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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE EDUCAÇÃO ORALIDADE: UM INDISPENSÁVEL CAMINHO PARA UMA ALFABETIZAÇÃO EFICAZ

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Page 1: rl.art.br · Web viewO estágio teve como objetivo geral observar o cotidiano do ambiente escolar e as aulas de Língua Portuguesa, por meio de um olhar atento às práticas pedagógicas,

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

ORALIDADE: UM INDISPENSÁVEL CAMINHO PARA UMA

ALFABETIZAÇÃO EFICAZ

São Paulo, SP

2º semestre de 2015

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ORALIDADE: UM INDISPENSÁVEL CAMINHO PARA UMA

ALFABETIZAÇÃO EFICAZ

Trabalho final apresentado à Universidade

de São Paulo, com exigência para a

aprovação na disciplina de Metodologia do

Ensino da Língua Portuguesa, ministrada

pelo Prof. Dr. Claudemir Belintane.

São Paulo, SP

2º semestre de 2015

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Informações gerias da escola

Nome da escola: Escola Estadual Mary Moraes

Endereço: Rua Marechal Juarez Távora, 257 – Super Quadra Morumbi

Nome da professora: Patrícia

Classe: 1ºB

Período em que o estágio se deu: 18/8/2015 a 13/10/2015 (60 horas)

E-mail: [email protected]

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Introdução

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem.

Mikhail Bakhtin

Este relatório pretende abordar o processo de estágio pedagógico que ocorreu

no segundo semestre do ano letivo de 2015 no 1º ano B do ensino fundamental ciclo I da

Escola Estadual Mary Moraes, fazendo um contraste com o curso de Metodologia da

Língua Portuguesa, ministrado pelo Prof. Dr. Claudemir Belintane.

O estágio teve como objetivo geral observar o cotidiano do ambiente escolar e

as aulas de Língua Portuguesa, por meio de um olhar atento às práticas pedagógicas, à

metodologia e aos conteúdos, tendo como finalidade, o registro das experiências obtidas

durante esse estágio, configurando-se como documento requisito para a avaliação final do

curso.

A estrutura deste relatório seguirá da seguinte forma: primeiramente será

apresentada a escola, seu espaço físico e ambiente escolar, logo depois será feito um relato

da dinâmica das aulas observadas, das atividades desenvolvidas, as intervenções da

professora, e a interação dos alunos -neste tópico será relatada de forma mais detalhada a

regência das atividades feitas por mim- na sequência será iniciado um contraste do que foi

observado com a teoria estudada no curso, e por fim será feito o fechamento do relatório,

depurando minha opinião, evidenciando minha crítica e reforçando minhas convicções.

Para iniciar a discussão acredito ser fundamental trazemos o que consta na Lei

Federal sobre o ensino dos alunos nessa faixa etária. Em 2006, a Lei Federal n° 11.274

estipulou que as crianças de 6 anos passariam a ser matriculadas no 1° ano do ensino

fundamental I, fazendo com que esse ciclo tenha a duração de 9 anos. Com essa mudança

surge a demanda dos profissionais da educação infantil de não sucumbir com um ano da

infância. Quando falamos em 1° ano podemos pensar em uma transição do ensino infantil

para o fundamental. De acordo com a CNE de 2010, “a escola deve adotar formas de

trabalho que proporcionem maior mobilidade as crianças na sala de aula, explorar com elas

mais intensamente as diversas linguagens artísticas, a começar pela literatura, (...) ao

mesmo tempo em que passa a sistematizar mais os conhecimentos escolares.” Essa também

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deve respeitar o ciclo de alfabetização até os 8 anos de idade e não pode reprovar nesse

período.

Apresentação da instituição

O presente estágio foi realizado na Escola Estadual Mary Moraes, localizada na

Avenida Marechal Juarez Távora, 257, no bairro Super Quadra Morumbi em São Paulo,

SP. A escola atende crianças no ensino fundamental ciclo I, no período matutino alunos do

4° e do 5º ano, e no período vespertino alunos do 1º ao 3º ano, essa distribuição foi

acordada com os pais. Hoje a escola tem dez turmas, sendo duas turmas para cada ano, com

30 alunos em cada. A escola foi construída por solicitação da comunidade, com a liderança

de Mary Moraes, moradora do bairro Super Quadra Morumbi. Incialmente destinava-se

somente aos filhos dos moradores do bairro, mas com o tempo sua clientela foi mudando e

hoje atende também crianças dos bairros vizinhos.

Os objetivos gerais da escola são: Elevar sistematicamente a qualidade do

ensino; estimular em seus alunos a participação, bem como a atuação solidária junto à

comunidade; proporcionar um ambiente favorável ao estudo e ao ensino; incentivar a

autonomia dos alunos respeitando a pluralidade de ideias e a diversidade cultural; valorizar

toda e qualquer produção escolar como forma de garantir a elevação da autoestima; atuar na

formação de valores éticos que possam garantir a liberdade, o respeito e a responsabilidade.

O ambiente escolar é aconchegante e agradável, o prédio aparenta ser novo e

muito bem cuidado, o espaço é claro e limpo. Quanto a distribuição do espaço físico, a

escola é composta por dez salas de aulas, sala de artes, sala de vídeo, sala de informática,

biblioteca, quadra esportiva, usada para as aulas de educação física e para eventos

realizados na escola, pátio coberto, em que é realizado o recreio, refeitório, com mesas na

lateral que são usadas durante o lanche dos alunos e para realizações de atividades,

banheiros femininos e masculinos, sala da coordenação, sala da direção, secretaria, sala de

espera para o atendimento de pais, e depósito de materiais.

A sala de aula do 1º ano B, onde ocorreram as observações, é de tamanho

médio, comportando bem o número de carteiras necessárias para o número de alunos

matriculados, as paredes da sala são brancas, o piso é de cimento batido, com duas janelas

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grandes e cortinas claras, deixando a sala com boa iluminação, um ventilador no fundo da

classe, uma lousa verde, uma mesa com cadeira para a professora e dois armários, um

utilizado para o 1º ano B da tarde e o outro para o 4ºB da manhã. Não há recurso de som,

vídeo ou projeção na sala.

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Foto da sala de aula do 1°B que ilustra minha descrição.

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Relato da dinâmica da aula

Deixarei de lado, em certa medida, a impessoalidade do trabalho, para narrar a

experiência singular que tive nessas 60 horas de estágio, na sala do 1º ano B, conduzida

pela professora Patrícia.

Nos dois primeiros dias procurei conhecer e analisar o ambiente escolar, bem

como sua funcionalidade. A diretora me apresentou cada espaço, contando um pouco sobre

suas utilizações, logo depois tivemos uma conversa para melhor entendimento da proposta

pedagógica da escola. Nesse mesmo dia tive conhecimento do projeto político pedagógico,

em que tirei algumas informações para enriquecer e embasar minha vivência na instituição.

No terceiro dia iniciei o período de dez dias de acompanhamento exclusivo

dentro da classe do 1º ano B. Nesses dias pude presenciar: trabalho com os nomes próprios;

atividade de cruzadinha; leitura e trabalho de contos de encantamento; execução do projeto

didático “Um olhar sobre a cultura dos povos indígenas do Brasil: o cotidiano das

crianças”, do material Ler e Escrever; e minha regência que se baseou na aplicação da

sondagem da escrita e posteriormente sua análise junto da professora.

O trabalho com os nomes próprios está sendo desenvolvido desde o início do

ano, seguindo principalmente o material “Ler e Escrever”. Em uma conversa com a

professora tive conhecimento de algumas atividades anteriormente trabalhadas com os

alunos, como por exemplo, confecção de crachás, estudo da poesia “O nome da gente” de

Pedro Bandeira, e também tive acesso ao guia de planejamento e orientações didáticas para

o professor do material “Ler e Escrever. A atividade realizada no dia em que estava

presente foi a criação de acrósticos1, a professora primeiramente perguntou se alguém

conhecia ou já tinha ouvido falar essa palavra, mas todos se espantaram com a estranheza

do seu som. Então ela fez um exemplo na lousa e uma menina disse: “já fiz com minha

mãe, ela foi escrever uma carta para o meu pai e fez o nome dele assim, em pé igual você

está fazendo, eu lembro que ela escreveu N de namorado perfeito” (O nome do pai era

Anderson). A professora então explicou que a menina tinha razão, que devemos escrever o

nome de uma pessoa em pé, e completar cada letra com uma qualidade dessa pessoa.

Explicou que a atividade daquela aula seria fazer o nome de cada um da sala dessa maneira,

que iriam fazer todos juntos na lousa, e que a criança dona do nome copiaria bem bonito 1 Exemplos de acrósticos feito pelos alunos em anexo ao final do trabalho.

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numa folha, para que depois fosse exposto no mural da escola. E assim começaram com o

primeiro nome da lista: ANTÔNIO. A de amigo, N de novo –nesse momento um aluno

disse N de narigudo, mas a professora respondeu que só poderia escutar qualidades, coisas

boas, coisas que o dono do nome estivesse gostando– T de tesouro, O de ótimo e assim por

diante.

A atividade da cruzadinha2 foi desenvolvida em dupla. A professora orientou os

alunos para juntar com o amigo que estava sentado ao seu lado e tentar resolver o exercício.

Ao término da atividade a professora fez a correção coletiva na lousa e pediu para que os

alunos colassem a cruzadinha no caderno.

Os contos são escolhidos e lidos pela professora, presenciei a leitura do conto

“A roupa nova do imperador”, os alunos esperam ansiosos por esse momento, todavia,

muitos se distraem no decorrer da leitura. Logo depois, a professora pediu para que os

alunos fizessem um registro em forma de desenho sobre o conto.

Na atividade do projeto didático “Um olhar sobre a cultura dos povos indígenas

do Brasil: o cotidiano das crianças”, a professora escolheu a atividade 3B do material, em

que a proposta era relacionar as legendas já existentes, todavia misturadas, com as fotos da

atividade. A professora separou a classe em duplas para a realização da atividade. O que

para ela não foi uma boa ideia, pois as crianças não conseguiram manter o foco no trabalho.

Então, a professora teve que pedir para que os alunos voltassem para os lugares e

completou a atividade com o grupo todo.

Até esse momento meu estágio foi apenas de observação, iniciarei agora o

relato da sondagem de escrita, atividade de regência solicitada pela professora, que

desenvolvi em quatro dias consecutivos com os alunos.

A professora me passou as seguintes orientações: chamar um aluno por vez e

explicar a ele que deverá tentar escrever algumas palavras e uma frase que serão ditadas. A

primeira palavra será polissílaba, a próxima será trissílaba, seguida de uma dissílaba e, por

último, uma monossílaba. E que quando eu estivesse ditando, não deveria marcar a

separação das sílabas, portanto deveria pronunciar normalmente as palavras. Me orientou

também para ficar atenta as reações dos alunos enquanto estivessem escrevendo e que

anotasse qualquer observação, pois isso poderia posteriormente ajudar a perceber quais são

2 Atividade em anexo ao final do trabalho.

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suas ideias sobre o sistema de escrita. E que a cada palavra ditada deveria pedir para que o

aluno lesse em voz alta o que tinha acabado de escrever, indicando com o dedo a parte lida.

Essa atividade é feita logo que é iniciado o ano letivo e depois no final de cada bimestre.

Enquanto a professora realizava uma atividade coletiva com a classe, fui chamando

individualmente cada aluno, expliquei que iria ditar uma sequência de palavras e por último

uma frase e que ele deveria escrever uma embaixo da outra. As palavras eram: cachoeira,

natural, banho e mar. A frase era: Eu visitei uma cachoeira natural. Posteriormente a isso a

professora pediu minhas anotações e as sondagens dos alunos. Ela arquivou uma a uma em

uma pasta onde estão todas as sondagens desde o começo do ano. E então iniciou a

avaliação, com o objetivo de analisar as hipóteses de escrita que os alunos haviam

demonstrado nessa atividade. Mostrarei a seguir alguns exemplos de sondagens de escrita,

já avaliadas pela professora3:

3 As interpretações e as descrições de cada hipótese foram feitas pela professora da sala.

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Alfabética inicial. Neste estágio, o aluno já compreendeu o sistema de escrita,

entendendo que cada um dos caracteres da palavra corresponde a um valor sonoro

menor do que a sílaba. Agora, falta-lhe dominar as convenções ortográficas.Silábico-alfabética. Este nível marca a transição do aluno da hipótese silábica para a

hipótese alfabética. Ora ela escreve atribuindo a cada sílaba uma letra, ora

representando as unidades sonoras menores, os fonemas.Silábica com valor sonoro convencional. Cada letra corresponde a uma sílaba falada

e o que se escreve tem correspondência com o som convencional daquela sílaba, em

geral representada pela vogal, mas não exclusivamente. A leitura é silabada.

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Contraste com o curso

e com a teoria

Pensando no processo de alfabetização, a Escola Estadual Mary Moraes tem

como objetivo alfabetizar todas as crianças até os 7 anos de idade. Para isso, a escola conta

principalmente com o material “Ler e Escrever”, resultante de um convênio com a

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP), cuja a abordagem é

construtivista e seu cumprimento na prática inclui ações de direcionamento aos

coordenadores, formação de professores, acompanhamento, elaboração e distribuição de

materiais pedagógicos para os alunos do 1° ao 5° ano. Esse material tem como objetivo

romper a cultura escolar de que muitos alunos passam os ciclos sem conseguir aprender a

ler e a escrever, resultando no fracasso escolar. Paralelo a isso, as professoras planejam

atividades a parte para serem aplicadas nas aulas, com o objetivo de complementar o

ensino.

Todavia, a partir da observação do estágio, das aulas assistidas e dos textos

estudados no curso, podemos perceber que nessa escola, o processo de alfabetização está

intimamente ligado a habilidade da escrita. A partir da vivência na Escola Estadual Mary

Moraes é notável que os profissionais entendem que primeiramente as crianças devem

aprender a escrever, visto que a maioria das atividades trazem esse desafio como objetivo

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Silábica sem valor sonoro convencional. Cada letra ou símbolo corresponde a uma

sílaba falada, mas o que se escreve ainda não tem correspondência com o som

convencional daquela sílaba. A leitura é silabada

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principal. Uma das propostas é a cópia da rotina escrita na lousa pela professora. Para

Emília Ferreiro (2011), o exercício da cópia, utilizada na maioria das escolas caracteriza-se

como sendo de caráter mecânico com utilização de exercícios motores relacionados ao

desenho das letras, bem como do estabelecimento da associação de formas sonoras às

formas gráficas e à sua memorização, considerando alfabetização simplesmente como uma

associação entre o oral e o gráfico.

Para citar uma outra proposta em que a escrita é trabalhada como foco

principal, podemos usar como exemplo a atividade de cruzadinha com banco de palavras,

em que o desafio consiste na busca pela palavra que traz o número de letras que se encaixa

no lugar correto. Ao observar as crianças realizando essa proposta, nota-se que ao invés de

realizarem uma reflexão sobre o funcionamento do sistema de escrita, as crianças ficavam

fazendo contagem dos espaços e através de uma tentativa de erro. Vale lembrar também

que a atividade de sondagem consiste em mais um exemplo de proposta em que a escrita

está colocada como objetivo principal. Claudemir Belintane em seu livro: “Oralidade e

Alfabetização: uma nova abordagem da alfabetização e do letramento” (2013) tenta

justamente resolver essa complexa questão em seu primeiro capítulo: “Oral e escrito

fazendo letras”, será que para a criança ter uma esplêndida entrada na escrita basta esta

compreender o jogo entre o oral e o escrito?

Sabemos que antigamente todos os conhecimentos eram transmitidos

oralmente, sendo por muito tempo o principal meio de comunicação dos homens, a

memória visual e auditiva eram as únicas formas de armazenamento do conhecimento.

Portanto a inteligência estava intimamente ligada a capacidade da memorização. Para

Walter Ong (1998) existem duas concepções que definem a oralidade: a primeira nomeada

por ele de oralidade primária, essa citada anteriormente, que se refere as pessoas iletradas,

aquelas que só tinham o conhecimento da linguagem oral; e a oralidade secundária, que se

refere a atual cultura, da alta tecnologia, em que os sujeitos falantes associam a palavra oral

à forma escrita. Para o autor, na atualidade, não existem mais culturas orais primárias, pois

em certa medida todas tem um conhecimento, nem que seja pequeno, da escrita.

Segundo Belintane (2013) podemos notar que essa cultura, nomeada por Ong

(1998), da alta tecnologia, sofre uma grande defasagem quando o assunto é tradição oral,

podemos perceber que as crianças logo que chegam no ensino fundamental I, dificilmente

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trazem consigo alguma seleção de memória oral. Nesse sentido, o Referencial Curricular

Nacional afirma que

A aprendizagem oral possibilita comunicar ideias, pensamentos e

intenções de diversas naturezas, influenciar o outro e estabelecer relações

interpessoais. Seu aprendizado acontece dentro de um contexto. Quanto

mais as crianças puderem falar em situações diferentes, mais poderão

desenvolver suas capacidades comunicativas de maneira significativa

(1998, vol. 3, p. 120).

Cabe então ao professor apresentar o rico conjunto de textos que vem dessa

tradição, como por exemplo, contos, narrativas, poemas, como também trazer a brincadeira

infantil para o ambiente da sala de aula, trabalhar com trava-línguas, adivinhas, parlendas,

ditos populares, pegadinhas, réplicas rimadas, conto cumulativo, entre outras. Assim como

afirma Bakhtin estamos diante de uma extrema heterogeneidade de gêneros do discurso

(orais e escrito):

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são

inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque

em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do

discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se

complexifica um determinado campo. (2003, p. 262)

Não podemos esquecer que estamos tratando de crianças de 6 anos de idade, e

que muitas vezes segundo Belintane (2014), os professores trabalham principalmente com

giz, lousa e elementos da alfabetização. Deixam de lado esse contato mais profundo e

fundamental da subjetividade dessa criança, esquecem que o caminho para a entrada da

escrita está justamente na contação de histórias –definida por Belintane como aquela que é

verdadeiramente do mundo oral–, na brincadeira com as palavras, pois a partir do momento

que ela aceita o jogo, ela aceita entrar na escrita com mais facilidade.

Foi presenciado no estágio um episódio em que a professora realizou a leitura

em voz alta do conto: “A roupa nova do imperador” de Hans Christian Andersen. Logo

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depois pediu para que as crianças fizessem um desenho para ilustrar o conto e finalizou a

atividade. Podemos perceber que a professora utilizou a prática da leitura em voz alta,

ficando com as mãos segurando o livro, isto é, impossibilitada de tocar nas crianças, de

andar pela classe, de olhar nos olhos dos alunos, de trazer essas crianças para a história.

Assim como afirma Belintane:

A contação de histórias praticamente não ocorre (claro que há exceções, já

vi professores que tiram muito proveito da contação e sabem distingui-la

da leitura em voz alta), entretanto o que encontramos com facilidade,

embora com pouca diversidade, são textos de origem oral apresentados

por meio da escrita e da leitura em voz alta. O pior é que tanto professores

como autores de livros didáticos chamam tudo isso de oralidade, ou seja,

na concepção deles, oralidade é usar o aparelho fonador (do mesmo modo,

acreditam que quando um aluno conversa com o outro para fazer um

trabalho em grupo ou em dupla, também está praticando oralidade).

(BELINTANE, edição possível: primeiro semestre de 2016)

Além disso, a professora fez inúmeras interrupções para chamar a atenção dos alunos que

estavam inquietos o que rompeu com o ritmo da narrativa. Segundo Katia Nanci (2013) o

uso dessa tradição oral deve fazer parte do processo de alfabetização, contando que o

professor domine esse repertório, a autora acredita que estar disposto a trabalhar com essa

performance é algo que irá contribuir bastante para o aprendizado. De acordo com

Belintane:

Diferenciar o ato de contar do ato de ler em voz alta seria uma operação

fundamental na definição dos currículos de formação de professores.

Quando os manuais didáticos puseram os pés no mundo contemporâneo e

levarem em conta que a voz humana (inclusive das crianças) pode ser

registrada e ter sua performance filmada, todas esses recursos aqui

sugeridos possam ser de fato aproveitados para se cultivar uma

subjetividade de entre-textos e de entre-meios. (BELINTANE, edição

possível: primeiro semestre de 2016)

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Portanto, temos a impressão de que ali a cultura da tradição oral é entendida como

secundária, parecendo não estar integrada ao processo de alfabetização.

Considerações finais

De acordo com Emília Ferreiro (1986), a alfabetização é um processo que se

inicia muito cedo, assim que surgem oportunidades das culturas escritas ao redor da criança

essa já está dando os primeiros passos da aprendizagem. Não é necessário que a criança

tenha 6 anos e que esteja diante de uma professora para começar a aprender, segundo a

educadora, as crianças tem o mau costume de não pedir permissão para isso, essas já

chegam na escola com um conhecimento anteriormente adquirido, cabe aos professores

reconhecer o que essas crianças já sabem para então criar atividades que irão desafiá-las.

Desse modo, podemos entender que nesse período de transição da educação

infantil para o ensino fundamental I, a criança necessita antes de adquirir a prática da

escrita, ouvir e compreender os textos que estão ao seu redor, seja ele um bilhete, uma

receita, um conto, um gibi... para então posteriormente a criança dimensionar que na sua

vida social a escrita tem um uso e é fundamental.

A oralidade é um indispensável caminho para uma alfabetização eficaz, já que

essa requer uma reflexão sobre a relação entre a fala e a escrita. Após o curso de

Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa e a observação do estágio, podemos elencar

diversos aspectos positivos para o trabalho com a oralidade, como por exemplo a

possibilidade da criança se tornar mais comunicativa e ter maior interação com o grupo

desenvolvendo sua autonomia, seu pensamento crítico, além de enriquece seu vocabulário.

Portanto, acreditar que o processo de alfabetização deve ser iniciado apresentando

preferencialmente o exercício da escrita, é um equívoco, pois o envolvimento que as

atividades de oralidade geram nas crianças, contextualizam e propiciam uma interação,

maximizam as oportunidades de aprendizagem e aumentam os conhecimentos culturais,

sociais e linguísticos.

Espera‐se que o presente trabalho tenha proporcionado, ainda que de forma

limitada, uma reflexão sobre o quanto é importante trabalhar a oralidade infantil desde o

início de sua escolarização, e que o trabalho da oralidade seja visto como um fator essencial

dentro da sala de aula.

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Anexo 1:

Anexo 2:

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Referências bibliográficas

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BELINTANE, C. Oralidade e Alfabetização: uma nova abordagem da alfabetização e do

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na escola pública. In. Educação e Pesquisa. Vol. 36 n.3 São Paulo: Feusp, 2010, pp. 685-

703.

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CORTEZ (edição possível: primeiro semestre de 2016)

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http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=6324-

pceb011-10&category_slug=agosto-2010-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 4 de novembro

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___________. Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Disponível em:

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Educação Brasileira 182 - Claudemir Belintane e Katia Arilha Nanci. Univesp TV. São

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