalho nessa comunidade, evidencio

a produção de açaí, como a principal, pois ocorre uma apropriação do fruto na

alimentação e como atividade econômica.

O açaí é uma planta que reproduz com facilidade como é notamos na figura

(29).

Figura 29- A reprodução do caroço de açaí

Fonte: Feitosa, 2016

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O perfilhar é algo que acontece naturalmente, simplesmente dos caroços

caírem e espalharem-se pelo chão.

A árvore do açaí é predominante nas propriedades da comunidade local, ela

compõe-se de folhagem verde quando estão na palmeira e folhagem marrom

quando está seca, chama-se de “folha seca” quando caem da árvore, tem os frutos

que são: açaí preto e açaí branco (tinga), estipe (caule) de forma circular e touceira

(pés da planta) como mostra a figura (30).

Figura 30- As partes que compõem o açaizeiro

Fonte: Canto (2001), Feitosa, 2016

E a formação do cacho segue etapas/sequências. Assim, há vários

estágios de formação do cacho de açaí como comprova a figura (31).

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Figura 31- A formação do cacho de açaí

Fonte: Feitosa, 2016

A cor do cacho também é importante na identificação do fruto. De início é

verde, significa que não está maduro, quando vai escurecendo diz-se “parau” até

ficar completamente preto, ou seja, maduro, quando pode ser consumido como

ratifica a figura (32). Vale lembrar que existe também o açaí branco ou tinga, que

não apreta, fica verde.

Figura 32- Os tipos (forma e cor) do cacho do açaí

Fonte: Feitosa, 2016

Para o processo de extração do açaí, utiliza-se a expressão, “apanhar açaí”

que será especificada as etapas do processo de apanha na próxima seção. Para

esta atividade requer muitas práticas, é realizadas por homens, mulheres e jovens,

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pois os filhos sempre acompanham os pais, sejam auxiliando-os ou apenas

observando.

Na apanha do açaí, inicia-se subindo na palmeira do açaí para apanhar o

fruto, em seguida é feita a debulha na rasa, e segue para o consumo como

evidencia a figura (33).

Figura 33- A etapas na apanha

Fonte: Feitosa, 2016

Esse processo de coletar o açaí é atividade diária que requer esforço e

colaboração da família.

Após a apanha do fruto, o destino quando é para consumo produz-se o vinho

com o uso da máquina de “bater açaí”,é comum encontrar nas residências a

“máquina de açaí”, sempre instalada em um cantinho da casa, na cidade existem os

pontos de venda (identificados por uma bandeira vermelha), e para bater o açaí, há

todo um saber nos procedimento da batida, os caroços são depositados em um

recipiente de água em temperatura não muito quente, ou seja, morna, e assim nos

referimos para esta tarefa de “açaí de molho” e após alguns minutos quando a casca

sai com facilidade, utilizamos a expressão “já está mole”, quer dizer que está pronto

para ser batido e assim, vai para máquina, o (a) batedor (a) vai aos poucos

depositando água e desta forma, sai o vinho do açaí, parece simples, mas é preciso

domínio para bater, é preciso graduar o tempo de cada batida, e a quantidade de

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água e dependendo de saber/ fazer o vinho, sai grosso ou fino como observada a

figura (34).

Figura 34- A máquina do açaí/ o "bater açaí"

Fonte: Feitosa, 2016

Em todas as residências é comum o uso da máquina. Na maioria dos casos

são as mulheres que fazem esta atividade, porém os homens sabem e fazem

quando necessário. São conhecimentos que possuem para a sua sobrevivência.

Como o açaí é cultural e o consumo é diário, a quantidade varia de acordo com os

componentes da família.

E como é difícil de entender a perfeição da natureza, avistei à margem do rio,

uma touceira em forma circular e a ramificação de uma planta conforme a figura

(35). E por apresentar esse diferencial, metaforicamente associei aos saberes e a

culturaque os ribeirinhos da comunidade local possuem, essa diversidade anulada

pala ciência moderna, mas imprescindível em mapear os saberes amazônicos e em

meio a essa diversidade, conclui-seque não existe uma única forma de compreender

o mundo, mas diversas.

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Figura 35- O açaizeiro/ a ramificação de uma raiz

Fonte: Feitosa, 2016

Essa importância da cultura, Brandão (2002, p.24), explica que “viver uma

cultura é conviver com e dentro de um tecido de que somos e criamos, ao mesmo

tempo, os fios, o pano, as cores o desenho do bordado e o tecelão.” Nesta relação,

cada atitude, é como se fosse o fio, logo, nossos conhecimentos, nosso saber que é

repassado ao outro, que mantém o pertencimento cultural, cria o todo. Por isso, não

é só saber, mas sim, compartilhar e viver.

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3SABERES QUE INFORMAM OS PROCESSOS DE APROPRIAÇÃO DO AÇAÍ NA

COMUNIDADE MARAJOARA SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

“põe tapioca; Põe farinha d’água;

Põe açúcar; Não põe nada;

Ou me bebe como um suco; Que eu sou muito mais que um fruto;

Sou sabor marajoara”. (Nilson Chaves)

Nesta seção analisoa categoria apropriação do açaí, os saberes que

permeiam esse processo, tendo como base, o resultado da pesquisa de campo

realizada na comunidade Sagrado Coração de Jesus, localizada no rio Tartaruga

afluente do rio Canaticu, no município de Curralinho/PA.

Vale ressaltar que a categoria apropriação foi sugerida pela banca de

qualificação desta pesquisa, por esse motivo, concordei e acatei como proposta, por

entender que o processo de coleta, referido, quase sempre, como a prática de

“apanha” do açaí, pelos apanhadores, configura-se como um trabalho que demanda

uma série de saberes que informam todo o processo, e que o produtor de açaí,

necessariamente precisa dominar, sem os quais, dificilmente consegue uma boa

produção, capaz de atender às exigências do mercado consumidor, que conforma o

processo de distribuição do açaí.

Todavia, ressalto que o produtor, ao referir-se a prática do “apanha”, não

menciona essa categoria de apropriação, mas observei que na prática cotidiana,

ocorre um processo de apropriação do fruto que vai para além da atividade do

apanhar, em face de que toda a vida do ribeirinho está imbricada para este apego

com o açaí como marca cultural da existência ribeirinha.

3.1O território do açaizal: uma relação de trabalho e cultura

A relação com o açaizal é mais do que trabalho, é de vida, considero

necessário tratar, ainda que introdutoriamente, da apropriação dos territórios em que

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estão localizados os açaízais, e devido a essa importância e apego classifico-os

como território do açaizal ou territórios dos açaizais. De acordo com Diegues (1996,

p.83) o território consiste em, “uma porção da natureza e espaço sobre o qual uma

sociedade reivindica e garante a todos, ou a uma parte de seus membros, direitos

estáveis de acesso”. Ainda que o conceito de território seja muito amplo e complexo,

neste trabalho, restrinjo-me ao conceito do autor como porção da natureza ou ao

espaço de direitos estáveis de acesso e de circulação de saberes. Esse acesso ou

apropriação ocorre por meio dos: recursos naturais, a ocupação da terra, tanto

documental como de uso e valor sentimental que existe nessa interação e

principalmente como circulação de saberes.

A ideia de território remete-se a idéia de compreender como os parâmetros

legais são definidos pelos regimes de propriedades no Brasil. Assim, as terras são

distribuídas de duas formas em: terras privadas e terras públicas. As privadas

seguem a lógica do capital e do individualismo, e assumem um controle exclusivo

voltado para fins lucrativos e marcado pela posse e poder de venda, ou ainda,

conversão da terra em mercadoria. As terras públicas são de controle do Estado,

que somente ele tem o poder de determinar o uso, que geralmente ocorre por

beneficiamento de grupos (LITTLE, 2002, p.7).

Para Ramos; Lacerda e Baratinha (2014, p.04), em relação aos territórios da

Ilha de Marajó, o uso de suas terras tem ocorrido várias formas de ocupações dos

sistemas agrários. Esse processo ocorreu inicialmente pela ocupação dos nativos

que habitaram esse território, dentre eles, inúmeras tribos espalhados pela ilha. Em

seguida, a ocupação foi feita pelo processo de colonização portuguesa, entre

guerras sangrentas com os nativos, mas que predominou o domínio dos europeus.

Posteriormente houve a doação de sesmaria, isto é, um sistema criado pela coroa

portuguesa que determinava a distribuição de terra inculta para a plantação,

somente aos que destinassem a produção agrícola, beneficiando uma minoria e a

seleção seguia as ordens da coroa portuguesa. Outro marco de ocupação, foi

quando o rei português decidiu repartir as terras marajoaras em juntas governativas,

ou seja, entre pessoas ilustres. Assim formou-se a estrutura agrária do Marajó que

só foi modificada no final do século XX e início do século XXI.

Ainda nas ponderações dos auotres, nesse contexto de ocupação de território

houve a exploração da economia da borracha na Amazônia, uma das áreas

principais de extração é a ilha de Marajó, segundo Ramos; Lacerda e Baratinha

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(2014, p.06), que no período áureo da produção gomífera “estima-se que 400 mil

pessoas vieram para a região em busca de trabalho nos seringais, vindas em sua

grande maioria da região nordeste do Brasil”. Posteriormente a ocupação de terras

ocorreu pela extração da madeira e do palmito, que representou um processo

extrativopredatório, que resultou em desequilíbrio ambiental grave, mesmo com

muitas industrias vindo instalar-se no Pará, representou uma economia nas mãos de

empresários.

E por fim, o sistema agrário contemporâneo, configura-se por meio da luta

pelo reconhecimento agrário das comunidades locais em meio a inúmeros debates e

movimentos sociais. Em conseqüência disso, “em 2008 o Governo Federal instituiu o

Programa Territórios da Cidadania, coordenado pela Casa Civil da Presidência da

República, classificando o Marajó como uma marca territorial.” (RAMOS; LACERDA;

BARATINHA,2014, p.04).

Na perspectiva dos autores, foi a partir de reivindicações pela regularização

fundiária no Marajó e de outras localidades do Estado do Pará, grupos sociais locais

buscam por princípio de reconhecimento nativo, as concessões de uso gratuito de

terras por meio de assentamentos agroextrativistas, como por exemplo, em Terra

Grande Pracuúba,no município de Curralinho, por da qual ocorreram vários projetos

de assentamentos e em consequencia desse movimento, foram emitidos as

autorizações de uso das terras. (RAMOS; LACERDA; BARATINHA,2014, p.04). Os

autores sintetizam que com essa nova estrutura, que coincidiu com a criação do

“Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Marajó, consolida a

regularização fundiária enquanto política pública [...] inaugurando um novo sistema

agrário” (RAMOS; LACERDA; BARATINHA,2014, p.07).

Desta maneira, por meio desse movimento social reivindicatório, a maioria

das comunidades locais do rio Canaticu foram beneficiadas coma documentação

que trata dos “Termos de Autorização de Uso da Superintendência de Patrimônio da

União” como garantia do uso dos recursos naturais, como é o caso dos territórios

onde localizam-se os açaizais, conforme identifica-se na figura (36).

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Figura 36- Termo de uso das terras

Fonte: Miguel Baratinha de Moraes, 2016

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Neste documento, é possível perceber a autorização de “uso para o desbaste

de açaizais, colheita de frutos ou manejo de outras espécies extrativistas”. Além

dessa comprovação pelo Órgão de Patrimônio da União, o território do açaizal ou

territórios dos açaizais é mais que uma extensão de terras produtivas, é um

pertencimento, uma apropriação, pois a doação da terra faz-se por meio de

heranças familiares, conforme o relato,

A apropriação de terrenos, ele vem de longos tempos, por exemplo, aqui veio dos meus bisavós, aí veio pros avós, pra pai, e hoje ele passou pra gente que somos filhos, e já com uma documentação de INCRA, hoje nós temos o GRPU, que foi extraído do governo federal, e que nos dá garantia, de ocupação da área porque todos nós sabemos que o Marajó é patrimônio da união, então a gente tem esse documento de licencia pra trabalho cultural. Foi um projeto pela Central de Associação e a gente conseguimos, né? Com muita luta. (Miguel Baratinha de Moraes, Pesquisa de Campo, 2017).

Por considerar que a maioria dos territórios dos açaizais foram herdados por

familiares, isso atribui um valor sentimental da terra, um pertencimento, que durante

o meu percurso de pesquisa, foi notável a preocupação dos pais em repassar aos

filhos a mesma responsabilidade de preservação. Neste contexto cultural, a

organização dos territórios dos açaizais dependem de vários fatores e sabres, tais

como o conhecimento do local, do clima, do solo e da plantação/manutenção

porque geralmente esses territórios situam-se nas áreas de várzeas, como observa-

se na figura (37).

Figura 37- A ordenação do açaizal

Fonte: Feitosa, (2016)

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Por considerar que o uso do território configura-se não somente a extensão

de terra, mas de vida porque incorpora relações socioculturais. É nesse território

que a vida acontece, é lugar de trabalho, mas também de vivências permeado de

saberes onde são dinamizados processos de ensino/aprendizagem na

informalidade do cotidiano. Nesse sentido, Cunha (2009, p. 287) considera que “a

ideia de que as pessoas mais qualificadas para fazer a conservação de um território

são as pessoas que nele vivem sustentavelmente”, onde cada ribeirinho exerce a

sua vida.

E constatei o uso que as comunidades locais fazem desses territórios estão

para além de sua moradia. O território é visto como espaço de direitos estáveis de

acesso, isto é, direito sobre todo recurso que nele existe, que são utilizados como

meios de subsistência, trabalho e produção. Essa extração do fruto é realizado no

próprio território do produtor, uma vez que ele possui os direitos estáveis de acesso

e posse. Eles são donos não somente porque possuem o termo de uso da terra,

mas porque (con)vivem sustentavelmente com os recursos naturais, por

considerarem-se incluso dentro desse território e quando isso acontece o ser

humano vive, cuida e preserva. Portanto, a relação é de posse e de propriedade

devido ao apego e a apropriação com o fruto, o açaí,

Nesse processo de relação direta com esse território é preciso considerar a

“diversidade empírica de sociedade [...] construídas e acumuladas em épocas

diversas e em dados territórios” (CASTRO, 2000, p.168). É dessa forma que o

conhecimento tácito, se confirma sobre o ambiente, em face de um conjunto de

saberes e experiências no cotidiano do trabalho e na comunidade.

De acordo com Castro (2000, p.168), esse aprendizado é construído

historicamente e configuram-se como uma “extensão dos saberes e das técnicas por

eles desenvolvidas para apropriar-se de recursos do meio ambiente e adaptá-los a

suas necessidades”. É assim que o produtor de açaí, criam suas práticas/ técnicas,

e vão adaptando-as. É reconhecer, neste contexto, que empiricamente eles detém

muitos conhecimentos, desde ao nascer, inserem-se num conjunto de interações

com os outros, e quase sempre,

Submetido à obrigação de aprender. Aprender para construir-se, em um triplo processo de hominização (tornar-se homem), de singularização (tornar-se um exemplar único de homem), de socialização (tornar-se membro de uma comunidade, partilhando seus valores e ocupando um lugar nela). Aprender para viver com outros homens com quem o mundo é

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partilhado. Aprender para apropriar-se do mundo, de uma parte desse mundo, e para participar da construção de um mundo pré- existente. Aprender em uma história que é, ao mesmo tempo, profundamente minha, no que tem de única, mas que me escapa por toda a parte. Nascer, aprender, é entrar em um conjunto de relações e processos que constituem um sistema de sentido, onde se diz quem eu sou, quem é o mundo, quem são os outros. Esse sistema se elabora no próprio movimento através do qual eu me construo e sou construído pelos outros, esse movimento longo, complexo, nunca completamente acabado, que é chamado educação. (CHARLOT, 2000, p.53).

O autor afirma que o aprender é algo necessário, resultante numa ação

permanente na vida de cada um. O aprender no sentido de tomar conhecimento;

tornar-se capaz e retê-lo na memória, resultante de uma ação, de estudo,

observação e experiência. O aprender é contínuo, infinito e diverso como afirma

Cunha (2009, p. 302), “enquanto existe por hipótese um regime único para o

conhecimento científico, há uma legião de regimes de saberes tradicionais”. Dessa

forma, o território dos açaizais configura-se como um espaço de diversidade e de

legião de saberes, isto é, vários saberes tradicionais.

Como espaço de saberes, de pertencimento e de vivências, o território do

açaizal é o trabalho mais importante, que envolve a “apanha” do açaí, conforme a

narrativa,

O açaí aqui no Marajó, o ribeirinho, ele acha como seu único patrão, todo mundo tem essa visão, quem tem o açaí na safra, quem tem seu bom açaizal, é como ter o seu “bom patrão”, entendeu? Ele vai buscar a sua produção, ele vai vender e vai buscar o seu dinheiro e quem não tem, não tem patrão, não tem patrão porque ele não tem donde tirar, então todo mundo vê, todo mundo olha que o açaí ele tá sendo única forma de emprego de gerar dinheiro, independente. Tá todo mundo planejando pra produzir, pra aumentar sua área. (Herde Barreto Maia, Pesquisa de Campo, 2017).

É nessa perspectiva que os ribeirinhos ratificam a apanha do açaí como

principal trabalho e fonte de renda, empregadas nas expressões “bom patrão” e

“bom açaizal”, eles cuidam e aumentam a sua área para a garantia da produção.

Assim, o trabalho assume categoria primordial no contexto marxista porque é a

forma mais simples, mais objetiva, que o ser humano criou para organizar-se em

sociedade. Para isto, é importante entender o significado de trabalho que por meio

das interações sociais formam-se como atividade vital pela qual se produz e

reproduz a vida humana.

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O trabalho tem seu sentido ampliado e não meramente como força produtiva,

é preciso entender como as populações locais organizam-se cotidianamente, ou

melhor, que regras ou estratégias utilizam nas suas atividades. O território do

açaizal é local de trabalho, de produção, mas também de sociabilidade, lazer,

interação e principalmente, de processos educativos e de circulação de saberes.

Assim, “o trabalho, como princípio educativo, traz para a educação a tarefa de

educar pelo trabalho e não para o trabalho, isto é, para o trabalho amplo, filosófico,

trabalho que se expressa na práxis” (PIRES, 1997, p. 91).

3.2Tempo ecológico e cultural de acesso aos açaizais

A dinâmica da vida no contexto ribeirinho faz-se por meio do tempo. Aleixo

(2017, p.86) explica que isso difere-se em: tempo cósmico e tempo ecológico. O

primeiro segue a orientação do relógio, como as horas e as indicações de dias,

meses e anos e o segundo segue o calendário da natureza. Como focalizo a

produção do açaí, nesse caso específico, os produtores guiam-se pelo tempo

ecológico e cultural, determinado pela natureza, como por exemplo, as estações que

são: Safra e Entressafra. A safra ocorre na estação de verão, que compreende nos

períodos de Julho a Dezembro e entressafra, ocorre no inverno, nos períodos de

Janeiro a Junho.

No meu percurso pela comunidade ficou evidente a representação da safra do

açaí na vida de cada produtor, como comprova a narrativa,

Quando tem o açaí de verão, melhora bastante pra gente, né? Porque, as coisa, a gente tira o açaí, vende, consegue as coisa mais fácil, tem todo dia pra gente tomar, né? Não falta né?,agora de inverno não, de inverno aqui, a pessoa num tem trabalho....é... num tem trabalho, num tem açaí, poucos quintal que tem açaí, isso são pouco[...]. De verão favorece pra todo mundo, todo mundo tem açaí, né? Troca um açaí, vende, a gente pega um dinheiro, aí de inverno o negócio complica porque “num tem o que fazer”...muda muito...é o ramo da gente de verão. (Ana Lúcia Borges, Pesquisa de Campo, 2017).

A safra do açaí é o “ramo dos negócios” dos produtores no verão, é o meio

imediato para a obtenção de gêneros alimentícios e bens materiais, ou seja, para

garantir a reprodução social das comunidades locais. Nas narrativas e nas

conversas informais, o que me chamou atenção foi a expressão referindo-se ao

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inverno como “num tem o que fazer” tendo as demais atividades não com a mesma

importância que a safra representa.

Em virtude dessa significação, no território do açaizal, comprova que a

palmeira Euterpe olerácea Mart. é a “árvore da vida” para as populações locais,

como afirma Mourão e Pontes. E na ausência do fruto do açaí, os ribeirinhos

buscam novas alternativas de trabalho para sobreviverem. No entanto, poucos

rentáveis,

Olha é a roça, né?,que a gente planta a roça, pra gente se manter,né? Pra gente comprar tudo, fica muito pesado pra gente, aí tendo a roça, não. A gente faz uma farinha, vende meio fardo, aí defende da despesa, também pra ajudar, aí vai levando, apanha o açaí também, uma lata, duas, vai tariando, assim, que a gente trabalha, num tem outro jeito. Agora não, que tô fazendo um roçado já tenho setenta pé de banana plantado..é....já tenho planta...aí tô mudando, eu tô com cem pé de café pra mudar...eu gosto muito de plantar...gosto demais, eu gosto muito de plantar, de tudo quanto é plantação eu tenho, desde tangerina eu tenho plantado. Olha aqui nesse nosso terreiro não tem onde meter mais plantação...tenho pupunheira frutiva aí...porque eu tiro um base, porque a gente plantando a gente tem né? E outro que eu tenho meus filhos também, é como eu falo pra eles, meu filho eu não quero que me faça vergonha, porque se passar num sítio duma pessoa, vê uma fruta, num vá mexer. Então eu planto, pra eles se manterem, pra num mexer do outro, é assim que eu faço. (Civaldo Serrão de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

No inverno os ribeirinhos vivem situações precárias e mantém-se da roça

para a produção da farinha e desse jeito tiram para o consumo, vendem, trocam e

como costumam dizer “vão tariando”, isto é, controlando o pouco que possuem, é

comum também à plantação de frutas, e a dedicação em manter e cuidar das

plantações. Além de todas essas atividades, na plantação tem significado educativo

como confirmado pelo pai para evitar que os filhos furtem os territórios vizinhos.

Nos ensinamentos dos pais, revela-se uma dimensão educativa de valores

éticos, pois planta para que os filhos reconheçam nessa prática a necessidade da

manutenção da vida, sem que se mecha dos terrenos vizinhos, muitas pessoas têm

a preocupação de mostrar, senão a importância, pelo menos a necessidade de se

resguardar aqueles saberes que sustentam a realização de suas práticas cotidianas,

cujo repasse desse saber para esse segmento jovem, pode ser tomado como um

acontecimento educativo, tendo como referência uma concepção alargada de

Educação, conforme ressalta Brandão (2002, p. 26),

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Educar é criar cenários, cenas e situações em que, entre elas e eles, pessoas, comunidades aprendentes de pessoas, símbolos sociais e significados da vida e do destino possam ser criados, recriados, negociados e transformados. Aprender é participar de vivências culturais em que, ao participar de tais eventos fundadores, cada um de nós se reinventa as si mesmo.

Metaforicamente criar cenários e as cenas por meio das experiências

cotidianas é oportunizar a educação que inicia na família e no grupo social, os

exemplos devem vir da casa, isto é, no seio familiar inicia a educação de valores

éticos e atitudinais, por meio da convivência e do trabalho, os saberes e valores

sociais que definam um ser humano íntegro na comunidade, sabedor de seus

direitos, mas também de seus deveres.

E dentro desse universo educativo que os pais ensinam os filhos desde

criança, como explica:

Porque agora nós só fizemo a limpeza, que tá tudo baixo, num foi tirado esse ano nenhuma árvore, só foi a limpeza mesmo, nós fizemo o manejo esse ano passado, agora não, tá tudo baixinho, é eles fazem ..todo eles dão conta, foi eu que ensinei porque, quando eu ia tirar o açaí, eles iam comigo, aí já iam crescendo nesse ritmo,aí me ajudo também a trabalhar na roça, no roçado, agora não, que tão estudando, quando num tem aula pré eles, aí eles vão imbora comigo, aí eu tenho um filho aí que tá sorteiro, ele já tem uma roça também, eles são todo animado. (Civaldo Serrão de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

Não somente no açaizal, mas em todas as atividades é cenário de saberes,

onde os filhos são encaminhados ao ritmo dos trabalhos dos pais. Ter uma roça é

também uma questão de responsabilidade, em outras palavras, é um orgulho para

os pais, pois entende que os filhos estão inseridos no universo do trabalho e que

sabem fazer, essa ideia é expressa quando diz“eles são todo animado”, quer dizer,

dispostos e estão encaminhando-se na vida, além do estudo, que fazem questão

que os filhos mantenham regularmente. Na experiência do cotidiano os pais buscam

repassar valores que independe somente do trabalho, mas de vida, são saberes

atitudinais da formação enquanto cidadão.

É inegável que o saber é um conhecimento herdado da figura dos genitores,

como explica a produtora,

Olha porque aprendi assim, né? Com os meus pais porque desde quando eu me entendi, aí já tinha a compra do açaí, aí já... já trouxe dele né? isso.. ele morreu, ficou pra gente...aí, a gente já sabe tudo como fazer. (Maria Izabel Firmino Monteiro, Pesquisa de Campo, 2016).

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Há uma relação de aprendizagem com os pais, e assumem essa

responsabilidade em prosseguir o trabalho, mesmo pela questão de sobrevivência,

ficando explícito o saber/ fazer na “apanha” do açaí. Por meio dos saberes, que são

conhecimentos históricos e sociais, o processo educativo se configura quando é

utilizado e repassado a outras gerações, assim, nas diferentes culturas, e na

paraense, a dinâmica não é diferente, é comum as experiências serem repassadas

de pais para filhos, principalmente pela oralidade ou por meio do próprio fazer

cotidiano. Os saberes que estão presentes e dinamizam diferentes ambientes, que

foram adquiridos com os mais velhos e assumem instrumentos do fazer e do viver, e

a partir daí é que o aprendizado vai ser estabelecido. Desta forma, reconhece-se

que no nosso contexto a tradição existe, os saberes ocorrem e são repassados aos

mais jovens, que também, ocorre o “teste” da garantia de saber fazer algo,

utilizando-se a expressão “Tu garante?”. Medaets (2011, p.7) explica que “a

expressão fala por si, e garantir, ou seja, garantir saber fazer bem feito alguma

coisa, é, aqui, condição para fazê-la.

Dessa maneira, a expressão “tu garante”, é uma forma de confirmar se sabe

ou se consegue realizar a atividade, ou ainda se ocorreu o aprendizado. É na

verdade, sentir a necessidade de mostrar ou de reconhecer, a própria identidade

cultural daquilo que aprendeu, e dessa relação, “entre a cultura e a educação, uma

das lembranças porventura mais importantes aqui deve ser a de que mais do que

seres “morais” ou “racionais”, nós somos seres aprendentes” (BRANDÃO, 2002, p.

25). Então, quando o indivíduo é desafiado por meio da expressão “tu garante”, é

porque precisa realizar o saber/fazer a atividade.

O trabalho na “apanha” do açaí é executado de diversas formas, a mais

comum é pelos laços familiares,

Eu sempre tenho ajuda aqui dos meus filhos sempre e da minha irmã que vem dalí pedir, a gente apanha em sociedade com ela, aí tirando disso... aí assim, por exemplo, sempre só eu que apanho, que ela só vem mesmo porque, aí eu apanho, o tanto que eu apanho, a gente divede no meio, eu com ela, quando ela vem. (Maria Izabel Firmino Monteiro, Pesquisa de Campo, 2017).

Compreende-se que o trabalho de “apanha” do açaí é em regime de parceria

com os filhos ou “em sociedade”, ou seja, quando dividem a produção em partes

iguais, com essa forma de parceria, resulta em uma atitude de valores, quando

compreendem a ação de dividir em partes iguais. É com essas regras do bem viver

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que os ribeirinhos compartilham saberes e atitudes que regem a vida em

comunidade. Inseridos nesse contexto do trabalho, reconhece-se como espaço

educativo no sentido da colaboração e da relação mútua,

Aqui a gente tem uma união, praticamente vive, onde todo são amigo, e não tem assim rivalidade, não tem problemas assim, aqui como a gente vê nas grandes cidades, aqui a gente é praticamente todo mundo é amigo, e a gente né?, tem uma união pro trabalho, a gente se une pra trabalhar, isso é uma coisa que nem todo lugar tem, né? isso é o que me faz tá aqui e gostar daqui, que a gente é sempre unido pra trabalhar, a gente sempre trabalha em comunidade, em grupo de trabalho, cooperativa, tem essa união, união pra trabalho. (Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

A união faz parte da cultura ribeirinha, destaca-se o trabalho de mutirão entre

a comunidade, e principalmente à harmonia e o amor ao próximo. Como costume e

tradição, o trabalho da roça realiza-se em forma de “convidado”, isto é, o dono do

roçado convida um grupo para o trabalho de mutirão e assim alternam-se até que

todos possam ser contemplados, a ajuda ocorre de forma recíproca, um ajuda o

outro.

A renda financeira na “apanha” do açaí, é de domínio dos pais, como revela à

narrativa:

No tempo da safra no porto do açaí é só com meu nome que vai, o açaí que

eles me entrego já fica só no meu nome, esse que fica lá, é só eu que

administro....aí eles vão comprar o luxo deles,né? Eu tiro pra eles uma

parte, aí eles vão comprar roupa... não porque eles tão no meu domínio

ainda, agora do casado não, ele já administra o dele. É separado, mas

também quando eles levo pra aí, o que fica lá é eu que arrecebo. Assim que

é. Como eu tenho falado pra eles, meu filho durante tarem debaixo do meu

toldo, é porque é eu que tenho que me virar aqui pra botar tudo pra casa, eu

com a mulher, aí, mas também quando eles precisam..olha eles querem

comprar um motor rabudo, uma rabeta, aí eles vem, papai eu quero

comprar, vai tirar o açaí meu filho, aí eles pulam pra lá, e...sabi que eles

num fica contrariado comigo, nenhum... ficamalegre,né? Olha tem essa

rabetinha que ta aqui, meu filho comprou ela R$ 500,00 (Quinhentos Reais)

sem pintar..ele deu três apanhação, comprou. Aí é assim, dá bem que eles

ficam todo contente, né? Pra mim dizer ah, não tu não vai comprar nada, aí

fica difícil, eles ficam contrariado, triste, né? Assim não,quando eles querem

comprar roupa dele, eles tem, num tem negócio de governar ainda, aí

depois que arruma família não, ele vai administrar, né?.(Civaldo Serrão de

Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

É cultural no contexto ribeirinho o pai administrar a renda financeira na

produção do açaí, isso acontece com os filhos solteiros que são de domínio dos

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pais, pois os que são casados tornam-se independentes. Vale lembrar, que quando

os filhos precisam de dinheiro, o pai cede ou dispõe o açaizal para poderem obter o

valor desejado como, por exemplo, a compra de motor, de embarcação e serradeira,

além disso, é comum a compra de rabetas que passa a ser mais que uma

necessidade.

No cotidiano ribeirinho, o saber assume o sentido de uma prática ou ação

incorporada por um determinado sujeito, que se apropria dos procedimentos que

lhes são inerentes. Assim, o saber permite ao ser humano domínio sobre a realidade

e de compartilhar a cultura com outros seres e “viver certas experiências e, assim,

tornar-se maior, mais seguro de si, mais independente” (CHARLOT, 2000, p.60).

É nessa lógica de apropriação de conhecimentos e saberes que os

cooperados vivem o seu cotidiano de movimento social,

Primeiro é..., minha ocupação é muito extensia, né? Mas eu às vezes, eu faço tempo pra que eu esteja presente dentro da coleta da produção, não todos os dias, mas a família também, os filhos hoje, eles são professores, ...é..., os dias que eles num tão em sala de aula trabalhando, eles tão também na coleta do açaí, assim, é, eu sempre eu me planejo, a gente tem uma pessoa que faz a coleta pra gente, né? Ele trabalha durante a coleta [que é esse rapaz aí e mais outras pessoas] que trabalham de acordo com a produção, quando ela vai crescendo, vai ter que contratar mais pessoas, né? Para fazer a apanha. E a gente se divide nos trinta aí, como diz o ditado popular, né? Para atender tanto o movimento quanto a produção do açaí. E quando eu tô aqui, seis horas da manhã tem que sair pro mato, né? Ganhar logo tempo, na parte da manhã nove e meia, tem que tá em casa, tem que tá atendendo o pessoal que tão ligando pra saber como tá o movimento, e aí já tem que tomar conta do movimento,embarque do açaí, pesar açaí, né? Ele não é fácil, mas também é muito gratificante, por exemplo, hoje eu tava tirando açaí, já pesando açaí, recebendo açaí, mas à tarde já vou pra Curralinho, né? Que já vai fazer embarque de açaí, e fazer prestação de conta do açaí que foi entregue pra merenda escolar, já pra lançar e fazer todo um trabalho. (Miguel Baratinha de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

Nesse sentido o ex-presidente (2014-2016) descreve a dinâmica intensa

dessa produção do açaí, e a “apanha” do açaí também ocorre por meio de parcerias

ou ainda no “sistema de meia” é quando contratam terceiros para a coleta do açaí e

dividem em partes iguais a produção, pois a função de diretoria na cooperativa é

intenso e é necessário a contratação de pessoas.

Em relação ao aumento da quantidade na produção quem determina isso é o

comércio “a cadeia demandante do açaí é completamente determinada pelo

mercado. Neste sentido, o preço, quanto produzir e comercializar, não são decisões

dos agricultores, mas sim dos agentes de comercialização.” (CARVALHO, 2013, p.

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28). É neste universo dinâmico de operações comerciais que a cooperativa busca

escoar a produção de açaí do rio Canaticu em busca de melhores condições de

vida.

3.3 A prática de apropriação do açaí: os saberes que orientam na “apanha” do

açaí

A apropriação do açaí, Jerônimo e Gonçalves (2008, p.01) definem essa

expressão apropriação como “privacidade, apego, personalização” ainda assim,

como marca cultural. É com sentido de apego no fruto e como “proprietário” daquele

ambiente natural que o açaizal e apresenta essa marca cultural. Neste trabalho, a

categoria apropriação orienta inicialmente a análise dos saberes que perpassam na

“apanha” do açaí, eque estão relacionados a identificação e seleção dos cachos

maduros, ao fazer a peconha, tecer a rasa, subir no açaizeiro, debulhar o açaí e a

proteção do corpo.

A prática de “apanhar” o açaí de seu território, envolve um conjunto de

atividades, como: técnicas, habilidades e conhecimentos. Dentre essas, algumas

são imprescindíveis para que o produtor tenha acesso ao fruto de boa qualidade,

capaz de ser aceito pelo mercado. Pelo fato dos cachos ficarem na copa das

palmeiras, para o seu acesso é necessário um determinado utensílio, capaz de

facilitar subida do apanhador até o cacho. Trata-se de um apetrecho

tradicionalmente utilizado desde os antigos coletores, a peconha.

3.3.1 O saber fazer e utilizar peconha

O apanhador, então, desde sempre ao subir no açaizeiro tem como hábito o

uso da peconha, que ajuda a apoiar os pés no caule da palmeira que tem o porte

liso. A confecção desse utensílio pode ser feito de duas formas: tecida na hora da

“apanha” com a própria folha do açaizeiro ou tecida de saca (de açúcar, de farinha,

de trigo), como identifica-se na figura (38).

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Figura 38- O fazer peconha/ tipos de peconha

Fonte: Feitosa, 2016

A primeira forma, é a mais tradicional, embora atualmente o produtor tenha

mais preferência por esse segundo tipo, por considerar mais resistente e durável.

Como explica a narrativa do produtor,

A da folha do açaí é arriscada arrebentar, se ela arrebentar a gente cai lá de cima, eu aconselho meu filho que faça de saca, porque a de saca é só quando ela atora mesmo, é difícil ela arrebentar, dura um mês ou dois meses, depende, porque a gente pega a saca e torce, ela já é potente, a gente ainda torce ela, aí ela num atora fácil, a fibra é bem segura. Só se agente subir muito que ela arrebenta. (Isaias Ferreira da Silva, Pesquisa de Campo, 2017).

A confecção da peconha faz-se por meio de saberes/práticas que estão

presentes no cotidiano do apanhador de açaí, e conforme as experiências, os pais

orientam os filhos sobre o tipo de peconha e o risco que apresenta, nesse caso, dar

ênfase a peconha tecida de saca, com isso são saberes que são repassados de

geração em geração.

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A peconha pode ser de uso coletivo, contudo, preferencialmente, de uso

individual, pelo tamanho e formato que difere entre os usuários, como explica a

narrativa,

Se tiver disocupada, usa uma usa outra, num tem problema, as vez que um reclama um pouco o tamanho, eu acostumo assim, quando a minha tá grande, eu desmancho e torno fazer menor, aí quando tá apertado o nó, sobe assim mesmo.Num é muito bom pegar a do outro porque as vez num dá certo com a da gente. Pro jovem, por exemplo, a dele é sempre pequena, é de acordo com o tamanho da pessoa,mas quase sempre é só um tamanho, é pouca diferença, é porque num dá certo...eu tenho meu filho que tira também, ele tem uma área lá que eu dei pra ele tirar,aí quando euvou tirar às vezes eu pego a peconha dele, eu num me acerto com a dele, num dá certo, eu exigo mais que eu fique com a minha. (Isaias Ferreira da Silva, Pesquisa de Campo, 2017).

Mesmo sendo pouca diferença, o produtor percebe a mudança no tamanho

ao encaixar aos pés. Ao adentrar na área do açaizal, o apanhador já leva consigo a

peconha, pois a não utilização dela, dificulta à subida no açaizeiro, por isso a

importância desse apetrecho na prática do “apanha” do açaí, uma vez que ela

imprime mais segurança e agilidade na subida e descida da palmeira. Como na

figura (39) abaixo.

Figura 39- O uso da peconha

Fonte: Feitosa, 2016

Trata-se do uso que precisa ser prendida aos pés, para dar sustentação aos

movimentos impulsionadores de subida, e de deslisamento na descida. Ambos

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movimentos demanda equilíbrio nos pés e nos braços, capaz de dar sustentação ao

peso do corpo do produtor, e possibilitar que ele seja capaz de subir e descer da

palmeira com facilidade. Devido a este uso da peconha, é comum localmente a

pessoa que tem habilidade para utilizar esse apetrecho, ser chamada de

“peconheiro”.

Nesse universo de práticas e saberes, o produtor detém conhecimento, não

só ao fazer, como também ao utilizar a peconha.Santos (2006), com o conceito de

“ecologia de saberes”,coloca em debate o reconhecimento da diversidade de

saberes. A partir dessa concepção pode-se sustentar a relevância de dar conta dos

conhecimentos que perpassam o cotidiano das populações rurais-ribeirinhas, para

torná-las visíveis e reconhecer a sua importância na reprodução social do cotidiano

dos grupos sociais locais. Esse debate revelaa importância de uma nova

sensibilidade da postura da ciência moderna, que precisa dar espaços aos

conhecimentos do senso comum, nos quais pode-se incluir os saberes específicos

que informam a apropriaçãoou mesmo outros saberes que fazem parte da

integração das comunidades ribeirinhas com a natureza.

3.3.2 O saber tecer e utilizar a rasa

Na “apanha” do açaí, assim como a peconha foi mencionada anteriormente, a

utilização da rasa também é essencial, por isso é necessário o saber tecer as rasas.

A rasa, lata, cesta ou paneiro, como são chamados pela população local, serve para

depositar o açaí logo após a sua coleta, mas também, são utilizados como unidade

de volume (medição) do açaí. No processo de distribuição e/ou comercialização é

comum o uso da expressão “uma rasa de açaí” “duas rasas de açaí” e assim

sucessivamente, em que cada rasa equivale ao peso de 14 kg.

As rasas são confeccionadas da matéria prima local, ou seja, vegetal da

floresta chamado de arumã, jacitara ou outros, para isso é preciso saber identificar

dentre as inúmeras variedades de vegetais e também conhecimento para extraí-lo

que geralmente é do próprio território, para então confeccioná-las, que na maioria

das vezes, é tecida por familiares ou fabricantes de rasas. Como afirma a narrativa,

Lá em casa a gente utiliza rasa pra levar pro mato, né? Que a basqueta num convém levar, só que eu num sei fazer, lá todo sabe fazer, eu não. Eu nunca me dediquei[..] a minha filha, meus filhos,a mulher, todo sabe fazer.Aprenderam com a mãe deles, ela sabe fazer. A minha mulher aprendeu com os pais dela, e os meus filhos já aprenderam com ela. Eles

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que fazem,meu genro faz, meu filho também faz. (Isaias Ferreira da Silva, Pesquisa de Campo, 2017).

O saber tecer as rasas para quem detém esse conhecimento, infere-se que

aprenderam com os pais, no caso específico relatado pelo produtor, a esposa

aprendeu com os pais dela e compartilhou o saber também com os filhos pela

própria necessidade de utilização no cotidiano na produção do açaí, essa atitude é

uma reprodução de saber.

Nessa fabricação de rasas, é comum também na comunidade alguém

arrecadar suas economias com vendas de cestas, peneiras, matapis, outros

utensílios/ artesanatos para coleta do açaí, do camarão, da pesca, etc., conforme

pode-se perceber na fala de um dos entrevistados: “a rasa a gente faz por aqui [..]

Tem uma fabricante de rasa é a Mariquita, minha mãe também faz muita

rasa.(Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

Nota-se que o saber tecer a rasa é um conhecimento que pertence tanto a

mulheres quantos aos homens.

3.3.3 O saber identificar e selecionar os frutos

No contexto da “apanha” do açaí, para que essa atividade seja efetivada é

preciso que seja feita a identificação e seleção dos frutosem relação a qualidade e

amadurecimento, ou seja,reconhecer se o cacho está maduro, que de acordo com a

denominação local, as referências são: “cacho preto”, “cacho bem preto”, “está

pretinho”, ou quando ainda não está bom de “apanha”, o cacho “está apretando” ou

“parau”. É por meio desse saber que o produtor faz a seleção dos que podem ou

não serem apanhados de imediato. Dessa forma, Charlot (2000, p. 78) afirma que,

“a relação com o saber é relação de um conjunto com o mundo, com ele mesmo e

com os outros”. Inseridos nessa relação, em consonância com o mundo de

significados é que o ser humano cria e recria o seu cotidiano e promove a sua (re)

produção social.

A distinção em relação ao estado de amadurecimento do açaí é feito

imediatamente a partir do momento que os produtores entram no açaizal, e vão

caminhando e direcionando o olhar para cima, buscando identificar os cachos

pretos nas touceiras, às vezes sobem para conferir a percepção se está preto ou

não. Outra questão interessante é que sabem os que estão pretos pelo tempo que

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ficou na árvore, desde quando identificaram como “parau”, ou seja, quando o cacho

está cinza, significa que em dias estará totalmente preto e a partir daí, eles guiam-se

por esse tempo.

Essa prática de saber identificar se o cacho está preto ou não, é feito por

meio de um conhecimento prático, adquirido com a experiência na “apanha” como

pode-se perceber na narrativa de um produtor,

período que a gente deixa ele, cada dono de propriedade, ele verifica, se tem dez cacho de açaí parau numa ponta lá, aí eu sei um cálculo mais ou menos de quantos dias vai tá preto depois que ele paroou. Aí quando eu vou lá, é difícil eu subir num que num esteja bom, tá tudo bom. Mas aí a gente chega lá dá uma espiada por dentro se ele tiver vermelho a gente deixa, se ele tiver bem bonito, a gente traz ele. (Isaias Ferreira da Silva, Pesquisa de Campo, 2017).

Em relação aoscachos que ficam na touceira, o produtor guia-se pelo tempo

ecológico, sabe prever o tempo aproximado que vai “apretar”, ou seja, em quantos

dias a mais, estarão bons para “apanhar”. Este saber faz-se por meio do

reconhecimento identificado somente com base na estrutura do cacho, tamanho, cor

e composição dos caroços. Portanto, trata-se de um conhecimento prático, que só a

vivência explica.

Além do reconhecimento se o cacho está preto ou não. Existe também a

diferenciação entre os tipos de açaí como: “açaí preto”, “açaí branco” ou “açaí tinga”,

e existe ainda o “açaí tinga-casado”, conforme a explicação de um dos sujeitos

entrevistado:

O tinga num tem muito, o açaí branco, ele num apreta, ele só fica bem branquicenço, bem amarelinho o cacho, aí ele amarela, bem amarelo, fica quase cinzento a costa dele, aí ele começa a cair. Se num tirar ele cai. Tem um que é diferente que é o açaí-casado que falam, ele fica metade preto, metade verde, tem esse tipo também que quando tá no cacho no início da safra, se a gente num prestar atenção, a gente diz que é açaí parau, mas não, ele fica só daquele jeito, é uma mistura. (Isaias Ferreira da Silva, Pesquisa de Campo, 2017).

Vale lembrar que o acúmulo de antocianinas no fruto é que é responsável

pela cor avermelhada do fruto, e no açaí branco, possuem, porém são outras

substâncias de antocianinas, dando a cor ao açaí. A distinção é fácil para o produtor

que já possui este domínio em reconhecer o tipo, a forma, a cor e a aparência do

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cacho do açaí, até a ordenação das árvores do açaizal, e também as novas que vão

surgindo no decorrer dos anos, são saberes construídos na dinâmica da “apanha” do

açaí. Além disso, há também a identificação entre os açaizeiros e as estruturas dos

cachos, conforme narrativa,

Tem muita diferença de uma árvore pra outra porque tem árvore que dá cacho graúdo e tem umas que dá pequeno, aí tem umas que dá o cacho bem pertinho um do outro, eu já analisei isso. Tem uma que dá bem bastante longe um cacho do outro, é um açaizeiro bem preto ele, a copa dele é meia preta assim no escuro, e já um bem copa amarela, ele dá bem no toco um do outro cacho. Dá coladinho assim, aí esse tipo de açaizal ele dura muito pra chegar alto. E esse que eu tô falando, esse açaizeiro preto, ele dá um cacho aqui, dá outro quase com um metro, oitenta centímetro longo do outro, aí é rápido que ele num presta mais é o açaizal do mato. (Isaias Ferreira da Silva, Pesquisa de Campo, 2017)

Na composição e estrutura dos cachos por açaizeiro, a produção difere entre

as safras porque pelo fato de serem nativas e não de controle do homem para

produzir o fruto, depende unicamente das estações, é algo inerente ao ser humano.

Nessa perspectiva, o produtor de açaí, cuida desse território na tentativa de garantir

a produção.

Com toda essa experiência do cotidiano, Freire (2015, p. 23-24) exemplifica

os saberes do ato de cozinhar,

O ato de cozinhar, por exemplo, supõe alguns saberes concernentes ao uso do fogão, como acendê-lo como equilibrar para mais, para menos, a chama, como lidar com certos riscos mesmo remotos de incêndio, como harmonizar os diferentes temperos numa síntese gostosa e atraente. A prática de cozinhar vai preparando o novato, ratificando alguns daqueles saberes, retificando outros, e vai possibilitando que ele vire cozinheiro.

O autor emprega o ato de cozinhar para mostrar como o saber ocorre dentro

de um processo, por etapas. No contexto ribeirinho amazônico no qual se insere

esta pesquisa, são inúmeros os afazeres do cotidiano que requerem preparação e

saber/fazer, como: as práticas de plantar, colher, pescar, fazer farinha, identificar o

fruto ou “debulhar” o açaí, fazer matapi, tecer tarrafa, cujos processos não se

configuram apenas no saber, mas saber/ fazer, dominar, manipular, confeccionar e

ainda proteger-se dos riscos. Todas as atividades expostas ocorrem no cotidiano de

grupos sociais locais.

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É significativo o conceito de cotidiano nas práticas e experiências de trabalho

e na convivência social. Para isso fundamenta-se na concepção de Heller (2000,

p.17), ao considerar que,

a vida cotidiana é a vida de todo homem. Todos a vivem, sem nenhuma exceção, qualquer que seja seu posto na divisão do trabalho intelectual e físico. Ninguém consegue identificar-se com sua atividade humano-genérica a ponto de poder desligar-se inteiramente da cotidianidade.

É na vida cotidiana que o ser humano produz e reproduz a vida social quando

estabelece a relação com a natureza e com a comunidade. Neste sentido, o

cotidiano não assume sentido negativo, de repetitividade, de mesmices, mas no

sentido de reiteração e renovação em suas práticas.

3.3.4 O saber subir no açaizeiro

Além dos saberes mencionados é imprescindível o saber subir no açaizeiro.

Trata-se de uma prática que requer habilidade pois é a única forma de acesso ao

cacho que encontra-se no topo da palmeira. Ainda na subida o produtor, ao subir,

precisa portar na cintura um utensílio cortante para a retirada do cacho do açaí.

Assim, a prática de subir no açaizeiro exige que o apanhador saiba ter domínio do

corpo, que é controlar o equilíbrio e o esforço físico ao mesmo, visto que é uma

atividade que demanda força.

É comum ainda o produtor subir em uma e dominar várias touceiras, ele faz

isso passando de uma palmeira para outra, ele sobe em uma palmeira e quando

menos se espera ele desce de outra, às vezes isso acontece também porque a

árvore apresenta risco em quebrar com o produtor, ele de imediato passa para outra.

Outra prática é “apanhar” vários cachos de açaí, de uma única vez, como explica o

produtor, “o cara que tá acostumado, ele pula aqui, pá,pá,pá, pá ele vai lá em cima,

se for numa touceira, ele traz quatro, cinco cachos só numa porrada”. (Vicente de

Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

Dessa forma, subir no açaizeiro é uma atividade que exige um grande

esforço e precisa estar bem de saúde e ter um corpo saudável para realizá-la, pois

nesta subida dependendo da quantidade de açaí que vai ser apanhado, a prática de

subir e descer do açaizeiro se repetem várias vezes, como declara o produtor,

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Se eu tiver de colher dez rasas pra cooperativa, eu tenho que contar no mínimo com quarenta cacho, de quarenta a quarenta e cinco, às vezes chega até cinqüenta. Aí nesse caso, eu tô completando as dez rasas, porque dez rasas, são dez vezes quatro cacho, que dá quarenta. Se for graúdo diminui, se for médio, aumenta. (Isaias Ferreira da Silva, Pesquisa de Campo, 2017).

Assim, cada rasa equivale a mais ou menos uns 4 cachos de açaí, portanto

no mínimo de 35 a 40 subidas na touceira. A figura (40) abaixo mostra a subida de

um produtor ao acesso do fruto, porém essa prática deve ser evitada quando a

árvore está molhada porque fica lisa e escorregadia.

Figura 40- O subir na touceira do açaí

Fonte: Canto (2001), Feitosa (2016)

Conforme pode-se perceber trata-se de uma prática que exige uma

habilidade muito grande no ato de subir, porque não pode ser realizada de qualquer

maneira, mas de uma forma muito peculiar, capaz de “envolve[r] os dois pés na

peconha, abraça a palmeira com as mãos e trança os dedos e executa a escalada

com movimentos repetidos de flexão e extensão das pernas” (CANTO, 2001).

Por realizarem diariamente essa prática, faz com que os apanhadores

tenham a agilidade em subir, passar para outras árvores e “apanhar” vários cachos

de uma única vez. Porém ao fazer isto, requer experiência ao subir e força nos

braços para conseguir segurar os cachos de açaí e apoiar-se na touceira. É uma

atividade que requer muito esforço físico e às vezes comprometendo a saúde.

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Neste sentido, a “apanha” do açaí é um trabalho árduo, braçal que envolve

um conjunto de saberes, porém realizam como necessidade e trabalho do cotidiano.

Desta forma, Heller (2000, p. 17) explica que,

A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela, colocam-se em funcionamento todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, idéias, ideologias.

A cada dia, o homem revela-se em seus fazeres/ saberes, carrega toda a sua

individualidade e personalidade. É nessas atividades diárias, que estão incorporadas

todas as suas capacidades de sobrevivências e principalmente suas habilidades

manipulativas e sentimentos sejam elas por meio do trabalho na pesca, na roça, no

açaizal e nas relações com a família, amigos e na comunidade em geral.

Em todas as etapas da “apanha” no cotidiano que requer domínios e

habilidades manipulativas, após o acesso aos cachos de açaí, faz-se a debulha.

3.3.5 O saber debulhar o açaí

Posteriormente a retirada dos cachos é a vez do saber debulhar o açaí, ou

seja, retirar os caroços do cacho do açaí que é feita da seguinte maneira, uma mão

detém o cacho e com a outra passa-se sobre os caroços depositando-os na rasa ou

na basqueta do açaí como representada pelo produtor na figura (41).

Figura 41- O produtor debulhando o açaí

Fonte: Feitosa, 2016

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Após isso, recolhe-se os caroços que caíram fora da rasa, por isso o auxílio

do encerado, e faz-se a limpeza do açaí, esta limpeza consiste na retirada de sujos

como: restos de talas, folhas e caroços estragados.

A debulha do açaí é feita pelo próprio produtor ou quando pretende “apanhar”

o açaí em quantidade maior, sempre convida uma outra pessoa para acompanhá-lo

somente para esta função de debulhar, facilitando e reduzindo o tempo do trabalho

do produtor de açaí. Como denota Heller (2000, p.18), que a vida cotidiana

transcorre de forma heterogênea nas mais diversas expressões de nossos afazeres

como na representação “da organização do trabalho e da vida privada, os lazeres e

o descanso, a atividade social sistematizada, o intercâmbio e a purificação.”

As relações cotidianas, não são compostas de uma única unidade, mas de

atividades heterogêneas, isso ocorre pelo fato do homem, dar significado diferente

para as suas ações. Assim, também realiza-as de maneiras diferenciadas, práticas

que podem parecer mais fácil ou com nível elevado de dificuldade, embora uns a

desenvolvam melhor, outros não. Tudo isso, porque o dia a dia é dinâmico, e pode

ser interpretado sob novos olhares, e significados, nas diversas atividades que

realizam no dia a dia, no trabalho, no lazer e na vida social. Assim, o “domínio do

mundo no qual se vive, comunicar-se com outros seres e partilhar o mundo com

eles, viver certas experiências e, assim, tornar-se maior, mais seguro de si, mais

independente” (CHARLOT, 2000, p.60).

Assim, o processo que corresponde a “apanha” do açaí está permeada de

infinitos saberes, que são adquiridos a partir dessa interação que o ser humano

interage principalmente pelo corpo.

3.3.6 O saber proteger o corpo

Na “apanha” do açaí o produtor detém o saber da proteção do corpo, é um

processo repleto de riscos, em que cada produtor de açaí concebe a sua proteção,

no sentido de desviar-se dos riscos. Quando entram no açaizal vão desviando dos

riscos como, por exemplo, atolar-se na lama, cair em buraco, ferir-se nos espinhos e

folhas cortantes, furar-se em galhos e possivelmente ferradas de insetos

peçonhentos. E o mais preocupante, o cuidado se a touceira do açaí suporta o peso

do produtor e nessa prática buscam proteger-se,

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O risco ele corre desde o momento que você sai da casa pro trabalho você corre o risco de ser picado por uma cobra, ser mordido por uma jararaca por um escorpião, né? E acidente de gorpe, uma queda de arvre pode quebrar, né? como já aconteceu vários acidentes. (Miguel Baratinha de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

Devido aos incontáveis riscos na “apanha” do açaí, os produtores buscam

minimizá-los com o saber da proteção do corpo. Ao subir levam objeto cortante na

cintura para a retirada do cacho do açaí, é preciso estratégias para cortar, segurar o

cacho, e ter o cuidado com a faca, pois geralmente após o corte do cacho do açaí, é

comum arremessarem a faca, e o perigo ocorre quando tem outras pessoas a

espera. Desse modo, são vários os cuidados com o próprio corpo e de quem está

em baixo esperando, conforme relato, “ter cuidado com a faca né? Os meus filhos,

quase nem uso faca, né? Eles quebra a “muque”. (Vicente de Paula Firmino de

Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

A extração do cacho do açaí pode suceder-se, pelo modo tradicional

operando com a faca ou “apanhar a “muque”, isto é, retirar o cacho somente com as

forças das mãos, arrancando-o da touceira. Parece ser uma feição simples, mas é

efetivado com muita força e prática. Em vista de todo esse conhecimento sobre a

“apanha” do açaí e sobre o açaizal, é comum os ribeirinhos se sentirem integrante

do meio e com isso, constroem “percepções, leituras e interpretações do ambiente

que nos cerca” (CARVALHO, 2009, p.155). De acordo com sua vivência e modo de

vida, na comunidade rural-ribeirinha, a terra, a água, o sol, a lua, o rio, floresta,

assumem diferentes sentidos, eles não apenas contemplam, mas também

sobrevivem, criam, recriam a cada instante, novos significados. Assim, guiam-se

pela natureza, estações da lua, movimento das marés, e potencial do solo. É desta

forma que o meio ambiente está imbricado “nas suas referências ao rio, à mata, as

plantações, aos insetos nocivos à plantação, aos animais peçonhentos, à qualidade

do solo e a outras formas imaginárias” (SILVA, 2007, p.55). E assim vivem de forma

peculiar, dependendo do rio e da floresta para a sua sobrevivência.

Nesta perspectiva, com o meio ambiente que o ser humano “põe em

movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim

de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana

(MARX, 1890, p.202).

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Com todo esses saberes que o produtor detém na manipulação do açaí e do

açaizal resultante em uma apropriação do fruto e assim, imbricados como marca

cultural.

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4 O PROCESSO ORGANIZATIVO NA DISTRIBUIÇÃO DO AÇAÍ NA

COMUNIDADE SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

“Quem vai ao Pará, parou!

Tomou açaí, ficou..”

(cantor: Pinduca)

Nesta seção, explano sobre a distribuição do açaí por meio da Cooperativa

“Sementes do Marajó”. E dessa maneira, busco evidenciar o cooperativismo

enquanto movimento social no município de Curralinho –PA, e os saberes que

acontecem nas práticas comerciais entre cooperativa e produtores de açaí.

4.1 A distribuição da produção do açaí antes da criação da Cooperativa

“Sementes do Marajó”

No rio Canaticu devido a sua extensão e agregação de aproximadamente 26

comunidades, a “apanha” do açaí é a principal atividade econômica das

comunidades locais. Como já foi mencionado que a produção do açaí corresponde a

duas estações distintas que são:safra e entressafra. A safra do açaí é o período de

produção do fruto e entressafra não há produção. Desse modo, quero enfatizar a

safra do açaí.

Em virtude de ser à principal atividade econômica na safra do açaí considera-

se um período de fartura, devido a demanda elevada na “apanha” do açaí, a

população local convivia com à problemática na venda do fruto, sem estrutura

adequada para escoarem a produção, que precisava de embarcação, do

combustível e mão de obra, por este motivo a venda resultava em uma

comercialização apenas local.

Neste cenário, os produtores de açaí tinham como principais compradores, os

intermediários, chamados pela comunidade local por atravessadores, isto é, são

negociantes que agem na venda entre o produtor e o consumidor, a maioria vindos

de Belém capital do Estado do Pará e do município de Cametá-Pa e de Macapá

capital do Estado de Amapá.

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Essas pessoas vinham em busca do “ouro preto”, o açaí, e mantinham laços

de amizades, ficando conhecidos na comunidade, facilitando a prática da

comercialização. Nessas viagens a comunidade, seu destino eram as rotas no rio,

que faziam de casa em casa negociando o fruto ou ainda às vezes tinham um

representante que arrecadava a produção e o pagamento era à vista. Contudo,

nessa negociação, a desvantagem existia porque os atravessadores pagavam

sempre com valor abaixo de mercado, desvalorizando o trabalho do produtor de açaí

e lucrando com mão de obra barata, e os produtores na necessidade da venda do

produto submetiam-se a essa situação.

Devido a isso, Rodrigues (2012, p. 28) explica que o “sistema era opressor

que os colocava como eternos vassalos”, pois os atravessadores como principais

compradores de açaí, eram representados pelo capital, pela força e poder que

representavam no rio Canaticu, configurando-se como uma rede de relações

efetivamente de dominação. Dessa forma, a composição ocorria: de um lado o

capital e de outro os produtores explorados pelo sistema capitalista.

Nesse universo de exploração dos produtores de açaí, todo período de safra

a comunidade sofria a mesma dificuldade, até o momento em que um grupo

articulado chegou à conclusão que deveriam reverter essa situação, e a reflexão

sobre a sua realidade, levou-os a intervirem, isso implicou em que “os produtores de

açaí se organizassem em torno da construção de outra rede de relações, fundada no

companheirismo e na articulação política entre eles” (RODRIGUES, 2012, p. 30).

Com essa iniciativa organizacional, almejavam uma organização (cooperativa) que

arrecadasse a produção do açaí, e pagasse com valor justo, ou seja, valorização no

trabalho do produtor de açaí. Dessa maneira, com a criação da cooperativa as

alternativas encontradas refletiam uma “perspectiva de esses atores sociais se

incluírem no processo de desenvolvimento regional, permanecendo na atividade,

mas com melhores condições de vida” (KIYOTA; GOMES, 1999). E com essa

intervenção, surgiu a coopertaiva na tentativa de oportunizar melhores condições de

vidas para a comunidade local.

4.2 Associação dos Produtores de Açaí na Cooperativa “Sementes do Marajó”

A Cooperativa de Ribeirinhos Extrativistas Agroindustrial do Marajó, conhecida

pelo nome fantasia de “Sementes do Marajó” instituída no dia 21 de Novembro de

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2014 por 35 membros fundadores e atualmente é composta por 61 membros sócios.

É uma sociedade de natureza civil e sem fins lucrativos.

A origem da Cooperativa Sementes do Marajó (Linha do tempo em apêndice)

tem culminância das experiências na implementação das Comunidades Eclesiais de

Base- CEBs16 pela igreja Católica disseminando o trabalho por meio da

união/coletividade, conforme a narrativa de um dos fundadores da cooperativa,

A gente veio desde a fundação das CEBS de1970 pra cá, a gente se

entrosou logo nas comunidades, a primeira comunidade foi fundada aqui

por Dom Ângelo aqui no Aramaquiri, a comunidade Bom Jesus. A gente

vem desde o começo e tivemos muito estudo com Dom Ângelo, junto com

os fundadores, né? Seu Orlando Feitosa, Raimundo Lima, e muitos outros

colegas que já se foram, né? E a gente esta até hoje dentro desse

movimento, a gente fez muito curso de catequese, e por isso que nós se

entrosamos dentro da comunidade e desempenhando alguns trabalhos,

funções, né? em 2006 foi fundada aqui a Santa Catarina, e daí muitas

outras, foi 23 daqui do Canaticu. Várias associações e fundamos a Central.

Aí já foi uma repercussão melhor, né? Quando foi em 2014, nós fundamos a

cooperativa. A cooperativa já pode extrair nota fiscal, é um movimento mais

evoluído, né?.(Raimundo Correa de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2017).

É nesse contexto da fundação das CEBs que caracteriza-se não somente uma

prática de evangelização, mas um movimento social. Foram nessa socialização com

os padres e religiosos os princípios de experiências em comunidade, e os trabalhos

de cooperativos. A expressão cooperação vem do Latim COOPERARI, que significa

“trabalhar junto”, é formado por CO-, “junto”, mais OPERARI, de opera, “esforço,

trabalho” , entende-se um trabalho coletivo, esta palavra em si já é educativa.

16Muito embora a ditadura militar tenha controlado e restringido a liberdade de expressão e de

associação de indivíduos e de grupos políticos e sociais que criticassem o regime político autoritário, havia algum espaço de mobilização e de debate na base da sociedade brasileira. Esse espaço foi estrategicamente foi identificado e utilizado por milhares de organizações- formais e informais-, militantes, religiosos, intelectuais e movimentos sociais inspirados, principalmente, por referenciais teóricos e morais, como a Teologia da Libertação e o movimento pedagógico criado pelo brasileiro Paulo Freire, chamado Educação Popular. A atuação era baseada em processos educativos junto a grupos populares com a finalidade de gerar emancipação e consciência cidadã. Educar a população para a transformação social era o objetivo [...] muito embora as experiências participativas como os segmentos populares fossem realizadas por uma pluralidade de sujeitos políticos (Ongs, movimentos sociais, sindicatos, etc.), foram os setores progressistas da Igreja Católica, por meio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)- grupos ligados às milhares de paróquias católicas espalhadas por todo o país- quem conferiram a esse movimento unidade e força política. Durante as décadas de 1970 e de 1980, as CEBs constituíram uma tentativa de criar vínculos bem como fortalecer a autonomia e a organização de grupos e setores populares. As CEBs tornaram-se conhecidas por sua abordagem pedagógica que enfatizava a participação, a comunidade e ideais igualitários. In: CICONELLO, Alexandre. A participação social como processo de consolidação da democracia no Brasil. OxfamInternational, Junho de 2008.

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É inegável que a apartir da implantação das CEBs em Curralinho, constituiu-se

mudanças significativas no cenário local, e como conseqüência de todo esse

trabalho religioso, mais tarde surgiu o movimento social em Curralinho, com

implantação de inúmeras associações, como declara a narrativa,

O movimento social no município de Curralinho ele começou quando entrou

as CEBs, né? foi as comunidades. Depois da cooperativa no Aramaquiri, aí

já foi despertando nas pessoas o que era o movimento social. A partir de

1999 a gente, passou a se ligar no movimento, acompanhar e participar de

reuniãos. Em 2006 a gente fundamos a associação do rio Pagão, foi criada

aqui pra gente fazer os projetos, que a gente sozinha, a gente sempre dizia

que a pessoa só num conseguiria nada, né? A num ser um grupo pra

reivindicar os direito social. E daí foi a luta, a gente foi lutando. Aí veio os

assentamentos que precisava das associações pra participar de projetos do

governo, e foi criada varias associações. E a gente pensamos em criar uma

Central de Associações, que pudesse reunir varias associações e assim

representar por todas e aí foi que a gente criou a Central de Associaçãos.

No qual a associação que eu era presidente foi a proponente como

associação mãe de 23 associações. A gente fez um trabalho muito bom, a

gente conseguimos vários projetos. Daí se pensou em formar uma

cooperativa, pra gente ter mais força jurídica. (Miguel Baratinha de Moraes,

Pesquisa de Campo, 2017).

As pessoas mais influentes do movimento social, no rio Canaticu, possuem

uma trajetória histórica e de efetiva participação nas CEBs durante o final da década

de 1970 e início de 1980. E “esse acúmulo de conhecimento resultou em lideranças

locais e de nível municipal, assim como uma presente atuação no sindicato rural e

na associação comunitária local da comunidade” (CARVALHO, 2013, p.54).

O trabalho disseminado pela igreja Católica foi decisivo para a implementação

do Sindicato dos Produtores Rurais e a Colônia de Pescadores. As “sementes” que

ficaram, isto é, algumas pessoas que tiveram contato e aprendizado com os

religiosos, deram prosseguimentos, porém mesmo com dificuldades e na resistência

não desistiram de lutar.

E para fortalecer o movimento social no rio canaticu, um grupo de pessoas

articularam a mobilização em busca de melhores condições de vida e após muitas

reuniões e agregações das comunidades, organizaram-se em associações, pois os

sócios são de várias comunidades, criaram diversas associações em seus rios onde

moravam e a partir dessa experiência, resolveram unir forças e criaram uma central

única, e após estarem organizados socialmente foram beneficiados por inúmeros

projetos e cursos/capacitações e para terem representatividade maior reuniram 23

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associações e criaram a Central de Associações, e mesmo assim permaneceu a

dificuldade na venda por falta de expedição de notas, e foi preciso a criação da

Cooperativa “Sementes do Marajó” para sistematizar a venda na produção do açaí.

Arroyo; Fernandes (1999, p.12) explicam que “o movimento social avança, o

homem, a mulher, a criança ou jovem, no campo estão se constituindo como novos

sujeitos sociais e culturais”. Em meio aos saberes e experiências dos produtores de

açaí na apropriação e distribuição do açaí, pode-se avaliar o antes e o depois da

criação da cooperativa na comunidade. A criação da cooperativa foi substancial e

surgiu como alternativa das práticas comerciais que tanto prejudicava os produtores.

Vale ressaltar que a cooperativa também não surgiu de forma imediata, como dizem

“do nada”, os fundadores possuem um histórico de experiências dentro do

movimento social curralinhense. Quero destacar a importância do cooperativismo

enquanto instituição que está atrelada ao movimento social, que como a Cooperativa

de Rochdale na Inglaterra assim também a Cooperativa “Sementes do Marajó”

buscaram por meio da cooperação, melhores condições de vida, essa é a finalidade

do bem comum aos membros sócios.

Enquanto movimento de cooperação, é importante uma reflexão desse

significado no mundo moderno, às vezes torna-se uma relação distante, pois o

capitalismo induz o ser humano ao consumismo, individualismo e ao mundo de

concorrência. Contudo, pensar em si e querer partilhar com o outro é uma forma de

sobrevivência ideal, é nesse movimento social que me acentuo, de querer

compreender as relações do movimento social (cooperativismo) na vida de cada

produtor de açaí. Para isso, é imprescindível entender o percurso histórico do

cooperativismo no município de Curralinho.

4.2.1 A origem do cooperativismo no município de Curralinho

As primeiras “cooperativas” no município de Curralinho surgiram na década de

70. Esta afirmação baseia-se na análise dos relatos diários que constam no Livro de

Tombo da igreja católica de Curralinho escritos pelo Pe. Roberto Nelem que ocupou

o cargo de vigário do local nos períodos de 27 de Outubro de 1974 a 24 de julho de

1982. Nesse intervalo de tempo, das décadas de 70 e 80, o padre registrou as

atividades que exercia na igreja, assim como o modo de vida local e as suas

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intervenções sociais, mesmo porque já haviam instituído grande parte das CEBs

neste município e em virtude disso, o padre fazia acompanhamentos com freqüência

às localidades, na tentativa de fortalecê-las.

Dessa maneira, em uma de suas visitas à comunidade no rio Jatibuca em 21

de dezembro, o padre declara,

Celebramos uma missa numa casa perto da serraria. Esta comunidade se mostra muito animada e atualizada. A serraria foi colocada com dinheiro da prelazia e o pessoal, uma cooperativa está pagando o débito aos poucos [..] (Livro de Tombo, 1974, p.04).

Entende-se que o vigário ao chegar neste município, veio com a missão de

continuar os trabalhos existentes, como, por exemplo, a construção da serraria na

comunidade Jatibuca, como forma de organização social, supostamente uma

“cooperativa” que resultou dessa união no trabalho, servindo de meio para quitar as

dívidas dessa serraria com a igreja católica.

O Padre Nelem estimulava a cooperação das comunidades por meio do

trabalho, principalmente na agricultura como meio de sobrevivência local. Os relatos

demonstram o incentivo do padre a formação de “cooperativas”, porém ele relatou

as diversas dificuldades em cria-las e mantê-las.. E no dia 18 de abril, em uma de

suas viagens a comunidade do rio Mutuacá, o padre relata,

Fomos de barco visitar o terreno da prelazia num lugar chamado “Livramento”. Lá mora uma família que toma conta do terreno e uma plantação variada. Tentativa para começar uma cooperativa agrícola não deram certas, então esta família trabalha sozinha [...] (Livro de Tombo, 1975, p. 12).

Nota-se uma permanência sólida da igreja (Prelazia) nas comunidades e

inventivando o espírito de cooperação entre eles. Além de uma serraria no rio

Jatibuca, e criação de cooperativas, a igreja católica também estava dando subsídio

à construção de uma Olaria na comunidade Santa Rosa, como o padre relatou no

dia 09 de Fevereiro,

Hoje entreguei CR$ 10.000 a uma cooperativa na comunidade de Santa

Rosa a fim deles começar a construção de uma olaria. O dinheiro foi doado

por ADVENIAT no total de DM 10.000 (Livro de Tombo, 1978, p. 49).

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Com a ajuda das doações a esta (Prelazia), oriundas da “Adveniat” que é uma

organização religiosa da Alemanha que luta contra a pobreza na América Latina, foi

possível fazer vários investimentos em obras que destinavam as comunidades,

como já mencionadas. Ainda houve um investimento para a construção de um barco

para a Paróquia, além das serrarias e olaria. Nesse período, era comum o recurso

oriundo da Europa, uma vez que o padre era estrangeiro, por carência de padres

(formados) nessa região, em virtude dessa demanda de padres do exterior, eles

recebiam muitas doações vindas de sua terra, como descreveu no livro as inúmeras

ações como: a distribuição do leite da Suíça e das roupas às famílias mais carentes.

E com este trabalho social, declara a presença de mais “cooperativa” nas

comunidades, como registrou no dia 12 de julho no rio Piriá,

Irmão Luís está aqui para participar numa audiência sobre um boi vendido à

cooperativa de Piriá a um preço injusto. À tarde Pe. Alessio e eu viajamos

para a parte oeste da paróquia a fim dele conhecer as comunidades. (Livro

de Tombo, 1982, p. 125).

Percebe-se a formação de uma “cooperativa” no rio Piriá, de acordo com os

registros no livro feito pelo padre Roberto Nelem, foram fundadas três (03)

“cooperativas”. No entanto, conversas informais revelam a existências de outras

“cooperativas”, mas sem registro documental. Nas diversas ações sociais que o

padre desenvolveu no município de Curralinho, presume-se que ele pertencia à

corrente teológica cristã, fundamentada na filosofia da Teoria da Libertação, que

tinha por finalidade libertar o povo de injustiça social, econômica e política. Desse

modo, a igreja católica pretendia criar e fortalecer a organização social, a união por

meio de comunidades e “cooperativas”. Assim, pelo mapeamento das cooperativas

nas principais bacias hidrográficas como Canaticu, Mutuacá e Piriá afluentes do rio

Pará, pressupõe que foi uma estratégia do padre à disseminação e mobilização

social por meio das localidades abrangendo o município todo.

Em meio a essa organização social realizada pelo padre, empreguei a

expressão cooperativa entre aspas, pois não tenho comprovação se, de fato, eram

cooperativas. Conjectura-se duas possibilidades, que eram cooperativas e na época

não exigia-se tanto na parte documental ou a cooperativa descrita pelo padre, na

verdade, foram grupos de trabalhos, incorporando a cooperação como modo de

vida. Sabe-se que atualmente, para a composição de uma cooperativa existe uma

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burocracia de documentações, conforme dispõe a Lei nº 5.764/71 da Política

Nacional do Cooperativismo e naquela época era muito obsoleta para tal

regularização, sem citar as inúmeras dificuldades de organização social, como

descreveu o padre sobre o perfil de uma das comunidades,

Esta é a primeira visita pastoral nesta comunidade pequena dentro do rio

Croari. Só se chega aqui de casco, o igarapé serrado e muito pequeno. Tem

oito famílias, todos bastantes afastados da fé e quase todo mundo

analfabeto.

Mesmo com empecilho o padre mostrava-se incansável nessas ações sociais

nas comunidades curralinhenses, pois sua evangelização centrava-se na fé e nas

possíveis soluções no combate aos problemas sociais locais. E nessa ações tinha

por finalidade, as mudanças de vida por meio da cooperação. Entendemos a

expressão cooperativa como a união de pessoas, que pela sua própria iniciativa

buscam associar-se “sendo livre o ingresso de pessoas, desde que os interesses

individuais em produzir, comercializar ou prestar um serviço que não sejam

conflitantes com os objetivos gerais da cooperativa”. CRÚZIO (2000). Além disso, ter

conhecimento sobre os princípios do cooperativismo que são enumerados em sete

regras, sendo o 1º a adesão livre e voluntária, o 2º gestão democrática, 3º

participação econômica dos membros, 4º autonomia e independência, 5º educação

formação e informação, 6º cooperação entre cooperativas e o 7º preocupação com a

comunidade. Todos esses princípios são à base de fortalecimento da cooperativa.

Vale ressaltar, que esses princípios foram reformulados dos criados pelos Rochdale,

isto é, os primeiros operários a criarem uma cooperativa.

Para a constituição de uma cooperativa é necessário a reunião de no mínimo

20 pessoas, inicia-se com a mobilização do grupo e reuniões, em seguida a criação

e aprovação do Estatuto Social em assembleia, a composição e eleição dos cargos

em assembléia e por fim a legalização (junto aos órgãos competentes cartório e

Receita Federal). A criação de uma cooperativa é fundamental para uma

comunidade que busca se organizar pelo trabalho autônomo. Segundo Crúzio

(2000) a diferença de uma cooperativa e empresas privadas, são os fins da

organização, em outras empresas quanto mais investimento, maior será a influência

e poder nela e na cooperativa as deliberações procedem unicamente em assembleia

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geral, onde todos têm o mesmo poder de decisão, pois cada sócio tem direito a um

voto.

Assim, sobre as cooperativas é preciso compreender que existem vários tipos,

Crúzio (2000) classifica-as em: cooperativa de serviços comunitários são ligados a

uma empresa cujo objetivo é prestar serviços de limpeza, transporte etc;

cooperativas de consumo são formadas por pessoas físicas, objetiva a compra e

venda de bens de consumo duráveis ou de primeira necessidade; cooperativas de

trabalho são formadas por profissionais como: faxineiros, seguranças etc, assim,

intermediando os trabalhos dos associados por contratos temporários; cooperativas

agropecuárias e agroindustriais são formadas por produtores que atuam no campo,

objetivam a comercialização dos seus produtos diretamente ao mercado

consumidor; cooperativas de mineração são formadas por mineradores que

objetivam compartilhar materiais e equipamentos de mineração ou a prestação de

serviços de mineração; cooperativas habitacionais são formadas por pessoas físicas

que objetivam a construção de residências para uso próprio, assim também, como a

compra de terrenos e materiais de construção, cooperativas de produção são

formadas por indústrias ou empresas, objetivando unir fabricantes de bens como:

eletrodomésticos, móveis, etc; cooperativas educacionais são formadas por pais de

alunos objetivando a oferta de serviço educacional básico a seus filhos,

cooperativas de crédito são formados por poupadores ou tomadores de recursos

financeiros objetivando a obtenção de crédito para seus associados e finalmente as

cooperativas especiais (sociais) são formadas por pessoas que precisam ser

tuteladas, como crianças que estão cursando em escolas de primeiro grau.

Dentre todos esses tipos, menciono uma cooperativa agropecuária e

agroindustrial constituída por produtores de açaí que atuam no campo em uma

comunidade rural-ribeirinha que objetivam a comercialização do seu produto, o açaí,

diretamente ao mercado consumidor.

No levantamento histórico que realizei juntamente a Secretaria Municipal de

Meio Ambiente - SEMMA não se tem registrado um número significativo de

cooperativas nesse município. Constatei que no ano de 2000, instituiu-se a

Cooperativa Mista dos Pequenos Produtores Rurais dos Projetos de Execução

Descentralizados de Curralinho- conhecida pelo nome fantasia de “COOPED”

localizada no rio Aramaquiri- Canaticu tendo como presidente Manoel Geoval de

Matos. Esta cooperativa teve a duração de seis(6) anos e tinha como principal

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atividade: o cultivo do palmito em conserva. Esta cooperativa teve grandes

investimentos e parcerias do exterior que resultou na construção de uma fábrica em

alvenaria, com cozinha industrial e uma estrutura de qualidade. O rio Aramaquiri

ficou movimentado pela presença contínua de estrangeiros a visitá-los, devido aos

investimentos de projetos de valores elevados. E ainda assim, por meio de doações

exteriores construíram uma casa na cidade de Curralinho que atualmente funciona a

SEMMA, na verdade foi o benefício material que ficou desses investimentos. E

devido a diversos fatores e também os sócios membros não estarem preparados

para a gestão da mesma, restando a falência. Atualmente é uma cooperativa inativa.

Constatei ainda, no ano de 2008, a criação da Cooperativa dos Extratores e

Serradores de Madeira do município de Curralinho- COOPEMAC conhecida pelo

nome fantasia de “Cooperativa Madeireira” presidida por Antônio Costa localizada na

sede do município, tinha como principal atividade: serraria com desdobramento de

madeira, porém teve a duração de dois(2) anos, atualmente está inativa mesmo

porque a atividade de extração de madeira é proibida.

Outro registro, a Cooperativa dos Produtores Agroextrativista do Rio Pagão

conhecida pelo nome fantasia de “COPA”, localizada na comunidade Boa Esperança

no Canaticu- rio Pagão, presidida por Nicodemos Souza Ferreira, fundada em

16/12/2014 tendo como principal atividade: o cultivo do açaí, esta cooperativa

encontra-se ativa, porém com comercialização apenas local. E por fim, a

Cooperativa “Sementes do Marajó” fundada em 2014, na qual eu comprovo a sua

importância que oportunizou mudanças no processo de “apanha“ e distribuição do

açaí. Essas duas últimas, encontram-se ativas e em plena atividade de

comercialização.

4.2.2 Os saberes que decorrem da criação da Cooperativa.

A partir da criação e atuação da cooperativa na comercialização do produto,

surgiram algumas exigências como forma de certificação da produção, logo criaram

outros procedimentos na manipulação do fruto que está relacionado com a

qualidade do produto desde a “apanha”. Desse modo, os sócios estabeleceram o

“Critério de Apanha”, que segundo o dicionário Aurélio entende-se por critério, aquilo

que serve de norma para julgamento; preceito que permite distinguir o erro da

verdade; tino, discernimento. No caso do açaí, esse critério resulta em exigências e

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normas do uso de alguns objetos que assegurem a proteção do açaí ao atender o

mercado consumidor.

Ao definir esse “Critério de Apanha”, a cooperativa imprimeuma mudança no

trabalho de “apanha” do açaí, por meio do qual busca incorporar um padrão de

qualidade na produção, como indica a narrativa a seguir:

Sou membro e produtor do açaí, a gente produz o açaí. Então a partir da cooperativa a gente comecemo a fazer treinamento até pra colheita do açaí. [...] o critério de apanha, pra apanhar açaí, nós precisamos ter encerado, basqueta, ter luva, porque tem um açaí preparado, não é qualquer açaí, não. (Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

O discurso é carregado de propriedade, ou seja, de comprometimento com os

critérios estabelecidos pelos sócios da cooperativa, em relação a qualidade dos

frutos. Mesmo que os produtores já fossem portadores de conhecimentos

relacionados à “apanha” do açaí, conforme foi a análise na seção 3 desta

dissertação, os narradores (produtores) indicam que precisaram passar por

processos de capacitação, visando melhor aperfeiçoamento no processo de trabalho

de apropriação do açaí, pois “um médico pode desconhecer qual a melhor época do

ano para o plantio de feijão, um lavrador certamente desconhece as causas de

certas anomalias celulares”. (LARAIA, 2009, p.86). E dependendo do ambiente ou

contextos culturais, ninguém é detentor de todo conhecimento, nem de dominar

tudo, daí a necessidade da formação.

O aprendizado se faz necessário em qualquer situação, mesmo porque o ser

humano não é um ser completo, mas um ser inacabado, como explicita Charlot

(2000, p.52),

Esse inacabamento do homem foi pensado pelos cientistas como prematuração: tudo ocorre, com efeito, como se o homem nascesse com seu desenvolvimento inconcluso e devesse ser acabado fora do útero. Também, nasce frágil, mas, igualmente, provido de uma grande plasticidade; não é definido por instintos: define-se ao longo de uma história.

Assim, levamos a vida numa perspectiva de que somos seres sempre

aprendentes. No caso das capacitações promovidas pela cooperativa, visam atender

às exigências no “Critério de Apanha” que busca dar mais qualidade ao produto.

Nesse critério houve uma preocupação maior com o trabalho de coleta, que

tradicional e ancestralmente já era desenvolvido pelos produtores de açaí. A

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capacitação é uma das formas que o ser humano, por não ser detentor de todo

conhecimento, se renova e incorpora novas aprendizagens. A vida cultural define-se

ao longo da história de cada ser humano, porque “o saber é construído em uma

história coletiva[...] e está submetido a processos coletivos de validação,

capitalização e transmissão”. (CHARLOT, 2000, p.63).

Um saber é importante quando torna-se constante e fundamental para o

indivíduo ou para a coletividade, caso contrário, perde a sua validade. Em síntese, o

saber ocorre de forma participativa e passa a ter validade e importância para aquele

contexto cultural. Assim, com base no “Critério de Apanha”, vários saberes foram

incorporados àqueles que já dinamizavam a prática de “apanha” do açaí.

4.2.2.1 O saber preservar a qualidade dos caroços do açaí

O saber preservar a qualidade dos caroços do açaí, configura-se como uma

aprendizagem que orienta as atividades que tratam de manter os caroços do açaí

conservados. No processo de “apanha”, após a prática de debulhar o açaí, os

caroços são depositados dentro da rasa ou basqueta, tradicionalmente era usada

exclusivamente a rasa, no entanto, de acordo com a percepção dos narradores, foi

constatado que o uso da basqueta protege melhor os caroços. Então, como os

membros da cooperativa objetivavam a qualidade do produto, isto é, dos caroços de

açaí, eles optaram pelo uso da basqueta, pois nas rasas, haviam perdas dos

caroços, que se espalhavam durante o percurso, o que, quase sempre, resultava

na diferença do peso da rasa. Outra alternativa utilizada para transportar o fruto,

eram as sacas (de açúcar, de farinha e de trigo), mas devido a movimentação e

deslocamento, os caroços eram danificados (ralados), comprometendo a qualidade

do produto final, nessa condição, o vinho.

Em vista disso, a basqueta foi considerada pelos produtores como sendo a

mais adequada para o armazenamento e transporte dos caroços. A basqueta é uma

caixa de plástico resistente, aberta na parte superior como observa-se na figura (42).

E segundo a avaliação dos produtores, dar mais praticidade e certificação na

qualidade ao transportar o açaí para Belém porque resulta na preservação dos

seus caroços.

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Figura 42- A basqueta do açaí

Fonte: Feitosa, 2016

Com esse novo utensílio utilizado como depósito do açaí, o uso da rasa não

foi eliminada pelo produtor, pois a rasa facilita o deslocar-se durante o percurso da

“apanha”, porque os produtores de açaí podem posicionar com facilidade a rasa no

ombro para carregar, e a basqueta, por ter peso elevado, não possibilita de ser

transportada. Em geral, a basqueta fica no casco ou rabeta até o momento em que o

produtor chega e deposita nela o produto coletado na rasa. Esta preservação da

qualidade do fruto é de responsabilidade e compromisso de cada produtor de açaí.

Em virtude das novas exigências, os produtores estavam se preocupando

mais, com a qualidade do que a quantidade do fruto para poderem ampliar o

mercado de vendas da cooperativa, buscando ainda outros objetos e utensílios para

a preservação e qualidade do fruto, como esclarece a narrativa,

Ainda tem um material também que tá sendo exigido, que eu quero usar nessa próxima apanha, quando for pra merenda, né? pra merenda escolar, que é o puçá, tão adotando dibulhar o açaí no puçá, porque o puçá não esfarela o açaí, na rasa ele esfarela um pouco, né? [aquilo que a gente usa pra pegar camarão], aí tu pega o puçá e tu dibulha o açaí nele porque fica melhor pra ti penerar pra ele ficar bem limpo e o puçá como ele é de fio né? Não rela o açaí, aí tu já tira de lá do puçá pra medir ou pesar, porque ele é pesado também, nosso açaí agora tem que ser tudo pesado, pra poder colocar na basqueta, pra fazer a entrega do açaí. Então, esse material também nós inda não tava adotando, né? Agora vamo passar a adotar. Não era usado, talvez seja algumas pessoas, que va usar, né? Mas eu quero usar esse material, eu ainda não to usando, mas eu quero usar. Pra aí pros pessoal do Mangal, aí do Pagão, já tão começando usar, me falaram que fica muito bonito porque o açaí, num fica, rala o açaí, e fica bem limpo, porque lá tem condição de varar tudinho o sujo, cisco, a boca, aí fica bem

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limpinho, eu tenho até um, que é só pra meter na roda pra fazer esse trabalho. (Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

Desse modo, os apanhadores de açaí começaram e pretendiam adotar

também o uso do puçá para garantir a qualidade na produção de açaí, o puçá, que

é uma peneira17 grande, que serve para a captura do camarão, seria incorporado

porque conforme a narrativa acima, representava o potencial de preservar mais os

caroços do açaí e facilitar a limpeza.

Constatei que os sócios buscaram formas para manter o padrão da sua

produção. Algumas alternativas, pareceram novidades e passaram a serem

adotadas, essas novas mudanças de utensílios estabeleceram a meta dos sócios,

que era a de garantir a qualidade do fruto, que assim como alimento, precisa de

proteção/cuidado na manipulação do fruto.

4.2.2.2 O saber fazer a higienização

Outra forma de manter a qualidade do açaí é saber fazer a higienização dos

frutos na “apanha”. Trata-se de uma prática que requer o uso do encerado18, como

proteção do fruto, conforme explica o produtor,

Eu já não vou poder arriar o açaí no chão, eu tenho que ter um encerado aqui pra que esse açaí fique higienizado, né? Até porque agora, a cooperativa, nós tamo vendendo pra merenda escolar [..],uma parte nós vende pra uma empresa em Belém [...] só que a saúde fiscaliza muito essa parte aí, porque é pras crianças, pra alimento de pessoa tem que ter um cuidado. (Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

A prática da higienização do açaí é uma exigência de órgãos competentes

como a vigilância sanitária, uma vez que o produto está inserido na alimentação

como uma prática cultural paraense, que disseminou no mercado nacional e

internacional. Em Curralinho foi incorporado na merenda escolar em forma de mingal

que também é um consumo alimentar cultural.

17 Instrumento circular de madeira com o fundo em trama de metal, seda ou crina, por onde passa a

farinha ou outras substâncias moídas. 18 Com a criação da cooperativa, houve a necessidade de incorporar novos utensílios no processo de

apanha, assim como o encerado ou lona, que é um material em plástico que fica estendido no chão para a não contaminação do açaí, porém o produtor está se adequando, pois é uma mudança no trabalho.

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Em virtude do que estabelece a lei, a merenda escolar deve ter qualidade, e

ainda mais, respeito a cultura local, que por tradição faz parte de seus hábitos

alimentares. Em relação a merenda escolar, o recurso é destinado, porém a

exigência é que o município ofereça a produção de qualidade, como destaca a Lei nº

11.947, de 16 de Junho de 2009 no artigo 14,

Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas. (JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, Brasília, 16 de junho de 2009).

A venda para a merenda escolar foi realizada por meio de parceria com

batedor de açaí, pois para o processamento do vinho, a cooperativa não tinha

estrutura física, porém nessa parceria da produção, preocuparam-se em fazer esse

trabalho em local com certificação da Vigilância Sanitária Municipal.

Quanto à higienização a cooperativa buscava sempre uma produção de

qualidade, isso foi notável no meu percurso, a distinção do açaí da cooperativa com

os demais, no entanto, toda essa mudança foi realizada por meio de capacitação e

cursos, como explica o produtor,

Nos tivemos estudo, oficina, com Grupo de Trabalho Amazônico -GTA. O GTA veio, fez todo aquele processo de coleta do açaí, como trabalhar com a coleta, e como higienizar o produto. Foi feito na teoria e descemos pra prática. (Miguel Baratinha de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

Essa reformulação no trabalho de cada produtor, ainda passava por

mudança, por meio da minha observação, alguns já utilizavam os encerados, como

descreve a narrativa,

Aí depois de tá dentro do paneirinho, é colocado em cima do encerado, quando o cara vim pegar, embarcar, ele recebe numa caixa separado só pra ele, pro açaí num fica dentro da casa da gente. (Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

Entende-se que a preocupação é intensa na prevenção e cuidado, pois o açaí

fica em local separado, arejado, por causa da higienização e ficando distantes dos

objetos e materiais da casa. Essas novas exigências não faziam parte do cotidiano

do produtor, são mudanças e readaptações oportunizadas pelas formações, dado

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que “o treinamento significa adquirir conhecimentos nas áreas de processamento, de

microbiologia de alimentos, de controle de qualidade e de higienização industrial,

entre outras”. (ANDRADE; SILVA; BRABES, 2003).

No momento da “debulha” do açaí também é utilizado o encerado por causa

da higiene, como indica o produtor,

Quando eu apanho lá em casa, constantemente, a minha mulher ela dibulha pra mim, É. a gente leva o encerado, aí são dois encerado que a gente usa, aí sendo um aqui pra colocar o açaí quando desço da arvre, e outro que ela coloca a cesta pra dibulhar. (Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

Esse saber da higienização e cuidado é muito importante, segundo Andrade;

Silva e Brabes (2003) “equipamentos e utensílios com higienização deficiente tem

sido responsáveis, isoladamente ou associados a outros fatores, por surtos de

doenças de origem alimentar ou por alterações de alimentos processados”. Neste

sentido, a higienização deve fazer parte da nossa vida cotidiana.

4.3 Os saberes matemáticos no cotidiano da distribuição do açaí

Entende-se que a distribuição do açaí envolve uma série de atividades que

inclui desde a classificação, práticas de comercialização do fruto com o produtor de

açaí até o mercado consumidor. Essas atividades demandam uma série de saberes,

que estão relacionados ao ato da venda do produto, do controle da produtividade, da

pesagem do açaí, seleção, transporte até a contabilização da produção com os

sócios da Cooperativa. Considero que o processo de distribuição do açaí incorpora

uma diversidade de saberes, que estão no universo da matemática, por isso a

necessidade de uma abordagem da Etnomatemática, no sentido de explicarem as

práticas sociais que estão inscritos os domínios matemáticos, enquanto

aprendizagens do cotidiano nos mais variados contextos culturais.

É possível situar essas aprendizagens no campo disciplinar da

Etnomatemática, por representar uma nova abordagem no ensino da matemática,

desde a década de 1970. O termo foi empregado por Ubiratan D’Ambrosio pela

primeira vez em 1986, em seu livro “Etnomathematic sand Its Place In the History Of

Mathematics”, por este fato, é considerado o “pai da Etnomatemática. Esse autor

explica o significado dessa abordagem como, “um estudo da evolução cultural da

humanidade no seu sentido amplo, a partir da dinâmica cultural que se nota nas

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manifestações matemáticas”. (D’Ambrósio, 2005, p. 102). Este pressuposto pode ser

inserido nas práticas de comercialização/distribuição do açaí na cooperativa.

O saber matemático, ou ainda, a cultura da matemática, faz parte da vida de

cada ser humano, a todo momento precisa-se somar, multiplicar, dividir, diminuir ou

calcular uma porcentagem e juros. Então, os números fazem parte das atividades

diárias, assim como nas representação de horas, minutos, anos, meses, dias, ou um

simples planejamento orçamentário. A vida é planejada de acordo com esses

saberes, que na maioria das vezes, são aprendidos nas relações sociais. A vida das

comunidades rurais-ribeirinhas se insere nessa cultura matemática, segundo Silva

(2013, p. 173) “os saberes locais vão se constituindo de acordo com as

necessidades cotidianas e relacionais”.

Na figura (43) é possível observar a venda pelos rios da comunidade, por

mulheres, que utilizando pequena embarcação, vão de casa em casa oferecendo a

tapioca19 a granel. Trata-se de um produto que faz parte da gastronomia e muito

apreciada pelos paraenses, cujo preço do quilo custou R$ 5,00 (Cinco Reais) .

Figura 43- As vendedoras de tapioca

Fonte: Feitosa, 2016

Na situação registrada, a vendedora usava para pesar, uma balança

artesanal, objeto produzido pelo pai de uma das mulheres. Trata-se de uma dessas

19 É a fécula extraída da mandioca, usualmente preparada em forma granulada. Trata-se do

ingrediente principal de algumas iguarias típicas do Brasil, como o beiju, quitute indígena descoberto em Pernambuco no século XVI. Este alimento tipicamente brasileiro está em destaque nos últimos anos por não conter glúten. Assim, a tapioca tem sido muito utilizada como substituta do clássico pãozinho. Encontrado em http://www.minhavida.com.br

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criações, que denominamos de “engenhoca”, pois existe todo um saber na

confecção, para que o peso seja exato, usando apenas fio, garrafa pet e apoio de

prato.

Por meio desse equipamento artesanal, foi possível a tapioca ser pesada.

Configurando-se como um dos,

fazeres cotidianos [que envolve] diferentes relações sociais ou relações de (com) vivências execidas em determinada comunidade dentro de um tempo histórico. Esse tempo histórico implica a realização de atividades rotineiras e diversificadas.(SILVA; SILVA, 2017, p.245).

Essa é uma das situações cotidianas em que a comunidade local utiliza os

saberes matemáticos nas suas “práticas comerciais”. É comum, portanto, que nas

suas atividades de apropriação e distribuição do açaí, os produtores aplicaram o

conhecimento que possuem, por exemplo, a quantidade de cachos para encher uma

rasa ou basqueta, o peso da rasa, a venda da rasa, as trocas de produtos por outros

equivalentes, o “sistema de meia”, isto é, divisão da “apanha” entre duas pessoas

em partes iguais, a medida do açaizal (hectares), o tempo do amadurecimento dos

frutos do açaí, o tempo na “apanha”, a venda do palmito, a altura do açaizeiro, o

peso dos cachos ou da rasa, as sobras da produção do açaí e as negociações com

diversos vendedores. O saber da etnomatemática entendida por D’Ambrósio é uma

“técnica ou arte de conhecer, explicar, entender, lidar e conviver, nos mais variados

contextos culturais e sociais”.(PEIXOTO FILHO; MARTINS, 2009). Esse saber está

presente no cotidiano das comumidades locais por meio do domínio da cultura da

matemática.

4.4 Os portos como espaços de distribuições do açaí pelos cooperados

O cotidiano do produtor desvela-se pelo rio, o rio é a rua, é lugar onde tudo

acontece. É comum as casas terem seu porto onde as pessoas encostam suas

embarcações e este serve para recebê-las e conduzi-las a residência, e também

onde a família se reúne para conversar e interagir, principalmente no final da tarde.

“essa simplicidade da vida em muito é percebida no ser humano que vive no

campo”. (SILVA, 2013, p. 174).

Para mais, o porto não é somente um local de chegada, de partida e de

sociabilidade, mas também de práticas comerciais, que estão associadas a ideia de

que “a comercialização é um saber construído a partir da vivências dos

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agricultores/produtores”. (SILVA; SILVA, 2017, p.248). Com o processo organizativo

da distribuição do açaí por meio da cooperativa, os seus sócios passaram a

trabalhar na criação de alternativas que facilitem esse processo junto aos mercados

consumidores, para que na venda ocorra a valorização da produção e

consequentemente do trabalho do produtor. Mesmo porque,

a necessidade de circulação e comercialização [do açaí] está colocada em face do reconhecimento de que esse produto, historicamente, é o meio pelo qual grupos sociais expressivos da Amazônia, geralmente camponeses, têm construído suas condições materiais e simbólicas de existência. (SILVA; SILVA. 2017, P. 241).

Frente a essa necessidade de circulação e distribuição do açaí, os

cooperados, em meio a uma série de procedimentos, criaram os Portos do Açaí sob

duas lógicas: a primeira, àquela que concebe os portos como espaços de relações

sociais e de vendas dos produtores ribeirinhos; e a segunda, como espaços de

praticidade/logística à cooperativa no escoamento da produção do açaí ao mercado

consumidor. A criação do porto foi uma estratégia da cooperativa para a

reorganização dos espaços produtivos no contexto da dinâmica da comercialização

da produção, entrelaçada por regras/normas.

Embora a expressão estratégia tenha um conceito amplo, neste trabalho, o

sentido é de estratégia para mudança, assim, Mintzbergetal (2007, p.29) explica que

a estratégia “é o padrão ou plano que integra as principais metas, políticas e

sequências de ação da organização em um todo coeso.” Foi com essa intenção de

mudança e de alcançar as metas, que os portos foram criados, por considerar que

“uma estratégia bem-formulada ajuda a organizar e alocar os recursos de uma

organização em uma postura única e viável”. (MINTZBERG et al, 2007, p.29).

Estrategicamente, o Porto do Açaí, espalhou-se em várias comunidades do

rio Canaticu, conforme revela a narrativa,

Aqui no Pagão é aqui em casa, na Sagrada Família é Agnaldo, no Tartaruga é o Heder, na Sorva é o Jhony, lá no Camucu é o baixinho Barros [é pequeno o porto lá porque tem poucas pessoas ainda, mas eles já estão organizando bastante famílias lá que querem ir pro porto também, tudo é um começo, né?] temos lá no Lalá que é lá no Massaranduba, todos estão funcionando, temos na Regina que é no Tracauteua, temos no cabeça, que é a Santa Catarina, temos no Laminha, que é Jatiboca, e temos outros que ainda não estão funcionando....ou por falta da logística. (Miguel Baratinha de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

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Nessa narrativa, o produtor entrevistado faz um mapeamento dos Portos de

Açaí presente nas diversas comunidades do rio Canaticu, como indicados na figura

(44),

Figura 44- Mapeamento dos portos de açaí

Fonte: Peabiru adaptado por Feitosa, 2016

Nota-se a espacialidade dessa ramificação dos portos no rio Canaticu que

contribuiu para a arrecadação e distribuição da produção. Nesse sentido, a figura

(45) evidencia-se dois portos como modelos representativos.

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Figura 45- Os portos de açaí dos rios Pagão e Tartaruga

Fonte: Feitosa, 2016

O primeiro porto está localizado no rio Pagão, na comunidade Boa Esperança

e de propriedade do Sr. Miguel Baratinha, ex- presidente (2014-2016) da

cooperativa. Trata-se de um produtor que já exerceu outros cargos de importância

no rio Canaticu, o que pode ser reveladora a sua capacidade de organização e de

infinitos saberes. Com sua experiência criou a sua identidade dentro do movimento

social curralinhense. O segundo porto do açaí, está localizado no rio Tartaruga na

Comunidade Sagrado Coração de Jesus, pertencente ao Sr. Herde Barreto, ex-

Diretor de Finança e atualmente presidente (2017-2019) da Cooperativa. Este último

porto mencionado destaca-se pela sua localização, por ser mais próximo da cidade

e pela implantação da “Cantina do Açaí”. Logo, os portos pertencem à pessoas

influentes e que mantêm uma boa relação com a comunidade local, com aos cargos

que exerceram possuem experiências de movimento social/cooperativismo.

Com essa expansão e organização dos portos, caracterizo-os como os

“Território(s) do(s) Porto(s) do Açaí”, pela sua relevância na distribuição do açaí.

Fazendo uma analogia às cidades-portuárias que historicamente atuam nas práticas

comerciais no Brasil como, por exemplo, os mais conhecidos como os portos de

Santos e Rio de Janeiro que “dispõe de uma rede de acessibilidade favorável, cuja

cadeia produtiva inclui elementos dentro e fora das fronteiras brasileiras”. (MONIÉ;

VIDAL, 2006, p.977), tendo assim uma importância econômica relevante.

Além das práticas econômicas, é preciso considerar as relações sociais em

torno das comunidades onde os Portos do Açaí foram instalados, para

proporcionarem mudanças significativas na vida dessas pessoas, que utilizam os

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portos para a comercialização, mesmo porque cada produtor colabora com uma taxa

para a manutenção do porto e necessitam também de uma estrutura física

adequada.

4.5 Os “Critérios de entrega”

O processo de distribuição e comercialização do açaí é feita por meio da

concentração da produção nos portos, contudo, os ribeirinhos obedecem ao

“Critério de entrega”, estabelecido entre as normas e regras da Cooperativa.

Basta ser cadastrado no porto e ele entrar no critério do porto. [Já entendeu como é?] Tem um critério, aqui, a partir de você ser cadastrado, você tem que vender seu açaí aqui, mas a qualidade do açaí, é dessa maneira, não é qualquer açaí que vai pra lá, se o açaí não tiver dentro dos parâmetros da cooperativa, ele não aceita o açaí. Quando ele faz o cadastro já tem que tá sendo explicado ali como é o critério de entrega....agora tem que buscar o vasilhame lá e deixar lá no porto, pega lá e deixa lá, quando chega lá, ele recebe. (Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

Igualmente como existe o “Critério de apanha”, há também o “Critério de

entrega”, em que o produtor ao fazer a “entrega” da produção no porto, deve seguir

essa exigência, eles denominaram de “entrega”, mas na prática é a comercialização

de sua produção no porto. No ato da comercialização, esta pode ser feita de

qualquer jeito, deve seguir as regras como: o produtor tem que ser cadastrado, ter

uma ficha individual para os registros da quantidade e do valor da produção

(controle de produtividade).

Outra exigência incorporada na “entrega”, é que a produção do açaí seja

limpa e bem pesada, ou seja, uma rasa equivalente a 14 quilos. Em vista do que foi

mencionado é possível fazer o controle da produção,

Eu tenho um controle em casa e tem lá. Entregou, a data do dia, tantas latas, o valor do preço x, o total do preço e a quantia que ficou no fundo. Aí tem um controle lá e eu tenho um em casa, sabe como é? aí no final do ano eu vou saber quantas latas de açaí eu vendi. Eu já sei. Quanto eu vendi, quanto foi que eu ganhei. (Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

Nessa atitude do controle há uma estratégia de organização e um saber que a

etnomatemática explica porque ela surge por meio das “práticas matemáticas em

diversos ambientes culturais e foi ampliada para analisar diversas formas de

conhecimento“. (D’AMBRÓSIO, 2005, p. 102). Nessa lógica, há um saber

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matemático de calcular a quantidade da produção e porcentagem de lucro no porto

do açaí e por meio de um saber implícito contido no controle da produtividade, é

possível o produtor calcular a quantidade e o valor total da práticas comerciais na

safra do açaí e ainda poder comparar com as safras anteriores.

É dessa forma que se consolida a relação da cooperativa com os seus

associados produtores, esse “Critério de entrega” no porto gerou um impacto, pois

nem sempre vendia-se produtos de qualidade e dessa forma precisaram se adequar

a essa lógica da associação.

Figura 46- A "entrega" da produção no Porto do Açaí

Fonte: Feitosa, 2016

Nessa dinâmica dos portos, os sócios da cooperativa, criaram duas

estratégias que orientam as práticas de comercialização da produção: a primeira

consiste em descontar uma porcentagem de cada rasa de açaí, que historicamente

era o lucro que ficava com o intermediário; após a efetivação desse desconto, o

produtor recebia o valor da produção de forma imediata, ou seja, à vista. O

percentual descontado fica retido no Porto do Açaí até o final da safra, quando 80%

será reembolsado pelo produtor, e 20% fica como taxa para a manutenção do porto.

Assim, para o produtor é uma espécie de caixinha, que alguns denominam de

”Seguro do Porto”, como explica o ex-presidente (2014-2016),

O porto do açaí a gente criou dessa seguinte maneira, né? Por exemplo, na safra, o açaí chegou a R$ 15,00 (quinze reais) né? mas o atravessador ele tinha um percentual de R$ 1,00 a R$ 2,00 (um a dois reais) de comissão. Então como a gente criou o porto, o produtor vem buscar o paneiro, vem deixar o açaí e a gente paga os R$ 15,00 (quinze reais) e deposita os dois reais que seria de comissão por lata na caixinha do porto do açaí. Então, por exemplo, se ele entregar mil latas de açaí durante a safra, no final do

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ano ele teria, o “seguro desemprego” do porto do açaí R$ 2.000,00 (dois mil reais), isso deixando 20% (vinte por cento) pra quem toma conta do porto. (Miguel Baratinha de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

Essa experiência garante benefícios ao produtor que recebe o valor da rasa e

o da caixinha, devido a organização e controle no Porto do Açaí.

Nesse contexto, o quadro a seguir, indica uma simulação quando o produtor

comercializa com a cooperativa a sua produção e a outra com o

intermediário/atravessador:

Quadro 1- Simulação da comercialização do açaí com a cooperativa

ENTREGA A COOPERATIVA

Quantidade de rasas 400

Valor (mercado) da cooperativa R$ 17,00

Valor pago à vista R$15,00 (R$ 2,00 caixinha)

Valor total (à vista) R$ 6.000,00

Desconto da caixinha A cada rasa R$ 2,00 - 800,00

Desconto do Porto 20% R$160,00

Total do produtor de caixinha(Final da safra) R$ 640,00

Total recebido

R$ 6.800,00-160=6.640,00

Fonte: Feitosa, 2017

QUADRO 2- Simulação da comercialização do açaí com o intermediário

Fonte: Feitosa, 2017

Essa simulação mostra a diferença e o benefício que o produtor tem ao

realizar as práticas de comercialização com a cooperativa, pois a vantagem é que a

cooperativa segue o valor de mercado e o intermediário não. Além de que, a

caixinha é mais uma reserva que o produtor recebe no final da safra, embora a

ENTREGA AO INTERMEDIARIO

Quantidade de rasas 400

Valor (abaixo de mercado) 15.00

Valor pago à vista R$ 6.000

Total recebido R$ 6.000

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porcentagem de desconto do porto seja elevada, esse sistema é uma estratégia de

valorizar o trabalho do produtor (valor de mercado), que no final do processo é

beneficiado. Trata-se de uma experiência que os produtores criaram nas

associações e movimentos sociais e que foi incorporado também na cooperativa.

E nesse universo de práticas comerciais, os sócios membros da cooperativa

vivenciam esse apego cultural. Devido a importância do açaí no dia a dia, de valor-

de-uso a cooperativa passa a comercializar, assim, o açaí ganha o valor-de-troca,

segundo Marx (1890, p. 54-55),

As mercadorias vem ao mundo sob a forma de valores-de-uso, de objetos materiais, como ferro, linho, trigo etc. é a sua forma natural, prosaica. Todavia, só são mercadorias por sua duplicidade, por serem ao mesmo tempo objetos úteis e veículos de valor. Por isso, patenteiam-se como mercadorias, assumem a feição de mercadoria, apenas na medida em que possuam dupla forma, aquela forma natural e a de valor.

A partir dessa lógica, a materialidade do açaí de valor de uso, mas também,

produto que se destaca pelo seu valor de troca, quando se expande as empresas

consumidoras, ganhando valor de mercado. Mesmo porque, “por meio das relações

de troca de objetos e ideias, as pessoas criam diferentes situações de

sobrevivência, convivência e transcendência”. (SILVA; SILVA, 2017, p.249).

A segunda estratégia criada pelos sócios na prática de comercialização no

Porto do Açaí é o “Fundo Solidário”, isto é, cada sócio depositou um capital como

investimento em um comércio de produtos alimentícios. Em se tratando de capital,

Marx (1890, p.166) explica que “o dinheiro que é apenas dinheiro se distingue do

dinheiro que é capital, através da diferença na forma de circulação”. Ainda

acrescenta,

A forma simples da circulação das mercadorias é M- D- M, conversão de mercadoria em dinheiro e reconversão de dinheiro em mercadoria, vender para comprar. Ao lado dela, encontramos uma segunda especificamente diversa, D- M- D, conversão de dinheiro em mercadoria e reconversão de mercadoria em dinheiro, comprar para vender. O dinheiro que se movimenta de acordo com esta última circulação transforma-se em capital, vira capital e, por sua destinação, é capital.

Nessas condições, os cooperados fizeram um investimento ao comprarem

mercadorias para venderem, e ao mesmo tempo em que são consumidores, pois

sobrevivem das compras mensais na Cantina do Açaí em que o capital está

circulando e rendendo lucros/juros.

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No início da pesquisa, constatei que porto e fundo estavam agregados, e no

decorrer da pesquisa houve o desdobramento, o Porto do Açaí passou a ter

funcionalidade única, de comercializar e distribuir a produção do açaí da

comunidade e o “Fundo Solidário”, transformou-se em “Cantina do açaí”,

O fundo nós transformamos em cantina ...essa cantina foi criado em setembro, tá indo bem.. cada um tem uma parte investida lá, e tamo passando o inverno, embora comprando uma parte no fiado lá, mas num tamo passando fome, né? Que um investimento nosso quitaí, e nós tamo sendo mantido. Só pros sócios...alguma coisa que o sócio tem a cantina recebe..se for farinha ela compra, se fizer também alguma mão-de-obra ela compra. Tá sendo assim, né? Tá sendo estudado de toda forma pra poder favorecer o lado do sócio...nós compra e paga,...é... a gente tem um financiamento lá de acordo com o investimento que cada sócio tem...a gente tem o direito de comprar até 50% de acordo com o investimento que eles tem depositado lá..mas com um prazo determinado pra pagar...pago pra que aquele investimento que eu tenho lá, continui circulando lá.. a proposta é a partir de um ano, vai ser feito um balanço, pra ver o que cada sócio já com seu investimento o que ele ganhou, a partir daí alguns que quiserem sair reimbolsa né? Pega a sua quotas- parte e o que não quiser só faz dobrar o investimento...continua.. Só pros sócios.(Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

Percebe-se que os saberes matemáticos estão inscritos dentro de todo o

processo de distribuição do açaí. Assim com o fundo solidário, os sócios pretendem

a obtenção de lucros, para Marx (1890, p. 170) “esse acréscimo ou o excedente

sobre o valor primitivo chamo de mais valia (valor excedente)”, assim declara o

produtor,

O lucro do comércio vai ser devolvido, por exemplo, eu tenho mil reais de fundo, se nós tamo ganhando trinta por centona mercadoria, eu já sei que no final do mês eu tenho trezentos reais que eu ganhei lá no fundo. Aí tenho mil de capital, já tenho mais trezentos que eu ganhei na mercadoria que eu tô vendendo. Já entendeu como é? aí no final do ano, a gente vai bater o fundo, e bater o que cada sócio, o que aumentou pra cada sócio durante o ano.(Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

Na verdade, o lucro é importante, mas foi notável, que o benefício maior do

comércio foi a manutenção da vida, por isso o conhecimento matemático faz parte

do cotidiano “é preciso explorar o saber matemático como um campo de

aplicabilidade em várias áreas do conhecimento”. (REVISTA DO DEPARTAMENTO

DE EDUCAÇÃO, p.42). Em virtude disso, os produtores sabem e fazem as suas

práticas comerciais com o conhecimento de vida, de experiência, como distingue o

produtor sobre o Fundo Solidário,

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O fundo é diferente, ele é anual, como ele começou dia primeiro de setembro, ele só vai ter a prestação de contas anual, só vai dá dia primeiro de setembro desse ano, agora tem as mensais, quotas mensais, todo mês tem, é praí da umas clareadas pros sócios, de como ta funcionando. A deferença do fundo pro porto, que quem depositou vamo supor R$ 200,00 (Duzentos Reais) na lata do açaí, que quando chegar no dia primeiro de setembro, ele não vai ter mais duzentos, ele já pode ter 500, 600, 700 reais a mais, né? ter uma margem de lucro, porque a mercearia ganhou dinheiro em cima do dinheiro. Então de acordo com o investimento, o sócio vai ter a sua renda, aí como é que ele funciona, se o sócio pretender sair do fundo ele vai sacar tudo que ele investiu, mais o lucro, ele vai ter direito. (Herde Barreto Maia, Pesquisa de Campo, 2016).

E nesse espaço da Cantina do Açaí, os critérios estabelecidos pressupõe

vantagem ao sócio membro com o seu capital gerando lucro. Trata-se assim, de

mais uma prática no processo de organização que tem a finalidade de fortalecer as

relações comerciais e sociais, como descreve a narrativa,

a mercadoria que tem vende pra todos, agora não financia... só os sócios que tem direito de comprar o fiado...o que não é sócio compra, mas tem que comprar a vista, a não ser que ele leve uma farinha ou outro produto que interesse ao fundo. Aí ele arrecebe e compra com aquele produto. O fundo compra de quoquer uma pessoa, comprafarinha, algumas pessoas as vezlevo uma fruta, levo pupunha. tá lá pra vender vassoura, algumas pessoas que faz e leva prá lá e vende, remo aí negocia, né?....palmito, quem tem seu palmito, quer cortar seu palmito, leva lá, o fundo compra, paga com dinheiro, paga com mercadoria, faz negociação com quoquer pessoa.(Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

Nas relações da Cantina do Açaí com a comunidade local as práticas

comerciais servem como estímulo para as produções agrícolas, artesanais etc. Além

disso, na Cantina,nem sempre o sistema monetário é o fator principal, nela também

ocorrem as permutas, as trocas sociais que é uma característica do contexto

ribeirinho. Neste sentido,Marx (1890, p. 97)considera que “o dinheiro é um cristal

gerado necessariamente pelo processo de troca, e que serve, de fato, para

equiparar os diferentes produtos do trabalho e, portanto, para convertê-los em

mercadoria”.

Marx (1890, p. 45) explica que o “Valor” é definido pelo trabalho materializado,

assim as trocas podem ser realizadas, pelo valor agregado,

Um valor-de-uso ou um bem só possui, portanto, valor, porque nele está corporificado, materializado, trabalho humano abstrato. Como medir a grandeza do seu valor? Por meio da quantidade da ‘substancia criadora de valor’ nele contida, o trabalho. A quantidade de trabalho, por sua vez, mede-se pelo tempo de sua duração, e o tempo de trabalho, por frações do tempo, como hora, dia etc.

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Assim, veremos que qualquer matéria pode ser trocada por outra, nas mais

diversas proporções, satisfazendo as necessidadeshumanas.Essastrocas, isto é,as

permutas são comuns no universo ribeirinho como, por exemplo, açaí por farinha,

por caça do mato, as rasas de açaí, por diversos produtos alimentícios, cosméticos e

outros objetos, pois na safra do açaí os vendedores adentram os rios dos ribeirinhos

para as negociações diversas, que faz sentido dentro da lógica de comercialização

nessas comunidades locais. Neste sentido, o valor se faz entre as matérias e a

quantidade dos produtos mesmo porqueo valor do açaí não é estável. A rasa do açaí

difere de semana para semana, ou ainda, no período da safra e o daentressafra.

Posteriormente as práticas de comercialização com a comunidade, a

distribuição do açaí é comercializada coma Prefeitura Municipal de Curralinho, e

também com as empresas PALAMAZ E ECO FOODS em Belém, essa entrega

ocorre de acordo como uma escala de entrega da produção, ou seja, dias da

semana e quantidades estipuladas,conforme pedido das empresas. Nessa dinâmica

de abastecer o mercado consumidor sobressai o trabalho de equipe, a coletividade,

como esclarece o produtor sócio da cooperativa,

A partir do momento que a gente ganhou a licitação, né? A gente fez uma reunião, aí a gente precisava duns parcero, porque já tinha o Diretor de Produção, né? Que era o izaias ...eu disse pra ele, mas só ele não conseguia fazer o percurso, eu tive que engajar mais três com ele, entende? Aí eles arrecadavo..vou da exemplo primeiro da merenda escolar, nós fizemo um grupo com três grupo...sendo um dia pra cada grupo entregar o açaí pra merenda escolar, que era terça e quinta. chegava lá no porto de Curralinho tinha um carro de mão, conduzia pra máquina, lá na máquina era feita todo processo, e três pessoa saia pra fazer entrega na escola e um ficava no barco, tomando conta do barco. E o da fábrica era mesma situação, o da fábrica não foi dividido em grupo, pra fábrica era uma quantidade maior, era dos cooperado todos, era a mesma equipe em dia especificado, já era segunda e quarta, aí, era a mesma equipe, um barco conduzia a todos os portos, onde era porto era porto, onde não tinha porto era na casa de cooperado mesmo que ia, de lá juntava tudo e pegava o “ferry boat” no porto de Curralinho, né? passava pra balsa, pra depois chegar até Belém. Aí, de Curralinho pra Belém já ia só um acompanhante. Só o Diretor de Produção que acompanhava o açaí, os três voltavam.(Herde Barreto Maia, Pesquisa de Campo, 2016).

4.6.Saberes ambientais inscritos no processo de apropriação e distribuição do

Açaí

Pretende-se mapear os saberes na apropriação e distribuição do açaí com

esta nova concepção epistemológica que algumas instituições, como a Universidade

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do Estado do Pará, debate e expande como metodologia que abarca e valoriza a

nossa cultura amazônica. Vale mencionar que atualmente para mapear os saberes

na nossa região com inúmeras diversidades culturais, faz-se por meio das

cartografias, para Silva20 (2011, p. 59) a cartografia busca “possibilidades de outros

caminhos metodológicos que possam orientar nossos procedimentos cognitivos no

ato de pesquisar e produzir conhecimentos”.

Segundo a autora, a cartografia surge,

Da necessidade de que em espaços tão complexos e diversificados, como, por exemplo, o espaço amazônico, um movimento intelectual acadêmico, formado por pesquisadores e estudantes de cursos de pós-gradução, precisa construir coletivamente, alternativas e outros caminhos epistemológicos que dê conta da complexidade e diversidade socioculturaldos territórios e dos saberes e práticas que informam.(SILVA, 2011, p. 63).

Inseridos não apenas nesse universo amazônico, mas no meio social a

educação ambiental surge como forma de prevenção para o futuro da vida do ser

humano e meio ambiente “representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as

pessoas para transformarem as diversas formas de participação na defesa da

qualidade de vida” (COELHO; SANTOS; SILVA, 2015, p.139). Desse modo, busca-

se a conscientização de um ambiente sustentável, pois Segundo Leff (2009, p.47) “a

crise ambiental não só se manifesta na destruição do meio físico e biológico, mas

também na degradação da qualidade de vida, tanto no âmbito rural como no

urbano”. Mesmo que as comunidades locais desenvolvam suas atividades

extrativistas no município de Curralinho, é considerado o mínimo comparado as

máquinas do capitalismo em outras áreas, nesse contexto da produção do açaí,

existe a cultura do manejo, mesmo porque nas décadas passadas houve a retirada

de palmito em grande escala como conseqüência houve a escassez do fruto.

Baseado nisso, hoje há uma educação ambiental.

Em meio a essa interação do ser humano com o açaizal existeum saber

ambientalque informa essa relação, dado que,

os saberes ambientais locais dão conta de uma diversidade de formas de abstrações, apropriação e usos de recursos naturais por homens e mulheres que, pautados por costumes e hábitos, incorporam valores

20In: MARCONDES, Maria Inês; OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno; TEIXEIRA Elizabeth (org.).

Abordagens teóricas e construções metodológicas na pesquisa em educação. Belém: EDUEPA, 2011.

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culturais na relação que estabelecem com a natureza para produzir diferentes afazeres no seu cotidiano sociail, resultando em diferentes formas deprodução de saberes. (SILVA; CUIMAR, 2016, p.131).

A reflexão acima indica queo saber ambiental está para além das áreas da

biologia e da ecologia; não destina unicamente ao ambiente, sobre as relações

externas e seus objetos de conhecimento, que indica “a construção de sentidos

coletivos e identidades compartilhadas que formam significações culturais diversas

na perspectiva de uma complexidade emergente e de um futuro sustentável” (LEFF,

2009, p.21). Desse modo, entendemos que o saber ambiental assumesentido

extenso, que envolve todas as relações sobre o ambiente e sobre a sua cultura. Dito

de outra forma, “trata-se de um tipo de saber que decorre de uma relação histórica e

direta do ser humano com a natureza, pautadas por referências subjetivas e

simbólicas” (SILVA; CUIMAR, 2016, p.131).

Em relação ao meio ambiente e ecossistema, o Estatuto da Cooperativa

Sementes do Marajó no artigo 18 determina que,

A cooperativa zelará pela conservação, preservação e recuperação do meio ambiente, do ecossistema bem como, desenvolver uma sensibilização ambiental de forma compatível com os desenvolvimentos econômicos, familiares e comunitários, cumprindo as determinações das leis ambientais.

Este saber ambiental está totalmente imbricado na interaçãodo ribeirinho com

a natureza, nesta relação de cultura/natureza, Carvalho (2009, p.139), acentua a

oposição que se tinha de cultura e natureza. Esta última, com significado de

selvagem, barbárie, desrazão e ignorância. “A civilização estava relacionada a

valores ilustrados como cultivo, polimento, aperfeiçoamento, progresso, razão”.

A autora acrescenta a postura negativa de natureza, vista como “lugar da

rusticidade, do incultivado, do selvagem, do obscuro e do feio, “a cidade,

contraponto da natureza selvagem, então se apresentava como lócus da civilidade,

o berço das boas maneiras, do gosto e da sofisticação” (ibid, 2009, p.139). Esta

postura de civilidade estava relacionada à cidade, a vida urbana o lugar da

sofisticação, enquanto que a natureza, ou melhor, a vida campestre, como selvagem

e barbárie, uma ameaça a então civilização. Desta maneira, a natureza tinha um

sentido negativo, porém com o decorrer dos tempos sua significação contrapõe-se,

pois a cultura modifica-se, os costumes alteram-se, desta forma, as paisagens

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naturais e a natureza de um modo geral passam a ter um valor, desejado e

valorizado pela sociedade. Carvalho (2009, p. 143), lembra que,

Surgem os hábitos de manter pequeno jardim, criar animais domésticos, fazer passeios ao ar livre, piqueniques nos bosques, ouvir música em ambientes naturais, ir ao campo nos finais de semana, empreender, observar pássaros, são fortemente registrados pela literatura e pintura dos séculos XVIII e XIX.

Com concepções diferentes, os conceitos de natureza sofrem modificações.

no decorrer da história, foi considerada de diversos sentidos, ora negativo, ora

positivo. Ficamos cientes de que novos comportamentos surgem, e o hábito era de

preservação, manter os jardins, criar animais de estimação, passeios ao ar livre e

outras atividades que estimulassem o bem estar em constante interação com a

natureza.

Neste trabalho, consideramos o sentido de natureza, como totalmente positivo

e não dividimos a cidade como civilidade e campo, como lugar atrasado. Mas com

modos e comportamentos diferenciados, ambos como espaços de saberes, e

permanências essenciais para a dinâmica social. Cada modo de vida determina seu

uso e suas atitudes no estuário amazônico “a histórica apropriação e uso dos

produtos da natureza pelas diversas sociedades tem significado distintos e revelam

as múltiplas e diversidades práxis nas relações entre sociedade e natureza”

(MOURÃO, 2011, p.128).

É desta maneira, na sua forma do saber da apropriação dos recursos

naturais, é que os saberes se confirmam, pois há uma atividade cotidiana na qual os

mais velhos sabem, fazem, e os mais jovens observam, aprendem e fazem,

exemplifico, os mais velhos no sentido de possuírem mais experiências sabemos

que a relação pode ser inversa, pois o conhecimento e a capacidade de compartilhar

os saberes independem de idade, etnia ou sexo. Para que o homem viva bem, é

substancial a relação cultura e natureza, “assim, inscrevemos as condições naturais

em que vivemos em nosso mundo de significados, transformando a natureza em

cultura” (CARVALHO, 2009, p. 155).

Na perspectiva,os saberes ambientais relacionados aos processos de

apropriação e distribuição do açaí, incorporam saber sobre o Solo;saber sobre o

Tempo ecológico;saberessobre o fluxo das marés;saber transportar (pilotar);saber

manejar, dentre outros. Trata-se de conhecimentos de significado prático,

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queinterferem na plantação, na coleta (apanhar) e na distribuição do açaí. Essas

atividades são executadas por meio de conhecimentos e saberes, como explica

Silva (2016, p. 143) “as significações culturais presentes na relação das pessoas

com seu mundo natural revelam uma educação própria sem livros ou professores;

uma educação prática”.

Na prática da coleta (apanha) do açaí é substancial o saber do solo,

poisfazem com propriedadeesta identificação e reconhecimento da terra, conforme

Arroyo; Fernandes (1999, p.21) “a relação da criança, do homem, da mulher com a

terra é uma matriz cultural”, isso foi constatado, cada produtor conhece o seu

açaizal, a ordenação das árvores, o tipo de açaí, cacho e qualidade do fruto, devido

aisso ser considerada uma matriz cultural.

Trata-se de um saber que,

assume um significado prático, para além da educação formal, porque ao incorporar práticas cotidianas, vivências, valores e precepções sobre a natureza [...] orienta e transforma as condições de reprodução e percepção da vida. (SILVA; CUIMAR, 2016,p.130).

Sabe-se que historicamente os nativos ao habitar este solo tinham preferência

pelas áreas das margens dos rios, “era ao longo da várzea que boa parte das

populações indígenas se concentrava” (FERREIRA, 2015, p.32). Esse favoritismo

pelas “beiradas dos rios” como é popularmente conhecida, se referindo às margens

dos rios, ocorria por diversos motivos, pelo transporte de canoas, pela pesca e

plantação.Nanossa região o solo predominante são as áreas de várzeas e igapós,

isto é, áreas alagadas ou que sofrem inundações. E o costume prevalece ainda tem-

se preferência dependendo da plantação, porém a maioria dos açaizais são nas

“beiradas dos rios” como explica o produtor,

Na área da varge o açaí fica mais protegido, ele dá mais rápido, ele dura mais tempo, porque a água penetra, né? Pra gente, a gente acha que o açaí, a natureza é mais preservada na área da varge, e já pra terra não, ele fica muito fraco e dura menos, a água influencia bastante, o açaí é mais na bêra porque lá na área que eu trabalho, é só na berada o açaí. E pra terra a gente planta, eu plantei um pouco, onde eu fiz o plantio da madeira, eu meti setenta pé de açaí, eles deram, mas num é assim, viçoso como na bera por isso que a gente usa mais a bera do rio. (Isaias Ferreira da Silva, Pesquisa de Campo, 2017).

O açaizal também localiza-se nas proximidades das residências, pela

facilidade na extração, no transportar porque reduz o tempo no trabalho, no peso e

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na distribuição. Contudo convenhamos que o cenário esverdeado que contrasta com

o azul do céu e o brilho das águas como observa-se na figura (46) representam uma

harmonia e privilégio da natureza.

Figura 47- O açaizal às margens dos rios

Fonte: Feitosa, 2016

Neste sentido, o açaizal compõe-se por área de extensão nas margens dos

rios pela sua facilidade em perfilhar em solo de várzeas, característico da nossa

região, sofrendo influência constante das marés e elevada fertilidade.Nos solos de

várzeas e igapós, o açaí reproduz-se naturalmente, pois os animais contribuem para

a sua expansão, quando os pássaros alimentam-se e desta forma dispersam pela

área, assim também quando caem sozinhos da touceira pelo vento e pelo produtor

ao subir e também devido à fácil reprodução, se for uma área em que ainda vai ser

produtiva, quando plantado pelo produtor, seja por semeado ou utilizando mudas

novas, nesse caso no prazo de três (03) anos inicia a produção. No entanto há uma

preocupação quando a área do açaí é muito desmatado, pois prejudica a qualidade,

com explica o produtor,

Eu analisei os açaizais do baixo Canaticu, eles tem uma dificuldade na colheita deles, que o açaí deles eles desmataram muito as áreas, degradaram muito, pensando que só o açaizal seria bom, aí eu já usei essa estratégia e num fez assim. Eu fez o meu açaizal, deixando madeira, arvres

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pra proteger, pra segurar, até mesmo porque ele consegue durar um açaí na arvre, e aonde a gente degreda muito a área, ele começa a parua e começa a secar. Ai eu já teve essa vantagem, esse cuidado com o meu, e eu me dei bem. (Isaias Ferreira da Silva, Pesquisa de Campo, 2017).

O saber ambiental é adquirido no cotidiano, nas relações com as pessoas e

observando outros açaizais como relatado pelo produtor.

Nessa relação o saber do tempoecológicodeterminaoritmo de vida, Silva

(2011) explica que “o tempo é o tempo, tempo de plantar, tempo de colher, tempo de

esperar, tempo de observar. Não se pode ir de encontro ao tempo, o tempo faz parte

de suas práticas, de seu ritmo para viver” (SILVA, 2011). Portanto o tempo é o guia

da vida, do trabalho e da produção.

Os diversos grupos sociais detêm um domínio inigualável na identificação da

fauna e flora, assim como as estações das marés e luas quando propício a pesca,

as plantações e colheitas, essas modificações alteram suas vidas diárias, como por

exemplo, no verão no intervalo dos meses de julho a dezembro é a safra do açaí e

no inverno que corresponde de janeiro a junho é a entressafra do açaí período de

escassez do fruto, são mudanças bruscas que interferem diretamente no modo de

vida determinado pelo tempo da natureza. Desse modo planejam sua vida no tempo,

Todo mês de janeiro a gente começa o manejo, porque a gente tem janeiro, fevereiro, março e abril pra fazer o manejo, a partir do final de abril não se tem mais manejo, né?, As arvres já tão reproduzindo, tem um período, tem um período determinado. (Miguel Baratinha de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

O tempo da limpeza é realizado sempre no inverno quando não se tem o fruto

e na safra é tempo de produção e comercialização. Desta forma,Arroyo; Fernandes

(1999, p.21) declaram que“o tempo do homem, da mulher do campo tem seu ritmo,

a escola não pode chegar com um tempo urbano no tempo social do campo.” É com

essas peculiaridades que “o tempo social dos indivíduos, das famílias, das

comunidades está vinculado aos tempos da natureza, da produção”(ARROYO;

FERNANDES, 1999, p.21). Assim como focalizamos o açaí, seguem o tempo

ecológico da safra e entressafra do fruto.

A população ribeirinha do estuário amazônico relaciona- se com uma das

maiores diversidades da fauna e da flora. E a relação cultura e natureza se faz pelo

conhecimento empírico, isto é, todo conhecimento adquirido, que se faz pela

experiência. Para Silva (2007, p.53) “o modo de vida das comunidades está

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diretamente imbricado com a natureza, são dependentes do acesso aos recursos

naturais.”

Essa interação profunda com a natureza também é evidenciada por Castro

(2000, p. 169), como:

Índios, castanheiros, seringueiros, pescadores artesanais, etc. são capazes de identificar com enorme riqueza de detalhes as diferenciações de fauna e flora no interior da floresta, como a diversidade de espécie de peixes dos rios, igarapés e lagos. Mas também de sons produzidos na mata e suas diferenças em relação ao fato de ser noite ou ser dia, o mesmo em relação aos movimentos e aos odores.

O tempo ecológico influencia diretamente na venda do açaí, no verão a

produção é em grande escala e o preço não é elevado devido a quantidadeo preço

baixa,porém no inverno, ou mesmo no final da safra como a produção é escassa o

preço se eleva, então o tempo ecológico influencia também no valor da rasa.

É quando tá acabando tá ficando difícil já, a gente já demora mais, aíapanha negócio de cinco, seis rasas, as vez dez aí já,leva mais horas já. Em compensação é mais dinheiro, mesmo. Porque é mais caro, por causa que, a gente fica pensando na sorte o cara vai, tira dez, que quando tá pouco, ele vai passa mais horas, daquilo que ele tirou dez só tira cinco, quando não, três, quatro, mas em compensação essas cinco ou essas quatro cobre aquelas dez, pelo preço que tá, hoje, é porque, se por exemplo, o cara vende dez rasas de açaí vamos dizer a quinze reais uma rasa, né?, aí quando for no período que tá terminando, se tiver vinte ou trinta uma rasa, aí já recompensa apanhar duas ou três, né?. (Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

O tempo de arrecadação da cooperativa também é feito por meio de escala, a

entrega depende dos dias de entrega para as empresas, neste caso, dois dias da

semana.

Não é todo dia [..] Mas no começo agora, nós tomo com dois dias só de apanha, na terça e na quinta. Pro consumo é todo dia... , nós tira aqui uma lata por dia pro consumo. (Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

Se o açaí não for coletado quando maduro ele cai naturalmente do cacho, é o

tempo de “apretar”, mas também de apanhar. Há o tempo para coleta (apanha) faz-

se sempre pela manhã, pois é rápida a oxidação do açaí, quanto mais tempo levar

para ser consumido, ele fica seco, e altera a qualidade do vinho.

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É preciso também o saber das marés que fazem parte deste universo

marajoara. O sistema hídricodas áreas de várzeas amazônicas classificam-se em

duas formas que são as várzeas de marés causadas pelosfluxos das inundações

diárias e as várzeas sazonais que sofrem pelo fluxo de enchentes e vazantes

(FARIAS, 2012, p. 21).

As marés são os movimentos dinâmicos de “ascenção e descida da água do

mar”, ou melhor, dos rios amazônicos marajoaras. Em intervalo de um dia (24 horas)

ocorrem dois fluxos (marés altas ou preamar) popularmente conhecida pela

população local por “maré cheia” e dois refluxos (marés baixas ou baixamar) de

“maré seca”. Esse fenômeno tem a duração de seis horas quando atinge o limite de

maré alta/ baixa, por sete minutos permanece totalmente parada e assim

estabelece-seo ciclo das marés, a expressão ciclo tem sentido de refazer

novamente. Essas sucessivas alterações das marés mais altas sofrem influências

das fases de lua nova e lua cheia, conhecidas de marés de Sizígias ou marés

lançantes. Outras alterações ocorrem duas vezes ao ano o fenômeno das marés de

equinócio, quando na passagem do sol sobre a linha do Equador nos meses de

Março e setembro, as marés atingem níveis máximo de inundação (CARVALHO,

2013, p. 31). Quando ocorre esse fenômeno muda-se a paisagem21, as casas

ficaram totalmente submersas em pleno contato com as águas, facilitando o uso de

lavagem de roupa, que acontecem no porto, lavar a casa atividade muito comum e a

brincadeira mais divertida tomar banho no rio, nadar e outras atividades que

dependem do rio. Nas comunidades as marés determinam as atividades de trabalho

e de vida social.

21O termo paisagem é polissêmico e estudado em várias áreas como a História, Geografia,

Antropologia e Arquitetura apresentando uma diversidade de enfoques: Paisagem como percepção, como percepção e materialidade e, finalmente como materialidade. Contudo, pode-se avançar mais e afirmar que os usos do termo paisagem induzem à concepção de que seja, como percepção ou o percebido, a expressão material e abstrata da relação do homem com a terra, e para alguns, revela também as relações dos homens entre si. É neste sentido de relação das sociedades com a natureza. In: CORRÊA, Dora Shellard. História ambiental e a paisagem. HALAC. Belo Horizonte, volumen II, numero 1, setiembre 2012- febrero 2013, p. 47-69.

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Figura 48- O fluxo da maré (enchente)

Fonte: Feitosa, 2016

O fluxo da maré interfere no cotidiano do ribeirinho e também na produção,

coleta (apanha) e na distribuição do açaí,

A maré influencia por várias formas, né? No amadurecimento da produção, que depende muito da água. E pra você fazer a coleta. Porque nós aqui dependemos na maior parte de maré cheia pra ir buscar a nossa produção dentro da ilha. (Miguel Baratinha de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

Por considerar queum dos ecossistemas que dinamiza a vida ribeirinha ser

os rios, existe uma dependência do fluxo da maré cheia para coletar e transportar a

produção, pois o açaizal nem sempre é próximo das residências e neste caso, há

um esforço maior e para esse transporte é feita por via única de acesso, o rio. Em

virtude disso, utiliza-se a canoa (casco) ou rabeta esta última é mais utilizada por

praticidade em velocidade e por ser mais espaçosa. Com a maré cheia a

embarcação adentra as margens dos rios e igarapés. Depois do percurso da coleta

(apanha) na entrega também é preferencialmente, a maré cheia, caso contrário,

dificulta a distribuição.

Para que possam realizar esta tarefa de transportar a produção do açaí

osaber pilotarconsiste emconduzir a embarcação.

No contexto amazônico desde o período colonial o principal meio de

circulação sempre foi realizado pelas vias fluviais, isto é, pelos rios que compunham

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esta região. “Era nos rios ou em torno deles que se davam as relações entre

indígenas e entre estes e os europeus” (FERREIRA, 2015, p.31). Ainda assim, “o

transporte fluvial era fundamental, já que o tráfego de pessoas e mercadorias se

dava basicamente através dessa malha fluvial” (ibid, 2015, p.31-32). Neste sentido o

autor acrescenta que as primeiras embarcações canoas, igarités, montarias e barcas

foram o principal meio de se locomover nos rios amazônicos. Vale lembrar que as

embarcações surgiram com os primeiros nativos a habitar esse território.

Figura 49- O uso do transporte na coleta do açaí

Fonte: Feitosa, 2016

Na (figura 26) mostra os tipos de embarcações utilizadas pelo produtor, a

canoa e a rabeta. A canoa é um saber comum na comunidade, as crianças andam

sozinha, desde criança já dominam o pilotar, a canoa além de ser útil no trabalho é

também no lazer, utiliza-se a expressão “andar de casco” como lazer nos rios. Nas

canoas o pilotar acontece com auxilio do remo, e o pilotar depende dos movimentos

dinâmicos ou parados do remo, cada um representa uma função de aumentar ou

diminuir a velocidade. Atualmente para os produtores transportarem a produção do

açaí fazem uso da canoa ou rabeta, há uma preferência pela última embarcação,

pela praticidade que tem, de ser pequena e ter velocidade, pois é motorizada.

Comparada a canoa, a rabeta difere-se por ser motorizada, como relata o

produtor,

A rabeta é mais difícil um pouco porque é motorizada, aquele motor rabudo, ai criança já num pode dominar ele porque é arriscado a gente funciona, encosta a palheta na água e nele mesmo faz o piloto e quando chega na

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parte onde a gente vai buscar o açaí, para ele, encosta e sai pra terra.(Isaias Ferreira da Silva, Pesquisa de Campo, 2017).

Dentro das atividades é notório que a educação está inscrita nos saberes

existentes, Castro (2000, p. 168) destaca que “a diversidade e a extensão dos

saberes e das técnicas por eles desenvolvidas para apropriar-se de recursos do

meio ambiente e adaptá-los a suas necessidades”.

E a população local, sabe muito bem como fazer isto,

No campo dos saberes tradicionais, ainda que não seja possível a diferentes grupos explicar uma série de fenômenos observados, as ações práticas respondem por um entendimento formulado na experiência das relações com a natureza, informando o processo de acumulação de conhecimento através de gerações (ibid, 2000, p. 169).

O acúmulo de conhecimentos e experiências sobre o açaizal e múltiplas

formas de relacionar-se com os recursos naturais transmitem-se como herança

cultural aos mais jovens, como meio de sobrevivência perpetuando de geração em

geração.

Dentro dessa relação com o açaizal o produtor de açaí domina o saber do

manejo sustentável. Então, dentro deste debate é que o saber ambiental configura-

se uma epistemologia política que busca dar sustentabilidade à vida (LEFF, 2009,

p.18). Desta maneira, o açaizal tem valor significativo de poder econômico e cultural

representa a extensão da vida de cada família ribeirinha, e para isso há a

necessidade do cuidado e da proteção por meio do manejo do açaizal.

Neste universo é imprescindível “um diálogo de seres e saberes em que nem

tudo é cognoscível e pensável de antemão; aprender uma ética para que possa

surgir um mundo onde convivam em harmonia a diversidade e as diferenças (LEFF,

2009, p.23).

O manejo dos açaizais é uma prática recorrente pelos ribeirinhos, sob

diversas formas: as mais comuns nas localidades são a rudimentar ou técnica, o

manejo rudimentar é praticada com a intenção da coleta do fruto e fazendo os

desbaste das outras árvores que concorrem por nutrientes. No manejo técnico, são

retiradas as demais árvores, homogeizando o açaizal com três árvores por touceira

(CARVALHO, 2013,p.28). No entanto, a prática do manejo para os povos locais

chegou como um importante aprendizado não somente para o açaizal, mas como

um saber ambiental e de vida, como declarado na narrativa,

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A capacitação que eu levo como relevante é o trabalho de manejo da zona rural. Com o açaizal, com as àrvores nativas, a gente aprendeu isso, e que hoje veio nos dá assim, uma garantia muito forte, né? De produção, a valorização ambiental. Antes num existia, quando você é chegava pra tirar o palmito, você num tinha aquele cuidado, né? Você ia tirando o que estivesse, era alta, era baixa, num tinha um estudo técnico pra que você tivesse um manejo com seguração do meio ambiente. (Miguel Baratinha de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

Assim no rio Canaticu após período degradantes da escassez do açaí devido

a retirada do palmito nas décadas 70 e 80. Com atuação da central da associação,

as inúmeras capacitações sobre o manejo do açaizal, a população compreendeu

que a prática do manejo é um saber que garante a vida do fruto e

consequentemente do produtor.

Como saber adquirido e prática constante do cuidado com o açaizal consiste

em atividades de limpeza do açaizal, como desbastes dos estipes e touceirasainda o

desbaste de outras árvores com menor poder econômico que fazem muita sombra

impedindo os raios solares sobre o açaizal todos esses fatores interferem

diretamente na qualidade e produção, essas práticas variam, pois depende da

situação de cada açaizal e de como é cuidado, a narrativa do produtor explica a sua

prática de manejar,

O manejo é, todo ano a gente faz né?, O desbaste de toiceira, as arvres altas que oferece risco pro trabalhador, a retirada dela e fazer a limpeza do açaizal pra que ele não seja é assim, surpreendido pelas espécie difere que temos aqui, como uma cobra, uma aranha, um lacrau, né tirando os falcãos de açaí, fazendo a limpeza das toiceiras. (Miguel Baratinha de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

O manejo do açaizal é a principal atividade de manutenção ter um açaizal

limpo e manejado é questão de “status”. Assim o açaizal é uma “posse” da família

onde semeiam, colhem e vivem. É comum os pais fazerem a divisão do açaizal entre

os filhos para que aprendam desde cedo à responsabilidade e a manutenção da

área, como explana a narrativa,

Olha a gente faz a limpeza, né? A gente vai alimpando, derruba os pau que

fica muito sombra, né? Vai fazendo o manejo, pro açaí num ficar muito alto.

A gente tira uma ou duas árvores de cada tucia, né? porque quando tem

cinco árvores a gente tira duas, fica três. Aí mais baixa, aí ela num falha

quase é difícil, aí ela dá baixinha a árvore. Meus filhos também que me

ajudam, quando eles chegam do colégio porque esse daqui eu já dividi com

eles, cada cá tem seu pedacinho, aí o deles num cresce o mato, tá tudo no

limpo, tudinho no limpo, eu dividi, eu tirei pra cada um deles uma área..eu

só tenho dois filho casado, mas eu tirei porque[...] pra num ter briga. Aí ficou

esse daqui do terreiro da minha filha, né? Essa uma que tá aí. A caçula, aí

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ficou essa frente aqui pra ela, é assim que a gente faz. Aí pro mato é deles,

eu tirei tudinho, tanto que ficou pra um, ficou pro outro. (Civaldo Serrão de

Moraes, Pesquisa de Campo, 2017).

É comum os pais reservarem a área de plantação para os filhos, pois

conseguem manter cuidando. Omanejo é realizado de forma rústica e a braçal

devido ausência de maquinários, é uma atividade árdua geralmente executada pelo

próprio produtor de açaí ou membros da família e amigos onde prevalece a

cooperação.

Assim, é visível que por meio da prática do manejo dos açaizais, os filhos

aprendem observando ou praticando e após isso ficam aptos a realizarem as

atividades. Desta maneira, demonstram valor sentimental pelo açaizal. Foi notável

que os filhos recebem de herança do saber dos pais, pois é comum desde cedo

acompanharem os pais e realizarem as atividades de plantação da roca, a produção

da farinha, a pesca, a caça e da coleta do açaí. Assim, “o saber ambiental muda o

olhar do conhecimento e com isso transforma as condições do saber no mundo na

relação que estabelece o ser com o pensar e o saber, com o conhecer e o atuar no

mundo”. (LEFF, 2009, p.18).

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5 COOPERATIVA “SEMENTE DO MARAJÓ”: UM ESPAÇO EDUCATIVO E DE

CIRCULAÇÃO DE SABERES

“Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos”

(Tecendo a Manhã: João Cabral de Melo Neto)

Com todas as dimensões e multi aprendizados que cada membro vai

adquirindo um com o outro, a Cooperativa “Sementes do Marajó” é um movimento

social organizado, permeado de saberes sociais, logo um espaço educativo, ou seja,

dessa interação entre os membros sócios pode ocorrer uma ação educativa.

É a partir dos saberes e da educação não institucionalizados, inscrito numa

modalidade educacional que ocorre no dia a dia, na rua, na casa, na igreja, na

escola e outros ambientes não citados, sempre em interação com os outros,

segundo nos indica Brandão (1984, p.7):

Ninguém escapa da educação. Na rua, na casa, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender- e- ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Educações.

O conhecimento acontece independente de escola, aprende-se a todo o

momento, não existe uma educação, mas educações, também não há única forma

de aprendizado e sim diversas maneiras, pois cada ser humano é único e suas

necessidades são diversificadas, conforme afirma Brandão (1984) quando diz que

são educações e não somente educação. Dessa forma, no espaço da cooperativa o

processo educativo faz-se presente de diversas maneiras, nas interações entre os

membros sócios, nas trocas de idéias, em compartilhar saberes/conhecimentos por

meio de vídeos quando há a necessidade de esclarecimento sobre determinado

assunto da cooperativa, principalmente aos integrantes da diretoria, esse

aprendizado ocorre nas relações cotidianas como declara o membro sócio,

Como tem questões, que a gente ainda num tem estrutura financeira e nem de tempo pra contratar consultorias, especialistas em cooperativas, né? Gestão de cooperativas. E o que é que a gente faz aqui, eu pego algum material, do youtube, pego material de 2, 3 minutos, no máximo cinco minutos, numa linguagem acessível, escolho um tema, e mensalmente de acordo com a necessidade de superar uma deficiência da gestão, se estamos tendo um problema na contabilidade, entender quais os processos

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de contabilidade e da documentação, parte financeira, os controles e tal. Aí eu pego todos esses materiais, vejo um vídeo que fale sobre isso, alguém falando sobre isso, e compartilho com a diretoria. Ai a gente marca reunião, só pra isso, a gente fica confinado, a gente marca um horário que num tenha expediente e se tiver expediente a gente fecha a porta, e diz agora tamo estudando, é hora de estudar. A gente compartilha isso, depois eu desligo e a gente vai prodebate, a gente vai vê o que é que entenderam daquele assunto, se conseguiram entender. A gente faz essa conversa informal e vai refletindo, vai aprendendo, entendesse? E vai fazendo uma escala permanente de crescimento, de assimilação do que é o conceito de cooperativa, aprendendo com as experiências que estão no Brasil, a gente vê no youtube, e qual é o perfil dinâmico, atual, moderno de gestão de cooperativa, a gente tem percebido que tem um efeito muito positivo a gestão. (Carlos Roberto Baratinha Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

A tecnologia está em todo lugar e faz parte da vida humana, na verdade

sempre esteve, pois “a economia, a política e a divisão social do trabalho refletem os

usos que os homens fazem das tecnologias que estão na base do sistema produtivo,

em diferentes épocas” (KENSKI, 2003, p. 21). E por meio do uso da tecnologia

estabelece-se aprendizado, por exemplo, na cooperativa o uso de vídeos, para

aprenderem entre eles e enfrentarem as problemáticas/dificuldades. Assim a

tecnologia é uma ferramenta que auxilia no processo pedagógico. Nessa lógica,

Kenski (2003, p. 21) explica que “o homem transita culturalmente mediado pelas

tecnologias[...] Elas transformam suas maneiras de pensar, sentir, agir. Mudam

também suas formas de se comunicar e de adquirir conhecimentos.”

E consciente que na contemporaneidade, inserido em um novo momento

tecnológico, mais moderno. Segundo Kenski (2003, p. 24) “a ampliação das

possibilidades de comunicação e de informação, por meio de equipamentos como o

telefone, a televisão e o computador, a forma de viver e de aprender na atualidade“.

Neste sentido, o acesso a informação ocorre de forma imediata e o aprendizado

também.

Além dessa metodologia encontrada pelos membros de compartilhar

conhecimento por meio de vídeos, a diretoria com a pretensão de gerar informação

entre o grupo de cooperados, no ano de 2016 confeccionaram o boletim informativo

(em anexo) da Sementes do Marajó. Esse gênero textual objetivou manter informado

os produtores e familiares sobre as ações sociais ocorridas na cooperativa, como

relata o diretor de comunicação,

Quando fazemos assembleia geral todo mês, aí a gente faz um resumo das ações, tipo assim, conversou com algum empresário, com investidor ou alguém do governo municipal ou com alguma Ong, fomo em Belém visitar o

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SEBRAE. Aí é como se estivesse prestando conta com todos os nossos parceiros, tanto com nossos investidores das Ongs e principalmente com o produtor. Aí o jornal a gente imprimia e dava pro produtor lê na casa dele. Uma forma de deixar ele atualizado. (Carlos Roberto Baratinha Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

É com essas atitudes de trocas de conhecimentos e informações que o

processo educativo ocorre, sejam elas entre os membros, familiares ou ainda na

extensão com outras cooperativas, atitude comum entre eles. Ainda assim, buscam

parcerias e outras experiências mais concretizadas, como ocorreu com a interação

da cooperativa CAMTA de Tomé Açú. Como o contexto que menciono é o campo

“temos consciência de que hoje onde há mais vida no sentido de movimento social,

onde há mais inquietação é no campo” (ARROYO; FERNANDES, 1999, p.09). Neste

cenário, o autor acrescenta que é no campo que buscam alternativas de trabalho por

meio das organizações, não se pode considerar que não há somente uma dinâmica

social no campo, ou movimentos sociais, mas também movimento pedagógico

(ARROYO; FERNANDES, 1999, p.09). Pois há um aprendizado contínuo nas

relações de trabalho, de família e de produção. Isso ocorre devido as parcerias com

instituições, no caso da cooperativa Sementes do Marajó, estão filiados ao

SISCOOP que é um sistema para controle de cooperativas,

Eles promovem eventos de muita boa qualidade, eles fazem intercâmbio, porque eles cuidam de várias cooperativas no Pará, desde as cooperativas grande como a CAMTA. A CAMTA é uma potência hoje, é uma cooperativa de japoneses em Tomé Açu. Aí tem outras menores, e nós somos um bebezinho assim, um embrião. Eles nos convidam a diretoria pra participar de eventos em outros municípios, os meninos daqui já foram visitar a CAMTA, eles foram vê a estrutura da CAMTA como é, foram visitar a área, a parte operacional, a parte de indústria, fábrica, a parte administrativa, aí isso é um aprendizado. Aí vira e mexe eles vão pra congressos, fazer intercâmbio com outras cooperativas, com outros gestores com outras experiências, nós fazemos isso. (Carlos Roberto Baratinha Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

A cooperativa busca alcançar suas metas por meio de sua organização social,

porém seguem as experiências solidificadas, existe um diálogo com outros grupos

mais experientes. Desse modo, os processos educativos perpassam todas essas

relações socioculturais dos membros sócios, resultando em um conjunto de

experiência, vivenciadas nesse percurso histórico. “Em se tratando de prática

pedagógica Therrien (1993) explica que os saberes da experiência são adquiridos

na prática docente e social”. No ambiente escolar o saber da experiência é

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importante, porque é o saber acumulado na sua trajetória profissional, que resultam

em um saber social. E como o ambiente ao qual me acentuo não é o escolar, mas

uma educação não- formal, o saber da experiência de cada membro é um saber

social.

É a experiência de vida que nos marca, segundo Arroyo; Fernandes (1999,

p.14) “é a experiência do trabalho, da produção, o ato produtivo que nos produz

como pessoas. O ser humano não produz apenas alimentos, roupas, ele se produz

na medida em que produz”. Dessa forma, cada membro aprende e ensina um ao

outro, por meio dos cursos e capacitações, nos acompanhamentos de outras

cooperativas porque as ações da cooperativa tem uma dimensão social, política e

pedagógica.

Dentro de toda essa formação, todos tem a consciência do compromisso de

cada um e o saber compartilhar o aprendizado, o bem a todos não é uma ação

comum nos dias atuais onde o poder econômico, o capital induz ao individualismo.

E na postura de classe mais explorada, é preciso ajudar um ao outro, ter atitudes de

mudanças. E como demonstra a narrativa sobre essa finalidade, “a gente tem a

pedra angular, né? Que é um por todos e todos por um[...]tá buscando não só pra

um, mas pro grupo”. (Luciene Barbosa da Costa, Pesquisa de Campo, 2017).

Esse aprendizado de querer o bem comum é a base da cooperativa, entende-

se por bem comum “quando este bem se torna comum” ou ainda “para afirmá-lo

comum é quando ele se estende a todos os membros da sociedade, isto é, quando

todos devem participar dele na devida proporção e com a mesma igualdade de

oportunidades” na cooperativa, destina-se aos membros sócios, em que todos

tenham uma vida melhor e cresçam juntos. Com esta atitude, afirma-se que o

“movimento social é educativo, forma novos valores, nova cultura, provoca

processos em que desde a criança ao adulto novos seres humanos vão se

constituindo” (ARROYO; FERNANDES, 1999, p.09). É pensando não somente em

si, mas também no grupo e consequentemente na comunidade que almejam

mudanças.

Nessa perspectiva do bem comum a todos é que foi instituída a cooperativa

devido à problemática desses produtores de açaí na comercialização do fruto, a

venda era local e tinham como compradores os intermediários, chamados pela

comunidade local por atravessadores, estes vinham de Belém, Cametá e a maioria

do estado de Amapá- Macapá. Vale ressaltar que os atravessadores de Macapá

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destinam essa produção a SAMBAZON uma empresa americana com filial naquele

estado.

É nessa relação de exploração pelos intermediários é que uniram-se e com a

cooperativa, houve uma mudança significativa na vida de cada membro, como

explica o produtor,

Olha pra mim ela mudou a cara de nosso aspecto de negócio, né? E pra mim também de vida, né? porque nós antes nós vendia pro atravessador aqui, nós tinha uma queda muito grande de produção porque hoje ele não baixa o preço do açaí muito, porque ele sabe que tem a cooperativa, e que a cooperativa ela tá antenada no mercado, até o próprio macapaense, se ele vier agora, ele já não vai chegar aqui e dizer eu vou dá tanto no açaí, ele vai perguntar quanto é que tá o preço lá na cooperativa, ele sabe que a cooperativa tá articulando no mercado lá fora. (Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

Percebe-se que dentre os inúmeros aprendizados na organização, na

comercialização e principalmente na vida de cada sócio foi importante, no entanto,

com as mudanças que ocorreram, houve um conflito, de um lado, os intermediários/

atravessadores querendo a produção, mas comercializando com valores baixos e de

outro lado, a cooperativa comercializando com valores de mercado (Belém). Nesse

seguimento, houve uma nova configuração na comercialização de incentivo ao

produtor de açaí, como expõe o produtor,

A visão da cooperativa, valorizar o produtor, valorizar o peconheiro, e com isso, se deu quase uma rivalidade entre eles e a cooperativa porque eles queriam baixar o preço e a cooperativa mantia o preço, porque de primeiro a gente num sabia, quanto tava lá no mercado lá fora, eles chegavam dizendo pra nós que o açaí tinha baixado e ninguém sabia, tinha que apanhar, porque o açaí se num tirar ele cai. Aí ti era humilhado, com a cooperativa não, foi deferente. (Herde Barreto Maia, Pesquisa de Campo, 2016).

Nessa comercialização, o produtor era explorado por não saber o valor de

mercado da rasa de açaí, mas a partir da criação da cooperativa, houve uma

valorização do preço de Belém.

Nessa sequênica Gohn (2012,p.58) explica que, “as práticas reivindicatórias

dos movimentos passam por processos de transformação”. Ainda assim com essas

transformações, “a pressão e a resistência tem como efeitos demarcarem alterações

nas relações entre os agentes envolvidos.”

Assim, com conflitos entre cooperativa e alguns produtores, desta vez, por

qualidade, pois a cooperativa estipulou alguns critérios na qualidade da produção e

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muitos não queriam obedecer essa lógica, e foi notável em conversas informais com

os não cooperados, se recusando a comercializar com a cooperativa devido as

exigências, e considerarem “açaí de “luxo” ou ainda “são muito luxento”, expressões

usadas por eles.

Os produtores da cooperativa, depois de muita exploração, perceberam a

importância de um movimento organizado e unido, para trazer os benefícios para

uma comunidade. De forma muito preliminar, pode-se considerar que a função da

cooperativa representa uma outra lógica, diferente do capitalismo. É interessante

destacar que para Rios (1987, p.15) “a única finalidade de uma cooperativa consiste

em prestar serviço a seus próprios associados- proprietários- usuários, e suas

atividades constituem uma parte das atividades totais da empresa individual de cada

associado”.

Nota-se o papel fundamental dessa organização “as cooperativas são um tipo

de empreendimento em que o motivo de “serviço” substitui o de “lucro” e em que o

grupo “proprietário- usuário” substitui o ‘intermediário’ ”(RIOS, 1987, p.16). Após a

criação da cooperativa, a comunidade se reuniu em busca de parcerias para a

venda de suas produções, na busca de expansão do açaí e diminuição de

intermediário. Cito diminuição e não anulação, pois como o açaí faz parte de uma

cadeia produtiva, é difícil não ter intermediários, mas uma diminuição no processo

de venda. E com a união buscaram um direcionamento,

A própria opressão imposta pelo mundo de produção capitalista aos trabalhadores veio criando nestes a possibilidade da contestação, da revolta, da organização política por meio de mecanismos de disputa de poder, como sindicato, colônias de pescadores e outros movimentos sociais. (RODRIGUES, 2012, p. 28).

Foi em busca de valorização do açaí e do trabalho de cada produtor, que a

cooperativa surge e tem como finalidade a saída da opressão do capital. E assim

como trabalho autônomo interferindo no modo de vida de toda a comunidade. E

desse modo, tendo resultado positivo nessa organização social, aos poucos a

cooperativa foi se estruturando. E por meio de suas ações definidas em reuniões no

sentido de delinear o andamento ou procedimentos a serem realizados, é que

configura-se como educação, uma vez que uma cooperativa é baseada nas

decisões coletivas e não isoladas. E dessa maneira, o trabalho é feito em regime de

cooperação, como comprova a narrativa:

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O trabalho tá dando certo, hoje tá dando frutos e a gente tá muito feliz com isso, entrando no mercado, já com segurança, agregando valor pra nossa produção, isso aí, uma luta a mais de doze anos que vem lutando e graças à Deus a gente tá conseguindo concluir, tirar proveito disso. (Miguel Baratinha de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

Com resultados satisfatórios em uma ação grupal, empreende-se uma

finalidade de modificações sociais, políticas e pedagógicas, reiteradas por uma

dimensão social. A realização das ações concretiza-se com a venda da produção

diretamente ao mercado consumidor. No entanto, além disso, as maiores mudanças

que a cooperativa buscou alternativas, refere-se a problemática local, relacionadas

as estações do açaí,, pois no verão é o período da safra do açaí que consiste na

produção em grande escala e marcado pela fartura e como contraposição, no

inverno que é conhecido pela entressafra, isto é, não há produção do fruto, a

configuração é de escassez, essa situação é relatada pelo produtor,

A diferença é muito grande, né?. E hoje a nossa preocupação é em cima disso, né? porque você tem 5 meses de safra, como disse, 5 meses de vaca gorda, mas você tem 7 meses de vaca magra. Que não tem de onde tirar. (Miguel Baratinha de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

E assim os ribeirinhos vivem nessa contradição de fartura e escassez do fruto,

isso faz com que seja uma das maiores preocupações da cooperativa para com os

sócios, a intenção é ajudar um ao outro, ou melhor, de tentar equilibrar os períodos

de safra e entressafra do açaí. Uma das soluções da cooperativa é fazer com que

cada membro deixe uma reserva em dinheiro do verão para a sua sobrevivência no

inverno, e nesse sentido, orientando-o para uma educação financeira, pois a

educação e o aprendizado dessa aplicação financeira interfere na vida de cada

indivíduo, visto que os “conhecimentos práticos de educação financeira

podem[...]melhorar a gestão de nossas finanças pessoais, tornando nossas vidas

mais tranqüilas e equilibradas” BANCO CENTRAL DO BRASIL ( 2013, p.11).

Em relação a essa problemática o presidente (2014-2016) da cooperativa

explicou,

Hoje a nossa preocupação em cima disso, porque os nossos produtores eles não tem assim, uma educação né?, É... de contabilidade e saber se planejar, fazer a coleta para que ele também tenha uma reserva pra essa antessafra, né? Que quando entra o inverno de janeiro em diante acabou a safra, acabou o dinheiro, né?.(Miguel Baratinha de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

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Em relação a esse período difícil para todos, foi constatado durante a

pesquisa e quando resolveram criar a cooperativa com propósito de melhorar a vida

dos próprios produtores, percebe-se um educação voltada para a educação

financeira de planejamento financeiro, de contabilidade, visto que,

Infelizmente, não faz parte do cotidiano da maioria das pessoas buscar informações que as auxiliem na gestão de suas finanças. Para agravar essa situação, não há uma cultura coletiva, ou seja, uma preocupação da sociedade organizada em torno do tema. Nas escolas, pouco ou nada é falado sobre o assunto. As empresas, não compreendendo a importância de ter seus funcionários alfabetizados financeiramente, também não investem nessa área. Similar problema é encontrado nas famílias, onde não há o hábito de reunir os membros para discutir e elaborar um orçamento familiar. Igualmente entre os amigos, assuntos ligados à gestão financeira pessoal muitas vezes são considerados invasão de privacidade e pouco se conversa em torno do tema. Enfim, embora todos lidem diariamente com dinheiro, poucos se dedicam a gerir melhor seus recursos. BANCO CENTRAL DO BRASIL ( 2013, p.11).

Assim, a educação financeira deveria faz parte da vida cotidiana de cada um

porque o consumismo de forma planejada e consciente, “não significa restringir

gastos e deixar de comprar”, mas de equilibrar. E nessa lógica, “não se trata de

fazer menos de tudo[..] é fazer mais daquilo que é mais relevante[...] e menos

daquilo que é menos relevante para sua realidade” BANCO CENTRAL DO BRASIL

(2013, p.35). Com uma educação financeira evita-se gastos desnecessários e

endividamentos.

Como o contexto é o ribeirinho a lógica difere do urbano, no meio rural não se

trata de consumismo, mas uma preocupação em gerir uma renda financeira que tem

um tempo limitado, que é a safra do açaí. Dessa maneira, o produtor de açaí precisa

ter um consumo planejado e consciente “o consumir mais não significa

necessariamente gastar mais. Consumo planejado é fazer mais com a mesma

quantidade de recursos” BANCO CENTRAL DO BRASIL (2013, p.36). A educação

financeira tem a finalidade de dispor de um capital/sobras para a manutenção da

vida na entressafra. Desta forma, “a mudança de hábito permite consumir mais e

melhor, mas para isso, é necessário ter disciplina”. BANCO CENTRAL DO BRASIL (

2013, p.36).

Percebe-se que todos concordam e estão amadurecendo esta idéia, fazendo

uma analogia metafórica com a fábula “a cigarra e a formiga”, assemelha-se no

sentido de que devem trabalhar no verão que é a safra do açaí conhecida por “vaca

gorda”, para um planejamento de renda financeira para a manutenção de vida no

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inverno, que é o período de “vaca magra” e ter como sobreviver, sem passar

necessidade. E na melhoria de vida é que trabalham, pois,

A nossa preocupação é essa que a gente, nossos produtores eles possam chegar no final do ano, mas eles terem uma poupança de 5.000, 6.000 ou 10.000 mil cada um de acordo com a sua produção, e eles saberes planejar isso pra esses 7 meses que são de grandes problemas financeiro,né? Então hoje o que é que a gente tamo fazendo é incentivar os cooperados a plantar, criar, né? Ter sua hortaliças, hoje tem mercado pra isso, né? Criar o frango, criar o porco, enfim, plantar banana, abóbora, a macaxeira que hoje tem comércio né? Pra agricultura familiar, pra venda da merenda escolar, só falta produzir né?. Tá trabalhando isso e eu acredito que daqui a um ano, ou dois anos isso aí vai mudar totalmente.(Miguel Baratinha de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

Com a intenção de ter condições financeiras no inverno, além disso, a

cooperativa também estimula a produção agrícola e criações seja de porco, pato,

galinha, galo. Para Arroyo; Fernandes (1999, p.14) “a terra é mais do que terra. A

produção é mais do que produção. por quê? Porque ela produz a gente.” Neste

sentido, há um incentivo em plantar, pois “a cultura da roça, do milho, é mais do que

cultura [...] É o processo em que se constitui sujeito cultural” (ARROYO;

FERNANDES, 1999, p.14). É a produção, o trabalho que produz o ser humano.

Desta maneira, “nós temos que recuperar os vínculos entre educação e terra,

trabalho, produção, vida, cotidiano de existência, aí que está o educativo”

(ARROYO; FERNANDES, 1999, p.14).

E percebemos uma educação no planejamento de vida, a dimensão política,

social e pedagógica da cooperativa em decorrência da materialidade histórica

vivenciada pelos produtores de açaí. As suas ações na comunidade criou-se uma

perspectiva de vida, para os produtores,

Agora melhorou mais, né? com a cooperativa, porque quando a gente vendia assim, antes de ter isso a gente pegava todo o dinheiro e gastava tudo, quando chegava no inverno, no período que terminava a safra do açaí, aí num tinha, nem açaí, nem o dinheiro mais, porque num tinha, a gente num tinha, em cabeça assim,pra depositar, né?, uma coisa que fosse servir pra mais tarde, aí a gente, que dinheiro em mão de pobre, já sabe como é, pegou hoje, amanhã num tem, dura pouco demais. (Vicente de Paula Firmino de Oliveira, Pesquisa de Campo, 2016).

É com este objetivo de aprendizagem que não deve-se olhar somente para a

escola ou ainda para o programa, currículo, metodologia e a titulação dos

professores. É preciso ir além disso, “como educadores temos de olhar e entender

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como nesse movimento social vem se formando, educando um novo homem, uma

nova mulher, criança, jovem ou adulto“ (ARROYO; FERNANDES, 1999, p.10).

Na verdade, as lutas e intervenções dos inúmeros grupos e manifestações,

sempre fizeram história nas diversas áreas, pois muitas vezes é preciso sair do

próprio lugar para reivindicar direitos e neste sentido os movimentos sociais

possibilitou uma identidade sociocultural. Para uma cooperativa se fortalecer é

imprescindível muitos saberes para manter a dinâmica do movimento social, como

explica o presidente (2014-2016),

Ponto principal pra um líder de uma cooperativa, de uma associação, e até mesmo de uma comunidade, o ponto principal é a disponibilidade, se você tá disponível a sair e enfrentar todos os obstáculos que vem, isso são as precisãos que tem, e você saber ser um líder de empreendimentos social, né? Você tem que tá com toda aquela carisma com as pessoas porque eles não tão acostumados com isso. Você tem que saber conversar com eles, tem que chegar com eles e dizer quais são os requisitos, quais são os deveres deles, os direitos e deveres deles pra eles poder entender e você ter aquela carisma com o povo, uma pessoa social, ser uma pessoa carismática, chegar e atender todo mundo, sempre eu digo que as brincadeiras, os sorrisos, eles fazem parte disso aí, e também o conhecimento, como você chegar e ter um movimento social e se você não tem conhecimento por onde caminhar pra ir buscar recurso, pra ir com uma empresa pra fechar contrato com as suas produçãos, quais são as pessoas que você deve procurar pra lhe encaminhar, né?, e daí em diante quando você funda você tem que ter um contador, você tem que ter uma acessória jurídica, você tem que ter um grupo de diretoria muito bem fechada, que possa responder a expectativa do sócio, tem que ser transparente, ser honesto, isso são as principal coisa, porque o sócio a partir que ele desconfia em você, você acaba quebrando um todo, uma organização que você levou anos pra organizar, quando você se vê no mercado, você não ter transparência, você acaba quebrando uma organização de muitos anos, então, isso aí são os principal ponto, que nós chamamos a pedra angular, é um por todos e todos por um, né? e ter essa fidelidade com seus sócios, com seus parceiros de trabalho né? então isso é o que a gente recomenda que todos que tão na diretoria tem essa mesma responsabilidade, eu como presidente a responsabilidade é maior, que eu tenho que tá acompanhando de todo e fazendo apresentação, prestação de conta direitinho, quanto de recurso entrou, quanto saiu, quanto tem na conta,né? quanto você entregou de produção, porque você vai receber menos, porque aquele tá recebendo mais, então tudo isso são coisas que você tem que ter como...Tem que ter o controle de tudo, pra depois não dizerem olha fulano tá passando a perna, isso ou outra coisa, tem que ter todo um controle muito bem elaborado. (Miguel Baratinha de Moraes, Pesquisa de Campo, 2016).

Neste sentido, Rodrigues (2012, p.80) explica que “os saberes sociais

ganham especificidades, conforme são travadas as relações sociais pelos

trabalhadores com o capital” de modo que percebemos inúmeros saberes sociais na

cooperativa, pois precisam de saberes sociais, éticos e políticos. Que emergem em

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saber conversar, saber ser líder, ser uma pessoa social, ser carismático, ter

conhecimento de como buscar recursos, saber fechar contrato, ser transparente, ser

honesto, ter estratégia e organização de equipe. Alguns estão atrelados a atitudes

comportamentais e valores éticos; outros ao político; de conscientizar cada um sobre

a sua formação, reconhecimento de seus direitos e deveres e interferir no meio

social e o pedagógico; seguir o regimento, estatuto e a sua principal característica

de cooperativismo, ter decisões coletivas e não individuais. Com a criação da

cooperativa a sua função social é evidenciada por todos os membros, “o movimento

social nos coloca no terreno dos direitos [...] nos leva a vincular educação com

saúde, cooperação, justiça, cidadania” (ARROYO; FERNANDES, 1999, p.09).

É fato que ser humano é ser aprendente, e a cada momento adquire

informações novas, isso acontece porque são seres inconclusos e os saberes são

resultados de um percurso histórico. Porém os saberes que vão se acumulando ao

longo da própria vida dão sustentação nas atividades diárias, assim mesmo como na

dinâmica vivenciada pelo produtor da cooperativa.

As mudanças, os aprendizados, a pressão e a resistência são fatores

determinantes nas ações transformatórias. Freire (2015, p.52- 53) ressalta “gosto de

ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas, consciente do

inacabamento, sei que posso ir mais além dele”. O importante não é ser

condicionado, porém, reconhecer esta postura e querer ir além disso, ou seja, agir e

ser determinado. Nesta perspectiva, ter a capacidade de querer sempre receber

informações novas. Freire (2015, p.53) acrescenta,

Gosto de ser gente porque, como tal, percebo afinal que a construção de

minha presença no mundo, que não se faz no isolamento, isenta da

influencia das forças sociais, que não se compreende fora da tensão entre o

que herdo geneticamente e o que herdo social, cultural e historicamente.

E nessa possibilidade de pensar e criar que o homem socializa com os outros,

cria laços afetivos e sentimentais, não podendo fazer a sua identidade de forma

isolada. Contudo, o aprendizado se efetiva no seio familiar ou na coletividade. Nas

heranças, em grande parte, ocorre pelos ensinamentos dos avós, pais e pessoas

idosas e vice e versa.

Freire (2015, p.50) considera que ensinar está diretamente ligado ao

“inacabamento do ser humano”. Na verdade, o inacabamento do ser ou sua

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inconclusão é próprio da experiência vital, na qual todos nós estamos inserido e

nesta relação o homem nunca domina tudo, pois sempre tem algo a aprender. No

lugar do estudo essa ideia de que somos seres aprendizes está presente na relação

com a natureza, na prática de apropriação, por meio das quais o ribeirinho renova-se

cotidianamente. Imersos em uma nova configuração social.

5.1 As dimensões político- pedagógicas na apropriação e distribuição do açaí

Neste trabalho as dimensões estão calcadas nas bases das teias das

relações sociais na Cooperativa Sementes do Marajó. Na visão de Veiga; Fonseca

(2001, p. 45), as dimensões político-pedagógicas direcionam- se para o desafio de

novas trilhas, esse ato de trilhar é o mesmo que, “percorrer, palmilhar, abrir novos

caminhos, andar em busca de novos rumos”. É neste sentido que a cooperativa

deseja intensamente percorrer por novos horizontes.

Com uma preocupação na formação da identidade do sujeito, estes membros

sócios, deve-se levar em consideração os aspectos sociais, éticos e políticos.

Segundo Veiga; Fonseca (2001,p.222- 227).) esta formação da identidade são

classificadas em sociais, éticas e políticas. Nas relações Sociais o homem se faz

em inteiro contato pelo meio físico e social, isso corresponde a “perspectiva do

marxismo clássico a tese de que humano não nasce humano, mas se faz pela

história, tendo os seus limites dados pela cultura”. Assim o homem faz a ordem ao

mundo, organizando-o nas teias das relações. Nas relações Éticas significa que

“todo e qualquer ato praticado pelo homem está baseado em determinados valores

que, por sua vez, são intimamente ligados aos interesses que movem a ação do

sujeito social.” E por fim, nas relações Políticas significa que “a política pode ser

concebida como o mesmo trabalho de reflexão que os sujeitos realizam, porém, em

relação aos atos que eles praticam em sociedade, atingindo vida pública”. Logo,

cada ser humano constitui-se de suas relações sociais, éticas e políticas.

Em se tratando de educação sobressai as dimensões político-pedagógico.

Com base nesse entendimento, os produtores enfrentaram muitas dificuldades no

escoamento da sua produção. Em virtude disso, vendiam o açaí, como diz o ditado

popular a “preço de banana” para os intermediários que na sua maioria são

macapaenses e após todo esse sofrimento, de não ter o seu produto valorizado

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chegaram à percepção/ reflexão sobre a sua realidade na tentativa de uma

intervenção por melhores condições de vida e também de valorização do seu

trabalho e consequentemente do seu produto, que é o açaí. Nessa práxis, de

reconhecer a sua problemática e querer libertar-se e obter melhorias para a sua

comunidade, é que ampliam-se os processos educativos nas suas dimensões

políticas.

A dimensão Pedagógica se estabeleceu no sentido de definir e organizar as

ações educativas, para cumprirem seus propósitos. Norteia toda a organização no

processo da apropriação e distribuição do açaí, é realizado pelos segmentos e

diretrizes discutidos e aprovados em reuniões e palestras. E por meio de todos os

procedimentos na apropriação e distribuição do açaí existe uma infinidade de

processos educativos, no entanto, o qual se sobressai em todas as etapas é a

união/cooperação, pois a cooperativa depende da atuação, compromisso e

responsabilidade de cada sócio, o trabalho em equipe. Fazendo uma comparação, é

como o “trabalho das formigas”, cada um exercendo a sua função para o bem de

todos, para a coletividade. Além disso, é toda forma de aprendizado por meio de

cursos e capacitações, vídeos, boletim informativo e nas relações sociais que

entendemos as dimensões pedagógicas.

O nosso contexto não é a escola, mas uma educação não-formal

(cooperativa), portanto é como descreve Albuquerque (2015, p.2),

[...] a ayahuasca é uma planta professora por meio da qual é possível obter diversos conhecimentos. Nessa direção, este texto descreve alguns saberes apreendidos na experiência pedagógica com essa planta entre adeptos da religião do Santo Daime, no sentido de fomentar uma reflexão sobre tais saberes e a epistemologia que os caracterizam. A religião do Santo Daime está sendo interpretada como uma escola com uma proposta pedagógica própria, um conteúdo de ensino, um método, uma visão de conhecimento e formas de disciplinamento. Contudo, este texto se restringe ao conteúdo (saberes) que as pessoas dizem ter aprendido com a ayahuasca/ daime.

É nesta perspectiva que caracterizo este espaço educativo, a cooperativa,

como saberes resultantes das experiências do grupo e da vivência na comunidade

por meio do processo de apropriação e distribuição do açaí. Dessa maneira, como a

ayahuasca ensina, a cooperativa e o movimento social também ensinam.

Por meio dos saberes, que são conhecimentos históricos e sociais, o

processo educativo se configura quando é utilizado e repassado a outras gerações,

assim, nas diferentes culturas, e na paraense, a dinâmica não é diferente, é comum

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as experiências serem repassadas de pais para filhos, principalmente pela oralidade

ou por meio do próprio fazer cotidiano. Os saberes que estão presentes e

dinamizam diferentes ambientes, que foram adquiridos com os mais velhos e

assumem instrumentos do fazer e do viver, e a partir disso o aprendizado vai ser

estabelecido.

Medaets (2011, p.6) ao relatar a sua pesquisa no rio Tapajós, à

aprendizagem, ocorre de diversas formas: seja pela orientação dos pais, às vezes

pela simples observação, ou ainda por ninguém, e assim quando ela fez a pergunta

questionando o aprendizado “e com quem você aprendeu?” muitos respondem “com

ninguém” como algo que já nasce com o próprio indivíduo, há uma facilidade para a

criação ou outra resposta comum “[...] foi assim, veio da minha cabeça mesmo.Um

dia eu resolvi começar a fazer e fiz” a maioria das aprendizagens/ saberes ocorre

pela observação ou atenção “só de olhar já sabe fazer” “não precisa duas vezes, só

ela ver a gente aqui fazendo, ela já faz” ainda pela capacidade e paciência em fazer

“se eu olhar bemzinho uma coisa, eu aprendo”. O que também foi identificado nas

conversas informais das comunidades pesquisadas, a educação é estabelecida

sempre pelo ensinamento dos pais, pela observação e sozinhos por meio das

experiências no cotidiano.

5.2 Um olhar sobre a Cooperativa Sementes do Marajó

Como o espaço é não- formal (cooperativa/cooperados) despertou-me o

interesse em saber como os membros (não sócios) da comunidade local avaliam a

criação da cooperativa na vida dos ribeirinhos.

Na avaliação sobre a cooperativa, a produtora explica que existem as duas

modalidades de comercialização, a do “Porto do Açaí” e a do comércio que

atualmente é a “Cantina do Açaí” (Fundo solidário), e que houve um benefício em

relação ao valor da produção, conforme narrativa,

Aí já veio esse projeto aí, né? Tem do comércio e tem do porto, né? Aí, Porque di antes a gente vendia o produto, o açaí, sem ganhar um centavo, e nós ainda vendia barato, barato, barato. Nós cheguemo vender a rasa do açaí, de um real. Aí a gente num tinha ganho de nada, aí dipos que eles começaro com essa associação aí, o preço do açaí aumentou...aumentou o preço do açaí...só qué assim como eu tô te falando, a gente num ficou cadastrado do comércio, ele tá cadastrado do porto. Mas ele é cadastrado com todo o documento dele, CPF, identidade, tudo, sabe. Aí todo ano, no início do açaí, quando ele começa a tirar o açaí pra vender, ele vai renovar

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o cadastro dele, sabe? Entendeu? É....aí, assim, se ele vender dez rasa de açaí, um real dele fica lá, sabe? Já fica no envelope dele. Cada uma pessoa do porto tem um envelope...é...tem um envelope, eles tem tudinho lá. Aí, assim quando chega..apanha no verão inteiro...daí que quando chega no final de ano, eles vão perparar um envelope tudinho, bater quanto deu aquela quantia lá, do açaí que a gente vendeu, aí ele vai bater tudo, aí ele vão fazer a entrega. Aí ele devolve tudinho....o saldo da pessoa. Aí até que a gente se demo bem pra vender..porque no final do ano dá bem pra despesa né? ...e parece que foi R$ 300,00 (Trezentos Reais) a modo, que ele tirou de saldo, porque aqui eles tiram muito açaí...é ...porque a gente tem esse terreno grande aqui e tem outro lá pra Bela Pátria no Camucu,..aqui eles tiram negócio de 20 a 30 rasa por dia..é... tira muito açaí aqui....porque de primeiro a gente vendia açaí aqui e a gente não tinha lucro de nada. Não, não! Aí, agora depois da associação não. Agora já é bem vendido o açaí aí né?. Olha quando não tinha associação aqui a gente vendia pro barqueiro, os barqueiro era de Macapá, barqueiro de Boa Vista, sabe?.(Ana Lúcia Borges, Pesquisa de Campo, 2017).

Neste sentido, há um reconhecimento e distinção sobre a atuação da

cooperativa na comunidade, com a valorização do açaí e o reembolso no final da

safra do valor total da produção que antes era do intermediário. Percebe-se que

quanto a isso há uma credibilidade e confiança, em receber aquele valor que ficou

depositado, há uma garantia por parte da cooperativa.

O “Porto do Açaí” foi construído para a arrecadação da produção do açaí,

percebe-se que houve mais que uma praticidade e facilitação, na verdade é uma

garantia da comercialização do açaí, como explica a produtora,

Olha esse ano agora, eu já fiz a entrega já aqui no porto, sempre foi quase pro atravessador, né? Que aí a gente num tinha condição de levar, eu vendi pouco lá... agora fizeram esse porto aí. (Maria Izabel Firmino Monteiro, Pesquisa de Campo, 2017).

Havia uma relação direta com o atravessador, e vendiam porque não tinham

opção de escolha, o intermediário ia de casa em casa encostando a embarcação e

mesmo com preço baixo, eram obrigados a vender.

Quando chega o final da safra a gente tem um pouco lá, né? Aí aqui no atravessador não, acabou, acabou, aí já foi uma diferença grande que tivemo aqui. (Maria Izabel Firmino Monteiro, Pesquisa de Campo, 2017).

No “Porto do Açaí” a diferença é grande em relação a preço, e também os

resíduos que ficam depositados são mais uma garantia de receberem no final da

safra, como na narrativa,

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Olha às vezes, sim, porque lá é sempre um preço, e no atravessador é outro. né? Aí mas às vezes por isso eu já continuo no porto mesmo.(Maria Izabel Firmino Monteiro, Pesquisa de Campo, 2017).

Essa é uma das grandes vantagens do ribeirinho entregar a sua produção

para o “Porto do Açaí” porque há diferenciação no valor, o intermediário sempre

paga um valor menor do que o da cooperativa, como explica a produtora,

Eu sou associada só no porto....porque eu num foi lá no dia da reunião, eu num tava sabendo, a mamãe tava muito doente, eu num foi lá...olha até que é bom o trabalho deles, do jeito que eles tão, mas...eu acho assim que pra mim, eu acho que num dá, né? É assim, eu sou mulher que é diferente do homem, tem que trabalhar, tem que ajudar lá, Né? Porque vai depender de cada um sócio, né? Que é fazer a parte dele, né? Então eu aqui ..eu acho que pra mim num dá por esse motivo... e eu já tenho outros compromissos, aqui em casa, eu já num posso sair, ta saindo...só saio as Carrera. (Maria Izabel Firmino Monteiro, Pesquisa de Campo, 20

A produtora de açaí reconhece que a atuação da cooperativa é um trabalho

bom e notado por todos, no entanto, que ficou somente cadastrada no porto pelo

fato de que não tem condições físicas e nem de tempo para dedicar-se as atividades

da cooperativa, pois cuida de sua mãe e não pode ficar saindo.

A avaliação do produtor é que ele comercializa com o “Porto do Açaí”, mas

não toda a sua produção de açaí devido os filhos se comprometem com os

intermediários/ atravessadores. E em relação ao comércio, atualmente “Cantina do

Açaí” não avalia positivamente conforme explica,

Olha eu entreguei, por causa que a gente num entrega tudo, né? Aí vem um,...os meninos pegam dum pegam doutro...mas eu deixei lá essa safra 400 latas....não por causa que, eu num quis ser sócio ainda do comércio, porque é uma coisa.... num acho muito bom, não. Porque negócio do comércio é mais diferente do açaí, né? Do açaí num tem negócio quando terminou a safra, terminou tudo. Do comércio não, o caboco tem que tá todo mês, tem que tá pagando uma porcentagem. Quando tá na época do inverno, fica difícil pra gente. né? Sou sócio só do porto. (Civaldo Serrão de Moraes, Pesquisa de Campo, 2017).

Mesmo não entregando toda a produção de açaí ao porto. Contudo, fez uma

prática comercial de quatrocentos (400) rasas de açaí, que é uma quantidade

numerosa. E em relação a ser sócio membro da cooperativa, relatou que não tem

condições financeiras, ele se refere ao pagamento da quota-parte, que é um capital

obrigatório de todo cooperado, conforme determina o Estatuto da Cooperativa,

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Cada cooperador integralizará mensalmente uma quota-parte no valor de R$ 80,00 (oitenta reais), e as restantes em 11 (onze) parcelas de R$ 80,00 (oitenta reais), iguais, e sucessivas em moeda corrente do país, totalizando o montante de R$ 960,00 (novecentos e sessenta reais), a contar desta data. (Estatuto da cooperativa,18.12.2014).

E com essa quota- parte o produtor passa a exercer a função de cooperado.

Em relação às narrativas, elas comprovam que a cooperativa possui uma distinção

como organização social na comunidade e oferecendo benefícios a todos, quando

reconhecem a mudança no valor da produção do açaí, e tendo praticidade e

referência no “Porto do Açaí” como local de comercialização imediata. No entanto,

existem ainda os que avaliam como algo não benéfico, pelo fato de serem duvidosos

em relação ao fortalecimento da cooperativa e de não conhecerem a importância

que um movimento social organizado pode trazer benefícios/ mudanças para uma

comunidade ribeirinha.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A população ribeirinha do estuário amazônico marajoara relaciona- se com

uma das maiores diversidades da fauna e da flora. E da relação cultura e natureza

faz-se pelo conhecimento empírico, isto é, todo conhecimento adquirido, que se faz

pela experiência. Para Silva (2007, p.53) “o modo de vida das comunidades está

diretamente imbricado com a natureza, são dependentes do acesso aos recursos

naturais.”

Durante essa caminhada de pesquisa na comunidade Sagrado Coração de

Jesus no rio Tartaruga- afluente do rio Canaticu no município de Curralinho,

constatei os inúmeros saberes, assim, ao adentrar esse universo, concordamos com

os estudos de diversos autores como Maturana, Santos e Brandão que abarcam

uma educação que realiza-se nos ambientes informais, Maturana analisa que “todo

hacer es conocer y todo conocer es hacer”, assim evidencia-se que os saberes são

conhecimentos.

Esses saberes que perpassam nas diversas atividades do cotidiano do

ribeirinho, como na pesca, na produção de farinha, no artesanato, na colheita de

frutos, no extrativismo, dentre essas, destaco uma, a dos produtores de açaí que

caracterizo-os como uma diversidade cultural permeada de práticas educativas ao

qual se propôs minha pesquisa. Desse modo, minha análise dessas práticas foi

classificada em duas categorias: a apropriação e a distribuição do açaí. Desta forma,

por meio desses saberes e experiências na apropriação e distribuição do açaí, foi

essencial discorrer sobre a literatura dos açaizais, para evidenciar a importância

cultural que representa para o povo amazônico marajoara.

Inicialmente menciono a apropriação do açaí, uma vez que os produtores

realizam diversas atividades demonstrando o apego com o fruto, por isso, o uso

dessa expressão. Assim, são muitas as formas de se apropriar do açaí, do território

do açaizal e outros. O território do açaizal é lugar “sagrado” onde eles mantém a

organização desse espaço, a ordenação e tipo das árvores, por isso denomino

território dos açaizais, é onde as famílias em união realizam o trabalho braçal de

limpeza e manutenção, logo, um espaço de vida.

Outro fator importante na produção do açaí é o acesso ao fruto, que

dependem unicamente do tempo da natureza, isto é, o tempo ecológico e cultural do

açaí, que ocorrem nos períodos de safra e entressafra. A safra representa fartura do

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fruto que resulta numa demanda grande do fruto, tanto no consumo quanto para a

comercialização. Na prática comercial, os produtores conseguem arrecadar valor em

dinheiro para adquirir bens e para a sua sobrevivência e a entressafra é o período

de escassez, em que os produtores passam por dificuldades e buscam outras

alternativas para sobreviver e um dos objetivos dos membros sócios é tentar

equilibrar esses períodos com reservas em dinheiro.

Evidencio a apanha do açaí, por ser a atividade principal de coleta do fruto do

açaizeiro, assim, é uma atividade que ocorre com muito esforço físico e na apanha

há uma organização que ocorre por etapas seqüenciais, como: o saber fazer e

utilizar peconha, saber tecer e utilizar a rasa, saber identificar e selecionar os frutos,

saber subir no açaizeiro, saber debulhar o açaí, saber proteger o corpo. Cada

atividade dessas está permeada de muita prática e conhecimentos culturais, onde os

filhos aprendem com os pais, pois acompanham os pais desde cedo nas mais

diversas atividades de trabalho.

A segunda categoria de análise foi à distribuição do açaí, que contempla

diretamente a venda do açaí, nesse caso, foi preciso mencionar a origem da

cooperativa e seu papel na comunidade, uma vez que a venda se faz por meio

dessa associação. E principalmente os saberes exigidos a partir da criação da

mesma, como: saber preservar o caroço do açaí, saber fazer a higienização. Esses

saberes foram reformulados, mesmo por realizarem a apanha do açaí desde jovens,

por se tratar de associação houve novas exigências na prática da venda e

comercialização.

Outro fator constatado na pesquisa são os saberes matemáticos que são

utilizados no dia a dia uma vez que a venda se faz por meio de cálculos e

estratégias próprias. Na vivência em comunidade a venda ocorre diariamente, às

vezes também ocorre à permuta, que são trocas por valores equivalentes. E o que

impressionou são as facilidades que possuem para interagir com os valores, por

exemplo, são vários tipos de venda e as permutas com a farinha, com o açaí, com

os frutos.

Na prática comercial do açaí, criaram os Portos do açaí que são espaços

estratégicos para a arrecadação da produção do açaí, e em seguida a venda para os

destinos que são a cidade, mas esses espaços de venda, são também de relações

sociais/culturais. E nesse local, criaram os critérios do porto como normas e regras

para que cada produtor se adequasse a qualidade do produto. Embora ainda

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existam impasses entre produtores não membros, em relação às exigências do

“Critério de Apanha” e “Critério de Entrega” da cooperativa, pois não querem se

adequar as exigências do Porto do Açaí e foi comum ouvi destes produtores que não

entregavam o açaí para a cooperativa, porque a cooperativa exigia “um açaí de luxo”

ou “que são muito luxento”.

Inseridos nesse universo da apanha do açaí, a relação com o ambiente é

essencial, constatei os diversos saberes ambientais que são inseridos nessa prática

de acesso ao fruto, como: o saber do solo, o saber do tempo, o saber do fluxo da

maré, o saber transportar e o saber manejar. São fatores que influenciam

diretamente nessa prática cultural porque é muito importante reconhecer qual o

melhor território, a época, as estações, as marés, o transportar o barco ou canoa e

ainda o manejar, isto é, o cuidar e preservar o território do açaizal.

E como solução para a problemática na venda dos produtores, criaram a

cooperativa que surge como espaço educativo para os membros sócios, as

dimensões pedagógicas e a avaliação da cooperativa. Com a criação da cooperativa

houve uma mudança significativa na comunidade, resultando em minimização na

figura do intermediário/atravessador, porém isso não foi o mais importante, o grande

impacto da atuação da cooperativa e seus membros, foi à prática de

comercialização regular, a valorização do fruto e consequentemente do trabalho do

produtor de açaí, em virtude da cooperativa estabelecer o valor de mercado, gerou

conflito, pois o atravessador não detém hegemonia como antes, que determinava

valores, hoje eles seguem o valor da cooperativa, caso contrário, não conseguiam

arrecadar a quantidade desejada, visto que a maioria da produção do açaí é

comercializada diretamente com a cooperativa.

Outro fator observado é a qualidade da produção do fruto da cooperativa visto

que a cooperativa segue toda uma exigência de mercado e a produção dos

atravessadores não segue exigência, e os produtores que preferem vender a

produção do açaí para o atravessador, o açaí “vai de qualquer jeito”, isto é, às vezes

sujo (com muitos fiapos), parau (ainda não está bem preto), e fora do peso, quando

não é bem medido, resultando num produto de má qualidade e o da cooperativa tem

um padrão na qualidade.

Com a realização da pesquisa busquei identificar e mapear as práticas

educativas que perpassam na apropriação e distribuição do açaí, buscando dar

conta dos saberes que permeiam nesse processo. Desta maneira, evidenciando os

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produtores, que semeiam, extraem, manejam e ainda gerenciam a produção e

venda do açaí. Objetiva também, entender como se organizam nessa produção

econômica, assim como, o uso de estratégias e articulações de saberes. E foram

observados por meio do saber/fazer de suas práticas cotidianas que sobressaem

como experiências político-pedagógicas, as dimensões Político aplica-se no sentido

de compromisso com a formação do cidadão, tornando-se autônomo e reflexivo que

interferiu na sua própria realidade; a dimensão Pedagógica no sentido de definir as

ações educativas para cumprirem seus propósitos que estão imbricadas por meio da

cooperação.

O saber/fazer ocorre nas mais diversas atividades cotidianas, porém o

cotidiano neste trabalho não foi analisado no sentido de mesmices, e sim, dinâmico,

re-significados, onde cada morador busca aperfeiçoar o seu trabalho. Considerei o

trabalho como espaço de aprendizagem e não somente de forças produtivas, a

relação principal é que os trabalhos são feito na cooperação/ coletividade, nas

relações familiares, compadrio e amizade. É muito comum no trabalho de roça, a

organização faz-se por mutirão, convidado, onde todos trabalham em bem comum,

todos trabalham no roçado de uma família e depois consequentemente alternam-se

entre eles, até todos serem contemplados. Assim também no açaizal, o trabalho de

mutirão é realizado por todos da família, pais e filhos.

Portanto, entendemos também que “o ser humano define-se como produtor,

ser social, histórico e de práxis.” Assim faz a sua história baseada nas relações

culturais que possuem, crenças, concepções, é de acordo com o meio em que vive

que vai construindo a sua identidade/ individualidade. Porém a individualidade não

está separada do geral. O ser humano também tem o poder de interferir no meio

social, reconstruir seu espaço e ter voz na sociedade.

Na comunidade Sagrado Coração de Jesus localizada no rio Tartaruga. E

dentro do universo Amazônico, por ser a maior floresta destacando-se na flora e

fauna e porção de água doce, na sua extensão e riqueza sociobiodiversidade

sempre despertou-me interesse em estudá-la por ser uma cabocla marajoara e ao

cursar o programa de pós-graduação em educação da Universidade do Estado do

Pará, na linha Saberes Culturais e Educação na Amazônia que tive a oportunidade

de pesquisar e poder discorrer sobre a minha região, estudo este de muita

importância, pois são muitos os saberes que nossos ribeirinhos possuem e precisam

ser pesquisados. E queremos contribuir para a linha de pesquisa da Universidade do

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Estado do Pará e ratificando os saberes no cotidiano dos ribeirinhos por meio da

apropriação e distribuição do açaí.

Enfim, compartilhar o modo de vida de cada ribeirinho, chegar à comunidade

como pesquisadora e sair como aluna, foi fantástico, uma experiência e

oportunidade única. Os moradores com pouco estudo formal, modo de vida simples,

porém com grandes conhecimentos. Uma vida onde prevalece a união, o amor ao

próximo, a atenção, o respeito e principalmente a cooperação, o que difere da vida

moderna urbana. Foram nesse universo de saberes minha maior aprendizagem, as

melhores lições de vida, posso dizer que o espaço ribeirinho/ cooperativa é uma

escola que ensina, de fato, não a ser apenas um ser, mas um ser humano pleno e

viver em comunidade. E a maior lição que tive é o da cooperação como no poema

de João Cabral de Melo Neto que diz, “Um galo sozinho não tece uma manhã: Ele

precisará sempre de outros galos”.

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7. REFERÊNCIAS

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APÊNDICES

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ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

PERFIL DO ENTREVISTADO: Nome: Idade: Profisssão: Formação: Estado civil: Filhos: Local de nascimento/residência: Comunidade: Cargo que exerceu: Como você se organiza para a (coleta) apanha do açaí? Quem, como e porque cuidar do açaizal? Como se organizam na safra do açaí? como vivem na entressafra do açaí? Quais as mudanças entre a safra e entressafra do açaí? Como ocorre as etapas da (coleta) apanha do açaí? Como fazer e usar a peconha? Quem e como confeccionar as rasas de açaí? Como identificar e selecionar os frutos? Como subir no açaizeiro? Que cuidados deve ter? Quem faz a debulha do açaí? Quais e como proteger-se dos riscos que existe na (coleta) apanha do açaí? Como se faz e quais os materais necessários para a (coleta) apanha do açaí? Com quem aprendeu apanhar açaí? Como você organiza a sua produção para a venda? Como ocorre a prática de comercialização nos portos do açaí? Qual o melhor lugar (solo) para plantar o açaizeiro? Qual a influencia das marés na apanha do açaí? Qual a origem da cooperativa? O que é preciso para gestar uma cooperativa? Como são feitas a prestações de contas e sobras da cooperativa? Quais as mudanças que ocorreram antes e depois da criação da cooperativa? Como vocês se relacionam internamente na cooperativa? Como você avalia o trabalho da cooperativa na comunidade?

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

PROJETO DE PESQUISA:“SABERES E EXPERIÊNCIAS POLÍTICO- PEDAGÓGICAS NO PROCESSO ORGANIZATIVO DA APROPRIAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DO AÇAÍ EM COMUNIDADE MARAJOARA/PA.”

Venho por meio deste, lhe convidar a participar do projeto de pesquisa acima

citado.

A título de informação esta pesquisa é requisito para obtenção de título de

Mestrado do Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade do

Estado do Pará- UEPA e tendo como orientadora a Profª.Drª. Maria das Graças da

Silva.

E este projeto de pesquisa tem como objetivo Analisar os saberes que estão

inscritos nas práticas de apropriação,na organização associada dos apanhadores e

na distribuição do açaí em comunidade ribeirinha do município de Curralinho, PA.

É de suma importância contar com a sua participação por meio de entrevistas,

imagens fotográficas e vídeos.

_______________________

Orivalda Cerdeira feitosa

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu _______________________________, declaro que li as informações

sobre a pesquisa e que me sinto perfeitamente esclarecido (a) sobre o conteúdo da

mesma. Declaro, ainda, que por minha livre vontade, aceito participar tanto das

entrevistas como do registro fotográfico e autorizo a pesquisadora Orivalda Cerdeira

Feitosa a utilizar as informações os dados da entrevista e imagens fotográficas

registradas no cotidiano da produção do açaí.

Curralinho_____/_____/______

____________________________________

Assinatura do entrevistado

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LINHA DO TEMPO

DÉCADA DE 70

ANO 2002

ANO 2003 ANO 2004 ANO 2005

Origem das CEB’S (Comunidades de Eclesiais de Bases) com finalidade de catequizar a população no Município de Curralinho representou o grande marco do movimento social tendo como defensores padres italianos que embasavam suas concepções na Teologia da Libertação e pertenciam a ala progressista da Igreja Católica sob a coordenação de Dom AngêloRivatto –Arcebisto da Prelazia de Ponta de Pedras. Com este modelo de evangelizar e debater os problemas sociais influenciaram as organizações sociais e criaram a 1ª cooperativa, porém não regularizada, mas com espírito de cooperativismo. Com as precariedades sociais, os padres conseguiram vários recursos do exterior e investiram em ações sociais. Em 1975 fundaram o

. Envolvimento de Marcos Baratinha em igrejas, centro comunitário e cooperativas em Belém. Por motivos pessoais e em parceria com o político Zé Geraldo. Retorna a Curralinho- rio Canaticu para reorganização dos movimentos sociais nas comunidades. Instalam uma rádio comunitária (funcionando a motor a diesel) e foi uma ação de incentivo aos ribeirinhos.

Em conversas informais de Carlos e Marcos Baratinha com os agrônomos Guilherme, Luiz e Felício da Universidade Federal Rural da Amazônia – UFRA, surge uma proposta de parceria Para implantação do Projeto Manejo de Açaizais.

Marcos Baratinha candidatou-se e elegeu-severeador de Curralinho pelo Partido dos Trabalhadores; E com a entrada dele na política o movimento social ganhava destaque. Em parceria com o Sindicato rural de Curralinho realizaram o projeto de Manejo dos Açaizais beneficiando diretamente 12 famílias e indiretamente 72, com a concepção de serem multiplicadores daquele conhecimento.

Implantação do MOVA (Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos) no Rio Canaticu esta proposta de ensino baseada em Paulo Freire. Contribuindo assim para o fortalecimento dos movimentos sociais nas comunidades, pois uniu-se a educação e os movimentos sociais, para debaterem as problemáticas e reivindicações. Com a consolidação dessas parcerias as comunidades foram se organizando por meio de associações.

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Sindicato dos Trabalhadores Rurais e em 1984 a Colônia de Pescadores. Os padres plantaram a semente do movimento social. Com a ida dos padres os movimentos sociais continuaram, porém aos poucos ficaram enfraquecidos.

ANO 2006

ANO 2007 ANO 2008 ANO 2009 ANO 2010

Como as comunidades se organizando, as associações se fortalecendo e tendo um representando na política, os debates eram intensos sobre as problemáticas locais e então surge a idéia de um Núcleo Organizativo.

No intervalo dos anos de 2005 a 2007 criaram-se 8 associações no Rio Canaticu. Em virtude disso, houve uma organização mais sólida. Foi realizado o 1º Encontro das associações na comunidade Bela Pátria e este evento contava com a presença de vários órgãos e instituições. Em como movimento organizado emplementaram a Central de Associações (composta por 23 associações do Rio Canaticu).

Com a Central de associação por meio de parcerias houve a regularização fundiária (Gerência Regional do Patrimônio da União- GRPU atualmente Superintendia do Patrimônio da União- SPU) nas comunidades ribeirinhas incluindo mais de 2.000 famílias. Com o movimento fortalecido e ano eleitoral Marcos Baratinha é reeleito ao segundo mandato de Vereador. As ações da Central de

Realizou-se o 2º Encontro da associações para debaterem projetos sócias. Iniciou-se as intenções de comercialização do fruto para fábricas em Abaetetuba- PA.

A Central de associação realizou um evento na cidade de São Sebastião da Boa Vista –PA e realizaram intermediações e contatos com SEBRAE.

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associação continuaram e com projeto em parceria com o Governo do Estado do Pará adquiriram um barco para escoar a produção doaçaí para a capital

2010 A 2011

2012/2013 2014 2015 2016

Nestes períodos ocorreram vários cursos e capacitações pelo SEBRAE. A Central de Associações adquiriram 1.000 basquetas para transportar o açaí. Em parceria com a EMATER por meio do PRONAF B mais de 500 sócios receberam um financiamento junto ao banco BASA para investirem em suas áreas. Em parceria com órgãos como EMATER e Instituto IDEFLOR ofertaram um curso para mulheres em manejo florestal, o curso Mulheres Marajoaras, revitalização de pomares e processamento de frutos, teve duração de 1 ano na modalidade intervalar no rio Pagão –Comunidade Boa Esperança.

A Central de Associações em parcerias com as instituições PEABIRU e PRONATURA ofertaram um projeto de acordo de pesca, outra problemática é a quase extinção do pescado neste rio. Iniciou-se outro projeto da fábrica-escola do açaí. Com parceria da Petrobrás o PEABIRU realizou um estudo sócio- diagnóstico da cadeia produtiva do açaí e sobre o pescado no Rio Canaticu.

Das experiências do movimento social com a Central de Associações, culminou-se na Cooperativa Sementes do Marajó. Primeiro mandato de presidente da cooperativa Miguel Baratinha.

Em parcerias com PEABIRU e PRONATURA participaram de cursos e capacitações mensais em cooperativismo. A cooperativa realiza o 1º Festival do Açaí Rural do município de Curralinho no rio Tartaruga- comunidade Sagrado Coração de Jesus.

A cooperativa comercializou em média 35.000 rasas de açaí, a produção do açaí destinou-se para a Prefeitura Municipal de Curralinho e empresas PALAMAZ e ECO FOODS em Belém/ PA. A cooperativa realiza o 2º Festival do Açaí Rural do município de Curralinho no rio Tartaruga- comunidade Sagrado Coração de Jesus.

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2017

Eleição do 2º mandato de presidente da cooperativa Herder Barreto. Com funcionamento do Escritório na sede do município.

FONTE:FEITOSA (2016).

Relatos dos marcos históricos do movimento social narrado por Carlos Baratinha (Diretor de Comunicação e Marketing da Cooperativa)

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ANEXOS

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Universidade do Estado do Pará

Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação

Tv. Djalma Dutra S/N – Telegrafo www.uepa.com.br