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Roberta Rodrigues Rocha Pitta Os murais escolares na perspectiva da Lei 10.639/03 Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profª Patrícia Coelho da Costa Rio de janeiro Abril de 2016

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Roberta Rodrigues Rocha Pitta

Os murais escolares na perspectiva da Lei 10.639/03

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª Patrícia Coelho da Costa

Rio de janeiro

Abril de 2016

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Roberta Rodrigues Rocha Pitta

Os murais escolares na perspectiva da Lei 10.639/03

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profª Patrícia Coelho da Costa Orientadora

Departamento de Educação – PUC-Rio

Profª Cláudia Miranda Co-Orientadora

UNIRIO

Profª Ana Waleska Pollo Campos Mendonça Departamento de Educação – PUC-Rio

Profº Renato Nogueira dos Santos Junior UFRRJ

Profª Denise Berruezo Portinari Coordenador Setorial do Centro de

Teologia e Ciências Humanas PUC-Rio

Rio de Janeiro, 11 de Abril de 2016.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total

ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da

autora e do orientador.

Roberta Rodrigues Rocha Pitta

Professora e historiadora formada pela Universidade do

Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e especialista em Gênero

e Sexualidade certificada pelo Instituto de Medicina Social

da mesma universidade. Bolsista do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Ficha Catalográfica

CDD: 370

Pitta, Roberta Rodrigues Rocha

Os murais escolares na perspectiva da Lei

10.639/03 / Roberta Rodrigues Rocha Pitta ;

orientadora: Patrícia Coelho da Costa ; co-

orientadora: Cláudia Miranda. – 2016.

120 f.; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro, Departamento de

Educação, 2016.

Inclui bibliografia

1. Educação – Teses. 2. Lei 10.639/03. 3. Murais

escolares. 4. Cultura escolar. 5. Cotidiano escolar.

l. Costa, Patrícia Coelho. II. Miranda, Cláudia. III.

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Departamento de Educação. IV. Título.

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À minha mãe.

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Agradecimentos

Gratidão é sinônimo de reconhecimento. Durante os dois últimos anos tive a

oportunidade de reconhecer que minha trajetória de vida é fruto de uma

construção plural.

Agradeço à minha orientadora Patrícia que sempre acreditou no meu

trabalho. Sua paciência e persistência me fizeram amadurecer durante esse intenso

percurso acadêmico. À minha coorientadora Cláudia que com muito carinho e

competência me estimulou na produção de artigos e me fez aprofundar os estudos

sobre as questões raciais.

À PUC-Rio e ao CNPq aos auxílios concedidos que tornaram possível maior

empenho aos estudos.

Aos membros da banca por prontamente aceitarem o meu pedido de

avaliação. Sinto-me honrada.

Ao Movimento Negro pela generosidade em disponibilizar tanto

conhecimento e por ser incansável na luta por uma sociedade democrática. Meu

máximo respeito.

Às escolas e seus respectivos agentes educacionais que foram os sujeitos

dessa pesquisa. A disponibilidade desses profissionais evidencia a sua

preocupação em fazer parte de um trabalho que visa contribuir com a melhoria da

educação nacional.

Aos Grupos de Pesquisa da PUC e da UNIRIO dos quais faço parte. As

discussões promovidas nesses espaços ajudaram, e muito, à construção de novas

perspectivas e à fundamentação teórica dessa dissertação. Sou muito grata, em

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especial, à Cintia Nascimento, com quem formei uma parceria acadêmica. Tenho

uma profunda admiração por sua trajetória de vida. Você é uma guerreira!

A todas as minhas amigas e amigos por compreenderem minhas ausências

durante as necessárias escritas de artigos e, principalmente, deste trabalho final.

Destaco meus agradecimentos à Ana Reis, Cristiane Elias e John Mundell que me

socorreram quando gritei por ajuda. Vocês foram incríveis! Ao meu queridíssimo

e essencial amigo Marcelo Veríssimo, que me acompanha desde o pré-vestibular.

Não tenho palavras suficientes para traduzir o que você representa pra mim.

Nosso laço é pra sempre.

À minha amiga e irmã, Jessica Mara, com quem aprendo diariamente.

Tenho o orgulho de ter acompanhado a formação de uma das maiores teóricas

sobre as questões raciais desse país. Obrigada pela companhia, broncas, palavras

de carinho e indicações de leitura. Sei que temos uma a outra, e isso torna a vida

mais leve.

À minha turma de mestrado. Um encontro singular, que ao longo desses

dois anos trouxe o verdadeiro significado das palavras companheirismo, apoio,

parceria e confraternização. Destaco meu agradecimento ao Rômulo, por sua

generosidade acadêmica, além de sua atenção e afetividade que transbordam e nos

faz sentir especiais. À Rosa, por sua divertida companhia e intensa presença que

irradia energia. À Érika, que nos mostra diariamente o equilíbrio entre

profissionalismo e espontaneidade. Ao Élio, um grande parceiro, que de tantas

identificações desenvolvemos carinho e cuidados fraternais. À Laryssa, que desde

as primeiras aulas nos cativou com sua genialidade, doçura e fibra. À Ângela, por

quem tenho um enorme apreço e com quem dividi muitas reflexões sobre as

questões raciais. À Carla, mulher corajosa, com quem aprendi que as dificuldades

existem para serem superadas. Ao JPC, um professor comprometido e

competente, além de um amigo gentil e atencioso. À Jéssica, tão jovem e tão

competente, responsável por trazer leveza e disposição à turma. À Cinthia, à Elisa,

à Joyce e à Liliane, mulheres intelectuais e trabalhadoras com as quais tive o

prazer de compartilhar inúmeros aprendizados. E a não menos importante Carol,

com a qual disfruto uma parceria de quase dez anos. Compartilhamos histórias,

trajetórias acadêmicas, alegrias, superações e inquietudes. Acima de tudo, admiro

muito cada um de vocês. Construímos uma amizade, um elo para toda a vida.

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Ao Celso Sanchéz, um grande incentivador da minha produção acadêmica e

um incansável revisor de texto. Muito obrigada por sua disponibilidade, atenção,

carinho e ensinamentos zen.

Por fim, agradeço aos meus familiares. Primeiramente à minha inesquecível

Dinda, que mesmo separadas fisicamente, seu amor se faz presente em meu

coração. Sua história de vida de doação ao próximo será sempre lembrada. À Vó

Ainda e ao Vô Edson por me apoiarem em todos os momentos e por se

orgulharem de minhas conquistas. Aos meus irmãos, Rafael e Verônica, que

mostram diariamente como é essencial a convivência com pessoas de visões de

mundo diferentes. E aos meus pais, Roberto e Lauriete, a quem devo tudo. Minha

trajetória é resultado do empenho e dedicação de ambos. Sem vocês, nada seria

possível. Agradeço especialmente à minha mãe a quem dedico esse trabalho. Sua

vida é um exemplo de esperança, luta e amor.

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Resumo

Pitta, Roberta Rodrigues Rocha; Costa, Patrícia Coelho da. Os murais

escolares na perspectiva da Lei 10.639/03. Rio de Janeiro, 2016. 120 p.

Dissertação de Mestrado – Departamento de Educação, Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A presente pesquisa tem como objetivo investigar como se manifesta a

aplicabilidade da Lei Federal 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da

História da África e Cultura afro-brasileira em todas as escolas públicas e privadas

dos níveis Fundamental e Médio, a partir das imagens e conteúdos expostos nos

murais escolares. Para isso, foram selecionadas duas escolas de Ensino

Fundamental II, do município do Rio de Janeiro, localizadas em uma região da

cidade conhecida como a Pequena África, referência da história e cultura afro-

brasileira. A partir de uma abordagem qualitativa, a metodologia aplicada para a

pesquisa contou com a coleta de imagens em exposição nos murais durante o

segundo semestre letivo do ano de 2015, consulta ao Projeto Político Pedagógico

e entrevista semiestruturada com professores e coordenadores pedagógicos. Foi

possível identificar que os murais estão presentes em diversos espaços da escola,

apresentando-se como um recurso inserido na cultura escolar, com potencial para

abordar a temática étnico-racial. As duas escolas tiveram resultados diferentes na

pesquisa, em uma eram poucos os trabalhos em exposição nos murais, e na outra,

houve um aumento das produções sobre a temática racial após o início da

pesquisa, apontando para uma possível interferência no campo. Embora a maioria

dos professores e coordenadores tenha relatado a realização de atividades

ressaltando a importância da temática, e os Projetos Políticos Pedagógicos tenham

apresentado como objetivo principal a formação de cidadãos que respeitem a

diversidade, foi observado uma descontinuidade entre os valores escritos e a

prática escolar analisada.

Palavras-chave

Lei 10.639/03; murais escolares; cultura escolar; cotidiano escolar

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Abstract

Pitta, Roberta Rodrigues Rocha; Costa, Patrícia Coelho da. (Advisor)

School bulletin boards from the perspective of Law 10.639/03. Rio de

Janeiro, 2016. 120p. MSc. Dissertation – Departamento de Educação,

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

This research project has as its objective to investigate how the application

of Law 10.639/03, a federal law that made obligatory the instruction of African

History and Afro-Brazilian Culture in all public and private elementary and

secondary schools, manifests itself in the images and content exhibited on school

bulletin boards. For this purpose, two Elementary II schools from the

municipality of Rio de Janeiro were selected, both located in a region of the city

called Little Africa, referent to Afro-Brazilian history and culture. Using a

qualitative approach, the research methodology applied involved the gathering of

images exhibited on the bulletin boards during the second semester of the 2015

school year, an analysis of the Pedagogical Political Project, and semi-structured

interviews with teachers and curriculum coordinators. It was possible to identify

that the bulletin boards are present in diverse spaces within the schools, being

presented as a resource inserted into school culture, with the potential of

approaching ethno-racial themes. Research results differed between the two

schools; in one, there were few pieces on exhibition on the bulletin boards, while

in the other, an increase in artistic productions on racial themes occurred after the

research began, pointing to a possible interference in the field. Although the

majority of teachers and curriculum coordinators spoke on their fulfillment of

activities that highlighted the importance of such themes, and that the Pedagogical

Political Projects have presented as a principal objective the formation of citizens

that respect diversity, a discontinuity between the values written and the analyzed

school practice was observed.

Keywords

Law 10.639/03; school bulletin boards; school cultural; school quotidian

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Sumário

1. Percurso de Pesquisa 16

2. Ações pedagógicas do movimento negro no século XX 25

2.1. O ideal de nação e a Frente Negra Brasileira 26

2.2. Os movimentos pedagógicos do TEN e do MNU 33

2.3. Lei 10.639/03 como consequência de uma luta histórica 37

2.4. A primeira década da aplicabilidade da Lei 10.639/03 40

3. O mural como fonte de investigação 44

3.1. Os murais e a questão étnico-racial 44

3.2. Os murais como territórios de disputas 49

4. Conhecendo o campo de pesquisa 53

4.1. Pequena África, educação e compromisso sociocultural 53

4.2. O contato com as escolas: primeiras impressões 56

4.3. O perfil das escolas 59

4.4. O caminho metodológico 63

5. A percepção da lei 10.639/03 nos murais escolares 73

5.1. As funções dos murais no cotidiano das escolas pesquisadas 73

5.2. As escolas e a questão 78

5.3. A influência no campo 85

5.4. A existência de um currículo oculto nas escolas 88

5.5. Imagens não produzidas ou selecionadas pelas escolas 93

5.6. Datas comemorativas no calendário escolar 95

5.7. Formação de professores para uma educação antirracista 102

6. Considerações finais 109

7. Referências bibliográficas 113

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8. Apêndice 119

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Lista de Figuras

Figura 1: Mural da Escola A com a identificação “Pablo Picasso”....................... 61

Figura 2: Mural de boas-vindas da Escola A ......................................................... 74

Figura 3: Mural de boas-vindas da Escola B ......................................................... 75

Figura 4: Mural próximo à sala da coordenação da Escola A. .............................. 76

Figura 5: Trabalhos escolares em um dos murais da Escola A. ............................ 76

Figura 6: Trabalhos escolares em um dos murais da Escola B. ............................ 77

Figura 7: Mural da Escola A sobre a Praça XI. ..................................................... 80

Figura 8: Mural da Escola A confeccionado pela turma do PEJA. ....................... 82

Figura 9: Mural da Escola A confeccionado pela turma do PEJA. ....................... 82

Figura 10: Mural / Painel do PEJA da Escola B. .................................................. 83

Figura 11: Mural da Escola A sobre João Cândido. .............................................. 86

Figura 12: Mural da Escola A sobre a abolição..................................................... 86

Figura 13: Mural da Escola A sobre a África e o Brasil........................................ 87

Figura 14: Mural da Escola A sobre a Lei 10.639/03. ........................................... 87

Figura 15: Mural da Escola A sobre a Lei 10.639/03. ........................................... 87

Figura 16 Mural da Escola A sobre atitudes saudáveis. ........................................ 89

Figura 17: Mural da Escola B com trabalhos da disciplina de Inglês. .................. 89

Figura 18: Mural da Escola B sobre a escola. ....................................................... 90

Figura 19: Mural localizado no pátio da escola B. ................................................ 94

Figura 20: Detalhe de dois cartazes presentes na imagem anterior. ...................... 94

Figura 21: Mural temático da Escola A sobre a primavera. .................................. 96

Figura 22: Mural temático da Escola A sobre o a festa natalina. .......................... 97

Figura 23: Mural da Escola A sobre o dia vinte de novembro. ............................. 98

Figura 24: Mural da Escola A................................................................................ 99

Figura 25: Mural da Escola A sobre o dia 20 de novembro. ............................... 100

Figura 26: Mural da Escola B sobre o dia 20 de novembro. ............................... 101

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Lista de Tabelas e Quadros

Quadro 1: Quadro comparativo das escolas pesquisadas ...................................... 60

Quadro 2: Tabela com dados dos professores entrevistados ................................. 71

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Lista de abreviaturas

ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em

Educação

CCP – Centro Cívico Palmares

CNE – Conselho Nacional de Educação

COPENE – Congresso de Pesquisadores Negros

CRE – Coordenadoria Regional de Educação

EJA – Educação de Jovens e Adultos

FNB – Frente Negra Brasileira

GEC – Ginásio Experimental Carioca

IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MNU – Movimento Negro Unificado

NEABs – Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros

ONU – Organização das Nações Unidas

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNLD – Programa Nacional do Livro Didático

PPP – Projeto Político Pedagógico

PUC-Rio – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

PUCPR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

SERNEGRA – Simpósio da Semana de Reflexões sobre Negritude,

Gênero e Raça

SME-RJ– Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro

TCC – Trabalho de Conclusão de Curso

TEN – Teatro Experimental do Negro

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

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Só na prática é que se vai percebendo e construindo a identidade, porque o que

está colocado em questão, também, é justamente uma identidade a ser construída,

reconstruída, desconstruída, num processo dialético realmente muito rico.

(Lélia Gonzalez)

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1 Percurso de Pesquisa

A presente pesquisa de mestrado investiga a ação pedagógica em duas

escolas da rede pública da cidade do Rio de Janeiro, a partir da presença da Lei

10.639/031, que tornou obrigatório o ensino de história da África e da cultura afro-

brasileira em toda rede de ensino. Dentre as muitas possibilidades de se fazer a

investigação sobre a aplicação da referida lei, optamos, como ponto de partida,

identificar se a diversidade étnico-racial nas escolas está expressa no mural

escolar. A metodologia escolhida contou com a análise de imagens e linguagens

expostas nos murais, entrevistas com professores e coordenadores pedagógicos e

consulta ao Projeto Político Pedagógico das escolas selecionadas.

Os caminhos que me conduziram a essa temática tiveram sua direção

traçada pela minha trajetória acadêmica, passando por questões de identidade e a

necessidade de se chegar a uma educação, de fato, democrática. No ano de 2007,

fui aprovada para o curso de História na Universidade do Estado do Rio de

Janeiro (UERJ). Nesse período, a universidade estava marcada pela efervescência

das políticas afirmativas.

Meu ingresso como aluna cotista, por ter estudado o Ensino Fundamental e

Médio em escola pública, favoreceu uma ampla reflexão acerca do acesso e da

permanência de estudantes oriundos das periferias, filhos da classe trabalhadora.

Esse foi o passo inicial para minha imersão no debate sobre as relações raciais.

Enquanto aluna daquela instituição, vi os debates sobre as cotas sociais e raciais

sempre acontecerem de forma tímida e com poucas e inconsistentes informações a

respeito de todo o processo. Muitos professores não gostavam de debater o

assunto em sala de aula por considerar polêmico demais, embora essa ação

afirmativa fosse realidade naquela instituição desde o ano de 2003. A inquietação

1 No ano de 2008 a Lei 11.645 modificou a 10.639/03, incluindo como obrigatório o ensino da

cultura e história indígena. Porém, como reconhecimento do protagonismo do movimento negro, optamos por utilizar nesse trabalho como referência Lei 10.639/03, pois se tornou um marco da demanda da população negra no campo educacional.

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provocada por ausência de respostas me levou a conhecer os coletivos negros e

feministas organizados no interior dos diferentes cursos da instituição. Nesse

processo de amadurecimento intelectual, percebi o meu papel político como não-

branca. O movimento estudantil, do qual fui uma encantada colaboradora, também

trouxe contribuições à minha formação, pois promoveu inúmeras atividades, como

palestras, estudos em grupo, passeatas e discussões sobre o papel dos graduandos

como sujeitos históricos, que deveriam interferir nos rumos da sociedade

brasileira.

Impulsionada pelas discussões estudantis, minha monografia de conclusão

de curso foi uma análise documental do primeiro jornal brasileiro escrito e

dirigido por mulheres, o Jornal das Senhoras, do ano de 1852. Nesse trabalho

busquei dar visibilidade às ações e às dificuldades enfrentadas por mulheres do

século XIX, que tinham sua capacidade intelectual questionada por uma sociedade

patriarcal.

No ano de 2013, ingressei no Curso de Especialização em Gênero e

Sexualidade, oferecido pelo Instituto de Medicina Social da UERJ. Nesse curso,

aprofundei as questões ligadas às mulheres, mas agora pelo prisma racial. Durante

o curso, tive a aprovação de um trabalho (PITTA, 2013), o qual discutia a imagem

dos negros nos livros didáticos para apresentação, no II Simpósio da Semana de

Reflexões sobre Negritude, Gênero e Raça (SERNEGRA), em Brasília. Analisei

imagens de alguns livros de História dos anos finais do Ensino Fundamental que

foram publicados após a Lei 10.639/03. Pude perceber que obras dos artistas

plásticos do século XIX, Debret e Rugendas, predominavam nos materiais,

geralmente apresentando o negro sendo torturado ou em clara situação de

exploração. Raramente havia o uso de imagens que valorizavam a cultura negra

ou algum ato que contrariasse a ordem vigente da época retratada. A análise

proposta aguçou minha visão crítica sobre a construção do perfil feminino negro a

partir das imagens disponibilizadas nesses materiais didáticos.

Já para o meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da especialização,

discuti a imagem dos negros, tendo como foco do estudo a mulher negra na mídia.

Meu primeiro contato com as leituras de Jesus (2014) e Evaristo (2003) foi nesse

período. Duas grandes escritoras negras brasileiras que eu nunca tinha ouvido

falar até aquele momento e que me encantaram por expressarem, de forma

singular, a realidade da população negra. A partir disso passei a refletir sobre a

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ausência dessas mulheres na mídia e na própria academia. O resultado disso

apareceu em meu TCC, no qual elaborei uma oficina de formação continuada de

professores que estimulava a reflexão sobre a ausência da mulher negra nos livros

didáticos. Fiz a relação de como essa ausência pode habituar o não olhar, levando

a não problematização da omissão dessa mulher em vários espaços sociais, como

no mercado de trabalho, nos altos cargos públicos e na mídia, sendo esta última o

foco do projeto. Em diálogo com a bibliografia, analisei como a imagem da

mulher negra é estereotipada e hiper-sexualizada nos meios de comunicação,

favorecendo a permanência da discriminação e do preconceito. O objetivo

principal do trabalho era refletir sobre a produção da imagem da mulher negra e

levar essa questão para a realidade da sala de aula, como também compartilhar e

disponibilizar a diversidade de conteúdos e histórias que foram ocultadas ou

silenciadas pela historiografia e pela mídia.

A trajetória percorrida para chegar a atual temática de estudo contou,

portanto, com esses variados percursos, um deles potencializou a escolha pelo

atual objeto de pesquisa: o encontro com minha identidade negra. Sou filha de

mulher negra, baiana que chegou aos 18 anos no Rio de Janeiro para trabalhar

como empregada doméstica. A história de vida de tantas outras mulheres negras

trabalhadoras, que não por coincidência, tiveram o mesmo curso. Vi de perto a

rejeição social que a cor da pele provoca até mesmo no âmbito familiar. Vi a

busca infindável pelo padrão estético que agride e rejeita, e que transforma em

culpa a melanina acentuada. Embora minha pele não seja tão enegrecida, meu

sangue e minha ideologia me declaram negra. Além disso, meu posicionamento

político afirma essa negritude, sem ignorar que não passo pelos mesmos

obstáculos enfrentados por aqueles que sofrem discriminação conforme a

gradação de cor, pois quanto mais preta a pele, menos velada é a expressão do

racismo. Refletir sobre questões raciais que são tão caras para mim e que

convergem em importância para a educação, proporcionaram a elaboração dessa

pesquisa.

Meu ingresso no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) ocorreu no ano de 2014.

Durante o curso de mestrado fiz parte do grupo de pesquisa História da Educação

e Mídia, coordenado pela Profª. Drª. Patrícia Coelho, no qual tive a oportunidade

de aprofundar os estudos sobre o papel da mídia na educação, iniciando as

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discussões sobre quais tipos de linguagens estão presentes na escola, qual a

relevância da produção acadêmica dos estudantes e o papel do professor tanto

presencialmente nas escolas, quanto na educação à distância.

No segundo ano do curso de mestrado, participei de eventos acadêmicos,

nos quais pude apresentar artigos, como autora ou coautora, relacionados à

temática de minha pesquisa. Para apresentação no VII Seminário Internacional

Redes, realizado na UERJ, coproduzi o artigo intitulado “Movimento Negro na

vanguarda por uma educação antirracista” (PITTA; SOUSA, 2015), o qual

ressalta, através de um breve histórico, o protagonismo dos movimentos negros no

que tange a inclusão da questão racial na educação e sua conquista legitimada pela

lei 10.639/03. Também foi abordado nesse trabalho quais os caminhos adotados

pela legislação que garantem a superação do senso comum sobre a África e a

desconstrução das práticas que inferiorizam o negro em diferentes setores da

sociedade. Já para o I Congresso de Pesquisadores Negros - COPENE Sudeste,

realizado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), coproduzi o

artigo “A descolonização da pedagogia” (PITTA; CONCEIÇÃO, 2015) que trata

da valorização da história local a partir da lei 10.639/03, propondo ressignifcar e

promover a conscientização dos indivíduos por meio da ideia de pertencimento a

uma identidade. Isso se daria através do resgate de uma memória, estimulado pela

reconstrução dos conhecimentos provenientes dos lugares marcados pela diáspora

africana, em diálogo com o referencial teórico decolonial. Esse referencial

proporciona narrativas que buscam enaltecer uma nova epistemologia com

potencialidade estratégica para discutir o racismo na sociedade. Dessa forma, a

tentativa seria a ressignifcação pela ideia de pertencimento a uma identidade e o

resgate de uma memória que foi negada pela escrita história.

Para o XII Congresso Nacional de Educação – Educere, que aconteceu na

Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), tive um trabalho aprovado

cujo título é “Os murais escolares na perspectiva da lei 10.639/03” (PITTA,

2015), o qual foi apresentado em formato de pôster e publicado um artigo nos

anais do congresso, apresentando o referencial teórico-metodológico de minha

pesquisa, assim como os primeiros dados coletados em campo. Por fim, tive o

resumo “Lei 10.639/03: por uma educação antirracista” aprovado para o III

Coloquiolatino-americano Colonialidad / decolonialiddel poder / saber / ser:

educación e interculturalidad, em Bogotá - Colômbia, o qual visava discutir

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teoricamente como as ações afirmativas, no Brasil, podem ser o caminho para o

aprofundamento do pensamento decolonial.

A experiência que vivi em cada congresso trouxe-me a oportunidade de

conhecer produções científicas e referências teóricas, que incentivaram meu

aprofundamento a respeito das questões raciais, como o trabalho sobre

desigualdade racial, elaborado pelo economista Paixão (2010); a denúncia do

racismo no cotidiano feita pelo historiador Santos (1984); o singular racismo

sofrido pelas mulheres negras que acumulam opressões e é tão bravamente

denunciado e combatido por Carneiro (2011) e Werneck (2013); o contato com

uma pedagogia crítica proveniente das teorias decoloniais que favorecem o

conhecimento dos subalternizados; entre outros que marcaram minha trajetória

acadêmica.

Tive a oportunidade de participar do grupo de pesquisa Formação de

Professores, Pedagogias Decoloniais e Interculturalidade, na Universidade Federal

do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), que trouxe outra perspectiva para o

presente trabalho. Coordenado pela Profª. Drª. Cláudia Miranda, conheci a leitura

sobre narrativas outras que destacam epistemologias e discursos que outrora

foram deslegitimados. Após a leitura das obras de Fanon (2008; 2012) foi possível

compreender que as sociedades construídas pela violência da colonização

europeia amargam consequências que vigoram até os dias atuais, através de uma

ideologia que hierarquiza saberes e marginaliza indivíduos. Ao criar diálogo com

a teoria pós-colonial que foi formulada por afro-asiáticos em suas lutas de

independência contra o controle europeu, pude entender a importância decolonial

para os marginalizados sul-americanos, que ainda utilizam a referência epistêmica

eurocêntrica em detrimento dos conhecimentos dos povos autóctones ou

originários da diáspora negra africana. As histórias dos movimentos negros e dos

lugares marcados pela diáspora, tão ignorados pela historiografia, evidenciam que

podemos ir muito além da inclusão da diversidade, potencializando uma educação

que possua perspectiva político-pedagógica crítica que visa à valorização de

conhecimentos outros que enaltecem as diferenças.

Minha trajetória com o estudo das imagens ganhou força ao questionar

como o negro está representado na escola. Já havia feito um trabalho parecido no

TCC da especialização, ao analisar as imagens dos negros nos livros didáticos.

Mas dessa vez, era preciso identificar como isso era exposto na escola, mas fora

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da sala de aula. Existem imagens de negros e negras na escola? Questões essas,

não de uma maneira pronta e sem interferência direta, como ocorrem nos livros

que trazem figuras e textos elaborados pelos editores, mas a partir da produção e

seleção de trabalhos de discentes e docentes que elaboravam os murais.

A materialidade das questões étnico-raciais na presente pesquisa ocorreu

através da combinação de diferentes metodologias de investigação, a fim de

analisar os murais das escolas confeccionados por professores e alunos do

segundo segmento do ensino fundamental buscando perspectivas que atendessem

os requisitos da lei 10.639/03. Para identificar se as questões da temática são

contempladas, a pesquisa observou os murais das escolas, contando também com

a consulta ao Projeto Político Pedagógico (PPP) e entrevista com professores e

coordenadores para o presente estudo.

Nesse sentido, foi preciso transcender o que foi normatizado pela lei

10.639/03, buscando através do cotidiano escolar e suas práticas, possíveis

evidências do envolvimento da escola com a questão racial. Com isso, a proposta

da pesquisa é elaborar um trabalho que ressalte a presença da referida lei em

diversos espaços da escola, pois seu enraizamento não precisa estar restrito à sala

de aula, na exposição do professor e livros didáticos.

A pesquisa possui caráter descritivo e analítico e se assenta sob uma

abordagem qualitativa. Segundo Minayo (2009, p. 21) a abordagem qualitativa se

caracteriza por responder

... a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível

de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja, ela trabalha

com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos

valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui

como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas

por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade

vivida e partilhada com seus semelhantes. O universo da produção humana que

pode ser resumido no mundo das relações, das representações e da intencionalidade

e é objeto da pesquisa qualitativa dificilmente pode ser traduzido em números e

indicadores quantitativos.

Para Duarte (2002, p. 140) a pesquisa social de base qualitativa é importante

por descrever os critérios utilizados nas escolhas realizadas ao longo do percurso

da pesquisa, assim, para a autora

Se nossas conclusões somente são possíveis em razão dos instrumentos que

utilizamos e da interpretação dos resultados a que o uso dos instrumentos permite

chegar, relatar procedimentos de pesquisa, mais do que cumprir uma formalidade,

oferece a outros a possibilidade de refazer o caminho e, desse modo, avaliar com

mais segurança as afirmações que fazemos.

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Portanto, em função desta investigação se debruçar sobre os aspectos

subjetivos e as práticas do cotidiano de escolas públicas da cidade do Rio de

Janeiro, a opção pela abordagem qualitativa foi a mais adequada para a pesquisa

proposta.

A observação foi utilizada para identificar as questões relacionadas à

representação das identidades expostas nos murais. Para isso, foi necessário

investigar se as temáticas do calendário exploradas, o tipo de linguagem utilizada

em cada mural – para saber se variavam conforme sua localização dentro da

escola – e as imagens e trabalhos selecionados para a exposição. A proposta é

buscar compreender como é feita a representação do negro no espaço escolar e de

que forma essa representação acontece.

A consulta ao PPP pretende compreender quais são as propostas das escolas

e como elas dialogam com as questões étnico-raciais. Também foi alvo dessa

apreciação descobrir a relação da comunidade escolar na construção desse

material, considerando também o diálogo com a história da região na qual está

localizada.

Outra metodologia aplicada na pesquisa foi a entrevista com professores e

coordenadores pedagógicos. Brandão (2010, p. 48) orienta que a entrevista leva o

pesquisador “a refletir sobre a forma e o conteúdo da fala do entrevistado, os

encadeamentos, as indecisões, contradições, as expressões e gestos”. Por

conseguinte, essa metodologia foi de caráter individual com um roteiro

semiestruturado para que a dinâmica fosse flexível conforme as respostas dos

entrevistados. Foi realizado um total de doze entrevistas, com cinco professores

de cada escola, mais as coordenadoras pedagógicas. As perguntas buscaram

identificar o que os profissionais da educação consideravam como iniciativas da

escola relacionadas às questões étnico-raciais, como trabalhavam os murais e o

que eles realizavam para a promoção da temática racial em atendimento à lei

10639/03.

Duas escolas foram selecionadas para a investigação. Elas atendem turmas

do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, localizadas em torno do Centro do Rio de

Janeiro, sob a competência do 1ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE).

Esse local foi escolhido devido à referência histórica que possui. Em 1769, devido

ao aumento da entrada de negros escravizados, o cais do Valongo passou a ser o

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destino principal para o desembarque de negros e negras vindos da África. Esse

lugar também ficou marcado pela comercialização dessas pessoas no Mercado do

Valongo ou pelo enterro de milhares de corpos, que não resistiam aos maus tratos

do tráfico. O cemitério dos Pretos Novos é a concretização dessa história que até

hoje a região carrega, embora ainda existam esforços para o apagamento da

afrodiáspora, o qual ressaltando o Amanhã da região portuária.

Havia grande fluxo desses homens, mulheres e crianças que deixaram fortes

marcas de suas culturas nesse local. Além disso, a região ficou conhecida como a

Pequena África por ser polo das heranças culturais, religiosas e símbolo da

resistência negra por moradia, e referência do samba e do carnaval. Portanto, a

pesquisa também observa se essas influências locais estão presentes na cultura da

escola e como isso se reflete.

É preciso elucidar que a proposta desse trabalho não visa analisar as escolas

que se destacam com projetos e trabalhos com a temática étnico-racial, visto que a

lei 10.639/03 tornou obrigatório o ensino da História africana e afro-brasileira em

toda rede de ensino há mais de dez anos. Por isso, parto do princípio que todas as

escolas atendem às exigências.

Diante do exposto, o principal objetivo da pesquisa define-se em identificar

se os murais escolares expressam a diversidade étnico-racial, atendendo assim, às

exigências da Lei 10.639/03. Para isso, os seguintes objetivos específicos foram

selecionados: verificar quais são as principais funções dos murais; observar se a

história local possui influência na composição dos murais escolares; identificar se

o PPP das escolas apresenta propostas de uma educação em prol da diversidade

étnico-racial; analisar a aplicabilidade da Lei 10.639/03 nas escolas pesquisadas.

Para uma mestranda da área de Educação estudar a aplicação de uma lei é,

no mínimo, um desafio. E para que essa tarefa me parecesse familiar, optei por

iniciar a pesquisa acadêmica traçando alguns dos percursos do movimento negro

brasileiro, em três momentos do século XX, buscando compreender as possíveis

discussões e ações que acumularam para a elaboração da 10.639/03. Nesse estudo,

pude perceber a importância do movimento negro para se questionar as noções de

democracia, mesmo quando outros grupos sociais proferiam discursos pró-

democráticos, mas que não promoviam o recorte racial em suas pautas. A imersão

nesse universo evidenciou que o protagonismo da promulgação da referida lei

federal é fruto de resistência e persistência do movimento negro. Foram

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levantadas algumas ações do Movimento Negro como questionador da

democracia racial no país e como força propulsora em prol da educação da

população negra brasileira. A Frente Negra Brasileira, o Teatro Experimental do

Negro e o Movimento Negro Unificado, cada um ao seu tempo foi idealizador de

uma sociedade mais justa, pautando suas demandas e participando ativamente do

cenário político de sua época. Ainda nesse capítulo é apresentada a Lei 10.639/03,

trazendo um breve panorama sobre sua aplicabilidade após sua primeira década de

promulgação.

O terceiro capítulo apresenta a construção do objeto de pesquisa e sua

relação com a Lei 10.639/03. Além disso, os conceitos de cultura escolar, espaço

escolar, território e educação afroperspectivista são discutidos nessa seção.

Já o quarto capítulo explica o porquê da escolha das escolas selecionadas na

região da Pequena África. Ele também é composto da apresentação do perfil das

instituições pesquisadas, a entrada no campo, a coleta de dados e das primeiras

análises, tendo como foco o PPP das escolas.

Por fim, no quinto capítulo destaca-se a análise das imagens e das

entrevistas com os professores e coordenadores. Os murais observados são

problematizados como território de representação do negro no espaço escolar,

emergindo questões sobre ausências presentes e sobre a formação docente.

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2 Ações pedagógicas do movimento negro no século XX

A proposta do presente capítulo é trazer um breve panorama da atuação do

movimento negro brasileiro em três diferentes momentos do século XX,

evidenciando sua preocupação com a questão educacional da população negra.

Essa preocupação teve reivindicações distintas, de acordo com o cenário histórico-

político e as disputas ideológicas do período. Em um primeiro momento, a década

de 1930, apresentou um contexto de maior necessidade de mão de obra

especializada devido ao aumento da industrialização brasileira. Nesse processo, o

movimento negro, assim como outros setores populares, buscou inclusão nas

escolas regulares visando qualificação profissional. Este acesso se fazia urgente,

mesmo tendo em mente que a produção de conhecimento existente nas escolas

regulares não fosse adequada para aquela clientela estudantil. Dessa maneira,

foram realizadas outras estratégias para garantir a educação da população negra.

Já na década de 1950 a atenção volta-se para os estudos sobre a produção

científica que tratassem da melhoria da condição de vida dos negros e negras,

conforme a atuação de Abdias Nascimento no I Congresso do Negro Brasileiro.

Em um terceiro momento, o acúmulo da trajetória de reivindicações do

movimento negro gera demandas mais específicas: a inclusão do negro na cultura

escolar, uma outra abordagem dos conteúdos curriculares e representações

afirmativas na escola.

Concomitante a esse resgate do protagonismo do movimento negro, não é

ignorada na redação do presente capítulo as ações de caráter pedagógico que o

movimento negro exerceu junto aos seus militantes, ao protagonizar uma luta por

uma educação e uma sociedade, de fato, democrática. Em seguida, é apresentado

que o acúmulo da luta política da militância negra no campo educacional

concretizou-se na promulgação da Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino

da História da África e da cultura afro-brasileira em toda a rede de ensino do país.

A partir disso, são levantadas questões sobre a aplicabilidade da lei nas escolas,

após mais de uma década de sua existência.

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A redação do capítulo foi realizada com preocupação de não incorrer em um

erro anacrônico, pois não colocamos perguntas do tempo presente para

questionarmos ações passadas, mas sim, buscamos identificar alguns fatos na

história para produzirmos reflexões sobre questões atuais da educação.

2.1. O ideal de nação e a Frente Negra Brasileira

Segundo Pereira (2008) a “revolução de 30” estimulou a população negra a

participar politicamente do cenário de transformações. Porém, outros grupos

também tinham interesses em promover seus ideais. Um desses grupos foi o

eugenista2 que ganhou espaço e visibilidade durante as Grandes Guerras mundiais,

período o qual governos autoritários difundiram seus ideais nazifacistas.

No Brasil, as ideias eugênicas começaram a circular nas décadas finais do

século XIX, vinculando-se aos movimentos nacionalistas e médico-sanitarista. Em

busca de um modelo que representasse a população brasileira adicionada às

práticas higienistas, que promoviam campanhas de saneamento e vacinação para a

prevenção de doenças, discursos científicos eram produzidos em prol do

desenvolvimento do país. Aqueles que partilhavam essa concepção

diagnosticaram que a diversidade étnico-racial brasileira era um malefício para o

progresso, tendo nas ações eugênicas o tratamento para salvar o país doente. Entre

os membros que sustentavam os ideais eugenistas, havia diversos representantes

da sociedade civil como advogados, médicos, jornalistas, educadores, entre

outros, demonstrando como esse pensamento era legitimado por diversos

segmentos e instituições. Dentre os membros eugenistas destaco a participação de

Edgard Roquette-Pinto e Fernando de Azevedo, que atuaram intensamente na

política educacional do país, assunto que retomarei mais adiante.

Souza et al. (2009) investigou a influência eugenista no Brasil a partir da

análise do acervo do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia realizado no ano

de 1929, e aponta algumas políticas de Estado que ganharam força após a

realização desse evento. Segundo os autores, o congresso aconteceu na sede da

Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e contou com participação de

2 Movimento internacional que defendia a pureza da raça branca, classificada por seus

apoiadores como superior às outras raças humanas.

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representantes da elite intelectual nacional que debateram, entre os mais de 75

trabalhos apresentando “o futuro eugênico da nação” (SOUZA et al, 2009). Os

trabalhos abordavam como a eugenia deveria atuar em diversas áreas da

sociedade, tendo divergentes abordagens sobre uma “eugenia preventiva” que

segundo Stepan (2005) fomentava a prevenção de doenças, passando pelo controle

matrimonial. Essa abordagem teórica neolamarkista entendia que o meio tinha

interferência na hereditariedade humana, alegando que as desigualdades sociais

eram consequências das diferenças raciais. Dessa forma, tal corrente eugenista

buscava na miscigenação o caminho para a regeneração da raça.

Schwarcz (1993, p.17) argumenta que a teoria racial foi “política e

historicamente construído” e que tiveram inserção tanto no campo biológico como

no social. As teorias raciais formuladas nos Estados Unidos ou Europa eram

adaptadas para a realidade brasileira, que possuía uma população com muitos

negros. A tentativa dos intelectuais, que se viam responsáveis por colocar o país

no caminho da modernidade, era destacar o Brasil dos países latino-americanos e

de assemelhá-lo aos europeus, sinônimos de progresso e civilização. Para que isso

fosse possível, Schwarcz (1993, p. 187) aponta que instituições como os museus,

os Institutos históricos e geográficos e as faculdades de Direito e Medicina

promoviam produções intelectuais que visavam à construção de uma “mestiçagem

modeladora e uniformizadora”. A autora evidencia que existiu uma disputa

ideológica dessas instituições pelo projeto de nação, que amparadas pela ciência

visavam promover uma homogeneidade da população, seguindo assim as teorias

raciais que justificavam as hierarquias sociais no Brasil.

Dessas teorias Munanga (1999) aponta que métodos eugenistas, que

visavam o embraquecimento da população, foram utilizados na formulação da

identidade nacional. Com o passar do tempo, as teorias biológicas sobre a

mestiçagem fortaleceram cada vez mais os aspectos comportamentais e políticos,

servindo de justificativa para a manutenção do privilégio e dominação de uma

pequena parcela de nossa sociedade edificada sobre os conceitos discriminatórios

da colonização.

No período que abrange o fim do Segundo Reinado até o início do século

XX, as teorias racialistas – como o determinismo biológico – eram apropriadas e

forjadas como soluções para a diversidade racial existente no Brasil, considerado

como fator primordial do atraso – conforme os termos positivistas da época – do

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país. Tais intelectuais, segundo Munanga (1999, p. 51), preocupavam-se em

promover uma identidade nacional para a recém-proclamada República, mas

entendiam como problemática “a nova categoria de cidadãos: os ex-escravos”. A

estrutura colonial vigorava no pensamento daqueles que produziam o discurso do

progresso e da modernidade. A tentativa era transformar toda aquela pluralidade

em apenas um modelo racial brasileiro, obtendo como resultado final da

miscigenação e, com o passar do tempo, a eliminação dos negros da identidade

brasileira. Munanga (1999, p. 110) afirma que

Esse modelo supõe a negação absoluta da diferença, ou seja, uma avaliação

negativa de qualquer diferença e sugere no limite um ideal implícito de

homogeneidade que deveria se realizar pela miscigenação e pela assimilação

cultural. A mestiçagem tanto biológica quanto cultural teria entre outras

consequências a destruição da identidade racial e étnica dos grupos dominados, ou

seja, o etnocídio.

Velloso (2003) traz elementos que corroboram com a perspectiva de

Munanga sobre o genocídio negro. Ao analisar a relação dos intelectuais com a

ideologia de nacionalidade, verificou em um artigo de João Ribeiro3 que o autor

defendia o estudo da “história morta”, ou seja, o estudo da cultura negra, pois para

ele, a raça negra estava fadada à extinção.

É diante desse cenário hostil à população negra que emerge a organização

chamada Frente Negra Brasileira (FNB) questionando a ausência do negro nesse

projeto de nação. Fundada em São Paulo no ano de 1931, sob a presidência de

Arlindo Veiga dos Santos, a FNB tinha amplitude nacional e teve representantes

em Pernambuco, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Espirito Santo e Bahia. Suas

principais lideranças fizeram parte do Centro Cívico Palmares4 (CCP), uma

associação que existiu entre os anos de 1926 a 1929, que inspirou a criação da

FNB que, por sua vez, aprofundou as questões políticas e sociais da população

negra de sua época.

Conforme verificamos, a identidade negra brasileira deveria ser diluída ao

longo do tempo, criando no seu lugar o mestiço, o mais próximo do ideal de

embranquecimento da nação. Pereira (2013) ressalta a fala de um dos militantes

3 A arqueologia Negra Africana (1922).

4 O CCP realizava eventos culturais para homenagear heróis negros, ministrava aulas de

alfabetização e fundou o jornal Clarim d’Álvorada, que servia como um canal de denúncias contra as discriminações sofridas pela polução negra, além de servir como meio de formação política e histórica de seus leitores.

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da FNB, José Correia Leite, sobre o pensamento que circulava nos anos de 1930:

“Houve um tempo em que eu ouvia muita gente dizer que a nossa luta não tinha

razão de ser porque o negro ia desaparecer. Foi uma ideia gerada por estudiosos”

(LEITE apud PEREIRA, 2013, p.71). Porém, Pereira (2013, p. 53) argumenta que

“a ideia de raça utilizada politicamente na construção do Estado-Nação brasileiro”

gerou duas consequências: a primeira, forjar uma raça embranquecida que

aproximava o país ao status de superioridade dos países europeus. A segunda

consequência é que a ideia de raça também foi ressignificada e utilizada pelo

movimento negro como discurso aglutinador em busca de igualdade de direitos.

Gomes (2012b, p 741) afirma que o movimento negro ressignificou o

conceito de raça de maneira afirmativa e proporcionou o reconhecimento das

diferenças que gerou reflexões sobre a falsa propaganda de democracia racial no

país. Essas ações foram essenciais para enfatizar o processo de politização da

população negra contra o racismo e questionar a escrita do papel dos negros na

história do Brasil, promovendo a construção de novas epistemologias.

Ao ressignificar e politizar a raça, compreendida como construção social, o

movimento negro reeduca e emancipa a sociedade e a si próprio, produzindo novos

conhecimentos e entendimentos sobre as relações étnico-raciais e o racismo no

Brasil, em conexão com a Diáspora africana.

Diante dos vários ativismos negros ao longo da história do século XX, para

elucidar a utilização do conceito de movimento negro, na presente dissertação,

recorremos a Pereira (2013, p. 110) que opera com a seguinte definição

...considero o movimento negro organizado como um movimento social que tem

como particularidade a atuação em relação à questão racial. Sua formação é

complexa e engloba o conjunto de entidades, organizações e indivíduos que lutam

contra o racismo e por melhores condições de vida para a população negra, seja

através de práticas culturais, de estratégicas políticas, de iniciativas educacionais

etc; o que faz da diversidade e pluralidade características desse movimento social.

Dessa forma, mesmo diante de tal estrutura diversa o autor marca sua

análise a partir do termo “movimento negro”, no singular. A utilização desse

termo é a definição utilizada pelos militantes que Pereira entrevistou em sua

pesquisa, e eles estavam baseados em duas justificativas: a primeira, pela

necessidade de possuir uma unidade na militância negra, e a segunda, por

identificar que o combate ao racismo e a melhoria da qualidade de vida dos negros

é característica do movimento ao longo do tempo.

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Dessa forma, a FNB surge com um discurso sobre as discriminações pelas

quais o negro era submetido, denunciando a desigualdade sofrida pela “Gente

Negra”5, apontando que as oportunidades sociais não eram iguais a todos os

brasileiros. Uma das possíveis soluções entendidas pela FNB era a garantia da

inserção do negro na sociedade como um sujeito de direitos, visando transformar

o status quo econômico e social dessa população, através de uma permanente luta

contra a discriminação. Dessa forma, tal organização teve diversas iniciativas em

prol da educação de seus membros, promovendo a realização de cursos de

alfabetização, a distribuição de materiais didáticos e uniformes. Fato esse

apontado por Gohn (1997, p. 215), como uma característica dos movimentos

sociais na América Latina, pois entrelaçam a “produção de conhecimento e a

elaboração de estratégias políticas”.

Outra estratégia criada pela FNB foi o periódico A Voz da Raça, publicado

no ano de 1933. Um meio próprio de comunicação que visava complementar a

formação de seus militantes. Nele eram veiculadas as normas da instituição, seus

objetivos e convocações para os eventos artísticos, além de informativos sobre

musicais e peças teatrais que fortaleciam as reflexões sobre a vida da população

negra, sua história e cultura. Gomes (2012b, p. 736) ressalta que a produção de

jornais pelos movimentos negros mostra o caráter educativo que esse veículo de

comunicação possuía, “várias matérias vinculavam a ideia da ascensão social do

negro pela via da educação”.

É preciso evidenciar que há um predomínio do senso comum sobre as

escolas públicas nas primeiras décadas da República, considerando-as de

qualidade. Porém, essa característica das escolas do início do século XX era

sustentada por seu caráter excludente. Veiga (2008) aponta que a escola pública

no período imperial era destinada às crianças pobres, negras e mestiças, com o

intuito de civilizar e homogeneizar culturalmente a população, porém esse projeto

falhou devido a inconsistências entre o discurso e as ações governamentais que

consolidassem o ensino público, levando à criação de uma nova proposta escolar

no período republicano. Esse novo formato gerou barreiras no acesso à escola, que

segundo Veiga, passou a ser frequentada majoritariamente por alunos brancos da

elite.

5 Termo utilizado no Estatuto da Frente Negra Brasileira

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Grupos que se proclamavam democráticos e que buscavam ampliação do

acesso à educação, não incluíram a questão racial em suas reivindicações, como

foi o caso dos Pioneiros da Educação. A carta monumento6 com o título de

“Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, a reconstrução educacional no

Brasil: ao povo e ao governo”, publicada pelos pioneiros em março de 1932, não

menciona preocupações com a inserção da população negra na escola. Assinada

por vinte e seis representantes da elite intelectual de sua época, esse documento

contou com o ativismo de Fernando de Azevedo, relator do documento, que

mesmo não sendo fruto de coesão ideológica, expôs em sua escrita a preocupação

com um projeto de nação que considerava “como a única via de salvação

nacional” (XAVIER, 1993, p.11). Tal documento é fruto do contexto da época

que não considerava a importância da identidade negra na construção de um ideal

de nação. Fernando de Azevedo e outro signatário, Roquette-Pinto7, outrora

participaram de discussões sobre o projeto de nação pelo viés eugenista,

evidenciando como levaram para o campo educacional influências dessa corrente

científica que vislumbrava na ciência e na modernização os caminhos para o

progresso do país.

Em uma consulta8 às edições do jornal A Voz da Raça, não foi identificada

menção ao Manifesto dos Pioneiros. Isso pode ser entendido como reflexo da

ausência de membros do movimento social negro nesse campo de disputa por

poder político.

De acordo com Pereira (2013) o movimento negro da década de 1930

questionava a organização hierárquica racial no qual a sociedade brasileira estava

estruturada, mas não tinha ações que tivessem perspectiva de transformação desse

cenário. As ações do movimento negro dessa época eram voltadas para uma

inclusão, possuindo, portanto, caráter “assimilacionista” (PEREIRA, 2013, p.

121). Mas podemos realizar uma interpretação distinta da afirmação de Pereira.

Havia inconformismo com o limitado acesso da população negra às escolas. Tanto

Domingues (2008), quanto Gomes (2012b) e Oliveira (2008) afirmam que a FNB

acreditava que através da educação e da cultura, negros e negras poderiam ter

melhores condições de vida, uma perspectiva vigente da época de uma “educação

6 Termo utilizado por Xavier (1993) em sua dissertação de mestrado.

7 Roquette-Pinto foi fundador da Rádio Escola Municipal do Rio de Janeiro, no ano de 1934.

8 Consulta feita ao site Hemeroteca Digital em 10/01/2016.

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redentora” (LUCKESI, 1990). Esse era o pensamento vigente da época, tanto

visto no Manifesto dos Pioneiros da Educação, como nas ações do movimento

negro.

Porém, Domingues (2008) atenta para o fato de que mesmo quando as

escolas regulares matriculavam alunos negros, muitas delas cometiam atitudes

racistas nas salas de aula, tratando-os discriminadamente. O autor identificou no

jornal A Voz da Raça, críticas quanto aos conteúdos didáticos dessas escolas que

reproduziam o papel do negro na sociedade brasileira de forma estereotipada e

preconceituosa.

Diante desse cenário, a FNB abriu uma escola em sua sede, oferecendo

curso de alfabetização e, posteriormente, incluiu o curso primário. Outras

unidades da entidade, não só no estado de São Paulo, também formaram escolas

ou cursos de alfabetização, idiomas e/ou profissionalizantes. De acordo com

Domingues, uma dessas escolas, a de Muzambinho em Minas Gerais, foi

municipalizada, inspirando outras unidades e entidades a investirem em seus

projetos educacionais.

A crítica ao acesso de negros e negras às escolas regulares e ao conteúdo

ensinado nesses espaços, levou a FNB a desacreditar do potencial de resolução do

racismo por parte do Estado, gerando uma intervenção no campo educacional, ao

criar suas próprias escolas. Esse fato nos leva a compreender que havia sim uma

perspectiva de ação transformadora do movimento negro, mesmo que isso

ocorresse a longo prazo, e através dos bancos escolares. Essa ação crítica não

afrontava diretamente o modelo de educação vigente na época, mas também não

aceitava passivamente a situação em que se encontrava a população negra e o

futuro sem expectativa que se desenhava se não houvesse alternativas.

As escolas da FNB comemoravam alguns eventos de cunho patriótico,

devido ao forte caráter nacionalista da organização. Isso era reflexo da conjuntura

política da época, período em que o sentimento ufanista pulsava forte no país,

influenciado pelos países com regimes autoritários em ascensão. O Brasil,

induzido por essa corrente de pensamento, rechaçava aqueles que não se

alinhavam à ideia de unidade nacional. E nesse momento, a FNB é acusada de não

pertencer à nação brasileira, pois a organização denunciou as desigualdades

vivenciadas pela população negra, abandonando o projeto de democracia racial.

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Com isso, a FNB precisou afirmar-se como nacionalista, como podemos

verificar em um trecho de seu Hino da Gente Negra Brasileira9:

Os herdeiros dos lauréis

Do trabalho, a ciência, a guerra,

Surgem nobres e fiéis

Pelo amor da Pátria Terra.

São do sangue escravo herdeiros,

De Tupis e de Africanos,

Que, confiantes Brasileiros,

Bradam soberbos e ufanos.

Mesmo sem uma postura que conseguisse subverter a hierarquia racial e

social, a FNB foi prejudicada pelo Estado Novo que mesmo reconhecendo o apoio

que essa instituição dera ao governo Vargas, acabou sendo proibida de continuar

suas atividades no ano de 1937, devido à lei que declarava todos os partidos

ilegais, encerrando seu funcionamento.

2.2. Os movimentos pedagógicos do TEN e do MNU

Já no ano de 1944, outro coletivo do movimento negro foi fundado por

Abdias do Nascimento, o Teatro Experimental do Negro (TEN). Nascimento

(2004, p. 210) idealizou a criação do TEN ao retornar de uma viagem pela

América Latina com um grupo de poetas brasileiros e argentinos, nos anos de

1940 e 1941, ao assistir uma peça em que o protagonista deveria ser negro, atores

brancos eram pintados para que pudessem interpretá-lo.

Ao fim do espetáculo, tinha chegado a uma determinação: no meu regresso ao

Brasil, criaria um organismo teatral aberto ao protagonismo do negro, onde ele

ascendesse da condição adjetiva e folclórica para a de sujeito e herói das histórias

que representasse. Antes de uma reivindicação ou um protesto, compreendi a

mudança pretendida na minha ação futura como a defesa da verdade cultural do

Brasil e uma contribuição ao humanismo que respeita todos os homens e as

diversas culturas com suas respectivas essencialidades.

Dessa forma, Nascimento viu a necessidade da representação negra,

apresentando negros e negras como sujeitos atuantes no mundo das artes e da

sociedade brasileira como um todo. Portanto, um dos principais objetivos do TEN

era formar atores, diretores e todos os profissionais negros que pudessem trabalhar

9 Periódico A voz da Raça. São Paulo, ano I, n. 8, maio, p. 3, 1933.

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no teatro para que essa representação acontecesse10

. Aliada a essa iniciativa de

valorização da identidade negra havia também a perspectiva de se fazer uma nova

leitura da história e cultura afro-brasileira com as peças encenadas.

O Teatro Experimental do Negro também teve jornal próprio, Quilombo,

com edições publicadas entre os anos de 1948 e 1950. Esse meio de comunicação

veiculava matérias que discutiam a igualdade racial no Brasil e a necessidade de

se combater a discriminação e o racismo por meio de uma legislação.

A dissertação de Ceva (2006) aponta o caráter pedagógico do Teatro

Experimental do Negro que utilizava diversas estratégias para ensinar a

importância do resgate histórico do negro na sociedade brasileira e conscientizar

seus participantes da necessidade da autoafirmação de sua identidade. Nascimento

acreditava que por meio da educação era possível lutar contra o racismo e

combater a exclusão social do negro. O TEN defendia, portanto, que todos os

negros tivessem acesso gratuito à educação em todos os graus de formação e em

todas as instituições, sendo elas públicas ou privadas. Isso pode ser verificado no

programa11

da organização, o qual indica o seguinte objetivo

3 – Lutar para que enquanto não for tornado gratuito o ensino em todos os graus,

sejam admitidos estudantes negros, como pensionistas do Estado, em todos os

estabelecimentos particulares e oficiais de ensino secundário e superior do país,

inclusive nos estabelecimentos militares;

Grandes eventos foram realizados pelo TEN, como a I e a II Convenção

Nacional do Negro em 1945 e 1946 e o I Congresso do Negro Brasileiro 1950. O

Congresso, realizado na cidade do Rio de Janeiro, tinha a proposta de aprovar

medidas concretas de combate ao racismo. Recebeu artigos científicos com

relação aos estudos do negro trazendo novas perspectivas sobre a realidade da

população negra. Esses eventos tinham como prioridade discussões sobre a

melhoria de vida da “gente de cor”12

.

Entendendo a força da imagem e da representação negra em uma sociedade

em que não lhe proporciona visibilidade, o TEN promoveu concursos de beleza,

“Rainhas das Mulatas” e “Boneca de Pixe”, que funcionavam como valorização e

fortalecimento da identidade negra, mas também como crítica aos concursos de

10

A primeira peça encenada foi O imperador Jones, de Eugene O´Neill, em 8 de maio de 1945, no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. 11

Jornal Quilombo, edição 5, de janeiro de 1950, p. 3 12

Termo utilizado na matéria do jornal Quilombo, em edição nº5, de janeiro de 1950, p. 1.

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Miss que não estimulavam a participação de mulheres negras e divulgavam a

estética branca como símbolo de beleza desejável.

A representação do corpo negro fazia parte de uma das estratégias

pedagógicas do TEN. A partir dessa estratégia, a presença dos negros e negras na

sociedade brasileira era discutida e novas perspectivas históricas e de participação

social desses sujeitos eram reivindicadas. Dessa forma, o TEN ajudou a fortalecer

positivamente a imagem dos negros através das peças teatrais, do jornal próprio,

dos concursos de beleza que promoveu e por meio dos congressos que organizou.

As dificuldades financeiras, a falta de uma sede própria e o golpe civil-

militar na década de 1960, que obrigou Abdias do Nascimento a se exilar nos

Estados Unidos às vésperas da promulgação do Ato Institucional 5, fizeram com

que as atividades do Teatro Experimental do Negro fossem findadas.

A reorganização política no Brasil só aconteceu no final dos anos de 1970.

O Movimento Unificado Contra a Discriminação Étnico-Racial teve sua origem

no ano de 1978, renomeado em 1979 como Movimento Negro Unificado (MNU),

tendo como um de seus fundadores Abdias Nascimento. Domingues (2007) atenta

para o fato de que nesse período o movimento negro estadunidense vivia uma

efervescência com líderes expoentes como Malcom X e Martin Luther King, e que

juntamente com os movimentos de independência de países africanos,

influenciaram a construção de um discurso mais profundo do MNU no combate

ao racismo em nosso país. Discurso esse que se articulava com as concepções de

classes devido às leituras marxistas.

O MNU reunia diversos grupos negros cujos objetivos eram organizar

politicamente seus pares, lutar contra o racismo e a exploração da classe

trabalhadora e conquistar a inclusão da História da África e do Negro Brasileiro

nos currículos escolares. Esse movimento foi responsável pela ressignificação de

símbolos negros e releituras histórica, estética e religiosa. Domingues (2007, p.

115) descreve

O culto da Mãe Preta, visto como símbolo da passividade do negro, passou a ser

execrado. O 13 de Maio, dia de comemoração festiva da abolição da escravatura,

transformou-se em Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo. A data de

celebração do MNU passou a ser o 20 de novembro (presumível dia da morte de

Zumbi dos Palmares), a qual foi eleita como Dia Nacional de Consciência Negra.

Zumbi, aliás, foi escolhido como símbolo da resistência à opressão racial.

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A década de 1980 no Brasil constituiu-se como um período de grandes

disputas políticas devido à transição lenta e gradual do regime civil-militar para o

democrático. Configurou-se ainda como marco dessa época as discussões sobre a

nova Constituição, que seria aprovada em 1988, cuja redação apresentaria a

conquista ideológica das forças em concorrência no momento. Diante desse

quadro, o MNU organizou a Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, em

Brasília, no ano de 1986, fruto de reuniões regionais ocorridas anteriormente. A

carta13

que resulta desse congresso possui 10 pontos (I- Direitos e Garantias

individuais; II- Violência policial; III- Condições de vida e saúde; IV- Mulher; V-

Menor; VI- Educação; VII- Cultura; VIII- Trabalho; IX- Questão da terra; X-

Relações internacionais) que apresentam as propostas de um grupo que

concentrava 63 entidades de 16 estados. Destacamos o ponto sobre a educação o

qual trata da diversidade, exigindo respeito a todas as culturas. Exige também a

obrigatoriedade do ensino da História da África e da História do Negro no Brasil

em todos os graus de ensino.

O MNU registrou em cartório o documento de sua Convenção, mesmo com

a perspectiva de que não seriam atendidos em suas reivindicações na redação final

da Carta Magna. A atuação do MNU vigora até a atualidade.

Diante do que foi exposto, identificamos nas atividades do movimento

negro, a questão pedagógica e política exercida pelas organizações FNB, TEN e

MNU, que visavam formar seus pares por meio de periódicos negros, congressos,

peças teatrais e outras ações. Destacamos que as iniciativas para inclusão da

população negra nos bancos escolares foram cada vez mais precisas ao longo dos

anos.

O olhar sobre o histórico do movimento negro, mesmo que nesse trabalho

tenha sido pontual, ressalta o seu papel de protagonista que desde a primeira

metade do século XX, denuncia a inexistência da democracia racial no país, o qual

só reconheceu a necessidade de reparação, oficialmente, na conferência de Durban

em 2001. A lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da história da África e

da cultura afro-brasileira nas escolas, é fruto de décadas de atuação dos

movimentos sociais negros.

13

Documento disponível em: http://www.instituobuzios.org.br. Consulta feita em 10/04/2015.

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2.3. Lei 10.639/03 como consequência de uma luta histórica

No ano de 2001, cerca de 170 países enviaram seus representantes para

participarem da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação

Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, em Durban, na qual a

escravidão foi reconhecida como o maior crime contra a humanidade. As

discussões dessa Conferência tinham como uma das pautas principais questões

sobre como deveriam ser as reparações pelos crimes originados pela diáspora

africana. Ao final de intensas e controversas discussões foram aprovadas a

Declaração e o Plano de Ação, os quais exigiam que os Estados que lucraram com

o sistema escravista deveriam buscar mecanismos para combater o racismo e a

intolerância, ainda presentes na atualidade. Algumas das recomendações feitas nos

referidos documentos de Durban, tratam da necessidade de equiparação do

número de negros e negras em diferentes setores e cargos da sociedade e o

desenvolvimento de políticas para aqueles que são vítimas de racismo e

discriminação. O Brasil, como um dos signatários da redação final dos

documentos da Conferência, comprometeu-se a criar políticas afirmativas que

envolvessem diversas áreas, como educação, mercado de trabalho e mídia.

Em 2003 foi promulgada a Lei Federal 10.639 que alterou a Lei Federal

9.394/96 - que trata das Diretrizes e Bases da Educação Nacional - tornando

obrigatório o ensino da História da África e da cultura afro-brasileira em toda a

rede de ensino fundamental e médio do Brasil. De acordo com Gomes (2012),

algumas das reivindicações históricas do movimento negro para a educação têm

sido transformadas em políticas do MEC, leis federais, decisões do Congresso

Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Assinala, ainda, que o Estado brasileiro,

ao reconhecer a imbricação entre desigualdades e diversidade, vem incorporando,

aos poucos, a raça14

de forma ressignificada em algumas de suas ações e políticas,

especialmente na educação. Recorrendo a Gonçalves e Silva (2000), esses

corroboram com o que Gomes expôs, ao argumentarem que a sociedade brasileira

não teria chegado a esse momento se não fosse a histórica atuação do movimento

14

É preciso ressaltar que o termo raça utilizado nessa pesquisa atende às relações sociais entre pretos e brancos, sem ligação com o conceito biológico utilizado por eugenistas no século XVIII.

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negro. Nesse sentido, a referida lei não só representa o reconhecimento da história

e da cultura negra, mas também, proporciona a criação de novas relações raciais,

as quais possam ser fruto de uma sociedade que afronta e enfrenta o racismo,

construindo uma convivência que respeita a dignidade humana e suas diferentes

expressões de vida. O alcance de um Estado democrático não será atingindo se

não houver a garantia desse reconhecimento e respeito.

Embora a promulgação da lei 10.639/0315

tenha atendido às premissas de

acordos internacionais que exigiram a criação de políticas afirmativas do governo

brasileiro contra o racismo, como o assinado na Conferência de Durban, não

podemos menosprezar o papel do movimento negro na sua trajetória de

reivindicações em prol da eliminação da desigualdade racial, como ressalta

Munanga (2006, p. 53)

Pensar que o Brasil sofre pressões internacionais ou multilaterais para impor as

políticas de cotas é minimizar a própria soberania nacional e ignorar as

reivindicações passadas e presentes do Movimento Negro, que, mesmo sem utilizar

as palavras cota e ação afirmativa, sempre reivindicou políticas específicas que

pudessem reduzir as desigualdades e colocar o negro em pé de igualdade com o

branco.

Portanto, referir-se à promulgação da lei apenas como uma exigência de

acordos assinados internacionalmente incorre em um erro tanto histórico quanto

político.

A lei 10.639/03 alterou os artigos 26-a, 79-a e 79b da Lei de Diretrizes e

Bases (LDB) do ano de 1996. O primeiro refere-se a obrigatoriedade do ensino de

História e Cultura afro-brasileira em toda rede de ensino fundamental e médio.

Ainda no artigo 26-a, em seus primeiro e segundo parágrafos, há orientações

sobre os conteúdos que devem ser abordados e as disciplinas que

preferencialmente devem trabalha-los, sendo elas: Artes, Literatura e História. O

artigo 79-b trata da inclusão, no calendário escolar, do dia 20 de novembro, como

o dia da “Consciência Negra”.

Tanto o parágrafo terceiro do artigo 26-a quanto o artigo 79-a foram vetados

da redação inicial da Lei. Segundo Silva e Pereira (2013), o primeiro artigo a

sofrer veto dedicava pelo menos dez por cento do conteúdo anual ou semestral,

das disciplinas de História do Brasil e Educação Artística, à temática africana e

15

Vide a redação da lei em anexo.

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afro-brasileira. Foi retirado da redação final da lei com a justificativa que não era

de interesse público a fixação de um percentual, pois é preciso valorizar as

diversas culturas do país. O segundo mencionava que os cursos de capacitação de

docentes deveriam contar com membros do movimento negro ou de instituições

ligadas ao tema. O veto a esse artigo baseou-se na redação total da LDB que não

se referia em nenhum momento a cursos de formação de professores.

A lei é acompanhada de outros dispositivos legais que complementam e

orientam sua implantação. O Conselho Nacional de Educação (CNE), através da

resolução nº 1, de junho de 2004, estimula a produção de conhecimentos afro-

brasileiros e a elaboração de materiais didáticos em atendimento à Lei 10.639/03.

Estabelece também a inclusão de estudos sobre as questões étnico-raciais nas

instituições de curso superior, principalmente para aquelas que possuem formação

inicial e continuada de professores. O documento prevê ainda pontuação na

avaliação das condições de funcionamento do estabelecimento ao cumprir o que

foi estabelecido nas Diretrizes Curriculares.

O Parecer nº. 3, do ano de 2004, do CNE, apresenta as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o

Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana que orientam como as

escolas, professores e comunidade devem trabalhar em conjunto para combater o

racismo e promover a reeducação das relações entre os diferentes grupos étnico-

raciais. Com isso, são apontadas possibilidades para a implementação da lei

10.639/03.

Sobre essas Diretrizes, Oliva (2009) tece algumas considerações. O autor

destaca alguns pontos positivos da redação do documento quando se refere à

descrição dos objetivos e temas que devem ser tratados na sala de aula, como os

heróis negros, reinos africanos, lutas de resistência e demais assuntos ligados à

história afro-brasileira. Ressalta que isso não está diretamente relacionado à

inversão de um currículo com foco etnocêntrico para um afrocentrado, pois o que

o texto pontua é a valorização das diferentes concepções de mundo, priorizando o

conhecimento da diversidade cultural. Para Oliva, as Diretrizes indicam

conteúdos que visam romper os estereótipos sobre as sociedades africanas, porém

o autor problematiza essa questão ao afirmar que o texto vincula os estudos

africanos ao estudo da história afro-brasileira. Oliva se posiciona contra essa

tendência que está presente em todos os tópicos, e acredita que o adequado seria

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uma aproximação à temática da Diáspora africana, mas não de maneira exclusiva,

porque a história da África não começa com a colonização e a história do negro é

anterior a sua chegada ao Brasil.

Com a perspectiva de promover uma educação que respeite as diferenças,

preocupada em não reproduzir estereótipos e raso conhecimento sobre o

continente africano e sobre o legado afro-brasileiro, a lei 10.639/03 e seus

dispositivos legais, que geram condições exequíveis para sua aplicação, reafirmam

o compromisso do Estado em realizar ações afirmativas que combatam o racismo.

Ela garante a produção de conhecimento que por muito tempo esteve distante dos

bancos escolares, ferindo o direito de acesso a uma parte da história que interessa

não apenas aos negros e negras, mas a toda população brasileira.

2.4. A primeira década da aplicabilidade da Lei 10.639/03

No ano de 2016 a promulgação da lei completou 13 anos, e durante esse

período, diversas ações foram tomadas para atender suas exigências. Prêmios

foram destinados para destacar algumas dessas atividades voltadas para a

valorização da identidade negra. Um desses foi a premiação “Orirerê – Cabeças

Iluminadas16

”, promovida pelo Centro Cultural Humaitá que reconheceu projetos

que aplicavam a lei 10.639/03 no Paraná, no ano de 2011, e em âmbito nacional,

em 2012. Os projetos premiados nesses dois anos foram impressos e distribuídos

para escolas do estado.

Os livros didáticos distribuídos pelo Plano Nacional do Livro Didático

(PNLD) sofreram significativas alterações após o ano de 2003. Freitas (2014, p.

388) aponta essa mudança ao analisar os livros didáticos do Ensino Médio do ano

de 2012, ao notar que houve revisão dos referenciais eurocêntricos. A autora

pontua que “a África e os afrodescendentes ganharam maior espaço e

interpretações”, embora tenha identificado a necessidade de maiores avanços e

aprofundamento em alguns temas. A pesquisa de Pacífico e Teixeira (2013)

também tem considerações parecidas. As autoras analisaram um total de 30 livros

do Ensino Fundamental II, aprovados pelo PNLD nos anos de 2006, 2008, 2009 e

2011. Identificaram que nos livros didáticos mais recentes houve maior

16

Site para consulta: <https://informativocentroculturalhumaita.wordpress.com/orirere/>

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preocupação em atender às exigências da Lei 10.639/03. Porém concluem a

análise afirmando que apesar de apresentarem algumas rupturas, os livros ainda

mantêm a hierarquia de cor, não interferindo na desigualdade da relação de poder

social.

A fundamental atuação dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs),

que a partir do artigo 3º, § 4º pela resolução nº 1/2004 do CNE passou a contar

com a estrutura de sistemas e estabelecimentos de ensino, cumpre o papel de

ofertar cursos para a formação inicial e continuada de professores e gestores, além

de elaborar materiais didáticos voltados para as discussões étnico-raciais. Os

NEABs também são referência na produção e divulgação de conhecimentos que

atendem as perspectivas da Lei 10.639/03.

É importante também destacarmos o julgamento realizado pelo Supremo

Tribunal Federal, no ano de 2012, que considerou constitucional a política

afirmativa de cotas étnico-raciais. Embora essa política de reservas de vagas em

universidades não esteja diretamente ligada ao que está expresso na Lei

10.639/03, é válido ressaltar que ambas as ações afirmativas são posteriores à

Conferência de Durban, expressando um amplo movimento em prol da igualdade

racial no âmbito educacional.

Apesar do cenário apresentar boas ações e progressos, ainda existem muitos

obstáculos para o enraizamento da referida lei nas escolas. Acrescentamos aqui

um dado que confrontamos durante a escrita deste tópico: não existem muitos

estudos sobre a avaliação dessa primeira década de aplicabilidade da lei. A

maioria dos trabalhos trata de propostas para a aplicação da 10.639/03, relatos de

projetos e atividades ou discute a importância da mesma para o currículo.

Acreditamos que é preciso avançar mais nas discussões e produzir mais pesquisas

avaliativas, para que possamos elaborar mais estratégias de ação, para assim,

cobrarmos fiscalização do Estado para o cumprimento da legislação.

O Dossiê Relações Étnico-Raciais e Práticas Pedagógicas17

traz os artigos,

resultados de pesquisas empíricas, que discutem algumas problemáticas

encontradas ao avaliarem a primeira década da 10.639/03. Gomes e Jesus (2013)

constataram a falta de uniformização na aplicação da lei nos sistemas de ensino,

pontuando que algumas das escolas observadas estão mais avançadas

17

Educar em revista, n. 47, 2013.

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apresentando continuidade dos trabalhos com a temática, mas outras estão

caminhando lentamente; Souza e Pereira (2013) identificaram a reprodução de

estereótipos ruins com relação ao continente africano; Santana, Luz e Silva (2013)

apontam a necessidade da formação inicial e continuada de docentes para a

consolidação da temática nas escolas. Esses estudos qualitativos apresentam as

dificuldades para a concretização da lei 10.639/03 e as fragilidades encontradas

para a sua aplicação.

Em um evento sobre os dez anos da promulgação da lei 10.639, Gomes

(2013) relatou que identificou em sua pesquisa, que buscava um balanço da

primeira década da obrigatoriedade dos estudos étnico-raciais na escola, a

realização de trabalhos ou projetos em escolas organizados por um único

professor ou gestor que tinha interesse pela temática, partindo de um impulso

individual ou de um grupo caracterizando esse tipo de ação como sem vínculo

com o currículo. A esse fenômeno Gomes nomeou de “negros em movimento”,

pois esses profissionais envolvidos assumem um compromisso ético e singular

com a aplicabilidade da 10.639/03. A problemática desse fenômeno é que a

continuidade dessas atividades está relacionada à permanência desses indivíduos

nessas instituições. Isso apresenta a fragilidade do enraizamento e apropriação da

lei nesses espaços.

Esse cenário pode ser oriundo da maneira como ocorre a apropriação das

legislações no ambiente escolar. Ball (2002), ao tratar das reformas provocadas

pelas políticas educacionais, afirma que as reformas curriculares provocam não

apenas mudanças estruturais, mas também subjetivas, levando o teor de

transformação aos professores. Nesse sentido, Mainardes (2006, p. 53) argumenta

que durante a implementação das políticas educacionais os educadores e demais

profissionais interferem em sua aplicação

...os professores e demais profissionais exercem um papel ativo no processo de

interpretação e reinterpretação das políticas educacionais e, dessa forma, o que eles

pensam e no que acreditam têm implicações para o processo de implementação das

políticas.

A redação das legislações geram interpretações, engajamento, resistências e

conflitos. Lopes (2004) nomeia esse processo de recontextualização, que ocorre

na transferência de políticas do Estado para as escolas.

Portanto, essa pode ser uma explicação para os diferentes estágios de

aplicação da Lei 10.639/03 nas escolas. Porém, é necessário acompanhar o

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enraizamento nas escolas para não confundir uma recontextualização a não

aplicação da legislação aqui trabalhada. Nesse sentido, traremos no próximo

capítulo como foi construído o objeto estudado na presente pesquisa, a fim de

contribuir com novas possibilidades e ações para uma educação antirracista e de

fato democrática.

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3 O mural como fonte de investigação

Nesse capítulo destacamos algumas das leituras realizadas durante a revisão

de bibliografia de pesquisa no campo educacional realizadas após a lei 10.639/03

e que levaram à construção do objeto que estudo na presente pesquisa. Propomos

também uma discussão a partir dos teóricos Forquin (1992), Julia (2001) e Viñao

(2002) para entendermos as relações entre as diferentes culturas presentes na

escola. O diálogo também é feito com Freire (2007) e Noguera (2010; 2011;

2012) ao realizarmos considerações sobre uma educação antirracista, que nos

auxiliará na análise da presença da referida lei na cultura escolar.

Procuramos ainda, tratar nesse capítulo, da questão das disputas e tensões na

escola, cenário onde se encontram, numa complexa dinâmica de saberes

concorrentes, através do currículo e evidencia em suas práticas. Nesse sentido,

abordaremos algumas questões sobre currículo oculto (Forquin, 1992) e a inserção

de conhecimentos outros na escola. E por fim, o conceito de espaço e território

proposto por Gomes (2002; 2007), Santos (1999; 2000), Haesbart (2004) e

Cavalcanti (2008), será utilizado para demarcarmos que a própria geografia física

da escola é um lugar de disputas ideológicas.

3.1. Os murais e a questão étnico-racial

Estudar a questão racial nas escolas a partir da investigação da

aplicabilidade de uma lei exigiu um recorte mais preciso sobre o ambiente escolar,

sobretudo, procurando ter atenção a respeito de que maneira a pesquisa seria

realizada. Recorrendo às produções acadêmicas sobre questões raciais na escola

após a promulgação da Lei 10.639/03, encontramos alguns trabalhos que tratavam

a temática por diversas perspectivas, como em Souza e Sodré (2012) que

analisaram livros infanto-juvenis com protagonistas afro-brasileiros e/ou releituras

de contos africanos. A formação inicial e continuada de professores sobre as

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questões étnico-raciais foi problematizada por Garcia, Silva e Alexandre (2012).

A questão das religiões afro-brasileiras nas escolas é apontada nos artigos de

Quintana (2013) e Oliveira e Rodrigues (2013) apresentados na 36ª Reunião

Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

(ANPED).

Diante dessas e outras possibilidades de estudo, foram levantadas questões

de como a imagem de negros e negras é representada na escola. Santos e Molina

Neto (2011) oferecem alguns caminhos para reflexão ao apresentarem os

resultados de uma pesquisa empírica feita em 2007 que buscava compreender

como estudantes negros de duas escolas municipais de Porto Alegre interagiam e

ganhavam visibilidade na cultura estudantil e nas aulas de Educação Física. Os

autores identificaram por meio de entrevistas com estudantes autodeclarados

negros e através de registros em diário de campo, que as questões étnico-raciais na

escola não eram debatidas. Tais estudantes tinham dificuldades em encontrar

elementos de identificação nesse espaço institucional. Os pesquisadores ainda

encontraram poucos negros ocupando cargos socialmente prestigiados na escola e

nos materiais curriculares não eram vistos contemplados nos fatos históricos e

heroicos. Santos e Molina Neto (2011) argumentam que as diferenças raciais no

Brasil foram construídas de forma hierárquica gerando relações desiguais de

poder. Desta forma, concluem que o negro foi associado a representações

inferiorizadas, relacionadas a aspectos negativos. Com essa perspectiva histórica e

cultural, o estudo pôde identificar que os alunos negros eram vítimas de insultos e

sofriam racismo no ambiente escolar. Alguns dos relatos apresentados pelos

autores destacam como essa discriminação afetava a autoestima desses alunos,

interferindo até na frequência escolar.

Outro trabalho que nos leva a pensar sobre as relações raciais nas escolas

brasileiras após a vigência da Lei 10.639/03 é a dissertação de Silva (2009). No

estudo, a autora investiga o dia a dia de crianças negras em uma instituição

pública, dando foco no comportamento das crianças, procurando entender como

estas se relacionam com as demais crianças e com os professores, além de buscar

compreender como elas se percebiam e eram percebidas, e ainda, como lidavam

com as situações de conflito.

A autora identificou que as crianças negras da turma em que realizou a

pesquisa eram vítimas de discriminação, tais como: recebiam menos atenção da

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professora, sentavam no fundo da sala de aula enquanto os alunos brancos

sentavam nas primeiras carteiras, não eram aceitas em alguns grupos da mesma

turma, entre outros.

Esses trabalhos evidenciam como é fundamental pensar as representações

presentes na escola. Representações do cotidiano que reproduzidos pelos sujeitos

do espaço escolar podem trazer elementos que ajudam a refletir como é abordada

a temática étnico-racial naquele ambiente.

O mural escolar é um recurso que apresenta o fim de um processo

pedagógico, no qual são expostos os trabalhos que atingiram os objetivos de uma

determinada proposta. Geralmente são feitos com materiais de baixo custo

financeiro, podendo ser confeccionado com vários materiais, como compensado,

cortiça, azulejos, de forma a permitir sua constante reelaboração. Por meio da

colagem de cartazes, de desenhos, de exposição de trabalhos escolares, de

dobraduras ganha vida através de cores, texturas, mensagens. Podem ser

organizados pelos próprios alunos, por professores, coordenadores ou quaisquer

outros agentes educacionais. Eles são encontrados em corredores, salas de aula,

secretarias, salas dos professores, salas de leitura, refeitórios, laboratórios, enfim,

em diversos ambientes da escola, evidenciando seu papel de transmissor de

informações e de divulgador das produções escolares e de comunicação da escola.

A presença dos murais em diversos espaços e a adequação de sua linguagem

conforme o público ao qual se destina, evidencia a utilização desse recurso

pedagógico no cotidiano escolar como um canal de fluxo comunicacional.

O termo fluxo comunicacional é usado por Calado (1994) que trata as

imagens como uma linguagem, ressaltando que para seu entendimento precisa-se

de uma alfabetização visual, pois o fator sociocultural interfere na interpretação

do que é visto. A autora acrescenta que para a utilização das imagens em contexto

pedagógico, é preciso ter conhecimento prévio do público a que se destina aquela

comunicação e atentar-se à adequação do espaço físico (iluminação, distância...) e

o tempo da exposição para a apreensão do sentido da mensagem. Esse fluxo pode

ser identificado nos trabalhos expostos nos murais, espaço físico adequado para

esse fim, sua localização que interfere no tipo de comunicação que carregará e a

relação de brevidade que geralmente possuem. Para isso, foram identificados

nessa pesquisa três funções dos murais: acolher, informar e divulgar trabalhos.

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Essas funções dependem da localização em que esse recurso está situado no

espaço escolar.

Pode-se dizer que o mural expressa uma narrativa visual construída na

escola para a sua comunicação interna, e assim, sintetiza nas imagens, textos e

outros elementos, um discurso a partir do conjunto de informações que por sua

vez, vão elaborando um panorama dos diferentes universos simbólicos que

povoam o rico espaço escolar. Por não ser um recurso obrigatório, mas que está

presente nas escolas, o mural constitui-se em um recurso midiático que permite o

diálogo entre os diferentes sujeitos daquele ambiente.

Os murais cumprem o papel de divulgador dos trabalhos escolares,

produzidos por alunos e docentes, possibilitando a circularidade das produções

para além da sala de aula. Desta forma, esse recurso pedagógico constitui-se em

um canal de comunicação com os diversos públicos que circulam a escola.

A localização dos murais no espaço escolar revela as distintas funções desse

recurso e qual o público que se destina a informação nele fixada. A composição e

a área que ocupa na escola apresentam as estratégias de comunicação dominadas

pelos agentes educativos que elaboram a organização desse recurso.

Outro ponto que destacamos, refere-se a uma característica dos trabalhos

expostos nos murais, que é a não garantia de sua memória. A montagem dos

murais gira em torno de uma composição que geralmente é temporária, devendo

ser substituída por novas atividades. Esse caráter provisório compromete o

arquivamento da maneira que foi elaborado, sem preocupações com seu registro.

Essa não é uma particularidade dessa produção escolar. Julia (2001) ressalta que a

conservação de exercícios escolares é pouco convencional, ou por descrédito, ou

por mera falta de espaço para arquivo.

Além disso, esse recurso pedagógico é expressão de uma prática pedagógica

determinada. A intencionalidade pedagógica se manifesta nas seleções de

imagens, textos e conteúdos, a comunicação e a linguagem usada para a mesma,

também endossam ênfases e destaques de certa perspectiva pedagógica. Ou seja,

as construções das narrativas visuais e textuais de um mural não são isentos de

intencionalidades e agenciamentos pedagógicos. O mural funciona muitas vezes,

como um coautor do discurso docente, ou até mesmo como um legitimador do que

é considerado relevante para aquela determinada comunidade escolar.

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No documento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e

Africana há uma citação que ressalta a importância do trabalho com imagens e

representações no ambiente escolar

Inclusão de personagens negros, assim como grupos étnicos-raciais, em cartazes e

outras ilustrações sobre qualquer tema abordado na escola, a não ser quando tratar

de manifestações culturais próprias, ainda que não exclusivas, de um determinado

grupo étnico-racial (BRASIL, 2004, p. 24).

Essa preocupação com a representação de personagens negros não apenas

nos trabalhos escolares propõe a expressão da diversidade cultural e racial,

proporcionando uma visão ampliada e crítica dos estudantes. Identificamos nos

murais o potencial para atender à orientação da referida Diretriz.

Embora os murais não estejam regulamentados em documentos oficias,

informando sobre sua obrigatoriedade ou sobre a sua utilização pedagógica, sua

presença e confecção regular evidenciam como esse recurso faz parte da cultura

escolar. Por ser um conceito abrangente que promove discussões sobre diversas

perspectivas da educação, trataremos o conceito de cultura escolar a partir da

abordagem de alguns teóricos do campo da História da Educação que nos ajudam

a refletir sobre as práticas escolares. Viñao (2002, p. 73) define

La cultura escolar, así entendida, estaría constituida por un conjunto de teorías,

ideias, principio, normas, pautas, rituales, inercias, hábitos y práticas (formas de

hacer y pensar, mentalidades y comportamentos) sedimentadas a largo del tempo

em forma de tradiciones, regularidades y reglas de juego no puestas en entredicho,

y compartidas por sus actores, en el seno de las instituciones educativas .

Julia (2001) prioriza sua análise sobre a cultura escolar, a partir da

observação das práticas escolares. O autor defende que o estudo dessas práticas

não deve perde espaço para o estudo dos textos normativos, como

tradicionalmente ocorre. A observação das práticas auxilia na compreensão da

influência de uma alteração normativa nas escolas, da coexistência das novas e

antigas regulações. Dessa forma, o autor formula a ideia de que a cultura escolar é

formada de tensões, que variam de acordo com o seu contexto histórico e

temporal. Julia (2011, p. 10-11) define

poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem

conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que

permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses

comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar

segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de

socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o

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corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e,

portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua

aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores.

Já Forquin (1992), um teórico crítico do currículo, entende que a cultura

escolar envolve a seleção de conteúdos decorrentes de fatos sociais, políticos e

ideológicos, observando que existe um trabalho de reinterpretação e reavaliação

contínua do que deve ser conservado, ao lado de um movimento de esquecimento

de parcelas da experiência humana. Esse movimento desenvolve-se através da

seleção dos conteúdos considerados importantes para a transmissão da cultura.

Porém, Forquin não reduz a escola a um mero reprodutor de saberes sociais. O

autor considera que a cultura escolar é o resultado da transformação de uma

cultura geral, evidenciando o potencial da escola como geradora de novos

conhecimentos.

A cultura escolar apresenta-se assim como uma 'cultura segunda' com relação à

cultura de criação ou de invenção, uma cultura derivada e transposta, subordinada

inteiramente a uma função de mediação didática e determinada pelos imperativos

decorrentes desta função, como se vê através destes produtos e destes instrumentos

característicos constituídos pelos programas e instruções oficiais, manuais e

materiais didáticos, temas de deveres e de exercícios, controles, notas

classificações e outras formas propriamente escolares de recompensas e sanções

(1992, p. 33 e 34).

Forquin reconhece que esses saberes não emergem sem conflitos e tensões

que disputam a legitimidade institucional. Essa dimensão pressupõe a construção

de um conhecimento que recebe a influência de diferentes saberes, identificando

na escola a presença de conteúdos que são formados e sustentados por uma

hegemonia e conhecimentos e experiências que são frutos de outras culturas.

3.2. Território e espaço escolar

A exposição de uma produção escolar que apresenta a apropriação da Lei

10.639/03 fora da sala de aula levou-nos à reflexão sobre territórios em disputa na

escola. Tanto Arroyo (2011) quanto Miranda (2013) levantam discussões sobre o

currículo como espaço de disputas, as quais evidenciam relações de poder dentro

da escola. Arroyo traz a ideia da não neutralidade do currículo e Miranda aponta

as novas cartografias a partir de um currículo crítico. Tendo em mente esse

entendimento sobre as tensões no ambiente escolar e nos apoiando, para a

construção conceitual, nas categorias espaciais da geografia política, podemos

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formular a ideia de um território que expressa representações de uma ideologia

dominante. Cavalcanti (2008, p. 18) elabora que a geografia possui uma dinâmica

que viabiliza a utilização de seus conceitos em diversas áreas, dessa forma

O espaço como objeto de análise geográfica é concebido não como aquele da

experiência empírica, não como um objeto em si mesmo, a ser descrito

pormenorizadamente, mas sim como uma abstração, uma construção teórica, uma

categoria de análise que permite apreender a dimensão da espacialidade das/nas

coisas do mundo. O espaço geográfico é, desse modo, concebido e construído

intelectualmente como um produto social e histórico, que se constitui em

ferramenta que se constitui em ferramenta que permite analisar a realidade em sua

dimensão material e em sua representação.

Gomes (2002) considera que os espaços e a disposição dos objetos possuem

uma dinâmica que dialoga com as práticas sociais, dessa forma, salienta que é

necessário "examinar o espaço como um texto, onde formas são portadoras de

significados e sentidos" (GOMES, 1997, p.38). Já a ideia de território, pensada a

partir da concepção de Santos (1999), expressa uma ou várias delimitações dentro

de um espaço, que é flexível, e evidencia as relações de poder e conflitos sociais.

Ainda sobre território, Haesbaert (2004, p. 95-96) afirma que essa categoria pode

ser utilizada como uma apropriação “cultural-simbólica”. Santos (2000, p. 96)

complementa

O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de sistemas

naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O território é o

chão e mais, a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer

àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas

materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele influi.

Cavalcanti (2008, p. 53-54) corrobora com os autores supracitados no que

tange o conceito de território

O território é considerado como campo de força, de múltiplas escalas, produzido

por meio da apropriação e da ocupação de um espaço por um agente, que pode ser

o Estado, uma empresa, um grupo social ou um indivíduo. Em diversos graus,

portanto, em momentos diferentes e em lugares variados, somos todos agentes do

território, estabelecemos limites entre nós e outros, entre o nosso e o de outros;

todos nós elaboramos estratégias de apropriação e uso dos territórios. Além disso, a

constituição do território, como relação social projetada no espaço, pode dar-se por

longo tempo ou por apenas poucos minutos, tornando-o regular ou periódico ,

estável ou instável, flexível ou inflexível.

Trazendo essas categorias para pensarmos o objeto dessa pesquisa, temos a

escola como o espaço das manifestações culturais e das práticas pedagógicas, e o

mural como um território que expressa as relações de poder de uma ideologia

hegemônica, mas que pode ser alterado, apresentando as disputas e as

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representações sociais, a partir de suas imagens e conteúdos. Os locais em que se

encontram conferem maior ou menor visibilidade à produção de um grupo ou aos

assuntos institucionais. Isso pode apresentar as hierarquias e prioridades que

promovem ou omitem as temáticas exploradas e os destaques merecidos.

Pensar os saberes presentes na escola, frutos dessa disputa de saberes, nos

leva a refletir sobre quais valores estão presentes conscientemente, ou não, no

ambiente escolar. Essa reflexão está para além de uma seleção racional, sobre a

qual Forquin (1993, p. 23) anuncia

O “currículo oculto” designará estas coisas que se aprendem na escola (saberes,

competência, representações, papéis, valores) sem jamais figurar nos programas

oficiais ou explícitos, seja porque elas realçam uma “programação ideológica”

tanto mais imperiosa quanto mais ela é oculta (como o sugerem por exemplo as

abordagens “críticas radicais” como as de Illich ou dos teóricos da “reprodução”),

seja porque elas escapam, ao contrário, a todo controle institucional e cristalizam-

se como saberes como saberes práticos, receitas de “sobrevivência” ou valores de

contestação florescendo nos interstícios ou zonas sombrias do currículo oficial.

A noção de currículo oculto expressa por Forquin nos leva a entender que

nem tudo o que está presente na escola é explícito. Os conhecimentos tidos como

globais são perspectivas de uma ideologia dominante, que se revela a partir de

uma hierarquia de poderes sociais, refletidas na escola. Para Sodré (2002, p. 18)

Cultura, nessa visão, se limita ao que está presente nos monumentos do passado, é

o que está presente nos arquivos, é o que permitiu a construção dos edifícios, a

formação de riquezas... Isso também é cultura, mas é uma visão de cultura apenas

como patrimônio, um bem, um bem patrimonial, sua materialidade está nos

manuais escolares, nos ministérios, em tudo aquilo que o Estado se sente capaz de

administrar. No entanto, esse patrimônio só é patrimônio, porque entende cultura

como o que resulta de um valor global, de valor universal que é o valor

cristalizado, no modo como os europeus vivem e pensam. Tanto a cultura como o

patrimônio, gerida pelo Estado, é valor porque trata de uma coisa que cristaliza,

que corporifica o que a Europa produziu, o que a Europa é.

Nesse mesmo sentido, Noguera (2011) critica a produção de conhecimento

baseada em uma centralidade europeia. O autor formula novos conceitos, como:

movimentos e coreografias, com objetivo de proporcionar uma visão crítica da

cultura a partir de uma filosofia afroperspectivista. O autor define que

A afroperspectividade consiste numa série de perspectivas de matriz africana.

Matriz africana deve ser entendida aqui como uma expressão “plural”, isto é, ela

designa um conjunto de africanidades, nunca se trata de uma homogeneidade

mítica. Porém, se trata de um rico campo de imanência, vasto e múltiplo,

agregando vozes polifônicas numa roda de dimensões indetermináveis (p. 9).

O autor se baseia na interculturalidade crítica defendida por estudiosos

decoloniais que evidenciam a história de povos subalternizados da América Latina

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e Caribe em prol do resgate de suas epistemologias, propondo a transformação

estrutural da sociedade cuja construção é baseada no sistema de dominação

colonial. A noção afroperspectivista elaborada por Noguera (2012) visa a

construção de uma “educação pluriversal” que marca “o respeito às diferenças

exige a diversidade de narrativas, de lógicas e epistemologias no currículo” (p.

62).

Essa influência que diz respeito à diversidade e ao reconhecimento de outras

epistemologias, podemos relacionar com o que Freire (2007) chama de autonomia

do ser do educando. Esse conceito refere-se diretamente às práticas educativas e

éticas dos professores, pois o autor entende que o docente deve fornecer

ferramentas para que o aluno seja capaz de transgredir, de ultrapassar as fronteiras

do conhecimento que lhe foi apresentado. Freire enfatiza

Não me venha com justificativas genéticas, sociológicas, ou históricas ou

filosóficas para explicar a superioridade da branquitude sobre a negritude, dos

homens sobre as mulheres, dos patrões sobre os empregados. Qualquer

discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça a

força dos condicionamentos a enfrentar. A boniteza de ser gente se acha, entre

outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. Saber que devo respeitar

à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma prática em tudo

coerente com este saber (p. 60-61).

O diálogo entre a prática e a reflexão crítica do conhecimento é o que

tentamos expressar na realização da presente pesquisa. Não existe neutralidade na

educação, como também formula Freire (2007), sendo o seu ato de ensinar

político pedagógico. Portanto, é um comprometimento com uma educação

democrática desvendar o currículo oculto na escola e revelar as disputas dos

territórios existentes nesse espaço do saber, e mais ainda, refletir e buscar ações

para que ocorram transformações. Os murais apresentam como um dos territórios

possíveis nos quais essas disputas se evidenciam e podem ser utilizados como

reflexo da diversidade étnico-racial.

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4 Conhecendo o campo de pesquisa

O presente capítulo abordar os pressupostos metodológicos da pesquisa,

apresentando o cenário de estudo, os procedimentos realizados, as justificativas

das escolhas metodológicas e o resultado parcial das coletas de dados. Dessa

forma, é ainda apresentado nesse capítulo a entrada em campo, os sujeitos de

pesquisa, bem como uma análise dos documentos normativos de cada escola.

4.1. Pequena África, educação e compromisso sociocultural

A rede de ensino sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de

Educação do Rio de Janeiro (SME-RJ) possui mais de 650 mil alunos e 40 mil

docentes18

. Diante dessa gama de possibilidades de sujeitos e espaços para

investigação, a escolha das escolas foi feita a partir da busca de instituições que

pudessem apresentar possíveis relações com as histórias das comunidades locais, e

que tivessem como referência a exaltação da resistência negra, sua herança

cultural e religiosa. A partir desse critério, o local escolhido com potencial para

atender a proposta da pesquisa foi a região do Centro da cidade do Rio de Janeiro

conhecida como a Pequena África, que compreende os bairros Gamboa, Saúde,

Praça Mauá, Cidade Nova e um trecho de São Cristóvão.

No final do século XVIII e início do século XIX, nessa região, cerca de 1

milhão19

de negros escravizados vindos da África desembarcaram no Cais do

Valongo, zona portuária da cidade, que em seguida eram comercializados no

mercado do Valongo. Havia grande fluxo desses homens, mulheres e crianças que

deixaram fortes marcas de suas culturas nesse local. Além dessa ligação com a

Diáspora africana, que expõe o Rio de Janeiro como o maior importador de mão

de obra negra, há uma gama de saberes e culturas na região, marcas da resistência

18

Dados extraídos do website oficial da SME, disponível em:< http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/>. Consultado em 05/02/16. 19

De acordo com dados do website <http://slavevoyages.org>

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que constituiu essa cidade, que ainda é pouco explorada pela historiografia oficial.

Outros fluxos também contribuíram para a concentração de negros e negras na

região, mais precisamente próximo à Praça Onze, berço do samba. Vianna (2005)

aponta que a reforma urbanística no início do século XX, realizada pelo prefeito

Pereira Passos, foi um verdadeiro “bota-abaixo” demolindo casas e cortiços na

área da Avenida Central, hoje conhecida como Avenida Rio Branco, deixando 14

mil desabrigados, segundo o autor. Essa ação levou a ocupação de morros

próximos. Vianna acrescenta que a ocupação desses morros foi iniciada anos antes

por ex-combatentes da Guerra de Canudos.

O estudo da história da Pequena África também revela a relação da cidade

com a religiosidade afro-brasileira, a música e a luta pela sobrevivência de uma

população que vivia no limiar da ilegalidade, em um período que práticas culturais

não ocidentais e a pobreza eram criminalizadas pelo estado. Chalhoub (2001, p.

148) descreve qual era o papel desse poder autoritário

O controle social numa sociedade capitalista procura abarcar todas as esferas da

vida, todas as situações possíveis do cotidiano: este controle se exerce desde a

tentativa do estabelecimento da disciplina rígida do espaço e do tempo na situação

de trabalho até a tentativa de normatizar ou regular as relações de amor e de

família, passando nos interstícios, pela vigilância e repressão contínuas dos

aparatos jurídico e policial.

Tia Ciata vivenciou essa vigilância por fazer parte do perfil marginalizado

nos finais do século XIX. Negra, baiana, chegou ao Rio de Janeiro no ano de

1876. Em sua casa eram realizadas festas para santos do candomblé que acabavam

se transformando em encontros musicais. O próprio nome, Pequena África, foi

cunhado por Heitor dos Prazeres20

, um dos frequentadores da casa de Tia Ciata.

As reuniões promovidas pela quituteira baiana não eram bem aceitas pelas

autoridades, como descreve Moura (1995, p. 144)

Havia na época muita atenção da polícia às reuniões dos negros: tanto o samba

como o candomblé seriam objetos de contínua perseguição, vistos como coisas

perigosas, como marcas primitivas que deveriam ser necessariamente extintas, para

que o ex-escravo se tornasse parceiro subalterno ‘que pega no pesado’ de uma

sociedade que hierarquiza sua multiculturalidade. Quanto às festas, que se tornam

tradicionais na casa de Ciata, a respeitabilidade do marido, funcionário público

depois ligado à própria polícia como burocrata, garante o espaço que, livre das

batidas, se configura como local privilegiado para as reuniões. Um local de

afirmação do negro onde se desenrolam atividades coletivas tanto de trabalho –

20

Músico, compositor, artista plástico carioca que teve destaque na primeira metade do século XX.

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uma órbita do permitido apesar da atipicidade de atividades organizadas fora dos

modelos da rotina fabril – quanto de candomblé, e se brincava, tocava, dançava,

conversava e organizava.

As questões sociais apontadas por Moura no início do século XX não estão

distantes da realidade que a região ainda vive nos dias atuais. Como ambulante,

Tia Ciata também trabalhava sobre a inconstância de um sistema higienista e

burocrático que não legitimava sua forma de subsistência.

Mattos, Abreu e Guran (2014) tratam da importância dos locais de memória

como um patrimônio da história pública dos africanos. Os autores discorrem sobre

o trabalho que realizaram em 2011, no qual catalogaram cem lugares do Brasil

que tiveram forte presença de africanos no período de Diáspora. Nesse projeto

intitulado de “Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico Atlântico de

Escravos e da História dos Africanos Escravizados no Brasil” os autores

argumentam que os aspectos culturais da diáspora africana são quase inexistentes

na memória pública. Apontam duas possíveis causas para isso: primeira, a

vergonha gerada pelas atividades negreiras, deslegitimadas no Ocidente, e a

segunda, o silêncio e a discriminação que levaram a convivência social dos ex-

escravos e escravocratas. Dessa forma, os autores justificam o porquê de se visitar

esses locais históricos:

A estratégia de dar visibilidade a estes temas através da visitação dos locais de

memória não só consolidava novas formas de rememoração, para públicos que

desconheciam ou se recusavam a falar desse passado, mas também abria caminhos

de sustentabilidade para os grupos que sofriam o peso do estigma de serem

descendentes dos antigos escravizados. (MATTOS, ABREU, GRURAN, 2014, p.

258)

Assim, a escolha das escolas nessa pesquisa baseou-se no arcabouço

histórico da Pequena África, entendendo-a como um elo possível entre as escolas

e a cultura local, simbolizado pelo patrimônio material e imaterial afro-brasileiro

da região, potencializando a aplicação da lei 10.639/03. Sobre patrimônio é

utilizado no presente trabalho a definição de Ferreira (2006, p. 79) que ao dissertar

sobre o assunto afirma que

... o patrimônio pode ser compreendido como esse esforço constante de resguardar

o passado no futuro; e para que exista patrimônio é necessário que ele seja

reconhecido, eleito, que lhe seja conferido valor, o que se dá no âmbito das

relações sociais e simbólicas que são tecidas ao redor do objeto ou do evento em si.

Dessa forma, buscou-se durante a pesquisa de campo um diálogo entre

patrimônio histórico e as escolas, o qual estivesse presente e representado através

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das imagens e/ou da fala dos docentes a apropriação da história local, fator

ululante para a construção da identidade.

Para corroborar com a discussão sobre a relação da escola com a história de

sua comunidade, destaco um trecho das Diretrizes para a Educação Étnico-Racial

(2004, p. 18) que trata desse tema

... aos estabelecimentos de ensino está sendo atribuída responsabilidade de acabar

com o modo falso e reduzido de tratar a contribuição dos africanos escravizados e

de seus descendentes para a construção da nação brasileira; de fiscalizar para que,

no seu interior, os alunos negros deixem de sofrer os primeiros e continuados atos

de racismo de que são vítimas. Sem dúvida, assumir estas responsabilidades

implica compromisso com o entorno sociocultural da escola, da comunidade onde

esta se encontra e a que serve, compromisso com a formação de cidadãos atuantes

e democráticos, capazes de compreender as relações sociais e étnico-raciais de que

participam e ajudam a manter e/ou a reelaborar, capazes de decodificar palavras,

fatos e situações a partir de diferentes perspectivas, de desempenhar-se em áreas de

competências que lhes permitam continuar e aprofundar estudos em diferentes

níveis de formação.

4.2. O contato com as escolas: primeiras impressões

A inserção no campo foi realizada com as devidas autorizações buscando

acompanhar todas as orientações para garantir a realização da pesquisa dentro das

exigências. Após a entrega ao Comitê de Ética da Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) do projeto de pesquisa, no mês de fevereiro

de 2015, juntamente com a primeira versão do roteiro de entrevistas e o termo de

consentimento foi necessário aguardar a avaliação e aprovação para prosseguir

com o trabalho. A resposta definitiva só foi liberada no final de abril do mesmo

ano.

A partir da autorização da continuidade da pesquisa a documentação foi

entregue à SME-RJ. Após algumas trocas de e-mails solicitando mais detalhes

sobre o trabalho, recebi resposta positiva no parecer da SME-RJ no final do mês

de junho. Por fim, foi necessário comparecer à 1ª Coordenadoria Regional de

Educação (CRE) para solicitar carta de autorização que seria apresentada nas

escolas. Por isso, apenas ao final de todo trâmite legal é que foi possível começar

a pesquisa de campo, o que aconteceu de fato no mês de agosto, após o recesso de

julho.

Embora a presente pesquisa não tenha por objetivo a realização de um

estudo etnográfico, algumas impressões e informações coletadas no campo serão

apontadas para posterior triangulação e análise dos dados, compondo o aspecto

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descritivo da pesquisa aqui apresentada. Como pressupostos metodológicos

fundamentais para esse estudo, a coleta de dados foi realizada em três etapas: a

primeira, a partir da observação desses dois ambientes. Como foco de observação

busquei perceber os murais da escola e quais representações se faziam presentes

neles. A partir dessa observação e do contato inicial realizado, fiz a entrevista com

professores e coordenadores, o que constitui a segunda etapa. E por último, a

consulta ao Projeto Político Pedagógico para buscar compreender as relações das

escolas e a lei 10.639/03 no cotidiano escolar, finalizando os procedimentos e o

percurso metodológico desse estudo.

É preciso evidenciar que não fazia parte da presente pesquisa a proposta de

buscar escolas que fossem referências do trabalho com a temática racial, porque a

disposição da mesma era verificar o enraizamento da questão no cotidiano escolar,

já que a lei tem mais de uma década de promulgação e ela é obrigatória em toda a

rede de ensino do país. Portanto, a nossa hipótese inicial é de que todas as escolas

trabalham a lei 10.639/03.

Visando atender o objetivo principal da pesquisa, a observação buscou

identificar se os murais escolares eram utilizados como espaço para a exposição

da representação da diversidade étnico-racial. Assim, as observações começaram

no mês agosto, logo após o período de férias do meio de ano e duraram até o final

do mês de novembro, com uma visita semanal em cada escola. Em um primeiro

momento, foi necessário fazer o reconhecimento do espaço escolar, o que será

descrito na próxima seção. Dessa forma, foram mapeados os murais nos espaços

comuns tanto da Escola A quanto da Escola B21

.

A recepção em cada escola aconteceu de maneira bem distinta, tendo maior

acolhimento e interesse em uma delas, mas para que isso não se torne uma

problemática nesse estudo, compartilho as considerações de Cunha (2014, p. 29)

sobre essa particularidade

... estar na escola e pesquisar o cotidiano escolar exige certos cuidados e um tipo de

atenção especial dos pesquisadores. Cada escola tem uma dinâmica própria, uma

rotina, uma maneira de funcionamento sensível às interferências e a presença de

estranhos. Receber pesquisadores externos com uma proposta de acompanhamento,

interpretação e análise de que se passa nos espaços coletivos exige a construção de

vínculos de confiança sólidos, pois não faz parte da cultura da nossa escola pública

contar com pesquisadores e trabalhar com uma dimensão investigativa das práticas.

21

Para assegurar o sigilo dos sujeitos envolvidos na pesquisa, os nomes das escolas e dos entrevistados foram alterados.

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Cabe destacar que não foram os professores ou os gestores quem nos convidaram

para ir à escola com uma demanda específica; fomos nós quem nos apresentamos

interessados nas suas experiências.

Acrescento a isso uma informação que pode ter tornado a minha visita às

escolas um fator de sobrecarga para alguns profissionais da educação, gerando por

alguns momentos, sensação de desconforto na minha chegada aos locais da

pesquisa. No mês de julho de 2015, o fim do contrato entre a prefeitura do Rio de

Janeiro e uma empresa terceirizada que prestava serviço de vigilância gerou

transtornos para as escolas municipais, pois essas ficaram sem agentes que

controlavam a portaria22

. Isso acarretou um acúmulo de trabalho, pois professores,

coordenadores e merendeiras precisavam se revezar para atenderem o portão, para

manterem um mínimo de segurança no local. Isso sem dúvida ocasionou um leve

desgaste nessa relação, pois era frequente a necessidade de minha identificação

como pesquisadora quando eu chegava na entrada principal das escolas, pois por

diversas vezes eram pessoas diferentes que estavam nessa função. Essa situação

ocorreu durante todo o segundo semestre daquele ano, período da pesquisa. Mas

esse fato não interferiu no desenvolvimento do trabalho de campo.

Acompanhar uma parte do cotidiano das escolas gera perplexidade diante

das inúmeras tarefas realizadas pelos profissionais da educação. Geralmente era

preciso esperar o término de uma aula para entrevistar os professores, e essa

espera acontecia na secretaria. As coordenadoras pedagógicas solucionavam

conflitos entre alunos, atendiam os pais, preocupavam-se com aqueles que

chegavam reclamando de algum mal-estar, entregavam materiais solicitados por

professores, quase sempre abriam e fechavam o portão e ainda atendiam uma

pesquisadora que fazia anotações sobre suas rotinas.

Acreditamos que relatar isso é importante para compreendermos como os

profissionais que trabalham com a educação pública estão sujeitos ao acúmulo de

funções. O dia a dia nas escolas já impõe uma gama de atividades exaustivas, e

mesmo assim, acabam por realizar outras mais por não haver outra solução

disponível.

Mesmo diante de tal cenário, saliento que a colaboração de todos os

professores e coordenadores foi fundamental para a realização da pesquisa. Todos

22

Disponível em: <http://extra.globo.com/noticias/rio/apos-termino-de-contrato-com-empresa-escolas-municipais-do-rio-estao-sem-porteiros-13246635.html>

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foram solícitos e disponibilizaram alguns minutos do seu dia para entenderem o

motivo da minha inserção na escola. A contribuição de cada um permitiu o

desenvolvimento do trabalho proposto e a reflexão sobre a realidade escolar.

4.3. O perfil das escolas

As escolas selecionadas para a presente pesquisa estão situadas na região

central da cidade do Rio de Janeiro. A distância entre as escolas é de

aproximadamente 1km. Em torno dessas escolas há intensa movimentação de

pedestres e carros devido ao fato de se situar em uma área de grande fluxo de

meios de transporte que interligam várias regiões do estado. Além disso, possui

um centro comercial popular, conhecido como Saara, que atrai milhares de

pessoas diariamente. Vale lembrar que a região também é polo cultural devido a

grande concentração de museus, bibliotecas, teatros, praças, monumentos e o

sambódromo, passarela que durante o carnaval desfilam escolas de samba que

fazem referência às suas origens, organizado em alas como a da baiana, onde

mulheres estão ornamentadas dançam em homenagem à Tia Ciata. Há também o

Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, criado em

novembro de 2011, que reúne seis dos lugares marcados pela memória da diáspora

africana, que ganhou destaque durante as obras para o evento olímpico de 2016.

A região que é um importante centro econômico também é retrato das

desigualdades sociais. Cercada por morros, favelas e cortiços, lugares que

carecem de serviços básicos de responsabilidade do Estado, expõe os contrastes

da cidade reduzindo a distância temporal do Rio de Janeiro do início da República

e o das primeiras décadas do século XXI. E são os filhos dessa população

marginalizada que compõem a grande maioria da clientela das escolas da Pequena

África.

Ao traçarmos um perfil das instituições pesquisadas, podemos identificar o

desempenho na trajetória dos alunos de acordo com os resultados da Prova Brasil

201323

. A Escola B teve avaliação melhor do que a Escola A, conforme podemos

ver no quadro abaixo

23

Consulta realizada no site <http://qedu.org.br> em 06/02/2016.

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Quadro 1: Quadro comparativo das escolas pesquisadas

Escola A Escola B

Português 5º ano

37% aprenderam o

adequado

86% aprenderam o

adequado

Português 9º ano

44% aprenderam o

adequado

50% aprenderam o

adequado

Matemática 5º ano

22% aprenderam o

adequado

22% aprenderam o

adequado

Matemática 9º ano

8% aprenderam o

adequado

25% aprenderam o

adequado

Fonte: Consulta de dados disponível em: http://qedu.org.br

Na mesma avaliação, a Escola B destaca-se ao apresentar nota 6.2 nos Anos

Finais do Ensino Fundamental24

, enquanto a Escola A obteve 4.8. Ambas

superaram a média nacional que foi de 4.2. Ao longo do texto serão levantadas

algumas informações sobre as escolas aqui investigadas.

A Escola A possui uma quadra coberta, dois grandes pátios, um descoberto

e o outro coberto no qual se localiza também o refeitório, e apenas um andar onde

estão concentradas as dez salas de aula. Atende alunos do sexto ao nono ano do

Ensino Fundamental e possui duas turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA)

no período noturno.

Na primeira visita fui recebida pela coordenadora pedagógica da escola. Ao

informa-la que a pesquisa contava com a observação dos murais, análise do PPP e

entrevistas a mesma apresentou-se disponível para colaborar com o trabalho. E

assim aconteceu durante todo o período da pesquisa. O único receio foi quanto à

cópia do PPP que a coordenadora precisou consultar a direção, que liberou apenas

a consulta ao documento no local, na visita seguinte. Ainda no primeiro dia, a

coordenadora pediu para que a professora de Artes me apresentasse a instituição.

Dessa forma, pude identificar os murais escolares em diversos espaços: no pátio,

refeitório, secretaria, salas de aulas, escadas e corredores.

Localizei 15 murais distribuídos entre o pátio, as escadas e o corredor que

liga as salas de aulas. Como a professora de Artes era a principal organizadora

desse recurso pedagógico, ela explicou que colocou nomes de artistas de diversos

segmentos para identificar cada mural, como: Di Cavalcanti, Pixinguinha,

24

Consulta realizada no site <http://ideb.inep.gov.br/resultado> em 06/02/2016.

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Chiquinha Gonzaga, Machado de Assis, Pablo Picasso, Cecília Meireles, entre

outros.

Figura 1: Mural da Escola A com a identificação “Pablo Picasso”

Fonte: Pitta, 2016

Ainda sobre a Escola A, havia uma divisão desses murais: aqueles que

ficavam no pátio eram organizados, preferencialmente, pela coordenação; os dois

murais que ficavam na escada pertenciam ao grupo do Programa de Educação de

Jovens e Adultos (PEJA). Esses murais foram os únicos que havia negros e negras

nas imagens selecionadas e expostas nos murais; nos corredores do primeiro andar

era liberado para a utilização de qualquer mural pelos professores. Porém, nesse

primeiro contato só havia trabalhos de Artes.

Com o passar do tempo e durante as observações, o número de murais com

a temática negra aumentou consideravelmente. Nesse período acompanhei

dezessete confecções de murais, sendo oito deles atendendo a proposta da lei

estudada na presente dissertação. Embora muitos deles fossem produzidos pelos

professores, podemos ver a preocupação da escola em construir uma resposta para

a temática da pesquisa, conforme trataremos no próximo capítulo.

Durante as visitas foi possível percorrer os corredores da escola livremente.

Em diversos momentos, quando eu chegava à entrada principal da escola ou

enquanto era encaminhada para a sala da coordenação, algum professor ou

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professora avisava que havia ocorrido alterações nos murais ou que existia planos

para a confecção de novos trabalhos.

Já a estrutura física da Escola B é predial, possuindo cinco andares, mas

nenhum elevador. Possivelmente essa arquitetura tenha influenciado na dinâmica

da escola: os professores possuem salas fixas. São os alunos que trocam de

ambiente entre uma aula e outra.

Essa escola faz parte do Ginásio Experimental Carioca (GEC) desde o ano

de 2011. Esse modelo de ensino conta com um novo formato, o qual enfatiza, ao

menos nessa escola, o uso de novas tecnologias e um material didático voltado

para os objetivos do projeto. A carga horária dos alunos passou para tempo

integral, das 8h as 16h, contando ainda com maior tempo de aula destinado às

aulas de Português, Matemática, Ciências e Inglês. Além disso, outras disciplinas

foram criadas, sendo elas: Projeto de Vida, Protagonismo Juvenil, Estudo dirigido,

e algumas eletivas. Uma das características desse projeto é que os professores

possuem dedicação exclusiva. Na Escola B o ensino tecnológico é valorizado pelo

GEC. A professora P2 informou ter realizado alguns cursos oferecidos pela SME-

RJ voltados para a realização de vídeos curtos e animação. A P2 informou ainda

que produzia trabalhos e em seguida montava as animações, disponibilizando-os

em sua rede social particular.

Todo esse reforço educacional e estrutura organizacional garantiram

destaque da Escola B nas avaliações externas, como na Prova Brasil, garantindo

bons resultados.

No primeiro dia que visitei a escola, falei com a Coordenadora Pedagógica

que me disse que no horário que eu havia chegado, as turmas estavam no recreio,

por isso as salas de aula estavam trancadas. Fui autorizada pela mesma a mapear

os murais nos espaços possíveis naquele momento. No segundo andar encontra-se

a secretaria. Nesse andar encontrei seis murais, sendo quatro deles fixos, com

caráter informacional, destinados à publicação do Grêmio estudantil, Conselho

Escola Comunidade e Secretaria de Educação. Um dos murais tinha o calendário

escolar e recortes de jornal destinados aos jovens. Havia também um quadro com

fotos da participação de alunos em eventos e premiações recebidas. Foi o único

que consegui identificar com a presença do corpo estudantil. Nos terceiro e quarto

andares havia trabalhos dos alunos sobre os 450 anos da cidade do Rio de Janeiro

e sobre as obras pela cidade para receber os jogos olímpicos em meados de 2016.

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Um fato que foi noticiado pela mídia e que teve repercussão na escola

chamou minha atenção. Em um final de semana do mês de agosto policiais

militares fizeram a apreensão de dezenas de jovens da periferia da cidade

impedindo-os que fossem à praia, sem nenhuma justificativa infracional25

. A

professora de Artes da escola, durante a entrevista, me revelou que os alunos

estavam preocupados devido à criminalização que poderiam sofrer por apenas

frequentarem um dos poucos lazeres gratuitos que a cidade oferece. E isso ficou

evidente em cartazes sobre a temática que ela pediu que seus alunos produzissem.

Mesmos os trabalhos não ganhando destaque nos murais da escola foi importante

perceber a leitura que os estudantes fazem da imagem que a sociedade faz sobre

sua presença em determinados espaços. Os cartazes reproduziam o medo desses

alunos e como os preconceitos racial e social podem fomentar uma violência

simbólica para esses jovens.

4.4. O caminho metodológico

Para iniciarmos a pesquisa era preciso saber sobre a utilização dos murais no

ambiente escolar, um espaço que sofre influência das inovações tecnológicas tão

presentes no cotidiano de jovens e crianças. Esse fato trouxe questões sobre o

caminho metodológico levantado dúvidas se os blogs, páginas virtuais que podem

ser criadas e administradas por qualquer indivíduo, seriam um canal comunicação

ativo entre a escola e sua comunidade. Ao consultarmos as páginas de cada escola,

verificamos que não contavam com regular periodicidade, carecendo de

atualização. O blog da Escola A teve 69 publicações entre maio de 2011 e

setembro de 2015. Já o da Escola B que foi criado em março de 2011, contava o

total de 91 publicações, sendo sua última no mês de janeiro de 2014. Não

realizamos a análise do conteúdo dessa ferramenta digital porque esse recurso não

atendeu as necessidades da pesquisa, dessa maneira, descartamos sua utilização

nesse estudo. Ainda procuramos páginas das escolas em uma conhecida rede

social virtual, mas uma das escolas não possuía perfil.

25

Link da matéria disponível em:< http://www1.folha.uol.com.br/vice/2015/08/1673548-pm-do-rio-impede-adolescentes-da-periferia-de-ir-as-praias-da-zona-sul.shtml>.

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Demo (2011, p. 20), ao tratar sobre as novas tecnologias na escola,

argumenta que nem todos os professores e alunos possuem acesso ao mundo

virtual ou não foram preparados para utilizarem as informações digitais de

maneira adequada no ambiente educacional. Em contrapartida, acrescenta ainda

que a “fluência tecnológica nem de longe garante capacidade crítica e autocrítica”.

Dessa forma, focamos em acompanhar os trabalhos expostos nos murais,

utilizando o registro fotográfico para acompanhar as mudanças ocorridas durante

o período da pesquisa.

Para a análise foram selecionados os murais que estavam nos espaços

comuns frequentados pelos estudantes, como corredores e pátios. Essa seleção

ocorreu porque era preciso identificar como as imagens presentes nesses murais

podem apresentar afirmativamente a identidade negra a partir da produção dos

docentes e discentes. Nesses espaços os trabalhos eram mais evidentes.

A partir dessa definição, foi possível identificar um ponto em comum entre

as escolas: a conservação dos trabalhos nos murais. Alguns haviam sido

confeccionados no início do ano letivo e permaneceram até o fim do ano. Não

identifiquei rasuras ou depredação em nenhum dos murais das áreas comuns da

escola. E mesmo não tendo muita renovação da produção em alguns, eram poucos

aqueles que ficavam sem nenhum trabalho exposto.

Na Escola B praticamente não ocorreu mudança nos murais. Os que tiveram

significativa mudança de agosto até final de novembro – período da pesquisa de

campo - eram aqueles destinados a informações administrativas como calendário

escolar, grade de horários ou informações de atividades.

Outra opção metodológica foi a de estudar o PPP, partindo do entendimento

que ele é um instrumento que direciona as ações político-pedagógicas da escola,

podendo revelar os diferentes cenários desse ambiente educacional. Esse

documento elenca os objetivos das instituições assim como as propostas para sua

concretização. Sua elaboração define, ou não, a participação de todos os sujeitos

que compõe a escola, determinando prazo para ação e avaliação dos resultados

alcançados. Nele deve constar as características do corpo estudantil e de sua

comunidade, além de projetos e atividades para a solução de seus problemas. Ao

falar sobre o PPP, Veiga (2003, p. 271) faz a seguinte consideração

O projeto político-pedagógico visa à eficácia que deve decorrer da aplicação

técnica do conhecimento. Ele tem o cunho empírico-racional ou político-

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administrativo. Neste sentido, o projeto político-pedagógico é visto como um

documento programático que reúne as principais ideias, fundamentos, orientações

curriculares e organizacionais de uma instituição educativa ou de um curso.

Com isso, buscamos identificar se a escola contempla o atendimento à Lei

10.639/03 em tal documento, já que o mesmo organiza o trabalho pedagógico das

instituições escolares.

Um dado relevante que foi identificado durante as entrevistas com os

professores foi o não conhecimento do PPP. Embora dois dos dez professores

tenham afirmado sua participação na elaboração do documento, os mesmos

disseram não lembrar o que eles abordavam.

Ter acesso a esse documento não foi uma tarefa fácil. Percebi receio ao me

referir a esse documento nas secretarias das escolas. Ainda antes da autorização da

SME-RJ, tentei solicitar o PPP às escolas para realizar uma consulta prévia dos

perfis das escolas, porém obtive resposta negativa mediante a informação que

aquele era um documento exclusivo e que só após a liberação de instância

superior que poderia ter acesso. Dessa forma, aguardei a autorização para de fato

iniciar a pesquisa de campo.

Durante as observações na Escola A questionei quanto a consulta e

possibilidade de cópia do documento. A coordenadora pedagógica, após entrar em

contato com a direção, disse que eu poderia consultar e fazer anotações, mas que a

cópia não era permitida. Portanto, o acesso foi limitado a um dia de consulta,

impossibilitando um maior aprofundamento das questões que esse documento

poderia levantar no momento de triangulação dos dados durante a escrita da

dissertação.

Seguindo com a descrição do material, na Escola A tive contato com o PPP

elaborado no ano de 2010. A coordenadora não soube informar sobre a elaboração

desse documento porque na época era professora regente e não participou de sua

formulação. Disse que havia intenções em modificá-lo no ano de 2015, mas não

conseguiu dar continuidade à proposta de alterações, pois esse era o seu primeiro

ano no cargo, portanto não tivera tempo o suficiente.

O PPP da Escola A tem o título de “Identidade”26

. Está dividido em quatro

tópicos: turnos, clientela, justificativa e estratégias. No primeiro tópico apresenta a

26

Os termos em aspas se referem a trechos retirados diretamente do PPP consultado.

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divisão das séries de acordo com os turnos, tendo no período da manhã ,turmas de

5º, 8º e 9º anos, 6º e 7º no turno da tarde e as turmas de PEJA I e II no noturno.

No tópico seguinte inicia seu texto traçando o perfil do público que atende.

A redação do documento afirma que a maioria dos estudantes “mora em

comunidades do entorno da unidade escolar, em abrigos ou em cômodos”.

Informa que existem alunos que são matriculados temporariamente, oriundos dos

circos que são montados no espaço da Praça Onze, “quando o circo vai embora,

abandonam a escola”. Detalha que os alunos do curso da noite, em sua maior

parte, trabalha durante o dia na região do Centro ou da Zona Sul, porém reside “no

subúrbio ou em cidades metropolitanas”.

Na justificativa há informações sobre o título do documento. Nessa seção é

feita a afirmação de que a escola é fonte de conhecimento para a transformação

dos alunos “em cidadãos conscientes de suas origens étnico-sociais e culturas”,

fator que é compreendido como formador de identidade. Para tal, há uma proposta

de empenho da escola em realizar projetos educativos voltados “a promover o

crescimento de todos em relação à compreensão do mundo e da sua participação

na sociedade”. Entende que a forma de conscientização dos futuros cidadãos se

dará por meio de uma “Educação Inclusão” que se dará através da “aceitação das

diferenças individuais”. Essa inclusão é baseada na perspectiva da permanência do

aluno na escola, visando leva-lo à percepção da “importância da Escola em suas

vidas e ao exercício da cidadania”. Esse tópico finaliza afirmando que a proposta

do PPP é formular atividades que possibilitem a construção do “conceito de que a

valorização de cada um é a garantia de um mundo melhor”.

No último tópico chamado de “estratégias”, são listadas atividades tanto

para docentes quanto para discentes. Há a preocupação de estimular a participação

dos professores em oficinas, cursos, seminários. Para os alunos, a tentativa é de

envolvê-los em oficinas, palestras, jogos, campeonatos e aulas passeios. Ainda

nesse tópico o mural é citado, mas não há mais informações sobre como será o

trabalho desenvolvido pela escola com esse recurso pedagógico.

Nas páginas finais estavam anexadas as propostas para as alterações do PPP.

O título já sofreria mudança para “Identidade e diversidade”. Mais uma vez é

levantada a preocupação com a formação do cidadão e que respeito à diversidade

são elementos para construção da identidade nacional. Porém, nessa nova

perspectiva “identidade” acentua a dimensão cívica, sem menção à questão étnico-

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racial e nem sobre uma possível troca entre a comunidade e a escola. É incluído

como objetivo desse novo projeto aprofundar o conhecimento sobre o Brasil com

a intenção de formar a identidade nacional. É citada a palavra “patriotismo”,

referindo-se a noção de sentimento nacional, mas a mesma é riscada na projeção

do novo PPP e substituída por “respeito diverso”. As alterações estimulam a

participação política e social dos alunos baseada na ideia de exercício de

cidadania. Nesse mesmo viés, rechaça qualquer tipo de discriminação,

pensamento esse fortalecido pelo respeito como garantia de um direito de todos os

indivíduos. Outra mudança, na verdade uma inclusão no tópico estratégia, é a

proposta de uma “mostra de produção acadêmica” de alunos e professores.

Ainda sobre as futuras alterações, também havia anexo ao PPP um

questionário com o título de “Levantamento da realidade da escola” respondido

por cinco professores sobre os pontos positivos e negativos referente ao papel da

família, dos professores e o da própria escola. Não tinha propostas de

significativas mudanças, tendo apenas uma professora de Espanhol sugerido que

“cabe aos professores (...) letrar através das diversidades. Proporcionar a interação

social”. Porém não havia maiores informações.

Já a coordenadora da Escola B, ao ser questionada sobre o acesso ao

documento, primeiro disse que eu não precisaria ver o PPP porque ela estava

disponível para responder a todos os questionamentos sobre a elaboração e

aplicação dele na escola. Após insistir sobre a necessidade de consulta do material

para a pesquisa, tive acesso a um documento chamado “Plano de Ação 2015”. É

característica das escolas GEC trabalharem com esse modelo para apresentarem

suas ações aos gestores do projeto, mas isso não anula o PPP.

Na introdução do documento a preocupação com a formação do cidadão e

sua capacitação para o mercado. Já nas premissas do Plano de Ação da Escola B,

há o reforço da ideia do “conhecimento a serviço da transformação humana”

promovendo assim o “protagonismo juvenil “. Nesse tópico há indicações

também para professores e o corpo administrativo da escola. As orientações

versam sobre a “formação continuada”, a “excelência na gestão” e a

“corresponsabilidade”, sendo esse último a respeito do trabalho conjunto para

alcançar o sucesso escolar, não esquecendo a possibilidade de se criar espaços

para críticas e autocríticas.

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No tópico sobre as prioridades, o foco expresso no documento é tentar

identificar o que os jovens estudantes precisam para projetar suas vidas em

conjunto com a comunidade escolar. Combinado a isso, pretende-se “prover e

sustentar os recursos humanos e de estruturas capazes de garantir a ambiência,

com participação de toda comunidade, necessária para excelência de resultados

acadêmicos”. Ainda nesse tópico há perspectiva de se criar “canais de

comunicação das atividades”, o que é chamado no texto de “replicabilidade”.

Embora, o item também esteja presente no tópico estratégias, não há maiores

detalhes de como isso seria feito. Sobre o tópico estratégias, são feitas projeções

sobre a utilização de recursos tecnológicos, realização de atividades de campo e

estímulo a leitura/escrita utilizando a biblioteca. Não consta nesse campo se os

murais compõem esse planejamento.

Anexo ao “Plano de Ação 2015” estava o “Programa de Ação 2015”. Ele

basicamente traz os mesmos objetivos do documento anterior que foi descrito.

Reforça a ideia da “formação de um cidadão crítico, consciente, empreendedor e

protagonista”. Neste documento destaco o tópico recursos, o qual apresenta o

conjunto de recursos pedagógicos disponíveis para que o programa de ação de

fato aconteça. Os recursos listados são: kit multimídia, cadernos pedagógicos,

material pedagógico, livros didáticos e recursos humanos. Não há uma citação

direta ao mural nesse tópico.

O ponto comum observado entre os documentos das duas escolas é que

apresentavam estruturas fixas, que lembram um questionário com espaços para

serem respondidos. Careciam de informações sobre quem os redigiu e participou

da elaboração. Também não apresentavam referências sobre discussões que

levaram à redação final do documento, nem constavam informações sobre

diálogos com a comunidade escolar.

Diante da limitação de acesso ao documento proposto para análise, foi

preciso adequar as expectativas sobre os dados que planejamos coletar e a

realidade que encontramos, reduzindo a análise a uma consulta.

Já para as entrevistas, havia a preocupação de tentar compreender ações

sobre as práticas escolares que não eram perceptíveis pela observação dos murais

e da análise do PPP. Dessa forma, a entrevista foi um caminho escolhido para

complementar esse olhar sobre o cotidiano das escolas.

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A definição dos sujeitos que participaram dessa investigação visava

responder como são trabalhadas as questões raciais na escola, se realizaram curso

de formação continuada sobre a Lei 10.639/03, se a utilização do mural como

recurso pedagógico é frequente, se a elaboração do PPP contou com a participação

da comunidade escolar, enfim, perguntas que as observações e a análise

documental não sanavam. Nesse sentido, decidimos entrevistar professores e

coordenadores pedagógicos das escolas pesquisadas, pois a realidade do campo e

as orientações que eram recebidas de instâncias superiores da área da educação

poderiam ser relatadas por esses profissionais. A preocupação com essa etapa da

pesquisa é formulada por Duarte (2002, p. 141)

De um modo geral, pesquisas de cunho qualitativo exigem a realização de

entrevistas, quase sempre longas e semi-estruturadas. Nesses casos, a definição de

critérios segundo os quais serão selecionados os sujeitos que vão compor o

universo de investigação é algo primordial, pois interfere diretamente na qualidade

das informações a partir das quais será possível construir a análise e chegar à

compreensão mais ampla do problema delineado. A descrição e delimitação da

população base, ou seja, dos sujeitos a serem entrevistados, assim como o seu grau

de representatividade no grupo social em estudo, constituem um problema a ser

imediatamente enfrentado, já que se trata do solo sobre o qual grande parte do

trabalho de campo será assentado.

As perguntas elaboradas foram semiestruturadas para possibilitar

flexibilidade nas questões, podendo sofrer alterações conforme a resposta do

entrevistado. Todas as entrevistas foram audiogravadas e posteriormente

transcritas para facilitar a consulta e a análise do material.

No total foram doze entrevistas, seis em cada escola, duas foram com as

coordenadoras de cada instituição e as demais com os professores e professoras,

tendo como resultado mais de seis horas de audiogravação. Elas foram realizadas

nas dependências das escolas, a maioria nas salas dos professores, mas também

em outros espaços: duas nos refeitórios, uma na sala da coordenação e mais uma

em sala de aula, que ocorreram durante os intervalos das aulas ou ao final da carga

horária dos profissionais de ensino.

Como todos os professores gozavam de certa autonomia para trabalharem

com os murais e as temáticas que lhes fossem pertinentes, entendemos que não

seria necessário traçar um perfil específico de professor. Além disso, como a Lei

10.639/03 não está limitada a uma disciplina específica, não seria coerente, nessa

investigação, nos prendermos a um tipo de profissional da educação. Dessa

maneira, foram entrevistados professores de história, artes, português, música,

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educação especial e geografia. Eles foram indicados pelas coordenadoras de cada

escola, conforme a disponibilidade de horário dos entrevistados.

As perguntas definitivas só foram elaboradas após a inserção no campo,

mesmo algumas tendo sido formuladas anteriormente, em um roteiro, com a ajuda

da revisão de literatura sobre a temática. As questões foram divididas em cinco

grupos, sendo elas: a identificação do professor e sua formação; informações

sobre a utilização dos murais escolares e sua manutenção; sobre o PPP da escola;

o que sabiam sobre a lei 10.639/03; por fim, a presença do racismo na escola.

Os entrevistados não tiveram resistência quanto à participação na pesquisa.

Todos foram informados previamente do tema central da investigação, receberam

uma cópia do termo de responsabilidade e estavam cientes que suas respostas

seriam gravadas, mas que não seriam identificadas com seus verdadeiros nomes.

Quanto ao perfil dos professores e coordenadores entrevistados, segue o

quadro abaixo

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Quadro 2: Tabela com dados dos professores entrevistados

Nome Cargo Idade Bairro onde mora

Onde realizou

a graduação

Autodeclaração

de cor

Tempo de

magistério

Tempo de carreira

na Prefeitura

Possui alguma

especialização?

C1 Coordenadora 57 Vargem Pequena Gama Filho Negra 30 anos 15 anos Sim

P1 Prof. Português 40 Olinda - Nilópolis UFRJ Branca 13 anos 2 anos Sim

P2 Prof. Artes 45 Centro - Niterói UFRJ Morena clara 5 anos 5 anos Sim

P3 Prof. Geografia 42 Ponte Preta - Maricá UFRJ Negra 18 anos 15 anos Não

P4 Prof. História 41 Centro UFRJ Branca 15 anos 3 anos Sim

P5 Prof. História 34 Mª Paula - Niterói UERJ/FFP Parda 11 anos 5 anos Sim

C2 Coordenadora 52 São Cristóvão UFF Negra 25 anos 19 anos Não

P6 Prof. História 44 Stª Rosa - Niterói UFF Branca 30 anos 25 anos Sim

P7 Prof. Artes 59 Urca Inst. Bennetis Branca 30 anos 17 anos* Sim

P8 Prof. Edu. Especial 61 Vila Isabel UFRJ Branca 30 anos 14 anos Sim

P9 Prof. Inglês 32 Grajaú UFRJ Branca 13 anos 4 anos Sim

P10 Prof. Música 42 Itaúnas - São Gonçalo UFRJ Negra 10 anos 3 anos Sim

Escola A

Escola B

Fonte: Pitta, 2006

*Não soube informar com precisão

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A média de idade dos entrevistados é de 42 anos de idade, revelando um

perfil jovem dos professores em atuação. Apenas 5 moram próximo do local de

trabalho. Dos doze somente dois não são fizeram a graduação em uma instituição

pública. Quanto à autodeclaração de cor, 50% respondeu ser branca, 33,34%

negra, declarou-se parda 8,33% e outros 8,33% morena clara. Outro dado

interessante que verificamos é que a média de tempo de carreira no magistério é

de aproximadamente 19 anos, quase o dobro da média do tempo de carreira que os

mesmos têm na prefeitura, 10 anos.

Apenas dois profissionais não realizaram uma pós-graduação, isso mostra

que há preocupação dos professores e coordenadores em possuir uma qualificação

em suas áreas. Essa discussão apresenta outros desdobramentos quando tratamos

da formação continuada de professores oferecida pela SMERJ, porém esse assunto

será abordado apenas no último capítulo dessa dissertação.

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5 A percepção da lei 10.639/03 nos murais escolares

O exercício desse último capítulo é identificar, a partir dos materiais

coletados durante a pesquisa de campo e em diálogo com os referenciais teóricos,

se os murais escolares fazem parte das práticas pedagógicas das escolas

pesquisadas e se há planejamento para que isso ocorra em atendimento às

exigências Lei 10.639/03.

A seleção, que buscou evidenciar e aprofundar os aspectos mais recorrentes

de alguns elementos considerados representativos do cotidiano escolar, traduz-se

em uma das propostas possíveis de análises, haja vista que foram produzidos

muitos dados. Sendo assim, as interpretações baseadas nas fontes não se esgotam

na redação dessa dissertação. Porém, alguns diálogos discrepantes em relação aos

demais não foram ignorados, pois como esclarecem Lüdke e André (1986, p. 43)

“nem sempre a importância de um tópico pode ser medida pela frequência com

que ocorre”.

As funções dos murais na escola evidenciam suas estratégias de

comunicação. Dessa forma, analisamos as imagens presentes nesse recurso

pedagógico, o reflexo de um currículo oculto no espaço escolar e a necessidade da

formação de professores, sem deixar de relacionar essas reflexões com questões

étnico-raciais. Ainda nesse capítulo serão observados elementos que ajudarão a

responder o objetivo principal da presente pesquisa que é identificar como os

murais escolares refletem a aplicabilidade da Lei 10.639/03.

5.1. As funções dos murais no cotidiano das escolas pesquisadas

A observação dos murais escolares nos levou a identificar algumas das

funções desempenhadas por eles, tentando compreender como os materiais e

conteúdos utilizados em sua composição interferem no objetivo comunicacional

desse recurso pedagógico.

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Durante a pesquisa de campo notamos que o mural exerce diversas funções

de acordo com sua localização no espaço escolar, dentre elas destacamos: acolher,

informar e divulgar trabalhos escolares. Essas funções se configuram como

estratégias de comunicação na escola.

Na entrada principal das duas escolas pesquisadas foi possível perceber que

os murais exerciam uma primeira função: o acolhimento. Percebemos uma

atenção na confecção desses murais em mostrar a participação dos alunos nesse

território.

Figura 2: Mural de boas-vindas da Escola A

Fonte: Pitta, 2016

Na Figura 2 há trabalhos de disciplina de Artes que compunham a maioria

dos murais da Escola A. A reunião dos exemplares das produções expostas

naquele espaço e a mensagem de “bom retorno” convidam os alunos para a

retomada das atividades escolares após o período de férias. A própria

ornamentação desse mural que possui uma borda com detalhes, apresenta o

destaque do mesmo na entrada da escola.

Já na Figura 3 identificamos que há mensagens de boas-vindas de diversos

alunos àqueles que frequentam a Escola B.

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Figura 3: Mural de boas-vindas da Escola B

Fonte: Pitta, 2016

Os murais das Figuras 2 e 3 cumprem a função de gerar uma ambiência de

acolhimento e afetividade para toda comunidade escolar e visitantes. De acordo

com Calado (1994), para a utilização das imagens na escola é preciso ter

conhecimento prévio do público para que ocorra a comunicação. Diante disso,

identificamos que esses murais de “boas-vindas”, apresentam desenhos e recortes

de alunos conjugados com intervenções docentes, composto por uma produção de

alunos professores daquele espaço escolar.

Além do acolhimento, outra função identificada diz respeito às informações

administrativas e comunicados importantes que são fixados em alguns murais.

Geralmente aqueles que possuem essa função estão localizados nos pátios das

escolas ou próximos das salas da direção e secretária. Essa característica deve-se

ao fato de seu conteúdo ser direcionado não apenas para o corpo estudantil, mas

principalmente para os seus respectivos responsáveis.

Esses murais informativos são mais que um mero quadro de avisos. Há

nesses recursos a dinâmica do período letivo como a grade de horários das turmas,

prazo de matrículas, informações sobre as avaliações, campanhas educativas,

atividades extraclasse, enfim, uma gama de informativos sobre o funcionamento e

atividades da escola.

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Figura 4: Mural próximo à sala da coordenação da Escola A.

Fonte: Pitta, 2006

A terceira função do mural está representada nas Figuras 5 e 6. Os murais

apresentam trabalhos das mais diversas disciplinas que expressam a ponta final de

um processo didático que ao passar por uma avaliação são considerados

apropriados, ou por valor estético, técnico ou ainda, por atender uma expectativa

didático-pedagógica ganhando lugar em uma composição que será apreciada por

toda comunidade escolar.

Figura 5: Trabalhos escolares em um dos murais da Escola A.

Fonte: Pitta, 2016

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Figura 6: Trabalhos escolares em um dos murais da Escola B.

Fonte: Pitta, 2016

Através dos trabalhos expostos, a produção realizada no território da sala de

aula é exportada para outro território dentro do espaço escolar, ampliando seu

significado e evidenciando a percepção de que o ambiente escolar é composto de

múltiplos territórios: a sala de aula, a sala de professores, a secretaria, etc. e que

todos podem manter uma ligação pedagógica.

O professor de História, P4, da Escola A indica para dois fatores das

produções escolares nos murais: a promoção do trabalho dos alunos e sua

preservação.

...o aluno gosta disso, né? O aluno que fez o trabalho, que tem o trabalho dele lá

exposto... Às vezes você acha que isso é uma coisa só das crianças pequenas. Não,

não, com o aluno maior também isso acontece. O trabalho dele tá lá e ele acaba:

“oh, meu trabalho tá por ali, não sei o quê”. Tanto que, quando isso acontece,

quando o mural, ele é valorizado, ele acaba não sendo destruído. (...) quando isso

começa a ser uma cultura da escola, passa a ser um instrumento de divulgação do

que tá acontecendo, passa a ser um instrumento, às vezes de informação, porque

você não vai pegar qualquer coisa e botar no mural. Tu vai pegar alguns temas que

às vezes são relevantes e aí, mesmo que o cara não pare pra ler o mural, mas ele vai

ver que aquele tema tá lá e de alguma forma ele vai construir alguma reflexão,

saber que, oh, eu vi isso no mural da escola. Não parei pra ler, mas isso estava lá.

Então isso acaba sendo uma coisa legal.

Essa fala evidencia que a confecção dos murais pode servir de estímulo para

a elaboração de uma atividade, pois a apreciação do resultado final de uma

produção é visto pelos estudantes como um fator motivacional. Além disso,

podemos verificar a relação dos alunos com a escola por meio da preservação dos

murais. Quando o corpo discente não rasura ou depreda uma composição nesse

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território extra sala de aula, esse grupo expressa o reconhecimento da importância

da temática em exposição. Essa conservação foi possível apreciar em ambas as

escolas visitadas. Independentemente do tempo de permanência de um trabalho

exposto no mural, sua conservação era notável. Isso evidencia o que o professor

P4 exaltou em sua fala, os alunos e alunas preservam aquilo que foi construído por

eles ou seus pares.

5.2. A questão racial no espaço escolar

Ao longo da pesquisa, verificamos que o trabalho de alguns docentes sobre

as questões raciais era intermediado ou por projetos, que contavam com a parceria

de instituições externas, ou por concursos educacionais.

Na Escola B a professora de Artes, P7, relatou que foram realizados alguns

projetos na escola, como o promovido pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em

Etnia e Gênero – TUPIAFROGEN, um grupo de estudos da 1ª CRE. Outra

parceria também citada na realização de projetos foi o Conselho Municipal de

Defesa dos Direitos Humanos do Negro – COMDEDINE-RIO.

Após a citação do grupo de estudos da 1ª CRE que discute temáticas raciais

e de gênero, busquei na internet, mais precisamente no site rioeduca.net,

informações sobre tal grupo. O resultado da busca levou-me ao conhecimento do

evento "Muito a dizer: tecendo histórias... remontando olhares" organizado pelo

TUPIAFROGEN em 2015, o qual apresentava projetos elaborados por professores

e coordenadores que frequentaram as reuniões do grupo no ano de 2014.

Essas informações levaram-me a questionamentos sobre a organização de

grupos autônomos de formação de professores pois, esse grupo não foi criado pela

SME-RJ. Para que algumas questões fossem sanadas, entrei em contato com a 1ª

CRE para obter mais dados sobre o TUPIAFROGEN. Embora não fosse uma

problemática inicial da pesquisa, era importante entender os caminhos possíveis

para a sensibilização dos educadores frente a temática racial, foco dessa

investigação, em suas práticas cotidianas.

Dessa maneira, após autorização da SME-RJ entrei em contato com a

coordenadora do grupo TUPIAFROGEN e agendamos uma conversa. Não foi no

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formato de entrevista porque o questionamento sobre o grupo de formação surgiu

na etapa final das análises da pesquisa.

A coordenadora não soube precisar quando foi formado o TUPIAFROGEN.

Inicialmente, ela e mais duas professoras da 1ª CRE realizavam trabalhos sobre

questões de gênero e raça, separadamente. Em um dado momento, decidiram

reunir seus esforços, já que suas discussões e trabalhos convergiam inúmeras

vezes. A mesma informou que o impulso maior de organizar tal grupo surgiu da

participação do Comitê de Articulação e Monitoramento da Coordenadoria

Especial de Promoção da Política para Igualdade de Gênero, criado no ano de

2011 que visa colocar em prática ações do Plano Municipal da Política para

Igualdade de Gênero. As atividades do Comitê exigiam uma extensão dos

trabalhos, em atendimento às Leis 10.639/03, 11.645/08 e ao Plano Municipal de

Igualdade de Gênero.

Mesmo não tendo uma orientação direta da SME-RJ, as CREs gozam de

certa autonomia para formularem grupos e trabalhos. Dessa forma, o

TUPIAFROGEN foi criado, com a perspectiva de ser um espaço para a troca de

experiências entre professores, coordenadores e diretores de escolas e creches.

Sua estrutura atual existe desde o ano de 2014, mas nos anos anteriores já havia

atividades desse grupo, mas não eram sistematizados.

A coordenadora do grupo informou que a dinâmica começa pelo seu

planejamento, escolhendo o seu público alvo, podendo ser só professores do

Ensino Fundamental ou creches, ou apenas os coordenadores pedagógicos das

escolas, ou diretores, ou ainda um público misto. Em seguida, é elaborado um

calendário de atividades e temáticas que serão discutidas. Para isso, são

produzidos materiais para as dinâmicas, que variam o seu formato entre oficinas,

exposições orais, roda de conversa, entre outros.

O objetivo principal do TUPIAFROGEN, ressaltado pela coordenadora, é

garantir um espaço de trocas de experiências entre os profissionais da educação, a

troca de referências, materiais e projetos realizados no ambiente escolar. As

atividades do grupo também possuem como alvo o despertar das escolas para

reflexões de questões do seu cotidiano.

A partir dessa conversa podemos perceber que há uma preocupação na

formação continuada dos profissionais da educação, mobilizando iniciativas entre

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os pares. A questão relacionada à formação de professores voltará a ser abordada

em outra seção desse trabalho.

A participação de professores em projetos impulsionou a confecção dos

vídeos de animação na Escola B, já que a escola tem forte apelo para que sejam

trabalhadas questões tecnológicas. Destacamos a seguinte fala da professora

Seria assim tipo um mural audiovisual... Como se fosse isso. Você fotografa os

trabalhos... Isso aqui vai virar um vídeo também. Eles vão fotografar... Vão falar

algumas frases que ele criaram, pra ficar o som da voz deles. O trabalho... Esse

aqui já tá colado. Poderia ter feito, porque eu tenho que fazer um outro trabalho,

uma animação com isso. Antes de colar essas peças, faria as peças entrando,

borboleta interagindo com a mão. Poderia, mas aí não dá tempo.

O trabalho promovido por concurso educacional pode ser verificado através

do relato da P2, professora de Artes da Escola A

...foi ai que chegou esse projeto dos 150 anos da Praça XI, de Benedita Maria

Vieira de Carvalho e outros Institutos de Cultura e Consciência Negra Nelson

Mandela, o ICCNNM. Então esse projeto ele veio através, foi sugerido por esse

Instituto... É interessante, pois a gente divulgou pra todos os professores da escola

o projeto...

Sobre esse concurso foi confeccionado um mural para sua promoção. Esse

foi o segundo mural confeccionado durante o período da pesquisa que se

relacionava com a história local. O primeiro possuía desenhos dos Arcos da Lapa.

Figura 7: Mural da Escola A sobre a Praça XI.

Fonte: Pitta, 2016

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Esse mural foi confeccionado por professores ou coordenadores, pois não

havia trabalhos de alunos ou maiores informações sobre o concurso cultural que

promovia.

Embora não haja muitas evidências de trabalhos sobre a história da região

da Pequena África, lugar o qual as escolas pesquisadas estão inseridas, o professor

de História, P4, da Escola A, considera importante o resgate da memória local:

É... Em História é possível você montar esse diálogo até porque, pela característica

dessa região do Centro, as coisas, pelo ponto de vista dos acontecimentos históricos

que aconteceram aqui... É... Você tem uma série de figuras históricas que

conviveram, que moraram aqui pelo Centro. Então, isso acaba de alguma forma

ajudando.

Porém, o que atentamos para essa característica de trabalho com a proposta

racial, por meio dos projetos e concursos educacionais diz respeito à continuidade

da abordagem proposta pela Lei 10.639/03. A percepção que tivemos é que essas

produções ficam limitadas a um estímulo temporário, evidenciando a

superficialidade da discussão e sua ausência do currículo escolar. Tratamos aqui

de uma obrigatoriedade, que não deveria depender de estímulos para estar

presente na escola.

Existe uma grande quantidade de projetos que circula na escola, que se

refere a diferentes temáticas, mas depender deles para se trabalhar a questão racial

é fragmentar, e ao invés de aprofundar tal assunto e descumprir a lei. O

interessante de se trabalhar com projetos é a característica de reforço de um tema

trabalhado no currículo escolar, e não o seu caráter quase exclusivo de garantia da

discussão sobre determinado assunto.

Esse cenário dialoga com o conceito de currículo oculto de Forquin (1993),

o qual explicita que nem tudo que está na escola é evidente. Há uma escolha do

que será trabalhado, gerando, consequentemente, o movimento daquilo que será

omitido. A cultura local leva desvantagem em relação àquilo que é privilegiado

pela cultura dominante.

Outro destaque que consideramos importante sobre o atendimento à

exigência da lei, é a identificação, em ambas as escolas, da presença de

personagens negros nos murais produzidos pelas turmas de Programa de

Educação de Jovens e Adultos (PEJA). Desde o início das visitas foi possível

verificar essa temática nos trabalhos produzidos por alunos e professores dessa

modalidade de ensino.

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Figura 8: Mural da Escola A confeccionado pela turma do PEJA.

Fonte: Pitta, 2016

Figura 9: Mural da Escola A confeccionado pela turma do PEJA.

Fonte: Pitta, 2016

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Figura 10: Mural / Painel do PEJA da Escola B.

Fonte: Pitta, 2016

Nas Figuras 8 e 9 pode-se verificar que os dois murais da Escola A, da

turma de PEJA, apresentavam personagens negros. Na Figura 9 pode-se verificar

que o trabalho de colagem com imagens e frases trazia reflexões críticas sobre o

racismo, problematizando a questão racial na escola.

Já na Escola B, embora fosse o mês de agosto, ainda existia nos corredores

trabalhos confeccionados sobre o aniversário de 450 anos da cidade do Rio de

Janeiro, ocorrido no mês de março de 2015. Um desses trabalhos era a produção

que identificamos na figura 10. A professora P7 revelou que essa produção

pertencia a uma turma de PEJA de dez anos atrás – evidenciou que a escola não

possui mais turmas dessa modalidade de ensino – e que o trabalho foi construído

no ano de 2004, devido às comemorações de 100 anos da abertura da Avenida

Central. Tal trabalho chamou atenção por ser um dos poucos que fazia relação

direta com a história da região, na qual está localizada a escola. Essa produção

trazia personagens negros como sujeitos ativos da história, já que apresentava as

lutas por suas moradias contra o “bota-abaixo” do Prefeito Pereira Passos que

demoliu centenas de casas no início do século XX para a abertura da Avenida

Central. Além disso, a maioria das imagens eram produções próprias, ou seja,

feitas por desenhos dos alunos ou coloridos por eles, diferente das demais

composições que verificamos durante a pesquisa, que em geral utilizavam recorte

de jornais e revistas.

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Um elemento que destacamos refere-se à preservação desses trabalhos

durante esse longo intervalo de tempo, evidenciando que nem todas as produções

escolares são descartadas pelas instituições de ensino, levando-nos a refletir sobre

a memória desses trabalhos escolares.

Então tá fazendo 10 anos agora. Guardei esses, que ali tem muito trabalho

guardado. Quando eu gosto do trabalho eu vou guardando. (...) Ali, ó! O que tem

de trabalho empilhado ali guardado que eu não tenho coragem de jogar fora... Esses

trabalhos que tão ali eles estavam aí guardados. É a hora de eu mostrar de novo pra

essas crianças. Eles foram feitos antes do Ginásio Carioca, foram feito quando eu

dava aula no EJA à noite, mais por adultos. (P7)

Destacamos dois pontos na fala da professora, da Escola B, sobre a

preservação e resgate dessa memória escolar. A primeira trata da manutenção de

trabalhos confeccionados por alunos por mais de uma década. A preocupação da

conservação das produções ocorre quando a professora P7 avalia que os mesmos

atendem ou superam a expectativa de elaboração da atividade.

A segunda ressalta que é preciso apresentar trabalhos antigos aos novos

alunos. Esse resgate proposto pela professora de Artes gera reflexão sobre a

produção escolhida por ela para representar a história da cidade durante os 450 do

Rio de Janeiro. O trabalho divulga um fato histórico, o qual a população negra

teve destaque em sua atuação contra a violência de Estado que sofria. A atitude da

professora apresenta uma intencionalidade pedagógica de tornar notória a

qualidade de um material elaborado por alunos e seu diálogo com a questão racial

na cidade, protagonizada por atores sociais negros. Pode ser apontada ainda outra

possibilidade, a existência de uma lacuna na produção desses alunos relacionada à

temática racial, pois se houvesse trabalhos atuais produzidos sobre o assunto,

aqueles que contam com mais de uma década não seriam os únicos na escola com

tal abordagem.

Ainda sobre os trabalhos do PEJA, outra característica que se destaca nas

duas escolas é a localização dos murais destinados à modalidade de ensino aqui

discutida. Os dois murais que apresentavam as produções escolares das turmas de

PEJA, das duas escolas, estavam fixados em um local não privilegiado: nas

paredes das escadas entre os andares. Classificamos esse lugar como não

privilegiado porque devido ao seu caráter de transitoriedade, não promove a

devida apreciação que se destinaria a essa exposição. Esse fato nos faz retomar

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aqui, a ideia de território em disputa dentro do espaço escolar, ao apresentar uma

hierarquia do que ganha relevância e também de quem produz o saber.

O mural exerce, portanto, um território das manifestações culturais e

práticas pedagógicas, o qual também revela quem possui voz dentro do espaço

escolar. Os locais em que se encontram proporcionam maior ou menor

visibilidade de um grupo, evidenciando possíveis hierarquias, priorizando ou

omitindo determinadas narrativas.

5.3. A influência no campo

A produção de trabalhos expostos nos murais sobre a temática étnico-racial

apresentou um aumento na Escola A em comparação à primeira visita à escola,

que contavam com muitos trabalhos de Artes e nenhum com imagem de negros. E

negras. Isso nos leva ao entendimento de que minha presença como pesquisadora

na escola influenciou na confecção dos murais e na discusão sobre a questão

racial. Gil (2006, p. 111) aponta para essa possibilidade durante o procedimento

científico

O principal inconveniente está em que a presença do pesquisador pode provocar

alterações de comportamento dos observados, destruindo a espontaneidade dos

mesmos e produzindo resultados pouco confiáveis. As pessoas tendem a ocultar o

seu comportamento, pois temem ameaças à sua privacidade.

Essa influência provocou duas ações: a primeira foi a sensibilização dos

agentes educativos para o aumento dos trabalhos voltados para a questão étnico-

racial. A segunda foi a preocupação com a necessidade de exposição dos murais

de acordo com o que supunham ser a proposta da pesquisa em curso.

Diante desse cenário, problematizamos se a elaboração dos murais de fato

fazem parte das práticas escolares. Se tal aumento foi provocado por minha

inserção no campo, isso pode significar que o cotidiano é marcado por trabalhos

que não privilegiam a utilização desse recurso pedagógico.

Como já citado ao longo dessa dissertação, as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação das Realções Étnico-Raciais e para o Ensino de

História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004), orientam sobre a produção

de imagens de personagens negros a qualquer tempo e relacionado a qualquer

temática. Portanto, o que se buscava na pesquisa não era conteúdo inovador e

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recente, firmado tanto pela Lei 10.639/03, quanto pela Diretriz supracitada.Porém,

as figuras abaixo, se constituem como exemplo da mudança percebida após minha

inserção no campo.

Figura 11: Mural da Escola A sobre João Cândido.

Fonte: Pitta, 2016

Figura 12: Mural da Escola A sobre a abolição.

Fonte: Pitta, 2016

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Figura 13: Mural da Escola A sobre a África e o Brasil

Fonte: Pitta, 2016

Figura 14: Mural da Escola A sobre a Lei 10.639/03.

Fonte: Pitta, 2016

Figura 15: Mural da Escola A sobre a Lei 10.639/03.

Fonte: Pitta, 2016

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As Figuras 11-15 representam o cenário construído após o início da

pesquisa. A primeira imagem traz um trecho da música “Mestre dos Mares” de

Aldir Blanc e João Bosco em homenagem a João Candido, conhecido como o

Almirante negro, líder da Revolta da Chibata que lutou pelo fim das torturas

sofridas pelos marinheiros, no ano de 1910. A Figura 12 apresenta um mural que

atenta para o fato de que o Brasil foi o último país das Américas a acabar com o

regime escravocrata. A figura 13, retrata homens e mulheres negras sob o título de

“Conexão Brasil-África”.

Já nas Figuras 14 e 15 temos os murais que tratavam diretamente da Lei

10.639/03, questionando ao seu leitor se sabia sobre o seu conteúdo. Nele havia

frases ditadas pelos alunos sobre as questões raciais.

As cinco figuras acima apresentam uma composição diferente das demais

observadas ao longo do semestre. Esses murais foram construídos de maneira

uniforme, sem a presença de trabalhos produzidos pelos alunos. A maior parte dos

textos nesses murais, quando não são recortes de frases soltas, apresentam a

mesma caligrafia, levando-nos a percepção de que foram elaborados e montados

por professores ou demais agentes educativos da escola, embora suas mensagens

sejam falas de alunos sobre a questão.

O esforço de produção desse material diante de uma pessoa fora da

comunidade escolar trouxe a sensação de cobrança e autocrítica por parte da

coordenação e professores sobre um assunto que tinha pouca visibilidade naquele

espaço escolar. Porém, a limitação da abordagem produziu trabalhos

esteriotipados e visando atender a pesquisa em curso.

5.4. A existência de um currículo oculto nas escolas

Quando iniciamos a pesquisa de campo no segundo semestre de 2015,

encontramos, nas escolas, murais que traziam em sua composição trabalhos de

diferentes disciplinas que abordavam diferentes temáticas. Esse material era feito

a partir de recorte e colagem de imagens oriundas de jornais e revistas. O que

percebemos nesses trabalhos, que nos chamou a atenção, foi a ausência de

personagens negros. Podemos identificar essa característica, conforme as Figuras

16-18, abaixo

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Figura 16 Mural da Escola A sobre atitudes saudáveis.

Fonte: Pitta, 2016

Figura 17: Mural da Escola B com trabalhos da disciplina de Inglês.

Fonte: Pitta, 2016

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Figura 18: Mural da Escola B sobre a escola.

Fonte: Pitta, 2016

Observamos que nas imagens 16, 17 e 18 existe uma produção dos trabalhos

expostos nos murais, baseada em recorte e colagem de figuras advindas de jornais

e revistas, materiais baratos e de fácil acesso. Mas a reflexão que propomos é que

esses materiais carregam uma estética branca em suas páginas. Araújo (2000) e

Sodré (2015) discutem como a mídia brasileira ainda reproduz uma estética

padronizada, e quando há a inserção de negros e negras, ela é realizada de forma

nocivamente estereotipada, exercendo papel de mantenedor do racismo e da

discriminação. Essas figuras retratam os murais encontrados nas primeiras visitas.

O primeiro mural aborda a temática “atitudes saudáveis” e tinha como ideia

central expor pessoas praticando algum hábito relacionado ao bem-estar. O

segundo era um trabalho de inglês no qual os estudantes faziam uma apresentação

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da imagem da pessoa em destaque descrita na língua inglesa. E a última imagem

retrata uma parte27

de um mural com impressões dos alunos sobre a Escola B.

O que problematizamos nesses trabalhos é a ausência de imagens de

personagens negros. Essa característica identificada nos murais acima evidencia

que a Lei 10.639/03 geralmente estimula a produção de trabalhos voltados apenas

para a questão racial, sem gerar reflexões sobre uma produção geral em que

negros e negras estejam presentes sem a necessidade de estereotipar sua imagem

ligando-a estritamente a uma temática. Por outro lado, a ausência dos negros

promove um silenciamento do debate étnico-racial, nos levando a perceber o raso

enraizamento da referida lei no cotidiano escolar.

Aqui identificamos o que Candau (2011, p. 241) afirma sobre cultura

escolar e sua característica homogeneizadora produtora de um conhecimento

baseado em uma única matriz

A cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, construída

fundamentalmente a partir da matriz político-social e epistemológica da

modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como

elementos constitutivos do universal.

Tal afirmação nos permite notar que a existência da legislação não garante

sua aplicabilidade e que isso não é um processo natural, pois a aplicação exige

uma iniciativa sólida de apoio pedagógico. Embora a referida lei esteja apoiada

em dispositivos legais que fomentam sua concretização no ambiente escolar, ainda

verificamos que o currículo oculto das escolas pode apresentar-se como um

eloquente silenciador de sujeitos e corroborar com ausências presentes.

A afroperspectividade, apontada por Noguera (2011), perde espaço para a

monocultura hegemônica, que transforma em “normal” a ausência do plural.

Ainda conforme Noguera, é preciso construir uma educação que respeite as

diferenças e expresse a diversidade de narrativas.

Esse cenário de ausências suscita outra questão que identificamos durante a

pesquisa: há dificuldades de enxergar o aluno como modelo de representação. Os

alunos, indivíduos que são o principal alvo de discussão de todo o sistema

educacional, não estão em destaque na escola. A percepção do corpo discente

27

Foi destacada apenas uma parte do mural porque o restante do trabalho exposto trazia o nome original da escola, o que fere o compromisso da presente pesquisa em salvaguardar as identidades das instituições e dos participantes da mesma.

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como sujeito histórico e ativo não emerge em uma cultura escolar que mantem um

formato engessado do saber. Aqui cabe relembrarmos Freire (2007) que conceitua

a autonomia do educando como o reconhecimento do aluno, entendendo-o como

um sujeito sócio histórico. Quando o aluno produz um trabalho escolar, reflexo de

um processo pedagógico, fica registrado o currículo que existe na base daquela

produção, com todas as suas evidências e ausências, que se destacam na

composição de um mural escolar.

A utilização dos estudantes como auto referência deve ser estimulada, pois

isso auxilia na construção de uma visão de mundo, no qual eles se percebam como

sujeitos ativos da sociedade. Essa escolha de imagens faz parte de uma seleção do

que tem reconhecimento no espaço escolar.

A seleção de conteúdos e suas práticas pode expressar ou omitir

informações de acordo com os propósitos dos docentes ou da escola. Dialogando

com Forquin (1993) nem tudo da cultura está presente nas escolas, há uma seleção

do que será revalidado nesses espaços. Em duas entrevistas foi possível identificar

de que forma os professores selecionam os conteúdos considerados por eles como

mais importantes para serem abordados. A primeira fala que destacamos é da

professora P6,

Assim, é... Eu não, não que me incomoda assim, se me perguntasse assim: o que te

incomoda mais? Não é essa questão étnico-racial. (...) É a questão de gênero, aqui.

É inclusive é... No início do ano até quis fazer um... Chamar alguém pra dar

palestra, sabe? Com meninos e meninas, é... Pra discutir questões de gênero, mas aí

como eu disse ainda a pouco, são tantos projetos que a gente acabou é deixando

isso pra lá, entendeu?

A segunda é um trecho da entrevista da professora P9, também da Escola B

Eu não vejo aqui nessa comunidade a questão do racismo tão acentuada, de um

modo geral, né? Eu vejo a questão de gênero pior. Aqui, desrespeito às meninas é

uma coisa mais grave, né, do que a questão do racismo. (...) É, assim, quando eu

digo que o racismo não é um problema aqui, não tô dizendo que ele não há, que

não haja aqui, que né? Que eventualmente a gente não possa ter uma ou outra

manifestação de discriminação. Eu tô dizendo que eu não vejo isso como um

problema aqui que mereça uma intervenção mais forte, entendeu?

Nas duas entrevistas verificamos que há dificuldades da convivência das

duas abordagens na escola, levando as professoras a classificarem qual o assunto

mais importante. Não foi ponderado por elas que existe a possibilidade de se

trabalhar as duas temáticas de forma integrada. De acordo com o estudo, Mapa da

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Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil28

, divulgado pela ONU, revelou

que entre os anos de 2003 a 2013, o número de mulheres negras vítimas de

homicídio aumentou 54,2%, enquanto o número de mulheres brancas assassinadas

nesse mesmo período recuou 9,8%. Uma realidade tão violenta não pode ficar

distante de uma profunda reflexão nas escolas.

O que também ressaltamos dessas falas das duas professoras é que a Lei

10.639/03 não se enquadra no quesito “opinião”. É uma lei que parece não ter

passado ainda pelo processo de recontextualização, conforme verificamos em

Lopes (2004). A falta de fiscalização e a carência de uma formação continuada,

assunto que abordaremos adiante, comprometem o cumprimento da legislação.

Através do relato da professora P2 compreendemos como é prejudicial essa

limitação do conhecimento, que provoca resistência e fomenta discriminação,

mostrando como o processo de desconstrução e construção ainda está em um lento

desenvolvimento.

...eu acho assim a gente tem que desconstruir muitas coisas, por exemplo, quando a

gente fala; estava falando sobre a Praça XI “Ah, você sabe quem é tia Ciata? Ah, é

a macumbeira”. Sabe, ai coloca já, o aluno já vem de fora, ele já vem com um

olhar, entendeu. Não sei se a escola está separada. Tem o lado de dentro e o lado de

fora, o que a gente tem que fazer aqui, né? Tem que desconstruir! Tem que formar,

desconstruir, entendeu? Então são questões, são questões que estão no dia a dia...

Consideramos que os trabalhos produzidos pelos alunos são resultados de

todo um sistema de ensino e aprendizagem que se reflete na materialização da

construção do pensamento. Esse sistema é reflexo de sua sociedade, mas isso não

deve apartar-se de discussões críticas sob a perspectiva da diversidade. Os meios

de comunicação de massa a que os alunos têm acesso devem servir sim como

material para a produção de trabalhos escolares, mas sem deixar de lado uma

abordagem que problematize a invisibilidade do negro.

5.5. Imagens não produzidas ou selecionadas

Outras imagens identificadas nos murais que mantem a invisibilidade

étnico-racial diz respeito aos cartazes encaminhados pela SMERJ e outras

instituições. Esses cartazes são produzidos por agências de publicidade, que

28

Disponível em: < http://www.mapadaviolencia.org.br>

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possivelmente não recebem uma orientação sobre o alunado que deve ser

representado nas campanhas da instituição. Temos as imagens de alguns deles.

Figura 19: Mural localizado no pátio da escola B.

Fonte: Pitta, 2016

Figura 20: Detalhe de dois cartazes presentes na imagem anterior.

Fonte: Pitta, 2016

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Na Figura 20, temos em destaque dois cartazes que foram fixados em um

dos murais da Escola B. Eles apresentam imagens de alunos uniformizados no

território da sala de aula realizando atividades. No primeiro verificamos grupos de

crianças, e nenhuma delas é negra. No segundo cartaz, há duas meninas, uma

menina branca em primeiro plano e uma menina negra em segundo plano,

desfocada.

Podemos discutir a construção da imagem do aluno ideal. O alunado é

retratado muito alinhado e extremamente disciplinado na execução das atividades

em sala de aula. Um retrato distante das provocações e movimentos próprios da

ação ensino-aprendizagem.

Embora essa seja uma pequena amostra das comunicações visuais

elaboradas pela prefeitura da cidade, não identificamos imagens de crianças

negras que represente a quantidade expressiva do alunado da rede municipal de

educação. Para analisarmos esse dado, utilizamos a ideia de racismo institucional.

Werneck (2013, p. 17) conceitua racismo institucional como uma ideologia que

desenvolve uma relação de hierarquias a partir da cor da pele, gerando uma

estrutura de desigualdade social permanente em nossa sociedade, limitando a

população negra de ter acesso a seus direitos. Dessa forma, Werneck

complementa

O racismo institucional ou sistêmico opera de forma a induzir, manter e

condicionar a organização e a ação do Estado, suas instituições e políticas públicas

– atuando também nas instituições privadas, produzindo e reproduzindo a

hierarquia racial. Werneck (2013, p. 17)

5.6. Datas comemorativas no calendário escolar

As datas comemorativas são comumente utilizadas nas escolas como

temática para confecção de alguns trabalhos com a finalidade de sua exposição

nos murais. Na pesquisa de Cunha (2009) sobre a história das disciplinas de

Educação Religiosa e Educação Moral e Cívica que vigoraram no currículo no

século XX, durante o regime civil-militar, encontramos algumas informações que

nos levam a entender a prática de elaboração e exposição desses trabalhos no

espaço escolar. Essas disciplinas tinham tradição nacionalista na exaltação de

datas cívicas realizando, como expressão patriótica, atividades nas escolas que

eram vinculadas ao exercício de cidadania. Com o passar do tempo, as atividades

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relacionadas ao calendário comemorativo foram incorporadas na cultura escolar

não sendo limitada a datas de cunho patriótico.

Nas Figuras 21 e 22, podemos identificar dois murais que exploram essa

perspectiva ligada ao calendário

Figura 21: Mural temático da Escola A sobre a primavera.

Fonte: Pitta, 2016

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Figura 22: Mural temático da Escola A sobre o a festa natalina.

Fonte: Pitta, 2016

O dia vinte de novembro é um feriado nacional desde o ano de 2011, no

qual é lembrado o dia da morte de Zumbi, líder do combatente Quilombo de

Palmares. Na cidade do Rio de Janeiro são realizados muitos eventos culturais

nessa data e ao longo do mês de novembro em prol da consciência negra. Essa

data foi uma reivindicação do MNU que foi incorporada à redação da Lei

10.639/03.

Porém, o que observamos nas escolas pesquisadas foi a não promoção da

conscientização e o reforço do estereótipo negro. Na Escola A havia a expectativa

de um grande evento para a véspera do dia vinte. A coordenadora C1 nos

informou que haveria a apresentação de uma bateria de escola de samba além de

exposição de trabalhos dos alunos sobre a temática negra. A professora de Artes,

P2 falou sobre os preparativos

...são vários trabalhos que estão acontecendo e a gente tá pensando em fazer isso,

essa culminância em vinte de novembro. Eu também trabalhei com o pessoal do

PEJA. Trabalhei com Zumbi dos Palmares. Assim, esse oitavo ano, a gente estava

trabalhando o cotidiano. A gente trabalhou cotidiano também, mas depois eu falei

pra eles sobre Zumbi dos Palmares, falei a história do Zumbi pra eles e pra gente

fazer um trabalho pra ser apresentado no dia vinte de novembro.

Porém, a escola recebeu um convite da Secretaria Municipal de Educação

para uma cerimônia sobre os jogos olímpicos que exigiria a participação de alunos

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e professores com ornamentação produzida pela própria escola em um desfile que

aconteceria na semana do feriado da consciência negra. Isso acabou com a

programação feita pela Escola A, pois os esforços concentraram-se em finalizar as

fantasias para o cerimonial. Por fim, às vésperas da cerimônia o evento foi

cancelado pela SME-RJ. Como a escola não teve tempo hábil, não foi possível

retomar as atividades idealizadas em memória à lembrança de Zumbi dos

Palmares. Não houve a comemoração e a escola ficou sem data posterior para

realização, pois na semana seguinte já começavam as provas de final do bimestre.

Ao caminhar pela Escola A, pelo corredor do primeiro andar, consegui

identificar um mural composto por desenhos e recortes de jornais e revistas sobre

o dia da consciência negra, que trazia imagens e textos abordados de maneira

afirmativa sobre a questão étnico-racial. Encontramos também o trabalho da turma

de PEJA com desenhos de máscaras africanas, conforme havia relatado a

professora de Artes.

Figura 23: Mural da Escola A sobre o dia vinte de novembro.

Foto: Pitta, 2016

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Figura 24: Mural da Escola A.

Fonte: Pitta, 2016

Os dois únicos trabalhos realizados para o dia da consciência negra refletem

a pouca sensibilidade das autoridades municipais ligadas à educação com o

calendário de atividades das escolas, alterando suas rotinas e planejamento sem

prévia programação. Essa interferência gerou uma interrupção nas atividades

pedagógicas da escola pesquisada, por conta de uma agenda dos grandes eventos

promovidos pelo poder municipal, tida como prioridade.

Já na Escola B professora de Artes trouxe informações quando questionada

sobre os trabalhos realizados sobre o dia 20 de novembro em anos anteriores

Eu participei com vídeos, a gente fez um vídeo do Cartola ano retrasado, uma

animação. E a gente ano passado fez um trabalho com turbantes, mas sempre nessa

semana que vai ter agora do dia 20 de novembro. É sempre nessa época que se

trabalha mais ou menos. Eles pedem que o trabalho seja entregue nessa época.

Esses dos turbantes não, a gente fez por nossa conta. Virou um vídeo. Todo mundo

se vestindo aí com os turbantes, aluna, professores e aí esse ano agora a professora

de História me pediu para trabalhar máscaras africanas.

Já a professora de História, P6, nos deu o seguinte relato ao ser questionada

sobre como seria trabalhada a temática racial na escola devido a aproximação do

dia da consciência negra

A escola não trabalha essa temática. É... A gente tem que ver agora porque está se

aproximando agora a semana Nacional da Consciência Negra... Se vai ter espaço

pra que isso ocorra, né? Pelo que eu... Assim, eu estou aqui desde fevereiro, né? Eu

não tenho visto ninguém participar de algum debate aqui dentro com relação a isso.

Fala-se muito de Halloween, fala-se muito de outras coisas, mas bom,

especificamente sobre isso, não. Mas pelo menos por enquanto, né? Vamos ver...

De fato, não houve mobilização no dia vinte de novembro. O que a escola

programou foi a exposição de alguns trabalhos em homenagem ao dia da

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consciência negra para o dia trinta do mesmo mês, durante a feira de ciências que

estava sendo organizada pelos alunos. A temática racial seria abordada em um dia

em que a ênfase das produções escolares girava em torno de experiências

químicas e tecnológicas. Tal fato não afasta o potencial de integração dos temas,

pois as inovações do antigo Egito, a fértil agricultura no Delta do Nilo, as diversas

técnicas arquitetônicas das sociedades subsaarianas, os estudos do físico Anta

Cheik Diop que comprovaram que os faraós eram negros, a sabedoria botânica da

relação de povos quilombolas com a terra, a secular alquimia das ervas dominada

por benzedeiras e mães de santo que curam as populações mais carentes, etc. são

alguns exemplos que poderiam compor a feira de ciências.

Porém, não foi o que vimos. Choveu bastante no dia do evento, dessa forma,

a apresentação dos trabalhos ocorreu dentro das salas de aula. Algumas imagens

cartazes estavam distribuídas nos corredores da escola, dentre eles consegui

identificar três trabalhos com a temática étnico-racial. Eram desenhos elaborados

pelos alunos.

Figura 25: Mural da Escola A sobre o dia 20 de novembro.

Fonte: Pitta, 2016

Na Figura 25 identificamos dois trabalhos. Em destaque há um desenho de

uma mulher negra com a palavra África acima de sua cabeça. Ao lado,

verificamos também desenhos originais, os quais fazem alusão a máscaras

africanas.

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Figura 26: Mural da Escola B sobre o dia 20 de novembro.

Fonte: Pitta, 2016

Já na Figura 26 há uma grande imagem que retrata dois homens negros

carregando um homem branco deitado em uma rede. A figura relaciona-se ao

período escravocrata no Brasil. Tal imagem destaca que para aqueles que

produziram um trabalho para o dia vinte de novembro, o imaginário do negro está

ligado à condição de submissão. Retratar uma imagem desse período poderia estar

atrelada às inúmeras insurreições e resistências que ocorreram.

Porém, a oportunidade de trazer novas abordagens sobre a questão étnico-

racial não foi aproveitada no evento. A reduzida quantidade de trabalhos e o

tratamento de assuntos estereotipados esboçam o limitado acesso a discussões de

cunho racial desses alunos. É no mínimo preocupante verificar que a produção de

um trabalho referente ao dia da consciência negra faz menção à exploração

escravocrata.

Para que esse tipo de abordagem não seja reproduzida nas escolas, as

Diretrizes das Relações Étnico-Raciais (BRASIL, 2004, p. 18) orientam

...aos estabelecimentos de ensino está sendo atribuída responsabilidade de acabar

com o modo falso e reduzido de tratar a contribuição dos africanos escravizados e

de seus descendentes para a construção da nação brasileira; de fiscalizar para que,

no seu interior, os alunos negros deixem de sofrer os primeiros e continuados atos

de racismo de que são vítimas. Sem dúvida, assumir estas responsabilidades

implica compromisso com o entorno sociocultural da escola, da comunidade onde

esta se encontra e a que serve, compromisso com a formação de cidadãos atuantes

e democráticos, capazes de compreender as relações sociais e étnico-raciais de que

participam e ajudam a manter e/ou a reelaborar, capazes de decodificar palavras,

fatos e situações a partir de diferentes perspectivas, de desempenhar-se em áreas de

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competências que lhes permitam continuar e aprofundar estudos em diferentes

níveis de formação.

Gomes (2003) fala da representação da estética negra nas escolas,

evidenciando como o corpo negro nesse espaço é importante para a construção da

identidade e das relações étnico-raciais. A autora aponta que os estudos sobre a

estética negra promovem representações que vão além da denúncia da

discriminação e os estereótipos. Gomes acrescenta que a representação do corpo

negro precisa apresentar criações e ressignificações diferentes daquelas que

remetem à diáspora africana. Para isso, a formação inicial e continuada de

professores é reivindicada como um caminho possível para a sensibilização e

qualificação desses profissionais.

5.7. Formação de professores para uma educação antirracista

Discutir as práticas escolares nos faz questionar a formação inicial e

continuada de docentes. A respeito disso, Canen (2011, p. 642), que defende uma

educação multicultural pós-colonial centrada na construção de identidades,

destaca como essa qualificação pode interferir de forma positiva no cotidiano da

escola. A autora afirma

...a formação continuada de professores possui um papel relevante, uma vez que

preparar professores para refletirem e trabalharem com a diversidade cultural no

contexto escolar significa abrir espaços que permitam a transformação da escola

em um local em que as diferentes identidades são respeitadas e valorizadas,

consideradas fatores enriquecedores da cidadania.

Nessa perspectiva, buscamos identificar a frequência de cursos de formação

continuada voltados para o atendimento à obrigatoriedade da Lei 10.639/03. Para

isso, encaminhamos um e-mail à SME-RJ solicitando informações sobre os

referidos cursos ministrados no ano de 2015. Como resposta recebemos um

documento de quatro laudas com o título “Projeto Rio-Escola Sem Preconceito”, o

qual elencava as palestras e mesas-redondas organizadas pela SME-RJ em

parceria com o Museu de Arte do Rio e as onze CREs. Havia também

informações sobre a participação de um representante da SME-RJ, no Grupo de

Trabalho da Igualdade Racial, o qual destaca ações realizadas em prol da

temática. Essas ações exigem discussões mais amplas, porém os limites dessa

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pesquisa não permitem tal apreciação, restringindo nossa análise apenas aos

cursos direcionados aos agentes educativos.

O relatório dos cursos ofertados por tal projeto indicava que foram

realizados durante os meses de maio e junho de 2015, duas palestras, uma Mesa-

Redonda e duas Salas de Conversas, destinados aos professores e coordenadores.

O documento ainda informa que havia uma previsão de 400 inscrições, mas não

indicava o número real de participantes dos cursos.

De acordo com tal documento, os cursos oferecidos pela SME-RJ

atenderiam no ano de 2015, aproximadamente, 1% da quantidade total de

docentes que trabalha na rede municipal de ensino do Rio de Janeiro, que segundo

dados do site oficial da prefeitura é de 40 mil professores. Por meio das

entrevistas realizadas nas escolas pesquisadas foi possível identificar a

insuficiência da oferta desses cursos. Nenhum dos dez professores e duas

coordenadoras afirmou ter feito curso de formação voltada para o atendimento da

Lei 10.639/03. Esse cenário apresenta que mais de uma década da promulgação da

referida lei não foi o suficiente para que uma organização municipal formulasse

estratégias para a execução comprometida com a obrigatoriedade do texto legal.

A limitada quantidade de cursos oferecidos pela SME-RJ não permite

alternativas para a atarefada realidade desses profissionais da educação.

Possivelmente foi esse o cenário que motivou a criação do grupo

TUPIAFROGEN, que falamos no capítulo anterior. Assim, muitos deles se

esforçam em busca de informações, já que nem todos tiveram a oportunidade de

reflexão sobre as questões étnico-raciais em sua formação inicial. A professora P2

reflete sobre isso

Acho que falta vir essa formação continuada, que você me perguntou lá trás, acho

que falta vir uma formação também pra gente. Já recebi por e-mail, já recebi até

algumas divulgações de lugares onde dá o curso e tal. Conheci agora,

recentemente, o “Instituto dos Pretos Novos”. Me interessei muito! Fui lá no site e

pesquisei e tal. É, então, eu acho que o que esta faltando na verdade é talvez

assim... Uma coisa especifica de uma informação sobre a cultura afro, mas a gente

não tem isso. Pelo menos antigamente não tinha isso na graduação, na minha época

de graduação não tinha isso. Em história da arte, quando eu vi história da arte, eu

via a história da arte ocidental... Alguma coisa (...) de máscaras africanas, e claro,

Picasso falando de mascaras africanas porque estamos vendo Picasso, o que

influenciou a arte dele, o cubismo e tal. Porque as máscaras têm aquelas formas

geométricas, então a gente vai, entendeu? Mas não tem assim uma formação da

arte africana.

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Porém, esse esforço nem sempre acontece. Baseado no conceito de “saberes

práticos” (apud TARDIF, 2004), Oliveira (2010, p. 123), aponta que os docentes

acumulam saberes em suas carreiras e formações, “marcados pela ausência de

reflexões sistematizadas e pelos estereótipos fundados pelo mito da democracia

racial”. Essa ausência e estereótipos produzem a falta de sensibilização, a

minimização do racismo e a confusão entre racismo e bullying. Isso verificamos

nas falas abaixo

Eu acho que existir existe, né? Como em qualquer outro lugar. Mas eu acho que

não, não é uma coisa que dificulte a convivência. (...) Racismo, eu não vi. Aqui, a

maioria, a maioria dos alunos é [negra]. Acho que não faria sentido eles terem,

mas, é claro que um brinca com o outro. Mas acho que mais na brincadeira. Mas o

que brinca com o outro também é da mesma, se auto, se autodeclara a mesma raça

do outro. Então, eu acho que é mais ou menos pela brincadeira mesmo. Eu não vejo

nada de preconceito. Eu não vejo isso de afetar o andamento das aulas, de alguma

atividade. Pelo menos nas minhas aulas eu nunca vi. (P9)

O P3 também traz um relato da confusão entre racismo e bulliyng, como

vemos em sua fala

Eu posso relatar as frases que eles costumam utilizar: “seu preto, seu macaco”, é

assim, normalmente é isso, “seu macaco, seu preto” e hoje, inclusive, até me liguei

porque a garota negra falou “seu branco”. Então assim, é claro que ela, que ela foi

uma coisa diferente pra gente, que tá obviamente acostumado a ouvir “seu negro”.

Nem negro, né? “Seu preto”, tá? E ela falou “seu branco” e ela é negra, né? Então

parece que é um preconceito às avessas, né? E é normalmente é isso, “seu macaco,

seu preto”, é, coisa desse tipo. (P3)

O P6 além de demonstrar confusão entre racismo e bullying

ainda busca relativizar as atitudes de um aluno que se assume neonazista, sem

realizar um trabalho de conscientização ou reflexão.

Nós temos um aluno aqui que, inclusive, já se assumiu como neonazista, né? Então

essa é uma questão, pra ele, muito forte. A questão racial. Mas é um caso isolado,

entendeu? É um caso isolado. Não chega a criar nenhum tipo de constrangimento, a

formar grupo. Por exemplo, ele não forma grupo, né? E não fazem bullying... Nada

disso. Nenhum tipo de, de intimidação. São... Só a fala, que você sente nas

entrelinhas da fala, né o racismo, o desprezo, sabe? Mas é porque ele já se assumiu,

inclusive pra mim, como neonazista. Não como neonazista, porque ele não sabe

exatamente o que é isso, né? Mas como um admirador de governos fortes,

autoritários, né? Mas é um caso isoladíssimo, isoladíssimo. Não é generalizado.

(P6)

...eles [os alunos] continuam executando o que a sociedade de um modo geral

chama de racismo. Eles se chamam de macaco, de preto (...). Eles se chamam, mas

eles não se levam à sério como a gente acha que eles se levam. A gente chama

atenção eles tão cagando e andando pra isso. Não pode, não sei o quê. Você sabe

que isso é crime! “Ih, professor”. Porque às vezes são dois negros, um falando pro

outro. (...) Oh, isso tem que parar, né? Mas ocasionalmente você ouve eles. Eles já

sabem que não pode ser todo dia porque sabe que alguém vai levar pra Direção, a

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pretexto do bullying, da história do bullying, mas a escola é a mesma de sempre,

né? Tem o gordinho. O gordinho vai ser zoado. O magrinho vai ser zoado porque é

magrinho. O dentuço: vai ser zoado porque é dentuço. O orelhudo, o narigudo, o

olhudo e por aí vai. A escola é a mesma desde quando eu lembro da minha época

de escola. É da molecada se alfinetar, né? E as Leis foram criadas a despeito de que

isso seja sério na cabeça deles. Às vezes é sério para aquele que tá sofrendo uma

insistência maior, que isso virou o chamado bullying, mas no dia a dia, eles se

xingam lá, se ofendem, o que pra gente é ofensa, mas é, depois tão sentado

conversando, batendo papo, tá brincando. Eles não se ofendem na proporção que a

gente acha que vão se ofender. (...) Ou por qualquer outra, se é magro demais,

gordinhos, branquelo demais, né? (P1)

Esteves (2015, p. 25) conceitua bullying como “um tipo específico de

violência escolar entre pares, caracterizado por comportamentos violentos que

envolvem atitudes hostis”. Tal conceito nos faz entender que a partir da fala dos

professores temos o agravamento de duas questões: a minimização da violência

escolar e a não percepção do racismo. Os docentes consideram o bullying uma

brincadeira de criança, por isso o amenizam, e da mesma forma, tratam o racismo

como mais um traço dessa “brincadeira”. A não intervenção em uma situação

explícita de racismo, quando ocorre uma agressão verbal ou uma afirmação de

afinidade a um grupo sectário racial como foi relatado, demonstra despreparo e

falta de ação desses profissionais.

Diante dessas respostas a primeira questão que emerge é: o que é racismo?

Santos (1984) escreveu um livro cujo título é a pergunta que nos veio à mente

provocada pelas reflexões após analisarmos as entrevistas dos professores. O autor

formula que o racismo é um sistema que produz um conjunto de ideias e práticas,

pessoais e coletivas, que afirma superioridade racial de um grupo sobre outros.

Esse sistema reproduz uma visão de mundo cuja interpretação sócio histórica que

predomina é oriunda de uma cultura hegemônica.

O racismo, portanto, é uma questão estrutural da sociedade que se manifesta

nos privilégios de um grupo racial em detrimento de outro. Para haver racismo

reverso, seria necessária uma inversão das relações de poder e manutenção de

privilégios dos negros em relação aos brancos. Quando identificamos essa

confusão conceitual na fala dos professores, verificamos como é rasa a discussão

racial e o quanto carece de uma discussão e formação para de fato promover uma

educação antirracista.

Portanto é importante reafirmar as marcas que diferenciam entre racismo e

bullying, Assumir tais diferenças entre ambos conceitos é fundamental. Não se

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trata de minimizar a importância do debate acerca do bullying, que é uma

violência presente na escola e que ser precisa ser combatida. Porém, o racismo é

uma violência de outra natureza, calcada no processo histórico social que

estruturou a nossa sociedade dentro de pilares racistas. Nesse sentido,

consideramos extremamente importante tratar de ambas violências nas formações

continuadas de professores, mas assumindo cada qual, seus próprios debates e

referencias.

Retomamos aqui a fala do professor P1 que declara sua resistência e

desconhecimento sobre as questões raciais no Brasil.

É, assim, quando eu digo que o racismo não é um problema aqui, não tô dizendo

que ele não há, que não haja aqui, né? Que eventualmente a gente não possa ter

uma ou outra manifestação de... Discriminação. Eu tô dizendo que eu não vejo isso

como um problema aqui que mereça uma intervenção mais forte, entendeu? (...)

Eles fazem a Lei, tem a intenção, a intenção é válida? É! Mas o planejamento disso

no cotidiano eles não, não pensam. É muito mais fácil você chegar e legislar, agora

é obrigatório. Fazer a Lei é muito mais fácil.

De coração, qual é a parte da população, independente de ser a alunado de colégio,

tem interesse em cultura africana? Ah, tá na nossa origem, nosso DNA. Legal. Tá

bom, né? Então, se você pegar todas as classes A, B, C, D, E, quantas inventarem...

Quantas têm o real e efetivo interesse em alguns fatos históricos passados? E até

presentes. Porque o dia a dia é de outras preocupações. Feliz ou infelizmente. São

contingências, né? Portugal que acabou tendo, digamos assim, mais visibilidade,

efetiva de participação histórica no Brasil, as pessoas não sabem de nada de

Portugal. (...) Só sabe que ele descobriu, ficaram aqui, governaram. Em relação à

cultura africana acho que essa distância é muito maior. Feliz ou felizmente? Isso

vai variar.

O Brasil não vive África, mas umas localidades talvez. No Nordeste, nos cultos

ainda afrobrasileiros de maior incidência. Aqui no Rio menos, menos negros. Acho

que no Nordeste é mais representativo disso, mas o Sul não é. O que interessa ao

Sul a cultura africana? A maior parte de processo migratório lá foi europeu. Então

quando você pensa isso em sentido macro, o que se fala? E aí? (...) E aí? Quem é o

antecessor na maior parte deles lá? Não é África. Ah, Brasil é miscigenado. Beleza,

mas não é a maior parte. (...) A nossa origem é Portugal. Porque estudar só

Portugal?

...a questão do racismo é engraçada, porque só tem o racismo do preto, né? Quando

o branco é zoado por ser branquelo não é racismo. “O seu branco azedo”, “seu

branquelo”, isso não é racismo. Enfim, têm umas confusões que eu vejo nos

teóricos, nos caras que dizem entender desse negócio e na prática eles não prestam

atenção em muita coisa. Porque o branquelo também sofre racismo. Quando é

zoado por ser branquelo, aquele branco leite, né, aquela pessoa mais branquinha,

quase transparente, “oh transparente”, então não é racismo? O oriental, por ser

oriental. Enfim, é, não sei se eu respondi. Eu respondi?

A fala do professor expressa uma construção discursiva elaborada a partir

dos pilares racistas que estruturam a sociedade na qual estamos inseridos. Reflete

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elementos argumentativos que se encadeiam na construção de uma narrativa que

vai buscar subterfúgios para expressar elementos racistas os quais agem

atribuindo sentido a uma lógica que está limitada ao acesso de um tipo de cultura,

corroborando um conhecimento monocultural que desqualifica a diferença, até

mesmo a ignora. Tal posicionamento apresenta-se contrária à construção de uma

cultura puriversal defendida por Noguera (2012).

O papel da formação continuada deve ser o de estimular a sensibilização

sobre a questão racial, levando à uma reflexão sobre o assunto aqui trabalhado e

mesmo fornecer informações quantitativas a respeito da população étnico-racial

brasileira. Como exigir o cumprimento de uma lei o qual um docente não teve

formação? Sobre o assunto, Oliveira e Sacramento (2013, p. 232-233) elabora

...a formação de professores apresenta-se como o deságio que o poder público

deverá enfrentar para garantir uma formação satisfatória a todos os profissionais

em exercício e aos licenciandos, tratando-se da diversidade da população. (...)

Tratando-se de uma educação que incorpora a questão racial, cabe responder

questões tais como: qual é a composição racial dos grupos destinatários do trabalho

pedagógico e qual ou quais as teorias respaldam as atividades educacionais

multirracionais.

Miranda e Passos (2011, p.14) ao explanarem sobre o letramento racial

afirmam que para ocorrer um verdadeiro combate ao racismo, “é necessário um

treinamento na questão racial para uma aquisição cultural e social de símbolos de

negritude no esforço de construção de uma linguagem antirracista”. Dessa forma,

insistimos na questão da formação continuada dos professores.

Quando a questão racial é expressa no mural, o mesmo se transforma em

veículo de divulgação do que é relevante naquele espaço escolar. É a evidência de

que a cultura escolar está em disputa, e isso é corroborado pelos discursos dos

professores entrevistados, tanto por aqueles que resistem a uma educação

afroperspectivista, quanto por aqueles que percebem que os alunos vivenciam e

carregam as suas experiências sócio históricas, e que precisam ganhar

notoriedade. Podemos verificar isso no depoimento do professor P4 da Escola A

O que é que eu tô pensando: em colocar as diferentes abordagens, porque,

diferente, você às vezes tinha uma opinião da questão da importância da vacinação,

da Revolta da Vacina. Por exemplo, teve coisas interessantíssimas, teve coisas,

teve um trabalho que aponta pra questão do aluno... Por que naquela época as

pessoas se revoltavam? Porque o Governo não faz nada pelos pobres. Isso não fui

eu que tratei, foi um aluno que tratou, na redação dele. E ai, como o Governo não

faz nada, naquele momento, as pessoas achavam que, como era uma ação do

Governo, ele tava fazendo isso para prejudicar as pessoas e aí ele lembrou da

vacinação do idoso, que quando começou a vacinar o idoso pra gripe, a vó dele

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dizia que não tomar a vacina porque era pra matar ela e não pra ela não ter gripe

(...) Um século depois, a mesma população, porque a vó dele mora aqui na

Providência, tem o mesmo comportamento. Então, em durante cem anos, como é

que foi a relação do Governo com essa comunidade? Uma comunidade próxima,

no Centro da cidade, mas a relação continua não sendo uma relação tranquila.

Tanto que causa um certo espanto em fazer alguma coisa boa pra população da

cidade.

...os alunos tem uma carência, não é que eles tem uma resistência, eles não tem

resistência. Se eles veem com preconceito lá de fora a nossa função é desconstruir

isso (...). E eu aprendo todo dia, não é! A gente aprende todo dia. Então tudo são

portas, eles são portas pra mim também, porque daí eu tô conhecendo a realidade

que eles sabem. Às vezes eles já me contaram coisas da Praça XI que eu não sabia,

falando coisas da Tia Ciata que eu não sabia.

(P2)

Nestas falas podemos observar a importância da discussão antirracista na

escola estar atrelada aos debates sobre e a partir do território. Identificamos a

potência do conceito de território para o debate da temática étnico-racial no

espaço escolar. A articulação entre este conceito e as práticas pedagógicas pode

ser mais explorada, vinculando a dimensão da geografia politica aos debates

críticos em sala de aula, a partir dos saberes e das vivências dos alunos. Tal

aproximação pode permitir extrapolar o espaço escolar, trazendo para esta a ideia

de pertencimento ao contexto histórico-social e territorial no qual está inserida.

Entende-se ainda, que tais elementos podem trazer uma contextualização das

questões locais, possibilitando a ampliação da leitura do mundo e da apropriação

de sua história e realidade.

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6 Considerações finais

Aprofundar a análise sobre as questões raciais no Brasil é afrontar-se com

um panorama que ainda reflete a exclusão social marcada pela cor, revelando que

as desigualdades são fruto das relações de poder. Dados oficiais apresentam que

ainda é preciso avançar muito na direção das políticas afirmativas. De acordo com

a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 201329

, verificamos

que a taxa de analfabetismo entre a população negra (11,5%) é maior do que entre

a população branca (5,2%). A disparidade também é evidenciada quando se

observa a média de anos de estudo de instrução formal. Entre negros a média é de

7,2 anos e entre brancos é de 8,8.

Outro documento, o relatório do ano de 2012, chamado Iniciativa Global

Pelas Crianças Fora da Escola – Brasil, realizado pelo Fundo das Nações Unidas

para a Infância (UNICEF) e pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação30

,

identificou que 921.677 crianças negras em idade pré-escolar estão fora da escola,

ante 682.778 de crianças brancas. A desigualdade é ainda maior em comparação

aos anos finais do ensino fundamental. Enquanto 1,6 milhão crianças brancas

estão em idade superior à recomendada, 3,5 milhões de crianças negras possuem

essa distorção idade-série. Esses dados evidenciam que ainda é preciso avançar

muito para atingirmos uma educação democrática.

No mês de dezembro de 2013 a Organização das Nações Unidas (ONU)

corroborou o que os pesquisadores brasileiros que estudam as desigualdades

raciais, aqui citados, já afirmavam. A organização reconheceu que o racismo no

Brasil é estrutural e institucional31

, que conforme Werneck (2013), opera na

manutenção da hierarquia racial da sociedade em instituições públicas ou

29

Disponível em:

<http://download.inep.gov.br/educacao_basica/educacenso/documentos/2015/cor_raça.pdf> 30

Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_24118.htm> 31

Disponível em: <http://nacoesunidas.org/grupo-de-trabalho-da-onu-sobre-afrodescendentes-

divulga-comunicado-final/>

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privadas. Isso é mais uma demonstração que o racismo no nosso país não é

velado.

Todos esses trabalhos sobre as desigualdades configuram o panorama das

relações de poder que a hierarquia racial produz. Estudar as questões raciais na

educação nos leva a compreender que o cotidiano escolar não está deslocado do

que é reproduzido pela sociedade. É preciso ter em mente que tais instituições

acabam refletindo esse racismo estrutural. É preciso ainda entender que a escola é

um conjunto de territórios socialmente construídos, os quais apresentam as

disputas culturais, políticas e ideológicas que ocorrem no espaço escolar. Dessa

forma, para atender a uma educação afroperspectivista, de acordo com os

conceitos de Noguera (2011, p. 35), é fundamental o reconhecimento de territórios

pluralistas que possibilitem a construção de novos saberes, a favor de uma

educação antirracista e que resgate e valorize a perspectiva africana e

afrodiaspórica.

Na pesquisa de campo identificamos que os murais atendem a três funções

básicas: acolher, informar e divulgar trabalhos. Esse recurso possui fluxo

comunicacional, Calado (1994), dentro da escola com conteúdos e localizações

distintas, mostrando as estratégias dominadas para atingir os diferentes públicos

da comunidade escolar.

Embora as escolas pesquisadas estejam situadas em uma região da cidade

que é referência da cultura negra, a Pequena África, o diálogo que poderia

fortalecer as reflexões sobre as questões raciais e sociais historicamente herdadas

pelos moradores daquela localidade é pouco abordada. Dessa forma, não

verificamos quantidade expressiva de trabalhos nos murais ligados à referência

histórica local. Isso aponta para uma lacuna na formação de coordenadores e

professores, que encontram dificuldades em relacionar o conteúdo de suas

disciplinas às reflexões raciais. Essa dificuldade foi verificada quando nenhum

dos docentes entrevistados afirmou não ter realizado o curso de formação

continuada voltada para o atendimento da lei 10.639/03. As práticas pedagógicas

desses profissionais acabam limitadas a abordagens estereotipadas, levando à

reprodução de uma cultura hegemônica que não questiona a ausência da

representação de negros e negras no espaço escolar.

Verificamos também durante a pesquisa que o PPP não é lembrado pelos

professores, sendo caracterizado como um documento administrativo com pouco

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diálogo com o cotidiano das escolas. Os documentos, os quais tivemos acesso,

não faziam referências significativas quanto à formação étnico-racial do alunado e

nenhuma menção à Lei 10.639/03.

Diante do exposto, em resposta ao objetivo principal dessa investigação, não

identificamos nos murais escolares a expressão da diversidade étnico-racial.

Entendemos isso como resultado de um processo pedagógico que carece de maior

formação dos docentes, que não promovem uma leitura visual aliada à abordagem

exigida pela lei estudada nessa pesquisa como um viés educacional e reflexivo.

A minha influência nas práticas pedagógicas em um dos campos de pesquisa

foi interpretada como parte de uma agência externa, ao ponto de sensibilizar os

profissionais da instituição a um aumento na produção dos murais sobre a questão

estudada. Por outra parte, entendemos que essa mudança na dinâmica adotada

revela fragilidades no enraizamento da Lei 10.639/03. A evidente pressão sofrida

por esses educadores que estão em constante vigilância externa pode ter

provocado tal comportamento que, buscava atender às expectativas da pesquisa.

As realidades encontradas indicam como ainda é preciso avançar na direção

da aplicabilidade da lei aqui estudada. O compromisso com a obrigatoriedade

deve ser assumido por todos, independentemente do nível hierárquico na estrutura

educacional.

Um conjunto de ações podem refletir na maior efetivação da Lei 10.639/03:

o incentivo à produção de pesquisas de âmbito nacional que apresentem um

panorama da aplicação da referida lei nas escolas; aumento da oferta de cursos de

formação de professores; exigir das universidades que formam professores

ampliação das disciplinas voltadas para as questões étnico-raciais.

O desafio proposto por Freire (2007) é promover uma educação libertadora

que respeite a autonomia do ser do educando, não o incluindo em uma amálgama

que apague sua diferença. O autor propõe a construção de práticas educativas que

ajudem o indivíduo a se reconhecer e conhecer o outro, respeitando e convivendo

com sua alteridade. Uma alteridade afirmativa que evite a necessidade de uma

educação separada, como foi o caso das primeiras turmas organizadas pela FNB,

que ao perceber a baixa inclusão da população negra nos cursos regulares abriu

turmas exclusivas para esse parcela da população. O reconhecimento da escola

como um lugar privilegiado para a promoção de uma mudança social em prol de

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melhorias nas relações étnico-raciais foi requisitado pelo movimento negro, desde

as primeiras organizações institucionais, no início do século XX.

Identificar os murais como a expressão das práticas de uma cultura

hegemônica contribui para uma reflexão sobre quais são os outros territórios na

escola que reproduzem o silenciamento de sujeitos e de saberes. Além disso, o

estudo atenta para o pouco diálogo entre a escola e a comunidade local, não

privilegiando os saberes e o cotidiano do lugar em que está situada, como

verificado nas escolas da região da Pequena África.

Reconhecemos que a aplicabilidade da Lei 10.639/03 visa promover uma

educação democrática em prol das relações étnico-raciais na sociedade brasileira,

porém, apontamos que mesmo diante de alguns avanços, o raso enraizamento da

referida lei nas escolas não permitiu o verdadeiro combate ao racismo.

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8 Apêndice

ROTEIRO DE ENTREVISTAS

1. Identificação

Nome

Idade

Onde mora

Em qual instituição realizou a graduação?

Disciplina que leciona

Cor

2. Informações profissionais

Realizou alguma especialização?

Quais cursos de formação continuada você já realizou?

Esse(s) curso(s) teve (tiveram) influência na sua atuação profissional?

3. Os murais escolares

Qual o papel pedagógico dos murais na sua escola?

Você trabalha pedagogicamente os murais? Como?

Os murais retratam as diferenças da sua escola?

É possível identificar na escola imagens, materiais ou espaços que contemplem a

diversidade étnico-cultural?

4. A escola e a diversidade cultural

A escola realiza outros trabalhos pedagógicos sobre as diferenças? (Caso sim,

como isso acontece?)

Ministra aulas e/ou promoveu atividades com essa temática? (Caso sim, como e

quais?)

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Como os alunos expressam a diversidade? Você percebe tensões ou conflitos

vividos por eles nessa questão?

Você acredita que seus alunos identificam preconceitos e discriminações na escola

ou fora dela? Já ouviu algum relato?

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