rouanet, sergio paulo. mal-estar na modernidade

Upload: carina-de-souza

Post on 14-Jul-2015

1.598 views

Category:

Documents


112 download

TRANSCRIPT

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    1/20

    I 1 -P A S T A "1-D'ATA9J.~6 " " , o rR$

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    2/20

    1 ,_

    ~ .

    1ILUMINISMO au BARBARIE

    A CRISE DA CIVILlZACAo MODERN ATodos dizem que a m odernidade esta em crise. E u rn l uga r -c o rnu rn ,

    m as co mo ou tros lugares-cornuns e st e p od e se r ate verd adeiro , d esd e qu ese enten da bern 0 alcance do diagncsticc, 0 que existe arras cia crise damodernidade e um a crise de civ ilizacao . 0 que esta em crise e 0 projetom od ern o d e c iv iliz ac ao , e la bo ra do p ela Ilu stra ca o e uro pe ia a p ar tir d e rn o-tiv os c ia c ultu ra ju de o-c la ss lc a- crista e a pro fu nd ad o n os d ais se cu lo s su b-sequentes po r movlmentos como 0 liberal-capitalismo e 0 socialismo.

    o p ro je to c iv iliz ato rio d a m od em id ad e te rn c om o in gre die nte s p rin ci-p ais os con ceito s d e univ ersalid ade, ind iv idu alid ade e auton om ia. A uni-v er sa lid ad e s ig nific a q ue e le v isa to do s o s se re s h urn an os , in de pe nd en te -m en te d e b arre ira s n ac io na is , e tn ic as o u c ultu ra is . A in div id ua lid ad e s ig ni-fica que esses seres hum anos sao considerados com o pesscas concretas en ao com o in tegran tes de u ma co letiv idade e ql!e se atribu i valo r etico p osi-tivo Ii s ua c re sc en te in div id ua liz ac ao . A a uto no rn ia s ig nif ic a q ue e sse s s ere shu mano s in dividu alizados sao ap tos a pensarem po r si m esm os, sern a tu-tela d a relig iao ou da id eolog ia, a ag irem no espaco p ub lico e a ad quiriremp elo s eu tra ba lh o a s b en s e s erv ic es n ec ess arie s a s ob re vi ve n ci a m a te ri al .

    O ra, esse pro jeto civilizato rio esta fazend o agua po r to das as ju ntas.o u niv ersalism o esta send o sabo tado p or u ma prcliferacao de p arti-c ula ri sm o s - n ac io na is , c ul tu ra is , r ac ia is , r el ig io so s, O s n ac io na li sr no s r na isviru lentos desped acam an tig os im perios e inspirarn atrocid ades d e d ar in -veja a Gengis Khan. 0 racism o e a xenofobia sa em do esgoto e ganhameleicces,

    A in dividu alidade sub merg e cada vez rnais no anon im ato d o con fer-m isrno e da sociedade de consum e: nao se trata tanto de pensar as pensa-m en tes q ue to do s pen sam , m as de co rnp rar o s video cassetes q ue tod os com -p ram , nos avioes charter em que todos voam para M iami.

    9

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    3/20

    A au tono m ia in t ele ctu al, b ase ad a n a v is ao s ec ula r d o m un do , e sta s en -do explodida pelo reencantam ento do mundo, que repce as duendes emc ir cu la ca c, o rg an iza c on gre sse s d e b ru xa s, a ss oc ia -s e a o g uia M ic he lin p ar af ac il it ar p er eg ri na co es e so te ri ca s a S an ti ag o d e C om po st el la e fornece ho -roscopos e le tr 6n ic o s a , t ex an o s dornlciliados n o T ib et . A a uto no mia p oli-rica c negada por ditaduras au transform ada n um a coreo grafia eleitoralc nc cn ad a d e quairo em quatr o anos , A autonornia econ6m ica e um a m en-lira sadica para os \res terco s d o genera hum ane q ue vivern ern con dicoesd ~ p () hr ~ ~. " a I ) ,o i u ta .

    M ary . diw .; que; a A icm anha tinha vivido tcdas as contra-revolucoesda Europa c nenhurna de suas revolucoes. Pcdem cs adaptar essa Frase aoB rasil: estam os v iven do a rev olta an tim odern a q ue ho je grassa no m undosem jarnais term o s v ivido a m od em idade.o u ni ve rs al is mc , e nt re n os , e sistem aticam ente rep ud iad o por u rn na-cio na lisr no c ultu ra l q ue p are ce te l' se te f6 le go s. M al u ma d e su as v ar ia nte sd esa pa re ce , o utra to ma 0 seu lugar. Foi assim que 0 n at iv ismo s et ec en ti s-t a foi substituido pelo indigenism o rornantico , este pelo naturalism o deS ilv io R om ero , e ste p elo ja co bin is mo flo ria nis ta , e ste p elo m ov im en to rn o-d ernista, este pelo n acio nal-auto ritarism o do E stado N ovo , este p elo ISEB,este pelo ere da UNE, este pelo chau vinism o do reg im e m ilitar e este p elabroa de m ilho. Se exists tem a consensual no Brasil e cer.tamente 0 de q uetem os que desenvo lver n ossa pr6 pria cultura e rejeitar m odelo s cu ltu raisestrang eiros, A b em d a verd ade, um a certa esquerda intelectual ja esta m u-d ando de discurso, talvez POl' se dar conta da origem conservadora e dofu nc io na me nto I asc is tiz an te d o topes d a autenticidade nacional, B ste, noen ranto, co ntinua v ivfssim o co mo atitud e so cial, e ha m uito ja in vadiu 0p ais , en tra nd o n as a ss em ble ia s d e e stu da nte s, n os s in dic ato s d e d en tis ta s,nas academ ias de m uscu lacao, e co mo verdad eiro arrastao id eologico , n aspraias da Z ona S ui carioca.

    A individualidade tarnbem nao desperta entusiasm o. Em vez disso ,ha p or lado urn hiperindivid ualisrno ex asp erado, m istura de lei d e G e rs one de consum isrno de Zona Franca, E , por outre lado, um a busca reverented e raizes, u ma con fusa tentativa d e recriar iden tid ades afro-baianas, um aang ustia diante da indiv id ualizacao e u ma necessidad e d e rem ergu lhar emt ot al id ad es m ai s Oll m en o s tri b a i s. N os d ois casos, hi um a nostalgia dacon dicao parad isfaca, estado adarn itico em que 0 hom em aderia ao todo.O n d e fica esse paraiso? Para os hebreus, 0 E den ficava em algurn lugarentre 0 Sinai e 0 E ufrates. A gecgrafla do an tip erso nalism o brasileiro ern en os p re stig io sa , P ara 0 b ra sile iro e m b usc a d e a ga sa lh o c om un ita rio ,o paralso fica entre Salvador e Porto Seguro . Ja para 0 i nt re p id o c omp ra -dor de hardware eletr6nico, e1e se localiza no estado da Florida, em al-gum ponto entre M iam i e O rlando.

    A r a za o s ec ula r d a Ilu stra ca o e outro valor em baixa. Mais que emoutros pafses, esta em m arch a entre n os u m g rand e projeto d e re-sacrali-za9ao do mundo. E 0 que se nota no culto das piram ides de cristal, nase rie da de c om q ue s e c on su lta m a stro lc go s e v id en te s, e ria m ito lo giz ac aoda psicanalise, qu e oscila entre os arquetipos de Jung e a reencarnacao.Essas atitudes sa o c om pa tiv eis c om posicoes politicas de esquerda, 0 qu ee u m a h om en ag em a nossa flexibilidade in te le ctu al. C on he ci u rn a ntig og uerrilh eiro q ue descob riu, n um a sessao d e analise, ser a reencarnacao d eRarnses, 0 G ra nd e, U rn a mig o p etista c on su lto u 0 IC hiu]; paru saber seSuplicy ia ganhar em Sao Paulo, e pensou seriarnerue em Iunuar d~I\1r0do P artido um a nov a faccac, deno minada T ravessia E soterica. O s sin cre-tisrn os n ao sao raros n a n istoria das ideias. N o inicio d o secu lo, per exem -plo , algu ns intelectuais v ien enses ten tararn fund ir M arx co m K an t. E ra 0austrom arxism o. N o B rasil, antevejo um a f'usao de M arx com a astrolo-g ia: e 0 astromarxisrno.

    A experiencia recente de m ais de vinte anos de ditadura m ilitar temimpedido ate ago ra urna d esilusao com as institu icoes d em ocraticas. M asa p olitizacao nao e 0 forte das geracoes m ais jovens, Ha um ceno riscod e carnav alizacao da po litica: u rna F esta em qu e alg uns ado lescentes saemp eriod icam ente as ru as nu m sirnpatisslssim o protesto co ntra a co rrup caoe a s a lta s m en sa lid ad es e sc ola re s, e , n o in te rv alo , a le ta rg ia , E p re ci so c on v irque essa atitude apatica se justifi.ca pela form a de funcionarnento entren65 da rotina dem ocratica, N ao ha com o vibrar com entusiasm o civicoquando se veem as disputas parlam entares por verb as e cargos publicos,Q ua nd o a c on tro ve rs ia e ntre 0 p ar la me nta ris mo e 0 presidencialisrno e con-d uz id a c om o s e F oss e a c orn pe tic ao e ntre d ois d ete rg en te s, e p re f' er fv el e s-col h er urn produto m enos nocivo ao m eio am biente - per exernplo, a cer-veja, tomando partido, com um chope, na guerra entre a B rahma e a An-tarctica.

    Enfim, Mum a grande descrenca com relacao ao sistem a econ6m i-c o. 0 c ap ita lis mo e vivido como gerador de desemprego e de explor a-cao, 0 so cialism o fracassou em suas p rornessas de elirnin ar a injusticasocial e de pr o m over a abu ndan cia, e am bos se revelaram ecolog icam en-t e p r eda t6 r io s .

    Em suma, no B rasil e no mundo, 0 p r o j et o c iv il iz at or io d a m od er ni -dade entrou em colapso . Nao se trata de uma transgressao na pratica deprinclp io s aceito s em teo ria, p ois nesse case nao h averia crise d e civiliza-9 iio . T ra ta -s e d e u ma reieicao d es pr6 prio s prin cfplos, d e urn a recusa dasv alo re s c iv iliza to rio s p ro po sto s p ela rn od ern id ad e. C om o a c iv iliz ac ao q uetinh am os perdeu su a vigericia e c om o n en hu m o utro p ro je to d e c iv iliz ac aoap onta no ho rizon te, estam os viven do, literal m en te, nu m vacuo civ iliza-t6rio. Ha urn nom e para iS50: b ar ba ri e. P oi s 0 b arb aro , s em n en hu m J U I -

    10 1J

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    4/20

    zo de v alo r, n o sentid o m ais n eu tro e m ais rig oroso , e a qu ele q ue v iv e f orada c ivi l izacao .

    D i an te d is so , M t r e s r ea co e s p o ss fv e ls , Podemos deixar em paz os bar-b aro s, se m in fe rn iz ar-lh es a e xls te nc ia c om v alo re s c iv iliz ad os , P od em ospartir p ara u rn m od elo civ ilizato rio an tim odern o, q ue represente em tu doa anrnese d o p ro jeto da m od ern ida de, E po dem os rep ensar a m od ern ida-de, em busca de um a alternativa neomoderna.~ ) N a. o f al ta ri io partidarios daprimeira solucao. Hoje em dia a barbaric

    nao assusta m ais. Talvez ainda existam alguns nonagenarios dispostos arnorrer em defesa da "deusa serena, serena form a", contra o s v a nd a lo se v i sigodos d o v erso livre. Im plican cias de v elho pamasiano, Na o excluoseq uer q ue no fu nd o de algu rn a b iblio teca sem i-ro ida p elas tracas algu mprofessor de p ortug ues con tinu e bab ujarido insu ltos co ntra os barbaris-mo s lingillsticos. C oisa s de gramatico. Salvo essas hostilidades extrava-g an tes, os barbaros em geral tern boa imagem.

    Verdade e que hoje em dia os que se vsern e sao vlstos com o barbarosnao vestern m ais peles de urso e em vez de brandirem lancas m anejam 0v iolao , fazen do am or em ve z de g ue rra. A Mm disso , M dif'erenca s m eno res- os habitos alirnentares, per exernplo. Os barbaros de hoje sa o vegetaria-no s e go stam m ais d a cozin ha macrobiotica q ue de javalis. N ao im po rta.o que conta e a atitude contracultura l, O belix nao respeitava as norm asd e bo as m aneiras d e P etron io e no rm alm en te os barbaros b ra si le ir os n aoc irc ula rn d e black lie nas colunas sociais. C om um aos barbarcs antigose mo d er no s e u ma ig no ran cia ro bu sta, sau dav el, e qu ase diria m etod ica.N ossos barbaros sao tao incapazes de citar 0 tftu lo de urn rom ance deS te nd ha l c om o urn frig io do tem po de Augusto de declarnar urna od ede Catulo.

    Nao, a barb aric n ao arn edro ru a rn ais. Co m isso, 0 titulo deste ensaio(alusao ao gn po Socialism o ou B arbaric, reunido nos pes-guerra em tor-no de in telectuais com o C astcriadis e Claude L efort) perde grande partedo seu poder de fogo. Sern 0 lluminismo e a te p os siv el q ue te nh am os rn es-mo a barbaric - e dai? Na pior das hipoteses, irernos tod os p ara P ortoSeguro e dorm irem os na praia depois de um a bebedeira de cauirn ,

    M as espe ro qu e 0 titu lo v en ha a e xe rc er a lg urn im pa cto m ob iliz ad orse refletirrnos sobre a natu reza d a barbaric qu e efetlvarnente no s arneaca.E la nao e am avel, O s verdadeiros barbaros retalham a Iugoslavia em no-me da nacao e assassinarn rnllhares de hom ens, m ulheres e criancas, Emdefesa do povo m atarn de fom e na Som alia um a populacao inteira. Param aie r g lo ria d o Is la c on de na rn a m orte u rn e sc rito r s ac rile go . ln vo ca nd oBrama arrasarn rnesquitasc trucidarn fieis, N a A l er na nh a , VaG buscar ob-sesso es im und as n as clcacas do inco nscien te coletiv o: estaria n ovam enteno cio a cadela que pariu H itler? Eles em punham na Franca 0 pavilhao

    de u ma x eno fo bia im em orial: estariarn d e vo lta o s fu zilado s de V ic hy ? O sv erd ad eiro s b arb aro s sa o p atrio ta s b asc os , ir la nd es es e b re to es . C om o d is "tinguir os m ais patriotas? Pelo poder explosive de suas bom bas. N o B ra-s il, c ria nc as sa o s ac rif ic ad as p or b ru xo s p ro fiss io na is , e m ritu als d e m ag ianegra , e por [ us ti ce ir o s p r of is si o na is , n a B a ix a da F lum in e ns e. Empresa-rios yuppies jo ga m b uz io s, pagam c or ni ss oe s a c or re to re s d e v e rb a s publi-cas e financiam grupos de exterm fnio . Em sum a, nao h a mui ta j u st if ic a ti -va para idealizar -a barbarie. Ao que tudo indica, ela nao e m ulto m aisaconchegante hoje qu e no tem po de Atila, 0 F lag elo de D eus.

    E is o s b arb ar os d e c ar ne e o ss o. Os que se autodesignarn assim naosao barbaros, e s ir n neo-rousseauistas cujo unico d el it o g ra v e e nunca te-rem ouvido faiar em R ousseau. Sao pastores arcadicos, Phyllis e Titirosque sem saberem disso m igraram dire tarnente dos bosques de T e6crito eV ir gi li o - "formosam resonate doces Amarytlida s iivas" - para a Flo-r esta d a Tijuca. N ~o sao de todo inocentes, porque partilharn co m os b ar-b are s a ute ntic os a lg um as c ara cte rls tic as p erig os as , c om o 0 desprezo pelarazao, N em sao rnuito aju izados, porque brincar com um a barbarie m lti-ea quando um a barbaric real esta rondando a s nossas portas e l ev ar l on g edemais 0 m ec an is mo d e d efe sa q ue o s p sic an alis ta s e ha ma m d e id en tif ic a-~ ao c om 0 agressor. M as, ao contrario do s barbaros g en uln os, s ao adep-tos sinceros da paz e da just ica, e p or ta nto s ao a lia do s potenciais na lutacontra a barbarie, Vale dizer qu e sao os principais interessados na gesta-

    ~"J cao d e urn p ro jeto civilizato rlo qu e in co rpo re aq ue le s valo res.-,,4 0 segundo carninho seria lutar por urn projeto antim od ern o de civi-Iizac ao, E Je seria em tud o a an titese d o p ro jeto m oderno : 0 particuiarismoem v e z d o u n iv er sa li sr no , 0 h olis rn o e m v ez d a in div id ua lid ad e, a r elig ia o e mvez do d esenc antam ento , a auto rid ade em ve z d a liberdad e, e a estratifica -9 aO e m v ez d a m ob ilid ad e s oc io -e co no mic a, E IJl p arte , e ss e p ro je to ja estase nd o p ro po sto p or u ma a lia nc a e sd ru xu la d e c on se rv ad ore s p olitic os , fu n-d ar ne nta lista s re lig io so s e ra dic ais p os -m od ern os . C om o u rn p ro gr am a d ess etip o n o fu nd o d up lic aria te nd en cia s jit p re se nt es n a r ea li da de , c an on iz an -do co mo va lor 0 que ja existe com o fate , nao parece que essa nova civ ili-

    , zacao contribuisse m uito para abolir a barbaric.'-i' Resta 0 projeto de um a civilizacao neom oderna, capaz de m anter 0q ue ex iste d e p ositive na m odernid ade, corrlg ind o su as p atolo gias. E sseprojeto eorresponde ao que chamo de Iluminismo.o Iluminismo e um ens ra tt on is , nao um a epoca ou ur n movimento.P or is so s em pre 0 disting ui d a Ilu stracao , qu e d esign a, esta sirn, u rn m o-m en to n a h is to ria c ultu ra l d o O cid en te . E nq ua nto e on stru ca o, 0 Iluminismotern uma existencia meramente conceitual: e a destllacao teorica da cor-re nte d e id eia s q ue flo re sc eu n o s ec ulo XVIII e m to rn o d e fil6 so fo s e nc ic io -pedistas com o V oltaire e D iderot, e de "herdeiros" d es sa c orre nte , c om o

    12 13

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    5/20

    o tib eralism o e 0 so cialism o, q ue , inc orpo ra nd o d e m odo sele tivo ce rtascateg orias d a Ilustracao , le va ram a dia nte a c ru zad a ilu strad a p ela e ma n-c ip ac ao d o h orn er n.

    Se ccnseguir c on stru ir a p ar tir dessastres configuracces a lg o c om oum a "ideia' ilu min is ta , c re io q ue obterei as e le m en to s p ar a 0 nosso pro-j eto de ci vili zacac. '

    A o s el ec io na r a l lu st ra ca o, 0 lib era lis mo e o so cia lisr no c om o a s c on s-t el ac o es h is to ri ca s de q ue j ulg o p od er dec an tar a ideia ilum inista, nao es-to u d izen do q ue essas tres corren tes esg otem 0 c on te ud o d o I lu m in ls mo .A A n ti gu id ad e c la ss ic a, 0 c risti an is mo , a R enascenca e a R eform a foramf'orcas poderosissim as, m as de certo m odo todas conflulram para a Ilus-tracao e ja estao co ntidas n ela. N o seculo XI X e XX varias c or re nt es e st i-verarn e m jo go , com o 0 rornantismo au a anarquismo, mas n ao h a du vid ad e q ue 0 p en sa me nto lib era l e 0 s oc ia li sr no t er n c om r el ac ao a s d em a is c or -rentes intelectuais nao somente 0 privilegio de terem se m aterializado emf or ma s c on cr eta s d e so cie da de , c om o 0 de representarem, pr ima fac ie , antesd e q ualq ue r in ve stig ac ao e mp iric a, co rren tes em qu e a s c cntin uida des co ma Ilu straca o prev alece m sabre as d esco ntin uida des, N on fv el p re-teoricoe m q ue e sc ol he m os !lOSSo s o bje to s d e e stu do 0 born senso e a intuicao saotao Iundarnentais quanto , no nivel teorico em que se realiza 0 estudo, 0rig or e 0 e sp ir it o d e o bj e ti vi da de . E s er ia m a ni fe st am e nt e c on tr a- ln tu it iv oe o po sto ao sen so co rn um in cIuir 0 fa scism o, po r ex em plo , e ntre a s c on fi-gu ra co es cultu rais d as qu ais esperarn os ex tra ir o s co nt,o mo s da id ela ilu-minista.

    D it o i st o, 0 prim eiro passo para a construcao da ideia ilum inista eexaminar 0m odo de funcionam ento na Ilustracao , no Iibera lism o e no so-cialism o d as ca tego ria s d a u niv ersa lidad e, d a in divid ualid ade e d a au to -nomia.

    va-se de form ular princ ipios genericos, baseados na razao e na observa-cao, que pudessem ajudar todos os seres hum anos a acederem a v id a c iv i-lizada, Pressupunha-se a validade universal desses princip ios por se ba-s ea r em numa natureza hum ana igualm ente universal, no sentido de queto dos o s h om en s tern um a estru tu ra p assion al identica, com afe tos e inte-re ss es c on sta nte s, e u ma ra mo u nifo rm e, a le m d e to da s a s v aria co es e sp ac io -temporais, 0 que im plicava a validade geral tanto das descobertas da ra-zao teorica (56 existe um a geornetria e a lei da gravidade vale para todos)com o das intuicees da r a za o p r at ic a ( a m o ra l breta nao d if er e d a morald os tu pln am ba s), A f'o rc a lib erta do ra d ess e u niv ers alis mo f oi r ea l. R ea fir -rnando a igualdade de todos os seres hum anos diante da razao , ela trans-p os p ara 0 terre no secu lar d a luta filos6 fic a e po litica a ideia re ligio sa d equ e to dos silo fiIh os de D eus e ig ua is d ian te do C ria do r, 0 q ue te ve c on se -q u en c ia s e x pl os iv a s,

    A o m esrn o te mp o, e ' c er to q ue e ss e u niv ers alis rn o n ao fo i s ufic ie nt e-m en te ate nto a dif 'eren ca s reais, e n isso se ex p6s a c rf tic a h erd eria na e ro -rnantica de operar com um conceito abstrato de hom em em geral. Contu-d o, e ju sto d iz er q ue a d im en sa o su bv ers iv a d a Ilu stra ca o e sta va j us ta rn en tenessa concepcao abstrata do hom em , sem a qual nao se teria transitadoda v i sao nac iona l- c on s e rv adcr a de B urk e (" the rights oj the Englishman")para a visao revolucicnaria des dire itos do hom em . 0 universa lism e ilus-tra do g erou efe itos po litico s im po rta ntes, c om o a co nde nac ao de q ualq uerform a d e racism o, d e co lon ialisrn o, d e sex ism o, 0 q ue n ao ex c1u i atitu de sin dlv id uais abe rrante s, co mo urn ce rto an ti-se mitism o e m V oltaire (q ue n oen tan to n ao tin ha ne nh um cu nh o racia l. e sirn relig iose, po is a d esm orali-zac ao d o jud atsm o bfblico fazia parte d a c ru zad a c on tra a Ig reja cato lica)e urn certo m isogeneismo em R ousseau (apesar do culto a R ousseau perm ulheres eminentes como madame de Stael e George Sand).

    A ILUSTRA9AOL ev an do a s u lt im a s c on se qu en ci as 0 c osr no po liti sm o e st6 ic o e 0 con-

    e ch o d a f ra te rn id ad e c ris ta , a Il us tra ca o f oi v er da de ir am en te u niv er sa lis ta ,P ara ela , a id eia d e q ue to do s o s h orn en s era m ig uais, in depe nd en tem en tede fronteiras OU c ult ur as , e st av a lo ng e d e s et uma a bs tr ac ao retorica, 0m undo, para ela, era realrnente um a c i vi ta s ma x ima . N enhum a epoca foirn en os etn oc en trica. P riv ad os da luz d a ra zao e su bm etido s a irnposturare lig io sa , to do s a s h orn en s p od ia m s er c on sid er ad os b a r baros, e em pri-m eira in stanc ia as euro peu s, e to do s tin ha m 0 p ot en ci al p ar a t ra ns it ar emda ba r ba r ic a civ iliza cao , e e m prim eira in stanc ia os "selv ag ens" d a A rn e-r ic a, rn ais p ro xirn os c ia n atu re za e p or ta nto d a v erd ad eir a c iv iliz ac ao . T ra ta -

    O utra o rig ina lida de d a Ilu strac ao fo i seu fo co ln dlv id ualiz an te. N asso c ie d ade s t r ad i ci ona i s, 0 hom ern so existe com o parte do coletivo - docia, da gens, da polis, do feudo , da nacao , 0 cristlan ism o e a R eform atin ham co ntrib uid o p ara 0 processo de individualizacao, m as apenas noplano transcendente da relacao do hornem com D eus. C aberia a Ilustra-C ao . lev an do ad ian te o s fe rm en tos in divid ualizad ores da R enasce nca , li-berar p len am en te a in divid uo, extrain do -o d a m atriz c ole tiva , E Ja p artiada hip6tese de hom ens isoJados, que se uniam par razoes utilitarias parafo rm are rn a s oc ie da de c iv il. A nt es d o c on tr ato , 0 h om er n e p re -s oc ia l: u rng ru po d e in divid uo s disp erse s. D ep ois d o c on tra to, ele po de estar suje itoa leis tao sev eras q ua nto as d o E stad o-L evia ta, m as a socieda de co ntin uasendo pensada com o um a agregacao m ecanica de indiv lduos e nao com o

    14 15

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    6/20

    um a cornunidade organica. N o estado de natureza com o no estado civil,o ho mem 8 6 existe co mo ind ividu o._. 0 individualismo ilustrado gera consequencias importantes. 0 indi-

    viduo passe a ser titu lar de direitos e nao apenas de obrigacoes, com o nasa ntig as e tic as re lig io sa s e comunitarias, E nt re e ss es d ir ei to s a vu lt a 0 direi-to a felicidade, 0 q ue le va a difusao do eudem onism o num a escala ate en-t a o s e rn p r ec eden t es . 0 t od o e xi st e p ar a 0 ind iv iduo e nao este para 0 tcdo.A lem disso , libertan do os ho mens d a in sercao comunitaria, a I lu s tr a caoos ccloca em posicao d e e xte rio rid ad e c om relacao a o m un do s oc ia l, 0 qu epermite transforrna-los em obser v ado re s e jufzes d e s ua propria sociedade.o individualismo da Ilustracao t e ve po rt a nt o 0 rnerito de co locar noc en tro d a e tic a 0 direito it f elic id ad e e a a uto -re aliz ac ao e a d e v alo riz aro individuo descentrado, 0 ho mem q ue se lib erta do s vin culos "naturals"e p od e situar-se na posicao de forrnular juizos eticos e politicos a p a rt ird e p rin cip io s u niv ers als d e [u stic a, in de pe nd en te me nte d e q ua is qu er le al-dades locais.

    Por outro lado, 0 in divid uahsm o d egenero u facilm en te, n o secu loXVIII , n urn a a po lo gia in se nsa ta d o in te re ss e p es so al, ig no ra nd o-s e a u tili-dade coletiva, e d o prazer h edon fstico , quaisquer q ue fossem su as conse-q ue nc ia s. A le rn d is so , 0 carater atom istico desse ind iv iduaIism o levo u ad es co nh ec er q ue t od o i nd iv id uo e s oc ia l e q ue 0 telos d a in di vi du ac ao c re s-cente so pode ser alcancado socialrnente.

    gido aq uilo m esm o q ue se trata d e ating ir: 56 u rn a r az ao ja l iv re p o d e tr a-var a lu ta pela libertacao da razao. N a pratica, 0 p ar ad ox o e ra e vita docom a suposicac de que alguns indiv!duos - os fil6sofos - ja tinharn seem ancipado des preconceitos e podiam ajudar os dem ais a alcancarern am esm a Iibertacao . P ressup osto elitista, portanto, q ue transforrnava os fi-165 0f0 5 nu ma v angu arda do esp frito hum ano, m as in teiram ente co rnp atl-v el c om 0 an tiig ualitarism o de V oltaire, p ara qu em as verd ades da Iiloso-f ia n ao d ev er ia rn s er e ns in ad as a canaille, e qu e estava co nv en cido de queseria ro ubad o p or seu alfaiate no m om enta em que este deixasse de acre-ditar em D eu s. I rnpe rt in enc ia t al v ez pe rdoave l, se se levar em coma quefoi 0 autor de Candide 0 grande I id er d a b at al ha contra a s up er stica o, eportan to 0 m ais vigoroso d efensor do de sencan tamento , c ond ic ao s in e q uano n da mode rn i dade .

    A au tono rnia in telectu al estava n o cern e d o p rojeto civilizat6 rio daIlustracac. 0 objetivo basico e r a l ib e rt a r a razao do preconceito, isto e ,d a o pi ni ao s er n j uig am en to . Ate entao, a inteligencia hurn ana tin ha sidotu te la da p ela a uto rid ad e, re lig io sa a u s ec ula r. D ura nte m ile nio s, p orta n-to , a genera hum ane tinha vivido em estado de m inoridade. Tratava-seago ra de sacu dir tod os os j ug os q ue to lh iam a liberd ade de pen sar, d e d es-prender a razao de todas as custcdias, de aceder e prom over 0 acesso acon dicao ad ulta. E ra im portan te, para isso, criticar a relig iao , p rincipalre sp on sa ve l p ela p ara lis ac ao d a in te lig en cia , e e m g era l to da s a s id eia s q uep re te nd es se m s ub stitu ir a s ig re ja s em s eu p ap el d e in fa ntiliza ca o d o h om em ,e que a esse titulo fun cio nav am com o agentes aux iliares do despo tlsm o.D onde a irnpcrtancia crucial da educacao , unica form a de im unizar 0 espirito hum ane con tra as in vestid as d o ob scu rantism o. D ond e a im portan-c ia d a c ie nc ia , q ue s ub st it ui a 0 d ogm a p elo saber, o u, para usar m etafo rasda epoca, que dissipava com a Juz da verdade as quimeras e fantasias dasupersticao.o id ea l d a a ut on om ia i nt el ec tu al e 0 m ais alto que nos legou a Ilus-tra ca o. M as e le re po us a n um a pet i tio pr incipii , q ue p re ssu p6 e c om o ja a tin -

    A autonomia p olitic a c on sis tia p ara a I lu str ac ao n a Iib erd ad e d e a caodo ho mem n o espaco p ublico . N um a de suas v ertentes, a lib eral, a Ilu stra-r;ao lirnitava-se, para isso , a p rop er um sistem a de g arantias co ntra a acaoarb itraria do E stado . F oi a p osicao de M on tesqu ieu, de V oltaire, de D ide-ro t. E m o utra v er te nte , a d em oc ra tic a, a I lu str ac ao c cn sid era va in su fic ie nteproteger 0 cidadao contra 0 governo: era necessaria que ele ccntribuissepara a form acao do governo au , m ais radicalm ente, fosse ele proprio 0go vern o, E ra a posicao q uase solitarla de R ou sseau. A s d uas vertentes ti-nham em com um 0 v alo r d a lib erd ad e, ta nto n um s en tid o n eg ativ e (0 ho -m em era livre, enq uanto sudito, d as in vestid as da tiran ia) q uan ta nu m sen-tide positive ( ele e ra l iv re , enquanto cidadac, para participar d a g en es ee d o ex ercicio do po der p olitico).

    Por isso a condenacao do despotisrno fo] a contribuicao m ais forteda Ilu stracao ao ideal d a autono mia p olitica. 'D ai a relo jo aria institu cio-n al d e M on te sq uie u, a dv og an do 0 e stab ele cim en to d e u rn s iste ma d e e qu i-lfbrio e n eu tra liz ac ao re cip ro ca d e p od ere s; d ar a im po rta nc ia o ca sio na l-men te a t ri bui d a a rn an ute nc ao d e In stitu ic oe s fe ud ais , c om o o s parlements,a titulo de con trapo deres destinado s a com pensar os ex cessos da m onar-q uia a bs olu ta ; d ai a s p ro po stas d e r efo rm a d o sis te ma ju dic ia rio , p ara e vita ro arbitrio do s m agistrado s; dai a pro posta rou sseauista de d erno cracia di-r et a, p el a q ua l a p ov o s ob er an o, a ut og ov er na nd o- se , a fa st a d ef in it iv am en reo e sp ec tr o d a t ir an ia . E certo, p or outra parte, qu e corn ex cecao de R ous-seau, os autores da Ilu stracao m io foram especialrn ente d em ocraticcs, eacreditavam m ais na liberd ade para o s fil6sofo s que nas Iuzes do p ov o so-beran o, D e resto , m esm o em R ousseau 0 6 dio a o d esp otisrn o n ao e isentode um a certa arnblguidade, pois nao parece haver grande espaco para osd ireito s hum an os n a sociedade constituida seg und o o s p rincipics do Con-

    16 17

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    7/20

    i ra to social. 0 antidespotisrno de Helvetius e do barao Holbach apresentatam bern as suas singularidades, 0 tirana e 0 governante que , por nao co-nhecer os m6veis fundamentals da psicologia hum ana - 0 prazer e a dor- e p or ignor ar que 0 ob jetivo ba sic o de tod o co rp o p olftico e asseg uraro m axim o de prazer para 0m aior m im ero , conduz as hom ens de acordoco m leis b ru tais, q ue violam 0 in te re ss e p es so al d a m aio ria . 0 oposto dotirano e 0 leg islado r p ru den te, qu e sab e usar as d ois m ec anism os p sico lo-gicos fundam entais para harm onizar a in teresse de cada um com a utili-dade coletiva, Esse legislador que condiciona os hom ens para 0 bem co-mum at r aves do prazer e da dor corresponde mais a i rn ag em d o c ie nt is tal ou co q ue it d e S 61 0n au L icurgo . L ong e de ser urn an titiran o, e n a m e lh orda s hipoteses urn born tirano, em seu elem ento no seculo qu e orlginou 0tip o d o d es po ta e sc la re cid o.

    M as o utros au to res defen diam so lu coe s n ao ind ivid ua lista s, A lias,m esm o os econornistas aceitavarn dentro de certos lim ites a inrervencaogovernam ental no m ercado - por exemplo , para mitigar os sofrirnentosexcessivos da classe trabalhadora. 0 pr6prio A dam Sm ith disse que taissofrimentos sa o inevitaveis, "a menos qu e 0 governo Iaca algo pa raim ped i-lo s". A prop ried ad e p riv ada nu nca fez p arte do rep erto rio d e ideia sf'ixas da Ilustracao: F ilosofos com o M ably e M orelly , para nao Ia lar deBabeuf, pregaram a instalacao da Iiberdade coletiva - R estif fo i 0 pri-m eiro a usar a palavra "com unism o" em seu sentido m odern a , R ousseaunao pertencia a esse numer o, pois defendia a pequena propriedade cam -ponesa, mas foi ele quem disse que "0 primeiro hom em que cercou urnterreno com um a cerca e d iss e 'isto e m eu', fo i 0 verdadeiro fundadord a so cie da de c iv il [ ... J C uidado com as palavras desse im postor! Estar eisperdidos se esquecerdes que os prcdutos pertencem a todos e que a terrana o p erte nce a n in gu ern ".E urn grand e m erito da Ilu strac ao te r prop osto 0 i de al d a a ut on om iaeconornica. 0 seculo qu e idealizou como nenhum outro a liberdade f oi t am -bern 0 seculo do igualitarism o. M as e prec iso reconhecer que os autoresq ue prega varn a ig ua ldad e na tural rara men te eram ap ostclo s da im planta -cao efetiva, na v id a s oc ia l, da igu ald ad e e con om ica . P or o utro lade, see ra g er al 0 re co nh ec im en to d o direito d e c ad a i ndiv lduo de d ispo r d a basem ate rial m inim a p ara a sobrev ivencia, n em sern pre esse con ceito d e au to -nom ia era posto em conexao com as dernais d irnensoes da autonom ia. Porexe mp lo, v arias uto pia s cole tivistas, co mo as im ag ina das po r R estif de laB reto nne, asseg uravarn a seu s h abita ntes a se gu ran ca ec on ornic a, m as na oa lib erd ad e p olitic a. P or ou tro lado , os g ra nd es entu siastas do in divid ua -Iis mo e co no rn ic o fo ra m o s fis io cra ta s, p artid ario s d a m on arq uia absoluta

    A a ut on om ia economica foi u ma das preocupacoes c en tra is d a Ilus-tracao. Embora 0 igualitarisrno d os fil65 0f05 fosse tem perad o p eIa con-vic cao d e q ue 0 e sta do c iv iliz ad o e xig ia a c ria ca o d e d es ig ua ld ad es in ex is -ten tes n o e sta do de n atu reza , tod os sen tiarn qu e a m ise ria m aterial era u mo bsta cu lo ao p ro gre ss o m ora l e a o e xe rc lc io do s d ir ei to s e o br ig ac oe s ci-v is. A Encyclopedle e lap ida r: "H a po ucas alm as su ficien tem ente firm espara nao serem abatidas e envilec idas a longo prazo pela rn iseria [ ... 1 Amiseria e a m ae dos grandes crim es; sao os soberanos que fazem os m ise-ravels, e eles respcnder ao neste m undo e no outro pelos crim es que a mi-s er ia t iv er c ome ti dc ". a sibaritism o d elica do d e alg un s fil6so fo s, qu e o slevava a idea lizar as virtu des civilizadoras do luxo, n~o as im pedia de la-m e nt ar o s i nf 'o rt un io s d es i nd ig en te s. D ep lo ra r 0 c on tr as te e nt re a s p al ac io se a s ch oup ana s e u m lug ar-co rnu m da s L uzes. P or iS50, 0 i de al d e R o u ss ea uera u ma ordem soc ial em q ue to do s p udessem satisfazer su as n ecessidad esde alimentacao, moradia e ves tua r io , uma ordem de ig uald ad e relativ a emque "ninguern Fosse tao pobre que prec isasse vender-se nem tao rico quep ud esse co mp rar a s o utrcs".

    M as se 0 id ea l d a a uto no mia e co rio mic a n o s en tid o d e s eg ur an ca m ate -r ia l e r a cornum a to do s o s a ut or es , a s op in i oe s v a ri a vam n o t oe an te a os m e io s.

    De m o do g er al , a s e co nom is ta s s et ec en ti st as a ch av am q ue p ara se ch e-(Jar a auto nom ia, na ac epc ao acim a, era n ecessario pa rtir d a au ton om ia,~ a ace pcao d e lib erd ade p ara o s ag entes. E ra u rn c am in ho ind ivid ualistae a ntie sta tiz an te . F oi 0 case des fisiocraras, que defendiam a auseneia detoda regulam eatacao governam ental - a form ula do la issez fa ire f oi u m ainvencao do fisiocrata Q uesnay (ou de G curnay, outro fisiocrata): Foi ac as o d os e co no rn is ta s in gle se s, p ar a o s q ua is 0 i nt er ve nc io ni sm o e st at al a ca -bava gerando efe itos contraries aos pretendidos,

    o LIBERAL/SMOA s s oc ie da de s o rg an iz ad as s eg un do p ri nc ip io s l ib er ai s l ev ar am a di an te ,

    a seu modo, 0 ideal universalista, Em teoria, a natureza humana e ra c on -siderada a m esm a em toda parte , e em bora alguns indivfduos e povos fos-sem rnais prim itives que outrcs, todos tinham em princip ia os mesmos ta -Ie nto s e a rn esrn a c apa cidad e de p ro gredir, in dep en de ntem en te d e sex o auraca. 0 libe ralism o eco n6 mico pre gav a um a c om un id ade m un dial in ter-d ep en de nte , c om b as e n a d iv is ao in te rn ac io na l d o tra ba lh o. 0 liberaiismopolitico combatia 0 im perialism o, a irnposicao da vontade de um povo so-b re o utro. N a h iera rq uia d as virtud es, 0 bern da h um an id ade tin ha v alorsuprem o e devia ser usado com o criterio para determ inar a validade eticade urna acao praticada na esfera da fam ilia ou da nacao. 0 universalisrno

    1918

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    8/20

    atingia igualm ente a esfera do saber e da m oral: a norm a etica nao eramenos invariavel d o q ue a v er da de c ie ntf fic a. Recorde-se, enflm , a preo-cupacao l ib er al c om os direitos d as m ulh eres (S tu art M ill), d os negros (acarnpanha contra a escravidao nos E stados U nidos e no B rasil) e de s po -vo s subjugados (0 liberalismo sernpre fo i a nt ic olo nia lis ta ) e te r-s e- a u maid eia d a e xte ns ao d o u niv ers alis rn o lib er al.

    M as na praticaesse u ni ve rs al is m o r ev el ou -s e e xt re m am e nt e preble-m atic o. 0 e vo lu clon ism o crio u um a h ie rarq uia en tre as p ovo s, se pa ra ndoo s eu ro peu s, q ue esta vam n o to pe d a esc ala, d os p ov os n ao -e uro peu s. 0ra cis mo , s em pre e nd em ic o n o O cid en te , " le git im ou -s e" c ie ntif ic am en te c oma s t eo r ia s de Gobineau, qu e pregava a superioridade da raca branca , e va-rios dos seus discipulos no seculo xx , com o C ham berlain e R osenberg naA lernanha , G alton na lngla terra , e S todard e G rant nos E stados U nidos,Mesmo descontando os parses, como a Alemanha e a Africa do SuI, emql~c ) d is cr irn in ac ao ra cia l s e tr an sfo rm ou e m politics do Estado , 0 racis-rno foi extrem am ente agressivo nos E stados U nidos ate a decada de 1970e c ar ac te ri zo u e m g ra nd e p arte a m en ta lid ad e c olo nia l. 0 cosmopolitisrnod a Ilu stra cao ce deu lu gar a os n acion alism os m ais estride ntes, e m p arte ju s-tificados peJa doutrina l ib er al d a autodeterrninacao dos povos. N o fundoo in te rn ac io na lis mo r em an es ce nte s e lim ito u a co nvicca o de q ue a ex pan -sa o do capital exig ia a derrubada das barre iras nacionais - de pr ef 'e r en -c ia n os paises subdesenvolvidos, 0 pacifisrno ilustrado fo i substituido pe-la pra tica da guerra e ate por sua apologia , com o aplicacao da doutrinad ar win is ta d a Iura pela existencia e da selecao natural. 0 im perialism o seg e ne ra li zo u , c o nt ra ri an d o 0 a ntic olo nia lisr nc d a I lu stra ca o. 0 f em in is mod o s ec ul o XVIII fo i ab afad o pe lo sex ism o vitorianc, que, apesar de auto-res como Stuart M ill, d e m odo g eral sustentava a lnferioridade d a m u lh ere hosti lizava, pelo ridiculo, a s m ilita nte s d a luta em defesa d o s d ir ei to sda mulher - as sufraget tes.

    N as co nd ico es co ntem po ra ne as, as c on qu istas do un iv ersalisrn o co e-x istern co m reg resso es p articu la rista s. 0 p ape l d as N acc es U nida s se for-taleceu , m as pode-se per gun tar ate que ponto 0 C on se lh o d e S eg ur an canao esia sendo usado para acobertar as praticas de poder das grandes po-ten cias, co m isso rec obrin do p articu la rism os na clo nais c om 0 m anto deu rn false u niv ersalisrn o, O s m ovim en to s d e in te grac ao reg io nal esta o le-vando a superacao do nacionalism o, m as os espasm os de patrio tism o, en ao a pe na s em p e qu e no s paises como a Dinarnarca, parecem nao s er a pe -n as ern oco es resid uais. N os E stad os U nido s, u ma po lJtica ativ a d e salv a-g uard a d os direito s civ is da s m ulh ere s e d as m ino rias co nseg uiu em g ran -de parte inverter as a titudes e pohticas discrim inatorias, m as ao preco degerar urn m ov im en to po te nc ial m en te fa scista , q ue id ealiz a e p erp etu a a d i-fe re nc a, o nto lo giz an do -a , e m v ez d e re la tiv iz a- la , c om o p re co niz a 0 igua-

    litarism o ilum lnista, N a E uropa do L este , as nacionalism os se desenca-dearam depois da derro ta do com unism o e do fim da U niao Sovietica, re-tr ib allz an do a a ntig o im pe rio e c on se gu in do 0 p ro dig io d e ba lca niz ar osproprios B a! ca s. N a E ur op a Ocidental, exacerba-se a violencia c ontra ostrabalhadores ernigrados e r essu rg em as fo rm as m ais igncbeis de r a ci smo .Feitas as contas, nao se pode dizer que 0 u niv er sa lisr no e ste ja e ntre a s o b-sessoes do m undo de hoje .

    A s s oc ie da de s I ib era l-d ern oc ra tic as c on cre tiz ar ar n e m g ra nd e p art e 0ideal individualista da Ilustrac ao . N esta, e sse id ea l a in da estava inibidop elo carate r aristo cratic o do Ancien Regime, q ue p ra tic am en te lim ita vaa os n ob re s a p os sib ilid ad e d e a ut od ese nv olv im en to , A in div id ua li da de , p orassim dizer, era urn priv ilegio de c1asse . C om a triunfo da burguesia, ab as e s oc ia l d o in div id ua lis mo to rn ou -s e m ais a rn pla . E le s e i nte gro u a ideo-log ia libe ra l em to do s o s p arse s, en os E sta dos U nid os pa sso u a faz er p artedos m itos nacionais, com o a bandeira e 0 hino; 0 "rugged individualism",a capacidade de cada office-boy d e c he ga r a C asa B ran ca , to rn ou -se u rndos elementos centrais d o s on ho a me ric an o.

    M as a p ra tiea m ostro u q ue o s h erde iro s de gran des Iortu nas tern maisc ha nc es d e c he ga r a P re side ncia q ue o s s el f- ma d e m e n. D e qualquer m o-do , para os grandes filosofos do liberalism o nao e no talento para ganharas e leicoes prim arias do Partido R epubJicano que se poe it prova 0 valordo indiv lduo , e sim no pleno desenvolvim ento de suas faculdades, em to-das as esferas, Eo ideal hum bcldtiano da Hi/dung, da a uto fo rrn aca o. P a-r a H umb ol dt , "0 verdadeiro objetivo do hornem - nao 0 q u e e p re sc ri top el as i nc li na co es p as sa ge ir as , m as pel a razao imutavel - e 0 desenvolvi-m ente suprem o e harm onioso de todas as suas faculdades, com vistas ilsu a inte gra cao n um tod o".

    Ora , 0 q ue a e xp er ie nc ia d as g ra nd es d ern oc ra cia s p ar ec e te l' d em on s-trado e qu e estando formalmente autorizado a crescer em va r ie d ade e ind iv i -dualizacao, 0 h om e m se to rn a c ad a ve z m ais un ifo rm e e c on form ista. C om ose.sabe, e a cntica f ei ta p el a m o de rn a cntica da cultura, desde Riesmann,com sua denuncia do other-directed man, a M arcuse, com sua analise daso cie dad e u nid im en sio nal. M as a d is se cc ao r na is m etic ulo sa d as tenden-c ia s d es in di vi du al iz an te s d a m od ern a s oc ie da de d e m as s a s e f ei ta p el os p ro -p rio s libe ra ls. T ccq uev ille, p ar ex ern plo , d escrev e a "tiran ia d a m aio ria"n os E stad os U nid os e rn ostra co mo as p resso es n ive lad ora s da v id a co letivadestroern a indiv idualidade , transform ando os hom ens num "rebanho dean im als tim id os e in du strio so s". S tu art M ill g en eraliz a T oc qu eville, ind oa lem d os E sta dos U nid os. P ara e le, a ten den cia im an en te d e to da so cie dad ed e ma ss a s e "acorrentar 0d es en vo lv im e nt o e s e p o ss fv el i mp ed ir a f or ma ca o

    2 0 2 1

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    9/20

    de q ualq uer in divid ualida de em d esarm on ia c om seu s h abltos". P riv ad osd e s ua in di vi du al id ad e, o s h om en s e st ao c on de na do s a o c on fo rr nis mo . " As -sirn a propria m ente se dobra ao jugo. M esm o em seus prazeres, 0 confor-mismo e a prim eira preocupacao; eles go s tarn do que todos gostam , s6 es-colhern 0 qu e e g e ra lm e n te e se o lh id o [ . < o J L ee m as m esm as c oisa s, o uv emas m esm as coisas, te rn suas esperancas e tem ores dirig idos para os m es-mas objetcs."

    Que se passa, hoje em dia , com 0 in div id ua lis mo n as s oc ie da de s o ei-d en ta is ? H a u ma c orn bin ac ao d e h ip er in div id ua lis rn o e d e a ntiin div id ua -lism o. 0 prim eiro se m anifests num egocentrism o radical, num frenesi deh ed on isrn o, n um de lirio co nsu rn ista , na bu sc a ex clusiv a d a p rop ria v an ta-g em , n a ap atia m ais co rn pleta co in re lac ao as g ra nd es q uestoe s d e intere s-se co mu m. 0 seg un do se m an ifesta n a n ece ssid ad e de rafze s, n a te ntativ ad e rein serca o co mun itaria, n a p ro cura d e u ma ide ntid ad e gru pa l, q ua lq uerque ela seja , N os dois cas o s, 0 resultado e a a sf lx ia d a i nd iv id ua li da de .I ns titu cio na liz a- se , n os d ois c as os , 0 conforrnismo, ja d ia gn os tic ad o e mseus prim ordios pelos cnticos liberals, e que agora resulta, seja de um av elh a co nhe cid a d os libe ra is, a "tiran ia d e m aio rla " (c om prar a ap are lbode som que todos querem com prar), seja da identificacao com 0 grupo.S ujeito a d uas leis, o u Ii lei da ofena e da procura ou Ii l ei d a t ri bo , 0 indi-v id uo m orre d uas v eze s, u ma ve z a ssassin ad o pe la so cied ad e de co nsu mee o utra p or lea lda des co letiva s. D esa pare ce rn o s d ois g ra nd es a trib uto s d oin div id ua lis mo il us tr ad o, a ss ur nid os p ela id ei a il ur nin is ta : 0 eudemcnis-m o eo d esce ntra me nto . A b usc a d a felic id ad e ba naliz a-se n o cu lto d o p ra ze r- um prazer heteronorno , para 0 qual acena a industria cultura l. 0 des-c en tra rn en to s e a nu la p or u rn re ce ntr ar ne nro m itic o, lib er an do 0 homemd o r na is d if fc il p ri vi le gi o d a m c de rn id ad e, 0 de pensar e agir por si m es-m e, com base em principios gerais e abstratos.

    m erca doria, A go ra n ao e ra m ais a id eo lo gia q ue falsifica va 0 r ea l, e ra 0rea l qu e u su rp av a a f'u ncao falsific ad ora d a id eo lo gia,E n esse p on to qu e a crltica fra nkfu rtia na d a c ultu ra p ro sseg ue 0 tra-b alh o qu e a v elha ldeologiekritik r na rx is ta tin ha d eix ad o in co mp le te . N iloera rnais a ideolcgia que m ascarava a realidade, era esta que sabotava averdade contida na ideologia. Fa lso , na ideolcgia , nao era seu coriteudo,e sim a pretensao de que esse conteudo ja tivesse se transform ado em rea-lidade.o p ara do xa d o li be ra lis rn o r ea l, c om e f'e ito , e q ue e le s e a pr es en ta vacom o a Ilustracao realizada, E m sua auto-in terpre tacao , ele encarnava aa uto no mia cu ltu ra l, p olitic a e e co no mica, O ra , n a m ed id a em qu e essa au to -in terp retaca o e ra falsa , as pro pria s id eias d a Ilu straca o se co nv ertiarn emleg itim aeo es. 0 q ue p ara a Ilu straca o e ra crltica d a id eo lo gia se tran sfe r-m ay a pa ra 0 lib era lism o re al em id eo lo gia, 0 q ue p ara a Ilu straca o se d es,tinava a criticar a tradicao se coagulava para 0 l ib er al is mo e m t ra di ca o,com efeitos tao conservadores quanto qualquer ideologia. 0 papel da cri-tica da ideologia, na llustracao , era defender a razao livre, a cidadaniaa uto de te rm in ad a e a lib er da de e co no mic a; 0 p ap el d a cn tic a d a cu ltu ra,aplicada a s m od ern as so cied ade s d o c ap ita lism o tardio, era denunciar es -ses rne sm os v alo res, e nq uan to re aliza co es fra ud ule nta s d o id ea l d a au to -n orn ia . P ara lev ar 0 para d oxo as 111 im a s c on se q ile ne i a s : n o li be ra lis m 0,o pr6prio Ilum inism o se converte em ideologia, e portanto a ultima ratiod o I1u min ism o co nsiste em arras ta r 0 Ilum inism o diante do tribunal darazao,

    M as os que tern uma sensacao de vertigern di ante dos paradoxes doc ap italisrn o tard io p od em tran qu iliz ar-se. E sses p arad ox es sa o m en os fre-qu entes d o q ue o s e sp ecia listas da d ia letic a n eg ativ a q ue re m faz er c rer. 0ob sc uran tism o vo lto u a se r 0 classico , d e T orq uerna da , e n ao m ais 0 com-plicado , que da dores de cabeca a quem quiser entende-lo , 0 que esta sev erifica nd o c ad a ve z m ais, co mo efeito , e urn a reg ressao ao esta do d e c oi-s as d en un cia do p elo s e nc ic lo pe dis ta s, 0 q ue e le s i ng en ua me nte c ha ma va rnsup erstic ao v olta e m tri un fc, rn uitas v ezes a ureo la do co m 0 p re st ig io d acien cia. 0 presid ente d e u ma su perp ote nc ia c ham a o utr a su perp ote nc ia d e"im perio do m al" e am eaca 0 m undo com a A rm ageddon biblico . Pri-m e ir as -d ar na s c on su lt am a st ro lo go s, G u ru s i nd ia no s c el eb ra m s ol en er ne nt e,n um a i gr ej a b at is ta , 0 ca sam en to d a ffslca q uan tica c om 0 R i g- V e da . C a n-sados de investigar um a alm a sedentaria, os psicanalistas resolvemtran sfo rrn a-la em v iajan te c 6sm ic a, en qu anto seu s pa cie ntes, c an sad os d etrab aln arem p ara a G en eral M otors, preferem a m ete rn psico se a rnetapsi-cologia e se dedicam ao esporte de reviver vidas passadas.

    S e a c rf ti ca e a face n eg ativ a d a a uton ornia cu ltu ra l, sua fa ce po sitivae a ciencia , P ara os sables da Ilustracao; a ciencia estava a service de um

    Generalizando 0 acesso a e sc ola , a s so eie da de s lib er al- ca pi ta lis ta s d i-fu nd ira m m ais q ue em q ua lq ue r o utre p erlo do c ia historia as o po rtu nid a-d es p ar a q ue to do s a lc an ca ss ern 0 e stag io d a raza o a uto no rn a. A cie nc iaa s sumiu c r e sc en te r n en t e 0 p ap el a nt es r es er va do Ii r el ig ia o, c om 0 q ue n aos om e nt e a va nc ou 0 processo de secularizacao com o se abriu urn espacoa te e ntao in con ceb iv el d e d om inic te cn ico so bre a n atu rez a.

    M as ate que pontofoi prom ovido , com isso , 0 id ea l d a a uto no miain telectual? A razao hum an a nao esta va rnais sujeira a r n en ti ra c o ns ci en -te , m as c on tin ua va s uje ita Ii ideologia. A gora nao se tra tava m ais da im -p ostu ra d elib erad a d o clero , m as d a falsa c cn scien cia in du zid a p ela ao ;:a oid eo lo gizan te d a fam ilia , d a esc ola e da im pren sa, e m ais rad ic alrne nte ain -da, pela eficacia m istificadora da propria realidade - 0 f et ie hi sr no d a

    2 2 2 3

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    10/20

    proje to g era l d e lib ertaca o d a h urnan id ade . E m gran de p arte essas ex pec -ta tivas se realizaram . M as em parte, tam bern , a clencia deixou de ser au-to no ma , se nd o c ap tu ra da p elo c orn ple xo in du str ia l-m ilita r. N es sa m ed id aela se d esv incu lo u d e fin s e ticos, po ndo -se a service da g uerra e d a d estru i-cao da natureza, Nesse m om ento ela nao tern m ais nada a ver com a auto-n om ia. P ed e tran sfcrrn ar-se , ao contrario, nu ma lo go crac ia d espo tica, nam edida em que legitim a form as de organizacao socia l baseadas em im pe-r at iv os t ec ni co -s is te rn ic os , q ue d ev er n s er ob ed ec id os s em q ua lq ue r d is cu ss aop or p arte d os d ire ta me nte in te re ss ad os .

    Em surna, apesar das f ac il id ad e s o fe re ci da s pelas sociedades liberalspara 0 a tin gim en to d a autonornia cu ltu ral, as forcas d a h eteronornia pa-r ecern m ais poderosas. Q uando a ciencia se transform a em m ito , quandos ur ge rn n ov os mites e ressu rg em m ito s antiq uissirno s, q uan do a desra zaotem a seu dispor toda a parafernalia da midia moderna - quando tudoisso conspira contra a razao livre, nao ~ multo provavel qu e 0 ideal kan-tian o da rna ioridad e ve nh a a preva lecer.

    acao arbitraria do Estadc, que tinha a ver com as lirnitacoes ao uso dopoder. Ela assegurava tambem 0 d ire ito d e particlpar da gestae do Esta-do, m as com a finalidade p rin cip al d e influenclar a administracao publi-ca, de m odo a evitar ingerencias Ilegitim as na esfera privada.

    R estrita, em seg un do lu gar, p orq ue 0 acesso a lib er da de p olitic a e raconfinado aos proprie taries, ou aos hornens instruidos, ou aos que sa oin stru id os p orq ue p ro prie ta rie s, s eg un do a f6 rm ula e cle tic a d o m esm o B en -ja min C on sta nt: p ar a e xe rc e-la , e n ec es sa rio "0l a ze r i nd is p en s ave l a aqui-s198.0 da s luzes, a retidao do j u lg amen to . 56 a prop ried ad e a sseg ura essela ze r, e 5 6 e la to rn a o s h om e ns c ap az es d o e xe rc ic io d os d ire ito s p olitic os ".

    Comum a q ua se to da a p r irn ei ra ge ra c ao de l ib er al s I ol 0 temor a de -rnocracia, 0 m edo de que a tirania de urn s6 fosse substitu ida pela tiraniada "vontade geral". Mais tarde, esse receio foi se atenu an do eo co nceitol ib er al d e l ib er da de f oi s e e nc am in ha nd o p ar a u rn a s tn te se l ib er al -d er no cr a-tica. A m ed id a q ue 0conceito da representacao da s minorias ganhava legi-tirn id ad e, d im in uia , c om e fe ito , 0 t er no r d a t ir an ia m a jo ri ta ri a, 0 grandepesadelo de liberais com o C onstant e Tocqueville.

    A v er da de e q ue a in stitu icao do su fragio u niv ersa l nem te ve as ef'e i-tos apocallp ticos tem idos pelos libera is nem foi capaz de gerar as trans-f 'o rm acce s son hada s p elos d em ocra tas. A auto nom ia politica revelou-seinsu ficie nte pa ra u ma v erd ad eira altera cao d o status quo, pe la i n su f ic i en -cia da autonom ia econornica, base m aterial para a a~ao no espaco publi-co , e da autonom ia cultural, lndispensavel para que a razao pudesse de-v as sa r a s le gitirn ac oe s d or nin an te s, A lg un s d iria m q ue , n a a use nc ia d ess asco nd ico es, a lib erd ade po litica p od e ser ef'e tivam en te form al e ate m esm on ar co ti za nt e. F oi 0 q ue d iss er am T cc qu ev ille - o s in dlv ld uo s "c on so la m-s ede estar sob tutela, pen sand o q ue esco lhe ram eles p r6 prios seu s tuto re s"- e q uase nos mesmos termos, Marcuse - "a livre eleicao do s senhoresnao abole nem os senhores nem os escravos".'N ao preeisam os ir tao Ion-ge. S em d uv ida, u ma lib erd ad e trun cad a e m elhor que nenhurna, m as ep re cis o re co nh ec er q ue u ma a uto no mia p olitic a lim ita da a l ib e rd a ct e d e VOLaresta m u ito d i.stan te do d esej av el,

    Com efe ito, epreciso dizer e repetir que a autonornia polltica dos li-b erais na o basta, e nisso a c rftic a so cialista, inic iada co m a Questiio judai-ca , d e M arx , rnantem su a validade.

    Nao se trata, co m isso, de desquallficar a l ib er da de " fo rm a l" . A Ii-b erd ad e in stitu cic na liz ad a n os r eg im es c on stitu cio na is d o Ocidente serviude m oldu ra para cen ten as d e luta s socia is qu e ren dun da ram n a efetiva m e-lho ria das co ndico es d a classe o peraria de desfruta r d e faro se us d ire itoscivis e p oliticos, e n esse sen tido e la n ada tin ha d e fo rm al. S em lib erd ad eju rld ic a n ao M l ib er da d e s u bs ta n ti va . E precise partir da liberdade, nos en ti do j ur fd ic o, p ar a c he ga rr no s a . lib erd ad e, n o s en tid o m ate ria l. S ab e-

    A s sc cie da de s lib er al-d em oc ra tic as s ao r es po nsa ve is p ela in stitu cio -n alizaca o e ro tiniza cao d a a uto no mia p olitica . F oi u ma d as m aio re s rev o-lucces na historia da hum anidade. Par m ais que no inic io essa revolucaoten ha sid e lim itad a em seu escopo, pa r m ais qu e os direitos qu e ela co nsa-g ra seja rn "fo rm als", e ssa v erd ad e precisa ser dita, a ntes de qu alq ue r a va-lia~ a 0 cr i t ica.

    Pago esse tribute de justica, co n vern r ec ord ar q ue a a uto no mia poll-r ica dos lib er ais fo i a p rin cfp io r estr ita ,

    R estrita, em prim eiro lugar , porque abrarig ia m uito m ais as garan-t ia s i nd iv id ua ls c on tr a 0 ~ rb itrio d o E sta do qu e 0 direito d e particip ar d agestae da coisa publica. E o que B enjam in C onstant cham ava a "Iiberda-de m oderna", em contraste c om a " li be rd ad e antiga". Esta c on sis tia n oexerclcio co letiv o e d ire to d a so beran ia, co mo n as c idad es-E sta do s d a G re -c ia , s em qualquer preocupacao explfcita co m as d ireito s ind ivid uals. E racornpativel, portan to, co m a subrnissao do ind ivfdu o ao p oder d a com uni-d ad e. E m c on tr as te , a lib er da de m od ern a e ra " 0 d ir eito d e to do s o s h om en sd e e st ar er n s uj ei to s e xc lu si va m en te a lei, 0 d ireito de n ao serem p reso s,julgados, e xe cu ta do s o u m o le st ad os , pelo c ap ric ho d e m er os indlviduos, 0direit 0 d e e x pr es sa re rn s ua s 0p in ie es, d e s e lo co mo vere rn , d e s e a ssc cia re mc om o ut ro s. E enfim 0 d ire ito d e to do s d e in flu en cia re m a a drn in is tra ca odo E stado , quer pela designacao de um a ou varias de suas autoridades,quer por seus conselhos, exigencies e peticoes". Em sum a, ao contrarioda liberdade antiga, a liberdade m oderna dava m enos enfase a demo-crac ia, que tinha a ver com a genese do poder, que a garantia contra a

    24 25

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    11/20

    rnos, com a superioridade que nos confere a circunstancia d e term os sid oconternpcraneos de dais to talitarisrnos, que todos os regim es de forca sebaseiam na den uncia do form alism o: todos eles querem dissipar a ilusaob urg ue sa e im pla nta r 0 re in o d a v erd ad eira li be rd ad e.

    S irn , sabernos tudo isso , m as sabem os tude 1550 be rn d em ais. T udei ss o f ic ou t iio 6 bv io q ue a c rfti ca a s l ib er da de s b ur gu es as p as so u a i ns pi ra r-n os urn certo tedio, C om isso, corrernos a risco d e ig no ra r 0 nucleo v erd a-deiro dessa crftica . P ar m ais que 0 d iscu rso d o fo rm alism o ten ha fic ad ofora de m oda, continua sendo verdade que uma liberdade que nao podes er u sa da e um a Iiherdade vazia, e el a na o pode ser usada pelos rnilhoesd e se re s hu ma no s q ue v iv em n a p ob re za a bsoluta. E nq ua nto e ssa situa caoperdurar, a d em in cia s oc ia lis ta m an te ra su a v alid ad e,sen iio co mo p lata -form a, p elo m en os co mo a dve rte ncia ,

    A au to no mia p olitic a ad vo gad a pela Ilustracao e ins t ituc ional izadap elo liberalism o so se tornara p len am en te c onc re ta q uan do seus titularestiv ere m co ndicce s eco no mica s p ara u sa-l a d e fa to , n ao so men te en qu an tofirn em si m as en qu an to m elo , promovendo atraves dela as transforma-c oes so cia ls ne ce ssa rias p ara q ue to do s p ossarn se r liv res.

    Quante a au to no mia e co no mica, e p rec ise c orn ec ar d ize nd o o 6b vio :nenhum outro regim e socia l se aproxim ou tanto da m ais antiga fantasiad a human id ade , 0 so nho im em orial d o Schlarafferland, do p ay s d e c oc ag -ne : a elim in acao da esca ssez . E m p ou eo m ais d e u rn secu lo , 0 capitalismop ro du ziu u ma riq ue za m ate ria l q ue te ria s id o in im ag in av el h a trss g era co es .S e l ev arrn os em co nta q ue e ssa pro sp erid ad e e co no mica fo i ac om pa nha dad e u ma m el ho ria s im ul ta ne a n os n fv eis d e b ern -e sta r s oc ia l, e sc ola rid ad e,cultura e saude publica, podem os ju lgar em seu devido valor 0 desem pe-n ho d as so cied ad es libe ra is n o terren o d a autonorn ia m ate ria l.

    M as, se tudo i550 e evidente, e e vi de nt e t ar n b er n q ue 0 p re c o h is to r ic od es se p ro gr es so f oi u rn s ofr im en to in ac ei ta ve l p ar a g ra nd es p arc el a s d a p o-p u a ca o.

    C on te mp or an eo s d a R ev olu ca o In du stri al, o s p rim eiro s lib era ls tin ha mobviamente consciencia d a e sp a nt os a r ni se ri a d as c la ss es tra ba lh ad or as n oi ni cio d o s ec ul o XIX. M as a seu ver 56 havia urn cam inho para superar es-s a mi s er i a, 0 p ro prio e xercic io da ativ id ad e e co nom ica liv re . S e era v erda -de que na situacao atual a grande m assa dos assalariados estava excluldad os be neficio s d o p ro gresso ec on cm ico , tal situa ca o p od ia m od ific ar-ses e fo ss em e lim in ad as to da s a s re st ric ce s a a cao d os c ap ita listas e d os o pe-ra rio s. A s co nd ico es m ateriais d os tra ba lh ad ore s m elh ora ria m co m 0 in -crem ento da riqueza coletiva , resultante da liberdade de cada urn de per-s eg u ir s eu i nt er es se , j< i q ue co m 0 d es en vo lv ir ne nto d a in du str ia o s p re co s

    d os be ns d e c on su rno se re duz iriam , 0 que se refletiria nurn aum ento dos ala rio r ea l. A le rn d e c ol he r e ss e b en efic io in di re to d a I ib er da de e co no mics ,a c la ss e o pe ra ri a p od er ia u ti li za -l a d ir et am e nt e p ar a r ne lh or ar s ua s c on di co esd e v id a: lib erta d as restric oe s c orp ora tiv as, q ue re duz iam su a ca pacida ded e p ro cu ra r u m e mp re go c on sis te nt e c om s eu s in te re ss es , e d o p ate rn ali sm odegradante, m anifestado nas Poor Law s e outros instrurnentos cari ati-vas, que in ib iam a iniciativa i nd iv id ua l, e la poderia, p ar s ua s proprias for-v as , a sc en de r s oc ia lm e nt e, c he ga nd o a s eg ur an ca a tra ve s d a l ib erd ad e. S emd uv id a, a lg un s l ib era ls ( Ric ar do , Malthus) consi der ava rn i rr eal iz ave l essesonho de ascensao, ja que as "leis de ferro" da econornia, pelas quais 0p rc gr es so e co nd mi co e st im ula ri a i ne xo ra ve lm en te 0 c re sc i m e n ta d emo gr a-fico, impeliriarn 0 salario em direcao a seu n fvel "natural", isto e , 0 estrita-m en te ne ce ssario p ara g aran tir a su bsisten cia d os a ssala ria dos. M as a in daassim o l a is s ez f o ir e se ria m ais fa vc ra vel ao s o per ario s qu e qualquer m e-d id a in terv en cio nista , po is a a use ncia d e u ma pro tec ao a rtific ial o s irn pul-sion aria a au to defen der-se atrav es d a red uca o v clu ntaria d a n ata lid ad e,que par urn lado dirninuiria a pressao sobre os salaries e par outre tor na-r ia s u pe rf lu o 0 cultivo de novas terras, con ribuindo para a dim inuicaod os p re co s d os a lim en to s.

    A ssim , a teo ria le gitim av a u ma p ra tic a d esu ma na , O s cap itulos d o Ca-pital em q ue M arx d esc re ve as c on dic ces d e v id a d a classe op er ar i a in glesan as f as es in ic ia is da a cu rn ul ac ao p rim it iv a sao ate a gora insuperaveis emexatidao e drarnaticidade.

    E m grande parte a dinam ica do capita lism o e s obretudo a acao de m e-ca nisrn os alh eio s a o m ercad o, co mo 0 m ov im en to s in dic al e a in te rv en ca od o E sta do, c on trib uira m p ara d esm en tir as p rev iso es pe ssim istas d es ec o-n om is ta s d o s ec ul o XIX, N ao houve um a pauperizacao ir re ve rs iv el , e a c ri seg eral d o ca pitalism o ain da n ao e sta a vista. A o contr aric, a padrao de vi-da m edic nos paises de capitalism o avancado aum enta de ano para anae a politica econom ica do E stado consegue bem ou m al m inorar as flutua-c oe s d a c on ju nt ur a,

    M as c om i 55 0 fic a a in da m ais d iffcil c orn pr ee nd er a p ers is ten te s ab re -v iv en cia d a p ob re za n os p ai se s d es en vo lv id os . E st im ativ as c on fia ve is a po n-tam para a existencia, n o s E s ta d os U nid os , d e v aries m il h6 es d e a m er ic a-n os v iv end o em niv eis d e p ob rez a ab so lu ta,

    E e a bs olu ta me nte in co nc eb iv el a rn is eria m ac ic a q ue s o f az a gr av ar -se no resto do m undo. O s contrastes de rend a e de bern-estar aum entamnao som ente entre paises ricos e pobres, com o dentro dos proprics pafsessubdesenvolvidos, A ssirn com o explora a m ao-de-obra sem reservas e ti-cas, 0 c ap ita lis mo e xp lo ra a n at ur ez a s em e sc nip ulo s a mb ie nta is . S eg un do

    26 27

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    12/20

    seus entic es, ele se baseia nu m m ode lo p rod utivista Intrinsecam en te p er-d ulario e d estru tivo do s recu rso s n atu rais e d os eco ssistem as.

    A d es pe ito d o extraordinario p ro gr es so m a te ri al o co rr id o n os p ar se sindustrializados, portanto, podemos d iz er q ue g lo ba lm en te 0 modelolib eral-cap italista esta m uito lon ge d e te r aprox im ad o a hu rn an idad e co -mo um todo d o ideal d a au to no mia economica.

    das p ara co mp or a so cieda de, ign oran do 0 fa to de que 0 i nd iv id uo e st asernp re in se rido n um con ju nto d efin ido de relaco es so ciais, N a soc iedad ec ap ita lis ta , e ss as re la co es le va rn a o d ec lln io d o in div fd uo e a a tr of ia d e s ua sp ote nc ia lid ad es , M ud ar e ssa s re la cc es e lib erta r 0 in div id uo . N ao se tra ta ,p or ta nt o, d e d is so lv er 0 indivlduo na s oc ie da de , m a s d e d is so lv er um a certas oc ie da de p ar a e m an ci pa r 0 individuo. 0 individuo p le na me nt e e m an ci -pado e a p erson alid ade m ultip la, ale rn d a d ivisao d e trab alho , so nh adap ela uto pia co mu nista - 0 hom em novo que pesca de rnanha, caca de tar-d e e c orn po e s in fo nia s a noite. Por tudo Isso urn autor "holista" com oL ou is D um ont nao h esita em dize r, desap ro va do ram ente , qu e "0 socialis-ta Marx cre no indivfduo de um a rnaneira que nao tern p rec ed ente s e mH obbes, R ousseau , H egel, nem m esm o, diriam os, em L ocke".

    D e n ov o, 0 id ea l d a in div id ua liz ac ao so cia lis ta fo i p ro fu nd ar ne nte d e-tu rpa do pela p ratica do socialism o real. D e certo m odo , tam bern surge n es-ses paises, c om o n o O c id en te , umacoexistencia d o a ntiin div id ua lis mo c omo hiperindividualismo.o antiindividualisrno e urn elem ento im portante da p rop ria d ou trin ao f ic ia l. C ad a h om em e m em bro de sua classe an tes d e ser u rn in divid uo :s ua v on ta de s ub or di na -s e a do partido , e cada m em bro do partido e fun-c io na rio d o to do . 0 antilndividualismo e m ob ilizado p ara a discip lina dotrabalh 0, v ista c om o in dis pe ns a v el a c on str uc ao d o sad a lis m o . H Ii . 1Im b i-lhao de f o rm igu inha s azuis n a C hina P opu lar m arch and o unidas contrao i nd iv id ua li sm o b ur gu es , E a v ol ta consciente a psicologia da horda.

    M as p or outre lado ha t am b e rn 0 hiperindividualismo, q ue c om o rea-cao a o "h olism o" oficial se m an ifesta pe lo op ortun ism o, pelo carreiris-m o , e p el o c on su rn is rn o histerlco, U rn celeb re n iilista russo d isse q ue urnpar de botas valia m ais que Shakespeare. Q ualquer turista que na pracaV er me lh a t en ha t ro ca do urn ora torio b izantin o p or um a calca L ee esta eo n-v en cido de qu e essa o piniao e partilhada por' 100 m ilhoes de fUSSOS.

    o SOCIAL/SMaSe a I lu s tr a ca o p re ga va u m a u ni ve rs aI id ad e generica, eo liberalismoum a universalidade qu e passava pelo reconhecimento da na"ao livre co-

    m o elo en tre 0 in div id uo e a e sp ec ie , 0 s oc ia li sm o i ns is ti a n um a c on cr et i-zacao ainda m aior do conceito de universalidade, em que 0 criterio dife-ren ciad or f'o sse a cla sse so cial, e nao a n acao . T am b ern 0 m a rx is mo p ar ti ada concepcao de uma natureza humana universal - a de u rn s er e m m e ta -bolismo (Wechselstoff) com a natureza, que em todo e qualquer m odo deprcducao produz e reproduz, p e lo t ra ba lh o , suas condicoes m ate ria is d eexistencia, M as n um sentid o rnenos antropologico, a unidade da especienao era u m d ad o, e sim uma conquista. Era a missao do proletariado, classeuniversal c uj o s interesses transcendiam t od as a s f ro nt ei ra s nacionais. Su arnissao era auto-abolir-se com o classe e , nessa m edida, abolir em geral as oc ie da de d e c la ss es , e m an ci pa nd o 0 g ene ro h um an e en qu an to su jeito un i-ta___ ; f ) da historia,

    E m sua co ncretizacao n o sccia lism o rea l, a ideal un iversalista fo i p rl-m eiro neg ad o e de po is p erv ertid o. E le foi ne gad o co m a p olltica do so cia-lisrno num s6 pais, adotado pela URSS , e co m a d isso luc ao do C om in tern .F oi p erv ertid o com a d ou trin a B rejnev , q ue sob a etiqu eta de "in tern acio -n alisrno p role tario " n ada m ais era qu e a ju stificacao do irnp erialism o 50-vieticc. E nada faz supor que 0 env io d e trop as cu ban as p ara aju da r g uer-rilh as rn arx ista s n a A frica seja m uito m ais "in tern acio nalista" qu e 0 en -v ic d e " co nt ra s" a N ic ar ag ua p ara d ese sta biliz ar u rn g ov er no d e e sq ue rd a. o sccia lism o real assu miu em parte a b and eira da au ton om ia intelec -tu a!. C om o p ara a Ilu stracao , essa auto no mia se afirm a, ex em plarm en te,

    atraves da critic a da relig iao - 0 ecra sez I 'i n /t ime, de V oltaire, tern su are alizacao p len a n o a teism o de E sta do da U niao S ovietic a: e a Entzaube-rung, d e W eb er, lev ad a a s t il t ir na s c on s eq u e nc ia s.M as a cn tica d a tradica o (seja ela re ligio sa o u se cular) n ao p ode m aisser, para um a sociedade que se ve com o m arxista, um a sim ples critica daside ias erroneas, 0 erro nilo esta m ais radicado na ignorancia e na rna-Ie,n a im posture do s sa cerd otes e d os tiran os, e sim nu ma co nstelac ao d e c lasseque condena a razao a um a opacidade necessaria - e a d outrin a da falsaconsciencia, A heteronom ia e 0 d estino co gn itivo do s q ue na o se Iib erta-

    A o contrario do que se poderia super, os principals socialistas naoforam antiindividualistas. F ourier u so u a p alav ra (su rg id a po r vo lta d e 18 30)n um sen tido po sitiv o, e p ara J a ures 0 s oc ia li smo c ompl et e 0 individualis-mo, em vez de nega-lo A crltica de M arx ao "indivfduo egoista" das O e-cla raco cs do s D ireitcs H urn an os nao en vo lv e n en hu rn a critica a o co nceitode indiv iduo em si. E la e a crttica de um a concepcao que ve 0 individuocomo simples monaca que se agrega mecanicamente a outras mona-

    28 29

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    13/20

    ra m d a falsa co nsc ien cia. A a uto nornia 5 6 p o de ra ser alc anc ad a p elo s m ern -b ro s da classe p ro letaria q ue co rn pletararn seu p ro cesso d e to mada de con s-c ie nc ia e p elo s r ne mb ro s d e o utra s c la ss es q ue a ssu mira m a p ers pe ctiv e p ro -letaria, A crftica d a tra dic ao se tran sform a assim em crftica d a id eolo gia(concebida com o urn conjunto de representacoes estruturalmente falsas),in clu sive da idec lcg ia ilu stra da e d a lib era l, cu jos id eals sao v istos co moe xp re ss oe s p artic ula rist as d e u rn in te re sse d e c la ss e. N es se s en tid o, a a uto -n om ia re iv in dic ad a p ela Ilu stra ca o e p elo lib era lism o e e la p ro pr ia h et er 6-nom a - seus porta-vozes tern razao e m pro po r a a uto no mia intelectu alco mo urn telos da hum anidade , m as nao em super que ela ja foi au podeser alcancada sem um a critica radical da ideologia em que estao irnersos,

    Se m duvida, ur n avanco te6rico . M as um a doutrina desse tipo, assu-m id a p or u rn reg im e d itato rial, tern te rrfv eis irnplicacoes totalitarias. EI ec on sid era a Ideologiekritik seria d em ais para ser c on fla da a am ad ores, T a-re fa e sp ec ia liz ad a, e la s 6 p od e s er e xe rc id a p or p ro fis sio na is. S ao o s fu nc io -n ario s d o p artid o, i ns ta nc ia c ole tiv a e m q ue e sta d ep as ita do 0 s ab er a bs o-luto d a histo ria , e q ue dete m po rta nto a corn pete nc ia ex clu siva pa ra fazera p artilha en tre a ilu sao e a re alid ade , Ind o ale rn do seu p ap cl de srnistif 'i-cador , esses burocratas d a v erd ad e p od em tambem crlar ideologlas, dire-tam en te o u atra ves d e escrib as assalaria do s q ue se ch am am , ju stam ente,ideclogos. A autonomia intelectual nolo e abolida; ela sirnplesmente passaa jurisdicao de cornissarios que a adm inistram , 0 ideal da razao livre eg erid o po r u rn estrato tecnico cuja funcao e tute lar a razao para que elaalc anc e a v erdad eira lib erd ad e. C abe a esses tuto re s m ostrar ao s rn en oressob custodia - a populacao inteira - a m aneira correta de provar queatln girarn a m aio rid ad e. B asta qu e pe nsem pe nsam en to s ad ulto s - os p re s-e rito s p elo p arti do , A f6 rm ula s a pe r e a u d e , com q ue K ant d efin iu a liber-dade in te le ct ua l, n ao e d esativ ada , e sim rede fin ida . "O usar sa ber" ag orasign ifie s sabe r ate on de e I ic it o o u sa r.

    Sabernos que a ciencia e a dim ensao positiva da autonornia in telec-tu al, e m o po sic ao a sua d im ensao critic a, G uiad o p ela cien cia, 0 homemte rn a c es so a v erda de e co nso lida seu p od er so bre a n atu reza . 0 sccialism ore al te rn p ela cie ncia urn tem or rev erenc ial pu ra men te o ito cen tista, sem e-lhante ao de M arx e de m onsieur H om ais. A final, nolo e por acaso ques ua b as e t e6 ri ca e 0 so cialism o c ien tifico . E m seu a sp ec to co nstrutiv o, es-sa veneracao pela ciencia se traduziu em progressos im portantes na areadas ciencias exatas e biornedicas e na pesquisa espacial. G rande parte doesforco cien tffico se can alizo u para a e sfera m ilitar, m as afinal e ssa m ili-tarizacao da ciencia nao foi m onop6lio do cam po socialista.

    Por outre lade, ha urn aspecto negative, caricato e perigoso ao m es-rn a te mp o, n o c ulto s oc ia lis ta d a c ie nc ia . E s ua in te rp en etr ac ao c om a id eo -lc gia . A c ie nc ia e ide olo gizad a, c om o oc orreu co m a b lo log ia "p ro leta-

    ria" d e L yse nk o. E a ide olo gia ad quire a d ig nid ad e d a clen cia. a marxisrnoe es tendido a n atu re za . A s le is da dialetica pass am a valer nao som ente pa-ra a historia com o para a m ateria: eo diamat, 0m a te ri aJ is mo d ia le ti co , q uepassa a englobar a rnaterialism o historico , com o a todo engloba a parte.B as ea da e m E ng els , e a c on trib uic ao e sp ec if ic am en te s ov ie tic a a filosofiam a rx is ta . S eu e fe it o pratico e d is so lv er a historia h um a na n a h is t6 ri a n at ur al ,e e1 im in ar os u ltim os resid uo s d e libe rd ade q ue 0 d e te rm i ni smo h is t6 ri coa in da d eix ara s ub sis tir. C en su ra da p or b uro cr ata s o u s uje ita a d ete rrn in is-mo s n a tu ra ls , 0 m fnirno qu e se pe de d ize r e q ue a ra za o liv re d a Ilu stra ca op assou p or estra nh as v icissitu des n a vig en cia do so cialism o real.

    D e sd e s er np re 0 s oc ia li smo c ri ti co u 0 c on ce ito b urg ue s d e a uto no miapoIJtica: privada de um a base m aterial e dissociada das outras dimensoesda autonom ia, e la era um a fraude para a rnaioria da populacao. V im osq ue e ssa crftica era perfe itam ente ju sta. R esta va ao s s o ci al is t a s d emo n s-trar q ue surgld a a o po rtun ida de pc de riarn irnplantar u rn a ve rd ade ira au -t on o rn ia p o lt ti ca .

    S ab em os qu e 0 contrario se deu , N ao houve substitu icao de urna li-b erd ad e bu rg uesa, form al, p or um a liberda de proletaria, rica de substan-cia: 0 qu e ocorreu fo i simplesmente a s ub stitu ic ao d a lib erd ad e t01l1 cour tp e la t ir an ia sans phrase. Os direitos hum anos (que no entanto erarn reco-n he cid os p el a C on stitu ica o so vietica) foram v io lad os m eto dic arn en te, d aliberdade religiosa a lib er da de d e ir e vir. A dem ocracia se limitava a o di-re ito d e escolher r ep re se n ta n te s o fi ci alm en te a pr ov ad os , c uj a i nd ep en de n-cia de julgam enta podia ser avaliada p e lo s a pl au so s obedientes duranteo s d iscu rso s do secretaric-g eral e pela s d ecisce s u nan irnes d o S ov iete S u-premo.

    Quanta a a uto no mia e co no mic a, a p rin cip al c on tr ib uic ao d o sc cia lis -m o fo i ter transita do do c on ceito d e au ton orn ia co mo lib erd ad e pa ra 0 con-ceito de autonom ia com o seguranca: aut6nom o nao e quem tern 0 direitoabstrato de atuar com o agente econ6m ico m as quem tern 0 p od er e fe ti vode 0b ter pelo tra balho os bens necessari as il p r 6 p r i a s o b re v iv e nc i a ,E certo que essa guinada ja tinha ocorrido no proprio pensarnentolib eral. P or vo lta de 1880, a lg un s fil6 so fo s id ea lis ta s d e O xfo rd p as sa ra rna defen de r u m lib eralisrn o "orga nic ista ", seg un do 0 q ual a lib erd ad e erar ed ef in id a c om o 0 p ote nc ia l d e c ad a in div id uo d e c re sc er e d es en vo lv er- se- "to make the best and most of himself' - e n ao a pe na s, n eg at iv ar r. cn -te, com o a au senc ia d e c oa cao . P ara asse gu ra r 0 e xe rc ic io d e ss a l ib e rd a deorganica, 0 E sta do de veria inte rv ir se mp re q ue n ece ssaria.

    30 31

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    14/20

    M as foram as au tores socialistas q ue co nsolid ara m a no va ~ nfase . S uaa rg um en ta ca o c on ti nu a r ig or os am e nte v al id a, a d ire ito d e fu nd ar u m b an coe um a zom baria de mau gosto para quem 0 banco e u rn gu ich e, u ma fila,um a esper a de oito horas e um a aposentadoria no valor de dais salariesmfnirnos. A auto no mia econ cm ica enten did a co mo 0 d ir ei to d e c om p ra rurn iate e uma carica tura p ara qu em nao p od e p ag ar uma p assag em d ebarca para N iter6i. N a ausencia de m edidas a lhelas ao m ercado, portan-to, a seguranca nunca podera ser alcancada pela Iiberdade, que s6 paraalguns privilegiados e real.

    D ai as g ran des exp ectativ as qu e 0 p en sa m en to p ro gr es si st a d ep os it oun a re vo lu ca o b olc he vis ta . M es mo q ua nd o 0 re gim e re ve lo u s eu ro sto to ta -lita rio, co ntin uo u send o p ossfv el p erdo ar a au se ncla d e lib erd ade po litica(privaca o tran sitoria, ao qu e se dizia ) em v ista d as co nq uistas soc iais, qu ep arecia m evid entes - em prego , s au de , e du ca ca o e m oradia para todos,a re gim e p od ia n ao of'erecer n em a u to n om i a intelectual, nem polltica, ne me co no rn ic a, e nte nd id a c om o lib erd ad e 'd e a gir, m as c er ta rn en te o fe re cia s e-guranca econ6mica.

    M as 0 con ceito de se gu ran ca eco no mica na o in clu i a pen as 0 acessoa vantagens socials, m as tam bern a bens e services. Nisso 0 r eg im e f al ho um ise rav elm en te, F oi a essa a causa mor ti s do so cialism o real, E le n ao m er-reu, lam enta velm ente para as id ealistas, p or ter asfix iado a auto no mia in -telec tual e a p olitica , m as p or n ao ter c on se gu ido p rod uz ir m ercad oriase m e sc al a c or np ar av el it do cap it a li s rno ,A luz da teo ria rnarxista, essa m orte tern algo nao de inesperado,

    m as de iron ico . M arx ju stificav a a nece ssid ade d a p assagern do cap ita lis-mo aD s cc ia li sr no p el a circunstaneia de que as relacces de producao ba-seadas na propriedade privada e st av am b lo qu ea nd o 0 desenvolvirnentoda s fo[.yas p ro dutiva s: A m uda nca ' de modo de producao n ao s e d es ti na -va em prirneira linha a m elhorar as condicces d e v ida da classe operaria,e sim a lib erar as fo rcas prod u ti v as inib ida s p elo ca pitalisrn o. V ale dize rqu e 0 teste do sucesso do socia lisrno estava justarnente na area em queseu tracasso se revelou m ais contundente: na esfera da producao. Saoas forcas produtivas que ju lgarn as relacoes de producao. Citadas a essetr ib un al, m ais exigente qu e 0 tribunal da hist6ria, as relacces de produ-s :a o d o so cia lis mo fo ra m ccndenadas e as do capitalisrno triunfalmenteabsolv idas. M as se e assim , a condenacao do socialisrno real fo i justa,segundo M arx, A ironia esta em que , se essa condenacao ja estava ins-crita na p ro pria lcg ica d o m aterialism o h isto rlco , 0 c ol ap so d o s oc ia li s-mo r ef 'o re a 0 m arxisrn o, em v ez de en fra qu ece-lo , po is con firm a 0 acer-to de um a de suas teses fundam entals, a dialetica entre as forcas produ-tivas e as re lacoes de producao ,

    A /DEJA JLUMJNISTAT em os a go ra o s elem ento s pa ra c on st ru ir a id eia il um in is ta . P ar ti mo s

    d a Ilu stracao , d o lib eralism o real e do socialisrn o rea l, in vestig arn os seu sa sp e ct os p o si ti ve s e ne gativ es, e ten do exam ina do , ccn fro ntado e c ritica-do 0 fun cion am ento em cad a um a dessas constelacoes historicas dos prin-c ip ais e le me nto s d o p ro je to d a m od ern id ad e, p ro du zim os a id eia ilu min is ta .

    Para ela, (1) todos os homens e m ulheres, de todas as n ac oe s, c ul tu -ra s, ra ca s e e tn ia s, (2) d es pr en de nd o-s e d a matriz co letiv a e passan do po rp re ce ss es c re sc en te s d e irid iv id ua liz ac ao , d ev em a lc an ca r ( 3) a autoriorniaintelectual, au seja, 0 direito e a capacidade plena de usar sua razao, li-bertando-se do m ito e da supersticao , sujeitando ao crivo da razao todasas tradicoes, seculares ou r e li g io s a s, problematizando tcdos o s d og m as ,c ritic an do to da s a s ideologias, e d es en vo lv en do l iv re rn en te a c ie nc ia , 0 pen-s am e nt o e sp ec ul at iv o e c ri at iv id ad e a rt fs ti ca , 0 q ue p re ss up oe u m s iste mac ultu ral q ue ten ha in stitu cio naliza do e dad o con dice es efetiv as de ex erci-cio a liberdad e d e pen sam en to e de ex pressa o, (4 ) a auto no mia po litica,ou seja, 0direito e a c apacid ad e plen a d e participar do s processes deciso-r io s d o E sta do , 0 qu e pressupoe u rn s is te ma p olitic o q ue te nh a in stitu cio -n aliz ad o e d ad o c on dic oe s e fe tiv as d e fu nc io na me nto a dem oc racia e aosdireitos hum anos, e (5) a autonornia econornica, ou seja , a direito e a ca-p acidad e p lena d e ob ter, sem prejuizo p ara a s o utros individuos e sem da-n os para 9 m eio arn bien te, os ben s e serv ices n ecessaries ao p ro prio be rn-estar, 0 q u e p re ss u p6 e urn sistema econornico qu e t enha inst itucicna l iza -do e dado coridicoes efetivas de funcionam ento aos direitos dos agentese co n6 m ic os , d en tr o d es l ir ni te s c om pa tiv eis c om a s o bje ti vo s s up er io re sda ju siica so cial e da pre serva cao da n atureza.

    Em s ur na , a i de ia i lu rn in is ta propoe estender a todos os individuosc ou dico es co ncretas de autonomia, em todas as esferas. Em outras pa-I av ra s, e la e (1) universalists em sua abrangencia - ela visa tcdos oshomens , sem lim ita co es d e s ex o, r ac a, cultura, nacao -, (2 ) individuali-zante em seu foco - os sujeitos e as objetos do processo de civilizacaosao indivfduos e nao entidades coletivas -, e ernancipatoria em su a in-ten cao -- esse s sere s h um an os in div id ualiza do s d ev em a ce de r a plenaautonom ia, no trip lice registro do (3) pensam ento, da (4) poluica e a n(5) economia.

    V ejam os m ais de p erto esses varies elem ento s.

    32 33

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    15/20

    Univer sal i da de : p ar a a i de ia il ur nin is ta , 0 h or iz on te d a e rn an ci pa ca ohumana e 0 da un idade d a esp ecie, 0 q ue gera co nsequ encias em v ariasesferas.

    1) 0 Iluminismo transcende as fronteiras nacionais, e nesse s en ti d oassume sem com plexo s a heranca c os mo po lita d a Ilustracao, condenandoto do s os nacio nalisrno s com o pro vin cianos e po ten cialm en te g erado res deg ue rra . A te certo ponto, no entantc, e l e i n co r po r a i,doutrina lib er al d aa uto de te rrn in ac ao d os pOVOS, a o re cu sa r q ua lq ue r te nta tiv a d e u nific ac aopolftica de urna regiao ou do m undo que nao resulte do ccnsentirnento ex-plicito do s h a bi ta n te s d a s c om u ni da de s n ac io na is envolvidas, 0 qu e signi-fica 0 m ais inequivoco repudio de qualquer form a de im perialism o. D osccialism o, ele absorve um a d eterm ln acao m ais concrete d o id ea l c os mo -pclita, que nao pode ser defin ido nos term os purarnente hedonistas emqu e a s vezes 0 concebia 0 seculo XVII! - ubi b en e, ib lp atr ta - m as c om ou rn v er da de ir o in te rn ac io na lis mo , q ue a o c on tra rio d o m alfa da do "in te rn a-cio nalism o pr oletario" d o socialism o real, teria co mo foco o s inreressesda hu manid ade com o u rn tod o e nao o s o bjetivo s estreitarn ente particu la-ristas de um a superpotencia.

    2) Assim c omo e t ra n sn a ci on a l, 0 lluminismo e tarnbem transcultu-ral. ISlO quer dizer que ele aceita em substancia 0 ponto de vista daIlustracao e nao ve na variedade das culturas a prova de que 0 homeme m ultip le, m as a dem onstracao de que atras da variedade em pfrica dascu lturas ex iste u ma un iform idad e fun dam en tal. E ssa un iforrnjdad e terna ver com a unidade da natureza hurnana, que em toda parte produze rep rod uz suas c ond icoes d e existe ncia co m base num a estrutura psfq ui-ca cornum e de uma razjlo que nao varia essencialmente confonne ascultur as, A o rnesm o tem po, 0 I lu rn in is mo t em p er a 0 q ue p od eria hav erd e niv elador nessa perspectiv a com a v alorizacao d o p lu ralisrno , he rda-do da antropologia libera l: as aspiracces e necessidades universals dohomem sao expressas e sim bolizadas de m odo diverso segundo as dife-r en te s f 'o rrn as d e v id a, e e ssa v ar ie da de , a le rn d e e ste tic am en te e nriq ue ce -d ora, e eticam ente valiosa, desde qu e as praticas particulares nao violernp rin cip io s u niv ersa ls d e ju stic a.

    3) 0 Ilum in ism o ad ere ao igu alitarism o ilustrado no qu e dz respeitoao relacio narn ento entre o s sex es. H om en s e m ulheres sao ig uais em d irei-l os e aptidoes, e n a o e xi st er n dif'erencas, alel"l da s purarnente ana tom icas .q ue ju stifiq ue rn c on ce ito s c om o 0 de "alm a fem inina" ou "psicologia fe-minina": Nisso 0 f'e min is mo lib era l e 0 so cia lista n ao tro ux era m rn od ifi-cacces de VU llO - mas 0 prim eiro charn ou aten cao p ara a n ecessidad e d eelim in ar n a lura p olitica cotld iana a discrim in acao jurld ica a que esta su -jeita a m ulher, e 0 s eg un do t ev e 0m er it o d e e st ud ar 0 c ru za me nto d a o pre s-sao sexista com a opressao social - a opressao sobredeterm inada da rnu-

    Individualismo: 0 lluminismo considera 0 aparecimento do individuou rn a o co rre nc ia e po ca l n a h ist6 ria d a h um an id ad e, E tim d os a sp ec to s rn ais"l ib e rt ad o re s d a mo d er ni da de . El a p er mi te p el a p ri me ir a ve z n a h is to ria p en -sa r 0 hom em com o ser independente de sua com unidade, de sua cultura,de sua religiao. 0 homem deixa de ser sell cia, su a cidade , sua nacao epassa a existir por si rnesrno, com suas exigencies proprias, com seus di-r e it o s i n tr a ns f er iv e is a f elic id ad e e a auto-realizacao.

    H aurida na Ilustracac, essa crenca se reforca com os liberals, parao s q ua is 0 g ra nd e m erito d a lib er da de e perrnitir 0 d es do br am en to m ulti-plo e pluralista da individualidade. 0 Iluminlsmo partilha, portant o, 0tern or dos liberals com as pressces niveladoras da scciedade de m assas,q ue levam ao con form ism o e contrib uem p ara a d esin dlvid ualizacao cres-cente do homem , fazendo sua a Kulturkritik d e a uto re s c om o T oc qu ev il-Ie e Mill, que antecipam em seus libelos contra a m assi ficacao a deminciad e M arc us e e A do rn o .c on tra a "s oc ie da de u nid im en sio na l". 0 lluminis-mo recebe do socialism o urna visao m ais concreta d o indi v ld uo , q ue na oe ape nas u ma rno nad a ab strata, m as existe sernp re inserido num con j un tod efin id o d e r ela cd es so cia ls, 0 qu e significa que sua propo sta de ern anci-p ac ao d o in div id uo te rn q ue le va r e m c on ta u ma d ir ne ns ao n ec es sa ria me nteextra-individual.

    D iz er q ue to do in div id uc e social e dizer q ue sua libertacao p assa p oru r n p r oc e sso social d e indiv idu acac, pela q ual os indiv idu os sae m d os seu sg ue to s p riv atista s e s e c om un ic am c om o utr os in div id uo s, r ec on he ce nd o-os com o indivfduos e sendo confirrnados em sua indiv idualidade. 0 indi-v idualism o ilum inista, nesse sentido , nada tern a ver com 0 individualis-m o associal estig rnatizad o pela esqu erd a, m as so bretu do pela d ireita.

    lher prcletaria, duplam enre exp lorad a, e a Iib er t a ( , : i l0 p ara do xa l d a m ulh erb urg uesa, cu ja con dicao d e po ssibilidad e e a p r6 pria ex istsncia da socie-d ad e d e c la ss es .

    4) Assim com o rejeita, no que diz respelto a m ulh er, q ua lq ue r d if'e -r en cia lis mo e ss en cia lista ra dic ad o n a b io lo gia , 0 llu min is mo re je ita e ss em esm o d iferen cialism o n o qu e respeita a racas ou etnias, E o g ra nd e igua-litarism o d a Ilustracao , p ara 0 qual os indiv iducs sao brancos e negrosp or acid ente, e h om ens po r natu reza. 0 liberalism o ensino u 0 I1uminismoa pen sar po liticam ente, n as so ciedade s m od ernas, a lu ta p ara irn plan tarum a igualdade de fato , e nao apenas filosofica, entre individuos de dif'e-rentes raps. 0 sccialismo m os tro u a s ra iz es sociais e econornicas d o p re -con ceito , cu ja rern ocao integ ral nao dep end e, po rtanto , apen as de L im a r e-f orm a d as c on sc ie nc ia s, m as tarnbern d e p ro fu nd us t ra ns f'o rm ac oe s s oc ia is .

    34 35

  • 5/13/2018 Rouanet, Sergio Paulo. Mal-estar Na Modernidade

    16/20

    , N o entanto, su a con seiencia da dirn ensao social n ao im pede q ue 0 Ilu-rn in isrn o s eja a bs olu ta me nte a lh eio a q ua lq ue r c on sid era ca o h olista , a q ua l-q ue r v is ao " org sn ic a" q ue a tri bu a p rio rid ad e a u ma in st an cia coletiva-g ru po , c ul tu ra , Estado - ou que diga qu e a v e rd a de d a p ar te e sta e m su ain serc ao n o to do . 0H om o s ap ie ns nao e urn protozoario - esse sim , ani-m al holista por excelencia - nem Ap is m e ll if er a z umb in d o c on sc ie nc io -sarnerue pelo bern da colm eia, Se 0 homem e m ais in div id ua liz ad o q ue 0inseto, 0 h om em m od er no e ce rta me nte m ais in div ld ua liz ad o q ue 0 anti-go, com o este era m ais individualizado que 0 da pre-historia. A humani-dade p ercorreu um a lon ga trajet6ria desd e a ho rda p rim itiva; 0 caminhofoi longo, como sabia Freud, da p s ic o lo g ia c o le ti va a psicologia indivi-dual, e q ua lq ue r t en ta ti va de reinserir 0 indlviduo no todo significa urnretrocesso obscuran tista. A n ostalgia do difuso, d o in diferen ciad o, do o r-ganico - h a n or ne s p ar a i S5 0. Q ua nd o e u rn fa to b io l6 gic o, c ha ma -se p ul-sao de rn orte. Q uand o e um feno rnen o social, cham a-se fascism o.o indiv id ualism o ilu minista nao descon hece a existencia de co leti v i-dades particu lares, m as proclam a que em ultim a analise nao sao elas quesao titu lares de direitos e sim as indivlduos que as cornpoem . N ao se tra-ta , fu nd am en ta l m en te , d e d efe nd er as direitos do s negro s ou dos ju deusenq uanto gru pos etn icos e relig io so s, e sim de defen der individ uos, titula-res de direitos un iv ersals, entre os q uais a d ireito d e nao-d iscrim in acao po rm otivo s d e raca ou religiao. O s direitos d esses indiv ld uos in clu em n ao 80-mente 0 de ter um a religiao especifiea ou de conservar a cultura em quef ora m s oc ia liz ad os c om o 0 d ir eit o d e recusar e ssa r elig iao o u c ultu ra . P oispara 0 Ilo rninism o a dign id ade m ais alta do indivfduo esta em sua cap aci-d ad e d e p as sar p or d es ce ntra rn en to s s uc es siv os, s up era nd o, se a ss im 0 dese-jar, vinculos que nao foram escolhidos par sua razao - a fam ilia, 0 grupo,a c ultu ra , P ara 0 Iluminisrno 0 in di vi du o c on st r6 i s ua p ro pr ia i de nt id ad e,ern vez de herdar dos pais um a identidade pre-fabricada, Seu estatu to et-nice, cultural ou n atio n