saberes do direito - volume 56 - direito internacional privado - 1ª edição - ano 2012

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ISBN 978-85-02-16913-5

Monaco, Gustavo Ferraz de CamposDireito internacional privado / Gustavo Ferraz deCampos Monaco, Liliana Lyra Jubilut. – São Paulo :Saraiva, 2012. – (Coleção saberes do direito ; 56)1. Direito internacional privado 2. Direito internacionalprivado – Brasil I. Jubilut, Liliana Lyra. II. Título. III. Série.12-01350 CDU-341.5(81)

Índice para catálogo sistemático:1. Brasil : Direito internacional privado 341.5(81)

Diretor editorial Luiz Roberto Curia

Diretor de produção editorial Lígia Alves

Editor Roberto Navarro

Assistente editorial Thiago Fraga

Produtora editorial Clarissa Boraschi Maria

Preparação de originais, arte, diagramação e revisão Know -how Editorial

Serviços editoriais Kelli Priscila Pinto / Vinicius Asevedo Vieira

Capa Aero Comunicação

Produção gráfica Marli Rampim

Produção eletrônica Ro Comunicação

Data de fechamento da edição: 17-2-2012

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Dúvidas?Acesse www.saraivajur.com.br

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização daEditora Saraiva.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

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Apresentação

O futuro chegou.A Editora Saraiva e a LivroeNet, em parceria pioneira, somaram forças para lançar um projeto

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Diálogo entre o livro e o 1

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O conteúdo impresso que está em suas mãos foi muito bem elaborado e é completo em si. Porém,como organismo vivo, o Direito está em constante mudança. Novos julgados, súmulas, leis, tratadosinternacionais, revogações, interpretações, lacunas modificam seguidamente nossos conceitos eentendimentos (a título de informação, somente entre outubro de 1988 e novembro de 2011 forameditadas 4.353.665 normas jurídicas no Brasil – fonte: IBPT).

Você, leitor, tem à sua disposição duas diferentes plataformas de informação: uma impressa, deresponsabilidade da Editora Saraiva (livro), e outra disponibilizada na internet, que ficará por contada LivroeNet (o que chamamos de )1 .

No 1 você poderá assistir a vídeos e participar de atividades como simulados eenquetes. Fóruns de discussão e leituras complementares sugeridas pelos autores dos livros, bemcomo comentários às novas leis e à jurisprudência dos tribunais superiores, ajudarão a enriquecer oseu repertório, mantendo-o sintonizado com a dinâmica do nosso meio.

Você poderá ter acesso ao 1 do seu livro mediante assinatura. Todas as informaçõesestão disponíveis em www.livroenet.com.br.

Agradecemos à Editora Saraiva, nas pessoas de Luiz Roberto Curia, Roberto Navarro e LígiaAlves, pela confiança depositada em nossa Coleção e pelo apoio decisivo durante as etapas deedição dos livros.

As mudanças mais importantes que atravessam a sociedade são representadas por realizações,não por ideais. O livro que você tem nas mãos retrata uma mudança de paradigma. Você, caro leitor,passa a ser integrante dessa revolução editorial, que constitui verdadeira inovação disruptiva.

Alice Bianchini | Luiz Flávio GomesCoordenadores da Coleção Saberes do Direito

Diretores da LivroeNet

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Saiba mais sobre a LivroeNethttp://atualidadesdodireito.com.br/?video=livroenet-15-03-2012

1 O deve ser adquirido separadamente. Para mais informações, acesse www.livroenet.com.br.

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GUSTAVO FERRAZ DE CAMPOS MONACOS

Doutor em Direito Internacional pela USP. Mestre em Ciências Jurídico-políticas pela Universidade de Coimbra.Professor-Doutor do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da USP.Professor e Pesquisador da Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM.

LILIANA LYRA JUBILUT

Doutora e Mestre em Direito Internacional pela USP. LL.M. em International Legal Studies pela New YorkUniversity School of Law. Professora e Pesquisadora da Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM.

Conheça os autores deste livro: Assista ao vídeo: http://atualidadesdodireito.com.br/conteudonet/?ISBN=16912-8

COORDENADORES

ALICE BIANCHINI

Doutora em Direito Penal pela PUCSP. Mestre em Direito pela UFSC. Presidente do Instituto Panamericano dePolítica Criminal – IPAN. Diretora do Instituto LivroeNet.

LUIZ FLÁVIO GOMES

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Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa eCultura Luiz Flávio Gomes. Diretor do Instituto LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito(1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

Conheça a LivroeNet: http://atualidadesdodireito.com.br/?video=livroenet-15-03-2012

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Aos meus Professores e à minha família.Gustavo Ferraz de Campos Monaco

Aos meus alunos, pelo estímulo.Liliana Lyra Jubilut

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Meus agradecimentos são para meus alunos, que ao longode muitos anos têm contribuído para que minhas ideias

fiquem mais claras e minhas explicações menos nebulosas(ainda que longe do ideal...). Em especial, agradeço à Raquel,

que me ajudou na ordenação de minhas notas (escritase verbais) sobre o tema.

Gustavo Ferraz de Campos MonacoAos meus professores e à minha família, pela inspiração.

Liliana Lyra Jubilut

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Sumário

Capítulo 1 Fundamentos do Direito Internacional Privado

1. Noções introdutórias2. Nomenclatura e conceito3. Fundamento geral do direito internacional privado4. Gênese e desenvolvimento histórico do direito internacional privado5. Objeto

Capítulo 2 Nacionalidade

1. Noções introdutórias2. Critérios de atribuição da nacionalidade3. Critérios de perda da nacionalidade

Capítulo 3 Condição jurídica do estrangeiro

1. Noções introdutórias2. Entrada do estrangeiro3. Estada do estrangeiro4. Saída do estrangeiro

Capítulo 4 Concurso de Jurisdição

1. Noções introdutórias2. Competência internacional3. Cooperação internacional

3.1 Auxílio direto3.2 Acordos internacionais3.3 Autoridades centrais3.4 Cartas rogatórias3.5 Homologação de sentença estrangeira

Capítulo 5 Concurso de Leis

1. Parte geral1.1 Noções introdutórias1.2 Fontes1.3 Método

1.3.1 Noções introdutórias1.3.2 Estrutura e classificação da norma de direito internacional privado1.3.3 Método de direito internacional privado

1.4 Aplicação do direito estrangeiro1.4.1 Limites à aplicação do direito estrangeiro

1.4.1.1 Princípio da reciprocidade1.4.1.2 Fraude à lei

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1.4.1.3 Instituição desconhecida1.4.1.4 Princípio do nacional lesado1.4.1.5 Princípio da ordem pública

1.4.2 Reenvio1.4.3 Prova de teor, vigência e sentido do direito estrangeiro

1.5 Da importância de bem aplicar o método2. Parte especial

2.1 Noções introdutórias2.2 Pessoa física

2.2.1 Personalidade2.2.2 Nome2.2.3 Capacidade

2.3 Pessoa jurídica2.4 Direito de família

2.4.1 Relações conjugais e convivenciais2.4.1.1 Habilitação para o casamento2.4.1.2 Formalidades de celebração2.4.1.3 Direitos e deveres recíprocos de ordem pessoal2.4.1.4 Direitos e deveres recíprocos de ordem patrimonial

2.4.2 Relações parentais2.4.2.1 Guarda de filhos2.4.2.2 Direito de visita2.4.2.3 Sequestro internacional de crianças2.4.2.4 Adoção internacional

2.4.3 Alimentos2.5 Bens2.6 Obrigações2.7 Sucessões

Referências

Anexo I Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942

Anexo II Projeto de Lei do Senado n. 269, de 2004

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Capítulo 1Fundamentos do Direito Internacional Privado

1. Noções introdutórias

O Direito Internacional Privado se ocupa de relações jurídicas que irradiam efeitos em mais doque um ordenamento jurídico; ou seja, que transcendem fronteiras nacionais.

O Direito Internacional Privado é um dos ramos do Direito que mais cresce e ganha destaqueatualmente. Isso ocorre pois, com o fenômeno da globalização e com os avanços tecnológicos –sobretudo nas comunicações e nos transportes –, o intercâmbio entre entes privados situados emdiferentes localidades aumenta a cada dia, e é preciso regular as relações jurídicas advindas de talrealidade.

O Direito Internacional Privado pode ser sinteticamente conceituado como o ramo do Direito quese ocupa de regular as relações jurídicas que irradiam efeitos em mais do que um ordenamentojurídico.

Quando as relações jurídicas se iniciam, produzem efeitos, se encerram em um únicoordenamento jurídico e são reguladas por ramos específicos do Direito – como o Direito Civil ou oDireito Empresarial. Mas tais ramos não conseguem cuidar sozinhos das relações que extrapolam asfronteiras tradicionais.

Em face disto, surge o Direito Internacional Privado, a fim de auxiliar na regulamentação dasrelações que não ficam adstritas a uma única ordem jurídica, fato este que com o mencionadoaparecimento e fortalecimento da globalização vem ocorrendo cada vez com mais frequência.

Trata-se de uma disciplina muito próxima do Direito Intertemporal e também do Direito Civil, játendo sido chamada de Direito Civil Internacional.

Hoje em dia são comuns situações em que, por exemplo, pessoas de nacionalidades diferentes secasam e constituem famílias ou contratos são assinados entre empresas localizadas em Estadosdiferentes ou ainda pessoas que falecem e possuem bens em mais do que um Estado. Todas estassituações necessitam do Direito Internacional Privado para sua regulamentação, pois contam compelo menos um elemento estrangeiro ou elemento de estraneidade.

A existência de um elemento estrangeiro na relação jurídica faz com que se esteja diante de umfato misto.

Nas situações em que um fato está submetido totalmente ao ordenamento jurídico nacional, diz-seque se trata de um fato comum. Por oposição, quando um fato se encontra totalmente regulado por umordenamento estrangeiro, se está diante de um fato estrangeiro.

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Quando, contudo, a um fato comum se acresce ao menos um elemento estrangeiro, verifica-se aformação de um fato misto, também denominado de fato anômalo, fato multinacional ou fato mistomultinacional.

Tipos de fatosFato comum = fato submetido totalmente ao ordenamento jurídico internoFato estrangeiro = fato submetido totalmente a ordenamento jurídico estrangeiro ou aordenamentos jurídicos que não o nacional (fato misto para outros ordenamentos que não o doforo)Fato misto = fato comum + ao menos um elemento estrangeiro

Nos casos envolvendo elemento estrangeiro e fatos mistos, é preciso saber qual é a normativaaplicável, e isso quem dirá é o Direito Internacional Privado.

Elemento estrangeiroÉ o aspecto fático que faz com que a relação jurídica envolva um fato misto, deixando de ser umtema a ser resolvido pelo direito interno e passando a ser objeto do Direito InternacionalPrivado.

O elemento de estraneidade pode vir na nacionalidade da pessoa (razão pela qual os temas danacionalidade e da condição jurídica do estrangeiro também compõem o objeto do DireitoInternacional Privado) ou em algum elemento da relação jurídica: seu sujeito, seu objeto, ou aprópria ação.

O elemento estrangeiro pode abranger qualquer parte da relação jurídica, podendo serelacionar às pessoas envolvidas, ao fato ou ao objeto da relação.

Nestes casos, as relações jurídicas poderiam ser, em tese, submetidas a qualquer uma das ordensjurídicas envolvidas, pois todas elas teriam legítimo interesse em regular a situação juridicamenterelevante.

No entanto, como é logicamente impossível aplicar todas as ordens jurídicas interessadas aomesmo tempo, surge um concurso de leis ou um concurso de jurisdição que também são objetos doDireito Internacional Privado, ramo do Direito que dirá qual é a jurisdição ou a norma jurídicaaplicável àquele caso concreto.

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A palavra concurso é preferível à palavra “conflito”, uma vez que o que existe é a possibilidadede várias soluções em termos de lei aplicável e jurisdição, e não uma disputa entre os paísespara ver quem pode decidir o caso.

O concurso de leis é considerado o cerne do Direito Internacional Privado, e por isso em algunsEstados a disciplina ganha aquele nome.

É preciso, assim, compreender o Direito Internacional Privado a fim de operacionalizar a soluçãodos conflitos contemporâneos de maneira satisfatória e de regulamentar as situações jurídicas queuma ordem globalizada impõe.

2. Nomenclatura e conceitoAssim como ocorre em muitos ramos do Direito, uma das formas de se iniciarem os estudos

acerca de uma nova área pode partir da análise de sua denominação. Ocorre que no caso do DireitoInternacional Privado existem inúmeros questionamentos acerca de sua nomenclatura.

Contudo, a partir das respostas a cada uma destas críticas se percebe com mais nitidez quais sãoos objetivos e os fundamentos do Direito Internacional Privado.

A análise da denominação “Direito Internacional Privado” deve abranger cada uma das palavrasque formam a expressão. Neste sentido, inicia-se com a palavra “Direito”.

A grande crítica que o Direito Internacional Privado sofre de muitos estudiosos das CiênciasJurídicas é no sentido de se dizer que este não seria Direito. Isto porque estaria mais próximo deuma técnica de solução de concursos (de leis ou de jurisdição), a partir de um método próprio.

Tal crítica, todavia, não merece prosperar. Isto porque, ainda que o Direito Internacional Privadotraga efetivamente tal técnica a partir de uma estrutura metodológica, ele não se resumeexclusivamente a isto.

Por um lado, tem-se que o Direito Internacional Privado se ocupa de outros temas (como anacionalidade e a condição jurídica do estrangeiro) que não são resolvidos tecnicamente, mas simpor meio de normas jurídicas tradicionais, e a partir de princípios e fundamentos jurídicos.

Por outro lado, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, o Direito Internacional Privado temse tornado mais aberto a valores e princípios de justiça, matizando, assim, seu caráter técnico e aaplicação do método que propõe.

Além disso, o Direito Internacional Privado conta com princípios próprios e estabelece diretrizesque são obrigatórias, o que o aproxima muito mais do sistema normativo do Direito do que de umasimples técnica.

Neste sentido, pode-se afirmar que o Direito Internacional Privado é, sim, Direito.Quanto à segunda palavra da expressão “Direito Internacional Privado”, verifica-se que a

procedência das críticas depende da abordagem utilizada.Isto porque, caso se entenda o “Internacional” da expressão como relativo às fontes do Direito

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Internacional Privado, a crítica de que ele não seria internacional está adequada.O Direito Internacional Privado tem como suas principais fontes normas internas, produzidas

individualmente pelos Estados, no exercício de suas soberanias ou normas nascidas no planointernacional que foram transpassadas para o plano interno por meio da adesão ou da ratificação detratados internacionais que cuidem de temas típicos do Direito Internacional Privado.

Em função de tal fato, ao explanar sobre a matéria, sempre se faz a ressalva de que as normasespecíficas são de um contexto determinado: normas construídas pelo legislador do país eleito paraanálise ou por ele aceitas quando autoriza a ratificação ou a adesão mencionadas.

É assim que, no Brasil, se ensina Direito Internacional Privado brasileiro, a partir das normas deDireito Internacional Privado estabelecidas ou aceitas pelo legislador pátrio e que devem seraplicadas pelo juiz.

Tais normas encontram-se, sobretudo, na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lein. 12.376/2010), que alterou o título da antiga Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n.4.657/42), no Código de Processo Civil, no Código Penal, na Constituição Federal, no Estatuto doEstrangeiro (Lei n. 6.815/80) e em esparsos tratados internacionais, especialmente aqueleselaborados em dois foros especializados: a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado eas Conferências Interamericanas de Direito Internacional Privado, patrocinadas pela Organizaçãodos Estados Americanos (OEA).

São normas, assim, de cunho e caráter interno; e produzidas, no mais das vezes, sem um condãointernacional.

Contudo, tal visão do “internacional” no Direito Internacional Privado parece limitada.Caso se tomasse como parâmetro o Direito Internacional Público, verificar-se-ia que este pode

ser considerado internacional a partir de duas abordagens. A primeira relaciona-se com as suasfontes, que são internacionais por natureza, uma vez que exigem a manifestação de vontades desujeitos internacionais e que surgem, na maioria das vezes, da aproximação destas vontades.

Neste sentido, o Direito Internacional Privado não poderia efetivamente ser entendido como“internacional”.

Contudo, o Direito Internacional Público também é “internacional”, pois trata de temasinternacionais, de valores compartilhados (JUBILUT; MONACO, 2010). Ou seja, se percebe que ocaráter internacional pode advir não apenas das fontes, mas também dos temas tratados pelo ramo doDireito em questão, e neste caso o Direito Internacional Privado é, sim, internacional.

Como visto no item 1 deste Capítulo, o Direito Internacional Privado surge a partir da existênciade relações com fatos mistos e da necessidade de se regulamentarem tais situações (o que serádetalhado no item 4 deste Capítulo). Sendo o fato misto comum acrescido de um elementoestrangeiro, verifica-se que as relações tratadas pelo Direito Internacional Privado são aquelas queextrapolam fronteiras nacionais.

Assim, a internacionalidade do Direito Internacional Privado encontra-se no tipo de relação queele pretende regular, ainda que as fontes para tal sejam internas.

Tem-se, deste modo, um direito eminentemente nacional no que diz respeito à sua produção, masum direito efetivamente internacional no que diz respeito aos objetos de sua regulamentação.

Tal fato permite afirmar que as críticas ao “internacional” na expressão “Direito Internacional

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Privado” são, portanto, inadequadas.A última palavra que compõe a tríade da denominação do ramo jurídico que se pretende aqui

estudar também precisa ser analisada; e ressalvas precisam ser mencionadas quanto a uma concepçãode que se trata de um ramo do Direito totalmente inserido no que se denomina de Direito Privado.

Iniciando a análise a partir das relações que são reguladas pelo Direito Internacional Privado,verifica-se que a maioria delas – sobretudo nos casos de concurso de leis – é de cunho privado.

Trata-se de questões abrangidas pelo Direito Civil, como direito de família, obrigações e bens;pelo direito empresarial, como sociedades empresárias “multinacionais”; e pelo direito do trabalho,como os contratos individuais de trabalho, por exemplo.

Apesar disso, nota-se também que há temas de direito público que são de interesse do DireitoInternacional Privado, como a nacionalidade e a condição jurídica do estrangeiro, ou, ainda, temasrelativos à competência e à jurisdição.

Além disso, ramos tradicionalmente identificados com o direito público, como o DireitoTributário e o Direito Penal, acabam por se valer, algumas vezes, das regras do Direito InternacionalPrivado.

Ademais, tem-se que as normas de Direito Internacional Privado são de caráter público: olegislador determina as regras que devem ser aplicadas pelo juiz de ofício; não cabendo, na maioriadas vezes, a autonomia típica do Direito Privado.

Em face disso, a utilização da palavra “privado” na denominação Direito Internacional Privadodeve ser feita entendendo-se que tal adjetivo se relaciona à maioria dos temas tratados por este ramodo Direito, mas que suas normas são de caráter público e que há temas públicos também abrangidospor ele.

Assim, verifica-se que a denominação “Direito Internacional Privado” não parece ser a maisadequada. Contudo, ainda não se encontraram alternativas que mais bem descrevam este ramo doDireito, uma vez que as mais defendidas – “Conflito de Leis” e “Direito Civil Internacional”, porexemplo – acabam por deixar de lado parte dos temas trabalhados e regulados por este ramo doDireito.

Outras expressões, como direito intersistemático, propostas pela doutrina estrangeira também nãose mostram absolutas por revelarem aplicabilidade, também, ao direito intertemporal, que lida comdois sistemas (intersistemático) a partir do eixo temporal.

Neste contexto, segue-se utilizando a expressão “Direito Internacional Privado”, mas éimperativo que se destaquem os seus aspectos problemáticos, como foi feito neste item.

3. Fundamento geral do direito internacional privadoTendo-se em vista o mencionado nos itens anteriores e a grande abrangência do Direito

Internacional Privado, torna-se relevante compreender qual é ou quais são os fundamentos desteramo do Direito, a fim de entender de maneira mais completa quais são as razões para sua existência,bem como quais são os requisitos para a sua efetivação.

No item 1 deste Capítulo, já se mencionou a relação entre o Direito Internacional Privado e oaumento do intercâmbio entre pessoas. Tal aproximação é a base sobre a qual se erige o DireitoInternacional Privado, uma vez que se as relações jurídicas não começassem a ultrapassar fronteiras– o que só ocorre a partir deste intercâmbio – elas seriam regidas pelos direitos internos, não sendo

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necessário um ramo próprio para sua regulação.Assim, pode-se dizer que o fundamento geral do Direito Internacional Privado é a existência de

uma maior aproximação entre as pessoas que altera as tradicionais relações jurídicas, as quaispassam a produzir efeitos para além das fronteiras nacionais.

Se tal aproximação não existir, se as pessoas ficarem sempre adstritas à mesma ordem jurídica,não será necessária a existência do Direito Internacional Privado.

Em face disto é que se apontou anteriormente a relevância do fenômeno da globalização para oDireito Internacional Privado, tornando-o cada vez mais essencial para uma completa formação dosjuristas.

Além dos destaques à aproximação das pessoas e à globalização, é relevante, em um item sobre oFundamento do Direito Internacional Privado, destacar um tema relacionado à vontade política ejurídica dos Estados: a disposição em relação ao direito estrangeiro.

Isto porque, como visto no item 2 deste Capítulo, a maior parte das normas de DireitoInternacional Privado tem origem interna; o que faz com que possam existir situações em que a normainterna determine a aplicação – direta ou indiretamente – de uma norma estrangeira (como será vistona descrição do método próprio de solução do concurso de leis).

Nestes casos, para que as normas de Direito Internacional Privado sejam efetivamente aplicadas,o(s) Estado(s) precisa(m) estar disposto(s) a aplicar normas produzidas por outro(s) Estado(s), ouseja, estar aberto(s) ao direito estrangeiro.

É relevante destacar que tal abertura é uma precondição para a efetividade do DireitoInternacional Privado, e só irá ocorrer se os Estados se entenderem como parte de um todo, em queas pessoas podem ter relações jurídicas com fatos mistos, e, portanto, não adotarem posturasisolacionistas.

Também é importante realçar que o direito estrangeiro somente será aplicado por decisão interna,já que foi o legislador pátrio que estabeleceu as regras a serem aplicadas, não violando talaplicação, desta maneira, a soberania estatal.

Mas tudo isso só faz sentido caso se considere que os sistemas jurídicos materiais dos Estadostêm origem na vontade política de seus agentes. Assim, cada Estado, dotado de uma vontade políticadiferente da de seus vizinhos, estabelece um direito material com conotações locais, adaptado àrealidade social daquele Estado para o qual a norma se destina.

É verdade que tais vontades políticas podem ser muito próximas. Assim, por exemplo, o direitodas obrigações é muito semelhante quando se comparam as disposições normativas de dois Estadossoberanos distintos, ainda que suas relações sejam esparsas.

Assim, em que pese haver baixo intercâmbio entre o Burundi e o Brasil, por exemplo, muitoprovavelmente as normas obrigacionais de ambos os Estados serão assemelhadas. Trata-se derequisito latente à necessidade de intercâmbio comercial entre os Estados.

De outra parte, questões mais próximas aos valores sociais, como é o caso das relaçõesfamiliares, quando comparadas, merecerão provavelmente tratamento bastante diverso nos mesmosEstados citados.

Nesse sentido, eventual direito uniforme que viesse a se estabelecer entre certos Estados lançariapor terra a necessidade do Direito Internacional Privado entre eles. É que, na prática, tanto faria

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aplicar o direito material de “A” (Lei n. xx/2011) ou o direito material de “B” (Lei n. yy/2011), sesuas disposições fossem uniformes, ou seja, as mesmas quanto à previsão de sua hipótese e de suaconsequência.

Pelo exposto, verifica-se que o Direito Internacional Privado é um direito da proximidade entreos sistemas jurídicos (e, nesse sentido, de suas realidades sociais, políticas, culturais e econômicas)e da tolerância (GOLDSCHMIDT, 1977) que entre eles se estabelece quanto à eventual diversidadede tratamento de determinadas matérias.

Fundamentos do Direito Internacional PrivadoFundamento sociológico = mais aproximação/intercâmbio entre as pessoasFundamento jurídico = fatos próximos a mais do que um ordenamento jurídicoRequisito = abertura dos Estados a outros ordenamentos jurídicos

4. Gênese e desenvolvimento histórico do direito internacional privadoSe, como mencionado acima, o Direito Internacional Privado pode ser entendido como um direito

da proximidade e da tolerância para com o diferente; sempre que dois ou mais ordenamentosjurídicos se tocarem, pode-se dizer que há espaço para o Direito Internacional Privado.

Em face disso, tem-se que desde o Império Romano há um germe do Direito InternacionalPrivado, uma vez que lá existiam inicialmente dois sistemas jurídicos: um que se aplicava nasrelações entre cidadãos, e outro entre os estrangeiros.

Quando se passou a entender os estrangeiros como pessoas e não como coisas, surgiu apossibilidade de relações mistas (entre cidadão e estrangeiro), que precisavam ser reguladas.

Aparece então a dúvida sobre qual sistema jurídico aplicar a estas relações, e para solucionar talsituação criou-se um terceiro sistema. Alguns dizem que está aqui o embrião do Direito InternacionalPrivado.

Contudo, a solução romana focava o direito material e privilegiava o cidadão; fundado emnormas diretas, o que, como visto no item 2 deste Capítulo, não ocorre com o Direito InternacionalPrivado.

No entanto, é inegável que os romanos tenham detectado o problema. Apenas lhe emprestaram,àquela época, solução diversa da que hoje se aplica. Estabeleceram um conjunto normativo materialespecífico para as relações mistas, ao passo que, hoje, como se verá, prefere-se estabelecer normasque localizem a relação mista geograficamente, submetendo-a a um sistema considerado, naquelecaso, o mais próximo.

O Direito Internacional Privado só vai surgir, com essa configuração, no século XIII, em funçãoda aproximação de sistemas jurídicos acarretada pelo desenvolvimento do comércio nas feirascomerciais.

Com o fim do Império Romano e o advento da Idade Média, o Direito se tornou especializado,local e regido pelo princípio da territorialidade.

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O Direito Internacional Privado surge no século XIII a partir da maior circulação de pessoas eligado à ideia de territorialidade que gerava concurso de leis.

O direito romano recebido era interpretado e aplicado em cada localidade com nuancesespecíficas, algo que não ocorria quando havia certa centralização política institucional, perdida coma fragmentação medieval. E, quando das feiras comerciais havidas na transição para a IdadeModerna, passou a haver a aproximação de vários sistemas jurídicos entre os comerciantes e à suavolta em decorrência da aproximação das pessoas.

Passaram a surgir conflitos que precisavam ser solucionados, mas que poderiam ser regidos porsistemas jurídicos diferentes. Exemplo: um comerciante de vinhos vindo do que hoje é uma cidade daFrança entra em um contrato com um comerciante de trigo vindo do que hoje é uma cidade daAlemanha, em uma feira realizada no que hoje é uma cidade da Itália, do que decorre um conflito. Emface disso surge a pergunta sobre qual sistema jurídico (francês, alemão ou italiano) solucionará aquestão.

Inicialmente não havia resposta para este problema, mas, a partir da atuação da doutrina, umasérie de regras destinadas a solucionar estes concursos de leis será criada; dando origem ao que hojese denomina Direito Internacional Privado.

Com efeito, nas então nascentes Universidades do continente europeu, os docentes da épocaforam confrontados com a situação prática vivenciada a partir das feiras e provocados a dar-lhesolução. Como essa solução não existe nas fontes romanas então recuperadas, foi necessário criar, apartir de fragmentos das fontes, uma nova realidade.

O trabalho dos glosadores e pós-glosadores foi, assim, essencial para o surgimento do DireitoInternacional Privado em conformação próxima àquela que conhecemos hoje. Conhecidos comoestatutários, salientem-se nomes como Bártolo de Saxoferrato, Baldo de Ubaldis e Cino Di Pistoia(Escola Estatutária Italiana – séculos XIV a XVI), Dumoulin e D’Argentré (Escola EstatutáriaFrancesa – séculos XVI a XVIII), e Hüber e os irmãos Vöet (Escola Estatutária Holandesa – séculosXVII).

A partir do século XIX, o Direito Internacional Privado ganha novo impulso e assume forma maispróxima ao modelo atual graças a Savigny, Mancini e Story.

5. ObjetoEm função do mencionado no item anterior, verifica-se que o Direito Internacional Privado surge

a partir da necessidade de se solucionarem concursos de leis. E, em face de tal relacionamentointestinal, a doutrina considera o concurso de leis como o principal objeto do Direito InternacionalPrivado. Contudo, para a maioria doutrinária, não é ele o único.

O tema do(s) objeto(s) do Direito Internacional Privado não é consensual na doutrina; tanto queexistem três correntes consagradas sobre a questão.

A primeira corrente é a alemã, que apresenta o concurso de leis como sendo o único objeto do

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Direito Internacional Privado. Tal fato se justifica pois, como mencionado, o concurso de leis está nabase do surgimento do Direito Internacional Privado e segue sendo seu principal objeto. Contudo, talcorrente parece limitar sobremaneira a aplicação do Direito Internacional Privado em um mundoglobalizado.

A segunda corrente expande a primeira ao acrescer o concurso de jurisdição como objeto doDireito Internacional Privado. Trata-se da corrente anglo-saxã, e tal expansão se justificaprincipalmente em face da estruturação jurídica americana.

Isto porque os Estados Unidos se organizam em uma federação em que os Estados da Uniãopossuem grande força e têm competências jurídicas delimitadas, não somente em relação à União,mas também em relação aos demais Estados, a partir da ideia de territorialidade.

Em face disto, em caso de relações jurídicas que extrapolem as fronteiras estaduais, antes desolucionar o concurso de leis é preciso definir qual Estado tem competência para decidir a questão.Ou seja, antes de se definir a lei aplicável é preciso solucionar o concurso de jurisdição.

Assim, a corrente anglo-saxã não consegue conceber o concurso de leis como o único objeto doDireito Internacional Privado sem também incluir o concurso de jurisdição.

A terceira corrente é a que apresenta maior abrangência, apontando quatro objetos como sendoenglobados pelo Direito Internacional Privado. Trata-se da corrente francesa, que, ao lado doconcurso de leis e do concurso de jurisdição, elenca a nacionalidade e a condição jurídica doestrangeiro como objetos deste ramo do Direito.

A corrente francesa parece objetivar incluir todas as relações jurídicas que extrapolam fronteirase produzem efeitos em mais do que um ordenamento jurídico como objetos do Direito InternacionalPrivado. Neste sentido, inclui os temas correlatos da nacionalidade e da condição jurídica doestrangeiro, que, para além de seus vieses públicos, podem ter influência nas relações privadas daspessoas.

Tal corrente parece ser a mais adequada ao momento atual do Direito Internacional Privado, emque o fluxo de pessoas ao redor do mundo é intenso e os temas do tratamento do estrangeiro e danacionalidade produzem cada vez mais reflexos.

A corrente francesa sobre os objetos do Direito Internacional Privado é a que encontra maisguarida pelos juristas no Brasil, não somente em função de sua abrangência, mas também em razão daforte influência que a Ciência Jurídica francesa possui na formação da Ciência Jurídica nacional.

Em face destes dois motivos, mas também em função de o objetivo da presente obra ser o defornecer substratos para a compreensão o mais completa possível da atual situação do DireitoInternacional Privado, é que se adota a teoria francesa em relação ao objeto do Direito InternacionalPrivado.

Neste sentido, os Capítulos seguintes se ocuparão de analisar cada um dos quatro objetos doDireito Internacional Privado.

Em sendo o concurso de leis o objeto mais consensual e, ainda hoje, o mais relevante do DireitoInternacional Privado, terá o mesmo tratamento amplo e aparecerá após a análise dos outros trêsobjetos.

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Objetos do Direito Internacional PrivadoEscola alemã = Concurso de leisEscola anglo-saxã = Concurso de leis + Concurso de jurisdiçãoEscola francesa (adotada no Brasil) = Concurso de leis + Concurso de jurisdição +

Nacionalidade + Condição jurídica do estrangeiro

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Capítulo 2Nacionalidade

1. Noções introdutóriasTendo-se optado por adotar a corrente francesa em relação aos objetos do Direito Internacional

Privado, faz-se necessário abordar a temática da nacionalidade.O tema da nacionalidade é tratado por vários ramos do Direito. Por exemplo, é relevante para o

Direito Constitucional, que em geral traz as regras de cada Estado sobre aquisição e perda danacionalidade; e é significativo para o ramo do Direito Internacional Público, uma vez que, por umlado, auxilia a definir critérios de alteridade, entre os nacionais e os estrangeiros, e, por outro, foidurante séculos a base para a proteção dos seres humanos por este ramo do Direito (JUBILUT;MONACO, 2010).

Também é importante para o Direito Internacional Privado, pois, se por um lado é um dos objetosdeste tema, por outro é um dos mais tradicionais elementos de conexão, que são indispensáveis paraa solução dos concursos de leis, como se verá no Capítulo 5, tendo sido, inclusive, o elemento deconexão do sistema brasileiro até 1942.

Em face disto, é relevante entender os temas fundamentais da nacionalidade, começando por seuconceito.

Em geral define-se a nacionalidade como o vínculo político-jurídico que une o indivíduo aoEstado (JUBILUT; MONACO, 2010). Ou seja, trata-se de conceito para além do jurídico, que irápermitir o surgimento de direitos e deveres para o indivíduo, mas também que permitirá que este façaparte de uma comunidade mais ampla e juridicamente relevante: o Estado.

Neste sentido, é relevante apontar os critérios para a aquisição e perda da nacionalidade, umavez que ambos os fenômenos geram reflexos jurídicos e políticos (ou, em um sentido mais amplo,sociológicos) para o indivíduo.

A aquisição da nacionalidade diz respeito ao fenômeno pelo qual um Estado atribui suanacionalidade a um indivíduo. Trata-se assim de ato estatal, ligado a sua soberania, pois compete acada Estado definir qual (ou quais) critério(s) será(ão) utilizado(s) para a concessão de suanacionalidade.

A concessão da nacionalidade é, desta feita, um ato discricionário em termos dos critérios aserem escolhidos pelos Estados. Contudo tal discricionariedade não é plena, uma vez que há limites(i) em relação aos casos em que os critérios sejam preenchidos e (ii) em relação ao reconhecimentoda nacionalidade por terceiros.

No que diz respeito ao preenchimento de critérios, verifica-se que os Estados têmdiscricionariedade para adotar os critérios que acharem oportunos e convenientes para a concessãode sua nacionalidade, mas, uma vez adotados, se forem preenchidos pelo indivíduo, a nacionalidadedeverá ser concedida.

Tal postura visa eliminar condutas discriminatórias por parte dos Estados e assegurar que os

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critérios adotados tenham aplicação geral.Já no que se refere ao reconhecimento da nacionalidade por terceiros, nota-se que a partir do

caso Nottebohm, julgado pela Corte Internacional de Justiça em 1955, tal reconhecimento só édevido caso exista um vínculo social efetivo entre o indivíduo e o Estado.

O caso Nottebohm envolveu uma disputa entre Liechtenstein e a Guatemala. O Sr. Nottebohm eranacional da Alemanha e estava morando na Guatemala, quando este país decidiu impor penalidadespecuniárias aos nacionais alemães. O Sr. Nottebohm recorreu então a Liechtenstein, que lhe concedeusua nacionalidade mesmo não havendo vínculos com o país.

A Guatemala alegou que estava havendo tentativa de fraude à lei (ver Capítulo 5) e nãoreconheceu a atribuição da nacionalidade feita por Liechtenstein.

A Corte Internacional de Justiça entendeu que Liechtenstein poderia conceder sua nacionalidade aquem quisesse, mas que para que tal concessão produzisse efeitos para terceiros era necessário queexistisse um vínculo social efetivo entre o Estado e o indivíduo, a partir do que tal requisito passou aser obrigatório no Direito Internacional.

A atribuição da nacionalidade pode derivar do nascimento do indivíduo, quando se está diante danacionalidade originária do Estado (sendo a pessoa considerada “nata”), ou decorrer de um ato devontade coadunado com o procedimento específico, quando se tem a nacionalidade derivada (esendo a pessoa considerada “naturalizada”).

Este ato de vontade pode ser espontâneo do indivíduo que deseja a naturalização ou pode derivarda vontade estatal, em geral a partir de imposição legal.

Já a perda da nacionalidade ocorre quando, após ser titular desta, o indivíduo tem-na retiradapelo Estado. Tal prática atualmente somente pode ocorrer a partir de critérios legais previamentedefinidos, objetivando-se com isso eliminar critérios políticos e discricionários para a retirada danacionalidade, o que já foi muito comum na história, por exemplo, durante a existência do nazismo naAlemanha.

Esta limitação da perda da nacionalidade se relaciona com a intenção da comunidadeinternacional de evitar os casos de apatridia, ou seja, de pessoas que não possuem nenhumanacionalidade.

Os apátridas podem existir da combinação de critérios de atribuição da nacionalidade adotadospelos Estados (como se verá no item 2 deste Capítulo), mas podem ocorrer também em função depolíticas estatais de retirada de nacionalidade, como mencionado.

O apátrida não se encontra vinculado juridicamente a nenhum Estado, o que dificultasobremaneira a sua proteção por meio da ação estatal (a chamada proteção diplomática). Neste casoa sua proteção compete à comunidade internacional como um todo, e, no que se refere a direitosvinculados à nacionalidade – sobretudo os direitos humanos –, passam estes a ser regidos pelo localde sua residência habitual.

A fim de evitar tal situação, a comunidade internacional estabeleceu, em 1954, a Convençãosobre o Estatuto dos Apátridas e, em 1961, a Convenção sobre Redução da Apatridia, que impõem aresponsabilidade de proteção aos apátridas a toda a comunidade internacional e também limitam apossibilidade de retirada da nacionalidade pelos Estados, uma vez que propugnam pelo fim daapatridia.

Verifica-se, assim, que, ainda que seja um tema afeto à soberania estatal, a nacionalidade conta

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cada vez mais com regras que delimitam a sua aplicação. Neste sentido, faz-se mister analisar oscritérios para a aquisição e a perda da nacionalidade, sobretudo no que diz respeito ao Brasil.

2. Critérios de atribuição da nacionalidadeComo visto no item 1 deste Capítulo, existem dois tipos de nacionalidade: a originária e a

derivada. Para cada tipo de nacionalidade existem critérios para atribuição; bem como de cadanacionalidade decorrem direitos e deveres específicos.

No que diz respeito à nacionalidade derivada, verifica-se que os critérios de atribuição maisfrequentes são os relacionados à permanência regular no território do Estado (por meio dodeterminado ius domicilii), os relativos ao exercício de alguma função para o Estado (por meio dochamado ius laboris), ou ainda a imposição legal (seja em função do casamento, seja em função daorigem étnica ou ainda para exercer alguns direitos), sendo permitido a cada Estado estabelecer oscritérios que achar mais oportunos.

No caso do Brasil, as bases para a naturalização se encontram no artigo 12, inciso II, daConstituição Federal, que impõe em suas alíneas a e b os requisitos para tal, caso se trate de pessoaque venha de país de língua portuguesa ou não.

Para os estrangeiros oriundos de países de língua portuguesa que queiram adquirir anacionalidade brasileira é exigida a “residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral” (CF,art. 12, II, a).

Já para os demais estrangeiros que queiram adquirir a nacionalidade brasileira é exigidaresidência “há mais de 15 anos ininterruptos e sem condenação penal” (CF, art. 12, II, b).

Em ambos os casos é necessária a conjugação de requisitos objetivos (residência ininterrupta) esubjetivos (idoneidade moral ou ausência de condenação criminal) (JUBILUT; MONACO, 2010).

É importante destacar que, ao mencionar residência, a CF não exige estada ininterrupta,destacando-se que aquela enseja um vínculo mais formal do que a simples presença no território. Istopermite que o estrangeiro tenha se ausentado do Brasil, desde que não tenha alterado sua residência.

Além dos requisitos básicos estabelecidos pela CF, a Lei n. 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro)traz outros requisitos. O artigo 112 deste diploma legal impõe como condições para a naturalização:I – capacidade civil, segundo a lei brasileira; II – ser registrado como permanente no Brasil; III –residência contínua no território nacional, pelo prazo mínimo de quatro anos, imediatamenteanteriores ao pedido de naturalização; IV – ler e escrever a língua portuguesa, consideradas ascondições do naturalizando; V – exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutençãoprópria e da família; VI – bom procedimento; VII – inexistência de denúncia, pronúncia oucondenação no Brasil ou no exterior por crime doloso a que seja cominada pena mínima de prisão,abstratamente considerada, superior a 1 (um) ano; e VIII – boa saúde.

Para que ocorra a naturalização, o estrangeiro deve solicitá-la à Justiça Federal, que decidirápela concessão ou não de uma habilitação para a naturalização. A decisão final, contudo, será tomadapelo Ministro da Justiça que herdou a competência do Presidente da República por delegação (arts.111, 115 e 117 do Estatuto do Estrangeiro, alterado pela Lei n. 6.964/81).

Ao se incluir o Poder Executivo no procedimento, verifica-se que há margem para juízos deconveniência e oportunidade políticos, o que fica claro pelo estabelecido no artigo 121 do Estatutodo Estrangeiro: “A satisfação das condições previstas nesta Lei não assegura ao estrangeiro direito à

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naturalização”.Uma discricionariedade tão ampla assim, contudo, precisa ser revista e criticada, uma vez que,

como mencionado, existem padrões internacionais que regulam o tema da nacionalidade queprecisam ser respeitados. Mas, além disso, se existe uma legislação interna sobre o tema, comcritérios estabelecidos, não se pode simplesmente ignorá-la.

Os naturalizados têm em geral os mesmos direitos dos natos, e o ideal é que qualquer distinçãoseja feita tão-somente a partir das previsões constitucionais, como é o caso do Brasil (CF, art. 12, §§2º e 3º).

Já no que diz respeito à nacionalidade originária, têm-se dois critérios tradicionais de atribuição:o ius solis (jus solis) e o ius sanguinis (jus sanguinis).

O ius solis é o critério de atribuição de nacionalidade originária pelo qual o indivíduo recebe anacionalidade do Estado em cujo território nasceu. É assim baseado no fato do nascimento. Se apessoa nasce no território do Estado, será nacional deste, independentemente da nacionalidade deseus pais. Se, contudo, nasce fora do Estado, será considerado estrangeiro.

O ius sanguinis é o critério de atribuição de nacionalidade originária pelo qual a nacionalidadedo ascendente se transmite para o descendente independentemente do local do nascimento. É, destemodo, baseado na consanguinidade.

O critério ius sanguinis era o critério tradicionalmente adotado pelos Estados de emigração, quevisavam manter um vínculo com os descendentes de seus nacionais que deixavam o seu território eiam se estabelecer em outros Estados.

O critério ius solis, por seu turno, era o critério tradicionalmente adotado pelos Estados deimigração, que objetivavam estabelecer um vínculo mais forte com os indivíduos que ali nasciam etambém uma base ampla de nacionais.

Atribuição da nacionalidade origináriaIus solis = critério territorial/local do nascimentoIus sanguinis = critério familiar/nacionalidade dos ascendentes (em geral diretos)

Historicamente, os Estados tendiam a optar por um dos dois critérios, no que se poderiadenominar “sistemas puros”; contudo, atualmente vem-se verificando a tendência de se adotar umsistema misto, em que possam conviver os dois critérios.

Uma das razões apontadas para tal é a tentativa de se evitar a situação de apatridia, que comovisto significa a ausência de nacionalidade.

Tal situação poderia ocorrer com frequência em casos de sistemas puros, caso a pessoa fossedescendente de nacionais de Estado(s) ius solis mas nascesse no território de um Estado iussanguinis. Nesta situação, não obteria nem a nacionalidade do(s) Estado(s) de seus pais, por não ternascido no território daqueles, nem a nacionalidade do território em que de fato nasceu, uma vez queeste somente atribui nacionalidade para os descendentes de seus nacionais.

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Por exemplo, imagine-se que o Estado A adota a regra ius solis e o Estado B a regra iussanguinis, e que tenhamos um menino filho de pais nacionais do Estado A que nasce no Estado B.Ele terá a nacionalidade de A? Não, por não ter nascido em seu território. E a nacionalidade de B?Também não, pois não é filho de nacionais do Estado B. Será, assim, apátrida.

A fim de evitar tal situação, além da adoção de critérios mistos englobando regras afeitas aosdois critérios, verifica-se a existência de documentos internacionais propugnando pela adoção geraldo critério ius solis, o que não precisa ser feito de maneira exclusiva.

Exemplo de tal situação é o artigo 20 (2) da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pactode San José da Costa Rica), que propugna pela adoção da nacionalidade do local do nascimentoquando a pessoa não tiver direito a outra nacionalidade.

A lógica por trás de tais dispositivos é a de que ao se adotar que toda pessoa terá direito ànacionalidade do local onde nasceu, e estando vedada a retirada arbitrária da nacionalidade, nãomais se terá o surgimento de apátridas.

A combinação dos critérios ius solis e ius sanguinis pode produzir o efeito contrário da apatridiaenquanto ausência de nacionalidade, qual seja a polipatridia que ocorre quando há dupla ou plúrimaconcessão de nacionalidades a uma mesma pessoa.

A visualização de tal fenômeno fica mais clara se, utilizando o exemplo acima mencionado,invertermo-no tanto teórica quanto praticamente.

A polipatridia pode ocorrer caso a pessoa fosse descendente de nacionais de Estado(s) iussanguinis, mas nascesse no território de um Estado ius solis. Nesta situação, obteria a nacionalidadedo(s) Estado(s) de seus pais, já que esta é transmitida em função da nacionalidade dos ascendentes, etambém a nacionalidade do território em que de fato nasceu, uma vez que este atribui nacionalidadepara aqueles que nascerem em seu território.

Por exemplo, imagine-se que o Estado A adota a regra ius sanguinis e o Estado B a regra iussolis, e que tenhamos um menino filho de pais nacionais do Estado A que nasce no Estado B. Ele teráa nacionalidade de A? Sim, por ser filho de nacionais do Estado. E a nacionalidade de B? Tambémsim, por ter nascido em seu território. Será, assim, polipátrida.

Pensando-se em termos de proteção, tem-se que o polipátrida goza da proteção diplomática detantos Estados quantas forem as suas nacionalidades.

No que diz respeito aos Estados que têm a nacionalidade como elemento de conexão, as situaçõesde polipatridia têm sido resolvidas, no mais das vezes, a partir da adoção de um elemento deconexão subsidiário: a residência habitual. Assim, alguém que seja brasileiro e português, porexemplo, e resida habitualmente na França, será regido pela lei francesa (da residência habitual), enão pela lei brasileira ou portuguesa, o que ocorreria, todavia, se o indivíduo fosse nacional deapenas um desses Estados.

Atualmente, a maioria dos Estados aceita a polipatridia relacionada à nacionalidade originária, oque é o caso do Brasil, como se passa a analisar.

O sistema de atribuição da nacionalidade no Brasil está disciplinado na Constituição Federal emseu artigo 12 e filia-se à corrente dos sistemas mistos para a nacionalidade originária.

A base para a nacionalidade brasileira é o ius solis, tanto em função do movimento internacionalem prol da adoção de tal critério quanto em razão da tradição do sistema brasileiro.

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Em face disso são considerados brasileiros natos “os nascidos na República Federativa doBrasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país” (CF, art.12, I, a).

Trata-se de regra tradicional de ius solis, mas com o respeito à soberania estrangeira, uma vezque aqueles que estão a serviço de seu país, caso tenham filhos, quase que unanimemente passarãosua nacionalidade para eles.

Tal regra é a adotada pelo Brasil, que também entende como natos “os nascidos no estrangeiro,de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da RepúblicaFederativa do Brasil” (CF, art. 12, I, b).

Considera-se que uma pessoa está a serviço do Brasil de maneira ampla, englobando osservidores públicos, os comissionados, os nomeados para atividade ad hoc de representação, masexcluindo-se funcionários de empresas privadas, ainda que prestem serviços relevantes à populaçãobrasileira (JUBILUT; MONACO, 2010).

Além destas duas hipóteses, o Brasil outorga a nacionalidade originária aos filhos de pai e/oumãe brasileiros nascidos no exterior “desde que sejam registrados em repartição brasileiracompetente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo,depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira” (CF, art. 12, I, c).

Trata-se, assim, de hipótese dupla, pela qual ou se procede ao registro no exterior ou é necessáriaa residência no Brasil e a solicitação da nacionalidade originária. Tal duplicidade tem umaexplicação histórica.

O texto original da CF previa a possibilidade de registro no exterior, mas tal hipótese foirevogada com a revisão constitucional em 1994, sob a argumentação de que se estaria permitindo aatribuição de nacionalidade brasileira a pessoas que poderiam não possuir quaisquer vínculos com oBrasil, além de terem ascendentes brasileiros.

Tal situação, contudo, gerou a possibilidade de filhos de brasileiros ficarem em um limbojurídico, uma vez que muitas vezes nasciam em Estados que adotavam apenas o ius sanguinis e,portanto, não adquiriam a nacionalidade destes, mas enquanto não viessem residir no Brasil e optarpela nacionalidade brasileira ficavam apátridas.

Surgiu, então, o movimento em prol dos “Brasileirinhos Apátridas”, que originou a EmendaConstitucional n. 54, de 2007, que resgatou a possibilidade de atribuição da nacionalidade pelosimples registro de nascimento no exterior junto à repartição brasileira competente.

Estima-se que tal emenda tenha beneficiado mais de 200 mil crianças, uma vez que teve efeitoretroativo até a alteração constitucional de 1994.

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Nacionalidade no BrasilPara sintetizar, pode-se dizer que atualmente o Brasil combina critérios ius solis e iussanguinis, no artigo 12 da CF, e que podem ser considerados brasileiros natos:

os nascidos no Brasil, desde que seus pais não estejam a serviço de seu país; os nascidos no exterior de pai/mãe brasileiro desde que a serviço do Brasil; e os nascidos no exterior de pai/mãe brasileiro desde que registrado na repartição brasileira

competente; ou que venha a residir no Brasil e opte pela nacionalidade brasileira após atingida a

maioridade.

3. Critérios de perda da nacionalidadeAssim como os Estados têm discricionariedade para atribuir sua nacionalidade, também o têm

para determinar os casos de perda da nacionalidade, seja ela derivada ou originária.Tais critérios, contudo, assim como os da aquisição da nacionalidade, devem estar estabelecidos

a priori e ser aplicados de maneira não discriminatória.Ademais, os Estados devem atentar para suas obrigações internacionais, sobretudo, para evitar a

apatridia.Até recentemente, qualquer aquisição de outra nacionalidade era considerada uma causa para

perda da nacionalidade pela maior parte dos Estados. Era assim que muitas vezes a mulher perdiasua nacionalidade originária ao se casar com um estrangeiro, já que por imposição legal acabaadquirindo a nacionalidade do marido.

Contudo, como mencionado ao se falar da polipatridia, os Estados estão mais abertos a aceitaroutras nacionalidades, sem que se perca a nacionalidade originária. Tal abertura, todavia, não éindiscriminada, mas segue critérios legais claros.

No caso do Brasil, a aquisição de outra nacionalidade é motivo de perda da nacionalidadebrasileira, conforme o disposto no artigo 12, § 4º, da CF. Isto, contudo, não ocorre quando foremcasos “a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; ou b) de imposição denaturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condiçãopara permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis”.

Ainda no caso do Brasil, de acordo com informações do Ministério da Justiça, tem-se evitadoretirar a nacionalidade brasileira, e só decretar a sua perda em casos extremos ou de solicitaçãodireta da pessoa, dada a relevância do tema da nacionalidade para o Direito como um todo.

Tal cuidado também é verificado no caso da perda da nacionalidade derivada, que éregulamentada por cada Estado de acordo com sua legislação interna, respeitando-se a existência decritérios não discriminatórios e definidos a priori.

No caso brasileiro, a base para perda da nacionalidade derivada encontra-se no artigo 12, § 4º, I,da CF, e abrange os casos de brasileiro que “tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial,em virtude de atividade nociva ao interesse nacional”.

Esta norma é criticada pelo caráter subjetivo de “interesse nacional” e “atividade nociva”, muitofrequente no Estatuto do Estrangeiro, que foi elaborado ainda durante a Ditadura Militar.

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Verifica-se, pelo exposto, que a perda da nacionalidade somente deve ocorrer em casos graves epreestabelecidos, propugnando-se, sempre que possível, pela manutenção da nacionalidade.

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Capítulo 3Condição Jurídica do Estrangeiro

1. Noções introdutóriasComo corolário, ou até mesmo um contraponto, do tema da nacionalidade, tem-se a questão do

tratamento do estrangeiro, uma vez que este pode ser entendido pela ótica do Estado como todoaquele que não é seu nacional. Este tratamento tem o nome técnico de “condição jurídica doestrangeiro”.

A condição jurídica do estrangeiro abrange todos os temas relativos ao estrangeiro enquanto tal,abarcando seus direitos e deveres durante os momentos de relacionamento com um Estado que não ode sua nacionalidade.

Para efeitos didáticos, pode-se dividir este relacionamento em três etapas: 1) o momento daentrada do estrangeiro no Estado; 2) o período da estada do estrangeiro no Estado; e 3) o momentoda saída do estrangeiro do Estado. Em cada um destes momentos é importante destacar os temas demaior relevo.

2. Entrada do estrangeiroNo que diz respeito à entrada do estrangeiro no Estado, o tema de maior relevo vem a ser a

necessidade de uma autorização para tal, que se desdobra na situação prática de se verificar se,sendo tal autorização necessária, o estrangeiro a possui. Trata-se do tema dos vistos de entrada.

A exigência de vistos de entrada é uma prerrogativa dos Estados, que podem exercê-la ou não emrelação a outros Estados. Tal exercício depende de uma série de fatores, como questões políticas,econômicas, culturais, de migração e de segurança. Como tais questões variam de Estado paraEstado, verifica-se que um Estado pode exigir vistos dos nacionais de um conjunto de Estados e nãoo fazer para outro conjunto.

Em geral os Estados adotam o critério da reciprocidade, e, se um Estado exige visto de seusnacionais – por quaisquer razões –, ele exigirá visto de entrada dos nacionais desse Estado.

Os programas de isenção de visto (visa waivers) vêm ganhando espaço em prol da aproximaçãoentre os povos e em função do aumento das características de segurança dos documentos de viagem –sobretudo os passaportes –, mas os vistos de entrada continuam sendo uma realidade para váriaspessoas em relacionamento com Estados estrangeiros.

Por ser a exigência de visto considerada um ato relativo à soberania (um ato de império), estaabordagem diferenciada não é considerada discriminatória. Contudo, existem limites relacionadosaos vistos de entrada.

Devem existir critérios objetivos e aplicados de maneira generalizada para a concessão dosvistos de entrada. Assim, se ficar determinado que os nacionais do Estado X precisam de um vistopara entrar no Estado Y, todos os nacionais daquele devem ser submetidos aos mesmos critérios.

Tais critérios geralmente envolvem a comprovação de que (i) o estrangeiro não pretende imigrar

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de maneira irregular para o outro Estado – e para tanto se exigem comprovantes de vínculos com oEstado de origem, como trabalho, bens, familiares etc. –, (ii) de que o estrangeiro não se tornará umônus financeiro ao Estado que visita – e neste caso tal comprovação se dá por meio de elementoseconômicos e financeiros, e (iii) de que o estrangeiro não será uma ameaça à segurança do Estado.

Desde que aplicados de maneira não discriminatória e geral, os Estados podem exigir taiscomprovações.

Uma vez obtido o visto de entrada, o acesso ao Estado estrangeiro não está assegurado. Istoporque o visto é uma expectativa de direito, e não um direito de acesso em si.

Na prática isso significa que o estrangeiro passará pelo menos por duas etapas antes da entradano território do Estado: 1) a triagem para a concessão do visto e 2) a triagem quando chegar a umporto de entrada e for tentar o efetivo acesso ao Estado estrangeiro.

Nesta segunda etapa, verificar-se-á se, sendo necessário, o estrangeiro tem o visto de entradaconcedido, e se farão análises complementares. Caso o visto seja necessário e o estrangeiro não opossua, a entrada no território do Estado será vetada; mas caso o tenha, tal fato por si só não garantea entrada (JUBILUT; MONACO, 2010).

Cada Estado pode estabelecer quais os tipos de visto que concederá. O Brasil traz o elenco deseus vistos no artigo 4º do Estatuto do Estrangeiro, logo após mencionar no artigo 3º que “Aconcessão do visto, a sua prorrogação ou transformação ficarão sempre condicionadas aos interessesnacionais”.

De acordo com o artigo 4º, o estrangeiro que quiser entrar no Brasil pode obter os vistos: I – detrânsito; II – de turista; III – temporário; IV – permanente; V – de cortesia; VI – oficial; e VII –diplomático.

Os artigos seguintes do Estatuto do Estrangeiro trazem as principais características dos vistosconcedidos pelo governo brasileiro.

O visto de turista é descrito no artigo 9º e é concedido “ao estrangeiro que venha ao Brasil emcaráter recreativo ou de visita, assim considerado aquele que não tenha finalidade imigratória, nemintuito de exercício de atividade remunerada”. O prazo máximo deste tipo de visto é de cinco anos(art. 12), mas na prática é em geral concedido por até 90 dias, renováveis pelo período igual aoanteriormente concedido.

O visto de trânsito é regulado pelo artigo 8º e é aplicado ao “estrangeiro que, para atingir o paísde destino, tenha de entrar em território nacional”. O prazo máximo deste tipo de visto é de 10 dias(art. 8º, § 1º).

O visto temporário aparece no artigo 13 e tem como hipóteses os casos de estrangeiros quevenham ao Brasil: “I – em viagem cultural ou em missão de estudos; II – em viagem de negócios; III –na condição de artista ou desportista; IV – na condição de estudante; V – na condição de cientista,professor, técnico ou profissional de outra categoria, sob regime de contrato ou a serviço doGoverno brasileiro; VI – na condição de correspondente de jornal, revista, rádio, televisão ouagência noticiosa estrangeira, e VII – na condição de ministro de confissão religiosa ou membro deinstituto de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa”.

O visto temporário tem prazos variados, estendendo-se de 90 dias (no caso dos incisos I e III) aum ano (inciso V), ou ainda pelo prazo que durarem as atividades nos demais incisos (art. 14).

O visto de permanente pode ser concedido ao estrangeiro “que pretenda se fixar definitivamente

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no Brasil”. Tal visto é regulado nos artigos 16 a 18, mas também se submete a quesitos estipuladospelo Conselho Nacional de Imigração.

Os vistos de cortesia, diplomático e oficial são de competência do Ministério das RelaçõesExteriores, de acordo com o artigo 19 do Estatuto do Estrangeiro.

O visto de cortesia é concedido a pessoas relevantes para o cenário e a política internacional masque não estejam diretamente ligadas a um Estado estrangeiro. Neste sentido se difere dos vistosdiplomático e oficial, uma vez que aquele é concedido aos membros do corpo diplomático de Estadoestrangeiro, e este é concedido para representantes do Estado estrangeiro, mas fora do corpodiplomático de carreira (JUBILUT; MONACO, 2010).

Assim como há o elenco dos tipos de vistos concedidos pelo Brasil, também são listados pela Lein. 6.815/80 os casos nos quais os vistos não podem ser concedidos. Estas situações são as dashipóteses previstas no artigo 7º e incluem: I – menor de 18 (dezoito) anos, desacompanhado doresponsável legal ou sem a sua autorização expressa; II – considerado nocivo à ordem pública ou aosinteresses nacionais; III – anteriormente expulso do País, salvo se a expulsão tiver sido revogada; IV– condenado ou processado em outro país por crime doloso, passível de extradição segundo a leibrasileira; ou V – que não satisfaça às condições de saúde estabelecidas pelo Ministério da Saúde.

Cumpre destacar mais uma vez que o Estatuto do Estrangeiro data do período da ditadura, o queexplica a linguagem utilizada e a limitação dos ideais humanitários e de proteção da pessoa humana,verificados, por exemplo, nos casos de impedimento da concessão de visto.

Há anos tem-se um projeto de lei propondo uma nova Lei de Migrações tramitando no CongressoNacional, e se espera que esta apresente um maior diálogo com o Direito Internacional Público,permitindo um equilíbrio entre os interesses nacionais e a necessidade de proteção de algunsestrangeiros migrantes.

Este equilíbrio parece ter sido encontrado a partir da ampliação da interpretação dos direitos edeveres que os estrangeiros possuem quando estão no Brasil. Este tema é a base para a análise doperíodo da estada do estrangeiro em um território estrangeiro.

3. Estada do estrangeiroEm geral os estrangeiros possuem direitos e deveres quando estão em um Estado estrangeiro, que

não coincidem com os direitos dos nacionais. Tal fato justifica a necessidade de se saber quem sãoos nacionais e quem são os estrangeiros de um Estado, até porque os integrantes de ambos os gruposcompõem a população de um Estado (JUBILUT; MONACO, 2010).

No que diz respeito aos deveres, cada grupo pode ter regulamentações específicas. É assim queem geral os estrangeiros não têm o dever de se alistar no exército, mas podem ter o dever de pagarimpostos e sempre têm os deveres relacionados à sua condição de estrangeiro – como o dever derespeitar as regulamentações específicas de seu tipo de visto (JUBILUT; MONACO, 2010).

Tal situação também ocorre em termos de direitos, quando, em geral, os nacionais têm direitosmais amplos do que os estrangeiros, como, por exemplo, os direitos políticos, que são comumentelimitados em caso de estrangeiros. Tal diferenciação, contudo, como visto no Capítulo 2, deve terbases legais claras e estabelecidas aprioristicamente.

No que diz respeito aos direitos, o Direito Internacional Público demonstrou preocupação com osestrangeiros, sobretudo quando são migrantes, por meio da Convenção Internacional sobre a Proteção

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dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias, de 1990, e queentrou em vigor em 2003.

Tal documento, todavia, tem adesão muito limitada e ainda está longe de ter abrangênciauniversal, e, com isso, garantir os direitos destes estrangeiros. Em face disto, é que a proteçãointerna concedida por cada Estado é ainda muito relevante.

No caso do Brasil, tal proteção se encontra, sobretudo, na CF, que irá garantir em especial a nãodiscriminação, deixando claro que só as distinções feitas por este documento são aceitáveis (art. 12,§ 2º), e os direitos humanos dos estrangeiros.

Estes direitos são elencados expressamente pelo artigo 5º da CF, que em seu caput afirma:“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros eaos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, àsegurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

A menção expressa aos estrangeiros não deixa dúvidas de que a intenção do constituinte eraassegurar os direitos humanos a todos; contudo, ao qualificar estes estrangeiros como sendo os“residentes no País”, tal amplitude poderia ter sido perdida.

Isto porque a minoria doutrinária passou a interpretar tal qualificação como sendo uma exigênciae, portanto, a dizer que somente os estrangeiros residentes no Brasil estariam protegidos pelo artigo5º, ou seja, somente os residentes no Brasil teriam direitos humanos.

Como visto, a residência vai além da simples presença física, exigindo um vínculo jurídico maisprofundo, o que faz com que tal interpretação seja restritiva e exclua de proteção todos osestrangeiros que apenas estejam no Brasil, como é o caso dos turistas.

Esta interpretação não merece prosperar, pois do ponto de vista do Direito Internacional Públicotodos os seres humanos são titulares de direitos humanos, onde quer que estejam. Além disso, se foraplicada, levaria a absurdos que a ordem jurídica brasileira não pode tolerar.

Exemplos: um estrangeiro que tivesse seus bens roubados não poderia buscar remédios legais noBrasil, já que seu direito à propriedade não estaria resguardado, ou um estrangeiro que sofresse umatentado contra sua vida também não poderia se socorrer do ordenamento jurídico brasileiro se nãofosse residente no país, ou também não teriam direito ao devido processo legal, podendo sercondenados por juízes sem rosto e sem o contraditório e a ampla defesa.

Todas estas situações são absurdas e, como dito em trabalho anterior, contrariam não apenas “oespírito da Constituição Federal, como as normas do bloco de constitucionalidade e oscompromissos internacionais do Brasil em termos de Direito Internacional dos Direitos Humanos”(JUBILUT; MONACO, 2010).

Em face disto, a maioria doutrinária – e também jurisprudencial – tem entendido que os direitoshumanos consagrados no artigo 5º se aplicam a todos os estrangeiros no Brasil, e não apenas aosresidentes. Neste sentido, se resguarda a proteção dos direitos decorrentes da dignidade humana atodos, em conformidade com o artigo 1º, III, da CF.

Além dos direitos humanos consagrados no artigo 5º – que são os de 1ª dimensão por tratarem dedireitos civis e políticos –, os estrangeiros também têm os direitos de 2ª dimensão – econômicos,sociais e culturais – assegurados. Neste aspecto merecem destaque os direitos de acesso universalcomo a saúde (art. 196) e a educação (arts. 205, 206 e 208, § 1º, além da meta da universalização).

Em face disto, verifica-se que o Brasil procura respeitar de maneira ampla os direitos humanos

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dos estrangeiros, com algumas limitações, mas com base na Constituição Federal.

Os estrangeiros têm direitos e deveres no Brasil. Entre aqueles se destacam os direitoshumanos, com limitação aos direitos políticos.Qualquer distinção entre brasileiros e estrangeiros deve ter base constitucional.

4. Saída do estrangeiroO terceiro período de relacionamento entre o estrangeiro e um Estado diz respeito à sua saída do

território deste, que pode se dar de modo voluntário ou de forma compulsória.A saída voluntária ocorre quando o estrangeiro, após ter entrado e estado regularmente no

território do Estado, se retira deste, por sua própria vontade e por seus próprios recursos. Seria aforma regular de o estrangeiro deixar o Estado após cumprir seus objetivos neste.

Já a saída compulsória ocorre quando o Estado força a saída do estrangeiro de seu território apartir de bases legais claras.

Essas bases legais em geral se relacionam ou à segurança interna ou internacional ou a umaviolação do regramento dos estrangeiros. Em relação a este último é interessante destacar como odiscurso de direitos humanos tem influenciado a condição jurídica do estrangeiro, uma vez queatualmente não se usa mais a expressão “estrangeiro/imigrante ilegal”, mas sim as expressões“estrangeiro/imigrante em situação irregular” ou “estrangeiro/imigrante indocumentado”.

Cada Estado tem discricionariedade para estabelecer as formas de saída compulsória deestrangeiros de seu Estado, sempre limitada pela ideia de critérios preexistentes, mas sobretudo denão discriminação.

As três formas tradicionais são: 1) a deportação, 2) a expulsão e 3) a extradição.A deportação é a forma de saída compulsória do estrangeiro por entrada ou estada irregular no

território de um Estado. Consiste, assim, em uma violação da regulamentação de vistos procedidapelo estrangeiro e que é punida pela sua retirada do território.

A entrada irregular ocorre, sobretudo, quando um visto é exigido, e o estrangeiro não o possui. Jáa estada irregular ocorre quando o estrangeiro viola as regras básicas de seu visto (como, porexemplo, realizar atividade remunerada sem ter autorização para tal) ou quando se extrapola operíodo autorizado para a estada.

Pode ter caráter administrativo ou administrativo-penal, dependendo do ordenamento jurídicointerno do Estado, e pode ou não limitar o retorno do deportado ao Estado.

A expulsão ocorre, em geral, quando o estrangeiro viola criminalmente o ordenamento jurídicodo Estado. Ela complementa a pena criminal e na maioria das vezes impede o retorno do expulso aopaís.

É interessante notar que alguns Estados combinam os institutos da deportação e da expulsão,criando a impossibilidade de retorno por um prazo longo – caso a pessoa deixe o paísvoluntariamente após o início dos procedimentos de retirada compulsória – ou indefinidamente –

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caso o procedimento seja finalizado.Diferentemente da deportação e da expulsão, que são atos unilaterais do Estado que acolhe o

estrangeiro, a extradição decorre de um pedido por outro Estado para o envio do estrangeiro a fimde ser julgado ou de cumprir pena criminal. Trata-se, assim, de um instituto de cooperaçãointernacional em matéria penal a fim de evitar a impunidade.

Existem vários modelos de análise de extradição pelos Estados, mas o mais comum é o queenvolve a conjugação de vontades entre o Executivo e o Judiciário, combinando-se, desta feita,critérios políticos e legais.

Cada Estado regulamentará os requisitos específicos para a concessão da extradição, mas faz-senecessário que o Estado que solicita a extradição tenha competência para julgar ou punir oestrangeiro (extraditando). Não é necessário, contudo, que este Estado seja o da nacionalidade doextraditando.

Além do requisito de competência, existem quatro princípios internacionais que regem aextradição e que devem ser respeitados por todos os Estados em todos os casos.

O primeiro destes princípios é a regra da especialidade, pela qual se exige que o pedido deextradição seja detalhado na descrição das circunstâncias do crime pelo qual se a pede e atipificação penal específica, o que é relevante a fim de permitir que o Estado analise a partir de suasregras internas a possibilidade da extradição.

Por exemplo, se um Estado não extradita por crimes políticos, é preciso saber se no casoespecífico ocorreu um crime político, e isso só será possível a partir da descrição detalhada dopedido.

O segundo princípio internacional que rege a extradição é a regra da dupla incriminação, queexige que a conduta pela qual se solicita a extradição seja tipificada criminalmente tanto no Estadoque pretende a extradição quanto no Estado que analisa a extradição.

Não é necessário que a tipificação seja idêntica, mas a conduta deve ser considerada criminosaem ambos, uma vez que se está diante de um instituto de cooperação penal internacional.

A terceira regra que compõe os princípios internacionais da extradição é a do non bis in idem, ouseja, a vedação da repetição. Isto significa que, se o extraditando já foi julgado por aquela condutaou se já cumpriu a pena, a extradição não pode ocorrer para evitar o bis in idem.

Da mesma maneira, é comum se solicitar que o tempo de prisão cumprido pelo extraditando noEstado que analisa a extradição relativa àquela conduta criminosa – seja aguardando a decisão finalda extradição, seja cumprindo pena por condenação penal na mesma conduta – seja subtraído do totalda pena a ser cumprida ou da que vier a ser condenado o extraditando, para evitar a repetição dapunição.

O último princípio internacional relativo à extradição é, provavelmente, o menos cumprido pelosEstados. Trata-se da regra do aut dedere aut judicare , que exige que os Estados ou extraditem oujulguem o extraditando, caso haja indícios (ou provas) de autoria e do cometimento de ilícito, mas aextradição seja vedada por critérios internos.

Isso poderia acontecer, por exemplo, no caso brasileiro se o pedido de extradição envolvesse umbrasileiro; ou, ainda, de modo mais geral, em casos em que haja aspectos humanitários – como idadeavançada ou uma enfermidade – que impeçam a extradição.

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Nestes casos, e em face do princípio do “ou extradita ou julga”, os Estados que recusarem aextradição na hipótese acima mencionada devem levar o estrangeiro à Justiça. Tal fato se justifica,uma vez que o objetivo da extradição é evitar a impunidade.

Merece destaque o instituto da entrega, pelo qual um Tribunal Internacional solicita o envio deuma pessoa – nacional ou estrangeira – para ser julgada ou cumprir pena.

Apesar de similar à extradição, a entrega é instituto jurídico próprio regulado pelo DireitoInternacional Público e possui abrangência maior em relação a quem pode ser submetido a ela, alémde estar ligada a crimes vinculados a graves violações dos direitos humanos – como crimes deguerra e contra a humanidade –, enquanto a extradição pode abranger qualquer tipo penal.

No momento, a entrega pode ser solicitada pelos Tribunais Penal Internacional, PenalInternacional para a ex-Iugoslávia e Penal Internacional para Ruanda.

No que diz respeito ao Brasil, verifica-se que este optou, a partir do Estatuto do Estrangeiro, poracolher as três formas tradicionais de saída compulsória do estrangeiro.

A deportação no Brasil é regulamentada pelos artigos 57 a 64 do Estatuto do Estrangeiro, éexecutada pela Polícia Federal e não impede o retorno ao País, desde que sejam sanadas asirregularidades encontradas.

Quando a deportação ocorre por permanência além do tempo autorizado, em geral é exigidopagamento de multa antes da retirada do estrangeiro do Brasil.

Em relação a este tema é interessante notar que faz parte da tradição brasileira em seurelacionamento com estrangeiros conceder anistias (na prática ocorrem a cada 10 anos, apesar denão ser uma regra) aos que estejam irregularmente no País, permitindo a regularização de suasituação e a sua documentação.

Para efetivar a deportação, em geral, a Polícia Federal notifica o estrangeiro para que deixe oterritório nacional em um prazo estabelecido. Caso isso não ocorra, a Polícia Federal detém oestrangeiro e procede à deportação. Tal detenção pode ocorrer pelo prazo de 60 dias (art. 59 doEstatuto do Estrangeiro).

De acordo com o artigo 58 da Lei n. 6.815/80, “[a] deportação far-se-á para o país danacionalidade ou de procedência do estrangeiro, ou para outro que consinta em recebê-lo”.

Os custos da deportação são arcados pelo governo brasileiro, a não ser que, no caso de entradairregular, se consiga identificar qual a companhia de transporte que trouxe o estrangeiro, quandoentão serão de responsabilidade desta (arts. 11, 23, 27 e 59). Se exige o ressarcimento dos custos dadeportação ao Brasil antes de se permitir o retorno ao País (art. 64).

A expulsão no Brasil, por seu turno, é regulada pelos artigos 65 a 75 do Estatuto do Estrangeiro,é de competência do(a) Ministro(a) da Justiça por delegação do(a) Presidente da República, eimpede o retorno do expulso ao Brasil enquanto o decreto que a efetiva (Decreto de Expulsão)estiver em vigor.

A expulsão ocorre quando o estrangeiro, “de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional,a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujoprocedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais” (art. 65).

Em geral decorre da prática de crime, sem contudo substituir a pena criminal que será cumpridaantes da saída compulsória do estrangeiro, mas diante da linguagem ampla do artigo 65 pode derivar

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de situações políticas.A expulsão, assim como a deportação, não ocorrerá se implicar extradição não autorizada pela

legislação brasileira (arts. 63 e 75, I). Também não será efetuada quando o estrangeiro tiver “a)cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que ocasamento tenha sido celebrado há mais de 5 (cinco) anos; ou b) filho brasileiro que,comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente” (art. 75, II, a e b), a nãoser que o reconhecimento do filho seja superveniente ou em caso de adoção (art. 75, § 1º).

Além deste vínculo financeiro, a jurisprudência tem exigido um vínculo afetivo entre oexpulsando e a sua prole brasileira.

A extradição no Brasil encontra regras na Constituição Federal (art. 5º, LI e LII, e art. 102, I, g)e nos artigos 76 a 94 do Estatuto do Estrangeiro.

O Brasil adota o sistema de conjugação de vontades do Executivo (na pessoa do(a) Presidente daRepública) e do Judiciário (no caso o Supremo Tribunal Federal, por meio de seu plenário).Combinam-se assim critérios políticos e técnico-jurídicos na análise da extradição, com estes sendoanalisados primeiramente.

O Supremo Tribunal Federal analisa então o pedido de extradição e decide se esta pode ou nãoocorrer do ponto de vista jurídico. Caso seja autorizada legalmente, a decisão final cabe aoExecutivo.

Recentemente, no caso Cesare Battisti, se tentou alterar esta tradição, visando-se que a decisãodo Supremo Tribunal Federal fosse definitiva, mas, ao que tudo indica, tal fato não será consolidadoem nosso ordenamento.

Como dito em obra anterior, o Supremo Tribunal Federal “analisa sobretudo as questões relativas(i) ao tipo de crime praticado, (ii) à nacionalidade do extraditando, (iii) ao tipo de pena que lhe seráimposta no Estado requerente e (iv) às questões formais do pedido de extradição”.

O Brasil optou por estabelecer uma lista de crimes pelos quais não se procede à extradição. Tallista inclui os crimes (i) religiosos, (ii) políticos, (iii) militares, (iv) de opinião, (v) de imprensa,(vi) de responsabilidade e (vii) fiscais. O Supremo Tribunal Federal irá, portanto, verificar se opedido de extradição se baseia em algum destes crimes e, se assim o fizer, a extradição não poderáser efetivada.

Como acima mencionado, o Brasil não procede à extradição de brasileiros. Tal regra encontra-seno artigo 5º, LI, da CF, que determina que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado,em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento emtráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”.

Em sua análise, o Supremo Tribunal Federal também observará o tipo de pena a ser imposto, umavez que não será concedida a extradição em casos em que não se “comutar em pena privativa deliberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a lei brasileirapermitir a sua aplicação” (art. 91, III, do Estatuto do Estrangeiro).

Também se verificará se é caso “de não considerar qualquer motivo político, para agravar apena” (art. 91, V, do Estatuto do Estrangeiro), pois se o for não se procederá à extradição.

O Supremo Tribunal Federal também considera as questões formais da extradição, que englobama existência de uma base jurídica e a impossibilidade de extradição indireta.

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Quanto àquela tem-se que a extradição pode se fundar em um tratado de extradição entre o Brasile o Estado que a solicita ou em uma promessa de reciprocidade realizada pelo Estado requerente.Tal promessa significa que o Estado requerente se compromete a analisar futuros pedidos deextradição feitos pelo Brasil, ainda que não exista tratado entre eles.

Quanto à extradição indireta, ou seja, o envio para um Estado que irá encaminhar o extraditando aum terceiro Estado, verifica-se que é vedada por nossa legislação (art. 91, IV, do Estatuto doEstrangeiro).

É importante destacar que o Supremo Tribunal Federal, ao fazer sua análise, não discute o méritodo caso, mas procede somente a um “juízo de delibação” do pedido de extradição; em um processode “contenciosidade limitada” ou de “cognição restrita”.

Também merece destaque o fato de que ao lado de todos estes requisitos o Supremo TribunalFederal também deve levar em consideração os princípios internacionais da extradição(especialidade, dupla incriminação, non bis in idem e aut dedere aut judicare ), a fim de que oBrasil respeite o Direito Internacional.

Caso o Supremo Tribunal Federal entenda após a sua análise que a extradição preenche osrequisitos legais, o pedido segue para o(a) Presidente da República, que fará a análise política docaso, momento no qual se abre espaço para os juízos de conveniência e oportunidade, mas que nãodevem ser superiores às normas de Direito Internacional.

Saídas compulsórias de estrangeiros do BrasilDeportação – entrada ou estada irregular/Polícia FederalExpulsão – nocividade aos interesses nacionais/Presidente => Ministro da JustiçaExtradição – cooperação internacional/Supremo Tribunal Federal + Presidente

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Capítulo 4Concurso de Jurisdição

1. Noções introdutóriasComo visto no item 5 do Capítulo 1, o tema do concurso de jurisdição adentra o Direito

Internacional Privado a partir da realidade anglo-saxã e se ocupa das situações em que as relaçõesjurídicas que irradiam efeitos em mais do que um ordenamento jurídico podem estar submetidastambém a mais de um ordenamento jurídico.

A problemática surgiu no ambiente jurídico da Common Law tanto no Reino Unido quanto nosEstados Unidos, em que os reinos e as unidades federadas possuem grau de autonomia elevado para aconstrução de suas próprias normas materiais, o que gera a necessidade de solucionar concursosinternos de leis que são, no mais das vezes, resolvidos por regras fixas de atribuição de competênciajurisdicional, limitando os conflitos de competência.

Quanto a eventual concurso de leis, esses se resolvem, no mais das vezes, com a identificaçãoentre foro e direito aplicável (identidade forum-ius), minimizando o espaço para eventual forumshopping, ou seja, a “compra” de um foro por ser ele mais benéfico. A jurisdição é fixada pelalegislação central (Reino Unido ou Federação), e o direito local (dos reinos locais ou estados) a seraplicado é o do foro.

De forma geral o problema se põe, nos demais ordenamentos jurídicos, nos seguintes termos:além de se ter que determinar qual é a lei aplicável a esta relação jurídica, deve-se tambémdeterminar quem tem competência para analisar a questão. Ou seja, deve-se solucionar o concurso dejurisdição.

Esta problemática da determinação da jurisdição competente forma o cerne do tema do concursode jurisdição, mas não tem esgotado as questões que a doutrina elenca como abrangidas por estetema.

É assim que se somam a ela todos os itens de cooperação internacional que objetivem afacilitação ou o avanço de procedimentos judiciais e/ou jurisdicionais.

Para manter-se fiel à sua proposta inicial, a presente obra tratará então destes dois grandes temas– o concurso de jurisdição propriamente dito, relativo à determinação da competência, e acooperação internacional com fins judiciais – na sequência.

2. Competência internacionalA questão da determinação da competência em casos de relações jurídicas que irradiam efeitos

em mais do que um ordenamento jurídico compõe, como mencionado, o aspecto mais tradicional doconcurso de jurisdição. Isto porque, é a necessidade de se definir qual é a jurisdição competente quenorteia a ideia de se solucionar um concurso de jurisdição.

A pergunta basilar deste tema é, portanto, “a quem compete analisar e decidir a causa emdebate?”.

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A resposta a esta questão não é imediata, como poderia ser no direito interno, uma vez que adefinição da competência de um Estado é feita por ele mesmo, no exercício de sua soberania.

Cada Estado avoca a si as competências jurisdicionais que julga poder desempenhar, e, com isso,pode ocorrer que uma mesma situação da vida seja avocada por dois ou mais Estados, surgindo apossibilidade de que venham a se produzir duas ou mais decisões judiciais distintas e, por vezes,conflitantes.

Ademais, a determinação da jurisdição e da competência está vinculada ao princípio daterritorialidade, razão pela qual um Estado não pode se atribuir competências para além de suasfronteiras, e tampouco pode interferir na determinação das competências em outro Estado, ou seja, asregras de competência são nacionais.

Em face de tal realidade, pode-se ficar diante de situações em que mais de um Estado se entendecompetente para analisar e decidir sobre o mesmo caso. Surge, deste modo, um concurso dejurisdição.

A solução de tal concurso será baseada em dois pilares. Por um lado, é preciso verificar quaissão as competências legalmente atribuídas, a fim de se evitarem decisões ultra vires, e, por outro,deve-se atentar para a autonomia das partes nos casos de Direito Civil, que poderão escolher no casoconcreto qual a jurisdição que mais pareça favorável a seu pleito e processo.

Faz-se aqui necessário destacar que não se está falando de processo internacional, uma vez quenão há processo internacional entre particulares. Somente é possível falar em processo internacionalno âmbito do Direito Internacional Público, no qual os indivíduos ainda têm acesso limitado aocontencioso internacional e em que sempre uma das partes será ou um Estado ou uma OrganizaçãoInternacional.

Trata-se, portanto, de situações entre indivíduos em que, em função das regras nacionais decompetência, mais de um Estado pode analisar e decidir as questões em seus tribunais internos e nãoem Tribunais Internacionais, como ocorre no caso dos processos verdadeiramente internacionais.

A expressão “Direito Processual Internacional” é utilizada no âmbito do Direito InternacionalPrivado. Já a expressão “Direito Internacional Processual” é reservada para processosinternacionais envolvendo Estados ou Organizações Internacionais e, portanto, utilizada noâmbito do Direito Internacional Público.

As regras de competência são, como mencionado, nacionais, e, portanto, é necessário atentar paraa legislação de cada um dos Estados em que a relação jurídica possa irradiar efeitos para determinarse eles são ou não competentes.

No caso do Brasil, as principais regras de competência estão presentes no Código de ProcessoCivil, na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e no Código Penal.

O Código Penal estipula, como regra geral, a aplicação da lei brasileira aos crimes cometidos noterritório nacional (art. 5º). Consequentemente, uma vez que se trata de ramo do Direito Público, acompetência para julgar e punir tais fatos delitivos é da jurisdição brasileira. Há, aqui, a aplicação

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da regra de identidade foro-ius.A mesma regra (aplicação da lei penal brasileira pela jurisdição nacional) é aplicada aos crimes,

ainda que cometidos no exterior, contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; opatrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, deempresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;contra a administração pública, por quem está a seu serviço; e de genocídio, quando o agente forbrasileiro ou domiciliado no Brasil (art. 7º, I).

Quando tais crimes são cometidos em território nacional, a competência já seria da jurisdiçãobrasileira, em consequência da interpretação do artigo 5º do Código Penal.

Por outro lado, quando os crimes são praticados no exterior, nas condições acima expostas, dadaa clara afronta aos interesses nacionais, cuida-se de verdadeira hipótese de avocação decompetência que pode gerar concurso de jurisdição (quando a conduta também estiver tipificada nalei penal do Estado estrangeiro).

Com efeito, como o crime foi praticado no exterior, haverá, muito possivelmente, interesse dajurisdição estrangeira em dar uma resposta à sociedade que assistiu à prática do delito. Mas há,também, o legítimo interesse brasileiro de perseguir, julgar e eventualmente condenar o suspeito detê-lo praticado, pois sua conduta atingiu um bem jurídico de relevância para o Estado nacional.

Na hipótese de genocídio praticado no exterior por agente brasileiro, dada a repercussão que ocaso pode ter nas relações internacionais do País, é justificável o interesse de ver atuar a jurisdiçãobrasileira para reprimir tal prática.

As hipóteses, como ressaltado, geram concurso de jurisdição, pois o Estado brasileiro não podeobrigar o Estado estrangeiro, em cujo território se cometeu o delito, a deixar de julgar. Vale dizer,pode ocorrer de ambas as jurisdições serem retiradas de sua inércia e desenvolverem processosjudiciais tendentes à apuração dos fatos e julgamento de seu suposto autor.

Além destes, o Brasil também é competente para julgar os crimes que, por tratado ou convenção,tenha se obrigado a reprimir, desde que o agente adentre o território nacional.

Quanto aos crimes praticados por brasileiro ou aqueles praticados em aeronaves ou embarcaçõesbrasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando localizadas em território estrangeiro, acompetência brasileira é residual e nossa jurisdição só será acionada nas hipóteses em que oscrimes, previstos como tal também na lei estrangeira, não sejam efetivamente julgados no exterior(art. 7º, II).

Por fim, no que concerne aos crimes praticados contra brasileiros por estrangeiros, acompetência brasileira só se dará se preenchidas as condições estabelecidas nas alíneas dos §§ 2º e3º, do artigo 7º, do Código Penal.

Os casos, contudo, que mais de perto interessam ao Direito Internacional Privado, uma vez que,como visto no Capítulo 1, ele se ocupa, sobretudo, de relações privadas, são os elencados peloCódigo de Processo Civil e pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Os artigos relativos a este tema no Código de Processo Civil são os de números 88 e 89, queestabelecem, respectivamente, os casos de competência concorrente da justiça brasileira e os casosde competência exclusiva desta.

A justiça brasileira é exclusivamente competente para ações referentes a imóveis situados noBrasil (art. 89 do Código de Processo Civil e art. 12, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do

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Direito Brasileiro).Assim, ações de partilha de imóveis situados no Brasil, seja em decorrência do falecimento de

seu proprietário, seja em decorrência do desfazimento da sociedade conjugal por separação,divórcio, anulação do casamento ou, ainda, em decorrência da dissolução de união estável, só podemser pleiteadas perante a justiça brasileira.

É bem verdade que pode ocorrer de uma jurisdição estrangeira qualquer (por exemplo, aquela emque o falecido tinha seu último domicílio, ou aquela em que domiciliado o casal) considerar-secompetente para partilhar bens imóveis situados fora de seu próprio território. Assim, pode ser queessa jurisdição estrangeira determine a partilha dos bens imóveis situados no Brasil. O que fazer?

Nesse caso, tal decisão só seria válida se homologada no Brasil pelo Superior Tribunal deJustiça. Apenas cumprida essa formalidade é que seria possível transcrever o título no RegistroImobiliário competente. No entanto, como se trata de competência exclusiva do Judiciário brasileiro,assim determinada pelo legislador nacional, tal homologação, eventualmente requerida no Brasil,seria negada pelo STJ.

O mesmo ocorre com relação a ações judiciais cujo objeto seja a determinação de um direito realsobre imóvel situado no Brasil. Assim, uma ação reivindicatória, uma ação possessória qualquer,ações de divisão de condomínio, bem assim qualquer demanda atinente a direitos reais de garantia oudireitos reais sobre coisa alheia, só poderão ser discutidas no Judiciário brasileiro, e eventualsentença estrangeira com esse conteúdo terá seu pedido de homologação negado pelo STJ.

Diferentemente, nas hipóteses de competência relativa, ambas as jurisdições podem serprovocadas a tomar uma decisão. Nos termos da legislação brasileira, o Judiciário nacional érelativamente competente para ações envolvendo:

1) réu domiciliado no Brasil (art. 88 do Código de Processo Civil e art. 12, caput, da Lei deIntrodução às Normas do Direito Brasileiro). Havendo mais de um demandado, sendo um deles,pelo menos, domiciliado no Brasil, justificada estará a opção pela jurisdição brasileira;2) obrigação a ser cumprida no Brasil (art. 88 do Código de Processo Civil e art. 12, caput, daLei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Tratando-se de obrigações complexas, sendoao menos uma das parcelas exequível no Brasil, a propositura da demanda em território nacionalé cabível;3) ato/fato praticado/ocorrido no Brasil (art. 88 do Código de Processo Civil). Assim, se a causade pedir se originar de ato/fato praticado/ocorrido no Brasil, a inércia da jurisdição brasileirapoderá ser rompida pela propositura de ação judicial em nosso país.

Perceba-se que as hipóteses em que o legislador dotou o julgador brasileiro de competência sãobastante amplas. No entanto, uma ação em que o autor seja domiciliado no Brasil, relativamente a réudomiciliado no exterior, para determinar seja fielmente executada uma obrigação a ser executada noexterior, baseada em ato/fato praticado/ocorrido também no exterior, obrigará o autor da demanda aprovocar outra jurisdição que não a brasileira, uma vez que, nesse caso, não haverá enquadramentoem nenhum dos permissivos legais.

É interessante notar que, por força do artigo 90 do Código de Processo Civil, o Brasil não admitea litispendência internacional. Ou seja, é possível que ações com as mesmas partes, mesmos fatos emesmas causas de pedir tramitem simultaneamente no Brasil e no exterior.

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Parece ser a única medida razoável, uma vez que não existem meios para que uma jurisdiçãoimponha a outra critérios de prevenção de seu juízo. Tratando-se de órgãos jurisdicionais quecompõem Poderes Judiciários de distintos Estados soberanos, nada justifica a submissão de um aoutro que não o prévio acordo nesse sentido, o que se costuma fazer por meio de mecanismos decooperação judiciária internacional.

Não havendo tal instrumento (tratado), a litispendência internacional resta inviabilizada.A não admissão da litispendência internacional decorre, assim, da ausência de mecanismos

práticos para a resolução do problema. Com efeito, as decisões judiciais são expressões do podersoberano do Estado. Assim sendo, são atos de soberania. Neste sentido, poder-se-ia indagar qualseria a base para que um juiz brasileiro imponha sua jurisdição a um juiz estrangeiro qualquer. Ou,ainda, questionar por qual razão a jurisdição deste juiz se sobreporia à de outro.

Os critérios de solução de litispendência do direito interno (momento da distribuição do processoou do primeiro despacho) só fazem sentido no âmbito de uma única jurisdição, mas não podem sertranspostos para jurisdições soberanas diversas.

Isto torna ainda mais relevante o instituto da homologação de sentença estrangeira, que seráobjeto de análise no item 3.5 deste Capítulo; e a possibilidade de autonomia na decisão da jurisdiçãoque irá analisar o caso.

Tal escolha, todavia, não é fácil e exige o conhecimento das diferentes variáveis que podeminfluenciar a efetivação da decisão.

Ao decidir por uma jurisdição em detrimento da outra, a parte envolvida no caso deve buscarencontrar aquela que mais irá trazer-lhe benefícios, a partir da análise das variáveis da situação.

Tomando como exemplo apenas três variáveis, pode-se compreender de maneira mais ampla talsituação.

Imagine-se que existe a possibilidade de o caso ser analisado e decidido por três jurisdiçõesdistintas – Estado A, Estado B e Estado C –, que cada Estado tem um padrão de tempo de análise dasquestões judiciais – rápido, lento e moderado – e que em cada um deles uma maior ou menorquantidade de direitos será assegurada à parte – muitos direitos, poucos direitos e direitos medianos.Por fim, os custos judiciais podem ser elevados, medianos ou baixos.

Tem-se que a combinação de tais variáveis pode levar a vários cenários, como por exemplo: oEstado mais rápido garantindo menos direitos a custos medianos, ou o Estado com o tempo moderadogarantindo mais direitos a um custo baixo, ou ainda o Estado mais lento garantindo mais direitos,porém a custo elevado; sendo esta apenas uma das diversas combinações possíveis.

Somando-se a isto outras variáveis, como a própria possibilidade de execução da sentença, nota-se a complexidade deste tipo de decisão, que se insere na esfera da estratégia de defesa dosinteresses das pessoas envolvidas, a ser montada por seus advogados.

Assim, ainda que exista autonomia das partes, é importante levar em conta a situação real e legalde cada caso concreto, o que exigirá, para além de conhecimentos de Direito Internacional Privado,também conhecimentos na área de direito comparado.

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Competência internacional do Brasil – civilArt. 88 do CPC – competência relativaArt. 89 do CPC – competência absolutaArt. 90 do CPC – impede litispendência internacional

3. Cooperação internacionalO segundo grande tema relacionado ao concurso de jurisdição trata das questões relativas à

cooperação internacional.A cooperação implica colaboração e tem a intenção de solucionar problemas de maneira

coordenada, facilitando tal processo. No cenário internacional é indispensável, seja no ramo doDireito Internacional Público, em que ganhou destaque após a Segunda Guerra Mundial, seja no ramodo Direito Internacional Privado, que é o que mais de perto interessa a esta obra.

Neste cenário, e pensando-se na pluralidade de jurisdições que podem estar conectadas àsrelações que irradiam efeitos em mais do que um ordenamento jurídico, podem existir situações quesomente poderão ser solucionadas se houver cooperação internacional, uma vez que como visto ajurisdição e a competência têm base territorial.

Seriam os casos de, por exemplo, haver necessidade de se fazer a oitiva de testemunhas em umEstado que não o Estado no qual o processo está tramitando; ou coletar provas em um Estadoestrangeiro, ou, ainda, haver necessidade de localizar crianças sequestradas para efetuar seu retornoa quem tem a guarda legal.

Em todas estas situações a solução somente será possível por meio da cooperação internacional.Neste sentido, verifica-se o desenvolvimento constante de institutos que permitem a efetivação desteideal e, com isso, contribuem, desta feita, para o alcance da justiça internacional.

A cooperação internacional pode ocorrer nas esferas judicial e/ou administrativa, dependendo dotipo de ação que está sendo solicitada e da estrutura organizacional do poder de cada Estado.

Independentemente do tipo, a cooperação internacional vem ganhando espaço, uma vez que osfenômenos transnacionais envolvendo particulares avançam constantemente e os mecanismosclássicos de efetivação daquelas necessidades, inspirados pela tradição diplomática, têm-semostrado custosos, burocráticos e demorados, ensejando, por vezes, o perecimento dos direitos quese busca resguardar em outras jurisdições.

Os itens a seguir tratarão dos principais institutos de cooperação internacional, sobretudo a partirda ótica brasileira. Assim serão abordados: (i) o auxílio direto, (ii) os acordos internacionais, (iii)as autoridades centrais, (iv) as cartas rogatórias e (v) a homologação de sentença estrangeira.

3.1 Auxílio diretoO auxílio direto parece ser o mais recente instituto de cooperação, e, até em função disso, há

ainda muito debate na doutrina sobre sua aplicação e suas características.As bases do auxílio direto surgem a partir de 2004 e 2005. Naquele ano houve a formação de uma

Comissão de Especialistas por parte do Ministério da Justiça destinada a elaborar um projeto de lei

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sobre Cooperação Jurídica Internacional, e em tal situação houve menção ao auxílio direto, quetambém pode ser denominado de assistência direta.

Já em 2005, o auxílio direto aparece listado no artigo 7º, parágrafo único, da Resolução n. 9 doSuperior Tribunal de Justiça, demonstrando que os três poderes brasileiros enxergam em tal institutouma forma atual de cooperação internacional.

Contudo, não está claro ainda qual seria a hipótese de incidência do auxílio direto, para que sejaconsiderado um instituto único, uma vez que na prática tem havido confusão com outro instituto decooperação internacional: a carta rogatória (que será analisado no item 3.4 deste Capítulo).

Parece haver consenso doutrinário no sentido de que trata o auxílio direto de um procedimento deajuda entre órgãos judiciais ou administrativos em casos de atos sem conteúdo jurisdicional.Contudo, a partir daí as diferentes posições surgem.

Por um lado, tem-se a ideia de que qualquer ato que possa ser submetido a um juízo de mérito porparte do Judiciário brasileiro então seria objeto de auxílio direto. Por outro, propugna-se pela ideiade que se trata apenas de atos que demandam execução simples, que não passam por qualquer análisede mérito dos órgãos brasileiros, que irão apenas executá-los.

É importante destacar que o auxílio direto pode abranger também atos administrativos, e, nestesentido, a posição mais abrangente parece ser a mais adequada.

O auxílio direto poderia, assim, ocorrer em casos de consultas sobre textos legais ou sobreprocedimentos, ou ainda em casos em que já exista um procedimento específico predeterminado –como no caso de ações de alimentos que envolvam fatos mistos e que precisem ser executadas noBrasil.

Tratar-se-ia então de um auxílio ou uma assistência efetivamente, e não de novos procedimentosque precisem ter seu mérito avaliado no Brasil.

O auxílio direto pode ter como base legal para o caso específico ou um tratado internacionalentre Estados – já que apesar de atingir relações privadas é instituto de cooperação entre órgãosestatais – ou ainda a promessa de reciprocidade, que funciona em termos similares aos mencionadosquando da análise do instituto da extradição (item 4 do Capítulo 3).

No caso brasileiro, se existir tratado como base para o auxílio direto e este tiver o Brasil comoEstado ativo (requerente), caberá ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação JurídicaInternacional, da Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça, enviar o pedidodiretamente ao Estado requerido.

Caso se trate de auxílio direto passivo (Brasil como requerido) com base em acordo, oDepartamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional encaminhará o pedidoao Centro de Cooperação Jurídica Internacional da Procuradoria Geral da República, que seencarregará de encaminhar a demanda ao órgão mais adequado para sua análise.

Tal situação não se aplica nos casos do Canadá e de Portugal, quando a competência para oauxílio direto recai diretamente sobre o Ministério Público Federal, em razão de tratados específicoshavidos com aqueles Estados.

Caso não haja tratado internacional sobre o auxílio direto, o interessado encaminhará o pedidopara a Divisão Jurídica do Ministério das Relações Exteriores, que, usando os meios diplomáticos,encaminhará o pedido para o Estado estrangeiro. Em sendo auxílio direto passivo sem acordo, estetrâmite é invertido.

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3.2 Acordos internacionaisEnquanto o auxílio direto é um instrumento recente de cooperação internacional, os acordos

internacionais são a base de qualquer ação nesta área e os mais tradicionais veículos para tal.Trata-se de tratados celebrados entre Estados que preveem ações de cooperação nas mais

diversas áreas e que são denominados acordos. É importante destacar, nesta seara, que adenominação específica dos tratados – acordo, carta, pacto, tratado etc. – não altera seu statusjurídico (JUBILUT; MONACO, 2010).

Os tratados são celebrados por escrito e regidos pelo Direito Internacional. Até o presente,somente Estados e/ou Organizações Internacionais podem celebrar tratados (JUBILUT; MONACO,2010).

Os tratados são regidos pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969 – relativaaos tratados celebrados entre Estados – e pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de1986 – relativa aos tratados celebrados entre Estados e Organizações Internacionais ou entreOrganizações Internacionais entre si.

Na área da cooperação internacional os acordos internacionais vêm ganhando cada vez maisdestaque. Isto se explica, por um lado, pela percepção por parte dos Estados de que temastransnacionais – como lavagem de dinheiro, combate à pirataria, combate à corrupção – somentepodem ser enfrentados de maneira conjunta.

Por outro lado, nota-se a vontade estatal de formalizar a cooperação internacional garantindomaior segurança e certeza jurídica às ações neste âmbito e, com isso, buscando efetivar de maneiramais forte tal cooperação.

Os acordos internacionais de cooperação internacional têm tido destaque, sobretudo, nos temasde Direito Penal. Neste sentido destacam-se as atividades da INTERPOL, bem como a ConvençãoInternacional para a supressão do Financiamento do Terrorismo, de 1999, a Convenção de Palermocontra lavagem de dinheiro, de 2000 (que foi assinada em Nova York e tem como nome técnico“Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional”), e a Convenção deMérida, de 2003 (Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção); todas recepcionadas peloBrasil.

3.3 Autoridades centraisUm instrumento que tem sido estabelecido por meio dos acordos internacionais para facilitar a

execução de seus objetos são as autoridades centrais, que são órgãos nos âmbitos administrativo oujudicial dotados de funções específicas para a fiscalização e a efetivação dos objetos de tratadosinternacionais (BORRÁS RODRÍGUEZ, 1993).

A necessidade para a criação de tais órgãos decorre, por um lado, da busca de celeridade notratamento de questões transnacionais e, por outro, da tentativa de se facilitarem os procedimentospara o diálogo entre os ordenamentos de dois ou mais Estados.

As autoridades centrais têm sido utilizadas em tratados relacionados, principalmente, a temasafetos às crianças e a algumas questões procedimentais, sobretudo no marco do MERCOSUL, comono procedimento regional de homologação de sentença estrangeira que será visto na sequência (item3.5 deste Capítulo).

Nos temas relacionados às crianças, têm-se autoridades centrais específicas para o tema de

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sequestro de menores e adoção internacional – que no Brasil é a Secretaria de Direitos Humanos daPresidência da República – e para a questão de alimentos – sendo no Brasil o Ministério PúblicoFederal a autoridade central nesta hipótese.

Essas autoridades centrais serão, normalmente, em número de uma por Estado, podendo,entretanto, os países de regime federativo, como o Brasil, bem como aqueles em que vigorar mais deum sistema jurídico, optar por sua multiplicidade. Assim é que, por exemplo, no que diz respeito àConvenção da Haia, de 1993, sobre cooperação judiciária e determinação da lei aplicável emmatéria de adoção internacional, além da Autoridade Central Nacional, o Brasil indicou aindaAutoridades Centrais estaduais, que, no caso, são as CEJAs (Comissões Estaduais Judiciárias deAdoções) ou CEJAIs (Comissões Estaduais Judiciárias de Adoções Internacionais), que devem sercriadas por resolução dos Tribunais de Justiça.

Em todos os casos, havendo situações envolvendo os temas dos tratados, as autoridades centraisdos Estados envolvidos dialogarão para efetivar a normativa internacional.

Por exemplo, em caso de sequestro de uma criança levada a um Estado que seja parte danormativa internacional sobre o tema e, portanto, tenha predefinido uma autoridade central; seacionada dentro do período de um ano, a autoridade central do país do qual a criança for levadaentrará em contato com a autoridade central do país para o qual a criança foi levada visando àrestituição imediata dela, sem necessidade de procedimento jurisdicional, ou até mesmo suspendendoos efeitos de procedimento jurisdicional superveniente.

Tem-se, assim, um instrumento facilitador da efetivação das normas e da justiça no planointernacional, minimizando o período de espera e os custos envolvidos e, com isso, facilitando odireito de acesso à justiça de modo pleno.

3.4 Cartas rogatóriasAs cartas rogatórias são tradicionais instrumentos de cooperação jurídica internacional. São elas

os equivalentes das cartas precatórias em situações transnacionais.As cartas rogatórias são utilizadas quando há necessidade de se solicitar a realização de um

específico ato judicial em um Estado estrangeiro com a finalidade de ser aproveitado pela jurisdiçãorequisitante, como uma citação, a oitiva de uma testemunha ou a produção de outra prova qualquer,residindo aí sua similitude com o auxílio direto.

Contudo, em geral, as cartas rogatórias são submetidas a juízos de delibação por tribunais, queirão analisar a coadunação dos pedidos com regras jurídicas amplas de cada Estado. No casobrasileiro, por exemplo, elas não podem ferir a soberania, a ordem pública e os bons costumes, poisse assim o fizerem não receberão o exequatur, ou seja, a autorização para serem executadas (art. 17da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

No Brasil, o procedimento envolvendo as cartas rogatórias abrange atores distintos, dependendode ser um caso de carta rogatória ativa (Brasil como requerente) ou carta rogatória passiva (Brasilcomo requerido).

No primeiro caso, quando a carta rogatória sairá do Brasil para o exterior, o juiz que necessita doato a ser executado no estrangeiro envia o pedido ao Ministério da Justiça por meio do Departamentode Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, caso exista acordo prévio entre osEstados, ou ao Ministério das Relações Internacionais nas demais situações.

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Estes órgãos então tomarão as medidas cabíveis para fazer chegar o pedido ao Estadoestrangeiro, que, por sua vez, se baseará em sua estrutura interna para efetivar a solicitação.

No caso de cartas rogatórias a serem cumpridas no Brasil, estas serão recebidas por um dosórgãos supramencionados, que as encaminharão ao Superior Tribunal de Justiça, que desde a EmendaConstitucional n. 45, de 2004, tem competência para conceder exequatur a elas (art. 105, i, da CF).

Uma vez realizado o juízo de delibação, o Superior Tribunal de Justiça encaminhará o pedido aojuízo competente para que a solicitação seja efetivada.

Desde que assumiu a competência para analisar e conceder o exequatur às cartas rogatórias, oSuperior Tribunal de Justiça adotou a posição de que todos os atos – inclusive os declaratórios –estrangeiros podem/devem ser submetidos ao juízo de delibação.

Em um processo envolvendo tantos atores, não é de surpreender que o tempo para execução dascartas rogatórias seja longo, o que tem feito que se busquem alternativas para tal.

Cabe acrescentar, contudo, que ainda não é pacífico que o auxílio direto seja uma alternativa àcarta rogatória, sendo mais adequado entender que aquele não poderá substituir a esta já que seocupa de atos sem conteúdo jurisdicional e que podem acabar não passando pelo crivo de ao menosum juízo de delibação.

3.5 Homologação de sentença estrangeiraO último instituto de cooperação internacional que cumpre destacar é a homologação de sentença

estrangeira, que vem a ser o procedimento pelo qual se permite que uma sentença prolatada por outroEstado produza efeitos em território nacional.

Existem diversos sistemas relativos ao relacionamento do Estado com as sentenças estrangeiras.Entre eles há os sistemas de (i) reciprocidade de fato – quando deve haver o mesmo instituto jurídiconos dois Estados envolvidos; (ii) reciprocidade dupla – quando deve haver tratado entre os Estadosprevendo a homologação; (iii) revisão parcial de mérito – quando se analisam os efeitos daaplicação da lei estrangeira; (iv) revisão total do mérito – quando se julga novamente a ação; e (v)procedimento de delibação.

O Brasil adota este último, um juízo de delibação, mas sem rever o mérito da decisão estrangeira,e sem a necessidade de instituto jurídico similar ou tratado como base para a solicitação dahomologação.

Trata-se na verdade de um processo de reconhecimento da sentença estrangeira seguido daautorização para sua execução no Brasil.

Muito embora seja praxe se referir à homologação de sentença estrangeira, doutrina ejurisprudência são unânimes ao afirmar que não se trata de procedimento exclusivo de internalizaçãode decisões jurisdicionais. Ao contrário, o mesmo procedimento pode e deve ser aplicado a decisõesadministrativas ou políticas, por exemplo, se no exterior tais decisões competirem a administradoresou políticos. Exemplos: o divórcio, em alguns Estados, compete ao prefeito municipal, ou, em algunsEstados, um ato administrativo pode ter conteúdo decisório (contencioso administrativo). Taisdecisões são homologáveis, assim como as sentenças.

Tal reconhecimento e autorização para execução, contudo, somente serão feitos após a análise dedois grupos de questão.

Por um lado se analisa o conteúdo da sentença verificando se não fere a ordem pública, a

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soberania e os bons costumes, e desta feita se está em conformidade com o artigo 17 da Lei deIntrodução às Normas do Direito Brasileiro.

Por outro lado, se analisa a forma a fim de se verificar se os requisitos do artigo 15 da Lei deIntrodução às Normas do Direito Brasileiro estão preenchidos. Tais requisitos exigem que, para serhomologada a sentença estrangeira, (i) tenha sido proferida por juiz competente; (ii) que as partestenham sido citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia; (iii) ter a sentença transitado emjulgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foiproferida; e (iv) estar a sentença traduzida por intérprete autorizado.

A análise destes dois grupos de questões é feita também pelo Superior Tribunal de Justiça, desdea Emenda Constitucional n. 45, de 2004 (art. 105, i, da CF).

Uma vez homologada a sentença estrangeira, ela produz efeitos ex tunc, retrocedendo até a datado trânsito em julgado no exterior.

Até 2009, por força do parágrafo único do artigo 15 da Lei de Introdução às Normas do DireitoBrasileiro, as sentenças estrangeiras meramente declaratórias de estado não precisavam serhomologadas. Tal situação foi, todavia, alterada por força da Lei n. 12.036/2009; e atualmente todasas sentenças estrangeiras devem ser homologadas.

Há, contudo, sistemas diferentes para homologação dependendo da origem da sentençaestrangeira. Isto porque ao lado do sistema geral de homologação de sentenças estrangeiras, acimadescrito, há um sistema regional de homologação das sentenças estrangeiras oriundas dos países doMERCOSUL.

Tal sistema foi estabelecido pelo Protocolo de Las Leñas, de 1992, que trata de cooperação eassistência jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa.

As principais diferenças envolvendo o sistema regional de homologação de sentençasestrangeiras são três. Em primeiro lugar há o estabelecimento de autoridades centrais (vide item 3.3deste Capítulo) para a homologação de sentenças oriundas de países do MERCOSUL.

Em segundo lugar não há necessidade de tradução da sentença nem de sua consularização, seflexibilizando, deste modo, os requisitos do artigo 15 da Lei de Introdução às Normas do DireitoBrasileiro.

E, em terceiro lugar, os prazos para a homologação das sentenças oriundas de países doMERCOSUL são iguais aos prazos relativos às cartas rogatórias (vide item 3.4 deste Capítulo),sendo, portanto, mais ágil do que os procedimentos gerais de homologação de sentenças estrangeiras.

Tem-se, assim, que o procedimento para a homologação das sentenças oriundas de países doMERCOSUL é dotado de mais celeridade e menos formalidade, o que pode ser justificado pelapremissa de que, em estando os países que compõem este bloco mais integrados, mais relaçõesjurídicas transnacionais envolvendo os seus nacionais poderiam ocorrer.

A homologação de sentenças estrangeiras é, assim, um relevante instrumento de cooperaçãointernacional, uma vez que se está aplicando direito estrangeiro e dando-lhe eficácia plena emterritório nacional.

Mais do que isso, é extremamente relevante, caso se recorde a possibilidade de concurso dejurisdição, a pluralidade de competências que pode existir em um caso concreto (item 4 do Capítulo2), e a possibilidade de não admissão de litispendência em processos envolvendo fatos mistos (comoé o caso do Brasil – Capítulo 2).

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Isto porque, ao ser homologada, a sentença estrangeira passa a produzir efeitos em territórionacional e susta outras ações similares – uma vez que há litispendência interna. Não por oposição deexceção de litispendência, mas por oposição de exceção de coisa julgada, que passa a existir, noBrasil, a partir da homologação, com efeitos ex tunc, como se viu acima.

Desta feita, a análise dos procedimentos de homologação de sentenças estrangeiras nos locais emque se espera que produza efeitos, inclusive com o tempo médio para a concessão do exequatur,também é uma variável a ser levada em consideração no momento da escolha do foro a ser buscado.

Neste sentido, mostra-se como a cooperação internacional, de modo geral, e a homologação desentenças estrangeiras, de modo particular, são temas relevantes para o concurso de jurisdição, o quejustifica sua inserção no presente item desta obra.

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Capítulo 5Concurso de Leis

1. Parte geral1.1 Noções introdutórias

O Direito Internacional Privado se ocupa de solucionar o concurso de leis que incidem sobrecasos jusprivatistas em que as relações jurídicas irradiam efeitos em mais de uma ordem jurídica. Ouseja, atua em casos ou situações plurilocalizadas que envolvem fatos mistos.

Um fato é considerado misto quando envolve elemento de estraneidade, ou seja, um elementoestrangeiro, que pode se relacionar a qualquer aspecto da relação jurídica: o sujeito, o objeto ou aação.

Os fatos mistos já foram chamados de anômalos e, atualmente, também são denominados fatosmultinacionais.

É ele o ramo do Direito que irá apontar a partir de um método próprio qual é a lei que deve seraplicada ao caso concreto, solucionando o aparente conflito entre diferentes ordenamentos quepoderiam solucionar a questão.

Este é o principal objeto do Direito Internacional Privado: o concurso de leis.Como o Direito é territorial e cada Estado define suas competências, casos envolvendo fatos

mistos podem ser regulamentados por mais de um ordenamento, gerando um concurso de leis noespaço.

Nestas situações, e a fim de garantir, por um lado, a solução da controvérsia, e, por outro, asegurança jurídica, é preciso saber qual será a lei aplicável.

O Direito Internacional Privado, no âmbito do concurso de leis, indicará tal lei e,consequentemente, em qual ordenamento deve-se buscar a solução para o caso concreto.

Ele fará assim a determinação da localização daquela relação jurídica, uma vez que há mais doque um ordenamento jurídico que pode estar vinculado a ela, e decidirá a qual ordenamento deve-sesubmetê-la.

Desta maneira, tem-se que não será o Direito Internacional Privado que irá solucionarmaterialmente o caso, mas sim o ordenamento jurídico que ele apontar para tal.

Esta escolha é feita pelos Poderes Legislativos internos de cada Estado, sendo o DireitoInternacional Privado, no que diz respeito às suas fontes, eminentemente nacional.

O Direito Internacional Privado pode, assim, ser considerado um solucionador “indireto” do casoconcreto, e o solucionador “direto” do concurso de leis.

A partir do item abaixo, passa-se a analisar os aspectos principais desta última ação. Como cadaEstado cria o seu Direito Internacional Privado, o foco das explanações será o Direito InternacionalPrivado brasileiro.

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1.2 FontesComo noção de direito interno, era de supor que a fonte principal, se não exclusiva, do Direito

Internacional Privado fosse a lei, sobretudo porque o direito brasileiro é direito gerado por fontesromano-germânicas e, nesse sentido, tem predominância das fontes normativas de tipo legislativo.

Se isso é verdade enquanto teoria, basta uma simples leitura das regras de Direito InternacionalPrivado existentes na antiga Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), atual Lei de Introdução àsNormas do Direito Brasileiro (LINDB), e daquelas que estão esparsas pela legislação nacional, parase verificar a existência de lacunas na rede de normas legislativas do Brasil.

Da leitura das regras de Direito Internacional Privado registradas pelo legislador haverá espaçosenormes na seara dos fatos jurídicos que não terão solução, pelo menos não em um primeiromomento. E será preciso preenchê-los com outras fontes normativas.

Isto porque norma não é apenas lei, mas sim qualquer regra juridicamente viável. A própriaLINDB diz que há mecanismos para colmatagem de lacunas e se deve recorrer a fontes secundárias,auxiliares, como, por exemplo, a doutrina e a jurisprudência.

No caso do Direito Internacional Privado, em se verificando a escassez de fontes normativas, detipo legislativo, ou a concisão dos dispositivos quando estes existem, verifica-se a existência deenorme espaço para o desenvolvimento jurisprudencial ou doutrinário.

Em face disso, verifica-se que, além das leis, a doutrina e a jurisprudência terão papel importantecomo fontes do Direito Internacional Privado; bem como os tratados internacionais, que, ainda quesejam objeto do Direito Internacional Público, vêm ganhando força no âmbito do DireitoInternacional Privado, ao regular matérias de sua alçada.

Diante desta multiplicidade de fontes, é relevante analisar os aspectos principais de cada umadelas.

O Código Civil de 1916 vinha introduzido por uma série de artigos com numeração autônoma,inspirados na Lei de Introdução ao Código Civil Alemão (EgBgB), que veio a ser substituída, em1942, por um decreto-lei ainda em vigor. O mais curioso é que a Lei n. 3.071/16 iniciava-se pelaintrodução, com artigos numerados a partir do primeiro, e, posteriormente, o Código Civil começavatambém no artigo 1º. Hoje, é muito difícil encontrar a redação da Introdução do Código Civil, Lei n.3.071, de 1º de janeiro de 1916, sendo necessário que se recorra a edições muito antigas do CódigoCivil de 1916.

Outros ordenamentos não contam com uma lei específica de Direito Internacional Privado,deixando esparsas tais normas no âmbito da própria legislação material. Assim, por exemplo, apósregular a capacidade da pessoa física, inserem uma regra de concurso de normas para indicar odireito aplicável quando o sujeito é estrangeiro ou domiciliado em outro Estado soberano.

Essa era, também, a solução desenhada pelo esboço de Teixeira de Freitas que não chegou a setransformar em Código Civil, entre nós.

Quando da elaboração do anteprojeto de Código Civil de 1916, Clóvis Beviláqua tratou de tentarconciliar os dois grandes modelos que a comunidade jurídica de então oferecia em termos deregulação da vida civil. No que concerne à regulação da aplicação das normas jurídicas, Beviláquaoptou por seguir o modelo do BGB alemão, dotando o Código Civil de 1916 de uma Introdução, comnumeração autônoma de seu articulado e que tratasse de regular os aspectos atinentes à sucessão e

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aos conflitos das normas jurídicas.A LINDB é composta por 19 artigos, tratando em seus seis primeiros de questões pertinentes à

Teoria Geral do Direito, à sucessão das leis no tempo e ao concurso de leis no tempo, e nos artigosseguintes mais especificamente do Direito Internacional Privado brasileiro.

A revogação da Introdução ao Código Civil de 1916 deu-se em decorrência de determinação doPresidente Getúlio Vargas no sentido de alterar os critérios de irretroatividade das leis, na esteira doque fizera a Constituição de 1937.

Nesse período ditatorial não houve qualquer previsão, nem explícita, nem implícita, de proteçãodos direitos adquiridos no bojo constitucional. Isso fazia muito sentido num Estado autoritário, emque a vontade do governante deveria ser aplicada em razão do “bem comum”. No entanto, em quepese a ausência da proteção constitucional, permanecia a proteção legal, inserta na Introdução aoCódigo Civil, o que impedia, em regra, a promulgação de normas retroativas.

No entanto, aproveitou-se a oportunidade para alterar, também, alguns dispositivos referentes aoDireito Internacional Privado.

A Introdução de 1916 apresentava algumas opções de caráter político que, naquele períodohistórico, mostraram-se verdadeiras idiossincrasias. Assim, por exemplo, a escolha da nacionalidadecomo elemento de conexão para regular a aplicação da lei no caso de conflito de leis no espaçopassou a gerar, a partir da segunda metade da década de 1930, uma série de problemas.

Assim, no mais das vezes, sempre que um estrangeiro pleiteasse a realização judicial ou mesmoextrajudicial de um direito subjetivo, a ele seria aplicada a sua lei nacional para a verificação de suacapacidade ou de sua legitimidade para a aquisição daquele direito.

Não se pode esquecer que nessa época a segunda guerra assolava a Europa e o Japão, e que aTurquia invadia o Líbano e a Síria, gerando grandes levas de imigrantes que para aqui acorreram.Até então, e em virtude de decretos de naturalização compulsória necessários para a consolidação doconceito de povo brasileiro, não havia no Brasil grande contingente de estrangeiros a quem seaplicassem as leis estrangeiras.

Até 2011, a LINDB era denominada Lei de Introdução ao Código Civil, mas por conterdispositivos que se aplicam a todo o direito brasileiro e não apenas aos aspectos do Direito Civil,teve sua denominação alterada para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro pela Lei n.12.376, publicada no DOU de 31 de dezembro de 2010.

Alterou-se a ementa da antiga Lei de Introdução ao Código Civil, que passou a se chamar Lei deIntrodução às Normas do Direito Brasileiro. Seu artigo 1º afirma textualmente que tal mudança visaampliar “o seu campo de atuação”.

Cedo se percebeu que a temática tratada pela Introdução ao Código Civil não se referia apenas aeste ramo didático do saber jurídico, porquanto não se deva nunca esquecer que o Direito consistenum fenômeno cultural de caráter unitário, valendo as divisões que experimenta como recurso deordem didática e organizacional. Vale dizer, as disposições da Introdução não eram aplicáveisapenas à sucessão das leis civis ou ao conflito das leis civis, mas, sim, à sucessão e aos conflitos dasnormas jurídicas como um todo.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência sempre afirmaram que um ato jurídico qualquer, como osão um decreto-lei e uma lei, é aquilo que expressa ser (seu conteúdo), e não aquilo que diz ser (suanomenclatura). Não se pode deixar de criticar o Legislativo por ter aprovado uma lei iníqua como

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esta e perdido a oportunidade de modificar disposições que mereciam efetiva revisão.Algumas disposições da LINDB foram alteradas por leis posteriores, mas no geral o texto se

mantém fiel ao original da década de 1940 (ou até da década de 1910, dependendo da perspectiva), oque faz com que parte das normas de Direito Internacional Privado brasileiro esteja desatualizada emface da doutrina mais contemporânea da matéria.

A LICC/1942 foi modificada posteriormente para que nela fosse reincluída a proteção aosdireitos adquiridos, uma vez que a Constituição democrática de 1946 voltara a prever tal proteção,como era de nossa tradição constitucional.

Todavia, persistia um problema relativamente às obrigações com elemento estrangeiro, porquantonão se tenha dotado tais relações jurídicas de uma regulação conforme ao direito comparado,fazendo-se aplicar a lei do local da celebração do contrato para a sua regulação, tolhendo-se aautonomia da vontade e escolhendo o legislador um elemento de conexão rígido que não se mostravao mais adequado, como seria o caso da aplicação da lei do local onde o contrato viesse a sercumprido, que consistia em regra meramente supletiva, para os casos em que a obrigação tivesse deser cumprida no Brasil, como se verá adiante.

Para resolver tais problemas e para adequar a Lei de Introdução aos ditames de uma ordem socialmais dinâmica, em que o tráfico comercial internacional começava a se destacar, foi nomeado peloGoverno Federal, na década de 1960, o Professor Haroldo Valladão, jurista de nomeada econhecedor profundo do Direito em sua unicidade, para que elaborasse uma nova Lei de Introdução.

O jurista Haroldo Valladão optou por uma nova nomenclatura, mais condizente com a realidade,com o conteúdo e com a função que tal diploma legislativo sempre desempenhara em nossoordenamento.

Assim, seu Anteprojeto de uma Lei Geral sobre Aplicação das Normas Jurídicas foi entregue aoGoverno Federal com mais de uma centena de artigos, apresentando uma regulação pormenorizadados vários aspectos de que se ocupava. Encaminhado ao Congresso Nacional, não teve o seguimentonecessário, tendo sido arquivado.

Em 1984, o Senador Nelson Carneiro reapresenta o Projeto Valladão, que, todavia, não é sequerdiscutido, tendo sido deixado de lado em razão das últimas eleições presidenciais indiretas e daconvocação de uma nova Assembleia Constituinte.

No governo Itamar Franco, é nomeada nova comissão, composta pelos Professores JoãoGrandino Rodas (presidente), Jacob Dolinger, Rubens Limongi França e Inocêncio Mártires Coelho.Apresentado em 1994, o Anteprojeto procurou realizar uma síntese das experiências do passado,adotando a nomenclatura proposta por Valladão, mas mantendo a estrutura interna e a quantidade deartigos da Lei de Introdução vigente.

Apresentado como Projeto prioritário do governo Fernando Henrique Cardoso, foi logo retiradoda Comissão de Constituição e Justiça a pedido do então Ministro da Justiça, Nelson Jobim, paranovos estudos. Não foi mais reapresentado pelo Executivo.

Com a aprovação do novo Código Civil, foi apresentado o Projeto de Lei do Senado n. 243/2002,com vistas a servir de Introdução ao novo Código Civil. O projeto, de qualidade e técnica para lá deduvidosas, não merece aprovação.

Ciente disso, o Senador Pedro Simon reapresentou, em 2004, e após consulta aos remanescentesda Comissão de 1994 – o Professor Limongi França falecera em 1999 –, o projeto de lei por eles

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elaborado, devidamente adequado às disposições do novo Código Civil.Seja como for, forçoso é reconhecer que as normas positivadas hoje em vigor não cumprem

integralmente seu papel de regulamentar a escolha da lei aplicável, mormente a situações decorrentesdos avanços sociais recentemente experimentados.

Daí a necessidade de se recorrer às chamadas fontes auxiliares que, no âmbito do DireitoInternacional Privado, acabam por assumir papel importante, se não principal.

No que tange à jurisprudência, pode-se dizer que é, ainda, incipiente. Os juízes se mostram,muitas vezes, arredios à aplicação do direito estrangeiro quando este é apontado pelo DireitoInternacional Privado brasileiro como a lei aplicável.

Tal fato pode decorrer tanto de um apego nacionalista quanto do desconhecimento do DireitoInternacional Privado brasileiro, mas em nenhum dos dois casos se justifica.

Isso porque, em relação ao primeiro caso, verifica-se que foi opção do Poder Legislativo adotaras regras de Direito Internacional Privado brasileiro e permitir a aplicação do direito estrangeiro,não havendo, portanto, qualquer violação da soberania nacional. Além disso, é preciso ter sempreem mente que a função primordial do Direito Internacional Privado é a de indicar o direito maispróximo à relação jurídica e, se esse for o direito estrangeiro, este deve ser aplicado.

Ademais, outra importante característica do Direito Internacional Privado é a de se mostrartolerante com as diferenças eventualmente existentes entre o direito nacional (do foro) e o estrangeiro(aplicável).

Já no segundo caso, com o advento da globalização e o aumento constante do intercâmbio entrepessoas de diferentes Estados, um jurista que queira atuar adequadamente no mundo contemporâneonão pode ignorar a relevância do Direito Internacional Privado, ainda que tenha tido uma lacuna emsua formação acadêmica quando da graduação.

Isso porque, durante algumas décadas, a disciplina não constava do rol das disciplinasobrigatórias nos cursos jurídicos, segundo definição do Ministério da Educação.

É importante, assim, divulgar o Direito Internacional Privado brasileiro, para que ele seja cadavez mais aplicado na prática e para que a jurisprudência se torne fonte efetiva na solução das lacunaslegislativas neste ramo do Direito.

No que diz respeito à doutrina, verifica-se que, ainda que a produção em Direito InternacionalPrivado no Brasil seja incipiente, as obras produzidas auxiliam sobremaneira no preenchimento daslacunas legislativas e têm sido as principais fontes a propugnar pelo avanço e desenvolvimento damatéria no Brasil. Assim, têm-se trabalhos importantes como os de Haroldo Valladão, JacobDolinger, Irineu Strenger, João Grandino Rodas e, mais recentemente, de Nádia Araújo, MaristelaBasso e Cláudia Lima Marques.

Especialmente no que concerne à parte especial da disciplina, os estudos sistematizados sãoimportante arsenal para o enfrentamento das lacunas produzidas pela genérica legislação.

Em face das lacunas internas em termos de fonte, verifica-se o avanço das fontes internacionaissobre o tema no âmbito do Direito Internacional Privado brasileiro. Tal situação vem ganhando umanova roupagem, mas já existe desde as últimas décadas do século XIX, com as Conferências da Haiade Direito Internacional Privado, e das primeiras décadas do século XX, com a ConvençãoInteramericana de Direito Internacional Privado.

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A Convenção Interamericana de Direito Internacional Privado, também chamada de CódigoBustamante ou de Convenção de Havana, foi celebrada em 1928, a partir das propostas do professorcubano de Direito Internacional Privado: Antonio Sánchez de Bustamante. Ela objetivava unificar oDireito Internacional Privado das Américas a partir de uma convenção internacional geral.

A ideia era estabelecer regras gerais de Direito Internacional Privado e também regras para aparte especial, ou seja, a indicação de elementos de conexão que seriam seguidos por todos osEstados ratificantes.

Esta convenção continua em vigor no Brasil, mas sofreu inúmeras modificações com a adoção daLINDB, em 1942, e com a adoção posterior de outros tratados pelo Brasil que alteraram parte desuas disposições.

O Código de Bustamante somente se aplica para os Estados-membros da Organização dosEstados Americanos (OEA) que o ratificaram e para relações jurídicas que tenham ligação com osEstados ratificantes.

Cabe aqui o princípio da reciprocidade dos tratados internacionais, pelo que ele somente seráaplicado se as partes reciprocamente se submetem ao Código de Bustamante.

A grande iniciativa que se esperava com o Código de Bustamante era que se conseguisseuniformizar o elemento de conexão entre a antiga América portuguesa e a antiga América espanhola.Só que o Brasil não abriu mão da regra da nacionalidade como seu principal elemento parasolucionar os casos envolvendo fatos mistos, e a antiga América espanhola fez o mesmo, mas emrelação ao domicílio.

O Código de Bustamante trouxe, então, uma regra alternativa, estabelecendo que cada Estado-parte poderia indicar ou o domicílio ou a nacionalidade como seu elemento de conexão.

Essa experiência decorrente da assinatura da Convenção de Havana vigorou, durante muitotempo, como a principal fonte internacional do Direito Internacional Privado nas Américas. No finalda década de 1970, mas com maior intensidade na década de 1980, os Estados americanos, ainda noâmbito da OEA, passaram a convocar as chamadas Conferências Interamericanas de DireitoInternacional Privado (CIDIPs).

As CIDIPs são conferências esporádicas, convocadas pelo Secretário Geral da OEA, queprocuram atualizar as regras do Código de Bustamante, mas tentando não fazer expressa menção aeste.

Os mais renomados professores de Direito Internacional Privado têm participado ativamente,produzindo textos convencionais que, na grande maioria das vezes, são de extrema qualidade. Noentanto, essa experiência tem sido paralisada pela falta de vontade política dos Estados em ratificaros tratados.

Da mesma forma, no âmbito global, busca-se harmonizar o Direito Internacional Privado, sendo ogrande centro de tal iniciativa a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado.

Esta iniciativa surge inicialmente para ser um foro europeu de discussões, mas logo passa acontar com a contribuição japonesa, e, em pouco espaço de tempo, os Estados latino-americanostambém acorrem a essas discussões, tornando o espaço verdadeiramente global.

A Conferência da Haia se torna, assim, o principal eixo de discussão para o avanço do DireitoInternacional Privado.

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Essa conferência, que é uma organização internacional permanente, produz textos convencionaisque têm sido bem-recepcionados pelos Estados. Praticamente todas as convenções produzidas pelaConferência da Haia, com exceção das muito antigas e das mais recentes, já entraram em vigor. E, emmuitas delas, há um número bastante expressivo de Estados-parte, com caso de mais de 80ratificações de um único texto convencional.

No caso do Brasil, a jurisprudência e a doutrina, muitas vezes, recorrem aos tratados negociados,quer nas CIDIPs, quer na Conferência da Haia, mesmo que estes não tenham sido ratificados peloEstado brasileiro, como forma de argumentação e fundamentação de propostas doutrinárias,principalmente.

Isso ocorre, mormente, porque a elaboração dos textos convencionais é bastante cuidadosa,contando com a participação de renomados doutrinadores de todos os Estados-parte, além detécnicos especialmente convocados para discussões específicas, o que lhes garante qualidade eefetividade.

No âmbito do Direito Internacional Privado, tem-se reconhecido nesse sentido, tanto doutrináriaquanto jurisprudencialmente, força normativa aos tratados não ratificados.

Na medida em que no Direito Internacional Privado brasileiro a fonte que consegue o melhordesempenho para preencher as lacunas da matéria é a doutrina e na medida em que esses tratados sãonegociados por doutrinadores renomados, esses tratados são vistos como a doutrina coletiva doDireito Internacional Privado.

Eles conseguem produzir força normativa na medida em que o julgador, que dele se valha, seapoia não no texto convencional em si, mas na doutrina daqueles que o elaboraram.

Do final da década de 1990 até 2005-2006, praticamente em todas as delegações de todos ospaíses à Conferência da Haia havia ao menos um docente de Direito Internacional Privado presentenas reuniões.

De 2006 em diante, contudo, os Estados têm preferido se fazer representar por burocratas, o quepode, a longo prazo, levar ao empobrecimento do Direito Internacional Privado pela não utilizaçãode tratados não ratificados como fontes da matéria.

1.3 Método1.3.1 Noções introdutórias

Para solucionar os concursos de leis, o Direito Internacional Privado apresenta um métodopróprio que é, em geral, definido como indireto, analítico e sintético judicial.

O método do Direito Internacional Privado irá apontar a lei aplicável ao caso concreto sem trazera solução material a este, razão pela qual este ramo do Direito é apontado como sendo umsobredireito.

Por trazer esta técnica de solução de concursos de leis, como visto, o Direito InternacionalPrivado às vezes tem seu caráter jurídico questionado. Tal fato é um equívoco, pois se trata de ummétodo a partir de conceitos e normas jurídicas, o que faz com que o Direito Internacional Privadoseja, sim, Direito.

Para se entender o método do Direito Internacional Privado, e assim ser capaz de solucionar osconcursos de leis, deve-se entender a norma de Direito Internacional Privado para, na sequência,

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verificar-se como se chega a sua aplicação, que é o que se passa a fazer.

1.3.2 Estrutura e classificação da norma de direito internacional privadoAs normas jurídicas em geral apresentam uma estrutura dupla baseada na colocação de uma

hipótese e do estabelecimento de uma consequência daquela hipótese. É assim, por exemplo, quepara a hipótese de se “matar alguém” há a consequência jurídica de uma pena criminal; ou nahipótese de se configurar uma relação trabalhista existem consequências reguladas pelo Direito doTrabalho.

As normas do Direito Internacional Privado também possuem duas partes, mas, diferentementedas normas jurídicas em geral, estas partes não se configuram como hipótese e consequência.

Na primeira parte da norma de Direito Internacional Privado, há a identificação de um institutojurídico ou de um grande tema/uma grande disciplina do Direito, como, por exemplo, os bens ou odireito de família. Esta parte que é o instituto jurídico sobre o qual versa a norma é denominadaobjeto de conexão.

Já a segunda parte da norma de Direito Internacional Privado traz um elemento de conexão, queirá apontar qual é a lei aplicável ao caso concreto, permitindo a solução do conflito a partir dodireito material a que ele remete o caso.

É assim, por exemplo, que no Direito Internacional Privado brasileiro o tema dos bens seráregulado pela lei de sua localização, e o direito de família, pela lei do domicílio da pessoa, uma vezque a LINDB estabelece que

Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei dopaís em que estiverem situados.

E

Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim dapersonalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

Analisando-se o artigo 8º, verifica-se que o objeto de conexão são os bens (o instituto jurídicoregulado), e o elemento de conexão é a localização, uma vez que se aplicará a “lei do país em queestiverem situados”.

Já no caso do artigo 7º o objeto de conexão é múltiplo (o começo e o fim da personalidade, onome, a capacidade), incluindo-se o direito de família, e o elemento de conexão é o domicílio, umavez que se aplicará a “lei do país em que domiciliada a pessoa”.

Norma de Direito Internacional PrivadoObjeto de conexão (instituto jurídico regulado) + Elemento de conexão (aponta lei aplicável aocaso)

É relevante destacar que os elementos de conexão só serão utilizados caso se trate de umasituação plurilocalizada, ou seja, uma situação que irradie efeitos em mais do que um ordenamento

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jurídico pela existência de elemento estrangeiro na relação jurídica.Tem-se, assim, que o elemento estrangeiro é fático; ele está na relação jurídica plurilocalizada,

que deve possuir pelo menos um elemento nacional para interessar ao ordenamento nacional. Ouseja, deve existir mesmo um fato misto para que o Direito Internacional Privado passe a atuar.

Já o elemento de conexão é normativo; ele está na norma. Em geral é estabelecido pelo legisladorcom exceção de poucas hipóteses em que há um espaço teórico para o exercício da autonomia davontade no Direito Internacional Privado. Trata-se dos temas dos contratos e do regime de bens emcaso de matrimônio.

Elemento estrangeiro – presente na relação jurídicaElemento de conexão – presente na norma

O elemento de conexão é vazio de conteúdo. Não consegue ter sentido a menos que se recorra àsituação fática analisada. Trata-se da premissa maior. A premissa menor é obtida a partir dos fatos.Assim se chega à conclusão.

Dizer-se que a lei aplicável é a do domicílio de pouco adianta se não se souber onde o indivíduoé domiciliado. Sabendo-se tal circunstância, obtém-se a conclusão. De qualquer sorte, convémlembrar que o elemento de conexão não traz em si a resposta material ao caso concreto, mas indica aresposta de qual a lei aplicável. É o continente de que o elemento nacional ou o elemento estrangeiropodem ser o conteúdo.

Cada Estado, no exercício de sua soberania legislativa, adota os elementos de conexão quedesejar; sendo que existem alguns elementos de conexão que são adotados de maneira mais frequente,como a nacionalidade e a localização (seja da pessoa com base em seu domicílio ou residênciahabitual, seja do bem).

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Principais elementos de conexão

Pessoais – Religião(Personalidade, capacidade, – Nacionalidade (lex patriae)direito de família e sucessões) – Domicílio (lex domicilii) (doutrina mais moderna aponta a residência habitual como melhor critério)

Reais – Situação da coisa (lex rei sitae) – Domicílio do proprietário/possuidor

Formais – Local do ato (lex loci) da celebraçãoatos jurídicos) da execução da constituição

Obrigacionais – Volitivo (autonomia da vontade) – Local da constituição – Local da execução

Delituais – Local do delito (lex loci delito) – Local do resultado – Local da relação mais efetiva

O Direito Internacional Privado mais moderno propugna pela adoção do elemento de conexão quemais próximo esteja da relação jurídica. Adotando-se ideia do direito americano, busca-se o centrode gravidade da relação jurídica que deveria então propiciar a definição do elemento de conexãorelativo a ela.

Assim, por exemplo, nos casos de direito de família entende-se que o local em que a pessoa temmaiores vínculos e realiza os atos de sua vida civil e familiar é o centro de gravidade – e não, porexemplo, o Estado de sua nacionalidade –, o que deveria estar refletido no elemento de conexão, quedeveria preferir, então, ou o domicílio, ou, como propugna a teoria mais atual, a residência habitualcomo elemento de conexão.

Se as normas de Direito Internacional Privado e as normas jurídicas em geral têm a mesmaestrutura – ambas possuindo duas partes –, mas há diferenças no conteúdo dessas duas partes, devehaver uma classificação das normas em diferentes tipos.

Uma primeira forma de classificação separa justamente as normas jurídicas em geral das normasjurídicas de Direito Internacional Privado, dividindo as normas jurídicas em normas diretas e normasindiretas.

As normas diretas são aquelas que trazem a resposta ao problema, a consequência da hipótese,nelas mesmas. A norma jurídica, em geral, é direta. Quando ela é construída, não só se detecta ahipótese, não só se percebe o problema como se torna possível encontrar, nesta mesma norma, aresposta jurídica, a consequência imaginada pelo legislador para aquele problema. Então, hipótese econsequência (na mesma norma) indicam a existência de uma norma jurídica direta.

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As normas de Direito Internacional Privado são normas indiretas. Elas apenas e tão somenteremetem a outra norma que resolverá o problema. Esta outra norma pode ser nacional ou estrangeira,dependendo das circunstâncias fáticas da relação jurídica, fazendo com que, algumas vezes, o direitoestrangeiro tenha que ser aplicado pelo juiz nacional.

Em alguns Estados europeus há normas diretas de Direito Internacional no que tange ao concursode leis, que são chamadas também de normas materiais, sobretudo pelos doutrinadores portugueses.No entanto, no sistema normativo brasileiro não se encontra este tipo de normativa.

Delimitada essa diferença entre as normas de tipo direta e indireta, é possível abstrair umaconsequência das normas indiretas, que seria aquilo que Moura Ramos denominou de assepsia ou denormas assépticas.

A assepsia das normas indiretas está presente tanto no fato de estas não terem o condão deresolver o problema à primeira vista, mas de modo mais significativo no fato de apenas apontaremem qual ordenamento jurídico deve-se buscar a solução material do caso, sem se preocupar com asreais consequências desta aplicação.

As normas de Direito Internacional Privado em geral se ocupam tão-somente de apontar a leiaplicável, sem analisar a justiça de tal aplicação ao caso concreto.

Em princípio, a norma de Direito Internacional Privado sozinha é tão neutra quanto um ambienteesterilizado, asséptico.

A norma do Direito Internacional Privado vai ter o seu conteúdo pleno, perfeito e acabadoquando se conseguir relacioná-la com uma situação fática.

Em face desta relação de dependência, sobretudo após o final da Segunda Guerra Mundialpassou-se a defender a ideia de que o Direito Internacional Privado deve estar aberto também avalores, analisando e trabalhando não apenas com questões formais, mas também questões deconteúdo.

Este movimento se funda no surgimento de um sistema de proteção ao ser humano com o DireitoInternacional dos Direitos Humanos, e passa a estabelecer uma escala axiológica com a valorizaçãopositiva do indivíduo no cenário internacional.

Tal transformação é uma das mais significativas do Direito Internacional Privado desde seusurgimento, pois passa a introduzir elementos de conteúdo em um ramo do Direito que até então eraexclusivamente formal.

Outra forma de classificar as normas de Direito Internacional Privado é a divisão em normasunilaterais e normas bilaterais.

As normas unilaterais são aquelas que se preocupam com o fenômeno do Direito InternacionalPrivado a partir de um único ordenamento jurídico. Um exemplo de tais normas no ordenamentojurídico brasileiro é o § 1º do artigo 7º da LINDB, que dispõe:

Art. 7º, § 1º – Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aosimpedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.

A ideia é que, para os casamentos que se celebram no Brasil, a lei aplicada para dizer quais sãoas formalidades sejam as feitas no Brasil. Tem-se, assim, uma visão parcial, unilateral do problema– que só é visto a partir do prisma dos casamentos celebrados no Brasil.

Para compreender plenamente as implicações das normas unilaterais é preciso torná-las

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bilaterais, entendendo que ao restringir a ótica de análise do Direito Internacional Privado elasaceitam as mesmas restrições por outros Estados.

Neste sentido, e usando-se o exemplo acima, se o casamento no Brasil é regido pela leibrasileira, devo aceitar que se o casamento for celebrado na Argentina seguirá a lei argentina, se forcelebrado no Uruguai, a lei do Uruguai, e assim por diante.

Deste modo, bilateraliza-se a norma unilateral, abstraindo-se uma norma global, que no caso emtela seria a de que o casamento se rege pela lei do local de sua celebração. Com tal expediente,consegue-se obter uma norma tipicamente bilateral.

As normas bilaterais, por seu turno, são aquelas que já estão abertas à eventual aplicação dodireito estrangeiro, caso seja este o apontado pelo elemento de conexão; sendo estas a maior partedas normas de Direito Internacional Privado no Brasil.

Pelo exposto, verifica-se que as normas de Direito Internacional Privado, no que tange aoconcurso de leis, são sempre indiretas e podem ser unilaterais ou bilaterais, sendo aquelas semprebilateralizáveis.

1.3.3 Método de direito internacional privadoUma vez apontados os principais aspectos das normas de Direito Internacional Privado, cumpre

agora entender qual é o método que este ramo do Direito adota para solucionar os concursos de leis.O método de Direito Internacional Privado é bastante variado em termos de etapas e modelos;

contudo, em geral, como no caso do Brasil, é composto por três fases.A primeira fase do método do Direito Internacional Privado é a qualificação. Qualificar significa

dar enquadramento jurídico aos fatos pertinentes ao caso em questão. Significa entender qual é aquestão que está sendo colocada e na sequência proceder à subsunção dos fatos à regulamentaçãojurídica. Jacob Dolinger ensina que qualificar é o resultado de duas atitudes juridicamenteespecíficas: conceituar e classificar.

Por exemplo, em face de um caso em que a parte explique que trabalhou durante X anos naempresa Y por 10 horas diárias sem receber o excedente do máximo de horas semanais previsto emlei, a qualificação significaria compreender que se trata de um tema no Brasil de Direito doTrabalho.

Já se a situação fática for a da falta de pagamento de deveres em função da percepção de renda, aqualificação apontaria para um problema no Brasil de Direito Tributário.

Verifique-se que nos exemplos acima se procedeu à qualificação a partir do ordenamento jurídicobrasileiro. Isto é relevante, pois cada ordenamento jurídico pode ensejar uma qualificação diferente,uma vez que esta significa proceder ao enquadramento jurídico dos fatos e que cada ordenamentopode proceder a um enquadramento diferente. Nesse sentido é que se fala em conflito dequalificações.

O problema dos critérios a serem seguidos para se proceder à correta qualificação não foi notadona doutrina senão após o estabelecimento de discussões a respeito na jurisprudência.

Os casos da sucessão do maltês na Argélia, do testamento hológrafo do holandês formalizado naFrança e do casamento civil, em jurisdição francesa, de cidadão grego e cidadã francesa levantarama questão, já que, segundo a qualificação admissível em cada um dos ordenamentos jurídicosenvolvidos, chegar-se-ia a soluções diversas.

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No que diz respeito a essa dificuldade de se buscar a forma mais adequada de qualificar arelação fática para a qual se busca uma solução jurídica, a todas as teorias que se desenvolveramforam endereçadas críticas mais ou menos veementes.

Da tentativa de se deixar assentada a necessidade de qualificação segundo a lex fori (preferidapor Bartin, na França, e Kahn, na Alemanha), afirma-se ser ela melhor por estar o juiz do foroacostumado ao sistema classificatório vigente em seu país.

Ademais, como a regra de conflitos a ser utilizada é aquela que se esculpiu no bojo desse mesmosistema, é natural pressupor que os conceitos são em si assemelhados e buscam atingir, se não omesmo escopo, ao menos o escopo social extremamente aproximado.

No entanto, segundo alguns autores, essa forma de iniciar a resolução do conflito de leis acarretaa impossibilidade e a incapacidade de se aplicar, muitas vezes, a lei mais próxima à relaçãojurídica. Ademais, utilizar um critério classificatório para, em seguida, aplicar a lei de outroordenamento pode ocasionar a aplicação de uma lei que não se mostra a mais adequada na medidaem que, no ordenamento a ser aplicado, a mesma relação receberia outra conformação jurídica.

Partem esses autores da convicção de que “uma lei nunca é convocada na totalidade das suasregras materiais, mas a norma de conflitos da lex fori recorta no sistema a que se refere um sectordeterminado e localiza nele a competência atribuída a esse mesmo sistema” (FERRER CORREIA,2000).

Assim, percebe-se que a visão proposta faz coincidir a qualificação pela lex fori e a qualificaçãodas regras do direito estrangeiro que podem ser aplicadas para a resolução do litígio.

Desse modo, sendo diversa a natureza do instituto envolvido em ambos os sistemas, o juiz do fororestaria sem norma a aplicar, já que, nas normas de mesma qualificação do direito estrangeiro queforam convocadas pelo Direito Internacional Privado do foro, não haveria nenhuma disposiçãopertinente ao caso em questão, sendo preferível, então, qualificar segundo os desígnios da lexcausae.

Já ao sistema de qualificação pela lex causae (preferida por Despagnet, na França, Pacchioni, naItália, e Wolff, na Alemanha) costuma-se indicar como empecilho principal a impossibilidade de sesaber, de antemão, qual será efetivamente a lei material aplicável.

É que ela dependerá justamente da qualificação que se estabelecer segundo a lei estrangeira e seuenquadramento na respectiva norma de Direito Internacional Privado do foro, o que pode causardificuldades de monta, pois, não raras vezes, a qualificação feita pela lei alienígena poderá forçar aoenquadramento da hipótese fática em uma norma de Direito Internacional Privado do foro queindicará, por sua vez, a aplicação da própria lei material indígena ou de terceira lei, tambémestrangeira, modificando a ideia preliminar de que a lei usada para a qualificação da questão seria alei aplicável.

E isso porque, corriqueiramente, o juiz será levado à suposta lex causae por meio de sua próprialei conflitual, escolhendo-a com base na sua própria qualificação da questão – com base, portanto, nalex fori.

Cria-se, assim, a possibilidade de que se estabeleça um círculo vicioso, na medida em que arequalificação da questão, segundo agora os desígnios do direito alienígena ou indígena que a buscaanterior tiver demonstrado como aplicáveis, poderá indicar outro ordenamento como o competentepara fazer valer as suas normas materiais.

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Para evitar o estabelecimento desse suposto e provável círculo vicioso, sugere Ernst Rabel orecurso a mecanismos próprios do direito comparado para se buscarem conceitos que possamapresentar notas de autonomia e universalidade capazes de, em médio prazo, fazer desaparecer osconflitos de qualificação.

Todavia, justamente por se assentar em conflitos que dificultam a qualificação, é de se esperarque seja extremamente dificultada a busca de caracteres autônomos e universais capazes de dirimirtais conflitos, já que, nesses casos, seriam os mesmos conflitos meramente aparentes. Ademais, comoressalta Magalhães Collaço (1964), o método comparativo está longe de ser uma solução para oproblema, sendo preferível encará-lo, como o faz agora o sistema de qualificação português, comoum instrumento.

No que concerne ao Direito Internacional Privado brasileiro, é de se notar que o legislador de1942 fez duas esparsas referências à lei a que se deve recorrer para fins de qualificação,mencionando a necessidade de se valer da lex causae sempre que se tratar de qualificar os bens (leido local da situação dos bens) e as obrigações (lei do local da constituição).

Silenciou, todavia, quanto ao estabelecimento de uma regra geral.Nesse sentido, a maioria da doutrina invoca o artigo 6º do Código Bustamante, que é explícito ao

estatuir a qualificação pela lex fori. No mesmo sentido o Projeto de Lei do Senado n. 269, de 2004(PLS), de autoria do Senador Pedro Simon, que dispõe:

Art. 17. Qualificação. A qualificação destinada à determinação da lei aplicável será feita deacordo com a lei brasileira.Percebe-se claramente que o sistema brasileiro de Direito Internacional Privado prefere a

qualificação de acordo com a lex fori.Tal tema remete ao concurso de jurisdição abordado no Capítulo 4 desta obra: uma vez que não

há litispendência internacional, é preciso saber inicialmente qual (ou quais) ordenamento(s)jurídico(s) tem (têm) competência para analisar o caso, para na sequência aplicar o método doDireito Internacional Privado.

A partir da qualificação é possível determinar qual é o instituto jurídico ou o grande tema deDireito que se relaciona ao caso, ou seja, qual é o objeto de conexão do concurso de leis, sem o quenão é possível solucioná-lo.

Uma vez identificado o objeto de conexão, recorre-se ao Direito Internacional Privado paraverificar qual é o elemento de conexão para o caso em tela e, com isso, define-se qual é a leiaplicável.

Neste sentido, a segunda etapa do método do Direito Internacional Privado é o encontro da leiaplicável ao caso concreto por meio do elemento de conexão.

A terceira fase do método do Direito Internacional Privado é a aplicação da lei apontada como aregente daquele instituto jurídico.

O elemento de conexão pode ser preenchido por um elemento nacional ou por um estrangeiro;naquele caso a lei aplicável será a lei nacional, e neste será o direito estrangeiro. A lei aplicável aocaso concreto é a denominada lex causae, que vem a ser a lei materialmente aplicada.

Aplicando-se a lex causae se soluciona o concurso de leis, e tem-se que o Direito InternacionalPrivado realiza seu objeto principal.

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Método do Direito Internacional PrivadoApós a determinação de um juízo competente1. Qualificação – determinação do instituto jurídico sob análise2. Encontro da Lei Aplicável – por meio do elemento de conexão3. Aplicação da lex causae ao caso concreto e solução material do conflito

1.4 Aplicação do direito estrangeiroComo visto no item anterior, a aplicação do método do Direito Internacional Privado pode levar

à aplicação do direito nacional ou do direito estrangeiro. Tem-se assim que a abertura ao direitoestrangeiro é um dos requisitos do Direito Internacional Privado.

Pensando-se no Direito Internacional Privado como um todo, a aplicação do direito estrangeiropode ocorrer de forma direta ou indireta. A aplicação direta do direito estrangeiro ocorre quando oelemento de conexão nos remete a um ordenamento estrangeiro, cujas normas serão aplicadas pelojuiz nacional.

Já a aplicação indireta do direito estrangeiro ocorre quando o caso foi analisado em outroordenamento jurídico e o que se pretende é homologar uma decisão para que produza efeitos noordenamento nacional.

Da mesma forma, pode ocorrer a aplicação indireta, por via de homologação de sentençaestrangeira, do próprio direito nacional. É o que ocorre quando a sentença homologada foi lavradano exterior com base na aplicação do direito brasileiro, indicado como aplicável, no caso concreto,em razão das regras de Direito Internacional Privado do foro estrangeiro.

Tais situações se aproximam mais do tema do concurso de jurisdição, enquanto a aplicação diretado direito estrangeiro é verificada no tema do concurso de leis.

1.4.1 Limites à aplicação do direito estrangeiroAinda que a aplicação do direito estrangeiro seja requisito do Direito Internacional Privado, e

que o ordenamento jurídico brasileiro aceite tal situação; verifica-se que há limites a tal aplicaçãovisando, sobretudo, a manter a aproximação entre os valores sociais e o Direito.

No Direito Internacional Privado brasileiro os principais limites são: 1) ordem pública, 2) fraudeà lei, 3) instituição desconhecida, 4) reciprocidade e 5) princípio do nacional lesado.

Não existe, do ponto de vista metodológico, nenhuma razão para que a verificação daconfiguração de um ou outro limite se faça antes da verificação dos demais.

No entanto, o grau de relevância de cada uma das exceções à aplicação do direito estrangeiro e aexigência maior ou menor de inter-relacionamento entre o sistema jurídico local (do foro, nacional) eo sistema jurídico estrangeiro indicam a conveniência de se observar certa ordem lógica.

É nessa ordem que os limites serão apresentados, abaixo, em itens separados.No entanto, reitere-se, nada impede que o aplicador do Direito realize a verificação em ordem

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outra que lhe pareça metodologicamente mais adequada ou conveniente.Seja qual for a ordem empregada para a verificação dos limites, fato é que a configuração de um

deles implicará a necessidade de se corrigir a indicação do direito aplicável determinada pela normade Direito Internacional Privado do foro.

Durante muito tempo, a análise dos limites à aplicação do direito estrangeiro foi tida comoverdadeira exceção à aplicação do direito estrangeiro, com recurso ao direito nacional para atomada de decisão de mérito, em lugar daquele.

É que ao se deparar com um direito estrangeiro inaplicável por afronta a um dos limites, e sendoo julgador obrigado a tomar uma decisão, não lhe restava alternativa que não a de decidir de acordocom as regras de seu direito, o direito nacional, do foro.

Isso porque é necessário lembrar que o juiz está proibido de proferir o non liquet, ou seja, estáobrigado a tomar uma decisão, entregando ao jurisdicionado a prestação jurisdicional que foi buscarperante o Judiciário.

O avanço do estudo sistemático do tema, no entanto, tem demonstrado que há casos em que a nãoaplicação de um específico direito estrangeiro pode dar lugar à aplicação de outro direitoestrangeiro.

Além disso, modernamente, percebeu-se que há ao menos uma hipótese (veja o item sobre fraudeà lei, a seguir) em que o juiz poderá ser obrigado a não aplicar o seu próprio direito nacional,recorrendo a um sistema jurídico estrangeiro.

Nesse sentido, os limites à aplicação do direito estrangeiro, hoje, precisam ser analisados comtais importantes ressalvas.

É o que se fará.

1.4.1.1 Princípio da reciprocidadeO princípio da reciprocidade é muito utilizado no Direito Internacional Público, mas no que diz

respeito ao seu emprego como limite à aplicação do direito estrangeiro no Direito InternacionalPrivado verifica-se que se encontra em desuso.

Pelo princípio da reciprocidade um Estado somente aplicaria o direito de um Estado estrangeirose este estivesse também aberto a aplicar direito de outros Estados; ou seja, se houvessereciprocidade na abertura ao direito estrangeiro.

Como a importância do Direito Internacional Privado é cada vez mais inconteste, e em sendo aabertura ao direito estrangeiro um de seus requisitos, a maior parte dos Estados encontra-se aberta aaplicar o direito estrangeiro, o que torna o limite da reciprocidade desnecessário.

Historicamente, entretanto, houve casos de Estados que optavam por um único elemento deconexão em suas normas de Direito Internacional Privado. Tal elemento decorria da vinculaçãodesses Estados soberanos com o princípio da territorialidade, que implicava a submissão de todas asdecisões proferidas naquele território à aplicação do sistema jurídico do foro.

Assim, quando outros Estados soberanos, aplicando as regras de seu próprio DireitoInternacional Privado, devessem aplicar o direito de Estados vinculados a essa política, valiam-sedo princípio da reciprocidade para afastar a aplicação, em sua jurisdição, do direito daquelesEstados vinculados ao territorialismo.

Como, no entanto, não existem exemplos cotidianos de vinculação exclusiva ao princípio da

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territorialidade, explica-se o desuso da reciprocidade como freio ao que era considerado um exageronacionalista da parte daqueles Estados.

O tema, portanto, tem mais interesse acadêmico que prático.

1.4.1.2 Fraude à leiA discussão em torno da fraude à lei surge na jurisprudência francesa, em 1874, na análise do

caso da princesa de Bauffremont, condessa belga, que adquire nacionalidade francesa pelocasamento com o príncipe de Bauffremont.

Decretada a separação de corpos do casal segundo a lei francesa, a princesa se refugia numapropriedade da família de seu marido localizada no condado de Saxe-Altenbourg. Após algumtempo, a princesa adquire a nacionalidade local e passa a ser regida por aquela lei, já que a leiaplicável às relações familiares, ali, é a lei da nacionalidade da pessoa.

Em razão da submissão à nova lei, a separação de corpos é recepcionada pela legislação localcomo um ato equivalente ao divórcio. Assim, livre para novo matrimônio, a princesa se casa, emBerlim, com o Príncipe Bibesco, de nacionalidade romena.

Na França, o príncipe de Bauffremont obtém a declaração da ineficácia desse casamento,considerando as cortes francesas que ambos permaneciam casados, já que sua naturalização forainválida, sem o consentimento do marido.

Em sede recursal, no entanto, alega-se que seria impossível verificar os requisitos exigidos pelalei soberana estrangeira e entende-se que o que ocorreu foi a obtenção da nacionalidade alemãexclusivamente para evitar, maliciosamente, a aplicação da lei francesa à verificação da capacidadematrimonial da noiva.

A vida em sociedade exige, por vezes, que as pessoas alterem seu centro de gravitação jurídica.Ninguém impedirá, de forma arbitrária, que qualquer pessoa que atenda às exigências legais

possa alterar seu domicílio, mudar sua nacionalidade, por naturalização, transportar, alterando olocal de sua situação, bens valiosos para o cofre de um banco ou para uma galeria ou museulocalizados no exterior.

Da mesma forma, ninguém criará óbices se os contratantes, dada a importância econômica dasnegociações travadas por sucursais de duas grandes empresas multinacionais, decidirem alterar olocal de celebração da avença, deslocando-a para a sede comum dos conglomerados econômicos.

Em tais exemplos, a alteração geográfica dos elementos da relação fática pode implicar odeslocamento da regência jurídica da relação jurídica. E isso não é proibido.

No entanto, quando se perceber que tal mudança se fez de modo a fugir de um sistema jurídico,originariamente aplicável, para submeter-se a outro, aparentemente mais favorável, configuradaestará a fraude à lei, como ocorreu no caso da princesa de Bauffremont que ilustra este item.

A fraude à lei é definida, assim, como a manipulação ardilosa dos elementos da relação jurídicaa fim de evitar a aplicação de uma norma – em geral de ordem pública.

É, assim, uma tentativa de, como o próprio nome denota, fraudar a aplicação correta do Direitopor meio da manipulação dos elementos da relação jurídica a fim de alterar os elementos de conexãopertinentes.

Perceba-se que, metodologicamente, a análise da configuração ou não da fraude à lei prescinde

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do conhecimento do sistema jurídico estrangeiro. Sua análise é mais fática que jurídica. Daí asugestão de que seja o primeiro limite a ser analisado.

São seus elementos:subjetivo: intenção de iludir a competência da lei de aplicação normal, a fim de afastar umpreceito imperativo de direito material (alguns autores falam em jus cogens), fazendo aplicaroutra lei onde aquele preceito cogente não existe;

objetivo: alteração voluntária, mediante adequada manipulação da regra de conflitos,normalmente por modificação do elemento que preenche a conexão (caso Bauffremont) e, porvezes, do próprio objeto da conexão (caso Caron);

objeto da fraude: a lei fraudada será sempre a norma de conflitos que mandava aplicar odireito material de que a parte pretendia evadir-se. Da mesma forma, as normas queestabelecem competência jurisdicional podem ser objeto de fraude, por exemplo, com afixação do domicílio do réu em determinado estado a fim de forçar a competência daquelepaís.

Segundo Valladão, a exceção de fraude à lei encontrará sempre fundamento no grande princípiode defesa da ordem jurídica ou da legalidade, que condena atos com objeto ilícito ou imoral, daíporque tenha sugerido, em seu Anteprojeto, artigo sobre o assunto, abaixo transcrito:

Art. 11. Condenação do abuso do direito. Não será protegido o direito que for ou deixar de serexercido em prejuízo do próximo ou de modo egoísta, excessivo ou antissocial.

A LINDB não contém regra expressa sobre o assunto, mas o PLS de autoria do Senador PedroSimon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pela Comissão presidida pelo Professor JoãoGrandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos:

Art. 17. Não será aplicada a lei de um país cuja conexão resultar de vínculo fraudulentamenteestabelecido.

1.4.1.3 Instituição desconhecidaTradicionalmente a doutrina cuida do tema, também, com referência à necessidade de se aplicar o

direito estrangeiro, no foro brasileiro, para dirimir um conflito relativo a um instituto desconhecidopelo direito material do foro. A abordagem se deve a Savigny, mas a doutrina reconhece que esseaspecto guarda, hoje, maior pertinência à diversidade de qualificação e ao princípio da ordempública.

No estágio atual do Direito, no entanto, parece ser mais adequada outra abordagem da questão, aseguir exposta.

A instituição desconhecida se referiria, assim, às situações em que o Direito InternacionalPrivado brasileiro determina que se aplique o direito estrangeiro, e este em sua parte material nãoapresenta regulamentação normativa para aquele instituto jurídico. O juiz nacional fica assim dianteda ordem de aplicar um ordenamento que, no que tange àquela situação específica, desconheceaquele instituto jurídico.

A complexidade das relações humanas e sua absorção, pelas mais diversas sociedades, é aresponsável por tal fenômeno. Com efeito, sabe-se que o Direito só deve atuar quando suaintervenção se faz estritamente necessária, quando o bem jurídico objeto da tutela do Estado se

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apresenta escasso para aquela sociedade.Assim, as necessidades de uma dada sociedade podem não corresponder às necessidades de

outra sociedade considerada.Tal fenômeno pode dar origem a diversas hipóteses quando se comparam o sistema jurídico

nacional (do foro) e o sistema jurídico estrangeiro (mandado aplicar pelo Direito InternacionalPrivado do foro):

ambos regulamentam a questão, com leves diferenças;ambos regulamentam a questão, com profundas diferenças;um regulamenta a questão, e o outro conta com instituto diverso, porém semelhante e adaptável;um regulamenta a questão, e o outro não a regulamenta.

Apenas nesse último caso ocorre o fenômeno da instituição desconhecida. Na primeira hipótese,o campo é o da aplicação do princípio da tolerância com as diferenças. A segunda hipótese dá lugarà aplicação do princípio da ordem pública.

A terceira assistirá ao fenômeno da adaptação, que se assemelha, em termos de direito interno, àfigura da conversão do negócio jurídico, que só ocorre mediante o preenchimento de uma série derequisitos. Em face disso, adapta-se da instituição estrangeira a partir de instituições nacionaissimilares.

Por exemplo, caso se tivesse que aplicar sistema jurídico estrangeiro que desconheça o contratode leasing, poder-se-iam aplicar normas atinentes aos contratos de consórcio, compra e venda elocação no que tivessem semelhança com o contrato original; fazendo-se assim uma “colagemnormativa” para aplicar a instituição estrangeira.

Em sentido contrário, não é possível adaptar a separação judicial (que só rompe a sociedadeconjugal) ao divórcio (que extingue o vínculo matrimonial), uma vez que se prestam a finalidadesbastante diversas.

Assim, caso se tivesse de aplicar, no Brasil, uma lei estrangeira qualquer, que só tivesse regrassobre separação judicial, o juiz brasileiro deveria reconhecer que o divórcio é, para aquelalegislação, uma instituição desconhecida.

Para solucionar as hipóteses de instituição desconhecida propriamente dita, deve-se proceder aoafastamento total da normativa estrangeira em cujo sistema a instituição é desconhecida. No exemplo,então, o juiz brasileiro deveria julgar o divórcio com base na lei brasileira, afastada a lei estrangeiraaplicável.

Não se deve confundir essa hipótese com a situação de carência da ação por falta depossibilidade jurídica do pedido (condição da ação). É que, para os aspectos processuais, a leiaplicável é, sempre, a lex fori, ou seja, o tipo de demanda, os pressupostos processuais, ascondições da ação e o procedimento em si são regulados pela lei brasileira, do foro, para osprocessos que aqui se iniciem.

Assim, a possibilidade jurídica do pedido é averiguada segundo a lei do foro. No caso citadocomo exemplo, é claro que o pedido de divórcio, desde 1977, é possível de ser manejado perantetribunais brasileiros.

Assim, se o casal possuía seu domicílio conjugal no exterior, em um país que desconhece odivórcio, ao se aproximar daquela legislação, o juiz brasileiro perceberá a impossibilidade de

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resolver o litígio a ele submetido segundo a lei estrangeira, por ser este, o divórcio, uma instituiçãodesconhecida ali.

Como é obrigado a julgar, não resta ao juiz brasileiro alternativa que não afastar a normativaestrangeira (pois inexistente naquele sistema norma específica ou adaptável à situação fática) e julgarde acordo com a lei nacional.

O problema se transfere, assim, para eventual e futuro reconhecimento da sentença brasileiranaquele ordenamento onde o casal mantinha seu domicílio conjugal, pois sendo o divórciodesconhecido ali, dificilmente haverá a concessão do exequatur.

Aliás, isso ocorria com certa frequência no Brasil, antes de 1977, com casais aqui domiciliadosque buscavam obter seus divórcios no Uruguai ou no México, que já admitiam a dissolução docasamento.

Os juízes uruguaios e mexicanos, que deviam, segundo o Direito Internacional Privado local,aplicar o direito brasileiro, afastavam-no em razão do desconhecimento daquela instituição entre nós– note-se que o direito brasileiro não cuidava do divórcio para proibi-lo; apenas se dizia que ocasamento era indissolúvel – e julgavam de acordo com o direito local, concedendo o divórcio.

Buscando a homologação perante o STF (à época competente), a Corte negava a homologaçãorequerida por ofensa à ordem pública (veja-se, infra).

A instituição desconhecida exige de quem a invoca certa aproximação e certo conhecimento dodireito estrangeiro. Não uma aproximação ou um conhecimento profundo, mas, pelo menos, umaanálise do sistema em si para se perquirir se há ou não regulamentação para o instituto em tela. Daí asugestão de que sua análise se faça nesse momento do raciocínio metodológico.

1.4.1.4 Princípio do nacional lesadoJá o princípio do nacional lesado significa uma análise de conteúdo da aplicação do direito

estrangeiro pela qual se verifica qual a norma mais benéfica ao nacional – se a norma estrangeira ouse a norma interna – excluindo-se a aplicação da menos benéfica.

Tal limite é criticado, pois tem traços nacionalistas que não se coadunam com ainternacionalização necessária em face do maior intercâmbio entre as pessoas. Caso se olhasse qualé a norma mais benéfica tanto para nacionais quanto para estrangeiros em situação similar, nãohaveria problema de analisar-se o conteúdo da norma, mas a limitação aos nacionais gera as críticas.

Nesse sentido, diferencia-se de um elemento de conexão que tem sido muito utilizado nas maismodernas legislações de Direito Internacional Privado, que é o elemento da lei mais favorável,cotidianamente invocado na defesa dos interesses de pessoas com certo grau de hipossuficiência,como consumidores, alimentandos, crianças etc.

Justamente pelas críticas que lhe são endereçadas, o princípio do nacional lesado só pode seraplicado quando há expressa previsão normativa nesse sentido.

No âmbito do direito positivo brasileiro, há uma expressa hipótese de aplicação do princípio.Trata-se da sucessão em favor de cônjuge ou filhos brasileiros de pessoa domiciliada no exterior porocasião de seu falecimento.

Nesse caso, devem-se comparar o direito sucessório do último domicílio do de cujus e o direitosucessório brasileiro, aplicando-se aquele que for mais benéfico ao cônjuge ou aos filhos sucessoresde nacionalidade brasileira.

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A previsão encontra assento legal, na LINDB, mas também constitucional (art. 5º, XXXI, da CF),constando do rol dos direitos e garantias fundamentais. Assim, só poderia ser alterada tal previsão,de cunho nacionalista e aparentemente desarrazoado, pela edição de nova Constituição, já quevedada a propositura de Emenda Constitucional tendente a aboli-la.

1.4.1.5 Princípio da ordem públicaA exceção da ordem pública é a mais abrangente e envolve tanto a aplicação direta quanto

indireta do direito estrangeiro. A partir dela não pode ser aplicado o direito estrangeiro que viola aordem pública, englobando-se nesta limitação também a soberania e os bons costumes, conforme odisposto no artigo 17 da LINDB:

Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, nãoterão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bonscostumes.

A ordem pública pode ser entendida como o conjunto dos valores sociais; variando assim tantotemporal quanto geograficamente, mormente em Estados de dimensão continental como o Brasil.

Apesar de parecer subjetiva, uma vez que se está falando de valores, a ordem pública não deveser pessoal, ou seja, quem a invoca deve zelar pela não confusão entre seus valores pessoais e osvalores aceitos pela sociedade em que está inserido, por mais difícil que possa ser essa separação.

É um conceito que deve ser empregado de modo objetivo, depreendido da ordem social einspirado pela ordem jurídica vigente, por meio das leis, doutrina e jurisprudência.

Deve-se, no entanto, tomar cuidado para que não haja uma estrita e absoluta identificação com aordem jurídica local, sob pena de se deixar de lado, absolutamente, o princípio da tolerância com asdiferenças existentes em outros ordenamentos aqui aplicáveis por disposição da LINDB.

O princípio da ordem pública recebeu excelente tratamento doutrinário na tese do ProfessorJacob Dolinger (1979), cuja leitura se recomenda e cujas ideias são aqui sumariadas. Segundo oautor, a ordem pública tem tríplice nivelação no ordenamento.

Assim, no primeiro nível a ordem pública (ou a vontade comum da nação) se levanta paraimpedir que a vontade individual das partes em um negócio jurídico possa prevalecer contra osinteresses postos pela maioria.

Ideal ou filosoficamente, uma ofensa à ordem pública desse tipo só poderia ser perpetrada pelogrupo minoritário, que foi derrotado no momento da positivação do Direito, uma vez que a maioria,em tese, haveria de respeitar e acatar a sua própria vontade, submetendo-se à regulação do negócioimposta pela lei.

Percebe-se, portanto, que a aplicação do princípio da ordem pública nesse primeiro nível é decaráter absolutamente interno, sem qualquer reflexo jurídico para além das fronteiras nacionais.

Todavia, justamente porque essa maioria referida pode ser alterada diante da evolução social, épossível que normas que não admitiam afastamento pela vontade das partes passem a ser afastadas,alterando-se seu caráter cogente. Nesse caso, não foi a lei que mudou, mas a ordem pública que apermeia que sofreu alteração ditada pelas necessidades sociais.

Exemplo: o juiz, invocando o princípio da ordem pública, afasta eventual acordo de visitaslavrado entre os genitores a respeito da criança que preveja que as eventuais visitas serão realizadas

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exclusivamente na residência do guardião, impedindo, em razão disso, o convívio da criança com oshábitos e costumes do não guardião, seus amigos e a família alargada. E isso sempre que o juizentender que o direito à convivência familiar, em sua acepção mais ampla, deve ser garantido erespeitado.

No segundo nível essa ordem pública ganha contornos internacionais e procura afastar umalegítima expectativa de Direito: a expectativa de ver sua pretensão ser julgada, no Brasil, de acordocom a lei estrangeira determinada pelas normas de Direito Internacional Privado brasileiras.

Sua aplicabilidade relaciona-se com a constatação de que a lei estrangeira indicada pela normade Direito Internacional Privado interna como sendo a lei aplicável para o deslinde da questãojurídica apreciada exprime valores muito diversos dos valores da sociedade nacional , motivo peloqual sua aplicação incondicional poderia chocar os bons costumes ou a soberania nacional.

Trata-se de um grau mais elevado de aplicação do princípio (“de maior gravidade”, como refereJacob Dolinger), justamente por implicar a não aplicação de uma disposição legal nacional deDireito Internacional Privado, em virtude da não aceitação do conteúdo da regulação legalestrangeira.

Isso porque, como salienta o mesmo autor, em obra recentemente publicada no Brasil, “a lei quechoca, que é incompatível, que escandaliza, esta lei é distante, foge completamente da ideia básicade proximidade, e por isto, não pode ser aplicada” (DOLINGER, 2007).

Também nesse segundo nível, o princípio da ordem pública pode tornar-se maleável e mutávelcom o transcorrer do tempo.

Exemplo: um muçulmano domiciliado no exterior vem ao Brasil com a intenção de se casar comuma jovem brasileira. Sendo ele casado com outra mulher, nega-se a aplicação da lei material de seudomicílio (que autoriza o segundo matrimônio), por afrontar a ordem pública brasileira, que nãoconvive com a bigamia.

No terceiro nível , por fim, “em grau de natureza gravíssima, a ordem pública irá ao ponto deimpedir a aceitação no foro de situações já consumadas e consagradas no exterior” (DOLINGER,1979, p. 42).

Trata-se da recusa de reconhecer situações que configurem até mesmo eventual direitoadquirido de uma das partes, justamente porque tal direito ofenda grandemente a filosofia político-jurídica do Estado, que este se recusa a reconhecê-lo.

Em que pese a gravidade dessa ofensa, pode ser que modificações dos costumes ou daconvivência sociais ocorridas no desenrolar dos acontecimentos forcem o Estado a mudar seuentendimento acerca da ordem pública, autorizando, por isso mesmo, o reconhecimento dessesdireitos até então afastados da esfera jurídica dos cidadãos.

Assim ocorre relativamente ao muçulmano que, mudando o domicílio para o Brasil, entre emterritório nacional acompanhado de duas esposas. O primeiro casamento é reconhecido, mas osegundo é nulo, por ofensa à ordem pública, muito embora a ele se reconheçam os efeitos daputatividade recíproca, dada a boa-fé de ambos.

Assim também ocorria quando se rejeitava a homologação de sentenças estrangeiras concessivasde divórcio, antes de 1977, por afronta à ordem pública, em seu terceiro nível.

Da mesma forma ocorre quando se rejeita homologação a uma sentença condenatóriateoricamente exequível no Brasil (pois aqui o devedor é titular de patrimônio que possa satisfazer o

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débito, por exemplo), caso essa dívida tenha se consubstanciado a partir de jogo ou aposta.

1.4.2 ReenvioA remissão feita pelo Direito Internacional Privado brasileiro a um sistema estrangeiro qualquer

exige do aplicador do Direito a verificação de estar configurada, eventualmente, uma das exceções àaplicação do direito estrangeiro.

Quando nenhuma delas se configurou, no caso concreto, permanece hígida a determinação legalde se aplicar o direito estrangeiro.

Tal circunstância obriga o operador jurídico a se aproximar do sistema jurídico estrangeiro, parao qual foi remetido, fazendo-o por meio da recepção do ordenamento estrangeiro.

Não se trata, assim, de encaminhar o caso para ser resolvido por um juiz estrangeiro, mas, sim, deaplicação do sistema jurídico estrangeiro pelo juiz nacional. É o juiz brasileiro que deverá, pordeterminação do legislador brasileiro, aplicar direito material estrangeiro.

A pergunta que se poderia fazer, então, seria a seguinte: ao nos aproximarmos do sistema jurídicoestrangeiro, com um fato misto, um fato que conta, em sua estrutura, com elementos nacionais (doforo) e elementos estrangeiros (um dos quais vinculado ao sistema jurídico que se vai aplicar), nãoobrigaria à verificação do Direito Internacional Privado desse sistema alienígena?

Com efeito, para o sistema estrangeiro, o caso que precisa ser solucionado é, também, um fatomisto! E os fatos mistos demandam, como se viu, verificação da lei aplicável, o que é determinadopelo Direito Internacional Privado.

O reenvio se configura, basicamente, quando há divergência entre os sistemas jurídicos presentesna relação concreta, por esta apresentar elementos geograficamente vinculados àquelesordenamentos. Não uma divergência material, mas, sim, uma divergência relativa ao elemento deconexão eleito pelos Estados envolvidos.

Exemplo: Um brasileiro domiciliado na Itália procura resolver um litígio, no Brasil, que dependeda definição de sua capacidade jurídica. O Brasil adota o domicílio, e a Itália, a nacionalidade, paraa determinação do direito aplicável para tal resolução. Se ambos adotassem o mesmo elemento deconexão, o problema, como se verá, não existiria.

Assim, se o Direito Internacional Privado brasileiro determinou a aplicação do direito italiano,por exemplo, por ser o agente cuja capacidade se quer atestar domiciliado naquele Estado soberano,o fato de nos aproximarmos do sistema jurídico italiano com um fato que contém elementos italianose brasileiros não exigiria que se analisasse a questão sob o prisma do Direito Internacional Privadoitaliano?

No Brasil, de acordo com o artigo 16 da LINDB, parece haver proibição do chamado reenvio:

Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.

Com efeito, ao determinar que sejam desconsideradas as remissões indicadas pelo DireitoInternacional Privado estrangeiro (“B”) a outras leis, o legislador brasileiro (“A”) claramenteproibiu a remissão ao ordenamento “C”. Mas terá proibido a análise do Direito InternacionalPrivado estrangeiro (“B”) integralmente?

Três são as hipóteses possíveis:

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1) O Direito Internacional Privado de “B” determina a aplicação do seu próprio direito material “B”,aceitando a mesma remissão do Direito Internacional Privado brasileiro “A”.

2) O Direito Internacional Privado de “B” determina a aplicação do direito material brasileiro “A”,retornando a questão para a consideração desse sistema jurídico.

3) O Direito Internacional Privado de “B” determina a aplicação de outro direito materialestrangeiro “C”, devolvendo a questão para a consideração desse último sistema jurídico.Das três hipóteses acima, a única que implica em “remissão por ela [lei estrangeira “B”] feita à

outra lei” é a hipótese em que o Direito Internacional Privado de “B” determina a aplicação dodireito material estrangeiro “C”. E isso não ocorre nas demais hipóteses, em que a remissão é feitaaos ordenamentos “A” ou “B”.

Daí porque parte da doutrina brasileira e da jurisprudência nacional aceita o reenvio de primeirograu, chamado de reenvio na modalidade retorno. Essa vertente interpretativa enxerga no direitopositivo brasileiro apenas a proibição do reenvio a partir do segundo grau, chamado reenvio namodalidade devolução.

Os graus do reenvio são contados da mesma forma que se contam os graus de parentesco em linhareta. Enquanto no direito de família verifica-se o número de gerações, contando-se o número depersonagens em linha reta, subtraindo-se um, no Direito Internacional Privado contam-se os enlacesentre os Estados envolvidos, subtraindo-se um. Ex.: enlaces entre quatro Estados, reenvio de terceirograu.

De outro lado, parte considerável da doutrina e da jurisprudência interpreta o artigo 16 daLINDB como verdadeira proibição do reenvio, em quaisquer circunstâncias. Assim, a remissão feitapelo Direito Internacional Privado brasileiro implicaria em obrigatória e direta consideração dodireito material estrangeiro, desconsiderando-se o Direito Internacional Privado daqueleordenamento.

Assim, quando pela aplicação do método do Direito Internacional Privado for necessária aaplicação do direito estrangeiro, esta diz respeito à aplicação do direito material, e não do DireitoInternacional Privado estrangeiro, sendo assim uma forma de limite à aplicação do direitoestrangeiro.

Seja como for, o PLS de autoria do Senador Pedro Simon, elaborado a partir do Anteprojeto daComissão presidida por João Grandino Rodas, assim dispõe:

Art. 16. Reenvio. Se a lei estrangeira, indicada pelas regras de conexão desta lei, determinar aaplicação da lei brasileira, esta será aplicada.§ 1º Se, porém, determinar a aplicação da lei de outro país, esta última somente prevalecerá setambém estabelecer que é competente.§ 2º Caso a lei do terceiro país não se considerar competente, aplicar-se-á a lei estrangeirainicialmente indicada pelas regras de conexão desta lei.

Nos termos do caput do direito projetado, ficará clara a possibilidade do retorno ou reenvio deprimeiro grau. A lei “B”, por seu Direito Internacional Privado, ao determinar a aplicação do direitomaterial brasileiro “A”, devolve a esse a possibilidade para regular materialmente a questão.

Por sua vez, o § 1º admitirá a devolução ou reenvio de segundo grau, deixando claro que oDireito Internacional Privado do Estado “B” poderá até indicar a aplicação do sistema jurídico “C”.

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Porém, esta só prevalecerá se o Direito Internacional Privado de “C” indicar a aplicabilidade dodireito material desse mesmo Estado “C”.

Caso contrário, qualquer que seja a remissão da lei: “A”, “B” ou “D”, a lei aplicável será a de“B”, determinada pelas regras de conexão do Direito Internacional Privado brasileiro “A”.

Limites à aplicação do direito estrangeiro no Direito Internacional Privado brasileiro Reenvio Ordem pública (soberania e bons costumes) Fraude à leiInstituição desconhecidaPrincípio da reciprocidadePrincípio do nacional lesado

1.4.3 Prova de teor, vigência e sentido do direito estrangeiroEm relação a este tema três questões ganham destaque: 1) a prova do direito estrangeiro, 2) a

tradução do direito estrangeiro, e 3) a interpretação do direito estrangeiro. Cada Estado regulamentaa sua relação com o direito estrangeiro.

Quanto à prova do direito estrangeiro, no Direito Internacional Privado brasileiro tem-se que atérecentemente, e por força de dispositivo do antigo Código de Processo Civil, de 1939, e do artigo 14da LINDB, o direito estrangeiro era considerado um fato, e, em face disso, vigia a regra de que“quem alega deve provar”.

Tal posicionamento decorria, por um lado, da falta de conhecimento acerca do DireitoInternacional Privado no Brasil, e, por outro, de se questionar a caracterização deste enquantoDireito. Uma vez que já se demonstrou a juridicidade do Direito Internacional Privado e aimportância de seu conhecimento para o jurista contemporâneo, tal posicionamento precisou serrevisto.

Atualmente, e em razão da alteração da lei processual, em 1973, que precisou no artigo 337 doCPC o caráter de prova de direito, entende-se que o direito estrangeiro deve ser aplicado comoDireito e, portanto, inclusive de ofício. Tendo sido o legislador nacional que abriu a possibilidadede se aplicar o direito estrangeiro, não pode o juiz ignorar tal diretriz. Trata-se de matéria de Direitoe que deve ser aplicada como tal.

O mencionado artigo 337 cuida da alegação, pela parte, da aplicação de direito municipal,estadual, consuetudinário ou estrangeiro, estabelecendo para todas essas hipóteses uma mesma eúnica regra: caberá ao juiz, valendo-se de seu arbítrio, determinar a prova do direito alegado oudispensar a parte de tal prova.

Com efeito, a ficção jurídica segundo a qual ninguém se deve escusar de um comportamentoconforme a norma jurídica, alegando que não a conhece, vale, apenas, para o direito de origemfederal. Relativamente ao direito estadual vale apenas para a população e para os agentes daquelaunidade da Federação, valendo o mesmo quanto aos agentes municipais e habitantes daquele dado

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Município.Já quanto ao direito consuetudinário e ao direito estrangeiro, não há obrigação geral nem sequer

obrigação decorrente da área geográfica de atuação ou domicílio do magistrado, podendo este exigirtal prova, ou dispensá-la, quando considerar que conhece ou tem condições de conhecer o direitoinvocado pela parte.

Assim, um mesmo juiz pode exigir a prova do direito russo e dispensar a prova do direitoangolano. Da mesma forma, nada impede que um magistrado dispense a prova do direito civilespanhol e exija que se faça prova do direito penal do mesmo Estado.

Como ocorre com qualquer decisão, é conveniente que seja devidamente fundamentada.Quando exigida, a prova do direito estrangeiro envolve tanto o seu teor quanto a sua vigência e

deve se revestir de características que garantam a segurança jurídica. É assim que meiosdiplomáticos e de cooperação internacional são os preferidos a fim de que se aplique efetivamente odireito estrangeiro em vigor.

Outra forma de prova do direito estrangeiro se dá por meio do affidavit, que vem a ser adeclaração formal de advogado(s) sobre o teor do direito estrangeiro.

A matéria vem disposta no artigo 409 da Convenção de Direito Internacional Privado de Havana,o chamado Código Bustamante, internalizado pelo Decreto n. 18.871, de 13 de agosto de 1929, quedispõe:

Art. 409. A parte que invoque a aplicação do direito de qualquer Estado contratante em um dosoutros, ou dela divirja, poderá justificar o texto legal, sua vigência e sentido mediante certidão,devidamente legalizada, de dois advogados em exercício no país de cuja legislação se trate.

Em que pese se tratar de norma convencional, com aplicabilidade e eficácia limitadageograficamente, fato é que a ausência de norma de caráter geral mais explícita leva doutrina ejurisprudência a defender esse meio de prova inclusive quando se tratar de direito estrangeiro deEstado não parte na citada Convenção.

A interpretação se justifica, considerando-se que se trata de meio de prova. E os meios de prova,como todas as demais questões de natureza processual, são regidos pela lex fori, ou seja, a lei doforo.

Tal regra sofrerá alteração, caso seja aprovado o PLS de autoria do Senador Pedro Simon,elaborado a partir do Anteprojeto da Comissão presidida por João Grandino Rodas, que determinaque tal prova se fará em conformidade com o direito estrangeiro ao dispor que:

Art. 14. Lei estrangeira. A lei estrangeira indicada pelo Direito Internacional PrivadoBrasileiro será aplicada ex officio; essa aplicação, a prova e a interpretação far-se-ão emconformidade com o direito estrangeiro.Parágrafo único. O juiz poderá determinar à parte interessada que colabore na comprovação dotexto, da vigência e do sentido da lei estrangeira aplicável.

A segunda questão relativa à aplicação do direito estrangeiro diz respeito à sua tradução, a qual ésempre exigida, a fim de resguardar-se o teor correto da normativa estrangeira e assegurar o direitode ampla defesa das partes.

A terceira questão relativa à aplicação do direito estrangeiro se refere à interpretação dos

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dispositivos deste. Tal situação exige esforços, uma vez que se deve aplicar o direito estrangeiro talqual ele seria aplicado em seu país de origem e que se deve trazer não só aquele dispositivo de leicomo todo o sistema jurídico daquele país.

Fala-se em recepção formal do sistema, em detrimento da recepção material, da matéria de quecuida o caso concreto.

É necessária, assim, uma interpretação holística e sistêmica, que somente será possível a partirda análise da integralidade do sistema, inclusive com recurso à pesquisa de doutrina e jurisprudênciapara se saber qual é o “estado da arte” do direito estrangeiro.

É recomendável, inclusive, que o direito estrangeiro venha integralmente analisado – texto legal,doutrina pertinente, jurisprudência atualizada e majoritária – na própria manifestação exarada pelosadvogados que atuem no Estado estrangeiro.

Cabe, aqui, uma ressalva: pode ocorrer, por vezes, de o parecer dos advogados estrangeirosrepresentar visão parcial da temática ou, mesmo, visão tendenciosa do sistema estrangeiro, o quepoderá induzir o juiz nacional em erro interpretativo.

Assim, é de todo recomendável que o juiz – antes de interpretar e aplicar o direito estrangeirocomprovado nos autos – faculte à parte que ainda não se manifestou o exercício do direito deacrescentar outra visão sobre o mesmo sistema, por meio da juntada aos autos de novo parecer queobedeça às formalidades descritas no artigo 408 do Código Bustamante.

É sabido que a doutrina jurídica diverge, podendo haver, ou não, doutrina majoritária a respeitoda melhor interpretação para determinada norma. É sabido, também, que a jurisprudência – mesmoquando o sistema prevê mecanismos de vinculação dos julgadores às decisões dos TribunaisSuperiores – pode divergir.

Tal fenômeno torna complexo o processo de conhecimento do próprio direito nacional ecomplica-se ou pode complicar-se, sobremaneira, quando se trata de formas de convencimentoacerca do direito estrangeiro.

Assim, é justo que o magistrado brasileiro faculte a ambas as partes exercerem o direito de trazeraos autos argumentos que possam contribuir para que ele construa seu convencimento da forma maiscompleta possível, ainda que, aparentemente, essa prática possa retardar a tomada da decisão.

1.5 Da importância de bem aplicar o métodoPoder-se-ia indagar acerca da conveniência desse rebuscado método de determinação da lei

aplicável e questionar se não seria mais conveniente que os Estados impusessem a aplicação de seupróprio ordenamento em seu próprio território. Ou se não seria interessante a existência de umdireito uniforme, que vigorasse em todo o mundo.

Tais indagações, influenciadas por uma visão mais nacionalista ou extremamente cosmopolita,ensejam, desde logo – e ambas –, a própria morte do Direito Internacional Privado.

Savigny o percebeu há alguns séculos.A propositura de uma comunidade jurídica de nações, que se construiria a partir da harmonização

não dos direitos materiais – respeitando-se os valores das diversas sociedades nacionais – mas, sim,dos diversos Direitos Internacionais Privados, por meio da fixação de elementos de conexãouniformemente aceitos pelos Estados soberanos, que manteriam direitos materiais diversos,representou um grande avanço no estudo da disciplina.

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E é justamente nessa proposta que parecem residir a beleza e a importância do DireitoInternacional Privado: um direito que respeita as diferenças sociais, econômicas, culturais e políticasdos diversos povos e que os integra na busca de um mecanismo uniforme de resolução dos eventuaislitígios transfronteiriços de caráter pessoal (e não estatal).

Nesse cenário, a correta aplicação do método, bem como a correta observância de suas etapas epassos, parece garantir uma adesão do jurisdicionado – seja ele nacional do Estado que for, estejaele domiciliado no Estado que estiver – à decisão que com base nele se vier a tomar.

Continuarão as partes concordando ou não com a decisão, pois, afinal, trata-se de um jogo deganhar ou perder e de ganhar ou perder tudo ou parte do que se julga ter direito.

Mas uma decisão – seja ela qual for – tomada com base no método adequado, corretamenteempregado, tem muito mais chances de ser aceita como uma decisão adequadamente obtida,concordando-se ou não com seu conteúdo.

Aqui a verdadeira importância de se bem observar o método: entregar ao jurisdicionado umadecisão à qual ele possa aderir por respeitá-la enquanto decisão, concordando ou não com ela.

2. Parte especial2.1 Noções introdutórias

Uma vez tendo visto o método do Direito Internacional Privado, é relevante aplicá-lo noordenamento jurídico brasileiro, para, assim, apresentar o panorama deste ramo do Direito no País.

Por outro lado, é necessário destacar a regulamentação dos principais aspectos dos temas deDireito Civil pelo Direito Internacional Privado, uma vez que são estes os objetos centrais doconcurso de leis.

Neste sentido, a presente obra passa a destacar os principais aspectos da denominada ParteEspecial do Concurso de Leis, em que se apresentarão os debates mais relevantes e a normativabrasileira sobre casos plurilocalizados. Passa-se, desta maneira, à análise especial do DireitoInternacional Privado brasileiro.

A principal normativa sobre o tema encontra-se na LINDB, a antiga LICC, sobretudo nos artigos7º a 12, sendo os artigos 13 a 19 relacionados a outros aspectos do Direito Internacional Privado.

Para tanto serão abordados na sequência os temas da (i) pessoa física, (ii) pessoa jurídica, (iii)direito de família, (iv) bens, (v) obrigações e (vi) sucessões, considerados os mais importantes nestaárea do Direito.

2.2 Pessoa físicaA regulamentação de todos os aspectos relacionados ao indivíduo é tratada pelo Direito

Internacional Privado a partir da lei pessoal. Trata-se da consequência de regulamentação da pessoafísica e de seu estatuto pessoal.

O estatuto pessoal pode ser definido como o conjunto de matérias disciplinado pela lei pessoal.No Brasil, tal regulamentação encontra-se no artigo 7º, caput, da LINDB, que estabelece:

Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim dapersonalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

No que diz respeito ao estatuto pessoal e, portanto, ao tratamento da pessoa física pelo Direito

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Internacional Privado brasileiro, destacam-se, deste modo, os temas da personalidade, nome ecapacidade dos indivíduos, que serão regulados pela lex domicilii.

É interessante relembrar que, como visto anteriormente, o critério do domicílio tem perdidoespaço na doutrina moderna do Direito Internacional Privado para o critério da residência habitual, afim de se considerarem os vínculos reais mais fortes entre o indivíduo e o ordenamento jurídico queo regula.

O elemento de conexão residência habitual parece ter conseguido apaziguar antiga divergênciaexistente entre os Estados europeus continentais, adeptos da nacionalidade como elemento deconexão para determinar a lei pessoal, de um lado, e os Estados de Common Law e os da AméricaLatina, principalmente, adeptos do elemento de conexão domiciliar, de outro.

A divergência, antiga, guarda relação com os fluxos migratórios experimentados principalmenteno século XIX. Os Estados europeus continentais, de onde afluíam as levas migratórias, no intuito demanter seus nacionais vinculados ao Estado de origem, estabeleceram a nacionalidade como regrageral.

Já os Estados americanos vincularam-se, preferencialmente, ao critério domiciliar, como que alembrar aos imigrantes que para ali acorreram que a fixação de seu domicílio no novo mundoobrigava-lhes a se adequarem aos valores sociais locais, que conformam o Direito.

Assim, a dicotomia nacionalidade versus domicílio foi contaminada por aspectos de políticamigratória e ideologizada a tal ponto que a discussão científica sobre eventual uniformização docritério, com o intuito de evitar o fórum shopping e o reenvio (já que este decorre basicamente dadivergência de elementos de conexão), restou praticamente inviabilizada durante séculos.

O caráter segregacionista da nacionalidade (na medida em que o imigrante permanece vinculadoà sua lei nacional, não precisa se integrar à sociedade local, aprender seus valores e suas regras,pois continua a se comportar conforme sua lei) e o caráter subjetivo do domicílio (a exigência doanimus definitivo na fixação da residência) foram fatores sempre lembrados nos foros internacionais.

A opção pela residência habitual, desvinculada do aspecto subjetivo do domicílio (vontade),acabou sendo aceita nos foros internacionais, especialmente na Conferência da Haia de DireitoInternacional Privado, a partir da década de 1980 do século XX, e parece encerrar longa polêmica.

Assim, muito embora a legislação interna brasileira mantenha-se vinculada ao domicílio comoelemento de conexão definidor da lei pessoal, fato é que a residência habitual mostra-se critériosubsidiário bastante legítimo nas hipóteses de dificuldade ou impossibilidade de se definir onde édomiciliada a pessoa, como ocorre com os adômides.

Tal evolução aparece expressa no PLS de autoria do Senador Pedro Simon, elaborado a partir doAnteprojeto da Comissão presidida por João Grandino Rodas:

Art. 8º Estatuto pessoal. A personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família sãoregidos pela lei do domicílio. Ante a inexistência de domicílio ou na impossibilidade de sualocalização, aplicar-se-ão, sucessivamente, a lei da residência habitual e a lei da residênciaatual.

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Pessoa físicaNo Brasil, regida pela lei do domicílio (art. 7º, caput, da LINDB)Inclui personalidade, nome e capacidade

2.2.1 PersonalidadeA personalidade pode ser entendida como uma projeção da dignidade humana, e conforme a

proteção a esta foi avançando verificou-se uma ampliação dos titulares daquela. Isto é, conformetodos os indivíduos passaram a ser titulares de direitos humanos, todos também passaram a serentendidos como detentores de personalidade.

No passado, contudo, havia limitações significativas como a exclusão de escravos, negros emulheres da titularidade de direitos, e, portanto, como tendo personalidade jurídica.

Tendo-se ampliado tal compreensão e atribuído personalidade a todos os seres humanos, asquestões principais passam a se relacionar com o começo e o fim da personalidade, bem como comos direitos que decorrem desta, entre os quais se destacam os direitos de imagem, de privacidade eas questões reguladoras do nome.

A personalidade no Brasil, em Direito Internacional Privado, é regida pela lei do domicílio dapessoa (art. 7º, caput, da LINDB).

Quanto ao começo da personalidade, para o Direito em geral existem três teorias principais. Aprimeira entende que a personalidade tem início com a fecundação do óvulo, a segunda com a adesãodeste à parede do útero, e a terceira com o nascimento com vida, quando, em geral, se resguardam osdireitos do nascituro.

No Brasil, o Direito Civil brasileiro regula o tema no artigo 2º do Código Civil:

Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo,desde a concepção, os direitos do nascituro.

Contudo, verifica-se que há espaço para a adoção das outras teorias em casos concretos, uma vezque por um lado se veda o aborto e por outro se permite o descarte de embriões congelados.

Verifica-se, assim, que se trata de tema polêmico e ainda aberto ao debate e que dependendo dateoria escolhida pode-se ter uma concepção de personalidade que aumente o grupo de entes quepodem se beneficiar de sua proteção, ou que impeça a efetivação de direitos que podem serconsiderados fundamentais.

A discussão é importante e se insere na etapa de qualificação do instituto.Da mesma forma, é preciso lembrar que outros ordenamentos civis, de Estados estrangeiros,

podem agregar outros elementos para a configuração da personalidade, como a viabilidade do

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recém-nascido, ou a forma humana, o que retiraria a personalidade jurídica das vítimas damortalidade infantil e de fetos malformados que, vindos à luz, poderiam não ser reconhecidos comosujeitos de direito, dadas as mais variadas formas de deficiência portadas pelo recém-nascido.

A questão, bastante tormentosa, precisa ser encarada à luz da ordem pública nacional, havendovariado espaço para possível afastamento do direito estrangeiro quando a pessoa cuja capacidade seestá a investigar for domiciliada em Estado com normas jurídicas definidoras do instituto quedesprezem ou limitem o exercício de direitos civis, com afronta à dignidade da pessoa humana.

Parece que, nesses casos, há muita probabilidade de se invocar a ordem pública nacional, em seusegundo nível, submetendo o caso à legislação brasileira e reconhecendo personalidade jurídicasegundo os ditames do Código Civil ao recém-nascido vítima da mortalidade infantil e àquele queportar deficiências graves.

Quanto ao fim da personalidade também existem duas correntes principais. A primeira entendeque ela se extingue com a morte do indivíduo, enquanto a segunda entende que alguns direitos semantêm para além da morte.

Como no direito brasileiro existe a proteção de direitos mesmo após a morte da pessoa física,como, por exemplo, a proteção à honra, parece existir, mais uma vez, a adoção da segunda corrente.

Assim, se alguém ofende a honra de pessoa já falecida e que era domiciliada em Estadoestrangeiro, cuja legislação material entende que a morte implica em término absoluto dapersonalidade, o juiz brasileiro deverá aplicar a lei do domicílio da pessoa para definir-lhe o fim dapersonalidade.

E, se esta dispuser dessa forma, terá de reconhecer que a personalidade terminou com a morte dasuposta vítima e julgar improcedente a ação de reparação proposta por seus herdeiros, a menos queencontre na situação alguma exceção à aplicação do direito estrangeiro.

Em relação a este tema, deve-se mencionar, ainda, o instituto da comoriência, previsto noordenamento jurídico brasileiro no artigo 8º do Código Civil:

Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum doscomorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.

Verifica-se por este dispositivo que o Direito Civil brasileiro e o Direito Internacional Privadobrasileiro entenderão que em caso de comoriência a morte foi simultânea, do que decorremconsequências, sobretudo no que diz respeito à sucessão.

Tal regra não é, contudo, uma unanimidade no Direito Internacional Privado, existindo Estados,como, por exemplo, a França, que adotam critérios diversos, tais como a análise da expectativa devida dos falecidos em termos de idade e sexo.

Assim, tudo dependerá, para a definição da ordem de falecimento, do direito aplicável àhipótese, ou seja, da lei do último domicílio dos envolvidos.

Outro tema relacionado com o fim da personalidade é o da ausência, que se divide em ausênciado domicílio e a certeza da morte.

No que diz respeito à lei aplicável aos casos plurilocalizados de ausência, verifica-se que oDireito Internacional Privado brasileiro determina que a lei aplicável é a lei pessoal do ausente,sendo o procedimento para a declaração da ausência regulamentado pela lex fori, ou seja, pela lei doforo em que esta tramitar.

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No caso de ausência do domicílio, no direito brasileiro, pode ser provisória após dois anos daausência ou quatro anos em caso de existir procuração válida, ou definitiva após 10 anos do trânsitoem julgado da sentença de abertura da sucessão provisória.

Quanto aos direitos de personalidade, é importante destacar que são (i) desprovidos de conteúdopatrimonial, (ii) irrenunciáveis e (iii) abrangem aspectos privados e reflexos públicos.

Em sendo a personalidade regida pela lei do domicílio da pessoa no Direito InternacionalPrivado brasileiro, conforme o caput do artigo 7º acima mencionado, o mesmo ocorre com osdireitos de personalidade.

2.2.2 NomeO único direito de personalidade explicitamente listado pelo Direito Internacional Privado

brasileiro é o relativo ao nome (art. 7º, caput, da LINDB).No ordenamento jurídico brasileiro são vedados os nomes vexatórios ou humilhantes, pelo

previsto no artigo 55, parágrafo único, da Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos).É possível a alteração dos nomes, conforme o artigo 56 da referida lei, bem como inclusão ou a

substituição do nome por apelido público notório, conforme o artigo 1º da Lei n. 9.708/98, ou emcaso de “razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime,por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público (art. 58, parágrafoúnico, Lei n. 6.015/73)”.

A lei aplicável para a composição do nome é a lei do domicílio da pessoa. Como se trata de umdireito comumente adquirido por ocasião do nascimento, a criança terá o mesmo domicílio de seuspais ou de sua mãe, dada sua incapacidade.

Assim, uma criança nascida no Brasil, filha de pais domiciliados na Espanha ou em um Estado decolonização espanhola, verá a construção de seu nome regida pela lei de seu domicílio.

Dessa forma, seu nome será composto com a coligação do nome próprio escolhido por seus pais,seguido do nome de família de seu pai e, por fim, do nome de família de sua mãe, em ordem diversada que determina a Lei de Registros Públicos brasileira.

O filho de sexo masculino de um muçulmano domiciliado em Estado árabe terá seu nomeconstruído pela junção de seu nome próprio, seguido do nome próprio de seu pai, após o de seu avôpela linha paterna e, por fim, do pai de seu avô paterno.

Por outro lado, se tais crianças nascerem no Brasil em período em que seus pais estrangeirosestivessem aqui domiciliados, a lei brasileira deveria ser aplicada, e, no rigor absoluto, seus nomesdeveriam seguir as regras de composição brasileiras.

Na prática, entretanto, assiste-se a certa flexibilidade na aplicação da Lei de Registros Públicosnesse particular, o que demonstra grande aceitação da sociedade brasileira no que tange aos valoresculturais dos povos estrangeiros aqui fixados.

Também a lei do domicílio da pessoa será aplicada na hipótese de alteração do nome. Assim, porexemplo, um transexual brasileiro domiciliado em país estrangeiro terá o direito de alterar seu nome,ou não, determinado pela lei do Estado em que domiciliado.

Suponha-se que essa pessoa seja domiciliada em Estado cuja legislação vede absolutamente talalteração pretendida. A rigor, o juiz brasileiro deverá aplicar aquela lei material e negar provimentoao pedido de alteração do nome.

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No entanto, tratando-se de direito da personalidade, nada parece obstar a invocação da ordempública nacional para afastar a lei estrangeira, por discriminatória, aplicando-se a lei brasileira, doforo, em seu lugar. Mas, tratando-se de ordem pública, é preciso remeter o leitor para o que acimaficou dito a respeito.

2.2.3 CapacidadeA capacidade da pessoa física é regulada no Direito Internacional Privado brasileiro também por

meio da lei do domicílio do indivíduo.Tal critério não é universalmente adotado, existindo Estados que optam pela lei do território, da

religião ou da nacionalidade como reguladores da capacidade em casos que irradiam efeitos em maisdo que um ordenamento jurídico.

É importante esclarecer que, assim como o Direito Civil, o Direito Internacional Privadobrasileiro reconhece diferentes graus de capacidade, entendendo que as pessoas podem ser (i)plenamente capazes, (ii) relativamente incapazes, ou (iii) absolutamente incapazes. Contudo, uma vezmais o Direito Internacional Privado brasileiro busca adotar um critério mais amplo do que o DireitoCivil.

Nos casos de incapazes – relativamente ou absolutamente – as relações com fatos mistos serãotambém regidas pela lei do domicílio da pessoa.

Além disso, é preciso lembrar, para fins de qualificação, que alguns atos da vida civil são objetode atenção especial dos legisladores nacionais, que lhe atribuem capacidades especiais, tambémchamadas, em alguns casos, de legitimidades.

É o que ocorre com a capacidade matrimonial e a capacidade sucessória, por exemplo, queexigem, além da verificação de critérios neutros e objetivos, também de critérios relativos ao outro(noivo ou ao autor da herança).

O fato de essas capacidades serem tratadas em capítulos especiais da legislação não é capaz delhes alterar a qualificação, devendo-se redobrar a atenção quanto a esse aspecto.

2.3 Pessoa jurídicaAssim como as pessoas físicas, as pessoas jurídicas são dotadas de direitos e deveres que devem

ser protegidos, tutelados e regulados pelo Estado. Com o avanço da globalização, cada vez mais taisdireitos e deveres ocorrem para além das fronteiras nacionais, gerando fatos mistos e podendo serobjeto de concursos de leis.

Deste modo, é relevante que o Direito Internacional Privado regulamente as relaçõesplurilocalizadas envolvendo pessoas jurídicas, a fim de evitar lacunas normativas que afastem oDireito da prática.

Os direitos e deveres das pessoas jurídicas serão diferentes, caso se trate de uma pessoa jurídicanacional ou estrangeira. Assim, torna-se relevante determinar qual é a nacionalidade da pessoajurídica.

Para tanto existem várias teorias, cada uma apontando um critério para a determinação danacionalidade, pelo estabelecimento de diferentes elementos de conexão. Entre os principaiscritérios destacam-se: (i) a sede social – lex societatis; (ii) a nacionalidade dos sócios; (iii) anacionalidade dos diretores e gerentes; (iv) o local da subscrição do capital; (v) local da exploração

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da atividade principal; (vi) local da constituição; (vii) domicílio social e (viii) local da direçãoefetiva.

O Direito Internacional Privado brasileiro adota no artigo 11, caput, da LINDB o critério dolocal da constituição como o da nacionalidade e como elemento de conexão relativo às pessoasjurídicas:

Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e asfundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem.

A regra não se aplica, entretanto, para atividades esporádicas e não contínuas de empresasestrangeiras no território nacional.

Tal critério tem respaldo internacional, uma vez que a Corte Internacional de Justiça, ao tratar docaso Barcelona-Traction, entendeu que os Estados que podem conceder proteção diplomática àspessoas jurídicas, e que, portanto, podem ser entendidos como os de sua nacionalidade, são aquelesnos quais a pessoa jurídica se constituiu ou onde está a sua sede social.

O critério do artigo 11 da LINDB se aplica tanto à personalidade quanto à capacidade daspessoas jurídicas, bem como à regulação da autorização para o funcionamento destas.

Contudo, o Direito Internacional Privado Brasileiro estabelece que caso as pessoas jurídicasqueiram se estabelecer de modo duradouro no Brasil precisam ter autorização do governo brasileiro:

Art. 11, § 1º – Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antesde serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à leibrasileira.

Pela parte final deste dispositivo, percebe-se que o Direito Internacional Privado brasileirotambém estabelece a lei brasileira como a reguladora dos requisitos para o funcionamento da pessoajurídica em território nacional.

Trata-se, em verdade, de constituição de nova pessoa jurídica, nacional, regida pela leibrasileira, muito embora controlada pela matriz estrangeira. Normalmente se caracterizam pelacolocação da expressão “do Brasil” após a razão social da empresa.

Tal expediente, bastante comum, dá origem às chamadas empresas multinacionais.Necessário, entretanto, ponderar que, diferentemente do que ocorre com as pessoas físicas, as

pessoas jurídicas não possuem, no direito brasileiro, dupla ou múltipla nacionalidade.Isso decorre do próprio elemento de conexão eleito pelo legislador brasileiro. É bem verdade

que em outros Estados a adoção de elementos de conexão outros que não o local da constituição dapessoa jurídica pode dar ensejo ao surgimento de pessoas jurídicas multinacionais.

Não é, todavia, e por imperativo lógico, o resultado no sistema jurídico brasileiro. Aqui, o que háé uma empresa nacional “do Brasil”, controlada por empresa ou conglomerado econômicoestrangeiro.

O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pelaComissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos:

Art. 21. Pessoas jurídicas. As pessoas jurídicas serão regidas pela lei do país em que se tiveremconstituído.Parágrafo único. Para funcionar no Brasil, por meio de quaisquer estabelecimentos, as pessoas

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jurídicas estrangeiras deverão obter a autorização que se fizer necessária, ficando sujeitas à lei eaos tribunais brasileiros.

Pessoa jurídicaNo Brasil, regida pela lei da nacionalidade => local da constituição (art. 11, caput, da LINDB)Para funcionar de modo constante no Brasil, as empresas estrangeiras precisam serautorizadas seguindo os requisitos da lei brasileira (art. 11, § 1º, da LINDB)

2.4 Direito de famíliaComo salientado anteriormente, o legislador nacional tem sido extremamente conciso no que se

refere ao Direito Internacional Privado brasileiro. Tal opção pelo sistema sintético de elaboraçãonormativa no que tange ao Direito Internacional Privado cria certa dificuldade para a determinaçãoda lei pessoal familiar, seja a lei da nacionalidade (Lei de Introdução ao Código Civil de 1916), sejaa lei domiciliar (LINDB).

Com efeito, a opção do legislador nacional foi sempre no sentido de estabelecer uma regra geralacerca das relações familiares e, a partir de 1942, outra série de regras específicas, constantes dosparágrafos, acerca das relações entre os cônjuges, negligenciando as relações filiais, que precisaramser resolvidas pela doutrina e pela jurisprudência.

O principal problema decorrente dessa opção legislativa dizia respeito, à luz da Introdução aoCódigo Civil de 1916, à possibilidade de que os membros da família portassem nacionalidadesdistintas, o que dificultava a análise do caso, a fim de buscar a norma que seria aplicada, sem sesaber, ao certo, se deveria ser privilegiada a lei da nacionalidade do marido, da mulher, ou dosfilhos.

Diante desse verdadeiro conflito de nacionalidades, muitas vezes optava-se pela lei danacionalidade do marido, já que ocupava a chefia da entidade familiar.

No entanto, nos casos de desquite então admitidos, desfeita a sociedade conjugal, destituído dachefia da família estaria ele, sendo necessário, por isso, buscar um critério subsidiário.

Saliente-se que o artigo 9º da Introdução referida estabelecia critério de resolução de conflitospositivos e negativos de nacionalidade. Todavia, a regra ali assentada tratava do conflito meramentepessoal, em que o sujeito abrangido pela hipótese fática fosse apátrida (inciso I) ou ostentasse maisde uma nacionalidade, não havendo solução para tal conflito segundo as leis do país do nascimento eas do país de origem (inciso II), determinando-se a aplicação da lei do domicílio do indivíduo.

Nesse sentido, havendo conflito de nacionalidade entre marido, mulher e criança, a doutrinadividiu-se entre vários critérios de solução para as várias hipóteses fáticas que demandassemaplicação eventual do direito estrangeiro.

A alteração do critério de conexão, em 1942, fazendo prevalecer a lei do domicílio, pareceu pôrfim à questão conflituosa, na medida em que estabelecia como regra que a fixação do domicílio dafamília incumbiria àquele que, à época, era tido como seu chefe, conforme o artigo 7º, § 7º, da

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LINDB:

Art. 7º, § 7º – Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outrocônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.

Além disso, o dever de coabitação entre os cônjuges era interpretado de forma estrita, exigindoque ambos vivessem sob o mesmo teto.

Ocorre, todavia, que a evolução social acabou retirando do homem a primazia para adeterminação do primeiro domicílio familiar, devendo este, atualmente, ser fixado de comum acordocom a mulher, uma vez que a igualdade entre os cônjuges foi formalmente atingida com aConstituição Federal de 1988.

A possibilidade de que os cônjuges ou pais e filhos mantenham domicílios ou residênciasdiversos, mesmo durante o casamento ou a união estável de seus pais, faz necessária a escolha de umelemento de conexão subsidiário, complementar e neutro.

Em seu Anteprojeto, Haroldo Valladão denominou tal elemento de lei própria à família, quepudesse regular a totalidade das relações entre os membros do grupo, o que se justifica pela unidadeda família, que demanda um elemento de conexão que extrapole os elementos de conexão pessoaispróprios a seus membros individualmente considerados (VALLADÃO, 1971, p. 509).

A proposta do autor recai sobre (i) a lei do domicílio conjugal para as famílias plurinacionais,(ii) a lei da residência habitual comum para as famílias pluridomiciliadas e, (iii) em casosesporádicos, a lei nacional, a lei do domicílio, a lei da residência do interessado que coincidissecom a lei do foro, seja do nacional, do domiciliado ou do residente no mesmo Estado do foro.

Tanto assim, que o artigo 41 de seu Projeto de Código de Aplicação das Normas Jurídicaspropunha como lei cabível a que fosse mais favorável à criança, havendo conflito entre as leis danacionalidade, do domicílio e da residência do pai, da mãe ou da própria criança.

Por fim, o PLS dispõe:

Art. 8º Estatuto pessoal. A personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família sãoregidos pela lei do domicílio. Ante a inexistência de domicílio ou na impossibilidade de sualocalização, aplicar-se-ão, sucessivamente, a lei da residência habitual e a lei da residênciaatual.Parágrafo único. As crianças, os adolescentes e os incapazes são regidos pela lei do domicílio deseus pais ou responsáveis; tendo os pais ou responsáveis domicílios diversos, regerá a lei queresulte do melhor interesse da criança, do adolescente ou do incapaz.

Percebe-se, claramente, o avanço legislativo a ser promovido com eventual aprovação doprojeto, pois ele faz submeter ao melhor interesse da criança a lei a ser aplicada. Trata-se deprincípio reitor do Direito Internacional dos Direitos Humanos, no que se refere aos direitos dascrianças.

Deve-se atentar, assim, para o fato de o § 7º, do artigo 7º, da LINDB, não ter sido completamenterecepcionado pela Constituição Federal, criando-se uma lacuna quanto à determinação da leiaplicável às relações entre marido e mulher que possuam domicílios distintos e entre pais e filhosque vivam sob o império de leis diferentes. O dispositivo permanece em vigor, entretanto, para asrelações entre tutor e tutelado e curador e pupilo.

Para além das questões gerais relativas ao tratamento do direito de família pelo Direito

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Internacional Privado brasileiro, e em face da crescente preocupação com os direitos humanos e coma proteção de grupos vulneráveis, faz-se necessário destacar os aspectos mais relevantes da proteçãoàs crianças e a questão dos alimentos em casos plurilocalizados, que é o que se passa a fazer.

Também as relações entre os membros do casal, sejam eles unidos pelo casamento, ou por uniãoestável, merecem a atenção do estudioso do Direito Internacional Privado. Os alimentos, por se tratarde instituto jurídico assistencial aplicável a todas as relações familiares, são abordados em itemautônomo, ao final.

2.4.1 Relações conjugais e convivenciaisAs regras de Direito Internacional Privado positivas, no sistema brasileiro, dada a época em que

foram estabelecidas, contemplam exclusivamente as relações matrimoniais. Por esse motivo, aexposição dos itens abaixo fará referência aos casais conjugais.

No entanto, com exceção do item sobre formalidades de celebração, inexistentes na união estável,todo o restante pode e deve ser aplicado às relações baseadas em união estável, inclusive aquelasatinentes aos impedimentos matrimoniais, uma vez que eventual união estabelecida entre pessoas quenão poderiam se casar entre si gera o não reconhecimento da estabilidade da união.

É preciso atentar para o que dispõe o direito material aplicável, no caso concreto. Mas asconclusões típicas de Direito Internacional Privado (aplicabilidade da lei nacional ou estrangeira,por preenchimento do elemento de conexão), serão as mesmas, como ressaltado acima.

O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pelaComissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos termos do art. 9º doPLS (Anexo II).

2.4.1.1 Habilitação para o casamentoA habilitação para o casamento guarda estrita ligação com a capacidade para contrair

matrimônio. Cuida-se, assim, de uma capacidade específica, por vezes referenciada na doutrinacomo legitimidade.

Assim qualificada a questão, percebe-se que a lei aplicável, conforme o disposto no caput doartigo 7º da LINDB, é a lei do Estado em que domiciliados os nubentes.

Como estes podem ter domicílios diversos – é preciso lembrar que ainda não se constituíramcomo casal – nada obsta a que se apliquem duas diferentes leis para aferir a capacidade núbil donoivo e da noiva.

O § 1º do artigo 7º da LINDB esclarece que para os casamentos celebrados no Brasil seráaplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes. O conceito de impedimentosdirimentes fazia sentido a partir da classificação doutrinária construída à luz do Código Civil de1916 que cuidava dos impedimentos matrimoniais e das causas suspensivas para o matrimônio emum único dispositivo e de forma indistinta.

À luz da legislação brasileira vigente atualmente, a questão deve ser entendida a partir doconceito de ordem pública, explicado acima.

Assim, supondo-se que no Brasil se busque realizar um matrimônio entre dois brasileirosdomiciliados no exterior, a capacidade matrimonial de ambos será regida por uma ou duas leisestrangeiras (caso tenham o mesmo domicílio no exterior ou domicílios diversos).

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No entanto, caso a lei estrangeira autorize o casamento, por dar capacidade a um dos noivos,quando a legislação brasileira proibiria o mesmo matrimônio, terá incidência a regra do § 1º, citadaacima. Exemplos: casamento de um homem já casado com outra mulher, porque o Estado em que édomiciliado permite a poligamia; casamento de pessoas do mesmo sexo, não previsto na leibrasileira, muito embora goze de reconhecimento doutrinário e jurisprudencial.

Note-se, no entanto, que solução idêntica quanto aos impedimentos matrimoniais seria obtida pelainvocação do princípio de ordem pública.

2.4.1.2 Formalidades de celebraçãoOs casamentos são atos jurídicos de reconhecimento universal. Não se faz necessário homologar

um casamento celebrado em país estrangeiro.Nesse sentido, é importante esclarecer que a natureza do ato de registro do casamento celebrado

no exterior, perante cartório competente no Brasil, nos termos do artigo 1.544 do Código Civil éprobatória, garantindo a quem se casou no exterior uma certidão brasileira que facilitará, dali emdiante, a prova do ato realizado no exterior sem que se torne necessário recorrer à tradução e àlegalização consular do documento.

Ou seja, tal registro não tem natureza homologatória, até porque, dado o reconhecimento universaldo ato, a homologação é desnecessária.

Nos termos do § 1º, do artigo 7º, da LINDB, o casamento é regido, quanto às formalidades decelebração, pela lei do local onde este se realizar. Assim, casamentos celebrados no Brasil sãoregidos pela lei brasileira, e casamentos celebrados no exterior são regidos pela lei estrangeira.Trata-se do princípio lex loci celebrationes.

Nesse sentido, se o direito material de algum Estado soberano regulamenta a temática(formalidade da celebração) de modo bastante informal (com poucas ou mesmo nenhumaformalidade), o ato será válido – e reconhecido no restante do globo – pelo fato único de terrespeitado a lei vigente no local em que celebrado.

São conhecidas as informais regras do Direito vigente no estado americano de Nevada queadmitem casamentos inopinados, decididos, por vezes, de maneira improvisada e irrefletida. Osmatrimônios realizados em Las Vegas, no entanto, são universalmente válidos porquanto observadasas normas de regência.

A regra da lex loci celebrationes é aplicável, também, aos matrimônios celebrados emrepartições consulares. No entanto, ao menos para essa finalidade, os consulados são consideradosextensões do território de sua representação. Por isso, o casamento de brasileiros celebrado noconsulado brasileiro na cidade portuguesa do Porto, por exemplo, será oficiado nos termos doCódigo Civil brasileiro de 2002.

O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pelaComissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos:

Art. 9º Casamento. As formalidades de celebração do casamento obedecerão à lei do local desua realização.§ 1º As pessoas domiciliadas no Brasil, que se casarem no exterior, atenderão, antes ou depoisdo casamento, as formalidades para habilitação reguladas no Código Civil Brasileiro, registrandoo casamento na forma prevista no seu art. 1.544.

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§ 2º As pessoas domiciliadas no exterior que se casarem no Brasil terão sua capacidadematrimonial regida por sua lei pessoal.§ 3º O casamento entre brasileiros no exterior poderá ser celebrado perante autoridade consularbrasileira, cumprindo-se as formalidades de habilitação como previsto no parágrafo anterior. Ocasamento entre estrangeiros da mesma nacionalidade poderá ser celebrado no Brasil peranterespectiva autoridade diplomática ou consular.§ 4º A autoridade consular brasileira é competente para lavrar atos de registro civil referentes abrasileiros na jurisdição do consulado, podendo igualmente lavrar atos notariais, atendidos emtodos os casos os requisitos da lei brasileira.

2.4.1.3 Direitos e deveres recíprocos de ordem pessoalOs direitos e deveres recíprocos entre os cônjuges, de natureza pessoal, como a coabitação, o

respeito mútuo etc., são determinados pela lei do domicílio atual do casal.Configuram-se, nesse sentido, como verdadeiro conflito móvel, regido por tantas leis quantos

sejam os domicílios conjugais havidos pelo casal.No entanto, sua definição em caso de divórcio deverá ser realizada pela lei do último domicílio

conjugal, que cristalizará, por exemplo, o direito ou não de um cônjuge manter o nome adquirido dooutro pelo casamento.

A regra guarda especial relevância nas comuns hipóteses de o divórcio, que põe fim ao vínculomatrimonial, ser formalizado algum tempo depois da separação, muitas vezes apenas de fato, havidaentre os membros do casal.

Nesses casos, se um ou ambos os cônjuges passam a viver em Estados soberanos diferentesdaquele em que viviam juntos, a lei que será aplicada no momento do divórcio será a lei do últimodomicílio conjugal.

O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pelaComissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos:

Art. 9º Casamento. [...].§ 5º Se os cônjuges tiverem domicílios ou residências diversos, será aplicada aos efeitospessoais do casamento a lei que com os mesmos tiver vínculos mais estreitos.

2.4.1.4 Direitos e deveres recíprocos de ordem patrimonialPor fim, os aspectos patrimoniais da relação conjugal configuram o chamado regime de bens.Do ponto de vista do direito comparado, normalmente os Estados mantêm em suas legislações

alguns modelos de regime de bens à disposição dos nubentes, para que estes escolham, antes domatrimônio, por pacto antenupcial, qual será o seu específico regime de bens. Também se costumaprever, em lei, um regime supletivo, dito regime legal, que vigorará no silêncio das partes.

Nada impede, todavia, que os nubentes construam, no exercício de sua autonomia de vontade,regimes de bens diversos dos modelos legislativos.

Em situações plurilocalizadas, pode ser comum os noivos estabelecerem cláusulas, no Brasil, porexemplo, retiradas de uma legislação estrangeira qualquer. Se tais cláusulas não ofenderem a ordempública, em seu primeiro nível de atuação, o pacto antenupcial será plenamente válido.

Assim, havendo pacto antenupcial formalmente válido segundo a lei vigente no local de sua

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celebração, os aspectos patrimoniais da vida do casal, em qualquer parte do mundo, serão regidospor tais regras voluntárias.

No entanto, na hipótese de não haver pacto antenupcial, surge a necessidade, como visto, de seaplicar o regime legal, tácito, definido pelo legislador como supletivo da vontade não manifestadaexpressamente pelas partes.

Em tal caso, havendo elemento de estraneidade na relação, será preciso recorrer ao § 4º do artigo7º da LINDB, que dispõe:

§ 4º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentesdomicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.

Em conclusão, se os noivos são domiciliados no mesmo Estado soberano por ocasião dahabilitação para o casamento – e nesse oportuno momento não celebram o pacto antenupcial –, poucoimportará o local da celebração. O regime de bens legalmente determinado será o regime legalestabelecido pelo legislador do Estado em que os nubentes possuíam seu domicílio comum.

Nesse caso, a vontade tácita é a de serem regidos patrimonialmente, enquanto casais, pela lei dolocal onde eram domiciliados.

Por outro lado, quando o noivo e a noiva guardam domicílios diversos, a lei de regência,determinadora do regime legal de bens, será a do primeiro domicílio conjugal, por ser essa aprimeira lei tácita e voluntariamente adotada pelos noivos, já como casal.

Diferentemente do que ocorre com os aspectos pessoais, os aspectos patrimoniais sãoestavelmente regidos pela lei acima indicada. Não se trata de conflito móvel. Só há possibilidade dealteração do regime de bens, quando a lei permitir e quando as partes atenderem as exigências e osrequisitos legais.

A razão para essa diferenciação é óbvia. Ao passo que os aspectos pessoais dizem estritorespeito aos membros do casal, os aspectos patrimoniais geram efeitos perante terceiros que comeles negociam. Daí a necessidade de maior estabilidade nesse caso, enquanto naquele é admissívelque a vontade do casal de mudar de domicílio implique em alteração da lei de regência dos aspectospessoais.

No que tange à partilha dos bens do casal, por dissolução do matrimônio, valem as mesmasconsiderações acima.

O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pelaComissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos:

Art. 10. Regime matrimonial de bens. O regime de bens obedece à lei do país do primeirodomicílio conjugal, ressalvada a aplicação da lei brasileira para os bens situados no País quetenham sido adquiridos após a transferência do domicílio conjugal para o Brasil.Parágrafo único. Será respeitado o regime de bens fixado por convenção, que tenha atendido àlegislação competente, podendo os cônjuges que transferirem seu domicílio para o Brasil adotar,na forma e nas condições do § 2º do art. 1.639 do Código Civil Brasileiro, qualquer dos regimesde bens admitidos no Brasil.

2.4.2 Relações parentais2.4.2.1 Guarda de filhos

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A guarda dos filhos pode tanto ser estabelecida no momento da separação dos casais queostentem um elemento estrangeiro, como a questão pode ser novamente levada ao Poder Judiciário,normalmente pelo não guardião originário, que pleiteia sua alteração, alegando, normalmente,modificação das condições de um ou de ambos os genitores para seu exercício.

Para a atribuição da guarda, o juiz levará em consideração a lei vigente no domicílio da família,sempre que estiverem todos domiciliados no mesmo Estado soberano.

É importante verificar, nesse caso, não só se os pais e a criança mantêm seu domicílio em ummesmo território soberano, como se eles têm a intenção manifesta de permanecer, pelo menos emmédio espaço de tempo, domiciliados no mesmo país.

Mantendo-se todos domiciliados em um mesmo território, terão o mesmo domicílio. Resta,portanto, saber se a lei brasileira será aplicável por consistir na lei do domicílio dos pais ou se seráaplicada por estar afeta ao domicílio da criança. Há, ainda, a possibilidade de que sua aplicação seesteie no fato de ser a lei da família, como queria Valladão.

A questão, despida de interesse prático nesse caso, apresenta, no entanto, forte interesse teórico.Com efeito, a razão subjacente à aplicação da lei brasileira nesse caso será a que indicará a possívelsolução da mesma hipótese no caso de os genitores e a criança apresentarem domicílios diversos,porquanto a aptidão para que se mostre como a lei mais favorável à criança poderá depender dessarazão subjacente.

Assim, se a aplicação da lei nacional se dever ao fato de ser a lei do domicílio dos pais dacriança, persistirá a dificuldade de se escolher a lei aplicável em casos outros em que pai e mãevivam em territórios nacionais distintos, separados de fato, por exemplo.

Por outro lado, justificar no caso a aplicação da lei brasileira com a ideia de que se trata da leiunitária da família, se oferece a vantagem de utilizar um critério tendencialmente neutro, apresenta adesvantagem relativa à família unitária que não mais prevalecerá após a separação, o divórcio ou adissolução da união estável.

Da mesma forma, nas hipóteses em que os pais nunca tenham manifestado a intenção de constituiruma família, mas tendo tido um filho cuja guarda é necessário regular, mostrar-se-á como um critériovazio e despido de razão, dada a nova conformação da sociedade brasileira, em que não cabequalquer forma de discriminação relativamente à criança.

Assim, se a lei for aplicada por ser a lei da família, onde não houver família em sentidoestritamente formal não haverá critério para a sua escolha.

De todo o exposto, parece que a melhor razão para a aplicação da lei brasileira, nessa hipóteseem que o domicílio dos envolvidos coincide e continuará a coincidir, é mesmo a que tem emconsideração o fato de a lei ser aquela que se encontra mais próxima à criança e, por isso, maispróxima para garantir a tutela de seus direitos.

Assim é que, por exemplo, as Convenções internacionais sobre o tema determinam que acompetência jurisdicional seja do foro do domicílio da criança, que, por sua vez, aplicará a lei dodomicílio desta para a resolução do conflito, especialmente por ser o local em que as provas sobresua condição de desenvolvimento serão mais facilmente obtidas.

Outro argumento, no entanto, pode ser apontado. Trata-se da dificuldade de se estabelecer,havendo divergência entre a lei pessoal do pai e a lei pessoal da mãe, aquela que seria aplicada nashipóteses em que os pais vivessem em territórios distintos.

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Isso pode ocorrer na hipótese de os pais da criança (i) estarem separados de fato, (ii) vivendo empaíses diferentes, ou (iii) na situação em que, durante o processo de separação, divórcio oudissolução da união estável, um deles demonstre inequívoco intento de deixar o território do forocompetente, modificando seu domicílio para outro Estado, tornando clara a distinção entre osdomicílios dos membros da família.

Também é possível configurar o problema nos casos em que, tendo sido regulada a atribuição daguarda, esteja-se a pleitear sua inversão, modificando-se as posições jurídicas entre genitor-guardiãoe não guardião, o que, em razão da diversidade de domicílios existente entre os pais, acarretaránecessária modificação do domicílio da criança.

Deve-se zelar para que as decisões judiciais nesses casos não transpirem “nacionalismoequivocado”, contrário “ao espírito universalista que deve imperar nas decisões jusprivatista-internacionalistas”, como frisa Jacob Dolinger (DOLINGER, 2003:222).

O argumento cultural, em que pese ser fator importante para a tomada da decisão mais condizenteaos interesses da criança, deve ser sopesado, mormente quando há identidade cultural entre os paísesenvolvidos e quando a alteração do domicílio possa representar vetor de crescimento intelectualimediato e profissional mediato.

Mesmo que se dê aplicação ao posicionamento doutrinário defendido por Érik Jayme (JAYME,1995), no sentido de que o “pós-moderno” Direito Internacional Privado deve dar maior atenção aossentimentos interiores do indivíduo, seus interesses e valores pessoais, deve-se atentar para asituação particular da criança enquanto ser em formação, sopesando-se as possíveis vantagens edesvantagens advindas da alteração domiciliar que se fará, frise-se, em companhia do virtualguardião, possivelmente seu pai ou sua mãe, ou seja, daquela pessoa que, pela análise dos fatos, ojuiz cogitou ser a que deteria as melhores condições para o exercício da guarda.

Note-se, ademais, que os mencionados aspectos pessoais guardam maior pertinência com omérito da decisão, com a decisão material em si, e não com a decisão típica do Direito InternacionalPrivado que é a determinação da lei aplicável para a regulação transformadora dos fatos.

Assim, deixe-se assente que a possível modificação do domicílio após a decisão, porémmanifestada no curso do processo, é fator incidente importante, mas não exclusivo, para a decisão demérito.

2.4.2.2 Direito de visitaTambém no que concerne à temática do direito de visitação, permanecendo todos os membros do

grupo familiar da criança domiciliados em território brasileiro, aplicável para regular tal exercícioserá a lei brasileira.

Nesse caso, então, o genitor não guardião terá acesso à criança segundo a cadência temporalestabelecida em acordo entre os pais ou determinada judicialmente pelo magistrado. A questão,aparentemente, não suscita maiores dificuldades.

Alguns aspectos, no entanto, devem ser postos em relevo. Primeiro, o direito de visitação deveráser exercido no território nacional. Isso não impede, entretanto, que se o não guardião quiser viajarao exterior acompanhado de sua prole, possa obter a necessária autorização para que as criançasdeixem temporariamente o País.

Cabe ao guardião, em um primeiro momento, oferecer essa autorização, por escrito e com firma

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reconhecida, segundo o que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 84:

Art. 84. Quando se tratar de viagem ao exterior, a autorização é dispensável, se a criança ouadolescente:I – estiver acompanhado de ambos os pais ou responsável;II – viajar na companhia de um dos pais, autorizado expressamente pelo outro através dedocumento com firma reconhecida.

Não obstante, havendo recusa injustificada por parte do guardião, poderá o visitante requerersuprimento judicial, que será concedido sempre que não houver fundado receio de que o requerenteintente evadir-se do território nacional em companhia da prole que não tem em sua companhiadiuturna.

A causa do pedido, no entanto, pode ser lícita. Vai do simples desejo de mostrar outras culturas àprole, assegurando-lhe o direito à educação e ao saber cultural, até o que parece ser muito maisjustificável: o desejo de levar o(s) filho(s) a seu país de origem, onde reside a família ampliada donão guardião, fazendo-o(s) conviver, ainda que por período diminuto, com avós, tios, primos etc.

De todo conveniente, nesses casos, que o não guardião procure deixar assentado no acordo ou nadecisão judicial o seu direito de ter consigo a prole nas viagens que fará a sua terra natal, a fim degarantir o convívio das crianças com a família alargada.

Há que se ter em mente, por fim, a possibilidade de que o guardião se evada do territórionacional, carregando consigo a prole, para se estabelecer em outro país, impossibilitando que o nãoguardião, que restará em território nacional, mantenha contato com seus filhos.

A atuação dos guardiões, nesse caso, é ilícita, posto que também a eles é dirigida a norma doartigo 84 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Fazem-no, entretanto, no mais das vezes baseadosna ideia de que a eles incumbe, com exclusividade, o direito de fixar o domicílio da criança.

São situações que, a par de dificultarem o correto exercício do direito de visitas por meio dasubtração ilícita das crianças do local em que habitualmente se encontram – o que acarreta aineficiência do sistema jurídico brasileiro, demandando mecanismos de cooperação internacional –,podem determinar uma modificação da situação fática vivenciada pela família da criança, o que seráobjeto de maiores considerações a seguir.

No que concerne à lei aplicável para regular o exercício do direito de visitas, necessário que sedê relevo ao fato de que o escopo principal do instituto é o de garantir a convivência dos membrosda família.

Nesse sentido, além de direito de quem é visitado e dever para aquele que visita, constitui-setambém em direito dos que visitam, apresentando características de dever de quem é visitado.Indisfarçável, assim, o caráter dúplice do instituto, que busca privilegiar uns e outros. Em verdade,que busca privilegiar a unidade do núcleo familiar – que se assemelha a uma família monoparental –que se quer preservar.

Nesse sentido, já que o instituto não apresenta apenas característica protetiva dirigida àscrianças, mas a todos os membros da família, inclusive da família alargada, restaria despido desentido defender a aplicação da lei do domicílio da criança tão somente com o argumento de se tratarda defesa de seu melhor interesse.

Certamente que se reconhece à criança a situação de ser humano em formação, vivenciando

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estágio de seu desenvolvimento em que os referenciais paterno e materno são de extremaimportância. Mas, nesse caso, parece que sobrelevar essa característica é desmerecer o direito que ogenitor não guardião e os restantes membros da família alargada têm de conviver com os maisjovens.

Trata-se, no entanto, de consequência direta da atribuição da guarda. Assim, como esta foideferida com base na lei do domicílio da criança, parece ser conveniente que se estabeleça acompetência da mesma lei nas hipóteses de famílias que se separam e passam a viver em Estadossoberanos diversos.

Justifica-se tal posicionamento na necessidade de se evitarem confrontos entre os genitores emdecorrência de conflito de preceitos materiais existentes nos sistemas jurídicos dos Estados em quedomiciliados, os quais poderiam regular diversamente o direito de acesso à criança.

Além disso, garantir-se que a mesma lei que regula a guarda seja aplicada para regular o direitode visita parece proporcionar mecanismos mais seguros de acompanhamento efetivo do exercíciodesse direito-dever, distribuindo-se da melhor maneira possível o tempo que a criança passará comcada tronco familiar.

Mas a situação se complicará sempre que genitor e prole estiverem excessivamente distantes,porquanto nesses casos as visitas tornar-se-ão esporádicas, muito embora concentradas, podendomesmo ocorrer uma abstenção no gozo desse direito e no exercício do dever correlato durante anos.

Acresçam-se as dificuldades econômicas normalmente vividas pelos indivíduos para se ter umadimensão da gravidade do problema. Além disso, como a ausência se torna prolongada, tanto podeocorrer a não adaptação entre não guardião e prole como pode dar-se a consequência inversa: olargo lapso temporal experimentado desde a última visita pode ser pretexto para que nasça entregenitor e filho o desejo de não mais se separarem.

Essa realidade, extremamente grave, determinará o não cumprimento correto do direito de visitas,cujo ilícito, de natureza civil, aperfeiçoar-se-á com a não devolução da criança no prazo assinalado,acarretando violação das disposições da lei aplicável para regular a questão.

Entretanto, sua não devolução ao guardião e o consequente afastamento da criança de seu habitatrepresentam situação de difícil desfecho, com tendência para se agravar sempre que se fizer atuar osmecanismos burocráticos para determinar o retorno da criança. É sabido que a tendência natural dequem se encontra em situação como essa é continuar a se evadir, o que retarda o deslinde da questão,pois, muitas vezes, perde-se a pista relativa ao paradeiro da criança.

Bem por isso, cedo se percebeu que os métodos tradicionais de resolução do problema(verificação do ilícito, pedido de seu reconhecimento à jurisdição que regulava o direito de visita,comprovação de violação da determinação normativa, prolação de sentença, pedido dereconhecimento da sentença estrangeira ao foro do domicílio do não guardião ou outro qualquer emque este se encontrasse com a criança e execução da decisão) eram lentos, custosos e despidos denecessária efetividade.

Então, para procurar remediar a questão, arquitetando mecanismos mais eficazes para a resoluçãodo problema do exercício abusivo do direito de visitas transfronteiriço, a sociedade internacionalhouve por bem buscar uma regulamentação conjunta da questão que deu origem à Convenção da Haiasobre os Aspectos Civis do Sequestro (subtração) Internacional de Crianças, de 1980, objeto dotópico seguinte.

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2.4.2.3 Sequestro internacional de criançasEntende-se por subtração internacional de crianças, à luz da Convenção da Haia sobre os

Aspectos Civis do Sequestro (subtração) Internacional de Crianças, tanto a retirada de uma criançado poder de quem exercia sua guarda, ipso facto determinada por lei, por decisão judicial, ouadministrativa, ou por acordo legalmente reconhecido, como a não devolução da criança ao poder dequem de direito, após um período no qual a criança exercia o direito de visitar e ser visitada por umparente não guardião.

Assim, tanto pode se configurar quando da retirada efetiva da criança do Estado de sua residênciahabitual, que é, na maior parte das vezes, o Estado da residência habitual de quem exerce legalmentea guarda, como no caso de retenção arbitrária dessa criança em território diverso daquele em queresidia.

A referida Convenção preocupa-se apenas com os aspectos civis dessa subtração, estabelecendomecanismos de reclamo e cooperação jurisdicional entre os Estados-parte com o intuito de facilitar oretorno da criança ao Estado de sua residência habitual, de forma rápida e menos traumáticapossível.

O conteúdo da Convenção é diverso da maioria dos tratados sobre Direito Internacional Privado,porquanto não estabeleça regras sobre lei aplicável, não regulamente o procedimento de obtenção deexequatur de decisão estrangeira, não mencione decisões relativas à atribuição da guarda, podendopor isso ser chamado de um tratado sui generis.

Na base dos fatos jurídicos estão fatores sociológicos como a liberalização e flexibilização dafamília e do casamento, o avanço das comunicações, os conflitos de cultura e civilização, osmovimentos migratórios e os desequilíbrios econômicos e, também, fatores jurídicos queestabelecem mecanismos de deslocação das crianças, sem a consideração de seus própriosinteresses. Para tanto, seria necessário proporcionar certa estabilidade à criança, procurando manterseu convívio com ambos os genitores.

A adoção dessa Convenção, por outro lado, facilita a troca de informações entre os Estados-parte, que são muitos, permite uniformização do tratamento dos dados estatísticos compilados egarante pronta atitude interestatal no sentido de fazer volver a criança ao Estado de sua residênciahabitual.

Além disso, deve-se ressaltar a natureza autoexecutória da Convenção, o que torna desnecessáriaa elaboração de normas internas para que seja praticamente observada nos Estados que aderem asuas disposições.

Quanto ao âmbito de proteção da referida Convenção, saliente-se que, apesar de prever suaaplicabilidade apenas até os 16 anos de idade da criança subtraída, fato é que já se reconheceu apossibilidade de aplicação dos mecanismos dessa Convenção, por decisão unilateral do Estadorequerido, ainda que a criança conte 16 anos ou mais.

Isso porque não resta claro no texto da Convenção qual o dies ad quem para a aplicabilidade desuas disposições: se se trata da data da subtração ou da data do pedido de busca e apreensão.

Também não fica claro se essa situação é relevante, hipótese em que seria forçoso concluir que ocumprimento da idade em qualquer fase do procedimento impediria a contínua aplicabilidade daConvenção. Por tal razão, defende-se que a Convenção se aplique ainda que, no transcurso dasubtração, a criança complete 16 anos de idade.

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Várias são as hipóteses práticas de configuração da subtração internacional. Tanto pode ocorrerpela retirada da criança da companhia de seu guardião (legal ou convencional) e subsequentetraslado para fora do território do Estado onde a criança residia habitualmente, como pode se dar nahipótese em que a criança se encontra fora de sua residência habitual, em companhia de parentes ecom o consentimento de seu guardião, e, no momento aprazado para seu retorno ao lar, os parentesvisitados recusam-se a devolvê-la ao guardião.

O traço comum, portanto, é a retenção ilícita da criança em local que não seja o de sua residênciahabitual, na companhia de outro parente que não seu guardião. Bem por isso, o objeto da Convençãoé, segundo parte da doutrina, apenas a proteção do direito de guarda e, não, o direito de visita.

Parece, entretanto, que não se deve afirmar, peremptoriamente, que o direito de visita não estejaresguardado pela Convenção.

É verdade que explicitamente não há qualquer menção, mas acredita-se e defende-se apossibilidade de interpretação analógica da Convenção que passaria a abarcar outra hipótese: a donão guardião que vive no exterior e, chegado o período de visitas, encontra recusa imotivada doguardião em permitir o exercício de seu direito-dever.

Nesse caso parece configurada a hipótese de retenção ilícita, devendo-se aplicar analogicamentea Convenção, se esta for vigente entre os Estados envolvidos na situação fática.

Verificada a configuração da subtração, cabe ao guardião lesado (ou a qualquer outra pessoa,instituição ou organismo interessado) requerer providências junto à autoridade central do Estado deresidência habitual da criança ou de qualquer outro Estado contratante, que deverão, cientes do fato,diligenciar junto a sua homóloga na sede do Estado onde a criança se encontrar retida de formailícita, requerendo a devolução do infante ao Estado de sua residência habitual.

Segundo determinação da Convenção, o pedido deve conter as informações necessárias sobre aidentidade do requerente, da criança e da pessoa a quem se atribui a transferência ou a retençãoilícitas:

a data de nascimento da criança subtraída;quando possível, os motivos em que o requerente se baseia para exigir o retorno da criança aoEstado de sua residência habitual, ou seja, um sumário dos fatos que possa configurar a causade pedir;

bem como todas as informações disponíveis relativas à localização da criança e à identidadeda pessoa com a qual se presume que a criança esteja.

A Convenção prevê, ainda, como forma de auxiliar na colheita das informações, que o requerentecomplemente o seu pedido com a cópia autenticada de qualquer decisão ou acordo consideradorelevante, como:

a sentença judicial que tenha fixado a guarda segundo as disposições da lei aplicável ao caso;o acordo extrajudicial havido entre os genitores da criança, quando permitido pela legislaçãoaplicável.

É conveniente, ainda, que se junte ao pedido atestado ou declaração emitida pela autoridadecentral, por qualquer outra entidade competente no âmbito do Estado da residência habitual dacriança, ou por pessoa qualificada, que ateste a vigência e o teor da legislação de tal Estado relativaà matéria, além de outros documentos considerados relevantes. Isso porque a lei aplicável será a lei

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do Estado de origem da criança, aqui entendido como o Estado em que reside habitualmente.Cumpre ressaltar que o direito de guarda pressupõe, segundo disposição da Convenção, o direito

de fixar a residência habitual da criança. Assim, se o genitor guardião decidir deixar o Estado ondetem a sua residência habitual em direção a outro Estado, haverá alteração, consequentemente, daresidência habitual da criança.

O genitor não guardião não poderá reclamar o retorno da criança ao Estado de sua residênciahabitual, a menos que também ele seja, de fato ou de direito, detentor da guarda, como no caso dasseparações de fato.

Mas havendo uma decisão judicial, administrativa ou convencional, que atribua a guardaunilateral, será lícito alterar a residência da criança, mesmo se esta alteração dificultar o exercíciodo direito de visitar e ser visitado.

Em isso ocorrendo, poderá o genitor que se sentir prejudicado demandar judicialmente aalteração da guarda, fazendo-o segundo as regras de direito interno mandadas aplicar pela norma deDireito Internacional Privado.

Configurada a subtração internacional da criança, incumbirá à autoridade judicial decidir arespeito de sua devolução ao Estado da residência habitual ou não.

Há disposição expressa na Convenção a respeito da impossibilidade de se indagar sobre eventualambientação da criança no Estado onde se encontra, se a subtração tiver ocorrido há menos de umano.

Todavia, tendo perdurado por mais tempo em decorrência da inércia do guardião ou dasdificuldades por ele vivenciadas para descobrir o paradeiro de sua prole, poderá a autoridaderesponsável pela decisão perquirir a respeito da boa ambientação da criança em seu novo local deresidência, estudo, lazer, às novas amizades etc.

Poder-se-á afastar a aplicação da Convenção em algumas específicas hipóteses previstas nosartigos 12, alínea 2, 13 e 20 da Convenção.

Tais situações permitem que a autoridade competente recuse-se a determinar o pronto regresso dacriança ao Estado de sua residência habitual, levando em consideração aspectos que podemdeterminar ou pelo menos aconselhar a manutenção da criança subtraída no local e na condição emque ela se encontra atualmente.

É interessante notar que um desses fatores (art. 20) diz respeito à concepção de direitos humanosdo Estado em que a criança se encontra, o que pode levar o intérprete a acreditar que se trate de umaexceção de ordem pública vigente no Estado requerido, que, dessa forma, se recusaria a cumprir aordem de imediato regresso da criança a seu Estado de origem.

Todavia, uma interpretação histórica permite concluir que não é disso que se trata, uma vez que aexceção de ordem pública fora proposta quando das negociações e retirada, logo em seguida, dianteda diversidade de culturas e filosofias envolvidas na questão, o que dificilmente garantiria aaprovação de tal exceção.

A fórmula utilizada pela Convenção, no entanto, põe em choque, muitas vezes, culturas díspares arespeito, por exemplo, da importância dos cuidados maternos para o desenvolvimento da criança(cultura ocidental, v.g.) e da necessidade da presença paterna e de sua autoridade para a formação docaráter do infante (cultura islâmica, v.g.).

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Existe um reclamo geral na sociedade internacional a respeito do uso indiscriminado dasexceções do artigo 13 por parte dos juízes dos Estados-parte requeridos.

Na tentativa de evitar que esta solução se torne indiscriminada, a Convenção estabelece que ojuiz poderá se recusar a devolver a criança ao Estado de sua residência habitual em poucashipóteses:

A primeira possibilidade que lhe é aberta consiste no convencimento de que a pessoa,instituição ou organismo que tinha a criança subtraída a seu cuidado não exercia, de formaefetiva, o direito de guarda na época em que a criança fora transferida ou retida ilicitamente.

O juiz também estará dispensado de determinar a devolução se houver provas de que oguardião havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção.O mesmo poderá ocorrer se houver concretas evidências de que existe um risco grave de quea criança, no seu retorno, ficará sujeita a situação de perigo físico ou psíquico, ou que, dequalquer outro modo, será exposta a situação intolerável. Aliás, este aspecto já fora posto emrelevo por Elisa Pérez Vera, quando da elaboração do relatório final e explicativo a respeitoda Convenção, chamando a atenção para a necessidade de uma interpretação restritiva dasexceções dos artigos 13 e 20, pois, caso contrário, poder-se-ia barrar o progresso que estaConvenção representa para a cooperação judiciária internacional.

Para amenizar essa utilização indiscriminada, o Secretariado da Conferência da Haia de DireitoInternacional Privado tem promovido conferências para magistrados, incentivando-os ao realconhecimento da Convenção, com vistas a sua boa e oportuna aplicação.

Por outro lado, o Bureau permanente da Conferência criou uma base de dados na qual pretendeincluir todas as decisões atinentes à Convenção, havidas em âmbito mundial.

2.4.2.4 Adoção internacionalAtendendo às letras d e e do artigo 21 da Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, a

Conferência da Haia de Direito Internacional Privado elaborou uma convenção internacional sobreadoção internacional, determinando que esta deve se revestir de todas as garantias de uma adoçãointerna, impedindo-se que os envolvidos nesse processo obtenham qualquer benefício material.

Vale dizer, os Estados-parte devem garantir que a colocação em família estrangeira se faça comgarantias de que não se está a camuflar um tráfico internacional de crianças e devem cuidar para queeventuais intermediários desse processo não obtenham vantagens materiais.

Trata-se da Convenção relativa à proteção das crianças e à cooperação em matéria de adoçãointernacional, assinada na Haia, em 1993, e em vigor internacional entre uma série de Estados.Importa deixar consignado que, para o desenvolvimento das ideias expressas na Convenção de 1989,a Convenção de 1993 institui:

a figura das autoridades centrais que desempenham um papel de controle extremamenteimportante no que concerne à lisura do procedimento, garantindo que eventuais intermediáriosnão obtenham benefícios materiais na adoção;

determina o encaminhamento de relatórios psicossociais que indiquem a situação dos pretensosadotantes e sua disponibilidade para o acolhimento de quantas crianças, com quaiscaracterísticas etc.;

além de não se permitir que os Estados reservem aspectos de seu texto.

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Essa Convenção, que teve grande sucesso do ponto de vista de sua aceitação pelos Estados, nãoconseguiu, todavia, pôr fim a um grave problema atinente ao direito de a criança adotada conhecersua origem biológica.

A Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, ainda antes da assinatura da Convençãode 1993, deixou registrada a necessidade de que a futura convenção sobre adoção tratasse da questãoatinente ao direito à informação da criança, dos pais biológicos e dos pais adotivos em matéria deadoção internacional.

Obviamente tal direito à informação refere-se basicamente à origem e ao destino da criançaadotada. Tal Convenção não alterou, no que respeita ao tema, o estado de dúvidas e incongruênciasanteriormente existente. Com efeito, como se ressaltou à época, a evolução do tema transcorreu deforma a que não se chegasse a um acordo quando da assinatura da Convenção sobre os Direitos daCriança, devido, primordialmente, ao fato de as legislações dos países de colonização britânicaterem pendido para uma maior liberalidade quanto à revelação do status de adotada para a criançaadotiva, ao passo que os países da América Latina se filiam claramente ao princípio daconfidencialidade, em detrimento da abertura dos dados.

A Convenção, em seu artigo 30, n. 1, determina que o Estado de origem dos adotantes deverá, pormeio de suas autoridades competentes, tomar providências para conservar as informações existentesacerca da origem da criança, particularmente no que se refere à identidade de seus pais, além dohistórico médico da criança e dos genitores biológicos pelas razões concernentes à existência depossíveis doenças genéticas.

Assim, como regra geral, parece que a Convenção adotou o princípio da confidencialidade, nãofazendo, todavia, tal escolha de forma clara, vez que no mesmo artigo 30, n. 2, determina que essasmesmas autoridades deverão assegurar à criança ou seu responsável, mediante devida orientação, oacesso a essas informações, desde que o permita a sua lei nacional.

A mencionada orientação deve ser entendida como o acompanhamento psicológico pertinente àmanutenção de sua integridade emocional.

Uma disposição do já citado artigo 30, inobstante não tenha tomado uma posição clara econclusiva acerca da adoção do sistema da confidencialidade ou da abertura, parece privilegiar odireito de a criança conhecer seus pais biológicos, pois a maioria das crianças submetidas a umprocesso de adoção transnacional é oriunda de países em desenvolvimento, de tradição legislativavinculada ao sistema da confidencialidade.

Assim, ainda que se interprete o mesmo artigo 30 sob o prisma de os pais biológicos quereremconhecer o destino de seu filho (o que é possível e pertinente), não poderão eles ter acesso àsinformações por estarem as autoridades competentes de seu Estado proibidas de fornecer ainformação.

Por outro lado, a criança adotada o é, geralmente, por casais advindos de um país desenvolvido,que é, em tese, atrelado ao sistema da abertura dos dados. E, como consequência, estará a criança,em querendo, apta a receber as informações que julga necessárias ao seu completo desenvolvimentoenquanto pessoa humana.

Quando se quer saber qual a lei competente para se reger a capacidade do pretenso adotante paraproceder à adoção de uma criança brasileira, hipótese em que o juiz brasileiro será o competentepara julgar a questão, é ao artigo 7º da LINDB que se recorrerá, em princípio.

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Todavia, como a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria deAdoção Internacional (Convenção da Haia, de 1993) altera tal elemento de conexão do domicíliopara a residência habitual do pretenso adotante, o juiz brasileiro competente deverá perquirir acercada capacidade do futuro e eventual pai, segundo a lei do Estado em que este residir comhabitualidade.

As atuais regras do sistema interno brasileiro incorporaram diversas das disposições daConvenção ao ordenamento nacional, esquecendo-se o legislador pátrio que as ConvençõesInternacionais são comumente vinculativas de Estados que reciprocamente tenham aderido a elas, oque significa dizer que se a adoção em questão for travada entre o Brasil e um Estado que não tenharatificado a Convenção da Haia, de 1993, por certo representará um processo de adoção inoperante,ausente a cooperação internacional que garante o bom andamento e dá regularidade ao procedimento.

O procedimento da adoção internacional regulada pela Convenção da Haia, de 1993, baseia-se nacooperação jurisdicional, razão pela qual o pedido deve ser formulado pelo pretenso adotantesingular ou pelo pretenso casal de adotantes, perante a autoridade competente para conhecer eprocessar tal pedido no território de sua residência habitual.

Nesse local será determinada a realização de estudo psicossocial a fim de se delimitarem ascondições de vida do casal ou do adotante singular e sua predisposição para a adoção, no queconcerne ao número de crianças que podem receber, à idade dos futuros filhos, seu sexo, sua etnia, àeventualidade de serem portadores de doenças crônicas, deficiências físicas, deficiências mentaisetc.

Realizada a perícia, é lavrado o competente relatório que será analisado pela autoridadecompetente. Esta decidirá então pela habilitação ou não dos adotantes.

Dando vazão aos mecanismos de cooperação instituídos pela Convenção, o relatório lavrado ehomologado pela autoridade local é encaminhado, pela via diplomática, à Autoridade Centralindicada pelos países contratantes ao abrigo da Convenção.

No caso brasileiro, valendo-se de sua condição de Estado Federal, há 27 autoridades centraisestaduais – as Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção ou de Adoção Internacional –,coordenadas por uma autoridade central nacional, que possui, inclusive, um cadastro nacional dascrianças em condição de serem adotadas.

Havendo crianças em tais condições e que se enquadrem no relatório encaminhado, será aAutoridade Central do país de acolhida informada, para que se proceda à designação de períodopara o estágio de convivência entre os pretensos pais adotivos e as crianças adotandas.

Terminado o estágio de convivência, a autoridade judicial brasileira deverá sentenciar o feito,constituindo ou não a nova relação paterno-filial.

Por ser hipótese em que é prevista a necessidade de reexame necessário, o processo deverá serreexaminado pelo tribunal competente e só após o trânsito em julgado da sentença é que a criança ouas crianças, agora já filhos adotivos do casal ou do adotante singular, poderão deixar o país.

Relativamente aos efeitos da adoção internacional, a Convenção da Haia, de 1993, éextremamente feliz ao determinar a necessidade de atribuição de plenos direitos aos filhos,dispensando-se, inclusive, a necessidade de se buscar o reconhecimento da sentença brasileiraperante o Judiciário do Estado de acolhida, o que tende a solucionar um grave problema vivenciadoem processos de adoção internacional anteriores, em que os pais adotivos não diligenciavam para

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obter o exequatur para tal sentença.Bem por isso, a relação paterno-filial acabava não sendo reconhecida no estado de acolhida,

dando lastro à eventual desconstituição de tal relação, com graves consequências.Ademais, como estas crianças adotadas permaneciam ostentando a nacionalidade brasileira, por

vezes eram devolvidas ao Brasil após anos de convívio com uma família que, posteriormente, asrejeitou.

Nesses termos, agiu bem a Convenção da Haia ao prever inúmeras hipóteses causadoras decomplicações, demonstrando um trabalho esteado em profundo estudo que melhorou o sistemaanterior.

No que concerne à prática brasileira de aplicação da Convenção, pode-se verificar significativaqueda no número de adoções internacionais (de cerca de 900, em 1996, para apenas 400, em 2004),enquanto se experimentou um aumento no número de adoções nacionais.

Isso se deve, certamente, ao rígido controle exercido pela Convenção, no melhor interesse dascrianças brasileiras. Em consequência, hoje, as adoções internacionais representam cerca de 10%das adoções realizadas no Brasil.

2.4.3 AlimentosNo que concerne à lei aplicável aos alimentos, estando credor e devedor domiciliados no mesmo

território, será competente a lei brasileira para regular o quantum da prestação alimentícia, bemcomo os mecanismos para o seu estrito cumprimento.

Os elementos de conexão geralmente indicados para reger a escolha da lei aplicável à matériasão a lei pessoal do devedor ou a do credor, com certa preferência doutrinária e jurisprudencial poressa última, dada a situação de necessidade que atinge o alimentando, razão pela qual haja quemdefenda, com mais razão, a aplicação da lei mais favorável ao alimentando, seja ela a lei pessoal dodevedor ou do credor.

Acredita-se que o critério da lei mais favorável seja efetivamente o melhor. Com efeito, o escoposocial a que o instituto se dirige é prover o sustento necessário – bem assim as condições demanutenção e desenvolvimento cultural – do alimentando.

Presumir-se-ia, então, que a lei pessoal do credor pudesse ser a que melhor regulasse a matéria,mas não se pode olvidar que o caráter materialista da discussão recomenda que se opte pelaaplicação da lei que seja, efetiva e não presumidamente, a que mais benefícios traga para o credor.

O argumento lançado aqui poderá causar interpretação apressada e imprudente no sentido de sersempre preferível garantir o maior valor ao alimentando. Não é essa, todavia, a posição que se está adefender.

A defesa recai sobre a lei que garanta as melhores condições de sobrevivência e inclusão docredor em seu mundo social. Trata-se, portanto, de comparar as leis potencialmente aplicáveisnaquilo que respeita ao conteúdo da dívida alimentícia, a fim de saber que necessidades,efetivamente, estão abarcadas no quantum a ser fixado.

O valor devido, agora sim, levará em consideração o binômio que opõe a necessidade do credore as possibilidades efetivas do devedor. A despeito de, à primeira vista, a questão parecerargumentativa e retórica, não é esse o caso.

Há legislações que entendem devidos apenas os alimentos estritamente necessários à

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sobrevivência do credor, dando preferência absoluta ao fator necessidade (estrita).Outros ordenamentos, contudo, entendem possível e recomendável que a verba alimentícia

abarque não só o valor mencionado, mas que cubra, também, os gastos que a criança terá para seinserir no meio social em que nasceu e com o qual está acostumada – entendendo-se amplamente ofator necessidade –, mas desde que o devedor mantenha, obviamente, condições financeiras para suaprópria sobrevivência condigna e para o suprimento daquelas necessidades de sua prole, já que,muitas vezes, os processos de separação das famílias acabam por implicar uma perda significativado padrão socioeconômico.

Em um ponto específico, entretanto, a razão parece estar entre aqueles que advogam a aplicaçãoda lei do devedor. Trata-se da alegação segundo a qual tal solução facilitaria o reconhecimento dacondenação estrangeira (proferida no foro do domicílio do credor ou, ainda, se cabível, em outrosforos competentes) no Estado do devedor, com posterior execução, já que respeitada a lei dodomicílio do ora executado.

A mesma solução pode-se mostrar dificultada, caso se assente na adoção da lei mais benéfica,mormente se o juízo de delibação versar o tema da ordem pública do Estado requerido.

A depender da concepção socioeconômica do Estado, poder-se-á negar executoriedade à decisãoque se tenha lavrado com base na lei do credor, então considerada a mais benéfica a ele,principalmente se a condenação se mostrar muito mais ampla do que aquela que se teria atingido nahipótese de aplicação da lei do domicílio do devedor.

2.5 BensOs bens são, geralmente, na terminologia jurídica tomados como “coisas” (a res dos romanos). E

são regulamentados na ordem internacional de duas formas principais: indiretamente ou diretamente.Aparecem regulados indiretamente quando não constituem a questão central da relação jurídica

mas estão envolvidos nela, como nos casos da divisão de bens por ocasião de divórcio ou desucessões. Nestas situações, fala-se do jus ad rem e dependendo do tema central da relação jurídica(divórcio, sucessão etc.) ter-se-á um elemento de conexão específico.

Quando os bens são a parte central da relação jurídica que irradia efeitos em mais do que umaordem jurídica, são eles regulados diretamente pelo Direito Internacional Privado. Nestes casos adiscussão ocorre em relação à coisa (ao bem) em si mesma. Trata-se dos direitos reais (ou direitodas coisas) em que os bens são considerados individualmente falando-se do iure in re.

Neste item sobre o tratamento dado pelo Direito Internacional Privado aos bens, o foco está naregulamentação direta sofrida por eles.

Na regulamentação internacional do direito das coisas verifica-se a prevalência do princípio lexrei sitae (lei da situação da coisa), que adota a territorialidade como critério para a regulamentaçãodos bens.

O princípio lex rei sitae é apontado como sendo um dos princípios universais do DireitoInternacional Privado.

Isso faz com que os Estados não apenas apliquem suas leis caso os bens estejam em seusterritórios e se considerem competentes para analisar os casos que os envolvam, mas também quenão se ocupem das relações jurídicas envolvendo bens que estejam nos territórios de outros países.

Ou seja, os bens acabam “contaminando” as relações jurídicas de que façam parte e atraindo a

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solução destas para os locais em que estejam situados.O Brasil adota essa regra no artigo 8º, caput, da LINDB, estabelecendo, portanto, a lei do local

da situação do bem como o elemento de conexão a eles atinente:

Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei dopaís em que estiverem situados.

É relevante destacar que em função do disposto no artigo 8º essa regra é utilizada tanto para aqualificação quanto para a regência dos bens, fato relevante uma vez que há sistemas que determinamelementos de conexão distintos caso se trate de bens móveis e imóveis.

Assim, deve-se verificar, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, onde está a coisapara determinar o tipo de sistema adotado e então buscar o elemento de conexão apresentado.

Os sistemas que estabelecem elementos de conexão distintos em geral usam a lex rei sitae paraimóveis, seguindo a máxima de que immobilia concernent territoria (ou seja, que os imóveis serelacionam ao território) e o domicílio do proprietário para os móveis. O Brasil, contudo, adota umsistema unitário (norma uti singuli), usando a lex rei sitae para todos os bens, conforme mencionadoacima.

Existem, todavia, duas exceções à regra geral.A primeira exceção é relativa aos bens móveis em estado de mobilidade (ou em trânsito), para os

quais se aplica a lei do país em que for domiciliado o proprietário, conforme o § 1º do artigo 8º daLINDB:

Art. 8º, § 1º – Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bensmóveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.

Essa regra segue a máxima de que mobilia sequuntur personam (ou seja, de que os móveisseguem as pessoas). Quando o móvel se destina ao transporte, no entanto, a chegada ao destinoimplicará em mudança da sua lei de regência.

E a segunda exceção se dá em relação ao penhor, quando o ordenamento jurídico brasileiro adotacomo elemento de conexão o domicílio do possuidor do bem apenhado, de acordo com o § 2º doartigo 8º da LINDB:

Art. 8º, § 2º – O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse seencontre a coisa apenhada.

Atualmente ganham relevo os bens submetidos a registro, como, por exemplo, os aviões, navios emais recentemente as patentes, em função de seu alto valor econômico. Esses bens apresentamcaracterísticas mistas de móveis e imóveis, mas em função de seu registro são tratados comovinculados a ele.

É assim que os navios e aeronaves obedecem à lei do pavilhão (país no qual têm registro ebandeira), e as patentes seguem o princípio da territorialidade, se baseando no registro, o que fazcom que sejam encravados no local em que este ocorre, sendo portanto de competência local eassemelhando-se aos imóveis.

Os bens artísticos e de interesse universal – como as obras de arte – também são objeto deproteção específica. Neste caso cumpre destacar o papel do UNIDROIT e dos tratados internacionaispor ele patrocinados a fim de assegurar proteção a esses bens de maneira uniforme.

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O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pelaComissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos:

Art. 11. Bens e Direitos Reais. Os bens imóveis e os direitos reais a eles relativos sãoqualificados e regidos pela lei do local de sua situação.Parágrafo único. Os bens móveis são regidos pela lei do país com o qual tenham vínculos maisestreitos.

BensBrasil – Regra geral – Local do bem – Lex rei sitae (art. 8º, caput, da LINDB)

Bens móveis em estado de mobilidade – domicílio do proprietário (art. 8º, § 1º, da LINDB)Penhor – domicílio do possuidor (art. 8º, § 1º, da LINDB)

2.6 ObrigaçõesA solução de concurso de leis envolvendo o tema das obrigações depende do tipo de obrigação

em questão. Tendo-se em mente que se podem ter quatro tipos de obrigações:1) oriundas da lei;2) oriundas de manifestação unilateral de vontade;3) oriundas de contratos; e4) oriundas de fatos ilícitos.

Em face disso, há quatro possibilidades de elementos de conexão para resolver os casos mistos.Se a obrigação decorre de imposição legal, como, por exemplo, o serviço militar obrigatório,

caso haja concurso de leis este será solucionado pela lex fori, ou seja, pelo ordenamento jurídico dalei que criou a obrigação.

A lei que cria a obrigação pode, em tese, apontar outro elemento de conexão, mas isso não écomum. Em geral, quando a lei cria uma obrigação em um dado ordenamento jurídico será esse queela elegerá para solucionar os casos mistos relativos àquela obrigação.

Quando a obrigação decorre de uma manifestação unilateral de vontade, como no caso de umaprocuração ou de uma promessa de recompensa, o elemento de conexão mais comumente adotado é odo local do ato (lex loci celebrationes), submetendo assim a manifestação de vontade ao sistemajurídico dentro do qual ela foi emanada.

Os contratos são outro tipo de obrigações relevante; e há atualmente três correntes consideradas“modernas” no que diz respeito à solução de concursos de leis para eles.

A primeira corrente adota a ideia de autonomia da vontade e entende que, sendo o contrato o frutoda conjugação de vontades, as partes podem apontar a lei aplicável a ele. Adota, assim, a lexvoluntatis para a determinação da lei material aplicável ao contrato, respeitando-se, contudo, asrestrições de ordem pública que funcionam como um limite à autonomia da vontade.

Cumpre destacar que, em geral, a lei processual aplicável aos casos de Direito Civil envolvendo

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casos mistos é a lex fori, ou seja, a lei do local em que se ajuízam as ações. Isso não ocorre quandose trata de arbitragem, uma vez que em se optando por esse meio de solução de controvérsias aspartes podem escolher a lei material aplicável ao contrato e também as regras procedimentais paradirimir quaisquer desacordos.

No Brasil só se admite a autonomia da vontade em caso de arbitragem, não havendo previsão (ouproibição) na legislação de modo geral.

A segunda corrente sobre os elementos de conexão pertinentes aos contratos é a que propugnapela preservação da validade do contrato, denominada favor negotii (ou lex validatis). Por talteoria, sempre que duas leis materiais forem indicadas por elementos de conexão diferentes, sendoque uma delas implica na nulidade ou na anulação do contrato enquanto a outra o consideraplenamente válido, esta última lei (por ser favorável ao negócio) prevalecerá.

A terceira corrente aponta o local da execução do contrato como o elemento de conexão cabível.É a teoria da specific performance e aparece de modo residual na LINDB, no artigo 9º, § 1º:

Art. 9º, § 1º – Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de formaessencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aosrequisitos extrínsecos do ato.

De modo geral o Brasil adota a regra do local da celebração (lex loci celebrationes) como oelemento de conexão pertinente aos contratos, conforme o disposto no artigo 9º, caput, da LINDB:

Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

Neste sentido, é relevante destacar que no caso de contratos entre ausentes tem-se o domicílio doproponente como sendo o local da celebração.

Se a obrigação for para ser realizada no Brasil adota-se o sistema jurídico brasileiro no quetange à forma essencial desta.

A teoria do local da celebração como elemento de conexão para os contratos é bastante criticada,uma vez que pode ensejar a aplicação de um sistema jurídico sem grande vínculo com a obrigação.

Com efeito, teria sido mais adequada a opção pela lex loci executionis, ou seja, pela lei do localem que o contrato foi ou deve ser cumprido.

Também sobre os contratos é interessante mencionar os INCOTERMS, que apresentam granderelevância, facilitando a compreensão das obrigações entre as partes.

Os INCOTERMS são os international comercial terms (termos internacionais de comércio)criados pela Câmara Internacional do Comércio (ICC) de Paris. Existem 11 regras INCOTERMS,sendo exemplos as cláusulas FOB (free on board ), EXW (ex works), CFR (cost and freight) e DAF(delivered at frontier 1). Eles auxiliam na padronização dos contratos internacionais e são parte danova lex mercatoria.

O último tipo de obrigações que deve ser mencionado é o que decorre da prática de fatos ilícitos.Nestes casos a grande preocupação vem a ser com a reparação do dano causado.

Em geral adota-se como elemento de conexão o local em que se constituiu a obrigação,repetindo-se, portanto, a regra geral sobre obrigações. Contudo também se pode adotar o local ondeos efeitos do dano são sentidos, sobretudo quando não se pode determinar o local da constituição daobrigação; como, por exemplo, em uma difamação praticada pela Internet.

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O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pelaComissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos:

Art. 12. Obrigações contratuais. As obrigações contratuais são regidas pela lei escolhida pelaspartes. Essa escolha será expressa ou tácita, sendo alterável a qualquer tempo, respeitados osdireitos de terceiros.§ 1º Caso não tenha havido escolha ou se a escolha for ineficaz, o contrato, assim como os atosjurídicos em geral, serão regidos pela lei do país com o qual mantenha os vínculos mais estreitos.§ 2º Na hipótese do § 1º, se uma parte do contrato for separável do restante, e mantiver conexãomais estreita com a lei de outro país, poderá esta aplicar-se, a critério do Juiz, em caráterexcepcional.§ 3º A forma dos atos e contratos rege-se pela lei do lugar de sua celebração, permitida a adoçãode outra forma aceita em direito.§ 4º Os contratos realizados no exterior sobre bens situados no País, ou direitos a eles relativos,poderão ser efetuados na forma escolhida pelas partes, devendo ser registrados no Brasil deacordo com a legislação brasileira.Art. 13. Obrigações por atos ilícitos. As obrigações resultantes de atos ilícitos serão regidaspela lei que com elas tenha vinculação mais estreita, seja a lei do local da prática do ato ou a dolocal onde se verificar o prejuízo, ou outra lei que for considerada mais próxima às partes ou aoato ilícito.

ObrigaçõesBrasil – Regra geral – Local da Constituição/Celebração do ato – Lex loci celebrationes (art. 9º,caput, da LINDB)

Obrigação a ser executada no Brasil – se houver forma essencial pela lei brasileira, deve seresta respeitada (art. 9º, § 1º, da LINDB)

2.7 SucessõesAssim como no direito civil interno, o grande tema relativo à sucessão é determinar a destinação

dos bens da herança, apontando-se em face de casos envolvendo fatos mistos qual foro é competentepara analisar a sucessão, quem pode herdar e qual é a lei aplicável à sucessão em questão.

No que diz respeito ao foro para a sucessão, tem-se como regra geral que este será local onde sedeve abrir o inventário.

O ideal seria que houvesse apenas um inventário, mas se existirem bens em mais de um país, cadaum deles terá um inventário.

Ou seja, existem tantos inventários quantos forem os locais dos bens, uma vez que, comomencionado no item sobre bens, os bens “contaminam” as relações jurídicas em que participam einfluenciam diretamente na competência para solucionar o concurso de jurisdições.

Quanto à lei aplicável à sucessão existem dois sistemas tradicionais:

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1) a sucessão mista/parcial, pela qual em cada fase da sucessão se utiliza um elemento de conexão epode-se ter uma lei aplicável diferente; e

2) a universalidade sucessória, pela qual um único elemento de conexão e, consequentemente, umaúnica lei é aplicada para todos os temas de sucessões.O Brasil adota essa última teoria e determina que o elemento de conexão para as sucessões é a lei

do último domicílio do de cujus ou do desaparecido, conforme o artigo 10, caput, da LINDB, quedispõe:

Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado odefunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.Adotam-se, contudo, no ordenamento jurídico brasileiro, regras diferentes para três situações

particulares: 1) sucessões envolvendo cônjuge ou filhos brasileiros, 2) a capacidade para suceder, e3) sucessões envolvendo bens imóveis.

Em relação a sucessões envolvendo cônjuge ou filhos brasileiros, em conformidade com o § 1ºdo artigo 10 da LINDB e com o artigo 5º, XXXI, da Constituição Federal, serão regidas pela leibrasileira desde que a lei pessoal do de cujus não lhes seja mais favorável:

Art. 10, § 1º – A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela leibrasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempreque não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.E

Art. 5º, XXXI – A sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela leibrasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja maisfavorável a lei pessoal do de cujus.Tem-se assim que se deve analisar o resultado da aplicação da lei brasileira e da lei estrangeira

para se determinar qual é a mais benéfica; adotando-se um método diferente do método tradicionaldo Direito Internacional Privado, pois por um lado tem-se um princípio valorativo no DireitoInternacional Privado e por outro se adota uma regra unilateral.

Essa situação consagra a proteção do nacional, já analisada no item sobre limites à aplicação dodireito estrangeiro quando se abordou o princípio do nacional lesado, que é bastante contestado, poispode levar à xenofobia.

No caso do Brasil é relevante apontar que a doutrina equipara a união estável ao casamento paraefeitos da aplicação desta regra especial no que tange à sucessão.

No que tange à capacidade para suceder, de acordo com o § 2º do artigo 10 da LINDB, esta éregulada pela lei do domicílio do herdeiro:

Art. 10, § 2º – A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.

Nesse sentido se repete a regra geral sobre capacidade eleita pelo ordenamento brasileiro que aliga ao domicílio.

Já no que diz respeito a sucessões envolvendo bens imóveis, tem-se a aplicação da regra geralsobre estes pela qual serão elas regidas pela lex rei sitae, conforme visto anteriormente.

Tal situação pode gerar pluralidade de foros (dupla regência) e determinar a competência

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exclusiva do local em que o bem estiver localizado, como é o já mencionado caso do Brasil.Outro tópico relevante para o tema das sucessões é a regência dos testamentos em casos

envolvendo relações jurídicas que irradiam efeitos em mais do que uma ordem jurídica.O testamento deve ser apresentado a todos os juízes que irão analisar a sucessão caso exista

pluralidade sucessória em função de determinação legal ou da existência de bens em vários países.A regência dos testamentos é dividida em dois grandes blocos. De um lado, tem-se a análise da

validade formal e, de outro, a análise material destes. Ou seja, separam-se as questões de forma efundo do testamento.

Quanto à validade formal tem-se que a forma do testamento é regida pela lei do local dacelebração do ato. Em geral, as questões de forma não são temas de ordem pública, e, por isso, oBrasil aceita a aplicação da lei estrangeira enquanto regente da forma do testamento.

Relativamente ao tema da validade formal também há a questão da capacidade para testar, sendoesta regida também pela lei do local da celebração do ato.

Já sobre a validade material do testamento, ou seja, seu fundo, tem-se que a mesma regra que regeas sucessões em geral se aplica, ou seja, a matéria do testamento é regida pela lei do últimodomicílio do de cujus ou do desaparecido.

Caso haja divergência entre a lei do local da celebração do ato e a lei do último domicílio do decujus ou do desaparecido, sendo aquela mais restrita, devem-se reduzir os termos do testamento afim de adequá-lo e permitir sua aplicação.

As disposições não compatíveis são tidas como não escritas para não se invalidar o testamento.O mesmo raciocínio se aplica caso passem a existir herdeiros legítimos após a celebração do ato

(do testamento) e que não tenham, portanto, sido beneficiados (ou protegidos) quando desta.O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pela

Comissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos:

Art. 14. Herança. A sucessão por morte ou ausência é regida pela lei do país do domicílio dofalecido à data do óbito, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.Parágrafo único. A sucessão de bens situados no Brasil será regulada pela lei brasileira embenefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, assim como dos herdeiros domiciliados no País,sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do falecido.

SucessãoBrasil – Regra geral – Lei do domicílio do de cujus (art. 10, caput, da LINDB)

Filhos ou cônjuge brasileiros – Lei mais benéfica (art. 10, § 1º, da LINDB)Capacidade para suceder – Lei do herdeiro/legatário (art. 10, § 2º, da LINDB)

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1 Para a listagem completa de INCOTERMS cf. <http://www.iccwbo.org/incoterms_faq/>.

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Anexo IDecreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.(Redação dada pela Lei n. 12.376, de 2010)O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da

Constituição, decreta:Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco)

dias depois de oficialmente publicada.§ 1º Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia 3

(três) meses depois de oficialmente publicada. (Vide Lei n. 2.145, de 1953)§ 2º (Revogado.)§ 3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a

correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.§ 4º As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou

revogue.§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela

incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não

revoga nem modifica a lei anterior.§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora

perdido a vigência.Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e

os princípios gerais de direito.Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do

bem comum.Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito

adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei n. 3.238, de 1957)§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se

efetuou. (Incluído pela Lei n. 3.238, de 1957)§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa

exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecidainalterável, a arbítrio de outrem. (Incluído pela Lei n. 3.238, de 1957)

§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.(Incluído pela Lei n. 3.238, de 1957)

Art. 7º A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim

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da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.§ 1º Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos

dirimentes e às formalidades da celebração.§ 2º O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou

consulares do país de ambos os nubentes. (Redação dada pela Lei n. 3.238, de 1957)§ 3º Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do

primeiro domicílio conjugal.§ 4º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes

domicílios, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.§ 5º O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu

cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo aadoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada estaadoção ao competente registro. (Redação dada pela Lei n. 6.515, de 1977)

§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só seráreconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida deseparação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato,obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O SuperiorTribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento dointeressado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras dedivórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais. (Redação dada pelaLei n. 12.036, de 2009).

§ 7º Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aosfilhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.

§ 8º Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residênciaou naquele em que se encontre.

Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei dopaís em que estiverem situados.

§ 1º Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveisque ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.

§ 2º O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre acoisa apenhada.

Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.§ 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será

esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos doato.

§ 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir oproponente.

Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado odefunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.

§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira embenefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja

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mais favorável a lei pessoal do de cujus. (Redação dada pela Lei n. 9.047, de 1995)§ 2º A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as

fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem.§ 1º Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os

atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.§ 2º Os governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham

constituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bensimóveis ou susceptíveis de desapropriação.

§ 3º Os governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dosrepresentantes diplomáticos ou dos agentes consulares.

Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasilou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.

§ 1º Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveissituados no Brasil.

§ 2º A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a formaestabelecida pele lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente,observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências.

Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quantoao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileiradesconheça.

Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto eda vigência.

Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintesrequisitos:

a) haver sido proferida por juiz competente;b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no

lugar em que foi proferida;d) estar traduzida por intérprete autorizado;e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal. (Vide art. 105, I, i, da Constituição

Federal)Parágrafo único. (Revogado.)Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-

se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não

terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bonscostumes.

Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras paralhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro denascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no país da sede do Consulado.

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(Redação dada pela Lei n. 3.238, de 1957)Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no artigo anterior e celebrados pelos

cônsules brasileiros na vigência do Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde quesatisfaçam todos os requisitos legais. (Incluído pela Lei n. 3.238, de 1957)

Parágrafo único. No caso em que a celebração desses atos tiver sido recusada pelas autoridadesconsulares, com fundamento no art. 18 do mesmo Decreto-lei, ao interessado é facultado renovar opedido dentre em 90 (noventa) dias contados da data da publicação desta lei. (Incluído pela Lei n.3.238, de 1957)

Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1942;121º da Independência e 54º da República.

GETÚLIO VARGASAlexandre Marcondes Filho

Oswaldo Aranha.

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Anexo IIProjeto de Lei do Senado n. 269, de 2004

(DO SENADOR PEDRO SIMON)Dispõe sobre a aplicação das normas jurídicasO CONGRESSO NACIONAL decreta:

CAPÍTULO IDA NORMA JURÍDICA EM GERAL

Art. 1º Vigência da lei. A lei entra em vigor na data da publicação, salvo se dispuser emcontrário: e perdura até que outra a revogue, total ou parcialmente.

§ 1º Revogação. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare ou quandocom ela seja incompatível.

§ 2º Repristinação. A vigência da lei revogada só se restaura por disposição expressa.§ 3º Republicação. O texto de lei republicada, inclusive de lei interpretativa, considera-se lei

nova.§ 4º Regulamentação. A lei só dependerá de regulamentação quando assim o declare

expressamente e estabeleça prazo para sua edição; escoado o prazo sem essa providência, a lei serádiretamente aplicável.

Art. 2º Ignorância da lei. Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.Art. 3º Dever de decidir. O juiz não se eximirá de julgar alegando inexistência, lacuna ou

obscuridade da lei. Nessa hipótese, em não cabendo a analogia, aplicará os costumes, ajurisprudência, a doutrina e os princípios gerais de direito.

Art. 4º Aplicação do Direito. Na aplicação do direito, respeitados os seus fundamentos, serãoatendidos os fins sociais a que se dirige, as exigências do bem comum e a equidade.

CAPÍTULO IIDO DIREITO INTERTEMPORAL

Art. 5º Irretroatividade. A lei não terá efeito retroativo. Ela não prejudicará o direito adquirido,o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

§ 1º Direito adquirido. Direito adquirido é o que resulta da lei, diretamente ou por intermédio defato idôneo, e passa a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, mesmo que seus efeitos nãose tenham produzido antes da lei nova.1

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§ 2º Direito a termo ou condição. Constituem igualmente direito adquirido as consequências dalei ou de fato idôneo, ainda quando dependentes de termo de (sic) condição.2

§ 3º Ato jurídico perfeito. Ato jurídico perfeito é o consumado de acordo com a lei do tempo emque se efetuou.

§ 4º Coisa julgada. Coisa julgada é a que resulta de decisão judicial da qual não caiba recurso.Art. 6º Efeito imediato. O efeito imediato da lei não prejudicará os segmentos anteriores,

autônomos e já consumados, de fatos pendentes.Art. 7º Alteração de prazo. Quando a aquisição de um direito depender de decurso de prazo e

este for alterado pela lei nova, considerar-se-á válido o tempo já decorrido e se computará o restantepor meio de proporção entre o prazo anterior e o novo.3

CAPÍTULO IIIDO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Seção IRegras de Conexão

Art. 8º Estatuto pessoal. A personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família sãoregidos pela lei do domicílio. Ante a inexistência de domicílio ou na impossibilidade de sualocalização, aplicar-se-ão, sucessivamente, a lei da residência habitual e a lei da residência atual.

Parágrafo único. As crianças, os adolescentes e os incapazes são regidos pela lei do domicílio deseus pais ou responsáveis; tendo os pais ou responsáveis domicílios diversos, regerá a lei queresulte do melhor interesse da criança, do adolescente ou do incapaz.

Art. 9º Casamento. As formalidades de celebração do casamento obedecerão à lei do local desua realização.

§ 1º As pessoas domiciliadas no Brasil, que se casarem no exterior, atenderão, antes ou depoisdo casamento, as formalidades para habilitação reguladas no Código Civil Brasileiro, registrando ocasamento na forma prevista no seu art. 1.544.

§ 2º As pessoas domiciliadas no exterior que se casarem no Brasil terão sua capacidadematrimonial regida por sua lei pessoal.

§ 3º O casamento entre brasileiros no exterior poderá ser celebrado perante autoridade consularbrasileira, cumprindo-se as formalidades de habilitação como previsto no parágrafo anterior. Ocasamento entre estrangeiros da mesma nacionalidade poderá ser celebrado no Brasil peranterespectiva autoridade diplomática ou consular.

§ 4º A autoridade consular brasileira é competente para lavrar atos de registro civil referentes abrasileiros na jurisdição do consulado, podendo igualmente lavrar atos notariais, atendidos em todosos casos os requisitos da lei brasileira.

§ 5º Se os cônjuges tiverem domicílios ou residências diversos, será aplicada aos efeitospessoais do casamento a lei que com os mesmos tiver vínculos mais estreitos.

Art. 10. Regime matrimonial de bens. O regime de bens obedece à lei do país do primeirodomicílio conjugal, ressalvada a aplicação da lei brasileira para os bens situados no País que tenhamsido adquiridos após a transferência do domicílio conjugal para o Brasil.

Parágrafo único. Será respeitado o regime de bens fixado por convenção, que tenha atendido à

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legislação competente, podendo os cônjuges que transferirem seu domicílio para o Brasil adotar, naforma e nas condições do § 2º do art. 1.639 do Código Civil Brasileiro, qualquer dos regimes debens admitidos no Brasil.

Art. 11. Bens e Direitos Reais. Os bens imóveis e os direitos reais a eles relativos sãoqualificados e regidos pela lei do local de sua situação.

Parágrafo único. Os bens móveis são regidos pela lei do país com o qual tenham vínculos maisestreitos.

Art. 12. Obrigações contratuais. As obrigações contratuais são regidas pela lei escolhida pelaspartes. Essa escolha será expressa ou tácita, sendo alterável a qualquer tempo, respeitados osdireitos de terceiros.

§ 1º Caso não tenha havido escolha ou se a escolha for ineficaz, o contrato, assim como os atosjurídicos em geral, serão regidos pela lei do país com o qual mantenha os vínculos mais estreitos.

§ 2º Na hipótese do § 1º, se uma parte do contrato for separável do restante, e mantiver conexãomais estreita com a lei de outro país, poderá esta aplicar-se, a critério do Juiz, em caráterexcepcional.

§ 3º A forma dos atos e contratos rege-se pela lei do lugar de sua celebração, permitida a adoçãode outra forma aceita em direito.

§ 4º Os contratos realizados no exterior sobre bens situados no País, ou direitos a eles relativos,poderão ser efetuados na forma escolhida pelas partes, devendo ser registrados no Brasil de acordocom a legislação brasileira.

Art. 13. Obrigações por atos ilícitos. As obrigações resultantes de atos ilícitos serão regidaspela lei que com elas tenha vinculação mais estreita, seja a lei do local da prática do ato ou a dolocal onde se verificar o prejuízo, ou outra lei que for considerada mais próxima às partes ou ao atoilícito.

Art. 14. Herança. A sucessão por morte ou ausência é regida pela lei do país do domicílio dofalecido à data do óbito, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.

Parágrafo único. A sucessão de bens situados no Brasil será regulada pela lei brasileira embenefício do cônjuge4 ou dos filhos brasileiros, assim como dos herdeiros domiciliados no País,sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do falecido.

Seção IIAplicação do Direito Estrangeiro

Art. 15. Lei estrangeira. A lei estrangeira indicada pelo Direito Internacional Privado brasileiroserá aplicada de ofício; sua aplicação, prova e interpretação far-se-ão em conformidade com odireito estrangeiro.

Parágrafo único. O juiz poderá determinar à parte interessada que colabore na comprovação dotexto, da vigência e do sentido da lei estrangeira aplicável.

Art. 16. Reenvio. Se a lei estrangeira, indicada pelas regras de conexão da presente Lei,determinar a aplicação da lei brasileira, esta será aplicada.

§ 1º Se, porém, determinar a aplicação da lei de outro país, esta última prevalecerá caso tambémestabeleça sua competência.

§ 2º Se a lei do terceiro país não estabelecer sua competência, aplicar-se-á a lei estrangeira

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inicialmente indicada pelas regras de conexão da presente Lei.Art. 17. Qualificação. A qualificação destinada à determinação da lei aplicável será feita de

acordo com a lei brasileira.Art. 18. Fraude à lei. Não será aplicada a lei de um país cuja conexão resultar de vínculo

fraudulentamente estabelecido.Art. 19. Direitos adquiridos. Os direitos adquiridos na conformidade de sistema jurídico

estrangeiro serão reconhecidos no Brasil, com a ressalva decorrente dos artigos 17, 18 e 20.Art. 20. Ordem pública. As leis, atos públicos e privados, bem como as sentenças de outro país,

não terão eficácia no Brasil se forem contrários à ordem pública brasileira.

Seção IIIPessoas Jurídicas

Art. 21. Pessoas jurídicas. As pessoas jurídicas serão regidas pela lei do país em que se tiveremconstituído.

Parágrafo único. Para funcionar no Brasil, por meio de quaisquer estabelecimentos, as pessoasjurídicas estrangeiras deverão obter a autorização que se fizer necessária, ficando sujeitas à lei e aostribunais brasileiros.

Art. 21. Aquisição de imóveis por pessoas jurídicas de direito público estrangeiras ouinternacionais. As pessoas jurídicas de direito público, estrangeiras ou internacionais, bem como asentidades de qualquer natureza por elas constituídas ou dirigidas, não poderão adquirir no Brasilbens imóveis ou direitos reais a eles relativos.

§ 1º Com base no princípio da reciprocidade e mediante prévia e expressa concordância doGoverno brasileiro, podem os governos estrangeiros adquirir os prédios urbanos destinados àschancelarias de suas missões diplomáticas e repartições consulares de carreira, bem como osdestinados a residências oficiais de seus representantes diplomáticos e agentes consulares nascidades das respectivas sedes.

§ 2º As organizações internacionais intergovernamentais sediadas no Brasil ou nelerepresentadas, poderão adquirir, mediante prévia e expressa concordância do Governo brasileiro, osprédios destinados aos seus escritórios e às residências de seus representantes e funcionários nascidades das respectivas sedes, nos termos dos acordos pertinentes.

Seção IVDireito Processual e Cooperação Jurídica Internacional

Art. 23. Escolha de jurisdição. A escolha contratual de determinada jurisdição, nacional ouestrangeira, resultará em sua competência exclusiva.

Art. 24. Produção de provas. A prova dos fatos ocorridos no exterior é produzida emconformidade com a lei que regeu a sua forma.

§ 1º Não serão admitidas nos tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.§ 2º As provas colhidas no Brasil obedecerão à lei brasileira, admitindo-se a observância de

formalidades e procedimentos especiais adicionais a pedido da autoridade judiciária estrangeira,desde que compatíveis com a ordem pública brasileira.

Art. 25. Homologação de sentença estrangeira. As sentenças judiciais e atos com força desentença judicial, oriundos de país estrangeiro, poderão ser executados no Brasil, mediante

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homologação pelo Supremo Tribunal Federal, atendidos os seguintes requisitos:I – haverem sido proferidos por autoridade com competência internacional;II – citado o réu, lhe foi possibilitado o direito de defesa;III – tratando-se de sentença judicial ou equivalente, ter transitado em julgado nos termos da lei

local;IV – estarem revestidos das formalidades necessárias para serem executadas no país de origem;V – estarem traduzidos por intérprete público ou autorizado;VI – estarem autenticados pela autoridade consular brasileira.Art. 26. Medidas cautelares. Poderão ser concedidas, no foro brasileiro competente, medidas

cautelares visando a garantir a eficácia, no Brasil, de ações que venham a ser prolatadas em açõesjudiciais em curso em país estrangeiro.

Art. 27. Cooperação jurídica internacional. Serão atendidas as solicitações de autoridadesestrangeiras apresentadas por intermédio da autoridade central brasileira designada nos acordosinternacionais celebrados pelo País, que serão cumpridas nos termos da lei brasileira.

Art. 28. Cartas rogatórias. Na ausência de acordos de cooperação, serão atendidos os pedidosoriundos de Justiça estrangeira para citar, intimar ou colher provas no País, mediante carta rogatória,observadas as leis do Estado rogante quanto ao objeto das diligencias (sic), desde que nãoatentatórias a princípios fundamentais da lei brasileira. A carta rogatória, oficialmente traduzida,poderá ser apresentada diretamente ao STF para concessão do exequatur.

Parágrafo único. Qualquer requisição de documento ou informação, feita por autoridadeadministrativa ou judiciária estrangeira, dirigida a pessoa física ou jurídica residente, domiciliada ouestabelecida no País, deverá ser encaminhada via carta rogatória, sendo defeso à parte fornecê-ladiretamente, ressalvado o disposto no artigo anterior.

Art. 29. É revogado o Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.Art. 30. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Elementos de conexão na LINDB

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Disposiçãoda LINDB

Objeto de conexão(instituto jurídico) Elemento de conexão

Artigo 7º

Caput Personalidade, nome, capacidade e direitos defamília

Domicílio(lex domicilii)

§ 1º

– Impedimentos matrimoniais que impliquem nanulidade do casamento

– Aspectos formais da celebração docasamento

Local da celebração(lex loci celebrationes)

§ 3º Invalidade do casamento Primeiro domicílio conjugal

§ 4º Regime de bens Domicílio comum dos nubentes ou, se diversos, primeiro domicílioconjugal

Artigo 8º

Caput Bens Localização do bem(lex rei sitae)

§ 1º Bens móveis em estado de mobilidade Domicílio do proprietário

§ 2º Penhor Domicílio do possuidor

Artigo 9º

Caput Obrigações Local da constituição(lex loci celebrationes)

§ 1º Obrigações a serem executadas no Brasil Local da execução para forma essencial (pode usar lei estrangeirapara elementos extrínsecos ao ato)

§ 2º Contrato entre ausentes Local da celebração equivale ao domicílio do proponente

Artigo 10

Caput Sucessão Último domicílio do de cujus

§ 2º Capacidade para suceder Domicílio do herdeiro ou legatário

Artigo 11

Caput Pessoas Jurídicas Local da constituição

§ 1º Filiais, agências ou estabelecimentos no Brasil Local da atividade

1 Verificar o art. 2.035 do Código Civil.2 Verificar o art. 125 do Código Civil.3 Verificar os arts. 2.028, 2.029 e 2.030 do Código Civil.4 A proteção não atinge o convivente, como deveria, nos casos em que a lei pessoal do de cujus admita a união estável.