rosa maria nº9

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l setembro ‘15 Associação Renovar a Mouraria www.renovaramouraria.pt directora l Inês Andrade distribuição gratuita n.º 9 Rosário Fernandes, 66 anos, a peixeira do Capelão, nascida e criada na Mouraria Nuno Franco, o mediador comunário / the communy mediator (página 27)

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Jornal Rosa Maria nº9, o jornal da Mouraria. Publicação comunitária!

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l setembro ‘15 Associação Renovar a Mourariawww.renovaramouraria.ptdirectora l Inês Andrade distribuição gratuita

n.º9

Rosário Fernandes,

66 anos, a peixeira do Capelão,

nascida e criada

na Mouraria

Nuno Franco,

o mediador

comunitário

/ the community

mediator

(página 27)

Rosa Maria n.º 9setembro ‘1502

O Verão entrou pelas portas da cidade e esta recebeu-o com as festas de Lisboa. As marchas populares, um dos pontos mais altos desta festa estival, regres-saram às ruas da capital no passado mês de Junho, numa manifestação ím-par da cultura popular portuguesa dos bairros lisboetas. Oito décadas depois, mais uma vez com Lisboa como tema, as marchas avançaram este ano come--morando os 500 anos da construção da Torre de Belém e o Ano Internacional da Luz, ao som de Santo António Canta a História, a Grande Marcha deste ano, da autoria de Gimba.

Ao longo dos anos, a evocação das tascas, dos cafés e das tabernas do nos-so bairro tem sido constante. Este ambiente voltou a ser recuperado nos ensaios deste ano, no Grupo Desportivo, onde a Boémia Mouraria, com música de Arménio Melo e letra de Bruno Silva, foi o tema que revisitou as fadistas e os rufias do bairro.

Carla Correia é, nos últimos cinco anos, uma das responsáveis por manter viva a tradição da marcha no bairro. Ainda tem no olhar o brilho dos arcos em cha-mas, descendo a Avenida, no último ano em que a Mouraria foi a vencedora. Estávamos em 1981 e a pequena Carla foi testemunha (ao lado da sua tia Julie-ta, que também marchou noutra vitória da Mouraria, em 1969) da explosão de alegria que tomou conta das ruas até às primeiras horas da manhã.

Com um apoio da EGEAC a rondar os 27 mil euros e a colaboração da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, o Grupo Desportivo avançou com garra e raça para mais uma luta por uma taça – que voltou a escapar este ano. Entre Abril

e Junho, foram mais de trinta ensaios, alimentados pela memória das vitórias passadas, entre o vermelho e o negro dos figurinos. Na noite de Santo Antó-nio, os 24 pares marcharam da Mouraria às luzes da Avenida, onde se juntaram a marchantes de todos os cantos da cidade para representar o brilho e a cor de uma festa singular, que distingue Lisboa de qualquer cidade do mundo.

Por perder uma marcha, não desiste a Mouraria

reportagem Texto João Carlos MartinsFotografia Pablo Lopez · Ilustração Maria Vidigal

AMouraria

estreou-se nas Marchas

de Lisboa em 1934

Rosa Maria n.º 9setembro ’15 03

Classificações das Marchas de Lisboa de 2015

S 1.º Alto do Pina j 241 pontosV 2.º Alfama j 240 pontosV 3.º Alcântara j 221 pontosV 4.º Madragoa j 220 pontosV 5.º Bica j 216 pontosV 6.º São Vicente j 206 pontosV 7.º Graça j 202 pontosV 8.º Bairro Alto j 201 pontosV 9.º Marvila j 188 pontosV 10.º Olivais j 181 pontos V 11.º Lumiar j 166 pontos V 12.º Ajuda j 165 pontos V 13.º Bela Flor j 153 pontos V 14.º Carnide j 151 pontos V 15.º Santa Engrácia j 145 pontos V 16.º São Domingos de Benfica j 142 pontos V 17.º Mouraria j 140 pontos V 18.º Beato (ex aequo) j 132 pontosV 18.º Benfica (ex aequo) j 132 pontosV 20.º Baixa j 129 pontos

Marchas com históriaEstávamos nos anos 30 do século passado quando Leitão de Barros (jovem jornalista que ficará para a história como o realizador do primeiro filme sonoro português, A Severa) decide apadrinhar uma série de iniciativas tradicionais dos bairros antigos de Lisboa. Com o apoio do também jornalista Norber-to Araújo e a convite de Campos Figueira, director do Parque Mayer, Leitão de Barros consegue reunir no mesmo local as populares marchas de arquinho e balão que alegravam os largos e pátios do Alto do Pina, do Bairro Alto e de Campo de Ourique. O êxito deste espectáculo exige uma nova apresentação, 15 anos depois, agora com a participação dos bair-ros de Alfama, da Madragoa e de Alcântara – que contou, na sua marcha, com a presença discreta da jovem Amália Rodrigues. Nesse ano, percorridas al-gumas ruas, entraram no Parque Mayer, onde fize-ram demonstrações ao ar livre, além de mostrarem a sua arte no palco do Capitólio. Sagrou-se vence-dora a marcha da Madragoa. Em 1934, as marchas populares são institucionalizadas pela Câmara Mu-nicipal de Lisboa.

No ano seguinte, Castelo, Graça, Campolide, Che-las e Santa Clara passam também a integrar este espectáculo, que culmina na “Grande Marcha de Lisboa”, cantada por todos os bairros. A entra-da na década de 40, com a Exposição do Mundo Português e a comemoração dos centenários da Independência e da Restauração, confere a estas festas uma grandiosidade expressa nas noites de 24 de Junho e 7 de Julho, quando se associam também as marchas de São Bento e da Lapa. Em 1942, uma comédia de equívocos realizada por Ribeirinho e com a participação inconfundível de António Silva e Vasco Santana eterniza o ambien-te das marchas populares: é O Pátio das Cantigas, clássico do cinema português que conheceu uma nova versão este ano, com a assinatura de Leonel Vieira e a representação de Miguel Guilherme no papel do eterno Evaristo.

Duma janela do Teatro Nacional D. Maria II, Antó-nio de Oliveira Salazar assiste às primeiras mar-chas dos anos 50, que introduziram uma novida-de que resiste até aos nossos dias: as madrinhas. Como madrinha de Alcântara, regressa a cada vez mais conhecida Amália Rodrigues. Maria Clara é madrinha da Madragoa; Hermínia Silva, do Cas-telo; Irene Isidro, de Benfica; e Laura Alves, de Campolide, entre outras personalidades do meio artístico da época. Em 1952, entram duas novas

marchas, a Bica e o Beato, e o percurso é alterado, passando o desfile a descer a Avenida, em vez de a subir. Nos anos seguintes, entram Marvila, San-ta Catarina e Alvalade nas festas da cidade. Treze anos depois da entrada das madrinhas, chegam os padrinhos a um acontecimento festejado a rigor com a presença dos Olivais, Carnide, da Penha de França e de Sete Rios – que entra em 1966, mas extraconcurso.

A década de 70 foi ingrata para as marchas popula-res. Só em 1979 é que a “Grande Marcha de Lisboa” desce a Avenida. Um ano depois, o reaparecimen-to é recatado, com apenas dez bairros e dez arcos, transportados por vinte pares de marchantes de cada bairro. Também os anos 80 não trouxeram grande fôlego às festas: entre 1983 e 1987, a Ave-nida da Liberdade cai no silênci o e na escuridão em pleno Verão. Embora com a energia infantil da marcha da Voz do Operário fora de competição, a noite de Santo António de Lisboa regressa aos bons velhos tempos - até aos dias de hoje, confirmando uma das expressões mais marcantes da cultura urbana portuguesa, onde é feita a celebração dos santos populares que anima os bairros da capital à entrada do Verão.

Em cada pátio um manjerico

No mês de Junho, Lisboa mostrou-se nos seus bairros populares como um conjunto de peque-nas aldeias. Em cada pátio da cidade, manjericos a perfumar o tão esperado momento da festa, preparada durante longos meses. Lisboa vestiu--se de vermelhos cravos festivos em vasos de manjericos nas janelas, com uma bandeirinha has-teada na copa com uma quadra popular escrita. Os bairros fervilharam numa roda-viva de prepa-rativos que mobilizou gente de todas as idades. O merecido descanso após um dia de trabalho era adiado, porque cada minuto contava na contagem decrescente para a noite em que toda a Lisboa marchou. Tudo isto existe, tudo isto resiste, tudo isto é marcha.

O empenhado esforço de marchantes, padrinhos, ensaiadores e coordenadores das várias colecti-vidades organizadoras das marchas populares foi compensado pelo olhar atento dos milhares de espectadores que encheram a Avenida. A palavra final não pertenceu ao público, mas a um júri, que atribuiu à marcha do Alto do Pina o título de me-

lhor figurino e melhor desfile. Já a marcha de Alfa-ma venceu nas categorias de melhor musicalidade, melhor composição original, com Marinheiro de Alfa-ma, e melhor coreografia ex aequo com a marcha da Madragoa. Alcântara venceu na cenografia e São Vicente teve a melhor letra.

É tradição: a disputa entre os bairros é renhida. Mas, qualquer que seja a sentença, a vencedora é sempre Lisboa.

Rosa Maria n.º 9setembro ‘1504

notícias

Depois da Casa da Severa, inaugurada há dois anoscomo restaurante de fados, a Mouraria tem agora o espaço museológico Casa Fernando Maurício. Ganha o fado e o mundo.

A Casa Fernando Maurício fica na porta 12 da Rua João do Outeiro, à Rua do Capelão. Foi inaugurada no dia 12 de Julho, durante as cerimónias anuais realizadas após a morte do “rei sem coroa”, a 15 de Julho de 2003. Discos, medalhas, poemas, fotografias… tudo o que lhe pertenceu está agora acessível ao público.

O espólio esteve em Torres Vedras, na casa do seu amigo António Piedade (veja o ROSA MARIA n.º7), mas este confiou-o à Junta de Fre-guesia de Santa Maria Maior, que, por sua vez, pediu supervisão técnica ao Museu do Fado. Assim nasceu esta casa que esteve para abrir há um ano, na inauguração do busto. Faleceu entretanto António Piedade, mas a sua missão ficou cumprida: o tesouro está bem entregue.

O “rei” nunca viveu neste espaço, contrariamente ao que sucede com a Casa da Severa, na Rua do Capelão, onde terá vivido a “mãe do Fado”. Ele nasceu nessa mesma rua e a casa até estava livre (fechara a loja de música e filmes indianos que ali funcionou), mas era minúscula. Foi a pro-cura do tecto que, aliás, atrasou os trabalhos. No Largo da Severa, havia a antiga tipografia, mas precisava de obras e implicava renda. Surgiu então este prédio municipal, isento de mensalidades. Com 40 mil euros, fizeram--se as obras que incluíram uma ligação interna entre as portas nº 12 (outrora um armazém de bananas e recentemente despensa emprestada a vizinhos) e nº 8 (mercearia do senhor Joaquim, fechada há dois anos por motivos de saúde), num total de 110 metros quadrados.

Abriu num dia de festa (veja o último texto desta página) que encerrou com uma Grande Tarde de Fados, num tributo anual organizado pelo ami-go Tony Loretti, e que este ano recebeu uma avalanche de mil pessoas, na Rua da Mouraria. Funciona como qualquer museu, encerrando às segundas--feiras. Os bilhetes são grátis para eleitores da freguesia de Santa Maria Maior e pagos pelo restante público. Dois euros é quanto custa visitar a nova pérola deste Património Imaterial da Humanidade que é o fado.

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Quanto custa o improviso?Os novos passeios, na Rua das Olarias, foram antecipados para se emendar um erro que nos traria cheias já este inverno

Falamos dos arranjos nos passeios da Rua das Olarias – que pertence à freguesia de Santa Maria Maior no lado das portas ímpares e a São Vicente, nas pares. Um investimento de 95 mil euros – dos quais a nossa junta paga 50 mil e a vizinha, o restante – para substituir a calçada dos passeios, tornando-os menos escorregadios.

A obra foi antecipada para evitar cheias já este Inverno. E porquê? Recentemente a câmara vedou a rua, para asfaltar a via. E asfaltou, só que o empreiteiro deixou as sarjetas tapadas e a estrada tão colada aos passeios que o risco de inundação dos rés-do-chão era iminente.

Os edis locais, Miguel Coelho e Natalina Moura, explicaram o caso aos moradores numa reunião prévia às obras. Questionado sobre a duplicação de custos, Miguel Coelho, de Santa Maria Maior, disse que a parte relativa ao erro está por apurar, mas é “ínfima”. E garantiu: “Já está acordado com o vereador Manuel Salgado que será debitada à câmara”. É mais um episódio da (tão elogiada) cultura nacional do improviso. Tempo e dinheiro teriam sido poupados se os asfaltadores tivessem realizado o seu trabalho com brio profissional.

Câmara chumbou Largo Fernando Maurício Pela segunda vez desde 2007, a ideia é chumbada pela CML.Mas a junta de freguesia não desiste e para o ano pode haver melhores notícias.

A placa do “Largo Fernando Maurício” seria descerrada neste 12.º aniversário sobre a morte do “rei do fado”, no momento da inauguração do museu, no passado mês de Julho (veja o texto ao lado). A câmara, todavia, inviabilizou essa parte da festa.

A proposta foi aprovada em assembleia municipal “por unanimidade e aclamação”, como atesta a acta desse dia 16 de Setembro do ano passado. Em causa estava “a criação do Largo Fernando Maurício (…) junto à Rua da Guia, no espaço onde foi recentemente colocado o busto deste fadista”. Assim dizia a recomendação apresentada pelo Grupo Municipal do PS, através do deputado Miguel Coelho, presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior.

Já na Câmara Municipal de Lisboa (CML), o processo foi chumbado pela Comissão de To-ponímia, presidida pela vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto. A decisão foi tomada “com base no princípio orientador que determina a não alteração e a não duplicação dos topónimos já existentes”, segundo uma nota enviada ao ROSA MARIA. A câmara evita alterar toponí-mias para minimizar logísticas (como alterações de moradas) e para preservar o património (a rua a extinguir). E evita duplicá-las por semelhantes razões.

Neste caso, duplicar-se-ia uma rua de Marvila. A antiga “Via 3 à Rua do Vale Formoso de Cima” passou a “Rua Fernando Maurício”, com aprovação em 2005 e inauguração em 2007. Nesse mesmo ano, a Junta de Freguesia do Socorro (entretanto assimilada por Santa Maria Maior) apresentou um pedido semelhante ao que agora está em discussão: um largo na Rua da Guia. Igualmente chumbado.

Reacende-se agora o sentimento de injustiça, até porque, na proposta em causa, não há flagrante duplicação. Pretende-se criar um largo e não uma rua, como a de Marvila. E não se altera nenhuma toponímia porque se trata de um baptismo de raiz num pequeno recanto na Rua da Guia. A rua em si mantém-se.

Miguel Coelho não desistiu. No discurso de inauguração do museu, realizado no recinto do busto, rematou assim: «Last but not least, uma promessa que não depende só de mim, mas também da câmara: espero estar aqui, no ano que vem, a inaugurar o Largo Fernando Maurício». E passou a palavra ao presidente da CML, Fernando Medina. Este, não referiu a questão em concreto, mas proclamou: «Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance na preservação, na expan-são e no conhecimento do legado e da importância do Fernando Maurício para o fado». Confron-tado pelo ROSA MARIA sobre o chumbo ao largo, prometeu analisar o caso. Aguardemos.

Acasa do rei já cá canta!

NTextos Marisa Moura N

NTexto Marisa Moura N

Rosa Maria n.º 9setembro ’15 05

A Refood Santa Maria Maior é coordenada por João Pedro Moreira

Emigrar

É preparar os pés Para cavalgar o deambular do desertoÉ estar pendente do mundo da indiferençaÉ, indubitavelmente, revestir a capa da tartarugaConter a erosão malignadas ondasMadrugar, serpentearFui escravo sem dar contaSalário incompatívelÉ sentir a nostalgia da minha aldeiaBambadinca, BissauOnde festejam o dia do peixe-sapatona pacata estradacolorida de memórias da guerra Meu amigo Cirilo NbaqueEmigrar é transbordar o Universo incertoCansei-me de caminharResolvi regressar a LisboaVi tudo igual:O vai-vem da Rua AugustaO Mosteiro dos JerónimosOs seus artifíciosReligioso, secularCosta da CaparicaA ventania do emblemáticoA frieza do AtlânticoA noitada na Baixa de LisboaMulticulturalidadeO paladar do vinho alentejanoTejo, traz-me a liberdadede que tanto necessitoDa minha terra devastadapela força das armas químicasLisboa, cidade hospitaleiraDá paz e confortabilidade.

Texto Nuno CatarinoFotografia Augusto Fernandes

Feliciano, o poeta do Largo da Severa

Novo apoio alimentar na MourariaHá dois anos que se fala nisto, mas agora é de vez. A Refood chegou ao nosso bairro. Contra o desperdício alimentar: voluntários, precisam-se!

No edifício onde funcionou a antiga junta de fregue-sia de Santa Justa está agora a Refood, rede que reco-lhe comida em restaurantes e supermercados, distri-buindo-a por quem mais precisa, contra o desperdí-cio alimentar. Nasceu a Refood Santa Maria Maior, juntando-se aos cerca de quinze núcleos da Refood existentes em Lisboa. No total, apoiam mais de 1300 pessoas. São 24 mil refeições por mês. Tudo graças à boa-vontade de dois mil voluntários e das seiscen-tas entidades que fornecem comida de qualidade – que de outra forma iria para o lixo. E, claro, graças também às juntas de freguesia que cedem espaço e apoio logístico. Agora, os moradores da Mouraria podem finalmente beneficiar deste movimento, fundado em Portugal há quatro anos pelo america-no Hunter Halder, num recinto da Igreja da Nossa Senhora de Fátima, na Praça de Espanha. Qualquer pessoa em situação de carência pode dirigir-se di-rectamente à Refood. Mas são frequentemente as

associações locais a encaminhar as pessoas para esta rede. O responsável da nossa unidade é João Pedro Moreira, conhecido por estas bandas sobretudo desde os tempos em que foi tesoureiro da antiga junta do Socorro. Perseverou durante dois anos e conseguiu. Foi difícil encontrar o espaço – mas também houve um compasso de espera na altura das autárquicas de 2013, para evitar acusações de eleitoralismo (que já se tinham visto noutros bairros). Essas dificul-dades foram superadas. Agora há que acreditar na força da comunidade local.

Como funciona o voluntariado? Na Refood, cada voluntário oferece duas horas por semana e ajuda numa destas três tarefas: recolha dos excedentes dos restaurantes e supermercados; armazenamento dos alimentos; divisão e entrega aos beneficiários.

Refood – Aproveitar para Alimentar | www.re-food.org | Facebook: Refood Santa Maria Maior | E-mail: [email protected]: Poço do Borratém, n.º 25, 1.º andar, nas instalações da antiga junta de Santa Justa onde hoje também funciona o Gabinete de Empreendedorismo Social /+Emprego.

Na Mouraria, “as pessoas ficam até tarde, não dá tempo para preparar os jantares”, conta Virgílio Oliveira – o “Zé da Mouraria”. “Há

dois anos que andava a preparar uma casa nova, mas queria manter o mesmo jeito.” Em Janeiro, abriu o Zé da Mouraria 2. E, se no Zé tradicional apenas se servem almoços, neste só há jantares.

Fica no número 60 da Rua Gomes Freire, onde antes existia o restaurante A Fogueira. O original continua na Rua João do Outeiro, fundado há mais de cem anos por um galego que lhe deu o nome Zé dos Grelhados. Passou a Zé da Mouraria com a entrada, há dezasseis anos, de Virgílio Oliveira. Chefe de cozinha em hotéis no Algarve, comprou o restaurante e transformou-o num local de culto, conhecido pelas doses de grande quantidade e qualidade.

O bacalhau é um clássico, às sextas e sábados, e continua na casa nova. Mas, além dos pratos tradicionais, esta oferece mais variedade. Atentem os bons garfos! Há novidades como estas: os peixes marcados na grelha e levados ao forno, o bife à Xico Pé Descalço e a espetada selvagem, em espetos especiais.

O Zé vai para lá da Mouraria

Texto Nuno FrancoFotografia Augusto Fernandes

Feliciano Mendes Pereira veio da Guiné-Bissau para Portugal há catorze anos. Esteve primeiro em Casal de Cambra, passou seis anos em Madrid e vive há três na Mouraria. O poema que publicamos foi escrito após a sua estadia em Madrid.Gosta que o seu lar seja um lugar histórico de Lisboa. Gosta de viver uma vida tranquila e que as pessoas que o rodeiam sejam afáveis. Sente-se bem recebido.Na Guiné, trabalhou dez anos como Observador Marítimo Especializado para o Ministério do Mar. “Dez anos de Atlântico, em barcos de pesca. Fiscalizava, mas também ajudava no trabalho.” Cá, já fez um pouco de tudo, principalmente na construção civil e na hotelaria. Mas o que o apaixona é a escrita. Percebeu isso ainda na Guiné, e fez um curso de Literatura Moderna pós-laboral. “Já gostava de escrever, mas quando percebi que era o que mexia mesmo comigo quis aprender mais.” Desde então tem enchido cadernos com os seus poemas. Escreveu também uma novela, que falta terminar. “É preciso dar-lhe a conclusão certa, e isso não é fácil.”

A célebre bacalhoada que traz enchentes aqui ao bairro, agora também se pode saborear no Campo Mártires da Pátria. Abriu o Zé da Mouraria 2

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“Condomínio de luxo constituído por um edifício do século XVIII em reabilitação e um edifício novo, num total de 30 apartamentos com 930 m2 de jardim com enorme deck e piscina, ginásio com vistas sobre o jardim e ga-ragem em subsolo.” Assim se apresenta o empreendimento Amouraria no site da imobiliária Casa em Portugal. Alguns destes apartamentos custam acima de meio milhão de euros.

O condomínio estará pronto pelo Natal. Fica no Largo das Olarias, na pro-priedade que pertenceu à família Figueiredo (veja o artigo “A metáfora de um país” no ROSA MARIA n.º 7). Inclui um elevador para o Jardim da Cerca (veja mais na página 12 – artigo “Engrácias da Mouraria”) e um imóvel munici-pal que será ocupado pela Cozinha Popular da Mouraria (veja mais na página 09 – artigo “Cozinha Popular ganhou novos espaços”).

Estão entretanto previstos mais dois empreendimentos a inaugurar nos próximos cinco anos, com preços mais acessíveis. Situar-se-ão na Travessa do Jordão e na ligação das Olarias ao Terreirinho. Todos são realizados através da Sustentoásis, uma empresa criada especificamente para estes investimentos na Mouraria e que é uma parceria entre a Stone Capital (especialista na rea-bilitação de imóveis de charme) e o grupo Libertas (operador na construção civil e energias renováveis e proprietário da Casa em Portugal). Esta, por sua vez, opera no chamado turismo residencial, um sector em que o país aposta desde o início da crise, em 2009.

Estrangeiros duplicam neste ano Os estrangeiros que compram segunda casa adquiriram um quarto dos imó-veis vendidos no ano passado, segundo a Associação dos Profissionais e Em-presas de Mediação Imobiliária de Portugal. As receitas geradas pelo turis-mo residencial (incluindo despesas de manutenção das casas e impostos) ascenderam aos 6 mil milhões euros – quase tanto como o valor do défice das contas públicas de 2014.

Este ano, estima-se que as vendas dupliquem para os 50 mil imóveis, crian-do, segundo a consultora PriceWaterhouseCoopers, 1200 empregos. Portugal recebe apenas 5% dos investimentos na Europa, neste sector. Pretende aproxi-mar-se dos três maiores destinos – Espanha (40%), Itália (20%) e França (ou-tros 20%) – e a Mouraria entrou na rota.

Gentrificação? “Estamos do lado da solução”Entre os moradores, crescem os receios da gentrificação – ou seja, do aumento do nível de vida local, marginalizando ainda mais a enorme parte da popu-lação secularmente empobrecida. Os investidores do Amouraria garantem: “Estamos do lado da solução e não do problema”.

“Priorizamos a integração social e acreditamos na força das vontades de construir inclusão, força que, todavia, reside mais nas organizações locais e pú-blicas do que em quem investe”, diz Honorina Silvestre, porta-voz destes em-presários – e provedora da Santa Casa da Misericórdia de Canha, no Montijo. Sublinha ainda: “A desertificação dos espaços já aconteceu antes de chegarmos ao bairro e decidirmos recuperar/investir. Por alguma razão, os prédios esta-vam quase todos devolutos. Há que trazer novos moradores para dar uma nova vida aos comércios, criar condições para o desenvolvimento de serviços e todos fazerem um esforço de integração social e cultural”.

Mouraria na rota do turismo residencial

Cerca de quinze prédios serão transformados em três empreendimentos. O primeiro é o Amouraria, um condomínio de luxo para estrangeiros que querem ter casa em Portugal.

Os apartamentos do Amouraria, na Rua dos Lagares, são o primeiro investimento da Sustentoásis neste bairro, num plano de cinco anos

Rosa Maria n.º 9setembro ‘1506

reportagem Texto Marisa MouraSimulação 3D Libertas

Sabia que... Texto Francisco MeloIlustração Nuno Saraiva

...a Ermida do Senhor Jesus da Boa Sorte e da Santa Via-Sacra, no Largo das Olarias, foi construída em

1764 para nela se instalar a sua Irmandade, que ficava na Ermida de Nossa Senhora

da Nazaré (na Travessa da Nazaré), destruída no Terramoto?

E que o seu terreno foi doado por Veríssima da Conceição, que morava no prédio vizinho, na condição de que o primeiro andar

onde morava tivesse uma passagem para a tribuna do templo? E que funcionou provisoriamente como paróquia de São Jorge,

razão por que o largo onde ela está foi chamado durante algum tempo de Largo de São Jorge?E que tem um silhar de azulejos pombalinos e um crucifixo atribuído a Machado de Castro, que representa o Senhor

Jesus da Boa Sorte?

Rosa Maria n.º 9setembro ’15 07

hábitos Texto Teresa MeloFotografia Catarina Lino

A nossa vizinha Asmaa desenhou o Sol para exaltar o amor duradouro

A tinta mágica Os árabes chamam-lhe henna, os hindus mehndi. Usa-se como simples adorno, mas também para fins curativos e espirituais.

Texto Francisco Melo

Associada à transcendência, a hen-na (árabe) ou mehndi (hindi) é uma arte milenar tradicional do Norte de África, da Ásia Meridional e do Mé-dio Oriente, para curar, ornamentar e abençoar festividades. Os seus padrões deslumbram na pele, parecem ter barakah (expressão ára-be para bênção), invocando sorte e muita beleza. De acordo com cada região, assim variam os seus fins: po-dem celebrar um casamento, o fim do jejum no Ramadão (Eid al-Fitr) ou a gravidez, além de protegerem do mau-olhado. Na Índia, a mehndi é utilizada para homenagear a beleza do corpo da mulher, poderoso instrumento de atracção. Durante o tempo mais quente, é usada também como agen-te de limpeza e arrefecimento, aplica-da nas palmas das mãos e na planta dos pés. Contudo, é o seu efeito esté-tico que lhe dá tanto encanto!

A tinta resulta de uma pasta fei-ta a partir das folhas da planta da henna (lawsonia inermis), trituradas e misturadas com água morna. Gra-ças às suas propriedades terapêu-ticas, pode ser aplicada no cabelo, na pele e nas unhas. A receita é simples: peneirar duas colheres de sopa de henna pura em pó numa taça de vidro, adicionar len-tamente um pouco de água morna (um quarto de um copo) e misturar até criar uma pasta homogénea. De seguida, juntar duas colheres de chá de óleo essencial de eucalipto, me-xendo sem parar. Tapar o recipiente

e deixar descansar até 24 horas, para acentuar o corante da planta. A pasta estará perfeita quando a sua textura estiver cremosa.

Aplicada na pele, deverá secar du-rante cerca de 20 minutos. Depois, remove-se o excesso com os dedos, e não com água. E está pronta! Os desenhos podem durar até quatro semanas.

Com séculos de migração entre culturas, é difícil determinar a sua origem. Crê-se que a utilização mais antiga desta planta teve lugar há mais de 5 mil anos, no Egipto, onde os de-dos das mãos e dos pés dos faraós se-riam tingidos antes da mumificação. Mas várias pesquisas sustentam que muitos outros povos indígenas acre-ditavam que as substâncias averme-lhadas estavam ligadas às energias da Terra e melhoravam a consciência humana, numa espécie de conexão com o espírito.

Segundo a tradição muçulmana, foi Maomé quem assegurou o lugar da henna na história: o profeta tingia a sua barba de vermelho com esta planta, influenciando os califas a fazerem o mesmo.

Hoje em dia, esta arte milenar ul-trapassou as fronteiras do Oriente e em todo o mundo se experimentam novos padrões além dos tradicionais religiosos ou florais.

Norberto de Araújo refere esta zona no volume VIII das suas Peregrinações em Lisboa, escritas em 1938, da seguinte forma: “Onde é hoje a área dos Lagares – lagares havia.”

É topónimo fixado na memória da cidade em data que se desconhece, porque só existiam lagares no sítio das Olarias onde viria a correr a rua que deles tirou o nome.

Esse caminho que evitava a passagem pela Mouraria era a “carreirinha”, passagem obrigatória das mulheres cristãs que queriam ir de Santo André para os lados de Santa Bárbara, por estarem proibidas de passar por território mouro, mesmo quando acompanhadas por homens.

Com a urbanização do sítio, em 1498, a primeira rua edificada foi a carreirinha que ficava “detraz dos Lagares”, como se lê num documento de 1502. Em 1554, já existem os arruamentos do Lagar das Olarias (Rua dos Lagares) e dos Cativos (Beco dos Lagares).

Os lagares foram desaparecendo, lei inevitável da urbanização, mas da sua importância nos fala a actual Travessa do Terreirinho, que foi Rua dos Almocreves, onde viviam os homens que vendiam o azeite. O bairro foi-se formando com as famílias de outro nível económico e social que se foram fixando na Rua dos Lagares, onde existiam algumas casas nobres, já desaparecidas nos nossos dias. É o caso de uma no término do Caracol da Graça, que resistiu ao terramoto e foi habitada no século XIX pelo Marquês de Penalva. Mas ainda resiste, na Travessa da Nazaré, um prédio solarengo que tem sido identificado como Palácio dos Távoras, onde funciona o Grupo Desportivo da Mouraria.

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Texto Marisa MouraFotografia Pablo Lopez

Texto Inês AndradeFotografia Carla Rosado

Mouraria(literalmente) na modaA incubadora de negócios da Mouraria, inaugurada em Maio, abriu novas vagas para jovens empreendedores. O concurso decorre até 20 de Outubro e privilegia projectos na área da moda.

Há cerca de 25 lugares disponíveis para jovens empreendedores, no CIM – Centro de Inovação da Mouraria/Mouraria Creative Hub. As candidaturas decorrem até e 20 de Outubro e os novos inquilinos deverão entrar a 1 de Janeiro.

Com a nova ronda, que atribui uma majoração específica à moda, pretende--se completar a lotação de 45 lugares distribuídos pelas onze salas desta incu-badora de negócios das indústrias criativas – música, multimédia, azulejaria, joalharia, design e moda, entre outras. Os novos empreendedores do CIM jun-tam-se assim aos outros que já lá estão desde a inauguração, no dia 29 de Maio.

Além de ser um local de trabalho, o CIM pretende ser um espaço de apoio a vários níveis (já houve workshops sobre financiamentos europeus, direitos de autor e demais aspectos jurídicos; e haverá brevemente parceiros de financiamento). Pretende também ser um ponto de encontro de especia-listas. Por exemplo, em Junho, houve o encontro anual do MIT Portugal, que é o núcleo do mais prestigiado centro de investigação tecnológica mundial.

Em Novembro, irá inaugurar uma exposição do ilustre Fernando Bagui-nho; para o ano, além de inúmeras actividades, está prevista uma exposição temporária com os achados arqueológicos descobertos durante as obras, nas escavações deste imóvel senhorial do século XV, na Rua dos Lagares.

A incubadora mais criativa Um dos projectos incubados é desenvolvido por Mauro Cordeiro, 26 anos, e João Patrício, 30. Estes designers criaram uma visionária marca de vestuário cujo lema é: We’re more than unisex. We’re gender free. (Mais do que unissexo, somos livres de género). Chama-se MOW, como as iniciais de Man or Woman (homem ou mulher), e todas as peças são concebidas de modo a ajustarem--se a diferentes tamanhos e silhuetas, através de sistemas de botões e cor-dões. Colegas de curso na Universidade da Beira Interior, trabalharam para marcas como a Dielmar, a White Tent, a Lidija Kolovrat e, na Suécia, para a Back e a Minimarket.

O CIM é o novo elo da rede municipal de empreendedorismo, que inclui três outros centros: a incubadora Startup Lisboa (com o polo Tech, na Rua da Prata, e o polo de Comércio, na Rua Castilho); o serviço de prototipagem FabLab Lisboa, no Mercado do Forno do Tijolo, que permite produzir peças; e a residência para empreendedores em trânsito, inaugurada em Julho, na Rua do Comércio, com estadias a preços simbólicos.

Ideias com Panos, a nova associação da MourariaFlorência, de Buenos Aires, e Erica, de São Paulo, conheceram-se em Lisboa e por cá ficaram. As duas bailarinas provam os vestidos que elas próprias imaginaram, com a ajuda de Amália, para o casamento de uma amiga. É a primeira prova dos vestidos, e o sorriso estampado nos seus rostos demonstra o contentamento pelo trabalho da costureira, nestas duas originais e elegantes peças de vestuário.

Presidida por “Amália da Mouraria”, o nome artístico da tão conhecida Amália-das--mãos-de-fada, a Associação Ideias com Panos foi fundada por sete mulheres e dois homens, entre os 35 e os 67 anos, e promete ensinar a costurar, a fazer tricô ou croché, e ainda confeccionar roupas para pôr as pessoas ainda mais bonitas. Além de descon-tos nos seus produtos e serviços, quem se fizer sócio e tiver jeito para o ofício pode ainda servir-se das máquinas de costura da associação.

A partir de Setembro, a Ideias com Panos vai começar a dar formação em costura, em várias modalidades. Interessa-lhe? Faça-lhes uma visita.

Onde fica? Rua da Amendoeira, 30 · Email: [email protected]

“Tem uma ideia inovadora e não sabe como a concretizar?” A pergunta andou espalhada pela Mouraria, em Agosto. Era o cartaz do GES – Gabinete de Empreendedorismo Social de Santa Maria Maior, sucessor do Gabip Mouraria.O cartaz apresentava o serviço +Empreendedor. Foi o relançamento das consultas gratuitas a fregueses que equacionam criar o seu próprio emprego, e quiçá empregar mais gente. É um serviço do GES – Gabinete de Empreendedorismo Social de Santa Maria Maior, para ajudar na definição de planos de negócio e identificação de potenciais investidores.

Há novos formadores (contratados à SEA–Agência de Empreendedores Sociais, já parceira noutras questões profissionais) e maior foco em ideias que tragam reais mais-valias para a comunidade – nos cinco bairros que integram a freguesia: Moura-ria, Alfama, Castelo, Baixa e Chiado.

O GES, é o órgão criado, este ano, pela junta, para assegurar a continuidade do programa municipal que reabilitou a Mouraria entre 2010 e 2014, o chamado PDCM – Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria. Antes, havia o Ga-bip Mouraria – Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária da Mouraria, sob tutela da câmara municipal, coordenado por João Meneses, actual director do CIM (veja o texto ao lado). O GES é uma versão do Gabip, mas sob alçada da junta, e extensível aos vários bairros que integram a freguesia.

Além do serviço +Empreendedor, o GES inclui dois importantes pólos: o +Empre-go, que é o centro de emprego comunitário, e a área de apoio às organizações locais, que é o PDCSMM – Plano de Desenvolvimento Comunitário de Santa Maria Maior. Este ano, financia cerca de uma dezena de associações, com um orçamento de cerca de 200 mil euros para iniciativas de cultura, economia, gastronomia, saúde e repa-rações em imóveis, entre outras – com especial atenção à terceira idade, à imigra-ção, à toxicodependência ou à prostituição. O GES funciona na porta 25 do Poço do Borratém e conta ainda com o mediador comunitário, que potencia o diálogo entre os moradores e as várias entidades (veja na página 27).

João e Mauro estão a revolucionar o conceito de unissexo com a marca MOW – Man or Woman (Homem ou Mulher)

notícias

Rosa Maria n.º 9setembro ‘1508

NTextos Marisa Moura N

Um prédio recuperado, outro à venda, um mural fresco, comércio, restaurantes e uma oficina. Tudo à espera de ser demolido. E as opiniões dividem-se (veja o Vox na página 29).

O protocolo foi assinado entre a CML e a Comunidade Muçulmana do Bangladesh, em 2013: vão abaixo o edifício rosa da Rua da Palma (do 248 ao 264) e os prédios traseiros, na Rua do Benformoso (do 137 ao 151), onde existe, desde Fevereiro, a Bem-Formosa Praça. Aí nascerá uma grande praça que ligará a Mouraria à Rua da Palma, com um edifício que realojará as duas mesquitas deste bairro.

O primeiro templo islâmico da Mouraria nasceu há 25 anos no número 119 da Rua do Benformoso. Depois mudou-se para um armazém no Beco de São Marçal, à Calça-da Agostinho de Carvalho, e ganhou também uma espécie de anexo, metros abaixo, no número 88 da Rua do Terreirinho. Mas faltam condições. “No fim do Ramadão, o jantar é servido em plásticos no chão”, conta Rana Uddin, líder da comunidade. Falta uma sala de jantar, a cozinha e a casa-de-banho são pequenas, não há sala para as mulheres, nem madraça (catequese) para as crianças, e não há saída de emergência.

A Mesquita Central da Praça de Espanha não é uma alternativa, porque obriga a fazer cinco viagens por dia para as orações. Muito tempo e dinheiro para quem “só faz vida de casa-trabalho”. Precisam de um sítio em condições, próximo de casa; por isso, chegaram a procurar outros espaços com a CML (como sugeriam alguns moradores), mas nada adequado surgiu.

A solução foi criar um edifício de raiz, com as salas necessárias, nesta praça que já apare-cia nos primeiros planos de reabilitação da Mouraria, em 2009.

A nova mesquita será um edifício moderno que vai contrastar com o resto do bairro, o que surpreende alguns proprietários de um dos prédios a demolir. Recentemente, quando fizeram obras de recuperação, tiveram de respeitar a traça e manter os materiais originais, por ser este um bairro histórico. Azulejos do século XVIII, vigas, chão e janelas de madeira, “tive de manter tudo, o que tornou a obra mais cara”, queixa-se António Barroso.

“Tentei pedir ajuda à câmara, mas não deu um chavo.” Agora, vê tudo ir abaixo para nascer um edifício de arquitectura contemporânea. “A grande preocupação era se eu mantinha lá os azulejos. Agora já não interessam...”. A explicação, diz a CML, está no Pla-no de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria, que não aplica essas regras a cons-truções novas. Já as demolições, não têm outra razão que não a “vantagem do projecto”.

A nova praça vai custar 3 milhões de euros, previstos no orçamento da reabilitação da Mouraria – que, entre fundos europeus e nacionais, soma cerca de 14 milhões de euros. A comunidade muçulmana entra com 250 mil euros para a arquitectura e pagará as obras do interior através de peditórios aos cerca de 60 mil muçulmanos do país.

Os proprietários estão avisados, mas não têm certezas quanto ao futuro: “Não é assim que se deita as pessoas para a rua”. Falta saber então como será. Entretanto, ainda a procissão vai no adro, porque, até lá, diz a CML, há pelo menos um ano de burocracia para tratar.

O quiosque do Jardim da Cerca, a copa do CIM e um centro de formação: são os novos espaços da Cozinha Popular da Mouraria. Um deles, polémico. A cozinha principal mantém-se na porta 5 da Rua das Olarias, onde a associação abriu em Novembro de 2012. Mas a Cozinha Popular da Mouraria ganhou outras exten-sões, que permitem consolidar os seus objectivos iniciais: promover a cidadania através da gastronomia e valorizar os recursos locais – humanos, naturais e patrimoniais.

Desde Maio, está também no quiosque do Jardim da Cerca da Graça e na copa do CIM – Centro de Inovação da Mouraria (veja mais nas páginas 8 e 12). Para o ano, abre um espaço no futuro condomínio Jardim dos Lagares (veja mais na página 6). Aí concretizará uma importante parte do projecto, pendente desde o início: a formação e certi-ficação de produtos. Artesãos poderão produzir e vender os seus produtos com as devidas certificações – o que im-plica investir em vestiários e condições de exaustão, que se revelaram difíceis de implementar na cozinha original. O imóvel deverá estar pronto pela Páscoa: construído

por privados e cedido à Câmara Municipal de Lisboa, que por sua vez concessionará à Cozinha Popular da Mouraria.

Estes espaços juntam-se também ao quinhão de cultivo de que a associação dispõe na horta comunitária da Calça-da do Monte, frente ao novo jardim. Na cozinha principal, continua o costume: tanto podemos encontrar uma janta-rada de amigos em que os próprios cozinham ou um almo-ço de empresa servido como num restaurante. Os preços ajustam-se a cada situação. E há oficinais que são gratuitas, mesmo quando os professores são dos mais conceituados chefes nacionais. Para todas as idades e nacionalidades. É este o espírito do projecto lançado pela fotógrafa Adria-na Freire, com apoio do programa municipal BIP/ZIP (Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária de Lisboa) e da marca de cozinhas Teka.

O quiosque mais desejadoA exploração do quiosque, todavia, não foi pacífica. Outros interessados contactaram a câmara, na expec-tativa de um concurso público. Mas esta optaria entre-tanto por atribuí-lo em ajuste directo à Cozinha Popular

da Mouraria. Um dos dois candidatos ouvidos pelo ROSA MARIA confessou estar satisfeito com a entidade vence-dora, mas critica a falta de transparência do processo.

O vereador José Sá Fernandes, responsável pela adjudicação, explicou ao ROSA MARIA: “Não houve concurso porque se entendeu que aquela associação po-dia ser uma mais-valia (e está a ser) na integração da co-munidade com o jardim.” Mas não poderia ganhar através de um concurso, por ser uma proposta com mais vanta-gens? “Nos concursos, ganha a melhor oferta comercial, mas na zona em causa o mais importante não é se a câmara ganha mais mil euros, mas sim termos pessoas que podem ajudar, nomeadamente na integração dos desempregados locais.” O ROSA MARIA insistiu: talvez tenham então de ser revistos os critérios dos concursos públicos, para que possam aplicar-se também nestes casos. Resposta: “Tirando o preço, os critérios são sempre subjectivos, e para o júri é muito mais difícil ser transparente num processo com esse tipo de critérios. No caso deste quios-que, a decisão foi tomada em reunião de câmara, que é pública. Achámos que era honesto.”

Nova mesquita não falha, mas tarda

Cozinha Popular ganhou novos espaços

reportagem Texto Marta BernardoProjecto de arquitectura Inês Lobo

reportagem TextoMarisa Moura

A obra está prevista desde 2009 e ganhou expressão na imprensa nacional este ano. Eis o ponto de situação.

Falta “um ano de burocracia”

Rosa Maria n.º 9setembro ’15 09

Rosa Maria n.º 9setembro ‘1510

editorial está bem · está mal

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Carla

Ros

ado

Primeiro, os números: 12 milhões de pessoas dentro da Síria precisam urgentemente de ajuda humanitária. Metade são crianças. 4 milhões de refugiados sírios fogem da guerra, da destruição, do vazio. Metade des-tes, adivinhou, são crianças.

Somos 508 milhões de europeus. Dos refugiados sírios, os que batem à porta da Europa são apenas 250 mil. Ou seja, 0,05% da população eu-ropeia: em cada 2000 europeus, um único cidadão sírio. Que viu as bom-bas caírem na sua cidade, no seu bairro, na sua casa. Que pegou nas suas poupanças, nos números do telemóvel e num punhado de roupa – e se fez à estrada. Milhares de quilómetros a pé, ou metido em contentores e barcos de borracha, a cruzar fronteiras com a família atrás, fugindo da guerra para acordar do pesadelo.

A nós, só nos pede uma coisa: um porto seguro. Um abrigo para a sua família, roupa que os aqueça, comida que lhes dê alento. Com tem-po, um trabalho para se refazer e uma escola para ver os filhos crescer. Feridas da guerra saradas, quem sabe voltar? Quem sabe ficar. Aprender a língua, fazer amigos por cá. Para deixar de ser “refugiado” e voltar ao que sempre foi: alguém como nós.

Agora que nos pedem ajuda é que é a altura de perguntar pelos “nos-sos pobres”, prioritários na lista de espera da nossa caridade? Há prio-ridade na solidariedade? Nem é assim tão complicado: em Portugal, temos as pessoas, as instituições e a experiência para receber estes refu-giados – mil, três mil, muitos mais. E nem precisamos de nos lembrar de quando fomos nós a saltar a fronteira para refazer a vida em países mais ricos que o nosso.

Se não soubermos agora acolher o outro – com medo do desconheci-do, medo da diferença, medo do medo –, perdemos a compostura que gostamos de ostentar. E arriscamo-nos a perder os valores que tanto ten-tamos proteger.

Os residentes da Mouraria já podem estacionar no Martim Moniz. Desde meados de Agosto, há lugares reservados ao dístico EMEL zona 44 na correnteza entre a praça e o bairro, onde era proibido estacionar e parar. São 11 lugares de dia e 18 à noite.

O ROSA MARIA é um jornal sobre as pessoas e os acontecimentos da Mouraria, mas também sobre assuntos nacionais e internacionais relacio-nados com os seus residentes, criado para preservar e divulgar o seu imen-so património humano, histórico e cultural.

O ROSA MARIA é um jornal comunitário produzido por todos os que queiram participar (jornalistas, fotógrafos, ilustradores, designers gráficos, voluntários e moradores ou trabalhadores do bairro) e que se pautem pe-los princípios da solidariedade, do rigor e da qualidade.

O ROSA MARIA é parte integrante da comunidade em que se insere, mas totalmente comprometido com o código deontológico que enquadra o exercício da liberdade de imprensa e independente de facções religiosas, políticas e económicas.

O ROSA MARIA é editado pela Associação Renovar a Mouraria desde 2010, com periodicidade semestral. O seu nome é inspirado na mítica Rosa Maria imortalizada no fado Há Festa na Mouraria – uma mulher atrevida e virtuosa, como esta publicação.

A utilização do Acordo Ortográfico é deixada ao critério de cada redactor.

NOTA: Esta presente edição deveria ter saído em Junho de 2015. Sai em Setembro de 2015 devido a dificuldades na angariação de publicidade para pagar a impressão.

ROSA MARIA · Estatuto Editorial

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Carla

Ros

ado

Qualquer tag dos mais vândalos parece uma verdadeira obra-prima, comparado com esta “limpeza” de grafítis da câmara municipal, num imóvel particular da Rua dos Lagares. Assim ficou o serviço feito pela autarquia nas vésperas da inauguração do CIM, mesmo ali pertinho.

Quem tem medo dos refugiados?

Direcção: Inês Andrade Direcção Gráfica: Hugo Henriques Edição Fotográfica: Carla Rosado Passatempos: Na Die Coordenação Editorial: Inês Andrade, João Berhan, Marisa Moura, Nuno Saraiva Revisão: Inês Andrade, João Berhan Texto: Alexandre Honrado (ensaio), Ana Luísa Rodrigues, Catarina Lino, Daniela Correia Silva, Edgar Clara, Filipa Chatillon, Francisco Melo, Inês Andrade, Isabel Bernardo (tradução para inglês), João Carlos Martins, João Berhan, Marisa Moura, Marta Bernardo, Nuno Catarino, Nuno Franco, Paula Lino, Regina Nogueira, Ricardo J. Rodrigues, Teresa Melo, Viviane Carrico e Vladimir Vaz (Coluna da Cidadania) Fotografia: Ana Rodolfo (capa), Augusto Fernandes, Carla Rosado, Catarina Lino, Daniela Correia Silva, Eduardo Sousa Ribeiro, Filipa Chatillon, Irene Perea, Pablo Lopez, Vitorino Coragem Ilustração: Antònia Tinture, Maria Vidigal, Nuno Saraiva, Hugo Henriques Assistentência de paginação: Ana Rosa Figueiredo Publicidade: Filipa Bolotinha, João Carlos Martins, Susana Simplício, Tamara González López Propriedade: Associação Renovar a Mouraria Redacção, administração e publicidade: Beco do Rosendo, n.º 8, 1100-460 Lisboa, Tel.: +351 218 885 203, Tm.: +351 922 191 892, [email protected] Impressão: Funchalense – Empresa Gráfica S.A. Distribuição: Associação Renovar a Mouraria Versão digital: www.renovaramouraria.pt Tipos de letra: Lisboa e Tramuntana > Ricardo Santos • Depósito legal: 310085/10 Periodicidade: Semestral Tiragem: 10 000 exemplares Número nove, Setembro 2015 N.º Registo ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social): 126509

Rosa Maria n.º 9setembro ’15 11

entrevista

notícia

Texto Ana Luísa RodriguesFotografia Eduardo Sousa Ribeiro

Texto Marisa MouraFotografia Eduardo Sousa Ribeiro

Colectividades, associações, Misericórdia e instituições de solidarie-dade reúnem-se para pensar sobre o bairro e encontrar respostas para os seus problemas. O ROSA MARIA quis perceber o que é uma “comissão social de freguesia”, iniciativa da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. Falou com Inês Amaro, da equipa da Universida-de Católica responsável pela avaliação da comissão.

O que é uma comissão social de freguesia? Que não existe só em Santa Maria Maior…Há dez anos, o Instituto da Segurança Social lançou o programa Rede Social, a que os concelhos podem aderir. Num concelho grande como Lisboa, justifica--se a criação de comissões de freguesia. A comissão social de freguesia parece--me importantíssima para a concretização do que nós podemos pensar que seja uma democracia participativa.

Quem faz parte desta comissão?Colectividades de bairro, associações de imigrantes, entidades na área da cultura, a Santa Casa da Misericórdia, instituições na área da pobreza e toxi-codependência. O que se pretende é que estes agentes possam trabalhar em conjunto e definir projectos e acções que sozinhos não fariam.

Como pode uma comissão social de freguesia influenciar uma decisão da junta ou da câmara municipal?Para já, esta junta, ao começar ela própria o processo, está a dizer que pre-tende envolver os parceiros. Por outro lado, se um grupo estiver organizado e mobilizado para um objectivo, tem muito mais capacidade de lobbying sobre a câmara – ou mesmo sobre o governo – do que se for cada um por si.

O primeiro passo já foi dado: o diagnóstico. Quais as principais conclusões a que chegaram?Começámos a trabalhar em Abril de 2014. Trabalhando com os parceiros, chegámos a uma lista de problemas, que vamos procurar resolver em três eixos estratégicos para a acção. Santa Maria Maior é o cartão-de-visita da cidade. Isto traz um enorme potencial económico, mas também desertificação de habitantes, com casas de curta duração e comércio dedicado apenas ao turismo. Isto transforma os territórios em “cenários”: toda a gente lá passa, mas ninguém lá está.

Os habitantes vêem isso como um potencial de negócio ou como um problema do tipo “eu nunca apanho o 28 porque há sempre filas com os camones”?Ambas as coisas. Na baixa há uma preocupação com as pessoas mais velhas e a forma como podem estar a ser tratadas pelos investidores ou senhorios. Mas tam-bém tem havido experiências interessantes, como a de um prédio com apartamen-tos para alugar em que a senhora que lá vivia se tornou a anfitriã dos turistas.

Quais foram os principais problemas que encontraram na Mouraria?Para já, o desemprego e as baixas qualificações. O abandono escolar, quando pensamos que estamos no século XXI, é alto: anda à volta dos 13%. O desempre-go jovem, já antes da conjuntura que vivemos, atingia níveis trágicos. Depois, há a questão da ilicitude, do pequeno tráfico de droga... Isto está tudo ligado, não é? Uma escolaridade falhada, uma não inserção no mercado de trabalho, e depois estes esquemas de sobrevivência.

Há também a vulnerabilidade imigrante. Os imigrantes não são um problema, claro, mas as condições de ilegalidade em que muitos estão, sim. Na Mouraria, há fenómenos de que se ouve falar, mas depois não há dados muito concretos, como o sistema de “cama quente” – alugar camas a várias pessoas que estão por turnos em processos de extrema vulnerabilidade, indocumentados.

Depois, há uma questão que atravessa toda a freguesia, que é a insusten-tabilidade financeira das famílias. Rendimentos muito baixos, alguns deles cortados nos últimos tempos. E pobreza também ao nível da falta de hori-zonte e alternativa.

Depois do diagnóstico feito, que iniciativas estão pensadas?Vamos definir o plano de acção nas reuniões com os parceiros. Podemos falar até em coisas que já existem no território e dar-lhes dimensão ou organização. Por exemplo, há uma experiência na freguesia que podemos usar, tanto para responder àquele desempregado acima dos 40 e tal anos que tem muita di-ficuldade em voltar ao mercado de trabalho, como para responder a pessoas que precisam de serviços. Através da junta ou outra entidade, juntar pessoas que sabem fazer pequenos arranjos em casa, ou arranjar unhas ou cabelos; criar um pequeno rendimento para estes desempregados e ao mesmo tempo resolver problemas de pessoas, muitas delas idosas e isoladas.

Comissão Social de Freguesia

A democracia constrói-se no dia-a-dia

Chama-se Quanribao/Diário de Todos e é o terceiro jornal chinês feito em Portu-gal. Com uma particularidade: é bilingue. Metade em chinês, metade em portu-guês. Já nasceu no ano passado, mas só em Fevereiro deste ano teve um evento de apresentação – que teve a presença do vice-primeiro ministro Paulo Portas. É quinzenal e custa dois euros e meio. Junta-se aos dois semanários chineses que já existem: o Europe Weekly (fundado em 1999 sob o nome PuHa TongXun – Português, Portugal/China, com sede na Mouraria) e o PuXin (Novo Chinês em Portugal, criado em 2005, de Arroios).

Sedeado no Campo Grande, o novo jornal é dirigido por Helena da Cruz Mouro (na foto) e pelo adjunto Qi Yang. A directora é uma gestora com raízes familiares ligadas à diplomacia e a Macau, sendo também companheira do ma-caense Vitório Cardoso (membro do Conselho Nacional do Partido Social De-mocrata) e irmã de Carla da Cruz Mouro, assessora do Presidente da República. O jornal imprime dez mil exemplares, mais do triplo da concorrência.

Diário de Todos: o jornal luso-chinês

Os novos prédios do Martim Moniz fazem um exemplar jus à expressão “obras de Santa Engrácia”. Com onze anos de atraso, só ficaram prontos no passado mês de Dezembro. Ou-tras “engrácias” aqui na zona são o Centro de Inovação da Mouraria (CIM), inaugurado em Maio, e o Jardim da Cerca da Graça, em Junho. Nenhuma destas obras derrapou três séculos como a mítica Igreja de Santa Engrácia (veja a caixa), mas merecem atenção.

Em matéria de corrupção, o urbanismo (a par da saúde) é das áreas mais periclitantes, segundo o primeiro Relatório Anticorrupção da União Europeia, publicado no ano passa-do pela Comissão Europeia. Para Portugal, o documento sugere estas medidas: “reforçar a prevenção, detecção e sensibilização relativamente aos conflitos de interesses no âmbi-to dos contratos públicos”, ”reforçar a acção preventiva em matéria de financiamento dos partidos” e “avaliar uma amostra representativa de decisões de planeamento urbano so-bre projectos concluídos recentemente”. Olhemos, pois, para a “amostra representativa” da Mouraria. Antes disso, façamos ainda um parenteses para responder a esta pergunta: Como é que as obras públicas financiam os partidos?

O esquema da “derrapagem”O esquema tem sido descrito por Paulo de Morais, rosto nacional da luta contra a cor-rupção e candidato à Presidência da República. Sintetizando: a construtora oferece uma “luva” a alguém da autarquia para garantir uma empreitada. O intermediário (militante partidário e funcionário da autarquia) retém 40% e dá 60% ao partido. Em troca, a cons-trutora ganha favores do Estado, desde adjudicações de obras públicas a licenciamen-tos ilegais. Nos concursos, estes financiadores partidários apresentam propostas de baixo valor, ao ponto de afectarem a sustentabilidade da própria empresa. Assim conseguem as melhores pontuações, pois nos concursos públicos ganha a proposta mais barata. Mas depois, já com a obra em curso, surgem necessidades extra de investimento para terminar a obra. Começam então os ziguezagues, sem que as autarquias peçam contas à empresa, que começa a falhar prazos e orçamentos.

Os exemplos da Mouraria ilustram as situações propícias a estas práticas lesivas. Não significa que tenham aqui ocorrido efectivamente, mas olhemos para estas “engrácias”. Os atrasos, só por si, merecem um ponto de situação.

Epul Martim Moniz: o absurdo Corria o ano de 2001 quando a empreitada foi adjudicada pela EPUL (Empresa Pública de Urbanização de Lisboa) à construtora espanhola Ferrovial, no mandato do socia-lista João Soares. Seriam sete milhões de euros para habitação jovem. Primeiro, houve atrasos devido a achados arqueológicos. Depois, com a subida do social-democarata Pedro Santana Lopes ao poder, parou-se porque o autarca decidiu ajustar o projecto às “características históricas do local”. Sucederam-se os desentendimentos com a Ferro-vial (que acusava a autarquia de faltar aos pagamentos), a falência de um empreiteiro, e a necessidade de reabrir novos concursos públicos para que as obras se concluíssem. A Habitâmega Construções S.A. ficou encarregue pela obra num concurso de Dezem-bro de 2010, mas acabaria por ser a Constragraço – Construções Civis, Lda. a concluí--la, tendo sido essa empreitada adjudicada em Agosto de 2014. Quatro meses depois, nasceram então as Residências Martim Moniz, da EPUL Jovem. Os jovens, esses, já se tornaram adultos. E alguns dos que fizeram as primeiras reservas tiveram de andar pelos tribunais para reaverem os investimentos. A maior parte das vendas realizou-se em Novembro passado, num leilão que partiu de uma base de 4,7 milhões de euros e rendeu cerca de 20 milhões, boa parte dos quais oriundos de investidores chineses.

A obra esteve sempre sob tutela da EPUL, a empresa municipal que rece-beu ordem de extinção em 2013 e que ficou efectivamente extinta em De-zembro passado. Isto após acusações de gestão danosa que incluíram mediá-ticos processos judiciais – o caso das remunerações indevidas aos gestores da empresa (penas de prisão suspensa decretadas em 2010) e o Caso Braga-parques, sobre a permuta de terrenos do Parque Mayer e da Feira Popular (todos os arguidos absolvidos em 2014).

Na Praça Martim Moniz, os negócios com a Bragaparques também trou-xeram problemas. Terão sido pagos 10 milhões de euros indevidos, segundo uma investigação do jornal i em 2013. A empresa ganhou, em 1996, o concur-so público que incluía a construção do parque de estacionamento subterrâ-neo e a sua exploração por 75 anos, e obras à superfície, como as fontes. Mas essas, segundo o i, terão acabado pagas pelo erário público (veja também o artigo “A praça da (con)fusão”, na página 25).

Engráciasda Mouraria

Rosa Maria n.º 9setembro ‘1512

Igreja de SANTA ENGRÁCIA, 3 séculos em obras

Quando um processo parece nunca acabar, dizemos que é uma obra de Santa Engrácia. O templo que hoje alberga o Panteão Nacional, junto à Feira da Ladra, foi cons-truído em homenagem a Santa Engrácia de Saragoça, no ano de 1568. Passa-dos 113 anos, foi destruído numa tempestade e a reconstrução demorou 284 anos. Ora morriam os arquitectos, ora faltavam verbas, ora vinham terramotos naturais ou políticos. Um dos reveses foi ditado pelo rei D. João V, que declarou a igreja demasiado pequena e remeteu novos (e maiores) investimentos para depois do Convento de Mafra – que endividou problematicamente o país e cuja faustosa inauguração, em 1730, impressionou a Europa. Reza a lenda que, em 1630, um cristão-novo (judeu convertido) foi ali queimado vivo, inocente, acu-sado de roubar bens da igreja, e terá praguejado que as obras jamais termina-riam. Terminaram em 1966. A inauguração, a 7 de Dezembro, coube ao ditador António de Oliveira Salazar.

reportagem Texto Marisa Moura

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Residências Martim Moniz Adjudicação: 2001 / Construção: Ferrovial, Habitâmega, Constragraço Custo orçamentado: € 7 milhões / Inauguração prevista: Dezembro 2003 Inauguração efectiva: Dezembro 2014 = +11 anos

Jardim da Cerca e o escândalo partidárioOutra “obra de Santa Engrácia” é o Jardim da Cerca da Graça, na Calçada do Monte, entre a Mouraria e a Graça. O “maior jardim público no centro histórico da cidade” é uma iniciativa de José Sá Fernandes, vereador da Estrutura Verde e Energia. Passaram vinte anos entre as suas primeiras diligências e a inauguração, no passado dia 17 de Junho. Em 1995, Sá Fernandes, como cidadão, escreveu uma carta à câmara a sugerir a obra. Em 2005, enquanto candidato independente pelo Bloco de Esquerda, fez dela uma pro-messa eleitoral. Em 2009 a construção foi aprovada em reunião de câmara, prevendo-se a inauguração em 2011. A adjudicação da obra ocorreria somente em Dezembro de 2012, pois demoraram as burocracias com o proprietário do terreno: o Ministério da Defesa. O corte da fita ficaria então agendado para Agosto de 2014, mas derraparia quase um ano. A empreitada esteve a cargo da construtora Fitonovo, que entretanto passou a chamar-se Perene S.A., após o escândalo de corrupção na casa-mãe, em Espanha, para financiamento ao partido socialista espanhol (PSOE). No ano passado, a câmara justificou o atraso com a descoberta de ossadas humanas (O Corvo, 19/01/2014). Depois a construtora diria que as causas residiam na falta de paga-mentos por parte da câmara (Público, 26/98/2014). Facto refutado por Sá Fernandes, que, no mesmo artigo do Público, contrapôs uma causa abstracta: “contingências da empreita-da”. E voltou a refutar, agora, em declarações ao ROSA MARIA. O atraso “deveu-se essen-cialmente aos achados arqueológicos”, afirmou Sá Fernandes após a inauguração. “Não houve qualquer problema em relação à empresa em Portugal. Foi um concurso público e o caso português é totalmente transparente”, sublinhou o vereador. A Fitonovo (agora Perene) entrou em insolvência em Espanha na sequência de uma investigação sobre enriquecimento ilícito a um antigo assessor do PSOE no mu-nicípio de Sevilha, Domingo Enrique Castaño. O dono da Fitonovo, Rafael Gonzalez Palomo, detido em Julho de 2013, confessou ter entregado 30 mil euros a esse funcionário. Por cá, o Jardim da Cerca, entretanto, abriu azarado. Além de faltar a segunda entrada, pela Graça, logo se abriu uma enorme fissura no pavimento. “Passagem Proibida, zona em reparação. Pedimos desculpa pelo incómodo”, informava a Perene. Os custos totais da obra, segundo Sá Fernandes, rondam os 900 mil euros – cerca de 100 mil acima do custo fixado na empreitada adjudicada à Fitonovo.

CIM, pelo construtor detidoEntre os afilhados de “Santa Engrácia” está também o CIM – Centro de Inovação da Moura-ria (veja o artigo na página 8). A empreitada foi adjudicada, em 2012, à Constrope-Congevia, do empresário Carlos Santos Silva, detido em Novembro no âmbito da Operação Marquês, que pôs em prisão preventiva também o seu amigo, e ex-primeiro-ministro socialista, José Sócrates. Orçamentada em 1,8 milhões de euros, a obra deveria estar pronta em Dezem-bro de 2013, com inauguração no mês seguinte, mas derrapou 17 meses. A construtora fa-liu quando faltava um terço dos trabalhos. “Foi preciso fechar a cobertura, para não haver degradação com as condições climatéricas, e gerir os trabalhos com cada um dos sub-em-preiteiros”, esclareceu o vereador do urbanismo, Manuel Salgado, questionado pelo ROSA MARIA durante a inauguração, no passado dia 29 de Maio. Já no orçamento, ter-se-ão pou-pado cerca de 200 mil euros, ficando pelos 1,6 milhões de euros, segundo Helena Bicho, directora da Direcção Municipal de Projectos e Obras. “Assim que se entrou no terreno em profundidade, percebeu-se que as fundações não exigiam tanto reforço”, esclareceu. Outra mediática insolvência do construtor Carlos Santos Silva foi a da Conegil, em 2003. Ganhara, em 1997, uma obra que chegou a tribunal, e em que José Sócrates também foi investigado, enquanto secretário de estado do ambiente: a estação de tratamento de resí-duos sólidos urbanos da Associação de Municípios da Cova da Beira. Indícios de corrup-ção levariam a um processo que terminou em 2013, com a absolvição de todos os arguidos.

Com onze anos de atraso, nasceram finalmente os prédios do Martim Moniz. O Jardim da Cerca e o Centro de Inovação da Mouraria são outras obras que merecem especial olhar.

As opacas “boas práticas” da câmara A autarquia de Lisboa tem uma Comissão de Boas Práticas, cuja formação constituiu ela própria uma autêntica “engrácia”. O seu embrião remonta, pelo menos, a 2007. Quatro anos depois, publicava o primeiro relatório, intitulado Obras Municipais: o Estado da Obra. A divulgação foi recusada pelo executivo de António Costa e o jornal Público interpôs um processo que se arrastou nos tribunais por quase três anos. A câmara seria obriga-da a ceder, em 2014, por ordem do Tribunal Constitucional. O diagnóstico do relatório: “número reduzido de concursos públicos face ao número de ajustes-directos, com even-tuais consequências no agravamento de preços”, “vulgarização dos trabalhos a mais” e “pagamento frequente de quantias muito elevadas aos empreiteiros decorrente de juros de mora”. A Mouraria está a ser reabilitada desde 2010, num orçamento da ordem dos 14 milhões de euros. Transparência exige-se, sem sombra de dúvida.

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Centro de Inovação da Mouraria Adjudicação: Junho 2012 / Construção: Constrope-Congevia, Engenharia e Construção S.A. / Custo orçamentado: € 1,8 milhões / Inauguração prevista: Janeiro 2014 / Inauguração efectiva: 29 Maio 2015 = + 17 meses

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Jardim da Cerca da GraçaAdjudicação: Dezembro 2012 / Construção: Fitonovo S.A. (agora Perene S.A.) Custo orçamentado: € 799 mil / Inauguração prevista: Agosto 2014 Inauguração efectiva: 17 Junho 2015 = + 10 meses

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“O meu Deus é melhor do que o teu.” Palavra de ordem que parece opor as religiões e trazer

ao tempo presente inenarráveis cenários destruidores do melhor da essência do Homem. Assistimos ao triunfo de uma barbárie que age em nome de uma aparente lealda-de religiosa, mas que todavia não é mais do que uma nova dimensão do crime organizado, dos grandes negócios de armas, dos narcotráficos e dos interesses de países pode-rosos que, em tempo de crise, relançam as suas economias com a desfaçatez dos objectivos – e a ignorância do que é humano na jornada. Os deuses, no entanto, ficam imunes ao que os homens fazem em seu nome. Permanecem vivos mesmo quando os homens morrem, em vão, por eles.

Séneca, um contemporâneo de Cristo, intelectual espa-nhol (de Córdova), dizia que “todas as coisas são estranhas, só o tempo é nosso”. Podemos admitir que a afirmação pa-recia lícita até aos alvores do século XXI: todas as coisas do mundo eram realmente estranhas, mas o tempo, essa convenção de ficções e de espartilhos, parecia ser nosso. Os cientistas sociais procuram uma explicação abrangente para os últimos anos: Torres Gémeas, Iraque, Atocha, Bos-ton, Síria, os mortos no Mediterrâneo, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante, a confusa argumentação religiosa num mundo que afinal enferma apenas do político e do económico que promovem as batalhas pelo poder. Hoje, os guias dos cegos são outros cegos, o que equivale a dizer que andamos às apalpadelas e sofremos o que os nossos instintos ditam, com novas formas de pensar, de sentir e de agir que não entendemos.

A ocidente, os anos 80 e 90 do século passado pareciam ser de crescimento económico (isto é, de grandes lucros não tributados para os ricos e de permissão da ilusão do consumo para os pobres). À euforia da mão-de-obra bara-ta, a par do dinheiro barato e do endividamento, seguiu-se

a especulação sem controlo – e a grande crise internacio-nal, com a América como vértice. A crise de 2008 seria o culminar de uma queda vertiginosa. É neste quadro de falência civilizacional de modelo capitalista (que acabou por transferir as dívidas dos bancos para os governos na-cionais, e destes para as pessoas, arruinando-as com progra-mas extremamente severos de austeridade) que emergem divisões profundas, que tratam as religiões como chancela do que afinal tem outros contornos.

Olhamos com horror para sucessos bárbaros: o compor-tamento assassino dos talibãs, as várias frentes do Afeganis-tão, da Síria, do Iraque e do Paquistão, mas também da Líbia, do Líbano, do Quénia ou do Chade, e os levantamentos vio-lentos na Tunísia, no Egipto, na Argélia, no Iémen, em Mar-rocos, no Bahrein, na Jordânia e em Omã – a lista é imensa. A chamada Primavera Árabe terá assinado também a pági-na mais significativa para uma transformação do mundo nas ultimas décadas. Essa Primavera foi uma onda de revoluções ocorridas no Médio Oriente e no Norte de África, em que a população saiu às ruas para derrubar ditadores ou reivin-dicar melhores condições de vida. A primeira foi em De-zembro de 2010, na Tunísia, com o derrube do ditador Zine El-Abidine Ben Ali. Tudo começou com o episódio do jo-vem Mohamed Bouazizi, que vivia da venda de frutas e viu os seus produtos confiscados pela polícia por se recusar a pa-gar um imposto: Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo, aba-lando a população do seu país, provocando a revolta popu-lar e contagiando outros países com atitudes de insurreição.

Hoje, assistimos a guerras reivindicadas por grupos (ou países, como os Estados Unidos) de tradição monoteísta. O que é o monoteísmo? É a crença na existência de um só Deus (omnipotente, omnisciente e omnipresente). Esse Deus é o modelo a seguir e a adorar, pois a sua conduta é perfeita. Mas se as religiões mais beligerantes são monoteístas, porque ri-valizam? É melhor conhecê-las, mesmo que rapidamente.

O judaísmo, a mais antiga das três maiores religiões mo-noteístas, surgiu da religião mosaica. A palavra “mosaica” deriva de Moisés, que foi, de acordo com a bíblia hebrai-ca, o Alcorão e as escrituras da fé bahá’i, um líder religioso, legislador e profeta, a quem é tradicionalmente atribuída a autoria da Tora. É o profeta mais importante do judaísmo, e igualmente reconhecido pelo cristianismo e pelo islamis-mo, assim como por outras religiões.

O cristianismo nasceu de uma ramificação do judaísmo e por muito tempo foi conhecido como uma seita judaica. Segundo a religião judaica, esperava-se um homem que seria o Messias: um descendente do Rei David, que viria res-taurar o Reino de Israel. Nasce Jesus, em Belém. Por atrair seguidores e ser um novo pedagogo, é apontado por muitos como o Messias – ideia rejeitada por outros tantos. Foi con-denado e morto pelos romanos como um líder rebelde.

O islamismo é uma religião monoteísta que surgiu na Península Arábica no século VII, baseada num conjun-to de textos sagrados reunidos sob o nome de Alcorão e nos ensinamentos religiosos do profeta Maomé. Na visão muçulmana, o Islão surgiu desde a criação do homem; ou seja, Adão foi o primeiro profeta e o último foi Maomé. Alá (Deus), para os muçulmanos, é único: “Ele é Deus e não há outro deus senão Ele”.

Estas três religiões monoteístas tornam-se incompatíveis quando os seus fiéis são fundamentalistas a interpretar os seus ensinamentos e geram embates sangrentos como os que teste-munhamos no mundo em que vivemos.

Alexandre Honrado é um dos coordenadores do Obser-vatório para a Liberdade Religiosa, fundado em Janeiro. Licenciado e pós-graduado em História, lecciona a disci-plina de História das Ideias Religiosas. É investigador na área da Ciência das Religiões e prepara presentemente o seu doutoramento na área das Ciências da Cultura.

Cegos que conduzem outros cegosEnsaioAlexandre Honrado

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Rosa Maria + Transmouraria= Prémio

O ROSA MARIA foi um dos vencedores da 1ª edição do Prémio Comunicação 2015 “Pela Diversidade Cultural”, iniciativa promovida pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM), com o Prémio Fotojornalismo. As duas páginas publicadas na últi-ma edição deste jornal apresentam o trabalho da fotógrafa Carla Rosado, no bairro da Mouraria, com textos de Marisa Moura. A cerimónia de entrega de prémios realizou-se no dia 4 de Junho, na Fundação Portuguesa das Comunicações, em Lisboa.

www.transmouraria.comhttp://transmouraria.tumblr.com

Um palco que é um planisférioVivem na Mouraria ou noutros bairros lisboetas, mas chegam de todas as partes do mundo: Portugal, Brasil, Gâmbia, Angola, Cabo Verde, Guiné, Uruguai, Argentina, Es-panha, Itália, Bielorrússia e tantos outros lugares. São estes vizinhos que todas as sextas e sábados, sempre às 19 horas, trazem música ao palco da Mouradia.

O projecto, feito em parceria com a câmara municipal, promove artistas emergentes e traz ao público cultura gratuita. O objectivo maior é fazer circular estes artistas por outros palcos, nacionais e internacionais.

Em Junho passado, no Arraial da Mouradia, recebemos artistas vindos do Brasil, numa parceria com o Ateliê Multicultural (associação de Olinda, no Brasil), que nos trouxe Jorge Riba e a sua banda, para um inesquecível concerto de samba e afoxé, na demanda pela origem da cultura afro-pernambucana.

São muitos e não param de chegar. A qualidade destes artistas merece ser partilhada.

Situado em pleno coração da Mouraria, o Convento de Santo Antão-o-Velho, conhecido como “Coleginho” por ter sido o primeiro colégio jesuíta do mundo, foi adquirido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa no passado mês de Junho.

O provedor da Santa Casa, Pedro Santana Lopes, destacou o “valor patrimonial altíssimo” do local ligado à Companhia de Jesus, agora comprado por 698 mil euros. Com uma área bruta de construção de 2482 metros quadrados e um investimento superior a dois milhões de euros, pretende-se fazer uma profunda obra de reabilitação, que deverá demorar pelo menos dois anos.

Até ao momento, o projecto está em estúdio prévio, estando a definir-se as funções de cada espaço do equipamento. Contudo, Pedro Santana Lopes informou que o edifício servirá para “resposta social, cultural e algum alojamento para pessoas com preocupações culturais e pessoas com funções em instituições sociais, quer nacionais, quer estrangeiros”, acrescentando que é fundamental assegurar um verdadeiro envolvimento com a comunidade.

Ainda sem projecto específico e sem data marcada para o início das obras, a primeira casa da Companhia de Jesus vai ganhar vida nova. Já era tempo!

notícia TextoInês Andrade

O Coleginho vai ter vida nova

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16 Rosa Maria nº 9setembro‘15

17 Rosa Maria n.º 9setembro ’1516

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As crianças da Mouraria estrearam, finalmente, a Escola Básica do Convento do Desagravo. Situada no Campo de Santa Clara, junto ao Panteão Nacional, esta é a nova escola básica do Agrupamento Gil Vicente – e a maior do concelho, com espaço para 450 crianças, incluindo jardim-de-infância.

O agrupamento ganhou esta unidade e fechou seis: as escolas básicas da Rua da Madalena e da Sé, a Infanta D.ª Maria (no Campo de Santa Clara), a Marqueses de Távora (no Largo da Graça), a do Convento do Salvador (em Alfama), e o jardim-de-infância de São Vicente. Das escolas básicas, mantém apenas a do Castelo.

A nova escola abriu no início deste mês de Setembro, para o ano lectivo de 2015/16. Deveria já ter funcionado no ano anterior (2014/15), mas tal não aconteceu – ape-sar de a inauguração já ter sido anteriormente anunciada para meados do ano 2012/13, pelo então presidente da câmara, António Costa. Os atrasos ficaram a dever-se à recuperação do imóvel onde funcionou o convento, cuja cobertura estava em pior estado do que o estimado, e a imprevistos como a descoberta de uma cisterna romana, segundo a arquitecta Ana Esteves, responsável por esta obra orçamentada em 3,5 milhões de euros (veja também o artigo “Engrácias da Mouraria” na página 12).

Outra escola básica, também com jardim-de-infância, abrirá na Baixa, em 2017. Foi anunciada em 2012, no âmbito da política municipal de atracção de jovens famílias à baixa pombalina, mas só no dia 19 de Maio deste ano a câmara adjudicou a empreitada. A obra é realizada pela construtora espanhola San José, com previsão para terminar em Dezembro de 2016. É uma escola para 150 crianças, no Largo da Boa-Hora, à Rua Nova do Almada, no edifício onde funcionou o convento da Boa-Hora e mais recente-mente o tribunal com o mesmo nome. E também servirá as crianças da Mouraria.

2.º ciclo do ensino básico: 5.º e 6.º anos

Berçário: dos 4 aos 9 meses

3.º ciclo do ensino básico: do 7.º ao 9.º ano

Ensino secundário: do 10.º ao 12.º ano

Creche: dos 9 ou 18 meses aos 3 anos

Jardim-de-infância/Pré-escolar: dos 3 aos 6 anos

1.º ciclo do ensino básico: do 1.º ao 4.º ano

Rosa Maria n.º 9setembro ‘1518

As Escolas da Mouraria

Legenda:Públicas

Escola Secundária D. Luísa de Gusmão218 161 160Rua da Penha de França, 193(freguesia de Arroios)

Escola Básica e Secundária Gil Vicente218 860 041Rua da Verónica, 37 (freguesia de São Vicente)

Escola Básica Sampaio Garrido218 852 634Praça das Novas Nações (freguesia de Arroios)

Escola Básica Natália Correia218 136 945Rua dos Sapadores, 151 (freguesia de São Vicente)

Escola Básica Rainha D. Estefânia213 126 952Rua Jacinta Marto, Hospital Pediátrico D. Estefânia (freguesia de Arroios)

Escola Básica Lisboa n.º 212218 877 117Rua das Escolas Gerais, 69 (freguesia de Santa Maria Maior)

Nova escola básica da Boa-Hora (nome oficial por definir; só abre em 2017)Largo da Boa-Hora (freguesia de Santa Maria Maior)

Escola Básica do Convento do DesagravoCampo de Santa Clara, 200 (freguesia de São Vicente)

Escola Básica do Castelo218 864 711Rua das Flores de Santa Cruz, 14 (freguesia de Santa Maria Maior)

Escola Básica Lisboa n.º 1218 852 634Largo da Escola Municipal (freguesia de Arroios)

Escola Básica Luísa Ducla Soares213 533 477Rua do Passadiço, 86 (freguesia de Santo António)

Escola Básica Padre Abel Varzim213 460 886Rua da Rosa, 168 (freguesia da Misericórdia)

Escola Básica São José 218 851 455Rua do Telhal, 10, Jardim do Torel (freguesia de Santo António)

Creche Encosta do Castelo – Santa Casa 218 802 080Beco do Rosendo, 11 (freguesia de Santa Maria Maior)

Centro Promoção Social Rainha D. Leonor – Santa Casa218 164 030Praceta à Rua Natália Correia, 153-A (freguesia de São Vicente)

reportagem Texto Rosa MariaFotografia Carla Rosado

Mouraria nas artes TextoCatarina Lino

Foi em 1918 que o realizador Leitão de Barros se estreou no cinema. O Homem dos Olhos Tortos foi um dos seus primeiros filmes. Era para ser exibido em nove episódios, com um orçamento de 30 contos (150 euros), mas ficou inacabado por dificuldades financeiras. Se tivesse sido concluído, seria provavelmente uma das obras mais interessantes do cine-ma mudo português. No arquivo da Cinemateca Portuguesa estão guardadas as quatro partes da película que nos restam, restauradas e preservadas.

O argumento relata as aventuras de Gil Goes, um detective português que certa noite vê três embuçados saindo de um palacete abandonado na Rua Saraiva de Carvalho (em Campo de Ourique), transportando o que lhe parece ser um cadáver. Disfarçado, passa os dias seguintes em tabernas da Mouraria e numa casa de jogo, a investigar os três suspeitos. O que se segue são cenas de perseguições, raptos, chantagens e seduções, que certamente teriam cativado o público se o filme tivesse sido rodado até ao fim.

Além de António Sarmento, que brilhantemente interpretou Gil Goes, outros nomes do cinema português, como Raquel Barros, Alda de Aguiar e Filipe Melo, contribuiram para que este filme fosse (ou antes, pudesse ter sido) um sucesso.

Adaptação do folhetim O Mistério da Rua Saraiva de CarvalhoReinaldo Ferreira, o então famoso “Repórter X”, descontente com o trabalho que lhe atribuíam no jornal para onde escrevia, começou ele próprio a inventar as re-portagens. Em 1917, horrorizou os leitores com um crime na Rua Saraiva de Carva-

lho, que envolvia um cadáver, criminosos embuçados, muitos pormenores misterio-sos – e um homem sinistro, conhecido como “o homem dos olhos tortos”.

Quando a história começou a sair n’O Século, sob a forma de cartas assinadas por um tal de Gil Goes, o caso começou a despertar tanta curiosidade nos leitores que o jornal achou melhor revelar que tudo não passava de ficção. Mesmo assim, a histó-ria prosseguiu – e o interesse dos leitores manteve-se até ao seu desfecho.

O Homem dos Olhos Tortos Filme mudo inacabado, o mais ambicioso projecto da produtora Lusitânia Film teve como cenário a Mouraria.

Rosa Maria n.º 9setembro ’15 19

Do berço ao ensino secundário, eis a lista da oferta escolar num raio de dois quilómetros, a partir do Martim Moniz.

Nota: Algumas escolas básicas do 1.º ciclo têm serviços de ATL (Actividades de Tempos Livres). Muitos dos estabelecimentos privados

são IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social).

Fonte: Produção própria com base no site da Câmara Municipal de Lisboa.

Privadas

Cine

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Escola Selecta Professor DoutorAmadeu Andrés 218 123 482Rua Marques da Silva, 79 (freguesia de Arroios)

A Voz do Operário – Sociedadede Instrução e Beneficência 218 862 155Rua da Voz do Operário, 13 (freguesia de São Vicente)

APISAL – Associação Pró-Infância Santo António de Lisboa 218 140 438Av. Almirante Reis, 38 (freguesia de Arroios)

Centro Paroquial Bem-Estar de Alfama 218 875 045Beco da Bicha, 3-A (freguesia de Santa Maria Maior)

Externato Mãe de Deus 218 149 048Rua da Penha de França, 243(freguesia de Penha de França)

Externato Escola da Restauração 218 142 350Rua Cidade de Liverpool, 8 (freguesia de Arroios)

Externato Paroquial de Nossa Senhora da Conceição – Fundação Maria Ulrich 213 425 599Largo da Academia Nacional de Belas Artes, 14 (freguesia de Santa Maria Maior)

Jardim Infantil do CentroSocial Paroquial Nossa Senhorada Encarnação – FundaçãoMaria Ulrich213 467 248Calçada da Glória, 39 (freguesiada Misericórdia)

Centro Escolar Doutor Salgueiro de Almeida213 141 765Largo de Santa Bárbara, 9 (freguesia de Arroios)

Casa de Infância de Santana – Fundação D. Pedro IV218 802 038Travessa do Torel, 1 (freguesia de Arroios)

Casa de Infância de S. Vicente – Fundação D. Pedro IV218 864 023 Rua da Voz do Operário, 19 (freguesia de São Vicente)

Casa de Infância de Calafates – Fundação D. Pedro IV213 422 417Rua do Diário de Notícias, 133(freguesia da Misericórdia)

Jardim Infantil da Associação de Santa Engrácia de Lisboa218 150 946Calçada dos Barbadinhos, 36-A(freguesia de São Vicente)

Jardim Infantil da Freguesia dos Anjos 213 543 206Largo do Conde de Pombeiro, 12(freguesia de Arroios)

Creche da Graça – Fundação Maria do Carmo Roque Pereira218 864 040Largo da Graça, Igreja da Graça (freguesia de São Vicente)

Jardim Infantil do Centro Social Menino de Deus 218 863 535Calçada do Menino Deus, 27 (freguesia de Santa Maria Maior)

Infantário Jardim Arco-Íris 213 570 406Av. Almirante Reis, 79 (freguesia de Arroios)

Jardim de Infância do Centro Social Paroquial Pena 218 852 573Calçada de Santana, Vila Serra(freguesia de Arroios)

A nova escola básica do Agrupamento Gil Vicente - Escola Básica do Convento do Desagravo

reportagem Texto Ricardo J. RodriguesFotografia Vitorino Coragem

Edgar Clara O padre todo-o-terrenoTem oito igrejas a seu cargo e, para ir de umas para outras, prefere fazer-se ao caminho a pé. Mas, afinal, de onde vem e para onde vai o pároco dos trêsmil católicos que vivem na Mouraria?

Nos últimos meses, Edgar Clara tem andado nas bocas do mundo. O pároco de São Cristóvão andava a cismar há uns bons tempos em como haveria de re-cuperar o telhado, as telas e os paramentos da igreja. E então teve uma ideia. Vender telhas, organizar concertos de fado, fazer restauro ao vivo, crowdfunding. As portas da igreja abriram-se, veio gente que não costumava vir, às vezes fica-vam ali noite dentro. A imprensa reparou e ele agradece a atenção, que isso é meio caminho andado para conseguir o dinheiro que é preciso. E, de qualquer maneira, é um homem habituado aos jornalistas. Antes de assumir as rédeas da paróquia, foi assessor de imprensa do Patriarcado de Lisboa.

Tem 40 anos, é um padre jovem e desempoeirado. É mais fácil encontrá-lo na rua do que fechado nos salões da paróquia, até porque tem oito templos a que atender e isso obriga-o a andar constantemente de um lado para ou-tro. “Prefiro andar a pé, e não apenas porque consigo falar com as pessoas, estar mais próximo delas. É que as ruas da Mouraria são apertadas, não é fácil percorrê-las de carro. Além disso, estou farto de pagar multas de estaciona-mento”, zomba.

Edgar Clara cresceu em Ulhos, perto de Camarate. Em 1991, quando o Papa João Paulo II visitou Portugal, sentiu o apelo de se entregar a uma vida reli-giosa. Dois anos depois, entrou no seminário. Foi ordenado aos 24 anos, pas-sou dois anos em Mafra e oito ao serviço das comunicações do Patriarcado. Há cinco que é pároco da zona histórica da capital.

Entre praticantes e não praticantes, há três mil católicos na Mouraria. Ou seja, três quartos da população do bairro. É também aqui que se cumpre a mais antiga procissão lisboeta, a de Nossa Senhora da Saúde – desde 1570. E, mesmo que entre os portugueses ele assista a um envelhecimento dos fiéis, há novas gerações de estrangeiros a ocuparem os bancos durante a missa. “Voltámos a ter catequese, que era algo que não acontecia há muito tempo. E isso é um sinal animador.”

Satnam Singh O banquete de féHá cânticos, há uma explosão de cores, há comida para toda a gente. A alegria serena da comunidade indiana é alimentada todos os domingos, no templo Shri Guru Ravidass Sabha.

Não se pode entrar no templo com sapatos. Já a cabeça, deve estar coberta – sinal de respeito pelo guru Ravidass, o fundador da religião ravidassia, que uma boa parte dos indianos da Mouraria professa. Descendo umas escadas, encon-tramos um admirável mundo novo. Na cave de um edifício discreto já perto dos Anjos, os homens colocam-se à direita do altar e as mulheres à esquerda. Estas usam saris coloridos, têm a pele das mãos pintadas com desenhos, olhares refor-çados com a tinta preta dos pincéis. Cantam, como os homens cantam. E sorriem, como os maridos e os filhos. É uma alegria subterrânea e escondida, mas aqui toda a gente é bem-vinda.

As orações seguem a batuta de Satnam Singh – é ele o líder dos ravidassi lis-boetas. Homem trabalhador e honesto, concordam todos os que ali foram parar, é um exemplo para os demais fiéis. Há oito anos que emigrou do Punjab para Portugal; a vida na Índia era pouco mais do que matar a fome. Trouxe os filhos, três, e todos dizem que era o melhor que lhes podia ter acontecido. Aqui, Satnam é estucador e pintor de construção civil, mas também dá aulas de português aos que vão chegando e ajuda com os papéis da legalização. “Afinal, uma igreja serve a quem, senão aos que precisam dela?”.

Ao contrário dos hindus – que também contam com uma vasta comunidade em Portugal, nomeadamente em Sete Rios e Santo António dos Cavaleiros –, os ravidassi acreditam num único Deus. Foram a primeira religião da Índia a abolir o sistema de castas; o seu culto é baseado nos ensinamentos de um pacifista do Norte do país e na igualdade de todos os homens perante o divino. Todos os domingos, dão asas aos ensinamentos e acolhem quem quiser vir, para uma re-feição partilhada. Lentilhas e molho de iogurte, abóbora com cebola e alho, grão com soja. Tudo vegetariano, e tudo para todos, gratuitamente. “O nosso sonho”, diz o líder da comunidade, “é termos um espaço próprio”. Conseguiram juntar 20 mil euros, são escassos para comprar um imóvel. “Mas, entre os 700 membros que vivem em Lisboa, havemos de conseguir.”

Religião

DomingonomundoSe a Mouraria é o centro da multiculturalidade lisboeta, então também é o umbigo da diversidade religiosa da cidade. Ao domingo, a fé toma conta do bairro, é espetáculo para os sentidos. O ROSA MARIA andou pelos templos a perceber quem são os líderes religiosos que aqui vivem – e quais as suas doutrinas. Uma viagem à volta do mundo, em oração.

Li Guo A resistência chinesaPerseguidos durante a revolução cultural, os evangélicos chineses constituem a segunda maior religião do país. Há cristianismo de olhos em bico, todos os domingos, na Mouraria.

Quem olha para o portão branco na Rua Maria, mesmo nas traseiras do Lar-go do Intendente, quase não repara que ali há fé. Por cima da portada veem-se alguns caracteres chineses a preto e, no centro, uma cruz vermelha. Portas quase sempre fechadas mas, ao fim de semana, a rua enche-se de gente. So-bretudo ao domingo, dia de missa.

Existem 50 milhões de evangélicos na China, um país maioritariamente budista. Dos 20 milhares que vivem em Lisboa, mil frequentam este culto. São cristãos, mo-noteístas, acreditam na Santíssima Trindade e que todos os homens nascem peca-dores. Celebram eucaristias em mandarim e o grosso da comunidade vem do Norte da China, da região de Shangdong. São, em boa verdade, as famílias de comerciantes da Mouraria e do Martim Moniz. Vendedores de roupa e donos de lojas de conveniên-cia, proprietários de restaurantes e de supermercados, cabeleireiros, relojoeiros.

Aos sábados, ocupam a escola primária dos Anjos, na Praça das Novas Nações, para ensinar catequese, aulas de língua e cultura chinesas. “É mui-to importante que as nossas crianças, que estão cada vez mais integradas na sociedade portuguesa, não percam os laços com as suas raízes”, atira Lu Guo, o pastor do templo. Ele próprio dá aulas aos mais novos, presta assistência aos idosos e coordena a escola bíblica. Tem 42 anos, três filhos que falam portu-guês bem melhor do que ele e uma vida inteira dedicada à fé.

Guo veio para Portugal há três anos, mas a igreja já existe há 16 – esteve em várias localizações, até a comunidade ter conseguido comprar, há um ano, instalações próprias. E, se hoje ele pode rezar livremente, sabe que isso é uma bênção. “Cresci evangélico, como os meus pais e avós. Mas, durante anos, os cultos eram proibidos na China; as comunidades nem sequer podiam pensar em reunir-se.” Foi assim entre 1966 e 1978. Hoje, segundo a revista Time, ainda há limitações. A igreja não pode pôr em causa qualquer doutrina do regime e ninguém pode tornar-se evangélico se for menor de idade.

Mbadu Sayed Alá no meio de nósO culto do islão dá o nome à Mouraria. Não seria o mesmo bairro sem a marcha do povo para a mesquita, cinco vezes por dia. Lisboa, bem vistas as coisas, também é muçulmana.

Dá-se mais pela multidão ao fim do dia e isso não é difícil de perceber. É depois do trabalho que a romaria se torna mais expressiva – e são sobretudo os homens que rumam à mesquita. “Não é qualquer tipo de discriminação”, ex-plica Mbadu Sayed, o imã do bairro. “Simplesmente há muito menos mulheres na comunidade. Uma grande parte dos muçulmanos que aqui vivem vêm por um período de tempo, para ganhar dinheiro, e depois regressam a casa. Não trazem consigo as famílias.”

Existem, na verdade, duas mesquitas no bairro – uma é exclusivamente para homens, outra é mista. Edifícios precários para acolher tanta gente, e isso explica os planos autárquicos para a construção de um novo edifício, entre as ruas do Benformoso e da Palma. “Somos cerca de mil, talvez um pouco mais”, explica o clérigo. “Há muita gente do Bangladesh e muita gente do Paquistão. Mas também há muitos moçambicanos e guineenses. Somos uma comunidade multicultural, que fala várias línguas. O que nos une é a fé e o Alcorão.”

Cinco vezes por dia, os fiéis são chamados ao templo, seguindo o curso do Sol. O Salah – a oração muçulmana – cumpre-se de corpo virado para Meca, e é um dos pilares do islão. É tão importante como a fé num único Deus, o je-jum, o Zakat (a prática da caridade) ou o Hajj (a viagem anual a Meca).Mbadu cumpre toda a tradição, não fosse um exemplo para os demais. Tem 33 anos, é chefe de família e dono de um restaurante onde não se serve álcool, mas onde não faltam iguarias do seu Bangladesh natal. “Ter uma casa de por-tas abertas é uma maneira de estar sempre em contacto com a comunidade, muçulmanos ou não.” Garante que as relações com a vizinhança não são boas, são excelentes. E diz que, no panorama europeu, Portugal é uma exceção: “Há uma grande tolerância pelos outros hábitos, pelas outras culturas e pelas outras crenças. E isso é sinal de um povo verdadeiramente civilizado, que não tem medo do que é novo.” A discriminação, garante, não passa por aqui.

Rafael Bispo Com um pouco de rock ‘n’ roll

p Abriu portas há um ano, a Casa do Leão. Mas as origens estão na cidade de Marília, no estado brasileiro de São Paulo. Culto evangélico puro, fervoroso e emocional, com música a abrir.

À porta da Comunidade Cristã Casa do Leão, há uma série de panfletos com instruções práticas para mudar de vida: “Como Encontrar a Paz”, “O Plano de Deus Para Nós”, “Como se Tornar Filho de Deus”. Há frases da Bíblia na parede, a apelar à conversão. A sala de culto, que não se vê da porta do número 16 da Rua Maria, tem chão quadriculado, cadeiras desdobráveis e um altar simples. Há um cadeirão Voltaire no centro, uma bandeira portuguesa aberta e há uma série de instrumentos musicais: guitarras elétricas, um sintetizador, uma bateria. Cada cerimónia, um concerto – não fosse a música caminho para o céu.

O discurso de salvação é proferido por Rafael Bispo, sorriso rasgado e 25 anos. O pastor da comunidade é brasileiro, e carrega os trópicos na voz, que vogais abertas são o dobro da emoção. “Cheguei há dois anos de Marília, São Paulo, para fundar a Casa do Leão.” É nome bíblico, “a minha casa será casa de oração”. No Brasil, fre-quentou um culto semelhante, a Casa de Israel. “É um ministério profético fundado pelo apóstolo Erick Oliveira e de que me tornei missionário. Advogamos a relação íntima entre o sujeito e Deus e usamos a música, porque música é adoração.”

A comunidade é pequena – 35 a 40 crentes, metade brasileiros e outros tantos portugueses. É um rebanho bastante jovem, o que o pastor Rafael admi-nistra. No Brasil, a história repete-se, mas os fiéis contam-se pelas centenas.“O meu trabalho hoje é espalhar a fé. Faço visitas, dou aconselhamentos, trabalho nas obras sociais.” O grande objetivo, diz, é abrir um refeitório social e gratuito, onde todos sejam bem-vindos. E o resto é música, de batida dura e embalo meló-dico, mais as letras que falam da adoração a Deus e da salvação das almas.

Rosa Maria n.º 9setembro ‘1522

Os Santos

da Mouraria

Nas festas populares canta-se “Viva o Santo António,

viva o São João”. São os padroeiros de Lisboa

e do Porto.

E na Mouraria, quem são os nossos santos?

reportagem Texto Edgar ClaraIlustração Antònia Tinture

Santa Maria Maior é o nome da freguesia a que pertence a Mouraria. O nosso bairro ficou sob a graça da mãe de Jesus Cristo desde a reestruturação administrativa nacional de 2013, agrupado com o Castelo, Alfama, a Baixa e o Chiado.

Outros santos “iluminavam” então a Mouraria, que per-tencia a duas freguesias agora extintas: a freguesia de São Cristóvão e São Lourenço (juntava os nomes dos dois santos) e a do Socorro. Esta última existia desde o século XVII, em homenagem à Nossa Senhora do Socorro. Até então, entre 1596 e 1646, a freguesia tinha o nome de São Sebastião. Ho-menageava o soldado francês que, no século III, era guarda directo de Dioclesiano (o imperador romano que combatia o cristianismo) até este se ter apercebido da sua fé e ordenar a sua execução, trespassado por flechas, por traição.

Viajemos pela história dos santos católicos que marcam o nosso território neste século XXI. Recordemos ainda que o bairro nasceu no século XII, com a reconquista cristã aos muçulmanos, e que se chama Mouraria porque, tal como noutras mourarias do país, foi o espaço a que os cristãos ven-cedores confinaram os derrotados. E aqui viveram os Mouros – palavra derivada de mauri pelo facto de se terem conheci-do os primeiros muçulmanos na Mauritânia.

E que melhor cicerone poderíamos ter nesta viagem? As apresentações ficam a cargo do padre católico da paróquia, Edgar Clara (veja também a página 20).

Nossa Senhora da SaúdeÀs portas da Mouraria, encontra-se a famosa e única capela da Senhora da Saúde. Trata-se de uma das maiores devoções (se não a maior) da cidade de Lisboa, depois de Santo António. É uma das muitas evocações com que os cristãos denominam a mãe de Jesus, aqui venerada em particular como protectora dos doentes. A sua festa é celebrada no primeiro ou segundo domingo de Maio. Milhares de pessoas vêm para ver desfilar as bandas de música e o expoente máximo da che-gada a cavalo da imagem de São Jorge, vinda da igreja do Castelo. Outrora, a própria rainha vestia e coroava a Senhora da Saúde, presidindo às celebrações. Hoje é a primeira-dama que o faz. A Procissão da Nossa Se-nhora da Saúde é a mais antiga do país. Realizou-se pela primeira vez no dia 20 de Abril de 1570, na então Fre-guesia de São Sebastião, organizada pelos artilheiros da ermida da Moura-ria em agradecimento à Nossa Senho-ra pelo fim da peste.

Nossa Senhora do Socorro A Nossa Senhora do Perpétuo Socor-ro é uma das muitas evocações da mãe de Jesus – tal como a Nossa Senhora da Saúde (veja o texto abaixo). Tam-bém venerada pelas igrejas orientais, manifesta a protecção de Nossa Se-nhora, que socorre sempre os que a ela se dirigem nas orações. Na Mouraria, a Nossa Senhora do Socorro é venera-da na igreja do Coleginho – a primeira casa que os jesuítas tiveram em todo o mundo, criada em 1542, também conhecida como Colégio de Santo Antão-o-Velho. Aí está uma imagem de grande porte, da autoria do conhe-cido entalhador Machado de Castro (1731-1822), que deixou centenas de obras no nosso país. A imagem foi transladada da igreja do Socorro em 1949 quando a Câmara Municipal de Lisboa demoliu a igreja por causa da construção da Rua da Palma. Desde então, a sede da paróquia passou para o Coleginho.

Rosa Maria n.º 9setembro ’15 23

São CristóvãoÉ o padroeiro dos automobilistas e um dos mártires do século III, executado nos tempos do imperador Décio. O nome Cristóvão significa “aquele que carrega Cristo”. De seu nome Reprobus, era um gigante que tinha por missão atravessar as pessoas entre as margens de um perigoso rio. Um dia, atravessou uma criança, que ficava cada vez mais pesada, de tal maneira que ele sentia como se o mundo inteiro lhe pesasse sobre os ombros. Após a travessia, a criança revelou ser o Criador e Redentor do mundo. Para provar, pediu a Cristóvão que espetasse o seu bastão na terra; uma exuberante palmeira nasceria ali mesmo na manhã seguinte. O milagre enfureceu os pagãos e levou ao martírio e decapitação de Cristóvão. A paróquia cos-tuma fazer-lhe a festa no segundo domingo de Outubro, juntamente com a bênção dos carros e outros veículos. A igreja dedicada ao santo, no Largo de São Cristóvão à Rua das Farinhas, é das mais belas de Lisboa. Foi construída em 1670 e resistiu ao Terramoto, chegando intacta até aos nossos dias (veja o artigo “Igreja de São Cristóvão - Patri-mónio a restaurar” na página 24).

São LourençoÉ outros dos mártires do século III. Era diácono do papa Sisto II. Quando este se dirigia ao local da execução, o santo ia junto dele e chorava. “Onde vai sem seu diáco-no, meu pai?”, perguntou-lhe. O papa respondeu: “Não penses que te abandono, meu filho, pois dentro de três dias me seguirás”. Após a execução do papa, o impera-dor Valeriano instou a Igreja a entregar as suas riquezas. São Lourenço levou diante do imperador os fiéis cris-tãos e as pessoas auxiliadas pela Igreja. Depois, excla-mou a frase que lhe valeu a morte: “Este é o património da Igreja”. O imperador, furioso e indignado, mandou prendê-lo e ser queimado vivo sobre um braseiro arden-te. A igreja de São Lourenço, na Rua Marquês de Ponte de Lima, junto ao Largo da Rosa, conserva um conjunto arquitectónico medieval. Pertence à câmara municipal e está desactivada ao culto.

São Francisco XavierO edifício mais emblemático da Mouraria – o Coleginho – albergou a estadia de um dos santos mais respeitados de todo o Oriente: São Francisco Xavier. É um dos fun-dadores da Companhia de Jesus, ordem religiosa dos je-suítas, fundada em 1534 na Contra-Reforma Católica, em resposta à Reforma Protestante. Foi companheiro do fun-dador do Coleginho, Santo Inácio de Loyola, juntamente com Simão Rodrigues, que veio para Portugal adminis-trar o Coleginho e a acção dos jesuítas nas missões. O santo partiu de Lisboa rumo à Índia, mas foi no Japão que desenvolveu a maior parte de toda a sua missão. Hoje, o seu corpo encontra-se incorrupto em Goa, na Basílica do Bom Jesus, e a devoção é partilhada por cristãos, budistas, hindus e muçulmanos. O Coleginho, na Mouraria, foi a primeira casa dos jesuítas.

São João de BritoÉ um dos dois santos nascidos em Lisboa, depois de San-to António. A pequena capela que se ergue ao cimo da Calçada de Santo André, junto ao Largo de São Tomé, integra aquela que é, nada mais, nada menos, do que a casa onde nasceu São João de Brito, em 1641. Aos 11 anos, adoeceu tão gravemente que invocou o jesuíta São Fran-cisco Xavier e prometeu usar o hábito de Santo Inácio, fundador da Companhia de Jesus, durante um ano. Acre-ditando ter-se curado através das preces, cumpre a pro-messa. Depois, entra na Companhia, e aos 30 anos parte para a Índia. Em Goa, identificou-se com as castas mais baixas, aprendeu a língua e passou a vestir-se como os brâmanes. Em apenas uma quaresma converteu ao cato-licismo mais de três mil hindus. Morreu a 4 de Fevereiro de 1693 e foi beatificado em meados do século XIX, mas só em 1947 foi canonizado pelo papa Pio XII. Na Índia, o Santuário de São João de Brito, em Oriyur, é hoje local de peregrinação de diferentes religiões.

Rosa Maria n.º 9setembro ‘1524

reportagem Texto Filipa ChantillonFotografia Pablo Lopez

A Igreja de São Cristóvão precisa de obras urgentes. Ao longo das últimas décadas, foram-se acumulando os danos típicos do envelhecimento natural dos materiais de construção originais, agravados pelas condições ambientais. O estado de conservação da igreja é grave.

O projecto “Arte por São Cristóvão”, um dos vencedores do Orçamento Participativo de Lisboa de 2014, está a decorrer desde Abril, até Março de 2016. Com visitas guiadas, espectáculos de fado de artistas locais, concertos de música clássica ou conversas sobre a preservação do património religioso, procura-se chamar a atenção para a igreja e o seu património, e assim captar apoios para a sua renovação.

De acordo com o Plano de Conservação e Revitalização da Igreja de São Cristóvão, a primeira intervenção será na cobertura da igreja, onde ocorrem infiltrações de água que aceleram a degradação do edifício. Ao mesmo tem-po, será tratado o teto em caixotão da nave da igreja, por se considerar que estas obras são complementares.

Também vão ser reabilitadas 31 pinturas sobre tela, datadas do século XVII, da autoria de Bento Coelho da Silveira, com representações da vida de São Cristóvão. Estas peças de grande valor estão em mau estado sobretudo porque a camada que protege a tinta está completamente degradada. Isto põe em causa a estabilidade das pinturas e contribui para o desequilíbrio es-tético do conjunto. O restauro possibilitará o conhecimento das peças no seu esplendor original.

Prevê-se também, nesta fase, o tratamento de 13 esculturas em madeira. “São peças de grande devoção e muito estimadas pela comunidade onde es-tão inseridas”, diz o pároco Edgar Clara. Os restauros são realizados na

própria igreja, por forma a que a comunidade local e os turistas possam acompanhar a evolução do projecto.

Uma campanha de crowdfunding já permitiu angariar fundos para o restauro da Última Ceia. A compra de telhas é outra das muitas formas de contribuir para recuperar este património. Se quiser ajudar, ou apenas apreciar a “Arte por São Cristóvão”, pode passar na igreja ou visitar o site www.arteporsaocristovao.org.

Igrejade São Cristóvão – Património a restaurar

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reportagem Texto Marta BernardoFotografia Augusto Fernandes

Chama-se Mercado de Fusão. Ocupa a praça do Martim Moniz desde 2012 com quiosques de comida internacio-nal, esplanadas, uma feira alternativa e eventos regulares.

A velha praça do Martim Moniz, hoje, está a cargo da NCS – Número de Ciclos por Segundo, empresa privada de José Filipe Rebelo Pinto, responsá-vel pelo festival Outjazz (concertos nos jardins da cidade), pelo Faktory Club (na LX Factory) e pelo Topo, o novo bar no terraço do Centro Comercial Martim Moniz.

O Mercado de Fusão é a terceira tentativa de reanimação desta praça que nasceu torta e que com dificulda-de se endireitou (veja também o artigo “Engrácias da Mouraria”, na página 13). Foram 74 anos de avanços e recuos, 19 presidentes de câmara, dezenas de planos e dezenas de críticas.

Pensou-se em fazer uma praça, comércio, empresas, habitação. Abriu--se e fechou-se ao trânsito, mudou-se o nome e a atracção. Construiu-se, destruiu-se, desenhou-se e apagou-se. Milhares de euros (e contos, em moe-da antiga) gastos em planos, obras, demolições, indemnizações e expro-priações.

Os primórdios da “chaga urbana”Imoral, perigosa, multicultural e cosmo-polita. “Buraco”, “terra de ninguém” e “chaga urbana”. Já tudo lhe chamaram, na rua e na imprensa – como se pode ler, por exemplo, no jornal Público, em 1996 e 2001.

Quando, em 1938, Duarte Pacheco, presidente da câmara e ministro das obras públicas de Salazar, pediu ao arquitecto Faria da Costa que resol-vesse o problema da pobre, suja e feia Mouraria, a solução foi demolir o Pa-lácio do Marquês de Alegrete para aí fazer nascer o Largo do Martim Moniz. Mas estava longe de imaginar a saga que aí vinha. Nos vinte anos seguintes, mais demolições. A Igreja do Socorro,

o Teatro Apolo e o Arco do Alegrete deram lugar ao Hotel Mundial e à es-tação de metro do Socorro. Dez anos depois, desmantelado o mercado da Praça da Figueira, coube ao Martim Moniz acolher uns pavilhões por uns provisórios 40 anos.

A partir dos anos 80, começam as missões de salvamento. Primeiro com o autarca Krus Abecasis (CDS). Abriu um concurso, ganho pelos arquitectos José Lamas e Carlos Duarte, que pro-punham comércio, cultura, habitação e estacionamento. Da sua proposta, saíram apenas duas obras que ainda hoje não caem no goto dos moradores: os centros comerciais Mouraria e Mar-tim Moniz (este último concluído no mandato do socialista Jorge Sampaio).

Reconquista falhadaNa década seguinte, um folheto da EPUL (Empresa Pública de Urbani-zação de Lisboa) prometia resolver de vez “o problema desta obra de San-ta Engrácia” e “devolver à cidade o seu Martim Moniz”. Mas não devolveu.

É João Soares (PS) quem, em 1995, dá a volta à praça para “fazer dos ci-dadãos protagonistas do espaço” (indemnizando José Lamas e Carlos Duarte por ter rompido com o seu projecto). Usando o tema da recon-quista cristã, a estação de metro pas-sa a chamar-se Martim Moniz, como o cavaleiro sem cabeça; anuncia-se na revista Step-by-Step, da Associação de Turismo de Lisboa, que nascerão “46 quiosques que, à distância, parecem guaritas de um castelo medieval”. Mas o que nasceu foram as “gaiolas do Mar-tim Moniz”, como ficaram conhecidas.

Alfarrabistas, antiguidades, artigos chineses – nada pegou, as vendas não cobriam a renda. Até que, dois anos depois, Santana Lopes (PSD) doa 36 desses quiosques a igrejas, que tam-bém não lhes deram uso.

Finalmente, há três anos, já com a reabilitação da Mouraria em curso, o

executivo do socialista António Costa e a EPUL assinaram o protocolo com a NCS para exploração da praça.

Fundir gregos e troianosApesar da animação, três anos depois, alguns responsáveis e funcionários dos quiosques queixam-se do “esmoreci-mento” do projecto, da falta de policia-mento durante os eventos e de falta de manutenção do espaço: as casas-de--banho estão fechadas; para usá-las, há que pedir nos quiosques a chave e o papel higiénico (comprado pelos pró-prios lojistas). Uns urinam a céu aberto, outros desfilam na praça de rolo de pa-pel na mão. O ROSA MARIA tentou falar com a NCS e a câmara, mas sem êxito.

Alguns moradores elogiam: está melhor, mais activa e bonita, as pes-soas convivem. Outros criticam: de-masiado moderna, sem comida tradi-cional nem áreas públicas suficientes. Há tempos, puseram-se novos bancos, a música baixou e os moradores mais reticentes lá regressaram, apesar dos preços para turista. Numa praça tão multicultural, será difícil agradar a gregos e troianos, mas pode ser que à terceira seja de vez.

Nasceu com o pé esquerdo há 77 anos, resistiu ao Terra-moto e lá vai sobrevivendo à terceira intervenção urbana. A praça do Martim Moniz, hoje, respira, tem vida, mas há pontos por cicatrizar

História da Praça Martim MonizPontos-chave da praça que homenageia o cavaleiro cristão que morreu entalado nas portas do castelo, em 1147, na reconquista de Lisboa aos Mouros.

1938 Nasce o largo, com a demolição do palácio do Marquês do Alegrete. A foto abaixo é do ano 1947 e intitula-se “Espaço aberto para a futura praça Martim Moniz”.

1980 Nesta década dá-se a primeira reabilitação, com o autarca Krus Abecasis, pai dos polémicos centros comerciais que ladeiam a praça. Seria concluída no mandato de Jorge Sampaio.

1990 Década da segunda intervenção, sob o lema da Recon-quista Cristã. Nasce o conceito de quiosques no mandato de João Soares – o autarca que, sobre o Centro Comercial Mouraria, chegou a dizer: “Vou implodi-lo”.

2012 Inauguração do Mercado de Fusão, concessionado à NCS.

A praça da (con)fusão

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Do elixir do imperador chinês ao “desbronzeador” indiano

Texto Regina NogueiraIlustração Maria Vidigal

Quando o Nepal se recompunha do brutal terramoto, em Abril, encontrámos o Madhu Sudan, longe da família, mas “em casa” no que toca a iguarias. Trabalha com a indiana Seera, fã das pétalas de rosa.

Muitas vezes me questiono se devo jantar bifinhos de peru ou febras, apetecendo-me descobrir um novo prato preferido no meio da escolha escas-sa. Mas, se os rótulos vierem escritos numa língua estrangeira, a mudança custa ainda mais. É por isso que o ROSA MARIA parte à descoberta, por entre ruas e conversas, de paladares de outros

pontos do globo nos bazares da Mouraria.Junto à Praça Martim Moniz, na Rua Fernandes da Fonseca, o supermercado

chinês Hua Ta Li parece-me o sítio ideal para começar esta viagem. Por entre prateleiras repletas de embalagens, potes, garrafas e latas que nunca vi, ervas, plantas e flores de que nunca ouvi falar, os meus olhos pousam numa estranha raiz que, no invólucro, promete longevidade.

“O Astragalus 1 usa-se para fazer chá e tem inúmeros benefícios para a saúde, ajudando o corpo a resistir a doenças cardiovasculares ou a problemas renais”, explica-me uma senhora chinesa. Consta que, há cinco mil anos, só a família do imperador podia usar o Astragalus, e quem não estava autorizado a fazê-lo arriscava pena de morte se desafiasse a regra.

Continuei a conversa para satisfazer a curiosidade acerca de uma lata verde

com ar de desenho animado, que reconheci de um blogue de foodies (palavra in-glesa que define os apaixonados por gastronomia), descrita como o petisco mais viciante de todos os tempos. As ervilhas Koh Kae 2 vêm prontas a comer, cro-cantes e cobertas por uma camada de pó de wasabi. No Hua Ta Li encontramos ainda amendoins da mesma marca, com este e outros sabores.

Antes de seguir caminho, comprei o vinagre branco de arroz Narcissus 3 (uma óptima ajuda para perder peso), que, segundo a mesma senhora, é ideal para todo o tipo de saladas e peixes, e muito utilizado no sushi. “Eu não sei cozinhar, senão dava-lhe umas dicas”, diz-me com um sorriso.

Saí em direcção à minha próxima paragem: a loja Spice Rack, no Centro Comercial Martim Moniz. Sou imediatamente recebida por uma rapariga indiana muito simpática, a Seera. Nas prateleiras, há uma embalagem que logo capta a minha atenção: Fair & Lovely 4 , um creme para branquear a pele, muito popular na Índia. O princípio é o mesmo que o dos bronzeadores, mas o efeito é o contrá-rio. “Nunca estamos satisfeitos; quem tem a pele clara quer escurecê-la e quem tem a pele escura quer aclará-la”, diz Seera. A loção também promete uniformi-zar a tez e reduzir as olheiras.

Partindo para outras aventuras, nada melhor do que falar nos deliciosos ape-ritivos Seth’s Khakhra 5 , de feno-grego ou de cominhos e outras especiarias. São

tradicionalmente acompanhados com chá e “primos” do papari. “A diferença é que o papari é feito de farinha de lentilhas, enquanto estes são de farinha de trigo.”

Madhu Sudan, outro funcionário da loja, está em Lisboa há poucos meses. Veio do Nepal à procura de oportunidades e de “um futuro melhor”. Diz Madhu: “Esta loja tem tudo; conseguimos encontrar mais de 90% das especiarias que uso no meu país”.

A Seera acrescenta: “Eu ainda faço a minha sobremesa preferida, o Gulab Jamun, que são bolinhos de leite preparados em calda de água de rosas; e uso pétalas de rosa comestíveis”. No Spice Rack encontramos Rose Petal Spread 6 da Ahmed Foods, que servem sobretudo para enfeitar sobremesas e batidos. “É muito comum na cozinha indiana.”

Os olhos de Madhu iluminam-se quando pensa nas iguarias. “Sinto mesmo muita falta”, lamenta, com ar subitamente preocupado.

Digo-lhes adeus, sabendo que voltarei sempre que me achar com as receitas e os dias insossos, independentemente do sal que lhes deite, para me perder nos recantos da Mouraria. Porque, quando o sal não chega, às sementes de alcaravia, de ajwain ou de endro – da loja Gordib, na Rua dos Cavaleiros –, não há bifinhos que façam frente.

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Quem nunca o viu aqui pelo bairro? Baixinho, moreno, olhos rasgados atrás de lentes bem graduadas, mochila às costas e sorriso fácil… Mas o que faz ele, afinal?

“Bom dia! Sou o Nuno Franco, mediador comunitário da Mouraria ao serviço da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior.” É assim que se apresenta, para nos pôr à vontade. É um dos primeiros e dos poucos mediadores comunitários de Lisboa. E não é por acaso que trabalha na Mouraria, um território com demasiadas pessoas vulneráveis.

A história do Nuno é paralela à das mudanças na Mou-raria. Foi há três anos que começou a servir de mediador entre as pessoas do bairro e os serviços de apoio da câmara,

da junta, da Santa Casa e das associações locais. Um ano antes, quando ficou desempregado (depois de ter feito de tudo um pouco – de administrativo a produtor de eventos, de assistente editorial a dono de uma pequena empresa), percebeu que era tempo de fazer a diferença. Mas já foi há oito anos que tudo começou.

Fez-se luz durante um dos habituais cafés com a amiga Inês Andrade, quando pegaram no costumeiro tema dos problemas da vizinhança. Por uma vez o assunto não cairia em saco roto. Dessa conversa de 2007 nasceria a Associa-ção Renovar a Mouraria – e o bairro teria um renovado Nuno Franco, de mangas arregaçadas.

Antes de ser, já o era Abeirou-se dos vizinhos, ouvindo-lhes as histórias e ano-tando os seus problemas: da solidão na velhice ao buraco na calçada, do filho toxicodependente à inundação nas

águas furtadas – tudo ficava registado no bloquinho do Nuno. Já era mediador comunitário sem o saber.

Em 2010, quando começaram as obras de reabilitação da Mouraria, já ele andava um passo à frente, neste bairro que sempre foi seu. (Diga-se que o Nuno mora há 38 anos na Rua João do Outeiro, lugarzinho que conhece desde miúdo, das visitas à casa onde nasceram pai e avô.) Juntou à mesa as associações locais e as pessoas que cá trabalha-vam, em calorosas reuniões que dariam à luz o Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria, coor-denado por João Meneses, o responsável da câmara pelo GABIP (Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária) da Mouraria. João Meneses, encarregado de coordenar um plano de investimento social no bairro, viu no Nuno alguém com trabalho feito. Qual olheiro na demanda de centro-campista, convidou-o para fazer aqui-lo que ele já fazia, mesmo sem qualquer remuneração.

O que faz um mediador comunitário?Primeiro, o diagnóstico do bairro: toca a todas as portas, com as perguntas certas. Quem cá vive? De que precisa? Depois, faz as pontes com as instituições que podem ajudar.

No mesmo dia, o Nuno pode acompanhar um idoso à Associação Mais Proximidade Melhor Vida, alistar um desempregado no programa +Emprego, esclarecer uma dúvida sobre um contrato duvidoso no Gabinete da Cidadania da Associação Renovar a Mouraria, indicar um sem-abrigo à Santa Casa, ajudar um empreendedor social a abrir a sua actividade no bairro e recrutar um novo aluno imigrante para um dos cursos de português do bairro. “Acupunctura social”, resume.

Se lhe perguntarem, dirá que o bairro está diferente. Para melhor. Mas continuam os motivos para inquietação. Planos para o futuro? “Isto é um sacerdócio, vou continuar a fazer o que faço. É o que sei fazer, o que gosto de fazer, o que é preciso que alguém faça.”

Fale com o NunoPrecisa de ajuda? Não arranja emprego? Tem um proble-ma com o contrato da casa, da luz ou da água? O Nuno saberá quem pode ajudar. Contacte o GES – Gabinete de Empreendedorismo Social, o serviço da junta a que

ele presta serviço (veja página 8).

Telefone: 218 872 199 / E-mail: [email protected]

“Good morning! I am Nuno Franco, the community mediator for Santa Maria Maior local council’’. That’s how he presents himself, to make us feel at ease. He is one of the first community mediator in Lisbon. And it is not by chance that he works in Mouraria, a neighbourhood whose residents have many needs.

Nuno’s story is about renewal in Mouraria. He began his work as a mediator be-tween the residents and the city services three years ago. But it was seven years ago, when he became unemployed, that it all started.

What could he have done? He had done a bit of everything: from a clerk to an events producer, from an editorial assistant to an owner of a small company. How could he make a difference? The idea arose during a normal coffee meeting with his friend Inês Andrade, when the talk turned to the many problems in the neighbourhood. This time the talk didn’t fall on deaf ears. After this conversation the Associação Renovar a Mou-raria was born in 2008, and the neighbourhood soon had a renewed Nuno Franco with rolled-up sleeves

Before being, he had already beenHe approached the neighbours, listening to their stories and writing down their problems: from the loneliness of old age to the hole found in the pavement, from the drug addict son to the flooding in the attic – everything is registered in Nuno’s small notebook. He was already a community mediator without knowing it. (After all, there wasn’t even a name yet for what he was doing.)

In 2010, when the rehabilitation works in Mouraria began, he was making a step forward, in this neighbourhood that was always his. (Nuno has lived in Rua João do

Outeiro for 38 years, he played there as a child, during the visits to the house where his father and grandfather were born). He gathered the local associations and peo-ple who were working here, in meetings which would give birth to the Community Development Program in Mouraria, coordinated by João Meneses, the council’s rep-resentative for the GABIP (Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária) in Mouraria. João Meneses, responsible for drawing plans of social investment in the neighbourhood, saw in Nuno someone who had done much of the work already. Like a football spotter when finding new midfielder, he invited him to keep doing what he was already doing, even without any compensation.

What does a community mediator do?Firstly, a neighbourhood’s diagnosis: he knocks on every door, with the right ques-tions. Who lives here? What do you need? Then, he makes the bridge between institu-tions that can help.

On the same day, Nuno can help an elderly man get to the Associação Mais Proximidade Melhor Vida, enroll an unemployed person in the program +Emprego, clarify a doubt around an unreliable contract at the Cabinet of Citizenship in Asso-ciação Renovar a Mouraria, direct a homeless person to Santa Casa and recruit a new immigrant student to take one of the Portuguese language courses available in the neighbourhood. ‘’Social acupuncture’’, he sums up.

If you ask him, he will tell you that the neighbourhood has improved. But there are still reasons for concern. Plans for the future? ‘’This is a vocation, I will continue to do what I do. It is what I know how to do, what I like to do, and what needs to be done.’’

Text João BehranPhoto Carla RosadoTranslation Isabel Bernardo

Who hasn’t seen him here in the neighbourhood? Short, with olive skin, dark eyes behind thick lenses, carrying a backpack with an easy smile… But what does he actually do?

Nuno Franco, the community mediator

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reportagem Texto João Berhan Fotografia Carla RosadoTradução Isabel Bernardo

Nuno Franco, o mediadorcomunitário

Ilustração Na Die.

Soluções > SUDOKU: 3 2 4 1 / 1 4 2 3 / 4 3 1 2 / 2 1 3 4 · TRIÂNGULOS: 14 · MOEDAS: Gâmbia- Dalasi / EUA - Dolar / India - Rupia Hindú / Brasil - Real / Bangladesh - Taka DIFERENÇAS: Olho direito / Riscas do fato de banho / Cara do balde / Franja do cabelo / Dente do ancinho / Parte de cima do castelo / Muralha do castelo

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Santos & Santos Lda.

voxmourisco

Marisa e Paulo Santos abriram um espaço que baptizaram de Tabernices, mas também podiam ter uma empresa chamada Santos & Santos. Era este o sobrenome de cada um deles antes de se terem juntado há uma década, ela com 25 anos e ele com 35 – ambos em-preendedores natos.

Ele é o “Paulo do Poço”, assim conhecido pela mítica Taberna do Poço, no Largo do Terreirinho. A casa fechou em 2012, vítima da “crise do IVA”, mas o imóvel continua nas mãos da família, desde 1952. Paulo sempre ali trabalhou, primeiro com o pai – um beirão da Pampilhosa da Serra que entretanto se mudou para Benavente – e depois sozinho, por quinze anos. Durante décadas, a taberna acolheu vizinhos e visitantes, como os univer-sitários que ali passavam longas quin-tas-feiras, entre violas e cantorias. Até que os fregueses ficaram reduzidos a um terço e as portas fecharam.

A Carla, que ali cozinhou os almoços durante um par de anos, tinha entretanto terminado a licenciatura em Gerontologia Social e aberto uma rentável papela-ria no outro lado da rua. Fechada a taberna, a sua “estrelinha da sorte” fez então

aparecer uma loja vaga e barata, e aí con-

centraram os dois negócios: restaura-ção e papelaria. Após várias madru-gadas a picar paredes e a decorar tudo com ofertas de amigos e compras no OLX, abriram a Tabernices, no núme-ro 94 da Calçada de Santo André.

“O maior investimento foi psicoló-gico: o medo de as coisas não darem certo”, conta o Paulo. Deram certís-simo. Inaugurada em Maio do ano passado, a Tabernices está prestes a expandir-se à porta ao lado, com uma área de charcutaria e congelados. E ganhou mais dois elementos: a Rita (sobrinha da Marisa, de 21 anos) e o seu filhote Mauro, nascido em Janeiro, que ali passa os dias a absorver a sabe-doria desta tia que sonha com um mes-trado em Psicologia e que tem paixão pela Educação.

“Passamos a ver as pessoas de uma maneira completamente diferente. Por vezes criticamos as atitudes dos outros sem pensarmos que há toda

uma vivência que os levou a agir assim. Se eu tivesse aprendido isso aos 13 ou 14 anos, teria sido menos intransigente e muito mais feliz”, garante a Marisa. Descendente de pais angolanos e avós portugueses, eis uma mestre a quem o pequeno Mauro pode dar ouvidos.

Parece que há muita gente que não gosta da ideia, não é? Eu cá não tenho problema nenhum com a cons-trução da mesquita. Tudo o que seja para beneficiar a rua, a vida de quem cá mora ou trabalha, eu acho bem. Onde eu moro, ao lado tenho uma mesquita; depois, há ali outra. Já são duas. Qual é o problema de uma nova? > João Brito, 53 anos, comerciante Mora na Calçada Agostinho de Carvalho e trabalha na Rua do Benformoso

Eu acho mal porque já há uma série delas. Moro mesmo ao pé de uma e há muita confusão. > Maria Rosa Moreira, 65 anos, encarregada de barMora na Calçada Agostinho Carvalho

Se for para melhorar e o bairro ficar mais bonito,acho que é bom. Se o meu restaurante tiver de ser demolido, seja; eles dizem que nos mostram os planos e que depois pagam à gente. Não me faz diferença sair deste espaço, porque nos disseram que depois o restaurante vai ter lugar na praça nova.> Mohamed Faruk, 38 anos, dono de restauranteTrabalha na Rua do Benformoso

Para mim isso é como a outra, eu não penso muito nisso. Mas é bom para os muçulmanos, que há tantos aqui a morar no bairro. Não vejo mal nenhum nisso. > Manuel Soares, 62 anos, comercianteTrabalha na Rua da Palma

Sou hindu, a minha religião é o hinduísmo. Mas há mui-tos muçulmanos aqui na rua, para eles é bom. Quanto à obra em si, acho boa ideia a ligação das duas ruas. Pode ser que as pessoas que vão às compras na Rua da Palma venham mais para o Benformoso. O comércio pode me-lhorar, as pessoas entram logo ali em vez de dar a volta. > Dilipkumar Ranchhod, 63 anos, comercianteTrabalha na Rua do Benformoso

Acho bem, não me preocupo nada com isso. Desde que não se metam na minha vida, eu também não me meto na vida de ninguém! Para mim isso é igual. > José Luís, 54 anos, comercianteTrabalha na Rua do Benformoso

Sou hindu e não tenho nada contra. Cada um tem a sua religião, acho bem que os muçulmanos tenham este espaço novo. É bom para eles, que rezam muitas vezes por dia; a mesquita vem facilitar a vida às pes-soas. Também acho boa a abertura da Rua da Palma para o Benformoso; não acho que vá fazer diferença no negócio, mas também não vejo mal nisso. > Pradikumar Nautamlal, 55 anos, comercianteTrabalha na Rua do Benformoso

Acho que é bom. Eu sou hindu, por isso o assunto não diz respeito à minha religião. Mas um templo é um templo, não é? Acho que é bom para os muçul-manos daqui.> Kopila, 32 anos, comerciante Trabalha na Rua do Benformoso

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Entrevistas Daniela Correia Silva

retrato de família Texto Marisa Moura Fotografia Eduardo Sousa Ribeiro

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Texto Filipa Chatillon

Muamba de Galinha3 galinhas, cortadas em pedaços, 4 tomates,1 cebola grande, 4 dentes de alho, 1 cubo de caldo de galinha, 500 g de manteiga de amendoim.Refogar em óleo a cebola, o alho e o tomate. Juntar a galinha e deixar fritar até estar corada. Juntar o cubo diluído num litro de água, até cobrir a galinha, e deixar ferver até estar cozinhada. Juntar a manteiga de amendoim e mexer muito bem. Deixar ao lume até o molho engrossar.

Funge | acompanhar a muamba

250 g de farinha de mandioca,500 ml de água.Misturar a farinha na água e levar ao lume. Deixar ferver sem nunca deixar de mexer, para não encaroçar. Cozinhar até engrossar e a farinha estar cozida, formando uma papa, mexendo sempre. Juntar sal a gosto.

Não engana: é uma tasca angolana. Paredes revestidas de azulejos, a televisão ligada e quadros com motivos africanos. Na parede do prédio, não passa despercebido o mural colorido com a mãe e a criança às costas, e a palanca gigante, o antílope que dá nome ao lugar.

O casal Duarte Caiate e Rosa Pontes abriu o Palanca Gigante há quatro anos. Duarte já tinha tido um restaurante na Mouraria e quis manter-se no bairro por ser central e já ter muitos clientes fiéis.

A muamba é a estrela da casa, mas há também calulu de peixe. “A sopa de feijão também sai muito, principalmente ao almoço”, contou-nos a Rosa. Normalmente é o marido que faz as honras da casa, mas no dia em que os visitámos estava ela a tomar conta da tasca. É um negócio familiar. Para petiscar ou para um almoço mais leve, há também perninhas de frango e cacussos fritos, moelas e chouriço assado. Na cozinha, é a dona Antónia que trata de tudo desde Abril. Até agora não tinham sobremesas, mas passaram a servir o seu arroz-doce caseiro.

Quando começaram o negócio, os clientes eram principalmente angolanos. Hoje servem pessoas de todas as nacionalidades, entre gente do bairro e alguns turistas que vêm recomendados por amigos. “Vêm quase todos pela muamba.”

Tasca Angolana

Arroz doce | 10 taças

1 l de leite, ½ l de água, 1 copo médio de arroz carolino , 1 chávena de açúcar, 1 colher de sopa de manteiga, 1 pau de canela, 2 raspas de limão , 2 gemas de ovo.Cozer o arroz na água, com a canela, a manteiga e o limão. Ir juntando o leite aos poucos, à medida que a água evapora. Quando o arroz estiver cozido, juntar o açúcar. Dissolver as gemas num pouco do leite e juntar ao arroz. Mexer bem até engrossar. Distribuir pelas taças e polvilhar com canela.

Palanca GiganteBeco do Cascalho, n.º 2-4

+ 351 924 426 693 Todos os dias, das 10h às 2h

O senhorio quer aumentar a minha renda. O que posso fazer? Antes de mais, o senhorio deve comunicar exclu-sivamente por escrito a sua intenção ao inquilino, indicando, sob pena de ineficácia: » o valor da renda, o tipo e a duração do contrato; » o valor do imóvel acompanhado de cópia da

caderneta predial urbana; » o prazo da resposta, bem como o conteúdo que

a mesma pode apresentar.

Depois de receber a carta, o inquilino deve respon-der no prazo de 30 dias. Caso contrário, considera--se que aceitou as novas condições do senhorio. Na resposta, o inquilino pode: » aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio; » não aceitar o valor da renda proposto pelo senho-

rio, propondo novo valor, tipo e duração do con-trato. Neste caso, o inquilino deve ainda, sendo caso disso, invocar, isolada ou cumulativamente, as seguintes circunstâncias: rendimento anual

bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar inferior a 35 350 euros (5xRMNA); idade igual ou superior a 65 anos; deficiência com grau compro-vado de incapacidade igual ou superior a 60%.

» dizer se concorda ou não com tipo e/ou duração do contrato proposto pelo senhorio;

» terminar o contrato.Atenção ao prazo para responder! Se não respon-der a tempo, considera-se que aceitou as novas condições do senhorio.

O senhorio pode acabar com o meu contrato de arrendamento para fazer obras?Pode, mas terá de avisá-lo seis meses antes do dia previsto para a desocupação, dizendo o motivo. Se chegarem a acordo, o senhorio pode pagar-lhe uma indemnização igual a um ano de renda ou arranjar um novo alojamento com condições semelhantes.

O que é o procedimento especial de despejo?É o que o senhorio pode fazer se o inquilino não deso-

cupar a casa na data prevista na lei (um mês a contar do fim do contrato) ou no dia combinado entre os dois. O senhorio apresenta o requerimento de despejo no Balcão Nacional de Arrendamento, e este avisa o inquilino. Depois, podem acontecer duas coisas: » Se o inquilino não se opuser, o balcão emite

o título de desocupação do imóvel. Com este documento, o senhorio pode despejar o inquilino imediatamente.

» Se o inquilino se opuser, intervém um juiz, num processo judicial especial e urgente (mais rápido do que um processo normal).

Se tiver dúvidas, fale connosco. De segunda a sexta-feira, das 9h30 às 13h30,

na Mouradia – Casa Comunitária da Mouraria, Beco do Rosendo, n.º 10.

+351 218 885 203 / +351 922 191 [email protected]

/ Fonte: Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana www.portaldahabitacao.pt/pt/nrau/home/faqs_nnrau.html

Rendas: três dicas para os inquilinos

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banda desenhada Texto e IlustraçãoNuno Saraiva

Rosa Maria n.º 9setembro ‘15

Rosário e a sua amiga Manuela, as peixeiras da Rua do Capelão

“Tens peixe para fritar?”, pergunta o Afonso, num tom familiar, enquanto passa os olhos pelas sardinhas, os sáveis, as chaputas, os carapaus, os peixes--espadas e as pescadas, todos diligente-mente expostos nas pedras da peixaria da Rua do Capelão.

Rosário gaba o seu peixe fresquinho e conta-me que nasceu em 1949, no número 11 da Rua da Guia, onde fun-cionou durante anos o Ambijovem da Mouraria.

Os seus pais, oriundos da Murtosa e de Ovar, vieram trabalhar para Lisboa com cerca de dez anos, num tempo em que se dizia “trabalho de menino é pou-co, mas quem o não aproveita é louco”.

O pai trabalhou nas fragatas do Tejo, a mãe vendia peixe numa canas-tra na zona de Santa Marta. O pai vivia em Alfama, a mãe na Madragoa. Em Lisboa se conheceram e neste bairro passaram os seus 55 anos de casados,

junto ao Largo da Severa.Costureira desde os catorze anos,

na conhecida Casa Lourenço & San-tos, aos Restauradores, Rosário teve como mestre “o Careca da Rua dos Cavaleiros” e esteve nessa profissão até se dedicar ao peixe.

Abençoada por São PancrácioCom imensa simpatia, atende vizinhos de sempre e chineses, com quem se en-tende entre palavras e gestos. Ao seu lado, amanhando os peixes, perfila-se a dona Manuela, vinda de Matosinhos para Lisboa com nove anos, há cin-quenta na Mouraria.

Sempre positiva, e recentemente viú-va, Rosário agradece a protecção de São Pancrácio, padroeiro dos empreende-dores – um mártir do século III, nos pri-meiros tempos do cristianismo, em que estes eram condenados à morte. Nesta peixaria, São Pancrácio tem lugar junto

a Jesus Cristo, à Santa Rita de Cácia, ao Dr. Sousa Martins e ao Santo António.

Da juventude, ficam as memórias das tardes entre vizinhos, juntos no “alto da caganita” (ao cimo da Rua da Guia, onde hoje existe um estaciona-mento), a comer caracóis. Ficam os fi-gos de capa rota e as amoras anuncia-das pelas vendedeiras; as línguas da

sogra e a “sopa do Sidónio” (assim fi-cou conhecida a distribuição alimen-tar lançada no fim da Primeira Guer-ra Mundial, em 1918, pelo Presidente da República Sidónio Pais, hoje mais conhecida como sopa dos pobres). Mudaram-se os tempos, mas é ainda na Mouraria que Rosário e Manuela se sentem em família.

da capa à contracapa Texto Nuno Franco Fotografia Ana Rodolfo

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A costureira que virou peixeira