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S U M Á R I O Apresentação Seção I – Textos das conferências Produção contemporânea do conhecimento Francesco GOSTOLI A produção acadêmica na área de Exatas: um panorama recente e relações com a Educação C. A. M. de MELO Lugar das Humanidades na ideia de universidade crítica Paulo Denisar FRAGA Reflexo da ausência de uma formação crítica na escrita de alunos da graduação em Letras Sulemi FABIANO Seção II – Trabalhos completos 1. Ciências Humanas Onde está a criança e a infância? Estudos sobre o brincar, o brinquedo e a brinquedoteca: a presença/ausência da cultura lúdica infantil na produção acadêmica Tatiani Rabelo LAPA; Claudia PANIZZOLO A escrita da criança Mariana da Costa de SOUZA; Silmara de Fátima HIPÓLITO A Folia de Reis: cultura popular e educação Maria José Marcos de OLIVEIRA; Daniela Aparecida EUFRÁSIO; Geovânia Lúcia dos SANTOS Breve análise da formação de professores no século XX sob o olhar de Anísio Teixeira Regina Aparecida CORREA Sociologia do conhecimento na historiografia do Ensino Profissional Marcelo Rodrigues CONCEIÇÃO Literatura infantil clássica e formação do leitor Juliane Maria da COSTA; Daniela Aparecida EUFRÁSIO; Fernanda Vilhena Mafra BAZON O Serviço Social e a manutenção da sociedade de classes: uma análise dos Projetos Sociais de qualificação profissional para jovens Amanda EUFRÁSIO; Maria Beatriz Costa ABRAMIDES Revistas infantis do inicio do século XX: uma representação de Infância Marissa Rezende ANDRADE et al. Um estudo sobre a creche: caracterização das profissionais do município de Alfenas/MG Vanusa Correa LOURENÇO Agricultura familiar e pluriatividade nos bairros rurais Canta Galo e Barro Branco do Município de Areado/MG: análises preliminares Vanderléia Correa LOURENÇO; Ana Rute do VALE

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S U M Á R I O

Apresentação

Seção I – Textos das conferências

Produção contemporânea do conhecimentoFrancesco GOSTOLI

A produção acadêmica na área de Exatas: um panorama recente e relações com a Educação

C. A. M. de MELO

Lugar das Humanidades na ideia de universidade críticaPaulo Denisar FRAGA

Reflexo da ausência de uma formação crítica na escrita de alunos da graduação em LetrasSulemi FABIANO

Seção II – Trabalhos completos

1. Ciências Humanas

Onde está a criança e a infância? Estudos sobre o brincar, o brinquedo e a brinquedoteca:a presença/ausência da cultura lúdica infantil na produção acadêmica

Tatiani Rabelo LAPA; Claudia PANIZZOLO

A escrita da criançaMariana da Costa de SOUZA; Silmara de Fátima HIPÓLITO

A Folia de Reis: cultura popular e educaçãoMaria José Marcos de OLIVEIRA; Daniela Aparecida EUFRÁSIO; Geovânia Lúcia dos SANTOS

Breve análise da formação de professores no século XX sob o olhar de Anísio TeixeiraRegina Aparecida CORREA

Sociologia do conhecimento na historiografia do Ensino ProfissionalMarcelo Rodrigues CONCEIÇÃO

Literatura infantil clássica e formação do leitorJuliane Maria da COSTA; Daniela Aparecida EUFRÁSIO; Fernanda Vilhena Mafra BAZON

O Serviço Social e a manutenção da sociedade de classes: uma análise dos Projetos Sociais de qualificação profissional para jovens

Amanda EUFRÁSIO; Maria Beatriz Costa ABRAMIDES

Revistas infantis do inicio do século XX: uma representação de InfânciaMarissa Rezende ANDRADE et al.

Um estudo sobre a creche: caracterização das profissionais do município de Alfenas/MGVanusa Correa LOURENÇO

Agricultura familiar e pluriatividade nos bairros rurais Canta Galo e Barro Branco do Município de Areado/MG: análises preliminares

Vanderléia Correa LOURENÇO; Ana Rute do VALE

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Material didático adaptado para alunos com deficiência visual: estratégias de aprendizagemJosé Murilo Calixto VAZ et al.

A utilização de jogos didáticos como estratégia para a aprendizagem de Química Orgânica e sua adaptação para alunos com deficiência visual

Bruna da SILVA et al.

Edição e reedição de textos infantisCarla DAMAS; Simone Pereira NOGUEIRA

2. Ciências Exatas, Biológicas e da Saúde

Estabelecimento do diagnóstico clínico-citogenético de Síndrome Down e determinação da prevalência de anemia em crianças e adolescentes da APAE-Alfenas

Juliana Cristina GOMES et al.

Produção de biodiesel a partir da gordura presente no soro de leite: ensaios preliminaresBruno Eduardo S. MACENA et al.

Extrato aquoso das folhas de Plinia edulis apresenta alta citotoxicidade em células de adenocarcinoma mamário humano MCF-7

Ailton José da Silveira de CARVALHO et al.

Engenharia ambiental: perspectivas atuais e futurasGabriela CONSOLINI; Patrícia Neves MENDES; Sylma Carvalho MAESTRELLI

Estudo da obesidade e hipovitaminose A em crianças e adolescentes assistidos pela APAE de Alfenas-MGIsabela de Siqueira CARVALHO et al.

Análise espacial baseada em modelo do risco familiar no município de Alfenas-MGCintia Fonseca de SOUZA et al.

Germinação de sementes de palmeira triângulo submetidas a duas condições ambientaisStéphanie de Fátima PEREIRA; Marcelo POLO

Atividade antagônica in vitro de fungos endofíticos de manguezais a fungos fitopatogênicos Priscilla Oliveira AMARAL et al.

Estudo da ação citotóxica de complexos de paládio (II) para células de adenocarcinoma mamário humano Nathália Cristina CAMPANELLA et al.

Seção III – Resumos de comunicações

A construção do texto por crianças do 5º ano do Ensino FundamentalAna Paula; Maicon Fabio GARCIA

A resistência à leitura:o papel do professor na formação do leitor literário

Geane Cristine LEITE; Giovana Carine LEITE; Marcela Martins de OLIVEIRA

A vivência dos pais em uma Brinquedoteca HospitalarSamantha Rosa de PAULA et al.

Articulação entre formação universitária e prática de ensino em concursos públicosAdriana Santos BATISTA

Avaliação em saúde:O processo de trabalho na atenção primária de Alfenas sob a ótica do usuário

Lidiege Terra Souza GOMES; Miriam Monteiro de Castro GRACIANO

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Como o trabalho de consciência fonológicapode favorecer o processo de aquisição da escrita?

Ana Caroline de Brito EVANGELISTA; Carolina de Araújo Maia LOPES

De uma escrita responsável:efeitos das intervenções de um orientador

Suelen Gregatti da IGREJA

Educação léxico-gramatical e práticas de linguagemnos anos iniciais do Ensino Fundamenta

Ana Carolina Oliveira GOMES

Estudo da aplicação de argilas não plásticas da região de Poços de CaldasAna Gabriele Pereira NUNES et al.

Iniciação à docência de futuros pedagogos:a constituição do saber docente

Geane Cristine LEITE; Tatiana Vilela Alvarenga THIERS

O ensino e a Formação de Professores de Tétum no Timor LesteFrancisca Maria Soares dos REIS

O ensino de língua portuguesa constitui uma disciplina?Daniela A. EUFRÁSIO; Fabiana de OLIVEIRA; Pricila Oliveira SILVÉRIO

O que é o ato de ler para os mediadores de leitura?Adriana FERNANDES; Dulciene Silva OLIVEIRA

O trabalho com reconto de textos infantisPatrícia Abreu Cassette PAIVA; Patrik Raquel PEREIRA

Produção de etanol a partir da lactose presente no soro de leite:ensaios preliminares

Caroline da Costa GONÇALVES et al.

Professores alfabetizadores e o uso dos subsídios didáticosMaria Eliete Cassiano MOREIRA; Ana Cristina Gonçalves de Abreu SOUZA

Projeto “Rio Machado”:a interdisciplinaridade como campo de leitura e produção

Geane Cristine LEITE et al.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorUniversidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

Apresentação

Estes Anais compilam os debates e as pesquisas apresentados no decorrer do VII

Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior, realizado na Universidade Federal

de Alfenas – UNIFAL-MG – entre os dias 15 e 17 de setembro de 2010. Esta sétima edição

foi inovadora e desafiante. Inovadora porque, pela primeira vez, o evento ocorreu fora do

âmbito do Congresso de Leitura do Brasil – COLE, o qual o Seminário sobre Leitura e

Produção no Ensino Superior integra desde 1999. Quanto ao desafio que representou a

realização deste evento para a Comissão Organizadora, destaca-se a necessidade de agregar

áreas de produção do conhecimento muito distintas, sem ter focalizado, como nas edições

anteriores, áreas como Letras e Educação, que vêm assumindo, num processo crescente, o

objetivo de refletir sobre o que a universidade tem atualmente produzido enquanto

conhecimento.

O resultado desta empreitada encontra-se delineada nestes Anais. Neles estão algumas

das conferências proferidas no decorrer do Seminário, nas quais se poderá perceber o intuito

de pensar a produção acadêmica, tanto em âmbito nacional quanto internacional, e também os

pontos divergentes que tal proposta de reflexão propulsiona. Os resumos das comunicações e

os trabalhos completos que compõem o presente CD dão mostras dos temas, métodos e

resultados que têm orientado os trabalhos de pesquisadores e alunos de graduação e pós-

graduação. Este conjunto de textos parece interessante de ser analisado, se compreendido

como um breve panorama de quais são as investigações científicas que têm sido privilegiadas

na produção acadêmica e que relações de continuidade, ruptura e/ou transformação estão em

voga quando acompanhamos as produções científicas que estão ocorrendo da graduação à

pesquisa de professores universitários.

Cabe ressaltar que o Seminário contou também com a apresentação de trabalhos de

docentes do Ensino Básico e de licenciandos que estão em período de estágio, que divulgaram

os seus projetos e resultados de pesquisa na modalidade “comunicação oral”, os quais podem

ser lidos nestes Anais no formato de resumo e/ou texto completo. Sendo assim, quando

citamos a importância de que as produções científicas sejam analisadas nos seus diversos

níveis, fica subentendido que estas pesquisas não ocorrem, como se pode pensar num

primeiro momento, somente no espaço legitimado da universidade, pois, conforme se fortifica

o movimento de que a pesquisa ocorra em todos os níveis de ensino, as produções de caráter

investigativo ampliam-se e ultrapassam os limites dos muros universitários.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorUniversidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

A organização das várias edições do Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino

Superior centra-se exatamente na ideia de que a pesquisa deve estar presente em todos os

níveis de ensino e é em torno dela que o ideal de formação dos diversos profissionais pode

dar-se com excelência. Disso advém a importância da temática proposta pelo Seminário, haja

vista que, se a pesquisa é entendida como central para a formação em seus diversos níveis de

escolaridade, é importante que ela seja interrogada sobre a qualidade do que tem produzido e

oferecido. Esta não é uma tarefa fácil e a realização do VII Seminário, entremeada por

dificuldades e superações, procurou contribuir para os avanços nas discussões em torno desta

temática. No ano de 2011, o Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior

acontecerá na UNICAMP, durante o COLE, e em 2012, na Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, o que nos proporciona a certeza de que as discussões propostas pelo evento

já têm um caminho longo e profícuo a ser percorrido.

Por fim, agradecemos a todos aqueles que participaram do Seminário, como

palestrantes, comunicadores e ouvintes, e que o tornaram cenário de variados e importantes

debates. Desejamos compartilhar o sucesso da sétima edição do Seminário com todos aqueles

que colaboraram para a organização do evento: professores, alunos, técnicos e funcionários da

UNIFAL-MG. Nosso agradecimento especial a toda equipe de mídia e edição e ao Prof. Dr.

Fábio de Barros Silva, responsáveis pela organização destes Anais, que vêm fechar com chave

de ouro os trabalhos do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior.

Profª. Mª. Daniela Eufrásio

Profª. Drª. Fabiana de Oliveira

Retornar ao sumário

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção I: Conferências

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

Produção contemporânea do conhecimento*

Francesco GostoliUniversidade de Veneza

Há alguns meses recebi um e-mail convidando-me para esse seminário e nele estava escrito que o assunto a ser tratado era a produção contemporânea do conhecimento na Universidade. Como arquiteto, tratei do tema do ponto de vista da arquitetura. No e-mail, o tema vinha acompanhado de algumas perguntas, dentre as quais: o que se entende por produção contemporânea do conhecimento? Esta pergunta é o motivo pelo qual estou aqui. Considero-a estratégica para os tempos que estamos vivendo. O tema do vosso seminário propõe a relação entre o conhecimento adquirido e legitimado na Universidade e a produção de um conhecimento contemporâneo. Ou seja, propõe três questões cruciais: quais mudanças estão ocorrendo na comunidade dos homens que habitam o planeta? Qual instrumento é necessário elaborar para compreender tais mudanças e para estar incluído nesse meio? Que lugar é ocupado pelas Universidades nas mudanças que estão ocorrendo?

Essencialmente, vós estais dizendo que é necessário produzir instrumentos de conhecimento diferentes daqueles que utilizamos outrora, porque a sociedade mudou e está mudando continuamente. Estou de acordo com vós. Gostaria de acrescentar que a nossa mente deve ser capaz de capturar as novidades que estão acontecendo e não podem permanecer entrincheiradas em rotinas cotidianas. Em alguns campos, como no meu, estão acontecendo mudanças radicais. A partir de 2007, a maioria da população da terra tem habitado nas cidades e as migrações do campo para os centros urbanos continuam. Isso nunca havia acontecido na história da humanidade. Existem regiões urbanas com 120 milhões de habitantes (Hong Kong-Shenhzen-Guangzhou na China). O Fórum Urbano Mundial ocorrido em março passado no Rio de Janeiro terminou com uma frase de advertência para os governantes: o direito à cidade. Derrubando as cercas que dividem as zonas urbanas, é dado a todos a chance de viver na cidade dignamente. A cidade que não tem mais fim, com determinadas regiões urbanas no Japão nas quais se prevê que se alcancem os 60 milhões de habitantes, ou aqui no Brasil, os 43 milhões de habitantes previstos nas regiões do Rio de Janeiro e São Paulo. As expansões das cidades em curso não são controladas. É necessário inventar instrumentos adequados para salvaguardar o nosso habitat natural, para projetar novas cidades que tenham forma-limite para as expansões que não acabam mais, para construir novos edifícios, para compreender as novas características úteis às pessoas, para produção de novas utopias. Atenção, porém, não se parte do nada, deve-se considerar a história e a sua herança. A estrutura do homem é ainda aquela de quando subia sobre árvores, mesmo que a sua dimensão mental seja mais complexa em termos de eficácia.

Sou um arquiteto que desenvolve a sua atividade no meio da multidão e que considera a Universidade um laboratório de confronto cultural para o próprio trabalho. Irei lhes falar, portanto, como arquiteto e tentarei responder às vossas questões do meu ponto de vista, esperando trazer uma contribuição útil. Começamos por perguntar o que entendemos por produção do conhecimento. O adjetivo contemporâneo será usado sucessivamente.

Em que sentido podemos falar de produção do conhecimento?

* Texto traduzido do italiano pelos professores Dr. Marcos Roberto de Faria (ICHL/UNIFAL-MG) e Dr. Paulo César de Oliveira (DFIME/UFSJ).

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção I: Conferências

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

Um lápis é produzido, um automóvel é produzido, o vinho é produzido. O primeiro é um objeto sólido, pensado e construído para desenhar ou escrever. O segundo é um carro: um conjunto de peças montadas que formam um objeto mecânico feito para nos movermos mais rápido ou para transportar produtos. O terceiro é um líquido fornecido pela natureza e que me dá felicidade todas as vezes que o bebo.

O conhecimento é um objeto: tem o seu estado físico, ou seja, é um sólido, ou um líquido, ou um gás? Podemos considerá-lo um bem de consumo como um lápis, ou um carro, ou uma coca-cola?

Eu creio que em termos simples podemos dizer que cada um de nós pensa ou age de acordo com um conjunto de experiências que pertencem a nós ou que herdamos de outros. Experiências mais ou menos recentes, ou tão antigas que fazem parte do nosso DNA de seres humanos. Tais experiências constituem a base do nosso existir individual ou coletivo. Elas formam o ponto de partida para a compreensão de qualquer fenômeno que e são úteis. O conhecimento é, portanto, um processo mental e, ao mesmo tempo, um conjunto de ações coerentes que conduzem a resultados úteis que nos fazem viver melhor, como pessoas e como coletividade.

Ele não é um objeto. Não possui um tempo como os objetos, uma duração ligada à utilidade, nem possui um espaço como os objetos, na verdade não é mensurável com um metro. Não tem lugares específicos onde é produzido, nem se quebra, ou pode ser ajustado. Talvez é uma onda, ou um conjunto de ondas que cada indivíduo possui no cérebro e transmite aos outros indivíduos. Um trabalho contínuo do nosso existir no mundo físico ao qual pertencemos, onde presente e passado são co-presentes nas ações que fazemos, nas respostas que queremos obter, nos objetivos que queremos alcançar, nas coisas que queremos construir. Um trabalho contínuo baseado na relação constante entre aquilo que aconteceu e aquilo que está acontecendo, ou que prevemos possa acontecer num futuro imediato.

Gostaria agora de focar sobre duas características que considero específicas do ato de conhecer: Exatidão e Casualidade. Os significados que nós hoje damos a estes dois termos são diferentes daqueles que os mesmos termos tiveram no século passado. O sentido de Exatidão e Casualidade, deduzidos das descobertas do início do século XX, hoje se torna perturbador em relação ao contexto mundial determinado pela internet. Essa última se tornou acessível para as massas populares a um custo mais político do que real, através do computador. Uma “tabuleta” ligeira que qualquer um pode carregar consigo, em toda parte, e que possui um custo de material e de montagem irrisório, mas que possui um alto valor político-social. De fato, ele é a chave de acesso às informações que são produção de conhecimento e bens de consumo ao mesmo tempo, uma parcela importante das economias dos estados contemporâneos.

As pessoas que possuem um computador têm a possibilidade de se enriquecerem e do seu lugar podem produzir conhecimento. As pessoas que não o possuem são pobres, não têm possibilidade de escolha e o seu lugar está sujeito à decadência.

Retornemos à Exatidão e Casualidade. Considero que o novo significado destes dois termos seja determinado, sobretudo, pelos resultados do trabalho de três homens: Albert Eistein, Kurt Godel e Werner Heisemberg. Trabalhos tornados públicos na primeira metade do século XX: a teoria da relatividade restrita e alargada (Einstein) – 1905 e 1915 –, os teoremas de incompletude (Godel) – 1931 – e o princípio de indeterminação (Heisemberg) – 1927. Resultados de difícil compreensão, que colocam sob dura prova não somente a capacidade de seguir-lhe as formulações e as demonstrações, mas a própria intuição das suas afirmações a respeito das convicções consolidadas na nossa cultura. Resultados que se movem em medidas não apreciáveis pelo homem na sua vida cotidiana, mas que na realidade representam as linhas de fronteira do raciocínio contemporâneo, os instrumentos necessários para a compreensão dos fenômenos dos quais fazemos parte. Resultados que nos representam

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e que causam importantes impactos sobre nosso imaginário e sobre as coisas que estão à nossa frente. Eles vão além das disciplinas nas quais foram formuladas, a física e a matemática, possuem conteúdos gerais que incidem sobre a atitude desejável para a produção do conhecimento contemporâneo.

Por exemplo, a nível intuitivo, o espaço euclideano – juntamente com as relações geométricas que desde séculos foram a referência para o nosso conhecimento e construção dos espaços nos quais vivemos – possui rapidamente uma potente aceleração inovadora com a afirmação que na realidade nós vivemos em um espaço-tempo retorcido. Inevitavelmente, a atitude no confrontos do significado do espaço tornou-se mais complexa. Não por acaso falo de espaço-tempo como unidade de referência do lugar onde ocorrem os fenômenos.

Com relação a isso, gostaria de fazer uma observação. Geralmente, quando se fala de arquitetura, referimo-nos aos elementos que constróem um edifício: as pilastras ou as colunas, os muros ou as escadas, os pisos, as janelas, etc. Na realidade, a característica fundamental de uma arquitetura é o seu espaço; é o próprio espaço a primeira coisa que pensa um arquiteto quando projeta; o vazio do ar e da luz onde as pessoas vivem e desenvolvem as suas funções. Vazio que é dimensionado, isto é, controlado construtivamente, pelos elementos da construção que um arquiteto usa para edificá-lo, os quais, segundo suas medidas, dão dimensões aos espaços de um edificio. Medidas que constituem as referências necessárias para as pessoas usarem aqueles espaços e para vivermos no melhor modo possível. Quando, de consequência, falo de um espaço complexo, não me refiro a formas artificiais que podem assumir os particulares elementos construção, mas à complexidade das medidas e das relações que as medem.

O sentido do espaço-tempo retorcido que devemos a Einstein, como a relação entre energia e matéria, levam-nos a encontrar instrumentos mais adequados também em outros campos além da física, por exemplo, na arquitetura, solicitando-nos à pesquisa de espaços não redutíveis a geometrias bidimensionais, ou mesmo à investigação de sistemas estruturais contínuos que indagam o espaço e não mais somente distintos rigidamente em estruturas de fundação, telas centrais e teto, como acontece na grande parte de edifícios que se continua a construir. Pensem nas grandes diferenças que existem entre os projetos de dois aquitetos que consideram a pedra ou o cimento armado, o primerio como matéria inerte, o segundo como energia viva a plasmar.

Não é somente uma questão estética, nem estou falando de descobertas que atendem a uma disciplina apenas; são aspectos científicios que nos fazem compreender melhor as questões que a sociedade contemporânea apresenta.

Os teoremas de Godel demonstram que a coerência da aritmética não pode ser demonstrada a partir de raciocínio matemático representado no âmbito da própria aritimética. Douglas Hofstadter no seu livro Godel, Escher, Bach: an Golden Braid, para explicar o sentido da descoberta de Godel, usa o diálogo entre Aquiles e a sua amiga tartaruga que, falando de gramofones e discos, chega à conclusão que existirá sempre, todavia, um disco cuja música não poderá ser tocada daquele gramofone: não existe fonógrafo perfeito.

Em Godel, a complexidade rompe o raciocínio consequencial que parte de axiomas definitivos e atinge resultados absolutos para buscar outras verdades que estão em âmbitos diferentes em relação àqueles dos quais se partiu. Verdades nunca exaustivas mesmo se todas logicamente exatas. Pensem qual instrumento potente para nos fazer compreender as outras culturas, as outras realidades que a internet e os fenômenos migradores que se fizeram presentes na nossa socidade e, portanto, necessários ao nosso viver cotidiano.

Estou falando de sinergia das disciplinas, de interdisciplinariedade: uma caracterísitica da produção cultural contemporânea em oposição à especialização levantada que foi, ao contrário, a marca da cultura novecentesca.

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O princípio de indeterminação de Wernwe Heisemberg refere-se ao comportamento da matéria em escala atômica. Uma escala muito pequena. Imaginem se crescer como uma maçã. Dimensões que não nos pertencem intuitivamente. Mesmo neste caso, leva a inovação da afirmação que deve nos interessar.

Heisemberg sustentou e demonstrou que as leis da natureza, os nossos instrumentos para conhecer os fenômemos, conseguem ter coerência, ser eficazes, somente se aceitam a limitação que é impossível projetar um aparato instrumental que nos mostre como se movem os elétrons sem interferir nos seus movimentos. É impossível um aparato que compreenda e torne cada coisa visível. Como escreveu Richard Feyman, a teoria da mecânica quântica que usamos para descrever o comportamento da matéria depende “da exatidão do princípio de indeterminação”!!!

Podemos afirmar, portanto, que a exatidão contemporânea possui referências diferentes daquelas euclidianas, é incompleta e indeterminada. Em outras palavras, usa espaços curvos, as suas verdades encontram fundamento fora dele e isso que é determinado pode fazer-lhe parte. Pensem na desconfiança das civilizações do passado, mas também recente sobre o zero e o infinito.

Isto não significa que a exatidão contemporânea é genérica, mas complexa. Não indemonstrável, mas demonstrável; com o pacto de aceitar a pluralidade dos fatores que entram em jogo, que podem estar fora dela. É precisa se a considero mentalmente, no momento em que a examino, sem que a análise esgote o fenômeno que estou considerando. Se vejo um caminhão que entra em um túnel em alta velocidade, presuponho que ele continua a mover-se na mesma condição dentro do túnel mesmo se eu não vejo o seu movimento.

“O infinito” de Giacomo Leopardi, uma escrita lírica do poeta italino em 1819, interpreta bem a condição do homem contemporâneo em relação ao processo do conhecimento que lhe é próprio. “E esta margem, que de muitas partes/Do último horizonte o olhar exclui./Mas sentando e olhando/indeterminados espaços além daquela, e sobre humanos/Silêncios, e profundos silêncios/Eu no pensar finjo; onde por pouco/o coração não se encoraja.”

Não obstante a margem limitar a minha vista, eu imagino o mundo que está além, isto é, supero o obstáculo com a minha imaginação, com a minha fantasia.

No que se refere à causalidade, faço referências também ao princípio do axioma da desordem formulado por Richard Mises, segundo o qual, assim como nos jogos de azar, o requisito essencial para que uma sequência (por exemplo de números ou de objetos) possa definir-se casual, consiste na completa ausência de regras aplicadas com sucesso para melhorar as previsões acerca do próximo número. É verdade que “Deus não joga dados”, mas é também verdade que conhecemos muito pouco o universo no qual vivemos.

Considero que processo de conhecimento às vezes seja gerado por eventos completamente casuais sem por isso tornar menos brilhante o resultado.

Penso que o processo de conhecimento de cada um de nós seja um work in progress no qual a causalidade pode ser um fator importante. Como arquiteto, penso que o encontro físico casual entre as pessoas seja essencial para a troca de informações e à imprevisibilidade de seu desenvolvimento. Em consequência, considero que os espaços físicos usados para os encontros entre pessoas sejam de igual importância àqueles onde as pessoas desenvolvem as funções para a qual um edifício foi construído.

Eles representam os verdadeiros espaços contemporâneos ( as funções são álibes, mudam rapidamente, algumas são inventadas pelas pessoas no instante em que usam um edifício). Os espaços contemporâneos mudam de forma em relação ao tempo no qual as simples funções, precisas e divididas umas das outras, determinavam a forma dos edifícios e das cidades. A tomada de consciência coletiva, refletida ou intuitiva, dos significados de

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção I: Conferências

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

exatidão e casualidade e as redes onde se movem os fluxos das noções definem os instrumentos e o contexto da produção contemporânea da cultura.

Agora consideremos as Universidades. Elas foram, por sua história e vocação, lugares físicos de confronto das melhores inteligências, onde se desenvolveram teorias que têm modificado o nosso modo de viver. As Universidades não só foram os lugares de produção de grande parte da nossa cultura moderna, mas também os locais onde esta cultura foi transmitida. Locais de privilégio, onde ocorreu a formação de pessoas que tinham condições de frequentá-los, por terem tempo e dinheiro.

Creio que nestes anos está em jogo uma partida crucial sobre os processos de conhecimento e sobre os locais onde estes processos amadurecem e se difundem; isto é, sobre seu controle. Uma questão tão antiga quanto o homem: o controle da formação e difusão do saber. Prometeu roubou o fogo dos Deuses e os homens, que o possuíram, tinham em mãos o poder de decidir também pelos outros. Uma partida que sempre esteve em jogo, mas hoje possui números tais que a configuram sem precedentes, porque com a internet é o planeta que está em jogo: não uma cidade, uma região, um estado, ou um continente. Não uma única sociedade, mas a inteira comunidade humana: o conjunto de raças e culturas, até mesmo aquelas que não conhecemos. E ainda há mais: os instrumentos que organizam as informações não têm limities físicos, confins ou territórios delimitados. Nações e territórios historicamente em forte conflito podem construir um mesmo sistema de informações e tentar superar ali mesmo suas diferenças. É o que eu espero que esteja por acontecer entre Israelitas e Palestinos. Pensemos no recente confronto entre Google e o Estado Chinês, ou a Wikipedia, a enciclopédia livre, como se autodenomina. Enquanto eu estou escrevendo este texto, as mídias reportam sobre o acordo Google-Verizon que será levado ao conhecimento do Congresso dos Estados Unidos. De fato, na América é o Congresso que decide em matéria de informações. A neutralidade da rede sobre a qual se baseia a internet via cabo é colocada em discussão pelo acordo firmado pela internet wireless que, ao contrário, passará os custos para o usuário. Isto significa que o procedimento-internet se configura como uma infra-estrutura produtiva não mais a custo zero. Disso deverão se ocupar Governos e Universidades.

A democracia hoje significa que qualquer pessoa deve estar potencialmente em situação autônoma de ascender às noções básicas da cultura contemporânea, isto é, a uma cultura altamente sofisticada. Para fazer isto é necessário um meio, um computador com acesso à internet e um suporte suficiente. Computador e suporte representam a diferenciação entre o que está dentro ou o que está fora na sociedade moderna: entre aquele que pode ser rico e se tornará cada vez mais rico e o que é pobre e se tornará cada vez mais pobre. As regiões degradadas serão aquelas nas quais a população não possuirá computadores, isto é, tecnologia e suporte e, consequentemente, informações necessárias às normas planetárias. Aqui se encontra uma das formas de discriminação contemporânea.

O conhecimento e a capacidade de elaboração e de colocar em circulação as informações úteis são a riqueza da sociedade contemporânea. Não o petróleo, nem os motores, mas conhecimento e rede, unida ao ambiente, estão determinando os novos modelos de desenvolvimento da Humanidade. No modelo de desenvolvimento consumista do qual viemos, era democrático um país que consumia o mais rapidamente possível. Neste que estamos construindo, é democrático o país no qual será alto o nível de produção de informações úteis. Isto significa que qualquer pessoa pode ser um recurso para o seu país. Isto nunca havia acontecido na história dos povos.

Enquanto que no trajeto de uma pessoa curiosa em uma favela de São Paulo, por exemplo Heliópolis, poderei encontrar uma pessoa que me pergunta: “Quem é Michelângelo?”, por que não?! Um amigo de um bairro rico lhe deu um velho computador que funciona mal e ele começou a procurar e encontrou um nome estranho: Michelângelo. Eu não posso responder-lhe que Michelângelo foi um escultor, pintor e arquiteto do

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Renascimento italiano, porque aquela pessoa poderá não conhecer o renascimento italiano e eu não posso sustentar por isso que aquela é uma pessoa ignorante. Nem posso responder apelando para o uso da Arte perspectiva, o instrumento de representação espacial que os artistas renascentistas inventaram. Devo primeiro compreender os instrumentos da sua cultura, depois fazê-lo ver e narrar as obras feitas por Michelângelo. Pode ser que ele fará o mesmo comigo mostrando-me um mural que está à nossa frente. Ao fazer isso, eu e esta pessoa inventamos novos instrumentos de crítica figurativa que colocaremos em rede e que podem ser usados para o desenvolvimento de outros. Pode ser que consigamos o sucesso e também um pouco de dinheiro.

Pois bem, eu e aquela pessoa produzimos um instrumento da cultura contemporânea.A classe média que tem determinado a sociedade industrial revolucionando os meios

de produção e a própria produção com bens de consumo de curta duração para poderem ser produzidos em intervalos sempre mais breves, tem considerado a produção cultural como um acaso em relação à essência produtiva da fábrica. Ela tem desenvolvido a pesquisa cultural somente em sintonia com a sua lógica produtiva.

Nos séculos XIX e XX, é central a questão da energia como combustível para a produção e para o consumo social dos bens produzidos. Hoje a questão é diferente. O desenvolvimento é baseado sobre um equilíbrio sinérgico entre Energia, Ambiente, Informação. Isto está mudando a produção e a sociedade na qual vivemos. A produção cultural, em todos os setores tradicionais ou de novas invenções, casuais ou programadas, configuram-se como produção econômica estratégica. Uma produção interdisciplinar. Uma produção que, tendo como lugar necessário a rede, tende a desvincular-se de qualquer tentativa de condicionamento que limite seus resultados. Eis a primeira novidade.

A partida, neste momento, é jogada entre aqueles que defendem os privilégios adquiridos, fornecidos por um sistema inadequado – Energia – Máquina – Consumo rápido, e aqueles que possuem grande potencial em matéria de energia, ambiente e recursos para investir em tecnologia e informação. Esses, certamente, pretendem ser os interlocutores para delinear as estratégias futuras da sociedade que habitam o planeta.

Neste contexto, as Universidades, lugares históricos da produção e difusão do conhecimento, transformam-se em lugares de trocas culturais, de encontro casual entre informações e ideias que possam gerar resultados úteis à comunidade dos homens, lugares de elaborações e experimentações. Não mais lugares de hegemonia cultural localizados em uma área física sob sua proteção, como frequentemente ainda acontece. Esta, é a segunda novidade.

O computador não tem lugar, eu o coloco na bolsa, eu posso carregá-lo por toda parte, a ligação concreta com o lugar específico é representado por mim. O computador pode conectar-me com qualquer ponto ou pessoa do planeta no instante que eu quiser. Ele nos permite uma nova dimensão espaço-temporal. O esforço social, econômico, político destes tempos é colocar em rede as informações que são aquelas de fronteira do conhecimento. É um esforço que encontra resistência. Aqui está, eu creio, a linha que divide progressistas e conservadores. A Universidade pode ser a minha casa, a árvore de um campo, o barco no mar, o topo de uma montanha. Sou livre, com os meus teclados, dos condicionamentos do lugar. Livre para falar com qualquer um que aceita o diálogo, desde que ambos estejam equipados com tecnologia e suporte.

É esta liberdade que é adquirida pelas pessoas que produzem conhecimento, é esta liberdade que assusta aqueles que usam o conhecimento como ferramenta para a supremacia de uma cidade, de uma região, de um estado sobre outras cidades, regiões, estados.

As Universidades tornam-se lugares de trocas elevadas, onde a produção cultural pode ter múltiplas oportunidades.

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Em resumo, o meu esforço foi o de comunicar-lhes aquilo que vocês já sabiam: docentes, pesquisadores e estudantes continuam a desenvolver o seu trabalho de artesãos da cultura e do progresso científico dos povos, mas o fazem em um ambiente que muda radicalmente a natureza dos seus trabalhos. Os números de multiplicidade, a complexidade dos interesses, a autonomia da individualidade, o valor do próprio ambiente, a diversificação energética que deriva daí, a possibilidade de saber com facilidade o que está acontecendo no mundo sobre um tópico específico, aperfeiçoa o trabalho de produção cultural em relação aos resultados úteis.

Considero a arquitetura a arte de construir edifícios e espaços para a cidade das mulheres e dos homens. Ela nos faz compreender o grau de conhecimento científico aplicado às pessoas que habitaram ou habitam um cidade. Construir um edifício é vencer a força da gravidade. Usar com elegância o material mínimo necessário para uma construção significa vencer a força da gravidade com inteligência. As formas que admiramos e recordamos são formas inteligentes. Recordamos um lugar natural por uma árvore, por uma curva de um curso d’água, pela forma de uma colina ou por uma montanha. Recordamos uma cidade pelos seus edifícios, suas praças, suas ruas, sua forma.

Os edifícios representam a ordem e a verificação de qualquer projeto arquitetônico. Um projeto é apenas uma intenção espacial, a sua realização é a sua realidade. A produção do conhecimento arquitetônico é baseada nos edifícios: o espaço e as cidades dos homens para os homens.

As cidades são os laboratórios reais da arquitetura. Toda cidade, por mais modesta, é um fenômeno complexo que é necessário compreender o melhor possível quando se deve construir sobre seu território, ainda que seja uma simples casa.

No início de Shadow cities Robert Neuwirth, descrevendo a Rocinha no Rio de Janeiro, escreve: “(...) atravessei a rua princinpal, em São Conrado, o ritmo é sereno e lento. Chegar aqui, (...) no luxuoso shopping Fashion Mall, é como entrar em uma cidade-modelo de autônomos onde todos mostram uma idêntica ausência de paixões. Por outro lado... na Rocinha, a vida é exatamente o oposto. Centenas de pessoas se movem em todas as direções (...). Isto, para mim, foi a primeira revelação: que a comunidade extravagante era mais desorganizada que a comunidade localizada ao seu lado. Que ali existia mais vida”. Uma vida que está faltando em algumas partes da cidade que não tem fim. Regiões onde se faz somente turismo (os centros históricos europeus são mortos), ou se frequenta somente para consumir cultura, ou somente para fazer compras, ou nos bairros residenciais luxuosos e tranquilos, onde à noite se apaga a luz antes de ir para a cama. A cidade contemporânea é cidade de relações e seus habitantes dão forma e organização aos seus lugares. Nisto, Rocinha me lembra as cidades medievais da Europa, a sua forma dependia do lugar e dos habitantes que as construiam, organizavam-nas e habitavam-nas. Devemos recuperar o sentido da Rocinha – pedaço de cidade que possui as sementes da cidade contemporânea, mesmo sendo uma favela marginalizada – para subverter a lógica de partes urbanas esquematizadas como confinamentos, não integradas, utilizadas pela cidade sem limite dos nossos continentes.

Hoje as coisas são complicadas, na verdade pode acontecer a obrigação de construir casas para europeus e africanos no mesmo bairro. Sistematizar um bairro onde possam viver felizes europeus e africanos significa inventar novas formas urbanas, novos tipos de casas. Para fazer isso não é suficiente conhecer somente engenharia, ou somente design, ou somente composições das capacidades de um recipiente, ou somente urbanística.

Hoje também a guerra condiciona a cidade contemporânea. Eyal Weizman em Hollow land escreve: “A despeito de alguns milhares de soldados israelitas e centenas de guerrilheiros palestinos contemporaneamente levando avante manobras militares na cidade, eles se encontram imersos nas suas bases a tal ponto que da perspectiva aérea eram constantemente invisíveis. (...). Movendo-se entre os muros de suas casas, esta manobra transformou o espaço

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interno em espaço externo e os espaços privados em vias de trânsito. (...) Não foi tanto a geometria do espaço a governar o movimento, quanto o movimento mesmo a produzir o espaço ao seu redor. Este movimento tridimensional, atravessando o corpo da cidade – paredes, sótãos e pisos – reinterpretou, colocou em curto-circuito e recompôs a sintaxe e a arquitetura urbana”.

As disciplinas que no âmbito das Universidades ocidentais se tornam sempre mais especializadas com a finalidade de assumir interesses específicos e autônomos mostram a sua impotência. Eu acredito que quando se projeta um edifício, as disciplinas que elenco devem saber trabalhar sinergicamente. Como acontece em qualquer outro campo de pesquisa, as disciplinas singulares estão mudando as suas especificidades tradicionais, ou algumas desaparecem completamente, no processo de contaminação com outras.

As pessoas vivem bem na cidade onde os edifícios possuem espaços racionalizados com as medidas dos homens. Edificar uma casa que proporcione felicidade a um europeu ou a um africano significa pensar em uma casa e em uma cidade que até hoje não existe.

A pior coisa que podemos fazer contra nós mesmos é continuar a desperdiçar os recursos da natureza. Aqueles relacionados com o nosso Habitat. Nós estamos compreendendo, ainda que muito lentamente.

Conhecer é alargar os confins da nossa ignorância sem preconceitos. Um processo de aproximação com relação às certezas que mudam. A Natureza está sempre muito a frente de nós, mas estamos compreendendo alguma coisa a mais. Eis porque está em decadência a era do consumismo e do egoísmo.

Veneza, 25 de agosto de 2010.

Francesco Gostoli é doutor pela Università La Sapienza di Roma na cátedra de Ponti e Grandi Strutture. Foi professor de Progettazione Urbana no Instituto de Arquitetura de Veneza. Ensinou Caratteristiche Meccaniche dei Materiali no Centro Europeu de Formação para Artesãos; Architettura degli Interni e Esegesi degli Spazi Culturali na Universidade Cà Foscari de Veneza. Frequentou a Academia de Belas Artes de Roma e a Faculdade de Engenharia de Roma. Escreveu Le due Città (Arsenale Editrice); Spazi guida per la progettazione di un museo contemporaneo (Libreria Editrice Cafoscarina) e vários artigos em revistas especializadas. Dentre suas obras mais importantes estão: Casa Comune - Edifício residencial para anciãos com sala de leitura e cinema (Veneza); Nuova Urbanistica - Edifício residencial (Padova); La Nuova Biblioteca Bertoliana (Vicenza). Recentemente projetou para a Bienal de Veneza o Nuovo Ingresso del Padiglione Italiano e o interior da Biblioteca da Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade Cà Foscari em Veneza.

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A produção acadêmica na área de Exatas:um panorama recente e relações com a Educação*

C. A. M. de MeloUNIFAL-MG/Campus de Poços de Caldas

RESUMO: Apresentamos um panorama da situação da educação no Brasil e correlacionamos esse panorama com a produtividade acadêmica brasileira na área de exatas. Por fim, apresentamos um quadro em que novas metodologias aplicadas ao ensino superior e a integração entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão podem contribuir significativamente para a melhoria da produtividade acadêmica brasileira.

Introdução

A produção acadêmica na área de exatas no Brasil sempre foi uma das maiores dentre todas as áreas do conhecimento. Há várias razões para isto, mas as principais são históricas. A área das ciências exatas se desenvolveu, no Brasil e no mundo, com forte apoio militar, dadas as suas implicações tecnológicas que implicam não apenas em supremacia bélica mas também em soberania nacional. No Brasil, o próprio desenvolvimento das agências nacionais de apoio à pesquisa, como CAPES e CNPq tiveram forte influência dos cientistas das áreas de exatas em sua época.

Em termos contemporâneos, o governo tem estimulado fortemente o desenvolvimento das áreas tecnológicas, dado que somente a sua ampliação poderá tornar o desenvolvimento do país sustentável alongo prazo, tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico.

Atrelada à questão do crescimento da produtividade acadêmica na área de exatas está a questão da educação básica, em geral, e da educação científica em particular. Nosso intuito aqui é discutir como melhorias no ensino médio e fundamental poderiam contribuir, ainda que de maneira indireta, sobre a produtividade acadêmica no ensino superior. Para tanto, comecemos por discutir o que é “educação científica”.

Educação em ciências e educação científica

O termo "educação em ciências" pode significar muitas coisas, desde a difusão de conhecimentos gerais sobre a ciência e a tecnologia como fenômenos sociais e econômicos até a formação nos conteúdos específicos de determinadas disciplinas, passando pelo que se costuma denominar de "atitude" ou "método científico" de uma maneira geral; e desde a educação inicial até a educação superior de alto nível. Alguns autores buscam diferenciar, em inglês, science education de scientific education, reservando o primeiro termo para a formação geral sobre ciências e o segundo para a formação nas ciências específicas.**

Assim como o objetivo principal da educação física nas escolas não é formar atletas campeões, e sim difundir os valores da atividade em equipe e de mens sana in corpore sano para todas as pessoas, o objetivo principal da educação em ciências nas escolas não é a * Este texto foi apresentado em mesa redonda intitulada “A produção científica nas áreas de Exatas e de Saúde”, realizada no dia 16 de setembro de 2010, dentro da programação do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior.** Um outro uso do termo scientific education é o da educação cujos métodos e procedimentos são fundamentados em pesquisas científicas que testam a validade e eficácias das diferentes abordagens pedagógicas (evidence-based education), seja no ensino de ciências, seja no ensino de língua, matemática e outras disciplinas.

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formação de cientistas e pesquisadores, mas a difusão das atitudes e valores associados à postura indagativa e crítica própria das ciências. No entanto, é importante também identificar e formar talentos, tanto em uma atividade quando na outra, e neste sentido a experiência brasileira de formação de pesquisadores e cientistas de alto nível não é das melhores, embora tenha aparentemente progredido bastante.

A necessidade de introduzir ou melhorar a educação em ciências desde os primeiros anos da escola é hoje reconhecida inclusive nos países mais desenvolvidos, que vêem com preocupação o número reduzido de jovens que se orientam para as carreiras de natureza científica e tecnológica, assim como o pouco entendimento sobre a natureza e a importância do conhecimento científico mesmo entre pessoas formalmente mais educadas. Uma sucessão de documentos e iniciativas neste sentido tem sido produzida e empreendida pelas Academias de Ciência e instituições de pesquisa e educação desde o fim da década de 1950 em várias partes do mundo, desde o relatório do Comitê Consultivo de Ciências da Presidência dos Estados Unidos [1], elaborado a pedido do presidente Eisenhower após o advento do satélite Sputnik e o início da corrida espacial, até o recente documento da Comissão Rocard da União Européia [2], passando por Before it is Too Late, o relatório da Comissão Nacional sobre o Ensino de Matemática e de Ciências do ano 2000 [3], que foi redigido pelo senador e ex-astronauta John Glenn. A idéia de que a educação em ciências deveria ter como foco inicial o desenvolvimento de atitudes mais gerais de curiosidade, observação dos fatos e busca de relações causais, e não o ensino formal das disciplinas específicas, é mais recente, e seu início tem sido atribuído à iniciativa de Leon Lederman, Prêmio Nobel de Física de 1988, que depois se espalhou para outros países e levou ao envolvimento crescente das academias de ciência e sociedades científicas de vários países com o tema. Esta abordagem, conhecida nos Estados como hands on, foi levada posteriormente para a França através do projeto La Main à la Pâte, de onde veio para o Brasil com o nome de “Mão na Massa”.

A metodologia do La Main à la Pâte baseia-se em dez princípios, que começam com o estímulo à curiosidade infantil, a partir de uma indagação extraída do cotidiano das crianças, conduzindo ao questionamento científico, através da observação, pesquisa, formulação de hipóteses, testes e experiências, verificação, notação individual e coletiva, síntese e conclusões. Esta metodologia pretende articular a aprendizagem científica ao domínio da linguagem e à educação para a cidadania. O trabalho é desenvolvido por tema-desafio. Espera-se que com este percurso os alunos se apropriem dos conceitos científicos e das técnicas de investigação, consolidando sua expressão oral e escrita.

O projeto está bem documentado, com livros, artigos e informações disponíveis no site http://lamap.inrp.fr. Ao longo dos anos, uma equipe multidisciplinar, com professores, pedagogos, engenheiros, cientistas, estudantes de ciências entre outros, desenvolveu uma variedade de materiais, como instrumentos de acompanhamento e avaliação, módulos para uso em sala de aula, relatórios e artigos analíticos para fundamentação e continuidade da proposta.

Independentemente do método adotado, a educação em ciências deve ser parte fundamental da educação geral por pelo menos três razões principais. A primeira é a necessidade de começar a formar, desde cedo, aqueles que serão os futuros pesquisadores e cientistas, cujas vocações geralmente se estabelecem desde muito cedo. A segunda é fazer com que todos os cidadãos de uma sociedade moderna, independentemente de suas ocupações e interesses, entendam as implicações mais gerais, positivas e problemáticas, daquilo que hoje se denomina "sociedade do conhecimento", e que impacta a vida de todas as pessoas e países. Terceiro, fazer com que todas as pessoas adquiram os métodos e atitudes típicas das ciências modernas, caracterizadas pela curiosidade intelectual, dúvida metódica, observação dos fatos e busca de relações causais, que, desde Descartes, são reconhecidas como fazendo parte do desenvolvimento do espírito crítico e autonomia intelectual dos cidadãos.

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Educação: retrato do Brasil

Muito já foi escrito sobre o cenário da Educação no Brasil. Em lugar de repetir várias dessas análises e discussões, optaremos aqui por fazer um mero quadro comparativo, deixando ao leitor a incumbência de uma reflexão sobre o que estes dados refletem.

No entanto, para se fazer qualquer tipo de comparação, é necessários que os objetos da medição sejam comparáveis. Embora possível, é de pouca valia comparar o tamanho de uma formiga com o de um elefante. Assim, precisamos nos ater a países que sejam similares ao Brasil em ao menos alguns aspectos sócio-econômicos. Usualmente, compara-se o Brasil com os demais países do grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) tomados como similares, e à Coréia, geralmente tomada como modelo. Faremos aqui a opção de usar somente países de configuração sócio-econômica semelhante à nossa, trocando apenas a Índia pelo México, de modo a permitir também comparações com base na realidade geopolítica local.

Usando dados do INEP, podemos montar os seguintes quadros comparativos:

Taxa de analfabetismoBrasil China México Rússia12% 9% 8% 0,5%

Melhor do mundo: Canadá com 0% de analfabetos.

Média de anos de escolaridade da populaçãoBrasil China México Rússia5 anos 6 anos 7 anos 10 anos

Melhor do mundo: Estados Unidos, com 12 anos de escolaridade

Participação de mão-de-obra especializada na força de trabalhoBrasil China México Rússia

9% Não declara 14% 31%Melhor do mundo: Suécia, com 38% da força de trabalho especializada

Repetência no ensino fundamentalBrasil China México Rússia21% 0,3% 5% 0,8%

Melhor do mundo: Coréia, com 0,2% de repetência

Se nos focarmos apenas nas áreas de ensino diretamente relacionadas à área de exatas e utilizarmos dados do PISA [4], podemos formular ainda o seguinte quadro comparativo:

Qualidade do ensino de ciências e de matemáticaBrasil China México Rússia

2,9 4,2 3,0 5,1Melhor do mundo: Cingapura, com 6,5 pontos

Podemos agora nos perguntar se tais quadros desfavoráveis não seriam fruto do déficit de professores qualificados nas escolas brasileiras. Para analisar essa possibilidade, coletamos novamente dados do INEP sobre os cursos de licenciatura no Brasil e construímos a tabela a seguir:

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• Formação de professor de matérias específicas 3.418• Desenho 1• Estatística 2• Psicologia 2• Sociologia 5• Matérias pedagógicas 6• Educação religiosa 10• Estudos sociais 15• Ciências sociais 28• Língua/literatura estrangeira moderna 32• Língua/literatura vernácula e língua estrangeira moderna 39• Língua/literatura vernácula (português) 58• Filosofia 80• Física 139• Química 161• Ciências 193• Geografia 316• Biologia 384• História 468• Matemática 567• Letras 912

Se fizermos um comparativo por área do conhecimento, o resultado é o seguinte gráfico:

Podemos ver claramente que a quantidade relativa de cursos de licenciatura nas áreas de exatas é muito menor que nas áreas de humanas, porém o leitor deve levar em séria conta que é muito mais preocupante que o número total de cursos de licenciatura seja tão baixo. Mesmo a área com o maior número de cursos de formação de professores (Letras), possui apenas 912 cursos em todo o país. Apenas a título de comparação, há 3.207 cursos de Administração em todo o Brasil, o que é quase to total de cursos de formação de professores considerando-se todas as áreas do conhecimento juntas.

Portanto, vemos que o principal fator determinante da falta de professores qualificados no mercado de trabalho é, de fato, o reduzido número de cursos de licenciatura oferecidos no

Cursos de G raduação p/ Professores

História 14%

Matemática 17%

Língua/literatura vernácula e língua

estrangeira moderna 1%

Língua/literatura vernácula (português)

2%

Língua/literatura estrangeira moderna

1%

Matérias pedagógicas

0%

Ciências sociais 1%

Estudos sociais 0%

Educação religiosa 0%

Sociologia 0%

Psicologia 0%

Estatística 0%

Filosofia 2%

Física 4%

Química 5%

Biologia 11%

Geografia 9%

Ciências 6%

Letras 27%

Desenho 0%

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Brasil. Entretanto, é preciso levar-se em conta que mesmo dobrando o número de vagas nos cursos isso não dobraria o número de professores disponíveis no mercado. A razão para tanto é simples: a valorização do profissional. O professor é hoje uma das categorias profissionais com o menor salário-base do país. Assim, é natural que egressos de bons cursos de licenciatura e treinados em diferentes competências e habilidades além daquelas imediatamente relacionadas à sala de aula, acabem procurando colocação profissional distinta daquela que planejaram originalmente ao ingressar na universidade.

Caso o leitor não se sinta convencido, com estes simples argumentos, da desvalorização sofrida pelo profissional professor, podemos fazer uso novamente do artifício de fazer quadros comparativos. Desta vez, no entanto, optaremos por fazer comparações primordialmente com países modelo, de modo a destacar a distância que nos separa do quadro ideal, incluindo apenas um país semelhante ao Brasil para efeito de comparação local.

Os gráficos acima mostram que, mesmo quando comparados com um país de situação social similar (mas de situação econômica bem inferior), os gastos brasileiros com educação são bastante modestos.

Mudar o ensino superior para mudar a produção acadêmica

Falamos até aqui dos conceitos de educação em ciências e educação científica e dos problemas que acometem, principalmente, o ensino básico no Brasil. Agora, nos focamos em como essas informações podem ser usadas para melhorar o ensino superior e qual o impacto disto sobre a produção acadêmica na área de exatas. Apesar de produtividade acadêmica iniciar-se, tipicamente, a partir do nível da pós-graduação, acreditamos que a educação preliminar (fundamental, média e superior) tem um impacto profundo na formação dos futuros pesquisadores, sobretudo no que diz respeito à sua cultura científica.

Mudanças profundas estão acontecendo, fruto dos avanços tecnológicos e de empresas que enfrentam mercados globalizados e competitivos. Surgem também novas exigências em

ENSINO INFANTIL e m dólare s por aluno(1)

9302000 2600

7700

Brasil México Coréia EUA(1) Gasto anual por alunos na rede pública, de acordo com a paridade do

poder de compra em dólar Fonte: OCDE

ENSINO FUNDAMENTAL e m d ólar e s po r alun o(1)

870 16004000

8300

Brasil México Coréia EUA

ENSINO MÉDIO e m dólare s por aluno(1)

1100 19006400

9600

Brasil México Coréia EUA

(1) Gasto anual por alunos na rede pública, de acordo com a paridade do poder de compra em dólar Fonte: OCDE

ENSINO SUPERIOR e m dó lare s p or alu no(1)

100005700 7000

24000

Brasil México Coréia EUA(1) Gasto anual por alunos na rede pública, de acordo com a paridade do poder de

compra em dólar Fonte: OCDE

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relação ao desempenho dos profissionais: ter uma sólida formação geral e uma boa educação profissional.

Um dos maiores desafios da educação têm sido encontrar formas de aliar o ensino à tecnologia presente na sociedade e possibilitar vivências contextualizadas aos alunos para que o ensino seja significativo. Na era da informação e do conhecimento, com as tecnologias cada vez mais presentes nas atividades humanas, fazem-se necessárias pessoas capazes de utilizá-las de forma crítica e de criar novas soluções. Acreditamos que a extensão universitária pode ter um papel importante na formação de indivíduos com competências e habilidades para viver na sociedade atual, e que a educação é um campo fértil para o uso da tecnologia, tendo em vista a gama de possibilidades que apresenta, tornando a aprendizagem mais dinâmica e motivadora.

O sistema de ensino atual, como se verifica nos Parâmetros Curriculares Nacionais, inclui a tecnologia como aplicação imediata da ciência, não só para despertar o interesse do aluno como também para integrá-lo mais facilmente ao mundo real que o cerca, bem como lhe dar elementos para escolher sua profissão. A educação deve acompanhar o desenvolvimento das tecnologias, criticando e adaptando os conhecimentos às necessidades da produção, porém a educação técnico-profissional não deve permanecer a reboque do desenvolvimento tecnológico, mas procurar situar-se em posições de vanguarda, face às mudanças e transformações que acontecem no mundo. Essa é uma premissa básica dos novos cursos universitários propostos pela Universidade Nova e implementados pelo projeto REUNI.

Assim, vivemos hoje um momento histórico em que urge tirar de cena a idéia de um ensino meramente propedêutico, exigindo novas orientações teóricas e metodológicas, tanto no que tange os conteúdos específicos, quanto aos procedimentos didático-pedagógicos. Particularmente naqueles aspectos referentes ao ensino das Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias, novas competências e habilidades deverão ser desenvolvidas visando um desvelamento das implicações da Ciência e da Tecnologia nos modos de produção social, com conseqüências diretas nas modificações ambientais.

Com um currículo diversificado e rico em possibilidades, utilizando recursos que tornam a aprendizagem mais significativa e motivadora, os alunos estarão preparados para serem cidadãos do mundo, com domínio das tecnologias modernas, capazes de tomar decisões cada vez mais complexas e aprendendo a trabalhar em equipe. Assim, estarão preparados para os desafios de sua vida pessoal e profissional.

Acreditamos que essas mudanças, junto com uma atuação integrada entre ensino, pesquisa e extensão por parte dos docentes universitários, serão de importância primordial para uma mudança significativa no quadro atual da produtividade acadêmica brasileira, sobretudo no contexto das ciências exatas. Em primeiro lugar, porque com uma cultura científica mais bem consolidada será mais fácil para o estudante de pós-graduação encarar a produtividade acadêmica como conseqüência natural do seu trabalho na universidade. Em segundo lugar porque o amadurecimento dessa cultura científica lhe permitirá perceber mais facilmente que a produção acadêmica não se restringe aos artigos científicos, mas abrange às três áreas fundamentais que compõem o tripé fundamental da universidade: o ensino, a pesquisa, e a extensão. Tradicionalmente, a produtividade acadêmica é sempre associada à produção de conhecimento científico novo. Embora reconhecida como tal, a produtividade na área de ensino ainda é pouco valorizada. Tome-se como exemplo a dificuldade em se produzir um livro didático e a baixa pontuação atribuída a esta produção em todas as formas de avaliação aplicada ao docente universitário. Por fim, raramente reconhecida como tal, a produtividade acadêmica em extensão universitária é uma das que tem maior potencial para disseminar mudanças sociais significativas. Projetos de extensão em interface com a pesquisa têm o potencial de levar rapidamente à sociedade os benefícios das novas pesquisas

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desenvolvidas dentro da universidade; projetos de extensão em interface com o ensino têm o potencial de mudar a forma de se ensinar e de propagar boas práticas e novas metodologias de ensino, com forte impacto imediato sobre a qualidade de ensino nas escolas de nível fundamental e médio.

Acreditamos que o caminho para o aumento da produtividade acadêmica de qualidade passa, necessariamente, pela melhoria do ensino de ciências e da educação científica em todos os níveis e pela integração entre ensino, pesquisa e extensão no nível superior. Esperamos ter convencido o leitor da importância dessas inter-relações e que ele se julgue disposto a colocar essas novas idéias em prática.

Referências

[1] President's Science Advisory Committee. Education for the age of science. Washington, DC: The White House (1959).

[2] M. Rocard, P. Csermely, D. Jorde, D. Lenzen, H. Walwerg-Henriksson, e V. Hemmo. Science education now: A renewed pedagogy for the future of Europe. Report of the European Commission (2007).

[3] J. Glenn, Before It's Too Late: A Report to the Nation from the National Commission on Mathematics and Science Teaching for the 21st Century. Education Publications Center (2000).

[4] OECD. PISA 2006 Science Competencies for Tomorrow's World. Paris: Organisation for Economic Co-operation and Development (2007).

Cassius Anderson Miquele de Melo é bacharel em Física pela Universidade de São Paulo (USP), mestre, doutor e pós-doutor em Física pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, professor adjunto da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL-MG/Campus de Poços de Caldas e professor voluntário/colaborador da Unesp.

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Lugar das Humanidades na ideia de Universidade crítica*

Paulo Denisar FragaICHL/UNIFAL-MG

I. Hipótese norteadora e modo de exposição

Iniciemos por esclarecer sobre como pensamos poder tratar do tema desta mesa, “A responsabilidade da Universidade na formação do sujeito crítico”.

Parece óbvio que se deva responder com um sim à ideia de que a Universidade tem uma responsabilidade, inclusive especial, na formação do sujeito crítico. Embora seja necessário dizer que tal propriedade não é uma exclusividade da Universidade. Afinal, no mundo todo, foram os movimentos sociais progressistas que cumpriram grandemente essa função. Afinal, depois de Weber, Adorno e Foucault, não podemos mais ignorar o entrelaçamento entre o conhecimento e a dominação. E ao dizermos isso deixamos implícito que não devemos nos bastar a um conceito meramente técnico de senso crítico.

Isto posto, perguntemo-nos: seria a tarefa da formação do sujeito crítico na Universidade apenas uma obra de novos métodos e didáticas de ensino, ou um fazer meramente individual, ou mesmo de um certo coletivo de professores dados como metodológica e/ou conteudisticamente excelentes?

Pensamos que não! Reservado o respeito aos que se dedicam, com honesto interesse, ao estudo dos meios de viabilidade dessa questão nas disciplinas internas às várias áreas, nossa hipótese percorre perspectiva distinta, qual seja, a de que a efetivação de tal responsabilidade depende primeiramente da própria concepção de Universidade que tivermos. E mais, do papel que no interior dela possam cumprir as Humanidades, retomando essa questão mais ou menos sob a influência do que Wilhelm von Humboldt levantou no seu tempo, no projeto de criação da Universidade de Berlim.

Justificamos esse corte analítico pelo intuito de uma visão dialética e mais universal, bem representada numa passagem do livro de Marilena Chauí, Escritos sobre a universidade: devemos “tomar a questão do ensino não como técnica de transmissão de conhecimentos e de consumo passivo dos saberes, mas como parte constitutiva da aparição de sujeitos do conhecimento, de tal modo que o ensino e a instituição universitários sejam simultaneamente agentes e produtos da ação de conhecimento que engendra esse sujeito” (2001, p. 171).

Mas que lugar teriam ainda as Humanidades depois que Marcuse afirmou, já há mais de 40 anos, que a Ciência e a Técnica foram alçadas à condição de uma ideologia mascaradora da dominação?

Ou, mais presentemente, estaríamos numa era pós-industrial, em que também o papel interdisciplinar das Humanidades estaria perdido, como uma iguaria ingênua e inútil frente à fragmentação do mundo do trabalho e da cultura, ou frente àquilo que Fredric Jameson chamou de Pós-modernismo, lógica cultural do capitalismo tardio?

Vamos iniciar a resposta a essas questões de um modo não-sistemático, talvez meio benjaminiano, recorrendo a algumas imagens ou passagens tópicas que possam ilustrar com certa potência tanto a necessidade como a viabilidade da mediação reflexiva entre as Ciências Empíricas e as Humanidades, escovando, assim, a contrapelo das tendências acima, tal como Walter Benjamin recomendou ao materialismo crítico.

* Este texto foi apresentado em mesa redonda intitulada “A responsabilidade da universidade na formação do sujeito crítico”, realizada no dia 16 de setembro de 2010, dentro da programação do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino Superior.

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II. Passagens sobre Ciência e reflexão humanística

1. Considerando a observação de Sérgio Paulo Rouanet, em As razões do iluminismo, de que o setor industrial pode ter diminuído, mas que o complexo do sistema industrial se ampliou enormemente, podemos dar como legítima a lembrança de um texto de Franklin Leopoldo e Silva, intitulado “O papel das Humanidades no contexto tecnológico”.

Nesse texto, o autor se pergunta por que a crise da Universidade e do seu ensino pode ser vista, em grande medida, como perda da centralidade das Humanidades no processo da produção do conhecimento acadêmico?

Ao discuti-lo, observa que geralmente as Humanidades aparecem ao senso mais geral como algo de “arcaico”, ao passo que a Ciência insinua-se como algo “moderno”. Mas antes de criticar tal classificação, o autor procura compreendê-la como expressão razoavelmente natural decorrente dos modos de proceder na produção do conhecimento entre as Ciências mais técnicas e as Humanidades. Por exemplo, para desenvolver um novo software, o pesquisador não precisa recorrer a toda a história da informação eletrônica. Basta-lhe o conhecimento do software mais avançado que existe, para dali seguir adiante. Já para o tratamento fundamentado de temas como a liberdade ou a política, o pesquisador precisa recorrer aos clássicos, muitas vezes até aos gregos, que estão no começo do pensamento ocidental.

Leopoldo e Silva atribui a supremacia paradigmática da Ciência e da técnica nos parâmetros da produção do saber, ao papel civilizatório desempenhado historicamente pelo desenvolvimento científico desde a Renascença. Por outro lado, argumenta que a progressiva centralidade da tecnologia científica promoveu a perda da unidade reflexiva e interdisciplinar do saber e, portanto, o comprometimento da própria ideia da Universidade enquanto unidade da multiplicidade. Frente a isso, afirma que, se não é mais possível uma universalidade do saber como a que havia antes do Renascimento – ou nos tempos em que Pitágoras respondia que era um amigo da sabedoria (philos-sophos), para com isso representar a unidade de todo o conhecimento, o que a Filosofia expressou por séculos –, é preciso, em contrapartida, que as Humanidades retomem o seu lugar articulador do saber fragmentado para que a Universidade possa sustentar a sua própria razão de ser. E conclui que as Humanidades precisam se livrar de sua má-consciência do “arcaico” e assumir o que de autêntico existe nessa característica, pois o contato com a origem, com a totalidade perdida, é a condição para haver consciência histórica nas próprias Ciências, e representa a única possibilidade atual de uma universalidade crítico-reflexiva do conhecimento na Universidade.

2. Corrobora, neste sentido, a ilustração de Gaston Bachelard, em A poética do espaço, que se refere à metáfora da casa, do porão e do sótão, que o filósofo, matemático e físico teórico Gérard Fourez, em seu livro A construção das ciências, compara com o apartamento, segundo uma entrevista de Bachelard.

A leitura que Fourez faz dessa imagem é excelente. Contudo, vamos nos apropriar dela num sentido bastante livre aqui, relacionando-a a outras expressões igualmente muito significativas. A grosso modo, resumindo poderíamos considerar que o apartamento significa viver em um único plano, com uma única visada das coisas do mundo. Já a casa, o porão e o sótão permitem olhares múltiplos, a partir de planos diversos.

O sótão permite olhar as coisas de um outro ângulo, mais filosófico, poético, ou projetivo, para fora. De certo modo, aqui, poderíamos lembrar de uma cena altamente representativa do filme Sociedade dos poetas mortos, quando o professor, disposto a incentivar o senso crítico dos alunos numa escola de disciplina extremamente conservadora e autoritária, solicita a eles que subam em sua classe e olhem para o fundo da aula. Os alunos inicialmente receiam, temendo alguma punição. Já o porão permite o olhar em profundidade,

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mais introspectivo, dos fundamentos psicológicos ou sociais que condicionam as coisas, o que também é importante para o pensamento reflexivo. De certa forma, a figura do porão faz lembrar a fórmula de Humboldt, “solidão e liberdade”, que, como explica Volker Gerhardt, não significava necessariamente isolamento, mas autonomia do indivíduo para se retirar à sua interioridade como condição para a observação precisa e o juízo sóbrio.

Contudo, Bachelard observa que o problema reside em que muitas pessoas nunca vão ao sótão ou ao porão, vivendo num único plano, como num apartamento, sem a chance de ver as coisas de um ponto de vista novo e diferente. Fourez, por sua vez, lê o significado da metáfora bachelardiana associando-a às noções de “código restrito” e “código elaborado”, que retoma do sociólogo inglês Basil Bernstein. Na aplicação conceitual de Fourez, o código restrito é o código técnico da Ciência, assim como para Bernstein era o da linguagem ordinária, com fins práticos e partindo das mesmas pressuposições de base. Já o código elaborado é, para Fourez, o código reflexivo das Humanidades, partindo de pressuposições de base diferentes. O primeiro se preocupa em descrever o “como” das coisas; o segundo visa o seu “sentido” ou o seu “porquê”.

Por isso, diz Fourez, num universo de aproximação dialógica entre os dois códigos, “a noção que se tem da Ciência será ligada, graças a uma linguagem elaborada, a outros conceitos, tais como a felicidade dos humanos, o progresso, a verdade, etc. Essa linguagem elaborada – essa Filosofia da Ciência – permitirá uma interpretação daquilo que a linguagem restrita diz a respeito da Ciência”. Com isso o autor visa superar a ideia de que, “uma vez que se falou de cientificidade, não há nada mais a fazer senão se submeter a ela, sem dizer ou pensar mais nada a respeito” (1995, p. 21). Fica claro, portanto, o papel das Humanidades na autoreflexão científica, fazendo lembrar da afirmação de Merleau-Ponty de que a propriedade essencial da “verdadeira Filosofia é reaprender a ver o mundo”.

3. De fato, Aristóteles, na primeira frase de um dos livros mais importantes da história da humanidade, a Metafísica, escreveu que “todos os homens desejam naturalmente saber”. Mas a questão está em se a busca do conhecimento é algo preso a cadeias que impõem uma limitação objetivista na Ciência, ou se é algo aberto à condição crítica e autocrítica.

Isso nos faz lembrar que após a época determinista dos mitos, na qual a subjetividade humana não desempenhava papel algum por não haver espaço para o livre arbítrio, os primeiros filósofos, conhecidos como pensadores cosmológicos, ainda completamente impressionados pelo imenso poder da natureza frente à debilidade da ação humana, buscaram explicar as coisas gerais do mundo pelo ordenamento da natureza. Foi o período no qual teve lugar a famosa afirmação de Tales de Mileto de que “tudo é água”, e a teoria dos quatro elementos de Empédocles, para a qual o universo é formado por água, fogo, terra e ar.

Nessa tentativa de decifrar a arché ou o princípio ordenador do cosmos, destacaram-se, ainda, os filósofos atomistas, especialmente Demócrito, que defendeu a muito significativa e duradoura tese de que o átomo é o elemento último da matéria, indivisível e incorruptível.

Em sua tese de doutorado defendida na Universidade de Iena em 1841, intitulada Diferença das filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro, Karl Marx tratou do atomismo grego. E é muito interessante compreendermos por que ele preferiu defender a Epicuro frente a Demócrito, que era reconhecido como um dos fundadores do atomismo grego.

Simplificando bastante o assunto da tese, que é muito mais complexo do que o ponto que destacaremos aqui, a questão residiu em que Marx notou que em Demócrito os átomos caem em linha reta no vazio, repelindo-se por entrechoques, segundo uma lei sempre necessária, numa lógica restritiva que termina por afirmar o determinismo natural, ao passo que em Epicuro, seguindo Lucrécio, Marx destacou a teoria do clinamen, ou seja, de que os átomos caem também em diagonal, desviando-se espontaneamente da linha reta, abrindo espaço para o acaso e novas formas. E Marx entendeu que essa ideia, no plano da Física, abria o caminho para a liberdade, uma vez que ela favorecia, de modo equivalente, no plano moral,

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a autodeterminação da consciência frente aos ditames e apetites da natureza. Ademais, Epicuro excluía qualquer interferência divina sobre o movimento dos átomos, porque ele prezava o ideal da ataraxia, que significava que os deuses não devem perturbar a tranquilidade da autoconsciência humana.

Independente da origem da teoria da declinação dos átomos, importa notar que as objeções do jovem Marx à Física de Demócrito em favor da de Epicuro revelavam, já sobre a Ciência ou Filosofia da Natureza dos antigos, que não pode haver sujeito crítico se o processo do conhecimento não permitir abertura para que a ação reflexiva da subjetividade humana possa desabrochar.

4. Um exemplo emblemático da necessidade de uma Ciência com consciência não mais na palavra de um filósofo, mas na figura de um físico, é o que integra a biografia de Albert Einstein, o nome contemporâneo mais popular da história da Ciência.

Para entendermos do que se trata, convém fazermos um questionamento: se a Ciência se basta por si própria, por que Einstein, o maior cientista do século XX, se dedicou cada vez mais a assuntos polêmicos, situados mais no universo das Ciências Humanas do que no estrito da produção científica pura? Dentre outros, podemos lembrar, por exemplo, do seu livro Como vejo o mundo, dos seus textos em defesa da paz e mesmo do seu artigo em favor do socialismo.

Já antes da II Guerra, convidado para uma conferência em 1932, e para tentar compreender tal irracionalidade humana, Einstein escreveu a Freud, o fundador da Psicanálise, para saber dele, que era versado nos assuntos da “alma”, ou da psique humana, por que os homens fazem a guerra e de como poderiam se ver livres dela.

A resposta de Freud é extensa, numa parte pessimista e noutra otimista frente às possibilidades dos instintos ou pulsões humanos. Contudo, o sentido mais de fundo de sua carta deixa também uma questão a Einstein que, como observou Jurandir Freire Costa no seu livro Violência e psicanálise, sugere que talvez seria mais fácil, para se encontrar uma resposta promissora, que ao invés de se perguntar por que os homens fazem a guerra, se perguntasse por que eles deveriam desejar a paz.

Nisto, talvez possamos nos referir a algo que descreveremos como a “tragédia de Einstein”. Como visto, há mais de dois mil anos os gregos haviam determinado que o átomo era uno, indivisível e incorruptível. Contudo, com a descoberta da fissão nuclear (método de liberação de energia atômica) na Alemanha durante a II Guerra, confirmando a famosa fórmula de Einstein (E=mc²), que contradizia a indivisibilidade do átomo por afirmar que a energia de um corpo não é fixa isoladamente, mas variável e expansiva conforme o produto de sua massa vezes a velocidade da luz no vácuo, ele temeu severamente pela fabricação de armas atômicas pelos nazistas e concordou com colegas seus em assinar uma carta ao presidente norte-americano, Franklin Roosevelt, apoiando a aceleração de pesquisas nucleares com fins armamentistas, o que incentivou o desenvolvimento do Projeto Manhattan, no qual os EUA produziram a bomba atômica. Com o horror da destruição vista em Hiroshima e Nagasaki, Einstein arrependeu-se profundamente e passou a considerar esta a decisão mais equivocada de toda a sua vida. Isso o fez intensificar a sua atividade pacifista, muito embora suas outras iniciativas nesse sentido não tenham tido o mesmo efeito, pois se tornou impossível frear a corrida nuclear bélica. Ainda uma semana antes de sua morte, Einstein lutava contra isso, autorizando o filósofo Bertrand Russel a incluir o seu nome num Manifesto pela paz.

Essa questão um tanto dramática encerra uma lição muito importante para o aprendizado e a pesquisa em matéria de Ciência, qual seja, a de que o cientista pode ser, sim, o dono da sua descoberta, patenteá-la, receber fama e royalties por ela (e, na linguagem dominante de hoje, até colocar no Lattes...). Porém, a questão decisiva está naquilo que Einstein percebeu em sua própria experiência: que por mais notável, bem intencionado e

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influente que seja o cientista, ele não é dono nem controla o uso que se faz de suas pesquisas e descobertas. Sequer pode prevê-lo completamente. Afinal, isso não é decidido de forma “pura” nos laboratórios, mas sob a pesada influência do universo das relações políticas e econômicas. E é por isso que a Ciência precisa ser pensada também socialmente, e por pessoas que excedam o universo restrito dos técnicos e cientistas stricto sensu. Porque só assim a sociedade – e os próprios cientistas – poderão ter algum controle sobre o uso que se faz dela.

5. Um outro exemplo, ainda mais próximo de nós, em torno de uma subárea do conhecimento surgida na década de 1970, e também não propriamente do mundo filosófico, mas interna às Ciências Naturais, mais especificamente à Biologia, é o da Bioética. Ou seja, a Biologia que, após os impressionantes avanços da Genética, se candidata seriamente como a Ciência mais promissora do século XXI, chega à conclusão de que a análise empírica da vida, a dimensão do bios, precisa ser cotejada pela reflexão sobre os seus limites e finalidades morais, ou pela dimensão filosófica do ethos.

O fazer científico mais lúcido e autocrítico reabre-se para pensar a relação da Ciência com o Outro, seja esse Outro a natureza, seja o Outro a humanidade. Justamente esse Outro, que muitas vezes foi politicamente ignorado ou mesmo psicologicamente negado, mas ao qual a Psicanálise se refere como aquele suposto “estrangeiro” que, como o Absoluto de Hegel, está sempre junto a nos desafiar constantemente de um modo ou de outro.

Com efeito, Marx e Adorno advertiram a Modernidade de que a natureza é o corpo inorgânico do homem, o corpo não-contínuo, mas a outra metade do complexo do ser social-natural, que não pode ser eliminada sem que ela reaja sob a figura freudiana do retorno do recalcado, isto é, sob a forma de catástrofe ou violência. Embora por outros caminhos, é para o que Hans Jonas chamou a atenção em seu livro O princípio responsabilidade, deixando claro que a crise ambiental da civilização tecno-científica é também uma crise ética, na qual o homem deve se cuidar dos descaminhos do seu poder, para preservar não só o futuro do mundo, como também o seu próprio ser enquanto humano. Muito embora, devamos ressaltar a advertência que vem da teoria de Marx, segundo a qual a desconsideração do homem pela natureza não nasce de um problema primeira e exclusivamente moral, mas da alienação ou estranhamento na esfera do trabalho, onde o homem não se reconhece no que produz. À medida que o trabalho se torna sofrimento, e não realização humana, é evidente que a relação do homem com a natureza, que se dá primordialmente pelo trabalho, se torna também uma relação instrumental e não de reconhecimento e completude integradora.

No que respeita mais imediatamente ao Outro da humanidade, inclui-se também a crise ética da Universidade. Sobre isso, Marilena Chauí adverte que não se deve compactuar nem com o elitismo teoricista indiferente aos temas ditos menores e mais candentes da vida real, nem com a acriticidade de um praticismo irrefletido que transforma a Universidade em mera prestadora de serviços à comunidade, ou ao mercado, consagrando o que Francisco de Oliveira chamou de “universidade de resultados”. Ou seja, aquilo de que falou Jonas, o “princípio responsabilidade”, se aplica inteiramente à Universidade, que não pode fugir da sua sem comprometer o seu próprio conceito e sua justificativa histórica no mundo do saber.

O conjunto dessas passagens é o bastante para ilustrar que existem várias iniciativas que demonstram que não só é necessária, como é desejável e possível uma relação reflexiva entre as Humanidades e as Ciências Empíricas, de modo que possam representar uma mediação crítica produtiva no processo universal do conhecimento, numa dialética relação de respeito entre si, e de si com a cultura, com a natureza e com a sociedade que as constitui e sustenta. São caminhos de acionamento e abertura para a formação de uma subjetividade crítica no interior da produção do conhecimento acadêmico e científico.

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III. A relação entre Ciências e Humanidades no conceito histórico de Universidade moderna

Nesta parte, que trataremos mais brevemente, intencionamos sublinhar dois elementos do modelo humboldtiano de Universidade moderna: a unidade entre pesquisa e ensino e a articulação entre ensino, Ciência e Filosofia.

Wilhelm von Humboldt (1767-1835) era filósofo, linguista e diplomata, Ministro da Educação da então Prússia em 1809, quando escreveu o Memorando “Sobre a organização interna e externa dos Estabelecimentos Científicos Superiores em Berlim”, documento que norteou a origem da Universidade de Berlim, que no futuro receberia, em homenagem ao seu criador, o nome de Humboldt-Universität zu Berlim.

A concepção de Humboldt resultava fundamentalmente da influência histórica e cultural do Iluminismo, da política do liberalismo e da filosófica do idealismo alemão, sendo que suas ideias se nutriam da convivência com os grandes filósofos Hegel, Fichte, Schelling e Schleiermacher, além do linguista Christian Wolf e do jurista Karl von Savigny, e também do seu irmão mais novo, Alexander von Humboldt, que se dedicou às Ciências Naturais.

1. Para entender o valor e a originalidade da visão de Humboldt, e por que ela é reconhecida como o modelo por excelência de Universidade moderna, é necessário ter em mente, ainda que sumariamente, que naquele momento a Universidade vivia a maior crise de toda a sua história, pois a Igreja Católica, reagindo às novas teses nominalistas no terreno filosófico, às ideias protestantes no terreno religioso e à revolução galilaico-copernicana na Astronomia, acirrou o controle sobre as universidades, confinando-as ao ensino da doutrina escolástica católica, e excluindo de sua estrutura a investigação mais propriamente científica, que foi marginalizada para ser feita externamente, nas Academias.

Consequência disso, por ver a Universidade como um resquício medieval antimoderno, na França revolucionária Napoleão decretou o fechamento das universidades. E essa mesma discussão ocorria também na Alemanha, previamente à criação da Universidade de Berlim. Dialeticamente, do ponto de vista do espírito crítico, importa ver o aspecto positivo de que nessa crise já estava posta a ideia de que o ensino puro e simples, sem o concurso enriquecedor de condições para a liberdade de pesquisa, tornara-se coisa enfadonha aos olhos dos intelectuais e irrelevante para uma sociedade que emergia dos novos avanços industriais e do universo cultural emancipatório do Iluminismo.

2. O primeiro elemento a destacar, mais original e produtivo, que vai render um verdadeiro renascimento e revalorização à Universidade, instituição à época inteiramente desacreditada, foi, como observou Lorenz Puntel, da Universidade de Munique, o de “um profundo reposicionamento do conceito e da realidade da Ciência: na perspectiva humboldtiana a Ciência foi libertada das tradições científicas enciclopédicas e, ao invés, foi concebida e planejada na perspectiva da pesquisa (Forschung)” (2002, p. 210).

Nisto, diz Humboldt em seu Memorando: “na organização interna dos Estabelecimentos de Ensino Superior tudo repousa sobre a manutenção do princípio de que a Ciência há de ser considerada como algo ainda não de todo encontrado, e que nunca pode sê-lo, devendo ser buscada ininterruptamente como tal” (2008, p. 183).

Conceitualmente, Humboldt propõe a unidade indissociável entre ensino e pesquisa, a superação da concepção de ensino baseada na relação de transmissão de saberes entre mestre e discípulo, para tornar, assim, os alunos sujeitos ativos no processo do seu próprio aprendizado, vicejando, com isso, na dimensão da estrutura organizacional, a rearticulação entre a instituição Universidade e as Academias de ciências. A Modernidade superava, assim, a cisão entre a Universidade reduzida a um ensino doutrinal puramente escolástico, de um lado, e, de outro, as Academias, promotoras da pesquisa em Ciências à margem da Universidade.

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A aproximação entre Universidade e Academia passa, então, a encerrar princípios sobre a cooperação entre a Universidade e instituições externas a ela. Isso sinalizava, como frisou Volker Gerhardt, professor da Universidade de Berlim, a importantíssimo entendimento de que, “aos olhos de Humboldt, é um fato histórico que as universidades que se retraem em si mesmas podem, por um lado, esbaldar-se em tradições, mas perdem toda e qualquer significância para o presente e o futuro” (2002, p. 22).

Com a Universidade pensada em torno da pesquisa científica, a concepção de Humboldt ficou conhecida como indissociabilidade entre pesquisa e ensino. E, de fato, sua visão constituía uma concepção realmente original. Tanto que mesmo o livro The idea of a university, do cardeal inglês John Henry Newman, que muitos consideram a maior obra escrita sobre a Universidade, permanece ainda dentro dos limites da oposição entre ensino universitário e pesquisa acadêmica. De fato, só uma concepção predominantemente laica, iluminista, poderia refundar a ideia de Universidade liberando-a de sua visão e estrutura anacrônicas para os desenvolvimentos modernos.

3. O segundo elemento a observar foi a articulação que, em meio à concepção descrita, brotou entre ensino, Ciência e reflexão filosófica, onde a unidade da Ciência era concebida como devendo ser assegurada pela Filosofia. Neste sentido, é interessante notar que um ano antes do Memorando de Humboldt, Hegel publicava o seu famoso livro intitulado Fenomenologia do espírito. Nele desenvolvia a tese de que a Ciência deveria ser concebida como sistema, criticando a fragmentação dos saberes do particular como um “conglomerado de conhecimentos que levam o nome de Ciência sem o merecer” (1992, p. 21). Hegel considerava que por ser capaz de tratar as coisas de modo universal e relacionante, a Filosofia inscrevia-se como o único saber digno do nome de Ciência. Era um ponto de vista rico, que antecipava uma crítica à fragmentação positivista do saber antes dela ser formulada, mas hoje uma ideia de difícil assimilação, dadas as acomodações estereotipadas do saber.

Conforme assinalam Rüdiger vom Bruch e Lorenz Puntel, na sistemática de Humboldt, a Universidade articula a conexão entre a perspectiva do conceito de formação (Bildung), enquanto educação geral humanística, com a orientação presente na noção de Ausbildung, que descreve a educação mais técnica e especializada.

Ao comentar as ideias que confluíram para a tecitura do projeto berlinense, Jürgen Habermas observa que tais “reformadores atribuíam à Filosofia uma força unificadora com referência a três aspectos a que hoje chamaríamos tradição cultural, socialização e integração social. A ciência filosófica fundamental era, em primeiro lugar, de base enciclopédica e estava por isso em condições de assegurar a unidade na diversidade das disciplinas científicas, bem como a unidade da Ciência com a arte e a crítica, por um lado, e o Direito e a moral, por outro lado. A Filosofia apresentava-se como a forma de reflexão da cultura no seu todo” (1993, p. 116).

Ou, mais sinteticamente, como Habermas resumiu, a Universidade de Berlim fundava-se na interrelação dinâmica do seguinte complexo de “unidades”: “unidade de investigação e ensino, unidade de ciência e cultura geral, unidade de ciência e esclarecimento crítico (Aufklärung) e unidade das ciências” entre si (Ibid., p. 127).

Assim, a concepção humboldtiana, que se tornou paradigma da ideia de Universidade moderna, visa o desenvolvimento do espírito crítico individual através da Ciência. Ela prioriza a pesquisa e defende a Ciência. Mas ela alça a fundamentação da Ciência como fim em si mesmo ao nível de um viés crítico neohumanístico no qual o afazer científico aparece como requalificação do espírito humano como um todo. E não apenas como um saber especializado positivo.

Por fim, é importante ressaltar o quanto a concepção predominantemente filosófica, que norteou a criação da Universidade de Berlim, defendeu os direitos da Ciência e a incluiu no interior da estrutura universitária moderna. E a defendeu desde antes, no Renascimento,

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quando filósofos como Giordano Bruno foram perseguidos e até mortos por advogarem a liberdade de investigação e de pensamento, na época do nascente conhecimento experimental. Como disse Heidegger, a Ciência talvez nunca tivesse chegado onde chegou se não fosse historicamente precedida e defendida pela Filosofia. É muito importante dizer isso para que esta exposição seja bem entendida, pois não se trata de oposição ou pressuposição de superioridade entre Humanidades e Ciências Empíricas. Pelo contrário, trata-se de preconizar sua relação interdisciplinar, de sublinhar a sua riqueza no convívio dinâmico e integrado. Trata-se, por fim, de afirmar uma direção que distingue com força, como Humboldt distinguia, a natureza universalizadora do conhecimento na Universidade frente a natureza específica do ensino escolar técnico.

Humanidades e Ciências Empíricas só aparecem como duas estruturas estranhas entre si quando se ignora, por um lado, a sua relação histórica e, por outro, a importância fundamental que tem essa relação reflexiva para uma produção do conhecimento que não favoreça apenas os interesses privados da razão instrumental de mercado, mas que ofereça uma chance para a formação do sujeito crítico e autocrítico na universidade.

IV. Das contradições na cultura e da exigência do sujeito crítico

Retomando um ponto do início desta exposição, é verdade que as Humanidades também estão sob o fogo cruzado da contradição, sendo elas mesmas atingidas pelos ventos da corrente positivista, que de há muito vem sendo criticada, no terreno da epistemologia, pelas contribuições científicas e teóricas de autores como Einstein, Habermas, Pierre Duhem, Bachelard e mesmo Karl Popper. Na própria Filosofia, por exemplo, o neopositivismo analítico aferra-a a uma perspectiva conservadora, desprezando como desimportantes e até como não-filosóficas as instâncias da Filosofia que se interessam pelos temas sociais e políticos. Temas estes, diga-se de passagem, que marcam a História da Filosofia desde Sócrates.

À medida que a dialética entende a realidade como um processo histórico permeado por oposições e contradições, pode-se compreender, absolutamente sem nenhum sobressalto, a afirmação de Walter Benjamin segundo a qual a cultura e a barbárie convivem constantemente numa relação tensa e em algum grau interconexa, que não desabona, mas justamente aprofunda a indispensável necessidade da reiterada intervenção do pensamento crítico e emancipatório, que se desenvolve no ambiente tipicamente reflexivo das Humanidades, na produção cultural e nas lutas sociais externas, dos quais o olhar da Universidade nunca deve se alienar.

Acreditamos que podemos sintetizar o argumento sob o qual tentamos organizar as várias imagens que permearam esta exposição, numa paráfrase de Sérgio Paulo Rouanet, quando ele indica com clareza não só o lugar das Humanidades na formação do sujeito crítico na universidade, como deixa entrever o que significa a sua exclusão: o fato é que o não-lugar da Filosofia na Universidade é o não-lugar de um pensamento questionador e relacionante dos saberes entre si; o não-lugar da História é o não-lugar de um pensamento que vê o presente como fluxo e, portanto, como algo de transformável; o não-lugar da Literatura é o empobrecimento do imaginário, que não pode mais fantasiar um futuro diferente do presente (1987, p. 307).

Referências

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

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Paulo Denisar Fraga é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, mestre em Filosofia pela Universidade de Campinas – UNICAMP e professor assistente da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL-MG, na qual, atualmente, é diretor do Instituto de Ciências Humanas e Letras. Autor de diversos ensaios e organizador de obras relevantes da área de Ciências Humanas, principalmente no campo da Filosofia Contemporânea.

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Reflexo da ausência de uma formação crítica na escrita de alunos da graduação em Letras

Sulemi FabianoESSI/UFRN

1. Introdução

Este trabalho inscreve-se num movimento de reflexão sobre a produção de textos na universidade. Tal movimento, que tem no FALE (Fórum Acadêmico de Letras) e no Seminário de Leitura e Produção no Ensino Superior seu espaço de congregação de profissionais interessados no assunto, tem origem no ensino de graduação praticado por alguns professores universitários que entendem haver uma escrita específica a ser desenvolvida nesse nível de formação, resultante de pesquisa, e da construção de um perfil específico.

O movimento pela pesquisa na graduação construído no FALE criado pelos professores Valdir Barzotto e Claudia Riolfi defende outra concepção de graduação, na qual o aluno é inserido no processo de pesquisa, e, portanto, de escrita dessa pesquisa desde o primeiro ano. Em si, o movimento já nos leva a pensar sobre as escritas feitas hoje no curso de Letras e no que se poderia fazer para se obter uma escrita que atenda melhor ao papel da universidade como produtora de conhecimento e ao perfil específico deste profissional.

Esse olhar tem um longo percurso que nos acompanha desde a formação como aluna de graduação, depois de mestrado e também como professora de instituição de ensino superior, participando em programas de formação de professores, projetos de pesquisa, orientação de trabalhos monográficos, em eventos, discussões com pesquisadores da área. Ou seja, esta reflexão é resultado de nossa atuação de vários anos de pesquisa e de observação.

Ao olharmos para a universidade nos moldes como seu ensino é hoje estruturado, há certa inquietação frente ao tipo de alunos que estamos formando. A universidade oferece uma formação que se caracteriza por fatores que condizem com a modernidade, que conduz a construção da hegemonia, tendo por base a idéia de competitividade do mercado de trabalho.

Neste trabalho, temos como objetivos observar problemas de escrita que suscitam discussões acerca da ausência da pesquisa na formação do aluno de graduação em Letras e analisar o que Pêcheux (1975) define como concepções de discurso científico que não deveriam ser consideradas ao estabelecer a questão da produção do conhecimento em relação aos processos discursivos. Ou seja, procurar entender o que não deveria ser considerado como uma escrita resultante de um processo de formação crítica.

Tomamos como objeto de estudo relatórios produzidos por alunos concluintes da disciplina Estágio Supervisionado de Formação de Professores IV do curso de Letras, no período de 2009/2 a 2010/1 de uma instituição pública. Do corpus, apresentamos apenas recorte de um aluno em que consideramos ser relevante para a amostra da análise que propomos. No entanto, acreditamos que seja possível ampliar o alcance da reflexão que aqui empreendemos para outras áreas de conhecimento.

O texto está dividido em 03 partes. Na primeira, apresentamos algumas considerações sobre a constituição da universidade na Idade Média. Na segunda, uma abordagem sobre o modelo de universidade da modernidade – o Tratado de Bologna – e, na terceira, analisamos um excerto retirado de um relatório escrito por um aluno no final de graduação em Letras que

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serve como amostra de uma escrita, cuja base comprova a ausência de uma formação crítica e uma simplificação do que Pêcheux considera discurso científico.

2. A universidade medieval

Um estudo sobre a universidade na Idade Média nos faz entender que desde aquela época era prioridade a formação de homem do saber: aquele que fosse capaz de pensar racionalmente por meio da filosofia. Jaques Verger (1973) em sua obra As universidades na Idade Média aponta que o homem do saber tinha de ter posse de um tipo de cultura devido à certa idéia acerca da noção de cultura. Assim, ele era alguém que dominava o conhecimento e tinha um longo período de estudo.

Havia uma exigência para que alguém fosse considerado um homem do saber, tinha de dominar a língua latina e as bases filosóficas de Aristóteles. Naquela época, os poucos escritos eram publicados em latim e as traduções em língua vernácula não tinham reconhecimento no mundo dos intelectuais. Portanto, saber o latim era sinal de poder, prestígio e respeito. Os homens das letras, assim como eram conhecidos os eruditos na Idade Média, pertenciam ao grupo de pessoas do saber.

Le Goff (1957), em sua obra Os intelectuais na Idade Média, publica um estudo sobre o intelectual na Idade Média e critica que o intelectual tinha suas funções escolares quase que estritamente voltadas à Igreja, inclusive eram denominados como clérigos, sobretudo monges.

Feito esse breve percurso, ponderamos que, após os 40 anos da publicação da obra de Le Goff (1957), a concepção do mundo universitário medieval que nele se apresenta não se desgastou. Depreendemos ainda o modelo de universidade que se tinha nos séculos XII e XIII, há um resquício daquilo que foi definido como universidade e intelectual, atrelado à idéia de se prender a alguma normatização que impede a formação do sujeito crítico. Por um lado, temos hoje uma universidade não presa à Igreja, mas presa às questões políticas neoliberais, uma universidade que está mais a serviço da profissionalização do que do produzir conhecimento, uma universidade que perdeu sua autonomia frente à criação da figura do intelectual. Esse intelectual se define mais como um profissional com habilidades para preencher vagas no mercado de trabalho do que um profissional que tem seu tempo dedicado à docência e à pesquisa.

3. O modelo da universidade na modernidade

Outro modelo de universidade importante a ser considerado é o que surgiu no final da década de 90, o chamado Tratado de Bologna, o qual propõe um enxugamento nos prazos dos cursos e uma intensificação da profissionalização. Em termos práticos, tal acordo possui como metas a serem atingidas a homogeneização das titulações universitárias para que funcionem como engrenagens facilitadoras do reconhecimento mútuo entre os países integrantes da União Européia e a flexibilização de suas estruturas como mecanismo que viabilize sua adaptação às necessidades da sociedade e favoreça o intercâmbio entre os países que compõem este bloco.

De uma maneira bastante sintética, podemos dizer que a relevância do Tratado de Bologna se localiza no estabelecimento dos pilares para a construção de um Espaço de Ensino Superior ao qual se outorga o cumprimento de duas funções primordiais, a saber: o incremento das oportunidades de emprego e a transformação do sistema de formação superior em um chamariz que venha atrair tanto estudantes quanto professores, acelerando assim o processo de globalização, ao mesmo tempo em que eleva o próprio conceito do sistema universitário.

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Diante dessa explanação, podem-se extrair pelo menos dois reflexos presentes nas instituições de ensino superior. O primeiro reflexo é a mercantilização do ensino, a comparação da universidade com o supermercado, onde se vendem produtos prontos e não se “fabrica” o conhecimento.

Chauí (2001) descreve essa comparação entre a universidade com o supermercado. Segundo a autora, no supermercado não há fabricação, criação, transformação, lá os produtos são colados em prateleiras para serem escolhidos e vendidos, muitos nem imaginam quais são os processos pelos quais passaram o produto para chegar até às prateleiras do supermercado. Os consumidores compram e os consomem sem se preocuparem com a fabricação. Analogamente, isso, na universidade, é equivalente aos alunos que só querem ser aprovados no final do curso e adquirir um diploma, uma autorização de uma instituição que lhe certifique uma formação universitária, embora essa formação seja altamente questionável.

O segundo reflexo do Tratado de Bologna é a perpetuação de aulas na universidade em que a pesquisa se apresenta distante do contexto de sala de aula, sendo que ela é uma prática que deveria ser intrinsecamente imbricada ao ensino de graduação.

4. Discurso científico sob a ótica de Pêcheux

Pêcheux (1975) em sua obra Semântica e discurso faz uma crítica à filosofia idealista da linguagem ao conceber o homem, o sujeito, como produtor do conhecimento, isso é, o idealismo cuja base é o “evidente”, a “verdade” e não considera os aspectos ideológicos.

As bases que reconstituem a sustentação do discurso têm de desconsiderar a concepção exclusiva de uma neutralidade entre a lógica e a lingüística, pois há uma descontinuidade entre ciências/ideologias ao remeter-se ao desconhecido e caracterizar o discurso científico.

O caráter material do sentido é mascarado pela transparência da linguagem como se as coisas tivessem de ser ditas daquela forma e não de outra. A primeira impressão é a literalidade do significante. Mas não há transparência pela linguagem, pois há uma determinação ideológica que está em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras foram reproduzidas.

Apoiando-nos nessas propostas podemos afirmar que a universidade reproduz um conhecimento, conforme está estruturada. Quando nos referimos à universidade não estamos falando nos sujeitos empíricos que compõem o corpo docente, discente, diretores, e sim da posição que cada um assume frente a uma dada formação ideológica pré-estabelecida. Por exemplo, não há como exigir das produções textuais analisadas uma transformação, se a própria instituição não ocupa um lugar ideológico de formadora.

Não se poderia também pensar que a produção de um conhecimento científico estaria vinculada ao pensamento da inovação das mentalidades, da criação de imaginação humana ou do desarranjo dos hábitos do pensamento. O conhecimento científico se dá por meio do efeito e é parte de um processo histórico determinado pela produção econômica.

5. Reflexo da ausência de uma formação crítica na escrita de alunos da graduação em Letras

O excerto analisado é parte de um relatório final da disciplina Estágio Supervisionado de Formação de Professores IV do curso de Letras de uma dada instituição pública. O texto foi dividido em 06 (seis itens) e vários subitens, num total de 10 páginas. Desses, selecionamos os itens 04 (a parte da problemática) e 06 (a parte da conclusão) para analisar. Salientamos que os itens foram copiados na mesma extensão que o aluno escreveu, ou seja,

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não há nada escrito antes ou depois dos parágrafos que foram transcritos para fins de análise. Elegemos esses trechos para mostrar a relação do sujeito com o conhecimento no final de um curso de graduação. Temos como objetivo ilustrar como é possível, pela materialidade textual, mostrar como o aluno não assume uma posição frente à sua formação.

Apresento, pois, o excerto a ser analisado:

Aluno Concluinte (AC)

4. PROBLEMÁTICA

1 Percebi que as metodologias de ensino dos professores da rede pública 2 estão “enraizadas” através de conceitos ultrapassados. 3 Segundo Deleuze: “Não podemos ficar parados com conceitos antigos sem 4 dinamizar...”. Esta seria a proposta para que haja uma progressão na 5 educação: Desterritorializar conceitos arcaicos para depois 6 reterritorializá-los no campo da educação com a finalidade de incentivar 7 a criação, incitar, abrir possibilidades de uma nova forma de 8 conhecimento aos alunos da rede pública. Infelizmente, o curto período 9 de tempo das regências e alguns obstáculos impediram um melhor 10 desempenho desse conceito de Deleuze. Mesmo assim, foi muito 11 gratificante a experiência adquirida durante o estágio. (grifos nossos) 6. CONCLUSÃO

1 O curso de Letras foi extremamente importante para minha vida 2 “profissional” e particular, pois proporcionou uma maneira peculiar de 3 ver o mundo, criticando-o construtivamente, pois os ensinamentos que 4 obtive na vida acadêmica, mais especificamente com o curso de Letras, 5 qualificaram-me para isso. Conceitos, diretrizes, orientações de diversos 6 livros, apostilas e professores desta imponente instituição “X”, 7 possibilitou a transição de uma nova etapa da minha vida que abrirá 8 caminhos para vários sucessos profissionais e familiares. (grifos nossos)

5.1 Leitura dos trechos destacados para mostrar a posição do aluno frente à sua formação

Uma análise dos dois excertos destacados, mostra-nos que o aluno apresenta:

A) marcas textuais que denunciam o sujeito como controle do saber e da realidade: - percebi (linha 1 problemática)- minha vida (linhas 1, 7, 8 conclusão)- qualificaram-me (linha 5 conclusão)- obtive (linha 4 conclusão)

B) uso de diferentes adjetivos para dizer o mesmo:- conceitos ultrapassados, conceitos antigos, conceitos arcaicos (linhas 2, 3, 5 problemática)

C) uso de modalizadores para apresentar o nome de autor - segundo Deleuze (linha 1 problemática)

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D) pensar que um único indivíduo transformará a questão do ensino da rede pública por meio da aplicação de um conceito de Deleuze:- Desterritorializar conceitos arcaicos para depois reterritorializá-los no campo da educação com a finalidade de incentivar a criação, incitar, abrir possibilidades de uma nova forma de conhecimento aos alunos da rede pública. (linhas 5, 6, 7, 8 da problemática)

E) controle do conhecimento, da evidência:-infelizmente, o curto período de tempo das regências e alguns obstáculos impediram um melhor desempenho desse conceito de Deleuze. (linhas 8, 9, 10 problemática)

F) modos abstratos de ver o conhecimento, superficialidade e falta de definição do saber adquirido durante o curso de graduação: - os ensinamentos que obtive na vida acadêmica (linha 4 conclusão) - conceitos, diretrizes, orientações de diversos livros, apostilas e professores desta imponente instituição X (linhas 5, 6)- vários sucessos profissionais e familiares (linha 9 e 10 conclusão) Aqui poderia escrever um parágrafo que fosse resumindo e destacando como esses elementos te fazem dizer qual é a posição do aluno frente à sua formação e qual posição é essa.

5.2 Reflexos da ausência de uma formação crítica na escrita

a) concepção de que há um controle da produção do conhecimento e transformação da realidade por parte do indivíduo;

b) concepção de que o sujeito como indivíduo que produz o conhecimento científico;

c) concepção idealista em pensar que não são os homens em sociedade e na história que produzem os conhecimentos científicos.

6. Possíveis considerações

Pensar na apropriação de um conhecimento no âmbito da graduação é pensar numa grande mudança, numa revolução, porque a universidade primeiramente deveria se desvincular da posição empirista a qual seu ensino está pautado.

A prática da pesquisa como sustentação da apropriação do conhecimento se aplica numa postura em que o professor não assumiria frente aos alunos um ensino que fosse por métodos fechados, com práticas de leituras engessadas e utilização somente de material apostilado. Compreendemos que o modo como a universidade se organiza forma alunos totalmente submissos a determinadas formações ideológicas.

Nisso avaliamos que diante de uma teoria do discurso não há como manter a “evidência” do homem sujeito como produtor do conhecimento. Há a necessidade de a universidade investir numa formação em que o aluno não somente reproduza um conhecimento mecanizado e reproduzido em sala de aula. Os alunos precisam ser afetados pelos discursos que sustentam sua formação e têm de se reconhecerem como sujeitos do discurso e daquilo que eles produzem.

Todos esses fatores contribuem para questionarmos que tipo de cientificidade que a universidade hoje oferece aos alunos, ou mesmo, o que pode ser considerado ciência nos cursos de Letras, aqui entendida como produção de conhecimento.

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Diante do exposto consideramos que os textos produzidos na graduação mostram-se malsucedidos no ponto de vista da apropriação do conhecimento e isso é conseqüência direta de uma ausência de pesquisa. Defendemos que a inserção de uma efetiva prática da pesquisa na sala de aula sustentaria a apropriação de um conhecimento na produção textual e não um ensino cuja prática é sustentada pela repetição.

Referências

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Sulemi Fabiano é graduada em Letras pela Universidade Estadual de Mato Grosso - UNEMAT, mestre e doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP, professora adjunta do Departamento de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, membro do Grupo de Estudos e Pesquisa “Produção escrita e Psicanálise” – GEPPEP/USP e líder do Grupo de Pesquisa “Escrita e Singularidade” – ESSI/UFRN.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção II: Trabalhos completos

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

Onde está a criança e a infância? Estudos sobre o brincar, o brinquedo e a brinquedoteca: a presença/ausência da cultura lúdica infantil

na produção acadêmica

Tatiani Rabelo Lapa Santos Claudia Panizzolo

RESUMO: Embora europeus e norte-americanos há muito estejam investigando a história da infância e venham desenvolvendo estudos de Sociologia da infância, no Brasil, estudos equivalentes datam de período bastante recente. Com isso, e apesar do crescimento da produção em Sociologia da infância, há indícios de que ainda predominam entre nós as abordagens biopsicológicas e psicopedagógicas quer sobre a infância quer sobre a criança e a temática afim relativa ao brincar. Esta pesquisa visa verificar o estado do conhecimento sobre a infância no Brasil, no período entre 1991 e 2009.

Palavras-chave: Criança; Infância; Brincar.

Introdução

Historiadores norte-americanos e europeus há muito vêm investigando a história da infância; ao contrário, é recente a manifestação de interesse de historiadores brasileiros por essa modalidade de estudo, cujo foco recai quase que exclusivamente na infância* (ver, dentre outros, WARDE, 2007; PANIZZOLO, 2009; GOUVEA, 2008, 2003; KUHLMANN, 1998).

Até aproximadamente 1970, criança e infância foram temas de estudos e pesquisas basicamente da área da Psicologia e da Educação; nesse caso, predominantemente referidos às situações formais de aprendizagem, de desenvolvimento cognitivo ou, em termos mais gerais, às idades de escolarização. Qualquer que fosse o tópico em questão, o recurso à Psicologia sempre se fez presente e de modo explícito.

Desde fins da década de 1980, no Brasil, verifica-se tendência crescente de títulos relativos à infância inscritos no âmbito da História e, de modo bastante especial, da História da Educação. Nessa faixa da produção acadêmica é exatamente a infância, e não a criança, o tema de interesse. (ver, entre outros, DEL PRIORE, 1992, 1999; RIZZINI, 1993, 2000).

Há pouco mais de uma década verifica-se a crescente expansão de pesquisas em Sociologia da infância, área que se encontra em franco desenvolvimento e expansão. Os debates contemporâneos nesse campo têm tratado a infância como um agrupamento com estatuto social diferenciado em contraposição a uma agregação de seres abstratos, a-históricos e homogêneos.

Nesse sentido, a Sociologia da infância se propõe a pesquisar e compreender a infância, retirando-as das perspectivas dominantes, quer biologistas, que a restringem a um estado intermediário de desenvolvimento e maturação humano, quer psicologizantes, que via de regra analisam e interpretam as crianças como indivíduos que se desenvolvem de maneira bastante independente, tanto das condições concretas de existência social quanto das imagens historicamente construídas sobre e para eles.

* As informações aqui apresentadas estão pautadas em levantamento efetuado em outubro de 2009 nas bases de dados: CNPq-Lattes; CNPq-Grupos de pesquisa; Bibliografia-história da criança no Brasil.

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A Sociologia da infância pretende, portanto, tomar as crianças como objeto de investigação sociológica considerando a infância como uma construção social que se transforma ao longo do tempo e nos diferentes espaços, sendo lícito afirmar que existem, portanto, várias e distintas infâncias.

Nessa direção, a presente proposta de pesquisa visa investigar como a produção acadêmica tem se pronunciado sobre o brincar, o brinquedo e a brinquedoteca, temáticas essas que atravessam o campo da infância, especialmente da Sociologia da infância, elegendo para objeto de revisão bibliográfica os artigos publicados, entre 1991 e 2009, nas revistas: Cadernos de Pesquisa, Educação & Sociedade e Perspectiva.

A definição do período e dos periódicos a serem examinados apóia-se em razões de diversa natureza. Em primeiro lugar, a definição do período está diretamente relacionada ao incremento dos estudos sociológicos da infância, cujo marco foi à publicação do conjunto de relatórios sobre a situação da infância, no âmbito do Projeto Infância como um fenômeno social, coordenado por Jans Qvortrup em 1991, tendo na sua seqüência provocado um significativo interesse acadêmico, expresso na criação de revistas científicas, publicação de artigos, incremento de eventos científicos e projetos de investigação. Em segundo lugar, a seleção dos periódicos deveu-se a presença constante de artigos referentes a esta temática impressa nas suas páginas.

Para investigar a produção acadêmica acerca da cultura infantil, sobretudo, à relacionada à cultura lúdica, nos três periódicos acima indicados entre 1991 e 2009, tem-se como objetivos: a) Investigar a produção sobre a brincadeira e o jogo na brinquedoteca a partir do referencial da Sociologia da infância; b) Contribuir para a uma revisão bibliográfica ampla e minuciosa que contemple a pesquisa em Sociologia da infância no que se refere à cultura lúdica; c) Compreender o lugar ocupado pela Psicologia do Desenvolvimento na produção referenciada nos aportes sociológicos da infância; d) Identificar as concepções de brincar presentes nos textos que partam do reconhecimento das manifestações e expressões culturais das crianças; e) Compreender o modo como as pesquisas apresentam o foco de suas análises na produção da cultura infantil pelas crianças enquanto brincam.

Considerando esses objetivos a presente pesquisa apresenta as seguintes perguntas de investigação: a) Qual lugar a infância e a criança ocupam nas produções acadêmicas? b) Quem são os sujeitos que provocam, discutem e polemizam questões relativas à cultura infantil e cultura lúdica? c) Como o modelo teórico europeu tem impactado os estudos sobre à cultura lúdica infantil? d) Como a produção acadêmica propõe a produção de uma cultura infantil lúdica no espaço da brinquedoteca? e) Como as pesquisas apresentam o foco de suas análises na produção da cultura infantil pelas crianças enquanto brincam.

A infância e a criança

A Sociologia da infância ao tomar as crianças como objeto de investigação sociológica afirma que existem várias e distintas infâncias.

Sarmento (2004) sugere o uso do termo no plural – infâncias – por indicar uma pluralização dos modos de ser criança, além de apontar para a heterogeneidade presente nessa categoria geracional. Por infâncias concebe “uma categoria social do tipo geracional por meio do qual se revelam as possibilidades e os constrangimentos da estrutura social” (SARMENTO, 2005, p.363).

O resgate do conceito de geração traz à tona a complexidade dos fatores da estratificação social, e dos efeitos de classe, de gênero e de raça na caracterização das posições sociais, e procura dar conta das interações dinâmicas das relações simbólicas e estruturais dos atores sociais de uma mesma classe etária, ao mesmo tempo em que contempla

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a geração-grupo de um determinado tempo histórico definido, conforme esclarece Sarmento (2005, p. 365-6):

A infância é historicamente construída, a partir de um processo de longa duração que lhe atribuiu um estatuto social e que elaborou as bases ideológicas, normativas e referenciais do seu lugar na sociedade (...) Fazem parte do processo as variações demográficas, as relações econômicas e os seus impactos diferenciados nos diferentes grupos etários e as políticas públicas, tanto quanto os dispositivos simbólicos , as práticas sociais e os estilos de vida de crianças e de adultos.

A construção simbólica da infância na modernidade desenvolveu-se em torno de processos de disciplinarização, de separação do mundo dos adultos e de institucionalização das crianças. Sarmento (2005, p.370) denuncia que essa forma de administração simbólica acaba por desqualificar a voz das crianças no delineamento de sua vida, causando a “colonização adultocentrada dos modos de expressão e de pensamento das crianças”. De acordo com o referido autor as crianças são seres sociais que se distribuem de diversos modos: classe social, etnia, raça, gênero, região demográfica entre outros, o que impacta “sua capacidade de locomoção, de expressão, de autonomia de movimento e de ação”. (SSRMENTO, 2005, p.370).

Sarmento (2004) apresenta a coexistência de duas interpretações e posicionamentos dicotômicos e excludentes a respeito da infância. Assim por um lado uns consideram a criança como um ser em potência, em devir, incompleto, incompetente e imperfeito em suas formas de pensar, por isso, dependente do acompanhamento e promoção das sucessivas etapas de desenvolvimento cognitivo, afetivo, emocional, moral, motor, entre outros; por outro lado, outros consideram as crianças como seres dotado de competência e certo grau de iniciativa e autonomia frente às situações em que vivem. Nesse sentido o autor afirma:

Esta última perspectiva, que é, evidentemente, aquela que aqui nos interessa em primeiro lugar (...) as crianças tem algum grau de consciência dos seus sentimentos, idéias, desejos e expectativas, que são capazes de expressá-los e que efetivamente os exprimem, desde que haja quem os queira escutar e ter em conta. O segundo é o de que há realidades sociais que só a partir do ponto de vista das crianças e dos seus universos específicos podem ser descobertos, apreendidas e analisadas. (SARMENTO, 2005, p. 365)

Essa última perspectiva é a porta de entrada para os estudos que valorizem a ação das crianças, por meio da investigação das culturas infantis. Por culturas infantis o autor compreende um conjunto de rotinas, artefatos, valores e ideias que as crianças produzem e compartilham com os seus pares:

as crianças são competentes e tem capacidade de formularem interpretações da sociedade, dos outros e de si próprios, da natureza, dos pensamentos e dos sentimentos, de o fazerem de modo distinto e de o usarem para lidar com tudo o que as rodeia. (SARMENTO, 2005, p. 373)

Soares (2001), nessa mesma direção, afirma ser fundamental pensar as crianças como atores sociais, de tal modo que suas vozes e ações sejam levadas em conta, considerando assim que ao mesmo tempo em que são influenciados, também exercem influência.

Quando a criança emerge como protagonista, ou seja, quando ganha voz, ouvido e cena, emerge também um lugar e um tempo de viver a infância, e as possibilidades de se conhecer estas crianças, naquilo que criam, inovam, observam, inventam, imitam, reproduzem. Esclarece Prado (1998, p.07):

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Reconhecer esta complexidade e criatividade é, na verdade, reconhecer o direito das crianças à própria infância e à brincadeira livre, espontânea, em que as crianças não se limitam apenas a se apropriarem de uma parcela da vida experimentada ou observada, mas também de alargá-la, condensá-la, intensificá-la, conduzi-la para novos caminhos e possibilidades.

O brincar na Brinquedoteca

O brincar, as brincadeiras e os jogos se apresentam como uma possibilidade de tirar as crianças do anonimato social e cultural que a Psicologia muitas vezes as colocou. Nesse sentido Centurion e outros (2004) afirmam que as atividades lúdicas possibilitam às crianças estabelecerem e ampliarem as suas relações sociais e a articularem seus interesses e pontos de vista com os dos semelhantes.

Nesse sentido, a brinquedoteca proporciona um espaço para a brincadeira e para o jogo serem tratados como expressões das crianças, por meio de atividades livres e voluntárias, em que as crianças expressem seus desejos, suas vontades, valendo-se de sua criatividade, para elaborar suas próprias regras de convivência. Ainda que a brincadeira esteja formalmente incluída nos currículos escolares, a brinquedoteca amplia as possibilidades de concretização das crianças explorarem as contradições e potencialidades do real e do imaginário, conforme esclarece Silva e outros (s/d, p.03):

Portanto o espaço deve ter uma configuração visual e espacial que facilite o desenvolvimento da imaginação, espaços livres onde elas possam correr brincar, e construir casinhas, cabanas, lojas, castelos, espaço para roupeiro com espelhos e roupas, espaços para leitura, teatro, espaços para pintura e artes plásticas, espaços para jogos e espaços com móveis com mesas, bancos, cadeiras de fácil manipulação para permitir a reorganização constante do local pelas crianças.

É importante valorizar essas crianças, meninos e meninas, que vivem a infância e usufruem deste espaço da brinquedoteca que muito tem a contribuir para a manifestação da cultura infantil.

A partir da localização dos artigos que se refiram à temática deste projeto, seguida da sua leitura na íntegra, a análise dos artigos selecionados será realizada com base em instrumentos de análise e classificação já testados em pesquisas equivalentes. Destaca-se, preliminarmente, o instrumento criado por Warde (1993) com vistas à análise da produção discente nos programas de pós-graduação em Educação, re-utilizado com excelentes resultados por Spósito e Haddad, dentre outros, em pesquisas relativas à produção de conhecimento sobre a juventude na área de Educação no Brasil (Cf. SPÓSITO, 1997; HADDAD, 2002).

Primeiros ResultadosA pesquisa em um primeiro momento procurou realizar uma familiarização com os

artigos presentes nos periódicos Cadernos de Pesquisa, Educação e Sociedade e Perspectiva. Antes de tratar a temática criança, infância, brincar e brincadeira, cabe algumas

considerações sobre os três periódicos. A Revista Cadernos de Pesquisa é uma publicação da Fundação Carlos Chagas que

tem como objetivo divulgar a produção acadêmica sobre educação, gênero e raça, com vistas a propiciar o debate acerca das principias questões e temas emergentes da área, com ênfase em publicações nacionais.

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A Revista Educação & Sociedade é uma publicação do Centro de Estudos em Educação e Sociedade, da Unicamp que se destina ao incentivo à pesquisa acadêmica e ao amplo debate sobre o ensino, nos seus diversos prismas.

Perspectiva é uma Revista do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina destinada à publicação de trabalhos inéditos sobre temas atuais e relevantes no âmbito da Educação, resultantes de estudos teóricos, pesquisas, discussões polêmicas etc.

Após a familiarização com os periódicos foi realizado um levantamento bibliográfico e atualmente está sendo realizada a leitura na íntegra dos artigos encontrados e publicados entre os anos de 1991 a 2009.

O levantamento bibliográfico foi realizado na Biblioteca da Universidade de São Paulo (USP). Foram encontrados 91 artigos que tratam questões cruciais relacionadas à infância, criança, brinquedo e brinquedoteca.

Todos os noventa e um artigos presentes nos três periódicos tratam a criança e a infância. Neste sentido, a tabela abaixo procurou mostrar e quantificar àqueles que tratam especificamente questões relacionadas ao brincar, brinquedo e brinquedoteca.

Tabela: Levantamento bibliográficoTotal artigo: 91 Cadernos de Pesquisa

(29)Educação e Sociedade(36)

Perspectiva(26)

Brincar 2 6 7Brinquedo 2 6 7Brinquedoteca 0 1 0

Fonte: Dados da pesquisa.

Conforme pode se constatar na tabela acima, a Revista Perspectiva destacou-se entre os três periódicos como aquela que concentra o maior número de publicações nesses 18 anos pesquisados. Nessa revista foram encontrados sete artigos que tratam a temática brincar, sete que tratam a brincadeira e nenhum relacionado à brinquedoteca. No entanto, apenas a Revista Educação e Sociedade apresenta um artigo que trata a temática brinquedoteca. Neste periodico outros seis tratam o brincar e mais seis tratam a temática sobre o brinquedo.

A revista Cadernos de Pesquisa é o periódico que menos publicou produções que tratam o brincar, brinquedo e a brinquedoteca. Foram encontrados dois artigos sobre a temática brincar, dois relacionados à brincadeira e nenhum sobre brinquedoteca.

Esses resultados apontam na direção de que a partir das conquistas advindas do campo legislativo e das contribuições teóricas de autores que trataram a criança como ser social, que produz cultura, os estudos sobre a criança e infância ganham cada vez mais lugar nas produções acadêmicas. Sendo mais valorizada a criança passa a ser vista como um ser social, cultural, que vive sua cultura infantil.

Quanto aos periódicos que tratam o brincar, o brinquedo e a brinquedoteca, os autores que escrevem sobre esta temática trazem um olhar holístico que valorizam e acreditam que a criança é um ser capaz. Os textos em linhas gerais respeitam os direitos das crianças e valoriza o brincar, as brincadeiras e o acesso à brinquedoteca.

Referências

CENTURION, S et al. Jogos, projetos e oficinas para educação infantil. São Paulo: FTD, 2004.

DEL PRIORE, M. et al. 500 anos de Brasil: história e reflexões. São Paulo: Scipione, 1999.

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_______ (org.). História da criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 1992.

GOUVEA, M.C.S. de. A escolarização da meninice nas minas oitocentistas: a individualização do aluno. VEIGA, C.G.; FONSECA, T.N. (orgs). História e historiografia da educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

_______. A escrita da história da infância: periodização e fontes. SARMENTO, M; GOUVEA, M.C.S. de (orgs). Estudos da infância: educação e práticas sociais. Petrópolis: Vozes, 2008.

KUHLMANN, M. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação, 1998.

PANIZZOLO, Claudia. A educação de meninos e meninas no Brasil da primeira metade do século XX. Projeto de Demanda universal da FAPEMIG. 2009. (mimeo)

PRADO, Patricia Dias. Educação e cultura infantil em creche: um estudo sobre as brincadeiras de crianças pequenininhas em um CEMEI de Campinas/SP. Dissertação de mestrado. Campinas: UNICAMP, 1998.

RIZZINI, I. (org.). A criança no Brasil hoje: desafio para o terceiro milênio. Rio de Janeiro: Univ. Sta. Úrsula, 1993.

_______ (org.). Crianças desvalidas, indígenas e negras: cenas da Colônia, do Império e da República. Rio de Janeiro: Universidade Santa Úrsula, 2000.

SARMENTO, Manuel Jacinto. As culturas da infância nas encruzilhadas da Segunda Modernidade. In: SARMENTO, M. J; CERISARA, A.B. Crianças e miúdos: perspectivas sociopedagógicas da infância e educação. Porto: Asa Editores, 2004.

SARMENTO, Manuel Jacinto. Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da Infância. Educação & Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91, p. 361-378, maio/ago. 2005.

SOARES, Natália Fernandes. Outras infâncias... a situação social das crianças atendidas numa Comissão de proteção de Menores. Braga: Centro de estudos da criança/Universidade do Minho, 2001.

SPÓSITO, Marília. Estudos sobre juventude em educação. Revista Brasileira de Educação, n. 5, maio/ago. 1997. set/out/Nov/dez,n6,

SPÓSITO, Marília. Estudos sobre juventude em educação. Revista Brasileira de Educação, n. 6, set./dez. 1997.

WARDE, M. J. A produção discente dos programas de pós-graduação em Educação no Brasil (1982-1991): avaliação & perspectivas. In: ANPED/CNPQ. Avaliação e perspectiva na área de educação. 1993.

WARDE, M. J. Repensando os estudos sociais de história da infância no Brasil. Perspectiva, v. 25, n. 1, p. 21-39, 2007.

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Tatiani Rabelo Lapa Santos é estudante de Pedagogia da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG e bolsista PIBIC/FAPEMIG.

Cláudia Panizzolo é professora adjunta e pesquisadora da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG, coordenadora do Projeto de Pesquisa/Extensão Brinquedoteca: um espaço criativo de vivências e convivências.

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A escrita da criança

Mariana da Costa de SouzaSilmara de Fátima Hipólito

RESUMO: Este trabalho tem por finalidade verificar como as crianças se apropriam do processo de aquisição da escrita. Utilizamos como referencial teórico as pesquisas de Emília Ferreiro que se encontram principalmente em seu livro “Reflexões sobre alfabetização” (2001), a partir do qual a autora discute as várias etapas de aquisição da escrita tendo como base a teoria de Jean Piaget. Propomos realizar um estudo de caso com oito alunos de uma escola Municipal de Alfenas, que estão cursando o 3º ano do ensino fundamental, em fase de aprendizagem da escrita. Temos por objetivo geral analisar o nível de escrita que se encontram estes alunos e verificar como os sujeitos se apropriam do processo de aquisição da escrita. Segundo Emília Ferreiro, aprender ler e escrever é mais complexo do que apenas dissociar sons, se a aprendizagem da escrita se reduzisse ao ato de dissociar sons apenas com a capacidade auditiva e visual o sujeito não teria dificuldades para aprender. Dada a complexidade da aquisição da escrita indicada pela autora, a pesquisa pretende compreender como as crianças se colocam frente aos desafios. Partindo dessa premissa, conforme a autora, as crianças passam por quatro períodos durante a alfabetização: período pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético.

Palavras-chave: Escrita; Leitura; Aprendizagem

Introdução

Este trabalho refere-se a uma pesquisa realizada no curso de Pedagogia, da Universidade Federal de Alfenas, que tem como objetivos investigar o nível de escrita de dois alunos participantes do projeto institucional de iniciação à docência (PIBID), já mencionado na caracterização do universo de pesquisa. Para tanto temos como referencial básico os estudo teóricos de Emilia Ferreiro sobre o processo de aquisição da escrita.

Remetendo-nos há tempos passados, o ensino de leitura e escrita sempre se norteou por métodos que aqui serão descritos. O método sintético que tem como pressuposto que se aprende da parte para o todo, suava o método da soletração das letras do alfabeto e da silabação. Partindo do ensino das letras para as sílabas e só depois para as palavras e por fim ensinava frases isoladas sem um contexto. Quanto à escrita privilegiava o ensino de caligrafia e ortografia para tanto dispunha de ditados e cópias.

Quanto ao método analítico a leitura deveria ser iniciada pelo todo, isto é pelas palavras ou frases, para depois analisar as partes, ou seja, as sílabas. Tem como principio que a escrita é uma transcrição da fala.

O método analítico-sintético utiliza partes do analítico e partes do método sintético. Para o ensino parte das palavras para a sílaba ou do texto para a palavra, propunha um ensino que parta do conhecimento prévio do aluno.

O método global parte do todo e não das partes, propunha uma metodologia na qual as palavras seriam escritas em fichas, cada ficha com um tamanho, formato e cor diferente,

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esperava-se que de inicio a criança identificasse a palavra pelo papel e uma vez aprendida a criança reconheceria a palavras mesmo que diferentes palavras fossem escritas em papeis iguais. Valorizava o contexto educativo.

A partir dos anos 1980, os métodos sofreram muitas criticas, e passaram a ser questionados pelo grande número de fracasso escolar cada vez mais evidente no país, certamente os métodos não eram eficientes para todos os alunos matriculados nas escolas de ensino regular produzindo um grande número de alunos que não obtiveram o sucesso escolar.

Criticavam-se os métodos, pois toda a atenção da criança se voltar para o exercício da combinação das letras e das palavras e não para o significado da palavra. Prendia-se a decodificação e não a compreensão das palavras ou textos. Ainda, não consideravam que a criança viva em um mundo social, sendo a escrita um objeto social e não unicamente escolar. Muitas das vezes esses métodos parte da lógica do adulto, sendo este que define o que é mais fácil ou complexo para a criança.

Em resposta a críticas e a presente necessidade de mudança teórica- metodológica para o problema de alfabetização, se difunde no Brasil a partir dos anos 1980 os estudos construtivistas, no qual para este trabalho apresentaremos os estudos de Emília Ferreiro. Na concepção construtivista desloca-se o foco da metodologia para o processo de aprendizagem. Para este trabalho estamos nos guiando pela concepção construtivista, assim faz se necessário um maior detalhamento de tal teoria.

Pressuposto teórico do construtivismo e a teoria de Emilia Ferreiro

O construtivismo não é método, não propõe passos para se alfabetizar, é importante concebermos que as crianças são seres históricos sociais, que ao chegarem à escola carregam com si uma série de conhecimentos específicos e que cada aluno possui suas próprias necessidades. Assim não é possível que técnicas que definam passo a passo como ensinar à escrita e leitura proporcione a todos os indivíduos os mesmos resultados, pois se não atende as necessidades especificas de cada um não pode garantir a todos o sucesso escolar. O construtivismo enquanto teoria da aprendizagem prevê uma aprendizagem significativa considerando as experiências e necessidades de cada educando, situando o aluno no centro do processo de ensino – aprendizagem, Rosa (2000), ressalta que:

O construtivismo, a rigor, não oferece "outro" modelo. Aliás, não há modelos e é muito bom que assim seja! O que as abordagens psicogenéticas - construtivistas, seja nas versões de Piaget, Vygotsky, Wallon e outros — nos dão como referência é o pressuposto fundamental de que o indivíduo é o centro do seu próprio percurso em direção ao conhecimento. (ROSA, 2000, p. 55)

Segundo os pressupostos teóricos do construtivismo o sujeito é um construtor do saber, que não aprende passivamente, ele produz conhecimento, o professor não chega com as respostas prontas, o aluno é incentivado a pesquisar para assim construir seu conhecimento. A aprendizagem se da quando o aluno se vê diante de um problema e para solucionar tal conflito percorre um caminho de inquietação e conflitos para encontrar a solução. Assim a aprendizagem resulta de uma pesquisa e investigações, como afirma Rosa, “assim a aprendizagem não resulta de memorização ou de associação e sim de atividade de pensamento”. (ROSA, 2000, p. 63)

De acordo com a perspectiva estudada o professor deixa de ser o centro do processo de aprendizagem e as aulas deixam de ser apenas expositivas. O professor não é mais o detentor do saber, o saber é concebido como bem social, não mais como algo passado aos alunos, os educandos saem da postura de espectador passivo, e são incluídos no processo de aprendizagem como sujeitos ativos. O professor desenvolve o papel de orientador, motivador

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da aprendizagem. E tarefa do professor definir as ações pedagógicas e definir os objetivos específicos de aprendizagem, Conforme assegura Rosa (2000):

Sabe-se que, na perspectiva construtivista, o aluno é o centro. Sim, o centro do pólo aprendizagem, pois deve estar constantemente mobilizado para pensar e construir o seu próprio conhecimento. Entretanto, isto não significa deslocar o professor a um papel secundário, como se houvesse apenas um lugar privilegiado, em sala de aula, a ser disputado. O professor é o centro do processo de ensino. E preciso lembrar que professores e alunos não estão em pé de igualdade. Cabe aos primeiros a direção, a definição dos objetivos e o controle dos rumos da ação pedagógica. O que não significa exercício arbitrário da autoridade, mas exercício da autoridade de quem, profissionalmente, se responsabiliza pela qualidade de seu trabalho. (ROSA, 2000, p. 61)

É importante destacar que o professor não está de igual aos alunos, ele é o orientador da aprendizagem devendo instigar os alunos e orientá-los neste caminho. O educador está no centro do processo de ensino, tem seu papel bem definido, deve ter seus princípios teóricos bem embasados e um profundo conhecimento dos conteúdos e do processo de aprendizagem para auxiliar seus alunos no processo de construção de conhecimento.

Para Emilia Ferreiro, a escrita e a leitura são construídas paulatinamente, sendo o papel do professor organizar atividades que favoreça uma reflexão sobre a língua, nessa perspectiva o educador não deve seguir técnicas de como ensinar o foco principal e conhecer como a criança aprende para poder auxiliá-la neste processo.

No livro “Reflexões sobre alfabetização”, Emilia Ferreiro coloca que o processo de alfabetização nada tem de mecânico, a criança se coloca problemas e conflitos, constrói sistemas interpretativos, pensa, raciocina e inventa na tentativa de compreender a escrita em toda sua complexidade. As crianças não inventam as letras e, para se apropriarem desse conhecimento, devem entender todo o seu processo de construção. Como mostra Emilia Ferreiro (2001),

Desde que nascem são construtoras de conhecimento. No esforço de compreender o mundo que as rodeia, levantam problemas muito difíceis e abstratos e tratam, por si próprias, de descobrir respostas para eles. Estão construindo objetos complexos de conhecimento e -o sistema de escrita é um deles. (FERREIRO, 2001, p. 65)

De acordo com Emilia Ferreiro, do ponto de vista construtivo a escrita infantil segue uma linha regular de evolução, que não se define por ordem cronológica mais por evolução cognitiva das crianças.

• distinção entre o modo de representação icônico e o não-icônico;• a construção de formas de diferenciação (controle progressivo das variações sobre os eixos qualitativo e quantitativo);• a fonetização da escrita (que se inicia com um período silábico e culmina no período alfabético).(FERREIRO, 2001, p. 19)

No primeiro período a criança consegue diferenciar figuras de palavras escritas. Nesse momento as crianças empregam grandes esforços para definir o que pode ser lido. E colocam critérios de quantidades para o que se pode ser considerado palavra, segundo a autora citada no “eixo qualitativo com a quantidade mínima de três letras para que a escrita diga algo” (FERREIRO, 2001, p.21). No eixo qualitativo a criança sente a necessidade de que as letras de uma mesma palavra tenham caligrafias diferentes, para que possam ter significado. Assim para uma criança nessa fase é inconcebível que uma palavra tenha a mesma letra repetida varias vezes.

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Quanto ao segundo período, as crianças levantam hipóteses e critérios para que um texto possa ser considerado texto. Exploram o eixo qualitativo e quantitativo estabelecido no primeiro nível, às vezes mudando as posições de letras ou invertendo a ordem das mesmas.

No terceiro período as crianças atribuem valores sonoros as palavras, descobrem que as partes da escrita podem ser correspondentes a outras tantas parte, que são as sílabas. Nesse período a atenção da criança esta voltada para os valores sonoros das palavras. Nesse momento se inicia período silábico. Na escrita silábica inicia sem valor sonoro e depois com a correspondência sonora, a criança interpreta a letra a sua maneira, cada sílaba pode ser representada por uma letra. Ferreiro (2001) define o período silábico:

hipótese silábica segundo a qual cada letra representa uma sílaba da palavra (momento no qual, por exemplo a letra p vale pela sílaba pá porque é o "pá de papai", e servirá então para escrever "pato", mas não para escrever "pipoca", porque "é necessário o pi", e assim por diante). (FERREIRO, 2001, p. 55)

Emilia Ferreiro divide o processo de alfabetização em quatro níveis, em cada um a criança cria hipóteses para se apropriar do sistema da escrita. A fase inicial pré- silábica a criança não compreende que o nosso sistema de escrita alfabético, no qual a grafia representa som. O aluno adota critérios que para escrever necessita de uma quantidade mínima de letra, diferentes entre si.

Na escrita silábica alfabética que vem após a fase da escrita silábica, na silábica alfabética, a criança supõe que a escrita representa a fala. É nessa fase que se inicia o processo de fonetização, cada sílaba é representada por uma letra e outras com mais letra, com ou sem conotação sonora.

A escrita alfabética a criança faz correspondência entre fonemas e grafemas. Ela atinge a compreensão de que as letras se articulam para formar palavras. Escreve como fala, pois entendem a escrita como transcrição da fala, nessa fase os alunos ainda possuem erros ortográficos. Para Ferreiro,

A escrita alfabética constitui o final dessa evolução. Ao chegar a este nível, a criança já franqueou a “barreira do código”; compreendeu que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba e realiza sistematicamente uma análise sonora dos fonemas das palavras que vai escrever. isso não quer dizer que toda dificuldade tenha sido superadas: a partir desse momento a criança se defrontará com dificuldades próprias da alfabetização. (FERREIRO, 1999, p. 219)

Metodologia

O presente estudo tem como referenciais metodológicos a pesquisa bibliográfica e a pesquisa empírica. O desenvolvimento do trabalho consiste na leitura das obras de Emilia Ferreiro que perpassam a temática em estudo a fim de embasar, teoricamente, toda a pesquisa. Na prática, foi realizado um estudo de caso que buscou elucidar como se dá a aquisição da língua escrita, por meio da análise das escritas construídas por duas criança durante um período do 3º ano do ciclo de alfabetização.

Caracterização do universo da pesquisa

A pesquisa foi realizada em uma escola municipal de Alfenas, que atende crianças do primeiro ao quinto ano. O fator que possibilitou esta pesquisa foi à inserção das

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pesquisadoras no programa institucional de bolsa de iniciação à docência, qual proporcionou as autoras maiores aproximação da realidade estudada.

Os alunos que colaboraram com a pesquisa, são sete alunos que estão cursando o terceiro ano do ensino fundamental e apresentam algumas dificuldades de aprendizagem. Todos têm hoje nove anos de idade, são moradores do município de alfenas, ingressaram nesta escola no primeiro ano do ensino básico.Análise das escritas

P.A.S, tem 9 anos, está no 3º ano do ensino fundamental, já conhece o sistema alfabético, reconhece as letras e sabe nomeá-las, diferencia desenhos de textos e faz distinção entre letras e sinais de pontuação. Suas escritas incluem sílabas representadas com uma única letra como podemos verificar na palavra moço que a aluna escrevemos. Quanto a omissão de letras presente em sua escrita, Emília Ferreiro apresenta a seguinte consideração:

É verdade que, do ponto de vista da escrita adulta convencional, faltam algumas letras. Mas, do ponto de vista do sujeito em desenvolvimento (isto é, considerando-se o que ocorreu antes no seu próprio desenvolvimento), este tipo de escrita é acréscimo de letras”. (FERREIRO, 2001, p. 83)

Como se vê na Figura 1, a aluna se encontra no período silábico-alfabético, pois apresenta uma escrita algumas vezes com sílabas completas e outras incompletas.

Figura 1

Fonte: Dados da pesquisa.

O aluno F.S.C, tem 9 anos está no 3º ano do ensino fundamental, já conhece o sistema alfabético, reconhece as letras e sabe nomeá-las, diferencia desenhos de textos e faz distinção entre letras e sinais de pontuação. O aluno representa cada fonema com uma letra e a escrita possui erros ortográficos. Ele já se encontra na fase alfabética, pois faz a correspondência entre fonema e grafema, e atingiu a compreensão de que as letras se articulam para se formar palavras. Nota-se que ele escreve como fala, ou seja, vê a escrita como transcrição da fala. É o que se pode observar na Figura 2.

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Figura 2

Fonte: Dados da pesquisa.

Considerações finais

Através do estudo foi possível compreender que para Emilia Ferreiro as dificuldades e fracassos nas séries iniciais na aprendizagem da leitura e escrita constituem um problema que nenhum método conseguiu solucionar. Em suas obras, porem, ela não apresenta nenhum método pedagógico que deveria ser seguido pelos professores para alfabetizarem seus alunos, mas revela os processos de aprendizagem das crianças.

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Tendo como base de referencia a teoria psicológica e epistemológica de Piaget, a pesquisadora mostra que a criança constrói seus sistemas interpretativos, ou seja, pensa em diferentes hipóteses para construir seus conhecimentos.

Como vimos, é necessário que o professor considere as escritas do ponto de vista construtivo, representando a evolução de cada criança, é preciso que haja uma re-estruturação interna na escola com relação à alfabetização e também no que se refere às formas de alfabetizar.

Referências

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre a Alfabetização. São Paulo, Cortez, 2001.

FERREIRO, Emília; TABEROSKY, Ana. A psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes médicas Sul, 1999.

ROSA S. Sanny. Construtivismo e mudança. São Paulo: Cortez, 2000.

Mariana da Costa de Souza e Silmara de Fátima Hipólito são estudantes do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG e integrantes do PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência.

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Folia de Reis: cultura popular e educação1

Maria José Marcos de OliveiraDaniela Aparecida EufrásioGeovânia Lúcia dos Santos

RESUMO: O presente trabalho teve como foco de pesquisa e análise a representação da manifestação cultural Folia de Reis em Alfenas, para tanto instituiu como objetivo o de entrevistar adultos, adolescentes e crianças que se encontram inseridos e participam desta manifestação. Por meio do referencial teórico foi realizado um percurso histórico com contribuições que ajudaram a construir o presente trabalho. Utilizou-se metodologia que favoreceu a coleta de dados do trabalho, que se realizou, prioritariamente, por meio de entrevistas. De acordo com as entrevistas realizadas, evidenciou-se que ocorreram mudanças na manifestação porque, segundo os entrevistados, a cultura está em constante movimento, muitas coisas evoluíram e hoje a manifestação persiste porque se adequou a essas mudanças, que se mostraram necessárias para a continuidade da manifestação. A presença das crianças na manifestação é um ponto importante para sua renovação. Analisou-se tanto as entrevistas com os foliões adultos quanto com os foliões crianças e adolescentes que participam desta manifestação, com ênfase na valorização da cultura oral e na formação de leitor no espaço da escola.

Palavras-chave: Manifestação Cultural; Folia de Reis; Oralidade.

Introdução

Esta pesquisa tematiza uma dentre as várias manifestações culturais, “A Folia de Reis”, e objetiva averiguar como ela se caracteriza na cidade de Alfenas - MG e avaliar a possibilidade de estabelecer um diálogo entre a cultura formal a ser ensinada, no processo de aquisição da escrita e da leitura nos anos iniciais do Ensino Fundamental, e a cultura popular local, representada, neste trabalho, pela manifestação supramencionada.

Para tanto, procuraremos responder às seguintes questões: como se configura “A Folia de Reis” em Alfenas? Que diálogos são possíveis de serem realizados entre este conhecimento, vivenciado na comunidade, e o conhecimento escolar formal de aquisição da escrita e da leitura?

Para efetivar o trabalho de pesquisa, os objetivos serão a caracterização da manifestação cultural supracitada, tendo em vista a consolidação de conhecimento sobre a mesma, e verificação dos possíveis aspectos enriquecedores que uma relação entre a tradição popular e o conhecimento formal escolar pode trazer para a formação dos alunos das séries iniciais.

Nossa hipótese é a de que, num contexto formal de ensino, a valorização da cultura popular enquanto objeto de estudo possibilitará uma aprendizagem mais significativa. Acreditamos que a relação de ensino-aprendizagem que contemple o contexto cultural local 1 Este trabalho foi, em julho de 2010, defendido como Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia, no Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG).

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proporcionará momentos de interação entre a escola e a comunidade a ponto de favorecer a formação leitora e, mais amplamente, a formação cultural dos alunos.

Quadro teórico

Para efetivação deste trabalho de investigação, importa tratar do conceito de “cultura popular”. Como afirma Santos (2008, p. 5), tal cultura “[...] possui uma lógica diferenciada, possui um espaço de atuação próprio, um código de simbologias e concepções singulares e um tempo particular que precisam ser identificados conforme cada situação específica”. Ainda conforme este autor,

[...] Uma das principais características, quaisquer que sejam as manifestações, é justamente a formação de um contexto de conflitos de interesses e atuações. Talvez, a cultura popular seja exatamente um grande nicho de diversidade, tornando ainda mais complexa a alocação de seus sujeitos como constituintes de um único grupo. (SANTOS, 2008, p. 9)

Considerando esta definição de “cultura popular”, focaremos nossa atenção sobre a manifestação objeto de estudo deste trabalho. A Folia de Reis é a festa popular folclórica mais festejada no Brasil, pelos referenciais estudados sua gênese pertence a Portugal. Segundo Brandão (1985, p.141), tratava-se de uma festa profana que acontecia durante os rituais da missa do ciclo do natal, uma encenação catequética, na qual participavam meninos vestidos de anjos, pastores e personagens representando a sagrada família. Tratava-se de um ritual dentro da igreja para o festejo natalino, um cerimonial popular para opor, de um lado, o bem representado pelos três reis, do outro, o mal Herodes, contando com toda uma mistura de drama, dança, canto e teatro para representar esta passagem, descrita no Evangelho. A Folia de Reis preocupa-se em descrever esta viagem, de José e Maria rumo à Belém, e justifica o porquê desta viagem e a visita dos três Reis Magos, informando que a:

[...] viagem de José e Maria a Belém e em justificar por que fizeram aquela viagem – houve um decreto do imperador romano, ordenando um recenseamento e todos deviam se alistar na sua própria cidade. Chegando a Belém, deu-se a hora do Nascimento, a cidade estava cheia e tiveram que se abrigar nos arredores. Não se fala de Reis Magos. Toda a cena é composta pelo anjo que avisa os pastores, José, Maria e o Recém-Nascido. Não acontece a visita de reis vindos de longe, mas, em contrapartida, quando os pastores chegaram manjedoura, uma multidão, um exército de anjos desceu do céu, dando Glória a Deus. Na Folia de Reis das Lages é comum os embaixadores cantarem versos referentes à viagem de José e Maria a Belém. (PESSOA, 2007, p. 74)

Esta é a base religiosa que fundamenta a Folia, anunciada recorrentemente nos versos e músicas, a cargo dos embaixadores que são responsáveis por seguir a linha de Reis na representação da Folia, por meio de versos e músicas que são aprendidos com os pais, tios e avós ou parentes próximos e que contemplam esse conteúdo bíblico que se repete. Estes versos são rimados para constituir uma maneira de dar sonoridade e ritmos quando repetidos pelos foliões. Mesmo quando são feitos no repente eles usam essa linha para visitar um presépio numa casa ou para agradecer.

Conforme Brandão (1985, p.142), atribui-se a Gil Vicente ter sido um dos precursores de inserir esse ritual nas missas dominicais. Ele populariza esse tipo de encenação e traz para o adro interno da igreja esse rito que era formado por diálogos e cantos diferentes dos autos eruditos. Estes rituais faziam parte da liturgia de natal e deixaram de aparecer nestes autos e

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começaram a ser representados pelos populares, disseminando-se e preservando os ritos, formando a base da dança e cantoria da Folia de Reis no Brasil.

De acordo com Brandão (idem, p. 144-5), a adaptação à realidade do Brasil não fugiu da linha de devoção aos santos reis cultuados nos costumes ibéricos. Permaneceram os cantos, a dança e dramas litúrgicos na cerimônia. A representação da Folia no Brasil é muito antiga, aqui iniciou dentro da igreja com a participação do clero e dos populares, não importando a raça, sendo brancos, negros ou mulatos, todos participavam do ritual litúrgico. Mas esses cultos foram proibidos, sofreram restrições e modificações pelos representantes da igreja, afirmando que, ao deixarem de ser representados pela iniciativa do clero e passando pelas mãos dos leigos, os cultos eram considerados ilegítimos. Ao deixar o espaço da igreja, as festas como a Folia de Reis passam para um sistema novo de representação, o catolicismo popular, o qual deixa de ser um ritual litúrgico para reproduzir uma forma de representação da religiosidade popular, que acontece fora do espaço da igreja, nas camadas populares. Esta manifestação ficou empobrecida por conta da igreja que impôs restrições e tornou-a mera novena familiar e representação do presépio num canto da igreja. Deixando de encenar, representar todo aquele ritual alegre de participação dos fiéis com danças e cantos de natal.

Hoje, permanece em várias regiões do país a Folia de Reis, manifestação que sai no dia vinte e cinco de dezembro a seis de janeiro. Essa manifestação ocorre na periferia das cidades com a trajetória dos foliões de casa em casa, com reza, canto e dança, numa representação teatralizada dos três reis santos. O grupo de Folia de Reis sai com a bandeira representando o nascimento do menino Jesus, chegam às casas, cantam perto do presépio figurado e fazem adoração. Constitui-se também como uma forma de pagar promessa do grupo de folião ou do dono da casa que oferece almoço, a janta, café ou, simplesmente, faz uma oferta e recebe a bandeira.

Cabe ressaltar também, neste trabalho sobre a Folia de Reis, que este tema de pesquisa já interessou muitos antropólogos, historiadores e sociólogos, que se veem atraídos por esta manifestação no contexto rural das primeiras décadas do século passado, pois nessa época estava acontecendo o êxodo rural, as pessoas estavam deixando o campo e migrando para a cidade. Por isso o interesse destes pesquisadores sobre o grupo Folia de Reis.

A Folia de Reis é um ritual do catolicismo popular que desde muitos anos tornou-se predominantemente rural e se faz em povoados, sítios ou fazendas sem a necessidade de qualquer tipo de presença de sacerdotes da igreja. (BRANDÃO, 1985, p. 138)

Este foi o marco das andanças da Folia de Reis no início de quando fazia seu giro nas comunidades rurais do Brasil. Com o êxodo rural, este movimento tornou-se objeto de estudos dos pesquisadores nas suas áreas específicas, citadas anteriormente. Este movimento mostra também a Folia, quando ela deixa o campo e vem junto com a tradição dos camponeses, ocupar os espaços nos bairros periféricos das grandes cidades. Com a vinda desses trabalhadores, eles trouxeram também a sua cultura e o respeito às suas tradições dos cultos, suas festas e ritos religiosos e, ao longo de sua trajetória, foi mudando e adquirindo maneiras diferenciadas de representar no encontro com outras pessoas de outros grupos e regiões diferentes do país. Hoje, em Alfenas, pode se observar esta manifestação presente nos dias de Reis representada nos bairros, nas casas das pessoas que são devotas dos Três Reis Santos.

Nesse sentido, importa citar o conceito de “memória coletiva”, conforme aparece em CASSIANO (1998), como sendo fruto das vivências de um grupo, em que as manifestações representam as relações criadas por ele e, a partir das interações realizadas entre os membros, a tradição mantém-se em torno de uma estrutura fixa, no caso a Folia de Reis:

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A memória coletiva, fruto das interações e vivências das diversas memórias individuais, gira em torno de uma estrutura fixa, que é o modo de estar no mundo, de ser, de agir do grupo: elementos que caracterizam a identidade coletiva. O que garante a coesão é que as variações girem em torno de uma estrutura fixa. Por isso, em todos os grupos [de Folia dos Reis] pesquisados, essa estrutura fixa é a mesma, e usando os termos dos foliões: todas as folias seguem o mesmo fundamento, mas cada grupo tem o seu sistema, decorrente dessas variações, e os foliões podem mudar de Companhia se adaptar-se melhor ao modo de trabalho de outro grupo. (CASSIANO, 1998, p. 92)

Esta memória coletiva constitui a tradição em torno do que é conservado pelo grupo, que traz suas peculiaridades para a tradição, mas sem deixar de evidenciar uma linha comum para todos, um fundamento, ou seja, se um folião quiser participar de um outro grupo de Folia de Reis, diferente do que ele integrava até então, ele terá de adaptar-se a este outro grupo, mas poderá fazer esta mudança porque há uma estrutura fixa, que caracteriza a manifestação e constitui-se como um meio prático, como um mecanismo de construção e transmissão de saberes da cultura. Conforme Cassiano: “A memória das sociedades sem escrita que é transmitida de geração a geração através da fala e dos gestos, é vivida e constantemente reconstruída no interior da coletividade tendo como suporte fundamental a forma de expressão oral” (Idem, p. 190). Esta forma de expressar-se pela oralidade mostra o jeito que é comum nos grupos de Folia no que se refere à transmissão do conhecimento da tradição pelos mais velhos aos jovens e crianças, o que garante o aprendizado dos versos, das músicas e dos elementos que preservam a identidade do grupo.

Neste trabalho de investigação importa também entender o tratamento dos discursos orais que mantêm viva a manifestação cultural estudada, de modo a avaliar as contribuições que tal conhecimento pode trazer para o ensino nas séries iniciais, uma vez que:

É preciso repensar esses procedimentos em relação à escrita e a leitura na escola, dando um lugar de maior prestígio à leitura desde o inicio do processo de alfabetização. Uma criança que aprende a ler toma velocidade no aprendizado da primeira série. Um aluno que não lê aprenderá o resto com dificuldade, e pode passar a ter uma relação delicada com a escrita, não entendendo muito bem o que esta é nem como funciona. (CAGLIARI, 2007, p.169)

A escola cumpre o papel de uma instituição formadora e logo nos primeiros anos escolares dos alunos, a escrita e a leitura precisam andar juntas e não desconexas. Para que isso ocorra, é necessário um desenvolvimento nas habilidades de leitor dos alunos, faz-se necessário oferecer aos alunos/as textos de qualidade e não só os que apresentam as famílias silábicas, mas sim textos que incentivem e desenvolvam o hábito da leitura.

Conforme Cagliari (2007), no mundo de hoje é mais importante ler do que escrever, para compreender e interpretar as informações rápidas vinculadas na mídia e diversidade de textos impressos ou em forma de placas de informação, rótulos e sinalização os gêneros textuais, livros de literatura de qualidade, revistas fascículos. Propiciar esses tipos de textos aos alunos/as faz com que eles sejam capazes de ampliar o seu mundo letrado. Trazer esse desafio para a escola é trabalhar o complexo universo da leitura e literatura a que, por vezes, só na escola o aluno tem acesso.

Mas, muitas vezes, a cartilha ainda é o único recurso didático que a escola usa e oferece aos alunos/as com atividades e textos que representam a família silábica. Desconsidera-se tudo aquilo que o aluno aprendeu no seu meio social, produto da vivência que, mesmo antes de ir para a escola, o aluno já tinha, no contato com a contação de histórias realizada por algum membro de sua família ou nas brincadeiras de pares que os ajudam nesse convívio social, quanto mais rico esse meio para o aluno mais amplo será o seu universo de

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leitor. Então é preciso pensar o que a escola vai oferecer ao aluno nos primeiros anos escolares.

No contexto social do seu grupo, a criança cria repertórios de histórias contadas por meio da oralidade advindas do folclore como: cantos, músicas, versos, adivinhações, cantigas e lendas que favorecem um desempenho no seu desenvolvimento criativo, o que mais tarde, quando se inicia na escola, pode auxiliar no desenvolvimento e na ampliação das habilidades na escrita e na leitura, por isso segundo Terzi:

O desenvolvimento da língua oral e o desenvolvimento da escrita se suportam e se influenciam mutuamente. Nos meios letrados, onde a escrita faz parte da vida cotidiana da família, a construção das duas modalidades se dá simultaneamente: ao mesmo tempo em que a criança aprende a falar ela começa a aprender as funções e os usos da escrita [...]. Quanto a crianças de meios iletrados ou pouco letrados, um fato inquestionável é que, ao iniciar a aprendizagem da língua escrita na escola, elas já apresentam um bom domínio da língua oral. (TERZI, 1995, p. 91)

Tendo em vista a importância, para o processo de formação leitora e escritora, de um trabalho que valorize a oralidade, acreditamos que, tanto para crianças de meios letrados quanto iletrados, a presença e tratamento docente dos conhecimentos advindos das manifestações populares podem apresentar possibilidades enriquecedoras para o ensino da escrita e da leitura no ensino regular.

Metodologia

Para realização da pesquisa proposta, recorremos à realização de entrevistas2 com moradores da cidade de Alfenas que participam ou já participaram da “Folia de Reis”. A entrevista mostra-se como instrumento adequado para nossos propósitos de investigação porque propicia um momento de interação, no qual o entrevistado é detentor de um saber que, dada a sua experiência pessoal, constitui-se enquanto patrimônio cultural do qual ele é representante de toda uma tradição. Sobre isso, Szymanski (2004, p. 12) afirma: “[...] a entrevista face a face é fundamentalmente uma situação de interação humana, em que estão em jogo as percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e interpretações para os protagonistas: entrevistador e entrevistado”.

A valorização do saber da cultura oral e popular está no cerne deste trabalho, de modo que, na realização das entrevistas, torna-se essencial considerar os dizeres do entrevistado como esclarecimentos dos saberes do seu mundo e como uma tentativa de preservação, por meio do relato registrado pelo entrevistador, da cultura da qual se coloca como representante.

Considerando-se a entrevista como um procedimento que necessita da contribuição de indivíduos que não são, necessariamente, integrantes do espaço acadêmico e científico, mostrou-se como importante que houvesse um ritual de cordialidade, no qual se potencializou o respeito das partes envolvidas nas entrevistas. A partir do diálogo e das respostas relacionados à manifestação cultural, objeto de estudo da presente pesquisa, o nosso papel, enquanto entrevistador foi o de estimular a ampliação das respostas dadas. As reações não-verbais também foram importantes para que houvesse interação entre o entrevistado e o entrevistador.

2 Foram realizadas entrevistas estruturadas, antecedidas pela entrega da Carta de Informação ao Sujeito de Pesquisa e pelo recolhimento da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas podem ser vistas na íntegra no Trabalho de Conclusão de Curso que deu origem a este texto, do qual há uma versão disponível na biblioteca da Universidade Federal de Alfenas.

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De acordo com Lakatos e Marconi (2009, p. 199), o modelo de entrevista estruturada é aquele em que o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido para que o entrevistador não fuja dele. No presente trabalho, seguindo este modelo de entrevista, as perguntas realizadas aos indivíduos dos grupos de Folia foram predeterminadas, o que se demonstrou como um mecanismo favorecedor da possibilidade de comparação das respostas dadas pelos entrevistados.

Caracterização da Folia de Reis em Alfenas

De acordo com as entrevistas realizadas, com representantes de 03 grupos distintos de Folia de Reis, evidenciou-se que ocorreram mudanças na manifestação porque, segundo os entrevistados, a cultura está em constante movimento, muitas coisas evoluíram e hoje a manifestação persiste porque se adequou a essas mudanças, que se mostraram necessárias para a continuidade da manifestação. Entre as alterações citadas, constam aquelas que se referem ao acesso a materiais mais resistentes, entre eles os instrumentos e as máscaras, por exemplo, também houve modificações quanto à vestimenta para a identificação do grupo, à ajuda que recebem com as ofertas dadas pelas pessoas que são devotas e cumprem promessas, ao interesse dos jovens e crianças que ingressam e participam da Folia, ao papel dos mais velhos em passar essa tradição para os mais jovens ensinando, contribuindo para o acervo cultural da cidade. Percebemos na fala dos entrevistados que o termo “folclore” não aponta para a cristalização cultural, a algo estático, pois, ao utilizarem este termo, eles apontam para a concepção de folclore enquanto manifestação cultural caracterizada pela sua vivacidade. Os entrevistados referem-se ao folclore como algo vivo e que se renova constantemente, sendo assim, tal terminologia ganha um sentido próprio na fala dos foliões.

A presença das crianças na manifestação é um ponto importante desta renovação da Folia de Reis em Alfenas, o que fica evidenciado pelas respostas dadas pelos entrevistados. A seguir, transcrevemos algumas perguntas e respostas que apontam para isso:

A manifestação continua, hoje, em Alfenas?

E1: continua porque a cada ano se renova. Desde as crianças // se manifestam à vontade de sair, pular de bastião, aprender a cantar, ser folião. Vai inovando, modificando, não é como era colocado há cinquenta anos atrás. O folclore vai evoluindo, mantendo a mesma postura, mais a convivência, a maneira de conduzir, vai evoluindo. Vai passando de geração em geração e é o que dá a certeza pra gente que não acaba, entendeu. Termina um ciclo inicia outro, tem menino que é criado dentro da companhia de reis e // peça fundamental e, além disso, tem mais tem gente que começa, por exemplo, andando junto com a companhia de Reis carregando sacola, carregando as oferendas, crianças que começam assim, acompanhando sem ter nenhuma função de grande importância e vai passando assim, a nossa mesmo tem quantos [quantas crianças]? [Neste momento, os entrevistados3 passam a falar de crianças que participam do grupo “Anunciação”.] [Tem o menino] André, o menino que entrou e está

3 A primeira entrevista realizou-se com dois foliões. A fim de manter o sigilo da identidade dos entrevistados, todos os nomes, tanto dos foliões adultos quanto dos foliões crianças e adolescentes, foram substituídos por pseudônimos.

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batendo caixa, o Nivaldo, os dois bastião, o Dário e o Douglas, o Roberto, mais o Alessandro e o Alex4 (1ª entrevista; pergunta nº7).

Tem participação de criança?

E1: Tem bastiãozinho, sai junto com a gente cumprindo promessa, pulando , cantando (2ª entrevista; pergunta nº12)E1: Participam, se não já tinha acabado, a nossa mesmo já tinha acabado, nós começamos tudo pequenininho, igual à congada, a gente participa, tem que começar dos pequenos que toda vida nosso trabalho é assim, a gente põe as crianças pra ir chegando. O trabalho da gente é fazer uma companhia de reis // criança (1ª entrevista; pergunta nº 14).

Pelas respostas ficou evidenciado que a Folia de Reis é uma tradição que continua e que o papel renovador dessa manifestação dá-se, em grande medida, pela presença das crianças. Esta presença é fundamental, porque sem elas esta manifestação já teria acabado, mas persiste e renova-se a cada ano, modifica e adequa-se às mudanças, pois é preciso sobreviver à modernidade e para os grupos esta manifestação representa algo muito valioso, relacionado às próprias origens. Para a continuidade e constante renovação da manifestação, a participação das crianças e jovens é imprescindível, são eles que dão a certeza de se ter ainda por muitos anos estas representações ocorrendo no município. Como afirma o entrevistado E1, na primeira entrevista, na Folia “Termina um ciclo inicia outro, tem menino que é criado dentro da companhia de reis”. Os mais velhos vão morrendo e os meninos que são criados dentro do grupo seguem o mesmo ritmo de ser folião ou aspirante de capitão da Folia, um ciclo que é repetido por várias vezes dentro das famílias de foliões, um desafio que demanda persistência e prática do aprendizado da tradição. Esta perseverança dos mais jovens, de continuarem revivendo esta tradição que acompanha os grupos desta manifestação, aponta para a perspectiva de que futuramente esta representação vai persistir nos espaços públicos e residenciais por muitos anos. Pela fala dos entrevistados, tem-se a idéia de que a tradição, que começou com os antepassados, numa forma de teatralizar o nascimento do menino Jesus e a visita dos três reis magos guiados por uma estrela até Belém, irá persistir na cidade de Alfenas, denotando sempre os modos pelos quais ela se renova.

Algo que ficou registrado nas entrevistas feitas é a mensagem de que a tradição persiste devido ao envolvimento das famílias que representam os grupos de Folia de Reis, que são membros da Folia, há anos, e continuam prosseguindo com a tradição que começou com a avó e que, hoje, já conta com bisnetos de antigos membros. O folião mais antigo participante do grupo chama para si a responsabilidade. Nas entrevistas, fala-se também do companheirismo e do coleguismo que, mesmo doente, o folião faz questão de participar das apresentações da Folia. A presença dos mais velhos ajuda a preservar o conhecimento e eles 4 As duas barras indicam frases truncadas, ou seja, frases que foram iniciadas pelo entrevistado, mas que não foram finalizadas, e às quais se sobrepuseram formulações enunciativas. Esclarecemos que os modos de transcrição das respostas dos entrevistados fundamentaram-se na caracterização das operações de retextualização, apresentada em: MARCUSCHI, L. A. Modelo de operações de retextualização. In: Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2007. Neste capítulo, o autor trata dos modos de transformação do texto falado em texto escrito, analisando os mecanismos possíveis de retextualização e como eles interferem no que condiz ao texto escrito representar com maior ou menor fidelidade o texto falado. No presente trabalho, a escolha foi por não tentar retextualizar o texto falado de modo que isso implicasse muitas alterações, por isso se escolheu por manter as respostas tal qual foram faladas, sem correções de ordem gramatical e também optou-se por não inserir pontuação, o que já significaria uma primeira intervenção interpretativa dos textos orais advindos das entrevistas.

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repassam para os mais jovens o respeito pela tradição e, disso, advém a união que favorece o entrosamento na hora de cantar, de falar os versos e os saberes que identificam a manifestação enquanto tal. Há pessoas da comunidade que identificam e sabem que o que faz a diferença é o grupo de folião estar há tanto tempo junto. Ao se tratar da tradição, é importante ressaltar o que apareceu na fala do entrevistado E1, na terceira entrevista, quando ele se refere às pessoas que iniciaram a tradição em Alfenas: “Quem começou foi o Sr João Dama, Josias Lourenço esses são os caras que chegou ao meu conhecimento, as pessoas mais velhas que conheci são meu avô Josias Lourenço primeiro do que ele foi Sr João Dama que fez a igreja e tem outras pessoas que momento eu não recordo. São pessoas simples, é de idade, gente sistemática”. Sobre a organização da Folia, apresentamos a seguir mais trechos das entrevistas feitas:

Há substituição de um mestre, gerente etc., por outro? Como isso se dá?

E1: Na nossa companhia tem três capitães, o Getúlio, Antônio e o Paulo Malaquias. Essa substituição funciona como chamar a responsabilidade, está precisando daquilo ou de outra coisa, bato no peito eu assumo, nós temos também a parte do coleguismo, companheirismo, a gente percebe que o outro tio, o Paulo, anda de bengala, mais é guerreiro, não abandona de jeito nenhum, tem que falar para ele: vai descansar, eu vou embaixar (1ª entrevista; pergunta nº 38).

Lembra que vocês falaram dos seus parentes que eram foliões?

E1: Minha bisavó. A Companhia era dela e antes dela já saía, ela chamava Carmen, Emília do Carmo (só que eles falavam da Carma) e antes dela já saíam (1ª entrevista; pergunta nº 23).

Seus filhos/netos são foliões?

E1: Eu não tenho neto, mais meus filhos, a Raíssa, a própria Maria Olívia, gosta muito de Folia de Reis, eu tive essa sorte de ter uma família, até pelo contrário, regaça mais a manga do que eu. Eu vou passando a experiência, ele vai, corre atrás. (3ª entrevista; pergunta nº 28).

A presença dos mais velhos é que vai dar suporte à transmissão dos saberes da Folia de Reis, configurando assim como uma tradição, é a sabedoria deles em repassar essa manifestação para os mais jovens e as crianças é que dá certeza da continuidade dessa manifestação. Preservando as características do grupo que participa e permanece por muito tempo junto. Desse modo, sabendo que são responsáveis pela continuidade do trabalho com a Folia de Reis, os mais velhos e responsáveis pelo grupo mantêm a tradição que aprenderam com as pessoas que iniciaram a Folia no município, tendo em vista que muitos deles eram seus pais, avós e tios. Na fala de um dos entrevistados isso fica marcado pela expressão “Tá no sangue da família, uma história de vida” (1ª entrevista, pergunta nº7). A vivência no grupo propicia o aprendizado das várias funções, desde as mais simples até aquelas pertinentes ao representante do grupo, que chama para si a responsabilidade, comprometido em desempenhar a função de gerente dessa manifestação, coordenando o grupo para cumprir as obrigações nos dias de Reis. A seguir, apresentamos outras perguntas e respostas que denotam

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as características presentes na manifestação, tal como ela é vivenciada no município de Alfenas.

O grupo de vocês tem alguma coisa especial que diferencia dos outros grupos?

E1: Mas de certa maneira, o pessoal identifica mesmo aquele pessoalzinho que gosta de sair junto na companhia, nós já tivemos muitas baixas, meu avô era um folião importante, Sr. Luís Carreiro e Sr. José, conhecidíssimos na cidade e faziam parte do nosso grupo, tivemos que ir repondo, o que faz a diferença é o pessoal estar há tanto tempo junto. Eu comecei com cinco anos, eu tenho vinte e cinco de companhia, é uma história a vida inteira na Companhia. (1ª entrevista; pergunta nº 53).

Você sabe quem começou com esta manifestação em Alfenas?

E2: Eu conheci diversos capitães, inclusive o que eu aprendi com ele, cantei pela primeira vez, seu nome era João Lúcio, morreu há muitos anos, há muito tempo atrás, depois vem vindo, conheci capitão daqui e dali, pra senhora ver, este ano nós perdemos um capitão muito bom, Libertino, um bom companheiro. (1ª entrevista; pergunta nº 22)

Quem são as pessoas que, hoje, participam da manifestação em Alfenas?

E1: São pessoas simples, são de idade, gente sistemática tem que saber mexer com ele, é pessoas muito séria, por acaso por nome, Santos que a família do Lourenço que é a minha família, família dos Divinos, Libertino, Prudêncio, Lardino, João Vitor, Valdivino, e assim vai// indo. Tem várias pessoas que a gente, que no momento a gente até esquece. (3ª entrevista, pergunta nº 29)

Qual é o período de preparação? Como e onde se dá essa preparação?

E1: No período de ensaio e preparação, a gente já tem tudo basicamente tudo definido, os bairros aonde vamos, os compromissos de promessas que as pessoas // a intenção de dar comida, o pessoal cumpre a promessa e paga, quando a gente sai no dia vinte e cinco [de dezembro] já está tudo predeterminado organizadinho. [...] o nosso grupo, por ser mais velho um pouquinho, o pessoal já tem algum tempo junto e o que tio tá falando, todo ano entra alguém mais jovem, uma pessoa que não tem conhecimento, tem interesse em aprender, então a gente tem que começar o ensaio mais cedo, na média de um mês de antecedência é o período de preparação. (1ª entrevista; pergunta nº9).E1: Vai de acordo com a companhia eles [os grupos de Folia de Reis] não têm nem local [ensaiar], são na casa deles mesmos, eles não têm

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muita preparação, já são gente que estão acostumado com isso (3ª entrevista; pergunta nº13).

Existe um grupo fixo?

E1: Geralmente o povo acompanha, se você sai numa companhia de reis hoje, você fica vinte, trinta anos com aquela companhia, queira ou não, na companhia de reis os foliões é um conjunto, são sete voz que tem que ter que acostumar uns com os outros, até os versos, senão você fica perdido, o tom de cantar pra quem não estudou música é muito difícil, tem que ter muita competência, acompanhando, tocando que nem artista profissional, eles onde pôr o tom da voz, a altura sabe?, a média, o verso, às vezes improvisa até algum verso (3ª entrevista; pergunta nº 33).

A Folia de Reis em Alfenas configura-se pela existência de dez a doze grupos, dos quais participam adultos e também crianças e jovens, que de uma forma ou de outra cumprem algum papel determinado pelo grupo. Esta participação, por parte dos mais jovens, dá-se pelo gosto de inserirem-se na companhia da qual o pai ou avô é dono. Pode-se ressaltar que a Folia é uma prática educativa que não é institucionalizada, que se constitui de saberes passados de geração a geração para que as crianças e jovens sejam preparados para uma prática cultural educativa, no que diz respeito à prática de cantar, recitar os versos, tocar um instrumento e isto se dimensiona em uma prática de educação não-escolar.

Cultura popular e formação do leitor

Na Folia de Reis, conforme toda a caracterização feita em relação a esta manifestação em Alfenas, depreendeu-se que existe uma cultura oral, presente nos grupos, bastante rica, principalmente no que concerne aos versos e músicas representados pela manifestação. Recu-peramos a seguir alguns dos versos recitados pelos foliões:

Versos 5

Que encontro mais bonitoQue tivemos nesta hora

Encontramos os três reis santosE também nossa senhora

Vim receber sua bençãoEla vem trazer oração

Que vai cair dentro do meu coração

Oh senhora dona da casa Que recebeu nossa bandeira

Com suas próprias mãosRecebe os três reis santos

E também os foliões5 Tais versos são declamados quando o folião de Reis chega à casa e encontra o presépio.

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Os três reis santos aqui chegouNeste momento nesta hora

Chegamos pra cantar os três reis E vamos cantar agora

Os três reis ta perguntandoQuem alimentou os foliõesRespondeu o dono casa

Eu e a benção de nossa senhora

A transcrição anterior coloca-nos uma questão sobre a possibilidade de os textos presentes na cultura de grupos de Folia de Reis serem trabalhados na escola. Isso poderia abrir espaço para que esses materiais pudessem ser utilizados na formação de leitores, em um projeto de parceria que levasse as escolas a conhecer um pouco das manifestações presentes no cotidiano dos alunos, trazendo vários elementos que fazem parte dos grupos de Folia, Congada, Pastorinhas. Isso poderia significar, por exemplo, um modo diferente de trabalhar a cultura popular, que não se limitaria à semana do folclore.

Não estamos, com isso, afirmando que o aluno deva ficar limitado à cultura local, restrito às manifestações presentes na região em que reside, sem que haja a ampliação dos seus conhecimentos com saberes que ultrapassem a cultura regional. A proposta desta pesquisa é que junto a um trabalho de conhecimento da cultura universal possa aparecer a valorização da cultura local. Durante a pesquisa, percebeu-se como é rica a cultura local, cheia de significados importantes para muitos alunos que se encontram inseridos nela. Valorizar os grupos e a tradição que estes carregam com eles é dar continuidade aos saberes da cultura local dos alunos. Então por que não trabalhar com eles as manifestações presentes na região? De modo que se possa mostrar o valor e a tradição da manifestação, no espaço escolar, relacionando a cultura e o trabalho linguístico com a oralidade, para se alcançar os objetivos de formação do leitor, que pode percorrer caminhos diversos e enriquecedores. Por fim, acredita-se que, ao invés de limitar o trabalho com o conhecimento popular por meio de exercícios descontextualizados, como os que muitas vezes aparecem nos mais diferentes livros didáticos, a escola poderia aproveitar-se dos saberes que constituem a memória daqueles que estão envolvidos com as manifestações populares, sendo que dentre eles estão crianças e adolescentes que estudam em muitas escolas de Alfenas.

Referências

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GOMES, N. P. M.; PEREIRA, E. de A. Do Presépio a Balança: representações sociais da vida religiosa. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1995.

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PESSOA, J. de M. Mestre de caixa e viola. Cad. Cedes, Campinas, v. 27, n. 71, p.63-83, jan./abr.2007. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: set. 2009.

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TERZI, S. B. A oralidade e a construção da leitura por crianças de meios iletrados. In: KLEIMAN, A. B. (org.). Os significados do letramento. Campinas: Mercado de Letras, 1995.

Maria José Marcos de Oliveira é graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Daniela Aparecida Eufrásio é docente do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Geovânia Lúcia dos Santos é graduada em História, Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e docente do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas - UNIFAL/MG.

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Breve análise da formação de professores no século XX sob o olhar de Anísio Teixeira

Regina Aparecida Correa

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar brevemente a história da formação de professores no Brasil no século XX, mais especificamente o da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, tendo como suporte o olhar de Anísio Teixeira, um educador que teve sua vida marcada pela resistência e luta por uma educação democrática, acessível a todos e com professores qualificados. O problema de pesquisa foi investigar a formação de professores no século XX e o pensamento de Anísio Teixeira sobre a mesma. A pesquisa realizada foi bibliográfica, tendo como principais referenciais teóricos algumas obras de Anísio Teixeira, tais como: Educação não é privilégio (1971) e Educação no Brasil (1976), além de obras de outros autores como: Filosofia da Educação, de Maria Lúcia Arruda Aranha, História da Escola em São Paulo e no Brasil, de Maria Luiza Marcílio e o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, dentre outros. O Brasil viveu no Século XX um período de mudanças intensas na sua organização social com a expansão da rede urbana e das novas necessidades apresentadas pelo mundo do trabalho, o que ocasionou consequentemente inúmeras mudanças no sistema educacional, dentre elas, contamos com a promulgação de duas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961 e 1996 e a reforma da primeira em 1971.

Palavras-chave: Formação de professores; Anísio Teixeira; Educação.

O século XX, no Brasil, foi um período de muita agitação no que diz respeito à formação de professores. Entre inúmeros decretos e tentativas de reformas contamos com a promulgação de duas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961 e 1996 e a reforma da primeira em 1971. Diante deste cenário, é importante analisarmos algumas ideias de Anísio Spínola Teixeira, um educador que viveu no período de 1900 a 1971 e que foi extremamente importante pelas ações empreendidas nos cargos públicos que assumiu e pela sua imensa produção intelectual que, até os dias atuais, é pouco estudada e que merece atenção acadêmica.

De acordo com Marcílio (2005), por volta de 1910, as Escolas Normais ganhavam atenção especial, pois o magistério estava aumentando o nível de preparo, o número de pessoas sem qualificação estava caindo e valorizava-se a formação.

Em 1927 houve uma reforma para as Escolas Normais, Lei nº 2.269, que permitiu a criação das Escolas Normais particulares, chamadas escolas “livres”, a fim de suprirem as necessidades do ensino.

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No intervalo entre 1937 e 1945 houve grande expansão das Escolas Normais no Estado de São Paulo. Esta expansão ocorreu sem nenhum planejamento, atendendo a interesses políticos sem preocupação com a valorização e a qualidade do ensino.

Em 1946, pelo Decreto-Lei 8.530, a Lei Orgânica do Ensino Normal, estabeleceu objetivos para a Escola Normal:

1. Promover a formação do pessoal docente às escolas primárias;2. Habilitar administradores escolares destinados à gestão das mesmas escolas;3. Desenvolver e propagar os conhecimentos e técnicas relativas à educação da infância. (MARCÍLIO, 2005, p. 239)

Porém, a Lei Orgânica do Ensino Normal teria vigência de oito meses apenas, pois a Constituição de 1946 estabeleceria que os Estados organizassem seus sistemas de ensino.

Com o aumento das Escolas Normais, onde encontrar professores qualificados para lecionar nos cursos?

Essa expansão desnecessária foi feita à custa da degradação da qualificação profissional dos alunos - candidatos ao exercício do magistério primário. Onde achar professores bem preparados e capacitados para lecionar em tantas Escolas Normais, criadas em tão pouco espaço de tempo? Mais uma vez, o populismo e os interesses políticos escusos foram feitos à custa da educação, à custa do direito das crianças a uma boa educação e com bons professores. (MARCÍLIO, 2005, p. 294)

Em 1932, quando foi divulgado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, havia uma preocupação com a formação de professores no Brasil, pois o país vivia uma fase de mudanças intensas na sua organização social, com a expansão da rede urbana e das novas necessidades apresentadas pelo mundo do trabalho.

Nesse período, boa parte dos professores eram recrutados em todas as carreiras, sem ter uma sólida formação, como se não precisassem de preparação profissional, como afirma o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932:

Ora, dessa elite deve fazer parte evidentemente o professorado de todos os graus, ao qual, escolhido como sendo um corpo de elução, para uma função pública da mais alta importância, não se dá, nem nunca se deu no Brasil, a educação que uma elite pode e deve receber. A maior parte dele, entre nós, é recrutada em todas as carreiras, sem qualquer preparação profissional, como os professores do ensino secundário e do ensino superior (engenharia, medicina, direito, etc.), entre os profissionais dessas carreiras que receberam uns e outros, do secundário à sua educação geral. O magistério primário, preparado em escolas especiais (escolas normais), de caráter mais propedêutico, e às vezes misto, com seus cursos geral e de especialização profissional, não recebe por via de regra, nesses estabelecimentos, de nível secundário, nem uma sólida preparação pedagógica, nem a educação geral em que ela deve basear-se. A preparação dos professores como se vê, é tratada entre nós, de maneira diferente, quando não é inteiramente descuidada, como se a função educacional, de todas as funções públicas a mais importante, fosse a única para cujo exercício não houvesse necessidade de qualquer preparação profissional. Todos os professores, de todos os graus, cuja preparação geral se adquirirá nos estabelecimentos de ensino secundário, devem, no entanto, formar o seu espírito pedagógico, conjuntamente, nos cursos universitários, em faculdades ou escolas normais, elevadas ao nível superior e incorporadas à universidade. (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA, 1932, p. 11)

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 afirmava que o professor precisaria de formação para atuar nos estabelecimentos de ensino. Precisaria ser preparado, com conhecimento sólido a respeito da criança, do seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e

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social. Alguém capaz de refletir sobre a sociedade na qual o aluno está inserido, utilizando os estudos da filosofia e da psicologia para construir o conhecimento da criança por meio das disciplinas.

A educação para o povo e a educação para a elite, ou seja, a dualidade da educação, repercute na formação dos professores no século XX, sendo o ensino superior função do governo federal e organizado sob seus moldes, enquanto as escolas normais, de formação de professores primários, eram de responsabilidade dos estados. A Escola Normal Caetano de Campos, instalada em São Paulo em 1990 era uma escola modelo, mas destinada à elite paulistana.

Até a primeira guerra mundial, a relativa estagnação econômica da sociedade brasileira pôde mantê-la dentro desse dualismo educacional, com o ensino público primário para uma substancial percentagem da população (praticamente para toda a classe média nascente), o ensino vocacional e dentro dele as escolas normais para as mulheres da classe média que começavam a desejar trabalhar, e o ensino secundário acadêmico e o superior para a elite e pequena parcela da classe média, devido à existência daquelas poucas instituições públicas desse ensino. (TEIXEIRA, 1971, p. 91)

Segundo Marcílio (2005), o curso normal do Estado de São Paulo era essencialmente feminino, frequentado por moças quase sempre oriundas da classe média e alta que procuravam esses cursos para adquirirem conhecimentos e formação completa, já que eram raras as que frequentavam os colégios naquela época. Dessa maneira, muitas delas não exerciam o magistério após concluírem o curso. Frequentavam-no a fim de prepararem-se para o matrimônio.

O novo mestre, capaz de exercer essas novas funções, não pode ser a jovem recém saída de uma escola de nível médio, em que se matriculou por não haver outra mais adequada ao sexo – mas alguém amadurecido, que tenha voluntariamente escolhido o magistério para profissão, e revele desse modo, os primeiros sinais de vocação e se disponha a um treino prático de sua arte, na base de verdadeiro aprendizado. (TEIXEIRA, 1971, p. 123)

Para Anísio Teixeira, o novo mestre, o novo professor que trabalharia em meio a todas as mudanças econômicas, sociais e culturais que estavam ocorrendo na época, não poderia mais ser alguém que escolhia o magistério por não haver profissão mais adequada ao sexo, mas deveria ser alguém disposto a receber uma formação adequada e eficaz.

O curso normal também era visto como uma maneira de atingir o ensino superior, principalmente pelos rapazes.

Com o processo de industrialização, havia a necessidade da democratização do ensino diante da grande procura por ele por parte da população. Havia aumentado os cursos normais nas escolas particulares e era enorme o número de pessoas não habilitadas para o cargo que exerciam.

Uma das conseqüências, talvez inesperada, desse estado de causas é a complacência com que o país recebe o fato de serem em quase 50% leigos, ou seja, não diplomados, os professores primários, e não chegarem a 30% dos professores secundários diplomados pelas faculdades de Filosofia. (TEIXEIRA, 1971, p. 101)

Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024 de 1961, foi elaborado o Plano Nacional de Educação, estabelecendo metas que deveriam ser cumpridas até 1970. Dentre as metas havia uma relacionada à formação de professores, como afirma:

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Além de matricular a população em idade escolar primária, deverá o sistema escolar contar, até 1970, com professores primários diplomados, sendo 20% em cursos de regentes, 60% em cursos normais e 20% em cursos de nível pós-colegial. (TEIXEIRA, 1971, p. 103)

Em 1971, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 5.692 colocou as Escolas Normais ao nível das habilitações do Ensino Médio, o que segundo Marcílio (2005), resultou no esvaziamento, tecnicismo e perda de identidade dos cursos que substituíam a Escola Normal.

Uma das consequências do fechamento das Escolas Normais foi a criação das licenciaturas curtas e das Habilitações Específicas para o Magistério (HEM), que eram ministradas em escolas e estabelecimentos adaptados, com as disciplinas reduzidas e o estágio destinado à observação das aulas.

Em 1981 foram criados os Centros de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM) com o intuito de melhorar a qualidade da formação dos professores. No entanto, se comparado aos cursos de Habilitação Específica para o Magistério (HEM) ele sobressaiu em alguns aspectos como a melhoria nas condições de trabalho, avaliação da equipe docente e bolsas de estudos para os alunos. Contudo, não foi capaz de suprir as necessidades da formação de professores.

Em suma, a preparação inicial de professores feita nos HEM, CEFAMs ou nos cursos de pedagogia não preencheu, de forma cabal, uma formação de excelência para o professor da escola das primeiras séries e da pré-escola do ensino fundamental. Ai reside uma das explicações básicas da precária situação do ensino brasileiro. (MARCÍLIO, 2005, p. 303)

Anísio Teixeira acompanhou de perto muitas destas tentativas de reformas e viu o problema educacional sendo relegado sempre a segundo e terceiro plano em relação aos demais.

Os cursos de formação para professores apresentavam-se de maneira superficial. E Anísio Teixeira atentava para o fato de que não eram as leis impostas de uma hora para outra que iriam transformar os professores em pesquisadores, pressupondo-se assim que, apenas uma formação sólida e eficaz seria capaz de elevar a qualificação e a valorização do profissional educacional.

[...] O ensino superior brasileiro tem sido um ensino fundamentalmente superficial, destinado apenas a transmitir conhecimento, só por exceção e em casos individuais, atingindo algum nível de pesquisa. Não há nenhum poder de lei que possa subitamente transformar todos esses professores em pesquisadores e dizer–se que toda universidade vai fazer pesquisa. (TEIXEIRA, 1976, p. 243)

O principal redator da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº9394/96 foi Darcy Ribeiro. Ele criou o Instituto de Educação Superior que era uma instituição para a formação específica do professor.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº9394/96 prevê a formação do professor no ensino superior, mas admite a formação normal em nível médio para a atuação na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Fundamental.

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal. (LDB nº 9394/96, Art. 62)

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O Decreto nº 3276, de dezembro de 1999, também prevê que a formação de professores para atuar na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental far-se-á preferencialmente em Cursos Normais Superiores conforme redação dada pelo Decreto nº 3.554, de 2000.

Com a promulgação desta lei, fixou-se um prazo de dez anos para que todos os professores obtivessem a formação no ensino superior. A isto se deve o aumento em mais de 500% dos cursos normais superiores.

Desde o momento que o MEC fixou que depois de 2007 não poderia mais ser contratado professor na rede pública sem apresentar diploma de nível superior, o número de cursos cresceu mais de 500% (de 2000 a 2002). Atualmente, há 668 cursos (normal superior) cadastrados no MEC. Com Tamanha pressa em criar cursos, não se pode esperar que sejam eles de boa qualidade. Onde encontrar bons professores para todos eles? (MARCÍLIO, 2005, p. 416)

Diante da impossibilidade de conseguir que todos os professores tivessem o curso superior até 2007, em 2003 o MEC voltou atrás na decisão por meio de uma resolução que suspendeu a obrigatoriedade tanto para os professores da Educação Infantil como para os dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

Ao mesmo tempo em que o Brasil traça estratégias para aumentar o número de professores com diploma de nível superior, discute-se também a qualidade de formação desses profissionais. Ter um curso superior, por si só, não garante a qualidade do ensino. Há muitas faculdades de fim de semana ou cursos aligeirados de pedagogia. É preciso garantir a qualidade dessa formação. Afirma a especialista na área Bernadete Gatti: “Sabemos que a formação de professores está sendo feita, na maior parte, pelas instituições isoladas de ensino superior e não pelas universidades. Sabemos também que a maioria destas instituições funciona em condições precárias, com pessoal de qualificação discutível. Por outro lado, há uma certa inércia nas universidades quanto a repensar as licenciaturas e embora existam algumas propostas alternativas, estas até aqui têm mostrado pouco sucesso. Nenhuma mudança radical, assumida enquanto proposta de universidade, foi efetuada até hoje. Quanto à situação das instituições isoladas, é patente a inércia dos órgãos que poderiam propiciar certo ajuste de algumas situações mais contundentes. De um lado, temos a dificuldade de autocrítica e de promoção de mudança; de outro, as limitações da burocracia nacional e suas possibilidades políticas. (MARCÍLIO, 2005, p. 416)

Esse aumento irracional e desordenado de cursos para a formação de professores ocasionou, consequentemente, uma grande quantidade de professores mal formados. Resolveu-se, assim, o problema quantitativo. Mas e o problema qualitativo? Temos um grande número de pessoas com um certificado de conclusão de curso, mas estariam estas pessoas capacitadas, bem preparadas e qualificadas para atuar de maneira comprometida e decente no sistema educacional?De acordo com Aranha:

Após a Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases (lei nº 9394/96) manteve os cursos universitários de Pedagogia e criou os Institutos Superiores de Educação, voltadas para a formação de professores de educação básica (curso normal superior), a formação pedagógica e a educação continuada para profissionais de educação. Os cursos de magistério de nível secundário continuam preparando professores para a educação infantil e as primeiras séries do ensino fundamental, exigindo-se para o restante a formação superior. No entanto, a intenção é que, com o tempo, todos os professores de qualquer nível tenham formação universitária. (ARANHA, 2006, p. 46)

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Essa citação demonstra que, mesmo após a LDB 9394/96, muitos professores que atuam na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental continuam recebendo formação nos cursos do magistério do nível médio.

A desvalorização dos profissionais de educação torna-se evidente, uma vez que muitos deles não têm preparação para exercerem o cargo que ocupam.

Segundo Aranha (2006), o grande número de mulheres matriculadas nos cursos de habilitação para o magistério explica-se pelo fato de continuarem mergulhadas na ideologia de que ser professor é algo vocacional, destinado às mulheres e que, portanto, basta gostar de criança para lecionar, o que reforça os estudos sobre a feminização do magistério.

Esta ideologia relaciona-se intrinsecamente com a formação do professor. Ou seja, se é natural mulher cuidar de criança, não precisa então ter formação para tal.Infelizmente, quem sofre as piores conseqüências deste despreparo profissional são as crianças, que encontram muitas vezes durante sua formação professores não qualificados para o exercício da profissão.

O magistério representa a peça mais importante da obra educativa, o “suporte humano” do ensino. Dele dependem a eficiência da escola, o rendimento escolar, a formação do aluno. O bom treinamento, a formação do professor, seu preparo, sua capacitação constante, seu entusiasmo pelo ensino, sua vocação, constituem a chave da educação de qualidade. E, justamente aqui, na formação do professor, é onde se encontram uma das mais sérias barreiras para o avanço da qualidade da educação brasileira e o combate eficiente ao fracasso escolar. O aluno não aprende porque o professor não ensina, ou não sabe ensinar. O professor não ensina porque não aprendeu bem como ensinar. (MARCÍLIO, 2005, p. 289)

Em maio de 2006 o Conselho Nacional de Educação (CNE) definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Pedagogia que compreende o estudo das relações sociais, os princípios e objetivos, os valores, a didática, a carga horária mínima do curso e do estágio supervisionado por meio de atividades teóricas e práticas, seminários, pesquisas, análises e reflexões de temas pertinentes à educação.

Com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia pretende-se garantir a todos os graduandos uma formação pedagógica sólida, capaz de atender as necessidades dos alunos. Aranha (2006) afirma que a valorização da profissão deve começar pensando-se na formação do professor.

A revalorização da profissão docente deve começar pelos cuidados com a formação do professor. Tornar os cursos de Pedagogia momentos efetivos de reflexão sobre a educação e condição para a superação da atividade meramente burocrática em que mergulham muitos desses cursos. Afinal, não basta ser químico para ser um bom professor de química nem “ter jeito para lidar com crianças” para dar aulas nos cursos de Educação Infantil. (ARANHA, 2006, p. 43)

Outro fator que influencia decisivamente a vida do professor quanto à formação é que, em decorrência dos baixos salários, ele precisa trabalhar em dois ou mais turnos, restando pouco tempo para a sua formação e impedindo que ele faça um bom planejamento e uma boa avaliação de seus alunos.

O curso de magistério compreende a técnica, e a Pedagogia a ciência. Desse modo, de nada vale o professor saber ensinar se não souber o porquê, a importância e nem a metodologia a ser utilizada para um determinado grupo de alunos, levando-se em consideração o contexto social no qual o mesmo está inserido.

Anísio Teixeira sabia que era fundamental a formação em nível superior, que iria garantir o estudo da psicologia, da sociologia e da filosofia, disciplinas auxiliares, essenciais para que o professor compreenda a sociedade e seu ideal de homem e de educação.

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Aos professores não bastaria apenas que tivessem para isso um bom conhecimento teórico, mas deveriam ter capacidade de refletir sobre as singularidades de sua própria atividade profissional, sobre as questões decorrentes do insucesso constante do empreendimento educativo, sobre a técnica e as vicissitudes ou indeterminações que constituem a própria natureza da atividade de ensino. E, mais do que isso caberia a esses profissionais resolver essas questões técnicas e determinar a atividade de ensino, conferindo-lhe um sentido humano que não contrariasse a vida e a experiência comum e que fosse a socialização mesma do exercício da atividade filosófica de refletir radicalmente o tempo presente. Nesse sentido, o perfil desse profissional seria o próprio perfil daquele que faz filosofia da educação na sua experiência cotidiana e, no limite, promove a capacidade de aprender a filosofar sobre o tempo presente, socializando-a e promovendo a constituição de um ambiente de comunicação sem violência, propício ao desenvolvimento da democracia. (PAGNI, 2008, p. 105)

Segundo Pagni (2008), para Anísio Teixeira era preciso refletir acerca da profissão e da sociedade. Portanto, não basta dominar a técnica e conhecer algumas teorias se não souber aplicá-las reflexivamente.

O curso superior é que seria capaz de dar uma formação pedagógica sólida auxiliando e justificando sua prática, de modo que ambas contribuíssem para melhor aprendizagem dos alunos.

Como no período em que Anísio Teixeira viveu, ainda hoje a chave para a transformação do sistema educacional brasileiro pode estar na formação do professor, já que muitas tentativas de reformas foram feitas, mas desarticuladas, isoladas e rápidas, sendo assim, incapazes de realizar mudanças qualitativas na educação brasileira.

Conclui-se que, apesar de muitas das obras de Anísio Teixeira ainda serem pouco conhecidas e estudadas, elas trazem uma contribuição singular para a reflexão do sistema educacional e particularmente, da formação de professores, uma vez que este autor foi um visionário, um homem além de seu tempo. Boa parte de suas idéias permanecem atuais, visto que, apesar de todas as transformações econômicas, sociais e culturais, o país ainda anseia por uma transformação no sistema educacional, especialmente no que tange à formação de professores. Como descrito no trabalho, grande parte dos profissionais da educação continuam ainda mergulhados na ideologia de que é normal mulher gostar de criança, que é algo vocacional, e que, portanto, não é preciso formação para trabalhar com as mesmas, o que também justifica os baixos salários e a grande maioria de mulheres nos cursos de formação de professores. Logo, é preciso repensarmos sobre a formação de professores se quisermos, de fato, uma melhoria no sistema educacional.

Referências

ARANHA, Maria Lúcia Arruda. Filosofia da Educação. São Paulo: Moderna, 2006.

AZEVEDO, Fernado et al. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. RBEP, Brasília, 1932.

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LEI 9394/96, 20 de Dezembro de 1996 (DOU 23.12.96).

MARCÍLIO, Maria Luiza. História da Escola em São Paulo e no Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Instituto Fernand Braudel, 2005.

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PAGNI, Pedro Ângelo. Anísio Teixeira: experiência reflexiva e projeto democrático: a atualidade de uma filosofia da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

TEIXEIRA, Anísio Spinola (2). Educação não é privilégio. São Paulo: Nacional, 1971.

TEIXEIRA, Anísio Spinola (3). Educação no Brasil. São Paulo: Nacional, 1976.

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LEI 9394/96, 20 de Dezembro de 1996 (DOU 23.12.96).

Regina Aparecida Correa é graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé – UNIFEG e pós-graduanda em Docência no Ensino Superior na Universidade do Sul de Minas – UNIS-MG.

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Sociologia do conhecimento na historiografia do Ensino Profissional

Marcelo Rodrigues Conceição

RESUMO: Este trabalho apresenta os resultados da revisão sobre a historiografia do Ensino Profissional. As publicações analisadas, seus respectivos autores e as datas em que foram divulgadas como livros são: Trabalhadores urbanos e Ensino Profissional (Maria Alice Ribeiro, Coraly Gará Caetano e Maria Lúcia Caira Gitahy, de 1986); A Escola Profissional de São Carlos (Ester Buffa e Paolo Nosella, de 1998); O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização e O Ensino Profissional na irradiação do industrialismo (Luiz Antônio Cunha, de 2000); Educação Profissional no Brasil (Silvia Maria Manfredi, de 2002) e A socialização da força de trabalho: instrução popular e qualificação profissional no estado de São Paulo (1873-1934) (Carmen Sylvia Vidigal Moraes, de 2003). As análises se basearam, primordialmente, no conceito de modo de produção de Ferro, que se destina a verificar as influências do momento e das circunstâncias em que e onde foram produzidos os trabalhos, ou seja, analisar sociologicamente a produção deste determinado conhecimento: a história do Ensino Profissional. Os objetivos foram: revisar o modo como foi produzida a historiografia do Ensino Profissional e seus resultados; apontar as características e analisar a relação desta produção com a da História da Educação; verificar as motivações que conduziram os autores a utilizar determinados modelos analíticos. As conclusões são de que a produção foi influenciada pelos momentos e circunstâncias em que os autores se formaram e desenvolveram seus trabalhos, marcado pelas discussões sobre o desenvolvimentismo do país.

Palavras-chave: Ensino Profissional; historiografia, sociologia do conhecimento.

Introdução

A historiografia do Ensino Profissional, referente aos primórdios do processo de industrialização do Brasil (início do século XX), é o objeto central do presente trabalho. Em relação ao significado de historiografia, Warde (1990a, p. 4) destaca que há utilização de modo indiscriminado: para indicar o conjunto de obras das obras de História e/ou para se referir a um mapeamento, a um arrolamento ou a qualquer maneira de ordenação dessas obras, além de servir para nominar o estudo efetuado por meio de algumas formas de ordenação. O entendimento de historiografia, para este trabalho, se refere ao conjunto das obras e a maneira como foram produzidas em relação ao momento e ao lugar.

Os livros que compõem o corpus da historiografia e seus respectivos autores são: Trabalhadores urbanos e Ensino Profissional (Maria Alice Ribeiro, Coraly Gará Caetano e Maria Lúcia Caira Gitahy, de 1986); A Escola Profissional de São Carlos (Ester Buffa e Paolo Nosella, de 1998); O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização e O Ensino

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Profissional na irradiação do industrialismo (Luiz Antônio Cunha, de 2000); Educação Profissional no Brasil (Silvia Maria Manfredi, de 2002) e A socialização da força de trabalho: instrução popular e qualificação profissional no estado de São Paulo (1873-1934) (Carmen Sylvia Vidigal Moraes, de 2003).

Os trabalhos supracitados que se tornaram referencial para os estudiosos do tema, foram analisados levando-se em consideração dois níveis de investigação, inter-relacionados: o primeiro visa a identificar as características e concepções sobre o Ensino Profissional e sua relação com a produção em História da Educação; o segundo visa a analisar a trajetória dos autores, as influências dos momentos e das circunstâncias em que se formaram e se tornaram pesquisadores, a partir dos anos de 1960, nas conclusões que efetuaram sobre a história do Ensino Profissional.

1. Delineamentos da investigação

A leitura dos títulos dos livros que compõem as fontes principais desta pesquisa indicou que há vários termos para se referir ao Ensino Profissional. Entende-se por Ensino Profissional a formação destinada à obtenção de um ofício ou profissão, desenvolvida de forma independente ou integrada aos demais níveis de ensino (Primário, Secundário, Médio etc.). Os termos que designam este ramo de ensino (qualificação profissional, ensino de ofícios, Ensino Industrial, Educação Profissional etc.) serão utilizados de acordo com a versão dos autores. Nos anos de 1990, o termo mais utilizado é Educação Profissional, talvez porque a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (LDB/96) estabeleceu dessa maneira. Para o período de interesse desta investigação, o termo Ensino Profissional é o mais utilizado.

As obras aqui analisadas foram produzidas nas décadas de 1980, 1990 e 2000, escolhidas por terem sido trabalhos publicados em livros pelas editoras, o que sugere terem maior circulação, o que pode fazer com que se determine um modo interpretativo a respeito da história do Ensino Profissional.

Entretanto, o período escolhido para efetuar a análise das características do Ensino Profissional é de meados dos anos de 1880 a meados de 1940. Justifica-se a definição da periodização pelo fato de que as obras escolhidas têm como marco as iniciativas de industrialização e urbanização do país e, também, por ser o momento de organização do sistema de ensino brasileiro, aqui entendido como todos os níveis, sob um padrão de legislação e funcionamento, do qual o Ensino Profissional era parte integrante.

Este trabalho pretende estabelecer um entendimento da maneira como se deu a produção sobre a história do Ensino Profissional e para a realização dessa tarefa é indispensável considerar um suporte conceitual primordial para o entendimento dos trabalhos e da conformação da historiografia: o “modo de produção das obras históricas”. Esse modo de produção, de acordo com Ferro (1989, p. 2), define-se “como as condições que determinam a produção e a natureza das obras históricas, ou seja, quais são os temas por elas privilegiados, de que maneira são abordados, como esses dados evoluem através do tempo”. Já em relação ao lugar de produção, há que se destacar a sua importância na condução e conformação dos trabalhos:

[...] a análise das condições institucionais deve levar em conta o caráter de construto político da história, na produção do qual os grupos sociais, instituições ou civilizações, em disputa pelo controle do conhecimento do passado, e pelo próprio passado, fazem da história um monumento a conferir-lhes legitimidade. É justamente pela importância que as instituições e as sociedades conferem à história que as interdições e permissões que estão presentes no modo de produção das obras históricas agem como controladoras na produção de uma história vigiada. (BONTEMPI JR., 1995, p. 16-17)

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A concentração de profissionais (pesquisadores, professores, administradores) em agrupamentos permite realizar exercícios imaginativos dos diversos interesses que moveriam um pesquisador a realizar trabalhos sobre um tema, com determinado tipo de abordagem. O primeiro vínculo é com o professor-orientador, em se tratando de trabalhos acadêmicos, que normalmente inserem o pesquisador em um grupo. Essa relação e o interesse do orientador, que já pertence a diversos grupos, podem influenciar a escolha do tema, objeto e referenciais teóricos, além dos métodos e técnicas para a realização do trabalho. A instituição a qual o pesquisador e o orientador estão vinculados pode fazer com que os estudos sejam dirigidos, a fim de garantir recursos, já que por vezes as universidades têm, em seus departamentos, institutos de avaliação de programas públicos ou prestam diversos serviços ao poder público (planejamento, execução de atividades, avaliação etc.). Outro importante influenciador é a filiação ou opção político-partidária, o que pode fazer com que o pesquisador divirja ou referencie a política educacional em vigência, de acordo com sua posição a respeito do partido que ocupa o poder: oposição ou situação. Ainda, em relação à situação política, é evidente o processo de ocupação de áreas do poder público, como a econômica, por exemplo, por grupos de intelectuais ligados a universidades, que assim se impõem na formulação e condução das políticas públicas.

Essa verdadeira rede (orientador/universidade/institutos/entidades-civis/partidos-políticos), provavelmente, constitui um corpo de influência sobre os temas a serem pesquisados, a forma de realização da pesquisa e os resultados atingidos. O pertencimento a determinado(s) grupo(s) e, consequentemente, os interesses de cada um deles, além dos pessoais, talvez influenciem na escolha do objeto e na forma de pesquisá-lo, o que possivelmente trará vieses nas conclusões que estariam subordinadas às aspirações pessoais ou dos grupos de pertencimento.

Como a vinculação imediata da história do Ensino Profissional é com o campo da História da Educação, cabe entender o que se produziu nos anos em que foram elaborados os trabalhos a serem analisados e nos quais os autores se formaram, ao mesmo tempo em que foram construídas e difundidas algumas concepções sobre Educação e História no meio acadêmico.

2. Algumas características da historiografia educacional brasileira

A historiografia educacional brasileira referente ao período de produção dos trabalhos em tela (décadas de 1980, 1990 e 2000), é contemplada por alguns estudos sobre suas tendências, seus objetos e aportes teóricos, bem como críticas às maneiras de interpretação ou escolha de temas e objetos de pesquisa.

A pesquisa em História da Educação ganhou evidência com a institucionalização da pós-graduação em Educação nos anos de 1970. Warde (1984), ao se referir à produção entre 1970 e 1984 nos programas de pós-graduação em Educação, identifica como seus traços característicos: a conformação do objeto de estudo nas condições históricas de sua produção; o enquadramento em períodos consagrados (Estado Novo, Primeira República); a presença marcante do Estado como interlocutor obrigatório das investigações sobre assuntos educacionais; a predominância de literatura das Ciências Sociais como aporte teórico nos trabalhos.

A historiografia nascida nos programas de pós-graduação em Educação, segundo Warde (1984, p. 3), revela a predominância do diálogo com o Estado. É preciso destacar que, nos anos de 1970 e 1980, este seria o principal personagem do palco educacional:

O que ele fez ou o que deixou de fazer, o que cumpriu ou deixou de cumprir, o que absorveu das demandas de setores sociais e o que deixou de absorver são ainda as

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grandes questões vistas nesses estudos. Mesmo a seleção de uma temática que implica a captação da movimentação de forças no âmbito da sociedade civil tende a recair nas situações onde o estado apareceu como o principal interlocutor dessas forças e mais do que isso onde se manifestou, bem ou mal, a respeito das demandas dessas forças. (WARDE, 1984, p. 6)

Além do Estado como interlocutor, Yamamoto (1996) constata o predomínio da abordagem marxista nos trabalhos sobre a história da educação brasileira entre 1970 e 1990. Essa prevalência estaria ligada a alguns fatores como: o local de produção, a instituição à qual se vinculava o pesquisador e o forte apego à militância política. Em relação à forma de utilização do referencial marxista, Yamamoto (1996, pp. 165-168), destaca ter havido “apropriação indébita” em algumas situações, com base em três aspectos: apreensão de Marx por meio de outros autores; utilização de uma leitura exegética, com citações clássicas, mas desprovidas de maior significação; falta de enquadramento histórico, o que, segundo o autor, culminava com afastamento do pensamento original, caso específico em que cita a utilização de uma suposta pedagogia marxista. Por meio dos problemas arrolados, Yamamoto concluiu que houve uma utilização marxista na Educação com anacronismos e muitos erros interpretativos.

Bontempi Jr. (1995) corrobora as constatações de Yamamoto (1996) sobre a presença do marxismo na historiografia educacional brasileira, mas em análise de 2005 faz referência à presença de outra vertente sociológica, a de Durkheim, dividida, pelo autor, em visível e invisível. A presença visível se daria nas análises azevedianas, pela utilização do método comparativo de Durkheim, da função da Educação e do papel do Estado e pela integração do fenômeno social aos “fatos que o precedem e aos fenômenos mais gerais que caracterizam a sociedade em que se inscreve” (BONTEMPI JR., 2005, p. 50). Mesmo em fase designada como de uma historiografia crítica, Bontempi Jr. (2005, p. 58) constata a presença invisível de Durkheim, pelo mecanismo analítico dos trabalhos, apesar de não ser legítimo rotular a historiografia educacional como “durkheimiana”:

[...] embora seja um despropósito afirmar que a historiografia da educação brasileira dos anos de 1970 e 1980 seja “durkheimiana”, posto que em nenhum momento ela exercitou o método rigoroso reclamado por Durkheim para a verificação das correlações entre os fatos sociais que dá suporte para as leis sociais gerais, é possível afirmar que nela perdurou a própria crença na existência de leis gerais de explicação dos fatos particulares e a correlata subordinação da história, o que não deixa de ser uma presença invisível de um autor em “posição de transdiscursividade”. (BONTEMPI JR., 2005, p. 59)

Vale destacar, portanto, que a historiografia da Educação brasileira, produzida nas décadas de 1970 a 1990, foi fortemente influenciada pela Sociologia, com presença marcante de referenciais teóricos e de modelos analíticos, nem sempre assumidos ou mesmo compreendidos, de Marx e Durkheim.

A partir de meados dos anos de 1980, a pesquisa em História da Educação buscou outras formas interpretativas e metodológicas. Segundo Warde e Carvalho (2000, p. 10), o primeiro aspecto de mudança percebido foi o das “iniciativas que buscavam penetrar nas relações intergrupais e na cotidianidade da vida escolar”, baseadas nos estudos etnográficos e na nova Sociologia da Educação:

De modo mais indireto, o campo dos interesses e a inserção epistemológica dessas modalidades de pesquisa tiveram um efeito curioso: promoveram a redefinição do estatuto da produção historiográfica no campo da pesquisa sobre educação, liberando a História da Educação da função de saber subsidiário nesse campo. Essa redefinição acabou por favorecer a reflexão sobre questões metodológicas e

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conceituais, sedimentando práticas de discussão historiográfica em torno de temas, questões e procedimentos, e produzindo, desse modo, uma certa tradição disciplinar partilhada pelos historiadores da educação. Questões como as relativas ao estatuto documental das fontes utilizadas e à produção da escrita da história adquiriram centralidade. Nesse processo, foi sobretudo a crescente problematização da relação entre historiografia educacional e fontes, que assumiu o papel motor principal das transformações. (WARDE; CARVALHO, 2000, p. 10)

Em meados da década de 1990, segundo Warde e Carvalho (2000, p. 26-27), ocorreu um deslocamento, em múltiplas direções, dos estudos sobre a história da educação brasileira. Uma das principais características dessa mudança foi o direcionamento às práticas escolares e aos agentes do processo educacional (docentes, discentes, formação de quadros etc.). Essas mudanças ocorreram nos objetos de estudo, nas fontes, nos referencias (conceituais e metodológicos), e talvez tenham sido motivadas, segundo as autoras, por novas condições políticas e institucionais que redefiniram as relações entre os intelectuais e o Estado:

A possibilidade de surgimento dessa nova historiografia educacional não decorre, entretanto, apenas dessas novas condições políticas e nem tampouco apenas do movimento de reconfiguração conceitual e metodológico das pesquisas educacionais desencadeado nessas décadas. Ela decorre, talvez principalmente, das condições políticas e institucionais que vêm promovendo a redefinição das relações entre os intelectuais e o Estado, produzindo o isolamento do campo acadêmico das políticas educacionais atuais. (WARDE; CARVALHO, 2000, p. 27)

Os trabalhos sobre a história do Ensino Profissional analisados chegam ao ano de 2003, mas os balanços efetuados sobre a produção em História da Educação, após os anos de 2000 não indicam outras modificações substanciais como as apontadas por Warde e Carvalho (2000). Os novos rumos apontados por Warde e Carvalho (2000), representariam a consolidação do campo, mas nitidamente inscrito no âmbito da chamada Nova História Cultural.

Dentre os aspectos mais importantes da Nova História Cultural está a importância da análise e descrição das fontes. Segundo Nunes e Carvalho (1993, p. 9), o exame das fontes estaria relacionado à vertente interpretativa contemporânea de um modo geral, e, em particular, à História da Educação que, por parte de um de seus grupos, absorvera a Nova História Cultural que tem tratado de problemas, temas e objetos considerados, até recentemente, como exclusivos da História da Educação.

As características da historiografia educacional brasileira dos anos de 1970 e 1980 e a leitura dos trabalhos sobre a história do Ensino Profissional indicam haver semelhança entre os temas, enfoques e objetos.

3. No “des” compasso da historiografia educacional

A relação entre a crítica à produção em História da Educação e a produção aqui analisada sobre a história do Ensino Profissional podem ser observadas sob alguns aspectos: interlocução como Estado, utilização da História, busca por novas fontes e presença dominante da Sociologia e do desenvolvimento da indústria na determinação das análises.

A presença do Estado como interlocutor quase único é extremamente relevante nas obras analisadas. Em todos os trabalhos são consideradas as iniciativas estatais, bem como as legislações que teriam determinado e sido influenciadas pelo desenvolvimento urbano-industrial. Acrescenta-se o fato de que as iniciativas estatais, na visão dos autores, sempre estiveram aquém das necessidades de formação para o mercado, ou seja, de trabalhadores qualificados para possibilitar o desenvolvimento industrial, conforme atestam em suas

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análises, Cunha (2000a, 2000b), Moraes (2003) e Ribeiro (1986), destacando que o Liceu de Artes e Ofícios, e depois o SENAI, teriam atendido melhor a essas “solicitações”.

Parece correto afirmar que houve utilização da História, aspecto analisado por Warde (1984), para a produção entre os anos entre 1970 e 1980, pois o importante está na elucidação de problemas atuais, buscada pelos trabalhos de Cunha (2000b) e Manfredi (2002), principalmente. Seria a busca de explicações para os momentos de produção, daí tão importante se ater para as questões e discussões que estariam em pauta nos momentos em que nossos autores desenvolveram seus trabalhos.

Ao tratarem do Ensino Profissional, os trabalhos em tela referem-se preferencialmente ao Ensino Industrial, desconsiderando a importância dos demais ramos (comércio e serviços, pelo menos) na construção da sociedade paulista e do sistema educacional brasileiro. Algumas iniciativas, como a criação da Escola de Ensino Comercial Álvares Penteado e a organização do Ensino Comercial precederam diversas leis ligadas ao Ensino Industrial e a criação de algumas instituições analisadas.

Ao excluir as demais modalidades de Ensino Profissional fica latente que, mesmo que com algumas justificativas como as de Cunha, este era o único setor deste ramo de ensino que ajudaria no desenvolvimento do país, voltado à indústria. Para os autores, as iniciativas que não se destinaram ou não estiveram, em seus objetivos, ligadas ao mercado de trabalho, fracassaram justamente por não se relacionarem à dita “modernização” por meio da industrialização.

É importante destacar que houve um movimento pela busca de novas fontes, mas permaneceram os mesmos padrões de análises em que a industrialização serviu como o modelo a ser seguido, também, no Ensino Profissional.

De forma geral, os trabalhos sobre o Ensino Profissional apresentados pautam-se na utilidade do Ensino Profissional à modernização do país e à industrialização. Mesmo apresentando bom conteúdo de informações (cursos, programas, mecanismos de seleção, legislação), as conclusões são voltadas ao mercado de trabalho e à economia do país. Apesar de analisarem detidamente algumas experiências e mesmo atestando-as como inovadoras e pertinentes, ao buscar uma caracterização, os autores remetem ao processo de industrialização para que este seja o elemento ao qual o Ensino Profissional deveria atender, acompanhar e até conduzir. Nas análises predominaram as questões relacionadas ao desenvolvimento do país, destacadas por dois modos interpretativos sobre o capitalismo no país: a industrialização como única via ao desenvolvimento e a necessidade de modernização do país.

Outro aspecto importante é o da influência da Sociologia nos estudos sobre a História da Educação, também presente na história do Ensino Profissional.

Quais seriam as origens e as necessidades enfrentadas pelos autores para buscarem na Sociologia as explicações utilizadas no campo da História da Educação acerca do Ensino Profissional? Haveria relação entre Sociologia e desenvolvimentismo?

4. Sociologia e desenvolvimentismo no Brasil

No Brasil, a Sociologia, ao lado da Economia, predominaram como áreas de maior relevância no debate acadêmico sobre o desenvolvimento do país. Especialmente nas décadas de 1950 a 1970, a preponderância dessas duas disciplinas se deu por algumas necessidades, dentre as quais a busca de formação de campos investigativos.

Para analisar a realidade brasileira os agentes dos campos da Economia e a da Sociologia debateram em torno das questões sobre o desenvolvimento do país. As formulações que dominaram as maneiras de se pensar o Brasil se concentraram em torno da industrialização como único caminho para o desenvolvimento.

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A historiografia do Ensino Profissional aqui analisada parece ter sido subtraída da Sociologia, por meio de uma correlação de fatores (políticos, econômicos, culturais) nos quais se destacam: a luta contra o regime autoritário e as disputas dos intelectuais em torno do prestígio e do poder do campo que a área deveria ter no campo científico.

O ambiente no qual se deu a formação dos pesquisadores, exatamente no momento de predominância da Sociologia e da Economia, nos debates acerca do desenvolvimento do Brasil são fundamentais para se entender as outras variáveis que contribuíram para a influência da Sociologia nos trabalhos sobre a história do Ensino Profissional.

Os autores em estudo realizaram e concluíram sua formação de graduação, a partir do ano de 1966, conforme demonstra o gráfico abaixo.

Gráfico - Período de Formação dos autores

19741976

1973

1971

1966 1967

1984 19831986

1981

19771975

1972

1976

1990

19811979 1980

1983

1960

1965

1970

1975

1980

1985

1990

1995

Graduação Mestrado Doutorado

Graduação 1974 1976 1973 1973 1971 1966 1967 1967

Mestrado 1984 1983 1986 1981 1977 1975 1972 1976

Doutorado 1990 1981 1979 1980 1983

Ribeiro Gitahy Caetano Moares Nosella Buffa Cunha Manfredi

Fonte: Elaborado com base nas informações extraídas da Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq).

Os autores se graduaram entre um período relativamente curto, de 1966 a 1976. A formação em nível de pós-graduação se deu entre 1972 e 1990. Há que se verificar o momento e as circunstâncias nas quais os pesquisadores foram formados por se pensar que os autores não se desprenderiam das questões e maneiras de interpretação com as quais tiveram contato e foram influenciados. No cenário político e intelectual houve a organização de grupos que debatiam alguns temas sobre a realidade nacional.

Fato a se destacar é que o período de realização da graduação e da pós-graduação dos autores analisados coincidiu com a criação da pós-graduação no país, com o debate sobre democratização, com as discussões em torno de política educacional e, de maneira mais relevante, com a organização do campo intelectual frente a esses debates. Alguns dos autores foram os primeiros alunos profissionalizados por um novo modelo de pós-graduação implantado no país, especialmente no doutorado (Cunha, Manfredi, Buffa e Nosella). Quando os produtores de conhecimentos sobre o Ensino Profissional entram em cena, o campo acadêmico científico, no que tange às Ciências Sociais, já vinha, desde os anos de 1950, discutindo o processo de desenvolvimento do país, baseado em uma única possibilidade: a indústria.

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5. O desenvolvimentismo no Brasil

Alguns grupos e pensadores formularam teorias sobre desenvolvimento e industrialização, que levaram à determinação de marcos interpretativos sobre a situação econômico-social da América Latina e, logo, do Brasil. Sob perspectivas diferentes, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) e o grupo de Sociologia da USP, que depois criou o grupo de estudos do Centro Brasileiro de Pesquisa (Cebrap), debateram a questão do desenvolvimento do país, elaboraram e discutiram conceitos que se tornaram quase que obrigatórios para a discussão da situação do país em diversas áreas.

Oliveira (2000, p. 123) afirma que as teorias cepalinas se tornaram ideologia, no sentido gramsciano, por terem orientado e pautado as discussões sobre a economia e a elaboração de projetos e programas visando ao desenvolvimento, nos países periféricos como os da América Latina. É mais do que isso! A construção de uma maneira de analisar se tornou quase que obrigatória nas discussões acadêmicas e conformaram o modo de pensar de uma geração de cientistas sociais e economistas, influenciando, mesmo passados os anos de 1970, a maneira de interpretação de toda a história do capitalismo no Brasil.

Destaca-se que a história do Ensino Profissional foi caracterizada pela perspectiva trilhada nos trabalhos sobre as teorias de desenvolvimento da Cepal, do Iseb e de parte do grupo da USP. Não houve abertura para outras possibilidades ou análise da importância de outros setores (agrícola, comercial). Deixou-se de fora, apesar de algumas citações, a relação desta modalidade de ensino com a criação de um sistema educacional, tão em pauta nos anos de 1930, período de grande expansão e de organização do Ensino Profissional.

Por meio de diferentes formas, excetuando-se as críticas de Oliveira, foi montado um verdadeiro arsenal discursivo, em que não se questionou em momento algum o modelo de desenvolvimento industrial, apesar das discordâncias nas formas em que se deu sua implementação. Teria sido construída uma hegemonia da indústria na idealização de um futuro promissor para a nação brasileira, o que seria uma grande ilusão:

Assistimos, nos anos 50 e início de 60, a articulação das interpretações sobre a industrialização, sobre o progresso, sobre o nacionalismo e o imperialismo, orientada para a montagem da dominação ideológica da burguesia “moderna”, salientando-se sobretudo essa ilusão de que a riqueza se espalha. (FRANCO, 1978, p. 197)

Franco (1978, p. 200) ainda critica com veemência o caráter particular dos interesses implícitos:

O que é silenciado, mas é o pressuposto necessário desses raciocínios, é sempre a idéia do desenvolvimento industrial, moderno, nacional, como motor do progresso geral, tal como então preconizava o ISEB. Com isto, alcançar-se-á o melhor dos mundos possíveis para todos. É possível ir longe com esse pensamento em que se subsume sob o sistema, sob o comportamento médio de indivíduos, os interesses muito particulares de um setor muito determinado da sociedade. (FRANCO, 1978, p. 200)

As ilusões em torno do desenvolvimento, mesmo que em algumas inserções tenham se discutido as condições sociais da população, galgando na indústria atingiram o país inteiro, não escapando nem intelectuais de esquerda. Os autores analisados também se renderam aos encantos. Mas, por quais motivos? Uma possível explicação, analisada para o Iseb, mas que em sua primeira parte pode ser estendida aos demais grupos:

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Todas as classes sociais no Brasil foram, de fato, mobilizadas pela propaganda do desenvolvimento, pela crença no progresso geral. Sua grande eficácia prática veio justamente de haver fornecido uma imagem especular da realidade sócio-econômica, invertendo o sentido das relações sociais e descortinando a miragem da participação igualitária na riqueza, na cultura e na política. A doutrina elaborada pelo ISEB pertence, no sentido preciso do termo, ao domínio da ilusão. Dizendo isto, entretanto, não pretendo que sejam falsas, irreais, desvinculadas das bases materiais ou, ainda que estejam “fora do lugar” no Brasil. Muito pelo contrário, é como ilusão mesmo que têm um lado de verdade e são inseparáveis do movimento global de constituição e reprodução do sistema socioeconômico. (FRANCO, 1978, pp. 190-191)

O desenvolvimento foi discutido fervorosamente e marcou as posições intelectuais por um grande período, se é que é possível afirmar que tenha saído dos debates:

O desenvolvimento deixa de desempenhar o papel de lógica do social, inscrita no movimento do real e teleologicamente orientada no sentido da criação de uma nação soberana. Ao contrário, tudo evidencia os obstáculos “estruturais” ao desenvolvimento e as distorções multiplicadas por este. Já não se trata mais só do freio das estruturas arcaicas, mas do freio inerente à condição das sociedades periféricas. A interpretação econômica do social não pede sua importância central. Aliás, os economistas reforçam sua posição dentro do terreno intelectual: prova disso é a influência que exercem em todas as ciências sociais. Eles se encontram numa situação comparável à dos pensadores de 1930: com o encargo de definir, não mais a organização política da sociedade, mas sua organização econômica, par que se possa escapar ao “desenvolvimento do subdesenvolvimento”. Sem dúvida, o grande atingido é o evolucionismo, até então subjacente às concepções do social. A “hegemonia da esquerda” exprime também a crise da assimilação do desenvolvimento à modernização. (PÉCAUT, 1990, pp. 203-204)

Conclusão

Os anos em que os autores se formaram foram marcados por disputas nos campos das Ciências Sociais em que prevaleceram a Sociologia e a Economia, conduzindo a organização das diretrizes a serem seguidas: a história do Ensino Profissional se caracterizou por essa marca. Dentre os elementos mais destacados estiveram as questões acerca do desenvolvimento do país e a aceitação, por parte de todos os grupos (da esquerda e da direita) de tipos e tendências do desenvolvimentismo. Baseada na aceleração da industrialização e no avanço da tecnologia o referencial dessas discussões fez com que os autores não conseguissem se livrar deste exclusivo debate, mesmo apontando para necessidade de novas interpretações.

Pelas necessidades atribuídas, sejam elas reais ou imaginárias, a historiografia publicada sobre Ensino Profissional dos anos de 1980 em diante pode ser considerada de influência da abordagem sociológica. As maiores influências, relatadas pelos balanços da historiografia da Educação brasileira apontam para Marx. Conceitos como luta de classes, produção capitalista e hegemonia estariam na base das interpretações. Uma das principais discussões sobre o Ensino Profissional dos anos de 1930 e 1940, principalmente, pelos pesquisadores, se centrou na dualidade do Ensino Secundário: formação geral para as elites e formação profissional para as classes menos abastadas.

A influência sociológica se deu pela discussão sobre o processo de industrialização e desenvolvimento do país, e pelos modelos interpretativos baseados nas generalizações (sem analisar as singularidades de cada acontecimento em seu momento). Os historiadores e os educadores interessados em marcar presença no debate, dominado por sociólogos e

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economistas, não conseguiram escapar ao predomínio dessas abordagens. Para os educadores o fundamental era fazer frente às políticas educacionais em evidência e criticar o Estado.

Houve o uso da História para entender o presente. O problema não é partir do presente, já que é a partir dele que se pensa o passado. A questão é de utilizar a História, apenas isso, para concluir que o presente é fruto do que fora feito ou não no passado, ignorando as maneiras de elaboração do conhecimento histórico.

O Ensino Profissional foi discutido mais com relação aos fatores externos do que propriamente com as questões educacionais, deixando de lado até a influência que este pode ter tido nos demais ramos e modalidades de ensino. As características (uso da História, interlocução com o Estado, forte presença da Sociologia, etc.) apontadas pelos balanços da historiografia educacional brasileira, para os anos de 1970 e 1980, são as mesmas encontradas na análise da história do Ensino Profissional.

Referências

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BUFFA, Esther; NOSELLA, Paolo. A Escola Profissional de São Carlos. São Carlos: EdUFSCcar, 1998.

CUNHA, Luiz Antônio C. R. da. O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização. São Paulo: Editora Unesp; Brasília: Flacso, 2000a.

______. O Ensino Profissional na irradiação do industrialismo. São Paulo: Editora Unesp; Brasília: Flacso, 2000b.

FERRO, Marc. 1989. A história vigiada. Tradução: Dóris S. Pinheiro. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. Tempo das ilusões. In: CHAUÍ, Marilena; FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. Ideologia e mobilização popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra, pp. 153-209, 1978.

MANFREDI, Silvia M. Educação Profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.

NUNES, Clarice; CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Historiografia da Educação e fontes. Cadernos Anped, Porto Alegre, n. 5, p. 7-64, 1993.

OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo editorial, 2003.

PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política brasileira: entre o povo e a nação. Tradução de Maria Júlia Goldwasser. São Paulo: Ática, 1990.

RIBEIRO, Maria Alice Rosa (org.). Trabalhadores urbanos e Ensino Profissional. Campinas: Editora da Unicamp, 1986.

WARDE, Mirian J. Anotações para uma historiografia da Educação brasileira. Em Aberto, Brasília, n. 23, p. 1-6, set./out, 1984.

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_______________. Contribuições da História para a Educação. Em Aberto, Brasília, n. 47, p. 3-11, jul./set, 1990a.

WARDE, Mirian J.; CARVALHO, Marta M. C. de. Política e cultura na produção da história da educação no Brasil. Contemporaneidade e Educação, São Paulo, n. 7, p. 9-33, 2000.

YAMAMOTO, Oswaldo H. A Educação Brasileira e a Tradição Marxista (1970-90). São Paulo: Moraes, 1996.

Marcelo Rodrigues Conceição é professor adjunto da Universidade Federal de Alfenas onde ministra as disciplinas de Sociologia e Sociologia da Educação, Doutor em Educação: História, Política, Sociedade pela PUC/SP. O autor contou com apoio, por meio da concessão de bolsas, da Capes e do CNPq.

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Literatura Infantil clássica e formação do leitor*

Juliane Maria da CostaDaniela Aparecida Eufrásio

Fernanda Vilhena Mafra Bazon

RESUMO: Este trabalho visa ao entendimento das concepções acerca da Literatura Infantil Clássica e da formação do leitor no contexto educacional contemporâneo. Com o objetivo de apresentar reflexões sobre os clássicos, uma vez que eles se mostram como obras literárias de grande preferência pelas crianças. O principal argumento trazido por meio desta pesquisa é de que se as obras clássicas se destacam entre as crianças, entende-se que é necessária uma análise acerca destas obras. Para a análise proposta para este texto, selecionamos duas versões representativas da Literatura Infantil Clássica, mais especificamente, de Branca de Neve, e verificamos a qualidade literária presente nas versões sob análise. Além disto, avaliamos as potenciais contribuições destas obras para a formação do leitor infanto-juvenil. Portanto, o desafio que se coloca para a escola é a capacitação do aluno para que este saiba a diferença entre as obras que apresentam ou não qualidade literária e também o oferecimento de diferentes tipos de leituras que podem contribuir para a formação do sujeito.Palavras-chave: Literatura Infantil; Contos de Fadas; Formação do Leitor.

Apresentação

O nosso problema de pesquisa surgiu de um trabalho de entrevista que foi realizado com crianças, pais e professores, no interior da disciplina Literatura Infantil, em 2008, por alunos do quinto período do curso de Pedagogia, da Universidade Federal de Alfenas. Este trabalho acadêmico objetivava mapear algumas das leituras que já têm circulado entre o público infantil residente em Alfenas-MG. No contexto deste trabalho acadêmico, de conclusão de disciplina, verificou-se que os títulos dos clássicos infantis mostraram-se como sendo as leituras de maior circulação entre as crianças entrevistadas.

Esta constatação foi o germe para o desenvolvimento da presente pesquisa, que se propôs, então, a verificar que concepção de literatura subjazia à constituição dos acervos de livros infantis clássicos em três bibliotecas do município de Alfenas, vinculadas ao Estado e ao Município e também ao patrimônio privado, e se tal concepção exercia influência na formação do leitor infantil. Nesta pesquisa, foram analisadas versões diferentes de livros clássicos infantis que se encontravam disponíveis nos acervos das três bibliotecas, são eles: A Bela Adormecida, Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, João e Maria. Para o presente trabalho, iremos nos deter nas análises referentes às versões de Branca de Neve, somente. A proposta geral da pesquisa foi verificar a qualidade literária dos clássicos infantis encontrados nas bibliotecas, avaliando o trabalho de linguagem presente nas diferentes versões do mesmo texto.

* Este trabalho foi, em julho de 2010, defendido como Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia, no Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG).

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Ao iniciar a investigação proposta a partir da inserção nas bibliotecas e o consequente levantamento de características do acervo, pareceu-nos indispensável buscar, por meio da pesquisa nestes espaços bibliotecários, qual era a visão de mundo e de leitor contida nos mesmos, o que se constitui como fonte significativa de conhecimento, na medida em que o ser humano se transforma e transforma sua realidade de acordo com a sua própria experiência existencial e com as vivências que o espaço, no qual o sujeito se inclui, permite. Coube-nos também refletir acerca da importância da literatura infantil, enquanto manifestação cultural, na formação ampla e profunda do sujeito, pois as crianças não só internalizam a cultura, mas a reelaboram atribuindo-lhe sentidos.

Esta pesquisa contribui pela proposição de fazer uma imersão analítica e interpretativa das obras infantis clássicas. Ressalta-se que um trabalho deste caráter traz em seu bojo a possibilidade de expandir a discussão, em torno da qualidade literária de livros infantis, para professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental, os quais, uma vez detentores deste debate, poderiam dispor de reflexões e instrumentais para avaliarem o valor dos clássicos infantis, não se detendo somente nos adornos que, muitas vezes, constituem estes textos, mas principalmente no valor linguístico e estético das obras a serem trabalhadas com as crianças em situação de sala de aula e, consequentemente, de formação do leitor.

Desta forma, conforme anunciado anteriormente, o que propomos neste texto é a análise de obras presentes nas bibliotecas mencionadas e apresentar informações quanto ao acesso à literatura infantil na cidade de Alfenas, seja em escolas ou na biblioteca municipal pública. As crianças, em início de escolarização, têm hábitos parecidos em relação às preferências de leitura e ingressam na escola sem saberem ler, mas já apresentam a predileção por obras conhecidas por meio da família, de amigos e da mídia em geral.

Introdução

Presenciamos um momento de grandes transformações da sociedade contemporânea, afetada pelas inovações tecnológicas e, notadamente, pelos meios de comunicação de massa. Na literatura, manifestam-se concepções, conceitos e valores recorrentes nessa sociedade, os quais se expressam de diversas formas. A literatura aparece como um fenômeno social que transforma a realidade e é incorporada de maneira diferente em cada indivíduo, promovendo a reflexão e operando no imaginário das pessoas. Como afirma Candido (1995, p. 243) “[...] nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo”.

A literatura e a literatura infantil, de uma forma mais específica, vivem um momento em que, segundo Coelho (2003, p. 11), “[...] vem-se sobressaindo a crescente onda de interesse pela literatura alimentada pela magia, pelo sobrenatural, pelos mistérios da vida, pelas forças ocultas, etc.”. No cotidiano, percebe-se o fascínio exercido nas pessoas pelos elementos oriundos do mundo maravilhoso: fadas, gnomos, bruxas, dentre outras figuras fantásticas.

O maravilhoso, presente nos contos tradicionais da literatura infantil, faz com que leitores de todas as épocas ultrapassem a barreira do tempo, o que favorece a perpetuação dos contos de fadas no decorrer da história. Estes contos, inicialmente, eram transmitidos por meio de narrativas orais, até se tornarem, posteriormente, objeto de registro escrito no Classicismo Francês e, posteriormente, serem coletados pelos Irmãos Grimm, que compilaram em obras os contos que se tornaram conhecidos enquanto parte da literatura clássica infantil. Eis alguns exemplos: Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Joãozinho e Maria, A Bela Adormecida, dentre outros. Atualmente, estes clássicos ressurgem em grandes produções do cinema e da TV, aparecem nas mídias digitais de alto padrão em relação aos efeitos especiais e continuam vívidas na literatura escrita. Em abordagens críticas,

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percebe-se que tais produções, por vezes, falham, quanto à qualidade literária, sendo mal-elaboradas e resumidas.

A indústria, na produção e reprodução dos clássicos, em linguagem verbal e não-verbal, influencia na formação cultural do público em geral. Se focalizarmos o público infantil, no que diz respeito aos clássicos que são reeditados em obras escritas, percebemos que uma das características predominantes é que elas são produzidas a partir do ponto de vista moralista e “pedagogizante” do adulto. Tal posicionamento gera concepções equivocadas acerca da literatura infantil, atuando de forma negativa no processo de formação do leitor e deixando de conferir à criança o direito a uma literatura que corresponda aos seus anseios. A formação do gosto preconiza o contato com obras de valor literário, que ampliam a visão de mundo do leitor e leva-o à construção de sua identidade enquanto sujeito crítico-reflexivo. De acordo com Meireles (1979, p. 96): “Um livro de Literatura Infantil é, antes de mais nada, uma obra literária. Nem se deveria consentir que as crianças freqüentassem obras insignificantes, para não perderem tempo e prejudicarem seu gosto”.

Quadro teórico

Para o trabalho analítico das obras constituintes do corpus, partimos da descrição de arte literária como proposta por Candido (1995):

A função da literatura está ligada à complexidade da sua natureza, que explica inclusive o papel contraditório mas humanizador (talvez humanizador porque contraditório). Analisando-a, podemos distinguir pelo menos três faces: (1) ela é uma construção de objetos autônomos como estrutura e significado; (2) ela é uma forma de expressão, isto é, manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e dos grupos; (3) ela é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação difusa e consciente. (CANDIDO, 1995, p. 244)

Os elementos destacados por Candido foram importantes para a análise proposta porque concernem ao estabelecimento de uma tríade que considera tanto a capacidade de uma obra tornar-se significativa para um grande número de pessoas de localidades diversas, quanto de apresentar as manifestações sociais de uma dada época e também de interferir na vida do leitor enquanto objeto, que demanda dele sua re-construção, concretizando assim um processo de relação com o saber.

Ressalta-se também, que este autor tece considerações acerca do importante papel desempenhado pela literatura, enquanto instrumento de denúncia e de reflexão, uma vez que a grande maioria das pessoas não tem acesso à literatura de qualidade, mas não por escolha própria, mas porque lhes é retirado esse direito e conclui afirmando que um direito que deveria ser de todos é restrito a poucos.

Para a descrição das obras, apoiamo-nos na caracterização da estrutura da matéria narrativa, tal qual apresentada por Nelly Novaes Coelho em Literatura Infantil: Teoria, Análise, Didática (1991). Foram priorizados os seguintes elementos para análise: narrador, personagem, enredo, o qual a autora chama de estória, espaço, tempo e linguagem. Na análise dos contos de fadas selecionados para o corpus da pesquisa, ficaram evidentes as características mais comuns a estas histórias fantásticas. Também foi analisado o item “ilustração”, que não foi retirado de Coelho, mas mostra importante papel na Literatura Infantil, pois, por vezes, livros imagéticos destinados às crianças pequenas falam apenas por meio de ilustrações sem precisar necessariamente, da presença do texto verbal.

É uma característica típica nos textos clássicos infantis, a presença de um narrador primordial, definido como sendo em terceira pessoa, que não participa da história como personagem e narra as histórias de outros personagens sobre os quais detém um conhecimento

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totalizante. As personagens em narrativas deste caráter, especificamente, são classificadas como personagem-tipo, categoria muito encontrada na Literatura Infantil. É fácil reconhecer tais personagens, pois representam uma função ou estado social, enquanto reis, rainhas, bruxas, simbolizando o carpinteiro, o pescador, o caçador, a mãe, a avó (COELHO, 1991). Diferentemente, das pessoas que vivem no mundo real que são únicas e ambíguas com defeitos e qualidades, as personagens do mundo encantado das fadas são estereótipos: boas, más, feias, bonitas, etc.

Em relação à função do espaço nos contos de fadas, está presente a função estética que favorece a criação de uma atmosfera propícia a cada evento que se desenvolve no conflito. Isso é percebido nos contos de fadas no que se refere ao cenário, meio físico onde se desenvolve a história, mas que não tem a pretensão de interferir nas ações das personagens. Trata-se da criação de um ambiente que permite o desenvolvimento dos eventos, mas não o influenciam diretamente. Por não corresponder a lugares existentes no mundo real, é chamado de trans-real.

No gênero narrativo, um dos elementos estruturais mais importantes é o tempo. Nos contos de fadas o tempo em que se passa a ação, é denominado mítico “... tempo imutável, eterno, que se repete sempre igual, sem evolução, nem desgaste: é o tempo da fábula, das lendas, do mito, da Bíblia, da ficção do ‘Era uma vez’...” (Ibidem, p.75).

Por fim, destacamos ainda a importância de considerações acerca da formação do leitor que levem em conta, em especial, a particularidade de formar o leitor em processo de alfabetização ou recentemente saído dele, tendo em vista que a esta pesquisa subjaz o questionamento acerca do papel da literatura em situação de escolarização regular. Zilberman (2003, p. 28-29) defende que:

A atividade com a literatura infantil – e, por extensão, com todo o tipo de obra de arte ficcional – desemboca num exercício de hermenêutica, uma vez que é mister dar relevância ao processo de compreensão, complementar à recepção, na medida em que não apenas evidencia a captação de um sentido, mas as relações que existem entre essa significação e a situação atual e histórica do leitor. Portanto, não é atribuição do professor apenas ensinar a criança a ler corretamente; se está a seu alcance a concretização e expansão da alfabetização, isto é, o domínio dos códigos que permitem a mecânica da leitura, é ainda tarefa sua o emergir do deciframento e compreensão do texto, pelo estímulo à verbalização da leitura procedida, auxiliando o aluno na percepção dos temas e seres humanos que afloram em meio à trama ficcional.[...]A literatura infantil, nessa medida, é levada a realizar sua função formadora, que não se confunde com uma missão pedagógica. [...].

Essa autora evidencia a forte influência da escola na formação da criança e alerta para a problemática da utilização de textos moralistas e “pedagogizantes” que apresentam uma concepção equivocada e degradante da infância que enxerga a criança como um ser, por vezes, ingênuo e dependente (Ibidem, p.24).

Metodologia

Para realização da pesquisa foram fundamentais as seguintes etapas de trabalho: a) seleção das obras literárias infantis clássicas, pertencentes às bibliotecas públicas

das esferas municipal e estadual e também biblioteca de escola privada, para que compusessem o nosso corpus;

b) análise e interpretação das obras selecionadas, de acordo com o referencial teórico-metodológico escolhido;

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c) entrevista com os responsáveis pelo acervo das bibliotecas sob análise*. Dedicaremos algumas palavras para esclarecer o processo de escolha dos ambientes de

coleta. A seleção dos espaços de recolhimento dos livros infantis a serem estudados delineou-se a partir dos contatos realizados durante os estágios pertencentes à dinâmica curricular do curso de Pedagogia. Tendo em vista o escopo dessa pesquisa, tivemos de restringir os espaços de coletas de dados a algumas instituições que pudessem representar locais de acesso a livros na cidade de Alfenas. Por isto, foram escolhidas duas instituições da esfera pública, a Biblioteca Municipal de Alfenas e a biblioteca de uma escola pertencente à rede estadual de ensino, por serem locais de fácil acesso ao acervo. Também foi escolhida a biblioteca de uma escola pertencente à rede particular de ensino. Tal escolha se deu em virtude do contato anteriormente realizado em função do estágio, o que facilitou a inserção nesta escola, uma vez que os locais pertencentes ao patrimônio privado fazem restrições quanto à entrada de pesquisadores. Sobre a Biblioteca Municipal de Alfenas, destaca-se a falta de obras destinadas ao público infantil, com um número escasso de obras na sessão de livros pertencentes à literatura para este público, o que fica perceptível pelos vazios existentes nas prateleiras onde se encontram os livros dedicados aos leitores infantis.

Quanto ao espaço físico da biblioteca da escola pública, ele é grande e é também utilizado como sala de reforço. Há um pequeno acervo, que está disposto de forma organizada, com algumas opções de leitura. Inclusive, encontramos nessa biblioteca obras destinadas aos professores. Um fato comum entre a biblioteca municipal e a biblioteca da escola pública, percebido durante a pesquisa, é que as pessoas retiram livros emprestados e não os devolvem.

Na ida às bibliotecas citadas, passamos a verificar que títulos da Literatura Infantil Clássica estavam presentes no acervo e, desta etapa de coleta do material objeto de estudo, selecionamos os títulos que existiam nas três bibliotecas e que possuíam versões diversificadas. Deste processo, ficaram para análise os seguintes títulos: A Bela Adormecida, Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, João e Maria. No presente trabalho, iremos nos deter na discussão sobre as versões analisadas de Branca de Neve.

Para análise das obras clássicas infantis, tomamos como necessário um procedimento metodológico de análise que favorecesse a decifração do trabalho linguístico, não somente em relação ao que aparecia evidenciado pela escrita, mas também quanto às características que se encontravam menos explícitas. Ginzburg (1990) afirma que, ao pesquisar em Ciências Humanas, é preciso atentar-se aos indícios, às pistas negligenciáveis. A importância deste paradigma para a presente pesquisa deu-se no sentido de orientar o trabalho de análise literária para os pontos que possibilitavam o desvelamento do que se encontrava implícito, pois, como afirma Ginzburg, nos pontos menos evidentes encontram-se indícios que permitem interpretações aprofundadas dos materiais colocados sob análise. Nesse sentido, esse modelo indiciário, embora não desconsidere o todo, revela que é nas entrelinhas que se expressam as reais interpretações e intenções do sujeito acerca de determinada idéia ou conceito.

Após estruturarmos o corpus com as versões das obras a serem analisadas, seguiram-se as seguintes etapas:

1. Análise descritiva das obras: que se pautou na descrição da matéria narrativa estruturada quanto aos seus elementos constituintes: narrador, personagem, espaço, tempo, estória, linguagem e ilustração.

* Foram realizadas entrevistas estruturadas, antecedidas pela entrega da Carta de Informação ao Sujeito de Pesquisa e pelo recolhimento da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas podem ser vistas na íntegra no Trabalho de Conclusão de Curso que deu origem a este texto, do qual há uma versão disponível na biblioteca da Universidade Federal de Alfenas.

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2. Análise da qualidade literária: que buscou perceber detalhes e características que levassem a definir se as versões e adaptações contemporâneas apresentavam qualidade estética.

Análise do corpus

Passamos agora a expor a análise dos livros. Apresentaremos, inicialmente, uma análi-se descritiva, que poderá ser acompanhada por meio de quadros nos quais foram descritos os elementos característicos da matéria narrativa. A seguir, apresentaremos a análise da qualida-de literária, verificando se as versões sob análise apresentavam, ou não, riqueza de detalhes e valor estético. Análise descritiva

Faremos a seguir a análise descritiva das versões escolhidas como objetos de análise. Para fazermos este tratamento analítico do corpus, recorremos, como dito anteriormente, à descrição da matéria narrativa no que concerne aos seus elementos constituintes: narrador, personagem, espaço, tempo, estória, linguagem e ilustração. No presente texto, apresentaremos a análise de duas versões de Branca de Neve. A referência de cada uma das versões aparece logo no início de cada análise, após o título da obra.

BRANCA DE NEVE

Informações bibliográficas presentes na obraAdaptação: Patrícia AmorimColeção : Clássicos InesquecíveisEditora: SabidaLocal de publicação: Blumenau-SC

Local onde foi encontrada esta versão da obra infantil: Biblioteca da escola pública

NARRADORNarrador-primordial, pois relata a história em 3ª pessoa sem participação pessoal.

PERSONAGEM

Branca de Neve - personagem que representa uma princesa, jovem e bonita que é perseguida pela inveja da madrasta, em razão de sua beleza. Branca de Neve é como desejara sua mãe: linda, branquinha com os cabelos negros.Caçador - personagem tipo que corresponde a uma função de trabalho, o caçador, pode ser considerado uma pessoa do bem que ajudou Branca de Neve a fugir de sua madrasta.Príncipe - personagem tipo, que corresponde a um estado social. Nesta história, o Príncipe salva Branca de neve beijando-a e despertando-a do sono.Os sete anõezinhos- não há descrição dos anões nesta história, apenas o relato de que ajudaram Branca de Neve.Madrasta- personagem má, jovem e vaidosaEspelho Mágico- personagem que, com suas intervenções, dizendo à rainha que Branca de Neve ficou mais bonita que ela e que ainda estava viva na casa dos anões, contribui para o desenrolar da história.

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ESTÓRIA

Esta história começa com uma rainha desejando uma filha que tenha a pele branca como a neve, boca vermelha como o sangue e cabelos pretos como a noite. Sua filha nasceu conforme desejara e fora chamada de Branca de Neve. Entretanto essa rainha logo morreu e seu marido casou-se com uma mulher muito vaidosa que tinha um espelho mágico a quem sempre perguntava quem era a mulher mais bonita do mundo.

Ao perceber que Branca de Neve se tornara uma jovem belíssima, a madrasta manda um caçador matar Branca de Neve. Branca de Neve foge e esconde-se na casa dos anões. Ao conversar novamente com o espelho, a madrasta descobre que Branca de Neve está viva e envenena-a com uma maçã.

Certo dia um príncipe vê Branca de Neve num caixão de vidro nas montanhas, onde fora colocada pelos anões, apaixona-se por ela, dá-lhe um beijo que a faz despertar e casa-se com ela.

ESPAÇOO espaço em que ocorre a história é: o castelo do pai de Branca de Neve, a floresta onde é deixada pelo caçador da madrasta e a casa dos anões.

TEMPO

Mítico, diferentemente do tempo cronológico, esta categorização do tempo corresponde ao tempo do Era uma vez...

LINGUAGEM

Apresenta linguagem facilitada, que agrada os leitores iniciantes na fase de alfabetização como se pode ver no trecho abaixo:

Na manhã seguinte Branca de Neve contou sua história para os anõezinhos que a convidaram para morar com eles. A rainha continuava a conversar com o espelho. Que avisou onde estava a Branca de Neve.

Ao descobrir que a princesa ainda estava viva, a rainha ficou furiosa, e preparou uma maçã envenenada. Disfarçada de Velhinha, foi até a casa dos anões e ofereceu a maçã para Branca de Neve (p.12*).

Observou-se na obra o seguinte erro de concordância de gênero:Na primeira mordida, a menina caiu morta no chão. Somente um beijo de um príncipe apaixonada** poderia acordá-la. A rainha estava voltando para o castelo, quando passou por uma ponte, e esta se quebrou. A rainha caiu num abismo profundo (p.14).

ILUSTRAÇÃO

A ilustração é colorida em tons fortes e bonitos, despertando o interesse do leitor, predominado sobre o texto verbal. As cores alegres ficam ao fundo e a cor da letra utilizada é o branco, contrastando . Um exemplo pode ser encontrado nas páginas que mostram, no primeiro plano, uma ilustração da Branca de Neve na floresta, sentada embaixo de uma árvore conversando com os bichinhos e no fundo aparecem árvores.

* O livro não apresenta numeração original das páginas, deste modo as passagens exemplificadas foram relacionadas de acordo com numeração feita pelas autoras deste trabalho.** Grifo nosso.

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BRANCA DE NEVE

Informações bibliográficas presentes na obraAutor: Irmãos GrimmTradução: Maria Cimolino e Grazia ParodiIlustrações: Manuel Victor de Azevedo Filho e Mario Couto PitaColeção: Conta pra mimEditora: RideelLocal de publicação: São Paulo

Local onde foi encontrada esta versão da obra infantil: Biblioteca da escola particular

NARRADOR Narrador-primordial, pois relata a história em 3ª pessoa sem participação pessoal.

PERSONAGEM

Branca de Neve- personagem que representa uma princesa, jovem e bonita que é perseguida pela inveja da madrasta, em razão de sua beleza. Branca de Neve é como desejara sua mãe: linda, branquinha com os cabelos negros. Guarda- personagem cujas características não são descritas na história, apenas interpretamos que ele é bom por ter deixado Branca de Neve fugir, é uma personagem-tipo que corresponde a uma função de trabalho, guarda da Madrasta de Branca de Neve.Príncipe- personagem jovem que corresponde a um estado social. Sendo príncipe, apresenta-se de maneira estereotipada, ou seja, representa a figura do herói apaixonado que salva a princesa dos seus infortúnios. Os sete anões- personagens representadas por trabalhadores de uma mina de diamantes dentro da montanha. Não são nomeados e são identificados pelos autores como anões barbudinhos.Madrasta- personagem que representa maldade no contexto da história. Apesar de ser muito bonita, não mede esforços para eliminar Branca de Neve em razão da inveja que sente da beleza da menina .Espelho Mágico- personagem representada por um espelho que fala, cuja função nesta história é instigar a inveja da madrasta com seus comentários acerca da beleza da princesa.

ESTÓRIA

A história começa com o desejo da mãe em ter uma filha de pele branca e cabelos negros. Algum tempo depois, nasce uma menina com tais características, sendo chamada de Branca de Neve. A mãe desta menina morre e o seu pai casa–se com uma mulher que perseguirá Branca de Neve por inveja da beleza da menina.

Ao conversar com o espelho mágico, a madrasta sente-se ofendida ao saber que sua enteada tornou-se uma mulher mais bonita do que ela. Então tenta se livrar de Branca de Neve pedindo a um dos seus guardas que mate a princesa e traga seu coração como prova. Ao descobrir que fora enganada, a madrasta vai até a casa dos anões disfarçada de

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mercadora e aperta Branca de Neve com um cinto até que esta desmaie. Branca de Neve é salva a tempo pelos anões que cortaram o cinto.

Novamente, ao conversar com o espelho, a madrasta descobre que Branca de Neve está viva, vai até a casa dos anões e envenena- a com uma maçã. Os anões pensam que Branca de Neve está morta, colocam-na m caixão de vidro e levam-na para a colina. Certo dia, um príncipe passa por ali, apaixona-se por Branca de Neve e pede para levá-la consigo. No meio do caminho, um anão tropeça fazendo com que caia da boca de Branca de Neve, o pedaço de maçã envenenado, fazendo-a despertar. Branca de Neve casa-se com o príncipe e a madrasta morre com um ataque cardíaco.

ESPAÇO O espaço em que ocorre a história é: o castelo do pai de Branca de Neve, a floresta onde ela é deixada pelo guarda da madrasta e a casa dos anões.

TEMPOMítico, diferentemente do tempo cronológico, esta categorização do tempo corresponde ao tempo do Era uma vez...

LINGUAGEM

Apresenta trabalho linguístico, com riqueza de detalhes, como podemos ver em uma passagem, que aparece logo no início da história, que descreve o desejo da Mãe de Branca de Neve por uma filha:

Um dia, a rainha de um reino bem distante bordava perto da janela, cujos batentes eram de ébano - uma madeira escuríssima. Era inverno, nevava muito forte. De repente a rainha desviou o olhar para admirar os flocos de neve que dançavam no ar, distraiu-se e furou o dedo com uma agulha.

Na neve que tinha caído no beiral da janela pingaram três gotinhas de sangue. O contraste foi tão lindo que a rainha murmurou: Pudesse eu ter uma menina branquinha como a neve, corada como o sangue e com os cabelos negros como o ébano...(p. 1-2).

ILUSTRAÇÃO

As ilustrações aparecem em tons claros como o rosa, o azul e o branco. Trata-se de ilustrações que instigam a imaginação do leitor, aparecendo de maneira simples e equilibrada. O final feliz para Branca de Neve e o Príncipe concretizados no casamento e o fim trágico da Madrasta que sofreu um ataque de ira explodindo o coração não são ilustrados, ficando a cargo da imaginação do leitor; mostram-se apenas os anões dançando e cantando. Isso exemplifica a função do texto não-verbal de complementar o texto e não servir apenas como adorno.

Análise da qualidade literária e formação do leitor

Nesta seção, propomos apresentar, a partir das descrições anteriormente mencionadas, a qualidade literária e estética das obras analisadas no que concerne ao trabalho linguístico presente em cada uma das versões sob estudo. Segundo Zilberman (2003):

[...] os critérios que permitem o discernimento entre o bom e o mau texto para crianças não destoam daqueles que distinguem a qualidade de qualquer outra

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modalidade de criação literária. Seu aspecto inovador merece destaque, na medida em que é o ponto de partida para a revelação de uma visão original da realidade, atraindo seu beneficiário para o mundo com o qual convivia diariamente, mas que desconhecia. Nesse sentido, o índice de renovação de uma obra ficcional está na razão direta de sua oferta de conhecimento de uma circunstância da qual, de algum modo, o leitor faz parte. (ZILBERMAN, 2003, p.26-7)

Na verificação da qualidade literária das versões dos contos de fadas, destacamos, quanto às versões de Branca de Neve, que na publicação da Editora Sabida (doravante versão 1) existe a supressão de detalhes, especialmente, em relação ao anúncio da morte da madrasta, que de repente cai de uma ponte e morre. Já na versão da Editora Rideel (doravante versão 2), há o acréscimo de detalhes, que não se encontram nas traduções para o português dos originais dos Irmãos Grimm, o que se observa em um trecho desta versão em que a madrasta tenta asfixiar Branca de Neve, sufocando-a com um cinto.

Neste sentido, observamos que cada versão dos contos de fadas traz elementos distintos para discussão. Privilegiamos, para esta exposição, tendo em vista o escopo do presente texto, focalizar a discussão sobre as distintas concepções de literatura infantil que subjazem a diferentes versões do mesmo conto de fada. Para prosseguirmos nesta argumentação, dispusemos lado a lado os dois fragmentos, anteriormente citados, dos contos sob análise:

Versão 1Na manhã seguinte Branca de Neve

contou sua história para os anõezinhos que a convidaram para morar com eles. A rainha continuava a conversar com o espelho. Que avisou onde estava a Branca de Neve.

Ao descobrir que a princesa ainda estava viva, a rainha ficou furiosa, e preparou uma maçã envenenada. Disfarçada de Velhinha, foi até a casa dos anões e ofereceu a maçã para Branca de Neve (p.12)*.

Versão 2Um dia, a rainha de um reino bem distante

bordava perto da janela, cujos batentes eram de ébano - uma madeira escuríssima. Era inverno, nevava muito forte. De repente a rainha desviou o olhar para admirar os flocos de neve que dançavam no ar, distraiu-se e furou o dedo com uma agulha. Na neve que tinha caído no beiral da janela pingaram três gotinhas de sangue. O contraste foi tão lindo que a rainha murmurou: Pudesse eu ter uma menina branquinha como a neve, corada como o sangue e com os cabelos negros como o ébano...(p. 1-2).

Nas passagens transcritas, observamos que na versão 2 há uma preocupação em apresentar a descrição do ambiente e dos sentimentos da rainha, focalizando o seu desejo de tornar-se mãe. Percebe-se a preocupação em criar literariamente uma atmosfera de encantamento por meio, por exemplo, de prosopopéias e metáforas, respectivamente, presentes em “flocos de neve que dançavam no ar” e “branquinha como a neve, corada como o sangue e cabelos negros como o ébano”. Nesta versão, há indícios de uma concepção de literatura infantil que inclui o trabalho linguístico como atributo necessário à produção literária infantil, em relação aos efeitos de verossimilhança criados por meio da descrição detalhada e ao trabalho estético na elaboração de enunciados articulados para a contextualização dos ambientes e das personagens.

Na versão 1, subjaz a concepção de que o texto infantil deve fundamentar-se pelo máximo de encadeamentos de sequências narrativas sobre as ações feitas. Deste modo, se tomarmos o excerto da versão 1 citado percebemos que, em um pequeno trecho, aparece a narração que trata desde o encontro de Branca de Neve com os anões até o seu envenenamento. Com isso, verifica-se a ideia subjacente de texto literário que se constrói pelo

* O livro não apresenta numeração original das páginas, deste modo as passagens exemplificadas foram relacionadas de acordo com numeração feita pelas autoras deste trabalho.

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conteúdo narrativo exposto, mas que não se volta para o trabalho linguístico com o objetivo de criação literária de efeitos estéticos.

Apesar da complexidade deste tema, a formação de leitores parte do pressuposto de que é preciso incentivar o aluno a descobrir o mundo pela leitura. Por outro lado, o professor deve atentar-se às necessidades desse aluno, incentivando-o a buscar leituras que colaboram para a sua formação. É importante salientar que o professor precisa pensar a literatura como manifestação cultural que tem papel fundamental na formação do leitor. Zilberman (2003) trata de modo importante esta questão quando afirma que:

A seleção dos textos advém da aplicação de critérios de discriminação. O professor que se vale do livro para a veiculação de regras gramaticais ou normas de obediência e bom comportamento oscilará da obra escrita de acordo com um padrão culto, mas adulto, àquela criação que tem índole edificante. Todavia, é necessário que o valor por excelência a guiar esta seleção se relacione à qualidade estética. Porque a literatura atinge o estatuto de arte literária e se distancia de sua origem comprometida com a pedagogia, quando apresenta textos de valor artístico a seus pequenos leitores; e não é porque estes não alcançaram o status de adultos que merecem uma produção literária menor. (ZILBERMAN, 2003, p.26)

Dessa forma, não são quaisquer obras que levam à formação do leitor proficiente. Para que o aluno se lance com motivação à leitura, é preciso que o livro desperte sua curiosidade num primeiro momento, para posteriormente prender sua atenção e ampliar sua visão de mundo. No que se refere aos clássicos infantis, a complexidade subjacente a estas obras permite ao leitor não apenas a descoberta do prazer proporcionado pela leitura de um livro interessante, mas também possibilita ao sujeito a exploração do seu mundo interior.

Uma das características que identifica um texto como literatura Clássica é sua perenidade: são lidos de geração à geração. E por que permanecem? Porque respondem aos anseios mais profundos do ser humano; abordam questões existenciais, universais, presentes em cada pessoa, de qualquer lugar, em qualquer tempo. São textos que tratam de sentimentos, idéias sempre presente no ser humano que se manifestam em comportamentos, instintivamente, como ciúme, inveja, medo, busca da identidade dentre outros. Cada leitura proporciona um encontro do leitor consigo mesmo. (OLIVEIRA, 2007, p. 85)

Nesse sentido, a oferta de obras que apresentam qualidade literária favorece não apenas o desenvolvimento cognitivo do leitor, mas possibilitam também o desenvolvimento emocional e afetivo do sujeito.

A formação do leitor depende das possibilidades de leituras que, de diferentes modos, chegam-lhe às mãos. Um acervo variado, com diferentes versões de um mesmo título, proporciona ao professor oportunidade de uma reflexão acerca do potencial formativo de cada livro e, consequentemente, favorece a realização um trabalho juntamente com os alunos que lhes desperte o gosto pela leitura e os incentive a identificar elementos que atribuem qualidade às obras.

A fim de obter informações acerca do processo de seleção e aquisição das obras literárias infantis constituintes dos acervos pesquisados, optamos pela realização de entrevistas com os responsáveis pela biblioteca pública municipal, pela biblioteca da escola pública e pela biblioteca da escola particular. Os acervos de tais bibliotecas apontaram para um fato interessante: a maioria das obras destinadas a esse público é proveniente de doações de alunos e da Secretaria da Educação.

Das três bibliotecárias entrevistadas, apenas uma sinalizou que existe uma consultoria para a escolha das obras literárias que compõem o acervo da biblioteca pela qual ela é responsável. Enquanto as demais afirmaram não existir em suas respectivas bibliotecas esse

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tipo de consultoria para a escolha de obras literárias, havendo somente uma consultoria para a escolha de livros didáticos.

Quanto aos livros mais procurados pelas crianças, as bibliotecárias confirmaram a preferência desse público pelos contos de fadas e apontaram também para outros gêneros como suspense, terror e títulos do folclore brasileiro como A mula sem cabeça e Lobisomem. No que se refere às campanhas de incentivo à leitura, notou-se que há empenho por parte das bibliotecas em atrair o leitor, tais como as aulas semanais de biblioteca, exposições itinerantes, visitação de classes de escolas da rede pública e contação de histórias.

Entretanto, cabe ressaltar que, numa análise mais restrita, o fato de a maioria das obras destes acervos serem provenientes de doações e não haver consultoria para a escolha de obras literárias contribui para a composição de um acervo que apresente obras que não apresentem qualidade literária.

Referências

CANDIDO, A. O direito à literatura. In: Vários escritos. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

CANDIDO, A. A personagem de ficção. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 1981.

COELHO, N. N. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 1991.

______________. O conto de fadas: símbolos mitos arquétipos. São Paulo: DCL, 2003.

GINZBURG, C. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

MAGNANI, M. R. M. Leitura, literatura e escola: a formação do gosto. São Paulo:Martins Fontes, 1989.

MEIRELES, C. Problemas da literatura infantil. 2. ed. São Paulo: Sumus,1979.

OLIVEIRA, M. A. A literatura para crianças e jovens no Brasil de ontem e de hoje: caminhos de ensino. Tese (Doutorado em Educação)- Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

ZILBERMAN, R. A literatura infantil na escola. 11 ed. São Paulo: Global, 2003.

Juliane Maria da Costa é graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Daniela Aparecida Eufrásio é docente do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Fernanda Vilhena Mafra Bazon é docente do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção II: Trabalhos completos

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

O Serviço Social e a manutenção da sociedade de classes:uma análise dos Projetos Sociais de qualificação profissional para jovens

Amanda EufrásioMaria Beatriz Costa Abramides

RESUMO: O presente trabalho busca refletir sobre a atuação dos (as) assistentes sociais nos projetos sociais que desenvolvem cursos de qualificação profissional para jovens. Com base em pesquisa realizada no Projeto Inclusão Produtiva, desenvolvido no município de Guarulhos/SP e no PROJOVEM- Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária, executado nos bairros de Campo Limpo e Santo Amaro, na cidade de São Paulo, pudemos identificar os conflitos e tensões existentes acerca dos resultados obtidos nesses projetos no que se refere às mudanças na vida desses jovens. Desse modo, deparamo-nos com as contradições do nosso cotidiano profissional e buscamos respostas para uma atuação profissional comprometida com o nosso projeto ético-político.

Palavras- chave: jovens; qualificação profissional; projeto ético-político.

1. Alguns conceitos sobre o termo juventude

O termo “juventude” contempla, de acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), as pessoas com faixa etária entre 15 e 24 anos. Em alguns países europeus, a fase da juventude estende-se até os 35 anos de idade.

No Brasil, os marcos conceituais definem por lei que a idade mínima para o trabalho é 14 anos, de acordo com o art. 227 da Constituição Brasileira, com o art. 60 do Estatuto da Criança e do Adolescente e o art. 2º da Lei do Aprendiz. Para votar basta ter 16 anos de idade e a maioridade penal se inicia aos 18, sendo que apenas aos 21 anos se conquista a maioridade civil.

Contudo, quais os parâmetros que dão base para tais determinações? O conceito de juventude resume uma categoria essencialmente sociológica, que indica a preparação dos indivíduos para assumir o papel de adultos na sociedade, tanto no plano familiar como no profissional. Os parâmetros definidores das idades mínimas para votar, trabalhar ou responder penalmente são muito difusos, pois as mudanças e transformações ocorridas em nossa sociedade, nos diversos períodos históricos, suscitam diferentes olhares, valores éticos e necessidades que criam diferentes conceitos de juventude.

O presente trabalho baseia-se nas definições de juventude utilizadas pelos projetos pesquisados: o PROJOVEM (Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária) e o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). O primeiro delimita o grupo de jovens atendidos na faixa etária entre 18 e 24 anos. O segundo oferece cursos de capacitação profissional para jovens a partir de 18 anos, estendendo-se para adultos também.

É recorrente, nos debates sobre o tema, associar os jovens a determinados problemas sociais ou reconhecê-los como agentes de transformação social. Para nossa reflexão, é importante pensar se é possível fazer essas associações? Alguns autores vão negar essa teoria,

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com base no argumento de que essa imagem dos jovens não passa de construções sociais, assim como os conceitos sobre jovens a partir do ciclo de vida e comportamento. O consenso a respeito das classificações metodológicas sobre o que é ser jovem é questionável porque se atribui a essa categoria um caráter passível de definições universalizantes. E, dessa maneira, cria-se uma distância entre a realidade e o modo como apreendemos e reproduzimos o real, ou seja, as representações sociais.

1.1 O segmento juvenil enquanto objeto de políticas públicas

Se analisarmos os dados estatísticos sobre os jovens no Brasil, observaremos que, dentre os diversos problemas sociais que perpassam a vida dos jovens, são mais evidentes as fragilidades do sistema educacional e as dificuldades para o ingresso no mundo do trabalho. A juventude se depara com os mesmos problemas que toda a população mais vulnerável necessita enfrentar, porém, os pesos desses mesmos problemas podem tornar-se diferenciados, na medida em que essa geração possui características próprias que podem demandar necessidades mais particulares.

A definição de grupos prioritários entre a população usuária dos serviços sociais suscita controvérsias e debates importantes no meio profissional. Muitas pessoas defendem a idéia de que o atendimento diferenciado aos diversos segmentos da sociedade, como por exemplo, a crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, jovens, entre outros, segue um modelo societário de caráter positivista. Desse modo, as discussões acerca desse assunto criam um embate entre as idéias contrárias e favoráveis a esse modelo de gestão da questão social. Por um lado, a definição de grupos prioritários é positiva para distinguir as diversas identidades, as quais podem ser referência para a criação e execução de políticas públicas. Por outro lado, as pessoas passam a ser vistas como “pedaços” que devem ser analisados e cuidados por diferentes instituições, órgãos governamentais e/ou técnicos especializados. Ou seja, os seres humanos não são respeitados em sua plenitude.

A autora Mary Garcia Castro nos remete a Marx em relação a seguinte afirmação: “são várias as populações para o capital e que o capitalismo se recorre a diferenças tidas como naturais para acirrar competições, diversidades que ajudam que mais se explorem alguns e, ao mesmo tempo, todos das classes dos sem propriedades” (Marx apud Castro, 2004, p. 3). Com esta passagem, ela procura nos mostrar que, no atual quadro sócio-histórico, a discriminação e a dominação de classes são apenas uma das formas de exclusão social, pois a força das relações entre capital e trabalho reproduz, no decorrer dos períodos históricos, inúmeras intolerâncias de ordem moral, cultural, étnico-racial, dentre outras formas. Segundo ela, a defesa da política de ações afirmativas e por identidades não requer apenas boas intenções e programas pontuais para esta ou aquela identidade, mas sim alterações na estrutura orçamentária da União, o que não se conseguiu, até hoje, com base na segmentação por classes sociais.

Podemos apontar para mais um desafio a ser enfrentado pelos profissionais de Serviço Social: os critérios exigidos para a inserção em programas e serviços sociais. Estes definem que as pessoas pobres devem estar numa condição extremamente vulnerável para ter acesso aos direitos sociais.

A crise estrutural do capital e do capitalismo atinge toda a classe trabalhadora, em maior ou menor grau. Portanto, como mensurar os graus de vulnerabilidade social? Foram criadas muitas formas de identificar os vários níveis de vulnerabilidade social e, a partir delas, políticas e programas voltados para o segmento da população que se encontra em situação de grave risco social. Porém, o nosso cuidado deve estar voltado para a não focalização do trabalho em políticas compensatórias somente. Afinal, os indivíduos que se encontram numa situação de extrema pobreza, atualmente, são ou descendem dos mesmos que, um dia, não

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tiveram os seus direitos mínimos garantidos. Então, é importante lembrarmos que as políticas focalizadas não devem se limitar a elas mesmas, pois necessitam ser pensadas a partir das políticas estruturantes.

2. As respostas à questão social no Brasil

As desigualdades geradas pelo processo de acumulação capitalista dão maior visibilidade à questão social, a qual se expressa de várias formas nos mais diferentes períodos históricos.

Durante o regime de trabalho escravo, a questão social era explícita. Os escravos, na condição de propriedades de outras pessoas, criavam suas próprias respostas às mazelas sociais vivenciadas naquela época, através de tocaias para os senhores, rebeliões nas senzalas, fugas, formação de quilombos e, até mesmo, cometiam suicídios.

No caso dos chamados “trabalhadores livres”, a luta por melhores condições de vida dá maior visibilidade à emergência da questão social. Nas décadas de 20 e 30, a classe dominante tende a enxergar os problemas sociais no seu âmbito político, mas acima de tudo, como caso de polícia.

A partir da década de 50, a economia brasileira se expande em função dos investimentos de capital estrangeiro no país de maneira vultuosa. O Brasil inicia, timidamente, o processo de urbanização, modernização e industrialização, porém, a má distribuição de renda acentua-se.

Durante o período ditatorial no Brasil, forma-se uma poderosa aliança entre o grande capital financeiro nacional e estrangeiro com o Estado nacional e ocorre o chamado “milagre brasileiro”, período de crescimento econômico, a partir do qual a classe dominante vincula-se ainda mais com o capital internacional. É importante ressaltar que, nesse período, mesmo com as barbáries da ditadura são criados alguns sistemas de proteção social.

Enquanto isso, no plano internacional, o mundo capitalista avançado enfrenta uma longa e profunda crise econômica. Então, as idéias neoliberais ganham peso: há uma redução do Estado, o qual passa a combater a social- democracia e a ação dos sindicatos. A sua principal meta é a estabilidade monetária e, para isso, são realizadas reformas fiscais e as altas taxas de desemprego garantem o funcionamento do mercado.

Durante a década de 80, os rebatimentos da crise em âmbito internacional atingem o Brasil em suas esferas política, cultural e, sobretudo, nas esferas produtivas. Porém, foi nesse contexto da chamada “década perdida”, que a sociedade civil mostrou uma extraordinária força de mobilização e capacidade de organização social. Os trabalhadores organizam-se e resistem na luta contra a ditadura e a favor do processo de redemocratização do país. Isto possibilitou uma maior democratização no trato com as necessidades sociais.

Entendemos que a questão social deve ser compreendida como resultado de desigualdades e injustiças geradas pelo processo de acumulação capitalista e, portanto, parte de um complexo processo social. Ela deve ser tratada a partir de uma visão crítica e de totalidade das relações sociais que vivemos, oriundas da macroestrutura econômica e política, nas quais estamos inseridos, pois somente assim poderemos enfrentá-la adequadamente.

O que vemos no Brasil são os “pactos sociais” por meio dos quais as soluções para os problemas sociais são negociadas. A exemplo disso temos os projetos sociais de formação para o trabalho, nosso objeto de pesquisa, que podem se limitar às propostas do Estado e dos setores dominantes de “desafogar” a procura por vagas em um mercado de trabalho já saturado. Ou seja, os projetos oferecem qualificação técnica e transferência de renda para que os jovens pobres garantam a sua sobrevivência, mesmo desempregados, mas isso não garante a inserção destes no mercado de trabalho. Por outro lado, o objetivo de pacificá-los foi

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garantido por parte do Estado. Outros resultados são alcançados, como por exemplo, a diminuição dos índices de violência e a manutenção do ciclo de pobreza.

Esse é um exemplo de pacto social muito perverso, onde é negociada uma forma de enfrentamento de um problema social, o desemprego juvenil, mas os setores dominantes do país é que são privilegiados novamente.

Por isso, buscamos refletir no sentido de nos atentarmos para os reais objetivos dos projetos sociais de qualificação para o trabalho. Há realmente implicações objetivas na vida dessas pessoas?

2.1. A contribuição dos cursos de qualificação profissional para a manutenção da desigualdade de classes

Vivenciamos a reprodução do discurso de que a falta de qualificação profissional da população jovem desempregada a exclui do mercado de trabalho, aumentando o nível de desemprego nesse segmento. Porém, o que se destaca é que

o desemprego e o subemprego são manifestações dos fluxos e refluxos dos ciclos dos negócios. A miséria, a pobreza e a ignorância, em geral, são ingredientes desses processos. O contingente de trabalhadores de reserva tem sido um elemento altamente conveniente para a empresa e a fazenda, no sentido de reduzir os custos da mão- de- obra para o comprador; além de facilitar a divisão da classe operária, enfraquecendo-a em seus sindicatos, partidos, movimentos sociais. (IANNI, 1991, p.6).

É mais conveniente para as classes sociais dominantes criar políticas, programas e projetos sociais pontuais de inserção de jovens no mercado de trabalho do que intervir na política econômica.

De fato, a qualificação pode ser mesmo importante para a massa trabalhadora, porém a carga ideológica dominante que se faz presente nesse discurso é imensa e os resultados concretos de inserção no mercado de trabalho são poucos.

Normalmente, os cursos de qualificação para jovens pobres são pensados para a manutenção da desigualdade de classes. Certamente, os projetos sociais que oferecem cursos de panificação, artesanato, pedreiro, dentre tantos outros, não almejam a possibilidade de mobilidade social das pessoas pobres. Raramente, há casos de pessoas que ocupavam espaços de trabalho mais subalternos e, por meio da profissão, alcançaram níveis de vida mais elevados.

Os projetos sociais de formação para o trabalho além de não oferecerem condições para a ascensão social dessa parcela da população, também não atendem às expectativas mínimas de qualidade dos cursos que são oferecidos, pois, muitas vezes, os recursos materiais são escassos, os professores ou monitores são desqualificados e desmotivados e a carga horária é insuficiente para uma formação satisfatória.

2.2. O Serviço Social no contexto neoliberal e de reestruturação produtiva do trabalho

O Serviço Social se expande nos marcos do padrão taylorista/ fordista e da regulação keynesiana da economia, durante o período pós-guerra até meados da década de 70. Este período é marcado por uma enorme expansão da economia capitalista, de modo que o Estado tinha como principal função arrecadar fundos para o financiamento do capital e da reprodução da força de trabalho. Além disso, era vantajoso para o mercado a garantia do “pleno emprego” e da manutenção de um certo padrão salarial dos seus empregados, pois a ampliação dos

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mercados dependia de um certo poder aquisitivo da população para consumir os produtos fabricados.

Nesse contexto, surgiram os salários indiretos para aqueles que estivessem desempregados ou com poucas condições de prover os mínimos sociais para a sobrevivência. Isso ocorreu por meio das políticas sociais públicas.

Em alguns países, esse modelo de produção até criou condições para avanços, como por exemplo, a implantação do Welfare State ou Estado do Bem Estar Social. Porém, no Brasil, não ocorreu essa experiência.

Na década de 80, houve um novo redirecionamento das relações de poder no mundo, por isso, a competitividade capitalista se tornou mais acirrada entre os países globalizados e surgiram, então, novas mudanças no padrão de produção: o modelo de acumulação flexível ou toyotismo.

A flexibilidade desse novo modo de produção vem acompanhada da desregulamentação dos direitos trabalhistas, da contratação informal de trabalhadores, das novas formas de estruturação dos serviços financeiros, entre outros fatores.

Seguindo as recomendações do Consenso de Washington, o ajuste fiscal do Estado impede os gastos governamentais com os serviços públicos, pois esses são direcionados para as prioridades neoliberais que dizem respeito aos investimentos no mercado.

O Serviço Social depara-se com uma intensificação das desigualdades sociais e a ampliação do desemprego. Desse modo, surge também a necessidade de se interpretar as novas expressões da questão social.

3. As políticas de trabalho para jovens

Nos últimos anos, o tema “Juventude” demandou maior interesse de investigação nas ciências humanas e começaram a se esboçar algumas iniciativas de ações para esse segmento da população.

É importante compreendermos que mesmo com a crescente implantação de programas e políticas sociais voltadas para a população jovem, novamente, deparamo-nos com a dificuldade na definição das necessidades desse público. Como criar diretrizes e fundamentos para a elaboração de políticas que têm como foco o recorte por idade? Além disso, como basear-se numa dimensão simbólica da problemática a ser tratada e na transversalidade da questão já que ela perpassa todas as ações do Estado?

Podemos transcender as ações setoriais e, de alguma forma, vincular as políticas de trabalho para jovens com as políticas estruturais para não cairmos no “fosso do assistencialismo”.

Sabemos que as políticas sociais focalizadas são criadas a partir da ineficiência das políticas universais. Nesse sentido, a garantia da universalização dos direitos vai depender de mudanças ou ruptura com a política econômica vigente.

O que se discute é: quais as orientações que baseiam as ações destinadas ao segmento juvenil? Muitos vão questionar os motivos dessas ações tendo em vista que os direitos desses mesmos jovens já são contemplados por meio do acesso às políticas universais de saúde, educação, transporte, esporte, entre outras. Portanto, de acordo com esse ponto de vista, não seria necessário se fazer um recorte que privilegiasse tal segmento.

No outro extremo, há os que defendem que as políticas de juventude devem ser focalizadas e direcionadas apenas àqueles que estão em situação de extrema vulnerabilidade social. Partindo dessas posições, podemos dizer que ambas são bastante radicais.

Há uma diversidade de orientações no Brasil, por parte dos atores sociais pertencentes ao aparelho estatal e da sociedade civil, no que se refere à criação e implementação de programas e políticas sociais para jovens.

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As autoras Marilia Pontes Sposito e Maria Carla Corrochano (2005) defendem que, mesmo sem haver mudanças significativas na vida desses jovens, tais políticas são inflexões importantes que podem abrir espaços de discussão na esfera pública acerca das representações sobre a condição juvenil no país.

Outro ponto a ser destacado é que as políticas de trabalho priorizam a formação e a qualificação profissional com o objetivo de capacitar os jovens, mas também de retardar o ingresso de mais pessoas no mercado de trabalho.

Com base nos objetivos específicos de alguns projetos governamentais voltados aos jovens, podemos refletir sobre os seguintes aspectos: a preocupação em “ocupar” os jovens pobres no seu tempo livre, a contrapartida que tais programas exigem da população atendida e o estímulo para que eles contribuam para as melhores condições de vida das comunidades e se engajem em ações sociais. Sobre isso, destaca-se que são esperados dos jovens determinados comportamentos, como por exemplo, o engajamento social com vistas a um projeto de transformação do mundo, como se isso fosse uma característica natural dos jovens, o que não necessariamente corresponde à realidade e, nem mesmo, compartilha de um senso comum.

As expectativas dos jovens, muitas vezes, não são atendidas porque se referem, principalmente, à qualificação para o trabalho e à continuidade e posterior inserção no mercado de trabalho, atividades marcadas pela precariedade nesses tipos de programas.

Constatou-se nas entrevistas* realizadas com as profissionais do PROJOVEM e CRAS, sendo que, especificamente, foram realizadas entrevistas com três assistentes sociais do PROJOVEM e uma do CRAS, que, após as frustrações com os cursos, os jovens permaneciam no programa por causa da bolsa, vale- transporte, lanche ou demais benefícios. Então, os profissionais desses programas se frustram igualmente e acabam tendo uma determinada compreensão de que os jovens desejam apenas a bolsa oferecida.

Sobre os resultados de inserção de jovens no mundo do trabalho ou da diminuição do quadro de desemprego nesse segmento populacional, não há registros de impacto sobre isso.

Partindo do pressuposto de que qualquer inclusão em nossa sociedade é perversa, não seria diferente no caso dos jovens pobres. Sabemos que o ideal seria a possibilidade de estudar e se formar e, mais que isso, aproveitar a fase da juventude em todos os seus aspectos de tempo livre, lazer, cultura, arte, atividades essenciais para o desenvolvimento de qualquer ser humano saudável antes de se inserir no mundo adulto que traz consigo outras responsabilidades e compromissos.

4. Análise dos dados coletados

Os dados para esta pesquisa foram coletados por meio de consulta bibliográfica e, como anunciado anteriormente, por meio da realização de entrevistas com assistentes sociais de Projetos de qualificação profissional para jovens, como poderá ser acompanhado a seguir.

4.1. Projeto Inclusão Produtiva

O Projeto Inclusão Produtiva foi elaborado pela Secretaria de Assistência Social do município de Guarulhos, em novembro/ 2004, e é executado pelo CRAS (Centro de Referência da Assistência Social), localizado no bairro do Jardim São João, em Guarulhos.

Os objetivos específicos desse Projeto são “oferecimento de cursos de capacitação profissional para pessoas de ambos os sexos e maiores de 18 anos de idade nas áreas de cabeleireiro, eletricidade residencial básica, corte e costura, artesanato em geral, manicure.

* As entrevistas foram realizadas, no ano de 2006, com assistentes sociais atuantes no PROJOVEM do município de São Paulo e do CRAS no município de Guarulhos. As entrevistas foram realizadas no local de trabalho e nas proximidades. Seguiu-se o modelo de entrevistas estruturadas (Cf. LAKATOS e MARCONI, 2009, p. 199).

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Além disso, procura-se promover atividades sócio- educativas grupais a fim de estimular a reflexão sobre novas alternativas de geração de trabalho e renda, o exercício da cidadania, as transformações no mundo do trabalho e os conceitos de economia solidária. Outra alternativa é a formação técnica e o acompanhamento para a organização de cooperativas, associações e outras formas de organização comunitária, a articulação da rede sócio- assistencial a fim de garantir eficiência e eficácia nos encaminhamentos, palestras temáticas e oficinas lúdico- pedagógicas como complementação ao processo de formação” (PROJETO “GERAÇÃO DE RENDA”, p. 10).

Na entrevista realizada com a assistente social atuante no Projeto Inclusão Produtiva, observou-se que o papel desta profissional é bem definido: encaminhar as pessoas que procuram o serviço para participarem dos cursos de capacitação. Há uma tentativa de inserir as beneficiárias, em sua maioria mulheres, do Programa Renda Cidadã, nesses mesmos cursos de capacitação profissional.

O Programa Renda Cidadã tem por objetivo atender famílias de baixa renda com o apoio financeiro de R$ 60,00 associado a ações que possibilitem a melhoria da qualidade de vida. Exige-se da população atendida, contrapartidas necessárias para a permanência no programa, como por exemplo, uma freqüência mínima de 75% às reuniões sócio-educativas.

Para que essas políticas não tenham um caráter isolado de transferência de renda, criam-se outras medidas, as quais são chamadas “emancipatórias”. Como é o caso das reuniões sócio-educativas e cursos profissionalizantes que são oferecidos aos beneficiários do Programa Renda Cidadã.

Então, passamos a nos questionar sobre os impactos reais, no que diz respeito à emancipação, desses programas e projetos. O poder econômico e a hegemonia ideológica dominantes impõem um modo de pensar, agir e viver das pessoas. Digamos que essas forças dominantes têm uma forte influência sobre as escolhas dos indivíduos. Desse modo, o conflito entre liberdade e necessidade se instala.

No caso do CRAS - São João, a procura dos jovens por cursos de manicure, eletricidade, cabeleireiro, entre outros, pode representar o real interesse em aprender algumas dessas profissões. Por outro lado, podemos também supor que os atores sociais envolvidos nesse processo (a equipe de profissionais e os usuários do serviço) reproduzem uma prática alienante.

A assistente social entrevistada nos apontou para algumas dificuldades. Dentre elas, podemos destacar um acúmulo de tarefas, na medida em que elas realizam, além dos encaminhamentos para o Projeto Inclusão Produtiva, o atendimento em plantões sociais, a execução do Programa Renda Cidadã e o acompanhamento de todas as famílias beneficiárias (o que inclui visitas domiciliares, reuniões sócio-educativas, etc.) e orientações e cadastros do Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Previdência Social. Além disso, os recursos humanos são insuficientes para o atendimento da demanda e os recursos materiais e físicos não oferecem condições adequadas para um atendimento de qualidade. A equipe de profissionais não tem acesso à formação continuada e os salários são muito baixos, exigindo, muitas vezes, que o profissional mantenha dois empregos.

Os jovens usuários do CRAS se caracterizam por serem, em sua maioria, jovens meninas que buscam atendimento no Projeto Inclusão Produtiva por estarem gestantes ou por terem completado os 18 anos de idade e, portanto, alimentam a expectativa de inserção no mercado de trabalho. A maior procura pelos cursos se dá por jovens na faixa etária de 18 a 25 anos. Ao contextualizarmos essa procura, podemos afirmar que se trata de um grupo numa faixa etária que está sujeita a muitas cobranças, em todos os sentidos. A principal delas, refere-se à preparação para a inserção no “mundo adulto”. Os jovens se iniciam no mundo do trabalho e da família.

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A partir da entrevista realizada com a assistente social do Projeto Inclusão Produtiva, pudemos observar que a gravidez precoce é uma das principais causas de preocupação com a inserção no mercado de trabalho. Um dos motivos para tal fato é a necessidade financeira que se agrava com a chegada de um filho. Na maioria das vezes, essas jovens são mães solteiras que necessitam prover o sustento de seus filhos.

No caso daqueles que completaram os dezoito anos de idade, as obrigações escolares são substituídas pelo compromisso com o trabalho, além disso, o “desejo” em participar da sociedade de consumo faz com que esses jovens pobres “escolham” ter uma colocação no mercado de trabalho.

Partimos do pressuposto de que as pessoas fazem suas escolhas baseadas em necessidades reais, valores, ideologias, entre outros. Sendo assim, defendemos a idéia de que os jovens que buscam os cursos de capacitação profissional do CRAS - São João são levados, numa situação de estranhamento com os cursos que procuram, a escolher uma das capacitações que são oferecidas pela organização. Afinal, a variedade de ofertas e oportunidades de cursos profissionalizantes é muito restrita e as necessidades imediatas em ingressar no mundo do trabalho são muito intensas.

Na leitura do documento do Projeto Inclusão Produtiva, pudemos constatar que este foi pensado a partir de objetivos “emancipatórios”, mas após o contato com a realidade do cotidiano profissional no CRAS, observamos que há inúmeras dificuldades de colocá-los em prática. Tal fato se comprova a começar pela escolha dos cursos profissionalizantes que seguem o mesmo modelo reprodutor da idéia de que “para pobre, qualquer coisa basta”. Além disso, as atividades formativas ainda abordam as regras comportamentais (como se portar em uma entrevista, como elaborar um currículo), questões que também têm a sua importância, mas que não são focos de uma discussão importante sobre o mundo do trabalho que deve ser feita com a juventude.

As atividades sócio-educativas ainda são limitadas, até porque não há recursos materiais suficientes para realizá-las e as condições de trabalho dos profissionais não favorecem um maior empenho nesse tipo de ação.

4.2. PROJOVEM - Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária

O PROJOVEM foi pensado a partir da Política Nacional de Juventude, do Governo Federal. O programa atende jovens de 18 a 24 anos, por meio de um curso que proporciona formação integral, por um período de 12 meses. Aos alunos, devidamente matriculados, é concedido um auxílio financeiro mensal, no valor de R$ 100,00.

A formação integral compreende atividades de formação escolar, qualificação profissional e desenvolvimento de ação comunitária.

O PROJOVEM também se caracteriza por ser um programa paliativo e emergencial, o qual busca elevar o grau de escolaridade dos jovens pobres, prepará-los para o mercado de trabalho e, ainda, estimular práticas de cidadania que diminuam os altos índices de violência.

Um dos seus objetivos é cumprir uma meta de inclusão e conclusão escolar dos jovens, dever que não foi cumprido pelos serviços de educação no Brasil. Além disso, o programa cumpre um caráter assistencial quando concede uma bolsa mensal em dinheiro e incentiva as ações nas comunidades.

No que se refere às ações comunitárias, é inegável que o estímulo às noções de cidadania e práticas comunitárias é muito positivo. Porém, nesse caso, é importante possibilitar aos jovens a construção crítica e reflexiva do que eles entendem por cidadania e ações comunitárias. Caso contrário, concepções e idéias são impostas hierarquicamente, sob o ponto de vista do Estado, e as responsabilidades das melhorias das condições de vida das

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comunidades onde moram também são transferidas para o grupo que deveria estar sendo beneficiado por elas, ou seja, para os próprios jovens.

O acesso à educação, sem dúvida, é de extrema importância para garantir a dignidade a qualquer indivíduo na atual sociedade. Portanto, as ações estratégicas nesse sentido devem ser válidas para a resolução de um grave problema, como é o caso da não conclusão de todos os níveis de ensino. Até porque o acesso ao ensino é dever e obrigação do Estado. No entanto, é sempre importante lembrar e considerar que há um desvio do foco da questão principal: a exclusão escolar e a má qualidade do ensino público.

A concessão da bolsa mensal de R$ 100,00 aos jovens estudantes nos traz algumas divergências. Há aqueles que acreditam nos programas de transferência de renda como um meio eficiente de distribuição de renda em nosso país. Por outro lado, há os que defendem que tais políticas são muito necessárias para o enfrentamento da pobreza, porém, não interferem de maneira alguma nos índices brasileiros de desigualdade social.

A atuação profissional dos assistentes sociais no PROJOVEM não acontece apenas na seleção dos jovens por meio da avaliação sócio- econômica, como geralmente ocorre em muitos programas. Mas a presença da profissão se dá, principalmente, no âmbito da formação sócio- política de um grupo de jovens dentro das salas de aula, local onde se pode refletir coletivamente o cotidiano dos indivíduos e os problemas sociais existentes e, mais do que isso, as alternativas para o seu enfrentamento.

A partir daí, podemos afirmar que o PROJOVEM nos possibilita atuar em um novo espaço sócio- ocupacional, a escola, e o trabalho nesse local pode trazer uma qualidade nova para a profissão.

Então, a formação para o mundo do trabalho não se dá de maneira tecnicista somente, como é o caso da grande maioria dos projetos sociais que desenvolvem esse tipo de trabalho, mas tem como proposta partir de uma visão de totalidade nas discussões sobre o trabalho que acompanham as capacitações. Dessa maneira, a formação desses jovens deixa de ser fragmentada e passa a ser mais completa, porque os prepara para o mercado de trabalho enquanto profissionais competentes e aptos a desenvolver certas habilidades, e também lhes dá condições de decodificar e atribuir significados à realidade, por meio de uma nova relação entre teoria e prática.

Mesmo assim, as tensões e angústias profissionais existem. Elas surgem com as dificuldades de relacionamento interdisciplinar com as demais profissões, da descontinuidade de programas e políticas governamentais, da mobilização dos jovens para as ações comunitárias e discussões temáticas em sala de aula e, assim como em outras organizações sociais, da falta de recursos materiais e humanos, das más condições de trabalho e da precariedade dos serviços sociais oferecidos.

Considerações Finais

Consideramos que os projetos sociais que desenvolvem cursos de qualificação profissional para jovens podem adquirir um caráter pragmático e mecânico. Por isso, perguntamo-nos: qual o enfrentamento dos assistentes sociais diante dessa problemática?

No caso dos jovens, os assistentes sociais deparam-se com problemas que necessitam de uma atenção especial, como por exemplo, a evasão escolar, o desemprego, os altos índices de violência que atingem esse segmento, a ausência de espaços de lazer e cultura, entre outros. E, geralmente, nos deparamos com a implantação de projetos de capacitação profissional de jovens para responder a essa questão social.

Será que esse é o melhor e mais efetivo caminho para se pensar a melhoria das condições de vida da população jovem? O questionamento central do nosso trabalho se refere às reais propostas e resultados desses modelos de projetos sociais. As demandas dos jovens

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são atendidas por meio desses projetos? Quais os reais impactos sobre a sua inserção no mercado de trabalho? Mais do que isso, como se dá essa mesma inserção?

De acordo com o projeto e programa social pesquisados, pudemos observar que os resultados concretos na vida desses jovens usuários do serviço são mínimos. Na maioria dos casos, os impactos em suas vidas se limitam às mudanças subjetivas de auto- estima, auto- conhecimento e realização pessoal e, algumas vezes, de inserção no mercado de trabalho informal ou formal de maneira bastante precária.

Por outro lado, as respostas aos interesses do capital são bastante satisfatórias, tendo em vista que há um “desafogamento” do mercado de trabalho e aumento da massa sobrante de trabalhadores, uma garantia de renda para que os jovens pobres sobrevivam mesmo desempregados, a pacificação desses indivíduos e o combate à ociosidade que pode gerar o aumento da criminalidade e, principalmente, a manutenção da desigualdade de classes por meio do ensino de cursos tecnicistas e desvalorizados no mercado de trabalho.

Portanto, a atuação de profissionais do Serviço Social pode alterar o direcionamento ético- político dessas ações. Para isso, devemos pensar a preparação dos jovens para o mundo do trabalho sob um ponto de vista diferenciado, a partir da junção entre o desenvolvimento técnico e intelectual desses indivíduos, por exemplo. Os projetos sociais de capacitação profissional não precisam se limitar ao ensino técnico e manual, mas podem ter em seu conteúdo programático espaços de reflexão e discussão sobre a compreensão da categoria “trabalho” e os seus impactos na vida em sociedade. Nesse aspecto, o PROJOVEM é o modelo que mais se aproxima desse tipo de proposta, porém, não resolve o problema do desemprego juvenil.

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Amanda Eufrásio é graduada em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e, atualmente, Assistente Social do CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) Parque Rodrigo Barreto, em Arujá/ SP.

Maria Beatriz Costa Abramides é professora Doutora da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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Revistas infantis do inicio do século XX: uma representação de Infância

Marissa Rezende de Andrade; Marcella Godinho Nascimento;Samantha Rosa de Paula; Claudia Panizzolo

RESUMO: O presente trabalho tem como finalidade a investigação das representações que se tinha de criança e infância no inicio do século XX, investigar a visão sobre a infância e o lugar social da criança no período proposto. O conceito de representação, segundo Gouvêa (2004), remete a função de apresentar novamente (re - presentar) a consciência uma “coisa” ou objeto ausente, dessa forma, ela não reproduz o objeto, mas o reconstrói, reconstitui, modifica. A representação social é uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos. A pesquisa tem, portanto como objetivo investigar como práticas dirigidas a sujeitos determinados os moldam para funcionar como portadores de imagens ou de representações, e como suportes de sentimentos, e mais especificamente, investigar práticas dirigidas a crianças que as moldam para funcionar como portadores das imagens ou das representações de infância. Para isso será usado como referencial teórico Norbert Elias, que estuda os comportamentos / hábitos presentes na sociedade e como esses delimitam / modelam as atitudes das pessoas, através de manuais de condutas dos séculos XVI, XVII e XVIII, Philippe Áries que analisa o percurso da construção da idéia moderna da infância, desde a indistinção em relação ao adulto, característica da sociedade medieval, até o lugar social de destaque que a criança assume na família burguesa e Michel Foucault que legitima as referências à Pedagogia e à Psicologia como discursos modeladores da infância e à escola como panóptico, olho único que tudo vê e que a todos controla. A pesquisa tem como procedimentos metodológicos levantamento bibliográfico, busca e análise de fontes, no caso as revistas infantis “Bem – te – vi”, com algumas edições que circularam no Brasil entre os anos de 1933 a 1936. Como a pesquisa ainda esta em andamento o que se pode apresentar de resultados parciais são a análise das revistas, que de maneira geral trazem textos e contos, em sua maioria tendo como fundo, exemplos de boa educação que crianças “boas” devem seguir, e como essa tem cunho religioso, traz ainda mais a fundo a questão de se fazer de uma criança um cidadão do bem, segundo os ensinamentos da Igreja.

Palavras-chave: infância, representações, revista infantil

Um olhar sobre a Infância

A fase da vida denominada infância nas ultimas décadas vem ganhando espaço em estudos científicos específicos. Pode se afirmar que foi a partir dos estudos de Áries no seu clássico trabalho Historia social da Criança e da Família, que essa fase da vida foi se valendo de uma construção social. Segundo Gouvêa (2004, p. 11), Áries analisou o percurso da construção da idéia moderna da infância, desde a indistinção em relação ao adulto, característica da sociedade medieval, ate o lugar social de destaque que a criança assume na família burguesa.

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O estudo de Áries, segundo Panizzolo (2009), foi realizado a partir de fontes iconográficas que privilegiaram para datar a emergência de um sentimento, de uma idéia ou ainda de uma representação da infância na alta modernidade do século XVIII, por oposição à ausência daquele sentimento nos registros de fins da Idade Média e começos da Moderna. Faz ainda uma associação dessa idéia com o desapego ou destrato dos adultos em relação aos menores. Sendo assim seu trabalho demonstrou que a infância constitui, mais que um fenômeno biológico, uma construção cultural.

No século XVI a criança era tida como um ser inacabado, carente e individualizado (BUJES, 2003, p.46), logo essa deveria se submeter a uma criação e instrução, como única forma de salvação desse ser tão sem características próprias, visão assim nessa época.

A referência a uma natureza infantil começa a aparecer com alguma ênfase a partir dos discursos, segundo Bujes (2003), dos humanistas, filósofos e reformadores do século XVI e XVII que se dedicaram a falar sobre a infância. Esses vão defender que esta criança que passa a ter características e sensibilidades próprias é vista também como ameaça, desafio e risco. Isso se dá porque os autores dessa época têm uma visão pejorativa e negativa da natureza infantil, associando-a ao mal. Consideram ainda as crianças como seres sem razão e que só serão conduzidas a razão por meio de um governo e controle das então populações infantis.

A consolidação de um significado moderno para o termo “infância” vai ocorrer, segundo Bujes (2003), apenas em meados do século XVII, entre a burguesia francesa. Porém só por volta do século XVIII que o sentido que hoje atribuímos ao termo vira a se generalizar, abrangendo assim todas as classes sociais.

Tem-se no livro Emilio, de Rousseau (1762), como sendo o nascimento de uma infância moderna. Esse defende a infância como sendo um novo fenômeno que deve ser considerado como objeto de estudo, campo de significados e também como um potencial aplicável, desenvolvimento social e ação educativa (BUJES, 2003, p. 49). Ele foi o primeiro a ver na criança não apenas uma oportunidade para aplicação de preceitos educativos, mas uma fonte de problemas que temos que resolver. De acordo com Gouvêa, “a Rousseau é que estava reservado ser o verdadeiro iniciador da ciência da criança, pode mesmo dizer-se o descobridor da criança” (GOUVÊA apud Claparede, 2004, p. 59), acabando por defender que antes de educar a criança devemos observá-la.

Por muito tempo a produção de saberes sobre a infância esteve conectada a regulação das condutas dos sujeitos infantis e a instituição de práticas educacionais voltadas para elas. Nesse aspecto, Foucault é outra presença marcante nos estudos de história da infância. Segundo Panizzolo (2009), Foucault legitima as referências à Pedagogia e à Psicologia como discursos modeladores da infância e à escola como panóptico, olho único que tudo vê e que a todos controla. Para usar uma expressão do próprio Foucault, a sua presença permite que se fale da história da infância como história de uma prática ortopédica (Cf. FOUCAULT, 1975).

Seguindo os pensamentos de Foucault, trazendo assim as discussões a respeito das relações entre Infância e Poder, permite-se questionar os significados da infância e os pressupostos que sustentam os discursos acerca de sua educação. Para Bujes (2003), ao tomar a criança como um sujeito / objeto cultural, tende a mostrar como o sujeito infantil é fabricado pelos discursos institucionais, pelas formulações cientificas, pelos meios de comunicação.

As crianças como sendo considerados seres modelados por discursos que as rodeiam e as controla de alguma forma, acabam por possibilitar entendimentos particulares sobre como se delineiam as relações de força na sociedade, as relações de poder – eficazes, mas invisíveis- que modelam certos modos de ser criança, de viver esta idade e de nela “descobrir o mundo” (BUJES, 2003).

Para autores, como Bujes (2002), Stephanou (1999) entre outros, que trazem as teorias de Foucault como referencial teórico em pesquisas ligadas a criança e infância, defendem de maneira geral que os fenômenos associados à infância - suas representações, seus códigos,

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suas identidades - não são naturais, dados ou inevitáveis, são o produto de um complexo processo de definição: as crianças são constantemente produzidas pelos discursos que se anunciam sobre elas. Sendo assim as crianças são sempre vistas e ate mesmo estudadas a partir de discursos feitos para elas que tem como finalidade implícita ou explicita de moldá-las a forma considerada mais adequada à sociedade que está inserida como próprio meio de controle.

A fase da vida então denominada infância não se define por suas características próprias e sim por discursos que moldam e modela seus sujeitos. Tendo como significados atribuídos a infância, segundo Bujes (2003), resultados de um processo de construção social, dependendo assim de um conjunto de possibilidades que se conjugam em determinado momento da historia, são organizados socialmente e sustentados por discursos nem sempre homogêneos e em perene transformação. Portanto, os significados de infância variam com o tempo, com a autoridade de quem fala, variam também segundo a classe social de quem os anuncia e de quem é o objeto da fala. Sendo então a infância uma variável inconstante na formação de uma sociedade.

Em Norbert Elias encontra-se parte dos seus estudos dedicados para analisar os comportamentos / hábitos presentes na sociedade, a formação das pessoas que nela vivem e os meios usados para modelação / imposição de suas atitudes. Seus interesses estão examinar práticas e processos de modelação dos sujeitos da infância e demais integrantes de uma sociedade. As fontes, como poemas e tratados dos primeiros séculos da modernidade, servem a Elias como instrumentos diretos de condicionamento ou modelação (PANIZZOLO, 2009). De adaptação do indivíduo a esses modos de comportamento, que a estrutura e a situação da sociedade onde vive tornam necessários. E mostram, ao mesmo tempo, através do que censuram e elogiam a divergência entre o que eram consideradas, em épocas diferentes, maneiras boas e más (Cf. ELIAS, 1990, p. 95).

Nesse autor encontramos delineado o quadro das mudanças civilizadoras que ocorrem durante a Renascença e que vão consolidando esta nova versão moderna de sujeito: uma maior individualização, um crescente controle das emoções, uma expansão da autoconsciência (Bujes, 2003). Elias faz uso de manuais destinados às crianças que permaneceram por varias edições em circulação no século XVI, XVII e XVIII, para análise desses que produziram por certo efeitos bastante concretos sobre as condutas dos sujeitos infantis. O código social de conduta neles instaurado grava-se de tal forma no ser humano (...) que se torna elemento constituinte do individuo (ELIAS, 1994).

Num outro aspecto relacionado à infância, tem-se que ate o século XIX o campo religioso ocupa o espaço privilegiado de produção de um discurso sobre a infância, porém a partir dai constituição desses discursos virá para o campo cientifico ocupando assim cada vez mais espaço na discussão desse tema. A construção de praticas discursivas voltadas para a infância no interior do campo científico tem como premissa sua alteridade em relação ao adulto, a qual antecede a formulação de conhecimentos técnicos – científicos que qualificam tal alteridade (GOUVEA, 2004, p.59). Nesse sentido vale destacar autores do inicio do século, tais como Claparede, Dewey, Montessori, Binet e Kilpatrick que irão dirigir sua produção no sentido de defender um novo olhar sobre a criança, que a perceba como qualitativamente diferente do adulto.

No Brasil a produção especifica relacionada a historia da infância é recente e parcial, segundo Gouvêa (2004), quase restrita a dissertações e teses que se voltam para a análise do contexto cultural da criança, ora analisando-o de acordo com uma perspectiva sincrônica, ao comparar a inserção da criança em diferentes contextos culturais, ora numa perspectiva diacrônica, historicizando o percurso de construção da noção de infância no Brasil. Tendo assim ambas as perspectivas o objetivo de investigar a idéia de uma infância única, abstrata e

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universal, tradicionalmente desenvolvida no interior das ciências voltadas para a infância e nas praticas a elas relacionadas.

A investigação da historicidade da infância remete ao percurso pelo qual se constituíram valores, hábitos e normas que hoje tomamos como absolutos. Busca-se a compreensão da mudança, daquilo que se redefiniu ao longo do tempo, na tentativa de ler os significados que se tinha de infância para os determinados sujeitos da época. Significa verificar o jogo de permanências e deslocamentos acerca da visão de infância e do lugar social da criança em um momento histórico diferenciado. (GOUVEA, 2002, p. 14)

Em relação às praticas voltadas a infância tem em Bujes (2003) que as crianças como sujeito de seu tempo, pressionadas pelas condições do meio, marcadas por diferenças de gêneros, classe, etnia, raça, idade, corpo, entre outros, vão sendo moldadas de acordo com suas características impostas desde seu nascimento. Sendo o estudo dessas práticas pensadas a partir destes pressupostos já colocados a essa categoria, infância.

As denominações de infância se modificam com o tempo e com o modo que elas são vistas na sociedade, “os significados de infância variam com o tempo, com a autoridade de quem fala, variam também segundo a classe social de quem os enuncia e de quem é o objeto da fala”. (BUJES, 2003, p. 24) Assim sendo, é importante destacar que a descoberta da noção de infância vem em consonância com modificações mais amplas na cultura e nos valores que regem a vida social (GOUVÊA, 2004, p.63), sendo considerado fruto de um longo processo de transformação sociocultural.

Portanto, discutir a infância significava ou proclamar sua diferença em relação ao adulto, ou afirmar a indistinção e incompletude da criança. Foi em torno desses eixos que se constituíram ao longo dos anos a maioria dos discursos em relação à criança. Porém hoje o campo científico afirmará cada vez mais a idéia da especificidade da infância.

A Revista Infantil: “Bem-Te-Vi”

A revista infantil Bem-Te-Vi, cujo primeiro volume foi publicado em 1886, com o nome de “Nossa Gente Pequena”, então sob a responsabilidade do missionário J.J. Ransom, teve sua primeira edição com o nome Bem-Te-Vi em 1922. Era editada e publicada em São Paulo, sua publicação era mensal e sua venda era realizada através de assinatura anual ou com o preço avulso.

As redatoras da revista Bem-Te-Vi, segundo Almeida (2003, p.57), a apresentavam como uma “edição voltada para todas as igrejas cristãs”. Tinha a finalidade de atender as crianças através de uma linguagem simplificada (porém, com forte apelo moral e voltado para normatização de condutas), em suas páginas, eram transcritos contos infantis, relatos da mitologia grega, poemas de autores nacionais e, principalmente, de autores norte-americanos e ingleses.

A formação da criança em traços evangélicos era ainda instilada por meio de uma infinidade de textos conhecidos do público infantil. Contos de fadas com seus personagens principescos e serviçais, contos indígenas e de populações negras trazidas para o Brasil em regime de escravidão eram transcritos e interpretados segundo critérios morais constitutivos do universo religioso protestante, tendo em vista modelar o comportamento dos pequenos leitores.

A revista Bem-Te-Vi é denominada por Almeida (2003) como sendo um material rico em informações a respeito de normas reguladoras de condutas requeridas das crianças e valorizadas pelos metodistas. Obediência, valorização do trabalho e do estudo, cuidados higiênicos e o exercício da caridade eram os temas que mais se repetiam na revista, como própria forma de inculcar esses valores nos pequenos leitores.

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Para a pesquisa foram usadas edições que circularam no Brasil entre os anos de 1933 a 1936, vistos que apenas alguns números estavam disponíveis no Arquivo Público de São Paulo, local onde foram retiradas tais fontes. Sendo os seguintes números:

Ano XI – n. 2: Fevereiro de 1933Ano XI – n. 4: Abril de 1933Ano XII – n. 1: Janeiro de 1934Ano XII – n. 4: Abril de 1934Ano XII – n. 5: Maio de 1934Ano XII – n. 10: Outubro de 1934Ano XII – n. 11: Novembro de 1934Ano XIII – n. 5: Maio de 1935Ano XIII – n. 7: Julho de 1935Ano XIII – n. 8: Agosto de 1935Ano XIV – n. 3: Março de 1936Ano XIV – n. 4: Abril de 1936Ano XIV – n. 5: Maio de 1936

A revista em seu conteúdo trazia as seções e séries: Brinquedos e Jogos, Petiscos para os Bem-te-vistas, Quem é que sabe?, Tesouro das Coisas Novas e Velhas, Seção dos Pequeninos, Cartas a Zezinho, Vultos da Raça Negra, A Página dos Pais. Em Brinquedos e Jogos, a revista apresenta propostas de brincadeiras e jogos para crianças, descrevendo as

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regras, o modo como se joga, dando dicas de melhores formas de se brincar e até o tempo previsto para a realização. As brincadeiras trazidas eram sempre de fácil aprendizagem, dirigidas sempre ao público infantil, quase sempre sua realização se dava sem custo algum, e não necessariamente tinha de haver a presença de um adulto.

Na seção Petiscos para os Bem-Te-Vistas, é apresentado receitas que visam atender aos gostos das crianças em geral, tais como receitas de bolos, geléias, rolinhos, balas entre outras. Geralmente tanto o modo de fazer como a ilustração da revista incentivava a criança a ajudar sua mãe na realização das receitas. Já na seção Quem é que sabe?, a revista publica todo o mês 15 perguntas possíveis de serem respondidas por crianças e só no numero seguinte que se tem as respostas. Perguntas relativas a animais e seus costumes, a música, a curiosidades do cotidiano, entre outros temas. Em Tesouro das Coisas Novas e Velhas, ensinamentos antigos, que nunca perdem seu valor na educação e sabedoria das crianças e mais velhos, são apresentados à página 2 da edição de janeiro de 1934:

Para ser rico não basta aprender como se adquire, mas é preciso, além disso saber poupar e conservar [...] Envergonhais-vos de vos achardes na ociosidade, quando tendes tanto que fazer em vosso beneficio, da vossa pátria e vossa família.

Na Seção dos Pequeninos, a revista publica textos considerados mais simples e sempre como um fundo educativo, com alguns títulos como: Marinheiro, história que conta que duas crianças preferiram seu velho brinquedo o cavalo Marinheiro ao invés de um novo, O Terninho novo de Peter, que traz a história do menino que com a lã de seu carneiro fez um terninho novo com a ajuda e troca de favores de seus avós, mãe, vizinho e alfaiate, llza não quer brincar, que relata a história de dois irmãos que se entenderam e brincaram juntos, entre outros títulos, todos como personagem uma criança que vive uma lição de bom comportamento, de ajuda ao próximo, de respeito e obediência, como um exemplo a ser seguido pelos pequenos leitores.

Já na seção A Página dos Pais, é publicado mensalmente textos que são dirigidos aos pais, que visam auxiliarem de alguma maneira na educação das crianças, trazendo com reagirem a determinados comportamentos de seus filhos, tal como quando se tem um filho denominado, segundo a revista, de criança fechada, sendo aquelas que tem dificuldades de expressarem seus sentimentos, a revista então aconselha os pais a não tratarem seus filhos como sendo inferiores a outras crianças como forma de evitar esse tipo de comportamento tal qual também sempre os incentivarem de maneira positiva, encorajando-os em suas atitudes contribuindo assim para que essa criança se torne mais segura e expresse melhor seus sentimentos. Outro exemplo trazido por essa seção é o texto Bons e maus hábitos, em que faz com que os pais reflitam sobre os hábitos de seus filhos e que esses só vão ser bons com a ajuda e próprio exemplo de seus pais.

Na série Cartas a Zezinho, a revista publica cartas escrita por uma senhora a seu filho, ela esta fazendo uma viagem ao redor do mundo com seu marido e filha, e a cada carta a mãe descreve ao filho a cultura e as características do lugar visitado como própria forma de aprendizado para ele e leitores da série, lugares como o Havaí, o Japão, Egito. Já na série Vultos da Raça Negra, a revista apresenta caracteres da raça negra que se salientaram em E.U.A. Além dessas séries e seções ainda era publicado histórias longas que eram divididas em capítulos e contadas em vários números.

A imagem/representação da criança na Revista:

Ver o Brasil nas décadas de 1920 e 1930 é pensá-lo como uma recente república que tem como um dos objetivos principal educar o povo, tendo na visão das elites dirigentes um

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caráter essencialmente político. A educação seria o instrumento de formação do cidadão republicano, vinculava-se, portanto à sobrevivência e consolidação do novo regime.

Os meios de comunicação seriam, dessa forma, mais um transmissor de disciplina, dominação, normatização, na tentativa de modelar condutas através da difusão de ideias que serviriam de suporte para a aquisição de um discernimento que estabeleceria e diferenciaria o bem e o mal em termos das ideias liberais. A realização dessa tarefa implicaria a construção de elementos que estabelecessem uma identidade coletiva e, através dela, a coesão da população, pela aceitação de parâmetros de comportamentos necessários ao desenvolvimento e ao progresso nacional, dentro da ordem liberal de organização da sociedade.

Para as crianças como ser em plena formação não seria diferente o uso desses meios para a divulgação de uma imagem de cidadão idealizado, isso sem considera a própria escola como principal palco da divulgação dessas boas maneiras a serem seguidas pelas crianças, porém essa não será o objeto da pesquisa, cabendo aqui então a busca da imagem e representação de infância dos anos 1930 a partir da análise de algumas edições da Revistas infantil Bem-Te-Vi.

Falar em representação significa investigar a visão sobre a infância e o lugar social da criança no período proposto. Nesse sentido, as análises das revistas não significam uma tradução do real, que espelhariam fielmente a infância da época analisada. Ao contrário, o conceito de representação remete a função de apresentar novamente (re - presentar) a consciência uma “coisa” ou objeto ausente (GOUVEA, 2004, p. 15). Dessa forma, ela não reproduz o objeto, mas o reconstrói, reconstitui, modifica.

Assim sendo, a revista Bem-Te-Vi tenta de maneira geral trazer uma imagem idealizada da infância e da criança, demonstrando sempre uma preocupação em divulgar uma representação de criança corajosa, sincera, amorosa, respeitosa, obediente e digna. No entanto suas publicações se definem em trazer textos, estórias e exemplos ora de criança já definida como toda certinha, uma criança do bem, se definindo sob todas essas características acima citadas ora criança que justamente a princípio não se encaixa nesses adjetivos, aprontam algo recebendo assim às vezes sua devida punição ou a própria história com o uso da consciência do próprio personagem em não praticar o tido como um mau comportamento se encarrega de conduzir essa criança ao caminho do bem, em que as crianças se constituem sob essas características, em um modelo que deve ser seguido por todas.

Histórias publicadas na revista que retratam bem essa dualidade presente no contexto de Bem-Te-Vi podem ser perceptível em A Páscoa de Berta, que narra a história de uma garota que todos os anos na época da Páscoa entregava ovos, pintinhos e coelhinhos de chocolate para as crianças hospitalizadas de um grande hospital, levando assim um pouco de alegria para aquelas pobres crianças que estão doentes, acabando com a frase “Quanta alegria houve depois da visita de Berta nessa enfermaria!” (Revista Bem-Te-Vi, Ano XII, n. 4, abr. 1934,p. 85).

Já um exemplo que mostra outra maneira de retratar o bem se encontra na história Uma boa peça, que narra a história de Luizinho que passa horas pensando em como pregar boas peças no dia Primeiro de Abril e quando surge a oportunidade de pregar uma, que era a de enganar um amigo com uma moeda de estanho ao invés de uma de valor, Luizinho desiste percebendo a necessidade que o amigo estava passando com sua irmãzinha, resolvendo assim dar ao amigo a moeda de verdade.

Outro episódio trazido pela revista em que sugere na vida de uma criança um acontecimento que traz um problema (bem ou mal resolvido) provocando assim uma tomada de consciência, mediante a qual a criança é transformada, ocorre em Serviço de Homem, história que narra que um menino, Zuque, achava que limpar alpendre era serviço só de mulher e se convence ao contrário quando vê os marinheiros limpando seus navios:

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Finalmente chegaram ao cais, onde, como sempre, estavam ancorados diversos navios. A Tia Berta descobriu um banco no qual eles se podiam sentar e apreciar bem de perto o navio-escola e seus marinheiros trabalhando. Alguns estavam pintando o navio. Outros iam formando rolos bem feitos com as cordas pesadas. Alguns estavam brincando com um sagüi, o mascote do navio. E bem no alto, no convés, Zuque viu dois fortes marujos energicamente trabalhando com baldes e esfregões. Eles não pareciam estar com vergonha desse trabalho. E de fato não estavam. Para frente e para trás iam as escovas, deixando o convés limpo e reluzindo.- Eu não sabia que os marinheiros tinham que fazer isso, declarou Zuque.- Se fazem! Exclamou a Tia Berta. Alguns ate costuram e cozinham.Zuque estava muito quieto ao voltar para casa.- Tia Berta, ele disse, de repente, ao virarem a esquina, quando for preciso lavar o alpendre outra vez, acho que posso deixá-lo bem bonito. Estive observando o jeito com que os marujos esfregavam o chão. É preciso bastante muque para esfregar como os marujos; mas veja só os músculos que eu tenho no braço direito! (idem, ano XIV, n. 3, mar. 1936, p. 50)

As narrativas seguindo essa representação de criança obediente e prestativa ainda destacam exemplos de crianças que abrem mão de atividades prazerosas para prestarem ajuda a pais, vizinhos, tios. Nesse sentido, tem-se em As Férias de Clarisse, a narrativa de uma criança que abre mão de suas férias na fazenda do tio e com o dinheiro compra um fogão a gás para sua mãe, “estaria na fazenda descansando e passeando, enquanto sua mãe ficava naquela cozinha quente. Não parecia direito. Então ela teve uma idéia. Se ficasse em casa teria meios de comprar o fogão a gás para a mamãe!”

Outra situação apresentada relacionada à ajuda aos pais a revista publica uma poesia Meu dia de lavar roupa, na página 39, ano XI, n.2, fevereiro de 1933, a qual se coloca a idéia de que lavar roupas pode ser divertido como própria representação da criança boa que ajuda a mãe:

Lavei hoje as roupinhasDa boneca, que entre as minhasÉ por certo a predileta,Da formosa Guiomar.Tina, água e sabão E uma tabua de esfregar;Para secarem entãoPendurei-as afinal,No meu pequeno varal.O sol brilhava ardente;Uma brisa doce e amenaSoprava constantemente.A roupa secou depressa;Fui, dobrei peça por peça;Pus a pilha para um ladoE passei-a com cuidado,E apesar de tanta lidaA manhã foi divertida!

Conclui-se, portanto, que as páginas da Revista infantil Bem-Te-Vi são repletas de um conjunto de valores a que autores/ redatores recorrem constantemente, sendo aqui visto como própria forma de representação de infância e criança do referido período, tais como: obediência, amor, ordem, trabalho, honra, ajuda aos pais, bondade, que refletem assim um modelo familiar e social a ser seguido pelo seu público de pequenos leitores, com o intuito de esses passarem de boas crianças a exemplares cidadãos.

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Fontes

Revista Bem-Te-Vi. Arquivo Público do Estado de São Paulo, 1933/ 1936.

Referências

ALMEIDA, Vasni. O metodismo e a ordem social republicana. Revista de estudos da Religião, São Paulo, n. 1, p. 41-60, 2003. Disponível em: <http://www.pucsp.br/rever/rv1_2003/p_schune.pdf>.

ARIÈS, P. História Social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.

BUJES, M.I.E. Infância e maquinarias. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

CHARTIER, Roger. A ordem dos Livros: Leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Trad. Mary Del Priore. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.

_______.A Historia Cultural. Lisboa/Rio de Janeiro: Difel/Bertrand, 1990.

ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. v. 1.

GOUVEA, Maria Cristina Soares. A escrita da história da infância: periodização e fontes. In: SARMENTO, Manuel; GOUVEA, Maria Cristina Soares (orgs.). Estudos da infância: educação e práticas sociais. Petrópolis: Vozes, 2008.

_______. O mundo da Criança: a construção do infantil na literatura brasileira. Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2004.

PANIZZOLO, Claudia. A educação de meninos e meninas no Brasil da primeira metade do século XX. Projeto de Demanda Universal da FAPEMIG, 2009.

STEPHANOU, Maria. Governar ensinando a governar-se: Discurso Medico e Educação. In: FARIA FILHO, Luciano Mendes de (org). Pesquisa em Historia da Educação: perspectivas de analise, objetos e fontes. Belo Horizonte: HG edições, 1999.

Marissa Rezende de Andrade e Marcella Godinho Nascimento são estudantes do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG e desenvolvem a pesquisa “A educação de meninos e meninas no Brasil da primeira metade do século XX” como bolsistas do PIBIC/Fapemig.

Samantha Rosa de Paula é estudante de Pedagogia da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG e bolsista do PIBIC vinculada ao projeto “Brincar na Brinquedoteca: A presença/ausência da cultura lúdica infantil nas produções acadêmicas”.

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Claudia Panizzolo é professora adjunta da Universidade Federal de Alfenas - UNIFAL/MG, coordenadora e orientadora da pesquisa “A educação de meninos e meninas no Brasil da primeira metade do século XX” financiada pela Fapemig.

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Um estudo sobre a creche:caracterização das profissionais do município de Alfenas/MG

Vanusa Correa Lourenço

RESUMO: O atendimento a criança pequena no Brasil, passou por uma longa trajetória. Várias denominações foram instituídas ao lugar que as crianças ficavam: salas de asilo, jardins de infância, escolas maternais, creches, pré-escolas. Segundo Kuhlmann Jr (2000), as creches foram implantadas no Brasil com o desenvolvimento da urbanização e industrialização, pois as mulheres passaram a ingressar no mercado de trabalho. As mães quando saiam para trabalhar não tinham onde deixar seus filhos, sendo instituídas então as creches de cunho assistencialista. Estas instituições tinham apenas a função de cuidar das crianças, ou seja, de alimentá-las e cuidar de seus corpos; sendo que o lado profissional ficava obscurecido. Depois de um longo período em que as creches apenas cuidavam das crianças, estas conquistaram o direito de também serem educadas nessas instituições. Com as mudanças que ocorreram na legislação como, por exemplo, a Constituição de 1988, na Lei De Diretrizes e Bases da Educação n° 9394/96 designou que o profissional para atuar na educação infantil, deve possuir formação em normal superior ou formação em Pedagogia. Então depois de todas essas mudanças, a presente pesquisa de iniciação científica será realizada nas creches municipais que atendem crianças de zero a três anos de idade do município de Alfenas/MG visando compreender como estas mudanças foram incorporadas pelas instituições de educação infantil, a partir do conhecimento das profissionais que estão atuando nas creches. Para o desenvolvimento da pesquisa serão utilizados os seguintes instrumentos: entrevistas e questionários.

Palavras - chaves: Creches; Profissionais; Educação Infantil.

História das creches e a nova legislação.

Este trabalho é decorrente de uma pesquisa de iniciação científica que está sendo realizada no município de Alfenas/MG, com o intuito de pesquisar a composição das creches municipais desta cidade, ou seja, número de instituições, clientela, as formas de atendimento, etc. Para isso focaremos nas profissionais que lá trabalham, com a realização de questionários e entrevistas. Depois das mudanças que ocorreram na legislação, pesquisar quem são hoje as profissionais que trabalham nas creches é algo muito relevante para as pesquisas na área de educação infantil, pois elas nos fornecerão importantes informações sobre a organização destas instituições no âmbito do desenvolvimento das políticas educacionais para esta área.

As creches hoje fazem parte do sistema educacional, o cuidar e o educar de acordo com a legislação agora deve estar presente tanto nas creches como nas pré-escolas. Mas não foi sempre assim, o atendimento à criança pequena no Brasil, passou por uma longa trajetória.

Segundo Marcílio (1997), a roda dos expostos foi uma das primeiras instituições de atendimento à infância abandonada. Inventada na Europa Medieval, sendo uma das

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instituições brasileiras de mais longa data, sobrevivendo aos três grandes regimes do Brasil: Colônia, Império e República.

Neste sentido, de acordo com Kuhlmann Jr. (2000), muitas mães solteiras que não tinham condições de criarem seus filhos, deixavam na roda dos expostos; criada no Brasil em 1738. Eram colocadas em uma roda de madeira e abandonadas, mantendo o anonimato das mães. Essas crianças eram amamentadas pelas amas de leite, mulheres que amamentavam várias crianças ao mesmo tempo. Depois iam para o orfanato.

As instituições para crianças pequenas surgiram no século XIX, devido a crescente industrialização e urbanização, chegando ao Brasil na década de 1870. O lugar onde as crianças ficavam passou por várias denominações: salas de asilos, escolas maternais, escolas de tricotar, creches, pré-escolas. A primeira creche surgiu no período republicano, inaugurada em 1899, vinculada a uma fábrica de tecidos; atendendo crianças de 0 a 3 anos de idade . Era um apoio para as famílias que trabalhavam, pois as mães iam trabalhar nas fábricas e as crianças tinham um lugar seguro para ficar, podendo até serem amamentadas durante os intervalos de trabalho. As salas de asilo surgiram na França, não sendo obrigatória a frequência das crianças, pois tinha um caráter assistencialista.

Os jardins de infância atendiam uma clientela de classe média e alta, sendo um lugar de desenvolvimento e bons hábitos. O primeiro jardim de infância público no Brasil foi instituído em 1896, construído na praça da república na capital de São Paulo, como uma maneira de estágio para a formação de professoras das escolas normais (KUHLMANN Jr., 2000).

As profissionais que trabalhavam nestas instituições, creches e pré escolas recebiam denominações diferentes, como a creche cuidava e a pré escola educava, acabou gerando dois tipos de profissionais. Segundo Kuhlmann Jr. (2000), nas creches as profissionais apenas cuidavam das crianças, não tinham nenhum tipo de formação e possuíam várias denominações quanto ao modo de serem chamadas: pajens, crecheiras, monitoras, auxiliares de desenvolvimento infantil e funcionavam em período integral. Já nas pré-escolas, que funcionavam em meio período, tinha um caráter educacional e possuíam professoras para a educação das crianças.

Segundo Kuhlmann Jr (1991), nas creches e asilos a criança deveria ser cuidada por mãos femininas; os regulamentos das creches na França, de 1862 e 1867 afirmavam que as creches deveriam ser dirigidas exclusivamente por mulheres, ou seja, as profissionais da creche atuariam substituindo o papel materno, tornando-se uma segunda mãe para as crianças. Outra autora que nos levanta essa questão é Cerisara (2002), mostrando com sua pesquisa que as funções exercidas por essas profissionais nas creches está muito ligada ao trabalho doméstico, o papel de maternagem gerando uma contaminação destas práticas femininas domésticas, aplicadas na prática profissional com as crianças pequenas.

Segundo dados do Departamento da Criança no Brasil (DCB), que se constituiu como uma associação criada para registrar e estabelecer um serviço de informação, sobre as instituições que dedicavam a proteção direta e indireta da infância. Apontou que em 1921 foram registrados apenas 15 creches e 15 jardins de infância. Já em 1924 ocorreu um aumento no número dessas instituições passando para 47 creches e 42 jardins de infância. Esse aumento no número de instituições deve-se ao fato da ascensão do capitalismo, a grande demanda da industrialização, que retirou muitas mulheres de casa, levando-as para o trabalho. Isso ocasionou a entrada das mulheres no mercado de trabalho, e com isso houve um aumento nestas instituições, devido ao fato das mães trabalharem e não terem onde deixar seus filhos (KUHLMANN Jr., 2000).

Em 1966, a Secretaria Municipal de São Paulo promoveu um seminário sobre as creches, reunindo 90 representantes de entidades e profissionais. Nesta época, haviam 27 creches na Capital e 89 no interior. Segundo Pereira (1966, apud KUHLMANN Jr., 2000, p.

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487), que foi uma das palestrantes do evento, o papel da creche é dar assistência as crianças, para que elas não fiquem desamparadas, se sintam como no seu lar, com carinho e afeto. As mulheres que trabalhavam nestas instituições não tinham qualificação, nem se exigia, no entanto, a profissão que se oferecia às mulheres naquela época era professora (KUHLMANN Jr., 2000).

Até 1988 a creche tinha apenas a função de cuidar das crianças; o profissional para atuar nestas instituições não se exigia qualificação e as crianças não ''tinham uma educação escolar''. Segundo Corsino (2009), através de movimentos sociais urbanos e feministas, foi instituído na Constituição de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que creches e pré-escolas passariam a ter a função de cuidar e educar as crianças. A educação infantil passou a ser a primeira etapa da educação básica, de responsabilidade dos municípios, um dever do estado e um direito a todos que a demandarem.

A Lei de Diretrizes e Bases (9394/96), nos artigos 29, 30 e 31, nos apresenta dados sobre a educação infantil mostrando que esta passou a ser a primeira etapa da educação básica; creches e pré-escolas passariam a ter a função de cuidar e educar, desenvolvendo aspectos físicos, psicológicos, intelectuais e sociais, das crianças de zero a seis anos de idade. As creches ficaram responsáveis por atender crianças de 0 a 3 anos de idade e as pré escolas crianças de 4 a 6 anos de idade, ambas com a função de cuidar e educar. Sendo a avaliação sem promoção, podendo ser contínua e feita por meio de registros e observações. Para as profissionais que atuam nestas instituições também ocorreram mudanças quanto a sua formação, pois foi instituído que para trabalhar em creches e pré-escolas é necessário ter formação em normal superior ou formação em pedagogia.

A pesquisa

O objetivo da presente pesquisa é caracterizar as creches municipais do município de Alfenas/MG, que atendam crianças de 0 a 3 anos de idade visando conhecer o número de instituições, formas de atendimento, clientela atendida, número de profissionais, etc. Tendo como objetivo específico caracterizar o perfil das profissionais que atuam nestas instituições, ou seja, depois das mudanças que ocorreram, desejamos saber quem são hoje as profissionais que trabalham nas creches.

Esta é uma pesquisa tanto qualitativa, quanto quantitativa. Segundo Richardson (1999 apud RAUPP, BEUREN, 2003, p. 22), na pesquisa qualitativa as análises são mais profundas em relação ao fenômeno que está sendo estudado, não apresentando um instrumento estatístico, na análise do problema. Entretanto, na pesquisa quantitativa, caracteriza-se pelo emprego de instrumentos estatísticos (percentual, média, desvio-padrão); precisão dos resultados, evitando distorções de análise e interpretação. É muito usada nos estudos descritivos, que procuram descobrir e classificar as variáveis e a relação de causa entre os fenômenos.

A pesquisa consta-se também de revisão de literatura; sendo uma pesquisa de campo realizada nas instituições de educação infantil de Alfenas/MG. Será dividida em etapas, para um melhor desenvolvimento. Constando-se nestas etapas, informações sobre o número de instituições que atendam crianças de 0 a 3 anos; entrevistas com duas profissionais de cada creche; distribuição de questionário para todas as profissionais que trabalham lá. E a análise dos dados se dará a partir da tabulação e categorização destes dados encontrados.

Composição das creches municipais de Alfenas/MG

Os resultados preliminares da pesquisa até o momento nos mostram que poucas mudanças ocorreram nestas instituições. Mesmo imposta na legislação o cuidar e o educar

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ainda não está sendo aplicado; espaços inadequados, direitos desrespeitados e ainda profissionais sem qualificação atuando nestas instituições. Podemos comprovar esses dados em nossa pesquisa, pois as crianças nas creches ainda estão submissas a um espaço fechado, com pouquíssimos brinquedos e profissionais que estão misturando o feminino e o profissional.

A pesquisa constatou até o momento que 100% das creches são constituídas por mulheres. O que podemos constatar que ainda é uma profissão ligada ao gênero, prevalecendo a presença maciça de mulheres nesta etapa de ensino. Segundo Kuhlmann Jr (1991), na França, em 1862, as creches só poderiam contratar profissionais femininas e que estas profissionais atuariam substituindo o papel materno, tornando-se segundas mães.

A composição destas creches apenas por mulheres acaba obscurecendo o papel da profissional, pois para o desenvolvimento do seu trabalho, as profissionais acionam informações e práticas decorrentes da sua atuação enquanto mãe/mulher. Na pesquisa podemos constatar que a maioria destas profissionais relata que aprendeu a trabalhar com crianças, cuidando de seus próprios filhos, trabalhando como babá ou cuidando dos sobrinhos.

A identidade destas profissionais acaba ficando obscurecida prevalecendo o cuidar e não o educar. De acordo com Cerisara (2002), a função destas profissionais nas instituições de educação infantil está muito ligada ao trabalho doméstico e o papel de maternagem que eles executam em casa. Não conseguindo fazer uma distinção entre o profissional e o feminino.

Segundo Silva (2001), há uma crise de identidade das profissionais que atuam nas creches. A educação na creche ainda é recente, por isso os aspectos relacionados ao cuidar estão mais presentes levando as profissionais a trabalhar utilizando elementos advindos da maternidade por exemplo. Na prática ser mãe, mulher e trabalhadora acaba resultando em uma mistura das identidades.

De acordo com a LDB 9394/96 o profissional para atuar na educação infantil, exige-se hoje formação em magistério (normal superior) ou pedagogia. Mas o que podemos perceber através da análise dos dados dos questionários é que 40% apenas destas profissionais são formadas em pedagogia, o restante 60% não possui nenhum tipo de formação superior. Ou seja, as creches não estão constituídas de acordo com a LDB de profissionais qualificados para trabalhar na educação infantil. Com isso o atendimento à criança fica prejudicado devido ao despreparo dessas profissionais que acabam trabalhando com as crianças sem desenvolverem atividades, conhecimentos que uma formação profissional lhe daria.

Outro dado da pesquisa é que algumas profissionais relatam que usam plano de aula ou planejamento semanal para organizarem as atividades que serão realizadas durante as aulas. Algumas seguem as orientações dos eixos da educação infantil (Comunicação e expressão; conhecimento lógico- matemático e conhecimentos da natureza e da sociedade). Segundo Xavier (2001), esses eixos da educação infantil contêm objetivos e conteúdos que foram criados para o melhor desenvolvimento do aluno nas instituições de Educação Infantil, possibilitando um conhecimento em diferentes áreas, sem tirar o lúdico, o faz de conta presente nesta faixa etária.

Outro dado importante na análise dos dados da pesquisa, é a clientela atendida na creche. Segundo Kuhlmann Jr (2000), as creches tinham um caráter assistencialista, atendiam crianças pobres que as mães trabalhavam. Através da pesquisa, podemos perceber que ainda hoje a creche cuida das crianças em sua grande maioria carentes, que as mães trabalham e não tem onde deixar seus filhos.

Até o presente momento da pesquisa, podemos constatar que as creches cuidam das crianças para as mães trabalharem; crianças carentes e que o educar ainda '' está muito tímido''. Contudo a formação destes profissionais ainda não está de acordo com a legislação. E muitas que formam não conseguem por a teoria que aprenderam em prática. Segundo Cerisara

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(2002), a formação do professor das series iniciais deveria ser diferente do professor de Educação Infantil, pois esta área possui especificidades.

Referências

CERISARA, Ana Beatriz. Professoras de educação infantil: entre o feminino e o profissional. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LEI 9394/96, 20 de dezembro de 1996.

KUHLMANN JUNIOR, Moysés. Educando a infância brasileira. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive (orgs). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 469-96.

KUHLMANN JUNIOR, Moysés. Instituições Pré-Escolares Assistência no Brasil (1899-1922). Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 78, p. 17-26, 1991.

NUNES, Maria Fernanda Rezende. 2009. Educação Infantil: instituições, funções e propostas. In: Corsino, Patrícia (org). Educação Infantil: cotidiano e políticas. Campinas: Autores Associados, p.33-37.

SILVA, I. de O. A creche e suas Profissionais: processo de construção de identidades. Em Aberto, Brasília, v. 18, n. 73, p. 112- 119, 2001.

Vanusa Correa Lourenço é estudante de de Pedagogia da Universidade Federal de Alfenas/MG – UNIFAL/MG e bolsista do PIBIC/FAPEMIG sob orientação da Prof.ª Dr.ª Fabiana de Oliveira – ICHL/UNIFAL-MG.

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Agricultura familiar e pluriatividade nos bairros rurais Canta Galo e Barro Branco do município de Areado/MG:

análises preliminares

Vanderléia Correa LourençoAna Rute do Vale

RESUMO: As transformações nas dinâmicas atuais pertencentes ao meio rural permitem que se perceba particularidades distintivas antes inexistentes. Além das atividades agrícolas, é cada vez mais comum a adoção de atividades não-agrícolas no meio rural. Há uma diversificação nas fontes de rendas das famílias rurais, o desenvolvimento da pluriatividade. Nesse contexto, pretendemos nesse trabalho analisar as unidades de produção familiar pluriativas nos bairros rurais Canta Galo e Barro Branco no município de Areado (MG), buscando desvendar suas estratégias socioeconômicas, bem como consequências e transformações advindas deste processo e suas perspectivas futuras. A metodologia consistirá de levantamento, revisão bibliográfica, coleta de dados e entrevistas junto aos membros responsáveis pela unidade de produção familiar. Esse trabalho encontra-se em andamento, por tratar-se de um projeto de estágio curricular do curso de bacharelado em geografia e nem todas as etapas metodológicas foram cumpridas. Seus resultados, portanto, são preliminares.

Palavras-chave: Agricultura Familiar; Pluriatividade; Bairros rurais.

Agricultura familiar e pluriatividades: análise em construção

As práticas realizadas no meio rural veem apresentando intensas transformações, as bases tradicionalistas que o designava como um lugar de atraso, no qual as atividades se pautavam apenas na de subsistência, vida rude, sem muito conforto, passam a se modificar nas últimas décadas, um processo gradual e progressivo. Algumas de suas características básicas ainda permanecem, mas outras estão adquirindo e se associando a novas dinâmicas socioespaciais, construtoras de novas espacialidades.

Dessa forma, quando analisamos a realidade hoje vigente no meio rural, deparamos com atores sociais de punho firme em busca de seus ideais. A unidade produtiva familiar passa a se destacar nesse meio pela sua articulação e superação, tendo seu alicerce ainda na agricultura, buscam incessantemente sua inserção no mercado e ao mesmo tempo adotando a prática da pluriatividade nesses locais.

Schneider (2003) considera que a agricultura familiar pode ser definida por vários elementos. O primeiro diz respeito à forma de uso do trabalho, uma vez que as unidades familiares utilizam quase que unicamente a força de trabalho familiar, podendo raramente haver contratações temporárias. O segundo são os obstáculos impostos pela própria natureza, impedindo que se torne uma atividade produtiva industrial. E, finalmente, o terceiro se refere às bases da teoria social crítica, a tradição marxista de se referir ao desenvolvimento agrário como um processo macrossocial e econômico, ao invés de considerar o campesinato.

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Contudo, o ponto central disto tudo está na própria natureza familiar dessas unidades, relações de parentesco e de herança existente entre os membros dessas unidades.

Segundo Marafon (2006, p. 19), "a produção familiar se caracteriza pelo trabalho familiar na exploração agropecuária e pela propriedade dos meios de produção". O mesmo autor, reforçando esta afirmação, relata que "a agricultura de propriedade familiar é caracterizada por estabelecimentos em que a gestão e o trabalho estão intimamente ligados, ou seja, os meios de produção pertencem à família e o trabalho é exercido por esses mesmos proprietários em uma área relativamente pequena ou média". Isto nos revelando a força de coesão existente nos grupos familiares na construção e distinção de diferentes ações locais e a sua capacidade de articulação na superação de suas próprias necessidades existenciais.

A atuação do grupo familiar é tida, de acordo com Carneiro (2000) citada por Moreira (2007), como um ator social do processo de desenvolvimento econômico permite que se construa e se distingue diferentes atuações locais que acabam se processando em transformações nas próprias estruturas no qual fazem parte. Essa compreensão permite levantar pontos relevantes deste processo de atuação na agricultura familiar, novas caminhos trilhados visando aumentar sua rentabilidade sem que se precise vender suas propriedades, ou mudar em definitivo para as cidades.

[...] eleger a unidade familiar ou o grupo doméstico, como unidade de observação revela-se um procedimento fundamental para a compreensão das transformações recentes no campo brasileiro, onde o aumento das atividades não-agrícolas, articuladas ou não à agricultura, exige um maior grau de complexidade. (CARNEIRO, 2000, p. 131 citado por MOREIRA, 2007, p. 64)

Essas novas concepções sobre o meio rural se refletem na adoção da pluriatividade, que para Schneider (2003) se refere às

[...] situações sociais em que os indivíduos que compõem uma família em domicílio rural passam a se dedicar ao exercício de um conjunto de atividades econômicas e produtivas, não necessariamente ligadas à agricultura e ao cultivo da terra, e cada vez menos executadas dentro da unidade de produção. (SCHNEIDER, 2001, p. 3)

O mesmo autor acredita que é a pluriatividade a melhor forma para apreender as transformações que está havendo nas formas de trabalho e renda das unidades agrícolas (SCHNEIDER, 2003).

Estes são, portanto, os mecanismos de suporte para a reprodução social das famílias, que por não apresentarem condições adequadas de sobreviver apenas das atividades agrícolas que desempenham, veem-se obrigadas a passar por um processo de mudanças dos seus padrões, associando-se às atividades de serviços. A pluriatividade se associa a noção de multifuncionalidade e acabam sendo o suporte para as bases dessas novas características da ruralidade em nossos dias atuais (CARNEIRO,1996).

Quando refere-se à pluriatividade, outro aspecto relevante nos é apresentado por Alentejano(1999). A complexidade dialética existente na questionável apresentação entre os termos pluriatividade e agricultura em tempo parcial, revelando que

[...] a noção de pluriatividade permite dar conta melhor do caráter familiar da unidade agrícola, pois parte dos membros pode dedicar-se até integralmente ao trabalho agrícola, enquanto outros trabalham em outras atividades, o que não caracterizaria agricultura em parcial - referida normalmente apenas ao chefe da exploração-, porém, enquadra-se na noção de pluriatividade, se falarmos não apenas de indivíduos pluriativos, mas, fundamentalmente, de unidades familiares calcadas no trabalho pluriativo. Portanto, a noção de pluriatividade é mais

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adequada para dar conta do fenômeno referido, e é por isso que preferimos sua utilização e não a de agricultura de tempo parcial. (ALENTEJANO, 1999, p. 154)

De acordo com Carneiro e Maluf (2003), a multifuncionalidade da agricultura familiar é outra questão que acaba atingindo todas as famílias rurais. Considerando Maluf (2003), "o enfoque da multifuncionalidade suscita questões ligadas à dimensão ambiental (uso dos recursos naturais) da atividade agrícola, ao aspecto paisagístico e, em menor grau, à preservação da herança cultural". Portanto, a reprodução econômica dessas famílias acabam não mais ficando restrita às atividades agrícolas, mas também a outras fontes de renda que acabam exercendo dentro deste contexto novos processos geradores de emprego e renda.

Tendo por base este caráter multifuncional ora vigente no meio rural brasileiro, Soares (2001), de acordo com a OECD de Março de 1998, declara que

[...] além de sua função primária de produção de fibra e alimentos, a atividade agrícola pode também moldar a paisagem, prover benefícios ambientais tais como conservação dos solos, gestão sustentável dos recursos naturais renováveis e preservação da biodiversidade e contribuir para a viabilidade sócio econômica em várias áreas rurais... Agricultura multifuncional quando tem uma ou várias funções adicionais ao seu papel primário de produção de fibras e alimentos. (SOARES, 2001, p. 41)

Segundo Carneiro e Maluf (2003) a agricultura familiar vem se configurando num cenário de uma total flexibilidade social e econômica, a adoção concreta de política agrária, como o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), dentre outras, vem proporcionando a elas novas direções.

Tendo por base essas concepções, tomemos a realidade das unidades de produção familiar, no contexto dos bairros rurais. Moreira (2007, p. 23) define bairro rural como “uma unidade socioespacial alicerçada em três elementos: a base físico-territorial, o sentimento de localidade (identidade) e a sociabilidade entre os moradores (as relações de vizinhança)”. Vale ressaltar que esses locais estão cada vez mais sendo influenciados por novas técnicas de produção e produtos que estão transformando e modificando seu modo de vida, as visões rudimentares de lidar com a terra, sua autonomia, uma produção cada vez mais destinada à venda, a economia de mercado. “A incorporação à economia capitalista altera as posições na estrutura tradicional e possibilita a definição de outras, fora dela" (CÂNDIDO, 2004 p.233).

Essa modernização atingiu fortemente as bases das estruturas tradicionalistas da agricultura não apenas dos grandes proprietários, mas também dos pequenos e médios produtores.

A modernização da agricultura vem acontecendo a partir do momento em que o homem começou a lidar com a prática do cultivo e dos sistemas criatórios. Modernização entendida, em sua dimensão produtiva, como introdução de ingredientes técnico, bem como alterações nas relações de submissão do trabalho. (SUZUKI, 2009, p. 242)

Contudo, os preços dos produtos não apresentam a real valorização que deveriam ter no mercado e isto faz com que esse grupo familiar se articule e reformule; a inserção de atividades não agrícolas no contexto da unidade familiar vai permitir que amplie sua atuação e sua inserção social e econômica. Segundo Schneider (2003) vários tipos de atividades e ocupações estão se inserindo no meio rural, na agricultura familiar, medidas essas que visa a permanência no campo.

Essas novas visões da agricultura familiar não se restringem apenas às localidades rurais das cidades grandes, mas também das médias e das pequenas, um novo contexto histórico pelo qual o meio rural vem passando.

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Agricultura familiar nos bairros Canta Galo e Barro Branco: resultados parciais

Os resultados que temos até o momento nos permitem apresentarmos alguns resultados parciais sobre nossa área de estudo.

Conforme já mencionado, os bairros rurais Canta Galo e Barro Branco estão situados no município de Areado, localizado no sul do Estado de Minas Gerais, na mesorregião Sul/Sudoeste de, na microrregião de Alfenas, fazendo limites ao Norte com Alterosa, Sul Divisa Nova, Leste Alfenas e Oeste Monte Belo e Cabo Verde. Tem como divisores territoriais os lagos, formados devido a partir do reservatório originário da construção da Usina Hidrelétrica de Furnas (Figura 1). A população total do município é de 13.181 habitantes (IBGE 2007).

A economia do município baseia-se em atividades agrícolas, tendo como principais culturas o café, arroz, milho, feijão, batata e cana-de-açúcar; pecuária (gado leiteiro e de corte); piscicultura; suinocultura; avicultura. No setor industrial, destacam-se micro-empresas de olarias, serralherias, artesanato de couro, tecido, tecelagem, fabricação de roupas. Além disso, existe um comércio variado e um setor de prestação de serviços.

É importante ressaltar que, nas últimas décadas, a atividade turística também vem se destacando no município, devido à construção da usina hidrelétrica de Furnas e, na década de 1960, que inundou terras de 31 municípios, inclusive de Areado, alterando perfil geoeconômico e a configuração da paisagem da região. Por outro lado, a existência do lago

Figura 1: Macrozoneamento do município de Areado (MG). Fonte: Plano Diretor de Areado (Prefeitura Municipal de Areado).

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permitiu o desenvolvimento da pesca artesanal e de seu potencial turístico, embora seja pouco subutilizado e a maioria das instalações de pequenos investimentos privados. Não há um incentivo efetivo para essas práticas de lazer.

A agricultura familiar ainda se faz muito presente no município, sendo impulsionada pelas políticas agrícolas especificas, principalmente o PRONAF, trouxeram a esses produtores rurais uma esperança para continuarem vivendo em suas propriedades e investindo na produção, embora não sejam suficientes. De acordo com os dados da EMATER, em 2009, haviam 216 agricultores inscritos na ajuda de custeio e 117 pessoas na de investimentos. Mesmo com esse apoio, esses agricultores enfrentam dificuldades constantes por conta da intensificação do processo capitalista na agricultura, sobretudo com relação à modernização agrícola. Além de causar desemprego no campo, essa realidade torna o agricultor cada vez mais dependente do mercado, que exige aumento de produtividade e um alto grau de qualidade. Contudo, há um paradoxo nessa questão: enquanto os insumos agrícolas têm preços elevados, os preços dos produtos agrícolas são geralmente baixos. Não há dúvida, portanto, que esse agricultor familiar está sempre em desvantagem com relação ao latifundiário.

Toda essa situação corrobora para que os agricultores familiares de Areado busquem outras alternativas para aumentarem sua renda. Dessa forma, atividades agrícolas e não-agrícolas estão transformando e remodelando as antigas concepções sobre o rural no município.

O espaço rural de Areado é composto por 33 bairros rurais, que são: Anhumas, Aterro do Muzambo, Barro Branco, Cambuí, Canta Galo, Capetinga, Capoeira, Coqueiro, Cruzes, Engenho de Serra, Estação de Areado, Glória, Gomes, Grama, Morro do Pito, Movimento, Mumbuca, Perobas, Pinhal, Pinhalzinho, Pitangueira, Ponte Funda, Posses, Represa, Retiro, Saca Borges, Santa Helena, São Luiz, São Miguel, Serra dos Silveiras, Serrinha, Taboão e Taquaruçu.

Dentre esses, escolhemos os bairros Canta Galo e Barro Branco, como estudo de caso, pela forte presença da agricultura familiar e da relação de parentesco entre seus moradores. Esses agricultores dedicam-se principalmente à cafeicultura no qual já é perceptível a adoção de outras atividades não necessariamente ligadas a agricultura, exercidas tanto dentro da propriedade como fora dela. A localização privilegiada desses bairros, próximos à rodovia BR- 491, que liga Alfenas a Areado, maior acessibilidade e mobilidade são fatores de destaque para o surgimento destas atividades, sobretudo as realizadas na zona urbana.

Todavia, cada um desses bairros apresenta suas peculiaridades e exatamente esse o foco de análise desse trabalho, ou seja, o desvendamento da realidade dessas unidades de produção familiar, a relação de bairro ainda existente, mesmo com as mudanças verificáveis e como se projetam em relação ao futuro.

O bairro Canta Galo localiza-se a 10 km da sede do município e sua ocupação se deu por volta de 1871. Ele é banhado parcialmente por um dos braços do reservatório de Furnas, podendo destacar três núcleos de concentração de pessoas com forte relação familiar entre eles, terras passadas de geração para geração. Atualmente contém uma fazenda, 5 chácaras de veraneio e 18 propriedades familiares. Esse bairro se localiza a Sudoeste do município, com uma população residente de aproximadamente 120 habitantes, sendo que uma parte deles é composta por migrantes de outros estados. As atividades econômicas predominantes são a agricultura (cafeicultura) e a pesca artesanal.

A adoção de atividades não-agrícolas é verificada no referido bairro, sobretudo aquelas exercidas na cidade, fato que se explicada pela mobilidade espacial dos moradores facilitada pela proximidade da rodovia BR-491, que liga Alfenas a Areado, bem como também dentro do estabelecimento rural, através do beneficiamento dos produtos rurais, artesanato e a pesca no reservatório de Furnas. Essa situação também favorecer o

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desenvolvimento de atividades ligadas ao lazer e ao turismo, embora ainda não sejam devidamente exploradas (Figura 2).

Figura 2: Vista parcial do bairro rural Canta Galo banhado pelo reservatório de Furnas.Autora: Vanderléia Correa Lourenço - Pesquisa de Campo (Julho de 2010).

Já o bairro Barro Branco, localiza-se a 14 km da sede do município, sua ocupação se deu por volta de 1871, de acordo com os relatos de antigos moradores. Em geral, essas terras já pertenciam a seus avós. A partir de 2004 foi criada uma associação de moradores nesse bairro, que tem como objetivo a busca por recursos, junto à Prefeitura Municipal de Areado e sindicato de produtores rurais, para os moradores locais. É um bairro constituído totalmente por unidades de produção familiar, num total de 50 estabelecimentos rurais, sendo que a população total do bairro é de aproximadamente 188 habitantes.

Esse bairro possui uma forte relação de vizinhança e, por conta do grande contingente populacional, há uma maior flexibilidade e envolvimento de todos visando atender suas necessidades vigentes, considerando que muitos moram no “centro” do bairro (Figura 3). De modo geral, os proprietários rurais possuem laços consangüíneos, ou seja, seus estabelecimentos são originários de grandes propriedades de seus ascendentes, que se fragmentaram e que foram divididas entre os herdeiros.

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Figura 4: Vista parcial do bairro rural Barro Branco.Autora: Vanderléia Correa Lourenço - Pesquisa de Campo (Julho de 2010).

Considerações finais

Pelos dados coletados até o momento foi possível perceber que os bairros selecionados com nossa área de estudo apresentam particularidades próprias, embora ema ambos exista uma forte ligação da população com o local. Buscam sempre nas dificuldades a superação, numa união que ainda é muito representativa. O grande foco deste trabalho é desvendar seus ideais e suas perspectivas futuras numa esfera ao qual são constantemente bombardeados por novas transformações. Desde já, embora os resultados sejam preliminares, fica claro que essas transformações já se fazem presentes, tanto no Canta Galo quanto no Barro Branco. Resta sabermos se a adoção da pluriatividade será apenas uma estratégia complementar de obtenção renda ou se será uma tendência paro o abandono da agricultura e o conseqüente êxodo rural dessas famílias.

Referências

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CARNEIRO, M. J. Multifuniconalidade da agricultura e ruralidade: uma abordagem comparativa.In: MOREIRA, Roberto J.; COSTA, Flávio Carvalho (org.). Mundo rural e cultura. Rio de Janeiro: Mauad, 2009.

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______. J; MALUF, R. S (Org.) Para além da Produção: multifuncionalidade e agricultura familiar. Rio de Janeiro : MAUAD, 2003.

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MOREIRA, E. V. As múltiplas fontes de rendas e a pluriatividade nos bairros Aeroporto, Cedro, Córrego da Onça, Ponte Alta e Gramado no município de Presidente Prudente-SP. Dissertação de Mestrado, Pós-graduação em Geografia, UNESP Presidente Prudente – Presidente Prudente, 2007.

MARAFON, G. J. Agricultura Familiar, Pluriatividade e Turismo Rural: reflexões a partir do território fluminense. Campo-território: Revista de Geografia Agrária, Uberlândia, v.1, n.1, p. 17-60, Fev.2006.

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SCHNEIDER, Sergio; A Pluriatividade na Agricultura Familiar. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2003.

______. A dinâmica das atividades agrícolas e não-agrícolas no novo rural brasileiro: elementos teóricos para análise da pluralidade em situações de agricultura familiar. In: SEMINÁRIO SOBRE O NOVO RURAL BRASILEIRO, 2., 2001, Campinas. Anais eletrônicos... Campinas: UNICAMP, 2001. <http://www.eco.unicamp.br/projetos/rurbano>.

SOARES, A. C. A multifuncionalidade da agricultura familiar. Proposta, n. 8, p. 29-40, dez./fev. 2000/2001.

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VEIGA, J. E. et al. O Brasil rural precisa de uma estratégia de desenvolvimento. Brasília: Convênio FIPE - IICA (MDA/CNDRS/NEAD), 2001.

WHITAKER, D. C. A. Sociologia rural: questões metodológicas emergentes. Presidente Venceslau (SP): Letras à Margem, 2002.

Vanderléia Correa Lourenço é estudante do Curso de Geografia da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG. Contato: [email protected]

Ana Rute do Vale é professora adjunta do Instituto de Ciências da Natureza da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG. Contato: [email protected]

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Material didático adaptado para alunos com deficiência visual:Estratégias de aprendizagem

José Murilo Calixto Vaz; Ana Laura de Souza Paulino; Carolina Mello; Michele Xavier dos Reis;

Tereza Cristina Orlando; Keila Bossolani Kiill; Fernanda Vilhena Mafra Bazon.

RESUMO: Este estudo teve como foco a elaboração de material didático inclusivo para o ensino de biologia (modelo de tradução), levando em consideração as diferenças perceptuais existentes entre alunos videntes e com deficiência visual. Atualmente a inclusão escolar constitui direito de todos os alunos com necessidades educacionais especiais, entretanto existem obstáculos para sua efetivação, como a falta de materiais didáticos adaptados. Góes (2002) pautando-se em Vigotski afirma que ao se tratar da aprendizagem de alunos com deficiência é preciso estar presentes recursos especiais e caminhos alternativos, que atuam como formas compensatórias possibilitando o desenvolvimento de suas potencialidades. Este estudo baseou-se na abordagem qualitativa, sendo que o modelo de tradução foi confeccionado e posteriormente avaliado por 3 professores de educação inclusiva, 3 na área de genética, 3 na área de ensino de ciências e 17 alunos - 15 videntes e 2 com deficiência visual. O modelo foi considerado adaptado na avaliação dos professores de educação inclusiva por apresentar cores contrastantes e formas distintas das diversas estruturas, favorecendo a percepção visual e tátil. Os professores de genética e de ensino de ciências consideraram-no um material que contempla os conceitos biológicos do conteúdo a que se refere. Os alunos com deficiência visual e videntes apontaram suas características físicas como aspectos facilitadores da aprendizagem e consideraram que a representação concreta de um processo complexo facilita sua aprendizagem. Verifica-se que o material desenvolvido possui características inclusivas que podem auxiliar na disciplina de biologia encontrando-se adaptado para uso de alunos com deficiência visual e também videntes.

Palavras – Chave: deficiência visual, educação inclusiva, material didático.

Introdução

Ao se falar do processo inclusivo, não se pode desconsiderar que ele é fruto de percurso histórico que influenciou o cenário atual da educação, sendo importante destacar que apesar de estabelecer estreitas relações com a Educação Especial - modalidade educacional tradicionalmente responsável pelo atendimento de pessoas com deficiência - a inclusão escolar atualmente não se encontra restrita a este domínio. Em especial a partir da década de 1990 expandiram-se em todo o mundo as discussões acerca da inclusão, havendo então a conceituação, na Declaração de Salamanca de que este processo deve atender todos os indivíduos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE), isto é, provenientes de povos

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nômades, com problemas de aprendizagem, com deficiência, marginalizados, entre outros, sendo que as deficiências enquadram-se nesta conceituação. Desta forma ao se falar em inclusão, está-se falando em um processo maior do que a atuação das Escolas Especiais, entretanto é preciso que os estudos acerca da aprendizagem de alunos com deficiência continuem para que os mesmos possam ser efetivamente incluídos no ensino regular.

Frente a isto, esta pesquisa focalizou a elaboração de material didático para ensino de biologia, mais especificamente um modelo de tradução, que possuísse características inclusivas e atendesse às necessidades de aprendizagem de alunos com deficiência visual, que engloba tanto a cegueira (perda total da visão) quanto graus menores de perda visual, conceituados como baixa visão ou visão subnormal.

No que tange à aprendizagem, é de grande importância a utilização de instrumentos e recursos que auxiliem este processo, como, por exemplo, os materiais didáticos. Em sala de aula, os materiais didáticos podem favorecer ou não a construção dos conhecimentos, sendo que para a pessoa com deficiência visual, estes materiais necessitam estar adequados ao seu referencial perceptual, que é desconhecido aos videntes. Desta forma, a adaptação de materiais para alunos com deficiência visual está de acordo com os objetivos do processo de inclusão escolar que visa oferecer as mesmas oportunidades de aprendizagem a todos os alunos, independente de suas necessidades.

O material que foi produzido buscou estar adequado às necessidades de todos os alunos inseridos na escola, respeitando assim o ideal da educação inclusiva que é entendida na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (SEESP/MEC, 2008) como:

(...) uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando sem nenhum tipo de discriminação. A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à idéia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola (SEESP/MEC, 2008, http://mpcdceara.org/wp-content/uploads/2010/04/politicaeducespecial. pdf).

Considerando que a inclusão é tema de grande impacto para a atuação das escolas regulares, é imprescindível que se desenvolvam estudos que visem a entender este processo nas mais diversas disciplinas existentes no currículo do ensino fundamental e médio. A escolha pela elaboração de um material didático adaptado para ser usado no ensino de biologia justifica-se pelo fato de que mesmo estabelecendo-se na legislação, como nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), diretrizes que pressupõem o investimento nas diversas áreas de atuação docente, são encontrados poucos estudos que englobem as práticas inclusivas e o ensino de ciências e biologia.

Desta forma, este estudo se faz relevante pelo fato de que as pessoas com deficiência visual devem ser atendidas pela inclusão e necessitam de diversas adaptações para terem acesso à linguagem vigente na escola, tanto escrita quanto no que se refere aos materiais didáticos utilizados pelos professores.

Quanto a isso, Masini (1994, 1997) ressaltou que para a compreensão do indivíduo com deficiência visual, é preciso levar em consideração que ele possui um referencial perceptual desconhecido para os videntes e que a constante comparação entre pessoas com deficiência visual e videntes não fornece esclarecimentos sobre o desenvolvimento das primeiras e seu posicionamento no mundo. Faz-se necessário, portanto, enfocar a pessoa com deficiência visual considerando o seu referencial perceptual, isto é, a sua forma singular de

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perceber e interagir no mundo sem realizar comparações com os videntes, já que estas apenas favorecem a constatação de um déficit, tal como apontam Bazon (2009) e Bazon e Masini (2005).

Outro fator que demonstra a relevância do estudo foi a constatação da falta de pesquisas e elaboração de materiais adequados aos alunos com deficiência visual, o que ressalta a importância da preocupação em inserir esse aluno em sala regular, respeitando seu referencial perceptual. Essa constatação foi feita ao se realizar um levantamento bibliográfico acerca do desenvolvimento de materiais didáticos adaptados para o ensino de biologia nos bancos de dados do Scielo, Revista Brasileira de Educação, Biblioteca da Universidade de São Paulo e da Universidade de Campinas com os seguintes descritores: inclusão, material didático, biologia, modelo de tradução.

No que concerne ao ensino de Biologia e Ciências, pode-se destacar, segundo Krasilchik (1987), Melo (2000) e Santos (2006) que eles refletem o momento político, econômico e cultural da sociedade. A partir da década de 1990, juntamente com a expansão e aprofundamento da discussão acerca da inclusão e do direito de todos os alunos a freqüentarem a escola, no ensino de Ciências, Santos (2006) aponta para a discussão da importância de se formar o cidadão crítico e consciente de seu papel social. Esta discussão da área está em consonância com os documentos oficiais, políticas e produções científicas as quais, a partir desta época, enfatizam a preocupação com o direito do alunado de ter suas necessidades de aprendizagem atendidas independente da presença de diferenças significativas, desvios, deficiências e outras características que distanciam diversos discentes do padrão ideal de aluno concebido na educação. Além disso, a preocupação com o desenvolvimento da cidadania que pode ser definida assim como a proposição dos PCN para o Ensino de Ciências Naturais do Ensino Fundamental como:

(...) participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito (BRASIL, 1998, p.07).

Frente a estas considerações, este estudo teve por objetivo:• Elaborar material didático para ensino de biologia (modelo de tradução) adaptado para

utilização por alunos com deficiência visual (cegueira e baixa visão).

Objetivos específicos:

• Avaliar:1. a utilização do material didático desenvolvido com alunos com deficiência visual e videntes;2. a adequação do material didático desenvolvido ao referencial perceptual da pessoa com deficiência visual; e3. a adequação do material didático desenvolvido ao ensino de biologia no ensino médio.

Marco teórico

Atualmente, apesar da inclusão ser tema recorrente em documentos oficiais e científicos, os discursos acerca deste processo não são coesos, havendo diversas interpretações do mesmo conceito. É importante ressaltar que um dos discursos de grande ênfase no país é a contraposição entre inclusão e exclusão. Sobre essa contraposição, Patto (2008) e Martins (2002) afirmam que no atual sistema capitalista a exclusão não existe já que

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ela é traço inerente ao sistema econômico capitalista, e a população considerada como “marginal” ou “excluída” é produto da dinâmica desse sistema e de suas especificidades infraestruturais. Desse modo, fala-se em incluir, mas a forma de inclusão gera condições sub-humanas de vida, tratando-se então de uma inclusão precária ou marginal.

Ainda segundo esses autores, a inclusão marginal é aquela que inclui o indivíduo em condições degradantes, tanto no que se refere aos fatores econômicos, quanto educacionais. Esta inclusão é instável, decorrente das novas formações de organização da sociedade no sistema capitalista periférico e da forma perversa de desigualdade existente no mesmo. Sendo assim, ao se focar no binômio inclusão-exclusão, geram-se duas conseqüências: as práticas pobres de inclusão e o fatalismo.

Desta forma, ao se inserir um aluno na escola regular, é preciso estar atento para o fato de que não se garante a inclusão com a efetivação de sua matrícula, mas, sim, por meio de sua entrada no processo de aprendizagem, evitando assim que ocorra a inclusão marginal no âmbito escolar.

Quanto às práticas atuais de inclusão, elas são destinadas a todos os alunos com NEE, entretanto, nesta pesquisa está se focando especificamente as necessidades dos alunos com deficiência visual. A definição desta deficiência modificou-se ao longo do tempo no meio científico, sendo que atualmente o Conselho Internacional de Oftalmologia adota a definição formulada em 20 de abril de 2002, conforme segue:

Cegueira – a ser usado somente para perda total de visão e para condições nas quais os indivíduos precisam contar predominantemente com habilidades de substituição da visão. Baixa Visão – a ser usado para graus menores de perda de visão quando os indivíduos podem receber auxílio significativo por meio de aparelhos e dispositivos de reforço da visão (CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA, 2002. http://www.cbo.com.br/publicacoes/ jotazero/ed90/comunicado.htm).

Cabe ressaltar que as características da baixa visão são diferentes da cegueira, já que nesta última existe apenas um padrão de resposta, isto é, a perda total ou quase total da visão. A baixa visão, por outro lado, possui padrões diferenciados de respostas, pois dependem da acuidade visual existente, campo visual e outras funções como sensibilidade ao contraste, percepção das cores e intolerância à luminosidade (HADDAD, 2001).

Frente a esta breve conceituação, nota-se que a deficiência visual engloba casos de baixa visão e cegueira, que possuem padrões de respostas diferenciados, precisando, portanto, de materiais e estratégias de ensino específicas para atender as necessidades perceptuais dos indivíduos que as apresentam. Além disso, para poder definir o tipo de intervenção pedagógica mais adequada aos alunos que apresentam baixa visão ou cegueira, é necessário entender como se dá o desenvolvimento e a aprendizagem dessas crianças e no que diferem dos alunos normovisuais.

O desenvolvimento é influenciado diretamente pela visão e por meio deste sentido as crianças podem desenvolver interesse em explorar o mundo exterior. Assim, para que as crianças com deficiência visual possam aprender no contato com outras pessoas, elas devem dispor de um ambiente adaptado e motivador de tal forma que possam se utilizar de outros canais sensoriais para que ocorra seu desenvolvimento.

Nas fases iniciais do desenvolvimento na escola, utilizam-se muitos recursos visuais, dificultando a aprendizagem dos alunos com cegueira e baixa visão. Desta forma, é importante pensar na utilização de materiais adaptados para esses alunos. Existem alguns materiais feitos exclusivamente para alunos com cegueira, como livros em braile e desenhos monocromáticos em alto relevo, o que dificulta a identificação do material pela criança com

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baixa visão. Essa dificuldade é decorrente da necessidade que as crianças com visão subnormal têm de fazer uso de materiais com cores contrastantes de forma a estimular a visão. Por outro lado, existem materiais próprios para alunos com baixa visão que dificilmente poderão ser utilizados por alunos com cegueira já que estes necessitam de diferenciação de formas e tamanho para favorecer sua percepção tátil (LAPLANE & BATISTA, 2008). Levando estas questões em consideração o modelo de tradução elaborado neste estudo buscou atender as necessidades tanto de alunos com baixa visão quanto cegueira.

O uso de recursos didáticos é fundamental na construção de conceitos, sendo que ao se tratar de alunos com deficiência visual, estes recursos precisam estar adaptados às suas necessidades perceptuais. Desta forma, o professor, com o uso de recursos específicos, precisa desenvolver estratégias pedagógicas para que ocorra o desenvolvimento da criança com deficiência visual e que assim como crianças normovisuais, ela possa obter sucesso escolar, sendo este um dos desafios da inclusão. Conforme aponta Góes (2002), partindo das idéias de Vigotski, o sistema educacional e social segue regras que não favorecem o desenvolvimento atípico, já que são idealizados e funcionam de forma adaptada ao padrão de ser humano considerado normal naquele grupo social. Para que os indivíduos com deficiência possam inserir-se nas escolas e grupos sociais possuindo as mesmas oportunidades de desenvolver suas potencialidades, é preciso que sejam estabelecidas formas compensatórias que foram denominadas de recursos especiais e caminhos alternativos.

Os materiais didáticos utilizados em sala de aula configuram-se como instrumentos de mediação que auxiliam a construção de conhecimento por parte do aluno, portanto ao se propor a elaboração de materiais adaptados, está-se buscando estabelecer recursos especiais que possam ser utilizados pelos professores e alunos com deficiência visual de forma a encontrar caminhos alternativos para seu desenvolvimento e aprendizagem. Visa-se assim a democratização das oportunidades de aprendizagem por meio da construção de condições adequadas de inclusão.

Neste estudo, o material didático elaborado foi um modelo de tradução, sendo confeccionado a partir do modelo representado na figura 1, desenvolvido por Orlando e colaboradores (2009).

Figura 1: Modelo de tradução

Fonte: ORLANDO et al , 2009

Este material representa um modelo de tradução, sendo que as legendas representam duas subunidades do ribossomo (R), os aminoácidos (aa) que são incorporados na molécula crescente de proteína, os nucleotídeos (N) no RNA mensageiro (A,C,U,G) e o anticódon (ac) no RNA transportador (ORLANDO et al , 2009).

Resumidamente, pode se definir o processo de síntese de proteínas em duas fases. Primeiramente um processo de transcrição no qual a molécula de DNA é copiada dando

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origem a uma molécula de mRNA. Na seqüência do processo ocorre a tradução, é a fase onde a seqüência de nucleotídeos contida no mRNA é traduzida em uma seqüência de aminoácidos dando origem a uma determinada proteína. A seqüência de nucleotídeos é lida consecutivamente em grupos de três nucleotídeos. Cada grupo desses é denominado códon e dará origem a um determinado aminoácido. A síntese protéica é realizada no ribossomo. Este é constituído de duas subunidades, uma grande e outra pequena, que até o início do processo encontram-se separadas. Os tRNAs são responsáveis pelo carregamento dos aminoácidos para a formação das proteína, apresentam um anticódon complementar ao códon do mRNA. A síntese de proteínas ativa-se quando um tRNA iniciador, sempre carregando o aminoácido metionina, aclopa à subunidade pequena do ribossomo. Esta liga-se à extremidade 5’ da molécula de mRNA que é puxado até que um códon contendo a seqüência de aminoácidos AUG seja encontrada. Seqüência essa complementar ao anticódon presente no tRNA. Após ocorre a ligação da unidade ribossomal grande onde outro tRNA se encaixara trazendo um determinado aminoácido. Esse, através de uma ligação peptídica, une-se ao primeiro aminoácido. Devido a mudanças conformacionais no ribossomo, esse move o mRNA um códon a frente, possibilitando o acoplamento de um outro tRNA. Esse processo se dá até que um códon de liberação seja encontrado e unido a ele um fator de liberação, que promove a liberação da cadeia polipeptídica, do mRNA e das subunidades ribossomais, sendo assim o término da tradução (ALBERTS et al, 2004).

Metodologia

A pesquisa em questão foi pautada na abordagem qualitativa em educação que busca compreender um fenômeno em sua profundidade. Liebscher (1998) propõe que a metodologia qualitativa é apropriada para o estudo de fenômenos complexos, sendo necessária a observação, o registro e a análise do fenômeno estudado visando ao entendimento de sua complexidade, ajustando-se assim aos objetivos da presente pesquisa.Instrumentos

Para esta pesquisa foram utilizados os seguintes materiais: EVA, velcro, botão, biscuit, cola quente, cola branca, isopor, tinta, lixa, massa de modelagem, folha chambril 150, modelo de madeira em mdf, questionários de avaliação, termo de consentimento livre e esclarecido, carta de informação ao sujeito de pesquisa. Sujeitos

Foram participantes desta pesquisa: três professores universitários da área de biologia; um professor universitário de educação inclusiva, dois técnicos especialistas em educação especial na área de deficiência visual; quinze alunos do ensino médio; dois alunos com deficiência visual.Procedimentos

O estudo foi realizado seguindo as etapas:

1ª. Etapa: Levantamento bibliográfico acerca do mecanismo de tradução, ensino de biologia, deficiência visual e aprendizagem destes indivíduos.2ª. Etapa: Elaboração de material didático adaptado para alunos com deficiência visual.3ª. Etapa: Avaliação do material didático por professores especializados na área de biologia e educação inclusiva/especial. Para esta avaliação foi utilizado um questionário que buscava analisar a coerência conceitual do material e também sua adequação às necessidades perceptuais de alunos com deficiência visual4ª. Etapa: Teste do material confeccionado com dois alunos com deficiência visual. A avaliação desta aplicação foi realizada em forma de questionário oral.

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5ª. Etapa: Aplicação do material didático elaborado em sala de aula de ensino médio com quinze alunos videntes. A avaliação desta aplicação foi realizada em forma de questionário escrito.6ª. Etapa: Re-adequação do material a partir das sugestões obtidas na avaliação;7ª. Etapa: Análise dos dados coletados e discussão baseada no referencial teórico.

A aplicação do questionário com alunos videntes e com deficiência visual foi realizada em formato de aula, com avaliação posterior do conteúdo apresentado e da utilização do material didático.

Cabe ressaltar, por fim, que esta pesquisa, ao pautar-se em abordagem qualitativa, não pressupõe generalizações, mas sim a avaliação de um material didático específico para o ensino de biologia, visando à adequabilidade do mesmo para o referencial perceptual do aluno com deficiência visual.

Análise dos resultadosNo que se refere ao material elaborado, o mesmo foi confeccionado em madeira

(MDF) a partir de um molde feito em isopor. Utilizaram-se diferentes tipos de lixas, cola, massa de artesanato, velcro, tintas e isopor para adaptar o material para uso por alunos com deficiência visual, conforme está ilustrado na figura 2.

Figura 2: Modelo de tradução adaptado

O material é composto por um tabuleiro de madeira no qual desliza outra peça de madeira, que representa o ribossomo. O tabuleiro foi pintado em cor clara para possibilitar o contraste com as demais estruturas. O modelo de ribossomo (figura 3) foi revestido com lixa grossa em tom amarelado, sendo que as partes desta estrutura as quais não se revestiram de lixa são os sítios nos quais se encaixam os modelos de RNAs transportadores (figura 4), RNAs mensageiros (figura 3) e os modelos aminoácidos (figura 4).

Figura 3: Modelo de ribossomo e RNA mensageiro Sítio de encaixe dos modelos de aminoácido

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Figura 4: Modelo de RNA transportador, fator de liberação, aminoácidos e nucleotídeos

Para a confecção do modelo de RNA transportador (figura 4), utilizou-se peça de madeira com maior espessura que a apresentada no ribossomo. A peça foi revestida com uma lixa de textura e coloração diferente das demais estruturas e inserindo-se legenda em braile para sua identificação. Para a elaboração do fator de liberação (figura 4) também foi utilizada peça de madeira revestida de massa de artesanato em cor salmão para modificação da textura e contraste em relação ao RNA transportador. Os aminoácidos foram confeccionados com bolas de isopor cortadas ao meio e revestidas com massa de artesanato, sendo pintados de cores diferentes, na parte inferior foi inserida sua sigla em braile e em letras grandes para a visualização de alunos com baixa visão. O modelo de RNA mensageiro (figura 3) é uma peça confeccionada em madeira que foi pintada de cor contrastante (rosa) para sua diferenciação por já apresentar uma forma diferenciada das demais estruturas.

Neste modelo existem sítios nos quais se encaixam os modelos de nucleotídeos (figura 4). Existem quatro tipos diferentes de nucleotídeos, guanina, citosina, adenina e uracila. Seus modelos foram confeccionados em paralelepípedos de madeira de dois tamanhos para

Modelo de RNA

mensageiro

Modelo de Ribossom

o

Sítio de encaixe dos modelos de

RNAs transportadores

Modelo de aminoácido

Modelo de RNA

transportadorModelo de

fator de liberação

Modelo de nucleotíde

os

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diferenciação entre as bases púricas e pirimídicas. Tais paralelepípedos foram revestidos com materiais diferentes (paralelepípedos menores: modelo de citosina com lixa cinza clara fina, modelo de uracila com o lado macio do velcro preto; paralelepípedos maiores: modelos de guanina e adenina somente foram pintados com cores diferenciadas) para que pudessem apresentar texturas contrastantes. Em cada um deles foi inserida sua sigla em braile e em letras ampliadas para possibilitar a identificação por parte de alunos com baixa visão e cegueira.

Quanto à análise das avaliações, os sujeitos foram separados em grupos: • Grupo 1: Professores e especialistas em educação especial/inclusiva• Grupo 2: Professores universitários da área de biologia• Grupo 3: Alunos videntes• Grupo 4: Alunos com deficiência visual

Grupo 1: Professores e especialistas em educação especial/ inclusivaEste grupo foi composto por um professor universitário, um professor de educação

especial e uma ex-diretora de escola especial. O material foi analisado de acordo com os seguintes critérios: facilidade de manuseio, texturas, cores e formato, sendo considerado adequado às necessidades de alunos com deficiência visual por todos os avaliadores. Foi destacado que o material possibilita boa visualização para os alunos com baixa visão e boa percepção tátil para alunos com cegueira. As avaliações revelaram as seguintes sugestões:

• melhorar o posicionamento da legenda em braile nos modelos que representam as bases nitrogenadas; e

• indicar a posição correta para a leitura do braile nas estruturas.Ambas as sugestões foram atendidas.

Grupo 2: Professores universitários da área de biologiaO grupo foi composto por um professor universitário de biologia celular, um professor

universitário de biologia molecular e um professor de ensino de ciências e biologia. O material foi analisado pelos professores quanto a sua representação conceitual, sendo considerado que o mesmo contempla todos os conceitos biológicos do conteúdo a que se refere.

Foi apontado por parte de um professor que as características do material auxiliam na aprendizagem, em especial devido à utilização de diferentes texturas e formas, sendo o material considerado adequado ao ensino médio.

Grupo 3: Alunos videntesO grupo foi composto por quinze alunos videntes do ensino médio de uma escola

pública, sendo seis alunos do 3° ano e nove alunos do 2° ano. O material foi utilizado em sala de aula como um recurso instrucional para o conteúdo de síntese de proteína. Após a aula o material foi avaliado no que se refere à facilidade de manuseio, sendo considerado de fácil manuseio por 86,6% dos alunos. Quanto à visualização das cores e ao formato do material, 100% deles afirmaram haver uma boa visualização.

Foram apontadas, também, características do material que facilitaram a aprendizagem do conteúdo:

• 40% assinalaram a boa representação didática do material; • 53,3% notaram a utilização de cores contrastantes; • 13,3% apontaram a utilização de formas distintas; • 60% avaliaram que o material auxiliava para a compreensão do mecanismo de

tradução.

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Apenas 6,6% dos alunos afirmaram que o mesmo não propiciava auxílio à aprendizagem do conteúdo e sugeriram que o tamanho das estruturas fosse aumentado. Cabe, entretanto, uma consideração acerca desta sugestão que não pôde ser atendida, já que o aumento do tamanho das estruturas acarretaria em um aumento da massa total do material. Ao se ter por objetivo a elaboração de um material inclusivo que possa ser usado na sala de aula da escola regular, esse aumento gera dificuldade no transporte do mesmo, o que deve ser considerado ao se propor a construção de materiais didáticos. Além disso, o modelo ao ser avaliado por professores especialistas em educação especial teve seu tamanho considerado e, de acordo com estes, o mesmo encontra-se adequado às necessidades perceptuais de alunos videntes, com baixa visão e cegueira.

Grupo 4: Alunos com deficiência visualEsse grupo foi composto por dois alunos com baixa visão, sendo um com 11 anos e

outro que já concluiu o ensino médio (21 anos). Para o primeiro, o material foi apresentado em forma de jogo de montar, pois devido à etapa escolar em que se encontrava, seria difícil sua compreensão com relação ao conteúdo. Para o aluno que já havia concluído o ensino médio, o material foi apresentado como recurso instrucional durante a aula sobre o conteúdo em questão.

Em ambos os casos, o modelo foi avaliado quanto à facilidade de manuseio, a visualização das cores e a visualização do formato, sendo considerado adequado por ambos.

Foi apontado pelo aluno que terminou o ensino médio que as características do material auxiliam na aprendizagem do conteúdo por meio da diferenciação das estruturas por texturas e da utilização de cores contrastantes nas diferentes estruturas.

Síntese dos dadosComo proposto na pesquisa, os dados obtidos não têm um caráter de comparação entre

indivíduos que apresentam deficiência visual e videntes, uma vez que se respeita seus distintos potenciais e necessidades de aprendizagem. Desta forma, seguindo o ideal da escola inclusiva, proposto por Semenguini (1988), na qual os alunos com necessidades educacionais especiais possam se desenvolver juntamente com os outros alunos, a escola precisa se adaptar às variabilidades de seu alunado proporcionando o desenvolvimento das potencialidades individuais.

Segundo Alberts (2004), o processo de síntese de proteína ocorre por meio da transcrição do DNA em RNA mensageiro e a seguir sua tradução em proteína. As moléculas de RNA apresentam nucleotídeos que formam o código para a ordenação dos aminoácidos das cadeias peptídicas. Esse código é decodificado nos ribossomos, para onde os tRNA transportam os aminoácidos de acordo com a seqüência de nucleotídeos do mRNA, dando origem à proteína. Pela análise dos avaliadores da área de biologia, pode-se afirmar que o material abrange todo o conteúdo da tradução da síntese de proteína, fato este observado por eles ao considerarem a representação conceitual do material. Para 60% dos alunos videntes, o material foi considerado facilitador na compreensão do conteúdo e para o aluno com deficiência visual que havia cursado o ensino médio o mesmo foi considerado de grande importância para o processo de aprendizagem deste conteúdo.

Para que o aluno com deficiência visual possa fazer uso significativo do material didático adaptado na construção do conhecimento, é necessário que se atente a alguns pontos: presença de cores fortes ou fluorescentes, identificação das diferentes estruturas em braile, sendo as peças confeccionadas em estruturas resistentes (madeira, acrílico, metal) (BECK-WINCHATZ & OSTRO, 2003; GRADY et al, 2003; GARDNER, 1996).

De acordo com as respostas apresentadas no questionário pelos avaliadores especialistas em educação especial, o material apresenta uma distribuição de cores que auxilia

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a visualização do material por parte dos indivíduos com baixa visão. Além disso, todos os alunos que avaliaram o modelo, tanto os que apresentavam deficiência visual quanto os videntes afirmaram que a distribuição das cores se dá de maneira satisfatória para a apresentação do material e conseqüente aprendizagem do conteúdo.

Todas as estruturas presentes no material foram identificadas com o braile, sendo necessário modificar em algumas a posição na estrutura e sua indicação para facilitar a leitura por parte do aluno com cegueira, modificação esta que já foi realizada, seguindo sugestão dos avaliadores.

O modelo foi também avaliado quanto a sua forma e seu manuseio, características importantes para que os alunos possam utilizar o mesmo de maneira satisfatória e significativa. Todos os avaliadores especialistas em educação especial apontaram a adequação destas características, entende-se então que o modelo tanto possui características inclusivas quanto pode facilitar o entendimento do processo de tradução tanto para alunos com deficiência visual quanto para videntes.

Sintetizando os resultados, verifica-se que para 86,6% dos alunos videntes e para todos os alunos com deficiência visual o material apresenta facilidade no manuseio. Na visualização das cores e do formato 100% dos alunos estão de acordo com sua facilidade. Como característica que auxilia na aprendizagem foi destacada, pelo aluno com deficiência visual que finalizou o ensino médio, a utilização de texturas diferentes para a diferenciação das estruturas, sendo mais um facilitador para o entendimento e manuseio do material e consequente aproveitamento significativo do modelo em relação à construção do conhecimento referente ao processo de tradução.

Conforme assinalado anteriormente, ao se incluir um aluno com NEE em uma classe comum é preciso que se esteja atento às condições de aprendizagem oferecidas a ele. No que se refere aos discentes com deficiência visual, os materiais didáticos adaptados desempenham papel fundamental para a inserção dos mesmos no processo de aprendizagem, favorecendo assim a efetivação da inclusão escolar e garantindo que eles tenham as mesmas oportunidades do que os alunos sem deficiência. Sendo assim, a elaboração de recursos didáticos que supram as necessidades específicas de aprendizagem nas mais variadas disciplinas e áreas de conhecimento constitui-se como condição fundamental para o desenvolvimento das potencialidades do alunado.

Considerações finais

Tendo em vista que o objetivo deste estudo consistia na elaboração de material inclusi-vo que auxiliasse a compreensão de alunos com deficiência visual e videntes do processo de tradução, pode-se afirmar que este objetivo foi alcançado como demonstrado nas avaliações realizadas com o material.

Ao se falar em alunos com deficiência, Góes (2002), pautando-se em Vigotski, afirma que ao se tratar da aprendizagem destes alunos é fundamental a presença de recursos especiais e caminhos alternativos, que atuam como formas compensatórias possibilitando o desenvolvimento da potencialidade destes estudantes. Sendo assim, o material didático adaptado pode ser considerado como um recurso especial que auxilia o processo de aprendizagem de alunos com deficiência.

Além disso, o modelo de tradução elaborado pode ser considerado como um recurso significativo para o ensino de biologia devido à possibilidade dos alunos construírem um conceito concreto das estruturas assim como sua dinâmica de interação no processo de síntese de proteínas. Além disso, as adaptações realizadas no material possibilitaram o uso não somente de alunos videntes, mas também de alunos com deficiência visual, foco da pesquisa.

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Portanto, mostrou-se como todos podem fazer uso significativo de um mesmo material seguindo um dos conceitos básicos para a educação inclusiva.

Bueno (2008), ao fazer uma análise da interpretação dada à Declaração de Salamanca na legislação brasileira, chama atenção ao fato de que ao se estabelecer como ideal para a escola e a sociedade a construção de uma escola/sociedade inclusiva, parte-se da pressuposição de que sempre existirá a exclusão ou inclusão marginal. Sendo assim, este autor discute que para a construção de uma sociedade e escola justa, com igualdade de oportunidades a todos os indivíduos, independente de suas condições, é preciso que se busque a construção de uma escola/sociedade democrática, na qual os sujeitos são respeitados em suas diferenças e a inclusão é cerne do processo social e educativo, não precisando mais ser um ideal.

A partir deste pressuposto, a busca pela construção de recursos que atendam às diferentes características do alunado é essencial para a transformação de um ambiente escolar, que é essencialmente excludente, em um cenário no qual os indivíduos com e sem NEE tenham suas especificidades de aprendizagem contempladas, visando assim ao estabelecimento de uma escola democrática que contribua para a formação de cidadãos críticos, participativos e cientes de seus direitos e deveres. É por meio da construção e do acesso ao conhecimento produzido e valorizado em uma sociedade que os indivíduos deixam de ser figurantes passivos e passam a ser atores sociais conscientes.

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SANTOS, Paulo Roberto dos. O Ensino de Ciências e a Idéia de Cidadania. Revista Mirandum, Ano X, n. 17, 2006. Disponível em: <http://www.hottopos.com/mirand17/prsantos.htm>. Acesso em: 11 abr. 2010.

SEMENGHINI, I. A escola inclusiva investe nas potencialidades do aluno: tópicos para a reflexão com a comunidade. In: BAUMEL, R. C. R. C.; SEMENGHINI, I. Integrar/incluir: desafio para a escola atual. São Paulo: FEUSP, 1998. p. 13-44.

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José Murilo Calixto Vaz, Ana Laura de S. Paulino e Carolina Mello são estudantes do curso de Ciências Biológicas – Licenciatura da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Michele Xavier dos Reis é licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Tereza Cristina Orlando é professora adjunta do Instituto de Ciências da Natureza da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG

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Keila Bossolani Kiill é professora adjunta do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Fernanda Vilhena Mafra Bazon é professora adjunta da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar – Campus de Araras.

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A utilização de jogos didáticos como estratégia para a aprendizagem de Química Orgânica e sua adaptação para alunos com deficiência visual

Bruna da Silva; Camila E. Ronchini Ferreira;Márcia Paranho Veloso; Fernanda Vilhena Mafra Bazon

RESUMO: Este estudo focalizou a elaboração de jogos didáticos para o ensino de Química Orgânica que atendesse às necessidades de alunos com deficiência visual e normovisuais. A elaboração de jogos adaptados a alunos com deficiência visual vai ao encontro da busca pela construção de uma escola inclusiva e democrática. Nesta pesquisa foram elaborados os jogos Bingorgânico e Formorgânico, que abordam os conteúdos, nomenclatura e funções orgânicas, tendo como objetivo verificar a contribuição dos mesmos para a aprendizagem de alunos com deficiência visual e videntes. A investigação foi pautada na abordagem qualitativa, sendo que os materiais foram aplicados a cinco alunos de um cursinho pré-vestibular e em dois alunos com deficiência visual. Posteriormente foram avaliados por três professores universitários de Química, Ensino de Ciências e Educação Especial. Verificou-se que ocorreu evolução do conhecimento dos alunos normovisuais que utilizaram o material. Os alunos com deficiência visual relataram que características dos jogos auxiliam a percepção e aprendizagem. Os professores universitários de Química consideraram que ambos os jogos contribuem para o processo de aprendizagem. Os professores de Ensino de Ciências afirmaram que os materiais apresentam conceitos que podem ser aplicados para o Ensino Médio, sendo que o aspecto lúdico pode auxiliar a aprendizagem dos discentes. Os professores de Educação Especial consideraram que as características dos jogos eram adaptadas para a deficiência visual. Sendo assim, os jogos foram considerados recursos viáveis para o processo de aprendizagem de alunos normovisuais e com deficiência visual, atendendo o ideal inclusivo.

Palavras-chave: Ensino de Química; Material didático adaptado; Inclusão escolar.

Introdução

Este estudo teve como foco a elaboração de jogos como recurso didático para o ensino de Química Orgânica no Ensino Médio, visando avaliar a contribuição dos mesmos para a aprendizagem dos alunos com deficiência visual* e normovisuais**.

Segundo Ausubel (1960), a aprendizagem significativa é um processo por meio do qual uma nova informação relaciona-se a um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo, envolvendo a interação da nova informação com um conhecimento prévio, isto é, um subsunçor. Para a sua ocorrência é necessário que o material a ser aprendido seja relacionável à cognição do aprendiz de maneira não arbitrária e não literal, sendo assim,

* Neste artigo, estão sendo considerados alunos com deficiência visual aqueles que apresentam baixa visão e cegueira.** Os alunos normovisuais são aqueles que não apresentam qualquer tipo de deficiência visual.

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potencialmente significativo. Além disso, o aprendiz deve manifestar disposição para associar de maneira substantiva e não-arbitrária o material potencialmente significativo à sua estrutura cognitiva. Para Novak, assim como comentado por Moreira (2006), essa disposição está intimamente relacionada com a experiência afetiva que o aprendiz tem no evento educativo, pois a mesma é positiva e intelectualmente construtiva quando favorece a compreensão.

Contrastando com a aprendizagem significativa, Ausubel define a mecânica (ou memorística) como sendo a aprendizagem de novas informações com pouca ou nenhuma interação com conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva, sem ligar-se então a conceitos subsunçores específicos (MOREIRA, 2006).

No que se refere aos materiais didáticos, foco de estudo desta pesquisa, Zanon (2008) afirma que o jogo didático pode auxiliar de forma motivante e divertida o ensino e aprendizagem de nomenclatura de compostos orgânicos, sendo considerados educativos ao possibilitarem o desenvolvimento de habilidades cognitivas, tais como a resolução de problemas e a percepção. A autora ressalta ainda que os jogos podem merecer um espaço na prática pedagógica dos professores por ser uma estratégia estimulante e que agrega aprendizagem de conteúdo ao desenvolvimento de aspectos comportamentais saudáveis.

Segundo Watanabe e colaboradores (2008), o uso de jogos didáticos no ensino mostrou resultados significativos. O material instrucional utilizado em seus estudos, um jogo da memória chamado Memória Orgânica, que aborda os grupos funcionais, propriedades e nomenclatura de compostos orgânicos, proporcionou a evolução dos conhecimentos relacionados às funções da Química Orgânica, possibilitando aprendizado diferenciado e promovendo a socialização, a motivação dos alunos e a contribuição para o processo de aprendizagem. O Memória Orgânica foi apresentado em um minicurso no XIII Encontro Nacional de Ensino de Química (ENEQ), em Campinas, no qual participaram treze professores de ensino médio, três professores de ensino superior e acadêmicos de licenciatura, bacharelado e pós-graduação de vários estados do Brasil. Após a apresentação, realizou-se pesquisa com o objetivo de verificar a viabilidade do material no ensino médio. O jogo foi então avaliado por alunos do terceiro ano do ensino médio de uma escola pública e de um colégio particular, de período integral e alunos do primeiro ano do curso de Química Licenciatura e Bacharelado. Os participantes do minicurso consideraram o Memória Orgânica adequado para uso em sala de aula e os alunos de ensino médio e nível superior consideraram-no como uma atividade lúdica e motivadora.

Neste estudo foi proposta a elaboração de dois jogos denominados de Bingorgânico e Formorgânico, que abordam as funções orgânicas, representações químicas, nomenclatura e a presença dos compostos orgânicos em nosso cotidiano. Pode-se destacar como fator relevante desta pesquisa o fato de que os jogos elaborados foram realizados de forma a atender as necessidades de aprendizagem tanto de alunos com deficiência visual quanto normovisuais, o que os tornam materiais didáticos inclusivos.

A necessidade de elaboração e adaptação de materiais instrucionais decorre do contexto escolar atual, no qual a inclusão é tema relevante. Entende-se por inclusão escolar uma proposta ao campo da educação de um movimento mundial, denominado inclusão social, o qual é proposto como novo paradigma social e implica na construção de processo bilateral no qual busca-se efetivar a equiparação de oportunidades para todos (PALHARES & MARINS, 2002).

Patto (2008) ao discutir as idéias de Martins (1997) aponta que não cabe pensar na inclusão escolar como forma de combater a exclusão, pois a inclusão e exclusão na sociedade atual não se configuram como opostos de um mesmo processo, o problema contemporâneo reside na forma como a inclusão é realizada. Sociologicamente, afirma Martins, a exclusão não existe, ela é traço congênito do capitalismo, já que a sociedade capitalista exclui para incluir, entretanto, inclui de outra forma, de acordo com suas regras e sua lógica que traz em

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si uma condição de degradação. Desta forma o problema na sociedade atual deixa de ser a exclusão e passa a se localizar na forma como se inclui. Assim, quando falamos em acesso à educação, partimos do pressuposto de uma educação com qualidade que garanta que o indivíduo seja inserido de fato no processo de aprendizagem, e não simplesmente do acesso ao ambiente escolar que ocorre por meio da matrícula na rede regular. Portanto o problema está na inclusão marginal, instável ou precária, na qual de acordo com Patto (2008), o indivíduo adentra a escola regular, porém não lhe são garantidas as mesmas oportunidades que os demais.

Deste modo, a inclusão marginal configura-se como o contrário da inclusão e não a exclusão. Ao se debruçar no binômio inclusão-exclusão se mascaram práticas nefastas de inclusão, as quais estão baseadas na degradação da condição humana tanto no que concerne às suas possibilidades de inserção social, econômica quanto escolar.

Ao se falar em inclusão escolar deve-se ter claro que se trata de processo destinado a todos os alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE) dos quais as pessoas com deficiência visual fazem parte. O termo NEE foi inicialmente empregado na Declaração de Salamanca sendo que no que se refere às políticas que norteiam as ações das escolas especiais e regulares, pode-se destacar seu uso nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica publicada em 2001, que defini que as NEE abrangem:

1. Educandos que apresentarem dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos:1.1. Aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;1.2. Aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências.2. Dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, particularmente alunos que apresentam surdez, cegueira, surdo-cegueira ou distúrbios acentuados de linguagem, para os quais devem ser adotadas formas diferenciadas de ensino e adaptações de acesso ao currículo, com utilização de linguagens e códigos aplicáveis, assegurando-se os recursos humanos e materiais necessários;Altas habilidades / superdotação e grande facilidade de aprendizagem... (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2001, http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/res2.txt).

Apesar da inclusão ser processo amplo que diz respeito aos indivíduos com NEE, esta pesquisa abordou apenas os alunos com deficiência visual por apresentarem necessidades perceptuais específicas necessitando assim de recursos especiais para que a inclusão se efetive.

Góes (2002) ao tratar da questão da deficiência a partir das idéias de Vigotski relata que segundo este autor as leis gerais de desenvolvimento são iguais para todas as crianças, porém existem características peculiares no desenvolvimento da criança com deficiência que trazem a necessidade de caminhos alternativos e recursos especiais.

Esta proposição está relacionada com a idéia de compensação que se trata de processo presente em qualquer ser humano ou em qualquer matéria viva e é fundamental no desenvolvimento de crianças com deficiência. Entretanto as compensações tratadas aqui não são de ordem orgânica, mas sim sociopsicológicas, isto é, dependentes das relações com os outros e das experiências individuais que ocorrem em uma determinado espaço cultural

A função compensatória deve ser vista como central no desenvolvimento de uma criança com deficiência. O funcionamento humano ligado a uma deficiência depende das condições concretas oferecidas pelo grupo social que podem ser adequadas ou empobrecidas.

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Para Vigotski o déficit causado pela deficiência não é o problema em si, mas sim a significação da deficiência pelo meio, as formas de cuidado e a educação recebida pela criança.

Góes (2002) aponta ainda que a vida social está organizada de forma a favorecer os indivíduos sem qualquer deficiência, sendo que pessoas com deficiência enfrentam resistências em sua inserção na cultura, sendo necessária a utilização de força compensatória por meio dos caminhos alternativos e uso de recursos especiais. A deficiência não pode ser negada ou ignorada, porém a vida social pode abrir inúmeras possibilidades de desenvolvimento.

Os caminhos alternativos e recursos especiais necessários para o desenvolvimento e aprendizagem de crianças com deficiência dependem de modificações nas culturas e na sociedade, sendo que os membros normais da sociedade precisam contribuir para a formação da pessoa com deficiência. Desta forma, os materiais didáticos utilizados nas escolas precisam configurar-se como recursos especiais que possibilitem a inserção do aluno com deficiência no processo de aprendizagem combatendo assim as práticas perversas de inclusão.

Como este trabalho refere-se a materiais didáticos adaptados aos indivíduos com deficiência visual, cabe destacar o conceito de tal deficiência. Entende-se por deficiência visual, a perda da visão em relação à visão normal, quantificada por meio da medida da acuidade ou do campo visual (CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA, 2002).

Na comunidade cientifica, adota-se o conceito de deficiência visual definido pelo Conselho Internacional de Oftalmologia em Sidnei, Austrália, em 20 de abril de 2002 :

▪Cegueira-a ser usado somente para a perda total de visão e para condições nas quais os indivíduos precisam contar predominantemente com habilidades de substituição de visão.▪Baixa visão-a se usado para graus menores de perda de visão quando os indivíduos podem receber auxílio significativo por meio de aparelhos e dispositivos de reforço visual.▪Visão Diminuída-a ser usado quando a condição de perda de visão é caracterizada por perda de funções visuais (como acuidade visual, campo visual,etc) em nível de órgão. Muitas dessas funções podem ser medidas quantitativamente.▪Perda de visão-a ser usado como termo geral, inclusive para perda total (cegueira) e perda parcial (baixa visão), caracterizada ou baseado em visão diminuída ou perda de visão funcional (Ibid.,http://www.cbo.com.br/ publicações/jotazero/ed90/comunicado.htm).

Para Profeta (2007), o processo de inclusão escolar prevê que tanto alunos sem deficiências como os com deficiências devem ser educados no ensino regular, cuja função é propiciar oportunidades iguais a todos atendendo às suas necessidades específicas. Sendo assim, a prática de inclusão de pessoas com deficiência visual implica orientar estes alunos a seguirem as atividades escolares junto aos demais fornecendo condições para que todos aprendam juntos, havendo diferença somente na utilização de recursos adequados, como materiais e atividades específicas, a fim de favorecer o desenvolvimento do aluno com deficiência. Depreende-se, aqui, que a inclusão objetiva preparar os alunos com deficiências para uma participação ativa na sociedade.

De acordo com Nassif (2007, p. 243), o professor no processo de inclusão deve:

▪Ser a ponte entre o aluno com deficiência visual e seus companheiros;▪Criar uma boa dinâmica na sala, informando das peculiaridades desse companheiro;▪Propiciar situações lúdicas para que os colegas compartilhem das

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atividades, favorecendo a adaptação escolar desse aluno;▪Valorizar os trabalhos e as técnicas específicas (uso do sistema Braile, de materiais como reglete, soroban) do aluno com deficiência visual;▪Propiciar situações facilitadoras para que o aluno com deficiência visual faça um reconhecimento prévio do meio escolar para poder se movimentar com mais segurança;▪Não assumir total responsabilidade pela criança com deficiência visual, fazendo tudo por ela, sendo esta responsável por suas ações.

Esta autora ainda ressalta que a colaboração entre instituições especializadas em deficiência visual e escola regular é importante para garantir as condições necessárias para que o aluno permaneça nesta instituição (Ibid.).

Neste estudo, a escolha de jogos como recurso didático pode ser justificada por sua função educativa observada em pesquisas, como por exemplo, na de Zanon (2008) que verificou o favorecimento da construção de conhecimento durante a aplicação de um jogo didático para o ensino de nomenclatura dos compostos orgânicos.

De acordo com este autor, o Ludo Químico para o ensino de nomenclatura dos compostos orgânicos foi concebido para ser utilizado com alunos do terceiro ano do Ensino Médio ou no início do estudo de Química Orgânica. O material didático foi avaliado por uma turma de período noturno do terceiro ano do Ensino Médio de uma escola pública e pelo professor de Química que ministrava esta disciplina. Posteriormente, realizou-se a avaliação com cem alunos do terceiro ano da mesma escola, do período diurno. Por meio dos resultados obtidos, verificou-se que os alunos gostaram do jogo e aprenderam sobre o tema, pois durante a aplicação em turmas diferentes, observou-se o entusiasmo e o interesse em jogar.

A importante contribuição dos jogos para o processo de aprendizagem também é discutida por Macedo (1997) que a partir das idéias de Piaget expõe que existem três tipos de estrutura de jogos segundo a forma de assimilação: exercício, símbolo ou regra. Os jogos de exercício se caracterizam pela forma de assimilação funcional ou repetitiva. Essa repetição constitui fonte de satisfação ou prazer, que caracteriza o aspecto lúdico dos esquemas de ação. A importância da assimilação funcional na construção do conhecimento na escola está na repetição como base para a regularidade, essencial para a aprendizagem escolar e para a vida, além da importância em formar bons hábitos. Soma-se o fato dos jogos de exercício possibilitarem ao indivíduo pensar o conhecimento como algo lúdico, atribuindo-lhe mais sentido, no qual a produção de conhecimento tem um fim em si.

O conhecimento também pode ser pensado e tratado como um jogo simbólico cuja característica é a assimilação por analogia. Ao assimilar o mundo dentro de suas possibilidades cognitivas, criando analogias, o sujeito se torna criador de convenções, que no contexto escolar, contribui para firmar um vinculo entre o representado e suas possíveis representações e assim compreender e utilizar os signos, convenções, regras e leis, conforme os conteúdos escolares costumam ser ensinados (Ibid.).

Além dos jogos de exercício e simbólico, tem-se os jogos de regra. Estes jogos herdam as características dos jogos anteriores, visto que o valor lúdico das ações e as convenções que regulam as condutas recíprocas dos participantes dos jogos continuam sendo fundamentais. Porém, nos jogos de regra, os jogadores estão focados na vitória estimulando a competição. Desta forma, de um ponto de vista funcional, essa forma de jogo é importante por sua característica competitiva. Um aspecto relevante da competição é o da competência, ou seja, a capacidade pessoal para enfrentar problemas e resolvê-los do melhor modo. Além disso, a competência pode ser vista como um desafio para superar a si mesmo. Sob uma perspectiva estrutural, a importância destes jogos corresponde ao seu valor operatório. Nessa estrutura de jogos, fazer, no sentido de conseguir e compreender são complementares e implicam a assimilação recíproca de esquemas, já que aqui para ganhar são inevitáveis: a

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coordenação de diferentes pontos de vista, a antecipação, a recorrência, o raciocínio operatório. (Ibid).

Por fim, cada estrutura de jogo possui características próprias as outras estruturas. Assim, os jogos de modo geral, podem significar para o indivíduo uma experiência fundamental de construir respostas integrando o lúdico, o simbólico e o operatório, e de que conhecer é um jogo de investigação, em que segundo Macedo (1997):

(...) se pode ganhar, perder, tentar novamente, ter esperanças, sofrer com paixão, conhecer com amor; amor pelo conhecimento no qual, as situações de aprendizagem são tratadas de forma mais digna, filosófica, espiritual. Enfim, superior.

Os materiais didáticos elaborados e avaliados neste estudo adequam-se aos jogos de regra, pois se caracterizam pela competição, competência e habilidade pessoal para enfrentar problemas e resolvê-los da melhor forma possível.

Cabe ressaltar ainda que, no que concerne à Educação Química, são poucos os estudos encontrados em artigos científicos com as palavras chaves ensino de Química e jogos didáticos, que propõem a elaboração e/ou adaptação de materiais instrucionais, voltados ao atendimento das necessidades perceptuais de alunos com deficiência visual.

De acordo com a atual Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (2008), o atendimento educacional especializado apresenta como objetivo identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas. Este atendimento é realizado por profissionais com conhecimentos específicos no ensino da Língua Brasileira de Sinais, do sistema Braille, do soroban, da orientação e mobilidade, da adequação e produção de materiais didáticos e pedagógicos, da utilização de recursos ópticos e não ópticos entre outros. Segundo Freitas (2007), em nossas escolas nota-se a existência de muitos indivíduos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE), dentre eles, as pessoas com deficiência visual. O Programa Educação para Todos e as Diretrizes Nacionais da Educação Inclusiva orientam o ingresso dos discentes com NEE preferencialmente em escolas regulares, nas quais as vivências possibilitem, por meio de adaptações específicas, o acesso destes alunos ao currículo proposto para seu nível de ensino. Sendo assim, esse aluno pode ter à sua disposição recursos materiais e equipamentos especializados que colaborem para sua aprendizagem e inclusão. No entanto, muitas vezes nem a escola nem o aluno dispõem desses materiais adequados. Diante disto, justificamos a preocupação em elaborar jogos adaptados para indivíduos com deficiência visual por meio da escrita em Braille, moldes de letras em fonte ampliada e uso de cores contrastantes.

Tendo por base as considerações iniciais esta investigação teve como objetivo a elaboração de material didático inclusivo para o ensino de química orgânica.Objetivos específicos:Verificar a contribuição do uso de jogos didáticos para o processo de aprendizagem de

conteúdos de Química Orgânica para alunos com deficiência visual e normovisuais. Avaliar o potencial inclusivo do material didático elaborado.Analisar a adequação conceitual do material elaborado aos conteúdos a que se referem.

MetodologiaEste estudo, devido a sua temática, pautou-se na pesquisa qualitativa em educação que

objetiva entender, descrever, desenvolver ou investigar o fenômeno central que está sendo estudado, conforme posto por Creswell (2007).

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Além disso, o estudo qualitativo tem caráter não uniforme, podendo empregar diferentes formas de investigação e métodos de coleta e análise.

InstrumentosForam utilizados nesta pesquisa os seguintes instrumentos: EVA, cartolina, folha

sulfite, cola, máquina Brailler Perkins, questionário, carta de informação ao sujeito de pesquisa, termo de consentimento livre e esclarecido.

SujeitosForam sujeitos desta pesquisa:

três professores especialistas em Educação Especial para avaliação da adequabilidade dos materiais ao referencial perceptual de alunos com deficiência visual e videntes;

três professores de Química para avaliação da adequabilidade conceitual dos materiais;três professores de Ensino de Ciências para avaliação da contribuição dos materiais no ensino

de Química;cinco alunos videntes e 3 alunos com deficiência visual.

Procedimentos1ª. Etapa: Realização de levantamento bibliográfico acerca das temáticas pertinentes ao projeto.2ª. Etapa: Elaboração dos jogos Bingorgânico e Formorgânico, buscando a adaptação dos mesmos ao referencial perceptual tanto dos alunos videntes quanto dos com deficiência visual. 3ª. Etapa: Avaliação dos materiais elaborados por professores especialistas em Educação Especial e professores de Química e Ensino de Ciências do ensino superior.4ª. Etapa: Aplicação dos materiais elaborados a três alunos com deficiência visual.5ª. Etapa: Aplicação dos materiais elaborados a cinco alunos videntes.6ª. Etapa: Análise dos dados e re-adequação dos materiais a partir das avaliações.

Resultados e discussõesO Bingorgânico tem o mesmo princípio do jogo de bingo, a contextualização (Figura

1), contendo a representação química do composto, sua utilização no cotidiano e perguntas acerca de sua nomenclatura e função orgânica existente, é sorteada. Em seguida, o jogador deverá marcar na cartela (Figura 2) a nomenclatura e a função orgânica do composto correspondente. O vencedor será aquele que preencher primeiramente as duas diagonais da cartela.

Figura 1: Contextualização do Bingorgânico

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Figura 2: Cartela do Bingorgânico

O Formorgânico é um jogo que consiste em associar a utilização do composto orgânico à sua representação química e por meio de um alfabeto móvel escrever a sua nomenclatura. Inicialmente define-se a ordem dos jogadores, sendo recomendado grupos de cinco alunos no máximo. O jogador vira uma peça contendo a contextualização (Figura 3), em seguida procura a peça que apresenta a representação química (Figura 4) correspondente e com o auxílio do alfabeto, escreve a nomenclatura (Figura 5) do composto orgânico. O vencedor será aquele que conseguir o maior número de associações (contextualização, representação química e nomenclatura).

Figura 3 : Contextualização do Formorgânico

Figura 4: Representação química do Formorgânico

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Figura 5: Nomenclatura (escrita com o alfabeto móvel) do Formorgânico

Para a análise das avaliações os sujeitos foram divididos em 5 grupos, conforme dispostos a seguir:

Grupo 1: Alunos com deficiência visualDevido à dificuldade em se encontrar indivíduos com baixa visão e cegueira que

tivessem concluído o ensino médio na região em que foi desenvolvida a pesquisa, os materiais instrucionais adaptados foram aplicados a dois alunos com deficiência visual de uma escola especial, que nunca estudaram conteúdos químicos, buscando-se checar a adequabilidade dos materiais ao referencial perceptual dos mesmos e não a avaliação dos conhecimentos químicos aos quais os jogos se referem. Os discentes responderam oralmente a um questionário avaliativo e relataram que os jogos Bingorgânico e Formorgânico são de fácil manuseio, suas cores e formato possibilitam boa visualização, sendo que características como o tamanho da fonte, contraste entre as cores e grafia braile podem auxiliar a aprendizagem de indivíduos com deficiência visual.

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Figura 6: Contextualização do Bingorgânico (baixa visão)

Figura 7: Cartela do Bingorgânico (baixa visão)

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Figura 8: Contextualização do Formorgânico (baixa visão)

Figura 9: Representação química do Formorgânico (baixa visão)

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Figura 10: Nomenclatura do Formorgânico (baixa visão)

Figura 11: Contextualização do Bingorgânico (braile)

Figura 12: Cartela do Bingorgânico (braile)

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Segundo Haddad (2001) deve-se estar atento ao fato de que a baixa visão e a cegueira, apesar de serem consideradas como deficiências visuais, trazem padrões diferenciados de respostas. A cegueira possui um padrão único de resposta, isto é a falta total ou quase total da visão. Já a baixa visão, possui padrões diferenciados que dependem da acuidade visual, funções como sensibilidade ao contraste, percepção das cores, intolerância à luminosidade, abrangência do campo visual.

Ao se propor a elaboração de jogo didático adaptado a esta população é preciso levar em consideração que os alunos com cegueira necessitarão de recursos substitutos do sentido visual, isto é, a escrita braile. No que se refere à baixa visão os recursos utilizados podem variar dependendo das necessidades perceptuais dos alunos o que dificulta a confecção de materiais didáticos. Sendo assim, ao se elaborar o Formorgânico e Bingorgânico buscou-se atender a necessidades comuns presentes na baixa visão, objetivando assim atingir o maior expecto de indivíduos possíveis.

Os alunos com deficiência visual que avaliaram o material, ao considerarem-no como adaptado trazem um dado significativo, pois apesar destes alunos não terem contato com o conteúdo químico, puderam entender a forma de funcionamento do material, fato que não seria possível se os mesmos não contemplassem os requisitos necessários de adaptação perceptual.

Grupo 2: Alunos normovisuaisOs materiais didáticos elaborados foram também aplicados a cinco alunas

normovisuais de um cursinho preparatório para o vestibular, com o objetivo de verificar o potencial do jogo no que concerne à aprendizagem dos conteúdos aos quais se referem. Sendo assim, anteriormente e posteriormente à aplicação dos materiais realizou-se um teste contemplando as funções, nomenclaturas e fórmulas da Química Orgânica.

Com base nos resultados obtidos, verificou-se que anteriormente à aplicação dos materiais, as alunas souberam identificar as funções orgânicas dos compostos por meio de sua fórmula química, sua nomenclatura e conheciam a utilização de compostos como o ácido etanóico (ácido acético) e propanona (acetona) no cotidiano. Entretanto, houve confusão na identificação de funções como aldeído e ácido carboxílico amina e amida, fenol e álcool.

Após a aplicação dos materiais didáticos realizou-se novamente um teste sobre o conteúdo em questão, que revelou que as alunas identificaram corretamente as funções orgânicas por meio das fórmulas químicas e a maioria reconheceu de forma correta a utilização de compostos orgânicos no cotidiano.

Foram aplicados também dois questionários, nos quais as alunas afirmaram que os materiais didáticos sob avaliação eram de fácil manuseio, apresentavam cores e formato que possibilitavam boa visualização. Além disso, apontaram o aspecto lúdico, a facilidade de memorização dos compostos com os jogos e as contextualizações que abordavam a utilização de compostos orgânicos no cotidiano como favorecedores da aprendizagem de nomenclatura, fórmula e funções dos compostos, sendo que apenas uma aluna sugeriu que as contextualizações deveriam ser escritas em fonte maior.

Cabe discutir que o conteúdo em questão, a nomenclatura de compostos orgânicos, tem grande potencial memorístico, dificultando a aprendizagem dos alunos. Ao inserir o componente lúdico e a contextualização do composto no cotidiano insere-se um componente significativo na aprendizagem, podendo assim facilitar a mesma.

Grupo 3: Professores universitários de QuímicaEstes materiais didáticos também foram avaliados por três professores universitários

de Química (A, B e C) de uma universidade pública localizada no estado de Minas Gerais. Os professores A e B, afirmaram que os materiais didáticos estão conceitualmente corretos, tanto

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a contextualização, quanto a representação química e a nomenclatura. Além disso, o professor A considerou o material criativo o que, em sua concepção, contribui para a aprendizagem da nomenclatura e funções de compostos orgânicos.

O professor B relatou que características como as contextualizações, a relação representação química/função orgânica podem auxiliar na aprendizagem do conteúdo químico abordado e sugeriu que os materiais deveriam ser confeccionados em EVA de cor neutra, diferente de rosa.

O professor C afirmou que os materiais instrucionais estão conceitualmente corretos, pois apresentam a nomenclatura orgânica de acordo com as normas da IUPAC (International Union of Pure and Applied Chemistry) e as contextualizações correspondentes adequadas a presença dos compostos orgânicos no cotidiano. Afirmou ainda que a visualização da representação química com a nomenclatura relacionada à aplicação cotidiana existente no jogo Bingorgânico contribui para o raciocínio químico aprimorando a motivação no processo de aprendizagem. Sugeriu que se apresentassem diferentes representações das fórmulas estruturais. Quanto ao jogo Formorgânico, o docente considerou que a abordagem das substâncias e funções orgânicas somadas à nomenclatura e aplicação (industrial, comercial, etc.) favorece a construção do conhecimento do aluno, uma vez que aumenta o interesse do mesmo. Deste modo, relatou que as informações contidas nas contextualizações poderiam ser menos resumidas a fim de que o discente conheça melhor a utilização dos compostos. Além disso, sugeriu que deveria haver correlação entre as peças das contextualizações e representações químicas, por meio de numeração em ambos, mostrando uma correspondência.

Grupo 4: Professores universitários de Ensino de CiênciasOs jogos foram ainda avaliados por três professores universitários de Ensino de

Ciências (D, E e F) da mesma universidade pública. O professor D afirmou que os jogos didáticos apresentavam conceitos que podem ser aplicados para o Ensino de Química no ensino médio, sendo que as contextualizações foram consideradas como objetivas e coerentes. O docente relatou que o aspecto lúdico pode auxiliar a aprendizagem dos alunos e propôs que os materiais instrucionais fossem aplicados em escolas da rede estadual, inclusive em turmas da Educação de Jovens e Adultos.

Para o professor E, os materiais didáticos mostraram conceitos que podem ser utilizados para o Ensino de Química no ensino médio, como nomenclaturas, representações químicas e contextualizações acerca de compostos orgânicos e ainda possibilita que o aluno seja agente capaz de construir o próprio conhecimento e o professor, o mediador pedagógico. Este docente sugeriu a definição do número de participantes para melhor desenvolvimento da atividade.

De acordo com o professor F, os materiais instrucionais apresentaram conceitos que podem ser aplicados para o Ensino de Química no ensino médio, pois podem auxiliar na aprendizagem, permitindo que o aluno estabeleça uma relação entre a representação química e nomenclatura de compostos orgânicos. No Bingorgânico, características como a memorização e no Formorgânico a fixação representante-representado e a construção da nomenclatura do composto orgânico, por meio do alfabeto móvel, foram consideradas como auxiliadoras da aprendizagem no Ensino de Química. O docente ainda destacou que a normatização, padronização das representações e contextualizações menos resumidas poderiam favorecer a aprendizagem e sugeriu alteração de cor, tamanho e cartelas do Bingorgânico contendo nomenclaturas IUPAC e usual.

Grupo 5: Professores de Educação EspecialTrês professores de educação especial realizaram a avaliação dos materiais didáticos

adaptados para alunos com baixa visão e cegueira (professores G, H e I). O professor G

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afirmou que os materiais são de fácil manuseio, que as cores e o formato dos mesmos e a resposta dos materiais às necessidades dos discentes com deficiência visual pode contribuir para a aprendizagem dos mesmos.

Os professores H e I afirmaram que os materiais didáticos avaliados são de fácil manuseio, apresentam cores e formatos que possibilitam boa visualização, o primeiro ressaltou que características existentes nos mesmos como contextualização ampliada, grafia braile e aspecto lúdico podem auxiliar a aprendizagem de alunos videntes e com deficiência visual. E o segundo destacou que o contraste de cores (branco e preto) do material adaptado para baixa visão pode favorecer a aprendizagem destes alunos respeitando o nível de visualização de cada discente.

O professor I sugeriu que os materiais para baixa visão deveriam ser escritos em caixa alta e negrito, evitando a utilização do papel contrátil na confecção dos mesmos (devido a ocorrência de reflexos). Ambos os docentes H e I ressaltaram que o Bingorgânico e o Formorgânico para baixa visão necessitam de fonte maior

Síntese das avaliaçõesA partir dos dados obtidos com os questionários avaliativos, verificou-se que o

Bingorgânico e o Formorgânico apresentam conceitos químicos corretos que podem ser aplicados para o Ensino de Química no Ensino Médio, sendo que aspectos dos materiais como a relação função orgânica – nomenclatura - contextualização, o lúdico e o caráter memorístico podem auxiliar a aprendizagem dos alunos. O pré-teste e o pós-teste realizado com os alunos normovisuais indicaram que ocorreu a evolução no conhecimento, contribuindo assim para a aprendizagem do conteúdo.

Uma questão a ser discutida é que o docente F afirmou que o material elaborado favorece a aprendizagem memorística e não significativa, conforme apontado por Ausubel, pois o conteúdo abordado é informativo, ocorrendo a memorização da representação química de um grupo funcional. Como apontado anteriormente a representação e a nomenclatura dos compostos tem relações que são entre si potencialmente arbitrárias, sendo que o jogo foi elaborado com o intuito de fornecer novas significações a esta relação favorecendo a sua aprendizagem. O aluno ao atuar sobre o conteúdo por meio do desenvolvimento do jogo que requer interação entre alunos-alunos e alunos-professores pode ter favorecida a construção de conceitos tais como proposto por Vigotski, que pressupõe que a interação entre indivíduos mais e menos aptos é essencial para o desenvolvimento e a aprendizagem. Os materiais elaborados ao serem utilizados no interior da disciplina de Química no ensino médio como recursos complementares as aulas podem então auxiliar na interação aluno-professor-conhecimento de forma a tornar mais motivante e significativa a aprendizagem de Química.

Segundo Zanon (2008) os aspectos lúdico e cognitivo existentes no jogo são importantes estratégias para o ensino e aprendizagem de conceitos abstratos e complexos, favorecendo a motivação interna, o raciocínio, a argumentação, a interação entre os alunos e com o professor . Sendo assim, o jogo desenvolve além da cognição, outras habilidades, como a construção de representações mentais, a afetividade e a área social (relação entre os alunos e a percepção de regras).

Como afirmado anteriormente, ao se tratar da escolarização no ensino regular dos alunos com cegueira e com baixa visão, não se está falando apenas em sua inserção física na sala de aula, mas sim de lhe fornecer as condições para que haja de fato a inclusão no processo de aprendizagem que favoreça a formação de cidadãos conscientes, críticos e a ocuparem lugares que têm por direito, independentemente da limitação (PROFETA, 2007).

Para que o aluno com deficiência visual seja inserido no processo de aprendizagem em uma classe comum é fundamental que os materiais (recursos didáticos) sejam adequados ao

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seu atendimento, possibilitando-lhe assim, o aprendizado, a motivação e disposição para aprender.

Baseando-se na avaliação dos professores de educação especial, os materiais didáticos adaptados para indivíduos com deficiência visual (baixa visão e cegueira) podem contribuir para o processo de aprendizagem dos mesmos, sendo que as sugestões oferecidas por eles foram seguidas buscando assim a construção de um material potencialmente inclusivo.

Considerações Finais

Compartilhamos com Zanon (2008) a idéia de que o currículo escolar deveria ser redimensionado criando espaços de tempos para jogos, com a finalidade de que eles sejam respeitados e assumidos como um método de ensino-aprendizagem de conceitos.

De acordo com esta pesquisa, os materiais didáticos Bingorgânico e Formorgânico podem ser recursos viáveis no processo de ensino de nomenclaturas e funções orgânicas, pois foram considerados recursos lúdicos, motivadores, que facilitam a memorização do conteúdo químico e despertam o interesse dos alunos. Além disso, estes materiais instrucionais apresentam inovações como sua adaptação para indivíduos com deficiência visual (baixa visão e cegueira), possibilitando assim, a inclusão dos mesmos no ensino de Química Orgânica.

Referências

AUSUBEL, D.P. NOVAK, J.D.; HANESIAN, H. Psicologia educacional. Rio de Janeiro: Interamericana, 1980. 625 p.

CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA, 2002. Disponível em: < http://www.cbo.com.br/publicacoes/jotazero/ed/90/comunicado.htm.>. Acesso em: 01 ago. 2009.

FREITAS, O. Equipamentos e materiais didáticos. Brasília: Universidade de Brasília, 2007.

NASSIF, M.C.M. Inclusão do aluno com deficiência visual na sala comum do ensino regular: A fundação Dorina como parceira neste processo. In: MASINI, E.F.S. A pessoa com deficiência visual: um livro para educadores. São Paulo: Vetor, 2007. p. 237-257.

CRESWELL, J.W.Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. Porto Alegre: Artmed, 2007.

MACEDO, L. Quatro cores, senha e dominó: Oficina de jogos em uma perspectiva construtivista e psicopedagógica. São Paulo: Casa do psicólogo, 1997.

MOREIRA, M.A. Teorias de aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999.

PATTO, M.H.S. Políticas atuais de inclusão escolar: Reflexão a partir de um recorte conceitual. In: BUENO, J.G.S.; MENDES,G.M.L.; SANTOS, R.A. Deficiência e escolarização: novas perspectivas de análise. Araraquara: Junqueira e Marin; Brasilia: CAPES, 2008. 25-42.

POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA, 2008.

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Disponível em:<http://www.portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/ 0000011730.pdf>. Acesso em 20 ago.2010.

PROFETA, M.S. A inclusão do aluno com deficiência visual no ensino regular. In: MASINI, E.F.S. A pessoa com deficiência visual: um livro para educadores. São Paulo: Vetor, 2007. p. 209-236.

WATANABE, M.; RECENA, M.C.P. Memória Orgânica – Um jogo didático útil no processo de ensino e aprendizagem. Anais do XIV Encontro Nacional de Ensino de Química. Disponível em: http://www.quimica.ufpr.br/eduquim/eneq2008/resumos/R0913-1.pdf. Acessado em: 01 de setembro de 2009.

ZANON, D.A.V.; GUERREIRO, M.A.S.; OLIVEIRA, R.C. Jogo didático Ludo Químico para o ensino de nomenclatura dos compostos orgânicos: projeto, produção, aplicação e avaliação. Revista Ciências & Cognição, v.13, n. 1, p. 72-81, 2008.

Bruna da Silva e Camila E. Ronchini Ferreira são estudantes do curso de Química – Licenciatura da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Márcia Paranho Veloso é professora adjunta do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Fernanda Vilhena Mafra Bazon é professora adjunta do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar – Campus de Araras.

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Edição e reedição de textos infantis

Carla DamasSimone Pereira Nogueira

RESUMO: A presente proposta de investigação propõe a análise do percurso de escrita e reescrita de textos infantis por crianças em processo de aquisição da escrita. Esta proposta inclui-se entre os trabalhos desenvolvidos no interior do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, que foi criado com a finalidade de valorizar o magistério. Neste ano, esse trabalho teve início na Escola Estadual Dr. João Januário Magalhães – CAIC – com alunos do quinto ano e que se caracterizam por apresentar dificuldades no processo de alfabetização, sendo assim assistidos por este Programa. O trabalho desenvolvido no PIBID pelos alunos do curso de pedagogia dá-se por meio de intervenções, duas vezes por semana, na escola parceira. Durante estas intervenções, que aconteceram entre os meses de maio e julho, propomos aos alunos atividades que os ajudassem no desenvolvimento da prática da escrita e leitura, ou seja, para que se tornem de fato proficientes nos usos escritos da língua materna. Decidiu-se por fazer um trabalho investigativo em que se focou a reescrita dos textos sob orientação do adulto, a fim de verificar o processo de revisão e reescrita, por parte do aluno, do próprio texto. Para realização de um trabalho deste caráter, foram escolhidos como sujeitos de pesquisa dois alunos. Por fim, foi realizada uma análise das versões textuais produzidas pelos sujeitos de pesquisa, com a finalidade de verificar como se desenvolve o trabalho de edição e reedição de texto produzido por crianças em processo de aquisição da escrita.

Palavras-chave: Aquisição da escrita; Produção textual; Formação docente.

Introdução

A presente proposta de pesquisa propõe a análise do percurso da constituição de textos infantis por crianças do 5° ano em processo de aquisição da escrita, desenvolvendo um trabalho de edição e reedição deste texto e avaliando como se constitui a produção autoral destas crianças em um trabalho de orientação feito pelo adulto. Esta proposta inclui-se entre os trabalhos desenvolvidos no interior do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, que foi criado com a finalidade de valorizar o magistério, oferecendo bolsas para aprimorar a formação docente e contribuir para elevação do padrão de qualidade da educação básica.

Todo o trabalho de iniciação à escrita deve ser perspectivado de forma a criar situações de aprendizagem que promovam a produção de escrita pelos alunos tendo em conta, desde o primeiro momento, a sua funcionalidade e discursividade.

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Referencial teórico

A escrita de uma criança pode ser considerada uma forma de interação com o outro. Ela pode escrever palavras soltas, como pode tentar escrever um texto mesmo que este seja fragmentado, registrando o que pensa. Para que esta escrita ganhe um sentido é necessário a presença de um interlocutor.

[...] a escrita não é apenas um “objeto de conhecimento” na escola. Como forma de linguagem, ela é constitutiva do conhecimento na interação. Não se trata, então, apenas de ‘ensinar’ (no sentido de transmitir) a escrita, mas de usar, fazer funcionar a escrita como interação e interlocução na sala de aula, experenciando a linguagem nas suas várias possibilidades. No movimento das interações sociais e nos momentos das interlocuções, a linguagem se cria, se transforma, se constrói, como conhecimento humano (Smolka, 1989, p. 45).

A ideia defendia por Smolka é muito interessante, pois aborda a ideia de que a escrita é uma forma de linguagem que pode ser explorada na interação e interlocução. Sendo que, à medida que ocorre essa interlocução e interação, a linguagem é construída e transformada. Para Calkins (1989, p. 15),

escrever permite que transformemos o caos em algo bonito, permite que emolduremos momentos selecionados em nossas vidas, faz com que descubramos e celebremos os padrões que organizam nossa existência.

Para esta autora, é importante que no processo de escrita, as crianças passem por algumas etapas para a constituição de seus textos, sendo uma delas o esboço, escrita provisória que sofrerá alterações na etapa seguinte. A criança vai escrever o que exercitou na linguagem oral. Nesta fase, acontece a produção por meio da palavra escrita. Uma característica dessa fase é que, muitas vezes, o texto vem sem conectivos adequados e não obedecem ao tempo para descrever os acontecimentos. De acordo com Calkins (1989, p. 191),

Os alunos são capazes de escrever esboços após esboços, mas não sabem como aumentar suas capacidades ou como relacionar o que funciona melhor em seus textos. Uma vez que não possuem senso daquilo que faz a boa escrita, não possuem meios de evoluir enquanto escrevem.

Pode-se considerar isso característico, porque é uma etapa em que as crianças não realizam a releitura para corrigir ou revisar os textos.

A etapa seguinte dessa produção textual é chamada de revisão, que consiste no momento em que o escritor irá ler seu próprio texto juntamente com o adulto para avaliar e organizar o que escreveu, podendo realizar alterações, a fim de aperfeiçoar sua escrita. Nesta etapa é importante encorajar as crianças a lerem suas histórias para seus colegas, professores e para si mesmas, a fim de, proporcionar um crescimento na sua produção textual.

As crianças escrevem e, se lhes for dada oportunidade de compartilharem seus textos com um ouvinte atencioso, freqüentemente descobrem que têm mais a falar e alguém querendo escutar. Em pouco tempo, as crianças fazem suas estórias “crescerem” por si mesmas: uma página transforma-se em três, um texto curto, de algumas linhas, é transformado em um gigantesco pergaminho. (CALKINS, 1989, p.79)

Para que tais atividades funcionem, é fundamental que haja uma interação entre os

colegas, e entre estes e professores, para que as crianças adquiram confiança nas pessoas que

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estão ao seu redor, possam compartilhar seus trabalhos e, consequentemente, aperfeiçoá-los por meio da revisão.

Por fim, a criança passa pela última etapa, a edição, destinada aos ajustes finais. Nesta etapa, propõe-se uma leitura do texto revisado, para que haja uma verificação dos erros que ainda precisam ser corrigidos. Neste momento, é necessário ter uma preocupação com a parte formal do texto. A observação disto ficou para a etapa final, porque nas outras, o que estava em foco, eram as ideias.

Um dos fatores importantes para que o texto proporcione coerência é que este apresente uma boa estrutura, havendo dessa forma, uma relação que se estabelece entre as diversas partes do texto, criando uma unidade de sentido, isto é,

[...] a coerência que faz com que uma sequência linguística qualquer seja vista como um texto, porque é a coerência, através de vários fatores, que permite estabelecer relações (sintático-gramaticais, semânticas e pragmáticas) entre os elementos da seqüência (morfemas, palavras, expressões, frases, parágrafos, capítulos, etc), permitindo construí-la e percebê-la, na recepção, como constituindo uma unidade significativa global. Portanto, é a coerência que dá textura ou textualidade à sequencia linguística, entendendo-se por textura ou textualidade aquilo que converte uma sequencia linguística em texto. Assim sendo, podemos dizer que a coerência dá origem à textualidade [...]. (KOCH; TRAVAGLIA, 2002, p.53)

A coerência está, portanto, ligada ao entendimento, à possibilidade de interpretação daquilo que se lê. Um outro elemento importante presente no texto é a coesão que se relaciona com a coerência:

[...] por coesão se entende a ligação, a relação, os nexos que se estabelecem entre os elementos que constituem a superfície textual. Ao contrário da coerência, que é subjacente, a coesão é explicitamente revelada através de marcas lingüísticas, índices formais na estrutura da sequencia linguística e superficial do texto, o que lhe dá um caráter linear, uma vez que se manifesta na organização seqüencial do texto. (KOCH; TRAVAGLIA, 2002, p. 47)

Sendo assim, um texto não é um conjunto aleatório de elementos isolados, mas uma totalidade semântica, em que é estabelecida uma relação de significação, ou seja, coesão é a correta ligação entre os elementos de um texto, que ocorre no interior das frases, entre as próprias frases e entre os vários parágrafos.

Por fim, é relevante dizer sobre um outro fator que interfere na construção da coerência, a informatividade que

[...] diz respeito ao grau de previsibilidade (ou expectabilidade) da informação contida no texto. Um texto será tanto menos informativo, quanto mais previsível ou esperada for a informação por ele trazida. Assim, se contiver apenas informação previsível ou redundante, seu grau de informatividade será baixo; se contiver, além da informação esperada ou previsível,informação não previsível, terá um grau maior de informatividade; se, por fim, toda informação de um texto for inesperada ou imprevisível, ele terá um grau máximo de informatividade [...]. (KOCH; TRAVAGLIA, 2002, p. 86)

Sendo assim, um texto que apresenta um discurso menos previsível, se torna mais interessante, por apresentar mais informatividade. Então, é conveniente que o texto fale de informações que tragam novidades ao leitor para, desta forma, envolvê-lo na leitura.

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Enfim, o que deve ficar claro é que a processo da escrita é uma tarefa que exige paciência e dedicação, sendo que é necessário, muitas vezes, efetuar alterações no que já foi escrito, a fim de haver uma adequação das palavras para atingir o objetivo proposto.

Metodologia e resultados

Primeiramente, foi proposto aos alunos que participam do Programa a construção de um livro. Não foi dado nenhum tema, ou seja, eles escolhiam o assunto, sobre o qual queriam escrever. Porém, alguns alunos ficaram “perdidos”, sem saber que tema escolher para escrever seu texto. Assim, foram sugeridos alguns temas para ajudar tais alunos, embora se deva considerar importante proporcionar a liberdade de escrita aos alunos, pois, desta forma, podem escrever sobre o tema que mais dominam, que tenham maior interesse e, consequentemente, terão mais prazer em realizar a escrita.

Ao longo da atividade, constatou-se que os alunos que escolheram seus temas apresentaram menos dificuldade em relação à construção das histórias do que os alunos que precisaram ouvir sugestões sobre possíveis temas para a escrita das histórias.

Durante a produção textual das crianças, procurou-se observar como os alunos se comportavam: alguns alunos apresentaram desenvoltura no processo da escrita, enquanto outros apresentaram muita dificuldade em desenvolver ideias para escrever um texto. Em virtude disto, foi necessário, já nesta etapa, realizar algumas intervenções para que os alunos em dificuldades tivessem ideias para escrever mais sobre sua história. Pode-se constatar o quanto é importante essa interação com as crianças durante o processo de escrita, principalmente com aquelas que apresentam mais dificuldade em expor suas ideias e transcrevê-las no papel, pois, a partir dessa ineteração, a linguagem foi sendo construída, proporcionando um pouco mais de fluência na escrita dos alunos.

Após terem finalizado a construção de seus textos, foi escolhido o aluno que apresentou mais dificuldade durante esse processo, para que este, sob orientação do adulto, passasse por uma etapa de revisão do texto, a fim de aumentar e tornar a história mais interessante.

Esta etapa foi muito significativa, pois o sujeito da pesquisa, durante sua produção textual e num primeiro momento, não apresentou nenhum interesse na proposta, não se preocupou em fazer um texto coerente e nem apresentar uma escrita coesa. Além disso, o grau de informatividade de seu texto foi muito baixo. Por estes motivos, ele foi escolhido para fazer uma reescrita de seu texto, agora com a ajuda do adulto.

A princípio, o aluno apresentou-se sem interesse, como na etapa anterior. Porém, quando iniciamos uma conversa sobre o texto, as ideias foram surgindo por meio de perguntas relacionadas à história. A partir daí, ele se empolgou e passou a ter interesse em reescrever sua história. A todo o momento era necessário um intervenção para aguçar sua criatividade e, assim, aumentar sua história.

A linguagem é social por natureza, e se desenvolve e, portanto, se aprende, em situações que envolvem compartilhar com os demais; a linguagem escrita é instrumento de elaboração do conhecimento do mundo, de cada um de nós, das demais pessoas. Aprender a escrever implica, portanto, criar uma rede de relações com os demais mediante o uso da linguagem escrita; as exigências apresentadas pelas situações levam à necessidade de adquirir conhecimentos na interação com o professor, os colegas e o entorno natural e social. (CAMPS, 2006, p. 14)

Note-se que, conforme Camps, é fundamental que haja uma interação entre alunos e professores, como aconteceu na etapa de revisão da escrita do sujeito de pesquisa, pois, dessa maneira, o aluno adquire confiança nas pessoas que estão ao seu redor, podendo compartilhar

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seus trabalhos e, consequentemente, aperfeiçoá-los, como aconteceu com o texto do sujeito de pesquisa.

As alterações entre a primeira e a segunda versão são consideráveis em aspectos fundamentais para a escrita de um texto. A primeira versão, como já exposto, apresentou-se fragmentada, sem coerência e coesão, a informatividade quase nula; já na segunda versão, o tamanho do texto aumentou muito em relação à primeira, suas partes apresentaram-se coesas, sua história teve coerência e o grau de informatividade aumentou consideravelmente.

Tabela:Análise das versões do texto do sujeito da pesquisa

Informatividade1ª versão

(Cf. em anexo, fig. 01)

Nesta versão, o grau de informatividade foi baixo. Isto pode ser percebido logo na primeira linha, em que o aluno expõe sua ideia de que na copa do mundo estão os bons jogadores. Pode-se dizer que esta informação é previsível e não traz nenhum tipo de novidade aos leitores.

Lendo a primeira versão do sujeito da pesquisa são observadas sete informações que se apresentam de modo fragmentado, ou seja, sem continuidade, apenas informações “soltas”.

2ª versão(Cf. em anexo, fig. 02)

O seu texto, na segunda versão, apresenta-se maior e com um grau de informação elevado. Isto pode ser verificado quando se faz uma comparação entre as duas versões: na segunda versão, apenas na linha 18 aparece uma informação, que na primeira versão apareceu logo na segunda linha, o que mostra como o texto do sujeito de pesquisa cresceu no sentido de oferecer informações ao leitor, tornando o texto mais atraente. Seguindo essa linha de análise, a informação presente nas linhas 3 e 4 da primeira versão, aparece na segunda versão apenas na linha 50. Entre as linhas 18 e 50, são apresentadas informações novas, ou seja, tudo que foi escrito nestas 32 linhas não aparece na primeira versão. Por fim, o que o aluno escreve entre as linhas 9 e 15 na primeira versão de forma superficial, na segunda versão aparece de forma mais detalhada e interessante entre as linhas 54 e 65, aumentando quase o dobro de linhas para escrever esta parte final de sua história. Depois desta análise, percebe-se que o sujeito da pesquisa avançou muito em sua escrita no que diz respeito à informatividade. Sendo assim, pode-se considerar fundamental que haja uma interação entre professores e alunos para que estes compartilhem seus trabalhos com seus professores a fim de, consequentemente, aperfeiçoá-los por meio da revisão, como defende Calkins.

Coerência e Coesão 1ª versão

(Cf. em anexo, fig. 01) Seu texto, por completo, apresenta-se fragmentado, sem coerência, ou seja, suas ideias não proporcionam um segmento. Isto pode ficar claro quando se lê as linhas 2 e 3, em que o sujeito de pesquisa expõe os melhores jogadores em sua opinião e, logo em seguida, justifica que um destes jogadores foi expulso sem apresentar um motivo. Em seguida, o aluno expõe que foi para a África do Sul e, por fim, apresenta a informação que desejava ver na final o jogo entre Brasil e Argentina. Pode-se dizer que esta sequência linguística não apresenta textualidade por não ter coerência.

Em relação à coesão, esta primeira versão apresenta-se “pobre”, o que pode ser observado na linha 2, em que o sujeito de pesquisa quer mencionar que os melhores jogados da copa são Kaká, Robinho e Luís Fabiano. Porém, esta informação aparece confusa por não haver um conectivo que ofereça coesão. Isto se repete na linha sete, ou seja, a informação contida nesta linha aparece confusa por não haver nexo entre os elementos que constituem o texto.

2ª versão(Cf. em anexo, fig. 02)

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Na reescrita de sua história, o sujeito da pesquisa avançou muito, organizando seu texto de forma mais coerente e sua escrita também se tornou mais coesa. Seu texto, nesta segunda versão, não se apresenta fragmentado como na primeira. Neste texto, o aluno inicia sua história expondo o seu desejo de ir assistir a copa do mundo na África do Sul. Então, fica sabendo de um sorteio que terá como premio um passaporte para ir a este país. Decide, pois, participar do sorteio e consegue o prêmio tão desejado por ele. Em seguida, embarca com seu pai de avião para o país que será sede da copa do mundo. Conversando com seu pai, ele expõe os melhores jogadores em sua opinião. Esta informação, que na segunda versão aparece na linha 18, apareceu, na primeira, na segunda linha. Nestas 18 linhas houve não apenas uma oferta de informações, mas também houve um início de história que deu sentido à esta informação presente na linha 18, o que não ocorreu na primeira versão, em que esta informação aparece em um texto dividido em fragmentos, não havendo sequência na história. Na primeira versão, a informação de que o Kaká foi expulso aparece nas primeiras linhas; na segunda, esta informação aparece na linha 51, porém, faltou informar ao leitor o motivo de sua expulsão, ausência que se pode notar, também, na versão anterior. Na primeira versão, na linha 5, após a informação da expulsão do jogador, o aluno expõe que foi para a África do Sul; na segunda, esta informação aparece na linha 11 e precede o acontecido da expulsão do jogador brasileiro, o que torna o texto mais coerente. Por fim, quando na primeira versão o aluno, sem apresentar um motivo, já explicita o desejo de na final da copa do mundo jogarem Brasil e Argentina, informação presente a partir da linha 9, na segunda versão, esta informação, aparece a partir da linha 55, e vem seguida de um motivo. Enfim, pode-se considerar que a reescrita do aluno deixou o texto mais interessante e um dos motivos foi a forma mais coerente como o estruturou. Em relação à coesão, também houve melhoras. Isto pode ser observado quando o aluno, na segunda versão, reescreve na linha 18 quais são os melhores jogadores em sua opinião. A escrita dessa frase apresentou-se coesa, ao contrário do que ocorreu na versão anterior. Observa-se que, na segunda versão, ocorreram, algumas vezes, frases não coesas, podendo ser observadas nas linhas 47 e 50. O motivo da falta de coesão nestas linhas foi causado pela ausência de um conectivo. Mesmo tendo cometido essa falha, na segunda versão, todo o texto, apresenta-se mais coerente e sua escrita mais coesa, deixando dessa forma, a história mais interessante.

ConclusãoDiante dessa transformação, em relação à escrita do sujeito da pesquisa, deve-se

considerar que, com o trabalho de revisão, os textos dos alunos tornam-se mais significativos e estes aprendem a construir textos mais estruturados, como foi o caso do sujeito de pesquisa.

Os primeiros resultados tem demonstrado que, conforme acontece a revisão e reescrita do texto, há uma ampliação do teor informativo do texto. Espera-se, com as próximas etapas da pesquisa, verificarmos em que medida as crianças tornam-se mais competentes e autônomas na produção de textos.

Referências

CALKINS, Lucy Mc. Cormick. A arte de ensinar a escrever. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

CAMPS, Anna. Texto, processo, contexto, atividade discursiva: diferentes pontos de vista sobre a atividade de aprender e de ensinar a escrever. In: CAMPS, Anna et al. Propostas didáticas para aprender a escrever. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 13-31.

KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A Coerência Textual. 17 ed. São Paulo: Contexto, 2007.

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SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita: alfabetização como processo discursivo. 3 ed. São Paulo: Cortez/Universidade da UNICAMP, 1991.

Carla Damas e Simone Pereira Nogueira são estudantes do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG, e bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

AnexosFigura 01:

Primeira versão do texto escrito

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Figura 02:Segunda versão do texto escrito

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Estabelecimento do diagnóstico clínico-citogenético de Síndrome Down e determinação da prevalência de anemia em crianças e adolescentes da

APAE-Alfenas

Juliana Cristina GomesIsabela de Siqueira Carvalho

Marcos Kasai Cristiane da Silva Maciano Grasselli

Simone Cardoso Lisboa PereiraRoberta Ribeiro Silva

Cibele Marli Cação Paiva Gouvêa

RESUMO: A síndrome de Down (SD) é a cromossomopatia mais freqüente na espécie humana e é caracterizada pela presença de um cromossomo 21 extra. Além do atraso no desenvolvimento e desabilidade mental, outros problemas de saúde podem ocorrer no indivíduo com SD. A APAE-Alfenas é uma entidade que trabalha com crianças e adolescentes especiais. Dentre os freqüentadores desta entidade (cerca de 400) menos de 5% possuem diagnóstico genético da patologia que os acomete. O objetivo deste trabalho foi realizar o diagnóstico citogenético bem como determinar a prevalência de anemia falciforme (HbS) em indivíduos com SD. Foram analisados 7 indivíduos dos quais foi coletado sangue para análise citogenética e eletroforética de hemoglobina. Os resultados demonstraram a presença da trissomia do 21 em todo o grupo analisado e foi diagnosticado um indivíduo traço falcêmico. Será assim, necessário o esclarecimento e aconselhamento genético para esses indivíduos.

Palavras-chave: Trissomia do 21; Hemoglobinopatias; Anemia falciforme.

1. Introdução

A Síndrome de Down (SD) ou trissomia do cromossomo 21 foi a primeira anormalidade cromossômica descrita em humanos e constitui a cromossomopatia mais comumente encontrada em todo mundo. Foi descrita em 1866, por John Langdon Down, médico britânico, que estabeleceu erroneamente associações entre a síndrome e indivíduos oriundos da Mongólia (DOWN, 1866). Posteriormente, Lejeune, Gautier e Turpin (1959) determinaram que a SD é causada pela presença de um cromossomo acrocêntrico a mais, o 21. A trissomia do cromossomo 21 por não-disjunção meiótica está presente em 93-95% dos indivíduos com SD. Causas menos comuns são translocações, quando parte do cromossomo 21 sofre quebra e liga-se a outro cromossomo e mosaicismo, quando a não-disjunção do cromossomo 21 ocorre após a fecundação. As translocações são responsáveis por 3-4% e o mosaicismo por 1-3% dos casos de SD (BITTLES; GLASSON, 2004; SHERMAN et al., 2007).

A possibilidade de nascer uma criança com SD aumenta principalmente com o avanço da idade materna: em torno dos 20 anos é de 1:1.500, subindo para 1:380 aos 35 anos e para quase 1:28 aos 45 anos (TOBO; KHOURI; MOURÃO, 2009). Há evidências de que a falha na disjunção do cromossomo 21 na meiose I materna possa ocorrer em virtude de fenômenos de hipometilação, que poderiam ser oriundos do metabolismo anormal do folato, decorrente das mutações 677 (C→T) e 1298 (A→C) do gene da MTHFR, localizado no cromossomo 1.

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A metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR) atua na regulação das reações de metilação celulares, catalisando a conversão do 5,10 metilenetetrahidrofolato para 5-metiltetrahidrofolato, onde o radical metil é doado para a remetilação da homocisteína para metionina. Esta reação é importante para a síntese de 5-adenosilmetionina, o mais importante doador de metil para o DNA, proteínas de construção e reações de metilação de lipídios (SHERMAN et al., 2007).

Com incidência aproximada de 1 em cada 800 a 1000 nascimentos, a SD é responsável por até um terço dos casos de deficiências mental de grau moderado a grave. Além do comprometimento intelectual, outros problemas de saúde podem ocorrer no portador da SD, tais como: cardiopatia congênita (50%); hipotonia muscular (100%); problemas de audição (50-70%) e de visão (15-50%); alterações na coluna cervical (1-10%); distúrbios da tireoide (15%); problemas neurológicos (5-10%); obesidade e envelhecimento precoce (MATOS et al., 2007; TOBO; KHOURI; MOURÃO, 2009). Diferentes estudos têm demonstrado que pacientes com SD apresentam várias disfunções imunológicas, que os predispõem a maior frequência de infecções recorrentes, assim como de doenças autoimunes, principalmente, doença celíaca e tireoidite autoimune (NISIHARA et al., 2002).

A trissomia da banda cromossômica 21q22, referente a 1/3 desse cromossomo, tem sido relacionada às características da síndrome. O referido segmento cromossômico apresenta, nos indivíduos afetados, as bandas características da eucromatina correspondente a genes estruturais e seus produtos em dose tripla (SOMMER; HENRIQUE-SILVA,2008; PATTERSON, 2009; WISEMAN et al., 2009).

A elaboração do mapa fenotípico, associando características específicas com sub-regiões do cromossomo 21, mostra que, entre os produtos gênicos conhecidos, só a APP (proteína precursora amiloide) foi decisivamente relacionada à síndrome de Down. O gene correspondente foi mapeado na banda cromossômica 21q21.5 e vários fragmentos da sua molécula foram associados com a inibição da serina protease, adesão celular, neurotoxicidade e crescimento celular. A sua função se manifesta no desenvolvimento do sistema nervoso central, onde é sintetizada tanto em neurônios quanto em células gliares (astrócitos) (SOMMER; HENRIQUE-SILVA, 2008; PATTERSON, 2009; WISEMAN et al., 2009).

Apesar de estudos demonstrarem que alguns lócus, quando em triplicata, mostram efeito do distúrbio da dosagem gênica, as suas consequências fenotípicas ainda não foram bem esclarecidas. Padrões alterados em diferentes processos morfogenéticos e funcionais podem ser a consequência primária ou secundária da presença extra de genes. A SD parece se tratar de um modelo de disrupção da homeostasia gênica e que esse distúrbio afeta não apenas os produtos do cromossomo trissômico, mas também os de outros cromossomos. As contribuições ao fenótipo provêm de todo o conjunto do genoma não-balanceado e há considerável diferença entre os indivíduos afetados pela síndrome (PATTERSON, 2009; WISEMAN et al., 2009).

Na população brasileira há grande variabilidade das características fenotípicas da SD. Isso pode refletir características individuais e populacionais, além de fatores ambientais (PAVARINO BERTELLI et al., 2009). Assim, o diagnóstico conclusivo da SD somente pode ser obtido por análise citogenética clássica ou molecular (FERGUSON-SMITH, 2008). Tendo em vista que este exame não está disponível em grande parte do Brasil, muitas pessoas não possuem o diagnóstico citogenético. Este é o caso de crianças e adolescentes da APAE de Alfenas.

A anemia pode ser causada por fatores nutricionais e genéticos. É caracterizada por valores de hemoglobina abaixo de 11 g/dL e a determinação dos níveis das diferentes frações de hemoglobinas é condição básica para o diagnóstico diferencial de muitas hemoglobinopatias. O diagnóstico das hemoglobinopatias se faz por meio da caracterização laboratorial da presença de hemoglobinas anormais (OLIVEIRA et al., 2003).

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Dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS, 2009) demonstraram que a anemia acomete 20,9% das crianças de 0-5 anos no Brasil. A conclusão deste estudo aponta que os dados obtidos fundamentam a situação nutricional de micronutrientes, contudo não há menção se a anemia detectada é de causa nutricional ou genética.

A anemia hereditária apresenta fenótipos variados e é determinada por mutações nos genes α ou β-globina. São muito frequentes na população brasileira, principalmente, devido à miscigenação. As mais frequentes são a anemia falciforme (HbS), anemia causada pela HbC e talassemias (MELO-REIS et al., 2006). Dados recentes demonstram que mutações em proteínas reguladoras podem também interferir na hematopoese (HOLLANDA et al., 2006; CIOVACCO; RASKIND; KACENA, 2008).

As hemoglobinas humanas normais são compostas por três frações proteicas denominadas por Hb A1, Hb A2 e Hb Fetal. Cada uma dessas frações, com concentrações bem definidas (Hb A1: 96 a 98%; Hb A2: 2,5 a 3,5%; Hb Fetal: 0 a 1%), são constituídas por dois pares distintos de cadeias polipeptídicas, com um total de 574 aminoácidos. A diferença estrutural entre essas três hemoglobinas se faz por meio das combinações dos seus polipeptídeos formadores: Hb A1, um par de cadeias α e outro de β, ou α2β2; Hb A2, um par de α e outro de δ, ou α2δ2; Hb Fetal, um par de α e outro de γ, ou α2γ2. Um indivíduo com hemoglobinas normais é classificado como sendo portador de Hb A (THEIN, 2008).

A hemoglobina S (Hb S) como resultante da mutação do gene β, na posição 6, no qual o ácido glutâmico é substituído pela valina e também a hemoglobina C (Hb C), no qual o ácido glutâmico é substituído pela lisina na mesma posição 6 do gene β da globina. As trocas dos aminoácidos conferem características estruturais e funcionais próprias à molécula, facilitando sua identificação pelos métodos laboratoriais de rotina. Quando em homozigose, tanto para a Hb S quanto para a Hb C, os portadores apresentam anemia hemolítica crônica de intensidade variável e muitas vezes fatal na infância. Os duplos heterozigotos SC são também conhecidos por doença da hemoglobina C. A herança dessa forma provém de cada um de seus genitores, não há hemoglobina A e as taxas de Hb S e Hb C estão próximas uma da outra (STUART; NAGEL, 2004).

Dependendo do tipo de hemoglobinopatia, os níveis de hemoglobina A e fetal podem variar de modo bem amplo, como de zero à quase 100%. Para a hemoglobina A2, entretanto, seus valores não se elevam ou decaem de modo tão grande, chegando apenas a valores de quase zero à no máximo 10%. Ao contrário das outras hemoglobinas, a HbA2 tem de ser medida com considerável precisão e exatidão, porque o diagnóstico de algumas destas entidades clínicas, como por exemplo as β-talassemias menores pode depender de um valor de HbA2 somente 1 a 2% acima do intervalo de referência (OLIVEIRA et al., 2003).

Os indivíduos com SD apresentam predisposição para o desenvolvimento de desordens hematopoéticas, incluindo anemias e cânceres (HOLMES et al., 2006). Shabayek (2006) analisou os níveis de hemoglobina em indivíduos com SD e verificou alta prevalência de baixos níveis, caracterizando anemia. Boy et al. (1995) analisaram 165 indivíduos com SD acompanhados no Centro de Genética Médica da FIOCRUZ e encontraram aproximadamente 10% dos indivíduos com anemias. Há relatos de complicações da saúde de indivíduos com SD pela ocorrência de anemia falciforme e talassemias (MELNYK; ADAMS; SUAREZ, 1990; KESER et al., 2001; BANERJEE; THAPA, 2008).

Não se conhece a causa exata da predisposição para a incidência de doenças hematopoéticas em indivíduos com SD, mas a mutação de genes HSA21 e em outros cromossomos, que codificam proteínas reguladoras da hematopoese, como mutações no éxon-2 do gene GATA-1 parecem determinar o desenvolvimento destas patologias associadas a SD, (HOLLANDA et al., 2006; HOLMES et al., 2006; CIOVACCO; RASKIND; KACENA, 2008).

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Os genes GATA constituem-se em uma família de fatores de transcrição ligados ao X descobertos no final dos anos 80. GATA-1 é um membro importante desta família e está relacionado ao desenvolvimento de várias linhagens hematopoéticas, incluindo as linhagens eritroide, megacariocítica, eosinofílica e de mastócitos (MIGLIACCIO et al., 2003).

Num indivíduo normal, o gene GATA-1 codifica duas expressões ou isoformas da proteína: a GATA-1, de maior peso molecular e a GATA-1S, de menor peso molecular. A mutação no éxon-2 impede a síntese da proteína de maior peso molecular, a GATA-1, restando apenas a de menor peso molecular, a GATA-1S. Ao interagir com o DNA, estas proteínas contribuem para determinar a diferenciação e produção das células que compõem o sangue (hemácias, leucócitos e plaquetas). O gene GATA-1 é constituído por seis éxons, intercalados por um íntron. Destes seis éxons, cinco (do éxon-2 ao éxon-6) codificam a proteína. A mutação identificada nos indivíduos com SD ocorre com frequência no éxon-2. Hollanda et al. (2006) estudaram indivíduos com SD e observaram que alterações no éxon-2 presentes nesses indivíduos, resultaram na inibição da proteína GATA-1 e permanência da GATA-1S, resultando em doenças do sangue. Nos pacientes estudados, a principal alteração detectada foi anemia, embora em alguns casos também tenha sido identificada a redução de neutrófilos e alterações funcionais de plaquetas.

O encurtamento acelerado do telômero de leucócitos do sangue periférico tem sido encontrado em indivíduos com SD, bem como tem sido observado em anemias aplásticas. O encurtamento do telômero, associado à deficiência de células progenitoras hematopoiéticas, associados ou não a mutações no éxon-2 do gene GATA-1 e a fatores ambientais estão envolvidos na determinação de alterações hematológicas na SD (HOLMES et al., 2006).

As anemias hereditárias ainda não têm cura, mas podem ser controladas. Entretanto, quando o diagnóstico é feito precocemente e tratadas adequadamente com os meios disponíveis atualmente, há significativa redução da morbidade e mortalidade.

Não há dados sobre a prevalência de anemias em indivíduos com SD em Alfenas. Assim, o presente trabalho teve como objetivo realizar o diagnóstico citogenético de SD e determinar a prevalência de HbS.

2. Metodologia

2.1 População estudada O projeto foi aprovado pelo comitê de Ética em Pesquisa em Humanos da Unifal-MG.

(protocolo 033/2010) e os responsáveis pelos indivíduos participantes deste trabalho foram esclarecidos sobre os objetivos do mesmo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O estudo foi realizado com 7 crianças e adolescentes de ambos os sexos, regularmente matriculados na APAE-Alfenas (MG), com diagnóstico clínico de SD., contudo, sem o diagnóstico citogenético.

2.2 Análise citogenéticaForam coletados 5 mL de sangue heparinizados, que foram também utilizados para

análise de hemoglobinas. Foram estabelecidas culturas de linfócitos de acordo com protocolo padronizado de cultura celular para sangue periférico (MOORHEAD; NOWEL; MELLMAN, 1960).

Cerca de 2 h após a coleta de sangue, os leucócitos foram recolhidos e transferidos para frasco de cultura estéril, contendo 3,5 mL de meio RPMI, 1 mL de soro fetal bovino e 0,2 mL de fitohemaglutinina. A preparação foi incubada, a 37o C, por 71:30 h. A seguir foram adicionados 0,1 mL de colchicina (0,0016%) e a preparação foi incubada por 30 min. As células foram centrifugadas e foram adicionados 5 mL de solução hipotônica (KCl a 0,075M)

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previamente aquecida a 37º C e incubado a 37º C por 30 min. A seguir as células foram fixadas em Carnoys e lavadas. Foram preparadas lâminas, que após secas foram mergulhadas em tampão citrato-salina, por 10 min, seguido de lavagem e incubação em solução de tripsina (0,125% p/v) em tampão fosfato, por 10 s, seguido de coloração com Giemsa a 2% tamponado (pH 6,8), por 5 min. Foram analisadas dez metáfase para cada caso.

2.3 Avaliação de hemoglobinasFoi realizada eletroforese básica de hemoglobinas em acetato de celulose. Para a

eletroforese em pH alcalino o sangue foi hemolisado com saponina a 1% na proporção de 1:3, respectivamente. Como controle, amostra de sangue AS (Hb AS) foi utilizada. Após 10 min o hemolisado foi depositado na membrana de acetato de celulose. A eletroforese foi realizada à temperatura ambiente, a 280 V, por 20 min e as proteínas foram coradas com Ponceau S. A leitura do teste foi realizada imediatamente após a coloração da fita, onde foram observadas as bandas proteicas e comparadas com o controle (NAOUM, 1987).

3. Resultados e discussão

Neste trabalho foram analisadas 7 crianças e adolescentes e foram confirmados por diagnóstico citogenético a SD, por translocação livre. Foi também detectada a presença de HbS em heterozigose em um indivíduo, caracterizando que este é portador de HbS (HbS/HbA).

A eletroforese de hemoglobina (Hb) é provavelmente o método laboratorial mais útil para separação e medição de hemoglobinas normais e algumas anormais. Por meio da eletroforese, são separados diferentes tipos de Hb formando uma série de bandas distintamente pigmentadas em um meio (acetato de celulose ou gel de amido). Os resultados são então comparados com aqueles de uma amostra normal.

A identificação, dos diversos tipos de hemoglobina, realizada por eletroforese permite a caracterização de uma doença hemolítica. Por exemplo, se Hb A2 for de 4 a 5,8% da hemoglobina total, então existe a implicação de talassemia menor. Se Hb A2 estiver abaixo de 2%, isso sugere uma doença de hemoglobina H. A talassemia menor é também sugerida se Hb F for 2 a 5% da hemoglobina total e talassemia maior se Hb F compreender 10 a 90%. Se o total da hemoglobina for Hb F, isso sugere persistência hereditária homozigota de hemoglobina fetal. Se Hb F compreender 15% do total de hemoglobina, isso sugere Hb S homozigota. Por ser uma alteração de cadeia de globina, com mudança de carga elétrica, a hemoglobina S geralmente é triada e diagnosticada por métodos eletroforéticos em que se observam sua migração característica. A associação de métodos eletroforéticos em diferentes pH e/ou testes de solubilidade e mostra eficiência para o correto diagnóstico (NAOUM et al., 1985).

A anemia falciforme, provocada pela Hb S, é herdada como um traço autossômico recessivo, manifestando-se em pessoas que a herdaram de ambos os pais. Se a herança for transmitida por um dos pais, o indivíduo é portador ou traço falcêmico, geralmente assintomático. A doença ocorre principalmente entre os povos de herança africana, com incidência de 1:400 e produz um quadro de anemia crônica que pode se tornar potencialmente fatal em crises hemolíticas ou aplásticas (insuficiência da medula óssea em produzir glóbulos vermelhos). As manifestações desta doença resultam da fragilidade e da inflexibilidade da hemácias falcisadas do sangue. AS hemácias contendo HbS, quando expostos a desidratação, infecção e baixo suprimento de oxigênio, se tornam falciformes, provocando a destruição dos glóbulos. Crises de falcisação e hemolíticas repetidas podem lesar os rins, os pulmões, os ossos, o fígado e o sistema nervoso central. Podem ocorrer episódios agudos de dor por causa de vasos sanguíneos bloqueados e de outros órgãos danificados; eles duram de horas a dias,

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afetando os ossos das costas, os ossos longos e o tórax. Embora, herdada e manifestada ao nascimento, os sintomas geralmente não aparecem até os quatro meses de idade. (LOUREIRO; ROZENFELD, 2005).

De acordo com a NTMS (portaria 1376 de 19/11/1993; BRASIL, 2003), é recomendável a detecção de Hb S devido à sua alta prevalência (25 a 45 %) na população brasileira. Devido à alta prevalência de hemoglobina S em nosso país, esta triagem permite esclarecimento e aconselhamento genético para portadores assintomáticos.

Conclusão

Os resultados do presente trabalho permitem concluir que o diagnóstico citogenético confirmou a presença de Síndrome de Down e ocorreu a presença de HbS em heterozigose em um indivíduo. Será assim, necessário o esclarecimento e conselhamento genético para esses indivíduos.

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Juliana Cristina Gomes e Isabela de Siqueira Carvalho são estudantes do Curso de Nutrição da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Marcos Kasai é estudante do Curso de Ciências Biológicas (Licenciatura) da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Cristiane da Silva Maciano Grasselli é graduada em Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa, mestre e doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa, e professora da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Simone Cardoso Lisboa Pereira é graduada em Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa, Mestre e doutora em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa, e professora da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.

Roberta Ribeiro Silva é graduada em Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa, mestre em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa, doutora em Epidemiologia de Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Universidade Federal de Minas Gerais, e professora da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Cibele Marli Cação Paiva Gouvêa é graduada em Ciências Biológicas, mestre em Biologia Molecular e Funcional pela Universidade de Campinas - Unicamp, doutora em Biologia Vegetal pela Unicamp, pós-doutorado em Bioquímica, e professora do Instituto de Ciências da Natureza da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL-MG.

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Produção de biodiesel a partir da gordura presente no soro de leite: ensaios preliminares

Bruno Eduardo S. Macena, Felipe S. de Miranda, Gabriel da Costa C. Jerônimo, Gabriel de Miranda Alcântara,

Jéssica Ariane de Oliveira, Júlio César B. Silva, Lucas de Mello Rocha, Matheus R. Augusto, Paula Mari Sato

Roni Antônio Mendes, Rodrigo Fernandes Costa Marques,

RESUMO: O biodiesel e a glicerina são produzidos quando óleos vegetais (óleos de soja, de mamona, de girassol, dentre outros) ou gorduras animais (sebo bovino, gordura suína, etc) são submetidos a uma reação química denominada transesterificação. Nesta reação, que acontece na presença de um catalisador, os triacilgliceróis, principais constituintes dos óleos/gorduras, reagem com um álcool de cadeia curta (usualmente metanol ou etanol), gerando os alqui-ésteres (o biodiesel) e a glicerina como subproduto. Diversos fatores interferem no rendimento da reação, como o tipo de álcool empregado, a temperatura e o tempo de reação e o tipo de catalisador utilizado. Este trabalho, conduzido dentro do âmbito do PIEPEX do BICT - Campus de Poços de Caldas, tem por objetivo principal estudar a viabilidade técnica de se aproveitar a gordura presente no soro de leite, descartado por laticínios, para a obtenção de biodiesel, diminuindo o impacto ambiental deste efluente. Primeiramente, realizou-se um levantamento bibliográfico sobre as etapas envolvidas na produção de biodiesel (transesterificação, separação do biodiesel da glicerina, lavagem, secagem e armazenamento), bem como os fatores de cada etapa que afetam a qualidade do produto final. Para entendimento prático do processo de produção do biodiesel, e para verificar a influência do tipo de álcool e do número de etapas empregadas na transesterificação, realizou-se a produção laboratorial do biodiesel, utilizando como substância de partida, óleo de soja refinado comercial. Os conhecimentos teóricos e práticos adquiridos nesta etapa preliminar do trabalho serão aplicados para se atingir o objetivo principal.

Palavras-chaves: biodiesel, soro de leite, gordura.

1. Introdução

Óleos e gorduras são sustâncias de origem animal ou vegetal, insolúveis em água e solúveis em solventes orgânicos. Usualmente, os óleos são caracterizados como substâncias líquidas na temperatura ambiente e as gorduras como substâncias sólidas. Os óleos e as gorduras são constituídos, majoritariamente, por triglicerídeos, resultantes da combinação de três moléculas de ácidos graxos com uma molécula de glicerol (DANTAS, 2006).

O biodiesel é produzido quando óleos vegetais ou gorduras animais são submetidos a um processo denominado transesterificação. Dependendo da origem e da qualidade da matéria-prima utilizada, mudanças no procedimento podem ser necessárias, como por exemplo, quando a matéria-prima possui uma alta concentração de ácidos graxos livres a catálise básica não é eficiente, já que há uma grande produção de sabão, e, por consequência,

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este emulsifica e aumenta a dificuldade de separação da fase glicerínica da fase éster. (KNOTHE, et al., 2006).

É interessante explanar sobre o porquê dos óleos vegetais e gorduras animais precisarem passar pela transesterificação para serem utilizados como combustível. A explicação reside no fato de que a alta viscosidade das matérias-primas não transesterificadas conduz a sérios problemas operacionais no motor diesel, tais como a atomização falha do combustível e consequente ocorrência de depósitos em várias partes do motor (KNOTHE, et al., 2006).

Dentre as vantagens da utilização de biodiesel como combustível está o fato de que este é derivado de fontes renováveis de ocorrência natural, é biodegradável, gera redução nas principais emissões de gases poluentes e causadores do efeito estufa, possui um alto ponto de fulgor –, ou seja, seu armazenamento e manuseio são mais seguros –, excelente lubricidade e baixo teor de enxofre. Por outro lado, o biodiesel também possui desvantagens, dentre elas pode-se destacar o alto custo relacionado à sua produção, o aumento nas emissões de NOx nos gases de exaustão, a sua baixa estabilidade à oxidação e propriedades de fluxo que são especialmente desfavoráveis nos países de clima frio – em temperaturas muito baixas começa a surgir núcleos de cristais, que ao se fundirem uns aos outros e formarem grandes aglomerados podem restringir ou impedir o fluxo livre do combustível em tubulações e filtros, e isto pode acarretar problemas na partida do motor ou no seu desempenho (KNOTHE, et al., 2006).

Um biodiesel de qualidade precisa satisfazer determinadas condições imprescindíveis, tais como: a reação de transesterificação deve ser completa – consequentemente deve haver ausência de ácidos graxos remanescentes – e não conter traços de glicerina, de catalisador residual e de álcool excedente da reação (DANTAS, 2006).

A princípio, qualquer matéria-prima oleaginosa pode ser convertida em biodiesel, desde que convenientemente tratada. O soro de leite é um efluente de laticínios que contém entre 0,3 e 0,5% de gordura, e desde que esta seja convenientemente extraída, poderia ser transformada em biodiesel. A remoção da gordura teria uma vantagem adicional de permitir um tratamento anaeróbico mais fácil do efluente, pois os microorganismos empregados para este fim têm dificuldade de metabolizar a gordura.

2. Objetivos2.1. Objetivos geraisEste trabalho tem por objetivo geral estudar a potencialidade de se produzir biodiesel a

partir de resíduos industriais de laticínios, mais especificamente, a gordura extraída do soro de leite.

2.2. Objetivos específicos Descrever as etapas da produção de biodiesel, juntamente com os seus princípios;Realizar a síntese e a purificação de biodiesel, utilizando como substância de partida óleo de

soja refinado, com a finalidade de experimentação do processo.

3. Metodologia

3.1. Levantamento BibliográficoFoi feito levantamento bibliográfico através de consulta a teses, dissertações e artigos

científicos relacionados ao tema.

3.2. Parte experimentalA síntese do biodiesel foi realizada a partir da transesterificação de óleo de soja

refinado com etanol/metanol, empregando-se catalisador alcalino homogêneo.

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4. Desenvolvimento

4.1. Etapas envolvidas na produção de biodiesel4.1.1. SínteseTransesterificação é uma reação reversível de gordura ou óleo vegetal com álcool de

cadeia curta (metanol ou etanol) para formar ésteres de ácidos graxos e glicerol. A reação pode ser catalisada por ácidos, bases, enzimas ou catalisadores heterogêneos (BALAT, et al., 2010).

O etanol utilizado na reação de transesterificação é um produto renovável; o metanol, apesar de ser derivado de combustíveis fósseis, também pode ser produzido a partir da biomassa e é mais utilizado graças ao seu baixo custo, sua alta polaridade e menor cadeia carbônica (BALAT, et al., 2010).

4.1.1.1. Tipos de catalisadores empregados na produção de biodieselA conversão dos triacilgliceróis em ésteres-alquílicos (biodiesel) deve ocorrer na

presença de um catalisador para que a reação seja acelerada e vários tipos de catálise são aplicáveis a este processo. A escolha do melhor catalisador é fundamental para um melhor rendimento da reação e para economia de recursos, tais como reagentes, energia e dinheiro. Dentre os tipos de catálise mais utilizados neste processo estão a catálise ácida, básica, enzimática e heterogênea.

A) Catálise homogênea básicaTipo de catálise mais comumente utilizado na produção de biodiesel. Tem como

principais agentes o hidróxido de sódio (NaOH), o hidróxido de potássio (KOH) e o metóxido de sódio (CH3OH), compostos de baixo custo, armazenamento e transporte fácil (SINGH; et al., 2006). Quando a transesterificação é realizada por meio deste tipo de catálise, a taxa de conversão da gordura em biodiesel é relativamente elevada e não possui etapas intermediárias. Porém, a reação acometida por catálise básica tem suas desvantagens; dentre elas está o fato de que os catalisadores básicos são higroscópicos e a absorção de água durante a estocagem pode levar a um decréscimo no rendimento da reação, pois a água pode hidrolisar os triglicerídeos e/ou os ésteres-alquílicos, com formação de ácidos graxos livres que posteriormente convertem-se em sabão (subproduto indesejável). Esse último aumenta a tendência de emulsificação da solução, e, por conseguinte, torna mais difícil a separação de fases, sendo que uma parte do biodiesel formado fica na forma emulsificada (LEUNG; et al., 2009).

B) Catálise homogênea ácidaA catálise ácida pode ser realizada em presença de ácidos como o sulfúrico, fosfórico

e clorídrico, e possui uma grande vantagem que é a não formação de sabão, diferentemente da catálise básica. Mas, segundo Macario, et al., (2010), ela não é preferencialmente utilizada devido ao fato de lidar com catalisadores corrosivos e possuir uma lenta taxa de reação. Este fato, embora seja contornável, demanda altas temperaturas e pressões, o que aumenta, por conseguinte, o custo do processo. Há também o problema intrínseco à reutilização do catalisador, pois, assim como em todos os catalisadores homogêneos, o catalisador é perdido em meio à reação sendo impossível sua reciclagem. (QUEIROZ e CAPAZ, 2007).

C) Catálise enzimáticaNeste tipo de catálise, em que são usadas enzimas específicas no processo de

transesterificação, percebe-se uma vantagem no que diz respeito a não formação de sabão e na fácil realização do processo de purificação da glicerina e do biodiesel (LEUNG; et al., 2009). Outra vantagem desse biocatalisador é o fato de a gordura não precisar ser purificada antes de ser submetida à transesterificação (LEUNG; et al., 2009). No entanto, este tipo de catálise

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também apresenta suas desvantagens, tais como o longo tempo requerido para a reação, o alto custo das enzimas e a sua não reutilização.

D) Catálise heterogêneaEste tipo de catálise envolve o emprego de catalisadores sólidos que são facilmente

separados do produto por meio de filtração, diminuindo, portanto, a necessidade de lavagem para retirada de catalisador dissolvido no biodiesel. Entretanto, esse tipo de catalisador não é muito eficiente, pois a mistura formada é um sistema trifásico (logo há uma dificuldade maior inerente à difusão dos compostos) e fornece uma baixa taxa de rendimento (LEUNG; et al., 2009).

Segundo Alba-Rubio, et al. (2009), o CaO é uma boa opção de catalisador heterogêneo, já que apresenta bons resultados com, relativamente, pouco tempo de reação. Mas também apresenta suas desvantagens, pois deixa vestígios de cálcio no biodiesel, e para que estes sejam retirados, é necessário introduzir alguns estágios a mais no processo de lavagem do biocombustível.

A tabela a seguir (Tabela 1) faz referência a cada tipo de catálise comparando suas vantagens e desvantagens.

Tabela 1: Vantagens e desvantagens de cada tipo de catálise.Tipo de catálise Exemplos Vantagens Desvantagens

Homogênea Básica NaOH, KOH

Atividade catalítica alta, baixo custo, cinética de reação favorável, condições modestas de operação.

Requisitos baixos de ácidos graxos livres, necessidade de condições anidras, saponificação, formação de emulsão, mais efluentes vindos da purificação, apenas pode ser usado uma única vez.

Heterogênea Básica

CaO,CaTiO3, CaZrO3, CaO-CeO2, CaMnO3, Ca2Fe2O5, KOH/Al2O3, KOH/NaY,

Al2O3/KI, zeólita ETS-10, K2O3 com suporte à

alumina/silica

Não-corrosivo, ambientalmente benigno, reciclável, menos problemas na disposição, facilmente separável, maior seletividade, maior tempo de vida.

Requisitos baixos de ácidos graxos livres, necessidade de condições anidras, mais efluentes vindos da purificação, razão molar álcool/óleo alta, temperatura e pressão de reação elevadas, difusão limitada, custo alto.

Homogênea ÁcidaÁcido sulfúrico concentrado

Catalisa esterificação e transesterificação simultaneamente, reciclável, evita a formação de sabão.

Corrói equipamentos, mais rejeitos vindos da neutralização, difícil reciclagem, temperatura de reação elevada, reações de longa duração, atividade catalítica fraca.

Heterogênea Ácida

ZnO/I2, ZrO2/(SO4)-2, catalisador ácido sólido

baseado em carbono, catalisador derivado de carboidratos, fosfato de vanadila, ácido nióbico,

zircônia sulfatada, Amberlyst-15, Nafion-

NR50

Catalisa esterificação e transesterificação simultaneamente, reciclável, biodegradável.

Baixas concentrações nas imediações do ácido, baixa microporosidade, limitações de difusão, custo alto.

EnzimáticaLipase B de Candida Antarctica, lípase de Rhizomucor mieher

Evita formação de sabão, não-poluente, fácil purificação.

Custo elevado, passível de desnaturação.

Fonte: LEUNG, et al. (2009).

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4.1.1.2. Parâmetros que influenciam no rendimento da produção de biodieselOs principais fatores que afetam a transesterificação são: a relação molar entre os

glicerídeos e o álcool; a temperatura, a pressão e o tempo de reação; a concentração de ácidos graxos livres e água no óleo; tipo e quantidade de catalisador (BALAT, et al., 2010, p. 1828).

A) Concentração molar e tipo de álcoolÉ o fator mais importante que influencia na conversão de óleo para éster. Apesar dos

coeficientes estequiométricos do álcool para o triglicerídeo serem de 3:1, maiores concentrações molares são usadas para aumentar a solubilidade e deslocar o equilíbrio no sentido de formação de alquil-ésteres, aumentando consequentemente o rendimento (BALAT, et al., 2010).

A proporção de 6:1 ou maior, maximiza o rendimento (acima de 98%). Menores concentrações molares necessitam de muito tempo para reagir, porém a recuperação do produto é mais fácil, pois a separação do glicerol do biodiesel é melhor. As razões molares ótimas têm como consequência um processo com rendimento mais alto e separação do glicerol mais simples, o que também depende do tipo e da qualidade do óleo (BALAT, et al., 2010).

Ressalta-se que a catálise ácida necessita de uma maior concentração molar de álcool, o que não aumenta o rendimento da reação (BALAT, et al., 2010).

O tipo do álcool também influencia no éster formado. Alcoóis de cadeia pequena são melhores, pois confere maior fluidez ao produto e proporciona um ótimo rendimento (BALAT, et al., 2010).

Em geral as propriedades químicas e físicas e o rendimento do éster etílico se comparam ao do éster metílico, ou seja, ambos têm praticamente o mesmo valor calorífico bruto, a viscosidade do éter etílico é um pouco superior e os PN (Ponto de Névoa) e PF (Ponto de Fluidez) são um pouco menores do que do éster metílico. Testes em motores a combustão demonstram que o éster metílico produz um pouco mais de torque e de potência do que o éster etílico. Porém, este último tem pouca opacidade, baixa temperatura de exaustão e menor PF, além disso, tende a ter mais carburação do que o éster metílico (DEMIRBAS, 2008).

É interessante relatar que é mais fácil se obter metanol anidro do que etanol, já que este último forma uma mistura azeotrópica com a água, e se esta não puder ser removida irá interferir na reação. É este fator, apesar do fato do metanol ser tóxico, que torna esse reagente o preferido na produção de biodiesel (DEMIRBAS, 2008).

B) Concentração de água e ácidos graxos livres no óleoSão fatores importantes que determinam a viabilidade do processo de

transesterificação. A acidez do óleo e o teor de água devem ser menores que 1%. Se a acidez for maior que 1%, será maior a quantidade de base que deve ser injetada para neutralizar os ácidos graxos livres. Já a presença de água tem efeito ainda pior, pois a água pode causar a formação de sabão, conforme mencionado anteriormente (BALAT, et al., 2010).

C) Efeito da temperatura, pressão e tempo de reaçãoA temperatura influencia no tempo e no rendimento da reação. Geralmente a reação é

conduzida próxima a temperatura de ebulição do álcool e a pressão atmosférica; a temperaturas mais elevadas notificam-se efeito negativo no rendimento da conversão (BALAT, et al., 2010).

A conversão do éster metílico aumenta com o tempo de reação. Estudos da transesterificação com o metanol (6:1), de óleos vegetais, usando NaOH a temperatura de 333 K alcançaram rendimento máximo em 1 hora de reação (BALAT, et al., 2010).

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4.1.2. Etapas de purificaçãoPara efetiva utilização e comercialização, é necessário que o biodiesel produzido esteja

adequado segundo alguns critérios de qualidade, que variam de acordo com a legislação ou normatização de referência da região de produção. Isto se dá porque o processo de produção convencional do biodiesel resulta, num primeiro momento, não no produto final desejado, mas em um produto bruto contendo, além dos ésteres-alquílicos, uma série de subprodutos que variam quali e quantitativamente de acordo com o processo utilizado. Esses subprodutos podem causar, dentre outros efeitos indesejáveis, desgaste no motor, bem como falhas durante o seu funcionamento, e, portanto, devem ser extraídos do biodiesel.

No caso específico da transesterificação por catálise básica, após o período de decantação pós-reacional, surge um produto no qual se distingue duas fases: a mais leve (geralmente a de maior volume) é aquela que contém os alqui-ésteres formados, além de parte do álcool não reagido, glicerol, ácidos graxos e seus sais. A camada mais densa contém a maior concentração do glicerol resultante, além de alguma quantidade dos subprodutos referidos. Dessa forma, a primeira etapa de purificação do biodiesel consiste na separação das fases, para obtenção da parcela que efetivamente pode ser aproveitada como biocombustível, e a segunda etapa compreende a lavagem do mesmo para a eliminação de impurezas. Vale salientar que o glicerol, presente na fase mais pesada, é um produto comercialmente valioso, utilizado nas indústrias farmacêuticas, químicas, cosméticas e alimentícias, e também deve ser purificado.

4.1.2.1. Separação Quando a reação de transesterificação se completa, é necessário remover o excesso de

glicerol remanescente dos ésteres metílicos ou etílicos. Devido à baixa solubilidade daquele no biocombustível formado, observa-se a formação de duas fases, uma glicerínica e outra constituída pelos já referidos ésteres, portanto, uma separação de fases é fácil de ser obtida em decantadores ou por meio de uma centrífuga. Como alternativa para facilitar a separação do glicerol pode-se adicionar água ao meio de reação após a transesterificação ter sido completada (KNOTHE, et al., 2006).

4.1.2.2. LavagemNo caso de uma reação de transesterificação conduzida por catálise alcalina, o

biodiesel encontra-se contaminado com excesso do catalisador, sais de ácidos graxos (sabão), glicerol livre e álcool residual. Para melhorar a qualidade do biodiesel, livrando-o dessas impurezas, existem algumas estratégias de purificação, sendo, a mais comum, lavagem com água. Estes processos de purificação estão descritos a seguir.

A) Lavagem com águaO álcool e o glicerol são polares e hidrossolúveis, é possível lavar o biodiesel com

água para remover estas impurezas. A água também atua na remoção do sabão que possa estar contaminando o biodiesel. Pode-se utilizar água destilada aquecida, de modo a prevenir a precipitação dos ésteres de ácidos graxos saturados; outra opção consiste na utilização de água levemente ácida, de forma a eliminar a contaminação e promover a neutralização do catalisador alcalino remanescente (LEUNG, et al., 2009; GERPEN, et al., 2004). Após diversas repetições do processo de lavagem, a fase aquosa torna-se clara, indicando a remoção dos contaminantes, sendo então as duas fases (biodiesel e água) separadas por meio de funil de separação ou centrífuga. Além disso, devido à imiscibilidade entre água e biodiesel, géis de sílica e filtros moleculares, dentre outros, podem ser utilizados para a remoção da água. O excesso de água pode ser retirado do biodiesel pela passagem do mesmo por Na2SO4 (25% do

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total de ésteres produzidos) dessecado, deixando em contato por cerca de um dia, e removendo-o por filtração (LEUNG, et al., 2009). Entretanto, o método apresenta desvantagens significativas, como o aumento do custo e do tempo de produção, formação de efluente líquido poluente, diminuição do rendimento, além da possibilidade da formação de emulsões, em função do sabão presente (LEUNG, et al., 2009).

A etapa de neutralização dos ésteres metílicos/ etílicos – adição de ácido ao produto obtido pela reação de transesterificação para a neutralização do catalisador residual e para quebrar qualquer sabão que tenha se formado – antes da lavagem aquosa diminui a quantidade de água requerida e reduz a tendência de formação de emulsões quando a água da lavagem é acrescentada ao biodiesel (KNOTHE, et al., 2006).

4.1.3. Etapas de secagem e armazenamentoApós a purificação do biodiesel – onde normalmente é empregada a lavagem aquosa –,

o mesmo deve ser dessecado, para eliminar o excesso de água, que deve ser eliminado pelo fato de que um alto teor de umidade pode aumentar a corrosão dos motores. A presença de água no biodiesel também favorece a contaminação microbiana do produto, aumentando a sua degradação e diminuindo sua estabilidade. A secagem do biodiesel é feita através de destilação a vácuo (a diminuição da pressão facilita a evaporação da água), podendo ser conduzida em temperaturas mais baixas, reduzindo a degradação do biodiesel. Após esta etapa, o biocombustível pode ser armazenado. Durante a armazenagem, o contato do produto com o ar deve ser evitado, pois o biodiesel pode absorver água da umidade do ar.

A presença de oxigênio atmosférico, luz e/ou calor também contribui para a degradação do produto, pela ocorrência de peroxidação dos ésteres que apresentem ácidos graxos insaturados. Quanto maior o grau de insaturação, maior é a possibilidade de ocorrer a peroxidação; esta é a razão para o fato dos óleos que contém alta composição de ácidos graxos poliinsaturados originarem um produto com menor validade. A peroxidação pode ser reduzida com a adição de antioxidantes, dentre os quais, o BHA (ácido hidroxibutírico).

4.2. Parâmetros de qualidade do biodieselPara garantir um biodiesel de boa qualidade, alguns parâmetros devem ser avaliados

após a sua obtenção. Dentre estes parâmetros estão: viscosidade, densidade, cetanagem, ponto de névoa e fluidez, ponto de ignição, teor de cinzas, teor de enxofre, resíduo de carbono, valor ácido e eficiência de combustão (DEMIRBAS, 2008). No Brasil, os valores para estes parâmetros estão descritos na Resolução no 07/2008 da ANP (ANP, 2008). A seguir, será feita uma breve descrição de alguns desses parâmetros e seus significados na qualidade o biodiesel.

A) Viscosidade, densidade e ponto de igniçãoAs propriedades do biodiesel são semelhantes às do diesel de petróleo, e a sua

propriedade mais importante é a viscosidade, já que esta afeta o processo de injeção, especialmente em baixas temperaturas, pois nestas condições há uma diminuição na fluidez do biocombustível e na precisão dos injetores de combustível, já que quanto maior a viscosidade menor a precisão do injetor. Também é interessante relatar que a conversão dos triglicerídeos em ésteres metílicos ou etílicos, através da transesterificação, diminui o peso molar do óleo a 1/3 e reduz a viscosidade a 1/8 (DEMIRBAS, 2008). A Agência Nacional do Petróleo (ANP, 2008) estabelece que o biodiesel a ser comercializado no país deve apresentar viscosidade entre 3 e 6 mm/s2.

A viscosidade, a densidade e o ponto de ignição diminuem consideravelmente através do processo de transesterificação. Óleos vegetais podem ser usados como combústiveis para motores de combustão, mas sua viscosidade é muito mais alta do que a de um combústivel comum e necessitaria de modificações no motor. A exemplificar, a viscosidade de óleos

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vegetais varia de 27,2 a 53,6 mm²/s e a de ésteres metílicos de óleos vegetais está entre 3,6 e 4,6 mm²/s (DEMIRBAS, 2008).

O ponto de ignição (ou ponto de fulgor) – temperatura mínima na qual o óleo forma com o ar uma mistura inflamável (CANDEIA, et al., 2006) – de ésteres metílicos de óleos vegetais é bem mais baixo que dos próprios óleos (DEMIRBAS, 2008). É importante avaliar este parâmetro no biodiesel, pois ele está relacionado à segurança de armazenagem, manuseio e utilização do biocombustível, e seu valor máximo permitido é 100 °C (ANP, 2010). A presença de álcool residual não eliminado nas etapas de purificação do biodiesel diminui o ponto de ignição e pode comprometer seu manuseio, além de interferir desvantajosamente na queima durante o funcionamento do motor.

B) Cetanagem, ponto de névoa e ponto de fluidez A cetanagem ou número de cetano (NC) de um combustível é feita em comparação

com dois hidrocarbonetos: o hexadecano com NC com o valor 100 e heptametilnonano com NC igual a 15. Esses valores foram atribuídos arbitrariamente. O NC é a medida da qualidade de ignição dos combustíveis dieseis; quanto mais alto o NC menor é o atraso da ignição, e quanto maior a cadeia carbônica do ácido graxo e mais saturada são as moléculas, maior é o NC. O NC do biodiesel é geralmente maior do que o NC do diesel mineral, enquanto que o biodiesel oriundo de gorduras animais apresenta normalmente valores de NC maior do que o biodiesel produzido a partir de óleos vegetais, pois as gorduras apresentam maior teor de ácidos graxos saturados (DEMIRBAS, 2008). No Brasil, a ANP não exige um valor mínimo de NC, requerendo somente que o mesmo seja relatado.

Também é importante determinar o comportamento do biodiesel em baixas temperaturas, o que é possível através da determinação do ponto de névoa (PN) – temperatura na qual a formação de cera se torna visível quando o combustível é resfriado – e do ponto de fluidez (PF) – temperatura na qual a quantidade de cera presente na solução é suficiente para gelificar o combustível, ou seja, é a menor temperatura em que o biodiesel é fluído. É desejável que os valores de PN e PF sejam os mais baixos possíveis. Valores de PN ou PF mais elevados significam que o biodiesel tende a formar cristais em temperaturas não tão baixas, e, portanto, principalmente em países de clima frio, causar problemas no funcionamento do motor, uma vez que os cristais formados podem promover entupimento no sistema de injeção de combustível, ocasionado falhas. Normalmente, o biodiesel tem maior PN e PF que o diesel convencional. Biodiesel obtido a partir de gorduras animais, geralmente contém teor maior de ácidos graxos saturados e apresentam PF e PN maiores dos que o biodiesel derivado de óleos vegetais (DEMIRBAS, 2008).

C) Eficiência na combustão do biodieselA quantidade de oxigênio no biodiesel melhora o processo de combustão, devido à sua

homogeneidade com o combustível nesse processo, e diminui o potencial de oxidação. Portanto, a combustão do biodiesel é maior do que a do diesel de petróleo, assim como a combustão do etanol/metanol é maior do que a da gasolina. Uma inspeção nos diferentes tipos de injetores não detectaria nenhuma diferença entre o biodiesel e o diesel de petróleo. Um biodiesel contém 11% oxigênio por massa e 0% de enxofre, o uso deste pode estender a vida dos motores a diesel por ser mais lubrificante. Ressalta-se que o valor calorífico bruto desse biocombustível é relativamente alto entre 39 e 41 MJ/kg, porém um pouco menor que a da gasolina (46 MJ/kg), que o diesel de petróleo (43MJ/kg) e que o petróleo (42 MJ/kg), mas maior que o carvão (de 32 a 37 MJ/kg) (DEMIRBAS, 2008, p.145).

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D) Teor de águaUm pequeno grau de umidade é permitido, dentro de certos limites regulamentados.

No Brasil, o teor máximo de água permitido no biodiesel a ser comercializado é de 500 ppm (ANP, 2008), e este teor encontrado no biodiesel é sempre maior do que o teor de água presente no diesel.

5. Parte experimental

A parte experimental foi realizada com o intuito de familiarização com o processo de produção do biodiesel, em escala laboratorial.

5.1. Materiais utilizados• Óleo de soja;• Álcool etílico absoluto;• Álcool metílico;• Hidróxido de potássio;• Ácido clorídrico;• Glicerina;• Água destilada;• Papel tornassol vermelho;• Algodão;• Agitador magnético;• Manta de aquecimento;• Termômetro digital;• Balança analítica;• Estufa de secagem e esterilização;• Dessecador;• Capela;• Vidro de relógio;• Funil de decantação;• Erlenmeyer; • Béquer; • Proveta;• Balão de fundo redondo;• Pipeta;• Pêra.

5.2. Descrição do procedimento experimentalO experimento consistiu em efetuar a síntese do biodiesel a partir de óleo de soja

refinado comercial, utilizando etanol ou metanol, com o objetivo de familiarização com a produção do biocombustível em escala laboratorial. As proporções molares óleo/álcool foram de 1:6 para a reação com metanol, e 1:12 para a reação com etanol. Estas proporções foram adotadas pelo fato de que grande parte dos trabalhos as menciona como ideais para a condução da transesterificação metanólica e etanólica. No caso da transesterificação com etanol, optou-se por fazer a reação em 2 etapas, visto que a conversão dos triacilgliceróis em ésteres etílicos ocorre com um rendimento menor do que o mínimo necessário para a obtenção de um biodiesel de qualidade.

Determinou-se a acidez do óleo através de titulação com NaOH, utilizando fenolftaleína como indicador. O resultado da análise evidenciou uma acidez de 0,5%.

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Três amostras (1,2 e 3) de 100 g óleo cada uma, foram transferidas para erlenmeyer e colocadas para reagir com álcool. As amostras 1 e 2 foram misturadas com etanol, na proporção molar de 1:12, e a amostra 3 com metanol, na proporção molar de 1:6. Utilizou-se KOH a 1% como catalisador. A temperatura e o tempo de reação foram, respectivamente, 25oC e 1 hora. Houve mudança de coloração durante a reação.

Após a reação, observou-se a separação de 2 fases: a superior, menos densa, constituída principalmente pelos ésteres-alquílicos (biodiesel), foi separada da inferior, mais densa, constituída pela glicerina. A fase superior da amostra 1 passou por mais uma etapa de transesterificação, nas mesmas condições anteriormente utilizadas, e após o término da reação, foi novamente separada. Após a separação das fases, lavou-se o biodiesel duas vezes, com 30 mL de HCl 0,1M, e uma vez com 50 mL água destilada, para eliminar os excessos de catalisador e de álcool não reagido. Secou-se o biodiesel em estufa a 100oC durante 12 horas. Após a secagem, pesou-se o biodiesel obtido e calculou-se o rendimento das reações, que foram, para as amostras 1,2 e 3, respectivamente: 56,6%; 85% e 95,4%. Tais rendimentos observados são concordantes com dados encontrados na literatura (BRANDÃO et.al, 2006). Pode ser observado que o rendimento do biodiesel etílico é menor que o rendimento do metílico, e o rendimento diminuiu com a adoção da transesterificação em 2 etapas. Isto provavelmente se deve ao fato do etanol ter uma polaridade menor do que o metanol, dificultando a separação de todo o biodiesel, sendo que uma parte do mesmo foi removida juntamente com o glicerol.

As amostras foram armazenadas em dessecador e serão analisadas por técnicas termoanalíticas e cromatográficas, que permitirão determinar alguns parâmetros de qualidade do produto, como a umidade, o teor de cinzas e o teor de mono e diacilgliceróis.

6. Conclusões parciais

Com base nos resultados parciais observados até o presente momento, pode-se concluir que o emprego de etanol na transesterificação produz um menor rendimento na obtenção do biodiesel derivado de óleo de soja, e o rendimento diminuiu com o aumento do número de etapas empregadas na transesterificação.

A realização dos experimentos também permitiu ao grupo se familiarizar com o processo de produção do biodiesel em escala laboratorial. Espera-se que o conhecimento prático adquirido promova uma maior facilidade para se alcançar o objetivo maior do trabalho que é produzir biodiesel a partir da gordura presente no soro de leite.

Referências

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GERPEN, J.V.; SHANKS, B.; PRUSZKO, R.; CLEMENTS, D.; KNOTHE, G. Biodiesel production technology. National Renewable Energy Laboratory (NREL), 2004.

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Bruno Eduardo S. Macena, Felipe S. de Miranda, Gabriel da Costa C. Jerônimo, Gabriel de Miranda Alcântara, Jéssica Ariane de Oliveira, Júlio César B. Silva, Lucas de Mello Rocha, Matheus R. Augusto e Paula Mari Sato são estudantes

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de graduação do Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – Campus Avançado de Poços de Caldas.

Roni Antônio Mendes e Rodrigo Fernandes Costa Marques são professores Adjuntos do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – Campus Avançado de Poços de Caldas.

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Extrato aquoso das folhas de Plinia edulis apresenta alta citotoxicidade em células de adenocarcinoma mamário humano MCF-7

Ailton José da Silveira de CarvalhoMarcos KasaiTati Ishikawa

Cibele Marli Cação Paiva Gouvêa

RESUMO: No Brasil as estimativas para o ano de 2010 e 2011 apontam para a ocorrência de 489.270 novos casos de câncer, sendo o câncer de mama o mais incidente entre as mulheres. Como ainda não existem medicamentos eficazes para tratar a maioria dos tipos de cânceres de mama, novos produtos naturais são estudados, para oferecerem um tratamento com menor toxicidade e maior eficiência. A Plinia edulis (Myrtaceae), conhecida como cambucá, é uma planta nativa da Mata Atlântica. O objetivo deste trabalho foi verificar a citotoxicidade do extrato aquoso de P. edulis para linhagem de células de câncer mamário humano MCF-7. Para a análise da proliferação celular as células foram cultivadas em placas de 96 poços (2x104 cel/mL), por 24 h para o crescimento exponencial e a seguir por 24 ou 48 h com o extrato nas concentrações de 0,1 a 100 µg/mL. Decorrido o tempo foi realizado o ensaio da sulforrodamina B. Os resultados demonstraram que o extrato apresentou atividade antiproliferativa (p<0,001) observada em todas as concentrações estudadas, ambos em 24 e 48 h, sendo a IC50 de 0,11 µg/mL. Assim, conclui-se que o extrato possui potente atividade antiproliferativa e indutora de morte celular, visto que a atividade máxima em 48 h foi obtida com a menor concentração. A pesquisa no desenvolvimento de novos fármacos com potencial antitumoral é atividade de pesquisa básica, que, quando bem sucedida, produz benefícios para toda a sociedade, pois esta poderá adotar um tratamento mais eficaz, menos agressivo ao organismo e com custo reduzido.

Palavras-chave: Cambucá; Câncer de mama; Extratos vegetais.

1. Introdução

O câncer é um grande problema de saúde pública em todo o mundo. No Brasil, as estimativas para os anos de 2010 e 2011, apontam que ocorrerão aproximadamente 490 mil casos novos de câncer, sendo 49 mil novos casos de câncer de mama. O câncer de mama é o segundo tipo mais frequente no mundo e o mais comum entre as mulheres. A cada ano, cerca de 20% dos casos novos de câncer em mulheres são de mama. A prevenção primária dessa neoplasia ainda não é totalmente possível devido à variação dos fatores de risco bem como características genéticas envolvidas na sua etiologia. Os índices de cura nos dois casos estão relacionados diretamente ao diagnóstico precoce (INCA, 2010).

Dados obtidos por meta-análise de pacientes com câncer de mama que expressa o receptor de estrógeno (ER+) mostram aumento de sobrevida significativa utilizando-se terapia adjuvante endócrina. Não há tratamento curativo para o câncer de mama independente de estrógeno metastático (ER-) e para os tumores ER+ em estágio avançado ou em casos de metástases. Mesmo no caso de tumores ER+ a utilização de terapia antiestrogênica é limitada pela aquisição de resistência pelas células tumorais (BLANK; DEDES; SZUCS, 2010).

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A mortalidade de portadores de câncer de mama advém de metástases do tumor primário que colonizam órgãos distantes e não há tratamento curativo para este tipo de patologia. Embora a progressão tumoral e formação de metástases venham sendo estudadas há décadas, continuam pouco conhecidas, devido à complexidade do processo e à dificuldade de estabelecimento de modelos laboratoriais (CLARKE et al., 2009). O tratamento do câncer de mama utiliza regime de quimioterapia múltipla, tanto no tratamento adjuvante como neo-adjuvante e ainda para tumores avançados e recorrentes e terapia antiestrogênica, baseada principalmente no uso de tamoxifen, que não é apropriado para tumores ER- (CÂNCER DE, 2001). Apesar das vantagens do regime de quimioterapia múltipla, a toxicidade (hematopoiética, renal e cardíaca) limita seu uso. Além disso, alguns tumores apresentam quimiorresistência, o que representa um desafio clínico. Assim, a prospecção de novos compostos com atividade antitumoral é importante para o aumento da eficiência terapêutica no tratamento de câncer de mama.

Plinia edulis (Vell.) Sobral, Myrtaceae, conhecida popularmente como cambucá, é uma espécie arbórea, endêmica da Mata Atlântica, que cresce no Brasil desde o estado do Rio de janeiro até o sul do Rio Grande do Sul (LORENZI et al., 2006). É utilizada, na medicina popular, para o tratamento de problemas estomacais, afecções da garganta, diabetes e como tônico (NASCENTE, 2008).

Algumas espécies de Plinia são fontes de flavonóides e terpenos (MENDEZ et al., 1994; APEL et al., 2006; VILA et al., 2010). Estudo recente demonstrou a atividade antiulcerogênica do extrato hidroetanólico de folhas de P. edulis em camundongos e os animais não mostraram sinais de intoxicação com a ingestão oral de extrato a 5 g/kg (ISHIKAWA et al., 2008).

O presente trabalho investigou a atividade citotóxica (antitumoral) do extrato aquoso das folhas de P. edulis, em linhagem MCF-7 de adenocarcinoma mamário humano.

2. Metodologia

2.1 Obtenção da folhas de Plinia edulis e preparo do extrato aquoso

As folhas de P. edulis foram coletadas em Trindade, 2º Subdistrito de Paraty, Rio de Janeiro, Brasil. Para o preparo do extrato aquoso, estas foram submetidas à secagem em estufa com circulação de ar a 40-45°C e reduzidas a pó semifino em moinho de facas (FARMACOPÉIA, 1959).

As folhas pulverizadas e tamisadas foram submetidas à infusão segundo método descrito na Farmacopéia Brasileira (1959), com extração por água a 90o C e tempo de infusão de 30 min. A proporção utilizada de composto vegetal e líquido extrator foi de 1:10 (m/v). O extrato aquoso obtido foi liofilizado, tamisado, acondicionado em frascos de vidro e armazenado em dessecador.

2.2 Cultura de células de adenocarcinoma mamário humano – MCF-7

A linhagem MCF-7 de adenocarcinoma mamário humano, proveniente do Banco de Células do Rio de Janeiro, foi cultivada em meio de cultura RPMI, contendo 20% (v/v) de soro fetal bovino inativado termicamente, penicilina (100 U/mL) e estreptomicina (10 µg/mL), a 37o C em atmosfera umidificada com 5% de CO2. O meio foi substituído a cada 2 dias e as células foram subcultivadas a cada 5 dias, após tripsinização com solução de Tripsina-EDTA 0,25%.

2.3 Aplicação do extrato de Plinia edulis nas culturas celulares

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Após subcultivo de 2x104 células, por 24 h em placas com 96 poços, foram aplicadas diferentes concentrações do extrato (0,1 a 100 µg/mL). O extrato liofilizado foi dissolvido no meio de cultura; as células incubadas apenas com meio de cultura foram consideradas controle negativo e com 550 µg/mL de ciclofosfamida (agente citotóxico) foram consideradas controle positivo (CP). As células foram analisadas após 24 e 48 h de incubação.

2.4 Determinação da citotoxicidade (SRB)

Foi utilizada a coloração das proteínas com sulforrodamina B (SRB) para determinação do efeito de diferentes concentrações do extrato sobre a viabilidade celular, de acordo com Vichai e Kirtikara (2006). Após o tratamento das células MCF-7 por 24 e 48h, as mesmas foram fixadas com 200 µL de ácido tricloroacético (TCA) a 10 % (p/v), a 4o C, por 1 h. A seguir o conteúdo do poço foi removido e o mesmo lavado com água destilada. Após secagem por 24 h, foram adicionados 50 µL de sulforrodamina B a 0,4 % (p/v) em ácido acético a 1% (v/v), por 30 min. Decorrido o tempo, o excesso do corante foi removido e os poços lavados por 4 vezes com ácido acético a 1% (v/v). O corante foi dissolvido pela adição de 200 µL de Tris 10 µM, pH 10,5, por 10 min sob agitação e a absorbância a 510 nm foi determinada em leitora de microplacas.

3. Resultados e discussão

Os produtos naturais têm sido utilizados como agentes medicinais por muitos anos e são também utilizados para a síntese de análogos semi-sintéticos ou sintéticos. Tem sido comprovado que numerosas plantas e constituintes apresentam atividades biológicas diversas, dentre estas a atividade citotóxica, demonstrando o potencial para o desenvolvimento de novos agentes antitumorais (KAILEH et al., 2007).

Apesar dos avanços consideráveis no tratamento de tumores, novos fármacos se fazem necessários, uma vez que alguns tipos de tumores tornam-se resistentes ao tratamento usual e para outros não há ainda tratamento farmacológico apropriado.

Este trabalho avaliou a citotoxicidade do extrato aquoso de Plinia edulis sobre a linhagem de células MCF-7. A citotoxicidade é um indicativo inicial da atividade antitumoral presente na maioria dos quimioterápicos. Atualmente, os agentes antitumorais usados clinicamente, na sua grande maioria, possuem marcada atividade citotóxica (LE TOURNEAU et al., 2010).

O ensaio da SRB (proliferação) demonstrou que o extrato apresentou atividade antiproliferativa significativa (p<0,001), como apresentado na Tabela 1, sendo a IC50 de 0,11 µg/mL. A SRB é um corante que se liga a aminoácidos básicos das proteínas, em meio levemente ácido e o teste está correlacionado à proliferação celular. Quanto maior a citotoxicidade do composto testado, menor a proliferação celular e, portanto, menor a quantidade de proteína presente após o tratamento (VICHAI; KIRTIKARA, 2006).

Tabela 1 – Inibição da proliferação (%) de células MCF-7 tratadas por 24 e 48 h com ciclofosfamida (CP) e com diferentes concentrações do extrato aquoso de folhas de P. edulis (EAP), estimada pelo teste de sulforrodamina

B. Composto (µg/mL) Inibição (%)*

24 h 48 h

CP 550 29,00±9,79a 52,14±4,33a

EAP 0,1 46,47±2,06b 80,68±3,94b

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EAP 0,2 76,21±2,06c 82,37±5,09b

EAP 0,5 72,19±3,10c 83,98±3,79b

EAP 1,0 76,70±5,73c 81,82±8,25b

EAP 1,5 72,78±5,26c 80,90±4,55b

EAP 2,5 63,65±1,75c 76,70±5,42b

EAP 5,0 99,00±0,01c 99,06±0,02b

EAP 10,0 98,09±0,75c 97,05±0,05b

EAP 25,0 100,0±0,05c 98,50±0,10b

EAP 50,0 98,81±0,48c 99,01±0,23b

EAP 100,0 100,0±0,07c 99,85±0,22b

* Letras diferentes na mesma coluna indicam diferenças estatisticamente significativas (p<0,001). Fonte: Dados da pesquisa.

Kaileh et al. (2007) estudaram o efeito citotóxico do extrato diclometano-metanólico de folhas de 24 plantas. Estes autores verificaram atividade citotóxica de apenas 7 plantas para células MCF-7, sendo uma delas Psidium guajava L., Myrtaceae, que apresentou IC50 de 820±190 µg/mL após 24 h de tratamento. Este valor foi consideravelmente maior que o obtido no presente trabalho, indicando que P. edulis apresenta alta atividade citotóxica e, portanto, potencial para o desenvolvimento de composto antitumoral. Balunas et al. (2007) verificaram que entre 40 espécies estudadas da família Myrtaceae, 15 % apresentou atividade citotóxica para células MCF-7, com IC50 médio de 7,03±1,57 µg/mL, valor também muito superior ao obtido no presente trabalho.

Novos medicamentos para prevenção e tratamento de câncer têm sido derivados de metabólitos secundários de plantas. As células tumorais exibem desregulação de múltiplas vias de sinalização celular. Assim, tratamentos usando agentes, que tenham como alvo uma via específica falham na terapia antitumoral. A combinação de agentes quimioterápicos, com mecanismos moleculares distintos para o tratamento é considerada mais promissora devido à maior eficiência. Contudo, o uso de agentes múltiplos aumenta a toxicidade. Trabalhos têm demonstrado que alguns compostos naturais tais como: isoflavonas, indol-3-carbinol e seus produtos diméricos produzidos in vivo, 3,3′-diindolilmetano e curcumina entre muitos outros, têm induzido a inibição do crescimento e a apoptose em células tumorais animais e humanas, mediada por múltiplas vias de sinalização celular, sem causar toxicidade indesejada em células normais (SARKAR; LI, 2009). Este parece ser o caso de P. edulis, uma vez que o extrato hidroalcoólico não apresentou toxicidade quando administrado a ratos na concentração de 5 g/kg, por via oral (ISHIKAWA et al., 2008).

Assim, o extrato de P. edulis pode ser uma fonte de composto natural para o uso combinado com agentes quimioterápicos para o tratamento de tumores mamários humanos com menor toxicidade e maior eficiência. Trabalhos estão em progresso em nosso laboratório para melhor avaliar o efeito antitumoral do extrato.

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4. Conclusão

Estes dados permitem concluir que o extrato aquoso de folhas de Plinia edulis possui potente atividade antiproliferativa e indutora de morte celular, visto que a atividade máxima em 48 h foi obtida com a menor concentração do extrato. A pesquisa no desenvolvimento de novos fármacos com potencial antitumoral é atividade de pesquisa básica, que, quando bem sucedida, produz benefícios para toda a sociedade, pois esta poderá adotar um tratamento mais eficaz, menos agressivo ao organismo e com custo reduzido.

Referências

APEL, M.A. et al. Essential oil composition of four Plinia species (Myrtaceae). Flav. Fragr. J., v. 21, p. 565-567, 2006.

BALUNAS, M.J. et al. Relationships between inhibitory activity against a cancer cell line panel, profiles of plants collected, and compound classes isolated in an anticancer drug discovery project. Chem. Biod., v. 3, p. 897-915, 2006.

BLANK, P.R.; DEDES, K.J.; SZUCS, T.D. Cost effectiveness of cytotoxic and targeted therapy for metastatic breast cancer: a critical and systematic review. Pharmacoeconomics, v. 28, p. 629-647, 2010.

CÂNCER DE mama. Rev. Bras. Cancerol., v. 47, p. 9-19, 2001.

CLARKE, R. et al. Gene network signaling in hormone responsiveness modifies apoptosis and autophagy in breast cancer cells. J. Steroid Biochem. Mol. Biol., v. 114, p. 8-20, 2009.

FARMACOPÉIA dos Estados Unidos do Brasil. 2. ed. São Paulo: Siqueira, 1959. 1265p.

INCA. Instituto Nacional do Câncer. Estimativa–2010–incidência de câncer no Brasil. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/estimativa/2010/index.asp?link=conteudo_view.asp&ID=5>. Acesso em: 28 set. 2010.

ISHIKAWA, T. et al. Evaluation of gastroprotective activity of Plinia edulis (Vell.) Sobral (Myrtaceae) leaves in rats. J. Ethnopharmacol., v. 118, p. 527-529, 2008.

KAILEH, M. et al. Screening of indigenous Palestinian medicinal plants for potential anti-inflammatory and cytotoxic activity. J. Ethnopharmacol., v. 113, p. 510-516, 2007.

LE TOURNEAU C. et al. Current challenges for the early clinical development of anticancer drugs in the era of molecularly targeted agents. Target Oncol., v. 5, p. 65-72, 2010.

LORENZI, H. et al. Frutas brasileiras e exóticas cultivadas. São Paulo: Instituto Plantarum, 2006. p. 640.

MENDEZ, J. et al. 5,7,2´,5´-Tetrahydroxydihydroflavonol 3-rhamnoside from Plinia pinnata. Phytochemistry, v. 36, p. 1087-1088, 1994.

NASCENTE, A.S. 2008. Uso medicinal de frutos. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Artigos técnicos. Ministério da Agricultura, Brasil. Disponível em: <http://www.cpafro.embrapa.br/embrapa/Artigos/uso_medic.htm>. Acesso em: 28 set. 2010.

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SARKAR, F.H.; LI Y. Harnessing the fruits of nature for the development of multi-targeted cancer therapeutics. Cancer Treat. Rev., v. 35, p. 597-607, 2009.

VICHAI, V.; KIRTIKARA, K. Sulforhodamine B colorimetric assay for cytotoxicity screening. Nature Potocols, v. 1, p. 1112-1116, 2006.

VILA, R. Composition and biological activity of the essential oil from leaves of Plinia cerrocampanensis, a new source of -bisabolol. Biores. Technol., v. 101, p. 2510-2514, 2010.

Ailton José da Silveira de Carvalho e Marcos Kasai são estudantes do Curso de Ciências Biológicas (Licenciatura) da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Tati Ishikawa é graduada em Farmácia-Bioquímica pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, mestre e doutora em Fármacos e Medicamentos pela Universidade de São Paulo, e professora da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Cibele Marli Cação Paiva Gouvêa é graduada em Ciências Biológicas (Unicamp), mestre em Biologia Molecular e Funcional (Unicamp), doutora em Biologia Vegetal (Unicamp), pós-doutora em Bioquímica, e professora do Instituto de Ciências da Natureza da Universidade Federal de Alfenas - UNIFAL/MG.

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Engenharia ambiental: perspectivas atuais e futuras

Gabriela ConsoliniPatrícia Neves Mendes

Sylma Carvalho Maestrelli

RESUMO: Os problemas ambientais estão sendo abordados a cada dia com mais atenção e preocupação. Não só catástrofes ambientais, mas também a própria poluição causada pela atividade humana diminui gradativamente a qualidade de vida de todos os seres vivos; sendo assim, é preciso a atuação de profissionais qualificados na área para tentar amenizar e controlar essas consequências. A engenharia ambiental é um ramo da engenharia que estuda os problemas ambientais de forma integrada nas suas dimensões ecológica, social, econômica e tecnológica, com vista a promover um desenvolvimento sustentável. Dado o exposto anterior, esse trabalho aborda inicialmente a questão de como as empresas de Poços de Caldas e região vêm em um engenheiro ambiental; quais suas funções dentro de uma empresa e seu grau de importância dentro dela, objetivando obter informações dessas empresas no que diz respeito às funções e habilidades necessárias que um engenheiro ambiental deve possuir, de modo a contribuir efetivamente no desenvolvimento da empresa, tornando-a ao mesmo tempo competitiva no mercado global e consciente em termos ambientais.

Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável; Qualificação; Competência.

Introdução

Como as próximas gerações encontrarão o meio ambiente se a população global continuar agindo de maneira incorreta, sem poupar os recursos naturais e sem se preocupar com a degradação e poluição da natureza?

Para tentar resolver esses e muitos outros problemas, ou, pelo menos, amenizá-los é preciso um profissional que se dedique a essa temática e se empenhe, efetivamente, para conter suas conseqüências. Este profissional é o engenheiro ambiental [1].

A engenharia ambiental é um ramo da engenharia que estuda os problemas ambientais de forma integrada nas suas dimensões ecológica, social, econômica e tecnológica a fim de promover um desenvolvimento sustentável [2]. Dentre suas atribuições, está a realização de projetos voltados para o aproveitamento racional dos recursos naturais, como rios e minerais. Eles também cuidam da conservação e da gestão desses recursos, fazem avaliações de impacto ambiental e ainda estudam sistemas de saneamento básico, visando ao tratamento de resíduos industriais sólidos, líquidos e gasosos, que poluem o solo, a água e o ar.[1]

Um dos grandes desafios dessa profissão hoje é a busca pelo desenvolvimento sustentável e sua aplicação dentro de uma empresa. O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu no final do século XX, pela constatação de que o desenvolvimento econômico precisa levar em conta também o equilíbrio ecológico e a preservação da qualidade de vida das populações humanas em nível global. Isso implica, por exemplo, a

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gestão racional e equilibrada dos recursos minerais e ecológicos do planeta. A idéia de desenvolvimento sustentável tem por base o princípio de que o homem deveria gastar os recursos naturais de acordo com a capacidade de renovação desses recursos, de modo a evitar o seu esgotamento [2].

Associado ao progresso, deve existir também um trabalho de conscientização, envolvendo desde o estudo para evitar a degradação de áreas urbanas e rurais, o desperdício de materiais e energia e, acima de tudo, o estudo do controle da poluição, em seus vários níveis e estágios, entre outros aspectos que se configuram como novos e mais adequados indicadores de desempenho social de uma nação[3].

No que concerne a temática, Margulis [4] enfatiza:

a deterioração de capacidade assimilativa dos ecossistemas e da capacidade de regeneração dos recursos naturais a taxas compatíveis com o desgaste imposto pelas atividades econômicas do homem vem demandando uma revisão profunda do tipo de relação que mantemos com a natureza.

Para Bellia [5], “conquanto a proteção do meio ambiente não seja em geral vista como um problema de distribuição de renda, ela está intimamente relacionada com mudanças nesta distribuição”. Isso significa que as necessidades ambientais não podem ser atendidas individualmente: ou todos respiramos ar puro, ou ninguém o faz [3].

Materiais e métodos

A partir de uma pesquisa bibliográfica, através de livros, sites, revistas e artigos sobre a Engenharia Ambiental, elaborou-se um questionário que foi entregue às indústrias localizadas na cidade de Poços de Caldas e dentro de um raio de 50 km da cidade para a obtenção de informações sobre suas necessidades a respeito do engenheiro ambiental. Outra abordagem do questionário prendia-se à identificação das funções que o engenheiro ambiental exerce ou pode exercer dentro da empresa com o intuito de promover um desenvolvimento sustentável, tornando-a, ao mesmo tempo, competitiva no mercado global e consciente em termos ambientais, praticando, a cada dia e cada vez mais, os 5 Rs: Repensar, Reduzir, Reutilizar, Reciclar e Recusar.

Com base nesses dados, é possível comparar o perfil do profissional da área ambiental requisitado pelas empresas com o perfil do discente do curso de Engenharia Ambiental da UNIFAL/MG – Campus de Poços de Caldas. Assim, cria-se possibilidades de abertura de cursos especializados e que visam à melhor preparação do engenheiro para o mercado de trabalho.

Resultados preliminares e discussão

A pesquisa resultou num total de 90 empresas contatadas, sendo que 35,6% responderam ao questionário. Pode-se afirmar que a amostra é significativa, pois, estatisticamente, esse valor deveria ser superior a 19 elementos, o que foi alcançado.

Da amostra encontrada, 68% das empresas disseram não ter interesse em contratar um engenheiro ambiental para compor seu grupo de funcionários. Contudo, 32% buscam esse profissional no mercado de trabalho.

O Gráfico 1 mostra uma comparação entre as áreas em que o engenheiro ambiental atua e as que ele poderia atuar, baseado nas respostas obtidas das empresas com interesse no profissional.

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GRÁFICO 1: ÁREAS DE ATUAÇÃO DO ENGENHEIRO AMBIENTAL

Legenda:A Aplicação de tecnologias de proteção ao meio ambienteB Preservação da qualidade da água, do ar e do soloC Elaborar e executar projetos de gerenciamento de recursos hídricosD Elaborar e executar projetos de gerenciamento de saneamento básicoE Elaborar e executar projetos de gerenciamento de tratamento de resíduosF Elaborar e executar projetos de gerenciamento de recuperação de áreas

contaminadas ou degradadasG Estudo da avaliação do potencial energético da regiãoH Modelagem ambientalI Contabilidade ambientalJ Ecodesign e análise de ciclo de vida de produtosK Educação e sensibilização ambientalL Preparação da empresa para adquirir licenças ambientais de

funcionamentoM Outras

Fonte: Dados da pesquisa.

Como pode ser observado no gráfico anterior, a relação entre quantidade de empresas em relação às áreas de atuação do engenheiro ambiental é desigual, ou seja, não há uma distribuição igualitária entre todas as áreas.

Enquanto há algumas, como a área A - Aplicação de tecnologias de proteção ao meio ambiente –, em que se obteve o máximo de empresas por área, há outras, como a área H - Modelagem ambiental -, em que se obteve o mínimo de empresas por área, além da área M –

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Outras -, em que as empresas deram sugestões de áreas que não foram abordadas pelo questionário.

Isso mostra que as empresas ainda possuem pouca informação sobre as ocupações do engenheiro ambiental dentro de uma indústria e quais funções são destinadas exclusivamente a ele. Uma consequência dessa falta de informação é a atribuição de cargos que, supostamente, seriam do engenheiro ambiental a outros profissionais que não possuem uma qualificação adequada para exercê-los.

Pode-se observar ainda que muitas empresas não responderam ao questionário por constatarem que não sentem necessidade do mesmo, o que sugere que essas empresas ou realmente não precisam desse profissional ou não conhecem todas as suas atribuições e, por isso, não conseguem encaixá-lo em seu perfil de profissional.

Com a divulgação desse profissional e a difusão de sua importância tanto em relação às empresas quanto ao meio ambiente, a demanda por ele tende a crescer a cada dia, pois a abordagem das questões ambientais ganha ênfase e aumenta a cada dia que passa.

Essa profissão pode ser encarada como profissão do futuro. Um dos motivos é o fato de que a oferta de trabalho ser maior do que a procura. Sendo assim, o engenheiro ambiental tem uma grande jornada pela frente para ocupar seus cargos dentro da empresa e promover um mínimo de impacto ao meio ambiente, preservando-o e recuperando-o.

Referências[1] Guia de Profissões. Palavra-chave: Engenharia Ambiental. Disponível em: <http://www1.uol.com.br/aprendiz/n_revistas/revista_profissoes/agosto00/agrarias/ambiental/index.htm>. Acesso em: 09 set. 2010.[2] Wikipédia. Palvra-chave: Engenharial Ambiental. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Engenharia_ambiental>. Acesso em: 10 set. 2010.[3] BARBOSA FILHO, A.N. Segurança no trabalho & Gestão Ambiental. São Paulo: Atlas, 2001. [4] MARGULIS, S. et alli. Meio ambiente: aspectos técnicos e econômicos. 2ºed. Brasília: Ipea, 1996.[5] BELLIA, V. Introdução à economia do meio ambiente. Brasília: Ibama, 1996.

Gabriela Consolini é discente do curso de Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia na UNIFAL/MG - Campus de Poços de Caldas - e bolsista PIBICT/FAPEMIG.

Patrícia Neves Mendes é Professora Assistente da UNIFAL/MG - Campus de Poços de Caldas, mestre em Estatística e Experimentação Agropecuária pela UFLA e graduada em Estatística pela UFMG.

Sylma Carvalho Maestrelli é Professora Adjunta da UNIFAL/MG - Campus de Poços de Caldas, mestre e doutora pelo DEMa/UFSCar, especialista em Engenharia Cerâmica pelo Centro Cerâmico de Bolonha/Itália e graduada em Engenharia de Materiais pela UFSCar.

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Estudo da obesidade e hipovitaminose A em crianças e adolescentes assisti-dos pela APAE de Alfenas-MG

Isabela de Siqueira Carvalho Juliana Cristina Gomes

Marcos KasaiCristiane da Silva Marciano Grasselli

Simone Cardoso Lisboa PereiraCibele Marli Cação Paiva Gouvêa

Roberta Ribeiro Silva

RESUMO: A APAE é uma instituição que busca promover o bem estar, a proteção e o ajustamento em geral de indivíduos especiais. Em virtude de alterações nutricionais, que levam a obesidade e deficiência de vitaminas, minerais e da falta de estudos com esses grupos, são importantes pesquisas, para conhecer as alterações metabólicas e nutricionais que podem alterar o crescimento e desenvolvimento de indivíduos especiais. O objetivo do presente trabalho foi realizar o estudo sobre a prevalência de obesidade e hipovitaminose A em assistidos pela APAE de Alfenas por meio de medidas antropométricas, frequência alimentar e avaliação qualitativa do cardápio. Os resultados demonstraram que 11,25% dos indivíduos estudados encontram-se desnutridos, 52,5% em eutrofia, 17,5% com sobrepeso e 18,75% com obesidade. Observou-se por meio do questionário de frequência alimentar que o consumo de frutas, folhosos, legume, leite e carne é baixo, segundo a quantidade de porções estabelecidas pela pirâmide alimentar. Pela análise qualitativa do cardápio oferecido pela APAE (almoço e lanche) observa-se que o cardápio é diversificado, incluindo todos os grupos de alimentos. A análise quantitativa demonstrou que somente nessas duas refeições a quantidade de carboidratos, proteínas e lipídeos atingem a recomendação dietética diária. Os dados do presente trabalho permitem concluir que apenas 52,5% dos indivíduos analisados possuem estado nutricional adequado, sendo que a intervenção nutricional é necessária para auxiliar na correção dos desbalanços observados no demais indivíduos estudados.

Palavras-chave: Deficiência alimentar; Distúrbio nutricional; Pessoas especiais.

IntroduçãoA obesidade pode ser definida, de forma simplificada, como uma doença caracterizada

pelo acúmulo excessivo de gordura corporal, sendo consequência de balanço energético positivo, com repercussões à saúde e importante perda da qualidade e expectativa de vida (MENDONÇA; ANJOS, 2004). O aumento da incidência da obesidade em crianças é uma condição de saúde que tem tendência a continuar na idade adulta (HODGES, 2003).

Crianças com deficiência de desenvolvimento e problemas de saúde mental são alguns dos indivíduos mais vulneráveis para adquirir doenças relacionadas com a saúde e transtornos devidos, principalmente, à obesidade (ARNHOLD; AUXTER, 2004). Assim, para reduzir a possibilidade de que as crianças com deficiência desenvolvam condições associadas à obesidade, há necessidade de incluir este grupo em projetos educativos, que forneçam orientação preventiva e especializada sobre os riscos à saúde do sobrepeso e obesidade e os

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benefícios de uma alimentação equilibrada associada à prática de atividade física (BANDINI et al., 2005).

A vitamina A é um nutriente essencial à manutenção das funções fisiológicas normais do organismo. Dentre suas diversas funções, destacam-se as ligadas ao crescimento, à função imunológica e à integridade do globo ocular (TEE, 1992). A hipovitaminose A aparece como um fator importante na determinação da morbidade e mortalidade da população infantil nos países em desenvolvimento (SOUZA; VILAS BOAS, 2002). Estudos realizados no Brasil demonstraram que a deficiência de vitamina A é um importante problema de saúde (ARAÚJO et al., 1986).

A importância da identificação de hipovitaminose A na infância reside no fato de a vitamina A exercer importantes e numerosas funções no organismo e, portanto, a sua deficiência acarretar conseqüências fisiopatológicas para o indivíduo, principalmente em crianças (TEE, 1992). A deficiência da vitamina A causa perda de apetite, seguido de perda de peso e diminuição do crescimento, sua falta ocasiona também mudanças epiteliais (SEDGH et al., 2002) . Além disso, pode ocorrer alteração nos olhos, que pode levar a xeroftalmia e causar cegueira parcial ou total. Outros processos que envolvem a vitamina A são resposta imune, hematopoese, espermatogênese e desenvolvimento fetal. As evidências indicam também que a hipovitaminose A pode diminuir a resistência às infecções (TEE, 1992; SEMBA, 1998).

O termo "especial" é interpretado de maneira a incluir crianças, adolescentes e adultos que se desviam acentuadamente para cima ou para baixo do nível dos indivíduos com desenvolvimento normal em relação a uma ou várias características emocionais, mentais, físicas ou qualquer combinação dessas, de forma a criar condições com referências à sua educação, desenvolvimento e ajustamento. O termo "crianças com necessidades especiais de saúde", descreve as crianças que têm, ou estão em risco, condições congênitas ou adquiridas (deficiência de desenvolvimento, doenças crônicas além de outras) que afetam o crescimento físico e desenvolvimento cognitivo e requerem mais cuidados do que o usual. Aproximadamente 10 a 15% das crianças com necessidades especiais estão sob os cuidados de saúde (BAER; FAMAN; MAEUR, 1991).

A APAE é uma instituição que busca promover o bem-estar, a proteção e o ajustamento em geral de indivíduos especiais e estimular os estudos e pesquisas relativos ao problema das pessoas com necessidades especiais. Exerce a defesa de direitos da pessoa com deficiência, oferece apoio às suas famílias, promove serviços de prevenção, habilitação e reabilitação, colaborando na transformação social do Brasil. É uma instituição que possui diversas áreas de atuação para atendimento educacional especializado, inclusive nas áreas referentes à alimentação, nutrição e saúde de crianças e adolescentes especiais.

Sabendo-se que as alterações nutricionais, frequentes em crianças com necessidades especiais, levam á obesidade e deficiência de vitaminas, minerais e da falta de estudos com esses grupos, são importantes novas pesquisas, para conhecer as alterações metabólicas e nutricionais que podem alterar o crescimento e desenvolvimento dos indivíduos (GERALDO et al., 2003).

Portanto, o objetivo do presente trabalho foi realizar o estudo sobre a prevalência de obesidade e hipovitaminose A em assistidos pela APAE de Alfenas, utilizando medidas antropométricas e consumo alimentar.

MetodologiaEste trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFAL – MG

(protocolo N. 032/2010) e foi realizado com 95 crianças e adolescentes de ambos os sexos, regularmente matriculados na APAE em Alfenas, MG.

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Para e estudo da prevalência de obesidade foi realizada avaliação antropométrica utilizando-se as variáveis de peso e estatura e os indicadores peso/idade, estatura/idade, peso/estatura e IMC/idade (OMS, 2008), sendo que para crianças com paralisia cerebral e Síndrome de Down foram utilizadas curvas específicas (KRICK et al., 1996), (VIUNISKI, 2003). Para mensuração do peso, utilizou-se balança eletrônica digital portátil, tipo plataforma, marca Kratos, com capacidade para 150 kg e sensibilidade de 50 g. A estatura foi aferida utilizando o antropômetro Alturaexta, de altura máxima de 2,13 m e precisão de 1 mm, conforme metodologia prescrita por Jelliffe e Jelliffe (1989).

Para a identificação do perfil de consumo alimentar das crianças e dos adolescentes foram aplicados os Questionário de Freqüência Alimentar e de Registro Alimentar (consumo de 1 dia) (CARDOSO; STOCCO, 2000) e análise nutricional quantitativa e qualitativa das porções médias oferecidas no almoço e lanche no cardápio da APAE. A análise do consumo foi realizada pela Tabela de Composição dos Alimentos da Universidade de Campinas (NEPA-UNICAMP, 2006), a Tabela de Composição de alimentos da USP (PHILIPPI, 2001) e ainda a Tabela do Estudo Nacional de Despesa Familiar. Após a obtenção dessas informações, foram realizados cálculos para estimar a probabilidade de adequação dos nutrientes estudados.

As informações coletadas foram codificadas e posteriormente digitadas (dupla entrada). Os arquivos foram comparados e as divergências detectadas foram corrigidas. Foram utilizados os softwares EpiData (versão 3.2) para a entrada dos dados e o EpiInfo 2002 para a análise.

Resultados e discussão

A avaliação antropométrica permitiu verificar que 11,25% dos 95 indivíduos estudados encontram-se desnutridos, 52,5% em eutrofia, 17,5% com sobrepeso e 18,75% com obesidade (GRÁFICO 1), sendo que a alta porcentagem de indivíduos com sobrepeso e obesidade indica alimentação inadequada. Esses resultados de aumento de sobrepeso e obesidade confirmam o que é descrito por BIRCH (1999), que relata que preferências por guloseimas estão cada vez mais divergentes das recomendações nutricionais levando ao aumento da incidência de sobrepeso e obesidade no mundo todo.

Gráfico 1 – Estado nutricional das crianças e adolescentes matriculados na APAE- Alfenas (MG), avaliado por dados antropométricos.

Fonte: Dados da pesquisa.

Observou-se por meio do questionário de frequência alimentar que o consumo de frutas, folhosos, legume, leite e carne é baixo, segundo a quantidade de porções estabelecidas pela pirâmide alimentar (GRÁFICOS 2 - 6).

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Gráfico 2 – Frequência de consumo de frutas pelas crianças e adolescentes matriculados na APAE- Alfenas

Fonte: Dados da pesquisa.

Gráfico 3 – Frequência de consumo de folhosos pelas crianças e adolescentes matriculados na APAE- Alfenas (MG).

Fonte: Dados da pesquisa.

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Gráfico 4 – Frequência de consumo de legumes pelas crianças e adolescentes matriculados na APAE- Alfenas (MG).

Fonte: Dados da pesquisa.

Gráfico 5 – Frequência de consumo de leite pelas crianças e adolescentes matriculados na APAE- Alfenas (MG).

Fonte: Dados da pesquisa.

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Gráfico 6 – Frequência de consumo de carne pelas crianças e adolescentes matriculados na APAE- Alfenas (MG).

Fonte: Dados da pesquisa.

A maioria das crianças e adolescentes matriculados na APAE - Alfenas (MG) realiza 5 refeições diárias, incluindo café da manhã, almoço, lanche, jantar e ceia. Analisando o registro alimentar observa-se que a alimentação não respeita as leis da alimentação, pois faltam grupos de alimentos, além disso, não há boas fontes de vitamina A, que possui importantes e numerosas funções no organismo e, portanto, a sua deficiência pode acarretar consequências fisiopatológicas para o indivíduo, principalmente em crianças.

Pela análise qualitativa do cardápio oferecido pela APAE (TABELA 1) observa-se que o cardápio é diversificado, incluindo todos os grupos de alimentos. A análise quantitativa, feita a partir do cardápio (almoço e lanche) oferecido na APAE, demonstrou que somente nessas duas refeições a quantidade de carboidratos, proteínas e lipídeos atingem a recomendação dietética diária.

Tabela 1 - Análise quantitativa de macro e micronutrientes, obtidos a partir do cardápio utilizado na APAE-Alfenas (MG), que inclui almoço e lanche.

Nutrientes % de adequação

% de consumo diário

Segunda-feira

Terça-feira

Quarta-feira

Quinta-feira

Sexta-feira

CHO* (g) 351,90 152,00 152,56 136,07 117,25 128,36PTN** (g) 512,70 64,29 52,11 42,17 47,79 48,98LIP*** (g) 344,66 43,65 19,84 34,31 18,48 38,84kcal 165,70 1258,01 997,24 1021,70 826,48 1058,90Vit A(µg) 124,80 88,38 450,45 665,45 17,86 104,02Ferro(mg) 202,50 7,75 6,73 5,75 6,09 5,77Cálcio (mg) 102,30 116,19 426,21 460,67 144,55 463,88

*Carboidratos; **Proteínas; ***LipídeosFonte: Dados da pesquisa.

A pesquisa nutricional realizada neste trabalho permitiu verificar que o consumo de vitamina A está adequado, segundo a análise quantitativa do cardápio. Desta forma não parece

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haver hipovitaminose A. Contudo, para confirmar este dado será necessária a realização da quantificação sérica de vitamina A por cromatografia líquida de alta eficiência, sendo esta uma perspectiva futura do trabalho. Quanto ao estado nutricional, 52,5% dos indivíduos analisados possuem estado adequado, sendo assim necessária a intervenção nutricional, por meio de adaptações do cardápio e estímulo à mudança de hábitos alimentares para 47,5% dos indivíduos analisados. Esta não será tarefa fácil, tendo em vista o estado de saúde mental das crianças e adolescentes da APAE-Alfenas, bem como os hábitos já adquiridos, o que exigirá participação também dos familiares. Trabalhos desta natureza são essenciais para o diagnóstico e o planejamento de ações, visando a prevenção e o controle de carências e/ou excessos nutricionais específicos.

Conclusão

Os dados do presente trabalho permitem concluir que apenas 52,5% dos indivíduos analisados possuem estado nutricional adequado, para os demais a ingestão de macronutrientes está inadequado, sendo necessária a intervenção nutricional para auxiliar na correção dos desbalanços observados.

Referências

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VIUNISKI, N. Avaliação nutricional em crianças especiais. Nutrição em Pauta. v. 59, p. 20-23, 2003.

Isabela de Siqueira Carvalho e Juliana Cristina Gomes é estudante do Curso de Nutrição da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Marcos Kasai é estudante do Curso de Ciências Biológicas (Licenciatura) da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Cristiane da Silva Maciano Grasselli é graduada em Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa, mestre e doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa, e professora da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

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Simone Cardoso Lisboa Pereira é graduada em Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa, Mestre e doutora em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa, e professora da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.

Cibele Marli Cação Paiva Gouvêa é graduada em Ciências Biológicas, mestre em Biologia Molecular e Funcional pela Universidade de Campinas - Unicamp, doutora em Biologia Vegetal pela Unicamp, pós-doutorado em Bioquímica, e professora do Instituto de Ciências da Natureza da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL-MG.

Roberta Ribeiro Silva é graduada em Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa, mestre em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa, doutora em Epidemiologia de Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Universidade Federal de Minas Gerais, e professora da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

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Análise espacial baseada em modelo do risco familiarno município de Alfenas-MG

Cintia Fonseca de SouzaDenismar Alves NogueiraJuliana Claudia da Silva

Sueli Leiko Takamatsu Goyatá

RESUMO: Os sistemas de informação do país foram criados com o objetivo de dar a conhecer perfil epidemiológico dos moradores de uma determinada região, segundo várias variáveis. O Programa Saúde da Família foi criado como uma estratégia política de reorganizar a atenção básica no país. Esse Programa instituiu entre outros, a visita domiciliar, como mecanismo de criação de vínculos assistenciais e sociais da equipe saúde da família com a comunidade na área de abrangência sob sua responsabilidade, tendo como uma de suas destas, fornecer dados para o sistema de informação. O objetivo dessa pesquisa foi avaliar a distribuição espacial e a análise descritiva dos indicadores de vulnerabilidade familiar, apresentado como Risco Familiar, para o planejamento das visitas domiciliárias na estratégia saúde da família no município de Alfenas-MG. A análise de estatística espacial foi realizada utilizando a metodologia de geoestatística baseada em modelos e a inferência via análise bayesiana. A análise descritiva foi realizada para as variáveis envolvidas na ficha A de avaliação da família, sendo utilizando programação no software R. Os resultados apresentaram correlação espacial para o risco familiar (RF) sendo produzido um mapa dos valores preditos para a região em estudo. Nesta representação é possível identificar regiões de maiores probabilidades de risco familiar. O estudo das variáveis que constituem o RF mostraram correlação linear positiva da renda per capta com o RF (p< 0,01) e da Idade com o RF (p< 0,01). Relações de dependência com o RF foram significativas para presença de Risco Mental (p< 0,01), Cardíaco (p< 0,01) e Diabético (p< 0,01), onde a presença destas doenças elevam significativamente o RF. Outro ponto importante encontrado foi que em famílias de risco familiar baixo procuram, mais que o esperado, o atendimento em hospitais (p=0,003) enquanto famílias de risco elevado já não buscam o hospital de início, caracterizando que o trabalho das unidades de família está chegando a comunidade mas neste momento apenas aqueles de maior risco.

Palavras-chave: Geoestatística; Vulnerabilidade; Unidade de Saúde da Família; Risco Familiar; Correlação.

1. IntroduçãoA análise estatística de dados, levando em consideração a localização espacial do

evento, é, obviamente, muito importante para a identificação de áreas nas quais a saúde é precária, necessitando de atenção diferenciada. O uso de análises baseadas na distribuição espacial dos eventos pode trazer contribuição importante à gestão do sistema de saúde e à qualificação na atenção básica à população. A interação entre fatores individuais e ambientais exige, cada vez mais, a aplicação de novas técnicas de análise que permitam a interpretação de fatos que se distribuem espacialmente. Necessitando desta forma metodologias apropriadas.

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Nos últimos dez anos o Sistema Nacional de Saúde (Sistema Único de Saúde, SUS) passou por importantes transformações em seu arcabouço político e institucional, para assegurar os princípios de equidade, da integralidade das ações, da regionalização e da descentralização da gestão e da prestação de serviços de saúde, garantindo a todo cidadão brasileiro o acesso universal à rede pública de saúde (BRASIL, 2003 a).

O Programa Saúde da Família (PSF) é um programa do governo federal cujo principal propósito é reorganizar a prática de atenção à saúde, priorizando ações de prevenção, promoção e recuperação de agravos, de forma integral e contínua. A primeira etapa de sua implantação iniciou-se em junho de 1991, através do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) na Região Nordeste como estratégia de enfrentamento dos altos índices de morbidade e mortalidade materna e infantil naquela região. A partir de janeiro de 1994, começaram a ser formadas as primeiras equipes do Programa de Saúde da Família, incorporando e ampliando a atuação dos Agentes Comunitários de Saúde (BRASIL, 1997).

O PSF busca a reorganização da prática assistencial em novas bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional de assistência, curativo e hospitalocêntrico. A atenção passa a estar centrada na família, entendida e percebida a partir do seu ambiente físico e social, o que vem possibilitando às equipes de saúde da família uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e das necessidades que vão além de práticas curativas. A estratégia de saúde da família reafirma e incorpora os princípios básicos do Sistema Único de Saúde que são universalização, integralidade, equidade, descentralização, hierarquização, regionalização e participação popular/ controle social (SILVA & SANTOS, 2003).

Dominguez (1998) afirma que o PSF tem como objetivos específicos ampliar a cobertura dos serviços de saúde à população; atingir a equidade na atenção à saúde, abordando a promoção, a recuperação e a reabilitação da saúde, melhorar a qualidade da atenção à saúde, melhorar o sistema de informação sobre a saúde da população, inverter o modelo de assistência hospitalar, voltando-a para a comunidade. Por isso, é atualmente considerada uma estratégia de reorganização da atenção básica de saúde no país.

A Equipe Saúde da Família que atua no PSF deve assumir responsabilidade por uma determinada população a ela vinculada. Outros profissionais de saúde tais como psicólogos, dentistas, fisioterapeutas, dentre outros, poderão ser incorporados a esta equipe básica, de acordo com as demandas e características da organização dos serviços de saúde locais (BRASIL, 1997).

O Agente Comunitário da Saúde (ACS) funciona como um elemento articulador entre a equipe de saúde da Unidade de Saúde da Família (USF) e a comunidade: um contato permanente com as famílias, o que facilita o trabalho de vigilância e promoção da saúde, realizado por toda a equipe e de fundamental importância para o fornecimento de informações para o sistema. É também um elo cultural e social, que potencializa o trabalho educativo, na medida em que faz a ponte entre dois universos culturais distintos: o do saber científico e o do saber popular. O ACS realiza mapeamento de sua área, cadastra as famílias, identifica situações de risco, orienta famílias para utilização adequada dos serviços de saúde, encaminhamento e até agendamento de consultas e de exames, realiza acompanhamento mensal de todas famílias sob sua responsabilidade, ele deve estar sempre bem informado e informar a equipe saúde da família (ESF) sobre a situação das famílias acompanhadas, particularmente aquelas em situação de risco (BRASIL, 1997).

Dito isso, fica claro que no conjunto de atribuições da equipe saúde da família, a atuação no domicílio é fundamental para a prevenção, a promoção, o tratamento e a recuperação da saúde da população da área de abrangência.

Embasado nas competências do agente comunitário de saúde e nos compromissos da Equipe de Saúde da Família com a comunidade, e nos estudos de aplicação sistemática do indicador de vulnerabilidade familiar no município de Alfenas-MG capazes de mensurar tal

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problema no contexto saúde da família, o presente estudo visa analisar de maneira descritiva e espacial o risco familiar na visita domiciliária na área de abrangência.

2. Revisão de literatura

2.1 A visita domiciliária e o conceito de vulnerabilidadeMazza (2005) sintetiza os objetivos da visita domiciliária como prestação de cuidados

de enfermagem no domicílio quando for conveniente para o paciente, para a família e para o serviço de saúde sob o aspecto econômico, social ou psicológico; orientação e educação a um ou mais membros, para a prestação de cuidados no domicílio; supervisão dos cuidados delegados; orientações em assuntos de higiene em geral, quando o ambiente do serviço de saúde não for o mais indicado, pois as condições não serão as mesmas; coleta de informações sobre as condições sócio-sanitárias, por meio de entrevista e observação.

Levcovitz & Garrido (1996) afirmam que as visitas domiciliárias compulsórias indicam problemas, ou seja, não deveria ser recomendado que profissionais façam visitas domiciliares sem que haja uma indicação explícita para elas, à exceção dos Agentes Comunitários de Saúde. Segundo esses autores, pode ser pouco eficiente a visitação de médicos e enfermeiros, e outros profissionais, sem que estes façam um planejamento prévio de atendimento específico para determinado domicílio. Além disso, as visitas domiciliárias podem se constituir uma excessiva intromissão do Estado na vida das pessoas, limitando sobremaneira seu grau de autonomia, privacidade e liberdade.

O termo vulnerabilidade, segundo Sánchez & Bertolozzi (2007), tem sido empregado frequentemente na literatura científica, sendo que na área da saúde emerge no início da década de 80, como modelo interpretativo da vulnerabilidade das pessoas à infecção pelo HIV e Aids. Assim, esse termo surge como categoria analítica que incorpora o comportamento individual, coletivo e social no processo de adoecer, ampliando o conceito de risco.

Segundo, Fletcher, Fletcher & Wagner (1989) o conceito de risco está relacionado à probabilidade de algum evento indesejado ocorrer, ou seja, probabilidades de que pessoas que estão sem doenças, mas expostos a certos fatores de risco, adquiriram a doença. Como exemplifica esses autores, nem todos os indivíduos têm os mesmos riscos. Há pessoas que vivem perigosamente, portanto, apresentam maior probabilidade de morrer prematuramente. Existem outros que, apesar de não se exporem tão intensamente, estão também em risco, não de morrer precocemente, mas de adoecer ou de sofrer incapacidades. Considerando que algumas categorias denominadas “sentinelas de risco” adotadas pelos autores do referido estudo não se constituem em fatores de risco, ou seja, probabilidades de ocorrência de um evento indesejado, no caso uma doença, em resposta à exposição a fatores de risco.

Sabe-se que as desigualdades sociais, resultantes do modo de vida e trabalho da população determinam, em grande medida, graus diferenciados de espoliação individual e de desgaste familiar em cada contexto social. Assim, o conceito de vulnerabilidade relacionado ao processo de adoecer e morrer também são resultados de condições sociais, econômicas e culturais de cada indivíduo e grupo social o que implica em reconhecer as diferentes dimensões teóricas e práticas que o conceito de vulnerabilidade pode assumir, dentro ou fora do campo de conhecimento da epidemiologia.

Diante do exposto e, considerando que as famílias não são homogêneas em sua constituição e composição, nas condições sociais, econômicas e de saúde nas diferentes regiões brasileiras.

Em 2009 a Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais lançou a Implantação do plano diretor de atenção primária a saúde em que é apresentado o a classificação das famílias quanto ao Risco Familiar (RF). Desta forma utilizou-se o questionário com base nesta ficha de avaliação do risco familiar.

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2.2 Aspectos populacionais e sócio-econômicos do município de Alfenas-MGSão bastante conhecidas as inter-relações entre as condições de vida, as necessidades

de saúde e os padrões de morbidade de uma população. É essencial conhecer como as pessoas vivem, pois, os processos de saúde e doença expressam o modo de vida, como por exemplo, as condições de moradia, transporte, saneamento básico. Portanto, a interpretação de indicadores como moradia e condições sanitárias que traduzem as condições de vida, não deveria ser realizada a margem das pessoas e dos grupos sociais envolvidos nos processos de decisão (BRASIL, 2003a).

Avaliar variações geográficas na cobertura das condições sócio-sanitárias da população atendida pelas USF é fundamental para que se identifiquem as situações de insuficiência, que possam indicar medidas de prevenção de doenças a partir dos fatores de risco ambientais (BRASIL, 2001).

As condições precárias de vida devem ser alvo de atenção das equipes do PSF uma vez que se constituem em fatores de risco para diferentes enfermidades e que necessitam de intervenções prioritárias por essas equipes. Essas intervenções precisam ser articuladas intrasetorialmente (Saúde, saneamento, planejamento e obras) no município para que se busquem soluções factíveis.

2.3 Sobre o Risco familiar na área de atuação do USF Aparecida I.A Unidade de Saúde da Família, Aparecida I é uma das nove unidades que atuam no

município de Alfenas – MG. Neste estudo optou-se por utilizar a ficha A, de classificação das famílias. A ficha é realizada segundo Manual da APS, SES de Minas Gerais, 2007. De acordo com o procedimento o Risco familiar é constituído em uma matriz da soma dos pontos do risco social com o risco individual dos membros da família. Na região em estudo o PSF é responsável por obter o Risco familiar mas este é anotado baseado apenas na interpretação do ACF. Desta forma não existe um banco de dados que permite investigar o porque uma família apresenta, por exemplo, um risco elevado. 3. Metodologia

3.1 Tipo e local da pesquisaOs trabalhos epidemiológicos relacionados à saúde coletiva demonstram que o processo

de saúde-doença ocorre de maneira espacial. Procurou-se trabalhar aqui com as bases teóricas para análise espacial de dados epidemiológicos.

Trata-se de um estudo exploratório do tipo epidemiológico, de base populacional, de delineamento transversal (PEREIRA,1995; ROUQUAYROL & ALMEIDA FILHO; 2003). O levantamento amostral foi realizado na área de abrangência da Unidade de Saúde da Família Aparecida I do município de Alfenas-MG, caracterizada aqui como região do estudo (FIGURA 1).

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FIGURA 1: Representação gráfica da região urbana em estudo.

A pesquisa descritiva observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos sem manipulá-los; procura descobrir, com a precisão possível, a freqüência com que um fenômeno ocorre, sua relação e conexão, sua natureza e características. Além disso, buscou conhecer diversas situações e relações que ocorrem na vida social, política, econômica, e demais aspectos do comportamento humano, tanto do indivíduo tomado isoladamente como de grupos e comunidades mais complexos. Os teste estatísticos utilizados foram o de Qui-quadrado e a correlação linear, ambos a um nível de significância de 5%.

3.2 AmostragemTrata-se de um processo de amostragem multifásico (PEREIRA, 1995). Primeiramente

foi utilizado o processo de amostragem estratificado no qual cada micro-área representa um estrato. Em seguida foram sorteadas as residências dentro de cada estrato.

Para a primeira fase, o tamanho da amostra foi estimado pelo levantamento prévio do número de domicílios em cada micro-área da Unidade de Saúde da Família Aparecida I. O número total e o número de domicílios por cada micro-área foram obtido por meio de dados secundários dos mapas de acompanhamento do SIAB (Sistema de Informação da Atenção Básica) dos agentes comunitários de saúde, referente ao mês de março de 2007.

A amostra foi realizada de 300 domicílios Assumindo um erro amostral de 4,5%.

3.3 Análise estatística espacialPara a análise espacial foi utilizada a metodologia de Geoestatística Baseada em

Modelos utilizando os Modelos lineares Generalizados Mistos via inferência bayesiana para a análise da Regressão Logística. Na sequência a predição da probabilidade do risco familiar foi realizada para toda região estudada. Para obter as distribuições dos parâmetros e dos valores preditos, utilizar-se-á o software R (versão 2.10.1)(R Development Core Team, 2007) com o pacote geoRglm (Christensen & Ribeiro Jr., 2002) e o boa (Smith, 2007). Para uma modelagem, é necessário conhecer os fatores e identificar a variação espacial. A função da probabilidade espacial depende da localização onde não assume valores negativos e, para isso, utiliza-se um modelo loglinear. Assim o modelo de regressão logística assumindo distribuição Binomial com função de ligação logística foi escolhido, dado por:

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em que α é o intercepto; xj é a j-ésima covariável e U a variação espacial não explicável. Sobre a região em estudo U~N(0; Σ), sendo Σ dependente de uma função paramétrica da distância entre dois pontos. Essa função dita de correlação espacial e foi escolhida ser a exponencial Σ = σ2exp(-dij / ϕ).

3.4 Análise bayesianaPara a análise as distribuições a prioris com respectivos hiperparâmetros escolhidos

foram:

e

Para o procedimento de amostragem MCMC (Langevin-Hastings) foram realizadas 10.000 iterações com intervalos de 100 e um burn-in de 10. A taxa média de aceitação do algoritmo foi de 0,584.

Para obter as distribuições dos parâmetros e dos valores preditos, utilizar-se-á o software R (versão 2.8.0)(R Development Core Team, 2007).

4. Resultados e discussãoPara a descrição do evento a variável foi convertida em risco familiar relativo, ou seja,

dividindo cada risco por 6. Para representar os resultados amostrais seja a Figura 2

Figura 2. Representação gráfica da região em estudo com as devidas localizações amostrais.

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De acordo com o gráfico percebe-se uma distribuição dos valores de maior risco familiar mais próxima do bordo inferior da região, onde possibilita reafirmar a informação obtida por Goyatá et al. (2008). Segundo os mesmos autores as micro-áreas são heterogêneas, caracterizando assim diferenças regionais para o indicador do risco familiar. Após o ajuste do modelo de regressão logística foi possível realizar a predição da probabilidade do risco familiar da região como um todo. O gráfico da imagem que contempla está predição está na Figura 3.

Figura 3. Representação gráfica dos valores preditos para a probabilidade do risco familiar para a região em estudo

Percebe-se na Figura 3 que existem algumas regiões de risco mais elevado (tom claro) no meio da área de atuação da USF intercaladas com regiões de baixo risco (tom escuro). Assim pode-se afirmar que o risco está distribuído dentro de algumas micro-áreas. Essa imagem (FIGURA 3) permite identificar regiões de maior probabilidade de risco familiar e assim possibilita ao gerenciamento identificar regiões mais propícias e que deveriam ter maior atenção.

4.1 Análise DescritivaNa sequência realizou-se o estudo descritivo das variáveis com constituem o risco

social (RS) e o risco individual (RI), fazendo relação com o risco familiar. De acordo com os dados a correlação entre os riscos sociais e o RF não apresentou significância estatística, enquanto o risco individual e o RF foi significativo (r = 0,67;p < 0,01). Este fato pode ser explicado porque fatores sociais de relevância não foram encontrados nesta região. Para ser considerado risco social a renda per capta deve ser inferior a R$ 60,00 entre outros menos relevantes. Na região em estudo nenhuma família apresentou renda inferior a 60,00. Desta

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forma neste nosso caso, mesmo não compondo diretamente o RF, a renda acabou apresentando relação linear (p< 0,01) com o RF, onde famílias com renda menores apresentaram um risco mais elevado.

A idade dos indivíduos apresentou uma relação significativa (p< 0,01) com o RF, sendo esta também linear, onde com o aumento da idade as pessoas apresentaram um maior RF médio (FIGURA 4).

0.00 1.00 2.00 3.00

RF

30.00

40.00

50.00

idad

e

35.17

43.00

46.71

52.95

Figura 4. Relação da idade com o Risco Familiar. Em destaque o intervalo de confiança (95%) para a média de cada nível do RF.

Outro interesse foi de verificar se o RF apresentava mudança em relação as micro áreas de atuação do PSF. Com p-valor < 0,01 foi observado que a micro área 6 e 7 apresentaram médias menores de RF, não por acaso estas micro áreas foram as regiões de maiores médias de renda per capta.

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2.00 4.00 6.00

micro area

250.00

500.00

750.00

1000.00

Ren

da

per

cap

ta

371.20336.34

600.00

533.65668.31

858.89

904.17

Figura 5. Relação da renda per capta com as micro áreas. Em destaque o intervalo de confiança (95%) para a média de cada micro área.

Estudando um pouco mais a micro área, pode-se verificar (p<0,01) que para um primeiro atendimento os indivíduos desta região buscam primeiramente o hospital para os primeiros socorros, enquanto indivíduos de micro áreas com RF mais alto buscam outros atendimentos. A partir destes resultados pode-se observar que o PSF tem atuado nesta região fazendo as primeiras intervenções e informando as famílias onde devem buscar atendimento. Percebe-se que para as famílias de RF baixo estas procuram mais que o esperado o hospital para atendimento, desta forma pode-se concluir que estas não foram orientadas a evitar atendimentos hospitalares como uma das propostas do PSF.

Doenças como diabetes, problemas cardiovasculares e doenças mentais foram estatisticamente significativas como fatores influentes do RF. Outro fator fundamental na composição do RF é a presença de polifamácia (p<0,05) entre os indivíduos acima de 60 anos.

5. Conclusões

As famílias em cada micro área são grupos sociais heterogêneos com perfis epidemiológicos específicos a depender de suas condições sociais, econômicas e de saúde o que resulta em graus diferenciados de vulnerabilidade e problemas relacionados ao processo saúde-doença. Assumindo que o indicador de risco familiar fornece a informação desta vulnerabilidade familiar acredita-se que a predição proposta pela metodologia de Geoestatística Baseada em Modelos permite o melhor gerenciamento da região em relação à atenção prestada, pois fornece a distribuição espacial da ocorrência de forma contínua com base em uma amostra.

As condições precárias de vida devem ser alvo de atenção das equipes do PSF uma vez que se constituem em fatores de risco para diferentes famílias e que necessitam de intervenções prioritárias por essas equipes, tendo como finalidade a diminuição do Risco Individual e Social no município para que se busquem soluções factíveis. O RF é uma ferramenta importante para diferenciar famílias vulneráveis, sendo fundamental para o gerenciamento regional pela a equipe do PSF. Regiões da área de atuação influenciaram o RF por este ser dependente de fatores sociais, mesmo que não sejam considerados, como, por exemplo, a renda.

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Cintia Fonseca de Souza é estudante do Curso de Odontologia da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG e bolsista de Iniciação Científica.

Denismar Alves Nogueira é professor adjunto do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG e orientador da pesquisa.

Juliana Claudia da Silva é estudante do Curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Sueli Leiko Takamatsu Goyatá é professora da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG e colaboradora da pesquisa.

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Germinação de sementes de palmeira triângulosubmetidas a duas condições ambientais

Stéphanie de Fátima PereiraMarcelo Polo

RESUMO: A germinação de sementes de palmeiras é geralmente caracterizada por dificuldades, as quais variam desde as características morfológicas das sementes até as peculiaridades fisiológicas do processo germinativo (CUNHA e JARDIM, 1995). Os frutos de Dypsis decaryi foram colocados para germinar no Laboratório de Fisiologia Vegetal da UNIFAL-MG em duas condições ambientais, temperatura ambiente (25±2 ºC) com luz contínua e temperatura alternada de 25-30ºC e fotoperíodo de 8 horas em câmara de germinação (BOD). Foram calculadas as porcentagens de germinação e de emergência, além dos índices de velocidade de germinação (IVG) e de emergência (IVE), estes últimos, adaptando de Maguire (1962). Os resultados demonstram que em temperatura ambiente a germinação foi de 55,33% e em temperatura alternada foi de 16,66%, apresentando diferença significativa (p>0,001). Conclui-se que as condições controladas não favorecem a germinação desta espécie de Arecaceae.

Palavras-chave: Dypsis decaryi; germinação; temperatura.

Introdução

As palmeiras constituem o componente mais característico das florestas tropicais. A variabilidade de formas, estrutura das comunidades de palmeiras nas florestas tropicais e os múltiplos produtos obtidos fazem destas plantas um importante recurso para o desenvolvimento sustentável do sistema agrícola e hortícola (MENDOZA & OYAMA, 1999).

O interesse pelo cultivo de palmeiras ornamentais tem aumentado significativamente devido ao seu indiscutível valor paisagístico, proporcionando beleza e serenidade à paisagem de campos abertos, ruas, jardins, parques e praças (STRINGHETA et al., 2004; LORENZI et al., 2005).

Embora o Brasil conte com um grande potencial de palmeiras nativas que poderiam ser utilizadas na ornamentação, atualmente, as palmeiras exóticas são mais difundidas. Provavelmente isto ocorreu porque os primeiros viveiristas e paisagistas que se estabeleceram no Brasil eram europeus e, por já conhecerem as plantas em seus países de origem, aqui, passaram a multiplicá-las, em detrimento da potencialidade das espécies nativas (LUZ et al., 2008).

Nativa de Madagascar, a espécie Dypsis decaryi (Jum.) Beentje & J. Dransf., conhecida como palmeira triângulo, possui caule simples, ereto, anelado com nós visíveis, de cor cinza, com 3-6m de altura e 30-40cm de diâmetro, com folhas em número de 18-24, distribuídas em

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três direções distintas, arcadas e torcidas. É muito ornamental pela característica singular de distribuição trística das folhas de cor acinzentada, é utilizada em parques e jardins, de forma isolada, em grupo ou em fileiras. Seus frutos são consumidos pelas crianças nas regiões de origem e outrora foram usados no preparo de uma bebida fermentada (LORENZI et al., 2004).

A propagação comercial das palmeiras é feita quase que exclusivamente por sementes; geralmente a porcentagem de germinação é baixa e ocorre de forma lenta e desuniforme (MEEROW, 1991; PIVETTA et al., 2007).

A germinação de sementes de palmeiras é geralmente caracterizada por dificuldades, as quais variam desde as características morfológicas das sementes até as peculiaridades fisiológicas do processo germinativo (CUNHA e JARDIM, 1995). A existência de dados sobre as condições em que ocorrem melhor germinação e crescimento da plântula favorecerão a produção de mudas mais vigorosas, sadias e em menor tempo, possibilitando aos viveiristas o fornecimento de produto de melhor qualidade.

Segundo Koebernik (1971), muitas variáveis podem afetar a germinação de sementes de palmeira, como a espécie, temperatura, tipo de substrato, condições de umidade, aeração e tempo de armazenamento. A presença do fenômeno de dormência, no qual sementes viáveis não germinam mesmo tendo todas as condições favoráveis (POPINIGIS, 1985; CARVALHO & NAKAGAWA, 1988), tem sido apontada como uma das causas de variação no período de germinação em arecáceas (VILLALOBOS et al., 1992).

Uma germinação rápida e uniforme das sementes, e a imediata emergência das plântulas são características altamente desejáveis na formação de mudas, pois quanto mais tempo a plântula permanecer nos estádios iniciais de desenvolvimento e demorar a emergir do solo, mais vulnerável estará às condições adversas do meio (MARTINS et al., 1999).

O estudo do potencial germinativo de palmeiras representa um avanço significativo para a domesticação e a exploração racional de seu potencial econômico, alimentar e energético (CUNHA e JARDIM, 1995).

A temperatura apresenta grande influência tanto na porcentagem como na velocidade de germinação das sementes, estando relacionada às reações bioquímicas que regulam o metabolismo necessário para iniciar o processo de germinação (CARVALHO e NAKAGAWA, 1988). Para compreender os efeitos da temperatura sobre a germinação, podem ser avaliadas mudanças ocasionadas na percentagem, velocidade de germinação ao longo do tempo (LABOURIAU & PACHECO, 1978), sendo que a faixa de temperatura ótima é aquela onde ocorre a germinação máxima no menor tempo médio (LABOURIAU, 1983).

O substrato utilizado nos testes e germinação também apresenta grande influência no processo germinativo, pois fatores como estrutura, aeração, capacidade de retenção de água e grau de infestação de patógenos pode variar de acordo com o tipo de material usado (POPINIGIS, 1977). Dessa forma, as características específicas dos diferentes substratos experimentados devem ter influência na velocidade da embebição e, por conseguinte, na velocidade da germinação (KOBORI, 2006).

Yocum (1964) referiu-se à vermiculita como um substrato adequado para a germinação de palmeiras, por ser livre de pragas e doenças, ter boa drenagem e capacidade de retenção de umidade. Segundo observação do autor, a maneira conveniente de inserção das sementes no meio dependerá da forma dessas sementes.

O objetivo deste trabalho foi estudar a germinação de sementes de D. decaryi submetidas a duas condições de temperatura.

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Materiais e métodos

Os frutos maduros de D. decaryi foram colhidos na Universidade Federal de Alfenas em indivíduos que vegetam no jardim em frente ao Pavilhão Central de Aulas – PCA durante o período de outubro a dezembro de 2009.

Estes frutos foram deixados imersos em água em temperatura ambiente, por 24 horas para a retirada do pericarpo. O epicarpo e o mesocarpo foram removidos por meio de atrito manual contra uma peneira e os diásporos, constituídos pelo endocarpo e semente, foram enxaguados em água corrente, secos à sombra e armazenados em sacos de papel Kraft, em condições ambientes, no Laboratório de Fisiologia Vegetal da UNIFAL-MG.

Os ensaios de germinação foram iniciados em fevereiro de 2010. Os diásporos foram imersos em solução de fungicida Opera na concentração de 0,2%, por 24 horas e colocados para germinar em bandejas contendo vermiculita como substrato. Esta foi seca previamente em estufa à temperatura de 60ºC por 24 horas. Foram montadas seis bandejas contendo cada uma 50 diásporos. Estas foram mantidas em duas condições ambientais: três em temperatura ambiente com luz contínua (sal de crescimento) e três em câmara de germinação (BOD) com alternância de temperatura, 25-30 ºC, e fotoperíodo de 8 horas. As bandejas foram cobertas com filme plástico transparente e mantidas umedecidas até a germinação da maioria das sementes.

A semente foi considerada germinada quando da protrusão da plúmula (BRASIL, 1992). A contagem de sementes germinadas foi realizada duas vezes por semana e calculadas as porcentagens de germinação e de emergência, sendo calculados os índices de velocidade de germinação (IVG) e de emergência (IVE) (modificado de MAGUIRE 1962).

Os dados foram submetidos à análise estatística por meio do teste binomial com auxílio do programa SISVAR® (FERREIRA, 2000).

Resultados e discussão

A temperatura média da sala de crescimento, que foi de 25 ºC com variação de ± 2 ºC, e luz contínua favoreceram a germinação a qual atingiu 55,33%, enquanto que a alternância de temperatura 25-30 ºC e fotoperíodo de 8 horas foram desfavoráveis, atingindo a germinação de apenas 16,66%, como se observa na Tabela 1. A análise estatística demonstrou diferença significativa entre as duas condições impostas (p>0,01).

Os índices calculados (IVG e IVE) demonstram que tanto a velocidade de germinação quanto a de emergência da plântula apresentam diferença significativa (p>0,01) entre as duas condições de temperatura (Tabela 1).

Condição Germinação (%) IVG IVE25±2º C e Luz contínua 55,33 2,3 55,01Alternância 25-30 ºC e Fotoperíodo de 8 horas

16,66 0,565 40,96

Tabela 1. Porcentagem de germinação, Índice de Velocidade de Germinação (IVG), Índice de Velocidade de Emergência (IVE) de diásporos de D. decaryi, submetidas a duas condições ambientais.

A germinação média atingiu 36%, considerada baixa quando comparada com os resultados obtidos por Luz (2008), em que a espécie Archontophoenix cunninghamii teve como média de germinação nas temperaturas de 25 e 30 ºC, respectivamente 82% e 75%,

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embora, segundo Meerow (1991) e Pivetta et al. (2007), a germinação em palmeiras ocorra de forma lenta e desuniforme.

Pode-se observar que o maior IVG encontra-se na condição de temperatura ambiente (25±2 ºC) e luz contínua, sendo estes resultados semelhantes aos encontrados por Aguiar et al. (2005), quando o maior IVG para sementes de palmeira Rhapis excelsa foi encontrado em temperatura de 25ºC e os obtidos por Luz (2008) nas temperaturas alternadas de 20-30ºC e 25-35ºC e as fixas de 25ºC, 30ºC e 35ºC.

A baixa germinação média final (36%) pode ser devida às condições em que as sementes ficaram armazenadas (temperatura ambiente por até 3 meses) provocando processos que inviabilizaram sua germinação, conforme relata Luz (2008) trabalhando com sementes de A. cunninghamii.

Generalizando, Meerow (1991) comentou que temperaturas entre 20 e 40 ºC são aceitáveis para que ocorra a germinação de sementes de palmeiras, porém, melhores resultados são obtidos entre 30-35 ºC da maioria das espécies. Já Lorenzzi et al. (2004) relatou que várias espécies de palmeiras apresentam intervalo de temperatura de 24 a 28 ºC como as mais favoráveis para a germinação de sementes, sendo essa temperatura considerada ambiente, e Iossi et al. (2003) relata que as melhores condições de temperatura para germinação de Phoenix roebelenii é de 25 ºC e 30 ºC. O que para a espécie de D. decaryi comprova que as sementes colocadas para germinar em temperatura ambiente de 25±2 ºC obtiveram maior taxa de germinação.

Em relação ao percentual de emergência, o IVE apresentou um menor valor em condições de temperatura alternada, ao mesmo tempo em que as sementes apresentaram um atraso considerável na germinação. Segundo Scatena et al. (1996), a correlação positiva entre porcentagem e velocidade de emergência das sementes garante o sucesso na obtenção e no estabelecimento das plântulas.

O inicio da germinação de D. decaryi ocorreu entre o 18º ao 50º dia do início do experimento em sala de crescimento e entre o 29º ao 50º dia em câmara de germinação, como se observa no Gráfico 1.

Tempo de Germinação

0

2

4

6

8

10

12

14

1 18 22 24 26 29 33 36 40 47 50

Dias

Qua

ntid

ade

AmbienteBOD

Gráfico 1 – Tempo de germinação

De acordo com Luz et al. (2008), a germinação de D. decaryi iniciou-se no 6º dia de

experimento quando mantidas à temperatura ambiente e em alternância de temperatura (25-35

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ºC)-, sendo contrastante com o obtido no presente trabalho, pois em temperatura ambiente a germinação se iniciou no 18º dia e em câmara de germinação no 29º dia.

Loomis (1958) relatou que o período de germinação para as sementes de P. roebelenii é de, aproximadamente, 39 dias e reconhece três fatores prejudiciais às sementes de palmeiras: secagens excessivas, que provoca o enrugamento do embrião e reduz a viabilidade; fungos formados na superfície, que podem penetrar nos embriões, prejudicando a viabilidade, e a idade da semente.

A partir do 22º dia de germinação verificou-se o crescimento de fungos na superfície dos frutos, em ambos os tratamentos, o que pareceu não influenciar na germinação (Gráfico 2).

Sementes com Fungos

0

1

2

3

4

5

6

7

1 8 13 18 21 23 28 33 36 38 43 48 51

Dias

Qua

ntid

ades

Sala de CrescimentoCâmara de Germinação

Gráfico 2 – Sementes com Fungos

Nas condições da sala de crescimento ocorreu maior número de sementes com fungos entre os dias 21 e 51 após o início do experimento, o que leva a crer que sementes em temperatura ambiente possuem maior chance de contaminação do que sementes em câmara de germinação, uma vez que a BOD foi descontaminada para o experimento.

Foi observada em sementes, do gênero, Euterpe por Bovi et al. (1987) e Homechin et al. (1993) e em sementes de Maximiliana regia por Martins (1996) caso similar, porém neste último ocorrendo ao final do experimento o apodrecimento total das sementes. A presença de fungo em D. decaryi não levou ao apodrecimento como em Maximiliana regia, comprovando que sua presença não influenciou a germinação nesta espécie.

Conclusão

A presença de fungo, embora preocupante, foi insignificante. A condição de temperatura ambiente variável proporcionou o maior IVG e porcentagem de germinação das sementes de D. decaryi, enquanto na câmara de germinação, com alternância de temperatura e fotoperíodo estes valores foram significativamente menores. De acordo com os resultados obtidos a melhor condição para a germinação de D. decaryi é temperatura de 23 a 27 ºC e luz contínua.

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Stéphanie de Fátima Pereira é estudante do curso de Ciências Biológicas – Bacharelado/Ênfase Ambiental – da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Marcelo Polo é professor do Instituto de Ciências da Natureza e pesquisador associado ao Laboratório de Fisiologia Vegetal da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

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Atividade antagônica in vitro de fungos endofíticos de manguezais a fungos fitopatogênicos

Priscilla Oliveira AmaralNathália de Oliveira Souza

Mariana Araújo Costa Anne Letícia Silva Ferri

Fernanda Luiza de Souza Sebastianes Paulo Teixeira Lacava

RESUMO: Os microrganismos endofíticos habitam o interior de plantas saudáveis sem causar alterações morfológicas aparentes ao seu hospedeiro. Estes endófitos protegem os vegetais contra agressões externas, como o ataque por fitopatógenos. Os manguezais são ambientes ecológicos únicos que abrigam uma rica comunidade microbiana. Vários trabalhos têm identificado espécies de fungos de manguezais, entretanto, pouco se explora acerca dos manguezais brasileiros. O controle biológico de fungos fitopatogênicos considera vários mecanismos de ação antagônica, entre os quais estão a produção e liberação de metabólitos com ação antimicrobiana e enzimas hidrolíticas. Este trabalho visa avaliar a ação antagônica de fungos endofíticos contra fungos fitopatogênicos. Para os experimentos foram utilizados 13 fungos endofíticos isolados de manguezais pertencentes à coleção do Laboratório de Genética de Microrganismos da ESALQ/USP. A avaliação do antagonismo, consistiu na inoculação de um disco de 1 cm de diâmetro do fungo fitopatogênico a 1 cm da borda da placa de Petri contendo meio de cultura Ágar Extrato de Malte e no lado oposto da placa um disco com 1 cm de diâmetro de ágar com o fungo endofítico. O controle consistiu da incubação do disco do fungo fitopatogênico sem posterior inoculação dos microrganismos com possibilidades antagônicas. Foram utilizados cinco fitopatógenos que afetam culturas de importância econômica, encontrando vinte e um resultados positivos. Tal resultado indica o grande potencial antagônico dos fungos endofíticos isolados de manguezais. Futuramente tais isolados serão avaliados quanto à produção de enzimas extracelulares.

Palavras-chave: Controle biológico; Endofítico; Manguezal.

1. IntroduçãoO termo manguezal é frequentemente utilizado para se referir às plantas e à sua

comunidade associada. Esta última é composta por uma ampla gama de organismos pertencentes a diferentes grupos incluindo bactérias, fungos, microalgas, invertebrados, pássaros e mamíferos. Brasil, Indonésia e Austrália são os países que apresentam maior abundância desse ecossistema.

No Brasil, este ambiente pode ser encontrado desde o Cabo Orange, no Amapá, até o sul de Santa Catarina, na foz do rio Araranguá, cobrindo uma área de 25.000 km2, dos quais aproximadamente 231 km2 encontram-se no estado de São Paulo. A região da Baixada Santista, constituída pelos municípios de Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe, Praia Grande, Santos e São Vicente, apresenta 1716,6 km2 de cobertura vegetal a qual é constituída por 6% de vegetação de mangue.

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Os manguezais produzem uma grande quantidade de “lixo” na forma de folhas, ramos caídos entre outros escombros. A decomposição desse “lixo” contribui para a produção de matéria orgânica dissolvida e a reciclagem de nutrientes. Os detritos orgânicos e nutrientes podem enriquecer a água do mar. Isso é muito importante para as águas tropicais onde a concentração de nutrientes é relativamente baixa. Bactérias e fungos contribuem para a decomposição da matéria orgânica nos manguezais transformando e reciclando nutrientes.

Os fungos realizam a decomposição da matéria orgânica produzindo enzimas como celulase, xilanase, pectinase, amilase e protease, que irão degradar essa matéria. Embora exista essa inter-relação entre os microrganismos e plantas, isso é muito pouco estudado no Brasil e justifica a importância na busca de novos microrganismos produtores de compostos de interesse biotecnológico.

O Brasil apresenta seus manguezais quase inexplorados, embora esse ambiente possua condições favoráveis como nutrientes e umidade para o desenvolvimento de fungos. Portanto, são interessantes os estudos sobre a busca de novos microrganismos produtores de compostos bioativos mais efetivos, menos tóxicos e que causem menor impacto ambiental. Dessa forma, o projeto visa contribuir com o desenvolvimento do potencial biotecnológico da comunidade fúngica endofítica oriunda de plantas nativas de manguezais.

2. ObjetivosTendo em vista que os manguezais brasileiros não foram consistentemente avaliados, o

objetivo geral deste projeto será avaliar o potencial biotecnológico de fungos endofíticos de manguezais.

Foi estabelecida a avaliação do antagonismo direto de fungos endofíticos isolados de áreas de manguezais contra fungos fitopatogênicos (controle biológico).

3. Referencial teórico 3.1 Microrganismos endofíticos

Endófitos são os microrganismos representados basicamente por fungos e bactérias, cultiváveis ou não, que colonizam o interior da planta e que não causam danos aparentes ao seu hospedeiro. Podem ser do Tipo I, que não produzem estruturas externas na planta hospedeira, e do Tipo II, que produzem estruturas externas à planta (MENDES; AZEVEDO, 2007). De acordo com a etimologia da palavra, endo significa dentro e phyte significa planta. Entretanto, este conceito tem sido bastante modificado conforme a necessidade de cada autor para aplicar o termo.

Uma vez que os endófitos protegem os vegetais contra agressões externas, tais como herbivoria, ataque de fitopatógenos e estresses ambientais, eles podem ser considerados de grande importância na sanidade vegetal. Também podem ser responsáveis pela produção de uma gama de metabólitos tanto primários quanto secundários que devem estar envolvidas nas relações com o hospedeiro (BARROS; RODRIGUES-FILHO, 2005). Dessa maneira, os esforços despendidos no isolamento de microrganismos endofíticos e extração de seus compostos têm aumentado substancialmente nos últimos anos (STROBEL, 2002; NEWMASN; REYNOLDS, 2005).

Sabe-se, ainda, que os endófitos são produtores de diferentes substâncias como hormônios, antibióticos (VERMA et al., 2009), aminoácidos (KLEINKAUF; VON DOHREN, 1990), enzimas (STAMFORD et al., 1998), vitaminas, pigmentos (DEMAIN, 1992), agentes moduladores de respostas imunológicas (TRILLI et al., 1978), toxinas (BACH; KIMATI, 1999), agentes anti-tumorais (WANG et al., 2000), fatores de crescimento de plantas (ALEXOPOULOS, 1996), anti-helmínticos (RODRIGUES et al., 2000) e anti-micóticos (LI et al., 2001; Li; Strobel, 2001).

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Os antibióticos são produtos do metabolismo secundário que são secretados durante a fase estacionária do crescimento microbiano e não são diretamente essenciais à sobrevivência do organismo, podendo atuar de diferentes formas e sendo, geralmente, a interface entre o microrganismo e o ambiente. Desta forma, a interação endófito-planta pode ser classificada como mutualística, já que o microrganismo recebe nutrientes e proteção da planta e em contrapartida produz compostos químicos que, em condições de estresse do hospedeiro, podem protegê-lo.

Praticamente todas as plantas superiores possuem microrganismos endofíticos em seu interior, apesar da relação física exata entre estes ainda permanecer um tanto obscura (STROBEL, 2002). Provavelmente, os endófitos evoluíram de patógenos de plantas, já que estes microrganismos, em plantas estressadas fisiologicamente, podem causar sintomas de doença (AZEVEDO, 1999). É possível que a relação endófito-planta ocorra desde o surgimento das plantas superiores. Esta associação, através dos tempos, pode ter propiciado transferências genéticas entre endófitos e hospedeiros e vice-versa, o que permitiu um mecanismo mais rápido e seguro do endófito minimizar os estresses ambientais (STROBEL, 2002).

A penetração dos endófitos nas plantas se dá basicamente através de aberturas naturais ou feridas, sendo a raiz a principal porta de entrada (NETO et al., 2002), podendo ainda o hospedeiro produzir substâncias atrativas aos microrganismos, tais como flavonóides.

O mutualismo endofítico possui algumas generalidades que permitem que seja caracterizada esta relação, tais como a especificidade ao hospedeiro, o não desenvolvimento de sintomas de doenças, a transmissão vertical ou na falta desta, a transmissão horizontal, a colonização do interior do hospedeiro, a relação taxonômica entre o simbionte e conhecidos antagonistas de patógenos ou herbívoros; e a produção de compostos secundários pelo simbionte (CARROL, 1991). A interação entre endófito e hospedeiro pode ser ainda mutualista facultativa dependendo da relação custo-benefício resultante da infecção e a diminuição das pragas e doenças.

Os endófitos possuem grandes vantagens em relação aos microrganismos epifíticos, devido à ocupação de um nicho praticamente vago, facilidade de acesso aos nutrientes, proteção contra dessecação e contra pragas, doenças e parasitas (STROBEL, 2002). O conhecimento das relações entre a planta e o seu microrganismo endofítico pode ser de grande interesse no isolamento de novos compostos bioativos, pois para a ocorrência de uma simbiose é necessário que ocorram interações bioquímicas complexas entre hospedeiro e seu microrganismo associado. O conhecimento destas relações poderá indicar os melhores procedimentos para o isolamento de novas substâncias bioativas (STROBEL, 2002; SELOSSE et al., 2004).

Várias mudanças fisiológicas nos vegetais são relacionadas à presença de microrganismos endofíticos, e o equilíbrio entre hospedeiro e simbionte parece ser controlado por substâncias químicas (AZEVEDO, 1999). Muitos endofíticos evoluíram de rotas bioquímicas, em que seus produtos resultam em benefícios a seus hospedeiros, tais como a produção de hormônios vegetais, sendo que auxinas, abscicinas, etileno, giberelinas e cinetinas já são conhecidos por serem produzidas por vários microrganismos endofíticos (STROBEL, 2002).

Devido a todas essas propriedades, é de suma importância que sejam realizadas pesquisas visando à aplicação desses microrganismos nas mais diferentes áreas, sendo que o principal foco da utilização dos endófitos no futuro estará baseado na extração de compostos de importância biotecnológica (AZEVEDO, 1999). O estudo dos microrganismos intimamente associados a plantas deve prover oportunidades únicas para descobertas de novos sistemas biológicos e compostos promissores (STROBEL, 2002).

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3.2 O ecossistema manguezalOs manguezais consistem em ecossistemas costeiros, de transição entre os ambientes

terrestre, marinho e de água doce, sendo característicos de regiões tropicais e subtropicais e sujeitos ao regime das marés. São formados em regiões de planícies costeiras ou vales alagados, limitados por baixios em estuários delta. Constituem-se de espécies vegetais lenhosas típicas, além de micro e macroalgas, adaptadas à flutuação de salinidade e caracterizadas por colonizarem sedimentos predominantemente lodosos, com baixos teores de oxigênio (SCHAEFFER-NOVELLI, 1995). O Brasil possui de 10.000 a 25.000 km2 de manguezais, enquanto no mundo existem cerca de 162.000 km2.

Os manguezais apresentam maior desenvolvimento entre os trópicos de Câncer e Capricórnio, sendo o desenvolvimento máximo próximo à linha do Equador. Embora sejam característicos de regiões tropicais, os mangues também podem ocorrer em climas temperados, em menor proporção. As condições ideais para o desenvolvimento dos manguezais incluem temperatura média acima de 20ºC, média da temperatura mínima não inferior a 15ºC, amplitude térmica anual menor que 5ºC e precipitação pluvial acima de 1500 mm/ano, sem prolongados períodos de seca (SCHAEFFER-NOVELLI, 1995).

Nos manguezais existem plantas herbáceas, epífitas, hemiparasitas e aquáticas típicas. São plantas halófitas e possuem pneumatóforos que auxiliam na oxigenação e diminuição do impacto das ondas quando a maré está enchendo, além de adaptações fisiológicas para ultrafiltragem, secreção ativa da água salobra e reprodução por viviparidade (SCHAEFFER–NOVELLI, 1995). As árvores também se caracterizam por uma grande e permanente queda de folhas, produzindo uma rica serrapilheira e são decompostas por fungos e bactérias. Esses detritos ficam retidos no ambiente pelas raízes dos vegetais e servem de alimento para os animais, sendo à base da teia trófica iniciada pelo zooplâncton e terminada pelas aves e mamíferos (POR, 1994).

Três gêneros são predominantes nas florestas de mangue do litoral brasileiro: Laguncularia, Avicennia e Rhizophora. Podem existir ainda representantes do gênero Conocarpus que são encontradas na borda da floresta e são comuns no litoral norte. Rhizophora, conhecida popularmente como mangue-vermelho, apresenta uma casca lisa e clara que quando raspada apresenta cor vermelha. Avicennia ou siriúba possui casca lisa castanho-claro, ficando amarelada quando raspada. Laguncularia ou mangue branco apresenta folhas com pecíolo vermelho e duas glândulas na parte superior. Podem alcançar de 6m (Laguncularia) a 12m (Rhizophora e Avicennia) de altura (SCHAEFFER-NOVELLI, 1995). Geralmente Rhizophora prefere substratos de lodo puro, ocupando as faixas frente ao mar e sendo a menos tolerante ao sal, seguida por Laguncularia e Avicennia, que têm preferência por substratos mais elevados e já misturados com areia (POR, 1994; SCHAEFFER-NOVELLI, 1995).

A fauna dos manguezais é variada, sendo composta desde animais microscópicos até grandes peixes, aves, répteis e mamíferos, que são oriundos dos ambientes terrestre, marinho e de água doce, podendo ser residentes ou semi-residentes. A maior parte é proveniente do ambiente marinho, sendo representada por moluscos, crustáceos e peixes. Do ambiente terrestre provêm aves, anfíbios, mamíferos e alguns insetos (SCHAEFFER-NOVELLI, 1995). O substrato do manguezal é de lodo-arenoso a semi-líquido, possuindo muita matéria orgânica e alto conteúdo de sal (POR, 1994). Os manguezais alcançam melhor desenvolvimento em locais onde o substrato se apresenta menos consistente, com baixa declividade e granulometria fina.

Apesar da pouca diversidade encontrada no manguezal, quando comparado a outros ecossistemas como a Mata Atlântica e Floresta Amazônica, este ecossistema é considerado um dos mais ricos do mundo, em termos de biomassa (POR, 1994). A manutenção dos mangues tem grande importância social e econômica, já que são fontes de diversos recursos:

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as madeiras possuem alta densidade e resistência, podendo ser usadas na construção de barcos, casas, postes, instrumentos de pesca e como fonte de combustível. As cascas das árvores, folhas, flores e frutos possuem tanino, substância que aumenta a resistência das plantas ao consumo por herbívoros e que é utilizada na produção de tintas utilizáveis na manufatura de roupas e de substâncias úteis à indústria farmacêutica.

De forma indireta, os manguezais podem influenciar o tratamento de esgotos, a proteção da costa e o manejo de animais selvagens. Cerca de 50% dos peixes capturados ao largo das costas brasileiras são dependentes dos nutrientes provenientes dos manguezais. Para milhões de moradores do litoral, a pesca artesanal fornece a maior parte da nutrição protéica, sendo o manguezal capaz de abastecer uma população humana local (POR, 1994).

Este ecossistema também apresenta uma grande importância ecológica, já que desempenha um grande número de funções, tais como: amenização do impacto do mar na terra, controle de erosão, retenção de sedimentos terrestres do escoamento superficial pelas raízes, filtro biológico de sedimentos, nutrientes e poluentes e abrigo de animais marinhos em época de reprodução. Os manguezais apresentam grande produtividade biológica e alto teor de matéria orgânica, possuindo grande contribuição na cadeia alimentar costeira.

3.3 Fungos endofíticos em vegetais de manguezalDiferentes grupos de fungos estão presentes nos manguezais, como sapróbios e

patógenos. Porém, pouco se conhece a respeito dos fungos endofíticos nesse ecossistema (PETRINI et al., 1992; SURYANARAYANAN & KUMARESAN, 2000; KUMARESAN et al., 2002). Trabalhando com Rhizophora apiculata e R. mucronata do manguezal de Pichavaram, na Índia, Suryanarayanan et al. (1998) observaram que os fungos endofíticos mais freqüentes nestas plantas eram dos grupos mycelia sterilia e hifomicetos, seguidos de coelomicetos e ascomicetos, enquanto basidiomicetos foram ausentes. Maior densidade de colonização foi observada em seis entre os 39 táxons identificados neste trabalho.

Surynarayanan & Kumaresan (2000) estudaram fungos endofíticos de quatro halófitas: Acanthus ilicifolius, Arthrocnemum indicum, Suaeda maritima e Sesuvium portulacastrum, também no manguezal de Pichavaram, Índia. Em todas essas espécies foram isolados fungos endofíticos, totalizando 36 espécies pertencentes aos grupos hifomicetos, coelomicetos e ascomicetos. Destes, 20 ocorriam mais de uma vez nas quatro halófitas, sendo 8 em A.ilicifolius, 10 em A. indicum, 5 em S. maritima e 9 em S. portulacastrum. Em A. indicum e S. maritima, o gênero Camarosporium foi dominante, sugerindo que alguns endófitos possuiriam certa especificidade por hospedeiro.

Okane et al. (2001), estudando fungos endofíticos em folhas de Bruguiera gymmnorrhiza ao longo do rio Shiira, no Japão, observaram a presença de 296 fungos endofíticos, apresentando frequência de colonização de 50%. Os autores observaram que a frequência de colonização aumentava no período chuvoso e também com a idade das folhas.

Kumaresan & Surynarayanan (2002) analisaram a ação dos endofíticos na degradação dos detritos do manguezal em Rhizophora apiculata, sendo que nestes, as folhas mais velhas apresentaram-se mais colonizadas. Os autores constataram a produção de celulase, lacase e enzimas lipolíticas em Glomerella sp. e Pestalotiopsis sp..

Kumaresan et al. (2002) avaliaram fungos endofíticos das seguintes espécies vegetais de manguezal: Avicennia marina, A. officinalis, Aegiceras corniculatum, Bruguiera cylindrica, Ceriops decandra, Excoecaria agallocha, Lumnitzera racemos e Rhizophora mucronata, verificando que todas continham fungos endofíticos e que fungos anamórficos eram mais freqüentes que ascomicetos.

Fungos endofíticos do manguezal da Barra das Jangadas, Pernambuco foram isolados por Gomes (2007), que posteriormente realizou a caracterização enzimática destes. Foram isoladas 50 espécies de fungos, sendo Penicillium e Aspergillus os gêneros mais freqüentes.

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Das espécies testadas, 21 foram positivas para fenoloxidases, 11 para celulases e nenhuma apresentou atividade para xilanases.

Os manguezais permitem o estudo com fungos em substratos submersos, onde o número de fungos tem aumentado consideravelmente. É importante ressaltar que também espécies fitopatogênicas ocorrem em manguezais (MENDES et al., 1998).

3.4 Controle biológicoO controle biológico fundamenta-se nas interações entre microrganismos antagônicos

e patogênicos. As interações podem ser por destruição das células do patógeno da planta pela digestão, a partir de enzimas hidrolíticas produzidas pelos antagonistas (TREJO-ESTRADA et al., 1998). Os mecanismos pelos quais os endófitos podem atuar como agentes de biocontrole incluem a produção de substâncias antifúngicas e antibacterianas, produção de sideróforos, competição por nutrientes, exclusão de nicho e indução de resistência sistêmica adquirida (SELOSSE et al., 2004). Somadas a essas propriedades, estes organismos são fontes valiosas de produtos de potencial uso farmacêutico, industrial e agrícola.

Os microrganismos endofíticos colonizam um nicho ecológico semelhante àquele ocupado por fitopatógenos, o que permite seu uso como agentes de controle biológico de doenças. Esse controle biológico pode ocorrer principalmente devido a atuação direta sobre o patógeno no interior da planta hospedeira, por antagonismo, por indução de resistência sistêmica e/ou por competição por nutrientes (QUADT-HALLMANN E KLOEPPER, 1996).

Microrganismos fitopatogênicos são aqueles que causam doenças nas plantas. Rhizoctonia solani é um fungo basidiomiceto que infecta a maioria das cultivares de arroz e diversas leguminosas, inclusive a soja. Fusarium verticillioides é um patógeno primário de milho e principal produtor de fumonisinas. Este fungo pode causar perdas econômicas significativas para produtores e processadores de grãos, criadores de animais, além de representar sérios riscos à saúde humana e animal. Fusarium proliferatum é um fungo veiculado pelas sementes e grãos de milho, causando deterioração dos mesmos, morte e tombamento de plântulas, podridão de radículas, de colmo, da espiga e dos grãos. Alternaria alternata infecta hospedeiros como trigo, arroz, soja, algodão, feijão, milho, sorgo, cenoura, tomate e girassol. Ceratocystis paradoxa provoca vermelhidão, seguidos pelas áreas de podridão negra em hastes de cana de açúcar – denominado como doença do abacaxi.

4. MetodologiaO estudo utilizou fungos endofíticos – isolados de folhas e ramos – de manguezais do

litoral sul do Estado de São Paulo e fungos fitopatogênicos pertencentes à coleção do Setor de Genética de Microrganismos da ESALQ/USP.

Para a avaliação do antagonismo in vitro foram testados 13 fungos endofíticos contra cinco fungos fitopatogênicos (Fusarium verticillioides, F. proliferatum, Alternaria alternata, Rhizoctonia solani e Ceratocystis paradoxa). Todos os experimentos de antagonismo foram realizados em duplicata e mantidos a 28±1°C até que o crescimento fúngico se estabelecesse por toda a superfície do meio de cultura, após os quais foram realizadas as avaliações da inibição de acordo com uma tabela comparativa. Tal tabela classificou a inibição em total, moderada, fraca ou ausente.

O experimento foi realizado utilizando-se placas de Petri contendo o meio de cultura ágar extrato de malte – MEA (extrato de malte 6 g; maltose 1,8 g; dextrose 6 g; extrato de levedura 1,2 g; 1L de água destilada; pH 5,8; esterilizado por 15 minutos a 121°C e 1 atm). Um disco com cerca de 1 cm de diâmetro do fungo fitopatogênico foi inoculado a 1 cm da borda da placa e os discos de ágar contendo crescimento dos fungos endofíticos antagônicos foram inoculados à mesma distância da borda, no lado oposto da placa. O controle consistiu

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da incubação do disco do fungo fitopatogênico sem posterior inoculação dos microrganismos com possibilidades antagônicas (BENHAMOU; CHET, 1993).

5. Resultados e discussão

Entre os 13 fungos endofíticos selecionados para os ensaios de antagonismo in vitro, 11 apresentaram atividades antagônicas contra um ou mais microrganismo-teste utilizados (Tabela 1), correspondendo a 84,61%. Na análise de antagonismo contra o fitopatógeno R.solani houve 2 resultados positivos, consistindo em 2 inibições moderadas. Com relação ao F.verticillioides, 5 isolados endofíticos foram positivos, apresentando 1 inibição moderada e 4 fracas. Para A. alternata, 1 isolado endofítico apresentou atividade antagônica moderada e 2 inibições fracas. Já para C. paradoxa ocorreu 1 inibição fraca in vitro. Por fim, contra o fitopatógeno F. proliferatum houve 2 inibições moderadas e 8 fracas. O isolado endofítico 82/4ª apresentou inibição para 3 fitopatógenos testados, sendo o mais promissor no biocontrole.

Naturalmente, experimentos in vitro servem apenas como indicadores de mecanismos de ação do fungo antagônico, considerando-se as alterações impostas pela condição artificial na qual se realiza o estudo e as possíveis conseqüências resultantes, uma delas sendo que no campo o nível da relação provavelmente é diferente (ANDREWS, 1992; HOMECHIN, 1987). Sugere-se que os fungos endofíticos isolados de manguezais do Estado de São Paulo possuem grande potencial como agentes de biocontrole, haja visto que além de reduzir o tamanho das colônias, também demonstraram capacidade para a produção de metabólitos secundários.

Tabela 1. Resultados obtidos na “Avaliação do antagonismo direto de fungos endofíticos isolados de manguezais sobre fungos fitopatogênicos”

FungosFungos EndofíticosEndofíticos

FUNGOS FITOPATOGÊNICOSFUNGOS FITOPATOGÊNICOSR .

solaniF. verticillioides A. alternata C.

paradoxaF.

proliferatum8 04 03 04 04 02

36/3ª 04 04 04 04 0350/3ª isol. 04 03 04 04 03

54/4ª 04 04 04 04 0460/4ª 02 04 04 04 0282/4ª 04 02 02 04 03

89 02 04 04 03 0399/3ª 04 03 04 04 04

L1R4AI/29.6 04 04 04 04 03L2FA2/1ª/9.3 04 04 04 04 04

L2RA5II/1ª/39.1 04 04 03 04 03

L2RB2/1ª/40.1 04 03 03 04 03L2RB4/41.1 04 04 04 04 03

0101 Inibição totalInibição total0202 Inibição moderadaInibição moderada0303 Inibição fracaInibição fraca0404 Ausência de inibiçãoAusência de inibição

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6. Conclusões

Os resultados indicam potencial antagônico de fungos endofíticos isolados de manguezais contra fungos fitopatogênicos, pois 84,61% dos isolados testados para os ensaios de antagonismo in vitro apresentaram atividades antagônicas contra um ou mais microrganismo-teste utilizados.

O isolado 82/4ª é o mais promissor no controle de fitopatógenos que atacam culturas de importância econômica como o milho e leguminosas.

Os endófitos testados são promissores como agentes de controle biológico e na produção de metabólitos secundários. Futuramente, tais isolados serão avaliados quanto à produção de enzimas extracelulares e quanto à solubilização de fosfato.

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Priscilla Oliveira Amaral, Nathália de Oliveira Souza, Mariana Araújo Costa e Anne Letícia Silva Ferri são estudantes do curso de Biotecnologia da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Fernanda Luiza de Souza Sebastianes é professora do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" - ESALQ/USP, Piracicaba – SP.

Paulo Teixeira Lacava é professor do Instituto de Ciências da Natureza da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

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Estudo da ação citotóxica de complexos de paládio (II)para células de adenocarcinoma mamário humano

Nathália Cristina CampanellaMariana da Silva DemartiniEduardo Tonon de Almeida

Cibele Marli Cação Paiva Gouvêa

RESUMO: O câncer de mama é o segundo tipo mais freqüente e o mais comum entre as mulheres. Apesar de ser considerado de bom prognóstico quando diagnosticado precocemente, ainda não existem medicamentos eficazes para o tratamento e a cura de vários tipos de cânceres de mama, motivo este que justifica a prospecção e desenvolvimento de novos compostos com menor toxicidade e maior eficácia. O objetivo deste trabalho foi avaliar a citotoxicidade de dois complexos de paládio (II), [Pd(ca2-o-phen)Cl2], Figura 1 e [Pd(dmba)(dppp)Cl], Figura 2, para células MDA-MB-435, uma linhagem celular de adenocarcinoma mamário humano. As células foram cultivadas em meio RPMI, contendo 20% de soro fetal bovino e antibióticos, em estufa de CO2. As células (2x104 cel/mL) foram transferidas para placas de 96 poços, por 24 h para o crescimento exponencial e a seguir foram tratadas por 48 h com diferentes concentrações dos compostos. Decorrido o tempo foi realizado o ensaio da sulforrodamina B. Os resultados demonstraram que os dois compostos apresentaram atividade antiproliferativa (p<0,05) e esta foi dependente da concentração, sendo a IC50 para o composto [Pd(ca2-o-phen)Cl]2 de 15,87 µM e para o composto [Pd(dmba)(dppp)Cl] de 15,88 µM. Portanto, apesar das diferentes estruturas químicas os dois complexos apresentaram atividade similar. Assim, os compostos apresentam atividade citotóxica evidenciando seu potencial antitumoral, o que poderá auxiliar no tratamento do câncer de mama.

Palavras-chave: Câncer de mama; Células MDA-MB-435; Complexos de paládio(II).

1. Introdução

O câncer de mama, o segundo mais freqüente no mundo e o prevalente entre as mulheres, com cerca de 20% dos novos casos de câncer em mulheres. Sua incidência cresce rápida e progressivamente em mulheres a cima de 35 anos, sendo que antes desta idade é relativamente raro. As estatísticas indicam o aumento de sua freqüência tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento (INCA, 2010).

O câncer de mama é o resultado da interação de fatores genéticos com estilo de vida, hábitos reprodutivos e meio ambiente. Acredita-se que 90 a 95% dos tumores mamários sejam esporádicos (não-familiares) e decorram de mutações somáticas que ocorrem durante a vida e que de 5 a 10% sejam hereditários (familiares), devido à herança de uma mutação germinativa ao nascimento nos genes BRCA1 ou BRCA2, que confere a estas mulheres suscetibilidade ao câncer de mama (JOHNSON-THOMPSON; GUTHRIE, 2000).

A maioria dos pacientes com este tipo de tumor, apesar de uma boa resposta inicial ao tratamento, acaba desenvolvendo a doença progressiva dentro de 12-24 meses sendo que a

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sobrevida média das que possuem tratamentos endócrinos não-responsivos ou resistentes é de 18-24 meses e menos de 5% delas sobrevivem em cinco anos. Entretanto, pacientes que conseguem completa resposta ao tratamento, permanecem livres da doença por períodos prolongados, às vezes até mais de 20 anos (TOMIAK et al., 1996; O’SHAUGHNESSY, 2005). Estas sobreviventes são geralmente jovens e com metástase limitada, representando cerca de 1 a 3% das pacientes (O’SHAUGHNESSY, 2005).

O carcinoma mamário é dividido em dois tipos principais: o carcinoma mamário in situ, associado com características indolentes e expressão do receptor α de estrógeno (ER+), sendo mais freqüente na pós-menopausa; e o carcinoma mamário metastástico, caracterizado por causar metástase agressiva e não expressar o receptor α de estrógeno (ER-), sendo mais comum na pré- menopausa (INCA, 2010).

Os efeitos biológicos do estrógeno são mediados por dois diferentes tipos de receptores de estrógeno α e β. Este hormônio é um regulador para o crescimento celular normal, diferenciação das glândulas mamárias e órgãos reprodutivos, bem como para a progressão maligna. A expressão ou não do receptor α de estrógeno auxilia na classificação dos tumores, uma vez que este desempenha importante papel no controle da proliferação celular (HENDERSON; FEILGELSON, 2000; ASCENZI; BOCEDI; MARINO, 2006). Enquanto ERα foi estabelecido como o principal mediador da proliferação, o papel do ERβ permanece obscuro. Estudos relataram altos níveis de ERβ em tecido mamário normal e sua freqüente redução durante a carcinogênese (ROGER et al., 2001; PARK et al., 2003; SHAABAN et al., 2003; SKLIRIS et al., 2003).

A terapia no caso de tumores ER+ inclui a terapia hormonal e fármacos, como o tamoxifeno e o raloxifeno, que são moduladores seletivos de ERα. Porém, infelizmente, o tratamento a longo prazo com estes moduladores específicos de ERα não tem sido eficaz nos pacientes com câncer de mama, pois até um terço dos casos de câncer de mama inicialmente ER+ perdem, gradualmente, a expressão do ERα tornando os tumores resistentes à terapia endócrina durante a progressão tumoral (ALI; COOMBES, 2002; GIACINTI et al., 2006).

Os principais tipos de tratamentos para o câncer de mama incluem cirurgia, radioterapia e quimioterapia (CAROLIN; PASS, 2000). No entanto, para a maioria dos casos, especialmente aqueles que resultam em metástase, ainda não há tratamento curativo (SPORN; SUH, 2000). Assim, surgiram estudos da atividade anticancerígena de compostos inorgânicos, como por exemplo, a cisplatina que é um quimioterápico amplamente utilizado na prática clínica. Este complexo foi descrito em 1844 e, atualmente, se sabe que o seu principal alvo é o DNA, onde acontece a incorporação covalente da platina, acarretando na distorção desestabilizadora da dupla hélice. Todo este processo culmina na inibição da replicação do DNA e conseqüente efeito citostático e citotóxico (PASSINI; ZUNINO, 1987).

Apesar disto, estudos feitos em camundongos demonstram a atividade antitumoral da cisplatina acompanhada de perda de peso corporal severa (20%) (ZHOU; LI; CHAU, 2010) e principalmente alta toxicidade causada pelos distúrbios nefro-gastrointestinais e comprometimento hepático (DE LENA et al., 1987). Outros estudos mostram que alguns obstáculos enfrentados no uso da cisplatina são: o surgimento de resistência celular, devido ao polimorfismo de genes envolvidos no reparo por excisão de nucleotídeos, que revertem a lesão ao DNA, a baixa solubilidade em água e o estreito espectro de atividade, além de graves efeitos colaterais, como náusea, vômitos intensos, além de nefrotoxicidade, neurotoxicidade e ototoxicidade em variados graus. Isto deve-se ao polimorfismo de enzimas desintoxicantes da cisplatina como a glutationa-S-transferase (RYBAK et al., 2009).

Devido a estes fatores, novas substâncias estão sendo sintetizadas e estudadas nos últimos anos, principalmente aquelas contendo paládio, pois além da analogia estrutural entre os complexos de Pt(II) e Pd(II), este último é um metal menos tóxico ao organismo quando comparado à platina (NAJIM et al., 2010).

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Os complexos de paládio são promissores anti-tumorais pois apresentam alta afinidade pelo DNA e atuam como agentes intercalantes sendo que a interação covalente do Pd(II) com o N dos nucleotídeos, provoca modificações da estrutura secundária e terciária do DNA (GAO, 2007; GAO et al., 2010). A diminuição do número de células, observada após o tratamento com estes compostos, ocorre por indução da inviabilidade celular que culmina em apoptose (BARBOSA et al., 2006).

Trabalhos desenvolvidos anteriormente no laboratório evidenciaram a citotoxicidade de complexos de Pd(II) para a linhagem MCF-7 de adenocarcinoma mamário humano (ER+), sendo que os complexos [Pd(ca2-o-phen)Cl2] e [Pd(dmba)(dppp)Cl] foram os mais tóxicos. Assim neste trabalho será verificada a citotoxicidade desses dois complexos para a linhagem de adenocarcinoma mamário humano MDA-MB-435, ER-.

2. Metodologia

2.1 Complexos de Paládio (II)

Os complexos [Pd(ca2-o-phen)Cl2], Figura 1 e [Pd(dmba)(dppp)Cl], Figura 2, sintetizados na UNIFAL-MG, foram aplicados em concentrações de 0,5; 5,0 e 10,0 µM em células MDA-MB-435 para análise da proliferação celular.

EEE

ENN

Pd

Cl ClFigura 1 – Fórmula Estrutural Plana do [Pd(ca2-o-phen)Cl]2

Pd

NCH3H3C

P

PCl

Figura 2 – Fórmula Estrutural Plana do [Pd(dmba)(dppp)Cl]

2.2 Cultura e manutenção das células

As células de adenocarcinoma mamário MDA-MB-435 foram cultivadas em meio RPMI 1650,contendo 20% de soro fetal bovino inativado e antibióticos: penicilina (100 U/mL) e estreptomicina (100µg/mL). As culturas foram mantidas em estufa a 37o C em atmosfera umidificada com 5% de CO2. O meio foi substituído a cada 2 dias e após subconfluência as células foram tripsinizadas, com solução de Tripsina-EDTA 0,25% e subcultivadas.

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2.3 Tratamento das células

Após tripsinização a viabilidade celular foi determinada pelo método de exclusão do corante azul de trypan. As células (2 x 104 cel/mL) serão subcultivadas em placas com 96 poços por 24 h, para obtenção do crescimento exponencial. O meio foi removido e novo meio acrescido de soro, antibióticos e dos complexos de paládio II: [Pd(ca2-o-phen)Cl2] e [Pd(dmba)(dppp)Cl] em diferentes concentrações foram adicionados às células, que foram incubadas por mais 48 h. Os compostos sintetizados foram dissolvidos em DMSO (1 mg/mL) e foram feitas diluições seriais em água destilada até a obtenção da concentração desejada. O controle foi constituído por células incubadas em meio, soro e antibióticos. Foram utilizadas como controle positivo as células incubadas com cisplatina na concentração de 5,0 µM e os experimentos foram realizados em triplicata.

2.4 Avaliação da proliferação celular

Foi utilizada a coloração das proteínas com sulforrodamina B (SRB) para determinação do efeito dos complexos sobre a proliferação celular, de acordo com Vichai e Kirtikara (2006), com modificações. Após o tratamento das células, estas foram fixadas com 200 µL de ácido tricloroacético (TCA) a 10 % (p/v), a 4o C, por 30 min. A seguir o conteúdo do poço foi removido e o mesmo lavado com água destilada. A placa foi seca por 24 h e foram adicionados 50 µL de sulforrodamina B a 0,4 % (p/v) em ácido acético a 1% (v/v), por 30 min. Decorrido o tempo o corante foi removido e os poços lavados por 4 vezes com ácido acético a 1% (v/v). O corante foi dissolvido pela adição de 100 µL de Tris 10 µM, pH 10,5, por 30 min sob agitação e a absorbância lida a 510 nm.

2.5 Análise estatística

Os dados obtidos para os experimentos realizados foram comparados por análise de variância pelo teste ANOVA, seguido do pós-teste de Tukey, quando p < 0,05.

3. Resultados e discussão

Os tumores são constituídos por diferentes tipos celulares e o fenótipo da célula tumoral é, geralmente, um parâmetro relevante para determinação do grau de malignidade e do tratamento a ser utilizado. Tendo em vista que as células apresentam fenótipos distintos é de se esperar que a resposta a agentes quimioterápicos seja diferente (POSO-GUISADO et al., 2002).

A reatividade de compostos ciclometalados de paládio (II) de natureza dimérica com difosfinas, formando espécies como mono e binucleares, moleculares ou iônicas já é conhecida, entretanto, nenhum aspecto dos compostos utilizados neste trabalho é conhecido. No presente trabalho foi avaliado o efeito citotóxico de complexos de paládio II sobre a linguagem celular MDA-MB-435 (ER-), um modelo para o carcinoma metastático humano.

Os resultados do presente estudo indicaram que no ensaio de citotoxicidade estimado pela coloração de proteínas com sulforrodamina B (SRB) após 48 h de incubação, os compostos inibiram a proliferação das células e este efeito foi dependente da concentração, como mostra a Tabela 1. Os dois compostos exibiram efeito similar, apesar de possuírem diferentes estruturas moleculares, pois os valores de inibição da proliferação celular foram semelhantes, sendo a IC50 para o composto [Pd(ca2-o-phen)Cl]2 de 15,87 µM e para o composto [Pd(dmba)(dppp)Cl] de 15,88 µM.

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Tabela 1 – Inibição da proliferação (%) de células MDA-MB-435 tratadas por 48 h com diferentes concentrações de complexos de Paládio (II), estimada pelo teste de sulforrodamina BConcentração (µM) % inibição

[Pd(ca2-o-phen)Cl2] [Pd(dmba)(dppp)Cl]0,5 7,3a 4,8a

5,0 7,5a 10,5b

10,0 36,0b 34,1c

Letras diferentes na mesma coluna indicam diferenças estatisticamente significativas (p<0,05).

A citotoxicidade é um indicativo da atividade antitumoral de um composto, sendo que a maioria dos agentes antitumorais, utilizados na prática clínica, apresenta acentuada atividade citotóxica (LE TOURNEAU et al., 2010).

O teste de citotoxicidade utilizado neste trabalho avaliou a inibição da proliferação celular, utilizando-se a sulforrodamina B (SRB). A SRB, em condições moderadamente ácidas, se liga a aminoácidos básicos das proteínas celulares e em condições básicas se dissocia das proteínas. A ligação da SRB às proteínas é estequiométrica e a quantidade de corante extraído de células coradas com SRB é diretamente proporcional a massa total de proteína e, portanto, correlacionada com o número de células. Assim o aumento ou diminuição da absorbância indica aumento ou inibição da proliferação celular (VICHAI; KIRTIKARA 2006). Os resultados demonstraram que os compostos apresentaram citotoxicidade para as células de adenocarcinoma mamário humano MDA-MB-435.

Desde que a cisplatina [cis-diaminodicloroplatina (II)] emergiu como um dos quimioterápicos contendo metal mais empregues na clínica, muito outros complexos metalados têm sido estudados. Tem sido demonstrada a citotoxicidade para células tumorais de alguns complexos de paládio (II) do tipo [Pd(CN)(X)(L)], onde: o C-N é uma amina aromática ou alifática coordenada via átomos C e N ao Pd; L= ligante nitrogenado; X= cloreto ou acetato (CAIRES et al., 1999) e trabalhos evidenciaram que análogos do composto [Pd(dmba)(dppp)Cl] foram citotóxicos (CAIRES et al. 1999; ROCHA et al., 2007).

Acredita-se que os complexos de paládio interajam com o DNA formando adutos, que são os responsáveis por sua atividade anticancerígena, uma vez que provocam lesões mais difíceis de serem reparadas, causando citotoxicidade nas células tumorais. Wang, Okabe e Odoko (2005) demonstraram que os complexos ternários e paládio (II) com 5-halógeno-2-ácido aminobenzóico e com benzotiazol apresentam alta afinidade pelo DNA e atuam como agentes intercalantes. A interação covalente do paládio (II) com o N dos nucleotídeos provoca modificações da estrutura secundária e terciária do DNA (GAO et al., 2007). A habilidade de complexos de paládio de se ligar ao DNA e de distorcer sua estrutura sugere que o composto interfere no funcionamento normal desse componente celular, induzindo a morte celular e contenção tumoral.

O interesse no estudo desta classe de compostos reside no fato do ligante coordenado a centros metálicos permitir a geração de heterociclos, tornando possível a modificação estrutural do complexo metálico, característica muito importante para o desenvolvimento de novos compostos com atividade antitumoral. Isto permite ainda estudos da correlação entre estrutura química e atividade biológica dos complexos, permitindo a compreensão do mecanismo de ação destes. Os ligantes difosfínicos (dppp) são bases de Lewis formando complexos de paládio (II) muito estáveis, o que permite seu emprego como agentes antitumorais, pois impede a decomposição dos compostos organometálicos por vias metabólicas, até a sua ação sobre a molécula de DNA. A labilidade química dos organometálicos de Pd(II) tem impedido o emprego de outras classes deste metal como agentes antitumorais (CAIRES et al., 1999). Estudos estão em progresso em nosso laboratório para avaliar melhor o efeito antitumoral dos complexos de Pd(II).

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4. Conclusão

Os dois compostos estudados apresentaram citotoxicidade para células MDA-MB-435, diminuindo a proliferação celular. Ambos apresentam potencial antitumoral, podendo auxiliar no tratamento do câncer de mama.

Referências

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção II: Trabalhos completos

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

ZHOU, P; LI, Z; CHAU, Y. Synthesis, characterization, and in vivo evaluation of poly(ethylene oxide-co-glycidol)-platinate conjugate. Eur. J. Pharm. Sci., v. 41, p. 464-472, 2010.

Nathália Cristina Campanella é estudante do Curso de Biomedicina da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG.

Mariana Silva De Martini é mestranda em Química pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.

Eduardo Tonon de Almeida é Licenciado em Química pela Universidade Católica de Brasília, mestre e doutor em Química Inorgânica pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), professor Adjunto do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG e bolsista de produtividade 2F do CNPq.

Cibele Marli Cação de Paiva Gouvêa é graduada em Ciências Biológicas, mestre em Biologia olecular e Funcional pela Unicamp, doutora em Biologia Vegetal pela Unicamp, pós-doutora em Bioquímica, professora associada do Instituto de Ciências da Natureza da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG e bolsista do MEC-SESU.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

A construção do texto por crianças do 5º ano do Ensino Fundamental

Ana Paula

Maicon Fabio Garcia

RESUMO: Com o objetivo geral de verificar o papel da intervenção docente no processo de produção de texto por alunos em fase de aquisição da escrita e, também, com a finalidade de reconhecer como os sujeitos de pesquisa constroem um texto escrito a partir da leitura de um livro em linguagem não-verbal, essa pesquisa analisa as contribuições que a intervenção docente fornece ao processo de aprendizagem da produção textual e avalia como atividades de reescrita podem favorecer a aquisição da escrita. Tal proposta enquadra-se nas atividades do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência –PIBID, financiado pela CAPES, e que os alunos do curso de Pedagogia da UNIFAL-MG desenvolvem junto à “Escola Municipal Dr. João Januário Magalhães”, parceira do projeto, na qual as intervenções se realizam com crianças do 5º ano que possuem dificuldades na leitura e na escrita. Para realização da pesquisa tematizada por esta comunicação, como etapa inicial do trabalho, foi realizada a escolha dos livros em linguagem não-verbal pelos próprios alunos. Esclarece-se que esta pesquisa foi realizada somente com dois alunos. Eles selecionaram os seguintes livros em linguagem não-verbal: “To dentro to fora”, de Alcy, e “A caixa de lápis de cor”, de Mauricio Veneza. Após a escolha dos livros, passou-se à leitura da obra e a produção textual escrita a partir da leitura de imagens da obra. Para fundamentação das análises, recorremos aos conceitos de coesão – “A coesão textual” (KOCH, I. G. V., 2004) – e de coerência – “A coerência textual” (KOCH, I. G. V; TRAVAGLIA, L. C., 2002) – e, também, às concepções de ensino da escrita presentes em “A arte de ensinar a escrever” (CALKINS, L.; MCORMICK,1989) e em “A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo” (SMOLKA, 2008). Trata-se de um trabalho em estado inicial, de modo que não há ainda conclusões a serem apresentadas. Palavras-chave: Aquisição da escrita; Leitura; Livro de linguagem não verbal; Produção de texto.

Ana Paula e Maicon Fabio Garcia são estudantes do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG e bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID/Capes orientados pela Profª. Daniela Aparecida Eufrásio, docente do Instituto de Ciências Humanas e Letras da UNIFAL-MG.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

A resistência à leitura:o papel do professor na formação do leitor literário

Geane Cristine LeiteGiovana Carine Leite

Marcela Martins de Oliveira

RESUMO: A leitura e a escrita, no âmbito escolar, tem sido palco de grandes debates. O que ler? Como ler? Quando introduzir os clássicos da literatura? O que se pode afirmar, em um primeiro momento, é a necessidade de mudança no que diz respeito à leitura. Criar o hábito de ler faz-se necessário e é um processo longo que não deve ser ignorado. Cabe ao educador proporcionar um ambiente que leve ao prazer de ler incentivando o gosto pela leitura, tornando-a significativa na vida dos discentes e, assim, contribuir para a formação de um indivíduo com pleno domínio da leitura e da escrita (LDB, 1996). Por compreender o papel fundamental da escola na formação de leitores, esta pesquisa tem como objetivo investigar o porquê da resistência dos alunos em relação à leitura, em especial aos clássicos literários, sendo o Ensino Fundamental, em suas séries finais, o foco deste trabalho que está sendo realizado em uma instituição privada, no município de Machado, tendo como campo de pesquisa a disciplina de Literatura. Inicialmente, foram elaborados questionários a fim de se perceber como está inserida a leitura no mundo dos alunos. Através da observação participante e de intervenções propondo inferências, discussões e reflexões que apontem pistas significativas para a descoberta do texto, o educador criou oportunidades para o exercício da leitura e da escrita dos mais variados gêneros discursivos, incorporando os alunos a esta cultura desafiadora que, mesmo diante das novas práticas sociais de linguagem – MSN, Orkut, blogs –, ainda se encontram distantes do Leitor-Modelo defendido por Umberto Eco. Os resultados, parcialmente alcançados, têm se mostrado satisfatórios, pois se percebe que a resistência parte do não saber e do não perceber que o texto não porta sentido sozinho, que o texto é subjetivo e sua compreensão é sócio-cognitiva. Com a intervenção até aqui realizada, o professor facilitador já observou um significativo interesse pela leitura por parte dos discentes.Palavras-chave: Leitura; Mediação; Professor.

Geane Cristine Leite é estudante do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) e bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID/Capes.

Giovana Carine Leite é graduada em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG – Campus de Betim) e docente do Centro Educacional UNIMAPE.

Marcela Martins de Oliveira é especialista em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e docente do Centro Educacional UNIMAPE.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

A vivência dos pais em uma Brinquedoteca Hospitalar

Samantha Rosa de Paula; Soraia M. Marques Denis S. Moreira; Claudia Panizzolo

RESUMO: Atualmente, o atendimento a saúde infantil no âmbito hospitalar objetiva a minimização dos agentes estressores, tais como dor, ansiedade típica da separação, perda de controle, lesão corporal, angústia e medo, que são próprios do processo de internação das crianças e também propicia um cuidado à saúde partilhado com a família. Acredita-se que as famílias também sejam afetadas e tenham necessidades especiais geradas pela situação de hospitalização. Neste contexto, a brinquedoteca hospitalar apresenta-se como um espaço preparado para minimizar tais agentes estressores. Assim, este estudo buscou compreender a perspectiva dos pais, que acompanham seus filhos em uma unidade de internação pediátrica, a respeito da brinquedoteca e do brincar no hospital. Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório e descritivo com referencial metodológico etnográfico preconizado por Spradley e Leininger. Foram entrevistadas quinze mães de crianças internadas numa unidade de internação pediátrica de um hospital filantrópico do município de Alfenas-MG no ano de 2009. A análise dos dados permitiu verificar que a brinquedoteca hospitalar era desconhecida pela maioria dos pais. Porém, estes apoiavam a idéia do brincar no hospital. Os pais desconheciam o caráter interdisciplinar da brinquedoteca hospitalar e avaliaram de forma positiva o trabalho desenvolvido pelos alunos de Enfermagem e Pedagogia dentro do hospital. O trabalho do pedagogo também foi considerado fundamental na recuperação das crianças e, principalmente, no acompanhamento escolar realizado na brinquedoteca. Conclui-se que a brinquedoteca auxilia não só as crianças, mas, também, seus familiares no enfrentamento da situação de hospitalização, além de tornar factível a interdisciplinaridade nos serviços de saúde.

Palavras-chave: Jogos e Brinquedos; Pais; Humanização da Assistência.

Samantha Rosa de Paula é estudante do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) e bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/UNIFAL-MG) vinculada ao projeto “Brincar na Bronquetoteca: a presença/ausência da cultura lúdica infantil nas produções acadêmicas”.

Soraia M. Marques é mestre em Enfermagem e professora assistente da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG).

Denis S. Moreira é doutor em Enfermagem e professor adjunto da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG).

Claudia Panizzolo é doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), professora adjunta do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas (ICHL/UNIFAL-MG) e coordenadora do Projeto de Pesquisa/Extensão “Brinquedoteca: um espaço criativo de vivências e convivências”.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

Articulação entre formação universitáriae prática de ensino em concursos públicos

Adriana Santos Batista

RESUMO: Considerando-se que os concursos públicos têm como função selecionar profissionais para atuarem na rede pública de ensino, infere-se que, frequentemente, essas seleções fazem a mediação entre formação universitária e o trabalho em sala de aula. Assim, a constituição das provas pode oferecer indícios para compreender o que os órgãos públicos julgam pertinente cobrar da formação universitária recebida pelo candidato à vaga de professor. Nesse contexto, o presente trabalho teve como objetivo investigar como as questões de concursos públicos fazem a mediação entre teoria e prática; para tanto, foram analisadas 125 questões da parte específica, presentes em cinco provas de concursos para contratação de professores de língua portuguesa (últimos anos do ensino fundamental) em municípios da Grande São Paulo. As análises, que partiram das discussões de Pêcheux (1993) sobre as formações imaginárias e de Ginzburg (1986) acerca do paradigma indiciário, objetivaram perceber se nas questões o saber teórico encerra-se em si mesmo ou serve como meio para a discussão de situações de ensino e manifestações linguísticas. As questões foram separadas entre as que explicitavam a referência para sua formulação e as que não o faziam; dentre as do primeiro grupo, buscou-se perceber de que forma a teoria utilizada era empregada. As análises mostraram que poucas questões se valeram das discussões teóricas para tratar de aspectos linguísticos ou de ensino, prevalecendo, portanto, a abordagem que tem como finalidade verificar o conhecimento teórico do candidato.

Palavras-chave: Concurso público; Seleção de professores; Formações imaginárias.

Adriana Santos Batista é professora da Prefeitura do Município de São Paulo e mestranda em Filosofia e Língua Portuguesa na Universidade de São Paulo (USP) sob orientação do Prof. Dr. Valdir Heitor Barzotto.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

Avaliação em saúde:O processo de trabalho na atenção primária de Alfenas sob a ótica do

usuário

Lidiege Terra Souza GomesMiriam Monteiro de Castro Graciano

RESUMO: O HiperDia é um sistema de informação criado para monitoramento de hipertensos e diabéticos implantado, em 2009, no município de Alfenas – MG. A fim de descrever perfil epidemiológico de hipertensos cadastrados no HiperDia deste município, avaliar o processo de trabalho na Atenção Primária para o controle da HAS e construir índice de satisfação do usuário, realizou-se este estudo misto que, na fase exploratória, procurou caracterizar 2.134 hipertensos cadastrados. Em seguida, foi realizado estudo de inquérito, com amostra de 335 pacientes, cuja finalidade era realizar a análise frequentista e a medida de tendência. Por meio do estudo exploratório, verificou-se que do total de pacientes estimados, 74% se encontram cadastrados. Aproximadamente 62% são mulheres; 37% têm diabetes associada; 70% têm entre 40 e 69 anos de idade; 22% é tabagista e 44% sedentário; 33% apresentam alguma seqüela, sendo coronariopatia e doença renal as mais freqüentes; 40% não têm classificação de risco. Com relação ao estudo de inquérito, 67% da amostra passou mais de três (03) vezes em consulta médica no último ano; 0,5% saiu da consulta médica com a próxima agendada; 49% nunca participou de grupos de caminhada e 70% nunca participou de grupos de hipertensos; 88% afirma ter facilidade de acesso à medicação e 92% deles considera adequada as orientações de uso; 85% nunca passou por consulta de enfermagem; 86% não recebeu visita do médico e 87% não recebeu visita da enfermagem no último ano; 11% das visitas do ACS é apenas para colher assinatura. Em média, 95% da população realizaram exames de rotina, exceto ECG, realizado em 74%. 27% da população passou por avaliação oftalmológica; 23% odontológica; 18% nutricional; 13% fisioterápica; 4% psicológica; e 3% fonoaudiológica no último ano. 100% das unidades contam com a presença de um odontólogo. Dentre os pacientes avaliados por fonoaudiólogo, 80% possui 60 anos ou mais, o que representa 4,5% da população que deveria passar por esta avaliação. De modo geral, os usuários estão satisfeitos com os serviços prestados (média 8). O item com pior avaliação é que se refere à resolubilidade, que obteve média 7,7. Assim, conclui-se que existe boa cobertura de serviços. Entretanto, falhas pontuais, dentre elas de assistência de enfermagem e odontológica, não se justificam. Deficiência na avaliação do risco audiológico de idosos hipertensos deve-se provavelmente ao fato de uma única profissional se responsabilizar por 11 USF. O déficit de ECG será superado, pois novos aparelhos foram adquiridos e médicos passarão por treinamento.

Palavras-chave: Avaliação em Saúde; Atenção Primária; Hipertensão Arterial.

Lidiege Terra Souza Gomes é estudante do Curso de Enfermagem da Universidade de Alfenas – UNIFENAS.

Miriam Monteiro de Castro Graciano é docente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Alfenas – Unifenas.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

Como o trabalho de consciência fonológicapode favorecer o processo de aquisição da escrita?

Ana Caroline de Brito Evangelista

Carolina de Araújo Maia Lopes

RESUMO: Este trabalho de pesquisa foi desenvolvido no âmbito das atividades do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID (CAPES) que tem como parceira a Escola Dr. “João Januário de Magalhães” – CAIC, localizada em Alfenas – MG. O objetivo deste trabalho foi analisar a produção textual de alunos do 5º ano com dificuldades no registro escrito no que diz respeito ao domínio gráfico dos fonemas que se caracterizam por serem pares mínimos. Metodologicamente, esta pesquisa realizou-se por meio das seguintes etapas: seleção dos sujeitos de pesquisa; coleta dos textos a serem analisados, escritos ao longo das intervenções pedagógicas que realizamos no decorrer de 05 meses no CAIC; análise da evolução na escrita quanto ao domínio dos pares mínimos. Para a realização deste trabalho utilizamos como referencial teórico: CRISTÓFARO, T. Fonética e Fonologia do Português. São Paulo: Contexto, 2009; CAGLIARI, L. C. A Realidade Lingüística da Criança. São Paulo: Scipione, 2007; LAMPRECHT, R. R. Aquisição Fonológica do Português. Porto Alegre: Artmed, 2004. Estes referenciais teóricos foram utilizados tanto durante as intervenções quanto para a nossa pesquisa. Este trabalho de pesquisa apresenta-se em estágio inicial, por isso o que será apresentado nesta comunicação são resultados preliminares sobre a escrita dos sujeitos selecionados no que se refere à representação gráfica de determinados fonemas.

Palavras-chave: Aquisição da escrita; Fonologia; Fonética; Produção textual.

Ana Caroline de Brito Evangelista e Carolina de Araújo Maia Lopes são estudantes do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) e bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/Capes) sob orientação da Profª. Daniela Aparecida Eufrásio, docente do Instituto de Ciências Humanas e Letras da UNIFAL-MG.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

De uma escrita responsável:efeitos das intervenções de um orientador

Suelen Gregatti da Igreja

RESUMO: O presente trabalho toma como objeto de estudo as vicissitudes do ato de escrever uma pesquisa acadêmica. Entendemos que para produzir uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado que se sustente junto à comunidade científica na qual quer ingressar, o aluno necessita investir em um intenso trabalho de reescrita, e que o orientador do trabalho é a pessoa responsável, em certa medida, pelo grau de insistência que o aluno emprega para reescrever as versões de seu texto. Sendo assim, partimos da hipótese de que esta variação de reações frente à convocação para o trabalho por meio da escrita se deve, em grande medida, ao manejo da transferência, um fenômeno universal que surge espontaneamente em todas as relações humanas, às quais domina (FREUD, 1910 [1909]). Tendo como interesse central os efeitos da prática de orientação na escrita do texto acadêmico, tomamos a seguinte questão como mote de nossa investigação: que destino o aluno dá aos comentários, solicitações e reparos feitos por seu orientador em uma versão de seu texto que tenha sido submetida à sua apreciação? Para respondê-la, por meio do cotejamento de diversas versões de um mesmo texto, analisamos as alterações nas versões de uma dissertação de mestrado que foram geradas pelas intervenções realizadas pelo orientador. Tomamos como objeto de análise 364 versões de textos produzidas entre 2004 e 2008 por uma jovem pesquisadora de uma universidade pública brasileira. Trata-se de parte do banco de dados do projeto coletivo Movimentos do Escrito, organizado, desde 2009, por membros do Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise – GEPPEP. Interessou-nos, portanto, investigar as materializações do laço transferencial que podem ser depreendidas das ações que a aluna se dispôs (ou não) a realizar a partir das orientações recebidas. As análises preliminares permitiram inferir que os modos como a orientadora intervém ao colocar a responsabilidade pela produção escrita nas mãos de sua aluna, dão indícios posteriores de um maior cuidado com a articulação do texto, de modo a levar em consideração a necessidade de se fazer entender pelo leitor.

Palavras-chave: Escrita; Ensino superior; Transferência.

Suelen Gregatti da Igreja é mestranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – FEUSP, bolsista de mestrado do CNPq e membro do Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise – GEPPEP.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

Educação léxico-gramatical e práticas de linguagemnos anos iniciais do Ensino Fundamental

Ana Carolina Oliveira Gomes

RESUMO: Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 1997), buscamos no trabalho com “língua em uso” o ponto de partida de toda a atividade com a língua em sala de aula. Entendendo como “língua em uso” toda e qualquer produção oral ou escrita manifestada por alunos e professor, acreditamos que uma aula reflexiva de Língua Portuguesa deve estar voltada perpetuamente à análise de novas produções, ao passo que também não deve deixar de lado as regularidades que se apresentam. As regularidades, pouco ligadas às primícias norteadoras de uma gramática tradicional, voltam-se mais a uma organização da língua, matéria implícita que possibilita a existência das variâncias, que são inerentes a qualquer unidade lexical. Os conceitos desenvolvidos pelo linguista francês Antoine Culioli através da Teoria das Operações Enunciativas foram o grande baluarte de nossa pesquisa. Buscamos desenvolver um mecanismo de entendimento da linguagem que estivesse menos baseado em sua aparência externa, e mais voltado a sua forma interior e implícita. Consoante às diretrizes explicitadas nos PCN (BRASIL, 1997), também encontramos no “epilinguismo”, análise e reflexão sobre a língua voltada para o uso, o ponto de partida de qualquer atividade com a língua portuguesa em sala de aula. A definição inicial de “epilinguismo”, apresentada pelo linguista Antoine Culioli como uma “racionalidade silenciosa” – e, de certa forma, inatingível – é aquela da qual nos servimos em nossa análise, uma vez que é a concepção que mais se aproxima daquilo que observamos no comportamento das crianças (e mesmo dos adultos) quando buscam se expressar verbalmente. A partir de brechas apresentadas pelos alunos em suas contínuas produções linguísticas, a partir de novas formas de entendimento da linguagem e oportunidades por eles mesmos evidenciadas, o linguista/professor deve estar preparado para intervir e explorar, questionar a criança e desafiá-la, sem subestimar sua capacidade de entendimento que, inúmeras vezes, nos surpreende. Tornar consciente um saber inconsciente – que é do domínio do epilinguístico – é o papel do professor, e seu maior desafio. Dito isso, nos propomos a analisar duas coleções de livros didáticos muito bem conceituadas pelo PNLD – Plano Nacional do Livro Didático: “Projeto Prosa”, da Editora Saraiva, e “Pensar e Viver”, da Editora Ática. Ao final das análises qualitativa e quantitativa dos exercícios semântico-reflexivos que se apresentam nos livros, pudemos atentar para a necessidade gritante de uma revisão daquilo que ambas as coleções tomam por “sentido” e, consequentemente, dos exercícios propostos. As atividades envolvendo questões de significância estão pouco preocupadas com a variação constitutiva da língua, apontando relações de sinonímia, por exemplo. Na perspectiva que adotamos, nenhuma expressão da língua é substituível por outra sem que haja variação de sentido. Também verificamos discrepâncias entre as pretensas regularidades da gramática tradicional e o que se observa na língua em uso. Os livros ainda partem de referenciais pouco aplicáveis, como um “verbo que indica ação”. Trabalhos inteligentes de análise daquilo que “foge à regra” foram, praticamente, inexistentes.

Palavras-chave: Língua em uso; Teoria das Operações Enunciativas; Epilinguismo.

Ana Carolina Oliveira Gomes é estudante do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e bolsista do PIBIC/CNPq sob orientação da Profª. Márcia Cristina Romero Lopes (Unifesp).

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

Estudo da aplicação de argilas não plásticas da região de Poços de Caldas

Ana Gabriele Pereira Nunes; Flávio Francisco Ribeiro; Giancarlo Francesco Aiello;Lívia Marques Faustino; Luís Paulo Alves Pinto; Thamara Maria Lazanha da Cal;

Sylma Carvalho Maestrelli

RESUMO: As argilas são constituídas essencialmente por partículas cristalinas extremamente pequenas de um número restrito de minerais conhecidos como argilominerais. Uma argila qualquer pode ser composta por partículas de um argilomineral ou por uma mistura de diversos argilominerais. Além dos argilominerais, geralmente, há outros materiais e minerais que compõem a argila, tais como, a matéria orgânica, sais solúveis e partículas de quartzo, pirita, mica, calcita, dolomita e outros minerais residuais. Diante disso, as argilas assumem ampla utilização em diferentes segmentos industriais devido à variedade de suas composições e consequentes características do produto acabado. Concomitante ao processo de extração de materiais argilosos pelas indústrias, tem-se o surgimento de um problema bastante frequente nas indústrias de mineração: a presença de argilas não plásticas que não são aproveitadas e que vem sendo armazenadas em galpões e/ou em céu aberto, o que gera um elevado custo para a indústria. Assim, o presente trabalho tem como objetivo estudar a viabilidade de utilização das argilas não plásticas no setor produtivo cerâmico. Para atingir tais objetivos foi necessário o estudo aprofundado da temática, feito através de um levantamento bibliográfico abrangendo a caracterização, síntese e processamento de materiais cerâmicos, com ênfase em argilas, utilizando-se livros, apostilas, artigos, entre outros, de autores renomados na área, tais como Callister, W. D, Pandolfelli, V.C., Santos, P. S. Paralelamente ao levantamento bibliográfico, foi estudada e delineada uma experimentação, visando a resultados positivos, para que assim esta matéria-prima possa ser utilizada no mercado industrial. O procedimento metodológico baseou-se nos ensaios necessários para caracterização e devidas comparações das argilas plásticas com as não plásticas, a fim de se estudar possíveis formulações envolvendo argilas não plásticas. Estes ensaios são: difração de raios-X (DRX), dilatometria, B.E.T., distribuição de tamanho de partículas, microscopia eletrônica, plasticidade, curvas de queima e medidas de propriedades físicas, a saber: densidade real, a verde e aparente, porosidade e absorção de água e retração linear. Os primeiros ensaios vêm sendo realizados na UNIFAL e na UFSCar, em função da disponibilidade dos equipamentos. Pretende-se com o projeto contribuir em termos de qualidade ambiental e economia para as indústrias de processamento cerâmico, visto que haverá aumento da produção pelo aproveitamento de tais rejeitos que, sendo aproveitados, diminuirão os impactos ambientais. O resultado deste trabalho poderá ultrapassar os limites acadêmicos, tornando-se uma efetiva contribuição para as indústrias envolvidas em tais processos industriais.

Palavras-chave: Argilas não plásticas; Caracterizações das argilas; Formulações cerâmicas.

Ana G. P. Nunes, Flávio F. Ribeiro, Giancarlo F. Aiello, Lívia M. Faustino, Luís P. A. Pinto e Thamara M. L. da Cal são estudantes do Bacharelado em Ciência e Tecnologia da UNIFAL-MG/Campus de Poços de Caldas.

Sylma Carvalho Maestrelli é graduada em Engenharia de Materiais pela UFSCar, especialista em Engenharia Cerâmica pelo Centro Cerâmico de Bolonha/Itália, Mestre e Doutora pelo DEMa/UFSCar e professora adjunta da UNIFAL-MG/Campus de Poços de Caldas.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

Iniciação à docência de futuros pedagogos:a constituição do saber docente

Geane Cristine LeiteTatiana Vilela Alvarenga Thiers

RESUMO: Neste ano de 2010, está acontecendo a terceira edição do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Na Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL-MG participam os seguintes cursos: Ciências Biológicas, Física, Química, Letras, Matemática e Pedagogia. No início deste ano, nós, autores desta pesquisa, e mais dezoito alunos do Curso de Pedagogia, iniciamos as atividades deste programa na “Escola Municipal Dr. João Januário Magalhães” (CAIC). Durante o semestre, foram observadas ocorrências de muitas modificações nas atividades desenvolvidas, uma vez que a realidade escolar sempre traz demandas novas. Como alunas bolsistas do Programa de Iniciação à Docência, na área de Pedagogia, vivenciamos, em um semestre de atuação na escola parceira, muitas expectativas e dúvidas. Por isso, o interesse da pesquisa é verificar o que os alunos bolsistas da graduação em Pedagogia sustentam discursivamente sobre o fazer docente e como o imaginário de atuação docente destes alunos tem sido influenciado pelas discussões e atividades desenvolvidas no interior do referido programa. Para a realização desta proposta de investigação, foram seguidos os procedimentos de coleta, análise e interpretação de dados obtidos por meio da aplicação de questionários que, após a sua aplicação, passaram por uma análise preliminar e, em seguida, por uma análise contrastiva para a comparação dos questionários com relatórios elaborados pelos alunos bolsistas, nos quais há a descrição e análise das atividades desenvolvidas exigidas pelo PIBID. Os dados que serão apresentados nesta pesquisa concernem ao material descrito – questionários e relatórios – de dois alunos bolsistas, escolhidos para serem nossos sujeitos de pesquisa por terem apresentado dados relevantes para o tema da presente investigação. Utilizaremos como fundamentação teórica os trabalhos da análise do discurso, mais especificamente de Michel Pêcheux e de outros autores que seguem a mesma linha teórica.

Palavras-chave: Docência; Expectativas; Imaginário.

Geane Cristine Leite e Tatiana Vilela Alvarenga Thiers são estudantes do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) e bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/Capes) sob orientação da Profª. Daniela Aparecida Eufrásio (ICHL/UNIFAL-MG).

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

O Ensino e a Formação de Professores de Tétum no Timor Leste

Francisca Maria Soares dos Reis

RESUMO: O presente trabalho surge a partir de uma reflexão sobre os parâmetros curriculares e os programas do ensino de língua Tétum e Português como línguas oficiais em Timor -Leste. Implementar a língua Tétum como língua oficial no ensino em Timor Leste é uma grande preocupação tendo em vista que o português está sendo mais desenvolvido nas escolas do que o Tétum. Nos programas de ensino das línguas Tétum e Português é possível encontrar uma grande diferença entre os espaços reservados a cada uma delas. Também falta a formação de professores de Tétum. São desafios que devem ser vencidos para continuar a apostar no ensino e na prática da língua Tétum. Sendo assim, faz-se necessário criar condições para assegurar uma formação contínua de todos os professores de língua Tétum. A língua Tétum deve ser a grande prioridade, pois os professores timorenses devem ser proficientes na língua co-oficial do país, tanto na oralidade como na escrita e competentes em metodologia, sobretudo em termos de estratégias de ensino-aprendizagem do Tétum. Os professores seriam responsáveis em aprender e ensinar em língua Tétum, que é a segunda língua materna e língua oficial dos timorenses. Desta forma, pode-se garantir que o ensino de Tétum contribua para assegurar a afirmação da identidade e expressões culturais do país. A análise será realizada a partir de documentos formais da educação timorense. A concepção teórica que oferece subsídios para este trabalho é a abordagem de Paulo Freire sobre educação problematizadora e interação entre o professor e aluno na sala de aula. Defendemos que, para que o Tétum seja desenvolvido, é preciso que exista formação específica na universidade para professores desta língua, pois usar a língua mais familiarizada pelo aluno certamente propiciará uma interação mais eficaz. Acreditamos que o resultado de nossa reflexão esteja na indicação de um caminho para o diálogo entre a Universidade e a escola básica, e entre os professores e os alunos em sua própria língua.

Palavras-Chave: Língua Tétum; Papel do professor; Procedimentos de ensino; Formação do professor.

Francisca Maria Soares dos Reis é graduada em Letras (Língua Inglesa), Bacharel em Matemática e Especialista em Gestão Educacional Pela Universidade Nacional Timor Loro Sa’e, e Mestranda em Educação (Linguagem e Educação) pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP).

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

O ensino de língua portuguesa constitui uma disciplina?

Daniela A. EufrásioFabiana de Oliveira

Pricila Oliveira Silvério

RESUMO: Esta comunicação apresenta um panorama dos trabalhos realizados no interior do Projeto de Pesquisa “Disciplinas da Licenciatura voltadas para o Ensino de Língua Portuguesa”. Este projeto, que envolve diversos pesquisadores de diferentes instituições, tem apresentado mais de um viés de trabalho e de pesquisa. Nesta comunicação, serão apresentados alguns resultados preliminares alcançados no interior do referido projeto. Como problema de pesquisa, focalizamos a investigação sobre as disciplinas de método e prática de ensino de língua portuguesa ofertadas em cursos de Letras e Pedagogia de Instituições de Ensino Superior (IES) públicas do Estado de Minas Gerais. É sabido que nas dinâmicas curriculares constituintes dos cursos supracitados inclui-se, ao menos, uma disciplina que se propõe a apresentar um panorama sobre o que seja o ensino de língua portuguesa. Esta disciplina, comumente, apresenta carga horária teórica e carga horária de estágio curricular. O objetivo da presente pesquisa é verificar qual a configuração e mesmo que nomenclatura tem recebido esta disciplina nas diversas IES públicas de MG, que ofereçam os cursos de Pedagogia e Letras. Para o desenvolvimento deste trabalho investigativo, temos nos apoiado, principalmente, no referencial teórico de Michel Foucault, mais precisamente em A ordem do discurso (2004). Deste referencial, extraímos o conceito de “disciplina”, a fim de verificar se, quanto às matérias curriculares que tratam de método e prática de ensino de língua portuguesa, podemos afirmar que há a constituição de um campo discursivo que poderia ser nomeado enquanto “disciplina”, no sentido que Foucault dá a este conceito. Na análise do corpus, constituído por dinâmicas curriculares dos cursos de Pedagogia e Letras e programas de ensino das disciplinas que tratam sobre ensino de língua materna, dedicamo-nos, em primeiro lugar, a verificar quais são as convergências e divergências quanto ao que se define enquanto objeto de estudo, metodologia pertinente, proposições basilares e referencial teórico. Em segundo lugar, avaliamos de que modo os traços convergentes e divergentes sinalizam um campo discursivo que poderia ser intitulado como “disciplina”. No atual momento, a análise dos dados encontra-se em fase inicial e, por isso, esta apresentação pretende expor os indícios que puderam até então ser sistematizados e de que modo eles sinalizam uma resposta para a pergunta de investigação deste trabalho.

Palavras-chave: Ensino de língua portuguesa; Disciplina científica; Formação de professores.

Daniela A. Eufrásio é docente da UNIFAL-MG, pesquisadora do projeto “Disciplinas da Licenciatura voltadas para o Ensino de Língua Portuguesa” financiado pela FAPEMIG, membro do GEPPEP e do GEPCEP.

Fabiana de Oliveira é docente da UNIFAL-MG, pesquisadora do projeto “Disciplinas da Licenciatura voltadas para o Ensino de Língua Portuguesa”, financiado pela FAPEMIG e membro do GEPCEP.

Pricila Oliveira Silvério é estudante do Curso de Pedagogia da UNIFAL-MG, bolsista do Projeto de Pesquisa “Disciplinas da Licenciatura voltadas para o Ensino de Língua Portuguesa”, financiado pela FAPEMIG e membro do GEPCEP.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

O que é o ato de ler para os mediadores de leitura?

Adriana Fernandes

Dulciene Silva Oliveira

RESUMO: O presente trabalho busca verificar qual é a concepção de leitura das mediadoras de leitura do Projeto de Extensão “Ler, uma eterna aventura” da UNIFAL-MG. Este projeto, que se desenvolve em instituições que acolhem/assistem crianças em situação de risco social, visa à socialização e a aprendizagem por meio da leitura e pela vivência com textos literários que permitam uma forma de mediação com o mundo e com os outros mediante a linguagem literária. As mediadoras de leitura são capacitadas por meio de oficinas para a ampliação do conhecimento sobre livros e literatura infanto-juvenil, discussão sobre estratégias para abordar crianças e adolescentes em situação de risco social, estratégias de trabalho com os livros e uma reflexão sobre a implementação de todas as fases do projeto de extensão. Todas as oficinas são coordenadas por profissionais especialistas nas temáticas em discussão. Para desenvolvimento desta pesquisa, foram aplicados questionários. O questionário que foi aplicado às mediadoras, para posterior análise, interpretação dos dados e apresentação dos resultados, foi elaborado com base na observação direta extensiva para a obtenção de medidas de opinião e atitudes (LAKATOS, E.; MARCONI, M. Fundamentos de Metodologia Científica. 2009, p. 203) por meio de perguntas abertas para respostas livres e emissão de opiniões, utilizando linguagem própria. Na análise e interpretação dos dados coletados, mediante o questionário, foram consideradas questões relativas à concepção de leitura das mediadoras, suas opiniões sobre a função e a importância da leitura para crianças e adolescentes em situação de risco social, bem como relatos das suas experiências no Projeto de Extensão. Com isso, procuramos verificar a compreensão das mediadoras segundo a visão do acesso à literatura como um direito “incompressível” e uma necessidade humanizadora e formadora da personalidade, conforme Antonio Candido em O direito à literatura (1995, p. 241 e 248-249). Sendo a mediação de leitura uma estratégia facilitadora de aproximação, de acolhimento e inclusão social, propiciando ainda o despertar do prazer da leitura e contribuindo no processo de aprendizagem, torna o leitor um elemento ativo no processo da leitura, operando com o texto através de atividade cooperativa de recriação, pois o texto se completa com o ato da leitura na sua potencialidade significativa (BRANDÃO, H.; MICHELETTI, G. Aprender e ensinar com textos. 1997, p. 18-19). Assim, pretendemos apresentar como resultados desta investigação as concepções de leitura presentes no discurso das mediadoras de leitura do referido programa.

Palavras-chave: Concepção de leitura; Mediação de leitura; Literatura infanto-juvenil.

Adriana Fernandes e Dulciene Silva Oliveira são estudantes do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) vinculadas ao Projeto de Extensão “Ler: uma eterna aventura” coordenado pela Profª. Daniela Aparecida Eufrásio (ICHL/UNIFAL-MG).

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

O trabalho com reconto de textos infantis

Patrícia Abreu Cassette Paiva

Patrik Raquel Pereira

RESUMO: Este trabalho se propõe a refletir sobre os benefícios que a atividade de reconto podem trazer para a formação de leitores em fase da aquisição da escrita. O desenvolvimento deste trabalho ocorre no contexto das atividades do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/Capes), criado com a finalidade de valorizar o magistério oferecendo bolsas para aprimorar a formação docente e contribuir para elevação do padrão de qualidade da educação básica. São assistidos por este projeto alunos do 5º ano da Escola Municipal João Januário de Magalhães (CAIC), escola voltada ao atendimento de crianças de classe média baixa e baixa. O trabalho desenvolvido no PIBID pelos alunos do curso de Pedagogia dá-se por meio de intervenções, acompanhadas pela coordenação, realizadas duas vezes por semana na escola parceira. Estas intervenções aconteceram entre os meses de maio e julho, com várias atividades para auxiliar no desenvolvimento da prática da escrita e da leitura, a fim de tornar os estudantes proficientes nos usos escritos da língua materna. Considerando o ângulo metodológico, o trabalho foi planejado da seguinte forma: em primeiro lugar, escolheu-se duas crianças, uma com domínio maior sobre leitura e escrita, e outra que ainda encontra dificuldades, tanto para ler, quanto para escrever. Escolhemos duas histórias, aparentemente fáceis de serem contadas e solicitamos que as crianças escolhidas as recontassem enquanto gravávamos o que nos era narrado em áudio para posterior análise do material. Para essa análise, utilizamos os seguintes referenciais teóricos: Os Gêneros do Discurso (BAKHTIN, 2000), Aprender e ensinar com textos didáticos e paradidáticos (BRANDÃO; MICHELETTI, 1997) e A produção da leitura e suas condições (ORLANDI, 1999).

Palavras-chave: Reconto; Formação de leitores; Aquisição da escrita.

Patrícia Abreu Cassette Paiva e Patrik Raquel Pereira são estudantes do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) e bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/Capes) sob orientação da Prof. Daniela Aparecida Eufrásio (ICHL/UNIFAL-MG), coordenadora da área de Pedagogia junto ao PIBID/Capes da UNIFAL-MG.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

Produção de etanol a partir da lactose presente no soro de leite:ensaios preliminares

Caroline da Costa Gonçalves; Marina Julio Pinheiro; Mirabelle Perossi Cunha;Natália de Souza Pereira; Pâmela Talita do Couto;

Rafael Eduardo de Oliveira Flausino;Raphael Rodrigues Faleiros; Susana Lordano Luiz; Wismar Carlo Zanella;

Roni Antônio Mendes; Rodrigo Fernando Costa Marques.

RESUMO: A demanda crescente por biocombustíveis tem estimulado pesquisas neste setor em todo o mundo. O etanol é um biocombustível que pode substituir o petróleo utilizado por veículos leves; entretanto, é necessário aumentar a sua produção. Tipicamente, o etanol é produzido a partir da fermentação da sacarose (cana-de-açúcar) ou amido (milho). A levedura Sacaromices cerevisae é o principal microorganismo utilizado no processo de fermentação da sacarose. A lactose é um dissacarídeo, encontrado no leite, e também no soro de leite. Formada por uma molécula de glicose ligada a uma molécula de galactose por ligação glicosídica do tipo β(1,4), não é um açúcar fermentescível pelo Sacaromices cerevisae, pois este microorganismo não possui a enzima B-galactosidase. Esta enzima é responsável por quebrar a ligação glicosídica promovendo a liberação da glicose e da galactose. Os monossacarídeos resultantes poderiam ser transformados em etanol pela levedura. Portanto, a adição da B-galactosidase a uma solução de lactose, na presença da levedura, pode proporcionar a produção de etanol. Entretanto, o fato da enzima ser hidrossolúvel e perdida durante o processo, torna inviável este procedimento do ponto de vista econômico. Minas Gerais é o estado brasileiro que apresenta a maior produção de leite e possui um grande número de laticínios de pequeno e médio porte. O soro de leite é um efluente que contém altos teores de lactose, e se houvesse um processo econômico viável, poderia ser aproveitado para a produção alternativa de etanol. O objetivo deste trabalho é estudar as condições ótimas para se imobilizar a enzima B-galactosidase sobre a superfície de nanopartículas magnéticas funcionalizadas com APTS. A imobilização da enzima permitiria a sua recuperação e poderia tornar viável economicamente a produção de etanol a partir do soro de leite. Até o presente momento, as nanopartículas magnéticas foram preparadas através do processo de co-precipitação e passaram pelo processo de funcionalização com APTS. A funcionalização com APTS é necessária para permitir a ligação da enzima na superfície das nanopartículas. As nanopartículas foram analisadas por espectroscopia vibracional na região do IV, e o espectro apresentou bandas referentes aos grupos amina do APTS, indicando que o procedimento de funcionalização foi eficiente.

Palavras-chaves: Etanol; Soro de leite; Nanopartículas magnéticas.

Caroline da C. Gonçalves, Marina J. Pinheiro, Mirabelle P. Cunha, Natália de S. Pereira, Pâmela T. do Couto, Rafael E. de O. Flausino, Raphael R. Faleiros, Susana L. Luiz e Wismar C. Zanella são estudantes do Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia – UNIFAL-MG – Campus de Poços de Caldas.

Roni Antônio Mendes e Rodrigo Fernando Costa Marques são professores do Instituto de Ciência e Tecnologia – UNIFAL-MG – Campus de Poços de Caldas.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

Professores alfabetizadores e o uso dos subsídios didáticos

Maria Eliete Cassiano MoreiraAna Cristina Gonçalves de Abreu Souza

RESUMO: O presente trabalho mostrará resultados alcançados pelo Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado em 2010, intitulado Professores alfabetizadores e o uso dos subsídios didáticos. A pesquisa discute a formação de professores alfabetizadores com foco em seus pressupostos em relação ao subsídio didático e aos saberes necessários para a utilização do material assumido pela rede estadual de Minas Gerais como sistema de orientação ao processo educativo. Levantamos dados que nos mostraram a perspectiva dos professores em relação aos subsídios didáticos, com o objetivo de analisar a concepção dos professores referente ao uso deste material, bem como os saberes necessários. A metodologia pautou-se numa abordagem qualitativa: utilizamos instrumentos como a observação e questionários, e contamos com a participação de professoras alfabetizadoras da rede pública estadual do município de Alfenas em exercício no ano de 2009 e que atuavam no 3° ano do Ciclo Inicial de Alfabetização. Para tanto, serviu-nos como embasamento teórico: Albuquerque (2008), Ferreira (2008), Morais (2008), André (2001), Elias, (2000), Ferreiro (2001, 1997,1990), Freire (2007, 1983), Marques (2002, 2004), Minas Gerais (2005, 2008), Soares, (2005, 2003), Teberosky (1990), Teberosky e Cardoso (1990), Weisz, (2002). Mediante as análises feitas dos subsídios didáticos e do conhecimento dos professores a respeito, constatamos que ocorreram equívocos tanto na implementação dos materiais, como no processo de formação dos professores para uma nova proposta didática. Assim, chegamos à conclusão de que a formação de professores deve acontecer antes de utilizar um subsídio didático, visto que o professor não é um aplicador de técnicas. As ações de formação devem contribuir para o fortalecimento da construção da autonomia docente.

Palavras-chaves: Alfabetização; Prática pedagógica; Materiais de alfabetização; Saber docente.

Maria Eliete Cassiano Moreira é graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) e professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede pública estadual de Minas Gerais no município de Alfenas.

Ana Cristina Gonçalves de Abreu Souza é doutoranda em Educação: Currículo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), professora e pesquisadora do Instituto de Ciências Humanas e Letras da UNIFAL-MG.

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Anais do VII Seminário sobre Leitura e Produção no Ensino SuperiorSeção III: Resumos de comunicações

Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG – 2010

Projeto “Rio Machado”:a interdisciplinaridade como campo de leitura e produção

Geane Cristine LeiteGiovana Carine Leite

Marcela Martins de OliveiraTatiane Rabelo Lapa Santos

RESUMO: No tempo em que a leitura e a produção de texto tornaram-se o grande desafio das escolas, o exercício de ler e compreender são hoje obstáculos a serem superados. Vivemos no mundo de diferentes linguagens e é preciso saber interpretá-las. A cada dia temos mais alunos que praticam a oralidade e a escrita sem ao menos compreender e atribuir significados aos textos que lêem e produzem, o que interfere em sua participação plena na sociedade. A partir desta concepção de leitura, nós, professoras de uma escola particular da cidade de Machado, procuramos investigar o movimento da construção da leitura e produção de texto no contexto de projetos interdisciplinares. Por acreditar que, em todas as áreas, é possível ensinar a ler e a escrever é que o projeto ambiental denominado “Rio Machado: Conhecer para Preservar” tornou-se o campo da investigação. Esta pesquisa foi realizada no período de março a junho de 2010, com alunos das séries finais do Ensino Fundamental. Para desenvolvimento desta investigação, primeiramente, foi realizado um diagnóstico através da criação do slogan do projeto a fim de verificar a concepção dos alunos em relação ao tema. Posteriormente, foi proposta a criação de contos, lendas e poesias direcionadas ao contexto trabalhado durante o projeto. A partir dos materiais coletados avaliou-se que, a princípio, os alunos mostraram dificuldade em expressar os conhecimentos prévios sobre o Rio Machado. No entanto, ao propor a produção de textos sugeridos ao final do projeto, verificou-se uma rica atribuição de significados sobre o tema, o que contribuiu para o aluno reconhecer-se em seu meio social facilitando a argumentação, reflexão e atuação crítica no desempenho da leitura e da escrita.

Palavras-chaves: Leitura; Produção de texto; Projetos interdisciplinares.

Geane Cristine Leite é estudante do Curso de Pedagogia da UNIFAL-MG e bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/Capes).

Giovana Carine Leite é graduada em Ciências Biológicas pela PUC/MG – Campus de Betim e professora do Centro Educacional UNIMAPE

Marcela Martins de Oliveira é especialista em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professora do Centro Educacional UNIMAPE. Especialista em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora.

Tatiane Rabelo Lapa Santos é estudante do Curso de Pedagogia da UNIFAL-MG e bolsista de Iniciação Científica da FAPEMIG.

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