rl.art.br · web vieweles são a minha própria biografia,produzida por seu verdadeiro autor,tão...

Emoções em branco e preto

EMOÇÕESEM BRANCO E PRETO

JOÃO ANATALINO

João Anatalino

JOÃO ANATALINO

EMOÇÕES EM BRANCO E PRETO


ÍndiceAmor no plano astralAmar não faz ninguém sofrer ObsessãoPonte de AmorDireito de conquistaA cor do sonhoAlmas gêmeasO tempo dos amantesO corvo e a cegonhaIdeias e ideaisSoneto do amigoChão de estrelasA conspiração do universoCiúmes de mimConfraria das estrelasLivre pensadorLivro antigoA eternidade do amorCatedral do amorA tampa da panelaÀ moda de CamõesCoração valenteDoutor TempoCompanheiroCarvão queimadoAmar é nunca ter que pedir perdãoA voz do coraçãoO burro malandroO sátiro perversoO frade dorminhocoA chave do poder

João Anatalino

A vida é justaUsucapiãoSoneto da fidelidadeO judeu erranteAmor obsoletoA lenda de EnoqueCrítica é informaçãoPoeta escribaDono da verdadeAs mil e uma noitesA medida do amorAssertividadeCaleidoscópioLembrançasO amor é sagradoO repolho e a rosaPrazer temporãoFalsa erudiçãoO carvão e o diamanteAntes que o amor acabeA verdadeira belezaLucro de amorVida e morte IdeaisFrágil como uma rosaCasa de cabocloDanny boyAlém do horizontePoder e deverSentimento de culpaA norma e a formaA linguagem dos olhosA fé e a religiãoA verdade está no meioO primeiro túmuloO sonho e a realidadeSoneto místicoLágrimas de fariseu


O trabalho e o amorO plural e o singularAcidente na Mogi-BertiogaNão há mal que nunca acabeA dor e o prazer (I)A dor e o prazer (II)Uma mulher que vale a pena esperarSonhos de adolescenteTempos de criseTemor de te perderMais que apenas sexoTautologiaSonhos e planosA abelha e a florMais que apenas sexoTautologiaCuidado com as palavrasOutro soneto da fidelidadeSonho de ÍcaroUma valsa de MozartProva de amorO poeta e o heróiTravessiaElogio da vaidadeÀ moda de ViníciusSoneto do trabalhadorQuem deve sou euEmoções em branco de pretoImpossível solidãoAnjos e homensO amor está sempre certoPena de morteEstrela cadenteArrogância

João Anatalino



AMOR NO PLANO ASTRAL

Se uma noite, por acaso, você acordar,

E se sentir como se estivesse extasiada,

Por favor, querida, não fique assustada,

É complicado, mas eu vou lhe explicar.

O meu mundo se tornou tão enfadonho,

Que fiz do sonho o remédio para a vida.

Então, para não ficar sozinho nesta lida,

Sequestrei e prendi você no meu sonho.

Pois cansei de ficar rezando com fervor,

A noite inteira, antes do sono me vencer,

Para que Deus me traga um grande amor.

João Anatalino

Por isso, minha querida, não leve a mal,

Se numa noite dessas, acordar e perceber,

Que eu fiz amor com você no plano astral.

AMAR NÃO FAZ NINGUÉM SOFRER

Se você me diz que sofre por amor,

Eu lhe direi que isso não pode ser.

O amor não existe para causar dor,

Por isso nunca faz ninguém sofrer.

Amor é feito com virtuosa essência,

E sua função é só despertar prazer;

Se dói, não é amor, mas só carência,

E nesse caso, só nos resta esquecer.

Se um amor, um dia, lhe fez chorar,

Será por ele que sua lágrima correu,

Ou pelo fato de ter sido enganado?


Pois ninguém deve sofrer por amar,

Mas sim pelo tempo que se perdeu,

Com quem não merecia ser amado.

OBSESSÃO

Ao meu amor, eu sei que devo tanto,

Que pagaria com um canto diferente,

Se eu fosse aquele poeta competente,

Que sabe dar melodia ao seu encanto.

Mas talvez por ter tanto sentimento,

Neurônios no cérebro não me sobra,

Para poder me ocupar de outra obra,

Por isso é que eu nem mesmo tento.

Fixados, meu coração e pensamento,

Obcecados, só mantém o foco nela,

Sem dela se afastar um só momento.

João Anatalino

Até quando durmo e estou sonhando,

Minha mente se parece com uma tela,

Onde ela é o filme que está passando.

A PONTE DO AMOR

Se o mundo a trouxe onde eu estava,

Ou se me levou até onde você mora,

Isso o que menos me importa agora,

Pois você era tudo que eu procurava.

Bom que o universo tem esse motor,

Que o faz girar em todas as direções,

Fazendo com que os nossos corações,

Se encontrassem na Ponte do Amor.

É que o Amor é a inesgotável energia,

Que mais gera quanto mais se a gasta;

Nunca se perde e também não se cria,


Mas nos transforma em coisa melhor.

Por ser força que a si mesmo se basta,

A eternidade é um momento de Amor.

DIREITO DE CONQUISTA

Ninguém deve ter obrigação de pagar

Pelo bem que graciosamente recebeu.

Assim como não é possível recuperar,

O carinho que agora já não é mais seu.

Assim, não precisa se sentir culpada,

Por esse coração que você me levou;

De fato, não está me roubando nada,

Só leva o que por direito conquistou.

O incompetente nesse negócio fui eu,

Pois dei meu coração sem contrapor,

Que em câmbio você me desse o seu.

João Anatalino

Mas não faz mal. Como diz o ditado,

É melhor ter que viver sem um amor,

Do que morrer sem nunca ter amado.

A COR DO SONHO

Nós não sonhamos com o que queremos,

Porque não controlamos nossos sonhos;

Assim, se os nossos sonhos são bisonhos,

Culpemos essa faculdade que não temos.

No sono, nossa mente fica sem comando,

E só reflete o que tememos ou desejamos.

E se na vida for escura a tinta que usamos,

Essa será a cor do que estamos sonhando.

Nossa mente é como o espelho mais fiel,

Que só reflete o objeto que for mostrado,


Com os matizes que a ele tiver sido dado.

Dê-lhe azul: ela o fará sonhar com o céu;

Branco-gelo nos dará sonhos de inverno,

Vermelho nos fará sonhar com o inferno.

ALMAS GÊMEAS

Quem um dia amou nunca para de amar,

Mesmo que o seu coração deixe de bater.

Como a formiga, no frio pode se recolher,

Mas dentro da terra continua a trabalhar.

Pois coração é como uma casa sem porta;

Quem nele bate, sempre encontra abrigo,

Seja como amante, ou então como amigo;

A que título vem, é o que menos importa,

Assim como os machos com suas fêmeas,

João Anatalino

Amor e amizade vivem na alma da gente,

Como se fosse um casal de almas gêmeas.

E é bom que habitem no mesmo coração,

Porque se o amor morrer ou ficar doente,

A amizade pode manter a vida da relação.

O TEMPO DOS AMANTES

Para quem fica, o tempo transcorre lento,

Tal como o trem que demora para passar.

Mas para quem vai, é rápido como vento,

Bem pior é saber que ele nunca vai voltar.

Anda devagar para quem não tem pressa,

E muito rápido para a criança que cresce;

O dia é século para o jovem que começa,

Século é dia para a pessoa que envelhece.

Chega atrasado quando se vive esperando,

E vem cedo para quem só o quer retardar,


Nunca se acha quando se está procurando.

Para uns é o céu e para outros um inferno;

Dura pouco para quem não o sabe gastar,

Mas para quem ama, ele sempre é eterno.

O CORVO E A CEGONHA.

Todo corpo é um veículo que à vida veio,

E por isso, um belo dia, vai ter que voltar.

Porque na vida não se permite estacionar,

E nunca se acha vaga para parar no meio.

A vida só pede que a gente se movimente;

Nela não existe pontos de inércia absoluta.

Por isso a natureza fez dela essa eterna luta,

Que descarta o fraco, o frágil, e o indolente.

Pois se a própria luz saiu de dentro da treva,

Para formar este universo em que vivemos,

João Anatalino

E retornar para um buraco negro e profundo;

Também a matéria que um dia o corvo leva,

Ainda que com isso nunca nos conformemos,

É só aquela que a cegonha trouxe ao mundo.

IDEIAS E IDEAIS

Ter ideias é tão diferente de ter ideais,

Quanto o ter não se parece com o ser.

Ser rico não significa ter sempre mais,

Informação não é sinônimo de saber.

Não se mistura a coragem e a valentia,

E o bravo não se mostra imprevidente;

Agitação não se confunde com energia,

Esperto não se compara ao inteligente.

Sentir dor não se iguala a estar doente,


Comunicar não quer dizer falar a esmo.

E o rebelde não tem nada de diferente.

Estar aqui não significa o ser presente;

E um homem pode ser fiel a si mesmo,

Sem precisar ser o mesmo para sempre.

SONETO DO AMIGO

Conserva os amigos que conquistastes,

Como se fosse o teu mais rico tesouro;

O bom amigo vale mais que todo ouro,

Que porventura nessa vida já ganhastes.

E a verdadeira amizade é um raro bem,

Que vem de graça, dado pela natureza.

Mas só quando perdemos essa riqueza,

Nos damos conta do valor que ela tem.

Por isso é bom ter amigos de verdade,

João Anatalino

E não perdê-los por agravos tão banais,

Que no fundo só nos ferem a vaidade.

Principalmente se estivermos na idade,

Em que só os encontramos em funerais,

E não há tempo de fazer nova amizade.

CHÃO DE ESTRELAS

Minha vida, tal qual na bela canção,

Também já foi um palco iluminado.

Onde atuei, vestido de cor e ilusão,

Fazendo figa para nunca ser vaiado.

A fantasia para mim era esperança,

Meu sorriso não era de falsa alegria.

A felicidade era algo que se alcança,

No caminhar constante de cada dia.

Veio a noite, e com ela a escuridão;


Toda beleza, com a luz se evaporou,

Tal neblina que o sol vem dissolver.

E se já houve estrelas no meu chão,

A mão da sorte há muito as apagou,

E outra mão não consegue acender.

A CONSPIRAÇÃO DO UNIVERSO

Pois mais longe pareça estar o horizonte,

Não pense que não há mais nada a fazer;

Saiba que existe um lugar além do monte,

Onde o mundo ainda está para acontecer.

Sonhe um lugar assim, de criaturas felizes,

Em que o idioma não tenha a palavra não;

Um mundo onde as pessoas são tão livres,

Que o que se proíbe é a própria proibição.

Creia nisso, porque existe uma divindade,

João Anatalino

E a natureza não faz nada para ficar á toa.

Só temos que dar ao mundo o nosso amor.

Os sábios dizem, e eu creio ser a verdade;

Se seu coração é sincero e a intenção é boa,

Todo o universo vai conspirar a seu favor!

CIÚME DE MIM

Este é um fato já bem comprovado

Mas não consigo descobrir por quê;

Toda vez que faço amor com você,

Eu sinto que estou sendo enganado.

Embora eu saiba que você me ama,

Basta só você me olhar com desejo,

E de repente, é a outro que eu vejo,

Com você, deitado em nossa cama.

Quem sabe eu esteja mesmo pirado,

Pois é loucura o que estou dizendo:


Porém quando você me olha assim,

De imediato começo a me esquecer.

Daí, se não é mim que estou vendo,

Quem está fazendo amor com você?

A CONFRARIA DAS ESTRELAS

Nesta hora insone da madrugada,

Haverá uma alma ainda acordada,

Para me acompanhar até o quintal,

E irmanar-se comigo neste ritual?

E se alguma houver, se apresente,

Como a pessoa que ouve e sente,

A voz da noite, a febre da poesia,

E queira participar desta confraria.

Seremos como noviços iniciados,

Na louca Irmandade das estrelas,

João Anatalino

Fundada por poetas apaixonados.

E quando estivermos preparados,

Nossas almas se integrarão a elas,

Nos seus Mistérios mais sagrados.

LIVRE PENSADOR

O olhar que fez nascer o meu amor,

É o mesmo que matou minha razão.

Pois foi quando nasceu esta paixão,

Que eu deixei de ser livre pensador.

Eu, que sempre me vi independente,

Um perseguidor da fugidia verdade,

Agora sou escravo da conformidade;

A sua imagem domina minha mente.

Numa cabeça onde já morou um dia,

A visão perfeita da razão mais pura,

Agora nenhum raciocínio mais cabe.


Amar você, hoje é a minha filosofia:

Se para o sábio, paixão é só loucura,

Para o amante é tudo o que ele sabe.

LIVRO ANTIGO

Se quiser, pode apagar-me da memória;

Mas peço que você, de vez em quando,

Se lembre que eu ainda estou morando,

Nos registros que contam a sua história.

Prometo até não ficar muito aborrecido,

Por não ter sido preferido como amante,

Desde que você me conserve na estante,

Como livro que gostou muito de ter lido.

E ao sentir que está lhe faltando poesia,

Será bastante pegar na estante e folhear,

Aquelas páginas que você já leu um dia.

João Anatalino

E nesse instante você irá compreender,

Que quem gasta pouco tempo em amar,

Vai levar uma vida inteira para esquecer.

A ETERNIDADE DO AMOR

Quem tem amor, trate-o com carinho,

Como se fosse o último e o primeiro.

Nunca o deixe um só minuto sozinho,

Nem deseje que ele seja o derradeiro.

Pois o verdadeiro amor é um viajante,

Que não conhece medida ou fronteira;

Mesmo que dure somente um instante,

É a moeda para se gastar a vida inteira.

Se o universo é energia em expansão,

É o amor, que aglutinando sua massa,

Proporciona a necessária organização.


E também é sinônimo de perenidade;

Tudo que nasce, um dia morre e passa,

Mas o amor repercute pela eternidade.

CATEDRAL DO AMOR

Catedral do Amor, este meu coração,

Incensou altares de paixões intensas,

Onde a mais pura de todas as crenças,

Era professada como se fosse religião.

Pois a vida inteira tive uma convicção:

Que só alcança verdadeira divindade,

Aquela alma que acredita de verdade,

Numa filosofia de amor por profissão.

E amar foi minha verdadeira doutrina,

A teologia capaz de trazer a libertação,

Uma verdade que livro nenhum ensina.

João Anatalino

Mas se nem Jesus escapou da sua sina,

O meu amor também sofreu a traição:-

Amar demais também foi minha ruína.

A TAMPA DA PANELA Para Maria Amélia

Se um homem é aquilo em que ele crê,

A crença que apregôo em meus altares

É que amores podem ter sido milhares,

Mas somente um foi verdadeiro: você.

Amei a todas, somente a você amando,

Pois em todas as mulheres que amava,

Era alguém como você que eu buscava.

E por isso eu vivia sempre procurando.

Encontrei-a e mais nada quero da vida,

Porque você literalmente me encampa:


A minha busca foi muito bem sucedida.

O que nos serve, o amor sempre soube;

E como toda panela só tem uma tampa,

Você é aquela que por sorte me coube.

.

Á MODA DE CAMÕES

O amor é como uma chama que arde,

Uma ferida que sangra, mas não dói;

É poção que no peito de um covarde,

Torna-se filtro que faz dele um herói.

Masmorra onde um dia foi torturado,

A ela volta para sofrer tudo de novo;

A tal suplício, com prazer redobrado,

Se entrega como se tudo fosse gozo.

Quando se ama, a medida é o querer;

Nada é grande que a ela se compare,

João Anatalino

E não há razão que anule o seu valer.

Pois o amor sempre fica por Parecer,

Quando outro argumento já não vale.

Sem amor, toda vida é um não viver.

CORAÇÃO VALENTE

Para defender um verdadeiro amigo,

Qualquer um dará um passo á frente;

Mas se isso representar algum perigo,

Três para trás ele dá imediatamente.

Normal é que ninguém se apresente;

A autodefesa sempre fala mais forte;

Pois só quem tem o coração valente,

Apostará nesse jogo a própria sorte.

Só mesmo um verdadeiro Tiradentes,

Pode morrer por aquilo que acredita:


A maioria é composta por descrentes.

Na dura prova só o mais forte resiste;

Pois o covarde foge, o fraco claudica,

O venal se vende e o delicado desiste.

DOUTOR TEMPO

Todo arrebentado, o meu coração

Foi consultar a doutora Sabedoria.

Mas ela disse não estar de plantão,

E mandou procurar a Dra. Alegria.

E a Alegria, que de férias ia saindo,

Me disse não ser sua especialidade.

Talvez seja bom ─ falou ela, rindo,

─ Você ir procurar a Dra. Saudade.

Dra. Saudade chamei por telefone,

Procurando agendar uma consulta,

João Anatalino

E ela nem me deixou dizer o nome.

– Meu amigo, é bobagem procurar,

A sua doença ─ disse ela, resoluta,

─ Só Dr. Tempo é que a pode curar.


COMPANHEIRO

Não quero que andes na minha frente;

Não estou necessitando de batedores.

Também não queira ser meu docente;

Eu não estou procurando professores.

Não seja companheiro da minha sina,

Pois eu não estou atrás de seguidores;

Nem quero ensinar-lhe uma doutrina,

Eu sei que você já tem os seus valores.

Porém, seja bem-vindo como amigo,

Para comungar comigo seus assuntos;

Se quiseres, dividirei os meus contigo.

Um homem sozinho pode desanimar,

Mas quando os dois caminham juntos,

Eles sempre chegarão a um bom lugar.

João Anatalino

CARVÃO QUEIMADO

Uma paixão arde como fogo de churrasqueira.

Enquanto há carne ele sempre mantém o lume.

Mas quando ela acaba e só restou a bebedeira,

No fundo só permanecem as cinzas do ciúme.

Pois ela é como se fosse uma festa que começa

Mas não se sabe o que vai rolar na despedida;

Quando a farra acaba, tudo é só dor de cabeça,

Que todo mundo tem quando abusa da bebida.

Uma boca amarga, o gosto ruim da embriaguez,

No dia seguinte, é a única lembrança desse jogo,

Que todo mundo sempre joga mais de uma vez.

E o coração, carvão queimado, é só o que resta;

Mas e daí? Quem nunca se queimou nesse fogo,

É um pobre coitado que nunca foi à uma festa.


AMAR É NUNCA TER QUE PEDIR PERDÃO

Só nos aborrece aquilo que desprezamos

E desprezamos aquilo que de nós destoa.

Mas destoamos daquilo que não amamos,

E não é comum amar a quem nos magoa.

Toda mentira é como se fosse fel em água,

Temperando de amargura o amor da gente.

Mas só o amor pode curar a dor da mágoa,

Se for só de mágoa a dor que a gente sente.

Perdoar pode curar um coração magoado,

Mas quem magoa será sempre um doente.

Perdão cura quem dá e não a quem é dado.

Mesmo que a frase seja apenas um chavão,

Nela existe uma verdade bem consistente:

Porque amar é nunca ter que pedir perdão.

João Anatalino

A VOZ DO CORAÇÃO

Aquele que diz que fala sem pensar;

É mentiroso ou de fato está doente:

Pois a língua só é capaz de articular

O conteúdo que há em nossa mente.

A boca só fala o que há no coração,

E a palavra não nasce naturalmente.

Seu pai é o cérebro, a mãe a emoção,

O útero que a gesta é o inconsciente.

A língua é a ferramenta competente,

Que a mente utiliza para comunicar

O que acontece no interior da gente.

Sendo falsa, o resultado nós sabemos;

E se a usarmos para a outros enganar,

Ela acaba é enganando a nós mesmos.


O BURRO MALANDRO

Ao burro malandro o boi lamentava:

“Infeliz sou eu que somente trabalho.

O dia inteiro vivo dando este malho,

E á noite só me dão esta mísera fava.”

“Idiota é você porque nunca reclama”,

Disse o burro:“Eu só vivo empacado,

Assim não me atrelam relha ou arado,

E tenho sempre boa comida e cama.”

Como o boi resolveu ao burro imitar,

Para o trabalho não ficar acumulado,

No burro malandro foi posto o arado.

E não adiantou o danadinho empacar,

Pois ele foi obrigado á custa de relho :

Bom castigo a quem dá mau conselho.

João Anatalino

O SÁTIRO PERVERSO

Enquanto olharmos só para nós mesmos,

Nunca veremos como de fato nós somos;

Porque, por muito mais que nos olhemos,

Continuaremos a ver só o que queremos.

Tal como os coringas de um jogo de azar,

Qualquer liga nos servirá para um encarte;

Quando o raio não está em nenhum lugar,

Nosso centro se espalhará por toda parte.

Foi procurando na infinidade do universo,

Aquilo que só pode encontrar dentro de si,

Que o homem se tornou o sátiro perverso,

Que faz da vida a comédia mais engraçada.

De tudo o que lhe acontece um palhaço ri,

Mas nunca aceita que ele próprio é a piada.


O FRADE DORMINHOCO

Um jovem frade, de alma pura e inocente,

Muito cansado dos trabalhos do convento,

Numa sombra se deitou por um momento,

Mais que depressa dormiu profundamente.

Quando acordou a tarde estava chegando,

Um sol mortiço já se deitava no horizonte,

A lua branca despontava atrás dum monte,

E um sino, na distância, ele ouviu tocando.

Temendo que já o estivessem procurando,

Para o convento, imediatamente ele correu.

Mas que surpresa foi a sua em lá chegando!

Porque tudo ali lhe era agora desconhecido.

Então, olhando o calendário, ele percebeu:

Que por duzentos anos ele havia dormido!

João Anatalino

A CHAVE DO PODER

Não precisamos mostrar medo ou vergonha,

Para exigir tudo o já que é nosso por direito.

O homem é o reflexo daquilo que ele sonha,

A chave do poder está guardada no seu peito.

Saber que merecemos é tudo o que importa,

Depois é lutar pelo que se quer e se acredita.

Coragem é chave mestra que abre toda porta.

O bom lutador é quem não recua nem hesita.

A natureza, nossa mãe, sempre foi inteligente;

Como ela sabe do que nós todos somos feitos,

O que merecemos, ela nos dará naturalmente.

Pois a vida sempre foi e será ótima pagadora;

Se tivermos, ela jamais negará nossos direitos,

Mas também cobrará quem dela for devedora.


A VIDA É JUSTA

Se pudermos sentir o nosso coração bater,

Isso diz que nós ainda estamos bem vivos.

Pois Deus nos deu um dia mais para viver:

Não o gaste com pensamentos negativos.

Respire fundo, encha o peito, erga a fronte,

No que você crê, isso mesmo é o que terá.

Jesus disse ─ Se tiver fé diga a este monte:

Sai daqui, lança-te ao mar: e ele obedecerá

A vida é justa e lhe dará o que você pedir,

Nunca mais, nunca menos que o acordado;

E os acordos somos nós que os redigimos.

Exija da vida tudo o que ela tem para dar,

E vá em frente, mas não espere aí sentado,

Pois ela dá, mas a gente tem que ir buscar.

João Anatalino

USUCAPIÃO

O dinheiro procura os ambiciosos

Tal como o melancólico a solidão.

A pobreza é o prêmio dos ociosos,

E a riqueza é o troféu da ambição.

Em baixo é o mesmo que em cima,

O de dentro, igual ao que está fora;

A tristeza com alegria não faz rima,

Mais tarde não combina com agora.

E se alguém te perguntar se és feliz,

A resposta nunca deve ser um não,

Porque na vida só é como se fosse.

O que queremos o mundo nos dará,

A felicidade nos vem por usucapião,

Só se a dá a quem dela tomou posse.


SONETO DA FIDELIDADE

Longe ou perto, serei só fidelidade.

Ao meu amor não serei indiferente,

Com ela, sempre e completamente,

Estarei, sem dar espaço á saudade.

Pois meu amor é de fato tão imenso,

Que se durasse apenas um segundo,

Não caberia no limite deste mundo,

Sendo eterno por ser assim intenso.

Não pode haver uma relação estável,

Se entre os parceiros não se alcança,

O patamar da verdadeira sinceridade;

Duas almas formam liga inseparável,

Se plantadas no jardim da confiança,

Adubado com o húmus da fidelidade.

João Anatalino

O JUDEU ERRANTE

Pelas ruas íngremes de um burgo imundo

O condenado passa, carregando sua cruz.

Nas lanhadas costas leva a dor do mundo,

Mas nos olhos claros brilha virtuosa Luz.

No entanto a força falta ao exausto corpo,

E seus joelhos dobram a cada passo dado;

É um pobre homem que está quase morto,

Mas em cada queda é ainda mais castigado.

Caiu em frente à uma oficina de sapateiro,

E seu dono lhe disse com prazerosa ironia:

─ Profeta, pega tua cruz e segue em frente!.

Jesus respondeu: ─ Nada mais verdadeiro:

O meu sofrimento não vai passar deste dia,

Mas o teu, Ashaverus, durará eternamente!


AMOR OBSOLETO

Como falar deste amor que agora tenho,

Se quando amei sempre dele fiz segredo.

Talvez por egoísmo, e quem sabe, medo,

Não tirei dele energia para meu engenho.

E porque não quis me calçar em tal valor,

A minha alma esteja agora assim tão fria,

Que até mesmo a nossa deusa da poesia,

Já não recebe as confissões do meu amor.

Entretanto, quando amei, não foi pouco;

Mas dizem que amar tornou-se obsoleto,

Nem deve mais, ser em versos celebrado.

Por isso agora estou me vendo no sufoco:

Quero dizer o quanto te amo num soneto,

Mas não acho tom e nem ritmo adequado.

João Anatalino

A LENDA DE ENOQUE

Enoque, o patriarca, entre os homens bons,

Pelo Senhor numa missão foi contemplado;

Para que fosse o primeiro entre os maçons,

Nessa sublime arte dos Demiurgos iniciado.

Então, pelos canteiros da obra divina viajou,

Tendo mestres-arcanjos servindo-lhe de guia;

Pelos dez céus do universo Enoque passeou,

Com os anjos adquirindo a magna sabedoria.

Viu que o mundo é como se fosse o edifício,

Que embora não tenha chão, parede ou teto,

Nós o construímos como pedreiros de ofício;

Trabalhando nessa obra um pouco todo dia.

Tendo Deus por Grande Mestre- Arquiteto,

Praticando a arte que é chamada Maçonaria.


CRÍTICA É INFORMAÇÃO

Há quem diga que eu escrevo só bobagem.

Não posso negar, a maioria foi publicada.

Pelos menos eu sempre tive essa coragem,

Mas quem me critica só diz isso na calada.

Não me importo quando recebo correção;

Homens não nascem acabados e perfeitos.

Toda crítica eu só vejo como informação,

Que utilizo para corrigir os meus defeitos.

Nada fiz que esteja já completo e acabado.

Sou processo em pleno desenvolvimento,

Não fazer é bem pior do que fazer errado.

A quem me critica eu agradeço para valer.

Quem me dera que até o último momento,

Pudesse eu estar, sempre mais, a aprender.

João Anatalino

POETA ESCRIBA

Eu não faço poesia por profissão

Nem escrevo para ocupar espaço.

Porém, todos os versos que faço,

Quem compõe é o meu coração.

E só expresso o que penso e sinto,

E se registro é porque nisso creio,

Talvez o que eu digo até seja feio;

Mas posso garantir que não minto.

Eu não me incluo entre os artistas,

Nem espero conseguir seguidores,

Meus poemas são atas transcritas;

O coração gesta e a mão convalida.

E sejam fruto de alegrias ou dores,

Minha poesia é experiência de vida.


DONO DA VERDADE

Como não sou dono da verdade,

Não me importo em estar errado.

Certo é o que pode ser provado,

E o resto é exercício de vaidade.

E ser teimoso não é ser coerente.

Como sustentar a nossa verdade,

Quando se vê a própria realidade

Mostrando coisa muito diferente?

Ser inteligente é ter flexibilidade,

Adaptar-se ao que a vida nos traz,

Do que passou só ficar a saudade;

A cada dia o seu próprio cuidado:

Na vida só vale o que a gente faz,

Verdade é aquilo que dá resultado.

João Anatalino

AS MIL E UMA NOITES

El Shariar foi um sultão muito poderoso.

E Samarcanda era o país que governava;

Mas no amor ele não era lá muito ditoso,

Pois que sempre uma amante o enganava.

Por causa das experiências humilhantes,

Concluiu que nenhuma mulher prestava.

Decidiu dormir com mil e uma amantes,

Cujas cabeças, pela manhã, ele decepava.

Foi então que surgiu a jovem Sherazade,

Que além de sábia era muito inteligente,

E do sultão conquistou logo a confiança.

Com mil e um contos de amor e amizade,

Ela curou o coração do rei intransigente,

E assim ele se esqueceu da sua vingança.


A MEDIDA DO AMOR

Cuida do teu amor com real carinho,

Como se fosse o último e o primeiro.

Não o deixe um só minuto sózinho,

Nem lhe diga que ele é o derradeiro.

O verdadeiro amor é uma constante,

Que não conhece medida nem idade,

Mesmo que dure apenas um instante,

Para ele não basta toda a eternidade.

Se o mundo é energia em impulsão,

O amor é o portador daquela chama,

Que transforma em luz a escuridão.

De fato, o mundo é movido á paixão;

Mas só existe tesouro quando se ama,

João Anatalino

E ele está onde nós pomos o coração.

ASSERTIVIDADE

Eu não posso esperar que Deus,

Venha resolver tudo para mim.

De que serve uma crença assim,

Se o que eu quero é ser mais eu?

Não vou cultivar a passividade,

E nem coração que se aposente;

Eu quero estar sempre presente,

A isso eu chamo assertividade.

A força da fé está na esperança,

Mas esta também quer ligeireza,

Pois quem espera nunca alcança.

Esta é uma verdade comezinha:

Quem pretende se sentar à mesa,


Que ao menos ajude na cozinha.

CALEIDOSCÓPIO

A vida é um imenso caleidoscópio.

Muitas cores que se pode escolher,

Só uma coisa nunca dá para fazer

É conseguir divórcio de si próprio.

Se eu e mim estão sempre comigo

Desde o começo, até chegar o fim;

E se eu sei que só pode ser assim,

Preciso ser de mim um bom amigo.

Quem não enxerga o próprio valor

Como poderá em outros encontrar,

Alguma coisa que mereça seu amor?

Eis um ditado que cabe nesta rima:

Não há pessoa que não sabe amar,

João Anatalino

O que há é gente sem auto-estima.

LEMBRANÇAS

Se quer me deixar, tudo bem, eu aguento;

Vai com Deus, e dispenso as justificativas.

Saia sem rodeios, ou dizer frases furtivas,

Que só provocam dor e constrangimento.

Não será fácil aprender a viver sem você,

Porque de fato, eu já estava acostumado,

Com a sua presença, sempre ao meu lado. ,

Mas nem tudo que acontece tem por quê.

E quando se for não precisa fazer alarde;

Mas tudo que é seu será bom você levar.

Não deixe nada que me faça recordar-te.

Porque a lembrança já é parte do que vivi.

Se eu precisar de algo seu para me lembrar,


Esteja certa que é porque eu já lhe esqueci.

O AMOR É SAGRADO

Juro que não me importaria morrer

Sem sentir que já fui amado um dia;

Mas não me agradaria muito viver,

Com a certeza de que nunca amaria.

Pois amar é um verbo intransitivo;

Que nunca precisou ter um objeto;

Conjugado no ativo ou no passivo,

Ele sempre está no tempo correto.

O amor não precisa ter polaridade,

Da parte dele nunca espero engano,

Nem me importa se não sou amado.

Por isso eu acho, que na realidade,

O amor que recebemos é profano,

João Anatalino

Mas aquele que doamos é sagrado.

O REPOLHO E A ROSA

Repolho é verdura que espalha mau odor,

Que aumenta na proporção que envelhece.

Isso é porque ele nasce aberto como a flor,

Porém se fecha na medida em que cresce.

É o contrário do que acorre com uma rosa,

Que nasce fechada e depois vai se abrindo;

Quanto mais se abre, mais ela fica cheirosa,

Seu agradável perfume nos ares espargindo.

Todos nós somos flores quando nascemos,

E se nos abrirmos para a vida como a rosa,

A doce fragrância pela vida espalharemos.

Tem gente que espalha perfume pela vida,

E outros que exalam a cloaca mal cheirosa,


Que sempre sai de uma cabeça apodrecida.

PRAZER TEMPORÃO.

Você está sendo muito venal, querida,

Em me dizer que só está indo embora,

Abandonando seu lugar na minha vida,

Porque não dou o que você quer agora.

Se cada momento vivido é importante,

É preciso experimentá-lo intensamente,

Mas um gozo obtido em cada instante,

Pode valer o que se perde para sempre?

Uma vida não se completa em minutos,

Ela não é planta de uma única floração,

Mas a própria árvore que gera os frutos.

Não vá trocar a felicidade que já é sua,

João Anatalino

Pelo prazer que é efêmero e temporão,

Porque ele passa, mas a vida continua.

FALSA ERUDIÇÃO

Muito pior do que não saber de nada

É querer mostrar uma falsa erudição.

Analfabeto é uma pessoa não letrada,

Mas apedeuta é ignorante por opção.

Ninguém é obrigado a saber de tudo;

A simples ignorância será perdoada.

Mais vale entrar calado e sair mudo,

Do que falar muito e não dizer nada.

Na dúvida, é melhor não dar opinião,

Quando o que se vai dizer é só lorota,

Não servindo sequer para informação,

O palavreado inconsistente não faz fé.


Melhor pensarem que a gente é idiota

Do que mostrar, que de fato, a gente é.

O CARVÃO E O DIAMANTE

Quando amo o novo que não conheço

O velho se torna mais meu conhecido.

Por que todo fim costuma ser começo,

E nada será que ainda não tenha sido.

Só quem já foi verde se torna maduro,

Só quem viu o escuro conhece o claro.

Só quem sofre pressão fica mais duro,

E só quem já foi simples se torna raro.

Sem sofrimento não existe uma história.

Cristal não polido nenhuma luz reflete;

João Anatalino

O ganho sem luta não se chama vitória.

A batalha mais dura é a mais estressante;

Contudo, é a pressão à qual se submete,

Que faz o carvão se tornar um diamante.

ANTES QUE O AMOR ACABE

Não existe um pensamento mais triste,

Que saber que um dia eu vou lhe ver,

E sentir que nada mais em mim existe,

Daquele amor que eu tinha por você.

E nem sei o que vai ser mais dolorido,

Se quando, no futuro, eu a encontrar;

Ouvir sua voz, sem a ter reconhecido,

Ou ver seu rosto sem dele se lembrar.

A velhice não é um estado opressivo,


Se a gente mantém vivo o sentimento

Que conserva o coração sempre ativo.

A morte, quando vem, nunca se sabe;

Como viver sem amor é um tormento,

Quero morrer antes que o amor acabe.

A VERDADEIRA BELEZA

Diz o sábio: jamais vos fieis na aparência;

Pois ela pode ser, na verdade, enganadora.

Na alma é que mora a verdadeira essência,

Que faz do homem a criatura merecedora.

Em energia, o átomo é invisível elemento,

Porém é dele que vem toda a sua potência,

Assim também toda beleza está por dentro,

Por fora o que ela tem é só pura aparência.

Beleza exterior não gera mérito que sobra,

João Anatalino

Pois ela serve somente para deleite frugal;

O que fica de alguém é sempre a sua obra.

Em qualquer papel que na vida represente,

O caráter do homem é pedra fundamental,

No edifício que Deus constrói diariamente.

LUCRO DE AMOR

Pode ser que você discorde e não endosse,

Não importa, porque é assim que funciona.

Amor é um bem que nunca admite a posse,

Por isso não pense que você é minha dona.

Destarte, venha se, e quando tiver vontade;

Não como a locatária da fazenda arrendada,

Que todo mês vai visitar a sua propriedade,

Somente para cobrar uma renda contratada.

Pois amar é como a regra de contabilidade;


Aquele que recebe deve, e quem paga tem,

E todo o capital pertence à uma sociedade.

Prazer é lucro que sai da prática dessa arte;

O amor é a empresa que a todos paga bem,

Mas quem dele se apropria perde sua parte.

VIDA E MORTE

Um dia vai chegar a hora daquela

Perceber que é hora de ir embora;

Então, esta que aguarda aqui fora,

Entrará para assumir o lugar dela.

Porque tem que ser, e será assim:

Uma reina quando a outra abdica,

Sem uma das duas ninguém fica,

De uma é começo, de outra é fim.

Curioso, mas parece ser destino,

João Anatalino

Que essas duas relações da vida,

Também tenham nome feminino.

Ninguém terá outro (a) consorte:

Pois toda a existência é repartida

Entre as senhoras, Vida e Morte.

IDEAIS

Eu não tenho orgulho das coisas que fiz,

E do que não fiz, nada há que faça falta;

Porque um homem, para ser muito feliz,

Não há que viver sob as luzes da ribalta;

Mas todos nós precisamos ter um ideal,

Pois que sem um não se vive realmente,

Se há uma coisa que de fato nos faz mal,

É deixar que ele se enterre com a gente.

O ideal é como o bastão de revezamento,


Que um corredor, numa pista de corrida,

Deve repassar quando chega o momento.

Então, outro atleta pega o bastão e corre.

E assim deveria ser a maratona desta vida:

Pois o ideal que se transmite nunca morre.

FRÁGIL COMO UMA ROSA

As flores poderão compreender

A amargura desta minha poesia.

Afinal, todo seu tempo de viver,

É efêmero como a minha alegria.

Feita para proporcionar o prazer,

A flor nasce ao romper da aurora,

Para cedo ir murchando e morrer,

Tão logo a luz do sol vai embora.

Meu amor foi a flor que brotou,

João Anatalino

Com direito a um só dia vivido,

E só por isso tão cedo murchou;

Ele nasceu numa manhã gloriosa

E à tarde já estava tão combalido.

- Era frágil e belo como uma rosa.

CASA DE CABOCLO

O Zé Gazela era um querido caboclinho,

A quem um poeta retratou numa canção.

A viola, o homem tocava com perfeição;

Para cantar ele era como um passarinho.

Mas um dia esse caboclo tão benquisto,

Entregou seu coração para a Sinhá Rita,

Que dizem ter sido a moça mais bonita,

Entre aquelas que o sertão já tinha visto.

Todos pensam que Gazela perdeu o tino,


Porque que um dia Sinhá Rita ele matou,

E na sua viola não quis pegar nunca mais.

Eles não sabem que em casa do caboclo,

(Só para quem quiser saber o que passou)

Um é pouco, dois é bom, e três é demais.

DANY BOY

Danny Boy era um montanhês pastor,

Que foi para a guerra defender o país;

Mas deixou em casa seu grande amor,

Muito jovem e já tão solitária e infeliz.

Insuportável lhe foi essa horrível sina;

No desespero, ela não suportou a dor,

E morreu de tristeza, a pobre menina;

Foi sepultada em um belo vale em flor.

E hoje, por vales e montes congelados,

João Anatalino

Ou no verão, quando as flores brotam,

Que saudosas são as gaitas que tocam,

A canção desses infelizes apaixonados,

Que morreram, um do outro, distantes,

E mortos, se amam mais do que antes...

ALÉM DO HORIZONTE.

Além, muito além daquela verde serra,

Cujo pico arranha o azul do horizonte,

Sei que existe uma linda e mágica terra,

Onde o sol brinca de esconde-esconde.

É lá, onde nascem o arco-íris e a estrela,

E se projetam os sonhos e a imaginação,

E a lua fica nua para quem deseja vê-la,

Que nasceu, um dia, esta linda canção.


Uma canção feita de magia e esperança,

Sobre um sonho que se torna realidade,

Na sinceridade da alma de uma criança.

Sei que é uma terra de sonho e fantasia,

Mas quem tiver imaginação de verdade,

Com certeza, também chegará lá um dia.

PODER E DEVER

Passamos a vida entre o pode\deve

O conflito entre o dever e o querer;

Nem sempre o que se fala escreve,

E o que se escreve não se deve ler.

Quando somos jovens e queremos,

Quase nunca há condições de fazer,

Quando se é mais velho e podemos,

O que nos falta é a energia para ser,

João Anatalino

Mas na vida, seja falta ou seja sobra

E por mais que a gente nela invista,

O que ficará será sempre uma obra,

Ainda que seja para enganar a vista.

Não é o artista quem pinta o quadro,

Mas sim o quadro que pinta o artista.

SENTIMENTO DE CULPA

Para que nos serve o sentimento de culpa

Pensando naquilo que a gente fez errado,

Se para isso não serve procurar desculpa,

Pois o que importa é sempre o resultado?

Tempo é um filme que não se rebobina,

Para refazer tudo com a melhor ciência;

A cena ruim não se corta nem se elimina

Resta só saber lidar com a consequência;


Se todo rio desce dos lugares mais altos,

E chega ao oceano seja qual for o desvio

Num leito jamais isento de sobressaltos;

A vida também tem seu próprio caminho,

Por isso é bobagem querer apressar o rio,

Pois ele sempre soube caminhar sozinho.

A NORMA E A FORMA.

Sou uno e múltiplo em meus estados,

E na matéria que me hospeda, quero

Acomodar ideias, gerando resultados,

E com isso fazer minha parte, espero.

Sendo proporção e dimensionamento,

À criação universal eu dou qualidade,

Gerando padrões de desenvolvimento,

Para que ela mantenha a sua unidade.

João Anatalino

Na matéria busco perfeição de forma,

Como se o universo fosse um quadro,

Que a cada novo dia deve ser pintado.

E assim eu fujo da exatidão da norma,

Para não ficar na rigidez do esquadro,

Que a todos nós só limita e conforma.

.A LINGUAGEM DOS OLHOS

Não imaginas quantos são os pensamentos,

Que não ouso estampar no meu semblante;

Pois são tantos e tão fortes os sentimentos,

Que avultam nos meus olhos neste instante.

Essa é razão de olhar tanto para o teu rosto;

Quero dizer-te que tu não me és indiferente,

Porém meu coração não pode ficar exposto,

E um olhar é testemunha que nunca mente.


Porque neste instante, eu sequer estou livre,

Já que ainda tenho muitas satisfações a dar,

A um outro amor, que no passado eu já tive.

Dessa forma ninguém pode dizer que minto,

Pois, nesta vontade escancarada de te amar,

Essa é a forma de dizer a ti tudo o que sinto.

A FÉ E A RELIGIÃO

Se de fato há um Deus e o que Ele é,

É especulação que minha mente evita.

E quem especula de certo não tem fé,

Se tem não indaga, somente acredita.

O homem que sabe para onde quer ir,

Sempre conhece qual caminho tomar,

Não importa se desce ou se vai subir,

Se vai para a frente ou tem que voltar.

João Anatalino

Se o religioso beato acredita em tudo,

Mas o ateu convicto não crê em nada,

Não sei a qual deles dar menos razão;

Porque religião é forma, fé é conteúdo,

E nenhuma delas está certa ou errada.

A verdade é que Deus não tem religião.

A VERDADE ESTÁ NO MEIO

A vida é como copo d’água enchido até o meio.

Se pela manhã ele nos parece estar meio vazio,

Á noite, depois de enfrentar tudo que é desafio

Percebemos que, de fato, ele está é meio cheio.

A chuva pode ser uma benção da providência,

E também desgraça que destrói a propriedade;

O que para uns traz a riqueza e a prosperidade,

Para outros é motivo de dificuldade e falência.


Nem sempre a verdade está naquilo que vemos,

Pois sempre a buscamos no começo ou no fim,

Mas o certo é que ela jamais está nos extremos.

Geralmente, a felicidade se posiciona no meio,

Pois ontem ou hoje o mundo sempre foi assim:

Para uns o que é bonito, a outros pode ser feio.

O PRIMEIRO TÚMULO

O homem, por mais que seja capaz,

Será sempre unidade que se divide;

E quanto mais tenta encontrar a paz,

Mais se envolve em sua própria lide.

Em sua vida não existe a coisa certa,

E no saber, mais sua dúvida prospera,

Nem a morte, que aniquila, o liberta,

Pois ele teme que algo mais o espera.

João Anatalino

Há duas formas de perder o caminho:

A primeira é querer controlar o fado,

A outra é o homem chegar ao cúmulo

De achar que pode caminhar sozinho.

Precisamos ter alguém ao nosso lado;

Pois solidão é nosso primeiro túmulo.

O SONHO E A REALIDADE

Sou feito de matérias incompatíveis

Que um deus atrapalhado misturou.

Daí enfrento as dores mais horríveis,

Tentando administrar o que eu sou.

Minha alma tem uma centelha de luz,

Que poderia brilhar feito uma estrela,

Mas o corpo é uma força que a reduz,

Á um pontinho que mal consigo vê-la.


Daí porquê, quando estou acordado,

Sou escravo da lógica, da constância,

Só buscando aquilo que dá resultado.

Mas quando durmo e o corpo relaxa,

A consciência arrefece sua vigilância,

E minha alma é centro d'uma galáxia.

SONETO MÍSTICO

A nossa alma é um grão de energia

Dizem os filósofos, e nisso eu creio.

Foi de Deus que essa centelha veio,

E à Ele, como luz, vai voltar um dia.

Nossa missão, portanto é trabalhar,

Para filtrar, no curso da nossa vida,

Essa luz que na matéria ficou retida,

Quando Ele resolveu se manifestar.

João Anatalino

Viver muitas vidas necessário se faz,

Para tirar da alma a matéria aderida

E só a primitiva essência dela restar.

Boas ações são um detergente eficaz,

Que purifica a alma e a deixa polida,

Sem esse lastro que não a deixa voar.

LÁGRIMAS DE FARISEU

Bem aventurados os que choram,

Porque eles hão de ser consolados.

Mas não os vigários que exploram,

A boa fé de um bando de coitados.

Pois são eles que trazem as dores,

Já que elas vêm das mazelas deles.

E nós só nos tornamos sofredores,


Porque um dia acreditamos neles.

Os que choram hão de ter consolo,

Se sofreram as injustiças da vida,

Sem que tivessem culpa nem dolo.

Já o choro de um fariseu mentiroso,

É feito de lágrimas que são vertidas,

Só para ganhar a simpatia do povo.

João Anatalino

O TRABALHO E O AMOR.

Para nós sermos felizes, pouco é preciso;

Nem será a questão de muito ter ou ser,

Sequer necessitamos viver num paraíso,

Se sempre tivemos trabalhos para fazer.

Depois, há outra coisa muito importante,

Que é preciso não esquecer e considerar:

A felicidade não será real nem constante,

Se não houver um alguém a quem se dar.

Assim, quem quiser ser feliz de verdade,

Tem que buscar a realização desse valor;

Algo para fazer e uma pessoa para amar.

Porém, tudo isso será de pouca utilidade,

Porque não basta ter trabalho e um amor,

Se na vida não há algo mais para esperar.

João Anatalino

O PLURAL E O SINGULAR

Porém que sabedoria será essa que temos

Que diminui, quanto mais a gente toma?

Se mais velhos ficamos, menos sabemos,

Quanto mais a informação que se soma.

Mais pertos estamos menos enxergamos,

Por mais alcance tenha nosso telescópio;

Quanto mais coisas nos outros achamos,

Mais a gente mais se perde em si próprio.

Queremos sempre encontrar nosso igual,

Já que o universo apresenta a compostura,

De um mundo que é conjugado no plural.

Por isso um indivíduo jamais vai se achar,

Se só em si mesmo concentrar sua procura,

Porque a natureza não conjuga no singular.


ACIDENTE NA MOGI-BERTIOGA

Dessa serra, com suas matas tão bonitas,

Para as quais eu tinha um olhar tão terno,

Só vejo agora grotas profundas e malditas

Que me parecem a geografia do inferno.

Ali, na parte mais bonita daquela estrada,

Na moldura daquela mata verde e florida

A morte esperava, em uma curva fechada,

Dezoito jovens cheios de sonhos e de vida.

Ceifou-os como se fossem feixes de trigo,

Que uns ceifeiros descuidados e ansiosos,

Podaram, sem olhar se maduros estavam.

Que os braços de Deus seja deles o abrigo,

Esses jovens são agora espíritos luminosos,

Luzes no caminho dos colegas que ficaram.

João Anatalino

NÃO HÁ MAL QUE NUNCA ACABE

Como saber um sim onde não há o não,

Ou o inverno onde nunca houve verão?

E como pode amar quem nunca odiou,

Ou saber que odeia quem nunca amou?

De fato, podemos dizer que a dor é útil,

Pois que sem ela todo prazer seria fútil,

Já que aí não teríamos o que comparar,

Nem saberíamos o que é sofrer e gozar.

As situações que parecem tão doloridas,

Podem ser oportunidades para a gente,

Dar um rumo novo para as nossas vidas.

Por isso quem cunhou esse ditado sabe:

- Se não há o bem que dure eternamente,

Também não há o mal que nunca acabe.


A DOR E O PRAZER. (I)

A alegria de quem cai sobre um cardo,

Vem depois, quando dele escapa ileso;

Assim como aquele que leva um fardo,

Sente prazer se aliviando do seu peso.

A parte boa de uma terrível confusão,

É o momento em que ela é esclarecida.

Se há vantagem em sofrer um tropeção,

É o poder se levantar logo em seguida.

E recuperar a saúde é sempre coisa boa,

Mas para isso é necessário ficar doente;

Toda moeda tem que ter cara e a coroa.

Não há prazer se antes não houver dor,

E ele não vem se ela não vier na frente,

E sem os dois a vida perde o seu valor.

João Anatalino

A DOR E O PRAZER (II)

Tudo isso, sei, já foi dito por alguém,

E se não me engano foi o Durkheim:

Que uma vida que só fosse prazerosa,

Seria apenas uma aventura laboriosa.

E também o grande poeta Octaviano,

Em seu soneto não cometeu engano:

Pois ele disse que quem nunca sofreu,

Só passou pela vida, mas nunca viveu.

Vejo agora que tudo isso é verdadeiro.

Só quem sofreu sabe dar o valor à vida:

Se a minha não tivesse sido tão sofrida,

E eu não tivesse sentido dor primeiro,

Realmente, eu jamais teria como saber,

Que tudo isto que sinto agora é prazer.


UMA MULHER QUE VALE A PENA ESPERAR

Quando a mulher começa a se arrumar,

O que ela menos deseja é ser apressada.

Por isso, demore o tempo que demorar,

Fique tranquilo, com sua boca fechada.

Porque mulher na frente de um espelho,

É como quadro que está sendo pintado.

Por isso lhe dou o meu melhor conselho,

Tenha paciência até que esteja acabado.

Toda mulher tem no espelho um amigo:

A minha pode demorar o quanto quiser

Que eu já estou acostumado e não ligo;

Pois que o tempo perdido não vale nada,

Quando o homem encontra uma mulher,

Que realmente vale a pena ser esperada.

João Anatalino

SONHOS DE ADOLESCENTE

Aqueles meus sonhos de adolescente

Que não viveram quando tiveram vez,

São fantasmas que me ocupam a mente,

Como se ela fosse velho castelo inglês.

Esses abortos são filhos que não tive,

Porém, gerados por desejo viril e farto,

Sobrevivem como placentas que retive,

Para um dia, deles poder fazer o parto.

Mas como nunca lhes dei vida de fato,

Esses sonhos que deixei no abandono,

Fizeram do meu coração seu orfanato.

E para castigar-me desse meu pecado,

Eles ficam atormentando o meu sono,

Tal espectros saídos do meu passado.


TEMPOS DE CRISE

Os tempos de crise e dificuldade,

São os que merecem nosso amor.

Pois na mais intensa tempestade

É que o capitão mostra seu valor.

Se o fácil qualquer um pode fazer

O difícil sempre causa alguma dor;

E quanto mais se luta para vencer,

Mais mérito acumula o vencedor.

Assim, as incertezas do momento,

Que nos causam dor e apreensão

Se elas forem vistas como desafio,

Ao invés de motivo de sofrimento

Serão a fonte da nossa inspiração.

Basta só ter coragem e muito brio.

João Anatalino

TEMOR DE TE PERDER

Sem o dinheiro eu até posso viver,

E ser feliz na mais abjeta solidão,

E nem preciso de um ser ou haver,

Porém sem amor eu não vivo não.

Porque o amor é alimento da vida,

Nutre bem mais do que água e pão;

O dinheiro pode comprar a comida

Mas um amor ele não compra não.

Coisas há que dependem de sorte,

Mas só uma é que já está decidida:

O encontro inevitável com a morte.

Daí eu não tenho medo de morrer;

A única coisa que eu temo na vida,

É antes da morte, poder te perder.


SONHOS E PLANOS

E que importância tem quem você seja,

Ou se o seu mundo é um lugar bisonho,

Se existe algo que você de fato almeja,

E transforma em um plano esse sonho.

Basta uma imagem da felicidade futura,

Para que o cérebro nos apresse o passo;

A gente só não encontra o que procura,

Quando já desiste no primeiro fracasso.

Porém, se o seu querer for de fato forte,

Uma estrela há de se acender no escuro,

E com certeza ela vai lhe indicar o norte.

Você só não pode jogar seu sonho fora;

Mas se quer que seja outro o seu futuro,

Principie por fazer algo diferente agora.

João Anatalino

A ABELHA E A FLOR

Eu te convido para juntar-se a mim,

Sem o glamour do sexo a nos atrair;

Como a abelha e a flor num jardim,

Acasalam-se só pela razão de existir.

Um amor tão somente fundamental,

Onde corpos se ligam numa corrente

Para a prática do mais sagrado ritual,

Que a mãe - natureza exige da gente.

Um encontro que seja apenas natural,

Simbiótico, prazeroso e gratificante,

Que não termine numa síncope final.

Quero unir-me a ti num ato de amor,

Para alcançar um êxtase semelhante,

Ao que sentem uma abelha e u’a flor.


MAIS QUE APENAS SEXO

Só concordei com a tua proposta

Por estar realmente apaixonado,

E pensar que, mesmo enganado,

Um homem é feliz quando gosta.

Era um amor sem compromisso,

Onde só os corpos se encontram,

E o resto, coisas que não contam.

Ninguém sofreria por causa disso.

Mas, se o coração não concorda,

Nenhum acordo mais prevalece,

Assim é que o meu roeu a corda.

Pois amor é algo mais complexo:

E quando ele, de fato, acontece,

É preciso mais que apenas sexo.

João Anatalino

TAUTOLOGIA

A verdade não mora na repetição;

Daí, diga o que pensa e não repita.

Pois uma frase muitas vezes dita,

Acaba se confundindo com refrão.

Nem tente dizê-la de outra forma,

Porque tudo que se repete entedia.

E a isso nós chamamos tautologia;

Os políticos abusam dessa norma.

A verdade não usa um só vestido,

Porque ela é gerada no contrapor,

E a sua mãe é a dúvida metódica.

Só um refrão não cansa o ouvido:

É o que usa a linguagem do Amor,

Pois ele não tem nenhuma lógica.


CUIDADO COM AS PALAVRAS

Se a ira, ou a mágoa te contamina,

Que não seja tua língua a mostrar.

Pois tudo, nessa hora, te incrimina,

Seja o que for que venhas a falar.

Esses estados internos de emoção

São como fogo que tudo esquenta;

E nesse estado alterado de tensão,

As palavras ardem como pimenta.

Nesses momentos, melhor é calar,

Pois uma frase só, já é suficiente,

Para botar uma amizade a perder.

No mais das vezes, basta um olhar,

Para expressar o que a gente sente,

Sem precisar magoar nem ofender.

João Anatalino

OUTRO SONETO DA FIDELIDADE

Se não tivesses dado prioridade

Para falar de ti o poeta Vinicius,

- O maçom maior destes ofícios-

Oh! divina musa da fidelidade!

Qual não seria minha felicidade

Em poder adotar-te como tema,

Fazendo para ti um belo poema

Revelando a tua real identidade.

Mas ao Vininha te destes antes

E ele, melhor do que ninguém,

Já desnudou-te para os amantes.

Para mim sobrou o cumprimento

Da promessa que fiz ao meu bem:

Ser-lhe fiel até o último momento.


SONHO DE ÍCARO

Eu já tentei alcançar o meu sol

Batendo as minhas asas de cera,

Porque queria me ver no escol

Daqueles que vão na dianteira.

Pois todo desejo é sentimento

Que veste uma roupa positiva;

Insatisfeito, ele vira tormento,

Vestindo uma roupa negativa.

Já não quero mais ser primeiro

Deixei de ser um Ícaro incréu,

Hoje quero ser apenas pedreiro.

Agora penso como os maçons.

Sei que asas não levam ao céu,

Mas sim, o trabalho das mãos.

João Anatalino

UMA VALSA DE MOZART

Cante pela manhã; tente fazer da sua bile,

Esse gosto ruim na boca, o verso ritmado.

Se não sabe como fazer, ao menos assobie,

Ainda que até nisso, você seja desafinado.

Pois uma canção, um verso, uma melodia,

São mais eficientes que o gosto da hortelã,

Que muita gente usa para iniciar o seu dia,

Adoçando a amargura da boca pela manhã.

Se não sabe poetar, cantar, nem outra arte,

Basta ensaiar um passo de qualquer dança,

E dance. Vá preenchendo todo seu espaço,

Acompanhando o som da valsa de Mozart.

Comece o dia como se fosse uma criança;

O adulto seguirá no som do seu compasso.


PROVA DE AMOR

Provas de amor jamais fiz, e nem as dou.

Que desse assunto, de fato, nunca soube.

Nessa matéria, até hoje o que me coube,

Foi somente uma aula que nada ensinou.

Era uma aula particular, entre você e eu:

Você ensinava, e eu estava aprendendo.

Mas de repente, o sino do recreio bateu,

Você largou tudo e logo saindo correndo.

Até que eu fui um discípulo bem correto,

Mas você era uma professora de ocasião,

Daquelas que só faz cátreda numa cama.

Assim, no amor, confesso ser analfabeto,

Nesse tema, sei que não tenho educação.

Só posso provar que bruto também ama.

João Anatalino

O POETA E O HEROI

Os heróis nascem quando surge um poeta nato

Para celebrar os seus feitos em relatos ritmados,

Que geralmente contam mais que o próprio fato.

Mas é o que faz com que eles sejam louvados.

Os heróis são numerosos, os poetas, um em mil;

Assim a maioria dos poetas vive no anonimato,

Como soldados de uma guerra que ninguém viu.

E por isso dela não se pode fazer nenhum relato.

Mas no coração de todo poeta existe uma Ilíada,

Onde um herói anônimo arrisca sua própria vida,

Em feitos mais heróicos que aqueles do Lusíada.

Daí, é sempre o poeta que dá ao herói sua glória,

Pois mesmo que a ação seja louvável e meritória,

A pena que glorifica é que a inscreve na História.


TRAVESSIA

Quando o meu amor foi embora

Eu também pensei em me matar,

Mas de repente eu olhei para fora,

E vi que tudo estava no seu lugar.

Percebi que nada se modificara,

Mas só uma vontade que mudou,

Um sentimento que se esgotara,

Mais uma relação que se acabou.

Amor não é contrato irrevogável,

Que alguém é obrigado a honrar,

Até quando ele se torna inviável.

E apesar daquela dor que sentia,

Comecei a rir ao invés de chorar,

Pois acabara de fazer a travessia.

João Anatalino

ELOGIO DA VAIDADE

De certo, as coisas são mesmo assim,

E não afirmamos nenhuma novidade:

Todo homem é um monte de vaidade,

Mas não é que isso seja de fato ruim.

O problema não está em ser vaidoso,

Mas deixar que ela o torne arrogante,

Fazendo do homem cabide ambulante,

Onde se pendura um vestido estiloso.

Pois nenhuma pessoa é vaidosa á toa;

Alguma coisa que a justifique ela têm,

Que se vê,quer seja de belo ou de boa.

Entretanto, a vida não é uma passarela:

A vaidade pode ser roupa que cai bem,

Mas ninguém precisa desfilar com ela.


Á MODA DE VINÌCIUS

No seu querer hei de estar presente,

Em alto relevo, sempre e bastante,

Que mesmo não sendo tão constante,

Ela jamais sinta que estive ausente.

Quero fazê-la sentir-se tão amada,

Em cada instante, ainda que fugaz,

De forma tal, que nunca seja demais,

Para que ela reste sempre desejada.

Mais tarde, quando vier a saciedade,

Ou então outras instâncias de prazer,

(Já que a vida é feita de movimento)

Eu consiga, seguramente, me dizer,

Que se viver é sentir cada momento,

Foi com ela que eu vivi a eternidade.

João Anatalino

SONETO DO TRABALHADOR

Digno do seu salário é todo operário;

Ele é o prêmio pelo exercício da arte.

Pois que todo valor está no trabalho,

De tudo que vale a mais nobre parte.

O amor posto sobre a matéria prima,

É o que faz a qualidade do produto;

É fonte de orgulho e de auto-estima,

No pomar da vida o mais doce fruto.

Trabalhemos Irmãos, não pela obra,

Mas só pelo que nos agrega de valor,

Pois, no fim, isso é tudo o que sobra.

Altares á virtude,masmorras ao vício,

São construções do bom trabalhador,

Pois ele é de Deus pedreiro de ofício.


QUEM DEVE SOU EU

Por um bem que talvez eu tenha feito

Alguém pediu a Deus para me pagar.

Acreditei que eu tinha um tal direito,

E, incontinente, fui logo Lhe cobrar.

Mas Deus fez aquela cara de descaso,

De banqueiro tratando com golpista:

- Nem pagou o que me deve a prazo,

E já vem me pedir para sacar á vista?

E foi então que eu entendi a situação:

Por direito, nada na vida me foi dado,

No mundo não há bem que seja meu.

Quando nasci assumi uma obrigação,

E tudo que tenho me foi emprestado;

Assim, o devedor, na verdade, era eu.

João Anatalino


Meus versos são a minha moradia,

Onde eu vivo, amo e tenho abrigo.

Quem quiser encontrar-se comigo,

É só procurar-me na minha poesia.

É nela que uma vida inteira passo.

Ela é tudo que sou e que quero ser.

Quem de fato quiser me conhecer,

Vai me achar nos versos que faço.

Eles são a minha própria biografia,

Produzida por seu verdadeiro autor,

Tão cristalina como uma fotografia.

Seja o haicai, quadra, trova, soneto,

Eles mostram meu mundo interior,

Emoções vividas em branco e preto.


IMPOSSÍVEL SOLIDÃO

“No Rancho Fundo, bem p’ra lá do fim do mundo,

onde a dor e a saudade, contam coisas da cidade...”

Ary Barroso

Sou o que o mundo fez de mim.

E o mundo é o que eu faço dele.

E se as coisas são mesmo assim,

Este mundo sou eu e eu sou ele.

E não há como pensar diferente,

Malgrado tenha uma identidade.

Por mais que seja independente,

Estou limitado por essa verdade.

Não há como escapar do mundo,

Mesmo sendo Robinson Crusoé,

Ou o moreno do Rancho Fundo.

Aonde eu vou levo esta sentença:

Pois o homem é só aquilo que é:

- Uma forma de barro que pensa.

ANJOS E HOMENS

João Anatalino

Não é que estejamos a negar

O profilático valor da oração.

Mas na vida não adianta rezar

Se com a prece não vier ação.

De pouco vale o muito pedir,

Se antes não aprender a doar,

E nesse caso o doar é investir,

E o perder equivale ao ganhar.

Quem colocou asas nos anjos,

De fato, estava se enganando,

E esse foi o pior dos arranjos.

Pois o céu é obra de artesãos.

E nele ninguém entra voando,

E sim pelo empenho das mãos.

O AMOR ESTÁ SEMPRE CERTO


Mais feliz que hoje, eu não poderia estar,

Nem encontrar, no mundo, maior valor,

Pois você conseguiu me fazer acreditar,

Que na vida o que vale mesmo é o amor.

Onde quero estar, finalmente hoje eu sei:

Será, pela minha vida toda, ao seu lado.

Aconteça o que acontecer, é onde estarei,

Mesmo que provem que eu estou errado.

Quando há o amor, seja alegre ou triste,

Sendo verdadeiro, sempre estará certo;

Pois se não estiver é porque não existe.

E o meu amor nem requer exclusividade.

Mas necessita ter você sempre por perto,

Porque ele não se contenta com saudade.

Emoções em branco e preto PENA DE MORTE

Minha morte é a companheira constante,

Que desde que me sei, sempre a vi aqui,

Como uma parceira, ou inimiga amante,

Que nasceu no mesmo dia em que nasci.

Amigos tive, e alguns talvez me amaram.

A felicidade veio, e esta também passou;

Os parentes e as mulheres me deixaram,

Minha morte não, essa nunca me deixou.

Morrer é um casamento de papel passado

Com uma parceira, ainda que indesejada,

Mas que a vida toda esteve do nosso lado.

Alegre ou triste, este é o meu pensamento:

"A vida de um homem já vem condenada,

À pena de morte desde o seu nascimento.”

ESTRELA CADENTE

João Anatalino

Porque mulher, surgistes radiante,

Como se fora uma estrela cadente

Brilhando no céu por um instante,

E depois sumir instantaneamente?

Manifestei-te meu sonho dourado,

De forma tal que nele fui acreditar;

Eis que nem ainda havia acordado,

Já estavas brilhando em outro lugar.

Viestes cantar-me a canção do dia,

Para depois sair sem dizer palavra,

Deixando um silêncio de tapeçaria.

Foi como largar um cego na estrada,

E o pobre, não sabendo onde estava,

Foi andando só, em direção ao nada.

ARROGÂNCIA


Mas que adianta toda nossa sabedoria,

Se um homem, quanto mais ele cresce,

Vê a sua estultice aumentar a cada dia,

E se mais a esconde ela mais aparece?

Qual será o sentido dessa insana labuta,

E de tantas batalhas nas quais lutamos,

Se depois de vencida essa inglória luta,

Temos que deixar tudo que ganhamos?

O que importa saber para onde vamos,

Ou onde nos levará essa transumância,

Se no mesmo redil todos terminamos?

Porque seja o que for que a gente faça,

O que vai ficar de tamanha arrogância,

Será somente uma inútil e oca carcaça.

João Anatalino

rl.art.br · web vieweles são a minha própria biografia,produzida por seu verdadeiro autor,tão...

Documents