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A GLOBALIZAÇÃO, ALGUMAS DE SUAS CONSEQÜÊNCIAS,ALTERNATIVAS E CAMINHOS PARA O BRASIL

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A GLOBALIZAÇÃO, ALGUMAS DE SUAS CONSEQÜÊNCIAS,

ALTERNATIVAS E CAMINHOS PARA O BRASIL

Rodrigo Rocha Coutinho

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RODRIGO ROCHA COUTINHO

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A GLOBALIZAÇÃO, ALGUMAS DE SUAS CONSEQÜÊNCIAS,ALTERNATIVAS E CAMINHOS PARA O BRASIL

Rodrigo Rocha Coutinho1

RESUMO

O termo globalização surge nas décadas de 1970 e 1980 para designar um complexo deprocessos e de forças de mudança atuantes em escala global, que atravessam fronteiras nacionaisimpulsionados pela evolução do comércio internacional e pelo desenvolvimento de novastecnologias ao longo do século XX. Ao longo do processo, as empresas começam a transpassaras fronteiras nacionais de produção e de comercialização de bens e produtos, transformando-se em multinacionais, em um primeiro momento, e em transnacionais, em um segundomomento; e tornando-se tão grandes e influentes que se começa a discutir as suas conseqüênciaspara os diferentes Estados nacionais. Diante desse cenário, questiona-se o papel do Estado,que perde seu caráter centralizador, passando do sentido absoluto de Estado-Nação, que atéentão tinha, para se tornar mais um player no mercado. Contudo, não diminui sua importânciacomo gerenciador de políticas e de definições estratégicas, papéis fundamentais que continuama lhe caber. No contexto atual de globalização, que é irreversível, e do qual é possível auferirbenefícios – dependendo da forma como o país se insere no processo – sugerimos, nestetrabalho, algumas alternativas de políticas econômicas e/ou sociais diferenciadas que merecemuma maior reflexão por parte do governo brasileiro, a partir de um estudo mais aprofundado dealgumas estratégias diferenciadas de inserção no mercado global adotadas por alguns países,como a China, o Chile e a Rússia. Cabe enfatizar aqui, no entanto, que, apesar dos exemplosbem sucedidos – como o da China e do Chile – ou não – como o da Rússia – apresentados aqui,não há um modelo ideal e acabado a ser aplicado no Brasil. Estes são apenas, a nosso ver,exemplos de caminhos e de alternativas possíveis, que devem ser estudados com maior atençãopara, eventualmente, serem adaptados à realidade brasileira ou evitados, na busca de uma inserçãomais efetiva e eficaz de nosso país nesse processo de globalização.

Palavras-chave: Brasil; globalização; conseqüências; caminhos; alternativas.

∗ Consultor de Empresas Este texto é uma versão modificada e resumida do trabalho final do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu (MBA) em Estratégias de

Negociações Internacionais, cursado no Centro de Estudos das Américas do Instituto de Humanidades da Universidade CândidoMendes, sob a orientação do professor Silvério T. Baeta Zebral Filho

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ABSTRACT

The term globalization comes forth in the 1970s and 1980s to designate a complex of processesand changing forces that act on a global scale and transpose national borders, moved by theevolution of international trade and the development of new technologies along the twentiethcentury. In this process, companies transpose national borders to produce and commercializetheir products and turn into multinational companies, on a first stage, and into transnationalcompanies, on a second stage. They become so huge and powerful that one comes to discussthe implications of these processes to the different national States. Before this scenery, therole of the State as government is challenged. The State-government looses its centralizing[instead of keeping its absolute power], and comes to be one more player in the market. Thisdoes not imply, however, a decreasing of its importance as a manager of politics and of strategicdecisions, fundamental roles of the State governments. On this international arena, in whichglobalization is an irreversible reality, and from which States may benefit depending on theway they manage their insertion into the process, we suggest some alternative politics [economicand / or social] that could be adopted by the Brazilian government, from examples of countriesthat have been adopting differentiated strategies of insertion in the process over the last decades,such as China, Chile and Russia. However, no matter how positive (China and Chile) or negative(Russia) examples may be presented, it is important to notice that there is no closed model tofollow (or to avoid) in the case of Brazil. There are rather paths and alternatives to be studiedthat could be eventually adapted to the Brazilian reality in the country’s search for its effectiveinsertion in the process of globalization.

Key words: Brazil; globalization; consequences; paths; alternatives.

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A GLOBALIZAÇÃO, ALGUMAS DE SUAS CONSEQÜÊNCIAS,

ALTERNATIVAS E CAMINHOS PARA O BRASIL

Um americano comum desperta num leito construído segundo o padrão originário do Oriente Próximo, sai

de cobertas feitas de algodão, planta domesticada na Índia (...), usa mocassins inventados pelos índios

das florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos aparelhos são uma mistura

de invenções européias e norte-americanas (...). A caminho para o breakfast, ele compra um jornal,

pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda uma série de elementos tomados

de empréstimo o espera. Seu prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China; a faca de aço

(liga fabricada pela primeira vez na Índia do Sul) e o garfo, inventado na Itália medieval, são do

Mediterrâneo. Come um melão da Pérsia e uma melancia africana, e toma café, planta da Abissínia (...).

Acabando de comer, o americano fuma, fazendo uso de um hábito dos indígenas das Américas. Depois

ele lê notícias do dia, impressas em caracteres criados pelos antigos semitas, em material inventado na

China e impresso por um processo descoberto na Alemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas

estrangeiros, se for um bom cidadão, agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia,

o fato de ser cem por cento americano.

Ralph Linton, 1936

Introdução: histórico e conceitos de globalização

A evolução dos processos de colonização e de expansão intensificou o comérciointernacional, principalmente com o desenvolvimento das regiões colonizadas, o crescimentodas cidades, o aumento do comércio local e a evolução da indústria – que substituiu os produtosantes manufaturados –, entre outros fatores. No final do século XIX, alguns acontecimentos –como o progresso industrial crescente e o desenvolvimento de novas tecnologias –revolucionaram ainda mais o comércio internacional.

A partir da segunda metade do século XX, estaria em curso, segundo Ianni (1996), “umnovo surto de universalização do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório”(p. 14). Para esse autor, o modo capitalista adquire, a partir de então, um novo impulso, combase em novas tecnologias, na criação de novos produtos, na recriação da divisão internacionaldo trabalho e na mundialização dos mercados. Isto é, os fatores de produção básicos, quecompreendem o capital, a tecnologia, a força de trabalho e a divisão internacional do trabalho,ultrapassaram as fronteiras geográficas, históricas e culturais, “multiplicando-se assim as suasformas de articulação e contradição” (Ianni, 1996, p. 14).

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Nesse contexto, ocorre um grande desenvolvimento industrial, que culmina, nas décadasde 1970 e 1980, com o que se denomina a grande revolução tecnológica, genericamenteconhecida como 3ª Revolução Industrial, que resulta, em grande parte, do desenvolvimento edo barateamento das telecomunicações e que promove a desregulamentação do setor bancário.De acordo com Michalet (2004),

La configuration multi-nationale va être marquée par une mutationprofonde de la régulation du système monétaire international. Lesconséquences de cet événement radical n´apparaîtront que plus tard,au début des années 1980. Mais, à partir du discours du présidentNixon du 15 août 1971, l´architecture financière mise en place àBretton Woods va être progressivement démantelée. Cette décisionaméricaine va ouvrir la voie à la prochaine configuration de lamondialisation, celle de la globalisation financière (p. 86).

Esse complexo de processos e forças de mudança – que pode ser sintetizado sob o termoglobalização – alterou profundamente a vida no fim do século XX. A globalização se refereàqueles processos, atuantes em uma escala global, que atravessam fronteiras nacionais, ligandoe integrando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornandoo mundo mais interconectado. Desse modo, sente-se o mundo menor e as distâncias maiscurtas. Da mesma forma, e como conseqüência, os eventos em um determinado lugar passarama ter um impacto imediato sobre pessoas e lugares distantes.

De acordo com Dupas (1999), globalização foi o termo convencionado para se denominar“uma intensificação do processo de internacionalização das economias capitalistas”. Já Clark(1999) afirma que Ruigrok e van Tulder referem-se à globalização como “a quantum leapbeyond previous internationalization stages” e Dicken acrescenta que a globalizaçãorepresenta “a more advanced and complex form of internationalization which implies adegree of functional integration between internationally dispersed economic activities”(em Clark, 1999, p. 38).

Para alguns autores, assim, globalização é a interdependência de todos os povos e paísesde nosso planeta, ou seja, um processo econômico e social que estabelece uma integraçãoentre países e pessoas do mundo todo. Este não seria, segundo alguns, um fenômeno recente,pois teria se iniciado com a entrada na modernidade. Nas palavras de Giddens (in Hall, 1997),“a modernidade é inerentemente globalizante” (p. 72). Desde o início da época moderna, paraesses autores, os Estados-Nação não eram tão autônomos ou soberanos quanto pretendiam e ocapitalismo, mesmo em seu estágio inicial, já era um elemento da economia mundial e nãoestava circunscrito às fronteiras nacionais.

De acordo com o aclamado professor da Universidade de Columbia, Bhagwati (2004),referindo-se à economia,

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A globalização econômica consiste na integração das economiasnacionais em uma economia internacional através do comércio, doinvestimento estrangeiro direto (por parte de corporações emultinacionais), fluxos de capital de curto prazo, fluxo internacional detrabalhadores e pessoas em geral e fluxos de tecnologia (p. 4).

Os grandes avanços tecnológicos e a desregulamentação dos mercados financeiros e detecnologia contribuíram, portanto, para a transformação do mundo dos negócios, aproximandocoisas, gentes e idéias. Com eles, os custos de transporte foram reduzidos e a comunicação sefez de forma mais rápida e eficiente, o que permitiu às empresas transpassar fronteirasgeográficas – não apenas dentro de um mesmo país e/ou continente, mas também por todo oglobo – para produzir bens e mercadorias a que todos os mercados mundiais podem ter acesso,algo que pode ocorrer (ou não) dependendo das respectivas legislações desses países.

Desse modo, as empresas, ao longo do século, cresceram e se internacionalizaram,tornando-se multinacionais. Assim, há algum tempo pode-se verificar, por exemplo, a presençada Coca-Cola em praticamente todo o globo, mesmo que com operações nacionais e/ouregionais. Ao longo ainda do século XX, as empresas passam a buscar alternativas de ganho deescala e de barateamento da produção, com produções regionais. Com a terceira revolução industrial, esses processos, que já ocorriam em âmbito nacional,passam a ocorrer em âmbito mundial. Nesse movimento, ocorre um encurtamento das distânciasmundiais, ou seja, desaparecem, para as empresas, as fronteiras entre os países, o que acarretao processo de globalização como o que estamos vivenciando hoje.

Nele, empresas e/ou indústrias nacionais, com caráter multinacional, passam a seinternacionalizar de tal maneira que começam a perder seu caráter nacional, adquirindodimensão global, recebendo a denominação de transnacionais, e não mais de multinacionais.Como conseqüência, essas empresas não se sujeitam mais às regras de um determinado país.

Aqui, cabe ressaltar a diferença conceitual entre esses dois tipos de indústria: considera-se indústria multinacional aquela que possui uma identidade nacional (seja ela americana, inglesa,holandesa, ou outra), mas que se encontra presente em inúmeras nações, o que justifica otermo multinacional; essa empresa, no entanto, não perde seu caráter de ter como centro dedecisão aquele país gerador da nacionalidade. Por outro lado, empresas transnacionais sãoaquelas que já não possuem uma identidade nacional específica, mas sim uma identidade global.Aqui, cabe observar que essas empresas, de certa maneira, serão sempre identificadas comdeterminada nacionalidade, mas o que as distingue das multinacionais é que elas possuemcentros independentes de tomada de decisões, não tendo um caráter de decisão centralizado.

A nova divisão internacional do trabalho envolve, portanto, a redistribuição das empresase corporações por todo o mundo. Assim, em lugar de as indústrias, os centros financeiros, asorganizações de comércio, as agências de publicidade e a mídia impressa e eletrônica

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concentrarem-se nos países dominantes, essas e outras atividades se redistribuem por diferentespaíses e continentes. Desse modo, empresas grandes, médias e pequenas, cada uma com suasespecificidades, têm de se reestruturar para alcançar os padrões exigidos de produtividade,agilidade e capacidade de inovação abertas pela ampliação dos mercados em âmbito mundial.Conforme observa Franco (1999),

o investimento direto internacional tem crescido bem mais que ocomércio internacional, o qual, por sua vez, tem crescido bem mais quea produção industrial. Tem-se aí, portanto, uma grande elevação nochamado grau de abertura para o conjunto das principais economiasdo planeta, processo decorrente de um avanço do processo deinternacionalização da produção industrial que não encontra precedente.(p. 157)

Dessa forma, não se concentra mais toda a produção, por exemplo, de uma bola da Nikeem uma mesma fábrica, nos Estados Unidos (EUA), mas sim, busca-se fazer cada componenteda bola onde for melhor para a empresa. Assim, pode-se ter, por exemplo, o couro provenientedo Brasil, a linha da África, a mão-de-obra da Índia, o papel da embalagem dos Estados Unidose os consumidores no mundo inteiro. Do mesmo modo, pode-se ter um Centro de Atendimentomundial, na Índia, com seus principais executivos sediados nos Estados Unidos.

Relação Estado-empresa: os papéis do Estado e das empresas

Com a evolução dos processos de globalização e de transnacionalização das empresas,passa-se a discutir, em caráter mundial, as implicações, para as diversas nações, desses processos.Ou seja, são analisadas as conseqüências, para as diversas economias do globo – desenvolvidas,sub-desenvolvidas e em desenvolvimento –, desses processos.

Começa-se a discutir, por exemplo, se os governos, que em algum momentoproporcionaram a criação das empresas e impulsionaram seu desenvolvimento, não são hoje,de certa maneira, influenciados por essas empresas. De acordo com Dupas (1999),

Por um lado, a grande mobilidade das transnacionais gera um menorcompromisso com os países que sediam suas atividades, o que aumentaseu poder de barganha vis-à-vis os Estados. Por outro, a necessidadede elevar as competitividades sistêmicas nacionais para garantir asobrevivência nesse mundo mais integrado acrescenta restrições para aobtenção de recursos tributários adicionais. O processo de globalização,por essas e outras vias, constrange o poder dos Estados, restringindosua capacidade de operar seus principais instrumentos discricionários(p. 14).

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Ainda a esse respeito, segundo Franco (1999),De um lado, parece claro que as relações entre Empresas Transnacionaise os Estados Nacionais tenham atingido um estágio de mútuo respeito,no qual aquelas são reconhecidas como forças relevantes na economiaglobal, quase que como entidades supranacionais, mantendo relaçõesnegociais adultas e paritárias com países, em torno de vantagenstributárias, dispositivos regulatórios e contrapartidas de investimentos.Tudo se passa como se os “países convencionais” não pudessem maisdeixar de manter relações amistosas com os “países virtuais” (p. 157).

Nessa situação, surge, portanto, um questionamento sobre o novo papel dos governos,não mais tidos como o antigo Estado-nação absoluto, mas sim como um direcionador ecanalizador, que pode criar condições para que aquele Estado se posicione de acordo com asnovas demandas do mercado mundial. Segundo Dupas (1999),

Nesse contexto de internacionalização das decisões e de incrívelmobilidade de grandes massas de capitais – que têm, em larga medida,lógicas autônomas em relação às decisões dos Estados nacionais -, oespaço para a operação de políticas públicas vê-se sensivelmentediminuído. A manipulação das próprias políticas monetárias é afetadapela imensa massa de recursos que circula no mercado financeirointernacional, cruzando as fronteiras nacionais. As políticas fiscais e osgastos governamentais, por sua vez, encontram novos limites porocasionarem efeitos inflacionários que poderiam minar acompetitividade dos produtos nacionais (p. 14).

Nesse contexto da sociedade global, mesmo as economias nacionais mais poderosas –apesar de manterem seu poder de influência – movimentam-se em conformidade com a dinâmicado capital, operando em escala global. O capital, a tecnologia, a força de trabalho, o mercado,o marketing, o lobbing e o planejamento, tanto empresarial como governamental e dasinstituições multilaterais atuam, agora, em escala mundial. E, conforme complementa Michalet(2004),

avec la configuration globale, ce sont les États qui vont se faireconcurrence pour attirer les investissements étrangers sur leurterritoire. Ce retournement de situation est le produit d´une doubleévolution. D´un côté, les gouvernements ont lancé à partir du milieudes années 1980 une grande réforme libérale des codes ou lois surles investissements étrangers. De l´autre, les firmes ont modifié leurstratégie d´investissement à l´étranger en abandonnant

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progressivement la stratégie de marché pour une stratégie globale(p. 110).

Cabe complementar a afirmação de Michalet (2004) ressaltando, nesse contexto, aimportância das regiões de um país, pois estas muitas vezes é que competem num mercadoglobal, como é o caso de Franca, no interior de São Paulo, no que diz respeito ao comércio desapatos.

O que se nota, portanto, é que os países todos caminham para uma abertura aosinvestimentos estrangeiros diretos, o que não significa que não imponham regras ou limites.Até na China, em 1978, foram tomadas medidas de liberalização frente à URSS. Nos EUA e naInglaterra, adotou-se a política econômica neoliberal, conduzida, respectivamente, por RonaldReagan e por Margareth Tatcher.

Dessa forma, pode-se dizer que o Estado, de certa maneira, perde o seu carátercentralizador, seu poder de centro de decisão, enfim, sua capacidade de influenciar a economiado país incondicionalmente, tornando-se mais um player do mercado, que gerencia a políticado país, define estratégicas e propicia condições para suas empresas competirem no mercadoglobal. De acordo com Michalet (2004),

La nouvelle conception de la firme dans la configuration globaledonne à l´État-nation une place encore plus subalterne que dans laconfiguration multi-nationale. Avec cette dernière, la place de l´Étatreposait sur un compromis/collusion entre les investisseurs étrangerset les gouvernements des pays d´accueil….Dans ces conditions, lepouvoir de négociation des gouvernements des pays hôtes estconsidérablement affaibli. Au lieu d´imposer aux firmes étrangères,ou de négocier avec elles, les conditions de leur implantation, encontrepartie de l´octroi implicite d´une situation de rente sur unmarché national protégé comme dans la configuration multi-nationale, les gouvernements doivent désormais s´efforcer de séduireles investisseurs potentiels. Pour ce faire, ils doivent démontrer àces derniers que le choix d´une implantation locale dans leur paysva avoir pour effet de les rendre encore plus compétitifs sur le marchémondial. Une telle finalité est évidemment difficile à concilier avecle maintien de tracasseries administratives. La mobilité des firmes,fondée sur leur information, leur permet de choisir rapidement uneautre localisation (p. 110).

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Contudo, se, por um lado, o papel absoluto do Estado começa a ser questionado, poroutro, não há dúvida de que este continuará a desempenhar um papel fundamental. Como observaFranco (1999),

há certamente exagero em se condenar os Estados Nacionais a uma posiçãosecundária diante de megacorporações sem raízes nacionais em controlede movimentos de comércio, capitais e tecnologia entre países. Mas éperfeitamente demonstrável que já existem algumas dezenas, talvezcentenas, de Empresas Transnacionais que têm o porte de países, aindaque pequenos. O crescimento desse mundo de “países virtuais” que sesobrepõem aos Estados Nacionais tem sido muito veloz, bem maisdinâmico do que o das nações “convencionais”, e tem afetado a naturezae a extensão da relação entre os países (p. 156).

Também segundo Brown (2001),states will remain the key actors in international relations, and, evenif their influence is declining relative to other actors, the patterns ofinteractions the major states create will still be of central importancein the years to come (p. 234-235).

Conforme afirma Seitenfus (2004), o Estado desempenha três funções que correspondema necessidades contemporâneas: o de repartidor de espaços; o de instrumento, que tenta adaptaras sociedades ao ambiente em constante evolução; e o de obter segurança para seus cidadãos.Assim, ele apresenta três elementos necessários e exclusivos – território delimitado einconteste, população estável e poder de polícia – e esses elementos tornam o Estado singulare diferente de todos os outros atores no cenário internacional.

Portanto, como afirma Dupas (1999), “Não se trata mais de reduzir radicalmente o papeldo Estado, mas de modificá-lo profundamente, transformando-o e fortalecendo-o para novospapéis fundamentais” (p. 212). E completa o autor: “O desenvolvimento requer um Estadonormativo e catalisador, facilitando, encorajando e regulando os negócios privados. Sem umEstado efetivo, desenvolvimento econômico e desenvolvimento social sustentados parecemimpossíveis” (p. 212).

Cabe aos Estados, assim, por exemplo, garantir estabilidade política e econômica, alémde uma infra-estrutura de qualidade, tanto física como social. Os Estados são, portanto,definitivamente ativos, podendo reagir, positiva ou negativamente, às exigências das empresastransnacionais. Mas, além dos governos, passam a desempenhar também papel fundamental noprocesso de globalização a sociedade civil, as organizações não-governamentais (ONGs) e asempresas, que podem ajudar o governo na tomada de decisões.

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Portanto, a agenda internacional adquire uma nova face, em que, se, por um lado, osEstados continuam a desempenhar um papel fundamental, por outro, atores como as empresastransnacionais e organizações não-governamentais ganham importância fundamental. Conformeafirma Brown (2001),

a wider agenda for international relations will be addressed, in whichthe traditional concerns of power politics take second place or, at thevery least, are placed in a wider context (p. 235).

Assim, no contexto da sociedade global, desenvolvem-se estruturas de poder propriamenteglobais que, por certo, não prescindem das estruturas de poder nacionais, dos sistemas regionaisde integração econômica e dos blocos geopolíticos. Por vezes se apóiam neles, por vezes seopõem a eles. Como exemplo, podemos citar as controvérsias sobre como administrar asdívidas interna e externa das nações, como desestatizar ou desregular a economia, como reduzirtarifas e acelerar a integração regional, entre outras, em grande parte levadas a cabo pororganizações não-governamentais (ONGs), como o Fundo Monetário Internacional (FMI), oBanco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Estas são estruturas globais depoder, muitas vezes contraditórias em suas diretrizes ou práticas, mas aparentementedesterritorializadas e que supostamente transcendem os Estados nacionais.

Alternativas e estudos de caso

Nesta parte do trabalho, pretendo analisar, de forma breve, algumas alternativas dosEstados, em termos de políticas econômicas e/ou sociais, para sua inserção no modelo globalatual, focando nossa análise em três casos específicos: a China, o Chile e a Rússia.

Não cabe aqui, portanto, discutir a viabilidade ou não do processo de globalização, ou,ainda, discutir se os países devem ou não participar do processo. Partimos da idéia de que aglobalização é uma realidade e um processo irreversível, cabendo aos países apenas o papel dediscutir como se inserir no modelo e o que fazer, em termos de políticas, sejam elas de ordemeconômica e/ou social, para se inserirem no processo da melhor maneira possível.

Acredito, ainda, que não cabe também discutir os benefícios ou maléficos do processode globalização, bastando assinalar aqui que este pode apresentar um ou outro, dependendo daatitude dos governantes de seus países.

Até um ferrenho crítico da globalização, como Stiglitz (2004), em seu livro Aglobalização e seus malefícios, concorda com os potenciais benefícios da globalização, quandoafirma que

a abertura do comércio internacional ajudou vários países a crescer muitomais rapidamente do que teriam crescido sem essa abertura. O comérciointernacional ajuda o desenvolvimento econômico quando asexportações de um país impulsionam seu crescimento econômico. (...)

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Graças à globalização, a expectativa de vida em todo o mundo aumentoubastante, e o padrão de vida melhorou muito” (p. 30).

Por outro lado, Stiglitz (2004) faz a seguinte ressalva: “para muitos no mundo emdesenvolvimento, a globalização não trouxe os benefícios econômicos prometidos” (p. 31).Assim, parece que, se, por um lado, a globalização representou um grande benefício para algunspaíses, como os do Leste Asiático, por outro, não representou benefícios para uma outra gamade países, como os da África e até mesmo alguns países da América Latina, assemelhando-semais a um desastre. Como aponta Bhagwati (2004),

a administração adequada dos efeitos adversos que certamente ocorrerãocom a integração à economia mundial, bem como no curso da transiçãopara tal integração, exige um conjunto complexo de novas políticas einstitutos. Enquanto muitos países ricos que passaram por uma guinadasignificativa em direção à abertura nas décadas posteriores à guerra járealizaram boa parte da transição institucional estando aptos a lidar comos aspectos negativos da abertura, os países pobres não desenvolveramos institutos necessários para enfrentar os desafios de uma maior aberturapara a economia mundial. A elaboração e financiamento de tais institutose políticas, entretanto, não podem ser deixados, simplesmente, a cargodos governos dessas nações. As instituições internacionais dedesenvolvimento e os doadores de países ricos também têm um papel adesempenhar, principalmente no financiamento de governos de caixabaixa, quando essas políticas exijam desembolsos de fundos, e na garantiade que o apoio institucional para administrar os efeitos adversos daabertura seja implementado rapidamente também nos países pobres (p.269).

Por esses e outros motivos, um ponto importante a ser considerado quando se analisa umprocesso de transição para a globalização é a velocidade dessa transição. Ela não pode sermuito rápida, como nos mostra o caso da Rússia que analisarei a seguir, mas, eventualmente,também não pode ser muito lenta. Nas palavras de Bhagwati (2004),

Embora a globalização possa trazer benefícios econômicos e sociaisuma vez feita essa transição (para a globalização), permanece em abertoa questão de quão rapidamente ela deve ser feita. Com efeito, parte dahostilidade contra a globalização tem origem não na globalização em si,mas na velocidade com a qual ela é implantada, quando os estrategistaspolíticos liberam o comércio, os fluxos de capital e daí por diante, bemcomo na eventual falta de mecanismos institucionais para tornar tranqüilaa transição (p. 250).

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O fato é que não há mais fronteiras, isto é, não apenas aquelas nações que possuem ascondições ideais para a fabricação de um determinado produto (recursos, capital e trabalho)são competitivas, mas todas as nações podem, de certa maneira, e eventualmente, o ser. Assim,as nações podem ter, ou vir a desenvolver, condições para fazer parte desse processo deglobalização. A participação no processo vai depender da existência, em seu território, dealguma matéria-prima desejada, passando pela mão-de-obra especializada para a realização dedeterminada tarefa, até possuir um bom mercado consumidor para determinado produto.

Como exemplo, podemos citar o esforço realizado pela Coréia no desenvolvimento demão-de-obra capacitada, através da educação, para atrair investimentos. Situação semelhanteocorreu na Índia, hoje considerada um pólo de indústrias de alta tecnologia, o que foi viabilizadograças ao desenvolvimento – aqui cabe a redundância – de mão-de-obra capacitada eespecializada. E não é à toa que economias antes relegadas a um segundo plano por fazeremparte do chamado terceiro mundo ganham importância cada vez maior, por seu mercadoconsumidor e por serem economias dinâmicas, como é o caso da China, da Índia e do Brasil,por exemplo.

Segundo Franco (1999), o ataque à globalização pode fazer sentido na França e naAlemanha, na medida em que os níveis de salários (e empregos) são ameaçados porcompetidores em países mais pobres. Para este autor, o comércio internacional, como observaAdam Smith, é uma força homogeneizadora, que atua no sentido de equalizar as rendas dediferentes regiões. Dessa forma, é natural que se houver uma queda salarial na França haja, emcontrapartida, aumentos salariais na China, por exemplo.

Ainda a esse respeito, como aponta Dupas (1999),A outra contradição que alimenta o capitalismo contemporâneo, járeferida anteriormente, é a dialética exclusão versus inclusão. Apesardo desemprego estrutural crescente (...), o capitalismo atual garante suadinâmica também porque a queda do preço dos produtos globaisincorpora continuamente mercados (inclusão) que estavam à margemdo consumo por falta de renda. Não é à toa que alguns dos maiorescrescimentos de várias empresas globais de bens de consumo têm sidoregistrados nos países periféricos da Ásia e da América Latina, onde seconcentra grande parte do mercado dos mais pobres (p. 40).

O caso da China

Após um longo período (1949-1978) marcado por esforços para resistir à globalizaçãoatravés de um nacionalismo radical socialista, a China inicia sua inserção nesse processo coma abertura econômica, em 1978, impulsionada pela falta de bens de consumo na década de

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1970 e com medidas de liberalização frente à URSS. No entanto, de acordo com Yan (inBerger et Huntington, 2004),

A globalização cultural foi apresentada como um tema importante pelaprimeira vez nos anos 80, durante um debate sobre o status da China nomundo contemporâneo. Tudo começou com um artigo publicado em1987, alertando para o fato de que, a não ser que a China acelerasse seuprocesso de reformas, o país provavelmente seria mais uma vez deixadopara trás na nova era pós-industrial. Se isso ocorresse, a China iria acabarperdendo seu lugar na emergente aldeia global. O artigo imediatamenteatraiu a atenção da mídia e levou a uma discussão do lugar global nosmeios acadêmicos e em outros círculos da elite. Na base da discussãoestava um apelo urgente por reformas mais radicais e maior abertura nasociedade chinesa, assim como uma forte tendência pós-ocidental,defendendo uma introdução mais agressiva da cultura ocidental nasociedade chinesa. (p. 50).

Atualmente, contudo, como complementa Yan (in Berger et Huntington, 2004),É consenso entre a maioria dos intelectuais manter a China aberta aomundo e levar a China a participar ativamente do atual processo deglobalização. O nacionalismo radical tem sido rejeitado pela maioriados intelectuais chineses por ter o potencial de impedir a participaçãoativa da China no processo de globalização. Essa tese dedesenvolvimento-modernização-globalização também é partilhada porlíderes do PC chinês, mas o partido-estado sempre se apresenta como aincorporação do desejo da nação, portanto pede a lealdade e o apoio dopovo chinês para atingir o objetivo final da nação, a modernização daChina (p. 51-52).

O sucesso da China, que cresceu a uma taxa média de mais de 6% ao ano ao longo dadécada de 1990, e que já se tornou o maior consumidor mundial da maioria das commodities¸com uma grande redução da pobreza, explica-se, em grande parte, pela forma como foi conduzidoesse processo.

Este começou pela agricultura, com a substituição do sistema de produção coletivo pelosistema de responsabilidade individual, uma forma de privatização parcial. Essa iniciativainiciou-se em uma província e, com o sucesso nela obtido, foi se espalhando para outrasprovíncias.

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No entanto, a inflação, em 1988, atingiu aproximadamente 45% e, em 1989, estava emcerca de 25%. Isso ocorreu, principalmente, pela liberalização dos insumos agrícolas e acaboulevando ao movimento estudantil de 1989, ocorrido na Praça da Paz Celestial.

Em decorrência disso, uma das medidas tomadas pelo governo foi retomar o controledos preços, instituindo um sistema com dois níveis de preço, e aumentar os subsídios agrícolas.Os preços só foram liberados novamente em 1994, mas os subsídios permaneceram.

Em relação às empresas, a China começou a convidar empresas estrangeiras para realizarjoint ventures com empresas chinesas, tornando-se o maior foco de investimentos estrangeirosdiretos do mundo, e se transformando na oitava economia mundial.

Simultaneamente, a China iniciou a criação de uma infra-estrutura institucional ereestruturou empresas chinesas deficientes. Dessa forma, gerou concorrência e empregosantes da privatização e da reestruturação das empresas existentes. Além disso, desde a décadade 1980, a China vinha se esforçando para ingressar na Organização Mundial do Comércio, oque veio a ocorrer em 2001.

A partir de 1994, o governo chinês declarou que não mais subsidiaria moradia para osfuncionários e, a partir de 1997, começou a incentivar a compra dos imóveis. Também em1997 e em 1998, o governo começou a cobrar pela educação, para reverter o declínioeducacional que vinha ocorrendo. Por outro lado, o Estado chinês, ainda conforme Yan (inBerger et Huntington, 2004),

sempre observou cuidadosamente e controlou firmemente as áreas dodesenvolvimento intelectual e da movimentação social, pois a primeirarepresenta uma ameaça direta à ideologia comunista, enquanto a segundapode levar à ação coletiva em larga escala, o que é fonte de grande temorpara o partido-estado (p. 53).

Para evitar essa ameaça, campanhas ideológicas vêm sendo utilizadas contra a influênciada cultura estrangeira, e as indústrias editorial, cinematográfica e televisiva, bem como aimprensa continuam sob o controle total do Estado. Portanto, o caso da China, conclui Yan (inBerger et Huntington, 2004),

apresenta várias características interessantes. A globalização tem sidoreinterpretada como parte do esforço de modernização, um componenteimportante dos objetivos do partido-estado; a maioria dos membros daelite cultural defende a abertura para o processo de globalização e temsido fundamental para a tradução cultural e a localização; o partido-estadochinês tem desempenhado um papel de liderança ativa em quase todosos aspectos do processo, e agindo assim pretende garantir sualegitimidade e poder; e a população também tem demonstrado um fortedesejo de aceitar, localizar e mesmo se apropriar de elementos da culturaestrangeira importada (p. 57).

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Daqui para a frente, a China talvez venha a enfrentar algumas questões delicadas, devido aseu fraco sistema bancário, sua moeda desvalorizada e, até mesmo, por questões geográficas –grande parte de sua extensão territorial é desértica e fria, e a falta de água é uma questãoiminente. Da mesma maneira, ainda há uma desigualdade muito grande entre ricos e pobres, eentre as grandes cidades e o interior do país.

Dessa forma, não se sabe até aonde a China poderá ir, mas é inegável que conseguiuenormes avanços com sua abertura, realizada de uma forma pensada e estruturada, sob o comandode um braço forte. A China é hoje, sem dúvida, um dos mais influentes países do mundo,principalmente em termos de comércio internacional.

O caso do Chile

O Chile foi pioneiro na região a inserir-se no movimento de globalização, sustentadopor uma economia forte, propiciada por reformas econômicas bem-sucedidas, ainda querealizadas sob o regime militar (1973-1990) e conduzidas por economistas, em sua grandemaioria formados pela Universidade de Chicago (EUA).

No Chile impera o mecanismo de livre-mercado, com competição, propriedade privada,desregulamentação e privatização, preços de mercado, economia aberta com baixas tarifas,entre outras coisas. O país adotou, ainda, um sistema de financiamento da educação, da saúdee da previdência, administrados pela iniciativa privada, e conta com leis trabalhistas flexíveis.De acordo com Talavera (in Berger et Huntington, 2004),

Entre 1984 e 1998, o Chile dobrou sua renda per capita; entre 1987 e1998, a proporção da população vivendo abaixo da linha da pobreza caiude 44,4% para 22,2%; o percentual dos mais pobres, os destituídos, caiude 16,5% para 5,6% (p. 286).

A abertura do mercado chileno ocorreu na década de 1970. De acordo com Talavera (inBerger et Huntington, 2004), em 1970, o volume de comércio internacional do Chilecorrespondia a 38% do PIB; mas, com a queda das tarifas médias, de aproximadamente 105%(com variações de 0% a 750%) para uma tarifa uniforme de 10% entre 1974 e 1979, o volumede comércio internacional alcançou 90% do PIB em 1990. Além disso, a expectativa de vidano país subiu de 64 anos em 1970 para 75 anos em 1997, enquanto que a taxa de mortalidadeinfantil caiu de 82,3 para cada mil nascidos, em 1970, para 10,3 para cada mil, em 1998.

No entanto, a desigualdade de renda permanece praticamente a mesma de 30 anos atrás;ou seja, o Chile tornou-se uma economia mais rica, mas ainda extremamente desigual.

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O Chile é, também, um país fortemente religioso, que confia na igreja e nas instituiçõesreligiosas. Nesse sentido, o Chile demonstra resistir a determinadas influências globalizantes.Não é à toa, por exemplo, que o divórcio e o aborto são proibidos naquele país.

Dos países da América Latina, ao longo da década de 1990, o que mais cresceu, emtermos de PIB per capita, foi o Chile. E, na década de 1980, a chamada década perdida, oChile, junto com a Colômbia, foi o único país que cresceu (Abreu, 2005).

O Chile buscou estimular e diversificar as exportações. Assim, é hoje o segundo produtorde salmão cultivado do mundo, atrás apenas da Noruega, e é um exportador significativo defrutas e de vinho; este último produto, perceptivelmente, invadiu os mercados mundiais. Noentanto, as exportações chilenas são, ainda, bem concentradas em produtos primários, comoos já mencionados acima, além do cobre.

Diante do exposto, o Chile, como a China, é um caso interessante, pois, também de umamaneira pensada e estruturada, abriu seu mercado – é hoje uma das economias mais abertas domundo –, sempre com o suporte de reformas estruturais (econômicas, políticas e sociais),ainda que realizadas sob um regime militar e ditatorial. Com isso, obteve um bom crescimentoeconômico, sendo sua economia considerada, hoje em dia, uma das mais estáveis e sólidas domundo. Por outro lado, nada garante que não enfrente problemas no futuro, pois ainda é umpaís extremamente desigual e agrário.

O caso da Rússia

O caso da Rússia é um exemplo interessante, pois, como a China, é um país que se abriuao mercado após um longo período sob o regime socialista. No entanto, o interesse sobre aRússia é resultante também do fato de ser um exemplo, de certa maneira, negativo, no que dizrespeito à sua transição para uma economia de mercado e à sua inserção no processo deglobalização.

O processo de transição da economia russa para uma economia de mercado pode serexplicado em cinco níveis, ou momentos. O primeiro deles trata da estabilização econômica.Durante a década de 1990, após a queda do regime socialista, todas as ex-Repúblicasexperimentaram taxas de inflação altíssimas, chegando a atingir níveis superiores a 1.000% aoano. Em paralelo, veio a crise fiscal: a queda da produção reduziu automaticamente a arrecadaçãode impostos, gerando um déficit cada vez maior na economia, uma vez que o governo mantevesuas despesas com os programas sociais e a produção de armamentos. Foram necessáriosalguns anos – e muito aprendizado – para se alcançar uma certa estabilização.

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Cabe ressaltar que a hiperinflação foi uma decorrência, pelo menos em parte, daeconomia planificada que movia a antiga União Soviética (URSS). Como o governo planejavatudo (preços, produção, entre outras coisas, tanto para a indústria, como para a agricultura),com o fim da URSS e o conseqüente término do forte controle sobre o planejamento, a produçãoentrou em colapso (choque de oferta), pois não se sabia mais o que produzir e em quequantidade, o que acarretou uma enorme queda da arrecadação federal. Ao choque de oferta,soma-se a crise fiscal, decorrente do déficit (arrecadação menos gastos), e a necessidade deoferta monetária, pois com os ajustes de preço que vinham ocorrendo, a demanda por moedaaumentou significativamente e o sistema bancário não suportou, havendo, inclusive, ágio porcapital circulante em determinados momentos. Soma-se a isso um outro componente, o dademanda, que manteve o funcionamento de diversos programas sociais.

O segundo ponto se refere à própria transição para o mercado. A cultura da economiaplanificada – que interligava as atividades produtivas e as situava sob o controle de um comandocentralizado no governo – foi imediatamente substituída pelo modelo de economia de mercado.Nesse processo de transição, diversas medidas de estabilização econômica foram tomadas,como a reforma tributária, o ajuste fiscal – neste caso, emergencial, com muito custo social epouco ajuste em gastos militares, para evitar riscos com armamentos nucleares, por exemplo–, a privatização, a liberalização de preços e câmbio e a reforma dos sistemas financeiros, coma criação de moedas nacionais e de bancos centrais independentes, dentre outras medidas.

É importante ressaltar que, na maioria dos países da antiga URSS, prevaleceminvestimentos estrangeiros em grandes indústrias lucrativas (setores petrolíferos, de mineraçãoe de telecomunicações) – até pela falta de recursos nacionais para adquirir estas empresas –,enquanto que as pequenas indústrias e os estabelecimentos comerciais foram, em sua maioria,incorporados pelos próprios funcionários, ou permaneceram estatais.

O terceiro ponto diz respeito à questão da desconexão produtiva: a população não estavapreparada para o fim da URSS. Muitos já vislumbravam mudanças no sistema, porém não tãoradicais e definitivas. O sistema econômico vigente à época (de planificação) foi substituídoabruptamente, gerando um vácuo operacional que teve como conseqüência a totaldesorganização das cadeias de produção. Muitos setores da economia simplesmente deixaramde funcionar por falta de comando ou diretrizes. Essa desconexão acarretou, ao longo dadécada de 1990, uma profunda estagnação econômica, com a redução do PIB de até 70%, emalgumas ex-Repúblicas. A retomada do crescimento da Rússia só veio a acontecer a partir de1999.

Os últimos aspectos tratam dos processos de independência política do Estado e dacriação das Nações. Além da construção de toda a máquina estatal (estruturas burocráticas,cargos, departamentos e instituições), era necessário construir a própria identidade culturalde cada ex-República Soviética. Com exceção dos Países Bálticos e da Rússia, que já possuíamreferências culturais próprias, nas demais Repúblicas a população se identificava como soviética.

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Por isso, além de todas as mudanças no sistema, o fim da URSS representou, para a maioria dapopulação, a perda de sua identidade nacional e, assim, foi preciso buscar referências, adotaros antigos idiomas locais e resgatar valores do passado, com a finalidade de se criar em cadaex-República o conceito próprio de Nação.

Pelo exposto acima, devemos considerar a Rússia como um exemplo fundamental, jáque solidifica a hipótese de que o processo de transição pode ser benéfico, como nos mostramos casos do Chile e da China, mas tem de ser realizado de uma forma cautelosa, pensada eestruturada, e deve ter como suporte reformas que insiram o país no processo de globalizaçãocom condições de competir.

Conclusão: caminhos para o Brasil

É nos anos de 1990 que o Brasil experimenta uma maior inserção no contexto global,adotando as políticas recomendadas pelo que ficou conhecido como Consenso de Washington.

Como políticas sugeridas pelo Consenso de Washington para a América Latina nasdécadas de 1980 e 1990, pode-se mencionar a austeridade fiscal, a privatização e a liberalizaçãodos mercados.

A austeridade fiscal é fundamental, pois os países não podem permanecer continuamentecom déficit elevado. No entanto, austeridade fiscal em demasia pode gerar recessão, e altastaxas de juros podem inibir investimentos diretos.

Quanto à privatização, pode-se dizer que faz sentido, porque libera os governos da gestãode atividades que não são, necessariamente, de sua competência. Dessa forma, as empresas,depois de privatizadas, tendem a se tornar mais produtivas, com redução de custos e aumentode lucros. Por outro lado, no entanto, alguns empregos podem ser perdidos neste processo e,para contrabalançar esta tendência, outras políticas públicas, como a redução das taxas de juros,devem ser desenvolvidas, de forma a gerar empregos em outros setores / indústrias.

A liberalização deve, a meu ver, otimizar a receita de um país por deslocar recursos dasatividades menos produtivas para as mais produtivas, efeito da chamada vantagem comparativa.Por outro lado, é provável que preços mais baixos, em decorrência da entrada de produtosimportados, gerem desemprego nas indústrias locais fabricantes destes produtos, que são agoratambém importados. No entanto, não se pode afirmar que o desemprego do país aumente,como conseqüência. Isso porque esta mão-de-obra poderia ser deslocada para outros setoresexportadores, que vão se expandir com a liberalização do comércio, e o índice geral dedesemprego acaba por permanecer no mesmo, ou quase, patamar. Foi o que ocorreu, porexemplo, nos países do Leste Asiático, processo fruto de uma liberalização cautelosa. À medidaque iam sendo criados novos empregos, outros estágios de liberalização iam ocorrendo.

Outro fator que desempenha um importante papel no crescimento e desenvolvimentoeconômico é o investimento estrangeiro direto, propiciado por uma estabilidade

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macroeconômica, austeridade fiscal, liberalização e privatização. No entanto, há de se ter umaregulamentação sólida para propiciar a concorrência e evitar que o capital estrangeiro quebrea indústria nacional, estabeleça um monopólio e inicie um processo de aumento de preços.

Em países como os EUA e os do Leste Asiático, o governo desempenhou um papelessencial para garantir justiça social e competitividade. Assim, procurou oferecer educaçãode alta qualidade para todos os habitantes e fornecer uma infra-estrutura institucional e umsistema legal eficaz, além de estabelecer uma rede de segurança para os pobres e promover odesenvolvimento da tecnologia.

Cabe ao Brasil, portanto, fazer bom uso dos exemplos positivos de nações bem-sucedidas rumo ao desenvolvimento. Como menciona Landes (1998), “os japoneses, tal comoos alemães, construíram sua recuperação à custa de força de trabalho, educação e determinação”(p. 530).

Por fatores históricos, o Brasil já possui uma indústria desenvolvida, ao contrário deoutros países da América Latina, como o Chile, o Paraguai e a Argentina. Além disso, um certoprotecionismo pode ser bom para as economias, pelo menos ao longo de determinados períodos,como o foi para países como os EUA e o Japão. No entanto, uma diferença que cabe aquiressaltar é que, enquanto economias como a americana e a japonesa protegiam suas indústriaspara que estas buscassem condições de competir, no Brasil, por exemplo, protegeu-se aindústria, não com a intenção de impulsionar a competitividade desta, mas por interessesnacionais ou em decorrência de políticas anticolonialistas. Como aponta Landes (1998),

a maioria das nações latino-americanas recorreram à manipulaçãocomercial e monetária: barreiras e quotas de importação, taxasdiferenciais de câmbio, uma carapaça de restrições que algunsdenominaram o “modelo introspectivo” – e, é claro, a tomada deempréstimos. Tais medidas podem proporcionar alívio temporário, maspor um pesado preço: constantes ajustes, mercados negros de moeda,inflações desenfreadas, custos elevados das transações, umarrefecimento do investimento estrangeiro (p. 557).

Por todo o exposto acima, a lição que se pode tirar, como afirma Landes (1988), é que“nenhuma nação é tão eficaz, tão efetiva, quanto aquela que as próprias pessoas se habilitampara realizar por si mesmas, sem a ajuda alheia” (p. 592).

Portanto, cabe ao Brasil buscar as alternativas que o levem a uma efetiva e positiva inserçãono mercado internacional e no mundo do comércio internacional. É necessário, assim, a meuver, entre outras coisas: fortalecer os indicadores macro econômicos, mas com uma reduçãodos juros, de forma a garantir a atração de investimentos; buscar uma taxa de câmbio equilibrada;garantir o superávit fiscal, com a diminuição dos gastos do governo, para reduzir o endividamentodo país; garantir a queda das taxas de juros e do risco país e, futuramente, reduzir os impostos,para atrair ainda mais investimentos.

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A inflação, no Brasil, ainda está em um nível superior à dos países desenvolvidos, efreqüentemente tem ultrapassado as metas planejadas pelo governo.

Em relação aos mercados financeiros, o Brasil possui um mercado de ações ainda pequeno,a negociação da dívida pública ainda tem foco no curto prazo, há um controle grande do Estadona concessão de créditos – que permanece muito regulamentado –, e o nível de poupança aindaé muito baixo. Em relação a empréstimos, um agravante no caso brasileiro é a grande quantidadede empréstimos tomados pelo governo, a quem bancos e instituições financeiras preferememprestar, em função do risco mais baixo. Dessa forma, a quantidade de empréstimos a que osinvestidores privados têm acesso é muito baixa, dificultando investimentos e crescimento.

As taxas de câmbio, apesar de não oficialmente, ainda são controladas pelo governobrasileiro, no regime de flutuação suja. Nesse caso, o Brasil tem caminhado no sentido daliberalidade, mas ainda há um forte controle do Banco Central do Brasil sobre o mercado decâmbio, comprando e/ou vendendo moeda dependendo da situação do mercado.

Adicionalmente, o envolvimento do governo na economia ainda é bastante grande. Muitossetores são, até hoje, extremamente regulamentados, com boa parcela de empresas aindaestatais, e, em diversos outros, os investimentos são monopólio estatal ou extremamenterestritos ao capital externo, o que diminui o nível de investimento na economia.

Assim, cabe ao governo brasileiro privatizar setores ainda estatais e que sejamimprodutivos do ponto de vista financeiro, já que administrar empresas não é, e nunca foi, aespecialidade dos governos, como nos tem comprovado a história. Portanto, a privatizaçãodestes setores poderia reduzir a máquina governamental e reduzir, conseqüentemente, os custosdo governo.

A privatização vem à tona com o conceito de redefinição do papel do Estado, através datransferência de suas atividades para o setor privado, com o saneamento das estruturasfinanceiras nos níveis federal, estadual e municipal, e a conseqüente redução do endividamentodo setor público. Assim, o governo pode se redirecionar para atividades de cunho social,como saúde, educação, habitação, segurança pública, apoio à pesquisa e desenvolvimentostecnológicos.

Portanto, caberia ao governo a gestão daquilo que deveria ser seu papel fundamental –garantir educação, saúde e segurança pública para a população. Com o aumento dosinvestimentos em educação, teríamos, conseqüentemente, um aumento da qualificação dostrabalhadores, e uma consciência maior, principalmente da população de mais baixa renda,quanto às formas de se evitar doenças e gravidezes inesperadas que, muitas vezes, aumentam,simplesmente, a massa de excluídos, os quais podem ingressar na criminalidade ou viver àmargem da sociedade, como seus pais.

Ainda em relação à educação, o governo brasileiro, já que não tem condições de garantireducação de primeiro, segundo e terceiro graus a todos, deveria focar na educação fundamentalpara todos (entenda-se aqui, primeiro, fundamentalmente, e segundo graus), ao invés de fornecer

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educação de primeiro e segundo graus de baixa qualidade para uma parcela da população egarantir educação de terceiro grau de boa qualidade para uma – como ocorre no Brasil – minoriajá privilegiada da população, como se pode observar nas universidades públicas Brasil afora.Com a privatização das universidades públicas, grande parte desses recursos poderia ser movidopara a educação primária e secundária.

Há de se tomar cuidado, no entanto, com essa medida, pois é nas universidades públicas(com algumas exceções, como é o caso das PUCs) que são realizadas grande parte das pesquisas,necessárias para se desenvolver um país. Assim, com isso, não estou querendo dizer que ogoverno deve deixar de exercer um controle de qualidade sobre as universidades, tendo emvista que estas devem, além de fornecer ensino de qualidade – o que abastece as empresasnacionais de profissionais bem formados – desenvolver centros avançados de pesquisas, quepoderiam trazer grandes benefícios ao país e à sua população.

Além disso, o governo deve criar políticas que garantam infra-estrutura de qualidade parao desenvolvimento do Brasil de uma maneira abrangente, com o desenvolvimento de rodovias,ferrovias e hidrovias que gerem uma integração maior entre as regiões do país e possibilitemuma diversificação, em termos locais, dos investimentos.

No entanto, não se trata de abrir o Brasil de uma maneira brusca e desorganizada, mas,sim, seguindo um planejamento bem traçado, de forma a regulamentar os investimentos de ummodo que não seja nocivo ao país. No caso da privatização de estradas, por exemplo, o governodeve garantir que o investimento tenha retorno para os investidores, mas também que estesforneçam um serviço de qualidade e a preços acessíveis à população.

Aqui, cabe mencionar que mesmo países tradicionalmente fechados ao processo deglobalização já vêm realizando concessões ao comércio internacional. É o caso, por exemplo,como se pode observar nas palavras de Ricardo Alarcon de Queseda, presidente da AssembléiaNacional do Poder Popular da República de Cuba:

Considerando que no mundo atual, sem o campo socialista, com umaeconomia mundial que se globaliza e fortes tendências hegemônicas nocampo econômico, político e militar, Cuba, para preservar suasconquistas e submetida a um feroz bloqueio, carecendo de capital, dedeterminadas tecnologias, muitas vezes de mercado e necessitada dereestruturar sua indústria pode obter, através do investimento estrangeiro,na base do mais estrito respeito à independência e a soberania nacional,benefícios com a introdução de tecnologias novas e avançadas, amodernização de suas indústrias, maior eficiência produtiva, a criaçãode novos postos de trabalho, melhoria da qualidade dos produtos e dosserviços, e uma redução nos custos, maior competitividade no exterior,acesso a determinados mercados, os quais, em conjunto, apoiariam osesforços que o país deve realizar em seu desenvolvimento econômicosocial (in ABAMEC-Rio, p. 23).

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Em relação às exportações brasileiras, ainda há uma certa concentração em produtosprimários – minério, aço bruto, soja, açúcar, álcool, laranja, gado, entre outros. Essa situaçãotêm se revertido no Brasil, que já exporta produtos industrializados – como carros, motos,eletroeletrônicos, produtos de linha-branca, entre outros –, mas ainda em escala inferior aoideal. O país deveria focar esforços na exportação de bens de maior valor agregado, comofazem boa parte – ou todos – os países desenvolvidos, através de políticas de incentivo a estasexportações.

Sobre exportações, por exemplo, o Brasil poderia, a meu ver, ao invés de exportar pele deboi inteira, exportar couro processado, que possui maior valor agregado, ou aço em lugar deminério, iniciativa que a Companhia Vale do Rio Doce tem tentado desenvolver. Além disso, ogoverno poderia estimular o desenvolvimento de outras atividades voltadas para a exportação eatualmente pouco exploradas, como a pesca, por exemplo, mencionada, inclusive, na RevistaVeja (edição 1908, de 8 de junho de 2005).

Do ponto de vista político, cabe ao governo realizar a reforma política, com a redução daquantidade de partidos inexpressivos, que dificultam o andamento político do país, e aumentara adesão partidária.

Acredito, ainda, que o governo – neste caso nas esferas Federal, Estadual e Municipal –deveria desenvolver um programa de conscientização da população, mostrando que o processoé lento e que não trará resultados imediatos, mas sim a médio e longo prazos.

É meu ponto de vista, também, que o governo, por mais demagogo que isto possa parecer,deveria desenvolver um programa de conscientização da população quanto à noção de cidadaniae incentivar um maior conhecimento da cultura brasileira. Como afirma Landes (1998), “seaprendemos alguma coisa através da história do desenvolvimento econômico, é que a cultura éa principal geradora de suas diferenças” (p. 584).

Essas noções, a meu ver, básicas, embutem um sentimento de coletividade na consciênciadas pessoas. Como DaMatta (2005) costuma dizer, o grande e maior preconceito dos brasileirosé contra os próprios brasileiros, algo que se expressa sob a forma de uma discriminação internaque chega a impressionar. Pode-se verificar isso, por exemplo, em atitudes de brasileiros queacham que tudo que vem de fora é melhor, ou que lá fora, as coisas funcionam melhor, dentreoutras manifestações.

Em relação ao comércio, não sou tão cético quanto alguns críticos com relação à posturado governo brasileiro atual, que vem buscando uma negociação mais ampla, em esfera global,com países menos privilegiados e à margem do “coração” do comércio internacional, como éo caso dos países africanos. No entanto, acho que o Brasil não pode e não deve colocar àmargem países no centro do comércio, como os países desenvolvidos, do chamado primeiromundo, e outros que, embora já mais expressivos agora, ainda têm um enorme potencial dedesenvolvimento, como a China, a Índia, a Rússia e o Chile. Ao contrário, o Brasil deveriafocar seus esforços nestes países, pois, parodiando o que se diz em relação aos esportes, nãose treina com parceiros mais fracos, mas sim com aqueles mais fortes, sempre em busca de

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evolução. É destes que se pode tirar as melhores lições, que nem sempre se aplicam à nossarealidade, mas que, mesmo assim, não deixam de ser casos de sucesso.

Por fim, acredito que a globalização é um caminho irreversível, e que pode ser bastantepositivo, se explorado de maneira correta. Não acredito, no entanto, que haja alguma receitapré-determinada ou algum exemplo que deva ser seguido à risca, mas que haja, no mundo,diversos exemplos de alternativas e caminhos bem sucedidos e que devem ser melhor estudados.Ao Brasil, caberia tirar o melhor proveito dessas experiências de sucesso, adaptando, quandofor o caso, certas medidas à sua realidade, em busca de seu próprio sucesso.

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Page 28: Rodrigo R. Coutinho CEBRI

A GLOBALIZAÇÃO, ALGUMAS DE SUAS CONSEQÜÊNCIAS,ALTERNATIVAS E CAMINHOS PARA O BRASIL

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