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NOVOS SONETOS Sobre o amor e outros assuntos João Anatalino

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NOVOS SONETOSSobre o amor e outros

assuntos

João Anatalino

João Anatalino

I

AMOR NO PLANO ASTRAL

Se uma noite, por acaso, você acordar,Sentindo no corpo arrepios de prazer, Relaxe, mas não queira compreender, Porque é complicado até para explicar.

Na minha vida de dias tão enfadonhos,Sonhar virou minha diversão preferida.É assim que, em uma visita consentida,

Quero vê-la em um dos meus sonhos.

Às vezes, numa existência sem sentido,A única forma de obter prazer é sonhar,Especialmente quando se trata da libido. .Assim, espero que não me leve a mal, Se eu for, qualquer noite, lhe procurar,Para a gente fazer amor no plano astral.

Novos Sonetos

2

II

LÁGRIMAS DE AMOR

Se você me diz que sofre por amor,Respondo que comete um engano.Amor não foi feito para causar dor, Mas sim para elevar o ser humano.

Amor é feito com virtuosa essência, E sua função é só despertar prazer; Se dói, não é amor, mas só carência, E nesse caso, o remédio é esquecer.

Se um amor, um dia, lhe fez chorar, Será por ele que sua lágrima correu, Ou pelo fato de ter sido enganado?

Pois ninguém deve sofrer por amar, Mas sim, pelo tempo que se perdeu, Com quem não merecia ser amado.

João Anatalino

3 III

OBSESSÃO

Ao meu amor, eu sei que devo tanto,Que pagaria com um canto diferente,Se eu fosse aquele poeta competente,Que sabe dar melodia ao seu encanto. Mas talvez por ter tanto sentimento,Neurônios no cérebro não me sobra,Para poder me ocupar de outra obra,Por isso é que eu nem mesmo tento. Fixados, meu coração e pensamento, Obcecados, só mantém seu foco nela,Sem dela se afastar um só momento. Até quando durmo e estou sonhando,Minha mente se parece com uma tela,Onde ela é o filme que está passando.

Novos Sonetos

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IV

UM INSTANTE DE AMOR

Se o mundo a trouxe onde eu estava,Ou se me levou até onde você mora,Isso o que menos me importa agora,Pois você era tudo que eu procurava. Bom que o universo tem esse motor,           Que o faz girar em todas as direções,Fazendo com que nossos corações,Um dia se cruzem na ponte do Amor. É que o Amor é inesgotável energia,Que mais gera quanto mais se gasta; Não se perde e também não se cria, Mas sempre faz de nós coisa melhor.Por ser força que a si mesmo basta,

João Anatalino

A eternidade é um instante de Amor.

  5

V

DIREITO DE CONQUISTA

Ninguém deve ter a obrigação de pagarPelo bem que graciosamente recebeu.Assim como não é possível recuperar,O carinho que agora já não é mais seu. Destarte, não precisa se sentir culpada.Na verdade, o coração que você levou,Já era seu. Assim, não me roubou nada,E leva só o que por direito conquistou. O incompetente nesse negócio fui eu,Pois entreguei o meu sem contrapor,Que em troca você me deixasse o seu. Mas não faz mal. É como diz o ditado:

Novos Sonetos

Dói muito menos viver sem um amor,Do que morrer sem nunca ter amado. 

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VI A COR DO SONHO

Nós não sonhamos com o que queremos,

Porque não controlamos nossos sonhos; Assim, se os nossos sonhos são bisonhos, Culpemos essa faculdade que não temos.

No sono, nossa mente fica sem comando;

E só mostra o que desejamos ou tememos. Aí, se for escura a tinta com que pintamos, Essa vai ser a cor dos sonhos que teremos.

João Anatalino

Nossa mente é como o espelho mais fiel, Que só reflete o objeto que for mostrado, Com os matizes que a ele tiver sido dado.

Dê-lhe azul: ela o fará sonhar com o céu; Branco-gelo nos dará sonhos de inverno, Vermelho nos fará sonhar com o inferno.

7 VII AMOR E AMIZADE

Quem um dia amou nunca para de amar,Mesmo que o seu coração deixe de bater.Como a formiga, no frio vai se recolher,Mas dentro da terra continua a trabalhar. 

Novos Sonetos

Um coração é como uma casa sem porta;Quem nele bate, sempre encontra abrigo,Seja como amante, ou então como amigo;A que título vem, é o que menos importa, Assim como os machos com suas fêmeas,Amor e amizade vivem na alma da gente,Como se fosse um casal de almas gêmeas. E é bom que habitem no mesmo coração,Porque se o amor morrer ou ficar doente,A amizade é que vai manter viva a relação.

João Anatalino

8 VIII

O TEMPO 

Para quem fica, o tempo transcorre lento,Tal como o trem que demora para passar.Mas para quem vai, é rápido como vento,Bem pior é saber que ele nunca vai voltar. Anda devagar para quem não tem pressa,É muito rápido para a criança que cresce;O dia é século para o jovem que começa,Século é dia para a pessoa que envelhece. Chega atrasado quando se vive

Novos Sonetos

esperando,E vem cedo para quem só o quer retardar,Nunca se acha quando se está procurando. Para uns é o céu e para outros um inferno;E dura pouco para quem não o sabe gastar,Mas para o amante, ele sempre será eterno.

9 IX O CORVO E A CEGONHA

A razão da vida que ao mundo um dia veio,Com certeza um belo dia vai ter que

João Anatalino

voltar,É porque nela não temos como estacionar,E não há vagas para alguém parar no meio. Pois ela só quer que a gente se movimente;Nela não existe o ponto de inércia absoluta.Por isso a natureza fez dela uma eterna luta,Que descarta o fraco, o frágil, e o indolente. Pois se a própria luz saiu de dentro da treva,Para formar este universo em que vivemos,E retornar para o buraco negro e profundo; 

Novos Sonetos

Também a matéria que um dia o corvo leva,Ainda que com isso não nos conformemos,É só aquela que a cegonha trouxe ao mundo.

10 X IDÉIAS E IDEAIS

Ter ideias é tão diferente de ter ideais,Quanto o ter não se parece com o ser.Ser rico não significa ter sempre mais,Informação não é sinônimo de saber. Não se mistura a coragem e a valentia,E o bravo não se mostra imprevidente;Agitação não se confunde com energiaEsperto não se compara ao inteligente. 

João Anatalino

Sentir dor não se iguala a estar doente,Comunicar não quer dizer falar a esmo.E o rebelde não tem nada de diferente. Estar aqui não significa o ser presente;E um homem pode ser fiel a si mesmo,Sem precisar ser o mesmo para sempre.

11 XI AMIGOS

Conserva os amigos que conquistastes,Como se fosse o teu mais rico tesouro;O bom amigo vale mais que todo ouro,Que porventura nessa vida já ganhastes.

E a verdadeira amizade é um raro bem,Que vem de graça, dado pela natureza.Mas só quando perdemos essa riqueza,

Novos Sonetos

Nos damos conta do valor que ela tem. Por isso é bom ter amigos de verdade,E não perdê-los por agravos tão banais,Que no fundo só nos ferem a vaidade. Principalmente se estivermos na idade,Em que só os encontramos em funerais,E não há tempo de fazer nova amizade.

12 XII

CHÃO DE ESTRELAS

Minha vida, tal qual na bela canção,Também já foi um palco iluminado,Onde atuei, vestido de cor e ilusão,Fazendo figa para nunca ser vaiado.  A  fantasia para mim era esperança,Meu sorriso não era de falsa alegria.

João Anatalino

A felicidade era algo que se alcança,No caminhar constante de cada dia. Veio a noite, e com ela a escuridão;Toda beleza, com a luz se evaporou,Tal neblina que o sol vem dissolver. E se já houve estrelas no meu chão,A mão da sorte há muito as apagou,E outra mão não consegue acender.

13 XIII

A CONSPIRAÇÃO DO UNIVERSO

Pois mais longe pareça estar o horizonte,Não pense que não há mais nada a fazer;Saiba que existe um lugar além do monte,

Novos Sonetos

Onde o mundo ainda está para acontecer.                                                                      Sonhe um lugar assim, de pessoas felizes,Em que o idioma não tem a palavra não;Um país no qual as pessoas são tão livres,Que o proibido é só a própria proibição. Creia nisso, porque existe uma divindade,E a natureza não faz nada para ficar à toa,E nós temos que exercitar o nosso amor. Os sábios dizem, e acredite que é verdade;Se o coração é sincero e a intenção é boa,Todo o universo conspirará a nosso favor. 

João Anatalino

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XIV CIÚMES

Este é um fato já bem comprovadoMas não consigo descobrir por quê; Toda vez que faço amor com você,Eu sinto que estou sendo enganado. Embora eu saiba que você me ama,Basta só você me olhar com desejo,E de repente, é a outro que eu vejo,Com você, deitado em nossa cama. Quem sabe eu esteja mesmo pirado,Pois é loucura o que estou dizendo:Porém quando você me olha assim, Imediatamente eu esqueço de mim.Daí, se não é mim que estou vendo,Quem é o cara que está do seu lado?

Novos Sonetos

15 XV

CONFRARIA DAS ESTRELAS

Nesta hora insone da madrugada,Haverá uma alma ainda acordada,Para acompanhar-me ao quintal,E irmanar-se comigo neste ritual? E se alguma houver, se apresente, Como a pessoa que ouve e sente,A voz da noite, a febre da poesia,E queira entrar para esta confraria.

Seremos como noviços iniciados,Na louca Irmandade das estrelas,Fundada por poetas apaixonados.

E quando estivermos preparadosAs nossas almas se unirão a elas

João Anatalino

Nos seus Mistérios mais sagrados. 

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XVI ESCRAVIDÃO 

O olhar que fez nascer o meu amor,É o mesmo que matou minha razão.Pois foi quando nasceu esta paixão,Que eu deixei de ser livre pensador. Eu, que sempre me vi independente,Um perseguidor da fugidia verdade,Agora sou escravo da conformidade;A sua imagem domina minha mente. Numa cabeça onde já morou um dia,A visão perfeita da razão mais pura,Agora nenhum raciocínio mais cabe. Amar você, hoje é a minha filosofia:

Novos Sonetos

Se para o sábio, paixão é só loucura,Para o amante é tudo o que ele sabe.

17 XVII

RELEITURA

Se quiser, pode apagar-me da memória;Mas peço que você, de vez em quando, Se lembre que eu ainda estou morando,Nos registros que contam a sua história. Prometo até não ficar muito aborrecido,Por não ter sido preferido como amante,Desde que você me conserve na estante,Como livro que gostou muito de ter lido. E ao sentir que está lhe faltando poesia,Será bastante pegar na estante e folhear,Aquelas páginas que você já leu um dia.

João Anatalino

 E nesse instante você irá compreender,Que quem gasta pouco tempo em amar,Vai levar uma vida inteira para esquecer.

18 XVIII

AMOR ETERNO

Quem tem amor, trate-o com carinho,Como se fosse o último e o primeiro.Nunca o deixe um só minuto sozinho, Nem deseje que ele seja o derradeiro. Pois o verdadeiro amor é um viajante,Que não conhece medida ou fronteira;Mesmo que dure somente um instante,É a moeda para se gastar a vida inteira. Se o universo é energia em expansão,

Novos Sonetos

É o amor, que aglutinando sua massa,Proporciona a necessária organização. E também é sinônimo de perenidade;Tudo que nasce, um dia morre e passa,Mas o amor repercute pela eternidade.

 

19XIX

CATEDRAL DO AMOR

Catedral do Amor, este meu coração, Incensou altares de paixões intensas,Onde a mais pura de todas as crençasEra professada como se fosse religião.                                                          Pois a vida inteira tive uma convicção:Que só alcança verdadeira divindade,Aquela alma que acredita de verdade,Numa filosofia de amor por profissão.                                                             

João Anatalino

E amar foi minha verdadeira doutrina,A teologia capaz de trazer a libertação,Uma verdade que livro nenhum ensina.  Mas se nem Jesus escapou da sua sina,Eu também fui uma vítima da traição. Amar demais foi causa da minha ruína.

20 XXI

A TAMPA DA PANELA

Se um homem é aquilo em que ele crê,A crença que apregôo em meus altaresÉ que amores podem ter sido milharesMas somente um foi verdadeiro: você.                                     Amei a todas, somente a você amando, Pois em todas as mulheres que amava, Era alguém como você que eu buscavaE por isso eu vivia sempre procurando.

Novos Sonetos

                                                     Encontrei-a e mais nada quero da vida,Porque você literalmente me encampa:A minha busca foi muito bem sucedida. O que nos serve, o amor sempre soube;E como toda panela só tem uma tampa,Você é aquela que por destino me coube.

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Novos Sonetos

XXI À MODA DE CAMÕES

O amor é como uma chama que arde,Uma ferida que queima, mas não dói;É poção que no peito de um covarde,Torna-se filtro que faz dele um herói. Masmorra onde um dia foi torturado,A ela volta para sofrer tudo de novo;A tal suplício, com prazer redobrado,Se entrega como se tudo fosse gozo. Quando se ama, a medida é o querer;Nada é grande que a ela se compare,E não há razão que anule o seu valer. Pois o amor sempre fica por Parecer,Quando outro argumento já não vale.Sem amor, toda vida é um não viver.

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João Anatalino

XXII SÒ O TEMPO CURA

Todo arrebentado, o meu coração  Foi consultar a doutora Sabedoria,Mas ela disse não estar de plantão,E mandou procurar a Dra. Alegria. E a Alegria, que de férias ia saindo,Me disse não ser sua especialidade.Talvez seja bom ─ falou ela, rindo,─ Você ir procurar a Dra. Saudade.

Dra. Saudade chamei por telefone,Procurando agendar uma consulta,E ela nem me deixou dizer o nome. – Meu amigo, é bobagem procurar,  A sua doença ─ disse ela, resoluta,─ Só Dr. Tempo é que pode curar.

Novos Sonetos

23 XXIII CORAÇÃO VALENTE

Para defender um verdadeiro amigo,Qualquer um dará um passo à frente;Mas se isso lhe trouxer algum perigo,Três para trás ele dá imediatamente.

Normal é que ninguém se apresente;A autodefesa sempre fala mais forte;Pois só quem tem o coração valente,Apostará nesse jogo a própria sorte.

Só mesmo um verdadeiro TiradentesDará sua vida por aquilo que acredita:                A maioria é composta por descrentes.

Na dura prova só o mais forte resiste;Pois o covarde foge, o fraco claudica,O venal se vende e o delicado desiste.

João Anatalino

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Novos Sonetos

XXIV COMPANHEIRISMO

Não peço que andes na minha frente;Não estou necessitando de batedores.Também não queiras ser meu docente,Eu não estou procurando professores. Não sejas companheiro da minha sina,Pois eu não estou atrás de seguidores,E nem quero te ensinar uma doutrina,Bem sei que tu já tens os teus valores.

Porém, sejas bem-vindo como amigo,  Para comungar comigo teus assuntos;E se quiser, dividirei os meus contigo.  Um homem sozinho pode desanimar,Mas quando os dois caminham juntos,Eles sempre chegarão a um bom lugar.

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João Anatalino

XXV PAIXÃO

A paixão é como fogo de churrasqueira.Enquanto há carne ele conserva o lume.Mas quando acaba e só fica a bebedeira,No fundo só restam as cinzas do ciúme.

É como se fosse uma festa que começa,Sem saber o que vai rolar na despedida;A farra acaba, sobra só a dor de cabeça,Que se tem quando se abusa da bebida.

A boca amarga, o gosto da embriaguez,No outro dia, é a lembrança desse jogo,Que sempre jogamos mais de uma vez.

Um coração queimado é só o que resta;Mas quem não se deixa assar nesse fogo, Jamais vai saber o que é uma bela festa.

Novos Sonetos

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XXVI

AMAR É NUNCA TER QUE PEDIR PERDÃO

Só nos aborrece aquilo que desprezamosE desprezamos aquilo que de nós destoa.Mas destoamos daquilo que não amamos,E não é comum amar a quem nos magoa.

Toda mentira é como se fosse fel em água,Temperando de amargura o amor da gente. Mas só o amor pode curar a dor da mágoa,

João Anatalino

Se for só de mágoa a dor que a gente sente.

Perdoar pode curar um coração magoado,Mas quem magoa será sempre um doente.Perdão cura quem dá e não a quem é dado.

Mesmo que a frase seja apenas um chavão,Nela existe uma verdade bem consistente:Porque amar é nunca ter que pedir perdão.

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XXVII

PALAVRAS VAZIAS

Novos Sonetos

Aquele que diz que fala sem pensar;É mentiroso ou de fato está doente:Pois a língua só é capaz de articularO conteúdo que há em nossa mente. A boca só fala o que há no coração,E a palavra não nasce naturalmente.Seu pai é o cérebro, a mãe a emoção,O verdadeiro útero é o inconsciente.    A língua é a ferramenta competente,Que a mente utiliza para comunicarO que se passa no interior da gente. Sendo falsa, o resultado nós sabemos;E se a usarmos para a outros enganar,Ela acaba é enganando a nós mesmos.

28 XXVIII

O BURRO MALANDRO

João Anatalino

Ao burro malandro um boi reclamava:“Infeliz sou eu que somente trabalho;O dia inteiro vivo dando este malho,E á noite só me dão esta mísera fava.” “Idiota é você porque nunca reclama”,Disse o burro:“Eu só vivo empacado,Assim não me atrelam relha ou arado,E tenho sempre boa comida e cama.” Como o boi resolveu ao burro imitar,Para o trabalho não ficar acumulado,No burro malandro foi posto o arado. E não adiantou o danadinho empacar,Pois ele foi obrigado á custa de relho :É o castigo a quem dá mau conselho.

29 XXIX PALHAÇO

Novos Sonetos

Enquanto olharmos só para nós mesmos,Nunca veremos como de fato nós somos;Porque, por muito mais que nos olhemos,Continuaremos a ver só o que queremos. Tal como os coringas de um jogo de azar,Qualquer liga nos servirá para um encarte;Quando o raio não está em nenhum lugar, Nosso centro se espalhará por toda parte. Foi procurando na infinidade do universo,Aquilo que só se pode buscar dentro de si,Que o homem se tornou o sátiro

João Anatalino

perverso, Que faz da vida a comédia mais engraçada.De tudo o que lhe acontece um palhaço ri,

Mas nunca aceita que ele próprio é a piada.

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XXX O FRADE DORMINHOCO

Um jovem frade, de alma pura e inocente,Muito cansado dos trabalhos do convento,Numa sombra se deitou por um momento,Mais que depressa dormiu profundamente.

Novos Sonetos

 E quando acordou a tarde estava chegando,Um sol mortiço já se deitava no horizonte,A lua branca despontava atrás dum monte,E um sino, na distância, ele ouviu tocando. Com medo que já o estivessem procurando,Para o convento, feito um bólido ele correu.Mas que surpresa foi a sua em lá chegando: Porque tudo ali lhe era agora desconhecido.Então, olhando o calendário, ele percebeu:Que por duzentos anos ele havia dormido!

João Anatalino

31 XXXI DÍVIDAS E DIREITOS

Não precisamos mostrar medo ou vergonhaPara exigir tudo o já que é nosso por direito.O homem é o reflexo daquilo que ele sonha,A chave do poder está guardada no seu peito. Saber que merecemos é tudo o que importa,Depois é lutar pelo que se quer e se acredita.Coragem é chave mestra que abre toda porta.O bom lutador é quem não recua nem hesita.

Novos Sonetos

 A natureza, nossa mãe, sempre foi inteligente;Como ela sabe do que nós todos somos feitos,O que merecemos, ela nos dará naturalmente. Pois a vida sempre foi e será ótima pagadora;Se tivermos, ela jamais negará nossos direitos,Mas é bem cruel com quem dela for devedora.   

32 XXXII PENSAMENTO POSITIVO

Se pudermos sentir o nosso coração bater,

João Anatalino

Isso diz que nós ainda estamos bem vivos.Pois Deus nos deu um dia mais para viverNão para usar com pensamentos negativos.

Respire fundo, encha o peito, erga a fronte,No que você crê, isso mesmo é o que terá.Jesus disse: Se tiveres fé direis a este monte:Sai daqui, lança-te ao mar: e ele obedecerá.

A vida é justa e só nos dará o que pedirmos,Nunca mais, nunca menos que o acordado;E os acordos somos nós que os redigimos.

Novos Sonetos

Exija da vida tudo o que ela tem para dar,E vá em frente, mas não espere aí sentado;Pois ela dá, mas a gente tem que ir buscar.

33 XXXIII

USUCAPINDO FELICIDADE

O dinheiro procura os ambiciososTal como o melancólico a solidão.A pobreza é o prêmio dos ociososE a riqueza é o troféu da ambição.

Em baixo é o mesmo que em cima,O de dentro, igual ao que está fora;A tristeza com alegria não faz rima,Mais tarde não combina com agora.

João Anatalino

E se alguém te perguntar se és feliz,A resposta nunca deve ser um não,Porque na vida só é como se fosse.

O que queremos o mundo nos dará,A felicidade nos vem por usucapião,E só se dá a quem dela já tem posse.

34 XXXIV

SONETO DA FIDELIDADE

Longe ou perto, serei só fidelidade.Ao meu amor não serei indiferente,Com ela,sempre e completamente,Estarei, sem dar espaço à saudade.

Pois meu amor é de fato tão imensoQue se durasse apenas um segundo,Não caberia no limite deste mundo,

Novos Sonetos

Sendo eterno por ser assim intenso.

Não pode haver uma relação estável,Se entre os parceiros não se alcança,O patamar da verdadeira sinceridade;

Duas almas formam liga inseparável,Se plantadas no jardim da confiança,Adubado com o húmus da fidelidade.

35 XXXV

O JUDEU ERRANTE

Pelas ruas íngremes de um burgo imundoO condenado passa, carregando sua cruz.Nas lanhadas costas leva a dor do mundo,Mas nos olhos claros brilha virtuosa Luz.

João Anatalino

No entanto a força falta ao exausto corpo,E seus joelhos dobram a cada passo dado;É um pobre homem que está quase morto,Mas em cada queda é ainda mais castigado.

Caiu em frente à uma oficina de sapateiro,E seu dono lhe disse com prazerosa ironia:─ Profeta, pega tua cruz e segue em frente!.

Jesus respondeu: ─ Nada mais verdadeiro:O meu sofrimento não vai passar deste dia,Mas o teu, Ashaverus, durará eternamente!

Novos Sonetos

36 XXXVI OBSOLESCÊNCIA

Como falar deste amor que agora tenho,Se quando amei sempre dele fiz segredo.Talvez por egoísmo, e quem sabe, medo,Não tirei dele energia para meu engenho.

E porque não quis me calçar em tal valorA minha alma esteja agora assim tão fria,Que até mesmo a nossa deusa da poesia,Já não recebe as confissões do meu amor.

Entretanto, quando amei, não foi pouco;

João Anatalino

Mas dizem que o amor já ficou obsoleto,Nem deve mais, ser em versos celebrado.

Por isso agora estou me vendo no sufoco:Quero dizer o quanto te amo num soneto,Mas não acho tom, nem o ritmo adequado.

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XXXVII A LENDA DE ENOQUE

Enoque, o patriarca, entre os homens bons,Pelo Senhor numa missão foi contemplado;Para que fosse o primeiro entre os maçons,

Novos Sonetos

Nessa sublime arte dos Demiurgos iniciado.

Então, pelos canteiros da obra divina viajou,Com mestres-arcanjos servindo como guia;E os dez céus do universo ele contemplou,Com eles adquirindo essa magna sabedoria.

Viu que o mundo é como se fosse o edifício,Que embora não tenha chão, parede ou teto,Nós o construímos como pedreiros de ofício;

Trabalhando nessa obra um pouco todo dia.Tendo Deus por Grande Mestre- Arquiteto,

João Anatalino

Praticando a arte que é chamada Maçonaria.

38 XXXVIII CRÍTICA É INFORMAÇÃO

Há quem diga que eu escrevo só bobagem.Não posso negar, a maioria foi publicada.Pelos menos eu sempre tive essa coragemMas quem me critica só diz isso na calada. Não me importo quando recebo correção;Homens não nascem acabados e perfeitos.Toda crítica eu só vejo como

Novos Sonetos

informação,Que utilizo para corrigir os meus defeitos. Nada fiz que esteja já completo e acabado.Sou processo em pleno desenvolvimento,Não fazer é bem pior do que fazer errado. A quem me critica eu agradeço para valer.Quem me dera que até o último momentoPudesse estar sempre,sempre, a aprender.

39 XXXIX

EXPERIÊNCIA DE VIDA

João Anatalino

Eu não faço poesia por profissãoNem escrevo para ocupar espaço.Porém, todos os versos que faço,Quem compõe é o meu coração. E só expresso o que penso e sinto,E se registro é porque nisso creio,Talvez o que eu digo até seja feio;Mas posso garantir que não minto. Eu não me incluo entre os artistas,Nem espero conseguir seguidores,Meus poemas são atas transcritas; O coração gesta e a mão convalida.E sejam fruto de alegrias ou dores,Minha poesia é experiência de vida.

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XL

Novos Sonetos

VERDADE É O QUE DÁ RESULTADO

Como não sou dono da verdade,Não me importo em estar errado.Certo é o que pode ser provado,O resto é só exercício de vaidade.                                     E ser teimoso não é ser coerente.Como sustentar a nossa verdade,Quando se vê a própria realidadeDizer que a coisa é bem diferente? Ser inteligente é ter flexibilidade,Adaptar-se ao que a vida nos traz,Do que passou só ficar a saudade; A cada dia o seu próprio cuidado:Na vida só vale o que a gente faz,Verdade é aquilo que dá resultado

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João Anatalino

XLI AS MIL E UMA NOITES

El Shariar foi um sultão muito poderoso.E Samarcanda era o país que governava;Mas no amor ele não era lá muito ditoso,Pois que sempre uma mulher o enganava.

Por causa das experiências humilhantes,Concluiu que nenhuma mulher prestava. Decidiu dormir com mil e uma amantes,Cujas cabeças, pela manhã, ele decepava.

Foi então que surgiu a jovem Sherazade,Que além de sábia era muito inteligente, E do sultão conquistou logo a confiança.

Novos Sonetos

Com mil e um contos de amor e amizade, Ela curou o coração do rei intransigente,E assim que ele renunciou à sua vingança.

42 XLII O VERDADEIRO AMOR

No teu amor nunca ponha uma cercaNem o prenda como um passarinho.Não o deixe um só minuto sózinho, Nem permita que ele na rua se perca.

O verdadeiro amor é uma constante,Que não conhece medida nem idade,Mesmo que dure apenas um instante,Ele preenche o espaço da eternidade.

João Anatalino

Se o mundo é energia em impulsão,O amor é o portador daquela chama,Que transforma em luz a escuridão.

Porque o mundo é movido á paixão; Mas só existe tesouro quando se ama, E ele está onde nós pomos o coração.

43 XLIII QUEM ESPERA NUNCA ALCANÇA

Eu não posso esperar que Deus,Venha resolver coisas para mim.De que serve uma crença assim,Se o que eu quero é ser mais eu?

Não vou cultivar a passividade,E nem coração que se aposente;Eu quero estar sempre presente,Pois isso se chama assertividade.

Novos Sonetos

A força da fé está na esperança,Mas esta também quer ligeireza,Pois quem espera nunca alcança.

Esta é uma verdade comezinha:Quem pretende se sentar à mesa,Que ao menos ajude na cozinha.

44 XLIV CALEIDOSCÓPIO

A vida é um imenso caleidoscópio. Muitas cores que se pode escolher,Só uma coisa nunca dá para fazerÉ conseguir divórcio de si próprio.

Se eu e mim estão sempre comigoDesde o começo, até chegar o fim. E se eu sei que só pode ser assim,

João Anatalino

Preciso ser de mim um bom amigo.

Quem não enxerga o próprio valorComo poderá em outros encontrar, Alguma coisa que mereça seu amor?

Eis um ditado que cabe nesta rima:Não há pessoa que não sabe amar,O que há é gente sem auto-estima.

45 XLV

SENSIBILIDADE

Se vais deixar-me, tudo bem, eu aguento;Vai com Deus, dispenso as justificativas.Sai sem rodeios, sem dizer frases furtivas,

Novos Sonetos

Que só me trarão dor e constrangimento.

Não será fácil aprender a viver sem você,Pois na verdade, eu já estava acostumado,Com a sua presença, sempre ao meu lado. ,Mas nem tudo que acontece tem por quê.

Saia de mansinho, economizando sua fala,Porém tudo que é seu você tem que levar.Não quero nada que me leve a recordá-la.

Você faz parte da experiência que eu vivi.Se eu precisar de algo seu para me lembrar,

João Anatalino

Esteja certa que é porque eu já lhe esqueci.

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XLVI

AMAR, VERBO INTRANSITIVO

Juro que não me importaria morrerSem sentir que já fui amado um dia;Mas não me agradaria muito viver,Com a certeza de que nunca amaria. Pois amar é um verbo intransitivo; Que nunca precisou ter um objeto;Conjugado no ativo ou no passivo,Ele sempre está no tempo correto. O amor não precisa ter polaridade,Da parte dele nunca espero engano,Nem me importa se não sou amado.

Novos Sonetos

 Por isso eu acho, que na realidade,O amor que recebemos é profano,Mas aquele que doamos é sagrado. 

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XLVII O REPOLHO E A ROSA.

O repolho é verdura que espalha mal odor,Que aumenta na proporção que envelhece.Isso é porque ele nasce aberto como a flor,E vai se fechando na medida em que cresce. É o contrário do que acontece com a rosa,Que nasce fechada e depois vai se

João Anatalino

abrindo;Quanto mais se abre, mais ela fica cheirosa, Seu agradável perfume a todos distribuindo. Todos nós somos flores quando nascemos,E se nos abrirmos para a vida como a rosa,A doce fragrância pela vida espalharemos.  Assim, há quem espalhe perfume pela vida,E há quem exale a pestilência mal cheirosa,Que sempre há em uma mente apodrecida. 

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Novos Sonetos

XLVIII PRAZER TEMPORÃO

Não é muito inteligente minha querida,Você me dizer que pretende ir embora,Abandonando seu lugar na minha vida,Porque não dou o que você quer agora. Se cada momento vivido é importante,Você deve experimentar intensamente,Mas o prazer obtido em cada instante,Pode valer o que se perde para sempre? Uma vida não se completa em minutos,Ela não é planta de uma única floração,Mas a própria árvore que gera os frutos. Não vá trocar a felicidade que já é sua,Pelo prazer que é efêmero e temporão,Porque ele passa, mas a vida continua.

João Anatalino

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XLIX FALSA ERUDIÇÃO

Muito pior do que não saber de nadaÉ querer mostrar uma falsa erudição.Analfabeto é uma pessoa não letrada,Mas apedeuta é ignorante por opção.   Ninguém é obrigado a saber de tudo,E a simples ignorância será perdoada.Mais vale entrar calado e sair mudo,Do que falar muito e não dizer nada. Na dúvida, é melhor não dar opinião, Quando o que se vai dizer é só lorota,Não servindo sequer para informação, O palavreado inconsistente não faz fé.Melhor pensarem que a gente é idiota,Do que provar, que de fato, a gente é.

Novos Sonetos

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L O CARVÃO E O DIAMANTE

Quando amo o novo que não conheçoO velho se torna mais meu conhecido.Por que todo fim costuma ser começo,E nada será que ainda não tenha sido.

Só quem já foi verde se torna maduro,Só quem viu o escuro conhece o claro.Só quem sofre pressão fica mais duro,E só quem já foi simples se torna raro.

Um espírito só cresce se compactando, Mais dele se exige, mais energia reflete;E só se torna imenso se apequenando.

A vitória mais dura é a mais estressante;

João Anatalino

Pois não é a pressão à qual se submete,Que faz o carvão se tornar o diamante?

51 LI MORRER ANTES QUE O AMOR ACABE

Não existe um pensamento mais triste,Que saber que um dia eu posso lhe ver,E sentir que nada mais, em mim existe,Daquele amor que eu já senti por você. E nem sei o que vai ser mais dolorido,Se quando, no futuro, eu a encontrar;

Ouvir sua voz, sem a ter reconhecido,Ou ver seu rosto sem dele se lembrar. A velhice não é um estado opressivo,Se a gente mantém vivo o sentimentoQue conserva o coração sempre ativo.

Novos Sonetos

 A morte, quando vem, nunca se sabe;Como viver sem amor é um tormento,Quero morrer antes que o amor acabe.

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LII A VERDADEIRA BELEZA

  Diz o sábio: jamais vos fieis na aparência;

Pois ela pode ser, na verdade, enganadora.Por dentro é que há a verdadeira essência,Que faz do homem a criatura merecedora. Em energia, o átomo é invisível elemento,

João Anatalino

Porém é dele que vem toda a sua potência,Assim também toda beleza está por dentro,Por fora o que ela tem é só pura aparência. Beleza exterior não gera mérito que sobra,Pois ela serve somente para deleite frugal;O que fica de alguém é sempre a sua obra. Em qualquer papel que na vida represente, O caráter do homem é pedra fundamental,No edifício que Deus constrói diariamente. 

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Novos Sonetos

LIII LUCRO DE AMOR

Pode ser que você discorde e não endosse,Não importa, porque é assim que funciona.Amor é um bem que nunca admite a posse,Por isso não pense que você é minha dona.

Destarte, venha se, e quando tiver vontade,Não como a locatária da fazenda arrendada,Que todo mês vai visitar a sua propriedade,Somente para cobrar uma renda contratada.

João Anatalino

Pois amar é como a regra de contabilidade,Aquele que recebe deve, e quem paga tem,E todo o capital pertence á uma sociedade.

Lucro de amor vem do exercício dessa arte;O amor é a empresa que a todos paga bem,Mas quem dele se apropria perde sua parte.

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LIV VIDA E MORTE

Um dia vai chegar a hora daquelaPerceber que é hora de ir embora;Então, esta que aguarda aqui fora,Entrará para assumir o lugar dela.

Novos Sonetos

Pois tudo sempre foi e será assim.Uma reina quando a outra abdica,E sem uma das duas ninguém fica,De uma é começo, de outra é fim.

Curioso, mas parece ser destino,Que essas duas relações da vida, Também tenham nome feminino.

Ninguém terá outro (a) consorte:Pois toda a existência é repartidaPor essas senhoras, Vida e Morte.

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LV O IDEAL NUNCA MORRE  

Eu não tenho orgulho das coisas que fiz,E do que não fiz, nada há que faça falta;

João Anatalino

Porque um homem, para ser muito feliz,Não há que viver sob as luzes da ribalta; Mas todos nós precisamos ter um ideal,Pois que sem um não se vive realmente,Se há uma coisa que de fato nos faz mal,É deixar que ele se enterre com a gente. O ideal é como o bastão de revezamento,Que um corredor, numa pista de corrida,Deve repassar quando chega o momento. Então, outro atleta pega o bastão e corre.E assim deveria ser a maratona desta vida:Pois o ideal que se transmite nunca morre.

Novos Sonetos

56

LVI FRÁGIL COMO UMA ROSA

As flores poderão compreenderA amargura desta minha poesia.Afinal, todo seu tempo de viver,É efêmero como minha alegria.

Feita para proporcionar o prazer,A flor nasce ao romper da aurora,Para cedo ir murchando e morrer,Tão logo a luz do sol vai embora.

Meu amor foi a flor que brotou,Com direito a um só dia vivido,E só por isso tão cedo murchou;

Ele nasceu numa manhã gloriosa;E á tarde já estava tão combalido,Porque era frágil como uma rosa.

João Anatalino

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LVII CASA DE CABOCLO 

O Zé Gazela era um querido caboclinho,A quem um poeta retratou numa canção.A viola, o homem tocava com perfeição;Para cantar ele era como um passarinho. Mas um dia esse caboclo tão benquisto,Entregou seu coração para a Sinhá Rita,Que dizem ter sido a moça mais bonita,Entre aquelas que o sertão já tinha visto. Todos pensam que Gazela perdeu o tino,Porque que um dia Sinhá Rita ele matou,E na sua viola ele não pegou nunca mais. 

Novos Sonetos

Eles não sabem que na casa do caboclo,(Só para quem quiser saber o que passou)Um é pouco, dois é bom, e três é demais.

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LVIII DANNY BOY

Danny Boy era um montanhês pastor,Que foi para a guerra defender o país;Mas deixou em casa seu grande amor,Muito jovem e já tão solitária e infeliz. Insuportável lhe foi essa horrível sina;No desespero, ela não suportou a dor,E morreu de tristeza, a pobre menina;Foi sepultada em um belo vale em flor. E hoje, por vales e montes congelados,

João Anatalino

Ou no verão, quando as flores brotam,Tão saudosas são as gaitas que tocam, A canção desses infelizes apaixonados!Que morreram, um do outro, distantes,E mortos, se amam mais do que antes... 

59

LIX

ALÉM DO ARCO-ÍRIS

Além, muito além daquela verde serra,Cujo pico arranha o azul do horizonte,Sei que existe uma linda e mágica terra,Onde o sol brinca de esconde-esconde.

É lá, onde nascem o arco-íris e a estrela,Onde moram os sonhos e a imaginação,E a lua fica nua para quem deseja vê-la,Que nasceu, um dia, esta linda canção.

Novos Sonetos

Uma canção feita de magia e esperança,Sobre um sonho que se torna realidade,Na sinceridade da alma de uma criança.

Sei que é uma terra de sonho e fantasia,Mas quem tiver imaginação de verdade,   Com certeza, também chegará lá um dia.

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XL PODER E DEVER

Passamos a vida entre o pode\deveO conflito entre o dever e o querer;Nem sempre o que se fala escreve,E o que se escreve não se deve ler.

Quando somos jovens e queremos,

João Anatalino

Quase nunca há condições de fazer,Quando se é mais velho e podemos,O que nos falta é a energia para ser.

Mas na vida, seja falta ou seja sobra,E por mais que a gente nela invista,O que ficará será sempre uma obra,

Ainda que seja para enganar a vista,Tal artista que não pinta um quadro,E sim um quadro que pinta o artista.

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XLI NÃO APRESSE O RIO

De que nos adianta sentimento de culpa,Pensando naquilo que a gente fez errado,Se para isso não serve procurar desculpa,

Novos Sonetos

Pois o que importa é sempre o resultado?

Tempo é um filme que não se rebobina,Para refazer tudo com a melhor ciência;A cena ruim não se corta nem se elimina,Resta só saber lidar com a consequência.

Se todo rio desce dos lugares mais altos,E chega ao oceano seja qual for o desvio,Num leito jamais isento de sobressaltos;

A vida também tem seu próprio caminho,Por isso é bobagem querer apressar o rio,Pois ele sempre soube caminhar sozinho. 

João Anatalino

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LXIIO UNO E O MÚLTIPLO

Sou uno e múltiplo em meus estados,

E na matéria que me hospeda, queroAcomodar ideias, gerando resultados.E com isso fazer minha parte, espero.

Sendo proporção e dimensionamento, À criação universal adiciono qualidade,Gerando padrões de desenvolvimento.Desse modo ela mantém sua unidade.

Na matéria busco perfeição de forma,Como se o universo fosse um quadro,Que a cada novo dia deve ser pintado.

E assim eu fujo da exatidão da norma,Para não ficar na rigidez do esquadro,

Novos Sonetos

Que a todos nós só limita e conforma.

64LXIII

DECLARAÇÃO DE AMOR

Não imaginas quantos são os pensamentos,Que não ouso estampar no meu semblante;Pois são tantos e tão fortes os sentimentos,Que avultam nos meus olhos neste instante.

Essa é razão de olhar tanto para o teu rosto;Quero dizer-te que tu não me és indiferente,Porém meu coração não pode ficar exposto,Mas o olhar é testemunha que nunca

João Anatalino

mente.

Porque neste instante, eu sequer estou livre,Já que ainda tenho muitas satisfações a dar,A um outro amor, que no passado eu já tive.

Dessa forma ninguém pode dizer que minto,Pois, nesta vontade escancarada de te amar,Essa é a forma de dizer a ti tudo o que sinto.

65

XLIV DEUS NÃO TEM RELIGIÃO

Novos Sonetos

Se de fato há um Deus e o que Ele é,É especulação que minha mente evita;E quem especula de certo não tem fé,Se tem não indaga, somente acredita.

O homem que sabe para onde quer ir,Sempre conhece qual caminho tomar,Não importa se desce ou se vai subir,Se vai para a frente ou tem que voltar.

Se o religioso beato acredita em tudo,Mas o ateu convicto não crê em nada,Não sei a qual deles dar menos razão;

Porque religião é forma, fé é conteúdo,E nenhuma delas está certa ou errada.A verdade é que Deus não tem religião.

66XLV

PONTO DE VISTA

João Anatalino

A vida é um copo de água enchido até o meio.Se pela manhã ele nos parece estar meio vazio,Á noite, depois de enfrentar tudo que é desafio,Percebemos que, de fato, ele está é meio cheio.

A chuva pode ser uma benção da providência,E também desgraça que destrói a propriedade;O que para uns traz a riqueza e a prosperidade,Para outros é o motivo de dificuldade e falência.

Nem sempre a verdade está naquilo que vemos,E sempre a procuramos no começo ou no fim,

Novos Sonetos

Mas o certo é que ela não se acha nos extremos.

A verdade, na realidade, só se encontra no meio,Pois ontem ou hoje, o mundo sempre foi assim:Se para uns é bonito, para outros ele é bem feio.

67

XLVI A SOLIDÃO É O PRIMEIRO TÚMULO

O homem, por mais que seja capaz,Será sempre unidade que se divide;Quanto mais tenta encontrar a paz,Mais se envolve em sua própria lide. Em sua vida não existe a coisa certa;E no saber, mais a dúvida prospera,

João Anatalino

Nem a morte, que aniquila, o liberta,Por medo de que algo mais o espera. Há duas formas de perder caminho:A primeira é querer controlar o fado,Outra é o homem chegar ao cúmulo De achar que pode ser feliz sozinho.É preciso ter alguém ao nosso lado;-A solidão é nosso primeiro túmulo.

  68 XLVII

ÍNFIMA E IMENSA

Sou feito de matérias incompatíveisQue um deus atrapalhado misturou.Daí enfrento as dores mais terríveis,Tentando administrar o que eu sou. Minha alma tem uma centelha de luz,Que poderia brilhar feito uma estrela,

Novos Sonetos

Mas o corpo é uma força que a reduz,Á uma forma que nem me deixa vê-la. Por isso, quando eu estou acordado,Sou escravo da lógica e da constância,Só valorando para o que dá resultado. Mas quando durmo e o corpo relaxa,A consciência arrefece sua vigilância,E minha alma vira o centro da galáxia.

69

LXVIII LUZ INTERIOR

A nossa alma é um grão de energiaDizem os filósofos, e nisso eu creio.Foi de Deus que essa centelha veio,E á Ele, como luz, vai voltar um dia.    Nossa missão, portanto é trabalhar,

João Anatalino

Para filtrar, no curso da nossa vida,Essa luz que na matéria ficou retida,Quando Ele resolveu se manifestar. Viver muitas vidas necessário se faz,Para tirar da alma a matéria aderida E só a primitiva essência dela restar.

Boas ações são um detergente eficaz,Que purifica a alma e a deixa polida,Para entrar no céu e na terra brilhar.

70LXIX

RETRATOS EM BRANCO E PRETO

Meus versos são a minha moradiaOnde eu vivo, amo e tenho abrigo.Quem quiser encontrar-se comigo,É só procurar-me na minha poesia.

Novos Sonetos

 É nela que uma vida inteira passo.Ela é tudo que sou e que quero ser.Quem de fato me quiser conhecer,Vai me achar nos versos que faço. Eles são a minha  própria biografia,Produzida por seu verdadeiro autor,Tão cristalina como uma fotografia. Seja o haicai, quadra, trova, soneto,Eles mostram meu mundo interior,Em fotos tiradas em branco e preto.

71

LXX O AMOR E O TRABALHO

Para nós sermos felizes, pouco é preciso;Nem será a questão de muito ter ou ser,Sequer necessitamos viver num paraíso,

João Anatalino

Se sempre tivemos trabalhos para fazer. Depois, há outra coisa muito importante,Que é preciso não esquecer e considerar:A felicidade não será real nem constante,Se não houver um alguém a quem se dar. Assim, quem quiser ser feliz de verdade,Tem que buscar a realização desse valor;Algo para fazer e uma pessoa para amar. Porém, tudo isso será de pouca utilidade,Porque não basta ter trabalho e um amor,Se na vida não há algo mais para esperar.

Novos Sonetos

72 LXXI

A VERDADEIRA SABEDORIA                                                 

Porém que sabedoria será essa que temosQue diminui, quanto mais a gente cresce?E se mais velhos ficamos menos sabemos,Quanto mais a informação que se acresce. Mais pertos estamos menos enxergamos,Por mais alcance tenha nosso telescópio;Quanto mais coisas nos outros achamos,

João Anatalino

Mais a gente mais se perde em si próprio. Queremos sempre encontrar nosso igual, Como se tudo só tivesse uma compostura,E a vida fosse verbo conjugado no plural. Por isso um indivíduo jamais vai se achar,Se no outro ele concentrar a sua procura,Porque a natureza só conjuga no singular.

73

LXXII MOGI-BERTIOGA, 9  DE JUNHO DE 2016 

Novos Sonetos

Dessa serra, com suas matas tão bonitas,Para as quais eu tinha um olhar tão terno,Só vejo agora grotas profundas e malditasQue me parecem a geografia do inferno.

Ali, na parte mais bonita daquela estrada,Na moldura daquela mata verde e floridaA morte esperava, em uma curva fechada,Dezoito jovens, cheios de sonhos e vida.

Ceifou-os como se fossem feixes de trigo,Que uns ceifeiros descuidados e ansiosos,Sem olhar se estavam maduros,

João Anatalino

podaram.

Que os braços de Deus seja deles o abrigo.Esses jovens são agora espíritos luminosos, Luzes no caminho dos colegas que ficaram.

74 LXXIII DICOTOMIAS .

Como saber um sim onde não há o não,Ou o inverno onde nunca houve verão?E como pode amar quem nunca odiou,Ou saber que odeia quem nunca amou? De fato, podemos dizer que a dor é útil,Pois que sem ela todo prazer seria fútil,Já que aí não teríamos como comparar,

Novos Sonetos

Nem saberíamos o que é sofrer e gozar. As situações que parecem tão doloridas,Podem ser oportunidades para a gente,Dar um rumo novo para as nossas vidas. Por isso quem cunhou esse ditado sabe:Se não há o bem que dure eternamente,Também não há o mal que nunca acabe.

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LXXIV A DOR E O PRAZER.

O prazer de quem cai sobre um cardoVem depois, quando dele escapa ileso;Assim como aquele que leva um fardo,Se alegra quando se alivia do seu peso.                                   A melhor parte duma grande confusão,É o momento em que ela é esclarecida.Se há vantagem em sofrer um tropeção,

João Anatalino

É o poder de levantar logo em seguida. E recuperar a saúde é sempre coisa boaMas para isso é necessário ficar doente;Toda moeda tem que ter cara e a coroa. Não há prazer se antes não houver dor,E ele não vem se ela não vier na frente,E sem os dois a vida perde o seu valor.

76 LXXV DOR E PRAZER (II)

Tudo isso, sei, já foi dito por alguém,E se não me engano foi o Durkheim:Que uma vida que só fosse prazerosa,Seria apenas u’a aventura monstruosa. E também o grande poeta Octaviano,Em seu soneto não cometeu engano:

Novos Sonetos

Pois ele disse que quem nunca sofreuSó passou pela vida, mas nunca viveu. Vejo agora que tudo isso é verdadeiro.Só quem sofreu sabe dar valor á vida;                    Pois se ela não tivesse sido tão sofrida, E eu não tivesse sentido dor primeiro,Realmente, eu jamais teria como saber,Que tudo isto que sinto agora é prazer.

77

LXXVI UMA MULHER QUE VALHA A PENA

Quando a mulher começa a se arrumar,O que ela menos deseja é ser apressada.Por isso, demore o tempo que demorar,Fique tranquilo e com a sua boca

João Anatalino

calada. Porque mulher na frente de um espelho,É como quadro que está sendo pintado.Por isso lhe dou meu melhor conselho,Tenha paciência até que esteja acabado. Toda mulher tem no espelho um amigo:A minha pode demorar o quanto quiserQue eu já estou acostumado e não ligo; Pois tempo que se perde não vale nada,Quando um homem encontra a mulher,Que realmente vale a pena ser esperada.

78 LXXVI I FANTASMAS

 Aqueles meus sonhos de adolescente 

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Que não viveram quando tiveram vez,São espectros ocupando-me a mente,Como se ela fosse velho castelo inglês. Esses abortos são filhos que não tive,Mas que, gerados por um desejo reles,Sobrevivem como placentas que retive,Para um dia, poder dar a luz a eles. Mas como nunca lhes dei vida de fato,Esses sonhos que deixei no abandono,Fizeram do meu coração seu orfanato. E para castigar-me desse meu pecado,Eles ficam atormentando o meu sono,Tal fantasmas saídos do meu passado.

79

LXXVII TEMPOS DE CRISE

João Anatalino

Os tempos de crise e dificuldade,São os que merecem nosso amor.Pois na mais intensa tempestade,É que o capitão mostra seu valor. Se o fácil qualquer um pode fazerO difícil sempre causa alguma dor;E quanto mais se luta para vencer,Mais mérito acumula o vencedor. Assim, as incertezas do momento,Que nos causam dor e apreensãoSe elas forem vistas como desafio, Ao invés de motivo de sofrimento,Serão a fonte da nossa inspiração:Basta só ter coragem e muito brio.

80 LXXVIII MEDO DE TE PERDER

Novos Sonetos

Sem o dinheiro eu até posso viver,Ou ser feliz na mais abjeta solidão.E nem preciso de um ser ou haver,Porém sem amor eu não vivo não. Porque o amor é alimento da vida,Nutre bem mais do que água e pão;         O dinheiro pode comprar a comidaMas um amor ele não compra não. Coisas há que dependem de sorte,Mas só uma é que já está decidida:O encontro inevitável com a morte. Daí eu não tenho medo de morrer;A única coisa que eu temo na vida,É antes da morte, poder te perder. 

81

LXXXX

João Anatalino

FAÇA DIFERENTE

E que importância tem quem você seja,E se o seu mundo é um lugar bisonho,Se existir algo que você de fato almeja,E souber fazer um plano desse sonho?

Pois basta a imagem da felicidade futura,Para que o cérebro nos apresse o passo;A gente só não encontra o que procura,Quando já desiste no primeiro fracasso.

Porém, se o seu querer for de fato forte,Uma estrela há de se acender no escuro,E com certeza ela vai lhe indicar o norte.

Você só não pode jogar seu sonho fora;E se quer que seja diferente o seu futuro,

Novos Sonetos

Tem que começar a fazer diferente agora.

82 LXXXI A ABELHA E A FLOR

Eu te convido para juntar-se a mim,Sem o glamour do sexo a nos atrair;Como a abelha e a flor num jardim,Acasalam-se só pela razão de existir. Um amor tão somente fundamental,Onde corpos se ligam numa corrente,Para a prática do mais sagrado ritual,Que a mãe - natureza exige da gente. Um encontro que seja apenas natural,Simbiótico, prazeroso e gratificante,Que não termine numa síncope final. Quero unir-me a ti num ato de amor,

João Anatalino

Para alcançar um êxtase semelhante,Ao que sentem uma abelha e u'a flor.

83 LXXXII FÉ E AMOR

É nos momentos mais difíceis da vidaQue nós podemos mostrar nosso valor.Pois quando a conquista não é sofrida,Na memória ela não desperta o amor.                                                  E o que fácil vem, fácil também se vai;Vitória sem luta não é bela nem nobre;Quem puxa a fila é o primeiro que cai,O último que entra é o único que sobe. Por isso, nesses tempos de descrença,Quando tudo parece estar corrompido,Só a fé e o amor é que fazem diferença.

Novos Sonetos

 Não podemos desistir e nem fraquejar;Mas é quando um jogo parece perdidoQue nós estamos mais perto de ganhar.

84 LXXXIII MAIS DO QUE APENAS SEXO 

Só concordei com a tua propostaPor estar realmente apaixonado,E pensar que, mesmo enganado,Um homem é feliz quando gosta.                                   Era um amor sem compromisso,Onde só os corpos se encontram,E o resto, coisas que não contam,E eu não sofreria por causa disso. Mas, se o coração não concorda,Nenhum acordo mais prevalece,

João Anatalino

Assim é que o meu roeu a corda. Pois amor é algo mais complexo:Quando ele, realmente, acontece,Ele precisa mais que apenas sexo.  85

Novos Sonetos

LXXXIV TAUTOLOGIA

A verdade não mora na repetição;Daí, diga o que pensa e não repita.Pois uma frase muitas vezes dita,Acaba se confundindo com refrão.                                         Nem tente dizê-la de outra forma,Porque tudo que se repete entedia.E a isso nós chamamos tautologia;Os políticos abusam dessa norma. A verdade não usa um só vestido,Porque ela é gerada no contrapor,E a sua mãe é a dúvida metódica. Só um refrão não cansa o ouvido:É o que usa a linguagem do Amor,Pois ele não tem nenhuma lógica. 

João Anatalino

86 LXXXV BASTA UM OLHAR

Se a ira, ou a mágoa te contamina,Que não seja tua língua a mostrar.Pois tudo, nessa hora, te incrimina,Seja o que for que venhas a falar. Esses estados internos de emoçãoSão como fogo que tudo esquenta;E nesse estado alterado de tensão,As palavras ardem como pimenta. Nesses momentos, melhor é calar,Pois uma frase só, já é suficiente,Para botar uma amizade a perder. No mais das vezes, basta um olhar,Para expressar o que a gente sente,Sem precisar magoar nem ofender.

Novos Sonetos

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LXXXVI FIDELIDADE

Se não tivesses dado prioridadePara falar de ti o poeta Vinicius,- O maçom maior destes ofícios-Oh! divina musa da fidelidade! Qual não seria minha felicidadeEm poder adotar-te como tema,Fazendo para ti um belo poemaRevelando a tua real identidade. Mas ao Vininha te destes antesE ele, melhor do que ninguém,Desnudou-te para os amantes. Para mim ficou o cumprimento

João Anatalino

Da promessa feita ao meu bem: Serei fiel até o último momento.

88 LXXXVII SONHO DE ÍCARO

Eu já tentei alcançar o meu solBatendo as minhas asas de cera,Porque queria me ver no escolDaqueles que vão na dianteira. Pois todo desejo é sentimentoQue veste uma roupa positiva;Insatisfeito, ele vira tormento,Vestindo uma roupa negativa. Já não quero mais ser primeiroDeixei de ser um Ícaro incréu,Hoje quero ser apenas pedreiro. 

Novos Sonetos

Agora penso como os maçons.Sei que asas não levam ao céuMas sim, o trabalho das mãos.

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LXXXVIII PEDIR E DOAR

Não é que estejamos a negarO profilático valor da oração.Mas na vida não adianta rezarSe com a prece não vier ação. De pouco vale um muito pedirSe antes não aprender a doar,E nesse caso o doar é investir,Mas perder equivale ao ganhar. Quem colocou asas nos anjosDe fato, estava se enganando,E esse foi o pior dos arranjos.

João Anatalino

 Pois o céu é obra de artesãos.E nele ninguém entra voando,E sim pelo empenho das mãos.

90 LXXXXIX

IMPOSSÍVEL SOLIDÃO No Rancho Fundo, bem p’ra lá do fim do mundo, onde a dor e a

saudade, contam coisas da cidade...”                                            Ari Barroso

Sou o que o mundo fez de mim.E o mundo é o que eu faço dele.E se as coisas são mesmo assim,Este mundo sou eu e eu sou ele.

E não há como pensar diferente;Malgrado tenha uma identidade,Por mais que seja independente,Estou limitado por essa verdade.

Não há como escapar do mundo,

Novos Sonetos

Mesmo sendo Robinson Crusoé,Ou o moreno do Rancho Fundo.

Aonde eu vou levo esta sentença:Que um homem é só aquilo que é:Um animal que anda e que pensa.

91 XC

O AMOR ESTÁ SEMPRE CERTO

Mais feliz que hoje, eu não poderia estar,Nem encontrar, no mundo, maior valor,Que este que você me levou a acreditar:Que na vida o que vale mesmo é o amor. Onde quero estar, finalmente hoje eu sei:Será, pela minha vida inteira, ao seu lado.E aí para todo o sempre, permanecerei,Mesmo que provem que eu estou

João Anatalino

errado. Porque o amor, seja ele alegre ou triste,Se for verdadeiro, sempre estará certo;E se não estiver é porque ele não existe. E o meu amor nem requer exclusividade,Mas necessita ter você sempre por perto,Porque ele não se contenta com saudade.

92 XCI PENA DE MORTE

A morte é uma companheira constante;Desde que abri os meus olhos a vi aqui,Como uma parceira, ou inimiga amante,Que nasceu no mesmo dia em que nasci.

Novos Sonetos

 Amigos tive, e alguns talvez me amaram.A felicidade veio, e esta também passou;Os parentes e as mulheres me deixaram,Mas a morte não, essa nunca me deixou. Morrer é um casamento de papel passadoCom a parceira assustadora e indesejada,Mas que a vida toda esteve do nosso lado . Alegre ou triste, este é o meu pensamento:"A vida de um homem já vem condenada,À pena de morte desde o seu nascimento."

João Anatalino

93 XCII

SONETO DA CRIAÇÃO

Deus disse- Apareça a luz gloriosa:E imediatamente aquela luz surgiu.E assim, numa explosão luminosa,O que estava oculto se descobriu.

Foi da luz que surgiram os mundos;O que existe e os que já existiram.O revelado, os mistérios profundos,O espírito e a matéria, Dela saíram. Como dois pólos de uma corrente,Dois mundos, em baixo e em cimaNutrem um ao outro mutuamente. Eis, portanto, a Criação explicada;Somos centelhas da energia divina,Postas no espaço, o tudo no nada. 

Novos Sonetos

94

XCIII QUEM DEVE SOU EU

Por um bem que talvez tenha feito,Alguém disse que Deu iria me pagar.Acreditei que eu tinha um tal direito,E, incontinente, fui logo Lhe cobrar. Mas Deus fez aquela cara de descaso,De banqueiro tratando com golpista:- Nem pagou o que me deve a prazo,E já vem me pedir para sacar á vista? E foi então que eu entendi a situação:Por direito, nada na vida me foi dado,No mundo não há bem que seja meu. Quando nasci assumi uma obrigação,E tudo que tenho me foi emprestado;Assim, o devedor, na verdade, era eu.

João Anatalino

95

XCIV REPÚBLICA

De certo, teria sido ótima providência,Esse histórico movimento republicano,Não fosse ele, somente uma exigência,De um momento de crise e desengano. 

Pois que o imperador era homem sério.Se tivesse, a sucedê-lo, bons herdeiros,Ainda seríamos, até hoje, um império,Ao invés deste covil de trambiqueiros. 

Porque foi uma elite do leite com café,- Escravocratas movidos pela ganância-Que proclamou esta república sem pé, 

Que já veio amputada desde a origem.Regime não tem nenhuma importância,Se são sérias as pessoas que o dirigem.  

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96 XCV

A PLANTA FELICIDADE

Se você teve uma experiência doloridaSaiba que toda dor é como uma praga;Se você planta essa semente pela vida,Rapidamente ela enrama e se propaga. Pêndulo oscilando entre ser e não ser:Foi dessa forma que nos fez o Criador.Sempre agindo para obter mais prazer,Ou ao contrário, para evitar sentir dor. Guarde para si mesmo a dor que sente,Pois uma semente que não é plantada,Seca, e acaba morrendo naturalmente. Com a felicidade também se faz assim;

João Anatalino

E como tal, quando ela é compartilhada,Se espalha como as flores de um jardim.

97 XCVI GUERRA E PAZ

E há quem diga que devíamos nos separar,Pois não há sentido em viver a vida assim;Porque qualquer motivo nos leva a brigar,E cada briga sempre tem uma cara de fim.                                                          Não conseguimos vencer nosso egoísmo,E cada qual só vê o seu próprio horizonte.É assim que de dia construímos o abismo,

Novos Sonetos

Para à noite, fazer da cama a nossa ponte. Mas esse é o jeito que gostamos de viver;Se equilibrando em meio á guerra e a paz,O amor que dói, a dor que nos dá prazer. Dizem que tudo passa e que tudo passará,Mas fim feliz esta história não terá jamais,Simplesmente, porque ela nunca acabará.   

98 XCVII FINADOS

João Anatalino

Neste gramado, onde hoje vós pisais tão leve,Eu vim morar, na ocasião, muito constrangido,Esperando achar a paz que o mundo me deve,Só pelo simples fato de um dia eu ter nascido.                                        Este é o lugar onde me deixastes e vos deixei;Naquele dia que para todos pareceu tão atroz,Mas na verdade, faz algum tempo que mudei,Agora eu já me encontro, de novo, entre vós. Entretanto, agradeço as velas e a vossa prece;Sei que são sinceras e é muito bom relembrar, Aqueles que foram e de quem temos

Novos Sonetos

saudade... Mas o que chamais morte não é o que parece;E devo dizer que por vós mesmos deveis rezar,Pois é na vida que estão os mortos de verdade.

99 XCVIII SONETO DO MAÇOM

A sua Arte é missão, meu caro amigo;E ninguém a ela é trazido por engano;Se você, nela foi iniciado, eu lhe digo,É porque você faz parte de um plano.                                                    Assim sendo, assuma o compromisso,E sacuda de si o obstáculo que o tolhe.Veja a coisa como se fosse um serviço,

João Anatalino

No qual não se pode fazer corpo mole. Você é um elo da corrente de energia,Que dá força e consistência ao edifícioQue Deus planeja com a sua sabedoria, E os Irmãos vão construindo dia a dia,Como se fossem os pedreiros de ofício,Num exercício de mais pura Maçonaria.

 

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XCIX LEITE DERRAMADO

Amor é loucura que não tem porquê,E às vezes queima como uma chama;Mas quando o perdemos é que se vê,Que ele é como leite que se derrama. Porque todo amor que vive voltando,É como uma mulher que caiu na vida,

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Ou então o cão que vive se soltando,Mas nunca esquece onde há comida.  O leite que foi derramado se perdeu,Por isso não chore e nem se lamente:O que cai no chão logo seca e some. Porque esse não tinha que ser o seu.Então, busque outro imediatamente;O que é do homem o cão não come.

101 C MULTAS DA VIDA

 A vida é como uma estrada inclementeOnde a velocidade deve ser controlada.Quem passa dos setenta impunemente,Deu sorte ou a fiscalização não viu nada. 

João Anatalino

Foram tantas as multas a mim aplicadas;Umas paguei, mas outras deixei de lado.São estas agora as que me são cobradas,Não por acaso, o valor me vem dobrado. Fumo, álcool, múltiplas noitadas, a orgia,(Radares pelos quais passei velozmente);Se a saúde multava a juventude devolvia. Multas da vida, não posso pagá-las mais;Também hoje, que dirijo tão lentamente,A vida passa, e eu vou  ficando para trás.

102 CI

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O MUNDO É UM PALCO 

Nenhum bem dará valor á nossa vidaSe não houver o mérito no seu ganho.Nem ser dono de um grande rebanho,Compensa uma cabeça que foi perdida. O mundo é um teatro, a vida uma peça,Todos os atores fazem papel principal.E se perder um no meio estraga o final,Com alguém faltando ela nem começa. Quem disse essas coisas de certo sabe:E ele não estava especulando em vão,Pois cada um tem o lugar que lhe cabe. No palco da vida todo papel é conciso,E basta um faltar para estragar a função.Se Deus fez você foi porque era preciso.

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João Anatalino

SinopseSobre o Amor e outros assuntos é uma coletânea de sonetos sobre temas variados, mas enfocando sobretudo o tema preferido de todos os poetas, que é o amor. No fundo, seja qual for temática enfocada, todo poeta, quando escreve, está mesmo é falando desse sentimento que é o único que justifica o próprio ato de viver. Utilizando a forma do soneto o autor expõe seu pensamento sobre diversos temas da vida cotidiana, ora privilegiando a formulação poética exigida por esse tipo de composição, ora buscando mais construir uma proposição filosófica a respeito do tema trabalhado. O resultado é um livro fácil e gostoso de ler, e que transmite edificantes lições vida.

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