ritmo que tem muita intimidade. - faecpr.edu.br · o objetivo do dia da consciência negra é fazer...
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O Dia da Consciência Negra é comemorado em 20 de novembro em todo o país. A
data homenageia Zumbi, um africano que nasceu livre, mas foi escravizado aos seis anos de
idade. Mais tarde ele voltaria para sua terra natal e seria líder do Quilombo dos Palmares.
Zumbi morreu em 20 de novembro de 1695.
O objetivo do Dia da Consciência Negra é fazer uma reflexão sobre a importância do
povo e da cultura africana no Brasil. Também serve para analisarmos o impacto que tiveram no
desenvolvimento da identidade cultural brasileira.
A música, a política, a religião e a gastronomia entre várias outras áreas foram
profundamente influenciadas pela cultura negra. Este é um dia de comemorar e valorizar a
cultura afro-brasileira. Sendo assim trouxemos pra você uma entrevista com a nossa querida
Glau Barros que é atriz e cantora. Muito querida por todos que a conhecem. Iniciou sua carreira
no início dos anos 90 como vocalista da banda Sideréus Nuncius, fundada pelo músico Marcão
Acosta. Em 2000, ela estreou seu primeiro trabalho como atriz, obtendo o primeiro prêmio de
melhor atriz no Festival de Teatro de Novo Hamburgo. Atualmente ela se dedica ao samba,
ritmo que tem muita intimidade.
Glau Barros.
1 – Glau você participou do programa Criança Esperança em 2016 com o vídeo
“Ninguém Nasce Racista – Continue criança” o vídeo viralizou a internet e comoveu todo
mundo (Inclusive eu). Como foi pra você essa experiência?
R: Foi uma experiência incrível! E não sabia a repercussão que teria!
Recebi notificações nas minhas redes sociais de compartilhamentos feitos no país e de fora
dele também. Até hoje as pessoas postam o vídeo e quem me conhece me marca.
O vídeo traz uma abordagem mais afetiva de tratar sobre essa questão tão dolorosa,
mostrando pela emoção o que realmente sentem as pessoas que sofrem racismo. Acredito que
esse fato tenha contribuído para este sucesso todo.
O único senão deste trabalho é a utilização de crianças negras. Me incomodou ver a fragilidade
e a dor das experiências destas crianças, que já sofrem muito no dia a dia por conta do
racismo, sendo expostas daquela forma, como foi editado no vídeo. Quando recebi o roteiro,
tinha claro que seriam crianças não negras que fariam as perguntas a mim. Por empatia, é
óbvio que as crianças negras que ali estavam teriam dificuldade de proferir as frases racistas
que continham no teste.
Mas analisando de forma geral, sem dúvida é uma grande contribuição no combate ao racismo,
uma luta sem fim para nós negras e negros.
2 - Na sua opinião, qual a melhor forma de lidar e combater a discriminação racial no
Brasil?
R: Nós, pessoas negras, lidamos e combatemos o racismo diariamente através do nosso
discurso, do nosso trabalho na nossa coletividade, sempre atentos e prontos a descontruir todo
e qualquer ataque racista que alguém ou nós mesmos soframos.
Para potencializar isto de forma institucional, é preciso ainda que nós, negras e negros,
estejamos nas instâncias de poder, criando, fiscalizando e implementando ações afirmativas
que nos garantam direitos e que contribua para a ascensão do nosso povo.
O Brasil tem uma dívida histórica enorme com aqueles que, em condições desumanas,
construíram o país.
3 - Andei pesquisando sobre você na internet e vi muitos comentários sobre a sua
interpretação comovente de “Pérola negra” em 2017. No seu ponto de vista a mulher
negra ainda é mais discriminada do que as demais no mundo da música?
R: O mundo da música ainda é muito masculino. Porém este cenário vem mudando. Hoje
temos um levante muito grande de compositoras, intérpretes e musicistas, mas ainda não
temos visibilidade na grande mídia.
Eu mesma faço parte, aqui no RS, de dois grupos compostos por um número expressivo de
mulheres na música. Um deles é o grupo Minas da Música e o outro é o Coletivo PretaSul –
este composto por mulheres negras na música.
Há fatos históricos que nos mostram a ascensão de artistas brancos que ganharam fama em
detrimento de um artista negro.
Um exemplo brasileiro disso: Daniela Mercury x Margareth Menezes.
Lembro que na época, 1990 era o ano, despontava para o sucesso Margareth Menezes.
Através de uma campanha maciça de emissoras de rádio e tv, houve um lançamento nacional
de Daniela Mercury como a rainha do axé, sendo Margareth tão competente e tão formidável
quanto Daniela. E convenhamos que “a cor dessa cidade” – no caso a Bahia – não é a cor de
Daniela e sim, negra como Margareth!
E isso reflete em todos os gêneros musicais. Poucas intérpretes e musicistas negras tem
destaque. No próprio gênero que canto, isso acontece. Ainda que a participação negra neste
ritmo seja excelência, hoje vemos reverenciadas cantoras como Roberta Sá, Zélia Duncan,
Maria Rita numa escala muito maior, enquanto Ana Rosa, Mariene de Castro, Thais Macedo –
mulheres negras sambistas de raiz – são menos conhecidas por conta do pouco espaço dado
pela mídia.
4 – Vi bastante apresentação sua cantando Elis Regina. Ela é uma das suas inspirações
na música?
R: Acredito que Elis Regina seja uma referência para a maioria de cantoras da minha geração.
Um talento espetacular, dona de uma voz ímpar, forte e uma mulher à frente de seu tempo,
geniosa sim, mas verdadeira consigo mesma e de opiniões lúcidas e justas.
É muito difícil interpretar Elis sem querer imitá-la mesmo que inconscientemente. Mas no show
Glau Barros canta Elis Regina, segundo o público que vai assistir, consigo dar minha a minha
interpretação, porém trazendo toda a energia que Elis imprimia em suas canções.
5 - A Lei 10639 torna obrigatório, desde 2003 o ensino da história e cultura afro-brasileira
e africana em todas as escolas, públicas e particulares. Você acredita que depois dessa
lei tivemos um avanço na luta antirracista no país e uma transformação do nosso
sistema educacional?
R: Esta lei ‘abriu’ os olhos das pessoas pra importância de se conhecer melhor a história
brasileira como ela é. E também de pararmos de apresentar o negro somente como um ser que
foi escravizado e ponto.
Todo o legado negro - a arte, a religiosidade, a cultura, etc. - trazido atlântico à fora é parte
fundamental da construção desse país. Temos que conhecer. Somos todos resultados deste
legado.
Precisamos de representatividade.
Precisamos também conhecer as pessoas negras que tiveram êxito em seus feitos. Carolina
Maria de Jesus, única escritora negra favelada que teve seu livro “Quarto de Despejo”
traduzido para 29 idiomas. Ruth de Souza foi a primeira atriz negra a atuar no Teatro Municipal
do Rio de Janeiro, e porque não tem o status de uma Fernanda Montenegro? Por falta de
oportunidade, pela invisibilidade das pessoas negras.
Muitos não sabem que André Rebouças (Engenheiro, inventor, abolicionista e monarquista
brasileiro), Nilo Peçanha (1º presidente negro) e José do Patrocínio (farmacêutico, jornalista,
abolicionista) eram negros.
A lei traz esta visibilidade, esse olhar aos feitos negros. Um reconhecimento, ainda que tardio.
6 – Sabemos que o seu Estado (Rio Grande do Sul) é um dos mais influenciados pela
cultura afro-brasileira. Na sua opinião, em quais ramos da atividade humana a cultura
afro-brasileira é mais presente?
R: O Brasil é negro. A raiz deste Brasil é negra. Porém, esta cultura se agiganta na música
(samba, maracatus, congadas), na religiosidade (batuque, candomblé) e na culinária (feijoada
– a mais popular, mocotó, cocada, etc.).
7 - Além do samba, que é o estilo brasileiro mais famoso no mundo, outros ritmos
também fazem parte da história afro-brasileiro como Maracatu, Congada, Cavalhada,
Moçambique. Além disso, muitos instrumentos musicais. Você toca algum tipo de
instrumento musical?
R: Não sou musicista, mas consigo batucar sem me atrapalhar no canto, já é uma proeza!
(Risos)
8 - Glau, sabemos que você é atriz e cantora, tanto que já foi nomeada como a rainha de
samba pelo escritor martiniquense Patrick Chamoiseau. Quais são os seus projetos ou
planos futuros?
R: Neste momento estou em fase de finalização do meu cd “Brasil Quilombo”. Após o
lançamento, quero me dedicar a dois projetos: gravar sambistas do Rio Grande do Sul e lançar
o projeto voz e piano, cantando outros estilos musicais, como jazz, soul e bossa nova.
9 – Sabemos que você está gravando um CD com sucessos de Sambas de raiz. Como
está sendo esse momento pra você? Nos conte um pouquinho de como está o
repertório.
R: O processo de construção deste meu primeiro cd foi longo e cheio de dúvidas no seu
percurso, mas que serviu pra que eu tenha um produto que fala muito de mim e que é a minha
verdade como arista.
No início eu tinha a ideia de fazer um cd com um estilo musical variado, reflexo de tudo que eu
vinha cantando ao longo da carreira. Era um mosaico da minha trajetória musical.
Conforme fui montando este repertório, via que, num todo, não era exatamente daquela forma
que queria ser identificada artisticamente. Eu ansiava por uma marca, um nicho. Queria algo do
qual muitos artistas fogem. Um rótulo. Mas não um rótulo que me engessasse e sim, um
trabalho que, ao ouvir, o público logo me identificasse.
E eu encontrei isso no samba. Venho de família musical, sambista, festeira.
Quando entrei de cabeça neste projeto de ser uma sambista, o público me deu essa resposta:
Ela é o samba!
Aí foi fácil construir este cd. Fácil no que diz respeito a saber o que eu queria. A escolha de
repertório foi complicada, pois conheço muita gente boa que eu queria gravar e não deu pra
contemplar todos.
O resultado é um cd onde tenho o prazer de interpretar sambas belíssimos, alguns compostos
por mulheres negras talentosíssimas e minhas contemporâneas, como Zilah Machado, Pâmela
Amaro, Delma Gonçalves, além dos já consagrados gaúchos Lupicínio Rodrigues, Antônio
Volleroy, Nelson Coelho de Castro, entre outros. Marco Farias é o responsável pela produção
musical e arranjos, e Gelson Oliveira (cantor, compositor, instrumentista) é o diretor musical.
Brasil Quilombo tem a cor do Brasil e traz o samba em suas diversas vertentes como samba de
raiz, samba-canção, bossa nova, samba-exaltação e muito mais.
10 – Glau quero agradecer por sua atenção, muito obrigada por disponibilizar um
pouquinho do seu tempo mesmo diante da correria. Estamos em um momento sensível
para o país, pra finalizar qual mensagem você gostaria de transmitir para o mundo?
R: Nosso cenário político é bastante preocupante. Sabemos que as lideranças eleitas têm um
discurso pouco favorável às minorias, nas quais me incluo. Não podemos, mais do que nunca,
neste momento, nos deixarmos enfraquecer. Nossas conquistas até aqui devem ser
asseguradas. Todo o ativismo em prol das minorias deve ser fortalecido e estar coeso pra que
haja retrocesso.
Pra que isso aconteça, é muito importante que a sociedade ajude a fortalecer estas frentes de
luta. Hoje em dia não adianta não ser racista, é preciso ser antirracista, destruir
comportamentos, práticas e discursos racistas. Não adianta ser contra a misoginia, é
necessário denunciar e combater a violência contra mulheres e meninas, através da acolhida,
da mudança de paradigmas, da afetividade para com o feminino. Não basta não ser
homofóbico, é preciso lutar pelo respeito e pela liberdade de se ser o que se é.
É dado o momento em que todas e todos deverão unir-se para a construção de uma sociedade
mais justa e inclusiva pra todos nós.
REFERÊNCIA: https://www.calendarr.com/brasil/dia-nacional-da-consciencia-negra/
Realização: Marcia Teresinha Cavalheiro Ferreira, aluna de Tecnologia em Marketing - TM 10317
Orientação: Profª Luciana Südickum Raymundo Laska