rubens ricupero ( abertura comercial brasileira 1995
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112 - Comércio e Integração Regional
A ABERTURA COMERCIAL BRASILEIRA
Rubens Ricupero *
Evandro Didonet **
NOTA INTRODUTÓRIA
Até o último minuto estive tentado a
descumprir o compromisso de tratar deste
tema. Quando aceitara a tarefa, as
circunstâncias eram não só diversas mas
de sentido quase oposto. O convite para
escrever o artigo foi, creio, de outubro de
1994, quando parecia haver unanimidade
em favor da liberalização comercial. Desde
então, a crise mexicana, o reaparecimento
dos déficits comerciais e as medidas de
contenção das importações fizeram ir pelos
ares o frágil quase-consenso. O terreno
ficou semeado de tantas minas que os
homens prudentes fariam bem em só pisá-
lo muito de leve.
Havia, além disso, a minha posição
pessoal a considerar. No Ministério da
Fazenda, ou antes, como representante
junto ao GATT durante a Rodada Uruguai,
como embaixador em Washington depois,
sempre defendi de público, em artigos e
conferências, a abertura da economia. Se
já era, assim, difícil manter a isenção numa
atmosfera de relativa serenidade, o que
dizer, sem correr o risco de ser mal
compreendido ou destorcido, quando a
controvérsia voltava a se acender?
Teria, portanto, me resignado a
arquivar mais este projeto, não fosse a
iniciativa e competência do meu colega
Evandro Didonet. Com ele discuti
francamente em Roma os prós e os contras
do dilema e chegamos à conclusão de que
não se podia fugir ao debate. Eu
continuava a hesitar, no entanto, e, sem
esperar, Didonet apresentou-me um
trabalho onde havia logrado dar forma fiel e
objetiva às idéias que ele e eu partilhamos
e discutimos. Diante do resultado, que me
parecia identificar, com equilíbrio
desapaixonado, o caminho correto a seguir
em questão de tamanha complexidade,
superei as dúvidas sobre a utilidade do
exercício. Contribuí com um ou outro
retoque ao quadro dos argumentos e das
conclusões. Deixo constância do crédito
que corresponde ao julgamento
amadurecido e aos conhecimentos seguros
de Evandro Didonet. Esperamos, ele e eu,
que os fatos e as razões aqui expostos
demonstrem ser possível tratar de tema
vital para o futuro econômico do Brasil sem
deixar-se contaminar por ideologias,
preconceitos ou interesses políticos
transitórios.
( Rube ns R ic uper o - Roma , ma io de 19 95 )
Os déficits registrados na balança
comercial brasileira a partir de novembro
de 1994 provocaram o reaparecimento do
debate sobre o processo de abertura
iniciado no final dos anos 80. A
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Comércio e Integração Regional - 113
preocupação com a evolução da balança
comercial brasileira acentuou-se com a
eclosão, no final de 1994, da crise cambial
mexicana. O atual momento se presta,
portanto, a uma reflexão sobre o processo
de abertura comercial.
O presente texto terá a seguinte
estrutura:
I. breve descrição da abertura comercial
brasileira, bem como de suas
motivações e de seus resultados
iniciais;
II. impacto inicial da abertura comercial
sobre o nível de importações;
III. a abertura comercial, o Plano Real e a
crise mexicana;
IV. conclusões.
I. BREVE DESCRIÇÃO DA ABERTURA COMERCIAL
BRASILEIRA
Não caberia num trabalho limitado
como este um histórico mais amplo sobre a
problemática do comércio exterior
brasileiro. As discussões entre defensores
do protecionismo e do livre-cambismo já no
Conselho de Estado do Império de meados
do século passado ou a oposição, a partir
dos anos 30, entre os partidários da
proteção à indústria nacional, como
Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi, de um
lado, e de outro os advogados de um
comércio sem barreiras, como Eugênio
Gudin e Valentim Bouças, figurariam
melhor num estudo com maiores
credenciais de rigor acadêmico.
Para os nossos objetivos, bastaria
dizer que, desde os anos 50 até o final dos
anos 80, o Brasil seguiu uma política de
substituição de importações, com o objetivo
principal de incentivar o desenvolvimento
da indústria nacional. Um julgamento
equilibrado sobre os efeitos dessa política
deve incluir o reconhecimento de que, em
alguma medida, e em determinados
campos da atividade econômica, contribuiu
para o dinamismo da economia brasileira
até o final dos anos 70.
A partir dos anos 80, contudo, o
modelo de substituição de importações
passou a apresentar sinais de
esgotamento. Se, no passado, o rígido
controle das importações havia sido -ainda
que nem sempre de forma estruturada e
coerente - um elemento de política
industrial, pelo menos a partir da crise da
dívida externa a substituição de
importações passou a constituir um
expediente para a administração dos
problemas cambiais. O fechamento da
economia se tornara um fator de crescente
defasagem tecnológica da indústria
brasileira, e de incentivo à manutenção de
"cartórios" para empresas ineficientes.
O primeiro esboço de liberalização
comercial havia ocorrido no período em
que Roberto Campos e Octávio Gouveia de
Bulhões, após o trabalho de saneamento e
estabilização de 1964-65, tentam eliminar o
viés anti-exportador das políticas e práticas
de então, e imprimir à economia um
impulso alimentado em parte pelas
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114 - Comércio e Integração Regional
exportações. Não deixa de ser uma
curiosidade histórica especular sobre o que
"poderia ter sido e não foi", caso o Brasil
tivesse perseverado em tentar um modelo
mais aberto, no justo momento em que
países como a Coréia do Sul ensaiavam
seus primeiros passos nesse caminho até a
época pouco explorado. A partir dos anos
70, as mudanças de política econômica e
as conseqüências tiradas dos choques do
petróleo levarão a um retrocesso e à morte
precoce desse primeiro intuito de reforma
comercial.
A abertura comercial brasileira só vai
ter início efetivo no final dos anos 80. A
constatação do esgotamento do modelo de
substituição de importações reflete-se no
fato de que a passagem a uma política de
maior exposição da economia brasileira à
competição internacional se deu sem
traumas, e sem contestação relevante por
parte dos diferentes setores da sociedade
brasileira. Ainda que não se possa falar em
consenso, registrou-se, desde o final dos
anos 80, amplo grau de apoio interno ao
processo de abertura comercial, que teve
continuidade ao longo dos governos José
Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e,
agora, Fernando Henrique Cardoso. Seria
incorreto, assim, identificar a abertura
comercial - como muitas vezes o fazem os
seus críticos - a um projeto de inspiração
neoliberal.
De uma forma simplificada, os
objetivos mais imediatos da abertura
comercial poderiam ser resumidos nos
seguintes aspectos:
a) submeter a economia brasileira a um
"choque de competitividade", levando
nossas empresas a buscar formas mais
eficientes de produção - em benefício,
inclusive, de sua capacidade de
exportação;
b) facilitar a importação de bens de capital
e de tecnologias essenciais para a
modernização do parque industrial;
c) introduzir maior grau de competição em
setores oligopolizados da economia
brasileira, em benefício dos
consumidores e, também, como fator
de contribuição aos esforços de
controle da inflação.
O fato de o Brasil abrir sua economia
deveria ser visto, ademais, como parte de
uma nova política de desenvolvimento, em
que o comércio internacional - importações
e, também, exportações - passaria a
desempenhar papel mais importante.
Buscava-se, na expressão já um tanto
desgastada pelo uso, uma "maior inserção
do Brasil na economia internacional".
A experiência do acelerado
crescimento das economias dinâmicas da
Ásia contribuiu para ressaltar, a partir dos
anos 80, a importância do comércio exterior
como alavanca para o processo de
desenvolvimento. Não se pretende afirmar
que a abertura ao exterior é, por si só,
elemento suficiente para explicar o "salto"
daquele grupo de economias. Ao contrário,
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Comércio e Integração Regional - 115
nunca é demais repetir que o
desenvolvimento daquela região se baseou
em uma série de elementos essenciais e
anteriores - tais como estabilidade fiscal e
monetária, altas taxas de poupança interna,
prioridade à educação básica, relativa
homogeneidade sócio-cultural -, a partir
dos quais se deu a preparação para a
competição nos mercados internacionais.
De qualquer forma, uma das
características comuns do esforço de
desenvolvimento dos países asiáticos é a
atenção ao desempenho das exportações,
que se reflete em uma participação
crescente nos fluxos de comércio
internacional. O grupo de países formado
pelo Japão, pelos quatro "tigres", pela
Indonésia, Malásia e Tailândia aumentou
de 7.9% em 1965 para 18.2% em 1990 sua
participação no total das exportações
mundiais.
É útil, neste ponto, uma comparação
entre o desempenho exportador do Brasil,
da China Popular e da Coréia do Sul. Há
uma década, os valores de exportação
eram semelhantes. Em 1984, o Brasil
exportou US$ 27 bilhões. Em 1993,
enquanto as exportações do Brasil não
ultrapassavam US$ 38.6 bilhões, a China
Popular exportou US$ 92 bilhões e a
Coréia do Sul, US$ 82 bilhões. Também
pelo lado das importações a China Popular
e a Coréia do Sul apresentaram, no mesmo
ano, dados bem mais expressivos: US$
104 e US$ 84 bilhões (cif),
respectivamente, contra US$ 25.5 bilhões
no que diz respeito ao Brasil.
Esses dados ilustram de forma muito
significativa a perda de posição do Brasil
nos mercados internacionais. Se, em 1984,
nossas exportações correspondiam a 1.5%
do total mundial, essa cifra limitava-se a
pouco mais de 1% em 1993. Se
tivéssemos, ao longo desse período,
apenas mantido nossa participação no total
das vendas internacionais, teríamos
exportado aproximadamente US$ 55
bilhões em 1993.
Durante certo período, a importância
de uma maior participação do Brasil nos
fluxos de comércio internacionais foi
ofuscada pelo artificialismo do debate
interno sobre uma alegada opção
excludente entre o mercado interno ou um
"modelo exportador". Na verdade, como
bem o demonstra o exemplo das
economias dinâmicas asiáticas - inclusive
da China Popular, com dimensões
territoriais e demográficas superiores às do
Brasil - exportar é uma das formas mais
eficientes de criar empregos, gerar
riquezas e, portanto, de fortalecer o próprio
mercado interno.
A alusão aos países asiáticos de
economia dinâmica no âmbito deste
contexto torna necessária menção a um
certo tipo de crítica ao processo de
abertura comercial na América Latina. Tais
críticas tomam por base, muitas vezes, o
argumento de que aqueles países, à
diferença de nossa região, teriam sabido
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116 - Comércio e Integração Regional
lançar-se a uma acirrada competição nos
mercados internacionais, mas ao mesmo
tempo teriam mantido relativamente
protegidos seus mercados internos.
Esse debate comporta, na verdade,
argumentos de natureza distinta. No livro
The East Asian Miracle, o Banco Mundial
comenta que, efetivamente, a política
comercial de todos os países asiáticos de
economia dinâmica - à exceção de Hong
Kong - passou por uma fase de
substituição de importações. Por outro
lado, em todos esses países a política
comercial que favorecia a produção
substitutiva de importações, em detrimento
das exportações foi sendo
progressivamente abandonada em favor de
um "export-push approach".
Ao mesmo tempo, o Banco Mundial
observa que, ainda que as economias
dinâmicas da Ásia tenham seguido modelo
de substituição de importações, o fizeram
em menor escala do que em outras regiões
em desenvolvimento. Assim, em 1985 -
antes portanto da generalização da
abertura na América Latina -, o grau de
proteção (tarifas e medidas não-tarifárias)
de que se beneficiavam as empresas dos
países em desenvolvimento dinâmicos da
Ásia equivalia a apenas 40% do grau de
proteção na América do Sul. Observa
também o Banco Mundial que mesmo as
firmas que se beneficiavam de maior
proteção relativa nos países asiáticos de
economia dinâmica trabalhavam sempre
com a perspectiva da necessidade de
competição futura no mercado
internacional, na medida em que as ações
oficiais relacionavam a continuação da
proteção à apresentação de um
desempenho exportador positivo após
determinado período.
Em contraste, a proteção era entre
nós permanente, ilimitada, sem a previsão
de "phase out", de atenuação dentro de
prazos pré-determinados. Foi também
excessiva, com níveis exagerados de
tarifas, absoluta e redundante,
combinando, ao mesmo tempo, medidas
que seriam, cada uma individualmente,
suficientes para assegurar a proteção:
tarifas de mais de 100% até para goiabada,
barreiras quantitativas e não-tarifárias,
como as proibições do "anexo C", exigência
de licenciamento prévio da CACEX, o
princípio da inexistência do similar
nacional, a obrigação de garantir o
financiamento das importações, o
programa de importação por empresa, etc.
Não é de admirar, portanto, que, protegidos
por essa panóplia de modo absoluto e
permanente, alguns setores como o têxtil,
por exemplo, vítimas por sua vez da
impossibilidade de importarem
equipamentos modernos (devido ao
suposto similar nacional), se tivessem
descuidado de manter a capacidade
competitiva, só sobrevivendo em certos
casos como exportadores por causa das
cotas do Acordo Multifibras. No momento
em que se abriu finalmente o mercado
brasileiro, tais setores se encontram
despreparados para enfrentar coreanos e
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Comércio e Integração Regional - 117
outros. O erro não estaria talvez na idéia da
proteção, mas em como o sistema de
proteção foi administrado, transformando o
que deveria ser temporário e moderado em
algo de permanente e absoluto. A
tendência humana ao menor esforço se
encarregou do resto...
Os comentários sobre os países
asiáticos de economia dinâmica tendem a
reforçar, assim, a avaliação feita no início
deste texto de que não caberia uma
condenação generalizada, de cunho
ideológico, do modelo de substituição de
importações. A experiência parece
demonstrar, efetivamente, sua utilidade -
dentro de limites razoáveis - em um
primeiro momento do processo de
industrialização. Ao mesmo tempo, as
características da substituição de
importações na Ásia e a constatação de
que o modelo foi sendo flexibilizado com o
passar do tempo reforçam, do mesmo
modo, a argumentação desenvolvida em
favor da revisão do modelo de substituição
de importações no Brasil.
O processo de abertura comercial no
Brasil, em sua vertente de facilitação a
operações de importação, pode ser dividido
em duas linhas essenciais: a) decisões
unilaterais e b) formação do MERCOSUL.
No que diz respeito às decisões
unilaterais de abertura da economia, esse
processo inclui, de um lado, a virtual
eliminação de barreiras não-tarifárias e, de
outro, a implementação de abrangente
programa de redução gradual das tarifas de
importação.
As barreiras não-tarifárias começaram
a ser marcadamente flexibilizadas já em
1988. Naquele ano, os pedidos de licença
de importação passaram a ser concedidos
automaticamente sempre que não
implicassem perfuração do valor atual,
previamente aprovado, do programa de
importação de uma determinada empresa.
No mesmo ano, foi reduzida de 2400 para
1200 itens a lista de produtos cuja
importação estava suspensa. Em 1990, foi
eliminado o limite quantitativo, em dólares,
por importador, extingui-se a lista de
produtos cuja importação estava suspensa
(o chamado "anexo C"); e foi suprimido o
exame do similar nacional. As medidas
citadas nesse parágrafo têm, apenas,
caráter ilustrativo em relação ao amplo
processo de desmantelamento das
barreiras não-tarifárias.
A tarifa média nominal passou por
abrangente processo de reduções
graduais: 51% em 1987; 35% em 1989;
32% em 1990; por fim, cumprida a última
etapa do cronograma pré-fixado de
reduções realizadas a partir de fevereiro de
1991, 14% em julho de 1993. A tarifa
máxima, que era de 105% em 1987,
reduziu-se progressivamente a 35% em
julho de 1993.
As reduções tarifárias foram feitas,
portanto, de forma gradual, e de modo a
permitir o ajuste das empresas brasileiras.
Além disso, a tarifa brasileira em vigor a
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118 - Comércio e Integração Regional
partir de julho de 1993 - por meio da
fixação de alíquotas mais elevadas, de
35%, para os setores produtivos com maior
incorporação de valor agregado - refletia a
preocupação oficial em manter o equilíbrio
entre, de um lado, a necessidade de expor
a economia nacional à competição
internacional e, de outro, o propósito de
evitar o risco de "sucateamento" da
indústria.
O caráter unilateral da abertura
comercial brasileira foi muitas vezes objeto
de críticas no sentido de que o país não
teria sabido negociar nada em troca. A
esse respeito, deve-se observar que a
abertura comercial decorria de um
interesse próprio e imediato, e não de uma
concessão a interesses externos. De resto,
cabe relembrar que a contrapartida acabou
se dando no contexto da Rodada Uruguai
do GATT - na qual o Brasil se habilitou a
usufruir de todos os benefícios resultantes
da diminuição de barreiras comerciais de
terceiros países, sem ter feito em troca
qualquer concessão comercial além de seu
programa de abertura unilateral.
É preciso não subestimar igualmente
a pressão que, a partir da melhoria do
balanço de pagamentos, começou a ser
exercida sobre o Brasil pelos seus
parceiros industrializados. Tais pressões
iam das contestações cada vez mais
vigorosas feitas no seio do Comitê do
GATT incumbido de examinar como o país
vinha utilizando a exceção permitida pelo
artigo XVIII-B do Acordo Geral (era graças
a essa exceção que as medidas restritivas
brasileiras podiam ser justificadas) até a
graduação no Sistema Geral de
Preferências e as ameaças mais sérias de
negar a produtos brasileiros o acesso a
mercados nas nações desenvolvidas. O
Brasil só escapou de um contencioso grave
com os EUA devido à decisão adotada em
março de 1990 de eliminar as barreiras
não-tarifárias. Nas vésperas dessa decisão,
o Governo norte-americano já havia
designado o Brasil como um dos alvos
primordiais da lei Super 301 e tinha
anunciado sua intenção de pedir no GATT
um painel contra as restrições brasileiras,
não obstante a invocação por Brasília do
artigo XVIII-B. Não é verdade, pois, como
presumem os críticos, que o país
dispusesse da liberdade de continuar
impunemente a aplicar o arsenal de
proteção. Ao contrário, se não tivesse
ocorrido a liberalização, é provável que os
conflitos comerciais viessem a afetar
significativamente o desempenho comercial
brasileiro. Isso, é claro, sem mencionar o
absurdo de supor que o Brasil pudesse
concluir a Rodada Uruguai e ingressar na
OMC sem uma reforma substancial de seu
regime comercial.
A formação do MERCOSUL - talvez
até hoje o mais importante projeto em que
se envolveu, em posição de liderança, a
nossa diplomacia econômica - constitui um
capítulo especial da abertura comercial
brasileira. Dispondo de amplo apoio por
parte dos mais diferentes segmentos da
sociedade brasileira, o MERCOSUL tornou-
![Page 8: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100600/5571f28449795947648cac96/html5/thumbnails/8.jpg)
Comércio e Integração Regional - 119
se possível apenas no quadro mais geral
da abertura comercial. Ao mesmo tempo, o
êxito do MERCOSUL viria a constituir, de
sua parte, um impulso de fortalecimento do
próprio processo de abertura.
Da mesma forma que a abertura
comercial, os avanços do MERCOSUL
decorreram do compromisso continuado e
sucessivo dos últimos governos brasileiros,
sem distinções partidárias. O processo de
integração teve início na aproximação
bilateral com a Argentina, em que se
empenhou de forma muito especial o
Presidente José Sarney. A assinatura do
Tratado de Assunção viria a ocorrer já na
presidência Fernando Collor, em março de
1991. Sob o governo do Presidente Itamar
Franco, por outro lado, cumpriu-se a etapa
mais difícil de transformar em realidade os
propósitos de integração sub-regional, por
meio da negociação da União Aduaneira
entre o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o
Uruguai, em vigor desde 1/1/95.
O MERCOSUL representa um
aprofundamento da abertura comercial em
pelo menos dois aspectos: a constituição
de uma zona de livre comércio entre seus
membros (com as exceções temporárias,
até 1999, previstas no chamado "regime de
adequação") e a entrada em vigor em
1/1/95 da Tarifa Externa Comum (com uma
tarifa média nominal ligeiramente inferior à
tarifa de 14% que vigorava no Brasil desde
julho de 1993).
A abertura comercial produziu efeitos
positivos para a economia brasileira. Sem
chamar a atenção, neste ponto, para o fato
de que não provocou, em um primeiro
momento, aumento insustentável do nível
de importações (aspecto que será tratado
no item II), cabe assinar os seguintes
aspectos:
a) o desafio representado pela abertura
comercial impulsionou, como é
amplamente reconhecido, os esforços
das empresas brasileiras no sentido de
se tornarem mais competitivas. De
acordo com estimativa preliminar do
IBGE, a produtividade da indústria
brasileira cresceu 36% no período
1991-94 ("O Globo", 13/12/94);
b) a ameaça representada pela
concorrência externa levou as
empresas brasileiras a uma maior
preocupação com a qualidade de seus
produtos. Essa nova atitude se refletiu,
entre outros desdobramentos, na
multiplicação do número de empresas
brasileiras que vêm obtendo o
certificado de qualidade ISO-9000;
c) o aumento da taxa de investimentos da
economia brasileira nos últimos dois
anos terá sido impulsionado, em
alguma medida, pela necessidade de
fazer frente à concorrência externa.
Claramente, esse desdobramento
positivo está associado, em primeiro
lugar, a fatores tais como a retomada
do crescimento econômico a partir de
1993 ou o início da reconquista da
estabilidade econômica, a partir do
Plano Real - mas não se deve
![Page 9: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100600/5571f28449795947648cac96/html5/thumbnails/9.jpg)
120 - Comércio e Integração Regional
descartar o papel que certamente
desempenhou a abertura comercial.
Vale referir, nesse particular, às
notícias de decisões de investimentos
no setor automobilístico, motivadas
pela necessidade de elevar a produção
nacional a um padrão internacional;
d) os ganhos de eficiência da indústria
nacional e a maior competição
internacional levaram a uma queda
acentuada dos preços em dólares de
vários itens de consumo, com
benefícios para os consumidores e
para os esforços de combate à
inflação.
Em suma: pela sua forma gradual, o
processo de abertura não provocou risco
de "sucateamento" da indústria nacional.
Foi, ao contrário, um fator de incentivo à
realização de ganhos de produtividade e de
novos investimentos. A imprensa brasileira
refletiu de forma muito nítida, ao longo dos
últimos anos, o amplo grau de apoio interno
ao processo de abertura comercial. São
selecionadas, a seguir, a título meramente
ilustrativo, passagens de três editoriais de
diferentes órgãos de imprensa - uma
parcela ínfima dos editoriais com a mesma
avaliação positiva:
"(...) a sucessiva troca de Ministros da
Fazenda não influiu sobre a política de
comércio exterior, que continua a pautar-
se pela linha básica da liberalização
progressiva como expressamente
afirmou o Ministro Fernando Henrique
Cardoso. (...) Não diríamos que a
alavancagem das importações pela via
tarifária não desperta receios na
indústria nacional. Estes, porém, eram
sensivelmente mais fortes há apenas
alguns meses. Os setores da indústria
nacional que mais deveriam ressentir-se
do efeito da concorrência de produtos
importados vêm-se defendendo bastante
bem (...). Tudo está a indicar que a
concorrência real ou potencial das
importações vem atuando como
incentivo para a melhoria dos padrões
de eficiência e qualidade da indústria
aqui instalada."
Gazeta Mercantil, 22/6/93
"O consumidor brasileito tem motivos
para comemorar: o Governo não cedeu
às pressões e deu seqüência ao
cronograma de redução de alíquotas do
imposto de importação. Desde que essa
política começou a ser posta em prática,
houve queda nos preços reais,
convertidos em dólares, de uma série de
bens de consumo. (...) E isso sem que
tivesse ocorrido uma enxurrada de
importações. (...) A abertura comercial é
peça fundamental da estratégia de
integração do Brasil à economia
internacional, e o comércio exterior é,
necessariamente, uma via de duas
mãos. (...) O Governo vem adotando
política correta nessa abertura,
estabelecendo maior proteção para os
produtos finais (...)."
O Globo - 5/7/93
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Comércio e Integração Regional - 121
"(...) para os empresários, que durante
anos viveram à sombra do modelo da
CEPAL, a abertura de nossa economia
decorre da análise feita pela CNI sob o
título 'Abertura Comercial e Estratégia
Tecnológica'. Para os industriais, muitos
deles apavorados pela iniciativa do
governo Collor, a abertura de nossas
fronteiras foi altamente positiva. Os
únicos céticos situam-se nos setores
tradicionais, que realizaram seus lucros
com o protecionismo e à custa dos
consumidores."
O Estado de São Paulo, 13/6/94
Hoje, com o benefício da visão
retrospectiva, é possível, não obstante,
fazer pelo menos dois reparos ao processo
de abertura comercial do Brasil. Em
primeiro lugar, pode-se criticar o fato de
que a abertura foi implementada sem que o
país se tivesse dotado, previamente, de
legislação apropriada de defesa comercial,
bem como de uma estrutura burocrática
adequada para implementá-la de forma ágil
e eficiente. Convém lembrar, a esse
respeito, que se as tarifas e barreiras não
tarifárias são as armas de proteção ao
alcance dos pobres, outros instrumentos
como as medidas anti-dumping e anti-
subsídio são armas de ricos que
necessitam de numerosa e sofisticada
estrutura de aplicação. Basta lembrar que
nos Estados Unidos esse tipo de
burocracia é composta de centenas de
especialistas em legislação comercial,
economistas e contadores.
O segundo reparo diz respeito à
constatação de que, idealmente, a abertura
- por constituir um projeto de longo prazo,
de mudança do próprio modelo econômico
- deveria ser feita em ambiente de
estabilidade econômica. No entanto, na
medida em que o Brasil ainda prossegue
sua luta pela estabilização da economia, a
política de abertura comercial - em função
do objetivo maior do controle da inflação -
tem sido também vista, em grande medida,
como um dos vários instrumentos a serem
utilizados no controle de preços, como aliás
vem sendo feito em outros países latino-
americanos e em dimensão mundial.
Assim, o ritmo da abertura, que deveria ser
guiado por considerações de longo prazo,
vê-se muitas vezes submetido aos
objetivos mais imediatos da estabilização
econômica - e é compreensível que assim
o seja. Essas observações não invalidam,
por outro lado, a constatação de que a
abertura comercial era necessária, e
inadiável. Deve-se apenas ter em mente
que, se em condições de estabilidade
econômica o processo de abertura já teria
sido em si próprio desafiador, as
dificuldades tornam-se ainda maiores na
medida em que a abertura vai sendo
conduzida paralelamente aos esforços de
estabilização.
No fundo, num país ideal, num mundo
ideia, a liberalização comercial deveria ser
uma das pernas de um tripé, do qual os
dois outros elementos seriam a
estabilidade macroeconômica e uma
política adequada de comércio exterior
![Page 11: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100600/5571f28449795947648cac96/html5/thumbnails/11.jpg)
122 - Comércio e Integração Regional
(conceito melhor do que o da controvertida
"política industrial", mesmo porque o
problema brasileiro é hoje, nesse campo,
não o de implantar uma base industrial,
mas sim de criar condições para melhorar
seu sofrível desempenho exportador, cada
vez mais concentrado em setores
dependentes de recursos naturais - soja,
suco de laranja, minério de ferro - ou da
escala de produção - celulose, papel, etc,
enfim, produtos de baixo valor agregado).
No país real e no mundo real, as três metas
podem e devem ser buscadas
concomitantemente e não alinhadas em
seqüência sucessiva no tempo. É óbvio,
por exemplo, que esses três elementos se
reforçam uns aos outros. No caso
brasileiro, um fator a não esquecer é que a
crise do "impeachment" do Presidente
Collor e o retardamento da estabilização
consequente trouxeram dificuldades
adicionais.
II. IMPACTO INICIAL DA ABERTURA SOBRE O
NÍVEL DE IMPORTAÇÕES
Pela forma controlada e gradual com
que foi conduzida, a abertura comercial não
provocou uma "explosão" no nível de
importações (é útil valer-se dos anexos I e
II para acompanhar a leitura dos
argumentos apresentados neste item II).
Em 1991 e 1992, quando começava a
ser implementado o cronograma de
redução das tarifas de importação, as
compras externas permaneceram
estabilizadas em torno de US$ 20-21
bilhões ao ano - ou seja, o mesmo nível de
1990. Por outro lado, em 1993, quando se
concluiu o cronograma de reduções
tarifárias, as importações brasileiras
apresentaram, efetivamente, um aumento
importante. Cresceram 24%, superando o
patamar de US$ 25 bilhões ao ano.
Cabe fazer três observações a
respeito do aumento de 24% nas
importações em 1993:
a) parcela significativa desse aumento se
terá devido à expansão da demanda
doméstica provocada pela retomada do
crescimento econômico, que atingiu
4.1% naquele ano. Assim, se em 1991
e 1992 - anos em que, com a economia
estagnada, já estava em curso a
redução das tarifas de importação - as
importações permaneceram estáveis,
mas voltaram a crescer em 1993
paralelamente à retomada do
crescimento, parece ter havido uma
relação direta mais estreita e relevante
entre crescimento econômico e
expansão das importações do que
entre queda de tarifas e expansão das
importações;
b) em uma perspectiva histórica, o
crescimento das importações para um
nível de US$ 25 bilhões deve ser
considerado natural - em 1980,
recorde-se, nossas importações já
haviam atingido o patamar de quase
US$ 23 bilhões;
c) ainda que o crescimento das
exportações - de 7.6% - não tenha
acompanhado o ritmo das importações,
o saldo comercial manteve-se em nível
![Page 12: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100600/5571f28449795947648cac96/html5/thumbnails/12.jpg)
Comércio e Integração Regional - 123
satisfatório: decresceu de US$ 15.3
bilhões em 1992 para US$ 13.1 bilhões
em 1993 (ressalta-se que, segundo as
avaliações disponíveis, nas condições
vigentes na época um saldo comercial
anual de US$ 8 bilhões já seria
compatível com os compromissos
externos do país, sendo que essa cifra
comercial, primordialmente, cobriria os
compromissos externos, reservando-se
papel menor às entradas de capital).
No primeiro semestre de 1994, as
importações continuaram a crescer, mas
em ritmo inferior a 1993 e sempre dentro
de parâmetros plenamente aceitáveis e
compatíveis com o equilíbrio cambial.
Nesse período, efetivamente, as
importações tiveram crescimento de 16.9%,
ao qual se contrapôs expansão de 9.22%
nas exportações. De resto, o valor mensal
das importações no primeiro semestre de
1994 manteve-se sempre abaixo da cifra
de US$ 2.5 bilhões.
A conclusão necessária dessas
observações é a de que a abertura
comercial, mesmo no contexto da
expansão econômica que se registrava em
1993 e 1994, não estava provocando, por
si só, um aumento descontrolado das
importações.
III. A ABERTURA COMERCIAL, O PLANO REAL E
A CRISE MEXICANA
O Plano Real introduziu um elemento
inteiramente novo nas considerações sobre
o processo de abertura comercial: a
utiliação de uma "âncora cambial" como
instrumento de combate à inflação, em um
momento em que a expansão da economia
e a estabilização dos preços induziam a um
aumento da propensão ao consumo. Havia
sido dito, acima, que, idealmente, a
abertura comercial se deveria realizar em
ambiente de estabilidade econômica, de
forma a que as decisões sobre seu rumo
fossem sempre tomadas apenas em função
do processo em si. No mundo real,
contudo, as prioridades se sobrepõem -
especialmente em um país em
desenvolvimento -, e é inteiramente
justificável que o governo brasileiro se
tenha decidido, a partir do Plano Real, a
orientar suas ações tendo em vista o
objetivo maior da estabilização.
Não se pode, além disso, isolar,
nesse debate, apenas o componente do
déficit comercial, esquecendo que o êxito
do Plano Real em relação aos anteriores
intentos de estabilização se deve, antes de
mais nada, a ter sido ele o primeiro plano
econômico lançado num ambiente de
abertura comercial. Foi, em grande medida,
a possibilidade de importar que permitiu até
agora atender ao aumento do consumo e
limitar o potencial do aumento de preços.
Era claro, desde um primeiro
momento, que a utilização da "âncora
cambial" em um contexto de expansão da
economia e de aumento da propensão ao
consumo traria conseqüências para a
balança comercial brasileira. Considerou-
se, contudo, que - diante da situação
cambial confortável (continuação dos
![Page 13: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100600/5571f28449795947648cac96/html5/thumbnails/13.jpg)
124 - Comércio e Integração Regional
superávits comerciais expressivos mesmo
após a abertura comercial; níveis recordes
de reservas; disponibilidade de capitais no
mercado internacional) - havia margem de
manobra para uma contribuição do setor
externo ao processo de estabilização da
economia. Julgou-se, assim, que - por um
período de tempo necessário - seria
possível manter a "âncora cambial", ainda
que às custas do desempenho da balança
comercial.
A utilização da "âncora cambial",
aliada à expansão de consumo propiciada
pelo Plano Real - especialmente por parte
das camadas mais simples da população -,
teve efeitos imediatos sobre a balança
comercial brasileira. Os níveis mensais de
importação - que, no primeiro semestre, se
haviam sempre mantido abaixo de US$ 2.5
bilhões - iniciaram uma acentuada curva
ascendente. Já em novembro, as
importações superavam a barreira de US$
4 bilhões/mês. Em novembro e dezembro
de 1994, a balança comercial brasileira
registrou déficits de, respectivamente, US$
492 e US$ 884 milhões, mas ainda assim
fechou o ano com um superávit global de
US$ 10.39 bilhões, graças ao desempenho
de janeiro a outubro.
Em um primeiro momento, os déficits
na balança comercial não despertaram
maior preocupação. Chegavam a registrar-
se, mesmo, opiniões de que os déficits na
balança comercial poderiam ser vistos
positivamente, na medida em que o Brasil -
como país em desenvolvimento - deveria
dar prioridade à absorção de poupança
externa. Ou seja: os déficits de balança
comercial deveriam/poderiam ser
compensados através da entrada de
capitais, ao menos de maneira temporária,
até que, consolidada a estabilização e
reduzido o chamado "risco Brasil" através
da desregulamentação e das reformas
constitucionais, fosse possível retornar a
uma situação comercial mais saudável. No
entanto, a crise cambial mexicana e seus
efeitos sobre os mercados financeiros
internacionais viriam a afetar os
fundamentos dessa linha de avaliação.
Nesse ponto, parece ter ficado
demonstrado que o aparecimento de
déficits na balança comercial brasileira está
relacionado, em primeira medida, a fatores
vinculados à política cambial (até que se
consolide a estabilidade) e à existência de
uma demanda reprimida que logrou
condições de consumo com estabilização
propiciada pelo Plano Real, e não à política
de abertura que já vinha sendo
implementada desde o final dos anos 80.
De resto, a constatação de que essas
oscilações de curto prazo da balança
comercial dependem antes da política
cambial do que - respeitados determinados
limites - dos níveis de proteção tarifária ou
não-tarifária pode ser ilustrada por uma
rápida referência a experiências mais
recentes no México e Chile.
Ambos os países implementaram
processos de abertura após os quais
passaram a aplicar tarifas bastante
![Page 14: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100600/5571f28449795947648cac96/html5/thumbnails/14.jpg)
Comércio e Integração Regional - 125
próximas. No caso do Chile, uma tarifa
única de 11%. No caso do México (dado
referente ao final de 1992), uma tarifa
média, ponderada pela produção interna,
de 12%, com um teto de 20%. O Chile, por
outro lado, evitou, desde meados da
década de 80, a sobrevalorização de sua
moeda. No México, ao contrário, o câmbio
real se havia valorizado de forma contínua
desde 1987.
Verificou-se que, no Chile, a abertura
comercial - combinada a uma política
cambial realista - não acarretou
desequilíbrios ao setor externo da
economia. Já no México, a manutenção por
longo tempo de uma política de
sobrevalorização de sua moeda foi fator
determinante para o processo que
culminou com a crise de final de 1994.
No Brasil, a adoção de uma "âncora
cambial" a partir do Plano Real não
indicava uma intenção de longo prazo de
manter sobrevalorizada a moeda nacional.
Tratava-se, como indicado acima, de um
instrumento a ser utilizado por tempo
julgado necessário - e que poderia ir sendo
flexibilizado à medida em que a política de
estabilização fosse registrando êxitos e
consolidando a confiança em seus rumos.
Com a eclosão da crise mexicana,
contudo, alterou-se de imediato o
pressuposto da disponibilidade de capitais
que poderiam compensar a reversão de
tendência na balança comercial brasileira.
A partir de então - e na medida em que o
uso da "âncora cambial" ainda se faz
necessário como parte do esforço de
estabilização -, o governo viu-se na
contingência de adotar medidas para
conter o aumento de importações (e do
consumo em geral). No campo externo,
excluída a hipótese de provocar a volta da
instabilidade cambial e do recrudescimento
inflacionário, restava o caminho do
aumento de tarifas para um determinado
número de produtos de menor
essencialidade cujas compras no exterior
vinham aumentando em ritmo acelerado.
Nesse espírito, decidiu-se, em 31 de março
último, a elevação de alíquotas de
importação para uma lista de 109 produtos,
seguindo-se mais tarde algumas
retificações a fim de melhor ajustá-las aos
resultados da Rodada Uruguai.
O governo tem reafirmado, contudo, o
caráter temporário dessa medida, e
ressaltado sua necessidade como
instrumento para assegurar o equilíbrio das
contas externas, peça fundamental do
esforço de estabilização conduzido desde a
adoção do Plano Real. Assim, seria
incorreto ver no recente aumento de tarifas
de importação qualquer intenção de
reverter a política de abertura comercial.
Seria, de fato, equivocado e ineficaz um
intento desse tipo, caso existisse, uma vez
que aumentos de tarifas jamais funcionam,
a longo prazo, como instrumento para
corrigir desequilíbrios provocados por
defasagens cambiais. Impõe-se, com
efeito, numa situação como essa, uma
estratégia que vise a evitar dois extremos
igualmente perniciosos. De um lado, a
![Page 15: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100600/5571f28449795947648cac96/html5/thumbnails/15.jpg)
126 - Comércio e Integração Regional
tentativa vã de buscar camuflar um
problema cambial mediante a criação
artificial de um colchão tarifário protetor que
será rapidamente erodido pela contínua
elevação dos preços internos, anulando a
proteção adicional. De outro, procurar
estimular as exportações e inibir as
importações pelo recurso ao remédio
aparentemente fácil das contínuas
desvalorizações cambiais que apenas
mascaram a falta de competitividade do
setor exportador e tornam impossível o
controle interno da inflação. Essa
estratégia deve completar-se com o avanço
simultâneo em todas as frentes: 1º)
facilitando, como se vem fazendo, a
importação de bens de capital, alimentos e
matérias primas; 2º) completando a
estabilização por meio das reformas
constitucionais e de medidas que evitem o
consumo excessivo; e 3º) adotando uma
política de competitividade que ataque os
problemas estruturais de setores como o
têxtil, de calçados, e outros, em lugar de
adiar-lhes a solução com medidas de alívio
cambial ou tarifário.
IV. CONCLUSÕES
O presente texto buscou demonstrar
que, com o esgotamento do modelo de
substituição de importações, a abertura
comercial havia se tornado um caminho
necessário e inevitável, que contou com
amplo apoio por parte da sociedade
brasileira e das diferentes correntes
políticas. Como se verificou, a abertura
comercial não provocou um aumento das
importações acima do que se poderia
definir como aceitável.
Posteriormente, a adoção da “âncora
cambial’ - em um ambiente de expansão
econômica e de aumento da propensão ao
consumo - como um dos elementos de
sustentação do Plano Real provocou uma
reversão da longa tendência de superávits
na balança comercial brasileira. Essa
evolução - que poderia ter sido considerada
aceitável por um período de tempo
determinado - passou a constituir um risco
para o equilíbrio das contas externas a
partir do momento em que a crise
mexicana alterou em parte as perspectivas
de atração de capitais. O governo viu-se
levado, então, em março de 1995, a adotar
medidas temporárias de correção quanto
ao aumento das importações, buscando, ao
mesmo tempo, consolidar a estabilização
da economia e do câmbio.
A abertura comercial deverá continuar
a ser uma realidade que conta com amplo
apoio por parte da sociedade brasileira.
São reconhecidos os substanciais efeitos
concretos e positivos que vem produzindo
para a condução do Plano Real e para a
economia brasileira. Essa abertura não se
fez no Brasil isoladamente, por capricho de
governos ou motivada por causas
puramente nacionais. Ela faz parte, na
verdade, de um profundo movimento
histórico que marca o fim deste século: o
da globalização da economia e da
unificação dos mercados em escala
planetária. A Rodada Uruguai foi um
![Page 16: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100600/5571f28449795947648cac96/html5/thumbnails/16.jpg)
Comércio e Integração Regional - 127
capítulo desse processo, como o foram
igualmente a queda do Muro de Berlim, o
desaparecimento das economias de
comando centralmente planificadas, o
ingresso primeiro no FMI e no Banco
Mundial e depois no GATT dos antigos
países socialistas, a emergência da China
e demais asiáticos no mercado global, a
liberalização da Índia, até do Vietnã, e o
aparecimento desses países como novos e
temíveis competidores.
A redução das tarifas e a abolição das
barreiras não-tarifárias no Brasil é um
episódio da conclusão do que se vem
denominando de esgotamento da fase de
integração rasa (“shallow integration”), ou
seja, da liberalização econômica baseada
apenas em medidas de fronteira (tarifas,
cotas, etc.). Já se iniciou, na Rodada
Uruguai, a fase da integração profunda
(“deep integration”), a harmonização de
legislações internas, de padrões
domésticos em serviços bancários,
seguros, em propriedade intelectual, em
regras de competição. Seria, portanto,
uma ingenuidade e uma extraordinária
miopia tentar isolar o que se vem passando
no Brasil, em termos de abertura, desse
gigantesco movimento mundial com o qual
convergem nossas iniciativas de
liberalização, que ao mesmo tempo
correspondem profundamente às
necessidades mais autênticas da
sociedade brasileira.
O atual governo, da mesma forma que
as demais administrações brasileiras desde
o final dos anos 80, compreende essa
realidade histórica e mantém a orientação
de procurar promover crescente inserção
do país na economia internacional -
resguardada, sempre que necessário, a
possibilidade de correções de rumo
temporárias.
V. SUGESTÕES DE LEITURAS PARAAPROFUNDAMENTO DO TEMA
AGOSIN, Manuel. Política comercial y
transformación productiva.
Documento CEPAL LC/R. 1293,
19/agosto/93.
CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa.
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![Page 17: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100600/5571f28449795947648cac96/html5/thumbnails/17.jpg)
128 - Comércio e Integração Regional
WORLD BANK. The East Asian Miracle.
Oxford University Press, 1993.
------. World Development Report 1991 -
The Challenge of Development.
Oxford University Press, 1991, pp.
88-108.
Balança Comercial BrasileiraUS$ Milhões FOB
Ano Exportação Var. % Importação Var. % Saldo Var. % Corrente de Var. %1980 20.132 - 22.955 - -2.823 - 43.087 -1981 23.293 15,70 22.092 -3,76 1.201 -142,54 45.385 5,331982 20.175 -13,39 19.395 -12,21 780 -35,05 39.570 -12,811983 21.899 8,55 15.429 -20,45 6.470 729,49 37.328 -5,671984 27.005 23,32 13.916 -9,81 13.089 102,30 40.921 9,631985 25.639 -5,06 13.153 -5,48 12.486 -4,61 38.792 -5,201986 22.349 -12,83 14.044 6,77 8.305 -33,49 36.393 -6,181987 26.224 17,34 15.052 7,18 11.172 34,52 41.276 13,421988 33.789 28,85 14.605 -2,97 19.184 71,72 48.394 17,241989 34.383 1,76 18.263 25,05 16.120 -15,97 52.646 8,791990 31.414 -8,64 20.661 13,13 10.753 -33,29 52.075 -1,081991 31.620 0,66 21.041 1,84 10.579 -1,62 52.661 1,131992 35.862 13,42 20.554 -2,31 15.308 44,70 56.416 21,681993 38.597 22,07 25.480 21,10 13.117 23,99 64.0771994 43.558 21,46 33.168 61,37 10.390 -32,13 76.726 19,74
Fonte: MICT/SECEX/DTIC, Balança Comercal Brasileira, Dezembro/1994.Elaboração: MRE/SGIE/GETEC
![Page 18: Rubens Ricupero ( Abertura Comercial Brasileira 1995](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022100600/5571f28449795947648cac96/html5/thumbnails/18.jpg)
Comércio e Integração Regional - 129
Balança Comercial BrasileiraValores Mensais e Acumulados
US$ Milhões FOB
Período Exp. Imp. Saldo Corr. deCom.
1994 1993 Var. % 1994 1993 Var. % 1994 1993 Var. % 1994 1993 Var. %janeiro 2.747 2.813 -2,35 1.767 1.798 -1,72 980 1.015 -3,45 4.514 4.611 -2,10
fevereiro 2.778 2.898 -4,14 2.032 1.432 41,90 746 1.466 -49,11 4.810 4.330 11,09jan-fev 5.525 5.711 -3,26 3.799 3.230 17,62 1.726 2.481 -30,43 9.324 8.941 4,28março 3.351 3.509 -4,50 2.250 2.001 12,44 1.101 1.508 -26,99 5.601 5.510 1,65jan-mar 8.876 9.220 -3,73 6.049 5.231 15,64 2.827 3.989 -29,13 14.925 14.451 3,28
abril 3.635 3.028 20,05 2.158 2.125 1,55 1.477 903 63,57 5.793 5.153 12,42jan-abr 12.511 12.248 2,15 8.207 7.356 11,57 4.304 4.892 -12,02 20.718 19.604 5,68maio 3.862 2.918 32,35 2.432 1.590 52,96 1.430 1.328 7,68 6.294 4.508 39,62
jan-mai 16.373 15.166 7,96 10.639 8.946 18,92 5.734 6.220 -7,81 27.012 24.112 12,03junho 3.728 3.238 15,13 2.498 2.292 8,99 1.230 946 30,02 6.226 5.530 12,59jan-jun 20.101 18.404 9,22 13.137 11.238 16,90 6.964 7.166 -2,82 33.238 29.642 12,13julho 3.738 3.423 9,20 2.535 2.770 -8,48 1.203 653 84,23 6.273 6.193 1,29jan-jul 23.839 21.827 9,22 15.672 14.008 11,88 8.167 7.819 4,45 39.511 35.835 10,26agosto 4.282 3.503 22,24 2.760 2.341 17,90 1.522 1.162 30,98 7.042 5.844 20,50jan-ago 28.121 25.330 11,02 18.432 16.349 12,74 9.689 8.981 7,88 46.553 41.679 11,69setembro 4.162 3.445 20,81 2.729 2.217 23,09 1.433 1.228 16,69 6.891 5.662 21,71jan-set 32.283 28.775 12,19 21.161 18.566 13,98 11.122 10.209 8,94 53.444 47.341 12,89outubro 3.842 3.241 18,54 3.198 2.094 52,72 644 1.147 -43,85 7.040 5.335 31,96jan-out 36.125 32.016 12,83 24.359 20.660 17,90 11.766 11.356 3,61 60.484 52.676 14,82
novembro 3.706 3.171 16,87 4.198 2.040 105,78 -492 1.131 -143,50 7.904 5.211 51,68jan-nov 39.831 35.187 13,20 28.557 22.700 25,80 11.274 12.487 -9,71 68.388 57.887 18,14
dezembro 3.727 3.410 9,30 4.611 2.780 65,86 -884 630 -240,32 8.338 6.190 34,70jan-dez 43.558 38.597 12,85 33.168 25.480 30,17 10.390 13.117 -20,79 76.726 64.077 19,74
Fonte: MICT/SECEX/DTIC, Balança Comercal Brasileira, Dezembro/1994.Elaboração: MRE/SGIE/GETEC
* Diplomata. Embaixador do Brasil em Roma. Ex-Embaixador do Brasil em Genebra e em
Washington. Ex-Ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal e da Fazenda noGoverno Itamar Franco.
** Diplomata. Conselheiro, atuamente servindo em Roma.