rita maria alves vasconcelos (tcc)

143
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UERJ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE O desafio da atenção integral às crianças e aos adolescentes cronicamente adoecidos: necessidades de saúde e políticas públicas EMILLY PEREIRA MARQUES ORIENTADORA: Profª. Giselle Lavinas Monnerat CO-ORIENTADORA: Profª. Claudete Aparecida Araújo Cardoso Rio de Janeiro, 08 de agosto de 2011.

Upload: glauciaas

Post on 06-Jun-2015

632 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

Page 1: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UERJ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE

O desafio da atenção integral às crianças e aos

adolescentes cronicamente adoecidos:

necessidades de saúde e políticas públicas

EMILLY PEREIRA MARQUES

ORIENTADORA: Profª. Giselle Lavinas Monnerat

CO-ORIENTADORA: Profª. Claudete Aparecida Araújo Cardoso

Rio de Janeiro, 08 de agosto de 2011.

Page 2: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

EMILLY PEREIRA MARQUES

O desafio da atenção integral às crianças e aos

adolescentes cronicamente adoecidos:

necessidades de saúde e políticas públicas

Monografia apresentada à Faculdade de Serviço Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do grau de especialista, sob orientação da Profª. Giselle Lavinas Monnerat e co-orientação da Profª. Claudete Aparecida Araújo Cardoso.

Rio de Janeiro, 08 de agosto de 2011

Page 3: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

Banca Examinadora:

_______________________________________________________________

Profª. Drª. Giselle Lavinas Monnerat

Profª. Drª Claudete Aparecida Araújo Cardoso.

Profª. Drª. Carla Cristina Lima de Almeida

Page 4: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

Agradecimentos

Agradeço a Deus, à minha família e ao meu companheiro de todas as

horas Aziz;

Às minhas professoras orientadoras a assistente social Giselle e a

médica Claudete que contribuíram não só com o rigor acadêmico, mas também

com suas visões enquanto profissionais de saúde;

À professora Carla Cristina Lima de Almeida por ter aceitado o convite

de participação da minha banca e a todos os professores do CESS-UERJ que

contribuíram com a nossa formação profissional nos debates sempre

presentes;

Agradeço à equipe interdisciplinar do Serviço de Pediatria do HUAP-

UFF, com a qual dividimos angústias e resolutividades com o mesmo objetivo

de proporcionar um atendimento de qualidade e a promoção da saúde das

crianças e dos adolescentes atendidos;

À minha turma do Curso de Especialização em Serviço Social e Saúde –

2010 que colaborou para meu crescimento profissional diante de tanta

diversidade que a formou: diferentes idades, épocas de formação, diversas

faculdades, espaços sócio-ocupacionais (movimentos sociais, atenção primária

até a alta complexidade da atenção em saúde), porém todos com um

comprometimento ético-político na construção de uma sociedade mais justa e

igualitária;

Agradeço às famílias que contribuíram com a minha pesquisa e

compreenderam a importância da luta pela garantia dos seus direitos.

Page 5: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

Resumo:

O presente trabalho buscou contribuir com uma análise das diversas

situações enfrentadas por crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e

por suas famílias. Nossa indagação principal é se há suprimento de suas

necessidades de saúde, relacionando este cumprimento a garantia de

atendimento integral no Sistema Único de Saúde (SUS). Em nossa pesquisa

percebemos a necessidade de maior articulação intersetorial, por meio de uma

rede integrada de atenção às necessidades específicas e coletivas deste

segmento em virtude dos diversos desafios e alterações de rotina que

perpassam seu cotidiano e que influenciam na continuidade do tratamento.

Realizamos pesquisa qualitativa nas enfermarias de pediatria do HUAP/UFF,

entrevistando com roteiro semi-estruturado 10 famílias cujas crianças e

adolescentes em condição crônica de adoecimento permanecem em

acompanhamento no HUAP após a alta hospitalar. Consideramos que o

acesso aos serviços e às políticas públicas compõe um dos sentidos do

atendimento integral, tendo em vista que tal suporte é relevante para que a

adesão e a continuidade ao tratamento de crianças e de adolescentes tenham

possibilidades reais e concretas de existir. Percebemos a sobrecarga da

família, principalmente das mães, responsabilizadas em prover o acesso aos

serviços necessários, além de prestar os cuidados que as crianças e os

adolescentes necessitam.

Palavras-chave: crianças e adolescentes, doenças crônicas,

atendimento integral, necessidades de saúde, políticas públicas

Page 6: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................06

CAPÍTULO 1 – O DEBATE TEÓRICO ACERCA DA INTEGRALIDADE DA

ATENÇÃO EM SAÚDE NA LITERATURA ATUAL......................................11

CAPÍTULO 2 - A INTEGRALIDADE NO ATENDIMENTO À INFÂNCIA E À

ADOLESCÊNCIA...........................................................................................30

2.1 - O atendimento a crianças e adolescentes em condições crônicas

de adoecimento: desafios e apontamentos para o debate...................43

CAPÍTULO 3 – OBJETO, CAMPO EMPÍRICO E PROCEDIMENTOS

METODOLÓGICOS........................................................................................48

3.1- O cenário da pesquisa: um estudo sobre os atendimentos das

enfermarias de Pediatria.....................................................................50

3.2- Procedimentos metodológicos: sujeitos envolvidos e critérios de

seleção................................................................................................56

CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DAS ENTREVISTAS..............................................61

CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................120

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................126

ANEXOS.........................................................................................................135

Page 7: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)
Page 8: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

6

INTRODUÇÃO

Neste trabalho buscamos investigar a temática da infância e da

adolescência em condição crônica de adoecimento numa concepção de

atendimento integral. A pesquisa tem como objeto a análise da integralidade da

atenção em saúde de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e que

necessitam de continuidade no cuidado e de acesso a diversos insumos,

equipamentos, especialidades de saúde e programas de proteção social.

Nesta direção, pretendemos observar se as famílias estão recebendo

suporte governamental para que a adesão e a continuidade ao tratamento de

suas crianças e de seus adolescentes tenham possibilidades reais e concretas

de serem realizadas em condições adequadas.

O interesse pelo tema se justifica em razão de nossa inserção

profissional no serviço de atenção à saúde da criança e do adolescente nas

enfermarias de Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro da

Universidade Federal Fluminense (HUAP-UFF), situado no município de

Niterói-RJ, e que atende usuários de zero até 15 anos de idade.

Vale destacar que o cotidiano das crianças e dos adolescentes

cronicamente adoecidos e os entraves encontrados por estes e suas famílias

aparecem no acompanhamento aos casos atendidos pelo serviço social na

enfermaria pediátrica, onde nos deparamos cotidianamente com a falta de

políticas voltadas para as necessidades particulares deste segmento e do

acesso às políticas públicas já existentes.

Page 9: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

7

Para prolongarem o tempo sem internação, muitas crianças e

adolescentes necessitam de equipamentos e de tecnologias em domicílio e

políticas específicas voltadas para o consumo de energia quando estas são

adquiridas; casas adaptadas e ambientes acessíveis; escolas que

compreendam as necessidades especiais dos alunos e que possuam

condições concretas de atendê-las; acesso a insumos e medicamentos

especiais e excepcionais sem morosidade no processo, dentre outras

questões.

Considerando as características de um hospital de alta complexidade, os

usuários atendidos apresentam doenças graves ou com diagnóstico sob

investigação ou ainda dependem de determinados tipos de especialidades

médicas ou recursos tecnológicos, atendendo diversas síndromes e condições

crônicas de adoecimento. São necessidades singulares e coletivas que se

transformam em demandas concretas em nosso cotidiano de trabalho nas

enfermarias de pediatria de um hospital de alta complexidade e reconhecemos

que para intervirmos é preciso uma abordagem integral e totalizante a estes

indivíduos e suas famílias.

Temos por hipótese que, apesar do arcabouço legal que ampara as

crianças e os adolescentes, os pacientes que possuem doenças crônicas ainda

possuem enormes dificuldades de garantir os seus direitos fundamentais.

Quanto ao procedimento metodológico propriamente dito, realizamos

pesquisa qualitativa na Unidade de Pediatria do Hospital Universitário Antônio

Pedro (HUAP). Entrevistamos, por meio de roteiro semi-estruturado, 10 famílias

com responsáveis de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos em

Page 10: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

8

acompanhamento hospitalar no HUAP entre os meses de setembro de 2010 a

junho de 2011.

Do ponto de vista da discussão teórica, trabalhamos com um dos

sentidos da integralidade considerando o viés do acesso a uma rede integrada

de atenção a estes usuários, apreendendo os desafios das crianças e dos

adolescentes e de suas famílias para alcançarem o atendimento de suas

necessidades de saúde, por meio de políticas, programas e serviços públicos.

Apontamos os consensos teóricos acerca da temática das doenças

crônicas nessa faixa etária, relacionando-os, posteriormente, aos desafios

práticos enfrentados por estes sujeitos e por suas famílias no acesso aos seus

direitos fundamentais, às políticas e aos serviços públicos, consonante com a

perspectiva da integralidade.

A literatura especializada mostra que a discussão de doenças crônicas

abrange majoritariamente outras gerações como adultos e idosos, portanto tal

temática vinculada à infância e à adolescência precisa de maior visibilidade e

problematização, com vistas à promoção da saúde e efetivação de direitos de

crianças e adolescentes em tratamento continuado.

Com efeito, este debate é relevante socialmente e também promissor

para as profissões que formulam e atuam nas políticas sociais, como os

assistentes sociais, já que estamos em diversas áreas das políticas públicas e

atuando pela ampliação e defesa dos direitos socialmente conquistados.

A relevância dessa pesquisa se ampara no fato de que há pouca

produção científica sobre esta temática, envolvendo as dificuldades

vivenciadas pelas crianças, adolescentes e suas famílias em seu cotidiano, em

Page 11: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

9

quais políticas públicas estão inseridos e quais tentam acessar, e as principais

necessidades apresentadas, o que possibilitaria a elaboração de um perfil

coletivo, para posteriormente propormos estratégias de enfrentamento.

Realizamos também um levantamento bibliográfico sobre a temática das

doenças crônicas na infância e adolescência e as políticas públicas para

crianças e adolescentes, articulando-a com as produções sobre política de

saúde e integralidade, buscando balizar a discussão teórico-conceitual sobre o

tema. Essa pesquisa incluiu consulta a textos disponíveis na rede mundial de

computadores, a livros e revistas publicadas.

De igual modo, pesquisamos fontes secundárias com vistas ao

levantamento de dados, utilizando resultados da pesquisa em curso: “Perfil

epidemiológico dos pacientes internados nas enfermarias de Pediatria do

Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense

(HUAP-UFF)”, coordenada pela profª. Claudete Aparecida Araújo Cardoso, co-

orientadora do nosso trabalho, além de dados produzidos por monografias,

dissertações e teses sobre a temática.

Através das informações obtidas no banco de dados elaborado pela

pesquisa de Cardoso (2009), fizemos uma análise do perfil das internações

nestas enfermarias no ano de 2010, buscando tornar claras as características

do atendimento nas enfermarias de Pediatria do HUAP-UFF.

Por fim, cabe ressaltar que centralidade do debate contemporâneo

acerca da integralidade e sua relevância para o atendimento às crianças e aos

adolescentes com doenças crônicas é fundamental para destacarmos que há

Page 12: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

10

muito que se avançar para que esta diretriz do SUS se cumpra em seus

diversos sentidos.

Esta investigação também é relevante para as profissões da saúde que

atendem estes usuários dos serviços, assim como para os profissionais das

diversas políticas públicas que precisam estar atentos às necessidades

particulares e coletivas dos sujeitos. Tal tema é especialmente relevante para o

assistente social, tendo em vista que este profissional perpassa diversas áreas

das políticas públicas e atua pela ampliação e defesa dos direitos socialmente

conquistados (RAICHELLIS, 2009).

Page 13: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

11

CAPÍTULO 1 – O DEBATE TEÓRICO ACERCA DA INTEGRALIDADE

DA ATENÇÃO EM SAÚDE NA LITERATURA ATUAL.

Neste capítulo realiza-se um breve resgate histórico do modelo inicial de

intervenção do Estado na saúde de nosso país, para, em seguida, abordar a

proposta de superação deste modelo pelo movimento de Reforma Sanitária.

Posteriormente faz-se uma revisão teórica da integralidade na literatura

atual, destacando as suas múltiplas dimensões e as reflexões elaboradas pelos

principais autores no campo da Saúde Coletiva sobre a temática.

Busca-se demonstrar que a diretriz da integralidade e a sua efetivação

nos serviços de saúde no Brasil são alvo de amplo debate e, principalmente,

que a dissonância entre a proposta da Reforma Sanitária que introduz tal

conceito e a prevalência ainda do modelo individual-curativista e

hospitalocêntrico trazem impasses para transformações dos modelos

assistenciais em saúde do país.

O Estado brasileiro passa a intervir diretamente na saúde no século XX,

enfatizando, a partir dos anos 1930, as ações médicas pautadas no modelo

individual-curativista. A primazia dada à medicina ganha impulsão quando o

Estado a incorpora como forma de intervir sistematicamente na sociedade1.

Nesta perspectiva, a articulação entre o Estado, a ciência e a medicina

1 A formação da medicina incorpora uma forma de produzir conhecimentos. O corpo é tido como

máquina e a observação, a descrição e a classificação das doenças na busca de suas causas é o seu objeto.

Neste modelo de medicina ocidental “Saúde é ausência de uma doença, e cura é a ausência de um

sintoma. (...) É esse mesmo conteúdo racional que será disseminado socialmente entre diversos setores da

sociedade” (PINHEIRO e CAMARGO, 2000:109).

Page 14: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

12

configura a racionalidade normativa que vem embasando os modelos de

atenção à saúde.

Em decorrência, cristaliza-se um processo de medicalização iniciado no

país nos anos 1920 e 1930 e massificado na década de 1970, conjuntura em

que ocorre a ampliação de demanda pela saúde, ao mesmo tempo em que se

restringe o acesso direcionando-o para faixas específicas da população ou

limitado à atenção básica campanhista, persistindo o “descompasso entre

demanda e oferta nos serviços de saúde” (PINHEIRO e CAMARGO,

2000:103).

Para Camargo Jr (2010), o termo “medicalização” classicamente pode

ser entendido de duas formas:

(...) por um lado, o ocultamento de aspectos usualmente

conflitivos das relações sociais, pela sua transformação em

‘problemas de saúde’; e por outro, a expropriação da

capacidade de cuidado das pessoas em geral, em especial

(mas não apenas) os membros das camadas populares,

tornando-os dependentes do cuidado dispensado por

profissionais, em particular (ou quase exclusivamente, para

alguns) médicos. (2010: 98)

Page 15: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

13

Nos anos 1970, na contramão desta racionalidade biomédica, o

movimento de Reforma Sanitária2 abarcou uma concepção ampliada de saúde

e a defesa da integralidade, tendo como marco o relatório da VIII Conferência

de Saúde, onde saúde é definida como:

(...) a resultante das condições de alimentação, habitação,

educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte,

emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e

acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o

resultado das formas de organização social da produção,

as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis

de vida. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1986)

Com o processo de redemocratização na década de 1980, muitas

foram as conquistas na institucionalização das políticas sociais, as quais foram

materializadas na Constituição Federal de 1988. A principal expressão dos

avanços no campo da política social foi a implementação de um Sistema de

Seguridade Social Brasileiro que, pela primeira vez na história do país, explicita

a responsabilidade do Estado e consagra os direitos de cidadania na

perspectiva do acesso universal ao sistema pela população.

Ademais, a proposta de seguridade social busca sugerir uma nova

racionalidade de organização das políticas sociais, tendo em vista que traz uma

2 Para Cecílio (2001 ) universalidade, integralidade e equidade da atenção constituem um conceito tríplice

com poder de traduzir o ideário da Reforma Sanitária brasileira. Estes são objetivos da atenção em saúde

para além do simples consumo ou acesso a serviços.

Page 16: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

14

proposta de integração de políticas e programas sociais, pelo menos das áreas

de saúde, assistência social e previdência social.

Na Constituição Federal de 1988, a Seguridade Social Brasileira é

definida como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes

públicos e da sociedade, destinada a assegurar os direitos relativos à saúde, à

previdência e à assistência social.” (Título VIII, capítulo II, Seção I, art. 194 da

CF.)

A proposta da Seguridade Social promoveu avanços no âmbito da

formulação da construção de um sistema de proteção social solidário,

principalmente pela ampliação da cobertura a setores antes desprotegidos,

eqüidade de tratamento entre trabalhadores rurais e urbanos, descentralização

da gestão e ampla participação no processo decisório, além de inovar por meio

do controle social da execução das políticas. (COSTA ET ALLI, 2006).

A partir de então, a saúde passou a integrar a seguridade como direito

universal dos cidadãos. A Lei Nº 8.080/ 1990, uma das legislações que compõe

o Sistema Único de Saúde (SUS), dispõe em seu Título I que:

Art. 2º: A saúde é um direito fundamental do ser humano,

devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao

seu pleno exercício.

Seguindo tal paradigma, Giovanella et alli utilizam uma concepção

afirmativa de saúde, ou seja, “um processo de produção social influenciado por

Page 17: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

15

fatores de diversas naturezas e que se expressa num nível de qualidade de

vida de uma dada população.” (2002: 44).

Desta forma, a saúde é vista como um processo mutável de acordo com

a ação da sociedade, para além das conseqüências imediatas de fatores

específicos, indicadas negativamente como doença, seqüela e morte. Portanto,

“deixa de ser o resultado de uma intervenção especializada e isolada sobre

alguns fatores e passa a ser um produto social resultante de fatos econômicos,

políticos, ideológicos e cognitivos”. (GIOVANELLA et alli, 2002: 45).

Notadamente, os avanços ocorreram na esfera legal e formal, pois na

esfera da implementação estamos ainda muito aquém de fornecer aporte para

o pleno exercício da cidadania e da efetivação do direito à saúde em seu

sentido mais amplo. Sobre este ponto, é forçoso reconhecer que o processo de

implementação da proposta de um sistema de Seguridade Social é

contraditório e incompleto. O trecho que segue ilustra esta afirmação:

De fato, a proposta de seguridade social inaugura na

história brasileira um modelo de sociedade mais justo,

visto que os direitos sociais não estão necessariamente

vinculados a uma contribuição anterior. No entanto, a

idéia de seguridade não vingou plenamente por uma série

de razões. Na realidade, cada área (previdência,

assistência e saúde) seguiu trajetória própria com

avanços significativos, mas com pontos importantes a

conquistar. Na atual conjuntura, marcada pelo

Page 18: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

16

contingenciamento de gastos públicos e ameaça aos

direitos sociais vê-se que a saída é avançar de forma

criativa na articulação política das três áreas que

compõem a seguridade social. (MONNERAT e SENNA:

152)

A concepção ampliada de saúde presente na Constituição Federal de

1988 que expõe os seus fatores determinantes3 tornam-se utópicas diante dos

níveis de desigualdade e pobreza estrutural do país e da proposta neoliberal

hegemônica, extorquindo o direito dos usuários à garantia de eqüidade,

acessibilidade, qualidade e continuidade de políticas instituídas e

implementadas como direitos.

Conforme apontado por Costa et alli (2006), se por um lado, superamos

de alguma forma a visão biologizante da doença que enxergava o corpo como

máquina, os sujeitos ainda são tratados nos serviços de saúde como objetos

de ações isoladas, isto pode ser confirmado tanto pelas multiplicidades de

especialidades oferecidas pela medicina, quanto pelas dificuldades em

organizar serviços integrais. Quanto a este aspecto, Campos e Domitti

pontuam que:

3 Lei Nº 8.080/ 1990. Título I, Art. 3º “A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes,

entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a

educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população

expressam a organização social e econômica do País. Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as

ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade

condições de bem-estar físico, mental e social.”

Page 19: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

17

Em Medicina e na saúde em geral houve uma crescente

divisão do trabalho que dificulta a integração do processo

de atenção e cuidado às pessoas, já que as distintas

especialidades médicas e profissões de saúde definiram

objetos de intervenção e campos de conhecimento sem

grandes compromissos com a abordagem integral de

processos saúde e doença concretos. (CAMPOS e

DOMITTI, 2007: 402)

Stotz ratifica a disparidade entre o que é estabelecido para o Sistema

Único de Saúde, um grande avanço comparável aos diversos sistemas de

saúde de outros países, e entre a precariedade do que é implementado, pois o

que é legislado, não ocorre na prática que ainda enfatiza o tratamento

individual-curativista, sem articulação com as políticas de proteção social:

Diferentemente do que acontece na maioria dos países

nas Américas, entre nós brasileiros, o valor da saúde é

formal e institucionalmente definido como um direito

social. No Brasil, contudo, vivemos o paradoxo do direito

à saúde ser um direito social, definido em termos do

princípio da solidariedade social que, como diz o artigo

196 da Constituição, exige políticas sociais e econômicas

que visem reduzir o risco de doenças e outros agravos à

saúde, enquanto o sistema organizado para garantir este

Page 20: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

18

direito responde (precariamente, com baixa

resolutividade) à doença no plano individual. (STOTZ, s.d)

Portanto, a política de saúde está inserida em uma disputa por projetos

de sociedade. A arena sanitária brasileira conforma o projeto da Reforma

Sanitária com sua perspectiva universalizante pela equidade e integralidade de

um sistema de saúde gratuito e amplo e o Projeto neoliberal privatista que

propõe um “pacote básico para a saúde”, com programas focalizados e com

acesso aos serviços via mercado. (VILAÇA MENDES, 1994; BRAVO e

MATTOS, 2001)

Para Vilaça Mendes na prática, “a legislação universalizante, construtora

de uma cidadania plena é reinterpretada por uma realidade que estabelece

uma oferta de serviços altamente discriminatória, seletiva para diferentes

cidadanias e fixada na atenção médica” (1994: 80)

Então, a proposta da política de saúde dos anos 80, tem sido

desconstruída. Verificamos um quadro de precarização e privatização dos

serviços e dos benefícios públicos conquistados como direitos sociais.

Atualmente, as necessidades individualizam-se e são atendidas

fragmentadamente por estes serviços.

Inegavelmente a noção de saúde coletiva ampliou o debate sobre a

saúde e criticou as bases biologicistas sobre as quais as práticas e os saberes

médicos foram criados, constituindo uma forte mudança de paradigma neste

campo. No entanto, Nunes (1994) alerta que a pauta da construção deste

Page 21: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

19

paradigma torna-se cada vez mais extensa devido aos sérios problemas

sociais e sanitários.

Desta forma, apesar das grandes transformações do sistema de saúde

brasileiro, principalmente em seu arcabouço jurídico, ainda não temos

materializadas grandes inovações no cotidiano dos serviços, persistindo

problemas entre as necessidades da população e as ações dos serviços de

saúde.

Porém, a progressiva universalização conquistada na implantação do

SUS nos aproximou de um modelo de atenção integral, onde todos os

indivíduos têm o direito legal instituído de serem inseridos e de utilizarem os

diversos níveis de atenção à saúde (da atenção básica à alta complexidade), o

que poderia facilitar a prevenção, o diagnóstico e o tratamento à doença,

porém observamos que para a efetivação da integralidade ainda há muito que

se avançar, para além destas normatizações, pois dentre as diretrizes

propostas no SUS esta foi uma das que menos avançou.

Conforme destacado por Mattos (2010), a diretriz da participação

popular desencadeou a construção de um arcabouço formado pelos Conselhos

e Conferências de Saúde, a descentralização também avança gradualmente

com a municipalização dos sistemas e a implementação da referência e

contrarreferência. Estas diretrizes são mais facilmente aceitas por projetos

societários distintos. O impasse ocorre justamente com a diretriz da

integralidade, explicitamente vinculada a um determinado projeto societário na

luta por uma sociedade mais justa. Neste caso, retomar este debate é

relevante e necessário.

Page 22: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

20

Do ponto de vista da Constituição de 1988, o atendimento integral

previsto no artigo 198, caracteriza-se como uma diretriz do SUS, assim como a

descentralização e a participação da comunidade. Importante ressaltar que na

Lei 8080/1990 a integralidade da assistência torna-se um dos princípios, ao

lado de outros oito, dentre eles, a universalidade do acesso e a preservação da

autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral.

Conill (2004) destaca que em nosso país, a integralidade já compunha

parte das propostas do início da década de 80, por meio de programas mais

abrangentes para grupos específicos (Programa de Atenção Integral à Saúde

da Mulher – PAISM, Programa de Atenção Integral à Saúde da Criança –

PAISC), sendo finalmente assumida em 1988 para a organização do SUS.

Porém, apesar de constar como diretriz de uma legislação e como

proposta de programas já estabelecidos, o conceito de atenção integral ou a

integralidade - como é mais utilizado na literatura da saúde coletiva - é difuso e

vários autores têm elaborado definições ou dissertado sobre seus possíveis

sentidos construídos historicamente.

Mattos (2004; 2009) salienta que a noção de integralidade é polissêmica,

isto é, guarda inúmeras possibilidades de interpretação. O termo para ele tem

funcionado como uma “imagem-objetivo” ou “como uma forma de indicar (ainda

que de modo sintético) características desejáveis do sistema de saúde e das

práticas que nele são exercidas, contrastando-as com características vigentes

(ou predominantes)” (2004: 1411).

Page 23: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

21

Ao refletir sobre os diferentes sentidos na noção de integralidade,

Mattos (2009) destaca os mais relevantes para a construção de políticas, de

sistemas e de práticas de saúde mais justas. Quais sejam:

Atributo das boas práticas de saúde – relaciona-se com a prática que

busca apreender as necessidades do paciente de modo mais integral, não se

vinculando apenas às dimensões biológicas do organismo e às suas “queixas”.

Originalmente, este debate iniciou com o movimento de medicina integral nos

Estados Unidos que criticava a postura fragmentária e a atitude reducionista

dos médicos, atribuindo tal limite às escolas formativas e propondo alterações

curriculares;

Atributos do modo de organizar os serviços e as práticas de saúde

– é a articulação entre a assistência e as práticas de saúde pública. Exige uma

“horizontalização” dos programas, além de pensar a organização dos serviços

adequadamente a partir das necessidades da população atendida, ou seja, não

se resumindo a uma atitude do profissional, mas a ações programáticas;

Atributo das políticas de saúde especiais - são as respostas

governamentais a determinados problemas de saúde ou a grupos específicos,

incorporando tanto as ações preventivas quanto as assistenciais, respeitando

as especificidades destes segmentos da população.

Page 24: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

22

No entanto, Mattos destaca que a sua principal preocupação teórica não

é de definir os diversos sentidos do termo - que, sobretudo, é uma bandeira de

luta, uma “imagem-objetivo” - pois independente dos múltiplos sentidos que a

integralidade agrega todos são interligáveis, pois:

quer tomemos a integralidade como princípio orientador das

práticas, quer como princípio orientador da organização do

trabalho, quer da organização das políticas, integralidade

implica uma recusa ao reducionismo, uma recusa à

objetivação dos sujeitos e talvez uma afirmação da abertura ao

diálogo. (2009: 65, grifo nosso)

Outra caracterização das dimensões da integralidade é realizada por

Giovanella et alli (2002). Este trabalho elenca critérios e atributos para avaliar

sistemas de atenção integral e a operacionalização da integralidade. Para

estes autores, a integralidade possui quatro dimensões:

Primazia das ações de promoção – orientação do sistema para a promoção

da saúde. Exige processos de planejamento com a participação social para

ocorrer coerência entre as ações de promoção e de prevenção com os

problemas de saúde locais, valorizando os determinantes gerais das condições

de saúde dos sujeitos;

Page 25: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

23

Garantia da atenção nos três níveis de complexidade da assistência –

caracteriza o caráter contínuo do cuidado, propondo-se a uma oferta

organizada dos serviços com fluxos definidos entre os distintos níveis de

complexidade compatíveis com a demanda da população no território. É a

garantia da referência e contrarreferência, por meio de protocolos de atenção;

Articulação das ações de promoção, de prevenção e de recuperação –

integração organizacional e programática entre a gestão e a coordenação dos

setores de assistência individual e os de caráter coletivo. Exige uma estreita

articulação com uma perspectiva de complementariedade;

Abordagem integral de indivíduos e de famílias – intervenções nas esferas

biológica, psicológica e social, por meio do fortalecimento do vínculo usuário-

profissional-unidade de saúde, envolvendo o acolhimento e a atuação da

equipe multidisciplinar. Necessita para ser possível de novos arranjos o

processo e trabalho em saúde.

Portanto, os autores afirmam que um sistema de atenção integral deverá

garantir de forma articulada as ações de promoção, de prevenção e de

recuperação/reabilitação, ou seja:

um misto de práticas sanitárias e sociais, intervindo nos

diversos estágios e nas múltiplas dimensões do processo

saúde-doença, em busca de resultados capazes de

Page 26: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

24

satisfazer as necessidades individuais, tal como sentidas

e demandadas pelas pessoas, assim como as

necessidades coletivas de saúde, tal como detectadas e

processadas técnica e politicamente. (GIOVANELLA et

alli, 2002: 445)

Percebemos então os principais pontos de confluência entre Mattos

(2009) e Giovanella et alli (2002), principalmente, referente à crítica ao

reducionismo presente na prática de determinados profissionais e articulação

na gestão e operacionalização do sistema, visando ao rompimento das ações

de caráter prevalentemente individual e curativo.

Tendo como preocupação central o âmbito da gestão e

operacionalização do sistema, Pinheiro et alli (2007) advogam que as práticas

de gestão das ações organizadas devem gravitar em torno da integralidade e o

grande desafio é garantir o acesso da população aos mais complexos níveis de

assistência do sistema de cuidados em saúde.

O referencial dos autores reforça e articula-se com as análises

anteriores destacando três dimensões da atenção integral:

A organização de serviços - é a reorganização do sistema de modo a

garantir o acesso da população a todos os níveis de “sofisticação tecnológica”.

Para os autores seria o ponto de partida para a construção do princípio da

integralidade do SUS, porém reconhecem que o acesso isoladamente não

garante a integralidade;

Page 27: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

25

Os conhecimentos e as práticas dos profissionais de saúde - é a

inovação a partir da prática dos agentes de saúde. Refere-se à capacidade de

criar novos padrões, envolvendo o acolhimento e a integração dos serviços de

saúde. A integralidade é entendida aqui como um processo de construção

social. São experiências no cotidiano dos serviços que podem proporcionar

relações mais horizontais entre os seus participantes - gestores, profissionais

de saúde e usuários gerando novos conhecimentos;

A formulação de políticas governamentais com participação da

população – defendem a gestão compartilhada do sistema, por meio da

construção de espaços que envolvam vários agentes de saúde, com

dispositivos permanentes de decisão conjunta.

Pinheiro et alli (2007) enfatizam as práticas de gestão como um campo

fértil para a construção da integralidade em uma dinâmica concreta da arena

política, onde os gestores, trabalhadores da saúde e sociedade civil precisam

se organizar.

Para Cecílio (2009) a integralidade da atenção também deve ser

trabalhada no nível micro e macropolítico para que seja alcançada de forma

completa. No espaço singular de cada serviço de saúde, esta é conceituada

como “integralidade focalizada” que deve ser o esforço da confluência de

vários saberes de uma equipe multiprofissional em traduzir e entender as

necessidades complexas daquela pessoa que busca o serviço, apresentadas

ou “travestidas” em algumas demandas. A “integralidade focalizada” é

Page 28: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

26

construída na relação dos profissionais com os usuários do sistema, dos

profissionais entre si e da equipe como um todo, por meio de uma escuta

qualificada e de uma prática humanizada, acolhedora.

No entanto, destaca que a integralidade não pode ser plena por meio da

singularidade de um serviço por melhor que ele seja, por isso o autor introduz a

segunda dimensão como “integralidade ampliada”, fruto do esforço da ampla

gama de serviços e da articulação intersetorial. Esta se traduz na articulação

das múltiplas “integralidades focalizadas”, onde os serviços de saúde se

organizam em fluxos para atenderem as necessidades reais das pessoas.

Há aqui um rompimento com a idéia de que a integralidade só pode

ocorrer na atenção básica, pois as várias tecnologias em saúde que podem

melhorar e prolongar a vida estão distribuídas na ampla gama de serviços,

portanto, sem acesso a todos os níveis de atenção à saúde não há

integralidade.

Na abordagem de Cecílio (2009) o conceito de necessidades de saúde

torna-se central, pois defende que este deve ser o conceito estruturante na luta

pela integralidade e pela eqüidade na atenção à saúde. Para tanto, o autor

utiliza de uma concepção ampliada de necessidades de saúde, que deve

englobar boas condições de vida; acesso e consumo de tecnologias capazes

de melhorar e prolongar a vida a partir da necessidade de cada pessoa; criação

de vínculos entre usuários e profissionais e autonomia dos sujeitos com a

possibilidade efetiva de reconstruir seu modo de viver. Por isso, não há a

possibilidade de conquista destes princípios sem que a universalização do

acesso esteja garantida.

Page 29: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

27

Sendo assim, para o autor a integralidade pressupõe relação articulada,

dialética e complementar entre a máxima integralidade no cuidado de cada

profissional, equipe e da rede de serviços. Seu conceito de “integralidade

ampliada” articula-se com as elaborações de Giovanella et alli (2002) que

trabalha com a articulação de ações intersetoriais e garantia da atenção nos

três níveis de complexidade da assistência.

Ceccim e Feurwerker, por sua vez, concentram o debate da

integralidade em torno da prática, pressupondo que para esta ocorrer são

necessárias mudanças na academia tradicional. Por isso, elaboram uma

análise centrada na atenção integral correlacionando-a com o cuidado e a

formação dos profissionais de saúde:

A integralidade da atenção supõe, entre outros a ampliação e

o desenvolvimento da dimensão cuidadora na prática dos

profissionais de saúde, o que lhes possibilita tornar-se mais

responsáveis pelos resultados das ações de atenção à saúde

e mais capazes de acolher, estabelecer vínculos e dialogar

com outras dimensões do processo saúde-doença não

inscritas no âmbito da epidemiologia e da clínica tradicionais.

(CECCIM e FEURWERKER, 2004:407)

Portanto, considerando que o campo da prática e da formação não

podem se dissociar, estes autores entendem que, do ponto de vista da

construção do SUS, é fundamental a adequação da formação dos profissionais

Page 30: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

28

desde a graduação às necessidades sociais de saúde, para compreenderem o

processo saúde-doença de forma mais ampliada e, a partir de um diálogo com

os gestores, possibilitar mudanças na organização dos serviços.

O enfoque destes autores possui articulação com a discussão elaborada

por Mattos (2004) sobre a prática da integralidade. Apesar de o autor trabalhar

com as diferentes noções da integralidade, percebemos sua ênfase no atributo

das boas práticas que estão intrinsecamente vinculadas à formação dos

profissionais de saúde.

Mattos avança neste debate ao assinalar que o comportamento dos

médicos e as práticas fragmentárias não se produzem apenas nas escolas,

pois ao pensarmos as práticas de saúde enquanto práticas sociais, precisamos

relacioná-las também às relações de trabalho estabelecidas e nas articulações

entre o Estado e o complexo médico-industrial. (MATTOS, 2009)

Como vimos a partir das conexões estabelecidas entre os autores, é

consenso que a atenção integral implica a recusa do reducionismo ao

biológico, extrapola uma determinada ação, política ou serviço, não se restringe

a um determinado nível de atenção e vincula-se a um processo crítico

formativo e interventivo, portanto, está atrelada à concepção ampliada de

saúde difundida pelo Movimento de Reforma Sanitária.

Destacamos que para a materialização das múltiplas dimensões que

compõem a diretriz da Integralidade, é necessário realizarmos mediações entre

as diversas frentes apontadas pelos autores, seja pelo esforço da articulação

intersetorial, pela reorganização do sistema ou inovações na gestão dos

processos de trabalho em saúde, seja pela reformulação da formação dos

Page 31: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

29

profissionais, promovendo maior comprometimento com o cuidado e com o

produto da intervenção.

Desta forma, partindo da conceituação utilizada de necessidades de

saúde como estruturante da integralidade (CECÍLIO, 2009) busca-se verificar

se as necessidades de saúde das crianças e adolescentes em condições

crônicas de adoecimento atendidos no HUAP-UFF estão sendo contempladas

por meio do acesso aos serviços oferecidos pela rede de atenção em saúde e

pelas políticas públicas existentes, considerando-se aqui a perspectiva de

articulação intersetorial (GIOVANELLA et alli: 2002).

Neste trabalho, portanto, adota-se um dos sentidos da integralidade, o

acesso aos diferentes níveis de serviços e de políticas públicas que atendam

as necessidades plurais, coletivas e particulares dos usuários do SUS.

Trabalha-se, portanto, com a integralidade ampliada debatida por Cecílio

(2009). Compreendemos que não há possibilidade de fragmentar ou isolar as

demandas apresentadas pelos sujeitos, tornando-se inviável intervir sem

interlocução com outras instituições e políticas, principalmente as pertencentes

ao sistema de garantia de direitos e de proteção social.

Page 32: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

30

CAPÍTULO 2 - A INTEGRALIDADE NO ATENDIMENTO À INFÂNCIA E

À ADOLESCÊNCIA

Atualmente, quando iniciamos um debate sobre a infância e a

adolescência, comumente nos remetemos à noção de proteção e cuidado.

Pensamos nesta parcela da população como pessoas que necessitam de

atenção integral para o seu pleno desenvolvimento. Este é um dos avanços de

nossa sociedade, reconhecido como fruto de um processo histórico.

Não podemos realizar um debate sobre atendimento integral às crianças

e adolescentes na saúde sem destacarmos tal processo. O atendimento a este

segmento não deve ser analisado apenas a partir dos avanços na política

setorial da saúde, visto que uma ampla gama de direitos tiveram que ser

conquistados para que este grupo tivesse visibilidade e prioridade na esfera

pública e fossem considerados como sujeitos.

Neste capítulo buscamos apresentar, de modo sucinto, a trajetória

histórica de atendimento às crianças e adolescentes na esfera pública,

especificamente no setor saúde. Esperamos, com esta análise, destacar a

necessidade de investimento na efetivação dos direitos socialmente

conquistados a partir da implantação de políticas públicas de qualidade, para

além do avanço na esfera jurídico-formal.

Consideramos que um dos limites encontrados nas políticas públicas

que orientam nosso atendimento à criança é o enfoque de proteção à infância

estar historicamente atrelado ao binômio infância/pobreza, sem uma

Page 33: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

31

articulação entre distribuição de renda, educação e saúde, tendo como objetivo

final o controle da população. (RIZZINI e PILOTTI, 2009; FALEIROS, 2009)

Para demonstrar tal análise é necessário retomarmos um breve histórico

das políticas públicas direcionadas à infância no Brasil, considerando que tal

perspectiva reducionista e assistencialista está nas raízes de nossa cultura

institucional e política.

Rizzini e Pilotti (2009) apontam que na República Velha existiam alguns

projetos pontuais para a infância, numa articulação do setor público com o

privado, mas não implementados como uma política geral. Predominava, então,

uma perspectiva moralista com ideais disciplinadores. A escola de reforma e a

casa de preservação eram instituições que deveriam atender ao “abandono

moral” e “abandono material” das crianças4 (FALEIROS, 2009: 39).

Nesta época, a intervenção estatal ocorria hegemonicamente através da

atuação dos higienistas, nos controles das doenças, e juristas, na aplicação do

Código de Menores de 1923. Este Código apresentava uma “filosofia higienista

e correcional”, na qual ao lado da idéia de proteção da criança está presente a

de defesa da sociedade.

Especificamente no campo da saúde, inicialmente, a preocupação com

as crianças ocorreu devido ao alto índice de mortalidade no país. A intervenção

4 De acordo com Lei nº 4.242 de 06 de janeiro de 1921, que fixava a despesa geral da República dos

Estados Unidos do Brasil para o exercício naquele ano, o Governo ficava autorizado: “ I . A organizar o

serviço de assistência e proteção á infância abandonada e delinquente, observadas as bases seguintes: a)

construir um abrigo para o recolhimento provisório dos menores de ambos os sexos que forem

encontrados abandonados ou que tenham comettido qualquer crime ou contravenção; b) fundar uma casa

de preservação para os menores do sexo feminino, onde lhes seja ministrada educação doméstica, moral e

profissional. c) Construir dos pavilhões, annexos à Escola Premunitoria 15 de Novembro, para receberem

os menores abandonados e delinquentes, aos quaes será dada modesta educação litteraria e completa

educação profissional, de modo que todos adquiram uma profissão honesta, de acordo com as suas

aptidões e resistencia organica.”. Preservou-se fielmente nesta transcrição a escrita da época. Fonte:

www.ciespi.org.br/media/lei_4242_06_jan_1921.pdf

Page 34: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

32

se deu baseada nesta perspectiva higienista de “formalizar os cuidados com a

criança”, quando fora fundada a Puericultura, com estreita articulação à

filantropia e à noção de desvios da infância pobre:

Com o capitalismo, pela necessidade de mão-de-obra

tanto para a produção, como para o consumo,

intensificou-se o interesse pela conservação da criança.

(...) Constituiu-se um modelo racional e, depois, científico

(com Pasteur e a Puericultura) que fornecia as regras e

normas para o relacionamento dos adultos com as

crianças. Regras e normas que, institucionalizadas pela

medicina e pela pedagogia, passaram a ser as únicas

socialmente legítimas. (ZANOLLI e MERHY, 2009: 979)

No primeiro Governo Varguista é criado um Sistema Nacional de

Assistência formado pelo Conselho Nacional de Serviço Social, pelo

Departamento Nacional da Criança, pelo Serviço Nacional de Assistência a

Menores (SAM) e pela Legião Brasileira de Assistência (LBA). Este sistema

tinha por estratégia “privilegiar, ao mesmo tempo a preservação da raça, a

manutenção da ordem e o progresso da nação e do país.” (FALEIROS, 2009:

53). Esta “política do menor” refletiu na trajetória das instituições e das políticas

direcionadas às crianças e aos adolescentes.

No período militar a coerção social foi nítida em todas as esferas da vida

social. A Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM) viria a

Page 35: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

33

substituir o anterior SAM, e em 1979 foi instituído o Novo Código de Menores

que adota a doutrina da situação irregular. Esta doutrina considerava

irregulares as situações que variavam desde condições precárias de

subsistência até situações de maus-tratos ou infrações penais.

Desta forma, podemos inferir, conforme destacado por Rizzini e Pilotti,

que nas políticas dirigidas à infância no Brasil:

impuseram-se reiteradamente propostas assistenciais,

destinadas a compensar a ausência de uma política social

efetiva, capaz de proporcionar condições equitativas de

desenvolvimento para crianças e adolescentes de

qualquer natureza (RIZZINI e PILOTTI, 2009: 16,17).

Por outro lado, Faleiros destaca a contraditoriedade do processo que,

apesar de conservador da ordem, trouxe avanços nas políticas para a infância:

Se é bem verdade que, na orientação então prevalecente,

a questão da política se coloque como problema do

menor, com dois encaminhamentos, o abrigo e a

disciplina, a assistência e a repressão, há emergência de

novas obrigações do Estado em cuidar da infância pobre

(...). Ao lado das estratégias de encaminhamento para o

trabalho, clientelismo, patrimonialismo, começa a emergir

a estratégia dos direitos da criança (no caso o menor) já

Page 36: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

34

que o Estado passa a ter obrigações de proteção

(FALEIROS, 2009: 48, grifos do autor).

Os anos 80 marcaram o processo de democratização e a entrada de

novos atores políticos, colocando os direitos sociais e a melhoria das condições

de vida em pauta. A proteção à infância e à adolescência foi uma das

bandeiras de luta em prol dos direitos humanos, presentes na Constituinte.

Posteriormente, com a instituição do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA) em 1993, surgiu um novo paradigma em que é adotada a

“doutrina da proteção integral” em substituição àquela da “doutrina da situação

irregular”. Neste a criança é considerada sujeito de direitos em

desenvolvimento e com prioridade de atenção integral.

Porém, precisamos atentar para o alerta de Faleiros de que como a

cidadania da criança e do adolescente é recente, iniciada no bojo da

elaboração da Constituição de 1988, na cultura hegemônica a questão deste

paradigma da infância precisa continuamente ser reafirmada por meio de lutas

e de embates políticos:

Na cultura e estratégias de poder predominantes, a questão

da infância não tem se colocado na perspectiva de uma

sociedade e de um Estado de Direitos, mas na perspectiva de

autoritarismo/clientelismo, combinando benefícios com

repressão, concessões limitadas, pessoais e arbitrárias, com

disciplinamento, manutenção da ordem, ao sabor das

Page 37: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

35

correlações de forças sociais ao nível da sociedade e do

governo (FALEIROS, 2009:35).

Sendo assim, observamos que se avançou na criação de um sistema de

garantia de direitos, mas as infra-estruturas institucionais precárias e o não

cumprimento do que é explicitado na Constituição e no Estatuto da Criança e

Adolescente - instituídos há duas décadas - geram deficiências na efetivação

de atendimento integral a esta geração.

Com efeito, a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do

Adolescente são instrumentos legais que trouxeram profundos avanços nas

políticas de atendimento, porém muitos esforços devem ainda ser dispensados

para que haja articulação entre estas políticas, proporcionando a atenção

integral a estes sujeitos em desenvolvimento e a suas famílias, apesar dos

inegáveis avanços nas políticas públicas voltadas para a infância e a

adolescência, assim como na política de saúde brasileira.

Na política de saúde também obtivemos algumas conquistas na

ampliação da concepção de assistência que deveria ser prestada às crianças e

aos adolescentes através da elaboração e da implementação pelo Ministério da

Saúde (MS) do “Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança

(PAISC)” em 1984 e do “Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD)” em

1989. Destacamos que tais programas são originários de um período anterior

ao Estatuto da Criança e do Adolescente e já traziam elementos relacionados à

atenção integral dos mesmos.

Page 38: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

36

O PAISC avança ao destacar a necessária mudança da assistência,

focada no tratamento das patologias, para a atenção ao desenvolvimento e

crescimento infantil, atrelando-o as condições básicas de vida. Porém o

planejamento de suas ações persiste restrito ao enfrentamento à

morbimortalidade infantil (prioritariamente à faixa etária de 0 à 5 anos),

incentivo ao aleitamento materno, assistência às doenças respiratórias agudas,

diarréias e imunização.

O PROSAD, por sua vez, destina-se aos adolescentes, trabalhando com

a faixa etária entre 10 e 19 anos e as ações básicas propostas fundamentam-

se numa “política de promoção de saúde, identificação de grupos de risco,

detecção precoce dos agravos, tratamento adequado e reabilitação”. (BRASIL,

MS, 1989: 13).

Desta forma, apesar de apontar a busca pela atenção integral do

adolescente discursa em torno da redução da morbi-mortalidade e dos

“desajustes individuais e sociais”. Percebemos que o programa possui uma

concepção de adolescência como “fase de risco”, focalizando discussões como

drogas e sexualidade e seus “desvios”. Consideramos as mesmas relevantes

numa perspectiva de educação em saúde, e não de “ajustamento social”. Neste

debate, a política de saúde arrisca-se a retomar (ou permanecer com) seu

papel anterior de controle e disciplinamento da população, particularmente a

empobrecida.

É de notar ainda a adoção de uma abordagem fragmentada sobre a

realidade da juventude e a necessidade de propostas de articulação entre

políticas de saúde, educação, trabalho e cidadania. Posteriormente a atuação

Page 39: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

37

do PROSAD foi ampliada por meio de sua transformação no Programa de

“Saúde Integral do Adolescente e do Jovem” abrangendo jovens até 24 anos5.

Com base em análise de documentos oficiais publicados até o ano de

2008, Horta e Sena (2010) realizam críticas aos programas do Ministério da

Saúde destinados aos adolescentes e aos jovens. Estas autoras consideram

que os programas destinados a essa população têm baixa capacidade de

induzir mudanças, pois as políticas públicas precisam compreender o processo

saúde-doença da adolescência para além de riscos, considerando os

adolescentes como sujeitos sociais. Portanto, segundo as autoras:

(...) mesmo presentes na sociedade, a discussão sobre a

juventude, as políticas públicas de forma geral e de

saúde, em particular, ainda necessitam avançar para um

diálogo mais amplo, ora setorializado, ora intersetorial,

mas capaz de ver efetivamente os jovens nos espaços

sociais de sua vida, atender a suas demandas e

necessidades para além de um foco de problemas e

riscos. (HORTA e SENA, 2010: 486)

5 Horta e Sena (2010) analisaram as publicações do Ministério da Saúde entre 1989 e 2008 referentes à

atenção à saúde do adolescente e do jovem e destacam que na análise das publicações selecionadas, foi

“possível perceber que a conceituação prevalente, nos documentos oficiais do Ministério da Saúde, é de

adolescência, marcada por uma delimitação etária de 10 a 19 anos e vinculada às transformações físicas,

ao crescimento e desenvolvimento e à maturação sexual (...). A concepção de juventude é apontada, nos

documentos oficiais, a partir da instituição, em 1999, da Área de Saúde do Adolescente e do Jovem, da

Secretaria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde, compreendendo o limite etário de 15 a 24 anos.

O discurso oficial enfatiza a necessidade de se perceber a adolescência e juventude com limites etários

compreendendo adolescentes de 10 a 14 anos, adolescentes jovens de 15 a 19 anos e adultos jovens de 20

a 24 anos, sendo as ações de saúde, a partir de então, destinadas às faixas etárias de 10 a 24 anos” (2010:

479).

Page 40: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

38

Os avanços nestes programas referem-se à ampliação desta percepção

de adolescência como um conceito plural, considerando as diversas

“adolescências” (BRASIL, 2002), e os seus componentes biológicos,

emocionais e socioculturais que permeiam este período da vida e suas

vivências.

Horta e Senna (2010) destacam como positivo o aumento do debate

referente à adolescência e à juventude, principalmente no período pós 1999

com publicações do Ministério da Saúde no âmbito Federal6, apesar de

desconsiderarem uma mudança qualitativa nas ações.

Em 2004, o Ministério da Saúde também avança no PAISC, publicizando

a “Agenda de Compromissos para a Saúde Integral da Criança e Redução da

Mortalidade Infantil”, tal documento destaca a criança como foco do cuidado

integral compreendido como:

a responsabilidade de disponibilizar a atenção necessária em

todos os níveis: da promoção à saúde ao nível mais complexo

de assistência, do locus próprio da atenção à saúde aos

demais setores que têm interface estreita e fundamental com a

6 A saber: “Saúde e desenvolvimento da juventude brasileira: construindo uma agenda nacional”, 1999;

“Adolescentes promotores da saúde: uma metodologia de capacitação”, 2000; “Prevenir é sempre

melhor”, 2000; “A adolescente grávida e os serviços de saúde do município”, 2000; “A Saúde de

adolescentes e jovens: uma; metodologia de auto-aprendizagem para equipes de atenção básica de saúde:

módulo avançado”, 2002; “Marco legal: saúde, um direito de adolescentes”, 2005; “Saúde integral de

adolescentes e jovens: orientações para a organização de serviços de saúde”, 2005. “Marco teórico e

referencial: saúde sexual e saúde reprodutiva de adolescentes e jovens” 2006; “A saúde de adolescentes e

jovens: uma metodologia de auto-aprendizagem para equipes de atenção básica de saúde: módulo

básico”, 2007 e “Um olhar sobre o jovem no Brasil”, 2008.

Page 41: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

39

saúde (moradia, água tratada, educação,etc.). (BRASIL, MS,

2004: 7)

O documento prevê diversos princípios como norteadores do cuidado: a)

Planejamento e desenvolvimento de ações intersetoriais; b) Acesso universal;

c) Acolhimento; d) Responsabilização; e) Assistência integral7; f) Assistência

resolutiva; g) Eqüidade; h) Atuação em equipe; i) Desenvolvimento de ações

coletivas com ênfase nas ações de promoção da saúde; j) Participação da

família/controle social na gestão local; l) Avaliação permanente e sistematizada

da assistência prestada.

Neste material o MS reconhece o desafio e a necessidade da

conformação de uma rede única integrada de assistência à criança, porém

percebemos que no documento ainda prevalece como prioritário o foco na

atenção materno-infantil, na redução da mortalidade infantil (com destaque

para a morte neonatal) e no planejamento das ações da atenção básica.

Reconhecemos o caráter estratégico e relevante de tais ações, porém

enfatizamos que os outros níveis de atenção em saúde precisam estar

balizados na diretriz da atenção integral e em muitos casos resultando também

no estabelecimento de vínculos e no acompanhamento longitudinal dos

usuários de seus serviços, minimizando seu caráter hospitalocêntrico e

procedimento-centrado.

7 Neste documento o Ministério da Saúde define assistência integral como “abordagem global da criança,

contemplando todas as ações de saúde adequadas para prover resposta satisfatória na produção do

cuidado, não se restringindo apenas às demandas apresentadas. Compreende, ainda, a integração entre

todos os serviços de saúde, da atenção básica à atenção especializada, apoio diagnóstico e terapêutico até

a atenção hospitalar de maior complexidade, com o acompanhamento de toda a trajetória da criança pela

atenção básica” (BRASIL,MS, 2004: 14).

Page 42: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

40

Em nosso estudo destacamos, especificamente, as particularidades e as

necessidades de saúde das crianças e dos adolescentes cronicamente

adoecidos. Consideramos que a necessidade de suporte de programas e

políticas públicas e proteção social a estes sujeitos e a suas famílias

geralmente ampliam-se e, contraditoriamente, por vezes também os entraves

nestes acessos e garantia dos seus direitos também aumentam.

Com base na análise das políticas elaboradas pelo Ministério da Saúde

pudemos perceber que não há destaque algum no debate sobre crianças e

adolescentes em condições crônicas de adoecimento e sobre suas diversas

necessidades de saúde que perpassam todo o fluxo de atendimento da rede de

serviços. O foco de atuação do Ministério da Saúde se concentra no âmbito da

prevenção à agudização das doenças e aos fatores de risco vinculados a

determinados segmentos etários, além do já dito enfoque de sistematizações e

estratégias de ação voltadas apenas para a atenção básica.

Desta forma, nosso trabalho tem a função precípua de promover um

destaque a este debate ressaltando a necessidade de maior problematização

deste universo, sem restringir-se apenas ao trinômio doença-diagnóstico-

tratamento. Pretendemos ampliar a discussão para o âmbito das políticas

públicas e apontar a necessidade de criação de diretrizes de atenção para este

público usuário dos serviços, numa perspectiva de atenção integral a estes

sujeitos em desenvolvimento.

Destacamos também que a assistência às famílias das crianças e dos

adolescentes deve ser um elemento central. Para Mioto (2008), “a família

passa a ser o “canal natural” de proteção social vinculado obviamente às suas

Page 43: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

41

possibilidades de participação no mercado para compra de bens e serviços

necessários à provisão de suas necessidades” (2008, p.132). Neste aspecto

cabe apontarmos que diversas inflexões serão causadas na pluralidade dos

arranjos familiares8 existentes, assim como os atravessamentos sócio-

econômicos que promovem disparidades no desenvolvimento infanto-juvenil

brasileiro

Esta concepção transfere para o âmbito familiar os conflitos relacionados

à esfera da produção social sob a acumulação capitalista, pois esta que lida

com seus efeitos (desemprego, subemprego, pobreza). Portanto, apenas um

modelo ideal de família poderia absorver e solucionar os problemas sociais,

modelo este que não existe.

As famílias possuem formações próprias vinculadas ao contexto sócio-

cultural em que vivem. Podemos conceituar a família como um conjunto de

pessoas unidas por laços afetivos, sejam sangüíneos ou não, por casamento

ou por adoção, que juntas satisfazem necessidades físicas e emocionais.

A família é ainda uma instituição social, pois nela origina-se o processo

de socialização. Apesar das transformações e das diferenças entre as famílias,

elas ainda atendem funções básicas para o grupo social e para as pessoas,

como as de reprodução, socialização, cuidado, proteção e ajuda econômica.

8 Podemos conceituar a família como um conjunto de pessoas unidas por laços afetivos, sejam sangüíneos

ou não, por casamento ou por adoção, que juntas satisfazem necessidades físicas e emocionais. A família

é ainda uma instituição social, pois nela origina-se o processo de socialização. Apesar das transformações

e das diferenças entre as famílias, elas ainda atendem funções básicas para o grupo social e para as

pessoas, como as de reprodução, socialização, cuidado, proteção e ajuda econômica.

Page 44: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

42

considerando que a sociedade capitalista transformou a família em espaço

privado que deve responder pela proteção dos seus membros por excelência.

Porém percebemos que geralmente neste processo, às mulheres é

atribuída a função de “cuidadoras”, portanto na proteção aos filhos há

claramente uma divisão entre homens e mulheres, com lugares e papéis

sociais demarcados e desiguais. Em nossa investigação tal informação é

fundamental para a problematização do universo das crianças e dos

adolescentes cronicamente adoecidos.

Como o objetivo do trabalho é ampliar a discussão para o âmbito das

políticas públicas, a unidade familiar perpassará toda a pesquisa em virtude da

centralidade atribuída à família nas políticas sociais vigentes.

A família mesmo no contexto neoliberal permanece ocupando espaço

primordial nas políticas públicas que compõem a Seguridade Social,

principalmente na assistência, com a diretriz da matricialidade sócio-familiar

prevista no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e com a configuração

dos programas de transferência de renda, voltados para a unidade familiar,

mas que tem seus limites centrados no combate a extrema pobreza. Na política

de saúde a centralidade da família na política social também é percebida na

Estratégia da Saúde da Família, contida na Política Nacional de Atenção

Básica de 2006.

Torna-se essencial considerarmos as transformações societárias e as

questões sócio-políticas, econômicas e culturais da contemporaneidade para

intervir neste campo da infância e da adolescência em condição crônica de

Page 45: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

43

adoecimento, diante de tantas expressões da “questão social”9 que perpassam

tal fenômeno, numa conjuntura neoliberal na qual o Estado e as Leis ao invés

de garantir direitos através de políticas sociais vem transferindo suas ações

para o âmbito privado, pessoal, da família e para a sociedade civil. Desta

forma, a família acaba sendo penalizada pelas dificuldades enfrentadas e pelo

não atendimento às necessidades de seus membros, principalmente os

dependentes e menores de idade.

2.1 - O atendimento a crianças e adolescentes em condições

crônicas de adoecimento: desafios e apontamentos para o debate

Como vimos, em nosso país, o cuidado com a saúde das crianças

começa em virtude dos grandes índices de mortalidade infantil no país.

Enfatizou-se o tratamento das doenças agudas e o trabalho campanhista de

imunização. Porém, atualmente o quadro de atendimentos nas unidades

hospitalares vem se alterando. Tal modificação no perfil pode ser explicada

pela melhoria da qualidade da assistência a esses pacientes, além do

investimento em combate às doenças imunopreviníveis10.

9 A “Questão social” é ampla e sua natureza é difusa possibilitando várias intervenções profissionais.

“Questão Social” esta, apreendida como fruto da sociedade capitalista madura onde a produção é cada vez

mais coletiva, mas a apropriação de riquezas mantém-se privada/monopolizada Ver IAMAMOTO,

Marilda. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 13 ed. São Paulo:

Cortez, 2007.

10

A vulnerabilidade do grupo infantil aos agravos preveníveis já foi identificada e motivou a Assembléia

das Nações Unidas a reunir no ano de 2000, 191 países na Cúpula do Milênio, que se comprometeram a

cumprir objetivos de desenvolvimento até o ano de 2015. (Ministério da Saúde, 2006 apud CARDOSO,

2009).

Page 46: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

44

Segundo Souza (2006), o perfil epidemiológico das causas de

hospitalizações em Pediatria modificou-se, pois as doenças agudas infecto-

contagiosas, tais como, a diarréia, a desidratação grave, a pneumonia, que

eram anteriormente as principais causas das hospitalizações infantis, deram

lugar às doenças crônicas. Entretanto, o debate sobre as doenças crônicas,

geralmente, segue ainda fragmentado por tipos de doença e tratamentos,

ficando circunscrito à análise clínica e/ ou epidemiológica.

Entendemos que com o aumento das crianças e dos adolescentes

cronicamente adoecidos, torna-se necessária a desmistificação de que o

debate da cronicidade do adoecimento deve estar voltado prioritariamente para

adultos e idosos. Precisamos avançar no debate sobre as políticas públicas

para esta população, numa perspectiva histórica e dialética, enfatizando

também este aspecto geracional da condição crônica de adoecimento numa

fase da vida de desenvolvimento e amadurecimento que é a infância e a

adolescência.

Moura (2001) discute em sua tese, o processo de cura e cuidado a partir

da doença crônica na infância. Segundo a autora:

As malformações congênitas e doenças genéticas,

principalmente as metabólicas e neuromusculares, são as

maiores responsáveis pelas doenças crônicas da infância.

São muitas vezes detectadas durante a gravidez,

acompanhadas no parto e posteriormente em hospitais

Page 47: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

45

terciários, com envolvimento de diversas especialidades

médicas. (MOURA, 2001: 10)

Diante da complexidade da condição crônica de adoecimento nessa fase

da vida, torna-se necessário refletirmos sobre o atendimento a crianças e a

adolescentes, considerando que uma de suas especificidades é que esses não

possuem ampla autonomia na tomada de suas decisões, na busca por

tratamento, na aquisição de medicamentos etc., apesar de serem os sujeitos

de todo o processo.

Assim, não é somente a criança e o adolescente que devem ser

contemplados com ações, mas também a família que demanda políticas

públicas que possam fornecer suporte para a efetivação de um tratamento

continuado, que pode abranger acesso a serviços de saúde de diferentes

níveis de atenção, diferentes especialidades e tecnologias, acesso a insumos,

medicações e outras políticas públicas de assistência, educação, habitação,

previdência dentre outras, de acordo com suas necessidades de saúde

(Cecílio, 2001).

Com a mudança deste perfil percebemos uma grande demanda de

acompanhamento destes casos pelo Serviço Social, considerando que muitos

são os desafios que perpassam o cotidiano de crianças e de adolescentes com

condições crônicas de adoecimento e de suas famílias. De igual modo, esta

realidade também perpassa e influencia a atividade dos profissionais

envolvidos no cotidiano da assistência.

Page 48: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

46

Neste trabalho utilizamos as categorias “condição crônica de

adoecimento” ou “cronicamente adoecido” ao invés de doença crônica, por

compreendermos que estas se adequam melhor aos nossos objetivos, já que

não pretendemos enfatizar apenas uma doença crônica e sim analisar de forma

ampla o impacto dessa condição na infância e na adolescência.

Vale ressaltar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) produziu

nesta década um relatório mundial sobre cuidados inovadores para condições

crônicas, enfatizando o vertiginoso aumento das condições crônicas e

considerando que estas constituem o desafio para o setor saúde deste século.

(OMS, 2003).

Segundo o relatório, as “condições crônicas” não são mais vistas da

forma tradicional (e.g. limitadas a doenças cardíacas, diabetes, câncer e

asma), consideradas de forma isolada ou como se não tivessem nenhuma

relação entre si, sendo que a demanda sobre os pacientes, as famílias e o

sistema de saúde são similares, desta forma consideram que “as condições

crônicas então abarcam condições não transmissíveis, condições

transmissíveis persistentes, distúrbios mentais de longo prazo, deficiências

físicas/ estruturais contínuas” (OMS, 2003: 16)

Para Souza (2006), esse termo – crônica - engloba diversas doenças

que tem em comum os períodos prolongados que podem ou não serem

superados e deixarem ou não seqüelas. Destacamos também que o termo

“condição crônica” possibilita inferir uma possibilidade de superação da doença

ou mesmo estabilização através de um tratamento continuado, melhores

Page 49: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

47

condições de vida e com o atendimento às necessidades de saúde destes

sujeitos, resultando no menor número possível de internações.

Tendo em vista nossa argumentação inicial da centralidade deste debate

na atual conjuntura, buscamos, nesta parte do trabalho, primeiramente

apresentar a doença crônica na infância e na adolescência ou condições

crônicas de adoecimento, conforme adotamos, e suas principais

características, relacionando a relevância deste debate à diretriz de atenção

integral do SUS.

Destacamos que muitos são os desafios enfrentados por esses e suas

famílias na busca por direitos e serviços que atendam suas necessidades de

saúde frente ao projeto neoliberal de focalização e fragmentação das políticas

sociais. Nossa indagação principal é se as políticas públicas existentes

contemplam as demandas apresentadas por estes sujeitos e se são facilmente

acessadas.

Page 50: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

48

CAPÍTULO 3 – OBJETO, CAMPO EMPÍRICO E PROCEDIMENTOS

METODOLÓGICOS

Em nossa atuação profissional no acompanhamento cotidiano das

crianças, dos adolescentes e das suas famílias nas enfermarias de pediatria do

HUAP-UFF, percebemos os desafios presentes para que a assistência em

saúde contemple as demandas e as necessidades materiais e subjetivas

desses usuários.

Diante disto, consideramos relevante pesquisar a trajetória de internação

e o cotidiano pós-alta hospitalar destas crianças e adolescentes em condições

crônicas de adoecimento. Interessa identificar os possíveis entraves e as

facilidades no acesso aos seus direitos e no suprimento às suas necessidades

de saúde, assim como o impacto destes condicionantes em suas famílias. Além

disso, buscamos proceder a uma sistematização das demandas que

frequentemente tem sido postas à equipe de saúde e, especificamente, ao

serviço social.

A escolha desse objeto de estudo está relacionada às

questões/perguntas advindas da experiência da pesquisadora na atenção e no

acolhimento às famílias, crianças e adolescentes nas enfermarias de pediatria

Page 51: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

49

do HUAP-UFF, onde ocorreu o trabalho de campo, considerando o espaço do

serviço como importante cenário para a produção do conhecimento.

Neste sentido, realizamos uma pesquisa qualitativa na Unidade de

Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro, vinculada ao Departamento

Materno Infantil (MMI) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal

Fluminense (UFF). Tal unidade possui três enfermarias distribuídas por faixas

etárias (lactentes, pré-escolares e escolares) com um total de 17 leitos

disponíveis para internação.

Realizamos 10 entrevistas semi-estruturadas entre os meses de

setembro de 2010 a junho de 2011 com os responsáveis por crianças e

adolescentes em condição crônica de adoecimento com acompanhamento no

HUAP, cujos critérios de seleção são descritos nos procedimentos

metodológicos deste capítulo.

Deslandes e Gomes (2004) defendem a utilização dos serviços de saúde

como cenário de pesquisa, pois consideram que: “as interações entre

profissionais de saúde, usuários e serviços podem ser um lócus privilegiado de

análise para se compreender o que representa a doença ou o tratamento.”

(2004, p. 101)

A opção pela abordagem qualitativa ocorre por compreendermos que

esta pode contribuir para a análise de questões e relações ligadas aos serviços

de saúde e por melhor se adequar aos objetivos propostos de uma pesquisa

social e, especificamente, ao objeto de estudo em questão. (DESLANDES e

GOMES, 2004)

Page 52: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

50

Conforme explicitado por Minayo, “as abordagens qualitativas se

conformam melhor a investigações de grupos e segmentos delimitados e

focalizados, de histórias sociais sob a ótica dos atores, de relações e para a

análise de discursos e de documentos”. (MINAYO, 2006, p.57).

3.1- O cenário da pesquisa: um estudo sobre os atendimentos das

enfermarias de Pediatria.

Estima-se que ocorram anualmente cerca de 350 internações nas

enfermarias de Pediatria do HUAP, incluindo as internações de curta

permanência, com período menor que 48 horas (pacientes esses que se

internam para procedimentos diagnósticos e cirúrgicos eletivos e tratamento

clínico com medicações intravenosas em dose única) (CARDOSO, 2009).

Para fins de análise do perfil das internações nestas enfermarias

utilizamos os dados agrupados no banco de dados elaborado pela pesquisa de

Cardoso (2009) referentes às internações de janeiro a dezembro de 2010.

Neste ano ocorreram 261 internações nas enfermarias de Pediatria do HUAP-

UFF com período maior ou igual a 48 horas. Como critério metodológico da

pesquisa, consideramos o período de 14 dias ou mais de hospitalização como

internação prolongada, pois observamos que após duas semanas a internação

passa a ter implicações com a cessação das atividades que seriam cotidianas

para o paciente e sua família (escola e trabalho, por exemplo).

Page 53: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

51

Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico: elaboração nossa.

A mediana11 de tempo de internação foi de oito dias(intervalo interquartil:

4 – 14 dias). Do total de 261 pacientes, 69 (26,4%) permaneceram internados

por um período de tempo maior ou igual a 14 dias, portanto apresentaram

internação prolongada.

11 “A mediana é a observação que ocupa a posição central, depois que os dados são ordenados em forma

crescente ou decrescente. Esta medida de posição não é afetada por valores discrepantes na amostra já que

depende do número de elementos da amostra e não dos seus valores” (VELARDE, s.d: 29)

Page 54: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

52

Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico: elaboração nossa.

Estas internações subdividiram-se nas três enfermarias: lactentes –

absorve crianças de 0 a 2 anos – com 5 leitos; pré-escolares – crianças de 2 a

6 anos – com 6 leitos e escolares – crianças e adolescentes de 6 a 15 anos –

com 6 leitos.

Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa

No que se refere ao sexo, no ano de 2010, tivemos predominância de

pacientes do sexo masculino:

Page 55: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

53

Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa

A partir da análise dos diagnósticos que motivaram a internação,

percebemos que 52,1%, ou seja, mais da metade, possuíam alguma doença de

base e estariam internados em virtude da agudização da mesma ou do

tratamento de doenças associadas.

A doença de base é a afecção que acomete primariamente o paciente e

que ocasiona as várias internações para tratamento. Segundo Moura (2001):

Em geral as doenças de base são altamente incapacitantes

ou mesmo fatais, requerendo repetidas internações e

procedimentos especiais como cirurgias, ostomias, uso de

oxigênio, respirador e aspirações. A elas se somam todas as

disfunções adquiridas precocemente decorrentes do

tratamento (MOURA, 2001: 10)

Destacamos que se tivéssemos considerando os pacientes com

internações com duração inferior a 48 horas, provavelmente este número de

pacientes com doenças de base aumentaria, tendo em vista a grande

quantidade de pacientes que internam para receber alguma medicação

específica fundamental para a continuidade do seu tratamento ambulatorial.

Page 56: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

54

Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa

A partir dos diagnósticos descritos nas internações do ano de 2010 e

compilados no banco de dados elaborado por Cardoso (2009), realizamos uma

divisão topográfica das doenças para demonstrar o perfil das demandas

clínicas atendidas nas enfermarias do HUAP-UFF, tendo em vista a diversidade

de síndromes e multiplicidade dos diagnósticos existentes:

Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa.

Page 57: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

55

Quanto à evolução clínica dos pacientes internados, os dados mostram

que os resultados no final da internação foram classificados entre alta

melhorada, curada, inalterada, pacientes transferidos para outra unidade de

saúde, pacientes transferidos para CTI (o HUAP não possui CTI pediátrico),

óbito e saída à revelia.

Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa

Podemos entender a prevalência das altas melhoradas em relação às

outras evoluções clínicas, devido ao perfil da maioria dos pacientes da

enfermaria serem cronicamente adoecidos com períodos de agudização, o que

leva ao tratamento destas intercorrências sem resolução do quadro de base, ou

seja, sem cura.

Page 58: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

56

3.2- Procedimentos metodológicos: sujeitos envolvidos e critérios de

seleção

Conforme as diretrizes e as normas regulamentadoras de pesquisas

envolvendo seres humanos, referidas na Resolução nº 196 de 10 de outubro

de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, este projeto foi submetido para

apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Antônio

Pedro e aprovado em 03/09/10 sob o nº CAAE: 01650258/000-10.

A partir da análise do nosso cenário de pesquisa e do alto índice de

atendimento a crianças e adolescentes cronicamente adoecidos, optamos por

entrevistar 10 famílias cujos filhos (as) possuíam uma condição crônica de

adoecimento e realizavam acompanhamento hospitalar no Hospital

Universitário Antônio Pedro durante o período do estudo (setembro de 2010 a

junho de 2011). Os critérios para inclusão na pesquisa foram:

a) Idade do paciente entre zero e 15 anos à admissão na enfermaria de

Pediatria do HUAP ;

b) Concordância com a participação no estudo e assinatura pelo

responsável legal do termo de consentimento livre e esclarecido;

c) Responsável direto pelo paciente presente no momento do

preenchimento do questionário de coleta de dados e que os acompanhe o

tratamento a fim de ter condições de responder às questões do instrumento de

pesquisa;

Page 59: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

57

d) Ter passado pelo menos por uma internação nas enfermarias. Esta

consulta foi feita ao banco de dados do projeto em andamento “Perfil

epidemiológico dos pacientes internados nas enfermarias de Pediatria do

Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense”,

coordenado pela professora Claudete Cardoso;

e) Realizar acompanhamento ambulatorial regular com alguma

especialidade no HUAP em virtude da condição crônica de adoecimento,

mantendo, portanto, o vínculo com a instituição.

Foram excluídos da pesquisa as crianças e os adolescentes internados

ou acompanhados no HUAP em virtude de doenças agudas, cirurgias eletivas,

ou outros quadros clínicos que não configuram condição crônica de

adoecimento e os que não passaram por alguma internação nas enfermarias

de Pediatria, pois pretendíamos analisar o impacto da hospitalização e do

tratamento em seu cotidiano e de suas famílias, além do fato da pesquisadora

atuar dentro das enfermarias, já acompanhando rotineiramente estes

pacientes.

Utilizamos entrevistas semi-estruturadas (vide Anexo 1 – Roteiro de

entrevista), as quais foram gravadas e depois transcritas integralmente.

Analisamos os dados a partir da metodologia de estudo de caso

interrelacionando com nossa base teórica da problematização do assunto.

As entrevistas foram autorizadas através de assinatura prévia em duas

vias em termo de consentimento livre e esclarecido dos responsáveis pelas

crianças e pelos adolescentes (vide Anexo 2). Procuramos nas entrevistas

Page 60: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

58

levantar o que consideram como necessidades de saúde para a continuidade

do tratamento, em quais espaços públicos eles estão inseridos (escola,

programas, projetos) e ainda verificar se a família considera estar assistida por

alguma política pública a qual seu filhos (as) ou a própria família tenham direito.

Portanto, nossas perguntas foram direcionadas para analisar as

condições de acesso e adesão ao tratamento ambulatorial; as internações

recorrentes e por vezes prolongadas, assim como os seus impactos para as

crianças e os adolescentes e as suas famílias. Buscamos também analisar

como a família se organiza para prover a continuidade do tratamento e se as

políticas públicas existentes, por meio de seus programas e benefícios tem

auxiliado no enfrentamento das dificuldades apontadas pelos responsáveis.

Para assegurar a confidencialidade dos dados, a análise foi realizada

sem a identificação nominal dos pacientes. À admissão da criança na

enfermaria, a assistente social pesquisadora, em virtude da realização da

entrevista social de rotina, confirmou se o paciente preenchia os critérios

definidos anteriormente para inclusão no estudo. Em caso afirmativo, o

responsável legal foi convidado a participar com a criança/ o adolescente do

estudo. Após concordância, explicamos o termo de consentimento livre e

esclarecido e verificamos se o responsável concordava em participar da

pesquisa.

O responsável legal pelo paciente assinou duas vias do termo de

consentimento livre e esclarecido, tendo guardado uma via consigo e a outra

via foi arquivada pela equipe de pesquisadores responsáveis pelo estudo.

Page 61: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

59

Decorridas as etapas descritas acima, a família da criança e do adolescente foi

incluída na pesquisa.

Como mencionado, realizamos entrevistas com 10 famílias dentro de

perfil previamente estabelecido. As doenças de base foram selecionadas

aleatoriamente pela pesquisadora responsável pelo estudo. A cada entrevista

atribuímos um número para garantir a confidencialidade dos sujeitos partícipes

do processo.

Quadro 1 - Idade e Diagnóstico das crianças e dos adolescentes

N° Enfermaria Idade Diagnóstico Topografia do diagnóstico principal

1 Lactentes 7 meses Síndrome West Neurológica

2 Lactentes

4 meses Cardiopatia congênita Cardíaca

3 Escolares

15 anos Hepatite auto-imune Gastrointestinal

4 Escolares

14 anos Encefalopatia não progressiva Neurológica

5 Escolares

15 anos Miastenia gravis Neurológica

6 Pré-escolares

4 anos Sarcoidose Generalizada

7 Escolares 15 anos Sínd. de Klinefelter + diabetes mellitus

Endocrinológica

8 Escolares

15 anos Anemia falciforme Onco-hematológico

9 Escolares 11 anos Lupus Eritematoso Sistêmico + Bronquite asmática

Reumatológico

10 Escolares

12 anos Síndrome Nefrótica Urinário

Buscamos diversificar os diagnósticos e a idade das crianças e dos

adolescentes envolvidos na pesquisa, porém o maior número de entrevistados

concentrou-se na enfermaria dos escolares, pois é nesta faixa etária (6 a 15

anos) que possuímos o maior número de internações na enfermaria e também

Page 62: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

60

é a etapa onde a cronicidade da doença geralmente se manifesta, ou, em

alguns casos, quando conseguem uma conclusão diagnóstica, após diversas

passagens em outras unidades de saúde.

Page 63: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

61

CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

Conforme já exposto, nosso objetivo com o presente trabalho foi de

investigar a condição crônica de adoecimento na infância e na adolescência,

buscando cotejar a diversidade e pontos de contato no que se refere às

experiências e trajetórias das famílias e, através de uma concepção de

atendimento integral a estes sujeitos, levantarmos os principais desafios para

que as suas necessidades de saúde sejam contempladas pelas políticas

públicas existentes, seja por meio do acesso ao tratamento ou pela garantia de

seus direitos fundamentais: educação, lazer, assistência, dentre outros.

A partir das categorias teóricas selecionadas analisamos as narrativas

dos familiares, levantando os pontos de confluência entre os mesmos, assim

como as divergências procurando analisar a condição crônica de adoecimento

das crianças e dos adolescentes que unem estas famílias, assim como também

suas particularidades locais, formações familiares, diferenciações no

tratamento e articulações desenvolvidas pelas famílias com a rede de

atendimento.

No desenvolvimento da pesquisa percebemos que seria necessário

enfatizar os desafios enfrentados pelas crianças, adolescentes e suas famílias

na busca por direitos e acesso a serviços que atendam suas necessidades de

saúde. Também buscamos problematizar os limites recorrentes na

continuidade do tratamento, entendendo que isto pode contribuir para

internações reincidentes ou mais prolongadas.

Page 64: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

62

Todas as entrevistas foram realizadas com as mães das crianças e dos

adolescentes selecionados, exceto a entrevista n° 4 que foi realizada com o pai

da criança e a entrevista n° 7 feita com a avó do adolescente. Estes

acompanhavam o tratamento conjuntamente com a mãe da criança. Ou seja,

das famílias selecionadas a mãe estava presente em todas as trajetórias de

tratamento, a diferenciação advém de que algumas contam também com o

suporte de outros familiares.

No quadro abaixo apresentamos alguns dados coletados a partir das

entrevistas para termos ciência de algumas informações que caracterizam as

trajetórias do tratamento de cada paciente. Nele apontamos o tempo de

descoberta diagnóstica, o número aproximado de internações, buscando

demonstrar a frequência de reinternações nos casos de adoecimento crônico,

as especialidades clínicas que os acompanham ambulatorialmente, além dos

tratamentos complementares necessários:

Page 65: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

63

Quadro 2- Internações e acompanhamentos de Saúde

N° Tempo de descoberta do diagnóstico

N° aproximado de internações

Acompanhamento Ambulatorial clínico

Acompanhamentos complementares

1 5 meses 3 Neurologia e Pediatria

Fonoterapia e Psicologia

2 4 meses 1 Cardiologia e Pediatria

Fonoaudiologia e Nutrição

3 2 anos 3 Gastroenterologia e Pediatria

-

4 14 anos Mais de 20 Neurologia, Pediatria e Neurocirurgia

Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional

5 10 anos 6 Neurologia e Pediatria

-

6 6 meses 4 Reumatologia e Pediatria

-

7 15 anos Não sabe informar “muitas”

Neurologia, Genética, Otorrinolaringologia Oftalmologia, Pediatria

Dentista e Grupo de diabéticos

8 14 anos Mais de 50 Hematologista, Cardiologista e Pediatria

-

9 4 anos 12 só no ano passado.

Reumatologia e Pediatria

-

10 6 anos 3 Nefrologia, Endocrinologia e Pediatria

-

Subdividimos a análise das entrevistas em eixos temáticos, procurando

contemplar a proposta de análise inicial. Consideramos que esta é uma forma

mais sistematizada e clara para correlacionarmos os diversos pontos de

encontro e as singularidades nas experiências das famílias.

As famílias pesquisadas apresentam trajetórias diversas, seja pelo

suporte familiar que recebem ou pela condição econômica. No entanto,

possuem em comum, apesar dos diagnósticos diferenciados, a condição

crônica de adoecimento. Para análise do objeto de estudo em questão e

Page 66: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

64

problematização dos desafios da atenção em saúde na perspectiva da

“integralidade ampliada”, optamos por alguns eixos de análise.

Os eixos de análise definidos foram: a) condições de acesso ao

tratamento; b) aceitação do diagnóstico e o aprendizado de conviver com

o processo crônico de adoecimento c) a experiência de internação; d) a

inserção no sistema educacional; e) suporte familiar para apoio na

continuidade do tratamento; f) sobre as políticas públicas: inserção e

acesso aos programas e benefícios sociais e g) dificuldades para a

adesão e continuidade do tratamento; e h) estratégias de enfrentamento

encontradas pelas famílias.

a) Condições de acesso ao tratamento

O acesso ao tratamento e à assistência em saúde é uma das principais

categorias analíticas para discutirmos os desafios do atendimento integral. Sem

universalização do acesso, não é possível a concretização da integralidade.

(CECÍLIO, 2009)

Inicialmente pensamos que ao abordar a questão do acesso o elemento

que mais apareceria nos dados empíricos seria a trajetória assistencial das

famílias antes de chegar ao HUAP, os problemas relativos à referência e

contrarreferência, as dificuldades para efetivar atendimentos de média e alta

complexidade, dentre outras questões.

Page 67: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

65

Porém, na análise sobre o acesso ao tratamento ambulatorial, os

elementos mais fortes abordados por estas famílias foram as dificuldades

enfrentadas para chegarem as consultas, marcação e realização de exames.

O acompanhamento ambulatorial em um hospital de atenção terciária e

quaternária é diferenciado do acompanhamento, por exemplo, do Programa

Médico de Família, que possui proximidade e vínculo com a localidade em que

o usuário do SUS está residindo. No HUAP, muitas famílias residem em

municípios distantes e, portanto, a facilitação do acesso à consulta torna-se um

elemento necessário para ser pensado como estratégia para adesão ao

tratamento e continuidade da atenção em saúde.

Através das entrevistas pudemos avaliar que o transporte é um dos

principais entraves para as famílias, usuárias de um hospital público darem

seguimento ao acompanhamento e tratamento de seus filhos

ambulatorialmente. As narrativas mostram que o Vale Social12 é uma relevante

conquista social, porém ainda insuficiente para contemplar a complexidade das

necessidades apresentadas pelas famílias entrevistadas.

“O Passe Livre dei entrada, demorou um mês pra sair (...) e não atende (a

necessidade), porque é uma criança que é muito grande, não tem como ficar

locomovendo ela no transporte porque, nem sempre os ônibus são adaptados

para isso, né. E assim eu tenho que sair muito pra marcar médico, pra buscar

remédio e tudo isso a gente não pode usar o passe, porque o passe é para a

12 O Vale Social foi instituído pelas Leis Estaduais nº 3.650/2001 e 4.510/2005. Ele garante a gratuidade

no transporte público intermunicipal as pessoas com doença crônica ou deficiência, cuja interrupção no

tratamento possa acarretar risco de morte.

Page 68: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

66

criança, se a gente sair sem a criança, para resolver o problema da criança, a

gente não pode usá-lo”. (FAMÍLIA 4)

“Assim, o passe às vezes eles bloqueiam, só que aí tem que vir na consulta

então tem que ter o dinheiro da passagem para pagar a minha e a dele. É uma

dificuldade porque às vezes eu não tenho e tem que pedir emprestado, mas

tem que vir de qualquer jeito” (FAMÍLIA 08)

As famílias reclamam que quando a criança está internada, o passe não

pode ser utilizado para seus responsáveis virem ao hospital para revezar o

acompanhamento, esta questão aparece também quando precisam vir ao

hospital às vezes sem seus filhos para marcação de exames ou remarcação de

consultas e não podem utilizar o Vale Social:

“Na semana eu venho aqui três vezes por semana, com ele ou sem ele.(...)Tem

dias que tem consulta marcada que se eu não tenho dinheiro de passagem eu

não venho não. Aí eu venho depois no outro dia e aí gasto mais, porque ai eu

gasto dinheiro pra remarcar e ver o dia que a médica está, para ela remarcar e

vir depois”. (FAMÍLIA 10).

Algumas Secretarias Municipais de Saúde também possuem um setor

para agendamento de transporte para trazer o paciente para o tratamento

ambulatorial. Porém, as famílias destacam que o agendamento precisa ser feito

Page 69: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

67

com muita antecedência e mesmo assim não é garantido devido à grande

demanda existente:

“Eu tenho que ir ate lá (na Secretaria de Saúde), marcar com muita

antecedência, porque de uma semana pra outra já não consegue. Não é fácil

conseguir transporte, é porque dizem que a demanda é muito grande de

pacientes e pouco transporte. No caso, hoje ela teria consulta 10 horas da

manhã, eu teria que vim no carro das seis horas da manhã. Entendeu? Eu só

não vim, porque expliquei que ela não tem condições de ficar muito tempo no

hospital então com muito custo eu consegui um carro, porque liguei para outra

pessoa, que trabalha lá dentro na chefia para conseguir autorizar para liberar o

carro” (FAMÍLIA 4)

Em outras situações evidencia-se que não somente a liberação do

custeio da passagem não é suficiente, visto que algumas crianças e

adolescentes precisam de um carro e, às vezes, até mesmo de ambulância

para vir as consultas ambulatoriais.

Esta realidade aparece nas enfermarias de pediatria, com crianças

acamadas ou que dependem de algum recurso como oxigenioterapia por

exemplo. Nas entrevistas realizadas essa questão apareceu devido aos

sintomas no período de agudização da doença, quando o transporte de ônibus

não é o recurso que a família que necessita. O trecho abaixo ilustra tal

situação:

Page 70: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

68

“A Anemia Falciforme a dor dela é muito forte e a criança fica sem andar às

vezes. Então tem que ter, assim, tem que ter alguém para trazer no colo,

porque a mãe tem que aguentar né, pra subir no ônibus, para trazer aqui dentro

do hospital que fica longe do ponto”. (FAMÍLIA 08)

Verificamos, assim, que do ponto de vista da facilitação do acesso, o

Passe livre ainda é insuficiente diante das enormes dificuldades que

perpassam o cotidiano dessas famílias.

Quanto ao acesso a tratamentos complementares como a fisioterapia,

no caso da família 04, a dificuldade de vagas também foi abordada:

“Acesso é demorado, tem que levar documentações para a prefeitura, esperar

se chamado, passar por uma avaliação, tudo é demorado, nada é rápido, a não

ser que você tenha conhecimento com alguém. Levou uns três meses pra

conseguir” (FAMÍLIA 04).

Estes depoimentos mostram que o poder de acesso aos serviços de

saúde vai além do que a simples chegada a uma unidade de saúde. A

fragilidade das condições de acesso aparece nas entrevistas refletidos nos

relatos sobre dificuldade econômica, distância casa-unidade de saúde, demora

para o atendimento, transporte público, referência e contrarreferência.

Desta forma, o poder público precisa atentar-se para esta população

usuária do SUS e suas crescentes demandas por criação de programas de

suporte social para possibilitar o acesso, a adesão e a continuidade do

Page 71: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

69

tratamento, que consequentemente, poderia minimizar as internações

hospitalares que apresentam um grande custo para o sistema.

Notamos que este grupo apresenta poucos espaços para expor esta

situação, alguns procuram os órgãos de garantia de direitos, como os

Conselhos Tutelares, os equipamentos da Assistência Social (CRAS, CREAS)

ou a Defensoria Pública. Percebemos que pacientes com alguns diagnósticos

específicos ainda contam com grupos de apoio ou determinadas associações,

como os diabéticos, porém, de acordo com nossa experiência empírica, poucos

espaços de troca e criação de alternativas de enfrentamento das limitações

enfrentadas no cotidiano por estas crianças, adolescentes e suas famílias.

Diante disto, em junho de 2010 foi criado o Fórum Ampliado de

Políticas de Promoção da Saúde de Crianças e Adolescentes com

Doenças Crônicas e Deficiências e suas famílias, como iniciativa inicial do

Instituto Fernandes Figueira (IFF) da Fiocruz, que envolveu profissionais e

famílias, onde ouvimos as instituições ali representadas e familiares de

crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e todas estas questões

destacadas.

Os entraves no acesso e/ou efetivação e implementação das políticas

públicas também foi acompanhado através de observação participante das

principais questões levantadas e recorrentes neste espaço. A principal questão

debatida foi o transporte e seus desdobramentos: Vale Social, carros e

ambulâncias disponibilizados para tratamento ambulatorial.

O segundo encontro do Fórum foi em setembro de 2010 e voltou-se

principalmente para debater estas questões relativas ao transporte. A mesa

Page 72: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

70

redonda trouxe o tema “Ações e experiências com promoção da saúde de

crianças e adolescentes com doenças crônicas e deficiências e suas famílias

no acesso ao transporte público e gratuito”. Porém, após este encontro não

houve outras reuniões. Desse modo, permanecemos com a carência de

espaços públicos destinados à esta temática, onde uma construção propositiva

e política seja realizada de forma participativa e democrática.

b) A aceitação do diagnóstico e o aprendizado de conviver com o

processo crônico de adoecimento:

Neste processo de conhecimento do diagnóstico e de suas implicações

para as alterações no cotidiano dos sujeitos cronicamente adoecidos, a

atuação da equipe interdisciplinar é fundamental para adesão das famílias ao

tratamento, pois pode fornecer elementos para que estas compreendam todo o

processo de acompanhamento e os cuidados necessários. É importante que

estejam atentos para a necessidade de uma abordagem integral dos indivíduos

e de suas famílias, com intervenções que considerem as esferas biológica,

psicológica e social (Giovanella et alli, 2002).

Thaines et alli (2009) realizaram um estudo sobre a importância da

integralidade da atenção como princípio norteador no atendimento à pessoa

em condição crônica, nesta pesquisa foi abordado o caso de um adulto que

tinha diagnóstico de diabetes mellitus. As autoras destacam que na condição

crônica de adoecimento a mudança de hábitos é fundamental:

Page 73: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

71

Essa pessoa necessita, além do tratamento

medicamentoso e da mudança de hábitos alimentares, de

apoio e orientação, de modo que possa desenvolver a

autonomia para o cuidado, tornando mais fácil sua

convivência com a condição que, não sendo transitória,

acarreta uma série de mudanças em suas vidas, tanto em

relação à sua rotina, aos seus hábitos, bem como a

aceitação da própria condição. (THAINES et alli, 2009: 58)

Concordamos com as autoras que as necessidades de saúde não se

restringem apenas no cuidado nas fases de agudização da doença.

Compreendemos que novas rotinas cotidianas precisam ser estabelecidas,

tanto para criança e o adolescente quanto para sua família. Além disso, o

conhecimento do diagnóstico e a compreensão dos cuidados necessários são

fundamentais, principalmente para os adolescentes que já possuem maior

autonomia em suas decisões para que haja adesão ao tratamento. Para Silva

et alli (2010):

As mudanças na vida da criança e da sua família, ao se

depararem com a doença crônica, não englobam

simplesmente alterações orgânicas ou físicas da criança

doente, mas perpassam este ângulo e promovem

alterações emocionais e sociais em toda a família, as

Page 74: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

72

quais exigem constantes cuidados e adaptações. (SILVA

et alli, 2010: 360)

Estas alterações de rotina são, sobremaneira, marcadas nos

depoimentos dos responsáveis pelas crianças e pelos adolescentes

participantes da nossa pesquisa:

“Complica principalmente porque agora... sabe, antes quando a gente não

sabia que ele era diabético, era tudo liberado, ele comia tudo, ele brincava.

Mas, agora tem que ter certas restrições sobre horário de brincar, não ficar

muito no sol, não correr muito, essas coisas, e ele até que ele se habitue, como

agora nas festas de final de ano foi complicado, porque ele queria comer de

tudo como sempre foi acostumado né?” (FAMÍLIA 07)

“Ele já acostumou colocar o ácido fólico ali, da onde ele fica direto que é o

computador, tem que ter a água e o ácido fólico dele ali, porque ele já sabe que

tem que tomar entendeu? Mas tem que deixar ali pertinho”. (FAMÍLIA 08)

“Ah, alimentação e esporte. Porque ele quer ir jogar bola e não pode ficar

jogando bola, e ele sabe que ele não pode e é uma criança muito teimosa. Meu

Deus do céu! (...) Em casa eu não compro nada que não possa comer, mas em

compensação ele vai pra casa da minha mãe e minha irmã, na casa da minha

irmã ele nem assalta a geladeira não, mas na casa da minha mãe, assalta que

é uma tristeza”. (FAMÍLIA 10)

Page 75: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

73

O suporte interdisciplinar e até a atuação das equipes de saúde mental

tanto para os pacientes quanto para seus responsáveis são fundamentais para

minimizar o sofrimento, atuar na prevenção à tendência de superproteção dos

responsáveis e na auto-aceitação da condição crônica de adoecimento.

“É que ele não aceita que a gente não o deixa ele sair, nem eu e nem a avó.

Por medo assim, de ele passar mal na rua, nunca aconteceu mas a gente

impede por isso. ”. (FAMÍLIA 08)

“Ah não ter tranqüilidade em tudo, ele fica muito em casa, (...), se ele desce um

pouco para brincar com as crianças ele já fica cansado, e pra mim fica chato

dentro de mim. Até domingo mesmo ele começou a brincar de bola com as

crianças, tentou, não conseguia, e eu falei ‘ você está passando mal’ ele fala:

‘Não mãe, estou bem e vou brincar’. Ele quer brincar, mas aí eu fico dentro de

mim...e falo: ‘você vai passar mal e a noite tenho que correr com você’. (...) Ele

quer brincar, eu deixo ele brincar, para eu ver a reação dele, mas aí quando eu

vejo que ele fica corado mesmo, mando ele parar, eu tenho medo né?”

(FAMÍLIA 09)

Destacamos esta linha tênue que pode levar os responsáveis à proteção

excessiva, limitando a sociabilidade de seus filhos. Consequentemente,

principalmente com os adolescentes surgem conflitos em compreender e

acatar as orientações dos responsáveis:

Page 76: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

74

“Ele assim, tem que usar casaco, às vezes não está muito frio e eu fico com

medo da friagem, e aí os coleguinhas estão tudo sem casaco e eu vou lá na

rua pego o casaco e jogo nele, e ele começa a se bater que não vai usar

porque não está com frio”. (FAMÍLIA 08)

A preocupação que os filhos passem mal e adoeçam é recorrente e

parece que para os responsáveis qualquer descumprimento das

recomendações médicas é puramente culpa deles próprios. A sobrecarga da

família no cuidado é imensa.

Observamos também que para as crianças e os adolescentes

cronicamente adoecidos o sofrimento passa, principalmente, pela aceitação

social e participação nos espaços coletivos:

“Porque pelas pessoas saberem o problema que ela tem, ela fica com

dificuldade, acha que as pessoas rejeitam ela, por ela ter esse problemas, por

ela ser uma menina doente, por ela precisar de mais cuidados, então às vezes

é mais difícil pra mim por isso, que ai qualquer coisa que faça a ela, ou que fale

com ela, pra ela isso já é (preconceito” (FAMÍLIA 03)

“Eu acho que ele não quer que os amiguinhos percebam que ele

tem...entendeu? E às vezes zoa ele porque ele tem os olhos amarelos, porque

ele é dentuço, isso ai eu já corri atrás pelo menos para os dentes, mas os olhos

eu não posso fazer nada né? Aí implicam com ele. No início ele chorava muito,

Page 77: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

75

mas agora ele também entra na zoação e zoa os colegas também”. (FAMÍLIA

08)

“Assim, eu desde o início entendo que vai ser assim para o resto da vida, só

que eu fico com pena dele, que ele fica mal, ele fica triste porque ele fica

internado, ele fica triste porque ele tem essa doença, ele acha às vezes que eu

sou a culpada disso, ele acha que eu não fiz pré-natal suficiente para ele não

ter essa anemia, mas isso não tem nada a ver com pré-natal, e ele não

entende, e às vezes quando ele está com crise de dor, ele fica mais chateado

comigo, não quer eu bote a mão. É o que ele age comigo”. (FAMÍLIA 08)

Portanto, o acompanhamento psicológico para estas crianças e

adolescentes é essencial e também para suas famílias. Consideramos que a

formação de grupos de apoio também seria um trabalho fundamental, enquanto

espaços coletivos de participação e socialização de experiências quanto ao

processo de cuidado, dificuldades e estratégias utilizadas pelas famílias no

acompanhamento aos seus filhos/filhas com condições crônicas de

adoecimento.

c) A experiência de internação prolongada

A hospitalização é uma realidade constante na vida das pessoas com

condições crônicas de adoecimento, apesar do necessário acompanhamento

ambulatorial regular. Os indivíduos adoecidos cronicamente, em geral, ficam

Page 78: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

76

internados no período de investigação diagnóstica da doença para realização

de exames diversos que demorariam mais caso a internação não ocorresse, e

também em períodos de reagudização da doença, ou na fase terminal.

Destacamos o impacto dessa hospitalização para os sujeitos em

desenvolvimento:

a hospitalização da criança da criança e do adolescente

com doença crônica faz parte de sua vivência, permeia seu

processo de crescimento e desenvolvimento, modifica seu

cotidiano e separa-os do convívio com sua família, amigos

e escola. (SOUZA,2006: 15)

Os depoimentos dos responsáveis registram a forma como vivenciam e

lidam com estas recorrentes internações de seus filhos. Sobre este ponto,

pudemos notar as principais questões que perpassam este momento, como por

exemplo, a ansiedade que rodeia este período devido a convivência intensa

com a rotina hospitalar que é altamente estressante e a preocupação em

novamente vivenciar uma internação prolongada :

“Pra mim eu acho difícil. Porque é muita coisa. Porque assim, veja só, ele é

nervoso, ele é muito agitado, tanto agita eu como a ele né? E aí fica aquela

coisa difícil quando eu vou trazer ele, pra fazer exame ele fica nervoso, fica

aquela agitação. Tem medo de ficar internado. Hoje mesmo, quando ele vai

Page 79: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

77

dormir, aí ele fala: ‘Mãe a gente vai para o hospital?’. Ele não consegue

dormir.” (FAMÍLIA 09)

Outra questão que caracteriza a experiência de internação com uma

situação complexa e difícil, diz respeito à falta de privacidade e o controle

institucional exercido sobre as atitudes das famílias.

Os resultados da pesquisa mostram que regras preconceituosas, as

relações autoritárias estabelecidas por alguns profissionais, tornam este

período da internação, um momento de constrangimento e forte sofrimento

para muitas famílias, o que também contribui para o aumento da ansiedade

para alta hospitalar:

“É horrível né, constrangedor demais. É constrangedor, porque você fica inibida

por várias coisas, você não pode ligar uma TV, você não deita a hora que você

quer, não tem uma comodidade boa, você sabe como é hospital né?” (FAMÍLIA

10)

Propiciar um ambiente acolhedor e com condições adequadas para as

famílias acompanharem seus filhos e filhas é fundamental para a garantia do

atendimento integral às crianças e aos adolescentes. A família precisa ser

partícipe de todo o processo e o período da internação é propício para

aprofundar o conhecimento das mesmas sobre o cuidado e as especificidades

da doença e do tratamento. Neste sentido, Collet e Rocha (2004) defendem a

importância deste acompanhamento:

Page 80: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

78

A inserção de um acompanhante e seu envolvimento no

processo terapêutico torna fundamental a compreensão da

dinâmica das relações entre os agentes que prestam o

cuidado, pois aparecem questões não bem definidas na

assistência à criança hospitalizada. É importante estar

alerta às novas necessidades que vão sendo criadas

nesse espaço e que envolvem a forma de organização das

unidades pediátricas como um todo. (2004: 192)

O Estatuto da Criança e do Adolescente preocupa-se com a efetivação

de um acompanhamento “saudável”, estabelecendo que as instituições

hospitalares devem fornecer condições adequadas para a permanência de

acompanhante durante a internação.

Entretanto, em razão de tais condições não estarem estabelecidas

detalhadamente, verificamos que cada instituição fornece o que considera

“adequado” e “possível”, não valorizando a presença do familiar, o que

consequentemente aumenta a “angústia” da internação.

O revezamento de pessoas responsáveis no acompanhamento neste

período é um fator importante para que a família possa minimizar o stress da

internação prolongada, porém isto é raro entre as famílias atendidas e quando

ocorre percebemos que também é entre as outras mulheres da família e

pontualmente alguma figura masculina aparece como alternativa:

Page 81: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

79

“A gente leva, conversa, vê o que é necessário e aí faz e a gente fica igual

aqui, ela (mãe) fica de noite, eu (avó) fico de dia, a gente reveza, revezamento

é a gente que faz. Às vezes o tio fica né”. (FAMÍLIA 07)

Inegavelmente, o período de internação, principalmente quando extenso,

é complexo tanto para a criança e o adolescente quanto para os seus

responsáveis. O isolamento social propiciado pela internação afeta a todos, e a

falta de rede familiar para apoiar sobrecarrega geralmente uma única pessoa

da família, que em geral é mulher, a mãe.

Notamos fortemente elementos vinculados à perspectiva de gênero13 no

acompanhamento e cuidado dispensados às crianças. As mulheres/ mães/

cuidadoras são afetadas pela internação prolongada, pois esta repercute em

sua vida profissional e também em sua sociabilidade:

“É complicado, quem fica mais sou eu, é desgastante, apesar do ótimo

tratamento, mas é muito desgastante, fica internada muito tempo, às vezes. Já

‘tava’ falando pras meninas agora, não tenho vida social, porque a gente fica às

vezes um mês, dois meses internada então é assim, bem difícil”. (FAMÍLIA 04)

“Porque dois anos seguidos ele ficou internado praticamente o ano todo.

Praticamente o ano todo. Ficava um mês em casa e dois no hospital, não direto

assim, mas sempre do dia 20 ao dia 30 ele passava mal de cada mês. Durante

13 O conceito de gênero refere-se às relações de poder e de submissão, à idéia de estabelecer papéis

femininos e masculinos e à padronização sócio-cultural que estabelece desigualdades entre homens e

mulheres

Page 82: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

80

dois anos isso. Passava mal. (...) Assim, quando ele está internado minha vida

para lá fora, porque eu não posso deixar ele aqui. (FAMÍLIA 08)

O discurso de que durante a internação “a vida para” é bem recorrente, o

mesmo refere-se a participação na vida social e também a inserção no

trabalho. Para as famílias que os responsáveis (pai e/ou mãe) trabalham, o

período de internação dos filhos representa um desafio à continuidade do

atendimento das necessidades materiais da família.

“Falto trabalho e depois sou mandada embora porque patrão nenhum quer

saber, ele não quer saber do problema dos outros né. Então tem que estar

sempre faltando para exame, para consulta, e é difícil a pessoa ficar.” (FAMÍLIA

08)

“Você para sua vida, para tudo e faz um projeto. A criança dá aquela recaída

você para tudo e foca ali na saúde da criança. Você tenta voltar sua vida ao

normal, começa aos poucos, daqui a pouco você cai de novo, é complicado

porque eu não posso deixar de fazer meus bicos porque se não nem tem

dinheiro, se ficar parada não tem dinheiro, nem todo patrão e patroa é

coerente, então eu tenho que colocar alguém pra olhar ele, botar isso na minha

mente, pra poder ver se eu consigo dar prosseguimento...” (FAMÍLIA 10)

O risco de perder o emprego e o receio de deixar a criança ou o

adolescente por longo período sem acompanhamento de um familiar soma-se

Page 83: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

81

à ausência de legislações trabalhistas que amparem os trabalhadores durante

o de adoecimento de algum familiar.

As situações vivenciadas relacionadas a inserção e permanência destes

responsáveis em trabalhos formais demonstram a precariedade de nosso

sistema de proteção social. Estas famílias estão desprotegidas socialmente e

precisam enfrentar simultaneamente a pobreza/desigualdade social e o

adoecimento de seus filhos. Sem uma política pública que ampare esta

população, estas famílias apresentam maiores chances de continuar a

reproduzir a pobreza geracional pela falta de oportunidade concreta de

inserção no mercado de trabalho.

Sabemos que em nossa sociedade desigual as condições de

sobrevivência da grande maioria da população são precárias. A injusta

distribuição da riqueza socialmente produzida, o crescimento do desemprego

tem impactado diretamente a sobrevivência e a reprodução social das famílias,

principalmente as famílias monoparentais chefiadas por mulheres.

Nas falas acima percebemos que as mulheres (mães cuidadoras) têm

sua trajetória de trabalho sempre interrompida, esta função social atribuída as

mesmas somam-se a precariedade de renda. Sabemos que quando algum

membro da família adoece a situação socioeconômica agrava-se. Quando este

membro é uma criança ou adolescente, o cuidador/a cuidadora principal se vê,

muitas vezes, impedido de trabalhar e quando desempenha atividade informal

de trabalho, sem uma renda mínima garantida, as expressões da “questão

social”, manifestada principalmente nas precárias condições de subsistência,

manifestam-se em suas mais diversas faces.

Page 84: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

82

Apenas os regimes jurídicos próprios do funcionalismo público

preservam o direito dos servidores usufruírem de licença nestas ocasiões,

como a lei 8112/9014. Além disto, o grande número de trabalhadores que

desempenham atividades informais de trabalho e que se encontram mais

desprotegidos ainda (sem vínculo empregatício ou previdenciário15) torna este

período da internação mais preocupante para o sustento de todo o núcleo

familiar.

Os responsáveis também manifestam a dificuldade entre compartilhar o

cuidado entre a criança ou adolescente que está internado e os outros filhos

que permaneceram em casa. Em geral, nessas situações a mãe fica ainda

mais sobrecarregada e alimenta sentimento de culpa por estar dando mais

atenção a um filho que aos outros. Além disso, o afastamento e a saudade da

família aumentam o sofrimento advindo do processo de internação.

“E sozinha para mim é difícil porque para tudo. Tem mais um de quatro anos...

precisa de atenção, mas não dou atenção também que ele merece, aí puxa

minha atenção fazendo bagunça, fazendo o que não deve (...) E eu sou a única

que fica encarregada de tudo dele” (FAMÍLIA 01)

14 Institui o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias, inclusive as em

regime especial, e das Fundações Públicas Federais, prevê em seu artigo 83 “Poderá ser concedida licença

ao servidor por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto ou

madrasta e enteado ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional,

mediante comprovação por junta médica oficial”.

15

Estimativas realizadas com base na PNAD (2005) indicam que 32,2% das crianças brasileiras de até 15

anos vivem em famílias sem nenhum tipo de proteção previdenciária. Fonte: LAVINAS e

CAVALCANTI, 2007. Disponível em: http://www.dieese.org.br/esp/previdencia/parte5.pdf. Acesso em

12 de junho de 2011.

Page 85: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

83

“Pra mim foi complicado, porque pra ficar longe do meu outro filho, e também

ver ela sofrendo demais, por tudo que ela passou, pra mim foi muito difícil. Por

também não tinha com quem revezar praticamente né, praticamente eu

sozinha ficando e querendo ver logo, resolver logo a situação dela e realmente

foi um pouco demorado, mas pra mim foi muito triste, tinha dia que desabava,

mas ela precisava de mim” (FAMÍLIA 02)

Os resultados desse estudo mostram também que uma das

preocupações dos familiares dos adolescentes é o período de transição das

enfermarias de Pediatria para as de clínica médica (a partir dos 16 anos),

principalmente daquelas famílias que vêm acompanhando o filho ou filha desde

criança com os mesmos profissionais. Esse é um momento de insegurança

para as famílias, mesmo a equipe ressaltando que o adolescente permanece

com o direito ao acompanhamento integral do responsável.

“O que eu gostaria mesmo, assim, não sei se é possível, é dar mais... quando a

criança passa dos 15 anos dar mais um tempinho pra eles ficarem lá dentro,

aqui no quinto andar, pra mãe deles ficarem com as crianças, para os pais

ficarem porque é muito difícil, a pessoa não vai ficar em paz em casa sabendo

que o filho está com uma dor(...), eu queria que desse mais tempo para as

crianças aprender a lidar com isso sozinho”. (FAMÍLIA 08)

Entendemos que esta transição também deve ser realizada com

cuidados para que a família e o adolescente sintam-se seguros e assistidos

Page 86: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

84

pela unidade de saúde. Os vínculos já estabelecidos têm que paulatinamente

serem firmados também com os profissionais de saúde que darão continuidade

ao tratamento.

Uma das dificuldades no HUAP é que não há equipe de saúde do

adolescente que abranja a faixa etária entre 16 a 18 anos. A mudança de

médicos na assistência e a troca de enfermaria que propicia menor privacidade

para os adolescentes, tendo em vista que as enfermarias de adulto os leitos

são mais numerosos, são fatores que influenciam o receio dos responsáveis

nesta fase transitória.

d) A inserção no sistema educacional

Sabemos que para as crianças e adolescentes a vida escolar é

importante fonte de sociabilidade e é absolutamente afetada em razão do

adoecimento. Devido as internações prolongadas e recorrentes, as faltas na

escola para realização de exames ou as vindas freqüentes para consultas

ambulatoriais, o rendimento escolar é prejudicado, havendo, com efeito, alto

grau de repetência entre as crianças e adolescentes com doenças crônicas:

“O ano que passou, ela teve que repetir (a série escolar), porque ela ficou o

tempo todo internada, em dezembro que ela foi pra casa, aquela coisa toda, aí

a diretora perguntou se eu queria que passasse ela, eu disse que não. A

internação que fez ela não terminar o ano”. (FAMÍLIA 03)

Page 87: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

85

“Atrapalha sim, atrapalha porque ele perde as matérias, mesmo eu

levando...ele falta para as consultas e mesmo eu levando o papel pra escola,

(...) e vai sempre assim de três em três meses tendo que faltar. Mas falta mais

porque ele tem que fazer exame de sangue, tem que fazer outros exames

também para levar para o médico dele que é de três em três meses, então ele

vai faltando direto.” (FAMÍLIA 08)

As faltas e a repetência das crianças e adolescentes inseridos no

sistema educacional regular podem gerar desestímulo e um sentimento de

“fracasso escolar” tanto para os alunos quanto para seus responsáveis, por isto

consideramos que as crianças e os adolescentes cronicamente adoecidos

possuem necessidades educacionais especiais que devem ser consideradas e

acompanhadas pela família e pela escola.

Vale assinalar que a Resolução CNE/CEB nº 02/2001 também considera

educandos com necessidades educacionais especiais os que apresentarem no

processo educacional dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações

no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das

atividades curriculares tanto as não vinculadas a uma causa orgânica quanto

às relacionadas a “condições, disfunções, limitações ou deficiências”.

A presente Resolução institui diretrizes nacionais para a educação

destes alunos na educação básica e prevê:

Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos,

cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos

Page 88: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

86

educandos com necessidades educacionais especiais,

assegurando as condições necessárias para uma

educação de qualidade para todos (CNE/CEB nº 02/2001,

art. 2º)

A Resolução determina que os serviços de educação especial devem

ser prestados sempre que se evidencie, mediante avaliação e interação com a

família e a comunidade, necessidade de atendimento educacional

especializado, ou seja, não é só a avaliação isolada dos profissionais, a

sociabilidade da criança e do adolescente no meio em que vivem também

devem ser considerados.

O atendimento aos alunos hospitalizados é previsto na Resolução

CNE/CEB nº 02/2001 no seu artigo 13:

Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os

sistemas de saúde, devem organizar o atendimento

educacional especializado a alunos impossibilitados de

frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que

implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou

permanência prolongada em domicílio.

A lei garante a existência das classes hospitalares e o atendimento

domiciliar com o objetivo de dar continuidade ao processo de desenvolvimento

dos alunos, para contribuir com o seu retorno posterior à escola de forma mais

Page 89: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

87

facilitadas. Percebemos, porém, que ainda persiste a falta de articulação entre

a escola regular e a equipe de Pedagogia hospitalar o que poderia minimizar a

descontinuidade da aprendizagem e, inclusive o alto índice de repetência

escolar.

No HUAP possuímos o Programa de Pedagogia Hospitalar em convênio

com Secretaria Municipal de Educação em Niterói, que traz para o cotidiano

nas enfermarias a experiência de escola no hospital, porém o atendimento

ocorre somente durante o período de internação, geralmente baseado em um

projeto temático integrando e estimulando pedagogicamente o aprendizado das

crianças e adolescentes internados.

Em nosso cotidiano de atendimento às famílias percebemos que as

experiências com o sistema educacional são diversas e ainda existem crianças,

principalmente as com diagnósticos de doenças neurológicas, que não se

inserem na escola regular ou já estiveram inseridas por um curto período.

Algumas prosseguem os estudos em escolas especiais, outras permanecem

apartadas do cotidiano escolar:

“Ela não estuda por que, ela ficou três anos num colégio comum, que a irmã

dela estudou, ela se adaptou ao colégio, mas o colégio não se adaptou a ela,

né. Teve casos de professoras pedindo pra trocar de horário, porque não

queriam ficar com ela, achavam que era difícil lidar com ela, mesmo com minha

ajuda, com a ajuda da minha filha mais velha, a gente ficava com ela no

colégio, mesmo assim não conseguiram ficar, foi uma luta, botaram ela pra

Pestalozzi e dali, ela não quis mais continuar estudando, porque todo dia de

Page 90: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

88

manhã era uma festa acordar pra ir pro colégio porque era bagunça, e ela

adora uma bagunça, era mais pelo convívio dela com outras crianças, e depois

que ela foi pra Pestalozzi era só ela e uma professora dentro da sala de aula,

então pra ela não interessa mais” (FAMÍLIA 04)

As problemáticas assinaladas pelas famílias evidenciam os desafios e o

debate atual existente em torno da proposta de inclusão educacional, na qual

as crianças com “necessidades especiais” devem ser inseridas nas escolas

regulares. Esta proposta está fundamentada na tentativa de minimização do

preconceito, no convívio com a diversidade, compreendendo que todo aluno

pode apresentar uma necessidade diferenciada no atendimento em um

determinado período da vida letiva. Quanto a este aspecto, e as opiniões dos

responsáveis são diversas:

“Ele estuda. Ultimamente a Secretaria de Educação ela tirou essa parte de ter

a parte para crianças especiais, você sabe né? Que agora a criança tem que

frequentar normal. Principalmente que não existe escola com profissionais

nessa área, eles frequentam normal em tudo, e aí ele que tem dificuldade de

aprendizado fica sem aprender.” (FAMÍLIA 07)

“No estudo ele não está bem acompanhado, ele está muito é atrasado no

estudo dele, (...). Porque ele é assim, no colégio, ele não tem um colégio certo

para ele, tinha que ser um colégio especial pra ele, ele falta muito ao colégio

porque ele depende mais de hospital que de colégio”. (FAMÍLIA 09)

Page 91: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

89

Percebemos que a opinião dos responsáveis que defendem a

necessidade de seus filhos frequentarem uma escola especial, deve-se

também ao fato das escolas não possuírem condições concretas para

implementação do que está previsto na resolução citada. Não há na maioria

dos casos, apoio especializado à estes alunos. Algumas escolas possuem

profissionais com dificuldades em aceitar crianças com necessidades

especiais, outras sofrem com a falta de recursos estruturais e humanos.

Para as escolas regulares atenderem a todos os alunos são necessários

serviços de apoio especializado para capazes de dar conta das peculiaridades

de cada educando, ou seja, uma estrutura de apoio é fundamental.

Conforme defendido por Mazzota (2008) transitamos no debate da

inclusão pensada ora como uma ação impraticável, ora como necessária em

qualquer circunstância individual ou institucional. Para o autor a saída é a

“inclusão com responsabilidade”, que contemple a diversidade dos educandos.

Certamente, a convivência “inclusiva” é importante elemento no combate

à segregação e ao preconceito, mas as escolas precisam de investimento

público condizentes para que haja qualidade no ensino para todos.

e) Suporte familiar para apoio na continuidade do tratamento

Segundo Carvalho e Almeida (2003) a família é uma das instituições

sociais básicas, sendo considerada fundamental na sobrevivência, proteção e

socialização de seus integrantes. Constitui-se por diversas configurações, com

Page 92: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

90

base nas relações de envolvimento emocional e de parentesco, cultural e

historicamente determinadas, e sua formação extrapola o âmbito da residência.

Neste cenário pesquisado apontamos que o suporte familiar é

fundamental para o prosseguimento do tratamento, pois os responsáveis

precisam estar cientes de todas as especificidades e cuidados relativos às

crianças e adolescentes, para que possam compreendê-las e aderir às

indicações da equipe de saúde. Este processo é um aprendizado contínuo, que

possui rebatimento para toda a família, e, principalmente, para as mães.

Silva et alli (2010) também se preocuparam em estudar os dilemas e

dificuldades que as famílias encontram para dar prosseguimento ao tratamento

de seus filhos - crianças e adolescentes cronicamente adoecidos:

Considerando que o tratamento da doença crônica requer

internações periódicas e acompanhamento contínuo, o

seu enfrentamento exige da família mais do que

disponibilidade de tempo, pois exige dedicação,

reorientação das finanças, reorganização de tarefas e

todo o empenho dispensado a um de seus membros na

tentativa de reorganizar a vida, a partir dessa nova

circunstância. (SILVA et alli, 2010: 361)

Esta questão, que é demasiadamente complexa para as famílias,

aparece nos depoimentos dos entrevistados, confirmando, sobretudo, conforme

já abordamos, que é sobre as mulheres que recai a responsabilidade no

Page 93: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

91

cuidado da criança/ do adolescente, dividindo-se, por vezes, entre o cuidado

com os outros filhos e a casa:

“No caso, meu filho ele tem também a fisioterapeuta que perguntou se eu tinha

alguém para acompanhar junto comigo, para saber também do que ele precisa,

mas também não aparece um “abençoado de Deus” para ir comigo porque todo

mundo trabalha e tem o que fazer”. (FAMÍLIA 01)

“No começo pra cá, como eu era a base de tudo, eu que corria eu que resolvia

então eu já acostumei a lidar com a doença, não sei se é por está dentro da

área também, pra mim é mais fácil. Eu sou técnica (de enfermagem)” (FAMÍLIA

03)

Para as mulheres destina-se a responsabilidade no cuidado da família e

da casa. Estas tem multiplicado sua jornada e sobrecarga de trabalho entre o

espaço público (trabalho remunerado) e o espaço privado (não remunerado e

não reconhecido) entre casa e hospital.

Quanto a participação masculina no suporte ao tratamento das crianças

e adolescentes, em nosso grupo estudado, identificamos apenas a presença

pontual de um tio e de um pai. A ausência dos pais aumenta o sofrimento das

mulheres que permanecem na linha de frente do cuidado infanto-juvenil:

“Ele (o pai) não coloca nada. Só quando tô internada, ele quer que eu vá

embora para casa, porque ele não quer ficar sozinho, mas ele não se lembra

quando a gente tá em casa, todo mundo bem.(...) Queria que ele fosse um cara

Page 94: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

92

mais presente do outro lado também, não é só dar carinho, dar roupa, dar

comida; é acompanhar o tratamento porque a criança não vive só disso não.

Se você chegar perto dele e perguntar o que ele tem ele não vai saber te

explicar” (FAMÍLIA 01)

“Cuido sozinha. Mas ele (o pai) esteve aqui ontem, ele trouxe um biscoito de

maisena e uma revistinha de caça-palavras. Bacana né? e logo em seguida foi

embora que eu nem vi”. (FAMÍLIA 10)

Para as famílias onde pai e mãe compartilham o cuidado, apesar das

dificuldades percebemos uma cumplicidade no revezamento, que possibilita a

continuidade do tratamento ambulatorial, pois ambos tentam ajustar o horário

de trabalho para as vindas às consultas:

“O horário ele (o médico) sempre marca à tarde. Porque a gente se reveza né

porque ou eu trago, ou então eu peço pra sair mais cedo do trabalho. O pai

dela pede pra sair mais cedo, a gente reveza. Porque às vezes não pode ser

só eu saindo do trabalho né cedo, a gente reveza e consegue levar pro que

tem que fazer, né.” (FAMÍLIA 5)

“Meu trabalho é de 24/48h e a mãe dele folga toda a terça-feira. Tá tomando

(medicação) toda a terça-feira, então dá”. (FAMÍLIA 6)

Page 95: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

93

Percebemos, então, que recorrentemente aparece no discurso das

famílias as alterações que tiveram de realizar em seu cotidiano devido a

condição crônica de adoecimento de suas crianças e seus adolescentes. Silva

et alli (2010) indicam que “A doença crônica altera os modos de andar a vida

das famílias que passam por momentos de vulnerabilidade, pois estas não se

mostram preparadas para o enfrentamento da condição crônica na infância”

(2010: 363).

Com efeito, independente da formação familiar, não há como preparar-

se para tal realidade. Este é um aprendizado contínuo entre a família, criança

ou o adolescente e as equipes de saúde e quiçá entre as outras equipes das

demais políticas setoriais. Ademais, como agravante a essa situação,

observamos que o Estado não cumpre com o dever de fornecer suporte às

famílias de modo que potencializem sua capacidade de exercer a função de

cuidadora com condições concretas de seguir as recomendações clínicas

prestadas (dietas, medicações, equipamentos necessários).

Com a hospitalização da criança, o cotidiano da família

passa a ser organizado em função do tratamento, que se

constitui em momento de grande ruptura dos laços

familiares. A família experimenta a desorganização de

suas rotinas e um terrível sofrimento gerado pela

convivência limitada, desencadeando uma

desestruturação familiar” (SILVA et alli, 2010: 360)

Page 96: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

94

Em nossa perspectiva de análise, a família não passa exatamente por

uma “desestruturação”. Consideramos que as diversas famílias apresentam

composições diferenciadas que podem propiciar maior ou menor suporte ao

tratamento. Claramente que a responsabilidade com as necessidades

demandas para o tratamento de saúde das crianças e dos adolescentes

adoecidos cronicamente são muitas, e principalmente no inicio do diagnóstico

as famílias levam tempo para encontrar estratégias para efetuar o cuidado e

reorganizar a rotina.

A longo prazo, acreditamos que de acordo com a rede de proteção

social e cuidado familiar e comunitário que for mobilizada, as famílias podem

lidar de forma mais eficaz com a continuidade do tratamento e com as

adversidades cotidianas apresentadas pela condição crônica de adoecimento.

Com o agravamento das desigualdades sociais, o desemprego e o sub-

emprego, a pobreza extrema, a família não consegue responder sozinha pela

proteção social de seus integrantes:

(...) as condições objetivas de vida agravadas cada vez

mais pela precariedade do trabalho, pelo aumento

exponencial dos riscos do trabalhador e consequentemente

pelo aumento da desproteção de mulheres, crianças e

outros dependentes, ratificaram progressivamente os

limites e a incapacidade do capitalismo liberal de garantir,

através apenas da família e do mercado, qualquer forma de

bem-estar coletivo. ( MIOTO, 2008: 133)

Page 97: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

95

Cabe ressaltar que no Estado brasileiro a família permanece com suas

funções demandadas nas situações de adversidade, funcionando como

“amortecedor social” frente às grandes desigualdades sócio-econômicas do

país.

Na década de 90, as políticas de ajuste estrutural que reformularam o

papel do Estado, priorizando a estabilização econômica em detrimento do

investimento em políticas sociais, contribuíram para “agravar o quadro social do

Brasil nesta década, período marcado por baixos níveis de crescimento

econômico, deterioração das condições de trabalho e renda da população;

persistência das desigualdades sociais e espaciais, e uma reorientação

profunda das políticas sociais”. (CARVALHO e MOREIRA, 2003: 113)

Contraditoriamente, com o agravamento da precarização das condições

de vida e subsistência da família se vê crescer sua responsabilidade na

proteção social. Estratégias são necessárias para que políticas

universalizantes, que propiciem maior suporte às famílias brasileiras, sejam

implementadas.

e) Sobre as políticas públicas: a inserção e acesso aos programas e

benefícios sociais

Nessa pesquisa optamos em perguntar as famílias sobre as políticas

públicas, isto é, buscamos entender o acesso das famílias e seus filhos aos

programas sociais para, assim, percebermos o conhecimento que as mesmas

Page 98: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

96

têm das políticas e direitos sociais. Verificamos, em alguns depoimentos, certa

confusão entre política pública e clientelismo e paternalismo, característica que

permeia a nossa formação política e social:

“Porque as políticas de hoje só olha para você no tempo de eleição. Chega na

sua casa, promete o céu e a terra mas quando você vai lá precisando de um

médico para o seu filho ele diz que não consegue; que não tem como ajudar e

por isso fica.” (FAMÍLIA 01)

“É, Já precisou fazer o (exame) abdômen total e está R$95,00 no particular, eu

não tinha. Aí eu fui e consegui com um vereador, ai ele foi e pegou o

encaminhamento para o SUS de SG e aí eu fui e fiz. Gratuito, pequei em

quatro dias o resultado do exame. Tem que fazer, tem que fazer né, ai tem que

meter as caras no mundo.” (FAMÍLIA 10)

As falas acima demonstram a ausência do Estado e a utilização de

estratégias clientelistas, como último recurso para facilitação do acesso a

programas e políticas. Algumas famílias demonstram um conhecimento maior

sobre os trâmites do serviço público e das redes disponíveis para acesso,

porém sofrem com a morosidade dos processos e a violência institucional, pois

a todo tempo precisam comprovar sua necessidade e terem suas vidas

invadidas e avaliadas:

Page 99: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

97

“Nós estamos no mês 12, eu ‘tô’ desde o mês 8 lutando por essa alimentação

dela, pelo colchão dela, e por bóton (para gastrostomia), já pedi também o

aspirador, desde o mês 8 tentando isso, vão várias vezes na minha casa, já

vieram até aqui no hospital visitar e nada se resolveu, já tive com ela lá

passando mal, na Secretaria de Saúde e nem assim as coisas dela saíram

entendeu, por fim quando chegam na minha casa pra visitar, porque o agente

de saúde vai junto e ela, conhecida da área, ela fica cheia de vergonha. Eu já

falei, não trás mais ninguém na minha porta que eu não vou receber. Diversas

visitas, pra quê? A última, a doutora foi lá, a secretária de saúde teve na minha

casa. Gente vocês vão vir aqui pra quê? Pra ficar olhando a minha cara, ficar

reparando o que eu tenho, pra quê, vocês não resolvem nada, a criança

necessita da alimentação, não ‘tô’ indo lá pedir porque quero não, porque ela

necessita.” (FAMÍLIA 04)

Tais questões nos levam a indagar se a política de saúde realmente tem

sido universalista numa perspectiva de atendimento integral, tendo em vista

que medicações, dietas especiais, equipamentos para a promoção de saúde de

um usuário do sistema, tem perpassado a comprovação da hipossuficiência

econômica da família. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê em seu

art. 11, parágrafo 2º que: “Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente

àqueles necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos

ao tratamento, habilitação ou reabilitação”. Contudo, os trechos abaixo

mostram uma realidade bastante diversa:

Page 100: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

98

“O bóton ate agora não veio, o colchão não veio, o colchão que tá lá é aquele

emprestado, então se der problema no motor, vou ter que arcar com tudo isso,

o que alegam pra mim é que a prefeitura não tem verba pra fazer essas

compras, entendeu. E nisso vão me enrolando, fui conversar com o conselheiro

(tutelar) ele falou que ia ser resolvido, até agora nada. Promessas e mais

promessas, toda vez que eles vão na minha casa, essa semana a gente

resolve, mas até agora nada”. (FAMÍLIA 04)

Importante dizer que as famílias não apontam somente como

necessidade de suas crianças e adolescentes programas voltados para

aquisição de medicamentos ou questões diretamente vinculadas ao tratamento,

mas demandas vinculadas à produção e reprodução de suas necessidades

materiais, assim como articulações voltadas para a inserção produtiva de seus

responsáveis.

Novamente fica claro a necessidade da efetiva articulação intersetorial,

compreendendo que a atenção integral exige uma “recusa ao reducionismo”

(Mattos, 2009) ao compreendermos que para a eficácia de um tratamento de

saúde não basta existir uma unidade de saúde que ofereça os serviços, é

necessário amparo e proteção social à família, para que hajam condições

concretas, por exemplo de adquirir a medicação e não faltar o

acompanhamento ambulatorial

O descaso e a falta de suporte para o acompanhamento do tratamento e

atendimento as necessidades destas famílias perpassam as diversas políticas

setoriais, conforme as falas a seguir:

Page 101: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

99

“Lazer principalmente, não tem, lá para onde nós moramos não tem nada de

lazer, você sabe que eu fico até pensando, porque lá para esses lugares de

favela, essas coisas, você vê, têm lazer, as pessoas têm e nós em Itaboraí não

temos, nem em São Gonçalo. Em São Gonçalo só tem o que? Só o SESC que

você paga, mas fora isso não tem um ambiente onde a criança possa brincar”

(FAMÍLIA 07).

“É acompanhado 50 %. O matriculei no projeto que tem da prefeitura lá, onde

um dia é aula de música, de cinema que depois o psicólogo pergunta como foi

o filme, aquela coisa toda, então cada dia da semana é um. Aí lá eles dão uma

atenção de 50% também. Lá é um programa da prefeitura, de assistência

social. Até porque gente, a prefeitura faz um projeto e coloca um pra 30

pessoas, também né é pedir demais, então os 50% é da Prefeitura e não para

os que trabalham. Porque não dá pra fazer milagre né?” (FAMÍLIA 10)

Nas trajetórias dessas famílias percebemos que as políticas econômicas

e sociais não tem fornecido aparatos suficientes para atender as demandas de

acesso aos serviços necessários para a atenção integral às crianças e

adolescentes cronicamente adoecidos. A partir dos casos acompanhados

notamos que grande parte é beneficiária do Programa Bolsa Família e, portanto

são famílias pobres ou extremamente pobres que necessitam de um programa

de transferência de renda para auxiliar na manutenção de suas necessidades

Page 102: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

100

materiais de forma a garantir direitos básicos como alimentação, educação e

saúde (MDS, 2010).

Ainda é grande o debate acerca dos benefícios e condicionalidades do

Programa Bolsa Família. Giram em torno da polêmica, os que apontam que

assistência social é um direito adquirido e seu repasse não deveria ser

condicional, já os defensores argumentam de que para além da transferência

de renda, tais condicionalidades visam ao rompimento do ciclo da pobreza16.

Em razão da exigência de condicionalidades, principalmente a de

frequência escolar, as famílias que possuem os filhos com grande número de

faltas, a grande maioria devido internação, tem sido prejudicadas no

recebimento, apesar de estar previsto no programa que se as faltas forem

justificadas a família continua recebendo. Por vezes, as mesmas tem o

benefício bloqueado e devido as reinternações não dispõem de tempo para

regularizar a situação. Após sucessivos bloqueios desistem de “correr atrás”.

O HUAP fornece a declaração de que a criança está internada, porém

nos casos em que as crianças não tem condições reais de freqüentar a escola,

as especificidades familiares não tem sido consideradas no acompanhamento

as famílias beneficiárias. No caso da família 04, apesar do laudo ter sido

enviado, tem períodos que o benefício é bloqueado e isto representa mais uma

penalização que a família sofre, até o benefício voltar a ser pago:

16 Para maior aprofundamento no debate ver: Senna, M.& Monnerat, G. et alli. Programa Bolsa Família:

nova institucionalidade no campo da política social brasileira? Revista Katálysis vol.10. n.1, editora

UFSC- Florianópolis, 2007.

Page 103: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

101

“O Bolsa Família demorou 3 anos pra sair. Agora sempre tem o problema de

estar suspensa, bloqueada, por ela não freqüentar a escola... Eu já levei laudo

médico, já foi explicado várias vezes que ela não tem condições de estudar

mais.” (FAMÍLIA 04)

Outro benefício que muitas crianças e adolescentes cronicamente

adoecidos tem sido contemplados é o Benefício de Prestação Continuada da

Assistência Social – BPC-LOAS17. O BPC é um benefício da assistência social,

integrante do Sistema Único da Assistência Social – SUAS, pago pelo Governo

Federal, cuja a operacionalização do reconhecimento do direito é do Instituto

Nacional do Seguro Social – INSS e assegurado por lei.

Avaliamos que a sua concessão tem sido feita de forma mais

abrangente, sem se ater apenas ao diagnóstico geral da doença, considerando

aqui as limitações na interação com o meio social e o suporte obtido pela

família. Algumas das famílias entrevistadas já recebem o benefício, outras

estão aguardando a aprovação. Algumas famílias, utilizam-se de ambos os

benefícios, Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada:

“Recebo o Bolsa Família, e eu tenho o ‘LOAS’. O ‘LOAS’ têm criança que

ganha lá no ambulatório, só que desde pequeno eu tentava e não conseguia

nada, então eu fui deixando, e aí passava dois anos eu tentava de novo,

17 Aparece primeiramente na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) - Lei 8742/1993 e é

regulamentado pelo Decreto nº 6.214/2007. É direcionado as pessoas com deficiência incapacitada para

vida independente e para o trabalho e idosos. Na avaliação da concessão do benefício para crianças e

adolescentes são avaliadas suas limitações cotidianas e a restrição de sua sociabilidade e participação

comunitária.

Page 104: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

102

passava cinco anos eu tentava de novo, e aí era negado, era negado, e aí

deixei pra lá. Botavam no papel porque que foi negado e eu desistia (...) e aí

não corria atrás. Foi em maio do ano passado, e aí pensei, vou lutar pelo direito

do meu filho, porque não tá dando, parece que eles vão criando idade vai

diminuindo a nossa...assim, mas gasto ele vem. E aí eu resolvi batalhar, aí eu

insisti, fiquei ligando, marcando perícia, pegando exame e levando, aí eu

tentava por São Gonçalo, aí tentei em Niterói e consegui no mesmo dia.”

(FAMÍLIA 08)

Porém ainda há, aquelas que não conseguem nenhum benefício

assistencial devido a renda que possuem, não estar dentro dos critérios

previamente estabelecidos em lei - um quarto do salário mínimo per capita -

para consessão do benefício, tendo em vista que o primeiro critério de inserção

para solicitar o amparo assistencial é a renda familiar.

Nossa principal critica é que a aprovação da liberação do Benefício

considera apenas o que a família recebe, porém não realizam uma interrelação

as suas despesas fixas. Ou seja, o cálculo da renda não leva em consideração

que as famílias com crianças e adolescentes cronicamente adoecidos possuem

gastos previamente determinados e muitas vezes de valor elevado,

necessitando de auxílio do Estado.

“ Quando ela deu o formulário eu cheguei no INSS, eles me devolveram porque

a mãe dele tinha carteira assinada. Aí a gente não conseguiu. Na época ela

ganhava uns quatrocentos e poucos reais. Acho que um salário mínimo. Ela

Page 105: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

103

está querendo fazer um acordo lá no trabalho, ela até já conversou com o

chefe dela isso, ela faz um acordo e ela dá baixa na carteira dela por um

tempo, até a gente conseguir. É essencial porque contribui muito com a

compra dos remédios dele. Esses que a gente não consegue e já faria

diferença”. (FAMÍLIA 07)

“Se tivesse uma assistência, um benefício, que seria só pra ela, assim, pra

medicamento, locomoção, essas coisas, seria bem mais fácil(...) Assim, disse

lá no INSS por causa da renda familiar que não chega a porcentagem que é

exigida por eles (para ter direito ao benefício). Sou separada do meu marido e

tenho mais 2 filhos. Aí são meus 2 filhos e mais eu, e ainda pago aluguel.”

(FAMÍLIA 05)

Levantamos também, ancorado em nossa experiência prática, que a

preocupação da família em ter o benefício negado é tamanha, que apesar da

requisição do benefício possuir um protocolo a ser seguido, e critérios técnicos

bem delimitados para aprovação, alguns responsáveis, acreditam que

conhecendo “alguém de dentro”, a liberação é mais fácil. Permanece a noção

de “jeitinho” e da “política do conhecimento”:

“Eu tô esperando a resposta do benefício dele do INSS, o do salário mínimo e

tal (...). Eu tive um empurrãozinho de pessoa para dar entrada, eu fui aqui em

cima (agência do INSS próxima ao hospital). Só fiz o CPF dele que não tinha e

tive que trazer e teve que declarar toda doença que ele tem, eu achei difícil

Page 106: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

104

isso. Conhecido de uma colega minha perguntou se eu tinha problema, se ele

tinha benefício; eu falei que não aí ela mandou marcar um dia para eu vir aqui

que ela trabalha no meio (...)Eles colocam tanto empecilho já para você

desistir.” (FAMÍLIA 01)

As famílias entrevistadas afirmam que uma das dificuldades para dar

entrada nos programas e benefícios é o excesso de exigências associada à

falta de tempo dos mesmos, que já possuem a rotina sobrecarregada pela

várias vindas para acompanhamento ambulatorial, marcação de consultas e de

exames e realização destes:

“Já dei entrada no INSS, pelo benefício, agora só tem que resolver o restante

das documentações pra poder levar lá. Tá sendo um pouco complicado lá,

porque eu imaginava chegar lá e ir pra perícia logo, porque tem pra criança né,

mas eu liguei agendei, nada... eu fui, preenchi o formulário, ai ficou faltando

algumas documentações que eu tenho que levar, ai tem o prazo de 30 dias pra

eu levar, então quer dizer, agora só me resta uns 15 dias pra eu levar. Esse

tempo eu fiquei aqui no hospital com ela, aí agora, vou ver se amanhã consigo

resolver alguma coisa” (FAMÍLIA 02)

“Agora eu consegui, aliás, vou entrar com passe livre que eu peguei uma

declaração para poder pegar o passe livre dela.(...) Falta mais é de tempo

mesmo pra poder, que tem que pegar uma declaração, depois tem que levar

pro médico, preencher, pra depois levar pra lá de novo e leva um bom tempo

Page 107: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

105

pra poder eles aprovarem, porque primeiro eles vão fazer um estudo pra ver se

precisa mesmo com acompanhante ou não. Aí a gente espera um bom tempo

pra poder ter essa respostas.” (FAMÍLIA 05)

Temos que considerar que ainda assim muitos estão inseridos nos dois

grandes benefícios da política social contemporânea, o BPC e o Programa

Bolsa Família, o que nos leva a indagar se o suporte que o Estado oferece é

suficiente para superar a enorme desigualdade deste país. Portanto, será que

os programas existentes e os mais acessados como Passe livre, PBF, BPC são

suficientes para dar conta das demandas e necessidades de famílias que

portam necessidades especiais, no caso, com filhos adoecidos cronicamente?

Consideramos que não.

De acordo, com Lavinas e Cavalcanti (2007) apesar dos avanços da

política previdenciária e das políticas compensatórias de transferência de

renda, estes são insuficientes para a proteção da família brasileira:

As políticas (LOAS) ou programas (Bolsa-Família) que

transferem renda monetária são instrumentos ex-post de

alívio da pobreza, sujeitos à comprovação de insuficiência

de renda, e não se destinam propriamente à sustentação

das famílias, atenuando eventuais riscos. Somente os

comprovadamente pobres podem habilitar-se. Essas

transferências não se constituem, portanto, em direito,

ainda que na prática a concessão do BPC tome quase

Page 108: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

106

sempre caráter permanente (...) Do ponto de vista da

garantia de uma renda mínima e de uma atuação

preventiva para anular riscos e reduzir sua incidência nos

grupos vulneráveis, o sistema de proteção brasileiro

continua inacabado. (LAVINAS e CAVALCANTI,

2007:250)

Os autores alertam que não há uma política de proteção à família e às

crianças que possam atuar ex-ante para dirimir os riscos decorrentes de

situações de desproteção social. Defendem que o foco não deveria estar

apenas na saída da população da extrema pobreza e sim, na proteção as

situações de risco “que podem ferir dotações e comprometer o

desenvolvimento sadio e produtivo da população” ((LAVINAS e CAVALCANTI,

2007:253)

Nesta direção que consideramos que deveria haver uma política pública

direcionada para estas famílias, com crianças e adolescentes cronicamente

adoecidos, que apesar de terem a maioria dos responsáveis com capacidade

laborativa, não usufruem de nenhum tipo de apoio no acompanhamento do

processo saúde-doença de seus dependentes.

As famílias acompanhadas no estudo são na maioria chefiadas por

mulheres que tem a sua capacidade de inserção no mercado de trabalho

comprometida. Esta é uma situação que compromete a continuidade do

sustento a esta família, que possui períodos que precisam ausentar-se do

trabalho e que apesar de ser possível a comprovação destes através das

Page 109: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

107

declarações, relatórios e laudos da equipe de saúde, são a grande maioria,

dispensados e impedidos de continuarem trabalhando.

g) Dificuldades para a adesão e continuidade do tratamento

Para as crianças e os adolescentes que necessitam de um suporte para

reabilitação (fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional) percebemos que

estes contam com uma rede dominada por Associações e ONGs, embora

alguns também sejam atendidos na rede de saúde municipal que geralmente é

precária ou sofre por falta de vagas, ocasionando uma longa fila de espera.

Esta problemática é abordada pela famílias 02, 04 e 07:

“O acompanhamento com a fonoaudiologia, vai ser 2 vezes na semana, eu

moro em Maricá, acompanhamento em Niterói, na AFR (Associação

Fluminense de Reabilitação) em Maricá não tem estrutura pra ela, pro

tratamento que ela necessita. Lá não tem, realmente não tem” (FAMÍLIA 02)

“Ela chegou a começar (a fisioterapia), foi interrompido, porque falta muito, por

interna né, então essas vagas não ficam muito seguras, tem outras crianças.

Eles falam que não tem como, assim, é atender a todo mundo então tem outras

crianças esperando na fila. Ela tem muitas faltas, não tem condições de ficar.

Consegui na Pestalozzi em Itaboraí. Que por sinal é muito precário. (Família

04)

Page 110: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

108

“Quando ele operou o pé torto e depois da cirurgia o médico falou que ele

tinha que fazer fisioterapia (...). ele passou as primeiras dez sessões de

fisioterapia e aí eu fui lá fazer em Itaboraí, aí quando eu cheguei lá ela me

mandou assinar as dez na folha, as dez sessões logo de uma vez só, e eu

assinei. Toda vez que eu chegava lá ela não podia fazer porque estava

ocupada, ou estava sozinha, quando ela terminava de fazer, eu acho que o

convênio, qualquer coisa, aí já tinha passado do horário, consegui fazer uma,

mas eu assinei as dez.” (FAMÍLIA 07)

Percebemos que as famílias divergem quanto a qualidade do

atendimento prestado pelas associações. Porém é consenso que a rede de

reabilitação precisa ser aprimorada. Algumas deslocam-se, pois não há

tratamento no município de origem, outras não prosseguem com o tratamento,

outras aguardam vaga para serem inseridas. O Hospital Universitário Antônio

Pedro não dispõe de equipe interdisciplinar de suporte para reabilitação voltada

para o atendimento à crianças e adolescentes tanto ambulatorialmente, quanto

durante a internação. Por isso, psicologia, fonoaudiologia, fisioterapia e terapia

ocupacional precisam ser acionados pela rede local dos usuários.

Considerarmos a invisibilidade ainda existente da necessidade de

políticas públicas específicas ou de qualificação nas já existentes para a

efetivação do atendimento integral a crianças e adolescentes cronicamente

adoecidos, entendendo o impacto que isto tem na vida destes sujeitos e de

suas famílias.

Outras dificuldades são elencadas pelas famílias:

Page 111: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

109

Medicação e cuidados especiais:

A partir de nossa experiência prática de atendimento à estas famílias

acreditamos que a possibilidade de internações recorrentes e mais

prolongadas também está relacionada a essas condições em que o

acompanhamento e o cuidado são realizados, onde o poder público age

morosamente ou ausenta-se como no acesso a questões básicas para

manutenção do tratamento e controle da doença:

“A maior dificuldade que tenho é o remédio. O remédio que ele toma é três

tipos (...) Um eles ainda te dão. O que mais preciso eles não dão. A gente vai

no processo, leva não sei para onde para ver se leva resposta positiva. Estou

esperando vai fazer dois meses já e resposta nenhuma ainda”. (FAMÍLIA 01)

“Em casa, realmente é como lidar com a gastrostomia dela, é como lidar, é

tudo em seringa, as medicações, fica complicado até de conseguir as seringas,

as medicações dela, passar dietas. Lá (em Maricá) é muito difícil, muito

complicado, porque lá tem que fazer cadastro, tem que enfrentar fila pra fazer

cadastro, pra poder conseguir alguma coisa, é muito complicado, até pra

simples medicações é difícil, lá a maioria das coisas, tudo tem que conseguir

na justiça.” (FAMÍLIA 02)

Page 112: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

110

Neste sentido, questionamos onde estão as respostas governamentais a

este grupo específico que demanda ações para suas situações de saúde,

incorporando tanto as ações preventivas quanto as assistenciais, já ressaltadas

por Mattos (2009).

Transporte e assistência em caso de emergência

As famílias atendidas vivem situações de tensão e desespero, com o

risco de morte de suas crianças e adolescentes por falta de efetividade do

serviço público. Aparece recorrentemente também no discurso das famílias a

preocupação com seus filhos “passarem mal à noite” e de não haver transporte

ou então de não haver assistência médica emergencial de qualidade próximo à

residência:

“Sobre o transporte, porque a gente não tem como andar de madrugada com a

criança sem ônibus, sem ambulância, porque somos pobres, não tem carro,

não conhece ninguém que tem carro, quando acha um vizinho pra trazer, então

eu acho assim, seria importante ter assim um carro. Um programa pra quando

ligar ter alguém pra trazer nosso filho, porque é muito triste, é muito triste, só a

gente sabe o que passa, quem tem um filho com anemia falciforme sabe o que

passa pelo caminho que são muitas barreiras. Já tive até taxista se comover na

rua e me trazer aqui de graça. É muito triste, é muito triste.” (FAMÍLIA 08)

Page 113: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

111

“Onde eu moro se passar mal, ela não tem uma assistência lá, liga pra SAMU,

você fica um tempão esperando, fica tocando aquela musiquinha, você não é

atendido, demoram horas pra vir. Até lá você tem que pegar um ônibus, dar

seu jeito e socorre porque senão a criança fica lá, e lá em Itaboraí não tem a

parte da neurocirurgia, e lá é só assim, primeiros socorros e o resto tem que vir

pro Antônio Pedro, lá a parte médica pra eles é muito precária”. (FAMÍLIA 04)

Observamos, então, que estas famílias se mostram inseguras no

atendimento às situações inesperadas, quando precisariam recorrer à unidade

de saúde mais próxima, principalmente as que possuem atendimento de

emergência. Com efeito, as famílias consideram que não há estrutura para

atenderem a demanda de seu filho. Destacamos, assim, que não vem

ocorrendo a garantia da atenção nos três níveis de complexidade da

assistência, defendido por Giovanella et alli (2002) como requisito para a

atenção integral.

Alimentação

Conforme apontamos em nosso capítulo inicial a saúde possui diversos

fatores determinantes e condicionantes e a alimentação,é um destes (Lei Nº

8.080/ 1990. Título I, Art. 3º). As crianças e os adolescentes cronicamente

adoecidos precisam ter uma alimentação adequada que, inclusive, faz parte de

seu tratamento:

Page 114: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

112

“O que muda, é que sempre tem que tá fazendo exame, ela faz exame quase

todo mês, tem sempre que tá mudando a dieta dela, que é complicada, e ela

quando começa a ficar com anemia”. (FAMÍLIA 03)

“(...) alimentação, uma coisa de necessidade. (...) um alimento que custa 52

reais que tá uma lata agora, uma lata que gasta por dia, como que eu vou

comprar com um salário mínimo?”. (FAMÍLIA 04)

“É a medicação, é o ácido fólico que tem que ser todos os dias, a alimentação

tem que ser boa”. (Família 08)

Porém as famílias relatam dificuldades em conseguirem o fornecimento

de leites especiais ou suplementos alimentares fornecidos pelo Estado, apesar

da equipe de saúde encaminhar laudo contendo relato médico, social e

nutricional:

‘Estou tendo dificuldade sobre a alimentação dela, porque eu tenho lutado, tô

desde o mês 8 lutando pra conseguir a alimentação dela e não tenho

conseguido, no caso seria para ela usar 25 latas por mês, quando vem, vem 10

do suplemento alimentar, né. Já botei na justiça e mesmo assim tá demorado,

falaram pra esperar 10 dias, tô esperando já tem quase 1 mês, e até agora não

obtive resposta nenhuma, mesmo estando no Ministério Público, é uma criança

que precisa de uma alimentação bem melhor, não pode faltar à carne, o

legume, uma fruta e tudo que é caro e a gente não tem assistência nenhuma

Page 115: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

113

lá, em relação a nada disso. (...) Tem o CRAS, PAIF pra dizer que tem, que

assistência nenhuma a gente tem”. (FAMÍLIA 04)

O discurso da família acima demonstra que, apesar da utilização de

expedientes jurídicos, a população ainda enfrenta dificuldade em acessar um

direito básico como a alimentação. Neste sentido, reafirmamos que para a

ocorrência de uma atenção integral em saúde a ação articulada entre os

profissionais que atendem estas famílas e a articulação intersetorial entre os

serviços e políticas é imprescindível. Por isto, Giovanela et alli refere-se à

saúde como “um campo de conhecimento que exige a interdisciplinaridade e

como campo de práticas que exige a intersetorialidade”. (GIOVANELLA et alli,

2002: 45).

Descontinuidade do serviço público

Algumas crianças e adolescentes que são acompanhados por

especialidades pediátricas que são mais raras nos serviços públicos também

sofrem com a descontinuidade do atendimento na saída do profissional.

Sabemos que o serviço público está defasado em recursos humanos e está

cada vez mais terceirizando e precarizando os serviços.

Neste sentido que Mattos (2009) enfatiza a necessidade de ações

programáticas e de organização dos serviços, de forma ao tratamento não ser

interrompido subitamente sem os casos serem referenciados para outro

Page 116: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

114

unidade de saúde de forma articulada, com uma oferta organizada dos serviços

com fluxos definidos (GIOVANELLA et alli, 2002):

“Já (tivemos que interromper o tratamento), mas porque aqui o médico fechou

e não tinha mais hematologia pediátrica e ai ficamos uns meses sem consultar

e ai como a bisa era viva ela fez um plano de saúde onde ele ficou consultando

um tempo, e aí eu corri atrás (...). Cheguei aqui já não tinha mais e eu não

sabia para onde que tinham mandado o restante dos pacientes e eu fiquei sem

saber o que fazer”. (FAMÍLIA 08)

Podemos concluir que as chances de interromper o tratamento ou de

agravamento da condição clínica de adoecimento são enormes em razão da

situação de pobreza/desigualdade social aliada a inexistência de proteção

pública adequada.

Os remédios de alto custo e uso contínuo devem ser garantidos aos

usuários do SUS, assim como leites especiais e complementos alimentares. É

o que estabelece a Lei Orgânica da Saúde e, inclusive, em nosso caso

específico o artigo 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente,

Entretanto, o caminho da justiça tem se colocado para as famílias como

a alternativa cada vez mais recorrente. A judicialização da saúde é a face

aparente da demanda reprimida pela saúde. As Defensorias Públicas e o

Ministério Público tem se tornado portas de entrada e talvez de triagem do

acesso a Saúde, que a princípio seria universal, os processos judiciais tem

Page 117: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

115

transformado-se em verdadeiro protocolo para liberação de medicamentos e

itens alimentícios.

h) Estratégias de enfrentamento encontradas pelas famílias

Notamos que em meio a precariedade de recursos e proteção social,

diversas estratégias são mobilizadas por estas famílias para prosseguirem com

o tratamento de suas crianças e adolescentes. Porém, é inegável que estas

famílias tem sido penalizadas várias vezes diante do descaso do Estado.

As famílias podem não suportar por muito tempo o

enfrentamento das condições impostas pela doença e seu

tratamento. As dificuldades financeiras enfrentadas

tornam a experiência de vivenciar a doença crônica na

infância ainda mais dolorosa. (SILVA et alli, 2010: 361)

Algumas recorrem a justiça, outras contam com as redes de

solidariedade (vizinhos, igreja, parentes, amigos):

" A alta dele dependia do aparelho de verificar a diabetes aí eu comprei um. A

doutora me emprestou o dela, mas eu tinha que devolver, aí eu pedi pros

amigos lá na igreja e eles compraram né pra eu pagar depois quando eu puder.

A medicação consegui. (...)O doutor (endócrino) me deu um laudo bem

Page 118: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

116

apimentado sabe? (...) A seringa não tem, eu tenho que comprar a seringa

porque não tem. E a agulha também tem que comprar. ” (FAMÍLIA 07)

Outras famílias se apropriam, em parte, de alguns programas como as

Farmácias Populares ou Universitárias, embora reconheçam que as mesmas

só contemplam algumas medicações e, por vezes os remédios não encontram-

se para dispensação:

“Compro (os remédios) aqui na farmácia do Antônio Pedro, que é mais barato.

Teve uma época que não teve aqui, eu fui conseguir comprar numa farmácia

da Marinha no Rio, porque um conhecido meu falou que lá tinha (...). As

farmácias populares, umas tem, outras não tem e as que tem, tem que

encomendar e é 135 reais”. (FAMÍLIA 03).

“Medicação a gente corre atrás, não pode deixar de comprar, tem a farmácia

aqui que é mais barato o remédio. Tem o posto de saúde que eu fiz o cadastro

dele lá e sempre que eles me dão a receita eu consigo pegar, nem sempre

não, mas a maioria das vezes eu consigo”. (FAMÍLIA 10)

Apesar das famílias pontuarem que recorrem à inscrição em alguns

programas, freqüentarem também os postos de saúde, utilizarem os serviços

da Farmácia Popular, notamos que mesmo assim ainda acabam pagando, com

Page 119: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

117

sacrifício, um exame ou medicação, devido a morosidade na obtenção dos

mesmos:

“Tem que arrumar dinheiro. R$ 40,00 uma caixinha com 60 comprimidos Se eu

entrar na justiça em Itaboraí vai ser a mesma demora”. (FAMÍLIA 01)

“Os remédios que a gente não consegue na Secretaria, a gente compra. Teve

um tempo antes dele vir pra cá que ele ficou mais de um mês sem tomar o

remédio, mais de um mês, um mês mais ou menos entre um pagamento e

outro, porque eu também fiquei doente e tive que comprar remédio pra mim”

(FAMÍLIA 07)

A pesquisa bibliográfica realizada já nos demonstrou a defasagem em

pensar o atendimento integral a este segmento populacional, principalmente no

âmbito do Ministério da Saúde, o que alerta-nos para uma grande contradição

tendo em vista o aumento desta demanda e o necessário planejamento das

ações de cuidado em saúde com estes sujeitos, que, em sua maioria,

necessitam de atendimento em todos os níveis de complexidade do SUS e de

uma rede de proteção social articulada.

Os resultados da pesquisa confirmam que as famílias são

responsabilizadas em prover o acesso aos serviços necessários para seus

filhos, além de prestar os cuidados que as crianças e adolescentes necessitam.

Percebemos uma sobrecarga do núcleo familiar, principalmente das mães, que

poderia ser minimizada por meio da articulação de políticas públicas voltadas

Page 120: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

118

para este segmento populacional e da construção de fluxos e redes de

atendimento integrados que, de fato, possam atender as demandas das

famílias com crianças e adolescentes cronicamente adoecidos.

Notamos que no caso de algumas doenças a rede de saúde possui

programas específicos de atenção, como, por exemplo, a diabetes, o que

facilita o acesso ao tratamento, porém mesmo assim não é fornecido todo o

suporte necessário. Nos outros casos, a maioria das medicações ou outros

equipamentos necessários para o cuidado das crianças e dos adolescentes

cronicamente adoecidos, geralmente são acessados após uma ampla espera

por meio de um processo administrativo junto às Secretarias Municipais ou

Estaduais de Saúde ou mesmo através de processos judiciais, apesar da

construção de políticas e ações integradas já serem previstas na forma da lei:

O dever do Estado de garantir a saúde consiste na

formulação e execução de políticas econômicas e sociais

que visem à redução de riscos de doenças e de outros

agravos e no estabelecimento de condições que

assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos

serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

(Lei Nº 8.080/ 1990, artigo 2º, § 1º)

Diante dos eixos selecionados para problematizarmos o universo da

atenção e cuidado às crianças e aos adolescentes cronicamente adoecidos e

Page 121: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

119

dos diversos dilemas apontados por suas famílias destacamos que a atenção

integral neste cenário de desigualdade social no qual vivemos necessariamente

só pode ocorrer quando há ação do Estado fornecendo proteção social às

famílias, e prioritariamente, às crianças e aos adolescentes.

Page 122: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

120

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão sobre a doutrina da proteção integral definida no Estatuto

da Criança e do Adolescente reforça a necessidade de implementação da

intersetorialidade. São concepções complementares para orientar o

atendimento da infância na área da saúde.

Neste trabalho priorizamos um dos sentidos da integralidade, que

consideramos ser o acesso aos diferentes níveis de serviços e de políticas

públicas que atendam as necessidades plurais e particulares destes indivíduos

e de suas famílias, entendendo que estas contribuem para a promoção de sua

saúde.

Portanto, precisamos atentar que as batalhas no acesso e na

continuidade do tratamento à saúde e a outras políticas sociais ainda ocorrem

na esfera individual e as possibilidades existentes para a efetivação dos

princípios e diretrizes do SUS só se concretizarão a partir de uma articulação

entre as políticas sociais e econômicas que propiciem o atendimento as

necessidades de saúde e de reprodução social dos sujeitos singulares.

Para pensarmos o atendimento integral a estas crianças e aos

adolescentes e as suas famílias, precisamos avaliar as condições concretas de

vida, a situação sócio-econômica, sua inserção na comunidade e as redes de

solidariedade no acompanhamento ao tratamento, ou seja precisamos enfatizar

sua proteção social.

Portanto, os determinantes sociais da saúde são a todo tempo

considerados, evidenciando a necessidade de uma articulação intersetorial

Page 123: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

121

para (re) pensar o atendimento em saúde, considerando elementos

fundamentais como alimentação, habitação, educação, renda/trabalho/emprego

e transporte, para a concretização da integralidade.

Consideramos que a falta destes condicionantes, dentre outros,

repercute na dificuldade de continuidade do tratamento. Dessa forma, os

usuários dos serviços de saúde, permanecem mais tempo internados ou com

maior número de internações por dependerem de garantias de aparatos e

políticas que poderiam permitir a transformação desta realidade, contribuindo

para uma redução do tempo de hospitalização e para a melhoria de sua

qualidade vida.

A pesquisa buscou contribuir com um diagnóstico da situação e

realidade das famílias com crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e

percebemos que há dilemas para que responsáveis e seus filhos e filhas

consigam participar continuamente de espaços essenciais como o trabalho e a

escola, tendo suas trajetórias interrompidas de diferentes formas.

As entrevistas reforçam que as famílias permanecem sobrecarregadas

no cuidado e na proteção aos seus membros. As mulheres, principalmente, são

as “cuidadoras” principais e possuem uma inserção precária ou não estão

inseridas em um trabalho formal. Políticas de amparo e proteção social aos

trabalhadores, emprego protegido e com direitos sociais poderiam fornecer a

estas famílias maior tranquilidade no cuidado e acompanhamento do

tratamento de seus filhos e filhas.

Observamos também que as suas necessidades referentes à aquisição

de medicações e insumos demoram a ser atendidas e por vezes as famílias

Page 124: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

122

não conseguem a dispensação. O Estado omite-se ou impõe burocracias que

dificultam o atendimento destas famílias nos serviços públicos e o recebimento

de benefícios sociais.

A rotina familiar torna-se desgastante devido aos inúmeros protocolos de

marcação e solicitação de exames, processos administrativos para aquisição

de insumos e medicações e por vezes atendimentos em diferentes unidades de

saúde que geralmente são distantes da residência destes usuários.

Outro ponto relevante posto para a integralidade da atenção aos

pacientes cronicamente adoecidos é debatermos a organização dos serviços

evitando a descontinuidade do cuidado em virtude de falta de especialidades,

aprimorando a referência e a contrarreferência, assim como a dificuldade na

obtenção de exames, marcação de consultas e demora para o atendimento.

Reforçamos que para isto ser alcançado, a intervenção do Estado e do

sistema de garantia de direitos é fundamental, assim com a participação da

rede familiar e social. Salientamos o enorme desafio na atual conjuntura

neoliberal, onde a base das relações sociais passa a ser a mercantilização, a

descoletivização e despolitização de direitos, num contexto de agravamento

das expressões da “questão social”. (BEHRING e BOSCHETTI, 2006).

Como trabalhadores do SUS, em busca da concretização do

atendimento integral, devemos também reavaliar nossas práticas, exercitar

nossa escuta atentando para as necessidades da população usuária dos

serviços de saúde. Se restringirmos nossas “boas práticas” ao alcance da cura

da doença, renegamos a relevância do processo de construção de vínculos

Page 125: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

123

com os mesmos e do aprendizado no cuidado, principalmente nestes casos

onde não há perspectiva de cura atualmente.

Os entraves no acesso e/ou efetivação/ implementação das políticas

públicas também foi acompanhado através de observação participante das

principais questões levantadas e recorrentes no espaço do Fórum Ampliado de

Políticas de Promoção da Saúde de crianças e adolescentes com Doenças

Crônicas e Deficiências e suas famílias, que envolveu profissionais e famílias,

onde foi possível ouvirmos também as instituições ali representadas e as

questões destacadas

O Fórum só conseguiu organizar dois encontros o que demonstra a

dificuldade em construir e manter um espaço coletivo e organizado para

conquistas na esfera dos direitos de cidadania. Porém, foi um marco na

mobilização para discutirmos as lacunas das políticas e as urgências no

atendimento às necessidades de saúde destas crianças, adolescentes e suas

famílias

Consideramos importante aprofundar os estudos sobre esta temática,

que possui como proposta fundamental afirmar que as crianças e os

adolescentes com doenças crônicas constituem uma demanda expressiva para

a formulação e a implementação de políticas públicas equitativas18que

amparem a estas e suas famílias, contribuindo para a promoção de sua saúde

e para uma vida com qualidade e, se possível, o maior tempo fora dos limites

do hospital.

18 Ver MENDONÇA, M. H. M. O desafio da política de atendimento à infância e adolescência na

construção de políticas públicas eqüitativas. In: Cadernos de Saúde Pública nº 18, Rio de Janeiro, 2002.

(suplemento) p. 113-120.

Page 126: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

124

Desta forma, o presente trabalho justifica-se devido à invisibilidade ainda

existente da necessidade de políticas públicas específicas ou de

aperfeiçoamento nas já existentes para a efetivação do atendimento integral a

crianças e adolescentes com doenças crônicas, entendendo o impacto que isto

tem na vida destes sujeitos e de suas famílias.

A partir da realidade apresentada, verificamos que as possibilidades

existentes para a efetivação dos princípios e diretrizes do SUS só se

concretizarão a partir de uma articulação entre as políticas sociais e

econômicas que propiciem o atendimento as necessidades de saúde e de

reprodução social dos sujeitos.

Inegavelmente, avançamos na criação de algumas leis, porém ainda há

dificuldade em aplicá-las. Outras não atendem amplamente as necessidades

específicas destes sujeitos, como o Vale Social, por exemplo. Em nossa

perspectiva estes benefícios funcionariam se estivessem articulados a outras

alternativas como maior investimento em transportes próprios da saúde para

atendimento ambulatorial, maior eficiência no atendimento às chamadas de

urgência, etc.

Concluímos que há muito para avançarmos para o atendimento integral

estabelecer-se no SUS. Se compreendermos que as batalhas no acesso e

continuidade do tratamento à saúde ainda travam-se na esfera individual,

assim como no âmbito de outras políticas públicas, as possibilidades existentes

para a efetivação dos princípios e diretrizes do SUS só se concretizarão a partir

de uma articulação entre as políticas sociais e econômicas que propiciem o

Page 127: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

125

atendimento as necessidades de saúde e de reprodução social dos sujeitos em

desenvolvimento.

Desta forma, apontamos que não podemos avaliar adesão e

continuidade ao tratamento se não aferirmos se o poder público fornece as

condições concretas destas famílias atenderem as necessidades de saúde de

suas crianças e adolescentes.

Compreendemos a relevância social da elaboração de políticas públicas

diferenciadas para atender as necessidades dos diversos segmentos

populacionais e suas especificidades, com a cautela de não incentivarmos a

fragmentação da atenção em saúde o que viria de encontro à nossa defesa

sobre a necessidade da implementação da integralidade e da atenção

ampliada em saúde, para tanto é primordial a construção de políticas mais

igualitárias e de sistemas e de práticas de saúde mais êquanimes.

Page 128: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

126

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BEHRING, E. R. Brasil em contra-reforma – desestruturação e perda de

direitos. SP: Cortez, 2008

BIRMAN, J. Os sentidos da Saúde. In: Physis:Revista Saúde Coletiva, Rio de

Janeiro, 9, p.7-12, 1999.

BRASIL. LEI Nº 8.080/ 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção,

proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos

serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, 19 de setembro de

1990.

__________. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069 de 03 de julho

de 1990.

__________. Agenda de Compromissos para a Saúde Integral da Criança e

Redução da Mortalidade Infantil. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

_________. Relatório final da 8ª Conferência Nacional. Brasília: Ministério da

Saúde, 1986

_________. Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996. Brasília, Conselho

Nacional de Saúde, 1996

Page 129: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

127

_________. Resolução nº 02 de 15 de agosto de 2001. Institui Diretrizes

Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília, Conselho

Nacional de Educação, 2001.

__________. “A Saúde de adolescentes e jovens: uma metodologia de auto-

aprendizagem para equipes de atenção básica de saúde: módulo avançado”.

Brasília: Ministério da Saúde, 2002

__________. Programa Bolsa Família: Agenda da família. Brasília: Ministério

do Desenvolvimento e Combate à Fome, 2010.

CAMARGO JR, K. R. de. “Das necessidades de saúde à demanda socialmente

construída”. In: Pinheiro, R. e Mattos, R. A. de (orgs.).Construção social da

demanda – direito à saúde, trabalho em equipe, participação e espaços

públicos. RJ: CEPESC, IMS/UERJ/ABRASCO, 2010. 2ª edição.

CAMPOS, G. W. S. e DOMITTI, A. C. “Apoio matricial e equipe de

referência:uma metodologia para gestão do trabalho em saúde”. In: Cadernos

de Saúde Pública, nº 23 (2), RJ, fev, 2007

CARDOSO, C. A. A. Perfil epidemiológico dos pacientes internados nas

enfermarias de Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro da

Universidade Federal Fluminense (HUAP-UFF). Projeto de Pesquisa, 2009.

Page 130: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

128

CARVALHO, I. M. M. de e ALMEIDA, P. H. Família e Proteção social. In: São

Paulo em perspectiva, 17 (2): 109-122, 2003.

CECÍLIO, L.C. de O. “As necessidades de saúde como conceito estruturante na

luta pela integralidade e eqüidade na atenção em saúde”. In: PINHEIRO, R. e

MATTOS, R. A. de. Os Sentidos da Integralidade na atenção e no cuidado à

saúde. Rio de Janeiro, 2009. 8ª edição.

CECCIM, R. B. e FEURWERKER, L. C. “Mudança na Graduação das

profissões de saúde sob o eixo da integralidade”. Cadernos de Saúde Pública.

Rio de Janeiro, 20/5, 2004.

COELHO, T. D. A. A atenção integral às crianças e adolescentes em uma

unidade de saúde: Possibilidades e Limites. Monografia de especialização.

Faculdade de Serviço Social/UERJ, julho/2009.

COLLET, N. e ROCHA, S. M. M. Criança hospitalizada: mãe e enfermagem

compartilhando o cuidado. Revista Latino-Americana de Enfermagem [online],

2004, vol.12, n.2, pp. 191-197.

CONILL, E. M. “Avaliação da integralidade: conferindo sentido para os pactos

na programação de metas dos sistemas municipais de saúde”. In: Cad. Saúde

Pública, Rio de Janeiro, 20(5):1417-1423, set-out, 2004

Page 131: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

129

COSTA, A. M et alli. Intersetorialidade na produção e promoção da saúde. In:

CASTRO, A. e MALO, M (orgs.) SUS: ressignificando a promoção da saúde.

São Paulo: Ed. HUCITEC/ OPAS, 2006.

DESLANDES, S.F. e GOMES, R. A pesquisa qualitativa nos serviços de saúde:

notas teóricas. In: BOSI, M.L.M., MERCADO, F.J. (orgs.) A pesquisa qualitativa

de serviços de saúde. Petrópolis: Vozes, 2004. p.99-120.

FALEIROS, V. de P. Infância e processo político no Brasil. In: RIZZINI, I. e

PILOTTI, F. (orgs.). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais,

da legislação e da assistência à infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. 2ª

edição. P. 33-96.

GIOVANELLA, L. et alli. Sistemas municipais de saúde e a diretriz da

integralidade da atenção: critérios para avaliação. In: Ver. Saúde em debate,

RJ, v. 26, n. 60, p. 37-61, jan/abr. 2002

GOMES, R. Pesquisa Qualitativa em Saúde. IFF/FIOCRUZ. Pós Graduação

em Saúde da Criança e da Mulher. Material didático, 1º semestre 2010.

IAMAMOTO, Marilda. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e

formação profissional. 13 ed. São Paulo: Cortez, 2007

Page 132: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

130

HORTA, N. de C. e SENA, R. R. de. Abordagem ao adolescente e ao jovem

nas políticas públicas de saúde do Brasil: um estudo de revisão. In: Revista

Physis, Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 20 [ 2 ]: 475-495, 2010

NUNES, E. D. “Saúde Coletiva: história de uma idéia e de um conceito”. In:

Revista Saúde e Sociedade, 3/4, São Paulo, 1994.

MATTOS, R. A. de. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de

valores que merecem ser defendidos. In: PINHEIRO, R. e MATTOS, R. A. de.

Os Sentidos da Integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro:

IMS/UERJ, ABRASCO, 2009. 8ª edição.

_______________. “A integralidade na prática (ou sobre a prática da

integralidade)”. In: Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(5):1411-1416, set-

out, 2004

_______________. “Direito, necessidades de saúde e integralidade”. In:

PINHEIRO, R. e MATTOS, R. A. de (orgs.).Construção social da demanda –

direito à saúde, trabalho em equipe, participação e espaços públicos. RJ:

CEPESC, IMS/UERJ/ABRASCO, 2010. 2ª edição.

MACHADO, S. P e KUCHENBECKER, R. Desafios e perspectivas futuras dos

hospitais universitários no Brasil. In: Ciênc. saúde coletiva v.12 n.4 Rio de

Janeiro jul./ago. 2007

Page 133: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

131

MAZZOTA, M. J. da S. Reflexões sobre inclusão com responsabilidade. In;

Revista @ambienteeducação. São Paulo, v. 1, n. 2, p. 65-168, ag/dez, 2008

MENDONÇA, M. H. M. O desafio da política de atendimento à infância e

adolescência na construção de políticas públicas eqüitativas. In: Cadernos de

Saúde Pública nº 18, Rio de Janeiro, 2002. (suplemento) p. 113-120.

MOURA, M. H. D. de. São muitos os remédios para os males dessa vida:

análise de recursos terapêuticos a partir da doença crônica na infância. Tese

de doutorado. UERJ/Instituto de Medicina Social. Rio de Janeiro, 2001.

MERHY, E. E. , ZANOLLI, M. de L. A pediatria social e suas apostas

reformistas. In: Ciência & Saúde Coletiva, RJ, 2006.

MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde.

São Paulo: Hucitec, 2006. p.20-80.

MIOTO, R. Família e políticas sociais. In: Boschetti, I. Behring, E, Santos, S. e

Mioto, R. (orgs.) Política social no capitalismo: tendências contemporâneas.

SP: Cortez, 2008.

NÓBREGA, V.M.; COLLET, N., SILVA, K.L., COUTINHO, S.E.D. Rede e apoio

social das famílias de crianças em condição crônica. Rev. Eletrônica de

Page 134: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

132

Enfermagem, 2010;12(3):431-40. Disponível em:

http://www.fen.ufg.br/revista/v12/n3/v12n3a03.htm. Acesso em 15 de junho de

2011.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Cuidados inovadores para condições

crônicas: componentes estruturais de ação – Relatório Mundial. Brasília, 2003.

Disponível em www.opas.org.br. Acesso em 14 de julho de 2010.

PINHEIRO, R. e CAMARGO JR, K. R.. “Modelos de Atenção à Saúde:

Demanda Inventada ou Oferta Renovada? Algumas considerações sobre

Modelos de Intervenção Social em Saúde”.In: Physis – Revista de Saúde

coletiva, vol. 10, n. 1, 2000.

PINHEIRO, R., FERLA, A. e JÚNIOR, A. G. DA S. A integralidade na

atenção à saúde da população. Ciênc. saúde coletiva vol.12 n°.2. Rio

de Janeiro, mar./abril, 2007.

SILVA, M.A.S.; COLLET, N; SILVA, K de L., MOURA, F.M. Cotidiano da família

no enfrentamento da condição crônica na infância. In: Revista Acta Paul

Enfermagem 2010;23(3):359-65. Acesso em: 15 de junho de 2011.

STOTZ, E. N. Enfoques sobre educação e saúde. Rio de Janeiro, mimeo.

Acesso obtido no endereço eletrônico: http://www.ensp.fiocruz.br/portal-

Page 135: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

133

ensp/_uploads/documentos-pessoais/documento-pessoal_10993.pdf. Acesso

em junho de 2010.

VILAÇA MENDES, E. As Políticas de Saúde no Brasil nos anos 80: a

conformação da reforma sanitária e a construção da hegemonia do projeto

neoliberal. In: Distrito Sanitário: O processo social de mudança das práticas

sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo- Rio de Janeiro: HUCITEC-

ABRASCO, 1994

PINHEIRO, R. As Práticas do Cotidiano na Relação Oferta e Demanda dos

Serviços de Saúde: um campo de estudo e construção da integralidade. In:

PINHEIRO, R. e MATTOS, R. A. de. Os Sentidos da Integralidade na atenção e

no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: IMS/UERJ, ABRASCO, 2009. 8ª edição.

RAICHELIS, R.. “O trabalho do assistente social na esfera estatal”. In: Serviço

Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Curso de especialização

lato sensu à distância. CFESS/ABEPSS/UnB/CEAD, 2009.

RIZZINI, I. e PILOTTI, F. (orgs.). A arte de governar crianças: a história das

políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. São Paulo:

Cortez, 2009. 2ª edição.

SOUZA, S. P. S de. A repercussão da febre reumática e da cardiopatia

reumática na vida de crianças e adolescentes: o movimento entre sentir-se

Page 136: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

134

saudável e sentir-se doente. Tese de doutorado. USP/ Escola de Enfermagem.

Rio de Janeiro, 2001.

THAINES, G. H. de L. S.; BELLATO, R.; FARIA, A. P. S. de e ARAÚJO, L. F.S.

de. “A busca por cuidado empreendida por usuário com diabetes mellitus - um

convite à reflexão sobre a integralidade em saúde”. In: Revista Texto Contexto

Enfermagem, Florianópolis, 2009 Jan-Mar; nº 18(1), p 57-66.

VASCONCELOS, A. M. de. A prática do Serviço Social: cotidiano, formação e

alternativas na área da saúde. São Paulo: Cortez, 2007. 5ª edição

VELARDE, L. G. C. Noções de bioestatística. S.d. mimeo

VIEIRA, M. A. e LIMA, R. A. G. de. Crianças e adolescentes com doença

crônica: convivendo com mudanças. In: Revista Latino-Americana de

Enfermagem [online]. 2002, vol.10, n.4, pp. 552-560

ZANOLLI, M. L. e MERHY, E. E. A pediatria social e suas apostas reformistas.

In: Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, n° 17 (4), 977-987, 2006.

Page 137: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

135

ANEXO I

Roteiro de Entrevista

Entrevista feita com: ( ) pai ( )mãe ( ) responsável legal - vínculo:

_____________

Dados de Identificação da criança/ do adolescente

Data de Nascimento: ___/___/____ Idade: ________ ano (s)

Sexo: ( )F ( )M

Enfermaria: ( )Lactentes ( ) Pré-escolares ( ) Escolares

Diagnóstico:

_______________________________________________________________

Tempo do diagnóstico: ____________

Tipo de tratamento demandado:

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

Houve interrupção? ( ) Sim ( ) Não

Caso sim, motivo.

Page 138: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

136

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

A criança/ o adolescente é acompanhado (a) por quais especialidades?

( ) Pneumologista ( )Hematologista ( ) Neurologista ( ) Gastroenterologista ( )

Reumatologista ( ) Imunologista ( ) Cardiologista ( ) Infectologista ( )

Psiquiatra ( ) Outra ____________________

Existem dificuldades para vir às consultas? ( ) Sim ( ) Não

Caso tenha, quais?

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

Data da última internação: __/__/__ Quantas internações anteriores?

______________________

Como a família lida com a internação e/ou o tratamento?

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

Qual a principal dificuldade vivenciada no cotidiano de seu filho/ sua filha em

virtude da condição crônica?

Page 139: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

137

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

Considera que seu filho/ sua filha é assistido por alguma política pública?

( ) Sim ( ) Não

Quais? ( ) Saúde ( ) Assistência Social ( ) Previdência Social ( )Educação

( )Habitação ( )Transporte ( )Lazer

( )Outra __________________________________________________

Estuda? ( ) Sim ( ) Não

Caso sim, relatar experiência, Caso não justificar o motivo.

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

Recebe algum benefício? ( ) Sim ( ) Não

Caso afirmativo, como foi para adquiri-lo? Caso não, justificar o motivo.

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

Participa de algum programa ou serviço? ( ) Sim ( ) Não

Com qual finalidade? Como avalia a qualidade do serviço?

Page 140: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

138

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

É atendido por outras instituições? ( ) Sim ( ) Não

Em qual área?

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

Como conseguiu atendimento nestas instituições/ programas?

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

Page 141: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

139

ANEXO II

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título do Projeto:

O desafio da atenção integral a Crianças e adolescentes com doenças

crônicas: necessidades de saúde e políticas públicas

Pesquisador Responsável:

Emilly Pereira Marques

Instituição a que pertence o Pesquisador Responsável: Hospital Universitário

Antônio Pedro - UFF/ Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ

Telefones para contato: (021) 2629-9192

O Sr/ A Srª está sendo convidado (a) a participar desta pesquisa porque

possui um filho/uma filha com doença crônica e que já esteve internado (a) na

enfermaria de Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro. A

pesquisadora encarregada do estudo neste serviço é a Assistente Social

Emilly Pereira Marques. Antes de decidir se você quer participar deste estudo,

nós queremos que você tenha informações sobre ele.

Este é um termo de consentimento que lhe dá informações sobre esse

estudo. Você pode fazer perguntas sobre o estudo quando quiser. Se você

decidir participar deste estudo, lhe será pedido que assine o termo de

consentimento. Você receberá uma via do consentimento, que poderá levar

para casa e guardá-la com você.

Page 142: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

140

É importante que fique claro que sua participação é completamente

voluntária, ou seja, só participa se quiser. Se você decidir que não vai participar

deste estudo, o seu filho (a sua filha) continuará recebendo o mesmo

tratamento no serviço, sem prejuízo na sua assistência. Você também terá total

liberdade de se retirar durante o estudo, mesmo que tenha sido autorizada

anteriormente a sua participação, sem qualquer prejuízo para o seu filho (a sua

filha).

Este projeto pretende estudar as condições crônicas na infância e

adolescência, suas necessidades de saúde e os problemas enfrentados por

vocês - você e seu (sua) filho (a) - no acesso aos direitos fundamentais, as

políticas e aos serviços públicos.

Realizaremos entrevistas com vocês, famílias já acompanhadas pelo

serviço social da pediatria, que possuem crianças e adolescentes em

tratamento continuado que precisou de algum período de internação. Estas

entrevistas serão gravadas, a partir do consentimento do entrevistado e depois

transcritas, sendo utilizadas em parte na minha monografia de conclusão da

pós graduação em Serviço Social e Saúde da UERJ e podendo ser utilizadas

em artigos científicos ou apresentação de trabalhos.

Todos os seus dados e de seu filho (sua filha) permanecerão em

segredo. Se você concordar em participar e assinar o documento de

consentimento, sua entrevista receberá um número de identificação e todas as

informações serão identificadas apenas por esse número. Somente a equipe

do estudo saberá que as informações são do seu filho (sua filha).

Page 143: RITA MARIA ALVES VASCONCELOS (TCC)

141

Esperamos poder ajudar na avaliação das políticas públicas existentes,

verificando se estas contemplam as necessidades de saúde das crianças e

adolescentes e suas famílias e apontando as principais dificuldades na

continuidade de seu tratamento e na sua vida cotidiana.

Não há custos para você participar da entrevista da pesquisa. As

perguntas serão respondidas durante o tempo em que seu filho (sua filha)

estiver internado ou vier a alguma consulta no hospital. Também não há

qualquer tipo de pagamento por participar deste estudo.

Você levará uma cópia deste termo de consentimento, após o

esclarecimento pela equipe do estudo de todas as informações contidas aqui.

Em caso de perguntas sobre este estudo, contate: Emilly Pereira Marques tel:

2629-9192

Eu, __________________________________________, RG nº

_______________________, responsável legal por

____________________________________, declaro ter sido informado e

concordo com a sua participação, como voluntário, no projeto de pesquisa

acima descrito.

Niterói, _____ de ____________ de _______

____________________________________________

Nome e assinatura do responsável legal pelo(a) paciente

____________________________________

Nome e assinatura do responsável por obter o consentimento