roteiro histórico da pré-história à romanidade

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1. A PRÉ-HISTÓRIA: UM REMOTO PASSADO N 1- Povoamento da praia das Maçãs 2- Estação da Pe- nhc Lonqo 3- Povoamento de s.« Eufémia 4- Dolmen da Pe- draErguida 5- Dolmen do Mon- te Abraão Escala l!l 00 000 Caminho-de-Ferro Estradas Nacionais Estradas Municipais Limites de Freguesia . Concelho de Sintra ROTEIRO PRÉ-HISTÓRICO CONCELHG) DE t.4;..FRA o <- "f VJ () o CONCE\..HIQ DE C:ASCAtS

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1. A PRÉ-HISTÓRIA: UM REMOTO PASSADO

N

1 - Povoamento dapraia das Maçãs

2 - Estação da Pe-nhc Lonqo

3 - Povoamento des.« Eufémia

4 - Dolmen da Pe-draErguida

5 - Dolmen do Mon-te Abraão

Escala l!l 00 000

Caminho-de-FerroEstradas NacionaisEstradas MunicipaisLimites de Freguesia .

Concelho de Sintra

ROTEIRO PRÉ-HISTÓRICO

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2. A PRÉ-HISTÓRIA SINTRENSE

2.1. O Monumento da Praia das Maçãs

o monumento pré-histórico da Praia das Maçãs situa-se na pequenaestância balnear do mesmo nome, na freguesia de Colares. Assim, pas-sando por Colares e pelo Banzão, entra-se na povoação da Praia dasMaçãs, encontrando-se o monumento a Leste, num outeiro de areia conhe-cido localmente pelo "Outeiro das Mós".

As primeiras notícias sobre o monumento datam da década de 20, daresponsabilidade de Luís Saavedra Machado, sendo constituídas apenaspor uma descrição e planta sumárias e - deve dizer-se - pouco correctas.O conhecimento deste monumento cingir-se-ia, contudo, a essa primeiranotícia durante 40 anos, já que só em 1961os arqueólogos Veiga Ferreira,Georges Zbyszewski e Vera Leisner começam a efectuar escavações siste-máticas, daí resultando uma série de importantes artigos ao longo dos anos60J.Pelaprimeira vez, é definida a arquitectura do monumento, que é entãodefinido como um "Tholos", composto por uma câmara principal. câmarasintermédias e um corredor. Durante algum tempo pensou-se que essa seriaa configuração definitiva, mas na década de 70 concluiu-se, devido a estu-dos levados a cabo por Cardim Ribeiro, que o corredor do "Tholos" tal comoentão surgia, estava ainda incompleto. Esta constatação teve como conse-quências novas campanhas arqueológicas, efectuadas no final da décadade 70,e que puseram a descoberto a totalidade do monumento.

O conjunto sepulcral - que é uma necrópole característica doNeolítico e da Idade do Cobre nacional- compõe-se de:

- Uma primeira câmara ocidental com cerca de dois metros de diâ-metro. Seria escavada na rocha e teria sido revestida por esteios de pedra.

- Um pequeno corredor anexo de pouco mais de metro e meio decomprimento e que dá acesso - num nível de pavimento ligeiramentemais elevado - a um espaço intermédio entre a câmara ocidental - deque já falámos - e o "tholos". Este pequeno corredor conserva ainda, nolado sul. um muro de pedra.

- O referido espaço intermédio, tranversal em relação à orientaçãodominante, composto de um sector central e dois laterais.

- O "tholos", a área mais importante do monumento, composta poruma câmara tendencialmente circular, oscilando entre cinco metros a cincometros e meio de diâmetro. A câmara está construída dentro da argila epossui muros de pedra -lajes de calcário horizontalmente dispostos - atoda a volta. Estes muros formam a parede da construção e assentam sobreum solo de argila aplainada. No centro da câmara uma pequena cavidadesugere a anterior existência de um pilar de madeira que suportaria o pesodo tecto. O revestimento desta câmara é passível de algumas especulaçõ-es. Assim, crêem os arqueólogos que o tecto seria de madeira, possuindouma cobertura de falsa cúpula, como o sugere a inclinação das paredespara o interior à medida que sobem em altura. Tal sistema - comum,aliás, em construções deste tipo - permitiria então supor que só a laje defecho da cúpula seria suportada pelo pilar de madeira que atrás referimos.

- O corredor do lado oriental. que possui cerca de três metros e meiode comprimento. Apesar de não apresentar nenhuns muros laterais, osarqueólogos que têm estudado o monumento estão convictos que elesexistiriam originalmente, tanto mais que alguns vestígios desses murossão ainda visíveis. Sugerem os especialistas que a cobertura deste corre-dor seria feita com lajes de pedra. .

- O átrio: foi o último espaço a ser descoberto e estudado. E umazona ampla que encurva para norte, aí desembocando naquilo que seriaa entrada. O átrio é uma zona que tem - na sua largura máxima - cercade dois metros, sendo mais larga que o corredor que acabámos de anali-sar. Contudo, na união com esse corredor, e também junto à entrada, oátrio estreita. O átrio apresenta muros laterais de pedra, muros que dimi-nuem de altura progressivamente, desde o corredor até à entrada, naqual se supõe que uma laje de pedra colocada na vertical - hoje partida

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Planta e topografia da área circundante do monumento (Tholos da Praia das Maçãs)

e tombada - faria o seu fecho. Os arqueólogos avançam com a hipótesede que esse átrio estivesse coberto por materiais vários, facilmentedegradáveis pelo tempo, ou que até não tivesse cobertura de todo. .

- Exterior a toda esta construção temos uma área a que os estudio-sos denominam de "tumulus". Situa-se próximo do átrio e está encostadaao muro norte, sendo constituída por uma camada de pedras de calcáriode pequenas dimensões na maioria dos casos. A sua função seria a deconsolidar exteriormente a construção do monumento, dos muros e dasterras envolventes. Na parte sul do muro supõem os arqueólogos queexista uma área semelhante, contudo, a falta de trabalhos nesse localnão permitem que se avance com conclusões mais concretas.

Dum ponto de vista arquitectónico, o monumento da Praia das Maçãspode-se dividir em duas contruções:

- A primeira corresponde à câmara ocidental e às câmaras intermédias.- A segunda compreende a câmara do tholos, o corredor, o átrio e o

tumulus.Ora, tal como se apresenta na actualidade (e refira-se que não se nos

afigura muito provável que escavações futuras possam revelar muitomais), é consensual entre os diversos investigadores que todo este con-junto sepulcral apresenta diversos horizontes culturais. Assim, à primeiraconstrução corresponde o primeiro horizonte cultural, pertencente à cultu-ra megalítica característica do Neolítico Médio/Final. No nosso país, sãoainda exemplos deste horizonte cultural os hipogeus de Cabeço deArruda e Alapraia ou os dólmens de Monte Abraão (que adiante observa-remos), para só citar exemplos existentes na Estremadura lusa. Cronolo-gicamente, tal corresponde a 3800/3500a.C.

O segundo horizonte cultural abrange todo o conjunto da tholos. ecrê-se que terá sido edificado no Neolítico Final ou de transição para oCalcolítico inicial, o que corresponde, cronologicamente, a 3500/3000a.C.

Um terceiro horizonte cultural caracteriza-se por uma reocupação dotholos (excluindo o tumulus), sendo já característico do Calcolítico inicial.Os especialistas denominam tal horizonte por "horizonte calcário" ou por"horizonte da cerâmica importada". Em termos de cronologia tal corres-ponde, sensivelmente, a 3000/2700a.C.

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Podemos ainda considerar um quarto horizonte cultural. correspon-dendo já ao final do Calcolítico, visível através de alguns vestígios avul-sos encontrados, e que os técnicos afirmam oriundos de uma intrusivareocupação do monumento.

A todas estas considerações está estreitamente associado o espólioencontrado, já que foi através dele que se puderam definir os próprioshorizontes culturais atrás discriminados.

Do primeiro horizonte cultural temos vários elementos característicosda cultura megalítica, tais como pontas de setas de base triangular--pedunculada, placas de xisto, taças carenadas, vasos hemisféricos e alfi-netes de osso de cabeça canelada.

Do segundo horizonte cultural (que contudo talvez possa ser conside-rado como uma segunda fase do anterior) temos ainda algumas placas dexisto, vasos elípticos e globulares, vasos com bordo denteado, taças care-nadas, pontas de seta de base triangular-pedunculada e algumas já debase côncava.

Do terceiro horizonte cultural faz parte um espólio composto por algu-mas cerâmicas caneladas (que contudo não surgem no tumulus) uma quan-tidade já apreciável de vasos de bordo extrovertido, potes, vasos em osso eem calcá rio, ídolos cilíndricos e diversos objectos votivos em calcário.

Finalmente, do quarto horizonte cultural. temos um punhal e pontasde seta em cobre e cerâmica campaniforme.

Infelizmente, nada há actualmente para ser visto no que toca a estemonumento. Se até há alguns anos era ele vísivel e o terreno estavainclusivamente protegido por uma cerca, na actualidade está todo omonumento soterrado. Esperemos que no futuro possa ser restaurado, quemenos não merece o concelho. Entretanto, é de referir que abundanteespólio do monumento retirado, bem como plantas e esboços, se encon-tram visíveis no Museu Regional de Sintra, consolação - espera-se queprovisória - para o facto de o próprio monumento não estar visível.

2.2. O Monumento Chamado do Monge

o monumento pré-histórico denominado do "monge" situa-se nas proxi-midades do convento de S.la Cruz da Serra, vulgarmente conhecido porConvento dos Capuchos, mais exactamente, numa pequena estrada das cer-canias deste convento, num local denominado de "Altodo Monge" (cota de 491m), que de resto dá o nome ao monumento. A poucos metros encontra-se ummarco geodésico. Situa-se a uma altitude de 448m, na vertente sul da serra,junto à faixa costeira. Segundo alguns especialistas - como Isabel RamosPereira -, será um dos mais interessantes de toda a península de Lisboa

O monumento foi inicialmente investigado pelo geólogo CarlosRibeiro por volta de 1880,que dele deu sumária nota no 2.° volume dosEstudos Pré-Históricos em Portugal. A partir daí, as referências ao monu-mento são pouco frequentes, merecendo este, porém, alguma atenção jáno início da década de 30 do presente século, quando Félix Alves Pereiralhe dedica algumas linhas no "Diário de Notícias" (5-6-1932e 3-7-1932),mais tarde recolhidas em volume de estudos seus (ver Bibliografia).

Este desinteresse, apenas pontualmente interrompido, tem tido refle-xos na própria conservação do monumento, que actualmente se encontraem adiantado estado de degradação. Note-se que, já em 1932,Félix AlvesPereira chamava a atenção para tal problema.

Estamos perante um túmulo de falsa cúpula - vulgarmente conheci-do por "tholos" - cujo recinto, de forma aproximadamente regular, seriamais baixo em relação ao pavimento circundante. O diâmetro desserecinto é de sensivelmente 4,5 m. As paredes do monumento são formadaspor pedras desiguais assentes na horizontal. servindo a própria rocha dosolo de alicerce à construção. A altura das paredes é de cerca de 1,90m, eas fiadas superiores das pedras indiciam um gradual avançamento parao centro da construção, o que parece pressupor o fechamento em cúpula.

A entrada deste monumento fazia-se por uma porta de que restamactualmente duas pedras, também horizontalmente dispostas, no fundoda primitiva parede. Essas duas pedras estavam separadas uma da outracerca de 70 em em esquadria da face interna, permitindo que se determi-ne a espessura da parede em cerca de 1,10m. E de considerar a forte hipó-tese de este monumento assim descrito ser coberto com terra, o que otransformaria então numa mamoa.

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o geólogo Carlos Ribeiro, que, como vimos, o explorou em finais dadécada de 1880,avança, no seu citado estudo, com uma planta que aquidescrevemos, e que foi também divulgada por Alves Pereira: o monumen-to teria um recinto circular (hoje o único ainda visível), teria um vestíbulodescoberto de forma irregular ladeado de paredes de pedra e, finalmente,um pequeno corredor de ligação.

Pelo espólio encontrado no local. asseveram os investigadores que omonumento seria do Eneolítico ou Bronze I (o que corresponde, na EuropaOcidental. a cerca de 2500a 1700a.C.).

O espólio, não sendo muito abundante, tem todavia algum interesse eé constituído por alguns pedaços de cerâmica grosseira feita sem roda deoleiro, de que se destacam um prato de barro cozido, pequeno e grosso,com periferia de aresta e com uma escavação funda no centro, ou aindavasos com 0,50 m de diâmetro na boca. Também um pequeno cone de oli-gisto terroso que teria sido raspado para a extracção do pó vermelho comque a banha de decoração era tingida, merece aqui destaque. Outrosobjectos encontrados resumem-se a vários silexes que pressupõem o usode pedra polida, calhaus supostamente usados como percutores, e poucomais, já que a profanação que o monumento parece ter sofrido, antes das- débeis - investigações que teve em muito o terá empobrecido.

Infelizmente, o estado de degradação do monumento não permiteuma análise muito mais aprofundada. Qualquer visita ao local deverá terem conta tal realidade, sobretudo se for em visita de estudo escolar.Ainda assim, é possível o acesso ao local e a observação do monumento,o que é mais do que podemos dizer para (a maior) parte dos vestígios pré--históricos do município. Espólio está recolhido e disponível no MuseuRegional de Sintra e no Museu dos Serviços Geológicos de Portugal.

2.3. O Monumento da Bela-Vista (Colares)

O monumento pré-histórico da Bela-Vista situa-se em plena estradaColares-Sintra (também conhecida por Estrada Nova da Rainha), em plenaQuinta do Duque, hoje pertencente à Casa do Cadaval. não longe deMonserrate. O facto de se situar em terreno privado não facilita a sua visita.

As primeiras notícias deste monumento começaram a circular nadécada de 50, quando vários investigadores se começaram a interessarpor ele, de entre os quais se destaca o arqueólogo Veiga Ferreira. O inte-resse que este monumento desperta hoje em dia não parece ser muito, jáque só pontualmente tem sido alvo de atenção pelos media e pelos estu-diosos, sendo reflexo disso o estado de degradação que atingiu.

Estamos perante um monumento funerário construído (ou, pelo menos,utilizado) pelo chamado "homem da cultura campaniforme" (fins do tercei-ro milénio, início do segundo milénio a.C.). Basicamente, caracteriza-se porser constituído por uma cripta circular coberta e por um corredor que lhe dáacesso, no que se assemelha a outros monumentos existentes no concelhoe que já vimos. Este monumento é construí do em granito mediante o apro-veitamento de vários blocos, de molde a edificar-se uma "estrutura" arre-dondada que servisse para a cripta principal. O mesmo tipo de técnica e deaproveitamento foi usado para a edificação do corredor. Estes dois espaços- cripta e corredor - formam, como já vimos, o essencial do corredor. Todaa parede de grossos blocos, quer da cripta quer do corredor, foi revestida alaje. De notar ainda que, de acordo com a opinião dos estudiosos, a pedracimeira do monumento resulta de uma das duas hipótese seguintes:

1 Um aproveitamento posterior de uma pedra já tombada;2 - O transporte braçal ou por animais - presumivelmente bois -,

sendo depois feita deslizar sobre toros de madeira devidamenteunidos.

Seja como for, pode hoje asseverar-se, portanto, que o monumento nãoé de falsa cúpula, antes se encontra coberto por um bloco de pedra.

Em redor do monumento há vestígios de um grande muro formandoblocos de vários tamanhos, sugerindo que uma muralha rodearia o recinto.

No tocante aos vestígios encontrados no local. há a registar que sãode vários tipos. Em sílex encontraram-se lamelas, raspadeiras, lascasresiduais e lâminas; de quartzo encontraram-se lamelas, lascas residuaise cristais; um machado de anfibolito; uma esfera de arremesso em basal-to; um punhal em osso; um botão de marfim; uma ponta de lança e um

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fragmento de punhal em cobre; fitas laminadas em ouro; bocados devasos em cerâmica; vestígios humanos (dentes, vértebras e ossos); paraalém de alguns achados avulsos, como contas (de calaíde, âmbar e cerâ-mica) ou seixos (de quartzito ou quartzo).

2.4. A Estação da Penha Verde

As primeiras notícias sobre a estação da Penha Verde remontam a1949,quando Veiga Ferreira e Georges Zbyszewski encontraram no local,à superfície, numerosos fragmentos de cerâmica e pequenas lajes calcá-rias. Após várias campanhas e investigações, os primeiros relatóriossobre o achado e espólio foram divulgados já em 1957.A estação situa-seentre Seteais e Monserrate, fronteira à chamada Quinta do Vale do Anjo,num cabeço rochoso isolado com cota de 360m.

As escavações até agora efectuadas revelaram a existência de dois"edifícios" e um silo. O primeiro edifício é constituído por uma construçãosemelhante a um "tholos". Circular, tem um diâmetro interno de 2,5 m euma espessura de paredes de 0,6m. As paredes são compostas por fiadassucessivas de delgadas lajes de calcário, enquanto o chão foi aplanado etodas as cavidades das paredes preenchidas por saibro. O facto de não seter encontrado no tholos quer restos de inumação quer quaisquer vestí-gios humanos, e o facto de o solo não apresentar marcas de revolvimentoque permitissem supor enterramentos, indiciam estar-se em presença,não de um monumento de teor funerário, mas de um local de habitação.

O segundo edifício a ser descoberto possui igualmente uma plantaredonda e está também coberto de pedras. Seria um silo utilizado paraarmazenamento de comida. O fundo desse silo está escavado no granito,e na parte superior situa-se um muro formado por fiadas de lajes calcá-rias destinadas - crê-se - a suportar uma falsa cúpula. No exterior dosilo, e segundo os investigadores, os seus utilizadores matariam e assa-riam bois, carneiros e cabras, cuja carne seria depois conservada envoltaem cinzas dentro do silo.

O terceiro edifício assemelha-se ao primeiro, sendo constituído porfiadas de pequenas lajes calcárias sobrepostas. O seu diâmetro interior éde 2,50m e o muro tem uma largura de 0,60m. Possui ainda um corredorde entrada com um comprimento de 1,80m e 0,50m de largura.

O espólio é variado e inclui:- Indústria do osso - fragmentos de cabo de instrumentos e de

espátulas, furadores, fragmentos de alfinetes, uma falange de boi usadacomo ídolo e fragmentos de javali com igual fim.

- Indústria lítica - vários vestígios de sílex (pontas de seta, frag-mentos de punhal, raspadeiras, lascas, lâminas e pedaços de foice).

- Indústria do cobre - duas lâminas de punhal.- Cerâmica - centenas de fragmentos de cerâmica lisa e vestígios

variados de cerâmica ornamentada incisa e de tipo campaniforme.- Outros - machados de anfibolito, enxó, calhaus percutores, mó de

granito, pilões de mós, fragmentos de rocha corante, contas, alfinete emouro, fragmentos de grês e ocres vários para pintura.

As conclusões permitem asseverar que se está perante uma estaçãoonde a chamada "cultura do vaso campaniforme" se associou com umacultura caracterizada pela chamada "cerâmica incisn". O ponto, todavia,mais curioso para o observador comum reside no facto de se estar peran-te edifícios para habitação e não de monumentos tumulares.

2.5. O Povoado Neolítico de s.ta Eufémia

O povoado neolítico de S.ta Eufémia (vulgarmente conhecido porCastro de S.ta Eufémia) situa-se no monte do mesmo nome em plena fre-guesia de S. Pedro de Sintra. As primeiras notícias deste povoado foramdivulgadas por Félix Alves Pereira no "Diário de Notícias", no início dadécada de trinta. Campanhas arqueológicas mais sistemáticas, levadasa cabo a partir de 1973,permitiram um conhecimento mais pormenorizadodo local.

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I - Estação Arqueológica: Z - Terraplanagem: 3 - Sondagem: 4 - Ermida de s.la Eufémia: 5 - Instalações dos ServiçosFlorestais: 6 - Banhos Santos.

Na realidade, estamos perante um castro utilizado no Neolí-tico/Calcolítico (Idade do Cobre - 4000 a.C.) e com posterior utilizaçãopor povos celtas da denominada "Cultura de Alpiarça". Esta denomina-ção é devida a um tipo específico e característico de cerâmica, a chama-da "cerâmica de Alpiarça". No local. foram ainda encontrados variadosvestígios romanos o que sugere claramente a possibilidade de uma utili-zação posterior. Tais vestígios datam da época republicana (século II a.C.).Ainda perto do local de S.ta Eufémia, num sítio denominado por MonteSeguro, foi descoberto um prolongamento desta estação arqueológica,com alguma ocupação do solo e alguns vestígios.

A estação arqueológica de S.ta Eufémia ocupa uma área em declivede aproximadamente 25 000 mZ, situando-se numa zona de disjunção dobatolito granítico de Sintra com os calcários metamórficos de S. Pedra.Notam-se, na encosta, alguns muros de suporte escalonados e sensivel-mente paralelos, constituindo-se assim plataformas que serviriam para aconstrução de habitações. Não existem, porém, vestígios monumentais dequalquer espécie, seja casas, muros ou caminhos, se exceptuarmos umcaminho lajeado, possivelmente romano, e, entretanto, destruído e alca-troado.

A situação geográfica deste povoado oferecia boas possibilidadesestratégicas para os seus habitantes. Os grandes grupos de penedos gra-níticos favoreciam a defesa, enquanto a aptidão agrícola dos terrenos asul e a fartura de águas da serra permitia boas condições de vida e condi-ções logísticas de apreciável qualidade.

Não obstante a inexistência de vestígios monumentais, como se viu,verifica-se ainda assim uma apreciável quantidade de vestígios de índo-le diversa, de que são exemplo lascas de quartzo, fragmentos de mó e desílex, contas de vidro e restos de cerâmica (bordos de vasos e de taças,bocais de ânfora romanos).

Se para alguns monumentos anteriores tivemos a oportunidade dereferir que o seu estado de conservação seria pouco motivador para osdiscentes, é de referir que tal problema atinge aqui o paroxismo. Na ver-dade, para um leigo ou mesmo para um estudioso menos especializadoem temática pré-histórica, nada haverá aqui para "ser visto". O local.que, segundo alguns mais entusiastas, seria "o primeiro esboço de assen-tamento humano em Sintrc". é actualmente uma área que poderá revelarvestígios avulsos em futuras campanhas e talvez apenas isso, já que emtermos de monumentalidade nada haverá a ser registado. Esses vestígiosestão entretanto depositados e referenciados no Museu Regional deSintra, quer para o Neolítico, quer para a romanidade.

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2.6. A Necrópole Neolítica do Vale de S. Martinho

A necrópole neolítica chamada do Vale de S. Martinho situa-se nascercanias da vila de Sintra, no bairro comummente conhecido porEstefânia, mais precisamente no seguimento da Rua José Antunes dosSantos, entre as estradas que seguem para Colares e para Mafra (viaLaurel).

Se bem que as primeiras notícias datem de 1880,só em 1896é que secomeça a efectuar um trabalho de investigação minimanente aceitávellevado a cabo pelo engenheiro Maximiano Apolinário, ao serviço doMuseu Etnográfico Português, e sob a supervisão de Leite de Vasconcelos.Já neste século, na década de trinta, o estudioso Félix Alves Pereira dedi-cou alguma atenção ao monumento, reflectindo-se tal interesse em váriosartigos citados na bibliografia que apresentamos.

Estes trabalhos e estudos permitiram uma análise do monumento,que pode ser descrito como um conjunto de duas sepulturas cupuliformes(hipogeus) datados do Neolítico Final coincidindo com a Idade do Cobre(cerca de 4000a.C.). De acordo com aquilo que actualmente pode ser visto(e que infelizmente não é muito), a estrutura destes dois hipogeus asse-melha-se ao monumento da Bela-Vista (Colares) que atrás abordámos.Ambos os hipogeus foram feitos com pedra da região. Registe-se, porcuriosidade, que numa das construções o tecto abateu, permitindo entãoobservar os vestígios humanos inumados em posição fetal.

O vestígio mais importante aqui encontrado foi uma enxó (machado)votiva, que actualmente se encontra depositada no Museu de Arqueo-logia em Belém.

Infelizmente, e mais uma vez, o estado de degradação do monumentonão permite que o observemos com total fidelidade.

2.7. O Povoado Neolítico da Catrivana

O povoado neolítico daCatrivana situa-se na freguesia de S. João dasLampas, mais exactamente nas proximidades da vila da Assafora, namargem esquerda da ribeira da Samarra.

O início da exploração data de 1950, sob a responsabilidade dePrescott Vicente e Cunha Serrão, já que a toponímia do local (Catrivana)sugeriria aos investigadores etimologias célticas. Oito anos mais tarde,começariam campanhas arqueológicas sistemáticas que de algum modoconfirmariam as suspeitas dos arqueólogos. Na verdade, encontraram aíuma estação situada num ponto elevado, cujas encostas muito pedrego-sas caem sobre a margem de um curso de água (ribeira de Samarra), ecujas características e espólio encontrado sugerem um povoado neolíticode meados ou finais do 4.0 milénio a.C.

Contudo, não se descobriu qualquer vestígio humano ao nível demonumentos (casas, muros, acessos, etc.). Em contrapartida, descobriram--se vestígios significativos de cerâmica (inúmeros fragmentos sem deco-ração), pequenos machados de diorito e anfibolito, um furador de osso epeças avulsas (lâminas de sílex e lascas de qucntzito), vestígios que estãotambém depositados no Museu Regional de Sintra. Perto deste povoado,na margem esquerda da elevação, descobriu-se uma estação luso-roma-na, provavelmente uma necrópole.

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Catrivana: exemplo de espólio (ma-chados líticos)

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2.8. As Pinturas Rupestres do Magoito

As pinturas rupestres, pelo pitoresco que representam mas sobretudopelo significado e mistérios de que estão imbuídas, são particularmenteatractivas para o público em geral e para o público juvenil em particular.Por isso, seria interessante a análise das pinturas rupestres que há pou-cos anos têm vindo a ser estudadas no lugar de Pedras Negras, 11 km aNNE do cabo da Roca e junto ao Magoito. Esta localização não surpreendequem a região conheça em termos arqueológicos, já que perto se situam,por exemplo, as estações de Casal dos Pianos - ricas em vestígios roma-nos e posteriores - ou os concheiros do Magoito - datados do PaleolíticoSuperior ou do Mesolítico -, entre outras de que daremos atempadamen-te notícia. Toda a região circundante das grutas é assim um pólo de umamuito antiga ocupação humana e pródiga em património.

As pinturas rituais e prato-históricas de que agora daremos umabreve resenha foram descobertos em Maio de 1985,e investigadas peloarqueólogo sintrense Elvio Melim de Sousa e pelo arquitecto e especialis-ta Mário Varela Gomes. As pinturas estão representadas em dois blocoslíticos de natureza arenosa que durante largo tempo estiveram soterra-das, o que muito contribuiu para a sua razoável conservação. No primeirobloco temos representados:

- Uma figura antropomórfica masculina de braços erguidos e com osgenitais bem representados. Tem uma altura de 41 em e uma larguramáxima de 31em.

Um sulco curvilíneo.Dois círculos radiados de 26 em de diâmetro e oito raios cada.Uma cruz latina rodeada de oito pontos, medindo 22em por 18cm.Várias linhas e traços, ora paralelos, ora isolados.

Por seu turno, no segundo bloco podem ser observados vários sulcosverticais rematados por depressões circulares.

A interpretação destes dois blocos sugere o seguinte: a figura antro-pomórfica do primeiro bloco representaria um orante, enquanto os círcu-los simbolizariam o sol em diversas posições; por seu turno, as linhasparalelas representariam as ondas do mar, a cruz seria uma estrela, osulco seria a linha da costa, enquanto que as linhas avulsas simboliza-riam o horizonte. O segundo bloco apresentaria o círculo astral relaciona-do com o anterior bloco, podendo ser até - muito provavelmente - umfragmento desse mesmo bloco.

Segundo os especialistas, as gravuras enquadrar-se-iam numa tradi-ção cultural regionaL que remontaria a épocas claramente pré-históricas,e que se situariam na Idade do Bronze e do Ferro - 3000a 2500anos -,prolongando-se até épocas tardias da ocupação romana, passando entãoa assumir características oficiais.

Infelizmente, o desfecho deste espólio é desanimador. Há algunsmeses, alguém, munido de picareta e pela calada da noite, destruiu com-pletamente as pedras e as respectivas gravuras. Um misto de ignorânciade interesses insuspeitos estarão na origem de mais um crime de lesa--património, entretanto sob investigação policial. A reconstituição daspedras e desenhos não se afigura íácil. já que a natureza arenosa daspedras o dificulta. Contudo, ressalve-se que se podem observar registosfotográficos importantes destas pinturas rupestres no Museu Regional deSintra.

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2.9. Dólmen da «Pedra Erguida»

Perto da localidade da Terrugem. a sudoeste. num local denominadopor Meirames. descobriu o arqueólogo Prescott Vicente. em 1950.os pri-meiros sinais de um monumento pré-histórico. As investigações. que em1973prosseguiriam. trouxeram à luz um dólmen a que desde logo se cha-mou «da Pedra Erguida» ou também «das Pedras Altas». «Pedras daGranja» e «Meirumes».

No essencial. este monumento é composto por dois esteios - e pelosrestos de outros -. e por alguns aglomerados de pedras dispostos por"forma a evocar o contorno da mamoa. Os esteios mediam - do solo aotopo - uma altura de 2.07 m e 2.70 m. possuindo a mamoa um diâmetrode 50 m.

Foram no local encontrados alguns vestígios humanos - sobretudoossos - e alguma cerâmica campaniforme. depositados. entretanto. noMuseu Regional de Sintra. O adiantado estado de degradação do monu-mento não permite infelizmente uma análise mais detalhada destedólmen.

«Pedra Erquido»: a) Planta sumária e esquema da projectada escavação: b) Apontamentosobre a forma e dimensões dos esteios (reprodução de apontamentos registados no cader-no de campo do autor).

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2.10. A Estação Eneolítica de Negrais

Um pouco mais a norte, nas cercanias da povoação de Negrais (extre-mo norte do concelho), situa-se um outro povoado que foi explorado a par-tir de 1950pelos arqueólogos Prescott Vicente e Cunha Serrão.

Este povoado, cuja ocupação humana parece datar de cerca de 4000a.C.,caracteriza-se por um conjunto de dois recintos principais distando setecen-tos metros um do outro. Escavando a cerca de 40/60em de profundidade des-cobriram os investigadores alguns materiais, de que se destacam fragmen-tos de cerâmica, lâminas de sílex e material lítico disperso, visíveis noMuseu Regional de Sintra. Crê-se que a estação poderá ainda fornecer maisalguns dados se houver entretanto futuras explorações. Contudo, a ausên-cia, mais uma vez, de vestígios monumentais, confere ao local um aspectonão muito atraente para visitas de estudo integradas em âmbito escolar.

2.11. O Castro Eneolítico de 01elas

As primeiras informações sobre o castro remontam a 1878,produzidaspor Carlos Ribeiro. Entre 1952 e 1957, Cunha Serrão e Prescott Vicentelevaram entretanto a cabo as primeiras investigações. O castro situa-sena actual freguesia de Almargem do Bispo, no cume do monte de Olelas.

Trata-se de uma estação complexa, sobretudo pela variedade delocais arqueológicos, que inclui três grutas necrópoles, seis jazidas desuperfície, muralhas defensivas e monumentos de carácter funerário.Contudo, deste largo espólio, somente dois edifícios foram postos a des-coberto, sendo esses que iremos abordar.

O primeiro edifício é composto por uma câmara funerária circular e porum corredor diferenciado. A câmara tem um diâmetro interno de 3,90m. Ocorredor mede cerca de 2,30 m de comprimento sendo a largura média de0,80m. Quer o corredor quer a câmara são formados por grandes blocos decalcário, enquanto os interstícios e os buracos da construção são tapadospor pequenas pedras e terra. Note-se que a espessura das paredes é decerca de 80em, Existe a possibilidade de o edifício ter possuído cúpula.

O segundo edifício não é substancialmente diverso, mas possui umaparticularidade interessante: a sua planta não é arredondada mas elípti-ca, sendo o eixo maior de 4,10 m e o eixo menor de 2,40m; as paredes têmuma espessura de 1,40m.

O espólio do local, até agora conhecido, é variado. Inclui:- Material lítico - armas e utensílios de sílex, dez pontas de seta,

lâminas delgadas, raspaà.ores, furadores, lamelas, instrumentos de pedrapolida, botões.

Osso - furador.- Metal - furado r.- Objectos de culto ou magia - descobriu-se no local um pequeno

vaso de calcário, representando um suíno. Possuí 13em de comprimento etem uma concavidade oval no topo. Encontraram-se ainda dentes de javalie de porco, para além de caninos e presas de felinos. Aconselhamos maisuma vez o visionamento do espólio no Museu Regional de Sintra, ondeestá depositado e - como é timbre deste museu - bem referenciado.

2.12. O Dólmen do Monte Abraão

Situado na freguesia de Queluz-Belas, o dólmen do Monte Abraão fazparte de um conjunto megalítico bastante conhecido no concelho - e atéfora dele - e de que fazem também parte, para além deste monumento, oconjunto de antas de Belas, os dólmens de Pedra dos Mouros e da Estria.As primeiras notícias sobre este dólmen e sobre os monumentos circun-dantes datam de finais do século XIX, sendo da responsabilidade doarqueólogo Carlos Ribeiro (in «Notícia de algumas estações e monumen-tos pré-históricos». Lisboa, 1880).Então, e pela primeira vez, chegou esteconjunto monumental ao conhecimento público, sendo logo em 1910consi-derado «Monumento Nacional». Isto, apesar de o vasto conjunto estar jáentão danificado por depradações anteriores, segundo Carlos Ribeiro.

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Nada foi saqueado - que nada havia de "valor" para os saqueadores -mas muito foi destruído.

Do conjunto megalítico destaca-se o dólmen chamado do MonteAbraão, por ser o maior das Antas de Belas. É composto por uma câmarapoligonal a poente, com galeria anexa que se estende a nascente. Acâmara tem cerca de 3,5 m de diâmetro sendo formada por oito lajes,enquanto que o corredor possui oito metros de comprimento por dois delargura, o que dá um total de quase 12metros de comprimento global.

As lajes, por seu turno, podem ir até aos cinco metros de altura (qua-tro a descoberto e um enterrado no solo), não tendo curiosamente sidoedificadas de molde a permitir o assentamento de uma laje transversalsuperior. Na verdade, uma dessas lajes foi inclinada de modo a formaruma espécie de toldo de cobertura, o que confere ao conjunto uma certaoriginalidade. Ainda sobre as lajes, há a registar - de acordo com o estu-do da sua constituição - que foram trazidas de várias centenas demetros a norte.

Todo o conjunto apresenta uma característica interessante: nada dolocal - nem características do solo ou pedras - foi aproveitado para aedificação deste dólmen, ao contrário do verificado noutros sítios - comoColares. As lajes foram trazidas das cercanias, e o solo foi aplanado epreparado para a edificação do dólmen através do alisamento do solo edo nivelamento de saliências.

Do vasto conjunto de vestígios descobertos salientam-se facas, pontasde flecha e de lança (tudo em sílex), facas de quartzo, machados e raspa-dores de pedra, amuletos em ardósia, objectos fragmentados (vasos e pra-tos em cerâmica) e inúmeros restos humanos (ossos e 1340dentes).

Pela sua relativa monumentalidade, pelo sofrível estado de conserva-ção, por se tratar do maior dólmen do conjunto das antas de Belas, estemonumento merece uma visita sobretudo de cariz didáctico, eventual-mente (se faltar tempo para mais trajectos) em detrimento de outrosmonumentos aqui antes apresentados e cujo interesse para os alunosparece escasso.

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3. A OCUPAÇÃO ROMANA: O MONTE SAGRADO

A presença romana na região sintrense teve alguma importância,como de resto tivemos oportunidade de verificar quando abordámosalguns povoados neolíticos de posterior reocupação pelos romanos. Porse situar dentro dos chamados "Campos Olisíponensis". a região sintren-se gozava do direito de município romano. Esta região, que os historiado-res denominam de "Zona W" do Município Olisiponense, estendia-se docabo da Roca (Promontório Sacro), ao lugar de Paço das Ilhas, quatro qui-lómefros a norte da Ericeira, onde a população se dispersava em inúme-ras villae de cariz latifundiário (ver, mais adiante, o exemplo deAlmoçageme), usufruindo de uma economia rural e de exploração do sub-solo.

A relativamente larga cópia de vestígios encontrados nesta regiãoacompanham - fácil é supô-lo - as tendências gerais da ocupação. Na"Zona W" do Município Olisiponense, a grande maioria dos achadossitua-se numa área em torno da povoação de S. Miguel de Odrinhas, nãoobstante terem sido encontrados vestígios em mais de quarenta pontosdiferentes do concelho. ,

Quanto à área da serra propriamente dita, onde mais tarde se fixariaa vila de Sintra, essa era tida como "Mons Sacer" (Monte Sagrado), e con-tituiria uma reminiscência de velhos cultos célticos e turdetanos. Os vá-rios escritores latinos que escreveram sobre a região sintrense dão contadesse fascínio pela Serra, tida como santuário de cultos lunares. Plínio,Varrão, Ptolomeu, Estrabão, Marciano de Heracleia e Sílvio Itálico dão detal culto o seu, testemunho, narrando o último - nas "Púniccs" - a lendade que o vento da serra de Sintra seria tão fértil que emprenhava aséguas, que assim geravam cavalos pequenos e velozes. Registe-se contu-do que a lenda não era original, pois para vários lugares fertéis se encon-tram variações deste tema.

A atestar porém de forma mais exemplar a sacralização da zona deSintra aquando da ocupação romana - reminiscência provável de anti-gos cultos célticos - temos as notícias que nos últimos anos têm vindo alume relacionadas com um templo de cultos lunares e solares. De facto, oarqueólogo e historiador Cardim Ribeiro dá como provável a prática anti-ga de cultos astrais - que poderiam prolongar-se até ao século XVI -realizados na foz do rio de Colares. Aí existiria um templo dedicado ao sole à lua, cujas inscrições foram descritas por Valentim de Fernandes (tipó-grafo alemão da corte de D. João II e de D. Manuel), por André de Resende(na sua obra «Antiquitatibus Lusitcmiue»), por frei Bernardo de Brito (na«Monarchia Lusitcmo») e por Francisco de Holanda (em «Na fábrica quefalece às portas de Lisboo»). Segundo estes autores, o monumento seriacomposto por várias colunas em círculo, contendo uma inscrição quedizia:

"SOU. AETERNO/CHRISTO. IESV./ET./GLORIOSAE. VIR/GINI.MARIAE.NUSIPPO ./DEDICAVIT."

Estas descrições do monumento e da sua epigrafia, se bem que algu-mas de carácter duvidoso - sobretudo as de Holanda -, despertaram oóbvio interesse dos investigadores pela sua situação. Contudo, e paraalém da sua provável localização - junto à costa, no Alto da Vigia - e deesparsos vestígios - dois fustes de mármore fragmentados com 42 em dediâmetro -, nada mais se descobriu de tal monumento. Campanhasarqueológicas entretanto sugeridas poderão permitir novos desenvolvi-mentos, já que, actualmente, muito pouco há a mostrar a quem estiverinteressado na sua observação. Em todo o caso, é de esperar por futurosdesenvolvimentos deste possível monumento.

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4. OCUPAÇÃO ROMANA SINTRENSE

4.1. A Barragem Romana de Belas

«Ora se Lisboa tem a presunção de ser a maior e mais nobre cidadedo mundo (...). como não tem água para beber a gente (da cidade)?Também Vossa Alteza deve de trazer a Lisboa AGUA LIVRE,que de duasléguas dela trouxeram os romanos a ela por condutas debaixo da terrasubterrâneas, furando muitos montes e com muito gasto e trabalho (...).»

Assim escrevia Francisco de Rolanda a D. Sebastião em 1571(na obra«Da fábrica que falece à cidade de Lisboo»), comentcmdo os problemas deabastecimento de água à capital. A referência à Agua Livre trazida pelosantigos romanos alerta-nos para o facto de ter existido uma conduta quetraria a água dos arrabaldes. Ora, de acordo com aquilo que actualmentesabemos dos dados quer da arqueologia quer da documentação, a barra-gem romana inicial formar-se-ia na zona de Belas, carreando a água atéà porta de S.loAndré, na Costa do Castelo. Desconhece-se o destino dessabarragem romana que abastecia Olissipo. Sabe-se apenas que no sé-culo XVI (como se vê em Hokmdc), mais não era que uma longínqua recor-dação, nada mais restando dela que escassos troços - quer da albufeirainicial quer do aqueduto que carreava as águas.

Hoje, dos vestígios monumentais ainda visíveis, dois têm sido objectode algum estudo: a bcrrcrqern de Belas e o aqueduto que, dela saindo,passava pela Amadora. E a primeira que irá merecer a nossa atenção.

Vestígios da barragem romana de Belos são ainda localizáveis naEstrada Caneças-Belas, perto da Quinta da Agua Livre (quilómetro 16.423da E. N. n.? 250).Visível é uma arruinada muralha separada da estradapor um pequeno ribeiro, sendo tal muralha o que resta da barragem aíedificada no século III e que servia, como vimos, para a formação daalbufeira de onde um aqueduto (de que é possível observar parte do troçona Amadora, junto ao Bairro da Mina) levava a água para Lisboa. Asobrevivente muralha da albufeira em Belas, tem o comprimento máximode 15,5 m, por 8 m de altura máxima e 7 m de espessura máxima. Aspedras que a constituíam - e constituem ainda - eram irregulares e detamanho variável. ligadas por argamassa feita com cal. areia fina epedaços de cerâmica comum. Os paramentos da muralha estão revesti-dos com pedra obtida no local. A albufeira assim formada podia armaze-nar até 125000 metros cúbicos de água provenientes dos abundantes cau-dais locais, de onde se destacava uma nascente que (de acordo com cál-culos elaborados por engenheiros seiscentistas) brotava cerca de360 litros por minuto. A albufeira ficava a cerca de 10 km de Lisboa emlinha recta.

Desconhece-se quando deixou a albufeira de ter serventia. Como seobservou, no século XVI mais não era que uma referência longínqua.Intenções de D. Sebastião e de Filipe II (com a visita deste às ruínas) paraa reconstrução do aqueduto em nada resultaram, já que só em 1728se ini-ciaram as obras tendentes à erecção de um aqueduto. A barragem foientão tida por desnecessária, dada a abundância de pequenas nascentesque foi possível captar pelo caminho. Desta altura são as construções quetambém podem ser vistas actualmente na barragem de Belas, nomeada-mente os ventiladores e os «ccstellc».

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Barragem Romana-vestígios subsistentes; Barragem Romana- troços destruidos; Modernas construções

Estradas e caminhos; . Muros; ~ • Curso de ágUa"; Em . Entulhos

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4.2. A «Villae» de S.to André de Almoçageme

De entre os vestígios romanos encontrados na região sintrense - e aténa região do chamado Município Olisiponense - a «Villae »de S.IOAndréde Almoçageme destaca-se pela importância do seu espólio, pelo seu his-torial e pelas potencialidades que encerra em termos de achados futuros.

A «villae» foi descoberta em 1905,mas só a partir de 1985tem vindo a seralvo de campanhas crqueolóqiccs consequentes e acompanhadas por espe-cialistas, de que se destacam Elvio Melim de Sousa e Cardim Ribeiro. Até aomomento em que este roteiro é escrito, estão já explorados mais de 1000m2, oque mesmo assim representa cerca de metade da previsível área total da«villce», Tal estimativa permite, aos arqueólogos que têm trabalhado nascampanhas, calcular que a «villae» estará totalmente explorada num prazode cerca de cinco anos. Para salvaguarda dos trabalhos, a CâmaraMunicipal de Sintra adquiriu já os terrenos onde a «villce- está inserida.

Estamos perante uma «villue. do Baixo Império ou - numa hipótesemenos provável ainda que teoricamente possível - uma «villae» maisremota com reaproveitamento posterior. Se bem que não se saiba ao certoquando deixou de ser explorada, pode-se considerar a hipótese - se bemque muito incerta - de que tal possa ter ocorrido em meados do século V.

. A «villce», de grandes dimensões, era uma propriedade rural que incluíaterras de aptidão agrícola e um conjunto de edifícios relativamente vasto,onde se inseria a residência do proprietário, os balneários, o alojamentode trabalhadores e outras dependências avulsas, como lagares, arma-zéns, celeiros, estábulos ou olaria.

Porém, alguns factos entretanto descobertos permitem avançar ahipótese de que estamos perante uma «villae» com características suigeneris, e que não esgotaria as suas potencialidades numa «simples»propriedade de exploração agrícola. Assim, e contrariamente ao queseria de pressupor numa estrutura deste tipo, nota-se que:

1 - A «villae» foi erguida em território sagrado do «Mons Lunae», oque é um facto verdadeiramente fora do comum.

2 - A olaria situa-se no interior da própria «villae», facto muito raroem termos gerais, e único até no território português.

3 - Foram encontrados vestígios de estatuária imperial de feiçãodeificante.

4 - Bastante perto da propriedade, encontraram-se vestígios de umtemplo de cultos solares e lunares e, muito possivelmente, dedicado a cul-tos imperiais. Segundo alguns estudiosos, este templo estaria associado à«villae», num primeiro momento sob o governo do imperador SeptímioSevero (193-211),e mais tarde sob o imperador Aureliano (270-275).

Deste conjunto de factos resulta lícito que se avance com a hipótesede estarmos perante não uma «villae» comum e dentro dos habituais mol-des deste tipo de estrutura, mas mais de um entreposto destinado a aco-lher funcionários desse templo anexo, garantindo simultaneamente a suasubsistência. Tal tese surge consideravelmente reforçada se se puser emcausa a ideia do seu abandono em meados da quinta centúria - o que,como se viu, é somente uma hipótese duvidosa. De facto, crê-se que apósa queda do Império Romano do Ocidente, continuaram a chegar aS.lo André de Almoçageme ânforas provindas do Mediterrâneo Orientaltransportando vinho carismático utilizado no sacramento da Eucaristia.Ora, esta constatação permite - com cautelas, mas com alguma consis-tência - avançar a hipótese de haver uma continuidade de utilizaçãomítico-religiosa.

Entretanto, os vestígios que ao longo das campanhas têm sido des-cobertos atestam, mais uma vez, a importância desta «vilkre». De entre oespólio descoberto salienta-se:

- Sepulturas - É de realçar uma sepultura infantil de inumação,constituída por dois ímbrices sobrepostos e em posição invertida um emrelação ao outro, de molde a formar uma caixa fechada nos topos porfragmentos de tijolo, e lateralmente acunhada por outros fragmentos detijolo para que se mantivesse firme. Tem cerca de 65 em por 20 em. Estasepultura encerra um esqueleto de criança de cerca de três meses, inumc-do em posição fetal.

- Banquetas de tijolos - Três séries de tijolos sobrepostos de modo aformar uma elevação paralelepipédica de 30 em de altura por 60 em de

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comprimento. Pressupõe-se que seria a base onde assentaria uma está-tua.

- Tanques - Dois tanques. juntamente com muros de planta semi-circular. Pensa-se que seria o centro ajardinado de um peristilo. isto é.uma espécie de claustro com o qual comunicavam diversas secções.

- Cerâmica - Foram encontrados diversos exemplares anfóricos.na sua maioria de mesa e de transporte de pasta de peixe.

- Moeda - Inúmeras moedas foram encontradas no local. sendo umterço dos exemplares do século III e dois terços do século IV.

- Objectos em pedra - O exemplar mais significativo encontradofoi um almofariz em calcário.

- Objectos de adorno - De entre os vários objectos encontrados.salientam-se contas de vidro. um anel em gema. várias lucernas e alfine-tes em osso.

- Mosaicos - Foram encontrados cinco mosaicos policromados.sendo o maior conjunto de «tapetes de pedra» descobertos em toda aregião de Lisboa. Revelam nítida influência africana e são constituídospor tessatos (pequenos cubos de calcário pintado) que cobrem todo o pisode três salas. A decoração destes mosaicos é constituída principalmentepor lágrimas. tranças. flores estilizadas e motivos geométricos. Os mosai-cos são vermelhos e amarelos. tendo sido feitos. segundo crêem osarqueólogos. por artesãos locais.

Se bem que as investigações e campanhas estejam ainda longe deestar concluídas. e poderem escavações posteriores acrescentar novosdados ou traçar pistas diferentes. o que está já a descoberto é suficientepara que se considere esta «villae» como um dos mais interessantes - senão mesmo o mais interessante - vestígios da romanidade em territóriosintrense. Muito do espólio entretanto descoberto - sobretudo cerâmica-é visível no Museu Regional de Sintra.

4.3. O Fontanário de Armés

Na povoação de Armés. encontra-se um fontanário romano de interes-se. contendo uma inscrição epigráfica digna de referência. O fontanárioencontra-se actualmente três metros abaixo do nível do solo e para ele sedesce por uma escadaria. E constituído por uma caixa de planta rectan-gular formada por vários monolitos de mármore aparelhados; as paredeslaterais e posterior erguem-se marcadamente em relação à parede ante-rior. servindo esta apenas de parapeito. Tal sugere. com alguma clareza.que o monumento terá sofrido algumas modificações posteriores. Umalaje contendo a inscrição epigráfica encima o conjunto. supondo-se queterá sido recuada em relação à sua posição original para facilitar o aces-so à água do depósito. O normal afluxo de água ao fontanário era (e é)canalizado de uma nascente próxima. garantindo um abastecimentoconstante.

As dimensões deste fontanário são as seguintes:Comprimento: 213em.Altura das paredes posterior e laterais: 211em.Altura da parede anterior: 151cm.Profundidade horizontal do conjunto: 139em,Altura total do conjunto com o depósito: 231em.Laje epigrafada- Comprimento: 206.5em - Espessura: 17em,

A laje epigrafada que encima o conjunto contém a seguinte inscrição:

- L.IVLIVS.MAELO.CAVDIC.FLAM.DIVI.AVG.DSF

A esta inscrição corresponde o seguinte desenvolvimento:

- Líucíus). IVLIVS.MAELO.CAVDIC(us).FLAM(en).DIVI.AVG(usti)

E a seguinte tradução:

- Lúcio Júlio MeIo Cnudico. flâmine do Divino Auqusto. fez à suacusta. (Flâmine: sacerdote romano geralmente de [úpiter ou Marte e even-tualmente de outros deuses.)

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Da análise da inscrição epigráfica deste fontanário, concluem osarqueólogos que ele teria sido erigido pela personagem descrita (LúcioJúlio MeIo Caudico) ao imperador Augusto (27 a.C-14 a.C.), abrindo-seassim a possibilidade de o fontanário - bem como as suas águas - tercarácter sacralizado. Ora, esta perspectiva remete para a possibilidadede na região do Município Olisiponense persistir o "culto das águas"associado ao próprio culto imperial. como já tem várias vezes salientadoo arqueólogo Cardim Ribeiro, não só para este como para outros monu-mentos (ver a Barragem Romana de Belas). De salientar que o fontanáriose situa numa zona onde se encontram por vezes vestígios - sobretudoromanos - que estão depositados no Museu Regional de Sintra.

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""Reconstituição teórica

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A área arqueologicamente conhecida por «Plataforma de Pianos»compreende uma zona limitada a norte pela ribeira da Samarra e a sulpela ribeira da Mata, estendendo-se entre ambas uma área de 4,5 km decomprimento. Tal área, ainda que não alcance no seu ponto mais altovalores superiores a 120m, é dotada, de acordo com os especialistas, decaracterísticas próprias e de uma altitude média específica, que não só aindividualizam como permitem que receba o topónimo de «Plataforma dePianos».

É esta plataforma que irá agora ser objecto da nossa atenção, já que ogrande número de vestígios encontrados e a antiga ocupação humanafazem dela um ponto de interesse para a história do concelho em geral, epara a ocupação romana em particular.

Nos arredores da plataforma foram encontrados alguns testemunhosdo Paleolítico Médio (30 000 a 50 000 anos), sobretudo a norte, na regiãolitoral da Assafora, e a sul, perto da praia do Magoito. Também doPaleolítico Superior (9000a.C.) foram encontrados vestígios no Magoito.Decorridos cerca de 6000anos, encontramos vestígios de um habitat neo-calcolítico implantado na região da Pedranta. Povos já resultantes dachamada Revolução Neolítica, e portanto praticando uma economia muitomais de produção que de recolecção, servem-se sobretudo das partesmais altas da plataforma, deixando as áreas baixas - menos férteis -para necrópole.

A época, porém, mais fértil em vestígios arqueológicos e que pressu-põe, portanto, uma mais intensiva ocupação humana é a da ocupaçãoromana, que neste caso começa por meados do século I a.C. Da vastaplêiade de vestígios desta época deixados, interessam-nos mais os ar-queológicos e menos os (de acordo com Cardim Ribeiro, cujas conclusõesseguimos para esta área) geográficos e os toponímicos.

Os mais importantes vestígios arqueológicos compreendem túmulosmonumentais, geralmente epigrafados. Muitos foram registados e lidos(nem sempre sem mácula interpretativa) pelos interessados rencscentís-tas que muito contribuíram - como a seguir veremos em Odrinhas -para um melhor conhecimento desta zona. O mais importante está descri-to por Cardim Ribeiro num estudo que efectuou na década de 1980no«Jornal de Sintra» (vide Bibliografia). Outros vestígios incluem cipos,como o descoberto em 1955,de secção arciforme e depositado no museude Odrinhas, onde permanece sob o número LXXV,e cujas característicasmonumentais o individualizam sobremaneira, não obstante alguma dete-rioração.

Estes dois vestígios permitem supor a existência de um conjunto rela-tivamente abundante de monumentos funerários reveladores do uso ritu-al de práticas crematórias.

Ainda relacionada com a prática de cremação, encontra-se a necrópo-le romana descoberta em 1978na plataforma de Pianos, cujo espólio seencontra depositado no Museu Regional de Sintra. A necrópole era com-posta por duas sepulturas, apresentando a primeira um comprimentomáximo de quase 2 m e uma largura máxima de 80 em, tendo sido encon-tradas perto duas «ollcre» (vasos) servindo de urnas cinerárias e trêsungentários cerâmicos em forma de gota, aparentemente datados do sécu-lo Id.C. A segunda sepultura era inferior nas suas dimensões à primeira, etinha integrada uma outra «ollne». Ainda associados a estas duas sepultu-ras, foram encontrados dois copos e um prato, para além de outros vestí-gios como telhas, quer «imbrices» (curvas) quer «tegulae» (planas).

Necrópoles de inumação (e não de cremação, como as anteriores)foram igualmente descobertas, nomeadamente na parcela de terra conhe-cida por «Cerrado de Torres», onde foram descobertas três sepulturas,contendo vestígios interessantes, que incluíam (para além dos respecti-vos esqueletos, claro) moedas do século IIId.C., e um anel de ouro no qualse encontra ainda engastada uma pedra rectangular verde e opaca. Deacordo com os especialistas que a esta região se têm dedicado, a necró-pole de inumação teve a sua fase de utilização entre o século IV d.C. e oséculo VI a.C. Outras necrópoles de inumação foram também descobertasum pouco por toda a parte da Plataforma de Pianos, sobretudo no qua-drante nordeste, entre o Fetal e o Casal de Pianos, mais exactamentenuma série de terrenos localmente conhecidos por «Pombal» (sepulturaaparentemente rectangular de lajes irregulares e com espólio osteológicoconstituído por um só esqueleto), «Parede Bem Feita» (notícia de sepultu-

4.4. A Plataforma de Pianos

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ras várias ainda não devidamente investigadas), «Covas» (notícias devárias sepulturas compostas por lajes de cobertura, de parede e de fundo)e em «Terreno do Milho Miúdo» (referência a uma urna de chumbo, possi-velmente datada do século III d.C., mas ainda não devidamente estuda-da). Registe-se, todavia, que estas urnas destes terrenos carecem deinvestigação mais cuidada.

Também vestígios arquitectónicos têm vindo a ser descobertos nestaplataforma. Merecem aqui especial realce os restos de um forno encontra-do ao lado da estrada que une a Tojeira ao Casal de Pianos, algunsmetros atrás da respectiva capela. Os especicrlistcrs têm ainda algumasdúvidas na sua datação, aventando a possibilidade de o localizar duran-te a ocupação romana ou mesmo mais tardiamente. O forno é de plantarectangular e as três paredes visíveis não comportam abertura, pelo quefalta a boca do dito forno; é visível ainda um conjunto de seis arcos para-lelos de volta perfeita, constituídos por compridas aduelas, arcos essesque penetram nas paredes laterais do monumento. O forno, que está actu-almente reduzido a fornalhas e grelha, tem um comprimento global interi-or de 2,6 m, uma largura interior de 1,9 m e uma altura (das aduelas decada arco) de 45em.

Entre os materiais líticos de construção, entretanto descobertos nazona em estudo, destaca-se um fragmento de fuste de coluna em mármo-re, romano ou tardo-romano, de 80 em de altura por 33 em de diâmetro, eque está actualmente no Museu Arqueológico de Odrinhas (n.?LXXVI).

Muitos outros materiais e vestígios avulsos têm vindo a ser detecta-dos, nomeadamente telhas e tijolos de vário tipo, não olvidando inúmerasvasilhas e ânforas (muitas das quais poderão ser observadas no Museude Odrinhus), «rnoloe» (genericamente, mós de moinho manual rotativo) emoedas (nomeadamente um «direme» árabe de prata).

A abundância de vestígios encontrados (muitos dos quais estão tam-bém no Museu Regional de Sintra e não apenas para a época romana), asua relativa importância, originalidade e interesse, sugerem uma aten-ção particular a esta região e a possíveis desenvolvimentos futuros. Sebem que não seja fácil a visita in loco aos locais referenciados, sugerimosquer a leitura dos estudos já feitos na área, quer a visita ao MuseuArqueológico de S. Miguel de Odrinhas, coluna vertebral e eixo fulcral daarqueologia concelhia. Dele, aliás, falaremos em seguida.

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4.5. O Museu de S. Miguel de Odrinhase Área Circundante

O Museu Arqueológico de S. Miguel de Odrinhas, situado na pequenavila do mesmo nome - sensivelmente a meio caminho na estrada Sintra-Ericeira -, constitui-se como uma etapa essencial deste roteiro referente àocupação romana. E se outros argumentos não fossem encontrados paradefender esta ideia, bastará dizer que este museu é - a par com Idanha-a-Nova - o que detém o mais importante acervo nacional de epigrafia latina.Mesmo num contexto peninsular, a qualidade e quantidade do seu espóliosó é ultrapassado pelas colecções existentes em Mérida e Tarragona.

Já no século XVI. Garcia de Resende e Francisco de Rolanda procede-ram à primeira recolha e descrição conhecidas de inscrições lapidares daregião onde se veio a instalar, no nosso século, o museu. Em 1949,desen-volveram-se no local as primeiras escavações sistemáticas, desde logopondo a descoberto um valioso espólio que ao longo dos anos tem vindo aser aumentado. A inauguração oficial do museu data de 13 de Junho de1955,contendo nessa altura oitenta e duas peças, número que tem vindo acrescer consideravelmente ao longo dos anos. As peças que actualmenteconstituem o espólio do museu provêm, na sua maior parte, das imedia-ções, sobretudo Terrugem, Montelavar, S. João das Lampas, Faião,Alvarinhos, etc., sendo de realçar, para a romanidade, o grande númerode inscrições lapidares e de túmulos. Não pretendemos, de forma alguma,individualizar alguma(s) das inscrições epigráficas que em Odrinhaspodem ser encontradas. A sua quantidade e qualidade permite que seja opróprio visitante, com o auxílio pronto dos funcionários, a derramar a suaatenção sobre as inscrições que desejar. Contudo, e por não caber muitono âmbito deste roteiro reproduzir tais transcrições lapidares, achamosútil remeter para os vários estudos citados na Bibliografia e que longa-mente estudam muitas das peças neste museu depositadas.

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A localização do museu - no centro de uma multiplicidade de vestí-gios da época romana - permite, aliás, supor a existência, na área, deuma povoação romana de razoável importância, quiçá uma das maisimportantes da região. As mais de oitenta inscrições provenientes doFaião, a análise de algumas vergas de porta encontradas nesse sítio, e ofacto de tais vergas apontarem para a existência de uma igreja (século ví)nessa localidade, levam a supor a existência no Faião de um núcleourbano de certa importância para a romanidade e pós-romanidade, até àocupação muçulmana. Esta probabilidade merece que sobre ela nos dete-nhamos um pouco. De facto, no início da década de noventa, o arqueólogoCardim Ribeiro, ao analisar quatro vergas de porta descobertas no Faiãodatadas da primeira metade do século e depositadas no museu, avançoua hipótese de se estar perante não quatro vergas avulsas de diferentesedifícios - como até então se pensava -, mas de quatro vergas proveni-entes do mesmo edifício. Tratar-se-ia das quatro vergas de cada uma dasportas de uma igreja paleo-cristã de planta cruciforme. O templo teria noextremo de um dos braços a porta principal. sobre o qual se situaria averga que tem a inscrição - ainda hoje visível: «Esta é a porta doSenhor.» No braço esquerdo ou direito do templo, situar-se-ia a segundaporta (e segunda verga) consagrada a S. João, e no braço oposto a vergaconsagrada a S. Miguel (ainda hoje patrono e orago do local) e aS.loAdriano Mártir. Finalmente, no extremo contrário ao da entrada prin-cipal (no braço da planta onde se situaria o altar), ficaria a última vergade porta consagrada a S.la Maria. Ora, a aparente importância deste tem-plo permite, como se disse, pressupor estar-se perante uma povoação deimportância, provavelmente uma «vicus», isto é, uma entidade urbanadotada de características próprias, e que seria, provavelmente, a maiordo Município romano lisboeta logo a seguir a Olissipo. Recorde-se que osmunicípios romanos eram entidades diversas dos actuais municípios,com mais território - o lisboeta ia até Torres Vedras, englobando toda aárea oeste da Estremadura - e mais autonomia.

Dois outros dados entretanto analisados permitem supor da impor-tância da «vicus» romana do Faião. Em primeiro lugar, a probabilidadede se identificar essa «vicus» com a povoação romana de Chretina ouChrestina, referenciada no século II da nossa era por Cláudio Ptolomeu(matemático, astrónomo e geógrafo de Alexandria); em segundo lugar, ofacto de se poder associar à povoação de Faião-Chretina o famoso bispoIldefonso de Toledo (século VII), já que uma lápide com um excerto de umaproclamação sua foi também aí encontrada, estando igualmente deposi-tada no Museu. Outros vestígios da muito provável Chretina estão depo-sitados no Museu Regional de Sintra.

A importância destes achados é reforçada com o facto de se desco-nhecer, para a Europa, quaisquer conjuntos de vergas semelhantes, jáque só para o Médio Oriente se conhece algo de parecido. Ora, tal poderápressupor CLuea introdução do cristianismo na zona se terá processadoatravés da Asia Menor, resultado das intensas trocas comerciais e cultu-rais que o ocidente peninsular em geral e a região sintrense em parti-cular estabeleciam com tal região.

Assim, o povoado-vicus de Faião-Chretina ter-se-ia afirmado como aprincipal localidade de toda a zona até à ocupação árabe, tendo-se entãoo eixo da vida local deslocado para a emergente vila de Sintra, até aí nãomais que local de esparsa e pouco significativa ocupação humana.

Ainda para o período da ocupação romana, merecem referência, emOdrinhas, as várias «tesselae» e os mosaicos romanos existentes no local.para além de uma interessante construção absidal do século III d.C., atéhá poucos anos identificada como a ábside de um templo paleo-cristão.No final da década de 1950,trabalhos efectuados no local por Fernandode Almeida permitiram uma descrição do monumento, que foi então des-crito como um edifício de planta redonda, já sem tecto e bastante danifi-cado, construído com pedras da região dispostas horizontalmente em fi-leiras paralelas. No seguimento dessas escavações resultou claro que aplanta apresentava algumas peculiaridades. Assim, a essa ábside cir-cular seguir-se-iam dois nichos circulares - um em cada extremidadedos muros - e uma grande nave rectangular. Apesar da prudência deFernando de Almeida, que não afirma peremptoriamente estar-se peranteuma ábside de templo paleo-cristão ou romano, o facto é que se populari-zou essa ideia - já anteriormente aventada, de resto -, e que, em abonoda verdade pouco mais tem em seu sustento que a simples suposição. Sóhá poucos anos é que se começou a ventilar a possibilidade de tal ábsidemais não ser que parte de uma «villae» romana existente na região, mais

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provavelmente parte de uma «oecus». isto é, um salão nobre para recep-ções, onde o senhor da casa recebia os familiares e protegidos, os libertose as visitas de qualidade.

A romanidade - e não apenas, sem dúvida - está de resto bemdocumentada no museu, onde ainda poderão ser encontrados outros tes-temunhos que, numa primeira análise, se não esperariam encontrar. É ocaso dos sarcófagos etruscos trazidos de Monserrate. Se bem que nãosejam originários da região sintrense - e difícil seria se o fossem -foram os três sarcófagos expostos no museu trazidos do parque deMonserrate em 1986,após terem sofrido danos durante as cheias de 1983.Tal acidente - que os responsáveis culturais do concelho há muitotemiam e para o qual haviam já, em vão, avisado - fez com que fossemdepositados nos Serviços Culturais da Câmara Municipal de Sintra (átriodo Turismo de Sintro), ao mesmo tempo que se procedia ao seu restauro.Os sarcófagos são constituídos por três caixotões rectangulares, tapadospor estátuas jacentes representando o defunto, e possuem ainda baixos--relevos reproduzindo cenas bélicas e mitológicas. Inscrições permitemidentificá-los como pertencentes à «qens» Vipinana, família pertencenteà classe dos proprietários agrícolas. São feitos na pedra vulcânica fre-quentemente usada na produção dos sarcófagos da necrópole etrusca deTarquínia (actual Toscânia), e datam de cerca de 300/250a.C.

Se bem que não seja ainda claro o processo pelo qual teriam chegadoa Portugal - mais exactamente a Sintra -, duas hipóteses se perfilamcomo mais prováveis. Uma tese sustenta que os túmulos teriam sido com-prados por Francis Cook - antigo proprietário de Monserrate - em Romaem meados do século passado; outra crê que teriam sido adquiridos porCook não em Roma, mas na costa sintrense, na sequência de um naufrá-gio de um navio que levava peças de Itália para o Museu Britânico. Sejacomo for, com a sua integração no complexo museológico de Odrinhas,estes sarcófagos - cuja raridade é indiscutível - terão terminado o seucentenário percurso. Não obstante provirem de fora do concelho, não qui-semos deixar de referir este espólio único de um mundo etrusco que aromanidade substituiu.

O museu 'de Odrinhas é, consequentemente, um ponto obrigatório deparagem para qualquer roteiro romano na região sintrense. O espólioguardado (quer no local quer no Museu Regional de Sintra), a sua organi-zação e a orientação dos técnicos presentes, permitem assegurar umavisita didacticamente útil. Para o local estão ainda previstas importantesremodelações que visam dotá-lo de novos serviços e de um complexomuseológico que albergará não só o espólio já depositado, mas tambémum Gabinete de Estudos de Arqueologia e um Museu Etnográfico.

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