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JENIFFER DA CÂMARA MEDEIROS
RITMO DE ATIVIDADE DE FORRAGEIO DE
Dinoponera quadriceps EM AMBIENTE NATURAL
Natal / RN
2012.1
JENIFFER DA CÂMARA MEDEIROS
RITMO DE ATIVIDADE DE FORRAGEIO DE
Dinoponera quadriceps EM AMBIENTE NATURAL
Dissertação apresentada à Universidade
Federal do Rio Grande do Norte para
obtenção do título de Mestre em
Psicobiologia.
Orientador: Prof. Arrilton Araújo
Natal / RN
2012.1
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do Centro de
Biociências
Medeiros, Jeniffer da Câmara.
Ritmo de atividade de forrageio de Dinoponera quadríceps em
ambiente natural / Jeniffer da Câmara Medeiros – Natal, RN, 2012.
45 f. : Il.
Orientador: Prof. Arrilton Araújo.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Biociências. Programa de Pós-Graduação em
Psicobiologia.
1. Dinoponera quadríceps – Dissertação 2. Formigas – Dissertação. 3.
Forrageio – Dissertação. I. Araújo, Arrilton. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/UF/BSE-CB CDU 595.796
Título: “Ritmo de atividade de forrageio de Dinoponera quadriceps em ambiente
natural”
Autor (a): Jeniffer da Câmara Medeiros
Data da defesa: 27 de março de 2012
Banca Examinadora:
________________________________________
Prof. Arrilton Araújo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
________________________________________
Profa. Maria de Fátima Arruda
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
________________________________________
Prof. Jacques Hubert Charles Delabie
Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira
Universidade Estadual de Santa Cruz
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer em primeiro lugar a todos que participaram das 288 horas
de observação em Nísia Floresta, ou seja, todos que enfrentaram sono, cansaço, chuva,
tênis molhado, frio de madrugada, calor, mosquitos irritantes, flebotomíneos, medo do
escuro, de vôos rasantes de morcegos e de barulhos estranhos na mata. Dina, Melqui,
Talita, Waldemar, Leonardo, Raquel, Natália, Diego, Gina, Ingrid, Priscila, Thiago,
Paloma, Marcelo, Arrilton, Lara, Camila e filmadoras, sem vocês esse trabalho não
poderia ter sido realizado.
Ao prof. Arrilton Araújo, pela forma singular como conduz suas orientações,
sempre com bom humor, amizade e cobrança na medida certa.
A Melqui, pela ajuda na localização dos ninhos. Sim, você conseguiu localizar
ninhos mais rápido do que eu.
A Melqui, Dina, Diego, Ingrid e Waldemar, pela companhia nas observações
piloto.
A Dina, Talita e Diego, pela ajuda na marcação das formigas, e a Dina, por me
lembrar antes que fosse tarde demais que a marcação das formigas deve ser feita com
impressão à laser.
A Dina e Talita, pela ajuda na identificação, pesagem e medição dos alimentos
transportados pelas operárias, quando finalmente tivemos lupas.
A Talita e Ingrid, pelos milhares de Collembola, Acarina, Formicidae,
Coleoptera... contados, estimados e identificados, intercalados com algumas crises de
riso, provavelmente porque é melhor rir para não chorar.
A profa. Mirian Marques e a prof
a. Carolina Azevedo, pela ajuda metodológica
durante a concepção deste projeto.
A profa. Carolina Azevedo pelas correções, sugestões e comentários relevantes
durante a qualificação deste projeto.
A todos que fazem parte do Laboratório de Biologia Comportamental, pelas
dúvidas resolvidas, conversas e, principalmente, muitas risadas.
A todos os professores do Programa de Pós-graduação em Psicobiologia que
contribuíram para a minha formação durante esses dois anos de mestrado.
Ao prof. Mauro Pichorim, chefe do Departamento de Botânica, Ecologia e
Zoologia (DBEZ), pela liberação dos laboratórios do DBEZ para triagem das presas
coletadas nos pitfalls.
Ao prof. Jomar Gomes Jardim, curador do Herbário da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, pela identificação das espécies de plantas transportadas pelas
operárias.
À diretoria da Floresta Nacional de Nísia Floresta, do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade, pelo suporte dado a esta pesquisa.
Ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, pela Autorização
para atividades com finalidade científica #26107-1 concedida a este projeto.
À FAPESB e ao CNPq, pelo financiamento do projeto “Rede Multidisciplinar de
Estudos sobre Formigas Poneromorfas do Brasil”, PRONEX - FAPESB/CNPq #6994,
do qual esse trabalho faz parte.
À CAPES pela bolsa de mestrado.
RESUMO
A fim de caracterizar o ritmo sazonal e diário da atividade de forrageio de
Dinoponera quadriceps em ambiente natural, foram observadas quatro colônias de D.
quadriceps em área de mata atlântica secundária no nordeste do Brasil. A coleta de
dados foi realizada durante 72 horas ininterruptas a cada três meses, durante um ciclo
anual. As colônias de D. quadriceps exibiram variação sazonal da atividade de
forrageio, com pico no início da estação seca, seguido por uma queda brusca no final
dessa estação e tendendo a aumentar novamente no final da estação chuvosa. O ritmo
sazonal de forrageio foi relacionado positivamente à duração da fase clara e à
luminosidade, e negativamente ao horário de nascer do sol e à pluviosidade. Em relação
ao ritmo diário, a atividade de forrageio foi predominantemente diurna independente da
estação do ano. No início da estação seca, as colônias tiveram dois picos de atividade,
um pela manhã e outro à tarde, com diminuição do forrageio no meio do dia, enquanto
que no resto do ano a atividade de forrageio foi distribuída de forma mais uniforme ao
longo da fase clara. O ritmo diário da atividade de forrageio foi relacionado mais
fortemente e de forma positiva à luminosidade. O segundo fator mais importante na
determinação do ritmo diário de forrageio foi a temperatura, também relacionada
positivamente durante a maior parte do ano. Por último, a umidade apresentou uma
relação fraca e negativa com o ritmo diário de forrageio em apenas um mês de
observação.
ABSTRACT
In order to characterize the seasonal and daily rhythm of Dinoponera quadriceps
foraging activity in natural environment, four colonies of D. quadriceps were observed
in an area of secondary Atlantic forest in northeastern Brazil. Data collection was
performed during 72 hours every three months during an annual cycle. Colonies of D.
quadriceps exhibited seasonal variation in foraging activity, peaking in the early dry
season, followed by a sudden decline at the end of this season and increasing again at
the late rainy season. The seasonal rhythm of foraging was positively related to the
duration of the daylight and luminosity, and negatively to the time of sunrise and
rainfall. Regarding the daily rhythm, foraging activity was predominantly diurnal
independent of season. At the early dry season, the colonies had two activity peaks, one
in the morning and another in the afternoon, with a decrease in foraging at midday,
while in the rest of the year foraging activity was distributed more evenly throughout
the daylight. The daily rhythm of foraging activity had a stronger and positive relation
with light intensity. The second most important factor determining the daily rhythm of
foraging was temperature that was also positively related for most of the year. Relative
humidity showed a weak and negative relation with the daily rhythm of foraging in just
one month of observation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................8
OBJETIVO......................................................................................................................14
HIPÓTESES E PREDIÇÕES..........................................................................................14
METODOLOGIA............................................................................................................16
RESULTADOS...............................................................................................................22
DISCUSSÃO...................................................................................................................31
REFERÊNCIAS..............................................................................................................41
8
INTRODUÇÃO
Qualquer ambiente está sujeito a mudanças com o decorrer do tempo. Algumas
mudanças ambientais, como as diárias e sazonais, ocorrem de forma regular e cíclica.
Flutuações desse tipo, regulares e previsíveis, nas condições ambientais representam
uma pressão seletiva para a evolução de ciclos comportamentais e fisiológicos nos
animais regulados por mecanismos elaborados de medida de tempo associados a
controle neuroendócrino (Tauber et al. 1986).
A maioria dos insetos apresenta ciclos diários e sazonais de atividade, que
podem ser vistos como respostas a mudanças ambientais, mas muitas vezes se revelam
como manifestações de uma periodicidade endógena. As oscilações endógenas que
evoluíram com uma periodicidade próxima a 24 horas são chamadas de ritmos
circadianos. Os ritmos circadianos permitem aos organismos desempenhar funções no
momento certo do dia ou sincronizar suas atividades com outros indivíduos da
população. Na ausência de pistas temporais do ambiente, o ritmo entra em livre-curso e
revela seu período natural. Sob condições naturais, entretanto, o ritmo passa a ser
sincronizado em resposta a pistas temporais ambientais. Oscilações endógenas com
período circa-maré (~12,4 horas), circa-sizígica (~14,7 dias), circa-lunar (~29,4 dias) e
circa-anual (~1 ano) também são encontrados nos insetos. Esses ritmos podem agir
tanto em indivíduos quanto em populações (Saunders 2002).
Existem evidências de que as formigas possuem um relógio biológico interno
que controla o horário do dia em que elas estão mais ativas fora do ninho. As formigas
alternam momentos de atividade e repouso, exibindo a colônia como um todo variações
rítmicas no nível de atividade (North 1996). Temperatura, umidade e luminosidade
estão entre os principais fatores abióticos que afetam o padrão temporal de forrageio das
9
formigas (Domisch et al. 2009; Dunn et al. 2007; North 1996; Pol e Lopez de Casenave
2004; Retana et al. 1988). Por serem animais pecilotermos, oscilações de temperatura e
umidade do ambiente são fatores físicos que podem afetar os custos energéticos da
atividade de forrageio (Traniello 1989). Na espécie Formica rufa, a elevação da
temperatura do ambiente leva ao aumento na taxa de perda de água das operárias. A
média de volume de água corporal nessas formigas é de 77%. Quando esse volume cai
para 46%, aproximadamente metade das operárias morre. No entanto, expostas a
umidade acima de 75%, as operárias absorvem água pela cutícula. Submetidas a ciclos
de 16h claro/8h escuro, característico do verão de regiões temperadas, as operárias
mostram preferência por alta umidade, enquanto que em ciclos de 10h claro/14h escuro,
próprio do inverno, elas não mostram preferência (North 1991).
Em zonas de vegetação boreal, a intensidade da atividade na espécie Formica
aquilonia, medida pelo retorno de forrageadoras, geralmente aumenta com a
temperatura do ar (Domisch et al. 2009). Em área de floresta Amazônica secundária, a
temperatura tem relação negativa com o ritmo de atividade de colônias de Dinoponera
gigantea (Fourcassié e Oliveira 2002). Em deserto, as formigas granívoras
Pogonomyrmex pronotalis e Pogonomyrmex rastratus apresentam mudanças temporais
da atividade na superfície que respondem principalmente a flutuações na temperatura do
solo. Durante a primavera e o outono, apresentam um padrão unimodal, com atividade
restrita ao meio do dia, enquanto que no verão apresentam padrão bimodal de forrageio,
com picos de atividade pela manhã e à tarde, evitando as horas quentes do meio dia. No
entanto, quando dentro de determinados limites tolerados pela espécie, a temperatura
não é um bom preditor das flutuações diárias e sazonais de atividade. Nessa situação,
outros fatores bióticos e abióticos, como luminosidade, predação e disponibilidade de
10
alimento poderiam explicar melhor as variações no forrageio (Pol e Lopez de Casenave
2004).
Em Camponotus sylvaticus, quando a temperatura está dentro dos limites de
tolerância da espécie, a intensidade luminosa é o fator mais importante influenciando o
começo e fim da atividade de forrageio (Retana et al. 1988). Em Camponotus
compressus, o ritmo de atividade locomotora das operárias maiores forrageadoras é
sincronizado pelo ciclo claro/escuro, quando submetidas à temperatura constante em
laboratório (Sharma et al. 2004).
A atividade de forrageio nas formigas é influenciada ainda pela disponibilidade
de alimento (Cogni e Oliveira 2004; Medeiros et al. no prelo.; Peeters e Crewe 1987). A
atividade de forrageio de Dinoponera quadriceps, em estudo realizado na Caatinga,
mostrou correlação positiva com a disponibilidade de presas potenciais (Medeiros et al.
no prelo). A atividade de Ophthalmopone berthoudi diminui nos meses secos de
inverno, quando as condições ambientais reduzem a atividade noturna dos cupins, dos
quais se alimentam (Peeters e Crewe 1987). Na espécie Gnamptogenys moelleri, o
número de formigas saindo do ninho é maior no verão, estação em que a disponibilidade
de presas também é maior, sendo esta a estação em que as colônias também têm mais
larvas para alimentar, embora a população de operárias das colônias seja semelhante à
do inverno (Cogni e Oliveira 2004).
Schafer et al. (2006) mostram que o ajuste da intensidade de forrageio à
disponibilidade de alimento em Pogonomyrmex barbatus se dá através da indução
causada pela chegada ao ninho de forrageadoras bem sucedidas na busca de alimento
sobre forrageadoras inativas. A chegada de forrageadoras com alimento causa a saída de
outras para forragear, mas não num local específico, não se caracterizando como
recrutamento. Quando a disponibilidade de alimento é baixa, a taxa de chegada de
11
forrageadoras bem sucedidas ao ninho é menor, diminuindo, assim, a taxa de saída de
mais forrageadoras. O mesmo processo ocorre nas formigas ponerine Ophthalmopone
berthoudi (Peeters e Crewe 1987) e Odontomachus chelifer (Raimundo et al. 2009). Em
Dinoponera quadriceps, o sucesso na captura de alimento estimula a operária a sair
mais rápido para uma nova busca, mas o efeito em outras operárias inativas no ninho
não é conhecido (Azevedo 2009).
As espécies respondem diferentemente a esses vários fatores que controlam o
padrão diário e a intensidade da atividade de forrageio, o que resulta numa separação
temporal, que provavelmente contribui para a redução das interações competitivas entre
elas (Briese e Macauley 1980). Espécies simpátricas de Myrmecia apresentam esta
segregação temporal na atividade de forrageio, que pode ter evoluído como forma de
evitar a competição. Seus horários de forrageio variam de estritamente diurno em
Myrmecia croslandi, para diurno/crepuscular em M. tarsata, até crepuscular/noturno em
M. nigriceps e M. pyriformis. Mas essa segregação temporal só foi possível com a
adaptação dos olhos das operárias às condições de luminosidade de seus respectivos
horários de forrageio, pois a morfologia dos olhos das formigas tipicamente limita a
visão a condições de alta luminosidade. Foi verificado que quanto menor a intensidade
luminosa do horário de forrageio da espécie, maiores as dimensões das lentes e
fotorreceptores, gerando um aumento da sensibilidade óptica (Greiner et al. 2007).
Alguns estudos afirmam que o gênero Dinoponera tem hábito noturno
(Hölldobler e Wilson 1990, 2009). As forrageadoras de Dinoponera longipes parecem
ser principalmente noturnas, mas também são ativas durante o dia em menor quantidade
(Morgan 1993). Na espécie Dinoponera gigantea, foi observado uma distribuição
bimodal no padrão de atividade diário, com maior intensidade no amanhecer e
anoitecer. Entretanto, o estudo se baseia em observações apenas entre 06:00 e 18:00
12
horas, não refletindo necessariamente o ciclo diário completo (Fourcassié e Oliveira
2002). Os autores presumem que alguma atividade também ocorra durante a noite. Já
em Dinoponera lucida, a atividade de forrageio é diurna (Peixoto et al. 2010). Estudos
com Dinoponera quadriceps têm demonstrado que nessa espécie existe intensa
atividade forrageira diurna, bem como de manutenção de ninho (Araújo e Rodrigues
2006; Azevedo 2009), embora seja possível encontrar operárias se deslocando na
floresta à noite (Araújo, comunicação pessoal).
Dinoponera quadriceps (Hymenoptera: Formicidae) é endêmica do nordeste do
Brasil, com ocorrência registrada principalmente em áreas de mata atlântica e caatinga
(Kempf 1971; Paiva e Brandão 1995). As colônias de D. quadriceps nidificam no solo
(Paiva e Brandão 1995) e a distribuição espacial dos ninhos no ambiente é do tipo
regular, sendo provavelmente a competição intraespecífica o fator determinante para
esse arranjo espacial (Vasconcellos et al. 2004). A densidade de ninhos no ambiente de
mata atlântica varia entre 15 e 40 por hectare (Vasconcellos et al. 2004). O forrageio é
solitário e é caracterizado pelo deslocamento sinuoso e lento da operária fora do ninho,
com toque das antenas no substrato. Ao capturar um item alimentar, a operária
geralmente retorna ao ninho numa trajetória quase reta. Quando nenhum alimento é
encontrado, o forrageio continua até a entrada do ninho (Araújo e Rodrigues 2006).
As operárias de D. quadriceps levam para o ninho principalmente matéria
orgânica morta de origem animal, sobretudo artrópodes. Apenas em poucas ocasiões há
captura de animais vivos. Também fazem parte da dieta, em menor proporção, pequenos
frutos e sementes. Assim, apesar de ser muitas vezes considerada uma espécie
predadora, D. quadriceps têm, na verdade, hábito onívoro, coletando na maioria das
vezes animais já mortos, inteiros ou não. Sua dieta, portanto, é composta principalmente
13
por itens pouco previsíveis em termos de distribuição espacial e temporal (Araújo e
Rodrigues 2006).
A realização de um estudo abordando o padrão temporal da atividade de
forrageio de D. quadriceps em ambiente natural pode ajudar a entender a estratégia
utilizada por essa espécie na busca por recursos alimentares pouco previsíveis,
característicos de sua dieta, e de como o ambiente a influencia. Tal estudo permite, além
disto, criar uma base para comparação, em estudos futuros, do ritmo de atividade entre
diferentes ambientes habitados pela espécie, completamente distintos em termos de
condições metereológicas, como mata atlântica e caatinga.
14
OBJETIVO
Caracterizar o ritmo sazonal e diário da atividade de forrageio de Dinoponera
quadriceps em ambiente natural.
HIPÓTESES E PREDIÇÕES
1ª Hipótese: A atividade de forrageio apresenta variações rítmicas, tanto no período de
24 horas, quanto ao longo do ano.
Predições:
A intensidade da atividade de forrageio não é uniforme ao longo do dia. Espera-
se que a atividade seja maior durante a fase escura, como descrito para o gênero
Dinoponera na literatura, apesar de vários estudos terem sidos realizados
durante a fase de claro.
Existe diferença entre as estações seca e chuvosa quanto à intensidade da
atividade das forrageadoras. Espera-se que a atividade de forrageio seja maior
durante a estação chuvosa, por apresentar temperaturas mais baixas e umidade
mais alta.
2ª Hipótese: O ritmo de atividade de forrageio é relacionado a variáveis ambientais.
Predições:
A intensidade da atividade de forrageio está relacionada à luminosidade de
forma negativa, uma vez que é esperado que a espécie seja predominantemente
noturna.
15
A atividade de forrageio é maior nos horários de temperatura mais amena e
maior umidade relativa, de forma a evitar estresse térmico e hídrico.
Diferenças entre a intensidade de forrageio na estação seca e chuvosa estão
relacionadas a diferenças na temperatura e umidade relativa média diária,
fotoperíodo, pluviosidade diária e disponibilidade de alimento. Espera-se que as
operárias ajustem o ritmo de atividade de forrageio à disponibilidade de
alimento e às condições ambientais mais propícias ao longo do ano.
16
METODOLOGIA
Colônias
Foram observadas quatro colônias de D. quadriceps em área de mata atlântica
secundária na Floresta Nacional de Nísia Floresta (06°05’S, 35°12’W), do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, localizada no município de Nísia
Floresta, Rio Grande do Norte.
Foram escolhidas colônias localizadas no interior de uma área remanescente de
mata atlântica, com cobertura vegetal e condições de luminosidade semelhantes nos
diferentes locais de observação. As mesmas colônias foram observadas ao longo de todo
o estudo. As colônias estavam localizadas a distâncias variando entre 15 e 35 metros
uma das outras. Cada colônia apresentava entre uma e três entradas de ninho. Uma
entrada de ninho de cada colônia foi escolhida para a observação. A entrada escolhida
foi a mais movimentada, sendo determinada por observações prévias.
Entre nove e dois dias antes de cada coleta de dados, as operárias foram
marcadas de modo a identificar os indivíduos e sua respectiva colônia. O mesmo
esforço de coleta de operárias para marcação foi despedido em cada uma das colônias.
A marcação foi realizada através de uma etiqueta plástica colorida com uma
combinação alfanumérica colada na região superior do tórax com cola à base de éster de
cianoacrilato, técnica baseada em Corbara et al. (1986). Foram marcadas ao todo 453
operárias nas quatro colônias estudadas. Destas, foram observados 304 indivíduos
durante todo o estudo (Tabela 1). Diferenças entre as colônias no número de operárias
marcadas provavelmente refletem diferenças na população de cada colônia.
17
Tabela 1: Número de operárias marcadas e observadas por colônia, FLONA de Nísia Floresta,
RN, XI.2010-VIII.2011.
Colônia Marcadas Observadas
I 54 35
II 131 94
III 105 57
IV 163 118
Total 453 304
Coleta de dados
Observação comportamental
A coleta de dados foi realizada durante 72 horas ininterruptas a cada três meses,
sempre na fase de lua cheia, durante um ciclo anual, com início em novembro de 2010 e
término em agosto de 2011, havendo, portanto, quatro meses de coleta: novembro,
fevereiro, maio e agosto. Uma equipe de sete a nove observadores se revezaram em
duplas para cobrir as 72 horas de observação. Cada colônia era observada em janelas de
20 min/h. Durante as observações noturnas foram usadas lanternas recobertas com
celofane vermelho de modo a interferir o mínimo possível na atividade das operárias.
Durante a observação foi registrado em planilha de campo o horário de entrada e
saída do ninho de todas as operárias, identificadas individualmente (adaptado de Retana
et al. 1990). A saída do ninho só foi considerada quando a operária se distanciava mais
do que 15 centímetros da entrada do ninho. Foi considerada atividade de manutenção do
ninho a saída do ninho transportando areia ou lixo seguido de retorno em até dois
minutos. As operárias que levavam mais tempo para o retorno ou que saíam e
retornavam sem ter retirado nenhum material do ninho foram consideradas envolvidas
em atividade de forrageio. Também foram registradas as ocasiões em que as operárias
retornavam com alimento e as características do item alimentar. Nenhum item
transportado pelas operárias foi coletado durante as 72 horas de observação, para que
não houvesse interferência nas colônias.
18
Quatro dias após o encerramento das observações era iniciada a coleta dos
alimentos transportados pelas operárias de cada uma das colônias, realizada por 20
minutos a cada hora durante 12 horas, das 5:30 às 17:30, em cada mês de observação. A
coleta dos alimentos foi realizada apenas na fase clara com base nos resultados de
retorno com alimento da primeira observação. Todos os alimentos coletados foram
preservados em álcool 70% e posteriormente identificados, medidos e pesados em
laboratório. Os itens de origem vegetal foram identificados pelo Dr. J. Jardim, curador
do Herbário do Departamento de Botânica, Ecologia e Zoologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte.
Medida de fatores ambientais
A disponibilidade de presas potenciais ao longo do ano foi estimada através da
coleta de invertebrados com a utilização de armadilhas do tipo pitfall, constituídas por
copos com água e detergente enterrados no solo de forma que a abertura do copo ficasse
no nível da superfície. Seis grupos de armadilhas pitfall foram instalados na mata, a 80
metros de distância das colônias observadas para evitar que formigas dos ninhos
observados fossem capturadas, sendo três grupos a leste e três a oeste das colônias,
dispostos em transecto de 40 metros de comprimento, a intervalos de 20 metros. As
armadilhas permaneceram abertas no campo por 72 horas em cada mês de coleta de
dados. Cada grupo de armadilhas era formado por cinco pitfalls arranjados em forma de
cruz, sendo um no centro e quatro nas extremidades, a um metro de distância um do
outro e conectados com anteparos plásticos de 15 centímetros de altura, formando uma
área amostral de 4 m2.
O material coletado nos pitfalls foi preservado em álcool 70% e posteriormente
identificado em laboratório. Foram considerados presas potenciais para a espécie D.
quadriceps os invertebrados pertencentes aos seguintes táxons: Blattodea, Coleoptera,
19
Diptera, Hemiptera, Hymenoptera, Isoptera, Lepidoptera, Orthoptera, Araneae,
Chilopoda, Diplopoda, Oligochaeta e Gastropoda, além de pupas e larvas não
identificadas de Insecta, baseado nos itens alimentares coletados das operárias e na
composição da dieta apresentada por Araújo e Rodrigues (2006).
Durante os intervalos entre as janelas de observação, foram registradas
temperatura e umidade relativa do ar com a utilização de termohigrométro digital, e
luminosidade através de luxímetro digital, a aproximadamente 10 centímetros da
entrada do ninho observado. Dados de pluviosidade dos dias em que foram realizadas as
observações foram obtidos da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do
Norte (EMPARN) e os dados de duração da fase clara e de horário de nascer e pôr do
sol dos dias de observação foram obtidos através do Astronomical Applications
Department of the U.S. Naval Observatory.
Análise estatística
Para todos os testes, foi realizada previamente a análise de normalidade dos
dados, através de teste de Kolmogorov-Smirnov (K-S). Foram utilizados testes
paramétricos quando os resultados do K-S indicaram dados com distribuição normal e
testes não paramétricos quando os resultados do K-S indicaram dados com outro tipo de
distribuição. Foi considerado o nível de significância igual ou inferior a 5% bicaudal
para todos os testes. Os softwares estatísticos utilizados foram o PASW Statistics 18 e
Statistica 7.
Ritmo sazonal
A atividade das colônias, tanto de forrageio quanto de manutenção, foi estimada
pela soma do número de registros de saída e retorno de operárias nas janelas de
observação de 20 minutos/hora. Na análise sazonal, foi utilizada a média diária dos
20
dados de atividade de forrageio, atividade de manutenção, retorno com alimento,
temperatura, umidade e luminosidade, que foram medidos a cada hora.
Os meses de novembro e fevereiro foram classificados como estação seca e maio
e agosto como estação chuvosa, levando em consideração os dados de pluviosidade da
EMPARN, sendo o mês de novembro considerado como início e fevereiro como final
da estação seca, maio como início e agosto como final da estação chuvosa.
Para verificar se havia diferença entre estação seca e chuvosa quanto à atividade
de forrageio e de manutenção foram utilizados o teste t dependente e o teste dos sinais
de Wilcoxon, respectivamente. Para a análise da variação entre início e final da estação
seca, início e final da estação chuvosa foi utilizada a one-way ANOVA (F) para os
dados de atividade de forrageio, atividade de manutenção, retorno com alimento e
disponibilidade de presas.
A one-way ANOVA foi também utilizada para verificar a variação ao longo do
ano do número de operárias de D. quadriceps capturadas nos pitfalls. Essa medida
indireta representa o nível de atividade de outras colônias que não aquelas observadas.
Nos casos em que o resultado da one-way ANOVA foi significativo foi utilizado o teste
post hoc LSD.
Na análise da variação ao longo do ano da atividade de forrageio e de
manutenção nas fases clara e escura do dia, foi utilizada one-way ANOVA com o teste
post hoc LSD e o teste ANOVA de Friedman (χ2
F) com o teste post hoc de Newman-
Keuls.
O teste de correlação de Spearman (rs) foi utilizado para analisar a relação entre
a variação sazonal da atividade de forrageio, da atividade de manutenção, do retorno
com alimento e do número de operárias capturadas por pitfall, e destas com os fatores
ambientais, que foram temperatura do ar, umidade relativa do ar, luminosidade,
21
pluviosidade, disponibilidade de presas, duração da fase clara do dia e horários de
nascer e pôr do sol.
A quantidade diária de indivíduos diferentes envolvidos na atividade de
forrageio e a média por colônia do número de registros diários de atividade de forrageio
por operária foram utilizadas para estimar o número de forrageadoras da colônia e o
número de viagens por forrageadora, respectivamente. Para verificar a qual desses dois
fatores a variação da atividade de forrageio estava relacionada, foi utilizado o teste de
correlação de Spearman (rs).
O teste de Kruskal-Wallis (H) foi utilizado para verificar diferenças ao longo do
ano do tamanho e peso dos alimentos transportados pelas operárias. O teste qui-
quadrado (χ2), com a correção de continuidade, foi utilizado para analisar se houve
mudança na proporção de itens de origem animal e vegetal na dieta das formigas e na
proporção de itens animais vivos transportados pelas operárias entre as estações.
Ritmo diário
Na análise do ritmo diário da atividade de forrageio, de manutenção e do retorno
com alimento, foi utilizado o teste dos sinais de Wilcoxon para verificar diferenças entre
as fases do dia. O teste de correlação de Spearman (rs) foi utilizado para verificar a
ocorrência de correlação entre o ritmo diário da atividade de forrageio, da atividade de
manutenção e do retorno com alimento, e destes com os fatores ambientais, que foram
temperatura do ar, umidade relativa do ar e luminosidade.
22
RESULTADOS
Ritmo sazonal
A atividade de forrageio (t = 1,9 p = 0,065) e manutenção (z = -0,6 p = 0,554)
não variaram de modo significativo entre as estações seca e chuvosa. Porém, com uma
análise mais detalhada, levando em conta o mês de coleta, que correspondem ao início
da estação seca (novembro), final da estação seca (fevereiro), início da estação chuvosa
(maio) e final da estação chuvosa (agosto), foi possível verificar a ocorrência de
variação ao longo do ano. Os resultados a seguir que tratam de variação sazonal se
referem a diferenças entre essas quatro etapas do ano.
As colônias de D. quadriceps exibiram variação sazonal da atividade de
forrageio (F = 6,8 p = 0,001). O pico de atividade ao longo do ano ocorreu no início da
estação seca, seguido por uma queda brusca no final dessa estação. O nível baixo de
atividade se manteve no início da estação chuvosa, tendendo a aumentar no final da
estação chuvosa (Fig. 1). Um padrão semelhante de variação sazonal foi observado para
o número de operárias de D. quadriceps capturadas nas armadilhas do tipo pitfall (F =
7,3 p = 0,002). O número de operárias encontradas nas armadilhas foi relacionado
positivamente à atividade de forrageio observada nas colônias (rs = 0,50 p < 0,001).
Apesar da sazonalidade da atividade de forrageio, o retorno com alimento para o
ninho não apresentou uma variação significativa ao longo do ano (F = 2,1 p = 0,11),
embora tenha ocorrido correlação positiva entre a atividade de forrageio e o retorno com
alimento (rs = 0,60 p < 0,001) (Fig. 1).
A variação da atividade de forrageio foi relacionada positivamente ao número
diário de forrageadoras diferentes da colônia (rs = 0,72 p < 0,001) e não teve relação
23
com o número de viagens de forrageio realizada por cada operária (rs = 0,22 p = 0,134)
(Fig. 2).
A atividade de manutenção do ninho variou de modo sazonal (F = 3,0 p =
0,042), embora não relacionada diretamente à atividade de forrageio (rs = 0,14 p =
0,346). O pico da atividade de manutenção ocorreu no final da estação seca e início da
estação chuvosa, quando a atividade de forrageio foi baixa (Fig. 1).
Fig. 1 Média (± EP) do número de operárias/h envolvidas em atividade de forrageio, em
atividade de manutenção do ninho e no retorno com alimento em colônias de D. quadriceps e do
número de operárias capturadas em armadilhas do tipo pitfall ao longo do ano. Letras diferentes representam resultados significativos (p < 0,05)
Fig. 2 Relação da variação sazonal da atividade de forrageio com a do número diário de forrageadoras diferentes das colônias e com a de registros diários por forrageadora
24
Analisando a atividade das operárias em cada fase do dia, foi observado que
tanto a atividade de forrageio quanto a atividade de manutenção noturna não sofreram
variações significativas ao longo do ano (Forrageio: F = 1,5 p = 0,218 Manutenção: χ2
F
= 6,0 p = 0,11). A sazonalidade da atividade de forrageio e de manutenção ocorreu
sobretudo devido à variação dessas atividades na fase clara do dia (Forrageio: F = 9,5 p
< 0,001 Manutenção: χ2
F = 9,5 p = 0,024) (Fig. 3).
Dentre os fatores ambientais analisados que possivelmente poderiam influenciar
a atividade de forrageio, a duração da fase clara e a luminosidade média diária foram os
únicos fatores que apresentaram correlação positiva com a variação sazonal da atividade
de forrageio das operárias (rs = 0,39 p = 0,006 e rs = 0,29 p = 0,045, respectivamente).
Além disso, tiveram correlação negativa com a variação sazonal da atividade de
forrageio o horário de nascer do sol (rs = -0,34 p = 0,019) e a pluviosidade diária (rs = -
0,33 p = 0,023), e não apresentaram nenhuma relação significativa o horário de pôr do
sol (p = 0,466), temperatura média diária (p = 0,093), umidade média diária (p = 0,061)
e disponibilidade de presas (p = 0,053) (Fig. 4).
Fig. 3 Variação sazonal do número de operárias envolvidas em atividade de forrageio e de
manutenção do ninho em cada fase do dia em colônias de D. quadriceps. Letras diferentes
representam resultados significativos (p < 0,05)
─ Median 25% - 75%
I Non-Outlier Range □
25
Fig. 4 Variação sazonal da duração da fase clara, da luminosidade média diária, do horário de nascer e pôr do sol, da pluviosidade diária, da umidade média diária, da temperatura média
diária e do número de presas potenciais. As linhas representam a mediana de cada variável, com
exceção do número de presas potenciais, que é representado pela soma de todas as presas
potenciais capturadas nos pitfalls. As linhas contínuas representam variáveis relacionadas com a atividade de forrageio de D. quadriceps ao longo do ano. As linhas pontilhadas representam
variáveis que não tiveram relação com a atividade de forrageio das formigas
A sazonalidade da atividade de manutenção não foi relacionada a nenhuma
variável ambiental analisada, com exceção da disponibilidade de presas potenciais, com
a qual apresentou correlação negativa (rs = -0,39 p = 0,007). O padrão de variação no
retorno com alimento para o ninho ao longo do ano foi relacionado positivamente com a
disponibilidade de presas potenciais (rs = 0,39 p = 0,006) e teve uma fraca correlação
negativa com a temperatura média diária (rs = -0,29 p = 0,048). Assim como o retorno
com alimento, a disponibilidade de presas no ambiente não sofreu variação sazonal
significativa (F = 1,4 p = 0,272).
Da mesma forma, os alimentos capturados pelas operárias não diferiram
significativamente ao longo do ano quanto ao tamanho (H = 3,5 p = 0,327) nem quanto
ao peso (H = 5,8 p = 0,121) (Fig. 5). A proporção de itens de origem animal e vegetal
transportados pelas operárias nas estações seca e chuvosa também não apresentou
diferença significativa (χ2 = 1,2 p = 0,267), embora a proporção de sementes e frutos
capturados tenha sido maior na estação chuvosa (Tabela 2). Vários itens animais foram
transportados vivos, 16,7 % na estação seca e 23,8% na estação chuvosa (χ2 = 0,3 p =
26
0,561), entre eles, Coleoptera, Orthoptera, Hymenoptera, Isoptera, larva de Lepidoptera,
Oligochaeta e Gastrópode. O índice de eficiência de forrageio diário foi muito variável,
sendo de 26,8% em média (± 2,53 EP).
Fig. 5 Variação sazonal de tamanho (mm) e peso (g) dos alimentos capturados por operárias de
D. quadriceps
Ritmo diário
As colônias de D. quadriceps estiveram ativas ininterruptamente, não
apresentando horários de inatividade. Porém, a atividade de forrageio sofreu variações
ao longo do dia, sendo bastante reduzida durante a fase de escuro e mostrando-se
predominantemente diurna independente da estação do ano (Fig. 6). O número de
operárias envolvidas em atividade de forrageio foi significativamente maior durante a
fase de claro do que durante a fase de escuro em todos os meses de observação (Nov: z
= -6,8 p < 0,001; Fev: z = -4,0 p < 0,001; Mai: z = -4,1 p < 0,001; Ago: z = -7,9 p <
0,001). Cabe chamar a atenção que em novembro, início da estação seca, as colônias
tiveram dois picos de atividade, um pela manhã e outro à tarde, com diminuição do
forrageio no meio do dia, enquanto que nos outros meses a atividade de forrageio foi
distribuída de forma mais uniforme ao longo da fase clara do dia.
─ Median
25% - 75% I Non-Outlier Range □
27
Tabela 2: Número de itens alimentares capturados por operárias de D. quadriceps nas estações
seca e chuvosa, FLONA de Nísia Floresta, RN, XI.2010-VIII.2011.
TÁXON SECA
n (%) CHUVOSA
n (%)
Arthropoda
Hymenoptera (Formicidae)
adulto
pupa
Hymenoptera (outras famílias)
inteiro
fragmentos
Coleoptera
Hemiptera
inteiro
exsúvia
Orthoptera
inteiro
perna
Lepidoptera
adulto
larva
Odonata (tórax)
Isoptera
Blattodea
Araneae
inteiro
fragmento
Diplopoda (fragmento)
Chilopoda
Não identificados
fragmentos de artrópodes
casulo
larvas
ovos
33 (80,5)
5 (12,2)
4 (9,8)
1 (2,4)
4 (9,8)
4 (9,8)
2 (4,9)
4 (9,8)
4 (9,8)
2 (4,9)
1 (2,4)
1 (2,4)
2 (4,9)
1 (2,4)
1 (2,4)
1 (2,4)
1 (2,4)
2 (4,9)
2 (4,9)
1 (2,4)
9 (21,9)
5 (12,2)
1 (2,4)
2 (4,9)
1 (2,4)
51 (68,0)
1 (1,3)
1 (1,3)
20 (26,7)
19 (25,3)
1 (1,3)
1 (1,3)
1 (1,3)
1 (1,3)
5 (6,7)
3 (4,0)
2 (2,7)
3 (4,0)
3 (4,0)
1 (1,3)
5 (6,7)
4 (5,3)
1 (1,3)
1 (1,3)
13 (17,3)
10 (13,3)
1 (1,3)
1 (1,3)
1 (1,3)
Annelida (Oligochaeta) 2 (4,9) 8 (10,7)
Mollusca (Gastropoda) 1 (2,4) 4 (5,3)
Fezesa 3 (7,3) 2 (2,7)
Angiospermae
Myrtaceae (fruto jovem)
Burseraceae [Protium pentaphyllum]
semente
parte de fruto
Rubiaceae [Margaritopsis carrascoana (fruto)]
Dilleniaceae [Tetracera sp. (semente)]
2 (4,9)
1 (2,4)
1 (2,4)
1 (2,4)
10 (13,3)
2 (2,7)
2 (2,7)
2 (2,7)
6 (8,0) a não foi possível identificar a origem do material.
28
Fig. 6 Variação diária do número de operárias envolvidas em atividade de forrageio, em atividade de manutenção do ninho e no retorno para o
ninho com alimento em colônias de D. quadriceps. As barras na parte superior de cada gráfico representam a fase clara (branco) e a fase escura
(preto) do dia.
─ Median 25% - 75% I Non-Outlier Range □
29
O retorno das operárias com alimento para o ninho seguiu o mesmo padrão da
atividade de forrageio, havendo uma correlação positiva entre eles (Nov: rs = 0,55 p <
0,001; Fev: rs = 0,59 p < 0,001, Mai: rs = 0,40 p < 0,001; Ago: rs = 0,64 p < 0,001),
embora o retorno com alimento tenha sido mais restrito à fase clara (Nov: z = -4,9 p <
0,001; Fev: z = -3,7 p < 0,001; Mai: z = -2,6 p = 0,009; Ago: z = -7,1 p < 0,001),
concentrando-se nas horas de maior atividade (Fig. 6).
A atividade de manutenção do ninho, assim como a atividade de forrageio,
ocorreu tanto durante a fase clara quanto durante a fase escura. Nos meses em que a
atividade de manutenção foi baixa, não houve diferença entre as fases do dia quanto ao
número de operárias envolvidas nessa tarefa (Nov: z = -1,7 p = 0,083; Fev: z = -1,5 p =
0,134; Ago: z = -0,8 p = 0,405). Mas em maio, início da estação chuvosa, quando a
manutenção foi mais intensa, ela se mostrou predominantemente diurna (Mai: z = -2,3 p
= 0,023). O padrão diário da atividade de manutenção foi relacionado positivamente
com o de forrageio em todos os meses, com exceção de fevereiro, final da estação seca
(Nov: rs = 0,13 p = 0,024; Fev: rs = 0,03 p = 0,657, Mai: rs = 0,39 p < 0,001; Ago: rs =
0,13 p = 0,023).
Quanto aos fatores ambientais influentes sobre o ritmo diário de atividade de D.
quadriceps, o padrão diário da atividade de forrageio das colônias foi relacionado
positivamente com a luminosidade nos quatro meses de observação (Nov: rs = 0,39 p <
0,001; Fev: rs = 0,26 p < 0,001, Mai: rs = 0,19 p = 0,001; Ago: rs = 0,52 p < 0,001), com
a temperatura em novembro, maio e agosto (Nov: rs = 0,15 p = 0,012; Mai: rs = 0,17 p =
0,004; Ago: rs = 0,19 p = 0,001) e teve uma fraca correlação negativa com umidade
apenas em novembro (Nov: rs = -0,12 p = 0,048) (Fig. 7).
O retorno com alimento foi correlacionado positivamente com a luminosidade
em todos os meses (Nov: rs = 0,25 p < 0,001; Fev: rs = 0,24 p < 0,001, Mai: rs = 0,13 p =
30
0,032; Ago: rs = 0,46 p < 0,001), com a temperatura apenas em agosto (Ago: rs = 0,16 p
= 0,008) e teve uma fraca correlação positiva com a umidade apenas em fevereiro (Fev:
rs = 0,12 p = 0,048). O padrão diário da atividade de manutenção não apresentou
correlação com nenhuma das variáveis ambientais analisadas em nenhum dos meses de
observação (p > 0,05).
Fig. 7 Variação diária de luminosidade, temperatura e umidade nos quatro meses de observação. As linhas contínuas representam variáveis que tiveram correlação significativa com a atividade
de forrageio de D. quadriceps. As linhas pontilhadas representam variáveis que não foram
relacionadas à atividade de forrageio das formigas
31
DISCUSSÃO
A ocorrência de variação sazonal das atividades de forrageio e manutenção do
ninho nas colônias de D. quadriceps num ambiente de mata atlântica mostra que esta
espécie é capaz de responder a pequenas flutuações nas condições ambientais. A mata
atlântica é um dos biomas brasileiros, junto com a floresta amazônica, que apresentam
as menores variações sazonais na vegetação, quando comparados ao cerrado e à
caatinga (Formigoni et al. 2011). Odontomachus chelifer, outra espécie de formiga da
subfamília Ponerinae, também apresenta variação sazonal da atividade de forrageio em
ambiente de mata atlântica no sudeste do Brasil (Raimundo et al. 2009).
No entanto, os picos das atividades de forrageio e manutenção em D. quadriceps
não estiveram relacionados diretamente às estações seca e chuvosa, mas às transições
entre elas. A atividade de forrageio começou a aumentar no final da estação chuvosa e
alcançou seu máximo no início da estação seca, enquanto que a atividade de
manutenção começou a aumentar no final da estação seca e alcançou seu máximo no
início da estação chuvosa. Esse padrão ocorreu principalmente pela variação da
atividade durante a fase clara, pois a atividade na fase escura permaneceu constante ao
longo do ano. Em estudo realizado na caatinga, D. quadriceps também apresentou um
pico de atividade de forrageio no final da estação chuvosa e início da estação seca,
mesmo o período chuvoso ocorrendo mais cedo (Medeiros et al. no prelo). Entretanto, a
variação sazonal da atividade de forrageio de D. quadriceps registrada na caatinga por
Medeiros et al (no prelo) foi muito mais acentuada do que a encontrada em nossos
resultados no ambiente de mata atlântica. O número de operárias capturadas em pitfall
na caatinga chega a uma variação de mais de dez vezes entre os meses de menor e maior
atividade de forrageio (Medeiros et al. no prelo), enquanto que na mata atlântica, nossos
32
resultados mostram uma diferença de menos de três vezes entre o número de operárias
capturadas. Barrow e Parr (2008), comparando três tipos de hábitat semi-áridos
tropicais, demonstraram que a variação temporal na assembléia de formigas pode diferir
entre os tipos de hábitat, devido a maiores ou menores flutuações sazonais nas
condições ambientais.
O número de operárias capturadas em pitfall apresentou um padrão de variação
sazonal diretamente relacionado à atividade de forrageio das colônias observadas,
comprovando que a utilização de armadilhas para estimativa da atividade de forrageio,
adotada em muitos estudos (Barrow e Parr 2008; Dunn et al. 2007; Medeiros et al. no
prelo), é, de fato, adequada, embora a observação direta das colônias permita a obtenção
de dados mais detalhados, tendo sido, por isso, adotada nesta pesquisa.
A queda da atividade de forrageio entre o início e final da estação seca
observada neste estudo coincide com a época do ano em que ocorre fissão de colônias
em Dinoponera lucida (Peixoto et al. 2010). Entretanto, pelas observações de colônias
de D. quadriceps realizadas até o momento, esta espécie não parece ter um ciclo anual
de fissão como sugerido por Peixoto et al. (2010) para D. lucida, mas sofrer fissão de
forma esporádica. Além disso, já foi observada fissão de colônia em D. quadriceps no
mês de abril (Medeiros 2009), o que seria incompatível com uma explicação para a
variação sazonal do forrageio baseada na fissão de colônias. A fissão de colônias
também não explicaria a diferença de amplitude na variação sazonal do forrageio
encontrada entre mata atlântica e caatinga. Assim, as mudanças nas condições
ambientais ao longo do ano é considerada a causa principal para a variação sazonal da
atividade de forrageio verificada neste estudo.
A alternância que ocorreu entre os picos de forrageio e manutenção do ninho ao
longo do ano pode indicar um direcionamento da força de trabalho da colônia para
33
outras tarefas quando o nível de atividade de forrageio é reduzido. A variação sazonal
da atividade de manutenção do ninho teve uma relação inversa com a disponibilidade de
presas, assim, quanto menor a disponibilidade de alimento no ambiente, e
conseqüentemente, menor a demanda por forrageio, maior a alocação de operárias para
a tarefa de manutenção do ninho. Muscedere et al. (2011) observaram mudanças na
alocação de tarefas dentro do ninho quando colônias de Acromyrmex octospinosus
foram privadas de forrageio.
Outra hipótese é que a alternância dos picos de forrageio e manutenção esteja
relacionada ao polietismo etário e a variação sazonal na produção de prole da colônia.
Se a produção de prole em D. quadriceps apresenta uma variação sazonal associada à
época do ano em que a atividade de forrageio aumenta, como ocorre em Dinoponera
australis (Paiva e Brandão 1995), as operárias que emergem no final desse processo
podem iniciar a vida adulta com tarefas dentro do ninho, como cuidado à prole, em
seguida passar para a atividade de manutenção do ninho, causando o pico desta
atividade, e quando mais velhas tornarem-se forrageadoras, causando o pico da
atividade de forrageio, associado a um novo pico de produção de prole. Evidências de
polietismo etário foram verificadas em Dinoponera lucida, com a divisão de dois
grupos principais, as operárias mais jovens que cuidam dos imaturos e as forrageadoras,
mais velhas (Peixoto et al. 2008). Em D. lucida também foi observada variação sazonal
da produção de prole (Peixoto et al. 2010).
Além disso, foi encontrada correlação entre a variação sazonal da atividade de
forrageio de D. quadriceps e o número diário de forrageadoras diferentes das colônias,
enquanto que nenhuma correlação foi encontrada com o número estimado de viagens de
forrageio realizadas por cada operária. Em um estudo anterior com D. quadriceps, foi
verificada variação sazonal no número de indivíduos envolvidos na atividade de
34
forrageio, com aumento no número de forrageadoras justamente durante a estação seca
(Medeiros 2009), dentro da qual ocorre o pico de atividade de forrageio. Portanto, o
aumento da atividade de forrageio se dá através do aumento do número de
forrageadoras da colônia e não do número de viagens de forrageio de cada operária.
Os fatores ambientais determinantes para a variação sazonal da atividade de
forrageio foram sobretudo os relacionados às condições de iluminação: duração da fase
clara, luminosidade e horário de nascer do sol, além de pluviosidade, o que significa que
a atividade de forrageio foi maior nos dias em que havia luz do sol por mais tempo,
mais intensa e surgindo mais cedo. Portanto, as colônias de D. quadriceps aumentam a
atividade de forrageio na época do ano em que as condições de iluminação estão mais
propícias para o forrageio e para a orientação no ambiente necessária durante esta
atividade, levando em consideração que a orientação visual e a utilização de pontos de
referência do ambiente sejam importantes nesta espécie. Araújo e Rodrigues (2006)
sugerem, com base em características do forrageio e do transporte de alimento para o
ninho, que as operárias de D. quadriceps utilizam pistas químicas e visuais para a
orientação no ambiente extra-ninho. Azevedo (2009), analisando a reação de operárias à
introdução de obstáculos na rota de forrageio, também trazem evidências de utilização
de mais de uma estratégia de navegação, sendo uma delas o uso de pontos de referência.
Em observações com manipulação do ambiente por diferentes métodos, operárias de
Dinoponera gigantea se mostraram muito flexíveis em relação a sua orientação visual e
sua rotas de forrageio não pareceram ser baseadas em qualquer substância química
deixada em viagens prévias (Fourcassié et al. 1999).
Quanto à relação negativa com a pluviosidade, ela pode também estar ligada às
condições de iluminação, pois dias mais nublados têm luminosidade menor. Na espécie
Gigantiops destructor, que tem atividade de forrageio estritamente diurna, mais
35
forrageadoras foram observadas no campo em dias ensolarados do que em dias nublados
(Beugnon et al. 2001). Em Melophorus bagoti, espécie também diurna, a atividade de
forrageio também é reduzida em dias nublados (Muser et al. 2005). Porém, a presença
de chuva em si é um fator limitante para o forrageio, pela dificuldade de movimentação
no ambiente, principalmente sob chuva forte. A inibição da atividade de forrageio pela
chuva também foi observada em Dinoponera lucida (Peixoto et al. 2010). De forma
semelhante, em Cataglyphis iberica, a chuva é capaz de cessar por completo em poucos
minutos a atividade das colônias (Cerdá e Retana 1989). O mesmo ocorre com
Melophorus bagoti, com interrupção do forrageio assim que a chuva começa (Muser et
al. 2005). Chuvas intensas e longas também causam a interrupção do forrageio em
Pachycondyla verenae (Chagas e Vasconcelos 2002).
Apesar da atividade de forrageio ter variado, acompanhando as mudanças das
condições de iluminação e pluviosidade, o retorno com alimento não sofreu uma
variação significativa ao longo do ano, estando relacionado diretamente à
disponibilidade de presas no ambiente, que também permaneceu constante. Não só o
número de itens alimentares coletados, mas também o tamanho, peso, proporção de
itens de origem animal ou vegetal e de presas vivas ou mortas transportadas pelas
operárias não tiveram uma variação sazonal significativa, provavelmente devido à baixa
variabilidade do ambiente em relação à disponibilidade de alimento. A captura de presas
vivas, em ambas as estações, não foi rara, constituindo uma porção significativa dos
itens animais capturados pelas operárias, diferente do observado por Araújo e Rodrigues
(2006).
É importante ressaltar que neste estudo foram registradas mais três famílias de
plantas, Burseraceae, Dilleniaceae e Rubiaceae, que tem frutos e sementes transportados
para o ninho por D. quadriceps, além de Myrtaceae, que já havia sido registrada por
36
Araújo e Rodrigues (2006), embora a predominância de itens de origem animal,
principalmente artrópodes, na dieta desta espécie tenha sido confirmada pelos nossos
resultados. Mesmo tendo a maior parte de sua dieta constituída por itens de origem
animal, grandes formigas ponerine, como Odontomachus chelifer e Pachycondyla
striata, se mostraram os principais vetores de sementes em um ambiente de restinga
(Passos e Oliveira 2003).
O índice de eficiência do forrageio em nossos resultados foi de 26,8%, em
média, enquanto que nas observações de Araújo e Rodrigues (2006) foi de 76%. Um
índice de eficiência baixo é comum para espécies que se alimentam de insetos, como
por exemplo Cataglyphis iberica, em que a média do índice diário de eficiência está
entre 15% e 28% (Cerdá e Retana 1989), enquanto que um índice de eficiência alto é
mais comum em espécies coletoras de sementes, como Pogonomyrmex rastratus, P.
mendozanus e P. inermis, que têm médias de eficiência em torno de 86% (Pol et al.
2011). Operárias de Dinoponera gigantea, que possui uma dieta semelhante à de D.
quadriceps, tiveram sucesso em apenas 10% das viagens de forrageio (Fourcassié e
Oliveira 2002). Com um número maior de horas de observação, comparado ao estudo
de Araújo e Rodrigues (2006), Azevedo (2009) observou o sucesso na obtenção de
alimento em 25% das viagens de forrageio de operárias de D. quadriceps, um valor
muito próximo ao encontrado neste estudo. As diferenças entre os resultados aqui
apresentados e os encontrados por Araújo e Rodrigues (2006) podem ter ocorrido por
diferenças de amostragem, mostrando a importância de estudos com um maior tempo de
observação de campo e que levem em consideração a variação temporal, tanto em escala
sazonal quanto diária.
Analisando a partir de agora a variação em escala diária, que acompanha os
ciclos ambientais com períodos de 24 horas, o padrão diário de atividade de forrageio
37
das operárias de D. quadriceps nesse estudo foi predominantemente diurno, sendo o
fator mais importante para a determinação desse padrão a luminosidade, seguido da
temperatura. O mesmo foi observado para o retorno com alimento. Para D. quadriceps,
o ambiente de mata atlântica não deve impor, comumente, temperaturas limitantes,
sendo, assim, a luminosidade o fator primordial na determinação do ritmo diário da
atividade de forrageio das colônias. Em Dinoponera lucida, que também habita áreas de
mata atlântica, a atividade de forrageio é ativada pela luz do dia, com o horário de
forrageio das operárias coincide com as horas de claro e as condições de temperatura,
entre 16o e 31,5
o C durante as observações, não pareceram ser um fator limitante para a
atividade das formigas no ambiente extra-ninho (Peixoto et al. 2010). Em Cataglyphis
iberica, espécie com atividade estritamente diurna, os fatores mais influentes sobre o
ritmo diário de atividade são também a temperatura e a luminosidade, mas a
luminosidade se torna mais importante que a temperatura quando considerados apenas
os dias mais quentes. Como C. iberica é uma espécie termófila, estes são os dias em que
a temperatura não chega a um mínimo limitante para a atividade (Cerdá e Retana 1989).
Em Pachycondyla verenae, também estritamente diurna, apesar da atividade de
forrageio estar relacionada à temperatura durante o verão, seu início e término são
influenciados pela incidência dos raios solares tanto no verão quanto no inverno
(Chagas e Vasconcelos 2002). Em condições controladas de laboratório, ciclos de
mudança de temperatura foram capazes de promover a sincronização do ritmo
circadiano da atividade locomotora de operárias de Formica rufa em escuro constante e,
quando combinados com ciclos de claro/escuro, os ciclos de mudança de temperatura
reforçaram o efeito do ciclo de luz como sincronizador (North 1993). Assim, ambos,
temperatura e luminosidade, parecem ser importantes para o ritmo diário das formigas,
podendo variar a ordem de importância dependendo da situação.
38
Apenas no início da estação seca, as colônias de D. quadriceps apresentaram
dois picos de forrageio ao longo do dia, um pela manhã e outro à tarde, com diminuição
do forrageio no meio do dia, provavelmente devido à alta temperatura e baixa umidade
nesse horário e época do ano, acima de 30º C e abaixo de 60%, respectivamente, que
devem, então, se aproximar dos limites de tolerância da espécie e passam a ser
restritivas para o forrageio. Um efeito semelhante ocorre em algumas espécies de
formigas de deserto, como Cataglyphis bombycina e Ocymyrmex robustior (Wehner e
Wehner 2011), Pogonomyrmex pronotalis e P. rastratus (Pol e Lopez de Casenave
2004), e de ambiente semi-árido, como Ophthalmopone berthoudi (Peeters e Crewe
1987). Em Dinoponera lucida, foi observada uma leve redução da atividade de
forrageio por volta do meio-dia, exatamente quando a temperatura é mais alta (Peixoto
et al. 2010). Dinoponera gigantea, durante observações apenas na fase clara do dia,
apresentou um padrão bimodal no final da estação seca na floresta amazônica, mas a
modificação desse padrão diário ao longo do ano em virtude das condições ambientais,
como ocorre em D. quadriceps e nas espécies citadas acima, não foi investigada. Em D.
gigantea, a queda da atividade de forrageio no meio do dia também coincide com os
horários em que a temperatura excede 30º C (Fourcassié e Oliveira 2002).
Pachycondyla verenae, em áreas cobertas por plantas invasoras e gramado no sudeste
do Brasil, tem uma diminuição drástica no forrageio em temperaturas entre 29º e 32º C,
interrompendo o forrageio em temperaturas acima de 33º C, mas a umidade baixa, de
até 34% em alguns dias, não foi um fator limitante para a atividade de forrageio desta
espécie (Chagas e Vasconcelos 2002).
De acordo com as características de modificação do padrão diário de forrageio
ao longo do ano encontradas em nossos resultados, D. quadriceps parece se encaixar no
grupo de espécies de formigas intolerantes ao calor semelhante a algumas espécies
39
mediterrâneas. Cros et al. (1997), estudando comunidades de formigas do Mediterrâneo,
distinguiram dois grupos de espécies, as tolerantes ao calor, que são diurnas e
modificam pouco seu padrão de atividade diário ao longo do ano, e as intolerantes ao
calor, que passam de diurnas a crepusculares ou noturnas em altas temperaturas e têm o
pico de atividade em temperaturas abaixo de 30º C. Nas comunidades mediterrâneas, as
formigas intolerantes ao calor são dominantes, que têm um comportamento de aversão
ao risco, forrageando em temperaturas muito distantes da sua temperatura máxima
crítica, enquanto que as espécies tolerantes ao calor são subordinadas, que têm o
comportamento de propensão ao risco, forrageando em temperaturas muito próximas ao
máximo crítico e correndo um rico maior de mortalidade (Cerdá 2001).
A variação diária da atividade de manutenção do ninho, nesse estudo, não foi
relacionada a nenhum fator ambiental analisado. Isso pode ser devido à atividade de
manutenção não levar as operárias a uma grande exposição ao ambiente extra-ninho,
como ocorre no forrageio, pois durante a atividade de manutenção as operárias se
distanciam pouco do ninho. Em geral, na execução desta atividade, as operárias não se
distanciavam mais que 30 centímetros da entrada do ninho, depositando a areia ou lixo
retirado do ninho nos arredores da entrada. Nos meses em que o nível de atividade de
manutenção do ninho foi baixo não houve sequer diferença entre as fases do dia, mas
quando a atividade de manutenção aumentou, ela se concentrou na fase clara como o
forrageio. Atividade de manutenção do ninho ocorrendo a qualquer hora do dia, tanto na
fase clara quanto na fase escura, também foi observada em Dinoponera lucida (Peixoto
et al. 2010).
A partir dos resultados aqui apresentados e discutidos, confirmamos nossa
primeira hipótese, de que a atividade de forrageio das colônias de D. quadriceps
apresenta variações rítmicas, tanto sazonais quanto diárias, mesmo em um ambiente
40
pouco variável como a mata atlântica se comparado à caatinga, que também é habitat
natural desta espécie. No entanto, ao contrário do esperado, a atividade de forrageio de
D. quadriceps se mostrou predominantemente diurna e o pico anual ocorreu no início da
estação seca, havendo aumento da atividade a partir do final da estação chuvosa.
A segunda hipótese proposta, de que o ritmo de atividade de forrageio das
colônias de D. quadriceps é relacionado a fatores ambientais, também foi confirmada.
Porém, o tipo de influência de cada uma das variáveis ambientais sobre a atividade de
forrageio foi diferente do esperado. O ritmo diário da atividade de forrageio foi
relacionado mais fortemente e de forma positiva à luminosidade. O segundo fator mais
importante na determinação do ritmo diário de forrageio foi a temperatura, que
apresentou relação positiva durante a maior parte do ano. Por último, a umidade
apresentou uma relação muita fraca e negativa com o ritmo diário de forrageio apenas
em um mês de observação. O ritmo sazonal de forrageio, por sua vez, foi relacionado
positivamente à duração da fase clara e à luminosidade, e negativamente ao horário de
nascer do sol e à pluviosidade. Temperatura e umidade média diária, horário de pôr do
sol e disponibilidade de presas potenciais não tiveram influência sobre a variação
sazonal da atividade de forrageio no ambiente estudado.
41
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