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RODRIGO KAMIMURA

O problema social na arquitetura e o processo de

modernização em São Paulo: diálogos, 1945-1965

São Carlos

2016

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RODRIGO KAMIMURA

O problema social na arquitetura e o processo de

modernização em São Paulo: diálogos, 1945-1965

Tese apresentada ao Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo

Área de concentração: Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo

Orientadora: Prof.ª Assoc.ª Cibele Saliba Rizek

VERSÃO CORRIGIDA

São Carlos

2016

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO,POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINSDE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Kamimura, Rodrigo K15o O Problema social na arquitetura e o processo de

modernização em São Paulo : diálogos, 1945-1965 /Rodrigo Kamimura; orientadora Cibele Saliba Rizek. SãoCarlos, 2016.

Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo e Área de Concentração emTeoria e História da Arquitetura e do Urbanismo --Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade deSão Paulo, 2016.

1. São Paulo. 2. Modernização. 3. Arquitetura brasileira. 4. Pós-guerra. 5. Problema social. I.Título.

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Dedico este trabalho à memória de meu pai, Shigueyoshi Kamimura (Sérgio).

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AGRADECIMENTOS

Do instigante contato com o ambiente universitário do Instituto de Arquitetura e Urbanismo

de São Carlos surgiu o mote da reflexão que procurei apresentar nesta tese. À toda a

comunidade do IAU/USP, portanto, registro meu agradecimento inicial.

Gostaria de agradecer a Cibele Rizek, que acolheu o trabalho sob sua orientação precisa e

me incentivou a criticar as certezas dadas. A ela devo as qualidades que este trabalho possa

porventura apresentar.

Agradeço também a Luiz Recamán, orientador no mestrado e interlocutor no doutorado, pela

paciente disponibilidade em compartilhar as dúvidas sobre o trabalho. A Miguel Buzzar, que

igualmente acompanhou a trajetória dissertação/tese, e que também contribuiu na discussão

sobre a arquitetura brasileira dos anos 50 e 60, fomentando a dúvida inicial para este

trabalho, sobre o engajamento político-social na arquitetura.

Aos professores que fazem parte desta trajetória na pós, pelas valiosíssimas contribuições:

Gelson, Anja, João Marcos, Ruy, David, Fábio, Renato Anelli, Malu Refinetti, Malu Gitahy,

Wilson Jorge, Renato Lemos, Manoel, Eulalia, Carlos Martins, Carlos “Mancha”, Ana Paula

Koury.

Aos colegas da pós: Marcos, Olívia, Gabriel, Bráulio, Rafael, Lapa, Mateus, Adriana, Rodrigo

Nogueira, Rodrigo Jabur, Marcelo Paiva, Felipe Contier e tantos outros da trajetória são-

carlense, que com certeza cometo aqui o deslize de não mencionar nominalmente.

Ao Marcelinho, Geraldo e Mara.

Aos colegas da UNOESTE, da UNIRP e da UNICEP. Aos colegas da EBA/UFRJ.

Aos entrevistados: Sérgio Ferro (e Ediane Ferro), Paulo Mendes da Rocha, Jon Maitrejean,

Alberto Botti, Marcos Konder Netto, e à memória de Alfredo L. Britto, figura ímpar da

arquitetura, de seu ensino e da vida cultural carioca; meus sinceros agradecimentos. A

Guilherme Boldrin, pela ajuda com a transcrição das entrevistas.

Aos funcionários do IAB/SP, pela presteza e paciente disponibilidade em abrir o acervo do

instituto para as demoradas consultas que empreendi.

Aos funcionários da biblioteca da EESC/USP que, assim como no mestrado, foram incríveis.

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Aos funcionários das bibliotecas consultadas na USP (FAU-Maranhão, FAUUSP, Poli [Central

e Engenharia Civil], FEA, FFLCH), biblioteca da UFSCAR, Instituto de Engenharia/SP,

biblioteca Lúcio Costa/UFRJ, IPPUR, Faculdade de Letras/UFRJ, IFCS/UFRJ, UERJ, FGV-

Rio, Biblioteca Nacional, APESP, Arquivo Municipal da Prefeitura/SP. Aos funcionários da

inigualável biblioteca da PUC-Rio.

A toda a minha família. À minha mãe, por tudo.

À Denise, meu porto seguro.

Aos amigos, preciosíssimos!

À CAPES e à FAPESP, que apoiaram e possibilitaram o desenvolvimento deste trabalho.

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Existe em muita gente, penso eu, um desejo semelhante de não ter de começar, um desejo de se

encontrar, logo de entrada, do outro lado do discurso, sem ter de considerar do exterior o que ele

poderia ter de singular, de terrível, talvez de maléfico. A essa aspiração tão comum, a instituição

responde de modo irônico; pois que torna os começos solenes, cerca-os de um círculo de atenção

e de silêncio, e lhes impõe formas ritualizadas, como para sinalizá-los à distância.

Michel Foucault, “A ordem do discurso”

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KAMIMURA, Rodrigo. O problema social na arquitetura e o processo de modernização

em São Paulo: diálogos, 1945-1965. 2016. 228f. + anexos. Tese (Doutorado em Arquitetura

e Urbanismo) – Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos, Universidade de São

Paulo, São Carlos, 2016.

RESUMO

A presente tese aborda o debate especializado entre arquitetos no âmbito cultural paulistano,

no período de 1945 a 1965. Mais especificamente, se refere aos discursos enfocando o

“problema social” e suas relações com o campo em questão, entrecortados pelo rápido

processo de modernização que se verifica no segundo pós-guerra. Partimos da premissa de

que este processo liberou um conjunto de energias que se fez representar, principalmente,

por um conjunto de instituições e canais de interlocução, tais como órgãos corporativos,

instituições de ensino, museus, revistas, eventos especializados, etc. Tais instâncias foram

responsáveis por fomentar um amplo debate acerca da condição profissional de arquiteto e

suas relações com transformações mais amplas em curso naquele momento – notadamente,

a modernização econômico-industrial e a crescente urbanização do país –, apontando pautas

insurgentes e propostas para resolução das mesmas. Este conjunto de problemas “sociais”

levou a disciplina, por vezes, a sair de sua especificidade, e a flertar com áreas afins do

conhecimento, como a economia, o direito, a geografia, engenharia e as ciências sociais,

dentre outras. Assim, o objetivo da presente tese é investigar este processo naquele contexto

específico, analisá-lo e aferir quais são as questões insurgentes do diálogo esboçado. Para

tanto, partimos do levantamento, sistematização e análise tanto das interpretações

disponíveis na historiografia quanto de materiais documentais (acervos, arquivos públicos e

corporativos, periódicos), bibliográficos e primário-empíricos (entrevistas), de forma a cotejá-

los com as hipóteses iniciais, buscando uma interpretação da questão alinhada com o campo

da história social da cultura.

Palavras-chave

São Paulo. Modernização. Arquitetura brasileira. Pós-guerra. Problema social.

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KAMIMURA, Rodrigo. The social problem in architecture and the modernization process

in São Paulo: dialogues, 1945-1965. 2016. 228p. + attachments. Thesis (PhD in Architecture

and Urbanism) – Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos, Universidade de São

Paulo, São Carlos, 2016.

ABSTRACT

This thesis addresses the specialized debate among architects in the cultural realm of São

Paulo, from 1945 to 1965. More specifically, it refers to the discourses focusing the "social

problem" and its relationship to the referred field, punctuated by the rapid modernization

process verified in the second postwar. We start from the premise that this process has

released a set of energies represented mainly by a group of institutions and channels of

debate, such as corporate entities, educational institutions, museums, magazines,

specialized events, etc. Such instances were responsible for fostering a broad debate about

the professional condition of the architect and its relationship to broader transformations

taking place at that time – notably, the economic and industrial modernization and the

growing country urbanization – pointing insurgent questions and proposals for its resolution.

This ensemble of "social" issues led, for sometimes, the architectural discipline out of its

specificity, flirting with relating areas such as economics, law, geography, engineering and

social sciences, among others. Therefore, the thesis aims to investigate this process,

analyzing it – in that specific context – and assessing the resulting questions of that dialogue.

To do so, one starts from the survey, systematization and analysis of both the available

interpretations in historiography as documental (collections, public and corporate archives,

periodicals), bibliographical and primary-empirical materials (interviews), in order to confront

them with the beginning hypothesis, and seeking to produce an interpretation aligned with

the field of the social history of culture.

Keywords

São Paulo. Modernization. Brazilian architecture. Postwar. Social problem.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 19

CAPÍTULO 1 – MODERNIZAÇÃO EM PROCESSO: URBANISMO, HABITAÇÃO, PLANO ........................................................................................................................ 35

Os problemas da modernização e a precariedade do ambiente urbano ........................................35 Os Congressos Brasileiros de Arquitetos e a função social do arquiteto .......................................47 A defesa do Zoning e do Plano Diretor ............................................................................................60 Os ideários de Anhaia Mello e Prestes Maia ....................................................................................67 A questão da periferia e da participação popular ............................................................................69 A pauta da Reforma Urbana .............................................................................................................80 À guisa de conclusão – capítulo 1 ....................................................................................................85

CAPÍTULO 2 – IDEÁRIO POLÍTICO, FORMA E LINGUAGEM ................................. 87 Introdução.........................................................................................................................................87 O mundo dividido .............................................................................................................................88 A união nacional ...............................................................................................................................90 A traição nacional .............................................................................................................................97 O Realismo Socialista .......................................................................................................................98 Polêmica nas artes ........................................................................................................................ 106 O debate entre os arquitetos ......................................................................................................... 117 A advertência de Max Bill .............................................................................................................. 123 Realismo e Nacionalismo: arquitetura por volta de 1954 ............................................................. 127 De volta ao real .............................................................................................................................. 132 À guisa de conclusão – capítulo 2 ................................................................................................. 141

CAPÍTULO 3 – O PROBLEMA DA INDUSTRIALIZAÇÃO E DOS MODELOS DE PRODUÇÃO ............................................................................................................. 143

Introdução...................................................................................................................................... 143 Antecedentes e antecessores ....................................................................................................... 144 O segundo pós-guerra e a necessidade de produção em escala ................................................ 150 O pioneirismo de Eduardo Kneese de Mello ................................................................................. 157 Os caminhos para o desenvolvimento .......................................................................................... 168 As experiências das empresas e o impulso de Brasília ................................................................ 174 Produção alternativa e baixa tecnologia: Arquitetura Nova .......................................................... 178 Produção alternativa e baixa tecnologia: Lina Bo Bardi ............................................................... 189 À guisa de conclusão – capítulo 3 ................................................................................................. 199

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 201 Arquitetura e planejamento ........................................................................................................... 202 Arquitetura e Cultura Nacional ...................................................................................................... 204 Técnica, tecnologia e a participação do usuário .......................................................................... 205 Desdobramentos posteriores ........................................................................................................ 206 O “problema social” como problema ............................................................................................ 210

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 213

ANEXOS ................................................................................................................... 227

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APRESENTAÇÃO

O ponto de partida para o presente trabalho foi a emblemática crise política vivida pelo país

no início da década de 1960, que culminou com a implantação do regime militar que perdurou

durante praticamente duas décadas, iniciando-se em 1964, e as possíveis relações de tal

crise com o âmbito disciplinar da arquitetura e do urbanismo. De modo a compreender, ainda

que preliminarmente, a gênese desse fenômeno – ao menos em sua natureza conjuntural –,

optamos por estudar os seus antecedentes, remontando ao período do pós-1945, com foco

sobre os aspectos pertinentes à arquitetura, às artes plásticas, à política e ao planejamento

urbano. O recorte temático escolhido foi a cidade de São Paulo e seu ambiente cultural, o

que delimitou um pouco melhor um tema tão amplo e passível das mais variadas

interpretações, como o que nos propusemos a investigar.

Para tanto, foi necessário recorrer a diversos tipos de fontes de pesquisa, de livros de autores

consagrados a teses e dissertações recentes sobre o tema; de arquivos de jornais e revistas

a entrevistas com personagens que viveram e atuaram no período; de anais de eventos de

época nas áreas de engenharia e arquitetura às interpretações mais recentes acerca dos

diversos impasses político-militares ocorridos no interregno democrático que vai de Dutra a

João Goulart.

De início, a constatação da escassez de trabalhos acadêmicos relacionando arquitetura e

política no período mencionado. Salvo estudos de caráter monográfico, especialmente sobre

profissionais atuantes na década de 1960, há poucas análises sob essa ótica abordando o

interregno 1945-65. No que tange a outros aspectos, no entanto, este arco temporal é

amplamente estudado, como, por exemplo, com relação à arquitetura moderna brasileira,

suas relações com as artes e a circulação de ideias a nível mundial – esta última estimulada

em diversos meios e frentes naquele contexto.

Esta tentativa de entender os entrelaçamentos entre política e a esfera da arquitetura e do

urbanismo nos levou a uma aproximação preliminar às várias interpretações sobre o Brasil

do século XX, suas questões sociais, econômicas, culturais e técnicas. Constatamos também

a existência de trabalhos acadêmicos tratando de temas similares ao nosso, mas apenas

recentemente concluídos ou que ainda se encontram em desenvolvimento. Ao mesmo

tempo, verificamos uma certa lacuna com relação à história oral de profissionais da área

atuantes no período, razão pela qual optamos por apresentar, anexo a esta tese, alguns

depoimentos colhidos durante a pesquisa, e que certamente constituem não só material

primário relevante, mas também subsídio para a leitura que procuramos empreender aqui.

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Recorrer aos periódicos publicados na área de arquitetura e do urbanismo em São Paulo nos

anos 1945-1965 também nos foi primordial para a compreensão de um profícuo debate

travado no meio, onde diversos posicionamentos foram colocados visando interpretar,

diagnosticar, propor e criticar os caminhos trilhados pelo desenvolvimento brasileiro até

aquele momento. Uma relação com os principais artigos relacionados ao tema e publicados

nas principais revistas consultadas (Acrópole, Habitat e Bem Estar) também foi incorporada

aos anexos do presente trabalho, com o intuito de ajudar a elucidar questões.

Trata-se, no entanto, de uma análise cujo imenso volume a ser abarcado, pouco cabível no

espaço de um trabalho final de doutoramento, demanda ainda estudos correlatos adicionais

– especialmente em se tratando da história das instituições – que possam contribuir para

lançar mais luz sobre o assunto; além de investigações de caráter monográfico – estas sim

mais presentes recentemente na pós-graduação – que tragam mais relevância e materiais de

pesquisa para se propor outras visadas sobre o objeto em questão.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho aborda o debate entre os arquitetos no âmbito cultural de São Paulo, dentro

do período 1945-1965. Visa levantar hipóteses acerca das interlocuções entre arquitetura,

sociedade e política, analisando a forma como os profissionais problematizaram as suas

atribuições, tanto aquelas tradicionalmente compreendidas pela sociedade como específicas

da disciplina arquitetônica como as que os próprios arquitetos pleiteiam permanentemente,

buscando se inserir em uma problemática mais ampla acerca da “questão social”. Nesse

sentido, a abordagem sugere um nível de análise que procure ir além de uma ótica “interna”

da disciplina, tornando necessário buscar os seus nexos “externos”, ou seja, referentes aos

diálogos e tensões que a profissão estabelece com um conjunto mais amplo de questões,

tradicionalmente situadas fora do seu âmbito disciplinar.

Ao abordar a arquitetura britânica do segundo pós-guerra, Hillier (1971) propõe um modelo

de análise da atividade arquitetônica a partir de três níveis: observando a sua história interna,

ou seja, o “conjunto de ideias, de teorias, da prática e dos ‘conhecimentos’ adquiridos

mediante os quais ela enfrenta e resolve os problemas ou propõe um modo de ação”; sua

história externa, que contemplam os “fatores sociais, econômicos e culturais e outros que a

afetam”; e, mediando as duas, sua metateoria, correspondente às “justificações que ela se

dá enquanto atividade útil: o que nós poderíamos chamar sua metateoria ou seu próprio

paradigma” (HILLIER, 1971, p. 118). Desta forma, a “metateoria” seria a forma mais adequada

de compreender e situar a arquitetura historicamente, evitando-se, assim, o equívoco da

aproximação baseada apenas nos estilos artísticos dos edifícios, sucedendo-se no tempo

de forma abstrata 1: “Os edifícios em si não refletem diretamente a história. São apenas

caricatura da ideia particular que cada época se faz da história”. Hillier insiste, assim, na

importância da abordagem da atividade arquitetônica, “expressão direta da história”, “e de

seus objetivos em uma sociedade e época determinadas”.

A partir da sugestão do autor, nos propomos a explorar a agenda dos problemas levantados

pelos arquitetos no período elencado, e que foram colocados como relevantes para a

inserção da disciplina em um conjunto mais amplo de questões – sociais, econômicas e

políticas. Naquele período, especificamente (1945-65), estas questões estiveram na ordem

do dia para a discussão acerca dos caminhos a serem trilhados pelo país, que adentrava um

instável período de redemocratização com o fim do Estado Novo e a radicalização política

da Guerra Fria.

1 Comumente atribuída ao historiador da arte Heinrich Wölfflin. 

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O trabalho, no entanto, não constitui estudo sociológico sobre a profissão de arquiteto,

proposta já contemplada, no que se refere ao nosso recorte temporal, por Durand (1974),

que observa a existência de um “drama” profissional de ajustamento do arquiteto ao sistema

produtivo naquele momento. O que procuramos em nossa proposta é uma interpretação

alinhada com a história social da cultura, sugerindo que os produtos culturais de uma

determinada sociedade em um período histórico dado encontram-se conectados às suas

condições de produção, e às variáveis que permitem a sua manifestação, não como objetos

isolados, mas como produtos de discursos que legitimam posições, propõem polêmicas e

respondem a circunstâncias e problemas específicos.

Voltamos a nossa atenção também para as iniciativas individuais, a partir de sua

racionalidade orientada para a ação, quando confrontadas com os dilemas conectados

àquela conjuntura: a crise política, a questão econômica, o crescente problema urbano.

Almejando uma ampliação do campo profissional, são criados espaços públicos de debate

que conferirão relevância a temas que serão incorporados à agenda de questões pertinentes

ao ofício, agregando novas camadas de preocupações à disciplina tradicionalmente

conhecida por “Arquitetura”.

Nesse ínterim, os profissionais brasileiros, no embalo da redemocratização após 1945,

fortaleceram as suas instâncias de mobilização, a partir do Instituto de Arquitetos do Brasil

(IAB), do sistema CREA/CONFEA (Conselhos Regional e Federal de Engenharia e Arquitetura)

– que à época ainda congregava arquitetos –, de faculdades e universidades, revistas

especializadas, congressos, Bienais, etc., empreendendo discussões variadas sobre os

problemas relevantes não só para a profissão, mas também para o espectro mais amplo da

arena política e cultural.

Com relação aos termos “economia”, “sociedade” e “cultura”, Williams (2000, p. 21-22)

observa o movimento do significado destes termos, até os mesmos adquirirem suas

configurações modernas. A evolução de seu sentido não foi harmônica, porquanto “cada um

deles, em um momento crítico, foi afetado pelo curso dos demais”. Partindo-se, portanto,

das inter-relações entre arquitetura e cultura, propomos uma investigação que considere os

seus laços com o mundo produtivo, entendendo-os como “práticas significativas” e de

significação, que envolvem desde a arte e a filosofia até a cultura de massa; e nos afastando,

portanto, de uma abordagem que as considere simplesmente como imagens especulares do

real, sob o risco de confiná-las a um domínio isolado da sociedade com a qual dialogam, e

vice-versa (WILLIAMS, 2000, p. 76).

Segundo a interpretação de Donzelot (1984), historicamente, a “questão social” se colocou

como tentativa de responder ao dilema das democracias modernas de conduzir uma

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organização política da sociedade sem abrir mão da defesa das liberdades civis, visando,

portanto, o preenchimento de um vazio entre o indivíduo e o Estado. O objetivo primordial

deste desafio foi, assim, o de reduzir o fosso entre o novo fundamento da ordem política e a

realidade da ordem social, a fim de garantir a credibilidade da primeira e a estabilidade da

segunda. O “social” aparece como registro intermediário entre o civil e o político, entre

liberdade e igualdade, invenção necessária para tornar governável uma sociedade que optou

por um regime democrático. Relaciona-se aos ideais republicanos do Iluminismo, e adquire

um contorno específico após as jornadas de junho de 1848 na Europa (evento que constitui

o “traumatismo inaugural” da questão). Coloca-se a pergunta: como assegurar o “direito ao

trabalho”, a soberania do povo e amenizar os seus sofrimentos, sem provocar a ira dos

conservadores e dos adeptos do laissez-faire?

Para Castel (2010, p. 31), também, o “social” ocupa este hiato entre a organização política e

o sistema econômico: “desdobrar-se nesse entre-dois, restaurar ou estabelecer laços que

não obedecem nem a uma lógica estritamente econômica nem a uma jurisdição estritamente

política”. Referindo-se ao salário como índice das profundas mudanças ocorridas no ocidente

moderno, o autor reconstrói a sua evolução histórica a partir da condição de assalariamento,

que passa de condição indigna – na sociedade pré-industrial, em que o artesão arruinado, o

aprendiz malsucedido ou o agricultor desamparado nada possuem para trocar, além da força

de seus braços – à de pilar do moderno Estado Social (CASTEL, 2010, p. 21; p. 148). O “social”

consiste, assim, em um conjunto de sistemas de regulação não-mercantis, indexadas a partir

do Estado com o intuito de promover a coesão social; e com foco nas relações de trabalho,

suporte privilegiado de inscrição dos indivíduos neste novo sistema.

Nesta abordagem, buscaremos realizar uma interpretação histórica do fenômeno da

“preocupação (com o) social”, levando-nos a uma postulação, realizada pelos arquitetos

naquele momento, da função social da profissão (termo recorrente nas discussões do pós-

1945), ou mesmo da “questão social” como problema. A tese se propõe, assim, a focar a

produção intelectual dos arquitetos, em sua interlocução com áreas afins como as das artes

plásticas, da engenharia, da sociologia, etc., dentro, porém, de um campo mais amplo do

conhecimento, envolvendo dados culturais como os advindos do debate político e da cultura

de massas, e abordando os problemas sociais e as possibilidades de atuação dos arquitetos

quando confrontados com aquilo que se denominou, em seu discurso, como a sua “função

social”: a preocupação com as camadas populares, com o problema da habitação, com a

desordem urbana, a precariedade do ambiente humano, a representação do povo, da

“cultura popular” e da Nação, a incorporação do savoir faire (“saber fazer”), a participação

do usuário na construção e configuração do habitat, os problemas técnicos decorrentes

deste processo, etc. Em suma, problemas elaborados em um momento de “formação” de

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um caráter nacional, concomitante com um projeto brasileiro de desenvolvimento em curso

no período estudado.

O caráter do desenvolvimento brasileiro durante o século XX corroborou a afirmação de uma

hegemonia urbano-industrial na política econômica e na vida cultural local, tornando

significativo, para a pauta de arquitetos e urbanistas, o crescimento acelerado dos grandes

centros. Assim, São Paulo – recorte geográfico e referência cultural desta tese –, metrópole

e território-chave estruturalmente articulado a esta conjuntura, pôde se constituir como locus

de um embate que, ao longo dos anos, envolveu diversas instituições, como universidades,

meios de comunicação de massa, partidos políticos, entidades profissionais, reuniões de

técnicos e intelectuais, eventos artísticos, dentre outros espaços. Em suma, estes “aparelhos

privados de hegemonia” constituíram, em contiguidade com o Estado, terrenos “ampliados” 2 de luta política acerca do conjunto de problemas que descrevemos aqui, sob uma

diversidade de ângulos e enfoques.

O distanciamento temporal e os desdobramentos posteriores ao recorte abordado permitem-

nos analisar criticamente e com um pouco mais de segurança alguns dos problemas que têm

se mostrado relevantes com relação ao tema: por exemplo, a suposta linearidade do

desenvolvimento político nacional e de suas etapas de industrialização, a compreensão dos

diversos aspectos da luta de classes, das relações entre intelectuais e política, entre Estado

e sociedade civil, economia e cultura, elite e povo, cidade e Plano, técnica, tecnologia e

progresso social, etc.

Nesse sentido, sobre as mencionadas relações entre arquitetura e sociedade, pode-se

perguntar: de que forma se realiza esse trânsito de ideias entre arquitetura, sociedade e

política? Como as questões relativas à nova situação histórica moveram ou (re)configuraram

as margens da arquitetura com relação aos problemas sociais, urbanos ou econômicos?

Como se debateu sobre os limites disciplinares, que restringem as possibilidades de

transformação direta da realidade social a partir de seu campo específico? E, de que maneira

a arquitetura – a despeito das intenções manifestas nos discursos de seus próprios autores

– opera contra, a favor ou dentro da lógica institucional vigente? A arquitetura pode provocar

“mudanças de mentalidade”? Como ela se insere no discurso sobre a cultura popular? De

que forma ela pode pretender atender aos “anseios populares”? Como ela atua diante das

questões colocadas pelo planejamento? Em que sentido a técnica arquitetônica e o

desenvolvimento tecnológico são ferramentas de transformação (e emancipação) social?

2 Utilizamos as expressões “aparelhos privados de hegemonia” e Estado “ampliado” servindo‐nos livremente 

destes termos, a partir do pensamento de Antonio Gramsci (2007). 

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Todas estas indagações, evidentemente, em seu amplo conjunto, extrapolam as pretensões

de um trabalho acadêmico de doutoramento. No entanto, servem como uma “bússola” para

os questionamentos que buscamos apontar para nosso objeto de estudo.

Hipóteses e delimitação do objeto de pesquisa

Qualquer interpretação deve partir do conhecimento da história. As relações entre arquitetura e política não são recentes, mas têm tradições, fatos e personagens. Tanto a exigência de uma posição crítica e de uma ética por parte de arquitetos e designers como a busca por novos modos de existência baseados na cooperação e na vida comunitária têm sua origem nos séculos XIX e XX. A vontade dos arquitetos de se aproximar da realidade e da sociedade os levou a agir como se fossem sociólogos, antropólogos e políticos. (MONTANER; MUXÍ, 2014, p. 25)

O recorte temporal proposto corresponde a um momento do desenvolvimento histórico

brasileiro que se inicia em 1945, com o segundo pós-guerra e o processo de

redemocratização do país. No âmbito profissional abordado, o evento-chave que demarca

esse período é a realização, em janeiro daquele ano na cidade de São Paulo, do 1º Congresso

Brasileiro de Arquitetos (CBA), cujo tema-chave é “Função social do arquiteto”.

Este intervalo de 1945 a 1965 também se caracterizará, tanto no plano paulistano quanto no

brasileiro, mais amplo, pelo impulso desenvolvimentista que dará continuidade ao processo

de industrialização iniciado no último quartel do século XIX, e que terá, no crescimento

urbano coetâneo, uma de suas faces mais visíveis e impactantes no que se refere às cidades

– notadamente os grandes centros, do qual o caso de São Paulo é exemplar. Ou seja,

modernização, industrialização e urbanização estão visceralmente imbricados, conferindo à

reflexão arquitetônica aspectos peculiares de crítica e proposição, direcionados aos

problemas decorrentes destes processos.

Para responder à nova agenda de problemas, profissionais das mais diversas áreas

(arquitetos, administradores, economistas, engenheiros, sociólogos, etc.) elaboram e

discutem uma variedade de propostas, articuladas, em maior ou menor medida, à ideia de

“Plano”. Esta temática não só colocará a disciplina de Planejamento em evidência, no que

tange à temática urbana, como se ancorará na noção de “desenvolvimento” para pressionar

o sentido da história, possibilitando a postulação de um caminho a ser trilhado para a

resolução dos problemas sociais.

Fornecendo elementos que serão chave para o campo, esta era demarca mesmo uma

espécie de “era dos Planos” – Plano de Reabilitação da Economia Nacional e

Reaparelhamento Industrial (segundo governo Vargas), Plano de Metas (Kubitstchek), Plano

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de Ação do Governo do Estado de São Paulo (Carvalho Pinto), Plano Trienal (Goulart), etc. –

, testemunhando o declínio da disciplina tradicionalmente conhecida como “Urbanismo”. De

outro lado, o período subsequente (pós-1965, até os dias atuais) verá a própria ideia de

“Plano” vislumbrada entrar em declínio, dando lugar a uma atuação voltada para a

multidisciplinaridade, incorporando dados das ciências sociais, buscando atender as

demandas participativas e comunitárias, e, posteriormente, envolvendo ainda a adesão ao

Planejamento Estratégico 3.

O caráter de transição entre uma economia hegemonicamente liberal e agrária (Primeira

República, 1889-1930) e o novo contexto de forte industrialização – que pressupunha

produtividade associada à racionalização de meios – apontavam para o Estado como sujeito

fundamental para a condução deste processo – ou, ao menos, como facilitador de um projeto

a ser levado a cabo por uma burguesia nacional. Essa percepção, aliada à radicalização da

Guerra Fria, fornecia o combustível para que os novos atores políticos fossem

desacreditados pelos setores outrora dominantes, que apontavam o perigo das tendências

“comunizantes”. Estas, conforme veremos, ou compartilharam suas vicissitudes com as do

Partido Comunista Brasileiro (PCB), por exemplo, ou simplesmente defenderam propostas

que rejeitavam o laissez-faire urbano – caso de Anhaia Mello.

Esta sensibilidade quanto às idas e vindas do cenário político contribuiu também para um

debate interno ao pensamento de esquerda em fins dos anos 50 e início dos 60.

Impulsionados pela repercussão do Relatório Khruschev e pela denúncia dos crimes de

Stalin, no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (1956), e pela guinada da

esquerda local após a “Declaração de Março de 1958”, do PCB – que defendia a aliança

entre proletariado e burguesia nacional –, intelectuais e profissionais fomentaram a discussão

sobre as Reformas de Base no início dos anos 1960, incluindo a Reforma Urbana. Setores

partidários, corporativos, pequenas empresas e técnicos de diversas áreas elaboraram

propostas visando a resolução do problema habitacional brasileiro, articulando um conjunto

de pautas comuns às esferas política, econômica e técnica. O problema da habitação, nesse

sentido, se reveste de um especial caráter político ao se vincular estruturalmente aos

desdobramentos econômicos que tem lugar após 1964, cumprindo uma função de

legitimação estatal (provisão de habitações) e de criação de um mercado urbano.

O marco final de 1965 justifica-se pelos eventos que estão relacionados com a própria

conjuntura da crise política do ano anterior (1964), que encerra, na prática, duas décadas de

experiência democrática. Isso porque os efeitos da crise política não se fazem sentir da noite

3 O tema do Planejamento Estratégico, evidentemente, não será abordado nesta tese, pois sua construção e 

aplicação tem lugar fora de nosso recorte temporal, notadamente a partir da década de 1980. 

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para o dia, e as decorrências do golpe vão adquirindo contornos mais claros ao longo dos

anos subsequentes à queda de João Goulart. No que se refere à arquitetura e às pautas da

habitação e da política urbana, esses delineamentos estão relacionados à lenta definição da

atuação do sistema BNH/SERFHAU, principalmente a partir de 1965. Serran (1976) apontou

este momento precisamente como aquele em que a “luta [dos arquitetos] por uma política

[habitacional]” se transforma em “luta contra a política [efetivamente] realizada”, implantada

pelo regime.

Além disso, é de suma importância o fechamento, em 1965, de revistas especializadas, como

por exemplo, Módulo (RJ) e Habitat (SP), dentre outras, inviabilizando uma necessária e

ampla crítica disciplinar dotada de uma profundidade maior do que aquela considerada

politicamente “tolerável” no novo cenário.

Assim, partimos da hipótese de que a conjuntura do segundo pós-guerra favoreceu o

surgimento de uma variedade de posicionamentos quanto à nova realidade modernizante

que se configurava nas cidades. Incorporando pautas advindas de outras áreas do

conhecimento e das questões sociais e políticas colocadas, foram esboçadas, na área da

arquitetura e do urbanismo (e nas suas interfaces com outras disciplinas), proposições

relevantes para o desenvolvimento do ofício dentro do contexto paulistano. De modo a

fomentar este debate, e esboçar, em linhas gerais, o caráter e o discurso de algumas destas

posturas, propomos agrupá-las em três eixos de discussão pertinentes, acerca daquilo que

outrora fora colocado como sendo a função social do arquiteto:

1) A arquitetura em momento de crise e revisão de suas atribuições tradicionais,

relacionadas, simultaneamente, ao declínio do Urbanismo em sua acepção vigente e,

no plano internacional, dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna

(CIAM). Relaciona-se, igualmente, com a ascensão da disciplina de Planejamento

Urbano, entendida como estudo e prospecção multidisciplinar envolvendo processos

mais amplos. No Brasil, a ideia de Plano será construída a partir de trabalhos como

os das Comissões Mistas Brasil-E.U.A. e BNDE/CEPAL, de instituições, como o ISEB,

trabalhos da Divisão de Urbanismo, no âmbito da prefeitura paulistana, de

comunicações e palestras no meio corporativo/universitário, em revistas (como

Acrópole), etc. Do mesmo modo, a questão da habitação será fortemente debatida e

terá implicações emblemáticas para as cidades e para a economia do país com os

desdobramentos políticos que se verificarão após a década de 1960, com a criação

do sistema BNH/SERFHAU, dentre outros fatores.

2) A arquitetura (e o objeto arquitetônico) como âmbito privilegiado da linguagem e como

ferramenta capaz de expressar, através de seus elementos, a “cultura popular”, a

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“língua do povo”, a cultura nacional e autenticamente brasileira. São notórias deste

caminho as polêmicas surgidas no bojo da Guerra Fria, e mobilizadas através de

revistas de esquerda como Fundamentos, bem como o confronto entre Realismo e

Abstracionismo no início dos anos 1950. Nacionalismo e internacionalismo adentram

os debates envolvendo os museus recém-inaugurados em São Paulo, a Bienal de

Arte, movimentos artísticos como o Concretismo e as relações entre arte e política.

Em momento de grande visibilidade ante o olhar e a crítica estrangeiros, estes

problemas impactarão a posterior produção arquitetônica de arquitetos como Oscar

Niemeyer, no Rio e, no contexto paulistano, Vilanova Artigas, dentre outros, e farão a

relação entre arquitetura, linguagem e política ser colocada à prova, em momento

emblemático como o meio da década de 50 – com o impacto cultural do Relatório

Khruschev (1956) e do concurso e posterior construção de Brasília (1956 em diante).

3) A questão da racionalização da construção: os debates fomentados nos periódicos e

nos eventos da área; a circulação de ideias envolvendo experiências de construção

em massa de habitações nos E.U.A., Grã-Bretanha, Alemanha, países escandinavos,

etc.; a preocupação dos arquitetos com o projeto mais amplo de desenvolvimento

nacional e com a indústria brasileira de materiais de construção. Experiências no

âmbito brasileiro de pré-fabricação aplicada a campi universitários (como no caso da

UNB e, em São Paulo, da USP), iniciativas empresariais, como no caso da Uniseco

do Brasil, construtora OCA, dentre outras. E também propostas low-tech buscando

acompanhar o processo de desenvolvimento local, como aquelas que serão

elaboradas a partir dos anos 1960 por arquitetos como Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre

e Flávio Império. Por fim, os debates institucionais sobre pré-fabricação, normalização

do projeto e componentes, padronização de sistemas e medidas, que irão se ampliar

no início da década de 60, em momento de grande discussão sobre as políticas de

habitação popular.

Dito isto, acreditamos que cabe também sublinhar o meio utilizado pelos arquitetos e demais

profissionais para colocar estas questões em pauta: estas propostas são, em sua maioria,

esboçadas, problematizadas e debatidas em espaços de interlocução como: faculdades,

espaços de debate artístico, museus, revistas especializadas, congressos, seminários, etc.;

locais portadores de relativa autonomia com relação ao expediente estatal e também à rotina

mais restrita dos escritórios e ateliês. Assim, o foco deste trabalho é direcionado justamente

a estes veículos: revistas como Acrópole (SP) – e a interlocução com Arquitetura (RJ) –,

temáticas abordadas pelo IAB/SP, nos Congressos Brasileiros de Arquitetura (CBAs),

repercussões de congressos e seminários internacionais (como os da União Internacional

dos Arquitetos, UIA), etc.

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Da bibliografia sobre o tema

No que se refere especificamente ao ângulo de abordagem que pretendemos realizar neste

trabalho, o material bibliográfico existente revela-se relativamente escasso. O conhecido

trabalho de Aracy Amaral, Arte para quê? A preocupação social na arte brasileira, 1930-1970

(publicado em 1984), com destaque para o capítulo 7, “A polêmica sobre a função social da

arquitetura”, constitui a referência mais próxima 4.

Outros pontos de partida são interessantes de recuperar aqui, demonstrando um relativo

interesse recente sobre o tema, e trazendo importantes contribuições no âmbito dos

programas de pós-graduação: Arquitetura e sociedade em São Paulo 1956-1968, de André

Augusto de Almeida Alves (dissertação de mestrado, 2003); O complexo industrial da

construção e a habitação econômica moderna 1930-1964, organizado por Maria Lucia Caira

Gitahy e Paulo Cesar Xavier Pereira (2002); Sociabilidade, crítica e posição 1945-1965, de

Paula Dedecca (dissertação de mestrado, 2012); outros trabalhos de caráter monográfico

como os livros, teses e dissertações sobre a obra de Vilanova Artigas, Sérgio Ferro, Rodrigo

Lefèvre, Flávio Império, Lina Bo Bardi (que protagonizaram algumas das linhas de atuação

que apontamos), sobre a SAGMACS, etc. constituem subsídio fundamental para nosso

estudo 5.

Outros estudos que constituíram importante subsídio para a tese, especialmente no que

tange à habitação social, ao planejamento e à questão do trabalho – tópicos que

comparecem, muitas vezes, dialogando entre si –, foram: BONDUKI; KOURY, 2014; CAMPOS

NETO, 2002; FARAH, 1995.

Para nosso ajuste de foco, o material de grande interesse para subsidiar nossa análise provirá

também das ciências sociais, da história social e da história política, além da história da

cultura. Há, já na virada dos anos 60 para os anos 70 uma nascente produção de interesse

muito peculiar, uma vez que, ao mesmo tempo em que nos fornecem elementos para uma

aproximação ao tema, se configuram eles mesmos como históricos, dada a sua distância no

tempo e relativa proximidade com o fenômeno estudado: produções importantes como as

4 Cf. AMARAL, 2003. 

5 ALVES, 2003; GITAHY, PEREIRA, 2002; DEDECCA, 2012; BUZZAR, 1996, 2001; KOURY, 2003; GABRIEL, 2003; 

ARANTES,  2004;  GORNI,  2004;  GUIMARÃES,  2006;  COSTA,  2008;  CUNHA,  2009;  GRAZZIANO,  2012; 

MEDRANO, RECAMÁN, 2013; CONTIER; ANELLI, 2015; PEREIRA, 2001; LIMA, 2013; CESTARO, 2009; ANGELO, 

2010; THOMAZ, 1997, 2005; OLIVEIRA, 2006; GRINOVER, 2010; dentre outros. 

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de Caio Prado Jr., Celso Furtado, Octavio Ianni, Florestan Fernandes, Francisco Weffort,

Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, Roberto Schwarz e outros 6.

Há também o conjunto da obra teórica de instituições, tais como o CEBRAP e o CEDEC,

dentre outras. Merecem destaque aqui as contribuições – algumas em interlocução com a

FAUUSP – de Francisco de Oliveira, Paul Singer, Lúcio Kowarick, Gabriel Bolaffi, Ermínia

Maricato e outros 7. Estas reflexões buscaram interpretar os enigmas da realidade nacional

tal como esta havia se configurado, abordando e desconstruindo modelos interpretativos

como aqueles ligados aos ideários da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e

o Caribe) e do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), por exemplo, além das teorias

“etapistas” 8.

O período em questão na nossa análise também tem sido objeto de interesse recente,

especialmente após a década de 90, por pesquisas de pós-graduação conduzidas no âmbito

da história social e política, não apenas em São Paulo, mas também em outros centros. Há

a contribuição de livros como os de Marcelo Ridenti 9, e várias dissertações, teses, artigos e

comunicações na área de história da arte e das ciências sociais, que retomam a importância

de personagens, instituições, movimentos, coletivos e outras propostas no período apontado

que, se não abordam diretamente a arquitetura, fornecem elementos para uma visão mais

ampla da questão sociocultural 10.

Metodologia

“Os historiadores narram tramas, que são tantas quantos forem os itinerários traçados livremente por eles...” (VEYNE, 1987, p. 45)

A abordagem do debate sobre o problema social na arquitetura, tal como esboçado pelos

profissionais no interregno de 1945 a 1965, partiu da sua compreensão como fenômeno

dotado de historicidade, estando relacionado, portanto, à sua própria construção como

6  PRADO  JÚNIOR,  1987;  FURTADO,  1959;  IANNI,  1968;  FERNANDES,  1976;  WEFFORT,  1978; 

CARDOSO/FALLETO, 2004 (original em inglês de 1969); CARDOSO, 1972; SCHWARZ, 1978. 

7 OLIVEIRA, 1972; SINGER, 1973; KOWARICK, 1975; BOLAFFI, 1977; MARICATO, 1979. 

8  Ver,  a  exemplo,  a  crítica  ao  ISEB  de  Franco  (1985),  bem  como  o  estudo  de  Toledo  (1977).  Para  uma 

compreensão das  críticas à CEPAL,  ver o estudo de Mantega  (1984) e o  conjunto de ensaios  sobre Celso 

Furtado de autoria de Oliveira (2003). 

9 RIDENTI, 2000, 2010; RIDENTI; BASTOS; ROLLAND, 2006. 

10 Por exemplo, os trabalhos sobre a obra de Hélio Oiticica, Lygia Clark, Glauber Rocha, sobre o Cinema Novo; 

e também teses e dissertações, como a de Baptista (2009) sobre o CEBRAP, dentre outros. 

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discurso, intrinsecamente ligado às questões estruturais e conjunturais mais amplas e

próprias do contexto econômico, político-social e cultural atravessado pelo país naquele

período e que colocaram uma nova pauta de questões para arquitetos e urbanistas, que

prontamente se propuseram a pensar as novas condições de enfrentamento daquelas

questões. Neste trabalho, tentamos reconstituir os percursos da “questão social” e do

“problema social”, e das falas profissionais voltadas para a nova situação.

Seguindo os apontamentos de BRAUDEL (1990), buscamos nos aproximar ao período

elencado considerando fenômenos que remontam a tempos anteriores a ele, podendo ser os

de “duração longa” – as estruturas da história, por vezes “quase imóveis” – ou os de “duração

média” – os ciclos econômicos, a difusão de uma técnica, a formação de uma geração de

intelectuais e profissionais, em suma, a conjuntura. Reinterpretando o “tempo longo” – que

poderia nos remeter a tempos imemoriais e mesmo pré-históricos –, mas sem desconsiderar

a importância das questões geográficas, culturais e étnicas que caracterizaram a sociedade

brasileira ao longo dos séculos, poderíamos situar um ponto crucial nas reviravoltas do início

do século XX: no plano internacional, os acontecimentos de 1914-18 (Primeira Guerra

Mundial e Revolução Russa) 11 e, no plano local, a Revolução de 30.

Já o “tempo médio” se inauguraria após 1945, com o cenário do pós-guerra, e a afirmação

da hegemonia norte-americana sobre a economia brasileira. A estes dois tempos soma-se

um terceiro, o dos acontecimentos – de “curta duração”, que move a história, por vezes,

quase que diariamente. Apesar de sua relevância – na eleição de um presidente, na

repercussão de uma matéria de jornal, na realização de um protesto, na morte de uma figura

política –, pensamos ser mais prudente considerar que o campo disciplinar da arquitetura

responde de forma mais significativa ao “tempo médio” (aos problemas colocados pela

técnica, pela economia, pelas mudanças demográficas e dos aglomerados urbanos, pelas

novas gerações de profissionais que se formam); mas, também, ao “tempo longo” (os traços

11 Lemos (2010) situa o “tempo longo” com início próximo a 1914, onde a Revolução Russa (1917) é episódio 

determinante, uma vez que a “ameaça fantasma” do comunismo torna‐se algo permanente: “até então, o 

socialismo era, basicamente, um horizonte  ideológico que servia de  referência a pensadores e militantes, 

interessados  em  manter  ou  em  revolucionar  o  sistema  social  capitalista.  A  derrubada  do  czarismo  e  a 

ascensão dos bolcheviques ao poder fizeram disparar o alarme da burguesia. Daí para frente, o socialismo, 

como  possibilidade  real  ou  como  espectro,  passaria  a  constar,  explícita  ou  tacitamente,  favorável  ou 

desfavoravelmente, de todos os programas políticos”. Visão próxima da de Michael Löwy (1979, p. 9), ao citar 

a postura “anticapitalista” de alguns dos intelectuais do início do século: “para uma larga fração da categoria, 

é preciso um acontecimento exterior [e concreto] – como o foi na época a Revolução de 1917 – agindo como 

um polo catalisador, para cristalizar o anticapitalismo difuso e amorfo dos intelectuais e atraí‐los para o lado 

do proletariado. 

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culturais, geográficos, do relevo e de disponibilidade de matéria-prima, as resistências

sociais à mudança) 12.

Com relação à pesquisa documental, mostram-se relevantes os critérios de investigação não

apenas do conteúdo destas fontes, mas, também, considerando-se dois outros aspectos: a)

para além da opacidade que revela, o que tais documentos, simultaneamente, ocultam? E b)

que lugar estas fontes, bem como seus produtores, ocupam dentro de um sistema – ou seja,

a partir de onde se fala? E quais dispositivos são responsáveis por dar-lhes voz?

Estas indagações, no mais, visam se alinhar àquelas propostas por Le Goff (2003), acerca do

binômio documento/monumento. Seguindo a trilha aberta pela “nova história” dos Annales13,

o historiador nos chama a atenção para o fato de que “o documento não é qualquer coisa

que fica por conta do passado, [mas] é um produto da sociedade que o fabricou segundo as

relações de forças que aí detinham o poder” (LE GOFF, 2003, p. 545). Ou seja, cabe-nos

perguntar, durante o transcorrer da pesquisa, que lugar os documentos coletados ocupam

dentro e por entre as falas de seus respectivos autores, a quem respondem, e por que o

fazem; e quais mecanismos lhes dão voz conferindo-lhes legitimidade.

As preocupações de Le Goff são devedoras também das de Michel Foucault, acerca da

metodologia e dos deslocamentos operados no campo da história e das ciências sociais.

Seguindo este viés, fazer a “crítica do documento” nos impele a observar e a compreender

o material histórico não apenas como um dado em si, mas a “reconstituir, a partir do que

dizem estes documentos – às vezes com meias-palavras –, o passado de onde emanam e

que se dilui, agora, bem distante deles” (FOUCAULT, 2008, p. 7); a relevar os objetos

encontrados não como meros produtos de uma sociedade em um dado momento, mas

buscando desvendar as correlações de força que engendraram a sua confecção, bem como

aquelas que permitiram – e continuam a permitir – a sua sobrevivência. Complementarmente,

nos propomos não somente a analisar o que nos dizem estes documentos, mas a

compreender aquilo que não está dito: as suas lacunas, as dispersões, as descontinuidades.

12 Em suma, trata‐se de compreender, por exemplo, recuando no tempo, as implicações geopolíticas do pós‐

1945 e da Guerra Fria, mas, também, aquelas relacionadas ao cenário pós‐1917 (Revolução Russa); ou, ainda, 

as que dizem respeito à arquitetura moderna do  início do século XX. No  limite, deve‐se  levar em conta a 

história colonial do Brasil – tal como Caio Prado Jr. em Formação do Brasil contemporâneo: colônia – para 

tratar de aspectos como “subdesenvolvimento”, “atrasado e moderno”, etc. É evidente, no entanto, que o 

“tempo  curto”  e  imediato de  acontecimentos  como o  golpe de  1964 ou  a  proclamação do AI‐5  também 

condicionaram, de forma definitiva, os processos em curso. 

13 Annales d’histoire économique et sociale, revista francesa fundada pelos historiadores Marc Bloch e Lucien 

Febvre, em 1929. 

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Trazendo este argumento de forma mais específica para o nosso campo de estudo, convém,

finalmente, nos referirmos ao historiador da arquitetura Royston Landau, acerca das noções

de “cultura disciplinar” e “discurso disciplinar”. Seguindo Foucault, e também a Imre

Lakatos14, Landau observa que a cada área do conhecimento corresponde a enunciação de

um discurso disciplinar e de “regras de ação” específicos. Estes, em nosso caso, vão além

da mera produção de documentos em seu sentido mais estrito. Ao contrário, incorporam,

junto aos textos, as imagens, fotos, desenhos, obras de arte, falas e inclusive projetos e

planos não realizados, além, é claro, dos edifícios em si. Todos estes objetos são

documentos a serem coletados, mapeados, sistematizados e analisados, para que possamos

compreender a “posição” ocupada por cada autor dentro da cultura disciplinar, bem como

seu discurso – o seu programa de ação (LANDAU, 1981, 1996).

14 Cf. CURRIE; WORRALL; LAKATOS, 1978. 

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CAPÍTULO 1 – Modernização em processo: urbanismo, habitação, plano

Os problemas da modernização e a precariedade do ambiente urbano

Por volta de 1950, a cidade de São Paulo, capital do estado homônimo, já atingira a marca

de 2 milhões e meio de habitantes; ao longo daquela década, iria ainda ultrapassar o Rio de

Janeiro, capital federal e até então a cidade mais populosa do país (3 milhões). A média de

crescimento do contingente paulistano chegava a 6% anuais 15; aproximadamente um terço

dos logradouros da cidade não possuía abastecimento de água canalizada e 80% dos

mesmos não contava com nenhum tipo de pavimentação (IBGE, 1950, p. 348). Barracos

precários e cortiços mesclavam-se aos modernos edifícios que iam surgindo na paisagem

da cidade; trabalhadores já perdiam uma quantidade de tempo significativa de seu dia (de 3

a 4 horas) dentro de uma condução para ir e voltar do trabalho (KOWARICK et al., 1975, p.

33). A política rodoviarista vigente privilegiava a consolidação do transporte sobre pneus, em

detrimento de modais alternativos como (um possível) metrô, ou (o antigo) bonde, ao passo

que se buscava uma organização do transporte coletivo, com a criação da Companhia

Municipal de Transportes Coletivos (CMTC), em 1947. Estudos apontam que o número de

veículos particulares, que era de 22.739 em 1940, passaria ainda à vultosa marca de 120.662

unidades 16 em 1960 – proporcionalmente, isso significava um salto de 17 para 31,5 veículos

para cada mil habitantes, no período de duas décadas (LANGENBUCH, 1971 17 apud

OSELLO, 1983, p. 169). A “mancha” urbana crescia de forma acelerada, com o surgimento

subúrbios e loteamentos irregulares; vivia-se uma febre imobiliária e urbanizadora, cujos

capitais impulsionavam a economia industrial, os setores bancário e de serviços,

absorvendo, ao mesmo tempo, grande parte dos movimentos migratórios, advindos da zona

rural.

O cenário descrito corresponde àquilo que é apontado como o terceiro “surto de

industrialização” de São Paulo; tendo o primeiro se dado no final do século XIX, com o início

15 Considerando‐se a região metropolitana, ainda em formação. Municípios como Barueri, Caieiras, Diadema, 

Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Guarulhos, Mauá, Osasco e São Bernardo do Campo têm ainda um 

incremento populacional anual acima de 10% nesse período. Estes dados, bem como os subsequentes, foram 

consultados em: IBGE, 1950. MEYER; GROSTEIN; BIDERMAN, 2004. SINGER, 1974.  

16  Incluindo  o  município  de  Osasco.  Apontando  uma  “estatística”  diferente,  o  arquiteto  alemão  Walter 

Gropius observava, em 1954, que a cidade ficava “congestionada em horas de pico”, por não contar com vias 

perimetrais, apesar de seus “apenas 170 mil carros” (GROPIUS, 2003, p. 153). 

17 LANGENBUCH, Juergen Richard (1971). A estruturação da grande São Paulo: estudo de geografia urbana. 

Rio de Janeiro: IBGE. 

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do declínio do setor de exportação/cafeeiro e o segundo a partir de 1914 até os anos 20,

com a conjuntura da guerra e o crescimento do setor urbano-industrial (LOPES, 2008, p.

160). Celebrava-se o lema da “cidade que mais cresce no mundo”, ao ritmo de “um edifício

por hora” (CAMPOS NETO, 2002, p. 595) 18; e acentuava-se o processo de verticalização da

cidade, com a constituição de novas áreas residenciais, comerciais e de serviços. Além

disso, eram construídos parques, hospitais, escolas, edifícios administrativos e vários outros

equipamentos para a cidade, sob o lema “São Paulo não pode parar”.

Tabela 1 – Evolução da população do município de São Paulo (1872-1960). Fonte: IBGE, 1970, p. 38.

Ano População (hab.)

1872 31.3851890 64.9341900 239.8201920 579.0331940 1.326.2611950 2.196.096

1960 3.835.351

Tabela 2 - Fábricas e trabalhadores industriais em São Paulo. Fonte: BRUNO, Ernani Silva. São Paulo: terra e povo. Consultado em: CESTARO, 2009, p. 83.

Ano Número de fábricas em

atividade

Número de trabalhadores empregados

1900 165 17.5371907 334 24.6061920 4.145 83.9981940 14.225 272.8651950 24.519 484.844

1956 51.450 888.937

18  Na  realidade,  conforme  apontado  por  Campos  Neto  (2002,  p.  595),  a  média  chegava  mesmo  às  5,6 

edificações por hora, já em 1940 (dado extraído de: CALDEIRA, Nélson Mendes. Crescimento de São Paulo. 

Urbanismo e Viação, n. 12, v. IV, p. 40‐41, jan. 1941). 

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Figura 1 - Evolução da área urbanizada de São Paulo. Fonte: MEYER; GROSTEIN; BIDERMAN, 2004, p. 43.

Tabela 3 - Área construída por ano na cidade de São Paulo (m2). Fonte: WATANABE JÚNIOR, 2012, p. 63. Conforme apontado pelo autor, os dados referentes aos anos de 1948 e 1949 não puderam ser obtidos.

Estes fenômenos afetavam o funcionamento da capital, sendo sentidos diretamente por seus

habitantes, tornando-se objeto de preocupação de técnicos e autoridades. O crescimento

desordenado demandava intervenções que, via de regra, eram vistas como caminho para a

modernização da estrutura da cidade. Nesse sentido foram elaboradas, alguns anos antes,

propostas como as do engenheiro Francisco Prestes Maia. O “Plano de Avenidas” (de 1930),

de cunho “rodoviarista”, visava resolver os problemas do tráfego sobre rodas, propondo vias

radiais e um “perímetro de irradiação” para coleta e redistribuição dos fluxos de veículos,

prevendo também a futura legislação de zoneamento para as áreas adjacentes a estas vias

(CAMPOS NETO, 2002, p. 429-430) As alterações, no entanto, foram implantadas apenas

parcialmente, a partir do mandato do próprio Prestes Maia quando prefeito de São Paulo,

entre 1938 e 1945, em plena vigência do Estado Novo (OSELLO, 1983, p. 26). Ainda assim,

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tratava-se de uma proposta “curativa”, ou seja, que pouco relevava medidas para resolver

os problemas da moradia urbana, por exemplo.

Desta forma, as intervenções propostas “remediavam” 19 questões pontuais – como o

problema do tráfego –, deixando intocados outros empecilhos para a melhoria do ambiente

urbano. Nas palavras de Campos Neto (2002, p. 603), a “‘metrópole industrial’ sucedia, sem

maiores rupturas, à ‘capital do café’, por meio do lema da ‘cidade que mais cresce no mundo’

– ou seja, essa passagem se amparava na expansão urbana em detrimento do [seu] controle

urbanístico”. O mercado urbano, a partir do investimento em construções e da renda de

alugueis mostrava-se como um grande atrativo para a inversão de excedentes da economia

cafeeira; sendo que à cidade modernizada deveria corresponder a sua nova imagem como a

“sala de visitas” (como Prestes Maia referia-se ao Vale do Anhangabaú no Plano de Avenidas)

para os negócios 20. Esse ponto de vista com relação ao papel da cidade no âmbito mais

amplo da economia era corroborado, por exemplo, por Luiz Ignácio de Anhaia Mello 21, que,

junto com Prestes Maia e outros, propôs, em 1934, a elaboração do “Plano Geral da Cidade”,

de modo a formar a “Comissão do Plano da Cidade”, junto à Sociedade Amigos da Cidade.

A diferença fundamental, no entanto, das propostas que viriam a ser elaboradas por Anhaia

Mello para São Paulo, residem em sua visão oposta àquela apregoada por Prestes Maia. Na

visão de Mello, o futuro da cidade só poderia ser assegurado através do zoneamento e da

contenção e ordenação de seu crescimento – e não a partir de sua expansão ilimitada; o

automóvel e o arranha-céu seriam os “dois pesadelos do urbanista”, sendo que a eles se

somavam a “liberdade individual quanto à exploração e utilização da propriedade urbana”,

que poderiam ser controlados por instrumentos como o zoneamento e as taxas de melhoria.

Entretanto, apesar de criticar “as bases fundamentais do regime de laissez-faire” (CAMPOS

NETO, 2002, p. 468-471), sua postura partia mais de uma atitude humanista, que buscava o

“bem social”, antes do que um viés propriamente “esquerdizante” – no sentido propriamente

político.

19 Os termos associados às ciências médicas são amplamente utilizados nos textos sobre urbanismo da época, 

comparando as cidades a organismos vivos. 

20 Da mesma forma como no plano de remodelação da cidade elaborada pelo urbanista francês Alfred Agache, 

em  1926,  para  o  Rio  de  Janeiro.  “M.  Agache  tem  a  ambição  de  dotar  o  Rio  de  Janeiro  de  um  conjunto 

monumental  que  dará  às  obras  na  cidade  a  nota  grandiosa  que  lhe  falta  enquanto  capital  de  um país  e 

oferecerá ao visitante  chegando pelo mar uma  fachada correspondente à  importância da  cidade”  (LEME, 

1998, p. 11, citação extraída da revista Le mâitre d’oeuvre: revue française d’urbanisme, n. 33, avr./mai 1929, 

numéro special sur le Rio de Janeiro, p. 31). 

21 Presidente do Instituto de Engenharia (1929‐30), prefeito de São Paulo em 1931. 

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Figura 2 – Anhaia Mello: malefícios da ausência do Zoneamento. Fonte: CAMPOS NETO, 2002, p. 470.

Anhaia Mello defendia, assim, a necessidade de realização de planos para nortear o

crescimento das cidades, onde os exemplos mais citados – realizados em outros países –

eram a Lei Cornudet (França, elaborada em 1919 e consolidada em 1924) e a Town Planning

Act (Inglaterra, 1909, consolidada em 1925). A primeira obrigava todas as cidades com

população superior a 10 mil habitantes a elaborarem um projeto de ordenamento,

embelezamento e extensão; na segunda, as cidades com mais de 20 mil habitantes é que

eram incumbidas desta tarefa (SOMEKH, 1997, p. 43-44). As ideias de Anhaia Mello eram

completadas por sua defesa da descentralização urbana e contenção do crescimento.

Paralelamente a este debate, diversos outros caminhos são sugeridos por um conjunto

variado de profissionais (principalmente engenheiros) para se resolver os problemas

decorrentes da urbanização acelerada: construção de conjuntos habitacionais, elaboração

de planos viários, legislações de contenção do crescimento urbano ou de zoneamento e uso

do solo; tentativas de disciplinar a construção de novos edifícios (código de obras).

Promulgam-se medidas como os Códigos Sanitários, a Lei de Arruamento (de 1923), o

Código de Obras de 1929 (regulamentado e promulgado como Código Arthur Saboya, em

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1934) 22. Propõem-se debates especializados, versando sobre a salubridade das residências,

novos materiais disponíveis para utilização, intercâmbio com experiências estrangeiras; e

circulação de ideias através de publicações na área. Importante também é o debate

fomentado pela Sociedade Amigos da Cidade, que, conforme apontado por Carpintéro

(2013, p. 25), aborda, entre 1935 e 1945, vários problemas relativos ao seu quotidiano.

Mas a face mais alarmante do processo de crescimento urbano era, de fato, aquela ligada à

questão da moradia. Em meio à cidade “formal” dos estabelecimentos comerciais, bancários,

institucionais e de serviços, com seus arruamentos e infraestrutura moderna, proliferavam os

espaços necessários ao abrigo da população trabalhadora, nem sempre era capaz de arcar

satisfatoriamente com os custos necessários à manutenção vital. As casas ocupavam

espaços não previstos, “manchando” a imagem dos bairros residenciais e “denegrindo” a

sua reputação através da concentração inadequada de pessoas de diferentes origens e

estamentos sociais. A modernização da cidade (estrutura viária, melhoramentos, etc.) já não

bastava: era necessário atentar-se para o nascente “problema habitacional”.

Conforme apontado por Bonduki (1998, p. 99), o reconhecimento desta crise habitacional

teve lugar já no fim do Estado Novo (início da década de 1940). A realização do Congresso

da Habitação (1931), e das Jornadas da Habitação Econômica (1941), eram indícios da

preocupação dos profissionais e autoridades a respeito do problema. O tom predominante

nos discursos destes eventos ainda era impregnado de caráter moral e dizeres alinhados

com a “social engineering”, sem grandes mudanças quanto à forma de tratamento do

problema desde o fim do séc. XIX, quando a cidade já enfrentava o problema do crescimento

desordenado 23. O engenheiro Marcello Mendonça, por exemplo, sócio fundador e titular do

Instituto Central de Arquitetos do Rio de Janeiro, ao apresentar sua contribuição aos colegas

22  Lei 3.427, de 19/11/29,  regulamentada pelo ato 663 de 10/7/34  (OSELLO, 1983, p. 46; VASCONCELOS, 

1992a, p. 57). 

23 Com o primeiro “surto” industrializante na São Paulo do final do séc. XIX – e o seu correspondente inchaço 

urbano  –,  a  ausência  de  infraestrutura  e  condições  adequadas  das  construções  (insolação,  ventilação, 

provimento de água, etc.) aliadas ao surgimento de epidemias preocupavam as autoridades, que buscavam, 

a qualquer custo o tratamento mais eficiente para os problemas. Conforme Bonduki (1998, p. 31‐32), “Os 

agentes da ordem sanitária não hesitaram em invadir casas, remover moradores (doentes ou não), desinfetar 

móveis e objetos pessoais, demolir e queimar casebres, isolar quarteirões, prender suspeitos, atacar focos. 

[...] A cidade ficou à mercê da ordem sanitária: a  inviolabilidade do domicílio tornou‐se letra morta, casas 

foram interditadas, demolidas ou queimadas.” Cf. também: MACHADO, Roberto et al. Danação da norma: 

medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de  Janeiro: Graal, 1978; e  também SEVCENKO, 

Nicolau. A revolta da vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Brasiliense, 1984. 

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paulistas por ocasião do congresso de 1931, relatava alguns destes problemas, vividos na

então capital federal:

Basta visitar as favelas e as “cabeças de porco” da Capital Federal para desse flagelo ter-se uma nítida ideia. E nelas, pode-se dizer que tem início todas as misérias morais e materiais e todos os vícios. Nelas moram a tuberculose, o alcoolismo; é ainda aí que se desenvolvem os baixos instintos. Lutar contra as favelas e as “cabeças de porco” é batalhar pela elevação da moral e pela melhoria do físico da raça. Habitam geralmente estes antros as classes operárias, justamente as que mais necessitam de higiene moral e física. [...] Neste ambiente cresce a inveja contra a sociedade que acha causadora do seu infortúnio e miséria. (MENDONÇA, 1931, p. 141-143, grifos nossos)

No congresso vieram também à tona discussões alinhadas com o debate europeu: o

engenheiro-arquiteto Bruno Simões Magro citava o artigo Die Wohnung für das

Existenzminimum (“A habitação para o mínimo de vida”), de Ernst May, tópico-chave

apresentado à segunda edição do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM)24,

realizado em Frankfurt em 1929.

Ainda com relação a essa interlocução, nas jornadas de 1941 o arquiteto Erich Leyser 25

observava a enorme diferença na relação entre custo de vida (incluindo habitação) e

rendimento dos trabalhadores em São Paulo e outras localidades como Berlim e Londres

(LEYSER, 1942, p. 75-82). Nesse evento, discutiu-se sobre os métodos da Scientific

Management School. Paralelamente, havia a preocupação acerca do controle do

crescimento urbano, da ordenação do uso do solo e da questão da circulação (problemas

viários). Complementavam essa pauta os problemas técnicos referentes à habitação e à

salubridade urbana (insolação, ventilação, provimento de água, esgoto, etc.). A partir das

discussões colocadas, postulavam-se caminhos para empreender a construção das

residências maximizando-se a produtividade, utilizando recursos como a produção em

série e a racionalização do trabalho. Outra temática, não menos importante, discutia a

incumbência da produção habitacional: se esta deveria ser responsabilidade do Estado ou

da iniciativa privada.

A partir desse momento, que coincide com a virada de 1930, os debates passam a se

afastar gradativamente das concepções sanitaristas e a ganhar contornos visando a

24 Congrès Internationaux d’Architecture Moderne, congressos de âmbito mundial destinados a debater os 

problemas referentes à arquitetura, ao urbanismo e ao patrimônio histórico, realizados periodicamente de 

1928 a 1959. 

25 Arquiteto de origem alemã, exilou‐se em São Paulo em 1937, retornando à Alemanha em 1950 (HARPAZ, 

Nathan. Zionist architecture and town planning: the building of Tel Aviv (1919‐1929). West Lafayette: Purdue 

University Press, 2013, p. 231). 

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racionalização produtiva. Há uma favorável recepção dos debates do urbanismo norte-

americano dos anos 20 e, igualmente, dos princípios da Administração Científica

(scientific management), desenvolvidos a partir de F. W. Taylor, na virada do século.

Conforme apontado por Feldman (2007, p. 47), o modelo administrativo que informa a

criação de diversas instituições da sociedade civil no Brasil a partir dos anos 30 – como

o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), o Instituto Brasileiro de

Assistência aos Municípios (IBAM), o Instituto de Organização Racional do Trabalho

(IDORT) e a Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP) – está vinculado à

Scientific Management School. Citando Lawrence S. Graham 26, a autora observa que

“essa linha de pensamento se caracteriza por privilegiar soluções técnicas para

problemas administrativos e por desvincular a administração dos conflitos que ocorrem

na arena política”, e “se origina na concepção taylorista de economia e eficiência como

metas da organização”; estando – até os anos de 1930 – mais vinculada à administração

empresarial. Algumas destas características estarão presentes nos discursos e nas

propostas urbanas elaboradas no período, bem como na esfera da administração

pública.

Mas, tal como nos primeiros anos da república, mesmo com o deslocamento da linguagem

sobre as questões urbanas do plano sanitarista para o “científico”, a questão da disciplina

moral continua sendo uma constante. Será possível encontrarmos esse teor de viés

conservador perpassando os documentos até mesmo dos arquitetos mais “esclarecidos”

durante a década de 1940 27.

Alguns pronunciamentos feitos por ocasião desse debate no início dos anos 40, com relação

à habitação popular existente (cortiços), são exemplares. Citemos as Jornadas de Habitação

Econômica, promovidas em 1941 pelo Instituto de Desenvolvimento e Organização Racional

26 GRAHAM, Lawrence S. (1968). Civil service reform in Brazil. Austin/London: University of Texas Press. 

27 Ver, por exemplo,  as declarações do Attílio Corrêa  Lima, ao defender o  seu projeto para a Cidade dos 

Motores, no início dos anos 40, em Xerém, distrito de Duque de Caxias/RJ, referindo‐se pejorativamente à 

residência unifamiliar tradicional como o “velho sistema de quintal, depósito de velharias, com aspecto árido 

e sórdido dos terreiros que [...] lembram o pijama e o chinelo dos domingos”; e também as de Rubens Porto, 

arquiteto atuante junto aos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), sobre as “‘rodas’ nos botequins, 

onde imperam os vícios e os maus costumes”, para onde eram naturalmente atraídos os operários, por não 

ter “em que se ocupar, [e] na falta de melhor meio social”. Cf. BONDUKI, 1998, p. 141; p. 151. Ver, ainda, os 

discursos de Eduardo Kneese de Mello e Oswaldo Corrêa Gonçalves, adiante neste capítulo. 

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do Trabalho (IDORT), em São Paulo, nas palavras de Francisco de Paula Ferreira 28, em artigo

intitulado “A habitação e a moral”:

O espírito de família é hoje uma expressão sem sentido para o trabalhador dos grandes centros. À massa dos obreiros já se não pode mais falar em espírito de família, em necessidade de manter e cultuar as tradições de família. Uma sala ou duas, sem higiene e sem conforto, mal arejada e mal ensolarada, onde se cozinha, come, dorme, como reunir a família para as refeições e as palestras em comum? Para o pai e os filhos do sexo masculino, há o recurso da rua; para a mãe e as mulheres, a vizinhança, os enredos, os diz-que-diz-ques; para as crianças, o pátio do cortiço, com todos os seus perigos tanto de ordem física como moral. O lugar que a família e a casa deveria ocupar na vida dos indivíduos é hoje parcelado, com grandes prejuízos, entre o jogo, a taberna, as dissipações externas que esgotam os recursos financeiros e as forças físicas e morais dos homens. Não havendo permanência em casa, não pode também ser a família aquele centro educador de energias morais e espirituais e agente transmissor da civilização e da cultura. Observando o cortejo dos malefícios da habitação precária para a moradia familiar, vamos encontrar o grande inimigo do pudor e do recato feminino. Convém que a vida da mulher derive numa atmosfera de discrição e de respeito que só se obtém na habitação individual. No cortiço e em outras moradias semelhantes, desde o amanhecer até o cessar tardio do movimento de inquilinos, está a mulher à vista de todos, sujeita à promiscuidade, desde o tanque comum até as demais instalações. Essa frequentação diária com indivíduos de outro sexo, estranhos à família, vai aos poucos despudorando a mulher pela impossibilidade de deixar esta de ser vista a todo instante e com qualquer traje. Entretanto, o recato feminino é a barreira natural de que Deus dotou para preservá-la da malícia, da sensualidade e dos atentados de ordem moral. (FERREIRA, 1942, p. 173)

A partir da década de 1930, e especialmente do Estado Novo, iniciou-se a construção de um

corporativismo impulsionado pela ação direta do Estado, que tratou de conciliar as

demandas de trabalhadores e empresários, mobilizando um conjunto de medidas que incluía

a construção da legislação trabalhista e de uma série de aparatos sociais encarregados de

pôr em prática a doutrina do trabalho, de modo a assegurar a manutenção daquele projeto.

Vale lembrar que os operários, organizados, já vinham promovendo incômodas greves há

pelo menos duas décadas 29 e, em meio ao tumultuado clima político do momento, fazia-se

necessário evitar que os mesmos aderissem às tendências “esquerdizantes”, dada a atração

que a proximidade temporal da Revolução Russa (1917) exercia. A legislação trabalhista

criada durante o governo Vargas (salário mínimo, férias, Justiça do Trabalho, CLT) e suas

medidas complementares (Lei do Inquilinato, por exemplo, de 1942) ratificavam a

conveniência de se construir um aparato de integração (econômica e disciplinar-moral) entre

trabalho e capital, que proporcionasse o bem-estar necessário às famílias trabalhadoras. A

28 Assistente social. 

29 Segundo Paoli (1992, p. 24), estas discussões vieram à luz a partir da década de 20, com os movimentos 

grevistas de 1917‐1919, e continuaram nas décadas de 30 e 40, trazendo o Estado para o âmbito da luta entre 

operários e empresários. 

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esfera da Assistência Social vai desempenhar um papel fundamental nesse processo. Nesse

sentido, a habitação (do trabalhador) passa a ser compreendida como locus potencial de

educação dos modos de vida da população. Não apenas a casa em si, mas o conjunto de

equipamentos que complementam a vida familiar: a escola, a creche, a igreja, etc.

No governo Vargas, a construção habitacional foi protagonizada pelos Institutos de

Aposentadorias e Pensões (IAPs), criados nos anos 30 para as diferentes categorias

profissionais. Os Institutos eram um desdobramento das Caixas de Aposentadorias e

Pensões, instauradas a partir da Lei Eloi Chaves (1923), de regulamentação da previdência

social. A participação dos trabalhadores, bem como sua contribuição, nos IAPs tornou-se

compulsória, o que propiciou importante acúmulo de reservas financeiras (NASCIMENTO,

2008, p. 39). Entre 1933 e 1938 surgem cinco institutos: IAPM (Marítimos), IAPC

(Comerciários), IAPB (Bancários), IAPI (Industriários), IAPETEC (Trabalhadores de Trapiches

e Armazéns de Café) e IPASE (Servidores do Estado) (VARON, 1988, p. 223). Com relação à

assistência social, no caso dos IAPs, conforme observado por Nascimento (2008, p. 55),

estes

serão os primeiros órgãos a se valer dos profissionais, que atuarão em diversas frentes: orientação do trabalhador nos aspectos de trabalho propriamente dito, previdência social e saúde. Nos conjuntos habitacionais as assistentes atuarão antes da mudança dos trabalhadores para as novas casas, selecionando e orientando, e depois, moradores já instalados, trabalhando nos centros sociais dos conjuntos residenciais. (NASCIMENTO, 2008, p. 55)

A intenção era a de que houvesse não apenas a construção de residências, isoladas em si,

mas integradas a um conjunto de aparelhos considerados essenciais para o exercício da vida

em sociedade. Nesse sentido, os próprios conjuntos deveriam incluir os equipamentos

necessários citados (escola, etc.). Sendo que os mesmos eram considerados, para além de

suas finalidades mais diretas, como uma forma de reeducação do trabalhador a um modo de

vida “moderno” – e também urbano.

Esta questão – a da habitação – desempenhava um papel fundamental – econômico e

doutrinário – no âmbito da construção corporativista de Vargas, com vistas à industrialização

do país: “elemento na formação ideológica, política e moral do trabalhador e, portanto,

decisiva na criação do ‘homem novo’ e do trabalhador-padrão que o regime queria forjar,

como sua principal base de sustentação política” (BONDUKI,1998, p. 73). Ainda conforme

observado por Paoli (1992, p. 20), o salto fundamental que se opera, aqui, é o de que o

Estado passa a agir, direta ou indiretamente, na esfera de reprodução do trabalhador,

“recolocando em um lugar normativo a própria privacidade das experiências coletivas

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familiares dos trabalhadores”, que agora passam a ser organizados culturalmente, ou seja,

publicizando-se, e tornando-se questão de Estado (e da sociedade).

A solução que vai se colocar gradativamente, inclusive devido ao seu caráter

contrarrevolucionário inerente, será a da propriedade privada da habitação, podendo a

mesma ser viabilizada através de financiamentos. O debate entre “casa própria” ou “alugada”

permanecerá mesmo ainda no pós-45 (no 1º Congresso Brasileiro de Arquitetos [1945],

conforme veremos adiante, defendeu-se a opção do aluguel, em detrimento da propriedade

individual). No entanto, a propriedade particular do imóvel, adquirida pelo trabalhador, além

de amortizar a constante luta pelo atendimento à demanda habitacional, possuía a vantagem

de eximir os capitalistas da provisão de casas.

Além disso, o financiamento habitacional estimularia também a atividade bancária, incutindo

nos trabalhadores o hábito de poupar; os rendimentos acumulados, por sua vez, eram o

elemento faltante para alavancar um país que esperava se industrializar sem dispor de um

grande volume de capitais. Esta tese já era defendida, por exemplo, por Roberto Simonsen,

empresário, líder industrial mais importante de São Paulo e árduo defensor do papel do

Estado no processo de industrialização do país 30. Na abertura das Jornadas do IDORT,

Simonsen colocava:

O problema das moradias das grandes massas nas cidades populosas passa a ser questão de urbanismo, subordinado às necessidades de ordem individual, social, técnica, demográfica e econômica. Para sua integral solução torna-se indispensável a intervenção decisiva do Estado [por se tratar de] problema de difícil solução por simples iniciativa privada, porque num país onde o capital é escasso e caro e o poder aquisitivo médio é tão baixo, não podemos esperar que a iniciativa privada venha em escala suficiente ao encontro das necessidades da grande massa proporcionando-lhe habitações econômicas. (SIMONSEN, 1942, p. 25-27, grifos nossos)

Já na escala do urbano, além de se resolver os problemas relativos ao transporte de pessoas

e mercadorias, havia a preocupação com a qualidade ambiental dos bairros residenciais –

principalmente aqueles ocupados pelas camadas mais abastadas. Estes problemas

conduziam a outras pautas, como a contenção – ou, ao menos, o controle – do crescimento

urbano, os tipos de uso e ocupação do solo, os coeficientes construtivos e a adequação e

aplicação do código de obras, etc. No que se refere à escala do edifício, a pauta marcante

será a da provisão de moradias, que colocará uma agenda de problemas referentes ao

suprimento das mesmas, com vistas à superação do déficit apontado. Isso se dará, no plano

30 No período varguista, Simonsen defendeu a colaboração ativa entre Estado e iniciativa privada, de modo a 

planejar a economia, ampliar o mercado de consumo interno e investir em áreas consideradas estratégicas. 

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do discurso entre arquitetos e especialistas, a partir da discussão de assuntos de interesse

direto: levantamentos de dados, técnicas construtivas, exemplos concretos de outras

localidades (Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos) 31, parâmetros e coeficientes (pé direito,

cubagem dos cômodos, insolação, ventilação, número de pavimentos), etc.

A precariedade do ambiente urbano seguiria ainda sendo uma tônica presente nos

escritos de diversos arquitetos naquele período – especialmente após 1945, quando a

profissão passa a desfrutar de uma maior autonomia –, que seguem ressaltando os

problemas de ordem moral, já presentes nas observações dos médicos e engenheiros. A

ação do empreendimento individual na construção edilícia, nesse sentido, carecia de um

ordenamento que impedisse a ereção de “aberrações” insalubres ou que não fossem

condizentes com as novas posturas urbanas que se impunham. Eduardo Kneese de Mello,

em palestra intitulada Arquitetura, urbanismo e democracia, ressaltava com gravidade, já em

1948, a necessidade de atualização do Código de Obras da cidade 32, sob pena da

perpetuação de uma desordem nociva ao ambiente urbano:

Temos um código de obras obsoleto. [...] Fábricas se levantam de cá e de lá, com seus ruídos, e suas fumaças intoxicantes. E o povo se aglomera nos cortiços numa perigosíssima promiscuidade. Cortiços em que homens, mulheres e crianças dormem amontoados como animais, em cubículos sem luz e sem ar. Cortiços que são verdadeiros viveiros da sífilis, da tuberculose, do analfabetismo, das depravações, dos crimes, da destruição, enfim, de gerações e gerações. (KNEESE DE MELLO, 1948, p. 93)

A saída para os impasses passava pela elaboração e colocação em prática de um Plano que

articulasse a resolução dos problemas urbanos com o provimento da infraestrutura

necessária à cidade. Na palestra “Arquitetura, urbanismo e democracia”, após a leitura de

uma série de pontos elencados a partir da Carta de Atenas, Eduardo Kneese de Mello já se

lamentava:

Nossas cidades ainda crescem, crescem e crescem, sem qualquer plano, urbano ou regional. [...] Em São Paulo, por exemplo, tudo aquilo que a Carta de Atenas condena continuamos a fazer ainda hoje. Urbanismo de alargamento de ruas e suspensão de tráfego. Super-densidade demográfica em vários bairros. Falta de escolas. Falta de hospitais. Serviços públicos deficientes. Água, luz, esgotos, telefone, calçamento, etc. E, acima de tudo, esta verdade triste, lastimável, esta verdade que devemos confessar de olhos baixos e voz trêmula: - não temos, até hoje, um plano regional. Temos sangue democrático. Temos

31 Ver, por exemplo, as reportagens de correspondentes no exterior em Acrópole, sob a rubrica “British News 

Service”, e outras, entre 1944 e 1946. 

32 A questão do Código de Obras acompanha todo o debate sobre o “Plano Regulador” ou “Plano Diretor”. Cf. 

Kneese de Mello (1948), Cardim Filho (1950), bem como os temários do 3º e 4º CBAs (1953 e 1954). 

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espírito democrático. Mas ainda não estamos fazendo urbanismo democrático. (KNEESE DE MELLO, 1948, p. 95, grifos no original)

Em outra oportunidade, também o arquiteto Oswaldo Corrêa Gonçalves afirma: “o nosso

século é o século do homem de rua. As grandes massas, necessitadas de tudo – desde o

alimento, a habitação até o ensino e assistência social –, têm a precedência absoluta no

planejamento” (GONÇALVES, 1949, p. 34). Estes mesmos agentes, porém, ao se agruparem

desordenadamente na grande cidade, acarretam o surgimento de fenômenos indesejáveis:

Não é difícil verificar que os grandes aumentos de população em cada área urbana não são acompanhados paralelamente pelo aumento de escolas, universidades, teatros, divertimentos públicos, parques. Muito ao contrário o que aumenta são as grandes áreas onde se empilha a população, formando-se os cortiços. Ambiente físico precário onde a vida é deprimente e perigosa. Com os cortiços surgem as doenças e os desajustes sociais. A delinquência aumenta o seu coeficiente e os fora-da-lei tornam-se numerosos. (GONÇALVES, 1949, p. 34)

Em apresentação realizada posteriormente na Associação de Engenheiros de Campinas, em

1950, Kneese de Mello reafirma a apreensão do cortiço como “insalubre, anti-higiênico,

imoral”, indagando-se:

que liberdade espiritual e material pode ter um homem que vive num pequeno quarto de cortiço, infecto e imundo, sem luz e sem ar, numa promiscuidade criminosa, com mais dez, doze, quinze pessoas, homens, mulheres e crianças, como existem exemplos em São Paulo, aos milhares? Como se poderá condenar o delinquente infantil, o futuro criminoso incorrigível, se o seu berço foi o cortiço? (KNEESE DE MELLO, 1950, p. 290)

Esse comportamento, na visão dos arquitetos, deveria ser “convertido” através da

informação, da educação, da introjeção de um conjunto de códigos de conduta mais

apropriados à realidade urbana. Para isso, seria necessário um “convencimento” quanto às

formas corretas de construir, quanto à aceitação das intervenções necessárias para o

funcionamento urbano ideal. Planejar identificava-se com o conjunto de ações empreendidas

no país, principalmente após a década de 30, no sentido de favorecer a construção de uma

nova sociabilidade, onde a escola, o trabalho, a saúde, o lazer, etc. fossem os elementos a

permear o novo espírito moderno, civilizado e adequado ao país em fase de “formação”.

Os Congressos Brasileiros de Arquitetos e a função social do arquiteto

Em São Paulo deve ser destacada a criação, em 1943, do IAB/SP, no ato da criação dos

departamentos estaduais desta mesma entidade. Seu primeiro presidente foi o engenheiro-

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arquiteto Eduardo Kneese de Mello 33 (o presidente do IAB nacional, à época, era o arquiteto

Paulo de Camargo e Almeida 34, tendo sido este último o primeiro presidente fora do grupo

dos sócios-fundadores). Aglutinando destacados profissionais da área, o órgão de classe

constituiu-se como uma importante instância de problematização da pauta urbana, em um

movimento que vai culminar com a criação da FAM e da FAU/USP, bem como com o início

dos Congressos Brasileiros de Arquitetos (CBAs). O papel destas instituições, assim como

de suas lideranças, será fundamental para a construção de um campo de debates

envolvendo os rumos da profissão, do ensino e de suas relações com a sociedade e com a

política. Além disso, outro fator que contribuiu para o diálogo mais amplo sobre a arquitetura

e sua prática foi a chegada, naquele momento, de significativo contingente de profissionais

estrangeiros, refugiados da guerra, ou vindos após o armistício por razões várias, e dotados

de real valor profissional (LEMOS, 1979, p. 153).

A partir de 1945, há intensa mobilização da classe dos arquitetos com o intuito de se

inserir nos debates de âmbito nacional e concernentes às questões sociais e políticas.

Em São Paulo é realizado, em 1945, o 1º Congresso Brasileiro de Arquitetos (CBA) 35. Os

congressos seguintes são realizados em Porto Alegre (1948), Belo Horizonte (1953), São

Paulo novamente (1954) e Recife (1957), se nos restringirmos aos encontros que tiveram

lugar no período 1945-1965. A pauta marcante do primeiro congresso e que abre o leque

de discussões para os seguintes é: “função social do arquiteto” (INSTITUTO DE

ARQUITETOS DO BRASIL, 1945).

O evento de 1945, em especial, configura um marco da incorporação dos debates urbanos

e dos problemas sociais para o âmbito da arquitetura, extravasando, ao mesmo tempo, suas

preocupações para outras esferas dos estudos sobre a cidade. Organizado no vácuo do

declínio do Estado Novo, constitui apenas um dentre os vários episódios significativos que

compõem um cenário de construção institucional, relacionado à abertura democrática que

irá se processar no segundo pós-guerra 36. Assim, é de se registrar a criação do próprio

Instituto de Arquitetos do Brasil, em 1921, mas, mais próxima é a criação de sua estrutura

de departamentos estaduais, no âmbito federativo, a partir de 1943. O 1º CBA e os

33 Graduado pela Escola de Engenharia Mackenzie, em 1931. 

34 Graduado pela Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em 1925. 

35 Realizado de 26 a 30 de janeiro de 1945. 

36 “Em 1945 foi então que realizamos o nosso primeiro Congresso. E ele foi realizado em um momento de 

grande  importância  na  história  política  do  nosso  país,  porque  havia,  naquele  janeiro  de  1945,  uma 

efervescência democrática que fazia com que todas as classes buscassem novos rumos para nossa pátria”. 

(Moraes, 1954, p. 20) 

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subsequentes poderão se constituir como importantes instâncias de embate entre diferentes

posicionamentos acerca dos temas relevantes sobre a arquitetura e a cidade, e, por

extensão, de questões sociais e políticas correlatas. É importante ressaltar também o

momento de forte impulso econômico, de cunho industrializante, pelo qual passa o país a

partir da segunda guerra. Não menos importante é a presença de setores políticos vinculados

à ordem recém-transformada – e ainda em transformação – da economia nacional, com

poder decisivo na arena institucional (industriais, elites progressistas, militares, etc.), e cujas

resoluções continuam a pesar sobre os episódios subsequentes à guerra, buscando

alternativas de desenvolvimento para além da velha hegemonia da economia agrária.

A partir deste tema [“função social do arquiteto”], que visa colocar em discussão a inserção

do arquiteto, como profissional, na sociedade, abrem-se os temas correlatos, e que

prevalecem durante pelo menos as cinco primeiras edições dos CBAs: o urbanismo como

problema de arquitetura e atribuição legal do arquiteto; o problema da habitação (popular);

participação do arquiteto na elaboração dos planos urbanísticos, no planejamento das

cidades, de suas periferias e núcleos rurais e industriais; ensino e profissão; arquitetura e

indústria; estímulo à indústria nacional de materiais de construção. Nas edições dos anos 50,

discute-se a cultura popular e a tradição “na criação da arquitetura nacional”, e surge

também a pauta da “racionalização do projeto – estandardização, coordenação dimensional”

(INSTITUTO DE ARQUITETOS DO BRASIL, 1945; 1948; 1953; 1954; 1957; CONCLUSÕES

DO V CONGRESSO..., 1957; FINA, 1957).

Dentre as várias teses apresentadas ao congresso de 1945, uma das mais destacadas era a

que tratava da “construção da casa popular”. Após longos debates, as conclusões

aprovadas, compostas de doze pontos, expressavam, em síntese, os seguintes

direcionamentos: centralização do estudo do problema, com descentralização da sua

execução; destinação das casas para aluguel, e não para venda; estabelecimento de um

“programa nacional progressivo” da casa popular, “integrado nas possibilidades industriais

do país”, com controle de preços; disponibilização do capital necessário ao programa; e

expropriação por utilidade pública 37.

37 Resumimos e adaptamos livremente, aqui, as conclusões do congresso. 

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Figura 3 – Temário do 1º Congresso Brasileiro de Arquitetos. São Paulo, 26 a 30 de janeiro de 1945. Fonte: arquivo IAB/SP.

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Tabela 4 – Temas dos Congressos Brasileiros de Arquitetos realizados entre 1945 e 1965. Fonte: autor, a partir do arquivo IAB/SP e revista Acrópole, números 223 (mai. 1957) e 226 (ago. 1957).

1º CBA (São Paulo/SP – 1945)  Tema 1 ‐ "função social do arquiteto": "urbanismo ‐ problema de arquitetura";  vida  urbana;  arquitetos  e  indústria;  arquitetura, relações com a pintura e escultura. | Tema 2 ‐ ensino; normas ‐ contrato e encargos; regulamentação profissional. 

2º CBA (Porto Alegre/RS – 1948)  Problema  da  habitação;  planificação  geral  de  cidades,  suas periferias e núcleos rurais e industriais. | Congresso de "caráter nacional";  [visando]  "estimular  a  indústria  de  materiais  de construção  do  país,  recomendando  o  emprego  de  materiais nacionais".  |  Debates:  Carta  de  Atenas,  habitação  popular, ensino de arquitetura, regulamentação da profissão, arquitetura e indústria, indústria nacional de materiais de construção. 

3º CBA (Belo Horizonte/MG – 1953) Atribuições profissionais; participação dos arquitetos nos planos urbanísticos  nacionais  e  regionais;  organização  das  Escolas; colaboração  entre  arquitetos  e  industriais;  racionalização  do projeto  ‐  estandartização,  coordenação  dimensional; organização interna do IAB. 

4º CBA (São Paulo/SP – 1954)  "Discutir  a  influência  da  cultura  popular  e  das  tradições brasileiras na criação da arquitetura nacional"; ensino, profissão e  "a  participação  de  arquitetos  e  urbanistas  na  sociedade brasileira"; "arquitetura e indústria"; a profissão de urbanista. 

5º CBA (Recife/PE – 1957)  “Arquitetura  Popular  Nacional”,  cultura  popular  e  tradições brasileiras;  “necessidade  de  um  Planejamento  nos  três  níveis: Nacional, Regional e Local”. 

Nesse período do imediato pós-45 há uma recepção das ideias da arquitetura moderna mais

marcada pelas realizações, em termos edilícios, de arquitetos radicados no Rio de Janeiro

(DEDECCA, 2012). Quando há a divulgação de obras nacionais realizadas em outras

localidades (Recife, Porto Alegre, etc.), estes mantêm uma clara vinculação com o repertório

projetual utilizado no projeto para o Ministério da Educação e Saúde (1936). As revistas

especializadas e mesmos os congressos mantém uma hegemonia eletiva com relação aos

modelos que deveriam ser seguidos: a arquitetura, de vertente “corbusiana” e “carioca” 38. O

urbanismo, fortemente influenciado pelos discursos do CIAM IV (1933) e da Carta de Atenas.

Na composição do corpo docente da FAUUSP, em 1948, por exemplo, o diretor Anhaia Mello

contrata notadamente vários professores de formação carioca e orientação “moderna”, tais

como Alcides da Rocha Miranda, Abelardo Riedy de Souza, Hélio Duarte, Eduardo Corona,

38 “Podíamos dizer que a arquitetura brasileira, e principalmente a arquitetura brasileira contemporânea, foi 

descoberta em 1939, com o famoso pavilhão do Brasil na feira de Nova York. Naquela altura, a arquitetura 

moderna do Brasil  ainda era mais ou menos desconhecida do mundo.  [...] O que é  interessante notar na 

história  recente da nossa  arquitetura  é o  fenômeno  ‘Brazil  Builds’  [...]  que mostrou  aos  brasileiros  a  sua 

própria arquitetura” – Léo Ribeiro de Moraes, presidente da comissão organizadora do 4º CBA (MORAES, 

1954, p. 19‐20). 

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etc. (todos formados na Escola Nacional de Belas Arte – ENBA), e até mesmo Oscar

Niemeyer, cujo contrato foi vetado pela reitoria, que era contrária à orientação comunista do

arquiteto.

O caráter de urgência da pauta da “crise habitacional” também já está presente nas

conclusões do congresso de 1945. À atualidade da questão correspondeu, no plano político,

a criação da Fundação da Casa Popular (1945) 39, destinada a resolver o problema do déficit

de moradias no país. Se observada a partir de uma perspectiva histórica, sua atuação foi

irrisória; mas a FCP colocou, entretanto, pela primeira vez e de forma central, a

responsabilidade pela articulação e resolução do problema como atribuição do Estado.

Conforme observado por Azevedo e Andrade (2011, p. 1),

[...] a Fundação da Casa Popular foi o primeiro Órgão, de âmbito nacional, voltado exclusivamente para a provisão de residências às populações de pequeno poder aquisitivo. Os Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões, antes dela, através das carteiras prediais, vinham atuando na área fragmentariamente, pois atendiam apenas a associados.

Com a crescente afirmação da hegemonia urbana sobre o meio rural, a tarefa de

planejamento das cidades e do território coincide, em termos, com a própria organização

dos modos de vida e da economia da população como um todo. O nível de comprometimento

da corporação de arquitetos com uma tarefa de tal magnitude fica claro na discussão sobre

o item “D” do tema 1 do congresso, intitulado “A organização das coletividades humanas”;

este, por sua vez, estava dividido em: 1) A fixação do homem nos núcleos rurais, e 2) A

fixação do homem nos núcleos industriais. Nas conclusões da tese, é possível ler:

1 – que é imperiosa e urgente a mobilização de todos os setores de atividades em nosso meio a fim de que sejam procedidas as análises regionais do território brasileiro; que, como decorrência dos resultados apurados nessas análises regionais se promova: a) a estruturação lógica e humana do trabalho para melhor organização da produção da circulação e da distribuição das riquezas, orientadas para aquilo que possamos produzir economicamente; b) o planejamento da localização das atividades de produção tendo-se em vista exclusivamente aqueles resultados e providência para as áreas indicadas a um aproveitamento produtivo a fim de que não continuem sem utilização ou inadequadamente aproveitados; c) o planejamento de um sistema de transporte de modo a que sejam utilizados todos os seus tipos – fluviais, marítimos, rodoviários, ferroviários e aeroviários –, distribuídos em intensidade e extensão exclusivamente de acordo com aqueles resultados; d) o planejamento para o racional aproveitamento de nossas fontes naturais de energia, cuidando essencialmente, como base de nossa emancipação econômica, da eletrificação geral do país.

39 Instituída pelo Decreto‐Lei nº 9.218, de 1/5/1946, complementada pelo Decreto‐Lei 9.777, de 6/9/1946. 

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Ou seja: as conclusões do congresso apontam, já em 1945, não só para problemas

intrínsecos à disciplina arquitetônica, mas para aqueles concernentes ao processo de

modernização territorial mais amplo, e que inclui questões relacionadas à integração física

(transportes) e à questão energética (eletrificação geral do país). O segundo item da

conclusão aponta ainda para o “estabelecimento de condições de bem-estar humano de

modo a permitir um trabalho menos penoso, alimentação, habitação, saúde e recreação

necessárias a uma vida digna”, sugerindo medidas de bem-estar social necessárias para a

integração do trabalho no novo contexto de desenvolvimento. Concluindo, o terceiro item

sugere que, “para impedir que continue se agravando a situação atual nos centros populosos

já existentes”, “a fixação do homem nos grandes núcleos rurais e industriais” seja realizada,

de preferência, “na periferia daqueles núcleos”, corroborando um processo de

suburbanização que se acentuará, de forma emblemática, com a produção habitacional que

será levada a cabo após 1964. No encerramento do congresso, o arquiteto Paulo de Camargo

e Almeida, presidente do IAB nacional, reafirmou

a necessidade de definir precisamente a função social do arquiteto; [bem como] a promoção de um certame destinado a conseguir um intercâmbio dentre homens de diversas profissões, em assuntos considerados inicialmente como função social do arquiteto, devendo forçosamente ampliar-se, mostrando a necessidade de um estudo de conjunto em torno do homem e da coletividade brasileira. (1º CONGRESSO..., 1945b, p. 271)

No 3º Congresso, realizado em 1953 em Belo Horizonte/MG, são enfatizados os problemas

envolvendo o novo campo do planejamento e suas implicações para os arquitetos: o ensino

nas faculdades de arquitetura, a questão das atribuições profissionais, e as relações com a

vida política e econômica brasileira. O arquiteto Nestor Egydio de Figueiredo, ex-presidente

e sócio-fundador do IAB nacional, observa:

Estamos vivendo a época dos planejamentos. Todas as atividades oficiais e particulares não se apresentam mais dentro do quadro das improvisações. As realizações da administração pública são colocadas em verdadeiras equações com prazos certos para o êxito dos seus propósitos. Todos esses planejamentos devem ter para segurança de suas finalidades um outro planejamento mais amplo dentro do qual todos os demais estejam compreendidos. Esse planejamento deverá ser por certo, o da urbanística. (FIGUEIREDO, 1953, p. 14-15)

A certeza do poder da nova disciplina adquire mesmo contornos totalizantes no discurso do

arquiteto:

Para os técnicos, pois, não existe, na realidade, problemas, pela simples razão de que as soluções foram naturalmente encontradas. (FIGUEIREDO, 1953, p. 17)

Postura ratificada, na sequência, pela subcomissão de estudos nas conclusões daquela tese:

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Nenhum centro urbano começará a ter vida própria antes da conclusão da rede geral de abastecimento de água, esgoto, iluminação elétrica, estabelecimentos escolares, hospitalares e recreativos, calçamento de logradouros públicos, parques e jardins (INSTITUTO DE ARQUITETOS DO BRASIL, 1953, p. 20).

Em outras falas, como as do arquiteto Roberto Felix Veronese e do engenheiro Edvaldo

Pereira Paiva, ambos do Rio Grande do Sul, fica latente a preocupação com a pauta da

formação do arquiteto, do urbanista e do planejador – quanto à inserção da disciplina de

planejamento no ensino superior e aos problemas envolvendo as diferentes atribuições

profissionais. Além disso, clama-se por uma interdisciplinaridade entre as diferentes áreas

do conhecimento envolvidas, bem como pela necessidade de estudos concretos de nossa

realidade econômico-social: “A teoria deve ser intimamente ligada à prática, não a uma

prática de laboratório, mas a da vida real, a dos problemas urbanos reais” (PAIVA, 1953, p.

32).

O 4º CBA foi realizado na cidade de São Paulo, de 18 a 24 de janeiro de 1954. O temário

deste encontro, dividido em dois itens, 1) “A arquitetura no Brasil” e 2) “O urbanismo no

Brasil”, enfoca:

- questões relativas à situação profissional do arquiteto, à questão do ensino, à integração

entre arte e indústria, às questões corporativas com relação às profissões e atribuições do

arquiteto e do engenheiro, ao problema do estudo da história e da tradição (e sua

aplicabilidade na arquitetura), às relações com as demais artes, à emergência do

planejamento.

Essa atmosfera de ânsia por resolução de questões urgia naquilo que o jornalista carioca

Mário Barata, também em uma das teses apresentadas no congresso, chamou “o atual

espírito de revisionismo crítico das bases e da reforma da arquitetura moderna brasileira”

(ANAIS..., 1954, p. 180). Tratava-se de uma oportunidade de exame e reavaliação dos

caminhos institucionais tomados pela arquitetura e pelos arquitetos diante de um campo

disciplinar e de uma profissão afetados pelas transformações sociopolíticas e econômicas

operadas velozmente naquela década. Assim, poderíamos afirmar que o congresso encerra

um arco temporal cujo início é delimitado pela 1ª edição do evento, realizada em 1945

naquela mesma cidade, dando continuidade aos temas abordados na ocasião 40.

40  A  ânsia  por  uma  resolução  dos  problemas  colocados  parece  se  revelar  no  título  de  uma  das  teses 

apresentadas no 4º CBA: “Pela aplicação das resoluções dos congressos”, de autoria de Vera Fabrício, onde a 

autora pondera: “devemos analisar o nosso próprio comportamento de um modo geral dentro do I.A.B. e, de 

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A coincidência com a comemoração dos 400 anos da cidade empolgava um misto de

perplexidade, otimismo e civismo (de coloração nacionalista) que perpassava algumas falas

do evento. Os temas a serem abordados, e dentro do qual foram submetidas teses

elaboradas por profissionais e submetidas à apreciação por parte da comissão organizadora,

estavam organizados nos seguintes tópicos (dentro dos dois temas aqui citados):

1) A ARQUITETURA NO BRASIL

1-1) Arquitetura e tradição

1-2) Arquitetura e indústria

1-3) Ensino de Arquitetura

1-4) A profissão de Arquiteto

2) O URBANISMO NO BRASIL

2-1) O urbanismo e a realidade nacional

2-2) Ensino do urbanismo no Brasil

2-3) A profissão de Urbanista

Nos interessa particularmente, neste capítulo, as teses que colocavam o foco sobre os

agravantes sociais que compareciam no ambiente urbano: na escala do edifício, a

inadequação dos espaços habitacionais das “classes populares” e, no contexto urbano, o

crescimento desordenado da cidade e a ausência de infraestrutura urbana. Cestaro (2009, p.

69) aponta que, exatamente na ocasião em que completava seu quarto centenário de

existência (1954), São Paulo apresentava “um cenário muito mais caótico que o verificado

nas décadas finais do século XIX”, juntamente com um “significativo saldo na balança

comercial e crescimento econômico jamais visto em outro momento de sua história”. Além

disso, alegava-se também a existência de um grande desnível entre a erudição da linguagem

artística (e arquitetônica) e sua identificação, ou compreensão, pelo “povo” brasileiro 41.

Algumas constatações parecem ficar latentes a partir das exposições: ao desenvolvimento

plástico da arquitetura brasileira faltaria a continuidade com a cultura do “povo” brasileiro

que, àquela altura, dificilmente poderia ser caracterizada com precisão conceitual – daí a

necessidade de estudos mais aprofundados sobre a “realidade” e a “cultura” nacionais; A

legislação, o zoneamento, o código de obras e outros dispositivos prescritivos não eram

seguidos com fidedignidade, o que era visto como a causa dos males urbanos; havia

modo particular, o que tem sido realizado após os Congressos de que temos participado”. (ANAIS..., 1954, p. 

233) 

41 Outra pauta, de equivalente importância, giraria em torno do problema da “linguagem” arquitetônica dos 

edifícios, envolvendo a polêmica do Realismo, e será tratada separadamente no Capítulo 2, “Ideário político, 

forma e linguagem”. 

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problemas e incompatibilidades com a formação do profissional arquiteto no Brasil, tanto

com relação às suas atribuições legais quanto com as questões envolvendo o ensino nas

escolas.

Estes problemas, de um modo geral, seriam resolvidos a partir da aplicação do Planejamento

no desenvolvimento do país. O profissional capacitado para esta tarefa, e que deveria liderar

este processo, seria o arquiteto (e urbanista).

Nesse ínterim, a atribuição de “urbanista” ainda é objeto que se encontra em disputa. Há

grande mobilização pela constituição do ensino de arquitetura como curso englobando o

urbanismo – se este deveria ser oferecido ao profissional como um curso de especialização,

ou fazer parte da graduação em arquitetura. Isso conduzia, automaticamente, à questão da

profissão, uma vez que se constatava a sobreposição de atribuições com relação a outras

áreas dos estudos urbanos – no caso, o impasse em questão advinha principalmente do

conflito com os engenheiros. Na sessão de instalação do 4º CBA, por exemplo, o presidente

do congresso Léo Ribeiro de Moraes afirma:

Nós, arquitetos, no domínio da nossa profissão, no domínio da arquitetura, temos tido sempre um concorrente muito sério, o engenheiro civil, e isso devido principalmente por um pequeno número de arquitetos que ainda existem no Brasil. Evidentemente, não agem eles de má fé nem por vontade própria, mas por necessidade imposta pelas circunstâncias. No 1º Congresso Brasileiro de Arquitetos – e eu lembro bem disso – o então presidente Paulo Camargo falou a respeito dos “politécnicos”, que são os engenheiros civis, que são os homens que sabem fazer de tudo, inclusive arquitetura. Daí o fato de ter ocorrido algum mal para a arquitetura brasileira, não porque – repito – eles estejam com má intenção, mas simplesmente porque, não tendo tido oportunidade, através de um curso, através de uma atenção mais longamente dedicada a esse assunto, dão soluções aparentemente modernas ao problema da arquitetura. O que estamos verificando, e nisso os engenheiros civis devem ser os primeiros a reconhecer, é que realmente o problema da arquitetura deve ser resolvido pelo arquiteto, pelo homem que dedicou sua vida, seu trabalho, seus lazeres, suas discussões, a esse assunto. (MORAES, 1954, p. 20-21)

Ao que, após breve objeção do arquiteto Jorge Machado Moreira, o presidente da sessão

plenária, Nestor Figueiredo – relembrando as palavras proferidas por Carlos Sampaio 42,

quando prefeito do Rio de Janeiro, ainda nos anos 20: “Nós, engenheiros civis, precisamos

continuar fazendo arquitetura, porque o Brasil infelizmente não tem ainda número suficiente

de arquitetos para nos substituir” – observou não se tratar de um ataque à categoria

profissional da engenharia, mas sim de uma circunstância própria do desenvolvimento

histórico da profissional arquiteto. "Apenas, como somos uma classe em marcha, temos que

42 Engenheiro civil, gradua‐se pela Escola Politécnica (Rio de Janeiro) em 1880, tornando‐se prefeito daquela 

cidade entre 1920 e 1922. 

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expor o nosso pensamento, o nosso ponto de vista sobre as nossas aspirações e realizações,

pois, se assim não fosse, teríamos estacionado” (Anais..., p. 42).

O arquiteto Léo Ribeiro de Moraes, por exemplo, preside os trabalhos do 4º Congresso

(Comissão Organizadora e Comissão Executiva), e apresenta tese em que propõe medidas

de controle da densidade da área urbana para a cidade de São Paulo, que limitaria o seu

coeficiente construtivo na proporção de 1:3 [um para três], de modo a controlar a

supervalorização dos terrenos, e possibilitar uma oferta mais igualitária de imóveis. Aponta

“a inadiável necessidade de se regulamentar os loteamentos no Brasil”, afirmando que

o mal que eles estão causando ao sadio desenvolvimento de nossas cidades, só encontra paralelo na proliferação dos arranha-céus em condomínio que estão com rapidez espantosa empilhando gente em determinados setores urbanos em quantidade verdadeiramente assustadora. As taxas de densidade demográfica de certas quadras ocupadas por condomínios excedem de muito as negras taxas dos velhos e famosos quarteirões de cortiços das ruas Carneiro Leão, Caetano Pinto, etc. (MORAES, 1954, p. 191)

O índice proposto por Moraes, muito abaixo da verticalização já praticada, e mesmo daquela

esperada e economicamente considerada viável pelos diversos setores que debatiam a

questão naquele momento, revelava uma afinidade entre a posição de arquitetos no IAB e as

de Anhaia Melo, radicalizando, no entanto, medidas de contenção do crescimento vertical e,

consequentemente, distanciando-se das necessidades defendidas pelo mercado e por

interlocutores como Prestes Maia, por exemplo. Em debate promovido pelo NEDAB (Núcleo

de Estudos e Divulgação da Arquitetura Brasileira) no IAB/SP no ano seguinte, Moraes

defendeu, por exemplo, o trabalho desenvolvido pela Comissão Orientadora do Plano Diretor

da Cidade, bem como o esquema proposto por Anhaia Mello. Ainda que salientando as suas

características ditas “acadêmicas”, o “esquema Anhaia” enquadraria, segundo Moraes,

“todas as necessidades urbanísticas de São Paulo”, defendendo-a da situação calamitosa

em que a mesma se encontrava, devido, acima de tudo, “às especulações imobiliárias dos

chamados ‘terrenistas’” (PROBLEMAS..., 1955). Por fim, em 1957, é finalmente aprovado

para São Paulo um potencial construtivo máximo correspondente a 6 vezes a área do terreno

(ROLNIK, 2013, p. 48). Ainda assim, a medida causou grande alvoroço no meio empresarial

e político, além de forte réplica de Prestes Maia na imprensa local (ROLNIK, 1997, p. 198).

A questão da especulação também é atacada por José Vicente Vicari (1954, p. 193),

apontando que “as falhas das nossas cidades dependem principalmente desta situação

econômica co-especulativa dos terrenos”. Para o arquiteto, as reformas e soluções

socialmente necessárias para a cidade deveriam ser propostas com base em uma análise

dos recursos do mercado imobiliário, e de suas correspondentes instituições financeiras.

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Evidentemente, tal recurso não teve prosseguimento prático, uma vez que ia diretamente

contra a lógica do livre mercado de construções residenciais.

Já na apresentação do projeto da cidade operária de Piaçaguera – para a Companhia

Siderúrgica Paulista (COSIPA), no município de Cubatão/SP – os arquitetos Francisco de

Paula Dias de Andrade e Lauro Bastos Birkholz, após apresentarem as diretrizes de

planificação e projeto, encaminham tese ao congresso com as resoluções que consideram

fundamentais para a viabilização do mesmo: sugerem “grandes restrições ao uso da terra

urbana, não permitindo, aos habitantes da Cidade, um uso indiscriminado de seus lotes, dos

grandes espaços abertos não destinados à construção e das vias públicas”; salientam que

“o sucesso do projeto em apreço só será possível se forem introduzidas modificações

substanciais no Código Civil Brasileiro, no título de Propriedade, visando a seguinte regra

fundamental: o solo urbano, propriedade da coletividade, e a casa, propriedade individual

privada” (ANDRADE; BIRKHOLZ, 1954, p. 246-247), apontando como um paralelo a

separação jurídica então existente em determinadas localidades no continente europeu,

como em Amsterdam, Estocolmo e outras cidades alemãs, italianas, austríacas, suíças e,

mais recentemente, em Israel. E ponderam que

Uma cidade operária projetada nos moldes da presente somente poderá produzir os efeitos socioeconômicos preconizados pelas teorias urbanísticas contemporâneas se, paralelamente às medidas técnicas exigidas, forem introduzidas medidas jurídicas que afastem a especulação sobre a terra urbana. (ANDRADE; BIRKHOLZ, 1954, p. 247)

Nestor Egydio de Figueiredo fala sobre a cogitada reorganização administrativa a partir da

qual seria criado o Ministério do Bem Estar Social 43, que por sua vez seria dividido em três

setores: alimentação; aposentadoria; e pensões e habitação. O arquiteto recomenda ao 4º

CBA que solicite aos poderes executivo e legislativo “um maior desenvolvimento na terceira

parte do ministério projetado”, com vistas à criação futura de um ministério independente, o

de Habitação e Urbanismo (FIGUEIREDO, 1954, p. 197-198).

Por volta do meio da década (de 1950), proliferou uma significativa ebulição de ideias,

polêmicas e críticas, paralelamente à grave instabilidade política que se anunciava no cenário

nacional. O sectarismo envolvendo os acontecimentos do imediato pós-1945 (a ilegalidade

do Partido Comunista Brasileiro, a questão do petróleo, o antiamericanismo radical,

problemas envolvendo evasão de divisas e limitação das remessas de lucros ao exterior 44,

43  Apontado  por  Bonduki  (1998,  p.  100)  como  uma  “megaestrutura  institucional  voltada  para  a  questão 

social”, incluindo “uma subsecretaria para habitação e favelas”, formulada no segundo governo Vargas. 

44  “[...]  o  cruzeiro  se  encontrava  tão  sobrevalorizado  e  havia  tamanha  expectativa  de  uma  ‘inevitável’ 

desvalorização  que  uma  evasão  de  divisas  era  facilmente  previsível.  [...]  O  problema  adquiriu  conotação 

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dentre outros) levaram a uma forte disputa entre diversos setores da arena política que

culminaram no suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, e as intempestivas tentativas da cúpula

das Forças Armadas em intervir sobre o processo em curso, opondo-se formalmente a

Vargas e tentando impedir a posse de Juscelino Kubitschek, em 1955.

Por conta de polêmicas envolvendo as considerações feitas pelo suíço Max Bill 45 quando de

sua vinda ao Brasil em 1953, havia, igualmente, um clima de revisão das premissas e bases

da arquitetura moderna, tal como esta havia se desenvolvido no Brasil. O período demarcava

aproximadamente uma década da exposição Brazil Builds, do fim da Segunda Guerra, do

início da redemocratização no país, e, especialmente, da primeira edição dos congressos. A

revista Habitat, por exemplo, publica, logo após a realização do 4º CBA, uma crítica

demolidora assinada por Abelardo de Souza (que participou no evento), ponto a ponto, sobre

os propósitos daquela reunião, seus avanços desde o primeiro encontro, e, sobretudo, sobre

o caráter de algumas teses apresentadas, consideradas “vagas e sem propósito” – dentre as

quais figura a proposta (aqui supracitada) de criação do Ministério da Habitação e

Urbanismo, de Nestor Egydio de Figueiredo (SOUZA, 1954, p. 23).

No mesmo ano, a revista britânica Architectural Review publicou uma edição especial de

artigos intitulada “Report on Brazil”, reunindo os escritos de 1953-54 publicados por Max

Bill, Ernesto Rogers e Walter Gropius. Destes, a fala mais contundente é a de Max Bill, que

prossegue a polêmica sobre a “função social” da arquitetura (neste caso, a ausência dela)

também nas páginas da revista Habitat, que ratifica, de certa forma, a posição do suíço. Pode

se dizer, seguindo a Deckker (2001, p. 165) que este momento marca o início de uma

“segunda fase” na observação da arquitetura brasileira: “após a euforia inicial, reações entre

comentadores aos desenvolvimentos no Brasil eram mistas. Os comentários variavam da

simpatia à situação brasileira, de Rogers, a generalizações, de Gropius, a antagonismo, de

Bill” 46.

altamente  política  uma  vez  que  [Getúlio]  Vargas  procurou  explicar  em  detalhes  os  motivos  da  evasão, 

expressando‐se de maneira acentuadamente nacionalista, não somente no discurso que proferiu por ocasião 

da passagem do ano (1951‐52) como também em sua Mensagem ao Congresso em 1952. Por outro lado, teve 

profundas  implicações sua decisão de  impor restrições às remessas de  lucros e ao retorno de capital sem 

consulta  prévia  ao  governo  americano ou  às  instituições  internacionais. Houve  reação  imediata  tanto do 

Departamento de Estado quanto do Banco Mundial, que enviaram violentas notas de protesto [...]”. (MALAN, 

1986, p. 73) 

45 Ver o Capítulo 2 desta tese. 

46 Trataremos a polêmica envolvendo as opiniões proferidas por Max Bill – bem como suas reverberações, 

por parte, por exemplo, do arquiteto Lúcio Costa e da revista Habitat – com mais detalhes no capítulo 2, 

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Apontava-se que a arquitetura brasileira teria codificado um “sistema” de elementos que, na

opinião de seus críticos, nada mais era do que o repertório corbusiano aplicado –

inadequadamente – à situação brasileira 47: planta livre, cortina de vidro, brise-soleil, pilotis.

Tal sistema consistiria em uma aplicação exacerbada das estratégias projetuais empregadas

no Ministério da Educação e no Conjunto da Pampulha e em edifícios subsequentes –

particularmente no caso de Oscar Niemeyer, em seus edifícios dos anos 50. Todas as

críticas, no entanto, eram unânimes em reconhecer a correta aplicação dos “princípios” da

arquitetura moderna no conjunto residencial do Pedregulho, projeto de Affonso Eduardo

Reidy, que incorporava estratégias arquitetônicas e urbanísticas de Le Corbusier e dos CIAM,

realizando uma “síntese” com as condicionantes naturais existentes.

A partir desse momento, passa-se a prezar uma maior sobriedade formal nos arranjos

subsequentes, havendo um refinamento da forma que irá transparecer na produção

residencial em larga que tem início nos centros urbanos a partir dos anos 50, com ênfase

sobre a residência unifamiliar de classe média.

O 5º CBA foi realizado em Recife/PE, de 28 de julho a 5 de agosto de 1957, já em plena

construção de Brasília e, assim como nos eventos anteriores, manteve-se o foco sobre a

defesa da profissão. Além de reivindicações nesta direção, como a exigência da revisão do

decreto nº 23.569 de 1933 (regulamentação do exercício das profissões de engenheiro, de

arquiteto e de agrimensor) e relatos da construção da nova capital, as recomendações do

congresso foram a da criação de um Instituto de Habitação Popular, congregando as

diversas entidades encarregadas do problema (IAPs, FCP, etc.) e a solicitação de medidas

concretas ao Governo no sentido de fazer funcionar efetivamente os organismos e autarquias

federais e estaduais criados com o fim de atender à demanda habitacional, além da extensão

da atenção ao problema da habitação para a área rural (FINA, 1957; CONCLUSÕES DO V

CONGRESSO..., 1957).

A defesa do Zoning e do Plano Diretor

“Ideário político, forma e linguagem”, dada sua relevância para a agenda de problemas encampados por Bill 

e pela Escola de Ulm, e também pela revista paulistana Habitat. 

47  ZEVI,  Bruno.  “La  moda  lecorbuseriana  in  Brasile:  Max  Bill  apostrofa  Oscar  Niemeyer  (02/11/1954)”, 

In: Cronache di Architettura  I  (1954/1955) – Da Wright sul Canal Grande alla Capelle de Ronchamp 1/72. 

Bari, Laterza, 1971 (nº 1 a 72). 

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A década de 1950 é um momento chave para a constituição da disciplina de planejamento

no Brasil, especialmente no que se refere à ideia da legitimação do processo de planejamento

urbano (MEYER, 1993; VILLAÇA, 1999; OSELLO, 1983). Esse período também demarca uma

forte hegemonia na proposição do desenvolvimento urbano-industrial, fenômeno do qual o

crescimento da cidade de São Paulo será função direta.

Até aquele momento, os debates sobre os problemas urbanos haviam enfocado as questões

relativas à precariedade e a salubridade das edificações (descumprimento do código de

obras), a irregularidade na abertura de vias (arruamento) e o surgimento da cidade

“clandestina” e a necessidade de implementação de medidas com o objetivo de atenuar o

problema da falta de moradias. Conforme observado por Villaça (1999, p. 178), havia, desde

fins do século XIX um instrumento de zoneamento aplicável apenas a uma parte restrita da

cidade e com a finalidade de assegurar a qualidade ambiental das áreas mais nobres da

cidade. A partir do início da década de 1930, ferramentas como o Código de Obras “Arthur

Saboya” (1929, regulamentado em 1934) e a Lei de Loteamentos, da década anterior (1923),

são utilizadas de modo a se assegurar algum ordenamento urbano. Pode-se dizer que um

certo “zoneamento” já estava, ainda que timidamente, delineado pelo Código de Obras, com

a delimitação de zonas, o estabelecimento de alturas e a definição de usos, aplicável, porém,

a apenas alguns bairros residenciais (SOMEKH, 1997, p. 130). De fato, até o início dos anos

50,

[...] poucas áreas da cidade tinham formas de ocupação predefinidas e permissão regulamentada de atividades. Com exceção dos loteamentos da Companhia City (Jardim Europa, Pacaembu, Cidade Jardim e City Lapa), que definiam nas próprias escrituras o uso exclusivamente residencial e a relação das casas com seus lotes ajardinados, e de algumas avenidas para as quais existia um regulamento especial (como a Paulista), para a maioria dos bairros e ruas da cidade as possibilidades de ocupação eram limitadas apenas a um código de obras que, como vimos, só era seguido nas áreas mais consolidadas do tecido urbano (ROLNIK, 2013, p. 48).

Ainda naquela década, zoning, Código de Obras e Plano Diretor disputam o protagonismo

de instrumento ordenador do crescimento urbano. Em artigo publicado na revista Acrópole

(dez. 1950-jan. 1951) intitulado “O zoneamento”, Roberto de Barros Lima (engenheiro da

Divisão de Regulamentação Urbanística da prefeitura) busca explicar o termo, que “apesar

de ser familiar aos engenheiros e arquitetos, é quase que desconhecido na maioria dos

nossos ambientes” (LIMA, 1950/51, p. 227). O artigo de Lima sugere, assim, a aplicação do

instrumento a todo o tecido urbano, como forma de preservar a qualidade ambiental dos

bairros – onde deveria ser prevenida a desordem. Sem o zoneamento, afirma o autor,

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um armazém, um açougue, uma serraria ou garagem comercial poderão surgir entre residências, contribuindo não só para a depreciação do local, como também para tirar a tranquilidade e sossego de seus moradores [...] Isto, por sinal, tem sido comum em nossa cidade, com a febre de bares e “pizzarias” nos nossos bairros tipicamente residenciais, por ganância dos nossos proprietários. [...] Nós que trabalhamos o dia inteiro, nem em nossa casa, por incrível que pareça, podemos gozar de tranquilidade, pois é comum morarmos junto a uma fábrica, casa comercial ou bar, no qual à noite toda a algazarra impera. (LIMA, 1950/51, p. 227-228)

Como se vê, os problemas urbanos continuam a ser abordados seguindo uma tônica moral,

semelhantes às falas do Congresso de Habitação de 1931 e das Jornadas do IDORT (1941).

Esse tema se mescla com a preocupação com relação à desatualização do Código de Obras

e à urgência de elaboração de um Plano Diretor para a cidade. Sob essa ótica, os destinos

da cidade – e, de certa forma, da sociedade – deveriam estar sob os auspícios de um

conjunto de normas que restringissem a atividade edificadora (salubridade), assim como o

processo de expansão urbana (zoneamento, tráfego, etc.).

Assim, o zoneamento adquire um forte protagonismo como instrumento de regulação

urbanística, fomentando um debate que envolvia desde técnicos e especuladores até o

legislativo, o âmbito universitário e instituições civis como a Sociedade Amigos da Cidade.

Essa disputa se estenderia ainda pelo menos até 1972, quando finalmente seria promulgada

a Lei de Zoneamento, logo após a elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado

(PDDI), em 1971.

Paralelamente, a notoriedade recém-adquirida pela arquitetura brasileira no plano

internacional, devida, em grande medida, à exposição Brazil Builds, contribuía para

consolidar a linhagem corbusiana e vinculada aos preceitos da Carta de Atenas, difundindo-

a na esfera local – desvinculados, entretanto, dos preceitos socioeconômicos do contexto

europeu onde foram gestados 48. Na esfera paulistana, este discurso vinculado à arquitetura

europeia dos CIAM vai se mesclando com um debate já em curso desde pelo menos o fim

da década de 1920, e que teria na figura de Anhaia Mello um importante impulsionador,

primeiro por sua atuação na Escola Politécnica e na administração de São Paulo, na

Associação Amigos da Cidade e, posteriormente, na FAUUSP, e através do CPEU (órgão da

própria FAUUSP organizado por Mello responsável por elaborar diversos planos diretores

para cidades no interior do estado). Pode se dizer que vários dos ideais de Mello viriam a se

48 A despeito desta defesa da Carta de Atenas e das  linhas de pensamento dos CIAM, havia ainda alguma 

dificuldade de  interlocução entre arquitetos modernos brasileiros e os  intelectuais daquela entidade. Ver 

nota 166 desta tese. 

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tornar hegemônicos no discurso dos arquitetos, como a necessidade sobre o controle do

crescimento da cidade, do processo de planejamento e de elaboração do plano diretor, etc.

No plano teórico, ainda vão se manter questões relativas à limitação do crescimento da

cidade (remontando mesmo às elaborações de Ebenezer Howard do fim do século XIX,

expressas, com variações, no “esquema Anhaia”, e defendidas por outros profissionais,

como o arquiteto Oswaldo Correa Gonçalves), e serão debatidas as realizações mais

recentes da reconstrução europeia do pós-guerra. Um dos elementos de destaque será,

também, o urbanismo inglês, com a repercussão do Greater London Plan de Patrick

Abercrombie (“Plano da Grande Londres”, 1944), as políticas habitacionais e as estratégias

de expansão urbana e regional, particularmente as New Towns (“cidades novas”).

Conforme apontado por Leme (1998, p. 7), os planos elaborados no Brasil nesse período tem

por objeto o conjunto da área urbana, com uma visão de totalidade. Propõe-se uma maior

articulação entre os bairros, o centro, e a extensão das cidades através dos sistemas de

transporte. Em outro trabalho, Leme (1999) aponta os dois ideários mais significativos que

irão compor a elaboração dos estudos urbanísticos dos anos 1920 até 1960. O primeiro

refere-se ao urbanismo europeu relacionado à ideia de contenção do crescimento urbano e

descentralização dos núcleos, ao tempo em que o segundo compartilha características com

a corrente alinhada aos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM), propondo

o zoneamento, a circulação através de automóveis e o Plano como instrumentos de

ordenação da cidade 49. Nas variadas propostas, alguns elementos aparecem combinados

e/ou mesclados entre si.

Nos discursos de vários arquitetos do período alguns pontos serão hegemônicos: a

importância do zoneamento, a necessidade de regulação e contenção do crescimento

urbano (horizontal e vertical), a elaboração de um novo Código de Obras e sua efetiva

fiscalização, a elaboração do Plano Diretor da cidade, e a defesa do planejamento.

Curiosamente, a contenção do crescimento, por exemplo, que no plano urbano vem

relacionado a um ideário inglês típico, vai ser mesclado, na escala do edifício, à linguagem

do International Style, no lugar da aproximação mais pitoresca realizada pelos britânicos.

Acrescente-se a isso a defesa dos princípios da Carta de Atenas, especialmente a divisão de

funções urbanas 50, fenômeno provavelmente relacionado à difusão dos ideais corbusianos

49 O esquema segue a distinção entre os modelos “Culturalista” e “Progressista”, utilizados por Choay (1992). 

50 Como Oswaldo Corrêa Gonçalves, em artigo intitulado “Quatro principais funções de uma cidade” (Habitat, 

n. 24), de outubro de 1955, que ratifica a defesa do zoneamento como  instrumento de política urbana – 

aludindo, obviamente, aos preceitos da Carta de Atenas. 

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dentre os arquitetos brasileiros. Terão destaque, igualmente, experiências de zoneamento

realizadas em solo norte-americano.

Figura 4 – A revista Habitat criticava o caos urbano na área central da cidade, e citava, por exemplo, a construção de arranha-céus, como era o caso do Edifício Martinelli, como um exemplo da verticalização e do adensamento

urbano inconsequentes.

Há um grande empenho também, naquele período, na difusão dos conceitos modernos de

arquitetura e cidade, não apenas entre especialistas, mas também com relação ao público

mais amplo 51. Em artigos publicados na revista Acrópole como “O Plano Diretor” (de Heitor

A. Eiras Garcia), transparece esse caráter didático, visando o alcance do cidadão comum.

Organizam-se mostras, como a Exposição de Urbanismo (8 a 30 de novembro de 1950, na

Biblioteca Municipal), “na eloquente linguagem do desenho claro”, realizada em homenagem

ao “dia do urbanismo” (8 de novembro), da qual trata o referido artigo, onde o autor aponta

que “a maioria do público, porém, os que não tem uma perfeita compreensão dos benefícios

da urbanística, não chegam a perceber que organizar a vida numa cidade, longe de

representar desperdício de somas enormes de dinheiro, constitui fonte de economia”

(GARCIA, 1950/51, p. 226). Incorporando a expertise dos técnicos norte-americanos,

“baseada na observação direta, na experiência de longos anos de exercícios de profissão”,

51 Em meados da década de 50 o IAB/SP manteve um programa semanal durante três anos na TV Tupi (canal 

4) em horário nobre (às 20 horas) onde os arquitetos e urbanistas divulgavam suas ideias e reivindicavam da 

Prefeitura a elaboração do Plano Diretor da Cidade (OSELLO, 1983, p. 178, nota 18). 

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Garcia aponta, confiante, que qualquer que seja o meio adotado pela Municipalidade para a

obtenção dos recursos necessários à execução dos futuros melhoramentos urbanos “terá o

apoio decidido do povo paulista”, e proclama: “Não há outro caminho a seguir: desordem ou

organização”.

O Plano Diretor para a(s) cidade(s) passa a ser o grande objeto a ser perseguido pelos

profissionais e entidades, bem como a atualização da legislação complementar (código de

obras, zoneamento, etc.). Nesse mesmo período, realizam-se planos para cidades do interior

do estado, como, por exemplo, Lins (Luís Saia, 1952) e as revistas e congressos de arquitetos

difundem largamente as experiências urbanísticas fomentando o papel e a inserção do

profissional arquiteto e urbanista como elemento-chave e também como diretor do processo.

A questão do planejamento era um problema de convencimento não só de especialistas,

profissionais competentes ou autoridades, mas também da população como um todo, aquela

que efetivamente “utilizaria” a cidade, seus espaços de habitação, circulação e lazer. O

problema se estendia, portanto, ao tocante da vida quotidiana, dos hábitos e do

comportamento do indivíduo em sociedade, o que incorporava aspectos extradisciplinares

ao discurso especializado, como os relativos à saúde pública, à higiene e à moral – tal como

nas falas dos sanitaristas. Evidentemente, o tom empregado nos discursos variava conforme

o público ouvinte, embora o intuito continuasse sendo a adesão à postura do planejamento

e o reconhecimento da competência arquiteto como profissional arquiteto para as tarefas a

serem desempenhadas. No 4º CBA, o arquiteto José Vicente Vicari apontava que

Os urbanistas no Brasil não conseguiram obter um válido apoio por parte daqueles para os quais eles idearam os seus vários estudos, planos e projetos. Quando o cidadão comum da rua compreenderá quanto intimamente uma planificação esteja ligada aos seus interesses diretos e elementares de vida, então poderemos prever o verdadeiro surto de sistematização das nossas cidades no curso de uma geração. Existem vários preconceitos populares sobre os planejamentos das cidades. (VICARI, 1954, p. 195)

Discurso que era condizente com o reconhecimento, no âmbito doutrinário da arquitetura

moderna, de que o projeto e a construção de unidades de habitação, ou de vizinhança,

deveria englobar “as escolas, universidades, teatros, divertimentos públicos, parques”.

Tratava-se do planejamento de todas as instâncias e atividades inerentes à existência

humana no ambiente urbano, e a um código de condutas inerente à modernidade

vislumbrada 52.

52 Em “Arquitetura, urbanismo e democracia” Kneese de Mello também destacava: “Habitação não pode mais 

ser considerada, hoje, como, simplesmente, a casa de morar. Habitação é um conjunto de que a moradia é o 

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Planejar era uma atitude fundamental e necessária, e o profissional apto a liderar esta

atividade profissional era o arquiteto. Nas palavras do arquiteto Eduardo Kneese de Mello,

As cidades não podem continuar a crescer desse modo, sem que a gente tome precauções para evitar os futuros males desse crescimento. O remédio é facílimo. Está nas nossas mãos. Planejar. Simplesmente planejar. Planos regionais enquadrados no grande plano nacional. Isso é tudo que temos a fazer. A quem devemos nós entregar, então, essa tarefa tão importante que poderá evitar todos esses nossos aborrecimentos e poupar energias tão necessárias? O arquiteto é o homem indicado. A ele devemos entregar a responsabilidade de estudar os planos regionais de nossas cidades. A ele compete projetar as novas residências higiênicas, saudáveis e felizes, que substituam os cortiços infectos. A ele compete estudar novas escolas, novos hospitais, novas maternidades, com o fim específico de servir à gente brasileira. A ele cabe transformar o ambiente de trabalho, o armazém, a loja, a fábrica, num ambiente saudável e alegre, sem o aspecto pesado, de prisão, tão comum nesses locais. A ele cabe solucionar os problemas de transporte e de tráfego que, erradamente pretendemos resolver com uma lâmpada vermelha e outra verde. O arquiteto é o homem indicado para dirigir a solução desses problemas todos. Sem dúvida ele terá que recorrer à colaboração de muitos outros profissionais, o engenheiro, o médico, o advogado, etc. Mas quem terá que dirigir, que organizar esses planos é o arquiteto. Arquitetura e urbanismo são a mesma coisa. (KNEESE DE MELLO, 1950, p. 291)

A confiança nesta atitude também teve um registro exemplar nas conclusões do terceiro

congresso da União Internacional dos Arquitetos (UIA), realizado em Portugal em 1953:

inspirando-se nas conclusões do VIII Congresso Pan-Americano de Arquitetos, onde se

postulava que “a toda atividade construtiva deve preceder uma planificação integral”, foi

elaborada uma “Declaração e doutrina universal”, submetida às Sessões Nacionais do

Congresso. Dentre os vários itens, constava, por exemplo, que: “- [o arquiteto] Deve

conceber sua atividade e sua obra com vistas a um plano geral de conjunto, do qual ele deve

ser em todas as escalas – continental, nacional, regional e local – o animador e o realizador”.

Em outro lugar: “- O arquiteto não subordina sua arte a nenhuma preocupação mercantil”.

(CONCLUSÕES DO 3º CONGRESSO..., 1953, n. p.). Essa foi a tônica dominante que

compareceu nos discursos proferidos por arquitetos das procedências mais variadas

durante, pelo menos, até a metade da década de 1950, em revistas e congressos

especializados.

centro, mas de que fazem parte também a escola, o ‘play‐ground’, os serviços de abastecimento, os serviços 

públicos gerais, a creche, a maternidade, a assistência hospitalar, os centros de cultura, os campos de esporte, 

as áreas verdes e jardins e cuja ligação com o local de trabalho precisa ser estudada com grande carinho. A 

arquitetura  e  o  urbanismo  se  entrelaçam,  hoje,  de  tal  modo,  que  não  é  mais  possível  estudar  um, 

isoladamente do outro”. (KNEESE DE MELLO, 1948, p. 94) 

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Os ideários de Anhaia Mello e Prestes Maia

O período que vai da reabertura democrática (1945) até o meio da década de 50 caracteriza-

se pelo novo cenário de articulação política, uma vez que, embora o governo estadual fosse

eleito pelo voto popular, a nomeação do prefeito cabia ao próprio governador. De 1945 a

1953, oito prefeitos passam pelo comando municipal, o que resulta em descontinuidade e

não-efetivação dos planos e medidas esboçadas. O arquiteto Cristiano Stockler das Neves,

por exemplo, demonstrando grande preocupação com o crescimento urbano desordenado,

criara durante a sua gestão (março a agosto de 1947, apenas 5 meses!) a Comissão do Plano

Diretor, que foi, no entanto, completamente ignorada pelos prefeitos seguintes, começando

a operar regularmente apenas na administração de Jânio Quadros (1953-55). Também o

sucessor de Cristiano, Paulo Lauro (1947-48), contratara um estudo para o Metropolitano

que foi esquecido, mas havia custado “uma exorbitância aos cofres públicos” (OSELLO,

1983, p. 180). Em linhas gerais, estavam dados os dois temas que iriam dominar, em meio a

idas e vindas e ácidas polêmicas, a pauta do debate urbanístico travado entre técnicos e

acadêmicos no âmbito corporativo, durante aquela década: de um lado, a elaboração do

Plano Diretor e, de outro, a construção do Metrô.

Também em 1947, a seção de urbanismo do Departamento de Obras Públicas se

desmembrou, criando o Departamento de Urbanismo. A orientação do novo departamento

foi a de implementar o processo de planejamento e elaborar o Plano Diretor. A lógica de

legitimação junto às massas no novo regime democrático impeliu os técnicos a voltarem o

olhar tanto para as áreas periféricas da cidade – anteriormente negligenciadas – quanto para

a difusão da ideia de planejamento urbano e sua importância dentre o público mais amplo.

A nova forma de pensar os problemas urbanos aparece no ciclo de palestras realizadas por técnicos da Secretaria de Obras em 1949. A palestra do eng. Gomes Cardim, diretor do Departamento de Urbanismo, colocou os loteamentos clandestinos como a questão principal a ser resolvida pela administração. [...] A solução preconizada pelo técnico seguia uma linha totalmente distinta daquela de Prestes Maia e visava evitar o crescimento contínuo da área urbanizada: a cidade deveria ser envolvida por um cinturão de área não urbanizável, canalizando o crescimento para cidades satélites. (OSELLO, 1983, p. 174-175)

No mesmo ciclo de palestras, Carlos Lodi, chefe da Divisão de Planejamento Geral da cidade,

defendia o controle da especulação imobiliária e criticava a atenção exclusiva para o núcleo

urbano, pois “a atenção voltada para o núcleo faz perder de vista que este, como dissemos,

é função do desenvolvimento periférico e não o contrário, e que é necessário pois dispor

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sobre a periferia, e não sobre o núcleo, de preferência, para a solução dos problemas

urbanos” (LODI 53, 1951 apud OSELLO, 1983, p. 176).

Em 1953, com a nomeação de Jânio Quadros para a prefeitura, a Comissão Orientadora do

Plano da Cidade criada por Cristiano Stockler das Neves seis anos antes, e liderada por

Carlos Lodi retoma as suas atividades, elaborando o esboço “Elementos básicos para o

planejamento regional de São Paulo” – que viria a ficar conhecido como o “Esquema Anhaia”.

Feldman (2005, p. 78-81) relembra que Lodi havia sido aluno de Anhaia Mello na Escola

Politécnica, incorporando deste último a visão crítica com relação às propostas de expansão

e melhoramentos preconizadas por Prestes Maia a partir do Plano de Avenidas (1930). Entre

1945 e 1961 – período que emblematicamente se situa entre dois mandatos de Prestes Maia

como prefeito de São Paulo – “as ideias de Anhaia Mello penetram na máquina

administrativa” (FELDMAN, 2005, p. 78), incluindo: controle da iniciativa privada, limitação

da expansão horizontal e vertical da cidade, descentralização e elaboração do Plano Diretor

(OSELLO, 1983, p. 186-192).

Francisco Prestes Maia, que era membro da comissão, não deixou de elaborar um relatório

extremamente crítico sobre o “esquema Anhaia”, acusando-o de demagogia, e

desmerecendo a necessidade de extensos diagnósticos sobre os problemas urbanos, bem

como sua pretensa abordagem de caráter “sociológico”:

[...] cabe aos urbanistas visar a vida da comunidade e de seus elementos, apontar as soluções e os instrumentos legais ou institucionais que deverão permiti-las mediante adaptações ou inovações razoáveis, mas não assumir o papel de “reformadores sociais” (MAIA 54, 1954 apud OSELLO, 1983, p. 194)

Para Maia, as propostas urbanas deveriam se balizar menos pelas tentativas de controle total

do desenvolvimento urbano – consideradas “malthusianas” – e mais por intervenções

pontuais tecnicamente necessárias, como obras públicas e abertura de corredores de

circulação, além da manutenção da liberdade construtiva nas áreas centrais, enfatizando um

urbanismo mais “prático”.

Reconhecemos os inconvenientes correntes nas grandes cidades, não aceitamos entretanto a solução, hoje um tanto na moda, [...] da “fixação” ou “congelamento” das grandes cidades. Isso por muitas razões, como abaixo enumeramos, e mais por esta, que a “fixação” (salvo casos extremos ou de cidades-jardim novas, predeterminadas) não é a única solução, antes

53  SÃO  PAULO:  prefeitura  do  município  –  Departamento  de  Urbanismo.  Problemas  urbanos  da  capital, 

planejamento geral, legislação urbanística. São Paulo: 1951. 50p. 

54  MAIA,  Francisco  Prestes.  Notas  sobre  o  “Esquema  Anhaia”.  In:  COMISSÃO  ORIENTADORA  DO  PLANO 

DIRETOR DO MUNICÍPIO. Elementos básicos para o planejamento regional de São Paulo. São Paulo: 1954. 

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será uma solução simplista, derrotista e malthusiana, havendo entretanto outra muito mais natural, da adaptação, organização, correção e recuperação de atrasos, contra a qual os argumentos que temos encontrado não são convenientes e, muitas vezes, são mais interjectivos do que técnicos. (MAIA 55, 1954 apud OSELLO, 1983, p. 195, grifos nossos)

Em 1955, o novo prefeito Juvenal Lino de Matos, organiza uma comissão para elaborar o

projeto do metropolitano, presidida justamente por Francisco Prestes Maia, que rapidamente

entrega os trabalhos em 1956, sete meses após ter sido constituída. Paradoxalmente, a

Comissão apontou como prioritária – antes do Metrô – a execução de avenidas propostas

no plano de 1930 e não realizadas, consideradas mais importantes, a princípio, do que o

novo modal, ficando o mesmo apenas para as situações em que não fossem possíveis novas

alternativas para o tráfego. Ou seja, na prática, propalava-se nesta proposta a continuidade

da estratégia rodoviarista de expansão horizontal ilimitada e adensamento de atividades na

área central.

Por fim, a limitação do coeficiente de aproveitamento dos terrenos (área máxima permitida

para a construção de uma edificação, definida a partir de um número múltiplo da área do

terreno), que teve vários desdobramentos de 1957 a 1971 refletiu também o antagonismo

entre as duas posições divergentes – a da “São Paulo não pode parar” versus “São Paulo

precisa parar”: o “Esquema Anhaia” previa que, no caso da construção de prédios

comerciais, seria permitida a construção máxima de 6 vezes a área do respectivo terreno,

mudando o coeficiente para 4 em se tratando de residências e hotéis. Esse número foi

alterado diversas vezes nas gestões seguintes, passando para 8, retornando a 6, e por fim

sendo fixado em 4 na gestão de José Carlos Figueiredo Ferraz, em 1971, com o Plano Diretor

de Desenvolvimento Integrado – PDDI (ROLNIK, 1997, p. 197-200).

A questão da periferia e da participação popular

O cenário resultante da abertura democrática pós-45 e a própria “crise” da ideia de domínio

completo do homem sobre os processos naturais – da qual o planejamento total seria o

corolário – passam, gradativamente, a favorecer no discurso profissional a ideia de uma maior

flexibilidade nos Planos, bem como uma maior participação do usuário/população nos

processos decisórios. De um lado, a nova conjuntura política, que advogava o voto popular

e a integração das camadas menos favorecidas socialmente, que impelia os políticos a

55 MAIA, Francisco Prestes. Notas sobre o “Esquema Anhaia”. 

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voltarem os olhos para as áreas periféricas da cidade. De outro, um processo crescente no

qual a ideia de “participação” se identifica com práticas mais democráticas, criticando a

noção vigente de hierarquia social que concentrava importantes resoluções nas mãos de um

reduzido grupo de eruditos e autoridades. Como apontamos há pouco, personagens como

Anhaia Mello e Carlos Lodi já chamavam, naquele momento, a atenção para os problemas

da periferia, ampliando o leque de preocupações dos técnicos, anteriormente concentradas

sobre as áreas centrais da cidade 56.

Já em 1954, por conta de sua participação no 4º CBA, o arquiteto finlandês Alvar Aalto

apontava, de forma sucinta, a necessidade de se pensar em um tipo de “planejamento

elástico”, soando como voz relativamente isolada em meio a falas como às de Walter Gropius

e de participantes brasileiros no evento, empenhados em ressaltar as virtudes de uma

arquitetura funcional e ligada à perfeita organização das atividades humanas, nas quais o

arquiteto desempenharia uma função-chave.

Vós, meus caros colegas, certamente sabem o passo enorme que temos de dar antes de alcançarmos realmente a grande meta de humanizar a produção de construção. Todavia, ao mesmo tempo é perigoso planejar em tão largo sentido. O planejamento de todos os detalhes significa ao mesmo tempo reduzir mais e mais a liberdade do indivíduo. Nós arquitetos temos um grande objetivo a realizar, criar uma maneira especial de planejamento elástico que, mantendo a disciplina em nossas sociedades, ao mesmo tempo desse liberdade a grupos menores e indivíduos. Penso que já existe algo que podemos descrever como planejamento elástico e considero que nossa profissão impõe o dever de desenvolvê-lo mais e mais. (AALTO, 1954, p. 36)

Ao mesmo tempo, por volta deste período (meio da década de 1950), é possível encontrar,

principalmente no âmbito internacional, indicações contrárias ao “enrijecimento”

preconizado pelo urbanismo moderno. No “Seminário Ítalo-Americano sobre planejamento

urbano e regional” (Ísquia, Itália, 20 a 30 de junho de 1955), por exemplo, os participantes

constatavam que

em todo o mundo, a planificação, seja regional ou urbana, está entrando em uma nova fase, na qual uma instância humanística procura adequar o ambiente humano às mutáveis necessidades e recursos, e tomará o lugar da pesquisa tipológica das estruturas urbanas. A planificação não porá em relevo esquemas estáticos de sistematizações territoriais das obras públicas, mas sim linhas de desenvolvimento para guiar a “evolução criadora” da comunidade. (SEMINÁRIO..., 1956, p. 4)

56  Cestaro  (2009,  p.  23)  observa  que  o  engenheiro‐arquiteto Anhaia Mello,  por  ocasião  do  Congresso  de 

Habitação de 1931, já havia introduzido a discussão sobre a nascente periferia da cidade de São Paulo. 

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Seguindo a discussão, colocava-se também que o desenvolvimento dos recursos de uma

região deveria ser realizado levando-se em conta “a ativa participação da população

diretamente interessada”, com o intuito de se produzir “não uma região planificada, mas uma

região planificante”, ou seja, retirando parte do protagonismo diretivo da figura do técnico, e

de modo que a planificação pudesse se transformar “em um instrumento sempre mais útil de

escolha democrática” (SEMINÁRIO..., 1956, p. 4). Colocava-se também que estes processos

deveriam ser entrelaçados tanto nos níveis nacionais, regionais e locais, quanto com a

construção das instituições relacionadas, “em íntima relação com a administração pública”

(SEMINÁRIO..., 1956, p. 3). Isso revelava, para além da crise crescente vivenciada pelos

CIAM nos anos 50, o abrandamento da ideia de que a arquitetura deveria necessariamente

ser a ponta-de-lança do Plano, coordenando todos os outros processos envolvidos no

planejamento urbano.

Em outubro de 1955, a revista Habitat relembra 57, após palestra realizada na sede do IAB

em São Paulo pelo arquiteto Gordon Graham, professor da Universidade de Nottingham, que,

na Inglaterra, não havia a presença marcante de mestres como Le Corbusier ou Gropius. No

entanto, na área do planejamento, o país constituía um exemplo a ser observado: “Há um

plano-mestre para todo o país, que é modificado e revisto de cinco em cinco anos”, afirma a

matéria, reiterando que os edifícios não são concebidos como “unidades isoladas, mas

devem entrar em conjuntos urbanos aceitáveis” (ASPECTOS..., 1955, p. 2). Essa tônica

sugere uma ponderação mais cuidadosa quanto à adesão apressada aos preceitos da Carta

de Atenas propagados anteriormente pelos CIAM no entreguerras, e alinhava-se com o

intuito de discussão e difusão de experiências paralelas para que se empreendesse o

processo de planejamento em âmbito local.

Naquele momento, coincidente com a elaboração do projeto para Brasília – “decantação”

dos princípios urbanos funcionalistas da Carta de Atenas, com relação à estruturação viária,

zoneamento, unidades de vizinhança, etc., desaparecem paulatinamente do debate

especializado esta ênfase sobre o caráter da planificação total do ambiente urbano, dando-

se lugar à difusão, cada vez maior, das experiências de planejamento que vão sendo

concretizadas, através de Planos Diretores, bairros operários, conjuntos habitacionais de

grande envergadura e intervenções urbanas, além de projetos de equipamentos públicos,

tais como escolas, edifícios administrativos, hospitais, etc. Concomitantemente, nos

periódicos especializados deste período, comparecem muitos projetos de residências

57 Aspectos da arquitetura contemporânea inglesa, Habitat, ano V, n. 24, out. 1955, p. 2 

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particulares, atestando a incorporação da linguagem modernistas pelas camadas “médias”

urbanas e também o crescimento da produção neste subsetor específico.

Em 1956, um reconhecimento maior da expansão irregular da cidade também vai voltar os

olhos dos profissionais para as áreas periféricas, em uma tentativa pioneira de diagnosticar

os problemas relativos a este processo: a SAGMACS (Sociedade para Análises Gráficas e

Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais), por exemplo, contribuirá

fundamentalmente para expandir as discussões no âmbito profissional dos arquitetos,

deixando um legado que, embora interrompido pela crise política de 1964, trará também

novos referenciais teóricos para a compreensão desta mesma realidade – como o marxismo

interpretado pelo padre dominicano Louis-Joseph Lebret –, além de diagnósticos inovadores

sobre a cidade de São Paulo: o estudo da “Estrutura Urbana da Aglomeração Paulistana”

(1956-57) – não publicado.

Lebret foi fundador do movimento Économie et Humanisme (Economia e Humanismo), que,

a partir de 1941-42 aglutinava, na França, personalidades e intelectuais, líderes patronais e

sindicais – René Moreux (primeiro presidente do movimento), Gustave Thibon (filósofo),

François Perroux (economista), dentre outros –, e tinha por intuito conhecer os problemas

das camadas trabalhadoras com vistas à formação de agentes intermediários para ações

políticas e sociais (LAMPARELLI, 1994, p. 91-92). Vinculada à tradição dos católicos

reformadores, a linha de trabalho de E.H. buscava constituir um pensamento de renovação

da militância leiga de jovens operários e estudantes, formulado a partir da política de

“solidariedade”, e, por fim, desenvolver uma metodologia de pesquisa empírica vinculada à

ação.

O interesse de Lebret pelo marxismo não o impediu de conduzir uma leitura crítica ao próprio

Marx em seus estudos, apostando na possibilidade de uma integração mais humana entre

as diferentes classes sociais, ao invés da luta entre elas. Essa aproximação do frade com o

pensamento de esquerda, no entanto, não era vista com bons olhos, fosse no âmbito da

Igreja católica ou dentre as forças conservadoras, no Brasil. Entretanto, como explicou o

próprio Lebret,

O marxismo se constituiu como uma reação contra o capitalismo e o nacional-socialismo se pretendeu, por sua vez, a única força válida contra o capitalismo e o marxismo. Nossa abordagem deverá ser a tríplice recusa das três ideologias e dos três regimes, e a busca de

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uma quarta via que deveremos chamar “a Economia Humana” (LEBRET 58, 1957 apud LAMPARELLI, 1994, p. 91).

Figura 5 – Padre Lebret apresenta o estudo sobre a Aglomeração Paulistana à Comissão do Plano da Cidade (1958). Fonte: Folha de São Paulo, 9/3/1958. Consultado em: CESTARO, 2009, p. 170.

Nos anos 40, Lebret havia adotado em seu discurso o conceito do “bem comum”, que mais

tarde seria atualizado para “desenvolvimento harmônico”. Em 1947, Lebret desembarca em

São Paulo, e realiza, na Escola Livre de Sociologia e Política, uma série de conferências entre

14 de abril e 5 de junho daquele ano, para o curso Introduction générale à l’économie humaine

No início dos anos 50, o frade dominicano foi convocado por Lucas Nogueira Garcez,

governador do estado de São Paulo, para realizar um estudo para a Comissão Interestadual

da Bacia Paraná-Uruguai, envolvendo oito estados, que se desdobra em seguida no relatório

“Possibilidades e necessidades do Estado de São Paulo” (1954). O método utilizado servirá

de base para as pesquisas subsequentes.

Em 1956, inicia-se, sob a orientação da Comissão Municipal da Pesquisa Urbana o estudo

que gerará o relatório “Estrutura Urbana da Aglomeração Paulistana”. O trabalho foi

elaborado a partir da recusa em se traçar um plano para a cidade sem conhecer, cientifica e

58  LEBRET,  Louis‐Joseph.  René  Moreux  et  la  fondaction  d’Economie  et  Humanisme.  Rev.  Economie  et 

Humanisme, n. 106, set.‐out. 1957.  

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empiricamente, a sua realidade. Isso incluía o levantamento das condições de vida da

população urbana como um todo – levando-se em conta a periferia da cidade e seus

“subcentros”. Em depoimento posterior de Celso Lamparelli, arquiteto que trabalhara com

Lebret:

Esta era a concepção que conduziu a adaptação dos princípios e métodos da Comissão liderada pelo padre Lebret para a completa tarefa de conhecer a cidade que ele mesmo havia identificado dez anos antes como “um grande acampamento”. [...] O objetivo da teoria e do método na pesquisa era conhecer o empírico. Nós não conhecemos as nossas cidades e ficamos sonhando que cidade vamos propor, vamos inventar. Nós devemos conhecer nossas cidades a fundo, como é que eles resolvem os problemas, que problemas tem concretamente e transformar isso em conhecimento sintético. 59

O diagnóstico do trabalho apontava a necessidade de se considerar a aglomeração urbana

como um todo muito mais amplo do que a área central da cidade, anteriormente foco das

proposições urbanísticas e de planejamento. Contrariando as propostas vigentes de

realização de obras viárias a partir de uma concepção radioconcêntrica da cidade, ou da

aplicação de uma legislação de zoneamento que, na prática, privilegiava a manutenção da

valorização de determinados bairros, a linha de trabalho seguida por Lebret e pela equipe da

SAGMACS propunha um processo de urbanização descentralizador, a partir da identificação

de unidades dotadas de relativa autonomia dentro da aglomeração, apontando-as como

“subcentros” urbanos em processo de consolidação, que por sua vez poderiam ser

administrados por subprefeituras (LEME; LAMPARELLI, 2001, p. 682).

A ampliação das distâncias de deslocamento e a dispersão da população estavam indicando uma nova dinâmica que exigiria, a curto prazo, medidas que estimulassem a formação de polos secundários (LAMPARELLI, 1994, p. 95).

É importante salientar, no entanto, que o relatório da SAGMACS para a “Aglomeração

Paulistana” não continha proposições urbanísticas, tais como os planos até então elaborados

para a cidade. Sua metodologia, porém, orientada para a ação, junto à compreensão do

desenvolvimento como caminho para a construção de uma cidade solidária colocam,

conforme apontou Leme (2000), esta corrente do pensamento urbanístico como uma vertente

distinta daquelas alinhadas anteriormente com as ideias de Prestes Maia e Anhaia Mello 60.

As ideias de Lebret se difundem entre arquitetos, sociólogos, economistas, geógrafos e

59 Entrevista de Celso Lamparelli, mai.‐jun. 2000. In: LEME; LAMPARELLI, 2001, p. 682‐683. 

60  Os  planos  diretores  elaborados  pelo  Centro  de  Estudos  e  Planejamento  Urbano  (CPEU),  da  FAUUSP, 

coordenado por Anhaia Mello, no entanto, dialogavam com a metodologia da SAGMACS. A partir do meio da 

década, o CPEU elaborou planos para as cidades de São José os Campos, Campos do Jordão, Socorro, Santa 

Rita do Passa Quatro e outras estâncias climáticas do Estado de São Paulo (LAMPARELLI, 1994, p. 97). 

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outros, em consonância com a ênfase dada pelo frade à formação de quadros técnicos

especializados, trazendo a questão social para o centro do debate sobre o planejamento.

O emprego da metodologia da SAGMACS tornou públicas as condições de vida das

populações da periferia paulistana, informando o olhar de uma geração de arquitetos que

viria a trabalhar, logo em seguida, no Plano de Ação do Governo do Estado de São Paulo

(PAGE), empreendido de 1959 a 1963. Durante o governo de Carlos Alberto Alves de Carvalho

Pinto, que tinha Plínio de Arruda Sampaio como secretário (ambos do Partido Democrata

Cristão, PDC), mais de 300 obras, dentre escolas, postos de saúde, fóruns e outros edifícios

públicos foram construídos ou reformados pelo governo estadual, seguindo um processo de

planejamento que visava a modernização dos equipamentos do Estado, integrando a capital

“urbana” e o interior rural (“atrasado”). Além disso, o PAGE previu investimentos em sistemas

de água e esgoto, abastecimento e pesquisa, além de criar a Fundação de Amparo à

Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, 1962) e o FUNDUSP (Fundo de Construção da

Cidade Universitária).

Conforme apontado por Buzzar e Cordido (2007), o PAGE obteve financiamento do Instituto

de Previdência do Estado de São Paulo (IPESP), o que o diferenciou do Plano de Metas de

Juscelino Kubitschek, ao não realizar o enorme montante de empréstimos internacionais

deste último, que posteriormente agravaria o quadro inflacionário brasileiro. Além disso,

houve uma mudança na organização do trabalho, uma vez que projetos para edifícios foram

contratados fora do âmbito usual do Departamento de Obras Públicas (DOP), sendo

direcionados para escritórios de profissionais liberais. Foi nessa oportunidade que arquitetos

e escritórios de orientação moderna projetaram edifícios cujo apuro estético viria a se tornar

referência no meio profissional, atualizando a linguagem arquitetônica brasileira aplicada aos

edifícios públicos e projetando nomes como os de Vilanova Artigas, Fábio Penteado, Carlos

Millan, David Libeskind, Joaquim Guedes, dentre outros.

[...] o DOP, que tinha mais obras, continuava com os chamados “projetos padrão” [...] eu andava com os arquitetos, os arquitetos chegavam para mim e diziam: “O que se gasta para preencher o terreno ou tirar o terreno, você gasta num bom projeto, que rompe com o padrão, aproveita o terreno e faz algo muito melhor, com a insolação bem-feita, etc.” [...] era óbvio que tinha que ser moderno. Nem se discutia, era uma coisa de senso comum. Era tão hegemônica a ideia e eles todos eram ligados a isso, tinham acabado de sair da escola de arquitetura. (SAMPAIO 61, 2007 apud BUZZAR; CORDIDO, 2007)

61 Entrevista de Plínio de Arruda Sampaio ao grupo de pesquisa “Arte e arquitetura, Brasil – diálogos na cidade 

moderna e contemporânea” (ArtArqBr), em 05/03/2007. 

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Após o término do PAGE e da gestão de Carvalho Pinto, em 1963, parte daquela equipe

retomou os estudos da SAGMACS, ao passo que outros técnicos se dividiram fundando a

ASPLAN, empresa de assessoria, pesquisa e planejamento, e a PLANASA, consultora no

campo da administração pública (LAMPARELLI, 1994, p. 97; LEME; LAMPARELLI, 2001, p.

685-686).

Figura 6 – Gráfico da distribuição setorial de investimentos o Plano de Ação. Fonte: BUZZAR; CORDIDO, 2007.

Poderíamos apontar, portanto, que o olhar de Lebret e da SAGMACS para além da “área

central” da capital paulistana conduziu todo um discurso e uma prática profissionais a

considerar e incorporar não apenas as periferias da cidade em seus estudos, avaliando e

quantificando as suas necessidades, mas levou, igualmente, à abordagem metropolitana

inserida em uma lógica do planejamento regional para o desenvolvimento, articulando,

igualmente, a capital e o interior do Estado. Pode se dizer que a dimensão do “social”

incorporou a defesa da necessidade de provimento de serviços públicos e de infraestrutura,

administrativa e logística, integrados e empreendidos a partir do poder público, e que

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carregavam em seu bojo o ímpeto de redução das disparidades resultantes das condições

de “subdesenvolvimento” e que a iniciativa puramente liberal não lograria alcançar.

É a partir desse momento (décadas de 1950 e 1960) que começa a despontar,

paulatinamente, a importância do projeto e do processo de planejamento em um âmbito mais

próximo da população e dos usuários para os quais se destinam as propostas elaboradas.

As figuras do artista ou do técnico cujas indicações devem ser estreitamente seguidas cede

espaço para uma nova condição profissional que se aproxima da multidisciplinaridade, de

modo a responder mais adequadamente à complexidade dos novos problemas enfrentados,

diante de uma economia cada vez mais vulnerável, e onde as preocupações étnicas, sociais

e ambientais passam a revelar a sua urgência.

No plano internacional, Montaner e Muxí (2014, p. 221) apontam que essa nova linha de

pensamento – referido pelos autores como bottom-up (“de baixo para cima”) – está

relacionada ao conjunto de experiências e manifestos, lançados a partir do segundo pós-

guerra, de variados arquitetos – de várias localidades – como John F. C. Turner, N. John

Habraken, Christopher Alexander, Bernard Rudofsky, artistas como o pintor austríaco

Hundertwasser, movimentos como artísticos como o Mouvement International pour une

Bauhaus Imaginiste ou o Lettriste Internationale – que culminaram em 1957 com a criação da

Internacional Situacionista –, e escritoras como Jane Jacobs e Rachel Carson, todos

sintomas evidentes do declínio das aspirações totalizantes do Movimento Moderno (e,

consequentemente, dos CIAM), e constatações da necessidade da cultura arquitetônica de

se aproximar do âmbito disciplinar das ciências sociais e da história cultural material. É ainda

a partir da década de 1960 que, segundo os mesmos autores,

os movimentos sociais urbanos começaram a ganhar relevância: a opinião das maiorias silenciosas, assim definida por Denise Scott Brown; os movimentos de bairros, que tiveram como intrépida defensora Jane Jacobs [The death and life of great american cities]; o inicio do pensamento ecológico com Primavera silenciosa [Silent spring], de Rachel Carson, como texto seminal; a eclosão dos grupos ecológicos etc. (MONTANER; MUXÍ, 2014, p. 33)

No âmbito latino-americano, Montaner (2001, p. 130-131) destaca, por exemplo, a

experiência do arquiteto britânico John F. Turner, que morou entre 1957 e 1965 no Peru, e

estudou durante estes oito anos os processos de ocupação ilegal do solo e de autoconstrução de novos povoados nas periferias das grandes “cidades dominantes” latino-americanas, bairros autoconstruídos onde a maioria dos habitantes buscavam moradia. [...] Nesta chamada de atenção para a arquitetura autoconstruída de muitos países, Turner estava insistindo em uma crítica ao Movimento Moderno e às suas premissas de um homem universal e da atividade arquitetônica totalizadora.

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No Brasil, este quadro cultural, entrecruzado pelas particularidades do clima político e social

local, impulsionou experiências como, por exemplo, no caso paulistano, o Movimento

Universitário para o Desfavelamento (MUD), “uma das mais importantes experiências de ação

junto a comunidades carentes, realizadas por universitários paulistanos” (TANAKA, 1995, p.

5).

Congregando estudantes, professores, profissionais e membros da comunidade interessada,

a partir de distintos vieses, informados pelo clima progressista e reformista do início dos anos

1960, e também por correntes políticas como a católica progressista (representados pela

Juventude Universitária Católica – JUC) , o MUD foi articulado a partir do Centro Acadêmico

Oswaldo Cruz, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com apoio da

Divisão de Serviço Social da Prefeitura Municipal de São Paulo. Conforme depoimento de

um dos membros do MUD:

E, numa tarde de sol bem brasileira, no primeiro semestre de 1961, num restrito anfiteatro da FMUSP, onde se “empilhavam”, ou transbordavam 150 pessoas (talvez mais) em seus comportados e formais noventa assentos, nasceu o Movimento Universitário para o Desfavelamento. Foi folclórico. Foi bonito. Foi extraordinário. As contradições exigiam minha saída daquele mundo multifacetado que negava, pelo meu imediatismo e autoritarismo de jovem, ao qual eu não conseguia renunciar, por disciplina partidária (iniciava minha militância na novíssima Ação Popular), por gostar do trabalho de base em favela, vivenciado de 1959 a 1961, pela presença fascinante de outros universitários da JUC predominantemente, aderiram ao MUD e à presença carismática e de competência técnica e política dos assistentes sociais responsáveis pela Divisão de Serviço Social da Prefeitura que foram nosso eixo. 62

Aqui o problema da habitação estava articulado não a partir do expediente especializado do

planejamento municipal, mas sim a partir de distintos atores da sociedade civil, em conjunto

com instituições públicas (universidade e prefeitura). Além disso, o próprio clima de ebulição

política levava os envolvidos a encarar a experiência não apenas como resolução de um

problema em específico, mas como forma de articulação mais ampla, que estimulasse a

criação, junto à população envolvida, de uma consciência mais ampla de mobilização sócio-

política: “junto com a visão de desfavelamento, estavam presentes a valorização do trabalho

interdisciplinar e a conscientização dos participantes sobre as profundas mudanças

estruturais que aconteciam no país” (TANAKA, 1995, p. 5).

A efervescência política da época contaminava, no bom sentido, toda a sociedade. Era o tempo da Guerra Fria, do fim da reconstrução europeia, da consolidação do Império Soviético. A resistência ao nazi-fascismo, as experiências de reconstrução do pós-guerra, as experiências do Padre Lebret acabavam capacitando os católicos ao exercício político com

62 Não assinado – provavelmente Carlos Régis Bastos Rampazzo (médico). Citado em: TANAKA, 1995, p. 13. 

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ações solidárias aos mais pobres, transcendendo o aspecto assistencial e espiritual. Buscavam-se espaço e ação política, numa perspectiva cristã. Sendo, em nossa visão, maior que a perspectiva marxista não precisava negá-la; poderia até absorvê-la, desde que a essência não fosse negada ou desvalorizada 63.

A conscientização fomentou o debate sobre a questão habitacional junto à sociedade,

levando à organização de eventos importantes na área, como, por exemplo, o “1º Seminário

Nacional de Estudos do Problema Favela”, realizado em 1965, já em pleno regime autoritário.

Considerado um elemento indesejado na nova conjuntura política, o MUD encerrou as suas

atividades por volta de 1967, quando o regime já endurecia a repressão iniciada anos antes.

Além disso, a implantação do Banco Nacional da Habitação (BNH), em 1964, articulado ao

Sistema Financeiro da Habitação (SFH), que arrebanhara um volume de recursos financeiros

jamais postos anteriormente à disposição dos programas habitacionais, encarregou-se de,

segundo Tanaka (1995, p. 14), “anular todas as iniciativas que dele fossem diferentes”.

No início dos anos 1960, a efervescente discussão sobre a pauta do planejamento vai focar

sobre uma das pautas mais emblemáticas que caracterizariam a discussão político-social no

Brasil urbano: a da “reforma urbana”, que, junto às chamadas reformas de base, tornariam-

se as grandes bandeiras políticas progressistas dos profissionais de planejamento urbano

naquele momento; discussão que, a partir das mudanças de 1964, prosseguiria sob outras

bases.

À medida mesma em que o campo do planejamento começava a se legitimar, parecia ficar

patente que uma noção de cunho mais totalizante ligada ao “Plano” não condizia com a

realidade, e que o mesmo deveria adotar um direcionamento mais setorial e direcionado.

Leme (1998, p. 3), por exemplo, observa uma continuidade existente entre as práticas de

melhoramentos urbanos de fins do século XIX e início do XX – e seu caráter pontual, ao invés

de total – e um caminho trilhado a partir dos anos 50, afastando-se da concepção unitária

dos CIAM e de grande parte dos arquitetos modernos brasileiros, e aproximando-se, ao invés

disso – já na década de 70 – dos Planos Diretores de Desenvolvimento Integrado.

63 Depoimento de Carlos Régis Bastos Rampazzo, novembro de 1994. In: TANAKA, 1995, p. 12.  

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Figura 7 – 1.º Seminário Nacional de Estudos do Problema Favela, aprox. 1965. Fonte: TANAKA, 1995, p. 15.

A pauta da Reforma Urbana

O crescimento explosivo da população e ambiente urbanos movimentavam, dentre

população e técnicos, uma agenda de questões envolvendo habitação, transporte, acesso a

equipamentos e serviços etc. que, não sendo acompanhadas de medidas congruentes,

sugeriam a urgência de reformas a serem empreendidas. A agitação política e social

resultante desse cenário era entrecruzada com uma conjuntura desfavorável no início dos

anos 60, com inflação, compressão salarial e diminuição no ritmo de crescimento econômico

do país.

O problema da habitação continua a comparecer na agenda de questões a serem

enfrentadas pela arquitetura e pelo poder público. Conforme já apontamos, tal preocupação

poderia ser rastreada já pelo menos desde o início do século XX, mas torna-se um elemento

de pressão a partir dos anos 30 e 40, nos diversos debates no setor profissional 64,

64 Bonduki (1994, p. 714) aponta aqueles que seriam talvez as primeiras iniciativas de construção habitacional 

por parte do poder público: na Av. Salvador de Sá (Rio de Janeiro, 1906), da Vila Proletária Marechal Hermes 

(“abandonada  com  as  obras  nos  alicerces  por  quase  duas  décadas”)  e  em  Recife,  pela  Fundação  A  Casa 

Operária (1926). Já com relação ao debate profissional, Bonduki (1994, p. 718) cita a realização, em São Paulo, 

das  Jornadas  de  Habitação  Econômica,  publicadas  na  Revista  do  Arquivo  Municipal,  em  1942,  além  do 

comparecimento  do  assunto  em  outras  fontes,  como  a  Revista  do  Ministério  do  Trabalho,  Indústria  e 

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destacando-se a vasta produção edilícia dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs)65

– criados a partir de 1938 – e da Fundação da Casa Popular (FCP) – tendo esta última sido

criada no governo Dutra, em 1946. Tais experiências constituíram esboços – ainda que não

totalmente articulados – de construção de uma estratégia para enfrentar o problema

habitacional em um âmbito mais amplo.

Em 1961, com a subida ao poder do presidente Jânio Quadros, uma tentativa de articular as

diversas instâncias responsáveis pela resolução do problema habitacional brasileiro foi

lançada, através da proposta de criação do Instituto Brasileiro de Habitação (IBH). Esta, no

entanto, foi frustrada, não tendo passado da etapa de projeto de lei, fato endossado pela

súbita renúncia do presidente naquele ano. O tema das “reformas de base”, entretanto, tendo

assumido papel de destaque na pauta de seu vice e sucessor João Goulart 66, impulsionou a

discussão acerca da Reforma Urbana (articulada a outras bandeiras, como a da Reforma

Agrária), considerada crucial para a viabilização de uma política habitacional plena em escala

compatível com os déficits apontados.

Entre os arquitetos, o principal debate acerca da habitação como “questão” social e da

urgência de seu empreendimento como política pública foi divulgado no âmbito da revista

Arquitetura, veículo oficial de comunicação do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), onde

profissionais como Jorge Wilheim, Maurício Nogueira Batista, Joaquim Guedes, dentre

outros, trataram de definir precisamente a sua importância e as ações necessárias como a

sua resolução, como problema técnico e político.

A principal ação a ser tomada, nesse sentido, era a realização de uma ampla Reforma

Urbana, vista como urgente e necessária para a implementação das melhorias relativas à

distribuição mais justa e ao ordenamento do solo, com o intuito de democratizar o acesso à

moradia e ao trabalho, bem como aos outros benefícios da cidade. Além de problematizar o

suprimento de habitações condignas com as necessidades de cada cidadão, o compromisso

profissional do arquiteto deveria valorizar a questão da sua inserção no tecido urbano de

forma coerente. Na discussão iniciada em Arquitetura, conforme observado por Ribeiro e

Pontual (2009):

Comércio, O Observador Econômico‐Financeiro e Digesto Económico, além das publicações dos Institutos de 

Aposentadoria e Pensões e da imprensa diária. 

65 Cf. BONDUKI; KOURY, 2014. 

66  Segundo Daniel  Aarão Reis  (2000,  p.  23‐24),  as  “reformas  de  base”  contemplavam:  a  reforma  agrária, 

reforma urbana, reforma tributária, reforma eleitoral, reforma do estatuto do capital estrangeiro, e a reforma 

universitária. 

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Os problemas habitacionais, então, necessitavam de uma abordagem muito mais ampla do que a de um espaço encerrado de uma casa. A “visão” do arquiteto deveria dar conta do “edifício junto aos outros edifícios, estes em relação às ruas, praças, parques, escolas, campos de esportes, lojas, mercados, igrejas, ao tráfego, ao abastecimento e aos serviços públicos essenciais” 67. E isso significaria contemplar em seu trabalho, ou pelo menos em seu discurso, o espaço em que estava inserida a habitação e o espaço urbano e toda a sua problemática.

É interessante sublinhar aqui, a problematização acerca da função social do arquiteto. Para

além da componente “artística” presente nas formulações arquitetônicas, ressaltava-se o

caráter da reflexão social que deveria ser parte constituinte da atividade profissional, bem

como o engajamento pertinente às questões relativas ao desenvolvimento das cidades e

suas relações com o habitat humano. Na edição de julho de 1963 de Arquitetura, lê-se:

As discussões e divagações em torno de teses racionalistas ou organicistas, da composição formal ou informal, do material revestido ou bruto cederam lugar às questões sociais e econômicas do fato arquitetônico. A discussão teórica e teorizante das soluções formais e da pesquisa estética passou a um segundo plano mais justo e mais consentâneo com a própria opção de cada um. Compreendemos que o que nos deve aglutinar é a vigilância constante sobre os fatos que decorrem da transformação brasileira. (S.HRU, 1963a, p. 2)

Imbuídos destas premissas, profissionais de diversas áreas, incluindo arquitetos, se reuniram

na realização do Seminário de Habitação e Reforma Urbana (SHRU), que teve lugar, em julho

de 1963, em Petrópolis/RJ (dias 24, 25 e 26, no Hotel Quitandinha) e em São Paulo/SP (dias

29, 30 e 31, na sede do IAB). O evento foi promovido pelo IAB com apoio do Instituto de

Aposentadoria e Pensão dos Servidores do Estado (IPASE) – vale dizer, portanto, uma

iniciativa conjunta entre uma entidade civil e o poder público, na tentativa de resolução do

problema – e reuniu cerca de 200 técnicos de diferentes especialidades (arquitetos,

sociólogos, engenheiros, economistas, advogados, assistentes sociais, médicos), além de

líderes estudantis e sindicais, representantes de órgãos de planejamento e de grandes

empresas industriais (S.HRU, 1963b, p. 17).

As principais conclusões do SHRU apontavam para a urgência da realização das reformas,

de forma a combater a especulação e possibilitar a implantação das melhorias e do processo

de planejamento das cidades; e para a necessidade de criação de um órgão central nacional

que, dentre outras proposições, deveria ser responsável por elaborar um Plano Nacional

67 AINDA a tal da reforma urbana. Arquitetura, Rio de Janeiro, Instituto de Arquitetos do Brasil, n. 23, mai. 

1964, p. 2. Trecho citado pelas autoras. Note‐se que esta edição, especificamente, havia sido publicada já 

durante a vigência do regime militar. 

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Territorial e um Plano Nacional de Habitação. Alguns pontos do “Documento Final do

Seminário” afirmavam:

1) dentre os direitos fundamentais do homem e da família, se inclui o da habitação. Sua plena realização exige limitações do direito de propriedade e uso do solo que se consubstancia numa reforma urbana, considerada como um conjunto de medidas estatais, visando à justa utilização do solo urbano, à ordenação e ao equipamento das aglomerações urbanas e ao fornecimento de habitações condignas a todas as famílias. 2) a habitação é um elemento fundamental de padrão de vida, constituindo não apenas o abrigo físico, mas também, um fator condicionante de interação entre seus moradores, no seio da família, e destes para com toda a sociedade. [...] 3) apesar de já existirem conhecimentos técnicos para resolver o problema, apenas uma minoria da população brasileira usufrui desses benefícios. [...] 4) essa situação contrasta flagrantemente com os conceitos de democracia e justiça social e só poderá ser superada pela atualização da estrutura econômica nacional e por um considerável avanço construtivo, através da coordenação de esforços e da racionalização de métodos de produção; [...] 5) em consequência, a solução do problema habitacional e da reforma urbana está vinculada à política de desenvolvimento econômico e social – inclusive a reforma agrária – através da qual possa ser rapidamente elevado o padrão de vida do povo brasileiro. [...] 6) o problema da habitação é de responsabilidade do Estado, sendo que sua intervenção deve ser no sentido de equacionar o problema em sua totalidade; [...] 7) não pode ser de ordem assistencial, concedendo paternalisticamente a casa, como até então. [...] 8) é de grande importância a formação de uma consciência popular do problema e a participação do povo em programas de desenvolvimento de comunidades. (S.HRU, 1963b, p. 19-20)

Assim, no bojo das realizações de 1963, articulava-se amplamente uma estratégia que

pudesse dar uma resposta às questões sobre a arquitetura e sua pertinência com relação às

questões urbanas, na busca da construção de uma política pública de habitação coerente e

com financiamento estável, e que interferisse positivamente na resolução dos problemas

emergentes das cidades. E isso era evidenciado pelo clima político favorável à

implementação das reformas de base.

Tal como apontado por Bonduki e Koury (2010), vários dos direcionamentos apontados ao

redor da Reforma Urbana, às vésperas da crise política de 1964, viriam a ser incorporados

pela política do sistema BNH/SERFHAU (Banco Nacional da Habitação e Serviço Federal de

Habitação e Urbanismo), criado em 1964, após o golpe militar. Ainda que as intenções

políticas destas instituições tenham servido a propósitos diversos – e controversos –, foi a

partir deste momento que se constituiu, pela primeira vez, uma instância nacional capaz de

dar amplo encaminhamento à resolução do problema do déficit de moradias, com a

consolidação de um sistema de financiamento estável – o Sistema de Financiamento da

Habitação (SFH).

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À guisa de conclusão – capítulo 1

Neste capítulo, procuramos abordar o posicionamento dos arquitetos diante da agenda

urbana e da pauta do planejamento a partir das alterações na ordem vigente que deslocaram

o eixo de poder político da República Velha, atingindo a hegemonia da elite agroexportadora

e da política do “café com leite”. As transformações da Era Vargas e do Estado Novo

inseriram, em definitivo, o país na rota do desenvolvimento da industrialização, o que, por

sua vez, levou à formação, no plano local, de grandes núcleos urbanos com oferta de

emprego e serviços, atraindo a população advinda da zona rural. No caso de São Paulo, tal

fenômeno também esteve associado a um desequilíbrio no desenvolvimento inter-regional

do país, o que ocasionou um fluxo migratório crescente em direção à capital paulista,

estimulado pela dinamicidade da economia e pela demanda de empregos, principalmente no

setor industrial.

Na busca da compreensão desse processo, e visando a sua condução, as disciplinas

relativas à temática urbana passaram por transformações que levaram a uma reformulação

das tensões entre disciplina e meio, entre elaboração intelectual e ambiente construído,

modificando as atribuições tradicionais do arquiteto, e mesmo as do urbanista. As

movimentações profissionais em fins da década de 20 e início da de 30 no sentido da

regulamentação do exercício da profissão conduziram progressivamente à autonomia do

ensino de arquitetura com relação às engenharias, ao mesmo tempo em que outorgavam um

caráter liberal à profissão, a partir da bandeira levantada pelos nomes mais influentes no

meio a partir dos anos 40. De outro lado, o urbanismo, como ciência cujas práticas haviam

sido calcadas, até então, nas propostas sanitaristas e na execução de obras viárias, viu

florescer a figura de um novo profissional, cuja atuação, de caráter multidisciplinar, seria

voltada para o planejamento, vinculando-se a um momento no qual as cidades brasileiras se

viam inseridas no desenvolvimento do segundo pós-guerra. Atente-se para o fato de que isso

se deu nos anos 50, no contexto em que se lutava pela consolidação do ensino de urbanismo

nas recém-criadas faculdades de arquitetura em São Paulo, e no momento em que os

estudos sobre antropologia e sociologia adquiriam grande relevância para o meio profissional

em questão.

O planejamento ultrapassa, portanto, a prática, anteriormente vigente, de remodelação do

espaço urbano como ciência isolada. Mais ainda, a conjuntura democrática do momento

favorece um olhar de novo tipo para os objetos de estudo urbanos, atentando para os

problemas da periferia das cidades, da classe trabalhadora e da participação dos usuários

nos processos decisórios – ainda que de forma incipiente.

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Também a crise do liberalismo dos anos 20 e 30, bem como as dificuldades resultantes da

mesma, contribuiu para a legitimação do planejamento como ferramenta necessária para a

superação do atraso e do subdesenvolvimento, e para a construção de uma sociedade mais

justa e igualitária. Isso reconfigurou as relações entre atividade intelectual, economia e

sociedade, em um Brasil que se encontrava em vias de se tornar hegemonicamente urbano.

“A função social do arquiteto”, tema do 1º Congresso Brasileiro de Arquitetos, de 1945,

apontava, assim, para a inflexão que viria a transformar a disciplina, revelando, ao mesmo

tempo, o reconhecimento da perda da unicidade simbólica tradicionalmente atribuída ao

objeto arquitetônico, inserindo-o no novo quadro da produção de massa e reconfigurando o

lugar do habitat humano dentro de um ciclo econômico geral. A função social deveria, neste

caso, ultrapassar as idiossincrasias da encomenda individual voltada para uma elite e pleitear

um novo papel para o arquiteto como profissional consciente de uma demanda urbana – e

portanto, social – que necessitava ser organizada – ou planejada –, tarefa esta que era

condizente ao caráter, intrínseco da arquitetura, de projeto, previsão e construção; mas que

deveria, agora, associar-se aos campos afins da economia, do direito, das ciências sociais,

da geografia, etc.

Dessa forma, o planejamento físico, bem como o econômico e o administrativo, após galgar

espaço dentre técnicos, políticos e intelectuais – que, por sua vez, buscavam levar o seu

convencimento até o “povo” –, lançava a pergunta sobre “quem” seria(m) o(s) dirigente(s)

desse processo. De um lado, tendências socialistas e/ou reformistas defendiam uma maior

participação do Estado (nacional) nas instâncias decisórias e executoras do(s) Plano(s); de

outro, forças contrárias se mesclavam, ou advogando uma forte participação do capital e

consultorias estrangeiros ou lutando por uma política de orientação mais liberal. As tensões

desse embate levaram a um caminho particular trilhado pelo planejamento após as

redefinições de 1964, fosse através de sua eficiência (tecnocracia), fosse através de sua

ausência (nos lugares “fora das ideias”).

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CAPÍTULO 2 – Ideário político, forma e linguagem

Introdução

No segundo pós-guerra, a arquitetura brasileira gozava de grande notoriedade perante a

crítica internacional, impulsionada pela recepção da exposição Brazil Builds, organizada

por Philip L. Goodwin em 1943 no Museum of Modern Art (MoMA) de Nova York. Tal

visibilidade, aliada a um ambiente favorável à recepção das ideias da arquitetura europeia

do entreguerras, especialmente a sua vertente “corbusiana”, estimulava os debates

acerca dos rumos da arquitetura e das cidades brasileiras, em um cenário de atividade

econômica e urbanização intensas; e de formação de uma cultura nacional em um país

que se modernizava de forma cada vez mais veloz.

Diante destes fenômenos, que afetavam direta ou indiretamente as diversas instâncias

do cotidiano e da cultura nacionais, os arquitetos – bem como outras categorias

intelectuais, artísticas e profissionais –, buscaram debater os rumos do ofício na

confluência com as mudanças sociais, políticas e econômicas verificadas. A partir do fim

do Estado Novo e da reabertura do debate democrático, realizam-se congressos, são

publicadas revistas – especializadas ou não –, há intensa mobilização política, com a

criação de novos partidos, etc.

Neste capítulo, nos concentraremos especialmente sobre o debate arquitetônico

envolvendo a intersecção entre as esferas da profissão e dos rumos políticos do país,

em pleno surgimento da chamada Guerra Fria e de um forte ímpeto nacionalista de fins

da década de 1940 e início da de 1950. Nesse contexto, uma certa radicalização de

posturas imprimiu uma ácida discussão entre nacionalismo e internacionalismo, ou entre

concepções artísticas conflitantes entre si. No âmbito da arquitetura, este problema

compareceu entrecruzado com a difusão da arquitetura moderna, a afirmação liberal da

profissão e forte processo de modernização e pujança econômica, como no caso de São

Paulo.

Realizaremos este percurso tratando de alguns pontos de destaque envolvendo as

polêmicas daquele período: um possível ideário político “realizável” na arquitetura e sua

identificação com o povo e a cultura popular; o compromisso social-profissional do

arquiteto e a crítica ao “formalismo” no projeto; e a discussão sobre o caráter nacional.

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O interregno 1945-54 – praticamente dez anos de regime democrático –, é especial pois

marca um fértil período de revisão dos caminhos trilhados pela arquitetura brasileira, pelo

menos desde os anos 20. Esse “clima” de reavaliação fica latente, por exemplo, em

editoriais de revistas especializadas por volta de 1953-54 – especialmente após as

passagens de Max Bill pelo Brasil –, no 4º Congresso Brasileiro de Arquitetos (1954), e

ainda, no âmbito crítico-historiográfico, em estudos como os de Geraldo Ferraz, que, um

pouco depois (1956-57), aborda na revista Habitat a produção de profissionais que

haviam passado ao largo da arquitetura mais divulgada, como Gregori Warchavchik, Rino

Levi, dentre outros 68.

O mundo dividido

O encerramento da Segunda Guerra Mundial sinalizou um ponto de relevo não apenas quanto

ao fim dos combates que vitimaram milhões de pessoas – dentre civis e militares, de várias

partes do globo 69 – e à derrota do nazi-fascismo, mas, também, com relação ao processo

de reorganização mundial, e ao reordenamento de mercados que se seguiu após 1945. O

protagonismo das duas superpotências que emergiram da guerra (Estados Unidos e União

Soviética), e que partilharam quase que a totalidade do globo sob duas grandes áreas de

influência política e militar, radicalizou a oposição entre dois modelos de pensamento e de

governo: de um lado, predominantemente ocidental, o capitalismo liberal; de outro, oriental

(principalmente europeu e asiático), o socialismo. Embora antagônicos, a princípio, os dois

sistemas coexistiram de forma razoavelmente pacífica no período imediatamente após a

guerra, dada a situação de alianças selada contra o Eixo 70.

68 DEDECCA, 2012, p. 19‐20. 

69  Conforme  apontado  pelo  historiador  Eric  Hobsbawm  (1995,  p.  50),  “suas  perdas  são  literalmente 

incalculáveis, e mesmo estimativas aproximadas se mostram impossíveis, pois a guerra [...] se deu em regiões, 

ou momentos, em que não havia ninguém a postos para contar, ou se importar. [...] As baixas soviéticas foram 

estimadas em vários momentos, mesmo oficialmente, em 7 milhões, 11 milhões, ou na faixa de 20 ou mesmo 

30 milhões. De qualquer modo, que significa exatidão estatística com ordens de grandeza tão astronômicas? 

Seria  menor  o  horror  do  holocausto  se  os  historiadores  concluíssem  que  exterminou  não  6  milhões 

(estimativa original por cima, e quase certamente exagerada), mas 5 ou mesmo 4 milhões?” 

70 É interessante notar que a bandeira do combate ao fascismo era compartilhada inclusive por tendências 

políticas antagônicas, dada a força que o mesmo imprimia sobre a Europa durante os anos 30. Com relação a 

este aspecto, vale  lembrar a decisiva atuação de Stalin contra a Alemanha nazista a partir de 1941,  fator 

crucial  para  a  vitória  dos  países  aliados  e  que dificilmente poderia  ser  negligenciada  tanto pelos  Estados 

Unidos quanto pelo Reino Unido ou pela França. 

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A paz velada, no entanto, durou pouco. Logo após o fim da guerra, o ex-primeiro ministro –

e então líder da oposição – britânico Winston Churchill passara a exercer forte influência para

que o presidente norte-americano Harry Truman demarcasse uma posição contra a “ameaça”

da União Soviética 71. Em março de 1947, diante do Congresso Nacional norte-americano,

Truman proferiu um ácido discurso, marcadamente anticomunista – “creio que a política dos

Estados Unidos deve ser a de apoiar os povos livres que resistem a tentativas de subjugação

por minorias armadas ou por pressões de fora” –, dando vazão a um sentimento de repulsa

pelas correntes revolucionárias, contrárias aos ideais de uma América e uma Europa livres

(HOBSBAWM, 1995, p. 226). O fato, rompendo a aparente “neutralidade” existente

principalmente entre E.U.A. e o Reino Unido, de um lado, e U.R.S.S., do outro, simbolizou o

início da chamada “Guerra Fria”, um conflito nunca diretamente levado a termo, mas que,

durante várias décadas, lançou sobre o mundo a sombria ameaça de um novo armistício

mundial, com bombas suficientemente potentes para provocar a devastação do planeta 72.

Durante as várias décadas que se seguiram, o embate físico entre estes dois modelos

antagônicos esteve, por diversas vezes, em vias de se tornar realidade 73 – ou, ao menos, é

o que indica a ácida retórica e as várias crises políticas instauradas entre ambas as partes

desde 1947 até os anos que antecederam a dissolução da U.R.S.S., em 1991. De qualquer

forma, tratando-se ou não de meras ameaças “virtuais”, o clima de batalha instaurado aliado

ao medo crescente do poderio bélico-nuclear em constante desenvolvimento tanto pelos

E.U.A. quanto pela U.R.S.S. e a possibilidade de um terceiro conflito mundial catastrófico

repercutiu de forma definitiva sobre a vida política, econômica e cultural de praticamente

todas as localidades do globo.

71 Churchill, em discurso proferido em Fulton, nos E.U.A., em março de 1946, lança a expressão “cortina de 

ferro”,  referindo‐se à ação soviética no  leste europeu, área de delimitação  física entre os dois  “mundos” 

opostos. Cf. SEGATTO, 1981, p. 57; FALCÃO, 2012, p. 84; p. 109. 

84 “Assim que a URSS adquiriu armas nucleares – quatro anos depois de Hiroxima no caso da bomba atômica 

(1949),  nove  meses  depois  dos  EUA  no  caso  da  bomba  de  hidrogênio  (1953)  –  as  duas  superpotências 

claramente abandonaram a guerra como instrumento de política, pois isso equivalia a um pacto suicida [...] 

ambos [EUA e URSS] usaram a ameaça nuclear, quase com certeza sem intenção de cumpri‐la, em algumas 

ocasiões [...] a própria certeza de que nenhuma das superpotências iria de fato querer apertar o botão nuclear 

tentava os dois  lados a usar gestos nucleares para  fins de negociação, ou  (nos EUA) para  fins de política 

interna, confiantes em que o outro tampouco queria a guerra. Essa confiança revelou‐se justificada, mas ao 

custo de abalar os nervos de várias gerações.” (HOBSBAWM, 1995, p. 227) 

73 Segundo Hobsbawm (1995, p. 225), “a peculiaridade da Guerra Fria era a de que, em termos objetivos, não 

existia perigo iminente de guerra mundial. Mais que isso: apesar da retórica apocalíptica de ambos os lados, 

mas sobretudo do lado americano, os governos das duas superpotências aceitaram a distribuição global de 

forças  no  fim  da  Segunda  Guerra  Mundial,  que  equivalia  a  um  equilíbrio  de  poder  desigual  mas  não 

contestado em sua essência.” 

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No plano brasileiro, sinalizou-se o alinhamento com os países Aliados em definitivo a partir

dos episódios que sucederam o mês de dezembro de 1941 (ataque japonês a Pearl Harbor,

Conferência do Rio 74 e ataque aos navios mercantes brasileiros pelas forças armadas alemãs

e italianas), ratificando um compromisso pan-americano de colaboração político-econômica

e sinalizando um afastamento do país com relação ao fascismo (SEITENFUS, 2003, p. 308).

Na prática, isso viria a consolidar a “política de boa vizinhança” com a potência norte-

americana e alimentar a supremacia desta última sobre boa parte do mundo ocidental no

pós-guerra.

A partir deste período, isso também significa, no caso brasileiro, um crescente

alinhamento econômico do país com os Estados Unidos. O “marco” de 1945 relaciona-

se, assim, mais a um processo em curso do que propriamente a uma ruptura pontual. Ao

longo do início do século XX, aquele país adquire hegemonia na parceria mercantil com

o Brasil, substituindo a Inglaterra neste papel (MALAN, 1986, p. 58-60; IANNI, 1968, p. 9;

p. 19-22).

Para fins do presente estudo, interessa particularmente, os discursos e posturas tomadas

por um setor específico da esquerda política brasileira daquele momento: o Partido

Comunista Brasileiro (PCB) 75. O desenvolvimento corporativo da arquitetura brasileira

durante os anos seguintes vai entrelaçar-se significativamente com as camadas

envolvidas com o partido e parte de sua produção sofrerá, de forma peculiar, as

vicissitudes deste alinhamento.

A união nacional

Os eventos em curso na política mundial vão reverberar no Brasil durante o início do

século XX (anos 20 e 30), com a mobilização das massas urbanas, as greves crescentes

e eventos mais contundentes, como a Intentona Comunista de 1935. Entretanto,

redefinições envolvendo a grave crise econômica do entreguerras – que atinge diversos

países – e os novos rumos da União Soviética – em plena era de planificação de sua

economia – também informarão significativamente a política local.

74 3ª Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas (Rio de Janeiro, 

janeiro de 1942), a partir da qual o Brasil deixa a posição de neutralidade diante do conflito. 

75 Que naquele momento ainda chamava‐se “Partido Comunista do Brasil”, até 1945, quando muda seu nome 

para “Partido Comunista Brasileiro”. 

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Na década de 1930, as tendências políticas mais radicais na U.R.S.S. haviam sido

duramente reprimidas pelo governo soviético, e as figuras de Stalin e do partido haviam

adquirido contornos que beiravam o misticismo. Em 1943, dois anos após o alinhamento

soviético junto aos países Aliados na luta contra o Eixo e, em meio a uma sangrenta

batalha travada contra as tropas de Hitler na Europa oriental, Stalin resolve dissolver a

Internacional Comunista – a Comintern –, apontando favoravelmente para uma maior

autonomia dos partidos comunistas em cada país. Oficialmente, o líder soviético alegava

que os partidos locais haviam atingido a maioridade e que a manutenção da

Internacional, ao invés de fortalecê-los, poderia representar um entrave (PANDOLFI,

1995, p. 62).

Os direcionamentos recentes advindos da central moscovita relacionavam-se com a

mudança de posturas que a própria Revolução havia tomado na U.R.S.S. Os comunistas

passaram a advogar mais uma união com os diversos setores em prol do

desenvolvimento, como atitude fundamental para a construção da “etapa burguesa” da

sociedade, necessária para a construção do socialismo. Ou seja, de nada adiantaria

socializar o “atraso”, “feudal” ou “semifeudal”; era necessário, primeiro, fazer avançar as

forças produtivas. A “ruptura” revolucionária com o sistema se daria no futuro, quando

as condições materiais fossem favoráveis, e deveria envolver desde setores

progressistas da burguesia e industriais até o operariado.

Esse novo cenário reconfigura a oposição existente entre socialismo e capitalismo; no

caso do Brasil, país em fase de “formação” – estamos em plena Era Vargas –, o problema

da construção de uma identidade e de uma economia locais impulsiona um sentimento

nacionalista crescente, que comparece tanto na vida político-econômica quanto na

cultura (erudita e de massas). O consenso passa a ser desenhado em torno do

“desenvolvimento”, que deveria se dar em bases nacionais. Em pleno momento de

penetração dos ideais norte-americanos em território brasileiro, as correntes que se

opõem a este movimento identificam nas entidades ligadas ao capital estrangeiro (leia-

se: Estados Unidos) os verdadeiros entraves ao avanço nacional. É importante salientar

que a partir da Segunda Guerra, uma série de acordos bilaterais são firmados entre o

Brasil e os E.U.A., fomentando a cooperação econômica e cultural entre os dois países

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e estreitando laços que não eram vistos com bons olhos pelos setores “nacionalistas” da

esfera local 76.

O PCB, especificamente, irá adotar a tese da “etapa intermediária” de construção do

socialismo, identificando, por exemplo, na burguesia nacional uma parceria necessária

para a futura tomada do poder. Mas sem a definição exata de qual seria esta etapa, e

dadas as peculiaridades do desenvolvimento econômico brasileiro naquele momento, a

função deste ideário, será justamente a de advogar a favor do capitalismo

desenvolvimentista, associado ou não às finanças externas, ao invés de destruí-lo.

Nesse sentido, é histórico o compromisso de “União Nacional”, celebrado pelo PCB em

1943 na II Conferência Nacional do partido (a “Conferência da Mantiqueira”) – realizada

clandestinamente e ainda em plena vigência da guerra –, a partir do qual diversos

delegados proclamaram o “apoio incondicional à política de guerra travada pelo governo

Vargas” (PANDOLFI, 1995, p. 138). Tal postura, no entanto, estava longe de ser

consensual dentro da própria entidade: pairava também no horizonte a proposta de

realização de uma aliança com os liberais democratas e outros elementos da esquerda,

em uma forte oposição a Vargas (postura de Caio Prado Jr., Mário Schemberg, Victor

Konder); e havia, ainda, a possibilidade da própria dissolução do PCB – a exemplo do

que se propunha naquele momento com relação ao PC americano, por seu secretário

geral, Earl Browder (PANDOLFI, 1995, p. 137).

A terceira opção, encampada por Luís Carlos Prestes e pela recém-formada Comissão

Nacional de Organização Provisória (CNOP, encarregada da reestruturação do partido),

defendia o imediato apoio ao governo de Vargas, postura que foi vitoriosa graças à

liderança de Prestes – o “Cavaleiro da Esperança” –, que, a essa altura já era

76 Esse já era o caso da inglesa Light Power & Co., no início do século. Nesse novo momento, de hegemonia 

norte‐americana, figuras como as de Nelson Rockefeller, e de empresas ligadas a este último, como a ESSO 

(Standard Oil), dentre outras, passam a ser alvo do sentimento xenófobo. Ver ainda artigos como “O problema 

hidrelétrico de São Paulo”, de Catulo Branco, publicado em Fundamentos, n. 2, p. 88‐105,  jul. 1948,  com 

críticas à Light; “O urbanista Rockefeller” (seção ‘Notícias’, não assinado), Fundamentos, n. 18, p. 28, mai. 

1951; “Em perigo o petróleo brasileiro”, Gal. Valério Braga (resumo de Fernando H. Cardoso), Fundamentos, 

n. 25, p. 20‐23, fev. 1952; “Açúcar, álcool e borracha sintética”, assinado por Vilanova Artigas, Fundamentos, 

n. 28, p. 10‐13, jun. 1952; “A batalha pelo petróleo”, Jorge Rizzini, Fundamentos, n. 29, p. 4‐6, ago. 1952; além 

de vários textos da primeira edição da revista (jun. 1948) sobre o petróleo, a  indústria elétrica e o capital 

estrangeiro, etc. 

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praticamente uma figura mitológica dentro do partido 77, exercendo um certo grau de

admiração e até fanatismo dentre seus membros (PANDOLFI, 1995, p. 138).

O comportamento de Prestes se mostrava, para seus companheiros, exemplar quanto à

atitude do “homem comunista”, que colocava os problemas coletivos acima das

questões pessoais. Era de se admirar o apoio a Getúlio, que anos antes havia deportado

Olga Benário – esposa de Prestes – à Alemanha nazista de Hitler, onde morrera em um

campo de concentração 78.

Assim, o PCB ratificava o projeto da “revolução por etapas”. Para o partido, bem como

para seu líder Prestes, o momento era o da aliança entre proletários e a burguesia

nacional – progressista –, em um primeiro momento do desenvolvimento, para

posteriormente se realizar a almejada ruptura socialista 79 – embora não houvesse

nenhum tipo de consenso sobre qual seria, de fato, este preciso “momento”. O

“subdesenvolvimento” seria destinado a desaparecer, conforme o país – no caso do

Brasil, enquadrado como área “colonial” ou “semi-colonial” (FALCÃO, 2012, p. 50) –

evoluísse através de sua progressão histórica e material. As nações “periféricas”

tenderiam, assim, a repetir o curso da história percorrido pelas nações “centrais” 80.

Ainda em 1945, havia a perspectiva próxima de eleições nacionais e estaduais, objeto de

inúmeras manifestações que tomavam conta do país e cuja viabilização já havia sido

admitida por Vargas no ano anterior. Concomitantemente, esperava-se um processo de

revisão constitucional, concretizando assim o processo de redemocratização. A

77  Guardadas  as  devidas  proporções, mas  de  forma  análoga  à  figura  de  Stalin,  havia  um  grande  culto  à 

personalidade do grande líder do partido, o “Cavaleiro da Esperança”, emoldurado por seus nove anos de 

cárcere durante o Estado Novo. Cf. “Prestes e o ‘Prestismo’”, in FALCÃO, 2012, p. 47‐49. 

78 Conforme relata o próprio Prestes, em correspondência a Severo Fournier, em 1938: “Nesta luta, meu 

amigo, não devemos ver [apenas] os homens, e apoiar até o próprio Getúlio, se amanhã, compreendermos a 

necessidade  nacional  de  tal  programa.  E  quem  lhe  escreve  isto  é  o  homem que,  pessoalmente,  tem por 

Getúlio o mais justificado ódio: você deve saber que ele foi quem mandou entregar a Hitler minha dedicada 

companheira, em adiantado estado de gravidez.” (PRESTES, Luís Carlos. Problemas atuais da democracia. Rio 

de Janeiro: Editorial Vitória, 1948, p. 25‐26, citado em: PANDOLFI, 1995, p. 139) 

79  “Um  processo  revolucionário  de  cunho  burguês,  antilatifundiário  e  anti‐imperialista,  acrescido  da 

valorização da burguesia nacional como classe revolucionária, etc.”. Cf. FALCÃO, 2012, p. 50. 

80 Mas o equívoco desse raciocínio, segundo observa Fernandes (1976, p. 290), foi verificado posteriormente, 

pois  “ignorou‐se  que  a  expansão  capitalista  da  parte  dependente  da  periferia  estava  fadada  a  ser 

permanentemente remodelada por dinamismos das economias capitalistas centrais e do mercado capitalista 

mundial, algo que Rosa Luxemburgo deixara bem esclarecido em sua teoria geral da acumulação capitalista 

[Roxa Luxemburgo. A acumulação do capital, terceira parte]”. 

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oposição, articulada pela recém-criada União Democrática Nacional (UDN), considerava

inadmissível que o ditador conduzisse tal reforma, exigindo eleições imediatas. Já

setores como o PCB e o também recém-criado Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)

apoiavam a instalação de uma Assembleia Nacional para a elaboração da Nova

Constituição. Surgia, assim, o chamado movimento “queremista” (“Queremos Getúlio”,

“Constituinte com Getúlio”).

Figura 8 – O movimento “queremista”, que apoiava a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, ainda com Getúlio vargas na presidência (1945). Fonte: cpdoc.fgv.br. Acesso em: 28 set. 2015.

Em 29 de outubro de 1945, no entanto, o presidente Getúlio Vargas era deposto. Uma

forte repressão abateu-se sobre o PCB por seu apoio a Getúlio: sedes foram fechadas,

militantes presos e jornais tiveram sua circulação suspensa (FALCÃO, 2012, p. 69). O

episódio, no entanto, teve caráter temporário, e o fato de que o partido havia, finalmente,

adquirido a legalidade não estimulava o PCB à radicalização naquele momento. Findo o

Estado Novo, manteve-se o acordo de Mantiqueira 81, e a postura do PCB continuou

sendo o da aliança entre proletariado e burguesia; ressaltava-se, nesta última, o seu

caráter progressista inerente ao processo de desenvolvimento nacional. Duas falas de

81 Conforme a fala de Prestes ainda meses antes da deposição de Vargas: “Nosso papel, entretanto, será o de 

uma  força  independente,  que  tratará  de  influir  num  sentido  unitário  e  pacífico  [...].  Desde  logo,  o  que 

podemos  adiantar  é  que  [nós]  os  comunistas  seremos  um  esteio  da  ordem  e  defenderemos  a  unidade 

nacional. [...] O nosso maior interesse, como representantes dos trabalhadores se dos elementos populares 

mais avançados, é o progresso do país, em bases democráticas. O proletariado terá um papel dirigente. Se a 

burguesia nacional não for capaz de encaminhar as soluções de seu interesse específico e do interesse geral 

de  nossa  pátria,  o  proletariado  organizado  a  ajudará,  animando  o  surto  progressista  correspondente  à 

revolução cartista na Inglaterra e à revolução francesa.” (SEGATTO, 1981, p. 50) 

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Prestes, dirigidas aos trabalhadores em 1945 e 1946, respectivamente, são exemplares

a respeito de seu projeto político e da almejada aliança entre proletariado e burguesia:

É preferível, companheiros, apertar a barriga, passar fome do que fazer greve e criar agitações – porque agitações e desordens na etapa histórica em que estamos atravessando só interessam ao fascismo. 82

Lutar pela maior assiduidade no trabalho, pelo seu rendimento maior, é lutar pelo progresso nacional, é lugar por uma saída pacífica para a crise, é provar na prática que ao proletariado não interessa a desordem. É fazer um esforço prático no sentido de maior aproximação com o patrão, em busca da solução pacífica das contradições de classe inevitáveis na sociedade capitalista. É tentar a harmonia entre operário e patrão nas relações capitalistas para melhor lutar contra o atraso, a miséria e a ignorância em que vegeta o nosso povo. É melhor concentrar a luta contra o latifúndio e o imperialismo. [grifo nosso] 83

No imediato pós-1945 praticamente todos os setores vitoriosos com o fim da guerra (no

plano mundial) e da ditadura varguista (no âmbito local) compartilhavam do discurso de

defesa da “democracia” e da “paz”. No Brasil, a anistia havia libertado presos políticos como

Prestes e Astrojildo Pereira, dentre outros, e a legalidade partidária 84 conquistada pelo PCB

o possibilitou disputar eleições oficiais 85. A abrangência da legenda pode ser medida pelo

número de adeptos de seu programa político 86, o que só reforçava a sua influência, que já

era significativa mesmo no período da ilegalidade. Nas eleições de janeiro de 1947, o partido

elegeu, sob a sigla do PSP (Partido Social Progressista), dois deputados federais (Pedro

Pomar e Diógenes Arruda), 46 deputados estaduais e a maior representação partidária na

Câmara de Vereadores do Distrito Federal (18 cadeiras), conseguindo o quarto lugar geral

entre os partidos (FALCÃO, 2012, p. 91).

82 Luiz Carlos Prestes, comício em Recife/PE, nov. 1945. Citado em: PANDOLFI, 1995, p. 159.  

83 Luiz Carlos Prestes, Discurso, 1946. Citado em: PANDOLFI, 1995, p. 157. 

84 No Brasil, com a legalidade, o partido comunista iria sofrer uma série de modificações. Sua principal sede 

oficial foi instalada num prédio da rua da Glória, bairro próximo ao centro da cidade do Rio de Janeiro. Por 

alguns meses, a sede provisória funcionou em uma casa cedida pelo arquiteto e militante Oscar Niemeyer. 

(PANDOLFI, 1995, p. 145) 

85 “Em 18 de abril [de 1945] é conquistada a anistia que, embora limitada, pois os anistiados não conseguiram 

ser reincorporados às suas antigas funções civis ou militares, libertou todos os presos políticos e possibilitou 

a  volta  dos  que  se  encontravam no  exílio;  sendo  conquistada  plena  liberdade  de  organização  partidária, 

inclusive para o PCB.” (SEGATTO, 1981, p. 49) 

86  “Acompanhando o crescimento do movimento democrático, do qual era parte importante, o PCB, nos anos 

que vão de 1942 a 1945, terá um rápido desenvolvimento. de cem militantes na ativa em 1942 passa a quase 

três mil em 1942/43, indo para cinquenta mil em 1945 e quase duzentos mil no ano seguinte.” (SEGATTO, 

1981, p. 48) 

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Figura 9 – O pintor Cândido Portinari, candidato (não eleito) a deputado federal e senador pelo PCB, em 1945 e 1947, respectivamente. Fonte: Col. Arquivo Projeto Portinari. Disponível em: AMARAL, 2003, p. 118.

Entretanto, não demorou para que a Doutrina Truman passasse a surtir efeitos em território

brasileiro, potencializando o cerco que já vinha se desenrolando ao redor do partido. Ainda

em 1946, o deputado Barreto Pinto e Himalaia Virgulino, ferrenhos opositores do partido,

entram com denúncia junto ao Tribunal Eleitoral, acusando o PCB de ter dois estatutos 87, de

se denominar Partido Comunista “do Brasil” (e não “Brasileiro”), e de utilizar símbolos

“internacionais”, como a foice e o martelo (SEGATTO, 1981, p. 58).

Por fim, no dia 7 de maio de 1947 o Tribunal Superior Eleitoral cassa o registro do partido

(decreto nº 23.046); simultaneamente, o governo Dutra suspende o funcionamento da

Confederação de Trabalhadores do Brasil e fecha as Uniões Sindicais estaduais, intervindo

também em mais de cem sindicatos ligados a essas organizações (FALCÃO, 2012, p. 81, 93).

Mas o tiro de misericórdia vem no ano seguinte: no dia 7 de janeiro de 1948, os parlamentares

comunistas têm seus mandatos cassados. A repressão aumenta ainda mais no início daquele

87 Ainda que o Partido argumentasse que um estatuto era projeto de reforma do outro (FALCÃO, 2012, p. 91). 

Entretanto, segundo Pandolfi (1995, p. 145), o partido possuía dois estatutos: um “legal”, para atender às 

exigências da Justiça Eleitoral – no qual não havia menções ao marxismo, ao comunismo ou à ditadura do 

proletariado –, e outro “clandestino”, para atender à proposta leninista. 

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ano: a polícia invade e depreda redações de jornais comunistas: Tribuna Popular (RJ), Hoje

(SP), O Momento (BA), Folha do Povo (PE), Jornal do Povo (AL), etc. Virgulino e Barreto Pinto

voltam à cena pedindo a prisão de militantes e parlamentares comunistas, com base na Lei

de Segurança Nacional (SEGATTO, 1981, p. 59). Tudo indicava que o PCB havia

superestimado o clima de liberdade democrática vivido após a sua legalização.

A traição nacional

A mudança de postura do partido, a partir daquele episódio, é imediata: no mesmo mês da

cassação dos mandatos de seus parlamentares, o PCB lança um manifesto exigindo a

derrubada do governo Dutra, através da formação de uma frente, convocando a todos os

que lutavam contra “o imperialismo, o feudalismo e o capitalismo”.

A expressão “ditadura”, praticamente abolida do vocabulário comunista desde os idos de 1943, passou na nova conjuntura a ser adotada de forma recorrente. O governo Dutra, até então considerado de “união nacional”, assumia subitamente a natureza de “antidemocrático”, de “traição nacional a serviço do imperialismo norte-americano”. (PANDOLFI, 1995, p. 170)

Opera-se então um giro radical no discurso adotado pelo partido com relação ao governo, e

aos outrora considerados aliados políticos. O PCB passa a mobilizar um amplo movimento

de oposição ao governo, ao “entreguismo” burguês e ao imperialismo. Já não reconhece

nenhum caráter progressista inerente às alianças anteriormente realizadas, e congrega

também a massa camponesa – agora principal aliada do proletariado – a engrossar suas

fileiras. Após ter, já em 1948, tornado público o seu repúdio ao governo Dutra, elabora o

histórico “Manifesto de Agosto” de 1950 – que ratifica o “Manifesto de Janeiro” de 1948 –,

na qual assume explicitamente o seu projeto de radicalização política.

A figura de Prestes introduz o tema, no tom característico do momento:

para os senhores das classes dominantes – os grandes comerciantes e industriais, os banqueiros e latifundiários – não há outra saída para os problemas brasileiros senão através dessa submissão crescente ao dominador americano e, quando pedem dólares, pedem também a intervenção estrangeira no país, na esperança de conseguirem assim prolongar sua dominação sobre o povo, impedir que se realizem as profundas modificações já inadiáveis e indispensáveis ao livre desenvolvimento econômico, social e político de nossa pátria. (PRESTES, 1951, p. 5)

Propondo “libertar o país do jugo imperialista e pôr abaixo a ditadura de latifundiários e

grandes capitalistas”, substituindo “o governo da traição, da guerra e do terror contra o povo”

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por um “governo efetivamente democrático e popular”, o manifesto conclamava a todos,

“democratas e patriotas”, para a organização de uma “Frente Democrática de Libertação

Nacional”, “pela paz e contra a guerra imperialista”, com o objetivo da derrubada de Dutra.

Figura 10 - Revista Fundamentos, n. 17, 1951. Capa e 1ª página do Manifesto de Agosto de 1950 do PCB. Fonte: hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Disponível em:

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=102725&PagFis=88. Acesso em: 24 out. 2013.

O tom de radicalismo político será predominante nas falas do partido no início da década de

1950, agora também direcionadas à figura de Getúlio Vargas, novamente presidente da

república (1951-54), e eleito através do voto. Com relação ao âmbito da arquitetura e das

artes em geral, é notória a incorporação de certos aspectos deste debate por parte dos

intelectuais. O crescente posicionamento contra o imperialismo norte-americano e a

presença estrangeira no país engrossa os textos no âmbito político-cultural. Em um momento

fortemente marcado por este sentimento nacionalista, dividem-se posições, criam-se

polêmicas, e a agitação promovida favorece o trânsito de ideias e manifestos dentre as

diversas áreas de atuação.

O Realismo Socialista

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Esta atmosfera política do pós-guerra favorece o entrelaçamento da discussão entre os

diversos âmbitos, indo do artístico e literário até o econômico e político. Na U.R.S.S. é criada

a Agência de Informação dos Partidos Comunistas e Operários (Cominform), em 1947 (com

sede na Iugoslávia, e, posteriormente, na Romênia). O Cominform, alinhado com a matriz

moscovita dos Partidos Comunistas, “terá forte influência nas concepções e prática políticas

do PCB, nos anos seguintes, até sua extinção em 1956” (SEGATTO, 1981, p. 61), catalisando

os diversos ideários e suprindo a falta de um órgão direcionador, como havia sido, até 1943,

o Comintern. Sua principal função era compartilhar informações dentre os Partidos

Comunistas de cada país, tendo sido criado após a consolidação dos regimes de esquerda

no leste europeu, servindo também como uma demarcação de posição dos países socialistas

com relação ao Plano Marshall 88, após a guerra.

O clima cultural de liberação pós-1945 favoreceu uma agitação intelectual que,

predominantemente, tendeu a alinhar-se à esquerda no espectro político. Esta linha de

pensamento era receptiva ao discurso de defesa do povo e da Nação, frente à aceleração

dos processos modernizadores que vinham se verificando principalmente no meio urbano. O

“povo”, aqui referido, representava as classes menos favorecidas e de vida simples, e sua

defesa implicava no repúdio ao poderio e aos privilégios das elites econômicas, à sua lógica

fragmentadora (divisão do trabalho) e “anti-humanista”. A defesa da Nação relacionava-se à

resistência contra a usurpação das riquezas locais pelas potências estrangeiras, fenômeno

corporificado na figura de um país em especial: os Estados Unidos.

Assim, há uma reconfiguração de posicionamentos e uma diferente atribuição de papeis

dentre os diversos segmentos político-culturais: a esquerda, especialmente, se

anteriormente “internacionalista” – porquanto alinhada ao movimento comunista

internacional – passava agora a defender o nacionalismo e repudiava o liberalismo

econômico associado aos interesses estrangeiros. Entretanto, a tomada revolucionária do

poder é praticamente descartada – ao menos no curto prazo. Já dentre os segmentos

políticos mais conservadores, a bandeira nacionalista surge no confronto com os interesses

estrangeiros; por vezes, estabelece-se uma confluência de interesses inclusive com a própria

esquerda, em oposição ao capital estrangeiro e ao imperialismo 89.

88 Resumidamente, o Plano Marshall consistia em um amplo esforço de reconstrução da Europa pós‐guerra, 

liderado  pelos  Estados Unidos  e  envolvendo  um  extenso  programa  de  auxílios  financeiros  e  colaboração 

política, visando a demarcação da influência norte‐americana no continente europeu, em particular em sua 

porção ocidental. 

89 Nesse período, debates políticos acirrados como o da extração do petróleo mobilizaram a sociedade civil e 

o Estado, principalmente a partir de 1947, quando uma série de conferências no Clube Militar opôs, de um 

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Este momento coincide justamente com um processo mais aberto de difusão da cultura

estrangeira, principalmente a norte-americana, através de instituições político-culturais 90 e

veículos de comunicação de massa (cinema, revistas, etc.). Além disso, o pacto econômico

e político firmado pelos países ocidentais após a guerra levara à criação de entidades como

a Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a

Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), dentre outras, que se tornaram símbolo

da cooperação político-econômica entre as nações liberais ocidentais. Com o intuito de

estudo e fortalecimento da democracia brasileira e latino-americana também são criadas a

Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Comissão Econômica para a América Latina

e o Caribe (CEPAL). Esta última, segundo Mantega (1984, p. 32), “se constituiu no marco

teórico decisivo para a gestação das principais teses sobre o desenvolvimento ou

subdesenvolvimento periférico que animaram a discussão teórica latino-americana do após-

guerra”.

Prosseguindo este esforço, são firmados também compromissos de cooperação, como os

realizados entre o Brasil e os Estados Unidos – já a partir do início dos anos 40. Nesse

sentido, temos a “missão Taub” (1942), a “missão Cooke” (1943) e a “missão Abbink” (1949),

coordenadas pelos americanos, e cujos propósitos, em linhas gerais, eram os de estimular a

industrialização brasileira e a elevação de sua produtividade (MALAN, 1986, p. 60).

lado, os setores interessados na ampla participação de capitais estrangeiros e importação de tecnologia, e, 

de outro,  aqueles que defendiam o privilégio estatal  para  a  sua exploração. A  campanha  conduzida pelo 

Centro  de  Estudos  e  Defesa  do  Petróleo  (posteriormente  Centro  de  Estudos  e  Defesa  do  Petróleo  e  da 

Economia Nacional, CEDPEN), criado em 1948 e cujo lema era “o petróleo é nosso!” ganhou as ruas por seu 

apelo nacionalista, impulsionando o segundo mandato de Getúlio Vargas (1951‐1954) e a criação da Petróleo 

Brasileiro S.A. (PETROBRÁS), em 3 de outubro de 1953 – uma evidente alusão ao “3 de outubro”, de 1930. 

Tais eventos contribuíram para acentuar a voga nacionalista, que empolgou a União Nacional dos Estudantes 

(UNE),  setores  culturais,  empresariais  e  militares,  ganhando  também  a  adesão  popular.  O  principal 

argumento  contra  o  monopólio  nacional  da  exploração  petrolífera  era  o  de  que  o  país  não  detinha 

infraestrutura material e nem pessoal capacitado, e tampouco tecnologia disponível para tal. A participação 

estrangeira no setor estava prevista desde a Constituição de 1946,  tendo  importantes nomes apoiando a 

causa, como o General Juarez Távora, além do presidente Eurico Gaspar Dutra. Evidentemente, tratava‐se de 

assunto  que  gerava  grande  expectativa  junto  aos  trustes  internacionais,  que  estavam  prontos  para  a 

colaboração  financeira.  A  iniciativa  da  PETROBRÁS  foi  um  marco  na  postura  nacionalista  que  Vargas  já 

encampava desde os anos 30 – a criação da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda, em 1942, é 

exemplar nesse sentido. 

90  Como no caso da aproximação entre o MAM/SP e o MoMA de Nova Iorque, via Ciccillo Matarazzo e Nelson 

Rockefeller,  ou mesmo deste último  com Assis  Chateaubriand e  o MASP,  fatos  associados  à  época pelos 

intelectuais de esquerda como relacionados à crescente penetração imperialista (tanto econômica quanto 

cultural) no Brasil. 

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Segundo o discurso da esquerda, estes expedientes tratavam-se, na verdade, de

ardilosas manobras para o exercício de poder e a colonização e expropriação do país,

encabeçadas pelos norte-americanos. Gradativamente, a potência encarnava o papel do

vilão a ser combatido. A aproximação com a U.R.S.S., desta forma, era mais do que

natural para a esquerda, pois constituía – achava-se – um contraponto àquela tendência 91. Os periódicos alinhados com o PCB, nesse momento, eram editados de forma

independente, e traziam do oriente notícias, textos traduzidos e aspectos culturais do

país de Stalin e do leste europeu.

Ou seja, apesar do deslocamento da oposição socialismo vs. capitalismo para os termos de

um novo confronto nacionalismo vs. internacionalismo, o polo difusor do ideário de esquerda

continuava sendo a U.R.S.S. O posicionamento e o discurso contra o status quo deveriam

ser de viés nacional-popular, em valiosa aliança com a burguesia progressista. Nesse

momento, o debate acerca da questão cultural-artística nos países soviéticos havia sido

depurado – ou melhor, censurado –, em benefício do estilo artístico conhecido como

“Realismo Socialista” 92. Este cânone artístico-literário foi adotado como oficial pelo Partido

Comunista da União Soviética (PCUS), sob a liderança de Stalin, e todas as manifestações

divergentes do mesmo passaram a ser progressivamente cerceadas naquele país.

Isso significou o fim da ebulição artístico-erudita verificada naquele país nos anos 20, e que

envolvia uma variada gama de movimentos de vanguarda como o Construtivismo e o

Suprematismo. Após a Revolução Russa (1917) e a Guerra Civil naquele país, a agitação

social e intelectual não deixou de estar presente na esfera das artes e da literatura e, dentre

os vários movimentos culturais que se sucederam/coexistiram, formaram-se polêmicas,

manifestos, rupturas e continuidades, que acompanharam o cenário de transformação social

até os anos 30. Entretanto, na medida em que se redefiniam os rumos políticos, sociais e

econômicos da revolução ao longo da década de 20, as escolhas fortemente centralizadoras

que foram tomadas pelo Estado soviético passaram a atingir também a área cultural. Pouco

a pouco, um determinado “estilo” artístico, doutrinário e adequado à compreensão pelas

91 Embora tenha que se relevar o alcance efetivo do debate europeu sobre o realismo em terras brasileiras, 

dada a dificuldade de acesso aos textos estrangeiros, comum à época. Ver o depoimento de Nestor Goulart 

Reis Filho, in: GRAZZIANO, 2012. 

92 “A crise da arte se insere no quadro da crise mais ampla e mais séria da relação entre cultura e poder. É, 

pois, indispensável estudar os desenvolvimentos da pesquisa estética em relação com as situações concretas. 

O mundo atual se divide em dois grandes blocos, ambos tecnologicamente avançados. Na União Soviética, 

após o final da vanguarda revolucionária, a pesquisa estética se interrompeu, e não há sinais de retomada; o 

chamado  ‘realismo socialista’  (que, a  rigor, não é realismo nem socialista) não pode sequer se considerar 

como movimento regressivo ou reacionário, sendo mera propaganda política” (ARGAN, 2006, p. 511). 

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massas e à representação do novo poder instituído, foi ganhando a posição de legítimo

representante da Nação, ao mesmo tempo em que todas as outras dissidências ou

manifestações culturais que divergissem daquele iam sendo paulatinamente excluídas. E

este novo cânone era justamente o do Realismo.

Em 1922, na U.R.S.S. havia se formado a AKRR (Associação de Artistas da Rússia

Revolucionária) 93, entidade ao redor da qual gravitaria a produção realista nos anos 20.

Correndo por fora deste núcleo vigorava, dentre as vanguardas, o confronto significativo

entre Construtivismo e Suprematismo, emblematizado nos posicionamentos de Vladimir

Tatlin e Kazimir Malevich, respectivamente. Este embate, no entanto, foi progressivamente

cerceado, à medida em que Stalin adquiria o posto de líder soviético e a política cultural do

partido advogava favoravelmente ao Realismo nas artes. A situação chegou a um limite

quando, em pleno ano de 1932 – pouco antes do lançamento do segundo Plano Quinquenal

soviético – foi criada, por fim, uma única União de Artistas, à qual todos os artistas que

quisessem atuar na U.R.S.S. deveriam aderir. Todos os grupos rivais, proletários e/ou

vanguardistas, foram dissolvidos em 23 de abril daquele ano, por uma resolução do Comitê

Central do partido – o que provocou o desaparecimento, inclusive, da própria AKRR (WOOD,

1998, p. 324; GRAZZIANO, 2012, p. 20).

À medida em que se adentrava a década de 30, o PCUS, liderado por Josef Stalin, conduziu

o “refinamento” dos rumos políticos tomados pelo país após a Revolução, eliminando,

paulatinamente, todas as suas dissidências da forma como lhe convinha 94 – e isso incluía a

esfera cultural. Os posicionamentos alternativos à política conduzida foram duramente

refreados, e tiveram seus protagonistas perseguidos, mortos ou exilados. Após a repressão,

o estilo correspondente ao Realismo Socialista foi instituído como oficial na U.R.S.S., e todos

os países alinhados com o Partido deveriam segui-lo.

O “estilo” já havia obtido vitórias também, através da iniciativa intelectual, como as do

histórico 2º Congresso Internacional de Escritores Proletários, realizado em novembro de

1930 em Kharkov (atual Ucrânia). Foi na ocasião que o Partido Comunista soviético afirmara

o seu posicionamento contra as formas artísticas experimentais – como as defendidas pela

“Frente de Esquerda das Artes” (LEF): o problema de como a literatura deveria expressar a

consciência proletária foi resolvido por decreto: “o Partido admitiu apenas um tipo de

93  Anteriormente  “Associação  de  Artistas  para  o  Estudo  da  Vida  Revolucionária”,  e,  posteriormente, 

“Associação de Artistas da Revolução” (AKR). Cf. Wood, 1998, p. 275. 

94 O que incluiu, por exemplo, Leon Trotsky, “descartado” do Partido em dezembro de 1927 – um ano depois 

de ter sido expulso do Politburo (WOOD, 1998, p. 313). 

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literatura, cujas diretrizes eram as da narrativa burguesa do século XIX, condenando,

concomitantemente, as modernas técnicas ‘decadentes’, ‘ocidentais’” (BOLLE, 2000, p.

204).

Em 1934, foi criada a União dos Escritores Soviéticos, “órgão mediador que dava uma

pequena liberdade de criação aos escritores, devidamente controlada e censurada

diretamente pelo Partido caso ultrapassasse seus limites e que provocou a supressão das

poucas correntes proletárias que ainda resistiam” (WOOD, 1998, p. 324; GRAZZIANO, 2012,

p. 20). Andrei Zhdanov, membro do Comitê Central desde 1930 e partidário de Stalin, atuou

fortemente na criação da organização e, mais ainda, na defesa do realismo (Zhdanov viria a

coordenar a criação do Comintern em 1946). Com a realização do 1º Congresso dos

Escritores Soviéticos, ainda em 1934, em Moscou, a doutrina do Realismo Socialista foi

oficializada – vindo a ser conhecida posteriormente, também, como “Zhdanovismo”. Diz-se

que a política do grupo, em si,

havia sido decidida em encontros secretos realizados no apartamento de Máximo Gorky em Moscou em outubro de 1932, quando um grupo de políticos e intelectuais convidados discutiram um nome para o novo tipo de arte. Que essa arte seria “realista” não estava em questão. Alguns, entretanto, queriam-na “monumental”; outros, “heroica”; e outros, ainda, “proletária”. Uma figura em particular, entretanto, continuava insistindo em que ela fosse “socialista”. Essa figura era Stalin. E assim ficou “Realismo Socialista”. (WOOD, 1998, p. 324)

Alguns pontos no discurso proferido por Zhdanov no congresso de 1934 podem ser

elucidativos a respeito da doutrina a ser seguida: o orador lembrava que Stalin havia

chamado os escritores soviéticos de “engenheiros de almas humanas”, o que significava,

segundo Zhdanov, “conhecer a vida de forma a estar apto a descrevê-la honestamente nas

obras de arte, e não descrevê-la de forma morta, escolástica, simplesmente como ‘realidade

objetiva’, mas representar a realidade em seu desenvolvimento revolucionário” (ZHDANOV,

1977, grifos nossos).

Mas é importante pontuar que, seguindo a doutrina apresentada, o tal “realismo” não deveria

corresponder, tal como obviamente se depreenderia do termo, a um retrato ou cópia fiel da

realidade. Não deveria se tratar de um “romantismo”, “arcaico”, que descrevesse heróis

inexistentes em um mundo imaginário de sonhos utópicos. Tampouco se tratava de um novo

tipo de “naturalismo”. Na pintura do Realismo Socialista que tem lugar a partir dos anos 30

naquele contexto, o que se encontra é o retrato de cenas passadas imaginadas, utilizando-

se uma linguagem que remete à cópia de episódios ditos “reais” e normalmente associadas

a momentos da revolução, mostrando as suas conquistas. Esse olhar conduz a um futuro

que só pode ser o da revolução construída, ou seja, denota as etapas que estariam por vir.

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Retratava-se, de fato, o socialismo em construção, sugerindo um processo de

desenvolvimento contínuo que superava a situação anterior, indesejada, rumo a um futuro

para o qual todos deveriam contribuir.

Figura 11 - Isaac Brodsky: Lênin no Smolny, 1930. Óleo sobre tela, 190 x 287 cm. Fonte: WOOD, 1998, p. 282.

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Figura 12 - Aleksandr Gerasimov: Stalin no XVI Congresso do Partido Comunista Russo, 1929-30. Óleo sobre tela, dimensões desconhecidas. Fonte: WOOD, 1998, p. 322.

Figura 13 – Aleksandr Gerasimov: Stalin e Voroshilov no Kremlin, 1938. Disponível em: http://www.soviethistory.org/index.php?page=subject&show=images&SubjectID=1939gerasimov&Year=1939.

Acesso em: 24 out. 2013.

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Polêmica nas artes

O debate artístico no Brasil de fins da década de 40 e início da de 50 também não deixou de

mobilizar desatinos. No caso paulistano, a fundação dos dois grandes museus da cidade

(MAM/SP e MASP) e da Bienal de São Paulo estimulariam e se constituiriam também como

palco para as disputas ocorridas. Ao mesmo tempo, havia uma crescente valorização, nesse

âmbito, das tendências que culminariam no Abstracionismo, fortemente presente na arte

brasileira durante os anos 50.

Nas artes plásticas, especialmente as “bidimensionais” (pintura de cavalete e mural), vigorava

uma crítica favorável à ênfase sobre o dado social, como nas pinturas de Lasar Segall e

Emiliano Di Cavalcanti, e nas telas e murais de Cândido Portinari – este último filiado ao PCB

e candidato – não eleito – a deputado federal (1945) e senador (1947).

É necessário lembrar, aqui, que a questão artística incorporou a radicalização advinda da

esfera política. Em plena Guerra Fria, o Realismo soviético influenciava parte da

intelectualidade, ao mesmo tempo em que a penetração cultural norte-americana e o impacto

modernizante da industrialização sugeriam uma voga mais urbana, “abstrata”, ligada ao

legado das vanguardas europeias do entreguerras.

As analogias com a questão político-social eram evidentes: há pouco apontamos a questão

do petróleo (ver nota 89), durante os anos 1947-53, em que o foco da disputa era sobre se a

extração deveria ser aberta à exploração dos trustes estrangeiros, ou realizada de forma

completamente “nacional”. Esse tipo de posicionamento permeou a atitude dos intelectuais

quanto às artes, à arquitetura e seus discursos perante a sociedade.

Na esfera artística, o dilema oscilava basicamente entre dois polos: “atualizar-se”,

recapitulando o heroísmo da Semana de 22, aderindo aos postulados da Art Concret do

pintor holandês Theo van Doesburg e do racionalismo do designer suíço Max Bill, apostando

na relevância do abstracionismo geométrico que dava como superado o papel documental e

a figuração na arte; ou reconhecer os problemas socioculturais ainda latentes em um país

“subdesenvolvido”, onde o conteúdo narrativo, ou, ao menos, indícios de uma certa figuração

pudessem constituir-se como elementos de forte ligação com as massas, afastando-se do

elitismo da “alta cultura”, e buscando retomar motivos nacionais e da cultura popular. Ao

primeiro polo atribuía-se um internacionalismo cujas reais intenções, dizia-se, seriam a de

“colonizar” o país com as tendências vanguardistas externas; ao segundo, advogava-se um

caráter redentor e de possível formação de uma cultura autóctone e livre do “jugo

imperialista”.

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Com a ilegalidade do PCB após 1947, a agitação cultural desencadeia o lançamento de

diversos folhetins de esquerda. Anos antes, ainda em pleno Estado Novo, já era editada a

revista Problemas. No período da redemocratização, entretanto, o movimento explode: além

dos já citados jornais Tribuna Popular (Rio de Janeiro), Hoje (São Paulo), Voz Operária, etc.,

outras publicações fomentam, através de alguns de seus autores, o debate acerca do

Realismo: Para Todos, no Rio, Horizonte, em Porto Alegre, Fundamentos, em São Paulo 95.

Para além das questões partidárias, havia o problema inerente à obra de arte em si. De um

lado, os defensores do abstracionismo consideravam esgotados os papéis da figuração e do

conteúdo narrativo das obras; do outro, os realistas apontavam o caráter ideológico,

colonizador e elitista da abstração. As revistas e folhetins contribuíram para fomentar a

polêmica, mantendo posições bastante específicas sobre o tema já desde pelo menos 1948.

[A revista] Fundamentos, de São Paulo, seria o periódico veiculador dessas polêmicas, como Horizonte, de Porto Alegre, após o início de sua publicação em 1950, além de Joaquim, em Curitiba. Mas é a partir de 1948 que os artistas politizados começam a expor sistematicamente suas posições nessa direção. Na verdade, a defesa do realismo versus abstracionismo é um reflexo da luta dos artistas comprometidos em confronto com a implantação das bienais, ou seja, reflete a rejeição, por parte de um grupo de artistas, contra a descaracterização da arte através de injeções de informações externas. Em suma: é a emergência, no plano artístico, de duas posturas em permanente combate ou alternância de preponderância, em nosso século na América Latina, a do nacionalismo versus internacionalismo (AMARAL, 2003, p. 229-230).

Os ânimos exaltados foram uma constante nos eventos e debates artísticos desse período.

Em 1948, por ocasião da exposição retrospectiva de Di Cavalcanti realizada em São Paulo,

seguiram-se uma série de polêmicas. Da repercussão da mostra, das posições do próprio

autor e de comentários outros, avultaram-se as oposições entre “arte pura” e “arte engajada”.

Ainda que as posições pudessem se mostrar mais complexas do que isso, o confronto mais

agudo se deu entre os dois extremos.

A questão do realismo nesse contexto adquiriu contornos muito peculiares: o que se seguiu,

em geral, não foram as recomendações ou imposições do PCUS; tampouco se chegou a um

cânone local. As posições oscilavam em torno de um referencial, mas variavam de acordo

com cada apreciação. Já na revista Fundamentos, em agosto de 1948, um texto de Di

Cavalcanti deixava clara a sua postura:

95 Em 1958, surgiria ainda Estudos Sociais, condizendo com o clima de virada representado pela "Declaração 

de Março" de 1958 –  tendo  sido  fechada em 1964;  e,  no ano  seguinte,  o  semanário  "Novos Rumos". As 

mudanças que perpassam o PCB em fins dos anos 50 são citadas mais adiante, e são decisivas com relação à 

crise política que se desencadeia no início dos anos 60. 

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[...] quando falo da participação do artista na vida social de seu povo, prefiro vê-lo na luta pela dignidade do homem contra a prepotência: é a única posição que se espera de um artista independente. Não cuida de levar o artista para uma corrente política determinada como querem alguns dos meus contraditores. Quero o artista independente, mas conscientemente independente, não o quero julgando-se livre quando apenas goza da impunidade dos alienados, único privilégio que a sociedade dominante lhe oferece. (DI CAVALCANTI, 1948, p. 241, grifos nossos)

Ainda assim, o autor apontava seu rechaço pela mera adoção do naturalismo na pintura, da

mesma forma como acontecera com o Realismo Socialista oficializado na U.R.S.S. Inovações

técnicas eram bem vindas: “não aceito uma cópia do real sem participação do que o artista

possui de poder inventivo ou interpretativo. Seria tirar da obra de arte o que ela possui de

próprio, seria tirar sua razão de ser” (DI CAVALCANTI, 1948, p. 242). O pintor atacava, na

verdade, a falta de propósito do que chamava “anarquismo modernista”, tido como “uma

arte que, deliberadamente, se afasta da realidade, que submete a criação a teorias de um

subjetivismo cada vez mais hermético, que leva o artista ao desespero de uma solidão

irreparável”, o que considerava “uma arte humanamente inconsequente”; e atacava de forma

veemente:

Esses artistas constroem um mundozinho ampliado, perdido em cada fragmento das coisas reais: são visões monstruosas de resíduos amebianos ou atômicos, revelados pelos microscópios de cérebros doentios. [...] E hoje, quando se proclama como arte de nosso tempo o abstracionismo, o surrealismo ou todos os outros cacoetes metafísicos do anarquismo modernista, caminha-se numa rua estreita, só agradável para aqueles refinados que amam a podridão. (DI CAVALCANTI, 1948, p. 242-246)

Mas a polêmica não terminaria aí. Logo após a ocasião, foi realizada, no IAB/SP, a “mesa

redonda” sobre a exposição, reunindo diversos artistas e intelectuais do Rio de Janeiro e de

São Paulo. O primeiro tema do debate foi sugerido pelo próprio Di Cavalcanti: “a posição do

artista na sociedade, o que pode esperar dela e em que pode contribuir para o seu

desenvolvimento”. Após breves comentários sobre o assunto, porém, o pintor sugeriu outro

problema a ser abordado:

Há no momento grande debate entre arte pura e arte social [...] Demonstrando que o artista se encontra em situação precária e que sua produção é feita dentro de uma sociedade dada, essa produção tem que ser uma apologia ou uma crítica à sociedade. [...] o artista deve participar da luta de seus semelhantes, ao invés de recolher-se ao interior de uma “torre de marfim”. 96

A polêmica se acende, ao que o poeta Murillo Mendes rebate: “o grande artista rejeita a

sociedade. Estamos numa sociedade em transformação [...]. Estou certo de que a posição

96 As passagens seguintes foram retiradas de: MARTINS, 1948, p. 480‐483. 

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do artista é a de participação; apenas não concordo em encerrar esse problema dentro de

uma fórmula rígida, obrigando-o a participar desta ou daquela luta”.

Já o poeta Rossine Guarnieri afirma que no Brasil, “país pilhado pelo imperialismo”, “a arte

deve ser uma luta permanente contra a alienação humana, de que esse mesmo imperialismo

é um dos fatores”, fomentando a discussão, ao que Oswald de Andrade, também presente,

revida, afirmando que Guarnieri “pleiteava o dirigismo na arte” e que o também escritor José

Geraldo Vieira defendia a “torre de marfim”.

Tendo o debate se tornado caótico, Guarnieri afirmava que “o crítico Sérgio Milliet, sendo

socialista, preconizava a ‘não participação’ do artista”, ao que o escritor Luís Martins

prosseguiu dizendo que “o Partido Socialista dava liberdade de crença aos seus membros”;

finalizando, Oswald de Andrade acusava: “Na Rússia não há pintura! Na Rússia não há

liberdade! [o poeta Vladimir] Maiakovski se suicidou porque morava na Rússia!”.

Para Aracy Amaral, o ano de 1948 é justamente o momento em que se inicia a “escalada” do

Abstracionismo nos meios locais – é interessante notar que o ano coincide com o da

cassação dos políticos vinculados ao PCB – e, nesse sentido, dois eventos são emblemáticos

desse fenômeno: as exposições, em solo brasileiro, de Alexander Calder e de Max Bill. O

contraponto é justamente a exposição de Di Cavalcanti. E, paralelamente a isso, as palestras

de Léon Degand (“Do figurativismo ao abstracionismo”) na Biblioteca Municipal acendem a

discussão. No ano seguinte, o Museu de Arte Moderna (MAM/SP) abriria as portas, em

março, sob a direção de Degand.

A exposição “Do figurativismo ao abstracionismo” acontece em São Paulo e marca a

inauguração do MAM/SP. Sob a curadoria do crítico de arte belga Léon Degand (que viria a

ser o primeiro diretor da instituição), a mostra visa expor ao público, em suma, as obras de

arte “pertencentes às duas tendências da plástica mais renovadoras de hoje em dia” (MUSEU

DE ARTE MODERNA, 1949, p. 13): trata-se das duas manifestações mais significativas

derivadas do Abstracionismo: o “lírico” e o “geométrico” 97.

97 Divisão que, no Brasil, corresponderia aproximadamente à formação de dois grandes grupos artísticos em 

São Paulo, no início dos anos 50: o dos abstracionistas vinculados ao “Atelier Abstração”, de Samsor Flexor, e 

o  dos  abstracionistas  geométricos,  liderados  por  Waldemar  Cordeiro,  a  partir  do  manifesto  “Ruptura” 

(AMARAL, 2003, p. 237). 

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Figuras 14, 15, 16 e 17 – Obras como as de Delaunay, Singier, Tauber-Arp e Vasarely integraram a exposição “Do figurativismo ao abstracionismo”, aberta no MAM/SP em 1949. Robert Delaunay: Alegria de viver, 1930 (óleo

sobre tela, 114 x 146cm); Gérard Singier: A tina, 1946 (óleo sobre tela, 81 x 100cm); Sophie Taeuber-Arp: Surgindo, caindo, aderindo, voando, 1942 (óleo sobre tela, 73 x 100cm); Victor de Vasarely: Pintura, 1947 (óleo

sobre tela, 95 x 100cm). Fonte: MUSEU DE ARTE MODERNA, 1949.

Conscientes da radicalização de posições que tomam conta do meio naquele momento,

tanto Degand quanto o crítico Sérgio Milliet – que prefacia o catálogo da exposição –

mostram-se conscientes do posicionamento de seus interlocutores:

Do espírito que orientará o Museu de Arte Moderna, saberão os interessados, por intermédio de Léon Degand, que não será sectário. [...] Não sou partidário da arte abstracionista, como não sou um entusiasta cego do Realismo ou de qualquer outra tendência. Bato-me sobretudo pela distinção necessária entre arte e exteriorizações sociais da arte. (MILLIET, 1949, p. 19)

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Degand, por sua vez, fala sobre a consciência, por parte dos pintores,

da autonomia da sua arte. Esta vontade de autonomia, este desejo obstinado dos pintores de concentrar a atenção, antes de mais nada, sobre as qualidades e poderes específicos da sua arte, encontrou expressão numa nova atitude quanto à utilização dos dados do mundo exterior. E isto é muito lógico pois, se a pintura se basta a si mesma e não deve ser outra coisa além de pintura, é natural que se vise a libertá-la de toda e qualquer espécie de tutela. (DEGAND, 1949, p. 27, grifos nossos)

Degand visa, em suma, demonstrar como, na história da pintura, desde os naturalistas e os

realistas, passando pelo impressionismo, nabismo, fauvismo, cubismo, futurismo e

dadaísmo, a tendência que coroaria, logicamente, aquele percurso seria, justamente, o

Abstracionismo. A despeito do nome da mostra, não há obras “figurativas” expostas.

O crítico belga aponta, finalmente, que “não se poderia concluir [...] pela superioridade ou

inferioridade da plástica abstrata em relação à plástica figurativa. Estas duas concepções

não se opõem como a verdade ao erro ou a saúde à decadência. Elas diferem, simplesmente”

(DEGAND, 1949, p. 44-45).

Justamente neste mês, Fundamentos publicaria ainda o provocativo “Do impressionismo ao

abstracionismo”, de Plínio Ribeiro Cardoso 98. O título era obviamente uma réplica à palestra

de Degand.

Médico e apreciador das artes, Cardoso faz um percurso que, cobrindo o meio século que

leva a tendência à abstração na arte até aquele momento do pós-1945, identifica como,

progressivamente, alguns artistas tendem à separação entre “forma” e “conteúdo”,

caminhando em direção à “fuga da realidade”:

Fugir da realidade, é separar por um jogo de abstrações, o conteúdo da forma, é esquecer que a forma é apenas a maneira mais variada, rica e multifacetada da manifestação do próprio conteúdo. (CARDOSO, 1949, p. 171)

O médico faz uma série de associações entre a opção estética do artista e sua condição

mental, sugerindo que o conceito de liberdade artística defendida pelos abstracionistas “mais

se parece com a liberdade anárquica do alienado”.

98 Plínio Ribeiro Cardoso, médico, “entusiasta do pensamento marxista, possuidor de excelente coleção de 

discos”, participava das reuniões  informais de profissionais  liberais, “muitos deles médicos, a maior parte 

imbuída de  ideais socialistas ou simpatizante do Partido Comunista”, organizadas nas próprias residências 

dos interessados (incluindo a de Cardoso), para “ouvir música erudita e discutir questões políticas e culturais” 

(MATTOS, 2002, p. 214‐215). 

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Cardoso termina afirmando que o Abstracionismo “representa o último grau no processo de

desenvolvimento, da fuga do concreto para o abstrato”: “com o Abstracionismo, a fuga é

total; o artista foi arrancado metafisicamente do mundo onde vive” (CARDOSO, 1949, p. 175).

Ressalta ainda que, para os Abstracionistas, a forma “é uma categoria metafísica, portanto

estática, sem relação ou conexão com o conteúdo. [...] Esta arte, puramente formal, começa

a ser comparada com a pintura de certos esquizofrênicos”, lembrando que como

os pintores abstracionistas, em geral, gozam da mais perfeita normalidade psíquica, devemos procurar fora deles, os motivos determinantes de tal semelhança. O denominador comum está no problema da alienação. Ambos são alienados. Certos doentes mentais, em consequência de uma perturbação psicossomática, perdem o contato com a realidade objetiva e suas produções pictóricas refletem a ingenuidade de uma abstração inconsciente. A alienação pode, porém, apresentar outro mecanismo. Sempre que as relações do mundo concreto não satisfazem suas aspirações, o homem cria um mundo ideal, independentemente das relações sociais. Assim, todas as formas e símbolos que ele cria, como representação desse mundo concreto, passam a ter existência em si. É o caso típico do abstracionismo, onde as formas usadas pela pintura para refletir uma realidade concreta passaram a existir independentemente. É a tese idealista que concebe o pensamento de existência anterior e independentemente da matéria. (CARDOSO, 1949, p. 175-176)

Por fim, ataca os “apologistas dessa tendência, como Léon Degand”, considerando

o abstracionismo campo fácil para o desenvolvimento de mediocridades, que vêm na fuga da realidade duas grandes vantagens: uma, de coloca-las à margem dos conflitos de sua época, outra, de se desfazerem de um mundo, cuja complexidade e dinamismo constitui sério entrave aos seus problemas plásticos. (CARDOSO, 1949, p. 176)

E esta “escalada” do Abstracionismo vai receber um impulso fundamental a partir daqueles

anos: é a partir de 1948 que se inicia o processo de constituição do Museu de Arte Moderna

de São Paulo, que seria inaugurado no ano seguinte, no dia 8 de março de 1949.

A fundação do MAM/SP fazia parte de um programa mais amplo de propagação do ideário

da arte moderna no ocidente liberal, em especial nas Américas. Dando prosseguimento ao

projeto do “Pan-Americanismo” que tem início durante a década de 30, mútuas relações e

acordos são estabelecidos no sentido de uma cooperação entre os países latino-americanos

e os Estados Unidos – este último na liderança político-econômica do conjunto. Em plena

Guerra Fria, o Departamento de Estado norte-americano em conjunto com megaempresários

como Nelson Rockefeller estiveram em estreito contato com Francisco Matarazzo Sobrinho

(o “Ciccillo” Matarazzo) no intuito de constituir uma cooperação cultural mais próxima entre

os dois países.

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Assim, o MAM/SP, estabelecido em parceria com o modelo nova-iorquino do MoMA

(Museum of Modern Art) viria a se consolidar como um impulsionador das tendências

modernistas em solo brasileiro, com destaque para a corrente do Abstracionismo, e à

propagação de uma arte “livre”, que correspondesse a um mundo igualmente livre e fora da

órbita de doutrinas artísticas de cunho coletivizante (leia-se “comunistas”) como aquele que

ganhava espaço no México, por exemplo.

Figura 18 – Ciccillo Matarazzo e Nelson Rockefeller, assinando o acordo de cooperação entre o MAM e o MoMA. Fonte: Arquivo de Arte da Fundação Bienal de São Paulo. Consultado em: SALA, 2002, p. 146.

A manobra que impulsionaria mais ainda esse intuito seria a criação, a partir de 1951, de uma

exposição de arte nos moldes da Bienal de Veneza, vinculada ao MAM/SP. Assim, foi criada

a Bienal de Arte de São Paulo, que também se constituiu em uma plataforma para a

exposição da arte abstrata, embora incorporasse também a produção local mais relevante,

incluindo obras como as de Portinari, Di Cavalcanti, Segall, Lívio Abramo, Bruno Giorgi, Maria

Martins, Goeldi, Brecheret (SALA, 2002, p. 127). Já a partir de suas primeiras edições, porém

– realizadas a cada dois anos –, foi palco das mais acirradas polêmicas, em geral envolvendo

o persistente debate entre Realismo x Abstracionismo e Nacionalismo x Internacionalismo e,

logo após, a pertinência, ou não, da realização de um evento como a Bienal em solo brasileiro

(AMARAL, 2003, p. 251).

Nas páginas de Fundamentos, por exemplo, as ácidas críticas à atividade artística corrente

e à realização do evento vinham de Fernando Pedreira:

De fato, nunca se tinha visto, entre nós, manobra tão evidente para colocar sob o domínio dos tubarões da finança, a produção artística nacional. Nunca fora mais claro o imperialismo, através de seus agentes culturais (o mecenas Rockefeller à frente) para firmar posições e ganhar influência entre os intelectuais brasileiros. [...] Este verdadeiro truste internacional

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de arte chefiado por Nelson Rockefeller e que inclui notadamente, como vimos, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque e o British Council (além do próprio Museu de Arte Moderna de São Paulo ligado ao primeiro por um convênio) cuida agora de reforçar as suas bases no Brasil, de aumentar sua influência em nossos meios artísticos. [...] Por tudo isso, não é de admirar que, de outubro a dezembro [de 1951], venham reunir-se em São Paulo os expoentes teóricos da arte decadente. Estarão entre nós, além de outros, Jean Cassou, Herbert Read e o diretor do M.A.M. de Nova Iorque, que virão embasbacar a ignorância nativa, cantando as excelências do formalismo. Para aplaudi-los e salientar a sua cultura e o seu brilho, virá do Rio o “parisiense” Mário Pedrosa, pontífice do moribundo trotskismo nacional [...]. (PEDREIRA, 1951a, p. 14)

Na edição seguinte da revista, em “A Bienal e seus defensores”, Pedreira prossegue o seu

ataque a Rockefeller, à “custosa Revista Esso, que faz propaganda dos seus produtos”, ao

Instituto Brasil-Estados Unidos, aos cursos oferecidos “aos jovens pintores da América

Latina”, “na terra do dólar” (PEDREIRA, 1951b, p. 13). Direciona suas críticas também a

Rubem Braga, Oswald de Andrade e, uma vez mais, a Mário Pedrosa, que

produziu um artigo em que pretende provar as ligações entre a arte abstrata e a revolução soviética. Citando Kandinsky, Rodchenko e Malevich, Mário Pedrosa faz funcionar o desmoralizado realejo trotskista para acusar os “stalinistas” que traem a um tempo a revolução de Lênin e a arte revolucionária... na verdade, esta arte que o crítico Pedrosa ainda chama de revolucionária iludiu por algum tempo muita gente boa. Mas logo ela revelou seu caráter falso e estéril, sua absoluta falta de conteúdo. (PEDREIRA, 1951b, p. 13)

Cabe aqui fazer um parênteses quanto ao papel do crítico de arte pernambucano Mário

Pedrosa, especialmente durante os anos 50, com relação à situação da arte e da arquitetura

brasileiras. Pedrosa havia sido um defensor das tendências realistas na arte desde os anos

30, em seus estudos sobre a gravurista alemã Käthe Kollwitz, onde chamava a atenção para

o seu forte conteúdo social. Suas gravuras, retratando as classes oprimidas do final do

século XIX e início do XX, a figura humana, da mulher, e de outros sujeitos cujo potencial

revolucionário preocupava as elites, estavam relacionadas ao conceito de classe. Para o

autor, o fato de tal arte ser frequentemente acusada de “tendenciosa” não retirava o seu

mérito; ao contrário, esta era uma etapa da cultura necessária naquele momento para colocar

de forma cada vez mais evidente a luta de classes. Seria ainda um momento da arte

“transitório e utilitário”, ou seja, funcional para a luta do proletariado: “a arte social hoje em

dia não é, de fato, um passatempo delicioso: é uma arma”, afirmava (PEDROSA, 1995b, p.

56).

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Figura 19 - Käthe Kollwitz: The march of the weavers in Berlin ("A marcha dos tecelões em Berlim"), 1897. Fonte: www.wikipaintings.org. Acesso em: 13 out. 2013.

A expressão – “transitório e utilitário” – poderia ser atribuída ao trotskismo de Pedrosa. Em

Literatura e Revolução, livro publicado em 1923, Leon Trotsky afirmava a necessidade de

construção de uma arte revolucionária – no caso, proletária –, como etapa intermediária e

transitória para a futura construção de uma cultura socialista “verdadeiramente humana”,

advogando a “completa liberdade de autodeterminação no domínio da arte” (TROTSKY,

1969, p. 24-26). Mais tarde, ao problematizar a “síntese das artes” em Brasília, Pedrosa irá

elaborar um raciocínio análogo a partir do conceito de “civilização-oásis”, recorrendo ao

historiador da arte Wilhelm Worringer 99.

Apesar dos escritos de Pedrosa sobre Kollwitz datarem de 1933, no ano seguinte o

pensamento de Pedrosa já se guiava por outros caminhos. Em artigo intitulado “Impressões

de Portinari” (1934), Pedrosa iniciava os seus estudos sobre o pintor brasileiro que tanto

buscou, através dos pinceis, retratar o povo explorado e a realidade do trabalhador brasileiro;

continuou a manter a sua atenção sobre a obra de Portinari ao longo da década que se segue,

sendo que ambos (crítico e artista) são influenciados por suas experiências (exílio/trabalho)

em solo norteamericano nos anos 30-40. Mas, se em relação à obra de Köllwitz ainda

permanecia válida a análise de sua tendência como sendo aquela direcionada a uma crítica

política através da arte – no caso, a gravura –, no que se referia ao muralista brasileiro o

discurso muda de tom. O que apreendia o olhar de Pedrosa em relação à obra de Portinari

99 Abordamos o assunto de forma mais detalhada em: KAMIMURA, 2012. 

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agora – e que teria faltado em sua primeira fase como artista – era “a realidade ponderável,

concreta, da matéria” (PEDROSA, 1998, p. 157). O olhar crítico deslocava-se do

envolvimento da arte com a crítica social em direção a uma análise mais minuciosa da

“materialidade” das formas, que posteriormente – isso já nos anos 50 – viria a adquirir

contornos cada vez mais abstratos, “metafísicos”, sugerindo uma preponderância maior da

significação e da afetividade daquelas mesmas formas, guiando o homem a novas formas de

percepção.

A experiência do exílio (1937-1945), principalmente nos Estados Unidos 100, havia

influenciado profundamente Pedrosa em relação aos seus futuros julgamentos sobre a arte

abstrata; especialmente no que se referia ao contato com a obra do escultor Alexander

Calder, sobre a qual Pedrosa viria a escrever a partir de 1944. Nela, reconhecia um caráter e

uma dinâmica “cósmicas”, um sentido de reordenação do mundo objetivo através da ação

subjetiva, ou conforme observou Otília Arantes (2004, p. 70), “um acordo entre a consciência

e o mundo”.

Esse momento de contato com a cultura abstracionista norteamericana foi, sem dúvida,

fundamental para as formulações que Pedrosa viria a desenvolver nos anos 50 – concebidas,

no entanto, a partir de uma matriz ainda mais radical: a do abstracionismo geométrico, que

no Brasil viria a alcançar grande vigor com o impulso também do movimento concretista

naquela década. Assim, embora sempre realizada a partir de um olhar atento e crítico, a

adesão de Pedrosa à arte abstrata o levou a advogar a favor desta em detrimento dos

“realismos” ou da figuração, que haviam terminado por se configurar como uma grande

“tradição” “moderna” (a despeito das contradições implícitas neste binômio) a partir da

Semana de 22 e dos desbravadores anos vinte.

A aspiração de Mário Pedrosa era de que tudo isso levasse à “sadia mudança de

sensibilidade” nas artes (PEDROSA, 1995a, p. 263), para que então a partir daí se pudesse

repensar as relações do sujeito com o mundo moderno. A arte, nesse sentido, possuiria uma

missão cultural e política de reeducação do sensível e do olhar, sendo que a forte

característica construtiva presente na arte abstrata poderia apontar tais caminhos. Não fazia

sentido, portanto, o dirigismo – soviético ou de qualquer tipo - nos domínios da arte, o que

colocava o crítico pernambucano na mira dos partidários de Stalin e Zhdanov – como fizera

Fernando Pedreira em Fundamentos. Mas não era só a Pedrosa que incomodava o

100 Durante este período, Mário Pedrosa também esteve exilado na França. Cf. PEDROSA; AMARAL, 1975, p. 

312. 

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dogmatismo do PCB. Conforme veremos adiante, dentre os arquitetos também haveria a

busca por alternativas que não aquelas vinculadas à doutrina do “Zhdanovismo”.

O início da conturbada década de 50 assistiria, assim, a confluência de uma série de fatores

que contribuiriam para a radicalização de posições verificada em diversos âmbitos,

“contaminando” as mais variadas esferas discursivas: desde as artes, a política propriamente

dita, até a arquitetura. Foram os anos, em suma, das primeiras Bienais, dos Congressos

Brasileiros de Arquitetos, do retorno de Getúlio Vargas à presidência, da Guerra da Coreia

(1950-53), da Revolução Chinesa (1949); e da turbulência política que ainda se sucederia, em

solo brasileiro, até os anos 60.

O debate entre os arquitetos

No início da década de 50, a polêmica também esteve presente dentre os arquitetos 101. O

Instituto de Arquitetos do Brasil/departamento de São Paulo já comparecia como locus de

alguns embates 102 – como a exposição retrospectiva de Di Cavalcanti (1948), em pleno

embalo da polêmica “Realismo x Abstracionismo” 103. E, em se tratando de “nacionalismo”,

o tema não se limitou à capital paulista, ao contrário: estabeleceu forte interlocução com os

posicionamentos advindos do sul do país, por exemplo, cuja difusão era favorecida por

101 É interessante notar que, no âmbito da arquitetura, o IAB/SP e os CBAs, por exemplo, além de marcarem 

uma firme posição de construção profissional para os arquitetos, também se colocaram como plataforma de 

discussão da política nacional – como na participação da comissão de defesa da  liberdade de Prestes, em 

1949 (FICHER, 2005, p. 248). Com relação a este aspecto do IAB/SP, aponta Ficher (2005, p. 248): “Quanto à 

questão política em particular, desde o início dominava [no IAB] uma clara tendência de esquerda, sendo suas 

reuniões ocasião para levantar fundos para o Partido Comunista Brasileiro. Entidade considerada nos setores 

mais  conservadores  (leia‐se  Instituto  de  Engenharia)  como  dominada  pelos  comunistas,  o  IAB/SP  esteve 

sempre empenhado em lutas políticas do cunho democratizante e nacionalista”. 

102 O Clube dos Artistas e dos Amigos da Arte, do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento de São 

Paulo (e sediado no próprio IAB/SP) foi palco de debates acalorados, como, por exemplo, o episódio descrito 

por Aracy Amaral (2003, p. 255 et seq.) envolvendo o questionamento sobre a validade das Bienais, em mesa 

redonda organizada por Flávio de Carvalho. 

103 Cf. DI CAVALCANTI, Emiliano. Realismo e abstracionismo. Fundamentos, v. II, n. 3, p. 241‐246, ago. 1948; 

MENDES, Murillo. Exposição retrospectiva de Di Cavalcanti. Fundamentos, v. II, n. 6, p. 475‐476, nov. 1948; 

MARTINS, Ibiapaba O. A “mesa redonda” realizada na exposição retrospectiva de Di Cavalcanti. Fundamentos, 

v. II, n. 6, p. 476‐484, nov. 1948. Cf. também: AMARAL, 2003, p. 234‐236. 

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periódicos de esquerda como Horizonte, editada em Porto Alegre, e ligada ao “Clube de

Gravura” daquela cidade 104.

Entre maio e julho de 1951, são publicados três textos, na referida revista, que mobilizam a

discussão sobre nacionalidade, realismo e arquitetura moderna – uma tônica constante

dentre as preocupações da esquerda naquele momento. O arquiteto Demétrio Ribeiro,

escrevendo em 1951, aponta a “moda” da arquitetura moderna no Brasil como sendo aquela

encomendada pela elite latifundiária e burguesa, a mesma que, anteriormente, mandava

“fazer suas casas em estilo suíço ou californiano”. As formas arquitetônicas modernas,

escreve Ribeiro, “não sugerem nenhuma ideia determinada, não podem ser interpretadas

esteticamente em relação à realidade”; deveriam ser convertidas em uma linguagem

facilmente compreensível pelas massas, “capaz de evocar em seu espírito as ideias

grandiosas que inspiram as lutas patrióticas e revolucionárias do nosso povo”. Ribeiro não

antecipa com o que poderia referenciar tal linguagem, em termos formais. O texto, no

entanto, desperta polêmicas com seus colegas.

O também arquiteto Edgar Graeff, na edição seguinte de Horizonte, questiona: “Pois bem,

que edifícios conhece o nosso povo? O operariado não tem casas para morar: mora em

barracos, e a pequena burguesia vive em pardieiros de aluguel. Nosso povo só conhece os

edifícios feitos para os latifundiários e a burguesia”, ponderando as conquistas alcançadas

pela arquitetura moderna brasileira, e direcionando as suas munições não a esta última, mas

às tendências acadêmicas anteriores, ainda presas aos moldes neocoloniais. Faz ressalvas,

no entanto, lembrando que “os arquitetos brasileiros modernos sem dúvida reconhecem que

sua arquitetura não está ligada ainda suficientemente ao povo”, e advertindo os “ intelectuais

de vanguarda, os líderes da cultura progressista que não têm o direito de repartir, com os

que neles confiamos, suas dúvidas”.

Às colocações de Graeff, seriam ainda acrescentadas as de Nelson de Souza (à época ainda

estudante), em outra edição de Horizonte. Souza ressaltava que “a função dos edifícios e as

soluções técnicas” vigentes serviam apenas de “mero pretexto para o jogo das formas

novas” e que “à margem da Arquitetura Moderna, indiferentes a ela, sem mesmo tomar

conhecimento de sua existência, vive a imensa maioria do nosso povo, brutalizado pela

miséria e exploração”. Citando Mao Tsé-Tung, Souza propõe que a meta de uma “arquitetura

verdadeira” deva ser a de melhorar as condições de vida do povo brasileiro, levando-o “de

104 O Clube de Gravura de Porto Alegre surge inicialmente para financiar a publicação de Horizonte. A partir 

de seu quarto número, a revista já se sustentava unicamente através do Clube, que “produzia uma gravura 

por mês para um público que antes não tinha acesso à obra de arte” (AMARAL, 2003, p. 183). 

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seu atual estado primitivo de cultura, não para os padrões da classe feudal, burguesa ou

pequeno-burguesa, mas de acordo com a linha de desenvolvimento próprio deles mesmos”.

Para isso, seria necessário “um embasamento realista frente aos problemas da arquitetura

para orientar a prática dos arquitetos, tendo em vista as condições atuais de nossa

sociedade, o processo em que se desenvolve a nossa sociedade e o papel da arquitetura

nesse processo” 105.

Ou seja, os artigos veiculados por estes autores entre 1951 e 1952 mostravam-se

combativos em relação aos rumos tomados pela arquitetura moderna brasileira.

Compartilhavam da visão de que aquela, de forte veio internacionalista, não se atentava

às necessidades populares que se afirmavam de forma cada vez mais grave nas cidades.

Igualmente notáveis são os textos de João Batista Vilanova Artigas, publicados em

Fundamentos – da qual o arquiteto havia se tornado um de seus editores: “Le Corbusier

e o imperialismo” (de 1951) e “Os caminhos da arquitetura moderna” (de 1952).

Em “Le Corbusier e o imperialismo”, Artigas ataca o livro Le Modulor, de autoria do arquiteto

franco-suíço e o seu pretenso sistema de medidas e padronização universal que visava

unificar os processos de fabricação industrial em todos os países, facilitando a penetração

em todos os domínios do “imperialismo ianque”. Mas é em “Os caminhos da arquitetura

moderna”, onde Artigas vai mais além: questiona o desenvolvimento mesmo desta última

como pura ideologia da classe dominante, alertando para as intrincadas redes de relações

políticas estabelecidas através de empresários, governos e instituições culturais, cujo único

fim seria a colonização de novos mercados. Nelson Rockefeller, Assis Chateaubriand e

Francisco Matarazzo são os “barões” apontados. Le Corbusier e Frank Lloyd Wright os

arquitetos da dominação, “Apolo e Dionísio” fazendo urbanismo.

Da participação do Brasil na guerra contra o nazismo, aproveitou-se o imperialismo americano para aprofundar suas raízes em nossa pátria. Missões culturais de toda a sorte aqui vieram para encobrir as primeiras manobras de rapinagem. Descobriram a Arquitetura Moderna Brasileira, que passou a ser a habilidade que punha culturalmente o Brasil em igualdade de condições, “ombro a ombro”, com os mais cultos povos do mundo, os ianques inclusive! Uma igualdade, digamos de passagem, semelhante àquela dada aos negociantes brasileiros que também passaram a poder, se quisessem, fundar Companhias de Aviação dentro dos EUA (ARTIGAS, 2004d, p. 48).

O inimigo, claramente identificado aqui, é o imperialismo norteamericano e seus asseclas

locais – a elite latifundiária e as tendências simpatizantes do fascismo, remanescentes da era

105 Os três posicionamentos constam em: AMARAL, 2003, p. 275‐282. 

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Vargas. São estes os elementos da “reação”, sendo atribuída à sua liderança a causa das

mazelas sociais, e da inexistência de uma arte e uma arquitetura “nacionalistas”, ou de

caráter “nacional”, corretamente identificada com os verdadeiros “anseios populares”. A

reboque do inimigo vêm todas as tendências abstracionistas e associadas à arquitetura

moderna internacional, junto a seus representantes.

Figuras 20, 21 e 22 – Capas da revista Fundamentos, contendo os textos assinados por Vilanova Artigas, edições 18 (mai. 1951), 23 (dez. 1951) e 24 (jan. 1952). Fonte: Biblioteca Nacional (memoria.bn.br). Acesso em: 24 set.

2015.

No mesmo ano das críticas de Fernando Pedreira citadas há pouco em Fundamentos

(1951), na edição de dezembro da revista, Artigas assinava ainda a matéria “A Bienal é

contra os artistas brasileiros”, reiterando vários dos argumentos de Pedreira, e atacando

especialmente o Abstracionismo como tendência artística “cosmopolita”, “uma arte que não

cogita de coisas objetivas”, e cujas pesquisas deliberadamente se afastavam dos “problemas

do povo”, da “revolta popular, contra a miséria e o atraso em que vivemos” (ARTIGAS, 2004a,

p. 32). Artigas, na realidade, assim como vários dos críticos da Bienal, acompanhava

internamente o desenrolar da produção cultural no MAM, bem como suas escolhas políticas,

uma vez que o próprio arquiteto fazia parte do conselho de administração da Bienal (SALA,

2002, p. 126). Criticava a parcialidade da instituição quanto à escolha dos artistas para o

evento, que haveria resultado “na inauguração da mais uniforme e cansativa repetição de

velhos quadros das mais surradas fórmulas abstracionistas”. E afirmava a sua posição:

Os artistas e escritores progressistas não são contra qualquer escola de arte. São sim a favor da participação da arte na luta que o povo duramente desencadeia contra o imperialismo americano, a miséria e a fome. São a favor da mobilização de todos os artistas para a luta pela libertação nacional do jugo estrangeiro, luta com as armas que lhe são peculiares, com as cores, as formas, a expressão, com os quadros, desenhos, com a força comunicativa de sua arte. São contra as manobras burguesas de erigir em arte uma atividade charadística só

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para convencer, por meio de uma propaganda do tipo fascista, de que a arte não tem interesse nos problemas do povo. De que os artistas devem pôr-se à margem dos acontecimentos. (ARTIGAS, 2004a, p. 34)

Evidentemente, a divisão acerca do tema perpassava a fala de vários profissionais, que

defendiam posicionamentos bastante diversos. Havia muita polêmica. O arquiteto Rino Levi,

por exemplo, foi enfático na defesa da autonomia disciplinar e profissional com relação

ao papel partidário. Anos antes, em 1948, no MASP, a convite da Associação Paulista de

Medicina, Levi defendeu a atuação consciente do arquiteto no que se referia ao exercício

estritamente profissional: “O que parece certo é que a arte só se manifesta com pujança

verdadeira num clima de liberdade absoluta. Quaisquer injunções da sociedade ou de

indivíduos no sentido de dirigi-la para objetivos predeterminados é fatal” (LEVI, 2003, p.

314), contrariando claramente a assertiva de que os arquitetos deveriam submeter a sua

poética a qualquer doutrina política.

Nesta ocasião, Levi ratificava o papel do “verdadeiro artista” como gênio. O seu poder,

afirmava, “depende de sua capacidade em manter sempre viva a sua personalidade. [...]

Ele se sente impelido por uma força estranha e mergulha em conjecturas e dúvidas que

fazem dele, permanentemente, um espírito irrequieto e insatisfeito” (LEVI, 2003, p. 313-

315). Reconhecia a arte como “manifestação do espírito”, afirmando que nela “o artista

retrata a si próprio”. E dava a sua definição de arquitetura:

O certo é que se classifique a arquitetura como arte plástica, de caráter essencialmente abstrato. A função do arquiteto é o estudo da forma, em ligação com o ambiente e o clima, dentro de condições funcionais e técnicas, visando a criação harmoniosa de ritmos, ordenando volumes, cheios e vazios, jogando com a cor e a luz. (LEVI, 2003, p. 315)

Com relação à definição de arquitetura, de forma ampla, colocava que “arquitetura é arte e

ciência”, e defendia o seu posicionamento, com relação à arquitetura como arte social 106:

A arquitetura é frequentemente classificada como arte social pelo fato de envolver problemas de interesse imediato para a coletividade. Com efeito, do desenho do móvel ao da cidade, ela abrange todos os problemas essenciais da vida do homem, individual e socialmente. Nisso reside todo o aspecto científico-social da questão, entrando no terreno da engenharia

106 Conforme apontado por Anelli (2001), ao longo dos anos 50, Levi, que exercera uma efetiva participação 

na construção do Instituto de Arquitetos do Brasil, visava assim “ultrapassar os limites da ação individual”, ao 

“discutir na imprensa assuntos de interesse público relacionados com arquitetura e urbanismo": participando 

do 1º Congresso Brasileiro de Arquitetos (1945), tornando‐se membro do CIAM em fevereiro do mesmo ano, 

e  atuando  no  Instituto  como membro  do  Conselho  Fiscal  e  como  diretor  nas  gestões  de  1954  e  1955. 

Posteriormente, volta a ser membro do conselho fiscal (de 1957 a 1958), quando foi eleito vice‐presidente 

do IAB nacional. 

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e da sociologia. Mas esse aspecto foge da essência própria da arquitetura naquilo que é verdadeiramente característico nela, como fenômeno específico de criação. Em conclusão, verifica-se, logo, que definição da arquitetura como arte social não subsiste, pois, se assim fosse, seria deslocar o assunto para um plano de arte dirigida com objetivos preestabelecidos, alheios à sua essência. O resultado de tal dirigismo só pode levar a uma arte sem vibração. Com efeito, a arte está em conflito permanente com a sociedade, encontrando estímulo na necessidade vital de se libertar da rotina e passividade servil do espírito. Não há dúvida, pois, que a arte só poderá ser sentida por uma minoria com mentalidade integralmente livre. (LEVI, 2003, p. 317)

Um posicionamento engajado e partidário da arquitetura moderna, também em 1948, era

defendido por Eduardo Kneese de Mello – primeiro presidente do IAB/SP, de 1943 a 1949 –

nas páginas da revista Acrópole. Em “Arquitetura, urbanismo e democracia”, o autor afirmava

que “Arquitetura é arte e é ciência. [...] Arte e ciência essencialmente humanas”, sendo sua

origem a “casa do branco, do negro ou do amarelo, ou rei ou do plebeu, do operário ou do

patrão”, enfatizando que “seu espírito é, portanto, profundamente democrático” (KNEESE DE

MELLO, 1948, p. 91). Continua ainda:

[...] a arquitetura é um reflexo de sua sociedade, e essa sociedade tem sido, muitas vezes, na história, fascista, racista, aristocrática, etc. – Castas privilegiadas que oprimiam as demais. – Castas esquecidas e abandonadas ou escravizadas. Homens prepotentes, que se intitulavam donos do mundo. [...] Daí nasceu o complexo do palácio e a preocupação com o monumental.

Prontamente realizando a correlação entre democracia e arquitetura moderna, Mello

prossegue: “Hoje, porém, vivemos a era da democracia. A arquitetura moderna deve refletir a

sociedade moderna, tem que ter, portanto, aquele espírito democrático com que nasceu. –

Tem que atender, indiscutivelmente, ao seu objetivo inicial: - abrigo para o homem. Todos os

homens e, não, certos homens”. Mais à frente, completa: “A arquitetura moderna é

essencialmente democrática. Democrática, porque o arquiteto é um homem do povo.

Democrática, porque seu objetivo é servir ao povo” (KNEESE DE MELLO, 1948, p. 91).

Coincidindo com os argumentos apresentados por Rino Levi em Arquitetura é arte é ciência

(palestra proferida no mesmo ano), Mello afirma que “O arquiteto é artista e é cientista”, e

prossegue, dizendo que “O artista não pertence nem a esta nem àquela classe”, citando o

caso de um modesto pintor, que havia sido porteiro de um hotel em Rio Preto, e, de forma

autodidata, expôs em São Paulo, havendo vendido 40 telas em 3 ou 4 dias. Mais à frente,

prossegue: “A arquitetura atual se ocupa da casa comum e vulgar para o homem normal e

vulgar. Ela deixa de lado o palácio.” (KNEESE DE MELLO, 1948, p. 92) Cita Corbusier e

Gropius, e diz que

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Esse corpo chamado sociedade é uma entidade indivisível, que não pode funcionar quando algumas de suas partes não estão integradas nele, ou estão negligenciadas [...] A doença das nossas atuais comunidades é o lamentável resultado de não pormos as necessidades básicas humanas acima das conveniências econômicas e industriais [grifos no original]” (KNEESE DE MELLO, 1948, p. 92)

A advertência de Max Bill

Um feito notável que iria abalar o meio profissional dos arquitetos já no início dos anos 50

seria o famoso episódio “Max Bill”, em 1953. O suíço, que dois anos antes havia sido

contemplado com o “Grande Prêmio Internacional de Escultura” na edição inaugural da

Bienal de São Paulo – com a escultura em aço polido “Unidade tripartida” –, esteve de

passagem pelo país por duas vezes naquele ano – participando, em sua segunda visita, do

júri de artes plásticas da 2ª Bienal.

Bill, já na sua primeira estada no Brasil, e, após conhecer pessoalmente algumas obras em

andamento na capital paulistana, aproveitou a oportunidade para comentar sua apreciação

sobre a arquitetura brasileira daquele momento – que, conforme ele mesmo ressaltou,

conhecia apenas a partir de publicações –, advertindo, no entanto, o caráter contundente do

discurso que iria proferir:

Minhas observações devem ser entendidas como de alguém que é admirador e amigo sincero do Brasil. [...] O que cabe então dizer a vocês? Descartadas belas obviedades, falarei francamente sobre o papel do arquiteto e sobre a arquitetura brasileira. Será, portanto, uma crítica. 107

O designer suíço alertava para aquilo que havia identificado, naquele momento, como um

“espírito acadêmico modernizado”; apontando a incorporação distorcida, realizada pelos

arquitetos brasileiros, de pontos elementares da arquitetura europeia desenvolvida a partir

de sua vertente corbusiana: a forma livre, a cortina de vidro, o brise-soleil e o piloti. Estes

haveriam sido transpostos diretamente para o contexto local, sem uma apreciação crítica

quanto à sua adequação ou não às condições climáticas, sociais e urbanas do país – é certo

que há pontos de discordância de Bill quanto a determinados fundamentos empregados

pelos arquitetos modernos (mesmo na Europa), como a planta livre; nesta direção, o crítico

levantava aspectos positivos dos pátios internos da cidade tradicional, por exemplo.

107 Os excertos a seguir, de autoria de Max Bill, foram extraídos de: XAVIER, 2003, p. 158‐163. 

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Prosseguindo, Bill alerta sobre uma “perigosa tendência acadêmica” inerente a esta

incorporação, atacando o virtuosismo “barroco” e a gratuidade experimental que poderiam

levar ao decorativismo – o que, para o autor, seria algo oposto ao caráter social com o qual

deveria se alinhar a arquitetura. Ao apontar para os pilotis, por exemplo, que, nas obras

visitadas, assumiam “formas muito barrocas”, denunciava aquilo que ilustrava, para ele,

como sendo o “uso mais abusivo da liberdade formal”, em meio ao “suprassumo da anarquia

na construção, da floresta virgem no pior sentido”, a maior desordem que ele já haveria

presenciado.

Pois tais obras nasceram de um espírito desprovido de qualquer decência e de qualquer responsabilidade para com as necessidades humanas. É o espírito decorativo, algo diametralmente oposto ao espírito que anima a arquitetura, que é a arte da construção, arte social por excelência.

Na apreciação de Bill, o papel do arquiteto na sociedade deveria ser o de unificar “a forma

de funções amplamente diversas”, tornando “uma ideia tão clara e objetiva quanto possível,

através dos meios mais adequados”, evitando-se a busca pela forma “fotogênica” e

“espetacular” – afinal, não seria esta, segundo o autor, a “função social do arquiteto”. A arte

de construir deveria “ser a arte de desempenhar um determinado papel útil na sociedade”.

A boa arquitetura é aquela onde cada elemento desempenha sua função específica e nenhum deles é supérfluo. Para tanto, o arquiteto deve ser um excelente artista. Um artista que não precise chamar a atenção apelando para extravagâncias; alguém que, acima de tudo, esteja ciente da responsabilidade com relação ao presente e ao futuro.

Figura 23 – Oscar Niemeyer e Carlos Lemos: Edifício Califórnia, 1951-1955, São Paulo. Fonte: panoramio.com. Acesso em: 24 set. 2015. Conforme identificado por Eduardo Corona no editorial de Arquitetura e Decoração, n. 4,

abr. 1954, n.p., o edifício da Rua Barão de Itapetininga seria um dos alvos da crítica de Max Bill.

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Finalizando, Max Bill afirmava que “a arquitetura é uma arte quando todos os seus elementos

– função, construção, forma – estão em perfeita harmonia”. Esta última afirmação talvez seja,

a que mais retém uma síntese do ideal da Gute Form (“boa forma”) defendida pelo suíço

naquela ocasião, e de suas ideias empreendidas na recém-inaugurada Hochschule für

Gestaltung (Escola de Design) de Ulm (Alemanha), em cuja idealização e construção Bill

desempenhara um papel fundamental. Conforme apontado por Nobre (2008, p. 52-62), essa

atitude, na verdade, tinha mais a ver com a defesa de Bill das “formas honestas”, ou seja,

que fossem relacionadas à esfera da necessidade, buscando-se uma relação equânime entre

forma e função, do que uma relação de subordinação rígida de uma à outra.

Bom significa belo e útil ao mesmo tempo. (BILL, 1952 108 apud NOBRE, 2008, p. 62, grifos nossos)

Não foi essa a recepção das críticas de Bill por parte dos arquitetos e da imprensa à época,

que compreenderam o discurso do suíço como uma espécie de manifesto intransigente pelo

rigor matemático e científico, equivocado pela inadequação de uma visão deslocada do

contexto sociocultural local. O carioca Quirino Campofiorito (1953, p. 22), por exemplo, foi

enfático ao chamar Bill “ornamentista” e “decorador suíço”, apontando ser irrisória sua

opinião sobre a arquitetura brasileira, uma vez que a mesma simplesmente revelava a sua

fraqueza em rivalizar “com seu compatriota de justa fama internacional como arquiteto [Le

Corbusier]”.

Lúcio Costa (2003, p. 181) também foi combativo às afirmações de Bill, que, conforme

observou, não era, “a rigor, nem arquiteto, nem pintor ou escultor, mas sim

fundamentalmente um delineador de formas (designer)”. O texto de Costa, publicado na

revista Manchete, incorporava outras falas de Bill proferidas no Rio de Janeiro naquele ano.

E, embora tivesse um tom mais ponderado, tratava de atribuir um caráter à fala do suíço

como sendo “uma crítica viciosa e carregada de velhos recalques contra os princípios

básicos da doutrina de Le Corbusier”. Ressaltando a importância cultural de nosso legado

colonial, Costa rebatia o “barroquismo” acusado por Bill, lembrando, pois, tratar-se de “um

barroquismo de legítima e pura filiação nativa que bem mostra não descendermos de

relojoeiros, mas de fabricantes de igrejas barrocas” (COSTA, 2003, p. 183).

Essa incompreensão foi registrada por Flávio d’Aquino, na revista Manchete, por ocasião da

conferência de Bill no Rio de Janeiro. Aquino apontava as palavras do suíço como sendo,

talvez, “as primeiras opiniões sinceras sobre a nossa arquitetura moderna”, lembrando que,

108 BILL, Max. Form: eine bilanz über die  formentwicklung um die mitte des XX.  Jahrhundertz. Basel, Karl 

Werner, 1952. 

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de figura célebre e respeitada, subitamente as referências a Bill haviam se tornado as de “um

‘artista fraco’, ‘incapaz’, etc. (se, pelo contrário, tivesse usado os costumeiros elogios para

com a nossa arquitetura, teria sido considerado um grandíssimo artista, etc.)” (AQUINO,

1953, p. 34-35). A reportagem foi publicada também na revista Habitat que se mostrava mais

receptiva às advertências do designer suíço, e que anteriormente já havia publicado a

primeira palestra de Bill, “O arquiteto, a arquitetura, a sociedade”. Esta última, transcrita na

íntegra, visava evitar falsas “tomadas de posição”, por parte dos poucos arquitetos

efetivamente presentes naquela ocasião e pela polêmica que já se alastrava rapidamente no

meio. Logo após, entretanto, o arquiteto Eduardo Corona chegou a se referir à palestra de

Max Bill, no editorial de Arquitetura e Decoração, como fato ao qual, segundo o autor, “não

demos maior importância por se tratar de uma conversa ou desconversa doentia e cheia de

mágoa”, alertando que “Max Bill se meteu onde não devia e afirmou o que não sabia”

(CORONA, Eduardo, 1954, n. p.). Ainda assim, os editoriais de Arquitetura e Decoração

daquele período (escritos por Corona, Luís Saia, dentre outros), indicam uma certa sensação

de “crise” e necessidade de reavaliação de caminhos trilhados até então.

Apesar das polêmicas, a fala de Max Bill encontrava um terreno fértil para a sua recepção:

tratava-se de um país que almejava a industrialização, ao mesmo tempo em que assistia ao

crescimento rápido e desordenado de seus grandes centros urbanos. Além disso, havia

algum interesse por parte da esquerda local, que começava a procurar alternativas para além

da doutrina do Realismo Socialista, mas relutando, igualmente, em aderir às tendências

abertamente abstratas, ou “abstracionistas”, que galgavam espaço no circuito cultural

institucional. A partir do meio da década, parece mesmo haver um declínio dos preceitos

“corbusianos” – ao menos, no que se refere ao legado deixado por Corbusier quando de sua

passagem pelo Brasil no entreguerras – e, simultaneamente, uma maior receptividade, por

parte dos arquitetos paulistas, com relação a proposições outras, como as de Frank Lloyd

Wright (via Bruno Zevi e o debate sobre a “arquitetura orgânica”) ou Richard Neutra (cuja

produção, especialmente a residencial 109, era amplamente veiculada em periódicos

especializados) 110.

109 É mesmo notável, por volta desse momento (meio da década de 50), o predomínio da produção residencial 

privada nos periódicos especializados, que, mais para o fim da década cederão mais espaço para a produção 

pública e/ou de maior porte, como escolas,  conjuntos habitacionais, hospitais, bairros operários, edifícios 

industriais, etc., além de sedes de banco, seguradoras, dentre outros. 

110 “Não é de se estranhar, portanto, que o debate organicista italiano ganhe direito a voz localmente, a partir 

de 1955. Se, já em 1952, tínhamos notícias esporádicas desta crítica aos princípios universais dos CIAMs, em 

nome da  escala  humana  e  suas  francas  ressalvas  à  excessiva  valorização  formal  brasileira,  a  partir  deste 

momento,  tanto  Habitat  quanto  Acrópole  –  atentas  às  revistas  italianas  como  Metron  e  Domus  – 

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Realismo e Nacionalismo: arquitetura por volta de 1954

Por volta de 1954, essa efervescência combinou-se não só com a pujança econômico-

industrial de São Paulo, mas também com as comemorações de seu quarto centenário.

A atmosfera de civismo entrecruzava-se com polêmicas de toda ordem envolvendo a

economia e a política brasileiras. É importante ressaltar que o presidente Getúlio Vargas,

naquele momento, mantinha um posicionamento marcadamente nacionalista, sofrendo,

porém, os efeitos da conjuntura mundial. A Revolução Chinesa em 1949, a Guerra da

Coreia (1950-53) e a eleição de Eisenhower nos Estados Unidos (1953) contribuíram para

o acirramento da Guerra Fria e para a associação tendenciosa dos gestos populistas do

presidente com o comunismo. A política financeira encampada e as restrições de

remessas de capitais ao exterior levaram, por exemplo, o Banco Mundial a reduzir e

mesmo a não conceder mais empréstimos ao Brasil – exceção feita a uma transferência

isolada em 1958, entre 1955 e 1964 o banco não realizou qualquer novo empréstimo ao

país (MALAN, 1986, p. 73). A despeito disso, o PCB, por exemplo, mantinha a postura

do Manifesto de Agosto de 1950, de oposição ao poder vigente, e, portanto, de repúdio

ao presidente.

Em meio a esse clima, algumas polêmicas também encontraram espaço no quarto

Congresso Brasileiro de Arquitetos (4º CBA), realizado em São Paulo de 18 a 24 de janeiro

de 1954. Várias questões perpassavam o aspecto do “nacionalismo” na discussão: havia um

nítido sentimento de que a arquitetura moderna brasileira, até aquele momento, havia

cometido alguns “excessos”, tanto com relação à reduzida clientela a que havia se limitado

a atender (a burguesia e o Estado) quanto à sua exuberância plástico-formal, que pouco

valorizava os aspectos econômicos, utilitários e funcionais da construção.

Para Gustavo Neves da Rocha Filho (que futuramente irá dirigir a revista “Bem Estar”, ainda

enquanto estudante, em São Paulo), o ensino da arquitetura no Brasil havia deixado de se

concentrar sobre o “estudo da formação social brasileira [...] dedicando-se muito à

arquitetura religiosa e quase nada à arquitetura civil”; isso teria levado os estudantes à

tendência pela “exuberância plástica, ao gosto da forma e da ostentação, próprios do

barroco” (ROCHA FILHO, 1954, p. 177).

consideravam, mesmo sem concordar com boa parte de suas premissas, ao menos importante reproduzir tais 

opiniões e fazê‐las circular em meio aos profissionais paulistas.” (DEDECCA, 2012, p. 157) 

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O autor, em sua tese apresentada ao congresso, não deixava de reconhecer a importância

do impulso do movimento moderno no Brasil, fugindo do movimento tradicionalista

esboçado em 1914 por Ricardo Severo – e do qual até Lúcio Costa havia tomado parte – e

que havia surgido, no entanto, “com a melhor das intenções, procurando contrapor ao

ecletismo ameaçante um ‘estilo’ brasileiro, num artificioso processo de adaptação dos

elementos já sem vida da época colonial”. A principal reivindicação de Rocha Filho era de

que houvesse “um estudo mais profundo e criterioso da nossa arquitetura tradicional, da

nossa formação social e do nosso folclore” (ROCHA FILHO, 1954, p. 177-178). Com relação

aos florescentes esboços de uma arquitetura tradicionalista-nacionalista naquele momento,

observava que

Nos dois congressos nacionais de estudantes de arquitetura havidos em 1952 e 1953, respectivamente na Bahia e no Recife, foram apresentadas e discutidas teses nesse sentido. [...] Parece, pelo exame de alguns projetos de estudantes do Rio Grande do Sul, que estamos repetindo o movimento tradicionalista de 1920. [...] A arquitetura não se caracteriza pelo uso de um ou outro elemento formal, mas reflete uma série de condições bem determinadas. Essas condições é que precisam ser descobertas antes de se pretender basear a arquitetura moderna na arquitetura tradicional, mesmo porque, esta, nem sempre foi a boa arquitetura digna de ser continuada. (ROCHA FILHO, 1954, p. 178)

Concluindo, Rocha Filho defendia uma combinação dos “três tipos de influência cultural

– o regional, o nacional e o cosmopolita”, bem como “a necessidade de um regionalismo

criador, em oposição a muitos excessos de uniformização, perigo a que estamos sujeitos

pela influência do industrialismo capitalista americano, largamente dominado pela ideia

de que o que é bom para o norte-americano, deve ser bom para os brasileiros”,

repetindo, assim, “os mesmos excessos praticados há mais de um século pelos

industrialistas ingleses, que tudo mandavam para o Brasil, pouco importando que fossem

ou não produtos adaptáveis ao clima ou próprios para a necessidade da gente brasileira”

(ROCHA FILHO, 1954, p. 179). E fazia as seguintes sugestões ao 4º CBA: criação de

comissões internas aos departamentos do IAB, em contato íntimo com as seções do

DPHAN 111 e a universidade, promovendo pesquisas sobre a arquitetura tradicional

brasileira e sua divulgação; e introdução da disciplina “Formação Sociológica Brasileira”

nas Escolas de Arquitetura, a ser dada em dois ou mais anos.

A pauta do Realismo também não deixou de comparecer no congresso, desta vez com

duas posições, uma trazida do Rio de Janeiro e outra de Porto Alegre. O jornalista carioca

Mário Barata apontava o “crescente interesse por uma revisão autocrítica da arquitetura

111  Departamento  do  Patrimônio  Histórico  e  Artístico  Nacional,  atual  Instituto  do  Patrimônio  Histórico  e 

Artístico Nacional (IPHAN). 

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moderna brasileira” naquele momento, citando o depoimento dado por Lúcio Costa à

revista Manchete, a propósito das recentes e “desorientadas restrições feitas por Max

Bill” a alguns aspectos da arquitetura brasileira. Barata, condenando “os excessos

formalistas dos que fazem a forma pela forma”, compondo a obra “no escritório”,

“olhando só para concepções estilísticas ‘a priori’ ou para publicações estrangeiras”

(BARATA, 1954, p. 180, grifos no original).

Barata ressalta ainda a volta recente à preocupação com a tradição nacional, já “agitada por

Gilberto Freyre nas décadas de 1920 e 1930”. Segundo o autor, tal interesse pareceria nos

estar encaminhando “para uma revisão da arquitetura moderna e o preparo de sua fase

nacional, pela forma, técnica e ligação com as reais condições econômicas do país, à espera

do momento em que novas condições sociais exijam da arquitetura esforço efetivo”. Só

então essa arte poderia dar “contribuição efetiva à solução do problema brasileiro e meios

para o homem local viver com o máximo conforto e o mínimo de sacrifício” (BARATA, 1954,

p. 181).

De forma programática, pontua as bases sobre as quais o Realismo na arquitetura deve

se assentar e o seu significado cultural. Assim, coloca que “o problema não é de encarar-

se a arquitetura unicamente sob o ângulo da tradição, mas de vê-la também sob o

aspecto das exigências concretas da realidade nacional. Nem tudo que é tradicional é

admissível. Deve haver o trinômio: arquitetura – tradição – necessidades dos habitantes

do país”, e aponta que “todos esses problemas de arquitetura atual se enquadram no

grande movimento de volta ao realismo, que está caracterizando a cultura

contemporânea – e se tornou a única forma de sair do impasse a que se havia chegado

(BARATA, 1954, p. 181-182)”.

Quanto ao questionamento sobre se a arquitetura moderna deveria ser “combatida” pelo

Realismo, Barata relembra que as bases daquela haviam sido “técnicas e sociais”,

correspondendo, na verdade, à “existência de novos materiais e à necessidade de

solução de problemas humanos”. Assim, a oposição não faria sentido: enquanto “na

pintura e na escultura, o ilogicismo e o prazer dos sentidos” poderiam prevalecer, na

arquitetura, a exigência de funcionalidade e a necessidade de abrigar o homem nada

teriam a ver com a reprodução de “caras humanas e aspectos da natureza” – como

haveria sido colocado pelo crítico Romero Brest, citado pelo autor. Assim, Barata

concluía: “o princípio realista dessa arte [a arquitetura] é o funcional. Ela nunca foi arte

figurativa” (BARATA, 1954, p. 182, grifos nossos).

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De Porto Alegre, Demétrio Ribeiro, Nelson de Souza e Enilda Ribeiro trazem novamente à

tona um debate que havia se iniciado alguns anos antes. Agregam à polêmica sobre a

arquitetura brasileira a crítica à “interpretação individualista da arquitetura”, ou seja, “o

conceito de que a arquitetura é uma questão de talento individual exclusivamente”,

perseguindo-se “a originalidade a todo custo”, e tornando a criação de formas novas “um

objetivo em si”. Segundo os autores, o fator preocupante contatado é o de que “ser diferente

dos demais [...] inventar uma nova arquitetura, esta é a preocupação que guia um grande

número de arquitetos e estudantes” (RIBEIRO; RIBEIRO; SOUZA, 1954, p. 185).

Criticam os que defendem a tese de que “a arquitetura e as outras artes, na sua essência,

naquilo que as diferencia das outras atividades, independem dos fatores sociais, históricos

e ideológicos”, ressaltando também o caráter elitista da arquitetura contemporânea

brasileira, que não era “representativa da realidade social brasileira em seu conjunto”

(RIBEIRO; RIBEIRO; SOUZA, 1954, p. 185-186). Retomam a pauta da habitação popular,

lembrando que “as soluções técnicas e economicamente mais aconselháveis para enfrentar

o problema da habitação popular não são postas em prática, não havendo por isso condições

objetivas para o desenvolvimento das experiências relativas a essa questão”. Quanto à

orientação estética, ressaltam que

A sensibilidade estética do povo distingue em cada fase da história o que vive do que caducou no patrimônio do passado. Nesse processo continuado e coletivo, em que são assimilados e desenvolvidos os elementos vivos da herança cultural, transmitem-se os valores tradicionais da arte. Nas condições atuais, esse poder criador do povo não pode se manifestar na arquitetura, Assistimos ou participamos de tentativas individuais de transposição de formas ou elementos do passado à arquitetura moderna. No entanto, nenhum talento, nenhuma teoria poderá substituir o processo vivo da cultura nacional. (RIBEIRO, Demétrio; RIBEIRO, Enilda; SOUZA, 1954, p. 187)

Por fim, concluem propondo que “a única solução para os problemas da nossa arquitetura

estaria na sua verdadeira democratização. [...] Nas condições atuais do Brasil, o ponto de

partida de uma efetiva democratização da arquitetura só poderá ser a construção em grande

escala, para atender às necessidades imediatas de milhões de brasileiros que hoje sofrem

da falta de habitações condignas, não têm escolas, hospitais, estádios, nem locais para a

cultura espiritual e física. Iniciativas dessa envergadura implicam em profundas

transformações no quadro econômico, social e político brasileiro (RIBEIRO, Demétrio;

RIBEIRO, Enilda; SOUZA, 1954, p. 187).

O problema do Nacionalismo – ou da arquitetura “nacionalista” – retoma, como era de se

esperar, o itinerário Ricardo Severo/Lúcio Costa, nas falas de Fernando Corona e Eduardo

Corona. Em “Características da arquitetura brasileira”, o primeiro pergunta-se acerca da

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arquitetura moderna de vertente europeia: “Essa arquitetura, que surge da técnica e dos

materiais, será aceita em cada lugar? E o povo, para quem essas obras deverão ser

construídas, gostará delas com seu caráter internacional?” (CORONA, Fernando, 1954, p.

188-189). “Não podemos negar que a Arquitetura Brasileira Contemporânea tem suas raízes

técnicas em princípios criados pelos arquitetos europeus”, enfatiza. “[...] nossos grandes

arquitetos – tomemos como símbolo Lúcio Costa – estudaram a fundo a arquitetura das

fazendas do Norte e do Brasil Meridional, das primitivas casas de moradia de Ouro Preto,

das nossas igrejas [...]”. Propõe a tese de que elementos coloniais da arquitetura brasileira,

como traves de madeira, parapeitos de sarrafos em treliça, azulejos cerâmicos com desenhos

geométricos coloridos, etc. estão presentes naquela arquitetura e que a arquitetura

contemporânea brasileira “tem características da nossa arquitetura tradicional onde reside,

por isso mesmo, seu fundamento nacionalista”.

Filho de Fernando, Eduardo Corona, sua tese, aponta a adoção, por parte da arquitetura

atual, dos “elementos da tradição que possuíam a força e a expressão de sua época, isto é,

que foram criados obedecendo a razões técnicas e sociais necessárias e consequentes num

determinado período do desenvolvimento de nossa sociedade” (CORONA, Eduardo, 1954,

p. 230-231). Acusa o “formalismo”, o “racionalismo”, o “organicismo” e “o tão falado

abstracionismo” de “desvios no conjunto da criação artística, causados pelas contradições

contidas e originadas pela própria sociedade burguesa, que nada mais aspira, em sua

função, a não ser presenciar sua própria decomposição”.

Por isso, a criação de uma consciência nacionalista, em nosso meio, se faz necessária. E as condições sociais que devem presidir o desenvolvimento desse espírito próprio tem de ser provocadas por nós, devemos tornar o nosso Brasil um país independente econômica e culturalmente para se alcançar condições favoráveis a toda a nossa cultura. [...] E teremos, a partir de Lúcio Costa – o mestre que desassombradamente levantou o problema das características essenciais da verdadeira arquitetura nacional – as condições favoráveis para lutarmos por essa consciência nacionalista, construtiva, para engrandecer nossa arquitetura e por nossa cultura. O essencial é não fazermos de nossa arquitetura uma expressão de arte internacional, ou cosmopolita e nem um “pastiche” de nossa riqueza cultural que não precisa ter idade para ser tradição. (CORONA, Eduardo, 1954, p. 232)

E, ressaltando o papel da tradição, conclui:

Resta-nos cumprir com a missão de salvaguardar as condições favoráveis à nossa cultura e à nossa consciência nacionalistas, para consolidarmos definitivamente uma verdadeira Arquitetura Nacional. (CORONA, Eduardo, 1954, p. 232)

Findo o Congresso, o sentimento de necessidade de uma “revisão” do caminho percorrido

pela arquitetura brasileira recente perduraria ainda em encontros e publicações da área. Na

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mesa redonda “Arquitetura e nacionalidade” 112, integrada por Flávio de Carvalho, Eduardo

Kneese de Mello, [Eduardo?] Corona, Luís Saia e Vilanova Artigas, este último explicava que

“inegavelmente certas importações coincidiram com nossa necessidade de racionalizar a

produção”, obedecendo “às intenções de industrialização”, indagando, no entanto, se este

conteúdo corresponderia, de fato, “à nossa realidade, ao nosso passado”. Eduardo Kneese

de Mello, por sua vez, questionava a dificuldade em se reconhecer a arquitetura brasileira,

naquele momento, como possuindo uma determinada “nacionalidade”, dadas as diferenças

regionais existentes no país. Já Luís Saia era da opinião de que “um estilo, uma unidade

formal e de conteúdo”, englobando a arquitetura de uma determinada época, é algo que,

com frequência, é definido somente “a posteriori”. Naquele momento, dizia Saia, seria

impossível determinar qual o estilo da arquitetura brasileira, ainda “em processo de

formação”.

De volta ao real

O interregno que vai aproximadamente de 1954 a 1956 sugere um momento de reflexão e

redefinição dos caminhos trilhados pela arquitetura brasileira. Dados os limites deste

trabalho, cabe aqui tão somente apontar alguns aspectos sobre as tomadas de posição mais

significativas e o discurso corporativo dos arquitetos, com relação à atividade projetual e a

esfera do político-social. Nesse âmbito, falas como as de Vilanova Artigas, do fim da década

de 1950, o projeto de Nação imbuído em alguns de seus discursos, bem como em sua

poética pessoal e o impacto do “depoimento” de Oscar Niemeyer revelam novas

possibilidades a serem exploradas, com o clima de mudança política do meio da década.

No plano da história política, o momento é de enorme turbulência: em 1954, a cúpula das

Forças Armadas pede formalmente a renúncia do então presidente Getúlio Vargas. No dia 24

de agosto daquele ano, para a surpresa de todos, Vargas, ao invés de renunciar, se suicida,

e frustra o processo de mudança que os setores conservadores supunham já se encontrar

em curso – a morte do presidente causa uma enorme comoção popular. No Rio de Janeiro,

as sedes dos jornais conservadores são apedrejadas e incendiadas, e há grande tumulto em

diversas regiões do país. No final do ano seguinte, nova manobra das Forças Armadas tenta,

sem sucesso, invalidar o resultado das eleições que elegeram Juscelino Kubitschek para

conduzir a nação a partir de 1956 – a gestão de Kubitschek seria ainda alvo de outras duas

investidas por parte de militares dissidentes, nas crises de Jacareacanga (1956) e Aragarças

(1959). Após a intervenção de militares legalistas, e, garantida a posse do presidente mineiro,

112 IAB SÃO PAULO. Boletim mensal n. 13. In: Acrópole, n. 196, n. p., jan. 1954. 

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Kubitschek cumpre sua promessa de campanha e inicia a mudança da capital para o centro

do país, como parte do Plano de Metas que seria a marca de seu governo – e que visava

fazer o país avançar “50 anos em 5”.

É importante também acompanharmos a “sinuosidade política” 113 do PCB, cujos manifestos,

após a morte de Vargas, passam subitamente da franca oposição ao varguismo e da

organização de uma “Frente Democrática de Libertação Nacional” para uma postura mais

realista, buscando reavaliar sectarismos e aproximar-se dos trabalhistas. De 1954 a 1958, “o

PCB sofrerá uma série de mutações teóricas, políticas e organizativas” (SEGATTO, 1995, p.

33), passando a reafirmar “a necessidade de mobilização em torno da defesa da legalidade

e das liberdades democráticas” (SEGATTO, 1995, p. 41). Por volta de 1956-57 se processam

mudanças internas ao partido, nas quais reformula-se o Comitê Central, membros são

expulsos, e, na prática, centra-se uma nova atuação em uma linha “pragmática”, excluindo-

se as tendências demasiado renovadoras e também a “couraça” dogmática do marxismo-

leninismo. Essa série de rupturas vai culminar na célebre “Declaração de Março” de 1958 –

que defendia a aliança entre proletariado e burguesia, em favor de um processo de

modernização democrática e nacional –, e, posteriormente, na ruptura entre PCB e PCdoB,

no início de 1962.

No plano internacional, há o impacto devastador das denúncias, realizadas no XX Congresso

do PCURSS, em 1956, contra Josef Stalin, morto três anos antes. Seu sucessor na direção

da União Soviética, Nikita Khruschev, profere uma estarrecedora fala (o “Relatório

Khruschev”) na qual denuncia os crimes cometidos pelo regime de Stalin, além do “culto à

personalidade” do ex-líder. Após aquele episódio, várias reorientações serão tomadas pelos

partidos comunistas ao redor do mundo, o que, invariavelmente, provoca uma reavaliação

de caminhos nas proposições culturais alinhadas com o pensamento de esquerda.

As transformações no discurso dos arquitetos, no entanto, ainda que possam se relacionar

com estes episódios, parecem estar informados por uma crise disciplinar e profissional que

já se processa desde o início da década, e possuem na crítica de Max Bill um elemento-

chave. À “crise” e ao mal-estar instaurados, sucedem-se, imediatamente, tomadas de

posição visando defender o “orgulho ferido” da arquitetura brasileira; mas a peça-chave

desta reavaliação parece se encontrar no “Depoimento” de Oscar Niemeyer, publicado na

revista Módulo, no início de 1958.

113 SEGATTO, 1995, p. 38. 

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No artigo em questão, Niemeyer reconhece possíveis excessos e uma “tendência excessiva

para a originalidade”, que haveriam marcado algumas de suas obras, somados ao seu “feitio

displicente e boêmio” e à sua compreensão da profissão como “um exercício que se deve

praticar com espírito esportivo – e nada mais”. Isso estaria relacionado ao seu entendimento

de que, “sem uma justa distribuição da riqueza – capaz de atingir a todos os setores da

população – o objetivo básico da arquitetura, ou seja, o seu lastro social, estaria sacrificado”

(NIEMEYER, 2003, p. 238), ou seja, uma parte do problema estaria também fora da

arquitetura. Ainda assim, o arquiteto comprometia-se, consigo mesmo e perante os colegas

a, dali em diante, adotar “uma série de providências e medidas disciplinadoras”; o que incluía

a redução de trabalhos em seu escritório e a recusa sistemática de encomendas que

visassem “apenas a interesses comerciais”, de forma que pudesse se dedicar mais

criteriosamente àqueles que fossem dignos de tal.

Assim, Niemeyer elenca os pontos pelos quais afirma ter passado a priorizar:

as soluções compactas, simples e geométricas; os problemas de hierarquia e de caráter arquitetônico; as conveniências de unidade e harmonia entre os edifícios e, ainda, que estes não mais se exprimam por seus elementos secundários, mas pela própria estrutura, devidamente integrada na concepção plástica original. (NIEMEYER, 2003, p. 239)

O depoimento foi publicado dois anos após o início do projeto de Niemeyer para o Museu de

Caracas, e num momento em que as obras de Brasília já se encontravam a pleno vapor.

Segundo Vilanova Artigas, a autocrítica havia alcançado “grande repercussão nos meios

artísticos paulistas, em particular dentre os arquitetos progressistas” (XAVIER, 2003, p. 240).

Já para o crítico de arte Mário Pedrosa, tratava-se de atitude nobre, generosa, um “despertar

da consciência social” no arquiteto, no “playboy endiabrado” (XAVIER, 2003, p. 242-244); o

ganho desta autocrítica, segundo Pedrosa, seria o fato de Niemeyer ter encontrado “o ponto

de convergência entre o ético e o estético” [grifos nossos], já não objetivando “distinguir

entre concepção plástica e estrutura (uma sendo dada pela outra, necessariamente)”, e

alcançando “uma alta simbiose”, dispensando “o acessório, o secundário, o mero adorno”.

Assim sendo, o resultado almejado por Niemeyer seria, segundo Pedrosa, “a própria unidade

global concebida”.

Alguns anos antes, em 1954, Vilanova Artigas havia publicado, na revista Arquitetura e

Decoração, o texto “Considerações sobre arquitetura brasileira”, dando continuidade à

tônica empreendida em Fundamentos, e atacando o “imperialismo ianque, Vargas e o

latifúndio”. Entretanto, é possível interpretar as conclusões do artigo segundo uma nova

inserção histórica: o texto foi escrito após os mencionados debates acerca da Bienal, do

abstracionismo nas artes, e, principalmente, depois do 4º Congresso Brasileiro de

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Arquitetos. Sucede, igualmente, duas viagens que Artigas havia empreendido à União

Soviética, em 1952 e 1953, respectivamente 114.

Ainda manifestando o seu apoio ao posicionamento do PCB e defendendo a Frente Única

dos Arquitetos, o autor polemiza com o artigo de Edgar Graeff, publicado na revista

gaúcha Horizonte alguns anos antes, e na qual Graeff havia criticado os excessos

formalistas, em favor de uma arquitetura expressiva dos sentimentos populares. Nas

palavras de Artigas:

Nós, os comunistas, temos uma opinião estética definida, clara, que não escondemos – lutamos pela aplicação do método do realismo socialista – e é com ela que entramos na frente-única para discutir com os nossos colegas arquitetos, no calor da luta contra o imperialismo, no calor da luta pela existência da arquitetura, qual deva ser a arquitetura brasileira, quais as formas que exprimirão melhor o povo unido no processo de libertação nacional. Sem a libertação do Brasil do jugo imperialista e sem a democracia popular, não teremos arquitetura popular. [...] Sem a total modificação destas condições não haverá a arquitetura que desejamos, por melhor boa vontade, por mais honestos que sejam os arquitetos, por mais que eles sofram com a situação. (ARTIGAS, 2004b, p. 54)

114 Artigas foi à U.R.S.S. duas vezes, junto dos arquitetos do Instituto de Arquitetos do Brasil (1952) e de uma 

delegação de artistas e  intelectuais do PCB (1953). Cf. CONTIER, ANELLI, 2015, p. 473. Além disso, Artigas 

havia  visitado  também  a  Polônia,  em  1952,  e  posteriormente  a  China.  Em  1956,  a  revista  Habitat, 

republicando matéria da revista Manchete, relata a experiência de uma das caravanas que haviam ido à União 

Soviética após o 4º CBA – dentre eles Maurício Roberto, o engenheiro Ivan da Costa Pinto, os arquitetos Noel 

Saldanha Marinho e Helio Uchôa. O arquiteto F. A. Regis, também presente na caravana, revela: “Não gostei: 

1) da arquitetura clássica, ou tradicional, como a chamam, usada pelos soviéticos. Utilizando uma técnica 

avançadíssima, que reduz a construção a uma simples montagem e que abre ao arquiteto um mundo novo 

de  possibilidades,  é  chocante  o  seu  emprego.  Resolveu  a  União  dos  Arquitetos  reabrir  a  questão, 

considerando a arquitetura  já  feita como um erro a não repetir. Dispondo os soviéticos de uma  indústria 

poderosa, a ponto de estarem realizando em massa o que até agora, noutros países, tem sido apenas ensaio 

– isto é, o prédio pré‐fabricado – é de admirar que estejam, ainda, apegados às formas e estilos do passado, 

num  academismo  já  ultrapassado  mesmo  em  países  de  organização  social  e  técnica  mais  atrasadas” 

(NOTICIÁRIO. Habitat, São Paulo, v. 6, n. 26, p. 45‐47, jan. 1956). 

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Figura 24 – Edgar Graeff: residência Israel Iochpe (Porto Alegre), 1954. Fonte: GOLDMAN, 2003, p. 74.

Aqui, há uma dupla constatação, que, no entanto, nos leva a um impasse: por um lado,

a prática exigia a “total modificação destas condições”, sem a qual não poderia haver

“boa vontade, por mais honestos” que fossem os arquitetos – se esperava uma

revolução, à maneira conclamada por Prestes? Por outro, lutava-se “pela aplicação do

método do realismo socialista”, embora Artigas atacasse o realismo proposto pelos

arquitetos gaúchos, ao mesmo tempo em que não se mostrava receptivo aos desastres

do realismo soviético conhecido em suas viagens. E nesse período que Artigas entra em

uma violenta crise pessoal, levando-o a quase abandonar o escritório.

Todas as manifestações críticas que organizei para mim mesmo sozinho, de 1945 em diante, acabaram em 1950 até 1954, e me levaram a uma crise grande, pessoal. Pensei: ou quebro toda essa porcaria, ou como vou fazer? (ARTIGAS 115, 1988 apud ALVES, 2003, p. 107)

Artigas projeta uma grande obra em 1953 – o estádio do São Paulo Futebol Clube – e apenas

duas casas entre 1954 e 1955 (CONTIER; ANELLI, 2015, p. 473). Na opinião de Kamita (2000,

p. 22-23),

Ao que parece, esse intervalo serviu para o cidadão e artista rever certas posições, estabelecer novos parâmetros para sua prática arquitetônica, exigidos por esse exercício ininterrupto de autocrítica e lucidez. Em suma, tratava-se de buscar um novo modo de

115 AMARAL, Aracy; ARTIGAS, João B. V (1988). As posições dos anos 50 [entrevista]. Projeto, n. 109, p. 95‐

102, abr. 

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expressão que não fosse nem a epifania formal dos projetos cariocas, nem tampouco o populismo retórico, como aquele adotado pelo Comitê Central do PC.

Sem a modificação completa do sistema político vigente (ou seja, sem o socialismo), o

papel da arquitetura estaria muito limitado. Este reconhecimento seria caro tanto para

Artigas quanto para um arquiteto como Oscar Niemeyer. Nesse sentido, a questão que

se colocava era: o que fazer? No mesmo texto, Artigas prosseguia, citando o arquiteto

soviético Mikhail Tsapenko (“Fundamentos do realismo socialista na arquitetura

soviética”) 116: “É preciso ter presente que, qualquer que seja o estado de

desenvolvimento em que se acha uma sociedade, a arquitetura exprime sempre e

precisamente este estado de desenvolvimento” (ARTIGAS, 2004b, p. 54, grifos nossos),

defendendo, em seguida, Oscar Niemeyer, apontando a atitude do arquiteto carioca

como sendo a “posição certa, a posição materialista”. Com isso, Artigas propugnava não

aderir a uma arquitetura “regionalista” – na sua opinião, anacrônica naquele momento –,

buscando simplesmente forçá-la a uma identificação reconhecível pelas massas. Ao

mesmo tempo, como é sabido, e diante das posições assumidas por Artigas anos antes,

não interessava a adesão pura e simples ao repertório da arquitetura moderna como uma

atualização de vocabulário, a ser transposta para o contexto brasileiro sem uma

assimilação crítica.

A poética de Artigas em seus projetos, daqui em diante – ao menos até aproximadamente

1965 –, iria denotar um traço característico com relação a este intuito de exprimir,

precisamente, o estado de desenvolvimento em que se encontrava a sociedade

(brasileira), buscando se livrar de um passado arcaico ao mesmo tempo em que

vislumbrava um futuro a ser alcançado. O rápido processo de modernização verificado

nos anos 50 apontava para essa compressão temporal, aproximando tradições recentes

que se esfacelavam e uma sociedade nova que se construía a olhos vistos. Essa

“aceleração” parece ficar evidente na ênfase, cada vez maior, que se colocava sobre a

necessidade de planejamento – para controlar aquele processo – e nas denominações

dos “Plano de Metas” e “Plano de Aceleração”; sugerindo que, como nas palavras do

poeta Oswald de Andrade, havia de fato uma carroça atravancada no trilho (do bonde)117.

116 TSAPENKO, Mikhail P. O realisticheskikh osnovakh sovetskoi arkhitektury. Moscou, 1952. 

117 “O cavalo e a carroça / Estavam atravancados no trilho / E como o motorneiro se impacientasse / Porque 

levava  os  advogados  para  o  escritório  /  Desatravancaram  o  veículo  /  E  o  animal  disparou  / Mas  o  lesto 

carroceiro  /  Trepou  na  boleia  /  E  castigou  o  fugitivo  atrelado  /  Com  um  grandioso  chicote”.  Oswald  de 

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A partir de um projeto como a da residência Olga Baeta (1956), e em projetos como os

da garagem de barcos para o Santa Paula Iate Clube (1961), da Faculdade de Arquitetura

e Urbanismo da Universidade de São Paulo (1961), residência de Elza Berquó (1965),

dentre outros, é possível se realizar esta leitura, quase anedótica, dos “estágios de

desenvolvimento”, da coexistência do arcaísmo e da modernização, do conflito entre

base e superestrutura (Marx), entre “liso” e “rugoso”, presente nos edifícios. Esta parece

ter sido a forma como Artigas encontrou de empreender sua “atitude crítica”, proferida

em “Os caminhos da arquitetura moderna” (1952), utilizando-se do próprio âmbito

profissional – e dos meios arquitetônicos – para fazê-lo: denunciando e tensionando ao

máximo estes contrastes, a ambiguidade da modernização brasileira 118. Em depoimento

posterior a Yves Bruand, o arquiteto explicava a sua posição, comparando-a com a de

Oscar Niemeyer:

Oscar e eu temos as mesmas preocupações e encontramos os mesmos problemas, mas enquanto ele sempre se esforça para resolver as contradições numa síntese harmoniosa, eu as exponho claramente. Em minha opinião, o papel do arquiteto não consiste numa acomodação; não se deve cobrir com uma máscara elegante as lutas existentes, é preciso revelá-las sem temor. (BRUAND, 1981, p. 302)

Figura 25 – João Batista Vilanova Artigas: residência Olga Baeta, 1956. Fonte: acervo biblioteca da FAUUSP. Consultado em: BUZZAR, 2014, n. p.

Andrade, Pobre alimária. SCHWARZ, Roberto. A carroça, o bonde e o poeta modernista. In: ______. Que horas 

são? – Ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 

118 Por questões de espaço, não cabe neste trabalho realizar uma leitura desta poética em Artigas, já abordada 

em: BUZZAR, 2005 e CONTIER; ANELLI, 2015.  

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Figura 26 – João Batista Vilanova Artigas: garagem de barcos do Santa Paula Iate Clube, 1961. Fonte: archdaily.com.br. Cortesia de SGBL. Acesso em: 29 set. 2015.

Figura 27 – João Batista Vilanova Artigas: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 1961-69. Foto: Felipe Lavignatti. Fonte: cienciahoje.uol.com.br. Acesso em: 29 set. 2015.

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Figura 28 – João Batista Vilanova Artigas: Residência Elza Berquó, 1967. Foto: Nelson Kon. Fonte: vilanovaartigas.com. Acesso em: 29 set. 2015.

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À guisa de conclusão – capítulo 2

As transformações na disciplina arquitetônica, com relação às suas atribuições tradicionais,

levaram os arquitetos a uma profunda reflexão sobre o próprio ofício, envolvendo debates

no âmbito corporativo e discussões veiculadas através de textos e manifestos.

De certa forma, isto esteve relacionado à crescente fragmentação pela qual passava a

atividade da construção (de edifícios, ou da cidade), crescentemente marcada pela

estratificação de funções no projeto e no canteiro de obras, bem como pelas concomitantes

mudanças no papel desempenhado até então pelos construtores tradicionais. Esse

fenômeno estava relacionado também com a paulatina desqualificação do operário

tradicional, no momento mesmo da chegada do “taylorismo” ao Brasil, e com a busca pela

simplificação e divisão cada vez maior de tarefas dentro do processo construtivo.

A partir do Decreto nº. 23.569, de 1933, regulamentava-se as atribuições profissionais de

arquitetos e engenheiros, cujas atividades no mercado da construção se tornavam cada vez

mais conflitivas. Some-se a isso a atuação informal de construtores – os chamados

“gamelas”. No desenvolvimento do crescente mercado imobiliário de São Paulo, a figura do

arquiteto como detentor de uma posição privilegiada de liderança no processo de projeto e

construção perde lentamente espaço para o engenheiro, como técnico, e para o

empreendedor, com visão de mercado – e cuja finalidade não é outra senão a maximização

dos lucros e a garantia de retorno de investimentos.

A crescente complexificação da atividade da construção leva, assim, os arquitetos a

assumirem um caráter liberal para a profissão, defendendo uma maior autonomia do projeto

com relação às demais atividades relativas à construção e ao canteiro de obras (Rino Levi,

Vilanova Artigas). Esta pauta fica cada vez mais caracterizada nas reivindicações e

discussões dentro do IAB/SP (ver os debates no 4º Congresso Brasileiro de Arquitetos, em

1954 em São Paulo), reforçando um ímpeto de independência, em um mundo no qual o

processo histórico de divisão (social) do trabalho vai se tornando cada vez mais acentuado.

Talvez a tendência natural de se opor à estratificação do mundo moderno, típica dos

espectros políticos situados mais à esquerda, levou os arquitetos a se alinharem com estes

segmentos, identificando, conforme expusemos anteriormente, seus posicionamentos com

os do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Este pensamento esteve presente nos debates

ventilados pelo IAB (FICHER, 2005). Em certo sentido, isso manteve a pauta de conflitos com

o Instituto de Engenharia (IE), porquanto os engenheiros, com uma formação mais afeita à

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especialização de funções – fenômeno comum às ciências modernas e à lógica do mercado

–, mantiveram uma posição mais conservadora.

No embalo da Guerra Fria e do acirramento dos posicionamentos dos intelectuais frente aos

dois projetos de mundo idealizados (o do liberalismo e o do socialismo), artistas

protagonizaram polêmicas que ora esclareciam ora embaralhavam os diversos

posicionamentos. Era coerente advogar um nacionalismo crescente, que corresponderia a

uma defesa do âmbito local frente aos avanços colonizadores das finanças internacionais na

nova ordem do pós-guerra, ainda que não se renegasse a interlocução com o ideário político

da União Soviética (ou seja, do outro hemisfério). Essa ambiguidade de fundo aproximou

nacionalismo e ideário socialista e, nas artes, assim como na arquitetura, a discussão sobre

o caráter nacional e brasileiro nas obras se identificou prontamente com uma luta em prol do

“povo” e das classes menos favorecidas.

A criação de novos espaços de circulação de ideias, como os Institutos, as faculdades e

associações várias, somada à publicação de folhetins alternativos e revistas, foi fundamental

para a difusão desse confronto de posições. Isso também favoreceu uma ampliação da

esfera de debate, em direção ao público menos especializado, em pleno momento de

formação de uma cultura de massas. A arquitetura, nos anos 1950, gozava de um status de

assunto de repercussão popular, com matérias frequentemente veiculadas na imprensa

cotidiana, como no caso da revista Manchete, ou mesmo de programas televisivos, como os

da TV Tupi 119; ganhando, assim, o gosto popular e galgando espaços para sua legitimação

como forma de expressão cultural e de produção do ambiente humano.

119 Conforme Osello (1983, p. 178), no início dos anos 50 o IAB/SP manteve, durante 3 anos, um programa 

semanal na TV Tupi (canal 4) em horário nobre (20h). 

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CAPÍTULO 3 – O problema da industrialização e dos modelos de produção

Introdução

O processo de modernização verificado nas sociedades industriais a partir do século XIX

invariavelmente trouxe para o centro das discussões a necessidade da construção rápida de

moradias operárias. Esta demanda, aliada aos avanços concomitantes na ciência da

construção, permitiu a problematização da racionalização dos processos, envolvendo ou não

a pré-fabricação e a pré-moldagem de elementos, ao mesmo tempo em que modificava

substancialmente a dinâmica do projeto e do canteiro de obras, bem como o escopo do

trabalho dos projetistas. Tudo isso, aliado ao próprio aprimoramento dos parques industriais,

da extração de materiais primários e da elaboração de peças, além dos avanços nos sistemas

de transportes, possibilitou a abertura de ideias com relação aos diferentes modelos

possíveis de produção habitacional em massa, inserido, no caso brasileiro, em um projeto

maior de reestruturação da economia.

A imagem recorrente de unidades habitacionais e mesmo conjuntos inteiros sendo

fabricados em série em um curto espaço de tempo, como se fossem produtos

industrializados construídos com pouco esforço físico humano, e portando um padrão de

qualidade garantido pela mecanização, permeou os sonhos de arquitetos, engenheiros e

desenhistas industriais durante o século XX. Em determinados contextos, esse sonho foi

realizado em escala, ainda que com implicações socioeconômicas e psicológicas complexas

– características da modernidade –, como foram os casos da Inglaterra e da União Soviética

no segundo pós-guerra. Este ideário era guiado pela premissa de que seria possível a oferta

de casas para todos a partir da redução de custos resultante da produção seriada, da

simplificação de processos e da rapidez associada ao método industrial.

O pós-45, nesse sentido, foi emblemático tanto pelos avanços na área da tecnologia e da

expertise, mas também na legitimação do acesso à habitação como um direito. Acolher os

heróis que combateram no conflito mundial – no contexto europeu – e retornavam à pátria

ou a crescente migração em direção aos centros urbanos na busca por trabalho – como no

caso brasileiro – foram fenômenos concomitantes e que ocorreram em contextos díspares,

mas que, alimentados pelas crescentes possibilidades de interlocução do século XX,

animaram projetos e experiências direcionadas à industrialização da construção, como um

objetivo legítimo a ser atingido em um futuro não muito distante.

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Neste capítulo, abordaremos as experiências envolvendo as premissas de pré-fabricação e

industrialização da construção, especialmente aquelas ligadas à produção habitacional em

escala, vistas como solução para atender a demanda gerada pelo processo de modernização

brasileiro, em especial os seus centros urbanos. Este problema foi tratado tanto por

iniciativas individuais (arquitetos, empresários) quanto por instituições, organizadas visando

a sua resolução. Como resultado dessas iniciativas, debates foram mobilizados acerca dos

problemas envolvendo cada tipo de experiência, suas potencialidades e seus limites. Quanto

a esta questão a década de 1950 é emblemática, pois agrega o otimismo econômico do

imediato pós-guerra e as perplexidades do início dos 60, no qual as limitações da economia

e a crise política imprimiram duras derrotas àquele projeto.

Antecedentes e antecessores

Processos construtivos inovadores e diferentes sistemas de fabricação de casas não são

exclusividade do século XX. É possível rastrear, no tempo, variadas abordagens em

localidades diferentes, com relação à pré-fabricação habitacional, por exemplo, relacionadas

à necessidade de construção rápida, e frequentemente facilitadas por meios de transporte

como a navegação fluvial. É conhecida, por exemplo, a experiência de Cape Ann, nos

Estados Unidos, onde uma casa foi pioneiramente construída em 1624 para uma comunidade

de pescadores, em painéis pré-fabricados de madeira que haviam sido embarcados na

Inglaterra. Por volta do mesmo período, os suecos – que tem uma longa história com a pré-

fabricação em madeira – introduziram o entalhe em quina em vigas para cabanas de toras,

sendo aquelas pré-cortadas para o encaixe racional da vedação (ARIEFF; BUCKHARDT,

2002, p. 13).

A pré-fabricação não é nenhuma novidade. Partes de edifícios têm sido confeccionadas em fábricas por pelo menos 200 anos. Tijolos feitos por máquinas, azulejos de cerâmica, madeira serrada, vidro, janelas-guilhotina, colunas e vigas de ferro fundido – todos eram produtos familiares fabricados na América e na Europa no século XIX. Edifícios inteiros – casas, hospitais, igrejas, fábricas, quarteis – eram feitos em forma de kit e enviados para as colônias e zonas de guerra em todo o planeta. Exemplos do século XX incluem a casa móvel, a “prefab” do pós-guerra britânico e cabines-container para trabalhadores de petróleo em alto mar. (DAVIES, 2005, p. 8)

Já com relação à pré-moldagem de componentes, um retrospecto mais rigoroso poderia

eleger, já desde a antiguidade, indícios – ainda que primitivos – de um ímpeto racionalizador

aplicado à construção:

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O concreto pré-moldado é filho do século XX e da tecnologia moderna, mas é possível traçarmos sua linhagem desde a história antiga. [...] O concreto em suas formas mais brutas foi utilizado pelos romanos na construção de seus aquedutos. No século XIX, a Europa aprimorou a fórmula testada através dos tempos, desenvolvendo o concreto armado, combinando a resistência à compressão do concreto e a força de tensão do aço. O contínuo desenvolvimento tecnológico e a industrialização criaram uma necessidade genuína de novas técnicas e materiais, que pudessem ser empregadas na construção pré-fabricada. O concreto pré-moldado foi desenvolvido para preencher esta necessidade. (PCI ARCHITECTURAL PRECAST CONCRETE MANUAL COMMITTEE, 2007, p. I)

Diante dessa problemática, pré-moldagem, pré-fabricação, racionalização e industrialização

da construção constituem-se como diferentes aspectos relativamente aos campos da

arquitetura, da engenharia e do desenho industrial, sendo que cada um destes termos

nomeia uma área específica de investigação teórica e prática. Não cabe aqui nos determos

detalhadamente sobre cada uma destas “fases”, mas apenas apontar, em linhas gerais, que

o debate a ser abordado neste trabalho refere-se basicamente às proposições de avanços

nestes processos, rumo à crescente pré-fabricação e industrialização da construção.

A racionalização construtiva, que aponta para uma evolução dos processos tradicionais, é

composta por “todas as ações que tenham por objetivo otimizar o uso de recursos materiais,

humanos, organizacionais, energéticos, tecnológicos, temporais e financeiros disponíveis na

construção em todas as suas fases” 120. Já a pré-fabricação pode ser entendida como

“fabricação dos componentes antes da execução, no próprio canteiro ou fora, e que em uma

fábrica a habilidade do artesão é substituída pelo uso da máquina (MONTENEGRO FILHO,

2007, p. 15). Finalmente, o processo industrial é, na verdade, uma fase avançada da pré-

fabricação, que incorpora os métodos de produção em massa de elementos produzidos em

grandes séries idênticas. Transforma os materiais de construção em um produto edificado

com base em um modelo industrial de produção de bens de consumo, empregando

tecnologia avançada e substituindo o trabalho humano pelo mecanizado. Busca atender a

uma alta demanda (ampliação da capacidade produtiva) de maneira econômica, melhorando

a qualidade do produto final. E deve ser entendida analisando-se de forma mais ampla as

relações de produção envolvidas e a mecanização dos meios de produção (BRUNA, 1976,

p. 19-21; NARDI 121 apud KOURY, 2005, p. 14). A industrialização da construção envolve o

desenho industrial, o planejamento, a programação e o controle, acionando as disciplinas de

120 Definição dada por Luiz Sérgio Franco, citado por Cerávolo, 2007, p. 7. 

121 NARDI, Guido. Tecnologia dell’architettura e industrializzazione dell’edilizia. 3ª ed. Milano: Franco Angeli, 

1982. 

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engenharia de produção, de manutenção e administração industrial, com vistas a facilitar a

montagem final e diminuir os custos do produto acabado 122.

Os avanços científicos ao longo da história permitiram um melhor planejamento para o

emprego dos elementos construtivos, inclusive no que se refere à ferramenta da geometria

para a representação dos projetos. Materiais antes fabricados artesanalmente (como tijolo,

telhas, etc.) passaram a ser produzidos em escala industrial. Diante de novas demandas e

programas, partes de edifícios ou mesmo edifícios inteiros foram confeccionados

industrialmente e distantes dos canteiros de obras, e transportados para posterior montagem

em locais definitivos ou, no caso de uso temporário, visando um futuro desmonte.

A Inglaterra foi pioneira na pré-fabricação de fachadas e construções inteiras, em madeira e,

posteriormente, ferro fundido (século XIX), produção seguida por países como França,

Alemanha, Bélgica e Estados Unidos (MONTENEGRO FILHO, 2007, p. 16). Os custos, nestes

casos, eram reduzidos se comparados à construção tradicional, ainda que contando com os

gastos com transporte e montagem dos componentes. A questão da pré-fabricação de

componentes com o objetivo de construir um edifício através de um procedimento de

“montagem” possui, na experiência inglesa, um dos episódios mais conhecidos no âmbito

da modernidade arquitetônica: o Palácio de Cristal 123, construído por Joseph Paxton para a

Exposição Universal de 1851. A perícia técnica demandada e a complexidade do projeto para

a época provocaram, inclusive, considerações sobre se “aquilo” deveria ser considerado uma

obra de arquitetura ou de engenharia 124. O edifício possuía 563,30m por 124,40m e era

constituído de ferro fundido com módulos estruturais de 7,32m (horizontal e vertical),

montado no próprio local da obra com um avançado sistema de polias, roldanas para içar

peças e veículos a tração animal.

122 Manual da Associação Brasileira de Construção Industrializada (ABCI), citado por Cerávolo, 2007, p. 8. 

123 Segundo Russell (1981, p. 41‐46), o Palácio de Cristal poderia ser apontado como um “progenitor” dos 

sistemas construtivos modernos, englobando as seguintes características: 1. Projetado segundo um módulo 

de 7,32m (estrutura) e de 2,40m (vedação); 2. Componentes padronizados, pré‐fabricados e produzidos em 

massa; 3. Montagem seca; 4. Componentes intercambiáveis; 5. Ereção rápida (39 semanas para 91.960m2 de 

espaço em planta) e desmontabilidade; 6. Estrutura de aço leve com ‘pele’ de baixo peso impermeável, ou 

pele de vidro; 7. A estrutura era seu próprio andaime; 8. Uso de técnicas de ereção mecânicas, por exemplo, 

o  vagão  dos  vidros  da  cobertura;  9.  O  projetista,  engenheiros  e  fornecedores  trabalhavam  como  uma 

organização.  Paxton,  Fox  and  Henderson  (contratantes  e  engenheiros)  e  Chance  (fornecedor  de  vidros) 

controlavam as companhias trabalhando na construção. 

124 “A convicção que cresceu entre nós é a de que não é arquitetura: é engenharia – da mais alta excelência 

e mérito – mas não arquitetura. A forma está completamente ausente; e a ideia de estabilidade ou solidez 

está [igualmente] ausente” (The Ecclesiologist, citado em RUSSELL, 1981, p. 46). 

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Outro país cuja experiência histórica com casas pré-fabricadas é amplamente conhecida é

os Estados Unidos, onde, a partir de 1833, em Chicago, desenvolveu-se a técnica de

construção baloon frame, a partir do emprego de madeira – material abundante no país –

com encaixes e ligações simples, o que tornou os Estados Unidos o maior centro produtor

de casas pré-fabricadas ainda no século XIX 125. Esse fenômeno marcou a transição do

emprego de carpintaria tradicional e peças robustas para a mão-de-obra não-especializada,

com encaixes simples e componentes leves. O país tornara-se, desde então, o maior

produtor mundial de casas pré-fabricadas (KÜHL, 1998, p. 68). No início do século XX,

empresas como a Aladdin Ready Cut e a Sears, Roebuck & Co. of Chicago ofereciam desde

um “kit” com peças construtivas pré-cortadas e numeradas até modelos customizáveis

enviados pelo correio para o comprador (ARIEFF; BUCKHART, 2002, p. 14).

Figura 29 e Figura 30 – Catálogos de empresas de casas pré-fabricadas norte-americanas: Aladdin Ready Cut (1906-1981) e Sears, Roebuck & Co. of Chicago (1908-1940). Fonte: ARIEFF, BUCKHART, 2002, p. 14.

Os problemas envolvendo os processos acelerados de industrialização verificados a partir

do século XIX em diversos contextos – contingentes populacionais crescentes, demanda por

125 Ainda atualmente, a principal tecnologia de construção de casas dos EUA, norte da Europa, Austrália e 

Japão (DAVIES, 2005, p. 44). 

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habitação, organização da estrutura urbana, sistemas de produção de edifícios, etc. – esteve

sempre presente, em maior ou menor medida, nos debates envolvendo a arquitetura

moderna. Tais processos adquiriram relevância tanto no que se referia às rápidas mudanças

decorrentes da transformação do ambiente urbano quanto com relação às possibilidades

que a evolução tecnológica propiciava.

Nesse sentido, o primeiro encontro dos CIAM, realizado em 1928 em La Sarraz (Suíça), se

constituiu como um momento-chave da discussão sobre a habitação produzida em massa,

colocando já, de forma veemente, a urgência do problema a ser enfrentado:

1. A ideia de arquitetura moderna inclui o vínculo entre o fenômeno da arquitetura e o do sistema econômico geral. 2. A ideia de “eficiência econômica” não implica a oferta, por parte da produção, de um lucro comercial máximo, mas a exigência, por parte da produção, de um mínimo esforço funcional. 3. A necessidade de uma eficiência econômica máxima é o resultado inegável do empobrecimento da economia geral. 4. O método mais eficiente de produção é o que decorre da racionalização e da padronização. A racionalização e a padronização agem diretamente sobre os métodos de trabalho, tanto na arquitetura moderna (concepção) quanto na indústria da construção (realização). 5. A racionalização e a padronização agem de três modos diversos: a) exigem da arquitetura concepções que levem à simplificação dos métodos de trabalho no lugar e na fábrica; b) significam para as construtoras uma redução da mão-de-obra especializada; levam ao uso de uma mão-de-obra menos especializada que trabalhe sob a direção de técnicos da mais alta habilitação; c) esperam do consumidor (ou seja, do consumidor que encomenda a casa na qual vai viver) uma revisão de suas exigências em termos de uma readaptação às novas condições da vida social. Essa revisão irá manifestar-se na redução de certas necessidades individuais, doravante desprovidas de uma verdadeira justificativa; as vantagens dessa redução irão estimular a máxima satisfação das necessidades da maioria, as quais se acham no momento restringidas. (FRAMPTON, 1997, p. 327)

No ano anterior (1927), na Weissenhofsiedlung, a grande exposição da Deutscher Werkbund

que teve lugar em Stuttgart (Alemanha), os maiores arquitetos europeus foram convidados,

a partir de Ludwig Mies van der Röhe, a contribuir com projetos para edificações a integrarem

o grande conjunto de arquitetura moderna. Dois protótipos projetados por Le Corbusier,

naquele momento, chamaram atenção pelo emprego de métodos pré-fabricados de

construção. A exposição, de um modo geral, apontava para os direcionamentos que a

vanguarda centroeuropeia iria assumir em fins da década de 1920: na batalha de integração

entre arte, artesanato e indústria, iriam prevalecer os esforços pela inserção da arte de

construir dentro dos preceitos de fabricação em série, enfatizando a eficiência produtiva e a

economia de recursos.

Arquitetos progressistas na França e Alemanha tentaram criar uma nova arquitetura que utilizasse os produtos da indústria, ao mesmo tempo em que ensinavam a própria indústria sobre arte. (DAVIES, 2005, p. 9)

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149

Esse impulso de racionalização e ênfase sobre a produção eficiente de componentes pré-

fabricados aliados à lógica da produção industrial galgou espaços dentro da produção

centro-europeia do início do século XX. Nesse ínterim, a rápida industrialização e a

necessidade de expansão de mercados que marcaram as preocupações alemãs, em pleno

momento de decadência do modelo artesanal de produção marcaram emblemas e debates

travados dentro da Deutscher Werkbund, por exemplo, e, posteriormente, da Bauhaus.

Artistas, artesãos e arquitetos, como Hermann Muthesius, Henry van de Velde, Walter

Gropius, dentre outros, estiveram empenhados em conceber um modelo de produção de

bens de consumo que conciliassem, de acordo com cada avaliação, produção em massa e

qualidade artística.

A criação de tipos padronizados para todas as mercadorias práticas de uso cotidiano é uma necessidade social. [...] O lar e sua mobília são bens de consumo de massa, e o seu design é mais questão de razão do que de paixão. A máquina – capaz de produzir produtos padronizados – [...] pode liberar o indivíduo de trabalhar manualmente na satisfação de suas necessidades diárias e provê-lo de produtos produzidos em massa, mais baratos e melhores do que aqueles confeccionados manualmente. (GROPIUS, 1971, p. 96, grifos nossos)

A construção de edifícios é a combinação consistente e resoluta de elementos construtivos. [...] A manufatura serial permite que estes elementos sejam confeccionados com precisão, baratos e bons. Eles podem ser produzidos antecipadamente em qualquer quantidade exigida. (CORBUSIER; JEANNERET, 1971, p. 100)

As casas devem ser erguidas de uma só vez, feitas por máquinas em uma fábrica, montadas como Ford monta os carros, sobre esteiras rolantes. (LE CORBUSIER, s/d apud FARAH, 1996, p. 21)

Em grande medida, estas proposições estavam informadas pela agenda social-democrata

da década de 1920 – especialmente no caso alemão, durante a República de Weimar –,

visando, diante de um cenário de limitações econômicas e transformações estruturais,

conduzir uma agenda de reformas com vistas à industrialização. A crise da década de 1930,

no entanto, freou aquelas expectativas e mergulhou a economia mundial em uma grave

depressão, bloqueando diversos experimentos em andamento. Estas ideias seriam

retomadas a partir de 1945, com as necessidades de reconstrução do pós-guerra, o regresso

de combatentes a seus países e o rearranjo econômico que irá se processar, e que terá nos

problemas urbanos e habitacionais uma pauta fundamental de problemas para serem

equacionados.

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O segundo pós-guerra e a necessidade de produção em escala

A recepção dos debates no âmbito do CIAM, a maior interlocução entre os profissionais no

âmbito internacional e os progressos no campo da produção de bens industriais

fomentavam as especulações acerca da produção em massa de habitações, seguindo os

processos industrais. Na conjuntura de pauperismo atravessada pelas economias centrais

do entreguerras (anos 20 e 30), muitas das iniciativas esboçadas ficaram limitadas ao âmbito

do projeto e da experimentação, na medida em que envolviam a necessidade de uma alta

capacidade de mobilização e centralização de recursos, além de uma política contínua –

inexistente – de desenvolvimento tecnológico.

A partir de 1945, no entanto, serão levadas a cabo, naquelas economias, políticas anticíclicas

e de reestruturação produtiva com o intuito de criar uma demanda por produtos

manufaturados e industrializados, estimulando a diversificação dos mercados. Some-se a

isso o imperativo da construção de casas para o contingente que regressava da guerra. É

nesse cenário que países como Inglaterra, França, Alemanha e U.R.S.S. vão constituir uma

vanguarda de produção habitacional em larga escala, seguindo diferentes itinerários

políticos e intenções de acordo com cada contexto específico. Durante as décadas

seguintes, a produção de moradias através de componentes ou unidades pré-fabricadas

será responsável inclusive pela maior parte da produção na área habitacional (MILMAN,

1971, p. 20). E, conforme apontado por Souza (1972, p. 5),

[...] a implantação definitiva do uso em larga escala da construção industrializada se deve às grandes devastações materiais causadas pela 2ª Guerra Mundial. A premente necessidade de reconstrução rápida e barata das habitações destruídas exigiu o firme concurso da pré-fabricação. Naquela altura, três requisitos básicos norteavam a reconstrução: a) Rapidez de construção [...]; b) Redução da mão-de-obra [...]; c) Possibilidade de desmontagem [para locomoção].

Souza (1972, p. 6) aponta ainda a dificuldade em se encontrar materiais de qualidade – por

causa da guerra –, razão pela qual o acabamento das habitações foi, muitas vezes, relegado

ao segundo plano. A questão da pré-fabricação e da montagem aplicadas aos programas

habitacionais em larga escala era condizente com a situação em que se encontravam

aquelas economias: a escassez de mão-de-obra (capital variável) tornava a mesma muito

cara; e a demanda massiva seria o estímulo necessário para o investimento em infraestrutura

e tecnologia (capital fixo).

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Serão empreendidas em diversas partes do mundo uma política econômica anticíclica, com

vias de desenvolver as estruturas produtivas e ampliar a demanda por produtos,

diversificando os mercados. Soma-se a isso a necessidade de construção de casas para o

contingente que regressava da guerra. A Inglaterra, nesse caso, vai desempenhar um papel

exemplar no suprimento desta demanda, desenvolvendo um extenso programa de

construção de casas temporárias, aliado a um esforço de descentralização urbana.

O Housing Act, dispositivo promulgado pelo governo britânico em 1944, estabelecia um

conjunto de medidas cujo propósito seria o de estimular e viabilizar a produção de habitação

em massa, tendo em vista principalmente o contingente populacional que retornava ao país

na medida em que a guerra tomava os rumos finais. Entre 1945 e 1949, mais de 150 mil casas

para aluguel foram construídas com sucesso através do Temporary housing programme

(Programa de casas temporárias), projetadas para uma vida útil de 10 a 15 anos 126. Apesar

disso, ainda após o fim do programa em 1952, muitas unidades duraram vários anos para

além do previsto inicialmente.

Distante das proposições estéticas da vanguarda do entreguerras, a elaboração tipológica

do programa seguiu a linha dos “bangalôs”, utilizando uma linguagem tradicional rural e

empregando a madeira como material predominante nas casas construídas. E foi justamente

aí, na Grã-Bretanha, que um dos ideais da arquitetura moderna foi realizado: “uma casa era

produzida em uma linha de produção de fábrica” (VALE, 1995, n.p.).

Conforme observado por Vale (1995), foram quatro principais sistemas elaborados no âmbito

de produção do programa: a matriz ficou conhecida por “Portal Bungalow”, em referência ao

ministro de obras, Wyndham Raymond Portal, projetada em aço e combinando uma unidade

pré-fabricada de sanitários e cozinha, que rendeu um protótipo exposto na Tate Gallery,

porém nunca produzido em série. Os sistemas derivados foram: o “Arcon”, utilizando placas

de cimento-amianto e estrutura em aço; o “Uniseco”, também utilizando painéis de cimento-

amianto, mas com estrutura de madeira; e o “Tarran”, que adaptava um painel de concreto

armado à estrutura em madeira. Desenvolveu-se também, posteriormente, um modelo em

alumínio 127. No caso do sistema Uniseco, foi desenvolvido logo após também um sistema

adaptado para a construção de escolas, já utilizando materiais mais avançados, como

treliças metálicas.

126 Segundo Vale (1995, n.p.), o número de casas construídas pelo programa foi de 156.623 unidades. 

127 Foram produzidos 38.859 unidades utilizando o sistema Arcon, 28.999 pelo sistema Uniseco, 19.014 pelo 

sistema Tarran e 54.500 utilizando o sistema em alumínio (VALE, 1995, p. 8). 

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Figura 31 – Sistema Uniseco, desenvolvido no Reino Unido na década de 1940, com emprego de treliças metálicas. Fonte: RUSSELL, 1981, p. 228.

As redefinições macropolíticas que se processaram com o fim da 2ª Guerra Mundial

resultaram em conjunturas específicas para cada contexto econômico e cultural, criando um

cenário de possibilidades particular para cada país. No Brasil, tornava-se crescente a

constatação da urgência na construção de habitações para suprir o contingente migratório

em direção às grandes cidades – fenômeno que vai se agravar ao longo das décadas

seguintes.

Ainda antes do fim da guerra, a revista Acrópole já relatava as experiências britânicas de

habitações pré-fabricadas passíveis de serem erigidas em massa e em curto prazo. A casa

“Tarran”, protótipo levado a cabo na cidade de Hull (Inglaterra) pelo Sr. Robert G. Tarran,

chefe das Tarran Industries Ltd., foi erigida em um intervalo de tempo de dez horas, por um

grupo de oito homens e quatro mulheres. Na ocasião, o empresário comparava:

Se o conhecimento dos arquitetos, construtores e peritos em produção for adequadamente coordenado, [...] por que não será a produção em massa de casas exatamente tão bem desenhada e eficiente como a produção em massa de automóveis? (A CASA “TARRAN”, 1944, p. 195)

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Em 3 dias, a casa estava mobiliada e decorada. Naquele momento, a revista Acrópole

divulgava periodicamente, sob a rubrica “British News Service”, uma série de reportagens

sobre as experiências de produção pré-fabricada sendo empreendidas na Inglaterra.

Vislumbrava-se a possibilidade de ampliar a capacidade produtiva, em termos de quantidade

e qualidade dos produtos finais, verificando-se a viabilidade de materiais como madeira, aço,

alumínio e concreto, bem como a múltipla combinação dentre estes.

Como sabemos essas casas são principalmente feitas de aço e quase inteiramente pré-fabricadas. [...] Tudo isso se deve, principalmente, à fabricação mecanizada que se mostrou capaz de atingir uma precisão de medidas até então impossível de se obter. Sem prejudicar de maneira alguma o aspecto propriamente estético – e sem dúvida necessário a uma perfeita habitação –, essas casas podem ser montadas, nos locais apropriados, dentro de um prazo de três semanas apenas [...]. (CASAS PARA A GRÃ-BRETANHA..., 1944, p. 229)

Estão sendo já construídas na Inglaterra, no curto espaço de 24 dias para cada unidade, casas de seis aposentos cuja durabilidade será ilimitada. [...] Os arcabouços são feitos de madeira compensada e folhas de aço ajustáveis, afim de prover as aberturas das janelas e portas. Derrama-se em seguida concreto líquido, donde a denominação já vulgarizada de “casas líquidas” (O PROBLEMA DA HABITAÇÃO..., 1945, p. 352).

Figura 32 e Figura 33 – Casa Tarran. Fonte: Acrópole, v. 7, n. 78, p. 193-195, out. 1944.

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Figura 34a e Figura 34b – Casa Tarran. Fonte: Acrópole, v. 7, n. 78, p. 193-195, out. 1944.

A pauta também incorporava os novos e modernos preceitos de vida – que privilegiassem,

por exemplo, as mudanças programáticas pelas quais a habitação passava, bem como a

emancipação gradativa do trabalho doméstico. Nesse sentido, espaços de serviço como a

cozinha, por exemplo, ganhavam a atenção dos projetistas, seguindo a linha da Frankfurter

Küche, projetada na Alemanha em 1926 por Margarete Schütte-Lihotzky.

As donas de casa da Grã-Bretanha poderão depois da guerra encomendar uma cozinha completa, recebê-la num engradado e montá-la com as suas próprias mãos. O “Daily Express” de Londres anuncia que “cozinhas empacotadas” dessa espécie, feitas de alumínio e pintadas numa grande variedade de cores, serão expostas brevemente ao público londrino por iniciativa de Lord Woolton, Ministro da Reconstrução da Grã-Bretanha. Trata-se de cozinhas inteiramente equipadas com todos os acessórios necessários, inclusive um fogão a gás, uma geladeira, pias, armários, aquecedores de água, prateleiras para louça, etc. As dimensões do conjunto não excedem muito às de um piano comum. O método empregado, que é de construção por extrusão, elimina o uso de rebites, pregos ou parafusos, e as partes componentes se ajustam um pouco à maneira da tampa de uma caixa de lápis para escolares. O alumínio é empregado com uma camada de cortiça entre duas lâminas para aumentar a solidez sem aumentar o peso, enquanto é assegurada a qualidade isolante contra a reverberação. Um número reduzido dessas “cozinhas empacotadas” está sendo agora manufaturado simultaneamente com peças de aviões e de tanques numa fábrica do sul da Inglaterra. Logo que a guerra termine, a fábrica de que se trata iniciará sua produção em massa, manufaturando um grande número das novas cozinhas em cada semana. (A INDÚSTRIA DE APÓS-GUERRA..., 1945, p. 72)

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Figura 35 – Frankfurter Küche (“Cozinha de Frankfurt”), projetada por Margarete Schütte-Lihotzky, 1926. Fonte: de.wikipedia.org. Acesso em: 14 ago. 2015.

Além disso, a partir daquele momento torna-se de interesse aberto buscar unificar e integrar

as diversas iniciativas isoladas sobre pré-fabricação que vinham sendo desenvolvidas em

contextos díspares. Em 1944, o estudo Standard Construction for Schools (“Construção

padrão de escolas”), publicado na Inglaterra, e o Survey of Prefabrication (“Levantamento

sobre pré-fabricação”), também de 1944, junto com Further Uses of Standards in Building

(“Outras utilizações de padrões na construção”), de 1946, lançados pelo Ministério de Obras

Públicas daquele país, constituíam-se como pontos de partida para se estudar a

“coordenação modular”, ou seja, a estandardização na produção em massa de

componentes construtivos, de modo a se integrar medidas e padrões. A partir de então,

seguiram-se estudos e conferências, junto a organizações, fóruns e comissões de trabalho,

com o intuito de debater questões teóricas e técnicas e suas correspondentes aplicações

na prática, avaliando e reavaliando caminhos e propostas concretas. Em novembro de 1953,

a Agência Europeia de Produtividade (AEP), da Organização de Cooperação Econômica

(OECE), reuniu um grupo de especialistas para discutir o relatório apresentado pela Grã-

Bretanha sobre o assunto (BRUNA, 1976, p. 63-66).

A partir dos anos 50, entretanto, os olhares no debate sobre a pré-fabricação da construção

estarão voltados com grande atenção para países como a poderosa U.R.S.S., França e

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Alemanha. Conforme apontado por Vasconcelos (2002), parte significativa das empresas

que se lançam no processo de pré-fabricação a partir dos anos 50 e 60 no Brasil se valem

do know-how alemão (como no caso das firmas Munte, For Beton, Preconcretos, Protendit,

Scac), através da aquisição de patentes, visitas técnicas, estágios e contatos com

pesquisadores da área. Empresas como a Reago (subsidiária das “Construções e Comércio

Camargo Corrêa S.A.”) se utilizaram da importação de maquinário norte-americano e

alemão. Da U.R.S.S. e da França chegavam as notícias de experiências concretas realizadas

em larga escala, dada a conjuntura específica enfrentadas por aqueles países depois da

guerra.

A possibilidade de construção de unidades residenciais e até mesmo de edifícios

habitacionais inteiros a partir de componentes montáveis no canteiro de obras ganha

impulso a partir do desenvolvimento de um sem-número de sistemas e patentes: Koslov,

Lagutenko, Mikhailov (painéis), Stalton, Procoblin (lajes); Trucson, Balency, Wil-Mac,

Redfroy, Arcon, Planimec, ICI, Skanska Cementgjuteriet (banheiros e cozinhas completos).

Processos: Lift-Slab, Jackblock, Reema, Bison, Spacemaker, Wimpey, MSC (Inglaterra),

Cauvet, Barets, Estiot, Coignet, Dura-Coignet Camus, Tracoba, Costamagna, Balency

(França), Ohlsson & Skarne, Larsen & Nielsen, Bollmora (Escandinávia), Vam, BMB,

Jespersen (Dinamarca), Niedersachsen, Lenz-Seibert (Alemanha), Mischek (Áustria). No

Brasil, Engefusa, Lopes da Costa, Construtora Oxford, Cinasa. (MILMAN, 1971, p. 71-72)

Na União Soviética, por exemplo, onde já vinha se empreendendo a utilização de grandes

blocos de concreto armado na construção de paredes e lajes em edifícios altos desde o

Segundo Plano Quinquenal (1933-37), constatou-se a necessidade de centralizar

eficazmente os inúmeros grupos dedicados à construção, levando-os a uma organização

mais centralizada e tecnicamente unificada durante o Plano Decenal de 1951-60 e a

organização do Glavmosstroi, agência-chefe da construção civil em Moscou. Este poderoso

organismo foi constituído a partir da dissolução de dezenas de trusts da construção,

envolvendo outras tantas dezenas de ministérios centrais, departamentos e outras

organizações vinculadas à produção 128. Sua missão era a efetivação de planos de

construção de cerca de 70 por cento da habitação, dos serviços públicos locais, escolas,

creches, hospitais, lojas, equipamentos de recreação e edifícios de escritórios de Moscou,

128  Os  dados  divergem.  Colton  (1998,  p.  369‐370)  fala  em  84  trusts  de  construção  e  incorporação,  e  21 

ministérios e departamentos centrais. Quilici (1978, p. 286) aponta o número de 53 trusts, 255 escritórios 

administrativos  e mais  de  600  organizações  adicionais  vinculadas  à  produção.  Já  Bruna  (1976,  p.  50‐51) 

aponta que “até 1954 a construção de moradias e de edifícios públicos em Moscou era realizada por um 

elevado número de organizações de construção dependentes de 44 ministérios e autarquias diversas”. 

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contando inicialmente com 110 mil empregados. Segundo Qulici (1978, p. 285), o emprego

da tecnologia pré-fabricada na construção de edifícios destinados à habitação na U.R.S.S.

chega a passar, de 25% em 1950, à significativa marca de 70% de todas as novas

construções, em 1958.

Figura 36 – Sistema “Tracoba”. Fonte: Arquitetura: revista do Instituto de Arquitetos do Brasil.

O pioneirismo de Eduardo Kneese de Mello

No Brasil, construções pré-fabricadas em ferro fundido, com peças embarcadas vindas da

Europa e montadas no local surgiram em fins do século XIX e início do XX, principalmente

nas capitais, que adquiriam edifícios inteiros vindos da Europa. Países como a Inglaterra, por

exemplo, apostavam nos mercados além-mar para este nascente ramo da atividade

industrial, o das portable buildings ou exported buildings. Dados da segunda metade do

século XIX apontam que era mais caro enviar esses edifícios por trem de Glasgow (Escócia)

a Londres do que exportá-los por navio de um porto inglês até a Austrália ou Índia, e as

despesas do transporte eram em torno de 2% do custo total do edifício. (HIGGS, 1970, p.

177; KÜHL, 1998, p. 67). A intenção, no caso das capitais brasileiras, era se atualizar com o

cosmopolitismo europeu, importando componentes e edificações inteiras, tais como fontes,

coretos, igrejas, faróis, armazéns, etc. e até mesmo residências (caso de Belém, no Pará).

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Edifícios tais como o Palácio de Cristal de Petrópolis (1884), o Mercado de Peixe no Ver-o-

Peso, em Belém (1901), o terceiro pavilhão do Mercado de Manaus (próximo de 1910), o

Theatro José de Alencar (1910), em Fortaleza, dentre outros, incorporavam os estilos

europeus em voga e distinguiam-se da arquitetura tradicional local (KÜHL, 1998, p. 85-100).

De um modo geral, essa pré-fabricação importada durante o século XIX e primórdios do século XX, foi empregada para atender a uma demanda de construções em um curto período, suprindo a carência de tecnologia e de mão-de-obra qualificada no país – como grandes vãos de coberturas e estações de trem e galpões de estocagem –, ou para atender a uma europeização desejada do ambiente urbano brasileiro – teatros, mercados, chafarizes, coretos, gradis, etc. (MONTENEGRO FILHO, 2007, p. 21)

A pré-fabricação na construção de edifícios, no Brasil, vai ficar fortemente associada ao

emprego do concreto armado e outros derivados do cimento, como a argamassa armada, a

partir das décadas de 1950 e 1960 – embora se tenha experimentado diversos materiais e

técnicas alternativas em cada situação. É fundamental destacar, nesse sentido, a importância

que setores como os da siderurgia e mineração desempenharam na economia brasileira

durante o século XX, bem como a proeminência de um nome como o de Oscar Niemeyer no

âmbito da crítica tanto mundial quanto local, dada a sua produção arquitetônica, na qual o

concreto armado como material construtivo adquire amplo protagonismo.

Assim, no mesmo ano em que a revista Le Béton Armé publicava o sistema de Hennebique

na França, a Escola Politécnica de São Paulo criava o seu Gabinete de Resistência dos

Materiais (1899) (ANELLI; CONTIER, 2015, p. 447-448), que viria a se tornar, em 1934, o

Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Posteriormente, ações fundamentais iriam

entrelaçar o progresso técnico na área ao impulso de industrialização dado ao país a partir

do início do século, e especialmente nas décadas de 1930 e 1940. A figura do engenheiro e

empresário Roberto Simonsen, por exemplo, é de grande destaque: além de ter sido

presidente do Instituto de Engenharia (IE), em 1933, e contribuir para a criação da Escola

Livre de Sociologia e Política, em 1934, participa na fundação do Centro das Indústrias do

Estado de São Paulo (futura Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP), da

qual seria o primeiro presidente; e também da criação do Instituto de Organização Racional

do Trabalho (IDORT), do Serviço Social da Indústria (SESI) e do Serviço Nacional de

Aprendizagem Nacional (SENAI), este último em 1942. Simonsen havia ainda fundado a

Companhia Construtora de Santos em 1912; tendo já, naquele ano, pretendido edificar um

bairro operário modelo, no qual as habitações seriam construídas em série e por processos

mecanizados. Simonsen relata que construiu, com materiais e projeto norte-americanos uma

primeira habitação coletiva com oito células, mas a experiência não obteve êxito (SAMPAIO,

2002, p. 16).

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A criação da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP), em 1936, da ABNT (1940)129

e a construção do polo siderúrgico de Volta Redonda ainda no Estado Novo de Vargas, em

1942, também se constituíram como pontos de relevo no processo organizacional e

operacional da industrialização almejada, impulsionando, concomitantemente, a discussão

sobre a produção de moradias em série e os problemas envolvendo a racionalização, a pré-

moldagem e a pré-fabricação de componentes para montagem. É nesse momento que

profissionais tomam contato com as discussões mais abertas sobre a arquitetura moderna,

em conexão com os CIAM, através de periódicos e eventos, como os Congressos Pan-

Americanos de Arquitetos.

As primeiras incorporações ao debate, no âmbito brasileiro, constam do Congresso de

Habitação de 1931 e das Jornadas de Habitação Econômica do IDORT (1941) 130. Mas o

grande impulso para o debate entre os arquitetos brasileiros se deu, de fato, a partir do

segundo pós-guerra, através do intercâmbio com as experiências europeias – especialmente

as inglesas, em um primeiro momento, e, posteriormente, também, as do leste europeu.

A pauta do 2º Congresso Brasileiro de Arquitetos, realizado em Porto Alegre (1948), por

exemplo, traz em seu temário as preocupações sobre “A arquitetura e a indústria” e “A

industrial nacional de materiais de construção e nossas necessidades – modulação –

padronização”. No congresso seguinte, realizado em Belo Horizonte (1953), comparece o

tópico “A indústria da construção e a interferência necessária do arquiteto, em colaboração

íntima com os industriais para a criação de produtos e materiais”, e o tema da

“Racionalização e normalização – estudo da racionalização do projeto e da construção, pela

normalização, estandardização, coordenação dimensional e criação de novos sistemas

construtivos” 131. Isso demonstra não apenas o anseio dos arquitetos em uma participação

mais ampla na discussão acerca de questões envolvendo o desenvolvimento dos diversos

setores produtivos da Nação, mas também o início de uma preocupação com o problema da

racionalização do projeto e do canteiro de obras.

O contexto local era de crescente demanda habitacional nos grandes centros como São

Paulo e Rio de Janeiro, provocando intensas correntes migratórias advindas do interior do

próprio país e de localidades onde ainda havia o fluxo de emigração da guerra. Um dos

129 A ABCP foi fundada em 1936 no Rio de Janeiro; a ABNT, em 1940, por ocasião da 3ª edição dos Laboratórios 

Nacionais de Ensaios de Materiais (iniciadas em 1938) (VASCONCELOS, 1992a, p. 59‐60). 

130 Ver Capítulo 1. 

131 INSTITUTO DE ARQUITETOS DO BRASIL, 1948; 1953. 

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maiores problemas com relação ao atendimento desta demanda era com relação aos

materiais de construção – e, consequentemente, os seus custos.

Nas palavras de Vilanova Artigas, só “meia dúzia de latifundiários que vinham da Europa e

queriam fazer exibição do que tinham” podiam pensar em realizar uma laje em concreto, o

que custava “cinquenta vezes mais caro do que vigas de peroba”, devido à baixa

disponibilidade, no mercado brasileiro, de materiais como cimento e aço – até então

importados (ARTIGAS 132, 1982 apud ARANTES, 2002, p. 15). A siderurgia nacional, no pós-

guerra, ainda ensaiava os seus primeiros passos, assim como a exploração de petróleo –

componente básico na impermeabilização de elementos construtivos, como lajes 133.

Em 1951, o arquiteto Eduardo Kneese de Mello viaja para a Inglaterra para estudar as

soluções construtivas empregando processos de pré-fabricação, especialmente aqueles

voltados às questões habitacionais. Após visita a fábricas, conjuntos residenciais, escolas e

hospitais construídos com o sistema inglês, retorna decidido a tentar implantar o processo

em solo brasileiro. Funda, em 1953, junto a outros industriários brasileiros e ingleses, a

Comercial e Construtora Uniseco do Brasil Ltda., como sócio minoritário (possuindo apenas

10% das ações), mas diretor dos trabalhos de arquitetura 134. Em 1954, a empresa seria ainda

alterada para sociedade anônima, denominando-se CICUBRA (Companhia Industrial de

Construções Uniseco do Brasil), tendo, em seu novo estatuto o arquiteto Ícaro de Castro

Mello e também Horácio de Mello (pai de Kneese) como seu diretor-presidente

(MONTENEGRO FILHO, 2012, p. 79).

O sistema inglês baseava-se na utilização de painéis de fibrocimento de 80 x 230cm e

estrutura em madeira, facilmente carregáveis por um operário (sem o auxílio de maquinário)

e com eficiente isolamento térmico. Uma casa poderia ser montada no intervalo de apenas

algumas horas.

132 Depoimento a Sylvia Ficher (1982), Fundação Vilanova Artigas, mimeo. 

133  O  próprio  Artigas,  inspirando‐se  em  Frank  Lloyd  Wright,  havia  adotado  em  seus  primeiros  projetos 

soluções  econômicas  e mais  adaptadas  à  realidade  brasileira,  como  grandes  coberturas  utilizando  telhas 

cerâmicas e paredes de tijolos sem revestimento. Ao contrário, sua obra posterior emprega abundantemente 

o  concreto  armado  em  paredes  (portantes  ou  de  vedação)  e  coberturas  –  estas  últimas  exigindo  farta 

impermeabilização. 

134 A sociedade foi registrada em 18 de dezembro de 1953 (Comercial e Construtora Uniseco do Brasil Ltda.). 

“Seus sócios eram Herrick Baines Moss (30%), industrial inglês residente na capital, José Calazans de Araújo 

(30%),  industrial brasileiro, Bernard Brunton  (20%),  industrial  inglês  residente em Londres, Oscar Reinado 

Muller  Caravelas  (10%),  outro  industriário  brasileiro,  e  Eduardo  Kneese  de Mello  (10%)”  (MONTENEGRO 

FILHO, 2012, p. 79). 

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Figura 37 e Figura 38 – Residência em Cotia/SP, construída através do sistema Uniseco. Fonte: REGINO et al., 2005, p. 99-100.

Figura 39 – Residência em Guarulhos/SP, construída através do sistema Uniseco. Fonte: acervo FEBASP. Consultado em MONTENEGRO FILHO, 2012, p. 79.

Conforme observado por Montenegro Filho (2012, p. 78), a experiência brasileira para a

produção dos componentes construtivos caracterizava-se por “uma pré-fabricação artesanal

com emprego de matérias-primas industrializadas” (MONTENEGRO FILHO, 2012, p. 78). As

placas moduladas de fibrocimento eram confeccionadas no tamanho de 2700 x 965 x 44mm

(um módulo) e 2700 x 465 x 44mm (meio módulo). A produção total da empresa foi de

aproximadamente 80 edificações, incluindo um protótipo para o Parque do Ibirapuera e 65

casas populares para o IPESP (Instituto de Previdência do Estado de São Paulo), em 1954,

nos municípios de Jaboticabal e São Manuel. Em 1954, a empresa seria ainda alterada para

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sociedade anônima, denominando-se CICUBRA (Companhia Industrial de Construções

Uniseco do Brasil), tendo, em seu novo estatuto o arquiteto Ícaro de Castro Mello e também

Horácio de Mello (pai de Kneese) como seu diretor-presidente (MONTENEGRO FILHO, 2012,

p. 79). No caso das casas construídas para o IPESP, a meta era de construir uma casa na

versão popular no prazo de uma semana, mas dificuldades com transporte, mão-de-obra

escassa e compatibilidade com subsistemas (fundações e instalações hidráulicas) estendiam

esse prazo para um mês – ainda assim, um tempo curto quando comparado com o sistema

construtivo tradicional.

Já o protótipo desenvolvido para o Parque Ibirapuera em 1954, por ocasião das

comemorações do 4º Centenário da cidade de São Paulo, com intuito de divulgar o sistema,

proporcionou visibilidade à empresa: tratava-se de um ancoradouro coberto para parada de

barcos com lanchonete, às margens do lago do parque (MONTENEGRO FILHO, 2012, p. 87).

Entretanto, diferenças entre a matéria-prima original e a local ocasionaram problemas

construtivos – as peças apresentavam rachaduras – e, além disso, havia problemas

envolvendo a logística de transporte das peças e a baixa receptividade com relação ao

produto. Em 1955, e empresa fecha, ocasionando sérias dificuldades financeiras para o

arquiteto 135.

Figura 40 – Protótipo do sistema Uniseco (ancoradouro de barcos), Parque do Ibirapuera, 1954. Fonte: acervo FEBASP. Consultado em MONTENEGRO FILHO, 2012, p. 87.

Conforme relatado pelo próprio Kneese de Mello, a experiência com a Uniseco do Brasil teve

lugar momentos antes de sua participação na construção de Brasília, como arquiteto da

Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (NOVACAP):

135 MONTENEGRO FILHO, 2012; REGINO; PERRONE, 2009, p. 61; KNEESE DE MELLO, 1992, p. 39‐42; KNEESE 

DE MELLO, 2005, p. 55. Segundo depoimento de José Calazans, ex‐sócio da Uniseco do Brasil e CICUBRA, as 

encomendas para o IPESP nunca foram pagas, deixando a empresa em situação muito frágil. O prejuízo foi 

suficiente para a inviabilização da mesma. 

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A fábrica trabalhou a todo vapor durante duas semanas. Muitas centenas de painéis foram fabricados. Então, a decepção: depois de secas e prensadas, as chapas apareciam trincadas. O material nacional era diferente do inglês. Toda aquela produção foi para o lixo. Construção de casas de fim-de-semana, para praia ou campo, que parecia de grande interesse para a venda, tornava-se muito cara, pelo transporte de material e da mão-de-obra. O capital da firma era pequeno e não podia suportar todos os contratempos surgidos. Era inadiável suspender toda sua atividade, com enorme prejuízo. Mas, meu pai era o presidente [da empresa]. Com muita idade, um nome respeitabilíssimo na praça, não resistiria ao vexame que iria enfrentar, sem qualquer responsabilidade. Assumi, então, todo o prejuízo havido e fechei a fábrica. Perdi tudo o que tinha. Mudei-me com a família para a chácara do meu pai em Cotia. Ele tinha algumas vacas e fornecia leite para uns amigos em São Paulo. Todos os dias eu vinha para a cidade no caminhão de leite, até o Largo de Pinheiros e lá tomava um lotação para o centro da cidade. Minha esposa e meus filhos suportaram essa mudança naturalmente, sem qualquer demonstração de protestos ou desgosto. Era essa a minha situação quando surgiu Brasília. Entusiasmei-me com a ideia de participara da construção da nova Capital da República. Acreditei nas palavras de José Bonifácio, de Dom Bosco, do Conselheiro Veloso de Oliveira e de outras figuras ilustres da nossa história. Fui ao Rio de Janeiro e inscrevi-me como arquiteto da Companhia Construtora da Nova Capital, a Novacap. (KNEESE DE MELLO, 1992, p. 42)

Figura 41 – Residências construídas a partir do sistema Uniseco e fotografadas por Eduardo Kneese de Mello durante viagem à Inglaterra no início dos anos 50. Fonte: Acervo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo

(FEBASP), consultado em: MONTENEGRO FILHO, 2012, p. 80.

A questão da pré-fabricação de componentes construtivos e sua aplicação de forma

racionalizada nos projetos de arquitetura foi uma constante na obra de Kneese de Mello, que

em várias outras ocasiões durante sua vida profissional lidou com os desafios de se aplicar

a tecnologia ainda que em um contexto econômico e produtivo que não se mostrou tão

favorável ao longo dos anos subsequentes. Dentro do recorte temporal abordado nesta tese,

outro projeto ainda seria emblemático com relação a esta questão: a construção do Conjunto

Residencial para estudantes da Universidade de São Paulo (CRUSP), projetado em 1961 e

cuja construção durou até 1963, apontado por Vasconcelos (2002, p. 16) como aquela que

pode ser considerada a primeira experiência de pré-fabricação em estrutura reticulada com

vários pavimentos no país.

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Os edifícios do CRUSP, projetados para o Fundo de Construção da Universidade de São

Paulo (FUNDUSP), no âmbito do Plano de Ação do Governo do Estado (PAGE) da gestão de

Carvalho Pinto (1959-63), tinham previsão para ser concluídos antes dos Jogos Pan-

Americanos de 1963, havendo a proposta de sua utilização preliminar para a hospedagem

dos atletas. Assim, a rapidez característica da construção pré-fabricada se adequava

perfeitamente à empreitada. Após a realização da concorrência para a execução da obra, o

FUNDUSP concedeu ao primeiro colocado (Ribeiro Franco S.A. Engenharia e Construções)

a possibilidade de construção de 6 edifícios (de 12 andares cada) através do método de pré-

fabricação. Ao segundo lugar (Servix Engenharia Ltda.), foi proposta a construção de mais 6

prédios no sistema tradicional (estrutura moldada in loco), “para evitar surpresas”.

Ironicamente, os blocos construídos através do método tradicional ficaram prontos a tempo,

sendo utilizados para os jogos. A construção utilizando a pré-fabricação foi concluída

posteriormente, devido às dificuldades enfrentadas para se adaptar uma técnica construtiva

avançada às predisposições (materiais, técnicas e logísticas) existentes.

O projeto [da Ribeiro Franco S.A.] foi entregue ao engenheiro Henrique Herweg [...]. Herweg não tinha prática em pré-moldados e possuía em seu currículo poucos projetos executados com esse sistema. [...] A Ribeiro Franco, não obstante o seu grande tirocínio em obras públicas, também não tinha experiência nesse tipo de construção. Todos os intervenientes eram “marinheiros de primeira viagem”. [...] A Ribeiro Franco fez uma obra perfeita, mas teve que resolver inúmeros problemas decorrentes da falta de treinamento dos operários, que nunca haviam trabalhado antes num processo construtivo tão diferente. [...] As peças foram moldadas no canteiro de obras, onde existia espaço de sobra para produção e armazenagem. Este foi um elemento altamente favorável, o que não acontece em obras situadas em centros populosos das cidades. (VASCONCELOS, 2002, p. 17)

As dificuldades da adaptação do processo às condições existentes no local foram descritas

posteriormente por Kneese de Mello:

Pré-fabricação é boa porque se faz em uma oficina com cobertura contra sol e chuva, com equipamentos todos à vista, com técnicos todos os dias assistindo, já na obra é a mesma coisa que a construção comum, com todos os erros que a obra oferece, mas de qualquer jeito eu acho que foi uma experiência muito válida e lutei muito porque havia uma oposição terrível contra a pré-fabricação [...]. (ARQUITETO... 136, s/d apud MONTENEGRO FILHO, 2007, p. 169)

O projeto com a estrutura pré-fabricada utilizou materiais industrializados em praticamente

todo o edifício, incorporando componentes disponíveis na indústria. A normalização para

136 ARQUITETO: Eduardo Kneese de Mello. Produção de Ângela Podolsky. São Paulo: Vídeovídeo Produtora. 

Transcrição realizada para o IAB. 

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estruturas pré-fabricadas ainda era inexistente 137, e havia o problema da pouca

disponibilidade de mão-de-obra apta à realização do trabalho.

Kneese de Mello continuaria, ainda, desenvolvendo seu interesse pela pré-fabricação

aplicada às possibilidades de industrialização da construção em diversos outros projetos,

como o edifício para a Confederação Nacional da Agricultura (este um pouco anterior, de

1959), os chalés para o Clube de Campo de São Paulo (1965) e as séries experimentais de

habitação (elaboradas em 1968), além de inúmeros outros 138.

137 A norma NBR 9062, “Projeto e execução de estruturas de concreto pré‐moldado”, da ABNT, é de 1985. 

138 Ver: MONTENEGRO FILHO, 2007; MONTENEGRO FILHO, 2012. 

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Figuras 42 e 43 – Eduardo Kneese de Mello, Joel Ramalho Jr. e Sidney de Oliveira. Conjunto Residencial para estudantes da Universidade de São Paulo (CRUSP), 1961-63. Fonte: Acrópole, v. 26, n. 303, p. 101, fev. 1964.

Durante a década de 1950 cresce a discussão no âmbito brasileiro, sobre as possibilidades

de aplicação da pré-fabricação na construção, visando a sua industrialização. Revistas

como Acrópole, da qual o próprio Kneese de Mello havia sido fundador 139, veiculam, de

forma crescente, matérias relacionadas ao assunto 140.

139 A revista Acrópole foi fundada em 1938 por Eduardo Kneese de Mello, Henrique Mindlin e Alfredo Becker 

em São Paulo. Cf. Acrópole, n. 390‐391, p. 6, 1971. 

140 Ver, por exemplo, a resenha sobre o texto de Michael Brawne, publicado em Arts and Architecture, set./‐

out. 1955, na qual o autor britânico defende a  tendência ao  ciclo aberto de  fabricação de  componentes. 

Boletim Mensal – IAB São Paulo. Acrópole, v. 18, n. 207, n.p., jan. 1956. Ver também o artigo do engenheiro 

Constantino Luculescu sobre a utilização de painéis para parede com emprego de concreto e solo‐cimento 

supervibrado: LUCULESCU, Constantino. Novo processo para a construção de casas populares permanentes. 

Acrópole, v. 20, n. 230, p. 62‐63, dez. 1957. 

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Figura 44 – Eduardo Kneese de Mello, Joel Ramalho Jr. e Sidney de Oliveira. Conjunto Residencial para estudantes da Universidade de São Paulo (CRUSP), 1961-63. Ao fundo, os seis blocos construídos com

tecnologia tradicional, concluídos antes dos blocos destinados a utilizar os recursos da pré-fabricação (no plano mais próximo da foto, ainda em construção). Fonte: REGINO; PERRONE, 2009, p. 93.

Em setembro de 1962, por ocasião da reunião da Comissão de Pesquisas da União

Internacional dos Arquitetos (UIA), em Moscou, e da qual Kneese de Mello seria o único

arquiteto das Américas a participar, o arquiteto pôde apreciar os conjuntos residenciais

sendo construídos na U.R.S.S., empregando métodos de pré-fabricação pesada. Já durante

a viagem de ida, o arquiteto havia passado pela Suécia (Estocolmo) e Finlândia (Helsinque).

Nestas localidades, Kneese de Mello relata ter achado “excelentes” os novos bairros

residenciais e conjuntos habitacionais, “com grandes parques, ótimas escolas, centros

comerciais enormes e fatos”. Tendo passado também por Paris, visitara os conjuntos

habitacionais pré-fabricados construídos na periferia da cidade, “com painéis pesados

estruturais, de qualidade impecável”. Já com relação à arquitetura soviética, seu juízo foi

outro. Conforme seu relato,

A Comissão de Pesquisas da União Internacional de Arquitetos discutiu unicamente a “pré-fabricação" para construções de conjuntos residenciais que, por fim, foi recomendada como melhor solução para o problema de construção de habitações [...]. As fábricas que visitamos produzem painéis pesados, correspondentes à parede de um cômodo, isto é, uma sala, um quarto, etc. Esses painéis são transportados da fábrica para a obra, inteiramente acabados, revestidos, janelas e vidros colocados. São estruturais. Um único tipo para 5 andares. Fala-se em 7 dias para montar um prédio de 45 apartamentos. Entretanto, a construção e a arquitetura deixam a desejar. Os conjuntos são de uma impressionante monotonia. (KNEESE DE MELLO, 1963, p. 29-31)

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Este relato denota um olhar diferenciado para o desenvolvimento histórico tomado pelo setor

de construção habitacional em massa na U.R.S.S. Se, no início dos anos 50, alguns

intelectuais haviam demonstrado repulsa ao classicismo stalinista então vigente, seria agora

possível elaborar um juízo crítico acerca dos resultados técnicos e estéticos dos novos

conjuntos produzidos em massa, a sua maioria através da pré-fabricação pesada. Uma das

grandes preocupações nesse período, em diversas localidades, será a de conciliar a

produção seriada de habitações com estratégias de variação tipológica.

Os caminhos para o desenvolvimento

Os anos 1950 no Brasil representaram um período no qual a ideia de Plano foi gestada em

diversos âmbitos, envolvendo desde elaborações intelectuais isoladas até a formação de

diversas instituições, concebidas para debater os rumos da modernização brasileira. O

conceito de planejamento, que, da mesma forma, adquiria um crescente protagonismo

dentre especialistas nas áreas da economia e da administração pública, vinha sendo

constantemente aprimorado, após as nefastas consequências da crise financeira mundial

dos anos 1930 e suas tentativas de equacionamento, tais como o New Deal rooseveltiano e

o Plano Marshall, de reconstrução europeia no pós-guerra.

No Brasil, o impulso inicial para uma maior integração entre os diversos agentes econômicos

e financeiros e o aparato estatal já havia sido dado com a postura centralizadora do Estado

Novo. Os efeitos da crise e o declínio da economia cafeeira abriram o caminho para que

novas políticas visando a industrialização do país modificassem o cenário econômico e

urbano. Na esteira desse processo, e, em meio à conjuntura do pós-45, as economias latino-

americanas assumem um papel preponderante não apenas quanto às tarefas colocadas

pela reorganização macroeconômica, mas, também, ao novo objeto concreto de estudo que

emerge naquele momento: o ”subdesenvolvimento”.

É nesse ínterim que foi criada a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

(CEPAL) 141, em 1948, “marco teórico decisivo para a gestação das principais teses sobre o

desenvolvimento ou subdesenvolvimento periférico que animaram a discussão teórica latino-

americana do após-guerra” (MANTEGA, 1984, p. 32). Seu fundador e principal mentor foi

Raúl Prebisch, tendo a sede da organização sido estabelecida em Santiago, no Chile. De

141 A Assembleia Geral da ONU criou a CEPAL em novembro de 1947,  fixando sua sede na capital chilena 

(NERY, 2011, p. 35). 

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forma pioneira, pôde se empreender um conjunto de estudos da realidade das economias

latino-americanas, analisando e compreendendo os fatores estruturais de sua inserção no

sistema mundial de trocas. Os estudos de Prebisch enfocavam a situação peculiar do

“subdesenvolvimento periférico” na qual se encontrava a América Latina.

A grande contribuição desta escola foi a comprovação de uma situação peculiar ao qual

estariam fadadas as economias da periferia capitalista – na qual o Brasil se incluía – no

comércio mundial. Rompia-se com a abordagem clássica do equilíbrio espontâneo de trocas

a partir do qual todas as nações envolvidas, na teoria, se beneficiariam do intercâmbio entre

mercadorias avançadas e produtos primários. Na prática, a constatação da “deterioração

dos termos de intercâmbio” presente no comércio mundial revelava que, com o avanço da

história, a tendência no longo prazo era a manutenção das disparidades existentes entre as

economias centrais e as “periféricas”, “subdesenvolvidas”; ou pior, o seu agravamento,

relegando-as a uma espécie de círculo vicioso (da pobreza).

Diante desta constatação gestou-se, ao longo dos anos 50, uma corrente de pensamento

que apregoava o caminho para a saída deste círculo a partir da industrialização, o que incluía

a modernização produtiva e a centralização de recursos, a utilização intensiva do trabalho e,

sobretudo, o planejamento. “Foi durante os anos 50 que se introduziu o planejamento

econômico no Brasil, com o Estado desempenhando o papel de coordenador econômico e

mesmo de empresário em vários setores da economia” (MANTEGA, 1984, p. 64).

O grande expoente desta escola, no Brasil, seria Celso Furtado, primeiro chefe da Divisão de

Planejamento da CEPAL. Em seu primeiro livro, A economia brasileira (1954), o autor já

investigava as relações da crise da economia cafeeira e o advento da industrialização; mas

é a partir de 1959, com Formação econômica do Brasil e Desenvolvimento e

subdesenvolvimento (este último publicado em 1961), que Furtado passa a reelaborar a

avaliação de necessidade da substituição de importações e fortalecimento do mercado

interno. Seguindo as indicações cepalinas, o autor defende a intervenção do Estado, que

seria responsável por orientar, regular e, sobretudo, planejar a economia.

Conforme salientado por NERY (2011, p. 67), “Furtado considerava o planejamento a grande

invenção do capitalismo moderno. [...] o único caminho que restava para reduzir o atraso que

a América Latina havia acumulado no passado”. No seu entendimento, o crescimento dos

países subdesenvolvidos era diverso do dos desenvolvidos, uma vez que aqueles buscam

reproduzir, o tempo todo, as formas contemporâneas de vida dos últimos, onde há

acumulação muito maior de capital. Sendo assim, longe de desaparecer espontaneamente,

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o subdesenvolvimento só seria superado através de um “projeto deliberado e consciente de

transformação de estruturas” (FURTADO 142, 2008 apud NERY, 2011, p. 42).

Ainda no meio da década de 1950, a criação do Instituto Superior de Estados Brasileiros

(ISEB) deu continuidade ao pensamento que considerava crucial a função do Estado como

agente planejador e integrador para a viabilização do desenvolvimento (“nacional-

desenvolvimentismo”). O ISEB foi criado em 1955 a partir do IBESP (Instituto Brasileiro de

Economia, Sociologia e Política), que reunia intelectuais do Rio de Janeiro e de São Paulo –

o “Grupo de Itatiaia”, assim conhecido por organizar suas reuniões no caminho entre as duas

capitais, em Itatiaia/SP. Diferentemente do IBESP, que era uma entidade civil, o ISEB nasceu

vinculado ao Ministério da Educação e Cultural (MEC) – portanto, como órgão estatal.

Reunindo estudiosos das ciências sociais e humanas, como direito, filosofia e história, dentre

outras, a entidade teve em suas fileiras expoentes como Cândido Mendes de Almeida,

Alberto Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira Pinto, Nelson Werneck Sodré, Hélio Jaguaribe e

inúmeros colaboradores. A produção da instituição foi intensa desde a sua criação, passando

por momentos emblemáticos como a cisão interna de 1958-59 – que levou ao desligamento

de Guerreiro Ramos e Jaguaribe – até o cenário de reivindicações das Reformas de Base no

início da década de 1960. Em abril de 1964, o Instituto foi extinto após ter sua sede invadida

e depredada, poucos dias após o golpe militar.

Concebido em um momento de tensão política, as origens do ISEB são marcadas por

embates e discussões em relação ao “como” deveria se dar a transformação e reestruturação

do Estado brasileiro (OLIVEIRA, 2006, p. 33). Embora tenha sido fundado na gestão de Café

Filho, o pensamento do ISEB se alinhou, em maior ou menor medida, com as políticas

empreendidas por Juscelino Kubitschek. Nas palavras deste último, era tarefa da instituição

“formar uma mentalidade, um espírito, uma atmosfera de inteligência para o

desenvolvimento” (KUBITSCHEK 143, 1957 apud TOLEDO, 1977, p. 32). Assim, o instituto

conjugava esforços para o estudo da realidade brasileira, com vistas ao planejamento do

desenvolvimento nacional 144. Subjacente às várias linhas de pensamento dentro da

142  FURTADO, Celso. Ensaios  sobre  a Venezuela:  subdesenvolvimento  com abundância  de divisas.  Rio  de 

Janeiro: Contraponto/Centro Internacional Celso Furtado, 2008. 

143  KUBITSCHEK,  Juscelino  et  al.  (1957).  Discursos.  Rio  de  Janeiro:  ISEB.  O  órgão  foi  criado  no  governo 

predecessor de Juscelino, ainda no governo Café Filho. No entanto, dada a afinidade entre as tarefas que 

ambos (Kubitschek e o ISEB) propunham empreender, a atuação de Kubitschek se torna mais relevante para 

as questões aqui abordadas. 

144 O Decreto 37.608, de 14/7/1955, instituía a criação de um "curso permanente de altos estudos políticos e 

sociais,  de nível  pós‐universitário,  sob  a  denominação de  Instituto  Superior  de  Estudos Brasileiros  (ISEB), 

dotado, para a realização de seus fins, [...] de autonomia administrativa e de plena liberdade de pesquisa, de 

opinião e de cátedra. [Art. 2º] O ISEB tem por finalidade o estudo, o ensino e a divulgação das ciências sociais, 

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instituição, estava o entendimento comum de que era este o caminho a ser trilhado, com

vistas à superação das condições precárias em que vivia grande parte da população

brasileira em face do atraso das estruturas do país. Nesse sentido, ganhou importância a

concepção “faseológica” na compreensão da história local dentro do concerto mundial das

Nações, tese defendida fortemente por Hélio Jaguaribe:

[...] a etapa em que se encontra a comunidade brasileira [...] embora concomitante em relação à época, à etapa em que se encontra a comunidade norte-americana, apresenta uma diferenciação faseológica [...] a fase é etapa da evolução do desenvolvimento de uma comunidade em função dos seus próprios eixos e se caracteriza por uma determinada estrutura-tipo. (JAGUARIBE, 1958a, p. 13)

Jaguaribe aponta ainda que, no caso da nação brasileira, vive-se em toda sua extensão a

“fase da transformação, caracterizada pela enérgica e acentuada propensão do

desenvolvimento” (JAGUARIBE, 1958a, p. 16). Assim, os intelectuais do ISEB mantêm uma

teoria da história baseada na distinção de grandes fases (“faseologia”), “uma orientação do

pensamento que vai possibilitar ao sujeito apreender a linha diretriz em que evolui a cultura”,

conforme observado por Franco (1985, p. 160).

Mantega (1984, p. 60-62) aponta o predomínio de uma concepção fortemente nacionalista

no instituto. Mas, paradoxalmente, uma das tendências dentro do ISEB, notadamente em

fins dos anos 1950, viria a ser a defesa da participação do capital estrangeiro com o objetivo

de impulsionar a economia brasileira na produção de bens industriais e infraestrutura. A ala

capitaneada por Nelson Werneck Sodré repudiava essa aliança, ao passo em que o grupo

de Jaguaribe era favorável a essa abertura, com o intuito de se valer da assistência

estrangeira para compensar a falta de dinamismo local. Tal viria a ser uma das grandes

polêmicas suscitadas pelos ideólogos do ISEB, confrontando-se com os setores

nacionalistas mais radicais naquele período.

Aqui, a defesa da aliança entre desenvolvimento nacional e capital estrangeiro recolocava a

luta entre trabalhadores e burguesia sobre novas bases, deslocando esta oposição para um

confronto de outro teor: o da “Nação x Anti-nação”. Nas palavras do isebiano Guerreiro

Ramos, em 1958,

Os antagonismos essenciais da sociedade brasileira são atualmente os que se exprimem na polaridade “estagnação” e “desenvolvimento”, representados por classes sociais de interesses conflitantes e, ainda, “nação” e “antinação”, isto é, um processo relativo de

notadamente da sociologia, da história, da economia e da política, especialmente para o fim de aplicar as 

categorias e os dados dessas ciências à análise e à  compreensão crítica da  realidade brasileira,  visando à 

elaboração de instrumentos teóricos que permitam o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional". 

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personificação histórica contra um processo de alienação. Outras contradições que não se enquadram nestes termos são no momento secundárias. (RAMOS, 1958, p. 53)

Como acabamos de observar, o nacionalismo referido não era hostil aos investimentos

estrangeiros. E é nesse sentido que o caminho defendido se alinhava com as intenções

políticas do governo de Kubitschek. Este último, entretanto, apesar de apoiar a atuação do

instituto – no plano do discurso –, tratou de nomear para os cargos executivos de seu

governo técnicos que não atuavam naquele âmbito institucional-acadêmico. A receptividade

com relação ao capital estrangeiro, tanto na forma de empréstimos como de financiamento

direto, se justificava (conforme observamos anteriormente) pela falta de alternativas para a

acumulação de capital e de constituição de uma poupança interna, requisitos fundamentais

para o avanço das forças produtivas. Uma postura congruente com a esquerda alinhada com

o PCB, por exemplo 145, que passava a fazer concessões quanto à aliança entre trabalhadores

e burguesia nacional, mas com certa permissividade quanto aos investimentos

estrangeiros146. A abertura em questão resolvia o problema e, de fato, isso possibilitou o

estímulo à acumulação em patamares inéditos, impulsionando setores considerados

nevrálgicos para o Plano, como o automobilístico, por exemplo.

Assim, poderíamos apontar aqui, nestes diferentes projetos (cepalinos/isebianos e no

nacional-desenvolvimentismo), alguma convergência relevante para os rumos a serem

tomados pela economia nacional: a defesa do planejamento econômico e do

desenvolvimento industrial; a substituição de importações e necessidade de formação de um

mercado interno; o aumento da produtividade; a aliança (por vezes tácita) entre trabalhadores

e empresários em prol de um projeto nacional; a necessidade de estímulo à acumulação de

capital e de bens de produção; a modernização de infraestruturas; e, sobretudo, a

intervenção do Estado na economia, com vistas à superação do subdesenvolvimento. Ainda

que por diferentes vias, instituições como a CEPAL e o ISEB, pensadores como Celso

Furtado e Ignácio Rangel 147, e políticos como Juscelino Kubitschek e João Goulart (no

executivo federal) ou Carvalho Pinto (no estado de São Paulo), bem como o grosso da

corporação profissional dos arquitetos e urbanistas, todos eram unânimes na defesa do

planejamento (econômico, administrativo, urbanístico) como ferramenta para alavancar o

progresso nacional. Nesse sentido, a “aceleração” da década de 1950 apontava para aquele

145 Ver capítulo 2. 

146 Querela que culminaria, entre 1961 e 1962, com a ruptura entre PCB e PCdoB, bem como com a formação 

de outros segmentos políticos, como o PCBR, POLOP, etc. 

147  Não  nos  deteremos  aqui  no  pensamento  de  Ignácio  Rangel.  Por  ora,  basta  termos  em  mente  sua 

constatação da impossibilidade da economia brasileira sair da estagnação econômica sem sofrer profundas 

modificações estruturais, diagnóstico compartilhado com Furtado. Cf. MANTEGA, 1984, p. 17. 

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presente histórico como uma etapa a ser superada, em prol da gradativa emancipação e

desenvolvimento brasileiros.

A partir do meio da década de 1950 o problema da industrialização da construção ganhará

novas dimensões para a discussão envolvendo o âmbito profissional, tecnológico, social e

político. Congregando as tendências já existentes no sentido do desenvolvimento e suas

implicações com o âmbito econômico, o mandato de Juscelino Kubitschek (1956-61) foi

emblemático para os rumos nacionais tomados tanto com relação à turbulência política do

início dos anos 1950 quanto com as práticas econômicas subsequentes (anos 60).

Nesse sentido, a construção de Brasília, por exemplo, comparece como emblema não

apenas como produto inserido ou resultante da conjuntura dos “anos JK”, mas como peça-

chave intrinsecamente articulada com os propósitos governamentais e com a expansão

produtiva decorrente de tendências estruturais mais amplas.

Assim, o desenvolvimentismo e o progresso industrial do período são elementos-chave para

a compreensão do debate travado no âmbito da arquitetura e de suas relações com os

setores industrial e da construção, apontando diversos caminhos para a questão do

progresso técnico e suas implicações com o domínio do social e do político.

Os estudos que informavam a política econômica vigente até então – os relatórios das

Comissões Mistas Brasil-E.U.A. (1951-53) e BNDE-CEPAL (1953-55) – abriram caminho para

as práticas que seriam implantadas nos anos subsequentes. As principais conclusões dos

documentos referidos apontavam para a necessidade de aumentar a capacidade de

poupança do país, de modo a se empreender os investimentos necessários para alavancar

o desenvolvimento. E isso envolvia o investimento em larga escala em infraestrutura: energia,

transportes, insumos básicos – setores considerados prioritários. Esta estratégia será

colocada em ação pelo “Plano de Metas” de Kubitschek, que faria – conforme o seu slogan

– o país crescer “50 anos em 5”.

Conforme aponta Mantega (1984, p. 73), a principal característica do Plano de Metas,

emblema político de Kubitschek, que o diferenciava da política econômica então vigente, e

que seria o seu ponto nevrálgico, foi a prática de um "extenso programa de incentivos ao

setor privado, combinado com a atuação das instituições e empresas estatais, resultando na

mobilização de um volume inédito de recursos". Ao Estado coube a coordenação e

integração dos vários setores da economia, por um lado, e o incentivo direto à produção

privada, por outro, através de linhas de crédito a longo prazo e com juros negativos. Além

disso, o Estado deveria facilitar a contração de empréstimos estrangeiros, a importação de

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máquinas e insumos (através de taxas cambiais favorecidas) e a reserva de mercado via

tarifas protecionistas.

Dessa forma, não só o Estado assumia os setores menos lucrativos da economia, que

exigiam enormes montantes de capital e longos prazos de maturação, como fazia tudo ao

seu alcance para baratear os custos de mão-de-obra (baixar o custo da alimentação), bem

como os custos de capital constante. Enfim, tratava-se de elevar a escala de valorização do

capital por todos os meios disponíveis. (MANTEGA, 1984, p. 73)

O coroamento desse processo viria com a tendência do Plano de Metas em ratificar o grande

acesso à economia brasileira por parte do capital estrangeiro. Esse processo já havia sido

acentuado com a histórica "Instrução 113" da Superintendência da Moeda e Crédito

(SUMOC), de 1955, de autoria de Eugênio Gudin – então ministro da fazenda –, que

viabilizava a concessão sem cobertura cambial à importação de maquinaria para empresas

estrangeiras, associadas a empresas nacionais (LOPES, 2008, p. 164). Gudin havia assumido

a pasta no governo Café Filho, sucessor de Vargas, e era conhecido por sua postura favorável

ao capital estrangeiro e sua oposição a Vargas – e, posteriormente, a João Goulart. Nas

décadas anteriores, havia sido o principal combatente, na arena industrial, da política

modernizadora defendida por Roberto Simonsen. Com a continuidade de Kubitschek, o

capital estrangeiro foi amplamente favorecido com relação a empréstimos, financiamentos e

investimentos, diretos e indiretos. A conjuntura resultante provocou uma estupenda

rotatividade para os investimentos realizados. Um fato marcante, e resultante desta condição

foi a implantação da indústria automobilística e da construção naval, com o surgimento de

organizações como o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) e o Grupo

Executivo da Indústria da Construção Naval (GEICON). Para Fernandes (1976, p. 224-225), o

período que corresponde, grosso modo, à década de 1950 refere-se à consolidação das

bases do capitalismo de tipo monopolista no Brasil, caracterizada pela “reorganização do

mercado e do sistema de produção, através das operações comerciais, financeiras e

industriais da ‘grande corporação’ (predominantemente estrangeira, mas também estatal ou

mista).”

As experiências das empresas e o impulso de Brasília

As premissas de desenvolvimento nacional, que pudessem permitir, em definitivo, a

superação do chamado arcaísmo e das reminiscências coloniais, semifeudais, apontadas

como fatores estruturalmente entrelaçados com a situação de subdesenvolvimento do país

nos anos cinquenta fomentaram diversas posições sobre as posturas políticas a serem

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tomadas naquele momento. Aqui, o Plano de Metas do governo Kubitschek constitui-se

como o episódio mais notável no campo do desenvolvimento econômico, impulsionando a

industrialização do país através de uma estratégia de associação ao capital internacional.

Com o impulso da construção de Brasília 148, a “meta-síntese” do Plano de Metas de

Kubitschek, o meio profissional dos arquitetos, engenheiros e empresários experimentou

uma grande efervescência, em fins dos anos 50 e início dos 60, um misto de otimismo e

cautela quanto à enorme empreitada – algo verificável nos debates da época. A expectativa

com relação a um mercado que se tornava promissor – a construção e o subsetor da

habitação – estimulou a criação de diversas empresas no ramo da pré-fabricação. Algumas

delas apresentaram soluções inovadoras, envolvendo ou não a colaboração de arquitetos.

Nesse sentido, a construção de Brasília corroborava a criação de uma demanda, agora

consumada em sua concretude (KOURY, 2005, p. 5), e que poderia se estender para várias

partes do país.

No caso de São Paulo, diversas empresas pioneiras no ramo iniciam as suas atividades

projetando e construindo edifícios para o próprio setor industrial, em instalações na área

periférica da cidade, com disponibilidade para galpões e instalações em grandes áreas e

acesso fácil às rodovias (Santo Amaro, Barueri, Jundiaí, e mesmo Campinas) 149.

A Cinasa, por exemplo, por exemplo (Construção Industrializada S.A.), foi fundada em 1965,

a partir da iniciativa envolvendo os sócios da Compact Engenharia Ltda. e da Construtora

Rabello – de Marco Paulo Rabello, engenheiro próximo de Kubitschek, e que havia obtido

um grande desenvolvimento com a construção de Brasília. No ano seguinte à sua fundação,

a usina de pré-fabricação, com 8.000m2, possuía a capacidade de produzir quatro unidades

habitacionais por dia. Eram produzidas peças de parede em série, painéis internos e lajes

ocas em peça única. No próprio pátio da empresa, conforme apontado por Vasconcelos

(2002, p. 34),

foram construídas três casas [protótipos] com padrões diferentes, visando atender três faixas distintas de poder aquisitivo. Essas casas serviram de treinamento do pessoal, aprimoramento de detalhes e mostruário para eventuais interessados. Esse seria o primeiro

148 A construção da nova capital deslocava a atribuição de centro do poder governamental do Rio de Janeiro 

para o Planalto Central, representando a conquista do interior despovoado do continente, a possibilidade de 

integração  das  estruturas  produtivas  em  escala  nacional,  através  das  rodovias,  a  libertação  do  passado 

colonial de vestígios litorâneos, a concretização de um projeto já há muito no imaginário local – a mudança 

da capital para o centro geográfico do país  já havia sido propostas em documentos como, por exemplo, a 

Constituição de 1891. 

149 Empresas como a Construtora Mauá, BOC, etc. Cf. VASCONCELOS, 2002. 

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passo para a industrialização de construções populares em São Paulo. [...] A produção da Cinasa não se limitaria apenas a casas térreas. Estavam previstas também escolas, fábricas, hospitais e prédios de apartamentos. A mecanização era completa, com centrais automáticas de concreto, transporte de materiais por monovias, fôrmas com cura térmica e pontes rolantes para transporte de painéis prontos até a área de armazenamento.

Foi estabelecido um mínimo de 50 unidades e um raio operacional de 80km – no caso da

produção de casas. Posteriormente, a empresa viria a construir uma outra fábrica, desta vez

em Jundiaí, com o objetivo de produzir agregado de argila expandida (Cinasita) visando a

confecção de peças utilizando concreto leve, que além da vantagem do peso possui

excelente isolamento térmico.

Diversas outras empresas no ramo da pré-fabricação são fundadas logo após a inauguração

de Brasília, incentivadas pela promissora demanda no campo da habitação – com a criação

do Banco Nacional da Habitação (BNH), em 1964 –, como a Preconcretos, a Premag, etc.

Entretanto, grande parte das mesmas, senão a sua totalidade, deslocou a sua atenção inicial

do campo da produção de habitação para a de elementos construtivos destinados às

grandes obras que a modernização brasileira passava agora a exigir: galpões industriais, de

produção e estocagem, edifícios burocrático-corporativos, pontes, viadutos, estações

rodoviárias, etc. Ainda conforme Vasconcelos (2002, p. 72), empresas como a Oxford, a

Engefusa, a Construtora Mauá, e tantas outras, que se empenharam no desenvolvimento

técnico e tecnológico na área 150 encontraram, na verdade, barreiras políticas, antes do que

técnicas, devido ao desinteresse do poder público no estímulo ao setor. A falta de uma

isonomia tributária, elevando o custo da produção devido à incidência de impostos como o

IPI e o ICM, levou muitas construtoras a continuarem pré-moldando as peças no próprio

canteiro. Tudo isso, aliado ao preconceito local com relação às novas técnicas, acarretou um

grande atraso num possível – e desejável – desenvolvimento científico e na utilização de

equipamentos e sistemas avançados.

150 Empresas como a Engenharia de Fundações S.A. (Engefusa) estiveram representadas, por exemplo, em 

encontros como o Seminário Latino‐Americano sobre Pré‐fabricação de Moradias, organizado pela ONU em 

1967 em Copenhague. A firma carioca foi representada por seu presidente Eng. Carlos da Silva, que mostrou 

naquela ocasião as experiências com pré‐fabricação total nos conjuntos residenciais de Vigário Geral e de 

Irajá, no Rio de Janeiro (MILMAN, 1971, p. 21). 

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Figura 45 – Lajes e paredes pré-fabricadas pela Engenharia de Fundações S.A. (Engefusa). Fonte: MILMAN, 1971, p. 79.

Por ocasião da construção da Universidade de Brasília (UnB) – inaugurada em 1962 – foi

criado o Centro de Planejamento da Universidade (CEPLAN). Imbuído do ânimo pioneiro que

norteava a criação da universidade, o Centro foi projetado para se constituir como um

escritório técnico que deveria planejar e projetar toda a universidade, orientando inclusive os

próprios cursos da faculdade quanto às pesquisas acadêmica e tecnológica. Além disso, o

CEPLAN foi pensado para se tornar um centro de projetos para atender a toda a América

Latina. A fábrica de elementos pré-moldados foi implantada e uma de suas grandes

realizações foi o prédio para o Instituto Central de Ciências (ICC), também conhecido como

“Minhocão” – devido a seu formato e extensão longitudinal de 720 metros, projeto de Oscar

Niemeyer.

Além do “Minhocão”, outros edifícios construídos pelo Centro foram o próprio prédio do

CEPLAN, o Galpão de Serviços Gerais e o alojamento dos professores (o “Colina”). Segundo

Koury (2005, p. 30-35), também teve início o desenvolvimento de um módulo industrializável

projetado para o alojamento estudantil, que chegou a ser realizado num protótipo. Além dos

edifícios da UnB, o CEPLAN realizou outros projetos em Brasília através de convênios, como

o edifício de apartamentos para a embaixada da França e a residência de diplomatas para o

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Ministério das Relações Exteriores 151. A figura proeminente que integrava a equipe diretora

do Centro era João Filgueiras Lima (pseudônimo “Lelé”) 152, que fora conhecer as

experiências de pré-fabricação no leste europeu (Polônia, Tchecoslováquia, União Soviética,

Alemanha Oriental) no início dos 1960. Lelé viria a se tornar o grande nome da arquitetura

brasileira associado ao desenvolvimento técnico e tecnológico na área da pré-fabricação

aplicada a projetos como os hospitais da Rede Sarah, a Fábrica de escolas e Equipamentos

Urbanos e os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) – estes dois últimos no Rio

de Janeiro –, além de inúmeros outros. A experiência do CEPLAN, ainda que geograficamente

distante do âmbito paulistano – nosso recorte de estudo –, estimulava a atividade

arquitetônica quanto às possibilidades que se colocavam não apenas com relação à

tecnologia da construção habitacional, mas, também, a um papel proeminente dos arquitetos

na condução de um processo de modernização social e democrático, que deveria contribuir

na resolução dos problemas urbanos.

Produção alternativa e baixa tecnologia: Arquitetura Nova

No discurso aos formandos da FAUUSP 153 de 1955, o engenheiro-arquiteto João Batista

Vilanova Artigas, professor daquela instituição, tendo sido escolhido como paraninfo de turma,

dirige a palavra a seus alunos – agora jovens arquitetos –, proferindo um discurso que, para além

da formalidade da ocasião, busca esboçar um diagnóstico próprio da situação da arquitetura

brasileira. Nas palavras de Artigas, fica evidente a apreciação de um processo “em curso”, o

sentimento de que um ciclo de renovação arquitetônica havia se iniciado e gerado

promissores frutos, cabendo às novas gerações a responsabilidade de conduzir as novas

tarefas que se impunham naquele momento:

Um jovem arquiteto brasileiro ao abandonar hoje os bancos universitários, para enfrentar os problemas tão variados da vida profissional, já encontra uma soma abundante de trabalhos realizados pelos seus colegas mais antigos. Já encontra um grande e rico acervo de experiências a ser preservado e desenvolvido. (ARTIGAS, 2004e, p. 59)

151  Cujos  projetos  arquitetônicos  eram,  respectivamente,  de: Glauco Campelo  (1963);  e Mayumi e  Sérgio 

Souza Lima (1963). 

152 A equipe do CEPLAN foi inicialmente formada por João Filgueiras Lima, Sabino Barroso, Glauco Campelo, 

Virgílio Sosa Gomes, Evandro Pinto, Abel Accioly e Hilton Costa. No setor de urbanismo,  fizeram parte da 

equipe inicial os arquitetos Jaime Zettel e Ítalo Campofiorito. Cf. KOURY, 2005, p. 30. 

153 Publicado no ano seguinte em Arquitetura e Decoração, v. 4, n. 17, maio‐jun. 1956. 

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Artigas aponta as dificuldades de se realizar um balanço criterioso da arquitetura brasileira

naquele momento, “por se tratar de um processo ainda em pleno desenvolvimento” (grifos

nossos). Relembra o fato de que a arquitetura brasileira tinha até então “granjeado sucesso

mundial”, apontando as qualidades de projetos como os do Ministério da Educação, do

conjunto da Pampulha e da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Observa, também, a

presença de um “caráter inovador no terreno da técnica, o constante aproveitamento, em

seu bojo, de todas as conquistas da engenharia brasileira”. Tal fato seria “o resultado de

todos os esforços feitos no sentido do avanço no domínio da técnica e da ciência” (ARTIGAS,

2004e, p. 59-61).

Corroborando falas suas e de outros profissionais nos anos anteriores 154, Artigas reafirmava

as condições precárias ainda existentes no campo da educação (analfabetismo), da saúde

(falta de assistência médica e hospitalar), da habitação e do planejamento, bem como as

necessidades de superação daquela “realidade social caracterizada pelo atraso de sua

infraestrutura”. A constatação desta “contradição básica”, algo comum aos artistas,

intelectuais e demais profissionais, estava sempre atrelada ao paradoxo: “somos um país

rico, de imensas possibilidades, [mas] cujo povo ainda vive em condições reveladoras de

grande atraso” (ARTIGAS, 2004e, p. 61-62)

O arquiteto segue empregando a terminologia marxista corrente, referindo-se igualmente ao

atraso “das forças produtivas” (bem como das forças sociais vigentes). A indústria nacional,

sem estímulos, não se desenvolvia no ritmo adequado “a fim de se transformar no

instrumento que precisamos para abandonar definitivamente os restos coloniais que

emperram o nosso desenvolvimento técnico”. A única forma de superar esta situação seria,

seguindo o arquiteto, a realização de “transformações profundas na estrutura econômica e

social de nosso país”.

Em 1959, no texto “Arquitetura e cultura nacionais” – aula inaugural do curso de arquitetura

e urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul –, Artigas voltaria a afirmar, desta

vez diante de outra plateia, as ideias contidas no texto de meia década antes. Sugerindo o

amadurecimento de uma arquitetura nacional que, pelo menos desde o projeto para o

Ministério da Educação, teria dado, de forma pioneira, os seus “melhores frutos”, era decisivo

agora que as novas gerações se pusessem a prosseguir no desenvolvimento nacional. Para

o arquiteto, bem como para vários de sua geração, as ferramentas necessárias para este

objetivo estavam na defesa da profissão, no aperfeiçoamento técnico, no desenvolvimento

tecnológico, na necessidade do planejamento; e na defesa de uma postura nacionalista, algo

154 Ver as falas de Eduardo Kneese de Mello, Oswaldo Corrêa Gonçalves e outros no Capítulo 1 desta tese. 

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que já vinha afirmando desde seus escritos do início daquela década 155. “Temos confiança

no sucesso da luta contra o subdesenvolvimento” (ARTIGAS, 2004f, p. 80).

As falas de Artigas são reveladoras de um período singular da história brasileira: é na segunda

metade da década de 1950 que o Plano de Metas de Kubitschek se revela, para grande parte

dos intelectuais e profissionais, o caminho democrático e factível para a superação do

“atraso”. O planejamento, passível de ser implantado em todos os níveis – econômico, social,

urbano – era visto como a ferramenta para ordenar o desenvolvimento. A crescente

centralização de recursos seria direcionada para alimentar esse processo, promovendo o

avanço das forças produtivas. Naquele momento, a esquerda política, inclusive – como era

o caso de Artigas, que estivera alinhado com o PCB –, apoiava o centrismo de Kubitschek,

ao mesmo tempo em que o país vivia um momento de dinamismo econômico sem

precedentes.

Esse entendimento, por sua vez, era coerente com a aposta no empreendimento de Brasília

como emblema máximo da modernização brasileira, não apenas do ponto de vista simbólico,

mas como experiência pioneira e oportunidade de experimentação na construção

arquitetônica e no planejamento urbano – um modelo a ser observado. Este mesmo projeto

de modernização, do ponto de vista das relações sociais e do trabalho, intensificava o modelo

de industrialização em curso no Brasil desde o início daquele século, privilegiando o

desenvolvimento tecnológico – daí a necessidade de aceleração na acumulação de capitais – e

a utilização de mão-de-obra intensiva. Mas, dadas as condições peculiares de

“subdesenvolvimento” local, isso acabava por resultar na exploração brutal dos trabalhadores,

fenômeno do qual a construção da nova capital e a realidade de seus canteiros de obras

acabaram se tornando testemunhos históricos.

Justamente nesse momento, no início dos anos sessenta, um grupo de jovens arquitetos que

lecionava na FAUUSP – onde justamente há pouco haviam concluído os seus estudos – optou

por adotar uma postura profissional própria com relação às contradições que engendravam o

processo de modernização brasileiro. Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre haviam sido

alunos de Artigas e, deste, iriam absorver um forte compromisso ético com relação à profissão,

embora trilhando um caminho disciplinar bastante próprio.

Anos antes, em 1958 – ainda quando estudantes, e dada a escassa disponibilidade de

profissionais na área – Ferro e Lefèvre começaram a trabalhar em suas primeiras

encomendas, estabelecendo escritório próprio. Em 1960, vivenciaram de perto a experiência

155 Abordados no Capítulo 2 da presente tese. 

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da construção da nova capital federal, projetando, por intermédio do pai de Sérgio Ferro –

deputado pelo PSD (partido de Kubitschek) e incorporador imobiliário em Brasília – dois

prédios habitacionais, os edifícios “Goiás” e “São Paulo”. A experiência teria servido para os

arquitetos vivenciarem de perto um imenso e brutal canteiro de obras a céu aberto, com

“acampamentos cercados por ‘forças da ordem’, jornadas intermináveis de trabalho,

alimentação precária [...] operários se jogando sob caminhões, desinteria quase quotidiana”,

nas palavras de Ferro, um tipo de “violência suplementar”, para além daquela intrínseca à

manufatura capitalista da construção 156.

Paradoxalmente, o fenômeno da construção da capital, na gestão Kubitschek, acontecia no

exato momento em que a forte industrialização estimulava os sonhos dos arquitetos de

edifícios, bairros e até cidades inteiras sendo produzidos em série, colocando, como um

horizonte, o fim da carência de edifícios para os mais diversos usos. Este imaginário era

estimulado pela interlocução com experiências advindas de outros países com maior nível

de desenvolvimento técnico. Em Brasília, no entanto, dada a urgência imposta pelos prazos

– a cidade deveria ser inaugurada por Juscelino, ainda em seu mandato –, a arquitetura, cujo

paradigma formal se encontrava, conforme propunham os arquitetos, alinhado com as

premissas de racionalização da construção, se utilizou das técnicas construtivas tradicionais,

salvo exceções, ou contanto com um pequeno nível de avanço tecnológico. Além do

problema da carência de equipamentos, como gruas, na escala demandada, haviam as

questões subjacentes à mão-de-obra e seus custos: a maior parte dos operários que

construíram a capital advinham de lugares com pouca ou nenhuma oportunidade de trabalho,

sem maiores expectativas ou reservas financeiras, ou seja, possuíam baixa ou nenhuma

qualificação. Nas palavras do próprio Sérgio Ferro:

O que houve? O candango veio do campo-latifúndio – solidão, doença, seca, terras boas cercadas, trabalho irregular quando havia. Em Brasília, um salário e o aprendizado de uma ocupação que garantia o salário, esforço coletivo cujo vazio dissimulado e o hipócrita feitio não percebia, a vida gostosa do núcleo Bandeirante, com sua gente, cachaça e prostitutas importadas. (FERRO; ARANTES, 2006, p. 95)

O “núcleo Bandeirante”, anteriormente chamado “Cidade Livre”, era a cidadela provisória

composta de construções provisórias e duas avenidas paralelas, programada para posterior

demolição, e que abrigava parte dos trabalhadores que construíam a capital. “Antes

acampamento vivo dos reais construtores de Brasília, campo de experiências e expansão de

vida de retirantes que descobriam em si aberturas novas” (FERRO; ARANTES, 2006, p. 94)

156 FERRO; ARANTES, 2006, p. 22; p. 305‐306. 

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157. Na medida em que surgiam ofertas de trabalho nas obras da capital, mais e mais pessoas

abandonavam seus locais de origem, advindas de várias partes do Brasil, chegando ao local

recém-fundado em busca de emprego.

Conforme Lopes apontou (2008), um dos fatores marcantes no processo histórico de

evolução das relações de trabalho no Brasil urbano-industrial foi a perda progressiva de

relações patrimonialistas de trabalho, predominantes nos contextos rurais e semi-rurais,

marcadamente no início do século XX. Nas grandes cidades, em processo acelerado de

urbanização, o migrante rural vai se incorporar aos novos modos de organização do trabalho

e das estruturas sindicais, rompendo com os laços eleitorais e de trabalho característicos do

coronelismo.

Nada mais distante do sonho moderno da cidade jovem, planejada para ser o novo símbolo

do país. Do entusiasmo e da propaganda empreendidos por Kubitstchek, da empreitada

coletiva portando um objetivo comum – incluindo a ilusão da eliminação das diferenças entre

classes sociais 158 –, à realidade pós-inauguração da capital, quando os “candangos” são

expulsos da cidade para dar lugar à burocracia governamental e à classe média, indo formar

as cidades satélites, multiplicam-se as contradições, expõe-se a fratura social entre povo e

poder. Quanto à realidade crua dos canteiros, o relato posterior de Rodrigo Lefèvre sobre o

projeto estrutural da cúpula do Congresso Nacional nos suscita a vislumbrar aquele cenário:

Se voltarmos para aquele desenho, ele é um desenho muito bonito, que está ligado à própria forma daquelas meias laranjas que tem lá no Congresso Nacional. Mas se nós imaginarmos um operário colocando aqueles ferros, um ao lado do outro, um dentro do outro, tentando amarrar um ferrinho no outro, pegando aqueles vergalhões de uma polegada, de uma polegada e meia, tentando encaixar dentro de outros ferros que já estavam montados... e depois de toda a ferragem montada, o pedreiro tem que fazer o concreto para cima, e começar a jogar o concreto ali, dentro daquela trama de ferro, mais fechada do que uma peneira dessas de cozinha, e tendo que jogar o concreto lá dentro e socar o concreto... Se você olha isso pensando no processo de produção, em como realmente o operário vai trabalhar para conseguir fazer aquilo, você começa a pensar que talvez existam algumas coisas na nossa arquitetura que são “fogo” 159. (MAIA; LEFÈVRE, 2000)

157 Ver também: KNEESE DE MELLO, 1992. 

158 NIEMEYER, Oscar. Minha experiência em Brasília. Módulo, Rio de Janeiro, n. 18, jun. 1960. 

159 Ou, igualmente, no relato de Eduardo Kneese de Mello, quanto ao descompasso entre o despreparo da 

mão‐de‐obra dos candangos e a utilização de técnicas avançadas, como a estrutura metálica: “Os rebites de 

ferro em brasa [da estrutura metálica] eram jogados do chão para o operário que se equilibrava sobre a viga 

e este,  com um pequeno  funil de  lata o apanhava  como se  fosse uma pequena bola de pingue‐pongue.” 

(KNEESE DE MELLO, 1992, p. 46) 

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Naquele início dos anos sessenta, junto ao colega Flávio Império, Ferro e Lefèvre passam a

pensar a racionalização do canteiro de obras – e da construção – a partir de uma outra

premissa, mais adaptada as condições tecnológicas e de trabalho presentes na situação

brasileira: baixa tecnologia, emprego de mão-de-obra de forma menos “alienante”, maior

integração entre os diferentes níveis de trabalho com relação à decisão e execução de tarefas

(horizontalidade entre equipes), utilização de materiais e técnicas disponíveis localmente.

Em uma primeira iniciativa de racionalização do canteiro, ensaiado em um projeto de Sérgio

Ferro, em 1961 (uma experiência coerente com as tentativas de Kneese de Mello na década

anterior, com menor porte, porém), o arquiteto visa, com sucesso parcial, a pré-fabricação

de componentes aplicada à produção de casas. A residência projetada era de Boris Fausto,

historiador da Universidade de São Paulo – era recorrente os professores da FAUUSP

projetarem casas para os colegas –, na qual se ensaiou o emprego de painéis seriados de

pequenas dimensões, pré-fabricados no próprio canteiro. Mas já a partir de casas como a

de Bernardo Issler (também de 1961), avança-se na solução em abóboda – um mote técnico-

formal que viria a se tornar recorrente nas investigações do grupo. Gradativamente, o trio

direciona o olhar para um aprimoramento técnico rigoroso, condizente com uma maior

integração entre projeto e canteiro, buscando uma aproximação entre as figuras do artista,

do técnico e do operário – bem como entre desenho e canteiro. As propostas esboçadas

visam, assim, um processo mais profundo de reflexão acerca das relações de produção no

canteiro, bem como de suas implicações no estágio de desenvolvimento das forças

produtivas no setor da construção.

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Figura 46 – Sérgio Ferro: residência Boris Fausto, 1961. Vista exterior. Fonte: FERRO; ARANTES, 2006, p. 43.

Figura 47 – Sérgio Ferro: residência Boris Fausto, 1961. Planta. Fonte: KOURY, 2003, p. 35.

A experimentação prática permitiu a interlocução com o âmbito textual, iniciada a partir de

artigos como “Proposta inicial para um debate: possibilidades de atuação”, de 1963

(publicado pelo Grêmio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP – GFAU), e

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“Arquitetura experimental”, de 1965 (para a revista Acrópole), tendo o primeiro sido assinado

por Ferro e Lefèvre e o último já com a participação de Império 160.

A postura de Ferro, Império e Lefèvre em muito se encontra em débito com a atmosfera

intelectual da FAUUSP, na qual haviam se formado, e passaram a lecionar. Neste aspecto, a

figura do mestre Vilanova Artigas 161 é emblemática: não apenas é possível reconhecer na

obra do professor a ênfase na atuação profissional marcada pelo engajamento político, mas

também uma fonte vital de interlocução, fomentando um debate que virá a se tornar

emblemático naquela década: de um lado, Artigas defendendo o papel do “desenho”, como

desígnio, atribuição profissional do arquiteto capaz de liderar um processo de

desenvolvimento democrático e emancipatório, construindo a modernização nacional; de

outro, os discípulos advogando uma (re)aproximação com o “canteiro”, e um olhar crítico

sobre as relações de produção que engendravam a contradição entre este último e o

“desenho”, e que conferiam à arquitetura, na verdade, um papel crucial na divisão entre

trabalho intelectual e manual – e na dominação exercida.

É possível assinalar aí um importante ponto de inflexão: a experiência da construção

meteórica de Brasília, a persistência das condições precárias de trabalho nos canteiros de

obras em toda parte, a dificuldade na implantação de processos construtivos avançados, a

rígida hierarquia de funções no setor da construção, o amálgama entre emancipação e

dominação no âmbito do trabalho: tais fatores mostravam-se como sendo intrínsecos ao

sistema capitalista de produção, presentes em todos os setores da atividade econômica e

social, mas adquirindo contornos críticos no capitalismo “subdesenvolvido” periférico.

A saída desta situação não seria nada fácil, muito menos controversa. A consciência da não-

pertinência de uma doutrina arquitetônica, ou de um sistema disciplinar ideal capaz de servir

como modelo, e de responder de forma geral a todas as demandas presentes, fica latente

nas constatações colocadas por Ferro e Lefèvre naquele momento, já em 1963:

No exame da história das propostas que escolhemos, as diversas razões por que foram criadas e desenvolvidas nem sempre aparecem como coerentes com o que pretendemos. Na escolha que somos forçados a fazer, a determinação de quais as forças que a condicionaram nem sempre é possível. As previsões carregam mais tendências pessoais ou de situação do que se baseiam num andamento suposto e, por vezes, pouco informado. A dúvida é

160 Cf. FERRO; ARANTES, 2006. 

161 Conforme o depoimento dado por Rodrigo Lefèvre em 1974: “Os professores que eu tive na escola, e com 

os quais deu para aproveitar muito, foram três: Jon Maitrejean, Carlos Millan e Vilanova Artigas. [...] Tenho a 

impressão de que para qualquer aluno da faculdade dessa época que você for perguntar, eles vão confirmar 

que esses professores foram fundamentais na nossa formação” (MAIA; LEFÈVRE, 2000). 

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constante em qualquer opção: a angústia originada se acentua pelas intenções estranhas e mesmo desconhecidas com que se apresentam os caminhos. Entretanto, a definição por um deles é necessária e está contida em qualquer posição que se tome. [...] Os conflitos que percorrem a nossa realidade são de tal magnitude, neles estamos de tal modo mergulhados que a consciência que temos de nós mesmos e da situação real sofre destas incoerências e as contém. A síntese social destas contradições todas, não tendo sido realizada ainda, não podemos pretender possuí-la no pensamento: isto envolveria uma posição de ilusória autonomia da razão que nos recusamos admitir. É com a consciência clara desta situação-no-conflito que devemos atuar. A lógica absoluta não pode ser nossa característica: mais que soluções reais, são problemas que levantamos. [...] Não é só modo de conquistarmos clareza para nós, não é só meio para superarmos nossas contradições pessoais, mas, através desta intenção, atingiremos o geral e ajudaremos a clareá-lo e resolvê-lo em parte. (FERRO; ARANTES, 2006, p. 33-34, grifos nossos)

Assim, a “arquitetura experimental” que viria a ser proposta por Ferro, Império e Lefèvre

procura seguir o fio tênue desta “situação-no-conflito”; e será aplicada nas residências

projetadas e construídas pelo trio, ao longo dos anos subsequentes, buscando ensaiar

proposições e métodos outros de se fazer arquitetura, que não necessariamente aqueles

atrelados à profissão em sua acepção mais tradicional. Modos alternativos de divisão do

trabalho, buscando a participação do operário nas tomadas de decisão; trabalho exaustivo

de detalhamento da produção junto ao canteiro, visando a economia e a redução dos

desperdícios; adequação de premissas tecnológicas e de projeto à realidade social e

construtiva; são algumas das estratégias propostas pelo grupo, seja através do ensino na

faculdade de arquitetura, da constante reflexão teórico-crítica ou da prática como

profissionais liberais.

Tal experimentação termina por subsidiar um profundo processo de reavaliação político-

profissional, evidenciado no texto intitulado “Arquitetura Nova” 162, publicado por Sérgio Ferro

em 1967 na revista Teoria e prática (que o próprio arquiteto editara 163), e aprofundado em “A

casa popular”, escrito de Ferro publicado pelo GFAU em 1972 e fruto de anotações de aula

na FAUUSP nos anos de 1968-69, posteriormente rebatizado pelo próprio autor com o título

“A produção da casa no Brasil” 164; foi o esboço para “O canteiro e o desenho”, publicado

em 1976, escrito marxista seminal e obra teórica mais emblemática de Ferro, na qual o autor

empreende uma rigorosa análise da atividade arquitetônica e de suas relações com o

universo da produção capitalista.

162 Cf. FERRO; ARANTES, 2006, p. 47‐58. 

163 Ver entrevista anexa a esta tese. 

164 Cf. FERRO; ARANTES, 2006, p. 61‐101. 

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Figura 48 – Rodrigo Lefèvre: proposta para produção, armazenagem e montagem de elementos pré-fabricados,

apresentados em sua dissertação de mestrado de 1981. Ao longo dos anos 70, Lefèvre prosseguiu em suas pesquisas plásticas e estruturais sobre as possibilidades de utilização de componentes pré-fabricados para produção habitacional, dando continuidade ao interesse sobre o tema trabalhado na década anterior junto a

Sérgio Ferro e Flávio Império. Fonte: LEFÈVRE, 1981, n.p.

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Figura 49 – Publicidade da empresa Volterrana – vigas curvas para a execução de abóbodas. A empresa, que há tempo se dedicava à comercialização de lajes pré-fabricadas, passara a fornecer o serviço de execução de abóbodas pré-fabricadas, um elemento técnico-formal concebido em pequena escala por Ferro, Império e

Lefèvre. Fonte: Acrópole, São Paulo, v. 33, n. 390-391, n.p., nov.-dez. 1971.

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Produção alternativa e baixa tecnologia: Lina Bo Bardi

Essa apreensão direta do “estágio” de desenvolvimento brasileiro, de sua realidade social e

técnico-material, já havia sido abordada em oportunidades anteriores durante a “modernizante”

década de 1950. A revista paulistana Habitat, por exemplo, inicialmente dirigida pelo casal Lina

Bo e Pietro Maria Bardi, chamou por diversas vezes a atenção para a riqueza da cultura material

associada ao “pré-artesanato” brasileiro, atacando o desprezo das elites para com aquele

legado. De certa forma, a revista incorporava a atmosfera intelectual própria do pós-guerra

europeu, que já denunciava a crise histórica do funcionalismo e da confiança no desenvolvimento

ilimitado da ciência 165.

Interessa-nos aqui, particularmente, as proposições de Lina Bo Bardi relacionadas ao problema

do desenvolvimento material num contexto cultural e econômico tão específico quanto o

brasileiro – não apenas em seus projetos de arquitetura, mas também em seus escritos e através

de outros campos de atuação, como o da produção e difusão cultural. Conforme observado por

Anelli (2009), é possível identificar na obra de Lina, assim como na de Ferro, Império e Lefèvre,

“estratégias de ação cultural ampla” sintonizadas com as teses terceiro-mundistas do período –

quando passam a se revelar os limites da modernização brasileira e do subdesenvolvimento.

Mesmo os nomes mais proeminentes dentre os arquitetos brasileiros daquele período, ao

centrar esforços na busca para a superação do “subdesenvolvimento”, mantiveram-se

alheios às discussões internacionais – como as que estavam sendo travadas no interior dos

CIAM, durante a década de 50, apresentando fortes críticas aos postulados daquela mesma

entidade elaborados nos anos 30 166. Fosse pela aposta nas promessas democratizantes do

avanço econômico-industrial, ou pelos ecos de um projeto político que, ainda que

reconhecendo alguns problemas no desenvolvimento acelerado, acreditava que aquela era

ainda uma etapa a ser superada – visando uma posterior partilha de seus frutos –, o debate

brasileiro no campo em questão permaneceu pouco permeável à crítica externa – que

naquele momento dirigia, com curiosidade, as suas atenções para a arquitetura do Novo

Mundo.

165 Ver, sobre esse aspecto: ADORNO, Theodor H.; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. 

166  Em  correspondência  a  Henrique Mindlin  de  27  de  abril  de  1948,  Sigfried  Giedion  lamentava  a  parca 

interlocução existente com o grupo brasileiro dos CIAM. Posteriormente, em 08 de junho de 1948, Mindlin 

viria a comunicar Giedion sobre a recusa de Niemeyer, Costa ou Warchavchik em organizar as atividades do 

grupo. Cf. Mumford (2005, p. 185). 

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A abrangência do olhar de Lina Bo Bardi dirigida ao patrimônio cultural brasileiro,

ressignificando-o para os propósitos de um projeto moderno, era comum à postura de

intelectuais como Lúcio Costa, por exemplo, mas encontrava poucos ecos dentre os

arquitetos paulistas; sendo que tal “patrimônio”, neste caso, não se relacionava apenas a um

legado pretérito, mas também àquele que coexistia com a sofisticação urbana de São Paulo,

sendo encontrável em outras regiões do país, como a Bahia, Pernambuco ou a Amazônia.

Italiana emigrada ao Brasil em 1946, após ter colaborado na revista Domus e na revista A –

Cultura della vita e com nomes como Gio Ponti e o historiador e crítico Bruno Zevi, Lina funda,

junto com o companheiro Pietro a revista Habitat, em 1950. Desde os tempos de Itália dedica-

se a manifestações arquitetônicas razoavelmente marginais em relação à alta cultura dos

além-Alpes, voltando, inclusive, ao lado de Zevi, os olhos justamente para os objetos que

conferiam homogeneidade aos tecidos históricos, a mesma desejada para que pudessem

sobressair os monumentos principais da cidade. Lina traz, portanto, na bagagem, toda a

carga de uma condição cultural ainda estranha ao Brasil: diferentemente das referências

europeias positivas que subsidiaram o feito da Semana de 22 em São Paulo, o que aporta

por aqui desta vez é a perplexidade do pós-45 e as imagens de um continente arrasado: “[...]

nas ruínas das casas destruídas durante a guerra enxergava-se toda a falsidade e hipocrisia

com que eram construídas, os estilos falsos, o gesso, as cortinas, os móveis como cenários

de um mundo decadente” (BARDI 167 apud ALVES, 2003, p. 176). Nessa citação, já é possível

antever, também, um dos elementos fundamentais que irá subsidiar a sua produção: o

recurso à simplicidade, voltando-se a atenção para o suprimento das reais necessidades,

opondo-se à finesse burguesa dissimulada – a qual irá acusar posteriormente na futilidade

do design destinado puramente ao consumo.

Voltando a sua atenção aos elementos mais fundamentais da cultura popular, à singeleza e

à rusticidade da matéria, à dimensão humana presente nas artes, Lina inclui em seu

pensamento a função formativa e social da arte. Isso poderia estar relacionado à própria

atmosfera “existencialista” da Europa naquele momento, ao neorrealismo italiano do pós-

guerra, e à ascensão da antropologia como ciência junto à história social; mas, também, às

elaborações críticas da historiografia italiana, tais como aquelas que viriam a ser postuladas,

posteriormente, por Giulio Carlo Argan 168.

167 BARDI, Lina Bo. Na europa a casa do homem ruiu. Rio, Rio de Janeiro, n. 42, fev. 1947.  

168 Nos textos de Argan, desde Projeto e destino, de 1961, parece ser recorrente a figura daquilo que o autor 

chama “crise da arte como ‘ciência europeia’”, baseando‐se na fenomenologia de Edmund Husserl. Tal crise 

seria,  conforme  Argan  escreve  anos  depois,  o  abalo  “do  sistema  cultural  fundado  na  racionalidade  e, 

naturalmente, na consciência de seus limites e na complementaridade natural da imaginação ou fantasia (ou 

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Sintonizada com as potencialidades políticas intrínsecas ao plano da cultura, Lina

acompanha os expedientes da esquerda brasileira, longe, porém, do discurso mais

doutrinário do PCB. Leitora de Antonio Gramsci 169, a arquiteta confere à dimensão do

“nacional-popular” um papel especial como ponto de partida transformador de estruturas,

compreendendo a arte (popular) não a partir da contemplação desinteressada, laudatória às

tradições impostas “de cima para baixo”, mas como possibilidade de resgate de um

patrimônio próprio da cultura popular – e por isso autêntico –, indo contra a atribuição de um

papel passivo àquela mesma cultura por parte de uma “elite”, algo consubstanciado no

conceito de “folclore” – noção fortemente criticada pela arquiteta.

Nos escritos do filósofo italiano Antonio Gramsci, Chauí (1997, p. 86-89) observa que

[...] o nacional, visado como e enquanto popular, significa a possibilidade de resgatar o passado histórico-cultural italiano como patrimônio das classes populares. [...] Nacional como resgate de uma tradição não trabalhada ou manipulada pela classe dominante, popular como expressão da consciência e dos sentimentos populares, feita seja por aqueles que se identificam com o povo, seja por aqueles saídos organicamente do próprio povo [...].

No caso específico do nacional-popular como contra-hegemonia ao fascismo italiano, trata-

se não só da captação dos pontos de resistência popular ao fascismo, como ainda da prática

intelectual deliberada de reinterpretação do passado nacional sob perspectiva popular.

Ao chegar ao Brasil, o novo continente se apresentava, para Lina, como um lugar novo onde

tudo ainda se encontrava por fazer. Retrospectivamente, observou:

[...] para quem chegava pelo mar [na Baía de Guanabara], o Ministério da Educação e Saúde avançava como um grande navio branco e azul contra o céu. A primeira mensagem de paz após o dilúvio da Segunda Guerra Mundial. Me senti num país inimaginável, onde tudo era possível. Me senti feliz, e no Rio de Janeiro não tinha ruínas. (BARDI, FERRAZ, 1993, p. 12)

Nas páginas de Habitat, descreve, a partir de 1950, a ingenuidade das construções e ruas

amazônicas, do modo de vida dos caiçaras, a riqueza da tapeçaria indígena encontrada em

suas incursões pelo continente. Repudiava os conceitos de uma “alta cultura” dominante nos

seja, a arte) em relação à lógica (a ciência)”; sendo que o que decorre dessa situação de perplexidade perante 

a situação da arte é a “constatação amarga da crise total e irreversível dos valores em que se fundavam o 

historicismo humanista e a própria noção histórica de uma Europa” (ARGAN, 2006, p. 507‐534). 

169 Azevedo (1995, p. 8) aponta que, segundo Marcelo Ferraz, Lina sempre se referia a Gramsci em conversas, 

embora o tenha citado raras vezes em seus textos. 

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círculos de arte, e elaborava, já nos anos 50, o diagnóstico de um país em rápido

crescimento:

Faltam casas, falta tudo, é preciso ser rápido, construir, e depois veremos como ficou. As cidades brasileiras se ressentem dessa febre de improvisação, revelam uma humanidade que quer organizar-se rapidamente, ganhar tempo: uma humanidade que trabalha e merece um momento de meditação e não a anulação esnobe de uma pseudo-cultura. (BARDI, FERRAZ, 1993, p. 95)

Assim, há o reconhecimento de dois processos concomitantes: uma cultura e um conjunto

de artefatos ligados a ela, chamada por Lina de “pré-artesanal”, em vias de desaparecer,

devido às condições intrínsecas da própria modernização. E, decorrente desta mesma

modernização, a emergência de uma cultura de massas eminentemente industrial, à qual

seria preciso conectar o conjunto da produção social de modo a se realizar a síntese

desejada. Essa preocupação estará na base de suas aspirações com relação ao desenho

industrial, lecionando no Instituto de Arte Contemporânea (IAC/MASP, 1951-53), em São

Paulo, e posteriormente na Bahia (1958-64).

A criação do IAC/MASP se configura como uma iniciativa pioneira 170, no Brasil, na busca da

integração entre produção industrial e qualidade artística, articulando ao redor do Museu

vários esforços e personalidades da área, e criando, além de um curso de Desenho Industrial,

um curso de Moda e outro de Propaganda. O fechamento precoce do curso de Desenho

Industrial, em 1953, bem como a permanência e longa vida do curso de Propaganda –

posteriormente tornando-se a Escola Superior de Propaganda e Marketing –, atestaram,

infelizmente, a baixa adesão dos industriais ao projeto e a opção pela produção local de

objetos concebidos nas matrizes multinacionais fora do país – que, no entanto, necessitavam

da publicidade local, dadas as especificidades culturais de nosso meio (ANELLI, 2009, p. 12-

13).

Convidada a lecionar Teoria da Arquitetura na Universidade Federal da Bahia, a partir de

1958, e a realizar o projeto de restauro do Solar do Unhão, com o intuito de abrigar um museu

de artes populares e um centro de documentação, além de um centro de estudos técnicos,

Lina experimenta o contato quase visceral com a realidade nordestina, reelaborando os

conceitos relativos à “técnica”, sob outras bases. Mantém firmemente o seu repúdio à ideia

designada por “folclore”, como um termo atribuído pela alta cultura com relação a um

170 Compreendendo o período 1951‐63, conforme apontado por Anastassakis (2014, p. 90), como “o processo 

de instauração do design enquanto campo profissional no Brasil”. 

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conjunto de manifestações populares – fora, portanto, dos circuitos da elite. Em 1963, por

ocasião da Exposição Nordeste que inaugurava o Solar do Unhão, declarava:

Insistimos na identidade “objeto artesanal – padrão industrial” baseada na produção técnica ligada à realidade dos materiais e não à abstração formal folclórico-coreográfica. Chamamos este Museu de Arte Popular e não de Folclore por ser o folclore uma herança estática e regressiva, cujo aspecto é amparado paternalisticamente pelos responsáveis da cultura, ao passo que arte popular (usamos a palavra arte não somente no sentido artístico, mas também no de fazer tecnicamente), define a atitude progressiva da cultura popular ligada a problemas reais. (BARDI; FERRAZ, 1993, p. 158)

Mas a arquiteta não corrobora a visão inocente, ou simplista, de uma volta ao passado

artesanal, à uma situação intocada de uma cultura que possa estar imune às consequências

dos processos de industrialização e modernização, mais próxima do “povo” idealizado,

intocado pela elite curiosa: “Ninguém pode voltar a [John] Ruskin e [William] Morris. A volta

ao artesanato ou ao folclore é uma coisa impossível, ainda mais no Brasil, onde o artesanato

não existe. O que existe é um pré-artesanato popular, e não a verdadeira estrutura social

artesanal como nos países mediterrâneos” (BARDI, 2003, p. 272-273).

Figura 50 – Lina Bo Bardi: nova escada para o Solar do Unhão, executada através do sistema de encaixe de carros de boi. Fonte: BARDI, 1994, p. 40.

As possibilidades estavam colocadas durante o Brasil democrático: seria possível conciliar

as premissas na área do desenho industrial com o aprimoramento do olhar sobre a cultura

popular, estudando as suas bases; e privilegiando o atendimento às necessidades básicas e

corretas da população – e que seriam, portanto, sociais.

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Procurar com atenção as bases culturais de um país (sejam quais forem: pobres, míseras, populares) quando reais, não significa conservar as formas e os materiais, significa avaliar as possibilidades criativas originais. Os materiais modernos, os modernos sistemas de produção tomarão depois o lugar dos meios primitivos, conservando não as formas, mas a estrutura profunda daquelas possibilidades. [...] O Desenho Industrial e a Arquitetura de um país baseados sobre o nada, são nada. (BARDI 171, s/d apud RISÉRIO, 1995, p. 119)

As opções sugeridas por Lina, nesse sentido, corroboravam um “projeto de Brasil moderno” 172 sintonizado com as possibilidades que se encontravam em aberto dentro das propostas

político-econômicas gestadas naquela década no âmbito local. Em suas propostas de estudo

do “pré-artesanato” nordestino, Lina advogava a necessidade de uma sistematização

daquele patrimônio cultural a partir do qual se poderia proceder à elaboração de um design

genuinamente brasileiro. Ou seja, o “salto” do pré-artesanato para a indústria representaria,

assim, um desenvolvimento econômico e cultural integrado às condições materiais locais.

Segundo Lina, tinha-se, ali, “uma fartura cultural ao alcance das mãos, uma riqueza

antropológica única” (BARDI; FERRAZ, 1993, p. 210). Essa postura transparece na

interlocução que a arquiteta estabelecera, por exemplo, com Celso Furtado – idealizador e

primeiro superintendente da SUDENE (criada em 1959) –, sobre as necessidades de estudo

da realidade cultural nordestina. Como se sabe, as propostas encampadas por Furtado

haviam sido gestadas na esteira desenvolvimentista da CEPAL e, naquele momento,

buscavam empreender uma política de desenvolvimento para o Nordeste, definida a partir

de seu estudo A operação Nordeste, de 1959.

Furtado, por sua vez, acompanhava com cautela aquilo que ele mesmo apontava como “a

visão romântica da miséria do Nordeste, que tanto se acomoda com o espírito da gente de

classe média”, confessando:

[...] não tenho aptidão para interessar-me pelas formas como as sociedades humanas se acomodam à miséria e esgotam o seu engenho no simples esforço de sobrevivência. Por temperamento ou deformação profissional, me inclino a pensar que tudo que contribui para compatibilizar a vida do homem com a miséria deve ser destruído, ainda que por esse meio estejamos tornando inviável a sobrevivência da comunidade. O que é inviável não é imóvel, e o pior nas sociedades humanas é o imobilismo. Reconheço que identificar as artes de uma comunidade pode ser a forma mais segura e menos custosa de dar início ao desenvolvimento da base material dessa comunidade (FURTADO 173 apud RISÉRIO, 1995, p. 119-120)

O que o superintendente da SUDENE almejava, de fato, era que se fosse além da “fase de

identificação” daquele patrimônio, evitando estacionar como “a literatura nordestina”, que

171 BARDI, Lina Bo. “Testemunho Nordeste – Arsenal da Miséria”. 

172 A expressão e de Azevedo (1995, p. 53). 

173 “Testemunho Nordeste”. 

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haveria, na ótica do autor, se limitado ao âmbito do entretenimento, dando voltas “em torno

dos ‘castelos’”, e “servindo de tranquilizante para os que não têm sono na hora da sesta”.

Em carta 174 datada de 5/3/1964, Lina diz temer a interpretação de suas ideias por parte de

Furtado como “uma apologia artística pró-status quo: a consolação através da arte em lugar

do planejamento econômico e da solução técnica”; alegando que o havia procurado para

pleitear “o enquadramento técnico de seu trabalho na realidade de um planejamento, para

‘historicizar’ num presente econômico uma realidade válida até hoje somente no plano

abstrato e poético”, alinhando-se, portanto, com a prerrogativa furtadiana do planejamento

como ferramenta para o desenvolvimento. E terminava a carta defendendo sua consciência

do estágio brasileiro com relação às suas limitações materiais:

Não adiantaria fundar uma nova “Bauhaus” no Nordeste, o mesmo Walter Gropius não corresponderia a uma realidade tão difícil, tão pobre, e Weimar 1918 está longe na história. Por esta razão procurei o Sr.; queria um caminho diferente dos do sofisticado Industrial Design, e mesmo do Ministério da Educação.

Em resposta 175 às ponderações de Lina, em carta de 5/4/1964, Furtado recoloca a sua

abertura ao diálogo, afirmando possuir o mesmo ponto de partida da arquiteta:

Preocupa-me o homem, sua capacidade de criação. As formas de organização social valem pelo que estimulam essa capacidade criadora. O que produz o homem pelo artesanato ou pela indústria, visa satisfazer suas necessidades individuais ou sociais. Ao preocupar-me com a técnica e com a evolução das formas de produção, o que efetivamente me preocupa é a evolução das necessidades humanas. Se nos preocupamos com o marco cultural na forma habitual dos idealizadores do artesanato, corremos o risco de criar fatores de rigidez na própria estrutura social. Isso não significa, evidentemente, que abandonemos aquelas formas de produção artesanal que estão vivas, isto é, que não esgotaram as suas possibilidades.

Conforme previsto no 1º Plano Diretor da SUDENE, foi criada, em 1962, a “Artesanato do

Nordeste S.A.” (ARTENE), sociedade de economia mista cujo objetivo era fomentar o

desenvolvimento do artesanato produzido no Nordeste, através da geração de renda para as

famílias que viviam da atividade, promovendo a criação de cooperativas locais, a divulgação

de seus produtos e a capacitação de artesãos.

A primeira etapa dos trabalhos da entidade foi orientada no sentido do agrupamento dos

artesãos em núcleos (cooperativas), eliminando assim as desvantagens do trabalho isolado,

174 Carta de Lina a Celso Furtado – 05/03/1964. In: SUZUKI, 2010, anexo VII. 

175 Resposta de Celso Furtado – 05/04/1964. In: SUZUKI, 2010, anexo VII. 

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bem como do esquema de intermediários, que vendiam os produtos no Centro-Sul (ou os

exportavam), retendo até 95% da renda obtida. A ARTENE trabalhava no sentido da

organização de preços mínimos e na facilidade de financiamento da atividade. Além disso,

promovia a capacitação dos artesãos em centros de treinamento e aprendizagem, além da

orientação técnico-comercial e da organização de exposições, no Centro-Sul, com o intuito

de testar a aceitação dos produtos nordestinos. Isso incluía a instalação de lojas em São

Paulo e no Rio de Janeiro, para a aquisição de artigos como redes, rendas, objetos de

madeira, palha e cerâmica 176.

Nesse sentido, a ARTENE, conforme observado posteriormente por Lina, não era uma

iniciativa romântica do Nordeste, mas “um frio plano de financiamento sem preocupações

estéticas” 177, que deveria desaparecer com o desenvolvimento e a elevação da renda. Ou

seja, uma tentativa de integração daquela região seguindo os preceitos da economia latino-

americana gestados naquela década – que diagnosticavam uma condição de

“subdesenvolvimento periférico” –, visando o estímulo à demanda interna, a substituição de

importações e o fortalecimento da economia local a partir da intervenção decisiva do Estado.

Na “base” daquele programa, continuava Lina,

[...] estava o levantamento das condições sócio-econômicas do povo Nordestino rural e semi-rural dedicado ao “artesanato”: rendeiras, ceramistas, funileiros, marceneiros, tecelões, etc... Desaparecido o corpo de sociólogos, antropólogos e economistas que se dedicaram àquela ação e pesquisa, a ARTENE subsistiu no Recife como lojinha de lembranças para turistas (BARDI, 1994, p. 62).

Com a crise política de 1964, as iniciativas da Bahia foram truncadas, retroagindo todo o

itinerário progressista encampado por intelectuais, estudantes, políticos, artistas, etc. em

torno das possibilidades estimuladas pelos ventos reformistas do início dos 60. De volta a

São Paulo, Lina passa a empreender sua crítica à nova realidade instaurada, e ao abandono

de um projeto formulado, não apenas como atualização do desenho industrial, mas como

modo de produção inovador visando articular também cultura e economia.

Lamentavelmente, naquele momento, conforme observou retrospectivamente a arquiteta,

“as opções culturais no campo do Desenho Industrial podiam ter sido outras, mais aderentes

176 Estímulo ao artesanato no Nordeste. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 10 fev. 1963. 6º Caderno, p. 2; 

Norte vende sua arte em  lojas do Sul. Correio da Manhã, Rio de  Janeiro, 9  fev. 1966. 1º Caderno, p. 10; 

Artesanato progride com ajuda oficial. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 9 jun. 1966. Caderno Especial do 

Nordeste, p. 15. 

177 “Testemunho Nordeste”. 

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às necessidades reais do país [...]. O Brasil tinha chegado num bívio. Escolheu a finesse.

(BARDI; FERRAZ, 1993, p. 210).

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À guisa de conclusão – capítulo 3

A racionalização da construção é um problema que sempre esteve presente, em maior ou

menor medida, nos debates envolvendo arquitetos, obras e projetos em nossa modernidade

recente. Com o advento da industrialização, a questão alimenta premissas de

desenvolvimento que, por um lado, sempre pareceram caminhar na direção de um sistema

que poderia, cada vez mais, produzir edifícios em série e com rapidez, e, por outro, libertar

o homem das tarefas mais penosas relacionadas ao processo em questão.

As vicissitudes dessa pretensão foram facilmente verificadas ao longo do período abordado,

e, mais ainda, após ele, na medida em que o setor da construção demonstrou não ter

interesses no desenvolvimento tecnológico em todas as escalas e setores logrando alcançar

aquele objetivo, ao mesmo tempo em que o trabalho braçal, e mesmo o “acéfalo” (segundo

a expressão de Sérgio Ferro), jamais cessou de existir no referido meio.

No caso da arquitetura brasileira, onde a linguagem moderna das edificações adquiriu

hegemonia a partir dos anos 50, com grande aceitação popular nos projetos urbanos, as

premissas de racionalidade construtiva estiveram atreladas àquele repertório, que parecia

ser o mais próximo a explorar as potencialidades plásticas advindas dos próprios

mecanismos construtivos – aproximando-se do âmbito da “produção” –, vinculando

modernismo, racionalidade e indústria, e disseminando o problema da produção dentre os

arquitetos de tendência moderna.

Assim, abordar a questão da industrialização da construção, especialmente aquela

direcionada à construção de habitações (grande carência alegada no período), era questão

ética a ser abordada no âmbito profissional, associada às premissas democratizantes

atreladas ao acesso universal à moradia, em pleno interregno 1945-65, no qual foram

elaboradas propostas, experimentações e protótipos que serviam de “guias” para a

discussão.

A presença efetiva de um debate que incluiu o olhar estrangeiro direcionado às realizações

da arquitetura brasileira até o início da década de 1950, por sua vez, foi fundamental para a

revisão das bases sobre as quais vinha se assentando a moderna arquitetura brasileira,

imbuindo-a de um olhar sobre as necessidades locais prementes, direcionando o olhar dos

arquitetos ao mesmo tempo em que se buscava integrar a disciplina no âmbito do

desenvolvimento industrial – ou seja, no interior de um processo mais amplo de

modernização que abrangia a economia e a política.

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O intercâmbio de ideias com a arquitetura europeia, que provocou grande impacto sobre os

arquitetos brasileiros, principalmente a partir de uma ótica “construtiva”, próxima do

racionalismo centro-europeu (Max Bill, Walter Gropius), marcou uma virada em direção à esta

reflexão, e, conforme observado por Artigas, em um país que se industrializava, ou seja,

acumulava capitais, infraestrutura, tecnologia e procurava produzir mercadorias em massa.

Não à toa, o olhar brasileiro com relação à produção de habitações em escala era dirigido

para exemplos de países que, ou passavam por um “estágio” semelhante de industrialização

(U.R.S.S., Polônia) ou encontravam-se arruinados pela guerra (França, Alemanha, Inglaterra).

Nesse ínterim, vários esforços foram empreendidos visando impulsionar o processo: criação

de normas técnicas, entidades, fábricas, novos cursos de arquitetura e desenho industrial. A

criação e construção da nova capital (Brasília) e a enorme quantidade de edifícios construídos

– seguindo preceitos racionalistas – poderiam ter servido de experimentação nesta direção,

mas a produção industrializada acabou sendo esboçada apenas na Universidade da capital

– empreendimento que foi frustrado em seus objetivos maiores com as novas determinações

do governo pós-64.

Apontando na direção da formação de uma demanda convincente quanto às possibilidades

de industrialização, o boom no setor da construção durante os cinquenta e sessenta

estimulou diversas iniciativas individuais incorporando aqueles preceitos. Estas partiram ora

de arquitetos, atuando na vanguarda da questão, ora de empresários e industriais, que viram

no cenário a possibilidade de criação de um mercado, agora tornado factível, que empolgava

uma economia em crescimento.

A modernidade ensaiada, no entanto, ao concretizar apenas parcialmente os seus objetivos,

não era capaz de eliminar os restos de arcaísmo que sempre caracterizaram nossa realidade

cultural e econômica. À modernização acelerada que se verificou, equivalia o avanço brutal

das forças produtivas, o que implicava um tipo de racionalização conflitiva com o meio

existente, tornando dúbias as possibilidades de emancipação associadas – ao menos no

plano do discurso – ao avanço técnico e à suposta partilha de seus frutos. Essa nova situação

constituiu um campo fértil para que se esboçassem propostas alternativas de racionalização

da construção – e do projeto –, tomando por base a realidade presente. E tais opções

tornavam-se tanto mais claras quanto o ambiente intelectual acionava conceitos como o do

“subdesenvolvimento periférico”, gestado nos anos 50 a partir de uma nova interpretação da

realidade brasileira e de sua inserção no sistema econômico mundial. Estas teorias

embasaram novas proposições e novos discursos, advogando a necessidade urgente de

“mudanças estruturais profundas” que necessitariam ser realizadas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta tese partiu de uma indagação acerca da crise política de 1964 e suas imbricações para

com o âmbito disciplinar e corporativo da arquitetura e do urbanismo brasileiros. Ao

aprofundarmos esta questão, veio o interesse em compreender o sentido da modernização

brasileira, e daí lançar outros questionamentos acerca da dinâmica capitalista local, o seu

aprofundamento, o “lugar” das cidades neste processo, e a postura dos arquitetos –

expressa através de variados canais de interlocução – sobre os problemas decorrentes e os

seus entrelaçamentos com a produção do edifício e da cidade, dos espaços urbanos e de

seu planejamento.

Este olhar nos conduziu a uma visada histórica no sentido de tentar compreender a gênese

da conjuntura que levou até a crise política dos anos 60. O interregno de 1945 a 1964 – e sua

“persistente” democracia – se mostrou, assim, como um hiato entre dois regimes

modernizadores e centralizadores (a Era Vargas e a Ditadura pós-64) que respondeu a um

conjunto de variáveis econômicas e políticas, estando ao mesmo tempo relacionadas com a

implantação de um desenvolvimentismo nacional e com as estratégias para a sua

legitimação, colocando o “povo”, a Nação e o “social” como elementos centrais nesse

processo.

A partir destas questões, pudemos verificar que a postura dos arquitetos, aqui compreendida

a partir de sua mobilização no âmbito disciplinar/corporativo dentro do período apontado, foi

a de pleitear possibilidades de atuação frente à sociedade através da defesa da “função

social do arquiteto”, que, por sua vez, viria a ser avaliada, posteriormente, a partir de um

impasse: o “problema social na arquitetura”. Assim, o tema-chave do 1º Congresso Brasileiro

de Arquitetos e o título do artigo redigido por Oscar Niemeyer uma década depois revelavam

uma persistente busca pela inserção dos arquitetos em um quadro social e profissional em

plena mudança. E este, à medida que se reconfigurava, colocava aos profissionais uma nova

gama de possibilidades de atuação, alterando o próprio entendimento sobre a tradição da

disciplina arquitetônica 178.

178 Sobre as transformações sofridas pela disciplina arquitetônica naquele momento, poderíamos nos remeter 

a  Foucault  (2008, p. 36), que observa  como os  termos que nomeiam determinadas disciplinas  têm o  seu 

significado alterado ao longo do tempo (ex.: “medicina”), ou mesmo quando se passa de um âmbito discursivo 

a outro (ex.: “loucura”): “O que é, então, a medicina, a gramática, a economia política? Será que não passam 

de  um  reagrupamento  retrospectivo  pelo  qual  as  ciências  contemporâneas  se  iludem  sobre  seu  próprio 

passado? São  formas que se  instauraram definitivamente e  se desenvolveram soberanamente através do 

tempo?  Encobrem  outras  unidades?  E  que  espécie  de  laços  reconhecer  validamente  entre  todos  esses 

enunciados que formam, de um modo ao mesmo tempo familiar e insistente, uma massa enigmática? [...] 

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Dito isto, a tentativa realizada, aqui, foi a de percorrer a trama da “função social do arquiteto”

e do “problema social na arquitetura”, ao longo do período referido, buscando nestes

enunciados o sentido de uma evolução do ofício num determinado cenário histórico, que se

iniciou na abertura democrática e culminou com a crise de 1964-65 179.

Arquitetura e planejamento

O processo de transformação da disciplina arquitetônica a que nos referimos reconfigurou o

seu lugar dentro da dinâmica econômica e cultural no contexto em questão: de um lado, a

crise – interna ao campo 180 – da figura vigente do arquiteto como intelectual, portador do

conhecimento técnico e da sensibilidade artística no desenho de edifícios excepcionais na

cidade (monumentos), para dar lugar a uma figura cada vez mais integrada ao trabalho

multidisciplinar, apto a enfrentar as novas tarefas de uma demanda urbana de massa, ao

mesmo tempo requerendo o planejamento técnico e sugerindo a possibilidade de um acesso

mais democrático, por parte da população em geral, às benesses do progresso; de outro, a

acelerada urbanização brasileira, como base de acumulação estruturalmente ligada à

dinâmica econômica, relegava a um plano posterior as possibilidades de um

desenvolvimento harmonioso das cidades e privilegiava a maximização dos lucros nas

atividades ligadas ao urbano, por parte de determinados setores. E isso se deu no momento

em que o urbanismo era questionado como disciplina na sua acepção tradicional, ou seja,

aquela que visava um ordenamento das atividades sociais e produtivas a partir da resolução

de seus problemas espaciais.

esse conjunto de enunciados está longe de se relacionar com um único objeto, formado de maneira definitiva, 

e de conservá‐lo indefinidamente como seu horizonte de idealidade inesgotável; o objeto [no caso, a loucura] 

que é colocado como seu correlato pelos enunciados médicos dos  séculos XVII ou XVIII não é  idêntico ao 

objeto que se delineia através das sentenças jurídicas ou das medidas policiais; da mesma forma, todos os 

objetos do discurso psicopatológico foram modificados desde Pinel ou Esquirol até Bleuler: não se trata das 

mesmas doenças, não se trata dos mesmos loucos.” 

179  Conforme observamos na  introdução desta  tese,  a  indefinição acerca dos  limites  temporais no biênio 

mencionado se deve ao fato de privilegiarmos a importância do fechamento das revistas de arquitetura em 

1965  sobre  o  evento  político  do  ano  anterior,  dando  uma  relevância  menor  ao  “tempo  rápido”  dos 

acontecimentos (no caso, o golpe de 1964). Cf. BRAUDEL, 1990. 

180 No sentido proposto por Bourdieu (1989), uma vez que tal “crise”, a princípio, surge articulada a disputas 

internas  ao  campo  dos  arquitetos,  partindo  dos  setores  mais  “progressistas”,  que  buscam  colocar  em 

discussão os dilemas com as quais a profissão se confronta, para então repensar o debate sobre a sua função 

junto ao público mais amplo. 

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No plano internacional, no que se refere ao debate arquitetônico, esse período corresponde

ao início da crise interna dos CIAM (Congrès Internationaux d’Architecture Moderne), e ao

crescimento do protagonismo da geração de arquitetos liderados pelo Team X – grupo dos

CIAM que seria encarregado da organização da 10ª e última edição dos Congressos, em

1956, integrado pelos arquitetos Peter e Alison Smithson, Aldo van Eyck, Jacob Bakema,

dentre outros –, que formularam a crítica à “velha guarda” e à geração de Le Corbusier, ao

resgatar dimensões da cidade tradicional – como “associação”, “comunidade” e

“identidade”, em oposição ao funcionalismo do urbanismo moderno (MONTANER, 2001, p.

28-34) –, fortemente informados por um viés antropológico. Como relatamos nesta tese,

mesmo o grupo de trabalho brasileiro ligado aos CIAM, nesse período, mostrou-se

desinteressado desta pauta, e a arquitetura brasileira pouco se incluiu no debate

(MUMFORD, 2005) 181. A constatação cada vez maior, no entanto, de que o futuro das

cidades não condizia com a ideia de sua reorganização a partir de cânones estritamente

funcionais comparecia, no caso brasileiro, como realidade inelutável, na medida em que a

urbanização dos grandes centros adquiria contornos cada vez mais caóticos. Isso

desconectava a disciplina urbanística da dinâmica de nascentes metrópoles como São

Paulo, que, via de regra, crescia à margem da lógica dos instrumentos de ordenação espacial

(ROLNIK, 1997). Conforme a observação precisa de Meyer (1991, p. 4),

Alcançando a condição de primeira metrópole brasileira exatamente no ano de 1954, quando comemorava o seu IV Centenário, São Paulo passou a apresentar atributos cuja abordagem tornou-se praticamente inacessível ao urbanismo paulistano. O conhecimento teórico acumulado e a experiência incorporada até aquele momento não forneciam ao urbanismo paulistano, e mesmo internacional, “capacidade” de agir de forma eficiente sobre o novo objeto que, guardando algumas “feições” do antigo, iludia a objetividade profissional.

Isso se deu no momento em que o equilíbrio entre rural e urbano era ultrapassado no Brasil,

revelando a força do novo setor hegemônico na política econômica brasileira – a burguesia

industrial. Essa correlação de forças, articulada aos interesses externos, mobilizou

estrategicamente a figura do Estado desenvolvimentista, propiciando a criação de novos

centros urbanos estruturalmente articulados à nova dinâmica. O primeiro entendimento era

o de que esses organismos, inevitavelmente fadados ao crescimento, deveriam possuir uma

lógica de circulação eficiente de pessoas, bens e serviços, o que levou, desde a incipiente

cidade industrial de fins do século XIX, à realização de obras viárias e de saneamento, e,

posteriormente, à elaboração de planos que assegurassem tal eficácia – caso dos projetos

181 Ver também a página 189 desta tese. 

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de Prestes Maia, para São Paulo – que, no entanto, mantiveram-se restritos à área central e

mais dinâmica da cidade, e também aos bairros habitados pelas camadas socais mais altas.

Curiosamente, à medida em que se tendia para um olhar mais amplo com relação aos

problemas urbanos, até que a existência destes também fosse reconhecida nas periferias e

nos subúrbios, o próprio crescimento desenfreado, mais veloz do que a discussão técnica,

redundava em descontrole urbanístico. Pode se dizer que a década de 1950 marca, assim,

não apenas a convergência de diversos aspectos da disciplina do Urbanismo para o

Planejamento (OSELLO, 1983), como também a separação, cada vez maior, entre rotina

técnica e ação política (FELDMAN, 2005, p. 284).

Arquitetura e Cultura Nacional

A “função social do arquiteto” indicava que o compromisso profissional e corporativo deveria

passar a ser pensado a partir de uma dimensão cada vez mais coletiva, articulada a um

projeto nacional. Em momento de forte nacionalismo, com a “questão do petróleo” e a

“eletrificação do país” em pauta, a arquitetura, em sua interface com as demais artes,

também vivenciou um dilema: o da construção de uma identidade nacional, avaliada agora a

partir de uma visada histórica e crítica com relação às realizações da arquitetura moderna no

Brasil. Os debates suscitados por ocasião do 4º CBA, em plena coincidência com o 4º

centenário de São Paulo, e carregados, portanto, de forte civismo e ânimo nacionalista,

sugeriram que a arquitetura brasileira realizada desde o projeto para o Ministério da

Educação (1936) fechava um ciclo de realizações, passíveis de serem reavaliadas agora a

partir da busca de um “caráter nacional”, e da descoberta de um genuíno “povo brasileiro”.

Este novo olhar vinha imbuído de uma sensação de crise com relação ao crescente

formalismo que se acercava perigosamente dos projetos arquitetônicos – sensação esta

potencializada pelo “episódio Max Bill”. Informados pelos debates na U.R.S.S. e buscando

se integrar ao projeto de desenvolvimento brasileiro, os arquitetos advogaram uma

arquitetura que não só realizasse uma aproximação entre o erudito e o popular, entre o

moderno e o tradicional, mas também “representasse” aquele desenvolvimento em curso no

país – caso de Vilanova Artigas (BUZZAR, 2005). Os temas debatidos no 4º e 5º CBAs, às

vésperas da inauguração de uma obra grandiosa como Brasília, davam a medida desta

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preocupação, que se articulava, nas “superestruturas”, a um processo de legitimação do

próprio Estado nacional, como sujeito condutor deste processo 182.

Ao questionamento, levantado pelos profissionais nos anos 1950, de qual seria poderia ser

de fato uma arquitetura genuinamente brasileira, revelou-se também o dilema da “formação”

do país (ARANTES; ARANTES, 1997), que já há algum tempo buscava a construção de uma

identidade – instrumentalizada para justificar a união e o desenvolvimento nacionais. A “arte

revolucionária”, “do povo”, e a “arquitetura popular” foram, nesse ínterim, termos ambíguos

que ora remetiam à hesitação quanto a um pastiche, olhado com desconfiança pelos

arquitetos de orientação moderna, ora se mostravam como impossíveis de serem

alcançados, em um país de tradições mestiças e importadas, e que ainda mal se reconhecia

como Nação.

A obra de Artigas, nesse sentido, revelava um rico intercâmbio entre seus pressupostos

programáticos e a sua poética projetual, constituindo um ponto singular com relação a estes

itinerários. Reverenciava, mas ao mesmo tempo se afastava, da obra de Niemeyer, obtendo

menos uma afinidade com uma arquitetura “comunicável” e icônica (GORELIK, 2005b) e

aproximando-se da erudição europeia do pós-guerra (de forma similar a Lina Bo Bardi),

elaborando uma arquitetura densa e de ásperos contrastes e significados; e contribuindo

para a criação de um solo no qual iriam brotar, no início da década de 1960, uma nova

sensibilidade cultural, altamente politizada, que viria a tomar corpo não só com a “Arquitetura

Nova”, mas também com o “Cinema Novo”, os CPCs (Centros Populares de Cultura) da UNE

(União Nacional dos Estudantes), dentre outras produções.

Técnica, tecnologia e a participação do usuário

A formação de um Brasil eminentemente urbano, que rapidamente se sobrepunha à realidade

circundante em cidades como São Paulo – que “não podia parar” –, aliada a um

desenvolvimento dinâmico e à pujança do início dos anos 50, tornaram visíveis os contrastes

entre arcaico e novo, cujo estranhamento ganhava contornos agudos à medida em que o

cenário de crise econômica se acercava ao fim da década, dado o cenário de inflação e

endividamento ao qual se chegou ao fim do governo JK. O imaginário daquela década, que

nos países centrais chegou a ser referida como “a idade do jato, década do detergente”

(BANHAM, 1975, p. 11), revelando uma era plena de otimismo tecnológico, produzia, no

Brasil, um misto de euforia e perplexidade, do qual as avaliações cautelosas sobre a

182 No sentido colocado por Chauí (1997) e Chauí e Franco (1985). 

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construção de Brasília, por exemplo, eram sinais evidentes 183. Estas determinações deram

espaço para uma variedade de propostas de racionalização e industrialização da construção

que adotaram premissas variadas, de acordo com cada avaliação quanto às condicionantes

técnicas e viabilidade de sua produção.

O objeto privilegiado da experimentação neste campo foi a habitação. Partindo do problema

do atendimento a uma demanda habitacional crescente, e à qual diretamente os problemas

urbanos estavam diretamente relacionados, arquitetos, engenheiros, empresários e outros

técnicos se empenharam em propor respostas ao se lançarem direta ou indiretamente no

mercado e na discussão técnica, elaborando projetos, protótipos, pequenas experiências

particulares e mesmo pensando a questão dentro do âmbito burocrático, consultivo ou

empresarial. Aqui, a construção de Brasília, por um lado, estimulou o florescimento de

empresas que viram na ocasião a possibilidade de formação de uma demanda efetiva, e, por

outro, colocou o dilema dos segmentos sociais que poderiam vir a ser efetivamente atendidos

por aquelas iniciativas.

A partir destes dilemas, pode-se dizer que os estudos de viabilidade sobre o emprego de

baixa tecnologia (low-tech) em um contexto de incipiente desenvolvimento material e grande

oferta de mão-de-obra, como no caso brasileiro, constituíram-se como como iniciativas de

relevo na análise do diálogo que se produziu entre cultura e técnica, economia e sociedade.

As ideias de Lina Bo Bardi – bem como outras propostas de interesse fora de São Paulo,

como o projeto em taipa de Acácio Gil Borsoi para Cajueiro Seco (Jaboatão dos

Guararapes/PE, 1963) –, além das propostas de Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo

Lefèvre constituíram-se como experimentos que não só recuperaram um sentido social para

a dimensão técnica do projeto, mas foram além, ao assumirem uma tarefa eminentemente

política – e incômoda, para uma profissão que lutava paulatinamente pela afirmação de seu

caráter liberal (FICHER, 2005; JULIANI, 2002) – de análise crítica do modo de produção

arquitetural.

Desdobramentos posteriores

183  Ver,  a  esse  respeito,  a  edição  especial  de Acrópole,  em  2  números,  sobre  Brasília,  de  jan./fev.  1960 

(números 256‐257). 

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A crise política dos anos 1960 foi, em realidade, uma ruptura já há muito ensaiada nas tramas

do poder castrense desde o fim da Segunda Guerra. Stepan (1975, p. 50) observa a

singularidade do fenômeno, ao apontar o caráter emergencial e transitório das intervenções

no Brasil em anos anteriores (1945, 1954, 1955 e 1961), assinalando a função mediadora –

ou, conforme o autor, o “padrão moderador” – dos militares, que, normalmente, se restringia

à “deposição do chefe do executivo e à transferência do poder a grupos civis alternativos”.

A intervenção de 31 de março de 1964, ao contrário, prolongou a permanência do regime

militar durante praticamente duas décadas.

Conforme observamos anteriormente, Fernandes (1976) já apontava o evento como sendo,

na verdade, a afirmação de um “aprofundamento” do capitalismo de tipo monopolista em

território nacional, uma lenta “revolução” que necessitava de reorganização da produção e

dos mercados, além de ações incisivas do Estado sobre o poder salarial e o custo de vida

da população. A modernização, portanto, era conservadora, o que frustrou os ânimos

revolucionários, e mesmo os reformistas, do pré-64.

No que tange à arquitetura e à produção da cidade brasileira, o episódio adquiriu conotações

perversas: de fato, com a força do novo governo, seria finalmente possível privilegiar uma

política de desenvolvimento que deslocasse as forças políticas “arcaicas” do poder, quando

se julgasse necessário, e a centralização econômica e decisória permitiria o preenchimento

das lacunas irracionais do sistema produtivo, otimizando processos, integrando setores e

alavancando os recursos necessários para que fossem realizadas reformas em escala

territorial. A visão técnica venceria o atraso, e o futuro poderia ser planejado. Serran (1976,

p. 13) relata, por exemplo, a apreensão com que o IAB observava o encaminhamento do

problema habitacional ser interrompido pelo movimento político de 64. No mesmo mês do

golpe, no entanto, o governo Castelo Branco já se empenhava em divulgar os firmes

propósitos do novo governo na resolução da questão, ao que o IAB imediatamente

respondeu enviando um telegrama ao presidente, “congratulando-se com a atitude e

colocando-se à disposição para participar de um tal esforço”.

A proposta governamental, no entanto, conflitava profundamente com o pensamento da

classe, o que levou os arquitetos a acompanharem com apreensão o desenrolar do processo

no legislativo, que afinal resultou na montagem de um sistema econômico-financeiro

encabeçado por um banco (o Banco Nacional da Habitação, BNH), e cujos propósitos com

relação às políticas habitacionais privilegiavam a produção de mercado, passando ao largo

de considerações urbanísticas que vinham sendo colocadas pelos profissionais do meio e

que haviam sido enfatizadas no Seminário de Habitação e Reforma Urbana, do ano anterior

(1963), por exemplo.

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A ruptura de 64 nos conduz a indagar, de fato, quais teriam sido as continuidades na vida

política e econômica nacional. No âmbito da arquitetura, Ferro (2006b, p. 23), ao analisar os

canteiros de obras de Brasília e o golpe, também apontou neste último a própria continuidade

de uma modernização conservadora em curso: “exagerando um pouco, passamos de uma

situação em que havia um assentimento largo para outra em que precisou de violência para

se afirmar – mas, em si, mudou pouco”. A coação política seria, na verdade, algo intrínseco

aos esforços de modernização, quando estes não podem mais operar pura e simplesmente

através do consentimento 184: “essa necessidade do polo autoritário, demandada pela

urgência do acúmulo de capitais foi o que levou a que a violência ainda disfarçável em

Brasília185 passasse a não poder mais ser escondida a partir da ditadura”.

O período de 1964-67 registrou o caráter dúbio da estratégia das elites. O Serviço Federal

de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), por exemplo, criado como órgão técnico

simultaneamente ao BNH, nasce esvaziado, mas é regulamentado em 1966 (SERRAN, 1976,

p. 14). Até 1967, havia o intuito inicial de que o banco pudesse, dentre outras coisas,

subsidiar a moradia principalmente para a população situada nas faixas mais baixas de renda

(3 a 5 salários mínimos por família). Após esse período, no entanto, o banco se orientou

definitivamente para o financiamento de novas habitações para as classes média e alta,

captando para isso recursos provenientes da contribuição compulsória dos salários (a partir

da criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, FGTS), em 1967 186, e da poupança

voluntária (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPE).

A política econômica do regime, seguindo a linha de investimentos e empréstimos

estrangeiros, ganhou contornos mais definidos a partir de 1967. A produção do BNH foi

finalmente impulsionada, tendo início também o grande volume de obras de infraestrutura e

saneamento financiados pelo banco. Bolaffi (1979) apontou neste direcionamento um

expediente utilizado para viabilizar a acumulação capitalista em altos índices, no lugar de um

empenho na resolução dos problemas sociais. A partir de 1968 a taxa anual de crescimento

da economia brasileira oscilava próxima dos 10%, caracterizando o “milagre (econômico)

brasileiro”, fenômeno que durou até 1973, fim de um grande ciclo de expansão da economia,

que culminou com a crise do petróleo e o pânico financeiro subsequente 187, e que repercutiu

negativamente sobre a economia local.

184 Ou seja, em termos gramscianos, passa‐se do consenso (direção política) para a coerção. 

185 O autor se refere aos canteiros de obras da meteórica construção da capital nova. 

186 O FGTS foi instituído pela Lei nº 5.107, de 13/9/66 e regulamentado pelo Decreto nº 59.820, de 20/12/66, 

entrando em vigor a partir de 1/1/67. 

187 Encerrando os “anos sessenta”, conforme a caracterização de Jameson (1991). 

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Nesse cenário, a industrialização nacional, completada parcialmente, se fez às expensas da

extração cada vez maior de mais-valia relativa e, principalmente, absoluta, tratando de todas

as formas manter em baixos patamares os custos da reprodução da força de trabalho, a

partir da repressão cada vez maior às reivindicações sociais e trabalhistas. O ano de 1968

evidenciou a força do conservadorismo institucional (com a promulgação do AI-5 188),

afastando as estratégias que anteriormente se encontravam sob debate com vistas a um

projeto de modernização minimamente reformista e de caráter redistributivo. O “milagre” era

operacionalizado, assim, sob a mão forte do governo, com vistas ao crescimento de uma

“torta” ou “bolo” que, dizia-se, no futuro, seria repartida – mas não foi.

No âmbito da linguagem arquitetônica, com relação ao desenvolvimento formal, técnico e

programático dos edifícios e à sua relação com o urbano, Segawa (1998) apontou o

“açambarcamento de uma vanguarda”, e a ausência de uma reflexão sobre a cultura

arquitetônica, agora destituída de seus melhores interlocutores na profissão, que se

encontravam afastados, vigiados, punidos, aposentados compulsoriamente pelo regime 189.

O cerceamento do debate e o cenário de radicalização política por volta de 1968-69

resultaram na intransigência e no confronto de posições extremadas. As posturas intelectuais

de dois arquitetos eloquentes, como Vilanova Artigas e Sérgio Ferro, por exemplo, foram

tomadas como bandeiras de defesa da autonomia disciplinar a partir do desenho

arquitetônico contra o não-projeto, isto é, a recusa de atuar profissionalmente dentro das

condições políticas vigentes no momento. Conforme o depoimento de Martins (2003, p. 17-

18),

A turma da FAU-USP na qual ingressei em 1970 encontrou uma escola desorientada e dividida. Digo desorientada devido à ausência de Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha e Jon Maitrejean, professores que a truculência militar e a subserviência da burocracia universitária haviam “aposentado” em 1969. E dividida porque encontrava-se tão entusiástica e militante quanto maniqueísta, entre “artiguistas” e “ferristas”.

Um tom mais melancólico e combativo seria ainda encontrado na fala de Rodrigo Lefèvre: “A

‘agressão’ deve ser mais contundente, exigindo uma substituição do lápis” (LEFÈVRE, 1971).

Estes desdobramentos foram concomitantes com um clima de efervescência política e social

em várias partes do globo, não se restringindo unicamente ao cenário local. Historicamente,

o fim dos anos 60 constitui um momento de crise institucional de largo espectro,

emblematizado nos dramáticos eventos do Maio de 68 francês, nos protestos contra a Guerra

188 Promulgado em 13/12/1968. 

189 Ver mais detalhes nas entrevistas de Sérgio Ferro, Paulo Mendes da Rocha e Jon Maitrejean anexas. 

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do Vietnã, na emergência dos movimentos de defesa das minorias sociais, e várias outras

reivindicações e revoltas ao redor do mundo.

O “problema social” como problema

A trajetória do “problema social”, como mote abordado nesta pesquisa, foi concomitante a

um período peculiar da modernização brasileira, como elaboração de um discurso que visou

problematizar e mesmo legitimar a efetivação daquele processo. Esse discurso esteve

relacionado a um período no qual a arquitetura moderna foi amplamente difundida, debatida

e criticada no Brasil, resultando, por uma via de mão dupla, em uma reconfiguração do

ambiente urbano que se processou velozmente; e transformando, em definitivo, nossa

paisagem habitada, cuja população estava em vias de se tornar majoritariamente urbana.

Goldhagen (2005) observou a forma como o discurso, a partir de uma postura “ético-social”,

se configurou como elemento fundamental, que caracterizou o diálogo entre arquitetura

moderna e sociedade, com vistas à antecipação de um mundo melhor. Isso se deu a partir

da convicção, por parte dos arquitetos, de que “mudar o ambiente construído constituía um

ato social e político significativo no mundo moderno”. De fato, o debate sobre as questões

sociais esteve inevitavelmente atrelado à modernidade arquitetônica, que viu no

desenvolvimento tecnológico e na revolução produtiva um sentido positivo de

democratização do acesso às benesses do progresso. Embora a tarefa de precisar, aqui,

quais das propostas abordadas nesta tese configuravam formas efetivas de resolução de

problemas concretos – com vistas a “um mundo melhor” – possa se tornar incógnita, é

possível reconhecer em seu bojo o empenho profissional e “ético-social” que se fez circular,

no campo e fora dele.

Em pleno processo de transformação da profissão, os arquitetos recorreram a estratégias

discursivas que incorporaram elementos tradicionalmente externos à disciplina – tais como

aqueles advindos da sociologia, antropologia, artes plásticas, engenharia, economia, etc. –,

propondo formas de atuação ampla perante os problemas constatados. Pode-se dizer que

isso se deu como uma espécie de autodefesa quanto às mudanças internas e externas que

se processavam no ofício. A arquitetura, como ciência social aplicada, evidentemente não

deixaria de existir, mas seria reconfigurada por uma nova forma de inserção no mercado

capitalista, que afastava – ao menos com relação ao urbano – a figura do arquiteto daquela

do intelectual de “vanguarda”, segundo Durand (1974, p. 3), tradicionalmente visto como

“profissional ‘extravagante’, mais próximo da figura melindrosa e irrequieta do artista do que

do conformismo do técnico”. Essa noção, anteriormente vigente, estaria atrelada a um

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período de divisão do trabalho e especialização tecnológica ainda incipientes, no qual o

artista ou o arquiteto, assim como os intelectuais, ocupavam uma posição social privilegiada.

Em meio às transformações da economia de mercado, esse papel foi reconfigurado,

requerendo uma multidisciplinaridade e uma relação hierárquica mais “lateral”, ainda não tão

familiar à profissão; e pior, delegando os destinos das questões urbanas aos interesses do

mesmo mercado e do jogo de poder político. É curioso como, via de regra, os arquitetos se

posicionaram negativamente quanto às novas formas de divisão do trabalho que

reordenavam a sua posição perante a sociedade, sem, no entanto, ater-se ao

questionamento desta mesma divisão de trabalho quanto ao espectro social mais amplo,

como, por exemplo, com relação ao canteiro de obras (JULIANI, 2002) – com exceção de

Sérgio Ferro, o “suicida do métier” 190.

Enfim, a aproximação dos arquitetos aos problemas sociais foi concomitante à afirmação do

arquiteto como profissional liberal, afastando aquela figura que se aproximava à do

intelectual culto e dirigente, insubmisso às leis do mercado. Ao analisar o lugar social dos

intelectuais, Löwy (1979, p. 6) aponta que estes, assim como os “escritores, poetas, artistas,

teólogos, sábios etc., vivem em um universo regido por valores qualitativos: o vivo e o morto,

o belo e o feio, o certo e o errado, o bem e o mal, o justo e o injusto, etc.”. Tomando os

proponentes aqui elencados, e buscando compreendê-los a partir dessa assertiva,

poderíamos dizer que os mesmos compartilhavam um repúdio à adesão irrefletida ao

universo regido pelo valor de troca, típico da modernização acelerada. Os intelectuais,

segundo Löwy, privilegiam os valores qualitativos sobre os quantitativos, e defendem um

conjunto de atitudes consideradas “éticas” e/ou “estéticas” com relação à primazia do

dinheiro. Desta forma,

O intelectual tende a resistir a esta ameaça que visa constantemente transformar todo bem material ou cultural, todo sentimento, todo princípio moral, toda emoção estética em uma mercadoria, em uma “coisa” trazida ao mercado e vendida por seu justo preço. À medida em que ele resiste, não pode senão se tornar instintivamente, visceralmente anticapitalista. (LÖWY, 1979, p. 6)

“A função social do arquiteto”, tema-chave do 1º Congresso Brasileiro de Arquitetos,

realizado em São Paulo em 1945, no qual tiveram ampla participação Vilanova Artigas e

Eduardo Kneese de Mello, respectivamente 1º secretário e presidente do IAB/SP naquela

ocasião, foi o título escolhido para a prova didática que reintegraria Artigas à FAUUSP em

1984 (ou seja, quatro décadas depois), após a sua cassação pelos militares, com Kneese de

Mello presidindo a banca avaliadora. Fortuita a avaliação retrospectiva de Artigas naquele

190  Expressão  do  próprio  Sérgio  Ferro,  em  fala  aos  estudantes  na  FAUUSP,  fev.  2002.  Citado  em:  FERRO; 

ARANTES, 2006, p. 9). 

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momento, apontando que “nas condições do capitalismo brasileiro, perverso tal como é, nós,

arquitetos, guardamos como responsabilidade social o direito de pensar utopicamente em

face dessa realidade que nos é perversa e nos proíbe de ser consentâneos com a aplicação

objetiva das necessidades sociais que dela resultam” (ARTIGAS; LIRA, 2004, p. 188).

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AD – Arquitetura e Decoração (São Paulo).

Arquitectura e construcções (São Paulo).

Arquitetura: revista do Instituto dos Arquitetos do Brasil (Rio de Janeiro).

Arte em revista (São Paulo).

Bem Estar: urbanismo – habitação (São Paulo).

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Caramelo (São Paulo).

Desenho (São Paulo).

Estudos Cebrap (São Paulo).

Fundamentos (São Paulo).

Habitat (São Paulo)

Malasartes (Rio de Janeiro).

Módulo (Rio de Janeiro).

Novos Estudos Cebrap (São Paulo).

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ANEXOS

Entrevistas realizadas

1. Arquiteto Sérgio Ferro (São Carlos, 02 out. 2012)

2. Arquiteto Paulo Mendes da Rocha (São Paulo, 10 de janeiro de 2013)

3. Arquiteto Jon Maitrejean (São Paulo, 27 de fevereiro de 2013)

4. Arquiteto Alberto Botti (São Paulo, 16 de maio de 2013)

5. Arquitetos Marcos Konder Netto e Alfredo Britto (Rio de Janeiro, 9 de maio de 2014)

Textos selecionados de periódicos

6. Revista Acrópole

7. Revista Habitat: Arquitetura e Artes no Brasil

8. Revista Bem Estar: Habitação – Urbanismo

Outros

9. Cronologia de interesse

10. Temários dos Congressos Brasileiros de Arquitetos (1945-1957)

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ENTREVISTA COM SÉRGIO FERRO

Rodrigo Kamimura

02 de outubro de 2012 – Hotel Anacã, São Carlos/SP

Rodrigo Kamimura: Para começar, eu queria saber se você poderia comentar um pouco sobre

a atmosfera intelectual e o clima político, especialmente entre os anos de 60 e 64, quer dizer,

entre Brasília e o golpe, tentando relacionar um pouco essa questão que não é muito abordada

na história da arquitetura, com relação à história política...

Sérgio Ferro: Eu quero começar com uma sugestão bibliográfica: o Roberto Schwarz tem um

artigo excelente sobre esse período cultural, eu acho que vale a pena você recorrer a ele, é a

melhor síntese que eu conheço desse período...

RK: É o “Cultura e política, 1964-1969”?

SF: É, isso. Acho que é um bom apanhado, uma boa síntese e, em particular, acho bastante

interessante a oposição que ele faz entre, a partir de 64, a presença da ditadura e a presença

política da direita que é estranhamente contemporânea a uma quase hegemonia total do

pensamento de esquerda (intelectuais, revistas, universidade, etc.). Um contrabalanço muito

estranho, raro, e eu acho que pesa bastante no que acontece nesses anos. Entretanto, no

período que você pediu para eu falar, um pouco anterior a isso, já que vai de 60 a 64... nos

anos 60, pelo que me lembro, havia uma grande mobilização social na esquerda. Desde os

CPCs, o movimento estudantil, as publicações, a quase que euforia do Partido Comunista, que

dizia “nós estamos quase no poder”..., e isso acompanhado ainda pelas medidas populares, de

abertura, do Jango, que não chegaram a ser concretizadas, mas alimentavam... O debate

arquitetônico, mais do que nunca, nesse período, naquela quase que palavra de ordem do

[João Batista Vilanova] Artigas, sobre a produção social do arquiteto, imperava. Nosso debates

raramente se localizavam na produção da arquitetura burguesa, na casinha do burguês mas,

acho que a problemática social era a da habitação popular e dos equipamentos sociais de base

para a população: escolas, hospitais, creches, etc. Isso não só como finalidade da arquitetura

mas, em um debate voltando-se aos meios: quais os meios adequados para que se pudesse

começar a atender essas necessidades, o que todos nós acreditávamos que seria uma

reivindicação social próxima. Nos dividíamos muito, achávamos que estava chegando a época,

nesse mesmo período, em que essas reivindicações, essas necessidades, deveriam começar a

ser atendidas. Era uma grande discussão nesse âmbito. Dentro disso várias posições, no campo

da arquitetura, se apresentam, com propostas bastante diferentes. Eu tenho mais lucidez, no

meu caso, a propósito das propostas do Artigas e as nossas, que eram, se bem que visassem o

mesmo fim, eram mais ou menos contraditórias. O Artigas, bem dentro da linha do PC da

época, e de um certo tipo de marxismo, que era o marxismo do PC, acreditava que a “missão”,

no momento, era a de pedir sobretudo, um cuidado muito grande a propósito da evolução das

forças produtivas: certos aspectos da construção, da ciência da construção, dos métodos, da

elaboração de projeto para chegar a isso, etc. Nós, ao contrário, estou falando da Arquitetura

Nova, Rodrigo Lefèvre, Flávio Império e eu – em um grupo que não se limitava a isso, havia um

número maior [de pessoas]... esses ficaram mais marcados na história da arquitetura –

achávamos que, ao contrário, o momento seria o momento de cuidar das relações de

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produção. Não seria possível, a nosso ver, pretender atender as necessidades populares, dos

mais carentes, e ao mesmo tempo, fazer com que essa resposta passasse pela exploração dos

mesmos personagens, dos mesmos carentes...

RK: É a própria dialética do Marx, relações e forças de produção, na base [econômica]...

SF: Exatamente. Como pedir, ao operário da construção civil [que] se dedicasse à solução e às

questões dos problemas da habitação popular sendo ele mesmo um explorado para resolver

essas questões. Isso parecia totalmente absurdo. Para nós, o grande revelador dessa

contradição foi Brasília. Brasília, um sonho, um discurso de união nacional, de síntese da

nação, quase que de harmonização das classes sociais, etc., propostas que apareciam no

desenho do Oscar [Niemeyer], que eram propostas, por exemplo, dele, de não diferenciar a

habitação do operário da habitação do técnico, tendo essa perspectiva de uma outra

sociedade como se nós estivéssemos já lá. No desenho, a proposta é perfeita, não há nada a

dizer contra. Entretanto, quando se chega na hora do canteiro, na execução dessas

propostas... os canteiros de Brasília eram extremamente bárbaros, extremamente violentos.

Você deve conhecer artigos, filmes, de hoje em dia, sobre os canteiros de obras de Brasília

nesse período. Então nossa proposta era, nesse momento, atacar, discutir, tentar modificar as

relações de produção para atender essas necessidades. Eu vejo fundamentalmente essas duas

posições. Praticamente não existia nenhuma posição importante reacionária. “Não... não

queremos atender a esse problema...”; ou, pelo menos, elas se calavam. A discussão pública, a

discussão evidente, era praticamente unânime no sentido de: “estamos indo na direção do

atendimento de uma outra população até agora excluída. Quais são os meios? Quais são as

condições? Como a gente vai fazer?” Basicamente eu acho que as duas posições fundamentais

eram essas.

RK: Essas posições estavam informadas pelo debate dentro do PCB, ou não?

SF: Não. Dentro do Partido Comunista reinava, de maneira bem ortodoxa, a linha tradicional

do partido. Desenvolvimento das forças produtivas, desenvolvimento dos maquinários,

materiais, das técnicas de produção, etc.

RK: Há aquela famosa Declaração de Março de 58, onde o PCB dá uma “guinada”, em relação

ao Manifesto de Agosto de 50, que tinha mais a ver com a tônica dos textos do Artigas de

1951, 1952, a crítica ao imperialismo, etc. e, em 58, me parece que o PCB já reconhece na

própria burguesia brasileira um componente progressista na medida em que poderia fazer

avançar as forças produtivas. Isso, entre os arquitetos, nesse período, não tinha essa relação

dentro do Partido, ou nos escritórios [de arquitetura]?

SF: Essa abertura à burguesia que aparece no partido nesse momento, achando que a

burguesia nacional poderia ter dentro do Brasil um papel revolucionário transformador, é bem

típica desse momento. O que causou até, depois, uma posição bastante incômoda para o

próprio Partido Comunista. Com a burguesia tendo reagido à pressão social de esquerda com o

golpe, mas, ao mesmo tempo, favorecendo a evolução da tecnologia, o Partido Comunista

ficou numa situação dificílima: por um lado não podia atacar o golpe, porque era um golpe, do

ponto de vista tecnológico, e do ponto de vista da aliança com a burguesia, progressista,

segundo a visão do Partido Comunista. Mas, ao mesmo tempo, esse golpe representou

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repressão, para o próprio partido. Inclusive, o próprio Artigas, foi um dos primeiros a serem

atacados duramente pelo golpe. Antes do período pesado da repressão, logo no comecinho do

golpe, houve um período de repressão mais “tênue”: inquéritos... dentro da escola de

arquitetura havia um tribunal militar instalado, e vários professores eram chamados para ouvir

o debate e, o Artigas, como era militante, reafirmou a posição do partido, e teve que sair de lá

preso... teve que sair, foi para o Uruguai. Os outros, como eu, mentiam: dizer a verdade para

militar, de jeito nenhum. Mas fomos chamados, para depor, etc., etc.

RK: Era confusa, a situação pós 1º de abril [de 1964]?

SF: Muito confusa, muito difícil.

RK: Porque, nas revistas, eu vejo que na Módulo, na Acrópole, na Arquitetura, do IAB, não há

menção nenhuma ao golpe, isso não aparece, como se a gente continuasse... Pelo contrário, as

discussões, sobre a questão do planejamento, centralização do planejamento, parecia mesmo

um avanço...

SF: Exatamente! Isso criou dois vetores completamente opostos dentro do PC: como conciliar

essa adesão no nível da programação econômica geral e, ao mesmo tempo, como aceitar a

repressão violenta, feia, que estava sendo feita na “casa” do próprio partido. Foi um período

muito difícil para o partido e foi a partir daí, desse momento mesmo, que começaram a

aparecer as várias cisões, dentro do Partido Comunista: o PCdoB, o grupo do Marighella um

pouco mais tarde, POLOP, todos. O antigo “Partidão” se esfacelou. Exatamente por causa

dessa contradição e das diferentes respostas diante dessa contradição. Mas não havia,

publicamente, aliás, raramente [havia] uma explicitação clara, uma discussão aberta, pública.

Mesmo porque, se se começasse a discutir isso publicamente a polícia viria em cima...

RK: Sérgio, e o ambiente estudantil pós-64 na FAU?

SF: Aí entra em cheio a análise do Roberto [Schwarz]. O movimento estudantil, e muitos outros

movimentos em torno da mocidade, o CPC, eram de esquerda... houve mesmo uma

radicalização da esquerda nesse período. Apareceu, logo, no movimento estudantil, um

pequeno grupo minoritário, de direita, o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), e coisas do

gênero. Mas eram elementos marginalizados, localizados. Isso provocou algumas brigas

violentas, principalmente entre a [Faculdade de] Filosofia e o Mackenzie, o que chegou a briga

de rua, teve invasão, tumulto, etc.

RK: Era mais a Filosofia da USP e o Mackenzie?

SF: Eles estavam [fisicamente] um na frente do outro, então... O Mackenzie sempre foi uma

escola paga, portanto um pouco mais de direita, enfim. E, do outro lado da rua, o núcleo do

pensamento contestatório... Seria inevitável que no meio da rua desse briga. Não só por

razões filosóficas, teóricas e políticas, mas por estarem frente a frente mesmo!

RK: E a FAU?

SF: A FAU era uma aliada natural da Filosofia, com vários professores comuns – se não me

engano o Juarez [Brandão Lopes], o [Gabriel] Bolaffi, e outros que não me lembro... e eu, que

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tinha um grande contato com a Filosofia através do Roberto [Schwarz], do Ruy Fausto, do Éder

Sader, começamos a pensar, a fazer seminários em comum, tínhamos revistas em comum...

RK: A “Teoria e Prática” era uma revista da Filosofia?

SF: Era nossa, comum. No começo eu era o diretor, nos dois primeiros números. Depois, como

eu comecei a ficar muito “procurado”, passou pro Ruy.

RK: Mas era da Filosofia, e não da Arquitetura, a revista?

SF: E nem da Filosofia. Teve fase na qual colaboravam gente de esquerda, mas tinha gente de

muitos... O grupo dominante era da filosofia, o Éder acho que é da filosofia nesse período, não

me lembro bem; mas o Ruy era, o Roberto era, e eu [era] da FAU, mas havia vários outros

professores que não eram do corpo “oficial” da Filosofia.

RK: [A revista] era independente? Como era publicada? Como era feita?

SF: Era um grupo independente. A gente arranjava meios através da contribuição de aliados,

evidentemente não pagávamos o artigo, eram de militantes. Mais dentro da filosofia do que

da arquitetura, Teoria e Prática era uma espécie de revista de intelectuais mais ou menos

envolvidos com a resistência ao golpe. Envolvidos em organizações mais violentas, como eu,

ou com organizações menos resistentes. Mas todo o pessoal fazia parte, direta ou

indiretamente, dos grupos de resistência ao golpe naquele momento. Isso eu acho que

caracteriza mais do que “filosofia” ou “arquitetura”. A característica maior é política e não de

profissão.

RK: Eu queria saber o que você poderia comentar sobre a atuação dos profissionais, dos

arquitetos, etc., junto às instituições e órgãos de classe – os “aparelhos privados de

hegemonia”. Ou seja, nesse caso, dentro do IAB, do CREA, dos sindicatos, da UIA. Como era? Os

arquitetos chegavam a discutir questões “críticas” dentro da “sociedade civil”? Ou isso não

chegava? (tem um pouco a ver com aquela confusão sobre a qual a gente falou, se o golpe era

progressista, se não era, etc.)

SF: O CREA, no meu tempo, era um órgão muito técnico. Diploma, validade do diploma, pode

exercer, não pode exercer, etc. Eu não me lembro de grandes debates mais “profundos” do

CREA naquele período. Era visto como um órgão principalmente técnico: da burocracia, do

“métier”, diploma, ensino, escola... Eu não me lembro se o Sindicatos dos Arquitetos foi

formado nesse período, não me lembro mais a data. O Sindicato dos Arquitetos

evidentemente discutia “politicamente”, mas bem dentro de uma ótica sindical: defesa dos

profissionais, sobretudo dos empregados de escritórios de arquitetura e empregados de

organismos públicos, tinha uma atividade bem sindical, bem específica. Evidentemente, como

em todo sindicalismo, toda organização sindical, a discussão estava presente. Mas em função

da luta sindical. O IAB, ao contrário, naquele período era um órgão de discussão bastante

aberto. As questões de urbanismo, de arquitetura, nacionais, eram amplamente discutidas. Lá

dentro do IAB, onde existiam grupos de posições políticas bastante diferentes. Ocorre que no

IAB, por exemplo – onde já havia profissionais instalados, de uma certa idade, digamos –, o

pensamento de direita, ou pelo menos, “burguês quieto”, tinha já um peso bem maior que nas

escolas de arquitetura, bem maior que dentro do movimento estudantil. As discussões,

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portanto, no IAB, eram mais abertas. Não era uma discussão dentro da esquerda, mais era

uma discussão mais aberta, em que a esquerda discutia posições políticas e sociais contrárias

às vezes; sendo que, assim mesmo, a posição da esquerda e a presença da esquerda eram

absolutamente dominantes. O pessoal, digamos, entre aspas, da “reação” – a palavra não é

boa – tinha uma certa dificuldade em se fazer ouvir, bem grande. Um pouco mais tarde, não

me lembro em que ano, houve uma mudança na direção do IAB: passou, digamos, grosso

modo, da mão dos aliados diretos e indiretos do Artigas, para os aliados do [Alberto] Botti... o

Botti e o grupo dele, quando conseguiram vencer, por voto, foi um trauma, um escândalo,

ninguém compreendia direito como havia sido possível aquela inversão. Nesse clima político o

que precisa ser sentido é que, se publicamente a esquerda era dominante, como diz o

Roberto, tinha a hegemonia pública do debate, a reação muda é enorme, gigantesca. Os que

aderiam ao golpe eram bastante numerosos. Mas muitos, a maioria, talvez, reagindo contra a

violência extensiva e grande dos golpistas, se calavam. Mas na hora de um voto secreto, isso

podia aparecer.

RK: Isso parece ser recorrente, não é? Na história, em geral, no confronto esquerda/direita,

parece que a esquerda sempre tem uma capacidade de articular produção cultural, textual,

etc. Mas existe uma reação “subreptícia”, que parece nem estar lá...

SF: Parece que não está lá e não existe. Mas na hora do voto secreto, em que não precisa

haver declaração pública, ela aparece, e bastante em evidência. Isso que você disse, “a

esquerda sempre tem uma capacidade de articular...”, curiosamente, acho que está

desaparecendo agora. Por aqui não sei, porque conheço muito pouco, mas na Europa a direita

já começa a perder completamente o pudor de se mostrar “de direita”. Cada vez mais, na

Europa, a vida cultural é dirigida por uma “centro-direita” – quanto mais amorfo for, melhor é;

ela se autodefine pouco, define mais seus inimigos do que ela mesma. Mas está tomando um

vulto muito grande. Essa hegemonia da esquerda na vida cultural, que vinha um pouco desde

o começo do século XIX – pelo menos fora dos Estados Unidos – até os anos 60, 70, por aí,

agora, em 90, se inverteu.

RK: Você chegou a ser assessor do [Ciccillo] Matarazzo? No MAM [Museu de Arte Moderna de

São Paulo]?

SF: Na Bienal.

RK: Você poderia comentar um pouco sobre isso?

SF: Aí há dois aspectos – onde um é completamente secundário. Como eu era um militante da

resistência armada, era muito importante, para mim, ter uma aparência inversa. Nesse

período me vestia bem à beça, “elegantérrimo”, aquela coisa toda, e aparecia muito na vida

cultural paulistana nesses lugares: Museu de Arte, em dia de inauguração de exposição, na

Bienal, etc., o que para mim era uma cobertura excelente. O [Sérgio Paranhos] Fleury 1 teve

uma grande dificuldade em me localizar. Ele sabia o meu nome, chegou a prender outros

“Sérgios Ferros”, mas tinha dificuldade em dizer: “aquele menininho burguesinho, com

gravatinha, ‘elegantinho’, penteadinho, etc., um ‘burguesão’, não casa com o outro...”. Passei

1 Delegado do DOPS.

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mais de um ano assim. Mas isso é secundário. Eu também participava da Bienal porque

sempre fui pintor, era pintor antes de ser arquiteto, e me interessava, a Bienal,

profundamente. Um lugar em que a arte contemporânea, a arte moderna, naquele tempo

estava sendo tratada. O Ciccillo me tomava como conselheiro pessoal dele. O Ciccillo, sujeito

simpaticíssimo, burguês, maduro, naquele jeito dele... mas boa gente, aberto, nada rigoroso

nas escolhas dele, bem aberto. Não muito “brilhante”, mas com poder econômico e social para

criar a Bienal. Ele e a D. Yolanda [Penteado] foram capazes de criar tudo, só eles, com os

contatos sociais, os contatos com o governo... E eu era um pouco conselheiro íntimo dele.

Sentava do lado dele e cada vez que falava em um pintor, em um artista, um movimento, ele:

“o que é questo?”, e eu explicava um pouquinho na orelha dele o que era, o que não era, e, no

fim, a pergunta era sempre assim: “è buono?”, aí eu dizia “sim”, “não”, e por isso, inclusive, em

1970 eu viajei para a Europa pela primeira vez como representante para organizar a Bienal lá,

visitei todas as capitais. Mas, ao mesmo tempo, eu era amicíssimo do [Pietro Maria] Bardi, que

era “inimigo” do Ciccillo, mas eu circulava nos dois âmbitos. Ele também tem um peso

intelectual bastante grande através do MASP.

RK: Você acha que a partir dessa matriz teórica e prática que você, o Rodrigo e o Flávio

mobilizaram a partir dos anos 60, dessa preocupação em relação à produção do edifício, dá

para extrapolar estas questões em direção à dimensão urbana, envolvendo questões como

adensamento, zoneamento, ou seja, essas preocupações, da produção do edifício e das

relações de produção no canteiro, vocês chegaram a pensar isso em relação à cidade?

SF: Não. O Rodrigo começou esse trabalho, só ele desenvolveu mais, no período em que eu

não estava aqui. Entre, digamos, 70 e... quando eu voltei, quando pude voltar ao Brasil, em 77,

ele já tinha avançado bastante nisso. Em 77, quando houve uma reunião da SBPC [Sociedade

Brasileira para o Progresso da Ciência], foi a primeira ocasião em que eu pude voltar ao Brasil,

e lá fiz uma primeira conferência; houve um debate na FAU, logo em seguida, com o Rodrigo, o

Paul Singer, e eu. Lá o Rodrigo apresentou, eu não sei se existe documento disso, um trabalho

que ele já vinha propondo a tempo, a propósito da renda da terra, da relação urbana...

RK: Há um livro da Ermínia Maricato 2, de 1979, em que ela reuniu cinco textos... tem o texto

do Rodrigo no qual ele fala da renda da terra, renda diferencial I e II...

SF: Isso, isso. Agora, em termos mais gerais, eu acho que vale perfeitamente... quando a gente

fala da preocupação com o canteiro, da preocupação com a produção, isso leva quase que

imediatamente a uma questão quase que exclusivamente técnica. Tem uma dimensão técnica,

mas o fundamental é exatamente o trabalho no nível das relações de produção: como ouvir o

produtor, levar em consideração o que ele diz, como ouvir a todos, tentar elaborar uma

síntese da posição de todos, respeitar o “saber fazer” de cada um... Eu acho que, nesse nível,

2 O texto de Rodrigo Lefèvre intitula-se “Notas sobre o papel dos preços de terrenos em negócios

imbiliários de apartamentos e escritórios, na cidade de São Paulo”. Trata-se de trabalho apresentado na

30ª Reunião Anual da SBPC, na mesa redonda “O papel da renda da terra no padrão de crescimento das

grandes metrópoles”, da qual também participaram Paul Singer e Gabriel Bolaffi, além de Ferro e

Lefèvre. Foi apresentado logo após em um seminário aberto promovido pela Fundação do

Desenvolvimento Administrativo (FUNDAP), em novembro de 1978. Cf. MARICATO, 1979.

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no nível das relações de produção, no caso, relações de produção de projeto, relação de

produção de políticas públicas, eu acho que a mesma crítica vale, perfeitamente.

RK: Uma pergunta “cabeluda”: depois de uma mudança radical nas relações de produção,

como uma arquitetura pode continuar a ser crítica, dentro do novo sistema instaurado?

SF: A propósito dessa arquitetura do “depois”... nós tínhamos, o Rodrigo, o Flávio e eu uma

posição da qual o Artigas não gostava muito, que é a seguinte: suponhamos que haja uma

revolução, uma transformação: “bum!”, mudou. É pouquíssimo provável que tenha havido,

nesse período, uma evolução das forças produtivas e das técnicas de produção. Ao contrário: é

bem possível, e bem provável, que muita coisa tenha sido destruída, não é? É possível que a

situação que a gente encontra depois, no nível da produção, seja pior, depois de uma

revolução, de uma grande transformação. É bem possível, bem provável, que as condições

materiais essenciais de produção estejam em condições piores daquela que nós encontramos

hoje. No nível mais simples... máquinas vão ser destruídas, certos produtos não vão estar

sendo produzidos, o sistema de água, o sistema de esgoto, estarão arrebentados... mas nunca

poderíamos supor que as forças produtivas estariam milagrosamente mais avançadas. Daí

nossa posição em olhar a manufatura da construção hoje com muito cuidado. Depois que

acabar toda essa “zorra”, digamos, numa situação em que a gente possa realmente instalar

relações outras de produção, o aparelhamento técnico e o modo de produzir vão ser os

mesmos: nossa velha manufatura, o mesmo tipo de profissionais, o mesmo tipo de

associações... Nós teríamos portanto que pensar a modificação a partir dessa manufatura que

está aí, e que nós conhecemos, com a qual nós trabalhamos hoje. O que seriam condições

negativas. Toda a questão seria passar a trabalhar com os mesmo elementos, mas em

condições positivas. Todo o nosso cuidado em dividir as equipes, separar, fazer com que cada

uma mantivesse a autonomia, tudo isso, era uma espécie de preparação, para a gente poder,

num certo momento, dizer: “a situação é essa, a construção, o modelo de produção é esse;

entretanto, a gente pode corrigir isso, corrigir aquilo, para que cada um possa participar em

melhores condições e, pouco a pouco, as relações de hierarquia de trabalho possam ser

modificadas”. O que transforma um pouco a ideia que a gente tem de prospecção – como vai

ser no futuro. A nosso ver, o futuro vai ser – num primeiro momento –, como hoje ou pior.

Para a gente se preparar para uma modificação – que a gente acreditava que ia fazer naquele

período – a melhor coisa é conhecer o hoje, aquilo que nós temos hoje, tanto em termos de

materiais, quanto em termos técnicos, quanto em termos de “savoir faire”. E isso sempre

pareceu, ao Artigas e aos outros, como uma posição reacionária. Eles me chamavam de

“arquiteto de tijolo e areia”, e coisas desse tipo. Mas, no fundo, era uma posição

extremamente realista. Ao invés de sonhar com uma tecnologia que não existia, sonhar com

um avanço da produção que provavelmente não ocorreria... fincar o pé no hoje e partir disso...

fincar o pé no hoje, já seria estar com o pé no amanhã.

RK: Será que o Rodrigo tinha isso em mente quando ele fez a dissertação de mestrado dele

[defendida na FAU/USP em 1981]? Acho que é um pouco isso, não é?

SF: É isso, exatamente. Como a ideia de transformar o próprio canteiro em um instrumento de

modificação dele mesmo.

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RK: Sérgio, como ficou, no final dos 60, início dos 70, a sua relação, por exemplo, com toda essa

coisa de ter que ir para a França, a sua relação no debate com o Roberto Schwarz, com o Chico

de Oliveira e outros?

SF: Cessa totalmente. Um pouquinho menos com o Roberto, pois ele estava lá [na Europa].

Ficou um tempo ainda lá, no exílio. O Roberto fez uma primeira leitura do texto O canteiro e o

desenho, da qual, aliás, ele não gostou, num primeiro momento. Ele gostou mais da segunda

parte, a do “desenho”. Ele achou a do “canteiro” muito dura, muito “operariado”... Mas com o

Chico não havia mais condições de diálogo próximo. E, ao mesmo tempo, eu tinha que

começar a dialogar com outros interlocutores, os “de lá”. A situação lá era bastante confusa,

sobretudo no plano da arquitetura, um “bordel”... Na França, eles tinham destruído

completamente o ensino de arquitetura, que era um ensino horroroso, um modelo do século

XIX ainda, e tinham construído toda uma nova maneira de ensinar. O meu foco de atenção saiu

daqui e foi pra lá... Por razões pessoais eu não pude ficar em Paris, e fiquei longe do grupo dos

exilados principais, fiquei numa distância grande dos exilados mais ativos, esses que estavam

em Paris. Por outro lado, eu logo assumi na escola [de Grenoble] uma posição com uma certa

importância. Mas não por minha causa: eles tinham derrubado tudo, não tinham nada, a

menor ideia do que fazer com a escola de arquitetura. E eu tinha vindo do debate aqui com o

Artigas, do Fórum de 62, Fórum de 68, eu estava “instrumentado”, tinha coisa à beça. Daí,

desliguei um pouco das questões daqui. Renovei um pouquinho depois, quando eu pude

começar a voltar ao Brasil, a partir de 77, eu acho, na primeira reunião da SBPC.

RK: E Você poderia falar um pouco sobre a militância política naquele momento, sobre a ALN, a

ruptura com o PCB, principalmente o dilema “reforma versus revolução”?

SF: Bom, o desligamento do PC dá pra compreender com aquilo que eu falei ainda há pouco,

não é? Ou seja, divergência total de posição. Quando começou a se organizar um pouco a

resistência ao golpe, a múltipla resistência ao golpe, eu era, já dentro do Partido Comunista,

bastante próximo do grupo do Marighella. Começou a contestação dentro do Partido, antes de

romper. Havia discussões bastante grandes com o [Jacob] Gorender... Quando saí do PC saí

com a ALN. Que era um grupo que não acreditava mais na burguesia nacional progressista, na

possibilidade de uma transição pacífica... e que via que o governo já havia começado uma

repressão muito violenta. A repressão começou bem antes de qualquer resistência mais

atípica. E começou a aparecer tortura violentíssima, e muita morte, e sobretudo morte de

estudante, dos estudantes mais “jogados”, mais corajosos, o que é típico dos jovens... Eu,

nesse período, tive inúmeros estudantes, que naturalmente se aproximavam de mim como

professor. Não só de arquitetura, houve outros... E pouco a pouco vão “sumindo”. E acabou se

tornando uma situação totalmente insustentável... ficava ali fechadinho como professor

falando e os alunos morrendo. Sobretudo, uma das tônicas da ALN era a indistinção

hierárquica, não havia nunca distinção hierárquica entre ninguém. Daí tinha que estar junto

com todos os outros, militando da mesma maneira.

RK: Havia a visão de uma revolução socialista?

SF: Era muito mais, no começo, uma resistência. A esperança era que chegássemos a uma

sociedade socialista. Mas no momento era muito mais de resistência. Quando você vê os

panfletos do Marighella, você vê que ele se dirige à classe operária... “todos os que possam,

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por uma razão ou por outra, resistir”, e tal. Aí o pessoal achava os textos do Marighella muito

imprecisos do ponto de vista “Marx”; não era o apelo à classe operária, aos camponeses,

aquela coisa toda, mas às donas de casa, todo mundo... Era portanto muito mais, no começo,

uma luta de resistência armada. O VPR já era um pouquinho diferente, já era um pouquinho

mais dirigido a uma revolução socialista.

RK: Uma última pergunta, para fechar: como você avaliaria a arquitetura elaborada entre

1964 e 1973 em São Paulo sob o prisma da cultura, ou seja, com relação às outras artes?

SF: Eu tenho um artiguinho escrito nessa época aí, sobre a “Arquitetura Nova”, sobre a

arquitetura paulista naquele momento, em que a tese de base é: houve uma teoria, uma

prática de arquitetura que se desenvolveu com a esperança de uma transformação social; com

o golpe, essa mesma linguagem, essa mesma fala, começou a ser utilizada para outros fins,

deu uma embaralhada, ficou a forma, não ficou o conteúdo, e com isso a própria forma vira

um maneirismo, e etc. E eu acho que, um pouquinho, isso vale para as outras áreas da cultura

nesse momento... Seria um pouco isso no Tiradentes, nas peças do Teatro de Arena, em que a

linguagem – até aquele momento, bastante contestatória, irônica, corrosiva, etc. –, em certos

momentos, tentou virar “positiva”, exatamente como no caso da peça Tiradentes, e acho que

na peça do Zumbi, coisa que foi muito discutida na época, sobretudo pelo Anatol Rosenfeld,

nos textos sobre o teatro épico... O Anatol Rosenfeld era uma espécie de “grilo” do Roberto

Schwarz: intelectual, judeu, que saiu da guerra e veio para cá, mas aqui nunca entrou no

mundo universitário. O Anatol ficou fora do meio universitário, mas tinha um contato íntimo

com o Roberto – eles se viam toda semana, constantemente – e, muito também, com o Teatro

de Arena, desenvolveu um grande trabalho sobre teatro épico. A grande ponte teórica do

teatro épico com o Teatro de Arena, e um pouquinho depois com o José Celso [Martinez

Corrêa], vem dele, do Anatol Rosenfeld. E eu me lembro dessa discussão toda sobre o “herói

positivo”... O Arena que até então tinha se limitado a ser crítico, resistente, de repente começa

a querer propor modelos positivos... E essas peças, todas as peças, eu me lembro, “não

entravam” no jogo, a gente tinha uma espécie de mal-estar, vendo essas coisas. Uma espécie

de dificuldade nessa passagem de um período para outro; de um [período] crítico e de

denúncia, para um período parecendo que você quer dar lição, quer ensinar como proceder,

quer ensinar como ser revolucionário... Eu acho que isso pode ser visto também no cinema, de

uma certa maneira... A minha cultura cinematográfica é muito limitada, mas eu acho que é

possível sentir essa espécie de dificuldade de quando a arte, que é uma atividade

essencialmente negativa, crítica, de denúncia, etc. começa a ter pretensões “educativas”,

“positivas”... e isso o golpe favoreceu: todo mundo queria participar positivamente na

resistência, a atitude puramente crítica parecia não convencer nada, como arma. Há um mal-

estar na cultura nesse período muito delicado, muito sutil a meu ver, a gente sentia muito uma

reação quase que epidérmica, alguma coisa desafinada. A mesma coisa na música popular,

com aqueles cantos muito “guerreiros” do Edu Lobo... sei lá, são bonitos, na época eles

entusiasmam, mas... é muito difícil, uma das coisas mais delicadas na arte, e mais perigosas.

RK: Você falou em negatividade, e em proposição, positividade... você tinha contato, chegava

aqui no Brasil a produção, por exemplo, de um historiador como o Manfredo Tafuri?

SF: Não. Ainda não. O Tafuri eu conheci na Europa.

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RK: Quando a gente lê os seus textos, e os textos dele, parece que é quase como se houvesse

uma comunicação... mas não tinha, não é? Lembrei disso porque ele fala sobre a “dialética da

vanguarda”, sobre a “ideologia do Plano” – embora ele esteja falando, no caso, da arquitetura

moderna...

SF: Não, não havia nenhuma comunicação. Eu cheguei lá e li, e “adorei”. Mas foi muito mais

uma convergência do que comunicação...

RK: E depois ele também vai estudar o Renascimento, o Leonardo [da Vinci]...

SF: Também... a força é a mesma, não é? Exatamente isso. A Ana Paula [Koury] acha que há

uma grande semelhança entre o que eu escrevi naquela época e o que o Caio Prado Jr.

[escreveu]. E eu não tinha, não sei o porquê, por um acaso, por distração minha, por “burrice”

minha, nunca eu li muito o Caio. Ela [a Ana Paula] me disse assim: “é tão igual!”. A fonte é a

mesma, não é – o Marx? Tanto o Tafuri quanto o Caio: voltar a ler Marx, com o olho não muito

deformado pelo Partido.

RK: Bom, Sérgio, acho que era isso. Muito obrigado.

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ENTREVISTA COM PAULO MENDES DA ROCHA

Rodrigo Kamimura

10 de janeiro de 2013 – escritório do arquiteto, São Paulo/SP

Rodrigo Kamimura: Para começar, eu queria saber se você poderia lembrar um pouco do clima

cultural e profissional dos anos 50, quando você conclui os seus estudos, em relação às

expectativas da profissão, do mercado, da situação política, o clima pré-Brasília...

Paulo Mendes da Rocha: Bem, pelo que você falou, você sabe... o clima era esse: de uma... o

que eu poderia te dizer? Não sei, você já cogitou bastante sobre tudo isso, mas, talvez,

lembrar: era um clima nitidamente “americano”, digamos assim, no sentido de você ver que as

coisas... fazia-se muito – do ponto de vista inaugural que não havia antes, e era necessário

haver. Eu, por exemplo, posso te dizer que, não é dos anos 50 nem 60, mas, desde sempre,

desde os oito... desde os seis anos de idade, eu vi nascer a Avenida Paulista... eu morei na

Avenida Paulista. Apesar de eu nunca ter sido milionário – havia umas pensões por lá. Gente

que já alugava aqueles casarões, compreende? E foi numa dessas pensões que eu morei uns

tempos com a minha mãe e o meu pai, junto à Avenida Brigadeiro Luís Antônio, na Paulista.

Literalmente na Avenida Paulista, perto da Brigadeiro. E passei a estudar em um colégio que

era na esquina da [Rua] Augusta. Ginásio Paes Leme, onde hoje é o [Banco] Safra. Portanto eu

fazia a pé, diariamente, ida e volta, a Avenida Paulista. E depois, como isso não durou tanto

tempo, fui morar no Jardim Paulista que subia com o bonde pela [Rua] Pamplona e descia na

esquina da Pamplona com a Paulista para pegar o bonde, [na Avenida] Angélica e andar na

Paulista. Portanto frequentei a Avenida Paulista enquanto ela se construiu. Além de literatura,

notícias e a própria discussão, depois, já na escola, sobre tudo isso. Naturalmente que o “clima

Brasília” só acentuou essa possibilidade digamos, do “vazio” do sertão. A mesma coisa:

edifícios, elevadores, traçados urbanos, construção de uma cidade de um dia para o outro. “De

um dia para o outro” é expressão, é tola, porque não se trata de dar a notícia do tipo,

jornalística. É uma coisa mais reflexiva: de realização de urgentes desejos, não é? O que se via

era a realização de urgentes desejos. Eu acho que esse é o clima. Por outro lado, vou te

prevenir quanto à sua tese – se você me dá a licença de pensar assim: cuidado com entrevistas

desse tipo porque, com a minha idade, a maioria das coisas que eu estou te dizendo como

memória, vai ver..., eu estou inventando agora. Porque essa consciência você não podia ter

naquela época.

RK: E em relação à Brasília... você chegou a participar do concurso, ou não?

PMR: Não. Essa experiência... talvez seja interessante para você avaliar... eu tenho com muita

clareza porque eu fui convidado por vários colegas que estavam organizando grupos: Fábio

Penteado, Milton Coroa, acho que Pedro Paulo Saraiva falou comigo, colegas que

participaram.

RK: Da construção?

PMR: Não, não. Do concurso. Como era uma coisa aberta, alguns colegas meus... Eu,

imediatamente me lembro – isso eu tenho quase certeza que a memória é verdadeira – que o

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melhor que eu poderia fazer era me afastar e assistir aquilo. Não estava preparado para... nem

interessado em participar de uma equipe, para ver o que eles iam discutir.

RK: Por algum motivo específico?

PMR: Eu achava que era um assunto para se ver, e não...

RK: Mas você já tinha experiência, já tinha começado a trabalhar, não é? Com o projeto do

Clube Atlético Paulistano...

PMR: Sim, eu saí da escola em 1954. Portanto... o concurso foi em 1956, são dois anos, é ainda

como se eu estivesse lá dentro [da escola], é um período... os cinco primeiros anos são [um

pouco isso]. Em 1957 já foi o concurso do Paulistano. Mas, um edifício e um tema – você não

perguntou, sou eu que estou lembrando, do concurso, porque é que eu entrei no concurso do

Paulistano: tem uma dimensão... que não é a mesma de um plano. Depois, Brasília, antes de

qualquer coisa, ligada a uma cidade propriamente dita, o que me espantou, e que para mim

era uma grande questão: é mesmo a mudança da capital. Independentemente de qualquer

desenho que fosse. Suponha que Brasília preexistisse, como uma Goiânia ou Goiás Velho, uma

dessas primordiais cidades, já no Sertão. A proposta de transferir a capital era o que me

parecia mais discutível. Porque, dentro da mesma ideia de uma dimensão americana da nossa

situação, no mundo – americana porque já se presume [como] vista no mundo, a situação em

que estava –, se fazia ver que, um dos aspectos interessantes para a ideia de novas cidades era

justamente aquilo que a Europa não podia, ou muito raramente teria, que não é

necessariamente a questão de uma coisa em cima da outra, do palimpsesto. Era inaugurar

aspectos da geografia e da própria geomorfologia do planeta antes intocados do ponto de

vista do que nós chamamos uma cidade. Daí a minha ideia, quase que permanente, de associar

com navegação fluvial, associar com planejamento territorial amplo, inclusive associar com a

visão da construção da paz, da unidade entre os países da América Latina, grandes projetos,

quais sejam, por exemplo, as ligações Atlântico-Pacífico. Como realmente o desiderato já me

pareceu a questão de uma dimensão política que eu não podia perceber: qual seria a

vantagem de mudar a capital? Como se fosse mais importante para a nossa vida saber onde

estava sediada a administração burocrática do país do que efetivas ações sobre o território.

Inclusive com uma visão já de talvez não expandir tanto o colar de cidades médias, pequenas,

minúsculas, talvez já com questão de transporte, de concentração de indústrias especializadas,

agroindústria, isso e aquilo, ligado à mineração, por exemplo, já, lá em cima, falava-se das

reservas de alumínio, bauxita... então o alumínio, por exemplo, é alumínio e bauxita... lá em

cima, no Norte, [com] reservas enormes, faz-se a barragem, a hidrelétrica e vai para lá toda a

indústria de alumínio, inclusive internacional, etc. Portanto, esse tipo de planejamento, para

não falar das origens teóricas, que quem se preocupava com essa questão já possuía, com

muita força e muito entusiasmo, vindo dos arquitetos russos, soviéticos, da primeira época...

surgidos com a primeira época da Revolução – Leonidov, e a turma toda... tudo isso estimulava

muito a questão de novas cidades. Um pouco estranha, a ideia de “capital”. Principalmente, na

questão da mudança da capital, no que diz respeito ao que seria do Rio de Janeiro, o

desmantelamento da moral do Rio de Janeiro – o que de fato se viu, na prática, o prejuízo

que... e eu pensei bastante em coisas assim, fáceis de qualquer menino imaginar – o que seria

da Itália se você dissesse amanhã: “a capital não é mais Roma”? Se o francês tivesse que

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enfrentar: “a capital não é mais... [Paris]”. E por quê? Para quê? Com o perdão da expressão,

mas... para quê? Por que não uma visão prática daquilo, não é? Não fazia muito sentido a

construção de uma ideia de educação política da própria população. É melhor a população –

me parecia, é mais estimulante, rende mais – pensar nesse desenvolvimento e na expansão do

trabalho, inclusive por toda a América, e a questão do território, e levantar as questões:

geografia e natureza enquanto conjunto de fenômenos, e não simples paisagens, rios, isso e

aquilo. [Seria] mais interessante que a dimensão estritamente, praticamente, de modo estrito-

político, mudar a sede da capital. Portanto, tudo isso, naturalmente talvez, não com tanto

ímpeto, naquela época, mas eu pensei e achei melhor dar um passo atrás para ver o que ia

acontecer. Ninguém podia imaginar, nesse momento – em que estavam se fazendo, inclusive

aqui, equipes para concorrer – que o resultado podia ser aquele, que o Sr. Lúcio Costa com

uma folha de papel... eu pensei que fosse um concurso mesmo, para ser julgado, [com] júri

internacional, falei: “isso vai longe... eu quero... prefiro ver de longe”. Mais ou menos era essa

a minha posição. Eu não sei se muito pragmática, mas...

RK: Mas é interessante... Nessa tese que estou desenvolvendo, eu estou tentando trabalhar um

pouco, entender, ou compreender melhor as relações entre arquitetura, sociedade e política,

nesse contexto. Então, tenho algumas dúvidas com relação a isso, porque há um momento de

“corte”, ali nos anos 60, quando há o golpe militar, e uma radicalização de posições, que

envolve os arquitetos, a política, a FAU/USP [Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade de São Paulo], o PCB [Partido Comunista Brasileiro], etc. Então estou tentando

entender um pouco da questão de como era o ambiente docente, e o ambiente discente,

também, de alunos, na faculdade de arquitetura... você chegou a lecionar no Mackenzie

também? Ou foi só na FAU...

PMR: Não [no Mackenzie].

RK: Foi só na FAU?

PMR: Eu fui convidado em 59, fim de 59 pelo Artigas para ser seu assistente, no 5º ano da FAU

ainda na Rua Maranhão. Eu entrei em outubro, já na turma se formando. Inclusive [era a]

turma do Flávio Império e Sérgio Ferro 1, eu fui paraninfo da turma deles. Eles me convidaram

para paraninfo quase como uma boutade, uma brincadeira, em homenagem ao Artigas, que

era o grande “guru” deles todos, e que me convidou para professor. Eu fui apresentado à

turma pelo Artigas, fiquei lá 1 mês com eles e já foram para a formatura.

RK: Você dava aula de projeto?

PMR: Junto com o Artigas, sempre: 5º ano, projeto. Nunca fiz outra coisa na FAU. No fim, aqui,

depois da Anistia, quando eu voltei, depois que o Artigas morreu, inclusive. Eu fui aposentado

pela “compulsória”, quando fiz 70 anos, eu. Não me lembrou que ano foi, precisa fazer a

conta. Eu, o Artigas e aqueles que tinham sido cassados combinamos que voltaríamos com a

Anistia, para dizer que, por nós, não sairíamos nunca da FAU. Eu, então, voltei também. Aí

houve o episódio, enfim... o Artigas morreu. Eu fiquei sempre no 5º ano porque era a cadeira

do Artigas, 5º ano. Não... nesse período, depois que o Artigas morreu, o Abrahão [Sanovicz]

1 Na realidade, Flávio Império e Sérgio Ferro concluem a graduação em 1961.

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me convidou para dar aulas no 3º ano com ele, porém, também. Não abandonei o 5º ano.

Inclusive os estudantes sempre me elegiam coordenador do TGI [Trabalho de Graduação

Interdisciplinar], coisas assim. O Abrahão era muito meu amigo. As aulas do 5º ano e do 3º ano

não coincidiam, no mesmo dia.

RK: Nesses anos do pós-Brasília, teve uma discussão em 63, que foi o Seminário de Habitação e

Reforma Urbana, que aconteceu em São Paulo e no Rio de Janeiro. Você chegou a participar

dessa discussão?

PMR: Sim, participei. No fundo, a grande polêmica que houve... só houve polêmicas. Porém, o

traço crucial dessa polêmica era se se fazia mobilização popular em torno do “cada um

constrói sua casa com a própria mão”, uma visão de uma super-urgência, e uma visão mais

serena mesmo, de um planejamento para transformar esse tipo de habitação que já é feita

[por] autoconstrução, toda favela. E uma variante agora orientada por arquitetos e tal, nunca

me entusiasmou muito essas bravatas, que eu via mais como mobilização política sem muita

consequência futura, do que uma visão mais racional da questão. Porque, não sei se você está

comentando muito isso mas, um aspecto da favela, ou da habitação, má-habitação no Brasil na

área urbana – naturalmente que isso se expande para todo o território... a questão da

habitação “fora de época”... mas, na área urbana, a questão é mais evidente. E se caracteriza

por favela. É preciso lembrar, sei perfeitamtne que não estou contando nenhuma novidade

para você, principalmente, para nenhum estudioso, mas lembrar, estendendo-se um pouco,

que foi um episódio absolutamente consentido – nada de “fenômeno” – que, para se

verticalizar Copacabana dentro de uma área de operação que envolve, inclusive, o legítimo

desejo de morar à beira-mar, com especulação, por isso mesmo, desenfreada, que essa turma

precisava, de novo, da senzala. Porque sem babá, cozinheira, copeira, faxineiro, aquilo não

poderia existir. E como era difícil construir nas encostas, a especulação não estava interessada.

Queria construir “no chão”. E largou as encostas para serem ocupadas pela população de

modo espontâneo, ou como quisesse. Portanto a favela faz parte de um plano. Chamar esses

acontecimentos de “fenômenos”, e não de um plano muito claro da classe dominante, ou da

burguesia, sempre me pareceu um erro, porque você não enfrenta como deve enfrentar a

questão. Tanto que ao tentar ser enfrentada surgiu efetivamente um grupo político da

questão. Aí ficam a esquerda e a direita... muito bem! A história do mundo não se pode corrigir

simplesmente assim, por vontade. Mas é um pouco tolice, porque... é uma questão de

dignidade e inteligência humana antes de qualquer questão de caráter ideológico.

Naturalmente que nada aconteceu de mais extraordinário no século XX do que a Revolução

Soviética... portanto, sim, mas... nos meandros que nós tínhamos que viver, dentro da nossa

situação, do ponto de vista racional, desse raciocínio, é melhor dizer: “não vamos enfrentar

assim, como um movimento político”. Naturalmente que, quem enfrentava,

fundamentalmente, como um movimento político, não fazia isso por ingenuidade. Eram

ativistas políticos que queriam aproveitar o momento, acho perfeitamente legítimo. Mas eu

sempre fiquei com repúdio total pelas posições de direita, sem, entretanto, quere me engajar

no movimento quase cego de uma “revolução impossível”.

RK: Porque há uma radicalização nesse momento, levando inclusive a posicionamentos

maniqueístas...

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PMR: Pois é, eu achava que essas posições maniqueístas... não me interessavam. Como no

caso de Brasília. Preferia ter uma outra posição, dizer: “sim, poderíamos planejar”. Melhor. E o

governo pode fazer. Acabou mesmo podendo fazer, tanto que fez Brasília. Portanto a questão

do querer ou não querer que é fundamentalmente a visão política da questão não está

puramente no processo ideológico, “você é de esquerda ou de direita”, é “vamos fazer isso ou

vamos fazer aquilo”. É interessante, talvez, pensar assim.

RK: Você chegou a ser diretor do IAB [Instituto de Arquitetos do Brasil], em São Paulo?

PMR: Esse é um episódio bastante, como é que se diz... paralelo. Como eu fui cassado pelo AI-

5 (Ato Institucional nº 5), e não saí do Brasil – não tinha condição, eu tinha quatro, cinco filhos

e coisas do tipo, não tive coragem de largar tudo e livrar a minha pele dando aula em subúrbio

da França... até me ofereceram, tudo... achei que não era o que eu devia fazer. E como eu não

era muito visado porque nunca fui ativista, apesar de cassado, eu fui ficando por aqui. Não sei

dizer como sobrevivi... fui muito apoiado por colegas, etc., amparado. Mas fiquei aqui mesmo.

Então, de qualquer modo, foi na minha frente que se matou o Rubens Paiva, se matou o

Vladimir Herzog, eram meus amigos inclusive, o momento era muito amargo e muito horrível.

Eu achei que se eu fosse presidente do IAB era mais difícil me matarem. E com meus colegas

naturalmente me amparando eu consegui me eleger presidente do IAB, e fui fazendo o que eu

achava que devia fazer.

RK: Você ficou muito tempo na presidência?

PMR: Não, não fiquei.

RK: Um ano, não é? Uma coisa assim... eu estava dando uma olhada nos arquivos do IAB.

PMR: É, por aí. Meus colegas me ampararam muito, fizemos uma chapa, trabalhamos bem. Eu

recuperei um espaço que era do “clubinho dos artistas”, fiz o que eu achava que podia fazer,

para não dizer que estava só cuidando da minha vida. Mas me abriguei, como quem diz: “me

refugiei” na estrutura do Instituto de Arquitetos. Os nossos próprios colegas... foi muito

estranho, porque... como o IAB, por si mesmo, tinha um “rótulo” de esquerda, todo ele, um

grupo de nossos colegas mais capazes de sustentar o IAB, mais ricos, fundou a AsBEA

[Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura], que é uma tolice, e abandonou esse IAB.

Portanto, esse IAB que eu queria que me protegesse ele mesmo era visto, todo ele, como um

lugar da esquerda [risos], digamos.

RK: E a fundação da AsBEA é nos anos 60, 70, eu não me lembro, agora...

PMR: Por aí, também não lembro exatamente 2.

RK: Havia vários debates dentro do IAB, não é? Esse debate ideológico entre esquerda e

direita... fulano é reacionário, cicrano não é...

PMR: Sim, muito forte. Mas você veja, a posição do Artigas é muito notável: quanto a esse

aspecto, foi sempre de conciliação total. Tanto que o grande amigo do Artigas, do ponto de

2 A AsBEA foi fundada em 1973, com sede na cidade de São Paulo.

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vista do afeto pessoal, era o Ícaro de Castro Melo que seria um homem “do lado de lá”, não é?

Foi o Ícaro que salvou a vida do Artigas; foi ao Uruguai quando o Artigas estava sumido e

trouxe a notícia de que ele estava muito mal, e combinaram tudo, e fizeram uma operação e

foram lá buscar o Artigas, e ele ficou escondido aqui, senão ele se matava. Foi o Ícaro que fez

isso.

RK: E esses debates dentro do IAB eram muito “acalorados”?

PMR: Sim, às vezes sim, mas como “acidentes” de percurso, porque não era a proposição... ao

contrário, a ideia do IAB sempre foi a de associar os arquitetos, em geral, todos.

RK: O Sérgio [Ferro] me falou que os debates do IAB eram mais... havia mais debate porque,

por exemplo, no CREA [antigo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia,

atualmente Conselho Regional de Engenharia e Agronomia], tinha a engenharia junto...

PMR: Mais democrático – o CREA. Mais amplo. Mais ligado à classe trabalhadora, na profissão.

RK: E havia os sindicatos, também, não é?

PMR: E os sindicatos. Sim, fizeram logo isso para abrir, justamente, os aspectos

reivindicatórios de caráter... mobilização ideológica, salário, isso e aquilo; para um sindicato,

que se caracterizava melhor quanto a esse horizonte. E mantiveram o IAB como qualquer coisa

um pouco mais, assim, capaz de manter relações internacionais, quanto à União Internacional

de Arquitetos, etc. e também eu acho que politicamente muito mais, clarividente, digamos,

porque a outra posição [era] mais... classista, digamos.

RK: E a UIA [União Internacional de Arquitetos] tem um papel importante, não é? Há as

conferências da UIA nesse período, nos anos 60...

PMR: A UIA tem um papel importante porque ela inaugura, como tantas outras instituições o

que hoje está se vendo como absolutamente indispensável: um fórum, mundial, para questões

fundamentais da nossa condição no planeta. Hoje ninguém discute mais nada disso. Hoje não

se discute mais porque somos um pequeno calhau desamparado aí, submetido às leis da

mecânica celeste... ninguém duvida porque, a fotografia lá de fora, isso muda completamente

a perspectiva política, eu penso.

RK: Nesse período a UIA organizava encontros [praticamente] bienais... houve um em Moscou,

em Havana, outro em Buenos Aires...

PMR: A UIA tinha congressos internacionais, ainda. Já não faz mais 3. Eu fui a talvez um dos

últimos, que foi, justamente, por decisão do anterior – que não sei onde foi –, em Havana. Eu

fui de uma maneira muito extraordinária, porque os cubanos inventaram, e foi apoiado, que se

faria de modo concomitante, um encontro, internacional também, de estudantes de

arquitetura.

RK: Isso em 63... se não me engano?

3 Na verdade a UIA vem realizando, desde 1948, congressos com periodicidade bienal/trienal. O último –

segundo a data de realização desta entrevista – foi em Tóquio, Japão, 2011. Cf. www.uia-architectes.org.

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PMR: Antes de 64. Nas vésperas, do golpe, aqui. Como havia, então, e foi feito esse encontro

dos estudantes, eu fui indicado representante da FAU, porque... estudantes e professores, da

escola. E, foi um episódio inclusive interessante porque os russos puseram um navio à

disposição, que desceu pela costa atlântica, passou pelo estreito de Magalhães e subiu pela

costa pacífica para chegar em Havana recolhendo os estudantes do Peru, da Venezuela... você

não sabe dessa história? Esse navio, um navio enorme, capaz de abrigar 20, 30 estudantes de

cada um desses países, mesmo os países que não tinham porto de mar, mandavam... – aliás,

na América Latina todos têm – mandavam os estudantes para os portos, e esse navio veio

atracando e recebendo todos esses passageiros. O navio, só para você ter uma ideia, chamava-

se Nadezhda Krupskaya, é o nome da esposa do Lênin. E a comandante do navio era uma

mulher. As histórias são fantásticas! E nós, os professores e os estudantes devíamos chegar em

Havana com esse navio. Aí, eu falei com os meus amigos do Partido, etc. e disse: “olha, eu

aceito, com muito prazer, muita ênfase, representar a FAU e ir junto com os estudantes. Mas,

só se vocês me apoiarem, porque eu vou blefar... eu não vou no navio. Não vou passar 10, 15

dias trancado nesse navio com estudantes da América Latina”. E fiz muito bem, porque você

não sabe o que aconteceu no navio...! Imagina, 20 dias, dentro do navio... parando em todos

os portos. Eu fui a Santos, para o embarque, e na hora em que o navio ia saindo todos

começaram a gritar porque eu estava no cais, eu dei um adeus, e fui de avião com os outros...

os do congresso internacional, da UIA. E participei do congresso dos estudantes sem embarcar

nessa viagem, que foi uma coisa maluca...

RK: Deve ter sido uma loucura!

PMR: Não, você não faz ideia! Inclusive havia muitos professores que foram no navio. Eu é que

não entrei nessa...

RK: Paulo, outra coisa que eu queira te perguntar, é em relação ao PCB, nesse momento.

PMR: Bem, em relação ao Partido, eu, várias vezes, estive no Partido, como se diz, mas com

toda a lealdade com meus amigos, era muito amigo do Artigas, [mas] não fiquei nunca, porque

eu não conseguia cumprir... e era, portanto, uma esquerda sem “carteira” de partido. Tentei,

uma vez ou outra, um período ou outro, frequentei algumas reuniões mas, para mim, não

era... não me pareceu alguma coisa que eu podia cumprir com o brio que seria necessário. O

brio eu não digo... o rigor. Eu fiquei de fora... mantendo uma certa liberdade quanto à

disciplina partidária.

RK: Porque aí entra uma relação complicada, não é? A questão da política com a arquitetura,

até onde vai a arquitetura, onde começa a política... chega uma hora em que é quase política

pura...

PMR: Pois é, aí eu não sei se... se tenho razão ou não tenho, porque eu vivi tudo isso, portanto,

você tem razão mas... é que eu acho que a dimensão política na arquitetura existe como a

dimensão lírica, como a dimensão poética, aparece no projeto, o projeto é um discurso. Agora

você fazer política... só se você tiver vocação para isso, é muito difícil você identificar

nitidamente as duas coisas. Ao contrário: para identificar a sua dignidade, a sua integridade

política com a arquitetura, é... fazendo arquitetura! E se manifestar, sempre que parecer que,

naquela dimensão, você pode fazer isso. Fazendo discursos, participando de reuniões, mas, é

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uma questão muito individual. Porque você veja: não se trata de proteger, de maneira indigna,

a própria pele. Eu te contei esse episódio do Artigas... quando trouxeram o Artigas de volta...

uma operação incrível! O Alfredo Paesani, e a mulher do Artigas, só para você saber: fizeram

uma operação combinadíssima. Prepararam um “Volkswagenzinho”, um Fusca, saíram aí por

estradas secundárias, atravessaram o rio Paraguai, se puseram em território do lado de lá,

foram até... eu acho que era Uruguai, não era Paraguai, onde o Artigas estava...

RK: Era no Uruguai.

PMR: ... ficaram em um pequeno hotel. O Paesani, não a mulher [do Artigas]. [Ele] se

aproximou do Artigas delicadamente, porque a notícia que o Ícaro tinha dado era que ele

[Artigas] estava muito mal e iria se matar. O diagnóstico do Ícaro era: “ele não pode continuar

assim. Numa pensão, num pardieiro, junto com outros refugiados latinoamericanos, sem

comer direito”, etc. Aí, prepararam o espírito do Artigas, mais ou menos, ele soube que a

mulher estava ali do lado, ela veio, os três entraram naquele Fusca e trouxeram o Artigas, que

ficou escondido aqui em São Paulo, no apartamento de uma senhora... Teresa... cujo marido

era ministro dos militares, imagina você! O marido foi ministro da agricultura... muito bem. E a

irmã desse ministro era do Partido, simplesmente. O Artigas ficou enfurnado no apartamento

dela e combinava-se o seguinte – alguém do Partido, eu não sabia, veio alguém e disse se eu

topava... e eu topava: “você tira a sua família do seu apartamento, vai para a casa do sogro ou

qualquer coisa assim. Põe coisas interessantes na geladeira. Tudo combinado. A Virgínia

Artigas e os dois filhos vão para lá, e você faz o seguinte: às 9 da noite, 10 da noite, você passa

na rua tal, esquina da rua tal, você vai ver a brasinha do cigarro, é o Artigas. Você põe no seu

carro, entra na sua garagem, deixa ele no seu apartamento com a família dele e você vai

embora também. Lá pelas 5 da manhã você vai buscar o Artigas, deixa no mesmo lugar porque

a família vai embora, com o carro dela. Quer dizer que você estava se arriscando a tudo. E eu

fiz isso 3 vezes. Se não me engano o Pedro Paulo Saraiva fez também. E outros amigos fizeram.

Então nós estávamos dentro da questão, do nosso modo. Nunca participei de luta armada,

nada disso. Isso é um breve relato para você ter uma ideia, não é para a sua tese... Eu só vejo

que... é, eu vejo que quem foi para a luta armada tem o seu lado heroico, sim. Mas não é que

hoje... é que hoje aflorou a necessidade de você se manifestar, não é? E eu me manifesto

assim, por exemplo: a dona Dilma Rousseff. Eu acho que uma menina de 18 anos que se enfiou

nessa é muito mais digna do que alguém que enfiou o capuz e ficou se protegendo em casa

esperando a chuva passar. Apesar de, como ela mesmo sabe, hoje, como uma mulher madura,

que foi uma tolice na época, mas uma belíssima tolice! Como é que pode se dizer?

RK: E o impacto do AI-5? Você se lembra, na época, em 1968...

PMR: Sim, eu fui cassado, falamos disso...

RK: Promulgado o AI-5, vocês já foram [cassados]... ou foi logo depois?

PMR: Aqui, as coisas foram feitas da melhor maneira que seria possível para cada um ver como

é que ia viver. Se você imaginar a FAU inteira, com os professores que foram cassados, e ela no

dia seguinte continuou, você não vai dizer que todos eles são canalhas, são? Só faltava essa. É

muito difícil você avaliar os indivíduos nessa situação. Então, comigo, por exemplo: os colegas,

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ninguém nunca se manifestou, mas é evidente, saiu no Diário Oficial, eles estavam sabendo.

Ainda, eu fui cassado 2 vezes, pouca gente comenta isso, não sei se você sabia.

RK: Não. 2 vezes?

PMR: Fui. Cassado da FAU, expulso e demitido. Quinze dias depois, em uma outra lista, que

não era dos... exatamente das mesmas figuras, mas algumas sim, fomos cassados, que eu sei

de cor, literalmente, e proibidos de exercer a profissão, de modo direto ou indireto,

empregatício ou não. Quer dizer: uma firma não podia te empregar porque ela não poderia

então fazer trabalho para o governo. Uma espécie de “banimento branco” – você tem que sair

do país. Isso aconteceu, eu fui cassado 2 vezes. Ninguém comenta isso, eu fui impedido de

exercer a profissão.

RK: Impedido de lecionar e de trabalhar como arquiteto...

PMR: Em 2 artigos diferentes, em 2 dias diferentes, 2 cassações, uma nomencional e uma

outra. A primeira foi: expulso da FAU – como tantos outros da universidade –, demitido da

universidade, do ensino... só. Depois no outro dia saiu esse... essa outra cassação pelo AI-5,

quinze dias depois, não sei. Proibido de exercer a profissão, de modo direto ou indireto,

empregatício ou não. “Para o governo da República, de modo direto ou indireto, empregatício

ou não”. Incluíram alguns de nós, coisa do Gama e Silva 4. Não sei como sobrevivi. Meus

colegas me ampararam, eu trabalhei... passei mal... mas não saí do Brasil porque seria

impossível. Eu imaginei que, para mim, seria impossível. Você recebia ofertas. Eu fui a um

jantar oferecido pelo Consulado Francês onde isso foi oferecido: a França me receberia para

talvez dar aula em Grenoble e isso e aquilo, como os outros foram fazer. Para mim parecia

absurdo. Fiquei aqui enfrentando... porque eu não tinha garantia, também, de que eles não

iam me pegar e me matar. Mas eu resolvi enfrentar, sem fazer bravata. Mas, fiz aquela

operação do Artigas. Depois abriu o processo, etc., e passou o período de terror.

RK: E nas revistas, desse período, acho também importante a discussão das revistas...

Acrópole, Módulo, tem uma revista também importante que é a Arquitetura, do IAB

[Guanabara], dos anos 60, não tem nenhuma menção ao golpe militar...

PMR: Não se falava... a censura era muito forte. Na pior das hipóteses, se fechava a revista.

Tudo isso era negócio de pequenos grupos, economias... como é que pode se dizer? Eu não

via, não é desprezível, mas... de mentalidade “frouxa”. O “cara” tem uma revista e vive

daquilo. Se não se pode falar disso, ele não fala! Não eram revistas com corpo de redação

ideologicamente, claramente configurado, nenhuma delas.

RK: Tanto é que várias são fechadas, em 65... Habitat, Módulo... quer dizer, logo depois do

golpe vem a censura...

PMR: Sim, algumas publicações mais sérias...

4 Luís Antônio da Gama e Silva, reitor da Universidade de São Paulo entre 1963 e 1964. Redator, como

Ministro da Justiça, do Ato Institucional nº 5, em 1968.

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RK: Agora, uma curiosidade: eu estava consultando as pranchas do projeto do [conjunto

habitacional] CECAP de Guarulhos, que você fez com o Artigas, Fábio Penteado...

PMR: Sim, o projeto é de Artigas. Ele montou uma equipe porque... precisava, não podia fazer

aquilo. Foi uma política, inclusive, que ele adotou. Seria um contrato escandaloso; então ele

propôs ao governo de montar um escritório, e nós recebíamos por um Estatuto que está na

Constituição, de consultoria por notório saber, no caso, específico. E contratou, com isso, ele

mesmo, Fábio e eu, os “cabeças”. Mas o projeto era dele. O governo contratou o Fábio e ele

pelos salários mais altos que a lei permitia, como consultoria, renovável a cada 6 meses. É um

episódio interessante, se você quer saber. Eu fui cassado no meio desse processo. E não podia

mais assinar, portanto. E de fato saí e ficou só Fábio e Artigas.

RK: É interessante porque é isso que eu ia perguntar: nas pranchas, não tem o seu nome. É o

nome do Fábio e o do Artigas.

PMR: Porque eu fui cassado. Eu fiz um contrato, 6 meses, fiz o outro contrato, quando era

para renovar de novo, o escritório funcionando e o projeto se desenvolvendo, foi um projeto

demorado, tinha que calcular... até fazer tudo... eu não pude mais ser contratado. Ficou só o

Fábio e o Artigas. Para não prejudicar... sim, nós combinamos isso. Não vai se protestar e

enterrar [o projeto]... Não. Queríamos fazer as 12.000 casas. Coniventes. Afetados. “Tá bem,

eu caio fora e vocês continuam...”. A nossa guerra foi essa, compreende? Inclusive Artigas era

muito contra engajamento em luta armada e coisas do tipo. Brigou muito com o Sérgio Ferro,

com os meninos aí, e tentou protegê-los do que pôde, no sentido de evitar que eles se

metessem nessa. Mas eles se meteram.

RK: E é estranho, porque nesses processos políticos, por exemplo, no caso do golpe... cassação,

etc., na hora em que você cassa esses profissionais, você acaba cassando justamente

profissionais muito bons, no caso vocês, e os professores, e ao mesmo tempo o governo e os

órgãos não podem prescindir desses profissionais, não é? Então, fica uma coisa meio... você

expulsa os expoentes de uma determinada área profissional, ou docente, mas você precisa

deles, ao mesmo tempo. Então eles chamam o Artigas para fazer um projeto, mesmo ele sendo

ligado ao PCB, mesmo tendo toda essa questão dele ter se exilado em 64...

PMR: Olha, essas questões são muito mais complicadas. Eu não sei se a sua tese vai para esse

lado, porque não seria nem tese para arquiteto, você entendeu? Às vezes é tese para outras

disciplinas da Universidade de São Paulo. É muito interessante. E é muito mais complexo do

que o senso comum fica falando aí. A questão é tão mais complexa quanto possa ser... você

sabe que Paulo Bastos era um homem do Partido Comunista? Sabia, ou não? Paulo Bastos era

absolutamente do Partido Comunista. Quais são os projetos mais interessantes do Paulo

Bastos? Não é a sede do exército, aqui? Não é o quartel dos bombeiros? Tudo contratado pelo

exército. Os últimos projetos que Artigas fez, para garantir a sobrevivência do escritório dele

não foram quartéis do exército lá no norte do país? Tudo pago pelos militares. O irmão do

Geisel era do Partido Comunista! Eu montei um pavilhão da União Soviética na Bienal de

Arquitetura, que chegou na última hora, com 60m de parede, eu era o arquiteto contratado lá

para fazer... o curador era o irmão do Geisel! Portanto, se você vai querer entrar nessa, você

tem que fazer uma pesquisa... minuciosa. Eu não sei nada, só vi pela “rama”, era tudo assim. O

nosso exército: envolve questões de território nacional, uma visão, grosso modo, patriótica, da

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defesa da nação, petróleo... “o petróleo é nosso”. Defesa do patrimônio. No exército... são

grupos de esquerda, lá dentro.

RK: Sim, há cisões.

PMR: Portanto é melhor nem falar disso, porque não é da nossa competência. Eu não sei nada

disso. Naveguei como pude... nem nunca me arvorei a teóricos, etc., etc., há quem

profundamente entre nessa, estabeleça teorias... eu sempre achei isso, aqui entre nós, uma

profunda tolice. Não dá em nada, não rende nada. Para a classe operária, para os oprimidos,

para quem não tem casa. Não adianta nada. Adianta para si mesmo, para fazer nome, para

fazer bravata. Uma visão psicologicamente deformada. De um psicologismo, um esquema

deformado, míope.

RK: Para terminar, então, Paulo, você consegue falar alguma coisa, lembrar, como era o

ambiente estudantil pós AI-5, na FAU... dos estudantes, da mobilização, havia mobilização

dentro de sala de aula?

PMR: Eu não acompanhei o movimento estudantil, não posso dizer. Não. Eu fui cassado pelas

reformas, há muito tempo, e eu mesmo estava afastado do movimento estudantil...

RK: Havia censura dentro das salas de aula, por exemplo?

PMR: Olha, eu me lembro de um episódio que houve, não sei quem, passava-se por aluno e

depois se descobriu que era espião, mas eu não me lembro de ter vivido nada disso. Não tomei

consciência disso. Agora nós todos sabíamos, o pessoal da direita estava nos ouvindo, havia,

dentro da própria universidade denúncias, isso e aquilo. E todo mundo sabe. Mas eu nunca

tive um episódio particular, não me lembro de ter sido traído especificamente por nenhum

colega, nada disso. É meio geral. Nós éramos da direita o outro era de esquerda. Nós éramos

da esquerda o outro era da direita.

RK: Bom, Paulo, acho que era isso. É um apanhado geral, que eu queria ouvir de você e das

pessoas que viveram esse período, dos anos 60, para a própria arquitetura... é complicado...

quer dizer: é e não é, não é mesmo? Pode ser simples, também, ou a gente é que complica?

PMR: Eu não acho tanto assim não. Acho que um edifício realizado, teatro, cinema,

universidade, escola, entende... implantação, tudo isso, você percebe: uma nítida opção, de

tentar não tratar... apesar de ser nos dado, como fato particular, aquele prédio, ele constrói a

cidade. Quer dizer: não é assim que você queria enfrentar a questão da cidade; mas, do modo

que é possível, você enfrenta e faz assim. Isso está no projeto, de um modo ou de outro, seja

casa, seja isso ou aquilo. Pode estar. É um pouco fantasioso, mas é verdade.

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ENTREVISTA COM JON MAITREJEAN

Rodrigo Kamimura

27 de fevereiro de 2013 – escritório do arquiteto, São Paulo/SP

Jon Maitrejean: O assunto que você está colocando é bastante complexo, cada um deve dar

uma interpretação pessoal sobre isso. Mas há certos acontecimentos que são notáveis. Eu vou

colocar aí a eleição do IAB [Instituto de Arquitetos do Brasil] em São Paulo, em 1963. Um ano

antes do golpe [militar]. Há realmente uma ruptura política. Não da arquitetura que se faz,

mas de uma postura mais definida do “quem é quem”. Até esse instante, nada diferenciava a

minha arquitetura, nada diferenciava a ideologia tanto dos arquitetos que eram comunistas,

ou “esquerdistas”, e a dos caras que eram de direita – aí você pode por: Rino Levi, Plínio

Croce... essa coisa que “dividiu”. Nessa eleição, pela primeira vez, existe essa postura de uma

divisão por questões políticas. Então você vê: o IAB apresenta o [Carlos] Millan para presidente.

Carlos Millan, que era um homem, que nós podemos dizer que era da esquerda católica, muito

ligado a esse círculo. Toda a esquerda está mais ou menos unida. E do outro lado aparece

outro arquiteto famoso que é o [Alberto] Botti, candidato ao IAB. Aí começa, na minha opinião,

a primeira manifestação da postura pré-golpe. Nesse instante, fizeram-se duas chapas. O

pessoal do Botti – especialmente o Julinho Neves, que tinha uma grande organização e uma

grande capacidade – mobilizou todos os arquitetos, com telefonemas e tal, secretária, tinha

uma estrutura que nós não tínhamos. E mobilizou realmente, em nome da briga por uma... no

fundo seria uma posição contra as reformas do Jango, tal. Mas a coisa já era uma postura

claramente política.

Rodrigo Kamimura: E era claramente “anti-reformas”?

JM: Anti-reformas, uma visão anti-esquerda. Não chamaria de “anti-progressista”, talvez ele

utilizasse “anti-retrógrada” [risos]. Bom, e ele ganha essa eleição. É uma manifestação incrível,

no IAB, a torcida... estávamos perdendo, de repente, o Millan passa na frente... então você

imagina. E foi realmente uma coisa que se manifestou muito – não a arquitetura, mas o

arquiteto, como político. As divergências que poderiam existir anteriormente, do ponto de vista

da arquitetura, vamos dizer, de uma linha... Millan, [Vilanova] Artigas, o próprio Rino Levi,

faziam uma arquitetura mais ligada a uma arquitetura racionalista, europeia; se você quiser,

muito ligada aos princípios do racionalismo. Havia outra coisa mais ligada ao Jacob Ruscht,

ligada ao Plínio Croce, ao [Salvador] Candia, que era uma tendência muito mais ligada a uma

visão organicista, [ao] Frank Lloyd, especialmente. Existia uma postura... Miguel Forte, que

fazia praticamente uma arquitetura do Frank Lloyd... existia uma diversidade de posturas; por

uma coincidência, também, uma diversidade, podemos dizer, política. Mas isso não era por

razões aparentemente políticas, era por razões de preferência: o Plínio trabalhava muito com a

madeira, mais organicista... o Plínio Croce, nesse tempo, antes inclusive de ele ser sócio do

[Gian Carlo] Gasperini. Ele tem prêmios, da Bienal, por uma arquitetura que era mais uma

visão... se quiser colocar em termos de nacionalidade, mais “americanizada”, [sendo] a outra

mais “europeia”. Isso coincidia – não digo na maior parte dos casos – com uma postura

política... certo?

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RK: Mas essa corrente, digamos, “organicista”, mais seguidores de Wright, ficava mais ao lado

da “esquerda” ou do lado conservador?

JM: Tinha simpatia pela direita. Era um grupo muito mais ligado ao Mackenzie do que à FAU,

então isso já... a não ser, por exemplo, um professor, que não é um cara formado na FAU, o

Paulo Mendes da Rocha, mas que era [professor] da FAU... e a FAU tinha fama de ser uma

escola de “esquerdistas” e tal, e aquela coisa toda. Então eu estou te dando isso, na minha

opinião, como uma manifestação típica pré-revolucionária, já antevendo que isso ia acontecer,

porque eles radicalizaram para esse lado. Eu fui numa reunião dos dois grupos – eu estava em

um grupo e [também] no outro [risos] –, até foi no escritório... na casa, do Fábio Penteado,

para ver se a gente chegava a um acordo, mas a radicalização era total. Três palavras e já...

“ah, você pra lá, você pra cá...” e vai embora. Não havia nenhuma intenção de se fazer uma

chapa de coalizão. Era a “revolução” – conquistada pelo voto.

RK: Mas na eleição seguinte vocês tentaram, não é? Vi em outra entrevista sua, na qual o Sr.

conta que, em 1965, o Sr. montou uma chapa com o Júlio Neves?

JM: Em 65... eu era vice-presidente. Aí, a coisa não ficou tão clara, porque era aquela coisa...

precisava de mais gente para fazer o trabalho, então chegamos a uma chapa de coalizão, na

eleição seguinte. Aí o Julinho era presidente, eu era vice, quem era governador nesse tempo era

o Abreu Sodré, colocado pelos milicos. Como era de bom arbítrio, nós fomos conversar com o

Abreu Sodré, mas tudo na linha do “estamos aí para ajudar, para colaborar...”, e foi. Não

houve na época atrito de ordem ideológica dentro da chapa. Aí, a coisa começou a se moldar, e

já tomou caminho.

RK: E havia esses debates dentro do IAB? Debates sobre o rumo do país, a questão da política

com a arquitetura... eram acalorados esses debates? Ou não havia, em reuniões, esse tipo de

discussão?

JM: Eu acho que, antes disso, nós tínhamos mais debates. A gente criava grupos no IAB para,

por exemplo, o estudo de fenômenos... problemas de energia, problemas da Light, tinha muitas

coisas aí altamente polêmicas, sobre o plano energético do governo, [sobre] os interesses da

Light, [das] empresas... a tese de que o lugar para fazer a coisa toda era no alto de São Paulo e

não no Rio [de Janeiro]... mas aí era uma posição... sempre houve essas posturas políticas, mas

elas não eram assim tão manifestas. Mas, discussão política, depois disso, amainou, não se

falou muito disso. Mesmo porque, nessa primeira fase [do regime militar], a coisa se

acomodou, sabe? A coisa não pareceu tão ruim, nem tão boa. Claro que, ao chegar em 69, aí já

é o AI-5, em que acaba se tomando uma posição. Mas antes disso não era tão claro. Por

exemplo: houve um concurso para o quartel do exército no Parque do Ibirapuera. Costa e Silva,

inclusive, era, não era nem presidente, ele era o [Ministro da Guerra]... bom, não sei qual é a

região 1 aqui... foi feito um concurso. Eu fui membro do júri. Não seria de bom arbítrio eu ser

membro do júri se houvesse, aí dentro, uma postura ideológica. Senão eles colocavam de lado

os “esquerdistas”, nem chamariam e tal, mas você vê que não havia essa questão, tão

1 2ª Região Militar (Estado de São Paulo). O concurso a que Maitrejean se refere é o do Quartel General

do II Exército e Quartel-General da 2ª Região Militar.

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marcante. Quem é que ganha esse concurso? Bom, quem é o júri? Era eu, o David Ottoni, quer

dizer, posturas... o David também era de esquerda, tinha trabalhado muito tempo com o

Artigas... mas era um júri equilibrado, “não se olhava” esse lado. E quem ganha esse concurso,

surpreendentemente, é o Paulo Bastos. Então você está vendo que, é aquela coisa: como é que

o Paulo Bastos...? Bom, ganhou por merecimento, mas era uma coisa que não dava para se

imaginar. Isso é uma coisa que sempre me ocorre porque... foi uma fase meio “mole”, não é? E

por pouco essa fase, realmente, se não se radicalizasse, voltaria ao estado normal. Nesse meio

tempo, morreram algumas pessoas porque, havia uma certa tendência a se voltar ao estado

[anterior ao golpe]... mas quando vem o AI-5, aí já há uma radicalização, posturas, eu mesmo

fui aposentado na FAU. Aí começa toda uma outra história, que é a da perseguição, etc.

RK: O Sr. não chegou a ter que se exilar e etc.?

JM: Não, porque aí não tinha atividade política. Tinha a “fama” da escola, aquela coisa toda.

Mas acontece que eu estava, na verdade, no Conselho Universitário. Eleito, numa “escola de

comunistas”, e tinha um montão de catedráticos não comunistas e como o estatuto da

universidade não obrigava... quer dizer, o membro do conselho podia ser qualquer coisa – eu

era auxiliar de ensino. Então, numa reunião da escola, eu fui eleito. E eu era exatamente o

“protótipo da revolta” na universidade... não eu, pessoalmente, mas o “ato”: como é que a

faculdade de arquitetura, aquele antro de comunistas, manda esse moleque, auxiliar de ensino,

para o Conselho Universitário? [Aquilo] foi tomado de duas maneiras: primeiro, por uma certa

liderança que eu poderia ter entre os alunos e essa coisa toda, mas não por uma atitude

política clara. Já no AI-5 mesmo, uma atitude política clara, não foi tão clara na universidade,

quer dizer: os caras declaradamente comunistas, o Sérgio Ferro, o Rodrigo Lefèvre, não

sofreram sanções. Os que sofreram sanções estavam na política dentro da universidade. Então

esse é outro fato que estou te explicando para mostrar como as coisas não são tão claras, quer

dizer: eu nunca fui taxado de comunista, o que havia era uma postura “esquerdista”, mas uma

postura independente. Aí quando veio o ato, o AI-5, eu estava na universidade, no conselho, aí

eu fui cassado junto com o reitor e outro montão de gente ilustre, o que até certo ponto me

honrou, pela companhia...

RK: Florestan Fernandes, Artigas...

JM: Nunca me senti tão importante quanto nesse dia [risos].

RK: E... o Sr. chegou a participar do concurso para Brasília?

JM: Para Brasília não. Não me sentia capaz. Acompanhei alguns, era muito amigo do [Joaquim]

Guedes e do Millan, que estavam fazendo juntos, então eles alugaram uma casa, aqui... eu fui

lá ver, mas não participei. O Artigas participou, e tal. É um bonito concurso para reflexões.

RK: Acho que a Lina também não participou, não é? Do concurso...

JM: Não.

RK: O Sr. chegou a trabalhar no desenho da “Casa de Vidro” [de Lina Bo Bardi], com o Abelardo

de Souza?

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JM: Não, eu trabalhei com a Lina... eu trabalhava com o Abelardo, isso no tempo de escola, em

que eu fui ser assistente dele, e a Lina pediu pro Abelardo se ele podia “me emprestar”. Foi um

empréstimo que o Abelardo fez, e ela nesse tempo estava desenvolvendo a Casa de Vidro.

Nesse tempo o [Pier Luigi] Nervi veio para São Paulo. Conheci ele, conheci o filho dele, que era

arquiteto. Mas foi só desenho. Nessa mesma época, com a Lina, nós fizemos a “Taba

Tupiniquim” [“Taba Guaianazes”], obra que ela fez lá no Bixiga. E o Nervi veio aqui, foi o Nervi

que fez o cálculo, não sei se você conhece o projeto, é um conjunto residencial com um grande

teatro embaixo, lá no Bixiga, na Praça das Bandeiras. Trabalhei bastante com a Lina, fizemos o

projeto, maquete, etc. E com a Lina era gostoso trabalhar. De vez em quando a Lina me

chamava. Quando ela fez um concurso de móveis para Cantù, na Itália, ela também me

chamou, mas puramente como desenhista. Ela jamais discutiu alguma coisa comigo sobre o

projeto. Eu não era um colaborador. A única colaboração que às vezes ela me pedia era... o

Museu de Arte [de São Paulo, MASP], nessa época, tinha cursos. Um dos cursos era de desenho

arquitetônico. Eu dava aula para arquitetos... o Maurício Nogueira Lima... havia um montão de

gente, muita interessada, que fazia o curso. E, de vez em quando, ela não podia, e me pedia

para dar uma aula sobre escadas, essas coisas. Bom, então eu trabalhei com a Lina, mas era

meramente como um desenhista. Aí houve essa visita do Nervi a São Paulo e o projeto que ele

fez para fazer a Taba Tupiniquim, que era do [Assis] Chateaubriand, também, como todas as

coisas... o nosso escritório era no prédio do Chateaubriand. Era um projeto revolucionário, com

andares inteiros com jardins, está publicado no livro dela.

RK: É interessante a posição dela nesse período, não é? Porque muitos livros falam da posição

do Artigas, do Sérgio Ferro, contrapondo a questão do canteiro e do desenho, etc. Já a questão

da Lina, quer dizer, ela vai para a Bahia, trabalhar no restauro do Solar do Unhão... um

posicionamento que ficou meio marginal nesse embate...

JM: É porque ela muda! Quando eu conheci a Lina, e trabalhei com ela, no começo, ela era

uma europeia, racionalista. Então, você tem um exemplo que eu acho incrível: você conhece a

casa dela, no Morumbi? Muitos anos depois, isso já nos anos 70 – e a casa dela é dos 50 – ela

faz outra casa. E ela tem uma cúpula mourisca, tem toda uma transformação, já... ela volta a

desenhar com as aquarelas dela, tem uma transformação muito grande. Especialmente depois

que ela vai para a Bahia. Então você não pode dizer que a Lina que faz essas coisas na Bahia é

a mesma que fez o MASP. E antes do MASP, nós tínhamos feito o Museu de São Vicente. Está

no livro dela. Não sei se você conhece. O nosso MASP aqui é assim: uma estrutura ao longo do

prédio. O Museu de São Vicente é o mesmo bloco, mas é feito com pórticos atravessados [no

sentido transversal]. É uma espécie de “Mies” – ela gostava muito do Mies [van der Röhe]. Ela

ainda não era uma fã ardorosa da arquitetura brasileira. Fazia muitas críticas ao Ibirapuera, às

obras do Oscar [Niemeyer]. Ela achava que eram obras um pouco... não sei se ela gostaria que

eu dissesse isso, mas eram... obras “formalistas”. Aí citava: “Ah, pega o Mies, que está fazendo

o salão de convenções de Chicago... um enorme vão, e lá dentro você pode fazer como quiser”.

Aí vai lá no Ibirapuera e todos aqueles pilarezinhos... ela achava isso ruim. Enfim, ela tinha uma

posição muito europeia, então, se ela falava de Mies, não estava falando de Frank Lloyd.

Agora, eu não sei te explicar o porquê, mas há uma mudança entre a Lina que eu conheci e a

Lina que depois se revelou com as outras obras.

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RK: Voltando ao assunto do IAB... como era a aproximação do Instituto com o PCB [Partido

Comunista Brasileiro], por exemplo? Havia tentativas dos arquitetos filiados trazerem as

discussões do partido para esse âmbito?

JM: Sinceramente, não, com o partido em si, não. Agora, com elementos do partido, sim. O

Abelardo mesmo era do PCB, ele era tesoureiro do PCB, um cara que era importante dentro da

estrutura do partido. Era um comunista declarado. Agora você veja: naquele momento [do AI-

5], na escola, ele não sofre nenhuma... [sanção]. Então tinha muitos elementos que pertenciam

ao Partido Comunista. Mas isso não os distinguia do ponto de vista do Instituto de Arquitetos.

Não era como você conquistar o sindicato, não era o mesmo sentido, a coisa era colocada em

um grau mais intelectual. No sindicato, aquelas brigas de partido, aí é uma coisa. Mas a luta

pelo poder, no IAB, por parte do Partido Comunista nunca foi um objetivo. Mesmo o Artigas

nunca foi presidente do IAB. Você vai encontrar presidentes pró, contra, muito contra, muito a

favor... é muito uma coisa de momento e eleição, na base do... dos sócios mesmo. Não exisitia

essa coisa que o Julinho, quando precisou eleger o Botti fez, aquela campanha maciça, [com]

secretárias várias telefonando, pedido voto, com lista de todos os sócios – que foi, aliás, o

próprio IAB quem deu para eles –, aí era uma coisa muito organizada. Mas essa visão, política,

era mais a eleição de um clube, do que propriamente uma eleição... agora, tudo isso é a minha

opinião, não é? Embaixo do IAB tinha o Clube dos Artistas. Eu frequentava, era tudo uma

coisa... era uma coisa gostosa. Você convivia com prós e contras. Eu me lembro de uma vez em

que tive um atrito com o cara que era pianista lá do clubinho, e ele era delegado, quase me

prendeu [risos], mas no clubinho era comum se discutir política...

RK: Outra coisa... eu vejo que nas revistas desse período – Módulo, Acrópole, Arquitetura (do

IAB-GB), nenhuma delas cita esse processo político brasileiro daquele período. Se você pegar as

revistas de 64, nenhuma delas fala do golpe, dos rumos políticos... não se manifestam. Não

fazia muita diferença? Ou fazia mas não se podia falar? Ou seria, ainda, algo bom, do ponto de

vista do planejamento...?

JM: Eu vou te dizer coisas que são muito mais... do “feeling” do que propriamente... qual de

nós, como arquitetos, por acaso, admirávamos a arquitetura russa? Ninguém. Então, o que se

pode entender é: se vamos falar de arquitetura, não vamos falar de arquitetura russa. O

Artigas foi um cara muito cobrado disso. Eu me lembro do discurso que o Khrushchev fez no

20º Congresso do Partido Comunista. E ele fala da arquitetura. Ele fala daquelas cariátides

segurando a fachada dos prédios: “bom, e nós aqui olhando a bunda dessas coisas...” [risos],

ele (o Khrushchev) faz uma crítica à arquitetura russa. Isso já embananou a cabeça de muitos

arquitetos. Ninguém fala, mas você tem uma fase do Artigas que é uma fase do retorno ao

neocolonial. Muito ligado a esse momento! Não fez grandes coisas. Mas voltou quase à linha

do Lúcio Costa e toda aquela coisa do neocolonialismo, muito em função do discurso do

Khrushchev. Isso coincide com esse momento do golpe, coincide com um momento bastante...

fim dos anos 50. Então por isso é que eu te digo: no Brasil não se misturava o comunismo com

o processo... quer dizer, a arte comunista com o movimento comunista. Não havia nenhum

comunista que defendesse a arquitetura comunista. Nem o Artigas! Então, é muito difícil você

encontrar nas revistas uma postura coerente. Na minha opinião é isso. O que nós tínhamos a

aprender com os russos? Nada! Agora: todo mundo já tinha lido o Bruno Zevi. Então quando o

Bruno Zevi coloca o Stalin como o homem que foi contra toda a arquitetura moderna russa,

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que acabou com quase tudo... E você pode imaginar que o Le Corbusier ganhou o concurso

para o Palácio dos Sovietes com uma arquitetura toda moderna? E no concretismo russo

explode a “arquitetura social”, e aquela coisa toda que foi cortada pelo Stalin. Até esse ponto,

estavam de acordo a política e a visão dos arquitetos, só que esta foi “cortada” em 1929, ou

1930. Isso o Bruno Zevi coloca. E o livro do Bruno Zevi é um dos livros-base que nós tínhamos

na escola, nós líamos... nem sempre nos agradava, porque ele é um grande defensor do

organicismo, Frank Lloyd, americanófilo... mas ele colocou isso de uma maneira muito clara.

Então, de repente, a arte se separou da política. Então, é por isso que eu digo: se a nossa

arquitetura estivesse realmente ligada a uma visão de arquitetura comunista, ou popular, ou

qualquer nome que se dê... se isso pudesse ser caracterizado na obra do Artigas ou na obra de

qualquer comunista nosso, é evidente que poderíamos ligar com uma profundidade muito

grande a arquitetura a uma visão política, como a do marxismo. Mas isso não existia. Existia

até uma grande desconfiança. Você não pode chamar o Le Corbusier de comunista. Tampouco

de “esquerdista”. Eram todos grandes socialistas... É o que o [Tom] Wolfe 2, naquele livro,

coloca: esses caras que fugiram do nazismo eram todos socialistas. Aí foram atravessar o

Atlântico... “Ih, o navio vai afundar, temos que jogar alguma coisa fora!”... “vamos jogar a

nossa ideologia socialista!” [risos], jogá-la ao mar e chegar aos Estados Unidos para fazer...

não sei se você leu o livro, mas é muito engraçado, nesse sentido, o Mies e esse pessoal todo,

por serem socialistas, ou quase comunistas... bom, mas isso é só en passant... então é por isso

que eu acho que os jornais e as revistas de arquitetura não tinham uma posição. Porque nós

nunca tivemos uma arquitetura que se baseasse em qualquer coisa nesse sentido. Se pode ter

um cara que teve muita influência na nossa formação toda, esse alguém seria o Artigas. E aí

veja você o caminho que ele segue. Ele é um homem como outro qualquer, ele tinha que

sobreviver. Quando ele sai da Poli ele monta um escritório com o engenheiro amigo dele e fica

fazendo casinha: colonial, casinha normanda, o que desse, era um homem que vivia da

profissão. Também muda um pouco quando vai para os Estados Unidos, aí você vê como as

coisas mudam. Então, o discurso era: mas a arquitetura, como expressão... qual seria a

arquitetura mais...? Você tinha tirado já da arquitetura tudo o que a amarrava à burguesia.

Tinha acabado com o decorativismo, com os adornos, tínhamos tirado da arquitetura o

símbolo da burguesia. Então, era essa a arquitetura que poderia representar um pouco o

comunismo, ou o socialismo. No começo do século você começa o movimento antidecorativo,

antissupérfluo, no fundo é um movimento antiburguês.

RK: E o debate sobre a pré-fabricação? No começo dos sessenta há um debate sobre a questão

da pré-fabricação...

JM: A primeira coisa aí é o que é a pré-fabricação. Quando você fala em pré-fabricação no

Brasil, evidentemente você não está pensando na habitação popular. Porque no Brasil foi

introduzida a pré-fabricação pesada. Para começar a fazer as indústrias, os grandes galpões e

tal. O que não é a pré-fabricação, vamos dizer assim, do ponto de vista do arquiteto. É a visão

da pré-fabricação como um processo construtivo. Agora, quando você vê, por exemplo, uma

obra do tipo da do Oscar Niemeyer, uma das coisas mais bonitas que eu conheço, já

derrubaram, a fábrica [de biscoitos] da Duchen, na Via Dutra. Aqueles pórticos de concreto... a

2 Tom Wolfe. A fogueira das vaidades.

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pré-fabricação podia ser a consequência, mas aquilo... não era a maneira de se construir

aquilo. A pré-fabricação se baseia numa coisa que significa a repetição, então você tem que

repetir. Significa ser tudo muito parecido. Então, a pré-fabricação como expressão estética, ou

arquitetônica, não era uma “visão”. Há algo que sempre se confunde muito: pré-fabricação e

industrialização – são duas coisas absolutamente distintas. Nossa construção é totalmente

industrializada – quer dizer, já não é mais artesanal, entende? Quando nós brigamos contra a

telha colonial, e nós, arquitetos, optamos pela telha “Brasilit”, estávamos optando pelo quê?

Pela industrialização! Pela eliminação da mão-de-obra barata, miserável, para fazer a telha,

que era um processo artesanal. Então, nós eliminávamos da nossa válvula as coisas que

representassem o atraso no Brasil. Esse era o conceito maior. Então, era a luta contra o tijolo,

contra a telha, contra o artesanato, contra o atraso da mão-de-obra brasileira, a favor da

montagem, entendeu? Agora a pré-fabricação é outra coisa. O que é pré-fabricação? Uma

estrutura metálica é pré-fabricada, sempre foi. Já a pré-fabricação do concreto é uma outra

coisa. Agora a industrialização sim. Nesse sentido nós tínhamos uma postura. Optamos,

usávamos o máximo de material industrializado. Era ideológico? Não sei, porque no fundo

estávamos dando dinheiro para a Eternit e para a Brasilit, que eram grandes conglomerados

multinacionais [risos]. Se você entra nessas coisas é difícil encontrar coerência naquele

raciocínio nosso, éramos bem mais jovens... Mas era muito gostoso você lutar contra o

atraso... ou achar que estava lutando contra o atraso...

RK: O Sr. poderia comentar um pouco sobre o ambiente estudantil na FAU/USP nesse período,

sobre o debate político-social?

JM: A FAU tinha muito [esse debate]. Mas a FAU era realmente uma divisão de forças

absolutamente política. Novamente, não era arquitetônica [a divisão]. Então você tinha

arquitetos que eram da UDN [União Democrática Nacional], da Igreja, arquiteto que era do PC,

católicos progressistas. Esses eram movimentos realmente políticos, representavam grupos

dentro da faculdade.

RK: E como ficavam as aulas de projeto nesse ínterim? É verdade que se falava muito e se

projetava pouco?

JM: Depois da “revolução”... nós estávamos inclusive já aposentados, houve um momento na

FAU, em que o cara, ali, não adiantava nada projetar. Precisava-se fazer realmente um

movimento, não adiantava fazer a obra para esse regime que estava aí, então tínhamos que

discursar, tínhamos que se movimentar, que agitar. Era uma visão antiprojeto e uma postura

política. Então a FAU passou muito anos sem quase exercer o projeto. Era uma escola

politicamente de esquerda. E isso ficou mais forte depois da revolução. Então essa fase em que

a FAU projetava pouco, porque achava que projetar era coisa de reacionário, e que o

importante era fazer a revolução, é um período. Agora, que isso gerasse, dentro da escola,

grandes discussões, também não tem muito sentido. Você está passando por uma fase de

silêncio, quer dizer, são os anos 70: essa é a fase em que isso acontece. Há jornais

clandestinos... Antes disso, em nosso tempo de estudante, é como eu te digo: a divisão era

realmente política, e muito ligada à igreja progressista... O próprio [Joaquim] Guedes, um

tempo, era “supercatólico”, e depois ele virou comunista. Hoje não se diz, não é? Mas as

maiores discussões que nós tínhamos, se tinha alguma coisa que se discutir, era [sobre] a

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Petrobrás. Era a Petrobrás e estávamos na rua, era o movimento que tinha que pegar nas

escolas: “o petróleo é nosso”. Então, o tema não era a arquitetura, o tema era o país. Então

quando você sai na rua para defender a Petrobrás é uma visão político-econômica então, eu

não sinto essa coisa de amarrar a arquitetura a uma ideologia. Poderia amarrar se eu, por

exemplo, falar: “Ah, o Frank Lloyd, americano, defende uma posição... e eu vou fazer a

arquitetura dele”... mas não era uma posição política. E mesmo a arquitetura que a gente

fazia. Não tem nada a ver com movimentos posteriores, como o da autoconstrução, a

arquitetura da terra, e outras coisas, que são movimentos bem posteriores.

RK: O Sr. chegou a participar do Seminário de Habitação e Reforma Urbana, organizado no Rio

e em São Paulo em 1963, na época do Jango?

JM: Não lembro. Lembro que existiu aquele movimento todo: Reforma Urbana, Reforma

Agrária... isso fazia parte da nossa discussão do dia a dia. Mas eu não lembro de

acontecimentos específicos dessa época, ligados à... não me lembro nem de quem organizou

esse evento, aqui em São Paulo.

RK: Eu li uma entrevista sua para as professoras Eneida e Kátia, da [Universidade] São Judas

[Tadeu], e elas estão falando sobre uma ou duas casas que o Sr. projetou, e falam sobre o

Buckminster Fuller. O Sr. teve essa influência do pensamento dele, marcante nos anos

sessenta?

JM: O Buckminster... olha, eu vou te contar uma história. Eu montei um escritório com uma

pessoa brasileira, carioca, que tinha estudado em Chicago, no Instituto de Design, com aquela

coisa toda de “shelter design”. Tinha trabalhado com o Mies, porque ela falava alemão, e ela

me deu uma apostila que se chamava A revolução por uma nova indústria. [De] 1929. Depois

eu mandei traduzir isso, pela faculdade. Isso mudou muito a minha maneira de ver a

arquitetura, algumas coisas que a apostila contém me marcaram muito. Eu nunca esqueço o

dia em que eu parei o Artigas, ficamos conversando e eu falei do Buckminster Fuller para ele.

Só faltou me bater: “Ah, esse cara! É o cara que está querendo entrar nos interesses

imobiliários, e não sei o quê... e você mandou traduzir o livro, a apostila desse cara?” – eu levei

a maior bronca [risos]! Mas isso mudou muito a minha cabeça. É engraçado porque ele parte

de uma coisa que eu achei maravilhosa: não se faz nada se você não tirar o peso das coisas. A

eficiência de uma coisa tem quer ser medida através da eficiência pelo peso. Entendeu? É a

filosofia da indústria aplicada. Isso ficou gravado na minha cabeça. E aí, por exemplo, se eu vou

raciocinar: o que significa uma viga de concreto? Foi aí que eu comecei a dar razão ao

Buckminster. Porque para fazer uma viga... eu tinha em casa uma viga de doze metros – na

minha casa. E eu fiz de treliça metálica. Deu 60 [centímetros] de altura. Se eu fosse fazer em

concreto, além do peso do material... metade do consumo daquilo era para aguentar o peso

próprio. Eu comecei a achar que... Era um material muito defendido [o concreto], muito

parecido com o fazer taipa de pilão, que o Artigas defendia... eu achei aquilo tudo uma

bobagem. Quer dizer: a arquitetura de concreto, “brutalista”, não se sustentava se você fizesse

uma análise do tipo da do Buckminster: ele pega la´um exemplo maravilhoso, pega a

comparação “por quilo”. Aí ele pega lá um hotel de Nova Iorque, que eu não sei se é o Waldorf

Astoria, um daqueles hotéis de Nova Iorque, calcula o peso, aí pega o navio, não sei qual deles,

o Elizabeth, um daqueles lá e o peso, e examina em função do peso a performance de cada

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coisa e fala: “olha, esse navio, pesa metade... mas ele anda! Ele tem abastecimento para um

mês. Transporta a mesma capacidade de gente que tem aqui”. E por aí vai. “Ele gera a sua

própria energia, não suga da cidade”. Esse é um desenho, um design. Então quando ele cita um

exemplo desse, com aquele prédio enorme, lá, pesando, chupando água, energia, aí você sente

alguma coisa... “realmente ele tem razão”. Isso marcou a minha maneira de ver as coisas.

Especialmente nessa época do concreto “à vista”, do “pórtico”, do Artigas... Então ele [Fuller]

era, na minha opinião, o elemento contrário, independente de questões políticas, com uma

visão que seria a de uma arquitetura mais racional, mais leve, menos consumidora de energia –

na verdade, uma arquitetura mais “sustentável”. Naquele tempo não existia essa expressão.

Mas era uma arquitetura mais “pra frente”. E isso deu, assim, um pouco de atrito, entre a

minha postura e a postura vigente. O [Rodrigo] Lefèvre, o Flávio Império, já trabalhavam com

uma visão um pouco diferente dessa coisa da “grande viga”. Começaram a pegar a parábola, o

tijolo, começaram a encontrar uma arquitetura que se sustentasse, pudesse ser montada, era

uma visão comunista, mas levada por uma visão que não era a do formalismo. Então você vê

que há diferenças. Mas, são coisas... e, no Buckminster, maldita hora em que eu li ele... eu

achei tão bom que mandei traduzir e publicar pelo grêmio da FAU. Era um artigo para uma

semana de arte... e, num outro dia, por acaso, eu achei esse texto. Reli. Mas não me causou

nem a décima parte da impressão que me causou quando o li pela primeira vez.

RK: E, nessa arquitetura brasileira, “paulistana”, não havia essa tentativa de se pensar a

aplicação de materiais leves, como na arquitetura inglesa, ou como no caso do próprio

Buckminster? Metal, aço... isso era muito distante, ainda, tecnologicamente?

JM: Essa visão não existia. Em termos de industrialização, quem trouxe para o Brasil o sistema

inglês de montagem foi o [Eduardo] Kneese de Mello. Eram uns painéis que se montava, trouxe

da Inglaterra. Ele construiu, aqui, mas não deu certo. Um cara que fez coisas assim, nesse

sentido, foi o [Oswaldo] Bratke. Ele era um homem muito experimentador, grande arquiteto.

Então, por exemplo, na casa que ele fez no Morumbi, ele fez umas treliças utilizando restos de

cantoneiras de serralheiro. Então soldou – é o próprio conceito de peças pequenas formando o

triângulo indeformável. Mas era uma coisa “pessoal”. Agora, a montagem... se fala muito, mas

era muito difícil fazer. Alguns de nós fizeram experiências, mas essa nunca foi a meta. Se eu for

falar do Buckminster, sim. A única coisa que eu digo que estaria dentro disso é a obra do Sérgio

Ferro, do Lefèvre, que faziam aquelas coisas, como na casa do Juarez, usando o elemento

cerâmico como elemento estrutural leve, carregável, montável. Porque o problema todo é

carregar.Uma coisa é pesar, e a outra coisa é trazer aquele peso até a obra. Então o que o

Buckminster fala não é do peso em si, mas do que custa carregar saco de cimento, pedra,

máquinas para fazer isso, quando posso levar um elemento leve. Isso para um jovem como eu

significava uma coisa maravilhosa, assim como da primeira vez em que eu ouvi falar da

arquitetura moderna – que também mudou toda a minha cabeça. Isso também mudou muito a

minha cabeça, mas não a minha obra – porque uma coisa é pensar, a outra é você... Essas

coisas são feitas para quem tem ou é um “realizador”: um cara empreendedor, e não só

pensador.

RK: Eu queria te perguntar sobre o episódio do AI-5, da aposentadoria, como foi? De uma hora

para a outra, eles chegaram e...? Porque o AI-5 foi promulgado no final de 1968. E aí, em 69...

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JM: A gente só viu no jornal. Soube pelo jornal. Isso foi uma coisa assim... na verdade, você

tinha sido aposentado. A gente era novo naquele tempo, então tinha pouco tempo de serviço.

Isso me obrigou a tomar um caminho, a procurar emprego, a procurar montar um escritório,

muda completamente a vida da gente. Mesmo como carreira universitária... tudo isso, [você]

tem que largar, porque você é proibido de dar aula. É uma transformação. Mas não posso dizer

que tenha sido ruim, do ponto de vista... você sabe, eu vim para o Brasil porque meu pai teve

que fugir. Então, não é uma coisa tão traumática, mas, para quem passou pela guerra civil

espanhola, você sente que essas coisas fazem parte.

RK: E o Sr. veio para cá no período da guerra... anos 30?

JM: É, meu pai veio para cá porque veio fugindo, conseguiu depois, trazer eu e minha mãe...

aquele trauma... E a vida toda ouvindo: “não se mete em política, meu filho, não se mete em

política!” [risos].

RK: Uma última pergunta: o Sr. foi trabalhar na Duratex? Foi depois da FAU?

JM: Quando eu fui mandado embora, eu tinha um escritório de construção, um escritório

pequeno. Evidentemente, era mais sustentado pelo que eu ganhava na FAU do que pelo que

ele me dava, propriamente. Nesse instante, a Duratex, por uma casualidade me convidou para

trabalhar numa linha deles. Essa linha deles, o Buckminster etc., entram tudo num bolo, cujo

resultado é a minha casa. É o resultado de todas essas misturas. Eu entrei na Duratex criando

um departamento chamado de “produtos novos”: nos Estados Unidos, a madeira é a base de

90% da construção das casas, e o uso de elementos de madeira nos Estados Unidos é muito

divulgado. A Duratex imaginava “mapear” o mercado: como fazer com que o material que nós

fabricávamos entrasse na construção. Para qualquer coisa, mas na construção civil. Aí eu

desenvolvi vários trabalhos. Era uma coisa muito... a coisa mais feliz da minha vida foi

trabalhar em laboratório. A fábrica lá mandava fazer assim, experimentar isso... e daí quando

fui fazer a minha casa, falei: deixa eu experimentar os materiais que eu estou fazendo aqui.

Alguns materiais funcionaram, outros não, e a minha casa está em pé ainda, depois de 40 anos

que foi feita. E ela parte da “montagem” que você citou, da modulação do bloco, de 40

centímetros, que por acaso também é a modulação das placas de Duratex, e por aí vai se

encontrando... Então, é uma casa que não se desenha, uma casa em que os módulos, a

dimensão é quem manda, então tem a viga, de 12 metros de vão, que é uma viga metálica... Eu

nunca me esqueço do dia em que o Ubyrajara Gilioli foi me visitar: “ah, Jean, vai fazer uma viga

metálica, por que não fez de concreto, que é a moda?”, aí eu contei essas histórias para ele...

Primeiro, que teria que fundir no local, teria que trazer as placas de concreto, fazer o

cimbramento, fazer a forma, engravatar, encher, trazer cimento, areia para cá, encher de

pedregulho, bater tudo isso, e aí pegar um “baiano” para ir jogando isso, nessa viga que o

ferreiro encheu... Que nada! Eu mandei fazer, o cara veio, locou a estrutura, parafusou, pronto!

É por isso que eu acho que a viga de concreto é burra. É fácil explicar porque ela é burra: até o

preço da estrutura metálica é mais barato – não dá trabalho, não se faz na obra, vem da

oficina, se ela é muito curta ou muito comprida você vai lá na obra e solda... Então: a Duratex é

uma experiência que eu gostei muito, fiz vários produtos... divisórias, armários...

RK: A Duratex já era uma empresa grande naquela época?

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JM: Já era grande. Como ela estava ligada ao Itaú... o presidente da Duratex era o Olavo

Setúbal, que mais tarde foi prefeito, era um homem super... e o Olavo Setúbal também era

dono da Deca. Aí juntou Deca, Duratex, e depois juntou com o Itaú, então virou um enorme

conglomerado. E ela dividia o mercado com a Eucatex, do pai do [Paulo] Maluf, que chamava

Serraria Americana. Então uma se dedicou ao soft, quer dizer, ao “mole” – a Eucatex –, que

tinha muita aplicação em termos de acústica, etc. e a outra se dedicou à chapa dura. Depois a

Eucatex também entrou na chapa dura porque só aquilo não dava. Depois as duas chegaram à

chapa semidensa. Então, na minha casa, eu fiz uns armários com a chapa que hoje em dia

chamam de “mdf”, que foi a experiência que nós fizemos lá para chegar à chapa de densidade

menor. A chapa anterior era muito pesada. E essa chapa que hoje em dia se usa para móveis,

etc., nós fizemos a primeira experiência, e com as placas que sobraram eu fiz uma série de

armários, de encaixe, com aquela placa. Está lá, ainda. Aí eu fui convidado para entrar numa

empresa grande, a Engineering, já ganhando o dobro do que eu ganhava, falei lá na Duratex e

me disseram: “não, vai embora, porque a gente não pode... [pagar o mesmo]”. Mas essa fase

da Duratex é uma fase que eu vejo sempre com muito prazer. Porque é uma fase muito

criativa, experimental. Faz um piso de Duratex... como é que se faz? Que materiais?

Experimenta, põe nos corredores da empresa, para ver o quanto gasta, é muito gostoso.

RK: E aí, quando o Sr. foi chamado de volta para a FAU... quando foi? 1982?

JM: 1982, na anistia. Mas eu achei a FAU tão... outra! Eu não me dei bem. Realmente não me

adaptei. A FAU que eu tinha aqui [anteriormente] com 30, 40 alunos, todo mundo amigo,

conversando... sair da FAU e tomar cerveja, era outra coisa. Cheguei aí, e a FAU, depois, com

aquele negocio de doutoramento, e essas coisas todas... o poder começou a ficar na mão de

alguns espertos, as brigas internas, entre departamentos, pessoais, era um ambiente, para

mim horroroso. Não estava acostumado com essa briga pelo poder que havia lá. Aí eu tinha

um sócio, ele morreu, eu fiquei sozinho, tinha que dar aula, eu falei: “bom, não estou

aguentando, não estou gostando, não sinto prazer em dar aula”, então... já tinha tempo de

sobra para me aposentar... porque esse tempo que nós ficamos fora da FAU foi incorporado...

mas a razão básica, mesmo, é que eu não me sentia à vontade na FAU. O ambiente entre

professores, um come o outro, muito ruim. Me incomodava, sabe? Aí, cheguei lá, tentei fazer

uma proposta para a reformulação do curso... me falaram: “Jean, você é burro? Isso nunca vai

ser aprovado, os caras vão te comer uma perna! Você tem que fazer uma proposta que agrade

os interesses dos professores...”, não me senti bem. Era muito desagradável você sair de casa,

voltar e depois ter que ir lá, assistir a reuniões de departamento, uma brigalhada... uns são

vaidosos, brigam toda hora... para nada.

RK: A quanto tempo o Sr. leciona na São Judas?

JM: Faz tempo, já...

RK: Mas desde essa época? Ou foi depois...

JM: Eu tinha dado aula [anteriormente] em Santos/SP. O diretor de Santos era o Oswaldo

Corrêa Gonçalves. Ele me falou: “você quer dar aula lá, Jean?”, eu falei “bom, vamos fazer uma

coisa: eu estou proibido, estou aposentado para dar aula. Então, vamos tentar mandar o nome

para Brasília e ver se eles autorizam” (dava-se uma carteirinha aos professores para dar aula,

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em função do histórico...). A nossa surpresa é que essa licença veio. Como não tinha mais as

[antigas] listas de nomes, a visão não era mais aquela... Pegaram o meu currículo e acharam

que era muito bom. Por isso é que eu fui para a FAU-Santos. E era uma boa escola, poderia ter

sido uma bonita escola, com bons professores. Aí eu voltei para a FAU. Mas aí não dava para

ser FAU, escritório e Santos... Então tive que sair de Santos. Mas Santos era mais gostoso,

naquele tempo, para dar aula do que na FAU. O clima da FAU era muito pesado... acho que

universidade tem muito disso... muita vaidade, muita inveja.

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ENTREVISTA COM ALBERTO BOTTI

Rodrigo Kamimura

16 de maio de 2013 – escritório do arquiteto, São Paulo/SP

Rodrigo Kamimura: Estou estudando a arquitetura nos anos 60 no Brasil, principalmente com

relação às questões que envolvem política e sociedade... então é um debate interdisciplinar. Eu

estive pesquisando os arquivos do IAB e...

Alberto Botti: Eu era presidente, fui presidente em 63 se eu não me engano, um pouco antes

da “Revolução”. Por sorte do meu opositor, havia uma dicotomia muito grande entre esquerda

e direita. O país inteiro estava nisso. O Jango estava a toda e, por sorte do IAB, por sorte do

opositor, eu fui eleito... principalmente para o opositor, porque senão tinha certamente tido

intervenção [militar] no IAB. Mas enfim, eu consegui ser eleito. Acho que até hoje, eu nunca vi

uma atuação do IAB ter tanta gente, talvez. Assumimos e, o vice-presidente, o Júlio Neves, o...

quem mais era? Tinha uma diretoria de primeira que, no terceiro mandato reelegia-se ainda o

Júlio como presidente, e assim foi...

RK: O senhor pode falar um pouco sobre como foi essa dicotomia... dar algumas referências

históricas sobre essa questão?

AB: Bom, havia, na verdade, uma forte pressão na época dos grupos de esquerda, em função

de teses que... são milenares dos grupos de esquerda que, aquelas teses que você conhece, é

casa popular feita a bofetada, reforma urbana, se você procurar o que era reforma urbana e

reforma agrícola ninguém sabia muito bem. Eu também não sabia. Na verdade éramos todos

moços, todos tinham ideais, mas um idealismo um pouco... porque os grupos, não havia

propriamente esquerda e direita, havia esquerda e não-esquerda. Não havia direita. Direita era

uma expressão muito forte, um partido formal nunca existiu. Nós vencemos porque nós nos

organizamos na última hora, nós nos organizamos porque sentimos que o IAB estava indo pro

brejo. Foi feito um congresso no IAB, uma reunião dentro do IAB promovida por um deputado

federal que foi nomeado presidente da Fundação da Casa Popular. E fez-se essa reunião e ele

radicalizou à enésima. Por exemplo, na época nós defendíamos, entre outras coisas, a ideia de

cooperativa. Hoje se a gente defende a ideia de cooperativa é ridículo, é um “troço” tão

comum...! Ele acabou com a [ideia da] cooperativa: “isto é um absurdo, é uma proposta

escravizante, porque...” e eu já nem me lembro mais o que ele falou. E aquilo nos assustou, e

nós fizemos um grupo, que não era de direita nem de nada, era um grupo em oposição às

ideias radicais, e ponto. E haviam ideias radicais, que eu sustento até hoje. Haviam ideias

muito pesadas e, enfim, tivemos razão, tanto é que a maioria dos arquitetos, bem ou mal, nos

deram a vitória. Com isto, criou-se uma diretoria que exerceu o mandato dela dentro de um

equilíbrio. Nós não tínhamos proposta “maior”, política, nem poderíamos ter. Tínhamos a

proposta de dirigir o IAB bem e procurar fazer do IAB um elemento de defesa de classe. Na

verdade, nós estávamos muito centrados na época no Lúcio, no Oscar, que eram ícones da

classe. Mas eu tenho que dizer o seguinte: os caras nunca mexeram um dedo para defender o

IAB, nunca, e o Lúcio nem sabia o que era o IAB. Aliás, o Lúcio veio pra São Paulo, um pouco

depois, depois de um ano, dois anos, eu não me lembro exatamente, e nós fomos buscá-lo no

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aeroporto. Acho que foi o Paulo Bruna, eu não me lembro quem, nós fomos buscá-lo, e ele no

automóvel nosso, e ele olhava e olhava e não falava nada... Aí eu perguntei: “fazia tempo que

o senhor não vinha a São Paulo?”. E ele: “Eu nunca vim, é a primeira vez!”. Então um sujeito

que tinha feito o projeto de Brasília, não conhecia São Paulo. Naquele momento, o conceito do

Lúcio pra mim, desmoronou.

RK: Dizem que ele não ia muito para Brasília...

AB: Ele não conhecia São Paulo. Isso, nós estamos falando de um fato que ocorreu depois do

concurso de Brasília. Eu não me lembro das datas exatas. Então você veja que era uma visão

muito estranha. Bom, aí nesse interregno nós tivemos o quê? Nós tivemos o congresso da UIA

em Cuba. Então, nesse ínterim o IAB foi se desenvolvendo. Logo depois o Roberto Costa de

Abreu Sodré foi eleito governador indireto pela câmera legislativa. Aí existia um problema, eu

era amigo particular dele – ele era meu padrinho de casamento. E o Júlio era muito amigo dele

também. Então quando ele assumiu, foi no final do meu mandato, o Júlio foi eleito presidente,

então nós tivemos um contato muito bom com o governador. Um das razões pela qual aquele

projeto do Artigas, de habitação popular em Guarulhos da CECAP, foi executado é porque nós

tínhamos excelentes relações entre o IAB e o governador do estado na época. O que eu posso

dizer dos anos 60, é isto. Ah, houve o congresso também. O congresso de Cuba [em 1963].

Houve o seguinte: o Brasil foi livremente. Eu consegui na época passaporte diplomático para

todo mundo. Então, o passaporte diplomático, o visto pra Cuba, era dada numa folha à parte,

não no passaporte. O atendimento que eu tive no Itamaraty, por quê? Porque o Itamaraty era

um ministro do Itamaraty, o irmão de um arquiteto que era diretor do IAB central. O

presidente era o Ícaro. Léo Silveira, arquiteto do Rio [de Janeiro], era irmão do Silveirinha que

era ministro das relações exteriores. E nós conseguimos dele alguns passaportes azuis, pois

não deu pra conseguir pra todo mundo, pros diretores que foram o Ícaro e eu e o resto

recebeu visto em papel, numa folha à parte. Então, chegou no Brasil e não ficou documentado

nem detectado, o que na época era um problema. Então eu posso dizer que o congresso foi...

o Ícaro foi na frente, porque ele tinha que julgar o concurso do monumento para [Playa] Girón,

e eu fiquei com a responsabilidade de dirigir o grupo brasileiro. E Cuba mandou um navio, um

“naviozinho” pequenininho que pegava todo mundo em Santos. Nesse ínterim o pessoal dos

arquitetos do Chile – o Chile já estava numa revolução mais pesada –, não podiam embarcar, e

vieram pra São Paulo para pernoitar aqui e pegar o navio no dia seguinte. Chegou aqui, de

repente, do dia pra noite, eu me via com quarenta arquitetos e onde é que ia colocar quarenta

arquitetos? Sabe onde é que eles dormiram? Na sala, no chão do IAB. É! Ah, o que eu ia fazer?

O IAB é pra isso também! Bom, eles dormiram lá e foram todos para... Eu não embarquei com

o pessoal porque eu fiquei pra segurar as pontas da retaguarda. O pessoal foi de navio. Eu fui

com um grupo depois. Fomos pra Cuba de avião passando por Lima, Peru, um grupo grande de

São Paulo, e alguns retardatários que perderam o navio, inclusive uma arquiteta de São Paulo

que desceu em Salvador, o navio parou em Salvador, ela saiu para passear e não voltou.Aí ela

veio para São Paulo, pegou o avião e foi conosco, todos juntos. E Em Cuba, tivemos um

congresso muito interessante, do qual eu fui o embaixador brasileiro, na época, por instrução

do Silveirinha que se colocou a nossa disposição. Eu usei o meu cargo de presidente de São

Paulo e até de encarregado da missão brasileira, para dar um coquetel. Eu queria dar um

coquetel para o Cienfuegos, Álvaro Cienfuegos, que era o ministro de planejamento de Cuba,

irmão aquele Camillo Cienfuegos, que ninguém sabe quem matou, se foi o Fidel... Bom, não

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interessa. Sei que o Álvaro deu um coquetel, e convidamos... evidentemente, eu não podia

convidar todos, acho que tinha uns 150 brasileiros. Aliás, foi fantástico. No momento que

chegaram em Cuba, derreteu. Eu pra conseguir dois membros, eram cinco comissões, dois

membros por comissão tinham que participar de duas comissões, porque eu não consegui dez

pessoas pra fazer as comissões de divisão. Mas, tudo bem, faz parte da cabeça dos nossos

colegas. Eu sei que dei esse coquetel, e foi muito engraçado, porque chegou uma hora, pra

variar o Cienfuegos atrasou então, tinha um grupo lá presente, não me lembro quem estava,

mas... ah, serve uísque... o pessoal encheu a cara! Moderadamente... eu não bebo. E chega o

Álvaro, quem ele traz, como convidado especial: Che Guevara. Então entra o Che Guevara e,

estávamos todos lá, aí havia o seguinte: havia o pessoal de diversas “linhas” de pensamento,

mais de esquerda, menos de esquerda, esquerda a favor, esquerda contra, direita, centro... e

cada um, todo mundo fazendo perguntas pro Che Guevara. Eu, inclusive. Eu me lembro de

algumas perguntas. Ainda bem que eu não bebo, ainda segurei algumas perguntas mais

agressivas, outras também que era muita bajulação e escândalo, para fazer o Che Guevara

dizer, falar alguma coisa. O desgraçado não falava nada! Ele ouvia, dava risada e respondia... se

você perguntasse “que horas são?”, ele respondia “o dia hoje está quente”. Aprendi muito

naquele dia, em termos políticos. Que você pode perguntar o que você quer, mas a pessoa que

responde, responde o que bem entende. O Paulo Maluf fez isso por muitos anos e depois ria...

no fundo, no fundo, política, tanto faz... seja de esquerda ou de direita. E o contato com o Che

Guevara foi muito instrutivo para mim porque aprendi que... eu perguntei pra ele... uma

pergunta que nunca me esqueci, se era verdade a história do “paredón”. E foi a única vez que

ele falou sério, disse assim: “os inimigos da pátria não merecem viver”. Olha, essa frase eu ouvi

pessoalmente, pode ter uma variação de interpretação, de tradução, mas é isso mesmo: “os

inimigos da pátria não merecem viver”. Eu não concordo com isso, ou concordo em termos,

porque é claro que não é... mas o que são os “inimigos da pátria”? Os que pensam

contrariamente a o que eu penso?! Acho que não, né? Então é muito difícil definir o termo...

Esses dois caras que jogaram bombas, etc. [refere-se aos atentados na Maratona de Boston,

recentemente], acho que não deviam morrer, deviam ser presos lá nos Estados Unidos, para

saber o que é um exemplo. Agora, inimigos da pátria para o Che... aí ficou claro que realmente

ele fuzilou e mandou fuzilar centenas de pessoas. Eu acho que isto, pra mim diminuiu a ótica

do Che Guevara para o resto da vida e acabou-se. Mas enfim, esta história é interessante e se

você queria saber, eu contei.

RK: Como ficou a questão dentro do IAB pós-64, a questão do BNH, as discussões...?

AB: O BNH foi o seguinte. Quando houve a “Revolução”, o Castelo Branco criou o BNH como

resposta ao problema habitacional. O que me pareceu bem mais inteligente que aquele

deputado que queria fazer uma... como era o que ele queria fazer? Bom, mas não vem ao caso

o que ele queria fazer. Foi uma resposta. Nossa postura sempre foi a seguinte: vamos ver se

tiramos alguma coisa, algum proveito. Então, o primeiro presidente do BNH foi o Mário, como

era o nome dele?

RK: Mário Trindade?

AB: Mário Trindade. Conseguimos, trocando ideias, duas coisas: uma certa valorização do

projeto... “certa”... (não conseguimos valorização total até hoje...). Mas certa valorização do

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projeto e a promessa de que esse projeto seria remunerado, que o processo ia continuar e o

negócio realmente funcionou relativamente bem, eu não sei até que ponto, eu não estou aqui

pra julgar o BNH, mas nós fizemos na época o que achávamos o certo. Havia uma autoridade

constituída, havia uma proposta, o que nós tínhamos que fazer era melhorar a proposta

porque evidentemente trocar a proposta era inviável.

RK: Uma coisa que eu achei interessante, pesquisando nos arquivos e nos jornais da época,

etc.: o pré-1º de abril de 1964... e o pós-golpe. No pré-golpe há muita efervescência política... e

no pós-golpe parece que há uma confusão geral. Parece que não se estava entendendo o que

estava acontecendo...

AB: Mas lógico. Na verdade, a palavra “golpe” é muito interessante. O que foi o “golpe”? De

que lado foi o golpe? Diz o pessoal do exército que o golpe estava planejado pelo Goulart,

então eles apenas evitaram o golpe. Diz o pessoal de esquerda, algo que era mais forte, que o

golpe foi do exército. Eu tomei uma posição na época que eu assumo até hoje. Em primeiro

lugar: o que me interessava era o IAB, o programa de arquitetos, e de conceituações

acadêmicas. Não tomei posição, fiquei “paradinho”, dialogando com todo mundo que podia e

tentando amenizar os problemas. Havia sim essa confusão porque era um programa e as

reações mais diversas possíveis porque nós nunca, pessoalmente, no IAB, e depois o Júlio

[Neves] na mesma linha, nós nunca nos interessamos muito pela origem semântica dos

problemas, nós nos interessávamos pelos resultados. E os resultados sim, nós tínhamos que

estar perto pra “amenizar” o que fosse errado e otimizar o que fosse bom.

RK: Os jornais [do mês] de abril [de 1964] nem falam em “golpe”, ninguém sabe o que

aconteceu... o que consta apenas é o termo “crise política”...

AB: Provavelmente porque estavam sobre pressão política ou censura, provavelmente, eu não

sei dizer a você.

RK: Eu queria saber também como era o debate... Relembrar um pouco clima do IAB na época

do Artigas, Joaquim Guedes, Rino Levi...

AB: O Artigas eu sempre gostei dele, fui muito amigo dele. O Artigas foi um dos arquitetos que

foi preso que eu tentei liberar, mas não consegui porque ele era secretário-geral do Partido

Comunista Brasileiro na época. Agora o Dr. Luis Carlos Prestes, de quem eu não gosto, e hoje

menos ainda, nos fez o favor de fugir e deixar no apartamento dele todos os famosos

“caderninhos”. E eu vi fotocópias, na época... era fotocópia, como era um caderno em espiral

e eles abriram apareciam os furinhos no papel, eu nunca me esqueci disso. Assinou como

secretário, então não tinha jeito. Eu consegui, não sei oque eu consegui na época. Agora o

Artigas era um homem inteligentíssimo, um profissional de bom nível, mas ele usava a posição

dele doutrinariamente na FAU. Eu não posso dizer porque eu era do Mackenzie, mas a gente

ouvia falar, então não é experiência direta. Agora eu tive em um congresso... tinha uma

associação de estudantes de arquitetura cujo nome eu nem me lembro mais, mas estávamos

todos aqueles, estávamos todos lá, da FAU e da FAM. Fomos para esse congresso, e lá houve

uma briga muito grande porque pra variar havia uma visão elitista de São Paulo que nunca foi

verdade, mas que continua existindo até hoje. Então quando o candidato de São Paulo, que

era o Francisco Whitaker, se apresentou, houve um movimento contrário a ele. E foi um

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negócio muito desagradável e, saiu uma briga desgraçada, e não se votou... não, era

sucessão... Whitaker era um candidato, o antecessor do Whitaker era um arquiteto de São

Paulo que eu não me lembro. Mas era importante, era vice-presidente, e era um cara

realmente fantástico. Ele é do PT, ele tem as ideias dele, eu tenho as minhas, mas eu tenho

respeito e continuo tendo, e nesses problemas de governos passados, da Erundina, etc.,

dialoguei muito com ele. Gosto muito dele. Então nós fomos defendê-lo, saiu uma briga e

“melou” o negócio. O Artigas era professor convidado, e a última palestra era a dele. E, por

tudo isso não houve. Então, os arquitetos escolheram... “vamos precisar falar com alguém que

vá falar pro Artigas que não vai ter conferência”. Adivinha quem foi o escolhido? Eu! Agora,

por quê? Porque, ele sabiam que eu não era favorável, mas eu respeitava muito o Artigas e o

Artigas me respeitava por contatos pessoais de vida. De fato, depois disso eu fui logo em

seguida eleito o diretor do IAB, antes o Ícaro era presidente, e o Artigas era o vice-presidente.

E essa continuidade se deu muito bem, e a mim coube “pendurar o guizo no pescoço do gato”

e dizer: professor Artigas, desculpe, sua conferência que o senhor preparou com tanto carinho,

não vai ter. E eu me lembro que ele deixou um texto escrito pra ser publicado. Minha relação

com o Artigas sempre foi muito boa. Não como estudante: partimos do princípio de Voltaire:

“não concordo com uma só palavra do que diz, mas defenderei até a morte o vosso direito de

dizer”, você conhece essa receita, né? É o principio de Voltaire aplicado. É o que nós usávamos

“contra” o Artigas, e em respeito ao Artigas. Mas eu não gostava muito dele, como pessoa.

RK: O Sr. já lecionou?

AB: Não. Lecionar é um dom. E a visão no Brasil é a de que para lecionar precisa fazer curso

acadêmico que eu me nego a fazer, me neguei a fazer, e continuo me negando. Também não

daria, estou muito velho. Eu não acho que... de qualquer jeito, quando houve aquele

problema da Revolução, isso deixou de ser importante. Precisava o quê? Precisava de

professor! Desde que fosse arquiteto, e foi o que aconteceu. Eu não quis. O Marc [Rubin], meu

sócio, foi – a meu pedido porque, havia falta [de professores]. Mas eu não tive, nunca,

nenhum contato com a docência, até porque, honestamente, eu iria dar nota para as moças

mais bonitas e ponto final. [risos]

RK: E o Marc lecionou onde?

AB: Mackenzie, 2 ou 3 anos. Eu levei para o Mackenzie vários nomes muito importantes. Um

deles foi o [Salvador] Candia. O Candia depois se transformou em diretor, etc. Ele foi quase a

força ser professor, ele não queria, o fato dele ter ido era por atender um pedido pessoal meu.

E foi um grande professor. Eu fiquei muito feliz por isso ter acontecido. Porque foi um pedido

pessoal meu. Eu tinha me comprometido com o Amaury Kruel de indicar. O meu medo era que

ele pegasse pessoas que não tivessem nível, então, era melhor eu ir indicar, existem alguns

compromissos que você tem que fazer na vida.

RK: Eu queria saber também se o Sr. já... Bom, durante muito tempo o senhor atuou como

presidente do IAB, da ASBEA [Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura], etc...

AB: Eu fundei a ASBEA junto com alguns arquitetos, com o Maurício Roberto, saudoso

Maurício Roberto e, e fui o primeiro presidente por indicação, de uma maneira meio

desagradável porque... na primeira reunião da ASBEA eu não fui, não fui no Rio porque minha

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senhora tinha sofrido um acidente de automóvel, e morreu. Então com um problema desse

você esquece o resto, né! Então foi realizada a assembleia no Rio, eu não fui, claro, e para

minha surpresa eu fui indicado como presidente. Eu tinha duas alternativas: recusar ou exercer

a presidência. Naquele momento eu pensei seriamente em não aceitar, mas depois aceitei e

foi bom, porque diversificou um pouco meus problemas. Mas eu fui o primeiro presidente e

ajudei a desenvolver a ASBEA, considero a ASBEA hoje em dia... eu acho que a ASBEA atendia a

uma necessidade. Eu tinha sido presidente do IAB e fiquei muito frustrado como presidente

porque eu não conseguia fazer nada. Havia sempre um grupo a favor e um grupo contra.

Qualquer ideia que você lançasse. É normal. O IAB não tinha uma orientação política, não tinha

uma razão social, não tinha nada. Ou seja, eu tinha que tentar uma melhoria na prefeitura, o

pessoal, nossos colegas da prefeitura eles diziam: “não mexam com a prefeitura”. Vou dar um

exemplo: aprovação. Nós tínhamos problemas desde aquele tempo. Uma vez era aprovação

de planta. Pronto, não podia. E por outro lado, logo depois, ainda como presidente do IAB, nós

chegamos à conclusão de que havia uma certa desestabilização da profissão, então fundamos

o Sindicato dos Arquitetos.

RK: Isso foi em que ano?

AB: Ah, não sei. Sei que fundamos eu e o Alfredo Paesani, um colega meu de turma, era meu

grande amigo, eu era padrinho de casamento [dele]. Morreu agora, mas eu realmente tenho

uma afinidade... embora ele fosse, é claro, bom, “totalmente de esquerda” não mas... esse

diálogo sempre existiu. E quando ele propôs e eu concordei, foi um dos primeiros a aceitar, e

se formou o sindicato. Logo depois, o sindicato tomou o caminho que ele tinha que tomar, que

é o caminho da defesa dos arquitetos em geral e de preferência funcionários, empregados,

etc. Então faltava uma entidade patronal. A ideia foi fundar a ASBEA, de fundar o “patronal”,

ainda não a nível de sindicato, mas a de se pensar como funciona. Porque nós estávamos

também sentindo que... uma das razões foi com o início da invasão estrangeira. O Brasil já

sofreu umas duas ou três invasões estrangeiras no ramo do processo profissional, hoje está

sofrendo uma, claro, mas aí já é a terceira. Essa primeira não chocou muito não, nós

estávamos acostumados e de repente começou aparecer... e nós ficamos preocupados em

defender o patrimônio cultural brasileiro, sem querer evidentemente defender o direito dos

escritórios isoladamente, não. Todo mundo pode entrar, mas pelo menos tem que entrar em

igualdade conosco. E fundamos a ASBEA, e como logo em seguida, a partir de uma série de

conversas com amigos meus de planejamento, foi fundado o sindicato patronal, o SINAENCO.

O SINAENCO era muito mais forte e congregava todos os escritórios ligados a planejamento,

porque no fundo tanto faz: eu, nós, o escritório que faz projeto de cálculo, é tudo a mesma

coisa, nossa ideia é uma só, nós trabalhamos juntos. Então a ideia de formar o SINAENCO foi

muito boa. Eu participei da fundação do SINAENCO junto com o pessoal que fundou, mas só

ajudei. Logo pediram pra mudar o nome, porque era “Sindicato...”, não era SINAENCO, era

Sindicato de Engenheiros... alguma coisa... do de São Paulo. E os arquitetos? Então, Sindicato

de Engenheiros e Arquitetos, daí foi que entraram os arquitetos, então... ASBEA... entrou tudo

junto. E com isso saiu o sindicato [SINAENCO] que é hoje interessante para fins de diálogo,

etc., preços, valores, salários mínimos, etc. E a ASBEA perdeu então um pouco sua função

sindical, mas ficou mais ou menos como o IAB. Porque o IAB, hoje em dia, é um clube, e a

ASBEA também, que trocam ideias e que trabalham juntos. Foi muito bom. Se hoje nós

conseguimos derrubar o CREA, e criar o CAU, foi sem dúvida nenhuma, porque o IAB e a ASBEA

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se juntaram nessa briga. Foi pena que o Sindicato dos Arquitetos nos traiu de última hora (e eu

digo pra quem quiser), se compôs com outros grupos e impediu que nós tivéssemos uma visão

mais correta do CAU. Temos um presidente excelente, mas está difícil, os conselhos estão uma

briga que não devia haver, mas que infelizmente com o meu conhecimento de 64, eu dizia:

“olha, vai acontecer porque é inevitável, faz parte”. Mas enfim, isso é outra história, fica pra

outra vez.

RK: O Sr. já participou formalmente de algum partido político?

AB: Não. Primeiro porque eu estava muito envolvido no processo de classe, na luta de classe, e

continuo. Na luta de classe a condição fundamental que você não seja de partido nenhum. Eu

estou disposto a discutir com o demônio vestido de branco, mas eu quero é diálogo. O diálogo

é fundamental. Se não houver diálogo nós estamos liquidados, o combustível da democracia é

o diálogo. O Ulisses Guimarães achou uma vez disse uma frase que eu nunca me esqueço: “O

Combustível do político é cuspe”. Eu fui amigo do Ulisses, tive a honra de conhecer o Ulisses e

ser amigo dele, é um homem brilhante. Não quer dizer que eu concordasse 100%, de jeito

nenhum, mas mesmo não concordando 100%, nem por isso eu deixei de admirar e ouvir, ele

que foi um dos grandes nomes da democracia brasileira. É isso. Então, você não pode ter

partido. Meu partido é o Instituto de Arquitetos, o IAB, a ASBEA. A diferença de classe que

infelizmente está sendo mal feita, porque essa lei de licitação que existe por aí acaba com a

gente. Progrediu mal, nós não conseguimos impedir. Vamos ver se o o CAU consegue impedir.

Porque... o governo sempre tentou, qualquer que seja o governo, qualquer que seja o

alinhamento do governo, ele sempre tenta entrar na nossa área, da iniciativa privada, e tenta

limitar nosso trabalho, principalmente na área dos custos. Isso do ponto de vista da indústria é

ruim, mas tem uma certa lógica. Se você vende uma peça a R$ 1,00, e está tendo como líquido

um custo de R$ 0,50, mal para o país. Não precisa disso tudo, você pode ter um lucro razoável

e muito bom, mas o excesso de lucro, concentrado, cria deformações socioeconômicas. Não é

o nosso caso. Nós somos sempre mal pagos. O governo não enxerga isso. Eles querem... olha,

agora mesmo está havendo, o BNDES está fazendo um concurso. Convidou cinco arquitetos,

cinco escritórios, para apresentar uma proposta. De cara ele já mudou, acrescentou uma

divisão do projeto completamente diversa. Ou você apresenta a proposta até o dia tal, ou está

fora. Então nós apresentamos a proposta dizendo o seguinte: a sua divisão de projetos colide

com as normas brasileiras. Bem ou mal, essa divisão que nós utilizamos é norma brasileira.

Não gosto muito de como está redigida, mas é melhor ter uma norma do que não ter nada.

Hoje me avisaram o seguinte: “melou” o concurso, não vai haver. Então, vai se fazer um

concurso público? Tudo bem. O pior é que ele [o BNDES] vai querer usar como elementos os

dados que ele “forçou” para nós. E já disse que os valores que eu propus no projeto eram

muito caros, teve gente que propunha menor; e vão fazer o concurso por valores certamente

ridículos. Certo? Então o BNDES, se isso acontecer, pode ter certeza que eu vou sair “de pau”

nos jornais em cima do BNDES, porque o BNDES tem obrigação... obrigação de cooperar com a

cultura nacional! Não pode abaixar os valores, e por isso fazer as coisas andarem “pro pau”.

Mas eu estava falando do IAB, da ASBEA, que você queria saber. Logo em seguida o [Edison]

Musa foi eleito presidente da ASBEA, o Musa entrou “de sola” nesse negócio, foi ao CREA e fez

uma queixa contra o exercício irregular da profissão. O que é o exercício irregular? É uma

empresa de arquitetura que vem aqui, faz um projeto, recebe por fora, não paga imposto, não

paga nada, e vai embora. Isto está errado! Até porque o seguinte: para competir, eles têm que

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pagar impostos, você paga, eu pago e não é barato. Você sabe disso. Quanto custa? Só de leis

sociais dá 80%. Na verdade quando você faz um projeto, reune os arquitetos, paga todo

mundo, vê quanto custa, dá o valor em si, e é isso o que estão fazendo! O Musa denunciou no

CREA. Então o CREA foi, descobriu uma lei lá... e multou o Musa [risos]! Uma lei que ainda me

lembro: assinava “x” projetos por região. Um lei estúpida, não tem nada que ver. Porque aqui

se eu assinar dez projetos, não sou eu que assino, eu tenho trinta arquitetos, dividido por cada

um, não dá um projeto por arquiteto. Mas, evidentemente, por uma questão de empresa, tem

que ter um ou dois ou três que assinam, é mais fácil. O Musa entrou com a ação, descobriram

isso, multaram o escritório do Musa [risos]! Então, esta é a visão que o CREA antigo tinha, e

nós tínhamos que mudar. Mas você me perguntou então eu respondi: essa foi uma das razões

da fundação da ASBEA. Mas porque não o IAB? Porque o IAB é aberto demais; por outro lado,

é muito importante, não pode deixar de existir. Agora, precisaria setorizar um pouco mais, e

com nada que ver com política. Mas sim como divisão profissional.

RK: Há alguns temas que comparecem nessa pesquisa que eu fiz no arquivo do IAB. A questão

da pré-fabricação aplicada à arquitetura, a industrialização, e depois a ênfase sobre o

planejamento. Me parece que, durante os anos 60, começa de fato a crescer a discussão sobre

planejamento urbano, para o arquiteto.

AB: Certo. Porque o banco, o Banco Nacional da Habitação exigia que os municípios... o Mário

[Trindade] consegui introduzir o seguinte item: que os municípios, para receber financiamento,

tinham que ter um Plano Diretor. Eu acho que é óbvio! Mas o banco aceitou esse conceito.

Então houve, realmente... os municípios saíram atrás de Plano Diretor, bem ou mal – uns bem

mal, outros melhores. O conceito de Plano Diretor nasceu através da necessidade de obter

financiamento para os programas de habitação. E a “peninha” quem colocou foi o IAB.

RK: O Sr. se formou junto com o Paulo Mendes [da Rocha]?

AB: Colega do Paulo Mendes. Gosto muito do Paulo, tenho pouco relacionamento com ele

porque isso acontece. Mas é um colega de turma que eu gosto muito, nós somos uns dos

poucos remanescentes [da turma], mas quando ele recebeu o prêmio Pritzker eu fiz questão

de ir lá dar um abraço nele no coquetel. Porque o Paulo é um... nunca fomos muito de acordo

sobre o ponto de vista político, o que não impediu que ele fosse o presidente, eu fosse o

presidente [do IAB]. Eu não apoiei o Paulo, porque na época, se eu não me engano, era o

Robertão [Roberto Cerqueira César] que era contra o Paulo, e o Robertão pra mim era um dos

nomes [que eu apoiava]. Mas enfim, o Paulo foi duas vezes presidente.

RK: O Sr. se lembra do impacto, para os arquitetos na época, como foi a recepção da notícia do

AI-5?

AB: Foi péssimo! Não foi para os arquitetos, foi para o país inteiro. Todos aqueles que eram

democratas e acreditavam na Revolução como um período de transição para retornar à

democracia ficaram extremamente chocados com o AI-5. O AI-5 foi uma burrice ocasionada

por uma outra burrice. Houve um deputado federal [refere-se ao deputado Márcio Moreira

Alves, do MDB] que fez uma lei, uma proposta qualquer. Eu não faço... não se provoca onça

com vara curta. Ele fez, insistiu, e o governo reagiu como era esperado, porque [o presidente]

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era um “cabeça quente” de visão limitada. O AI-5, realmente, foi lamentável, como conceito e

como produto.

RK: Porque aí parece que cai a ficha mesmo, não é? Refiro-me a quando eu disse que em 1964

estava tudo muito confuso ainda...

AB: Havia um respeito mútuo de lado a lado e... quando os deputados, não entendendo isso...

por isso eu aconselhava a não se fazer isso. Fica quieto, não precisa provocar! Eu não me

lembro qual era a provocação, nem quero saber, uma burrice qualquer que não tinha sentido

nenhum, não tinha resultado prático, era realmente uma burrice. Porque quando você não

tem objetivo, não tem razão de ser, apenas pra propor, em função de seu próprio ego, você

está sendo ou muito egoísta ou muito burro, ou as duas coisas juntas. Esse cara, não quero

nem lembrar o nome dele, foi tudo isso! Com isso ele deu a... o governo do Castelo Branco era

um governo mais equilibrado e infelizmente ele... ele saiu do governo, o Castelo Branco

poderia, se quisesse, ficar pro resto da vida. Ele disse: “Não. Eu estou assumindo o restante do

mandato do Jango, acabou, saí”. Esperava-se que ele não conseguisse nomear um [sucessor]...

mas ele ficou doente, etc., e entrou... Bom, mas, aí, o exercito também tinha divisões, claro,

sempre teve! Entrou o João Figueiredo 1. Coitado, soube a pouco tempo atrás que ele morreu

na miséria. Eu não me surpreendi. Não era muito inteligente, provavelmente... mas ele não

roubou, não roubou mesmo, porque a visão dele era essa. Mas sobre o Figueiredo, eu digo o

seguinte: o individuo tem a tendência a atingir o limite da sua própria capacidade. Ele atingiu o

limite da capacidade dele como capitão. Mas, ele tomou posse, contra Golbery, etc., que eram

os “moderados”. Mas a causa de tudo isso foi a falta de diálogo – afinal a câmara estava

aberta. Não souberam manter a câmara aberta. Isso não é culpa minha, nem sua, nem de

ninguém...

RK: Um problema de intransigência...

AB: O indivíduo quer passar para a história! Esta é uma visão me preocupa muito. Mas existe,

todo dia, por aí.

1 Na realidade, quem substituiu Castelo Branco (1964-67) foi Costa e Silva (1967-69).

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ENTREVISTA COM ALFREDO BRITTO E MARCOS KONDER NETTO 

Rodrigo Kamimura 

09 de maio de 2014 – residência de Marcos Konder Netto, Rio de Janeiro/RJ 

 

Rodrigo  Kamimura:  Nos  anos  60,  os  debates  na  revista  IAB‐Guanabara  são  muito 

interessantes... E a discussão sobre a Reforma Urbana, principalmente, no começo dos anos 60, 

há o Seminário de Habitação e Reforma Urbana em 1963, que acontece no Rio e em São Paulo... 

no  Hotel  Quitandinha  aqui  em  Petrópolis  e  em  São  Paulo.  Em  primeiro  lugar,  eu  queria 

perguntar, como os Srs. poderiam relembrar, a partir de uma perspectiva histórica e profissional, 

os debates sobre Reforma Urbana e o problema habitacional e o Seminário de Reforma Urbana 

em 63... 

Alfredo Britto:  Era SHRU que chamava: Seminário de Habitação e Reforma Urbana, que teve 

agora, não sei se você ficou a par, mas foi editado, está belíssima a edição... o IAB no Rio de 

Janeiro patrocinou o  chamado “Q+50”. O Q+50  foi o Quitandinha mais 50 anos, o Q+50  foi: 

recolocar essa questão da reforma urbana e da habitação na discussão atual dos arquitetos e foi 

programado então uma espécie de um seminário em cada capital do Brasil, durante o ano de 

2013. Faziam 50 anos, e agora, semana retrasada teve congresso de arquitetos, foi lançada a 

publicação com todo o resultado, é magnifico, e ali tem muito da história, porque muita coisa 

foi...  arquitetos  que  ainda  estão  ali  participaram,  podem  contar  e  contam,  dão  depoimento 

nessa publicação, e é muito interessante. Está publicado, tem no IAB/RJ, muito bom, você pode 

conseguir  isso, só estou  lembrando porque pode ser  interessante. É uma questão  incipiente, 

quer dizer, a questão do Planejamento Urbano em 1963 no Brasil, era uma questão incipiente, 

nesse ponto a revista teve um papel pioneiro, não há dúvida nenhuma, e muito pela cabeça do 

Maurício Nogueira. O Maurício era mais preparado nessa questão do que todos nós e foi uma 

vertente da revista, a revista tinha vários propósitos e um deles era levantar essa questão. E era 

levantar essa questão, principalmente depois do golpe de 1964,  funcionava como uma visão 

abrangente dos arquitetos por um Brasil que a gente estava tentando fazer antes do golpe e que 

foi interrompido e que de uma maneira ou de outra era palatável para o sistema, essa que que 

é a verdade. Você não enfrentava uma coisa de frente, tanto que teve uma reunião em Curitiba 

em 1966 e o Roberto Campos foi e... 

Marcos Konder Netto: disse que os arquitetos eram sonhadores, até escrevi um artigo na época 

“sonhadores com muita honra”. Foi até publicado na revista 1. 

AB: eu estava conectando exatamente  isso, o Roberto Campos foi dizendo que os arquitetos 

eram  sonhadores que precisavam  ter mais pragmatismo,  etc.  E  o Marcos escreve um artigo 

“sonhadores com muita honra” que era um rebatimento disso, e eu me lembro até de uma coisa 

que foi muito engraçada, deu muita repercussão lá porque era um momento, 1966... não era 68 

ainda,  ainda  tinha  uma  possibilidade,  uma  brecha  para  a  sociedade  se  manifestar.  E  os 

arquitetos discutiram muito, então o que os arquitetos disseram deu muita repercussão e eu 

me lembro que estava saindo de uma das reuniões e me fizeram uma entrevista, eu nem sabia 

direito o que que era, mas daí eu... sobre habitação, eu mandei o que eu pensava e o que penso 

                                                            1 KONDER NETTO, Marcos. Sonhadores sim, com muita honra. Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 27, p. 26‐27, set. 1964. 

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até hoje, quer dizer, como vai resolver o problema da habitação criando um banco, qual é o 

objetivo de um banco? 

MKN: Nossa luta, no IAB, foi a contra a criação do banco, nós defendíamos a tese de que antes 

de haver um banco tinha que haver um centro de planejamento...  

AB: Um projeto público, de política pública de habitação. 

MKN: Tem aquela mulher, qual é o nome dela? Que foi diretora... Sandra Cavalcanti.  

AB: Sandra Cavalcanti, o [Carlos Moacyr] Gomes de Almeida, essa turma toda aí. O que foi feito, 

o que eu lembro que foi feito, era a política do banco, o banco chamou os empreiteiros: “Como 

é que a gente faz dinheiro? Como é que a gente coloca mão de obra desqualificada?” Esse era o 

objetivo,  isso  está  escrito,  eu não  estou  inventando,  você quer  ver  a  justificativa  da  criação 

banco está lá: “aumentar, criar trabalho e fazer obra, para aumentar...” é a mesma coisa que o 

Minha Casa Minha Vida. 

RK: As próprias falas da Sandra Cavalcanti mesmo colocam isso né?  

AB: E eu fiz essa coisa, dias depois veio um pessoal me falar, me chamando de “Mr. Britto, Mr. 

Britto” e eu disse “Que é”? “Não... é que sua entrevista saiu na primeira página do New York 

Times,  sobre  o  negócio  da  habitação, mostrando  que  o  Brasil  está  completamente  errado”, 

tanto que tem dois amigos hoje, que eram meus alunos da época, que até hoje me encontram 

e me chamam de Mr. Britto. Por causa dessa brincadeira de ter saído no... Mas isso para mostrar 

que  a  voz  dos  arquitetos  tinha  alguma  repercussão  naquele  momento,  e  aquela  questão 

repercutiu mesmo.  

MKN: Nesse particular, era uma pessoa que era realmente... lutava por isso, e teve também o 

nosso presidente, o Maurício Roberto... ele foi um dos maiores apoiadores nesse sentido. 

AB: Presidente do IAB/RJ.   

MKN: ... até 64, em 64 eu fui eleito, e de certa forma dei continuidade, e depois o gestor seguinte 

foi o próprio Maurício Nogueira [Batista], que foi eleito presidente. 

AB: Depois o Joca [João Ricardo Serran]... 

RK:  As  eleições  para  o  IAB  nesse  período  tinham  grandes  rebatimentos  com  relação  a 

divergências ideológicas? 

MKN: Olha, a minha eleição  foi uma das mais disputadas do  IAB talvez de  todos os  tempos, 

porque  polarizou  o  pensamento mais  à  esquerda  e  o  pensamento mais  à  direita,  como  eu, 

historicamente – algo de família – tenho, digamos assim, a “marca de esquerda”, polarizou... o 

Wit  Olaf  [Prochnik]...  houve  artigo  em  jornal,  no  Correio  da  Manhã...  defendendo 

principalmente a candidatura do Wit Olaf... porque houve uma polarização política. 

AB: Os dois que representavam bem essa corrente eram o Wit Olaf e o Harry Cole, que inclusive 

era o diretor do Banco da SERFHAU, ele se envolveu com o sistema.  

MKN: E  houve  por  isso mesmo  essa  polarização... me  lembro  que  a  esposa  do Wit  Olaf  na 

ocasião,  a Raquel,  ficou brava  comigo,  ameaçou não  falar mais  comigo,  posteriormente nós 

viemos a trabalhar juntos, e ficamos amigos. Mas houve essa polarização muito intensa. 

RK: O Wit Olaf tem artigos publicados na revista... sobre arquitetura.  

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MKN: A revista publicava coisas que eram enviadas, não fazia seleção... 

AB: Às vezes a gente é que buscava... há uma característica curiosa na revista, nós criamos, além 

da questão da arquitetura e do planejamento da cidade, urbanismo, etc. que era, como se diz, 

pioneirismo,  a  gente  gostaria  que  os  arquitetos  tivessem  uma  participação  abrangente  na 

cultura, então nós convidamos várias pessoas para fazer... 

MKN: O Alfredo foi o responsável por essa parte, convidou o Cacá Diegues... 

AB: O Cacá Diegues no cinema, o Ferreira Gullar nas artes plásticas, um grande crítico de teatro 

que  nós  tínhamos  aqui,  Johannes  Schauff,  o  compositor...  Nelson  Lins  e  Barros,  coautor  de 

algumas músicas com o Carlinhos Lyra, para a música popular. Tinha música clássica, enfim. 

MKN: Isso tudo era muito interessante na revista. 

AB: E a revista fez isso durante um tempo, tanto que Ferreira Gullar, depois, fazendo as colunas, 

passou a ser o redator da revista, ele estava num período em que ele esteve exilado, com muito 

problema,  perseguição,  prisão,  tudo,  mas  quando  ele  volta  ele  estava  com  dificuldade  de 

trabalho, o Estado de São Paulo absorve ele aqui na sucursal do Estado de São Paulo, o Estadão, 

e ele tinha um certo tempo... Aí eu falei “Gullar, vem para cá que a gente arranja uma coisa para 

te ajudar, e você dá qualidade à nossa redação”. E assim foi feito, a ele ficou muito tempo; e o 

Gullar era o redator. 

RK: E como foi a criação da revista, vocês lembram?  

MKN: Teve um nascimento baseado justamente nessas pessoas... 

AB: Na realidade, vendo com a distância de hoje, era uma “porralouquice” completa... eram 

pessoas que não ganhavam nada, davam de si um tempo que era precioso para as suas famílias, 

seus filhos... 

MKN: Tinha aquele camarada que financiava a revista, era o Álvaro...  

AB: Álvaro Pacheco... a partir do n. º 7 da revista. 

MKN: Houve um acordo, ele financiaria a revista, e quando começasse a dar lucro... 

AB: Ele passou a ser o gerente... ele venderia os espaços publicitários e faria dinheiro, e aí... 

MKN: Mas ele nunca pagou nada à revista... nunca dava, nunca, ele botava as propagandas que 

ele queria na revista, de publicidade... 

AB: E editava! E estava chorando dizendo que estava perdendo dinheiro. 

MKN: É, e estava ganhando, tinha vários anúncios lá, várias coisas deram certo. Mas foi  isso, 

uma coisa meio surgida do nada...  

AB: É, surgiu de um grupo de alunos e um recém‐formado... foram o Marcos Mayerhoffer e o 

Carlos Eugênio Maia, eles que tiveram a ideia, a ideia original é deles, eles propuseram fazer isso 

e me procuraram e eu era recém‐formado, mas ligado ainda a eles, quer dizer aquela coisa do 

recém‐formado que tem ainda uma turma... eu ainda era amigo deles, amigo de faculdade, eles 

me procuraram, e eu disse: olha... naquela época era uma “porralouquice”, eles pensavam que 

tudo era possível e... “vamos montar, vamos fazer...”, e eu era amigão do Maurício Nogueira 

que já era do IAB, um pouco mais velho, e aí conversando e tal, acho que o Maurício Roberto 

era o presidente... 

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MKN: Era presidente, o Roberto... 

AB: E o Maurício [Nogueira], eu já tinha uma ligação com o Maurício, uma ligação boa, relação 

boa que chegou depois a... eu ia para o escritório dele, ser sócio, ele já tinha sociedade e tudo e 

tinha uma relação muito boa, e daí surgiu: “vamos tocar, vamos ver o que dá para fazer, não sei 

o quê...” aí o Maurício entrou com os conhecimentos dele de gráfica, do que que precisava, 

papel, etc., como saiu isso tudo eu não sei te explicar, porque realmente foi uma loucura total, 

a gente fazia tudo. 

MKN: É, nunca deu nenhum cachê assim, para ninguém, era só o Álvaro Pacheco que ganhava e 

dizia que estava sempre no prejuízo. 

AB:  Era  uma  salinha,  na  qual  nós  fazíamos  tudo,  escrevia,  telefonava,  buscava  matéria, 

fotografava,  depois  recebia  a  revista,  embalava,  endereçava,  era  tudo  feito  assim,  depois 

carregava, era uma coisa de louco, e no final nunca vimos um níquel.  

MKN: É, nada mesmo... e a revista durou alguns anos...  

AB: 71 números! 

MKN: E sistemática né, nunca falhou, não! Todo mês saía e era distribuída gratuitamente aos 

arquitetos, não era cobrada, não tinha preço a revista, era dada.  

RK: E ela foi até 68, é isso? 

AB: É, eu acho que a data é 1968, eu sei que o número era 71, eu me lembro. 

MKN: Incluindo as revistas do IAB‐Guanabara, incluindo as iniciais? 

AB: É, incluindo. 

RK: É, eu queria perguntar também se vocês lembram de como foi o momento, para vocês, como 

arquitetos,  como editores,  colaboradores da  revista ou mesmo na atuação do  IAB mesmo, o 

momento do golpe de 64. É uma curiosidade, de perguntar aos arquitetos daquela crise política 

que já vinha desde anos... 

MKN:  Olha  na  minha  opinião  não  houve...  eu  não  vi  nenhuma...  na  base,  por  parte  dos 

arquitetos, nenhuma posição firmada a esse respeito. Eles até foram bastante submissos àquela 

conjuntura. Houve um certo pragmatismo não é? Achar que a profissão... já era uma profissão, 

digamos, marginal, até certo ponto, se começasse a gritar muito acabaria sendo... 

AB: Extinta! 

MKN: Então... eu não vi muito, não, pode ser que o Alfredo lembre de alguma coisa, você lembra 

de alguma coisa? 

AB: Não, eu acho que você tem toda a razão, eu acho que a reação ao golpe de 64 foi de cidadãos 

individuais, nós individualmente sentíamos que estávamos, cada um à sua maneira, defendendo 

o vínculo político que  tivesse, porque  tinham alguns de nós que estavam envolvidos na  luta 

política  e  tal,  ligados  a  partidos,  etc.  Alguns.  Agora,  como  categoria  profissional,  de  jeito 

nenhum. 

MKN: Mesmo porque a orientação do IAB, principalmente por causa da filosofia do Maurício 

Roberto era muito pragmática, não ia se envolver em política, em ideologia, queria conseguir 

projetos para os arquitetos, o objetivo era esse e na própria questão de planejamento havia uma 

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distensão muito grande, porque uns queriam um negócio mais sofisticado, e os outros... era só 

pegar o projeto e fazer o projeto, era essa a ideia. 

AB: A ideia era de produção: chegava um serviço, dar conta dele, receber e vamos em frente. 

Tanto que você percebe, é uma coisa interessante, eu nunca fiz isso, mas indo e pesquisando 

mais fundo, pela própria revista “Arquitetura”... ela atravessa o golpe; o golpe pega ela no meio 

da  trajetória,  você  pode  observar  que  ela  não  interrompe  [a  publicação]  e  o  golpe  não 

repercute... 

RK: Nenhuma das revistas. 

MKN: É, não havia uma posição “política”... 

AB: Não, de jeito nenhum, e nisso nós éramos muito cuidadosos, apesar de um ou outro ter uma 

atividade política mais forte, era sempre com muito cuidado com relação a isso. 

RK:  É,  porque  as  outras  revistas,  em  São  Paulo,  também,  em  nenhuma  transparece  uma 

mudança. 

MKN:  Há  uma  alienação,  não  é?  A  esse  aspecto  político.  Eram...  aspectos  profissionais, 

puramente profissionais. A profissão não estando ligada à política. 

AB: Exatamente. 

RK: E a partir de 64 há uma ênfase do regime sobre a centralização, o planejamento, construção 

de habitações, quer dizer, você tem muita construção via BNH, etc. Se abriu um mercado para 

os arquitetos e para os profissionais, relacionado à construção civil e ao planejamento de cidades 

novas. 

MKN: É, mas aí houve também um problema, porque toda essa questão do planejamento, da 

habitação, com a ajuda do Banco Nacional de Habitação, não se passava com projeto, o projeto 

não  existia...  no  corpo  de  doutrina  deles...  era  como  se  o  projeto  tivesse  nascimento 

espontâneo, não havia lá um item que dissesse “terão que ser consultados arquitetos, terá que 

haver  concurso  para  escolha  do...”  não  havia  nada  disso.  Tanto  que  as  cooperativas 

habitacionais,  eu  até  participei  de  algumas  coisas,  elas  praticamente  não  queriam  pagar os 

projetos. Na verba do BNH não tinha verba para projeto. Tinha verba para tudo, para tijolo, para 

cimento, mas para projeto não tinha verba. Então a gente tinha que fazer das tripas coração, a 

gente dizia “não, mas... tem que pagar alguma coisa”. Então a gente conseguia às vezes 1% do 

valor da obra, ou então saía projeto feito sem detalhamento, só anteprojeto, só para dar saída 

e aí o empreiteiro lá na obra fazia o que ele bem entendia. Ele especificava, ele determinava 

tudo, entendeu? Então não havia essa coisa. 

RK:  Hoje  está  acontecendo  uma  coisa  parecida...  há  uma  medida  provisória  que  está 

tramitando... retirando os projetos dos arquitetos, a obrigatoriedade de ter projeto para poder 

contratar... 

MKN: É, pois é, uma coisa absurda.... 

AB: É, nós estamos vivendo isso hoje... está no Senado, que é o RDC [Regime Diferenciado de 

Contratações Públicas]. Era só para a Copa, mas está sendo estendido a todas as obras públicas. 

RK: Você licita sem o projeto. 

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MKN: O empreiteiro tem lá o seu pessoal remunerado... arquitetos jovens, ou nem arquitetos, 

que ele paga vilmente para fazer o projeto. Veja você, hoje em dia, não há um estádio desses 

que você ouça falar de... por exemplo: o Maracanã tinha projeto de arquitetura. Em São Paulo: 

o Morumbi é do Vilanova Artigas... 

AB: O Serra Dourada [Goiânia] é do Paulo Mendes da Rocha, todos tinham... O Mineirão é do 

Eduardo Guimarães. Todos tinham. Destes agora, o único que teve um arquiteto, para fazer uma 

reforma,  porque  na  verdade  existia  um  projeto,  que  é  do  José  Liberal  de  Castro,  lá  em 

Fortaleza... quem foi chamado é um grande um arquiteto, que fez um trabalho magnífico, que 

é o Héctor Vigliecca. 

RK: Agora, ainda um pouco sobre a questão do golpe... 

MKN: Olha, eu acho que essa questão do golpe e do que aconteceu, tem muita gente hoje em 

dia, que diz que isso, que aquilo, que participou, que fez, que fugiu, e não foi nada disso. Eu me 

lembro  do  Tom  Jobim,  que  era  o  cara mais  alienado,  amigo meu,  depois  fui  ler  que  ele  foi 

perseguido pela “Revolução”. Todo mundo agora parece que foi perseguido, e não é verdade! 

Teve alguns que realmente se propuseram a combater, mas essa mística de que o golpe de 64 

teve muita gente... não, não acredito que existisse tanta gente assim não. 

AB: Principalmente na categoria dos arquitetos. Porque tinha, dois ou três arquitetos, que não 

são conhecidos, que estavam envolvidos na guerrilha. 

MKN: Mas como pessoa... não como “arquiteto”.  

AB: Exatamente... tinha 3 arquitetos aqui no Rio que estavam envolvidos, diretamente. 

MKN: Mas era pessoalmente, como cidadão, não tinha um viés profissional.  

AB: Você pode observar o seguinte: você pode, você que está realizando esse trabalho, você 

pode observar nos  resultados da sua pesquisa. Quer dizer: a  tentativa, do ponto de vista da 

categoria profissional dos arquitetos foi a de se adaptar às novas condições, para não perder 

serviço. 

MKN: Estava todo mundo querendo arranjar serviço. 

AB: O Banco da Habitação criou... vamos fazer conjuntos [habitacionais], vamos tentar pegar 

esse projeto...  foi difícil, porque como disse o Marcos, para eles não interessava o projeto, o 

negócio deles era “fazer”. 

MKN: Só tinha verba para construção. 

AB: Foi criado dentro do Banco uma outra instância, uma outra agencia, que foi o SERFHAU – 

Serviço Federal de Habitação e Urbanismo 2. O Harry Cole foi diretor. Então nós arquitetos “nos 

demos  bem”,  eu  formei  o meu  escritório  exatamente  nessa  época,  para  pegar  trabalho  do 

SERFHAU, o que já é uma constituição, uma ampliação do banco, que é de 64. E já é fruto de 

uma discussão dentro do banco, porque o banco contratou um monte de arquiteto. 

MKN: O banco contratou como funcionários, não como projetistas.  

                                                            2 Autarquia criada em 1964 (lei n. º 4.380/64), regulamentada em dez. 1966/jan. 1967 (decreto n. º 59.917/66). 

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AB: Como funcionários, para fiscalizar as coisas e, enfim, dar continuidade à administração, à 

burocracia do banco. Tinha o setor de arquitetura. E alguns arquitetos, que estavam lá, tinham 

uma  visão melhor,  que  provocou  discussões...  e  disso  surge  uma  discussão, mais  a  nível  de 

diretoria, de que não se podia ficar construindo casa sem ter um planejamento. 

MKN: E isso se faz até hoje! 

AB:  E criou‐se então o SERFHAU. A ideia era essa, tanto que foi criada uma lei nessa época que 

obrigava, coisa que  foi  incorporada mais  recentemente ao Estatuto das Cidades, obrigava as 

cidades  com mais  de  20 mil  habitantes  a  ter  um  plano  diretor.  Aí  foi  uma  corrida,  porque 

arquiteto nunca tinha feito planejamento, nem urbanismo, nunca tinha feito plano diretor, não 

tinha  feito  coisa nenhuma. Não havia essa  cultura,  haviam 3 ou 4 arquitetos,  esses que nós 

estamos falando: Harry Cole, Wit Olaf, que estudaram na Inglaterra e vieram como os “donos” 

do conhecimento do planejamento urbano, e se apresentavam como isso, então eles sabiam o 

que era planejamento urbano, o restante, ninguém sabia no Brasil. Mas no momento que cria o 

SERFHAU e que cria perspectiva de serviço, o negócio era... fazer planejamento público. 

MKN: Aí todo mundo correu atrás... 

AB:  Aí  foi  uma  correria!  As  empresas  mesmo,  tudo  quanto  era  empresa,  pequena,  média, 

grande,  tudo...  colocaram 2 ou 3 arquitetos no seu quadro e saíram pedindo projeto,  foram 

feitos milhares de projetos de plano diretor no Brasil... e para nada, foi papel e dinheiro jogado 

fora.  

MKN: Nós mesmos fizemos, não sei se foi no âmbito do SERFHAU... o de Mendes. 

AB: De Mendes/RJ... já dentro dessa política. Foi o primeiro que nós fizemos. O meu escritório, 

aliás, foi por causa de Mendes, que Joca e eu criamos o GAP, que é o “Grupo de Arquitetura e 

Planejamento”. É dessa época, é criado em 1968. O SERFHAU é de 67, nós criamos o escritório 

em 68. 

MKN: Eu trabalhei com eles, nesse projeto aí. 

AB: Município de Mendes aqui no estado do Rio de Janeiro, foi o primeiro plano diretor que nós 

fizemos. E daí, criamos o GAP e aí pegamos, sei lá, 4 ou 5 a mais, pelo SERFHAU, então é o que 

eu estou dizendo, a partir daí os arquitetos começaram a brigar para se inserir no quadro e não 

morrerem de  fome. O  trabalho era esse, entendeu? As construtoras começaram a se ajeitar 

também. Mas aí, no ponto de vista de desenvolvimento, aí você vai vendo uma decadência na 

qualidade, porque o interessado, a partir daí, praticamente até hoje, reforçava para o governo 

que não era... depois no governo democrático isso mudou um pouco, mas agora foi reforçado, 

que é o problema da quantidade, fazer número, você tem que fazer 20 mil casas, 30 mil casas, 

500 mil casas, não sei o quê, tem que criar tantos hectares disso, tanto daquilo, tudo é assim. 

MKN:  Inclusive  foi  feita  até  uma  pesquisa  interessante  lá  em  Cajueiro  Seco  [Jaboatão  dos 

Guararapes/PE]: o Acácio Gil Borsoi  fez uns estudos sobre habitação popular, mas sob outra 

ótica... não essa de empilhar tijolo. 

AB: Ele fez uma racionalização da taipa, isso está na revista Arquitetura. A revista Arquitetura 

publica isso, que era uma experiência muito interessante, e esse tipo de coisa é que a revista 

Arquitetura podia fazer, dar alternativas ao sistema. Nós fizemos uma grande reportagem sobre 

isso, eu me lembro que, logo no início do golpe, eu estive em Cuba, logo depois da revolução de 

Fidel, eu fui num congresso, eu fui convidado pela revista para fazer uma reportagem... e eu 

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faço  uma  reportagem  das  experiências  cubanas  de  pré‐fabricação,  essas  coisas,  como 

alternativa  de  construir  em massa, mas  com qualidade.  Eu estou  contando  isso exatamente 

porque aqui, ouve algumas experiências, como o Marcos está lembrando, na tentativa de pensar 

a coisa no ponto de vista da qualidade e não só da quantidade. Como agora vem ocorrendo. 

Tem um filme, que eu fui até o SESC ver, magnífico o filme, aliás, sobre o COPROMO lá em São 

Paulo, sobre a experiência das cooperativas com os arquitetos, é lindo o projeto, uma qualidade 

excepcional. É um documentário, eu até estou no documentário, mostrando o Pedregulho, em 

contraposição, na história, o que foi uma tentativa de política social, de habitação de caráter 

social, com qualidade. E aí foi feito esse trabalho, está sendo feito esse trabalho e nos Estados 

do Brasil estão sendo feitas experiências muito interessantes em contraposição ao Minha Casa 

Minha Vida. Tanto que o Minha Casa Minha Vida agora, estamos falando do mês de maio, em 

março houve uma reunião, da direção do Ministério de Cidades com arquitetos no sentido de 

aceitar uma mudança nos termos e permitir projetos de qualidade, porque teve uma reunião 

uns dois anos atrás dos arquitetos com a Dilma sobre isso e ela disse claramente na reunião 

“não, não vem com esse papo não, o problema é só fazer...” 

MKN: Construir em quantidade... 

AB: Quantidade. Eu tenho que fazer um milhão de habitações para o meu governo. Agora se vai 

ficar em pé, se não vai ficar em pé, se o cara vai entrar e vai morrer lá dentro, não interessa. 

Não... isso foi dito por ela, pela presidente da república, que é a mãe do PAC, do Minha Casa 

Minha Vida, etc. Então a gente vê... é um retrocesso mesmo. Um retrocesso, era essa a visão 

que o Banco da Habitação tinha. 

RK: Eu perguntei sobre a questão da crise política de 64 porque há algumas interpretações hoje 

de que, não só o ensino de arquitetura, mas os debates sobre arquitetura e construção haveriam 

ficado um pouco ofuscados pela radicalização política, pelas tentativas de se inserir os discursos 

políticos na arquitetura... o debate entre Artigas, de um lado, e Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre e 

Flávio Império, de outro, por exemplo, poderia ter ofuscado, ou ao menos  levado os alunos a 

uma bifurcação entre ‘canteiro’ e ‘desenho’. 

MKN: Mas  o  Artigas  era  um  militante  de  esquerda,  ele  era  um  comunista  notório,  nunca 

escondeu  isso.  Agora  era  um pouco  isso,  sim...  um que  era  comunista, mas  era  totalmente 

alienado, era o Oscar Niemeyer: nunca fez nada, pelo contrário, durante a “Revolução” ele fez 

o  Quartel  General  do  Exército  em  Brasília,  e  ele  era  comunista. Mas  o  Artigas  não,  ele  era 

coerente. 

AB: Mas também tem uma diferença, o Artigas criou uma escola, então junto com ele tinha o 

Carlos  Millan,  tinha  o  Paulo  Mendes  da  Rocha,  enfim,  tinham  uns  cinco  importantíssimos 

professores na escola que, no momento em que eles são cassados, muitos, como foi também o 

caso da Universidade de Brasília, quer dizer, a invasão da Universidade de Brasília e a destruição 

da Universidade de Brasília foi fundamental, com relação à formação não só de arquitetos, mas 

para todo mundo lá em Brasília. Foram todos muito atingidos... o Rio não teve isso, nem tinha 

essa coisa, o pessoal que tinha aqui uma visão política, tinha uma atuação política. 

MKN: É, eram comunistas, mas não tinham atividades dentro da profissão, era fora. 

AB: O IAB também tinha uma direção muito equilibrada, foi o Maurício Roberto, foi o Marcos, 

foi o Maurício [Nogueira], foi o Joca, quer dizer, pessoas que não estavam aí para contestar, pra 

criar  dificuldade,  entendeu?  O  que  houve  em  São  Paulo  foi  diferente,  principalmente  pela 

presença da personalidade do Artigas. Que aí  sim:  ele é  cassado, Paulo Mendes da Rocha é 

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cassado,  quer  dizer,  teve  muita  cassação,  não  só  uma  retirada  do  direito  de  se  exercer  a 

profissão de professor, mas atingiu a cassação como cidadão, então foi uma coisa mais grave. 

No Rio Grande do Sul que teve isso também, no Rio Grande do Sul tiveram vários arquitetos que 

foram atingidos, alguns  foram para Brasília e depois  foram atingidos  também  lá em Brasília. 

Como no caso do [Edgar] Graeff, Demétrio [Ribeiro], e outros. 

RK: Além do IAB... essas atividades, as discussões sobre todas essas questões dos problemas de 

habitação, as questões referentes à reforma urbana, ao planejamento, isso comparecia também 

em outras esferas, não é? Havia debates dentro dos congressos da UIA, outras revistas... 

AB: O IAB sempre teve representação dentro da UIA, tem até hoje. Chegou a ser expressiva em 

determinado momento, quando o Miguel Pereira por exemplo, foi vice‐presidente da UIA, e o 

Jaime  Lerner  foi  presidente  da  UIA,  então  foram  dois  momentos  em  que  o  Brasil  teve 

participação mais  ativa,  por  assim dizer,  ou mais presente. Agora,  continua  tendo,  até hoje, 

representações  em  todas  as  comissões  –  Comissão  de  Patrimônio,  Comissão  de  Construção 

Escolar,  Comissão  de  Habitação,  nessas  comissões  internacionais  o  Brasil  continua  tendo 

representação, mas é uma coisa quase como um clube, sabe? Uma coisa muito restrita,  tem 

pouca repercussão na profissão. Essa mudança que houve agora recente, que é fundamental 

para profissão, a nossa saída do CREA e a criação do CAU... isso está mudando mesmo. 

MKN: É, isso foi um negócio positivo, realmente. 

AB:  Isso  está  mudando  mesmo,  porque  o  CAU  está  tendo  uma  atuação,  poderia  dizer, 

espetacular nesse sentido. 

RK: Isso é uma luta de décadas. 

MKN: Começou com o Maurício Roberto. 

AB: Jorge [Machado] Moreira! É o nosso grande herói nessa luta, ele foi... ele foi impressionante, 

a tenacidade dele era uma coisa incrível. E agora mesmo, em Fortaleza, teve um congresso [20º 

Congresso  Brasileiro  de  Arquitetos]  e  em  paralelo  teve  uma  primeira,  não  sei  como  eles 

chamaram... um simpósio, qualquer coisa assim, de arquitetura e urbanismo, promovido pelo 

CAU, foi impressionante, a quantidade de gente presente nas reuniões, e muita discussão, muita 

coisa, eu acho que o CAU hoje vem como uma ferramenta mesmo de atuação muito importante, 

e  além  de  nos  proporcionar...  tomar  direções,  tomar  as  rédeas  de  nosso  destino,  o  CAU 

proporciona isso, e com o CREA era impossível. Então essa acho que é a grande preocupação. 

Primeiramente, não tinha nenhuma instituição como o IAB. O IAB é realmente uma instituição 

que tem 90 e tantos anos e tem presença. Às vezes mais, às vezes menos, mas tem presença. 

RK: Quanto ao ensino da arquitetura: nos anos 60, 70, os professores e os estudantes brasileiros, 

eles tinham receios com relação às publicações estrangeiras? Chegava a arquitetura estrangeira 

para as bibliotecas, aqui? Vocês lembram de alguma coisa assim? 

MKN: Me lembro que quando eu era jovem arquiteto, nós tínhamos propriamente 3 revistas: 

era  a  L’Architecture  d’Aujourd’hui,  que  era  digamos  a  mais  importante,  e  aquelas  duas 

americanas: Architectural  Record  e  a  Progressive  Architecture.  Essas  três  revistas  causavam 

realmente um impacto muito grande no meio, todos os arquitetos, estudantes de arquitetura 

liam,  assinavam  essas  revistas...  os  alunos  consultavam,  e  eu,  quando  estava  na  escola,  até 

falava o contrário, eu falava “olha meus amigos, não adianta vocês quererem copiar um projeto 

de uma revista, como a Progressive Architecture, porque são projetos de países desenvolvidos, 

com uma tecnologia e um tipo de sociedade já muito mais à frente da nossa, então você vai ficar 

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alienado,  então  eu  dizia  isso  pra  eles,  porque  realmente  eles  se  baseavam muito  naquelas 

revistas, aqui no Rio, pelo menos, que eu lembro, eram consultadas as revistas e também as 

obras  do  Corbusier,  eram as  coisas mais  consultadas  por  arquitetos  jovens  e  estudantes  de 

arquitetura. Não,  eu não  lia  aquilo  de um modo...  como algo que os professores quisessem 

repudiar. Eu dizia isso, mas eu não repudiava, eu dizia “cuidado, não fiquem se baseando em 

projetos de revista japonesa ou projetos de japoneses ou americanos”... são de países altamente 

desenvolvidos, com uma tecnologia uns dez anos à frente da nossa e aqui não vai ser possível 

fazer, então vai ficar uma caricatura daquilo. 

AB: Nos anos 70, mais ou menos, eu dava uma disciplina que era “História da Arquitetura: século 

XIX e século XX”, do Neoclássico, Ecletismo, até os dias de hoje. Mas aí o diretor da faculdade 

pediu para eu passar para a área de Projeto, e quando eu cheguei fiquei no Projeto I, mas eu 

fiquei horrorizado em ver que, ao longo dos anos, só o que se dava de modelo era arquitetura 

estrangeira. Arquitetos como Michael Graves, Mario Botta, mais recentemente Norman Foster, 

essa turma. Eu dizia: “Cara, não é possível, nós temos aqui Reidy, Oscar, Lúcio, nós temos que 

trabalhar com o que nós temos, nós temos um material extraordinário, e muito mais próximo 

da realidade do nosso país, nós estamos formando arquitetos para trabalhar neste país”... mas 

aconteceu essa  coisa de  forçar...”, mas era  isso, quer dizer, um ensino  inteiramente  fora da 

realidade... isso que o Marcos está dizendo, é que os arquitetos queriam fazer coisas e a gente 

não tinha tecnologia, não tinha conhecimento, não tinha cultura, não tinha nada, era uma coisa 

formal. Aí você inclina uma parede, coloca uma janela assim no canto, e nem sabe se é aquilo 

mesmo, como é que faz, então... paralelo a isso, vamos dizer, o lado cultural da profissão, você 

tem que ter o ensino técnico. O cara tem que aprender a construir, e não só riscar na prancheta. 

Eu sempre disse: “Escola de arquitetura não ensina arquitetura, ensina projeto”. 

MKN: Eu dizia para os meus alunos:  “olha,  esse  risco que você acabou de  fazer aqui  é uma 

parede, de tanto de altura, por tanto de comprimento, feita de tijolos, com argamassa, e que 

depois tem que ser revestida, isso custa dinheiro, então pense duas vezes”! Você precisa ensinar 

o cara que a arquitetura vai ser construída. 

AB:  Porque  como  dizia  o  Lúcio,  “o  arquiteto  não  rabisca,  ele  risca”,  e  o  risco  tem  essa 

responsabilidade, então se você faz esse risco, ele tem uma responsabilidade, ele tem peso, ele 

tem custo, ele tem tecnologia para ficar aí então o risco tem responsabilidade e é nisso que se 

tem dificuldade de cobrar os alunos.  

RK: Eu achei muito interessante também porque... eu investiguei algumas outras revistas, que 

começaram como iniciativas de estudantes, e queria saber como começou. Porque não é fácil, 

você está remando contra a corrente... e tem algumas outras revistas que eu investiguei que são 

de estudantes, feitas praticamente em papel dobrado e datilografado... porque não tinha essa 

coisa também do patrocínio, etc. E aí eu queria perguntar para vocês como foi o encerramento 

da revista, se vocês ainda participavam... 

MKN: Acho que a revista morreu por inanição... 

AB: Exatamente.  A  palavra  é  essa,  “inanição”. Morreu  por  exaustão,  porque  nós  estávamos 

exaustos, o Álvaro Pacheco se afastou, disse que não queria mais e aí nós não tínhamos mais 

forças  para  tentar  um outro  caminho  e  isso,  lamentavelmente,  foi  uma  coisa  sofrida,  claro, 

porque a gente apostou uma vida ali,  tanto o Maurício como eu... somos os dois, porque os 

outros participaram eventualmente, no conselho. Mas os dois, quem carregava o piano éramos 

nós. E nós dois estávamos exaustos nesse sentido mesmo, em prejudicar a própria vida. A revista 

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exigia de nós uma presença diária, de sábado e domingo ficava em casa fica redigindo coisas, 

pensando, solucionando, ligando um para o outro, encontrando... 

RK: Não tinha internet... 

AB: Não tinha internet, nós não tínhamos fax! As facilidades de hoje entende? Então era tudo 

feito  carregando  pedra mesmo,  foi  uma  loucura,  isso  deu muito  problema  na  vida  de  todo 

mundo, e nossa, portanto. E é isso, quer dizer, então, inanição... não tinha como sabe? Por mais 

triste, por mais lamentável que fosse, não dava mais. A tarefa da revista era nossa! Isso era uma 

maluquice, então...  “deixa os malucos  lá  trabalhar”, essa  foi a verdade. Nós éramos olhados 

assim,  ainda me  lembro,  encontrava meus  amigos,  assim,  como malucos,  não  é?  “Pô,  essas 

coisas que vocês fazem, essa revista”... 

MKN: E era distribuída para o Brasil todo! Era uma coisa impressionante. 

AB: Era impressionante nesse sentido, e só depois que a gente teve consciência! 

MKN:  Chamava‐se  “IAB‐Guanabara”  nos  5  primeiros  números,  depois  passou  a  se  chamar 

“Arquitetura”.  

AB: É, porque a ideia foi essa: existia no IAB, Estado da Guanabara, existia o Boletim, do IAB‐GB, 

e esses rapazes, que estavam se formando, não era nem formados ainda, pesaram: “Por que a 

gente não transforma esse volume numa revista, com qualidade, que discuta os problemas...”, 

eu  achei  a  ideia ótima e  levei  ao Maurício Nogueira,  o Maurício  levou ao outro Maurício,  o 

Maurício Roberto, e aí a  coisa evoluiu. A história  resumida é  isso, porque a gente  já  tinha o 

Boletim, e o Boletim era distribuído entre os sócios do IAB‐Guanabara, e esse a gente pensou 

maior: “vamos fazer para o IAB‐Brasil”, porque o IAB já tinha se transformado em “Brasil”, isto 

é, o  IAB nasce no Rio de Janeiro, como IAB‐Guanabara; aí, em determinado momento ele se 

federaliza, ele  tem uma estrutura  federativa, que é o  IAB nacional, até hoje. Então partimos 

dessa ideia de fazer uma revista que atingisse os arquitetos e convidasse eles também para a 

participação. O que era muito difícil, porque não havia esse hábito, não havia essa coisa do cara 

escrever,  discutir,  comentar...  hoje  não:  mudou  completamente,  qualquer  arquiteto  em 

qualquer país, ele projeta, ele ensina e ele escreve. E defende ideias, filosofa... é impressionante. 

Isso te dá um quadro de como foi difícil a questão da revista... não foi fácil não. Foi muito difícil. 

Você publicar uma coisa, pedir para que a pessoa mandasse... Por isso tem ainda mais mérito a 

atuação do Maurício [Nogueira].  Porque o Maurício não só tinha a visão das coisas, como se 

propunha a escrever também.  

MKN: Os próprios editoriais [da revista]. O Maurício não foi um arquiteto de fazer projeto... ele 

trabalhava com o Lúcio Costa... no Jóquei Clube? 

AB: É, ele trabalhou com o Lúcio mas trabalhou com o IAP, também.  

MKN: Mas  ele  tinha  muitas  ideias  e  estava  sempre  informado.  E  ele  realmente  foi  muito 

importante, ele e o Alfredo... 

AB: Maurício Nogueira Batista. Mas eu me  lembro de chegar numa sexta‐feira, preocupado, 

porque a revista não ia fechar, porque faltava matéria, os caras não mandaram, e o Maurício... 

a gente discutia alguma coisa, ele ia para casa sexta, sábado e domingo e escrevia duas, três 

páginas para preencher o espaço, entendeu? Isso aí aconteceu mais de uma vez, porque era 

difícil mesmo, era uma época que a gente não tinha essa facilidade aí não, e você tinha que 

publicar um projeto... primeiro porque você não tinha a informação, como hoje... hoje em dia, 

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“estoura” qualquer coisa no mundo à tarde e você já vê... então não tinha essa coisa, então você 

ficava catando, tinha que pegar essas revistas que o Marcos falou, L’Architecture d’Aujourd’hui, 

Progressive  Architecture,  etc.,  e  ia  catando,  para  ver  se  daí  tirava  alguma matéria  e  depois 

telefonava, escrevia uma carta pedindo autorização. Uma providência que a gente tomou logo 

no início, eu propus isso logo de cara, ali mesmo, quando a gente começou, falei “vamos fazer 

o seguinte, vamos aproveitar que é uma revista com uma distribuição, que tem o IAB, vamos 

escrever para todas as revistas do mundo”. E não tinha internet, fomos catando, a gente mandou 

cartas  para  todas  dizendo que nós  estávamos produzindo,  sobre  arquitetura  brasileira,  uma 

revista do  Instituto de Arquitetos do Brasil e que a gente queria  fazer um intercâmbio, e  ter 

permissão também, isso facilitou enormemente, porque a gente mandava para todas as revistas 

do mundo, e  recebia algumas delas.  Eu me  lembro de uma  revista que eu adorava, a  Japan 

Architecture, e que era difícil de encontrar, e nós passamos a receber no IAB, e aí a gente tomou 

contato com uma arquitetura muito avançada na época, época de Kenzo Tange, e dessa turma 

toda que foi muito importante para nós... para nós, para Le Corbusier, para todo mundo, e eles 

influenciaram  o mundo  inteiro.  Era  uma  revista muito  bonita,  como  é  até  hoje,  as  revistas 

japonesas são impressionantes, e tem alguns dos melhores arquitetos do mundo... Shigeru Ban, 

Tadao Ando... e não são estrelas, no sentido “negativo”. 

 

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Textos selecionados

ACRÓPOLE

Nº DATA TÍTULO AUTOR

79 nov. 1944 1º Congresso Brasileiro de Arquitetos [regulamento] não assinado

81‐82 jan./fev. 1945 1º Congresso Brasileiro de Arquitetos [abertura] não assinado

81‐82 jan./fev. 1945 Construção de casas populares e organização das coletividades humanas não assinado

81‐82 jan./fev. 1945 A fixação do homem nos núcleos industriais Adalbert Szilard

83 mar. 1945 Por uma vida melhor Léo Ribeiro de Morais

83 mar. 1945 Da boa vizinhança entre as artes plásticas Carlos da Silva Prado

84 abr. 1945 Urbanismo ‐ problema de arquitetura Carlos da Silva Prado

84 abr. 1945 O problema da habitação na Inglaterra

85 mai. 1945 Arquitetura ‐ ciência social John Summerson

87 jul. 1945 A indústria de após‐guerra na Grã‐Bretanha

89 set. 1945 A indústria de construções na Grã‐Bretanha

92 dez. 1945 Casas em série Vitoria Chapelle

92 dez. 1945 A exposição "Brazil Builds" em Jundiaí Carlos A. Gomes Cardim Filho

97 mai. 1946 O presidente Truman apresenta ao Congresso o plano de habitações Wyatt

98 jun. 1946 Tende a arquitetura moderna para o desenho funcional

98 jun. 1946 Produção em massa de materiais de construção

99 jul. 1946 O maior programa de construções de casas populares nos Estados Unidos

118 fev. 1948 O arquiteto Oscar Niemeyer Oswaldo Corrêa Gonçalves

119 mar. 1948 Apartamentos para industriarios Eduardo Kneese de Mello

121 mai. 1948 Por que arquitetura moderna? Carlos A. Gomes Cardim Filho

123 jul. 1948 Arquitetura, urbanismo e democracia Eduardo Kneese de Mello

124 ago. 1948 2º Congresso Brasileiro de Arquitetos [temário]

125 set. 1948 Arquitetura, urbanismo e o muro das lamentações Marcelo Roberto

132 abr. 1949 A influência dos mestres Zenon Lotufo

133 mai. 1949 Plano e limitação da cidade Oswaldo Corrêa Gonçalves

144 abr. 1950 O arquiteto no Brasil Eduardo Kneese de Mello

145 mai. 1950 Urbanismo Heitor A. Eiras Garcia

145 mai. 1950 Plano regulador da cidade de São Paulo Carlos A. Gomes Cardim Filho

147 jul. 1950 Conjunto de apartamentos do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários [projeto do Departamento de 

Engenharia do I.A.P.I.

186 mar. 1954 Boletim mensal nº 3 Jorge Wilheim, Luiz Roberto 

Carvalho Franco [redatores]

186 mar. 1954 Considerações sobre pontos fundamentais do planejamento urbanístico Carlos Lodi

187 abr. 1954 Boletim mensal nº 4 Jorge Wilheim, Luiz Roberto 

Carvalho Franco [redatores]

187 abr. 1954 Considerações sobre pontos fundamentais do planejamento urbanístico [cont.] Carlos Lodi

188 mai. 1954 Considerações sobre pontos fundamentais do planejamento urbanístico [conc.] Carlos Lodi

191 ago. 1954 Urbanismo ‐ agente de progresso Carlos A. Gomes Cardim Filho

192 set. 1954 Boletim do Instituto de Arquitetos do Brasil ‐ Departamento de São Paulo nº 9

193 out. 1954 Boletim do Instituto de Arquitetos do Brasil ‐ Departamento de São Paulo nº 10

202 ago. 1955 Notas sobre a evolução da morada paulista ‐ II Luis Saia

207 jan. 1956 Histórias para a história Alfredo S. Paesani

223 mai. 1957 V Congresso Brasileiro de Arquitetos

223 mai. 1957 Urbanismo em São Paulo Luis Saia

225 jul. 1957 Considerações sobre a arquitetura industrial Mauricio Mazzocchi

225 jul. 1957 Arquitetura industrial Giuseppe Pagano

226 ago. 1957 V Congresso Brasileiro de Arquitetos

227 set. 1957 Arquitetura industrial [cont.] Giuseppe Pagano256‐257 fev./mar. 1960 Por que Brasília Eduardo Kneese de Mello256‐257 fev./mar. 1960 Brasília 1960: uma interpretação Jorge Wilheim256‐257 fev./mar. 1960 Plano Piloto de Brasília Lúcio Costa256‐257 fev./mar. 1960 Brasília 1970: um roteiro Jorge Wilheim

259 mai. 1960 Evolução do conceito de planejamento das cidades capitais Augusto Boccara, Maria Claudia 

Repetto de Boccara

260 jun. 1960 Evolução do conceito de planejamento das cidades capitais ‐ parte II Augusto Boccara, Maria Claudia 

Repetto de Boccara

261 jul. 1960 Evolução do conceito de planejamento das cidades capitais ‐ conclusão Augusto Boccara, Maria Claudia 

Repetto de Boccara

279 fev. 1962 Um imperativo inadiável: a industrialização da construção Teodoro Rosso

280 mar. 1962 Símbolo da nova era industrial brasileira

280 mar. 1962 Arquiteto e indústria

280 mar. 1962 Um imperativo inadiável: a industrialização da construção [conclusão] Teodoro Rosso

281 abr. 1962 II Mesa Redonda Panamericana de Arquitetos

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Textos selecionados

HABITAT: ARQUITETURA E ARTES NO BRASIL

Nº DATA TÍTULO AUTOR

1 dez. 1950 Casas de Vilanova Artigas  Não assinado

1 dez. 1950 Função social dos museus  Lina Bo Bardi

1 dez. 1950 Cidadelas da civilização  Nelson A. Rockefeller

1 dez. 1950 "Novo mundo do espaço" de Le Corbusier  Não assinado

1 dez. 1950 Amazonas: o povo arquiteto  Não assinado

2 mar. 1951 Documentos da arte brasileira  Gregori Warchavchik

2 mar. 1951 Beleza provinda da função e beleza como função Max Bill

3 jun. 1951 Carta aberta  Renato Cirell Czerna

3 jun. 1951 Porque [sic] o povo é arquiteto?  Não assinado

3 jun. 1951 Casa de 7 mil cruzeiros Não assinado

4 set. 1951 Um presságio de progresso  Anisio S. Teixeira

4 set. 1951 O que é o Convênio Escolar  Eng. José Amadei

4 set. 1951 O problema escolar e a arquitetura  Helio Duarte

4 set. 1951 Carta aberta Não assinado

5 dez. 1951 Bienal [editorial] Não assinado

5 dez. 1951 Da necessidade de crítica sobre arquitetura  Eduardo Corona

7 jul. 1952 Construir é viver Não assinado

9 dez. 1952 Construir com simplicidade Não assinado

9 dez. 1952 Artesanato e indústria  Não assinado

10 mar. 1953 O povo é arquiteto Não assinado

12 set. 1953 Querido Sr. Urbanista  Não assinado

12 set. 1953 Max Bill, o inteligente iconoclasta  Não assinado

13 dez. 1953 Projeto para favela Wit‐Olaf Prochnik

14 jan./fev. 1954 IV Congresso Brasileiro de Arquitetos  Abelardo de Souza

14 jan./fev. 1954 Dois mestres da arquitetura contemporânea falam aos arquitetos brasileiros  Alvar Aalto / Walter Gropius

14 jan./fev. 1954 O arquiteto, a arquitetura, a sociedade  Max Bill

14 jan./fev. 1954 Casas, eles também precisam  Não assinado

16 mai./jun. 1954 Dez milhões de brasileiros moram em favelas e choupanas  Vilanova Artigas e Abelardo de 

Souza

17 jul./ago. 1954 Núcleo de estudos e divulgação da arquitetura brasileira  Abelardo de Souza

18 set./out. 1954 Ensino da arquitetura  Abelardo de Souza

18 set./out. 1954 Plano de urbanização da cidade de Lins, Est. De São Paulo  Luís Saia

20 mar. 1955 Mais profissionais e mais escolas  Geraldo N. Serra

20 mar. 1955 A arquitetura da sociedade industrial  Paulo F. Santos

20 mar. 1955 Debate sobre arquitetura  Abelardo de Souza 

21 mar./abr. 1955 Visão do futuro e realidade do presente Luiz de Anhaia Mello

22 mai./jun. 1955 Mies van der Röhe  Luiz Saia

22 mai./jun. 1955 Arquitetura industrial: um moinho de trigo, farinha e sub‐produtos  Não assinado

22 mai./jun. 1955 Limitação das cidades  Não assinado

23 ago. 1955 A arquitetura da sociedade industrial II – artesanato e produção fabril  Paulo F. Santos

23 ago. 1955 O prestígio do Arquiteto  Eduardo Kneese de Mello

24 out. 1955 Ensino de arquitetura e urbanismo  Geraldo Ferraz

24 out. 1955 Conclusões comentadas do IV Congresso da União Internacional de Arquitetos  Geraldo Ferraz

24 out. 1955 União Internacional de Arquitetos – a posição social do arquiteto  Geraldo Ferraz

24 out. 1955 A arquitetura da sociedade industrial III – o fator estrutural  Paulo F. Santos

24 out. 1955 Quatro principais funções de uma cidade  Oswaldo Corrêa Gonçalves

25 dez. 1955 Meditação de fim de ano: uma palavra a arquitetos, engenheiros, urbanistas e sociólogos  Geraldo Ferraz

25 dez. 1955 IX Congresso Panamericano de Arquitetos  Geraldo Ferraz

25 dez. 1955 Exposição de Arquitetura Brasileira nos E.U.A.  Não assinado

25 dez. 1955 Walter Gropius – o homem e a obra  Geraldo Ferraz

25 dez. 1955 A arquitetura da sociedade industrial IV – o fator estrutural  Paulo F. Santos

25 dez. 1955 As artes populares regionais do Brasil  Yvonne Jean

26 jan. 1956 Por uma participação ativa nestas páginas  Não assinado

26 jan. 1956 Urbanismo: habitação para o homem de nosso tempo  Não assinado

26 jan. 1956 A arquitetura da sociedade industrial V – fator estrutural  Paulo F. Santos

26 jan. 1956 Noticiário  Não assinado

27 fev. 1956 Comissão de estudos da casa popular – um órgão que faltava em São Paulo  Geraldo Ferraz

27 fev. 1956 Seminário Ítalo‐Americano sobre planejamento urbano e regional  Geraldo Ferraz

27 fev. 1956 Cidade Universitária da Universidade de São Paulo  Geraldo Ferraz

27 fev. 1956 A arquitetura da sociedade industrial VI – fator estrutural  Paulo F. Santos

27 fev. 1956 Habitat prossegue no levantamento sobre as condições do ensino universitário em 

exposições feitas pelos responsáveis das diversas cadeiras da F.A.U.

Não assinado

27 fev. 1956 Noticiário  Não assinado

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28 mar. 1956 Arquitetura e economia  Não assinado

28 mar. 1956 A “Cidade humana” Milton Carlos Ghiraldini

28 mar. 1956 Individualidades na história da atual arquitetura no Brasil I – Gregori Warchavchik  Geraldo Ferraz

28 mar. 1956 Marcelo Roberto aos universitários: interdependência da arquitetura e do urbanismo Gerado Ferraz

28 mar. 1956 Organização social das cidades  Eng. J. A. Fontes Ferreira

28 mar. 1956 A arquitetura da sociedade industrial VII – fator estrutural  Paulo F. Santos

29 abr. 1956 A casa, sua construção e industrialização  Maurício Mazzocchi

29 abr. 1956 No rumo do primeiro metropolitano brasileiro  Não assinado

29 abr. 1956 Individualidades na história da atual arquitetura no Brasil II – Affonso Eduardo Reidy  Gerado Ferraz

29 abr. 1956 Divulgam‐se no exterior os estudos sobre a nova Capital do Brasil  Não assinado

30 mai. 1956 Mentalidade de planejamento  Não assinado

30 mai. 1956 Uma divergência na solução do problema da Casa Popular no Estado de São Paulo  Não assinado

30 mai. 1956 Rumo à planificação em escala estadual  Não assinado

30 mai. 1956 Individualidades na história da atual arquitetura no Brasil III – Rino Levi  Gerado Ferraz

30 mai. 1956 A arquitetura da sociedade industrial VIII – fator estrutural  Paulo F. Santos

31 jun. 1956 Opiniões e diretrizes do Presidente da República Não assinado

31 jun. 1956 Problemas de arquitetura urbana  Milton Carlos Ghiraldini

31 jun. 1956 Primeiro esquema de um “metropolitano” para S. Paulo  Não assinado

31 jun. 1956 A arquitetura da sociedade industrial IX – o fator econômico social  Paulo F. Santos

31 jun. 1956 Individualidades na história da atual arquitetura no Brasil IV – M.M.M. Roberto  Gerado Ferraz

32 jul. 1956 Urbanismo – legislação sobre densidade demográfica  Não assinado

32 jul. 1956 Os conjuntos de habitação popular em funcionamento  Não assinado

35 out. 1956 Construção da nova cidade: Brasília  Não assinado

35 out. 1956 Individualidades na história da atual arquitetura no Brasil V – Lúcio Costa Gerado Ferraz

35 out. 1956 O IAB e a construção da nova capital  Não assinado

36 nov. 1956 Dentro de um mês – três milhões de habitantes  Não assinado

36 nov. 1956 Individualidades na história da atual arquitetura no Brasil VI – Burle Marx  Gerado Ferraz

37 dez. 1956 Novas observações sobre a Bahia  Wolfgang Pfeiffer

37 dez. 1956 Construção da nova capital Brasília  Gerado Ferraz

37 dez. 1956 Exposição coletiva de “Artistas da Bahia”  Não assinado

37 dez. 1956 “Cidade que mais cresce no mundo”  Não assinado

38 jan. 1957 Fenômenos urbanísticos (1)  Não assinado

38 jan. 1957 Planejamento, arquitetura, engenharia: contrastes e confrontos Luiz de Anhaia Mello

38 jan. 1957 Exposição Nacional de Arte Concreta  José Geraldo Vieira

39 fev. 1957 Advertência sobre urbanismo  Não assinado40‐41 mar./abr. 1957 Escolha do Plano Piloto para Brasília Não assinado40‐41 mar./abr. 1957 Brasília nucleará um novo espírito visando a decisiva marcha para o Oeste? Não assinado40‐41 mar./abr. 1957 Primeira Mesa Redonda sobre Habitação Popular  Não assinado

42 mai./jun. 1957 O 5º Congresso Brasileiro de Arquitetos ‐ regulamento Não assinado

43 jul./ago. 1957 Arquitetura moderna no Brasil Geraldo Ferraz

45 nov./dez. 1957 Bureau Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo Não assinado

54 mai./jun. 1959 Mentalidade de planejamento Não assinado

55 jul./ago. 1959 Mentalidade de planejamento Não assinado

55 jul./ago. 1959 Política do planejamento Não assinado

56 set./out. 1959 Exposição Bahia Lina Bo Bardi/Martim Gonçalves

59 mar./abr. 1960 Aspectos humanos da favela carioca Não assinado

61 jul./ago. 1960 Habitação e planejamento Não assinado

63 mar. 1961 Revisão de Brasília  Não assinado

64 jul. 1961 Habitação vs. Tugúrio Não assinado

67 mar. 1962 Habitação: subproduto da independência econômica Não assinado

68 jun. 1962 Habitação no Brasil Geraldo Ferraz

70 dez. 1962 Ainda e sempre o problema habitacional Não assinado

77 mai./jun. 1964 Problemática habitacional [editorial] Não assinado

78 jul./ago. 1964 Habitação e democracia [editorial] Não assinado

78 jul./ago. 1964 ARTENE ‐ Artesanato do Nordeste Não assinado

82 mar./abr. 1965 A grande sociedade [editorial] Não assinado

83 mai./jun. 1965 Um problema mundial: habitação popular Não assinado

84 jul./dez. 1965 Falta de perspectiva profissional [editorial] Não assinado

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Textos selecionados

BEM ESTAR: HABITAÇÃO ‐ URBANISMO

Nº DATA TÍTULO AUTOR

1 fev./mar. 1958 Ao leitor não assinado

1 fev./mar. 1958 Editorial não assinado

3 nov./dez. 1958 O arquiteto e o bem estar social: núcleo habitacional do Ibura ‐ Recife Gustavo Neves da Rocha Filho

3 nov./dez. 1958 A faculdade de arquitetura e urbanismo da Universidade de São Paulo Pedro Bento José Cravina

3 nov./dez. 1958 O primeiro encontro de estudantes e arquitetos realizado em São Paulo ['noticiário'] não assinado

3 nov./dez. 1958 Resoluções do primeiro encontro de estudantes e arquitetos não assinado

4 mar./abr. 1959 Para uma nova política da habitação popular José Cláudio Gomes

4 mar./abr. 1959 Os arquitetos e a regulamentação profissional Rino Levi

4 mar./abr. 1959 À margem de um inquérito entre jovens arquitetos Dr. Mário Wagner Vieira da Cunha

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Cronologia de interesse

1894 Criação da Escola Politécnica (incluindo a titulação de 'engenheiro‐arquiteto' [2º regulamento])

1896 Criação da Escola de Engenharia ‐ Mackenzie

1914 Início da 1ª Guerra Mundial

1916 Criação do Instituto de Engenharia

1917 Oferecimento do curso de arquitetura ‐ Mackenzie (título de engenheiro‐arquiteto)

1918 Fim da 1ª Guerra Mundial

1920 1º Congresso Pan‐Americano de Arquitetos (Montevidéu)

1921 Criação do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB)

1923 2º Congresso Pan‐Americano de Arquitetos (Santiago)

1927 3º Congresso Pan‐Americano de Arquitetos (Buenos Aires)

1928 Início do curso de Arquitetura na Academia de Belas Artes de São Paulo

1930 Criação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública

Criação do Instituto Paulista de Arquitetos (IPA)

4º Congresso Pan‐Americano de Arquitetos (Rio de Janeiro)

Revolução de 1930

Nomeação de Lúcio Costa para a direção da ENBA (12 de dezembro)

1931 Criação do Conselho Nacional de Educação

Congresso da Habitação (23 a 30 de maio, São Paulo)

Exoneração de Lúcio Costa da direção da ENBA (setembro de 1931)

1932 Extinção do curso de arquitetura da Academia de Belas Artes (última turma se gradua em 1934)

1933 Lei 23.569/33 [exercício profissional engenheiro, arquiteto e agrimensor]

Criação do CONFEA (Lei 23.569/33)

1934 Fundação da Universidade de São Paulo

Aprovada a criação dos CREAs

Promulgada nova Constituição

1935 Criação da Universidade do Distrito Federal

1937 Universidade do Rio de Janeiro torna‐se Universidade do Brasil

Promulgação do Estado Novo

1938 Criação do Conselho Nacional do Petróleo

Início da publicação da Revista Acrópole

1939 Integração da Universidade do Distrito Federal à Universidade do Brasil

Primer Congreso Panamericano de la Vivienda Popular (Buenos Aires)

Início da 2ª Guerra Mundial

1940 5º Congresso Pan‐Americano de Arquitetos (Montevidéu)

Criação do regime de salário mínimo

1941 1º Congresso Brasileiro de Urbanismo (Rio de Janeiro)

Jornadas de Habitação Econômica

1943 Consolidação das Leis do Trabalho

1945 Criação da Faculdade Nacional de Arquitetura (Universidade do Brasil)

1º Congresso Brasileiro de Escritores ‐ 22 a 26 de janeiro

1º Congresso Brasileiro de Arquitetos ‐ São Paulo, 26 a 30 de janeiro

Fim da 2ª Guerra Mundial

Fim do Estado Novo

PCB retorna à legalidade (março)

1947 Criação  da Faculdade de Arquitetura do Instituto Mackenzie (18 de novembro)

PCB decretado ilegal (maio)

Inauguração do Museu de Arte de São Paulo (MASP) (2 de outubro)

1948 Criação da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (21 de junho)

Criação do Grêmio da FAU/USP [GFAU] (5 de novembro)

2º Congresso Brasileiro de Arquitetos ‐ Porto Alegre, 20 a 27 de novembro

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1949 Inauguração do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP) (8 de março)

1º Congresso Internacional de Estudantes de Arquitetura

Criação do Centro de Estudos Folclóricos (CEF, depois Centro de Estudos Brasileiros [CEB]), GFAU

1950 1º Congresso Nacional dos Municípios Brasileiros (Petrópolis)

Início da publicação da Revista Habitat

1951 Criação do Instituto de Arte Contemporânea/MASP

1953 3º Congresso Brasileiro de Arquitetos ‐ Belo Horizonte, 10 a 14 de julho

1954 4º Congresso Brasileiro de Arquitetos ‐ São Paulo, 18 a 24 de janeiro

Criação do Núcleo de Estudos e Divulgação da Arquitetura no Brasil (NEDAB)

2º Congresso Internacional de Estudantes de Arquitetura

1955 4º Congresso da UIA (Haia, 9 a 16 de julho)

IX Congresso Pan‐Americano de Arquitetos (Caracas, 17 a 26 de setembro)

Criação do Centro de Pesquisa e Estudos Urbanísticos (CPEU) [instalado em 1957]

1956 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta

Concurso para escolha do Plano Piloto (Brasília)

1957 Divulgação do resultado do concurso para o Plano Piloto de Brasília

5º Congresso Brasileiro de Arquitetos ‐ Recife, 28 de julho a 05 de agosto

1º Seminário de Ensino de Arquitetura [BNEAU] (outubro, São Paulo)

1958 Início da publicação da Revista Bem Estar

I Congresso Interamericano da Indústria de Construção (Caracas, março)

1º Congresso Brasileiro de Arte (abril, Porto Alegre)

I Encontro de Estudantes e Arquitetos (São Paulo), outubro

1959 Fim dos Congrès Internationaux d'Architecture Moderne (CIAM)

Exposição "Bahia no Ibirapuera" (5ª Bienal de São Paulo) [Lina, Eros Martim Gonçalves]

Projeto de Lina Bo Bardi para o restauro do Solar do Unhão (concluído em 1963)

1960 II Encontro de Estudantes e Arquitetos (Porto Alegre), abril

Inauguração de Brasília

Fim da publicação da Revista Bem Estar

Início da elaboração do projeto do novo edifício da FAU/USP (Vilanova Artigas)

1961 1ª Mesa Redonda Panamericana de Arquitetos (Lima, Perú)

Renúncia de Jânio Quadros (25 de agosto)

2º Congresso Brasileiro de Urbanismo (Recife), dezembro

1962 Reforma curricular de 1962 (FAU/USP)

2ª Mesa Redonda Panamericana de Arquitetos (São Paulo), 11 a 18 de setembro

Criação da Fapesp

1963 Seminário de Habitação e Reforma Urbana (s.HRu)

Criação da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), Rio de Janeiro

Fundação da ABDI/Associação Brasileira de Desenho Industrial

Exposição "Nordeste" (Museu de Arte Popular do Unhão)

1964 Golpe militar [31 de março/1 de abril]

27º Congresso Internacional de Habitação, Urbanismo e Planejamento Territorial (Jerusalém), 20 a 27 de julho

Criação do BNH/SERFHAU

1965 Fim da publicação da Revista Habitat

1966 6º Congresso Brasileiro de Arquitetos ‐ Salvador, setembro

Criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço [FGTS] (13 de setembro)

Lei 5.194/66 [exercício profissional engenharia, arquitetura e agronomia]

1968 7º Congresso Brasileiro de Arquitetos ‐ Belo Horizonte, setembro

Promulgação do Ato Institucional nº 5 (13 de dezembro)

1969 Inauguração do novo edifício da FAU/USP

8º Congresso Brasileiro de Arquitetos ‐ Porto Alegre, outubro

1970 Exposição Universal de 1970 (Osaka, Japão)

1971 Fim da publicação da Revista Acrópole

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Temários – Congressos Brasileiros de Arquitetos (CBAs)

1º Congresso Brasileiro de Arquitetos

São Paulo, 26 a 30 de janeiro de 1945

Tema 1 – Função social do arquiteto

a) Urbanismo – problema de arquitetura;

b) A vida urbana – Habitação – Recreação – Trabalho;

c) O urbanismo e a Arquitetura em face dos ataques aéreos;

d) A organização das coletividades humanas;

1) A fixação do homem nos núcleos rurais;

2) A fixação do homem nos núcleos industriais;

e) O equipamento industrial como base para a evolução arquitetônica – necessidade de um maior entendimento entre os arquitetos e a indústria;

f) A arquitetura e suas relações com a pintura e a escultura;

Tema 2 – Assuntos de interesse imediato da profissão

a) O ensino da arquitetura;

b) Normas de trabalho profissional do arquiteto;

1) Norma de contrato com os clientes;

2) Norma de caderno de encargos;

c) Regulamentação profissional;

Temas livres – teses e estudos avulsos.

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Temários – Congressos Brasileiros de Arquitetos (CBAs) [cont.]

2º Congresso Brasileiro de Arquitetos

Porto Alegre, 20 a 27 de novembro de 1948

I – Urbanismo e arquitetura

1) Bases teóricas e tendências da Arquitetura Contemporânea.

2) Problema das nossas cidades – Distribuição dos grupos populacionais – Habitação – Circulação – Transportes – Trabalho – Recreação – Carta de Atenas.

3) Conjuntos residenciais

4) Núcleos industriais e rurais

5) Habitação popular

II – ENSINO E PRÁTICA DA ARQUITETURA

1) Escolas de Arquitetura – Difusão de ensino de Arquitetura – Programas

2) Regulamentação da Profissão

III – A arquitetura e a indústria

1) A Indústria na evolução da Arquitetura

2) A Indústria nacional de materiais de construção e nossas necessidades – Modulação da construção – Padronização

IV – TEMAS LIVRES

1) Teses e estudos avulsos

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Temários – Congressos Brasileiros de Arquitetos (CBAs) [cont.]

3º Congresso Nacional de Arquitetos

Belo Horizonte, 10 a 14 de julho de 1953

GRUPO I – INTERESSES PROFISSIONAIS

TEMA: Atribuições do Arquiteto e seus direitos

Definição das atribuições do Arquiteto; sua situação frente à legislação atual; Serviços de exclusiva competência do Arquiteto; casos de similitude de atribuições com as do Arquiteto conferidas aos profissionais da engenharia civil e sua resolução satisfatória em nova legislação; as atribuições do engenheiro e do Arquiteto em função da formação universitária e especialização profissional.

Direitos autorais do anteprojeto.

Necessidades de serem garantidos aos Arquitetos, por regulamentação de lei, os projetos de obras públicas; a obrigatoriedade de maioria de Arquitetos na composição de júris de concursos de arquitetura e sua oficialização. Regulamento para concursos e Tabela de Honorários do I.A.B. e sua oficialização.

Definição de monumentalidade e sua interpretação para efeito de Tabela de Honorários e regulamentos para concursos.

A regulamentação profissional do Urbanista.

Planos urbanísticos nacionais e regionais; a participação do Arquiteto nos planos e na supervisão de equipes; medidas oficiais que garantem os direitos dos Arquitetos na execução desses planos.

TEMA: Posição do Arquiteto no Serviço Público

A necessidade da estruturação da profissão do Arquiteto nos serviços públicos (federal, estadual, municipal e regional) e definição de suas atribuições na carreira; autonomia profissional. Nivelamento da carreira do Arquiteto com as demais carreiras de nível superior. Sessões especializadas de Arquitetura nos serviços públicos que as comportarem.

GRUPO II – FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA

TEMA: Definição dos conhecimentos necessários à formação do Arquiteto e a importância da determinação desses conhecimentos para a organização das Escolas de Arquitetura e Urbanismo

Exame das condições atuais das escolas existentes, Padronização dos cursos e programas. Atualização das matérias do curriculum escolar. Equilíbrio necessário entre os conhecimentos técnicos e artísticos dos cursos. Aptidões natas e sua seleção nos concursos de habilitação e no decorrer dos cursos de Arquitetura e urbanismo. Conhecimentos profissionais adquiridos pelos estudantes na prática da construção, suas vantagens para o exercício da profissão, entre

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Temários – Congressos Brasileiros de Arquitetos (CBAs) [cont.]

as quais avulta a da criação do senso das possibilidades reais para representação no projeto. Entrosamento racional das matérias dos cursos, de forma a serem evitadas concomitâncias e lacunas e objetivadas a coordenação de cátedras e a supletividade de matérias.

A integração dos conhecimentos adquiridos através do trabalho em equipe sob a orientação do Arquiteto. A aprovação de exames escolares e as matérias admitidas nas aprovações com dependências; matérias fundamentais eliminatárias que devem ser excluídas dessas dependências; provas de habilitação através de trabalhos práticos. Tema de Grau Máximo: – a necessidade de constituir a obrigatoriedade de um teste de integração dos conhecimentos práticos e teóricos adquiridos, a ser julgado através de uma realização técnico-artística.

GRUPO III – PRÁTICA PROFISSIONAL

TEMA: Experiência e pesquisas

Programa de planejamento para pesquisas de novos materiais e para alterações e complementação dos materiais em uso. A ação do I.A.B. criando e incrementando pesquisas e experiências. A indústria da construção e a interferência necessária do Arquiteto, em colaboração íntima com os industriais para a criação de produtos e materiais.

TEMA: Racionalização e normalização

Estudo da racionalização do projeto e da construção, pela normalização, estandardização, coordenação dimensional e criação de novos sistemas construtivos.

Códigos e regulamentos de obras: sua normalização, baseada na análise dos códigos existentes e dos resultados a que se deverá chegar de forma a que códigos e regulamentos não venham a constituir no futuro, como se observa no presente, óbices ao progresso da Arquitetura. Definição dos princípios gerais a serem estabelecidos nos códigos e regulamentos de obras de forma a ser permitida maior liberdade de ação do Arquiteto nos trabalhos do projeto.

GRUPO IV – INTERESSES ASSOCIATIVOS

TEMA: Exame da organização atual do I.A.B.

Estudo das soluções que venham sanar deficiências da organização atual. Sistema a adotar objetivando-se a coordenação eficiente entre os vários departamentos e entre estes e o Órgão Central; o desenvolvimento contínuo dos Departamentos, desde a sua formação e nas diferentes fases de sua evolução, através da assistência constante do Órgão Central.

Síntese final, num programa de reestruturação associativa, estudadas e definidas as responsabilidades, obrigações, direitos e vantagens, a disciplina de atribuições e estabelecidas as bases econômico-financeiras do plano a elaborar, de forma a se poder garantir o funcionamento do organismo a ser criado. A unanimidade nacional das resoluções de interesse de classe.

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Temários – Congressos Brasileiros de Arquitetos (CBAs) [cont.]

TEMA: Estudo do plano de relações, visando-se a unicidade de orientação na defesa dos interesses profissionais, o conhecimento permanente, por parte dos Arquitetos, das atividades e tendências no campo da Arquitetura Nacional e Internacional, o incremento cultural, a glutinação de esforços, em defesa da classe e da profissão

Programas: de propaganda e de intercâmbio entre os departamentos por intermédio de exposições rotativas, de conferências, excursões, etc. Criação de um órgão de divulgação (Boletim ou Jornal) do I.A.B., mantido pelas associações filiadas.

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Temários – Congressos Brasileiros de Arquitetos (CBAs) [cont.]

4º Congresso Brasileiro de Arquitetos

São Paulo, 18 a 24 de janeiro de 1954

I – OBJETIVOS DO CONGRESSO

Art. 1 – Será um Congresso Nacional de Arquitetos, para debates de temas de interesse da coletividade brasileira.

Art. 2 – O Congresso se destina:

a) a debater com espírito crítico as realizações da Arquitetura e Urbanismo no Brasil;

b) discutir a influência da cultura popular e das tradições brasileiras na criação da arquitetura nacional;

c) propor e debater soluções urbanísticas que focalizem objetivamente a realidade brasileira;

d) analisar o ensino de arquitetura e urbanismo; a participação de arquitetos e urbanistas na sociedade brasileira; e o exercício da profissão;

e) analisar através de exposição de caráter histórico a evolução da arquitetura brasileira.

II – TEMÁRIO

Art. 3 – O temário do IV Congresso será o seguinte:

1) A ARQUITETURA NO BRASIL

1-1) Arquitetura e tradição

1-2) Arquitetura e indústria

1-3) Ensino de Arquitetura

1-4) A profissão de Arquiteto

2) O URBANISMO NO BRASIL

2-1) O urbanismo e a realidade nacional

2-2) Ensino do urbanismo no Brasil

2-3) A profissão de Urbanista

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Temários – Congressos Brasileiros de Arquitetos (CBAs) [cont.]

5º Congresso Brasileiro de Arquitetos

Recife, 28 de julho a 05 de agosto de 1957

I – OBJETIVO DO CONGRESSO

Art. 1 – Será um Congresso Nacional de Arquitetos, para debates de temas de interesse da coletividade brasileira.

Art. 2 – O Congresso se destina:

a) a sugerir e a debater soluções concernentes à Arquitetura Popular no Brasil;

b) discutir a influência da cultura popular e das tradições brasileiras na criação e desenvolvimento da Arquitetura Popular Nacional;

c) sugerir e discutir e debater soluções urbanísticas que focalizem objetivamente a realidade brasileira;

d) analisar através de exposição de caráter histórico a evolução da Arquitetura Brasileira.

II – TEMÁRIO

Art. 3 – O temário do V Congresso será o seguinte:

1) ARQUITETURA NO BRASIL

1-1) Arquitetura Popular

1-2) Conceituação, objetivos e soluções

2) URBANISMO NO BRASIL

2-1) Da necessidade de um Planejamento nos três níveis: Nacional, Regional e Local

2-2) Divulgação dos princípios gerais, sua legislação adequada e criação de órgãos controladores

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