romanização da península ibérica

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CURSO CIENTÍFICO-HUMANÍSTICO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS HISTÓRIA A EXERCÍCIO DE ANÁLISE DE FONTES ESCRITAS MÓDULO 1 – A ROMANIZAÇÃO DA PENÍNSULA IBÉRICA Lê os documentos e responde às questões. Fonte 1 A unidade do mundo imperial “Roma (…) sabe cativar os povos conquistados. Consegue, apesar das inúmeras revoltas contra o seu poderio, manter-se vitoriosa. Tal deve-se não só à eficácia do seu disciplinado exército mas também à colaboração de muitos chefes e povos locais, que se apercebem das vantagens do seu domínio. E quais são essas vantagens? Para além da organização e unificação do espaço imperial, o direito romano, codificado (escrito de forma coerente e lógica), claro, abrangente, adaptável, e por tudo isso mais justo, permite a sua adopção pelas diferentes culturas que constituem o império. A atestar a sua universalidade está o facto de muitos dos direitos existentes nos nossos dias nele se basearem. Um dos principais factores da unidade do mundo imperial é o culto às duas figuras tutelares do império, envoltas numa aura sagrada: a cidade-mãe, e a figura máxima do Estado, o imperador, considerado um semi-deus enquanto vivo e um deus a quem se presta culto depois de morto. Uma espécie de união sagrada em que o esposo, o imperador, garante a segurança e a integridade da esposa, Roma. (…) Outra vantagem para os habitantes do mundo imperial é a extensão progressiva da cidadania, à semelhança do que aconteceu em Itália. A concessão da cidadania vai conhecer diferentes graus até que o conquistado possa obter o direito a ela, a cidadania plena. (…) Na Grécia, mais propriamente em Atenas, (…) todos os que faziam parte de uma determinada comunidade tinham a obrigação na sua governação e na resolução dos problemas que surgissem, em pé de igualdade uns com os outros, independentemente do seu nascimento ou da sua riqueza. O conceito de cidadania romana é substancialmente diferente do ateniense, se bem que se possa afirmar que existe uma matriz comum: essencialmente, a ideia da participação activa na coisa pública (res publica), seja ao nível do governo da polis (entendida como Estado), na Grécia, seja ao nível da administração local na Roma imperial. A concessão da cidadania romana aos povos conquistados é, de facto, um acto de romanização. É o reconhecimento legal de que aquele

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Page 1: Romanização da Península Ibérica

CURSO CIENTÍFICO-HUMANÍSTICO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANASHISTÓRIA A

EXERCÍCIO DE ANÁLISE DE FONTES ESCRITASMÓDULO 1 – A ROMANIZAÇÃO DA PENÍNSULA IBÉRICA

Lê os documentos e responde às questões.

Fonte 1A unidade do mundo imperial

“Roma (…) sabe cativar os povos conquistados. Consegue, apesar das inúmeras revoltas contra o seu poderio, manter-se vitoriosa. Tal deve-se não só à eficácia do seu disciplinado exército mas também à colaboração de muitos chefes e povos locais, que se apercebem das vantagens do seu domínio. E quais são essas vantagens? Para além da organização e unificação do espaço imperial, o direito romano, codificado (escrito de forma coerente e lógica), claro, abrangente, adaptável, e por tudo isso mais justo, permite a sua adopção pelas diferentes culturas que constituem o império. A atestar a sua universalidade está o facto de muitos dos direitos existentes nos nossos dias nele se basearem.Um dos principais factores da unidade do mundo imperial é o culto às duas figuras tutelares do império, envoltas numa aura sagrada: a cidade-mãe, e a figura máxima do Estado, o imperador, considerado um semi-deus enquanto vivo e um deus a quem se presta culto depois de morto. Uma espécie de união sagrada em que o esposo, o imperador, garante a segurança e a integridade da esposa, Roma. (…)Outra vantagem para os habitantes do mundo imperial é a extensão progressiva da cidadania, à semelhança do que aconteceu em Itália. A concessão da cidadania vai conhecer diferentes graus até que o conquistado possa obter o direito a ela, a cidadania plena. (…)Na Grécia, mais propriamente em Atenas, (…) todos os que faziam parte de uma determinada comunidade tinham a obrigação na sua governação e na resolução dos problemas que surgissem, em pé de igualdade uns com os outros, independentemente do seu nascimento ou da sua riqueza.O conceito de cidadania romana é substancialmente diferente do ateniense, se bem que se possa afirmar que existe uma matriz comum: essencialmente, a ideia da participação activa na coisa pública (res publica), seja ao nível do governo da polis (entendida como Estado), na Grécia, seja ao nível da administração local na Roma imperial.A concessão da cidadania romana aos povos conquistados é, de facto, um acto de romanização. É o reconhecimento legal de que aquele grupo de pessoas está suficientemente integrado na cultura romana para que lhe seja concedido esse direito, com todo o conjunto de benesses que essa inclusão acarreta. É também um instrumento de controlo dos povos submetidos ao domínio romano, pois com os benefícios vêm os deveres. (…)Com a sua concessão plena obtém-se o acesso aos cargos públicos e às diversas magistraturas, a possibilidade de participação nas assembleias políticas da cidade de Roma, ou seja, a participação activa na vida pública através do voto. Além destas, outras vantagens existem, como as de carácter fiscal (podendo o cidadão adquirir e transmitir bens) e a possibilidade de se apresentar em juízo como sujeito de direito privado (ius civile), não podendo ser açoitado ou crucificado. Pode também contrair casamento legítimo.A fase final deste processo de romanização culminou com a concessão da cidadania a todos os homens livres do Império (pelo imperador Caracala, em 212 d. C.). Politicamente, estabelece-se a igualdade legal de direitos e deveres entre cidadãos, organizando-se o recenseamento civil, com as vantagens económicas e fiscais que tal representa; socialmente, permite a estabilização do regime imperial, apaziguando os conflitos e revoltas sociais.”

H. Veríssimo, M. Lagarto, M. Barros, História em Construção, Edições Asa, 2007.

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Fonte 2A Romanização da Península Ibérica

“Quais os processos utilizados pelos Romanos para aculturar as populações submetidas ao Império? A romanização da Península Ibérica é um processo de aculturação que vai acompanhando a conquista, desde a costa mediterrânica até ao interior e à costa atlântica. Legionários e comerciantes divulgam costumes e técnicas romanas, difundem o latim, fundam cidades, desenvolvem a economia e a cultura.Nas cidades que progressivamente vão ganhando autonomia, passando a dispor do estatuto jurídico-político de municipium, verifica-se um grande desenvolvimento através do lançamento de obras públicas com carácter utilitário. Tal como em outras regiões do Império, também na Península Ibérica se vai tecendo uma importante rede viária e se constroem pontes, aquedutos, termas, teatros e templos.No campo económico, desenvolvem-se, sobretudo no sul da Península, grandes unidades de exploração agrícola em regime intensivo (villae), dedicadas à produção de cereais, vinho e azeite e à criação de gado. A cerâmica e a mineração, bem como as actividades piscícolas, merecem importante destaque, aparecendo estas associadas à construção naval, à extracção do sal e ao fabrico do garum, pasta feita a partir do peixe salgado, muito apreciada nas mesas romanas.”

H. Veríssimo, M. Lagarto, M. Barros, História em Construção, Edições Asa, 2007.

Fonte 3O processo de romanização

“Nas zonas central e norte [da Península Ibérica] o progresso da romanização foi muito lento e difícil. No que se refere ao território português, também se poderão considerar duas regiões distintas: uma, entre o Guadiana, o Atlântico e a linha do Tejo, mais cedo e mais intensamente romanizada; a outra, a norte do Tejo, em que a penetração da cultura e civilização romanas foi mais difícil e tardia. (…) Praticamente desde o momento em que os primeiros exércitos desembarcaram em Ampúrias, que, a par das lutas de pacificação e conquista., Roma ou foi impondo a sua maneira às populações indígenas ou estas foram levadas à aceitação de estruturas, formas de vida e organização, processos técnicos, realizações artísticas, que reconheceram como superiores.”

J. Bairrão, in Dicionário de História de Portugal, dir. de Joel Serrão.

Fonte 4Os agentes da romanização

“O processo de aculturação desenvolvido na sequência da chegada das primeiras legiões romanas à Península Ibérica parece ter tido nos próprios soldados os principais agentes. (…) A instalação na Península de antigos soldados que aqui tinham combatido, terão constituído, um primeiro e importante passo em todo o processo. (…)Por um lado, é evidente que a fixação na Península de antigos soldados constituiu um importante contributo para a generalização de um novo modo de vida. No entanto, a participação de auxiliares hispânicos no exército romano terá contribuído de igual

modo para a habitação dos naturais a esta nova existência, a que não deixaram certamente de ser indiferentes. (…)Outra componente de agentes de romanização era constituída pelos inúmeros comerciantes que se encontravam na Península Ibérica, nas proximidades dos acampamentos militares, durante todo o período da conquista. (…)O processo de constituição de clientelas locais promovido por diferentes governadores das províncias hispânicas terá constituído uma outra forma de, progressivamente, ambientar as populações locais ao modo de vida romano. No período de guerras civis em Roma, a

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emigração de romanos para a Hispânia passou a ter um carácter diferente. Não se tratava já de emigrantes que tentavam a sorte num novo território ou de representantes dos interesses de ricos patronos, mas sim de emigrantes políticos, exilados da sua cidade. Tratava-se, pois, de uma emigração de elite. (…)O estabelecimento de sólidas alianças com os poderes indígenas locais; a constituição de uma escola para os filhos dos magnatas peninsulares; a organização de um exército regular de forte componente indígena constituíram outros factores de romanização. (…) Durante o reinado de Augusto [primeiro imperador romano] a instalação de grandes contingentes com a fundação de diversas colónias; a política de urbanização, não só das novas cidades, mas também de alguns povoados indígenas, como, por exemplo, Conímbriga, constitui um outro importante contributo na afirmação de um novo modo de vida. (…)A cidade da Antiguidade é, como sempre, um centro de poder político, administrativo e religioso. (…) Constitui também um pólo territorial, que tira a sua subsistência e acumula riquezas extraídas de um espaço mais vasto, exercendo uma natural atracção não só sobre os habitantes desse espaço, mas também sobre os de paragens mais longínquas. Por tudo isso, concentra-se na cidade uma população numerosa e heterogénea, que inclui os representantes dos poderes; uma elite proeminente, com eles relacionada; uma

grande multiplicidade de indivíduos, de diversos níveis sociais, ligados às actividades institucionais; os trabalhadores que se dedicam ao comércio e ao artesanato; e ainda uma multidão indiferenciada de escravos, assalariados, militares e marginais. As cidades são, por outro lado, importantes mercados e centros de transformação, onde, naturalmente, afluem, por vezes vindos de muito longe, os mais diversos produtos. Suscitam também o desenvolvimento de vastas áreas agro-pecuárias nas suas imediações, para garantir o abastecimento dos seus moradores. (…)Assim, nos locais onde o fenómeno urbano já existia, a romanização consistiu na progressiva assimilação dos hábitos e instituições romanos, apesar de em muitos deles os indígenas poderem manter o seu direito, religião e costumes próprios. (…)Por outro lado, as vias constituem uma das mais famosas e impressionantes realizações do poder imperial de Roma. (…) Constituíram um dos elementos materiais mais poderosos da administração romana, para além das cidades. Formavam uma rede constituída por estradas, pavimentadas com grandes lajes de pedra, frequentemente pontuadas por colunas cilíndricas – os chamados marcos miliários –, que forneciam ao viajante indicações sobre as distâncias percorridas ou a percorrer entre os principais centros urbanos.”

Carlos Fabião, A romanização do actual território português, in História de Portugal, vol. I, dir. José

Mattoso, Círculo de Leitores, 1992.

Fonte 5A acção de um governador de província

“A fim de que estes homens incultos, e por isso inclinados a guerrear, se acostumassem a uma vida pacífica (…) exortou-os (…) e ajudou-os a empreenderem a construção de templos, fóruns, habitações. Entretanto, iniciava os filhos dos notáveis no estudo das letras, de tal maneira que os mais inclinados outrora a rejeitar a língua romana ardiam agora de zelo em falá-la com eloquência. Depois, mesmo os nossos trajos tinham honra em usar e a toga multiplicou-se; progressivamente acabaram por apreciar até aos nossos vícios, as delícias dos banhos e o refinamento dos banquetes; e estes noviços levaram a sua inexperiência ao ponto de chamar civilização ao que não era mais do que um aspecto da sua rejeição.”

Tácito, Vida de Agrícola

Page 4: Romanização da Península Ibérica

Fonte 6A educação na Lusitânia

“Mas o que melhor os conquistou [aos Lusitanos] foi o que fez em relação aos seus filhos. Porque, reunido em Osca, uma grande cidade, os jovens das melhores famílias de todos os povos submetidos, deu-lhes mestres de grego e de latim. Eram na realidade reféns; mas na aparência instruía-os a fim de os fazer participar, quando homens, na administração e governo do país, Os país tinham um prazer extraordinário em ver os seus filhos, vestidos com a toga, frequentar regularmente a escola.”

Plutarco, Vidas Paralelas

Fonte 7As alterações no modo de vida dos povos peninsulares

“A Romanização implicou uma profunda transformação dos modos de vida – material e cultural – dos povos da região onde se situa o actual território português: a alteração da propriedade fundiária (que de comunitária passou a individual); a introdução de novas culturas, como a oliveira e a vinha; a introdução de uma economia comercial e monetária; o desenvolvimento de actividades ligadas à exploração mineira, à pesca e à indústria conserveira; a introdução de um novo estilo de vida, copiado dos Romanos, mais pacífico e civilizado, testemunhado pela existência de teatros, anfiteatros, estádios, termas, balneários públicos e fóruns; a difusão da língua latina, falada e escrita, da qual derivou a língua portuguesa, constitui, porventura, o mais duradouro dos legados da Civilização Romana.”

P. A. Neves, A. Pinto, M. Carvalho, Cadernos de História, Porto Editora, 2003.

1. A partir da análise das fontes anteriores, mencione os vários agentes e processos de romanização usados pelos romanos.

2. Com base nas fontes, refira as alterações provocadas pela romanização no modo de vida dos povos peninsulares.