roteiro indicativo

20
ROTEIRO INDICATIVO NOTA PRELIMINAR O documentário estará dividido em três blocos temáticos de 18 minutos cada. Os blocos ou capítulos não serão identificados com títulos mas servirão como pausas para sua exibição em televisão. Este roteiro é indicativo e nele aparecem apenas fragmentos dos depoimentos que utilizaremos. Imagens da Segunda Guerra Mundial: bombardeios, campos de concentração, soldados, tanques, aviões. Jornais anunciando a entrada do Brasil na guerra. Decreto de 31 de agosto de 1942 em que o Brasil declara a guerra às forças do Eixo. Imagens de Getulio Vargas e Roosevelt durante a visita do mandatário norte-americano à base aérea de Natal em 28 de janeiro de 1943. Imagens dos pracinhas partindo para o front européio. Fotos do desembarcando dos pracinhas em Nápoles, Itália. Esta seqüência de abertura utilizará as narrações dos noticiários de cinema e rádio da época assim como hinos de guerra. Créditos iniciais : BORRACHA PARA A VITÓRIA Material publicitário anunciando produtos feitos com látex: “Tudo feito de borracha”. Hélio Pinto Vieira: A borracha que os Aliados tinham vinha da Malásia, era dos ingleses. Eles roubaram nossa borracha no século XIX para adaptar lá, mas os japoneses inimigos tomaram essa região dos ingleses quando a guerra e então eles tiveram que recorrer a nossa borracha. Se falava que era uma urgência porque os Aliados precisavam da borracha para os pneus dos aviões, dos caminhões, dos barcos, sem borracha se ia perder a guerra. Nos Estados Unidos até proibiram a venda de 1

Upload: smaccioly

Post on 24-Dec-2015

16 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Texto

TRANSCRIPT

Page 1: ROTEIRO INDICATIVO

ROTEIRO INDICATIVO

NOTA PRELIMINARO documentário estará dividido em três blocos temáticos de 18 minutos cada. Os blocos ou capítulos não serão identificados com títulos mas servirão como pausas para sua exibição em televisão.

Este roteiro é indicativo e nele aparecem apenas fragmentos dos depoimentos que utilizaremos.

Imagens da Segunda Guerra Mundial: bombardeios, campos de concentração, soldados, tanques, aviões. Jornais anunciando a entrada do Brasil na guerra.Decreto de 31 de agosto de 1942 em que o Brasil declara a guerra às forças do Eixo. Imagens de Getulio Vargas e Roosevelt durante a visita do mandatário norte-americano à base aérea de Natal em 28 de janeiro de 1943.Imagens dos pracinhas partindo para o front européio.Fotos do desembarcando dos pracinhas em Nápoles, Itália.Esta seqüência de abertura utilizará as narrações dos noticiários de cinema e rádio da época assim como hinos de guerra.

Créditos iniciais : BORRACHA PARA A VITÓRIA

Material publicitário anunciando produtos feitos com látex: “Tudo feito de borracha”.

Hélio Pinto Vieira:A borracha que os Aliados tinham vinha da Malásia, era dos ingleses. Eles roubaram nossa borracha no século XIX para adaptar lá, mas os japoneses inimigos tomaram essa região dos ingleses quando a guerra e então eles tiveram que recorrer a nossa borracha. Se falava que era uma urgência porque os Aliados precisavam da borracha para os pneus dos aviões, dos caminhões, dos barcos, sem borracha se ia perder a guerra. Nos Estados Unidos até proibiram a venda de pneus, era um colapso e a Amazônia era o maior reservatório de borracha do mundo.

Foto da Hevea brasiliensis.Imagens das árvores de seringa na Amazônia.

Eu nasci na cidade de Canindé onde tem a romaria de São Francisco. Eu morava lá meu pai era prefeito, e havia uma divulgação que nessa época, sua Excelência o Presidente era Getúlio Vargas, então havia uma

1

Page 2: ROTEIRO INDICATIVO

divulgação para agente ir para o Amazonas a tirar borracha e ajudar na guerra, nessa época não tinha televisão, só a Radio Nacional no Rio e aqui acho que era a Ceará Radio Clube.

Fotos de Canindé na década de 40.Foto do Hélio Pinto Vieira quando jovem com sua família em Canindé. Gerardo Nobre: O que ficou certo nos segmentos entre o Governo dos Estados Unidos e o Brasil foi que seria feita a transposição de trabalhadores que no momento estavam passando por necessidades aqui no Nordeste, particularmente no Ceará, para a Amazônia, onde iriam produzir a borracha e para isso foi criado o SEMTA Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia. O SEMTA tinha seus recursos alocados num orçamento próprio proveniente dos Estados Unidos. Os escritórios foram instalados aqui em Fortaleza, no Palácio do Comercio, enfrente ao prédio da Assembléia Legislativa, no Centro. Na época eu era jornalista da Gazeta de Noticias, tinha 19 anos e ingressei no SEMTA como analista, eu fazia as fichas, as inscrições dos que se alistavam.

Foto do Gerardo Nobre na época em que trabalhava no SEMTA.Fotos do Palácio do Comércio, fachada, corredores, escritórios onde funcionava o SEMTA.Cartazes da campanha publicitária do SEMTA assinada por Jean Pierre Chabloz convocando aos nordestinos para a guerra. Nas manchetes: “Mais borracha para a Vitória”, “Pneus para a Vitória”, “Vida nova na Amazônia”.Foto do Jean Pierre Chabloz e sua esposa Regina Chabloz em Fortaleza em 1943.

Regina Chabloz:Eu comecei trabalhar logo no início. Meu marido e eu entramos através dos americanos. Nosso amigo que trabalhou com os americanos foi que nos convidou. A gente foi primeiro para o Maranhão mas lá parece que ninguém se alistava, que a coisa não estava funcionando pôr isso fomos para Fortaleza, fomos de caminhão, foi uma viagem inesquecível. Foi muito boa, varando aquele interior todo, aquelas pistas secas. Foi uma viagem completamente original, fora do comum.

Imagens de Fortaleza na década de 40, Rua Senador Pompeu, Barão do Rio Branco, Praça José de Alencar, Assembléia Legislativa, etc.

Fortaleza era uma cidade muito boa, era muito tranqüila. Basta lhe dizer que eu passava numa praça onde tinha o Banco do Brasil e o funcionário

2

Page 3: ROTEIRO INDICATIVO

me gritava: Dona Regina, tem um cheque para a Sra!. A gente era conhecida demais, meu marido era suíço, muito alto, loiro, tinha aspeto de estrangeiro mesmo e pintava nas ruas. A gente era muito conhecida, ele foi responsável pelo Departamento de Desenho e Propaganda do SEMTA.

Foto de Jean Pierre Chabloz pintando um modelo nas ruas de Fortaleza.

Eu dirigia o Núcleo das Mulheres. O Núcleo era um arruamento de casas de palha, cada família tinha a sua. Os homens que ficavam dispostos a embarcar tinham o direito de deixar sua família lá sob os cuidados do governo. Tínhamos um refeitório com café, almoço e jantar, e leite para as crianças à noite. Tinha também uma enfermeira e um médico. As mulheres não podiam sair do Núcleo pois como elas vinham do interior não se sabia se tinham alguma doença, então o pessoal não deixava elas entrar na cidade, porque o Núcleo era um pouco fora da cidade. Era em Porangabussu.

Fotos do Núcleo de Porangabussu, as barracas, as mulheres fardadas com suas crianças.

Elas reivindicavam que não podiam ir á igreja, reclamavam. Eu apesar de não ser católica achava justa a reivindicação. O chefe religioso do SEMTA era Dom Helder Câmara e eu fui falar com ele e me disse que não me incomodasse que ele ia resolver o problema e no domingo apareceu lá com um Padre e improvisamos um altar no refeitório e dessa forma oficiaram a missa. O SEMTA tinha um serviço religioso na sua estrutura bem estabelecido, e tinha dinheiro, que era dos americanos.

Foto da Regina Chabloz no meio de um grande grupo de mulheres todas com crianças nos braços.

Hélio Pinto Vieira:O que eu queria era ser expedicionário, era questão de patriotismo, queria ser soldado mesmo, ir para o front, mas não tinha idade. Na época eu tinha 17 anos, uma aventura! Meu pai não queria que eu fosse não. Eu sai de Canindé sem dizer nada eu vim para Fortaleza e fiz o alistamento. O lugar era onde hoje é a Escola Técnica, o exercito fazia o controle. Eu cheguei a Fortaleza e me alistei, quando meu pai soube...!, minha mãe ficou muito aflita. Quando avisei que ia embarcar, eles vieram para se despedir. A gente preenchia um formulário, uma ficha com seu retrato, era todo bem controlado.

3

Page 4: ROTEIRO INDICATIVO

Desenhos de Chabloz com os “biótipos nordestinos” utilizados pela equipe médica na seleção e classificação dos soldados.

Tinha um exame de seleção, um exame médico, para ver o grau de instrução, o tipo de físico, para ver se você era analfabeto, nada de treinamento, você recebia a orientação, sua ficha, exigiam seus documentos, sua vida pregressa, se não tinha qualquer coisa na polícia, se era algum bandido não alistava não, o negocio era rigoroso, eram tempos de Getúlio. Também queriam saber se você era reservista.

Fotos dos agrupamentos onde ficavam os soldados.Seqüência de fotos dos exames médicos: a aplicação de vacinas, enfermeiras tomando a pressão, tirando sangue, examinando os olhos, as pernas, escutando o coração, fazendo curativos, etc.

A gente ficava num agrupamento aguardando, eu fiquei de uma semana a 15 dias até preparar o pessoal e fazer o embarque. Recebíamos, fardamento, caneca, mosquiteiro, uma rede, uma calça de mescla azul, uma camisa branca, uma mochila nas costas. Não ensinavam nada, aqui apenas era a ficha, o comportamento do elemento, as aptidões que ele tinha, se era agricultor, se era lavrador, se era criador, tudo constava na ficha.

Desenho de Chabloz em que aparece todo o equipamento de viagem.Contrato de encaminhamento que era feito a cada soldado no momento de se alistar.

Pedro Pereira da Silva:Eu estava em Madalena, minha família é uma parte de Canindé, outra de Quixadá, outra de Quixeramobim e minha mãe é de Juazeiro, é espalhada um bocado, aí então eu era tangerino, carregador de boi, que nessa época não tinha caminhão de carregar gado, era no pé. Eu fui de Madalena para Quixeramobim, dai para Quixadá e de Quixadá pegamos um trem para Fortaleza. Lá ficamos num pouso, acho que era Otavio Bomfim. Aquele povo todo se alistando, aquela agitação, ninguém sabia se era guerra, o que era, nós íamos para o Amazonas a ganhar muito dinheiro com a borracha, se falava que você ficava rico, que o governo dava tudo. Tinha até navios financiados pelo governo, o Campo Sales, o Itambé e o Minas Gerais e acho que o Poconé. Era uma oportunidade.

Diversas matérias de jornal anunciando a partida dos grupos para o Amazonas.

Nós fomos vacinados, nos cortavam o cabelo, cortavam todinho, era tipo militar ou como chamavam “príncipe de galo” Os exames era para saber

4

Page 5: ROTEIRO INDICATIVO

se o camarada não estava com algum tipo de doença. Para entrar no pouso ficava todo o mundo pelado e apertavam no pinto da gente. Naquele tempo ainda tinha um pouco de vergonha.

Fotos dos cortes de cabelo e barba dos soldados.

Jaime Pinheiro Landim:O sentido que eles falavam era ir à guerra para tirar borracha para ajudar, porque diziam que a borracha evitava muito bombardeio, a borracha era... Por exemplo, os navios eram forrados com borracha para não ser bombardeados e ir para o fundo, eu não sei bem como era, é porque meu negocio era tirar borracha, eu sabia que era para o beneficio da guerra, mas eu não sabia bem o beneficio dela, só que era para forrar os navios para não ir para o fundo. (Risos) Eu fui porque eu achava que ia ganhar muito dinheiro como soldado da borracha, desde menino que o pessoal falava que no Amazonas os seringueiros ganhavam dinheiro, no tempo da 1ra Grande Guerra de 1914 a 18 também as pessoas foram e ganharam muito dinheiro Eu não tinha necessidade disso, eu não era rico, mas tinha minhas coisas, tinha meu gado, naquele tempo não tinha carro, mas tinha cavalo para andar, tinha burro, mas foi aquela influencia de rapaz.

Imagens no 1° Ciclo da Borracha filmadas pelo cinegrafista Silvino Santos na década de 20 no Amazonas onde se observa a riqueza e a opulência dá época: seringueiros tirando borracha, comércio, abundância, o Teatro da Opera de Manaus, etc.

Lupercio Freire Maia:Eu estava no meio da roça mais o papai descascando feijão de corda e o cabra chegou num caminhão e disse, suba logo para cima. Mas como, sem roupa? Ele disse, rapaz não tem direito nem de vestir roupa porque vai demorar e nós queremos chegar em Fortaleza ainda hoje, se tem mais de 17 anos é lei do Brasil, tem que ir. Ai meu pai falou para eu vestir uma calça rápido e umas alparcatas, estava chovendo e o cabra falou que não adiantava eu levar as alparcatas e aí subi no caminhão, sem me despedir da minha mãe nem de mais ninguém.

Foto dos camiões do SEMTA cheios de trabalhadores.

Vicência Bezerra da Costa:Eu vim mais meu pai, minha mãe e meus oito irmãos, eu tinha 14 anos. Nós morávamos em Alto Santo, aí minha mãe falou: vista a roupa minha filha que nós vamos pôr aí nesse mundo. No Ceará era a seca mas não era pior que aqui, minha mãe fazia vendas de doces, de tapioca, café, bolo de milho, ela era uma mulher vivida. A gente colocava uma lata

5

Page 6: ROTEIRO INDICATIVO

com as moedas do pessoal que comprava e quando era de tarde a lata ficava pesada que não podia levantar de tanta moeda.

Imagens de seringueiros extraindo a borracha na década de 20.

Meu pai já tinha cortado seringa acho que em 1915 e nós perguntávamos, pai como é, e ele dizia, não adianta porque aquela era a época do machado e agora é a época da faca, é diferente. A gente foi para Fortaleza e lá ficamos esperando três ou quatro meses porque meu pai precisou se operar de uma hérnia, porque só vinha homem sadio, doente não, era tudo na inspeção. Eu não porque eu era nova e foi só as vacinas.

Fotos do Núcleo de Poramgabussu onde ficavam as mulheres.

Quando foi para sair do Ceará a gente fez um verso que era só choro, viu?, porque a gente quando vai embarcar, o navio em Fortaleza não encosta no cais, fica assim distante e aí nos juntemos e cantamos:

Adeus terra da infância querida,adeus terra onde eu me criei,adeus pai, adeus mãe, adeus todo,eu não sei quando é que voltarei.Tá na hora da triste partida,vem meu anjo, vem me consolar,se me negar a Deus nessa hora,antes crava em meu peito um punhal

Fotos dos soldados da borracha fazendo fila no Cais do Porto na Praia de Iracema para subir no navio.

Pedro Pereira da Silva:Quando nós saímos de Fortaleza, eram 4 as horas da madrugada, nós fomos perseguidos por um submarino e até o comandante tirou o navio de rota, ele não falou nada, depois apareceu uns tal de caça-minas e o tal submarino desapareceu. A comida era feijão com jirimum e uma carne velha seca, e começou dar disenteria na gente, o feijão desse tamanho não era bem cozinhado, a carne era uma jabá velha seca que jogavam lá dentro que não sei nem se escaldavam. O café da manhã era o café preto mesmo e um pão, aquilo ali davam num caneco de esmalte, tinha uma colher que de um lado era colher e do outro garfo, davam também uma muda de roupa, roupa que a gente que era forte tudo bem, mas quem era magro amarrava assim que parceria uma mortalha. As famílias vinham separadas dos solteiros, tinha que dormir separado. Divertimento era contar história, algum que trazia algum pife, uma

6

Page 7: ROTEIRO INDICATIVO

gaita. Fogo de jeito nenhum. Eu me lembro que vinham uns dois ou três japonesinhos no navio.

Fotos dos navios cheios de soldados da borracha se despedindo na Praia de Iracema.Matérias de jornal com fotos nos navios. Nas manchetes: “Seguirão amanhã para a Amazônia mais de 350 trabalhadores”, “315 homens seguiram hoje para o “El Dorado” da Amazônia”, “Aumenta a corrente migratória impulsionada pelo SEMTA”.

Hélio Pinto Vieira:Aqui você embarcava, fazia coluna indiana na Ponte Metálica, porque o vapor não encostava não, a gente pegava um bote para chegar no vapor. Não me lembro se eram 200 ou 300 soldados. Os barcos eram americanos, do tempo da lei seca, eles os mandaram porque os barcos nossos demoravam muito em fazer a viagem. Eu viajei num barco chamado State Virginia, luxuoso, com espelhos e salões..., mas cheio de redes!

Fotos dos barcos usados no traslado dos soldados.

Quando você chegava a bordo começavam dar as instruções. Ai eu fui escolhido, dado meu grau de instrução, como itinerante para coordenar tantos homens a bordo, distribuir salva-vidas, junto com o comissário de bordo, orientar no caso de ataque de submarinos, o comportamento, como proceder. Depois das 18 horas não podia falar, nem fumar, um blecaute total. Daqui a gente ia para São Luiz do Maranhão, de São Luiz até Belém, em Belém desembarcava. Nesse percurso um submarino quis nos atacar, foi um pânico a bordo!, uns viram o submarino, eu não vi, eu estava no camarote, o vapor ficou ziguezagueando. Na madrugada veio um apoio da nossa Marina de Guerra, um torpedeiro parece, então nós fomos patrulhados o resto da viagem até chegar em São Luiz e ficamos retidos dois dias no porto até eles vasculharem.

Imagens de submarinos alemães nas costas brasileiras no período da Guerra.

Vicência Bezerra da Costa:No navio era bom, era como estar dentro de casa, a gente andava, andava, ficava arrodeando. Tinha os beliches para as moças e mulher, a gente cantava o Hino dos Soldados da Borracha, eu gostava muito cantar quando era nova:

Destemido soldado da borrachadeste exercito modesto e varonil

7

Page 8: ROTEIRO INDICATIVO

não se esqueça de cumprir o seu devertrabalhando em defesa do Brasil

Quando um dia os raios fulgurantesda vitória brilhar em nosso paísai veremos que nossos esforços assegurou a liberdade tão feliz... Lupercio Freire Maia:Tinha aquele zepelim que custodiava os navios, falavam que tinham derrubado um navio e todos tinham morrido. Nessa época não tinha telefone, era no telegrama. Davam também uma carteira de católico para se nós naufragasse no navio a procurar a Igreja Católica do outro pais e eles pagavam a passagem de volta para o Brasil.

Imagens de zepelins norte-americanos no Brasil durante a guerra.

Jaime Pinheiro Landim: Eu fui de caminhão, eram dez caminhão, fomos de Fortaleza a Teresina no Piauí, de Teresina a Maranhão e de Maranhão pegamos um navio até Belém. Eu demorei em chegar em Belém porque peguei sarampo em Teresina e fiquei para me curar e depois fui com outra turma. A viagem foi horrível, eu não sei nem quanto durou, foram meses.

Imagens de Belém na década de 40

Pedro Pereira da Silva:Nos viemos no navio Loyde Brasileiro para Belém e ficamos no pouso Tapanã, tinha outro encostado chamado Pinheiro, nós vínhamos quase 5 mil, era só rapaziada. Quando foi uns quatro mês depois nós viemos para Manaus e fomos para um pouso chamado Ponta Pelada, aí aparecia os patrão, porque até ali vinha só comendo. Quando chegamos lá começou morrer gente de sarampo, catapora, morria gente, morria gente e foi aquela confusão. Aí chegou os patrão, os donos dos seringais: Jota Leite, Alfredo Vieira, todo era homem conhecido, todo era coronel nessa época. Eles mandavam fazer fila, tiravam mais o cabra do mocotó fino, porque eles achavam que era melhor para seringueiro, andador, ágil, e o cabra do mocotó grosso, fornido, esse servia para ser cargueiro, agüentava. Ele não queria saber se era novo ou se era velho, ele queria 50 homens solteiros.

Imagens do Acre nos anos 40, famílias pobres na beira do rio, pequenas embarcações transportando madeira.

8

Page 9: ROTEIRO INDICATIVO

Subjetiva de uma embarcação pelo rio, a paisagem mostra as palafitas inundadas.

Pedro Pereira da Silva:Eu pensava que o Amazonas era numa coisa assim como o Nordeste, eu vinha com essa ilusão, mas quando nós chegamos e começamos entrar nesse rio e era só água e mato. Era um negocio diferente, a gente não estava acostumado.

Hélio Pinto Vieira:Quando você chegava em Manaus você ia para a hospedaria de Ponta Pelada, subúrbio de Manaus, lá ficavam os agrupamentos de solteiros separados dos casados, tinha disciplina, tudo muito rígido. No subúrbio de Manaus tinha muita seringueira plantada, aí tinha o especialista para ensinar aos nordestinos que eram todo brabo, ninguém tinha visto isso nunca, como tirar o látex com aquelas tigelinhas, como usar aquela faquinha.

Desenho de Chabloz do processo de defumação do látex ou borracha.

Todo dia eram 8 ou 10 homens, era bem objetivo. Depois de você retirar o látex você aprendia a defumar, tinha um defumador para fazer aquela bola de borracha. Depois de uns quinze a vinte dias de treinamento, quando estava tudo afiado, vinha o seringalista, chegava, olhava as feições, um pelo tipo, outro pela educação, eles queriam gente que tivesse certo grau de instrução, de complexão forte e tal, então eles escolhiam. É como eu escrevi aqui neste meu trabalho:

Hélio Pinto Vieira lê:“Dessa maneira um determinado número era selecionado para ir para a região do Purús, outro era destacado para a região de Juruá, outros contingentes seguiam rumo a Tarauacá e Boca do Acre, e assim por diante, até que aquela leva de homens fosse completamente absorvida pelo insaciável Minotauro dos seringais”.

Imagens aéreas do Rio Amazonas.

Pedro Pereira da Silva:Nós fomos de Manaus até o Laranjal, o seringal do Jossias. O navio ficou lá porque estava muito carregado e a água era pouca. Era um navio-gaiola com o nome de Júpiter, aí o Coronel mandou umas baleeiras grandes, que iam carregadas de mercadoria e de arigós. Arigós éramos nós. Eu fui o primeiro que desembarquei. Quando chegamos no seringal eram quatro horas da tarde e o coronel mandou a gente para uma hospedaria, já tinha arigós lá. Aqui já tinha muitos cearenses, muitos

9

Page 10: ROTEIRO INDICATIVO

arigós, não foi só no tempo da guerra não, aqui já tinha seringal com o nome de “Fortaleza”, de Quixadá”, de “Quixeramobim” Chamavam de arigós porque quando o cabra não sabe de nada, chamam de arigó. Nos gastamos na viagem quase 5 meses.

Imagens de um seringueiro tirando borracha, dando os cortes e colocando as tigelas.

Na colocação, chegamos e fomos para a linha de Jatobá, que foi a primeira colocação. Foi um “manso” para ensinar a gente, o “manso” sabia cortar, sabia colher, porque a seringa tem que ser dividida em um palmo e duas polegadas e em dois palmos e quatro polegadas, arrodeando, aí tinha que apreender dividir a madeira, cortar bem aprumadozinho, porque tinha os fiscal, tinha que ter a técnica, tinha que cortar na altura do olho. Tinha o cabra que não aprendia não, a gente ia cortando, tam, tam, tam, aí dava na veia do leite, mas se afundava demais e dava naquela água, deu rolou, porque aí forma um nó deste tamanho, aí estragou.

Imagens de um seringueiro recolhendo a borracha das tigelas e colocando nos baldes.

José Pinheiro Landim:O senhor entrava pelas direitas e sai pela esquerda, aí a gente para, come, bebe água, e vai arrodeando. Quando fechava o corte eram nove, dez horas. Entre uma árvore e outra podia ter cinqüenta metros ou até cem metros. As vezes colocávamos um cipó entre uma árvore e a outra para não se perder porque tinha muito arigó que como não conhecia se perdia na selva e não voltava mais. Chamavam arigó pôr um pássaro de arribação que tem que vai daqui para lá, de lá para cá. Tinha também os mateiros que indicavam o caminho.

Subjetiva da procura pelas árvores de seringa dentro da floresta.

A gente ia dormir dez horas, dez e meia, e acordava uma ou duas horas da manhã, quase sempre. Quando era a estrada de porta a gente saia mais tarde, quatro horas, mas quando era estrada de centro era mais cedo. Cada soldado tinha três estradas. Andávamos 20 e 30 quilômetros todo dia. Ave Maria era muito diferente do que eles contavam, eles contavam muita vantagem, que era para o pessoal se animar, porque se não o pessoal não ia. Foi muita gente nesse tempo, de todos os estados, na maior parte do Ceará. Tinha também aqueles negros do Rio, malandros que não gostavam trabalhar. Cada qual ia para uma colocação, às vezes ficavam numa colocação dois ou três, mas tudo lá era manobrado pelo patrão, quem fazia tudo, quem mandava era ele,

10

Page 11: ROTEIRO INDICATIVO

eles eram muito desonestos, muita desonestidade. Esse mesmo Antonio Coelho, que Deus o tenha, foi muito perverso, no meu tempo já ele estava muito diferente, lia muito a Bíblia, era católico, tinha uma idade avançada, tinha mudado muito, mas ele foi perigoso, eles contam lá que qualquer coisa ele mandava matar e fazia mesmo. Vi casos horríveis.

Detalhes do cartaz da campanha publicitária do SEMTA em que se lê: “Vai também para o Amazonas protegido pelo SEMTA”.

Hélio Pinto Vieira:O pessoal chamava Inferno Verde, El Dorado Brasileiro, todos aqueles apelidos. Esse estrangeiro, Chabloz, trouxe para distribuir nas prefeituras do interior aqueles cartazes. Agora ele não foi certo, devia ter mostrado a promiscuidade, a miséria, a mata, mas não, foi mostrar o conforto que existia lá, nós não encontramos conforto nenhum, eu não sei como é que a Universidade guarda um negocio daqueles, que foi o outro lado da medalha, isso foi o que ele mostrou, devia ter mostrado a realidade, fiquei com raiva, ele foi contratado pelos americanos, isso que me disseram. Todos os nordestinos ficaram com ódio desse Chabloz, enganar os nordestinos com uma propaganda daquelas, rios de dinheiro correndo...

Lupercio Freire Maia:Era uma época muito ruim aquela, você não tinha direito de nada, nem de mulher, nem de família, só os companheiros que iam se avistar quando chegava a noite. Só Deus sabe como era aquilo, tinha o beribéri, o tétano, o paludismo, não tinha remédio, nem uma aspirina. Onde o cabra morria ali mesmo a gente enterrava, não tinha cemitério. Uma vez um companheiro morreu e não tinha nem enxada para enterrar ele, eu falei com o Coronel que queria mandar uma carta para avisar á família em Morada Nova e ele mandou, mas eu recebi a resposta dois anos depois.

Foto da Vicência quando jovem com sua família.

Vicência Bezerra da Costa:Quando chegamos no seringal nós fizemos foi chorar, eu falava, mas meu pai, você bota a gente numa terra desta para a gente ficar... Nós sofreu muito. Quando tinha luz acesa ficava esse monte de bicho, de inseto. A gente foi nascida e criada na cidade e cair no meio do mato, só com aquela velinha, todo escuro. Nós tínhamos nossos livros da escola e dia de domingo nós íamos recordar aqueles nosso tempo da escola, que íamos fazer. Depois a gente se acostumou.

11

Page 12: ROTEIRO INDICATIVO

Pedro Pereira da Silva:Cada soldado tinha um rifle ou uma espingarda, primeiro era rifle e depois eu comprei uma espingarda, eu atirava tão bem que colocava uma bala dentro da outra, atirava num pau e depois atirava de novo e metia a bala no mesmo buraquinho. A gente era bem armado, eu tinha uma faca e o rifle. Um dia encontrei uma onça que ia correndo detrás de um cachorro, eu peguei a faca que tinha trazido do Ceará e me lembrei de um pau que tinha caído por perto, peguei e disse, eu meto o ferro nela, mas que nada, quando eu entrei aqui ela entro lá, era grande, nos topamos nessa distancia aqui, eu vi as presas delas desse tamanho, chegava que eram amarelas, quando ela fez isso assim, eu estava com a faca na mão, eu sempre usei chapéu, pôr isso eu sou careca, eu joguei na cara dela o chapéu e meti o ferro, ela pulou lá no meio da estrada e como eu já tinha dito, ninguém dá chance para onça, eu pulei com ela, só que quando ela bateu lá virou-se e pulou encima de mi e deu uma foiçada e me riscou as mãos e eu dei uma furada nela e saiu correndo e foi embora. Ela me cortou o pulso e teve que costurar com linha de costura. Depois um companheiro meu, o Manuel, encontrou no outro dia por perto uma onça morta e não foi de tiro.

Fotos de seringueiros com seus troféus de caça: onças, jacarés, cobras.

Jaime Pinheiro Landim:O seringueiro saia sozinho, e com Deus e tinha muito perigo no caminho, tinha as onças, as cobras venenosas, a jararaca, a surucucu do brejo, e tinha também os índios. Eu nunca tive problema com índio não, era só respeitar o que eles davam para a gente, mas teve uma linha que dizem que antes de nós chegar os índios tinham matado e comido a mulher do cara. A parte que era braba comia cru, não tinha esse negócio de assar não. Eles só não comiam a parte da bunda. Dizem que não comiam porque amargava, aí eu não sei porque eu não comi.

Imagens de tribos indígenas do Amazonas

Quando chegava em casa, botava o leite na bacia, na fornalha, se era muito leite botava um pouquinho no fundo da bacia, o leite ficava bem morno, não podia ferver se não estraga e não serve para nada, a gente aquecia ele e ia em casa, ajeitava uma comida, as vezes tomava logo um banho e aí ia defumar, bater cuia, bater cuia, batia cuia até oito e novo horas, depois ia na beira do igarapé e lavava o balde bem lavadinho, deixava emborcado, defumava o saco, que eram dois sacos. O cabra dormia, mas a gente botava um despertador na cabeceira da rede, um despertador dentro de uma lata de querosene. e quando era a hora de sair, aí o bicho, pringggg, pringggg, aí o cabra estava lascado.

12

Page 13: ROTEIRO INDICATIVO

Processo de defumação da borracha.Fotos das pélas de borracha agrupadas esperando o embarque.

Regina Chabloz:Eu redigia muitas cartas das mulheres para os maridos que estavam no Amazonas: meu querido esposo estamos bem, com muita saudade... Eu mandava as cartas e chegavam lá porque eles respondiam. Funcionava. Quando chegavam as cartas eu as entregava, muitas não sabiam ler e eu lia para elas e ficava para responder para as que não sabiam escrever. Elas sempre falavam a mesma coisa, que estavam com muita saudade, que esperavam algum dinheiro, porque as vezes eles mandavam dinheiro dentro das cartas. O SEMTA encaminhava as cartas para o Pará. Elas me falavam para eu escrever, elas diziam, Dona Regina eu quero botar uma carta para meu marido, eu falava, vamos lá, que você quer lhe escrever? Querido fulano, eu estou bem, eu dizia, você não vai falar das crianças?, É, as crianças estão bem. Ai eu ia ajudando, você não está com saudade? É, pode dizer que eu estou com saudade dele, e assim. Eu falava para não mandar notícias de que estavam doentes já que a carta demorava em chegar e quiçá quando chegasse já ela estaria boa. Que só avisassem em caso de morte. Também eu recebia cartas dos soldados para elas e as lia. Esta é uma delas:

Manuscrito original da carta e o envelope

Manaus Amazonas,15-7-43 

Da. Regina:Saudações. Faço votos a Deus que esta estimada cartinha vá lhe encontrar com saúde e fazemos votos de felicidade com sua Exma. família que eu até fazer esta fico com saúde graças ao onipotente criador. Sra. Da. Regina, venho por meio de esta estimada cartinha pedir um especial favor a V. Sa. que quando botar as mulheres para trabalhar peço a Va. Sa. em nome de Jesus Sacramentado - e por bem que Va. Sa. quer a sua querida filhinha, dar um trabalho mais maneiro a minha esposa que é Antonia Araújo para que ela esteja sempre juntinho das filhinhas nossas, porque eu soube que as mulheres daí do núcleo irão trazer tijolos e telhas e trabalhar de enxada mesmo. Esses serviços é só para homem, eu não digo que não tenha mulheres que trabalhem nesses serviços pesados mas a minha não tem costume de fazer esses serviços porque quando fui fazer a ficha de família falamos é verdade em trabalhos para as mulheres mas era um serviço maneiro como bem fazer renda e engomar os bordados, criar galinha e diversos serviços maneiros- e o mais espero que este pedido seja atendido porque Va. Sa. saber que eu tenho vidas com o sacrifício da vida para cumprir com meu dever e peço á Va. Sa. resposta urgente. Despeço-me da Va. Sa.

13

Page 14: ROTEIRO INDICATIVO

obrigado, criado, em Cristo.Alfredo Mesquita de Oliveira

Fotos das famílias dos soldados que ficaram no Ceará.Regina Chabloz na sua casa manuseia as muitas cartas que guarda de lembrança e folheia seu álbum fotográfico.

Pedro Pereira da Silva:Nesse tempo todo eu só escrevi uma carta, foi para um tio meu, eu escrevi no mês de janeiro e recebi a resposta no outro janeiro, eu mandei dentro 500 mil reis. Quando eu fui em 1979, nesse tempo todinho, eu voltei lá só no ano 79, foi a primeira coisa que ele me perguntou e eu falei, eu mandei, pois a carta chegou, mas o dinheiro não. 500 mil reis era dinheiro. Eu voltei para o Ceará 34 anos depois e eu não encontrei mais ninguém vivo, eu fui direto na fazenda do meu avô lá em Juazeiro mas o pessoal me disse que todo o mundo tinha ido morar em Boa Viagem e encontrei logo um irmão meu, um estava em Riacho do Sangue, outro em Fortaleza, outros tinham ido para São Paulo, estava tudo espalhado.

Hélio Pinto Vieira:Em todo esse tempo eu só recebi uma carta do meu pai e respondi, só isso. Inicialmente quando a gente saia daqui a gente recebia dinheiro, depois que você estava lá jogado na mata, era tudo difícil, distante a não sei quantos km de Manaus. Os americanos não iam lá no seringal, eles queriam receber a borracha no ponto de apoio, você descia no barco arrastando a borracha para entregar a eles. O pagamento era a maior dificuldade para você receber, alguns recebia outros não recebiam.

Imagens de aviões americanos pousando no aeroporto de Rio Branco, hidroaviões pousando no rio, barcos sendo carregados.

Pedro Pereira da Silva:Eu vi japonês mas americanos não. Eu sei que teve patrão que enricou, mas todos os patrões daquela época morreram na miséria porque roubavam demais, quando o camarada ia entregar mil e quinhentos quilos de borracha ele botava mil. A mercadoria era explorada, se na cidade, em Manaus o quilo de açúcar custava mil reis, lá no seringal eu ia comprar por dois mil dois mil quinhentos. Tinha um seringueiro que trabalhou a vida inteira sem conseguir saldo, só devendo. Eu consegui pagar minhas dívidas porque era solteiro, mas muito padre de família morria no seringal e não conseguia saldo, não conseguia nada, se acabava. Era tudo controlado pelo patrão. Ele era financiado pelo governo de Belém, tudo era manobrado por ele lá. O americano não foi

14

Page 15: ROTEIRO INDICATIVO

lá, algumas vezes os fiscais iam visitar os seringueiros, mas para eles tinham pouca importância.

Fotos da queda de Berlim.Imagens da Bomba Atômica.

Hélio Pinto Vieira:Eu fiquei lá dois anos. Quando terminou a guerra eu cheguei no seringal à noite, encostei e vi pipocando no céu, ai tinha um radio deste tamanho, desses antigos e a BBC de Londres anunciava a queda de Berlim. No outro dia eu disse vou me embora, vinha um vapor descendo, eu peguei uma carona e pronto. Os americanos não vinham buscar mais borracha, tinham desaparecido, que diabo é isso!, eu estranhei. Eles ficaram lá um ano e tanto pegando a borracha, depois sumiram. Quando terminou a guerra alguns voltaram mas a maioria não tinha recursos, muitos morreram de doenças tropicais.

José Pinheiro Landim:Quando terminou a guerra eles não tinham mais nada com isso, quando terminou a guerra que cada qual procurasse, se quiser ficar lá trabalhando na seringa, ficava, se quiser vir embora, vinha embora, mas não tinha viagem de volta, era só de ida.

Imagens da chegada dos pracinhas ao Brasil.

Regina Chabloz:Quando os homens foram as mulheres ficaram aqui esperando, mas de repente acabou a guerra e aí pronto, os americanos se desinteressaram e tiraram o dinheiro, aí os homens ficaram lá, as mulheres ficaram aqui, umas poucas conseguiram ir, uns poucos conseguiram voltar e foi essa dispersão. Acho que o governo deveria ter dado uma assistência e isso não foi feito. Eu fiquei quase um ano no SEMTA. Eu me envolvia muito por causa das crianças. Eu lembro de crianças que chegavam sem poder andar por causa de tanto bicho de pé, outras com conjuntivite, então eu ficava para tentar colocar eles no caminho. Depois quando eu sai do SEMTA eu fiquei em Fortaleza e fundei uma cooperativa de rendeiras.

Imagens de plantações de cana no Acre, anos 40/50.

Vicência Bezerra da Costa:Depois a gente teve fartura, teve de tudo, mas trabalhamos muito, mulher trabalhava igual a homem. Meu pai nos acordava ás duas da manhã, ascendia o fogo a lenha e nos chamava. Nós carregávamos cana até a derradeira luz do dia, quase até de noite, aqueles vaga-lumes passando. Assim foi que nós vencemos.

15

Page 16: ROTEIRO INDICATIVO

Foto de um casamento de seringueiros no Acre na década de 40.

Meu pai falava que não era para namorar, era para casar logo. Minha mãe falava que ela não procurava marido para nós mas se a gente queria namorar podia ir casando logo, aí vai embora e só sobe aqui esses degraus para tomar a bença e ir embora, não tem essa de divorciar. Eu casei com acrense, conheci ele dentro da mata, todas nós casamos com seringueiro, e fui morar num seringal a vinte minutos da casa da minha mãe, nessa colocação que eu fui morar também ascendia a velinha a noite.

Fotos de Vicência com sua família.

Pedro Pereira da Silva:Tinha muito pouca mulher naquela época, mulher tinha muito valor. A gente passava anos sem ver uma mulher. Pôr sorte não tinha baitola não, e se tinha era muito escondido. Se a gente sabia que tinha um baitola no meio, que é isso rapaz?, dizia o povo, faziam era matar, tira essa praga do meio dos outros para não contaminar, mas era difícil, os homens eram de verdade. Quando faziam as festinhas dançava homem com homem, as velhas de 60 anos caiam na festa e dançavam mesmo, os cabras se matavam pôr uma velha. Quando eu cheguei no Amazonas as mulheres vinham de encomenda, 500 mil reis custava uma mulher, os patrão trazia de Belém e vinha dormindo logo com elas de lá para cá, ai colocavam na hospedaria, chamavam os bons seringueiros, olha aqui estão as mulheres, vocês vão bater papo com elas para ver se lhe agrada, quem é que não se agradava? Então ajeitava ali mesmo, você quer morar comigo? E o cara pagava 500 mil reis para o patrão, só que o cara ficava doidão com a mulher e aí começava a cair a produção então o patrão tirava a mulher dele e vendia para outro. Com 26 anos foi que eu arrumei a primeira mulherzinha, eu fui conhecendo e casando, casando não, juntando, se chamava Joana, tive sete filhos com ela. Hoje não, hoje é uma maravilha, é cheinho de mulher.

Imagens de uma das festas de forró de soldados da borracha que acontecem em Rio Branco onde a maioria dos casais são pessoas idosas.

Jaime Pinheiro Landim:Eu vim para Altamira, de Altamira para Macapá e lá arranjei um terreno que estavam dando, porque o governo estava dando umas propriedades, e eu ajeitei minha propriedade e voltei para Altamira porque eu já gostava de uma moça que morava lá, chamava-se Isabel, mãe dos meus filhos, isso foi o melhor da minha viagem, mas infelizmente não tive sorte porque me acidentei e tive que ir para Belém me tratar. Os médicos eram muito atrasados, eu sofri muito, mas depois

16

Page 17: ROTEIRO INDICATIVO

voltei para o Ceará, gosto mais daqui. Deu foi muita perda, eu tinha minhas coisas, eu podia ter ficado cuidando o que era meu, tinha minhas propriedades, mas foi essa influencia da borracha. Eu não tinha necessidade disso.

Jaime está no jardim da sua casa em Fortaleza com seus filhos e netos.

Pedro Pereira da Silva:Com muito trabalho eu consegui minha aposentadoria de dois salários mínimos, sem décimo terceiro, mas tem muitos soldados que ainda não conseguiram se aposentar. Os pracinhas que foram para a guerra recebem dois mil quatrocentos reais, dez salários mínimos, nós viemos para cá para produzir e os pracinhas foram para matar. Nós fomos trazidos do pouso até Manaus e depois foi como desmamar uma criança, os pracinhas nunca foram abandonados pelo governo. Se tivesse tido a passagem de ida e de volta, tá certo, porque teve muitos deles que choraram para voltar e nunca juntaram dinheiro e morreram por aqui sem ver à família. Mesmo assim eu acho que foi uma vantagem ter vindo porque eu conheci o mundo, conheci o Amazonas, que eu tinha vontade de conhecer, mas de qualquer maneira quem é daquela terra nunca esquece, mais estou no meio dos amazonenses, dos acreanos, é tudo uma família, repara que até a fala é igual.

Pedro está numa esquina da cidade de Rio Branco cuidando sua banca de vender cigarros e bombons rodeado de amigos.

Helio Pinto Vieira:“O soldado da borracha deixou gravado de forma indelével para todo o sempre na historia pátria, capitulo dos mais belos e tristes, no qual página de raro heroísmo e magnanimidade foi escrita com seu sangue, suor e lágrimas, lances vigorosos de altruísmo e coragem pessoal do nordestino, sofrido e anônimo nas vastidões do “El Dorado” brasileiro”.

Imagens de Hélio na Biblioteca da Academia Cearense de Letras. Ele conversa com os funcionários e consulta livros.

Lupercio Freire Maia:Eu nasci em Morada Nova, mas para mi eu sou daqui do Acre, eu tenho uma lembrança de lá, mas esta é uma terra muito boa, tudo o que você planta se dá. Cassei no seringal, tive dois filhos do primeiro casamento, dezenove do segundo e seis do terceiro, comprei esta casa e estou bem, tenho meus amigos. A injustiça maior foi não pagar a gente. Hoje eu estou aposentado, mas eu sou um técnico internacional, eu fui até na Malásia para conhecer as plantações de seringa de lá, eu sei tudo da

17

Page 18: ROTEIRO INDICATIVO

borracha, eu plantei um seringal modelo aqui no Acre, todo o mundo me conhece, o Ibama... já dei muitas entrevistas.

Lupercio passeia pelo seringal modelo ensinado as crianças de um colégio

Vicência Bezerra da Costa:Não tem coisa mais linda que o Amazonas, meu Deus, os peixes, os rios que não param, eu não me arrependo de ter vindo, mas aqui não é minha terra. Um dia, se Deus permitir e me der forças, porque eu estou muito cansada, eu volto para o Ceará, eu tenho família lá, já estou faz tempo juntando um dinheiro. Eu nunca voltei, sabia? Vicência está olhando para o rio desde uma varanda do seu restaurante em Xapuri. Escutamos a música da despedida dos soldados em Fortaleza, que ela nos cantara no início. Desta vez com arranjo musical. Adeus terra da infância querida,adeus terra onde eu me criei,adeus pai, adeus mãe, adeus todo,eu não sei quando é que voltarei.Tá na hora da triste partida,vem meu anjo, vem me consolar,se me negar a Deus nessa hora,antes crava em meu peito um punhal

CARTELA Durante a Segunda Guerra Mundial foram enviados pelo governo de Getúlio Vargas para a região amazônica 53 mil nordestinos. Pelo menos 30 mil morreram em completo abandono.Os Soldados da Borracha ainda esperam o reconhecimento oficial e o lugar que merecem na História do Brasil.

Créditos finais

18