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ROCHA, A. A. C. N. No entrecruzamento de políticas de currículo e de formação docente: uma análise do manual do professor do livro didático de geografia,Ano de Obtenção: 2008.TRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
NO ENTRECRUZAMENTO DE POLTICAS DE CURRCULO E DE FORMAO
DOCENTE: UMA ANLISE DO MANUAL DO PROFESSOR DO LIVRO
DIDTICO DE GEOGRAFIA
ANA ANGELITA COSTA NEVES DA ROCHA
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Educao.
ORIENTADORA: PROFA. DRA CARMEN TERESA GABRIEL
Rio de Janeiro
2008
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NO ENTRECRUZAMENTO DE POLTICAS DE CURRCULO E DE FORMAO
DOCENTE: UMA ANLISE DO MANUAL DO PROFESSOR DO LIVRO
DIDTICO DE GEOGRAFIA
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Educao.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________________
Profa. Dra Carmen Teresa Gabriel - Orientadora
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_____________________________________________________________________
Profa. Dra Marcia Serra Ferreira
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_____________________________________________________________________
Profa. Dra Alice Ribeiro Casimiro Lopes
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro 14 de agosto de 2008
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ROCHA, Ana Angelita Costa Neves
No entrecruzamento de polticas de currculo e de formao docente: uma anlise do
manual do professor do livro didtico de geografia/Ana Angelita Costa Neves da
Rocha. Rio de Janeiro: UFRJ, FE.2008
xi143 f.: il; 2m
Orientadora: Carmen Teresa Gabriel
Dissertao (mestrado) UFRJ/ FE/ Programa de Ps-graduao em Educao, 2008.
Refrencias Bibliogrficas: f.125-134.
1. Manual do Professor 2..Discurso 3. Poltica de Currculo. 4. Poltica de Formao
Docente. I. Gabriel, Carmem Teresa. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro III.
Ttulo.
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t
tom z
t bem de baixo pr poder subir t bem de cima pr poder cair t dividindo pr poder sobrar desperdiando pr poder faltar devagarinho pr poder caber bem de leve pr no perdoar t estudando pr saber ignorar eu t aqui comendo para vomitar
eu t te explicando pr te confundir
eu t te confundindo pr te esclarecer t iluminado
pr poder cegar t ficando cego pr poder guiar
suavemente pr poder rasgar olho fechado pr te ver melhor com alegria pr poder chorar desesperado pr ter pacincia
carinhoso pr poder ferir lentamente pr no atrasar
atrs da vida pr poder morrer eu t me despedindo pr poder voltar
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The Ass at School, 1556
Pieter Bruegel the Elder (Netherlandish, 1525/301569)
9 1/8 x 11 7/8 in. (23.2 x 30.2 cm)
Staatliche Museen zu Berlin, Kupferstichkabinett
http://seaeels.web.fc2.com/images/D0024.JPG
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Com muita saudade e muitas lembranas,
Dedico meu esforo cotidiano de seguir a vida
Ao meu Pai e ao meu av Pai Francisco
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Agradeo:
Professora Carmem por acreditar neste trabalho.
Aos Professores do PPGE.
s meninas do GECCEH (Evelyn, Mrcia, Marcella, Ana Paula, Patrcia e Glria).
Ana Paula Hein, pelo corao.
Sol e ao Henrique sempre dispostos a ajudar.
Aos meus alunos que me fazem professora.
Aos meus professores que me fizeram professora.
Gisa: amiga em qualquer hora.
Camila: uma amizade que se fez presente para secar minhas lgrimas.
Ao Anderson: um amigo da risada fcil.
Ao meu amado Lucas, por ser to intenso e denso e por acreditar em mim enquanto
mergulho nas minhas dvidas.
minha Irm, to amada e to serena.
minha Me integralmente me.
Me Gel de sabedoria plena onde nos seus afagos encontro segurana.
A Deus por me dar fora e serenidade quando preciso.
A todos que me do bom dia, que abrem um sorriso, que respeitam o cdigo de
trnsito, que tornam o caos urbano mais habitvel.
Muito obrigada!
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NO ENTRECRUZAMENTO DE POLTICAS DE CURRCULO E DE FORMAO
DOCENTE: UMA ANLISE DO MANUAL DO PROFESSOR DO LIVRO DIDTICO DE GEOGRAFIA
ANA ANGELITA COSTA NEVES DA ROCHA
RESUMO
Inserido no mbito das discusses sobre o lugar poltico do professor em polticas educacionais mais amplas, como o Programa Nacional do Livro Didtico, o presente estudo tem por objetivo evidenciar os discursos sobre trabalho docente e saber docente produzidos e hibridizados nos textos oficiais que integram esse programa. Entre esses textos, o Manual do Professor do livro didtico de Geografia das sries finais do ensino fundamental, considerado como um texto que busca intencionalmente a interlocuo com o docente de Geografia, recebeu, nesta anlise, um lugar de destaque. O quadro terico privilegiado articula contribuies tanto do Campo do Currculo como da Teoria Social do Discurso. No Campo do Currculo, o dilogo - com os estudos de polticas de currculo (Lopes: 2005, 2006, 2007; Ball:1992), com as argumentaes propostas por Macedo (2003, 2006) que significam o currculo como espao de enunciao bem como com as anlise que articulam esse entendimento do currculo com as questes que problematizam a hierarquizao, classificao e distribuio dos saberes (Gabriel: 2006, 2007, 2008, Lopes, 2007) abriu pistas fecundas para a reflexo do poltico na anlise a que me propus. Fundamentados na crtica aos limites da teoria crtica do currculo para pensar essa questo, essas interlocues permitiram o entendimento das relaes de poder assimtricas presentes nos discursos analisados, para alm das perspectivas tericas afirmadas por dicotomias e verticalizaes. A incorporao das contribuies da Teoria Social do Discurso, especialmente, na perspectiva desenvolvida por Fairclough (2001), por ele denominada como Anlise Crtica do Discurso Textualmente Orientada (ACDTO), foi fundamental para a apreenso metodolgica do corpus documental desta pesquisa (Edital e Guia de Anlise do Livro Didtico da ltima edio de 2008 e o Manual do Professor de nove livros didticos da sexta srie de colees didticas avaliadas neste PNLD). A apropriao destes textos, portanto, responde ao entendimento de que discursos sobre trabalho e saber docente, bem como sobre as relaes com o saber e entre saberes circulam de acordo s configuraes contigenciais das prticas discursivas de produo, de distribuio e de consumo de sentidos. Desta maneira, uma das contribuies deste trabalho ampliar, no campo da discursividade, os sentidos atribudos s ltimas pginas do livro didtico de uso exclusivo do professor, possibilitando que sejam apreendidas como campo de disputas entre discursos ambivalentes e hbridos que tanto afirmam uma condio de subalternidade quanto sublinham a autonomia do professor. Apoiado, na articulao terico-metodolgica proposta, este estudo oferece assim, elementos para investir no sentido de Manual do Professor como um texto no qual se entrecruzam sentidos de polticas de currculo e de formao docente, um texto, portanto, no qual circulam entendimentos polticos sobre o professor de Geografia. Palavras-chave: Currculo, poltica de currculo, discurso, Manual do Professor, ensino de Geografia.
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IN THE INTERTWINING OF CURRICULUM POLICIES AND TEACHER
TRAINING: AN ANALYSIS OF TEACHER`S GEOGRAPHY TEXTBOOK.
ANA ANGELITA COSTA NEVES DA ROCHA
ABSTRACT
Within the framework of discussions about the place of the teacher in broader educational policies, such as the Programa Nacional do Livro Didtico, this study aims to highlight the discourse on "teaching work" and "teaching knowledge" produced and hybridized in the official texts of this program. Among these texts, the Professors textbook of geography for the final series of basic education, regarded as a text that intentionally seeks to dialogue with the geography teacher, received in this analysis, a place of prominence. The privileged theoretical framework articulates contributions of both the Curriculum Field and the Social Theory of Discourse. In the field of curriculum, dialogue - with the studies of curriculum policies (Lopes: 2005, 2006, 2007; Ball: 1992), with the arguments proposed by Macedo (2003, 2006) that signifies the curriculum as space for enunciating as well as the analysis that articulate this understanding of the curriculum with the issues that debates the hierarchy, classification and distribution of knowledge (Gabriel: 2006, 2007, 2008, Lopes, 2007) opened clues for fruitful reflection of the political analysis that I proposed. Based in the critic of the limits of the critical theory of the curriculum to think this issue, these interlocutions allowed the understanding of the asymmetrical power relations in the analyzed discourse, beyond the theoretical perspectives expressed by dichotomies and verticalizations. The incorporation of the contributions of the Social Theory of Discourse, especially in the perspective developed by Fairclough (2001), which he called Critical Analysis of the Textually Oriented Discourse (CATOD) was fundamental to the methodological seizure of the documentary corpus of this research (Edital and Guide of the didactic book of the last issue of 2008 and "Teacher's Manual" of nine textbooks for the sixth series of didactic collections evaluated in this PNLD). The ownership of these texts, therefore, responds to the understanding that work discourses and teaching knowledge as well as the relations with knowledge and between knowledge move according to its contigencial configurations of discursive practices of production, distribution and consumption of significances. Thus, one of the contributions of this work is to broaden, in the field of discursivity, the meanings attributed to the last pages of the teachers textbook, enabling it to be seized as a field of disputes between ambivalent discourses and hybrids that both claim a subaltern condition as they stress the autonomy of the teacher. Supported, in the proposed theoretical-methodological articulation, this study offers elements to invest in the Teacher's Manual as a text which intertwines senses of curriculum policies and teacher training, a text, therefore, in which circulate political understandings on the professor of geography.
Keywords: Curriculum, Curriculum policy, Discourse, Teacher's Manual, Teaching of geography.
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Sumrio APRESE)TAO............................................................................................................................. 1
I)TRODUO.................................................................................................................................. 5
CAPTULO I TRILHAS PERCORRIDAS, ALICERCES, PO)TES: A CO)STRUO DO OBJETO
DE PESQUISA ................................................................................................................................ 11
I.1. Primeiros percursos: algumas discusses sobre o ensino de Geografia.......................... 12
I.2. Na tenso entre a teoria crtica e ps-crtica curricular: por que a questo da
linguagem potencializa uma via de discusso no campo do
currculo?............................................................................................................................... 26
I.3. A problematizao do manual do professor: trilhas percorridas e pontes construdas .. 30
CAPTULO II I)TERLOCUES TERICAS )O CAMPO DO CURRCULO E DA TEORIA
SOCIAL DO DISCURSO .................................................................................................................. 41
II. 1. Por que poltica como texto potencializa um objeto de pesquisa em educao?...... 43
II.2. No campo da discursividade: Fairclough e intertextualidade........................................ 49
II. 3. Percorrendo trilhas... .................................................................................................... 61
CAPTULO III DISCURSOS SOBRE TRABALHO, SABER E FORMAO DOCE)TE )OS DISCURSOS
SOBRE O MA)UAL DO PROFESSOR................................................................................................ 63
III.1 Sentidos de trabalho do professor e de saber docente em disputa nos discursos do
campo educacional....................................................................................................................... 64
III.2 Questes emergentes para a anlise do manual do professor ....................................... 65
III.3 Formao continuada e relao com os saberes : que relao discursiva?.....................84
CAPTULO IV DO TEXTO DO MA)UAL DO PROFESSOR: PARA ALM DO A)EXO DO LIVRO
DIDTICO...................................................................................................................................... 91
IV.1 Da escolha dos manuais do professor.............................................................................94
IV.2. Como as marcas textuais denunciam as assimetrias de poder escrita/leitor-professor:
Manual do Professorcomo enunciado..................................................................................... 104
IV.3 Como as marcas textuais denunciam as assimetrias de poder escrita/leitor-professor: o
Manual do Professor, como espao de enunciao.................................................................... 109
IV.4. Negociao: entre saberes e entre professor e saber................................................. 122
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CO)SIDERAES FI)AIS: PROFESSOR DE GEOGRAFIA OU GEGRAFO-PROFESSOR? OUTRAS
TRILHAS, )OVAS PO)TES.......................................................................................................... 142
REFER)CIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................................................. 149
A)EXO I ..................................................................................................................................... Ai
A)EXO II ................................................................................................................................... Aii
A)EXO III ................................................................................................................................ Aiii
A)EXO IV ................................................................................................................................. Av
A)EXO V ................................................................................................................................. Avii
A)EXO VI ............................................................................................................................... Aviii
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APRESE)TAO.
PROFESSOR: EM PESQUISA, EM FORMAO: O DUPLO MOVIME)TO.
Talvez, penso eu, que uma escrita que introduz a pesquisa de um momento to
singular para minha vida tenha que traduzir todas as ansiedades, angstias e bem-
aventuranas explcitas e implcitas de uma profisso defendida como funcional para a
sociedade, mas, ao mesmo tempo, to rdua e frustrante. Quis esta profisso desde pequena
porque pensava que era a nica, tambm, porque vislumbrava o olhar de minha me frente
de uma sala de aula. Foi vendo minha me atuar e viver e sobreviver como professora que
acreditei na profisso e, contra a sua vontade, a desafie a copi-la e a reinvent-la em mim
mesmo, como professora.
Por isso, proponho na liberdade de uma apresentao contar como as aflies e
alegrias de minha experincia me conduziram a esta pesquisa. Sim, o presente volume
resultante do exerccio acadmico, mas tambm sou eu, em escrita, pensando a minha
profisso e a de muitos com os quais convivo e convivi. Acho oportuno, ento, comear
falando de uma imagem, pois, conforme um dos tericos com quem dialogo, diferentes
formas simblicas podem ser tomadas como o texto (FAIRCLOUGH, 2001). Ento, falo, a
partir do texto de Bruegel com objetivo de percorrer a imagem e justificar as trilhas que
conduziram minha caminhada em direo ao PPGE/UFRJ e outras mais para fazer pesquisa.
Um texto de uma situao escolarizada, num tempo sem escolas para todos. Neste
texto registrado pelo gravurista, num mundo globalizante do sculo XVI, desumaniza-se
quem ensina, quem aprende. Um burro no cenrio catico, no espao de aprender e ensinar,
sem janelas, sem asseio, sem anseios. O que se v na composio a ironia de Bruegel
inscrita na descrena. Uma composio datada?
Quem sabe. Pelo texto de Bruegel exponho o que se fala num conselho de classe, na
educao bsica da escola pblica, seja no interior fluminense, seja na Baixada. A dificuldade
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de ensinar num lugar sem trabalho e de ensinar ao som da violncia no uma composio
externa queles que aprendem e ensinam numa escola da vida real. Se a composio de
Bruegel um dito nos corredores, h de se assinalar, sublinhar, espalhar que existe sua
negao: bons professores no pelos seus ttulos, mas pelas suas crenas. Avalio que sou um
destes, por reconhecer meus limites e minhas fragilidades, especialmente, quando assumo as
frustraes.
A composio de Bruegel me encaminha a neg-la e a perseverar na possibilidade da
escola, especialmente na possibilidade de v-la como espao de crtica, onde a representao
do mundo no nica. A composio de Bruegel , para mim, a anti-escola, a sua
impossibilidade discursivamente presente na desvalorizao do aluno, do professor e da
relao com o saber. E, para mim, como professora de Geografia, o estudo do espao uma
interessante estratgia para refletir o mundo. Pretencioso? Talvez, mas tive bons professores
de Geografia que acreditaram nesta possibilidade. Portanto, vejo a relao com o saber como
possibilidade mpar de se fazer entender o mundo e de se fazer entendido, ainda que seja
numa composio catica, sem janelas, mas com portas escancaradas, porque fui uma
professora de salas sem janelas numa realidade no representada nos livros didticos: Jardim
Gramacho, a poucos metros de um dos maiores aterros sanitrios do Brasil.
Meus alunos sobreviviam do lixo. Falvamos sobre globalizao, mudana climtica,
zoneamento econmico e ecolgico, Unio Europia e, ainda, fomos ao aterro, de nibus,
com as janelas fechadas, porque ningum gosta da insalubridade, de chorume, de pobreza.
Tambm abrimos as janelas e vimos, do alto do relevo de detritos, a geografia inventada pela
urbanizao. Da janela do nibus vimos o explendor da Baa do Po de Aucar, da Ilha de
Paquet e da metropolizao em desafios. No aterro, caminhando na geomorfologia do
descarte desigual da metrople, fui feliz como professora. Assim como fiquei satisfeita,
entusiasmada com muitas, mas muitas mesmo, aulas em salas sem janelas, sem piso, sem
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carteiras, sem recursos, sem estima. Por favor, no entenda uma apologia ao missionrio
educador, que politicamente merece ser exterminado. Defendo, assim, que na relao com o
saber eu me reconheo como professora.
Qualquer que seja a entrada disciplinar, a questo da mobilizao do sujeito, da sua entrada na atividade intelectual, parece central na problemtica da relao com o saber: por que (motivo) e para que (fim, resultado) o sujeito se mobiliza?(CHARLOT, 2001, p. 19)
Mobilizar-se em relao ao saber: quem quer ser professor? Quem se mobiliza em
relao com o saber e pela relao com o saber? Quem no desiste, por que acredita no
projeto de universalizao da educao bsica como projeto de sociedade? Ainda diante da
gravidade de problemas sociais, como a violncia nas escolas, sou professora porque essas
perguntas so parte do que fao. Percorro nelas para trilhar outra pergunta que ronda o meu
fazer: ensinar vale a pena? Qual o lugar das pesquisas sobre o ensino no imenso horizonte das
cincias sociais? Qual o lugar do professor nos estudos destas investigaes?
A escrita que se segue um testemunho do mobilizar-se em relao ao saber. No se
trata apenas de uma questo de pesquisa , inclusive, meu movimento da busca pelo saber.
Imersa nos casos e nos acasos da educao bsica, procurei o Programa de Pesquisa em Ps
Graduao para oxigenar minha prtica. Acredito que tal investida em leituras satlites a
minha experincia em sala de aula, instigaria meu desejo em permanecer no ofcio de
professor. Concordo com o artigo de Fernandes (2005): existe o lugar social do ofcio de
professor de Geografia, por ser tambm ele que trabalha no mbito da educao para
poltica como espao de disputas de projetos de mundo. (FERNANDES NETO, 2005,
p.257).
E, se ainda h lugar social para ofcio do professor de Geografia, cabe interrogar o que
se verbaliza sobre sua prtica. Que discursos a definirem, a protestarem e a debaterem sobre o
professor desta disciplina?
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Mobilizar-me em relao ao saber problematizar os discursos travados sobre o
professor, o que me exige a dupla posio de sujeito: como pesquisadora e como professora.
As linhas que se seguem registram esse movimento orgnico - e nada inocente - para pr na
berlinda os discursos impressos sobre professor e Geografia.
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I)TRODUO.
POR QUE O MA)UAL DO PROFESSOR?
Pginas no final do livro didtico. Geralmente, h uma inscrio: material de uso
exclusivo do professor. O que h no universo das ltimas pginas? Respostas para muitas
perguntas. Este trabalho se prope a trilhar por um campo, ainda pouco explorado nas
investigaes sobre ensino de Geografia. Pretendo, mediante o objeto de pesquisa Manual
do Professor percorrer caminhos para abordar o que tem sido dito neste texto de especfico e
de imediato dilogo com o professor.
A construo do problema de pesquisa, cujo material emprico se constitui no/sobre
o manual professor, e no no livro didtico, foi um processo que veio se delineando ao longo
da minha caminhada no GECCEH (Grupo de Estudos Currculo, Cultura e Ensino de
Histria)1, quando, ento, o grupo se dedicava a interrogar os discursos sobre saberes a
circular nos exerccios dos manuais escolares de Histria, colees estas inscritas na edio
do PNLD/2005. Este momento foi meu primeiro contato com a racionalidade do Programa e,
tambm, com um de seus documentos: o Guia de Anlise do Livro Didtico de Histria
(MEC, 2004, vol. 5, 230 p.).
Desde ento, como investida exploratria, consultei o Guia de Anlise do Livro
Didtico de Geografia, da mesma edio do PNLD (Id.vol.6.p.122). Um dos critrios para a
classificao das colees didticas era o Manual do Professor. Por que esse material,
1 GECCEH - Grupo de Estudos Currculo, Cultura e Ensino de Histria um grupo de pesquisa inscrito no Ncleo de Estudos do Currculo, da Faculdade de Educao/UFRJ. O Grupo, sob a Coordenao da Prof.a. Dr.a Carmem Teresa Gabriel, desenvolve investigaes acerca das temticas currculo e cultura, a partir de referncias terico-metodolgicas que abordam a questo da linguagem, numa perspectiva que sinaliza o potencial da problemtica sobre a produo de sentidos para construir interrogaes a respeito da relao (condicional) com o saber.
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desprestigiado nas investigaes sobre ensino de Geografia2, teria tamanha importncia para a
lgica de avaliao do Programa? Tal indagao tornou-se mais pertinente quando verifiquei
que, no Edital De Convocao Para Inscrio )o Processo De Avaliao E Seleo De
Obras Didticas A Serem Includas )o Guia De Livros Didticos Para Os Anos Finais
Do Ensino Fundamental - P)LD/2008 (Id. 2006, p.63), o Manual do Professor era tem
obrigatrio para inscrio das colees didticas.
Assim, nesta pesquisa interessa-me analisar como o Programa produz entendimentos
sobre Manual do Professor das colees didticas das sries finais do ensino fundamental,
uma vez sendo este o meu segmento de atuao profissional. Logo, a leitura preliminar do
Guia De Anlise Do Livro Didtico De Geografia para este segmento da educao bsica
e do Edital serviram como estudo exploratrio para me aproximar da racionalidade de
Programa )acional do Livro Didtico (PNLD) que, dentre outras atribuies, orientada
para a avaliao do livro didtico.
Somada a este movimento de explorao do Manual do Professor nos documentos
oficiais do PNLD, minha formao no PPGE contou decisivamente com as leituras do campo
do currculo. A perspectiva terica adotada (LOPES, 2005, 2006 e 2007; BALL, 1992)
refora a potencialidade de se apropriar dos documentos oficiais como textos sujeitos (re)
interpretaes. Esta perspectiva, ao retirar a imunidade dos textos, isto , sua pretensa
neutralidade, favorece a apropriao de textos, at ento, considerados marginais na
pesquisa educacional, mas que so igualmente configuradores da racionalidade do PNLD,
como o Manual do Professor, anexo do livro didtico.
Uma vez amaparada em certas interlocues do campo do currculo, que me
permitiram perceber os textos institucionais no mais neutros e onde so disputados e
2 No primeiro captulo, apresentarei o exerccio de reviso bibliogrfica compreendido por levantemento de pesquisas em nveis de Ps-Graduao onde constatei que aquelas cuja temtica versava sobre livro didtico de Geografia, no se propuseram a analisar o Manual do Professor.
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negociados sentidos, algumas interrogaes emergiram como possveis percursos para
apropriao do Manual do Professor. Pois, a partir da articulao entre a abordagem terica-
metodolgica e estudo exploratrio, algumas interrogaes embrionrias encaminhavam os
percursos desta pesquisa: que discursos sobre professor, sobre saberes3 so escritos e lidos no
Manual do Professor? E mais. Nos documentos oficiais do PNLD, circulariam os mesmos
discursos? Que interlocuo tais documentos pretendem estabelecer com o professor? Tais
interrogaes embrionrias evidenciam o meu interesse central nesta pesquisa: analisar o
lugar poltico do professor de Geografia, tendo como base, a escrita do/sobre Manual do
Professor. Portanto, uma pesquisa que se prope a investigar o Manual do Professor tem em
primeiro plano a discusso do poder textualmente impressa nestas pginas.
Seguindo a direo inscrita nas primeiras interrogaes, tambm me fundamento no
estudo de Gabriel (2006) que defende a potencialidade da questo do saber para apreender o
poltico. Para Gabriel (2006), a produo de sentidos sobre saber envolve o terreno
epistemolgico porque trata-se do valor de verdade, logo, uma questo da ordem poltica.
Nessa pesquisa, amparo-me tambm em Gabriel (2006) para problematizar o Manual
do Professor como texto onde se apresenta a materialidade das disputas sobre regimes de
verdade. Sendo assim, a questo poder e saber deve ser trazida para o primeiro plano no
presente estudo diante desta proposta de apropriao de um texto propositadamente pensado
3 A proliferao e diversidade da terminologia presente nos debates acadmicos desde ento cultura escolar (Forquin, 1993), saber escolar (Forquin, 1992, Perrenoud, 1998, 1993, Develay 1991, 1995), conhecimento escolar (LOPES 1997, 1999), disciplina escolar (Chervel, 1990, Goodson, 1995), contedos curricularizados (Sacristian, 1995, 1996),saber a ensinar, saber ensinado (Chevallard, 1991), saberes aprendidos (Devalay, 1995) so sintomas tanto da presena dessas questes bem como de contribuies vindas de campos disciplinares e/ou horizontes tericos distintos para pensar a produo do conhecimento na sua forma escolarizada. (GABRIEL, 2006, p.1, grifo meu). De acordo com esta citao, possivel constatar que a diversidade terminolgica deve-se amplitude do quadro terico que reserva interesse sobre a temtica saber escolar. Ainda assim, reconhecendo a expanso do campo semntico, esta pesquisa opera com os termos saberes e conhecimento sem distino, apenas para fins da escrita da redao.
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por poltica educacional, de carter regulador, para estabelecer a relao entre o professor e o
saber a ensinar.
Mais produtiva revela-se a inteno de compreender os processos de mediao pedaggica
associados seleo e organizao do conhecimento para fins de ensino, os mecanismos de
transformao dos saberes e as anlise dos fins sociais desses saberes (LOPES, 2007, p.201, grifos
meus).
Avalio que certas discusses do campo do currculo possam contribuir para reflexo
da mobilizao dos saberes e da tenso entre tendncias tericas da Geografia na escrita
institucional. Dessa forma, aposto que as leituras sobre a questo do hibridismo e da
ambivalncia de sentidos, presentes em certas discusses do campo do currculo, abrem portas
para interrogar o reconhecimento e a ressignificao de tendncias tericas do campo da
geografia (legitimadas) nos textos escolares, em particular, aqueles direcionados para o
professor. Assim sendo, apresento os objetivos especificos desta pesquisa:
Problematizar o PNLD como evento discursivo, marcado pela circularidade de
produo, de distribuio e de consumo de sentidos.
Problematizar os sentidos de Manual do Professor em algumas marcas textuais que
acusam discursos sobre polticas de currculo e discursos sobre poltica de formao docente.
No primeiro captulo, procuro, em linhas gerais, analisar algumas reflexes do campo
de pesquisa sobre o ensino de Geografia. De acordo com o mapeamento de certas questes
presentes neste campo, tenho o interesse em acentuar as possibilidades de apropriao do
campo do currculo, na tentativa de estreitar o dilogo entre estes campos para construo de
problema de pesquisa.
No mesmo captulo, argumento por que o Manual do Professor tornou-se um
interessante corpus documental e, ao mesmo tempo, objeto de pequisa para desenvolver a
temtica sobre o ensino da Geografia, nas sries finais do Ensino Fundamental. Dessa
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maneira, amparo-me em reviso bibliogrfica, tanto do campo do ensino de Geografia quanto
do campo educacional com objetivo de apreender entendimentos sobre Programa Nacional do
Livro Didtico. Para tanto, busco apresentar consideraes sobre o Manual do Professor, a
partir da leitura preliminar dos documentos oficiais difundidos por esse Programa.
Esta investigao sobre/no MP do livro didtico de Geografia aposta na potencialidade
da discusso poltica sobre professor e saberes a partir do entendimento que o uso da
linguagem, especificamente, o discurso se estabelece na disputa e na negociao de produo,
de circulao e de consumo de sentidos. Sendo assim, o segundo captulo busca sublinhar o
potencial terico-metodolgico do campo do currculo e da teoria social do discurso, para
considerar a circularidade discursiva em textos institucionais (BALL, 1992, LOPES, 2005,
2006, 2007, FAIRCLOUGH, 2001).
Avalio que no movimento de apropriao das pginas do Manual do Professor, assim
como, nos documentos oficiais que o definem, suscitam questes para apreender os sentidos
de trabalho docente, da relao professor e saber e da relao entre saberes. Por esta
razo, o Edital e o Guia, da ltima edio do PNLD/2008 para as sries finais do Ensino
Fundamental sero mais explorados, no terceiro captulo, como material emprico para
problematizar a circularidade das polticas de formao docente e de currculo e os papis que
estes documentos desempenham na prpria definio e normatizao do Manual do Professor
para a rea de Geografia.
A explorao dos documentos oficiais me levam a considerar que no Manual do
Professor, as tenses manifestadas pela ambivalncia de sentidos (de saber, de relao com
saber) contribuem, sobretudo, para questes abordadas pelo campo do currculo. A redao
deste captulo tem como pano de fundo a ambivalncia de sentidos que qualificam o trabalho
docente e saber docente: sejam os sentidos assentados pela perspectiva instrumental do
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trabalho docente ou dos sentidos antagnicos a essa viso ao defenderem o carter autnomo
do ofcio do professor.
Diante desta configurao de enunciados hegemnicos e contra-hegemnicas para
significar o trabalho e saber docente, configurao esta explcita nos documentos j tratados,
organizo o texto do ltimo captulo em sees que conjugam a explorao da empiria com a
discusso terica. Para tal, amparo-me nas categorias propostas pela ACDTO (Anlise Crtica
Do Discurso Textualmente Orientada) que permitam explorar tanto sentidos da relao do
professor com o saber quanto os sentidos sobre saberes. Diante desta abordagem sobre a
relao entre saberes, apoio-me em algumas consideraes j apresentadas pela teoria crtica
do currculo (YOUNG, 2000) e revisitadas por Lopes e Gabriel (LOPES 2006, 2007, 2008,
GABRIEL 2006, 2008).
Meu interesse est particularmente voltado para as anlises dos discursos sobre
trabalho docente, saber docente, a relao professor com o saber, relao entre saberes, como
vias de problematizao do Manual do Professor. Com isso, proponho abord-lo para alm de
um anexo; uma vez sendo um texto cuja escrita parte da intencional relao com um
interlocutor imediato: o professor.
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11
CAPTULO I - TRILHAS PERCORRIDAS, ALICERCES, PO)TES: A CO)STRUO DO OBJETO DE
PESQUISA.
Neste captulo apresento as trilhas percorridas, a consolidao dos alicerces e as
pontes a sustentar um objeto de pesquisa em educao chamado Manual do Professor. Para
tal, organizo minha argumentao em trs partes. Na primeira seo, apresento algumas
discusses sobre a temtica ensino de Geografia que contribuem para traar possveis
interlocues com o campo do currculo. Ainda nesta seo, a partir da reviso bibliogrfica,
fao releitura dos estudos sobre a histria da disciplina escolar, as relaes entre os saberes e
textos oficiais, as questes sobre formao do professor e sobre o livro didtico para sinalizar
algumas consideraes que so centrais para problematizao do Manual do Professor como
objeto de investigao inserido na temtica de ensino de Geografia.
Como a compreenso do objeto de pesquisa se fundamenta no aporte terico do campo
do currculo, na segunda seo, recupero, em linhas gerais, algumas discusses sobre o
desenvolvimento de certos debates deste campo de pesquisa em educao. Tendo em vista a
amplitude das matrizes tericas compreendidas neste campo, parto das anlises j realizadas
nos estudos de Giroux (1993), Moreira (1998), Lopes e Macedo (2002). Esta seo busca
apresentar como questes deste campo de pesquisa podem contribuir para o entendimento da
relao poder e saber, sendo a mesma considerada nesta pesquisa como um dos alicerces para
a apropriao do Manual do Professor como objeto de investigao.
De tal forma que na terceira seo deste captulo trato do Programa Nacional do Livro
Didtico e dos sentidos produzidos e difundidos sobre o Manual do Professor. Para tanto, me
baseio em reviso bibliogrfica e leitura preliminar de documentos produzidos pelo Programa,
a saber: o Guia De Anlise Do Livro Didtico das trs primeiras edies do Programa
(PNLD/1999, PNLD/2002, PNLD/2005). Este um primeiro movimento de aproximao
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com a racionalidade do Programa, que ser retomado no terceiro captulo, a partir da
explorao de documentos produzidos pela ltima edio do PNLD/2008.
Portanto, este captulo tem como preocupao central apresentar as trilhas percorridas
para a construo do objeto de pesquisa, bem como, evidenciar a pertinncia de um estudo
que trate exclusivamente do Manual do Professor e no do livro didtico. Sendo assim, as
linhas a seguir procuram dialogar com discusses do campo de pesquisa sobre ensino de
Geografia com anlises de cunho espistemolgico do campo do currculo e com os estudos
sobre polticas educacionais do livro didtico que, de tal modo, direcionam intrigantes
encaminhamentos para abordar o anexo do livro didtico: o Manual do Professor.
I.1. PRIMEIROS PERCURSOS: ALGUMAS DISCUSSES SOBRE O E)SI)O DE GEOGRAFIA
Porque so criaes espontneas e originais do sistema escolar que as disciplinas merecem um interesse particular. E porque o sistema escolar detentor de um poder criativo insuficientemente valorizado at aqui que ele desempenha na sociedade um papel o qual no se percebeu que era duplo: de fato ele no forma somente a indivduos, mas tambm uma cultura que vem por sua vez penetrar, moldar, modificar a cultura da sociedade global. (CHERVEL, 1990, p.184)
Escolho esta citao de Chervel (1990) para iniciar a discusso sobre a dimenso do
conhecimento geogrfico como disciplina escolar porque quero chamar ateno para lgica
diferenciada entre enunciar e autorizar o dito4 sobre o saber escolar e o dito sobre o saber
de referncia acadmica. Ainda que no problematize o que entende por cultura da sociedade
global, o autor, na citao acima, coloca em evidncia o lugar social da disciplina escolar.
4 De acordo com a proposta de Fairclough (FAIRCLOUGH, 2001, P.22) da multidimensionalidade do discurso (a ser explorada, no prximo captulo), possvel construir um campo semntico sobre discurso que aproxime os termos como discurso, texto, enunciado, sentido, significado e escrita, uma possibilidade empregada na redao desta pesquisa. Ainda assim, reconheo, na enumerao destes termos, que diferentes tradies e correntes da anlise do discurso se ocuparam em discriminar teoricamente esses conceitos. Todavia, no meu ver, o modelo tridimensional do discurso permite essa aproximao sem prejudicar a problemtica da anlise do discurso.
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Portanto, tendo como pressupostos as especificidades dos saberes acadmicos e
escolares e a implicao destas para a produo de sentidos sobre saberes, cabe a estas linhas
iniciais da pesquisa apresentar como o campo da Geografia vem desenvolvendo os debates
sobre o ensino desta disciplina. No se trata, pois, do estudo da arte sobre ensino de
Geografia, apenas pretendo sublinhar algumas contribuies que me permitem problematizar
uma proposta de investigao sobre o Manual do Professor.
Desta maneira, parto da leitura do estudo de Pinheiro (2003, 2005) em que enumera e
analisa a produo de investigaes sobre o ensino de Geografia em nvel de ps-graduao.
Este autor, assim, traz uma valiosa contribuio para este campo ao identificar e ao classificar
a natureza das pesquisas centradas no tema ensino de Geografia cobrindo o perodo de 1972
20035. De acordo com o recorte adotado, o autor identificou 317 pesquisas em nvel de ps-
graduao (277 dissertaes de mestrado e 40 teses de doutorado).
Uma constatao resultante da pesquisa de Pinheiro (2003) diz respeito pouca
visibilidade das pesquisas sobre ensino no campo acadmico de Geografia, pois no recorte
temporal estudado pelo autor, no havia nenhuma linha de pesquisa nos Programas de
Educao direcionada para este tema. Logo, uma de suas argumentaes envolve a
reivindicao a favor da construo de rea de concentrao de pesquisa especfica para o
Ensino de Geografia, o que, em tese, traria um efeito de visibilidade e de difuso desta
temtica no campo acadmico (PINHEIRO, 2003, p. 99)
5 Pinheiro publica no ano de 2005 uma edio revisada de sua tese de doutoramento defendida no departamento de Geografia da UNICAMP (PINHEIRO, 2001). Nesta reviso, o autor amplia o recorte temporal do levantamento bibliogrfico inicialmente proposto entre o perodo de 1972-2000. Entretanto, na reviso do recorte temporal, o autor mantm a metodologia de classificao das pesquisas sobre ensino de Geografia de acordo com gneros de trabalho acadmico e com focos temticos. Por gneros de trabalho acadmico, o autor compreende o procedimento metodolgico da pesquisa aos quais o leva a sinalizar sete modalidades: pesquisa de anlise de contedo, estudo de caso, estudo comparativo/correlacional, relato de experincia, pesquisa bibliogrfica e documental, pesquisa-ao e pesquisa experimental (PINHEIRO 2005, p. 70). Alm dos procedimentos metodolgicos, Pinheiro (2003) analisa os temas delimitados para o desenvolvimento da pesquisa e, conforme a metodologia empregada em sua tese, identifica oito focos temticos: prtica docente educativa, representaes espaciais, educao ambiental, currculos e programas, contedo e mtodo, formao de professores, formao de conceitos e livro didtico. (Ibdem, p. 81).
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A quantidade e relevncia da pesquisa acadmica no ensino de Geografia demonstram a
necessidade de discutir a criao da rea de concentrao Ensino de Geografia, a qual poder derivar
diversas linhas de pesquisa. Atualmente o ensino de Geografia, geralmente aparece nos Programas de
Ps-Graduao de Geografia, como linha de pesquisa, diluda no interior dos programas, esta
denominao no corresponde quantidade e abrangncia das investigaes existentes. Tambm no
encontrei linhas que tratem o ensino de Geografia, nos programas de Educao. (PINHEIRO, 2001,. p.
102)
Diante do levantamento bibliogrfico realizado por este autor (2005, 2003), possvel
ressaltar a sua observao do expressivo crescimento das pesquisas sobre o ensino de
Geografia a partir dos anos 19806, mantendo esta tendncia no decorrer da presente dcada
(Op. cit. 105-106). Esta reflexo mostra, em uma primeira leitura, que embora a expanso das
pesquisas sobre ensino de Geografia seja um dado incontestvel, ainda enfrenta o problema de
ser reconhecido como campo acadmico. Desta forma, o estudo de Pinheiro (2003, 2005)
aqui percebido tanto pela relevncia do panorama bibliogrfico apresentado quanto por ser
um registro das disputas para dar visibilidade a um campo de pesquisa que aborde a dimenso
escolar do saber geogrfico.
Por esta razo, necessrio abordar a disciplina de Geografia no intuito de
compreender essa relao necessria, mas no bem resolvida, entre o saber acadmico e
aquele mobilizado pelo professor na escola - um espao onde o dizer sobre Geografia tem
regras prprias, criativas, pois, o professor valoriza lgicas e formas de tratar o conhecimento
para fazer valer sua difuso na escola. Deste modo, convm realar algumas reflexes j
colocadas sobre o ensino de Geografia a fim de fundamentar as minhas posteriores anlises
sobre o Manual do Professor. 6 Nas dcadas finais do sculo XX, as discusses sobre ensino de Geografia foram impulsionadas pelas reflexes desenvolvidas no mbito da Associao dos Geogrfos Brasileiros (AGB). Conforme a anlise de Pontuschka (1999), esta instituio foi uma das responsveis pela intensidade e difuso dos problemas do ensino da Geografia com temas passveis de serem pesquisados pelo meio acadmico.
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Interessa-me, portanto, certas anlises que exponham a relao saber e poder na
dinmica de instituir o conhecimento numa rea disciplinar na escola. Parece-me frtil as
consideraes trazidas pelas discusses sobre a histria da disciplina escolar de Geografia
realizadas por Rocha (1996, 2000) e Goodson (2001). De igual forma, reconheo tambm as
contribuies de Soares (2004) e Cavalcanti (1998, 2001) para a reflexo sobre o ensino de
Geografia, particularmente, nas anlises desenvolvidas sobre a relao saber escolar no
recente cenrio de difuso de propostas curriculares oficiais. Estas problematizaes a
respeito da Geografia no mbito escolar so pertinentes para articular outros aspectos do
ensino desta disciplina: formao docente e livro didtico. Precisamente nestes aspectos
dedico especial ateno devido proposta de investigao do Manual do Professor.
No pretendo reconstituir uma narrativa da trajetria escolar desta disciplina, uma
tarefa j desenvolvida por autores como Genylton Rocha (1996, 2000)7 e Goodson (2001). O
que me proponho a destacar, a partir da leitura que fao destes autores, identificar as vozes
autorizadas para dizer o que Geografia e sublinhar como essas vozes constrem sentidos
sobre o que deveria saber o professor, j que a minha preocupao, ao longo deste estudo,
explorar o dito nesse material chamado Manual do Professor.
Alm disso e no menos importante do que entender as ressonncias do saber
acadmico na legitimizao de textos oficiais sobre os saberes escolares, me preocupo
7 ROCHA, G.O.R. A trajetria da disciplina Geografia no currculo escolar brasileiro (1837-1942). Dissertao de Mestrado, FE/PUC-SP, So Paulo, 1996. Neste trabalho o autor prope uma investigao que acentue o processo de legitimao da institucionalizao da disciplina Geografia, a partir da escola. O autor, apoiado em referenciais da hitria das disciplinas escolares (CHERVEL,1990, GOODSON, 1990, 1995), analisou a presena do saber de cunho geogrfico em instituies escolares organizadas pelos Jesutas e acompanha o progresso deste conhecimento ao longo do Segundo Reinado, conforme sua anlise da grade curricular do Colgio de Pedro II. Rocha destaca as intervenes de Delgado de Carvalho para a insero do pensamento geogrfico francfilo no novo Programa do Colgio Pedro II, um marco para consolidao do campo disciplinar na dcada de 1920. O Estado Novo, para o autor, foi um perodo emblemtico para a condio de cientificidade da Geografia, tendo em vista o imperativo poltico da unidade territorial e da identidade nacional, onde o Estado foi ator principal para a criao de organismos de referncia a esse saber, como a criao do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (1942) e de Departamentos em instituies de Ensino Superior, a saber: Universidade de So Paulo, em 1934 e, no seguinte ano, na Universidade do Distrito Federal (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro).
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igualmente em dar visibilidade a argumentos presentes no pensamento geogrfico, como os de
Rocha (1996) que defendem que o processo de legitimao da Geografia, como disciplina
acadmica, se estabeleceu inicialmente em instituies escolares. Portanto, contrariando o
movimento dos saberes que ocorre no mbito da maioria das disciplinas - modelo da
academia para escola - a Geografia esteve presente nas origens das instituies escolares
brasileiras antes de ser institucionalizada como campo cientfico no Brasil, durante o Estado
Novo. De acordo com Rocha (1996) e Del Gaudio (2006)8, o impertativo poltico - por meio
de interveno estatal - garantiu a continuidade da disciplina Geografia na grade curricular
das instituies escolares brasileiras, no decorrer do sculo XX.
Aproximando-me das pesquisas que tecem consideraes sobre a institucionalizao
da Geografia no Brasil, principalmente aquelas que de alguma maneira consideram o
movimento inverso de saberes9, isto , da escola para a academia (ROCHA, 1996, 2000, DEL
GAUDIO, 2006), penso que possvel argumentar que a institucionalizao cientfica da
Geografia dependeu, tambm, de sua tradio didtica. A reflexo de que a Geografia um
saber primeiramente legitimado pela e na escola traz uma suspeita interessante para interrogar
sobre a condio de cientificidade deste conhecimento. Suspeita essa presente na
argumentao de Goodson (2001) sobre as disputas por prestgio no decorrer da histria desta
disciplina. Ao se referir ao caso britnico, Goodson (2001) sugere que o status desta
disciplina no campo acadmico se assentava no reconhecimento da mesma junto das
instituies escolares. Para este autor (2001), o progresso, bem como, o sucesso da
8 DEL GAUDIO, R.S. Concepo de nao e Estado Nacional dos docentes de Geografia. Tese de Doutorado. FE/UFMG, Belo Horizonte, 2006. Nesta pesquisa de doutoramento, Del Gaudio (2006) investiga os sentidos atribuidos ao conceito de Nao por professores de Geografia. Para tal, a autora recupera a trajetria escolar dessa disciplina e discorre sobre as intervenes do Estado brasileiro na legitimao dos saberes geogrficos na escola.
9 Esta perspectiva de movimento de saberes se inserem numa discusso mais ampla dentro do quadro terico desenvolvido por Chevallard em seu estudo sobre a transposio didtica. Ver trabalhos: GABRIEL, 2003; LOPES, 1999; MONTEIRO, 2001.
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institucionalizao da Geografia nas universidades responde ainda s disputas dessa disciplina
no universo escolar.
A partir da sua posio como disciplina escolar integrada, gozando de um prestgio baixo, no incio do sculo XX, a Geografia progrediu at atingir uma aceitao alargada como disciplina universitria de status elevado. A histria que est por detrs deste notvel progresso foi contada noutro local, mas as suas implicaes para a prtica curricular precisam ser analisadas com cuidado. (GOODSON, 2001, p.155)
A abordagem histrica da disciplina escolar, defendida por Goodson (2001), sugere,
pois, que a estabilidade de um campo disciplinar, como a Geografia, ocorre de acordo com
configuraes scio-polticas que extrapolam a esfera do acadmico, embora no a excluem.
Esta estabilidade reflete o status e o reconhecimento deste saber nas instituies de ensino
superior.
A correlao de foras de defesa e de rejeio de que um dado conhecimento deva ser
ensinado envolve toda sorte de sujeitos e determinantes sociais e polticos. Portanto, a defesa
da permanncia da disciplina nas instituies escolares objeto de negociaes e de disputas.
Disputas essas que no abarcam apenas as lutas entre campos disciplinares distintos
(como o caso britnico narrado por Goodson, 2001, onde a Geografia enfrentava presses
da defesa dos estudos ambientais), mas tambm dentro do prprio campo disciplinar.
Portanto, a leitura que fao dos trabalhos de Rocha (1996), Del Gaudio (2006) e Goodson
(2001) leva-me a seguinte indagao: que Geografia afirmada diante das disputas fora e
dentro do campo disciplinar, nas escolas brasileiras neste incio de sculo XXI? Por sua vez,
essa pergunta pode ser desdobrada em outra: qual a funo social, poltica, epistemolgica da
Geografia na escola? Apoiada nos interlocutores mencionados acima, percebo que tais
interrogaes contigencialmente respondida, ou ao menos, existem tentativas em respond-
las nos documentos oficiais, refletindo assim as conjunturas scio- polticas que interferem na
legitimao do saber geogrfico seja o da academia, seja o da escola.
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Reitero que no me proponho a reconstituir a trajetria histrica da Geografia escolar
(ou do saber geogrfico escolarizado) no Brasil. O dilogo com Rocha (1996), Del Gaudio
(2006) e Goodson (2001) com o intuito de entender os textos institucionais sobre a
Geografia escolar como construes que se inserem em disputas pelo reconhecimento e pelo
prestgio de um campo disciplinar. Ancorada nestas leituras inicias, fui qualificando meu
olhar para a apreenso da escrita institucional sobre o saber geogrfico escolarizado,
suspeitando do papel desempenhado pela mesma na produo de discursos que afirmam
tendncias hegemnicas dos entendimentos sobre e da Geografia.
Nesse movimento, aproveito para perceber como essas tendncias incorporam as
tenses, bricolagens e hibridizaes10 entre as matrizes tericas do saber de referncia na
escrita dos Parmetros Curriculares Nacionais de Geografia, para as sries finais do Ensino
Fundamental (PCNs) 11 (SOARES, 2004). Chamo ateno que nesta seo ao tratar da
Geografia como disciplina escolar opto por procurar fazer referncias a espaos onde
circulam os sentidos de Geografia na escola, principalmente, nos textos oficiais. Essa opo
no aleatria, pois, meu propsito neste captulo argumentar sobre pertinncia de um
estudo sobre o Manual do Professor como espao produtor de polticas de currculo e de
formao docente.
Os Parmetros Curriculares Nacionais de Geografia foram institudos, no final dos
anos 1990, pela Secretaria de Educao Fundamental, rgo do Ministrio da Educao. De
acordo com Soares (2004), ainda na apresentao dos Parmetros Curriculares de Geografia
h o pressuposto de que a mudana do mundo do trabalho influiria na dinmica do currculo
10 Ao empregar o conceito o recontextualizao por hibridismo, refiro-me aos trabalhos de Lopes onde sua recorrente investida em autores - como Berstein e Canclini - busca aglutinar a diversidade de vertentes tericas na tentativa de apresentar o currculo como processo em trnsito e no mais como escrita institucional determinante dos conhecimentos que circulam na escola. Esta perspectiva de anlise do currculo procura superar a definio de seleo cultural ou artefato cultural. O artigo Poltica de currculo: recontextualizao e hibridismo (LOPES, 2005) ilustra uma das empreitadas da autora para exercer a aproximao acima citada. 11 MEC/SEF/BRASIL. Secretaria De Educao Fundamental. Parmetros Curriculares Nacionais: Geografia. MEC/SEF, Braslia, 1998. No decorrer da redao desta pesquisa, tratarei este documento, alternadamente, pelo nome ou pela sigla.
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escolar desta disciplina. Soares (2004) argumenta que, apesar do documento apresentar uma
posio ecltica (hbrida) em relao s matrizes tericas desta disciplina12, possvel
perceber um encaminhamento para defesa de tendncias que valorizam o emprego de
categorias como lugar e espao vivido13. (SOARES, 2004, p. 41)
Pensamos ser importante essa breve apresentao [dos PCNS DE GEOGRAFIA], pois
concordamos com algumas anlises feitas pela comunidade acadmica que caracterizam os
PCNs de Geografia como um documento com pelo menos uma caracterstica principal, o seu
carter ecltico.
[...] A opo feita pelos autores do documento foi, em primeiro lugar, a apresentao do desenvolvimento da geografia, sobretudo no Brasil, a partir das correntes tericas que produziram e produzem conhecimento geogrfico.O documento apresenta crticas ao positivismo clssico e ao marxismo sem lhes retirar sua importncia dentro do pensamento geogrfico assimilando, ao mesmo tempo, explcita ou implicitamente, alguns de seus conceitos dentro de sua proposta. (Ibdem.p.41, grifos meus)
12 Estudiosos da epistemologia da Geografia afirmam que o 3. Encontro Nacional de Gegrafos (organizado pela AGB) foi um marco para um movimento considerado de renovao da Geografia em que se fundamentaram as bases de reviso terica e metodolgica deste campo. Contavam, pois, com os debates da crtica s matrizes positivistas presentes nas correntes epistemolgicas - Tradicional e Teortica-Quantitativa- at ento vigentes nos campos instituicionais deste conhecimento como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica) e a AGB (Associao dos Gegrafos Brasileiros). Dentre as tendncias tericas emergentes deste movimento de renovao, encontram-se a Geografia Crtica e a Geografia Humanista. Enquanto a primeira filia-se ao materialismo histrico, a Geografia Humanista compreende um conjunto de concepes filosficas que, em comum, apresentam contudentes crticas a determinadas questes da modernidade. Em funo da densidade desta matria, ver Gomes, 1996, Moreira 2006. 13 Cavalcanti (1998) aponta trs abordagens terico-metodolgicas para tratar do conceito de lugar no conhecimento geogrfico. Conforme, os estudos da Geografia Humanista e da Percepo (tendo Tuan, 1980, como um dos principais interlocutores) o lugar o espao vivido. Nesta abordagem o lugar um conceito centrado e reconhecido pelo indivduo. Tuan (1980) defende que a tendncia humanstica deve se ocupar em apreender como o espao torna-se lugar. Outra abordagem terica do conceito de lugar, de acordo com a leitura de Cavalcanti (1998), a concepo histrico-dialtica, cuja apreenso deste conceito est envolvida com a problemtica da globalizao. Para essa leitura do conceito de Lugar, Cavalcanti (1998) destaca o trabalho de Carlos (1993), que por sua vez se apia nos estudos sobre espao do filsofo Henri Lefbvre (CAVALCANTI, 1998, p. 90). H ainda a contribuio do pensamento ps-moderno para conceituar o Lugar, uma perspectiva que parte da crtica ao sujeito moderno. Com esta observao, Cavalcanti (1998) sinaliza a terceira abordagem terico-metodolgica do conceito de Lugar, presente no pensamento geogrfico.
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A leitura do fragmento abaixo confirma essa constatao de Soares (2003) sobre a
presena e a valorizao14 de determinadas tendncias do pensamento geogrfico no mbito
escolar.
Enriquecida essa forma de pensar sobre a idia de lugar, o professor poder trabalhar o cotidiano do aluno com toda a carga de afetividade e do seu imaginrio, que nasce com a vivncia dos lugares. A nova abordagem poder ajudar o aluno a pensar a construo do espao geogrfico no somente como resultado de foras econmicas e materiais, mas tambm pela fora desse imaginrio. Temas relacionados com a produo e o consumo dos espaos no campo ou na cidade e dos movimentos migratrios podero abrir perspectivas de estudos entre o espao e o conceito de cidadania, dentro de uma nova verso geogrfica. (BRASIL, MEC-SEF, 1998, P.59)
Com efeito, a partir da leitura deste fragmento dos PCNs de Geografia, possvel
identificar as matrizes tericas que sublinham a dimenso do lugar e do espao vivido nos
currculos do ensino fundamental. possvel observar ainda que o reconhecimento do carter
inovador do ensino de Geografia est estreitamente articulado insero da corrente
humanista na disciplina escolar.
A reflexo sobre seu lugar, as implicaes ou a significao desse lugar, a compreenso de que outros lugares so diferentes, exige que o aluno desenvolva determinadas habilidades espaciais e que tenha informaes objetivas do seu e de outros lugares. (CAVALCANTI, 1998, p. 94)
Como se observa na citao de Cavalcanti (2001), a apreenso do conceito de lugar no
ensino de Geografia, otimizaria uma abordagem da experincia cotidiana do aluno, ao mesmo
tempo que sublinha a especificidade desta disciplina na escola. Logo, uma perspectiva que
tangencia uma proposta metodolgica que ao prezar a descrio do espao vivido pelo aluno,
estaria tambm de acordo com as abordagens tericas do campo educacional que enaltecem
esfera da aprendizagem.
14
Esse momento da redao desta pesquisa, todavia, ser importante para anlise do material emprico a ser explorado no quarto captulo, onde tecerei algumas anlises das relaes professor e saber e entre saberes nos manuais do professor.
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Importo observar ainda que o hibridismo no se d apenas entre as tendncias tericas
internas ao pensamento geogrfico. A leitura atenta do trecho extrado do PCNs de Geografia
permite evidenciar que o movimento de hibridizao entre as perspectivas tericas do campo
geogrfico estabelecem articulaes discursvias com outros campos de saber. Por exemplo,
percebe-se que a corrente humanista tende a justificar e a valorizar a sua posio no mbito
escolar por meio de hibridizao com os discursos pedaggicos, em particular, com aqueles
cuja preocupao central a participao ativa do aluno no processo de aprendizagem.
Se, portanto, parto das reflexes sobre a histria da disciplina escolar (ROCHA, 2000
e GOODSON, 2001) para considerar as disputas e negociaes no processo de valorizao de
um determinado saber e; se nestas condies de legitimao do conhecimento a escrita de
textos oficiais so espaos em potencial para manifestao dessas disputas, convm indagar
sobre o lugar do professor neste cenrio de problematizaes sobre reformas curriculares. Por
esta razo, vale assinalar as constataes de Nria Cacete (2007) e de Pinheiro (2003, 2005) j
que ambos esto de acordo quanto repercurso das reformas curriculares nos debates sobre o
ensino de Geografia, a partir da dcada de 1990.
Na sua avaliao dos vintes anos do Fala Professor, Nria Cacete (2007) observa o
vigor dos debates sobre a Geografia Humanista na proposta curricular oficial, nas ltimas
edies do principal frum nacional sobre o ensino de Geografia, organizado pela AGB
(Associao dos Gegrafos Brasileiros)
Esse momento caracteriza, do ponto de vista da Geografia, e tambm da Pedagogia, a emergncia de novas correntes tericas, sobretudo, as ps-crticas privilegiando as dimenses subjetivas, a cultura local, a vida cotidiana, as relaes gnero-raa-etnia-sexualidade, o multiculturalismo, trazendo para o interior do pensamento geogrfico uma abordagem fenomenolgica, expressa pela chamada Geografia Humanista e Geografia da Percepo. Assim, em julho de 2003, o 5. Encontro Nacional de Ensino de Geografia, Fala Professor, mais uma vez realizado na UNESP com a temtica Geografia do Cotidiano, construindo cidadania: prticas formais e informais (CACETE, 2007, p. 14-15)
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Esse movimento de repercusso das reformas curriculares inscritas nos PCNs foi
tambm observado por Pinheiro (2003, 2005) para a anlise da produo de pesquisas sobre
ensino de Geografia. Pois, de acordo com a metodologia empregada pelo autor, o foco
temtico currculo e programa foi objeto de interesse destas investigaes, principalmente, a
partir da segunda metade da dcada de 199015.
Isto, todavia, no significa dizer que tais repercusses potencializaram os debates
sobre outros aspectos do ensino de Geografia. Avalio como necessrio, ento, em linhas
gerais, identificar como vem se desenvolvendo as anlises sobre a formao do professor de
Geografia, ao considerar que num cenrio de intensificao das reflexes sobre o ensino desta
disciplina este debate tenderia a se fazer presente em primeiro plano. Entretanto, a afirmao
(PINHEIRO, 2006), a seguir, depe do contrrio:
Com base nas 317 pesquisas realizadas sob a forma de dissertaes e teses sobre ensino de Geografia no Brasil de 1968 at 2003, 14 apresentaram como temtica principal a formao de professores. Dessas pesquisas 80% discutem as licenciaturas (PINHEIRO, 2005). A maioria das dissertaes e teses evidencia o distanciamento, na formao acadmica, entre os contedos pedaggicos, contedos especficos e a realidade do trabalho docente, ocasionando na prtica dos professores, diversos problemas. A falta de articulao das reas, de mtodos, contedos, entre outros aspectos, ainda revela o pouco interesse no meio acadmico, pelas licenciaturas e demais cursos de formao de professores. (PINHEIRO, 2006, p. 93, grifos meus.)
Esse mesmo autor alerta ainda que nestas raras pesquisas possvel perceber
afirmativas que denunciam o perene distanciamento entre o que se pensa sobre o ensino nas
licenciaturas de Geografia e o que se estabelece na prtica docente na Educao Bsica. Essa
lacuna ou vazio entendido por esse autor como um dilema para anlises sobre o ensino de
Geografia.
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Conforme o recorte temporal adotado (1972-2000) pelo autor em sua tese, o foco temtico currculo e programa foi objeto de estudo de 22 pesquisas em nvel de Ps-Graduao, sendo 11 apenas no perodo delimitado entre 1996-2000. Na extenso do recorte temporal at o ano de 2003, o autor classifica 37 pesquisas em nvel de Ps-Graduao que tratam deste foco temtico. Contudo, convm assinalar o entendimento de currculo abordado pelo autor se baseia na concepo de poltica institucional de seleo de contedos. Todavia, para esta pesquisa, vale apresentar este dado para observar a difuso de discusses acerca das propostas curriculares oficiais, a partir da segunda metade da dcada de 1990, perodo de reforma curricular no pas.
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23
De igual forma, as reflexes de Cavalcanti (2005) sobre formao do professor desta
disciplina condizem com as concluses de Pinheiro (2006). Esta autora (2005) observa
tambm que os debates sobre a formao do professor de Geografia no ocorre da mesma
intensidade que se verifica nos debates sobre formao de professores das sries iniciais
(CAVALCANTI, 2005, P.105). Tal fato agravado quando se aponta a expanso da
demanda do profissional gegrafo em diferentes ramos do mercado de trabalho, levando os
currculos dos cursos de Geografia a atenderem a esta demanda, em detrimento das
particularidades exigidas pela formao do profissional do magistrio.
Pelo que se sabe, a maior parte dos cursos de Geografia forma profissionais para atuarem no ensino, mas no imaginrio dos professores que formam aqueles profissionais, e dos alunos que se formam nesses departamentos, a perspectiva de formao a do profissional pesquisador, planejador. (Ibdem.p.106, grifos meus)
Concordo com as argumentaes de Cavalcanti (2005), uma vez que os espaos de
discusso sobre as propostas de polticas educacionais (particularmente quelas direcionadas
para a formao do professor) so mais intensos e regulares em campos institucionais
exclusivos do campo da Educao. De tal forma, que Cavalcanti (2005) lana a interrogao:
em que frum deve-se discutir a formao do professor de Geografia? (Op.cit., 2005, p.105)
Desta maneira, ao realar as anlises destes autores, quero chamar ateno para o fato
de que o discurso da inovao16 presente nas abordagens epistemolgicas da geografia no
mbito escolar (particularmente nos discursos dos textos oficiais que abordam o saber
geogrfico escolarizado) que acentuam os aspectos subjetivo, afetivo e simblico hibridizados
16 Ao analisar a histria da disciplina escolar Cincias no Colegio Pedro II, Ferreira (2007) fundamenta-se nos trabalhos de Goodson para apreender os movimentos de mudana e estabilidade curricular. A anlise desta autora ajuda, em certa medida, a entender as reflexes de Pinheiro (2006) e de Cavalcanti (2005) no que diz respeito pouca visibilidade dos debates sobre formao docente diante do fato de que esta disciplina esteve sujeita s implicaes provocadas pelas reformas curriculares difundidas nas ltimas dcadas. Isto porque, de acordo com Ferreira (2007), a inovao planejada nas mudanas curriculares no estariam necessariamente associadas s idias e [aos] intereses produzidos nos outros nveis de produo e circulao dos saberes. No meu entender, esta dissonante relao entre mudanas curriculares e discusso sobre formao docente oferece suspeitas para se questionar com que bases a comunidade geogrfica entende a relao entre professor e saber e entre saberes no mbito da escolarizao desta disciplina.
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e recontextualizados aos discursos do campo educacional, no respondem necessariamente
um novo projeto de formao docente.
Sendo assim, este breve panorama contribui para a compreenso de que, muito embora
esteja em expanso, o campo de pesquisa sobre o ensino de Geografia ainda est a ser
reconhecido como campo acadmico, segundo a avaliao de Pinheiro (2003, 2005) e, de
igual maneira, velhos dilemas - como formao de professor esto a ser mais explorados.
Embora sejam questes distintas o reconhecimento do campo de pesquisa sobre ensino de
Geografia e a visibilidade das discusses sobre formao docente esto estreitamente
articulados, pois, ambos so evidncias do atual cenrio do ensino de Geografia e que se
constituem por discursos sobre saber, professor, trabalho docente, relao entre saberes,
sentidos estes, portanto, que dizem respeito especificidade do saber mobilizado pelo
professor.
Desta forma, tendo a assinalar a pertinncia das discusses sobre a relao poder e
saber para problematizar questes do ensino de Geografia o que me leva a adotar novas trilhas
que potencializam uma investigao sobre as particularidades do texto direcionado para o
professor. Para tanto, reconheo no campo do currculo possveis e frteis contribuies para
dialogar com o ensino de Geografia e foi com este intuito que elaborei a reviso
bibliogrfica17, acerca do livro didtico, buscando, assim, aproximaes com o Manual do
Professor. Isto porque, num primeiro movimento, procurei pesquisas que tratassem
exclusivamente do Manual do Professor e, como tal abordagem ainda no foi objeto de
investigao sobre ensino de Geografia, operei, ento, com a temtica livro didtico.
Com o objetivo de identificar como as reflexes do campo do currculo tem sido
incorporadas para o desenvolvimento destas investigaes, em nvel de ps-graduao,
17 Vide Anexo VI Inventrio de Dissertaes e Teses sobre livro didtico de Geografia.
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apoiei-me, em um primeiro momento, na tese de Pinheiro (2003)18 e na dissertao de Silva
(2006)19. Ambos fizeram um inventrio das pesquisas sobre a temtica livro didtico, sendo
que o primeiro estudo privilegiou recorte temporal entre 1972 -2000 e o segundo estendeu o
levantamento at o ano de 2004. Com o auxlio do banco de teses da Capes20, completei esse
perodo at 2006. Como pretendo tecer a interlocuo entre ensino de geografia e as recentes
pesquisas do campo do currculo, adotei o recorte temporal a partir dos anos 199021.
Nessa busca, me preocupei com o quadro terico e a linha de pesquisa nos quais o
autor classificava sua obra no banco de resumo CAPES. Com esse recorte temporal (1996
2006), identifiquei 3 teses e 19 dissertaes22. Apenas uma tese23 e uma dissertao24
explicitaram, como quadro tericos, referncias do campo do Currculo.
18 PINHEIRO, Antnio Carlos. Trajetria da pesquisa acadmica sobre ensino de Geografia 1972-2000 Programa de Ps-Graduao em Geografia, UNICAMP, Tese de Doutorado, Campinas, 2003. 19 SILVA, Jeane Medeiros. A constituio de sentidos polticos em livros didticos de Geografia na tica da anlise do discurso. Dissertao de Mestrado, Programa de Ps-Graduao em Geografia, Universidade Federal de Uberlndia, Uberlndia, 2006. 20http/:www.capes.br. Acesso: maio/2007.
21 O recorte temporal adotado para inventrio das dissertaes e teses sobre livro didtico de Geografia responde a partir dcada de 1990, perodo em que se consolidou o desenvolvimento de pesquisas no campo do currculo. Tal fato se justifica na fala de Lopes e Macedo, visto que (...) a marca do campo do currculo no Brasil nos anos 1990 o hibridismo. Buscamos, com isso, compreender como se desenvolve o trnsito pela diversidade de tendncias tericas que vem definindo esse campo. (LOPES, 2002, p.47). Outra justificativa para o recorte temporal privilegiado diz respeito ainda a intensidade de polticas pblicas educacionais lanadas sob inciativa do Governo Federal como a instituio a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao (Lei 9394/96), no ano de 1998, os Parmetros Curriculares de Geografia e, tambm em 1996 iniciou-se a reviso do PNLD. Tal conjunto de reformas objeto do quadro terico do curriculo cujo contexto de expanso de pesquisas tem a um forte elemento explicativo.
22 Vide lista de teses e dissertaes apresentada no anexo VI.
23 TONINI, Ivaine Maria. Identidades capturadas gnero, gerao e etnia na hierarquia territorial dos livros didticos de Geografia. 2002. 155 f. Tese (Doutorado em Educao) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002. Orientada por Marisa Vorraber Costa, Ivaine Tonini investigou a constituio de identidade, gnero e etnia nos livros didticos de Geografia. Em sua tese, a autora dialogava com o campo do currculo ao se apropriar do quadro terico dos estudos culturais. Na sua anlise, no era central uma discusso sobre a implicao de polticas pblicas na construo de sentidos no currculo de geografia. Nota-se no seu entendimento de currculo e no desenvolvimento de seu trabalho o forte emprego da matriz ps- crtica. 24 BOLIGIAN, Levon. A transposio didtica do conceito de territrio no ensino de Geografia. 2003. 134 f. Dissertao (Mestrado em Geografia). Universidade Estadual Paulista Jlio de MesquitaFilho, Rio Claro, 2003. Em 2003, o autor de livros didticos Levon Boligian defendeu dissertao que buscava compreender como o conceito de territrio era empregado nos livros didticos. Com esse intuito, o autor se apropriou do conceito de transporsio didtica de Chevallard (CHEVALLARD 1991, APUD. GABRIEL 2003) para apreender a relao entre saberes acadmicos e aqueles inscritos nos manuais escolares, os apreendendo como espao de relaborao de saberes.
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Embora esses dois estudos tenham buscado no campo do currculo dilogos para
entender questes sobre conhecimento escolar, percebo, a partir deste exerccio de reviso
bibliogrfica, a pouca interlocuo entre os campos do Currculo e do ensino de Geografia.
Com efeito, este fato sublinha a pertinncia destas interlocues para a construo objeto de
investigao que se proponha apreender certos aspectos das discusses sobre saber e poder.
Entender o ensino de Geografia pela interlocuo sobre saberes, talvez, pudesse
otimizar reflexes sobre o que se ensina e o que se aprende como Geografia. Se considero as
palavras de Forquin (1992)25 que a arte de ensinar no a arte de inventar (Op.cit. p.33),
por que h a estabilidade da idia de que a transmisso de saberes acadmico na escola
imediata? Essa foi a minha sensao na confeco do inventrio de teses e dissertaes sobre
livro didtico e ensino de Geografia.
I.2. )A TE)SO E)TRE A TEORIA CRTICA E PS-CRTICA CURRICULAR: POR QUE A QUESTO DA LI)GUAGEM POTE)CIALIZA UMA VIA DE DISCUSSO )O CAMPO DO
CURRCULO?
Logo, diante da possibilidade de desenvolver uma investigao que busca dialogar
com um campo ainda a ser mais explorado em determinadas discusses do ensino de
Geografia, proponho nesta seo, entender, em linhas gerais, alguns movimentos e debates do
quadro de produo terica do currculo.
Publicado originalmente em 1988, o ensaio O ps modernismo e o discurso da critica
educacional foi um texto que permite vislumbrar a possibilidade de articular a teoria crtica
curricular e incorporar desafios propostos pela ps-modernidade. Conforme exposio de
Giroux (1993), as pesquisas do campo educacional vem incorporando questes na fronteira
entre a modernidade e ps-modernidade para oferecer "aos educadores uma srie de
importantes insights que podem ser adotados como parte de uma teoria mais ampla da
escolarizaao e de pedagogia critica." (GIROUX, 1993, p. 63).
25 FORQUIN, Jean-Claude. Saberes escolares, imperativos didticos e dinmicas sociais. Teoria e Educao 1992, n o 2, pp.28-49.
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Seguindo a linha de reflexo sugerida pelo autor, sublinho as anlises de alguns
autores sobre como o campo do currculo l os limites da teoria crtica e passa a incorporar
reflexes de tericos ps-modernos. Para apreender esse movimento, me pauto em dois
artigos: A crise da teoria crtica, um artigo de Antonio Flvio Moreira (1998) e O
pensamento curricular no Brasil de Alice Lopes em parceria com Elizabeth Macedo (2002).
No intuito de avaliar a produo terica dos anos 1990, Moreira (1998) identifica o
vigor da denncia nas abordagens da teoria crtica. Para o autor, forns como a Associao
Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPED) contribuiram para difundir o
pensamento crtico na medida em que uma das discusses era a relao de poder entre Estado
e Escola presente na elaborao de textos curriculares. Essa relao verticalizada era revestida
de um modelo explicativo para compreender as reformas curriculares como os Parmetros
Curriculares Nacionais.
Aps a leitura de Moreira (1998) e apoiada nas contribuies de Lopes (2006, 2005) e
Macedo (2006), vejo que tal perspectiva favoreceu a consolidao de concepes do que seria
o currculo oficial (aquele elaborado pelo Estado) e do que seria o currculo vivido ou
praticado (ou seja, "a realidade do cho da escola").
Desta forma, Macedo (2006), Lopes (2002) e Moreira (1998) apontam que a expanso
do campo do currculo se consolidou pela diversidade de marcos tericos e de temas. A crise
da teoria crtica traduzida no ttulo do texto de Moreira (1998) seria ainda um fator que amplia
o leque de diversidade das pesquisas. No mbito dessas discusses, so fortalecidas
tendncias que conferem ao cultural como fecunda categoria para problematizar o currculo.
Ao reconhecer os limites e potencialidades das teorias crticas e ps-crticas, Giroux
(1993) sugere que o investigador trabalhe com essa tenso. Assim o faz, porque no quer abrir
mo de concepes modernas como a totalidade, como o fazem muitos investigadores no
campo do currculo (LOPES, 2002). Por outro lado, ele v a necessidade de incorporar a
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esfera do microcosmo, isto , a dimenso das contigncias com o fim de problematizar uma
pedagogia crtica (1993).
Em artigo publicado no ano de 2006, Elizabeth Macedo26 apresentou estudo em que
avaliava a produo de 27 Programas de Ps-Graduao em Educao cujas dissertaes e
teses focavam questes do campo do currculo. Alm de constatar a consolidao do campo
do currculo - cerca de 147 equipes se ocupavam dessa temtica, no perodo tratado pela
autora - Macedo (2006) verificou que a produo acadmica reforava a distino entre
"currculo formal" e "currculo em ao" ou "praticado".
Isto significa que das 453 teses e dissertaes analisadas, cerca de 65,8% entendiam o
currculo como uma dimenso cindida. Ou seja, a maioria dos trabalhos apresentavam o hiato
entre o entendimento do currculo como poltica pblica e como prtica na escola. A
pesquisadora concluiu que esse hiato para apreender o currculo contribui para reforar uma
percepo de hierarquia de poder, que tende a enrijecer o peso das decises do plano do
Estado sobre a escola ou, ao contrrio, sobrevalorizar a autonomia da instituio escolar.
Conforme sua anlise, essa apreenso do currculo de forma verticalizada/dicotmica impede
a possibilidade de compreender o currculo como espao cultural onde se estabelecem
mltipos sentidos de mundo que esto em disputa, em negociao e que por isso so
negociaes de fronteiras culturais.
Outra pesquisadora preocupada com a tenso entre a teoria crtica e ps-critica que
prope superar o hiato entre o formal e o vivido nas investigaes sobre curriculo Alice
Casimiro Lopes (2005, 2006). Segundo Lopes (2005), necessrio articular as dimenses
macro e micro para sustentar as investigaoes sobre o currculo no intuito de compreender os
documentos curriculares como espao de produo, circulao e consumo de sentidos,
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MACEDO, Elizabeth. Currculo: poltica, cultura e poder. Currculo sem Fronteiras, v.6, n.2, pp.98-113, Jul/Dez 2006.
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buscando uma abordagem referendada no poltico, isto , na distribuio do poder.
No campo do currculo no Brasil, tambm possvel destacar esse hibridismo de discursos crticos e ps-crticos, especialmente em virtude do foco poltico na teorizao crtica e do foco no ps-modernismo (LOPES & Macedo, 2003). Se as teorias ps-crticas so utilizadas em virtude de sua anlise mais instigante da cultura, capaz de superar divises hierrquicas, redefinir a compreenso da linguagem e aprofundar o carter produtivo da cultura, particularmente da cultura escolar, a referncia teoria crtica ainda est presente nas anlises que buscam no desconsiderar, ou visam a salientar, questes polticas, bem como uma agenda para a mudana social. (LOPES, 2005, p.51)
De certa forma, a citao acima assinala uma concordncia entre Lopes (2005) e
Giroux (1993) ao realar as possibilidades de articulaes tericas para desenvolvimento de
investigaes neste campo. Alm disso, cabe enfatizar que as recentes discusses de Macedo
(2006, 2006, 2008) e Lopes (2005, 2006, 2007, 2008) vem a contribuir para o debate poltico
no currculo ao propor uma percepo sobre poder que busque superar perspectiva de anlises
dicotmicas, verticalizadas, binrias.
O que, princpio, favoreceu a denncia, a dimenso cindida de currculo (como o
oficial e o praticado ou o vivido) tende a obscurecer as possibilidades de subverso e
resistncia, quando outros agentes estabelecem a reinterpretao dos prprios documentos
curriculares. Aposto na sugesto de Giroux (1993) e procuro, nesta investigao adotar
abordagem terico-metodolgica que vise a superao da dicotomia entre oficial e vivido para
investigar outras perguntas sobre a temtica do ensino de Geografia. E, portanto, proponho
evidenciar certos caminhos para problematizar a Geografia escolar, a partir da suspeita de que
na materialidade textual do MP h sentidos atribudos ao o que ensinar, sentidos estes
produzidos por disputas para legitimar o que seja vlido, o que seja verdade (GABRIEL,
2006, P.6).
Essa abordagem da materialidade textual uma possibilidade de abordar questes
acerca do saber e do poder. Esta reflexo est pautada em Gabriel (2006), pois, no mbito da
linguagem h aportes terico-metodolgicos:
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[...] que possam superar posies dicotmicas, como estrutura social x sujeito; prtica discursiva x prtica social; verdade x sentido; macro-anlise x micro-anlise; texto x estrutura social; etc, e, dessa forma buscar meios para matizar suas respectivas nfases nos debates internos do universo da linguagem, no sentido de optar por paradigmas que orientem na elaborao do corpo terico, e neste caso em particular, na apreenso de alguns conceitos-chave: desigualdade social, hegemonia, cultura, linguagem, sujeito, identidade, diferena, texto, discurso e prtica discursiva. (GABRIEL, 2006 p.15)
O que autores do campo do currculo vem defendendo (GIROUX, 1993, MACEDO
2003, 2006, 2008; LOPES 2005, 2006, 2007; GABRIEL, 2006, 2008) a possibilidade de se
problematizar o poder considerando os limites e potenciais de distintas matrizes tericas.
Desta forma, esses autores buscam operar com suas pesquisas a partir de suporte terico-
metodolgico que supere dicotomias. nessa orientao que pretendo me aproximar com
interlocutores do campo do currculo que contribuam para discutir a questo do saber e do
poder nos sentidos a circular nos textos sobre/no Manual do Professor.
I.3. A PROBLEMATIZAO DO MA)UAL DO PROFESSOR: TRILHAS PERCORRIDAS E PO)TES CO)STRUDAS.
O Programa Nacional do Livro Didtico27 aqui percebido como uma complexa
montagem de poltica educacional que se caracteriza pela avaliao28, seleo e distribuio29
das colees didticas para as escolas das diferentes redes pblicas da educao bsica.
27
O Decreto-Lei No. 91.542, de 19 de agosto de 1999, institui o PNLD (Programa Nacional do Livro Didtico), dispe sobre sua execuo e d outras providncias. (CASSIANO, 2007)
28 A Tese de Doutorado de Cassiano (2007) - cuja discusso central a participao do mercado editoral desde a origem do Programa (em 1985 at 2007) - apresenta pertinentes apontamentos sobre esta poltica educacional. Uma das questes levantadas pela autora diz respeito inovao do Programa em promover avaliao dos livros didticos, uma prtica inexistente at ento. Conforme a exposio da autora, as bases para a reformulao do Programa ocorreram ao longo da dcada de 1990, que refletiam a participao do Brasil em fruns organizados por agncias multilaterais, como o Banco Mundial (CASSIANO, 2007, P.40). Na viso da autora, um dos textos resultantes deste processo de articulao de poltica educacional brasileira em sintonia com este organismo internacional, foi o Plano Decenal Educao Para Todos (MEC, 1993), onde o aperfeioamento do livro didtico era um dos pilares para a qualidade da educao bsica. (CASSIANO, 2007, p.42)
29 (...) preciso informar tambm que em 1985, foi institudo o PNLD (Programa Nacional do Livro Didtico),
que permitia aos professores a indicao dos livros que eles iriam utilizar nos anos subsequentes. Nesse
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Desde que foi revisto durante a gesto de Fernando Henrique Cardoso, o PNLD tem
sido objeto de tentativas para descentraliz-lo30. Todavia, ainda assim, compete ao Governo
Federal executar suas atribuies, dentre elas, o objetivo de melhoria da qualidade do material
didtico31 e, como bem aponta Lopes (2006), na citao abaixo, o livro assume a funo de
cumprir, ento, o papel de mediao entre os saberes considerados vlidos a serem ensinados
e os professores responsveis pelo seu ensino.
O livro deixa de ser uma produo cultural dentre outras e a defesa de sua distribuio s escolas primordialmente considerada como a forma mais efetiva de apresentar uma proposta curricular aos professores e alunos. Tem-se, com isso, a tendncia de buscar a leitura unvoca do livro didtico e a elaborao do livro didtico ideal, algo que, por exemplo, no esperado nem desejado dos livros no-didticos. Parece que se espera, especialmente por intermdio do livro didtico, sanar os problemas que a escola e os professores enfrentam em seu cotidiano. Tal concepo acaba por reforar polticas de avaliao do livro didtico, pelo entendimento de que seriam garantidoras da qualidade da proposta curricular a ser apresentada aos professores. (LOPES, 2006, p.48, grifos meus)
De acordo com Lopes (2006), o objetivo de qualificar o livro didtico - como panacia
para certos percalos da educao bsica - traz marcas do carter regulador inerente
elaborao desse tipo de texto institucional, entendido pela autora, conforme citao acima,
como texto curricular. Este aspecto tende a se apresentar em diferentes documentos
momento, um princpio importante na poltica educacional brasileira foi definido: a abolio de livros descartveis. Com isso, a participao dos professores, inicialmente do ensino fundamental, para exame dos problemas apresentados nos livros, j havia sido indicada, em 1983. (SPSITO, 2006, P. 52) Esse fragmento foi extrado do artigo O livro didtico de Geografia: necessidade ou dependncia (SPSITO, 2006) onde o autor argumenta sobre o imperativo da avaliao dos manuais escolares para assegurar a qualidade desse material. Nesta citao, destaco o fato de que desde quando institudo (1985), o PNLD vem sendo objeto de diversas crticas. Entretanto, Spsito (2006) fundamenta seu artigo na defesa da avaliao, sendo esta um instrumento para sanar os problemas da qualidade e da distribuio do livro didtico.
30 Uma das medidas de descentralizao do PNLD consiste na instituio da Portaria 1.130 (06/08/1993 (MEC) onde permitido a constituio de comisses (que integram entidades da sociedade civil, como universidades) para avaliar os livros didticos. (CASSIANO, 2007, P.41)
31 A avaliao sistemtica dos livros didticos iniciou-se, sob a denominao de Avaliao Pedaggica, em 1995, com a criao de comisses por rea do conhecimento, que tiveram a incubncia de elaborar critrios de avaliao, discutindo-se com autores e editores. Estipulou-se que somente os livros aprovados poderiam se