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Page 1: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995

112 - Comércio e Integração Regional

A ABERTURA COMERCIAL BRASILEIRA

Rubens Ricupero *

Evandro Didonet **

NOTA INTRODUTÓRIA

Até o último minuto estive tentado a

descumprir o compromisso de tratar deste

tema. Quando aceitara a tarefa, as

circunstâncias eram não só diversas mas

de sentido quase oposto. O convite para

escrever o artigo foi, creio, de outubro de

1994, quando parecia haver unanimidade

em favor da liberalização comercial. Desde

então, a crise mexicana, o reaparecimento

dos déficits comerciais e as medidas de

contenção das importações fizeram ir pelos

ares o frágil quase-consenso. O terreno

ficou semeado de tantas minas que os

homens prudentes fariam bem em só pisá-

lo muito de leve.

Havia, além disso, a minha posição

pessoal a considerar. No Ministério da

Fazenda, ou antes, como representante

junto ao GATT durante a Rodada Uruguai,

como embaixador em Washington depois,

sempre defendi de público, em artigos e

conferências, a abertura da economia. Se

já era, assim, difícil manter a isenção numa

atmosfera de relativa serenidade, o que

dizer, sem correr o risco de ser mal

compreendido ou destorcido, quando a

controvérsia voltava a se acender?

Teria, portanto, me resignado a

arquivar mais este projeto, não fosse a

iniciativa e competência do meu colega

Evandro Didonet. Com ele discuti

francamente em Roma os prós e os contras

do dilema e chegamos à conclusão de que

não se podia fugir ao debate. Eu

continuava a hesitar, no entanto, e, sem

esperar, Didonet apresentou-me um

trabalho onde havia logrado dar forma fiel e

objetiva às idéias que ele e eu partilhamos

e discutimos. Diante do resultado, que me

parecia identificar, com equilíbrio

desapaixonado, o caminho correto a seguir

em questão de tamanha complexidade,

superei as dúvidas sobre a utilidade do

exercício. Contribuí com um ou outro

retoque ao quadro dos argumentos e das

conclusões. Deixo constância do crédito

que corresponde ao julgamento

amadurecido e aos conhecimentos seguros

de Evandro Didonet. Esperamos, ele e eu,

que os fatos e as razões aqui expostos

demonstrem ser possível tratar de tema

vital para o futuro econômico do Brasil sem

deixar-se contaminar por ideologias,

preconceitos ou interesses políticos

transitórios.

( Rube ns R ic uper o - Roma , ma io de 19 95 )

Os déficits registrados na balança

comercial brasileira a partir de novembro

de 1994 provocaram o reaparecimento do

debate sobre o processo de abertura

iniciado no final dos anos 80. A

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Comércio e Integração Regional - 113

preocupação com a evolução da balança

comercial brasileira acentuou-se com a

eclosão, no final de 1994, da crise cambial

mexicana. O atual momento se presta,

portanto, a uma reflexão sobre o processo

de abertura comercial.

O presente texto terá a seguinte

estrutura:

I. breve descrição da abertura comercial

brasileira, bem como de suas

motivações e de seus resultados

iniciais;

II. impacto inicial da abertura comercial

sobre o nível de importações;

III. a abertura comercial, o Plano Real e a

crise mexicana;

IV. conclusões.

I. BREVE DESCRIÇÃO DA ABERTURA COMERCIAL

BRASILEIRA

Não caberia num trabalho limitado

como este um histórico mais amplo sobre a

problemática do comércio exterior

brasileiro. As discussões entre defensores

do protecionismo e do livre-cambismo já no

Conselho de Estado do Império de meados

do século passado ou a oposição, a partir

dos anos 30, entre os partidários da

proteção à indústria nacional, como

Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi, de um

lado, e de outro os advogados de um

comércio sem barreiras, como Eugênio

Gudin e Valentim Bouças, figurariam

melhor num estudo com maiores

credenciais de rigor acadêmico.

Para os nossos objetivos, bastaria

dizer que, desde os anos 50 até o final dos

anos 80, o Brasil seguiu uma política de

substituição de importações, com o objetivo

principal de incentivar o desenvolvimento

da indústria nacional. Um julgamento

equilibrado sobre os efeitos dessa política

deve incluir o reconhecimento de que, em

alguma medida, e em determinados

campos da atividade econômica, contribuiu

para o dinamismo da economia brasileira

até o final dos anos 70.

A partir dos anos 80, contudo, o

modelo de substituição de importações

passou a apresentar sinais de

esgotamento. Se, no passado, o rígido

controle das importações havia sido -ainda

que nem sempre de forma estruturada e

coerente - um elemento de política

industrial, pelo menos a partir da crise da

dívida externa a substituição de

importações passou a constituir um

expediente para a administração dos

problemas cambiais. O fechamento da

economia se tornara um fator de crescente

defasagem tecnológica da indústria

brasileira, e de incentivo à manutenção de

"cartórios" para empresas ineficientes.

O primeiro esboço de liberalização

comercial havia ocorrido no período em

que Roberto Campos e Octávio Gouveia de

Bulhões, após o trabalho de saneamento e

estabilização de 1964-65, tentam eliminar o

viés anti-exportador das políticas e práticas

de então, e imprimir à economia um

impulso alimentado em parte pelas

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114 - Comércio e Integração Regional

exportações. Não deixa de ser uma

curiosidade histórica especular sobre o que

"poderia ter sido e não foi", caso o Brasil

tivesse perseverado em tentar um modelo

mais aberto, no justo momento em que

países como a Coréia do Sul ensaiavam

seus primeiros passos nesse caminho até a

época pouco explorado. A partir dos anos

70, as mudanças de política econômica e

as conseqüências tiradas dos choques do

petróleo levarão a um retrocesso e à morte

precoce desse primeiro intuito de reforma

comercial.

A abertura comercial brasileira só vai

ter início efetivo no final dos anos 80. A

constatação do esgotamento do modelo de

substituição de importações reflete-se no

fato de que a passagem a uma política de

maior exposição da economia brasileira à

competição internacional se deu sem

traumas, e sem contestação relevante por

parte dos diferentes setores da sociedade

brasileira. Ainda que não se possa falar em

consenso, registrou-se, desde o final dos

anos 80, amplo grau de apoio interno ao

processo de abertura comercial, que teve

continuidade ao longo dos governos José

Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e,

agora, Fernando Henrique Cardoso. Seria

incorreto, assim, identificar a abertura

comercial - como muitas vezes o fazem os

seus críticos - a um projeto de inspiração

neoliberal.

De uma forma simplificada, os

objetivos mais imediatos da abertura

comercial poderiam ser resumidos nos

seguintes aspectos:

a) submeter a economia brasileira a um

"choque de competitividade", levando

nossas empresas a buscar formas mais

eficientes de produção - em benefício,

inclusive, de sua capacidade de

exportação;

b) facilitar a importação de bens de capital

e de tecnologias essenciais para a

modernização do parque industrial;

c) introduzir maior grau de competição em

setores oligopolizados da economia

brasileira, em benefício dos

consumidores e, também, como fator

de contribuição aos esforços de

controle da inflação.

O fato de o Brasil abrir sua economia

deveria ser visto, ademais, como parte de

uma nova política de desenvolvimento, em

que o comércio internacional - importações

e, também, exportações - passaria a

desempenhar papel mais importante.

Buscava-se, na expressão já um tanto

desgastada pelo uso, uma "maior inserção

do Brasil na economia internacional".

A experiência do acelerado

crescimento das economias dinâmicas da

Ásia contribuiu para ressaltar, a partir dos

anos 80, a importância do comércio exterior

como alavanca para o processo de

desenvolvimento. Não se pretende afirmar

que a abertura ao exterior é, por si só,

elemento suficiente para explicar o "salto"

daquele grupo de economias. Ao contrário,

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Comércio e Integração Regional - 115

nunca é demais repetir que o

desenvolvimento daquela região se baseou

em uma série de elementos essenciais e

anteriores - tais como estabilidade fiscal e

monetária, altas taxas de poupança interna,

prioridade à educação básica, relativa

homogeneidade sócio-cultural -, a partir

dos quais se deu a preparação para a

competição nos mercados internacionais.

De qualquer forma, uma das

características comuns do esforço de

desenvolvimento dos países asiáticos é a

atenção ao desempenho das exportações,

que se reflete em uma participação

crescente nos fluxos de comércio

internacional. O grupo de países formado

pelo Japão, pelos quatro "tigres", pela

Indonésia, Malásia e Tailândia aumentou

de 7.9% em 1965 para 18.2% em 1990 sua

participação no total das exportações

mundiais.

É útil, neste ponto, uma comparação

entre o desempenho exportador do Brasil,

da China Popular e da Coréia do Sul. Há

uma década, os valores de exportação

eram semelhantes. Em 1984, o Brasil

exportou US$ 27 bilhões. Em 1993,

enquanto as exportações do Brasil não

ultrapassavam US$ 38.6 bilhões, a China

Popular exportou US$ 92 bilhões e a

Coréia do Sul, US$ 82 bilhões. Também

pelo lado das importações a China Popular

e a Coréia do Sul apresentaram, no mesmo

ano, dados bem mais expressivos: US$

104 e US$ 84 bilhões (cif),

respectivamente, contra US$ 25.5 bilhões

no que diz respeito ao Brasil.

Esses dados ilustram de forma muito

significativa a perda de posição do Brasil

nos mercados internacionais. Se, em 1984,

nossas exportações correspondiam a 1.5%

do total mundial, essa cifra limitava-se a

pouco mais de 1% em 1993. Se

tivéssemos, ao longo desse período,

apenas mantido nossa participação no total

das vendas internacionais, teríamos

exportado aproximadamente US$ 55

bilhões em 1993.

Durante certo período, a importância

de uma maior participação do Brasil nos

fluxos de comércio internacionais foi

ofuscada pelo artificialismo do debate

interno sobre uma alegada opção

excludente entre o mercado interno ou um

"modelo exportador". Na verdade, como

bem o demonstra o exemplo das

economias dinâmicas asiáticas - inclusive

da China Popular, com dimensões

territoriais e demográficas superiores às do

Brasil - exportar é uma das formas mais

eficientes de criar empregos, gerar

riquezas e, portanto, de fortalecer o próprio

mercado interno.

A alusão aos países asiáticos de

economia dinâmica no âmbito deste

contexto torna necessária menção a um

certo tipo de crítica ao processo de

abertura comercial na América Latina. Tais

críticas tomam por base, muitas vezes, o

argumento de que aqueles países, à

diferença de nossa região, teriam sabido

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116 - Comércio e Integração Regional

lançar-se a uma acirrada competição nos

mercados internacionais, mas ao mesmo

tempo teriam mantido relativamente

protegidos seus mercados internos.

Esse debate comporta, na verdade,

argumentos de natureza distinta. No livro

The East Asian Miracle, o Banco Mundial

comenta que, efetivamente, a política

comercial de todos os países asiáticos de

economia dinâmica - à exceção de Hong

Kong - passou por uma fase de

substituição de importações. Por outro

lado, em todos esses países a política

comercial que favorecia a produção

substitutiva de importações, em detrimento

das exportações foi sendo

progressivamente abandonada em favor de

um "export-push approach".

Ao mesmo tempo, o Banco Mundial

observa que, ainda que as economias

dinâmicas da Ásia tenham seguido modelo

de substituição de importações, o fizeram

em menor escala do que em outras regiões

em desenvolvimento. Assim, em 1985 -

antes portanto da generalização da

abertura na América Latina -, o grau de

proteção (tarifas e medidas não-tarifárias)

de que se beneficiavam as empresas dos

países em desenvolvimento dinâmicos da

Ásia equivalia a apenas 40% do grau de

proteção na América do Sul. Observa

também o Banco Mundial que mesmo as

firmas que se beneficiavam de maior

proteção relativa nos países asiáticos de

economia dinâmica trabalhavam sempre

com a perspectiva da necessidade de

competição futura no mercado

internacional, na medida em que as ações

oficiais relacionavam a continuação da

proteção à apresentação de um

desempenho exportador positivo após

determinado período.

Em contraste, a proteção era entre

nós permanente, ilimitada, sem a previsão

de "phase out", de atenuação dentro de

prazos pré-determinados. Foi também

excessiva, com níveis exagerados de

tarifas, absoluta e redundante,

combinando, ao mesmo tempo, medidas

que seriam, cada uma individualmente,

suficientes para assegurar a proteção:

tarifas de mais de 100% até para goiabada,

barreiras quantitativas e não-tarifárias,

como as proibições do "anexo C", exigência

de licenciamento prévio da CACEX, o

princípio da inexistência do similar

nacional, a obrigação de garantir o

financiamento das importações, o

programa de importação por empresa, etc.

Não é de admirar, portanto, que, protegidos

por essa panóplia de modo absoluto e

permanente, alguns setores como o têxtil,

por exemplo, vítimas por sua vez da

impossibilidade de importarem

equipamentos modernos (devido ao

suposto similar nacional), se tivessem

descuidado de manter a capacidade

competitiva, só sobrevivendo em certos

casos como exportadores por causa das

cotas do Acordo Multifibras. No momento

em que se abriu finalmente o mercado

brasileiro, tais setores se encontram

despreparados para enfrentar coreanos e

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Comércio e Integração Regional - 117

outros. O erro não estaria talvez na idéia da

proteção, mas em como o sistema de

proteção foi administrado, transformando o

que deveria ser temporário e moderado em

algo de permanente e absoluto. A

tendência humana ao menor esforço se

encarregou do resto...

Os comentários sobre os países

asiáticos de economia dinâmica tendem a

reforçar, assim, a avaliação feita no início

deste texto de que não caberia uma

condenação generalizada, de cunho

ideológico, do modelo de substituição de

importações. A experiência parece

demonstrar, efetivamente, sua utilidade -

dentro de limites razoáveis - em um

primeiro momento do processo de

industrialização. Ao mesmo tempo, as

características da substituição de

importações na Ásia e a constatação de

que o modelo foi sendo flexibilizado com o

passar do tempo reforçam, do mesmo

modo, a argumentação desenvolvida em

favor da revisão do modelo de substituição

de importações no Brasil.

O processo de abertura comercial no

Brasil, em sua vertente de facilitação a

operações de importação, pode ser dividido

em duas linhas essenciais: a) decisões

unilaterais e b) formação do MERCOSUL.

No que diz respeito às decisões

unilaterais de abertura da economia, esse

processo inclui, de um lado, a virtual

eliminação de barreiras não-tarifárias e, de

outro, a implementação de abrangente

programa de redução gradual das tarifas de

importação.

As barreiras não-tarifárias começaram

a ser marcadamente flexibilizadas já em

1988. Naquele ano, os pedidos de licença

de importação passaram a ser concedidos

automaticamente sempre que não

implicassem perfuração do valor atual,

previamente aprovado, do programa de

importação de uma determinada empresa.

No mesmo ano, foi reduzida de 2400 para

1200 itens a lista de produtos cuja

importação estava suspensa. Em 1990, foi

eliminado o limite quantitativo, em dólares,

por importador, extingui-se a lista de

produtos cuja importação estava suspensa

(o chamado "anexo C"); e foi suprimido o

exame do similar nacional. As medidas

citadas nesse parágrafo têm, apenas,

caráter ilustrativo em relação ao amplo

processo de desmantelamento das

barreiras não-tarifárias.

A tarifa média nominal passou por

abrangente processo de reduções

graduais: 51% em 1987; 35% em 1989;

32% em 1990; por fim, cumprida a última

etapa do cronograma pré-fixado de

reduções realizadas a partir de fevereiro de

1991, 14% em julho de 1993. A tarifa

máxima, que era de 105% em 1987,

reduziu-se progressivamente a 35% em

julho de 1993.

As reduções tarifárias foram feitas,

portanto, de forma gradual, e de modo a

permitir o ajuste das empresas brasileiras.

Além disso, a tarifa brasileira em vigor a

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118 - Comércio e Integração Regional

partir de julho de 1993 - por meio da

fixação de alíquotas mais elevadas, de

35%, para os setores produtivos com maior

incorporação de valor agregado - refletia a

preocupação oficial em manter o equilíbrio

entre, de um lado, a necessidade de expor

a economia nacional à competição

internacional e, de outro, o propósito de

evitar o risco de "sucateamento" da

indústria.

O caráter unilateral da abertura

comercial brasileira foi muitas vezes objeto

de críticas no sentido de que o país não

teria sabido negociar nada em troca. A

esse respeito, deve-se observar que a

abertura comercial decorria de um

interesse próprio e imediato, e não de uma

concessão a interesses externos. De resto,

cabe relembrar que a contrapartida acabou

se dando no contexto da Rodada Uruguai

do GATT - na qual o Brasil se habilitou a

usufruir de todos os benefícios resultantes

da diminuição de barreiras comerciais de

terceiros países, sem ter feito em troca

qualquer concessão comercial além de seu

programa de abertura unilateral.

É preciso não subestimar igualmente

a pressão que, a partir da melhoria do

balanço de pagamentos, começou a ser

exercida sobre o Brasil pelos seus

parceiros industrializados. Tais pressões

iam das contestações cada vez mais

vigorosas feitas no seio do Comitê do

GATT incumbido de examinar como o país

vinha utilizando a exceção permitida pelo

artigo XVIII-B do Acordo Geral (era graças

a essa exceção que as medidas restritivas

brasileiras podiam ser justificadas) até a

graduação no Sistema Geral de

Preferências e as ameaças mais sérias de

negar a produtos brasileiros o acesso a

mercados nas nações desenvolvidas. O

Brasil só escapou de um contencioso grave

com os EUA devido à decisão adotada em

março de 1990 de eliminar as barreiras

não-tarifárias. Nas vésperas dessa decisão,

o Governo norte-americano já havia

designado o Brasil como um dos alvos

primordiais da lei Super 301 e tinha

anunciado sua intenção de pedir no GATT

um painel contra as restrições brasileiras,

não obstante a invocação por Brasília do

artigo XVIII-B. Não é verdade, pois, como

presumem os críticos, que o país

dispusesse da liberdade de continuar

impunemente a aplicar o arsenal de

proteção. Ao contrário, se não tivesse

ocorrido a liberalização, é provável que os

conflitos comerciais viessem a afetar

significativamente o desempenho comercial

brasileiro. Isso, é claro, sem mencionar o

absurdo de supor que o Brasil pudesse

concluir a Rodada Uruguai e ingressar na

OMC sem uma reforma substancial de seu

regime comercial.

A formação do MERCOSUL - talvez

até hoje o mais importante projeto em que

se envolveu, em posição de liderança, a

nossa diplomacia econômica - constitui um

capítulo especial da abertura comercial

brasileira. Dispondo de amplo apoio por

parte dos mais diferentes segmentos da

sociedade brasileira, o MERCOSUL tornou-

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Comércio e Integração Regional - 119

se possível apenas no quadro mais geral

da abertura comercial. Ao mesmo tempo, o

êxito do MERCOSUL viria a constituir, de

sua parte, um impulso de fortalecimento do

próprio processo de abertura.

Da mesma forma que a abertura

comercial, os avanços do MERCOSUL

decorreram do compromisso continuado e

sucessivo dos últimos governos brasileiros,

sem distinções partidárias. O processo de

integração teve início na aproximação

bilateral com a Argentina, em que se

empenhou de forma muito especial o

Presidente José Sarney. A assinatura do

Tratado de Assunção viria a ocorrer já na

presidência Fernando Collor, em março de

1991. Sob o governo do Presidente Itamar

Franco, por outro lado, cumpriu-se a etapa

mais difícil de transformar em realidade os

propósitos de integração sub-regional, por

meio da negociação da União Aduaneira

entre o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o

Uruguai, em vigor desde 1/1/95.

O MERCOSUL representa um

aprofundamento da abertura comercial em

pelo menos dois aspectos: a constituição

de uma zona de livre comércio entre seus

membros (com as exceções temporárias,

até 1999, previstas no chamado "regime de

adequação") e a entrada em vigor em

1/1/95 da Tarifa Externa Comum (com uma

tarifa média nominal ligeiramente inferior à

tarifa de 14% que vigorava no Brasil desde

julho de 1993).

A abertura comercial produziu efeitos

positivos para a economia brasileira. Sem

chamar a atenção, neste ponto, para o fato

de que não provocou, em um primeiro

momento, aumento insustentável do nível

de importações (aspecto que será tratado

no item II), cabe assinar os seguintes

aspectos:

a) o desafio representado pela abertura

comercial impulsionou, como é

amplamente reconhecido, os esforços

das empresas brasileiras no sentido de

se tornarem mais competitivas. De

acordo com estimativa preliminar do

IBGE, a produtividade da indústria

brasileira cresceu 36% no período

1991-94 ("O Globo", 13/12/94);

b) a ameaça representada pela

concorrência externa levou as

empresas brasileiras a uma maior

preocupação com a qualidade de seus

produtos. Essa nova atitude se refletiu,

entre outros desdobramentos, na

multiplicação do número de empresas

brasileiras que vêm obtendo o

certificado de qualidade ISO-9000;

c) o aumento da taxa de investimentos da

economia brasileira nos últimos dois

anos terá sido impulsionado, em

alguma medida, pela necessidade de

fazer frente à concorrência externa.

Claramente, esse desdobramento

positivo está associado, em primeiro

lugar, a fatores tais como a retomada

do crescimento econômico a partir de

1993 ou o início da reconquista da

estabilidade econômica, a partir do

Plano Real - mas não se deve

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120 - Comércio e Integração Regional

descartar o papel que certamente

desempenhou a abertura comercial.

Vale referir, nesse particular, às

notícias de decisões de investimentos

no setor automobilístico, motivadas

pela necessidade de elevar a produção

nacional a um padrão internacional;

d) os ganhos de eficiência da indústria

nacional e a maior competição

internacional levaram a uma queda

acentuada dos preços em dólares de

vários itens de consumo, com

benefícios para os consumidores e

para os esforços de combate à

inflação.

Em suma: pela sua forma gradual, o

processo de abertura não provocou risco

de "sucateamento" da indústria nacional.

Foi, ao contrário, um fator de incentivo à

realização de ganhos de produtividade e de

novos investimentos. A imprensa brasileira

refletiu de forma muito nítida, ao longo dos

últimos anos, o amplo grau de apoio interno

ao processo de abertura comercial. São

selecionadas, a seguir, a título meramente

ilustrativo, passagens de três editoriais de

diferentes órgãos de imprensa - uma

parcela ínfima dos editoriais com a mesma

avaliação positiva:

"(...) a sucessiva troca de Ministros da

Fazenda não influiu sobre a política de

comércio exterior, que continua a pautar-

se pela linha básica da liberalização

progressiva como expressamente

afirmou o Ministro Fernando Henrique

Cardoso. (...) Não diríamos que a

alavancagem das importações pela via

tarifária não desperta receios na

indústria nacional. Estes, porém, eram

sensivelmente mais fortes há apenas

alguns meses. Os setores da indústria

nacional que mais deveriam ressentir-se

do efeito da concorrência de produtos

importados vêm-se defendendo bastante

bem (...). Tudo está a indicar que a

concorrência real ou potencial das

importações vem atuando como

incentivo para a melhoria dos padrões

de eficiência e qualidade da indústria

aqui instalada."

Gazeta Mercantil, 22/6/93

"O consumidor brasileito tem motivos

para comemorar: o Governo não cedeu

às pressões e deu seqüência ao

cronograma de redução de alíquotas do

imposto de importação. Desde que essa

política começou a ser posta em prática,

houve queda nos preços reais,

convertidos em dólares, de uma série de

bens de consumo. (...) E isso sem que

tivesse ocorrido uma enxurrada de

importações. (...) A abertura comercial é

peça fundamental da estratégia de

integração do Brasil à economia

internacional, e o comércio exterior é,

necessariamente, uma via de duas

mãos. (...) O Governo vem adotando

política correta nessa abertura,

estabelecendo maior proteção para os

produtos finais (...)."

O Globo - 5/7/93

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Comércio e Integração Regional - 121

"(...) para os empresários, que durante

anos viveram à sombra do modelo da

CEPAL, a abertura de nossa economia

decorre da análise feita pela CNI sob o

título 'Abertura Comercial e Estratégia

Tecnológica'. Para os industriais, muitos

deles apavorados pela iniciativa do

governo Collor, a abertura de nossas

fronteiras foi altamente positiva. Os

únicos céticos situam-se nos setores

tradicionais, que realizaram seus lucros

com o protecionismo e à custa dos

consumidores."

O Estado de São Paulo, 13/6/94

Hoje, com o benefício da visão

retrospectiva, é possível, não obstante,

fazer pelo menos dois reparos ao processo

de abertura comercial do Brasil. Em

primeiro lugar, pode-se criticar o fato de

que a abertura foi implementada sem que o

país se tivesse dotado, previamente, de

legislação apropriada de defesa comercial,

bem como de uma estrutura burocrática

adequada para implementá-la de forma ágil

e eficiente. Convém lembrar, a esse

respeito, que se as tarifas e barreiras não

tarifárias são as armas de proteção ao

alcance dos pobres, outros instrumentos

como as medidas anti-dumping e anti-

subsídio são armas de ricos que

necessitam de numerosa e sofisticada

estrutura de aplicação. Basta lembrar que

nos Estados Unidos esse tipo de

burocracia é composta de centenas de

especialistas em legislação comercial,

economistas e contadores.

O segundo reparo diz respeito à

constatação de que, idealmente, a abertura

- por constituir um projeto de longo prazo,

de mudança do próprio modelo econômico

- deveria ser feita em ambiente de

estabilidade econômica. No entanto, na

medida em que o Brasil ainda prossegue

sua luta pela estabilização da economia, a

política de abertura comercial - em função

do objetivo maior do controle da inflação -

tem sido também vista, em grande medida,

como um dos vários instrumentos a serem

utilizados no controle de preços, como aliás

vem sendo feito em outros países latino-

americanos e em dimensão mundial.

Assim, o ritmo da abertura, que deveria ser

guiado por considerações de longo prazo,

vê-se muitas vezes submetido aos

objetivos mais imediatos da estabilização

econômica - e é compreensível que assim

o seja. Essas observações não invalidam,

por outro lado, a constatação de que a

abertura comercial era necessária, e

inadiável. Deve-se apenas ter em mente

que, se em condições de estabilidade

econômica o processo de abertura já teria

sido em si próprio desafiador, as

dificuldades tornam-se ainda maiores na

medida em que a abertura vai sendo

conduzida paralelamente aos esforços de

estabilização.

No fundo, num país ideal, num mundo

ideia, a liberalização comercial deveria ser

uma das pernas de um tripé, do qual os

dois outros elementos seriam a

estabilidade macroeconômica e uma

política adequada de comércio exterior

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122 - Comércio e Integração Regional

(conceito melhor do que o da controvertida

"política industrial", mesmo porque o

problema brasileiro é hoje, nesse campo,

não o de implantar uma base industrial,

mas sim de criar condições para melhorar

seu sofrível desempenho exportador, cada

vez mais concentrado em setores

dependentes de recursos naturais - soja,

suco de laranja, minério de ferro - ou da

escala de produção - celulose, papel, etc,

enfim, produtos de baixo valor agregado).

No país real e no mundo real, as três metas

podem e devem ser buscadas

concomitantemente e não alinhadas em

seqüência sucessiva no tempo. É óbvio,

por exemplo, que esses três elementos se

reforçam uns aos outros. No caso

brasileiro, um fator a não esquecer é que a

crise do "impeachment" do Presidente

Collor e o retardamento da estabilização

consequente trouxeram dificuldades

adicionais.

II. IMPACTO INICIAL DA ABERTURA SOBRE O

NÍVEL DE IMPORTAÇÕES

Pela forma controlada e gradual com

que foi conduzida, a abertura comercial não

provocou uma "explosão" no nível de

importações (é útil valer-se dos anexos I e

II para acompanhar a leitura dos

argumentos apresentados neste item II).

Em 1991 e 1992, quando começava a

ser implementado o cronograma de

redução das tarifas de importação, as

compras externas permaneceram

estabilizadas em torno de US$ 20-21

bilhões ao ano - ou seja, o mesmo nível de

1990. Por outro lado, em 1993, quando se

concluiu o cronograma de reduções

tarifárias, as importações brasileiras

apresentaram, efetivamente, um aumento

importante. Cresceram 24%, superando o

patamar de US$ 25 bilhões ao ano.

Cabe fazer três observações a

respeito do aumento de 24% nas

importações em 1993:

a) parcela significativa desse aumento se

terá devido à expansão da demanda

doméstica provocada pela retomada do

crescimento econômico, que atingiu

4.1% naquele ano. Assim, se em 1991

e 1992 - anos em que, com a economia

estagnada, já estava em curso a

redução das tarifas de importação - as

importações permaneceram estáveis,

mas voltaram a crescer em 1993

paralelamente à retomada do

crescimento, parece ter havido uma

relação direta mais estreita e relevante

entre crescimento econômico e

expansão das importações do que

entre queda de tarifas e expansão das

importações;

b) em uma perspectiva histórica, o

crescimento das importações para um

nível de US$ 25 bilhões deve ser

considerado natural - em 1980,

recorde-se, nossas importações já

haviam atingido o patamar de quase

US$ 23 bilhões;

c) ainda que o crescimento das

exportações - de 7.6% - não tenha

acompanhado o ritmo das importações,

o saldo comercial manteve-se em nível

Page 12: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995

Comércio e Integração Regional - 123

satisfatório: decresceu de US$ 15.3

bilhões em 1992 para US$ 13.1 bilhões

em 1993 (ressalta-se que, segundo as

avaliações disponíveis, nas condições

vigentes na época um saldo comercial

anual de US$ 8 bilhões já seria

compatível com os compromissos

externos do país, sendo que essa cifra

comercial, primordialmente, cobriria os

compromissos externos, reservando-se

papel menor às entradas de capital).

No primeiro semestre de 1994, as

importações continuaram a crescer, mas

em ritmo inferior a 1993 e sempre dentro

de parâmetros plenamente aceitáveis e

compatíveis com o equilíbrio cambial.

Nesse período, efetivamente, as

importações tiveram crescimento de 16.9%,

ao qual se contrapôs expansão de 9.22%

nas exportações. De resto, o valor mensal

das importações no primeiro semestre de

1994 manteve-se sempre abaixo da cifra

de US$ 2.5 bilhões.

A conclusão necessária dessas

observações é a de que a abertura

comercial, mesmo no contexto da

expansão econômica que se registrava em

1993 e 1994, não estava provocando, por

si só, um aumento descontrolado das

importações.

III. A ABERTURA COMERCIAL, O PLANO REAL E

A CRISE MEXICANA

O Plano Real introduziu um elemento

inteiramente novo nas considerações sobre

o processo de abertura comercial: a

utiliação de uma "âncora cambial" como

instrumento de combate à inflação, em um

momento em que a expansão da economia

e a estabilização dos preços induziam a um

aumento da propensão ao consumo. Havia

sido dito, acima, que, idealmente, a

abertura comercial se deveria realizar em

ambiente de estabilidade econômica, de

forma a que as decisões sobre seu rumo

fossem sempre tomadas apenas em função

do processo em si. No mundo real,

contudo, as prioridades se sobrepõem -

especialmente em um país em

desenvolvimento -, e é inteiramente

justificável que o governo brasileiro se

tenha decidido, a partir do Plano Real, a

orientar suas ações tendo em vista o

objetivo maior da estabilização.

Não se pode, além disso, isolar,

nesse debate, apenas o componente do

déficit comercial, esquecendo que o êxito

do Plano Real em relação aos anteriores

intentos de estabilização se deve, antes de

mais nada, a ter sido ele o primeiro plano

econômico lançado num ambiente de

abertura comercial. Foi, em grande medida,

a possibilidade de importar que permitiu até

agora atender ao aumento do consumo e

limitar o potencial do aumento de preços.

Era claro, desde um primeiro

momento, que a utilização da "âncora

cambial" em um contexto de expansão da

economia e de aumento da propensão ao

consumo traria conseqüências para a

balança comercial brasileira. Considerou-

se, contudo, que - diante da situação

cambial confortável (continuação dos

Page 13: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995

124 - Comércio e Integração Regional

superávits comerciais expressivos mesmo

após a abertura comercial; níveis recordes

de reservas; disponibilidade de capitais no

mercado internacional) - havia margem de

manobra para uma contribuição do setor

externo ao processo de estabilização da

economia. Julgou-se, assim, que - por um

período de tempo necessário - seria

possível manter a "âncora cambial", ainda

que às custas do desempenho da balança

comercial.

A utilização da "âncora cambial",

aliada à expansão de consumo propiciada

pelo Plano Real - especialmente por parte

das camadas mais simples da população -,

teve efeitos imediatos sobre a balança

comercial brasileira. Os níveis mensais de

importação - que, no primeiro semestre, se

haviam sempre mantido abaixo de US$ 2.5

bilhões - iniciaram uma acentuada curva

ascendente. Já em novembro, as

importações superavam a barreira de US$

4 bilhões/mês. Em novembro e dezembro

de 1994, a balança comercial brasileira

registrou déficits de, respectivamente, US$

492 e US$ 884 milhões, mas ainda assim

fechou o ano com um superávit global de

US$ 10.39 bilhões, graças ao desempenho

de janeiro a outubro.

Em um primeiro momento, os déficits

na balança comercial não despertaram

maior preocupação. Chegavam a registrar-

se, mesmo, opiniões de que os déficits na

balança comercial poderiam ser vistos

positivamente, na medida em que o Brasil -

como país em desenvolvimento - deveria

dar prioridade à absorção de poupança

externa. Ou seja: os déficits de balança

comercial deveriam/poderiam ser

compensados através da entrada de

capitais, ao menos de maneira temporária,

até que, consolidada a estabilização e

reduzido o chamado "risco Brasil" através

da desregulamentação e das reformas

constitucionais, fosse possível retornar a

uma situação comercial mais saudável. No

entanto, a crise cambial mexicana e seus

efeitos sobre os mercados financeiros

internacionais viriam a afetar os

fundamentos dessa linha de avaliação.

Nesse ponto, parece ter ficado

demonstrado que o aparecimento de

déficits na balança comercial brasileira está

relacionado, em primeira medida, a fatores

vinculados à política cambial (até que se

consolide a estabilidade) e à existência de

uma demanda reprimida que logrou

condições de consumo com estabilização

propiciada pelo Plano Real, e não à política

de abertura que já vinha sendo

implementada desde o final dos anos 80.

De resto, a constatação de que essas

oscilações de curto prazo da balança

comercial dependem antes da política

cambial do que - respeitados determinados

limites - dos níveis de proteção tarifária ou

não-tarifária pode ser ilustrada por uma

rápida referência a experiências mais

recentes no México e Chile.

Ambos os países implementaram

processos de abertura após os quais

passaram a aplicar tarifas bastante

Page 14: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995

Comércio e Integração Regional - 125

próximas. No caso do Chile, uma tarifa

única de 11%. No caso do México (dado

referente ao final de 1992), uma tarifa

média, ponderada pela produção interna,

de 12%, com um teto de 20%. O Chile, por

outro lado, evitou, desde meados da

década de 80, a sobrevalorização de sua

moeda. No México, ao contrário, o câmbio

real se havia valorizado de forma contínua

desde 1987.

Verificou-se que, no Chile, a abertura

comercial - combinada a uma política

cambial realista - não acarretou

desequilíbrios ao setor externo da

economia. Já no México, a manutenção por

longo tempo de uma política de

sobrevalorização de sua moeda foi fator

determinante para o processo que

culminou com a crise de final de 1994.

No Brasil, a adoção de uma "âncora

cambial" a partir do Plano Real não

indicava uma intenção de longo prazo de

manter sobrevalorizada a moeda nacional.

Tratava-se, como indicado acima, de um

instrumento a ser utilizado por tempo

julgado necessário - e que poderia ir sendo

flexibilizado à medida em que a política de

estabilização fosse registrando êxitos e

consolidando a confiança em seus rumos.

Com a eclosão da crise mexicana,

contudo, alterou-se de imediato o

pressuposto da disponibilidade de capitais

que poderiam compensar a reversão de

tendência na balança comercial brasileira.

A partir de então - e na medida em que o

uso da "âncora cambial" ainda se faz

necessário como parte do esforço de

estabilização -, o governo viu-se na

contingência de adotar medidas para

conter o aumento de importações (e do

consumo em geral). No campo externo,

excluída a hipótese de provocar a volta da

instabilidade cambial e do recrudescimento

inflacionário, restava o caminho do

aumento de tarifas para um determinado

número de produtos de menor

essencialidade cujas compras no exterior

vinham aumentando em ritmo acelerado.

Nesse espírito, decidiu-se, em 31 de março

último, a elevação de alíquotas de

importação para uma lista de 109 produtos,

seguindo-se mais tarde algumas

retificações a fim de melhor ajustá-las aos

resultados da Rodada Uruguai.

O governo tem reafirmado, contudo, o

caráter temporário dessa medida, e

ressaltado sua necessidade como

instrumento para assegurar o equilíbrio das

contas externas, peça fundamental do

esforço de estabilização conduzido desde a

adoção do Plano Real. Assim, seria

incorreto ver no recente aumento de tarifas

de importação qualquer intenção de

reverter a política de abertura comercial.

Seria, de fato, equivocado e ineficaz um

intento desse tipo, caso existisse, uma vez

que aumentos de tarifas jamais funcionam,

a longo prazo, como instrumento para

corrigir desequilíbrios provocados por

defasagens cambiais. Impõe-se, com

efeito, numa situação como essa, uma

estratégia que vise a evitar dois extremos

igualmente perniciosos. De um lado, a

Page 15: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995

126 - Comércio e Integração Regional

tentativa vã de buscar camuflar um

problema cambial mediante a criação

artificial de um colchão tarifário protetor que

será rapidamente erodido pela contínua

elevação dos preços internos, anulando a

proteção adicional. De outro, procurar

estimular as exportações e inibir as

importações pelo recurso ao remédio

aparentemente fácil das contínuas

desvalorizações cambiais que apenas

mascaram a falta de competitividade do

setor exportador e tornam impossível o

controle interno da inflação. Essa

estratégia deve completar-se com o avanço

simultâneo em todas as frentes: 1º)

facilitando, como se vem fazendo, a

importação de bens de capital, alimentos e

matérias primas; 2º) completando a

estabilização por meio das reformas

constitucionais e de medidas que evitem o

consumo excessivo; e 3º) adotando uma

política de competitividade que ataque os

problemas estruturais de setores como o

têxtil, de calçados, e outros, em lugar de

adiar-lhes a solução com medidas de alívio

cambial ou tarifário.

IV. CONCLUSÕES

O presente texto buscou demonstrar

que, com o esgotamento do modelo de

substituição de importações, a abertura

comercial havia se tornado um caminho

necessário e inevitável, que contou com

amplo apoio por parte da sociedade

brasileira e das diferentes correntes

políticas. Como se verificou, a abertura

comercial não provocou um aumento das

importações acima do que se poderia

definir como aceitável.

Posteriormente, a adoção da “âncora

cambial’ - em um ambiente de expansão

econômica e de aumento da propensão ao

consumo - como um dos elementos de

sustentação do Plano Real provocou uma

reversão da longa tendência de superávits

na balança comercial brasileira. Essa

evolução - que poderia ter sido considerada

aceitável por um período de tempo

determinado - passou a constituir um risco

para o equilíbrio das contas externas a

partir do momento em que a crise

mexicana alterou em parte as perspectivas

de atração de capitais. O governo viu-se

levado, então, em março de 1995, a adotar

medidas temporárias de correção quanto

ao aumento das importações, buscando, ao

mesmo tempo, consolidar a estabilização

da economia e do câmbio.

A abertura comercial deverá continuar

a ser uma realidade que conta com amplo

apoio por parte da sociedade brasileira.

São reconhecidos os substanciais efeitos

concretos e positivos que vem produzindo

para a condução do Plano Real e para a

economia brasileira. Essa abertura não se

fez no Brasil isoladamente, por capricho de

governos ou motivada por causas

puramente nacionais. Ela faz parte, na

verdade, de um profundo movimento

histórico que marca o fim deste século: o

da globalização da economia e da

unificação dos mercados em escala

planetária. A Rodada Uruguai foi um

Page 16: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995

Comércio e Integração Regional - 127

capítulo desse processo, como o foram

igualmente a queda do Muro de Berlim, o

desaparecimento das economias de

comando centralmente planificadas, o

ingresso primeiro no FMI e no Banco

Mundial e depois no GATT dos antigos

países socialistas, a emergência da China

e demais asiáticos no mercado global, a

liberalização da Índia, até do Vietnã, e o

aparecimento desses países como novos e

temíveis competidores.

A redução das tarifas e a abolição das

barreiras não-tarifárias no Brasil é um

episódio da conclusão do que se vem

denominando de esgotamento da fase de

integração rasa (“shallow integration”), ou

seja, da liberalização econômica baseada

apenas em medidas de fronteira (tarifas,

cotas, etc.). Já se iniciou, na Rodada

Uruguai, a fase da integração profunda

(“deep integration”), a harmonização de

legislações internas, de padrões

domésticos em serviços bancários,

seguros, em propriedade intelectual, em

regras de competição. Seria, portanto,

uma ingenuidade e uma extraordinária

miopia tentar isolar o que se vem passando

no Brasil, em termos de abertura, desse

gigantesco movimento mundial com o qual

convergem nossas iniciativas de

liberalização, que ao mesmo tempo

correspondem profundamente às

necessidades mais autênticas da

sociedade brasileira.

O atual governo, da mesma forma que

as demais administrações brasileiras desde

o final dos anos 80, compreende essa

realidade histórica e mantém a orientação

de procurar promover crescente inserção

do país na economia internacional -

resguardada, sempre que necessário, a

possibilidade de correções de rumo

temporárias.

V. SUGESTÕES DE LEITURAS PARAAPROFUNDAMENTO DO TEMA

AGOSIN, Manuel. Política comercial y

transformación productiva.

Documento CEPAL LC/R. 1293,

19/agosto/93.

CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa.

Rio de Janeiro, Topbooks, 1994.

CEPAL. Políticas para mejorar la inserción

en la economía mundial.

Documento LC/G. 1800 (SES.

25/3), 2/março/94.

EXAME. Brasil em Exame: Abertura

inteligente. Maio/1994.

FÓRUM NACIONAL. A nova inserção

internacional do Brasil. Rio de

Janeiro, José Olympio, 1994.

GATT. Trade Policy Review Mechanism:

Brazil. Documento C/RM/S/29B,

14/setembro/1992.

RICUPERO, Rubens. O Brasil e o futuro do

comércio internacional. Brasília,

IPRI/Coleção Relações

Internacionais, 1988.

THE ECONOMIST. The Global Economy.

1/outubro/1994.

Page 17: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995

128 - Comércio e Integração Regional

WORLD BANK. The East Asian Miracle.

Oxford University Press, 1993.

------. World Development Report 1991 -

The Challenge of Development.

Oxford University Press, 1991, pp.

88-108.

Balança Comercial BrasileiraUS$ Milhões FOB

Ano Exportação Var. % Importação Var. % Saldo Var. % Corrente de Var. %1980 20.132 - 22.955 - -2.823 - 43.087 -1981 23.293 15,70 22.092 -3,76 1.201 -142,54 45.385 5,331982 20.175 -13,39 19.395 -12,21 780 -35,05 39.570 -12,811983 21.899 8,55 15.429 -20,45 6.470 729,49 37.328 -5,671984 27.005 23,32 13.916 -9,81 13.089 102,30 40.921 9,631985 25.639 -5,06 13.153 -5,48 12.486 -4,61 38.792 -5,201986 22.349 -12,83 14.044 6,77 8.305 -33,49 36.393 -6,181987 26.224 17,34 15.052 7,18 11.172 34,52 41.276 13,421988 33.789 28,85 14.605 -2,97 19.184 71,72 48.394 17,241989 34.383 1,76 18.263 25,05 16.120 -15,97 52.646 8,791990 31.414 -8,64 20.661 13,13 10.753 -33,29 52.075 -1,081991 31.620 0,66 21.041 1,84 10.579 -1,62 52.661 1,131992 35.862 13,42 20.554 -2,31 15.308 44,70 56.416 21,681993 38.597 22,07 25.480 21,10 13.117 23,99 64.0771994 43.558 21,46 33.168 61,37 10.390 -32,13 76.726 19,74

Fonte: MICT/SECEX/DTIC, Balança Comercal Brasileira, Dezembro/1994.Elaboração: MRE/SGIE/GETEC

Page 18: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995

Comércio e Integração Regional - 129

Balança Comercial BrasileiraValores Mensais e Acumulados

US$ Milhões FOB

Período Exp. Imp. Saldo Corr. deCom.

1994 1993 Var. % 1994 1993 Var. % 1994 1993 Var. % 1994 1993 Var. %janeiro 2.747 2.813 -2,35 1.767 1.798 -1,72 980 1.015 -3,45 4.514 4.611 -2,10

fevereiro 2.778 2.898 -4,14 2.032 1.432 41,90 746 1.466 -49,11 4.810 4.330 11,09jan-fev 5.525 5.711 -3,26 3.799 3.230 17,62 1.726 2.481 -30,43 9.324 8.941 4,28março 3.351 3.509 -4,50 2.250 2.001 12,44 1.101 1.508 -26,99 5.601 5.510 1,65jan-mar 8.876 9.220 -3,73 6.049 5.231 15,64 2.827 3.989 -29,13 14.925 14.451 3,28

abril 3.635 3.028 20,05 2.158 2.125 1,55 1.477 903 63,57 5.793 5.153 12,42jan-abr 12.511 12.248 2,15 8.207 7.356 11,57 4.304 4.892 -12,02 20.718 19.604 5,68maio 3.862 2.918 32,35 2.432 1.590 52,96 1.430 1.328 7,68 6.294 4.508 39,62

jan-mai 16.373 15.166 7,96 10.639 8.946 18,92 5.734 6.220 -7,81 27.012 24.112 12,03junho 3.728 3.238 15,13 2.498 2.292 8,99 1.230 946 30,02 6.226 5.530 12,59jan-jun 20.101 18.404 9,22 13.137 11.238 16,90 6.964 7.166 -2,82 33.238 29.642 12,13julho 3.738 3.423 9,20 2.535 2.770 -8,48 1.203 653 84,23 6.273 6.193 1,29jan-jul 23.839 21.827 9,22 15.672 14.008 11,88 8.167 7.819 4,45 39.511 35.835 10,26agosto 4.282 3.503 22,24 2.760 2.341 17,90 1.522 1.162 30,98 7.042 5.844 20,50jan-ago 28.121 25.330 11,02 18.432 16.349 12,74 9.689 8.981 7,88 46.553 41.679 11,69setembro 4.162 3.445 20,81 2.729 2.217 23,09 1.433 1.228 16,69 6.891 5.662 21,71jan-set 32.283 28.775 12,19 21.161 18.566 13,98 11.122 10.209 8,94 53.444 47.341 12,89outubro 3.842 3.241 18,54 3.198 2.094 52,72 644 1.147 -43,85 7.040 5.335 31,96jan-out 36.125 32.016 12,83 24.359 20.660 17,90 11.766 11.356 3,61 60.484 52.676 14,82

novembro 3.706 3.171 16,87 4.198 2.040 105,78 -492 1.131 -143,50 7.904 5.211 51,68jan-nov 39.831 35.187 13,20 28.557 22.700 25,80 11.274 12.487 -9,71 68.388 57.887 18,14

dezembro 3.727 3.410 9,30 4.611 2.780 65,86 -884 630 -240,32 8.338 6.190 34,70jan-dez 43.558 38.597 12,85 33.168 25.480 30,17 10.390 13.117 -20,79 76.726 64.077 19,74

Fonte: MICT/SECEX/DTIC, Balança Comercal Brasileira, Dezembro/1994.Elaboração: MRE/SGIE/GETEC

* Diplomata. Embaixador do Brasil em Roma. Ex-Embaixador do Brasil em Genebra e em

Washington. Ex-Ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal e da Fazenda noGoverno Itamar Franco.

** Diplomata. Conselheiro, atuamente servindo em Roma.