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Universidade Federal do Tocantins - UFT Campus Universitário de Miracema Curso de Pedagogia GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL EDURURAL Vânia Maria de Araújo Passos Diretora do Câmpus Antonio Miranda de Oliveira Coordenador do Grupo EDURURAL Rosemeri Birck Coordenadora do Curso de Pedagogia ANAIS DO V SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL EDURURAL PESQUISA EM EDUCAÇÃO: DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES NA TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA PEDAGOGIA E DA GEOGRAFIA 25 a 27 de Junho de 2014- UFT- Câmpus de Miracema Miracema do Tocantins - TO 2014 Copyright © 2014 - Universidade Federal do Tocantins Todos os direitos reservados www.uft.edu.br

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Universidade Federal do Tocantins - UFT

Campus Universitário de Miracema

Curso de Pedagogia

GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL – EDURURAL

Vânia Maria de Araújo Passos – Diretora do Câmpus

Antonio Miranda de Oliveira – Coordenador do Grupo EDURURAL

Rosemeri Birck – Coordenadora do Curso de Pedagogia

ANAIS DO V SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO

RURAL – EDURURAL

PESQUISA EM EDUCAÇÃO: DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES NA TRAJETÓRIA

HISTÓRICA DA PEDAGOGIA E DA GEOGRAFIA

25 a 27 de Junho de 2014- UFT- Câmpus de Miracema

Miracema do Tocantins - TO

2014

Copyright © 2014 - Universidade Federal do Tocantins – Todos os direitos reservados

www.uft.edu.br

Câmpus Universitário de Miracema

GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL-EDURURAL

Av. Lourdes Solino, S/N, Setor Universitário

CEP: 77.650-000

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do Tocantins – SISBIB/UFT

F493b

Fundação Universidade Federal do Tocantins.

Seminário do Grupo de Pesquisa Educação, Cultura e Mundo Rural, 5: Pesquisa em

Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 25 a 27

de junho de 2014 / Coordenação Geral: Antonio Miranda de Oliveira. – Miracema do Tocantins,

TO, 2014.

Grupo de Pesquisa Educação, Cultura e Mundo Rural – EDURURAL

ISBN: 978-85-63526-61-8

1. Educação - Seminário. 2. Educação Rural - Seminário. 3. Programas Especiais - Seminário.

I. Título. II. Oliveira, Antonio Miranda de (Coord.). III. . Grupo de Pesquisa Educação, Cultura e

Mundo Rural – EDURURAL.

CDD 370

Bibliotecário: Edson de Sousa Oliveira

CRB-2 / 1069

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – A reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por

qualquer meio deste documento é autorizado desde que citada a fonte. A violação dos direitos do autor

(Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

V SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL –

EDURURAL

PESQUISA EM EDUCAÇÃO: DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES NA TRAJETÓRIA

HISTÓRICA DA PEDAGOGIA E DA GEOGRAFIA

25 a 27 de Junho de 2014- UFT- Câmpus de Miracema

Grupo de Pesquisa EDURURAL: [email protected]

Telefone: (63) 3366-8640

Comitê Técnico-Científico

Dr. Antonio Miranda de Oliveira

Dra. Juciley Silva Evangelista Freire

Ms. Layanna Giordana Bernardes Lima

Dra. Elzimar Pereira Nascimento

Ms. Dilsilene Maria Aires de Santana

Dr. Alessandro Rodrigues Pimenta

Comissão Organizadora

Antonio Miranda de Oliveira – Coordenador

Layanna Giordana B. Lima;Alessandro Rodrigues Pimenta

Fábio Pessoa; Elzimar Pereira Nascimento

Cleivane Reis; Marinêz Alexandrina de Almeida e Souza

John David Ribeiro Santos; José Luis Santana Nunes

Samuel de Queiroz Gomes; Marta Helena Kurishama; Maria de Fátima Ferreira Teles Pereira

Jéssica Ribeiro Santos; Wislyana Ferreira Santos; Keila Tavares Silva; Gilmar da Silva Nascimento;

Ana Corina Spada; Bruna de Oliveira; Karla Mireli Souza Teles; Luciana Rodrigues Torres;

Miracema do Tocantins

2014

SUMÁRIO DE TEXTOS

GEOGRAFIA ........................................................................................................................ 08

Educação e Ação comunicativa na recepção de Habermas diante da dualidade rural e urbano

José Manoel Miranda de Oliveira ............................................................................................ 08

Campesinato, Educação e identidade territorial no Tocantins ...............................................

Antonio Miranda de Oliveira ................................................................................................... 18

O ensino de Geografia: perspectivas atuais............................................................................

Ricardo Ferreira Miranda ........................................................................................................ 53

Aula de campo: as categorias geográficas no ensino da Geografia .......................................

Rutileia Carvalho Xavier ......................................................................................................... 65

Eduardo José Cezari ................................................................................................................

PEDAGOGIA: ....................................................................................................................... 75

A condição humana, ética e disciplina na escola ....................................................................

Andrea de Jesus Pereira ........................................................................................................... 75

Antonio Miranda de Oliveira ...................................................................................................

Da educação como formação humana e política à formação de professores e saberes

necessários ..............................................................................................................................

John David Ribeiro Santos ...................................................................................................... 91

As representações do negro e indígena nos livros didáticos ..................................................

José Luis Santana Nunes ..........................................................................................100

Evasão escolar absoluta no Curso de Pedagogia/Miracema na percepção institucional e da

comunidade universitária

Karine Alves Feitosa..................................................................................................107

Educação e Serviço Social ......................................................................................................

Keila Tavares Silva...................................................................................................112

John David Ribeiro Santos ......................................................................................................

O sentido social da pré-escola – um estudo a partir da concepção de professores ...............

Luciane Pereira da Costa Ribeiro..............................................................................119

Ana Corina Spada ....................................................................................................................

Pensando a Formação continuada de professores para a educação infantil .........................

Tatiane da Costa Barros............................................................................................139

Maria José de Pinho .................................................................................................................

EDUCAÇÃO DO CAMPO: ..................................................................................................

Práticas escritas no programa Projovem Campo – Saberes da Terra ...................................

Cícero da Silva..........................................................................................................148

Sandra Maria de Sá Pereira .....................................................................................................

A concepção pedagógica de educação rural dos “novos bandeirantes” ...............................

George Leonardo Seabra Coelho.................................................................................167

O Estado da arte em educação e mundo rural: a produção do conhecimento no âmbito da

UFT/Câmpus de Miracema – 2002-2012 ................................................................................

Gilmar da Silva Nascimento........................................................................................188

Rural e Urbano: ideias sobre uma dicotomia .........................................................................

Elzimar Pereira Nascimento Ferraz.............................................................................201

Histórico de um percurso consolidado de nucleação de escolas brasileiras (1989-1999)

Suze da Silva Sales....................................................................................................218

Reflexões de uma experiência realizada no Programa Projovem Campo – Saberes da Terra

no Assentamento Paulo Freire – município de Rio dos Bois –TO ..........................................

Madalena Varzinha F. M. Costa..................................................................................233

Vânia Resende Moraes ............................................................................................................

LITERATURA E EDUCAÇÃO................................................................................250

O aprendizado inicial da leitura e da escrita em O Menino que aprendeu a ver, de Ruth

Rocha

Clerislene da Rocha M. Nogueira...............................................................................250

Filosofia e Literatura: saberes que se inter-relacionam .........................................................

Jéssica Ribeiro dos Santos...........................................................................................267

Silvânia Corsino Santos ...........................................................................................................

Ding, A Gotinha: Experimentos e dinâmicas a partir do texto de literatura infantil .............

Francisleia Barbosa dos Santos...................................................................................277

Inoan Batista Lima ..................................................................................................................

Luciano de Jesus Gonçalves ....................................................................................................

Visibilidade e enunciabilidade: rosto, rastros e cores na capa da Revista Veja ....................

Maria Irenilce Barros Rodrigues.................................................................................282

Cleudemar Alves Fernandes ....................................................................................................

QUESTÃO INDÍGENA: .......................................................................................................

Estado da arte dos Akwê/Xerente no Estado do Tocantins .....................................................

Layanna Giordana B. Lima.........................................................................................294

Processos históricos e culturais da política nacional indigenista no Estado do Tocantins ...

Lilian Morais Oliveira................................................................................................303

As contribuições dos ritos Krahô no processo de ensino e aprendizagem das crianças da

Escola 19 de Abril ...................................................................................................................

Marcilene de Assis Alves Araújo................................................................................321

Francisco Edviges Albuquerque ..............................................................................................

APRESENTAÇÃO

O Grupo de Pesquisa Educação, Cultura e Mundo Rural – EDURURAL foi

constituído em 2007 e, atualmente, encontra-se organizado em quatro linhas de pesquisa:

Educação e Mundo Rural; Cultura Camponesa; Educação e cultura indígena; e infâncias e

educação no mundo rural. O interesse principal do grupo é a compreensão, o estudo, a

reflexão e a elaboração de conhecimento acerca das questões relacionadas à ideia de que no

Brasil, no Tocantins e em Miracema, o avanço do capitalismo no campo traz profundas

modificações políticas, sociais, econômicas e culturais no espaço tocantinense. Tais mudanças

trazem outras exigências para a compreensão da educação, da escola, da cultura, do mundo

rural, bem como, do próprio homem rural com seus diferentes modos de construir e

reconstruir sua existência em conexão com o contexto mais amplo da sociedade na qual vive.

Como espaço para o debate e o aprendizado da pesquisa o Grupo já realizou quatro

seminários de pesquisa (em 2008, 2009, 2010 e 2011). No último Seminário, realizado em

2011, o Grupo trouxe para o debate a temática dos mundos que dialogam a partir da literatura,

da música, da religiosidade e da cultura no mundo rural.

Em 2014, no V Seminário, colocamos para os debates a pesquisa em educação a partir de duas

áreas que precisam estreitar seus laços de diálogos: a Pedagogia e a Geografia. Assim, a

temática do V Seminário de Pesquisa do Grupo EDURURAL é: PESQUISA EM

EDUCAÇÃO: DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES NA TRAJETÓRIA HISTÓRICA

DA PEDAGOGIA E DA GEOGRAFIA. O evento foi realizado no período de 25 a 27 de

junho de 2014 e teve como objetivo principal conhecer a produção acadêmica nesta área e

proporcionar debates e reflexões acerca da educação, da cultura e do mundo rural e seus

sujeitos mediados pelo pensar da Geografia e da Pedagogia em suas distintas experiências de

pesquisa no espaço Tocantinense atual.

O seminário foi organizado em duas conferências e quatro mesas-redondas que contou

com a presença de docentes de seis câmpus da UFT envolvendo cursos de graduação e pós-

graduação (Arraias, Miracema, Tocantinópolis, Porto Nacional, Palmas e Araguaína) e ainda

docentes da UFG-IESA e da UFSCar.

Foram aprovados vinte e seis trabalhos na forma de artigo completo. Os trabalhos

estão articulados com a produção acadêmica de docentes e discentes dos cursos de graduação

e pós-graduação da UFT e de outras universidades, bem como de egressos da UFT

(especialmente do Curso de Pedagogia do Câmpus de Miracema), além de professores das

redes públicas municipais e estadual do Tocantins.

Os textos estão organizados em cinco grandes temas: Geografia, Pedagogia, Educação

do Campo, Literatura e Educação, e Questão Indígena. Esta produção não se limita às duas

grandes áreas foco dos debates neste seminário: a Geografia e a Pedagogia. Consideramos que

a pesquisa em educação bebe em diferentes áreas do conhecimento.

Atualmente a Geografia e por que não dizer também a Pedagogia tem promovido

ampla discussão alimentada pela pluralidade de pesquisas e perspectivas teóricas de diferentes

áreas do conhecimento que se unem no debate de saberes e práticas de diferentes ordens.

Consideramos esta abordagem rica para a formação do educador no Tocantins, haja vista que

ajuda a fortalecer a negação do pensamento único no meio acadêmico.

O Grupo de Pesquisa, Educação, Cultura e Mundo Rural – EDURURAL, com os

debates do seu V seminário de pesquisa, continua sua vocação de ser um espaço plural de

debates e diálogos que pode contribuir com uma formação humana e docente mais

comprometida com os distintos espaços sociais onde vivemos.

Não é possível realizar um trabalho dessa natureza sem a ajuda solidária de muitas

pessoas que já entenderam que podemos ir além do espaço da sala de aula. Neste sentido,

queremos agradecer a todos os colegas docentes e discentes dos Câmpus de Arraias,

Tocantinópolis, Porto Nacional, Araguaina, Palmas e Miracema que contribuíram com a

realização dos debates no contexto do V Seminário.

Especialmente no âmbito do Câmpus de Miracema, agradecemos aos colegas do

Colegiado de Pedagogia e aos integrantes do Grupo de Pesquisa EDURURAL pelo trabalho

realizado. O debate continua com a leitura dos textos destes anais e em nossos (des)encontros

no ensino, na pesquisa e extensão por esses Tocantins que temos e que pretendemos

reconstruir.

Muito Obrigado!.

Prof. Antonio Miranda de Oliveira

Coordenador do Grupo de Pesquisa EDURURAL

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SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL, 5:

Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014.

Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

EDUCAÇÃO E A AÇÃO COMUNICATIVA NA RECEPÇÃO DE

HABERMAS DIANTE DA DUALIDADE RURAL E URBANO José Manoel Miranda de Oliveira

Professor do curso de Filosofia da

UFT Campus de Palmas

[email protected]

RESUMO - Este texto foi construído através da compreensão da educação a partir dos

paradoxos da ação comunicativa em Habermas, por ser um filosofo que aceita o desafio de

pensar a razão e a modernidade partindo de um diagnóstico da linguagem operada na

estruturação do conhecimento escolar em qualquer espaço, dentro e fora da esfera pública.

Nessa condição, colocam-se como hipótese as contradições postas na mudança estrutural da

esfera pública efetivada na categoria da sociedade burguesa. Essa condição, por sua vez, dá ao

conhecimento escolar uma prerrogativa sem fronteiras, em relação à pregação liberal sobre a

natureza das instituições, dos lugares, espaços e territórios, quando caracterizados como

público, particular, rural, urbano, nacional, internacional determinado por interesses

burgueses em oposição ao sistema educacional escolástico aceito pela nobreza. De outro lado,

interrogam-se sobre as bases normativas que caracterizariam a ação comunicativa na

educação a partir da diferenciação do tempo e do espaço na produção e reprodução das

diversidades epistemológicas e cognitivas. Nessa condição, o desenvolvimento da esfera

pública particular ou estatal, apresentadas por Habermas como objetos da ação comunicativa

funcionam como um objeto sedutor e indutor na construção dos aspectos contraditórios da

educação, sinalizando uma base de pertencimento instrumental para legitimar os interesses

liberais urbanos pela educação, gerando a partir daí, a possibilidade de se obter avanços em

outros espaços, antes, distantes da competição capitalista. Por isso, a opção em trabalhar a

recepção da ação comunicativa de Habermas, nos espaços da educação.

Palavras – chave: Comunicação, Estado, Linguagem, Público, Privado, Educação.

INTRODUÇÃO - O tema deste texto é parte de uma pesquisa bibliográfica problematizada

através da compreensão da educação a partir das variantes espaciais constituídas pela

instabilidade do sistema liberal. Busca-se então, os elementos característicos das crises entre

as necessidades de evolução da linguagem determinada por uma nova visão de poder,

definidos por uma ação comunicativa posta nas discussões sobre as relações estabelecidas no

âmbito urbano e sua evolução cientifica e social. Assim, Habermas aceita o desafio de pensar

a razão e a modernidade colocando a linguagem como objeto fundante para a estruturação de

uma nova ordem política ou econômica. Por isso, interroga-se sobre as bases normativas que

caracterizariam a educação a partir da diferenciação da produção e reprodução em uma

sociedade sem limites para consumir. Nesse contexto, a ação comunicativa de Habermas

funciona como um objeto sedutor para a ampliação do conhecimento, na medida em que

sinaliza a realização do caráter instrumental da educação diante das possibilidades

normativas, envolvendo a ação comunicativa como expansão e definição da esfera pública.

9

SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL, 5:

Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014.

Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

Nesses aspectos, considera-se a ação comunicativa como instrumento de poder e a educação

como ciência de aprimoramento da linguagem, que de forma direta e indireta caminha

alinhada aos objetos de construção de poder ou na sua destruição. Essa afinidade pode ser

percebida quando a educação esteve moldada aos interesses perenes, conforme Gramsci

(1982), a educação antes e depois de Maquiavel funcionou como caudatária do ócio e da

ausência de mobilidade social, portanto, reprodutora da estabilidade entre as camadas sociais

predominantes: clero, nobreza, vassalo, escravo.

Para Habermas, essa condição começou a ser alterada, no momento em que a linguagem

educacional permitiu a produção de uma consciência política educacional tributária dos

espaços urbanos. Considera-se então, que no momento em que a linguagem ficou sintonizada

à transformação político-social, surgiu a dependência entre ser civilizado e educado, ou seja,

urbanizado.

Por outro lado, a ação comunicativa efetivada pela educação ampliou as possibilidades de

superação da tradição, no momento em que essa condição serviu como objeto revolucionário,

por isso, no primeiro momento, a validação da ação comunicativa da educação foi referendada

no ambiente urbano, diante da representação entre estudar e o conceito de ócio. Foi assim, até

que a ação comunicativa foi ampliada do espaço urbano para o rural.

As diferenças entre conhecimento e interesse nas representações privadas dificultam a

ampliação da esfera pública no âmbito real e simbólico a partir do momento em que a

linguagem da educação foi privatizada por especialistas, prepostos e dirigente, como objeto de

extensão do poder público e particular.

Para Habermas (2013), Aristóteles parte da distinção entre duas dimensões da vida urbana,

sendo uma que considera o conhecimento desligado dos interesses particulares e outra a

representação da vida prática produtiva, corroborada pela dimensão da práxis em educação.

Nesse contexto, entende-se que a realização do espaço da educação não era estritamente de

natureza urbana, mas humana. No período medieval, o espaço da educação fica sitiado em

instituições como: mosteiros, conventos, seminários, etc.. Por sua vez, essas instituições eram

construídas em espaços diferenciados, nem urbano e nem rural, dependendo da disposição do

território e da relação estabelecida entre o clero local e camadas dirigentes de um determinado

lugar. Essas condições dependiam da lógica de ocupação, legitimação e expansão do poder.

Assim, a criação de novos espaços urbanos estava interligada a construção e expansão dos

domínios do clero, por meio de novas catedrais, prelados ou bispados.

10

SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL, 5:

Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014.

Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

Essa nova lógica urbana permitiu a expansão da esfera pública e, consequentemente a

fragmentação ou confirmação do poder feudal, no momento em que o paradigma platônico

fora trocado pelo sistema aristotélico tomista, permitiu que Platão fosse interpretado de forma

profana, ou seja, fora das imposições teológicas da exegese cristã romana.

Assim,

Os intelectuais de governo eram aqueles intelectuais determinados mais

próximos da religião, isto é, cuja atividade tinha um caráter de religiosidade,

entendida no sentido geral da época e no sentido especial de Platão - e, por

isso, atividade de certo modo "social", de elevação e educação (e direção

intelectual— e, portanto, com função de hegemonia) da polis. Poder-se-ia

talvez, por isso, afirmar que a "utopia" de Platão antecipa o feudalismo

medieval, com a função que neste é própria da Igreja e dos eclesiásticos,

categoria intelectual daquela fase do desenvolvimento histórico-social

(GRAMSCI, 1982, p. 37).

Com a introdução do tomismo, segundo Gramsci (1982, p. 08) conduz ao prenuncio do

mundo moderno, no momento em que surge a necessidade de uma ―educação técnica,

estreitamente ligada ao trabalho industrial, mesmo ao mais primitivo e desqualificado, deve

constituir a base do novo tipo de intelectual‖. Na modernidade, a educação se firma como

ação comunicativa e como objeto de expansão e redefinição da esfera pública. Contudo, essa

condição só ficou mais compreensível a partir da quebra de parte da reciprocidade entre

igreja, espaço e sociedade.

No momento em que ocorre a apropriação prática da educação determinada pelas

necessidades de produção e reprodução, nesta virada, a ação comunicativa em movimento

adquire a autonomia de ciência diante da conversão das necessidades comunicacionais

voltadas para a construção de uma linguagem técnica, tecnológica e cientifica, dependendo da

natureza do território e do sistema produtivo em ascensão. Assim, o objeto formativo-

operacional, provocava duas condições distintas: primeiro, uma distensão por uma linguagem

teórica e abstrata mais aproxima de uma ação comunicativa ampliada para os objetivos da

esfera pública; segundo, uma ação diacrônica entre os interesses urbano-industrial em

crescimento e o sistema de poder liberal em construção.

Contudo, a partir da expansão da ciência como objeto produtivo, recoloca a educação e a

pesquisa como as principais aliadas do sistema econômico em todas as direções. Daí, as crises

de poder problematizada pela diversificação da matriz ideológica replicada por uma

linguagem configurada na teleologia da arte poética e retórica difundida pelos sofistas, na

modernidade, convertida em uma ação comunicativa determinada pela esfera pública,

especificada no sistema de produção e circulação de bens simbólicos e materiais.

11

SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL, 5:

Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014.

Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

METODOLOGIA - A pesquisa foi estruturada dentro de uma sucessão de leituras para

entender, conforme Hermann (1999), a validade em educação, sua relação, intuições e

problemas na recepção de Habermas, perante a totalidade em construção, determinada pela

complexidade dos fatores espaciais, considerando que a ―totalidade é um conceito abrangente,

importa fragmentá-lo em suas partes constituintes para um exame mais restrito e concreto‖

(SANTOS, 2008, p. 72). Por essa via é que foi possível entender a educação e a sua validade

espacial por meio da ação comunicativa corroborada pela inserção de leituras

complementares.

Diante dos problemas a serem evidenciados, teríamos de trabalhar com um método que

pudesse nos auxiliar criticamente e objetivamente durante as fases de construção da pesquisa,

a partir das especificidades dos objetivos e da fundamentação teórica. Assim, como nos ensina

Popper (1975, p. 268), a dedução é um método que se caracteriza pelo ―auxílio de outros

enunciados, previamente aceitos, deduzem-se da teoria certos enunciados singulares, que

podemos chamar de ‗predições‘: especialmente predições que são facilmente testáveis ou

aplicáveis‖. Dessa forma, o método dedutivo foi o que mais se aproximou das formas que

escolhemos para construir o entendimento da lógica da ação comunicativa na educação,

levando-se em consideração as intuições e os problemas na recepção de Habermas.

Considera-se então, que a linguagem é um fator com inúmeras distinções e definições na

construção das resultantes da educação. Por isso, a linguagem conduz as pessoas a viverem ―o

presente marcado pelo passado e projetado para o futuro, num embate constante entre o que

está sendo construído‖ (MINAYO, 1994, p. 13), em termos da demarcação entre educação e a

ação comunicativa.

Para Popper (1975, p. 276): ―a demarcação apresenta uma urgência imediata no que se refere

aos sistemas teóricos, enquanto que, no que se refere aos enunciados singulares, raramente se

levantam dúvidas com relação ao seu caráter empírico‖. Partindo dos princípios discutidos por

Popper (1975), quanto ao método dedutivo, não se pode estabelecer ou justificar os

enunciados que estão sendo testados; nem se pretende que faça isso, pois para se constituir um

método não se exige que este seja testado, mas suscetível de teste, considerando que sua

suscetibilidade será determinada pelas tessituras teóricas. Pois muitos desses possuem uma

relação estreita com a prática da investigação ao passo que o problema da base empírica

pertence quase exclusivamente à teoria do conhecimento. Por isso,

12

SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL, 5:

Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014.

Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

A saber, dos interesses técnico e prático do conhecimento deixa-se esclarecer

inicialmente de forma aporética na medida em que tais interesses não podem

nem ser compreendidos como inclinações ou atitudes empíricas nem ser

propostos e justificados como valores variáveis com referência às normas de

ação (HABERMAS, 2013, p. 53).

Nessa direção, a realidade a ser conhecida partiria de um determinado contexto teórico para

depois analisar as partes susceptíveis de serem conhecidas ou identificadas por outros ângulos

ou enunciados. Nessa direção, busca-se o entendimento sobre a validade em educação, sua

relação, intuições e problemas na recepção de Habermas, na direção posta por Hermann

(1999).

DISCUSSÃO 1- os objetos da ação comunicativa na adequação lógica dos espaços de

produção de conhecimento - O primeiro ponto a ser analisado será a legitimação de duas

linguagens comunicacional, uma urbana tida como mais normativa -, outra rural mais

espontânea determinada por critérios próprios vinculados ideologicamente à cultura local.

Para Habermas essas ações em sua forma comunicativa, podem ser vistas como uma barreira

ao desenvolvimento escolar e econômico, quando consideradas apenas como objeto de

estimulo à desorganização social e política, outra determinada pela lógica de produção e

consumo de produtos e de conhecimentos mediante a esperteza estimulada pela competição

do sistema liberal.

Diante desses pressupostos, entende-se que as diferenças entre a linguagem do meio rural e a

utilizada pelo meio urbana, estão no ato de reprodução de algo diferente e sistemático sobre a

compreensão de um mundo com diferentes tempos e espaços em constantes mudanças. Essa

variação de tempo associada ao objeto da ação comunicativa de Habermas reproduz uma

teleologia entre as duas realidades espaciais: a urbana e a rural, diante das consequências

práticas do progresso técnico-científico. Para (HABERMAS, 2013, p. 597).

Ciência e técnica se tornaram há alguns séculos um processo direcionado:

nosso saber e nosso poder se ampliaram cumulativamente nessas dimensões.

Aqui, cada geração se apoia sobre os ombros da geração precedente. Pois

nos marcos de referência do progresso técnico-científico fixados

metodologicamente, as teorias que foram superadas e os procedimentos

adotados para substituí-las representam etapas de êxito: nos confiamos na

acumulação de nosso estoque de informações cientificas e meios técnicos.

Diante disso, a opção por uma reflexão crítica mensurada numa teoria da comunicação

possível de ser aplicada em qualquer espaço, seja rural ou urbana parte da transposição da

linguagem escolar para o cotidiano e vice-versa. Assim, ―uma decisão em favor da

recuperação dos conteúdos comunicativos da razão, no sentido habermasiano, implica

13

SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL, 5:

Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014.

Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

reconhecer a escola como uma das formas da vida moderna, encarregada da reprodução do

mundo cultural, do qual é apenas um fragmento‖. (HERMANN, 1999, p. 86).

Nessa direção e segundo Habermas (2013, p. 508)

As filosofias da história interpretaram o progresso técnico-científico

tendo em vista as suas consequências práticas. Elas tinham

destinatários claros: burgueses e proletários; e se compreendem como

parteiras no nascimento de uma práxis política – das revoluções

burguesas e do movimento operário.

Transportando essa realidade para os objetivos das sociedades contemporâneas, quando a

educação, a ciência e as técnicas foram transformadas em motor do desenvolvimento em

todas as direções, de forma que o estado possa garantir esse desenvolvimento em todos os

espaços onde se realizam a produção, com a responsabilidade de transformá-la em uma ação

produtiva para satisfazer as duas esferas: a pública e a privada, reprodutora da tradição

herdada de outras passagens históricas, considerando que a

Evolução da representatividade pública está ligada a atributos da pessoa: a

insígnia (emblemas, armas), hábito (vestimenta, penteado), gesto (forma de

saudar, comportamentos) e retórica (forma de falar, o discurso estilizado em

geral), em suma: um rígido código de comportamento ―nobre‖. Habermas

(1984, p. 20)

Na atualidade, as necessidades de educação devem provocar modificações mais objetivas e

significativas do ponto de visto individual e social das pessoas, caso contrário, a sua inserção

e representação penderá para a conjugação de padrões, próximos aos vividos nos dois

períodos escolásticos, antes e depois da inserção tomista.

Portanto, onde houver interesse econômico a educação deverá fazer-se presente como objeto

de fomento indireto da produção e direto em relação ao consumo, não importa se o espaço é

rural ou urbano. O importante é que através da educação, os modos de vida rural, possam

adquirir uma natureza urbana e uma estrutura necessária para agregar produtos e valores da

sociedade liberal dentro da ótica urbano-industrial.

As especificidades de uma linguagem ampliada sobre a esfera pública e privada criam

dificuldades para o entendimento e separação entre a definição de coisa pública e privada

diante da sua proximidade com os interesses particulares. Essa confusão pode ser observada

na medida em que se distingue a educação como um objeto do estado, e, no momento em que

o poder público terceiriza sua responsabilidade colocando a educação como objeto passível de

concessão. Neste momento, a educação passa a ser um objeto público terceirizado e a empresa

que recebe a concessão um objeto da esfera pública de pessoas privadas, portanto, com

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interesses particulares, coisa esta, antes, exercida pela Igreja em nome da caridade cristã. No

liberalismo a natureza jurídica do estado amplia essa prerrogativa para qualquer

empreendimento ou instituição a possibilidade de comercializar os conhecimentos para

atender pluralidade e as necessidades ampliadas da sociedade civil em suas respectivas

esferas.

A linha divisória entre Estado e sociedade, fundamental para o nosso

contexto, separa a esfera pública do setor privado. O setor público limita-se

ao poder público. Nele ainda incluímos a corte. No setor privado também

está abrangida a ―esfera pública‖ propriamente dita, pois ela é uma esfera

pública de pessoas privadas. Por isso, dentro do setor restrito às pessoas

privadas, distinguimos entre esfera privada e esfera pública. A esfera privada

compreende a sociedade civil burguesa em sentido mais restrito, portanto o

setor da troca de mercadorias e do trabalho social; a família, com sua esfera

íntima, está aí inserida. A esfera pública política provém da literária; ela

intermédia, através da opinião pública, o Estado e as necessidades da

sociedade (HABERMAS, 1984, p. 46).

Por fim, Habermas (1984) insere as necessidades intelectuais e profissionais e suas

contradições em uma concepção de formação educacional e cultural segundo a qual ela

deveria ter em si mesma a sua finalidade, atender o processo de desenvolvimento em todas as

direções: do mercado, da individualidade abrangendo a financeira e a econômica. Ao mesmo

tempo, tudo o que, sob tais condições, resulta do tirocínio individual disponibilizado ao

público, estendendo a racionalidade instrumental; concordante ao perfil de formação e das

necessidades e da representatividade do egresso nos meios sociais, demandando uma

racionalidade profissional moralmente pretensiosa que busca conjuminar o certo com o

correto.

Para ampliar o entendimento da racionalidade instrumental no âmbito da educação, tivemos

que parafrasear Habermas (1984), no momento em ele coloca o surgimento e a evolução da

esfera pública burguesa historicamente de uma sociedade separada do Estado para forçar um

entendimento diferenciado da nobreza que se confundia com o Estado. Por isso, a solução

burguesa foi defender a educação como propulsora dessa nova moralidade pública,

desatrelada do Estado. Essa ―quase‖ independência era conduzida pela esfera pública,

determinada por uma competente ação comunicativa. Para efetivar essa pregação o ―social

podia constituir-se numa esfera própria à medida que a reprodução da vida assumia, por um

lado, formas privadas, mas, por outro, como setor privado em seu conjunto, passou a ter

relevância pública‖. (HABERMAS, 1984, p. 152)

DISCUSSÃO 2 - a interlocução de saberes e a ação comunicativa - Não é difícil perceber

as diferenças entre a interdisciplinaridade e a ação comunicativa caracterizada em ambientes

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espaciais diferentes, mas com uma racionalidade idêntica. Nestes termos, cria-se uma

variedade de teorias para se chegar às mesmas respostas. Segundo Marques In Hermann

(1999, p. 69),

Esta tarefa de interpretação/presentificação dos sentidos da educação só se

torna possível e fecunda, a partir das inserções na tarefa critica da teoria, de

forma que interpretar seja transformar, e a transformação seja conduzida pela

interpretação no plano critico do sentido radical da emancipação humana. E,

por fim, em consequência, quer da interpretação hermenêutica dos sentidos

da educação, quer dá critica dialética no horizonte da emancipação, a

pedagogia assume a função epistêmica-instrumental de colocar a serviço da

educação o resgate do que a humanidade já acumulou em sua história.

Assim, a ação comunicativa por meio da linguagem oferece à educação diferentes formas para

se chegar a um raciocínio ou a um conhecimento, por isso, a importância da interpretação em

diferentes níveis e espaços. Vejam, pode-se então dizer que os objetos a serem conhecidos ou

não, podem até serem os mesmos, a diferença é o nível da ação comunicativa empregada para

conhecer ou explicar algo. Habermas denomina essa ação de interlocução entre saberes, a

disposição da educação. Nessa condição, cabe à filosofia provocar e à pedagogia criar os

meios para desenvolver e aplicar esses saberes em todos os espaços. Logo, pode-se antever

que, para isso acontecer, não importa o espaço, se urbano ou rural, mas, sim, como essa

interlocução é realizada pelos atores diretos e indiretos da educação fundamentados e

caracterizados em cada circunstancia vivida, sintetizado por Habermas como mundo da vida.

Assim, o objeto da educação e da pedagogia que podem ser caracterizados como elementos de

superação da fragmentação dos saberes, para Hermann (1999, p. 69) implica distinguir três

planos:

1. O plano da racionalidade instrumental que permite uma intervenção nos

processos educacionais como realidade externa, formalizada pela lógica,

vinculada a processos de medida. Trata-se aqui dos recursos

tecnológicos, que não compreendem o sentido do viver humano e as

intencionalidades dos sujeitos.

2. O plano hermenêutico que permite interpretar o sentido dos saberes,

desmontar o dogmatismo das ideologias e liberar novas articulações de

sentido pelo próprio movimento dialógico.

3. O plano crítico do sentido radical da emancipação humana, na

perspectiva de transcendência.

Assim, para a transformação de qualquer ação educacional é indispensável a elevação dos

níveis de linguagem, por isso, Habermas entende que é pela linguagem que o homem se

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revoluciona, contrariando as afirmações de Marx, que acredita que são as relações de trabalho

que reproduzem as intenções revolucionárias, a partir da sua tomada de consciência sobre a

exploração. Então, pode-se afirmar que todo proletário é trabalhador, mas nem todo

trabalhador é proletário, caso não tenha consciência de classe.

De certa forma, não se sabe qual é a melhor opção para a educação: aproximar ou distanciar

do mercado de trabalho, eis a questão. Se a opção for de distanciamento, devem-se investigar

as razões de natureza religiosa, ideológica ou diletante/erudita. Em geral, o mais prático e

razoável é a aproximação do mercado, sem, contudo, perder nenhuma das condições

precedentes, agregando outras, para não perder a caráter dialético da ação comunicativa

empreendida na formação. Assim, para Habermas (1984, p. 64), ―a antiga contradição

continua até hoje na briga entre, por um lado, a formação da personalidade e, por outro, numa

formação que apenas desenvolva habilidades‖.

CONSIDERAÇÕES FINAIS - Em termos reais, a linguagem inclusa na tradição da

educação, conduz a uma ação comunicativa pragmática direcionada ao mundo do trabalho,

distanciando, por sua vez, da antiga posição de verticalização política-ideológica do acesso e

permanência no poder no que concerne à expansão da esfera pública no âmbito estatal ou

privado. A distinção entre urbano e rural fica por conta da esfera pública predominante em

cada espaço, permitido pela eficácia da esfera comunicativa direcionada à produção e

reprodução de conhecimentos direcionados a instrumentalização da ação comunicativa como

objeto cultural. Essa relação pode ser localizada, principalmente em países que tem sua matriz

econômica concentrada na produção de commodities, como o Brasil. Por fim, a ação

comunicativa como objeto de transformação da educação vem possibilitando a transição do

meio rural para o urbano por meio da expansão das tecnologias no processo de produção,

comunicação e no conforto da vida rural.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HABERMAS, Jürger. A mudança estrutural da esfera pública: investigação quanto a uma

categoria da sociedade burguesa. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. 397 p.

HABERMAS, Jürger. O discurso filosófico da modernidade. Tradução de Luiz S. Repa e

Rodnei Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

HABERMAS, Jürger. Teoria e práxis: estudos de filosofia social. Tradução de Rúrion

Melo. São Paulo: editora Unesp, 2013. 723p.

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HERMANN, Nadja. Validade em Educação: intuições e problemas na recepção de Habermas.

Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999. 137p.

GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Tradução Carlos Nelson

Coutinho 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.

MINAYO, Maria Cecilia de Souza (Org.) Pesquisa Social: teoria, método e criatividade.

Petrópolis: Vozes, 1994. 80 p.

POPPER, R. Popper. A lógica da investigação científica. Tradução de J. C. B. Molir. In:

_____. Coletânea de Textos. São Paulo: Abril Cultural, 1975. 415 p.

SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo: globalização e meio técnico. 5. ed. São Paulo:

Edusp, 2008. 176 p

Como referenciar esse texto:

OLIVEIRA, José Manoel Miranda de. Educação e Ação comunicativa na recepção de Habermas diante da

dualidade rural e urbano. In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO

RURAL - EDURURAL, 5: Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da

Pedagogia e da Geografia, 2014. Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08-

347. ISBN: 9788563526618. p. 8 -17.

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CAMPESINATO, EDUCAÇÃO E IDENTIDADE TERRITORIAL NO

TOCANTINS

Antonio Miranda de Oliveira

Doutor em Geografia-UFT/Câmpus de Miracema/ EDURURAL;

[email protected]

Resumo

O presente artigo objetiva fazer uma revisão teórica acerca do conceito de campesinato

procurando apresentar a origem do termo, o histórico de sua constituição no debate teórico no

Brasil e em outros locais. A discussão será mediada pela explicitação da condição histórica do

camponês na sociedade capitalista com seu processo de subordinação, expropriação e

recriação no contexto das possibilidades de sua afirmação/negação como classe social que

constrói sua identidade num território fundado nos seus modos de vida e de trabalho com a

terra. Integrando a perspectiva teórica com a realidade, apresenta-se dados de uma

comunidade camponesa do Estado do Tocantins. Os camponeses continuam existindo,

produzindo/reproduzindo material e simbolicamente novos modos de existência,

territorializando-se quantas vezes forem necessárias, como já demonstraram ao longo de suas

lutas camponesas por terra em todas as regiões do Brasil. Neste processo inventam educação e

cultura como práticas humanas que alimentam novas e velhas identidades. Os camponeses e

camponesas de Miracema do Tocantins fazem isso todos os dias, mesmo considerando os

problemas relacionados a mudanças, continuidades e rupturas em sua cultura.

Palavras-chave: Campesinato. Cultura Camponesa. Classe Social. Mundo Rural. Identidade

camponesa. Assentamento. Educação.

Introdução

Nos últimos cinquenta anos o Brasil viveu conflitos próprios de uma sociedade

capitalista que se urbaniza, que implicaram mudanças importantes nos modos de viver,

trabalhar e estudar os diferentes grupos sociais que fazem parte da sociedade brasileira,

mesmo aqueles que ao longo da história foram excluídos, mas insistem em continuar

existindo.

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Este é o caso específico dos camponeses haja vista ser um dos sujeitos sociais que,

contraditoriamente, insiste em sobreviver e se reproduzir, mesmo que a lógica das relações

sociais capitalistas dominantes não sejam favoráveis.

Por isso estamos buscando luzes para entender melhor os problemas oriundos desse

desenvolvimento capitalista nas suas relações contraditórias com o campo e com os

camponeses que não se deixam dominar por completo e vão tomando consciência do seu

abandono nas periferias das pequenas e médias cidades, como um dos aspectos danosos deste

processo. Os camponeses insistem em enfrentar esse processo, produzindo material e

simbolicamente novos modos de existência, territorializando-se quantas vezes forem

necessárias, como já demonstraram ao longo de suas lutas camponesas por terra em todas as

regiões do Brasil.

O camponês é um dos tipos humanos que melhor realiza a relação homem natureza,

pois dada sua perspectiva de produção da vida material e simbólica, assume papel

fundamental na constituição de diferentes modos de existência, na complexidade das relações

sociais do mundo atual, especialmente sua capacidade de produção e reprodução cultural a

partir de seus diferentes modos de re-organizar a vida e o trabalho, produzindo material e

simbolicamente formas de existências que o colocam como parte de um processo social mais

amplo na sociedade.

Este trabalho tem como objetivo fazer uma revisão teórica acerca do conceito de

campesinato procurando apresentar a origem do termo, o histórico de sua constituição no

debate teórico no Brasil e em outros locais. A discussão será mediada pela explicitação da

condição histórica do camponês na sociedade capitalista com seu processo de subordinação,

expropriação e recriação no contexto das possibilidades de sua afirmação/negação enquanto

classe social que constrói sua identidade num território instituindo/reconstituindo

novos/velhos modos de vida e de trabalho com a terra. Integrando a perspectiva teórica dessa

discussão, apresenta-se dados de uma comunidade camponesa do Estado do Tocantins. Essa

discussão será fundamentada com as ideias de alguns estudiosos da temática: Martins

(1995,1981); Moura (1986); Leite (1993); Oliveira (1997, 1995,2004); Marx (1976); Marx e

Engels (1998); Brandão, 2004; 2005; Martins, 1981, 1995; Woortmann, 1990.

Considerando o objetivo principal da discussão, organizou-se o texto com a seguinte

estrutura: inicialmente apresenta-se uma discussão histórica acerca do termo camponês

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articulada com uma compreensão de campesinato como classe social em seguida discute-se

seu processo de subordinação, expropriação e recriação apresentando-se a recriação do

camponês no seu território de trabalho a partir de dados de uma comunidade camponesa do

Estado do Tocantins.

1. O campesinato como classe social

―A mudança social mais impressionante e de mais longo

alcance da metade deste século e, que nos isola para

sempre do mundo do passado, é a morte do

campesinato‖ (HOBSBAWM, 1995, p. 284).

Compreendemos o campesinato como classe social e não apenas como um segmento

da economia capitalista no mundo rural, ou uma simples forma de organização da produção

ou ainda como simplesmente como se fosse apenas um modo de vida. O espaço rural

brasileiro continua com a marca da expropriação dos trabalhadores pobres e, portanto como

um lugar no qual predomina uma profunda desigualdade social. Neste caso, ainda perdura a

instituição do latifúndio como centro do poder político e econômico. De outro lado, observa-

se que neste modo de pensar, campesinato ainda é um conceito importante para compreender

processos políticos, sociais, econômicos e culturais contraditórios que ocorrem em nossa

sociedade e no meio rural em geral.

A literatura da área e dados empíricos específicos comprovam que o campesinato

possui uma organização da produção baseada no trabalho familiar e uma economia baseada

no valor de uso. Para alguns autores isto se articula com a instituição de uma outra ética nos

modos de viver o trabalho e suas relações com a produção e sua própria reprodução.

Na perspectiva de Woortmann (1990), a ética camponesa se estrutura em torno de três

elementos centrais na vida camponesa: terra, trabalho e família, como valores morais e

categorias nucleantes intimamente relacionados entre si e que têm como princípios morais

organizatórios de suas relações e modos de vida a honra, a hierarquia e a reciprocidade. Essa

ética camponesa está fundada numa ordem moral de forte inspiração religiosa, constituindo

uma ideologia tradicional oposta à ordem social da modernidade capitalista. No Brasil, essa

ética do catolicismo rústico popular, tradicional, se confunde com os valores da ética

camponesa.

Tomando como referência o território que hoje forma o Estado do Tocantins, foi

somente a partir da década de 1950 ao final da década de 1970, que ocorreram grandes

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mudanças no meio rural. Grande parte dessas mudanças estão articuladas com o processo de

expansão e domínio do capitalismo sobre o campo. O êxodo rural e o abandono dos pobres

nas periferias das pequenas e médias cidades foi um dos aspectos danosos deste processo.

Na epigrafe acima quando Hobsbawm fala de ―morte do campesinato‖, está se

referindo exatamente ao intenso êxodo rural que ocorreu em todas as partes do mundo,

principalmente durante o século XX, fazendo com que as populações rurais tornassem

minoria em todos os países. No entanto, o que vimos foi uma heroica luta dos camponeses

contra o avanço do capitalismo e pela defesa de seu principal instrumento de trabalho, a terra

e com ela, seus modos de vida.

Em sua origem, o conceito de camponês está relacionado à realidade da idade média

europeia, mas a formação do campesinato brasileiro possui as suas especificidades. Entre nós,

o campesinato se constituiu no seio de uma sociedade desigual e capitalista, mas também no

interior e à margem do latifúndio escravista. O campesinato brasileiro tem como característica

importante, desde sua origem, uma forte mobilidade espacial, ele zanza a procura de terra,

enquanto o camponês europeu tem no enraizamento territorial sua característica mais forte.

No Brasil, o predomínio de sistemas de posse precária da terra, para esta classe social, tem

resultado numa condição de instabilidade estrutural, que faz da busca de novas terras uma

importante alternativa de reprodução social do campesinato. Neste sentido, temos observado

que no caso do campesinato, mais do que a terra, há uma importante herança deixada que é o

seu modo de vida, como patrimônio que tem sido de fato transmitido (WANDERLEY, 1996).

O conceito de camponês assume lugar de destaque nas ciências sociais brasileiras nos

anos de 1950, ao mesmo tempo em que este sujeito afirma sua identidade política. Este é o

momento das ―Ligas Camponesas‖, quando a gritante concentração de terras e a profunda

desigualdade social aparecem como fundamentos da questão agrária brasileira.

Da mesma forma, observamos que o mesmo processo que deu sentido ao conceito de

camponês, também cria o seu par contraditório que é o conceito de latifundiário. Na

perspectiva de Martins (1981) estes são conceitos-síntese, que remetem a situações de classe e

que estão enraizados numa longa história de luta pela terra no Brasil.

Abramovay (1998) em estudo que levantou muitas polêmicas e criticas ao autor

quando apresenta seu modo de pensar o camponês brasileiro, negando sua condição de

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camponês e sua longa história de luta pela terra e para se reproduzir não somente como

empresário rural, diz que:

O camponês é alguém que não vende força de trabalho e que não vive da exploração

do trabalho alheio. No mundo capitalista, o camponês pode ser no máximo, um

resquício cuja integração à economia de mercado significará fatalmente sua extinção

(p. 52).

Procurando esclarecer criticamente esse debate, Oliveira (2004), apresenta um estado

da arte acerca da produção geográfica sobre o campo e a agricultura no Brasil. Ali ele trabalha

a ideia de que muitos autores expressam diferentes vertentes do marxismo e chama a atenção

para três vertentes/teses que se contrapõem nesse debate do desenvolvimento do capitalismo

no campo, na questão agrária e no modo de pensar o campesinato:

1. Para que o campo se desenvolva, seria preciso acabar com essas relações feudais

ou semifeudais e ampliar o trabalho assalariado no campo (p. 34);

2. O campo brasileiro já está se desenvolvendo do ponto de vista capitalista, e que os

camponeses inevitavelmente irão desaparecer, pois eles seriam uma espécie de

―resíduo‖ social que o progresso capitalista extinguiria (p. 35);

3. Que o estudo da agricultura brasileira deve ser feito levando-se em conta que o

processo de desenvolvimento do modo capitalista de produção no território

brasileiro é contraditório e combinado. Isso quer dizer que ao mesmo tempo em que

esse desenvolvimento avança produzindo relações especificamente capitalistas

(implantando o trabalho assalariado através da presença no campo do bóia-fria), o

capitalismo produz também, igual e contraditoriamente, relações camponesas de

produção (através da presença e do aumento do trabalho familiar n campo) (p. 36).

Contrapondo-se a esse modo de compreender o lugar do campesinato na sociedade

capitalista brasileira, Oliveira (2004, p. 34) prossegue dizendo: ―Para essas duas correntes (a

primeira e a segunda), na sociedade capitalista avançada não há lugar histórico para os

camponeses no futuro dessa sociedade. Isso porque a sociedade capitalista é pensada por esses

autores como sendo composta por apenas duas classes sociais: a burguesia (os capitalistas) e o

proletariado (os trabalhadores assalariados)‖. E afirma que esses autores ―esqueceram‖ uma

frase escrita por Marx no Livro III do Capital:

Os proprietários de mera força de trabalho, os proprietários de capital e os

proprietários da terra, cujas respectivas fontes de rendimentos são o salário, o lucro e

a renda fundiária, portanto, assalariados, capitalistas e proprietários de terra,

constituem as três grandes classes da sociedade moderna, que se baseia no modo de

produção capitalista (OLIVEIRA, 2004, p. 35).

De outro modo e de forma acertada, argumenta este autor que se as teses da extinção

do campesinato de fato tivessem capacidade explicativa da realidade, os posseiros no Brasil já

teriam virado proletários. Os camponeses, em vez de virar proletários, passaram a lutar para

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continuar sendo camponeses (idem, p.35). Para este autor, trata-se de análises equivocadas

acerca do desenvolvimento do capitalismo e da indústria no Brasil, que previam o fim do

camponês e do próprio mundo rural, pois como vimos: ―Entretanto, não foi isso que

aconteceu e, o campesinato tem dado mostra suficiente de sua força, para que essa tese

teórica, política e ideológica da hegemonia plena do capitalismo fosse de fato ocorrer, como

previram os clássicos Marx e Lênin‖ (idem, p. 44).

O campesinato não se apresenta com um tipo único de relações de produção no

interior da sociedade capitalista, pelo contrário se refere a uma diversidade de formas sociais

baseadas em diferentes relações de trabalho e de acesso à terra como o posseiro, o parceiro, o

foreiro, o arrendatário, o pequeno proprietário, no entanto

Na década de 70, o conceito de pequena produção passa a ser usado como

alternativa ao de camponês por seu caráter operacional e por, supostamente, melhor

representar a realidade de um campo submetido pelo Estado à desarticulação de seus

movimentos sociais e a um conjunto de políticas de cunho modernizante. A adoção

de tal perspectiva contribui para a despolitização do tema da questão agrária

(PORTO E SIQUEIRA, 1994, p. 85).

Pensar o camponês como pequeno produtor não permite a explicitação das suas

contradições numa sociedade capitalista, bem como as especificidades desta categoria social

no enfrentamento dos problemas que vivem, particularmente na incorporação das técnicas, no

acesso ao crédito, na inserção ao mercado como o conceito de camponês o permite, mesmo

assim, alguns autores passam a utilizar os dois conceitos de forma articulada e alguns

entendendo-os inclusive como sinônimos.

Daí a importância de se compreender como essa discussão do campesinato permeou os

embates teóricos, políticos e acadêmicos no pensamento dos principais autores clássicos

marxistas (Lênin, Kautsky, Chayanov) quando se dispuseram a pensar a questão agrária e o

desenvolvimento do capitalismo no seu tempo.

Assim, vamos apresentar de forma resumida, as discussões de Kautsky (1972), a partir

de uma obra publicada originalmente em 1899 na qual defende a superioridade da grande

propriedade; em seguida apresenta-se o pensamento de Lênin (1985) em obra originada em

1899 que vê a desintegração do campesinato com o desenvolvimento do capitalismo e a obra

de Chayanov (1974) originada em 1925 na qual compreende que o camponês trabalha

baseado na lógica do equilíbrio entre necessidade e consumo.

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A nosso ver esses autores tiveram o mérito de estudar a introdução do modo de

produção capitalista no campo e as suas consequências para o campesinato europeu. Esses

estudos, embora datados no tempo e no espaço são importantes para a discussão da questão

agrária entre nós ainda hoje, inclusive para lançar luzes acerca de preconceitos políticos,

acadêmicos e ideológicos presentes no debate do desenvolvimento do capitalismo no campo.

Kautsky, em sua obra “A Questão Agrária” publicada em 1899, descreve a influência

do capitalismo sobre a agricultura, as transformações que estavam ocorrendo no campo no

final do século XIX, e procura pensar como ficará a situação do campesinato com relação à

introdução do capitalismo em suas relações de produção.

A ideia central desenvolvida em sua obra é a tese de que a grande propriedade agrícola é

superior tecnicamente em relação à pequena propriedade e tem como causa a penetração do

capitalismo no campo e como consequência, a ―industrialização da agricultura‖. Neste caso, o

autor trabalha com a ideia de que a grande propriedade é o espaço adequado para se

desenvolver as atividades capitalistas e que a pequena propriedade, com o desenvolvimento

do capitalismo no campo e o processo de industrialização, tende a diminuir ou desaparecer.

O autor cita algumas das consequências diretas e mais evidentes dos desequilíbrios da

produção capitalista que os camponeses enfrentavam ao se inserirem nos moldes do sistema

capitalista:

(...) o processo de integração indústria-agricultura, o extermínio ou diminuição da

pequena produção camponesa, o surgimento de manufaturas e objetos

industrializados para a produção agrícola, o aumento do êxodo rural, aumento de

empregos nos centros urbanos que oferecem melhores remunerações e melhores

condições de vida. (...) quanto mais esse processo avança mais se dissolve a

indústria doméstica e mais aumenta a necessidade de dinheiro para o camponês, ou

seja, a obrigação cada vez maior do camponês ter capital para realizar suas

atividades. Esse processo determina um novo ritmo na vida do camponês

(KAUTSKY, 1972, p. 26). (Grifo nosso).

Ao longo da obra, o autor vai mostrando como de fato ocorre o avanço das formas de

produção capitalistas no campo, a subordinação e expropriação do camponês e prevendo a

inserção completa do capitalismo na agricultura e sua produção sendo regida pela dinâmica

industrial, afirma que: A grande exploração agrícola é a que melhor satisfaz as necessidades

da grande indústria agrícola. Essa, muitas vezes, quando não tem uma grande exploração

deste gênero à sua disposição, cria-a (KAUTSKY,1972, p.124).

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É neste processo que se institui a integração indústria-agricultura. Nesse movimento o

camponês acaba sendo envolvido pelo sistema capitalista deixando de ser camponês tornando-

se um agricultor voltado para a produção do mercado, ficando dependente de atributos que

antes não tinha e na maioria das vezes deixa de ser o ator principal do seu processo de

produção, pois a tecnificação e a indústria vai eliminando até o ponto de suprimir o trabalho

camponês neste processo. Nesse conjunto de mudanças, o camponês para Kautsky:

(...) deixa, portanto de ser o senhor da sua exploração agrícola: esta torna-se um

anexo da exploração industrial pelas necessidades da qual se deve regular. O

camponês torna-se um operário parcial da fábrica (...) ele cai ainda sob a

dependência técnica da exploração industrial (...) lhe fornece forragens e adubos.

Paralelamente a esta dependência técnica produz-se ainda uma dependência

puramente econômica do camponês em relação à cooperativa (KAUTSKY, 1972,

p.128-129).

O autor não deixou de pensar acerca das formas pré-capitalistas e não-capitalistas da

agricultura, questionando também a função destas no interior de uma sociedade capitalista.

Nesse sentido, faz uma distinção entre a pequena e a grande exploração e afirma que ―quanto

mais o capitalismo se desenvolve na agricultura, mais aumenta a diferença qualitativa entre a

técnica da grande e da pequena exploração‖ (KAUTSKY,1972, p.129). E neste movimento, o

autor faz previsões sobre a pequena propriedade, afirmando que ―está condenada a

desaparecer diante da superioridade da grande fazenda capitalista‖.

Kautsky sinaliza para a evolução do modo capitalista na agricultura e diz que a grande

exploração tem melhores condições para satisfazer as necessidades da indústria

contrariamente a pequena produção. Mas, não significa o fim da pequena propriedade, pelo

contrário, a grande exploração necessita de um número de pequenas propriedades para a

exploração industrial, que forneçam matéria prima e que vendam para a indústria para ela

revender posteriormente e ainda, como reserva de mão-de-obra para os períodos que a grande

exploração precisar de assalariados (KAUTSKY, 1972).

Embora o autor admita a superioridade da grande empresa agrícola, não nega também o

processo de diferenciação social e deixa clara a possibilidade de sobrevivência da pequena

empresa familiar, sobretudo se esta for capaz de se associar e cooperar.

Para tornar isso possível, o autor sugere que os camponeses se organizem, em ligas, ou

em uma organização coletiva do campo visando superar essas dificuldades, pois compreende

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que somente uma organização socialista da produção, com uma organização social forte para

enfrentar o capitalismo agrário poderá um dia resolver esses problemas.

Outra obra que marca o estudo do processo de penetração do capitalismo na agricultura

é a de Vladimir Ilich Lênin - “O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia” (1985),

publicada em 1899, na qual o autor analisa a formação do mercado para o capitalismo e

mostra que a desintegração do campesinato é um processo determinado pelas relações de

produção em direção ao capitalismo, fazendo ainda uma análise das consequências mais

importantes da inserção do sistema capitalista na agricultura.

Lênin realizou seu estudo na Rússia e indicou que o processo capitalista estava

provocando o que denominou de diferenciação uma ―decadência do estabelecimento, a ruína

do camponês e sua transformação em operário além da ampliação da unidade agrícola e a

transformação do camponês em empresário rural‖ (LÊNIN,1985, p.83).

No capítulo II de sua obra, intitulado ―A Desintegração do Campesinato” Lênin aborda

a situação do camponês frente ao processo capitalista, mostrando que o camponês na

economia mercantil fica inteiramente subordinado ao mercado, dependendo deste, tanto para

seu consumo próprio, como também para sua atividade agrícola. Na compreensão desse autor,

esse processo de diferenciação/desintegração do campesinato cria um mercado interno para o

capitalismo que subordina e expropria o camponês.

O processo de desintegração do campesinato foi consequência de diversos fatores,

estudados por Lênin a partir de um conjunto de dados sobre ―arrendamento, compra de terras,

implementos agrícolas aperfeiçoados, atividades temporais, o progresso da agricultura

mercantil, o trabalho assalariado‖ Lênin (1985, p.94). Através dessas informações ele formula

a tese da desintegração do campesinato na Rússia, afirmando que esse processo ocasiona um

empobrecimento do camponês e que esse:

Não era antagônico ao capitalismo, mas, ao contrário, é a sua base mais profunda e

sólida. A mais profunda porque é no seu interior mesmo, (...) que constatamos a

formação constante de elementos capitalistas. A mais sólida porque é sobre a

agricultura em geral e o campesinato em particular que pesam mais intensamente as

tradições da Antiguidade, (...) é aí que a ação transformadora do capitalismo se

manifesta mais lenta e mais gradualmente (LÊNIN, 1985, p.113).

O movimento dessas transformações decorrentes do processo capitalista no campo fez

com que ocorressem mudanças nas classes sociais rurais, e nesse sentido Lênin (negando a

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própria dinâmica da realidade e a capacidade que o campesinato tem, no interior do

capitalismo, de se reconstruir) afirma que:

O campesinato antigo não se ―diferencia‖ apenas: ele deixa de existir, se destrói, é

inteiramente substituído por novos tipos de população rural, que constituem a base

de uma sociedade dominada pela economia mercantil e pela produção capitalista

(LÊNIN, 1985, p.114).

Neste sentido, o estudo de Lênin mostra que a inserção do capitalismo na agricultura

provocou um antagonismo nas classes sociais rurais. Havendo uma oposição de classes, de

um lado a burguesia rural e de outro, operários agrícolas. Então ―os agricultores se

metamorfoseiam cada vez mais depressa em produtores submetidos às leis gerais da produção

mercantil‖ (LÊNIN,1985, p. 202). Assim, a principal tese leninista se baseia na desintegração

do campesinato, que cria um mercado interno para o capitalismo ocasionando a diferenciação

social no campo.

No contexto da reprodução e existência camponesa destaca-se ainda o estudo da obra de

Alexander Chayanov (1974) “A Organização da Unidade Econômica Camponesa”,

publicada em 1925, que constitui um importante referencial sobre a questão camponesa e

coloca como elemento fundamental, a caracterização do campesinato a partir do núcleo

familiar e do balanço trabalho-consumo existente na unidade doméstica. Diferentemente de

Kautsky e Lênin, este autor não parte do princípio da subordinação dos camponeses pela

renda da terra e de sua inserção na dinâmica capitalista. O autor parte da necessidade de

consumo, da subsistência da família para entender o trabalho camponês. No caso da

circulação da produção camponesa, onde reside sua subordinação ao capital e a consequente

expropriação do camponês, esta é considerada ―marginal‖ na sua compreensão.

A teoria da organização da unidade econômica camponesa de Chayanov está baseada

em estudos realizados nas economias de produção familiares russas, no início do século XX.

Essa teoria fundamenta-se no entendimento de que a família trabalha para preencher as

necessidades fundamentais dos seus membros e em um segundo plano, para acumular capital.

Nesse caso, Chayanov classifica a unidade econômica camponesa como não-capitalista, pelo

fato, da ausência do trabalho assalariado.

A explicação dessa racionalidade camponesa para Chayanov diz respeito a uma

diferenciação demográfica, ou seja, o número de trabalhadores - consumidores da família

camponesa como nexo explicativo da sua existência. A questão está deslocada para o

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consumo e número de membros da família, revelando outro conteúdo no trabalho camponês,

outra lógica, constituindo-se, portanto, num trabalho que serve às demandas necessárias à

manutenção da família e não na produção de valor de troca. Esta não deixa de ser uma

perspectiva importante para compreender o trabalho camponês.

Na lógica da produção de valor de uso, a força de trabalho da família é o elemento mais

importante no reconhecimento da unidade camponesa. É a família que define o máximo e o

mínimo de esforço a ser despendido na atividade econômica da unidade, o tamanho da família

(número de consumidores) tem relação direta com a atividade econômica da unidade de

produção. Portanto, a produção camponesa possui uma dinâmica diferenciada e particular que

seria reconhecida pela diferenciação demográfica no balanço trabalho-consumo, constituindo-

se em outro modo de produção.

Chayanov reconhece que o campesinato está fora do modo de produção capitalista. Para

ele o campesinato é um modo de produção, pois suas características são: a força do trabalho

familiar - unidade econômica camponesa -, pequena propriedade como local das atividades, a

própria família produz seu meio de produção, às vezes, devido a diversos fatores, membros da

família se veem obrigados a empregarem sua força de trabalho em atividades rurais não

agrícolas. Assim, a atividade econômica camponesa não se assemelha a de um empresário

rural o qual investe seu capital recebendo uma diferença entre a entrada bruta e os gastos

gerais de produção, gerando lucro. Mas sim, apenas uma simples remuneração que o permite

determinar o tempo e a intensidade do trabalho (CHAYANOV, 1974).

O aumento da produtividade do trabalho camponês se deve à pressão exercida pelas

necessidades do consumo familiar. Nesse sentido, a lógica da organização da unidade

econômica camponesa está baseada na racionalização entre quantidade e qualidade de terra,

força de trabalho e capital. Neste processo, qualquer distorção nesta relação é compensada

pela ocupação da força de trabalho em atividades não agrícolas complementares ou pela

intensificação do trabalho (CHAYANOV, 1974).

Este autor vê nas cooperativas coletivas as únicas alternativas para introduzir a

exploração camponesa no ambiente da industrialização agrícola em grande escala. Assim,

para continuar no modo de produção camponesa o meio é através da unidade econômica

camponesa familiar e caso ingresse no capitalismo, indústria-agricultura, os camponeses

devem se aliar e unir-se em cooperativas.

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As leituras e releituras desses clássicos geraram outros modos de pensar sobre o

desenvolvimento do capitalismo no campo com a industrialização e a modernização da

agricultura, bem como sobre o papel da produção camponesa neste novo contexto a partir de

diferentes perspectivas. As leituras nos indicam que no interior da tradição marxista há

aqueles como Silva (1982) que, apoiando-se em Lênin, consideravam que o campesinato

estava fadado à extinção e que daria lugar a uma realidade polarizada entre trabalhadores

assalariados e capitalistas, pequenos e grandes produtores rurais. Outros como Martins

(1981), inspirando-se na ideia de acumulação primitiva, afirmavam não somente a

permanência, mas também as possibilidades de recriação do campesinato no interior da

agricultura capitalista, enquanto classe desse sistema. Estas duas concepções teóricas têm

influenciado o debate sobre a questão agrária brasileira, notadamente no caso dos estudos

sobre campesinato.

Segundo Martins (1995) as palavras ―camponês‖ e ―campesinato‖ são recentes em

nosso país e ―são oriundas do vocabulário da política‖. Principalmente pelos partidos e

movimentos de esquerda que fizeram sua introdução em definitivo há algumas décadas,

quando a mesma resolveu apoiar os trabalhadores do campo na luta por um pedaço de terra

para trabalhar que irromperam em vários pontos do país a partir dos anos de 1950. Antes

disso, um mesmo trabalhador que na Europa e na América Latina tinha a mesma classificação

aqui tinha denominações próprias, e distintas nas diferentes regiões do país.

Por exemplo, temos o caipira, que segundo Martins (1981), provavelmente tenha

origem indígena, utilizada para designar o camponês dos estados de São Paulo, Minas Gerais,

Goiás, Paraná e do Mato Grosso do Sul. Já para o litoral paulista, essa mesma denominação é

conhecido como caiçara. No Nordeste chama-se de tabaréu. Em outras regiões é denominado

como caboclo, palavra assim como a de caipira muito difundida, porém, com vários sentidos

em diferentes épocas e em diferentes lugares. Por exemplo, no Estado de São Paulo do século

XVII era uma palavra com conotação depreciativa porque se nomeavam os mestiços de índios

e brancos; no Norte e no Centro-Oeste era empregada para distinguir o pagão do cristão,

sendo nome que se dava ao índio mesmo em contato com o branco; em outras regiões designa

o homem do campo, o trabalhador (MARTINS, 1981, p.21-22).

Segundo ainda este autor, são palavras carregadas de sentidos não somente políticos,

mas também econômicos, culturais e que muitas vezes expressam o preconceito contra essas

pessoas, pois

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São palavras que têm duplo sentido. Refere-se aos que vivem lá longe, no campo,

fora das povoações e das cidades, e que por isso, são também rústicos, atrasados ou,

então, ingênuos, inacessíveis. Têm também o sentido de tolo, de tonto. Às vezes

querem dizer também ―preguiçoso‖, que não gosta do trabalho. No conjunto, são

palavras depreciativas, ofensivas (MARTINS, 1981, p.22).

Leite (1993) denomina o conceito de campesinato como sinônimo de camponês, ou

seja, os vocábulos são equivalentes. E ainda conforme Leite (1993, p. 30) o campesinato é

definido ―como produtor familiar ou, simplesmente, pequeno produtor‖. Denominação que

hoje não é a mais adequada, haja vista sua forte redução ao aspecto econômico, ou seus viezes

políticos, no sentido de negar a existência e a luta histórica dos camponeses.

Moura (1986) descreve que na Roma antiga, o vocábulo paganus designava o

habitante dos campos, bem como o civil, em oposição à condição de soldado. Seguindo seu

raciocínio o ―vocábulo paganus converteu-se em paysan, no idioma francês: e, para a língua

inglesa, é traduzido por peasant. Ambos significam camponês em português‖ (LEITE, 1993,

p.30).

Na língua portuguesa o vocábulo paganus tornou-se ainda paisano: o que não é

militar. Assim como se tornou pagão, que significa não cristão, aquele que precisa ser

convertido.

Moura (1986) relata ainda que na Alemanha do século XIII a declinatio rústica tinha

seis concepções para a palavra camponês: vilão, rústico, demônio, ladrão, bandido, os

saqueadores; e no plural, miseráveis, mendigos, mentirosos, vagabundos, escórias e infiéis.

Portanto, etimologicamente, a palavra ―camponês‖ vem de campo (campus em latim).

Por outro lado o vocábulo ―lavrador‖, que contém na raiz, a palavra latina labor; que não quer

dizer só trabalho, possui também a conotação de esforço cansativo, dor e fadiga.

Botomore (1988, p.42) define tanto campesinato como suas relações sociais

(produção) ―como um conjunto daqueles que trabalham a terra e possuem seus meios de

produção: ferramentas e a própria terra‖.

Moura (1986, p.12) apresenta uma definição de camponeses como ―cultivadores de

pequenas extensões de terra, às quais controla diretamente com sua família‖.

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Graziano da Silva (1978) apud Leite (1993, p.29) é outro autor que traz por sua vez

uma definição de camponês partindo de quatro elementos principais que estruturam o trabalho

camponês:

a) ―utilização do trabalho familiar, ou seja, a família se configura como unidade de

produção‖;

b) a posse dos instrumentos de trabalho ou de parte deles;

c) produção direta de parte dos meios necessários a subsistência, seja produzindo

alimentos para o autoconsumo, seja produzindo (alimentos ou outras mercadorias)

para a venda. Deve ficar claro que, embora a produção se destine em grande parte

para o autoconsumo, não se trata unicamente de produção de alimentos; por outro

lado, não se trata de vender o que sobra do consumo, mas sim de realizar uma

produção voltada para o mercado com a terra, a mão-de-obra e os meios de trabalho

subtraídos da produção para a subsistência. Sob este aspecto a produção camponesa

pode ser vista como uma produção mercantil simples;

d) não é fundamental a propriedade, mas sim a posse da terra, que mediatiza a

produção, como mercadoria. Sendo assim, não só o proprietário, como também o

parceiro, o arrendatário, o posseiro, podem se configurar como forma de produção

camponesa.

No entanto, é comum ouvirmos nos dias atuais pessoas fazerem uso de termos

carregados de sentido pejorativo para se referirem ao homem e a mulher do campo, como:

―caipiras‖, ―caboclos‖, ―roceiros‖, dentre outros, dependendo da região do país. Estes termos

servem para caracterizar segundo visão dessas pessoas os que vivem - longe da cidade - no

campo. E que por isso também são rústicos, atrasados, ingênuos, inacessíveis. Podem ainda

ser tachado de ―tontos, preguiçosos, que não gostam de trabalhar‖ (MARTINS, 1981, p.21-

22). Contudo, são raras as vezes que os camponeses se autodenominaram deste modo.

Todavia, muitas vezes eles se autodefinem por outros nomes: lavradores rurais, agregados,

ribeirinhos, pequenos produtores etc (LEITE, 1993, p. 28-29).

Em muitas situações, as expressões utilizadas pelos próprios homens do campo para se

autodefinirem indicam, não raro, a submissão de uma visão subalterna/depreciativa de seu

modo de vida. Como descreve Moura (1986, p.16): Consciente de sua condição subalterna, o

camponês se vê como o pobre, e o fraco; reservando o antônimo destas categorias para os

proprietários de grandes extensões de terra, os profissionais que representam as agências do

estado, e de modo mais ou menos genéricos, os habitantes do meio urbano.

Portanto, esta denominação de pobre, fraco ou outras parecidas pode, contudo,

desaparecer, como se verifica em várias localidades brasileiras, no momento em que o

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campesinato se identifica política e socialmente enquanto classe que luta conscientemente por

seus direitos.

Todavia, ressaltamos que o termo campesinato é concebido, neste trabalho, como uma

classe social (do campo), ou seja, não devemos compreendê-la como uma das classes sociais

do mundo rural, do agronegócio de hoje. Pois, o significado de classe social é diferente ao de

estrato social. Este último é determinado pela capacidade econômica para possuir bens e

serviços no mercado, ou seja, está diretamente ligada ao poder de compra. (PINTO, 1981, p.

73).

Sendo assim, podemos afirmar que o campesinato é sim, segundo essa descrição uma

classe social, e não puramente um grupo de produtores situados no campo. Porém,

caracterizá-lo como agricultor também não é o bastante para explicar suas características,

tampouco, as relações que mantém com outras categorias sociais e, menos ainda com os seus

interesses reais (PINTO, 1981). Neste sentido precisamos entender o campesinato:

Não como uma classe social homogênea e uniforme, mas como um conjunto social

complexo, constituído por várias frações, cuja especificidade se origina do processo

de desenvolvimento histórico da sociedade, no qual distintos modos de organização

da produção conduzem a diferentes tipos de relações sociais (PINTO, 1981, p.74).

Com isso temos que ter em mente que as diferenças e contradições existem dentro dos

grupos sociais campesinos assim como em qualquer outro grupo social, porém, não chegam a

serem antagônicas.

Partindo dessa descrição podemos verificar a complexidade do campesinato como uma

classe trabalhadora do campo no mundo contemporâneo. Percebe-se que a cada momento

histórico forma-se um grupo distinto dentro do modelo desenvolvimentista do capitalismo,

pelo o qual o país constitui-se em formações socioeconômicas específicas de cada época.

Neste aspecto é importante compreender que o camponês não é um sujeito social estranho ao

modo capitalista de viver.

Representam vestígios não-capitalistas e/ou pré-capitalista de diferentes períodos de

desenvolvimento, que permanecem através de suas formas próprias, apesar das

relações atuais predominantes serem capitalistas. Em outras palavras, a relação de

apropriação e de exploração do trabalhador é uma relação essencialmente capitalista,

seja quando se dá reiteradamente, durante o processo de trabalho (no caso dos

trabalhadores agrícolas), seja mediante a apropriação dos excedentes econômicos

durante a troca (no caso dos camponeses), seja pelo processo de subsunção do

trabalho camponês ao capital (PINTO, 1981, p.76).

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Oliveira (1997) descreve o mesmo raciocínio em relação a esse assunto da seguinte

forma,

O capital interessado em sujeitar a renda da terra, primeiro estabelece a condição

fundamental para fazê-lo: apropria privadamente a terra. Nesse processo os

posseiros têm travado lutas sangrentas contra o capital e seus asseclas. O objetivo

dessa luta é livrar-se do destino de alguns de seus companheiros: se tornar

assalariados; ser ―bóia-fria‖. Primeiramente, o capital sujeita a renda da terra e em

seguida subjuga o trabalho nela praticado (OLIVEIRA, 1997, p.13).

De um modo geral, em cada sociedade, em razão de um conjunto diverso e complexo

de elementos, o campesinato se constitui de uma maneira específica. Olhando, por exemplo, a

história do campesinato a partir da Europa Ocidental à medida que as relações sociais pré-

capitalistas foram se desintegrando, ―os servos que continuaram na terra se transformaram em

um campesinato cujo acesso à terra passou a se fazer por meios extra-econômicos, através de

uma relação de dependência com um grande proprietário de terras‖ (Bottomore, 1988, p. 42).

No Brasil, por sua vez, assim como nos países latino-americanos, o campesinato

surgiu num contexto em que o modo capitalista de produção já estava organizado, mesmo que

ainda possuísse todas as suas características, tal como as desenvolveu até hoje e vai continuar

desenvolvendo. Essas características estão articuladas com a existência de um mercado

interno para os produtos oriundos das unidades de produção camponesa, a presença ou muitas

vezes a generalização de relações tipicamente capitalistas no campo, a existência de uma

indústria processadora desses produtos produzidos na agricultura camponesa, o que significa

dizer, que diferentemente do que acreditam vários autores, o campesinato não surge em nosso

contexto a partir de relações feudais, ele é uma criação contraditória do próprio capitalismo e

da luta obstinada dos excluídos do campo e da cidade para continuar existindo (OLIVEIRA,

2007).

No entanto, considerando as dimensões do Brasil e a própria lógica do

desenvolvimento capitalista, de forma desigual e distinta nas diferentes regiões do país,

também a formação do campesinato não vai ocorrer de maneira homogênea em cada região.

Os primeiros camponeses no contexto brasileiro, vão surgir ainda no período em que

predominou o ciclo da mineração e a monocultura agro-exportadora, ambas, como sabemos,

tendo como sustentáculo o sistema escravista. Todavia, Martins (1995) discutindo as origens

sociais do campesinato tradicional, lembra que no período colonial havia interdição da

propriedade da terra, não só ―para o índio, o escravo, para quem não tivesse sangue limpo,

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quem fosse bastardo, mestiço de branco e índia, os excluídos e empobrecidos pelo morgadio‖

(p. 32). O autor nos lembra ainda que esses primeiros camponeses, como estavam excluídos

da economia escravista, obtinham sua reprodução se apossando das terras livres.

Outra origem do camponês é colocada na perspectiva de Leite (1993) informando que

no século passado em razão da crise do trabalho escravo, o Estado brasileiro estimula a

imigração de trabalhadores de países da Europa para o sul e sudeste do Brasil. Parte desses

imigrantes foram para São Paulo trabalhar nas grandes fazendas de café. Outros foram para os

estados da região sul e sudeste do Brasil. Os colonos que foram para os Estados da Região Sul

e para o Espírito Santo se dedicaram principalmente à produção familiar. Para este autor os

descendentes desses imigrantes, ―vieram mais tarde, disseminar as unidades de produção

camponesa - juntamente com os descendentes de índios, escravos, e de outros segmentos

espoliados do campo - especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste‖ (Leite, 1993, p. 34).

José de Souza Martins, no Prefácio da obra Colonos do Vinho, de Tavares dos Santos

(1984, p. IX), diz que

(...) quando o regime de trabalho escravo entrou em colapso (...) a grande

propriedade entrou igualmente em crise. A progressiva substituição do cativeiro pelo

trabalho livre, na segunda metade do século XIX, foi implementada com medidas

igualmente oficiais para abrir caminho à agricultura familiar baseada na pequena

propriedade, num sólido vínculo jurídico com a posse da terra, segurança que não

tinham os homens livres agregados das grandes fazendas na vigência da escravidão.

Mendras (1978, p. 14-15) diz que uma sociedade camponesa possui cinco traços

definidores:

1. A autonomia relativa das coletividades camponesas frente a uma sociedade

envolvente que as domina, mas tolera as suas originalidades.

2. A importância estrutural do grupo doméstico na organização da vida econômica e

da vida social da coletividade.

3. Um sistema econômico de autarcia relativa, que não distingue consumo e

produção e que tem relações com a economia envolvente.

4. Uma coletividade local caracterizada por relações internas de interconhecimento e

de relações débeis com as coletividades circunvizinhas.

5. A função decisiva do papel de mediação dos notáveis entre as coletividades

camponesas e a sociedade envolvente.

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Na compreensão do autor estes cinco traços ligados entre si, formam um modelo

geral, mas que o traço principal desse modelo ―é o fato de pertencer a uma sociedade

camponesa que identifica o camponês e nada mais‖ (p. 15).

Mendras (1978) apresenta ainda uma questão importante para o debate acerca do

camponês, pois se articula com o centro principal da condição deste no contexto de suas

relações com a sociedade que o envolve. Trata-se da questão de quem é camponês, dos

objetivos do seu trabalho com a família e sua relação com a terra:

O camponês trabalha a terra para se nutrir (...). Por camponês, é necessário entender

a família camponesa, a unidade indissociável que conta ao mesmo tempo os braços

que trabalham e as bocas que têm de ser alimentadas. (...) A família vive de uma

terra que é sua e que lhe é própria, o que não quer dizer que tenha sempre a plena

propriedade, no sentido privativo do direito romano; mas ela dispõe ao menos de um

direito de explorar essa terra, seja por redistribuição entre as famílias da aldeia, seja

por concessão do proprietário fundiário (MENDRAS, 1978, p 44-45).

Maria Isaura Pereira de Queiroz (1973) compreende que as descrições de

características do campesinato, apresentadas por vários autores e em diferentes regiões, faz

chegar à conclusão de que há certos traços comuns que o definem, sejam quais forem os

detalhes que diferenciam os camponeses. Para esta autora os traços são os seguintes:

O camponês é um trabalhador rural cujo produto se destina primordialmente ao

sustento da própria família, podendo vender ou não o excedente da colheita,

deduzida a parte do aluguel da terra quando não é proprietário; devido ao destino da

produção, é ele sempre policultor. O caráter essencial da definição de camponês é,

pois, o destino dado ao produto, pois este governa todos os outros elementos com ele

correlatos (...). Economicamente, define-se, pois o camponês pelo seu objetivo de

plantar para o consumo. Sociologicamente, o campesinato constitui sempre uma

camada subordinada dentro de uma sociedade global (QUEIROZ, 1973, p. 29-30).

2. Pensando o processo de subordinação e expropriação do Camponês e sua recriação no

território de trabalho

Nesta segunda parte, nosso objetivo é apresentar, a partir de dados de uma

comunidade camponesa do Estado do Tocantins - moradores no Assentamento de Reforma

Agrária denominado Brejinho, localizado no município de Miracema do Tocantins - como se

caracteriza o processo de recriação do camponês no seu território de trabalho, bem como

articular essa discussão com o entendimento do processo de subordinação e expropriação do

camponês.

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A produção camponesa, desde sua origem, ocorre de forma subordinada ao modo de

produção dominante na sociedade, desde as sociedades tradicionais agrárias mais remotas. Na

compreensão de Moura (1986, p. 10), este modo de pensar reflete uma visão pessimista, que

vê o mundo do campesinato como algo parado.

O campesinato é sempre um polo oprimido de qualquer sociedade. Em qualquer

tempo e lugar a posição do camponês é marcada pela subordinação aos donos da

terra e do poder, que dele extraem diferentes tipos de renda: renda em produto, renda

em trabalho, renda em dinheiro.

Embora a autora deixe claro que em todas as sociedade e épocas o campesinato

sempre foi um polo oprimido, vou procurar mostrar como esse processo de subordinação do

campesinato tem ocorrido aqui no Brasil e vamos apresentar na última parte deste trabalho

entrevistas realizadas com camponeses assentados no Tocantins. Nesta parte a questão da

subordinação, do trabalho esporádico aparece no conteúdo das falas dos camponeses

entrevistados.

De início é preciso ter claro que o processo de trabalho e produção camponesa institui

relações complexas com o modo capitalista de produção e que sempre está presente a

possibilidade do contraditório. No passado quando os senhores latifundiários ―permitiam‖ aos

escravos que plantassem suas roças, mas que lhes pagassem renda dessa produção, ao mesmo

tempo o escravo está se reproduzindo, mas também dando renda ao latifundiário, que

inclusive utilizava essa produção para venda em mercados locais.

No caso dos camponeses, sempre há a venda de produtos excedentes com o objetivo

de adquirir no comércio aqueles produtos que não conseguem produzir. E aí está outro

problema sério para o campesinato, pois na medida em que precisa manter essas relações com

um mercado que tem como lógica a venda de produtos independente de sua necessidade, cria

condições para sua continuidade de outro modo, mas ao tempo, essas relações contêm o

germe da ruína do camponês.

É importante compreender também que há a subordinação camponesa ao capital

financeiro, aos bancos. Esta subordinação ocorre quando os camponeses buscam o sistema

formal de crédito ou as linhas de financiamentos via crédito oficial. Isso coloca os

camponeses em subordinação econômica na relação com agentes financeiros do mercado

inclusive mundial, mas muitas vezes essas relações estão fundadas em laços de dependências

geradas pela subordinação política, fundada na prestação do favor, do clientelismo gerando

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dependência pessoal e destruindo possibilidades da livre recriação do camponês. Martins

(1987) aponta dois fatores importantes que contribuíram para ocorrer a dependência pessoal

no campo brasileiro e que culmina com a crise do clientelismo tradicional: ―A forma maciça e

ampla assumida pela expansão do capital na agricultura; a modificação nas condições sociais

do trabalho e nos processos de trabalho, mediados agora pelo caráter impessoal do

relacionamento entre o trabalhador e o patrão‖.

O processo de ocupação do espaço no Brasil ocorre em direção ao interior e tem como

um de seus pilares, desde a colônia, o latifúndio. Neste movimento os grandes proprietários,

articulados com o poder público, foram tomando as terras de posseiros, sitiantes, índios,

sertanejos, que não tiveram outra alternativa a não ser a luta pela terra em seus locais de

origem, mas também as andanças por todas as regiões do país, principalmente no oeste e no

norte, em busca de terra para trabalhar. Este tem se constituído em um importante instrumento

de recriação e territorialização do campesinato no Brasil.

Grzybowski (1987, p. 52), diz que o processo de subordinação e expropriação não

ocorrem de forma separada, pois na relação do campesinato com o modo de produção

capitalista ―existe a separação dos trabalhadores rurais da terra e de suas ferramentas de

trabalho (expropriação), assim como a apropriação do sobretrabalho deste segmento, seja pelo

capital industrial, comercial ou usurário (subordinação)‖.

Esse processo de expropriação que está ocorrendo nas últimas décadas, tem se

constituído num dos elementos que mais contribuem para que as famílias camponesas sejam

expulsas dos lugares onde vivem e, por conseguinte, passem a viver um intenso processo de

migração para outras regiões do país. Principalmente nas décadas de 1960 a 1980, houve uma

intensa migração de famílias para as regiões Centro-Oeste e Norte. Este processo de

migração, só parece ser espontâneo, mas é fruto inclusive de ações de governo, no sentido de

resolver contraditoriamente demandas de elites econômicas e políticas, mas também das

pressões dos movimentos sociais no campo e na cidade.

No caso específico do território que hoje forma o Estado do Tocantins precisamos

entender seu processo de constituição sociopolítica e espacial no contexto dos interesses do

estado brasileiro, dos interesses goianos e em particular, dos interesses dos grupos dominantes

situados na parte norte do Estado de Goiás.

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Cavalcante (2003), estudando esse processo de emancipação do norte goiano que

ocorreu ao longo dos séculos XIX e XX, demarca três marcos históricos centrais que

constituíram esse processo emancipatório: de 1821 a 1823; de 1956 a 1960; e de 1985 a 1988.

Para essa autora, o primeiro momento (1821-1823) a oposição entre o norte e o centro sul de

Goiás estava centrada na cobrança de impostos em relação a exploração do ouro; o segundo

momento (1956-1960), a autora situa a oposição norte-sul de Goiás no contexto da expansão

do Estado brasileiro na direção do interior do país, com base nos discursos de ocupação dos

espaços vazios ou pouco habitados do interior e em particular do norte; já o terceiro momento

1985-1988, passa a se apresentar como uma estratégia de mostrar as diferenças culturais e

econômicas entre o norte e o sul de Goiás.

No Tocantins, além de já ter vivido esse processo de migração nas décadas acima

citadas, após a divisão territorial e instalação do novo estado, intensifica-se um forte processo

de migração, principalmente de populações pobres, após a implantação do Estado. É neste

universo que deve se situar a pressão dos trabalhadores pobres de várias regiões do Brasil que,

no final da década de 1980 e durante a década de 1990, irão procurar o Tocantins e muitos,

não encontrando condições adequadas de vida na cidade, passam a enfrentar a luta pela terra e

nas terras conquistadas, muitos estão se recriando no campo enquanto camponeses com

distintas identidades.

A luta pela terra hoje existente no país e no Tocantins constitui, de um modo geral,

mais um capítulo importante da história do campesinato brasileiro, movido pelo conflito entre

a territorialidade capitalista e a territorialidade camponesa inaugurado com a criação do

mercado de terras no Brasil na segunda metade do século XIX, a partir da implantação da Lei

de Terras. Mas há processos importantes que sinalizam positivamente como novidades

observadas no processo dessa luta pela terra. Trata-se do processo de recampesinização

verificado, que representa a negação da uniformidade do processo de proletarização em curso

no campo, demonstrando que a possibilidade de recriação camponesa não se esgota com a

expropriação e migração destas pessoas para a cidade. Melhor ainda, que o camponês tem

sido capaz, enquanto classe que toma seus destinos nas mãos, mesmo que contraditoriamente,

de continuar existindo, inventando e reinventando formas de vida e trabalho na terra que

demonstram rompimentos com o domínio hegemônico do capitalismo.

Os assentamentos rurais, no Brasil, têm sua origem, principalmente a partir da década

de 1970 através dos projetos de colonização criados durante o regime militar. Nesses projetos,

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via de regra, estava dentre seus objetivos ocupar áreas despovoadas e atrasadas que, na visão

do governo, precisavam se integrar aos processos econômicos em desenvolvimento no país,

bem como expandir as áreas de fronteiras destinadas à agricultura capitalizada, desarticular

focos de conflitos existentes em diversas regiões (Nordeste, Sul, Sudeste, Centro Oeste), além

de fragmentar as lutas de posseiros e trabalhadores rurais em prol da reforma agrária, embora

objetivos semelhantes já tivessem motivado o governo Vargas na década de 1940, quando

também houve projetos de colonização.

Neste sentido, o Estado apresenta-se como espaço de ―solução‖ para os problemas dos

segmentos de trabalhadores excluídos do sistema econômico, social, político e cultural. Ao

mesmo tempo, a criação dos assentamentos institui, para os assentados, para o Estado e para a

sociedade, a necessidade de conhecer os modos de existência, a pobreza e a riqueza desse

espaço de produção e de reprodução camponesa, via trabalho na terra.

A noção de assentamento envolve uma concepção de fixação do homem à terra, pela

oferta de condições para sua exploração e de incentivos à vida comunitária. Os assentamentos

devem ser pensados como locais de estratégias dos grupos que integram o campo de disputas

em torno de recursos e regras institucionalizadas para que assentados e assentadas tenham

estabilidade financeira, como afirma Delma Pessanha NEVES (1997).

Compreendemos que essa questão vai além da luta pela terra, enquanto processo de

organização dos camponeses, que buscam respostas do Estado acerca dos problemas

específicos da terra, bem como de problemas sociais que são decorrentes daquele. No Brasil, a

luta pela terra e, em boa parte, a história da formação dos assentamentos, tem sido marcada

por processos crescentes de subordinação da agricultura camponesa ao capital financeiro, o

que tem contribuído sobremaneira para imprimir, no espaço rural e urbano, transformações

nas relações sociais.

Na medida em que crescem os investimentos, públicos ou privados, em projetos

visando aumentar os ganhos dos grandes grupos econômicos de capital, nacional ou não, as

condições de trabalho e de vida dos trabalhadores rurais, dos pequenos proprietários, de

camponeses sem terra e de assentados são cada vez piores, pois acelera o processo de

exploração sobre os mesmos. Ao mesmo tempo, como fruto também desse mesmo

movimento contraditório de transformação capitalista do campo, camponeses e trabalhadores

rurais destituídos de seu principal instrumento de trabalho que é a terra, tomam consciência de

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seus direitos, decidem ―parar em algum lugar‖ e recomeçar a vida na luta por um pedaço de

terra.

Estes trabalhadores e camponeses sem terra sabem das histórias de luta para conquistar

e para manter um pedaço de terra, contadas por seus antepassados e, embora saibam que

historicamente o Estado tem sido incapaz de solucionar os problemas fundiários, com os

recursos legais sendo definidos pelos poderosos em benefício próprio, não se cansam de lutar

por transformações na estrutura fundiária deste país.

José de Souza Martins (2000) diz que o grande capital tornou-se proprietário de terras

no País, especialmente por causa dos incentivos fiscais durante a ditadura militar, concedido

pelo Estado no sentido de promover e alicerçar uma aliança entre terra e capital. Esta aliança

transformou empresas urbanas (indústrias, bancos, empresas comerciais) em proprietárias de

enormes extensões de terra, conforme a região onde está situado o investimento.

O território que hoje compreende o Estado do Tocantins é considerado um grande

vazio demográfico. De acordo com dados do Censo do IBGE (2010), são 4,98 habitantes por

quilômetro quadrado. Trata-se de uma fronteira agrícola e econômica no interior do Brasil,

que vem sendo utilizada a partir de projetos implementados pelo governo em vários setores

(agricultura, construção de usinas de geração de energia elétrica e outros investimentos), que

visam integrar o estado e sua economia ao contexto da lógica do modelo de desenvolvimento

nacional.

Essa forma de compreender o desenvolvimento do estado tem sua origem situada no

modelo de desenvolvimento rural preconizado pelo regime militar e posto em prática na

região Centro-Oeste e Norte do Brasil.

O Estado do Tocantins tem sua economia fundada principalmente na pecuária e

agricultura, embora hoje seja crescente o desenvolvimento do setor de comércio e serviços

particularmente ancorado na ideia do turismo sustentável.

A existência de assentamentos no território do Tocantins tem sua origem ligada aos

movimentos de luta pela terra que se constituíram ao longo dos quinhentos anos de existência

do Brasil. Ainda na década de 1960, iniciaram-se assentamentos rurais nesta região que hoje é

o Tocantins, ex-norte de Goiás. As ligas camponesas, ao sacudirem as grandes propriedades

de terras em diversas regiões do Brasil, chegaram na região pela ação de trabalhadores,

governos e partidos políticos. É o caso do movimento de Formoso e Trombas, dentre outros,

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que contribuiu para a luta pela terra no seu tempo e também criou uma memória acerca dessas

lutas para as futuras gerações de camponeses.

A formação histórica do Tocantins se deu em torno da grande fazenda de gado, criado

de forma extensiva. Historicamente, esse modelo de criação de gado favoreceu a apropriação

de grandes extensões de terra por parte dos grandes fazendeiros, o que permitiu a formação de

uma estrutura fundiária concentradora.

No estado, os assentamentos rurais têm se multiplicado, ora fruto de ações pontuais de

governos, ora como resultado das negociações dos movimentos sociais organizados que têm

conseguido pressionar o estado para ―agir contra a concentração fundiária‖.

Em nosso estudo (OLIVEIRA, 2002), procuramos compreender como os camponeses

se educam no processo de luta pela terra no Tocantins, tomando como base empírica um

assentamento de Reforma Agrária estruturado pelo INCRA e localizado na cidade de

Miracema do Tocantins, pudemos verificar a formação de um território de trabalho familiar e

como de fato o camponês perambula, zanza em busca da terra.

Confirmando a tese do camponês itinerante de Martins (1995), identificamos que as

106 famílias que formavam o assentamento viviam no Tocantins, mas eram originárias de

onze estados brasileiros (Maranhão, Piauí, Pará, Tocantins, Ceará, Goiás, Bahia, Paraíba, Rio

Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Minas Gerais).

Esta presença de trabalhadores rurais de 11 estados diferentes, com distintas formas

de se relacionar com a terra, com o governo e entre si; e com diferentes experiências

de vida, é fundamental para entender a riqueza da luta pela terra naquele espaço. No

entanto, é importante também considerar que, todos os assentados, e não somente os

informantes da pesquisa, já residiam no Tocantins quando ocuparam aquela área e

foram selecionados pelo INCRA (OLIVEIRA, 2002, p. 70).

Dados coletados com camponeses assentados no Assentamento Brejinho em

Miracema do Tocantins confirmam esta perspectiva de compreensão sobre o camponês.

Solicitamos a três assentados que falassem sobre as características do trabalho, se há ou não

assalariamento, sobre renda e outras questões. As falas estão organizadas no Quadro 1 a

seguir:

Quadro 1: Características do trabalho familiar camponês no Assentamento Brejinho

Características FORÇA DE TRABALHO E RENDA

Informante 01 Informante 02 Informante 03

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Predomina trabalho com a

família

Sim Sim Sim

Vende força de trabalho Sim/Esporádico Sim/ Esporádico Sim/ Esporádico

Compra força de trabalho Sim/Esporádico no

abacaxi/milho

Sim/ Esporádico no

abacaxi

Sim/ Esporádico no abacaxi

Faz troca de dia de trabalho Sim Sim Nem sempre dar certo

Renda mensal 01 salário mínimo 01 salário mínimo 01 salário e meio

Tem luz elétrica em casa e na

parcela

Sim Sim Sim

Usa energia elétrica na

atividade agrícola

Sim, pouco Não Sim, pouco

Utiliza práticas de

conservação do solo e das

águas

Não há consciência É complicado falar, mas

falta muita consciência.

Sim. Há palestras

(Copter/Investco)

Fonte: Pesquisa de Campo do autor - Julho de 2011.

Partindo dessa descrição podemos verificar a complexidade do campesinato como

uma classe trabalhadora do campo no mundo contemporâneo. No entanto a condição de

trabalhador, no nosso ponto de vista, é algo insuficiente para tratar de toda a sua riqueza

cultural material e imaterial. É necessário ir mais longe e aprofundar a analise se livrando do

costume de realizarmos sobre esse sujeito social abstrações, por exemplo de suas

humanidades. Ele conjuntamente com a sua família é um trabalhador também no sentido

ontológico de que, enquanto trabalhador o resultado do seu trabalho decorre de saberes e

fazeres. O trabalho como conjunto de atividades não produz apenas valores de troca. Cria

símbolos que indicam o uso do espaço e a constituição de territorialidades especificas e

pontuais.

Neste sentido, as relações sociais não são apenas de produção e as territorialidades

que formam o território camponês existem e podem inserir-se eficazmente como uma

estratégia de existência local. Desse modo, mesmo que o trabalho camponês produza coisas

para o mercado, as relações sociais criam valores que se acentuam sob lógicas sociais que

anunciam pluralidades culturais. É necessário compreender que a condição camponesa se

estabelece no lugar no qual se estabelece a vida. Nesse sentido não é apenas o trabalho

concretamente manifestado que importa. No conhecimento do lugar das vizinhanças, das

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práticas sociais, temos outros elementos para alargarmos a nossa reflexão e compreender mais

finamente esse sujeito social e seus vínculos territoriais.

No Assentamento Brejinho, os camponeses assentados mostram como construíram

vínculos importantes retomando antigas sociabilidades de suas tradições, seus saberes

oriundos do trabalho e de uma relação com o lugar que vai deixando marcas na paisagem

natural e humana, como apresentado no Quadro 2 abaixo:

Quadro 2: Sociabilidades, saberes e festas no Assentamento Brejinho

Questões Informante 01 Informante 02 Informante 03

As famílias participam da

Associação de produtores do

Assentamento

Sim, a maioria Participação fraca Boa participação

As famílias participam do Sindicato

dos Trabalhadores

Poucas Podia ser melhor a

participação

Boa participação

Há festas religiosas no Assentamento Santo Antonio/rezas em

fazendas

Tinha várias, mas agora

com o povo aqui voltou.

Santo Antonio/São

Lázaro/Reis/São João

As pessoas participam dessas festas Participam Pouca participação Boa participação/une

as pessoas

Fonte: Pesquisa de Campo do autor - Julho de 2011.

Nesta perspectiva, uma autora do campo da Geografia Cultural e Agrária, (Marta Inês

Medeiros Marques, 2004) reforça essa centralidade do modo de vida camponês para além dos

resultados materiais do seu trabalho.

[...] o modo de vida camponês como um conjunto de práticas e valores que

remetem a uma ordem moral que tem como valores nucleantes a família, o

trabalho e a terra. Trata-se de um modo de vida tradicional, constituído a

partir de relações pessoais imediatas, estruturadas em torno da família e de

vínculos de solidariedade, informados pela linguagem de parentesco, tendo

como unidade social básica a comunidade (MARQUES, 2004, p. 148).

A existência camponesa vai além do trabalho e dos resultados do trabalho, ou seja,

existem no lugar onde vivem representações sociais, cujo poder no seu sentido simbólico

também necessita ser devidamente estudado e referenciado em nossos entendimentos de

camponês.

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Os dados acima comprovam que os camponeses do Assentamento Brejinho

construíram uma relação com o seu lugar de viver que extrapola o cálculo econômico. No

Quadro 2, quando o informante responde, sobre a questão religiosa afirmando: ―Tinha várias,

mas agora com o povo aqui voltou‖, na verdade faz um movimento importante de leitura de

um passado, antes da constituição do assentamento quando haviam muitas festas religiosas

naquela região e ao mesmo tempo, demonstra um aprendizado pela experiência que só foi

possível com uma com-vivência (com os outros) no seu novo lugar que é o assentamento.

Tuan (1983, p. 10) vai dizer que

Assim, a experiência implica a capacidade de aprender a partir da própria vivência.

Experienciar é aprender; significa atuar sobre o dado e criar a partir dele. O dado

não pode ser conhecido em sua essência. O que pode ser conhecido é uma realidade

que é um constructo da experiência, uma criação de sentimento e pensamento (grifo

meu).

Outro aspecto importante na dinâmica do pensar camponês sobre sua própria

condição é o modo como pensam e falam acerca da educação e da escola do estado que existe

entre eles.

Precisamos compreender a educação como uma prática social cuja origem e destino

são a sociedade e a cultura e é falso imaginar uma educação que não parta da vida real: da

vida tal como existe e do homem tal como ele é. Assim é necessário que nos interroguemos

todos os dias sobre o conteúdo, a forma e as finalidades da educação que pensamos e

praticamos no interior de nossas escolas, inclusive, porque não levamos em conta nos

processos de ensinar/aprender na escola os saberes que os camponeses já possuem, fruto de

suas experiências de vida, de trabalho e de produção de bens materiais e simbólicos na terra

onde vivem?

É consenso entre educadores, pesquisadores, pais, alunos e setores responsáveis pela

gestão da educação, de que a educação destinada aos camponeses deve estar articulada aos

interesses e aos distintos modos de construir e reconstruir a vida a partir do mundo rural (e

isso também é válido para a educação urbana). No entanto o que temos visto é uma escola

urbana, pensada a partir da lógica da cidade exatamente para cumprir finalidades estranhas

aos interesses dos trabalhadores rurais e de seus filhos.

Os camponeses que vivem no Assentamento Brejinho compreendem e falam de

lacunas importantes no modo de funcionar da escola pública que eles conquistaram e existe

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no assentamento. Nas falas dos camponeses há clareza de que eles sabem e compreendem que

estranhamente, a escola não se preocupa em levar em conta, em aproveitar os conhecimentos

que cada família tem no processo de formação das crianças, pois responderam assim quando

questionados sobre se há interesse da escola em aproveitar os conhecimentos que cada família

já tem, ou seja, a escola não consegue ou não quer mesmo misturar seus conteúdos com os

traços da vida da comunidade e de seus alunos. Quadro 3:

QUADRO 3: Interesse da escola em aproveitar os conhecimentos que a família camponesa já detêm:

Informante 01 Informante 02 Informante 03

Não. Isso é estranho porque todo

mundo, toda pessoa, sempre tem

alguma sabedoria. Os mais velhos

sempre falam disso.

Sim e não. Ainda tem pouco

interesse em conhecer os minino e

nós.

Valoriza não. Só se interessa pelo

mundo da escola. Por exemplo,

numa farinhada tem muita

sabedoria, mas ninguém aparece.

Fonte: Pesquisa de Campo do autor - Julho de 2011.

Embora tenhamos clareza da condição instável dos camponeses em todas as regiões do

Brasil, sabemos também que a conquista da terra altera a dinâmica de sua relação com o seu

próprio modo de viver suas tradições. Por outro lado o seu vínculo com a terra faz renascer

um conjunto de símbolos e valores que podem ser remetidos a uma ordem moral tradicional

que lhes ajudam a reconstruir os seus processos de reconstrução de identidades.

É preciso também, ter claro que o processo de ―recampesinização‖ que se verifica a

partir de seu retorno à terra possibilitado por suas lutas é marcado por conflitos, ambiguidades

e contradições, que traduzem a difícil passagem da ideologia à prática, assim também como

não podemos perder de vista que a existência do camponês assentado não nega a lógica do

capital, que, em sua reprodução ampliada, continua subordinando e expropriando o

campesinato, mas:

Ao mesmo tempo que o camponês está subordinado à lógica do capital, ele também

descobriu caminhos para o rompimento dessa submissão, fazendo escolhas para

viver em sociedade, de acordo com seus valores (SIMONETTI, 1999, p.56).

Por isso consideramos importante se considerar a dimensão cultural para compreender

o significado do movimento de luta pela terra existente hoje no Brasil e a forma como os

assentados organizam a vida e o espaço nos assentamentos. Até porque este sujeito

corresponde a esta ―estranha classe‖ de que nos fala Shanin (1979), que é o campesinato, e os

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assentamentos rurais têm se constituído como o ―lugar‖ onde se dá um complexo e sofisticado

processo de (re) construção do ―território camponês‖.

Os quadros acima e as falas dos camponeses do Assentamento Brejinho nos ajudam a

entender que os assentamentos não são apenas uma unidade econômica, que há uma

pluralidade de formas de existências, mesmo havendo uma ideia dominante que entende o

assentamento e o camponês como uma entidade homogênea no seu processo de

territorialização:

(...) a expressão concreta da territorialização do movimento (de luta pela terra). Não

é somente o lugar da produção, mas também o lugar da realização da vida. (...) E a

vida, para esses camponeses, como se verifica em seus relatos, não é somente ter

comida, ter casa, mas uma vida plena, uma vida cheia de significados, na qual aquilo

que eles crêem tem possibilidade de continuar sendo respeitado e existindo: sua

cultura, sua autonomia, sua visão de mundo, sua capacidade de crescer a partir de

suas próprias potencialidades, enfim seu universo simbólico (SIMONETTI, 1999,

p.70-71).

Estamos compreendendo que tanto a visão economicista do campesinato como aquela

da inexorabilidade da homogeneização urbana no espaço rural conduz política e

ideologicamente a compreensões que reafirmam a absorção/exclusão social do campesinato

pela expansão e consolidação da empresa capitalista no campo (CARVALHO, 2005).

Este autor considera que ―há um processo de reprodução da família camponesa na

sociedade capitalista, mas o campesinato tem especificidades no contexto da formação

econômica e social capitalista‖ (p. 23). Analisando o movimento do campesinato no Brasil e

as distintas e as vezes contraditórias interpretações feitas, o autor trabalha com a ideia de

paradigmas explicativos da condição do camponês na sociedade capitalista.

Assim, diz que desde o século XIX, surgiram várias teorias a respeito da existência e

das perspectivas do campesinato no capitalismo. O desenvolvimento dessas teorias constituiu

três modelos - paradigmas distintos de interpretação do campesinato (p. 24-5): o paradigma

do fim do campesinato, que compreende que este está em vias de extinção; o paradigma do

fim do fim do campesinato, que entende sua existência a partir de sua resistência; e o

paradigma da metamorfose do campesinato, que acredita na sua mudança em agricultor

familiar (na próxima página apresentamos um esquema desses paradigmas).

O camponês é um sujeito determinado, pois mesmo submetido a intensos processos de

subordinação, expropriação e exploração não desiste da busca do seu principal instrumento de

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trabalho que é a terra, mesmo que isto signifique pagar às elites agrárias deste país um alto

preço para se reproduzir pelo trabalho na terra, seja na condição de proprietário ou não.

Isto significa que a despeito das distintas interpretações teóricas e ideologias dos

estudiosos, partidos políticos e movimentos sociais, os camponeses continuam existindo, se

reproduzindo e assim desafiando os teóricos a compreenderem a dinâmica de sua existência

numa sociedade que insiste em negá-los.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo objetivou fazer uma revisão teórica acerca do conceito de

campesinato procurando apresentar a origem do termo, o histórico de sua constituição no

debate teórico no Brasil e em outros locais. A discussão foi mediada pela explicitação da

condição histórica do camponês na sociedade capitalista com seu processo de subordinação,

expropriação e recriação no contexto das possibilidades de sua afirmação/negação enquanto

classe social que constrói sua identidade num território fundado nos seus modos de vida e de

trabalho com a terra. Integrando a perspectiva teórica com a realidade, apresentou-se ainda

alguns dados coletados através de entrevista semi-estruturada em uma comunidade

camponesa de assentados do Estado do Tocantins.

O camponês, teoricamente é tido como um dos tipos humanos que melhor realiza a

relação homem natureza, pois dada sua perspectiva de elaboração da vida material e

simbólica, assume papel fundamental na constituição de diferentes modos de existência, na

complexidade das relações sociais do mundo atual, especialmente sua capacidade de se

articular culturalmente no espaço a partir de seus diferentes modos de se territorializar, como

já demonstrou ao longo de suas lutas camponesas por terra em todas as regiões do Brasil.

Ao longo do texto trabalhamos com a ideia de que o campesinato deve ser concebido

como uma classe social (do campo), ou seja, não devemos compreendê-la como uma das

classes sociais do mundo rural, do agronegócio de hoje.

Em Miracema do Tocantins está ocorrendo uma forte expansão do capitalismo no

campo e junto com isso, distintos processos de criação e reinvenção da cultura camponesa,

mesmo considerando as barreiras e contradições articuladas pelos distintos interesses em jogo

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no interior dos territórios camponeses, que ora se realiza em áreas de terra reconquistada

(assentamentos de reforma agrária), em áreas rurais influenciadas pelos modos de vida dos

assentados (trabalhadores rurais proprietários de pequenas áreas) ou até mesmo nas cidades.

Nestes diferentes lugares estão em curso outros modos de articular as relações dos

homens com os homens, dos homens com a natureza, dos homens com seu principal

instrumento de trabalho que é a terra e, por conseguinte, a possibilidade de continuar vivendo

enquanto camponês, na medida em que as festas do catolicismo popular tradicional (São João,

Divino Pai Eterno, Santos Reis e outras) reaparecem em diferentes regiões da cidade, seja no

meio rural ou urbano de Miracema, bem como em outras cidades próximas.

Os dados fornecidos pelos camponeses assentados nos permitiram compreender que o

camponês Tocantinense que vive na região de Miracema, no Assentamento Brejinho, não é

um proletário do campo ou da cidade. Que o mesmo tem procurado, após a reconquista da

terra expropriada, retomar suas experiências de trabalho e sociabilidade, mesmo tendo

consciência da subordinação na qual vive, mas acredita que sua condição hoje é melhor do

que antes do processo de territorialização que se realiza todos os dias na dinâmica da vida no

assentamento.

Nesse processo, os camponeses vão percebendo que no lugar onde vivem há distintas

identidades e que os mesmo procuram assumir várias dimensões de sua existência no

assentamento. Algumas dessas dimensões estão articuladas com o interesse dos camponeses

em compreender as educações e culturas existentes entre eles.

Neste contexto já percebem que educação e cultura não são práticas humanas que

ocorrem separadamente, elas são criações e recriações que elaboramos enquanto vivemos;

como coisas que inventamos para tornar nossa existência possível. Ao fazer isto acenam para

os outros, com os quais se relacionam, que eles enquanto vivem como camponeses também

produzem e colocam no mundo, não somente bens materiais, mas algo imaterial, próprio

deles, extraído de suas relações com o mundo, o trabalho, a família e os outros homens e que

também estamos dispostos a considerar o que outros também deixaram de si como presença

nossa, num determinado lugar de viver.

Os camponeses e camponesas de Miracema do Tocantins, do Assentamento

Brejinho, fazem isso todos os dias, mesmo considerando os problemas relacionados a

mudanças, continuidades e rupturas em sua cultura.

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Como referenciar esse texto:

OLIVEIRA, Antonio Miranda de. Campesinato, Educação e identidade territorial no Tocantins. In:

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O ENSINO DE GEOGRAFIA: PERSPECTIVAS ATUAIS

Ricardo Ferreira Miranda

Professor de Geografia no Colégio Marista em Palmas; Mestrando em Geografia –

UFT/Câmpus de Porto Nacional; [email protected]

RESUMO

Este estudo está articulado com as experiências de trabalho com o ensino de Geografia em

uma escola particular da cidade de Palmas-Tocantins e experiências relatadas por professores

da rede publica estadual e tem como objetivos principais apresentar algumas questões teóricas

e práticas que nos preocupam no processo de ensino desta área do conhecimento, além de

buscar colocar algumas questões acerca da padronização e homogeneização do ensino de

geografia na escola tendo como consequência uma formação geográfica acrítica, pois fundada

num ensino supostamente neutro.

Palavras-Chave: Ensino de Geografia; geografia escolar; geografia acadêmica.

INTRODUÇÃO

Quando analisamos as produções acadêmicas geográficas notamos claramente uma

grande preocupação com as metodologias de ensino da geografia, pois muitos professores têm

dificuldades em ensinar ou motivar seus alunos que veem as aulas de geografia como chatas e

desinteressantes. Isso ocorre por múltiplos motivos dentre eles vamos destacar aqueles que

pensamos terem maior participação em impedir o desenvolvimento da geografia escolar no

Brasil e em nossa experiência de trabalho docente no Tocantins.

No início do século XIX na Europa, quando a Prússia almejava fundar o Estado-Nação

alemão, o governo instituiu a formação básica para todos, com a exigência de aprenderem a

língua nacional, a História e a Geografia na perspectiva do ―amor à pátria.‖ Carregada de uma

função patriótica, a Geografia foi também institucionalizada na França após 1870, quando

ficou comprovado que a Alemanha ganhou a guerra franco-prussiana porque seus soldados

sabiam mais sobre o território disputado. Testada na Alemanha e depois na França, a

Geografia se apresentava, então, com um valor inigualável de prestadora de serviços

patrióticos para o Estado-Nação e para os grupos e classes detentores do poder.

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Como aponta LACOSTE (1993) em seu livro a Geografia serve antes de tudo para

fazer a guerra. Assim, a Geografia começou a ser ensinada na escola porque era útil à classe

dominante naquele momento histórico.

A partir dessa implantação da geografia nas escolas ela passa a ser ensinada, amparada

em descrições do território como relevo e hidrografia para que os alunos futuros soldados

reconheçam as características no campo de batalha. Assim a geografia se torna uma disciplina

que passa a cumprir uma função extremamente disciplinadora e patriótica. No caso do Brasil,

as origens da Geografia e o seu ensino foi introduzido de duas maneiras, como afirmam:

No Brasil Colônia, durante os séculos XVI, XVII e XVIII, a educação foi ministrada

pelos jesuítas e era claramente diferenciada entre indígenas e filhos dos colonos.

Para os primeiros, valorizou-se a formação religiosa cristã, e, para os

administradores/exploradores da Colônia, uma formação humanista, com uma

camuflada introdução do "amor à pátria" através da leitura poética e romântica da

paisagem na escola elementar. Na época, o Ensino da Geografia acontecia diluído

em textos literários. Já no século XIX, primeiro sob o Império e depois sob a

República, a educação brasileira continuava sendo voltada para a classe dominante:

um seleto grupo de "intelectuais, profissionais liberais, militares, funcionários

públicos, pequenos comerciantes e artesãos". Foi de certa forma por causa desta

classe dominante que a Geografia tornou-se uma matéria escolar específica quando,

em 1831, passou a ser requisito nas provas para os Cursos Superiores de Direito. Ser

Bacharel em Direito e futuro administrador de Cargos Públicos era um dos objetivos

das principais famílias da época. (ROCHA, 2010, 13)

Straforini (2001, p.29), diz que essa ―Geografia positivista reduz a realidade ao mundo

dos sentidos. Assim, para o positivismo os estudos devem restringir-se aos aspectos visíveis

do real, mensuráveis e palpáveis‖‘. Compreendemos que neste sentido o ensino e a própria

Geografia foi reduzida a um

Estudo descritivo das paisagens naturais e humanizadas, de forma dissociada do

espaço vivido pela sociedade e das relações contraditórias de produção e

organização do espaço. Os procedimentos didáticos adotados promoviam

principalmente a descrição e a memorização dos elementos que compõem a

paisagem sem, contudo, esperar que os alunos estabelecessem relações, analogias ou

generalizações. Pretendia-se ensinar uma geografia neutra (Straforini, 2001, p.104).

A partir desse momento a geografia passa a ser disciplina obrigatória nas escolas

publicas brasileiras. Mas somente a partir da década 1930 que surgem os primeiros cursos

superiores de Geografia no Brasil e os professores que ministravam esses cursos eram

franceses, assim a geografia brasileira foi muito influenciada pela Geografia francesa

lablachiana, que se desenvolveu a partir dos estudos das regiões e das relações do homem

sobre o meio chegando a geografia geral na qual o homem como sujeito transforma o meio.

Porem a Geografia lablachiana se limitava a descrições da paisagem e das transformações que

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os homens realizavam sobre a natureza sem se preocupar com os interesses que

impulsionavam as alterações na natureza, assim a geografia Labalachiana era uma geografia

apenas para o governo, pois era um saber estratégico que tinha como objetivo aumentar o

território conquistado pelos franceses. Os primeiros professores a se formar supriam as

necessidades das escolas porem logo passaram a realizar pesquisas nas academias. Assim a

geografia começa a se apresentar como ciência acadêmica e escolar no Brasil ganhando

espaço e respeito.

Na década de 1970 a geografia como ciência acadêmica e escolar passa por várias

mudanças, porem é necessário diferenciar essas geografias. Para Cavalcanti quando foi

questionada sobre essa diferença argumentou que:

Embora ambas analisem a realidade pela mesma perspectiva, o modo como cada

uma compõe e organiza os temas de estudo é diferente. No mais, a geografia escolar

é um feixe de referências - e, entre elas, está a ciência geográfica estudada nas

nossas universidades. Para lecionar no Ensino Fundamental, não basta aplicá-la

diretamente, nem de um modo simplificado. A disciplina tem história, estrutura e

lógica próprias. Muitos professores recém-formados não têm isso claro e se sentem

atormentados por não conseguir aplicar o que aprenderam na graduação (Cavalcanti,

2010, p. 12).

Esta autora ainda explica que:

O foco da escola deve estar nos mesmos conteúdos aprendidos na graduação. Mas

eles devem ser estruturados de outra maneira para ser apresentados às crianças.

Preocupa ver que isso nem sempre é discutido na universidade. Resultado: quando

chegam à sala de aula, os recém-graduados abandonam os conteúdos que

aprenderam e se rendem a uma estrutura engessada. É preciso que eles alimentem a

disciplina com novas reflexões e abordagens. Isso evita a deterioração da Geografia

acadêmica, pois quem torna a disciplina viva é o educador (Cavalcanti, 2010, p. 7).

Desta forma e devido nossas experiências como estudante e professor de geografia

pensamos que ambas (a acadêmica e a escolar) estão em grandes dificuldades, porem os

problemas da geografia acadêmica se refletem na escolar e vice, versa. Observamos que há

uma prática autoritária na academia por teóricos da geografia acadêmica que tentam superar,

resolver seus problemas, enquanto outros não se importam com questões que estão alterando a

estrutura do ensino da geografia escolar como: as abordagens e analises que são feitas dos

conteúdos e conceitos geográficos.

Do ponto de vista político e acadêmico, em nome de uma suposta melhoria da

qualidade do trabalho escolar estamos retrocedendo, pois até mesmo o desaparecimento do

conteúdo/conhecimento geográfico nas escolas e nos vestibulares cada vez mais é uma

realidade. Os temas próprios do saber geográfico vão sendo superados pelos tais temas

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interdisciplinares/ transversais e ciências humanas e suas tecnologias. Outra latente e

problemática questão da geografia escolar é a diminuição do numero de aulas que se verifica

na desvalorização desse conhecimento. Compreendemos que isto vai se tornando realidade no

sistema escolar brasileiro hoje também pela defesa de que a tarefa da escola seja preparar as

crianças e jovens para o mercado de trabalho, o que faz com que os organismos de governo e

teóricos nas universidades, defendam a ―inutilidade‖ do saber geográfico e outros para o

futuro dessas gerações.

Esses problemas surgiram a partir de algumas mudanças que acarretam problemas

metodológicos e de conteúdos até os dias atuais. Como, a Resolução número 8, de 1 de

dezembro de 1971 do Conselho Federal de Educação, sob a Lei 5692/71, fixou o núcleo

comum para os currículos do ensino de 1 e 2 graus (atuais ensino Fundamental e Médio),

definindo- lhes os objetivos e a amplitude, confirmando o que a Lei 4024/61 já trazia em

relação à Geografia na forma de Integração Social, depois chamada de Ciências Sociais pela

Resolução número 96/68. As ciências Sociais eram compostas por Geografia, Historia e a

Organização Histórica e Política do Brasil.

Essa grande área denominada de Estudos Sociais, portanto tinham como objetivo

específico:

(...) a integração espaço-temporal e social do educando em âmbitos gradativamente

mais amplos. Os seus componentes básicos são a Geografia e a História,

focalizando-se na primeira a terra e os fenômenos naturais referidos à experiência

humana, e na segunda, o desenrolar dessa experiência através dos tempos. O fulcro

do ensino, a começar pelo ―estudo do meio‖, estará no aqui-e-agora do mundo em

que vivemos e, particularmente, do Brasil e do seu desenvolvimento [...]. A

Organização Social e Política do Brasil (incumbe-se de) [...] preparar ao exercício

consciente da cidadania [...], consciência da Cultura Brasileira e do processo de

marcha do desenvolvimento nacional (...) (Minas Gerais, 1972, p. 28).

Nota-se assim que as Ciências Sociais tinham um papel interdisciplinar que tornava o

ensino das matérias que a compunham fraco, sem conteúdo e com nenhuma analise ou

formação critica do aluno como sujeito de um grupo social, o que foi muito importante para

preparar as gerações novas para não questionar o longo período de ditadura vivido por nós.

Embora nem tudo tenha saído do modo como os burocratas no poder pensaram, muitas

mudanças de rumo aconteceram.

Junto com essa reforma na Escola, a reforma educacional atingiu também a formação

de professores. Isso ampliou a ofertas de cursos de Licenciatura Curta: de dois anos de

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faculdade, período noturno, sem exigências acadêmicas, biblioteca e outros recursos. Desta

forma foi possível formar um professor bi disciplinar de Geografia e História em menos de 24

meses. Fato que compromete até hoje o ensino de geografia nas escolas, pois os professores

formados nesses cursos não tem o conteúdo necessário e nem conseguem diferenciar a

geografia da história. Na maioria das vezes, por falta de fundamentação teórica e

metodologias, esses se apoiam na leitura de livros didáticos com os alunos como metodologia

de ensino, praticando assim uma geografia tradicional centrada na memorização de conteúdos

por parte dos alunos e um professor que tem como seu papel a indicação de conteúdos que

estarão presentes nas provas.

Esse período complicado da geografia no Brasil teve seu fim se é que se pode dizer

isso no final da década de 1970 quando acabou com a lei de integração das ciências sociais e

não se admitiu mais a formação bi disciplinar em Geografia e História em 24 meses. A partir

desse momento a geografia se estabeleceu novamente com disciplina obrigatória das escolas

publicas no Brasil e na academia, seu desenvolvimento foi grande com pesquisas, seminários

e congressos discutindo o ensino e os métodos da Ciência Geográfica.

Comprometendo o ensino de geografia no Brasil

Não satisfeito com os problemas gerados com a lei de integração das ciências sociais o

governo brasileiro em meados da década de 1990 realiza mudanças nos currículos escolares

com a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais, bem como os Parâmetros

Curriculares também nacionais, que derivam das agendas acordadas pelo governo brasileiro

junto a organismos internacionais, através das quais o Estado compromete-se a promover um

novo ordenamento para o conhecimento que se quer produzido/ensinado nas escolas. Com

esses PCNs o governo determina os conteúdos que devem ser ensinados na Geografia em

cada série/ano em todas as áreas do currículo escolar no Brasil. O que significou a salvação da

lavoura, via livro didático para uma grande parte do trabalho escolar, mas por outro lado

também uma simplificação e redução das experiências formativas das novas gerações no

Brasil.

Na perspectiva de Rocha:

Essas reformas inserem-se em um processo cujas características permitem afirmar

estar ocorrendo uma colonização da educação e, mais especificamente, do currículo,

pelos imperativos da economia. Esse processo de colonização tem sido responsável

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pela submissão da educação, do currículo e, em consequência, de todo o sistema de

ensino às regras do mercado. (ROCHA, 2010, 08)

No inicio o governo brasileiro e os teóricos que pensaram essas reformas tinham a

ideia de que Geografia e História formassem uma única área de conhecimento, tentativa que

se frustrou, pois havia direcionamentos e habilidades de geógrafos e historiadores que

deveriam ser aproveitadas pelo mercado de maneiras separadas e uma área não deve anular a

outra.

Ao analisar os PCNs para o ensino de Geografia nota-se claramente que o professor

deve ensinar para o aluno de ensino fundamental o conceito de lugar partindo de uma escala

local para a global, a partir de sua identificação da própria cultura até as diferentes culturas,

apresentando e formando o aluno como um individuo sociocultural globalizado. Muitas vezes

esse processo de ensino ocorre sem ter nenhuma elucidação ou debate que coloque nesta

formação da criança e dos jovens a existência de distintas classes sociais, mas também

dificulta-se a afirmação e compreensão da ideia de pertencimento desses indivíduos como

sujeitos de sua formação e história. Sabemos que é difícil se ensinar geografia nos anos

iniciais a partir de analises econômicas e diferenças sociais, porem esse deve ser o papel do

professor critico e formador de alunos conscientes e atuantes socialmente.

Com relação às diretrizes para o ensino de Geografia no ensino Médio notamos que

em cumprimento à própria LDB, assegura um currículo assentado nos princípios axiológicos

e pedagógicos orientadores da atual concepção de educação tornada oficial no Brasil. Nessa

nova organização curricular a Geografia aparece como parte integrante da área de Ciências

Humanas e suas Tecnologias, não obstante ser considerada como estando a ―... meio caminho

entre as Ciências Humanas e as Naturais...‖ (BRASIL, 1999, p. 282).

É necessário analisar essas mudanças na educação brasileira como uma ação do Estado

com o objetivo de tornar o ensino da geografia uma experiência mecânica, repetitiva e sem

possibilidade de alimentar um processo de reflexão que traga para dentro deste ensino as

características do estado e da sociedade que temos, de teor neoliberal/ sem critica, apenas

buscando a compreensão de fenômenos socioculturais e socioambientais sem articulação com

as grandes contradições e conflitos enfrentados pelo povo brasileiro.

Neste contexto Silva nos alerta para dois objetivos dessa ação do governo em todo o

sistema educacional brasileiro. De um lado, é central, na reestruturação buscada pelos

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ideólogos neoliberais, atrelar a educação institucionalizada aos objetivos estreitos de

preparação para o local de trabalho. No léxico liberal, trata-se de fazer com que as escolas

preparem melhor seus alunos para a competitividade do mercado nacional e internacional. De

outro, é importante também utilizar a educação como veículo de transmissão das ideias que

proclamam as excelências do livre mercado e da livre iniciativa. Há um esforço de alteração

do currículo não apenas com o objetivo de dirigi-lo a uma preparação estreita para o local de

trabalho, mas também com o objetivo de preparar os estudantes para aceitar os postulados do

credo liberal. (SILVA, 1995a, p. 12)

Compreendemos também que não podemos pensar o ensino de qualquer conteúdo, que

se manifesta no currículo escolar como parte da cultura de uma determinada sociedade, de um

povo e, neste caso, isto não ocorre separado das contradições e conflitos próprios das relações

sociais, como aponta Coelho (2009, p. 182), afirmando que toda cultura se constitui como

elemento que criticamente deve alimentar o currículo e as ações do processo de ensinar.

[...] no trabalho de transformação da natureza e do homem, de interrogação

da prática, da ação, dos esquemas de apreensão do real e do imaginário; de

busca da racionalidade, da verdade e da universalidade, de criação nas várias

esferas do saber e da ação, de abertura ao outro, ao diferente, de

humanização dos indivíduos, grupos, instituições da sociedade. Nesse

trabalho coletivo, indivíduos de todas as nações, gêneros e condições

socioeconômicas têm muito a aprender e a ensinar. Diferentemente de um

aglomerado ou soma de criações, saberes e valores esparsos, a cultura é uma

totalidade que torna possível a significação, a compreensão e a

transformação do mundo e do próprio homem em sua dimensão

sociocultural e individual, bem como a transcendência a tudo que possa

cercear sua autonomia e liberdade.

Com essas observações surgem respostas a questões como o porquê das ciências

humanas e suas tecnologias, ou a dificuldade de enquadrar a geografia como uma ciência

humana ou uma ciência da natureza. Para a primeira é necessário que o conteúdo de geografia

apresente para o aluno as possibilidades e as aplicações no mercado de trabalho do conteúdo

ministrado em sala, assim a grande importância que os PCNs e os livros didáticos dão a

conteúdos como a cartografia, globalização, migrações, identidades socioculturais e

praticamente outros conteúdos são esquecido com território e os movimentos sociais, lutas de

classes. E para a segunda questão percebemos que o conteúdo de geografia se aproxima em

vários momentos da biologia nos estudos dos problemas urbanos e ambientais porem sem

buscar uma elucidação critica do sistema hegemônico causador desses problemas, que são

apresentados aos alunos por meio de uma analise ambiental ou até com a participação

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antrópica, mas porem em uma escala local, sem a discussão das ações que fazem surgir essas

diferentes contradições nas paisagens do espaço geográfico brasileiro e mundial.

Ensinando e aprendendo qual Geografia: algumas perspectivas

Compreendemos que não é possível continuar ensinando e aprendendo uma Geografia

desgarrada da vida e das relações sociais que vivemos no Brasil e no Tocantins. Há desafios

enormes que precisam ser enfrentados, seja no espaço da sala de aula, seja no espaço da

formação docente no interior dos cursos de licenciatura nas universidades.

Uma das questões que consideramos importantes neste debate da formação é não

reduzir o saber geográfico aos modismos que estão ai. Por exemplo: não é possível as

instituições formadoras de professores de Geografia simplificarem a formação do licenciado

em geografia ao debate em torno de questões ambientais desligadas das contradições políticas

e econômicas da sociedade brasileira.

Acreditamos como (VENSENTINI,1996) que é importante pensar em uma geografia

que conceba o espaço geográfico como espaço social, construído no plano das lutas de classes

e conflitos sociais existentes no Brasil.

Não se sustenta pensar o ensino de Geografia como um conjunto de saberes patrióticos

e livrescos, uma vez que para muitos se resume apenas nisso. Para além dessa perspectiva

entendemos que a geografia se articula com teorias, conceitos e métodos e com

conhecimentos gerados e construídos na prática social e isto só é possível no contexto de um

trabalho de compreensão crítica da sociedade.

O ensino de Geografia tem sido um tema muito discutido no cenário educacional,

principalmente em relação às transformações que vem ocorrendo no mundo moderno, dando

inicio a uma crise no ensino. De um lado, temos os conteúdos estudados em sala de aula que

na maioria dos casos apenas objetivam a reprodução. Do outro lado, o momento histórico

atual em que se corroboram como já explicitado (lutas entre classes, um rápido avanço

tecnológico, profundas mudanças e transformações no contexto social), no qual, os conteúdos

da disciplina não permitem sequer compreender o mundo em que vivemos, imagine

compreender os problemas da sociedade.

Assim nesse atual momento social e de crise do ensino, a geografia escolar ficou

padronizada pelos PCNs que delimitaram os conteúdos e as formas de analises/ abordagens

destes em todo o Brasil. Desta forma a geografia escolar no ensino médio da ênfase a

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conteúdos, como: cartografia, análise de solo, globalização que poderão ser utilizadas em

profissões como as diversas engenharias, relações comerciais internacionais.

É importante perceber que o conhecimento geográfico, assim como outros, não é um

conhecimento neutro, mas relaciona-se com o contexto social vivido, saindo dos reflexos da

reprodução, que só impõem conteúdos acríticos. É preciso (re) pensar em que condições os

saberes ensinados podem permitir que as gerações estabeleçam mudanças significativas a

partir deles. Para OLIVEIRA (1994, p. 11), pensando os rumos do ensino de Geografia

argumenta que ‗‘O saber ensinado está longe de permitir aos jovens sequer entender o mundo,

quanto mais transformá-lo‘‘.

As profundas mudanças, transformações e avanços tecnológicos dificultam a

compreensão do ensino geográfico no âmbito escolar e ao mesmo tempo facilita a reprodução

com conteúdos acríticos contido nos livros que não se permite sequer entender a realidade

vivida. Oliveria (1994, p. 13) diz que ‗‘Defender a geografia dos livros didáticos é defender

uma geografia sem futuro, uma geografia do passado, que a história dos debates dentro da

geografia tem procurado superar‘‘.

Para Brabant (1994, p.15) a contradição no ensino de geografia se destaca

principalmente na: ―[...] geografia escolar, apesar de uma predisposição aparente a tratar do

mundo que nos rodeia, acabou se desenvolvendo no mesmo plano das outras disciplinas, um

plano antes de tudo marcado pela abstração‖. Para este autor, mesmo a geografia tendo se

apresentado como ciência do concreto, pretendendo falar dos assuntos pós-modernos, acabou

se encalhando nas facetas agrárias e ultrapassadas.

Na perspectiva de (OLIVEIRA, 1994) para se compreender o papel da geografia em

um sentido crítico e conscientizador, temos que pensar em:

Uma geografia que possibilite às crianças, no processo de amadurecimento físico e

intelectual, irem formando/criando um universo crítico que lhes permita se

posicionar em relação ao futuro, e lhes permita finalmente construir o futuro (1994,

p. 144).

O autor destaca também que o momento histórico tem que ser levado em conta, sendo

as concepções e teorias submetidas à realidade e contexto vivido, convertendo assim a utopia

em realidade e construindo a unidade na diversidade (OLIVEIRA, 1994).

Não é apenas ensinar uma Geografia livresca, é ensinar Geografia dentro da realidade,

incorporada ao processo histórico que é dialético. Nessa sistematização do ensino de

Geografia, ou seja, nessa utopia dialética podemos alcançar a realidade. Oliveira (1994, p.

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140) argumenta que:

Este caminho dialético pressupõe que o professor se envolva não só com os alunos,

mas, sobretudo com os conteúdos a serem ensinados. Ou seja, o professor deve

deixar de dar os conceitos prontos para os alunos, e sim, juntos, professores e alunos

participarem de um processo de construção de conceitos e de saber. Nesse processo,

o professor deixa de ser um mero transmissor de conhecimentos e o aluno mero

receptáculo do saber. Dessa forma, é fundamental que o professor participe do

debate teórico-metodológico que vem sendo travado nas universidades. É através de

sua inserção nesse debate que fará a sua opção consciente acerca do caminho crítico

que a geografia e a escola devem ter.

Compreendemos que a geografia escolar está longe de uma condição adequada para o

seu desenvolvimento. Os conteúdos e os tempos que temos para ministrá-la nas escolas não

permitem que professores e alunos construam novos conceitos, novas experiências ancoradas

nas práticas sociais do cotidiano. O próprio o numero de aulas de geografia tem diminuído

nos últimos anos, pois os conteúdos que tem tido maior relevância são os de química, física e

gramática, pois esses tem grande aproveitamento nas profissões de valor comercial atual e não

faz nenhuma aversão ao modelo hegemônico imposto a educação no Brasil.

Neste sentido percebemos que a geografia escolar tem deixado de lado o objeto de

estudo da geografia que é o espaço e a produção social do mesmo. Ainda é muito marcante o

trabalho com geografia limitando a descrições de fenômenos sociais e ambientais de escala

local, formando alunos sem a consciência de classe e sem notar as relações sociais impostas

pelos conflitos de classes na sociedade.

No final desse estudo pode notar que os PCNs foram de grande importância para a

educação brasileira, pois esses parâmetros norteou o ensino no Brasil, porem não podemos

aceitar esse rumo proposto pelo governo que faz da educação básica, os ensinos fundamentais

e médios apenas uma parte de preparo para as futuras profissões. Pois é necessário que o

aluno aprenda Geografia seus conceitos é conteúdos, mas que entenda de maneira critica e

social como ocorre a produção do espaço e os conflitos e contradições que envolvem esse

processo, e não apenas descreva elementos das paisagens e identifiquem lugares, como o que

esta proposto nos PCNs.

Desta forma o sistema de ensino brasileiro esta programado para a transmissão acrítica

de conteúdos sem a preocupação de formar um indivíduo social pensante e participativo,

penso assim que seria necessária uma grande mudança no ensino sistema de ensino de

geografia desde os conteúdos lecionados até os métodos utilizados. Porem com o atual

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sistema hegemônico implantado no Brasil essa transformação no ensino é praticamente

impossível, pois todos os professores e alunos devem ser práticos objetivos, assim não temos

o tempo necessário para a construção de conceitos com os alunos ,e se adotarmos uma forma

diferente de ensino, com discussões sobre conceitos e temas a partir das experiências

cotidianas dos alunos fazendo com que esses participem do processo de aprendizagem de

maneira ativa opinando e construindo conhecimento somos taxados de malucos ou

embromadores, pois estaríamos fora do rumo dado pelos PCNs.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. MINISTÈRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO

FUNDAMENTAL. Parâmetros curriculares nacionais: história e geografia. Ministério da

educação fundamental. 3 ed. Brasília: A secretária, 2001.

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Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>

CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia, escola e construção de conhecimentos. –

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COÊLHO, Ildeu M. Cultura educação e escola. In:_____________ (Org). Educação, cultura

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FARENZENA, Deina; TONINI Ivaine; CASSOL Roberto. Considerações sobre a temática

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SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze

teses sobre a educação e política. 32 . Ed. Campinas, SP: Autores Associados, 1999. (

Coleção polêmicas do nosso tempo; v.5)

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SILVA, T. T. A ―nova‖ direita e as transformações na pedagogia da política e na política da

pedagogia. In: GENTILI, P. & SILVA, T. T. (Orgs.). Neoliberalismo, qualidade total e

educação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1995a.

STRAFORINI, Rafael. Ensinar geografia nas séries iniciais: o desafio da totalidade mundo.

Campinas: SP, 2001. (Dissertação de mestrado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto

de Geociências.)

VESENTINI, José Wiliam. Geografia crítica e ensino. In: OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino

de (org.). Para onde vai o ensino de Geografia? -5ª ed- São Paulo: Contexto, 1994.

Como referenciar esse texto:

MIRANDA, Ricardo Ferreira. O ensino de Geografia: perspectivas atuais. In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE

PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL, 5: Pesquisa em Educação:

Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014. Miracema do Tocantins.

Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.p. 53-64.

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AULA DE CAMPO: AS CATEGORIAS GEOGRÁRICAS NO ENSINO

DE GEOGRAFIA

Rutileia Carvalho Xavier

UFT/Pedagogia/Palmas

E-mail: [email protected]

Eduardo José Cezari

UFT/Pedagogia/Palmas

E-mail: [email protected]

RESUMO

Este trabalho foi desenvolvido a partir das experiências vivenciadas, por intermédio de

atividades de aula de campo realizada em diferentes espaços geográficos, na cidade de Porto

Nacional-TO, atendendo as atividades da disciplina de Fundamentos e Metodologia do Ensino

de Geografia do Curso de Pedagogia (Licenciatura) – Docência na Educação Infantil e Anos

Iniciais do Ensino Fundamental, da Universidade Federal do Tocantins, do Campus de

Palmas, no segundo semestre de 2013. A fundamentação teórica contida neste trabalho

baseia-se na obra de Castrogiovanni (2000) que trata do ensino de geografia numa perspectiva

de práticas e textualizações no cotidiano. A metodologia baseia-se em aula de campo, com o

objetivo geral da aula de campo está relacionado ao conhecimento de outros espaços possíveis

de ensino e aprendizagem da geografia. Os objetivos específicos foram pautados na

observação das categorias geográficas apresentadas pela cidade visitada, tais como a

paisagem, o território, o lugar e a região. E na apreciação do centro histórico de Porto

Nacional/TO tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/IPHAN. O

resultado apresentado discute as possibilidades do ensino da geografia pautadas em

contextualizações e apreciação das categorias geográficas.

PALAVRAS-CHAVES: Aula de Campo. Ensino de Geografia. Polígono de Tombamento;

Porto Nacional-TO.

1. INTRODUÇÃO

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O estudo das categorias de um espaço geográfico possibilita o conhecimento da

história e da cultura que identificam um local ou a identidade das pessoas. A história e a

cultura de um espaço geográfico são conhecidas a partir do momento em que se tem contato

com esses ambientes. De acordo com Castrogiovanni (2000, p.84.)

Estudar e compreender o lugar, em geografia, significa entender o que acontece no

espaço onde se vive para além das suas condições naturais e humanas. [...] O espaço

construído resulta da história das pessoas, dos grupos que nele vivem, das formas

como trabalham, como produzem, como se alimentam e como fazem/usufruem do

lazer. Isto resgata a questão da identidade e a dimensão de pertencimento. [...]

Para ensinar sobre o lugar, o professor dispõe de estudo de textos, filmes, vídeos,

músicas, artigos de revistas, jornais, aula de campo, fotografias são recursos que segundo

Castrogiovanni (2000, p.79) ‗[...] provocam hipóteses que levam as mais diversas

manifestações, análises e interpretações da formação do espaço e, portanto, da construção de

conceitos geográficos‖. O estudo de diferentes imagens e linguagens torna a aprendizagem

mais significativa. Dentre os recursos apresentados para o ensino de geografia, o mais

relevante para a aprendizagem é a aula de campo.

Desse modo, o ensino empírico é tão relevante quanto o metódico. Proporcionar

vivências e experiências aos alunos em outros espaços físicos para o conhecimento do lugar,

das mudanças físicas na paisagem, os impactos negativos e positivos da mudança do meio

ambiente pela interferência do homem propicia ao aluno uma sensibilização às questões

subjetivas que envolvem a história e cultura das pessoas.

E compete aos professores propiciar metodologias diversificas aos alunos, despertando

assim, o seu lado crítico e reflexivo perante as situações advindas da sociedade. Buscar

conhecer as diversidades culturais e sociais através do lugar desperta nos alunos o senso de

proteção e respeito ao cotidiano das pessoas. As paisagens, o lugar são categorias geográficas

dinâmicas que possuem e transmitem sensações de variadas formas, vivenciá-las in lócus é

uma aprendizagem significativa e relevante para a construção social dos alunos.

O objetivo deste trabalho foi conhecer outras possibilidades de ensinar geografia

transpassando os muros da escola. A aula de campo foi realizada no dia oito de março de dois

mil e quatorze, na cidade de Porto Nacional-TO, situada a 70 km da capital Palmas-TO, o

percurso do roteiro visitado passou por sete dos pontos do polígono de tombamento do centro

histórico da cidade.

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2. ENTRE RUAS, CORES E FLORES

A possibilidade de visitação a um lugar, a observação de uma paisagem ao vivo torna

o conhecimento mais tangível e propicia a aproximação do estudo teórico à realidade. Das

categorias geográficas, o lugar é o espaço de maior concentração de subjetividade. De acordo

com Nogueira (2013, p. 87), ―O lugar vazio de pessoas não tem significado histórico e

cultural. Os homens e os lugares se co-pertencem‖. Diante dessa afirmativa no

desenvolvimento de suas atividades o professor de ensino de geografia precisa sensibilizar os

alunos acerca dessa relação indissociável entre o homem e o lugar.

E a aula de campo, dos recursos pedagógicos disponíveis é a atividade que mais

propicia o envolvimento com todas essas sensações. Possibilitando o tocar, o ver e o sentir

estimulando assim, os sentidos.

A história de Porto Nacional tem origem a partir da navegação pelo rio Tocantins, que

fazia a ligação entre os dois centros de mineração: Pontal e Monte do Carmo. O núcleo

formador desta cidade foi fundado em 1738, por Antônio Sanches. A cidade de Porto

Nacional recebeu duas nomeações, antes de receber o atual nome, a primeira de Porto Real do

Pontal, na época do Brasil-Colônia e Porto Imperial, no período do Brasil-Império, somente

com a Proclamação da República, passa a denominar-se Porto Nacional e a nomenclatura se

dava a partir da administração-política de cada época. Rodrigues (2001, p. 126) afirma que:

O arraial de Porto Real foi elevado a vila com o título de Porto Imperial por Decreto

Imperial de 11 de novembro de 1831. Só com a proclamação da república foi Porto

Imperial elevado à categoria de cidade com a designação de Porto Nacional.

A nomenclatura do lugar se dava a partir da administração política de cada época. O

Polígono de tombamento do Centro Histórico de Porto Nacional teve início no ano de 2007 e

efetivou-se em 2008. A delimitação de uma determinada área denomina-se polígono de

tombamento, e a cidade visitada teve o seu polígono determinado de tombamento pelo

Instituto de Patrimônio Histórico Artístico e Cultural-IPHAN.

Dentre os lugares visitados, destacamos as possibilidades de diálogo entre o lugar e

aquilo que se pretende ensinar.

2.1 Catedral Nossa Senhora das Mercês

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A catedral é uma edificação que teve a sua pedra fundamental colocada em 1894 e

inaugurada em 1904. Obra de estilo francesa representada pela Ordem Dominicana. O

material utilizado para a sua construção foi a pedra canga; argamassa feita de argila e estrume

de gado e a mão-de-obra constituiu-se basicamente dos ribeirinhos, religiosos, mulheres e

crianças, desmitificando assim, a utilização do trabalho escravo.

Figura 1 – Vista frontal da Catedral Nossa Senhora das Mercês (Foto: Eduardo Cezari, 2014)

2.2 Museu Histórico e Cutural

O museu é uma edificação que foi construída em 1922, a princípio para abrigar a

Câmara Municipal e a Prefeitura. Depois se instalou as ações judiciais, inclusive com a cadeia

pública. Em 2008 foi tombado pelo IPHAN e a partir de então passou a denominar-se Museu

Histórico e Cultural de Porto Nacional, contando com um acervo histórico da cidade e região.

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Figura 2 – Museu Histórico e Cultural de Porto Nacional (Foto: Eduardo Cezari, 2014).

2.3. CAETANATO/Comsaúde

O CAETANATO é uma edificação que foi construída em 1904 pela Ordem

Dominicana e que por muito tempo abrigou a primeira sede do Colégio das Irmãs

Dominicanas. O nome é em homenagem a senhora Caetana proprietária do prédio que doou

em 1969, o imóvel a ONG Comsaúde, uma instituição sem fins lucrativos que desenvolve

ações humanitárias atuando prioritariamente, em programas de atendimento a saúde e outros.

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Figura 3 – Vista interna CAETANATO/COMSAÚDE (Foto: Eduardo Cezari, 2014).

2.4 Casarões

Os casarões são edificações que abrigaram as famílias que tinham um poder aquisitivo

superior aos ribeirinhos e o Casarão dos Pedreiras, conhecido como Casarão Cor-de-Rosa foi

a edificação visitada durante a aula de campo. A construção se deu a partir de 1852 e seu

projeto arquitetônico seguiu os padrões dos casarões de Belém-PA.

Figura 4 – Vista externa Casarão Rosa (Foto: Eduardo Cezari, 2014)

2.5 Avenida Beira-Rio e o Mirante

A Avenida Beira Rio e o Mirante são atrativos turísticos planejados a partir do

enchimento do lago do reservatório da Usina Hidrelétrica Luis Eduardo Magalhaes-

UHE/Lajeado. Nessa avenida, estão presentes, praças, restaurantes, bares flutuantes, uma

praia artificial, um espaço destinado aos eventos ao ar livre organizado pela prefeitura

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municipal como a festa de São João, o carnaval e a Semana da Cultura, evento realizado na

semana de aniversário da cidade.

Figura 5 – Vista do Mirante (Fonte:Eduardo Cezari, 2014).

2.6 Rua das Flores

A rua das flores é uma das partes mais inusitada do percurso visitado, segundo a

história local havia uma senhora moradora da rua que gostava muito de flores e começou a

colocar vasos com flores na calçada de sua casa. Acredita-se que seus vizinhos gostaram do

visual romântico e começaram a colocar os vasos nas suas portas também. Daí surgiu o nome

da rua.

A rua é registrada na prefeitura como Rua Misael Pereira, mas se torna conhecida

como rua das flores. Isso indica a maneira como a identidade de um lugar ultrapassa os

códigos civis que são dados a ele e assumem por vezes o que está presente no imaginário das

pessoas que vivem nele. É o caso desta rua. Na cidade, a referência utilizada para designar o

próprio lugar ou algo próximo é a rua das flores.

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Figura 7 – Rua das Flores (Eduardo Cezari, 2014).

2.7 Reservatório da Usina Hidrelétrica Luis Eduardo Magalhães-UHE/Lajeado

O Rio Tocantins teve as suas águas represadas para a construção da Usina Hidrelétrica

Luis Eduardo Magalhães e a partir de então se formou um grande lago denominado de

reservatório. Os impactos ambientais e sociais são visivelmente percebidos, principalmente

pelos moradores da cidade e região. Contudo, além do turismo histórico e cultural, o turismo

ecológico em Porto Nacional também se torna uma fonte de renda para os ribeirinhos.

Apesar dos impactos ambientais e sociais, a nova paisagem se tornou um cartão postal

da cidade, e o reservatório possibilitou a prática de esportes como a canoagem, colocando

Porto Nacional em destaque no cenário internacional, com jovens competindo nesta

modalidade. A prática desse esporte coordenada pela Associação de Canoagem de Porto

Nacional se tornou uma referência e atrai jovens de outras cidades e regiões do Brasil para o

treino e a prática do esporte. Além disso, pessoas da comunidade também iniciaram a prática

do esporte apenas como atividade de recreação, laser entre outros fins.

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Figura 8 – Passeio no Reservatório da UHE/Lajeado (Foto: Eduardo Cezari, 2014).

3.0 TECENDO POSSIBILIDADES

A aula de campo resultou na elaboração de três trabalhos, relatório técnico da visita,

uma poesia e um desenho/mapa ou croqui de uma ou mais edificações visitas. O

desenvolvimento dessas atividades no processo de formação de um professor possibilita

compreender as múltiplas possibilidades que o espaço geográfico, o lugar e a paisagem

podem oferecer no desenvolvimento de atividades no ensino de geografia, deixando de lado o

livro didático e partindo de uma situação real para a compreensão de como a sociedade se

organiza, cria e recria identidades ao longo do tempo.

Por esse motivo, Nogueira (2013, p.87 apud Nogueira, 2010, p. 223) afirma que:

Os lugares no mundo têm cor, cheiro, barulho e forma. Cada experiência com ele

mostra um pouco de como ele é e está no mundo. A montanha, o mar, o céu, a

floresta, a água, as praças, os monumentos, os palácios, as cidades não se traduzem

apenas pela sua forma material, mas também simbólica e imaginária. Cada homem

ou cada grupo podem ver o mundo a partir de seu grau de ‗intimidade‘ com ele.

‗Lugares são nossas autobiografias inconscientes, refletindo de uma forma tangível,

visível, nossos gostos, valores e aspirações. ‘[...]

Para Callai (2005), a criança começa a ler o mundo, muito antes de ler as palavras, por

esse motivo é importante que as ações não estejam desconectadas do mundo social ao qual ela

pertence. Para a mesma autora,

O espaço não é neutro, e a noção de espaço que a criança desenvolve não é um

processo natural e aleatório. A noção de espaço é construída socialmente e a criança

vai ampliando e complexificando o seu espaço vivido concretamente. A capacidade

de percepção e a possibilidade de sua representação é um desafio que motiva a

criança a desencadear a procura, a aprender a ser curiosa, para entender o que

acontece ao seu redor, e não ser simplesmente espectadora da vida (CALLAI, 2005,

p. 233).

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Desse modo, ler o mundo nessa perspectiva significa abrir caminho para o pleno

desenvolvimento da criança, e o reconhecimento do seu lugar enquanto sujeito ativo de um

determinado contexto social. Além disso, é reconhecidamente importante que esse lugar,

cheio de histórias e memórias seja valorizado como lócus de aprendizagem, possibilitando a

efetivação de projetos educacionais conectados com a realidade do lugar de pertencimento

desse aluno.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALLAI, Helena Copetti. Aprendendo a ler o mundo: a Geografia nos anos iniciais do Ensino

Fundamental. Cadernos do CEDES (UNICAMP), Campinas-SP, v. 25, n.66, p. 227-247,

2005.

CASTROGIOVANNI, Antônio. Ensino de geografia: práticas e textualizações no

cotidiano. Porto Alegre: Mediação, 2000.

NOGUEIRA, Amélia Regina Batista. Lugar como a representação das existências.

Maneiras de ler: geografia e cultura [recurso eletrônico]. Alvaro Luiz Heidrich; Benhur Pinós

ds Costa e Cláudia Luiza Zeferino Pires (organizadores). – Porto Alegre: Imprensa Livre:

Compasso Lugar Cultura, 2013.

RODRIGUES, Lysias Augusto. 1896-1957. O Rio dos Tocantins. – 2ª Ed. Palmas (TO),

2001.

AGRADECIMENTOS

Os agradecimentos aqui são voltados para as professoras Carolina Machado Rocha Busch

Pereira e Rosane Balsan, e os graduandos do Curso de Geografia da Universidade Federal do

Tocantins, Campus Universitário de Porto Nacional que proporcionaram essa atividade

diferenciada aos discentes do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Palmas, unindo

a pedagogia e a geografia numa perspectiva interdisciplinar.

Como referenciar esse texto:

XAVIER, Rutileia Carvalho e CEZARI, Eduardo José. Aula de Campo: as categorias geográficas no ensino de

Geografia.In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL -

EDURURAL, 5: Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da

Geografia, 2014. Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN:

9788563526618. P. 65-74.

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A CONDIÇÃO HUMANA, ÉTICA E DISCIPLINA NA ESCOLA

Andrea de Jesus Pereira; discente do Curso de Pedagogia da UFT/Campus de Miracema;

EDURURAL; Email: [email protected]

Antonio Miranda de Oliveira – Prof. Adjunto: UFT/Miracema/EDURURAL.Email:

[email protected]

RESUMO

Este trabalho é parte de uma pesquisa monográfica de conclusão do Curso de Pedagogia da

UFT/Câmpus de Miracema desenvolvida em 2013/2, intitulada: (In) Disciplina e autoridade

docente na escola: uma abordagem ética. Neste trabalho buscamos esclarecer que o homem é

um ser que não nasce pronto e determinado como as outras espécies. Ele é um ser inacabado,

que se constrói socialmente, incorporando e também mudando as formas culturais de seu

grupo e contribuindo com possíveis transformações e aperfeiçoamento. Por isso, o trabalho

educativo precisa se organizar de forma intencional, havendo seleção, organização e repasse

dos elementos mais significativos da nossa cultura para as novas gerações, para que esses

possam interagir com a realidade, sempre esclarecendo os valores, sua origem e significado,

como perspectiva de formar sujeitos éticos, conscientes e responsáveis pelo que fazem.

Fazemos ainda uma distinção entre o comportamento moral, visto como seguimento a valores

e tradições de determinado grupo e suas mediações no contexto da formação escolar,

priorizando a postura ética, vista como uma ação consciente e responsável do indivíduo.

Alguns autores contribuíram com esse debate, dentre outros: Saviani (1997); Vasconcelos

(2004); Sung (2004).

Palavras-Chave: Educação. Ética. Escola. Disciplina. Autoridade docente.

1 INTRODUÇÃO: A QUESTÃO DA CONDIÇÃO HUMANA: MEDIAÇÃO DA

CULTURA E DA EDUCAÇÃO

Segundo Saviani (1997), o homem não é um ser que tem sua natureza dada, acabada

ou fechada como os outros animais. O homem, para resolver suas necessidades, transforma a

natureza, diferentemente dos outros animais, que apenas a ela se adaptam. E isto o homem faz

pelo ―trabalho‖.

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O trabalho se instaura a partir do momento em que seu agente antecipa mentalmente

a finalidade da ação. Consequentemente, o trabalho não é qualquer tipo de atividade,

mas uma ação adequada a finalidades. É, pois, uma ação intencional (Saviani, 1997

p. 15).

Os animais, ao contrário do homem, não fazem suas atividades de forma intencional,

mas agem de forma instintiva, como por exemplo, uma espécie de abelhas, que faz sempre

suas colmeias do mesmo jeito, independente do lugar e do tempo.

Mas, os homens não produzem apenas transformações na natureza externa pelo seu

trabalho. Eles também modificam a sim mesmos. Quando eles começam a produzir

instrumentos de trabalho, a cultivar a terra e o pastoro, passam a fixar-se em lugares

determinados e a estabelecer entre si valores e formas de convivência. Passam a

definir a divisão de tarefas, os papeis sexuais, a responsabilidade pela educação dos

filhos, etc. assim, vão, aos poucos produzindo o seu próprio ser. Não mais seres

simplesmente determinados por natureza, mas criação cultural feita pelo grupo a que

pertence. (Saviani, 1997)

Podemos então dizer que os homens são seres culturais. E, cultura, num sentido geral,

é toda criação humana, seja ela material ou imaterial (ideias, valores, hábitos, modos de ser,

etc.). Segundo Santos (1996, p. 24), ―Cultura diz respeito a tudo aquilo que caracteriza a

existência social de um povo ou nação, ou então de grupos no interior de uma sociedade‖. E,

num sentido especifico, diz respeito a sua existência, precisa fazer passar para as novas

gerações as experiências e criações culturais que desenvolveu. E isto acontece através da

educação. Nesse sentido, a educação pode ser entendida como processo de transmissão

cultural, seja ela de forma espontânea e informal, pelo convívio com o gruo, seja ela de forma

organizada a intencional, como no caso da escola moderna.

Segundo Saviani, a educação também é uma forma de trabalho, porque ela também é

uma atividade intencional, que quer transformar a condição das novas gerações. Não é um

trabalho material, que transforma a natureza material, mas um trabalho chamado por ele de

não-material. Sua base é a transmissão do acervo cultural, ideias, valores, conhecimentos, etc.,

para fazer com que os novos seres se tornem aptos a interagir com a realidade que os cerca.

Embora não seja somente a educação escolar que ensina e educa. Segundo o autor.

O trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada

indivíduo singular a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo

conjunto dos homens (Saviani, 1997, p. 17).

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Desta forma, o trabalho educativo precisa organizar de forma intencional os elementos

mais significativos da cultura de um povo, de uma época, para que as novas gerações possam

interagir com esta realidade, também de forma consciente e intencional. Por isso, se o homem

não pode ser entendido como um ser dado e acabado por natureza, também não pode ser

entendido simplesmente determinado pela sociedade e pela educação. Através da educação,

ele assimila a dificuldades, para resolver novas necessidades, para fazer novas criações. Essa

cultura é ponto de partida para enfrentar novas dificuldades, para resolver necessidades, para

fazer novas criações. Logo, a educação é fundamental para o ser humano. No entanto, o ser

humano pode romper com a tradição que lhe foi transmitida, com base nas novas necessidades

que surgem. É isso que torna a vida humana histórica e a própria educação uma prática social

dinâmica e ao mesmo tempo complexa.

Saviani também chama atenção para o fato de o trabalho educativo, semelhante ao

trabalho em geral, poder se desenvolver e se tornar uma fonte de alienação. Isto acontece

quando a escola e os professores não tem clareza dos objetivos, das finalidades e do sentido

de seu fazer. A escola se perde em meio a um grande número de atividades, de festividades,

como semana do índio, da páscoa, das mães, da pátria, dos pais, da criança, etc.

O ano letivo se encerra e estamos diante da seguinte constatação: fez-se de tudo na

escola; encontrou-se tempo para toda espécie de comemoração, mas muito pouco

tempo foi destinado ao processo de transmissão-assimilação de conhecimentos

sistematizados. (Saviani, 1997, p. 21)

Quando isso acontece, a escola deixa de cumprir sua função social. E isto prejudica a

participação ativa e consciente desses novos indivíduos nos processos de construção das

relações do grupo social a que pertencem. Essa tem sido uma prática muito presente na

instituição escolar nos últimos tempos, o que, aliás, concorre para que esta instituição, que

tem como essência ser um espaço educativo, tem se transformado em um apêndice do

mercado e negado sua função real, o que significa dizer que ela não contribuído

adequadamente para formação e a instrução moral e intelectual do homem na atualidade. No

entanto, é importante questionar se não é exatamente aí que está a sua eficiência, como

instituição cultural burguesa e que usa fortemente esta condição para negar aos pobres o

acesso a conhecimentos.

Na perspectiva de Coelho (2003) o conteúdo do debate acerca da escola está

equivocado, fora de lugar, pois o que ―interessa mesmo é interrogar sobre o sentido da escola;

é perguntar se ela tem lugar privilegiado na formação cultural das pessoas em sentido amplo‖

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e não se ela está instrumentalizando gente competente para o mercado de trabalho. Na visão

deste autor é importante retomar o debate sobre a essencialidade da escola, sobre a existência

dessa instituição e, em particular procurar saber sobre suas possibilidades de contribuição no

plano da ―formação cultural das pessoas‖ e isto supõe enfrentar ―discussões epistemológicas

das diversas áreas do saber‖, pois,

A separação entre cultura, ciência e tecnologia e o desequilíbrio entre as áreas de

ciências físicas e biológicas e as humanidades, em termos de cultivo, valorização,

influência formativa e recursos, presente hoje na formação de crianças, jovens e

adultos pela mídia e escola básica, são preocupantes. (...) Acresce-se a isso a

excessiva preocupação com o imediato, o útil, o prático, o mercado e o consumo; a

supervalorização da prática em detrimento da teoria, da experiência e da prática

como decisivas na formação profissional, da experiência do cotidiano e da prática

como fundamentais na formação dos educadores; o imaginário que privilegia a

educação pela vida, em detrimento da escola, dos livros, da teoria. Eis os sintomas e

expressões dos irracionalismos e da anticultura (COELHO, 2003, p.8).

Em nossa compreensão, este contexto e outras questões estruturais e políticas, tem

contribuído para a elaboração e (re) produção de um ambiente de formação no qual a escola e

seus integrantes, cada vez mais perdem-se em um emaranhado de tarefas burocráticas que em

pouco contribuem para o fortalecimento de laços formativos na lógica de aumentar as

possibilidades de fortalecer a dimensão ética, moral, política nas relações no interior da

escola.

Neste sentido considera-se importante pensar a produção de valores humanos,

mediados por questões da ética e da moral no ambiente escolar.

2 A PRODUÇÃO DE VALORES E A CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES HUMANAS:

A MORAL E A ÉTICA

Como vimos anteriormente, os homens produzem cultura. Como parte dela, também

temos a produção de valores e de formas de relação que estabelecem entre si, as quais passam

a ser fundamentais para o convívio de um grupo social. A escola é um espaço importante para

isto. Em geral, estes valores, comportamentos constituem uma tradição ou costume de um

grupo, normalmente chamado de ―moral‖. Muitos também denominam de ―ética‖. No entanto,

é importante analisarmos estes dois conceitos, pois, embora às vezes apareçam como

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sinônimos, também existem entre eles diferenças que são importantes para o entendimento de

questões que serão pontuadas neste estudo.

A moral, no dia-a-dia, é reconhecida como o que diz respeito ao ―certo‖ e ao ―errado‖.

Ora é entendido como sendo algo natural ou dado por Deus, ora como imposto pela

sociedade. De qualquer forma, aparece como uma exigência, uma obrigação para o indivíduo.

Este, quando não a segue, teme a reação dos outros. Segundo Sung (2004, p. 13), ―moral vem

do latim mos (singular) e mores (plural) que significa costumes‖. Por isso, para referir-se a

moral, é comum usar-se o termo ―bons costumes‖. Assim, a moral guarda relação com os

costumes de dada sociedade, na qual o indivíduo vai se inserindo. Segundo Aranha/Martins

(1998, p. 117) ―a moral é o conjunto de regras de conduta assumidas pelos interpessoais

segundo os valores de bem e do mal‖. Acho que falta alguma coisa aqui na frase veja

Podemos então perceber que os indivíduos não nascem prontos, com a moral já

formada, mas aprendem-no com seu grupo social. Ocorre que, com o passar das gerações, os

valores morais tornam-se quase que ―naturais‖, e por isso, passam a ser aceitos

espontaneamente. Assim,

Quando todos aceitam os costumes e os valores morais estabelecidos na sociedade

não há necessidades de muita discussão sobre eles. Mas, quando surgem

questionamentos sobre a validade de determinados valores ou de costumes, surge a

necessidade de fundamentar teoricamente estes valores vividos de uma forma

prática; e para aqueles que não concordam, de criticá-los (Sung, 2004, p. 13).

Logo, quando os indivíduos questionam os valores do grupo, tendem a não ser aceitos

e bem vistos. Por isso, sua crítica exige conhecimento, argumentação, reconstrução, através

do que procuram explicar-se e convencer os demais. É, então, que se ingressa no universo

propriamente ―ético‖. Segundo Aranha/Martins (1998, p. 117), ―a ética ou filosofia moral, é

mais abstrata, constituindo a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão sobre as noções e

princípios que fundamentam a vida moral‖.

Segundo Sung (2004, p. 13),

Quando se diferencia a ética da moral visa-se distinguir o conjunto das práticas

morais cristalizados pelo costume e convenção social dos princípios teóricos que as

fundamentam ou criticam. O conceito ético é usado aqui para referir-se a teoria

sobre a prática moral. Ética seria então uma reflexão teórica que analisa critica ou

legitima os fundamentos e princípios que regem determinado sistema moral

(dimensão prática).

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Ainda segundo este autor, quando não estivermos satisfeitos com as normas, quando

as problematizamos a partir da realidade que vivemos, passamos a buscar o rompimento com

a tradição, para construir o nosso ser. Resgatamos então a nossa condição humana, que é a de

seres não predestinados. Por isso, o ser humano, na construção da sua identidade, irá buscar

valores que convém para sua realidade. A partir de então, deixa de seguir simplesmente a

tradição e os costumes, e passa a assumir a responsabilidade e as consequências de suas ações

e atitudes. Delas dependem a convivência humana e a realização pessoal e coletiva. Podemos,

então, perceber que ―ser ético‖ é uma questão de ―postura‖: o de estar consciente dos valores

e normas que se tem por base em suas ações. Isto mostra a diferença maior existente entre

moral e ética.

Todavia, é assustador para o homem perceber que a construção da humanidade está

em suas mãos. Por isso, o homem não querendo tanta responsabilidade, acaba imitando o que

os outros fazem, reproduzindo assim valores e normas morais de forma quase mecânica.

Então, valores não são coisas, mas são resultados das relações que os seres humanos

estabelecem entre si e com o mundo em que vivem. Segundo Aranha/Martins (1998, p. 117)

―o valor é sempre uma relação entre o sujeito que valora e o objeto valorado‖. E disso o

sujeito ético tem consciência. Sung (2004, p. 20) chama atenção para um fato importante no

comportamento ético, que é a necessidade de fazermos escolhas, e que estas, muitas vezes são

conflitivas. Segundo ele.

O que nos interessa é mostrar que existe este tipo de conflito de interesses e que no

discernimento concreto deve prevalecer o bem (objetivo) maio do indivíduo ou do

grupo. Mas, como existem os motivos e objetivos inconscientes, muitas vezes não é

tão simples saber qual é o objetivo maior que deve servir de critério para definir o

que se deve fazer. Principalmente quando se trata de conflito entre interesses

imediatos e de longo prazo de um grupo social (2004, p. 20).

O conflito pode ser entre o interesse pessoal e o coletivo. Muitas vezes, o que

queremos para nós é prejudicial para o grupo. Nem sempre é fácil encontrar soluções para

tornar decisões que sejam boas para mim e para os outros. Ainda mais numa sociedade onde

tem classes sociais. Outras vezes, o problema é entre o que eu quero aqui e agora, mas que

prejudica a mim ou a outros no futuro. E ainda, o que julgamos bom para nós pessoalmente

em detrimento do grupo pode ser ruim para nós próprios a longo prazo. Basta ver o processo

de exploração da natureza: ganhamos dinheiro agora individualmente e comprometemos

nosso próprio ar que respiramos.

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Creio que se tivéssemos uma discussão séria a respeito de valores num sentido ético,

no interior da escola e da sociedade, esta discussão poderia nos ajudar a conviver melhor, a ter

uma relação melhor com os outros, porque nossas relações seriam construídas de forma mais

consciente, tendo por base as nossas possibilidades e responsabilidades históricas. Ainda

segundo Sung (2004, p. 22).

A consciência ética que surge deste conjunto é diferente de uma simples

assimilação de valores e normas morais vigentes na sociedade. Ela surge com as

desconfianças de que os valores morais da sociedade – ou os meus – encobrem

algum interesse particular não confessado ou inconsciente, que rompe com s

próprias causas geradas da moral.

Com base nesta citação, vemos a importância do ser humano assumir uma postura

ética, que o leva a perceber que a vida é muito mais do que um seguimento rotineiro de regras

estabelecidas, as quais se adaptou. Na perspectiva ética, o indivíduo toma consciência do

sentido das normas e dos valores que regulam a vida coletiva. Por isso, ele confronta o

conteúdo das regras com a realidade, buscando resposta que ajudam a solucionar os

problemas da convivência humana, baseadas em princípios de justiça e de verdade.

Diante disso, vimos que a obrigação ou até mesmo a imposição de comportamentos

morais é essencialmente anti-ético, por que, neste caso, os indivíduos não aprendem a

compreender os motivos pelos quais fazem o que fazem, não adquirem consciência da sua

ação. Portanto, também não assumem a responsabilidade sobre o que estão fazendo, uma vez

que não foram eles que decidiram que assim deveria ser feito. E provavelmente ai está uma

das razões porque as novas gerações insistam tanto em negar uma série de normas e regras de

vida colocadas como importantes e valiosas para ela, muitas vezes via formação da família, da

escola, das relações de trabalho, e outras.

Segundo Sung (2004, p. 20-21), romper com a tradição e os costumes, não significa

colocar os interesses puramente individuais em seu lugar.

A absolutização dos meus interesses seria a negação dos direitos de outros e a

declaração de que eu não necessito deles para viver. Se cada um tomar este tipo de

atitude, torna-se impossível a vida em um grupo social.

Penso que este é um princípio fundamental de ética: o respeito pela vida humana, pois

os interesses e deveres se entrelaçam e não andam separados. Esta postura ética deve ser

promovida através da educação. Por isso, consideramos importante observarmos como se dá a

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construção da (in) disciplina escolar, que pode ajudar a formar um sujeito mais ou menos

consciente dos valores e normas que segue em suas ações ou também saber por que as rejeita.

3 A (IN) DISCIPLINA NO TRABALHO ESCOLAR E NA SOCIEDADE: UMA

ABORDAGEM ÉTICA

Um dos grandes problemas atuais da educação escolar, segundo os professores, é a

indisciplina. O problema, todavia, é complexo e não pode ser entendido de forma

simplificada. Geralmente, ela é vista como um problema do aluno apenas, ou da família, ou

ainda, do professor e da direção escolar, por falta de ―pulso firme‖. Também não há, em geral,

uma clareza sobre o que seja a indisciplina, porque se pensa a disciplina como algo óbvio, que

já deveria existir nas crianças quando estas vêm para a escola. Assim, o trabalho da escola, de

ensinar os conteúdos, estaria prejudicado, porque as crianças impedem que ele seja

desenvolvido. Esta é a grande queixa de professores e familiares.

Segundo o dicionário da língua portuguesa, de Aurélio Buarque, ―disciplina é um

regime de ordem imposta ou mesmo consentida. Ordem que convém ao funcionamento de

uma organização. Relações de subordinação do aluno ao mestre. Submissão a um

regulamento‖. E, indisciplina, ―é o procedimento, ato ou dito contrário a disciplina‖.

Pelo conceito de disciplina e indisciplina extraído do dicionário percebemos que ele se

aproxima da idéia de formação moral. Isto é, de fazer aceitar e de obedecer às regras, normas

e valores do grupo social ou da sociedade como um todo. Nessa visão, disciplina de fato se

aproxima de obediência e indisciplina de rebeldia. Neste sentido, não contribui para a

formação de sujeitos éticos.

Este era o modo de tratar a educação até a pouco tempo atrás. Podemos chamar esta

forma de disciplina de ―tradicional‖. Em geral, ela está associada à imposição de valores,

feita, muitas vezes, de forma autoritária. Com o passar do tempo, muitas pessoas passarem a

não aceitar esta forma de disciplina porque não concordavam com o modo de fazê-lo, pois

muitas vezes discordavam do que lhes era imposto e queriam fazer diferente, porque achavam

mais certo e mais justo. E inúmeras vezes isso passou a ser denominado de indisciplina, de

desrespeito ao trabalho da escola e do professor.

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Surgiu assim, aos poucos, não apenas na escola como também na sociedade como um

todo, um revolta contra a forma rígida e autoritária de disciplina. Mas, isto não significa

necessariamente que as pessoas e grupos tenham clareza do que é importante para eles e onde

querem chegar. Muitos ficaram sem rumo. Por isso, também perderam a capacidade de traçar

limites, como um elemento que pode ser importante na formação das pessoas. Segundo

Vasconcellos (2004, p. 26).

Quem manda hoje na criança e no jovem não é tanto o pai, o político, o professor,

mas o mercado, materializado nas marcas, nas grifes da moda. Fazendo assim o pai

perder o sentido da educação, pois educa o filho com mimos e dengo e agora não

sabe mais como mudar e fazer o filho entender o sentido do respeito e do limite para

com os demais.

Assim, podemos perceber que houve a passagem de uma disciplina autoritária

(controlada por uma autoridade específica, como o pai, o pastor, o policial, o padre, o

professor, ou de modo geral os mais velhos) para uma permissiva (controlada pelo meio

social, pela sedução da maioria). Por isso, é verdade que a família perdeu sua importância no

processo de disciplinamento. Ou tem sido convidada a pensar outras formas e práticas de

disciplinamento, como elemento educativo.

Tudo isso é verdade. Objetivamente, a família não está cumprindo sua tarefa de

fazer a iniciação civilizatória: estabelecer limites, desenvolver hábitos básicos. Neste

sentido, os educadores têm razão em levantar esta falha (Vasconcellos, 2004, p.

26).

Neste caso, estamos vendo que este problema não é somente da escola. A família mudou, a

escola mudou, o professor e a criança mudaram. A sociedade e a cultura mudaram. O modo

de fazer política e as relações entre o estado e a sociedade mudaram. Por isso, não dá para

dizer que a indisciplina é um problema da família, da criança, ou do professor, ou da escola

apenas. Há um conjunto de elementos complexos que dão sustentação a esse modo de existir

hoje e de formar a as pessoas

Segundo Vasconcellos (2004, p. 27), ―o professor anda confuso com tudo aquilo que

vem acontecendo com ele, com a escola e com a sociedade. Há uma profunda mudança na

relação Escola – Sociedade e parece que não nos damos conta suficiente disto‖. O saudosismo

e as acusações passam então a fazer-se presentes no dia-a-dia da escola. Desesperados, os

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professores e familiares procuram um alvo onde possam descarregar suas mágoas e angústias,

que em geral acaba sendo o aluno e o professor, a família.

Quando não se sabe o que se quer, quando não se sabe o que é de valor, perde-se

também a capacidade de saber o que é melhor fazer e o que deixar de lado. Por isso, a falta de

limites tem a ver com a falta de perspectivas. Vasconcellos (2004) fala desta falta de sentido e

da falta de limites que vem da crise da própria cultura.

O que se vê nas escolas hoje é um dos aspectos mais difíceis de enfrentar que é o fato

de o aluno não ver sentido em estudar; nas atividades realizadas no âmbito do trabalho

escolar. A pergunta ―estudar pra quê?‖ nuca esteve tão presente nas cabeças dos alunos como

nos últimos tempos. E a resposta ―estudar para ser alguém na vida‖ causa risos, pois a

realidade é outra. Antigamente os alunos não viam sentido no que estavam fazendo, mas

tinham em mente a perspectiva de uma recompensa mais tarde. A ideia de ascensão social era

a base da escolarização, evidentemente, limitada a poucos. O que estava vivenciando é a

queda do mito da ascensão social através da escola. Por isso, Vasconcellos (2004, p. 30)

sustenta que

Há uma desorientação geral hoje na sociedade quer se superar o velho, mas não se

sabe bem como é o novo. Há uma crise de racionalidade, dos projetos sociais, das

utopias, do sentido para viver, crise da autoridade em nível mundial, mudança nos

sistemas de valores.

Sem objetivo que orientem as ações, sem um sentido para o que fazemos, não há

clareza dos limites que devem ser respeitados. ―Sempre que se pensa em disciplina, vem à

mente a idéia de limite: não limite pelo limite, mas associado a algum sentido, a alguma

finalidade‖ (Vasconcelos, 2004).

Na escola, a indisciplina se manifesta de muitas formas: o aluno não tem respeito com

ninguém, a começar com o porteiro, com a faxineira e até mesmo com a direção escolar. O

alvo maior é o professor, que se mostra inseguro, pois não quer repetir a experiência passada

de repressão pela qual passou, e julga ser melhor adotar o modelo liberal, deixar o ambiente

espontâneo, quase que numa perspectiva inocente, ser bonzinho para ter a simpatia dos

alunos. Mas, o professor acaba sendo o mais prejudicado neste processo, pois acaba sendo

criticado pelos próprios alunos que veem como alguém incapaz de conduzir uma sala (não

tem ―domínio de sala‖), resultando num compromisso tanto do professor quanto do aluno,

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exatamente o contrário do que se pretendia com a permissividade introduzida. Segundo

Vasconcellos (2004, p. 37), nessa postura acaba querendo substituir a rigidez pela ideia do

professor ―bonzinho‖. Assim, ele

Evita o acirramento do conflito com o aluno, o que revela o medo ao compromisso

que isto implicaria. É a corrupção pedagógica: a ―compra‖ do aluno, seja pela falsa

afetividade, pelo rebaixamento do nível de exigência ou até mesmo pela distribuição

de notas.

Vemos assim que o principal problema que precisaria ser superado na questão da

disciplina no sentido tradicional não foi resolvido. Os alunos continuam a fazer as coisas não

porque compreenderam sua importância, seu sentido, mas porque os outros também o fazem.

No lugar do autoritarismo do professor, surge a influência do meio. Os alunos ficam sem

referências para seguir ou se orientar, perde a capacidade de lutar por algo que seja mais

difícil de ser entendido ou conquistado. Ficam reféns do meio. E isto se torna mais

complicado quando este meio é cheio de contradições e marcado pela exclusão social.

Por isso, Vasconcellos (2004, p. 39) diz que é falso imaginar que o problema é a

liberdade ou a repressão das crianças ou em o ―professor ser bonzinho‖. Afirma que o

verdadeiro problema não está entre repressão/liberdade como normalmente se pensa.

O rompimento com este círculo vicioso se dá com a compreensão de que a

contradição ―liberdade/repressão‖ é falsa, que só serve para desorientar a ação

pedagógica, dissipando sua energia criadora. A verdadeira questão para a construção

do trabalho de sala de aula se refere à contradição participação alienada e passiva x

participação consciente e interativa.

O verdadeiro problema é superar a (in) disciplina alienada. Esta acontece quando a

pessoa que age não entende porque faz ou deixa de fazer alguma coisa. O sujeito é

determinado pelos outros, mas não pelo significado do que faz. E, segundo Vasconcellos

(2004, p. 40), ―o processo de alienação e coisificação transforma todas estas diferenças em

elementos de competitividade e distanciamento‖ sem que seja compreendido. Por isso, o

professor deve desenvolver uma proposta ―consciente‖ e ―interativa‖, que deixe de alienar o

aluno e ajude-o a compreender o seu mundo e a comprometer-se com a transformação das

situações injustas. Este é um papel que cabe ao professor não exclusivamente, mas não se

pode deixar de entender que é tarefa dele no trabalho docente, criar condições para que os

alunos consigam ter compreensão dessa dimensão.

Temos na sala de aula, tantos microcosmos quantos forem as pessoas lá presentes; é

uma incrível diversidade: cada uma com sua história, seu quadro de valores, suas

expectativas e ansiedades, seu potencial intelectual, suas situações afetivas (remotas

ou recentes), suas ideias e crenças, sua visão de mundo, sua classe social, tipo físico,

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sua participação em grupos exclusivos (que as vezes possuem até linguagem

próprias), etc. (Vasconcelos, 2004, p. 41).

Fica evidente que do ponto de vista do pensar tradicional, existe um modo de pensar a

disciplina de forma tradicional, vendo-a como sinônimo de obediência e a indisciplina como

rebeldia. Nasce desta ideia o desejo de que a sala de aula seja quietinha, que ninguém se

movimente e que ninguém critique a autoridade do professor. Que a escola seja o lugar, uma

ilha de liberdade, mas que ninguém ouse alterar a ordem ―natural‖ das coisas e seu

funcionamento. Quando as coisas saem dos trilhos, quando a rebeldia ocorre, os autores dela

devem ser punidos, castigados. Durante muito tempo, eram aplicados castigos físicos. Hoje, é

mais comum descontar nota, mandar para fora da sala de aula, expulsar do colégio e outras

práticas que sugerem o retorno da ordem.

A visão liberal parece inverter isto: a disciplina é entendida como auto-disciplina,

como não aceitação do que é imposto e, indisciplinado, aquele que não sabe lutar por si

próprio, que não tem responsabilidade própria. Parece que se imagina que a criança já saiba

distinguir o que é importante para ela e já seja alguém responsável desde o começo. O

professor parece não poder dizer nada contra o comportamento do aluno, mesmo que este seja

contrário a um processo de ensino-aprendizagem coletivo. Assim, aumenta a competição e os

indivíduos não aprendem a viver em coletividade. As crianças que mais precisariam tentam

agradar, oferecer atividades mais dinâmicas, avaliar de forma diferente para não parecer como

professores tradicionais. Observa-se neste processo que vai uma inversão do papel da escola e

do professor.

Hoje temos que integrar o aluno no processo educacional, fazer com que ele participe,

seja ativo. Isto rompe com a ideia de que tenha que ficar quietinho, como imaginavam os

defensores de uma perspectiva tradicional de trabalho formativo. Também não significa que o

professor deva deixar tudo acontecer em nome da liberdade dos alunos, como difundido pela

escola nova. É preciso entender a disciplina como um projeto de grupo para alcançar seus

objetivos. Qualquer grupo social, para atingir seus objetivos, precisa organizar-se, estabelecer

metas, lutar por elas, disciplinar-se. Também precisa deixar muitas coisas que atrapalham para

trás. E isto nem sempre é fácil. Assim também acontece na escola. É preciso construir um

ambiente de trabalho mais coletivo. É preciso criar condições de trabalho. É preciso esforçar-

se para atingir os resultados.

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Neste debate, Rego (1996, p. 87), apresenta uma outra visão de disciplina e de

indisciplina com a qual nos identificamos,

Partindo destas premissas, no plano educativo, um aluno indisciplinado não é

entendido como aquele que questiona, pergunta, se inquieta esse movimenta na sala

de aula, mas sim como aquele que não tem limites, que não respeita a opinião e

sentimentos alheios, que apresenta dificuldades em entender o ponto de vista do

outro e de se autogovernar, que não consegue compartilhar, e dialogar e conviver de

modo cooperativo cm seus pares.

Esta autora mostra ainda que há diferentes tipos de exercício da autoridade (e

poderíamos dizer diferentes tipos de disciplinamento) nas famílias por ela analisadas e que as

mesmas produzem diferentes resultados.

Segundo ela, ―os pais autoritários são aqueles que além de serem pouco comunicativos

e afetuosos, são bastante rígidos, controladores e restritivos quanto ao nível de exigência de

seus filhos‖ (Rego, 1996, p. 97). Esses pais não se preocupam em explicar para a criança a

razão de nada, pois tem o castigo e as ameaças como aliadas. Para eles a criança não precisa

saber o sentido das coisas. Então os filhos de pais autoritários costumam não entender as

normas, e mostram que os valores morais não foram interiorizados, pois a família foi um

espaço que negou isso, na primeira formação.

Por outro lado, vemos que ―os ‗pais permissivos‘ valorizam o diálogo (as opiniões das

crianças são frequentemente solicitadas e quase sempre aceitas) e o afeto‖ (Rego, 1996). Mas

os pais permissivos não conseguem exercer a autoridade de pais, pois não estabelecem

limites. Essas crianças não têm hora de dormir, de comer e por aí vai. Não costumam cobrar

responsabilidade de seus filhos. Sendo assim, filhos de pais permissivos e imaturos, tendo

muita dificuldade em exercer responsabilidades na vida social, seja na escola ou nas relações

sociais mais amplas.

―Os ‗pais democráticos‘, por sua vez, parecem conseguir um maior equilíbrio entre a

necessidade e independência, e o respeito às necessidades, capacidades e sentimentos de seus

filhos‖ (Rego, 1996). Esses são capazes de estimular as crianças a darem sua opinião a cerca

de algum assunto e o melhor conseguem estabelecer regras e limites, mas sempre deixando

clara as razões para serem entendidos. Os filhos de pais democráticos são de fácil

relacionamento, exercem autocontrole e interiorizarem os valores morais de sua família e da

sociedade, podendo ter melhor capacidade de interagir criticamente na hora de assumir ou

negar valores na sociedade.

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Neste sentido, Rego (1996, p. 98) sustenta que

É impossível negar, portanto, a importância e o impacto que a educação familiar tem

(do ponto de vista cognitivo, afetivo e moral) sobre o indivíduo. Entretanto, o seu

poder não é absoluto e irrestrito. Uma coisa é aceitar que o que ocorre no ambiente

familiar é importante, e outra, bastante diferente, é acreditar que é determinante e

irreversível.

Percebemos assim, que o tipo de autoridade a que a criança está submetida na família

influencia no seu modo de ser, na sua formação. Ele pode vir para a escola com mais ou

menos capacidade de envolver-se, orientar-se, participar. E a escola precisa levar isto em

consideração. Mas, não pode reproduzir o tempo todo a educação autoritária para aqueles que

vêm de ambientes autoritários. Muitas vezes ouvimos a expressão de que é preciso ser duro

com as crianças, porque elas são assim. Neste caso, aceitamos que seu ser já está determinado

e que a escolas não tem nada a fazer. Logo, ela deixa de contribuir para a formação ética das

crianças. Por isso, é importante que o professor tenha clareza da realidade de seus alunos,

construa propostas de trabalho que sejam significativas e ajude a criar condições para a

reeducação das crianças que não tiveram oportunidade de conviver com uma autoridade

democrática. Isso também não significa que a ―formação democrática‖ que temos seja

exemplar.

No próximo capitulo vamos discutir melhor quais são as características de uma

autoridade democrática e que competências o professor precisa desenvolver para construir

uma disciplina que se apresente como mais democrática, consciente e interativa com os

alunos, os professores e a sociedade em sala de aula.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo principal deste estudo foi investigar e refletir como docentes e discentes

compreendem a questão da (in)disciplina e da autoridade docente, a partir de uma abordagem

ética. Estamos aqui considerando que educação e ética são elementos constitutivos do

processo de humanização do homem através da cultura e da educação e que podem contribuir

com a produção de relações sociais mais conscientes e interativas.

Em nossa compreensão é necessário que a educação, não somente aquela que ocorre

dentro da escola, avence para além da visão tradicional sobre a (in)disciplina e a formação

humana, que é marcada pelo moralismo, presente em nossa formação. Formar sujeitos éticos,

responsáveis e com autonomia, exige que as atividades desenvolvidas na escola, na família e

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na sala de aula sejam um exercício de responsabilidade coletiva, a começar com os grupos

mais próximos com que se trabalha.

Na pesquisa mais ampla (na monografia) fizemos o trabalho de compreender como

professoras e alunas concebem a temática e as práticas efetivas de (in)discplina e autoridade

docente no contexto formativo. Compreendemos que ocupa um lugar importante neste

universo. Os professores precisam assumir o seu lugar, a sua autoridade. No entanto, isto não

significa que eles devam ser autoritários. Precisamos fortalecer a ideia do exercício da

autoridade articulada por outros motivos e sem competência, ela é prejudicial. Assim, a

autoridade do professor está ligada ao objetivo maior da escola, que é a formação ética de

todos os envolvidos no processo.

Compreendemos que há vários outras dimensões que precisam ser problematizadas

para se ter uma visão mais ampla dessa problemática, no entanto defendemos que para

conquistar o reconhecimento, o professor precisa ter conhecimento do que ensina e precisa ser

capaz de organizá-lo didaticamente. Precisa também saber os diversos sentidos e finalidades

desse saber que ensina, ou seja, precisa contextualizar os conhecimentos. Ao mesmo tempo,

considerando o quadro de problemas vividos por ele e seus alunos, precisa ser humano,

acreditar no aprendizado e na capacidade de transformação que é inerente aos homens em

geral e em particular aos seus alunos.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de filosofia. 2.

Ed. São Paulo: Moderna, 1998.

COELHO, Ildeu Moreira. A educação, cultura e a invenção de uma nova escola. In:

ENCONTRO DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO DO CENTRO OESTE, 6, 2003.

Campo Grande. Anais Eletrônicos, Campo Grande, 2003, p. 1-10.

REGO, Teresa Cristina R. A indisciplina e o processo educativo: uma análise na perspectiva

Vigotskiana. In: AQUINA, Júlio Groppa. Indisciplina na escola: (alternativas teóricas e

práticas). 10. Ed. São Paulo: Summus, 1996.

SAVIANI, Demerval. Pedagogia Histórico – Crítica. 6. São Paulo: Autores Associados, 1997.

SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 2004. (Coleção Primeiros

Passos).

90

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SUNG, Jung Mo; SILVA, Josué Cândido da. Conversando sobre ética e saciedade. 13. Ed.

Petrópolis, 2004.

Vasconcellos, Celso dos Santos. Disciplina: construção da disciplina consciente e interativa

em sala de aula e na escola. 11. Ed. São Paulo: Libertad, 2000. (Caderno pedagógicos do

Libertad; v. 4)

Como referenciar esse texto:

PEREIRA, Andrea de Jesus e OLIVEIRA, Antonio Miranda de. A condição humana, ética e disciplina na escola.

In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL,

5: Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014.

Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.p.

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DA EDUCAÇÃO COMO FORMAÇÃO HUMANA E POLITICA À

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SABERES NECESSÁRIOS

SANTOS, John David Ribeiro. Pedagogo pela UFT/Campus de Miracema/EDURURAL;

Email: [email protected]

RESUMO: Este texto é o primeiro capítulo de uma monografia intitulado: O ENSINO DE

GEOGRAFIA: O Pedagogo e sua formação geográfica, que foi modificado para ser utilizado

como projeto para concorrer há uma das vagas de mestrado no Câmpus Universitário de

Palmas no Programa de Pós-graduação em Educação – PPGE. O objetivo do projeto é analisar

como se articula a formação de professores, no âmbito da UFT, nessa perspectiva mais ampla

de educação, compreendendo suas implicações para o trabalho docente na escola, e entender

qual a identidade do professor (pedagogo) na sua prática docente e quais os saberes

necessários no âmbito acadêmico e escolar. A discussão se alicerça nos estudos de:

RODRIGUÊS (2001), SAVIANI (2012), COÊLHOS (2009/2012), FREIRE (2013) entre

outros. Essas ideias nos permitirão desvendar algumas mazelas na formação de professores, e

no seu trabalho em sala de aula.

Palavras-Chave: Educação, Formação, Escola, Pedagogia.

INTRODUÇÃO

A Educação é maior do que a escola. Limitá-la, a uma simples educação escolar é

perder o alicerce da formação humana, isto é, transferir todo o conhecimento do ser, para uma

única instituição: a escola. Para além disso, os alicerces foram desde os primórdios a base da

formação humana, como a: família, comunidade, religião e mais tarde os partidos políticos. O

que se evidencia com o enfraquecimento dessas instâncias no Brasil é o total desprezo pelo

conhecimento, e a atribuição da culpa de todo o fracasso à escola.

Desde os primórdios da formação humana, o papel de educar, era tradicionalmente

da família, ou seja, a família tinha a incumbência de garantir a educação da criança, que se

dava na convivência do dia-a-dia, influenciando assim seus primeiros contatos com a cultura.

Logo após, o papel de educar foi também dividido com a comunidade, [...] ―pois constituíam

um corpo educativo formado, principalmente pelos mais idosos, que preservavam os

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princípios a serem seguidos por todos os membros da vida comunitária‖ (RODRIGUES,

2001, p.252/253).

Em seguida [...] a religião, também desempenhou um poder educativo em relação a

uma série de valores invocados pelas comunidades. E por fim, as instituições sociais, como o

Estado e seus aparelhos, a justiça, os partidos políticos, as organizações da sociedade civil e,

do ponto de vista dos conhecimentos e habilidades, as instituições educacionais (idem, 2001,

p. 253).

Essas posições de Rodrigues (2001) nos remetem a pensar que educação não se dá

apenas em um ambiente escolar, pelo contrário, está em toda convivência social, cultural e

política dos homens. O que aconteceu, foi que, na sociedade hodierna, todas essas bases de

sustentação se desintegraram e estão cada vez mais perdendo sua participação efetiva no ato

educativo; esse ato era justamente o que antecedia qualquer instrução formal.

Concordamos com a afirmação de Rodrigues quando categoricamente afirma que

As famílias têm perdido sua hegemonia educativa, na medida em que desestruturam

as relações tradicionais entre seus membros. E não estamos a nos referir apenas às

famílias das classes pobres, mas de todas as chamadas unidades familiares. Os pais

estão cada vez mais ausentes da vida dos filhos, desde os primeiros dias de suas

vidas. Igualmente, a Igreja deixou de representar uma instituição unitária e

hegemônica, capaz de dar direção moral às novas gerações. E as comunidades

desapareceram nas formas novas de organização da vida coletiva nos tempos

modernos. Cada vez mais as pessoas apenas vivem fisicamente próximas, sem

qualquer unidade de projetos sociais, de princípios éticos, de trabalho, de dever, de

relações. As cidades, por sua vez, se transformaram em simples aglomerações

populacionais e não são formas de organização humanitária da vida coletiva (2001,

p.253).

Precisa-se a priori fazer a vara curvar-se para o lado oposto, isto é, para o lado dos

alicerces da formação humana, para a posteriori iniciar a longa caminhada em busca do

horizonte da formação de professores e saberes docentes necessários. É necessário como

ponto de partida entender que a educação é um ato político. Ou seja, a educação como prática

social e cultural atua como elemento determinado pela sociedade, pois ela atua na

conformação de um projeto social que tanto pode servir a manutenção dos privilégios de

grupos que se encontram no poder econômico e político, como pode contribuir para subverter

a lógica de dominação e exploração humana, por meio de uma ação transformadora de nossas

práticas sociais.

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Em síntese a educação pode contribuir para promover a libertação quando nos

prepara para assumir a nossa autonomia como cidadão e trabalhador. Como pode servir

também aos interesses de quem busca privilégios servindo para: alienar, humilhar e dominar.

Sendo assim, o que se analisa é que a educação deve ser vista como uma prática política que

esclarece e não que aliena. Isso que dizer que ela congrega conteúdos políticos que podem

contribuir para manter e/ou mudar a sociedade capitalista, ao buscar a formação do trabalho

humano assentado no pressuposto para libertação dos sujeitos.

A educação como afirma Saviani (2012, p.13) é ―o ato de produzir, direta e

intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e

coletivamente pelo conjunto dos homens‖. Na ideia do autor esse é um processo construído

historicamente, em que o homem vai: construindo o mundo histórico, vai construindo o

mundo da cultura, o mundo humano, e em concomitância a esse processo ocorre a educação.

A ideia principal de Saviani é a defesa dos dominados a partir do saber

sistematizado, isto é, os dominados só sairão da condição de dominados, quando dominarem

os conteúdos que os dominadores já dominam. Paulo Freire (2013, p.199) enfatiza que: ―[...]

os dominadores mantém o monopólio da palavra, no qual mistificam, massificam e dominam.

E essa a é situação dos dominados, para dizer sua palavra devem lutar para tomá-la‖.

A ―palavra‖ referida por Freire é o diálogo conscientizador, um encontro dos

homens, mediatizados pelo mundo, ou seja, o diálogo que denuncia o mundo desumano e

perverso tal como ele é. Para isso, o chamado saber popular é, na melhor das hipóteses,

apenas um "ponto de partida" para a educação, que pode ser usado para estabelecer uma ponte

com as classes populares.

O ponto de chegada é o saber sistemático (científico) que deve ser conhecido por

todos nós, só que para isso, deve ser ensinado nas escolas públicas, isto é, que no mínimo

deve oferecer boas condições de trabalho e formação para que professores compreendam,

entendam e ensinem esse saber.

Com o ―manifesto dos pioneiros da escola nova‖ de 1932 se reforça a ideia de

educação para todos, ou seja, a escola pública como instituição. Na primeira metade do século

XX a educação foi usada para justificar a ascensão da burguesia ao poder político, pois esta já

detinha o poder econômico.

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E chegando ao poder, a burguesia precisava legitimar a revolução que estava

assentada nos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. Para isso a escola foi criada

para transformar súditos em cidadãos. A crença era justamente que educação agiria como

fator e antídoto de correção da principal causa da marginalidade social: a ignorância

(SAVIANI 2012).

Ainda segundo o autor, a falta de instrução ou de esclarecimento era a fonte do atraso

social e econômico e não a estrutura e as relações de dominação e exploração social que a

burguesia empreendia como classe desde a revolução industrial. A criação de uma ―escola

para todos‖ articulada a um ―sistema nacional de educação‖ efetivaria a educação como

direito da cidadania. É também com base nesta ideia de atraso social que muito deixou-se ou

se fez com, para e contra as populações rurais que foram o alvo em quem a burguesia nacional

colocou a culpa pelo atraso do país e não no seu poder de exploração, principalmente no

estado do Tocantins que é dotado por extensos latifúndios controlados por uma pequena

oligarquia rural.

Entretanto, ao se legitimar politicamente, a burguesia utilizou-se do Estado de

Direito para aprofundar sua dominação, não apenas no plano material (apropriação da riqueza

socialmente produzida pelo trabalhador), mas também ―cultural‖, na medida em que a

educação passou a servir como prática de conformação, doutrinamento, disciplinamento e não

de esclarecimento.

O controle do currículo, da avaliação e da formação e profissionalização de

professores era a garantia de que a educação serviria ao seu projeto de classe. Como as

diferenças de classe não desapareciam, mas ampliavam-se mediante a conquista de novos

privilégios a burguesia empreendia uma contra-revolução. A defesa da liberdade, igualdade e

fraternidades substantivas que a revolução apontava efetivamente convertera-se em ―direito

formal‖, ou seja, apenas em expectativa de direito. Uma liberdade e igualdade formal e

jurídica, como a que vemos todos os dias batendo nas portas da maioria dos pobres e

marginalizados na sociedade brasileira.

Nesse processo contra-revolucinário a burguesia assume seu caráter de classe

reacionária, esvazia o conteúdo efetivo da revolução e, inicia um longo período de reformas

sociais e educacionais que visam ajustar a função da escola ao seu projeto de perpetuação no

poder. Ou seja, a escola burguesa, numa sociedade capitalista como a brasileira, tem cumprido

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de forma eficiente sua função social de reproduzir as desigualdades, mesmo que haja as

exceções.

A escola moderna, que antes perseguia a meta de esclarecimento para todos, agora

muda seu foco de atuação. A causa da marginalidade social não será mais identificada com a

ignorância, mas com o sentimento de rejeição. O respeito às diferenças (socioculturais) passa

a ser o mote da ―escola nova‖ que privilegia as motivações e interesses das crianças. As

exigências de mais investimentos e novos métodos de ensino aprimoraram o ensino destinado

às elites, ao mesmo tempo em que promoveu o aligeiramento do ensino nas escolas públicas.

Diante dessa situação, a burguesia acena com uma nova reforma educativa na qual o

marginalizado não será nem o ignorante, nem o rejeitado, mas o incompetente. Ao formar

indivíduos competentes para o sistema produtivo a educação escolar se apresenta como

instituição capaz de promover a equidade social, elemento necessário à integração social.

Por isso, hodiernamente, ouve-se sempre discursos ideológicos de diversos

seguimentos sociais, principalmente de políticos, que a educação resolverá os problemas

sociais ocasionados pelas desigualdades. ―São constantes as referências a problemas

relacionados a materiais, equipamentos, prédios escolares, salários e carreira docente, e mais

recentemente pela autonomia escolar, deficiências de gestão e outros de natureza similar‖

(RODRIGUES, 2002, p.12). Se tornando impressionante a assunção desses discursos sem

fazer uma análise crítica do que tem sido na prática a educação.

Com base nessa concepção se analisa um poder que a educação sozinha não tem

(transformar a estrutura que gera desigualdade social), assim esses discursos acabam

reduzindo o processo educacional exclusivamente a uma dimensão escolar trazidas nos

tempos modernos. Por isso, a não diferença entre educação e educação escolar se reduz sua

significação, considerando-a como uma simples instrumentalização dos indivíduos para o

exercício de várias funções (RODRIGUES, 2002).

A educação não deve ser minimizada unicamente à educação escolar. Para Coêlho

(2012, p.328):

[...] a educação é bem mais ampla, complexa, significativa e importante do que a

escola, pois envolve a ação de educadores e educandos, sujeitos em movimento de

reconhecimento e afirmação de si mesmos, de sua racionalidade, autonomia e

liberdade.

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A educação tem como objeto mais profícuo, isto é, a formação de seres humanos, de

sujeitos, por meio de complexas relações sociopolíticas, culturais e educativas, é parte do

trabalho de emancipação humana [...]. Assim os discursos proferidos principalmente por

políticos e empresários visam glorificar a educação se voltando apenas pelo que ela produz de

útil aos seus próprios interesses. ―A inspiração que os move é material, financeira,

pragmática‖. (COELHO, 2009; RODRIGUES, 2002).

Essa educação nesse viés [...] ―visa acima de tudo à profissionalização, à preparação

dos indivíduos para o chamado mercado, limita capacidades e saberes e empobrece os

horizontes culturais e humanos dos educandos‖ [...], assim reduzindo o trabalhador a uma

mera mercadoria, tornando descartáveis, a força de trabalho, as ideias, os projetos, as

escolhas, as ações, os valores, enfim, as pessoas ( COÊLHO, 2012, p. 332).

Com as teorias crítico reprodutivista, assim chamado por Saviani (2012): cria-se uma

falsa esperança de rompimento com a degradação e disparidades na sociedade, isto é, do

―problema social‖. O que não passou de um enorme engano já que essas teorias consideravam

a sociedade capitalista como algo não suscetível a transformações, sem contradições de

classes em si, assim ocorrerá apenas a reprodução das desigualdades sociais dentro do âmbito

escolar, isto é, reprodução total da sociedade de classes e perpetuação do modo de produção

capitalista.

Na verdade, a educação como prática social e cultural atua como elemento

determinado pela sociedade, pois ela atua na conformação de um projeto social que tanto pode

servir a manutenção dos privilégios de grupos que se encontram no poder econômico e

político, como pode contribuir para subverter a lógica de dominação e exploração humana,

por meio de uma ação transformadora de nossas práticas sociais. É isso o que se quer dizer

quando se afirma que a educação é um ato político. Saviani ratifica que:

Dizer, então, que a educação é um ato político significa, no quadro social, dizer que

a educação não está divorciada das características da sociedade: ao contrário, ela é

determinada pelas características básicas da sociedade na qual está inserida. E,

quando a sociedade é dividida em classes cujos interesses são antagônicos, a

educação serve a interesses de uma ou de outra das classes fundamentais. (2012, p. 2)

Precisa-se entender também que se a educação é mediação, isso significa que ela não

se justifica por si mesma, mas tem sua razão de ser nos efeitos que se prolongam para além

dela e que persistem mesmo após a cessação pedagógica (Saviani, 2012, p.76), por isso pode

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contribuir para promover a libertação quando nos prepara para assumir a nossa autonomia

como cidadão e trabalhador. Como pode servir também aos interesses de quem busca

privilégios servindo para: alienar, humilhar e dominar com discursos retóricos. Portanto,

compreende-se que é possível que haja diferentes projetos de escola e educação em disputa na

sociedade e que eles revelam-se nos diversos mecanismos e elementos que compõem o pensar

e o fazer da escola e das dimensões educativas na sociedade e seus respectivos agentes.

Percebe-se assim que nessa sociedade, a educação não é neutra. Ela é utilizada para

perpetuar os interesses e privilégios dos grupos que servem a burguesia industrial, agrária e

financeira de nosso país que defendem projetos educacionais que prejudicam a maioria da

população.

A educação deve ser vista como uma prática social, cultural e política que esclarece e

não que aliena. Sendo assim, ela congrega conteúdos políticos, culturais e sociais que podem

contribui para manter e/ou mudar a sociedade capitalista, ao buscar a formação do trabalho

humano assentado no pressuposto para libertação dos sujeitos.

Isso coloca desafios importantes para as instituições formadoras, principalmente no

sentido de articular e instituir diálogos entre diferentes áreas do conhecimento.

Compreendemos que uma boa formação, incluindo saberes políticos, culturais e sociais é

fundamental na educação, tendo em vista o papel dessa ciência na formação dos sujeitos.

METODOLOGIA

A pesquisa tem como proposta metodológica uma abordagem qualitativa Como

explicita Minayo (2007, p.21) ‗‘A pesquisa qualitativa se ocupa, nas Ciências Sociais, com

um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado‘‘.

Na efetivação do estudo proposto neste projeto, realizaremos pesquisa bibliográfica,

bem como o estudo de campo. ‗‘A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do

registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como

livros, artigos, teses etc‘‘(SEVERINO, 2007, p.122, grifo do autor). Neste caso na produção

literária que discute a educação como formação humana e política que será contextualizada

nos anos iniciais do ensino fundamental.

―Na pesquisa de campo, o objeto/fonte é abordado em seu meio ambiente próprio‖. A

coleta de dados é feita nas condições naturais em que os fatos ocorrem, sendo assim

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diretamente observados, sem intervenção e manuseio por parte do pesquisador‘‘. (idem, 2007,

p.123, grifo do autor). Após as descrições acima analisaremos os dados, faremos a

interpretação e escrita, resultando em uma dissertação.

Do ponto de vista da efetivação da pesquisa de campo, privilegia-se o uso do

questionário e da entrevista com distintos sujeitos: discentes egressos de cursos de

licenciatura da UFT, bem como docentes formadores; além do estudo de diversos documentos

(projetos pedagógicos, projetos de estágios e outros) que normatizam a formação proposta

pelos cursos.

RESULTADOS

Embora tenha sido um primeiro capítulo de uma monografia, foi modificado e se

tornou um projeto de mestrando, sendo assim, não temos resultados ainda, pois, falta ser

aprovado como projeto para seguir o diálogo entre as ideias dos respectivos autores

supracitados.

DISCUSSÃO

O contexto social é demarcado por um viés capitalista, sabemos que ele não é

absoluto, mas é determinante. Isto é, se pensa a partir das condições dadas por esse modo de

produção, que divide a sociedade em duas classes antagônicas: burguesia e proletariado. Esse

tem sido o espectro que há séculos muitos pensadores vêm tentando destronar, na busca por

uma sociedade sem classe, igualitária e justa.

Diante do exposto está a questão: qual o papel do professor (pedagogo) nessa

sociedade antagônica? De início se deve levar em consideração em qual viés esse professor

(pedagogo) vai se direcionar. Será um se for a serviço dos interesses da classe dominante, isto

é, dos proprietários dos meios de produção ou será outro se ele se posicionar a favor dos

interesses dos trabalhadores, os que não possuem meios de produção e por isso vendem sua

força de trabalho. E não há possibilidade de uma terceira posição. Não se pode ser neutro. A

neutralidade é impossível (SAVIANI, 2012).

Assim, considerando esse contexto teórico e a realidade educacional e social vivida no

Estado do Tocantins, nossa problemática pode ser explicitada no seguinte: Como se articula o

trabalho de formação de professores no âmbito da UFT, nessa perspectiva mais ampla de

Educação? Quais suas implicações para o trabalho docente na escola? E qual a real

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identidade do professor (pedagogo) na sua prática docente no âmbito acadêmico e escolar,

incluindo os saberes necessários para sua prática?

7. REFERÊNCIAS

COÊLHO, Ildeu M. Educação, escola e formação. Goiânia, v. 37, n. 2, p. 323-339, jul./dez.

2012.

COÊLHO, Ildeu M. Cultura educação e escola. In:_____________ (Org). Educação, cultura

e formação: o olhar da filosofia. Goiânia: ed. PUC Goiás, 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 54 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013

MINAYO, Cecília de Souza (org.) Pesquisa Social: teoria, método e criatividade.

Petrópolis. RJ: Vozes, 2007.

RODRIGUES, Neidson. Da mistificação da escola à escola necessária. 11 ed. São Paulo:

Cortez, 2003.

RODRIGUES, Neidson. Elogio à Educação. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2002.

RODRIGUES, Neidson. Educação: da formação humana à construção do sujeito ético.

Educação & Sociedade, ano XXII, nº 76, Outubro/2001, p. 232. Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/es/v22n76/a13v2276.pdf>. Acesso: 12 out. 2013.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 42 ed. Campinas: Autores associados, 2012.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histótico-crítica: primeiras aproximações. 11 ed.

Campinas: Autores Associados, 2012.

SAVIANI, Dermeval. O papel do pedagogo como articulador do trabalho pedagógico na

sociedade do capital. Palestra UENP Cornélio Procópio, em 8 de março de 2012.

Disponível em: <http://faficp.br/noticias/2012/1204/n101-040.pdf>. Acesso: 26 nov. 2013.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. rev. e atual. São

Paulo: Cortez, 2007.

Como referenciar esse texto:

SANTOS, John David Ribeiro. Da educação como formação humana e política à formação de professores e

saberes necessários. In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO

RURAL - EDURURAL, 5: Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da

Pedagogia e da Geografia, 2014. Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08-

347. ISBN: 9788563526618. P. 91-99.

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AS REPRESENTAÇÕES DO NEGRO E INDÍGENA NOS LIVROS

DIDÁTICOS

José Luis Santana Nunes. Acadêmico do 9º período Curso de Pedagogia UFT- Câmpus de

Miracema/EDURURAL.

Resumo: Este trabalho é um estudo bibliográfico da representação do negro e indígena nos

livros didáticos brasileiros. Tem como principal objetivo compreender por que em meio a

tantas ações políticas educacionais contra o racismo, ainda é tão difícil desconstruir toda

representação negativa que historicamente fora construída sobre o afro-brasileiro e indígena

nos livros didáticos.

Palavras – Chave: Livro didático; representação; ações políticas. Negros. Indígenas.

Dermeval Saviani (2000) atribui à escola a função de promover o homem, mas, a

escola não tem conseguido atender a essa perspectiva, ao contrário reproduzido o de

representações negativas do negro e do indígena e enaltecendo o ―Branco‖.

Retratar o negro e o indígena nos livros didáticos contribui para uma contínua

reprodução da representação do negro e indígena como ―sofredor‖ e ―preguiçoso‖, como uma

imagem estática do tempo ainda do descobrimento do Brasil. Não se considera que a cultura é

dinâmica, nesse ponto, vale lembrar que ela sofre constantes mudanças. De acordo com

Laraia (2004, p.96), dois tipos básicos dessas mudanças culturais, são: ―[...] uma, que é

resultante da dinâmica do próprio sistema cultural, e uma segunda, que é resultado do contato

de um sistema cultural com outro‖.

Percebemos quão lacunar e estereotipada é a temática indígena nessa produção.

Ademais, constatamos que essa representação genérica também estava presente em muitos

livros didáticos, o que demonstra a relevância dessa discussão, tendo em vista que esse é o

material impresso mais utilizado no universo escolar, e é a partir dele que os alunos recebem

uma gama de informações sobre a alteridade. A imagem e representação do negro no livro

didático (considerando por muitos autores, entre eles Circe Bittencourt, um espaço de

reprodução ideológica) - que acompanha os alunos desde o seu primeiro contato com a

educação formal e se constitui no principal, e às vezes único, recurso didático utilizado nas

escolas.

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Tendo em vista a necessidade e urgência em eliminar as práticas racistas arraigadas na

sociedade brasileira, à educação como transformadora, não reprodutora, segundo Paulo Freire

(1997) em Pedagogia da autonomia. Saviani (2000) alerta que a escola deve ser um

instrumento de reprodução das relações na sociedade capitalista, necessariamente reproduz a

dominação e a exploração.

Este trabalho é uma tentativa de compreender por que até hoje tem sido tão difícil

alterar as representações estereotipada,do negro e dos indígenas nos livros didáticos,

conforme destaca Paulo Vinicius (2008) em O racismo em livros didáticos: estudo sobre

negros e brancos nos livros de língua Portuguesa o tema relações raciais vem frequentando a

agenda acadêmica e das políticas públicas desde os anos 1950. Contudo, a temática é pouco

estudada.

A constituição de 1988 determina que ―a pratica do racismo constitui crime [...] sujeito

a pena de reclusão, nos termo da lei‖. Mesmo assim, infelizmente, o racismo, enquanto forma

de depreciação das minorias étnicas, negros e indígenas continuam presentes e produzem

representações negativas destes grupos.

O Brasil é um país composto por várias etnias: europeus, africanos, indígenas e outros

povos que compõem a sociedade brasileira. Essas variações étnicas se refletem no espaço

onde se inicia a vida cultural de um povo, a escola.

Nos últimos anos, muitas e diversificadas ações vêm sendo implementadas para

combater o racismo que durante séculos permanecem em nosso meio. Não obstante, essas

ações não são ainda suficientes para desconstruir toda uma representação negativa que

historicamente fora construída sobre os afro-brasileiros e indígenas. (LEITE, 2010).

Em meio a tantas ações, palestras, lutas por políticas públicas, contra o racismo, cabe

nos indagar como estão sendo reproduzida a imagem dos negros e indígenas na escola,

especificamente nos livros didáticos? Para prosseguirmos com nossa investigação acreditamos

ser necessária agora uma pausa para discutirmos o conceito de ―raça‖.

Para tanto, é preciso que saibamos como surgiu essa ideia de raça, uma contribuição

importante que nos é dado por Aníbal Quijano (2005). Para o autor raça é uma categoria

mental da modernidade que surge no contexto da constituição da América e do capitalismo

colonial/moderno e eurocentrado. Estabelece um novo padrão de poder mundial, configurado

a partir de dois eixos fundamentais: por um lado, com a colonialidade do poder, isto é, o

estabelecimento de um padrão de classificação social da população mundial sobre a ideia de

raça, como uma construção mental que expressa dominação colonial e por outro, a articulação

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de todas as formas histórica de controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos, em

torno do capital e do mercado mundial.

A raça é por sua vez a categoria social primeira e inaugural da modernidade, o maior e

mais fundamental dentre os instrumentos de dominação da colonialidade, produzida para dar

sentido às novas relações de poder entre os chamados índios e ibéricos. A naturalização desta

diferenciação está associada à atribuição de capacidades de produção cultural e intelectual e

ocorre entre os colonizados nos termos das relações de escravidão, servidão, reciprocidade,

pequena produção mercantil e salário. Sobre a base da ideia de ―raça‖ se produziram,

reconfiguraram e difundiram as novas identidades sociais que se conformam como eixo de

distribuição mundial das formas de dominação, exploração e conflito sobre o trabalho.

Conforme o autor a ideia de raça em seu sentido moderno não tem história conhecida

antes da América, a formação dessas relações sociais fundadas nesta ideia produziu na

América identidades sociais historicamente novas: índios, negros, e mestiços, redefinindo

outras, espanhol e português, mais tarde, europeus. Nesse processo, a medida que as relações

sociais se configuravam em relação de dominação, tais identidade foram associadas a

hierarquias , lugares correspondente, como constitutivas dessas identidade e, em consequência

ao padrão de dominação colonial que se estabelecia. (QUIJANO, 2005, p.1-2).

Quijano (2005) ressalta que ―raça‖ é uma invenção humana, uma ideologia para

subjugar o outro.

A idea de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de dominação

impostas pela conquista. A posterior constituição da Europa como nova id-

entidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao resto do

mundo conduziram à elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e

com ela à elaboração teórica da idea de raça como naturalização dessas relações

coloniais de dominação entre europeus e não-europeus. Historicamente, isso

significou uma nova maneira de legitimar as já antigas ideas e práticas de relações

de superioridade/inferioridade entre dominantes e dominados. Desde então

demonstrou ser o mais eficaz e durável instrumento de dominação social

universal, pois dele passou a depender outro igualmente universal, no entanto mais

antigo, o intersexual ou de gênero: os povos conquistados e dominados foram

postos numa situação natural de inferioridade, e conseqüentemente também seus

traços fenotípicos, bem como suas descobertas mentais e culturais6. Desse modo,

raça converteu-se no primeiro critério fundamental para a distribuição da

população mundial nos níveis, lugares e papéis na estrutura de poder da nova

sociedade. Em outras palavras, no modo básico de classificação social universal da

população mundial. (p.2)

Em outras palavras, o termo raça é uma ferramenta ideológica de poder, o atual padrão

de poder mundial consiste na articulação entre: 1) a colonialidade do poder, isto é, a idéia de

―raça‖ como fundamento do padrão universal de classificação social básica e de dominação

social; 2) o capitalismo, como padrão universal de exploração social; 3) o Estado como forma

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central universal de controle da autoridade coletiva e o moderno Estado-nação como sua

variante hegemônica; 4) o eurocentrismo como forma hegemônica de controle da

subjetividade/intersubjetividade, em particular no modo de produzir conhecimento.

Os que detinham o poder (europeus) a expressavam como instrumento de classificação

social, os dominantes exercia esse poder, classificando os como ―brancos‖ Quijano discute a

Colonialidade do poder é um conceito que dá conta de um dos elementos fundantes do atual

padrão de poder, a classificação social básica e universal da população do planeta em torno da

idéiade ―raça‖. Essa ideia e a classificação social e baseada nela (ou ―racista‖) foram

originadas há 500 anos junto com América, Europa e o capitalismo. São amais profunda e

perdurável expressão da dominação colonial e foram impostas sobre toda a população do

planeta no curso da expansão do colonialismo europeu. Desde então, no atual padrão mundial

de poder, impregnam todas e cada uma das áreas de existência social e constituem a mais

profunda e eficaz forma de dominação social, material e intersubjetiva, e são por isso mesmo,

a base intersubjetiva mais universal de dominação política dentro do atual padrão de poder.

O ambiente escolar, assim como outros espaços da sociedade, constitui-se em um local

onde as diferenças étnicas- culturais ou de outras naturezas nem sempre são respeitadas.

Veiculam frequentemente nos meios de comunicação reportagens que apontam para

existência constante de práticas e ações que fortalecem a discriminação e o preconceito étnico

nas escolas (LEITE, 2010).

Além disso, estudiosos como Paulo Silva (2008) que analisam os livros didáticos

indicam à ausência dos negros em comparação ao protagonismo do ―branco‖. E na maioria

das vezes que o negro aparece é como personagem que toma forma grotesca e estereotipada.

Sociedade historicamente é racista e a educação reproduz esse discurso hegemônico da

sociedade, ou seja, apresenta o ―branco‖ como o padrão do homem. Como destaca Saviani

(2000) acabava conduzindo invariavelmente a conclusão que a função da escola é reproduzir a

sociedade em que insere.

Na educação brasileira, o livro é concebido como um instrumento didático importante

para o andamento do trabalho pedagógico, e sua constituição oferece informações e

conhecimentos que, intrinsecamente, expressam uma determinada concepção de sociedade.

Entende-se que o livro didático não é uma produção neutra, visto que, traz consigo

condicionantes das políticas educacionais vigentes, do mercado editorial, das concepções

teórico-metodológicas do autor, enfim, de uma série de fatores que influenciam esta produção.

Portanto, ―no ponto de articulação entre o mundo do texto e o do sujeito coloca-se uma teoria

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da leitura capaz de compreender a maneira em que os discursos afetam o leitor e o conduzem

a uma nova norma de compreensão de si e do mundo.‖ (CHARTIER, 1990, p. 24).

O livro didático não expõe o negro e o indígena como realmente deveria ser visto e às

vezes ele é apresentado como uma figura folclórica, como formas grotesca e genérica.

Sabemos que o livro didático é o principal instrumento ideológico da escola. A

criança não vê nele seu cotidiano representado, mas muitas vezes percebe a ausência

de pessoas negras representadas ou ocupando posições subalternas. Isso resulta em

uma sensação de estranheza, podendo levar a criança negra a auto-depreciação, e a

construção de uma auto-imagem negativa (SOUZA, MOTTA, 2002, p. 44).

Segundo SOUZA et al (2012) Para além dos textos escritos, que tradicionalmente

veiculam ideologias, sobressair-seque toda a composição do livro didático, é transmissora de

ideologias e, nesse aspecto, as imagens que servem de ilustração são escolhidas com objetivos

e selecionadas para reforçar as ideias expressas no texto escrito. Elas são também portadoras

de valores e concepções que, compõem a ideologia da classe dominante, que se encontra no

topo da pirâmide social, detentora das riquezas e, consequentemente, do poder social e

político.

Sobre isso, Faria (2002, p. 77) apud SOUZA et al diz que:

O livro didático não é desligado da realidade, ele tem uma função a cumprir:

reproduzir a ideologia dominante. (...) a ideologia dominante expressa através de

valores universais os interesses da burguesia e justifica a conservação das relações

existentes (...) através desse mecanismo, o livro didático serve à manutenção dos

interesses da classe dominante (...) e contribui para justificar e manter a realidade,

reproduzindo-a.

No estudo conclui-se que, ainda hoje, existem concepções racistas, e preconceituosas

nas imagens utilizadas no livro didático, que precisam ser desconstruídas para uma educação

realmente democrática.

Conforme Mencionada por SOUZA et al (2012) é preciso uma nova postura a ser

adotada pela sociedade e pela comunidade de educadores, principalmente das escolas

públicas, e uma nova maneira de olhar o conteúdo imagético dos livros didáticos, pois temos

que levar em consideração que estes ganharam uma importância crescente na educação em

nosso país, principalmente nas escolas públicas, onde a realidade que se constata é que os

educandos não possuem muitas alternativas metodológicas e na, grande maioria delas, não

lhes é oferecido instrumentos pedagógicos diversificados.

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Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014.

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Nós enquanto alunos do curso de Pedagogia, futuros pedagogos devemos estar atento

a nossa prática e não reproduzi os que nossos professores fizeram conosco durante nossa

trajetória escolar, e nem reproduzi o senso comum da sociedade racista.

Necessita-se de uma luta pela transformação, ou construção, do livro didático num

instrumento facilitador do trabalho pedagógico, no sentido de dar ―voz‖ às muitas concepções

que foram silenciadas nos discursos e nas imagens destes livros, concepções sobre vida, sobre

sociedade, sobre cultura, sobre formas alternativas de se posicionar frente ao mundo, sobre

valores e ideais diversos, enfim, de se apropriar criticamente das informações contidas nos

livros didáticos tornando as parte de um discurso resignificado, embasado por uma linguagem

crítica e que possa conduzir a ações que possam promover mudanças significativas na vida

dos alunos, contribuindo para que estes tenham a esperança e a possibilidade de se

conceberem como cidadãos emancipados, livres e igualmente representados em seus valores e

ideais mais significativos.

Mas primeiramente é necessário nos repensar, desfazer de uma vez por todas da

imagem negativa do negro e do indígena, pois, infelizmente a imagem que chega até nós, nas

escolas, sobre a temática indígena chega pelas portas dos fundos, pelos filmes americanos e

faroeste, que trazem as representações do Indígena do Bag-Bag à ideia muito presa a mata,

floresta, nudez, esta é a figura que temos nos livros didáticos.

Conforme Quijano (2005) é preciso desconstruir a colonização imposta pelos europeus

e suas ciências eurocêntricas que afetou nossa subjetividade, pois só assim tornaremos

segundo Adorno (1995) homens emancipados por meio da educação, A educação seria a

responsável por favorecer o desenvolvimento dessas pessoas emancipadas e por isso, deve

rever sua atuação no sentido unicamente da auto-reflexão crítica para cumprir essa função.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADORNO, T. W. Educação e emancipação. Tradução Wolfgang Leo Maar. 3. ed. Rio de

Janeiro:Paz e Terra, 1995.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livros didáticos entre textos e imagens. IN:

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. (org). O saber histórico na sala de aula. São Paulo:

Contexto, 2006.

FREIRE, Paulo.Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15ª ed.

São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014.

Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

LARAIA, Roque de B. cultura: um conceito antropológico. 17 ed. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 2004.

LEITE, Maria Jorge dos Santos. Imagens e representações dos negros nos livros didáticos

e no cinema brasileiro. Disponível em: www.amerindia.ufc.br acesso em 19/08/2013.

QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In:A

colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas.

Edgardo Lander (org). Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires,

Argentina. setembro 2005.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 35. ed. Campinas: Autores Associados, 2000.

SILVA, Paulo V. B. Racismo em livros didáticos: estudo sobre negros e brancos em livros.

Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.

SOUZA, Suely et al. Concepções ideológicas no livro didático: uma análise de

imagens.2012. Disponível em: www.educonufs.com.br acesso em : 20/09/2013.

http://www.amerindia.ufc.br/Anteriores/Vol08/vol08_03.pdf

Como referenciar esse texto:

NUNES, José Luís Santana. As representações do negro e indígena nos livros didáticos. In: SEMINÁRIO DO

GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL, 5: Pesquisa em

Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014. Miracema do

Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618. P. 100-106.

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

EVASÃO ESCOLAR ABSOLUTA NO CURSO DE

PEDAGOGIA/MIRACEMA NA PERCEPÇÃO INSTITUCIONAL E DA

COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA

FEITOSA, Karine Alves. Discente do 9º período do Curso de Pedagogia UFT/Campus de

Miracema; Email: [email protected]

RESUMO: Esse texto é um dos capítulos da monografia em andamento intitulada: Evasão

escolar absoluta no curso de Pedagogia/Miracema na percepção institucional e da comunidade

universitária. Tem o objetivo de compreender a evasão absoluta no âmbito do Curso de

Pedagogia do Campus de Miracema na percepção institucional e da comunidade universitária,

fazendo o levantamento do número de estudantes que evadiram do Curso de

Pedagogia/Miracema da UFT: desistiram, transferiram, reprovaram entre outros; e evidenciar

as causas dos referidos estudantes terem evadidos ou não terem concluído o curso em estudo,

tomando como referência a percepção institucional: gestores da administração superior e dos

cursos e da comunidade universitária: professores, estudantes e técnico-administrativos. É

uma pesquisa ( PIBIC) elaborada no âmbito das atividades de ensino do Curso de Pedagogia e

que terá por resultado final a pesquisa PIBIC e a escrita de uma monografia. Para

compreendermos a evasão no âmbito das IES fundamentamos nos autores e obras de:

AMARAL (2009), PALHARINI (2011) entre outros que apresentam contribuições

importantes para a pesquisa. A finalidade é apresentar a dimensão do problema, e a

importância do papel das instituições em criar mecanismos, para a redução desse fenômeno,

que gera consequências para a própria instituição e para o aluno evadido, ou seja, a evasão é

um problema social.

Palavras-Chave: Evasão; Pedagogia; Acadêmico.

INTRODUÇÃO

No Brasil, o debate mais intenso acerca da evasão no âmbito das Universidades

Superiores Públicas Federais, intensificaram-se a partir da constituição da Comissão Especial

de Estudos sobre a Evasão, compostas por membros das Instituições Federais e do MEC,

através das portarias da Secretaria de Educação Superior de 13 e 17 de março de 1995,

publicadas no Diário Oficial da União em 18 e 21 de março (SESU/MEC, 1997). Fernanda

Pereira (2013, p.47) afirma que ―na ocasião a Secretaria de Educação Superior (SESU)

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

divulgou indicadores globais que apontavam para uma evasão media nacional de 50% na

IFES‖.

Nesse sentido, educadores questionam o papel da Instituição de Ensino na

resolução desse processo que, desencadeia consequências negativas para toda a sociedade,

com isso a evasão contribui para o próprio fracasso das relações sociais que se expressam na

realidade desumana que vivenciamos em nosso cotidiano.

As leituras feitas sobre a temática nos apresentam diversos fatores que

contribuem para a evasão. Nesse sentido, Francisco de Assis Palharini e Dessiré Barros

Palharinni (2011) afirma que, a evasão é uma soma de diversos fatores, são eles: individual,

institucional e externo à Instituição. Os fatores individuais estão ligados à falta de vocação,

desconhecimento do curso, dificuldades de obter bom desempenho e problemas de ordem

familiar e outros. Fatores Institucionais estão ligados à decepção com a qualidade do curso,

horário do curso, disciplinas muito teóricas, e outros. Dentre os fatores externos estão ligados

a pouca perspectiva no mercado de trabalho, dificuldades de acesso e despesas com a vida

universitária.

O fenômeno da evasão nas IES se agravou com maior visibilidade a partir da

crescente expansão da Universidade, com o atendimento a um público diversificado, as

Universidades estão convivendo, cada vez mais, com esse fenômeno chamado evasão, que

causa prejuízos sociais, para a própria instituição e ao próprio aluno evadido. O instituto Lobo

(2007 apud AMARAL, 2009, p. 14) destaca que, o aluno que evade traz perdas acadêmicas

sociais e econômicas; essa envolve todo o desperdício no investimento humano e material,

tanto na universidade pública como na privada, acarretando perda de dinheiro público.

Para Silva Filho e colaboradores (2007, apud, Mosorine, et al, s/d, p.8)

As perdas de estudantes que iniciam, mas não terminam seus cursos são

desperdícios sociais, acadêmicos e econômicos. No setor público, são recursos

públicos investidos sem o devido retorno. No setor privado, é uma importante perdas

de receitas. Em ambos os casos, a evasão é uma fonte de ociosidade de professores,

funcionários, equipamentos, e espaço físico.

De acordo com o INEP (2009, apud, VIVAS, 2011, p.1) no Brasil a evasão se

apresenta com assiduidade em todos os Estados, nos estabelecimentos de ensino superiores

privadas e públicas, com índices que variam de 53% para as instituições privadas, e 33% para

as públicas, distribuídas entre as IES Federais, Estaduais e Municipais.

Nesse sentido, compreender o fenômeno da evasão no Brasil, confere considerar,

as desigualdades existentes entre as regiões, ou seja, há uma diferença estrutural de

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desenvolvimento escolar nas regiões que se encontram próximas dos grandes centros

econômicos para as distantes.

A exemplo disso, Silva Júnior e Spears, ressaltam que:

(...) as Regiões Norte e Nordeste apresentam os piores índices em termos de

defasagem educacional de alunos pobres, com idade entre 15 e 24 anos em termos

percentuais, o total de alunos que cursam o ensino médio na Região Norte atinge a

45%, enquanto que na Região Nordeste 41%. Estes índices quando comparados a

Região Sudeste, com aproximadamente 60,5%, para a mesma faixa etária, indicam

as desigualdades entre os estados da federação brasileira que se encontram distantes

ou próximos dos centros econômicos-políticos-sociais hegemônicos (SILVA

JÚNIOR e SPEARS, 2012, p.10)

Dessa maneira, o interesse desse estudo, surgiu da necessidade de compreender o

levantamento detalhado do número de alunos que evadiram entre 2007 a 2013 e evidenciar as

causas dos referidos estudantes terem evadido do Curso de Pedagogia/Licenciatura da

Universidade Federal do Tocantins, Campus Universitário de Miracema – TO. Uma vez que,

a evasão no âmbito da instituição, e em especial no curso de Pedagogia, se apresenta com

frequência.

A pesquisa objetiva, compreender a evasão absoluta no âmbito do Curso de

Pedagogia do Campus de Miracema na percepção institucional e da comunidade universitária.

Este trabalho é uma pesquisa ( PIBIC) elaborada no âmbito das atividades de

ensino do Curso de Pedagogia e que terá por resultado final a pesquisa PIBIC e a escrita de

uma monografia.

Partindo do pressuposto, que para se atingir metas por meio de ações que objetivem

minimizar a evasão, é preciso compreender esse fenômeno. Esta pesquisa servirá de base para

entendermos e refletirmos sobre a temática, da evasão, a partir do levantamento detalhado do

número de estudantes, e suas possíveis causas, bem como, identificar o problema que mais

interfere na permanência do aluno.

METODOLOGIA

Estão sendo usados nesta pesquisa três procedimentos técnicos: pesquisa

bibliográfica, documental e o estudo de Campo. De acordo com Auro de Jesus Rodrigues

(2006), a pesquisa bibliográfica é realizada a partir de fontes secundárias, ou seja, por meio de

material já publicado, como livros, revistas e artigos científicos.

A pesquisa documental segundo Auro de Jesus Rodriguez (2006), é feita por meio

de fontes primárias utilizando documentos que ainda não receberam tratamento analítico.

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Estudo de Campo, de acordo com Auro de Jesus Rodrigues (2006), é realizado a

partir de dados obtidos no local (campo), onde o fenômeno surgiu e ocorre em situações

naturais espontaneamente.

Quanto à abordagem dessa pesquisa é predominantemente qualitativa, e

quantitativa. Segundo Auro de Jesus Rodrigues (2006), quando não emprega procedimentos

estatísticos ou não tem como objetivo principal abordar o problema, a partir desses

procedimentos essa abordagem é qualitativa.

De acordo com o autor a abordagem quantitativa está relacionada à quantificação,

análise e interpretação de dados obtidos mediante pesquisa, ou seja, o enfoque da pesquisa

está voltado para a análise e a interpretação dos resultados, utilizando da estatística.

A coleta de dados será feita por meio de questionário, aos acadêmicos evadidos,

no período de 2007 a 2013 e entrevista, aos técnicos administrativos e docentes.O instrumento

proposto, na forma de questionário contem questões abertas e fechadas, aos alunos evadidos.

Os questionários estão sendo entregue pessoalmente e via email, telefone ou rede social para

então viabilizar na colaboração e entrega do referido instrumento.

O Quantitativo de acadêmicos evadidos de 2007 até o presente momento somam-

se 99, o instrumento será aplicado ao maior número possível de alunos. Após a coleta de

dados, o pesquisador deverá analisar e interpretar os problemas encontrados, isto tudo

consiste em descrever o resultado, demonstrando as relações entre os dados existentes do

fenômeno estudado, e ir em busca da solução do problema, por meio da interpretação que visa

a explicação, que busca ainda, apresentar os resultados por meio de comparações e avaliações

para solução de tal problema.

RESULTADOS

A presente discussão é resultado parcial de uma pesquisa, que se encontra em

andamento, desse modo, ainda não temos ―resultados teóricos e práticos finais‖. No entanto,

estamos trabalhando com o levantamento bibliográfico na definição e leitura de um

referencial teórico que nos permita entender a nossa problemática de estudo, e na coleta de

dados, para levantamento detalhado dos objetivos propostos. Para compreendermos a evasão

no âmbito das IES. Autores e obras como: AMARAL (2009), PALHARINI (2011)

apresentam contribuições importantes para a pesquisa.

A pesquisa revela que, a evasão educacional contribui para o próprio fracasso das

relações sociais que se expressam na realidade desumana que vivenciamos em nosso

cotidiano.

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DISCUSSÃO

A pesquisa tem como referenciais teóricos principais, o documento (SESU/MEC,

1997). além de autores como: VELOSO e ALMEIDA (s/d) e AMARAL (2009). Todos

discutem acerca da evasão e apresentam números e causas detalhadas da evasão. Tem por

finalidade apresentar a dimensão do problema, e a importância do papel das instituições em

criar mecanismos, para a redução desse fenômeno, que gera consequências para a própria

instituição e para o aluno evadido, ou seja, a evasão é um problema social.

REFERÊCIAS

AMARAL, Liliane Maria Belo do. Causas da evasão discente no curso de filosofia de uma

instituição pública de ensino superior. Brasília: 2009. 50p.

BRASIL, Ministério da educação. Diplomação, retenção e evasão nos cursos de graduação

em instituições de ensino superior pública. Brasília: 1997.

PALHARINI, Francisco de Assis; PALHARINI, Desirée, Barros. Evasão no curso de

ciências econômicas: um estudo comparativo com a área de conhecimento e o geral da UFF.

Niterói (RJ): 2011.

JÚNIOR, João dos Reis Silva; SPEARS, Eric. Globalização e a mudança do papel da

universidade federal brasileira: uma perspectiva da economia política. n. 47, revista

HISTEDBR on-line, Campinas: 2012, 23 p.

RODRIGUES, Auro de Jesus. Metodologia científica. 1. ed. Avercamp, São Paulo: 2006.

MOSORINI. et al. A evasão na Educação Superior: uma analise da produção de

conhecimento nos periódicos Qualis entre 2000-2011. Porto Alegre: s/d.

VIVAS, Maria Izabel de Quadros. Evasão na Educação superior: uma aproximação com o

fenômeno na universidade pública. Florianópolis: 2011

Como referenciar esse texto:

FEITOSA, Karine Alves. Evasão escolar absoluta no Curso de Pedagogia/Miracema na percepção institucional e

da comunidade universitária. In SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E

MUNDO RURAL - EDURURAL, 5: Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica

da Pedagogia e da Geografia, 2014. Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p.

08- 347. ISBN: 9788563526618. P. 107-111.

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Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014.

Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

EDUCAÇÃO E SERVIÇO SOCIAL: RELAÇÕES POSSÍVEIS

SILVA, Keila Tavares. Acadêmica do 5º período curso de Serviço Social – UFT/Câmpus de

Miracema:EDURURAL; Email: [email protected]

SANTOS, John David Ribeiro. Pedagogo pela UFT/Câmpus de Miracema/EDURURAL; Email:

[email protected]

RESUMO: Este trabalho foi elaborado no âmbito da disciplina de Análise da realidade

social, realizado no 4º período de Serviço Social UFT (Campus Universitário de Miracema).

Tem como proposta analisar a Educação e Serviço Social no Contexto Social, compreendendo

qual o papel do assistente social e enfatizando educação como ato político. As ideias estão

fundamentadas nos estudos de: FREIRE (2013), SAVIANI (2012) que abordam questões

educacionais e IAMAMOTTO (2009), TORRES (2002) que abordam questões sociais. Essa

abordagem nos permite entender o papel do assistente social dentro do contexto educacional

brasileiro não se conformando com o status quo, e pensando para além do que está posto

como pronto e acabado, nos desvinculando de um certo conformismo que apenas nos

impossibilita enxergar com os olhos de quem domina; a educação pode ser ―perigosa‖ e

confrontadora, nos proporcionando ver a realidade por uma outra lente.

Palavras-Chave: Educação, Serviço Social, Igualdade, Libertação.

INTRODUÇÃO

No que diz respeito educação percebemos que ela é maior do que a escola. Ela é o

processo de formação humana física e intelectual, sendo ensinada de geração em geração.

Limitá-la, a uma simples educação escolar, é perder o alicerce da formação humana, isto é,

transferir todo o conhecimento do ser, para uma única instituição: a escola.

No contexto hodierno ela se apresenta como um ato político, justamente porque ela

contribui na conformação de um projeto social que tanto pode servir a manutenção dos

privilégios de grupos que se encontram no poder econômico e político, como pode contribuir

para subverter a lógica de dominação e exploração humana, por meio de uma ação

transformadora de nossas práticas sociais. É através do saber que é produzido histórico e

coletivamente pelos homens que se rompe com a ideologia dominadora, isto é, dominando o

saber que os dominadores dominam.

O Serviço Social na área educacional tem como objetivo principal atuar nas

desigualdades entre os trabalhadores, ou melhor, entre a classe trabalhadora que não gozam

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dos mesmos direitos que os dominantes. Os Assistentes Sociais implantam nas escolas

projetos educacionais para a formação do sujeito enquanto ser social, no qual se tornam

indivíduos capazes de construir sua própria historia. Vale destacar que, a profissão busca a

igualdade e os direitos sociais para os dominados.

O conceito de educação não se resume apenas em uma educação escolar, isto é, em

práticas educativas para preparar os indivíduos para a vida social. Para além disso, ela é

entendida como processo de construção e formação do homem enquanto sujeito que está

inserido na sociedade, necessariamente, abrangendo sua formação completa, compreendendo

tanto o desenvolvimento físico como o intelectual. Conforme Neidson Rodrigues (2001,

p.242) afirma:

[...] Nesse sentido, se diz da Educação que ela é uma totalidade, pois sua ação

formativa abarca tanto a dimensão física quanto a intelectual, tanto o crescimento da

competência de cada educando para se auto-governar quanto a formação moral que

o leve a um adequado relacionamento com os outros homens.

Nesse processo de formação que é ininterrupto, à medida que o homem se constitui

como homem, através do processo educativo, ele tem a necessidade de dar continuidade no

processo ensinado, como uma forma de garantir o seu desenvolvimento físico e intelectual.

Torres (2002, p.42-43) pensando sobre esse processo educativo afirma que:

Na verdade, o processo educativo diz respeito ao aspecto de humanização. Rerefe-se

tanto ao processo que nos faz seres humanos, quanto ao fato de que os bens culturais

também humanizam. Por isso mesmo, a educação não pode estar circunscrita apenas

no âmbito da escola, portanto, da educação formal.

Assim, o homem diferente dos animais que se adaptam a natureza tem a necessidade

de adaptar a natureza a si, produzindo sua própria existência. A partir da relação homem-

natureza e educação ele se humaniza. Como Saviani (2012, p.11) enfatiza:

Para tanto, em lugar de se adaptar à natureza, ele tem que adaptar a natureza a si,

isto é, transformá-la. E isto é feito pelo trabalho. E o trabalho instaura-se a partir do

momento em que eu agente antecipa mentalmente a finalidade da ação.

Consequentemente, o trabalho não é qualquer tipo de atividade, mas uma ação

adequada a finalidades.

Para ele agir sobre a natureza e transformá-la é necessário produzir sua própria

existência, essa se dá através do trabalho, ao mesmo tempo em que ele domina a natureza e se

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constitui homem. A educação é uma prática humana que se articula com o trabalho e que é

importante neste contexto.

Saviani (2012) entende Educação como: [...] ―o ato de produzir, direta e

intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e

coletivamente pelo conjunto dos homens‖. Na ideia do autor esse é um processo construído

historicamente em que o homem vai, construindo o mundo histórico, vai construindo o mundo

da cultura, o mundo humano, e a educação ocorrem nesse processo.

No cenário hodierno a educação se apresenta como prática social e cultural que atua

como elemento determinado pela sociedade, pois ela age na conformação de um projeto social

que tanto pode servir a manutenção dos privilégios de grupos que se encontram no poder

econômico e político, como pode contribuir para subverter a lógica de dominação e

exploração humana, por meio de uma ação transformadora de nossas práticas sociais. É isso o

que se quer dizer quando se afirma que a educação é um ato político. Saviani argumenta que:

Dizer, então, que a educação é um ato político significa, no quadro social, dizer que

a educação não está divorciada das características da sociedade: ao contrário, ela é

determinada pelas características básicas da sociedade na qual está inserida. E,

quando a sociedade é dividida em classes cujos interesses são antagônicos, a

educação serve a interesses de uma ou de outra das classes fundamentais. (2012, p.

2)

Precisa-se entender também que se a educação é mediação, isso significa que ela não

se justifica por si mesma, mas tem sua razão de ser nos efeitos que se prolongam para além

dela e que persistem mesmo após a cessação pedagógica (Saviani, 2012, p.76), por isso pode

contribuir para promover a libertação quando nos prepara para assumir a nossa autonomia

como cidadão e trabalhador. Como pode servir também aos interesses de quem busca

privilégios servindo para: alienar, humilhar e dominar com discursos retóricos.

Para um possível norte a questão levantada, no que tange a uma educação

libertadora, Paulo Freire explica em seu livro Pedagogia do oprimido que ―a libertação é um

parto. E um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é

viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos.

Em outras palavras: ―[...] os dominadores mantém o monopólio da palavra, no qual

mistificam, massificam e dominam. E essa é a situação dos dominados, para dizer sua palavra

devem lutar para tomá-la‖ (2012, p.199).

A ―palavra‖ referida por Freire é o diálogo, um encontro dos homens, mediatizados

pelo mundo, ou seja, o diálogo que denuncia o mundo desumano e perverso tal como ele é.

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

Para isso, o chamado saber popular é, na melhor das hipóteses, apenas um "ponto de partida"

para a educação, que pode ser usado para estabelecer uma ponte com as classes populares.

O ponto de chegada é o saber sistemático (científico) que deve ser conhecido por

todos nós, só que para isso, deve ser ensinado nas escolas públicas, isto é, que no mínimo

deve oferecer boas condições de trabalho e formação para que professores compreendam,

entendam e ensinem esse saber.

Diante do exposto está a questão: qual o papel do assistente social nessa sociedade

antagônica? De início se deve levar em consideração em qual viés esse profissional vai se

direcionar, entendendo que o capitalismo não é absoluto, mas é determinante para uma analise

da sociedade. Será um se for a serviço dos interesses da classe dominante, isto é, dos

proprietários dos meios de produção ou será outro se ele se posicionar a favor dos interesses dos

trabalhadores, os que não possuem meios de produção e por isso vendem sua força de trabalho. E

não há possibilidade de uma terceira posição. Não se pode ser neutro.

O PAPEL SOCIAL E POLÍTICO DO ASSISTENTE SOCIAL

O serviço social na área educacional surgiu nos Estados Unidos no ano de 1906, para a

supervisão das escolas do bairro com a finalidade de verificar o porquê dos responsáveis não

enviarem seus filhos á escola. O mesmo ocorreu na Europa e em diversos outros países, os

trabalhos da assistência para com os necessitados tinham como objetivo principal solucionar

problemas individual, familiar a até mesmo social expostos no âmbito escolar. Em 1930 surge

no Brasil o Serviço Social, fazendo-se presente na educação desde a origem constitutivas da

profissão. A mesma surge não somente no âmbito educacional, mais também como forma de

filantropia com intervenção na vida da classe trabalhadora (LIMA, 2013; IAMAMOTO,

2002).

Como profissão inscrita na divisão do trabalho, o Serviço Social surge como parte

de um movimento social mais amplo, de bases confessionais, articulado á

necessidade de formação doutrinaria e social laicato, para uma presença mais ativa

da Igreja Católica no mundo temporal, nos inícios da década de 30 (IAMAMOTO,

2002, p. 18).

Assim, a partir das intervenções nos espaços sócio-educacionais, com o objetivo de

preparar os indivíduos, cidadãos produtivos racionalmente e úteis ao capital. Os assistentes

sociais apresentam-se a necessidade de engajarem-se nas instituições escolares, nas

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implementações de projetos sociais e educacionais para que se possa construir uma linha

teórica e profissional no campo das políticas sociais. Os indivíduos como sujeitos construtores

de sua própria historia, tem direitos garantidos em leis, no qual nem todos gozam desse

privilegio. No artigo 205 da Constituição Federal de 1988, defende-se que:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será provida e

incentivada com a colaboração da sociedade, visando pleno desenvolvimento da

pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 05 jan. 2004).

Entende-se que a educação como exemplo de sujeito livre tem como objetivo principal

nos tornar indivíduos capacitados para uma vida qualificada perante as relações sociais. Como

foi dito anteriormente, atualmente, a educação no Brasil está nos levando ao caos, pois não se

faz uma educação libertadora. Isto é, vive-se um paradoxo em que os filhos de dominantes

estudam em escolas privadas, com o ensino da melhor qualidade. E por outro lado, existe a

classe dominada/trabalhadora, no qual não desfrutam do mesmo prazer, por falta de condições

e até mesmo de competência técnica.

A partir daí, surge uma questão: Como assim a educação é um direito de todos? Como

assim todos nós somos iguais perante a lei? Essa teoria não se aplica na pratica. Portanto, a

educação não é um direito de todos, pois só uma minoria tem direito a educação de qualidade.

Enquanto a outra maioria tem que ralar o bastante para ter o básico nos estudos, sem

mencionar os que não conseguem nem concluir o ensino médio. Se não temos o mesmo

direito, automaticamente não teremos a igualdade. É uma utopia que iremos perseguir até o

fim. Então, é aí que os assistentes sociais começam seu trabalho.

Atuando em organizações publicas e privadas dos quadros dominantes da sociedade,

cujo campo é a prestação de serviços sociais, o Assistente Social exerce uma ação

eminentemente educativa, organizativa, nas classes trabalhadoras. Seu objetivo é

transformar a maneira de ver, de agir, de ser comportar e de sentir dos indivíduos em

sua inserção na sociedade (IAMAMOTO, 2002, p. 40).

Com base na fala de Iamamoto (2002), o Serviço Social veio para intervir nas práticas

sociais e desiguais para com as classes trabalhadoras. Por meio das assistências técnicas e

cooperativas, faz com que os trabalhadores se sintam protegidos e reconhecidos. O trabalho

desenvolvido pelo assistente tem como foco principal a defesa para com os que não podem se

defender, no qual vendem sua força de trabalho para sobreviver e mesmo assim vivem em

situações precárias. O Brasil é um país onde o rico cada vez fica mais rico, e o pobre cada vez

fica mais pobre devido à exploração da força de trabalho que a cada vez se torna mais intensa.

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METODOLOGIA

Este artigo tem como objetivo preliminar explicitar a estreita relação entre Educação e

o Serviço social, estudos que resultarão em um possível primeiro capítulo de monografia.

Fez-se uma pesquisa bibliográfica referente aos principais autores que pensam as

questões educacionais e sociais. Para tanto realizaremos uma pesquisa bibliográfica, pensando

a posteriori em uma pesquisa de campo. ‗‘A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a

partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos,

como livros, artigos, teses etc‘‘(SEVERINO, 2007, p.122, grifo do autor). Neste caso na

produção literária discute Educação e Serviço social.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como trata-se de uma pesquisa bibliográfica elaborada no contexto das disciplinas e

demais atividades de formação do Curso de Serviço Social, ainda não temos ―resultados

teóricos e práticos finais‖. No entanto, temos trabalhado com afinco no levantamento

bibliográfico e na definição e leitura de um referencial teórico que nos permita entender as

relações estreitas entre Educação e Serviço Social. Para pensar essa questão utilizamos as

obras de: FREIRE(2013), SAVIANI (2012) que abordam questões educacionais e IAMAMOTTO

(2009), TORRES (2002) que abordam questões do âmbito do Curso de Serviço Social.

O artigo tem a finalidade de destacar alguns elementos e conceitos de Educação e

Serviço Social, estreitando as relações entre ambas. Utiliza-se os autores FREIRE(2013),

SAVIANI (2012) que abordam questões educacionais e IAMAMOTTO (2009), TORRES (2002) que

abordam questões sociais e que se completam nesse diálogo. A finalidade é compreender a

Educação e Serviço Social no Contexto Social, compreendendo qual o papel do assistente

social, enfatizando a educação e o próprio papel do assistente social como ato político.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF,

Senado, 1998.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 54 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.

LIMA, Adrianna Graciely Carvalho. Serviço social e educação: uma inserção possível e

necessária, análise da realidade, de Palmas – To, 2013/1. Miracema: TO, 2013. ( Monografia

de conclusão de curso. Universidade Federal do Tocantins.

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

RODRIGUES, Neidson. Educação: da formação humana à construção do sujeito ético.

Educação & Sociedade, ano XXII, nº 76, Outubro/2001, p. 232. Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/es/v22n76/a13v2276.pdf> acesso em: 15/03/2014.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histótico-crítica: primeiras aproximações. 11 ed.

Campinas: Autores Associados, 2012.

TORRES, Iraildes Caldas. As primeiras-damas e a assistência social: relações de gênero e

poder. São Paulo: Cortez,2002.

IAMAMOTO, Marilda Villela. Renovação e conservadorismo no serviço social. 8 ed. São

Paulo: Cortez, 2007.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. rev. e atual. São

Paulo: Cortez, 2007.

Como referenciar esse texto:

SILVA, Keila Tavares e SANTOS, John David Ribeiro. Educação e Serviço Social. In: SEMINÁRIO DO

GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL, 5: Pesquisa em

Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014. Miracema do

Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618. P. 112-118.

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O SENTIDO SOCIAL DA PRÉ-ESCOLA – UM ESTUDO A PARTIR DA

CONCEPÇÃO DE PROFESSORES

Luciane Pereira da Costa Ribeiro. Discente do Curso de Pedagogia UFT/Câmpus de

Miracema. Email: [email protected]

Ana Corina Spada. Professora Assistente UFT/Câmpus de Miracema. Email:

[email protected]

RESUMO

O trabalho apresentado buscou conhecer o sentido social atribuído à pré-escola por docentes

que exercem o magistério em instituições públicas. O interesse pelo tema estrutura-se por

meio de leituras que marcam a trajetória histórica das instituições de Educação Infantil,

permeadas pelo trabalho assistencial. Identificamos, ainda, que a regulamentação legal de

creches e pré-escolas não conseguiu superar antigos problemas como atendimento integral da

demanda e superação de visões ideológicas do atendimento institucional. Assim, buscamos

responder ao seguinte questionamento: qual a concepção de professores a respeito do trabalho

educacional desenvolvido pela pré-escola? Estruturamos então como objetivos norteadores da

pesquisa: conhecer a história da constituição do atendimento pré-escolar no Brasil; identificar

o que dizem os dispositivos legais que regulamentam a Educação Infantil acerca do trabalho

pedagógico da pré-escola; conhecer a concepção de professores que têm vínculo com as pré-

escolas públicas do Município de Miracema, TO, a respeito de suas funções. Para atender aos

objetivos propostos realizamos a aplicação de um questionário para os docentes das duas pré-

escolas públicas do município de Miracema do Tocantins, TO. Identificamos que os docentes

não têm o hábito de realizar leituras e estudo e, como consequência, apresentam concepções

muito limitadas sobre Educação Infantil, trabalho pedagógico da pré-escola e elementos

necessários para a docência na pré-escola.

Palavras-chave: Concepções de professores. Trabalho pedagógico. Educação Infantil.

Introdução

A pesquisa apresentada teve o intuito de conhecer a concepção de professores sobre o

sentido social da pré-escola. Para isso, recorremos a publicações que discutem as origens do

atendimento institucional de crianças no Brasil.

Percebemos que as creches e pré-escolas somente foram incorporadas ao sistema

regular de ensino no ano de 1988, com a promulgação da Constituição Federal. Mas, o

reconhecimento legal não foi o suficiente para resolver uma série de problemas que afetam a

área como atendimento de toda a demanda e superação de orientações assistencialistas de

trabalho com crianças.

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Assim, a pré-escola é afetada com a concepção de que seu trabalho restringe-se em

preparar as crianças para as etapas posteriores, concentrando o trabalho na antecipação da

alfabetização.

Diante disso, optamos por aplicar um questionário entre profissionais docentes das

duas creches públicas do município de Miracema do Tocantins, TO.

1. As origens das instituições pré-escolares

A educação das gerações mais jovens esteve, inicialmente, atrelada ao ambiente

doméstico, familiar, a ser realizado essencialmente, pelas mulheres-mães. Contudo, mudanças

estruturais observadas na sociedade e no modo como as pessoas passaram a se relacionar com

o trabalho alteraram significativamente essas práticas.

Para entendermos o processo de estruturação das instituições de Educação Infantil, no

Brasil, precisamos recorrer a práticas e vivências que marcaram a constituição histórica de

nossa sociedade. Assim sendo, o fato do país ter sido constituído economicamente

fundamentado no modo de produção escravista definiu não somente as práticas comerciais,

como também, as sociais observadas.

O sistema escravocrata fazia com que a sociedade brasileira se estruturasse com base

na misoginia, ou seja, o direito era centrado na figura do homem e, sobretudo, fundava uma

sociedade desigual, onde o poder era exercido pelos grandes latifundiários e senhores de

escravos. Essa situação favorecia, além da exclusão social e de uma pobreza severa, os abusos

por parte dos homens, que tomavam como prostitutas mulheres pobres e escravas.

Segundo Marcilio (1997, p. 53) o sistema de roda de expostos foi inventado na Europa

medieval. Seria ele um meio encontrado de garantir o anonimato do expositor e, assim,

estimulá-lo a levar o bebê que não desejava para a roda, em lugar de abandoná-lo pelos

caminhos, bosques, lixo, portas de igreja ou de casas de família, como era de costume, na falta

de outra opção.

O quadro exposto fez com que o alto índice de crianças não desejadas fossem,

sistematicamente, abandonadas como também, as crianças sem lar, começou a tornar-se um

problema social.

Segundo Marcilio (1997), quase por século e meio, a roda de expostos foi,

praticamente, a única instituição de assistência à criança abandonada em todo o Brasil.

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Diante na omissão do Estado, a igreja assumiu a responsabilidade pelo atendimento

das crianças denominadas ―expostas‖ ou ―enjeitadas‖. Mas, destacamos que o atendimento

institucional era tratado na perspectiva de caridade, com enfoque de salvação das almas, mas,

visava diminuir o grave problema social do abandono e da mortalidade de crianças.

Essas foram as conjunturas sociais que marcaram o processo de atendimento

institucional de crianças: o abrigamento e a minimização de graves problemas sociais.

Por mais de um século a roda de expostos foi à única instituição de assistência à

criança abandonada no Brasil. Apesar dos movimentos contrários, foi somente no século XX,

que o Brasil a extinguiu, sendo o ultimo país a acabar com essa instituição.

Destacamos as mudanças conjunturais na sociedade brasileira como o elemento central

na reestruturação de propostas de atendimento à infância. Inicialmente, cabe destacar que o

Estado eximiu-se, historicamente, de qualquer responsabilidade frente ao atendimento

educacional de crianças. Contudo, no início do século XX, o Brasil experimentava um

período marcado pelo desenvolvimento do modo capitalista de produção, o que alterou não

somente o sistema econômico e as formas de trabalho, como, também, as relações sociais

estabelecidas pela população.

A instalação das indústrias nas cidades e a ampliação do processo de urbanização

imprimiram novos ritmos à vida social, de modo que a mulher viu-se diante da necessidade de

inserir-se no universo do trabalho remunerado. A partir de então o Estado passou a dedicar-se

ao atendimento de crianças.

Segundo Kuhlmann Júnior (2010), as instituições pré-escolares foram difundidas,

internacionalmente, a partir da segunda metade do século XIX. Durante as duas décadas

iniciais do século XX, implantaram-se as primeiras instituições pré-escolares assistencialistas

no Brasil. As creches e pré-escolas compuseram um quadro de mudanças econômicas,

políticas e sociais que ocorrem na sociedade, como também depois das escolas, o seu trabalho

tem sido muito associado com o trabalho materno fora do lar.

No Brasil, a pré-escola passou a contar com o setor público em 1930. Como já existia

a roda dos expostos para crianças abandonadas, a creche foi apresentada em substituição ou

oposição a ela, para que as mães não abandonassem mais seus filhos. Em oposição a esse

modelo de atendimento, estruturou-se o jardim de infância, que atendia crianças de famílias

abastadas.

Os jardins de infância, embora mantidos com verba pública, estruturaram-se como um

espaço para a formação das elites. Mantinham uma rotina de atividades organizadas com

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objetivos pedagógicos, orientados pelo referencial de Friedrich Froebel, cuidando da

educação do intelecto e do corpo (KUHLMANN JR., 2010).

As creches, por outro lado, constituíram-se como um espaço para as camadas

populares, centrando suas ações no abrigamento, o cuidado das crianças de famílias pobres,

cujas mães eram inseridas no trabalho assalariado. Além disso, tornou-se uma prática muito

comum em regiões em processo de urbanização, a criação e manutenção das creches pelas

indústrias. Assim, as mulheres utilizadas como mão-de-obra assalariada poderiam dedicar-se

ao trabalho, encontrando um lugar seguro para deixar seus filhos (KUHLMANN JR., 2010).

A creche constituiu-se como um espaço de guarda para as crianças das camadas

populares, especialmente aquelas cujas mães necessitavam vender sua força de trabalho.

Verificamos, ainda, que o Estado demorou demais a reconhecer que as instituições deveriam

ser criadas e mantidas pelo poder público, pois, a justificativa era de que a educação e o

cuidado das crianças pequenas deveria ser feita pelas próprias famílias. Com isso, criou-se o

argumento de que a creche deveria existir para suprir a incapacidade das famílias de cuidar de

seus próprios filhos.

Mas, as mudanças sociais em termos de organização e, principalmente, na questão

política e econômica fizeram com que a população se organizasse e reivindicasse esse tipo de

atendimento para as crianças, oferecido, gratuitamente, e mantido pelo governo.

Foi, então, que, em 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil reconheceu

a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica, a ser desenvolvida em creches e

pré-escolas, para crianças de 0 a 5 anos de idade.

Mas, se, por um lado, o reconhecimento da responsabilidade do Estado na oferta e

manutenção das instituições representou um avanço, por outro, alguns entraves ainda

permanecem em torno do trabalho pedagógico realizado nesses espaços.

A visão de que a creche é um lugar de guarda de crianças, onde se deve desenvolver o

cuidado, fez com que essa instituição assumisse um caráter assistencialista. Logo, essa

questão ainda não está superada no campo da Educação Infantil. A pré-escola, por outro lado,

constituiu-se em oposição à creche e tem marcado seu trabalho como preparação para o

Ensino Fundamental.

Percebemos, portanto, que a identidade das instituições de Educação Infantil necessita

ser discutida a fim de que creches e pré-escolas possam se constituir como espaços de

formação e educação humana.

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

A educação pré-escolar foi fundada para atender as crianças de 0 a 5 anos de todas as

classes sociais. Só que, na maioria das vezes, quem recebia atendimento eram somente as

crianças das classes médias e altas, ficando de fora as crianças das camadas populares, sendo

que, na verdade, este constitui um direito de todas as crianças independente de sua condição

social.

Segundo Kramer (2006), o direito à pré-escola brasileira está longe de ser efetivado

para a maioria das crianças de 0 a 5 anos. Ainda existem muitos pais que não conseguem uma

vaga para matricular seus filhos em uma instituição de Educação Infantil, muitas vezes,

porque a mãe não trabalha, sendo que este é um direito de todas as crianças à educação e o

dever do Estado de provê-la, independentemente, do trabalho das mães.

Para Kramer (2006), o trabalho pedagógico desenvolvido na pré-escola deveria, pois,

partir daquilo que a criança conhece e domina, não dos conteúdos e habilidades que lhe

faltam: partir do que ela é, e não do que ela não é. As atividades propostas preparam as

crianças para a futura aprendizagem, que acontecerá na escola. Sendo seu papel desenvolver

atividades consideradas lúdicas e criativas.

2. A regulamentação da Educação Infantil no Brasil

A Educação Infantil fora reconhecida como parte integrante do sistema de ensino

muito tardiamente no Brasil. O primeiro documento que delimita a educação infantil como

primeira etapa da Educação Básica é a Constituição Federal de 1988.

Segundo a Constituição Federal (BRASIL, 1988), a Educação Infantil é um dever do

Estado com a Educação, sendo, também, o atendimento em creches e pré-escolas um direito

social das crianças de 0 a 5 anos, a realizar-se em escolas públicas e de qualidade.

No art. 205 (BRASIL, 1988) a educação é tratada como um direito de todos e um

dever do Estado e da família. Deve ser promovida e incentivada com a colaboração da

sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Mas, se por um lado a legislação garante o acesso a Educação Infantil como um direito

da criança e dever do Estado, por outro, verificamos a dificuldade do cumprimento e

implantação dessa política pública porque ainda há um número significativo de crianças que

procuram vagas em creches e pré-escolas e não são atendidas. A autora Jodete Bayer Gomes

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

Füllgraf (2001) aponta a grande distância entre a garantia legal dos direitos e sua

concretização.

A CF (BRASIL, 1988) representa um marco na garantia dos direitos legais das

crianças e inaugura uma concepção de criança como ―sujeito de direitos‖, rompe, também,

com a ideia de Educação Infantil compensatória (para suprir carências apresentadas pela

incapacidade das famílias em cuidar de seus filhos).

Para Füllgraf (2001, p. 38), ―os direitos das crianças reconhecidos no ―papel‖

garantem um avanço jurídico, no entanto os resultados desse avanço necessitam ser traduzidos

em ações concretas no campo das políticas sociais para a infância brasileira‖.

Um dos problemas centrais vividos pela Educação Infantil refere-se à falta de recursos

financeiros investidos nessa etapa da Educação Básica.

Por exemplo, com relação ao direito à educação infantil, a Constituição, no

seu artigo 30, proclama que a manutenção dos programas de educação pré-

escolar e do ensino fundamental serão de competência dos Municípios, com

a cooperação técnica e financeira da União e do Estado. O artigo 211 afirma

que os municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na

educação infantil. Nesse artigo, a Constituição instaura o princípio da

descentralização da educação, evidenciando uma política de desarticulação

entre as esferas de governo e a indefinição de papéis no atendimento aos

diferentes níveis de ensino para os entes federados, ou seja, a Constituição

indicou para a esfera federal o atendimento prioritário ao Ensino Superior;

para os Estados, o atendimento ao Ensino Médio e Fundamental; para os

municípios, o atendimento à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental

(FÜLLGRAF, 2001, p. 39).

A garantia legal do direito à Educação Infantil, sem dúvidas, representa um avanço,

mas, ao direcionar a responsabilidade pela articulação da construção de instituições,

contratação de pessoal e gestão das instituições aos municípios, a União gera uma sobrecarga

que implica a diminuição da oferta de vagas.

Nunes, Corsino e Didonet (2011) discutem que, embora o texto da CF de 1988

coloque a oferta da Educação Infantil em termos colaborativos entre os entes federados, na

prática, somente, os municípios assumem essa responsabilidade. As gestões municipais, por

sua vez, não têm condições políticas para fazer as articulações necessárias ao atendimento de

toda a demanda. Há, também, problemas quanto ao funcionamento, aquisição de materiais e

orientação pedagógica dessas instituições.

Assim, a CF (BRASIL, 1988) apesar de ampliar as responsabilidades do Estado com a

educação, não delimitou as atribuições de cada uma das esferas, até mesmo para que o

cidadão possa saber de quem cobrar pela efetivação do direito.

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

Posteriormente, em 1996, outro dispositivo legal contribui para reafirmar a Educação

Infantil como integrante do sistema de ensino, a efetivar-se em creches e pré-escolas a serem

mantidos pelo poder público: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei Número

9394, de 1996.

Em seu artigo 1º, o documento aponta que a educação abrange os processos

formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas

instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e

nas manifestações culturais.

A partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em

1996, a Educação Infantil passou a ser definida como a primeira etapa da Educação Básica,

destacando que o atendimento institucional deveria realizar-se em creches para crianças de 0 a

3 anos e pré-escolas, para crianças de 4 a 5 anos de idade.

Segundo a LDB, a educação escolar está organizada em dois níveis: a Educação

Básica e a Educação Superior. A Educação Infantil, segundo o artigo 29 desse dispositivo

legal, constitui a primeira etapa da Educação Básica, tem como finalidade o desenvolvimento

integral da criança até 5 anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e

social, complementando a ação da família e da comunidade.

A LDB (BRASIL, 1996) contribui para tornar a Educação Infantil uma política de

Estado, assegurando o direito da criança à educação, desenvolvida em instituições,

especificamente preparada para esse fim. Contudo, entendendo que a LDB (BRASIL, 1996)

foi construída e aprovada em um cenário permeado pela correlação de forças, com disputas de

interesses e projetos sociais, situação típica de uma sociedade capitalista, verificamos em seu

texto um processo contraditório de busca pela garantia de direitos e cerceamento de seu

processo de expansão.

[...] trata-se de uma ―lei minimalista‖, que deixa muita coisa em aberto,

aparentemente para viabilizar as ações do MEC, cujo papel é reforçado em

face das atribuições que a lei confere à União [...] concentrando aí as tarefas

de coordenação da política educacional e articulação dos diferentes níveis e

sistemas de ensino com funções normativas, redistributivas e supletivas; a

definição de competências e diretrizes para nortear os currículos de educação

infantil, do ensino fundamental e do ensino médio (SAVIANI, 1997, p. 226).

Tal como afirmamos, a LDB (BRASIL, 1996) representa um avanço e de contradições

no campo educacional. Essa afirmação justifica-se em função de que se por um lado o

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documento assegura a Educação Infantil como um direito da criança e um dever do Estado,

por outro torna a matrícula facultativa. Ao deixar precedentes para a opção de matricular ou

não as crianças na Educação Infantil, entendemos que a legislação minimiza sua importância

e abre espaço para que o poder público não ofereça vagas para toda a demanda que busca por

atendimento educacional.

Outro elemento a ser considerado refere-se ao direcionamento para a esfera municipal

da oferta da Educação Infantil, verificado tanto no artigo 11° da LDB (BRASIL, 1996) quanto

no artigo 30, inciso IV da CF de 1988.

Füllgraf (2001) expõe que o texto da LDB (BRASIL, 1996) não deixa claro as

responsabilidades a serem cumpridas por cada uma das esferas legislativas e o direcionamento

das responsabilidades apenas para os municípios faz com que a oferta do atendimento

educacional para crianças ainda seja algo restrito.

Contribuindo para a organização do trabalho pedagógico nas instituições de Educação

Infantil citamos ainda as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Segundo

as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009), a partir do

século XIX, foi inserida em nosso país, a história do atendimento a infância. Mas,

dependendo da classe social da criança, o ensino era diferenciado, ou seja, para os mais

pobres a história era caracterizada como órgãos de assistência social e as crianças de classes

mais abastadas eram desenvolvidas as práticas escolares. Essa diferenciação na educação

compreendia que, para as crianças mais pobres, vigorava, somente, o cuidado. A educação era

direcionada aos filhos dos grupos privilegiados, ou seja, os favorecidos economicamente,

sendo que na verdade esse é um direito de todas as crianças independentemente de sua classe

social.

No Art. 5º das DCNEI (BRASIL, 2009), a Educação Infantil, primeira etapa da

Educação Básica, é oferecida em creches e pré-escolas, as quais se caracterizam como

espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos

ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em

jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgãos competente do sistema de

ensino e submetidos a controle social.

O atendimento de crianças de 0 a 5 anos de idade é dever do Estado, ou seja, a creche

e pré-escola constituem estabelecimentos que educam e cuidam dessas crianças por meio de

profissionais formados que têm a obrigação de assistir as necessidades básicas de todas as

crianças que ali se encontrarem.

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

Segundo Mialaret (1976), a educação pré- escolar deve propiciar a criança contatos e

trocas sociais que são indispensáveis para sua socialização, um ambiente educativo que

estimule o desenvolvimento de sua inteligência, iniciativa, autonomia e criatividade.

A pré-escola não pode limitar-se a cuidar dessas crianças somente porque as mães

trabalham fora do lar ou para preparar a criança para o Ensino Fundamental, seu objetivo é

muito mais amplo.

As DCNEI (BRASIL, 2009) de caráter mandatório, orientam a formulação de

políticas, incluindo as de formação de professores e demais profissionais da Educação e,

também, o planejamento, desenvolvimento e avaliação pelas unidades de seu Projeto Político-

Pedagógico e servem para informar as famílias das crianças matriculadas na Educação Infantil

sobre as perspectivas de trabalho pedagógico que podem ocorrer.

As crianças de Educação Infantil precisam de ambiente seguro e confiar nas pessoas a

sua volta, uma atividade muito importante para elas é as brincadeiras, se elas não se sentirem

a vontade no ambiente, isso será impossível de acontecer, pois é através da brincadeira, que

elas usam sua criatividade e constrói novos conhecimentos.

A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como objetivo

principal promover o desenvolvimento integral das crianças de zero a cinco anos de idade

garantindo, a cada uma delas o acesso a processos de construção a conhecimentos e a

aprendizagem de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção a saúde, a liberdade

ao respeito, à dignidade, à brincadeira, a convivência e interação com outras crianças

(BRASIL, 2009).

O texto do documento estabelece, ainda, que as crianças na educação infantil precisam

de espaços limpos e seguros para explorarem o ambiente de diferentes maneiras assim como

também os objetos, pois dessa maneira elas produzirão conhecimentos. Para realização de

atividades o professor tem que conhecer a cultura do aluno, pois alguns vêm do meio rural e

não tem como o professor trabalhar a mesma coisa com o que vive no meio urbano, pois

possuem culturas diferentes.

O documento pontua, ainda, que o professor necessita articular condições de

organização dos espaços, tempos, materiais e das interações nas atividades para que as

crianças possam expressar sua imaginação nos gestos, no corpo, na oralidade e\ ou na língua

de sinais, no faz de conta, no desenho e em suas primeiras tentativas de escrita.

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

Segundo as DCNEI (BRASIL, 2009), em seu artigo 9º, inciso V, constitui tarefa da

Educação Infantil, fazer com que a organização do trabalho pedagógico amplie a confiança e

a participação das crianças nas atividades individuais e coletivas.

O documento representa grandes avanços na tentativa de orientar o trabalho

pedagógico das instituições de Educação Infantil na articulação entre cuidado e educação.

Contempla ainda a observância das diversidades sociais e culturais das crianças que

frequentam essas instituições. Demarca o trabalho de creches e pré-escolas como essenciais a

promoção integral do desenvolvimento humano.

3. Percurso Metodológico

A Constituição Federal de 1988 inaugurou uma perspectiva de discussão da criança

assentada nos direitos. Por isso o documento é considerado um marco na garantia da educação

para crianças e construção da cidadania.

Entretanto, precisamos considerar que esses direitos, assegurados no âmbito legal,

encontram dificuldades de efetivação prática. Não somente o modo como os dispositivos

legais, mas também o imaginário social constituem entraves a construção de uma Educação

Infantil inclusiva, de qualidade e com propostas efetivamente formativas.

Diante disso, consideramos a necessidade de conhecer como se estrutura a oferta da

Educação Infantil no município de Miracema do Tocantins, TO, bem como identificar as

concepções de professores a respeito do trabalho desenvolvido pela pré-escola.

Esta pesquisa estruturou-se com o intuito de responder ao seguinte problema: qual a

concepção de professores a respeito do trabalho educacional desenvolvido pela pré-escola?

Consideramos que a história do atendimento institucional da infância, pautado no

trabalho assistencial e na filantropia exerce influência nas concepções dos docentes. Por outro

lado, percebemos que a legislação, embora busque assegurar o direito da criança à Educação

Infantil, muitas vezes, esboça toda a contradição presente na sociedade capitalista, pois

direciona aos municípios toda a responsabilidade pela oferta.

Após a definição do problema de estudo, passamos a consultar o referencial teórico

que nos permitisse caminhar rumo a uma maior compreensão da temática. Consideramos,

ainda, a relevância de articular elementos teóricos com a concepção de profissionais da

Educação Infantil que atuam junto a instituições públicas do município de Miracema do

Tocantins, TO.

Para tanto, buscamos caracterizar o sistema público municipal de educação, com

especial enfoque às instituições de Educação Infantil. Posteriormente selecionamos apenas as

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instituições de Educação Infantil que ofertavam atendimento pré-escolar e lá aplicamos um

questionário para seus professores, a fim de identificar suas concepções sobre o trabalho

desenvolvido pelas pré-escolas.

O município de Miracema do Tocantins possui nove escolas públicas, de caráter

municipal, que oferecem as séries iniciais do Ensino Fundamental. Entretanto, uma dessas

escolas possui parte de seu prédio destinada à oferta de Educação Infantil na modalidade pré-

escola. O município mantém, ainda, uma instituição que oferta exclusivamente atendimento

pré-escolar (zero a quatro anos) e três creches (zero a três anos).

Apresentamos, a seguir, um quadro com a relação de escolas e matrículas nas

instituições mantidas pelo poder público municipal.

TABELA 1 – ESCOLAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DE MIRACEMA DO

TOCANTINS – TO

INSTITUIÇÃO

EDUCACIONAL

NÚMERO DE

MATRÍCULAS

MODALIDADE DE

ENSINO

LOCALIZAÇÃO

Escola Municipal

Bartolomeu Fraga

84 Ensino Fundamental

Ciclo I e II

Zona Rural

Escola Municipal

Campestre do Rancho

13 Ensino Fundamental

Ciclo I e II

Zona Rural

Escola Municipal Campo

Verde

51 Ensino Fundamental

Ciclo I e II

Zona Rural

Escola Municipal Prof.

Dalva Cerqueira de Brito

314 Educação Infantil (pré-

escola)

Zona Urbana

Escola Municipal

Francisco Martins Noleto

376 Ensino Fundamental

Ciclo I

Zona Urbana

Escola Municipal

Boanerges Moreira de

Paula

141 Ensino Fundamental

Ciclo I e II

Zona Rural

Escola Municipal Santa

Marina

70 Ensino Fundamental

Ciclo I e II

Zona Rural

Escola Municipal Nossa

Senhora da Guia II

28 Ensino Fundamental

Ciclo I e II

Zona Rural

Escola Municipal Vale do

Tocantins

164 Ensino Fundamental

Ciclo I e II

Zona Rural

Escola Municipal Vilmar

Vasconcelos Feitosa

636 Ensino Fundamental

Ciclo I e Educação

Infantil (pré-escola)

Zona Urbana

Creche Dona Maracaípe 99 Educação Infantil

(creche)

Zona Urbana

Creche Dona Regina 46 Educação Infantil

(creche)

Zona Urbana

Creche Dona Ísis Sardinha 72 Educação Infantil

(creche)

Zona Urbana

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Miracema do Tocantins, TO

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Os dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação de Miracema do

Tocantins, TO, sinalizam um total de dois mil e noventa e quatro (2094) alunos matriculados

em instituições educacionais públicas, pertencentes à rede municipal de ensino no ano de

2011. Desse montante de matrículas, quinhentos e cinquenta e uma (551) são provenientes de

escolas situadas na zona rural e mil quinhentos e quarenta e três (1543) são oriundas de

escolas urbanas.

Na Educação Infantil, verificamos que a oferta dessa modalidade de ensino, a efetivar-

se em creches e pré-escolas, é feita somente em instituições de ensino localizadas na zona

urbana. Em um total de cinco instituições que oferecem Educação Infantil, oitocentas e quinze

(815) crianças são atendidas, como mostra o quadro abaixo.

TABELA 2 – CRECHES E PRÉ-ESCOLAS MUNICIPAIS DE MIRACEMA DO

TOCANTINS – TO

INSTITUIÇÃO

EDUCACIONAL

NÚMERO DE

MATRÍCULAS

TIPO DE

ATENDIMENTO

LOCALIZAÇÃO

Creche Dona Maracaípe 99 Creche (0 a 3 anos) Zona Urbana

Creche Dona Ísis Sardinha 72 Creche (0 a 3 anos) Zona Urbana

Creche Dona Regina 46 Creche (0 a 3 anos) Zona Urbana

Escola Municipal Prof. Dalva

Cerqueira de Brito

314 Pré-escola (3 anos

e meio a 5 anos)

Zona Urbana

Escola Municipal Vilmar

Vasconcelos Feitosa

284 Pré-escola (3 anos

e meio a 5 anos)

Zona Urbana

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Miracema do Tocantins, TO

Tendo em vista que a pesquisa buscou discutir as concepções de docentes da pré-

escola acerca do sentido social da instituição, concentramos nossas análises nas duas

instituições que oferecem atendimento a esse segmento da educação, sendo Escola Municipal

Dalva Cerqueira de Brito e Escola Municipal Vilmar Vasconcelos Feitosa.

2.1 Escola Municipal Dalva Cerqueira de Brito

A Escola Municipal Professora Dalva Cerqueira de Brito, fundada em 1986, pelo

então Prefeito Boanerges Moreira de Paula, localiza-se na Rua Elite, nº 555, Santos Dumont,

em Miracema do Tocantins. Foi criada pela Lei nº 030/84, de 09 de dezembro de 1984. Está

construída em um terreno com área total de 1.050 m2, ocupando 606 m2, desta área.

No ano de 2004, a escola foi designada pelo Sistema Municipal de Ensino, para

ofertar, especificamente, a Educação Infantil, sob-responsabilidade desse Sistema,

continuando com o nome de Presidente Tancredo Neves. Porém, a partir de 20 de dezembro

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de 2004, entra em vigor a Lei nº 132/04 e, com, a nova nomenclatura: ESCOLA

MUNICIPAL PROFESSORA DALVA CERQUEIRA BRITO.

Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a partir do ano letivo de 2010, a

referida Unidade de Ensino passou a atender apenas à modalidade do Jardim I e II e 1º Ano

do Ensino Fundamental. O não atendimento ao 2º Ano é devido à falta de espaço físico.

Com relação às dependências físicas da escola, as salas de aulas são amplas, medem

em média 40,85m2 e funcionam com um patamar acima de 25 alunos, por sala. As outras

dependências brinquedoteca, laboratório de informática, sala dos professores, secretaria, sala

de direção e cantina, são amplas e permitem, não de forma satisfatória, que as atividades

sejam desenvolvidas com êxito, exemplo disso, está à falta de espaço para a prática do lúdico.

Entretanto, convém ressaltar, que a iluminação é razoável, os banheiros deveriam estar mais

adequados à clientela interna e não possui, ainda, uma quadra de esportes ou um parquinho,

requisitos básicos para uma boa educação infantil.

A escola não recebe alunos somente do bairro onde está localizada, pois, cerca de

80%, nos dois turnos, são dos bairros, Santa Filomena, Aeroporto, Setor Industrial, Novo

Horizonte I e II e centro. Sendo que estes alunos dos bairros mais distantes são atendidos pelo

transporte escolar público municipal.

A Escola conta com uma diretora Agda Lucena de Sousa formada em Normal

Superior, especialização em Educação Rural, trabalha na educação há 26 anos. Quanto à

coordenadora pedagógica Leudiane Medrado de Sousa é formada em Pedagogia pela UFT,

atualmente está cursando Pós- Graduação em Educação Infantil – UFT e atua há 06 anos.

Trabalha junto aos professores da pré-escola, orientando, acompanhando e avaliando as

atividades de ensino, visando à qualidade do ensino-aprendizagem, também coordena as

atividades das professoras, orienta o planejamento das atividades pedagógicas e auxilia

quanto á metodologia, bem como, realiza estudos coletivo, visando melhorar a aprendizagem

das crianças.

O quadro docente da instituição apresenta-se assim organizado:

TABELA 3 – DOCENTES DA ESCOLA MUNICIPAL PROFESSORA DALVA

CERQUEIRA DE BRITO, MIRACEMA DO TOCANTINS, TO

DOCENTE FORMAÇÃO LOCAL DE

FORMAÇÃO

TEMPO DE

ATUAÇÃO

RESPONDENTE

Ana Célia Pedagogia UFT 12 anos NÃO

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Alzirene Pedagogia UFT 15 anos SIM

Auxiliadora Normal

Superior

Unitins 15 anos NÃO

Flávia Magistério - 17 anos SIM

Jardilina Normal

Superior

Unitins 12 anos SIM

Maria

Aparecida

Pedagogia UFT 12 anos SIM

Magali Pedagogia UFT 17 anos SIM

Marilene Pedagogia UFT 12 anos SIM

Raimunda

Ramos

Pedagogia UFT 5 anos SIM

Fonte: Escola Municipal Professora Dalva Cerqueira de Brito,

Conforme as informações apresentadas, somente uma professora não conclui o Ensino

Superior, porém a mesma está cursando Pedagogia no Campus Universitário de Miracema da

Universidade Federal do Tocantins.

Ressaltamos, ainda, que, de um total de nove docentes, sete (77,78%) responderam ao

questionário proposto pela pesquisa e dois professores (22,22%) não responderam.

Consideramos como universo de análise as respostas oferecidas pelos docentes que

colaboraram respondendo e entregando seus questionários.

3.2 Escola Municipal Vilmar Vasconcelos Feitosa

A Escola Municipal Vilmar Vasconcelos Feitosa, foi projetada em 2005. Sua criação

se fez necessária para adequar o sistema de ensino do município de Miracema do Tocantins às

novas diretrizes da Educação Básica, de acordo com o artigo 11 da LDB, lei 9.394/96,

parágrafo V, a incumbência dos municípios oferecem a Educação Infantil em creches e pré-

escolas e, com prioridade, o ensino fundamental.

A instituição, que não possui prédio próprio, passou a funcionar em Janeiro de 2005,

na estrutura física do antigo Educandário Samuel, que era uma entidade particular, sob a

orientação da Igreja Evangélica. Com o fim do Educandário Samuel, no final de 2004, a

Prefeitura Municipal, na gestão do prefeito Antônio Evangelista Pereira Júnior, alugou o

prédio e incluiu todos os funcionários do Educandário Samuel no quadro de funcionários, da

nova Escola Municipal. Deixou de ser Educandário Samuel, para se tornar Escola Municipal

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Samuel, teve como 1ª diretora Luzia Pinto Sampaio, após 3 (três) meses foi substituída pela

Mônica Mendes.

Quanto à estrutura física, era muito precária, passou por uma reforma no inicio de

2008, porém, não foi suficiente para se ter um ambiente adequado para uma escola, pois as

salas são pequenas e mal projetadas e as instalações elétricas precárias. Atualmente a

Escola Vilmar Vasconcelos Feitosa, conta com 83 funcionários sendo distribuídos em diretor,

coordenadores, secretária, assistente administrativo, ASGS, merendeiras, guardas, motoristas

e professores.

A Unidade de Ensino é mantida pela Prefeitura Municipal através da SEMED

(Secretaria Municipal de Educação e Cultura). Conta, também, com uma coordenadora de

políticas educacionais e uma técnica Escolar, com objetivo central de apoiar e dá suporte à

Escola, fazendo da mesma um ambiente educativo, gerando uma aprendizagem de qualidade,

transpondo os obstáculos e remedicionando nossas práticas.

Além das duas modalidades de ensino oferecidas pela instituição (Educação Infantil e

Ensino Fundamental 1ª Fase), também, presta acessoria para a Escola Multisseriada - Escola

Municipal Bom Jesus Extensão da Escola Municipal Vilmar Vasconcelos Feitosa situadas na

zona rural e para o espaço cultural, situado na zona urbana.

No espaço físico da instituição há, ainda, 01 sala de coordenação pedagógica, 01 sala

de direção, 01 sala de recursos, 01 sala de vídeo, 01 sala de brinquedos, 01 sala de reforço

escolar, 01 sala de laboratório, 01 sala de orientação educacional, 01 sala do cantinho

pedagógico, 01 cantina, 01 sala de secretária, 01 sala de apoio pedagógico, 01 sala dos

professores e 01 sala de biblioteca. A escola ainda atende o programa Mais Educação que

além de atender os alunos o espaço cultural, possui 01 sala dentro das mediações desta

unidade de Ensino.

A instituição, localizada no Setor Universitário do município de Miracema do

Tocantins atende a 284 crianças entre 4 e 5 anos de idade que frequentam a pré-escola.

Com relação ao corpo administrativo, identificamos que a Escola conta com uma

diretora, Lucimar, que tem magistério está cursando Pedagogia na Faculdade UNOPAR,

educação à distância. Quanto às coordenadoras Alcione e Cleiciane são formadas em

Pedagogia pela UFT, Campus Universitário de Miracema. Ambas atuam junto aos

professores, ajudando no trabalho com os alunos, nos planejamentos e supervisionam o

trabalho dos docentes.

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O quadro de professores que atuam junto a Educação Infantil nessa instituição

apresenta-se assim organizado:

TABELA 4 – DOCENTES DA ESCOLA MUNICIPAL VILMAR VASCONCELOS

FEITOSA, MIRACEMA DO TOCANTINS, TO

DOCENTE FORMAÇÃO LOCAL DE

FORMAÇÃO

TEMPO DE

ATUAÇÃO

RESPONDENTE

Ângela Pedagogia UFT 1 ano NÃO

Angélica Pedagogia UFT 1 ano NÃO

Agda

Romana

Pedagogia EDUCON 15 anos NÃO

Almeirice Pedagogia UFT 15 anos SIM

Cícera Pedagogia UFT 12 anos NÃO

Elza Pedagogia UFT 15 anos NÃO

Inácia Coelho Pedagogia UFT 4 anos NÃO

Ivanilde Pedagogia UFT 8 anos NÃO

Luziene Pedagogia EDUCON 15 anos SIM

Luzinete Pedagogia UFT 15 anos NÃO

Maria

Eugênea

Pedagogia EDUCON 15 anos SIM

Maria Deusa Pedagogia UFT 15 anos NÃO

Nazaré Pedagogia EDUCON 15 anos NÃO

Raimunda Pedagogia EDUCON 15 anos NÃO

Rosimeire Pedagogia EDUCON 15 anos SIM

Sebastiana Pedagogia UFT 10 anos SIM

Valdelice Pedagogia UFT 5 anos SIM

Os dados indicam que, de um montante de 17 professores, 11 (64,7%) não

responderam ao questionário e 6 docentes (35,3%) responderam e entregaram o instrumento

de pesquisa. Observamos um elevado índice de não participação à pesquisa, apesar dos

insistentes apelos para que os docentes dessem sua contribuição.

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Em relação à formação acadêmica, 11 professoras cursaram pedagogia no Campus

Universitário de Miracema da Universidade Federal do Tocantins e 6 docentes cursaram

pedagogia na modalidade à distância oferecida pela EDUCON.

3. Concepções acerca da função social da pré-escola

As discussões aqui desenvolvidas pautam-se nos dados coletados por meio de

questionário, aplicado entre professores das Escolas Municipais Professora Dalva Cerqueira

de Brito e Vilmar Vasconcelos Feitosa, ambas pertencentes ao sistema público de educação

do município de Miracema do Tocantins, TO.

Consideramos como universo de análise o total de 13 docentes que responderam e

devolveram os questionários aplicados em ambas as instituições de ensino. Tendo em vista os

aspectos éticos da pesquisa, os docentes respondentes de ambas as instituições foram

considerados como parte de um todo, sem distinção por instituição e sem discriminação de

suas identidades.

O questionário foi composto por questões que buscaram identificar a formação, tempo

de atuação e o que pensam os docentes sobre o trabalho desenvolvido na pré-escola.

Observamos que quando perguntados sobre o tipo de material que lêem com maior frequência

os docentes responderam apontaram majoritariamente revistas e livros didáticos como fonte.

As publicações científicas têm presença inexpressiva entre os materiais lidos entre professores.

Destacamos que cada docente ao responder a essa questão pôde assinalar mais de uma resposta

o que nos levou ao seguinte quadro de ocorrências de respostas:

TABELA 5 – FONTES DE LEITURA DE PROFESSORES DAS PRÉ-ESCOLAS

PÚBLICAS DO MUNICÍPIO DE MIRACEMA DO TOCANTINS, TO

MATERIAL DE LEITURA OCORRÊNCIA DE RESPOSTAS

Revistas 11

Jornais 4

Livros didáticos 9

Literatura 3

Publicações científicas 3

Considerando o fato de que dos trezes docentes participantes da pesquisa onze

sinalizaram recorrer a livros didáticos para preparar suas aulas, identificamos que as leituras

realizadas, em grande medida, se restringem a essa finalidade.

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Observamos, ainda, que a indicação de leitura de publicações científicas obteve

somente três ocorrências, o que indica que, em geral, os docentes ficam presos a concepções

de senso comum e é justamente nesse saber que se apóiam para nortear o trabalho na

instituição de Educação Infantil.

O reflexo dessa prática se dá, diretamente, no modo como os profissionais se

expressam, pois alguns questionários demonstraram erros de grafia e concordância textual.

Outros ainda traziam uma resposta que não tinha relação com a pergunta feita. Contudo, o

mais alarmante refere-se às concepções sobre o trabalho da pré-escola.

Identificamos que entre os treze docentes participantes da pesquisa 46,15% (6

profissionais) qualificam esta como uma fase preparatória para etapas posteriores da

educação; 30,77% (4 participantes) a definem como local de aprendizagens; 15,38% (2

professores) a apontam como local de cuidado e educação; 30,77% (4 docentes) a vêem como

espaço de socialização e 7,62% (01 profissional) não respondeu.

As concepções dos professores participantes da pesquisa a respeito do trabalho

pedagógico da pré-escola são limitadas e não contemplam as dimensões e pressupostos

básicos construídos e defendidos tanto no campo científico quanto no âmbito legal para essa

instituição.

Buscamos ainda identificar o que pensam os docentes sobre os elementos necessários

à docência na Educação Infantil e identificamos que para 03 professores (23,1%) é preciso ter

compromisso, dedicação com o trabalho; 01 professor (7,7%) aponta a capacidade como o

principal fator; 07 docentes (53,8%) expõem que a boa formação é fundamental; 4

profissionais (30,7%) entendem que amor, dedicação e paciência são determinantes; 03

docentes (23,1%) indicam condições adequadas de trabalho, apontando, inclusive

remuneração adequada; 03 professores (23,1%) consideram gostar da profissão um elemento

determinante.

De um modo geral identificamos uma dificuldade grande de elaboração por parte dos

profissionais e uma concepção de docência muito atrelada à dimensão doméstica, ressaltando

ser esse um papel ligado à mulher-mãe.

Dessa forma, o papel da pré-escola foi apontado pelo grupo como: formativo do

desenvolvimento integral da criança (04 respostas); socialização (07 respostas); preparatório

(03 respostas). Ao situar o papel da pré-escola como espaço de socialização, corre-se o risco

de minimizar sua dimensão educativa e restringir seu papel e função social.

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Consideramos, portanto, a necessidade de formação permanente entre os profissionais

docentes e defendemos a necessidade de que todos aqueles que lidam com o conhecimento e

com a educação necessitam manter-se em contínua formação. Entendemos que a ruptura com

o senso comum e com práticas reducionistas no âmbito da Educação Infantil dependem disso.

Considerações Finais

A pesquisa contribuiu para a reflexão sobre o papel da Educação Infantil e, em

especial da pré-escola. Identificamos que o histórico assistencialista do atendimento

institucional de crianças se faz presente ainda nos dias atuais e interfere nas ações

desenvolvidas.

Aprendemos que, apesar do reconhecimento legal das creches e pré-escolas como

integrantes da Educação Básica, existem muitas práticas que precisam ser revistas e

transformadas e que mesmo os docentes não têm clareza sobre o sentido social da instituição

pré-escolar.

Os profissionais que fizeram parte do estudo ora compreendem a pré-escola como fase

preparatória de etapas posteriores ora como espaço de socialização e não consideram essa

instituição como um fim em si mesmo, capaz de oportunizar experiências e aprendizagens

essenciais ao desenvolvimento infantil.

Ressaltamos ainda que a descoberta de que os docentes não têm o hábito da leitura

sem uma finalidade imediata nos perturbou. Entendemos que o estudo deve ser algo constante

no processo de desenvolvimento humano. Por outro lado, detectamos que os profissionais

pesquisados não lêem publicações científicas, o que torna difícil uma ruptura com concepções

e práticas de senso comum e, portanto, reducionistas.

Referências

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PASCHOAL, Jaqueline Delgado. MACHADO, Maria Cristina Gomes. A História da

Educação Infantil no Brasil: avanços, retrocessos e desafios dessa modalidade educacional.

Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.33, p.78-95, mar.2009 - ISSN: 1676-2584

SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. 3 ed.

Campinas (SP): Autores Associados, 1997.

Como referenciar esse texto:

RIBEIRO, Luciane Pereira da Costa e SPADA, Ana Corina. O sentido social da pré-escola – um estudo a partir

da concepção de professores. In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E

MUNDO RURAL - EDURURAL, 5: Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica

da Pedagogia e da Geografia, 2014. Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p.

08- 347. ISBN: 9788563526618. P. 119-138.

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Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014.

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PENSANDO A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES PARA

A EDUCAÇÃO INFANTIL

Tatiane da Costa Barros; Pedagoga; Supervisora pedagógica da Secretaria Municipal de

Educação de Miracema na área de Educação infantil. [email protected]

Maria José de Pinho – Professora Dra. UFT/Câmpus de Palmas; Integra o quadro de docentes

dos Programas de Pós-Graduação em Letras e Educação da UFT.

Resumo

O presente artigo se propõe a discutir a importância do processo de formação continuada de

professores para atuarem junto a Educação Infantil. As ideias expressas nesse texto resultaram

de leituras, pesquisas de cunho bibliográfico, trabalhos e vivências na área de educação

infantil. A intenção desse trabalho é trazer elementos que contribua com as discussões acerca

do tema, vislumbrando a construção de um projeto de formação continuada que atenda às

necessidades dos professores que atuam na educação infantil, com vistas a um trabalho em

que o professor seja co-autor desse processo.

Palavras-chave: Formação continuada de professores, Educação infantil, Política de

formação de professores.

Introdução

Ainda que tenham ocorrido mudanças significativas no campo da educação nos

últimos anos, a formação de professores ainda é apresentada como um grande problema da

educação, existindo ainda dificuldades em implementar um modelo inovador capaz de

responder aos desafios vividos pela educação na atualidade.

Inúmeros fatores envolvem o processo de formação continuada de professores, sendo

que estes podem ser de ordem política, econômica e social. No entanto, nesta discussão a

preocupação é especialmente refletir sobre a importância de um projeto de formação

continuada de professores que atenda às necessidades da educação infantil. Dada a real

necessidade de pensar a formação de um profissional polivalente e consciente que perceba a

criança não como algo a ser preenchido, mas sim como sujeito histórico social, ativo, capaz

de aprender.

Nessa perspectiva, um modelo de formação continuada de professores precisa destacar

o valor da prática como instrumento de reflexão para o professor, onde teoria e prática andem

juntas durante todo o processo de formação.

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Formação continuada de professores: Um caminho a ser percorrido

Numa época de muitas transformações, incertezas, valorização da produtividade e da

intensa competitividade faz surgir à necessidade da qualificação do trabalhador, inclusive na

educação. Nesse cenário está a figura do professor e os saberes necessários para o exercício

de sua prática educativa.

Ao se pensar em educação, pressupõe pensar a formação e uma prática pedagógica de

qualidade vislumbrando o desenvolvimento de saberes, o que vai exigir qualificação e

políticas adequadas, considerando a realidade do professor.

A palavra ―formação‖ deriva do latim formatione e significa formar, construir. De

acordo com Libâneo (2001), a formação continuada realizada no contexto escolar deve ser

pensada com base nos saberes e nas experiências dos docentes e se articular com a sua

formação inicial. Assim possibilitará maior desenvolvimento da capacidade e competências

dos docentes.

De acordo com os Referenciais para formação de professores do Ministério da

Educação e Cultura (1998), a formação é entendida como um processo contínuo de

desenvolvimento, exigindo disponibilidade para a aprendizagem tanto do professor quanto da

instituição em que ele atua. Ainda de acordo com os Referenciais o processo de construção do

conhecimento é contínuo e deve atender a quatro exigências básicas:

1- Avanços das investigações em relação ao desenvolvimento profissional do professor;

2- Desenvolvimento pessoal do professor o que o leva a transformar suas crenças,

atitudes e formas de se relacionar com a vida e com a sua profissão;

3- Transformações das formas de pensar, sentir e atuar das novas gerações em função da

evolução da sociedade nas suas estruturas, formas de organização da convivência e

produção de modelos econômicos, políticos e sociais;

4- Adequar - se ao acelerado desenvolvimento e às mudanças decorrentes do

conhecimento científico, na arte, na cultura e nas tecnologias da comunicação.

Nessa perspectiva, a formação continuada não pode se constituir como ação casual e

nem como estratégia de correção e compensação, e sim como parte integrante do exercício

profissional. Deve propiciar aos docentes a reflexão acerca de suas práticas cotidianas.

Sacristán (1995), afirma que os professores cotidianamente tomam decisões em meio a muitas

incertezas e infrequências nas atividades pedagógicas, o que ocasiona a descontinuação do

processo de ensino e aprendizagem.

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Cabe aqui destacar a necessidade de uma política de formação continuada de

professores capaz de propiciar a relação teoria e prática num movimento dinâmico e dialógico

de ação-reflexão-ação, o olhar sobre a prática deve possibilitar a reflexão acerca do seu fazer

cotidiano.

Ao se pensar uma política de formação continuada de professores é necessário garantir

meios de interpretação da realidade, possibilidades de compreensão e intervenção consciente

da realidade. A esse respeito Tardif (2012), destaca que a formação contínua deve atender as

necessidades dos professores e ajudá-los a solucionar as situações problemas com as quais

eles podem se deparar.

Neste sentido, os cursos de formação continuada devem proporcionar aos professores

condições de adquirir novos conhecimentos que aos poucos serão construídos e reconstruídos

por meio da socialização em um processo coletivo de troca de experiências. É oferecer

instrumentos aos educadores para perceber a realidade da escola e do meio social de forma

mais questionadora e real.

Assim, parte-se da ideia de que o docente ao adquirir novos conhecimentos, toma

posse de mais ferramentas para o seu ofício de ensinar o que implica melhorias na forma de

organizar e planejar o processo de ensino e aprendizagem tanto do aluno como do professor,

haja vista que as discussões sobre teoria e prática no processo de formação de professores

direcionam para a importância da reflexão sobre a sua prática pedagógica possibilitando

reavaliar constantemente as metodologias por ele utilizadas.

Torna-se imprescindível salientar de que o professor não está pronto ao concluir

cursos de formação continuada. A esse respeito Zabalza (2004), reforça a ideia de que o

processo de formação perpassa a etapa escolar e está intimamente ligado a realização pessoal

e profissional dos indivíduos, ou seja, aprendemos durante toda a vida.

Na formação o processo de reflexão, reconstrução de conhecimentos, troca de

experiência e fundamentalmente a capacidade de aprender sempre aparece como condições da

formação contínua, de modo que os docentes se reconheçam e sejam autores das suas práticas

e do processo de seu ensinar e aprender.

Breve histórico da Educação Infantil no Brasil

Nos últimos anos, a educação infantil tem vivido importantes transformações e

desafios, em especial acerca das suas concepções. As discussões caminham no sentido de

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entender que a criança tem natureza singular e deve ter seu espaço e desenvolvimento

respeitados, e para tal, é importante que ideias relacionadas ao cuidar e educar sejam

rediscutidas e repensadas.

Antes de falar de forma específica de formação continuada dos profissionais para o

atendimento à Educação Infantil, cabe destacar recortes da sua trajetória histórica, com fins de

compreender o seu passado e apresentar elementos para análise nos dias atuais.

O atendimento para as crianças pequenas de 0 a 6 anos no Sistema Educacional

brasileiro é bem recente. Por um longo período, a educação dessa criança foi realizada junto a

família ou ao grupo social do qual ela estava ligada. De forma geral, o seu aprendizado

ocorria por meio da transmissão dos costumes e noções de convivência e aprendizagem.

No final do século XIX, no Brasil, a ideia que orientava a educação da criança

pequena estava ligada ao fato das mulheres serem consideradas boas mães, pois assim logo,

seriam boas educadoras, não se vislumbrando perspectivas de qualquer tipo de preparação. De

acordo com Rosemberg (2004), ocorreu a passagem do doméstico para o público, a mulher

passou a exercer o papel de educadora em qualquer contexto social. A educação da criança se

apresenta de forma improvisada e ligada aos dons da vocação feminina e não a uma formação

profissional.

Já no período de 1930 até meados de 1950, a criança é apresentada no centro da

atividade educacional, originando mudanças em relação a concepção anteriormente

apresentada. Na década de 70, a temática da educação infantil ganha um novo olhar em

decorrência das transformações que ocorriam no país, sobretudo o avanço nas áreas das

ciências, psicologia e pedagogia e que de certa forma trouxe um novo tratamento à criança. A

esse respeito Kramer (1995), afirma que essas mudanças tanto políticas como econômicas

tiveram muita importância para mudanças educacionais ocorridas posteriormente.

Desse modo, mesmo que isoladas começam a surgir importantes iniciativas no sentido

de proteger a primeira infância. A criação de creches e pré-escolas se deu no momento em que

se configurava a inserção da mulher no mercado de trabalho e também mudanças no papel da

mulher na sociedade.

É oportuno destacar que essas instituições eram revestidas de um forte caráter

assistencialista, se preocupando apenas com o cuidado, ainda muito parecido com o

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atendimento que essas crianças recebiam em casa. Sem contar também que se quer era

reconhecida nos documentos oficiais, não sendo concebida como uma instituição, sendo

apenas reconhecida como um espaço para guardar crianças.

No entanto, muitos pesquisadores concebem esse modelo de educação assistencialista

como um modelo americano incapaz de solucionar os problemas da educação da época, não

respondendo efetivamente as demandas e necessidades culturais dos alunos.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, fica legalmente estabelecido que os

pais e a sociedade tem o dever de garantir e respeitar os direitos das crianças, destacando que

educação Infantil tem o papel de contribuir para o efetivo desenvolvimento da criança, sendo

a mesma apresentada como sujeito de direitos, passando a ser reconhecida como cidadã em

pleno desenvolvimento de suas potencialidades, o que requer uma especial atenção por parte

da família e do Estado.

Houve um grande avanço com a LDB-9394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, com ela a educação infantil passou a ser reconhecida como primeira

etapa da educação básica, mas ainda hoje não se pode afirmar que esses avanços são

suficientes para atender as demandas de educação infantil.

A formação continuada de professores para a Educação Infantil

A preocupação com a educação infantil nos documentos oficiais começa com a

Constituição de 1988, e em especial a partir da década de 90, com a criação do Estatuto da

Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -

Lei nº 9394/96 que destaca a educação infantil como primeira etapa da educação básica,

implicando em um novo olhar acerca dessa modalidade de ensino e consequentemente na

formação dos seus professores.

As ideias sobre formação de professores da educação infantil estão associadas à

função atribuída ao processo educativo, à criança, o profissional e sua consequente formação.

A identidade do profissional que atua na educação infantil vive profundas transformações. O

professor de hoje não é mais o de décadas atrás. No art. 62 da Lei 9394/96:

―A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior,

em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos

superiores de educação, admitida, como formação mínima para o magistério da

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educação infantil e nas quatro séries do ensino fundamental, a oferecida em nível

médio, na modalidade normal‖.

Sobre a formação dos profissionais que trabalham com essa faixa etária, cabe ressaltar

que para as novas exigências da educação infantil, torna-se necessário uma adequada

formação inicial e permanente capacitação em serviço que atenda aos objetivos dos diferentes

níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento da

criança, tendo como fundamentos a associação entre teoria e práticas mediante a capacitação

em serviço e aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino

e outras.

A Lei nº 9394/96 ao inserir a educação infantil como primeira etapa da educação

básica, também deveria propiciar a esse profissional uma formação sólida, bem como

condições para o constante aprimoramento da sua prática. Situação essa que torna-se

desafiadora em tempos atuais, passando a exigir esforços não só dos governos, mas da

sociedade como um todo.

O Plano Nacional de Educação com vigência de 2001 a 2010 dá especial atenção à

formação permanente (em serviço) dos profissionais da educação. Para a Educação Infantil o

Plano destaca que além da formação acadêmica, requer-se formação permanente a ser

renovada constantemente.

Para Nóvoa (1995), o aprender contínuo é essencial, desde que concentrada em dois

pilares: a pessoa, como agente, e a escola, como lugar de crescimento profissional

permanente. Para ele a formação continuada se dá de forma coletiva e a experiência e a

reflexão são instrumentos de análise.

A formação de professores é um dos mais importantes fatores para a busca da

qualidade na educação e qualquer que seja a modalidade não deve-se caracterizar como algo

eventual. O importante é que esse profissional busque a capacitação em serviço e aprofunde

suas experiências ao longo de sua carreira acompanhando as transformações da sociedade.

Nesse entendimento, a ação do professor precisa ter sua sustentação na pesquisa. A

proposta de formação continuada deve conceber espaços de reflexão sobre a prática, devendo,

portanto, ser estruturados a partir dos problemas discutidos pelos próprios docentes. Pois

segundo Tardif (2012), a formação ao se tornar contínua não pode se limitar aos conteúdos da

formação inicial e os professores não são considerados alunos e sim parceiros e atores de sua

própria formação.

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Antes do advento da Lei 9.394/96, foram percebidos poucos movimentos que

pudessem ser considerados relevantes para a formação. Em especial, pelo fato de que a

Educação Infantil sequer fazer parte da educação básica. Na atualidade, a prática do professor

e sua formação se apresentam fortemente no bojo das discussões quando se fala em

professores para atuarem nessa modalidade de ensino.

Ainda a esse respeito, Zabala (2004), aponta que a formação deve está vinculada ao

acrescimento e ao aperfeiçoamento das pessoas no sentido global, crescer como pessoas, pois

não haveria sentido falarmos de formação contínua se não sob a perspectiva de nos

aperfeiçoarmos como pessoas.

Ao se pensar o desenvolvimento da formação continuada deve se ter como norte a

valorização do saber docente em todos os seus aspectos, bem como os anseios e a

necessidades dos docentes. Candau (1990) apresenta três eixos que servem como referência

para a formação de professores na atualidade:

1- A escola deve ser vista como locus de formação continuada;

2- A valorização dos saberes da experiência docente;

3- A consideração do ciclo de vida dos docentes.

Corroborando com essa ideia, Nóvoa (1997), defende que a escola deve ser o lócus de

formação continuada do educador, é o lugar onde se evidenciam os saberes, onde se aprende,

desaprende, adquire novos aprendizados, descobre e organiza sua práxis numa relação

dialógica entre o profissional e o aprimoramento da sua formação.

Pode-se dizer que a formação se apresenta como um processo ativo em que o professor

necessita de uma postura dinâmica e crítica. É este caminho que vai permitir que ele construa

e alicerce sua identidade pessoal e profissional.

Considerações Finais

A formação continuada de professores ainda se constitui como um grande desafio nos

dias atuais. Trabalhar a ideia de que a formação contínua é necessária para a

construção e re-construção de conhecimentos ainda é parte importante dos cursos de formação

contínua e muito se tem que fazer no sentido de desmistificar a visão de que possuir a

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licenciatura inicial seja suficiente, não havendo mais a necessidade de participar de novos

cursos e atividades de estudo.

O professor precisa se comportar como um investigador do seu campo de trabalho, a

fim de discutir, intervir e propor mudanças. Não se pode mais pensar a formação de um

sujeito desconectado de uma realidade mais ampla. É necessário pensar num modelo mais

participativo em razão de que o conhecimento parte também das atividades, pesquisas e

vivências dos sujeitos que vivem num processo de continua aprendizagem.

Até mesmo nos momentos de construção do plano de aula e organização das

atividades, deve se refletir em como os conteúdos escolares se relacionam com a sua prática.

Nesse entendimento o processo de pesquisa é apresentado como uma fazer cotidiano, seja no

planejamento das ações escolares ou em cursos, pois os problemas de pesquisa antes de

qualquer coisa devem partir dos problemas da vida diária do professor.

Na perspectiva de que o docente também é responsável pela sua formação e a mesma

deva fazer parte da sua profissão, do seu caminhar, do seu fazer diário. O processo de

formação e o conhecimento necessário não se dão simplesmente em participação em cursos e

palestras, e sim por meio de um processo cotidiano de análise reflexiva e crítica acerca das

práticas, do exercício diário da docência. Um processo que ocorre no contexto e não

individualizado.

De acordo com Nóvoa (1997, p.28):

Formar um professor é possível? Formar não, formar-se! O professor forma a si

mesmo através das suas inúmeras interações, não apenas com o conhecimento e as

teorias aprendidas nas escolas, mas com a prática didática de todos os seus antigos

mestres e outras pessoas, coisas e situações com as quais interagiu em situações de

ensino durante toda a sua vida.

Assim a formação continuada, é entendida como parte da vida do professor e depende

muito do seu desenvolvimento, do seu fazer, a fim de propiciar mudanças não tão somente na

sua formação, mas na sua prática como professor e na forma como se relaciona com o mundo.

Referências

CANDAU, Vera Maria (org.). Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes, 3ª

Edição, 1999.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Brasília, Senado Federal,

1988.

147

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lei nº 8069 de 13 de junho de 1990.

KRAMER, Sônia. A política do pré-escolar no Brasil: A arte do disfarce. 5.ed. São

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NÓVOA, A. Os professores e as histórias da sua vida. In: NÓVOA, A.

(org). Vidas de professores. Porto, Portugal: Porto Editora, 2 ed.1995.

NÓVOA, A. A. Formação de Professores e profissão docente. In A. Nóvoa (coord.)

(1997). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 3 ed. 1997.

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ROSEMBERG, Fúlvia. A Educação Infantil no Brasil. In: Seminário Izabela

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junho/2004.

SACRISTAN, J.G. Consciência e ação sobre a prática como libertação profissional dos

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ZABALZA, Miguel A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto

Alegre: Editora Artmed, 2004.

Como referenciar esse texto:

BARROS, Tatiane da Costa e PINHO, Maria José de. Pensando a formação continuada de professores para a

educação infantil. In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO

RURAL - EDURURAL, 5: Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da

Pedagogia e da Geografia, 2014. Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08-

347. ISBN: 9788563526618. P. 139-147.

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PRÁTICAS ESCRITAS NO PROGRAMA PROJOVEM CAMPO –

SABERES DA TERRA

Sandra Maria de Sá Pereira – Docente Município de Nazaré-TO; Email:

[email protected]

Cícero da Silva – Docente SEDUC-TO; Email:

[email protected].

RESUMO

O presente artigo objetiva investigar as práticas escritas desenvolvidas no Programa ProJovem

Campo – Saberes da Terra a partir da produção textual de alunos vinculados ao programa. O

estudo é representado pelas produções escritas de dicentes do Programa da Escola Municipal

Cora Coralina, situada no distrito de Olho d‘Água, município de Luzinópolis, Estado do

Tocantins. Trata-se de uma pesquisa de natureza exploratória e descritiva, com procedimentos

de coleta de dados bibliográfica e de campo. O corpus é representado por textos de 03 (três)

Diários de Registro (DR), produzidos no ano letivo de 2011 por alunos do 9º ano da referida

escola. O DR é um suporte utilizado para registros escritos de diferentes gêneros, produzidos

pelos alunos com base nas aulas teóricas e práticas desenvolvidas no Programa.

Palavras-chave: Gêneros textuais. Diários de registro. Práticas escritas. Saberes da Terra.

1 INTRODUÇÃO

O estudo ou produção de gêneros textuais (orais e escritos) no contexto escolar é

uma proposta que ganha força principalmente na década de 1990, com a implementação dos

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), os quais definem diretrizes para

o ensino de Língua Portuguesa. Embora tenham se tornado objeto de investigação de muitas

pesquisas e tais estudos tenham demonstrado bons resultados para o ensino, a efetivação de

atividades tomando os gêneros textuais como objeto intermediário de ensino das práticas de

escrita, leitura e produção oral ainda é um desafio.

A partir de um estudo realizado com alunos do Programa ProJovem Campo –

Saberes da Terra, da Escola Cora Coralina no Distrito Olho d‘Água, em Luzinópolis, Estado

do Tocantins, foi investigado como se constituem suas práticas de escritas no programa. Tais

práticas são representadas pela produção textual de diferentes gêneros, sendo estes

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construídos na interação comunicativa entre os diversos atores (alunos, professores e

membros da comunidade) que participam das aulas (teóricas e práticas).

Neste artigo, os gêneros textuais são tomados como elementos pertencentes às

atividades de linguagem que estabelecem as práticas sociais. Para tanto, são consideradas as

condições de produção dos textos, como o contexto escolar da educação do campo, os

elementos constituintes dos gêneros, o planejamento dos temas, a comunidade e os propósitos

comunicativos dos atores (alunos-professores).

Assim, o objetivo deste trabalho é investigar as práticas escritas desenvolvidas no

Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra a partir da produção textual de alunos

vinculados ao programa. Para tanto, são descritos os gêneros textuais que constituem o Diário

de registro (DR), sendo este um suporte de gêneros produzidos na Escola Cora Coralina. O

suporte é caracterizado por uma superfície física em formato específico que suporta, fixa e

mostra um texto (MARCUSCHI, 2008). Um jornal ou uma revista são exemplos de suporte;

trazem vários gêneros.

A metodologia adotada é baseada na pesquisa exploratória e descritiva, com

procedimentos de coleta de dados bibliográfica e de campo. A amostra é representada por

textos de 03 (três) Diários de registro (DR), produzidos no ano letivo de 2011 por alunos do

9º Ano do Ensino Fundamental.

O artigo constitui-se de duas partes principais. Na primeira são apresentadas algumas

concepções teóricas relacionadas aos estudos dos gêneros textuais e à produção escrita na

escola, além de um breve histórico caracterizando o Programa ProJovem Campo – Saberes da

Terra e a escola-campo. A segunda parte traz os procedimentos metodológicos. Na sequência,

são delineados conceitos, estrutura composicional e elementos constituintes dos gêneros

textuais presentes nos Diários de registro (DR). Para finalizar, são apresentadas algumas

considerações sobre a produção dos DR.

2 PRODUÇÃO ESCRITA E ENSINO DOS GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA

2.1 Os gêneros textuais

Com o desenvolvimento dos estudos linguísticos e a inserção do texto como objeto

de estudo da Linguística, sobretudo a partir da década de 1960, os gêneros textuais passaram a

ocupar lugar de destaque nas pesquisas de muitos estudiosos. Mas, a realização de um estudo

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sobre os gêneros textuais exige atenção especial para a linguagem em funcionamento, bem

como sua relação com às atividades culturais e sociais mobilizadas.

Apesar dos estudos de Bakhtin (2006) não focalizarem os gêneros como objeto de

ensino e aprendizagem de línguas, suas ideias sobre discurso, condições de produção e

recepção da atividade verbal têm influenciado as pesquisas de muitos autores. Na sua

concepção, os gêneros do discurso são ―tipos relativamente estáveis de enunciados‖

(BAKHTIN, 2006, p. 262). Por sua vez, o emprego da língua acontece por meio de um gênero

ou outro (oral ou escrito). Além disso, o autor lembra que os gêneros apresentam três

elementos básicos: o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional.

Com base em seus estudos, Marcuschi (2008, p. 155) afirma que podem ser

nomeados como gêneros textuais os textos que se encontram na vida diária e que se

apresentam como ―padrões sociocomunicativos com características definidas por

composições funcionais‖, ―objetos enunciativos e estilos concretamente realizados na

integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas‖. Embora o autor use a

denominação ―gêneros textuais‖ no excerto, sua concepção de gêneros retoma os mesmos

elementos constitutivos dos gêneros estabelecidos por Bakhtin (2006).

Os gêneros texuais, portanto, estão diretamente ligados às práticas sociais. Podem ser

considerados alguns exemplos de gêneros textuais, comuns no cotidiano, como: bilhete,

conferência, e-mail, artigo, discurso, anúncio, convite, atlas, aviso, programa de auditório,

diário, bula de remédio, cartaz, editorial, ensaio, entrevista, contrato, decreto, discurso

político, manual de instruções, letra de música, lei, mensagem, notícia, telefonema, sermão,

carta pessoal, carta comercial, resenha, cardápio de restaurante, bate-papo no computador,

aula virtual e assim por diante. No campo da literatura, tem-se: poesia, crônica, comédia,

conto de fada, romance, etc. Para a Linguística, os gêneros textuais englobam estes e todos os

textos produzidos por usuários de determinada língua. Esses gêneros podem apresentar-se na

modalidade oral ou escrita da língua, e a circulação ocorre em diferentes contextos sociais.

Na sala de aula, a produção de diferentes gêneros promove a escrita, a leitura, a fala e

a escuta, visto que a atividade deve envolver a forma como o texto é composto, o estilo de

linguagem e o conteúdo temático. Tudo isso facilita a compreensão e a aprendizagem da

produção de texto do mesmo tipo. Pode-se afirmar que os textos não abrangem um gênero em

particular, mas dá origem a vários gêneros.

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Além disso, é importante afirmar que as características peculiares de um gênero

textual permitem abordar aspecto da textualidade, como a forma de questionar, ou seja,

perguntar e outros aspectos pertinentes ao gênero em questão.

Costa Val (1991, p. 12) classifica os aspectos da textualidade como: coesão,

coerência, intencionalidade, aceitabilidade, intertextualidade, informatividade e

situacionalidade. A autora lembra que a coesão ―é a manifestação linguística da coerência‖,

ou seja, o texto que apresenta sentido claro, de fácil entendimento. Já a intencionalidade ―é a

capacidade do produtor do texto de produzir de maneira coesa, coerente, capaz de alcançar os

objetivos que tinha em mente‖. Sobre a coerência, a autora afirma que ―é o sentido do texto e

deriva de sua lógica‖.

Por sua vez, a aceitabilidade significa ―dizer se o produtor produziu, ou não, o texto

alcançando os objetivos propostos visando transmitir algo até o locutor‖, ou seja, o texto

possui coerência e coesão, é relevante, trás informatividade, é útil para o leitor. Tudo isso vai

direcionar se realmente é um texto. Já ―a intertextualidade é a capacidade de relacionar o texto

com outros textos já produzidos‖ (COSTA VAL, 1991, p. 12). Dessa forma, a utilização de

um texto ―depende do conhecimento de outros textos que já circulam socialmente‖. A

situacionalidade no texto diz respeito à ―pertinência e relevância entre o texto e o contexto

onde ele ocorre‖, isto é, a adequação do texto à situação sociocomunicativa, visto que o texto

promove uma interação na comunicação entre os interlocutores (falante-ouvinte e escritor-

leitor).

Observa-se que hoje a escola vem dando muita atenção a essas distinções, ou seja, a

esses conceitos, mostrando que é preciso trabalhar com mais frequência os gêneros textuais,

visando configurar a existência de uma situação peculiar na realidade do ensino de língua

materna, especialmente no que se refere ao desenvolvimento da produção escrita dos alunos.

Para ampliar essa discussão, a seção que se traz aborda o ensino dos gêneros na escola.

2.2 A escrita dos gêneros textuais e o ensino na escola

Na década de 1990, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) definem diretrizes

para o ensino de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998), e uma das propostas é a implementação

dos gêneros textuais (orais e escritos) no ensino. Nesse sentido, pode-se afirmar que uma das

atribuições da escola deve ser criar condições para que o aluno desenvolva as capacidades

básicas de leitura e escrita em Língua Materna. Rojo (2005, p. 184) também ressalta que ―os

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gêneros são vistos como objeto de ensino‖, devendo ser destacada a importância de considerar

as características dos gêneros na leitura e na produção de textos, já que cada gênero apresenta

elementos composicionais diferentes.

Nota-se que, a partir de 1995 até os anos atuais, ―grande atenção tem sido dada às

teorias de gênero (de textos e do discurso)‖ (BRASIL, 1998, p. 66) no campo da linguística.

Pelo menos em parte, isso se deve aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de língua

portuguesa e estrangeira, os quais fazem indicação explícita dos gêneros como objeto de

ensino. Ou seja, ―o trabalho com produção de texto tem como finalidade formar escritores

competentes capazes de produzir textos coerentes, coesos e eficazes‖ (BRASIL, 1998, p. 65).

Dessa maneira, um escritor competente é alguém que, ao produzir um gênero, conhece

possibilidades que estão postas culturalmente e socialmente, sendo capaz de selecionar tais

gêneros à maneira como o discurso se realiza.

Como parte dessa preparação, Marcuschi (2008, p. 17) afirma que ―deve-se ter em

mente a situação comunicativa em que os textos são produzidos, ou seja, é preciso levar em

conta quem produz, com que objetivo, em que momento e para quem produz‖. Ou seja, se o

texto for produzido sem objetivo, apenas com a finalidade de ―praticar‖ a produção escrita,

esse texto pode não ter sentido. A produção dos gêneros em sala de aula deve levar em

consideração as condições de produção, os propósitos comunicativos dos autores e a interação

comunicativa que eles estabelecem.

Se o professor pretende trabalhar com a produção de correspondência, por exemplo,

pode sugerir aos alunos que imaginem situações em que necessitem comunicar algo, visto que

a produção de bilhetes é conveniente. O gênero bilhete pode caracterizar uma linguagem de

estilo mais informal, podendo ser usadas gírias comuns do seu dia-a-dia. Se o aluno produzir

um bilhete para o professor comunicando que não poderá comparecer à aula, seu texto escrito

deve ser caracterizado segundo os elementos do respectivo gênero.

Ao propor qualquer atividade envolvendo gêneros, o professor deve ter noções claras

a respeito das condições de produção, elementos constitutivos, etc. É preciso desenvolver

estudos dos gêneros de maneira integrada e estimular os alunos a serem efetivamente

participantes no processo, produzindo e lendo as produções, não só para agradar o professor,

mas para estarem realmente preparados para produzirem diferentes tipos de textos e gêneros

adequados às situações de comunicação com as quais se deparam no dia-a-dia.

Entende-se que a partir de intenções comunicativas de uma determinada comunidade

são gerados gêneros orientados pelos usos sociais que se fazem deles. Os PCN (BRASIL,

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1998, p. 38) destacam alguns para os 3º e 4º ciclos, como por exemplo: os gêneros literários

(poema, texto dramático); os de imprensa (entrevista, carta ao leitor, editorial); os da

publicidade (propaganda); os de divulgação científica (exposição, seminário, relatório de

experiências, resumo de verbetes de enciclopédia). Como se pode observar, cada contexto

social favorece a produção ou circulação de diferentes tipos de textos e gêneros.

No caso do objeto de estudo desta pesquisa, é preciso destacar que ao construir o

Diário de registro (DR) são produzidos diversos tipos de textos e gêneros em diferentes

esferas sociais (escola, família, comunidade, etc.). A produção dos gêneros textuais ocorre de

acordo com as aulas teóricas e práticas realizadas no programa, constituindo atividades mais

significativas e capazes de proporcionar aos alunos a construção do seu próprio discurso, por

meio da escrita dos gêneros. Tais gêneros registram os acontecimentos ou desenvolvimento

das aulas, possibilitando a ampliação de uma visão prática da escrita, visto que as atividades

podem levar à elaboração de textos relacionados a aspectos da realidade cotidiana dos alunos.

A produção dos gêneros que compõem esse diário não ocorre apenas com a finalidade de

ensinar a leitura e a escrita, mas, sobretudo refletir, valorizar a própria realidade e a história

dos atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.

2.3 Caracterização do Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra

Depois de muitas lutas empreendidas pelos movimentos sociais pela definição de

uma política educacional que reconheça as necessidades próprias dos jovens, bem como a

diversidade e a realidade diferenciada do campo, aliada à construção de uma política nacional

de juventude, onde os jovens do campo são reconhecidos como cidadãos de direitos, o

Governo Federal publicou a Medida Provisória nº 411/2007, que instituiu o PROJOVEM.

Esse programa tem como objetivo principal ―[...] promover a reintegração de jovens

ao processo educacional, sua qualificação profissional e seu desenvolvimento humano e

cidadão‖ (BRASIL, 2008, p. 14-15). O programa está dividido em quatro modalidades: I –

ProJovem Adolescente; II – ProJovem Urbano; III – ProJovem Trabalhador; e IV – ProJovem

Campo – Saberes da Terra. Neste trabalho, será abordado apenas este último.

Hoje, o ProJovem Campo – Saberes da Terra faz parte do Programa Nacional de

Educação de Jovens Integrada com a Qualificação Social e Profissional para Agricultores

familiares, implementado pelo Ministério da Educação por meio da Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) e da Secretaria de Educação Profissional

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e Tecnológica (BRASIL, 2008, p. 16). A proposta do programa é desenvolver uma política

que fortaleça e amplie o acesso à educação aos alunos e a permanência de jovens agricultores

familiares, situados na faixa etária de 18 a 29 anos, no sistema formal de ensino.

Em relação à escolarização, o ProJovem Campo – Saberes da Terra tem como

finalidade proporcionar a formação integral ao jovem do campo por meio da elevação do

nível de escolaridade. Tendo em vista a conclusão do Ensino Fundamental com qualificação

social e profissional, a proposta visa fortalecer a ação dos jovens agricultores para o

desenvolvimento sustentável e solidário de seus núcleos familiares e suas comunidades, por

meio de atividades curriculares e pedagógicas. Em conformidade com o disposto no artigo 2º,

parágrafo único, das Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo –

Resolução CNE/CEB Nº 1, de 03 de abril de 2002, o decreto 7.352/2010, de 4 de novembro

de 2010, em seu artigo 1º, faz saber que:

a política de educação do campo destina-se a ampliação e qualificação da oferta de

educação básica e superior às populações do campo, e será desenvolvida pela União

em regime de colaboração com os Estados, Distrito Federal e os Municípios, de

acordo com as diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação e o

disposto neste Decreto (BRASIL, 2010).

Isso quer dizer que a política da educação do campo deve oferecer educação formal

aos trabalhadores que não tiveram a oportunidade de estudar, ou não tiveram oportunidade de

frequentar uma escola, por residir em locais de difícil acesso ou até mesmo por falta de

interesse. Ainda de acordo com o decreto 7.352/2010, artigo 1º, § 4º,

a educação do campo concretizar-se-á mediante a oferta de formação inicial e

continuada de profissionais da educação, a garantia de condições de infra-estrutura e

transporte escolar, bem como de materiais e livros didáticos, equipamentos,

laboratórios, biblioteca, áreas de lazer e desporto adequados ao projeto político

pedagógico e em conformidade com a realidade local e a diversidade das populações

do campo (BRASIL, 2010).

Como mostra esse excerto, para ofertar a educação do campo é necessário que os

profissionais da educação passem por formação continuada. Para isso, é preciso garantir

condições de espaço físico adequado, meios de transporte, materiais didáticos como livros,

aparelhos tecnológicos, laboratórios, biblioteca para pesquisa, áreas para lazer e outros

mecanismos que venham intermediar ou contribuir com o processo de ensino-aprendizagem

dos alunos do programa.

2.4 Contextualizando a Escola-Campo

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A pesquisa foi realizada na Escola Cora Coralina, localizada no distrito de Olho

d‘Água, município de Luzinópolis, Estado do Tocantins. Esse Distrito fica a

aproximadamente 03 km da sede do município. O povoamento de Olho d‘Água iniciou-se por

volta do ano de 1956, com a chegada de agricultores que foram se ―apossando‖ das terras (até

então, devolutas), fixando residências para exploração da madeira e do babaçu. Quando se

iniciou a formação do distrito de Olho d‘Água, o mesmo pertencia ao município de

Tocantinópolis. Com a criação do Estado do Tocantins em 1988, passou a pertencer ao

município de Cachoeirinha, que foi desmembrado de Tocantinópolis. Por questões políticas, o

distrito pertenceu ao município de Cachoeirinha até 1995. Mas, desde 1996 Olho d‘Água

passou a fazer parte do município de Luzinópolis.

Durante seus primeiros anos, a referida unidade de ensino funcionava em uma casa

de palha construída pelos próprios moradores da comunidade (pequenos agricultores, etc.),

sendo que o salário da professora contratada à época era pago pelos pais dos alunos. No

decorrer dos anos, sobretudo após a criação do Estado do Tocantins, foi construído o prédio

(com melhor estrutura) em que a escola funciona atualmente, composta de duas salas de aulas,

uma cantina, dois banheiros e um depósito no qual são armazenados os materiais e utensílios

escolares. É importante ressaltar que esses dados foram coletados por meio de informações

fornecidas pelos moradores mais antigos do distrito, e também em documentos disponíveis na

escola.

Atualmente, a escola atende a alunos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Por ser

uma escola situada no meio rural, a cada dia precisa ampliar seu atendimento à comunidade.

Assim, durante os anos de 2009 a 2011 esta unidade de ensino foi contemplada com o

Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra, um programa que tem como meta principal

desenvolver uma política que fortaleça e amplie o acesso e a permanência no sistema formal

de ensino (ou na escola) de jovens agricultores e das famílias.

A população desse distrito sobrevive basicamente da agricultura familiar. As

mulheres coletam e quebram o coco babaçu, além de auxiliarem os cônjuges na lavoura e no

sustenta da família. No geral, são pessoas de baixa renda e que para melhor sobreviver

utilizam-se dos recursos extrativistas e agrícolas que a terra oferece, como ocorre nas

comunidades e assentamentos localizados na Região do Bico do Papagaio.

A região do Bico do Papagaio é uma região muito conhecida pelos conflitos agrários

que aconteceram nas décadas 1970 e 1980 (FERRAZ, 1998). Tais conflitos ocorreram,

principalmente, por que as terras da região que já eram habitadas há décadas por pessoas das

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comunidades tradicionais locais, frequentemente passaram a ser invadidas por grandes

latifundiários (pecuaristas e madeireiros). Estes invasores contratavam homens conhecidos

como ―pistoleiros‖ para matar os agricultores ou expulsá-los. Tais conflitos geraram muitas

mortes, entre elas, o assassinato do líder da Igreja Católica, Padre Josimo, o qual pregava o

direito ao trabalho rural, ao acesso e a permanência dos agricultores na terra.

Hoje, sob a liderança do Movimento Sem-Terra (MST), a luta pela terra nessa região

ainda continua. Do início do ano de 2006 até o final de 2009, algumas famílias formaram um

acampamento nas proximidades da BR 230, bem perto do distrito de Olho d‘Água, uma forma

de reivindicar um assentamento. Muitas dessas famílias conquistaram o direito à posse de

terras e outros foram para outra região.

Portanto, observa-se que os camponeses geralmente encontram fechadas as duas

portas, tanto a do campo como a da cidade. Isso porque nem sempre encontram oportunidades

ou acesso à terra para trabalhar e à educação para seus filhos. Mas, apesar dessas

adversidades, é preciso tentar resistir no campo e buscar outras formas de luta para conquistar

outros direitos, como a saúde, por exemplo. A implantação da escola e a chegada do

Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra faz parte das lutas dos povos do campo, e foi

de grande relevância para a comunidade do distrito de Olho d‘Água.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O tema desenvolvido nesta pesquisa é a produção escrita no Programa ProJovem

Campo – Saberes da Terra. O estudo tem como objetivo investigar a proposta do referido

programa para as práticas escritas e a produção textual dos discentes, a partir do estudo

realizado com alunos desse Programa na Escola Cora Coralina, do distrito de Olho d‘Água,

município de Luzinópolis, Estado do Tocantins.

O trabalho tem como referenciais metodológicos a pesquisa de campo e a pesquisa

bibliográfica. O corpus é composto por textos de 03 (três) Diários de registro (DR) de alunos

do Programa. Os dados foram gerados dentro (tempo escola) e fora da sala de aula (tempo

comunidade) da escola-campo por meio de aulas práticas, com base em pesquisas e visitas de

campo a alguns locais importantes para o convívio social dos alunos na comunidade. Foram

produzidos diferentes gêneros textuais escritos que constituem os DR dos alunos do 9º ano do

Ensino Fundamental, durante o período compreendido entre março e junho de 2011.

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Os informantes da pesquisa são 03 (três) alunos da faixa etária de 18 a 29 anos de

idade e todos trabalham na agricultura, sendo que dois são casados e um possui companheiro

(a). É importante lembrar que um reside no Distrito de Olho d‘Água e outros dois em

comunidades circunvizinhas situadas no município de Luzinópolis.

Nas práticas escritas em sala de aula, a inserção ou produção de gêneros textuais a

partir de temas ligados à realidade local possibilita a valorização da cultura, das experiências,

da história dos alunos, além de ser mais significativo para o ensino-aprendizagem de língua

materna. Essa proposta de trabalho com a produção textual faz parte do ProJovem Campo –

Saberes da Terra, bem como da educação do campo.

Como mostra a análise, a maior parte dos discentes prefere expor ou relatar seus

problemas familiares através dos gêneros escritos nos diários de registro. São gêneros textuais

que permitem ao educando refletir sobre sua vida, sua realidade cotidiana, a família, a

comunidade, suas experiências, etc. A escrita dos gêneros é entendida como prática de

linguagem, os quais são construídos na interação entre os diversos atores sociais (alunos,

professores, membros da comunidade, etc.) que participam das aulas (teóricas e práticas). E os

diferentes tipos de textos e gêneros que constituem os DR dos alunos exemplificam tal

prática.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

4.1 Ensino de leitura, escrita e língua materna nos eixos temáticos do Programa

ProJovem Campo – Saberes da Terra

De acordo com a Proposta Curricular da Educação do Campo (TOCANTINS, 2009,

p. 38), o Eixo Temático I do Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra está relacionado

à produção de textos orais e escritos. A proposta é que sejam organizados e trabalhados os

diferentes tipos de textos e gêneros, com observação especialmente sobre a escrita dos textos

nas atividades dos alunos.

Em relação às atividades de leitura, Ferreiro e Teberosky (1985, p. 36) afirmam que

a criança ao aprender a ler, precisa começar a concentrar-se no fato de que a

linguagem falada consiste de palavras e sentenças separadas. É necessário que ela

descubra também que as palavras e as sentenças escritas correspondam a essas

unidades da fala.

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As atividades com gêneros escritos são o primeiro passo no processo de aprendizado

da leitura. Ainda no Eixo Temático I, para a produção de textos orais e escritos, segundo a

Proposta Curricular da Educação do Campo (TOCANTINS, 2009, p. 38), está prevista a

inserção de gêneros como os artigos de divulgação científica, os textos didáticos, história de

vida, relatório de experiências científicas, verbete de dicionário, verbete de enciclopédia, os

artigos, carta de leitor, editorial, notícia, perfil, reportagem, charge e tirinha, anúncio

publicitário, cartilha educativa, instruções de uso, textos de aconselhamento e auto-ajuda,

poema, conto, crônica e texto dramático, resumo e resenha de filmes. Evidentemente, tais

gêneros permitem discutir diferentes assuntos.

O Eixo Temático II está relacionado à análise linguística (BRASIL, 1998), com a

proposta de que seja organizado e trabalhado em sala de aula com os alunos, pelo menos, de

duas maneiras. Uma delas consiste em fazer de seus tópicos expansões de outros tópicos do

Eixo I, inserindo-os nos momentos em que a situação o permitir. Por exemplo, o trabalho com

a significação de palavras de determinado texto pode requerer a identificação de neologismos.

Assim, quase todos os tópicos de Língua e Linguagem podem ser articulados com temas ou

conteúdos dos gêneros previstos para atividades no Eixo I.

Outra forma de desenvolver o Eixo II consiste em organizar unidades temáticas em

torno de seus tópicos. Elaboradas pelo professor, elas devem levar em consideração os

conhecimentos prévios, a realidade e as necessidades dos alunos. Dessa forma, permitirão a

reflexão sobre os usos da língua de forma mais crítica e contextualizada, já que requer o

planejamento de um momento específico para serem estudadas.

Já o Eixo Temático III, conforme a Proposta Curricular da Educação do Campo

(TOCANTINS, 2009, p. 38), está direcionada aos mitos e símbolos literários na cultura

contemporânea, bem como a literatura e outras manifestações culturais. Esses conteúdos são

organizados e explorados na leitura de textos literários com envolvimento da imaginação e da

emoção.

Um dos objetivos do Eixo III é levar o aluno a reconhecer mitos e símbolos literários

em circulação na cultura contemporânea, identificar valores veiculados, posicionar-se

criticamente frente a ideologias e organizar ações coletivas de apresentação e discussão de

textos literários e outras manifestações culturais. Kleiman (1989, p. 66) lembra que

[...] o leitor fica ensimesmado em seus próprios pensamentos, escutando apenas a

sua voz interior, e depois atribui ao autor informações e opiniões consistentes com

suas crenças e opiniões, apesar de o texto apresentar elementos formais que não

permitiriam essa conclusão.

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Tudo isso pode melhorar a valorização da literatura e de outras manifestações

culturais como formas de compreensão do mundo e de si mesmo, visto que é um papel

importante na formação de leitores proficientes. Além disso, a proposta de leitura e escrita de

diferentes gêneros possibilita o ensino/aprendizado de língua materna, pois os alunos

desenvolvem as capacidades de ler, escrever, escutar e falar (BRASIL, 1998).

4.2 Caracterização de Gêneros Textuais produzidos no Programa ProJovem Campo –

Saberes da Terra

Por meio de um estudo realizado na Escola Cora Coralina, no distrito Olho d‘Água,

do município de Luzinópolis, Estado do Tocantins, com os alunos do Programa ProJovem

Campo – Saberes da Terra, foram identificados e caracterizados os principais gêneros textuais

que constituem o Diário de registro (DR) escritos pelos discentes.

Foi investigado como se constituem os gêneros e as práticas escritas nas aulas do

programa. Para análise, foram selecionados os DR de 03 (três) alunos diferentes. Os gêneros

textuais dos Diários de registro são construídos na interação entre os diversos atores sociais

que participam das aulas (alunos, professores, membros da comunidade, etc.). No geral, a

análise dos textos do corpus mostra que a maior parte dos discentes prefere expor seus

problemas familiares através dos gêneros produzidos. Os gêneros textuais mais recorrentes

nos DR e produzidos pelos alunos são: Relatos de memória, Relatos de visitas e Receitas.

No texto 1 – Relato de Memória, o Informante MNBS, relata sua história de vida,

infância, dia, mês, ano e local onde nasceu, bem como os membros de sua família, sua vida

estudantil e sua renda para o sustento. O texto deixa claro que a autora, enquanto camponesa,

não teve uma adolescência ―normal‖.

Para construção desse texto do DR, foi realizada uma atividade na disciplina de

História. Com o propósito de trabalhar com os alunos as condições de produção e estrutura

composicional desse gênero (Relato de memória), a professora levou para sala de aula alguns

textos desse gênero. Em seguida, leu e discutiu o assunto com os alunos, focalizando também

aspectos constitutivos do gênero. Por último, solicitou que cada um dos alunos relatassem sua

história de vida, a ser apresentada posteriormente na sala de aula por todos.

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O objetivo era desenvolver a criatividade de cada educando, cuja missão individual

era apresentar e socializar a ―autobiografia‖ junto aos colegas de classe. Veja o texto 1 –

Relato de Memória, o qual faz parte do corpus:

Texto 1 – Relato de Memória

Minha História de vida

Eu nasci no dia 14 de dezembro de 1981 no

povoado Brejo Feio nasci e me criei lar, fui

uma criança feliz não conheci meu pai fui

criada pelos os meus avós juntos com meus

irmãos comecei a estuda com 8 anos estudei

até 3ª série lar fiz a 4ª série aqui em

Luzinópolis trabalhando nas casas dos

outros para poder estudar.

Com 15 anos tive um filho e fiquei sem

estudar voltei para casa de meus avós.

Air quando completei 19 anos meu pai

apareceu eu já tinha marido e filhos tive 11

filhos tenho 7 vivo crio 5 e tem dois fora e 1

no Brejo Feio e a outra em São Paulo.

Sou lavradora estou fazendo de tudo para

que um dia eu consiga terminar meus

estudos.

Tenho um sonho de poder ver meus filhos

formados e empregados.

Tenho minha família sou feliz

com o que tenho e com o que sou. Estou

fazendo 8ª série e com fé em Deus ele vai

me da força para eu luta para ter uma vida

melhor e com fé em Deus irei vencer.

Nota-se que o texto 1 – Relato de Memória possui um conteúdo que aborda questões

relacionadas à infância, situação financeira, situação familiar e experiências cotidianas.

Observa-se ainda que a construção desse gênero exige competência discursiva (BRASIL,

1998) por parte dos jovens aprendizes, sobretudo para articular as informações. É um gênero

capaz de levar o autor a sentir-se importante, já que sua história de vida é que possibilita a

construção do gênero. Para complementar e ampliar as informações do texto verbal, a autora

insere um texto não verbal (uma foto pessoal).

Além disso, no gênero Relato de Memória o informante 1 aborda no texto questões

relacionadas ao dia, mês, ano e seu local de nascimento, como foi sua infância, sua situação

escolar, crise familiar, situação financeira, gravidez precoce, ou seja, retoma sua memória. É

um texto de cunho narrativo e descritivo, no qual a autora conta sua história de vida, faz

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abordagens sobre como foi a sua infância e descreve minuciosamente sua vida desde a

infância até a sua vida escolar. A mesma também aproveita para questionar sua situação

familiar, financeira e as experiências cotidianas. Observa-se que a aluna expõe no texto que

tem uma família, é feliz, está cursando a 8ª Série (9º ano) e espera ter uma vida melhor. Uma

observação importante é que, apesar da triste história de vida, a aluna destaca que é feliz e vai

realizar seus sonhos e vencer.

Já em relação ao uso da língua materna, o texto apresenta algumas inadequações,

sobretudo na parte ortográfica e pontuação. No início do texto, percebem-se inadequações

relacionadas à concordância verbal em ―nasci e me criei lar”, bem como ideias soltas e

repetidas em alguns períodos, como: “Estou fazendo 8ª série e com fé em Deus ele vai me da

força para eu luta para ter uma vida melhor e com fé em Deus irei vencer”. Apesar disso, é

um texto coerente.

Outro ponto importante a ser observado em relação ao texto 1 é que ele foi produzido

pelo aluno e traz como tema a própria história de vida da autora. Os relatos de memórias

oferecem maior liberdade aos autores (alunos) para escreverem seus textos, sendo

caracterizados por um estilo livre e linguagem objetiva, constituindo um texto que

predominam sequências narrativas. Esses gêneros possuem os mesmos elementos do texto

narrativo, pois apresentam personagens, o fato acontece em um determinado lugar, num

determinado momento e, sem dúvida, é narrado por alguém, como ilustra o texto 1. Pode-se

dizer que a produção de um gênero textual como o Relato de memória leva o autor a sentir

importante, visto que sua história de vida possibilita discutir informações e meios que

favorecem a construção do conhecimento.

No texto 2, o Informante SSB apresenta o gênero Relato de Visitas, escrito com base

no estudo de campo. Para produção de cada relato, foi realizada uma prática, conforme a

proposta do Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra e sua metodologia de trabalho. O

cronograma de aula no tempo comunidade prioriza visitas a locais nos quais são

desenvolvidos algum tipo de atividade significativa para formação dos alunos, como visitas a

escola agrotécnica, a plantação de eucalipto, horta, plantação de abacaxi, etc. Tais visitas

estão relacionadas aos ―saberes da terra‖, ao cultivo, as plantações, ou seja, a uma atividade

praticada no meio rural, como é o caso da visita realizada à Casa de Lona, em Tocantinópolis.

Após tal visita, os alunos relataram suas experiências, destacando o que mais aprenderam ou

gostaram, etc. Na sequência, o texto 2 trás o relato de um dos informantes da pesquisa:

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Texto 2 – Relato de Visitas

Relatório de visita a casa de lona em

Tocantinópolis

A visita foi boa aprendi a cuidar de

hortas. Sei como plantar verduras. Sei

como fazer com as sementes para obter

um bom plantio.

Aprendi como pode fazer os barracos

qual é o tipo de lona que serve para

cobrir como pode esticar a lona para

não ficar mal colocado.

Eu gostei muito do passeio conheci um

bom lugar para tomar banho.

Como mostra o texto 2 – Relato de visita, a visita realizada à casa de Lona em

Tocantinópolis foi muito importante. A aula de campo possibilitou ilustrar aos alunos o

trabalho na parte da agricultura, como cultivar hortas, construir barracos, além de terem a

oportunidade de apreciar um local de lazer típico da região, como o banho de rio. Isso

também gera reflexões sobre a necessidade de conservação da natureza.

A produção do Relato de visita oferece liberdade aos autores (alunos) na sua

composição. Pode-se afirmar também que é um gênero caracterizado por um estilo livre,

aparentemente pessoal e com predominância de sequências expositivas. Apesar de ser

constituído de frases soltas, sem conectivos e com problemas de pontuação e informações

limitadas, é um texto coerente com a proposta de escrita do gênero para o DR.

Já o terceiro gênero textual do DR selecionado para análise foi o gênero Receita.

Para produção do texto 3, alunos e professores realizaram uma observação sobre as diferentes

etapas envolvidas no preparo de um bolo, durante uma aula de campo. Como a experiência

tinha o propósito de fazer um bolo de laranja, foram colhidas as laranjas. Após lavá-las,

iniciou-se o processo de retirada das cascas e do suco das laranjas, bem como a preparação

dos demais ingredientes de um bolo.

Seguiram o modo de fazer a receita, ou seja, bateram todos os ingredientes (o trigo, a

massa, os ovos, açúcar, óleo, leite, fermento) e colocaram para assar. Após assado o bolo, os

alunos realizaram atividades de matemática revendo quantidade e medidas, com base na

receita. O texto 3 ilustra a receita escrita por um dos alunos.

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Texto 3 – Receita

No dia 20 04 11 iniciamos aula fazendo um

bolo.

Bolo de laranja

1 Kg de trigo

1 massa pronta (de laranja)

7 ovos

2 copos açúcar

2 copos de óleo (ou manteiga 500g-delicia)

1 litro de leite

2 colheres fermento.

Colocamos pra assar e formos pra sala.

Depois fazermos o bolo, entramos na sala

depois fizemos uma avaliação de

Matemática.

Observando o texto 3, nota-se que o mesmo inicia com o dia, mês e ano em que foi

ministrada a aula. Apesar de ser o gênero receita, o autor situa ao leitor o tempo em que

ocorreram as ações. Já as informações relacionadas ao modo de preparado do bolo são

limitadas, não permitindo que alguém a realize. A reescrita do texto, sob orientação do

professor, poderia ter melhorado tais informações nesse gênero para registro no DR. Por sua

vez, o gênero receita é marcado pelas sequências injuntivas. Estas sequências têm como

propósito detalhar os passos necessários para realizar uma ação. Por isso, dirigem-se ao leitor,

utilizando verbos de procedimento, modo imperativo, e, às vezes, gráficos e desenhos. Em

relação ao emprego da língua materna, percebe-se que as palavras foram registradas

corretamente pelo aluno, mas o texto apresenta problemas de coesão na última parte. Há ainda

inadequação de pontuação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na análise desses textos dos DR, nota-se que o estudo possibilitou

conhecer como se articulam as práticas de escrita dos alunos do Programa ProJovem Campo –

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Saberes da Terra, bem como o processo de produção dos diferentes tipos de textos e gêneros

textuais durante as aulas de campo. Evidentemente, isso permite refletir sobre a relação

estabelecida entre teoria e prática nas atividades de ensino.

É importante que o professor esteja atento e preparado para avaliar o aluno quanto à

questão da escrita de acordo com as regras de uso da língua padrão. Entretanto, verificar

apenas inadequações ortográficas e gramaticais parece ser um trabalho incipiente, tendo em

vista a riqueza da composição dos gêneros textuais. É preciso valorizar o que o educando

conhece e pensa sobre determinado assunto, ou acerca da realidade em que vive. Torna-se

fundamental estimulá-lo a escrever e reescrever o próprio texto. A reescrita deve fazer parte

do processo de produção escrita. De certo modo, ela envolve as condições de produção dos

gêneros, pois estas são bem mais abrangentes e significativas para o aprendizado do educando

e a produção final dos textos.

O estudo com foco na produção de gêneros dos Diários de registro dos alunos do

Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra, da Escola Cora Coralina no distrito Olho

d‘Água, município de Luzinópolis, Estado do Tocantins, mostra que as práticas escritas

realizadas envolvem atividades diferenciadas. Sob orientação de um professor, a produção

textual dos discentes ocorre de acordo com cada ―acontecimento‖ nas aulas, como aula de

campo, tempo integral, visitas, história de vida, etc.

Por meio dos registros e da análise realizada sobre os DR, foi possível refletir melhor

sobre os tipos de textos escritos e gêneros textuais produzidos pelos alunos no Programa,

oferecendo assim subsídios para o trabalho pedagógico com as novas turmas. Certamente, é

uma contribuição significativa para o trabalho com a produção de gêneros textuais.

Em relação à capacidade de escrever dos informantes, observa-se que todos

apresentam dificuldades na escrita, sendo que os mesmos afirmam que não sabem escrever

melhor por não praticarem a leitura e a escrita com frequência. Não se pode depreender que os

alunos leem pouco apenas por falta de vontade; trata-se de uma questão relacionada às

limitações de acesso à cultura letrada no meio rural.

Observa-se por meio da análise dos textos dos DR e da pesquisa realizada na Escola-

campo que há limitações por parte dos alunos não só em relação à escrita, mas também à

leitura. Podemos afirmar que isso ocorre, principalmente, devido o déficit de livros na

unidade ensino em que frequentam. Por ser uma escola situada no meio rural, o acesso a

livros mais próximo fica a 03 km de distância. Como os alunos não têm tempo disponível

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para buscar livros (por serem pequenos agricultores), torna-se difícil melhorar o hábito de

leitura.

Como forma de encaminhamento, sugerimos que seja realizada uma pesquisa com os

alunos do distrito Olho d‘Água, no intuito de verificar que tipo de livros, temas e gêneros um

aluno do meio rural gostaria de ler para ampliar seu conhecimento. A partir dos resultados,

cabe à escola, em parceria com outras instituições, planejar e fazer a aquisição de materiais

necessários para montar uma pequena biblioteca na comunidade.

Entendemos que àqueles livros que trazem informações que auxiliem o trabalho no

campo, além da literatura popular, como cordéis, podem ser (mais) adequados ao público do

meio rural. Além disso, o acervo precisa contar com jornais, revistas, obras da literatura

regional, literatura infanto-juvenil, entre outros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 261-335

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______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e

Diversidade. Projeto Político Pedagógico: Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra.

Brasília: MEC/SECAD, 2008.

______. Decreto 7.352, de 4 Novembro de 2010. Dispõe sobre a Política de Educação do

Campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA. Disponível

em: <HTTPS:// www.planalto.gov.br/ccivil_03_ato2007-2010/2010/decreto/d7352.htm>

Acesso em: 24 out. 2011.

COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e Textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

FERRAZ, Siney. O movimento Camponês no Bico do Papagaio: Sete Barracas em busca

de um elo. Imperatriz: Ética, 1998.

FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes

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KLEIMAN, Ângela B.. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. São Paulo: Pontes,

1989.

MARCUSCHI, Luiz Antonio. Produção textual, Análise de Gêneros e compreensão. São

Paulo: Parábola Editorial, 2008.

PRONERA – Programa nacional de Educação na Reforma Agrária. Educação do Campo.

Tocantins, 2008.

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

ROJO, Roxane. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In:

MEURER, J. L.; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, Désirée (Orgs). Gêneros: teorias,

métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. p. 184-207.

TOCANTINS. Proposta Curricular da Educação do Campo. Palmas: SEDUC, 2009.

(mimeo.)

Como referenciar esse texto:

SILVA, Cícero da e PEREIRA, Sandra Maria de Sá. Práticas escritas no Programa Projovem Campo – Saberes

da Terra. In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL -

EDURURAL, 5: Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da

Geografia, 2014. Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN:

9788563526618. P. 148-166.

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A CONCEPÇÃO PEDAGÓGICA DE EDUCAÇÃO RURAL DOS

“NOVOS BANDEIRANTES”

George Leonardo Seabra Coelho- Professor Msc (UFT): Câmpus de Arraias. Email:

[email protected]

RESUMO: Esta comunicação tem o intuito de discutir a concepção pedagógica de Educação

Rural dos ―novos bandeirantes‖. Os ―novos bandeirantes‖ foram um grupo de intelectuais

paulistas que se organizaram nos anos de 1935-1937 com o intuito de combater o comunismo,

o fascismo e a liberal democracia no Brasil. Tendo a frente do movimento Cassiano Ricardo e

Menotti Del Picchia – escritores que compunham a corrente do modernismo intitulada de

verdeamarela – os quais arregimentaram uma diversidade de intelectuais preocupados com os

rumos políticos da Nação. Um dos pontos principais que eles se detinham era com a

educação, onde a qual deveria formar, tanto o trabalhador ordeiro, quanto elite intelectual. No

que concerne ao trabalhador rural, os ―novos bandeirantes‖ realizaram a apropriação do Jeca

lobatiano com o intuito de introduzi-lo nos debates educacionais. De modo geral, iremos

apresentar como esses intelectuais paulistas se apropriaram do personagem de Monteiro

Lobato para inserir uma modalidade específica de ensino e instrução para as populações

rurais.

Palavras chave: Nacionalismo, educação e literatura

INTRODUÇÃO

É recorrente, em muitas investigações históricas, o interesse pela aproximação entre a

literatura verde amarela e o projeto doutrinário do Estado Novo. Em muitas destas pesquisas,

a obra de Cassiano Ricardo é representativa de um dos caminhos possíveis. O poeta surge

como um dos principais ideólogos estadonovistas, de forma que a sua obra poética e

ensaística são apresentadas dentro de uma continuidade discursiva. Tal continuidade se

iniciaria com o poema Martim Cererê publicado no final dos anos vinte, sendo o ensaio

Marcha para Oeste publicado em 1940 o resultado político dos enunciados propostos em seu

poema. De acordo com essas perspectivas, a apropriação e ressignificação do ―mito

bandeirante‖ realizada por Cassiano Ricardo em sua produção literária e política vieram a

justificar simbolicamente o Estado Novo.

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Com o intuito de aprofundar os estudos sobre a trajetória literária e política deste

intelectual, algumas questões nos chamaram a atenção. Uma primeira observação pode se

referir à adesão tardia de Cassiano Ricardo ao modernismo, a qual deixou marcas no poema

Martim Cererê. Frente às várias edições do poema, observamos que o poeta modificou o texto

inicial, ou seja, do poema inicial do final da década de 1920 ao poema do início da década de

1940, encontramos um texto em contínua reconstrução. Neste sentido, alguns enunciados

encontrados no poema final seriam avançadíssimos para sua primeira escrita, assim como, os

enunciados do poema inicial não supririam as necessidades políticas do contexto de suas

últimas publicações.

Uma segunda observação também pode ser feita a respeito das associações entre o

poema e o ensaio. Alguns estudos ignoram o fato de que cinco anos antes da publicação da

Marcha para Oeste, Cassiano Ricardo publica o livro O Brasil no Original. Diferentemente

da década de 1920, na qual o poeta estava inserido nos debates que combatiam os ―ismos‖

literários, na década de trinta, o poeta passa a combater os ―ismos‖ políticos sob o signo do

Movimento Bandeira. Neste sentido, antes de realizar a associação direta entre o poema e o

ensaio Marcha para Oeste como escritas pertencentes ao corpo doutrinário estadonovista,

devemos nos atentar para o fato de que no período pré-37 Cassiano Ricardo ressignificou

muitos enunciados encontrados no poema inicial.

Uma última observação se refere à consideração de que o autor é um dos principais

ideólogos estadonovistas e responsável pela construção de um projeto de nação elaborado

para justificar simbolicamente o Estado Novo. Essa perspectiva encobre todo um processo de

reconstrução discursiva e debate político, onde alguns intelectuais organizados em torno do

Movimento Bandeira (1935-1937) passaram a combater o integralismo, o comunismo, o

liberalismo e, defendiam a criação de uma democracia brasileira. Além do combate as

ideologias tidas como forasteiras, os ―novos bandeirantes‖ propunham uma forma específica

de educação e instrução. Levando isso em consideração, podemos apontar que os enunciados

encontrados no poema e no ensaio não serviram para justificar ideologicamente o Estado

Novo, mas sim, foram apropriados pelo Estado Novo como arcabouço doutrinário.

MATERIAL E MÉTODOS

O conceito de ―interações simbólicas‖ de Pierre Bourdieu pode nos auxiliar neste

estudo. Segundo o autor as trocas linguísticas são consideradas como ―relações de poder

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simbólico que se atualizam nas relações de força entre os locutores ou seus respectivos

grupos‖. Para o autor, para compreender as ―relações de poder simbólico‖ e as ―relações de

força entre os locutores ou seus respectivos grupos‖ deve-se considerar dois pontos

essenciais: de um lado, as disposições socialmente modeladas, o habitus linguístico, que

implicam certa propensão a falar e a dizer coisas determinadas; e de outro, as estruturas de

mercado linguístico, que se impõem como um ―campo‖ de sanções e de censura específicas.

Outro autor que também oferece caminhos possíveis é Roger Chartier e sua

perspectiva sobre as ―formas narrativas‖: por um lado, são inerentes ao discurso histórico e

literário; por outro, fazem parte dos documentos que o historiador toma por objeto. Para tanto,

deve-se considerar as representações como realidade de múltiplos sentidos, onde se ―torna

operatório a noção de leitura e o conjunto de formas de apropriação‖. Essa perspectiva

permite pensar simultaneamente a relação de conhecimento, isto é, os procedimentos frente às

fontes e o conjunto dos atos de relação das práticas e das representações.

É baseado na perspectiva da apropriação e representação de Chartier e, na concepção

de campo e habitus de Bourdieu que traçaremos o caminho literário e político que

acompanhou a ressignificação do ―Jeca lobatiano‖ empreendido por Cassiano Ricardo. A

partir dessa proposta, acreditamos ser possível demonstrar que o poeta não foi um ideólogo

propriamente dito do Estado Novo, mas um intelectual defensor de um projeto que já vinha se

estruturando nos anos anteriores. Se, por um lado, esse projeto defendia os interesses paulistas

frente às propostas de representação da identidade do brasileiro, por outro, se adequou aos

interesses do poder central que pretendia se institucionalizar a partir de 1937.

Para que seja possível traçar esse caminho, trataremos das modificações empreendidas

por Cassiano Ricardo em seu poema Martim Cererê. No que se refere à exposição das

modificações pelas quais passou o poema em suas seis primeiras edições é importante

destacar as circunstâncias de publicação das edições. Em 1927 Cassiano Ricardo e Menotti

del Picchia fundaram a editora Hélio LTDA, por essa editora foram publicadas as edições de

1927, 1928 e 1929. A edição de 1932 foi publicada pela Revista dos Tribunais, de forma que

a edição de 1934 veio a público pela editora Novíssima, antigo nome da editora Hélios

LDTA. Já as edições de 1936, 1938 e 1944 foram todas publicadas pela Companhia Editora

Nacional para a Coleção ―Os Grandes Livros Brasileiros‖. Nosso intuito foi observar a

inclusão e exclusão de enunciados no texto que remetem à ressignificação dos temas

poemáticos que reforçam a noção de ―regionalismo totalizante‖. Para demonstrar essa

mudança temática, utilizamos a revista São Paulo (1935), o jornal Anhanguera (1937) e o

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ensaio O Brasil no Original (1937) através dos quais podemos observar que o papel dos

intelectuais em defesa da República perde importância para a defesa do Estado Forte.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A referência direta à criança está presente no subtítulo do poema Martim Cererê: ―O

Brasil dos meninos, dos poetas e dos heróis‖. Essa inscrição poderia sugerir que o livro estaria

voltado para a literatura infantil, isso por que, ao contar a ―história‖ do povo e da Nação para

o ―escoteiro de nossas escolas‖, este poema se tornaria um modelo de explicação do passado

nacional para as crianças.

Para melhor compreender a intenção do poema de ser lido como uma literatura infantil

é interessante a concepção de estudos que tratam da história da literatura infantil e suas

características. A posição de Frantz (2001) compreende essa modalidade de escrita e seu

caráter lúdico-mágico como um dos caminhos, ―a chave mágica que abre a porta de entrada

principal que dá acesso ao mundo da leitura e a tudo o que ela pode proporcionar‖ (p. 14). De

acordo com Clarice Caldin (2002), o romantismo influenciou a produção da literatura infantil

com a presença do nacionalismo, da inserção do maravilhoso, o conteúdo humanístico e

moralizante. A literatura infantil brasileira sofreu alterações no período de transição entre

Monarquia e República tendo uma função pedagógica associada à escola. A literatura infantil

lançou mão do culto cívico e do patriotismo como pretexto legitimador, conceitos que se

manifestam por meio da exaltação da natureza, da grandeza nacional, dos vultos e episódios

históricos e do culto à língua pátria. Para a autora, o segundo período da literatura infantil

brasileira correspondeu à influência da Modernização e Modernismo.

Essa literatura infantil brasileira teve inicialmente a preferência pela paisagem rural

com Monteiro Lobato, mas o mundo rural foi aos poucos cedendo lugar para o espaço urbano.

Segundo Marisa Lojolo (2011), com a disseminação do Modernismo – que também incluía o

folclore entre suas fontes inspiradoras – aumentou consideravelmente as chances de que esse

material viesse a ser também aproveitado na literatura para crianças como, por exemplo,

Macunaíma e Martim Cererê. Luiza Franco Moreira (2001) lembra que algumas poesias do

Martim Cererê foram adotadas para leituras em escolas brasileiras nas décadas de 30 e 40.

Algumas poesias foram incluídas em livros escolares de circulação ampla e em várias

antologias em meados dos anos 30, dentre eles: a Língua Portuguesa de Aníbal Bruno e a

Antologia Infantil de Francisco Cordeiro.

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Na leitura do poema, o escritor explora o fantástico, o folclore, a exuberância da

natureza, o espaço e os heróis nacionais, o mundo rural e o mundo urbano, todos esses

elementos são trabalhados em uma narrativa que se refere ao universo da criança e da escola.

No entanto, o recurso associativo entre a criança, o povo e a Nação também pode ser vista por

outro ângulo. De um lado, ela pode servir como alegoria para que o leitor associe a própria

experiência de infância com o desenrolar da trama do Brasil-criança que amadureceu, e com

isso, se sinta pertencente a história nacional que está sendo narrada sob o olhar de um adulto

regionalmente localizado. De outro lado, essa alegoria também leva a entender que o povo e a

Nação estão na condição de criança, e por isso, seria necessário ―algo‖ que exerça o papel de

tutor e condutor dessa sociedade. Segundo Moreira (2001), no poema Martim Cererê o Brasil

é representado por um menino travesso, vivo e encantador, ao mesmo tempo, a nação é

representada pelo adulto em que ele se transformou. O Brasil-menino é uma das alegorias

centrais, onde o falante não é uma criança e sim um adulto. Neste sentido, ao invés de se

dirigir exclusivamente a uma audiência infantil, o poeta procura atingir o leitor adulto de

poder e privilégio. Conforme a autora, o emparelhamento de adulto e menino criou uma

imagem apropriada para o nacionalismo hierárquico e paternalista do poeta.

No que concerne a essa perspectiva, a autora considera que o Martim Cererê foi um

texto didático eficaz, pois o uso de imagens visuais, a simplicidade de ritmos e vocabulário,

acrescentada a insistência em evocar cenas escolares, conferiram a este poema uma boa

escolha para a educação dos jovens. Este poema põe em perspectiva o universo da infância e

afirma como desejável os valores hierárquicos da nacionalidade. Segundo a autora, o jogo

textual entre adulto e criança deve ter funcionado bem numa sala de aula, pois o poema pôde

atrair o interesse dos alunos através de sua ênfase em aventuras e nos elementos decorativos.

Neste sentido, ao mesmo tempo em que desempenha o papel de educar os jovens, leva-os a se

identificar com o adulto patriótico.

Durante a reescrita do poema, o escritor minimiza a associação do povo e da terra à

imagem da criança, pois a utilização figurativa da criança passa a servir na maioria das vezes

para apontar quem ouve as histórias. Com isso o autor abre duas possibilidades: uma delas é a

tentativa de utilização da obra como meio de formação da juventude, pois geralmente a

criança é passiva e apenas assiste aos fatos; outra é a que se direciona a nação-criança que vai

atrás de seu destino, partindo do primitivo, chegando ao tempo moderno sob o comando de

uma voz que chama.

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No que concerne a concepção de Menotti del Pichia – encontrada no prefácio da

versão de 1936 de Martim Cererê – de que o grande poeta é o que deve tocar a ―alma das

multidões‖, o grupo de intelectuais reunidos em torno do Movimento Bandeira estão inseridos

em uma corrente que vem se formando desde o início do século XX. Os ―novos bandeirantes‖

pertencem a um movimento de integração dos intelectuais com a realidade brasileira, essa

integração corresponde ao processo de conquista da ―maturidade mental‖ do brasileiro como

povo que foi inaugurada com as correntes modernistas. Para os modernistas estava posto o

debate sobre o problema de ser brasileiro, problema de país resultante da transplantação de

uma cultura velha (europeia) para uma região nova (América). Buscava-se a autodefinição

nacional através de diversas teses, mas em todas elas a preocupação central era pensar o

Brasil, interpretá-lo a partir do reconhecimento dos valores nacionais.

Acreditava-se que a partir da fusão dos elementos nacionais surgiria a ―cultura nova‖

com características próprias. Graças à incorporação das qualidades nativas do povo – de suas

emoções e sentimentos, pensamentos e aspirações – gerados em uma situação histórica e

geográfica específica possibilitaria o aparecimento de uma grande civilização (COUTINHO:

1986). Entre muitos escritores espalhou-se a convicção de que o Brasil poderia ser ―vivido‖

intelectualmente e poderia ser ―recriado‖ artisticamente. Foi o que fizeram Vila-Lobos,

Portinari, Pancetti, Monterio Lobato, Mário de Andrade entre outros, e em nosso caso

Cassiano Ricardo. Para esses intelectuais e artistas, o sentimento de brasilidade tornou-se o

tema central da literatura, mas sob diversas coordenadas. Esse feitio multifacetário fez com

que esse espírito contaminasse todos os setores da vida brasileira, desencadeando uma vasta

transformação.

Segundo Coutinho (1986), as ideias Modernistas contribuíram para: a atualização do

Brasil; a libertação do colonialismo mental; a reflexão sobre os problemas a luz dos interesses

brasileiros; o nacionalismo; a descoberta da terra e do ambiente; descentralização intelectual e

o regionalismo; o sentido autônomo da literatura brasileira; a ampliação do debate entre o

profissionalismo e o diletantismo; o problema da língua; o espírito revisionista; a poesia e a

conquista verso livre. Para o autor, também entraram para o ciclo de reformas desencadeadas

pelo Modernismo: a Educação, com o movimento da educação nova, de Fernando Azevedo,

Anísio Teixeira; a valorização do passado brasileiro que influenciou a criação do Serviço do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Ministério da Educação e Cultura e a Coleção de

Estudos Brasileiros, preocupados com estudos folclórico, histórico e social.

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Uma das vertentes dessa ―elite‖ intelectual defendia que o Brasil sofria de dois males:

a falta de contato com a realidade nacional e a cópia de modelos estrangeiros. Outros grupos

tomavam a crítica às elites devido à má qualidade dos dirigentes como responsáveis pela

ineficácia do Estado oligárquico. Incluem-se, entre eles, os que imputavam à educação um

importante papel de melhorar governantes e governados. Duas propostas representavam os

pares em luta: a escola leiga versus o combate á laicização do ensino; e o monopólio

pedagógico estatal versus a competência e precedência dos pais e da Igreja. De qualquer

modo, a educação aparece como a via salvadora, tese defendida por intelectuais e educadores,

que desde os anos 20, propugnavam um novo modelo pedagógico que já vinham empreendo

reformas do ensino principalmente no estado de São Paulo.

Mesmo tendo o propósito principal divulgar as ações do governo de Armando de

Salles Oliveira, o mensário São Paulo (1936) também serviu como plataforma de divulgação

do ideário do Movimento Bandeira. Nesse mensário, a questão do ensino ganha amplo espaço

em diversas reportagens: o ―ensino profissional oficial, de grau secundário e de

aperfeiçoamento‖, o ―ensino profissional particular‖, a ―Educação Profissional e Doméstica‖

e o ensino superior. O novo modelo de instrução adotado pelo estado paulista foi posto como

o exemplo do ―renascimento paulista‖ e tinha no Departamento de Propaganda o principal

articulador. Esse departamento deveria promover a expansão da cultura ―em contato direto e

permanente com as elites intelectuais e com o povo‖ (SÃO PAULO: 1936, nº6).

Juntamente ao investimento material no ensino, que ―é um motivo de justo orgulho

para o povo bandeirante‖, a atenção do governo volta-se para a preparação ideológica e

técnica dos docentes. O ensino primário oferecido pelo estado deve ser servido ―por um

exército numeroso e disciplinado de professores‖ que batalham por um ―Brasil vivo e

unificado por uma consciência nova‖ (Idem). Neste quesito, a educação física é outro ponto

importante quando o assunto é educação, pois é ―uma iniciativa de grande alcance para a

formação‖ e o ―futuro biológico de nossa raça‖. Segundo os editores, o esporte está ―na índole

bandeirante, como um imperativo da nossa própria formação histórica‖ (Idem: nº9). Várias

imagens ilustram as escolas profissionais que viriam a formar esses novos professores.

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

Revista São Paulo nº 5 maio de 1936. Figura 16.

Na imagem que ilustra essa reportagem podemos observar as futuras professoras em

exercício disciplinadamente organizadas. Para o aprimoramento desses profissionais, o

governo paulista ―criou a Escola Superior de Educação Física, iniciando o primeiro curso de

instrução de ginástica‖. A revista traz uma reportagem sobre a construção do Estádio do

Pacaembu, segundo os redatores, esse estádio servirá para o ―progresso em educação física‖ e

―um laboratório permanente para estudos e pesquisas‖. Esse estádio servirá também como

―palco para grandes concertos sinfônicos e vocais‖, para ―paradas cívicas e militares‖ e

―espetáculos e cerimônias oficiais‖ (Idem: nº 10).

No que concerne as ―Escolas Profissionais‖, as reportagens buscam afirmar que o

―ensino profissional‖ tomou impulso com a ―renascença paulista‖. Para os redatores, com

essas escolas teremos ―uma nova geração, obreiros de todas as espécies‖ e ―aparelhados por

uma orientação racional‖. Essas escolas darão ―impulso à formidável usina de trabalho que é

o nosso Estado‖ (Idem: nº5). Segundo os redatores, formar as novas gerações baseadas na

nova orientação racional do pensamento, a formação para o trabalho e o fortalecimento

econômico, são as obrigações principais do ensino e da instrução. No que se refere à

contribuição do ensino e a instrução para o desenvolvimento econômico, os ―novos

bandeirantes‖ defendem que o pensamento científico pode colaborar com as novas

necessidades da economia rural e industrial do mundo moderno. O mensário também afirma

que se deve criar uma escola de ―brasilidade e de cultura‖ que prepare os ―grandes espíritos‖

para sua atuação ―nas lavouras de café ou junto das fornalhas das oficinas e fábricas‖.

Segundo o pronunciamento de Armando de Salles Oliveira transcrito no mensário, a educação

deve alcançar as elites e o homem comum, pois

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todos os grandes espíritos da nação se preparam, como numa escola de

brasilidade e de cultura, para o messianismo das grandes campanhas e das

grandes reformas. E para que um halo resplandecente de pura espiritualidade

redoirasse o esforço dos titãs que se curvam, abrindo sulcos na terra, nas

lavouras de café ou junto das fornalhas das oficinas e fábricas (Idem).

A instrução e a modernização devem alcançar tanto o café-campo quanto a fábrica-

cidade, dois pontos de tensão no poema Martim Cererê. Não podemos esquecer que durante a

direção da revista São Paulo e os serviços prestados no gabinete do governo paulista,

Cassiano Ricardo publica novamente o Martim Cererê nada menos que duas vezes. Segundo

alguns biógrafos do poeta, desde sua nomeação para o gabinete do governo de estado em

1930, ele era responsável pela redação da maioria dos pronunciamentos dos governadores.

Por essa razão muitos dos enunciados encontrados no poema são repetidos, tanto nos

pronunciamentos de governadores, quanto nos editoriais do mensário paulista.

No poema, encontramos a abordagem temática da ―lavoura de café‖ e da ―oficina e a

fábrica‖. No ideário dos ―novos bandeirantes‖ a temática escolar – também encontrada no

poema – está inserida nesses dois pólos como caminho para formar a ―brasilidade e cultura‖.

A produção cafeeira toma espaço nas páginas do mensário com o título ―O ‗exército verde‘ de

seus cafezais‖, a qual destaca a quantidade do produto plantado e exportado. Essa ousada

marcha dos ―soldados verdes‖, que ―desbrava, civiliza e fecunda o sertão‖, dá ―a impressão de

um avanço, de uma arrancada‖ e estabelece no ―ordenado desenho de suas rumas, riscando

rigorosas retas, o critério de disciplina e organização que caracteriza São Paulo‖ (SÃO

PAULO: 1936, nº2). Podemos bem observar que para os redatores a conquista do território

significa civilizar o sertão, assim sendo, essa é a missão de São Paulo. Segundo os redatores,

irmanados no trabalho nobre e fecundo das lavouras de café, criaturas

oriundas de todos os quadrantes do universo, ai se fundiram na mais bela

demonstração de fraternidade, oferecendo o Brasil ao mundo o primeiro

exemplo da completa fusão étnica, criando o novo tipo humano, liberto dos

preconceitos de cor, credo e de origem (Idem).

Outra característica da produção cafeeira como representação do ―espírito

bandeirante‖ é a fusão racial realizada pelo trabalho. Na edição de 1936 do poema, o poeta

inclui novos textos na parte dedicada ao ―rastro vivos dos cafezais e das cidades‖. Na poesia

―Centinela‖, o poeta apresenta o trabalhador rural como o ―herói obscuro‖ que acorda na

―manhã branca do futuro‖ que chega com o ―povaréu madrugador‖ para as ―horas rudes de

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trabalho‖ (1936: p-160). Outra poesia inédita que se refere ao trabalhador é ―O Enterro do

Sol‖. Tal texto inspira-se no trabalho diário e no descanso no fim da ―agonia do dia, longo e

azul‖, momento em que ―a cidade organiza uma imensa corrida‖ (Idem: p-150). O dia e a

noite são apropriados pelo poeta para descrever a rotina do trabalhador no campo, na fase

moderna do poema esses opostos permanecem, o dia é reservado ao trabalho e a noite finaliza

o ―dia operário‖.

Mesmo com as redefinições da representação do trabalhador, os elementos da

tradicionalidade agrária ainda são bastante representativos no poema, nela vemos: uma visão

do mundo estática quando não saudosista; uma mentalidade ruralista e republicana dada a

importância do bacharel; e a contraposição entre o mundo urbano e rural em conflito com as

memórias do passado. Nas primeiras edições do poema o homem do campo somente era

inserido no texto para rememorar as paixões e a contribuição do imigrante, agora o

trabalhador rural é inserido como aquele que produz.

A questão do trabalhador rural também é abordada pela revista, onde é apresenta uma

contraposição ao Jeca lobatiano e, ao mesmo tempo, elogios à Monteiro Lobato. Em uma

página dedicada a Monteiro Lobato – com desenhos dos seus principais personagens, o Jeca e

o Sítio do Pica-pau Amarelo – os editores da revista exaltam a contribuição do escritor que

―tirou a nossa literatura infantil da situação precária (...) dando-lhe rumos novos e seguros‖

(SÃO PAULO: 1936, nº 6). Segundo os redatores, esse ―homem de letras‖ presta um ―serviço

imenso ao país, o grande escritor, que assim concorre tão decisivamente para nacionalizar a

criança brasileira‖ (Idem). Graças a um ―estilo típico, liberto, rebelde aos moldes comuns,

bem racial, bem crioulo, bem nosso‖ é que o escritor alcança a ―criança brasileira‖ (Idem). No

entanto, a valorização de Monteiro Lobato nem sempre esteve no horizonte de apreciação de

Cassiano Ricardo, pois durante os anos vinte o grupo verdeamarelo realizava duras críticas ao

Jeca lobatiano.

Segundo Mario de Silva Brito (1971), o clima nacionalista que festejava o Centenário

da Independência faria florir uma literatura regionalista voltada ao homem brasileiro,

sobretudo ao homem pobre do interior, neste contexto o Jeca Tatu de Monteiro Lobato

transforma-se em símbolo do homem do interior. No que se refere aos tipos brasileiros, El-

Dine (2010) considera que nas décadas de 1910 e 1920, ocorre uma acalorada discussão

acerca do caboclo, principalmente pela representação elaborada por Lobato. Esse personagem

representou uma importante virada nas interpretações, que até então viam o homem rural

como imagem simbólica do ―destino biológico‖ brasileiro relacionado à pobreza do interior

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do país e a ineficiência das nossas elites políticas. Em muitas dessas discussões, o Jeca Tatu

foi, se não ponto de partida ou inspiração, mas com certeza um tema inevitável. Em Urupês

(1915), o autor carregou com tons negativos o seu personagem, representando-o alheio à ideia

de pátria e impenetrável a civilização. Essa interpretação causou polêmica entre os

intelectuais preocupados em refletir a inserção do Brasil entre as nações civilizadas. Segundo

El-Dine (2010), entre os principais opositores a representação lobatiana estão os membros do

grupo verdeamarelo que desenvolveram críticas sistemáticas ao Jeca e, procuraram contrapor

a ele a imagem do bandeirante, trabalhador e rico em iniciativa.

No artigo ―Nem Ruy, Nem Jeca‖ publicado no Currupira e o Carão (1927), Cassiano

Ricardo apresenta uma crítica ao personagem Jeca Tatu e ao político Rui Barbosa. Para

Cassiano Ricardo, estas eram imagens simbólicas que o país precisaria romper se desejasse

alcançar uma compreensão exata da realidade brasileira: o primeiro traduzia a imagem do

homem inculto, acostumado à propalada visão providencialista do Brasil; e o segundo, era

ícone de uma elite política e intelectual alheia à realidade do país e aberta à importação de

modelos políticos (EL-DINE: 2010). Ainda segundo El-Dine (2010), o artigo de Cassiano

Ricardo considera excessivamente pessimista a representação de Lobato acerca do brasileiro

rural, de forma que o verdeamarelismo representava a ―divisa‖ entre esses dois males,

simbolizados pelo personagem de Lobato e o político baiano. Conforme o artigo, o Jeca

refletiria o ―mal da incultura, do analfabetismo e da indolência‖, explicados pela imagem falsa

de uma terra dadivosa que tudo dá sem exigir qualquer esforço ou trabalho. Para a autora,

Cassiano Ricardo reporta-se à crônica de Monteiro Lobato, para criticar a concepção que

descreve o brasileiro rural que vive ―acocorado‖, alheio aos acontecimentos políticos e certo

de que nenhum trabalho ―paga a pena‖.

Segundo Guelfi (1987) nos artigos da revista Novíssima (1923) também está presente

o combate ao ―caipirismo‖ de Monteiro Lobato, chamando-o de ―inferior, ilógico e demasiado

grosseiro para ser nacional‖. Para a autora, na revista é forte o combate o que chama de ―falso

regionalismo‖, o ―localismo grosseiro‖ de um Monteiro Lobato, cujo ―jeca-tatuismo‖ não

promove o brasileiro e não exalta o espírito nacional. Cassiano Ricardo recusa a figura de

Jeca Tatu e rebate as características do caboclo que são fruto de uma ótica superficial. A

imagem de um camponês quieto imóvel, triste, manso e calado também foi redefinida no

poema Martim Cererê. Na série de poesias dedicadas ao trabalhador rural, quando o poeta não

se referi ao escravo, traz o imigrante estangeiro em um espaço rural carregado de saudosismo

romântico. Mas a partir da edição de 1932 o trabalhador rural passa a ser incorporado ao

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poema em um perspectiva mais ampla. No que concerne as revisões do poema, a

resignificação do trabalhador rural é bastante reformulada tendo como clímax a poesia

―Caboclo a Hora do Descanço‖ inserida no poema na versão de 1936.

Nesta versão do poema, o poeta amplia a inserção do trabalhador rural que se

contrapõe ao Jeca lobatiano. Cassiano Ricardo ressignifica o costume do sertanejo de ficar

sentado, pois não é preguiça o costume de ficar ―assim, quieto e imóvel‖. No texto poético, o

eu lírico questiona: você que o ―está vendo assim, meio triste, mas é ele quem pega a viola e

quem canta mais bonito que um pássaro na tarde louca‖ (RICARDO: 1937, p-147); você o

―está vendo assim, manso e calmo, porque esta é sua hora de descanso‖ merecido depois que

derrubou ―o mato a golpes de machado‖ (Idem); e você que o ―está vendo assim calado... e é

melhor não mexer com ele, é melhor mesmo deixá-lo assim, calado... E sossegado‖ (Idem: p-

148). Nesta versão, o trabalhador rural é exaltado, pois ―é ele quem monta o picaço a galope e

some na poeira da estrada a hora certa de trabalhar, quando a manhã o convida a tomar parte

no espetáculo da vida‖ (Idem: p-147).

A descrição ricardiana do trabalhador rural vem se contrapõem a ―morbidez‖ do Jeca

lobatiano, pois na versão de Lobato ele foi associado a visão negativa do brasileiro. A

representação ricardiana do trabalhador exposta no poema também foi apropriada pelo ideário

do Movimento Bandeira, mas carregada de preocupações políticas. Em uma charge exposta

no jornal Anhanguera, podemos observar a reação do Jeca ricardiano frente às ―ideologias

forasteiras‖, ou seja, os ―novos bandeirantes‖ contrapõem o ―jeca‖ às ―ideologias exóticas‖.

Jornal Anhanguera, nº 4 30 de junho de 1937. Figura 7

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A brasilidade expressada pelo ―Jeca‖ demonstra espanto frente aos movimentos

gestuais dos dois militantes: um do comunismo e outro do integralismo. Além de tentar

confundir o quinto bandeirante, os ―demônios‖ também tentam persuadir o ―homem rústico‖,

mas ele não se ilude facilmente. O ―Jeca‖ responde: ―Oie, moços, si ocêis continua a fazê p‘ra

mim esses gesto da estranja, eu acabo fazendo prôceis um gesto bem brasileiro...‖. O sertanejo

fumando o seu cachimbo, tranquilo e sentado é surpreendido pelos militantes. No combate as

―ideologias forasteiras‖, a figura do caipira é apropriada como símbolo que define e afirma a

brasilidade do interior contra a ―contaminação estrangeira‖. Esse personagem criado por

Monteiro Lobato tornou-se uma figura representativa no imaginário sobre a identidade do

brasileiro interiorano. Tal personagem foi incorporado ao ideário do Movimento Bandeira, de

forma que, ao lado do bandeirante irá colaborar na defesa da originalidade brasileira.

Acima citamos uma passagem da revista São Paulo que situa Monteiro Lobato como

um representante da literatura brasileira e importante escritor para a literatura infantil. Uma

das explicações para a valorização do escritor por parte de Cassiano Ricardo e Menoti del

Picchia pode ser a reconstrução que Monteiro Lobato empreendeu sobre seu personagem, ou

seja, ao retirar o ―elemento biológico‖ da ―culpa‖ pelo atraso e transferi-los para a ineficiência

das elites dirigentes. As três imagens cunhadas por Lobato entre as décadas de 1910 e 1940

modificam as características do Jeca. Lobato passou a acreditar que o saneamento poderia

curar a indolência e a apatia do Jeca, tornando-o, enfim, trabalhador e civilizado. Frente a

isso, os ―novos bandeirantes‖ puderam atribuir qualidades laborais ao ―caipira‖. Outro

caminho possível é o fato de que Monteiro Lobato foi um dos intelectuais que assinaram o

manifesto do Movimento Bandeira, desta forma, a apropriação dos personagens lobatianos

estão disponíveis na campanha política empreendida por esses ―novos bandeirantes‖.

O jornal Anhanguera apresenta o Jeca se assustando frente os ―gestos da estranja‖

feitos por integralistas e comunistas. Em outra charge deste jornal, encontramos a reação do

Jeca frente aos ―malabarismos‖ políticos que Vargas empreendia durante a expectativa de

eleições para o ano de 1938. Essas charges pretendem inserir o Jeca nos assuntos políticos da

década de trinta. Em seu primeiro número, o jornal Anhanguera apresenta na primeira página

uma charge bastante interessante sobre esse assunto.

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Jornal Anhanguera nº 126 de junho de 1937. Figura 15

A apropriação do Jeca pelos ―novos bandeirantes‖ apresenta duas questões

interessantes: uma em relação ao Jeca que foi ―salvo‖ pela necessidade de levar ensino e

instrução para as populações das regiões rurais; outra em relação ao fato que esse ―caipira‖

não é mais monótono e apático, ele não aceita as ―ideologias exóticas‖ do comunismo e do

integralismo e, também não é mais um espectador passivo frente à política nacional, pois

agora ele participa da política dando sua opinião. O Jeca politizado ironiza até no vocabulário

sulino: ―Che... Esse camarada ainda acaba se estrepando...‖. Por outro lado, o grupo utiliza a

charge para situar no debate político a posição que o Movimento Bandeira toma em relação a

Getúlio Vargas e sua técnica de transitar entre os diversos grupos. Essa crítica é organizada

dentro de uma sequência temporal: o trapezista pula do liberalismo da revolução de 30, para o

outubrismo, a Constituição de 1934, o período democrático, largando-a e indo de encontro

com o integralismo. A charge deixa a incógnita, pois o último bastão está incompleto, qual

seria o próximo ―ismo‖ de Vargas?

Por todo o poema também encontramos alusões a educação, seja nos ―escoteiros de

nossas escolas‖, no ambiente escolar em que a história dos bandeirantes era contada, ou no

caboclo que sai da fazenda para se tornar bacharel. Nas reportagens do mensário, o papel dos

bacharéis foi abordado em uma mensagem do governador, na qual se afirma que pela

Faculdade de Direito de São Paulo

hão de repassar, estimuladas pela nova Faculdade, novas Bandeiras

paulistas, não em procura de ouro abundante e de esmeraldas fugidias, mas

em busca de elementos culturais dos povos desgraçados, num ímpeto

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incrível de dominação territorial, maltratados e empurrados para as

mesopotâmias longínquas dos sertões impenetráveis (Idem: nº9).

Aqui podemos perceber mais uma incorporação ao discurso ricardiano do ―mito

bandeirante‖ paulista na década de trinta. Esse novo enunciado afirma que com o ―ensino e

instrução‖ poderão formar ―novas Bandeiras‖ e adentrar o ―sertão impenetrável‖ e salvar os

―povos desgraçadas‖, ou seja, salvar o caboclo do atraso cultural. No que concerne ao campo

literário, em Martim Cererê encontramos um sertão conquistado pelo bandeirante e ocupado

pela ―soldadesca verde‖. No campo de ação política, as Instituições de Pesquisa, a

Universidade e a instrução pública apoiarão a retomada do espírito bandeirante rumo ao

interior. Na atualidade o brasileiro necessita conhecer o Brasil e ―penetrá-lo nas suas fontes de

riqueza‖, para tanto, deve-se ―investigá-lo nas suas condições de vida‖ e ―torná-lo acessível ás

populações do interior, que necessitam de assistência e instrução‖ (RICARDO: 1937, p-185),

ou seja, ―pensar continuamente em seu futuro. Numa palavra: nacionaliza-lo‖ (Idem). Para

Cassiano Ricardo, uma mentalidade ancorada no ―espírito bandeirante‖ seria capaz de garantir

o ―Brasil na sua originalidade‖ e nacionalizar as ―populações do interior‖.

Os redatores defendem que os ―novos grupos escolares‖ construídos pelo atual

governo são frutos do ―espírito bandeirante‖. As reportagens referentes ao sistema

educacional são ilustradas com várias imagens das escolas, de alunos uniformizados com

fardas e alunas do magistério. Essas mudanças são as ―realizações mais notáveis‖ para a

―grande obra de preparo intelectual das novas gerações‖, pois de ―aristocrática que era‖, a

educação secundária ―se tornou eminentemente popular‖ (SÃO PAULO: 1936, nº9). Outras

medidas referentes a popularização da cultura é a ―Nau Catarineta‖ e as ―bibliotecas

circulares‖ que pretendem levar ―aos mais longínquos bairros proletários a boa leitura‖. O

cinema-educativo reproduz ―fitas de cunho nitidamente recreativo e educativo,

criteriosamente escolhidas por uma comissão de distintos pedagogos e intelectuais‖ (Idem:

nº5).

O ―Play Ground de São Paulo‖ e o ―Serviço de Parques Infantis‖ oferecem as crianças

―ensinamentos que cooperam eficazmente para a formação sadia do seu espírito e do seu

caráter‖ (Idem). Ambos ligados aos ―sistemas educativos‖ que pretendem oferecer não só

―educação a criança, como também assistência e recreação‖ que ―visam o desenvolvimento

simultâneo e homogêneos dos elementos físico, intelectual, moral, estético e social‖ (Idem:

1936, nº3). No que se refere às ações do governo paulista na preservação da ―brasilidade e da

cultura‖, o ―Museu de Etnografia‖ da Universidade de São Paulo nas palavras Plínio Ayirosa

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– um dos colaboradores da revista – será ―dentro em breve, a mais eficiente das forças na

expansão do pensamento bandeirante‖ (Idem: nº9). A reportagem destaca o estudo do grego e

do latim, além do ―estudo severo do tupi-guarani‖ e ―as pesquisas de ordem etnográfica no

complexo cultural do homem brasílico de ontem‖ (Idem).

Segundo os ―novos bandeirantes‖, ao ―lado das grandes lavouras se disseminam

milhares de escolas primárias‖ e se ―fundam centenas de escolas profissionalizantes,

verdadeiros núcleos de nacionalidade‖ (Idem: nº6). Esse impulso se dinamizará ―nos campos

e nas cidades, provocando, em toda parte, o que já se denominou a Renascença Paulista‖

(Idem: nº7). O próximo passo fará ―desabrochar a milagrosa flor do espírito, criando a

Universidade, no intuito de unificar a consciência cultural de S. Paulo‖ (Idem). Ao tratar da

última fase da instrução escolar, os redatores transcrevem uma mensagem do Governador do

Estado de São Paulo sobre o ―aperfeiçoamos do sistema de recrutamento para a escola

superior, onde se formará a elite que pensa e que orienta‖ (Idem). Estes argumentos

corroboram com os enunciados do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,

principalmente no que se refere às formas de inserção no Ensino Superior e a preocupação

com o ensino científico.

Em relação ao ensino científico, os redatores divulgam a criação de centros de estudos

ancorados nessas propostas: a ―Faculdade de Medicina‖, o ―Instituto Biológico e o Butantan‖

são ―monumentos de grandeza, assinalando a capacidade especulativa e o espírito humanitário

do homem de Piratininga‖ (Idem: nº5). A proposta de organização de uma instituição de

ensino superior como a Universidade se ―destina a exercer decisiva influência na fixação da

nova mentalidade prática do país‖, pois elas são ―iniciativas amplas e corajosas, que ligam

admiravelmente o presente com a tradição‖ (Idem). De acordo com os redatores, essa é uma

das principais missões do Movimento Bandeira, onde todos compartilham dessa posição e

fazem parte de um

extraordinário desenvolvimento cultural. A Universidade, destinada a

exercer decisiva influência na formação mental do país (...) as iniciativas

oficiais do Departamento de Propaganda e do Departamento de Cultura, são

outros indícios seguros da intensa atividade espiritual (...) a presença de um

grande espírito moderno e culto na chefia do governo bandeirante (...) Tudo

está demonstrando, portanto, que a ocasião é propicia para se dar uma

função a inteligência criadora, para uma obra de unificação espiritual e para

a revisão de conceitos que se tornaram cacoetes e sofismas da velhas

mentalidades recalcitrantes (Idem: nº7).

Para os ―novos bandeirantes‖, a Universidade deve dar ―uma função a inteligência‖, a

qual deve promover a ―unificação espiritual‖ e a ―revisão de conceitos‖. Além destes três

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pilares, a Universidade de São Paulo fundada em janeiro de 1934 marcará o ―forte cunho

espiritual (...) com reflexos bem vivos na fixação da nova mentalidade brasileira‖ (Idem: nº8).

No que concerne a importância do ensino superior, segue um trecho de outro discurso de

Armando de Salles Oliveira sobre a importância da Universidade e do Movimento Bandeira.

Nas palavras do governador, a ―Bandeira Intelectual de S. Paulo (...) Visará estimular e

uniformizar o pensamento paulista, valorizando as capacidades e atribuindo-lhe um objetivo

útil e uma função social‖ (Idem). Segundo os redatores, o Movimento Bandeira está

consciente da função social da inteligência (...) estimulando a arte e a

cultura. E, certo de que não há grandeza de um povo sem o culto da pátria,

preside as manifestações cívicas, que confraternizam os brasileiros pela

evocação dos grandes feitos da nossa história (Idem).

Segundo Cassiano Ricardo, as Universidades poderão ―colaborar eficazmente na

formação desse espírito‖, mas é indispensável que sejam, ―além de focos de cultura, centros

de vida e de idealismo respondendo as angustias da hora presente‖. Representando o grupo

reunido em torno do movimento, o ensaísta considera que ―é necessário que os estudos já se

dirijam para uma finalidade vivamente nacional, exerçam a sua função política‖ para serem

―os pontos de apoio das instituições democráticas‖ (RICARDO: 1937, p-265). O ensaísta faz

críticas a posição do professor que ocupa ―uma cátedra para ser neutro no momento em que o

Estado necessita do apoio de todas as profissões intelectuais‖ (Idem: p-266). No mensário

paulista, Manoel Marcondes Rezende conclui essa observação ao dar sugestões ao plano

nacional de educação, esse colaborador do mensário combate os perigos das Universidades de

se constituírem em focos de ―cultura sem direção, cultura sem sentimento‖, ou como ―simples

refúgio de atividade intelectual desinteressada (ponto neutro, sem interferência na vida do

Estado e da sociedade)‖ (SÃO PAULO: 1936, nº8).

Segundo os redatores, as providências tomadas pelo governador paulista elevam ―o

padrão de nossa vida intelectual, modificam-se os hábitos‖ e ―aumenta a preocupação geral

pelas coisas do espírito‖ (Idem). Essa remodelação das inteligências deve ―dar uma

consciência e uma finalidade á cultura bandeirante, organizando-a e fazendo dela a mais bela

flor da idealidade da civilização brasileira‖ (Idem). Somente através dela o

indivíduo superará a monotonia dos ritmos biológicos pela alma. Os povos

vencem-na pela cultura. E neste duplo embate (...) esconde-se uma violenta

legenda de predestinações humanas (...) São Paulo já o dissemos, não pode

ser encarado somente pelo seu esplendor material (...) Sim S. Paulo é

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também uma original e luminosa expressão de pensamento. Pensamento

bandeirante em serviço da Pátria (Idem).

Com a definição do papel do intelectual, ocorre uma importante ressignificação do

―símbolo bandeirante‖ por parte de Cassiano Ricardo e o grupo Bandeira. Esse símbolo

apropriado por Cassiano Ricardo – encontrado no poema Martim Cererê – foi posto como

responsável pelo alargamento das fronteiras geográficas e formador das características dos

paulistas, agora toma feições abertamente políticas com a atuação dos intelectuais em defesa

das fronteiras espirituais da Nação. Esse ―espírito bandeirante‖ apropriado como símbolo

político sob o governo de Armando de Salles possibilitará a organização do Movimento

Bandeira e a arregimentação dos intelectuais que pretendem expandir-se por toda nação, pois

o ―pensamento bandeirante‖ agora está a ―serviço da Pátria‖. Um símbolo estritamente

paulista, passa por uma reescrita literária e política e, alcança o status de modelo a ser seguido

pela Nação, ou seja, Cassiano Ricardo ao ressignificar o ―símbolo bandeirante‖ possibilita a

construção da ideia de ―regionalismo totalizante‖. Podemos deduzir que essa ―oferta‖ do

pensamento bandeirante para a sociedade brasileira, pressupõe que no cenário nacional

existiam outros projetos que concorriam no mercado intelectual como projeto de Nação.

Algumas reportagens encontradas no jornal Anhanguera descrevem as menções de

apoio de outras instituições de ensino ao ideário dos ―novos bandeirantes‖. Nas páginas do

jornal é transcrita o apoio do pastor protestante Guaracy Silveira de Ribeirão Preto. Segundos

o texto do referido pastor, a ação do Movimento no terreno da cultura ―é vasta e fecunda‖,

pois no que concerne ao ―terreno da educação política teremos que remodelar toda a estrutura

atual‖ (ANHANGUERA: 1937, 7 de julho, nº10). Segundo Guarany Silveira, a

intelectualidade deve ―buscar no caboclo (...) educar seus filhos, curar suas enfermidades e

fazê-lo um brasileiro prestante e feliz‖ (Idem). Essa ―cura‖ também é anunciada com a

―inclusão de temas da ‗Bandeira‘ em programas de ensino da escola normal de Botucatu‖

(Idem: 28 de junho, nº2). Segundo o pastor protestante – em comentário transcrito na revista

São Paulo – os ideais literários modernistas exerceram

uma função de crítica, para a revisão violenta de conceitos e de valores

literários, então em voga. Esta tinha que ser levada a efeito através dos livros

escolares, destinados a despertar o amor a nossas coisas e formar, no espírito

das crianças, a ideia fundamental do Brasil (SÃO PAULO: 1936, nº6).

Ao inserir a preocupação com a formação escolar no ideário dos ―novos bandeirantes‖,

podemos entender como o Movimento Bandeira encarava a educação. O ensino e a instrução

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para esse grupo são meios de formar a intelectualidade dirigente e formar o trabalhador

―prestante e feliz‖. No que toca a essas questões, também são destacadas a repercussão do

ideário bandeirante em outras cidades. Os redatores do jornal bandeirante destacam a adesão

nas escolas de Piracicaba, onde ―professores assinalaram o aparecimento do novo jornal‖

(ANHANGUERA: 1937, 1 de julho, nº5). A cidade de Apiay ―contará brevemente com mais

uma escola cuja a iniciativa de criação foi tomada pelo Departamento Municipal da

‗Bandeira‘, há pouco fundado‖ (Idem).

Jornal Anhanguera nº 65 11 de setembro de 1937. Figura 17

O jornal traz a notícia sobre a ―organização bandeirante em Santa Catarina‖. A

imagem acima pretende divulgar o ―primeiro grupo de escoteiros, perfeitamente equipados‖

na cidade de Canoinhas. Esse grupo de escoteiros é fruto da ―organização bandeirante‖ e mais

um exemplo patriótico do ―trabalho de alfabetização e nacionalização de pequenos filhos de

estrangeiros‖ residentes neste estado que é ameaçado pela ―infecção nazista‖ (Idem: 11 de

setembro, nº 65). Nos anos que se organizou o Movimento Bandeira, Cassiano Ricardo retira

a epígrafe de Plínio Salgado de seu Martim Cererê devido as divergências entre o

Integralismo e o Movimento Bandeira, mesmo assim, os escoteiros da epígrafe saem do texto

literário para a realidade. No entanto, estes não são mais os italianinhos que exaltam a

República e, sim os ―pequenos brasileiros‖ que irão defender as propostas de um Estado Forte

que represente a nacionalidade contra as ―ideologias forasteiras‖.

Na capital paulista o jornal divulga que numerosos estudantes se ―reúnem para

propagar as ideias bandeirantes‖ (Idem: 3 de julho, nº7). Além da divulgação do programa da

Bandeira em escolas secundárias, as palavras de ordem destacam que os ―universitários do

Brasil compreendem que a Bandeira é a voz da Pátria comum reunindo os brasileiros para a

campanha culta, real (...) contra as ideologias que perturbam o pensamento original do

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Brasil!‖ (Idem: 2 de setembro, nº58). A inauguração do Departamento Universitário da

Bandeira em Recife e em outros estados pretende demonstrar o alcance do ideário dos ―novos

bandeirantes‖, pois em todo país ―congregam-se os estudantes (...) para a defesa da

democracia‖ (Idem: 5 de agosto, nº 34).

Segundo os ―novos bandeirantes‖, a Ação Universitária Democrática está ―fora dos

partidos, contra o comunismo, contra o integralismo‖ e é ―pela democracia brasileira, contra a

ilusão de dois falsos caminhos‖ (Idem: 5 de agosto, nº 34). Essa organização foi iniciada na

Escola Superior de Agricultura e conta com o apóio da Faculdade de Direito, das Escolas de

Comércio, Escola Normais de Oficiais e ginásios‖ (Idem). Outras manchetes do jornal

bandeirante informa que a ―Bandeira Democrática Universitária em Pernambuco‖ também é

pela defesa de ―uma democracia social e nacionalista, por um Brasil nosso e original‖. De

acordo com os ―novos bandeirantes‖, estas organizações defendem a candidatura de Armando

de Salles Oliveira que é ―bem a melhor expressão do rejuvenescimento da democracia‖ contra

a ―ameçadora barbárie integralista-comunista‖ (Idem).

Essas iniciativas em outros estados reproduzem a ―sadia e patriotica iniciativa da

Bandeira‖ que negam a ―importação de doutrinas forasteiras, que pretendem perverter o

regime de vida brasileira‖ (Idem). Dessa iniciativa ―fazem parte estudantes católicos,

protestantes, perrepistas, pecistas, positivistas, socialistas moderados, livres pensadores, etc.,

não tendo portanto caráter de partido mas de uma ampla frente única de todos os estudantes

democráticos‖ (Idem). E devido a essas adesões, os ―novos bandeirantes consideram que o

movimento ―ganhou todos os núcleos estudantinos do país‖ e, em outros estados, ―acudiram

imediatamente ao apelo que partiu de São Paulo‖ (Idem).

De modo geral, os ―novos bandeirantes‖ afirmavam que reviveriam as Bandeiras

históricas ao organizarem todas as diversidades na marcha predestinada da Nação em busca

de seu destino, não mais na defesa da fronteira territorial, mas na defesa espiritual da Nação.

Assim sendo, o ideário do Movimento Bandeira apropria-se do ―simbolo bandeirantes‖ como

representação da originalidade brasileira, o qual refletirá na forma como o ensino e a instrução

formaria um novo tipo de brasileiro ―prestante e feliz‖.

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_______ O Brasil no Original. Coleção da Bandeira. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1937.

_______ Revista São Paulo.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Prof. Dr. Alessandro Pimenta Coord. Edu. Campo – Arraias, a minha

orientadora de Doutorado Prof. Drª. Fabiane Fredrigo do programa de Pós-Graduação em

História da UFG e ao grupo de professores de Educação do Campo da UFT-Arraias.

Como referenciar esse trabalho:

COELHO, George Leonardo Seabra. A concepção pedagógica de educação rural dos ―novos bandeirantes‖. In:

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Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014.

Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618. p. 167-187.

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O ESTADO DA ARTE EM EDUCAÇÃO E MUNDO RURAL: A PRODUÇÃO DO

CONHECIMENTO NO ÂMBITO DA UFT/CAMPUS DE MIRACEMA - 2002-2012

Gilmar da Silva Nascimento. Egresso do Curso de Pedagogia/UFT/Câmpus de

Miracema/EDURURAL.

Antonio Miranda de Oliveira. Professor Adjunto UFT/Câmpus de Miracema/EDURURAL.

Resumo: Esta pesquisa monográfica é um trabalho de conclusão do Curso de Pedagogia da

UFT – Câmpus de Miracema. É uma pesquisa de natureza qualitativa que teve como objetivo

principal, realizar um estudo do tipo ―estado da arte‖ acerca da produção científica no âmbito

das atividades de formação do Curso de Pedagogia. Tomamos como referência o processo de

elaboração do conhecimento acerca da educação e do mundo rural em Monografias de

conclusão do Curso de Pedagogia na UFT – Câmpus de Miracema, no período de 2002 a

2012.

Palavras-chave: Educação, Estado da Arte, Mundo Rural.

RESUMEN: Esta monografía de investigación es una tarea de completar el curso de

Pedagogía UFT - Campus de Miracema. Se trata de una investigación cualitativa que tuvo

como objetivo realizar un estudio sobre el " estado del arte " de los estudios científicos en el

marco de las actividades de formación de la Escuela de Educación. Controlamos el proceso de

desarrollar el conocimiento sobre educación y Monografías rurales sobre la finalización del

Curso de Educación en el documento UFT - campus de Miracema en el período 2002-2012.

Palabras clave: la educación. Estado del Arte, Mundo rural.

1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa bibliográfica tem como objetivo trazer a tona subsídios que

contribuam para se entender o processo de elaboração do conhecimento acerca da educação e

do mundo rural em Monografias de conclusão do Curso de Pedagogia na UFT – Câmpus de

Miracema. Nesta concepção e raciocínio, a referida pesquisa bibliográfica norteia seu

trabalho, sempre estendendo suas práticas sobre os alicerces da idealização de uma educação

do e no campo.

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Outro fator decisivo para escrevê-la sobre tal assunto foi o descaso político e a

desvalorização social que persegue o camponês, que muitas das vezes são tidos como pessoas

atrasados e que impedem o avanço do ―progresso‖. A pesquisa teve como foco mapear e

analisar o conhecimento adquirido na área da educação e mundo rural dentro do recorte de

tempo de 2002/2012, tomando como referência a metodologia do estado da arte ou estado do

conhecimento neste campo de averiguação.

Para isto, buscamos nos referenciar em estudos e pesquisa acerca do assunto: estado da

arte, saber social, educação e mundo rural, dos seguintes autores Arroyo (2007); Damasceno

(1993); Minayo (2007); Messina (1998); Gatti (2002); Ferreira (1999); Brandão (2004);

Cervo (1983) entre outros. Tais obras dos referidos autores entre outros, vieram a somar para

o desenvolvimento da referida pesquisa.

2. METODOLOGIA

Compreende-se que neste debate, as pesquisas do tipo ―estado da arte‖ são uma

modalidade de pesquisa qualitativa no campo da educação. As pesquisas dessa natureza ―são

novas no Brasil‖, mas bem difundidas em outras localidades. No Brasil foi se ampliando com

o apoio do INEP, através do aumento de pesquisas envolvendo temas acerca da educação,

formação de professores, currículo, metodologias de ensino, políticas de formação, Educação

de jovens e adultos, formação inicial e continuada entre outros.

O estado da arte é uma espécie de trabalho de suma importância, uma vez que é

considerada uma das partes mais importante de todo o trabalho científico, pois se embasa nas

referências do que já se tem descoberto sobre o assunto escolhido ou pesquisado, adiantando a

pesquisa e evitando perca de tempo com investigações desnecessárias. Ainda auxilia no

apontamento de outras perspectivas, conceitos e paradigmas a serem estudados.

É um tipo de trabalho que traz forte abordagem qualitativa e bibliográfica, pois tal

pesquisa empírica postula por este tipo de tratamento referente aos dados de informações

adquiridas, pois de acordo com Minayo (2007, p. 21),

A pesquisa qualitativa se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade

que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo

de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a

um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não

podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. Esse conjunto de fenômenos

humanos se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por

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interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus

semelhantes.

Compreendemos que esse é um tipo de pesquisa importante para o campo educacional,

haja vista que a perspectiva de buscar compreender e interpretar processos e fenômenos pode

ser mais adequado para o estudo de processos educativos. Sabe-se, por outro lado, que não é

possível fazer pesquisa sem um rico levantamento bibliográfico. A pesquisa de cunho

bibliográfico de acordo com Cervo (1983, p. 55) é aquela que:

Procura explicar um problema a partir de referências teóricas publicadas em

documentos. Pode ser realizada independentemente ou como parte da pesquisa

descritiva ou experimental. Em ambos os casos, busca conhecer e analisar as

contribuições culturais ou científicas do passado existentes sobre um determinado

assunto, tema ou problema. A pesquisa bibliográfica é meio de formação por

excelência. Como trabalho científico original, constitui a pesquisa propriamente dita

na área das Ciências Humanas. Como resumo de assunto, constitui geralmente o

primeiro passo de qualquer pesquisa científica.

No caso especifico desta pesquisa, fizemos este movimento. Primeiramente realizou-

se uma pesquisa bibliográfica acerca das pesquisas estado da arte levantando documentos

ligados de forma direta ou indireta ao tema: ―O ESTADO DA ARTE EM EDUCAÇÃO E

MUNDO RURAL‖ num sentido mais amplo e, posteriormente, buscamos analisar o que já foi

produzido acerca desse tema, na UFT/Câmpus de Miracema.

Desta forma, foi de suma importância, as leituras de produções acadêmicas,

especialmente monografias de conclusão do Curso de Pedagogia e monografias de conclusão

de curso de Pós-Graduação lato sensu em educação rural, para a elaboração deste trabalho.

Cabe aqui no primeiro momento, nos aprofundar acerca da compreensão sobre o ―estado da

arte‖, que para isto nos alicerçamos em leituras de documentos para o aprofundamento do

tema proposto.

O ―estado da arte‖ pode ser entendido como aquilo que contribui de forma direta ou

indiretamente na constituição do campo teórico de uma área do conhecimento. Norteia-se

sobre a teoria e a prática pedagógica, sinalizando para onde a pesquisa está encaminhando-se,

além de trazer a tona, as lacunas presentes nos estudos reconhece ainda a importância da

pesquisa na constituição de propostas a respeito do assunto focalizado.

Para nos referir sobre tal inventário de determinado campo do conhecimento, podemos

imaginar a figura de alguém que iniciou uma caminhada e num determinado ponto faz uma

parada, vira a cabeça para trás, toma fôlego, reavalia os objetivos do trajeto e se coloca

novamente na posição de reiniciar o percurso. Com esta retomada, pode até mesmo reorientar

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o seu rumo em função da "reflexão" e da recuperação que o ato de interromper a marcha

possa ter causado.

O exercício de recuperação analítica da produção sobre a análise da leitura e ação do

sujeito, ao longo da história, assim como seu modo de vida, costumes e organização social de

uma forma especializada e seus efeitos numa determinada sociedade podem nos privilegiar

com a possibilidade e a necessidade de acompanhar as transformações e inovações e, de

forma sucinta, busca dar sentido e também voz e possibilidade de reivindicações aos anseios

daqueles que vem conquistando seus saberes no campo da educação.

4. DISCUSSÕES

Surge aí a decisão de elaborar um projeto de pesquisa monográfica que tivesse como

foco pensar a educação para além da escola. Dadas as minhas limitações, o que pareceu mais

próximo desse ideal foi problematizar a questão da educação e da escola do campo, tomando

como referência as monografias já catalogadas que se encontram na biblioteca da UFT

Campus de Miracema.

Foi nesse contexto que buscamos as leituras e procuramos nortear o desenvolvimento

do nosso projeto de pesquisa, numa visão bibliográfico-qualitativa e etnográfica. Mas afinal,

como pensar a educação dentro desses três métodos de trabalho? De forma sucinta, de acordo

com GATTI (2002 p.61):

Educação é área de conhecimento e área profissional, um setor aplicado,

interdisciplinar, e o conhecimento que produz, ou deveria produzir, diz respeito a

questões de intervenção intencional no âmbito da socialização, diz respeito a

metodologias de ação didático-pedagógica junto a setores populacionais, com

objetivos de compreensão desse agir e de seu potencial de transformação.

Portanto, trabalhar a educação numa visão etnográfica requer uma atenção maior uma

vez que a etnografia era uma técnica usada quase somente pelos antropólogos e sociólogos.

Porem, no começo dos anos 70 os pesquisadores da área da educação começaram também a

usar tais técnicas.

Sabemos que não há um modelo específico para o processo e coleta de dados, que não

existe um método que possa ser apontado como melhor ou mais eficaz. De acordo com

LUDKE (1986 p. 13): A utilização desses termos, no entanto, deve ser feita de forma

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cuidadosa, já que no processo de transplante para a área de educação eles sofreram uma série

de adaptações, afastando-se mais ou menos do seu sentido original.

Desta forma, a abordagem que o pesquisador dever fazer para elaborar tal trabalho,

deverá ser definido um método a ser utilizado, pois será através desse método que afunilará

seu trabalho, uma vez que este trabalho de pesquisa será na área da educação. Portanto,

quando falamos de método de acordo com (GATTI, 2002, p. 44):

Estamos falando da forma de construir o conhecimento. Nesse âmbito, setores onde

a pesquisa e a teoria levaram à constituição de referenciais específicos, mais claros e

mais fortes, suportam o levantamento e a sustentação de novas ideias, questões,

hipóteses de trabalho e os meios de investigá-las.

Portanto, a pesquisa que se propõe neste trabalho delimita-se na área da educação de

forma qualitativa, abordando trabalhos já elaborados, procurando aprofundar nos

conhecimentos acumulados. Entende-se que o debate das ideias já difundidas nos trabalhos já

elaborados deve ser analisado e que o pesquisador deve se comportar como um veículo

inteligente e ativo entre esse conhecimento acumulado na área e as novas possibilidades que

poderão ser estabelecidas a partir da pesquisa.

A utilização do método qualitativo que procuramos incorporar na pesquisa tem como

objetivo analisar documentos escritos sobre a educação em um dado recorte de tempo,

procurando sempre focar o desenvolvimento humano e suas faculdades de forma social. Pois

(MINAYO, 1996, p. 10):

Define o método qualitativo como aquele capaz de incorporar a questão do

significado e da intencionalidade como inerente aos atos, às relações, e às estruturas

sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua

transformação, como construções humanas significativas.

É dentro dos moldes qualitativo e etnográfico que se pretende desenvolver tal pesquisa

na área da educação. Quando nos referimos à pesquisa, entendemos que pesquisa

independentemente de sua natureza, promove o desenvolvimento e a postura de obter

conhecimento acerca de algo. No caso do referido trabalho, a pesquisa educacional de acordo

com (GATTI, 2002, p. 12 – 13):

Reveste-se de algumas características específicas. Porque pesquisar em educação

significa trabalhar com algo relativo a seres humanos ou com eles mesmos, em seu

próprio processo de vida (...).

(...) A pesquisa educacional, tal como ela vem sendo realizada, compreende, assim,

uma vasta diversidade de questões, de diferentes conotações, embora todas

relacionadas complexamente ao desenvolvimento das pessoas e das sociedades.

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Quando nos referimos à educação, procura-se notificá-la como um instrumento

relevante na sociedade e que muitas das vezes esta educação social tem-se direcionado para

concepções de processos históricos e enveredando-se para natureza cartesiana, pragmática,

produtivista, crítica-produtivista, ou simplesmente crítica, libertadora, liberal, neoliberal, pós-

moderna, enfim; nota-se que é uma educação social que teve um desenvolvimento ao longo de

um processo histórico assim como a sociedade brasileira.

Portanto, é pensando nos avanços educacionais de forma positiva, que se propõem a

análise de documentos de cunho acadêmico já elaborado. Trabalhos esses que desenvolve seu

raciocínio na área da educação. Entende-se que a abordagem de tais documentos possibilitará

a somatória de reflexões acerca do desenvolvimento da educação.

Entretanto, percebe-se que no âmbito do Curso de Pedagogia em Miracema, não há

trabalhos que se dediquem a fazer estado da arte em relação a alguma área de interesse da

formação no Curso. Nossas leituras relacionadas ao mundo rural nos ajudaram a definir nosso

interesse voltado para pensar a educação e o mundo rural através das pesquisas monográficas

já realizadas no curso de pedagogia e catalogadas na Biblioteca da UFT - Campus de

Miracema.

Percebe-se desta forma que, quando falamos de estudar a educação do campo é

entender que a escola rural está vinculada aos principais interesses de quem postula a bastante

tempo, por uma escola que atenda suas reais necessidades, que são os trabalhadores e

trabalhadoras do campo. É centrado neste foco que procuramos desenvolve tal pesquisa de

cunho bibliográfico.

Assim, pensar a educação desassociada do social e do homem, entende-se que seria

impossível. Pois de acordo com Brandão (2004, p. 70) "é falso imaginar uma educação que

não parte da vida real: da vida tal como existe e do homem tal como é". Portanto, estudar

educação é se lançar nas tantas veredas sociais e pesquisar o desenvolvimento do campo bem

como seus moradores ao longo de todo o processo histórico.

Não podemos nos esquecer de que é imprescindível nortear uma adequação integrada

entre o saber sistemático, adquirido nas instâncias escolares e os diversos saberes culturais e

históricos do homem do campo. Assim como, suas formas de lidar com a terra, suas práticas

produtivas e formas políticas e sociais. Tudo isto se apresenta como um grande organismo

vivo e fecundo para o desenvolvimento do trabalho do pesquisador.

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4. RESULTADOS

O foco desse tipo de trabalho (estado da arte) não é de identificar, e nem tem o

propósito de solucionar problemas que possivelmente possa surgir durante o seu

desenvolvimento. Mas se encarrega de forma coerente de analisar, compreender, categorizar,

constatar, discutir e revelar os múltiplos enfoques e perspectivas.

Com a luta em prol da criação de uma universidade federal e a conquista da

Universidade Federal do Tocantins (UFT), foi implantado um Campus da UFT em Miracema

onde passou a funcionar a partir de 2003, o curso de pedagogia e em 2005 o curso de Serviço

Social. Foi este histórico que nos levou a fazer um primeiro levantamento tomando como base

o período de 1996 a 2012.

Nos quadros 1 e 2 abaixo apresenta-se os dados desse levantamento realizado na

Biblioteca do Campus de Miracema, quando identificou-se um total de 31 monografias, sendo

16 de Graduação (MG) e 15 de Pós-Graduação (PMG). Vale lembrar que tais dados de

Monografias levantados, são parciais e que envolve somente o curso de Pedagogia e o curso

de Pós-Graduação Lato Sensu em Educação Rural.

ANÁLISE DO QUADRO 1: Monografias elaboradas no período de 1996-2001

Quadro 1: Número de Monografias de Graduação (MG) e de Pós-Graduação (MPG) identificadas no

período de 1996-2001

ANOS 1996 1997 1998 1999 2000 2001 TOTAL

MG 01 04 00 02 00 01 08

MPG 00 04 00 01 00 00 05

Nº 01 08 00 03 00 01 13

FONTE: Dados da pesquisa. Organização do autor, 2013.

Foi importante para a pesquisa, trazer dados de informação acerca da produção da

UFT - Câmpus de Miracema, nos período de 1996/2001 como consta no quadro acima. Nota-

se que a produção de conhecimento na área de educação e mundo rural, oscilam de um ano

para o outro, para mais ou para menos e em alguns casos, não foi possível encontrar

monografias concluídas em determinado ano.

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Importa relembrar, que neste período 1996/2001 o Câmpus de Miracema ainda fazia

parte da estrutura da UNITINS. Inicialmente com os cursos de Administração Pública,

Administração de Empresa e Administração Rural, posteriormente foram implantados os

cursos de Licenciatura em Matemática, Normal Superior e Pedagogia.

Neste momento, no período de 2000 ate 2003, existia o curso de pedagogia ofertado

como bacharelado na UNITINS no Câmpus de Tocantinópolis e Miracema. Entende-se a

importância de trazer esses dados no momento da pesquisa, para o entendimento do quadro 2

abaixo, que apresenta a produção monográfica na época.

Este quadro demonstra a nossa real pesquisa, que se estende dentro de um período de

2002 a 2012. Onde procuramos abordar uma monografia de cada ano, mas, através da luta

histórica pela identidade do curso, a mudança da nomenclatura da instituição assim como

outros movimentos. Nos anos de 2004 e 2005, não foi possível encontrar produção

monográfica referentes ao tema, conforme quadro 2 abaixo.

ANÁLISE DO QUADRO 2: Monografias de Graduação e Pós-Graduação elaboradas no período

de 2002 a 2012

Quadro 2: Número de Monografias de Graduação (MG) e de Pós-Graduação (MPG) identificadas no

período de 2002 a 2012.

ANOS 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 TOTAL

MG 02 00 00 00 01 02 01 01 00 00 01 08

MPG 00 01 00 00 01 00 00 00 07 01 00 10

Nº 02 01 00 00 02 02 01 01 07 01 01 18

FONTE: Dados da pesquisa. Organização do autor, 2013.

Observando o quadro 2, notamos duas produção de monografias de graduação no ano

de 2002 ainda na antiga UNITINS que já não oferecia mais vestibular para o cursos

remanescentes. Notamos a não produção nos anos de 2004 e 2005, pois aqui neste momento,

agora já na administração da UFT, acontecem os movimentos para implantação e

fortalecimento da nova Instituição Federal.

Já em 2003 o colegiado do curso de pedagogia junto com a Pró-Reitoria de Graduação

da UFT, decide implementar duas medidas: uma postulava a reabertura do vestibular para os

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cursos da UFT no Câmpus de Miracema, a outra foi de não abrir vestibular para o antigo

Curso de Normal Superior na UFT, afirmando assim que a formação do professor para a

educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental deveria ser feita na universidade e

ficava a cargo do Curso de Pedagogia.

Notamos ai uma ausência de produção de monografias acerca do tema da referida

pesquisa. Em nossas buscas, encontramos apenas uma monografia de Pós-Graduação no

referido ano 2003. Observando o quadro 2, notamos a pouca produção. Pois até o ano de

2008, ainda havia turma formando no interior de outra instituição e que tinha outros

propósitos.

Nos anos seguintes, não houve novidades acerca do aumento das produções

monográficas, pois ainda havia uma sombra de reestruturação do curso, e os acadêmicos

remanescentes da antiga UNITINS, estavam se adequando ás normas da sucessora, a UFT.

Pois notamos uma produção lenta de monografias no curso de pedagogia tanto da Graduação

quanto da Pós-Graduação.

Somente em 2010 foi constatado um aumento de produção de monografias discutindo

a temática dessa pesquisa no âmbito do curso de pedagogia e da Pós-Graduação, vindo a

diminuir nos anos seguintes. É dentro desse espaço de tempo, 2002/2012, em meios a

mudanças, que procuramos desenvolver o pensamento acerca do que estava acontecendo de

forma histórica, na educação brasileira, na instituição enquanto instancia Federal.

Definimos este período de dez anos para a análise dos dados produzidos por entender

que a produção do conhecimento dentro desse recorte de tempo, carece ser analisada. Para

que possamos olhar para trás e fazer inferência acerca da evolução e o desenvolvimento do

conhecimento assim como a educação dentro de um contexto do saber, acerca do mundo

rural.

Mas, é importante lembrar que: os dados analisados de 1996/2012 entram na pesquisa

para uma contingência geral. Abordamos de forma mais profunda as monografia produzidas

entre 2002/2012, para o andamento e desenvolvimento da pesquisa, não perdendo de vista o

recorte temático da pesquisa (O Estado da Arte em Educação e Mundo Rural: a produção do

conhecimento no âmbito da UFT Campus de Miracema).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A presente pesquisa foi resultado de uma abordagem qualitativa e bibliográfica, que

procurou nortear suas análises para o entendimento acerca da produção do conhecimento da

temática educação e mundo rural. Pois, é importante pensar o papel social da escola,

articulando com a sociedade local. Sempre tendo como eixo norteador alargar o conhecimento

acerca dos saberes dos trabalhadores e trabalhadoras que vivem no mundo rural.

Procurou-se entender, como as políticas públicas desenvolvem ações de atendimento

básicos, principalmente no que diz respeito a educação, para o camponês, assim também,

como suas lutas e conquistas. Para isto, foi necessário abordar de forma analítica, trabalhos de

conclusão do curso de Graduação em Pedagogia e do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em

Educação Rural, delimitando-se um espaço de tempo que foi definido de 2002 a 2012.

Fazendo uso do estudo intitulado: Estado da Arte.

Grande parte desses estudos/pesquisas apontam dados de informações dessas

populações dentro de um determinado tempo histórico e espaço, que sempre ao longo de toda

sua trajetória, vem sendo bombardeado pelo sistema capitalista que explora, inferioriza e

subjuga as populações camponesas no campo e na cidade.

Há tempo que esta população do campo luta por uma educação de qualidade que

venha atender suas necessidades dentro do contexto em que vive, não alterando seus

costumes, mas sim, sendo valorizados e respeitando seus direitos enquanto cidadão e

indivíduo residente do campo.

Nos últimos anos, vem sendo notado movimentos dos povos do campo por políticas

públicas que garantam o direito à educação e que seja no e do campo, pois se entende que o

povo tem o direito a educação independente do lugar em que vive.

Entendemos a importância no momento, de fazer uma distinção acerca da

nomenclatura: rural e campo. A concepção de rural, é entendido como uma perspectiva

política presente nos documentos oficiais que de forma histórica, fizeram referência aos povos

do campo e entendem que tais povos, necessitam de assistência e proteção. O fator negativo é

de que tratam o rural como o outro lugar e que é pensado numa lógica economicista e não um

lugar de trabalho, de construção de significados, saberes, vida e culturas diversas.

O entendimento acerca da concepção de campo tem o seu sentido ideológico

implicado com as ações dos movimentos sociais já no final do século XX. Procura fazer

referências à identidade e cultura dos povos do campo e relaciona os valores de tais povos

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como sujeitos que possuem laços culturais e valores relacionados à vida na terra. Procurando

assim, ir além de uma definição jurídica, configurando assim, um conceito político ao

considerar as particularidades dos sujeitos e não apenas sua localização espacial e geográfica.

No caso especifico das pesquisas monográficas, objeto desse estudo, vimos que nem

sempre há clareza dos autores quando tratam da temática educação e mundo rural.

Observamos que rural e campo foi abordado, em parte das monografias, como sinônimo não

revelando a riqueza conceitual, política e ideológica que os conceitos revelam ou escondem.

É claro que o objetivo da pesquisa não foi apresentar soluções para tais problemas

visivelmente existentes nessas abordagens, mas de registrar a importância desse debate, em

relação a esses sujeitos enquanto ser humano, suas lutas e seus saberes que se completa com

suas ricas formas de viver, suas crenças, entre outras bem como a importância da terra na sua

vida e a relação com o próximo.

Procuramos primeiramente, aprofundar acerca do conceito do que vem a ser (Estado

da Arte). Para isto, procuramos apoio em autores como: Norma, Romanowski e Ens, que em

suas pesquisas discutem sobre tal assunto. Pois de acordo com Romanowski e Ens (2006 p.

39), "estado da arte pode significar uma contribuição importante na constituição do campo

teórico de uma área de conhecimento".

Portanto, os estudos do tipo estado da arte ou estado do conhecimento, nos propõem

uma gama de saberes e de conhecimento acerca do assunto do qual o pesquisador escolheu

para trabalhar. Neste momento, a abordagem bibliográfica do assunto, o arremeterá para o

desenvolvimento da pesquisa propriamente dita. Pois tal método, foi desenvolvido para a

produção do referido trabalho.

Entende-se que este universo rural é um campo vasto para estudos acerca de seus

moradores, costumes, meios de vida, e as formas de como são tratados e vistos, através das

políticas públicas. Procurou-se, entender como o mundo rural e seus moradores são atendidos,

e visto por aqueles que não têm vínculo nenhum com esta especificidade e contexto rural.

Na maioria dos casos, os moradores do mundo rural são pensados por quem mora na

cidade, esses, sem entender o contexto rural procura explicar a cultura, a forma de educação,

as manobras políticas entre outros, que permeia os que realmente moram e se caracterizam

como trabalhador camponês nesta região do Brasil.

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O campo e seus moradores, sempre foram visto através dos residentes das cidades,

como outros povos dentro de uma visão de inferioridade. O fato concreto é que esses povos

sempre desenvolveram saberes, tem uma cultura rica e ultimamente, vem postulando direitos

regidos por lei, para que tais direitos sejam cumpridos na prática.

Uma dessas postulações é a luta em prol de uma educação de qualidade e que seja

articulada com os saberes do mundo rural, uma educação que valorize seus costumes, sua

cultura e seus moradores.

Isto pressupõe que a escola no contexto rural, deve respeitar seus moradores dentro de

suas especificidades, acatando seu acervo cultural, sua postura enquanto cidadão emancipado

e consciente de seus direitos e suas forma de como se organiza politicamente, em busca do

seu espaço na sociedade.

Portanto, a educação rural e a valorização do campo a partir de propostas

educacionais, dependem fundamentalmente do modo como esse espaço é concebido no

processo formativo no âmbito da universidade, mas também, por cada um de nós. Vimos que

as monografias estudadas, de algum modo buscaram problematizar esse contexto rural,

procurando elucidar, dentro da concepção ideológica de cada autor, o meio rural e a educação.

Ao final desse estudo, compreendemos que uma prática pedagógica que contribua para

a formação de sujeitos com o mínimo de autonomia, pode ser um recurso importante para o

fortalecimento do mundo rural e seus sujeitos. Por outro lado, o estudo permitiu alargar nossa

visão, embora mereça novos estudos, a compreensão de que a formação dos sujeitos do

campo não ocorre somente mediada pelo trabalho escolar. Outros espaços, lugares e sujeitos

contribuem ricamente para a formação das pessoas no campo.

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1983.

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http://www.fe.unicamp.br/alle/textos/NSAF-AsPesquisasDenominadasEstadodaArte.pdf.

acesso em 21/01/2014.

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Disponível em www2.pucpr.br/reol/index.php/DIALOGO?dd1=237&dd99=veiw. Acesso em

16/12/2013.

Como referenciar esse texto:

NASCIMENTO, Gilmar da Silva. O Estado da Arte em educação e mundo rural: a produção do conhecimento

no âmbito da UFT/Câmpus de Miracema – 2002-2012. In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA

EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL, 5: Pesquisa em Educação: Diálogos

Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014. Miracema do Tocantins. Anais.

Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618. P. 188-200.

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RURAL E URBANO: IDEIAS SOBRE UMA DICOTOMIA

Elzimar Pereira Nascimento Ferraz. Professora Adjunta/UFT/Câmpus de Araguaina-

EDURURAL; [email protected]

RESUMO

O texto fundamenta-se numa pesquisa bibliográfica e objetiva apresentar algumas ideias

acerca da dicotomia entre zona rural e urbana. Demonstra o processo de construção histórica

desta concepção e ressalta como a zona rural é pensada a partir de aspectos urbanos. Neste

sentido, questiona-se sobre a sustentação de uma visão dicotômica uma vez que adquire

novos contornos teóricos devido às mudanças no modelo sócio-econômico rural. O

referencial teórico que embasou a pesquisa foi a produção bibliográfica dos autores: os

pensadores brasileiros: Queiroz (1976), Mendras (1969), Paulino (2006), Veiga (2003, 2005),

Del Priore (2006), Pessoa (2007), Moreira (2005) e Carneiro (1988, 2001), entre outros.

Novos olhares e concepções teóricas estão sendo construídas acerca dos limites da

abordagem dicotômica entre rural e urbano, uma vez que pesquisas científicas, em ebulição,

avançam na tentativa de compreender a relação das novas significações rurais e urbanas para

uma ressignificação do rural como espaço geográfico e cultural que incorpora a coexistência

de elementos do rural tradicional e elementos do mundo moderno.

Palavras-chave: Relação rural-urbano. Dicotomia. Educação.

INTRODUÇÃO

O texto proposto constitui-se numa pesquisa bibliográfica, e passa pelo entendimento,

não lapidado, de que o território brasileiro se consolida na organização da zona rural, sendo,

portanto, a invenção do urbano que originou uma separação grosseira do espaço rural. No

espaço territorial, antes da constituição citadina, a função principal da terra era produzir

gêneros alimentícios para o aglomerado de pessoas. Plantar e colher eram atividades

intrínsecas das pessoas. Com o desenvolvimento urbano, a terra passou a ser a própria

mercadoria essencialmente comercializada. Por conseguinte, aconteceu uma inversão de

papéis na medida em que o urbano avança como espaço. Assim, cabe indagar sobre a

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concepção dicotômica entre o mundo rural e o urbano, ou seja, fazer o exercício do

estranhamento diante de uma visão ingênua do urbano sobreposto ao rural.

A pesquisa bibliográfica procurou analisar alguns elementos basilares para nortear

uma reflexão sobre a discussão da relação rural e urbano. Destaco aspectos históricos

do nascimento de uma dicotomia, que apresenta a cidade como o eldorado e rejeita a

interdependência dos espaços.

Entendo a mudança de domínio do capital econômico como cíclica e heterogênea,

pois a aproximação, tanto geográfica quanto tecnológica, entre o urbano e o rural tende a

crescer paulatinamente. Nas palavras de Mendras (1978, p.34): ―A cidade é o motor do

progresso; em seu seio nascem as invenções técnicas, as ideias revolucionárias, os novos

modos de vida, que em seguida se difundem pelas áreas rústicas circunvizinhas‖. Portanto,

a revisão do processo dicotômico advoga para o entendimento das relações econômicas

envolvidas em favor do desenvolvimento capitalista.

Assim, refletir sobre a naturalização da separação entre o rural e o urbano significa

considerar a complexidade da relação dos sujeitos rurais com suas lutas e seus saberes

sociais. Na problematização dos processos de naturalização da dicotomia entre a zona rural

e a zona urbana, associo a questão da dominação do capital econômico, de acordo com

Queiroz (1976) sob o aspecto de dois dilemas referentes à relação rural-urbano.

Discussão

A história oficial apresenta uma visão romântica da vida rural brasileira, sublimando

o caráter autoritário da expansão dos latifúndios e a emergência das grandes cidades

que sufocou os espaços geográficos da natureza, do pequeno produtor e das populações

indígenas. A palavra dicotomia, originária do grego dichotomia, pelo Dicionário Aurélio

Ferreira (1999, p.679), tem a conotação de divisão: ―dicotomizar é dividir em dois‖.

De acordo com o dicionário etimológico Bueno (1964), o significado de dicotomia pode

ser concebido como:

s.f. fase da lua em que aparece apenas a metade do disco. Em botân.

Divisão em dois. Dicótomo. Adj. Qualidade do que se biparte. Gr.

Dikhótomos, de dikha, separação, tomé, corte. Derivs. Dicotomia,

dicotômico, dicotomeas, dicotomal, dicotomizar.

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Estas semelhantes significações revelam a dimensão da temática, que intenta

desenrolar o novelo do campo agrário marcado pelas contradições da formação capitalista,

na história brasileira, de acordo com os autores: Rua (2006), Moreira (2007). E tendo por

base Del Priore e Venâncio (2006), intento afirmar que a separação entre os modelos de

vida rural e os do tipo urbano aparecem no século XIX, dentro de um mesmo território

rural.

A história social da vida no campo, escrita por Del Priore e Venâncio (2006), tem,

em sua interpretação, dois elementos responsáveis pelas desigualdades sociais no Brasil: o

crescimento do latifúndio e a imposição, pelo capitalismo comercial, dos produtos da

monocultura. Nessa linha de pensamento, a visão dicotômica tem sua raiz na dualidade

da casa grande com a senzala, Segundo Gilberto Freire (1995), o engenho era uma

microssociedade, dominada por um senhor. Com o desenvolvimento urbano a

sociedade capitalista passou a qualificar o rústico como ruim e feio e o moderno como bom

e aprazível e a valorizar o trabalho intelectual, em detrimento do trabalho braçal.

Este domínio rural, transferido para o domínio urbano, menosprezou diretamente

a vida descapitalizada do roceiro/lavrador/caipira/sertanejo. Os estudos de Del Priore e

Venâncio (2006) demonstraram o caráter ideológico de comentários a respeito dos

sertanejos, feitos por observadores estrangeiros e autoridades governistas, no período

colonial e imperial. Estes, ao escreverem sobre a vida camponesa, tinham como referencial

a dinâmica do trabalho europeu. Por isso, desenhavam uma caricatura dos camponeses,

caracterizando a pobreza material como consequência da vida despreocupada com ganhos

financeiros.

No Brasil, esse pensamento aparece muito forte na literatura/obra de Monteiro

Lobato, ao criar o famoso Jeca Tatu como o matuto/caipira/caboclo preguiçoso que vive

sem preocupações, ou seja, sobrevive de colher o que a natureza oferece, sem tentar

modificá-la agressivamente em nome do progresso/produção, numa clara alusão crítica e

mordaz ao modo de vida do povo brasileiro, e marcando a oposição ideológica entre a

cultura urbana (capitalista) européia e norte americana avessa ao modo de vida tradicional

rural e a cultura de um país ainda não engolido pela ânsia do progresso selvagem. O Jeca

representou uma caricatura desprezível uma vez que omitia a vida simples do caboclo. Uma

figura evasiva do sujeito que possuía uma estreita relação com a natureza, sem a

preocupação em acumular bens, ou explorar financeiramente os recursos naturais.

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O lugar habitado pelo Jeca permite um vida sentida a cada dia sem muitas

expectativas para um futuro distante. Assim, o campo é mais que um lugar. É um modo de

vida e de ser experienciado ordinariamente, nas atividades pontuais e rotineiras. Na origem

etimológica das palavras urbano e rural pode-se identificar o caráter dual entre esses dois

ambientes e uma imposição de superioridade aos sujeitos do espaço urbano e a

desvalorização do sujeito rural, colocando este último como inferior.

No entanto, a desconstrução desta imagem far-se-á necessária, pois intensas

transformações científico-tecnológicas, principalmente no final do século XX,

proporcionaram a expansão capitalista, tanto no campo quanto na cidade, exigindo um

repensar sobre a antítese entre os espaços urbanos e rurais, devido à dependência recíproca

entre os mesmos. Alguns autores, como Abramovay (2000), Carneiro (2001), Alentejano

(2003) e Rua (2006), colocam em xeque a concepção dicotômica. Focalizam as relações

sociais, em detrimento das localizações geográficas. Tratam de um rural com

elementos urbanos e de um urbano com algumas representações rurais.

O crescimento demográfico, de norte a sul do Brasil, teve a fazenda como núcleo de

formação do povo brasileiro e como domínio econômico sobre a cidade. Portanto, a

fazenda, enquanto sinônimo de latifúndio, efetivou a exploração do trabalho escravo,

posteriormente do trabalho assalariado rural. Desse modo, o status de grande

proprietário de terras e, por conseguinte, de proprietário de gado e de produtor de grãos,

posiciona o dono da terra ao lado dos grandes industriais e dos grandes comerciantes

urbanos.

Para Queiroz (1976, p.163), ―[...] o meio rural não pode nunca ser estudado em si

mesmo, mas deve ser encarado como parte de um conjunto social mais amplo, do qual

faz parte juntamente com a cidade‖. A autora elaborou a hipótese de que a urbanização

brasileira só ocorreu a partir da década de 1940 e, por isso, até então não existiu no Brasil

uma urbanização, mas sim o processo de vida citadina, mesmo considerando que ―[...] a

partir de 1820 difundiu-se o gênero de vida da sociedade burguesa‖. Cabe ainda ressaltar,

segundo a autora, que a literatura brasileira, nos seus romances da primeira metade do

século XIX, evidenciava o surgimento da vida citadina, principalmente no Rio de Janeiro.

Na tentativa de desvelar os papéis dos agentes sociais agrários e urbanos, em

meados do século XX até a primeira década deste século, entendo que o fazendeiro é

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dominador e autoritário, nas relações de trabalho, tanto quanto o industrial. Por essa razão,

apesar das diferenças físicas entre a zona rural e a zona urbana e do maior avanço

tecnológico urbano, existe um elemento comum entre o campo e a cidade, no que tange às

relações de poder: a defesa da propriedade privada, da dominação ou relação entre patrão e

empregado.

A civilização, enquanto sinônimo de urbanização, arrogou qualidades à vida urbana,

as quais determinavam que os indivíduos alheios ao processo de urbanização estavam

fadados ao isolamento do progresso. O avanço industrial brasileiro estabeleceu uma

sociedade urbana, em que o indivíduo passou a pertencer a uma rede. Queiroz, (1976,

p.166), usando o recurso da literatura, exemplifica, por meio de alguns romances, um erro

referente a essa questão:

[...] meio rural e metrópoles têm sido analisados sem que se procure

conhecer quais os caracteres essencialmente brasileiros dos grupos em

questão, e quais os que compartilhamos de maneira geral com outros

países urbanizados.

A sociedade industrial criou as bases materiais de produção, acelerando o processo

de ampliação das cidades e, consequentemente, a ampliação das indústrias. A sociedade

urbana desenvolveu-se por causa da indústria, que trouxe para a cidade o engendramento de

algumas oposições entre o rural e o urbano. Conforme ilustra Moreira (2005, p. 17):

Apreendido pelas oposições campo-cidade, tradicional-moderno, oposições

incivilizado-civilizado e não-tecnificado-tecnificado, no rural-agricultura

herdado da modernidade, a ruralidade estava sujeita aos domínios da natureza

e da tradição, próprias das hegemonias urbano-industrial nos espaços

nacionais.

Apesar de andar na contraposição da vida rural tradicional, por operar numa lógica

contrária, pois a lógica da comunidade rural tradicional passa pelo viés da sustentabilidade

autônoma e se ancora nos laços familiares, a zona urbana transmitiu, aos poucos, para

lugares mais distantes, elementos da urbanidade. Entender o campo, portanto, significa

considerar a simultaneidade de elementos rurais e urbanos.

De acordo com Mendras (2004), é importante destacar as diferenças existentes entre

a sociedade industrial e a sociedade tradicional, para entender as diferentes relações sociais

e os interesses econômicos. O autor destaca que, na sociedade industrial, as mudanças são

contínuas e aceleradas, baseadas nas inovações tecnológicas. Sendo assim, os indivíduos

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recebem tarefas específicas de trabalho, de acordo com a estrutura social, numa relação

indissociada entre produção e consumo.

Concebo que a problemática da civilidade européia, com a promessa ideológica de

felicidade a todos os indivíduos civilizados, vai se moldando paulatinamente no Brasil,

nos fins do século XIX e primeira metade do século XX, transformando, simultaneamente

imbricadas, relações sociais urbanas e rurais. Como assinala Queiroz (1976, p. 170),

A riqueza dos fazendeiros, num momento em que a industrialização européia

criava novas maneiras de viver, fez com que quisessem usufruir do conforto

e do luxo, e demonstrar que não eram ―atrasados‖, ou ―pouco civilizados‖.

Comércio e serviços conheceram então grande desenvolvimento. A

função econômica destas cidades passou a ser muito importante, pois se

tornaram centros de um consumo muito diversificado. O contraste com as

cidades localizadas em regiões pobres ou decadentes também é grande.

Podemos, pois, dizer que, a partir de fins do século XIX, as cidades

brasileiras serão mais ou menos ―aburguesadas‖, mais ou menos

diferenciadas e heterogêneas internamente, mais ou menos afastadas do meio

rural, conforme este meio rural seja mais ou menos rico e progressista. Não é

possível, pois, compreender o desenvolvimento ou não de uma cidade

brasileira, nessa época, sem investigar a que meio rural pertence.

Queiroz (1976) demonstra possíveis controvérsias em relação às transformações na

sociedade brasileira, principalmente no século passado, no entendimento de que o processo

de mudança social não é linear: primeiro na zona urbana, depois na zona rural. Portanto, com

o desenvolvimento industrial mais intenso, acontece uma ruptura da simbiose entre os

espaços urbano e rural, pela via cultural. Essa ruptura cultural passou a ser um ditame dos

padrões de comportamento e carga de transmissão de valores das cidades para a zona rural

imediata.

A contradição brasileira rural-urbana, no século XX, pode ser pensada pela

problemática do latifúndio, enquanto fator de mudança nas relações capitalistas, pois o

capitalismo rural, conforme Feliciano (2006, p. 24), ―[...] estabelece relações de produção

tipicamente capitalistas na forma de assalariamento, ao mesmo tempo em que cria e recria

algumas relações não-capitalistas‖, ou seja, a concentração de terras amplia a complexidade

nas relações sociais do campo e estabelece novas formas de exploração do trabalho,

semelhantes às da cidade. Logo, ao atacar a dualidade urbano-rural, afirmo que o

proletariado urbano está para camponeses assim como a burguesia urbana está para

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latifundiários. As relações de poder e de conflito são intensas, tanto na zona rural quanto na

zona urbana.

A questão da concentração de terras assumiu, em meados de 1900, a natureza de

renda capital, passando latifúndio a ser sinônimo de poder capital e, como afirma Feliciano

(2006, p. 27), ―[...] como o controle do poder manifestava-se pelo acesso à terra, as disputas

e conflitos iniciaram-se, o que ocasionou um aumento cada vez maior do processo de

grilagem e especulação de terras no Brasil‖.

Os avanços e recuos da questão fundiária brasileira aconteceram, e ainda acontecem,

em meio a um processo capitalista moderno que se revela de forma desigual e contraditória,

posto que submete a terra à lógica da exploração econômica e ao domínio de uma elite.

Essa lógica pode ser traduzida pela ocupação e expulsão dos indígenas de seus territórios,

pelas sesmarias e na defesa judiciária da herança territorial, na conservação da grande

propriedade.

O processo histórico de formação da propriedade privada da terra, no Brasil, desenrola-se

pela concessão de títulos, em que a terra é concebida enquanto um bem de negociação, e

pela prática de atos administrativos, para legalizar a posse e o comércio da terra, cuja

compra configura investimento, com a finalidade de ganho financeiro futuro.

A transformação da terra em mercadoria e em reserva patrimonial provocou o

enriquecimento de uma minoria sem o compromisso de gerar produção. É evidente que o

latifúndio, na história brasileira, gerou uma violência contra índios, negros e demais grupos

de pessoas que sobrevivem do trabalho direto com a terra; e entre outras questões, causou

êxodo rural crescente. Por consequência, nas quatro últimas décadas do século XX,

vivenciou-se um intenso conflito pela posse agrária. Pela lógica contraditória do

capitalismo, uma contradição estabelece-se entre a propriedade privada da terra capitalista e

a propriedade camponesa: a renda camponesa e a renda capitalista. De acordo com Paulino

(2006), em meio ao processo histórico de luta e conflito, cabe diferenciar terra de trabalho e

terra de negócio. Para a autora (2006, p.30), ―[...] essa dualidade terra de negócio versus

terra de trabalho somente se explica através do caráter contraditório de desenvolvimento

capitalista.‖ Cabe destacar a força do crescimento do latifúndio no período da ditadura

militar.

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A abertura política, no Brasil, não resolveu a problemática da grande concentração

de terras, ao contrário, reforçou o latifúndio e a monocultura. No Tocantins, por exemplo, o

plantio de soja vem ocupando progressivamente as áreas de cerrado e, nos últimos três

anos, a plantação de eucalipto avançou drasticamente, substituindo os pés de babaçu. Esses

fatores, associados à construção das hidrelétricas, vêm causando um efeito devastador na

vida dos ribeirinhos.

Algumas formas de luta no campo podem ser traduzidas como movimentos não

necessariamente entendidos no quadro das relações capitalistas. Em que pesem suas

particularidades, merecem destaque Palmares, Canudos, Contestado, Trombas e Formoso e

Ligas Camponesas.

Nas duas décadas finais do século XX, o movimento camponês assumiu mais

intensivamente o caráter reivindicatório junto ao Governo Federal, em favor da reforma

agrária. Tendo sido criado em 1984/1985, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra (MST) consolidou-se como a mais importante organização na história do campesinato

brasileiro. Diante de uma reforma agrária ―concedida‖ pelo Estado, que não produziu o

efeito desejado, o MST firmou-se como o movimento mais importante do país,

especialmente por seu caráter nacional.

A questão dicotômica excede a divisão geográfica, pois o poder do campo

econômico é maior. Esse se manifesta de maneira atenuante no que se refere ao poder

incomensurável dos grandes proprietários de terras. Nessa assertiva, a autora Paulino (2006,

p. 27) destaca que ―[...] as relações econômico-institucionais encontram sustentação em

formas rentistas as quais denunciam a natureza contraditória do desenvolvimento

capitalista‖.

Os espaços rural e urbano possuem uma fronteira litigiosa. Portanto, a disputa

de poder no campo agrário criou uma divisão de agentes dentro do próprio campo, os

agentes com maior capital identificam-se com o mundo urbano e se estende pelo

mundo urbano. Portanto, se o rural aproxima-se do urbano tão fortemente, é necessário

pensar sobre o significado atribuído ao rural.

Dois elementos são norteadores para ressignificar o rural e, assim também, o

urbano. O primeiro elemento é a obsoleta classificação do que é urbano ou rural, criando

uma concepção de um país hegemonicamente urbano. O segundo é a concepção limitada de

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a agricultura e a pecuária serem as únicas atividades possíveis para caracterizar o rural. É

evidente que esses elementos acompanham outras questões relacionadas aos sujeitos

residentes no campo, como estreita relação entre a cidade e o campo.

Nesta direção, Eli Veiga (2005) tece críticas aos critérios levianos de classificação

do que é o urbano e o rural, sobrepondo o espaço urbano em detrimento do rural. Para o

autor, o propósito do crescimento urbano implica diretamente a implementação das políticas

de desenvolvimento social brasileiro.

Em consequência, lugarejos são denominados de cidades, sem o mínimo de bens e

serviço necessários à vida urbana. Segundo o autor, os critérios para a urbanização são

obsoletos e, portanto, é um mito acreditar nos dados oficiais nos quais menos de um quinto

do Brasil é reconhecido como rural.

Relativamente à cultura rural, Souza (2007) apresenta uma discussão sobre a

identidade nacional, por meio de análises de obras de intelectuais, e aponta que, nos

estudos de Sílvio Romero e Euclides da Cunha, sobre a identidade nacional, esses

pensadores revelam que a identidade brasileira está no sertão. Souza (2007) aponta a cultura

brasileira como originária dos sertões, do campo e da roça. Assim, compreender a história

da população camponesa, suas características peculiares, suas lutas e conquistas é uma

tarefa demasiadamente complexa. Uma dessas questões é a definição do nome camponês,

cuja denominação tem assumido, historicamente, diferentes significados. Marie Speyer

(1993, p.09) afirma que

[...] o camponês é o trabalhador que se envolve mais diretamente com os

segredos da natureza. A céu aberto é um observador dos astros e dos

elementos. Sabe de onde sopra o vento, quando virá a primeira chuva, que

insetos podem ameaçar seus cultivos, quantas horas deverão ser dedicadas a

determinada tarefa.

Esta definição revela sensibilidade e respeito para com a pessoa camponesa. Nas palavras

de Speyer, o campesinato é sempre um pólo oprimido de qualquer sociedade. No Brasil, o

camponês está subordinado à classe que detém latifúndio e dinheiro, ou seja, que

detém poder. A palavra camponês vem de campo, no latim ―campus‖, entretanto, a palavra

lavrador (do latim ―labor‖) caracteriza melhor o camponês, por remeter a cansaço, dor,

fadiga. No texto preparatório da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do

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Campo, Fernandes et alii (2004, p.25) mostram que são muitas as denominações para

camponês.

No Brasil, em algumas porções do Centro-Sul, tem a denominação de

caipira. Caipira é uma variação de caipora, que vem do tupi kaa‟pora, em

que kaa‟ significa mato e porá significa habitante. No Nordeste é curumba,

tabaréu, sertanejo, capiau, lavrador... No Norte é sitiano, seringueiro. No Sul

é colono, caboclo... Há um conjunto de outras derivações para as diversas

regiões do País: caiçara, chapadeiro, catrumano, roceiro, agregado, meeiro,

parceiro, parceleiro entre muitas outras denominações, e as mais recentes são

sem-terra e assentado. Estes termos, nos dicionários, trazem tanto um

conteúdo valorativo, quanto depreciativo. [...] Essas palavras denominam,

antes de mais nada, o homem, a mulher, a família que trabalha na terra. São

trabalhadores. Seus significados jamais são confundidos com outros

personagens do campo: fazendeiros, latifundiários seringalistas, senhores de

engenho, coronéis, estancieiros. As palavras exprimem as diferentes classes

sociais.

O texto aponta que essas denominações às vezes classificam os camponeses como

indolentes, ingênuos, atrasados, incapazes, além de outras referências negativas. Por outro

lado, podem significar, também, sujeitos espertos, matutos que desconfiam, enfim, que não

se deixam enganar. Atualmente, os camponeses/sertanejos assumem outras denominações

sociais, no sentido de superar a condição de miseráveis, e estão construindo uma nova

concepção de mundo rural.

Moreira (2009) assinala que a contribuição antropológica de Brandão facilita a

compreensão da divisão do trabalho por gênero, da intimidade com a natureza e do domínio

sobre os animais, ou seja, os moradores da zona rural formam saberes por meio do trabalho

com a terra. O sujeito do campo cria e recria, no seu espaço natural, um modo particular

de ser e de viver. Para o grande proprietário, a terra representa o lucro; em contraposição,

para o camponês, ela é o sustento. O sertão pode ser considerado como formador de estilo

de vida nacional. No entanto, o predomínio das monoculturas constituiu grupos sociais

distintos, que se relacionam com a terra, também de maneira distinta. Essas diferenças, no

modo de se conceber a terra e as relações de poder, estabelecidas entre estes dois atores,

têm colocado o camponês/ sertanejo numa posição social inferior.

Conforme abordam os autores Carneiro (1998), Pessoa (2007) e Moreira (2005), a

constituição do espaço rural brasileiro pode ser compreendidamente marcada por aspectos

rurais e urbanos. Ao analisarem a relação campo-cidade, apresentam a mesma

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perspectiva, apesar de enfoques diferenciados, a respeito da concepção de um novo

conceito do mundo rural.

Percebo diferentes possibilidades para o significado de pertencimento do rural.

Como ressalta Carneiro (2005, p. 10), ―Não é mais aceito falar em um rural exclusivamente

agrícola ou de um urbano que não inclua também possibilidades de construção de

identidades rurais‖. Nesta perspectiva a identidade rural poderá manifestar-se em meio a

uma intensa urbanização. A autora reforça a concepção das novas relações sociais,

marcadas por elementos econômicos, culturais e sociais.

O camponês, em sua gênese formativa, considera a terra um instrumento para sua

sobrevivência, sem se preocupar com os lucros capitalistas que dela possa tirar, pois a terra

é um ser vivo e precisa de cuidados para devolver em frutos o que se plantou. Nesse

sentido, entendo que mesmo deixando a zona rural, enquanto espaço geográfico

normatizado, o homem camponês/sertanejo vai manter o amor pela terra, pelos animais

que possam ser criados e pelas produções possíveis de realizar manualmente. Portanto,

existe uma nova concepção de rural, independente do espaço e sendo manifestada pelo

sentimento. Numa interpretação do que poderia ser a identidade rural, com uma realidade

brasileira complexa, ser rural não significa tão-somente residir na zona rural. Pois, segundo

Lima (2005, p. 41):

Verifica-se, nos processos reais, estar havendo, de um lado, uma variação dos

termos de troca entre zonas urbanas e zonas rurais e, de outro, um

deslocamento parcial dos „centros‟ de desenvolvimento entre regiões e países.

Tais tendências colocam em crise a capacidade explicativa tradicionalmente

atribuída às dinâmicas urbano-rurais como também ao conceito de

ruralidade. Há urgência de atualização da definição de ruralidade.

Dessa forma, aguço a percepção de um rural que se revela cotidianamente, mas sua

manifestação só é percebida por causa do desejo subjetivo da pessoa manter-se rural, ou por

opção, ou por força advindas das condições materiais, para continuar realizando atividades

rurais, mesmo tendo a residência urbana como endereço. Nesse mesmo sentido, Pessoa

(2007, p.25) acrescenta:

Há também um grande contingente populacional, considerado pelo IBGE como

população urbana das médias e grandes cidades, mas que vive, na verdade,

numa zona de intersecção entre o rural e o urbano. Grande parte da população

aí situada provém diretamente de regiões rurais ou de pequenas cidades,

trabalha com hortaliças ou como bóias-frias ou fazendo fretes com carroças etc.

Segundo os dados oficiais, nas regiões Sul e Sudeste não há mais êxodo rural.

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Mas ele ainda está presente nas demais regiões. Isso significa que as periferias

das médias e grandes cidades tendem a continuar recebendo fluxos migratórios

fazendo crescer os famosos „cinturões de pobreza‟ nas cidades, em geral

caracterizados por esta intersecção entre o rural e o urbano.

Mesmo no espaço geográfico do campo, a pessoa identificada pelo rural se

transforma por causa das novas relações difundidas pela lógica do agronegócio, existindo,

então, uma diminuição das características do rural tradicional, que se perde a cada dia, uma

vez que as transações comerciais são difusoras de um novo comportamento. Conforme

Moreira (2005, p. 38),

No Brasil da atualidade, sob amparo dos discursos do desenvolvimento rural

sustentável a ambiência daquela hegemonia globalizada impulsiona processos

nacionais de compreensão do espaço agrário como um novo mundo rural.

Esse passa a ser compreendido não mais como espaço exclusivo das

atividades agrícolas, mas como lugar de uma sociabilidade mais

complexa que aciona novas redes sociais, regionais, estaduais, nacionais e

mesmo transnacionais.

Neste sentido, considero duas vertentes de mudanças. Uma aponta para a mudança

de comportamento de quem vive no espaço rural, mas é direcionado por uma lógica

capitalista urbana; a outra, de que o rural também se manifesta na zona urbana, nas

atividades sublimadas pelo sentimento de pertencimento a terra.

Nesta assertiva, Eli Veiga (2006, p. 02) discute o nascimento de uma ruralidade e

questiona as hipóteses sociológicas em torno da perspectiva futura do mundo rural. A

primeira hipótese apresenta o fim do rural por uma completa urbanização, e a segunda

apresenta o renascimento do rural. O autor, com base em pesquisas cientificas, discorda das

duas hipóteses, e elabora outra direcionada para o nascimento de uma nova concepção

de rural, que denomina ―caminho do meio‖. Argumenta o autor:

Mesmo que não tenham plena consciência, todos os que pesquisam sobre a

ruralidade estão sob a influência de uma das duas hipóteses extremas sobre

seu destino: a de completa urbanização ou a de um renascimento rural.

Ninguém formulou a primeira de modo mais adequado do que o filósofo

e sociólogo Henri Lefebvre, em 1970. E ninguém foi tão oportuno em

contrariá-la quanto o geógrafo e sociólogo Bernard Kayser, desde 1972.

Todavia, passados mais de trinta anos, a ruralidade dos países centrais não

desapareceu, nem renasceu, o que legitima a opção por uma terceira hipótese

que as supere.

Veiga ressalta que o rural, em particular o dos países avançados como a Itália, não

desapareceu, mas também não renasceu. Por isso, refuta as duas hipóteses e destaca

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a urbanidade como responsável direta pelo nascimento de um outro rural, fato evidenciado

por políticas públicas da União européia. Ainda que muitas regiões rurais da Europa e da

América apresentem um rural imutável, pela permanência de alguns traços tradicionais,

existe, em grande parte, um retorno ao rural primitivo num outro formato, ou seja, a

valorização da natureza assume um caráter exploratório, enquanto possibilidade do mercado

imobiliário de turismo, entre outras questões sociais como o custo de vida e a poluição

urbana.

Para o autor, o rural não está renascendo e sim constituindo uma nova maneira

de viver, relacionada, diretamente e mais proximamente, com a natureza, sendo difícil

prever o destino do mundo rural, pois a tendência é de nascimento de diversas

possibilidades de recriação do rural. Neste sentido, denomina o novo rural de fenômeno da

nova ruralidade.

Em consonância com Veiga, Maria Wanderley (2001) advoga a relação rural e

urbano, no Brasil moderno, como um pacto social para o desenvolvimento rural. Segundo a

autora, o meio rural perde vertiginosamente a caracterização do rural enquanto lócus de

problemáticas diversas e passa a ser um local com possibilidade de solucionar problemas,

por exemplo, a aquisição de moradia própria e a melhoria da qualidade de vida.

A autora ressalta, ainda, que o rural pode ser visto como um lugar conectado na

sociedade moderna globalizada, com especificidades de sua história social, além do aspecto

físico diferenciado pela composição da natureza e do espaço como moradia do sujeito que

constrói uma identidade social. Nesse sentido, duas questões são explicitadas pela autora:

considerar as particularidades dos diferentes mundos rurais e compreender a inter-

relação entre o pólo rural e urbano que vem se estabelecendo nesta última década.

Essas diferentes questões convertem-se numa reflexão importante sobre o quadro

complexo da situação social, política e econômica, observadas sob vários aspectos como a

questão da permanência da monocultura, o turismo rural e o mercado imobiliário

crescente que envolve o rural e o urbano. Diferentes olhares emergem, no sentido de

aproximação das diversificadas realidades que envolvem a disputa no campo agrário e na

constituição dos elementos terra e poder.

Nesse sentido, os moradores, seja dos povoados, de fazendas ou de assentamentos,

são percebidos pela sociedade urbana, de maneira geral, como subalternos residentes num

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sublugar. Pelo exposto, afirmo que ainda há muito a se reelaborar e definir sobre o rural

que se modifica, que se transforma. A busca para compreender o que a dicotomia rural-

urbano esconde é uma constante, pois a visão de rural que temos é por vezes limitada.

TECENDO CONSIDERAÇÕES

Os estudos voltados sobre a relação rural-urbano vão além de sua definição. Em

meio a esse contexto, há a existência de outras situações importantes que devem ser

analisadas, tais como a luta pela reforma agrária, que, segundo Pessoa (2007), está

provocando não apenas uma nova reforma na territorialização, mas também outra reforma:

a da história da educação.

Alguns apontamentos explicitados instigam a procurar respostas ou formular novas

perguntas, no sentido de compreender a redução do rural a uma única realidade, ou a

composição de realidades com a pluralidade dos dois mundos. Assim, observo que os

saberes produzidos nos diferentes espaços sociais, pensados a partir dos sujeitos sociais

heterogêneos, vinculados a uma cultura mediada pelo trabalho; numa visão do campo e do

camponês carece de criticar e aprofundar sobre vinculação campo-cidade, e repensar os dois

espaços.

Suscita o desafio de desvelar uma nova relação entre a zona rural e a zona

urbana, fruto de uma construção histórica. Este desafio se firma na possibilidade de

compreender a alteridade rural em duas perspectivas simultâneas de sujeito: enquanto

utilitário dos recursos urbanos de infra-estrutura, de eletrodomésticos, de telecomunicações,

entre outros; enquanto utilitário da terra, da natureza como fonte para coletar, para plantar,

na lida com a terra e com os animais. O campo como lugar em que, coerentemente, as

pessoas acompanham o relógio urbano e a programação da cidade. É o lugar das idas e

vindas a cidade de maneira amiúde ou esporádica e do sentar na porta das casas

simplesmente para ―não fazer nada‖.

Os neologismos para significar o rural (urbano, ruralidades, emergência de um novo

rural, entre outras denominações) aparecem nas diferentes análises sobre a relação

entre cidade e campo. Daí a importância de se pensar a mudança de paradigma nas novas

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perspectivas teóricas sobre a relação de convergência ou separação de características

camponesas/sertanejas/rurais e urbanas, pois ainda que se considere a divisão espacial, de

maneira geral, o que separa cidade e campo são aspectos ínfimos.

Desse modo, o campo enquanto lugar insere-se numa nova conceituação ainda em

construção. Nesta perspectiva, é importante repensar sobre um sujeito rural padronizado e

tentar entender a construção de uma nova identidade dos sujeitos sociais rurais, na

perspectiva de se buscar respostas sobre os valores do grupo e a estruturação das inter-

relações. No entanto, um rural marcado pela identidade do sujeito simples e harmonioso

com a natureza.

REFERÊNCIAS

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desenvolvimento contemporâneo. Texto para discussão 702. Rio de Janeiro: IPEA, 2000.

37p. Disponível em <http//www.abramovay.probr/artigos_cientificos/2000/>. Acesso março,

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Como referenciar esse texto:

FERRAZ, Elzimar Pereira Nascimento. Rural e Urbano: ideias sobre uma dicotomia. In: SEMINÁRIO DO

GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL, 5: Pesquisa em

Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014. Miracema do

Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618. P. 201-217.

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HISTÓRICO DE UM PERCURSO CONSOLIDADO DE NUCLEAÇÃO

DE ESCOLAS RURAIS BRASILEIRAS (1989-1999)

Suze da Silva Sales. Mestre em Educação, licenciada em Pedagogia e Professora do Curso de

Educação do Campo/UFT Arraias-TO. Email: [email protected]

Resumo: O presente trabalho apresenta os resultados da pesquisa que objetivou investigar o

processo de nucleação das escolas rurais no Brasil, mais especificamente em Minas Gerais,

pela análise do contexto pelo qual este modelo foi implantado e consolidado no município de

Patos de Minas em apenas uma década (1989-1999). A escolha se justificou pelo fato de que a

totalidade das escolas existentes nas áreas rurais ao final dos anos de 1980 (80 escolas), foi

reduzida a 10% deste quantitativo (8 escolas nucleadas) em 1998. A pesquisa partiu da

seguinte questão: Como o processo de nucleação foi iniciado, desenvolvido e consolidado nas

comunidades rurais? A análise focou o impacto da nucleação sobre os sujeitos envolvidos,

tanto da administração municipal, como dos professores, famílias e alunos.

Metodologicamente, lançou-se mão dos pressupostos da História Oral (THOMPSON, 1992) e

da pesquisa documental. Pôde-se concluir que a nucleação ocorreu pelo fato deste modelo se

tornar uma forma viável, do ponto de vista financeiro, de minimizar os problemas estruturais

pelos quais passavam as escolas do meio rural. A escola, como representante do poder público

municipal, foi distanciada das diversas comunidades. Ações consideradas ―inovadoras‖, como

a nucleação, foram implantadas através de estratégias conservadoras de gestão, onde os povos

rurais foram ―alvos‖ e não sujeitos ativos de um processo de transformação social,

impulsionado pela alteração drástica do modelo vigente (multisseriação). De acordo com as

vozes dos sujeitos envolvidos, a escola rural era o espaço não apenas de educação formal, mas

também de reuniões das associações comunitárias, atividades sociais, festas. A retirada das

instituições gerou a desmobilização destas comunidades e a ausência dos serviços básicos, até

mesmo da manutenção das estradas de acesso.

Palavras-chave: História da Educação, Educação Rural, Políticas Públicas, Escolas

nucleadas.

HISTORY OF A COURSE OF CONSOLIDATED RURAL SCHOOLS NUCLEATION

BRAZILIAN (1989-1999)

Abstract: This paper presents the results of research that investigated the nucleation process of

rural schools in Brazil, more specifically in Minas Gerais, the analysis of the context in which

this model was implemented and consolidated the city of Patos de Minas in one decade

(1989-1999). The choice was justified by the fact that all existing rural in the late 1980s (80

schools), area schools was reduced to 10% of this quantity (8 nucleated schools) in 1998 The

research started from the question:. How the nucleation process was initiated, developed and

consolidated in rural communities? The analysis focused on the impact of nucleation on the

subjects involved, both the municipal administration, and teachers, families and students.

Methodologically, it employed the assumptions of Oral History (Thompson, 1992) and the

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documentary research. It could be concluded that the nucleation occurred because this model

become a viable way of financial standpoint, to minimize the structural problems they spent

their schools in rural communities. The school, as a representative of the municipal

government, was distanced from the various communities. Actions considered "innovative" as

nucleation were implanted through conservative management strategies, where rural people

were "targets" and not active subjects of a process of social transformation, driven by the

drastic change from the current model (multisseriação). According to the voices of those

involved, the rural school was the space not only formal education but also for meetings of

community organizations, social activities, parties. The withdrawal of the institutions

generated the demobilization of these communities and the lack of basic services, even the

maintenance of access roads.

Keywords: History of Education, Rural Education, Public Policy, Schools nucleated.

1- Introdução

A História do Brasil republicano, iniciada em 1889, traz consigo uma forte tradição

rural herdada da época em que o país era colônia (1500-1822) e posteriormente império

(1822-1889). No início do século XX, a base econômica estava voltada para a produção

agrícola, principalmente nas grandes lavouras de café. Pode-se afirmar que a indústria

nacional era quase inexistente, em comparação a outros países da Europa e América e o

capital monetário brasileiro estava, em grande parte, nas mãos dos latifundiários e da pequena

burguesia.

É nesse contexto que a História do país vai se configurando, sendo influenciada, de um

lado, pelos interesses dominantes das classes supracitadas e, de outro, por iniciativas e ações

de oposição a estes interesses. Vários fatores vão se somando ao enredo que vai sendo

construído, beneficiando alguns segmentos em detrimento de outros.

A implantação e o desenvolvimento da indústria nacional, que se deu inicialmente nos

centros urbanos, fez com que estes locais parecessem, à primeira vista, o destino para aqueles

que ambicionavam melhores oportunidades de ascensão na ―pirâmide social‖ do país. Milhões

de moradores da área rural migraram para os centros urbanos no decorrer do século XX, fato

que se tornou problemático desde então, uma vez que as áreas urbanas não comportavam, de

forma adequada, o grande contingente de ―chegantes‖. A falta de planejamento e de estrutura

nas cidades originaram bolsões de miséria e condições precárias de sobrevivência.

Com a balança populacional pendendo cada vez mais para as áreas urbanas, era

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necessário criar um conjunto de ações para conter o êxodo rural e, ao mesmo tempo, que

transformasse o campo em locus estratégico, que exercesse com competência a função de

produzir gêneros alimentícios para a cidade, matéria prima para a indústria, além de contribuir

com o excedente da produção para a exportação, o que garantiria divisas econômicas para o

país.

Alcançar esse grau de desenvolvimento no meio rural foi o objetivo perseguido pelos

gestores do Brasil durante todo o século XX e, para tanto, várias iniciativas foram

implementadas, desde políticas econômicas a políticas educacionais. Essas últimas são o

objeto de estudo do presente texto, resultado de pesquisa que buscou analisar algumas

tentativas oficiais de intervenção na educação que é oferecida para o cidadão rurícola,

procurando levantar questões que perpassaram o âmbito educacional, relacionando-as às

transformações sociais, econômicas e culturais surgidas no decorrer do século XX no campo,

e em especial para o município de Patos de Minas – MG, no período de 1989 a 1998.

Partiu-se do pressuposto de que as populações rurais foram alvo de políticas públicas,

originadas e estruturadas em gabinetes, que não propiciaram um espaço democrático de

discussões e reflexões que envolvessem essa parcela significativa da sociedade. Mesmo ao

tentar implementar alterações inovadoras, o modelo de gestão adotado foi o tradicional,

reforçando a tendência verticalizadora das decisões oficiais.

2- Educação rural no município de Patos de Minas: Um processo consolidado

A educação rural, no município de Patos de Minas durante os anos de 1989 a 1998

sofreu uma série de reestruturações. Ao analisar as iniciativas propostas para essa modalidade

educacional, nota-se que as mudanças se ligaram, na maioria das vezes, ao período que

compreendeu cada gestão municipal. Assim, foi necessário investigar a configuração do perfil

da escola rural e sua adequação à formação de indivíduos aptos a produzir e atuar de forma

eficiente no contexto rural.

Para tanto, é preciso conhecer algumas características do município, buscando

compreender as relações que foram se estabelecendo ao longo dos anos, relações políticas,

econômicas e sociais, e como estas originaram ações destinadas ao atendimento da educação

rural.

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O Município de Patos de Minas se situa na região sudeste do país, no estado de Minas

Gerais, na mesorregião do Triangulo Mineiro e Alto Paranaíba. Sua área territorial total é de

3.336 quilômetros quadrados.

Em relação aos aspectos econômicos, Patos de Minas é um município de base

agropecuária, sendo centro de comercialização da produção regional para outros mercados de

consumo. Segundo Leite,

No setor rural, a modernização se encontra nas grandes propriedades e está em fase

de expansão, ao passo que o pequeno e médio produtor sofre as consequências de

uma desaceleração produtiva, em virtude de ausência de incentivos, não acesso a

créditos e novas tecnologias, ausência de uma política agrícola regional/municipal,

gerando o abandono da propriedade, em busca, na cidade, pelas melhores condições

de sobrevivência familiar (LEITE, 2001, p.4)

Nota-se, nessa afirmação, o reflexo da economia nacional, ou seja, o desenvolvimento

sendo usufruído por poucos que se viam em condições de aplicar investimentos na melhoria

tecnológica das lavouras. Em contra partida, o autor pondera que 95% das propriedades rurais

do município são pequenas ou médias, ocupando até 100 hectares.

No período decorrido entre 1989 e 1992, é iniciado o processo de nucleação das

escolas rurais. De 1993 a 1996, esse processo continua de forma mais lenta e são iniciados

dois projetos destinados para a educação rural: Projeto ―Classes Multisseriadas‖ e Projeto

―Classes Seriadas‖, que buscavam, em ambos os casos, um trabalho pedagógico voltado para

a cultura imediata dos alunos rurais e davam ênfase elevada ao meio em que estavam

inseridos.

O princípio de supervalorizar a vida e o trabalho no campo já foi uma tendência

quando se trata de educação nesta área, conhecido como ―ruralismo pedagógico‖. De acordo

com Fonseca, (1985, p.55),

Pensava-se num determinado tipo de escola que atendesse as orientações do

―ruralismo pedagógico‖. Propunha-se uma escola integrada às condições locais,

regionalistas, cujo objetivo escolanovista reforçava essa posição ―da escola colada à

realidade‖, baseada no princípio de ―adequação‖ e assim colocava-se ao lado das

forças conservadoras. Isso porque a ―fixação do homem ao campo‖, a ―exaltação da

natureza agrária do brasileiro‖ faziam parte do mesmo quadro discursivo com que a

oligarquia rural defendia seus interesses. Por outro lado, o grupo industrial, também

ameaçado pelo inchaço das cidades e pela impossibilidade de absorver a mão-de-

obra, engrossava a corrente dos ruralistas.

O movimento descrito acima, segundo a autora, envolveu políticos e educadores em

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sua época. Entretanto, não foi uma tomada de consciência do problema enfrentado pela

população rural, mas sim uma visão político-ideológica, objetivando, acima de tudo, a

manutenção do “status quo” vigente. O interesse era que o campesinato continuasse no seu

meio, produzindo os bens necessários à indústria e ao suprimento da vida nas cidades.

Para a análise histórica da implantação e consolidação do modelo de nucleação das

escolas rurais de Patos de Minas, buscou-se os Planos de gestão educacional do período,

algumas publicações da Secretaria Municipal de Educação, e os atores sociais que

participaram desses processos, os quais tiveram seus depoimentos colhidos e analisados a

partir dos pressupostos da História Oral (THOMPSON, 2000).

O texto objetiva historiar os aspectos dicotômicos que parecem povoar a Educação

Rural, aspectos estes que se materializaram em tentativas ―inovadoras‖ de potencializar uma

ação pedagógica mais eficaz para o atendimento da população rural, mas, contraditoriamente,

são implantados de forma conservadora, em uma via de mão única, partindo do governo

municipal em direção às comunidades rurais.

3- O processo de nucleação das escolas rurais de Patos de Minas

A escola no campo, como se pode constatar com o estudo da História do Brasil, não

foi alvo de políticas efetivas e consistentes por parte dos governos, tanto federais como locais.

Assim, a maioria das escolas, construídas próximas às fazendas e povoados eram o ―que se

convencionou chamar em nosso país de Escolas Isoladas Rurais, em que predominam as

classes multisseriadas, tendo uma única professora para ministrar aulas, concomitantemente,

para duas, três e até quatro séries diferentes‖ (FLORES, 2000, p. 23)

O município de Patos de Minas não fugiu a essa realidade. As escolas isoladas eram,

na maioria das vezes, compostas de apenas uma ou duas salas e contavam com um número

reduzido de alunos e, consequentemente, de professores. Essa situação acarretava várias

dificuldades ao ensino rural, como a falta de espaço, recursos materiais e humanos. Em 1989,

a rede municipal de educação no meio rural era composta de 80 escolas isoladas e

multisseriadas nas variadas comunidades, fazendas e vilas do município.

As escolas nucleadas se caracterizam, então, por agrupar várias escolas isoladas em

uma central, a fim de fornecer subsídios adequados para a concretização de uma educação tida

como eficiente, também cumprindo com seu papel social. Esse modelo de nucleação escolar

surgiu nos Estados Unidos e foi implantado no Brasil a partir de 1976, no Paraná, quando o

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país recebia a interferência de organismos norte-americanos como a USAID. Logo após a

implantação do modelo no Paraná, este se disseminou por Minas Gerais em 1983, Goiás -

1988, São Paulo-1989. Pode-se, então, inferir que, pelo alastramento da nucleação, esta foi

uma forma de minimizar os problemas estruturais pelos quais passavam as escolas

campesinas.

O processo de nucleação não foi implantado de forma tranquila. De acordo com

informações coletadas, a ideia de se nuclear as escolas rurais do município teve sua origem

em uma reunião de dirigentes municipais de educação denominada UNDIME, em 1989, onde

as então supervisoras da Secretaria Municipal de Educação de Patos de Minas, Márcia Helena

Amâncio, Maria Madalena do Vale Gonzaga e Marli de Fátima Souza tiveram contato com a

proposta de agrupar as escolas, antes isoladas, em núcleos educacionais.

Eu lembro que foi no governo do Antônio do Valle, no final de 1989. Por problemas

políticos internos, a Secretária de Educação foi demitida e, na supervisão, fazíamos

parte três supervisoras: a Madalena, que era chefe de divisão, e Marli e eu que

coordenávamos.. Nessa época, tinha surgido a UNDIME, naquele movimento de

democratização do ensino, de fortalecimento dos municípios para sustentarem o

ensino fundamental. Teve a reunião da UNDIME em Uberaba. Sem secretária, a

Madalena foi para a reunião como chefe de divisão, substituindo a secretária, junto

comigo, fui com ela na reunião. [...] Daí conhecemos o modelo de formação de

professores e junto, um dos temas que mais se destacou lá foi a proposta da Prefeitura

Municipal de Uberlândia. O Afrânio era o Secretário Municipal de Educação, e ele

apresentou, nessa reunião, a proposta de nucleação que eles estavam

operacionalizando em Uberlândia naquela época. E sabendo já da demanda que nós

tínhamos, porque na época nós tínhamos muitas escolas multisseriadas e com quatro

séries e um professor, poucas escolas com muitos alunos e uma professora por série e

um número menor de escolas que tínhamos dois professores para uma série, nós

percebemos que estava aumentando o número de salas com uma professora e quatro

séries, tinha salas com sete alunos e uma professora. Nós voltamos de Uberlândia

deslumbrados com a ideia, até porque vimos lá o que o Afrânio mostrou. Qualquer

pessoa que vai fazer propaganda do seu projeto só mostra o bom. Ele mostrou lá o

lado bom da coisa e a gente via umas fotos muito bonitas, os núcleos prontos, os

ônibus lá, o pomar. A gente voltou só comentando aquilo, idealizando.

As representantes da Secretaria trouxeram a ideia da nucleação, que foi recebida pelo

prefeito Municipal da época, Antônio do Valle Ramos, com entusiasmo. A partir daí, foram

discutidas estratégias de implantação do processo, quando se chegou à conclusão de que o

melhor caminho seria convocar os dirigentes dos Centros de Desenvolvimento Comunitários

– CDCs locais e, em reuniões, apresentar-lhes o projeto. Posteriormente, a ―proposta‖ seria

levada a toda comunidade.

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Algumas comunidades não aceitavam o fato de desativar as escolas isoladas e terem

seus filhos transportados para outras localidades. Um ex-presidente de CDC, Ronaldo Alves

de Araújo, relata como acontecia o comunicado.

A proposta já veio pronta da SEMEC com a idéia de melhoria para os alunos. Na

reunião, os pais até achavam que era melhor os alunos ficarem, mas a proposta da

SEMEC era para agrupar os alunos para uma melhor escola, uma adaptação entre

séries, que não gastava ficar dando aula para as turmas juntas. [...] A comunidade

queria que a nucleação fosse aqui, mas como era pra centralizar, por causa da

distancia, foi centralizada em Curraleiro e Alagoas [...]. Através de um estudo, foram

consultados os conselhos das comunidades e no povoado de Alagoas, como havia

mais possibilidade da escola funcionar mais tempo, para que não fundasse uma escola

aqui que logo acabaria, foi decidido pelo local onde havia mais pessoas, mais acesso

de transporte para os professores e alunos.

A iniciativa de se nuclearem as escolas rurais foi um marco inovador para esse

segmento educacional. Entretanto, a forma como a nucleação foi operacionalizada traz marcas

do conservadorismo que perpetua os interesses políticos em detrimento à promoção de ações

participativas e democráticas no espaço campesino.

A fala de Ronaldo Alves Araújo evidencia essa situação ao enfocar quatro aspectos

que vão perpassar todo o processo de nucleação das escolas rurais do município de Patos de

Minas: (1º- “A proposta já veio pronta da SEMEC”, que diz respeito à participação da

comunidade escolar no processo; (2º- “[...] os pais até achavam que era melhor os alunos

ficarem” que remete à representatividade que a escola tinha para a comunidade; (3º- “A

comunidade queria que a escola fosse aqui, mas como era para centralizar [...]”, ou seja,

quais critérios foram utilizados para se decidir aonde seriam construídos os núcleos e (4º-

―[...] mais acesso de transporte para os professores e alunos”, tendo em vista as grandes

distâncias que seriam percorridas a partir da nucleação.

O primeiro aspecto deixa claro que a visão da comunidade é de que a ―proposta‖ já

vinha pronta da SEMEC. Como a Supervisora Márcia Helena Amâncio relatou, existiam

escolas com uma professora e quatro séries dividindo o mesmo espaço, além de que algumas

escolas não contavam com sistema de água e esgoto instalados, os recursos humanos também

eram escassos. Muitas delas não dispunham de funcionários administrativos sequer para

realizar a limpeza ou preparar o lanche dos alunos. Era necessário fazer algo para melhorar

essa situação. A nucleação se mostrou um recurso ―salvador‖, pois, reafirma-se, na ótica

custo-benefício é mais viável operacionalizar nove escolas nucleadas do que cerca de oitenta

escolas multisseriadas. Márcia Helena Amâncio afirma que o número de escolas com uma

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professora para quatro séries estava aumentando. Não era de se estranhar esse fato, já que a

educação ministrada em condições tão precárias, somando-se à falta de perspectiva de

melhores condições de vida e produção, impossibilitava o trabalhador do campo de continuar

em seu meio com sua família.

A decisão de se nuclear as escolas rurais partiu da SEMEC e foi levada às

comunidades através dos presidentes dos CDCs.

No início, as primeiras reuniões nós marcávamos com os líderes comunitários.

Chamávamos e agendávamos na SEMEC e pedíamos que avisassem os outros pais,

colocávamos também o aviso no rádio. Chegávamos lá e o povo estava esperando.

Mas a questão da combina do dia e do horário das primeiras nucleações ficava a cargo

dos líderes das comunidades. Então, quando chegávamos estavam todos lá, os contra

e os a favor, mas estavam todos para argumentarem. Tentávamos colocar pra eles a

nossa visão pedagógica. Eu e a Madalena pensávamos assim [...]

Ao se falar de comunidade escolar, a visão que se defende nesse trabalho é a de um

grupo de pessoas que se articulam, de alguma forma, com a escola, compreendendo desde a

Secretaria Municipal de Educação até os pais, alunos, professores e funcionários. Como se

percebe, somente o primeiro e o segundo segmentos fizeram parte das reuniões. Alguns

relatos de professores que atuaram nessas escolas rurais e vivenciaram o processo das

nucleações, nos anos de 1980-1990, pode clarificar como esse segmento via os

acontecimentos:

Eu fui informada na Igreja, em um dia de culto, o presidente do conselho chegou para

mim antes do culto e falou que infelizmente não tinha conseguido, já que havíamos

visto com ele se teria condição de rever a situação para não nuclear a escola, porque a

comunidade não queria, aí não ouve condição e o fato estava consumado e que não

teria mesmo jeito e a gente viria mesmo aqui para Alagoas. Isso era um Domingo pra

vir na segunda, depois ele comunicou durante o culto para a comunidade, só que eu

fui comunicada antes do culto.

Com os professores não teve, não aconteceu discussão com os professores. Inclusive

houve sim uma coisa, tipo deram recado que a gente não devia interferir, não devia

dar palpite, que não era para opinar na comunidade, porque tinham muitos professores

que eram contra a nucleação, que não eram totalmente a favor e a secretaria, a

prefeitura, não queria interferência, não quis interferência. Mesmo gente como eu,

que morava na comunidade, eles preferiram que a gente não se manifestasse [...]

Reuniram sim, em algumas comunidades, mas não deram muita satisfação, eles não

quiseram votos, não teve essa abertura. Foi praticamente comunicado vai ser assim e

assim.

Primeiramente nós ouvimos boatos, apenas boatos mesmo. Nada oficial, nem uma

reunião, nem uma discussão, nem com a comunidade, nem com os professores. Foi de

repente. Em um domingo à tarde agente ficou sabendo que a escola seria nucleada

para a escola de Alagoas e na segunda-feira nós viemos com os alunos.

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De acordo com o sub-projeto – Nucleação Escolar, contido no Plano Municipal de

Educação do período de 1993 a 1996, a SEMED apostava no processo de nucleação como

uma das formas de resolver os problemas pelos quais passavam as escolas do campo. Não foi

objetivo da SEMEC conduzir uma discussão mais aprofundada entre toda a comunidade

escolar. Trata-se, neste momento, de uma estratégia implementada pelo poder municipal de

desarticulação da população e dos professores rurais, que foram alienados de todo aquele

processo. Apenas figuraram como coadjuvantes de uma empreitada que mudou a História da

educação rural em todo o município.

A supervisora Márcia Helena Amâncio admitiu que não houve a condução de

discussões que possibilitassem um aprofundamento teórico e um contato ente os docentes e a

realidade de uma escola nucleada. Esse aspecto foi considerado pela supervisora como

negativo.

[...] se eu tivesse a vivência que eu tenho hoje, eu teria negado fazer o que eu fiz. Eu

teria me negado a estar operacionalizando isso, coordenado isso, sem antes estar

discutindo com os professores que estão lá, principalmente com os professores.

Porque mesmo que você busque parceiros ali, como o CDC, a visão de escola eles

não têm. [...] se, de repente, eu tivesse discutido com os professores, a gente não teria

enfrentado o problema das relações interpessoais, eles teriam nos sinalizado alguma

coisa que a gente teria percebido diferente [...] Isso foi tudo muito novo para gente,

quando é que a gente vai pensar que juntando essas professoras ia virar uma guerra,

coisas que a gente não imaginava, e, é lógico, que não podia imaginar também. [...]

Então a visão que eu tenho é essa. A gente não pode vislumbrar da política

educacional que vai ser operacionalizada no interior da escola sem a participação dos

principais atores desse processo.

Vê-se que a ausência de socialização e alienação entre os professores acarretou alguns

dificultadores ao mesmo, como o relacionamento interpessoal. Na escola multisseriada havia,

em média, 1 a 3 professores. Quando se implantou a nucleação, esses professores se viram

impelidos a conviver com um número maior de profissionais. Dentre esse grupo, era

escolhido o coordenador da escola pólo. Essa escolha causava constrangimento entre os

docentes, pois os critérios, de acordo com a entrevistada, giravam em torno de favorecimentos

políticos, ficando o cargo com pessoas que tinham certo parentesco ou influência política na

região. Esse conflito de interesses, segundo Márcia Helena Amâncio, foi um dos aspectos que

marcaram o início da nucleação.

Em relação à participação dos demais membros da comunidade escolar, o processo

não foi diferente. A presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Patos de Minas em

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2006, que atuou neste segmento desde 1987, corrobora com as versões anteriores dos

professores e afirmou que, como representante de 5 mil trabalhadores rurais associados, o

sindicato nunca foi chamado para alguma reunião.

O sindicato não foi chamado. A ideia do sindicato era contra e muito contra. Os

próprios trabalhadores, em algumas reuniões que eles foram, foram muito contra,

embora foi jogado em cima. Na minha opinião não discutiu isso a fundo. Quer dizer,

porque tivemos muito prejuízo. Tem alguns filhos que dizem que vão pra escola e não

vão, vão para o videogame. Conhecem a tal da droga, não falo que na roça não tenha,

mas dificulta. Por que acontece o êxodo rural? É aí, começa daí. A ilusão da cidade é

aí. Não fomos convidados, não houve uma discussão, a nucleação veio ―goela

abaixo‖, tivemos que aceitar. E agente vê escolas lá na roça fechada, destruída. Dói.

Se o professor estivesse lá era melhor, a visão é outra. Tem que levar a modernidade

pra lá, não trazer as crianças pra cá.

A fala de Alice Cardoso demonstra a insatisfação dos pais ao terem os filhos

transportados, tanto para os núcleos rurais, como para os urbanos, uma vez que algumas

―escolinhas‖ foram nucleadas no distrito Sede de Patos de Minas. Para os pais, ―ajeitar‖ um

meio de vir com os filhos para a cidade parece ser mais cômodo do que deixá-los sozinhos.

Ao ser questionada sobre a reação contrária dos pais e do sindicato em relação ao projeto,

Alice Cardoso afirma que nenhuma reação foi organizada, pelo fato de que a notícia não foi

bem divulgada com antecedência e pela forma como essa proposta era conduzida.

Eu acho que não foi muito divulgado. Quando acontecia, eram pequenas discussões

em comunidades. Mas quem levou a discussão estava apoiando a nucleação, está

entendendo? Então acho que houve um erro aí, nesse sentido. Teria que levar uma

pessoa neutra. Eu diria que o povo rural não é analfabeto, eles são inteligentes, eles

sabem bem o que é bom e o que é ruim para eles. Não houve preparação, veio e

pronto. Houve alguma discussão no município? Houve. Mas a discussão já foi mais

ou menos manipulada, alguém que já estava defendendo a nucleação. Acho que em

Patos faltou uma certa comunicação.

Em verdade, o que se constatou é que, mais uma vez na História, o trabalhador

campesino foi expropriado de um bem importante em qualquer meio: a escola. Trata-se da

escola vista de duas maneiras: como espaço físico – local próximo à residência no qual

aconteciam reuniões, festas, atendimentos de médicos e dentistas, e a escola como espaço de

perpetuação da cultura e do saber, que de uma hora para outra foi retirada daquelas pessoas.

Nesse sentido, vem o segundo aspecto da fala de Ronaldo Alves Araújo, onde ele sinaliza que

os pais queriam que os filhos ficassem em suas comunidades.

O Plano Municipal de Educação de 1993/1996 traz relatos negativos em relação ao

processo. Nos relatos apontados no plano, registrados durante as reuniões nas comunidades,

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não há identificação dos sujeitos. Entre as pessoas que eram contra a nucleação registraram-se

os seguintes argumentos:

―Vocês querem que a gente participe, mas estão levando a Escola para longe...‖.

―Esta Escola eu ajudei a construir... Carreguei água na carroça...‖.

―O meu pai estudou aqui... A minha avó também... Eu estudei aqui...‖.

―Se tirarem a Escola o meu filho não vai mais estudar...‖.

―A Escola representa a Prefeitura em nossa comunidade, se fecharem não teremos mais

notícias da cidade. Vão esquecer a estrada, não virá o dentista...‖.

―Sem a Escola, a comunidade acaba...‖.

Vê-se que a escola é entendida como ―carro chefe‖ da comunidade, estando ligada a

ela por laços culturais, sociais e políticos. A retirada da comunidade do espaço que

proporcionou educação formal para várias gerações causou indignação em muitas famílias.

No entanto, esses argumentos não foram considerados frente aos fatores positivos que as

representantes da SEMED consideraram haver em uma escola nucleada, visão adquirida a

partir do contato com a experiência de Uberlândia.

Após as primeiras nucleações, no início dos anos de 1990, o processo foi se

ampliando. Outro aspecto que chama atenção nesse processo foi a forma como se buscou

―centralizar‖ os núcleos escolares. O ex-presidente de CDC, Ronaldo Alves Araújo, lembra

que a comunidade a que pertencia queria que a escola nucleada fosse naquele local.

Entretanto, como afirma a supervisora Márcia Helena Amâncio, a SEMEC procurava instalá-

los nas comunidades que já apresentavam uma infra-estrutura maior, já que muitas contavam

apenas com uma sala de aula, mas admite também que interesses políticos de alguns

moradores influentes exerceu interferência em algumas escolhas, como a nucleação da escola

Inconfidência, na comunidade de Cabral, que posteriormente teve suas atividades encerradas

devido ao baixo número de alunos. O professor Clever de Arvelos relata o seguinte:

Outra coisa que eu sou contra a nucleação, a princípio, é a questão que as nucleações

foram feitas, foram locadas, foram colocadas em algumas comunidades por critérios

políticos e não por critérios técnicos. Eu acho que essa escola aqui de Alagoas foi a

melhor posicionada, as demais foram todas feitas em locais errados, totalmente em

locais inadequados. Eu trabalhei, por exemplo, na Gino André, em Posses, uma escola

ótima, um lugar muito bom, mas mal colocada. Ela está muito próxima a Areado,

muito próximo a Pindaíbas, enquanto eles poderiam ter feito ela, ter aproveitado um

pouco a construção de Café Patense, de Colônia Agrícola, que eram escolas do

Estado. Podia ter aproveitado, teria ficado mais longe das outras duas e tinha ficado

bem localizado próximo às rodovias, então, todas têm essa questão de má colocação,

depois surgem problemas que não tem como solucionar.

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A partir do problema estrutural da localização dos núcleos, surge outro complicador,

em decorrência deste: a questão do transporte escolar. O professor Clever de Arvelos, em sua

fala, observa que a má posição das escolas dificultou o acesso às mesmas. Por serem

próximas, algumas escolas utilizavam o mesmo transporte, o que tornava a situação caótica.

Se duas escolas estão na mesma rota e utilizam o mesmo transporte, atendendo quase as

mesmas comunidades, parecia mais objetivo, na ótica da nucleação, que fossem fundidas.

Essas questões são entendidas pelos entrevistados como frutos das relações políticas

predominantes no Município. Relações estas que procuram beneficiar uma comunidade com

um núcleo em detrimento de outra por critérios subjetivos, e não pela objetividade geográfica,

que poderia ter sido utilizada a partir de estudos das áreas a serem nucleadas.

A supervisora Márcia Helena Amâncio afirma que tinha consciência de onde era

situada cada escola rural, entretanto, não tinha idéia da distância da residência do aluno até a

escola.

Eu sabia direitinho onde cada escola ficava, mas eu sabia onde estavam localizadas,

onde o menino morava em relação a essa escola eu não sabia. Aonde seria o ponto

desse aluno pegar o ônibus e chegar ao núcleo eu não tinha noção disso. Depois da

idéia da nucleação nós fomos entrar no ônibus e fazer esse percurso, aí começamos a

assustar. Depois da nucleação tivemos que lidar com outros problemas do transporte

escolar, que é um grande problema que a nucleação tem também. Alguns alunos

tinham que andar, outros que eram afilhados de donos de terras que tinham algum

contato na prefeitura, queriam que fossem buscados e entregados na porta de casa, e

alguns conseguiam politicamente, enquanto outros tinham que andar até mais de

cinco quilômetros.

Novamente, na fala da supervisora, percebe-se os traços do conservadorismo político

predominante no Brasil, que privilegia os já privilegiados e exclui ainda mais os que não têm

a quem recorrer. Um projeto que, inicialmente, veio ao encontro da necessidade de se criar

condições mais adequadas à estrutura física e humana da escola rural, perde parte de sua

perspectiva ao ser influenciado por ações políticas que, em sua maioria, foram direcionadas

em prol de benefícios pontuais, deixando de lado a busca do bem.

O que restou das escolas isoladas foi abandonado ou serviu de moradias às famílias

sem habitação, o que contradiz a idéia inicial da SEMED, contida no Sub-Projeto Classes

Multisseriadas: ―As instalações onde funcionavam as classes multisseriadas ganharão novas e

importantes finalidades, cedendo seu espaço para reuniões de comunidades, cursos

profissionais, recreações e de eventos sociais, podendo, inclusive, sediar as cooperativas

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agrícolas‖ (SEMED, 1998, s.p). As escolas isoladas foram desativadas. Algumas, reafirma-se,

passaram a servir de moradia para famílias desabrigadas.

4- Considerações Finais

A nucleação em Patos de Minas demonstra que a forma de operacionalização desse

processo foi idealizada, discutida e implantada pelos gestores do governo municipal que, ao

entrarem em contato com o modelo da escola nucleada, apresentaram-no como a solução dos

problemas das escolas isoladas. Nesse processo, a comunidade escolar foi secundarizada, fato

este que gerou uma série de transtornos para a própria administração: dificuldade de

relacionamento entre os professores, núcleos mal posicionados gerando o fechamento de um

deles após sete anos de funcionamento, deficiência no transporte escolar, privilégios políticos,

entre outros.

A intenção primeira de se agrupar as escolas rurais dando-lhes melhores condições

físicas e humanas perde sua credibilidade quando se privilegia interesses de uns em

detrimento de outros. O discurso do acesso, permanência e qualidade no ensino rural ficou

obscurecido pela falta de participação popular nas decisões que afetaram, inevitavelmente, a

vida dessas pessoas. Como se comprova no texto e no relato dos envolvidos, não houve muita

resistência pelas artimanhas de desarticulação empreitadas pelo poder público municipal.

Algumas comunidades conseguiram retardar o processo, mas não evitá-lo.

Entre 1991 e 1997, a SEMEC de Patos de Minas teve que conviver com escolas já

nucleadas/seriadas e as escolas isoladas/multisseriadas, destinando a cada uma diretrizes

diferentes, coordenadas por equipes diferentes. Ao tomar esta posição, a secretaria causou um

cisma em seu próprio pessoal.

A nucleação das escolas rurais, que se findou em 1998 no município de Patos de

Minas, extinguindo as escolas isoladas, não foi capaz de garantir educação de qualidade para

o povo campesino, o que comprova que o fato de se ter infra-estrutura não resolve, por si só, o

problema da educação.

Apenas em 2008, com o avanço do fechamento das escolas no meio rural e da

nucleação (que passou do deslocamento inicial de campo-campo para campo-cidade,

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agravando o distanciamento dos filhos dos trabalhadores rurais de seus lares, submetendo-os

ao enfrentamento de distâncias ainda maiores) é que o Ministério da Educação, através da

Câmara de educação Básica, instituiu a Resolução nº 02 de 28 de abril de 2008, a qual

―Estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de

políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo‖. Complementares porque

agrega normatização às Diretrizes Operacionais de 2002 em pontos que esta não discutiu –

nucleação, transporte, deslocamento...

Esta resolução preconiza, dentre outros aspectos, que a nucleação poderá ocorrer, nos

cinco anos iniciais do ensino fundamental, apenas no espaço intracampo, não sendo desejável

o deslocamento para as áreas urbanas e que os entes federados deverão estabelecer prazos

máximos de permanência em transporte e tempo de deslocamento, observando valores

mínimos. Outra garantia da Resolução supracitada é de que, quando houver nucleação, a

comunidade seja ouvida e participe das decisões acerca do processo.

Percebe-se que há uma tentativa de frear o fechamento das escolas no campo.

Entretanto, o que se vê no processo de implantação e consolidação da nucleação em Patos de

minas é que, os trabalhadores camponeses, desarticulados e enfraquecidos, foram expropriado

de mais um bem. O acesso ao conhecimento universal, pilar da formação humana e serve de

base para o desenvolvimento de seus meios de vida, lhe foi tirado e o que restou foi o

consequente aumento do esvaziamento do campo.

Referências Bibliográficas

BEZERRA NETO, Luiz. Sem Terra aprende e ensina: Um estudo sobre as práticas

educativas e formativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST – 1979-

1998. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas, 1998.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes operacionais para a Educação Básica nas

Escolas do Campo. Brasília, 2002.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes complementares para a Educação Básica nas

Escolas do Campo. Brasília, 2008.

DE DECCA, E. 1930: O Silêncio dos Vencidos. São Paulo: Brasiliense, 1992.

FERNANDES, F. A Revolução Burguesa no Brasil: Ensaio de Interpretação Sociológica.

Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

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FLORES, M. M. L. Escola Nucleada Rural: Histórico e Perspectivas Catalão-GO. (1988-

2000). Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Uberlândia. 2000

FONSECA, M. T. L. da. A extensão rural no Brasil, um projeto educativo para o capital.

São Paulo, Loyola, 1985.

LEITE, S. C. Projeto Educação Familiar Rural: EDUFARURAL. Patos de Minas, 2001.

Como referenciar esse texto:

SALES, Suze da Silva. Histórico de um percurso consolidado de nucleação de escolas brasileiras (1989-1999).

In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL,

5: Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014.

Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618. p. 218-232.

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REFLEXÕES DE UMA EXPERIÊNCIA REALIZADA NO PROGRAMA

PROJOVEM CAMPO - SABERES DA TERRA NO ASSENTAMENTO

PAULO FREIRE – MUNICÍPIO DE RIO DOS BOIS - TO

Madalena Varzinha Ferreira Melo Costa. Professora Normalista da SEDUC-TO.

[email protected]

Vânia Resende Moraes. Professora Pedagoga da SEDUC-TO; [email protected]

Resumo

O objetivo deste artigo é contribuir para uma reflexão sobre o percurso formativo de um

grupo de educadores e educandos da rede estadual de ensino do Assentamento Paulo Freire,

situado no município de Rio dos Bois no Estado do Tocantins que participaram do Programa

Projovem Campo Saberes da Terra, buscado propiciar ao povo do campo uma educação que

venha de encontro com a sua vida cotidiana, ultrapassando a visão fragmentada da realidade

destes sujeitos, levando estas pessoas a superarem o individualismo através da cooperação e

do conhecimento, compreendendo por meio de uma retrospectiva histórica, o sentido da

educação do campo, possibilitando a ampliação e a visão sobre as ações e políticas públicas

para as comunidades campesinas, desenvolvidas no Estado do Tocantins.

Palavras- chave: Educação do Campo, Políticas Públicas, Saberes da Terra.

Introdução

A educação é uma prática social que reflete diferentes contextos históricos. O

mundo ―globalizado‖ interligado pelos sistemas de informações exige cada vez mais das

pessoas e das organizações, conhecimentos e habilidades para desenvolver as suas atividades

com qualidade. A formação dos profissionais da educação tem sido abordada sob diferentes

perspectivas de enfoque, (Borges 2004, p. 39).

Ao iniciar o trabalho de acompanhamento aos alunos e professores do Projovem

Campo Saberes da Terra do Assentamento Paulo Freire, observou-se algumas dificuldades

dos professores em assimilar a sistemática do programa. Os mesmos não conheciam aquela

realidade, não tinham experiência em formar alunos com esse perfil. Então, percebeu-se à

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necessidade de aprofundar conhecimento sobre educação do campo e políticas públicas

voltadas para as comunidades campesinas desenvolvidas no estado do Tocantins. E nesta

perspectiva, pensar e propor coletivamente estratégias de superação de dificuldades

encontradas pelos educadores, com vistas à melhoria do desenvolvimento profissional desses

sujeitos. De acordo com Libâneo (2004 – 193), ―a formação inicial é o conhecimento teórico-

prático que vem dar sustentabilidade ao desenvolvimento profissional―. Portanto, nesse

contexto, a formação continuada é o prolongamento da formação inicial que leva o indivíduo

a adquirir uma cultura mais ampla além do exercício profissional.

Para manter os profissionais de educação qualificados, os governos federais,

estaduais e municipais têm buscado desenvolver programas de formação continuada que

venham a melhorar a qualidade de ensino das escolas brasileiras, buscando-se, portanto, uma

nova competência pedagógica, surgida a partir de reflexão na e sobre a prática docente.

O Estado do Tocantins, especificamente a Secretaria Estadual de Educação

direciona todo ano um determinado valor previsto no PPA. Recurso este destinado ao

investimento na formação de educadores e demais profissionais da educação estadual

envolvidos no desenvolvimento de programas e Projetos desenvolvidos no estado. Visando

conhecer melhor o processo de formação dos sujeitos envolvidos no programa Projovem

Campo Saberes da Terra, etapa 2009-2011, como também compreender a importância da

educação do campo para a comunidade do Assentamento Paulo Freire, município de Rio dos

Bois – TO é que nos propomos a desenvolver esse trabalho. Para a obtenção de dados,

realizamos entrevistas com questões estruturadas e semi-estruturadas que permitiram

mudanças no decorrer da pesquisa, realizada com três moradores e seis educandos, quatro dos

seis concluintes e dois dos desistentes e aplicamos questionários por amostragem a 15

professores de um total de 98 participantes do curso de Especialização em Educação do

Campo, Agricultura Familiar e Envolvimento Social no Tocantins.

Para uma análise mais precisa dos dados obtidos buscamos reflexões e análises

sobre o tema em estudo nas ideias principalmente de Nóvoa, Libânio e Paulo Freire,

confrontando-as à realidade existente.

Educação do Campo e seu Processo Histórico

O ensino no Brasil, quando voltado para as camadas populares não visava à formação

de livres pensadores ou de indivíduos críticos, mas de operários. A escola brasileira, de 1500

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até o início do século XX, serviu e serve para atender as elites, sendo inacessível para grande

parte da população rural.

Para as elites do Brasil agrário, as mulheres, indígenas, negros e trabalhadores rurais

não precisavam aprender a ler e escrever, visto que nessa concepção para desenvolver o

trabalho agrícola não precisava de letramento.

A visão de educação rural surge condicionada pelas matrizes culturais escravistas,

latifundiárias e controlada pelo poder político e econômico das oligarquias. Mesmo

encontrando-se iniciativas de educação rural ainda no século XIX, é a partir dos anos 30 do

século XX que começa a delinear-se um modelo de educação rural vinculado a projetos de

"modernização do campo", patrocinado por organismos de "cooperação" norte-americana e

difundido através do sistema de assistência técnica e extensão rural.

Até 1891 a Educação do Campo foi sequer mencionada nos textos constitucionais,

evidenciando com isso o descaso dos dirigentes e as matrizes culturais centradas no trabalho

escravo, na concentração fundiária, no controle do poder político pela oligarquia e nos

modelos de cultura letrada européia ―urbanocêntrica‖. Educação tratada como resíduo pelo

poder público, com políticas compensatórias, programas e projetos emergenciais, ratificando

o discurso da cidadania e, portanto, de uma vida digna reduzida aos limites geográficos e

culturais da cidade, negando o campo como espaço de vida e de constituição de sujeitos

cidadãos. Dessa forma, o modelo de desenvolvimento implementado foi excludente, e marca

até hoje o modelo de educação adotada no Brasil. A escola brasileira, de 1500 até o início do

século XX, serviu e serve para atender elites, sendo inacessível para grande parte da

população rural. Na realidade mulheres, indígenas, negros (as) e trabalhadores (as) rurais não

precisavam segundo a lógica dos dirigentes políticos, aprender a ler e escrever, pois, para o

trabalho agrícola o letramento era desnecessário.

Com base nos cadernos Secad/MEC, em 1932, foi lançado o Manifesto dos Pioneiros

da Educação Nova, que buscava diagnosticar e sugerir rumos às políticas públicas de

educação e preconizava a organização de uma escola democrática, que proporcionasse as

mesmas oportunidades para todos e que, sobre a base de uma cultura geral comum,

possibilitasse especializações para as atividades de preferência intelectuais, ou de

preponderância manual e mecânica (cursos de caráter técnico) agrupadas em extração de

matérias-primas (agricultura, minas e pesca; elaboração de matérias-primas), indústria;

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distribuição de produtos elaborados (transportes e comércio). Nessa proposta, as demandas do

campo e da cidade eram igualmente consideradas e contempladas.

Entretanto, a separação entre a educação das elites e a das classes populares não só

perdurou como foi explicitada nas Leis Orgânicas da Educação Nacional, promulgadas a

partir de 1942.

Em 1950 foi consolidado o discurso urbanizador que enfatiza a fusão entre os dois

espaços: urbano e rural por acreditar que o desenvolvimento industrial em curso no Brasil,

faria desaparecer dentro de algumas décadas a sociedade rural, ou seja, ―o campo é uma

divisão sócio cultural a ser superada, e não mantida‖ (Moreira apud Abraão, 1989, p.98);

Em 1960, a fim de atender aos interesses da elite brasileira, então preocupada com o

crescimento do número de favelados nas periferias dos grandes centros urbanos, a educação

rural foi adotada pelo Estado como estratégia de contenção do fluxo migratório do campo

para a cidade. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, em seu art. 105,

estabeleceu que ―os poderes públicos instituirão e ampararão serviços e entidades que

mantenham na zona rural escolas capazes de favorecer a adaptação do homem ao meio e o

estímulo de vocações profissionais‖.

No mesmo período, ocorreu um vigoroso movimento de educação popular,

protagonizado por educadores ligados a universidades, movimentos religiosos ou partidos

políticos de orientação de esquerda. Seu propósito era fomentar a participação política das

camadas populares, inclusive as do campo, e criar alternativas pedagógicas identificadas com

a cultura e com as necessidades nacionais, em oposição à importação de ideias pedagógicas

alheias à realidade brasileira (RIBEIRO, 1993, p.171)

Em 1964, com a instauração do governo militar, as organizações voltadas para a

mobilização política da sociedade civil – entre elas o Centro Popular de Cultura (CPC), criado

no ano de 1960 em Recife-PE; os Centros de Cultura Popular (CCP), criados pela União

Nacional dos estudantes em 1961 e o Movimento Eclesial de Base (MEB), órgão da

Confederação Geral dos Bispos do Brasil – sofreram um pesado processo de repressão

política e policial. Essa repressão resultou na desarticulação e na suspensão de muitas dessas

iniciativas.

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Em 1980, no processo de resistência à ditadura militar, as organizações da sociedade

civil, especialmente as ligadas à educação popular, incluíram a educação do campo na pauta

dos temas estratégicos para a redemocratização do país. A ideia era reivindicar e

simultaneamente construir um modelo de educação sintonizado com as particularidades

culturais, os direitos sociais e as necessidades próprias à vida dos camponeses. A partir desse

contexto de mobilização social, a Constituição de 1988 consolidou o compromisso do Estado

e da sociedade brasileira em promover a educação para todos, garantindo o direito ao respeito

e à adequação da educação às singularidades culturais e regionais. Em complemento, a atual

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/96) estabelece uma base

comum a todas as regiões do país, a ser complementada pelos sistemas federal, estadual e

municipal de ensino e determina, no art. 28, a adequação da educação e do calendário escolar

às peculiaridades da vida rural e de cada região.

Em 1990, período em que os movimentos sindicais e sociais começam a pressionar de

forma mais articulada pela construção de políticas públicas para a população do campo, de

sorte a garantir a universalização do ensino, bem como a construção de propostas pedagógicas

que respeitassem a realidade, as formas de produzir, de lidar com a terra, de viver e conviver

dos povos do campo (LDB 9.394/96) fortalecida pela aprovação das (―Diretrizes Operacionais

para a Educação Básica nas Escolas do Campo‖ – parecer nº 36/2001 e resolução 1/2002 do

Conselho Nacional de Educação).

De acordo com essas Leis, o objetivo do ensino secundário e normal seria ―formar as

elites condutoras do país‖ e o do ensino profissional seria oferecer ―formação adequada aos

filhos dos operários, aos desvalidos da sorte e aos menos afortunados, aqueles que necessitam

ingressar precocemente na força de trabalho‖.

Em 1998, foi criada a ―Articulação Nacional por uma Educação do Campo‖, entidade

supra-organizacional que passou a promover e gerir as ações conjuntas pela escolarização dos

povos do campo em nível nacional. Dentre as conquistas alcançadas por essa Articulação está

a realização de duas Conferências Nacionais por uma Educação Básica do Campo - em 1998 e

2004, a instituição pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) das Diretrizes Operacionais

para a Educação Básica nas Escolas do Campo, em 2002; e a instituição do Grupo

Permanente de Trabalho de Educação do Campo (GPT), em 2003.

238

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Em 2004, foi criada, no âmbito do Ministério da Educação, a Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização e Diversidade, à qual está vinculada a Coordenação- Geral de

Educação do Campo, o que significa a inclusão na estrutura estatal federal de uma instância

responsável, especificamente, pelo atendimento dessa demanda a partir do reconhecimento de

suas necessidades e singularidades.

Pensar a consciência histórica como pressuposto para se trabalhar a Educação do

Campo, é tomar conhecimento da importância de certas narrativas que dão sentido ao que se

quer entender por Educação no contexto específico da Educação do Campo. Nesse sentido, a

ideia de um conceito próprio do nosso tempo histórico sobre educação do campo somente

pode ser compreendido/discutido no contexto de seu surgimento: a sociedade brasileira atual e

a dinâmica específica que envolve os sujeitos sociais do campo.

Dentro do processo de apoio a educação do campo, é importante salientar que as

políticas públicas direcionadas a produção de alimentos também estão interligadas ao apoio

educacional. Já que o aluno com fome não vai à escola. E em relação às políticas ligadas

diretamente a questão de escolarização pode-se relatar os seguintes programas: PRONERA,

Escola Ativa, Brasil Alfabetizado, Escola Família Agrícola (EFA) e Projovem Campo Saberes

da Terra.

Conforme Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010, no seu Art. 3º, diz que:

―caberá a União criar e implementar mecanismos que garantam a manutenção e o

desenvolvimento da educação do campo nas políticas públicas educacionais, com o

objetivo de superar as defasagens históricas de acesso à educação escolar pelas

populações do campo, visando em especial:

I – reduzir os indicadores de analfabetismo com a oferta de políticas de Educação

de Jovens e Adultos, integrando qualificação social e profissional;

II – fornecer educação básica na modalidade Educação de Jovens e Adultos,

integrado a educação social e profissional ao ensino fundamental;

Projovem Campo - Saberes da Terra: um pouco da sua história político-pedagógica

O ProJovem Campo – Saberes da Terra é um programa de escolarização de jovens

agricultores/as familiares em nível fundamental na modalidade de Educação de Jovens e

Adultos (EJA), integrado à qualificação social e profissional. O Programa surgiu em 2005,

vinculado ao Ministério da Educação pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização

e Diversidade (SECAD) com a meta de escolarização de 5.000 jovens agricultores/as de

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diferentes estados e regiões do Brasil: Bahia, Pernambuco, Paraíba, Maranhão e Piauí pela

região nordeste. Mato Grosso do Sul no Centro-Oeste. Santa Catarina e Paraná pela região

Sul. Da região Sudeste Minas Gerais e do Norte participam Pará, Tocantins e Rondônia.

Neste período, o Programa Saberes da Terra atingiu a formação de jovens

agricultores/as que vivem em comunidades ribeirinhas, quilombolas, indígenas,

assentamentos e de pequenos agricultores. Essa diversidade étnico-cultural e de gênero

vivenciada pelo Programa, aparece nos debates e produções realizadas durante os quatro

Seminários Nacionais de Formação de Formadores/as, dezenas de Seminários Estaduais de

Formação de Educadores e na produção de materiais pedagógicos.

Estas experiências pedagógicas realizadas viabilizaram a escolarização em nível

fundamental integrada à qualificação social e profissional em Agricultura Familiar e

Sustentabilidade. Experiências como os ―encontros estaduais de educandos do Saberes da

Terra‖ no Maranhão; a produção de ―pastas e utensílios da palha de bananeira‖ na Paraíba, o

―projeto de produção agroecológica‖ no Pará, a utilização do projeto de ―Mandala‖ para

agricultura em vários assentamentos do Mato Grosso do Sul, a ―noite da culinária camponesa‖

e a construção de ―projetos de vida dos educandos‖ no Estado do Paraná, os ―cadernos

pedagógicos‖ dos estados do Maranhão, Paraná e Tocantins, entre outras, expressam de modo

singular uma inovação pedagógica na política nacional de juventude por se tratar de um

programa que articula a formação do jovem à valorização e ao fortalecimento da agricultura

familiar para o desenvolvimento do país.

O município de Rio dos Bois foi criado pela Lei 255 de 20 /02 /1991, encontra-se

localizado às margens da BR 153 (Belém Brasília), a 120 km da capital Palmas, sendo sua

área 845,06 k2, com 2.470 habitantes (censo 2010), sua taxa de crescimento populacional foi

de 1,21% entre 2000 e 2010.

Quanto aos indicadores de educação, o município segundo estimativas do Instituto

Brasileiro de Geografia Estatística do (IBGE), possui uma faixa de analfabetismo, a saber:

faixa etária de 10 a 15 anos 13,40 %, 15 anos ou mais 27,90%; taxa escolaridade Ensino

Fundamental: faixa etária de 07 a 14 anos, 85,0%. Ensino Médio faixa etária 15 a 17 15,5% e

o seu Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) e de 0,625. O PIB municipal

2005, foi 15,75 milhões, correspondendo a 0,17% do PIB estadual. A agropecuária apresentou

um valor adicionado total, ao passo que o setor de serviços contribuiu com 45,4%. Segundo

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dados da Pesquisa Sobre Produção Agrícola municipal 2006, o principal produto agrícola é a

soja em grão. Em 2005 o Cadastro Central de Empresas mostrou o predomínio de serviços

classificados como outros Serviços Coletivos, sociais e pessoais. O comércio tem melhorado

nestes últimos anos, antes o município contava só com mercearias de secos e molhados,

atualmente conta com lojas de confecções, eletrodomésticos, material de construção,

celulares, etc.

O Assentamento Paulo Freire foi fundado em dezembro de 2002, tem em torno de 86

famílias, atualmente está sendo feito a reocupação de vários lotes. Grande parte da população

está concentrada em uma agrovila criada logo após a homologação do assentamento. Lá,

também está localizada a Escola Municipal Paulo Freire onde atende um total de 56 alunos

das séries iniciais. A escola, construída há aproximadamente sete anos é uma das conquistas

da população, embora ainda de palha.

No início a população passou por muitas dificuldades até se apropriar da terra.

―Quando nós chegamos aqui era só mato, não tinha residência não tinha nada então,

a transformação foi às próprias pessoas que fizeram,... começaram a cultivar as

roças. Tem o lado bom mais também tem o mal por que a partir daí começou a

destruição, começou as derrubadas. As pessoas nunca preservam como é pra

preservar, desmatam lá dentro dos rios, dentro dos córregos, isso tudo vai

prejudicando‖. (I. C. A. , outubro/2011).

―Para nós apropriar da terra nós tivemos que ficar na beira da estrada um ano e oito

mês num barraquim de lona aguentando o sol e a chuva. Quando vinha a chuva

tudo bem porque ficava frio, quando vinha o sol, esquentava, todo mundo para fora.

Mas conseguimos, foi muito difícil, mas conseguimos.‖ (F. R. O., outubro/2011).

Percurso Formativo na ótica dos Professores

O percurso formativo, previsto no programa Projovem Campo Saberes da Terra, no

Assentamento Paulo Freire, possibilita aos educadores e educadoras a formação em serviço,

Isso é, no período de dois anos, os docentes graduados que participarem da Formação

Continuada receberão a certificação de especialização e para os não graduados o certificado é

em nível de extensão. Baseando-se nas questões norteadoras e nos objetivos estratégicos da

pesquisa foram organizados três roteiros de entrevistas: um para moradores do assentamento,

um para alunos desistentes e outro para alunos concluintes do Projovem Campo Saberes da

Terra.

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As entrevistas foram realizadas no mês de setembro de 2011, na residência dos

entrevistados, o que possibilitou aos mesmos, segurança e tranquilidade para responder as

perguntas com firmeza e conhecimento do problema em questão.

Para selecionar os entrevistados foi estabelecido um critério; participariam apenas

moradores residentes no local há mais de cinco anos, por terem melhores condições de nos

fornecer dados. As informações obtidas são fundamentais para traçar o perfil da comunidade e

com isso compreender melhor as observações feitas aos educadores e educandos no período

de duração do programa. Também foram entrevistados educandos concluintes e outros alunos

que desistiram durante a execução do programa.

Embora as dificuldades de ensino e aprendizagem não estejam apenas nas escolas do

campo, constatamos que lá se concentra uma boa parte deles. Neste contexto, de acordo

Diretrizes operacionais para as escolas do campo:

―...observa-se que algumas cartas estaduais trazem referências mais específicas à

educação rural, determinando na oferta da educação básica para a educação do

campo, adaptações concretas inerentes às características e peculiaridades desta. É o

que ocorre no estado de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Sergipe e Tocantins, que

prescrevem sejam os calendários escolares da zona rural adequados aos calendários

agrícolas e às manifestações da cultura regional.‖

O programa em estudo possibilita a jovens agricultores familiares a oportunidade de

conciliar trabalho e estudo pela organização do fazer pedagógico. O mesmo contempla dois

tempos formativos: Tempo escola e Tempo Comunidade. Os educadores e educandos

envolvidos na pesquisa são do Colégio Estadual Dr. Valdecy Pinheiro, do município de Rio

Bois e funciona como uma extensão e atende uma turma, numa residência cedida por um

morador. Até começar o funcionamento da turma foi necessário superar muitas situações. Dos

quatro educadores um tinha experiência em educação, mas ainda não havia trabalhado com

turmas do campo.

Como afirma a pesquisa:

“Procurei trabalhar segundo o percurso formativo, com aulas praticas em sala de aula,

dentro da realidade do aluno e da aula teórica”. (Educador 3).

“No início o processo ficou fragmentado, os educandos ainda não tinham compreendido a

importância da pesquisa, estudo, reflexão e analise”. (Educador 13).

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As informações apresentadas nas tabelas abaixo é o resultado de um questionário

aplicado aos educadores no encontro do IV módulo de formação, na primeira quinzena de

julho de 2011.

TABELA:

Nº Pergunta Resposta

1)

A formação continuada foi coerente com

a proposta dos cadernos metodológicos:

Sim. De 90% a 100% - 39%

Sim. De 70% a 80% - 60%

Sim. De 50% a 60% - 01%

2)

O valor significativo nos conhecimentos

construídos durante o curso foi:

A oportunidade de fazer uma

especialização % - 100%

A experiência de produzir

conhecimento individual e coletivo -

0%

A capacidade de contribuir para o

desenvolvimento da Educação do

Campo 0% Outros 0%

3)

O percurso formativo contribuiu na sua

prática no sentido de:

Facilitar seu fazer pedagógico - 60 %

Compreende melhor o currículo do

programa - 30%

Conhecer as especificidades da

educação do campo - 10%

Não contribuiu – 0%

Fonte: Entrevistas realizadas junto aos educadores do Programa Projoven Campo – Saberes

da Terra, no município de Palmas – TO durante a realização do IV módulo de formação do

referido Programa, em julho/2011.

A formação de educadores visa subsidiar melhor os profissionais e com isso propiciar

aos educandos do Projovem campo, qualificação profissional. Conforme Libâneo: ―O

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aprimoramento do processo de formação de professores requer muita ousadia e criatividade

para que se construam novos e mais promissores modelos educacionais [...]‖ (1999, p. 259).

Nos cadernos metodológicos do programa, o eixo articulador Agricultura Familiar,

busca na sua execução trazer para os educadores e educandos as questões norteadoras que os

remete a pensar e entender melhor a Agricultura Familiar Sustentável e a vida do homem do

campo. Expressa à temática central do currículo, possibilitando a articulação entre os demais

eixos.

De acordo o caderno pedagógico educadores e educadoras o

―sistema de produção e processo de trabalho no campo resgata os enunciados do

percurso formativo. Assim, todas as atividades pedagógicas propostas

contemplarão seus componentes – o Plano de Pesquisa, o Circulo de Diálogos e a

Partilha de Saberes‖. (2010, p. 25).

Segundo dados da pesquisa:

―A articulação dos eixos ocorre no planejamento coletivo, no estudo realizado pelos

educadores e nas atividades realizadas com os alunos‖. (Educador 2).

―Aconteceu através do tema gerador possibilitando a interdisciplinaridade das áreas de

conhecimento‖. (Educador - 4).

A ação continuada dos profissionais que atuam no Programa Projovem Campo –

Saberes da Terra é de responsabilidade das Instituições Públicas de Ensino Superior, em

parceria com os sistemas público de ensino, municipais e estaduais que aderiram ao Programa

nos seus respectivos Estados. Neste caso a Instituição Superior parceira é a UFT

(Universidade Federal do Tocantins) e SEDUC (Secretaria Estadual de Educação).

―Não foi interdisciplinar, cada educador ou educadora trabalhou seu conteúdo

individualmente‖. (Educador -9).

―Também de forma interdisciplinar, numa tentativa de articular todas as áreas do

conhecimento, materializado nas atividades práticas com os educandos‖. (Educador – 5).

―Em partes, porque não havia articulação em todos os conteúdos devido as dificuldade

encontrados no programa‖. (Educador – 1).

O Programa Projovem Campo Saberes da Terra tem o intuito de buscar estabelecer a

construção de uma política educacional que reconheça as necessidades próprias dos sujeitos, a

diversidade e a realidade diferenciada a qual ele vive, aliado a construção de uma política

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nacional de juventude, que reconheça e atenda os jovens do campo como sujeitos de direitos

garantidos. O Plano de Desenvolvimento da Educação PDE 2007-2022, propõe o

enfrentamento dos problemas de rendimento, frequência e permanência do aluno na escola.

Para que esse fim seja alcançado o PDE estabeleceu sistemas de definição de metas, de

avaliação e de cobrança de resultados nas escolas de todo país, conhecido por ―Compromisso

Todos pela Educação‖, aprovado pelo Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007.(Módulo

Formação pela Escola, p. 37).

Informações coletadas durante a pesquisa ajudaram a compreender o papel das

políticas agrícolas e como elas vêm influenciando as mudanças dos sistemas de produção da

agricultura familiar em nossa região. Assim, na execução do Programa houve a integração

entre os aspectos pedagógicos e as questões políticas, conforme dados da pesquisa:

―..discutimos a política de organização da comunidade, Saberes da Terra no PA Padre Josino

e suas divergências. (Educador – 4).

―Houve, pois a maioria dos alunos gostaria de continuar no campo‖. (Educador– 1).

da metodologia da pedagogia da alternância os educadores e educandos, dispõem de dois tempos e

espaços formativos para realizar as suas pesquisas, o tempo escola e tempo comunidade. A alternância

possibilita a formação na escola e junto à família, com isso o papel do diálogo no processo de

sistematização das pesquisas realizadas tiveram um significado relevante.

―De fundamental importância não se realiza uma pesquisa se não haver um circulo de

diálogo direcionado‖. (Educador – 8).

.―É muito importante pois é por meio deste processo que podemos desenvolver e

melhorar nossas praticas em sala de aula. (Educador – 11).

―O papel de formar sujeitos sociais, críticos e participativos desenvolvendo

capacidades de intervenção na realidade. Possibilitando formar educadores e educandos

pesquisadores‖. (Educador – 5).

.―O circulo de diálogo contribui na organização de ideias‖. (Educador– 4).

―O trabalho se deu no processo de diálogo, pois, utilizamos os bate- papos na sala de

aula constantemente‖. (Educador – 1).

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A formação de educadores visa qualificar melhor os profissionais e com isso

propiciar aos educandos do Projovem campo, qualificação profissional. Conforme Libâneo:

―O aprimoramento do processo de formação de professores requer muita ousadia e

criatividade para que se construam novos e mais promissores modelos educacionais [...]‖

(1999, p. 259). O eixo articulador Agricultura Familiar busca na sua execução trazer para os

educadores e educandos as questões norteadoras que os remete a pensar e entender melhor a

Agricultura Familiar Sustentável e a vida do homem do campo. O eixo Agricultura Familiar e

Sustentabilidade expressa à temática central do currículo, possibilitando a articulação entre os

demais eixos.

O Projovem Campo Saberes da Terra assume a concepção de ensino integrado,

compreendido como um processo que articula os saberes científicos aos saberes populares.

Neste sentido, constatou-se que o planejamento de ensino se realiza:

“De acordo com os eixos temáticos e a realidade da comunidade local, fluindo assim

a junção entre os saberes”. (Educador – 8).

“O papel de formar sujeitos sociais, críticos e participativos desenvolvendo

capacidades de intervenção na realidade. Possibilitando formar educadores e educandos

pesquisadores” (Educador – 5).

“O planejamento de ensino foi elaborado contextualizado os dois saberes dentro de

perspectivas de cada aula. Sendo modificada dentro da necessidade dos educandos”

(Educador – 4).

Conforme depoimento dos educadores, os planejamentos são realizados de forma

integrada com a participação de todos os educadores do programa, buscando ajudá-los a traçar

mais uma etapa de conhecimento para vida profissional dos educandos, por meio de

estudo/debates sobre os eixos temáticos norteadores do programa, orientações didáticas e

metodológicas, para aplicação desses conteúdos curriculares na vida cotidiana dos educandos.

Para Gadotti,

―só podemos entender melhor o processo de ensino e aprendizagem se

compreendermos que o essencial não é o ensino, mas a ordenação dele. Esta

ordenação não é puramente fruto do ensino. É, antes de tudo uma relação pessoal e

humana, cujo sentido varia dependendo da maturidade pessoal, intelectual, social, de

acordo com a vontade‖(1985,p.67)

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As avaliações perpassam todos os tempos e espaços formativos do programa,

buscando acompanhar o processo formativo do educando, verificando se a proposta

pedagógica do programa está sendo desenvolvida, contribuindo com aprimoramento do

trabalho desenvolvido pelos educandos, possibilitando identificar as dificuldades para saná-

las.

Partindo da prática pedagógica o princípio da gestão democrática e do diálogo

vivenciado pelos educadores foram:

“Minha prática foi melhorando, a partir da clareza que o curso foi acontecendo,

então conseguimos obter a essência para nossa prática” (Educador - 7).

“Avaliando o educando na sua totalidade, percebendo a especificidade do educando do

campo(leitura, análise, interpretação, pesquisa, escrita, releitura da realidade, participação

e socialização de saberes” (Educador – 5).

“A avaliação é um processo continuo, porém, alguns pontos é preciso ser respeitado,

como participação e cumprimento com as atividades”(Educador – 8).

Para Luckesi, ―O ser humano é um ser que avalia. Em todos os instantes de sua vida -

dos mais simples aos mais complexos - ela está tomando posição, manifestando-se como não

neutro‖ (1996. p. 26.).

A educação do campo tem suas especificidades, assim como os demais segmentos

da educação. Este programa foi implantado e continua sendo implementado, com o intuito de

construir uma política educacional que venha ao encontro da realidade do homem do campo,

para que este sujeito viva uma vida digna, sendo respeitado nas suas necessidades regionais e

culturais. Uma característica forte da educação do campo é sua especificidade. Diante desse

contexto às maiores dificuldades encontradas pelos educadores no seu fazer pedagógico são:

“Ajuda do supervisor na orientação técnica, falta de material didático no inicio do

programa e a não continuidade de alguns projetos” (Educador–13).

“No princípio foi a falta de conhecimento que tive do programa, só passei a entender

depois da formação que tive” (Educador – 3).

“Lidar com estas diversidades e problemas pessoais que os alunos apresentavam

diariamente” (Educador – 11).

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“Enes dificuldades, conhecimento do programa, material didático pedagógico, apoio

da escola âncora (como: coordenador(orientação), transporte escolar, etc...”. (Educador –

1).

Para isso, se faz necessário maiores investimentos nas escolas do campo é preciso

investir em educação que venha de encontro com a realidade do sujeito do campo e parar de

utilizar modelos adaptados para atender estes educandos. Educação que possibilite e garanta a

melhoria da qualidade de vida dos que vivem e sobrevivem no e do campo.

Considerações finais

Na pesquisa realizada no Assentamento Paulo Freire município de Rio dos Bois –TO,

procuramos avaliar e discutir sobre o percurso formativo dos professores e alunos do

Projovem Campo Saberes da Terra. Nesta perspectiva, objetivou-se conhecer melhor o

processo de formação dos professores e alunos, visando tecer alguns comentários sobre as

políticas públicas para a educação do campo, desenvolvidas neste estado.

No entanto, observou-se que a proposta de formação do programa pode gerar um

melhor resultado, tanto para os educadores quanto para os educandos, se realizada a partir do

início de funcionamento da turma. Formar jovens agricultores/as na perspectiva da

qualificação profissional é tão importante quanto urgente. Para isso é fundamental que os

entes executores cumpram com as responsabilidades que lhe competem e que nós educadores

também sejamos mais responsáveis pela nossa própria formação.

A pesquisa constatou também que no início, um dos fatores que interferiram para um

resultado mais satisfatório foi à falta de experiência em educação do campo por parte dos

professores. Porém, o processo de formação continuada possibilitou a prática reflexiva

ajudando-os a se tornarem conscientes delas, compreendendo-as de forma que possam

enfrentá-las. Observou-se também que somente a reflexão não é suficiente para enfrentar os

vários obstáculos da tarefa de ensinar, mas a união entre a reflexão e as experiências

propiciam melhores condições para resolver as atividades agregando-as ao conhecimento

científico acumulado durante todo o percurso formativo.

Nesse sentido, faz-se necessária a busca de novas estratégias que possam enriquecer a

metodologia atual do programa como também de contribuições teóricas que sejam capazes de

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elucidar aspectos ainda pendentes e que necessitam ser repensados ou reformulados no

decorrer do processo educativo, tanto dos educandos quanto dos educadores.

A formação continuada do Programa Projovem Campo – Saberes da Terra acontece

simultaneamente com o tempo escola e tempo comunidade, propiciando aos educadores e

educandos maior interação no desenvolvimento do programa, este é um diferencial deste

programa com os demais programas que são desenvolvidos no campo.

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36/2001. Diretrizes Operacionais da Educação Básica para as Escolas do Campo. Brasília:

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Ministério da Educação/SECAD. Coleção Cadernos Pedagógicos do Programa Projovem

Campo- Saberes da Terra, 1ª. Ed. Brasília, DF, 2008.

_____________.Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, 1996.

_____________.Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo. Resolução

CNE/CEB nº 1, 200.

Como referenciar esse texto:

COSTA, Madalena Varzinha F. M. e MORAES, Vânia Resende. Reflexões de uma experiência realizada no

Programa Projovem Campo – Saberes da Terra no Assentamento Paulo Freire – município de Rio dos Bois –

TO. In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL -

EDURURAL, 5: Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da

Geografia, 2014. Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN:

9788563526618. P. 233-249.

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Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014.

Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

O APRENDIZADO INICIAL DA LEITURA E ESCRITA EM O MENINO

QUE APRENDEU A VER, DE RUTH ROCHA

Clerislene da Rocha Morais Nogueira. Pedagoga; Coordenadora de Programas e Projetos –

Tecnologias Educacionais da Secretaria Municipal de Educação de Miracema; email:

[email protected]

―Dissociar alfabetização de letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais

concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a

entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita se dá

simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional

de escrita – a alfabetização, e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse

sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua

escrita – o letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e

indissociáveis: a alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas

sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por

sua vez, só pode desenvolver-se no contexto da e por meio da aprendizagem das

relações fonema/grafema, isto é, em dependência da alfabetização‖. (SOARES,

2003, p. 14)

RESUMO

Discute-se neste artigo os principais desafios da alfabetização e do letramento e as

principais perspectivas para fazer com que cada criança tenha assegurado o seu direito a

aprender a ler e a escrever e, assim, a participar do mundo da escrita. Desta forma, objetiva-se

conhecer o processo de alfabetização, letramento e o uso da literatura infantil, bem como

compreender as diferentes concepções teórico metodológicas. Para o desenvolvimento da

atividade foi utilizado como metodologia a pesquisa bibliográfica e observação da prática

pedagógica docente. As orientações aqui apresentadas baseiam-se em Ferreiro (2006), Lamy

(2010), Soares (1998 e 2005) entre outros. Como as discussões sobre alfabetização e

Letramento ampliam em nossos dias, faço uma breve consideração final a cerca dessa

temática, como os estudos mostram que a alfabetização e o letramento não podem se separar,

visto que são práticas sociais, culturalmente determinadas. Além do mais, está evidente que

um número expressivo de estudantes não está aprendendo a ler na escola brasileira. Dessa

forma nossas escolas produzem um grande contingente de analfabetos ou de analfabetos

funcionais, quer dizer, pessoas que, embora dominem as habilidades básicas do ler e do

escrever, não são capazes de utilizar a escrita na leitura e na produção de textos na vida

cotidiana ou na escola, para satisfazer às exigências do aprendizado. Cabe as secretárias

estaduais e municipais, junta as unidades escolares analisar as propostas pedagógicas,

projetos, programas e até mesmo os projetos políticos pedagógicos das escolas, para

discutirem as concepção e ações que estão sendo desenvolvidas a respeito do problema da

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alfabetização e letramento de nossas crianças. Pois, há décadas, as pesquisas estão mostrando

o fracasso das escolas no processo de ler, escrever e interpretar.

PALAVRAS-CHAVE: Alfabetização. Letramento. Literatura Infantil.

1 INTRODUÇÃO

Um dos grandes desafios da educação é educar os discentes para o seu

desenvolvimento e formação humana, dessa forma a educação se revela como prática social

que ocorre nas diversas instâncias da sociedade e crescem as discussões a respeito de que o

mais importante é ensinar a pensar, é propiciar condições para a produção do conhecimento,

favorecendo o desenvolvimento das potencialidades dos sujeitos.

Neste sentido, o Ministério da Educação tem apresentado o Pacto Nacional pela

Alfabetização na Idade Certa que é um compromisso formal assumido pelos governos federal,

do Distrito Federal, dos estados e municípios de assegurar que todas as crianças estejam

alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental. (BRASIL,

2014).

A finalidade é que aos oito anos de idade, as crianças precisam ter a compreensão do

funcionamento do sistema de escrita; o domínio das correspondências grafofônicas, mesmo

que dominem poucas convenções ortográficas irregulares e poucas regularidades que exijam

conhecimentos morfológicos mais complexos; a fluência de leitura e o domínio de estratégias

de compreensão e de produção de textos escritos.

No Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, quatro princípios centrais

serão considerados ao longo do desenvolvimento do trabalho pedagógico:

1. O Sistema de Escrita Alfabética que é complexo e exige um ensino sistemático e

problematizador;

2. O desenvolvimento das capacidades de leitura e de produção de textos que ocorre

durante todo o processo de escolarização, mas deve ser iniciado logo no início da

Educação Básica, garantindo acesso precoce a gêneros discursivos de circulação

social e a situações de interação em que as crianças se reconheçam como

protagonistas de suas próprias histórias;

3. Conhecimentos oriundos das diferentes áreas podem e devem ser apropriados

pelas crianças, de modo que elas possam ouvir, falar, ler, escrever sobre temas

diversos e agir na sociedade;

4. A ludicidade e o cuidado com as crianças são condições básicas nos processos de

ensino e de aprendizagem. (BRASIL, 2014).

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Dentro dessa visão, a alfabetização é, sem dúvida, uma das prioridades nacionais no contexto atual,

pois o professor alfabetizador tem a função de auxiliar na formação para o bom exercício da cidadania. Para

exercer sua função de forma plena é preciso ter clareza do que ensina e como ensina. Para isso, não basta ser um

reprodutor de métodos que objetivem apenas o domínio de um código linguístico. É preciso ter clareza sobre

qual concepção de alfabetização está subjacente à sua prática.

Neste sentido, percebe-se que há uma preocupação com o processo de alfabetização e letramento por

parte dos governos, e isso é retratado também por meio do programa de avaliação - Sistema de Avaliação da

Educação Básica (SAEB). Ultimamente, o SAEB tem indicado que 33% dos alunos que terminam o quinto ano

do ensino fundamental são praticamente analfabetos, isto é, não dominam o código convencional da leitura e

escrita. ―No Brasil há uma equipe no Congresso Nacional estudando o problema da alfabetização, levando em

conta a experiência internacional e a literatura científica sobre o assunto de erradicar o analfabetismo (SOARES,

2005, p. 21)‖. Diante disso, podemos questionar quais os métodos utilizados pelos docentes no processo de

alfabetização e letramento do corpo discente?

Visando compreender este problema, foi elaborado o artigo científico abordando a seguinte temática:

O aprendizado inicial da leitura e escrita em o menino que aprendeu a ver, de Ruth Rocha. A obra tem como

objetivo conhecer o processo de alfabetização, letramento e o uso da literatura infantil, bem como compreender

as diferentes concepções teóricos metodológicas. Para o desenvolvimento da atividade foi utilizado como

metodologia a pesquisa bibliográfica e observação da prática pedagógica docente. As orientações aqui

apresentadas foram amparadas na base teórica de Ferreiro (2006), Lamy (2010), Soares (1998 e 2005), entre

outros.

Como a discussão sobre alfabetização e Letramento é uma discussão que se amplia em nossos dias,

faço uma breve consideração final a cerca dessa temática, os estudos mostram que a alfabetização e o letramento

não podem se separar, pois são práticas sociais, culturalmente determinadas. Além do mais, um número

expressivo de estudantes não aprende a ler na escola brasileira. Essa escola produz um grande contingente de

analfabetos ou de analfabetos funcionais, quer dizer, pessoas que, embora dominem as habilidades básicas do ler

e do escrever, não são capazes de utilizar a escrita na leitura e na produção de textos na vida cotidiana ou na

escola, para satisfazer às exigências do aprendizado.

Dessa forma, o resultado parcial do estudo realizado acerca da temática, mostra que que as secretárias

estaduais e municipais, junta as unidades escolares devem analisar as propostas pedagógicas, projetos,

programas e até mesmo os projetos políticos pedagógicos das escolas, para análise e discussão quanto à

concepção e ações que estão sendo desenvolvidas a respeito da alfabetização e letramento das crianças e qual é o

resultado do trabalho que as pesquisas estão mostrando quanto ao processo de ler, escrever e interpretar. Pois não

adianta aprender a identificar códigos escritos a decifrar palavras, se não souber usá-los. Pois, a alfabetização e o

letramento não podem ser separados, mas considerados como práticas sociais.

2 ALFABETIZAÇÃO E A LINGUAGEM DO DISCENTE

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Segundo dados divulgados pelo Ministério da Educação, de cada mil crianças que, no Brasil,

ingressaram na 1º série, ou seja, em 1963, apenas 449 passaram para 2ª série, em 1964; em 1974, portanto, dez

anos depois, de cada mil crianças que ingressaram na 1º série, apenas 438 chegaram à 2ª série, em 1975. Não

houve nenhum progresso, nas últimas décadas. Somos um país que vem reincidindo no fracasso em

alfabetização.

Em primeiro lugar, são dados que resultam em diferentes perspectivas do processo de alfabetização, a

partir de diferentes áreas de conhecimento (psicológica, linguística e pedagógica), cada um tratando a questão

independentemente, e ignorando as demais; em segundo lugar, são dados que exclusivamente, buscam a

explicação do problema ora no aluno, ora no contexto cultural do aluno, ora no professor, ora no método, ora no

material didático, ora finalmente no próprio meio, o código escrito (SOARES, 2005).

Tem se tentado atribuir um significado à alfabetização, considerando como um processo permanente,

que se estenderia por toda a vida, que não se esgotaria na aprendizagem da leitura e escrita. Etimologicamente, o

termo alfabetização não ultrapassa o significado de levar à aquisição do alfabeto, ou seja, ensinar o código da

língua escrita, ensinar as habilidades de ler e escrever; pedagogicamente, atribuir um significado muito amplo ao

processo de alfabetização seria negar-lhe especificidade, com o reflexo indesejável na caracterização da sua

natureza na configuração das habilidades de leitura e escrita, na definição de competência em alfabetizar.

O processo de alfabetização é um também um processo da natureza linguística.

Deste ponto de vista a alfabetização é um processo de transferência da sequência

temporal da fala para a sequência espaço direcional da escrita e da transferência da

forma sonora para a forma gráfica da escrita (LAMY, 2010, p. 39).

Diante dessa realidade, observa-se que grande parte dos discentes costumam escrever

palavras e frases de acordo com sua pronuncia. E Lamy (2010) afirma que a alfabetização

seria um processo de representação de fonemas em grafemas (escrever) e de grafemas em

fonemas (ler), mas é também um processo de compreensão e expressão do significado por

meio de códigos escritos. O processo de alfabetização deve levar a aprendizagem não de uma

mera tradução do oral para o escrito, e deste para aquele, mas a aprendizagem de uma peculiar

e muitas vezes idiossincrática relação fonemas e grafemas, de outro código, que tem em

relação ao código oral especificidades morfológicas e sintáticas, autonomia de recursos de

articulação do texto estratégias próprias de expressão e compreensão (LAMY, 2010, p. 40).

O processo de alfabetização na escola sofre mais que qualquer outra aprendizagem

escolar, a marca da discriminação em favor das classes socioeconomicamente privilegiadas. A

escola valoriza a língua escrita e censura a língua espontânea, os discentes das classes

privilegiada, adapta-se mais facilmente às perspectivas da escola, tanto com relação às

funções e uso da língua escrita, quanto em relação ao padrão culto de língua oral.

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É evidente que o contexto escolar com seu preconceito linguístico e cultural, afeta o

processo de alfabetização dos alunos, levando ao fracasso os discentes das classes populares.

Soluções para esses fracassos têm sido, geralmente, buscadas em programas de educação

compensatória, mas não só têm levado a resultados insatisfatórios, mas reforçado a

discriminação dos alunos das classes populares. Se os programas fracassam os próprios

alunos e suas famílias serão responsabilizadas na medida em que se considera que lhe foram

dadas as oportunidades educacionais e, como não progrediram, são consideradas incapazes.

Aprender a ler e escrever para a escola parece apenas significar a aquisição de um

instrumento para a futura obtenção do conhecimento, a escola desconhece a alfabetização

como forma de pensamento, processo de construção do saber e meio de conquista de poder

político. A hipótese de que classes sociais atribuem funções diferentes ao uso da língua, essa

aprendizagem se faz por intermédio do processo de socialização, só que o aluno aprenderá

atribuir a língua às funções que lhe atribui o contexto cultural no qual está inserido. A escola

deve estar ciente de que o processo de socialização tem características diferentes em classes

sociais diferentes.

As diferenças estruturais entre os dialetos padrão e os dialetos não padrão tem sido

intensamente apontados como causa do fracasso escolar dos alunos pertencente às camadas

populares, falantes daqueles dialetos não padrão. A linguagem da escola é linguagem das

classes favorecidas, as funções que predominam no uso que se faz da língua na escola são

aquelas que também predominam no uso da língua por essa classe.

Não é difícil compreender que as exigências linguísticas da escola, também

constituem como um dos motivos que contribuem para o fracasso escolar dos alunos das

camadas populares, pois os alunos das classes favorecidas veem as instituições escolares

como um espaço de aprendizagem, visto que a língua é usada predominantemente como

função representativa. Já os alunos das camadas populares veem as instituições escolares

como um espaço de tempo de modelagem de seu comportamento social, pois para ela a

língua, tem na escola uma função predominantemente reguladora.

As crianças sabem com que função deve usar a língua na escola, sabe fazer o

discurso que a escola quer pertencente às chamadas da sociedade para os quais a

escola foi organizada, aprende já no processo de socialização familiar que a escola

se deve responder com um determinado discurso, marcado por determinada funções,

e sabe que, quando a escola lhe pede um texto seu interlocutor escolar não

propriamente que demonstre o que sente ou pensa, não que o uso da linguagem

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como função social ou interacional, quer que demonstre o que sabe ou o que é capaz

de criar que o uso da linguagem com função representativa ou imaginativa

(SOARES, 2005, p. 72)

Na medida em que a escola não possui nenhum projeto pedagógico, cada professor

conduz suas aulas de acordo com a experiência do próprio magistério vai lhe ensinando. Isso

vai diversificar os procedimentos empregados em classe, bem como os princípios e critérios

adotados nos diferentes momentos da alfabetização.

Neste sentido, é fundamental frisar que qualquer política educacional comprometida

com as classes populares e preocupada com a qualidade do ensino na escola pública deve

fortalecer a equipe diretiva na elaboração de ações com acompanhamento nas salas de

alfabetização visando possíveis intervenções no processo de ensino e aprendizagem dos

alunos.

A insistência e a persistência da escola em levar o aluno a usar a escrita com as

funções que privilegia a insistência e persistência que têm, como principal

instrumento, as condições de produção da escrita na escola e avaliação dessa escrita,

são na verdade um processo de aprendizagem e desaprendizagem das funções da

escrita. Enquanto aprende a usar a função que a escola atribui a ela e que a

transformam em uma interlocução artificial, o aluno desaprende a escrita como

situação de interlocução real. Essa aprendizagem e desaprendizagem têm início nos

primeiros momentos do processo de alfabetização, ou antes, na verdade começa

quando a criança ao chegar à escola cheia de perspectiva e desejo de aprender a ler e

a escrever encontra o chamado o período preparatório que é obrigado a cobrir linhas

sinuosas. E agrava ainda mais quando a criança recebe a cartilha e são obrigadas a

segui-las como sendo um instrumento utilizado pelo docente no processo de

alfabetização do aluno (SOARES, 2005, p. 75).

Diante disso, observa-se que nem sempre a escola considera o rico conhecimento que

muitas crianças trazem de casa, em geral muitas convivem num contexto cultural, onde o

acesso a livros, revistas, jornais etc. tanto impressos, quanto digitalizados é algo comum em

seu meio social. Porém, crianças das camadas populares podem até não convivem com os

livros impressos, nem com os digitalizados, mas trazem consigo as vivencias que aprenderam

com a família e comunidade em que vivem. Sendo assim, grande parte delas ao ingressar na

escola, apresentam dificuldades no desenvolvimento do processo de aprender a ler e escrever.

Por meio de observação em algumas salas de alfabetização, ver-se que o aluno

apresenta na leitura, a lentidão, a hesitação e a necessidade de decompor cada sílaba, isso

mostram como, para ele, é difícil decodificar palavras. Tão difícil que, lendo textos, o sentido

de palavras e passagens se perde.

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Desta forma, durante o processo de alfabetização e letramento não se deve restringir

o trabalho pedagógico somente com o livro didático e as cartilhas de alfabetização. Como

sabemos, os textos das cartilhas não são textos para ler, são frases para aprender a ler, e as

composições ou exercícios de expressões escritas que fazem são apenas para aprender a

escrever. O professor alfabetizador precisa ser ousado e ir mais além, enriquecendo seu fazer

pedagógico com diversas formas de utilização de materiais tanto impressos quanto

digitalizados e uso de material concreto no cotidiano da sala de aula e fora dela, ou seja,

aproveitar os outros espaços da unidade escolar para prover a aprendizagem das crianças.

3 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NO PROCESSO DE ENSINO

APRENDIZAGEM DO DISCENTE

No sentido tradicional escolar, o termo alfabetização é usado para separar grupos

letrados de não letrados nas sociedades modernas que usam a escrita. Alfabetizado/Letrado

seria, então, aquele cidadão que domina um sistema de sinais gráficos de uma língua e é capaz

de codificá-lo ou decodificá-lo, escrevendo ou lendo. É considerado alfabetizado porque é

capaz de distinguir palavras, sílabas, morfemas, grafemas e etc. (SOARES, 1998).

Portanto, o cidadão que domina códigos alfabéticos e numéricos, principalmente os

aprendidos na escola, como resultado de uma capacidade ou competência individual, era

promovido e obtém sucesso, tanto na escola como na sociedade, onde o domínio da escrita era

condição básica para a ascensão social e acesso aos bens (emprego, salário, consumo). Ser

letrado seria, possuir um instrumento de poder e controle da escrita.

Mas, o conceito de letramento tem um conceito mais amplo do que o domínio puro e

simples da tecnologia da escrita, ou seja, de um código alfabético ou numérico. A concepção

do letramento vai além do saber ler e escrever, pois implica saber fazer uso frequente e

competente da leitura e da escrita, individual ou socialmente. O conceito de letramento se liga

ao conjunto de práticas de leitura e escrita que resultam de uma concepção de o quê, como,

quando e por que ler e escrever (SOARES, 1998).

A concepção de letramento vai além do saber ler e escrever, pois implica saber fazer

uso frequente e competente da leitura e da escrita, individualmente ou socialmente.

Letramento é resultado da ação de letrar-se, ou seja, é o estado ou condição

de um indivíduo ou grupo social que exerce, em graus diversos, as práticas de

leitura e escrita, participa de eventos que envolvem a leitura e escrita e sofre

os efeitos das práticas e eventos de letramentos. Participar de leituras e

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escritas é parte integrante da interação entre pessoas e do processo de

interpretação dessa interação. Nesse sentido, letrar-se vai além de alfabetizar-

se que se refere ao saber ler e escrever, o indivíduo letrado é aquele que usa

socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde

adequadamente às demandas sociais de leitura e escrita (SOARES, 1988 p.

32-40).

Dessa forma, considera-se que o letramento envolve dois processos contínuos e

complementares o de ler e escrever, que constituem um conjunto de habilidades linguísticas e

psicológicas. Pois ler é um processo de construção de sentidos, é interpretação de textos

escritos diversos desde os mais simples aos mais complexos. Envolve também desde a

decodificação de sílabas ou palavras até a capacidade de ler bilhetes, cartas, emails, histórias

em quadrinhos, contos, romances, poesias, jornais, textos científicos etc. Então desenvolver a

prática da escrita é o mesmo que desenvolver a capacidade de transmitir significado a um

leitor, de forma adequada, ou seja, é um processo de expressar e organizar o pensamento em

língua escrita.

Na medida em que os alunos apresentam maior domínio da leitura e da escrita, tal

registro trata-se da apropriação de competência que vai desde a capacidade mais

simples de ―escrever o próprio nome ou escrever bilhetes até textos mais complexos

como cartas, emails, cartazes, textos argumentativos, ensaios, teses etc‖. Aprender a

escrever é para nós, construir o letramento escolar, incluindo a alfabetização, é

apropriar-se de novas maneiras de produzir um texto, isto é, apropriar-se de um

arsenal de instrumentos que ajuda na construção de uma nova função psicológica, a

escrita. Aprender a escrever, portanto, significa dominar um novo conjunto

funcional discursivo e fraseológico que se distancia de uma pura função visual de

grafemas ou de pura transcrição deles (SOARES, 1988, p. 38).

Como somos conhecedores, a perspectiva tradicional cognitiva e descritiva, embora

valorize o social, ainda centraliza a aprendizagem no individual. Alfabetizar letrando,

portanto, não é seguir uma perspectiva cognitiva descritiva que centraliza a aprendizagem no

individual, nem voltar ao ensino de métodos tradicionais.

Pois alfabetizar para o letramento seria, partir dos saberes já constituídos,

desenvolver as habilidades das crianças, dos jovens e dos adultos, no sentido de promover o

alcance, pelos sujeitos, de todas as competências comunicativas. Isto é, desenvolver as

potencialidades de comunicação, no que diz respeito à fala, à capacidade de argumentação

eficiente e, com isso, construir oportunidades reais de participação e decisão nos diferentes

contextos sociais. Por isso, Segundo Leal ―O letramento pode favorecer e propiciar aos

sujeitos novas relações consigo mesmo, com o mundo e com o conhecimento, essas relações

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são diferenciadas, dependendo do lugar e do tempo e do espaço onde são construídas‖

(LEAL, 2003, p. 55).

O sujeito que aprende a ler, escrever e falar, certamente, poderá desenvolver-se

culturalmente, e entendendo a cultura com aceitação, compreensão e ampliação de todos os

saberes, indistintamente. Ler e escrever exigem habilidades e conhecimentos de mundo, de

língua e de textos. O processo de leitura e de escrita envolve o uso de estratégias que o leitor

só adquire com a experiência de ler e de escrever.

Para Soares ―tanto a leitura quanto a escrita revela o modo de expressar e organizar o

pensamento, o que faz com que essas atividades se sustentem em capacidades não apenas

linguísticas, mas cognitiva e psicológica‖ (SOARES, 1998, p. 45). Mas Soares afirma

também que:

Em síntese, o que se propõe é, em primeiro lugar, a necessidade de reconhecimento

da especificidade da alfabetização, entendida como processo de aquisição e

apropriação do sistema da escrita, alfabético e ortográfico; em segundo lugar, e

como decorrência, a importância de que a alfabetização se desenvolva num contexto

de letramento – entendido este, no que se refere à etapa inicial da aprendizagem da

escrita, como a participação em eventos variados de leitura e de escrita, e o

consequente desenvolvimento de habilidades de uso da leitura e da escrita nas

práticas sociais que envolvem a língua escrita, e de atitudes positivas em relação a

essas práticas; em terceiro lugar, o reconhecimento de que tanto a alfabetização

quanto o letramento têm diferentes dimensões, ou facetas, a natureza de cada uma

delas demanda uma metodologia diferente, de modo que a aprendizagem inicial da

língua escrita exige múltiplas metodologias, algumas caracterizadas por ensino

direto, explícito e sistemático – particularmente a alfabetização, em suas diferentes

facetas – outras caracterizadas por ensino incidental, indireto e subordinado a

possibilidades e motivações das crianças; em quarto lugar, a necessidade de rever e

reformular a formação dos professores das séries iniciais do ensino fundamental, de

modo a torná-los capazes de enfrentar o grave e reiterado fracasso escolar na

aprendizagem inicial da língua escrita nas escolas brasileiras. (SOARES, 2003, p.

16)

Diante disto, observa-se que a alfabetização e o letramento é um processo de ensino

aprendizagem, que objetiva-se ir mais além do que simplesmente levar à pessoa a

aprendizagem inicial da leitura e escrita. Pois, a pessoa quando é só alfabetizada ela aprende

habilidades básicas somente para fazer uso da leitura e da escrita. Mas quando ela é letrada ela

consegue ultrapassar o processo de alfabetização, pois além de aprender a ler e escrever a

pessoa consegue responder as exigências em que a sociedade em que vivemos nos impõem,

por isso que o professor na escolha do método de alfabetização/letramento é preciso levar em

conta que cada criança tem seu ritmo e sua maneira própria de aprender.

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Sendo assim, a forma de um professor ensinar para uma criança às vezes precisa ser

diferente de uma outra, porque um método pode ser bom para desenvolver a

alfabetização/letramento de uma criança, porém, pode não ser o melhor para a aprendizagem

da outra. Não existe uma receita pronta, cabe ao professor muito estudo e dedicação para fazer

o melhor por sua turma.

4 USO DA LITERATURA INFANTIL NA SALA DE AULA

O século XVIII propiciou a ascensão de modalidades culturais como a escola, com

sua organização atual, e o gênero literário dirigido aos jovens. Pois, antes disso, não se

escrevia para as crianças, pois para aquela sociedade não existia a noção moderna de infância.

Os pequenos e grandes compartilhavam dos mesmos eventos. Porém, nenhum laço amoroso

especial os aproximavam.

A valorização da infância gerou maior união familiar, mas, igualmente, meios de

controle do desenvolvimento intelectual da criança e manipulação de suas emoções. Por

família, vale sempre destacar, estamos tratando a estrutura familiar burguesa de origem

iminente. ―A literatura infantil e escola inventada e reformada são convocadas para cumprir

essa missão‖ (ZILBERMAN, 2003). Dessa origem, marcada, fortemente, pela doutrinação,

ainda hoje, é possível extrair uma avaliação negativa por parte dos adeptos aos estudos

literários que insistem em diminuir a Literatura Infantil.

Os primeiros textos para crianças foram escritos por pedagogos e professoras,

com marcante intuito educativo. E, até hoje, a literatura infantil permanece

como uma colônia da pedagogia, o que lhe causa grandes prejuízos: não é

aceita como arte, por ter uma finalidade pragmática; e a presença do objetivo

didático faz com que ela participe de uma atividade comprometida com a

dominação da criança (ZILBERMAN, 2003, p. 16).

Isto mostra que os problemas com relação ao ensino e a literatura se arrastam por

décadas, prejudicando, assim, a recepção das obras literárias destinadas ao público jovem.

Mas, não devemos esquecer que a burguesia foi a patrocinadora da expansão e

aperfeiçoamento do sistema escolar. Tanto é responsável por sua estruturação, como pela

elaboração do conjunto de ideias que justificam a validade da educação e suas principais

concepções e atividades a pedagogia.

Inicialmente, a escola participa do processo de manipulação da criança, conduzindo-

a ao respeito da norma vigente, que é, também, a da classe dominante, a burguesia. Esse

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esquema de doutrina justifica a formulação da escola moderna e, de certo modo, é sentida até

hoje.

A literatura infantil, por sua vez, é outro dos instrumentos que tem servido à

multiplicação da norma em vigor. Transmitindo, em geral, um ensinamento conforme a visão

adulta de mundo, ela se compromete com padrões que estão em desacordo com os interesses

dos jovens. Pois os fatores estruturais de um texto de ficção, narrador, visão de mundo,

linguagem podem-se converter no meio por intermédio do qual o adulto intervém na realidade

imaginária, usando-a para incutir sua ideologia (ZILBERMAN, 2003).

No entanto, somos conhecedores de que a sala de aula é um espaço privilegiado para

o desenvolvimento do gosto pela leitura, assim como um campo importante para o

intercâmbio da cultura literária, não podendo ser ignorada, muito menos desmentida sua

utilidade. Sendo assim, observa-se a necessidade de um redimensionamento das relações da

escola e da literatura destinada aos jovens. Pois a literatura se procede por meio dos recursos

da ficção, uma realidade que tem amplos pontos de contato com o que o leitor vive

cotidianamente, por que ela ainda fala de seu mundo, com suas dificuldades e soluções,

ajudando-o a conhecê-lo melhor.

Por isso, enquanto instituições a escola e a literatura podem provar sua utilidade por

se tornar o espaço onde a criança possa refletir sobre sua condição pessoal. Ambas devem

compartilhar um interesse comum a natureza formativa da criança e do jovem. Dessa forma, a

literatura infantil atinge o estatuto de arte literária e se distancia de sua origem comprometida

com a pedagogia, isso acontece quando apresenta textos de valor artístico aos pequenos

leitores que proporcione uma maior abertura de horizontes. Pois, quanto mais esta demanda

uma consciência do real e um posicionamento perante ele, tanto maior é o subsídio que o livro

de ficção tem a lhe oferecer, se for capaz de sintetizar, de modo virtual, o todo da sociedade

(ZILBERMAN, 2003).

No que diz respeito a alfabetização e linguagem, preciso dizer que vejo, no trabalho

com a Literatura, mais especificamente, com a Literatura Infantil, possibilidades interessantes

de efetivo envolvimento da criança com o universo da escrita e, portanto, com essa forma de

arte. Assim, apesar de assumir como inevitável a denominação Literatura Infantil, pretendo

argumentar, sempre que possível e, especialmente no diálogo com o professor como mediador

de leitura de seus alunos, qual será a forma de combinar experiência acadêmica com o

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ambiente escolar. Em outras palavras, de que forma superar o limite de uma escolarização da

arte, neste caso, a literária, e realizar o ideal de uma sociedade igualitariamente leitora no

sentido mais amplo que esta palavra comporta e com o qual estamos todos comprometidos.

O conflito que travamos quotidianamente no interior do sistema educacional

brasileiro tem sua dimensão metodológica concreta dentro de nossas salas de aula, seja de que

grau for e, principalmente, em nossas investigações, como pesquisadores. A produção cultural

para criança, em especial, a produção literária para o público infantil e a sua consequente

escolarização, fica evidente a necessidade da presença do professor leitor como mediador do

processo de iniciação do leitor criança.

Quanto mais evidente ficar para ele a importância da leitura literária como poderosa

fonte de formação de sensibilidades e de ampliação de nossa visão de mundo, que tem nesta

linguagem artística um componente essencial de formação, culturalmente valorizado, embora

pouco demandado e pouco ofertado socialmente, mais significativas se tornarão as práticas de

letramento literário propostas. Isto tudo se, primeiro, o professor se conhecer como sujeito

leitor e souber dimensionar suas práticas de leitura, especialmente a literária.

Sendo assim, o seu repertório de leituras, sua capacidade de análise crítica dos textos

e suas escolhas adequadas à idade e aos interesses de seus alunos já representarão um sólido e

definitivo ponto de partida. Não se pode trabalhar com leituras que não foram previamente

feitas. E, também, não se pode cobrar prazer e envolvimento com leituras que não nos

provocaram e com as quais não estabelecemos nenhuma relação significativa. Se os leitores

adultos derem o exemplo para o leitor criança na fase inicial do processo de alfabetização,

será através dos sentidos e das sensações apreendidas, que a criança compreenderá o mundo

ao seu redor, e os livros de literatura, em especial de imagens, vão possibilitar-lhe recontar

histórias e reinventá-las.

A criança, frente ao objeto livro, se de boa qualidade, é estimulada a criar roteiros,

cenários, personagens, cenas e espaços, preparando-se, como numa brincadeira, para a

construção de significados e para a compreensão do real. As histórias infantis podem

desempenhar uma primeira forma de comunicação sistemática das relações da realidade, as

histórias infantis são uma espécie de teoria especulativa, além da atividade imediata social e

individual da criança (ZILBERMAN, 2003).

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Dessa forma, a linguagem que constrói a Literatura Infantil se apresenta como

mediadora entre a criança e o mundo, propiciando um alargamento no seu domínio linguístico

e preenchendo o espaço do fictício, da fantasia, da aquisição do saber. Vista assim, a produção

literária para criança, o livro de imagens inclusive, não tem fronteiras. Ela desvela o

maravilhoso, o ilimitado, o maleável e o criativo universo infantil, explora a poesia e suscita o

imaginário. Por estas razões, em seu repertório de leituras, que será partilhado com seus

alunos, o professor precisa romper fronteiras. Precisa, por exemplo, ampliar seu conceito de

poesia, abarcando a diversidade dos gêneros poéticos e não se limitando apenas às

configurações tradicionais.

4.1 RUTH ROCHA, ESCRITORA E ILUSTRADORA, RESPECTIVAMENTE

Nascida em São Paulo, no ano de 1931, Ruth Rocha viveu parte de sua infância no

bairro Vila Mariana. Na Universidade de São Paulo – USP, cursou Sociologia e Política, além

de concluir uma especialização em Orientação Educacional na Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, área em que atuou por 15 anos, entre 1956 e 1972. Em 1967, inicia a

sua produção intelectual escrita publicando textos sobre educação na Revista Cláudia.

A estréia na literatura infantil ocorreu em 1976 com ―Palavras, muitas palavras‖.

Desde então, já publicou mais de 130 obras que, ao todo, somam traduções em mais de 25

idiomas. Além de forte teor crítico, a sua relação com a educação em quase todas as suas

obras. Marcelo, Marmelo, Martelo e outras histórias é o seu livro mais conhecido. A obra,

1976, já vendeu mais de 1 milhão de cópias.

Em O menino que aprendeu a ver Ruth Rocha estabelece uma parceria com

Elisabeth Teixeira que, além de ilustrar, também, escreve para crianças. Com mais de 100

ilustrações, desde 1990, Teixeira se destaca no cenário da literatura infantil. Com formação

acadêmica pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,

antes do envolvimento com a literatura, ensinou fotografia e publicidade.

4.2 O MENINO QUE APRENDEU A VER: APRECIAÇÃO CRÍTICA E

POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS

O menino que aprendeu a ver, esse é o título do livro de Ruth Rocha, que conta a

história do personagem Joãozinho, um menino que começa a frequentar a escola e, aos

poucos, vai descobrindo o mundo das letras, que antes não passavam de símbolos sem sentido

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para ele, a medida que vai aprendendo, ele se espanta e começa a admirar o mundo passando a

reconhecer e a ler o mundo com outros olhos. A sua curiosidade aumenta a cada dia, e a

escola torna-se um local importante para se aprender a ler. Conforme descreve as figuras a

baixo:

Figura Nº1, p.8 do Livro: O menino que

aprendeu a ver, de Ruth Rocha.

Figura Nº3, p.12 do Livro: O menino que

aprendeu a ver, de Ruth Rocha.

Figura Nº2, p.9 do Livro: O menino que

aprendeu a ver, de Ruth Rocha.

Figura Nº4, p.28 do Livro: O menino que

aprendeu a ver, de Ruth Rocha.

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Figura Nº5, p.31 do Livro: O menino que

aprendeu a ver, de Ruth Rocha.

Como observamos nas figuras, o texto literário é capaz de invocar o caráter

imaginário da criança ao ser lido. O conhecimento da literatura suscita experiências culturais

e históricas, leva o leitor a se reconhecer enquanto indivíduo e ser social, abre um caminho de

sonhos e possibilidades. No momento em que o leitor depara-se com um texto literário, não é

apenas a imaginação que é acionada, são acionadas também os recursos cognitivos como a

atenção, a memória, o esforço mental, a vontade, a disponibilidade, o estabelecimento de

Figura Nº6, p.34 do Livro: O menino que

aprendeu a ver, de Ruth Rocha.

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relações, a seleção e as inferências. E são essas inferências que contribuirão para a atribuição

de um significado ao texto.

O papel do professor ao trabalhar com as crianças durante o processo de

alfabetização/letramento é favorecer o acesso do aluno aos diferentes textos literários e

mediar esse encontro do leitor com a obra, ampliando assim o repertório do aluno e levando-o

a novas descobertas. Desse modo, é o leitor que irá colaborar, atribuindo um sentido ao texto.

O entendimento deste se dará a partir do repertório de experiências vividas, ouvidas,

imaginadas ou lidas que o leitor possui. Assim, é o leitor que dá vida ao livro, iluminando-o

com uma nova interpretação. Como exemplifica bem o livro de Ruth Rocha, que conta a

história do personagem Joãozinho, em o menino que aprendeu a ver que vivenciou o processo

de alfabetização e letramento.

5 CONCLUSÃO

Considerando o letramento como um direito de todos os cidadãos que ocupam um

espaço social, econômico, político e cultural. A escola deve se esforçar ainda por entender

melhor e de modo mais claro as práticas de letramento que vivenciam ou não alunos e

professores e traçar novos rumos para uma geração que deve fazer da leitura e da escrita uma

prioridade, tanto do ponto de vista político, cultural e pedagógico.

Como a discussão sobre alfabetização e Letramento é uma discussão que se amplia

em nossos dias, faço uma breve consideração final a cerca dessa temática, os estudos mostram

que a alfabetização e o letramento não podem se separar, pois são práticas sociais,

culturalmente determinadas. Além do mais, um número expressivo de estudantes não aprende

a ler na escola brasileira. Essa escola produz um grande contingente de analfabetos ou de

analfabetos funcionais, quer dizer, pessoas que, embora dominem as habilidades básicas do

ler e do escrever, não são capazes de utilizar a escrita na leitura e na produção de textos na

vida cotidiana ou na escola, para satisfazer às exigências do aprendizado.

Dessa forma, o resultado parcial do estudo realizado acerca da temática, mostra que

que as secretárias estaduais e municipais, junta as unidades escolares devem analisar as

propostas pedagógicas, projetos, programas e até mesmo os projetos políticos pedagógicos

das escolas, para análise e discussão quanto à concepção e ações que estão sendo

desenvolvidas a respeito da alfabetização e letramento das crianças e qual é o resultado do

trabalho que as pesquisas estão mostrando quanto ao processo de ler, escrever e interpretar.

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Pois não adianta aprender a identificar códigos escritos a decifrar palavras, se não souber usá-

los. Do que vale apenas aprender a identificar códigos escritos a decifrar palavras, se não

souber usá-los. Isto deixa claro que durante o processo de alfabetização e letramento, ambos

não podem ser separados, mas considerados como práticas sociais.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, 2014. Pesquisa disponível no

endereço eletrônico: http://pacto.mec.gov.br/o-pacto

FERREIRO, Emília. Alfabetização em processo. Edição 17. São Paulo: Cortez 2006.

LAMY, Gersolina Antonia de Avelar. HOELLER, Solange A. de Oliveira. Alfabetização em

destaque. Campinas São Paulo Mercado de Letras 2010.

LEAL, Leiva de F. Viana. Leitura e formação de professores. In: Evangelista, Aracy (org.)

Linguagem, espaços e tempos no ensinar e aprender. 2ª Ed. BH: Ceale/Autêntica, 2003.

ROCHA, Ruth. O menino que aprendeu a ver. 2º ed. São Paulo. Quinteto Editorial, 1998.

SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. 26ª Reunião Anual da

Anped.2003.

SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. 3ª edição. São Paulo: Contexto, 2005.

SOARES, Magda. Letramento: Um tema em três gêneros. BH: Autêntica, 1998

ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2003.

Como referenciar esse texto:

NOGUEIRA, Clerislene da Rocha M. O aprendizado da leitura e da escrita em O Menino que aprendeu a ver, de

Ruth Rocha. In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL -

EDURURAL, 5: Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da

Geografia, 2014. Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN:

9788563526618. P. 250-

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Filosofia e Literatura: Saberes que se inter-relacionam

Jéssica Ribeiro Santos.

Discente do 7º período do Curso de Pedagogia

UFT/Campus de Miracema; EDURURAL.

Email: [email protected]

Silvânia Corsino Santos. Discente do 7º período do

Curso de Pedagogia UFT/Campus de

Miracema

Resumo: O artigo tem por objetivo apresentar resultado de leituras acerca do tema filosofia e

literatura. A relação entre essas duas áreas do conhecimento revela a forma como os saberes

se inter-relacionam e se complementam. O objetivo principal deste texto é aperfeiçoar

conhecimento sobre Filosofia e Literatura, analisando a questão da unidade entre elas. Com

analises mais profundas sobre Literatura é possível observar que ela é um campo de produção

e reprodução de bem culturais e colabora para a formação do cidadão. Os diálogos são

sustentados a partir da leitura de Chauí (2005), Ramos (2013) e do estudo do conto ―A

Enxada‖ de Bernardo Elis, trazendo discursos entre trabalho, opressão e língua no referente

conto. Pressupostos estes valiosos para uma educação que visa à humanização do ser humano.

Palavras-Chave: Educação, Filosofia, Literatura, Opressão.

INTRODUÇÃO

A Filosofia e a Literatura são dois ramos de estudo que abordam temas universais,

oferecendo oportunidades de reflexão para que o ser humano supere o senso comum e

desenvolva uma consciência critica. Estão em estreito relacionamento, retratando dimensões

do conhecimento humano, ambas buscam significados para as questões do homem e sua

filosofia de vida.

O objetivo principal deste texto é aperfeiçoar conhecimento sobre Filosofia e

Literatura, analisando a questão da unidade entre elas. Com analises mais profundas sobre

Literatura é possível observar que ela é um campo de produção e reprodução de bem culturais

e colabora para a formação do cidadão. A Literatura nos mostra o mundo e é de estrema

importância para o desenvolvimento do intelecto do ser humano.

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No referido trabalho, tomamos como centro das discussões o conto ―A enxada‖ do

autor Bernardo Élis. Nele são retratados os problemas vivenciados pelo homem do sertão,

submisso às ordens autoritárias do coronelismo, desprovido de todo e qualquer tipo de posse,

mas com uma imensa esperança de mudar seu modo de vida através do trabalho e apoiados na

crença religiosa para superar seus problemas.

O conto ―A enxada‖ trata com base em um regionalismo cruel, aspectos sociais que

penduram até os dias de hoje nas sociedades. O trabalho escravo, o descaso com as pessoas de

classes sociais mais baixas, por não possuírem bens e muito menos educação digna de serem

reconhecidos entre uma minoria dominante.

O autor também apresenta uma linguagem característica do meio rural, revelando

aspectos sociais e culturais, costumes, superstições e religiosidade. Em relação à linguística,

sabemos que a língua é um ato social, e a Literatura desempenha esse papel social. Uma

educação linguística voltada para a construção da cidadania em uma sociedade democrática

deve considerar que os modos de falar de diferentes grupos sociais constituem a identidade

dessa comunidade. Linguagem criada pela atividade histórica cultural das pessoas que vivem

nessa comunidade. O texto literário expressa um sentido de procura e um desejo de existir, de

manifestar-se ao mundo e nele conseguir um espaço.

Assim, estamos compreendendo que a Filosofia pode atuar como pressuposto para

chegar às respostas de indagações que surgem na experiência cotidiana das pessoas. Inclusive

no cotidiano relatado na criação literária.

Este texto está organizado da seguinte forma, em um primeiro tópico enfatizamos o

conceito de Filosofia, no segundo destaca-se a importância da literatura como suporte para

entender a realidade social, no terceiro tópico relaciona-se a Filosofia e a Literatura na

educação, construindo a partir dessa relação um sujeito questionador, civilizado e

consequentemente mais humano e por último realiza-se a análise do conto a‖Enxada‖ a partir

das leituras feitas, retratando essa relação de classes, marcada pelo domínio, representação e

ausência de oportunidades e de posses. Estes contrastes de classes estão presentes na

conformação dos bens simbólicos.

O QUE É FILOSOFIA

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Para iniciarmos as discussões sobre Filosofia e Literatura é necessário levantarmos

algumas informações sobre a que se refere cada um dos itens citados e sua importância.

Partiremos primeiramente da Filosofia. A palavra Filosofia derivada do grego Philosophia

significa amor pela sabedoria.

Uma pessoa possui a atitude filosófica quando passa a indagar sobre crenças e

sentimentos que garantem a sua existência. Deseja conhecer o que está escondido, passa assim

a refletir, um processo para se chegar à resposta de um problema que surge a partir das

necessidades que a vida oferece.

A atitude filosófica apresenta duas características, uma negativa, indaga das causas e

sentidos de nossas crenças, a outra positiva, interroga sobre o porquê e o como de tudo que

somos e pensamos. Essas duas características constituem o que conhecemos por atitude

critica. Em geral a palavra critica e julgada como contraria ao que desejamos por isso seu

significado acaba por ser complexo. A filosofia vem intencionar uma avaliação racional e

critica ao que imaginamos saber.

Em relação a sua importância a Filosofia é muito questionada. É vista como uma

ciência que para nada serve, mas na verdade sua importância existe e muito significativa, pois

ela é quem formula e busca respostas para questões que surgem utilizando pensamento

racional, procedimentos especiais e aplicação de práticas de conhecimentos teóricos

resultando na correção e acumulo de saberes.

É importante também ressaltar que a filosofia volta-se para os momentos de crise no

pensamento, nas ações e na linguagem. Pois nesses momentos é exigido mais fundamentação

das ideias e práticas. Sistemas religiosos, éticos, políticos, científicos e artísticos envolvendo-

se em contradições internas buscando transformações e mudanças quando os sentidos ainda

não estão esclarecidos.

A IMPORTÃNCIA DA LITERATURA

A função da Literatura é bastante discutida desde que o homem estuda as artes

produzidas por ele mesmo. A leitura oferece ao homem uma ferramenta para sociabilizar-se

com os demais. Nessa perspectiva a Literatura vem ser a melhor opção, pois proporciona a ele

a possibilidade de acumular conhecimento à medida que sua leitura progride.

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A Literatura é de suma importância ao intelecto de ser humano, por isso é importante

que o relacionamento do homem com o livro seja iniciado desde cedo. Ressaltando que os

livros devem acompanhar o crescimento do homem. Primeiro com muitas imagens e poucas

palavras, segundo as imagens diminuem e as palavras aumentam. Por fim, as imagens somem

e as palavras é o mais importante. Com a maturidade chega também à responsabilidade, a

preocupação com o futuro, aí então os hábitos de leitura começam a combinar tornar-se

significativa. Nesse âmbito, a Literatura é importante para o conhecimento de mundo, para o

acréscimo de informações que o leitor poderá utilizar mais adiante em suas relações sociais,

profissionais, acadêmicas, entre outras situações.

Parafraseando Antonio Cândido citado por CLARA, a Literatura como instrumento

de educação e formação do homem não corrompe nem edifica, mas humaniza, pode formar

(não segundo a Pedagogia oficial) porque age na própria vida, educando com ela. A Literatura

transfigura o real, retrata os sentimentos humanos e formas diversas de relação do homem

com o que sente.

Para a formação de leitores é preciso que escola e família trabalhem juntas. O

interesse pela leitura deve ser estimulado primeiramente pela família, à primeira instituição,

seguida pela escola. Ao ler criamos consciência do que somos, examinamos o mundo em que

vivemos para transformá-lo no mundo em que gostaríamos de viver.

FILOSOFIA E LITERATURA NA EDUCAÇÃO

O ser humano supera o senso comum desenvolvendo uma consciência critica a partir

das oportunidades de reflexões que os temas universais oferecem, tendo assim consciência

para agir.

O que é chamado de humanização na perspectiva de estudos literário-filosóficos, é a

busca do ser humano como um sujeito biológico, social e político. Assim, a filosofia através

da educação tem o papel de proporcionar ao ser humano, meios de auto-reconstrução atua

como um corpo de saberes que ajuda o homem a compreender a si mesmo, entender o mundo

e dar sentidos à realidade.

Ramos afirma que: ―desde que nascemos, estamos sendo educados através de ideias e

comportamentos que ultrapassam nossa consciência‖. Com isso a escola não fica fora desse

processo, ela influência e também recebe influência da educação informal que o indivíduo

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recebeu de outros grupos sociais, a vida e a educação entrelaçadas, o ato de filosofar no

interior da escola levando o aluno a uma atitude crítico-reflexivo.

A literatura pode atuar na formação do sujeito tão como a filosofia, assim:

CANDIDO (1997), citado por RAMOS ―a grande função da literatura é o grande efeito

humanizador que ela exerce, assim, a literatura humaniza, portanto um instrumento de

educação e cultura".

A obra literária se constitui organizada na sociedade, seus elementos psíquicos e

sociais manifestado historicamente no texto. O ser humano também se constrói assim sócio

histórico no mundo. A filosofia e a literatura dão ao ser humano a oportunidade de discutir

acerca de ações que interessem a vida. Existem muitos textos clássicos que contribuem para a

construção de um sujeito questionador, civilizado e consequentemente mais humano. É o que

veremos mais adiante nas reflexões do conto A Enxada, de Bernardo Élis.

4- NO CONTO “A ENXADA” DE BERNARDO ÉLIS: O TRABALHO E A

SUBMISSÃO HUMANA

Bernardo Élis é um autor goiano, nascido em 1915, de tendência regionalista. Em

suas obras busca tematizar a denúncia social e o envolvimento de conflitos gerados pela

submissão dos pobres aos ricos. Na obra A enxada está presente o coronelismo, como também

em outras obras do autor.

Para iniciarmos a análise do conto, cabe conceituarmos brevemente a historias em

questão. A enxada é um conto regionalista, marcado pelo coronelismo. O personagem

principal Supriano, é vulnerável dentro de um sistema que exige o machismo do trabalho e

sem o direito a fazer questionamentos. Embora ainda que indiretamente, questiona o poder

econômico e o sistema social e linguístico.

No âmbito econômico, nesse período a política, brasileira funciona no sistema

coronelista, tendo como características principais o isolamento na debilidade do poder público

e na ação coronelista. O voto assegura o prestigio do coronel e ainda o voto de cabresto

colocando o trabalhador dependente em relação ao patrão. Assim, o coronel aumenta sua

importância e prestígio público e político, ficando em um patamar econômico alto.

As cartas brancas disponibilizadas aos chefes baseiam a decadência econômica dos

coronéis e a dependência do Estado, o que no conto é reproduzido em vários momentos,

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quando o coronel apropria-se dos soldados para garantir que seus negócios e reputação fossem

respeitados.

Na historia a trama está na esfera do trabalho, o personagem Supriano é totalmente

desprovido de qualquer espécie de posse. Sua luta está em torno de um instrumento de

trabalho, a enxada, na busca por esta, vive a submissão e a esperança. É negado a ele o direito

de trabalhar por não possuir o instrumento e não tem uma ajuda devido a sua condição

humana de sobrevivência e ainda assim acredita na possibilidade de modificar através do

trabalho sua realidade.

Élis referencia as pessoas deficientes físicas nos personagens Eulaia, a esposa de

Supriano e em seu filho, estes são assemelhados a animais, extrapolando a desumanização da

existência, a negação de serem reconhecidos como indivíduos. Neste período da historia as

desigualdades sociais apresentam a grande vilã do século, uma realidade drástica na marcação

dos homens tanto no mundo como no trabalho quanto nos problemas sociais relacionados à

miséria, à violência e à submissão. A imagem dada à condição humana trás o risco de uma

eliminação. Viabilizado em função do poder simbólico do coronel que desmoraliza as pessoas

sem posses, bem retratado no conto com a família de Supriano, eliminados de oportunidades e

condições de continuar a existir.

Como humanos temos direitos à cidadania e a igualdade, porém a forma de

administrar o poder acaba por ser uma violência, pois estes direitos são violados se firmando

nas formas cruéis de garantir a obediência. No conto Piano se submete a essa obediência para

conservar sua existência, chegando a usar suas próprias mãos como instrumento de trabalho,

apesar de não ser reconhecido e ser morto a mando do coronel.

A condição de exclusão de Piano é também pelo fato de ser negro. O preconceito

inferioriza o personagem, chegando a ser entregue como mercadoria, como moeda de negócio

entre o delegado e o fazendeiro. O preconceito existe dentro da tradução do sistema social. A

classe social nesse sistema é definida historicamente e determina a posição dos indivíduos.

Bourdieu (1998) apud RAMOS:

A classe é o elemento constituinte determinado por sua interação na estrutura e

identificação, dos sujeitos nas diferentes posições sociais, o que permite distinguir as

condutas individuais e partilhar as características econômicas, sociais e culturais de

determinados grupos em uma posição de construção elaborada socialmente.

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No conto é bem retratada essa relação de classes, uma extremamente distante da

outra. Uma marcada pelo domínio e a outra representada por ausência de oportunidades e de

posses. Estes contrastes de classes estão presentes na conformação dos bens simbólicos. A

posição social no uso simbólico é percebida na postura, na linguagem e na forma material em

que os personagens são apresentados.

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: RELIGIOSIDADE E CRENDICES

Em relação à linguagem o autor do conto apresenta alguns personagens com poder de

mando, com uma postura verbal de caráter autoritário de imposição e de inferiorização dos

outros, como é o caso do personagem Supriano e sua família, que são tidos em alguns

momentos como indefesos e delicados. Algumas falas da trama demonstram bastante essas

características.

Nas falas de ―Piano‖ existe uma relação de risco e distanciamento do personagem

com quem fala. Vejamos:

com perdão da pergunta, mas será que micê não tem por lá alguma enxada assim

meio velha pra ceder para a gente (p. 94) me perdoa a confiança, meu patrão, mas

mecê fia a enxada da gente e na safra, Deus ajudando, agente paga com juro (p.96).

Podemos perceber relação de subalternidade com o narrador: ―Piano se desmanchava

em desculpas. ―Olaia‖ pretendia servir alguma coisinha ao padre, mas não tinha nada nessa

vida (p.100). Nessa fala podemos observar muito bem a inferioridade social em relação aos

personagens.

Nas falas de Elpídio:

Nego a toa! Não vale a divida e ainda está querendo enxada (p.95) fugir boto

soldado no rastro (p.96). Aqui quem fala é eu. Eu Elpídio Chaveiro, filho do

Senador Elpídio Chaveiro (p.104).

Nessas falas percebemos as referencias de poder, características autoritárias que este

personagem tem em relação a Supriano. A riqueza verbal de Elpídio sendo superior à ausência

de domínio de linguagem dos personagens de Piano, sua esposa e filho que é tido como bobo

e em alguns momentos é narrado como um animal.

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Os signos são sistemas simbólicos do pensamento em sociedade, e em Supriano é

bem investido essa imagem de ausência, não possuía instrumento de trabalho e muito menos

veículo para suas longas viagens em busca da enxada. Em suas roupas e sua casa também

eram retratados a inferioridade e falta de posses do personagem que vestia trapos e morava em

uma casa sem o mínimo conforto, mas a religião é um elemento de respeito e obediência a

quem os personagens Supriano, Olaia e o filho sempre apelam nos momentos de desespero. A

fé dentro do contexto religioso do conto dá forças para que os personagens consigam proteção

no enfrentamento da opressão e crendices.

A dimensão religiosa se mescla às crendices no contexto rural, tendo receios em

relação a sacis, onças e almas penadas. Em alguns momentos as alucinações e o desespero

movem Piano, sonhando com arrozal plantado e usando a tão sonhada enxada no trabalho.

Porém, a ruralidade é cruel, Supriano sujeitado ao sonho de trabalhar e mudar sua posição de

camarada.

O dia de Santa Luzia era o prazo, de vida para Piano se cumprisse as ordens do

coronel. O dia da festa chega e piano morre. Essa festa marcada por rituais e tradições, as

pessoas abrem as portas das casas e o objeto e desejo e opressão de Piano, aparecem

embelezando as casa. Com a morte de Piano, sua mulher e filho são humilhados e rejeitados

socialmente.

O distanciamento social das relações de ausência de posses narrados no conto é uma

ruralidade nacional no qual o autor inspira para a religião como uma fonte de opressão. A

cidadania dos personagens contidos na obra rende a relação de submissão e ao uso do poder, o

autoritarismo do sistema coronelista associado à miséria e a fome. Esse autoritarismo é

percebido também na linguagem, apesar do domínio da língua não garantir ascensão social, e

sim, contribuir para assinalar que existe um pequeno grupo que se mantém no poder,

pretendendo dominar a cultura, a língua e outros fatores para manter o controle sobre as

sociedades.

A estrutura do conto A enxada do autor Bernardo Élis apresenta a violência

simbólica e física acompanhando a saga do personagem Supriano na busca pela enxada. É

motivo de submissão e possibilidade de mudança.

Nessa dramática historia, Supriano nos mostra que a vida é muita mais que varias

enxadas, porém, uma enxada custou-lhe a vida. É possível observar no conto vários fatores da

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atualidade, o preconceito de raça, o descaso por causa da classe social e a educação que os

personagens, principalmente Supriano e sua família não demonstravam ter recebido e a

religiosidade, crendices como possibilidade de solução para o problema são alguns destes

fatores.

A educação principalmente é uma necessidade para pensá-lo, buscamos alternativas

que estimulem habilidade de pensar e de resolver problemas, podendo ser incrementadas pelo

estudo da literatura e da filosofia, tanto uma quanto a outra trabalhando com aspectos

formativos do individuo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como trata-se de uma pesquisa bibliográfica, elaborada no contexto das atividades

de formação, no âmbito do ensino, no Curso de Pedagogia, ainda não temos ―resultados

teóricos e práticos finais‖. No entanto, esse artigo é um debate que poderá alimentar nossa

pesquisa monográfica envolvendo as representações sociais de escola rural.

Temos trabalhado com afinco no levantamento bibliográfico e na definição e leitura

de um referencial teórico que nos permita entender essas questões. O artigo teve por objetivo

apresentar resultado de leituras acerca do tema filosofia, literatura e educação. A relação entre

essas duas áreas do conhecimento revela a forma como os saberes se inter-relacionam e se

complementam.

A literatura e a Filosofia possuem uma íntima e saudável relação, pois a Literatura

expressa aspectos da existência humana em seu mais profundo conflito, a expressão entre os

próprios seres humanos e o meio em que estão inseridos. A Filosofia por sua vez questiona os

problemas elaborados pela Literatura. Essas duas características do pensamento. Filosofia e

Literatura seriam um caminho a ser percorrido, Literatura como método e Filosofia como

análise. Uma educação pensada de um modo a auxiliar o ser humano a formar muitos e

variados conceitos, que o ajudam a descobrir-se como pessoa. Contudo, utilizando a leitura

como ferramenta para se sociabilizar com mais eficácia, avaliando filosoficamente para

acumular conhecimentos e transformar-se a si mesmo.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHAUI, Mariela. Convite à Filosofia. 13 ed. São Paulo: editora Ática, 2005.

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

CLARA, Pedro Belo. A Importância da Literatura na Formação do Cidadão. Disponível

em: http://recantodasletras.uol.com.br. Acesso em: 15 Abr.2013.

ERAS, Lígia Wilhelns; CAMARGO, Wander Amaral; ALVES, Vera Cepêda. Enxada: O

trabalho na concepção do conto de Bernardo Élis. Revista Trama.v.1.2005.

RAMOS, Flávia Brocchetto. Et al. Filosofia e Literatura: dialogo motivado. Disponível em:

http//Google acadêmico/ PDF. Acesso em 12.Mar. 2013.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. rev. e atual. São

Paulo: Cortez, 2007.

Como referenciar esse texto:

SANTOS, Jéssica Ribeiro dos e SANTOS, Silvânia Corsino dos. Filosofia e Literatura: saberes que se inter-

relacionam. In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL -

EDURURAL, 5: Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da

Geografia, 2014. Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN:

9788563526618. P. 267-276.

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DING, A GOTINHA: EXPERIMENTOS E DINÂMICAS A PARTIR DO

TEXTO DE LITERATURA INFANTIL

Francisléia Barbosa dos Santos, acadêmica do cursor de Pedagogia da UFT/Câmpus de Miracema. E-mail: [email protected];

Inoan Batista Lima; acadêmica do cursor de Pedagogia da UFT/ Câmpus de Miracema. E-mail: [email protected];

Luciano de Jesus Gonçalves; mestre em Letras pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Professor Substituto do Colegiado de Pedagogia da UFT, Câmpus de Miracema.

Email: [email protected].

RESUMO: O trabalho apresenta uma das atividades elaboradas no projeto de extensão

―Experimentos e Dinâmicas em Literatura Infantil‖, desenvolvido por graduandos do curso de

Pedagogia, da Universidade Federal do Tocantins, Campus de Miracema, no segundo

semestre de 2013. A ação possui uma proposta formativa na qual o acesso e a valorização da

Literatura são objetivos iniciais. Desse modo, fazem parte da atividade a leitura, a discussão e

a promoção de intervenções didáticas diante e a partir do texto literário. Nesse caso,

esboçamos uma proposta de intervenção pedagógica com a obra literária Ding, a gotinha, da

escritora Regina Sormani Ferreira. A intenção é utilizar os alicerces das discussões, cujo

resultado final é a promoção da leitura, para que o acadêmico adquira, cada vez mais, o hábito

de refletir teoricamente sobre a sua prática profissional. O exercício resulta no

reconhecimento de uma prática cuja origem guarda relação íntima com os aprofundamentos

teóricos.

PALAVRAS-CHAVE: Promoção da Leitura. Prática Pedagógica. Metodologia do Ensino de

Literatura Infantil. Leitura Literária. Formação de Leitores.

INTRODUÇÃO

Na comunicação, esboçamos, através de uma proposta pedagógica, a metodologia de

trabalho do projeto de extensão ―Experimentos e Dinâmicas em Literatura Infantil‖,

desenvolvido pelos alunos do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Tocantins,

Campus de Miracema, no segundo semestre de 2013. O projeto ancora-se no caráter

formativo do curso, uma licenciatura plena. Para tanto, propõe leituras, discussão e

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intervenções pedagógicas que valorizem, em sua essência, o uso da Literatura Infantil.

Estruturalmente, os encontros da atividade de extensão foram conduzidos pela

apreciação de uma obra de literatura infantil; análise dos elementos estéticos do texto

artístico; elaboração de dinâmicas e experimentos que possibilitassem o trabalho da obra no

cotidiano escolar (OLIVEIRA, 2012); e, por fim, discussão do emprego dos materiais

elaborados. A proposta compõe um rol de atividades integrantes previstas no Projeto Político

Pedagógico do curso.

A relação ensino – pesquisa – extensão esteve contemplada em toda a concepção da

proposta. O curso visava ampliar as discussões empreendidas na disciplina Literatura Infanto-

Juvenil, oferecida regularmente aos acadêmicos do curso de Pedagogia.

O pilar ensino foi contemplado com os objetivos relacionados à leitura, análise e

apreciação de obras de literatura infantil. Antes de qualquer coisa, é o ensino e a promoção do

livro literário que estiveram na base de nossa realização.

O caráter de extensão da proposta residiu no aspecto de que a mesma ampliou as

discussões referentes ao uso do livro e modificou o cenário da sala de aula para realizar essa

discussão. As discussões empreendidas, inicialmente, em uma disciplina curricular, foram

promovidas em outras oportunidades.

O aspecto relacionado à pesquisa esteve materializado nas habilidades de investigação

literária e pedagógica que conduziram a construção de propostas práticas para o trabalho com

a literatura infantil na sala de aula. Esse aspecto exige do acadêmico o desenvolvimento de

uma criticidade para avaliar modos de inserção no trabalho educativo com a literatura.

Como pressuposto teórico, temos em nosso horizonte o conceito de Literatura Infantil

construído por Zilbermam e Cadermatori Magalhães:

é necessariamente formadora, mas não educativa no sentido escolar do termo; e

cabe-lhe uma formação especial que, antes de tudo, interrogue a circunstância social

de onde provém o destinatário e seu lugar dentro dela. Nesta medida, o gênero pode

exercer o propósito de ruptura e renovação congênito à arte literária, evitando que a

operação de leitura transforme seu beneficiário num observador passivo dos

produtos triviais da indústria cultural (ZILBERMAN; CADERMATORI

MAGALHÃES, 1987, p. 134).

Aceitar as noções teóricas desenvolvidas pelas duas teóricas implica reconhecer, no

texto literário, a capacidade de tornar o seu leitor ativo no processo de leitura. A literatura que

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emancipa, mais do que aquela que procura engessar através de noções autoritárias, é

responsável pelo desenvolvimento da criança em meio a sua formação. A criança se torna

sujeito (ativo) em meio a esse processo.

No caso da sequência didática aqui exposta, a intenção foi elaborar um plano de aula

que atenta aos seguintes objetivos: incentivar o interesse e a valorização da leitura; estimular

o gosto pela leitura, valorizando as emoções, as fantasias e a imaginação; discutir a intenção e

o ponto de vista de quem escreve, reconstruindo o sentido segundo suas vivências; ampliar

visões de mundo, estimulando-os a perceber o valor e a capacidade que possuem e que podem

adquirir nas leituras e vivências com a Literatura Infantil. O alvo da intervenção seria uma

turma do primeiro ano do ensino fundamental.

Por meio do texto literário, podemos desenvolver nas crianças gosto pela leitura e,

assim, despertá-las para curiosidades vivenciadas no escrito e no cotidiano. A leitura pode

contribuir para a emancipação do sujeito, tornando-o um cidadão mais consciente, com uma

visão mais ampla de mundo, ajudando-o na transformação de si e da realidade em que vive.

Ressaltamos que esse projeto tem como foco incentivar futuros professores a criar

estratégias para trabalhar com crianças na fase inicial do aprendizado da leitura, o que

viabiliza, por conseguinte, as habilidades para agir no mundo da leitura e na sociedade. Os

benefícios poderão ser adquiridos não só pelos graduandos, que serão profissionais da

educação, mas por seus alunos. Portanto, por conta de todos os argumentos citados, que estão

na base da preparação para atuação do docente, a Literatura Infantil deve fazer parte não só da

vida da criança, como, também, da do acadêmico.

MATERIAL E MÉTODOS

O objetivo da proposta é contemplar cada uma das habilidades acima expostas. Para

isso, a partir das de atividades, realizadas no curso de extensão, estamos sugerindo uma

sequência de fomento e valorização da leitura da Literatura Infantil pela escola e pelo

indivíduo, fortalecendo a relação entre elas:

A execução desse projeto de intervenção pedagógica seria realizada da seguinte forma:

Dinâmica utilizando balões.

Apresentação do livro através do reconto da história Ding, a Gotinha;

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O texto será apresentado em flanelógrafo;

Confecção de personagens que serão explorados na história;

Conclusão das discussões e finalização da atividade.

RESULTADOS

O plano está estruturado nos seguintes procedimentos:

Será entregue a cada aluno um balão, que deverá enchê-lo e jogar para o alto, com o

cuidado para que este não caia no chão. Em seguida, todos deverão manter os balões nas

alturas, tanto o seu quanto o do colega. Essa dinâmica tem como objetivo fazer com que as

crianças reflitam sobre auto-aceitação, analisem as diferenças entre si e discutam a

importância que cada um tem na atividade em grupo e, consequentemente, na sociedade.

Em seguida, o professor apresenta o livro Ding, a gotinha utilizando o flanelógrafo.

As personagens poderão ser elaboradas em materiais como isopor, E.VA. – Espuma Vinílica

Acetinada, canetinha colorida, purpurina e cola branca. Apresentada a história e recolhidas as

impressões dos alunos, o próximo passo será a recriação das imagens dispostas no livro por

meio de materiais como lápis de cor, papel sulfite branco, tesoura sem ponta entre outros.

A concretização da história, por meio da elaboração das personagens, visa, além da

integração dos alunos, a fixação do texto literário apreciado em sala de aula. Por fim, realiza-

se a exposição dos materiais elaborados.

AVALIAÇÃO

A comunicação esboça uma atividade elaborada no âmbito do projeto de extensão

―Experimentos e Dinâmicas em Literatura Infantil‖. Por isso, recomenda-se a quem

reproduzir a sequência que a avaliação seja conduzida através da assimilação, participação,

atenção e o desempenho de cada um. Nas séries iniciais, essa mesma avaliação possui um

caráter formativo, mais que classificatório.

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REFERÊNCIAS

FERREIRA, Regina Sormani. Ding, a gotinha. 2 ed. São Paulo: edições paulinas, 1985.

OLIVEIRA, Maria Alexandre de. Dinâmicas em Literatura Infantil. 15ª ed. São Paulo:

Paulinas, 2012.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez,

2007.

ZILBERMAN, Regina; CADERMATORI MAGALHÃES, Ligia. Literatura infantil:

emancipação e autoritarismo. São Paulo: Ática, 1987.

Como referenciar esse texto:

SANTOS, Francisléia Barbosa dos; LIMA, Inoan Batista; GONÇALVES, Luciano de Jesus. Ding, A Gotinha:

experimentos e dinâmicas a partir do texto de literatura infantil. In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA

EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL, 5: Pesquisa em Educação: Diálogos

Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014. Miracema do Tocantins. Anais.

Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618. P. 277-281

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Visibilidade e Enunciabilidade: rosto, rastros e cores na capa da

Revista Veja

Maria Irenilce Barros Rodrigues. Professora da UFT/Câmpus de Miracema. EDURURAL;

[email protected].

Orientador: Prof. Dr. Cleudemar Alves Fernandes

Universidade Federal de Uberlândia – UFU

Laboratório de Estudos Discursivos Foucaultianos – LEDIF

Bolsista FAPEMIG

Resumo:

Este estudo tem como propósito analisar a capa de número 49 da Revista Veja, publicada em

13 de agosto de 1969. Para a condução da análise deste trabalho, dentro da materialidade

selecionada, tanto no que tange ao regime de visibilidade quanto ao de enunciabilidade, foram

observadas as cores, os rastros e o rosto, além do contexto histórico o qual tal materialidade

perpassa. Assim, este artigo se deterá naquilo que a capa apresenta, não como forma exaustiva

de análise, mas como uma das diversas possibilidades de olhar e interpretar tal dispositivo.

Sabe-se, que os regimes de enunciabilidade e de visibilidade tratam de leituras parafrásticas e

polissêmicas, vetando, dessa forma, a impossibilidade da centralização do sentido. Ressalta-se

que este estudo ancora-se nos aportes teóricos da Análise do Discurso e da Semiologia

Histórica, especificamente, à luz do pensamento de Foucault (2013), Derrida (2012) e

Courtine (2011).

1. Breve Percurso Histórico e Introdutório

Este artigo tem como propósito analisar a capa de número 49 da Revista Veja, da

Editora Abril, publicada em 13 de agosto de 1969. A Revista Veja foi criada pelos jornalistas

Roberto Civita e Mino Carta, em 1968, época em que o Brasil vivia o Regime Militar. A

referida Revista distribuída semanalmente e aborda temas que focalizam as questões políticas,

econômicas e culturais.

Sua postura ideológica coaduna, de forma geral, para uma tendência política de direita,

embora seu editorial não assuma tal posicionamento. Veja é uma revista brasileira e, por

várias décadas, dominou as vendas no gênero, seja por meio de seus milhares de assinantes,

ou mesmo por sua distribuição nos locais próprios de vendas, como as bancas de revistas, por

exemplo. Isso se deu pela credibilidade dos leitores conquistada, durante anos. No entanto,

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atualmente, esse quadro mudou, pois já se fazem questionamentos mais incisivos acerca de

sua tendência a posicionamentos que atendem à postura e aos interesses de partidos políticos

de direita que, por muitos anos, dominaram este país.

Interessa informar que não foi considerado o conteúdo da reportagem apresentada na

Revista Veja, selecionada para este trabalho. Focalizou-se, apenas a capa para o estudo

proposto. Considera-se plausível tal observação, no intuito de esclarecer que as análises foram

feitas tendo por base apenas a materialidade discursiva – a capa - conforme já esclarecido.

Assim, este artigo se deterá aquilo que a capa apresenta, não como forma exaustiva de análise,

mas como uma das diversas possibilidades de olhar e interpretar tal dispositivo. Sabe-se que

os regimes de enunciabilidade e de visibilidade tratam de leituras parafrásticas e polissêmicas,

vetando, dessa forma, a impossibilidade da centralização e fixidez do sentido.

Após essas informações, ressalta-se que, para a condução da análise deste trabalho,

dentro da materialidade selecionada, tanto no que tange ao regime de visibilidade quanto ao

de enunciabilidade, foram observadas as cores, os rastros e o rosto, bem como o enunciado

que compõe a capa e, ainda, o contexto histórico o qual esta perpassa.

Inicialmente, a opção por esse dispositivo de análise se deu, a partir de pesquisa feita no

site da revista em foco, Veja Digital, disponível em

http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx, com o intuito, a princípio, de encontrar

capas dos Black blocs, a fim de trazer algumas delas para constituir o corpus deste trabalho.

Perpassando pelas diversas capas no referido site, viu-se, pois, a capa de número 49,

publicada em 13 de agosto de 1969, a qual traz a imagem de um homem com a parte do rosto

coberta com lenço vermelho, somente com os olhos e a testa à vista. Tal detalhe foi

importante para a escolha do corpus, tendo em vista que essa capa trouxe à memória desta

pesquisadora os eventos ocorridos nas ruas do Brasil, a partir de junho de 2013, os quais

foram denominados de Black blocs. Viu-se, então, em contrapartida, um ―cara tapada‖ da

época do Regime Militar.

Objetiva-se, a partir daí, observar, analisar e interpretar esse dispositivo, com o intuito

de compreender o que estava em jogo, naquele momento político brasileiro, na tentativa de

entender, como aponta Courtine (2011, p. 152) ―[...] o que produz signo e sentido no campo

do olhar, para os indivíduos num momento histórico determinado, a cada vez que tentamos

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reconstruir o que eles interpretam daquilo que percebem, mas ainda o que lhes permanece

invisível‖.

É importante destacar que este artigo não aborda o movimento dos Black blocs, posto

que esse foi um objetivo inicial, no entanto, por questões de procedimento de análise, ele foi

descartado. Dessa forma, focaliza-se aqui, apenas a capa de número 49 de 13 de agosto de

1969.

2 Aportes teóricos e análise do corpus

Este estudo ancora-se nos aportes teóricos da Análise do Discurso e da Semiologia

Histórica, como forma de complementação de análise do corpus, já que, como assevera

Courtine (2011, p. 150) ―[...] os discursos estão imbricados em práticas não-verbais, o verbo

não pode mais ser dissociado do corpo e do gesto, a expressão pela linguagem conjuga-se

com aquela do rosto, de modo que não podemos mais separar linguagem e imagem‖. Nessa

mesma perspectiva, Foucault já destacava que o ―enunciado [...] não é exclusivamente

linguístico, tem natureza semiológica‖ (apud GREGOLIN 2011, p. 86). É, pois, à luz do

pensamento de Foucault (2013), Derrida (2012) e Courtine (2011) que esta pesquisa se

norteia.

Com base nestas visões teóricas, pretende-se refletir o regime de visibilidade e

enunciabilidade do rosto, dos rastros e das cores, do dizível e do que se silencia e, ainda, do

visível e da cegueira constitutiva da imagem e do enunciado concernentes a esses regimes.

Nessa vertente, objetiva-se descrever e analisar aquilo ―[...] que se dá a ver‖ (DERRIDA,

2012, p. 110), e também cala. No campo da visibilidade Deleuze (2005, p. 66) acrescenta que

―as visibilidades [...] por mais que se esforcem para não se ocultarem, não são imediatamente

vistas nem visíveis. Elas são até mesmo invisíveis enquanto permanecerem nos objetos, nas

coisas ou nas qualidades sensíveis, sem nos alçarmos até a condição que as abre.‖

Assim, analisou-se a capa da Revista Veja selecionada, na qual há uma imagem e um

enunciado. A imagem traz um homem cujo rosto encontra-se parcialmente coberto com um

lenço vermelho encobrindo o nariz e a boca, deixando-se expostos, isto é, a ver, os olhos, a

sobrancelha esquerda escura e grossa, considerando a posição da imagem do homem e não do

leitor, bem como a testa, a qual é marcada por uma ruga expressiva que parece indicar

preocupação, descontentamento ou indignação. Inicialmente, importa esclarecer que não se

285

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deve reduzir a cor vermelha do pano, apenas à função de ‗venda‘, já que esse não é seu

objetivo profícuo. Essa cor está permeada de sentidos múltiplos. E apesar de cogitar também

uma mudez, o lenço por si só fala incessantemente.

A seguir, apresenta-se a capa da Revista Veja, objeto de estudo deste trabalho.

Fonte: Os Terroristas (1969)

Não só no Brasil, mas também no mundo, a cor vermelha tornou-se símbolo de luta

política e ideológica, tanto nos Regimes Socialista como no Comunista, como em outras

facções ou grupos organizados, representando, assim, a cor predominante, especialmente, de

partidos políticos que se colocavam ao lado do povo, das lutas pelos trabalhadores, pela

sociedade e contra o governo de Direita.

Em relação à imagem, essa cor dialoga de forma harmônica com a proposta das pessoas

que faziam oposição ao sistema político instalado, no Brasil. Por outro lado, o enunciado

apresentado na capa da Revista pode divergir, do ponto de vista ideológico, daquilo que tal

enunciado deveria propor, já que tais dizeres podem servir ao então, poder vigente. Deleuze

(2005, p. 70) destaca que, para Foucault, ―falar não é ver‖. Ainda tendo por essa afirmação

foucaultiana, aquele estudioso atesta que ―há disjunção entre falar e ver, entre o visível e o

enunciável: o que se vê não se aloja mais no que se diz, e inversamente.‖ (DELEUZE, 2005,

p. 73) (grifos do autor)

No que se refere ao lado direito do rosto do homem, principalmente, a parte do olho,

encontra-se bastante sombreado de forma escurecida. Derrida (2012, p. 87) afirma que ―[...] o

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que faz traço nesse enorme traço negro não é a sua espessura negra, mas a diferencialidade, o

limite que, enquanto limite, enquanto traço, não é visível‖.

Assim, a esfera escura da imagem deixa-se ver a partir do que a omite, pois esse

enceguecimento faz-se mostrar o que a silencia, uma vez que este traço ―[...] é aquilo que

permite opor o mesmo e o outro, o outro e o outro, e distinguir‖ (DERRIDA, 2012, p. 167). E

é nesse viés que a imagem denuncia a Ditadura existente, ou seja, o outro com quem digladia,

isto é, o Regime Militar. Pode-se, pois, conjecturar que a imagem deixou rastro da censura e,

mesmo não aparecendo explicitamente na capa, o rastro a resgata na denúncia, na resistência,

no silêncio do rosto. Esse rastro escurecido é o lugar da proibição, da força opositora, mas

também é o da resistência. Ele é ―[...] o próprio objeto do desaparecimento‖ (DERRIDA

2012, p. 123).

Nesse sentido, Orlandi (2007, p. 24) denomina a ―[...] política do silêncio [...] silêncio

constitutivo, o que nos indica que para dizer é preciso não-dizer [...]; e o silêncio local, que se

refere à censura propriamente (àquilo que é proibido dizer em uma certa conjuntura)‖.

Por outro lado, contrapondo com a cor vermelha do lenço, junto ao queixo, está escrito em

cor branca e com letras garrafais – de forma - o seguinte enunciado: ―OS TERRORISTAS:

QUEM SÃO? ONDE ESTÃO? QUE QUEREM?, complementando, assim, a capa da Revista.

Vale destacar que antes de se ater às análises da parte escrita, fez-se uma contextualização

histórica da época da ditadura no Brasil, para apoiar esse estudo.

A partir desse contexto histórico, é que se discute a referida capa, pois nela pode-se

enxergar e interpretar os sombreamentos existentes na imagem, haja vista que na época em

que a Revista foi divulgada, o Brasil vivia a Ditadura Militar. O Presidente da República era o

então General Costa e Silva, o qual presidiu o Brasil, durante o período de 31/08/1967 a

30/10/1969. Seu governo foi caracterizado pela hostilidade, fortalecendo, ainda mais, a

ditadura. Nesse período, havia três frentes opositivas, a saber: A Frente Ampla, os Grupos e

Organizações de Esquerda e o Movimento Estudantil. A parte cultural, no país, era alimentada

por Festivais Musicais, o que trouxe à tona nomes de artistas – compositores, cantores, dentre

outros - que faziam protestos, tendo por base suas músicas, e também a arte em geral.

Dessa forma, Costa e Silva resistiu a toda manifestação contra seu governo, fechando o

Congresso Nacional e instituindo o Ato Institucional número 5 - AI-5, que entrou em cena

com mais força, suprimindo o pouco de liberdade que restava. A fim de manifestar seu poder

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ditatorial e fragilizar as resistências, Costa e Silva autorizou o corpo polical a efetuar

investigações, prisões, perseguições aos cidadãos sem que fosse preciso mandato judicial.

Esse contexto histórico é importante por possibilitar a construção do sentido para a capa

em estudo, uma vez que traz o ―outro‖, em sua visibilidade e enunciabilidade, como protesto e

exposição da censura existente.

Nessa perspectiva, o lado escurecido da figura retrata a história sombreada do Brasil,

cuja censura, que é a negação do dizer, era a imagem mais frequente e visível. Assim sendo,

há de se concordar com Orlandi (1999, p. 59) quando afirma que ―[...] os sentidos se

constroem com limites. Mas há também limites construídos com sentidos. E [...] frente da

cena – política e histórica – é o silenciamento, são os sentidos que impõem limites. A tortura,

a censura, a agressão da ditadura à sociedade, à cidadania‖.

O rosto expressivo e sombreado da capa da Revista demonstra o peso da imposição

que foi da Ditadura sobre a sociedade brasileira. Nesse rosto, todos os detalhes têm sentido,

completam-se entre si e é complementado pelo enunciado. Os olhos, ―[...] a visão é também

apreensão [...] os olhos videntes e não os olhos que choram, está lá para prevenir, por

antecipação, por pré-conceituação, por percepção: para ver vir o que vem‖ (DERRIDA, 2012,

p. 70).

Esse rosto não está parado; esse sujeito traz suas movências, assim como os sentidos que

dele surgem. Embora seja obrigado a calar, ele próprio está povoado de vozes, de dizeres no

silenciamento do outro. Esse rosto encontra-se permeado por vários outros da sociedade. Ele

não é individual, é um rosto coletivo que retrata a situação de mudez impositiva pelo Governo

Militar. Ele surge como forma de desconstruir e destituir o cidadão.

Voltando as análises para o campo enunciativo, pode-se ver sobre o queixo do homem

apresentado na imagem a seguinte inscrição: ―Os terroristas: Quem são? Onde estão? Que

querem?‖. Do ponto de vista semântico, o termo ‗terrorista‘ (Borba, 2004, p. 1352) remete ao

significado como aquele que atua ou se exerce com terrorismo; pessoa que atua com

terrorismo. Vale destacar que o termo ―terrorismo‖ significa regime de violência instituído

por um governo; atos de terror praticados por grupos políticos ou criminais. Isso pode

conduzir à interpretação imposta pela imagem que se constrói do sujeito da capa, criada a

partir da visão direitista, ou seja, dos militares. Há uma ‗tentativa‘ de construção da imagem

desse rosto, no intuito de condicioná-lo a um indivíduo transgressor da lei, cujas atitudes são

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violentas e rebeldes. E o fato de ter um pano vermelho encobrindo seu rosto, já o conduz à

condição de terrorista, situação bastante comum à época, tendo em vista que era considerado

uma ameaça ao governo quem não comungasse com as ideias militares.

Na ordem do discurso, a primeira pergunta que é feita na capa da Revista, ―Quem

são?‖, tenta levantar a identidade do ‗terrorista‘, certamente com o propósito de desmascará-

lo frente à sociedade. Ou seja, pode-se dizer que há, no campo do sugerido, uma divergência,

um enfrentamento com o poder vigente, embora possa parecer velado frente a este. Nessa

perspectiva, Foucault (apud, Deleuze, 2010, p. 293-4) afirma que ―[...] não há relação de

poder sem resistência, sem escapatória ou fuga [...] toda relação de poder implica [...] uma

estratégia de luta‖.

Assim sendo, aquilo que se tem na capa, o que a imagem mostra, é a indignação do

silêncio aterrorizador ao suposto terrorista, com o lenço vermelho. A ordem do discurso surge

em forma de questionamento, na figura do poder constituído, tentando amenizar o que é

próprio da Ditadura, isto é, o ‗massacre‘ da mudez ao qual esse poder instituído impõe e

obriga. O regime das palavras também denuncia as imposições de seu poder massacrante.

A segunda pergunta, ―Onde estão?‖, suscita uma certa ameaça, isto é, se se souber

onde eles estão, poderão (os policiais) capturá-los, caso o lugar do ‗esconderijo‘ seja

encontrado. Ou seja, caso eles (os terroristas) sejam localizados, o domínio é fatal, e o

controle também. Conforme mencionado, os policiais foram autorizados a capturar cidadãos

sem mandatos prescritos. Isso indica que o ato de perseguição dos policiais fora feito com

uma abertura e abrangência jamais proposta pela Ditadura. Logo, ―Onde estão?‖ é um lugar

localizável e visível aos olhos dos que buscam os desertores.

Já a terceira pergunta, ―Que querem?‖, reporta em parte à primeira, pois, dependendo

de quem são, eles querem algo que comunga com sua identidade. Observa-se que tanto no

campo do enunciado quanto no da imagem, há um movimento de ‗esconder-se‘ posto, ou até

mesmo um mistério a ser desvendado. No regime da imagem, esse lado oculto está sendo

denunciado pelo lenço vermelho. Como já se mostrou, a cor vermelha designava (e ainda

designa mesmo com força menor) movimento de oposição ao poder instituído. As bandeiras

de lutas contrárias ao governo traziam essa cor em toda parte do mundo. Ou seja, o

representativo e imprescindível lenço vermelho vai coroar esse sujeito naquilo que a escritura

da capa o caracteriza como ‗terrorista‘.

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Com isso, embora se trate de regimes distintos – a imagem e o enunciado -, cujas

interpretações apontam para contextos opositivos, tais regimes referem-se a uma junção de

sentidos que os compõem. Por assim dizer, são extensões de sentidos que se complementam,

ou seja, tem-se, pois, regimes complementares em sua interpretação – tanto de visibilidade

quanto de enunciabilidade - e não oposições, apresentando diferentes semioses, apoiadas nas

funções parafrástica e polissêmica de leitura.

Nesse sentido Deleuze (2205, p. 74) conjeturando acerca do pensamento de Foucault

afirma que

―[...] assim que abrirmos as palavras e as coisas, assim

que descobrirmos os enunciados e as visibilidades, a fala

e a visão se alçam a um exercício superior [...] de forma

a cada uma atingir seu próprio limite que a separa da

outra, um visível que tudo o que pode é ser visto, um

enunciável que tudo o que pode é ser falado. [...] o limite

que separa cada um é também o limite comum que

relaciona uma à outra e que teria duas faces assimétricas,

fala cega e visão muda.‖

Observa-se, pois, a partir dessa acepção, que o que se tem, como instrumento de

análise, é apenas a ilusão do olhar, um estrabismo da visão que mantém assegurada, a utopia

de análise interpretativa do campo dos regimes – do enunciado e da visibilidade. e ―por mais

que se diga o que se vê, o que se vê não se aloja jamais no que se diz‖ (FOUCAULT apud

DELEUZE 2005, p. 74).

É nesse viés que Courtine (2011, p 150) afirma que ―[...] os discursos estão

imbricados em práticas não-verbais, o verbo não pode mais ser dissociado do corpo e do

gesto, a expressão pela linguagem conjuga-se com aquela do rosto, de modo que não podemos

mais separar linguagem e imagem‖.

Unindo esses dois lados da imagem, nota-se que ―[...] há um ponto em que, entre o

visível e o invisível, entre o enceguecimento e o ver ou a lucidez, não há mais oposição, em

que o máximo de luz ou de visibilidade não se distingue mais da invisibilidade ou da

escuridão‖ (DERRIDA, 2012, p. 173-4).

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Assim, no embricamento desses regimes surgem sentidos circundantes na atividade de

leitura, a qual comunga com as práticas discursivas. São nos rastros deixados, ―[...] o rastro

não é objeto, porque justamente ele diz algo da ausência da pessoa que passou por ali antes e

não está mais‖, (DERRIDA, 2012, p. 123), isto é, o desaparecimento, e o ressurgimento, são

elementos que constroem as diversas possibilidades de leitura.

Nessa movência, o sentido polissêmico e parafrástico vai (res)surgindo sem que se

ancore a uma única unidade discursiva, sem determinar um espaço estático e fixo de seu

abrigo. Nesse veiés, Orlandi (2007, p. 17) aponta que ―[...] o funcionamento do silêncio atesta

o movimento do discurso que se faz na contradição entre o ‗um‘ e o ‗outro‘, o mesmo e o

diferente, entre a paráfrase e a polissemia‖.

Nessa perspectiva, pode-se concordar que ―[...] a palavra funciona como uma imagem.

Ela conserva sua reserva discursiva, sua reserva de pensamento, sua reserva

teórica‖ (DERRIDA, 2012, p. 114). Na capa em estudo, a imagem funciona como uma

palavra viva, dita ou proposta, em que a enunciabilidade, embora cumpra uma aparente

ausência do outro, pode ser preenchida pelo dizer ao qual sugere, a partir do que propõe à

visão.

Desse modo, Orlandi (2007, p. 31) afirma que ―[...] no silêncio, o sentido é”. A figura

é, pois, permeada de sentidos múltiplos, os quais se (re)interpretam a partir da memória

discursiva. Nessa visão, Pêcheux (1999, p. 50) destaca que a memória deve ser entendida ―[...]

nos sentidos entrecruzados da memória mítica, da memória social inscrita em práticas, e da

memória construída do historiador‖. Em se tratando do dispositivo de análise, a memória

ressurge como elemento que pode servir a diversos contextos históricos, políticos e sociais

instalados. Nesse viés, o acontecimento, no contexto da capa da Revista Veja, surge de forma

imperceptível ou demarcada. Ele aparece como diruptivo, inaugural, singular.

Derrida (2012, p. 173) acrescenta que ―[...] há um ponto em que, entre o visível e o

invisível, entre o enceguecimento e o ver ou a lucidez, não há mais oposição, em que o

máximo de luz ou de visibilidade não se distingue mais da invisibilidade ou da escuridão‖. É

essa trajetória que a capa integra-se, formando uma unidade de regimes e, nesse movimento,

integra também os sujeitos participantes desse evento, que foram denominados de terroristas,

os quais foram nomeados pela Revista, assim como o centro de embate desses sujeitos, isto é,

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a Ditadura Militar, que, mesmo em seu apagamento, surge veementemente a partir da

denúncia silenciada de seu opositor – o terrorista.

3 Considerações Finais

Pode-se conjecturar, após a análise apresentada, que a força de resistência do sujeito da

capa da Revista é inegável. Se há resistência, é porque existe uma força opositora e

inquietante a borbulhar em sua ideologia. Essa força entra em aparente paradoxo com a

opositiva no regime de visibilidade, no sentido de que ambas estão em duelos ideológicos,

mas identitários, ao que buscam alcançar, embora não se possa enxergar o outro – Ditadura

Militar – o qual enfrenta. É importante destacar que esse sujeito que aparece na capa não é

individual, ele é coletivo e representa o grupo que se contrapõe ao sistema em vigor.

Destaca-se, ainda, que o enunciado apresentado na imagem é criado por uma ideologia de

direita, com o intuito de conduzir a uma enunciabilidade discursiva de cunho mais bélico,

mais violento, o qual mantém enfrentamento com a força opositora com a qual

enfrenta/resiste, que é o ‗terrorista‘. Com isso, tal força - Ditadura Militar - tenta construir sua

imagem como a de defensora da ordem e da sociedade e, por outro lado, destituir esse sujeito

do lugar o qual ocupa, que é o da luta social, política, ideológica e histórica, como também

fragilizar sua força e crença.

Ressalta-se que não se pretendeu aqui esgotar o sentido a que a imagem e o enunciado se

prestaram. Seguiram-se apenas alguns rastros de leitura que foram possíveis, a partir do que

esses regimes autorizaram refletir, acrescido a doses de ilusão daquilo que se ver e se diz. A

junção estrabismo destorcido da visão e ainda na utopia da permanência do que se fala, foi o

caminho que se seguiu às análises aqui apresentadas.

No ato dessa leitura, fizeram-se recortes de interpretação daquilo que os arquivos

permitiram aparecer e lembrar, em sua seleção natural de surgimento e apagamento, de

guardar e descartar, em um jogo em que não há perdedor nem vencedor, mas atletas

aventureiros, dependentes de suas memórias e esquecimentos, e que estão sempre dispostos à

exposição visível das palavras - mesmo na existência/visibilidade apenas de sua sonoridade -

conforme Derrida (2012), e ao esconderijo permissivo das identidades individuais.

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Dessa forma, ressalta-se que a cegueira constitutiva encontra-se, também, materializada

no regime do enunciado, ou seja, naquilo que se encontra no regime de visibilidade, e o que se

mostra ao campo da invisibilidade, o qual compete à memória traduzi-la para o visível, bem

como do previsível, já que está arquivado naquilo que (não) se anulou ao olhar.

E, por fim, as reflexões feitas conduziram-se a um questionamento basilar, frente ao que

se analisou, que é: quem de fato é o ‗terrorista‘, ou causa terror: aquele sujeito cujo regime de

visibilidade apontou - o cara tapada – o homem com o lenço vermelho no rosto, ou o que a

enunciabilidade suscitou – o poder militar vigente, a Ditadura?

Não se pretende responder a essa pergunta, apenas centrar forças nas possibilidades de

sentidos que os regimes – tanto no campo do visível como do dizível - apresentam, sugerem e

ecoam.

Portanto, as dicotomias - enunciabilidade/visibilidade - vão duelando, negando-se e,

ainda, afirmando-se, tanto na ordem do (in)dizível como na do (in)visível e assim transpõem

essa luta aos sujeitos envolvidos no processo - terroristas/militares. O movimento circular que

circunda todos esses elementos, não há ponto de saída e nem de chegada, mas apenas

tangenciamento de pontos que convergem ao mesmo tempo que divergem, na batalha em que

não há vencedores e nem perdedores, mas exercícios de enfrentamento de práticas que se

mostram e também desaparecem na ordem da sobrevivência.

REFERÊNCIAS

BORBA, F. (Org.). Dicionário UNESP: do Português contemporâneo. São Paulo: UNESP,

2004.

COURTINE, J. Discurso e imagens: para uma arqueologia do imaginário. In: CURCINO, L.;

PIOVEZANE, C.; SARGENTINI; (Orgs). Discurso, Semiologia e História. São Carlos:

Claraluz, 2011.

DEEUZE, G. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 2005.

DERRIDA, J. Pensar em não ver: escritos sobre as artes do visível (1979-2004). Ginette,

M.; Masó, J. B. (Orgs.). Florianópolis: UFSC, 2012.

DREYFUS, H. L.; RABINOW, P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica: para além do

estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 273-294.

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.

GREGOLIN, M. do R. Análise do Discurso e Semiologia: enfrentado discursividades

contemporânea. In: CURCINO, L.; PIOVEZANE, C.; SARGENTINI; (Orgs). Discurso,

Semiologia e História. São Carlos: Claraluz, 2011.

ORLANDI, E. P. As formas do silêncio: nos movimentos dos sentidos. Campinas: Unicamp,

2007.

PÊCHEUX, M. Papel da memória. In: ACHARD, P. [et al]. Papel da memória. Campinas -

SP: Pontes, 1999.

REVISTA VEJA. São Paulo: Abril, n. 49, 13 ago. 1969. Capa. Disponível em:

<http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx>.

Como referenciar esse texto:

RODRIGUES, Maria Irenilce Barros e FERNANDES, Cleudemar Alves. Visibilidade e encunciabilidade: rosto,

rastros e cores na capa da Revista Veja. In: SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO,

CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL, 5: Pesquisa em Educação: Diálogos Interdisciplinares na

Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014. Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins:

EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618. P. 282-293.

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ESTADO DA ARTE DOS AKWÊ/XERENTE NO ESTADO DO

TOCANTINS

Layanna Giordana Bernardo Lima. Professora Assistente UFT/Câmpus de Miracema;

EUDRURAL; Doutoranda em Geografia pela USP. [email protected]

Resumo

Este estudo consiste na primeira etapa do projeto de pesquisa cadastrado no PIVIC/2013 que

tem como objetivo o conhecimento das dinâmicas sociais e econômicas que são vivenciadas

pelos Akwẽ - Xerente no seu território. Aqui, trataremos de iniciar uma busca epistemológica

acerca da etnia indígena Akwẽ - Xerente com intuito de compreender o processo de conquista

e de construção do território dos mesmos. Conhecedores de que a história de contato dos

Akwẽ - Xerente, na região centro-oeste do Tocantins foi marcada por grandes conflitos com

fazendeiros e posseiros. Vale lembrar que existe atualmente um numero significativo de teses

e dissertações acerca dos Akwẽ - Xerente. Para esta apresentação utilizamos relatos de

entrevista com indígenas, e a leitura de alguns trabalhos teses, dissertações e monografias que

abordam questões indígenas e as relacionadas diretamente aos Akwẽ - Xerente, desse modo

trabalhamos com os textos de: OLIVEIRA-REIS (2001), SAMURU XERENTE (2010),

FARIAS (1994), CHAIM (1993), DE PAULA (2003), MOI (2007), APOLINÁRIO (2006)

dentre outros.

PALAVRAS – CHAVE: Akwẽ - Xerente; Terras Indígenas; Tocantins.

INTRODUÇÃO

A história de contato dos Akwẽ-Xerente com a nossa sociedade corresponde a mais de

250 anos. A mitologia sempre estivera presente nas compreensões e explicações da vida

social e religiosa dos indígenas. Lopes da Silva (2005, p.75) afirma que os indígenas no seu

cotidiano utilizam da mitologia para entenderem o mundo ao seu redor, interpretarem e

orientarem as suas decisões. A cosmologia dos Akwẽ-Xerente está diretamente relacionada à

natureza. O cosmo desta sociedade divide-se em três níveis:

a) a Terra (tka);

b) o Céu (hêwa);

c) o Mundo Subterrâneo (tka kamô).

No estudo de Guimarães (2002, p.20) é apresentado um breve histórico da etnografia dos

Akwẽ-Xerente, tendo como destaque três estudos e momentos históricos:

1. Nimuendajú em 1930 e 1937, trabalho esse que foi traduzindo para o inglês

por Lowie e impresso em 1942;

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2. Estudo do Antropólogo inglês David Maybury-Lewis, que esteve com os

Akwẽ-Xerente em 1955 e 1963;

3. Estudo do antropólogo brasileiro Farias, em 1990; além do trabalho de

Lopes e Farias (1993) acerca da pintura corporal e da organização social Akwẽ-

Xerente.

Nimuendajú (1942) deu destaque no seu estudo acerca dos Akwẽ-Xerente às questões que

envolvem sua organização social. O autor relata que os encontrou vivendo um colapso

populacional devido às muitas doenças da época.

O pensamento dos Akwẽ-Xerente, segundo Maybury-Lewis (1979 e 1984), organiza-se na

dialética do princípio dual: nós/eles. Essa relação dialética tem possibilitado aos Akwẽ-

Xerente manterem, mesmo com muitas interferências da sociedade dos não índios, a sua

identidade cultural, principalmente a comunicação entre eles por meio da língua Akwẽ e

da estrutura social. Nesse sentido, Maybury-Lewis (1979, p.20) considera que, apesar da

intensidade do contato com a população regional, é surpreendente a capacidade de se

manterem como uma entidade cultural e linguística diferenciada.

Em relação a estudos mais recentes, acerca da etnografia dos Akwẽ-Xerente, Guimarães

(2002, p.23) apresentou os estudos de Lopes da Silva e Farias (1992) como uma síntese

dos modelos trabalhados por Nimuendajú e Maybury-Lewis, através da pintura corporal

que apresenta as duas metades exogâmicas – Wahirê e Doí –, onde cada clã patrilinear

tem um padrão específico de pintura. De Paula (2009) apresentou a cosmologia dos

Akwẽ-Xerente, da seguinte forma:

(...) duas metades sócio-cosmológicas – Dói e Wahirê – associados respectivamente

ao Sol e a Lua, os heróis míticos fundadores da sociedade Xerente. A onça (huku)

também faz parte da mítica Xerente, já que foi responsável pelo ensinar-lhe o uso do

fogo. A metade Doí inclui os clãs Kuzaptedkwá (―os donos do fogo‖), Kbazitdkwá

(―donos algodão‖), e Kritóitdkwa (―os donos do jogo com a batata assada‖ ou

―donos da borracha‖) a metade Wahirê, os clã Krozaké, Kreprehí, e Wahirê, que tem

o mesmo nome da metade. As duas metades e seus respectivos clãs possuem entre si

uma rede de deveres e obrigações recíprocas (...) (p.4).

Recentemente, o acadêmico de Pedagogia da Universidade Federal do Tocantins,

Campus Universitário de Miracema, Antônio Samuru Xerente, morador, professor na Aldeia

Porteira, junto com sua orientadora professora Rosemary Negreiros de Araújo organizaram

para o texto do seu trabalho de conclusão de curso alguns relatos de Anciões (a) Akwẽ-

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

Xerente. Abaixo segue a explicação do Acadêmico acerca do ―Fogo‖, que ouviu do Ancião

Severo:

O povo Xerente preserva até hoje os contos e lendas, como a história do fogo. Nela

o ancião Severo contou como surgiu o fogo: Certo dia, dois cunhados (um já adulto

e o irmãozinho da esposa daquele) foram pegar filhote de arara vermelha num ninho

em cima de um alcantil. Ao chegar onde estava o filhote, o cunhadinho, irmão da

esposa do outro, subiu para tirar o filhote de arara vermelha. Enquanto tirava o

filhote, o cunhado que estava em cima de um alcantil fez uma brincadeira com o

cunhado que estava em baixo esperando que ele tirasse o filhote. Falou ao cunhado:

―Não tem o filhote aqui.‖ ―Como não tem?‖ respondeu o cunhado, ―Eu ouvi o grito

de um filhote que já está no ponto de sair do ninho.‖ E o rapazinho respondeu

novamente lá de cima: ―Você não está acreditando em mim, só tem o ovo‖. Aí o que

estava embaixo disse: ―Mas como só tem o ovo? Tire o filhote que eu já estou

perdendo a paciência, se você não tirar logo, vou tirar o pau em que você subiu e

vou embora‖. Mas o cunhadinho, continuou com o mesmo discurso de não ter

filhote. Por fim, o cunhado perdeu a paciência, tirou o pau e foi-se embora, deixando

o cunhado em cima do alcantil. E lá ficou por muito tempo sozinho, até que a onça

macho apareceu e avistou o rapaz ficando em cima do alcantil. Aí a onça falou com

ele assim: ―O que você esta fazendo aí em cima?‖ E ele respondeu: ―O meu cunhado

me tirou o pau que eu subi‖ . E a onça perguntou : ―Onde esta ele ?‖ ― ̶ A atrás do

alcantil.‖ ― ̶ Pois você vai descer agora .‖ Falou a onça e pegou o pedaço de pau e

colocou para ele descer. Então ela falou para o rapaz: ―Desça agora‖. E o rapaz

falou: ―Eu não vou descer, pois você vai me comer‖. Então a onça falou: ―Não vou

fazer nada com você‖. Aí o rapaz desceu, mas muito desconfiado da onça. Então a

onça rosnou fazendo medo nele e o rapaz subiu novamente e falou chorando: ―Não

vou descer, pois você vai me comer‖. Aí a onça falou de novo: ―Venha descer agora

para nós irmos embora, você precisa se alimentar‖. O rapaz estava muito fraco, pois

tinha passado muitos dias sem comer e sem beber água. Finalmente o rapaz desceu e

a onça o carregou para a casa dela. Enquanto caminhavam passou num riacho e o

rapaz que estava com muita sede falou que precisava beber água. ―Não, desta água

não bebe, esta água é da arara preta, ela não me pertence‖. Depois chegaram a outra

água e o menino falou novamente que queria beber. Mas a onça disse. ―Não, desta

água você não bebe, ela pertence ao curió‖. Finalmente, chegaram na água da onça e

aí ela deixou o menino beber. E ele bebeu, bebeu, bebeu até que a água ficou pouca

no ribeirão. Então chegaram na casa da onça. Lá a onça lhe deu comida. E era

comida preparada no fogo. E nossos velhos contam que foi assim que os índios

ficaram conhecendo o fogo (SAMURU XERENTE, 2012, p.27).

Estes estudos e relatos acerca da organização político-cultural dos Akwẽ-Xerente, nos

permite afirmar que para estes povos tudo tem vida, o homem e absolutamente tudo o que está

na natureza. Assim, homem e natureza estão ligados por uma relação de reciprocidade. Para

Godelier (1984, p.115 apud HAESBAERT, 2007, p.54) ―as formas de propriedade de um

território são ao mesmo tempo uma relação com a natureza e uma relação entre homens‖. É

necessário, portanto, o conhecimento das dinâmicas sociais, econômicas e culturais dos

sujeitos envolvidos no processo de construção e reprodução do espaço e apropriação da

natureza. Para propormos uma discussão acerca dos Akwẽ-Xerente na atualidade precisamos

entender como vem se construindo o processo de ocupação territorial dos mesmos, hoje

situados nas Terras Indígenas (T.I) Xerente denominada ―Àrea Grande‖ e T.I Funil.

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MATERIAL E MÉTODOS

O procedimento metodológico para a construção deste estudo teve como base a leitura

de textos, artigos, teses, dissertações e entrevistas feitas em visitas nas Aldeias no processo

deste projeto de pesquisa.

Os Akwẽ - Xerente localizados a 70 km da Capital Palmas, vivem a margens do rio

Tocantins, e estão em duas Terras Indígenas: Terra Indígena Xerente denominada ― Àrea

Grande‖, com superfície total de 167.542.1058 ha, que foi identificada oficialmente pela

FUNAI como área ocupada pelos Akwe -Xerente em 1972, a terra Funil têm com superfície

de 15.703.7974 ha .

Paula (2009) indica que o território indígena dos Akwẽ - Xerente, foi palco de muitos

conflitos e olhares nacionais e internacionais, para as terras ocupadas por esses indígenas,

afinal suas terras ocupam um localização estratégica. No entorno dessas terras estão vários

projetos de desenvolvimento incentivado pelo governo federal e nacional em parceria com a

iniciativa privada.

Essa realidade de desenvolvimento econômico causa discordância na população das

cidades que fazem divisa com o território Akwẽ -Xerente, e que estão localizadas a margem

do rio. Entretanto a relação muitas vezes dos não – índios com os índios, é de indiferença,

mesmo que em uma dessa cidade, por exemplo eles movimentem o comércio local e sejam

quase a maioria da população.

Esse panorama construindo dentro das contradições das relações sociais, econômicas,

ambientais e culturais em que envolvem essas duas sociedade, a dos não – índios e dos Akwẽ

- Xerente, nos criar oportunidade de trabalhar na pesquisa, com referencial teórico-

metodológico na concepção do materialismo histórico dialético, por entender que a história é

fruto de condições materiais concretas em que os homens vão construindo a sua subjetividade.

Interessa, pois, compreender o ser humano real ―em carne e osso‖, a base material e os

sujeitos sociais envoltos nestas relações (Marx e Engels, 2008, p.26).

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RESULTADOS E DISCUSSÕES

Adentrando no universo das pesquisas já registradas acerca das lutas dos indígenas em

busca de seus direitos sociais e de um território fica claro a contradição das transformações

sociais e econômicas do mundo atual. Como ressalta Oliveira (2010, p.63) é função da

produção acadêmica e da reflexão intelectual o exercício de discernir entre o político, o

ideológico e o teórico. Para Oliveira (1994) o campo brasileiro se constitui com base nas

contradições do desenvolvimento capitalista do nosso país. O autor afirma que é importante

compreendemos o caminho construído pelas lutas cotidiana dos posseiros, indígenas,

quilombolas e demais sujeitos sociais do campo para a constituição da nossa sociedade atual

principalmente no sentido das políticas públicas.

Uma das primeiras políticas públicas para indígenas tem o marco no período de 1549 –

1755 que foi marcado pelo regime dos Aldeamentos Missionários, também chamando de

aldeamento de povoamento. Os aldeamentos indígenas organizados pela Coroa Portuguesa

eram formados pelos índios que se tornavam aliados e depois convertidos ao cristianismo.

Conforme Oliveira & Freire (2006, p.37) as ações pedagógicas das missões ultrapassavam os

objetivos religiosos, pois eram empreendimentos também econômicos e político-militar.

Porém, mesmo que os índios estivessem regidos pelos princípios éticos e religiosos, muitos

abandonavam com facilidade os ensinamentos que recebiam nos aldeamentos e retornavam

aos sertões.

Esse processo de reunir os índios capturados em aldeias próximas a povoações

coloniais era regido pela legislação das guerras justas, que dava direito a Coroa e a Igreja a

declarar guerra aos pagãos. Os aldeamentos foram espalhados por toda a região do sertão

brasileiro. Existem muitos estudos que apresentam registros históricos da situação dos índios

na região Centro-Oeste do Brasil, principalmente nos aldeamentos do Goiás em 1749 a 1811,

e que ajudam a compreender o contato do não índio com os indígenas existentes atualmente

no estado do Tocantins. Chaim (1983, p.43) apresentou em seus estudos como eram

organizados os aldeamentos goianos:

Os colonos viam no índio um trabalhador aproveitável, a metrópole Portuguesa,

sobretudo, um povoador para as extensas áreas a serem ocupadas, com elemento

participante do processo de colonização. Em Goiás o antagonismo dessas posições

resultou em conflitos. O elemento nativo, provocando choques intermitentes com o

colonizador, veio a obrigar o governo central a tomar providências. Como solução

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para o problema, grandes somas foram gastas ao aldear o gentio e pacificá-lo

(CHAIM,1983, p.43).

As etnias existentes nessa região, principalmente na Ilha do Bananal, segundo Chaim (1983)

eram os Javaé, Karajá, Xavante e outros.

De Paula (2000, p.44) indica na sua pesquisa sobre os Akwẽ-Xerente que para compreender o

universo dos mesmos precisou construir um arcabouço de informações etnográficas tendo por

base as analises linguísticas de Rodrigues (1986), Urban (1992) e Montserrat (1994); as

histórias orais indígenas e os relatos dos documentos deixados por funcionários de governo da

Província de Goiás e por viajantes que percorreram o centro-oeste brasileiro durante os

séculos XVIII e XIX.

Assim, autores como Nimuendajú (1992), Maybury-Lewis (1984), Ravagnani (1991), Farias

(1990) e Lopes da Silva (1992), afirmam que os Xerente e Xavante atuais compuseram no

passado o mesmo grupo etnolinguístico, autodenominado Akwẽ. Ainda em relação a registro

histórico de ocupação dos Xavante na região do estado do Tocantins, Oliveira-Reis (2001, p.

19) afirma que as primeiras menções aos Xavante foram pontuais e que surgem

aproximadamente na metade do século XVIII, quando inicia as políticas pombalinas de

aldeamentos.

Os Xavante e Xerente denominados Akwẽ, que significa Gente/Povo, junto com os Xacriabá

são do tronco linguístico chamado Jê Central. Em relação a essa composição, De Paula (2000,

p. 44) chama atenção para os escritos de Castelanau (1850) e de Von Steinen (1942),

analisados por Farias (1990, p.31), de que existia uma semelhança linguística e cultural não

apenas entre os Xerente e Xavante, mas entre outros dois grupos: os Xacriabá e os Acroá.

Segundo Oliveira- Reis (2001), citando o estudo de Nimuendajú (1942, p. 6), entre 1732 e

1738 os arraias de Crixás, Traíras, São José do Tocantins, Água Quente e povoado, que foram

destinados ao assentamento de garimpeiros, já faziam fronteiras com o território ocupado

pelos Xerente e Xavante as margens do Tocantins. Os Xavante atualmente residem na região

do estado do Mato Grosso.

Em conformidade, Apolinário (2006), em sua busca pelos registros dos povos indígenas que

ocuparam as terras do norte goiano, apresenta que:

(...) antes de ser ocupado por aventureiros ávidos por descobertos auríferos, o norte

goiano já fora habitado por grupos étnicos, em sua maioria pertencentes ao tronco

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linguístico Macro-Jê, dentre os quais destacaram-se os Akroá, Xakriabá, Xavantes,

Xerente, Javaé, Xambioá e Karajá. Somente os Avá-Canoeiros, citados na

documentação [do Arquivo Histórico Estadual de Goiás], pertencem ao tronco

linguístico Tupi (p.31).

Para Nimuendajú (1942, p.2) os dois grupos tinham a mesma língua e costumes, as

diferenças estavam relacionadas no âmbito da organização política e espacial. Assim, o etnólogo

indica nos seus escritos que a separação entre os dois grupos possa ter acontecido por volta de 1850,

levando os Xavante a seguirem para oeste, atravessando o rio Araguaia, e os Akwẽ-Xerente

permanecerem em ambas as margens do rio Tocantins, sendo que os registros de 1859 já distinguem

os Xerente dos Xavante.

Em relação à separação dos Xavante e Xerente existem muitos registros mas não são

conclusivos acerca de como se deu. Ravagnani (1991, p.67 apud OLIVEIRA, 2001, p. 43) indica

uma separação geográfica dos dois grupos que se deu como uma estratégia diante do contato com as

frentes de expansão agropastoris que vinham em sentido Noroeste – Sudoeste do país. Lopes da

Silva (1992, p.365 apud OLIVEIRA, 2001, p.43) compreende que a cisão ―não violenta‖ não teria

resultado em uma imediata separação geográfica. Para esses autores, os Xavante foram migrando

para oeste em direção aos rios Araguaia e, posteriormente, das Mortes, e os Xerente teriam

permanecido na bacia do médio Tocantins (OLIVEIRA, 2001, p.43). Em visitas às aldeias e

conversas com acadêmicos Akwẽ-Xerente da UFT/Campus de Miracema, os mesmos confirmam as

considerações feitas por Nimuendajú (1942) e demais autores acerca desse processo de separação.

Porém, o relato do Ancião traz a informação de conflitos entre os dois grupos:

(...) As etnias viviam juntos, Xavante, Gavião, Krahô, Kaiapo, Xerente, e Morcego,

e um dia todos resolveram se espalhar cada grupos, uns foram para mata fechada e

assim aconteceu. Os Xavante e Xerente viveram uns tempos junto e alguns tempos

os Xavante deixaram os Xerente aqui no Morro Perdido. Porque acontecia os

conflito com os Xavante e os Xerente, e nos ficamos morando no Morro Perdido e

depois os invasores das terras que tomaram o local, e viemos afastando até que

chegamos aqui nesse lugar. Uma vez eu fui com antropólogo eu não reconheci o

lugar, estava limpo. Os não índios desmataram acabou com as árvores essa é a

história dos Xerente com os Xavante, a terra era nossa hoje estamos

morando na reserva (...).

De acordo com o ancião houve conflitos entre os dois grupos e que os Akwẽ-Xerente

ficaram na região do Morro Perdido, hoje região da cidade de Guaraí – TO, e que foram se

afastando dessa região por causa das ―invasões‖ dos colonizadores, aventureiros e posseiros

em busca de terras e riquezas do sertão goiano. Desse modo, eles foram se afastando,

chegando até a região da cidade de Miracema do Tocantins à margem do rio Tocantins, por

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onde ficaram por um tempo, mas pelas mesmas razões anteriores atravessaram o rio para

região da cidade de Tocantínia, locais aonde residem até os dias atuais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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práticas das políticas indígena e indigenista no norte da Capitania de Goiás (Século

XVIII).Orientadora:Diana Soares de Galliza;Co – orientadora: Vírginia Maria Almoedo de

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Como referenciar esse texto:

LIMA, Layanna Giordana Bernardes. Estado da Arte dos Akwê/Xerente no Estado do Tocantins. In:

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PROCESSOS HISTÓRICOS E CULTURAIS DA POLÍTICA NACIONAL

INDIGENISTA NO ESTADO DO TOCANTINS

Lilian Morais Oliveira; Acadêmica do Curso de Serviço Social: UFT/Câmpus de

Miracema/EDURURAL; [email protected]

Resumo: O presente artigo tem como objetivo principal analisar as relações sociais e

econômicas dos Akwẽ -Xerente do estado do Tocantins. Para este estudo fez se necessário

iniciar uma pesquisa bibliográfica a respeito da Política Nacional Indigenista no território dos

Akwẽ -Xerente. Das leituras já realizadas para a compreensão da realidade vivida no passado

e atualmente por essa etnia, visualizei o panorama das contradições das relações sociais,

econômicas, ambientais e culturais em que envolvem os Akwẽ -Xerente. Espera-se com este

estudo contribuir com a etnia indígena pesquisada no sentido de construir um material que

possa ajudá-los a refletir de forma crítica, a compreender as bases históricas em que foram se

processando as mudanças nos seus modos de vida e organização, bem como no seu território.

Palavras – Chave: Política Indigenista; Relações sociais; Akwẽ -Xerente.

Introdução

Os índios, primeiros habitantes do continente brasileiro, segundo o etnólogo Curt

Nimuendaju registrou em seu mapa etno – histórico que na época do descobrimento havia

1400 grupos étnicos e 40 troncos linguísticos e cerca de 100 línguas indígenas. Segundo

Melatti (2007, p. 31) desde primeiro contato que os europeus deram aos habitantes

encontrados na América o nome de índios por acreditaram terem chegados a terras das índias,

mesmo depois de terem percebido o seu engano, continuaram a denominaram pelo mesmo

nome de início.

O contato com o não – índio desde o descobrimento nunca foi fácil, sempre os

registros históricos marcam conflitos e desrespeitos aos povos indígenas. De acordo com

Ribeiro (2006, p. 38), os índios interpretaram a chegada dos europeus com uma visão mítica

de que eram pessoas enviadas pelo deus sol – criador - Maíra – que vinham milagrosamente

sobre as ondas do mar. Dessa forma ficaram pensando no mistério da chegada dessas pessoas

diferentes, que poderiam ser ferozes ou pacíficos, espoliadores ou doadores. Ingenuamente

deduziram que fossem pessoas generosas, tendo como base a sua realidade social, onde em

seu mundo o mais belo era dar do que receber.

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Metodologia

Este estudo é uma etapa de revisão bibliográfica a respeito da Política Indigenista

no Brasil e no território dos Akwẽ -Xerente. As fontes pesquisadas foram livros, artigos,

dissertações dentre outros. Desde o início das leituras comecei a compreender que a realidade

vivida no passado e atualmente por essa etnia, traz um panorama de contradições das relações

sociais, econômicas, ambientais e culturais vivido por eles mediado pela interação nem

sempre pacifica, e não tão pouco honesta com os não- índios. Neste contexto real decidi por

caminhar analisando a realidade social dessa etnia buscando um entendimento da nossa

sociedade capitalista a luz do referencial teórico-metodológico na concepção do materialismo

histórico dialético, por entender que a história é fruto de condições materiais concretas em que

os homens vão construindo a sua subjetividade. Interessa, pois, compreender o ser humano

real ―em carne e osso‖, a base material e os sujeitos sociais envoltos nestas relações (MARX;

ENGELS, 2008, p. 26).

Resultados

Espera-se que este estudo colabore com a etnia indígena pesquisada no sentido de

construir um material que possa ajudá-los a refletir de forma crítica, a compreender as bases

históricas em que foram se processando as mudanças nos seus modos de vida e organização,

bem como no seu território. As técnicas escolhidas para a pesquisa são: a) Fontes orais:

obtidos através de entrevistas livres; b) Elaboração de Croqui da Terra Indígena, e das aldeias

pesquisadas; c) Fontes Bibliográficas e documentais e d) Fontes Iconográficas: fotografias e

vídeo.

Discussão

Breve Histórico da Política Indigenista no Brasil período de Regime dos Aldeamentos

Missionários (1549–1755)

O projeto colonial português adotou uma política indigenista no período de 1549 a

1755 que fragmentava a população indígena em dois grupos polarizados, os aliados e os

inimigos, para os quais eram regidas ações e representações contrastantes. O emprego da

força permitido pela legislação dependia dessa avaliação, bem como dos contextos e dos

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interesses (muitas vezes divergentes) da administração portuguesa na metrópole e na colônia.

Os procedimentos a serem tomados em relação aos índios do Brasil eram frequentemente

objeto de discussões em Lisboa, na Bahia e no Maranhão, envolvendo assuntos como a

liberdade ou a escravização, as formas mais apropriadas de conversão e as implicações de

tudo isso para a colonização do Brasil.

Não havia em quaisquer das duas hipóteses, seja para os aliados ou inimigos, um

reconhecimento da cultura e expressões de autonomia. Os povos e as famílias indígenas que

se tornavam aliados dos portugueses precisavam ser convertidos à fé cristã, enquanto os

―índios bravos‖ (como eram chamados nos documentos da época) deviam ser subjugados

militar e politicamente para garantir o procedimento de catequização. Este tinha por objetivo

justificar o projeto colonial como uma iniciativa de natureza ético-religiosa preparando a

população indígena para servir como mão-de-obra nos empreendimentos coloniais

(econômicos, geopolíticos e militares).

Conceitos sobre paganismo, selvageria e barbárie, presentes no imaginário cristão

medieval, conduziram o estabelecimento da legislação colonial beneficiando os interesses

comerciais da Coroa portuguesa. Os livros de história destacam que a legislação colonial

inspirada na perspectiva dos jesuítas, estava distante da realidade cotidiana vivida na colônia.

Bulas Papais, Cartas e Alvarás Régios foram ignorados por administradores e particulares que

detinham poderes locais, atuando de acordo com seus próprios interesses ou cedendo às

pressões dos habitantes (brancos) das colônias. Esses fatores contribuíram para entender

algumas revoltas locais, principalmente dirigidas contra os missionários, que ocorriam sempre

que os interesses econômicos dos moradores eram contrariados.

Os indígenas dos aldeamentos eram considerados índios de repartição. Na

Amazônia, havia ―aldeias de repartição‖ que centralizavam índios de diferentes origens,

distribuídos para servir não só a missionários como aos colonos e à Coroa portuguesa,

recebendo um salário definido na legislação local (BESSA FREIRE, 2001a). Os colonos

priorizavam a conquista dos índios escravizados a partir de resgates e guerras justas. Foi essa

força de trabalho escrava que instituiu os engenhos no nordeste e sustentou as empresas que

exploravam as drogas do sertão na Amazônia após o fim das relações de escambo das

primeiras décadas do séc. XVI (MARCHANT, 1980; MAESTRI, 1995; COUTO, 1998).

Os Índios de resgate ou índios de corda eram os índios aprisionados em guerras

intertribais e conduzidos para a aldeia vencedora, onde seriam sacrificados em rituais

antropofágicos. Os portugueses ofereciam mercadorias para ―resgatar‖ esses índios e torná-los

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seus escravos (Thomas, 1982). A Coroa portuguesa aceitava a escravidão dos índios

resgatados de guerras tribais (Domingues, 2000b), legalizando tal prática. O Alvará de 1574

limitou o cativeiro desses índios a dez anos de trabalhos forçados (ALENCASTRO, 2000, p.

119).

Os aldeamentos deveriam ser governados pelos párocos e pelos ―principais‖

(chefes) dos indígenas. Os jesuítas teriam controle sobre todos os aldeamentos no Maranhão e

no Pará, onde não houvesse missionários de outras denominações, tornando-se os párocos de

qualquer novo aldeamento. O trabalho de catequese seria estendido a lugares remotos da

Amazônia, os índios sendo doutrinados e educados nas suas próprias terras.

A política dos aldeamentos possibilitava a ocupação territorial, o convertimento

dos gentios e a garantia de mão-de-obra escrava para os cultivos. Alguns indígenas ao lutarem

do lado dos portugueses ganharam títulos honoríficos (como o índio Araribóia, no Rio de

Janeiro), recebendo terras para os aldeamentos como recompensa. Entretanto, a doação de

―léguas de terras em quadra‖ (ALMEIDA, 2003, p. 220) aos índios nunca impediu que essas

terras fossem invadidas por colonos.

A consolidação da cultura da cana-de-açúcar, baseada na escravidão negra, levou

ao declínio os aldeamentos do litoral, deslocando o interesse das ordens religiosas para o

trabalho catequético no sertão, acompanhando novos ciclos econômicos. A catequese

indígena terá como novo foco de conflito os fazendeiros de gado interessados em exterminar

ou escravizar povos indígenas. A introdução de missionários apostólicos no sertão, como os

capuchinhos submissos ao Papa e não ao padroado (HOORNAERT et al., 1979), possibilitou

a denúncia da estrutura agrária baseada na escravidão.

O Regime Tutelar (1910–1988)

O Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais

(SPILTN) foi instituído a partir das redes sociais que ligavam os integrantes do Ministério da

Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC), do Apostolado Positivista e do Museu Nacional.

Desde sua criação, em 1906, o MAIC previa na sua estrutura a instituição de um

―serviço para catequese e civilização dos índios‖ (SOUZA LIMA, 1997, p. 86). A partir do

trabalho nas Comissões de Linhas Telegráficas em Mato Grosso, Cândido Rondon e outros

militares positivistas de sua equipe integravam redes de relações políticas regionais e

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nacionais vinculadas a instituições civis e a aparelhos governamentais sediados na Capital

Federal.

O governo brasileiro encarregou Rondon de realizar expedições militares e

científicas nas regiões inexploradas do interior do país, o que ele fez durante 25 anos. Durante

essas expedições, Rondon estabeleceu relações com as tribos Borôro, Nambikuára e Paresí.

Para ele, essas sociedades indígenas não eram selvagens e nem bárbaras, simplesmente,

encontravam-se num dos estágios do desenvolvimento geral da civilização humana. Rondon

afirmava que não se podia duvidar da autenticidade e da importância dessas sociedades

tribais, e que era responsabilidade do Governo proporcionar aos povos indígenas as condições

necessárias à sobrevivência.

O Coronel Rondon foi nomeado primeiro diretor do novo Serviço de Proteção aos

Índios (SPI). Essa política indigenista inicia-se em 1910, com a finalidade de proteger os

índios contra atos de perseguição e minimizar os conflitos originados pela ocupação de seus

territórios por diversos agentes econômicos em expansão, tais como fazendeiros, mineradoras,

madeireiras e outras empresas.

O aspecto mais inovador dessa política foi à intervenção do Serviço de Proteção

aos índios na ocupação e na colonização de extensas áreas do Brasil. Sob a direção de

Rondon, desenvolveu-se uma estratégia original para pacificar tribos anteriormente

agressivas. A noção principal por trás dessa estratégia era persuadir os índios de que o

Governo era diferente de todos os outros agentes nas áreas exploradoras. Grupos de

indigenistas desarmados, com a mesma filosofia de dedicação de Rondon, adentravam nos

territórios indígenas e colocavam presentes nas proximidades das aldeias. Ali esperavam

pacientemente, durante semanas ou meses, até que os índios saíssem e recebessem os

presentes. Após algum tempo, por fim os agentes entravam nas aldeias e, usando intérpretes

indígenas, tentavam convencer os chefes de que a intenção do Governo era protegê-los contra

a ocupação das terras e as ameaças dos colonos.

Durante esse primeiro período, o lema do Serviço de Proteção aos índios era:

―Morrer se preciso for. Matar, nunca‖. Através dessa abordagem pacifista, dezenas de tribos

foram postas sob a direção e a proteção do SPI. Em suas primeiras décadas de existência, o

órgão criou 67 postos indígenas em várias áreas pioneiras do Brasil.

O SPI foi um projeto que procurava afastar a Igreja Católica da catequese

indígena, adotando o preceito republicano de separação Igreja-Estado. Seu embasamento

estava fundamentado na ideia de que a condição do indígena seria sempre transitória

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(PACHECO DE OLIVEIRA, 1985) e que assim a política indigenista teria por finalidade

transformar o indígena num trabalhador nacional.

Para isso, seriam adotados métodos e técnicas educacionais que controlariam o

processo, instituindo mecanismos de homogeneização e nacionalização dos povos indígenas.

Os regulamentos e regimentos do SPI (1910, 1911, 1936, 1942, 1943, 1945 e outros) estavam

voltados para o controle dos processos econômicos dirigidos aos indígenas, constituindo uma

tipologia que permitisse disciplinar as atividades a serem desenvolvidas nas áreas. Tal

classificação definia o modo de proceder e as intervenções a serem adotadas, disciplinando a

expansão da cidadania (OLIVEIRA, 1947).

Os indígenas passaram a ser tutelado pelo Estado brasileiro, um direito especial

implicando um aparelho administrativo único, mediando às relações índios-Estado-sociedade

nacional. As terras ocupadas por indígenas, bem como o seu próprio ritmo de vida, as formas

admitidas de sociabilidade, os mecanismos de representação política e as suas relações com os

não-índios passam a ser administradas por funcionários estatais; ―estabelece-se um regime

tutelar do que resulta o reconhecimento pelos próprios sujeitos de uma ‗indianidade‘ genérica,

condição que passam a partilhar com outros índios, igualmente objeto da mesma relação

tutelar‖ (PACHECO DE OLIVEIRA, 2001, p. 224).

Para efetivar os objetivos de integrar populações e territórios, o SPI adotou uma

organização administrativa semelhante a outros aparelhos estatais: as unidades eram

diferenciadas conforme a fase de intervenção (atração e pacificação, civilização, regularização

da posse). Algumas contradições existiram no âmbito do SPI: enquanto se propunha a

respeitar as terras e a cultura indígena, agia transferindo índios e liberando territórios

indígenas para colonização, ao mesmo tempo em que reprimia práticas tradicionais e impunha

uma pedagogia que alterava o sistema produtivo indígena.

O SPI investia na educação para transformar os índios em trabalhadores nacionais

(SOUZA LIMA, 1995). Os postos indígenas recebiam instalações de oficinas mecânicas,

engenhos de cana, casas de farinha, habilitando os índios em diversos ofícios. Determinadas

crianças eram enviadas para as escolas de artífices existentes nas capitais estaduais, como

ocorria em Manaus desde o séc. XIX fato que continuou a ser estimulado pelo SPI no séc.

XX.

Do início ao fim do SPI, foi predominante uma escola indígena formadora de

produtores rurais voltados para o mercado regional, havendo baixo aproveitamento

educacional das crianças indígenas. O SPI acabou por servir muito mais os interesses dos

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grupos econômicos que visavam às terras indígenas do que em garantir os direitos dos

indígenas, que viram seus territórios serem reduzidos e ocupados.

De acordo com o antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro, ―o trabalho de pacificação

dos índios destinava-se menos a eles do que à sociedade brasileira como um todo‖. Os

indígenas aceitavam os presentes e promessas dos agentes do Governo, mas sempre assistiam

seus territórios serem invadidos por seringueiros, fazendeiros de gado e colonos. O SPI

tentava servir de intermediário nesses encontros estabelecendo postos em várias áreas, mas

em geral os indigenistas não conseguiram conter os invasores nem influenciar os governos

estaduais de modo a obterem títulos legais para as terras indígenas. Aproximadamente todas

as áreas onde o SPI funcionava, os índios foram devastados pelas doenças ou tornaram-se

populações marginalizadas em pequenas parcelas de terra.

Em 1967, o SPI foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), no

entanto não ocorreu modificação na política tutelar e na falta de sensibilidade aos direitos

culturais específicos dos povos indígenas. O novo órgão indigenista permaneceu

centralizando toda a atuação do governo junto aos povos indígenas, sem nenhuma influência e

participação destes.

O Desenvolvimento da Amazônia e a política indigenista militar (1967-1987)

Em 1967, o Ministro do Interior, General Albuquerque Lima, encarregou o

Procurador-Geral Jader Figueiredo de investigar as acusações de corrupção contra os

funcionários do Serviço de Proteção aos índios. Figueiredo e sua equipe de investigadores

viajaram mais de 16 mil quilômetros, entrevistando dezenas de agentes do SPI, e visitando

mais de 130 postos. Finalmente, em março de 1968, o General Albuquerque Lima deu uma

entrevista coletiva no Rio de janeiro na qual tornou público o resultado do Relatório

Figueiredo, com 5.115 páginas em 20 volumes.

De acordo com um repórter presente à entrevista, a Comissão Figueiredo

―descobriu provas de ampla corrupção e sadismo, indo desde o massacre de tribos inteiras a

dinamite, metralhadoras e açúcar misturado com arsênico, até a remoção de uma garota de 11

anos da escola para servir de escrava de um funcionário do Serviço‖. O mesmo repórter

informou que dos 700 empregados do SPI, 134 eram acusados de crimes, 200 haviam sido

demitidos, e 38 fraudulentamente contratados, haviam sido afastados (DAVIS, 1978).

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Depois dessa entrevista, vários observadores estrangeiros foram ao Brasil para

investigar a situação revelada no Relatório Figueiredo, embora houvesse rumores de que o

relatório fora arquivado e perdido. Um dos observadores era Patrick Braun, médico do

Departamento Francês dos Territórios de Ultramar, cujas descobertas foram relatadas num

artigo publicado no Medical Tribune and Medical News (Nova York), intitulado ―Denúncia

de Guerra de Germes contra os Índios no Brasil‖. Esse artigo informava que Braun havia visto

registros volumosos, nunca antes revelados fora do Brasil. Entre eles havia arquivos dos

Ministérios da Agricultura e do Interior, e o Relatório Figueiredo (DAVIS, 1978).

Tais arquivos, conforme citações de Braun continham provas que confirmavam as

denúncias de que agentes do SPI e latifundiários haviam usado armas biológicas e

convencionais para exterminar tribos indígenas. Indicavam a introdução deliberada de varíola,

gripe, tuberculose e sarampo entre tribos da região de mato Grosso, entre 1957 e 1963. Além

disso, os arquivos do Ministério do interior sugeriam ter havido a introdução consciente de

tuberculose entre as tribos do Norte da Bacia Amazônica entre 1964 e 1965. Braun afirmou

ter visto provas de que os organismos infecciosos ―foram deliberadamente levados aos

territórios indígenas por latifundiários e especuladores utilizando um mestiço previamente

infectado‖. Sem imunidade contra essas doenças introduzidas de acordo com Braun, um

número incontável de índios morreu rapidamente.

Outro observador estrangeiro que foi ao Brasil investigar essas denúncias, o

jornalista britânico Norman Lewis, publicou em fevereiro de 1969 um artigo no Sunday Times

de Londres intitulado ―Genocídio de Fogo e Espada a Arsênico e Balas, a Civilização Mandou

Seis Milhões de Índios para a Extinção‖. O artigo traçava a história das relações entre índios e

brancos no Brasil e dava provas de que o Serviço de Proteção aos índios era um dos principais

cúmplices em vários crimes contra os índios.

De acordo com Lewis, mais de 100 indigenistas, incluindo dois dos recém-

empossados diretores do SPI, haviam aliado a latifundiários e especuladores para roubar e

matar sistematicamente os índios. Lewis informou que o Major Luís Neves, ex-chefe do SPI,

fora acusado de 42 crimes, inclusive cúmplice em vários assassinatos, roubo e venda ilegal de

terras dos indígenas. Citando o Procurador- Geral Figueiredo, Lewis escreveu que ―não é

apenas pela malversação de fundos, mas pela admissão de perversões sexuais, assassinatos, e

todos os outros crimes enumerados no código penal contra os índios e suas propriedades, que

se pode ver que o Serviço de Proteção aos índios foi, durante anos, um antro de corrupção e

assassinatos indiscriminados‖.

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Os relatos de Braun e Lewis, assim como vários pronunciamentos de sociedades

antropológicas e científicas, tornaram-se grande fonte de problemas para o novo Governo

militar do Brasil e produziram momentaneamente uma onda de protesto no mundo inteiro.

Vários jornais acusaram o Governo brasileiro de consentir uma política de genocídio contra as

tribos indígenas remanescentes e exigiram uma investigação imediata pelas Nações Unidas.

Em resposta às descobertas da Comissão Figueiredo, Albuquerque Lima fechou o

Serviço de Proteção aos Índios (SPI), criou a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e

promulgou, em 1973, uma nova legislação indigenista, o Estatuto do Índio (Lei nº 6001 de

19/12/73).

A finalidade deste Estatuto era recompor a imagem do país, abalada na mídia

internacional, e exercer sutilmente a remodelação da legislação indigenista nacional face às

exigências dos novos planos de desenvolvimento da Amazônia. O Estatuto constitui-se,

assim, à primeira vista, um conjunto de disposições visando proteger as terras indígenas e

garantir diversas formas de assistência aos índios (médica, educacional, econômica),

revestidas de uma retórica que resgata o discurso humanitário das origens do SPI (Lima

1987). Por outro lado, acham-se introduzidos neste invólucro protecionista dispositivos

altamente prejudiciais aos índios, estabelecidos pela lógica do modelo militar de ocupação

econômica da região amazônica: disposições discriminatórias e de controle político (como a

tutela jurídica da FUNAI sobre os índios considerados ―relativamente incapazes‖), e

disposições expropriativas como o não reconhecimento da propriedade indígena, a remoção

de grupos indígenas por razões de segurança nacional ou para a realização de obras públicas,

e a tolerância de contratos de arrendamento em terras indígenas) (OLIVEIRA FILHO, 1985).

Nos anos seguintes à promulgação do Estatuto do Índio, o processo de

demarcação das terras indígenas (previsto num prazo de cinco anos) foi extremamente lento e

quase sempre motivado por situações de emergência: apenas 15% das terras indígenas

identificadas foram assim, homologadas entre 1973 e 1981 (OLIVEIRA FILHO, 1985, p, 22

apud OLIVEIRA FILHO; ALMEIDA 1989, p. 15-20). Consequentemente, aumentaram as

tensões fundiárias envolvendo territórios indígenas, bem como a mobilização dos indígenas e

dos seus aliados políticos para exigir o cumprimento das disposições protecionistas do

Estatuto do Índio.

O aumento destes conflitos levou os militares a intervir mais intensamente na

questão indígena, em razão da visibilidade política de sua incidência na problemática

fundiária, como uma ameaça à segurança nacional. Portanto, foi reformulado o dispositivo

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legal e administrativo de reconhecimento oficial das terras indígenas, no sentido de conter o

avanço deste movimento de reivindicações territoriais sustentado pelo Estatuto do Índio

(ALBERT, 1987, p. 123- 126), considerado como um impedimento à ocupação econômica da

Amazônia A partir de 1980, o processo decisório de delimitação das terras indígenas começou

a extrapolar a FUNAI, julgada por vulnerável às pressões políticas dos índios e indigenistas

(OLIVEIRA FILHO; ALMEIDA 1989, p. 49-50), e passou, em 1983, para um grupo de

trabalho interministerial (GTI) dominado pelos Ministérios do Interior (MINTER) e de

Assuntos Fundiários (MEAF) - este último dirigido pelo Secretário-Geral do Conselho de

Segurança Nacional (CSN). Este GTI foi instituído com a recomendação explícita de levar em

conta os empreendimentos econômicos de terceiros já existentes nas terras indígenas no

processo de sua delimitação (Carneiro da Cunha 1984). Abriu-se, também a autorização para

mineração em terra indígena (CPI/SP 1985).

Todavia, a mobilização popular, que viabilizou o fim dos governos militares em

1984, neutralizou o impacto imediato destas medidas e o MEAF foi substituído, no governo

da ―Nova República‖, pelo Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário (MIRAD),

ocupado por civis. Nesse período, deu-se um breve refluxo da intervenção pública dos

militares na questão indígena. No entanto, a tutela militar sobre esta questão continuou a

manifestar-se, ainda que discretamente, num processo de quase paralisação dos trabalhos do

GTI encarregado de definir as delimitações de terras indígenas. Assim, entre março de 1983 e

março de 1985, o GTI só havia aprovado 14 das 50 propostas de delimitação recebidas da

FUNAI (OLIVEIRA FILHO; ALMEIDA, 1985).

A partir de 1988, com a publicação da nova Constituição Federal inicia – se uma

nova concepção de Política indigenista que tem como intuito superar a ideologia

preconceituosa da incapacidade dos indígenas. Aos povos indígenas foi reconhecido o

protagonismo político na garantia e na efetivação dos seus direitos e a participação no

desenvolvimento de políticas públicas de seu interesse. Com isso, numerosos órgãos

governamentais e não-governamentais passaram a atuar nos diversos campos da ação

indigenista, o que permitiu o surgimento de programas específicos gerenciados por diferentes

instituições.

Os indígenas após a Constituição de 1988

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A Constituição de 1988 rompeu com a herança tutelar originada no Código Civil

de 1916, mudando o status dos índios, permitindo que individualmente ou através de suas

organizações ingressassem em juízo para defender seus direitos e interesses.

A Constituição Federal de 1988 rompeu a perspectiva integracionista estabelecida

desde o SPI, às terras indígenas seriam definidas desde então como aquelas que possibilitam a

reprodução dos índios, isto é, aquelas ―necessárias a sua preservação física e cultural, segundo

seus usos, costumes e tradições‖ (BRASIL, 1993, p. 16).

A proximidade da reunião internacional sobre meio ambiente, a ECO-92, que foi

realizada no Rio de Janeiro, estimulou a política de identificação e demarcação de terras no

início dos anos 90. Como consequência da reunião, iniciou-se o financiamento internacional

de programas para a proteção da floresta tropical. O ―Programa piloto para a proteção das

florestas tropicais do Brasil‖ (PPG-7) possibilitou a criação do Projeto Integrado de Proteção

às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL), responsável pela demarcação

das terras indígenas dessa região nos anos 90.

Na metade dos anos 90, o procedimento de identificação e demarcação de terras

indígenas passaria por uma nova interferência, com a edição do Decreto nº 1.775 (8/1/1996)

regulamentando novamente o procedimento administrativo de demarcação de terras

indígenas, instituindo a introdução do ―contraditório‖ ainda no percorrer do processo

administrativo. Por esse princípio, os procedimentos de demarcação de terras devem ser

transparentes e levar em consideração os argumentos e a documentação reunida e apresentada

à FUNAI pelas partes que se sentem prejudicadas em seus direitos.

As Políticas Indigenistas e os Akwẽ -Xerente

A política de aldeamentos teve início na região Centro Oeste do Brasil durante o

século XVIII e surgiu em decorrência do fato de que a guerra ofensiva contra os índios não

estava produzindo os efeitos desejados. A coroa portuguesa regulamentou esses aldeamentos,

determinando que estes fossem incialmente sustentados com recursos reais e, posteriormente,

se tornariam autossuficientes (CHAUÍ, 1983, p. 102). Essa política permaneceu no século

XIX com a construção dos Presídios Militares, com o intuito de garantir a navegação no rio

Araguaia. A resistência indígena persistia, com ataques aos presídios militares e às vilas de

não-índios. Por isso, novas tentativas de aldeamentos dos Akwẽ -Xerente foram levados a

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cabo por padres capuchinhos, contando com o apoio de intervenções punitivas das forças

militares do Governo.

O século XX foi marcado pela difícil sobrevivência dos Akwẽ -Xerente, devido os

conflitos existentes entre os indígenas e os fazendeiros que foram invadindo o pouco que

restava de seu vasto território de ocupação tradicional. O SPI só instalou dois postos de

assistência durante a década de 1940, principalmente após relatórios do etnólogo Curt

Nimuendajú, que denunciavam as péssimas condições de vida dos Akwẽ -Xerente.

É importante destacar que, ainda hoje, os Akwẽ -Xerente encontram-se lutando

para a manutenção de seu território, já que continua a pressão colonizadora sobre seu

território. A diferença é que, nos dias atuais, dominam ainda mais as nuanças que determinam

o avanço colonizador. Do mesmo modo, fruto de sua própria persistência e resistência, vêm

explicitando uma identidade própria, o que confere a eles maior força para serem

reconhecidos em seus direitos.

É necessário que se reafirme, a cada oportunidade, os direitos históricos que os

povos indígenas das terras americanas possuem sobre os territórios que ocupam desde tempos

imemoriais. As permanentes invasões sobre as terras indígenas também têm se dado nos

campos jurídico e ideológico.

A criação do Estado do Tocantins foi conquistada principalmente a partir de uma

grande pressão de grupos de poder com base de formação na propriedade da terra.

Determinou-se inicialmente para sua capital provisória o Município de Miracema do

Tocantins. Este município é limítrofe ao município de Tocantínia, onde estão localizadas as

áreas indígenas Xerente. O processo de demarcação do atual território dos Akwẽ -Xerente foi

pautado por violentas disputas que resultaram em mortes de ambos os lados. Os Akwẽ -

Xerente conquistaram a sua primeira área demarcada, denominada nos documentos pela

FUNAI como ―Área Grande‖. Entretanto, a área que compreendia a aldeia Funil ficou de fora,

o que fomentou a continuidade dos conflitos. Somente em 1976, quando ocorre um

desentendimento entre os Akwẽ -Xerente e os posseiros que resultou em cinco mortes,

acontece a demarcação e homologação da área Funil.

O território dos Akwẽ -Xerente localiza-se no cerrado do Estado do Tocantins,

na banda leste do rio Tocantins, 70 km ao norte da capital, Palmas. A cidade de Tocantínia,

localizada entre as duas terras indígenas, foi ao longo do século XX, palco de tensões entre a

população local não-indígena e os Akwẽ -Xerente.

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Modos de subsistência, educação e saúde dos Akwẽ -Xerente

Atualmente os Akwẽ -Xerente recebem uma alfabetização em língua Akwẽ e

portuguesa, são incluídos no ensino as ciências sociais, geografia, educação artísticas e

matemática. Essas escolas são de 1° a 4° ano e também de 5° a 9° ano. Se os alunos

pretendem prosseguir com os estudos este já poderá estudar no Centro de Ensino Médio

Indígena Xerente (CEMIX), que recebe alunos oriundos de 62 aldeias. Há indígenas que estão

fazendo cursos superiores em universidades públicas e privadas, e fazem cursos técnicos de

magistério e enfermagem. Atualmente também estão sendo oferecido a educação infantil nas

aldeias.

A subsistência dos mesmos consiste principalmente em produtos obtidos da roça e

dos recursos provindos da venda do artesanato, dos benefícios previdenciários pagos aos

anciãos e da renda dos Akwẽ -Xerente funcionários do governo estatal ou da Funai. Os

produtos mais cultivados entre eles são a mandioca, o arroz, o milho, a batata-doce, o feijão, a

abóbora, e algumas frutas como mamão, a melancia, a cana-de-açúcar, todos para consumo

doméstico.

A caça tem sido raramente praticada devido à escassez dos animais e as pressões

sobre os recursos naturais. A pesca, que já foi uma importante fonte de alimentação, tem

declinado progressivamente com o passar dos anos, devido ao impacto de grandes obras

(barragens, hidrelétricas) realizadas no rio Tocantins. Essas novas práticas de sustentabilidade

enfraquecem a identidade, cultura, valores e costumes dos Akwẽ -Xerente, pois eles estão

permeados pelas transformações da sociedade capitalista.

De acordo com Oliveira Reis (2001) a assistência à saúde é feita pela Fundação

Nacional de Saúde (Funasa), através de equipes volantes que percorrem as aldeias

esporadicamente, quando não, o encargo fica para os agentes de saúde indígenas treinados em

cursos técnicos e assalariados. Em casos mais graves, recorrem ao posto do Sistema Unificado

de Saúde (SUS), em Tocantínia, ou à maternidade e ao hospital de Miracema.

As leituras realizadas para essa pesquisa tem demostrado que com o surgimento

dos processos de globalização os Akwẽ - Xerente tem novos desafios como de sobrevivência

física, e cultural. Além da defesa do seu território cercado por empreendimentos agrícolas e

latifúndios.

Precarização das Políticas de Saúde e Educação no território dos Akwẽ -Xerente

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Miracema do Tocantins. Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618.

A questão indígena no Brasil, como expressão da questão social, faz necessária a

intervenção do assistente social, é incluída na profissão pelo seu Projeto Ético Político

Profissional quando se vincula ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem

dominação de etnia.

Segundo Iamamoto (2000) a raiz da produção e reprodução da questão social na

sociedade capitalista está na acumulação da miséria gerada a partir da lógica de acumulação

do capital. É uma questão estrutural que diz respeito ao conjunto das expressões das

desigualdades sociais encontradas na sociedade capitalista. Esta situação estimula a luta pela

cidadania e reconhecimento dos direitos sociais e políticos de todos os indivíduos sociais,

através da mobilização de grupos que sofrem essas disparidades por estarem inseridos no

processo capitalista. A intermediação do Estado através de políticas sociais é característica

nesta questão.

A questão social expressa, portanto disparidades econômicas, políticas e

culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de gênero,

características étnico-raciais e formações regionais, colocando a causa as

relações entre amplos seguimentos da sociedade civil e poder estatal.

(IAMAMOTO, 2000, p.27 ).

As expressões da questão social indígena se expressa como resultado de um

processo histórico em que os indígenas desde a colonização até hoje, tiveram seus direitos

violados, suas terras foram expropriadas, sofreram com as interferências políticas, sociais e

principalmente econômicas.

A realidade indígena suscita discussões no que diz respeito às condições de saúde

e educação em que se encontram. Dessa forma, convém destacar que a falta de assistência

nessas áreas traduz a fragilidade e a ineficiência das organizações responsáveis pela garantia

desses direitos.

Essa situação se agrava, sobretudo, pela inexistência de uma política indigenista

efetiva que não apenas garanta, mas planeje ações voltadas para a atenção à educação,

habitação e saúde dos povos indígenas, facilitando assim o acesso.

As condições de saúde se apresentam de forma precária, falta atendimento,

consultas são negadas, pacientes recebem apenas medicamentos paliativos em vez de um

tratamento adequado, falta transporte para os pacientes, faltam médicos nas aldeias e nos

postos de saúde. No território dos Akwẽ –Xerente do estado do Tocantins existem 62 aldeias

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com 3075 indígenas e para atender essa população existem apenas 2 médicos, que fazem

atendimentos nas aldeias 4 vezes por semana.

Nota-se, também, o aparecimento de novos problemas de saúde relacionados às

mudanças introduzidas no seu modo de vida e, especialmente, na alimentação: a hipertensão

arterial, o diabetes, câncer, o alcoolismo, o colesterol, a depressão e o suicídio são problemas

cada vez mais frequentes em diversas comunidades indígenas.

As políticas públicas para Educação Escolar Indígena foram formuladas a partir

da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu uma nova postura de reconhecimento e

valorização dos povos indígenas por parte do Estado brasileiro.

Ao implantar essas políticas, os Sistemas de Ensino levaram em conta princípios,

ideias e práticas educativas discutidos no movimento social indígena. Desse importante

movimento surgiu o conceito de educação escolar indígena como direito, caracterizada pela

afirmação das identidades étnicas, recuperação das memórias históricas, valorização das

línguas e conhecimentos dos povos indígenas.

Muitos avanços ocorreram a partir dessas mudanças, mas os direitos educacionais

dos povos indígenas ainda encontram obstáculos na organização dos Sistemas de Ensino no

Brasil, especificamente no Estado do Tocantins.

Considerações Finais

O estudo realizado sobre as políticas indigenistas no território dos Akwẽ -Xerente

facilitou a percepção da atuação do Estado brasileiro e de determinadas organizações como a

FUNAI, que foi criada com a finalidade de proteger os índios contra atos de perseguição e

minimizar os conflitos originados pela ocupação de seus territórios por diversos agentes

econômicos em expansão.

No entanto, a FUNAI utiliza uma política tutelar e tem uma ideologia

preconceituosa da incapacidade dos indígenas. Atende mais os interesses dos grupos

econômicos que visam às terras indígenas do que em garantir os direitos dos indígenas, que

viram seus territórios serem reduzidos e ocupados.

A ação ineficiente e omissa dessa organização e de outros órgãos governamentais

é compreensível no quadro da política desenvolvimentista do Governo Federal que, ao invés

de defender os direitos dos povos indígenas, estimula a penetração do modo de produção

capitalista nos territórios indígenas.

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A problemática enfrentada pelos indígenas atualmente requer, portanto, a

construção de políticas públicas mais adequadas. Logo, nota-se que, no âmbito governamental

há uma necessidade de determinar e propor, em diálogo com os povos indígenas, ações

políticas que permitam que os índios individualmente ou através de suas organizações

ingressassem em juízo para defender seus direitos e interesses. É necessário que seja

reconhecido o protagonismo político dos povos indígenas na garantia e na efetivação dos seus

direitos e a participação no desenvolvimento de políticas públicas de seu interesse.

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Como referenciar esse texto:

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AS CONTRIBUIÇÕES DOS RITOS KRAHÔ NO PROCESSO DE

ENSINO E APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS DA ESCOLA 19 DE

ABRIL

Marcilene de Assis Alves Araújo; Bolsista OBEDUC e Doutoranda em Letras: Ensino de

Língua e Literatura com ênfase em linguística, pela UFT, Campus de Araguaína, Professora

no Centro Universitário UnirG, [email protected];

Francisco Edviges Albuquerque. Coordenador Institucional do OBEDUC, Doutor em

Letras pela Universidade Federal Fluminense, Professor Adjunto III da UFT – Campus

Araguaína, [email protected].

RESUMO

Discutimos a interface entre os saberes tradicionais da cultura Krahô e os conhecimentos

linguísticos dos professores indígenas aplicados na alfabetização das crianças. Para Kleiman

(1998) o letramento se desenvolve mediante a participação da criança em eventos que

pressupõe o conhecimento da escrita e da leitura com a contribuição de diferentes instituições

para o letramento, como a escolar e a familiar, que são as mais eficientes para a aprendizagem

e prática social dos indivíduos. Ao chegar à escola, a criança, em condições normais de

desenvolvimento é dotada de competências: orais, gramaticais, sociais e comunicativas na sua

língua materna, antes mesmo de ser alfabetizada. O letramento é cultural e muitas crianças

vão à escola com o conhecimento alcançado de maneira informal absorvido no cotidiano.

Assim, propomos despertar os educadores indígenas para a necessidade de conhecer e

considerar na prática escolar os fatores envolvidos no processo de alfabetização, por meio dos

conhecimentos organizados pelas práticas dos rituais indígenas Krahô, nas quais se

desenvolvem suas concepções interativas orais e informais com o outro. Através do Programa

do Observatório da Educação realizamos várias visitas em média dez dias para cada uma, à

Aldeia Manoel Alves, realizando entrevistas e observações das práticas pedagógicas dos

professores indígenas, bem como das práticas sociointerativas das famílias, no seu cotidiano

e práticas de rituais. Essas visitas possibilitaram evidenciar que a Escola Indígena 19 de Abril

busca dialogar os saberes tradicionais Krahô com os saberes escolares, porém ainda enfrentam

grandes obstáculos para alcançar uma escola de base bilíngue, intercultural e diferenciada.

Palavras-chave: Educação Indígena. Alfabetização. Ritos Krahô. Interculturalidade.

INTRODUÇÃO

A educação escolar indígena específica e diferenciada é um direito estabelecido com a

promulgação da Constituição Federal (1988), caracteriza-se pela afirmação das identidades

étnicas, pela recuperação das memórias históricas, valorização das línguas e conhecimentos

dos diversos povos indígenas, devendo ser protagonizada pelos próprios povos indígenas,

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considerando suas especificidades. A identidade indígena antes da Constituição de 88 não

passava de memórias na história brasileira, realidade reforçada nos livros didáticos e nos

censos realizados pelo governo.

A Constituição de 1988 não só garantiu o direito de existência dos povos indígenas,

como foi um chamamento à sociedade brasileira para reconhecer a sua diversidade não só de

culturas indígenas, como também de línguas. É preciso superar os conceitos anacrônicos

ultrapassados que se tem das sociedades indígenas como selvagens, agressivos, intolerantes,

há de se considerar que esses povos desenvolveram diferentes formas de organização social e

como toda sociedade evolui, passa por transformações ao longo dos tempos de modo que a

dinamicidade e a complexidade são características intrínsecas a esses povos.

Nesse sentido, esse artigo apresenta resultados parciais de nossa pesquisa de doutorado

baseada em uma etnografia dos Krahô da Aldeia Manoel Alves, no Estado do Tocantins,

tendo como eixo norteador as práticas pedagógicas dos professores da Escola Indígena 19 de

Abril. Considerando que a transmissão de conhecimento indígena ainda se constitui pela

oralidade e observação, pretendemos suscitar reflexões acerca da importância das

manifestações ritualísticas e narrativas orais na transmissão de conhecimentos, crenças e

valores, numa abordagem de como essas narrativas são inseridas no contexto da sala de aula.

As atividades culturais, os momentos de conversas no interior da família e no pátio, a

pescaria, a ida às roças, a confecção dos artesanatos, a organização das festas, o banho no rio,

são práticas que contribuem para o processo de educação em sala de aula. Essas atividades

envolvem a participação de todos da comunidade, cada qual com as suas funções de

educadores não oficiais que devem ser agregadas às funções dos professores na escola

proporcionando um ensino que valoriza o conhecimento do aluno, integrando escola-família e

comunidade.

Sabemos que a oralidade não se opõe à escrita, nem depende dela apenas, afinal

aprendemos a dominar primeiro a falar para depois aprender a escrever. A escola precisa levar

o aluno à prática dos gêneros orais e escritos, dependendo da necessidade e do contexto da

sociedade, os gêneros devem ser inseridos no ensino escolar, uma vez que o papel da escola é

propiciar aos alunos diversas formas de produção cotidiana para confrontar com outras

formas. Ressalta-se que trabalhar o oral não só é levar o aluno a falar por meios dos gêneros

orais adequados à situação, mas também fazer o aluno entendê-los, interpretá-los quando

enunciados por outra pessoa, ou seja, implica também ensinar o aluno a ouvir.

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A seguir aplicaremos essa visão sobre os gêneros orais e o ensino na educação

indígena, objetivando-se contribuir para a implementação da educação indígena diferenciada.

O contexto escolar indígena é uma realidade da maioria das aldeias indígenas brasileiras as

quais oferecem ensino bilíngue de língua materna e da língua portuguesa no nível

fundamental e médio para sua comunidade diariamente, visando a oferta de uma educação

que valoriza os saberes da cultura indígena aproximando os alunos de sua própria realidade

sem desconsiderar o contexto da sociedade envolvente.

Para isso, nos basearemos nos estudos de Albuquerque (2007), Baniwa (2010),

Bortoni-Ricardo (2008), Ferreiro (1996) Grupioni (2006), Kleiman (2006), Maher (2010),

Marcuschi (2007), Medeiros (2012), Melatti (1993), Ribeiro e Garcez (1998), Ribeiro (1982),

Soares (2011 e 2010) dentre outros.

MATERIAL E MÉTODOS

O Tocantins é um Estado peculiar em sua formação sociocultural. Segundo

Albuquerque (2013, p. 135), ―atualmente, o Tocantins conta com uma população estimada em

11.739 indígenas, computando não somente os que habitam nas aldeias, mas também aqueles

considerados urbanos e desaldeados.‖ Esses povos estão distribuídos em: Apinayé, Javaé,

Karajá, Karajá- Xambioá, Krahô, Krahô Canela, e Xerente.

Cada um desses povos têm uma organização social e política inerente ao seu processo

de crescimento demográfico e às relações interculturais estabelecidas com o não indígena,

fatores que contribuem para valorização e manutenção de sua cultura e tradição, constituindo,

para a humanidade, um patrimônio de diversidade. Apreender essa diversidade sociocultural

torna-se uma questão imprescindível para entender com mais profundidade a natureza da vida,

dos sentimentos e das manifestações sociais.

A história do povo Krahô relaciona-se com a política e exploração do território

brasileiro, desencadeada a partir do final do século XVII, conforme Miranda (2010, pp. 6-7).

Os primeiros contatos com os não indígenas aconteceram no final do século XVIII, por meio

de invasões de terras, escravidão, dentre outras subversões. Nesse sentido, a história do povo

Krahô é marcada por grandes conflitos com os não indígenas, os quais passaram anos na

tentativa de torná-los civilizados, conforme Melatti (1972) e Albuquerque (2013).

Os Krahô pertencem à família linguística Jê, do tronco Macro Jê, segundo Rodrigues

(1986), sendo também denominados de indígenas timbira. Estão localizados nas terras

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indígenas Kraolândia, município de Goiatins-TO, às margens do rio Manoel Alves Pequeno.

Eles estão localizados no Estado do Tocantins, combinando o domínio da Amazônia, do

cerrado e do pantanal. Mantêm contato direto com a comunidade não indígena de Itacajá-TO,

uma cidade circundada pelas aldeias Krahô, propiciando a população citadina um processo de

interação intergrupo bem acentuado. Essas relações intergrupos não se dão de forma

homogênea, comportando situações que se caracterizam tanto por interesses quanto por

questões de subsistência e sobrevivência diante do processo de aproximação e contato com os

não indígenas.

A população indígena Krahô está distribuída em aproximadamente 28 aldeias, dentre

as quais está a Aldeia Manoel Alves, que serviu de locus para essa pesquisa. De acordo com

a Secretaria Estadual de Saúde Indígena-SESAI, com base no Censo ano 2013 a 2014, a

aldeia Manoel Alves Pequeno apresenta uma população aproximada de 298 indígenas, sendo

145 homens, 153 mulheres, distribuídos em 67 famílias e 44 casas.

As aldeias Krahô têm uma organização em formato de círculo que, segundo

Albuquerque (2007), é como um diagrama em que se imprimem e se descobrem as relações

dos homens com a natureza e as relações dos homens com as categorias que os governam.

Desse modo, as casas são todas construídas em torno de um grande pátio, o centro da aldeia,

cujo espaço é utilizado para reuniões e tomada de decisões. De acordo com relato do cacique

da aldeia, Dodanim, toda manhã eles se reúnem para planejarem o dia e às tardes se reúnem

para avaliação do ocorrido nas atividades do dia.

Conforme Melatti (1972), os Krahô cultuam três crenças sagradas: a harmonia da

natureza, a força das plantas e a celebração à vida. Consideram que a natureza se divide entre

o partido do verão (wacmejêmẽ) e o partido do inverno (katàmjê) e as duas forças são

complementares. Essa divisão de relações sociais constitui uma dimensão sócio espacial que

ultrapassa questões complexas consanguíneas e de parentescos, sendo relevante as relações

sócio afetivas, pois essas pessoas ficam ligadas pelo matrimônio, nascimento de filhos,

sistema de nomeação, enfim, uma escolha que ultrapassa as relações formais de parentesco,

estreitando-se para processos que revelam transformação limítrofes de relações sociais,

propiciando uma interação social mais ampla apropriada à preservação das boas relações e de

afinidades.

No âmbito familiar, o povo Krahô apresenta uma constituição de família extensa

matrilocal, pois o jovem recém-casado vai morar na casa da esposa mantendo obrigações com

seus sogros e cunhados. É levado a trabalhar para a família na roça do sogro e conviver nessa

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casa até o nascimento do primeiro filho. No entanto, embora após o nascimento do filho possa

morar em outra casa, ela deve ser construída nas proximidades da residência do sogro e ele

permanece ligado à família da esposa, tornando-se, de fato, um membro dela constituindo a

família uxorilocal. Albuquerque (2013).

O povo Krahô, assim como os demais grupos indígenas brasileiros, destaca-se por suas

diversidades linguísticas e culturais: corte de cabelo, artesanato próprio, língua materna, ritos,

mitos, cantigas, corridas de tora, dentre outros. Em especial, os mitos, ritos e cantigas são

elementos que constroem a identidade e o universo cosmológico Krahô. Numa visão

mitológica, Melatti (1972), diz que para os Krahô as plantas foram presente de Caxêkwỳj,

uma estrela que veio do céu e trouxe as sementes, transformando-se em moça, passou a

ensinar o povo a plantar e comer os frutos gerados pela terra, versão do mito de origem.

Para Melatti (1978), todo ritual remete a um mito, desse modo, os mitos são

recuperados em seus respectivos rituais que são inúmeros. Há os relacionados ao ciclo de

vida, às relações de laços consanguíneos e entre afins; outros se relacionam ao ciclo anual e à

iniciação, porém, nem todos são praticados com frequência, e há ainda, aqueles que deixaram

de ser realizados.

As corridas de tora fazem parte do cotidiano Krahô, sendo realizadas em vários rituais

e até mesmo como uma atividade de manifestação de emoções ligadas ao estado de viva

satisfação, júbilo, prazer, descontentamento, tristeza, enfim. A tora, para esse povo, não é

considerada apenas um tronco de árvore tirado do cerrado, cuja finalidade se limita apenas ao

ato de correr, mas adquire um valor espiritual muito significativo. No luto, por exemplo, usa-

se a tora para homenagear a pessoa que morreu, pois ―em certas ocasiões, as toras carregadas

nas corridas de revezamento representam espíritos dos mortos‖, conforme Schultz (1950, p.

54). Nesses momentos de extravasamento das sensações dos krahô, notamos que todo o

grupo se torna harmonioso nessa demonstração, os mais velhos manifestam suas expectativas

quanto à continuidade desses rituais representativos de sua cultura. Assim sendo, os mais

velhos repassam aos mais jovens aspectos significativos de suas tradições e manifestações

culturais.

Partindo da premissa de que esses desempenhos e comportamentos contribuem para ampliar as discussões e

reflexões acerca das atuais tendências educacionais, pautadas pelas mudanças de atitudes no ser humano,

propomos discutir, na sequência, questões sobre a alfabetização e o letramento das crianças indígenas da Escola

19 de Abril, tendo em vista que s crianças indígenas ao mesmo tempo em que se inserem em um processo

exógeno tem também as suas bases na manutenção e preservação de sua língua materna e cultura.

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O processo de entrada da criança no mundo da escrita sugere vários conceitos com

termos específicos, segundo o ponto de vista de diferentes pesquisadores, podendo ser

denominada como: alfabetização, aquisição da escrita, letramento, sócio construção da escrita,

entre outros termos. O termo literal alfabetização está associado à aprendizagem do alfabeto,

suas variações e de sua utilização como código de comunicação. São muitas as formas de

alfabetizar e cada uma delas destaca um aspecto no aprendizado. Desde o método fônico, que

faz associação entre as letras e sons, passando pelo método da linguagem total, que não utiliza

cartilhas; e o alfabético, que trabalha com o soletramento, todos contribuem de uma forma ou

de outra, para o processo de construção da leitura e escrita.

De um modo mais abrangente, a alfabetização é definida como um processo no qual o

indivíduo constrói habilidades de codificação e decodificação. Esse processo não se resume

apenas na aquisição dessas habilidades (escrever e ler), mas na capacidade de interpretar,

compreender, criticar, resignificar e produzir conhecimento, é o que se denomina de

letramento. Soares (2011) ressalta que o letramento está além da alfabetização, pois ensina a

ler e escrever, considerando o contexto sociocultural do aluno.

Para Kleiman (1998, p.183) ―o letramento é desenvolvido mediante a participação da

criança em eventos que pressupõe o conhecimento da escrita e da leitura [...].‖ Segundo a

autora existem diferentes agências para o letramento, como a escolar e a familiar, que são as

mais eficientes para a aprendizagem e prática social dos indivíduos.

Ainda para Marcuschi (2007), letramento não é apenas saber ler e escrever, mas uma

prática social de linguagem. Marcuschi (2007, p.25),

O letramento [...] envolve as mais diversas práticas da escrita (nas suas mais

variadas formas) na sociedade e pode ir desde uma apropriação mínima da escrita,

tal como o indivíduo que é analfabeto, mas letrado na medida em que identifica o

valor do dinheiro, identifica o ônibus que deve tomar, consegue fazer cálculos

complexos, sabe distinguir as mercadorias pelas marcas etc., mas não escreve uma

carta nem lê jornal regularmente, até uma apropriação profunda, como no caso do

indivíduo que desenvolve tratados de Filosofia e Matemática ou escreve romances.

Letrado é o indivíduo que participa de forma significativa de eventos de letramento

e não apenas faz uso formal da escrita.

Como se pode notar, há uma diferença entre letramento e alfabetização, e entre

alfabetizado e letrado. Consoante Soares (2006), uma pessoa alfabetizada não é

necessariamente letrada, pois alfabetizado é aquele que sabe ler e escrever, enquanto letrado é

aquele que não apenas domina a leitura e a escrita, mas sabe usá-las em diferentes contextos

sociais.

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Assim sendo,

um adulto pode ser analfabeto e letrado: não sabe ler nem escrever, mas usa a

escrita: pede a alguém que escreva por ele, dita uma carta, por exemplo, [...] - não

sabe escrever, mas conhece as funções da escrita, e usa-as, lançando mão de um

instrumento que é o alfabetizado [...], pede a alguém que leia para ele a carta que

recebeu ou uma notícia de jornal, ou uma placa na rua, ou a indicação do roteiro de

um ônibus – não sabe ler, mas conhece as funções da escrita [...]. É analfabeto, mas

é, de certa forma, letrado, ou tem um certo nível de letramento.

Uma criança pode ainda não ser alfabetizada, mas ser letrada: uma criança que

vive num contexto de letramento, que convive com livros, que houve histórias lidas

por adultos, que vê adultos lendo e escrevendo, cultiva e exerce práticas de leitura e

escrita: toma um livro e finge está lendo, [...] toma papel e lápis e ―escreve‖ uma

carta, uma história. Ainda não aprendeu a ler e escrever, mas é, de certa forma,

letrada, tem já um certo nível de letramento. (SOARES, 2006, p. 47).

Por outro lado, existem pessoas que são alfabetizadas e não são letradas, ou seja,

―sabe ler e escrever, mas não cultiva nem exerce práticas de leitura e de escrita, não lê livros,

jornais, revistas, ou não é capaz de interpretar um texto lido: tem dificuldades para escrever

uma carta, até um telegrama – é alfabetizada, mas não é letrada.‖ (SOARES, 2006, p.47).

Nota-se que o meio onde a criança vive influencia diretamente o desenvolvimento da

oralidade e da escrita. Se uma criança convive em uma comunidade letrada, em que a escrita

faz parte do cotidiano da família, a construção das duas modalidades da língua dar-se-á

concomitantemente, isto é, ―ao mesmo tempo que a criança aprende a falar ela começa a

aprender as funções e usos da escrita, podendo se tornar uma leitora e produtora de textos

não-alfabetizada, já com concepções sobre letramento.‖ (TERZI, 2003, p. 91).

Segundo essa mesma autora, com relação às crianças oriundas de meios iletrados ou

pouco letrados, é inquestionável o fato de que, ao iniciar o processo de alfabetização na

escola, elas já têm um bom domínio da língua oral, a qual varia de acordo com as

características do meio social em que essas crianças vivem. E todas essas experiências

linguísticas vão influenciar a aprendizagem da escrita.

Numa abordagem sociointeracionista o desenvolvimento do letramento se interage

com a oralidade, pois nesse contexto a criança assume e organiza práticas no seu âmbito

social, a partir do contato com as agências de letramento (escola, família,etc.), ou seja ela já

desenvolve suas concepções na interação oral e informal com o outro.

De acordo com Ferreiro (1996, p.24)

o desenvolvimento da alfabetização ocorre, sem dúvida, em um ambiente social,

mas as práticas sociais, assim como as informaçãoes sociais não são recebidas

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passivamente pelas crianças,quando tentam compreender, elas necessariamente

transformam o conteúdo recebido.

Em outras palavras, as crianças transformam e criam várias hipóteses para discernir o

conhecimento adquirido. Sobre isso, Ferreiro aponta na visão de Piaget que o sujeito ―procura

ativamente compreender o mundo que o rodeia, e trata de resolver as situações que este

mundo provoca‖. Maher (2010) afirma que as pesquisas com povos indígenas no âmbito da

sociolinguística para que obtenham sucessos significativos, é fundamental que seja realizada

análises quanto aos graus de vitalidade das línguas tradicionais nas aldeias e da relação dos

membros das comunidades indígenas em relação às línguas em contato, pois conforme o

autor, somente com a análise dessas questões as políticas linguísticas se tornam capazes de

proporcionar o fortalecimento das línguas maternas dos povos indígenas.

O Referencial Curricular Nacional Educação Indígena - RCNEI apresenta que o

ensino-aprendizagem de línguas contemple tanto o ensino da língua portuguesa, como o

ensino-aprendizagem da língua materna da comunidade indígena, além de outras línguas de

que necessite e/ou utilize nas interações interétnicas. A língua indígena como primeira

língua, sendo objeto de reflexão e estudo, tanto no nível oral quanto no escrito e tem a

função de ampliar a competência de uso da sua própria língua. A língua portuguesa é

compreendida como uma possibilidade do aluno de se expressar na variedade local,

favorecendo interpretar e compreender as bases legal que orienta a vida no país, sobretudo

no que se refere aos direitos dos povos indígenas.

Para atender a essas especificidades é preciso buscar formas didáticas de organizar

atividades escolares que permitem aos alunos indígenas conviver diariamente com essas

práticas linguísticas da língua materna e da língua portuguesa como segunda língua. A

educação indígena consiste no saber transmitido das tradições costumes, histórias,

organização do trabalho, vestuário, brincadeiras, cantigas, conforme os costumes dos povos

indígenas que constroem o seu fazer cotidiano de acordo com a natureza. Desenvolver um

bom trabalho com a leitura e escrita é orientar os alunos para que construam o sentido

daquilo que leem, combinando a informação do texto com seu próprio conhecimento

cultural.

Nesse sentido, os métodos de perfil qualitativo são aqueles que mais contemplam o

entendimento do movimento e a qualificação do objeto. Desse modo, o método

sociointeracionista propõe uma forma de compreender como se ensina e se aprende a língua

escrita, como uma nova didática da leitura e escrita, no texto, na qual se relacionam os

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diferentes aspectos envolvidos nesse processo discursivo: como, o quê, por que, para que,

quando, onde, quem, com quem ensinar e aprender a língua escrita.

A perspectiva sociointeracionista decorre das teorias linguísticas e

psicolinguísticas, utilizadas para explicar o processo de ensino-aprendizagem da língua. Na

perspectiva interacionista, considera-se que o processo de aprendizagem do sujeito depende

essencialmente da interação com o outro e, sobretudo, das relações de ensino, no caso da

aprendizagem escolar. Trata-se, assim, de um processo social, porque acontece entre as

pessoas; e nesse processo a linguagem/língua tem função constituidora e mediadora.

Quando uma pessoa aprende uma língua, desde antes da alfabetização escolar,

aprende certos modos de pensar, sentir querer e agir, desenvolve certas estruturas cognitivas

e produz significados e sentidos que não estão ―prontos‖, mas dependem da aprendizagem

na interação com muitos outros. Esta é uma diferença fundamental; o lugar da

linguagem/língua e do outro no, processo de desenvolvimento cognitivo e de aprendizagem

escolar da língua escrita, por parte do aluno.

Os estudos referentes à questão indígena exigem métodos capazes de abordar a

complexidade com que as relações sociais se manifestam, fazendo-se necessário um

contexto analítico que permita penetrar na essência das contradições sociais. Isso

fundamenta uma concepção de pesquisa cujas pretensões são construídas a partir de uma

perspectiva crítica, questionadora e dialógica. Nesse contexto, pela complexidade de análise

do objeto de pesquisa, consideramos os pressupostos da teoria da complexidade para

subsidiar os contextos de aprendizagem nos quais se constituem a cultura Krahô como

sistemas complexos, mas imprevisíveis, cautelosos e propensos à mudança.

Assim sendo, esse trabalho está calcado numa abordagem da Sociolinguística

Interacional com o intuito de evidenciar as implicações das práticas comunicativas nas

interações intragrupo, por meio dos rituais, como estratégia socioeducacional utilizada pelos

professores para preservação e manutenção da língua materna, pois no processo de

transmissão dos saberes tradicionais as marcas identitárias são reconhecidas, revelando

tradições, sentimentos, costumes, além da manifestação de contextos sociohistóricos,

culturais e linguísticos de um povo.

Numa proposta interdisciplinar e dialógica entende-se que esse tema permeia,

também, por conceitos da Antropologia, Etnolinguística, Línguas e Culturas Indígenas, pois,

percebe-se no âmbito das interações sociais dos Krahô uma estreita relação entre os

domínios sociais e comportamentos linguísticos deles em relação à língua materna e língua

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portuguesa, configurando-se com os contextos histórico, cultural, linguístico, social,

político, econômico e do sistema cosmológico do povo Krahô da aldeia Manoel Alves

Pequeno.

Dentre os procedimentos da pesquisa estão os de orientação etnometodológica, com

base nos estudos de Hymes (1996), considerando, como unidade de análise os eventos de

fala situados no tempo e no espaço, focalizando os processos sociais materializados na

pluralidade de condições interativas, intragrupo, como mecanismos de constituição

sociocultural e de preservação linguística do povo Krahô.

Isso posto, esse é um trabalho com abordagem qualitativa de análise dos dados, o

que requer da pesquisadora, o contato direto com os informantes, procurando uma

abordagem analítica reflexiva a partir da realidade sociocultural. Para isso, utilizaremos para

análise dos dados a técnica de análise de conteúdos numa perspectiva da Sociolinguística

qualitativa. A pesquisa foi participante e etnográfica, necessitando que o pesquisador se

insira na comunidade para vivenciar experiências do seu cotidiano, proporcionando à

observação um processo de interação social em situações naturais, propiciando interpretar o

fenômeno estudado a partir de suas relações com o contexto social mais amplo, e não apenas

em função de suas relações internas. Segundo Ezpeleta e Rockwell (1989) um estudo dessa

natureza permite a construção de um presente histórico, no qual se reconhece vestígios e

contradições de múltiplos processos da construção histórica.

Podemos dizer que na pesquisa qualitativa a observação participante tem se

apresentado a partir das diferentes perspectivas objetivista, subjetivista e

interpretativa. A primeira, numa versão positivista da representação etnográfica de

cultura, em busca da objetividade, considera a cultura como uma totalidade

objetiva passível de ser representada por um vocabulário supostamente neutro e/ou

transparente. A segunda, numa concepção romântica em busca de autenticidade,

considera a cultura uma totalidade subjetiva a ser expressa com autenticidade, seja

pelos nativos seja pelos etnógrafos, daí resgatar através de uma interpretação os

símbolos e significados presentes nesta cultura. A terceira, numa linha da

interpretação da cultura, possibilita principalmente pelos trabalhos de Geertz, vê a

cultura como um texto portador de um significado que deve ser resgatado pela

interpretação. (FREITAS et all, 2003, pp.30 e 31).

As técnicas referentes aos procedimentos para coleta de dados constituíram-se de

observação participante, entrevistas, questionários, diário de campo, gravações em áudio e

vídeo, análise de documentos. Na observação participante, segundo Bortoni-Ricardo (2008), é

preciso desenvolver uma rotina de trabalho. O pesquisador não deve recuar em face de um

cotidiano que muitas vezes se mostra repetitivo e de dedicação intensa. Mediante notas e

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manutenção do diário de campo, o pesquisador se autodisciplina a observar e anotar

sistematicamente. Sua presença constante contribui, por sua vez, para gerar confiança na

população estudada.

As entrevistas foram semiestruturadas, pois essa técnica é mais vantajosa por

permitir uma maior interação entre o entrevistado e o entrevistador, além de permitir

―correções, esclarecimentos e adaptações que a tornam sobremaneira eficaz na obtenção das

informações desejadas.‖ Lüdke e André (1986, p. 34). Nas entrevistas, buscamos

informações sobre a identificação do entrevistado, sobre os conhecimentos culturais e

linguísticos, bem como sua constituição enquanto indígena Krahô. Foram coletadas, ainda,

documentações históricas, constituindo histórias do povo Krahô, além de informações junto

aos órgãos oficiais ligados à questão indígena.

Para realizar todo esse processo de interação dialógica e coleta dos dados foram

realizadas imersões na aldeia, com realização de oficinas em língua materna e em língua

portuguesa, com ênfase na manifestação da linguagem, compartilhando conhecimentos, para

estruturação de propostas pedagógicas que visem a organização de materiais didáticos que

aperfeiçoem o processo ensino aprendizagem da língua Krahô. Portanto, entende-se que ao

instaurar-se um processo de pesquisa social de conotação dialética tem a explicitação e a

manifestação interacional qualitativa entre sujeito e objeto, entre sua objetividade e

subjetividade, estabelecendo-se, dessa forma, o princípio da dialogia permanente.

RESULTADOS

Por muitos anos, o Brasil atribuiu à questão indígena e à escolarização dos

indígenas princípios legados ao processo de civilização e preparação de mão de obra e

cristianização dos indígenas, mantendo-se esses preceitos até recentemente. A partir de

1970, essa realidade se transforma, quando a partir das discussões pelo reconhecimento e

preservação da diversidade étnica do povo indígena passa a ser reconhecido como direito na

constituição de 1988, possibilitando novos princípios e perspectivas para a educação escolar

indígena, pautados por uma escola indígena comunitária, intercultural, bilíngue, específica e

diferenciada.

Comunitária, porque a participação da comunidade em todo o processo pedagógico é

fundamental para a construção da escola: na definição dos objetivos, dos conteúdos

curriculares, do calendário escolar, da pedagogia, dos espaços e momentos da

educação escolar. Intercultural, pois a escola deve reconhecer e manter a diversidade

cultural e linguística de sua comunidade, além de promover uma situação de

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comunicação entre experiências socioculturais, linguísticas e históricas diferentes.

Bilíngue, visto que deve ensinar o português, para possibilitar o diálogo com o

mundo não indígena que os rodeia, mas, principalmente, a língua materna da

comunidade indígena – para garantir a sua manutenção e, sobretudo, porque é por

meio da língua originária que se expressa e se manifesta a cultura. Específica e

diferenciada, porque deve ser concebida e planejada como reflexo das aspirações

particulares de cada povo indígena e com autonomia em relação à construção de sua

escola. (MEDEIROS, 2012, p. 83)

Os saberes tradicionais representam o universo cultural local e as narrativas orais

indígenas no contexto escolar é uma forma de reconhecer que a escola é o espaço de

diálogos entre saberes e, não o domínio de um saber único. Portanto, uma pratica docente de

caráter intercultural, bilíngue e multidisciplinar, no âmbito educação escolar Krahô a partir

do repasse dos conhecimentos tradicionais, por meio dos rituais mantidos pela tradição oral

fortalece a construção de uma aprendizagem aplicada a diversos contextos, articulados à

estrutura da realidade social e cultural.

A Escola Indígena 19 de Abril adota a pedagogia de projeto como proposta

pedagógica de ensino, aplicando atividades estabelecidas por temáticas que são

desenvolvidas em pequenos projetos. Na pedagogia de projeto, o aluno aprende no processo

de produzir, levantar dúvidas, pesquisar e criar relações que incentivam novas buscas,

descobertas, compreensões e reconstruções do conhecimento, segundo, Prado in Almeida e

Moran (2005, p.13) No entanto, tem que conciliar os interesses da comunidade com os

interesses do sistema escolar, como o cumprimento do calendário escolar e de conteúdos

programáticos.

A escola indígena ainda tem muito a superar, para que seja de fato específica e

diferenciada. Superar as transgressões de um Estado opressor e a hipocrisia de um sistema

escolar que prega a democracia e pratica a ditadura. Mas o importante é saber que já há

iniciativas, como as atividades realizadas na escola 19 de Abril e em outras poucas aldeias,

que objetivam uma escola indígena que seja autônoma, que valoriza os diferentes saberes e

que reconhece a importância das narrativas e o quanto elas revelam e fortalecem a cultura de

um povo.

DISCUSSÃO

Ao longo dessa pesquisa, procurou demonstrar a importância da interação dos

conteúdos em sua práxis e diversificação de estratégias para o trabalho do ensino da Língua

Portuguesa. Ao trabalhar o conteúdo textual de forma atrativa, agregando ao conhecimento de

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domínio sociocultural do aluno, obtêm-se resultados qualitativos e construtivos que

demonstram uma ação efetiva e concreta por parte do educando. Dessa forma o tempo e os

conteúdos tornam-se razão direta da motivação e construção do conhecimento.

A aprendizagem significativa para o aluno ocorre quando ele está interessado e se

mostra decidido em aprender, isto é, quando está motivado, ou seja, motivar é despertar o

interesse e esforço do aluno, é fazê-lo ―desejar‖ aprender aquilo que ele precisa aprender. Ao

mesmo tempo em que nos permite considerar que o desinteresse também pode estar

relacionado diretamente com a metodologia utilizada em sala de aula. Aulas desinteressantes

e desvinculadas da realidade social resultam em alunos cada vez mais desinteressados.

Entende-se que o papel motivador, não cabe exclusivamente ao professor, mas à instituição de

ensino como um todo.

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Como referenciar esse texto:

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PESQUISA EDUCAÇÃO, CULTURA E MUNDO RURAL - EDURURAL, 5: Pesquisa em Educação:

Diálogos Interdisciplinares na Trajetória Histórica da Pedagogia e da Geografia, 2014. Miracema do Tocantins.

Anais. Miracema do Tocantins: EDURURAL. p. 08- 347. ISBN: 9788563526618. P. 321-335.