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Romanceiro do Sétimo Céu

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Editoração eletrônica:Carlos Araujo

Capa:Lamartine Araujo

Revisão:

Jornalista Fernanda Simões Braga Araujo Professor Edvaldo Joaquim Pereira

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Carlos Araujo

Romanceiro do Sétimo Céu

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Copyright © Carlos Araujo

O conteúdo desta obra é de responsabilidade do autor, proprietário do DireitoAutoral.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)____________________________________________________

Araujo, Carlos Romanceiro do Sétimos Céu / Carlos Araujo - São Paulo : Scotecci Editora, 2009

P.160; 14 X 20,7 cm

ISBN 85 -____________________________________________________

Ficção. Romanceiro brasileiro 1.Título

Grupo Editorial ScortecciScortecci Editora

Caixa Postal 11481 - São Paulo -SP-CEP 05422-970Telefax (11)3032-1179 e 3032-6501

[email protected]

Livraria e Loja Virtual Asabeçawww.asabeca.com.br

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A g r a d e c i m e n t o s

Devo agradecer a estes leitores especiais que empregaramhoras preciosas de seu tempo para fazer a apreciação críticae a revisão deste romance:

Aliomar Joaquim PereiraEdvaldo Joaquim Pereira

Fernanda Simões Braga AraujoLamartine Araujo

Mônica Simões Braga Araujo

Devo agradecimento também a Boaventura dos Santos porinspirar o título deste livro.

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Prólogo...................................................................,......................................09A Décima.....................................................................................................12Romanceiro do Sétimo Céu.......................................................................13Ipupiara........................................................................................................ 19Lenda sobre a origem do nome Ipupiuara.................................................20Primeiro Sonho - Ipupiara e o Coronel Militão........................................21Elucidário - Coronel Militão........................................................................33Segundo Sonho - Zé Limeira e a subida do Trovão....................................35Elucidário - Zé Limeira, poeta do absurdo.................................................46Terceiro Sonho - Antonio Conselheiro e as vinte e cinco igrejas...........47Elucidário - Antonio Conselheiro................................................................61Quarto Sonho - Castro Alves e a cura da tuberculose..........................63Elucidário - Antonio de Castro Alves.........................................................77Quinto Sonho - Augusto dos Anjos e a reencarnação.............................79Elucidário - Augusto dos Anjos..................................................................99Sexto Sonho - Noel Rosa e a volta da tuberculose....................................101Elucidário - Noel Rosa..............................................................................118Sétimo Sonho - Patativa do Assaré e a Universidade de Sorbonne...119Elucidário - Patativa do Assaré.....................................................................135Bibliografia..................................................................................................139

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Sumário

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Prólogo

Onironauta

Os sonhos ocupam a atenção do ser humano desde os tempos maisremotos. Alguns povos antigos achavam que os sonhos eram a chave doconhecimento mágico e espiritual nos quais seriam reveladas passagenssecretas para acontecimentos do passado, presente e futuro.

Para Freud, “o sonho diz respeito ao inconsciente e a fenômenospsíquicos durante o sono, sendo assim um mapa do inconsciente. Para ele, oconteúdo visível do sonho é a história que se desenrola, mas, o que maisinteressa é o que está por trás da história, os impulsos inconscientes que aoriginaram”.

Como os sonhos estão ligados ao inconsciente, eles não estão presosa uma seqüência lógica daquilo que acontece e a leis de espaço e de tempodo mundo físico. Recheados de ocorrências do cotidiano e de impulsosinconscientes, em geral, tudo parece estranho num sonho, onde muitas vezessomos espectadores, como que vendo um filme, e noutras vezes somosprotagonistas de histórias surreais, onde tudo é possível e desejosinconscientes podem vir à tona. O sonho funciona como um mediador deforças entre o consciente e o inconsciente, fazendo com que situaçõesagradáveis possam ser mantidas e prolongadas durante o sonho, e possamser interrompidas situações ameaçadoras.

“Os sonhos são formados por um complexo conjunto de fatores queainda não foram totalmente desvendados, seja por místicos ou por cientistas,mas que sempre farão parte da vida do ser humano. Os sonhos podem revelaroutro mundo, outro “eu”.”

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Sem mais preâmbulos, devo confessar que sou um sonhador contumaz.De modo geral, sonho todas as noites e, às vezes, nas horas mais improváveis,com as pessoas e coisas mais improváveis.

De tanto sonhar, repentinamente, comecei a ter apercepção conscienteem determinado estado ou condição enquanto sonhava, resultando emexperiência na qual já tinha recordações muito claras (“lúcidas”) e meio nítidas,e me vinha a impressão de ter tido controle e capacidade de interferênciadireta sobre as ações e, algumas vezes, sobre o próprio desenrolar dosenredos dos meus sonhos. Essas experiências completas, do início ao fim,me levaram a perceber que eu estava tendo os chamados “sonhos lúcidos”.Já chegava a ter sonho dentro dos meus próprios sonhos.

O Dr. Stephen LaBerge, pesquisador e autor de livro sobre o assunto,definiu o “sonho lúcido” como “sonhando enquanto sabemos que estamossonhando”.

Para LaBerge, os ditos “sonhadores lúcidos” quase sempre descrevemseus sonhos como animados, coloridos, e fantásticos. Alguns comparam essesenredos a uma experiência espiritual e relatam que alguns dessesacontecimentos chegaram a mudar suas maneiras de viver ou suas percepçõesem relação ao mundo em que vivem. Alguns dos ditos “sonhadores lúcidos”afirmam que seus sonhos são como uma “hiper-realidade”, aparentando muitasvezes serem mais reais que a própria “realidade em vigília”, e que todos oselementos que compõem a realidade dos sonhos são amplificados. Sonhoslúcidos são prodigiosamente recordados em comparação a outros tipos desonhos, até mais que os próprios pesadelos, que supostamente podem serprescritos como um meio de se livrar de um sonho dramático ou alarmante.

A aptidão de sonhar lucidamente pode nos oportunizar experimentarqualquer coisa imaginável, superar limitações, medos e pesadelos, explorarnossas mentes, viver aventuras incríveis e descobrir a consciênciatranscendente.

Os sonhos comuns podem nos dar pistas dessas possibilidades,através de sua violação das regras da vida desperta, e sua oferta ocasionalde percepções a respeito de nossas vidas. “A arte de sonhar é uma habilidadeque se pode aprender, e sou compelido a acreditar que o nível mais elevadodessa capacidade se encontra nos “sonhos lúcidos”. Eles são sonhos em que

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se que está sonhando, e em que se tem consciência de que o sonho é umacriação da própria pessoa”, afirma LaBerge.

A lucidez nesses sonhos desencadeia uma sensação assombrosa eempolgante de liberdade; a ideia de que se pode fazer qualquer coisa, livredos limites de qualquer lei da física ou da sociedade. “Um dos primeirosprazeres de muitos sonhadores lúcidos é o de voar, como um pássaro, livresdas amarras da gravidade. A partir daí, as pessoas podem ir além, paradescobrir o grande poder dos “sonhos lúcidos”, de transformar suas vidas”.

O Dr. LaBerge não defende simplesmente que se sonhe acordadopara se obter todo esse maravilhoso conteúdo transcendental. Segundo ele,“quando estamos acordados, somos lógicos e nos sentimos restritos pelasregras sociais convencionais e as opressivas leis da natureza. Nossa imaginaçãoestaria reprimida demais pela nossa consciência desperta para que nospermitisse voar com os espíritos ou ver ramos intrincados. Assim, precisamosdormir para libertar a imaginação. Ao menos isso é menos perigoso que tomaralucinógenos para liberar a alma”.

“A lucidez e o controle dos sonhos não são a mesma coisa. É possívelestar lúcido e ter pouco controle sobre o conteúdo do sonho ou, pelo contrário,ter grande controle sem estar explicitamente ciente de que se está sonhando.Apesar disso, tornar-se lúcido num sonho tende a aumentar sua influênciavoluntária sobre o curso dos eventos. Uma vez que se sabe que está sonhando,é provável que se escolha alguma atividade que só é possível em sonho.Sempre se tem a escolha de quanto controle se quer exercer, e de que tipo.Por exemplo, pode-se continuar com o que quer que se esteja fazendo nomomento em que ficar lúcido, com o conhecimento adicional de que se estásonhando. Ou pode-se tentar mudar tudo - a cena do sonho, a si próprio,outros personagens do sonho, etc. Nem sempre é possível fazer “mágica”nos sonhos, como transformar um objeto em outro ou transformar cenas. Acapacidade do sonhador de ter sucesso nisso depende muito de sua confiança.Se acreditar que não pode fazer algo num sonho, provavelmente não serácapaz de fazê-lo”.

Depois de fazer uma longa reflexão sobre tudo isso, passei então ame considerar e me senti um Onironauta! - Oniro, do grego óneiros, Sonho

+ Nauta, do grego náutés, navegante/explorador.

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Onironauta é o explorador do sonho. O ser humano que se aventurana mais fascinante e profunda de todas as viagens - a viagem ao universocriado pela própria Mente.

Para se tornar um Onironauta, os pré-requisitos essenciais são: intensamotivação, perseverança e abertura de espírito. Há que se ter aspiraçãoverdadeira à compreensão do Universo, da Existência e da natureza daConsciência.

Nessa quadra da História em que a humanidade adquiriu, finalmente,considerável avanço tecnológico e já se lançou à procura de novos mundosno universo físico, os onironautas aventuram-se na exploração do universodas ideias, das emoções e da...psiquê.

A maior dificuldade dos onironautas interessados em sonhos lúcidosé a de conseguir se lembrar dos sonhos.

A Psicóloga, Ph.D, Gayle Delaney, no “Livro de Ouro dos Sonhos”,dá sete técnicas fundamentais para ajudar alguém a se lembrar dos sonhos:“1 - Mantenha uma caneta e uma folha de papel sempre ao lado da suacama;2 - Durma o suficiente. A maioria de nós realmente precisa de oito ou maishoras de sono para se sentir bem e recordar mais facilmente dos nossossonhos;3 - Antes de dormir faça anotações do dia em seu diário. Bastam quatrolinhas sobre o que você fez e sentiu nesse dia. Isso aumentará muito suacapacidade de se lembrar de um sonho pela manhã;4 - Acorde naturalmente. Assim, em geral acordará logo após seu sonhonoturno mais longo. Se estiver dormindo o suficiente, não terá de ser acordadosubitamente por um despertador;5 - Fique deitado por um momento e pergunte a si mesmo “o que estavapassando por minha mente”? Adquira o hábito de ter esse pensamento antesde se perguntar que dia é ou o que tem de fazer hoje;6 - Anote seu sonho de qualquer modo que se lembrar. Se estiver com pressa,faça poucas anotações. Elas podem bastar para trazer o sonho de volta à suamemória quando você tiver mais tempo;7 - Se você não se lembrar de um sonho, force-se a anotar uma frase sobrequalquer coisa que sentiu ou que lhe ocorreu quando acordou. Com o

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transcorrer do tempo, esse hábito convencerá sua memória de que se esquecerde um sonho não o livrará da necessidade de fazer anotações dele num papel.

Após praticar exaustivamente todas essas técnicas por algum tempo,pensando em certo assunto pendente em toda a minha existência: a busca deum fundamento religioso, me achei, em certa noite, num sono REM, em um“sonho lúcido” de cenário de deslumbramento, lendo um livro de teorsurpreendente:

Sétimo Céu

O número sete

“O número sete representa simbolicamente a completude perfeita eminúmeras referências bíblicas, a exemplo dos sete dias da semana. A Bíbliaapresenta o sete como um número “perfeito” e pode-se constatar na própriaNatureza como esse número está presente em tudo. A razão do número seteé insondável e se prende com a pré-determinação de Deus. Está escrito emGêneses 1:1 “No Princípio, criou Deus os Céus e a Terra”. Esta afirmaçãofoi escrita há três mil e quinhentos anos, numa frase, em Hebraico, que temsete palavras. Sete é o número de Deus. Aquilo que Deus faz, a favor dohomem, traduz-se, inúmeras vezes, na Bíblia pelo número sete. O seterepresenta aquilo que está completo, a plenitude, o que é perfeito, aquilo queDeus faz e que nada falta e nada se lhe pode acrescentar.

Também na cultura judaica, que influenciou tanto o cristianismo quantoo Islã, o sete é considerado um número perfeito. Assim, no Alcorão o mundoespiritual é dividido em sete “camadas”, sendo a mais alta, a sétima, o tronode Alá.

As esferas espirituais são as diversas subdivisões vibratórias doMundo dos Espíritos. Estão para a vida extra-física assim como os continentese os países estão para o mundo físico. Os antigos já aceitavam a idéia daexistência de muitos Céus superpostos, de matéria sólida e transparente,formando esferas concêntricas, e tendo a Terra como centro.

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Essa ideia, que foi a de todas as Teogonias, fazia dos Céus os diversosdegraus da bem-aventurança; o último deles era abrigo da suprema felicidade.Segundo as opiniões mais comuns naqueles tempos, havia Sete Céus e daí aexpressão “estar no Sétimo Céu”, para exprimir perfeita felicidade.

Na filosofia budista, o lugar de beatitude e conhecimento absolutochama-se nirvana, onde já não existe sofrimento humano. Chega-se a elepela supressão do desejo e da consciência individual, e pelo adestramentodo corpo e do espírito na busca da perfeição que conduza à iluminação. Emsânscrito, aliás, nirvana significa extinção. Alcançá-lo é a meta suprema darenúncia e da meditação.

De fato, a jornada rumo à plenitude é muito difícil. Mas os que já aatingiram exibem o jeito transcendente de quem transmite paz por todos osporos.

No livro Nosso Lar, de autoria mediúnica do Espírito André Luiz,pelas mãos de Chico Xavier, é passado a nós compreender, com grandeprofundidade, as regiões extra-físicas. É dito ali que o mundo dos Espíritos ésubdividido em várias faixas vibratórias concêntricas, tendo a Terra comocentro geométrico. A atmosfera espiritual das diversas esferas será tanto maispura e eterizada quanto mais afastadas da crosta elas estiverem. Os Espíritosde maior luminosidade habitarão, naturalmente, as esferas mais afastadas,embora tenham livre trânsito entre elas, e com freqüência visitem as esferasinferiores em tarefas regenerativas e esclarecedoras.

O vocábulo Céu se diz, comumente, do espaço indefinido que circundaa terra e, mais particularmente, da parte que está acima do nosso horizonte.Vem do latim caelum, formado do grego koitos, ôco, côncavo, porque o Céuparece aos nossos olhos como uma imensa concavidade.

Os Sete Céus

Segundo os muçulmanos, não existe apenas um único Céu, e simsete, todos superpostos.

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Enfatizam os ensinamentos judaicos no Talmud (registro dasdiscussões rabínicas que pertencem à lei, ética, costumes e história dojudaísmo), que o Universo é composto de Sete Céus, como a seguir:

Primeiro Céu: 1 - Vilon, Shamaim ou Yeriot – (Cortina ou Tenda) Lá seencontra a Arca do Pacto celestial que ilumina o mundo. Ao amanhecer,como uma cortina que se abre, permite que a luz do dia comece a brilhar, e anoite ela se fecha impedindo a luz do sol de chegar aqui à Terra. Desta maneira,este Céu renova a cada dia o trabalho da Criação. Segundo essesensinamentos, “a Arca de Deus mora entre cortinas (Yeriot)” ou “Ele, queestende os Céus como uma cortina e os molda como uma tenda” Em Vilon,pode-se aperfeiçoar a nossa experiência de Deus na contínua recriação detudo o que existe.

Segundo Céu: 2 - Rakiá – (Firmamento ou Expansão) Em Rakiá o sol, alua, as estrelas e as constelações estão suspensas. Está dito que “Haja umfirmamento (Rakiá) no meio das águas”; “E Deus chamou ao firmamento(Rakiá) Céus”; “Sobre a face do firmamento (Rakiá) dos Céus”.Neste Céu encontramos a Academia de Estudos Celestiais (Yeshivah shelMa’alah).Existe uma passagem no Tanach que diz: “Também ao se ouvir uma voz nofirmamento (Rakiá), acima de suas cabeças, paravam e baixavam suas asas”.Isto alude à afirmação Talmúdica de que os segredos místicos da Criaçãonão devem ser expostos em público, assim também o ensino referente aosSegredos da Carruagem Divina (Merkavá), apresentada no primeiro capítulode Ezequiel, também deve ser restringido.Da mesma forma como Ezequiel observou a Carruagem Divina (Merkavá),Jacob (Yaacov Avinu) também a viu em seu sonho com a escada que subiaaos Céus (Rakiá).

Terceiro Céu: 3- Shechakim – (Pulverizadores ou Nuvens) Neste Céu, omaná é triturado no moinho de pedras, o qual é preparado para os tsadikim(justos).Nos Salmos temos: “Entretanto, deu às nuvens (Shechakim) instruções eabriu as portas do Céu, fazendo chover sobre eles o maná”.

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Também temos em Deuteronômio “O Deus que sempre está em tua ajudatambém cavalga nos Céus (Shechakim) com Sua gloria”.Aqui, a nossa experiência de Deus nos chama pelo nome, e nos dá umamissão a ser cumprida na terra.

Quarto Céu: 4- Zevul – (Templo - Casa) Neste Céu encontra-se o altar doTemplo Sagrado da Yerushalaim (Jerusalém) celestial, sobre o qual o grandepríncipe angelical Michael oferece suas oferendas de sacrifícios.Em Isaías temos: “Dos Céus, volta para baixo o Teu olhar e mira-nos na Tuasagrada e gloriosa Casa (Zevul)”.A Jerusalém celestial é construída como a Jerusalém terrestre, mas ao invésde elevar-se pedra sobre pedra, como esta última, está sendo levantada atravésdas ações de bondade, verdade e justiça entre os seres humanos.A nossa experiência de Jerusalém e do Templo Sagrado neste Céu, tal comoexiste no reino espiritual, está pronta a materializar-se no reino físico.

Quinto Céu: 5- Maon – (Habitação - Morada) Este Céu é uma habitaçãopara multidões de anjos (Malachim) que entoam canções de louvor a Deus,com música e instrumentos durante a noite. Porém, permanecem em silênciodurante o dia, em consideração aos cânticos do povo de Israel. Encontramos:“Cantai, ó Céus, e regozijai, ó Terra, e irrompei em cânticos”. EmDeuteronômio temos: “Olha desde a morada (Maon) de Tua santidade, desdeos Céus, e abençoa Teu povo Israel.Em Maon a experiência com as forças Divinas que atuam na natureza, nostornam capazes de tentar emular, ou seja, reproduzir o estilo ou a maneiracom que Deus atua em nossas vidas.

Sexto Céu: 6- Machon ou Shmei haShamaim (Habitação ou Fundação)Neste Céu Machon encontra-se abaixo do Kissê HaKavod (Trono deEsplendor) do Eterno. Aqui se fazem juízos sobre a Terra. Alguns para perdoar,outros para castigar as transgressões contra a Torá.Neste Céu, estão os celeiros de granizo e os depósitos de neve, bem como oorvalho nocivo, além das fortes chuvas, tormentas, câmaras em que sãotraçados os tufões e da gruta enfumaçada com seus portões de fogo. Todasestas citadas são utilizadas para a retaliação contra os ímpios.

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Temos: “Ele está envolvido por densas e escuras nuvens, e justiça e direitoformam as fundações (Machon) de Seu trono” ou “De Sua habitação(Machon), a todos os habitantes da terra dirige Seu olhar”.Lemos no versículo “Ve’Atah tishma ha’Shamaim, Machon leShivtecho” –“É ali, onde Deus habita, que as nossas preces são ouvidas e aceitas”.A experiência com o Nome inefável de Deus (Havayeh), neste Céu, faz Suaonipotência e onipresença, refletirem em cada aspecto da nossa realidade.

Sétimo Céu: 7- Aravot – (Salgueiros ou Janelas). É o mais elevado detodos os Céus. Encontram-se nele os tesouros da vida, da paz e da bênção,além do Bem da Justiça e a Caridade. Em Aravot habitam as almas de todosos justos e as almas dos que estão destinados a nascer além do sopro de vidacom que Deus vai ressuscitar os mortos. Temos: “(...) as vistas dos que dasjanelas (Aravot) estendem seus olhares”, ou “Ainda que o Eterno fizessejanelas (Aravot) no Céu”.Em Aravot, a alma (Neshamá) transporta nossas lembranças e o registro denossas ações perante Deus.Aqui atingimos o derradeiro estado de Bitul, ou seja, da verdadeira auto-anulação com relação a Deus, tornando-nos uma “carruagem” Divina, umveículo de Deus, para cumprir Sua vontade na Criação... “

Depois de procurar assimilar mentalmente todo conteúdo desse LivroOnírico, com a lucidez e controle de onironauta, intuí que aquilo era umamensagem e um sinal para eu procurar conhecer os Sete Céus através demeus “sonhos lúcidos. E foi o que se deu.

O primeiro sonho foi numa segunda-feira - com o Coronel Militão RodriguesCoelho, que teve contendas históricas, no início do Século XX, com o CoronelHorácio de Matos na Chapada Diamantina, na Bahia. Esse meu sonhoevidencia um desejo curioso do Coronel Militão. No sonho, o principalobjetivo da vida dele era tão somente mudar o nome do lugar onde nasceu –Fundão – hoje Ipupiara, porque não gostava daquele nome. Considerava onome horroroso. Morreu sem ver seu desejo ser realizado e foi parar noPrimeiro Céu, por engano.

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O segundo sonho foi numa terça-feira, com Zé Limeira, o chamadoPoeta do Absurdo. Um paraibano inventa um foguete que, diz ele, fará choverno Nordeste. O sujeito bota o nome da tranqueira de “Trovão”. O inventor ésupersticioso e exige que Zé Limeira vá ao espaço comandando o foguete,pois só assim, seu invento fará realmente chover. O projeto termina sendoum tremendo fracasso e, dessa maneira, Zé Limeira vai parar no SegundoCéu.

O terceiro sonho foi numa quarta-feira, com Antonio Conselheiro.Já foram escritos mais de quinhentas obras sobre a vida dessa importantefigura da história brasileira. No entanto, existe um fato pouco focalizado desua vida. Ele teria feito uma promessa para construir vinte e cinco igrejas,simbolizando seus parentes mortos nas brigas entre os Maciel e os Araújo,no interior do Ceará. No sonho, ele diz ter morrido sem poder cumprirtotalmente a promessa.

O quarto sonho foi numa quinta-feira, com o poeta Castro Alves. Opoeta baiano morreu de tuberculose aos vinte e quatro anos de idade e foiparar no Quarto Céu. No sonho, o Comitê Celeste mandou seu espírito devolta à Terra. Segundo deliberação do Comitê Celeste, o poeta Condoreiroera muito importante e, por isso, não deveria ter morrido tão novo. A ciênciajá deveria ter descoberto a cura da tuberculose na ocasião de sua morte. Seuespírito teria que ser reencarnado, imediatamente, em outro poeta.

O quinto sonho foi numa sexta-feira, com o poeta Augusto dos Anjos.Determinado espírito foi escalado pelo Comitê Celeste para reencarnar emAugusto dos Anjos. Ocorre que um tio dele, também de nome Augusto,morreu no período de sua gestação e sua alma teimou em ficar no lugar desseespírito, e terminou armando a maior confusão. O espírito originalmenteescalado desistiu de reencarnar no poeta e foi chamado um substituto. Aalma do tio, ainda em estado de perturbação foi mandada para o mundo dosespíritos para apurar o fato, no Quinto Céu.

O sexto sonho foi num sábado, com o compositor e cantor cariocaNoel Rosa, no Sexto Céu.

O sétimo sonho foi num domingo, com o poeta e cantador Patativado Assaré, no Sétimo Céu.

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Os sete sonhos são narrados em forma de Romanceiro, através dadécima , em redondilha maior (sete pés), uma das trinta e seis modalidadesda poesia popular do Brasil. Ela já era uma estrofe usada na literatura clássicada Europa do século XV e XVI. Segundo alguns autores, a décima veio paraAmérica através dos colonizadores e aqui ganhou força, especialmente nocanto improvisado, fundindo num tipo de improviso muito particular.

Sua estrutura rimática ABBAACCDDC, com versos setissílabos ouoctossílabos, é leito do improviso ou verso escrito em vários países comoArgentina, Brasil, Chile, Cuba, Espanha, Ilhas Canárias, México, Panamá,Perú, Porto Rico, Venezuela, etc.... Sua potencialidade poética é tão grandeque pode ser vista como um poema.

Existem outros tipos de décimas que não seguem este rigor rimático,por exemplo ABBCCDDEED, ABBACCBDDB, ABBCCDDCCD,ABCBDDEFFE (como a usada por Castro Alves) ou totalmente sem rima,que também são décimas, mas não podem ser consideradas como a clássicaDécima que é usada para improviso no Nordeste do Brasil.

Neste Romanceiro é usada a variante rimática ABBCCDDEED,

onde o primeiro verso é considerado branco

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Em memória de minha avó Alexandrina Pereira deAraujo e de meus irmãos Sílvio e Humberto

A minha esposa Cleonice e minhas filhasMônica, Fernanda e Camila

E não foi vosso fôlego que ergueu e solidificoua estrutura de vossos ossos?

Gibran Khalil Gibran

Romanceiro do Sétimo Céu

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1Nosso insondável mistérioTem enredo encantadorNinguém jamais decifrouEsse mistério do Sonho.Em romanceiro eu exponhoEsse tema, esse assuntoQue levanta até defuntoDo fundo da sepultura.Nele qualquer criaturaVem conviver nesse Mundo

2O Freud conceituouEsse prodígio da menteQue involuntariamenteOcorre durante o sono.Ele nos bota no trono,É desejo, aspiração.Coisa bonita, visão,Fuga da realidade,Busca da felicidade,É fantasia, ilusão.

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3Sequência de pensamentosNo repouso da refrega,É quando a alma se entregaEm estado de vigília.Essa fugaz maravilhaQue nos faz rir e sofrerÉ comum de acontecerTambém na vida realAlém de ser naturalÉ vital pra se viver!

4Outra coisa seja ditaPara eu começar expor,Eu asseguro que souUm sonhador contumaz.O sonho não me dá “paz”;Se dormindo ou acordadoSempre estou “oniricado”No meu subconsciente,E dali vem para a menteJá tudo bem destrinchado.

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5Quem chegar ao Sétimo Céu,Segundo a Teogonia,Alcançará, nesse dia,Suprema felicidade.Fica bem na imensidade,Nos confins da Criação.Pra qualquer justo cristãoÉ lugar da “vida eterna”.De lá é que Deus governaNa glória da sagração.

6A seguir narro em detalhesOs sete sonhos que tiveE com minúcias retiveBem no fundo da memória.Cada um é uma históriaDe teor surpreendenteE estão intimamenteLigados a cada Céu.Traço aqui um painelPra ficar tudo evidente:

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Primeiro Sonho

Ipupiara e o Coronel Militão

Segunda-Feira

Primeiro Céu

A Batalha do Pega

“Urubu de lá do PegaEscreveu ao PresidenteQue já tá com o bico doceDe comer carne de gente”.

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7Na Chapada DiamantinaOlho a Serra do CarrancaE bem no meio da rampaVejo lá a Deusa Iara.Ela vela IpupiaraDum Lago cor de “cristal”.Sua bênção matinalEla manda pelo vento.Pra quem está desatentoParece coisa normal.

8Estão lá em IpupiaraA minha Deusa e a SerraE também naquela TerraVive um povo hospitaleiroNaquele solo brejeiroMais do que dar atençãoTrata com satisfaçãoTodos os seus visitantesE seus melhores instantesSão as festas de São João.

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9E foi lá que o Velho BoaMe falou de MilitãoUm coronel do sertãoDe nossa terra brejeiraQue passou a vida inteiraCom certo assunto pendente.De caráter resistenteEsse filho do LugarChegou até a galgarCargo nobre de intendente.

10Quando preciso mostrarA alguém a identidadeMe vem lembrança e saudadePois vejo no documentoNo lugar de nascimentoQue Ipupiara está láSempre a me recordarDo torrão onde eu nasciPassei minha infância aliAté eu ter que migrar.

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11Da minha infância inda lembroMãe Nina dando a matulaCom farinha e rapadura,Eu pequeno garimpeiro.Um franzino brasileiroLá na casa dos dez anosQue já fazia seus planosDe se mudar da CidadePois sua realidadeEra lá só desenganos.

12Talvez por essas e outrasOu pura necessidadeEu sonhe com a CidadeUm dia sim, outro não.Isso virou precisãoNunca parar de sonharCom várias coisas de lá.Mesmo com anos ausenteSiguia igual penitenteSonhando com o Lugar.

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13Eu tava num sono REMQuando aconteceu entãoQue o Coronel MilitãoSe fez presente em meu sonho.Com um ar meio tristonho,Zanzando de lá pra cá,Ele passou a contarSua verdadeira história,Que sai da minha memóriaPro romanceiro estampar:

14- Qualquer versão da históriaQuem dá é o vencedor,Muito fato se inventouPra passar como verdade.Porém, a realidadeDessas lutas que travei,Adiante lhe direi,Tinha um motivo claro.Não era o poder, meu caro!Eu não queria ser Lei.

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15- Eu nasci na Imbaúba:Militão Rodrigues CoelhoE ninguém meteu bedelhoNa criação do menino.Lembro que eu era franzinoE logo fui me encorpando.Minha fé foi se firmandoCom a missa domingueira.E assim, dessa maneira,O meu tempo ia passando.

16- Desde quando me vi genteEu tracei um objetivo,E foi por esse motivoQue lutei a vida inteira.Minha primeira barreiraFoi me tornar Coronel.E com farda, sabre e anel,Para ser mais respeitado,Eu tava sempre cercadoDe gente muito fiel.

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17- Como qualquer CoronelEu tinha lá minha gentePra me mostrar um valenteE impor todo respeito.O meu amigo do peitoEra o Miguel Umbuzeiro.Muito ladino, matreiro,O homem tinha tenênciaE usava a inteligênciaPra não entrar em vespeiro.

18- Agora deixa eu contarPorque estou no seu sonhoFoi por um erro bisonhoDum tal Carlos Araujo.Foi aquele dito cujoQue fundou esse Lugar.Mas achou de batizarNossa vila de Fundão.E contra tal xingaçãoResolvi me rebelar.

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19- Ao padre fiz a promessaQue nossa Terra teriaUm nome de galhardiaE defendi minha tese:Nenhum lugar que se prezeDeve se chamar Fundão.E era a minha intençãoBotar um nome decenteE ficou na minha mente...O nome era Jordão!

20- Tudo transcorria bemE meu plano dava certo,Acompanhava de perto,Com Brotas negociava.Meu projeto assim estavaPerto de concretizarIa enfim rebatizarA Vila em paz e harmonia.Mas uma patifariaFez tudo degringolar.

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21- Se deu em noventa e seisO fato que se lamenta.O Antonio da Jumenta,Jagunço de Clementino,Um cabra ruim e mofinoQue bebeu pra me insultar.Não poderia eu ficarSem lhe dar uma “lição”.Lhe dei surra de facãoQue fez nossa paz cessar.

22- O nome não foi mudado,A Vila ficou Fundão.Só com a libertaçãoPoderia acontecer!Brotas não ia cederSem uma luta feroz.Mas, acontece que nós,Sem querer ser marioneteEm julho de dezesseteNos separamos do algoz!

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23- Eu findaria esta históriaSem tocar no nome “Dele”.Acontece que, pra ele,As coisas deram mais certo.Além de ser muito esperto,Mais a praga da versão,Ele fez propagaçãoE seu nome virou lenda.Muitos sabem da contendaEntre Horácio e Militão.

24- Fundão e Barra do MendesSe tornaram um MunicípioE isso foi, a princípio,Ordem do Governador.Que também aconselhou:Tratar de rebatizarCom nome mais salutarA nossa vila Fundão.Fui alvo de traíção,Vi meu plano malograr.

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25- Horácio não engoliuVitória de MilitãoE foi se juntar entãoCom o Coronel Arcanjo.Os dois fizeram um arranjoPra depois nos atacar.Usaram de astúcia má,Mataram velho e mulher.E só por Zeca SodréAceitei capitular.

26- Depois da triste batalhaNa qual eu fui derrotado,Fugi pra Pilão-ArcadoE morri de inanição.Minha alma em confusãoA lamentar a má sorteE logo depois da morte,Veio o anjo GabrielE me levou para o CéuPor triste engano de norte.

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27O Coronel MilitãoFoi encaminhado entãoPara lugar de oraçãoPelo Comitê Celeste.- Gabriel andou no agresteE cometeu este engano.Volte pro sertão baianoPra cumprir o decidido...Quando tudo for cumpridoEsta porta é seu arcano.

28- Este é o Primeiro CéuOnde estamos a rezar.Aqui não pode ficarPelos seus erros na Terra.Mas lá você não se encerra,Haverá sua ascensão,Através de promoçãoSubindo grau a degrauPara eliminar o mal,Até total purgação!

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29- Eu revelarei agoraA expiação a cumprirAcabou de decidirEsse egrégio Comitê:A data para eu morrerNão seria aquela não.Eu voltarei pro Fundão,E aguardarei por láEu ficarei a zanzarVagando pelo Sertão.

30- No final desse meu sonhoLembrei de lhe perguntar:Depois de tanto vagar,Não findou a purgação?Não existe mais FundãoE sua morte é real,Por que não livrou do malQue trazia em sua alma?-Ainda carrego traumaPra vida Celestial!

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31- Ainda não fui pro CéuPor causa da “dor moral”.A vida CelestialCarece pureza d’alma.O tempo trará a calmaÉ o senhor da razão.Não findei a purgaçãoPois pra pureza geralTerei que subir degrauEm devagar promoção.

32- E da nossa Ipupiara,Que foi Fundão e Jordão,Brotou uma inspiraçãoPra piorar o meu drama.Existe em Ibotirama,Chamada Capital Céu,Um bairro que seu Manoel,Chamou “Alto do Fundão”.Ele assim, sem ter noção,Me deixou aqui ao léu.

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Elucidário“Militão Rodrigues Coelho nasceu em Imbaúba - Fundão (atual

município de Ipupiara) aos 20 de Outubro de 1859. Era filho do casalManoel Rodrigues Coelho e D. Norberta Olímpia Sodré Coelho. Casou–se duas vezes, teve 10 filhos e 41 netos.

O ponto de partida para as desavenças entre Militão e a famíliade Horácio de Matos foi quando, em 1896, um jagunço do CoronelClementino Pereira de Matos, chamado “Antônio da Jumenta”, depois deuma horrível bebedeira, insultou Militão e acabou levando uma surra defacão.

Militão teve uma vida inteira de lutas. Foi Intendente de Brotas eBarra do Mendes e comandou batalhões de jagunços. Quando do cerco aBrotas, por Horácio, recebeu o apoio do governador Antônio MunizAragão, dos chefes de Lençóis e da Estiva. Seu jagunço de confiança eraMiguel Umbunzeiro, este deu cobertura à saída de Militão de Barra doMendes para Pilão Arcado (região do São Francisco) na fazenda do coronelFranklin Lins de Albuquerque. Após uma vida de glórias e poder, nãoaceitava a capitulação imposta por Horácio. Nos últimos meses de vida,se manteve recluso num quarto e já não aceitava nenhum tipo de comida,só queria fumar e tomar café, morrendo de inanição.

O Coronel Militão Rodrigues Coelho faleceu em Pilão Arcado a8 de Dezembro de 1919, dia da Padroeira de Barra do Mendes, NossaSenhora da Conceição.

Seus restos mortais jazem submersos nas águas turvas da barragemde Sobradinho”.

Os fatos desta primeira história foram revelados, em sonho, numanoite de segunda-feira, pelo Coronel Militão Rodrigues Coelho a NoelSerafim.

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Ipupiara“O território pertencente ao município de Ipupiara integrava o

município de Brotas de Macaúbas. Seus primeiros desbravadores foramindígenas. O primeiro proprietário branco de terras foi Carlos Rodrigues deAraújo Barreto, que arrendou a Fazenda Fundão, dos herdeiros do Condeda Ponte. A descoberta de ouro na Chapada Diamantina, motivou a chegadade muitos garimpeiros, que alí se fixaram formando o povoado de Fundão.Outros nomes foram tentados mas não “pegaram”. Em 1933, mudou-se onome para Jordão e finalmente passou a chamar-se Ipupiara, por força deDecreto Estadual de 1944. O nome Ipupiara é de origem tupi-guarani, quesignifica “o que reside na fonte ou habita no fundo das águas”.

Pela lei número 256 de 17 de março de 1847, foi o povoado elevadoa freguesia.

Ipupiara obteve sua emancipação político-administrativa em 8 deagosto de 1958, pela lei Estadual número 1.015. Entre as personalidades que lutaram pela emancipação políticadestacam-se: Artur Ribeiro, Antônio José dos Santos, Osvaldo Leite da Silva,Aristides Silva, entre outros. O município de Ipupiara localiza-se encravado na Micro-Região daChapada Diamantina Meridional, a 620 km da Capital do Estado, Salvador.Possui dois distritos: o de Ibipetum e o de Ipupiara, e os povoados de Riachodas Telhas, Lagoa da Boa Vista, Pintadas, Bela Sombra, Sodrelândia, Poçode Areia, Capim de Raiz, Pratina, Poço de Canolo, Olhos d’água, Chiquita,Queimadas, Traçadal e outros.

O território ocupa uma área de aproximadamente 1.031quilômetros quadrados e sua sede está situada a uma altitude de 780 metrosacima do nível do mar”.

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Lenda sobre a origem do nome Ipupiara

“Os cronistas dos séculos XVI e XVII registraram essa história. Noprincípio, o personagem era masculino e chamava-se Ipupiara: homem peixeque devorava pescadores e os levava para o fundo do rio. No século XVIII,Ipupiara vira a sedutora sereia Iara. Todo pescador brasileiro, de águadoce ou salgada, conta histórias de moços que cederam aos encantos dabela Iara e terminaram afogados de paixão. Ela deixa sua casa no fundo daságuas no fim da tarde. Surge magnífica à flor das àguas: metade mulher, metadepeixe, cabelos longos enfeitados de flores vermelhas. Por vezes, ela assumea forma humana e sai em busca de vítimas.

Quando a Mãe das águas canta, hipnotiza os pescadores. Um delesfoi o índio Tapuia. Certa vez, pescando, Ele viu a deusa, linda, surgir daságuas. Resistiu. Não saiu da canoa, remou rápido até a margem e foi seesconder na aldeia. Mas enfeitiçado pelos olhos e ouvidos não conseguiaesquecer a voz de Iara. Numa tarde, quase morto de saudade, fugiu daaldeia e remou na sua canoa rio abaixo.

Iara já o esperava cantando a música das núpcias. Tapuia se jogouno rio e sumiu num mergulho, carregado pelas mãos da noiva. Uns dizem quenaquela noite houve festa no chão das águas e que foram felizes para sempre.Outros dizem que na semana seguinte a insaciável Iara voltou para levaroutra vítima”.

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Segundo Sonho

Zé Limeira e a subida doTrovão

Terça-Feira

Segundo Céu

“Os hemisférios do pradoAs palaganas do mundo,Os prugis da Galiléia,Quelés do meditabundo,Filosomia Regente,Deus, primeiro sem segundo”.

Zé Limeira

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33Zé Limeira me contouQue quase ficou pinelQuando foi parar no CéuE do jeito que chegou.Ninguém sequer perguntouComo chegou d’outro mundo.Parou, e respirou fundo!Tinha que pensar com calma.Estava ali era em alma?Seria mesmo um defunto?

34Perguntou: – Cadê São Pedro?-Por que não está na porta?Disseram: - Isso é lorota,Conversa pra boi dormir.- Repare bem isso “Aqui”Vai precisar de porteiro?Onde não corre dinheiro,E a comida é manjar!Vai tratar de se arranjar,Se vira, meu companheiro!

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35- Em plena segunda-feiraArrumei meu matulãoE me escanchei no TrovãoEm noite de lua cheia.Aonde a Terra margeiaEu desviei do arrebol,Tirei um fino no Sol,Passei por Marte e PlutãoE veloz como um tufãoTrovão ficou sem farol.

36- Naquele exato momentoTudo ficou meio escuroFui parar perto dum muroJogado fora do assento.E quando olhei lá pra dentroDivisei Zé de Miguel,Um defunto tabaréuLá da Serra do Teixeira.Foi assim, dessa maneira,Que eu fui parar no Céu.

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37- Olhei pra todos os ladosBuscando me orientarSerá que vão duvidar,Também da minha existência?E naquela turbulênciaVi alguem ficar de pé:-Diga lá quem você é,É real ou ilusão?-Eu não sou assombração,Mande chamar Assaré.

38- “Nesta vida passageira,Há coisas que muito pasma,Disseram que Zé LimeiraÉ um poeta fantasma.Um cantador fictício,Por isso com sacrifícioQuerendo ser sabedorViajei com paciênciaPra saber da existênciaDo famoso cantador.”

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39- “Saí do meu CearáPara tirar este enganoParando aqui acoláNo mapa Paraibano.Pra saber toda verdadeCheio de curiosidadePerguntei a velho e moçoE não dei um passo a esmo,Pois Zé Limeira foi mesmoPoeta de carne e osso”.

40- Vocês podem perguntarComo montar num TrovãoSe em qualquer estaçãoPouco chove no Nordeste!É que o Cabra da PesteNão é de chuva de invernoÉ todo feito de ferro,Invenção nacional,Em seu voo inauguralLá da “Barreira do Inferno”.

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41- Foguete paraibanoBatizado de TrovãoQue tinha a santa missãoDe, no ar, fazer chover.Mas pra isso acontecerTinha que ir lá no espaçoBombardear o mormaçoPara a precipitação,E para azar do SertãoFoi um tremendo fracasso.

42- O inventor do foguete,Homem de superstição,Impôs certa condição:Só despachava a tranqueiraSe levasse Zé LimeiraImprovisando em “cordel”Com “pinho”, lenço e chapéu.Como deu pra perceber,Em vez de fazer choverMe levou direto ao Céu.

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43- Quando saí da tranqueiraE levantei meu chapéuTodos ficaram, no Céu,Com ar de estupefação.Porque aquela inscriçãoDa base de lançamentoCom nosso deslocamentoVi que a “Barreira” sumiu,E “Do Inferno” reluziuNo lado daquele invento.

44- E começaram a gritarQue eu era assombraçãoEnviada pelo CãoDas profundezas do Inferno.Eu clamei ao Pai EternoE chegou mestre AssaréQue jurou ali de péQue eu era Zé LimeiraLá da Serra do Teixeira,Cantador de muita fé.

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45- Pediram comprovaçãoDo que o Mestre propagouE logo alguém provocou:-Por que não prova o que fala?Se é mesmo o que propalaPega lá sua violaE veja se não se enrolaNuma improvisação,Mostre sua inspiração,Tire versos da cachola.

46-Não viajo de jumentoNem carrego baionetaQuem matou o cão foi baetaDiz o Novo Testamento.Completando o pensamentoDessa “improvisação”:“A desgraça de SansãoFoi trair Pedro PrimeiroDiz o grito do vaqueiroNas quebradas do sertão”.

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47- “O caminhão de CabralQuando aterrissou no caisMelado de lama atrásEle foi e pintou de calCorreu pro Banco CentralMontado numa cachorraDeu tiro que só a porraNa guerra do ParaguaiDo jeito que a coisa vaiTalvez a pobreza morra!”.

48E o Mestre do AbsurdoFoi encaminhado entãoPara lugar de oraçãoPelo Comitê Celeste.-Saibas tu que aqui viestePara a última morada,Isso tem hora marcada,Como Deus determinou.Pra chegar ao CriadorEis tua porta de entrada!

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49- Este é o Segundo CéuOnde estamos bendizendo,É o que estás merecendoPelos teus feitos na Terra.A alma aqui não se encerra,Haverá tua ascensão,Através de promoçãoSubindo grau a degrauPara eliminar o malAté total purgação!

50Foi assim que sucedeuA “subida” de Limeira.Não levem na brincadeira,Pois é sonho muito sério.Mas permanece o mistério,No Nordeste brasileiroSobre o real paradeiroDo desastrado Trovão.Ele não voltou ao chãoDo Brasil ou estrangeiro.

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ElucidárioZé Limeira, Poeta do Absurdo - (1886 - 1954)

Segundo Orlando Tejo, Zé Limeira nasceu em Teixeira, Paraíbaem 1886. Era um homem simples, de vida pobre, humilde, mas honesto esempre com um sorriso estampado na face, tinha a estatura avantajada,desinibido e desabusado, carismático e bonachão.

Filho da noite, amante das estradas, pai do absurdo, viajou porboa parte do país, mas nunca usava carros ou outros veículos motorizados,viajava sempre a pé. Assim venceu o mapa da Paraíba e deslocou-se aoCeará, ao Rio Grande do Norte, à Pernambuco e à Alagoas. Trajava umaroupa extremamente extravagante que era um azul vivíssimo a contrastarcom o vermelho aceso da flanela que envolvia o pescoço, onde se via umtosco anelão de pedra azul pendurado, um verdadeiro “Falcão”.Exageradas lentes pretas iluminavam os olhos cor de carvão, quinze anéisgrotescos reluziam nos seus dedos possantes e ágeis, carregando sempre asua viola com dezenas de fitas multicores que balançavam ao vento,

O dia de sua morte foi muito triste. Chamou um grupo de amigos,tocou por um bom tempo pra eles, sempre com o sorriso na boca, e dizendoque não se preocupassem, pois ele tinha um fôlego de sete gatos.

Fonte: Orlando Tejo.

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Terceiro Sonho

Antonio Conselheiro e asvinte e cinco Igrejas

Quarta-Feira

Terceiro Céu

“Aí apareceu pelo sertãoUm monte que passou a cativarTão belo que ajuntou o povo irmãoPatrão e opressor não tinha lá”.

Enoque Oliveira

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51Mudei em setenta e trêsPra morar no MaranhãoMas eu não tinha a noçãoDo que ia acontecer.Logo que disse - prazer!Ao primeiro moradorEle, espantado, gritou:-É Antonio ConselheiroQue baixou n’algum terreiroE aqui se incorporou!

52Aquilo foi o prenúncioDo que viria a seguir,Eu tinha chegado aliDessas plagas da Bahia.Por não gostar de folia,Não dar “valor” a dinheiro,Não ir a cabeleireiroE ser amável no trato,Diziam eu ser o retratoDo “beato” Conselheiro.

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53Quando já era bancárioA coisa seguiu assim,Só referiam a mimComo Antonio Coselheiro.Aquilo foi um roteiro,Um fato a considerar.Minha passagem por lá...Por lá... pelo MaranhãoVirou uma obsessãoPara eu escrafunchar.

54Esse fato me marcouNaqueles anos setenta.Minha mente tava atentaPro beato singular.E procurei me ligarNa vida do ConselheiroEsse insigne brasileiroDe Belo Monte - CanudosQue foi alvo até de estudosEm países do estrangeiro

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55Naquele ano de trintaDo século dezenoveNasceu em família pobreComo Antonio Maciel.Seu pai deu graças ao Céu,Pegou o filho no braçoNo dia treze de marçoNa Vila Campo Maior.Observando melhor,Notou que tinha seu traço.

56Quando contava seis anosA sua mãe faleceu.O menino padeceuPor falta daquele amor.O seu Vicente casouCom Maria Conceição.Ela não tinha afeiçãoPelo pequenino AntonioE por obra do demônioSeu pai virou beberrão.

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57Cresceu assim o meninoEstudando o português,Geografia e francêsLá em Quixeramobim.Teve aulas de latimLá na escola do avô.Aos estudos se entregou,Teve boa formação,Pois o pai tinha a intençãoDe fazê-lo confessor.

58No ano cinquenta e cincoNo dia cinco de abrilSeu Vicente sucumbiu -Morreu seu progenitor.Só deixou tristeza e dorE tudo que pôde herdarAs três irmâs pra cuidarMais o comércio falidoMuito fiado vencidoE contas para pagar.

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59Casou-se em cinquenta e seteBem no início de janeiroEm sete do mês primeiroCom a jovem Brasilina.Esse fato determinaMudança de profissão.Ele atendeu em balcãoFoi rábula e professor,Constantemente mudou,Parecendo em procissão.

60Seu casamento ia bem,Nasceram duas crianças.Renovaram as esperançasDe futuro promissor.Porém, teve o dissaborDe ver a sua mulher,A companheira de fé,Fugir com policialNuma conduta imoralSem explicação qualquer.

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61Novamente se mudouApós aquele ocorrido.Ficou bastante abatidoCom “desmanche” do seu lar.Tempos depois viu chegar,Com Joana, mais um filhoQuando já era andarilhoPor todo o seu Ceará.Qualquer cidade a cruzarJá não era um empecilho.

62No ano setenta e trêsA fronteira cruzariaE foi visto na BahiaJá em peregrinação.Tinha a determinaçãoDe quem tem objetivosE dava muitos motivosPara alguém acreditarQue promessa ia pagarAqui no mundo dos vivos.

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63Essas pesquisas eu fizPorque algo me faltavaNenhuma “fonte” explicavaUm fato muito importante.Aquela imagem “intrigante”Que planejou “Conselheiro”.O comerciante e obreiroQue “bolou” um “visual”Que fascinou sem igualNo cenário brasileiro:

64De barba e grandes cabelosAlto e magro de feiçãoCom batina de azulãoNos pés sandálias de couro.Imagem de bom agouroSó andava de bastãoE na cintura um cordãoCom enorme crucifixo.Naquela imagem me fixoProcurando explicação.

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65Não bastasse aquela “imagem”Tinha um certo ritual.Era caso habitualPedir ao rico pro pobre.Essa atitude tão nobreDava mais o que pensarE só fazia espalhar,Pelo sertão, sua fama.Aquilo era uma tramaDifícil de destrinchar.

66E nesse ponto eu pareiPensando o que fazer.- Continuar a escreverSem essa luz clarear?Refletindo, fui deitarTava cansado e dormiE no sonho eu consegui!É que nesse sonho meuConselheiro apareceuE me contou tudo...*ali.

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67- *O fato que quer saberEu fiz de caso pensado,Depois de ter estudadoA mente do sertanejoEu auscultei seu desejoPara a minha atuação.Fiz essa “transformação” -Trabalho de marqueteiro.No Brasil fui o primeiroA ter essa profissão.

68- Ocorreu no CearáA desavença cruelDa família MacielCom todos os Araújo.Não havia um só refúgio,Isso marcou gerações,Ensanguentou os sertõesCom morte de vinte e cinco.Eu rezei com muito afincoPra cessarem as agressões.

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69- Nessas minhas oraçõesFiz promessa benfazeja:Construir uma igrejaPra cada morte ocorrida.E que toda essa feridaViesse a cicatrizarQue jamais no CearáReinasse a desarmonia.Vim pro sertão da BahiaMeu sonho concretizar.

70- O final da minha históriaVocê já sabe de sobraEm todo tipo de obraEscrita por bacharelEm folhetos de cordelE teses de doutoradoJá tive o crânio estudadoPra saber se fui nornal.Pois na busca do “ideal”Vi meu povo trucidado.

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71- Eu só pretendia erguerEssas casas de oraçãoE não sei porque razãoParei no Vaza-Barris.Por um capricho infelizConstruí uma cidadeQue teve a capacidadeDe se auto-sustentar.Todos corriam pra láPara o lugar de igualdade.

72- Canudos, em quatro anos,Lá no sertão era a tal.Foi notícia de jornal -E incomodou a Nação.E o presidente de então,O Prudente de Morais,Despachou seus “federais”Para nos aniquilar.Conseguiram consumarE o fato foi pros anais.

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73- Não cumpri minha promessa,Parei lá pela metade.Não tive a serenidadeCresceu minha empolgação.E essa minha ambiçãoA mente me confundiu.A morte me consumiuE para meu desconfortoCada um parente mortoVi multiplicar por mil.

74- Cheguei ao Terceiro CéuBem no dia que eu morriE o Comitê daliDecretou na ocasiãoQue para minha ascensãoPor cem anos vou purgar.Agora você saberáComo foi a minha morte...- Por um capricho da sorte,Alguém veio me acordar!

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Elucidário13 de Março - 1830Antônio Conselheiro - Nasce na Vila do Campo Maior de Quixeramobim,na província do Ceará, Antônio Vicente Mendes Maciel, nome de batismodaquele que mais tarde ficaria célebre como Antônio Conselheiro. Erafilho de Maria Joaquina de Jesus e Vicente Mendes Maciel.31 de agosto - 1834Morre Maria Joaquina. Antônio e suas duas irmãs, Maria e Francisca,ficam órfãos de mãe e seu pai casa-se 1 ano, 5 meses e 11 dias depois comFrancisca Maria da Conceição e tem mais uma filha chamada Rufina.“Antônio teve uma infância sofrida. Marcaram-no os delírios alcoólicosdo pai , os maltratos da madrasta, o extermínio de parentes na luta contraos Araújo, além das influências místicas comum ao meio sertanejo”05 de Abril - 1855Morre Vicente Maciel, pai de Antônio, que a partir de então, passa a cuidardos negócios da família, ao mesmo tempo em que promove o casamentodas irmãs. Francisca Maciel, madrasta de Antônio, morre em Quixeramobimum ano depois. 07 de Janeiro - 1857Antônio Maciel casa-se em Quixeramobim com Brasilina Laurentina deLima.28 de Junho - 1876Antônio Conselheiro é preso em Itapicuru (BA), pelo delegado de políciade Itapicuru, Francisco Pereira Assunção. 16 de Fevereiro - 1882O Arcebispo de Salvador (BA), D. Luís José envia aos vigários de todo oEstado da Bahia, uma circular proibindo as pregações de AntônioConselheiro em suas paroquias.

26 de Maio - 1893

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Ocorre em Masseté (BA) o primeiro confronto armado entre o governo eos conselheiristas. A força militar, composta de 30 soldados e 1 tenente,foi enviada de Salvador (BA), após Antônio Conselheiro liderar ummovimento que destruiu na praça pública de Natuba (atual Nova Soure -BA), os editais republicanos de cobrança de impostos, atitude que provocoua ira das autoridades locais.13 de Junho - 1893No coração da Bahia, no meio da caatinga, existia um velho e decadentepovoado à beira do Rio Vaza-Barris rodeado de imponentes morrosdenominados Cambaio, Caipã, Canabrava, Cocorobó, Poço de Cima, Sauie Angico. É este o lugar escolhido por Antônio Conselheiro para construirsua última morada. O nome do lugar era Canudos, devido a uma plantachamada Canudos-de-Pito.“Canudos era um lugar onde todos trabalhavam e rezavam. A moradaque procuravam os descontentes, pobres, desamparados e inseguros. Erameles liderados por um homem de espírito prático, capaz, disciplinado ecorajoso que possuía 12 homens de confiança conhecidos como “Os DozeApóstolos”. Aquele local se tornava no meio do sertão miserável umaárea de paz. Paz essa que os poderosos não admitiriam, por perderemforça de trabalho, por perderem fiéis e por perderem contribuintes. Seriamfeitos quatro ataques a Canudos, sendo que os três primeiros seriamvencidos pelos canudenses, mas no 4º, não foi possível resistir, tamanhaera a força das tropas que reuniam soldados de 17 estados, imenso arsenalbélico e envolvia até a marinha. No dia 22 de setembrode l897 AntônioConselheiro veio a falecer, as causas de sua morte são desconhecidas.Canudos não duraria muito, cairia no dia 5 de outubro, com sua populaçãomassacrada, degolada e bombardeada”.

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Quarto Sonho

Castro Alves e a cura datuberculose

Quinta-Feira

Quarto Céu

“Para chorar as dores pequenasDeus criou a afeição e para chorara humanidade Deus criou a poesia.”

Castro Alves

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75Não dominamos os sonhosE tudo acontece assim:Tem sonho bom e ruim,É magia ou pesadelo.Parece fio de noveloQue nunca chega na ponta.Às vezes nos desapontaTem vez que nos enriqueceIsso nunca se esclareceParece mais “faz de conta.”

76Já disse sobre os meus sonhosQue são muitos e frequentesPois estão sempre presentes -Sonho de toda maneira.Sonhei numa quinta-feiraCom a figura sem-parQue soube representarA nossa terra - a Bahia.Esse mestre da poesiaLá no Céu fui encontrar!

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77Antonio de Castro AlvesFoi o ás do RomantismoE recebeu, de batismo,O nome de Condoreiro.Compôs “Navio Negreiro”E mostrou não ter rival,Na poesia socialAo tratar da escravidão.Em qualquer situaçãoFoi um vate genial.

78-“Branco cisne, que vogavasDas harmonias no mar,Pomba errante de outros climas,Vieste aos cerros pousar.Inda bem. Sob os palmaresNa voz do condor, dos mares,Das serranias, dos céus...Sente o homem - que é poetaSente o vate - que é profetaSente o profeta - que é Deus.”

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79-“Há alguma coisa de grandeDeste mundo na amplidão,Como que a face do EternoPalpita na criação...E o homem que olha o deserto,Diz consigo: Deus’stá pertoQue a grandeza é o Criador.E, sob as paternas vistas,Larga rédeas às conquistasPede as asas ao condor.”

80Nasceu em quarenta e seteDo século dezenoveDe família muito nobreO grande vate baiano.Ele era interioranoDa Vila de Curralinho.Quando ainda bem novinhoSeu pai, que era doutor,Mudou-se pra Salvador,Pro ambiente marinho.

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81A intenção de seu paiEra mesmo encaminhar,O filho, para estudarNa capital, Salvador.Para tornar-se um doutor,Pro Recife foi mandadoMas voltou sem ter formadoNa Escola de DireitoPois sentiu um amor no peitoQue o deixou perturbado.

82Muito cedo, em PernambucoComeçou na poesiaE o verso que já faziaNão era por brincadeira.Pois carregava a bandeiraDa futura Abolição.Fazia propagaçãoDa causa RepublicanaE já amava uma damaDo nosso “País Irmão.”

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83A atriz Eugênia CâmaraInspirou o trovador.Escreveu “Noite de Amor”E “A Canção do Africano”.Já parecia um decanoNa arte de versejar.Teve asas pra voarNo ofício da poesiaDa liberdade queriaDesta bandeira hastear.

84No ano sessenta e oitoDe passagem pelo RioRecebeu muito elogioE também aclamação.Mereceu consagraçãoDe Machado e de Alencar.Nesse ano ia morarLá na Terra da GarroaPara não ficar à-toaE conseguir se formar.

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85Ao se mudar pra São PauloNão ficou ali à toa,Na “cidade da garoa”Voltou logo a estudar.Conseguiu matricularNa Escola de DireitoE tinha contato estreitoCom sua dama garbosa.Estudou com Rui BarbosaA quem devotou respeito.

86Na cidade de São PauloComeçou sua desgraçaParecendo uma trapaçaDessas cartas do destino.Aquele quase meninoPerdeu carinho da amadaSe debandou pra caçada,Na serra e até no sopé.Levou um tiro no pé -Uma bala atravessada!

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87A partir desse momentoA desgraça se instalou.A ferida não curouE veio a amputação.O pé desse cidadãoQue orgulhou o BrasilTeve o seu destino vil,E pra tudo complicar,Depois do pé emputarA “peste”, então, contraiu.

88Esse Bacilo de KochFoi agente causadorDa desgraça desse autorDe romântica poesia.Ele voltou pra BahiaCom a fé de se curar,Procurou o seu lugarA conselho de doutor.Porém, em São SalvadorVeio a se desencarnar.

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89Nesse dia seis de julhoDo ano setenta e umNão houve cantar algum,Silenciou a Bahia.Perdia a nossa poesiaSua maior expressão.E seu espírito, então,Subiu para o Quarto CéuE sem fazer escarcéuProcurou sua ascensão.

90Voltemos para o meu sonhoO sonho de quinta-feiraQue me levou, de primeira,Pro centro do Quarto Céu.Eu não estava de réuNa dita reuniãoEu via a delibaraçãoLá do Comitê Celeste:Era o caso dessa “peste”De grande destruição.

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91- Quero indagar deste CéuPor que eu na flor da idadeTive a infelicidadeDe seduzir tanto mal?Isso pra mim foi fatal:Levei um tiro no pé,Perdi o amor da mulherE pra completar a doseContraí tuberculose.Tive um castigo de fé?

92- Foi um poeta brilhanteDe futuro promissorMas a ciência falhouNa cura dessa doença.Tinha que marcar presençaE descobrir logo a curaE não ficar à procuraDuma “remediação”.Sua reencarnaçãoVai ser vate à sua altura.

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93- Essa tal tuberculoseTá matando muita genteNão escapa um só vivente -Tá mesmo ceifando a esmo.Ela não quer saber mesmoSe é velho ou se é moçoE só deixa pele e ossoNa carcaça do cristão.E nessa situaçãoSó faz causar alvoroço.

94Nosso vate da BahiaFoi encaminhado entãoPara lugar de oraçãoPelo Comitê Celeste.- Saibas tu que aqui viestePara a última morada,Isso tem hora marcada,Como Deus determinou.Pra chegar ao Criador,Eis tua porta de entrada.

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95- Este é o Quarto CéuOnde estamos bendizendo.O teu caminho é descendoPara os atrasos da Terra.Tua alma não se encerra,Terá mesmo que voltarA alma vai encarnarEm quem fará poesia.Isso não é heresiaHá um ciclo a completar.

96- Se eu vou reencarnarPreciso de explicaçãoPara saber de antemão,E como acontecerá.- Você logo saberá,Em seguida lhe direi...- Nessa hora eu acordei...E assim, por conseguinte,Talvez no sonho seguinte,Uma explicação terei.

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Antônio Frederico de Castro Alves nasceu na fazenda Cabaceiras,antiga freguesia de Muritiba, perto da vila de Curralinho, hoje cidade deCastro Alves, no Estado da Bahia, em 14 de março de 1847, e morreu nacidade de Salvador, no dia 6 de julho de 1871. Foi o mais brilhante dospoetas românticos brasileiros. Chamado cantor dos escravos pelos seuspoemas de combate à escravidão negra no Brasil. Viveu os primeiros anosda juventude no interior. Era filho do médico Antônio José Alves, maistarde professor na Faculdade de Medicina de Salvador, e de Clélia Brasíliada Silva Castro, falecida quando o poeta tinha 12 anos. Por volta de 1853,ao mudar-se com a família para a capital, estudou no colégio de AbílioCésar Borges, futuro Barão de Macaúbas, onde foi colega de Rui Barbosa,demonstrando vocação apaixonada e precoce para poesia. Aos dezesseisanos foi para o Recife, estudar Direito. Começou desde logo a patentearuma notável vocação poética e a demonstrar dotes oratórios poucocomuns, que mais tarde fizeram dele um dos arautos do movimentoabolicionista e da causa republicana. Escreveu poesia lírica, e tambémpoesia de caráter social, em favor da abolição da escravatura. Participouativamente da vida estudantil e literária. Tendo grande animação peloteatro, em 1867, conheceu a atriz portuguesa Eugênia Câmara, dez anosmais velha do que ele, por quem se apaixonou, com ela seguindo paraSalvador, Rio de Janeiro e São Paulo, e em sua homenagem escreveu odrama em prosa Gonzaga ou A Revolução de Minas, que ela representou.De passagem pelo Rio de Janeiro, conheceu Machado de Assis, que ointroduziu nos meios literários. Em São Paulo cursa o 3º ano da Faculdadede Direito. Comçam então os primeiros desentendimentos amorosos docasal. Os amores pela atriz continuaram, mas não foram por elacorrespondidos. Abraçando a caça nos bosques da Lapa, o poeta procuravaesquecer os aborrecimentos, que lhe adivinham das desavenças com atriz.Em 1968, numa dessas caças feriu-se com um tiro de espingarda

Elucidário

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no pé direito. Foi conduzido para o Rio de Janeiro, teve o pé amputado.Daí passou a caminhar apoiado numa bengala, utilizando um pé deborracha. Como já a tuberculose o afligia, teve seus males agravados peloacidente. Em 1870 dirigiu-se para a Bahia, onde publica EspumasFlutuantes. Falece em Salvador. Predominante poeta romântico, foiinfluenciado por Byron e Vitor Hugo. Pertenceu à Escola Condoreira. Oinolvidável poeta, que foi um dos mais acerbos defensores da emancipaçãoda escravatura no Brasil, é o patrono da cadeira nº 7 da Academia Brasileirade Letras. Obras de Antônio Castro Alves (1847 - 1871): EspumasFlutuantes, Os Escravos, A Cachoeira de Paulo Afonso, Vozes da Áfricae Navio Negreiro são a sua expressão máxima.

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Quinto Sonho

Augusto dos Anjos e areencarnação

Sexta-Feira

Quinto Céu“A vida vem do éter que se condensaMas o que mais no Cosmos me entusiasmaÉ a esfera microscópica do plasmaFazer a luz do cécebro que pensa... “ *

* Os Doentes - Augusto dos Anjos

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97À luz do espiritismoEspírito desencarnadoNão aceita de bom gradoNova reencarnação.Só aceita essa missãoPor ser um ciclo fecundo.Mas no momento profundoQuando nosso corpo dormeA alma busca outro norteNas relações com seu mundo.

98Esse mundo dos espíritosKardec codificouE a doutrina espalhouPor todos os cantos da Terra.Ela diz que o sono encerraDesligamento mundando,Quando a alma nesse plano,Ganha emancipação.Essa fugaz incursãoÉ sonho pro ser humano

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99Eu estava no meu quartoEm noite de sexta-feiraDormindo de tal maneiraQue a minha alma partiu.E pra seu mundo seguiuFicando em pleno labor.O sono propiciouParticipar de mil atos,Presenciar certos fatosQue o sonho me revelou!

100O assunto dessa vezQue chamou mais atençãoFoi a reencarnaçãoQue não se concretizou.O Quinto Céu ordenouQue toda alma envolvida,Mesmo que já noutra vidaVisse a deliberaçãoPra que essa confusãoFosse, enfim, esclarecida.

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101Ele já tinha problemaAntes da concepção,Quando ainda um embriãoHouve um drama em sua vida.Foi a comoção sofridaPela mãe, dentro do lar.Ela viu morte ceifarO seu irmão, estudante,Quase médico praticantePróximo de se formar.

102O drama familiarOriginou muito malE o traumatismo moralAbalou a gestação.A mãe em perturbaçãoEnquanto o filho nascia.Essa criança herdariaO nome do tio mortoMas teria o desconfortoDuma vida doentia.

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103Em Cruz do Espírito Santo,Estado da ParaíbaA família reunidaNo dia vinte de abril.Ansiedade febrilEm todo Engenho Pau D’arcoSinhá Mocinha no partoDo terceiro filho seu,Quando alguém gritou - nasceu!Ouviu-se o choro quarto!

104Nasceu Augusto dos AnjosNesse referido partoNo ano oitenta e quatroDo século dezenove.Demonstrou antes dos noveQue nasceu pra poesiaPois poemas já faziaNaquela tenríssima idade.Mostrou genialidadeNos poemas que escrevia:

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Quando nasci, num mês de tantas flores,Todas murcharam, tristes, langorosas,Tristes fanaram redolentes rosas,Morreram todas, todas sem olores.

Mais tarde da existência nos verdoresDa infância nunca tive as venturosasAlegrias que passam bonançosas,Oh! Minha infância nunca teve flores!

Volvendo à quadra azul da mocidade,Minh’alma levo aflita à Eternidade,Quando a morte matar meus dissabores.

Cansado de chorar pelas estradas,Exausto de pisar mágoas pisadas,Hoje eu carrego a cruz das minhas dores!*

*Mágoas - Augusto dos Anjos

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105Em casa, com o seu pai,Teve a primeira instruçãoE toda preparaçãoPra ingressar no Liceu.E mais tarde se inscreveuEm Escola de Direiro.Um seu amigo do peitoDaquela fase escolar,Em bate papo de barO descreveu deste jeito:

106- O meu bom amigo Augusto,O magro desventurado,Tinha andar nada aprumadoDe esquálida magreza.Causava muita estranhezaSuas faces reentrantesOlhos fundos, cavernantesSob a testa descalvada.A clavívula era arqueadaE tinha os lábios crispantes.

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107O nosso poeta AugustoEra mesmo introvertido,No amor tinha sofridoEnorme desilusão.Foi a partir de entãoQue em toda sua arteGritou dor por toda parte,E não há quem sofreu mais.A desilusão jamaisO abandonou, destarte.

108Seu estilo original-Científico filosófico -Teria sido um neurótico,Um sorumbático e atéu.Ninguém o compreendeuNa sua arte sem par.Esse vate singularFoi um jovem esquisitãoE apresentou-se à NaçãoCom soneto lapidar:

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Eu, filho do carbono e do amoníaco,Monstro de escuridão e rutilância,Sofro, desde a epigênesis da infância,A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,Este ambiente me causa repugnância...Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsiaQue se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme - este operário das ruínas -Que o sangue podre das carnificinasCome, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,E há de deixar-me apenas os cabelos,Na frialdade inorgânica da terra!*

*Psicologia de um vencidoAugusto dos Anjos

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109Mil novecentos e seteFoi ano de formatura,Concluiu naquela alturaO seu Curso de Direito.Ele não tirou proveitoDessa nova profissão,Pois foi a partir de entãoQue lecionou português.Nesse período ele fêzSonetos em profusão.

110Decidiu no ano dezProcurar outro misterE viajou com Ester,Com quem havia casado.Sonhava o Rio adequadoPara a sua projeção.Porém, essa decisãoLá não lhe trouxe bons ares.Deu aulas particularesMorando sempre em pensão.

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111Na Capital FederalAugusto, em vão, procurouMas ninguém o ajudouNem os da Terra Natal.E nesse tempo, o casal,Ficava a peregrinarTendo pensão como lar:Só vendo os filhos nasceremE dessa forma cresceremA mudar, mudar, mudar.

112No correr do ano dozeOdilon, o seu irmão,Custeou uma impressãoDe seu único livro - “Eu”.Consta que o vate escreveuCom o sangue que tirou,Do seu dedo indicadorO Título, lá no lugar,Pois não podia comprarTinta pra capa compor:

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Tome, Dr., esta tesoura, e... corteMinha singularíssima pessoa.Que importa a mim que a bicharia roaTodo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!Também, das diatomáceas da lagoaA criptógama cápsula se esbroaAo contato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vidaIgualmente a uma célula caídaNa aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudadesFique batendo nas perpétuas gradesDo último verso que eu fizer no mundo!*

*Budismo Moderno - Augusto dos Anjos

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113E quando Augusto dos AnjosTeve o seu livro lançadoFicou decepcionadoPor não ter repercussão.Poucos lhe deram atenção,Não teve espaço em jornais,E nos intelectuais,O “Eu” causou estranheza.Versos do “Doutor Tristeza”Não se lia em recitais”!

114Cansado do seu fracassoEle mudou de rotinaE foi pra Leopoldina,De Minas interior.Nomeado DiretorDuma escola do lugarE foi se desencarnarEm novembro, dia doze,Do mesmo ano catorzeQue tinha ido pra lá:

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Vês?! Ninguém assistiu ao formidávelEnterro de tua última quimera.Somente a Ingratidão - esta pantera -Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!O Homem, que, nesta terra miserável,Mora, entre feras, sente inevitávelNecessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!O beijo, amigo, é a véspera do escarro,A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,Apedreja essa mão vil que te afaga,Escarra nessa boca que te beija!*

*Versos Índimos - Augusto dos Anjos

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115Nessa cidade mineiraQuando a paz apareceuNão aguentou e morreuAos trinta anos de idade.Traços de senilidadeNo seu corpo já se via,Morreu de pneumoniaParecendo mais um tísicoPelo padecer do físicoE da mente que sofria.

116Voltemos pro Quinto CéuE pro cerne da questão,Essa reencarnaçãoQue não se efetivou.O sonho me revelouQuem eram seus envolvidosE que foram reunidosEm certa acareaçãoPara confirmar ou nãoSe houve mal-entandidos.

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117A alma de Castro AlvesJá tinha sido escaladaPara ser reencarnadaNo vate Augusto dos Anjos.Foi decisão dos ArcanjosDo Celeste Comitê.Mas houve um certo porquêPois o fato não se deuO caso então mereceuRigoroso parecer.

118Todos foram reunidosPra dirimir a questãoQuando alguém disse: atenção!Há espírito demais!- O que fazem esses mais,Os três que estão sobrando?- Eu começo interrogandoO Castro Alves, que é réu.- Em respeito a este Céu,Pode ir logo explicando!

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119-Tenho aqui bem do meu ladoGregório de Matos GuerraQue desceu, de novo, à TerraPara se reencarnar.Foi ficar no meu lugarPorque fui escorraçadoPor um tio desencarnadoEnquanto Augusto nascia.Ele, de fato, queriaSer nele reencarnado!

120-Também nós temos aquiA alma do tio “amado”Mais o meu ser encarnado,Que convive lá na Terra.E a vida “dele” encerraA minha nova missão.Nela obtive o perdãoDos membros do Quarto CéuE recebi, de troféu,Essa reencarnação!

108 Carlos Araujo

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121O espírito de AugustoFoi encaminhado entãoPara lugar de oraçãoPelo Comitê Celeste.-Saibas tu que aqui viestePara a última morada.Isso tem hora marcadaComo Deus determinouPra chegar ao Criador,Eis tua porta de entrada!

122Este é o Quinto CéuOnde estamos bendizendoÉ o que estás merecendoPelos teus feitos na Terra.A alma aqui não se encerra.Haverá tua ascensãoAtravés de promoçãoSubindo grau a degrauPara eliminar o malAté total purgação!

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Meu coração tem catedrais imensas,Templos de priscas e longínquas datas,Onde um nume de amor, em serenatas,Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatasVertem lustrais irradiações intensasCintilações de lâmpadas suspensasE as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievaisEntrei um dia nessas catedraisE nesses templos claros e risonhos ...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,No desespero dos iconoclastasQuebrei a imagem dos meus próprios sonhos!*

*Vandalismo - Augusto dos Anjos.

110 Carlos Araujo

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ElucidárioTerceiro filho do Dr. Alexandre Rodrigues dos Anjos e de Dona

Córdula de Carvalho Rodrigues dos Anjos ( Sinhá Mocinha ) Augusto deCarvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no Engenho “Pau d’Arco”,município de Cruz dos Espírito Santo - Paraíba, a 20 de abril de 1884, emorreu em Leopoldina (Minas Gerais) a 12 de novembro de 1914.

Recebeu em casa a primeira instrução. Bacharelou-se em Direito,na Faculdade do Recife, no ano de 1907, e, três anos depois, mudou-separa o Rio de Janeiro, onde exerceu durante algum tempo o magistério.Do Rio, transferiu-se para Leopoldina, por ter sido nomeado para o cargode diretor de um grupo escolar. Morreu nessa cidade, com pouco mais detrinta anos. Apesar da sua juventude, os padecimentos físicos tinham-lhegravado no semblante profundos traços de senilidade.Augusto dos Anjos publicou quase toda a sua obra poética no livro Eu,que saiu em 1912. O livro foi depois enriquecido com outras poesiasesparsas do autor e tem sido publicado em diversas edições, com o títuloEu e Outras Poesias.

Se bem que nos tivesse deixado apenas êste único trabalho, o poetamerece um lugar na tribuna de honra da poesia brasileira, não só pelaprofundidade filosófica que transpira dos seus versos, como pela fantasiade suas divagações pelo mundo científico. São versos que transportam ador humana ao reino dos fenômenos sobrenaturais. O estilo de Augustodos Anjos é correto e suas composições são testemunhos de uma primorosaoriginalidade.

Augusto dos Anjos foi eleito o Paraibano do Século XX

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Sexto Sonho

Noel Rosa e a volta datuberculose

Sábado

Sexto Céu

“Nosso amor que eu não esqueçoE que teve seu começoNuma festa de São JoãoMorre hoje sem fogueteSem retrato e sem bilheteSem luar, sem violão...*

* Último Desejo - Noel Rosa

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123O samba é bem brasileiroE disso ninguém duvidaMuitos dizem que a “batida”Vem da miscigenação.À base de percussãoEsse ritmo popularConseguiu consolidar,De vez, no Rio de Janeiro.Foi um canto de terreiroQue o “morro” quis adotar.

124Mil novecentos e dezFoi ano muito importanteMarco significantePara a canção brasileira.O samba desceu ladeiraNa Capital Federal.Compositor magistralNasceu em Vila Isabel.Merecedor de laurelComo um poeta imortal.

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125Rua Teodoro da Silva,Dia onze de dezembro,Esperava mais um membroO Lar da família Rosa.Toda Vila em polvorosa!A coisa se complicouO pai chamou um doutorPra cuidar daquele parto.Fizeram plantão no quartoFoi até que o sol raiou.

126Foi marcado pelo fórcepsNoel de Medeiros RosaIntervenção melondrosaMarcou o seu nascimento.O uso daquele instrumentoFraturou seu maxilarChegando assim afundarO seu queixo inferiorE não teve mais doutorQue viesse a consertar.

116 Carlos Araujo

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127Esse defeito no rosto,O filho de dona Martha,Carregou como uma marcaAo longo de sua vida.Ficou também combalidaA sua face direira,Parecendo coisa-feitaNa hora que ele nascia.Parcial paralisiaQua nunca mais foi desfeita.

128Apesar desses problemas,O filho do seu Manoel,Brincava em Vila IsabelComo um menino feliz.Traçou uma diretrizE foi em frente na vida.Já escutava a “batida”Do samba em cima do morro.Era o grito de socorroPra trazê-lo pra avenida.

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129Noel de Medeiros RosaUm raro talento natoQue a mãe percebeu, de fato,Assim, tintim por tintim.Dominava o bandolimAos treze anos de idadeQue nessa oportunidadeLhe deu a progenitoraE foi a sua instrutoraNo verdor da mocidade

130Em casa, com sua mãe,Começou vida escolar,Depois foi matricularNo bom Colégio São Bento.Tinha bom temperamentoNão ligava ao preconceito.Apesar do seu defeito,Aquele aluno mirimTocando o seu bandolimConseguia impor respeito.

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131Aos quinze anos de idadeDominava os violõesTodas primas e bordões,Sendo o pai seu instrutor.Pra começar a comporAdotou seu violãoE foi a partir de entãoQue com aquele instrumentoMostrou todo seu talentono “metiê” da canção.

132O nosso grande NoelCom tão pouca atividadeTeva a genialidadeDe produzir lindos sambas.Na galeria dos bambasEle mereceu louvou.E em seis anos criouMais de duzentas cançõesTendo como inspiraçõesTudo o que lhe rodeou.

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133O “Filósofo do Samba”Viveu por puro prazer,A vida que quis viver,Sem querer ser baluarte.Todo o seu mundo era a arte,Não quis seguir medicina,Namorou Ceci e Fina,Mas foi casar com Lindaura.Sua luminosa auraFoi de espécie genuína.

134Nosso poeta da VilaTinha seu corpo franzinoEra assim desde meninoPelo pouco que comeu.Amou, fumou e bebeu -Toda noite mal dormida-Em atitude suicidaPra sua pouca saúde.Viveu assim amiúdeAbreviando sua vida.

120 Carlos Araujo

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135Sua vida desregradaE mais os seus muitos víciosCarrearam malefíciosPra sua frágil saúde,Pois vivia em plenitude,Na música e no amor.Não escutava doutor,Por isso, de dose em dose,Contraiu tuberculose-O grande compositor.

136No dia quatro de maioChemou o seu único irmão,Que ficava de plantãoNaquele quarto de morte.E lhe disse pra ser forte,Mostrou “Último Desejo”,Seu derradeiro lampejoDe lucidez criadoraPara a musa “inspiradora”,E deu o último bocejo.

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137Esse meu sonho de sábado,Eu comecei a entender,Tinha alguma coisa a verCom o de sexta e o de quinta.Uma lembrança sucinta -O que, de fato, se deu:A alma que recebeuEssa missão a cumprir,Decidiu não prosseguir,Bem na hora, esmoreceu!

138A alma de Castro AlvesJá tinha sido escaladaPara ser reencarnadaNo vate Augusto dos Anjos.Foi decisão dos Arcanjosdo Celeste Comitê.E já sabia o porquêQue o fato não se deu,Foi o “Tio” que apareceuE fez um tremendo auê.

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139O Quarto Céu reuniuPara tratar da questãoE votou resoluçãoDe mandar alma pra Terra.Dessa vez ela não erraE reencarna no Rio,Encarando o desafioComo missão gloriosaPra nascer em Noel RosaE subir degrau tardio.

140Como não soube cumprirA missão anteriorTeve então o dissaborDe ver tudo repetir.Mais uma vida a cumprir,Nova reencarnação,Para a sua evolução.Pois segundo o espiritismoFaz parte do mecanismoPara obter ascensão.

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141Repetiu em outra vidaComo numa regressãoPara cumprir a missãoFez o que foi acordado.O que foi “determinado”Foi viver de dose em dose,Contrair tuberculose,A temida enfermidadeE morrer na flor da idade,Boêmio com bacilose.

142Após grande sofrimento,E de desmaio em desmaio,No dia quatro de maio,Desencarnou Noel Rosa.A saúde melindrosaNão suportou o seu vícioLevando-o ao precipícioPelo ano trinta e sete.Foi estampado em mancheteO final do seu suplício.

124 Carlos Araujo

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143A alma de Noel RosaFoi encaminhada entãoPara lugar de oraçãoPelo Comitê Celeste.Saibas tu que aqui viestaPara a última morada.Isso tem hora marcadaComo Deus determinou.Pra chegar ao Criador,Eis tua porta de entrada!

144Este é o Sexto CéuOnde estamos bendizendoÉ o que estás merecendoPelos teus feitos na Terra.A alma aqui não se encerraHaverá tua ascensãoAtravés de promoçãoSubindo grau a degrauPara eliminar o malAté total purgação!

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145O poeta Noel RosaConheceu, de fato, a glória,Ficou marcado na históriaDa música brasileira.Compôs uma obra inteiraDe inegável valor.A parceiros se juntouEm várias composições,Em centenas de cançõesQue o sambista deixou:

146Eu pergunto “Com que Roupa”Vai um “Gago Apaixonado”,Aquele “Rapaz Folgado”“No Baile da Flor de Lis”.E n’Uma Jura que fiz”“Ao Meu Amigo Edigar”“Provei” que “É Bom Parar”,“Coração”, “Pra que Mentir”“É Preciso Discutir”“Mais um Samba Popular”!

126 Carlos Araujo

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147A “Dama do Cabaré”Botou a “Fita Amarela”,“Cor de Cinza”, aquarelaNo “Feitio de Oração”.“Adeus”” Não Tem Tradução”“Seu Jacinto”, João Ninguém”“Cem Mil Réis” não é vintémPaga “E não Brinca não”Dentro do “Meu Barracão”“A Razão Dar-se a Quem Tem”!

148“Conversa de Botequim”É “A Melhor do Planeta”“Picilone” e pirueta“No Século do Progresso”.“Eu Vou Pra Vila”, confessoVer a “Cidade Mulher”E “Você Vai se Quiser”.“Deixa de Ser Convecida”“De Qualquer Maneira”, a ida,É “Positivismo” e fé.

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Violões em Funeral

Poema deSebastião Fonsecapara a missa de sétimo diada morte de Noel Rosa

Vila Isabel veste lutoPelas esquinas escutoViolões em funeralChoram bordões, choram primas,Soluçam todas as rimasNuma saudade imortal.

Entre as nuvens escondidaComo de crepe vestidaA lua fica a chorarE o pranto que a lua choraGoteja, goteja agoraNos oitis do Boulevard.

128 Carlos Araujo

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Adeus cigarra vadiaQue mesmo em sua agoniaCantavas para morrer,Tu viverás na saudadeDaquela grande cidadeQue te há de esquecer.

Adeus poeta do povoQue ressuscita de novoQuando da morte descambaSenhor da pele mais claraNa qual o Sinhô encarnaraA alma sonora do samba.

Meu violão chora tantoSoluços e muito prantoSobre o caixão de NoelEstácio, Matriz, Salgueiro,Todo o Rio de Janeiro,Consola Vila Isabel.

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Noel de Medeiros Rosa nasceu no chalé da rua Teodoro Silva, emVila Isabel (RJ), no dia 11 de dezembro de 1911 e lá morreu, em 4 demaio de 1937. Filho de Manoel Garcia de Medeiros Rosa, funcionáriopúblico, e de Martha de Medeiros Rosa, professora que o iniciou nasprimeiras letras na escolinha que mantinha na sua própria casa.

Noel nasceu de um parto extremamente difícil, “arrancado” afórceps sofreu afundamento e fratura do maxilar o que lhe causou umaparalisia parcial no lado direito do rosto, como conseqüência carregou odefeito no queixo, o qual acentuava nas suas auto-caricaturas, ao mesmotempo que manteve-se sempre tímido em público, evitando ser vistocomendo. Sob o efeito da bebida e nas rodas de músicas descontraía-se,deixando vir à tona o seu humor inteligente e sarcástico.

Com a mãe aprendeu a tocar bandolim e com o pai violão, peloqual troca o bandolim, desenvolvendo-se como autodidata. Desde cedomostrou interessar-se mais pela música do que pelos estudos — realizadosa partir do terceiro ano na escola pública “Cesário Motta” e três anosdepois no “Colégio São Bento” —, apresentando-se nas festinhasfamiliares. Com dezesseis anos já havia feito uma composição e tornara-se um bom violonista, freqüentando as reuniões do Bar dos Cem Réis,próximo à sua casa. Torna-se um assíduo participante das serenatasorganizadas pelos amigos, ao mesmo tempo que estabelece contato comos sambistas do Estácio de Sá e dos “morros” do Rio de Janeiro, atento àcadência e à forma de compor e cantar destes sambistas.

De 1930 a 1937, Noel Rosa compõe mais de 300 músicas, entresambas, marchinhas e canções. Durante este período de sete anos,popularizou-se com uma carreira vertiginosa e fertilíssima. Mas o sucessocontrastava com uma existência infeliz e acidentada. Em 1937, a vidadesregrada traria por consequência a morte prematura de Noel. Atuberculose encerraria uma vida de apenas 27 anos e uma produção musicalque ainda só estava começando a dar os frutos da sua genialidade.

Elucidário130 Carlos Araujo

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Sétimo Sonho

Patativa do Assaré e aUniversidade de Sorbonne

Domingo

Sétimo Céu“Sem a rima, a poesiaPerde alguma simpatiaE uma parte do primor:É como o corpo sem almaE o coração sem amor”*

*Patativa do Assaré

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149Enoque foi, na sequência,O sétimo depois de Adão.Conseguiu trasladação,Vivo, pro Sétimo Céu.Para o crente e para o incréuDeixou muito ensinamento.Inda existe documentoDe revelação parênese.Está no Livro do Gênese,Diz o Velho Testamento.*

150O “homem” andou com DeusE não apareceu mais.O primeiro que jamaisSe deparou com a morte.Bafejado pela sorteE por seu merecimento.Espalhou conhecimentoE gerou Matusalém.Sem morrer, foi para o Além,Diz o Velho Testamento!*

* Gênesis 5:22-24

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151Deus, espírito e matériaSão o princípio de tudo.Constituem sobretudoA Trindade Universal.O mundo materialPossui a nobre função,Através da encarnação,De tornar puro o espíritoE junto com o perispíritoAlcançar a perfeição!

152Vou contar como encontreiUm certo espírito perfeitoQue mesmo ele sendo o eleitoNão foi pro Céu como Enoque.Na vida teve outro toque:Nasceu, viveu e morreu.No nosso sertão sofreuPra cumprir uma missão.Num domingo de verão,No meu sonho isso se deu.

134 Carlos Araujo

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153Ele encarnou no NordesteDeste solo brasileiroViveu quase sem dinheiroE teve pouca instrução.Com essa limitaçãoFoi poeta diferente,E um notável expoenteDa poesia popular.E antes de continuar,Eu peço que se apresente:

154-”Em mil novecentos e noveFoi que eu vim ao mundo.Meus pais naquele momentoTiveram prazer profundo.Foi na Serra de SantanaEm uma pobre choupanaHumilde e modesto lar.Foi ali que eu nasci,A cinco de março vi,Os raios da luz solar”

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155-“Eu nasci ouvindo o cantoDas aves da minha serraE vendo dela encantoQue a mata bonita encerra.Foi ali que fui crescendo,Fui lendo, fui aprendendoNo livro da natureza,Onde Deus é mais visívelO coração mais sensívelE a vida tem mais pureza”.

156-”Eu nasci aqui no mato,Vivi sempre a trabalhar.Neste meu pobre recatoAqui não pude estudar.No verdor da minha idade,Só tive a felicidadeDe dar um pequeno ensaioEm dois livros do escritor,O famoso professor,Felisberto de Carvalho”.

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157-“Sem poder fazer escolhaDe livro artificial,Estudei nas lindas folhasDo meu livro natural.Assim, longe da cidadeLendo nesta faculdadeQue tem todos os sinais,Com estes estudos meusAprendi a amar a DeusNa vida dos animais”.

158-”Quando canta o sabiá,Sem nunca ter tido estudo,Eu vejo que Deus estáPor dentro daquilo tudo.Aquele pássaro amadoCom seu gorjeio sagradoNunca uma nota falhou.Na sua canção amenaSó diz o que Deus ordena,Só canta o que Deus mandou”.

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159-“Se um doutor me perguntarSe o verso sem rima prestaCalado eu não vou ficar,A minha resposta é esta:-Sem a rima, a poesiaPerde alguma simpatiaE uma parte do primor;Não merece muita palma,É como o corpo sem almaE o coração sem amor”. *

160O dia é cinco de março,No interior do Nordeste,Nessa região agresteOnde muito pouco chove,Mil novecentos e nove,Sem foguete ou busca-pé,Em casa feita em sapé,Nascu um brasileirinho,Chamado de “Sinhozinho” -Patativa do Assaré!

*Patativa do Assaré - Improvisações e Aos Poetas Clássicos

138 Carlos Araujo

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161Nasceu - Antonio Gonçalves-Nessas terras de AssaréUm município que éEstado do Ceará.Segundo filho a chegarDo casal Pedro e Maria.Pelo seu nome de pia,Por ninguém foi conhecido,Patativa é apelidoQue ganhou na cantoria!

162Um mal lhe cegou um olhoAos quatro anos de idade,Certa doença que invadeO interior nordestino.A vida desse menino,Um duro golpe sofreu.Foi quando seu pai morreu,Em março de dezessete.Ainda era um molequeQuando esse fato ocorreu.

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163Com doze anos de idadeTrabalhou na agricultura.Conhece outra culturaE foi alfabetizado.O curso foi frequentadoPor quatro meses somente.Só leu superficialmente“Falisberto de Carvalho”Em seu correto trabalhoDe professor eminente.

164No ano de vinte e doiscomerçou a versejar.Era, assim, o despertarDo seu enorme talento.E usou como argumentoO folclore do sertão,Como festas de São JoãoE a queimada de Judas.Também com coisas miúdasFez sua improvisação.

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165O cenário pessoalEra propício ao meninoRepetir mesmo destinoDo sertanejo esquecido.Porém, um fato ocorridoMudou, de vez, sua vida:A viola oferecidaEm troca de seu bezerro.Como negócio era um erro,Mas aceitou tal pedida.

166Esse “rolo” aconteceuNo ano de vinte e cinco.Ele treinou com afinco,Logo aprendeu a tocar.Passou a se apresentarNas festas da região.E na improvisaçãoComeçou desafiar.Foi pra Belém do ParáMostrar sua vocação!

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167Improvisou no ParáCom aplauso merecidoE ganhou seu apelido -Patativa do Assaré!Só permaneceu atéO quinto mês no lugarE voltou pro Ceará,Pois era a sua intenção,Com Belarmina Cidrão,Em trinta e seis se casar!

168No ano cinquenta e cincoJosé Arraes de AlencarAjudou a publicarUm livro com seus poemas.Arraes enfrentou problemas,Mas fez toda transcriçãoDa obra de inspiração,“Inspiração Nordestina”.Esse fato foi a sinaDa sua consagração!

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169Foi “estudado” em Sorbonne,Famosa universidade,Pela grande qualidadeDe seus versos de cordel.Foi o professor CantelQuem bolou a estrutura,No tema LiteraturaUniversal Popular.Do sertão do CearáPra refinada cultura!

170O vate do CearáMuita poesia deixou.Lançou “Ispinho e fulô”,“Cante Lá Que Eu Canto Cá”.“Vaca Estrela e Boi Fubá”Com Fagner virou canção.E nosso Rei do BaiãoGravou “A Triste Partida”Canção que é conhecidaDe norte a sul da Nação.

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171Foi Doutor Honoris Causa,Muitos títulos recebeu.Também teve seu MuseuEm sua terra natal.Findou a fase carnalBuscando o Céu, com orgulho,No dia oito de julhodo ano dois mil e dois.Sua subida, depois,Foi saudada com arrulho!

172-”Nossa maior referênciaDa cultura nordestinaPartiu pro andar de cimaDeixando saudade imensa.No Céu, a sua presençaJá é mais que garantida,Por ser exemplo de vida,De paz, amor e alegria.Os amantes da poesiaTão chorando sua ida”. *

*Léo Medeiros- A chegada de Patativa no Céu.

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173A revelação maiorQue este sonho me fez,Eu vou dizer de uma vez,Foi algo surpreendente!Estava na minha frenteAquele espírito perfeito!Era o candidato eleitoPara entrar no Sétimo Céu!Patativa, o tabaréu,Falando um francês perfeito!

174Patativa do AssaréMe fez a revelação,Que foi reencarnaçãoDe insigne professor!Respeitado educadorDa Escola de Sorbonne.Educador de renomeDaquela Universidade.Um mestre de qualidade,Só não me disse seu nome!

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175A Alma de PatativaFoi encaminhada entãoPara lugar de oraçãoPelo Comitê Celeste.-Saibas tu que aqui viestePara a última morada.Isso tem hora marcadaComo Deus determinou.Pra chegar ao Criador,Esta Porta é tua entrada!

176-Este é o Sétimo CéuOnde estamos bendizendo.É o que estás merecendoPelos teus feitos na Terra!Tua alma aqui se encerra,Terminou tua ascensão.Através de promoçãoSubiu de grau a degrau.Eliminou todo malAté total purgação!

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Antônio Gonçalves da Silva (Patativa do Assaré) foi poeta populare cantador repentista de viola nordestina, nascido em 9 de março de 1909,em Serra de Santana, pequena propriedade rural, no município de Assaré,no Sul do Ceará. Um dos maiores poetas populares do Brasil, retratista doárido universo da caatinga nordestina cuja obra foi registrada em folhetosde cordel, discos e livros. Foi o segundo filho do modesto casal deagricultores Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva. Perdeu avista direita, no período da dentição (1913), em conseqüência de umamoléstia vulgarmente conhecida por Dor-d’olhos. Aos oito anos, ficouórfão de pai e teve que trabalhar ao lado de seu irmão mais velho, parasustentar os mais novos. Aos doze anos, freqüentou durante quatro mesessua primeira e única escola, onde, sem interromper o trabalho de agricultore quase como um autodidadata, aprendeu a ler e escrever e se tornouapaixonado pela poesia. De treze para quatorze anos começou a fazerseus primeiros versinhos que serviam de graça para os vizinhos econhecidos, pois o sentido de tais versos eram brincadeiras de noite deSão João, testamentos do Judas, gozação aos preguiçosos etc. Com 16anos de idade, comprou uma viola e começou a cantar de improviso. Aos20 anos de idade viajou para o Pará em companhia de um parente JoséAlexandre Montoril, que lá morava, onde passou cinco meses fazendogrande sucesso como cantador. De volta ao Ceará, regressou à Serra deSantana, onde continuou na mesma vida de pobre agricultor e cantador.Casou-se com uma parenta, D. Belinha, com quem se tornou pai de novefilhos. Sua projeção em todo o Brasil se iniciou a partir da gravação deTriste Partida (1964), toada de retirante de sua autoria gravada por LuizGonzaga, o Rei do Baião. Teve inúmeros folhetos de cordel e poemaspublicados em revistas e jornais e publicou Inspiração Nordestina (1956),Cantos de Patativa (1966). Figueiredo Filho publicou seus poemascomentados em Patativa do Assaré (1970). Gravou seu primeiro LP

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Poemas e Canções (1979) uma produção do cantor e compositor cearenseFagner. Apresentou-se com o cantor Fagner no Festival de VerãodoGuarujá (1981), período em que gravou seu segundo LP A Terra éNaturá, lançado também pela CBS. A política também foi tema da obra ede sua vida. Durante o regime militar, ele condenava os militares e chegoua ser perseguido. Participou da campanha das Diretas-Já (1984) e publicouo poema Inleição Direta 84. No Ceará, sempre apoiou o governo de TassoJereissati (PSDB), a quem chamava de amigo. Ao completar 85 anos foihomenageado com o LP Patativa do Assaré - 85 Anos de Poesia (1994),com participação das duplas de repentistas Ivanildo Vila Nova e GeraldoAmâncio e Otacílio Batista e Oliveira de Panelas. Tido como fenômenoda poesia popular nordestina, com sua versificação límpida sobre temascomo o homem sertanejo e a luta pela vida, seus livros foram traduzidosem diversos idiomas e tornaram-se temas de estudo na Sorbonne, nacadeira da Literatura Popular Universal, sob a regência do ProfessorRaymond Cantel. Contava com orgulho que desde que começou a trabalharna agricultura, nunca passou um ano sem botar a sua roçazinha, a não serno ano em que foi ao Pará. Quase sem audição e cego desde o final dosanos 90, o grande e modesto poeta brasileiro, com apenas um metro emeio de altura, morreu em sua casa, em Assaré, interior do Ceará, a 623quilômetros da capital estadual Fortaleza, aos 93 anos, após falênciamúltipla dos órgãos em conseqüência de uma pneumonia dupla, além deuma infecção na vesícula e de problemas renais, e foi enterrado no cemitérioSão João Batista, na sua cidade natal. Outros livros importantes de suaautoria foram Inspiração nordestina, Cantos de Patativa, Rio de Janeiro(1967), Cante lá que eu canto cá, Filosofia de um trovador nordestino,Editora Vozes, Petrópolis (1978), Ispinho e Fulô, SCD, Fortaleza (1988)e Balceiro, SCD, Fortaleza (1991), Aqui tem coisa, Multigraf/ Editora,Secretaria da Cultura e Desporto do Estado do Ceará, Fortaleza (1994) eCordéis, URCA, Universidade Regional do Cariri, Juazeiro do Norte. Sobreele foram produzidos os filmes Patativa de Assaré, Um poeta camponês,

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curta-metragem documentário, Fortaleza, Brasil (1979) e Patativa doAssaré, Um poeta do povo, curta-metragem documentário, Fortaleza, Brasil(1984). Faleceu em 8 de julho de 2002.

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Bibliografia Fontes Primárias

(a) (Sonhos) - (Histórias de minha avó)

ARAUJO, Carlos. Conteúdo de sete sonhos que tive. Cada um em umanoite diferente da semana.

ARAUJO, Alexandrina Pereira de. Histórias contadas por minha avó “MãeNina” sobre a Vila de Fundão, que passou a se chamar Jordão e depoisIpupiara. Também sobre as contendas entre Militão Rodrigues Coelho eHorácio de Matos, no início do século XX, naquela região.

(b) Livros

QUEIROZ, Claudionor de Oliveira. O Sertão que eu Conheci - Salvador.Fundação Cultural do Estado da Bahia. 1985. 111 p.

MORAES, Walfrido. Jagunços e Heróis - Rio de Janeiro. Paper Back,Illustrated. 1963. 212 p.

BANDEIRA, Renato Luis. Chapada Diamantina-História, Riquezas e En-cantos - Salvador-Ba. SCT/EGBA. 1995. 241 p.

CHAGAS, Américo. O Chefe Horácio de Matos. Salvador-Ba. SCT/EGBA.1996. 254 p.

ALVES, Lizir Arcanjo. Humor na Guerra de Canudos. Salvador-Ba. SCT/EGBA. 1997. 213 p.

KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos - Princípios da Doutrina Espírita-conteúdo na Internet.

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O Livro de Henoch e Outros Apócrifos. Tradução de Fernanda PintoRodrigues. Minerva. ADFA. 1976.

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Conteúdo na internet.

MÁXIMO, João e DIDIER, Carlos. Noel Rosa-Uma Biografia. Brasília:UnB/Linha Gráfica Editora. 1990.

TORRANO, Jaa. Teogonia, A Origem dos Deuses. São Paulo-SP. Iluminuras.

ANJOS, Augusto dos. Eu e Outros Poemas. Rio de Janeiro.

TEJO, Orlando. Zé Limeira, O Poeta dos Absurdo. Brasília-DF. Gráfica doSenado.

CALAZANS, José. Antonio Conselheiro e a Escravidão. Salvador-Ba S.N.S.D.

(c) Artigos e Teses

DIAS, Maurício. Patativa do Assaré - O Quixote Caboclo. Conteúdo nainternet.

FILHO, Américo Pellegrini. Literatura de Cordel Continua Viva no Brasil.Conteúdo na internet.

Poesia Popular - Literatura de Cordel - Visão Histórica e Aspectos Pincipais.Conteúdo na internet.

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CARVALHO, Eleuda. Seu Mané de Bocage, Seu Luiz de Camonge. Con-teúdo na internet.

ARRUDA, Inácio. Ao Trovador Maior. Discurso Na Câmara dos Deputa-dos sobre Patativa do Assaré. Conteúdo na internet.

BEZERRA, Josias da Silva. Bateu Asas e Voou. Patativa do Assaré. Con-teúdo na internet.

Biografia de Patativa do Assaré - 1909 - 2002 - Conteúdo na internet.

SILVA, Dra. Andréia Cristina Lopes Frazão da. Os Apócrifos do AntigoTestamento. Conteúdo na internet.

BALDI, Pietro Maria. A Teoria da Reencarnação. Conteúdo na internet.

LUCAS, José. O Mundo dos Espíritos. Reencarnação: As Evidências Suce-dem-se - Conteúdo na internet. www.grandereportagem.com.

FINI, Carlos. Divina Comédia - Dante Alighieri. Conteúdo na internet.

AZEVEDO, Marco Antonio de. Noel Rosa-Um Paradigma na ModernaMPB. Conteúdo na internet.

CARPEAUX, Otto Maria. Augusto dos Anjos - Conteúdo na internet.

SILVA, Luciana Henrique da. Augusto dos Anjos, O Paraibano do Século.Conteúdo na internet. Site da Funesc.

FERNANDES, Flávio Sátiro. Augusto dos Anjos e a Escola de Recife. Con-teúdo na internet.

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PERES, Fernando da Rocha. Gregório de Matos Guerra - Notação Biográ-fica. Conteúdo na internet.

MACEDO, Mônica. Pré-História do Sonho. Conteúdo na internet.

GREGÓRIO, Sérgio Biagi. O Sono e o Sonho. Conteúdo na internet.www.ufba.br.

CARDOSO, Silvia Helena. Entendendo os Sonhos. Conteúdo na internet.

PEIXOTO, Afrânio. Castro Alves. Conteúdo na internet.

MOURA, Clóvis. Antonio Conselheiro: Um Abolicionista da Plebe. Conteú-do na internet.

MAESTRI, Mário. Elogio à Dominação: Robert M. Levine e a RepúblicaSertaneja de Belo Monte. Conteúdo na internet.

Jornal da Poesia. Patativa do Assaré. Conteúdo na internet.www.jornaldapoesia.jor.br.

Textos Escolhidos - Castro Alves. Conteúdo na internet.www.academia.org.br.

BANDEIRA, Manoel. Castro Alves. Conteúdo na internet.www.culturabrasil.pro.br.

FREITAS, João de. A Reencarnação. Conteúdo na internet.www.joãodefreitas.hpg.ig.com.br.

Revista Biosofia nº 8 - Horizontes de Sophia - A Reencarnação e a Religiões.Conteúdo na internet. www.biosofia.net.

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