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Riscos Geotécnicos em Obras Rodoviárias de Mello, Luiz Guilherme F.S. Vecttor Projetos Ltda, São Paulo, São Paulo, Brasil, [email protected] Prof. Assist. EPUSP Perez, Fernando Villar. Vecttor Projetos Ltda, São Paulo, São Paulo, Brasil, [email protected] Resumo: Na construção de obras rodoviárias, e mesmo durante sua operação, situações não previstas podem ocorrer. Estas condições não previstas podem vir a se manifestar em sinistros e levar a adequações importantes no projeto/obra, consequentemente, a aumento dos custos e impacto no cronograma da obra inicialmente previstos para a construção ou operação. O presente trabalho discute a avaliação de riscos geotécnicos de obras rodoviárias, considerando-se as particularidades deste tipo de obra. Ilustra-se a aplicação dos conceitos aqui apresentados com um estudo de caso. Abstract: During contruction, as well as during operation, of highway systems, unpredicted situations may happen. These unpredicted situations may manifest as failures losses, leading to important change in the project/work, consequently, to an increase in costs and to impact in the schedule of the works originally conceived for construction or operation. This technical paper discusses the geotechnical risk evaluation of road work, considering the articularities of this type of works. The application of the concepts presented is illustrate in a case history.

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Riscos Geotécnicos em Obras Rodoviárias de Mello, Luiz Guilherme F.S. Vecttor Projetos Ltda, São Paulo, São Paulo, Brasil, [email protected] Prof. Assist. EPUSP Perez, Fernando Villar. Vecttor Projetos Ltda, São Paulo, São Paulo, Brasil, [email protected] Resumo: Na construção de obras rodoviárias, e mesmo durante sua operação, situações não previstas podem ocorrer. Estas condições não previstas podem vir a se manifestar em sinistros e levar a adequações importantes no projeto/obra, consequentemente, a aumento dos custos e impacto no cronograma da obra inicialmente previstos para a construção ou operação. O presente trabalho discute a avaliação de riscos geotécnicos de obras rodoviárias, considerando-se as particularidades deste tipo de obra. Ilustra-se a aplicação dos conceitos aqui apresentados com um estudo de caso. Abstract: During contruction, as well as during operation, of highway systems, unpredicted situations may happen. These unpredicted situations may manifest as failures losses, leading to important change in the project/work, consequently, to an increase in costs and to impact in the schedule of the works originally conceived for construction or operation. This technical paper discusses the geotechnical risk evaluation of road work, considering the articularities of this type of works. The application of the concepts presented is illustrate in a case history.

1 INTRODUÇÃO Situações não antecipadas podem ocorrer e ter consequências no prazo de execução e custos previstos para uma obra ou operação de sistema, sendo tópico de importantes discussões quando de sua ocorrência. Em função destas situações modificações significativas na conceituação e/ou detalhamento do projeto original podem ser necessárias para permitir a continuidade dos serviços. Em casos extremos, estas situações não previstas podem levar à ocorrência de acidentes / sinistros, com importante impacto nos custos e cronograma em relação ao planejamento inicial da obra ou da operação segura do sistema.

Focando mais especificamente no caso de projeto e construção de obras rodoviárias, a probabilidade de que ocorram situações não antevistas tende a ser relativamente mais elevada, na medida em que este tipo de obra normalmente se estende por vários quilômetros e as investigações / ensaios geotécnicos são pontuais e realizadas com espaçamento da ordem de centena de metros.

Obras rodoviárias são empreendimentos que podem ser classificados como lineares, na medida em que a intervenção no terreno necessária para sua implantação se estende por vários quilômetros de comprimento e restringe-se a uma faixa com largura de dezenas de metros.

O projeto geotécnico associado à implantação de uma rodovia é sempre baseado em investigações geotécnicas pontuais, associando sondagens de simples reconhecimento a mapeamentos e estudos geológicos (geofísicas, fotointerpretação, etc), extrapolando-se a estratigrafia do subsolo interpretada a partir de cada ponto / vertical investigado para distâncias relativamente elevadas. Em geral, maior densidade de investigações pontuais (sondagens) fica concentrada ao locais de obras de arte especiais, realizadas para o estudo de suas fundações. Ensaios geotécnicos especiais podem não ser realizados em todas grandes intervenções, e sua representatividade pode ser pequena no âmbito da grande extensão da obra.

Mesmo considerando que a extrapolação das informações obtidas a partir das investigações seja realizada com base em um sólido modelo geológico-geotécnico geral concebido para o alinhamento da rodovia, este procedimento comum ao projeto geotécnico para construção de rodovias leva a incertezas sobre a variabilidade espacial do subsolo e suas propriedades geomecânicas e hidráulicas entre os pontos investigados diretamente.

Conforme discutido a seguir, estas incertezas que são inerentes ao projeto, construção e, posteriormente, levadas à operação da rodovia, podem ser gerenciadas a partir da realização de avaliação de riscos1, minimizando assim, mesmo que parcialmente, seu impacto.

2 IMPORTÂNCIA DO MODELO GEOLÓGICO-GEOTÉCNICO NA AVALIAÇÃO DE RISCOS

Entende-se que risco geotécnico / geomecânico é o risco imposto à construção / obra pelas características do subsolo e/ou pelas condições do lençol freático, em determinado local. Conforme conceituado na bibliografia, um risco resulta da associação da probabilidade de ocorrência de um evento que possa gerar comportamento inadequado com a avaliação das consequências desfavoráveis que ocorrerão caso este evento se materialize.

Os riscos relacionados ao comportamento do subsolo para uma construção / operação rodoviária podem ser considerados elevados, e frequentemente levam à ocorrência de sinistros. A enorme variabilidade dos processos naturais se manifesta em grande heterogeneidade de comportamentos; as. propriedades dos solos e rochas do subsolo e do aquífero são pré-determinadas por sua formação na natureza, ou seja, não são controladas por processos

1

� Risco deve ser entendido como sendo a combinação da probabilidade de ocorrência de um evento

que pode gerar comportamento inadequado com o impacto de suas consequências sobre o empreendimento.

construtivos definidos ou especificados pelo homem como ocorre com outros materiais. A figura 1 ilustra este importante aspecto.

Contribuem à majoração desses riscos, a interpretação e postulação dos parâmetros representativos de projeto, que depende da competência e experiência das equipes de projeto, e a acurácia de muitos processos de previsão de comportamento relacionados ao subsolo, que é reconhecidamente pobre em muitos casos. Incluem-se como variável a ser considerada impactando o comportamento do subsolo e o processo executivo utilizado na implantação ou manutenção da rodovia.

As figuras 2 e 3 ilustram os aspectos mencionados acima.

Figura 1. Variabilidade Geométrica das Camadas do Subsolo (Clayton,

2001). Figura 2. Comparação entre Capacidade de Carga Prevista e Observada de Estacas (Clayton, 2001).

Figura 3. Comparação entre Recalques Previstos e Observados em Fundações Apoiadas em Areia (Clayton, 2001).

Os modelos utilizados para avaliação dos riscos de um projeto contribuem na apreciação

global, e devem incluir análises de sensibilidade a diferentes cenários possíveis, sendo detalhados e aprimorados na medida em que se avalie impacto/consequência da manifestação do risco é grande.

A sequência estratégica clássica para tratamento de riscos geológico-geotécnicos seria: • Eliminar o risco – se não eliminável, • Mitigar o risco – se não mitigável, • Transferir o risco, • Aceitar e Gerenciar o risco. Para avaliar e gerenciar o risco de um projeto é fundamental, desde seu inicio, desenvolver e

apoiar o processo de avaliação e decisões em um modelo geológico-geotécnico consistente. Este modelo deve ser aperfeiçoado com a evolução do conhecimento, a partir das investigações realizadas nas distintas fases de projeto e durante a construção do empreendimento, com a exposição dos materiais do subsolo no local e / ou suas proximidades ou contexto geológico-geomecânico equivalente.

As figuras 4 a 6 ilustram exemplos típicos de modelos geológicos preliminares, sobre os quais detalhamentos se desenvolvem.

Figura 4. Modelo Geológico – Sedimentar – Ambiente Deltaico Continental (Fookes, 2000).

Figura 5. Modelo Geológico – Estrutural – Dobras Abertas e Juntas (Fookes, 2000).

Figura 6. Modelo Geológico – Metamórficas – Gnaisses e Migmatitos (Fookes, 2000).

As condições do subsolo em qualquer local são o resultado de toda sua historia geológica e geomorfológica, das condições climáticas e dos processos de evolução dos solos e rochas.

A elaboração e proposição de um modelo geológico-geotécnico envolvem: • Conhecimento do ambiente geológico do local de implantação do empreendimento, que

permite antecipar algumas características do subsolo local, que por sua vez permitem planejar as campanhas de investigação;

• Aperfeiçoamento do modelo geológico-geotécnico a partir do conhecimento sobre o subsolo local com as informações obtidas com as investigações, e aquelas obtidas durante a própria construção.

Um modelo geológico-geotécnico sólido concebido a partir dos conceitos apresentados acima permite que o comportamento do subsolo seja antecipado de maneira bastante consistente e, consequentemente, reduzir os riscos geotécnicos.

A partir do modelo geológico-geotécnico postulado e do conhecimento proveniente das investigações e da própria construção do empreendimento pode-se estabelecer a natureza geral, os padrões e as propriedades do subsolo, avaliação das condições mais prováveis e dos desvios mais desfavoráveis possíveis destas propriedades.

Assim, o desenvolvimento do projeto deve se basear nas hipóteses de comportamento antecipado para as condições mais prováveis e as hipóteses de condições extremas deem ser verificadas, identificando as variáveis mais importantes a serem monitoradas durante construção.

A estimativa da faixa de variação de valores que estas variáveis monitoradas podem sofrer, a partir das hipóteses postuladas no projeto e de cenários mais desfavoráveis, permite antever que possíveis medidas de mitigação serão necessárias caso sejam detectados desvios em relação aos valores mais prováveis previstos para as variáveis monitoradas, eventualmente, com a adequação do projeto para atender às condições reais encontradas.

Modelos geológico-geotécnicos iniciais são muito importantes, pois, a partir deles e sua revisão a partir do ganho de conhecimento durante as fases de projeto e construção, se constrói um modelo geológico-geotécnico detalhado específico.

Incertezas estão sempre presentes em qualquer projeto de engenharia, na medida em que os solos são materiais formados pela natureza, e suas inexoráveis heterogeneidades se manifestam na distribuição espacial dos materiais, em suas propriedades geomecânicas, consequentemente, e em seu comportamento.

Entende-se que estas incertezas relativas ao subsolo na área de implantação de um empreendimento podem se manifestar de três macro maneiras distintas:

Situações Previsíveis Entende-se que uma condição ou comportamento são considerados previsíveis quando são

conhecidos, aceitos ou utilizados no Estado-da-Prática, ou seja, nas rotinas reconhecidas e incorporadas às sistemáticas de projeto e de planejamento de obras.

Situações Imprevistas - Não Antecipadas Situações que estariam associadas a condições geológicas de subsolo ou de materiais de origem

geológica encontradas durante o andamento dos serviços de construção que diferem daquelas postuladas nos projetos e/ou nos contratos, em quantidade e/ou qualidade.

Situações Imprevisíveis - Não Antecipáveis Associadas a situações onde se enfrenta condições geológicas desconhecidas ou não usuais,

raras, no tipo de geologia do local de uma obra. Incluem materiais, condições físicas ou estruturas geológicas diferentes daquelas ordinariamente encontradas, e geralmente reconhecidas como inerentes a aquele tipo de maciço de terra/rocha.

Situações imprevisíveis são raras e de difícil detecção. As situações previstas são conhecidas e estão contempladas nas soluções adotadas no projeto;

as situações imprevisíveis não são contempladas em projeto, mas suas consequências são normalmente gerenciadas/contingenciadas de forma a manter o equilíbrio contratual, por vezes incluindo ressarcimento por seguro.

As situações imprevistas ou não antecipadas são aquelas que levam a maioria dos problemas que ocorrem devido às condições geológicas, gerando reivindicações dos Executores frente aos Proprietários e discussões sobre enquadramento das consequências associadas a estas condições como sinistro perante as empresas Seguradoras.

A discussão sobre a responsabilidade pelos custos diretos e indiretos gerados em consequência de condições geológico-geotécnicas imprevistas frequentemente não é consenso entre Executores, Proprietários e Seguradoras, não sendo raros casos em que a decisão sobre a responsabilidade pelos custos mencionados acima se dá em esfera judicial / de arbitragem.

Neste sentido, a ocorrência de riscos geotécnicos associados às situações imprevistas nunca é discussão agradável, devendo ser evitada ou minimizada através de gerenciamento dos riscos, minimizando-os, , mas nunca podem ser negligenciados.

O gerenciamento dos potenciais riscos geotécnicos associados a situações imprevistas em projeto, construção e operação de obras viárias deve ser realizado de forma sistemática, através de avaliações para identificação das potenciais situações imprevistas e os riscos relacionados a elas, para cada trecho da obra.

As avaliações devem considerar todos os riscos, que podem causar impacto no resultado do empreendimento, seja em relação ao cronograma ou custos, incluindo danos a terceiros. A avaliação do risco associado a uma situação imprevista é geralmente realizada a partir de matrizes

de risco, que relacionam de forma subjetiva a probabilidade de ocorrência de um dado evento com o provável impacto à ocorrência deste evento.

Para tanto é importante a quantificação/qualificação dos riscos, e suas consequências para o cronograma a custo do empreendimento.

A partir desta etapa, passa a sr importante a: Identificação e planejar ações para eliminar ou mitigar os riscos; Identificação métodos para controle dos riscos; Identificação as entidades responsáveis pelos riscos.

Bajo Mediano Alto -

Baja

Mediana

Alta

- +Grado de

Riesgo

Impacto

Pro

bab

ilid

ad

Figura 7: Exemplo de matriz de risco utilizada em avaliações qualitativas de riscos.

A figura 7 mostra um exemplo típico de uma matriz utilizada para avaliação qualitativas de

riscos. A figura 8 mostra uma proposição de estratégia de gerenciamento dos riscos identificados e qualificados segundo a referida matriz.

Medidas mitigadoras são requeridas

Nenhuma ação

Considerar que medidas mitigadoras

podem ser necessárias

ESTRATÉGIA DE GERENCIAMENTO

Figura 8: Exemplo de estratégia para gerenciamento de riscos.

As avaliações de risco são geralmente resumidas em registros de risco, que indicam para cada

local ou trecho da obra os riscos identificados e avaliados, os impactos relacionados aos riscos, as ferramentas para eliminação ou mitigação dos riscos.

Os registros de riscos são documentos constantemente revistos, atualizados e complementados, de forma a refletir a evolução do conhecimento durante a construção do empreendimento, ou sua operação caso persista um risco associado ao local após a implantação da rodovia.

3 AVALIAÇÃO DE RISCOS GEOTÉCNICOS EM OBRAS RODOVIÁRIAS

Este conceito de avaliação de risco pode ser utilizado durante a fase de projeto e implantação de uma obra rodoviária, assim como após o início da operação destas obras. Especificamente em obras rodoviárias já em operação, a avaliação e gestão de riscos foca principalmente a continuidade da operação da rodovia com segurança e/ou minimização dos danos a terceiros, tanto usuários quanto propriedades lindeiras.

Caso existam informações disponíveis, o conhecimento adquirido durante as fases de projeto, construção deve ser incorporado às avaliações de risco realizadas durante a operação da via em análise.

É importante lembrar que muitas das rodovias em operação no Brasil foram construídas a mais de 20 anos, ou seja, em período em que ainda não havia normatização e exigências de segurança para seu projeto como um todo, incluindo seu traçado geométrico e seus taludes de corte e aterro. Nessa época, adotavam-se seções típicas para execução dos taludes de corte e de aterro independente dos condicionantes geomecânicos particulares eventualmente existentes.

Os valores de Fatores de Segurança FS associados a estes taludes existentes quando analisados a posteriori com a materialização de um sinistro, muitas vezes se demonstram baixos, ou seja, a probabilidade de ocorrência de rupturas era relativamente mais elevada que aquela associada a taludes projetados a partir de diretrizes normativas hoje vigentes.

Especificamente em relação à ocorrência de rupturas em taludes de obras rodoviárias durante sua operação, as avaliações de risco devem considerar as condições atuais dos taludes, verificadas a partir de inspeções rotineiras. Através destas inspeções rotineiras é possível detectar processos de ruptura em início ou em andamento, na medida em que em muitos dos casos de instabilidade estas evoluem com o tempo, permitindo avaliar de maneira especifica as possíveis consequências de uma ruptura e propor medidas de mitigação em tempo hábil.

A figura 9 mostra um organograma proposto por Fell et al (2005) para o gerenciamento de riscos associados à rupturas de taludes.

Figura 9: Organograma para o Gerenciamento de Riscos Associados a Rupturas de Taludes (Fell et al, 2008).

No caso de rodovias em operação, o histórico de ocorrência de rupturas em taludes naturais, e

de corte e de aterro se constitui em informação importante para a avaliação de riscos, pois, estes

dados podem ser utilizados no inventário e processo de identificação das regiões de maior susceptibilidade de rupturas, da tipologia das rupturas mais frequentes, das características geológicas dos locais onde as rupturas ocorrem, o volume de material mobilizado pela ruptura, a distância percorrida pela massa mobilizada, etc.

A partir do inventário das rupturas, pode-se antecipar as consequências mais prováveis de eventos semelhantes em materiais equivalentes.

Gráficos como o apresentado na figura 10 também podem contribuir para a estimativa do deslocamento provável de uma massa rompida, permitindo, avaliar suas prováveis consequências para eventuais propriedades vizinhas, para a rodovia propriamente dita e suas distintas pistas de trafego.

Figura 10: Variação da Relação entre Altura da Ruptura e seu Deslocamento em Função do Volume da Massa Mobilizada (Corominas, 1996).

4 ESTUDO DE CASO

Para ilustrar alguns dos conceitos acima discutidos apresenta-se um estudo de caso baseado em uma avaliação de riscos efetuada para dois trechos de uma rodovia existente / em operação.

No trecho 1 foram inspecionados 89 taludes de corte e aterro ao longo de aproximadamente 7 km de extensão da rodovia.

No trecho 2 foram inspecionados 67 taludes de corte e aterro ao longo de 26 km de extensão da rodovia.

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Baixo Médio

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do

Risco

Baixo

Médio

Alto

Figura 11: Matriz de risco utilizada na avaliação dos taludes.

Para classificar os taludes vistoriados com base na matriz de risco apresentada na figura 11 foram consideradas as seguintes variáveis relacionadas aos fatores que potencialmente podem gerar rupturas nos taludes:

Características geológicas do subsolo no trecho avaliado, interpretadas a partir de mapas geológicos regionais e, em função da exposição dos materiais no talude; na avaliação individual de cada talude por ocasião da inspeção de campo;

Geometria do talude, realizando em campo uma estimativa de sua altura, inclinação, presença de bermas intermediárias;

Proximidade do talude em relação à via; Presença aparente do lençol freático. Cabe mencionar que as inspeções foram realizadas

em época de estiagem, ou seja, nas avaliações de risco realizadas considerou-se que em períodos de chuva a elevação do lençol freático pode influenciar de forma significativa a estabilidade dos taludes;

Presença de dispositivos de drenagem interna do talude; Presença de sistema de drenagem superficial (canaletas de drenagem), bem como, suas

condições de conservação. Além dos dispositivos de drenagem expostos para inspeção visual, é importante verificar as condições de bueiros e outros dispositivos de drenagem enterrados;

Eventual presença de trincas na região do talude na região da plataforma viária que denotassem uma possível movimentação / mecanismo de deslocamento / ruptura do maciço em andamento;

Existência e tipologia de problemas de estabilidade nos taludes inspecionados; Presença de tratamentos realizados para a estabilização dos taludes. As figuras 12 e 13 apresentadas a seguir mostram um resumo da avaliação realizada para o trecho1 da rodovia, para suas pistas Norte e Sul, respectivamente.

Figura 12: Resumo da avaliação de risco efetuada para a pista Norte da rodovia, incluindo os taludes existentes no canteiro central.

Figura 13: Resumo da avaliação de risco

efetuada para a pista Sul da rodovia. Neste trecho em particular, a rodovia foi implantada em região de “serra”, com topografia

relativamente mais íngreme, verificando-se predomínio taludes executados a partir de corte do terreno natural, com altura e inclinação elevadas, sem bermas intermediárias ou canaletas de drenagem superficial na pista Sul da rodovia.

Adicionalmente, cabe colocar que a distância entre o pé dos taludes da pista Sul da rodovia e a plataforma rodoviária é reduzida, muitas vezes restrita à largura das canaletas de drenagem existentes na borda da via.

A seguir apresenta-se a avaliação elaborada para dois taludes associados ao trecho 1 da rodovia, ambos na pista Sul.

Na figura 14, visualiza-se trecho de um talude de corte com comprimento de aproximadamente 150 m e altura de até 15 m, sem bermas intermediárias e sem sistema de drenagem superficial.

Trata-se de um talude de corte em solo residual maduro de granito, que não mantém as características estruturais da rocha de origem.

Figura 14: Vista de um trecho do talude de corte avaliado. Ao longo do talude avaliado foi possível observar a presença de diversas cicatrizes de rupturas

anteriores superficiais rasas, indicando que este tipo de ocorrência é frequente. A figura 14 destaca uma das rupturas ocorridas ao longo do talude. Estimou-se a altura da

ruptura em aproximadamente 10m a 12 m. Sua evolução levou à formação de taludes negativos na região próxima à crista da ruptura.

Neste local se observou a presença de árvores de pequeno a médio porte que podem vir a cair sobre a pista de rolamento caso o solo sobre o qual se apoiam seja mobilizado devido à evolução da ruptura.

Imersos em solo se observou a presença de blocos de rocha (“matacões”) que também podem vir a atingir a pista de rolamento com a mobilização do coluvio no qual se inserem. A existência de blocos de rocha junto ao pé do talude indica que a queda/rolamento de blocos de rocha já ocorreu anteriormente.

Na ocasião da inspeção do talude não foram notados indícios de afloramento do lençol freático na face do talude.

A probabilidade de que a evolução das rupturas existentes ao longo do talude leve ao deslocamento de blocos de rocha e/ou árvores foi classificada como alta. A possibilidade que novas rupturas, similares àquelas já ocorridas, se manifestem também foi classificada como alta.

A probabilidade de que a ocorrência dos problemas mencionados acima tenham impacto elevado para a utilização da rodovia, seja por interrupção parcial / total da via para o tráfego ou acidentes envolvendo veículos devido à queda de blocos e/ou árvores, foi classificada como alta em função da proximidade do talude com a via de rolamento.

A partir das classificações de probabilidade e impacto descritas acima, o risco associado ao talude foi classificado como alto (AA) segundo a matriz de risco em que se embasa esta avaliação.

Considerando-se o potencial risco que o talude representa para a operação da rodovia, foram recomendadas medidas para sua mitigação:

Avaliação da estabilidade global geotécnica do talude; Caso a estabilidade global do talude não seja crítica, deve-se realizar o chumbamento ou

atirantamento dos blocos de rocha aparentes; avaliar possibilidade de realização de ajustes localizados na geometria dos taludes de forma a diminuir sua inclinação localizada, e executar proteção superficial dos materiais. Se não for possível a redução da inclinação do talude a alternativa mais seria a implantação de contenção com solo grampeado para garantir a estabilidade global talude e evitar a queda de blocos de rocha sobre a via.

Remoção de árvores com potencial de queda. Em outro talude avaliado foram observados pontos com ocorrência de erosões e rupturas

superficiais recobertas pela vegetação, conforme ilustrado pela figura 15. A área imediatamente acima da crista deste talude é praticamente toda ocupada por edificações.

Segundo estimativas realizadas em campo, a altura do talude é de aproximadamente 15 m, sem bermas intermediárias e sem sistema de drenagem superficial. Interpreta-se que o talude de corte

foi implantado também em solo residual de granito, cuja estrutura reliquiar tende a condicionar as rupturas.

Interpreta-se que ao menos em parte os problemas observados no local estão associados às habitações existentes acima do talude da rodovia, na medida em que entulhos diversos e os esgotos provenientes das residências são lançados diretamente sobre o talude.

Em trecho localizado da sarjeta de borda da rodovia, esta se encontrava obstruída, com acúmulo de esgotos proveniente das habitações existentes no local e blocos de rocha que se desprenderam do maciço de solo (figura 16).

Figura 15: Vista do talude de corte avaliado.

Figura 16: Trecho da sarjeta que estava obstruído. Outro aspecto a ser considerado é a provável existência de fossas sépticas para coleta de

esgotos das residências e, principalmente, a existência de tubulações enterradas utilizadas para o fornecimento de água, tubulações estas com água pressurizada.

A contribuição destas tubulações e fossas sépticas para o aumento da pressão neutra o solo associada ao carregamento aplicado pelas residências no topo do talude são importantes fatores a serem considerados para a avaliação de risco neste caso.

Na figura 16 também se visualiza que o pé do talude é imediatamente adjacente à rodovia. Em nosso entendimento, em função das observações de campo, a probabilidade de ocorrência

de rupturas no local é alta e a probabilidade de que estas rupturas tenham impacto elevado para a operação da rodovia e em relação a danos a terceiros também pode ser classificada como elevada (alta), levando a classificar o risco como alto (AA).

Foram recomendadas as seguintes medidas para a mitigação dos riscos identificados: Contenção localizada (p.ex.: Solo Grampeado); Eventual chumbamento de blocos e/ou colocação de tela metálica; Implantação de dispositivos de drenagem na crista do talude; Avaliação da estabilidade das habitações existentes próximas à crista do talude.

A figura 14 apresentada a seguir mostra o resumo da avaliação de risco realizada para o trecho 2 da rodovia analisada.

Figura 14: Resumo geral da avaliação de risco realizada para o referido trecho 2 da rodovia.

A seguir apresenta-se avaliação desenvolvida para um talude de aterro e um talude de corte,

dentre aqueles inspecionados no trecho 2 da rodovia. Conforme informações coletadas em inspeção de campo, as características principais do talude

em aterro são: Talude de aterro em trecho curvo da rodovia; Altura aproximada de 10m; Lençol freático não detectado; Notada presença de erosões e rupturas superficiais ao longo do talude; Inexistência de dispositivos de drenagem superficial. As instabilidades superficiais provavelmente estão ligadas à deficiência de compactação de

bordas de aterro e os processos erosivos vinculados à deficiência ou inexistência de sistema de drenagem superficial.

A evolução dos problemas observados no talude pode afetar a integridade da plataforma rodoviária e comprometer a utilização da rodovia.

A probabilidade de que a evolução dos problemas atinja a via foi classificada como média. O impacto dos problemas observados no talude para a utilização da via também foi classificado como médio.

Em função das classificações atribuídas o risco para o talude foi classificado como médio (MM), segundo a matriz de risco que lastreia essa avaliação.

Como medidas de mitigação e redução do risco foram recomendadas: a implantação de sistema de drenagem superficial e a recuperação da proteção

superficial do talude. A avaliação da necessidade de instalação de sistema de monitoração para

acompanhamento do comportamento do maciço. As figuras 13 e 14 mostram vistas do talude em questão nas quais os problemas mencionados

acima podem ser visualizados.

Figura 13: Vista de um dos taludes de aterro inspecionados.

Figura 14: Idem anterior.

As principais características do talude de corte são: Altura máxima do talude de aproximadamente 50 m; Extensão do talude de aproximadamente 180m; Lençol freático não foi detectado durante a inspeção realizada; Presença de sistema de drenagem superficial; Ocorrência de problemas de estabilidade entre níveis de bermas; A partir da inspeção realizada também verificou-se que ocorrem erosões e rupturas superficiais

nos taludes com presença de solo residual, saprolitos e rocha. Verificou-se também que as instabilidades nos trechos do talude em solo residual e rocha

ocorrem por condicionamento estrutural reliquiar, conforme se visualiza na figura 15. Nesse talude afloram filitos de coloração amarelada que se “empastilha” por ciclos de

umedecimento e secagem, facilitando a ocorrência de erosões / deterioração do solo. Em alguns locais próximos à crista do talude observaram-se tubos metálicos inseridos no

terreno, interpretados como parte de tratamento específico/localizado de estabilização. A presença de trechos do talude tratados com concreto projetado também indica a estabilização de trechos do talude (ver figura 16), provavelmente devido à orientação desfavorável das estruturas reliquiares.

A probabilidade de que a evolução dos problemas atinja a via foi classificada como alta. Caso estes potenciais problemas se manifestem, entende-se que o impacto para a utilização da via foi classificada como médio, em função da proximidade entre o talude a via de rolamento.

A partir das classificações de probabilidade e impacto descritas acima, o risco associado ao talude foi classificado como alto (AM), segundo a matriz de risco que embasa essa avaliação.

Figura 15: Estrutura reliquiar com orientação espacial desfavorável à estabilidade do talude.

Como medidas de mitigação dos riscos identificados recomendou-se recuperar os trechos com

trincas no concreto projetado e avaliar a possibilidade de tratamento dos trechos não tratados, pois, interpreta-se que nesse talude ocorrem rupturas de forma sistemática.

Outras medidas recomendadas foram a limpeza e conservação das canaletas do sistema de drenagem superficial e a recuperação da proteção superficial em alguns trechos do talude.

Figura 16: Vista de um dos taludes de corte inspecionados.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Riscos são inerentes a qualquer obra de engenharia, particularmente em obra rodoviárias, obras lineares que normalmente apresentam extensão elevada, levando à necessidade de programa de investigações geotécnicas abrangente, com o intuito de construir modelo geológico-geomecânico global ao longo do alinhamento da via, sem grande detalhamento em função espaçamento entre pontos investigados.

O conhecimento do subsolo e a previsão dos riscos associados à obra tendem evoluir durante o desenvolvimento do projeto. Em obras rodoviárias de grande porte o conhecimento sobre o subsolo avança de forma significativa com a realização dos serviços de campo para implantação da obra, quando são expostas características que devem ser mapeadas, acompanhadas, e re-interpretadas no contexto do projeto existente, levando à sua revisão caso pertinente.

A avaliação sistemática dos riscos associados à obra, principalmente durante sua construção, permite que medidas de mitigação sejam definidas e implantadas e os riscos eliminados, ou reduzidos.

No caso de rodovias em operação, as avaliações sistemáticas de risco são importantes para que se identifiquem potenciais problemas em fase inicial de seu desenvolvimento e que podem interferir na operação da via, quando medidas de mitigação ou manutenção relativamente mais simples podem ser empregadas para evitar que estes problemas venham a se manifestar levar a necessidades de obras de recuperação de grande porte.

Este tipo de abordagem pode ter efeito significativo para a continuidade de operação da via, mas também em relação à redução aos custos de manutenção, que tendem a ser muito inferiores àqueles que seriam necessários para o tratamento de problemas mais evoluídos.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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