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História do Médico Fernando Olinto, Cirurgião, durante o episódio da Bomba do RioCentro.TRANSCRIPT
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Livro: A Bomba do RioCentro – A Historia de uma farsa, Belisa Ribeiro.
Fernando Olinto tinha 26 anos quando, médico residente do Hospital Miguel
Couto, no Rio de Janeiro, recebeu o capitão Wilson Machado, consciente
apesar dos gravíssimos ferimentos provocados pela explosão da bomba no
Riocentro.
Formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1980, Fernando
viveu o renascimento do movimento estudantil, trabalhando na reconstrução
do Diretório Central Mário Prata, orgulhoso, ao ver no final do curso, as
paredes do Centro Acadêmico – nuas em 1975, quando iniciou seu curso –
cheias de cartazes de atividades culturais e políticas dos estudantes, já então
totalmente envolvidos no processo de redemocratização do país.
Fernando só não foi ao show do Riocentro porque estava de plantão. No
primeiro show, no ano anterior, foi e nunca mais esqueceu da emoção de
acompanhar com milhares de outros jovens Chico Buarque cantando a entãonovíssima e sempre emblemática “Apesar de você”. E apesar dos resquícios
ainda da ditadura, Fernando pode contribuir para o nascimento daquele outro
dia de que fala a música.
“No dia seguinte do plantão, que era o feriado de 1o de maio, fui direto para
a praia. Encontrei meu pai (o advogado Tristão Fernandes) que estava comum amigo dele, um coronel do Exército. No hospital, principalmente quando
chega um ferido com aquela gravidade, a gente olha para a ferida, só pensa
em salvar a pessoa. Ainda me lembro que depois do atendimento soube que o
motivo na ficha de entrada era "explosão do motor do automóvel”. Foi ocoronel amigo do meu pai que, lendo os jornais que já diziam que o ferido era
militar, disse: “ele é do DOI”. Eu nunca tinha ouvido falar em DOI, só sabiao que era DOPS.
Voltei para a residência e já encontrei o hospital tomado por militares, até dentro do CTI. E, na porta, um monte de jornalistas. De vez em quando, eu
conversava com os jornalistas no bar. Em poucos dias, os jornais apurando
tudo, todo mundo já sabia que o sargento e o capitão eram do DOI e mais,todo mundo já sabia muito bem o que era DOI. No dia 5 de maio, eu estava
conversando com o Marcelo Beraba, repórter do jornal O Globo , que eu
conheci ali, nunca tinha visto antes. Ele era candidato a presidente do sindicato dos jornalistas, conhecia o pessoal do sindicato dos médicos.
Estava com o fotógrafo Paulo Moreira, também do Globo e eles me pediram
para tentar fazer a foto. Peguei a Nikon do Paulo Moreira e fui para a salade cirurgia onde ia ser feita uma limpeza nos curativos do capitão.
Fotografamos, eu e outro residente, o capitão ali e também quando ele já
estava de volta no CTI. Falamos para os médicos que era para estudarmos o
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caso depois. No CTI, o capitão percebeu quando estourou o flash e olhou pra
mim. Eu disse apenas “olá”. Estava convicto de que ele era um criminoso e
de que eu tinha o dever de ajudar a revelar a verdade. Entreguei a máquinacom o filme para o Paulo Moreira e o Beraba e uma hora depois a foto já
estava aparecendo na televisão, no plantão do Jornal Nacional da TV Globo.
No dia seguinte, estava na primeira página do Globo.”Cinco anos depois, a foto ainda estava na vida de Fernando. Acusado – por
alguém que os seus juízes não identificaram – ele respondeu a um inquérito
sumaríssimo instaurado no próprio hospital Miguel Couto e foi rapidamente
condenado a uma suspensão de 29 dias na residência e em seguida expulso do
hospital. Mas foi perseguido durante muito mais tempo, impedido de receber o
certificado de sua residência médica, o que lhe fechou as portas de tantos
empregos que começou a pensar em sair do país. Seu pai, que fora presidente
da Federação dos Bancários do Paraná, preso em 64 e respondera a um
Inquérito Policial Militar que durou até 1971, entrou com uma ação na Justiçacontra a Prefeitura. Fernando tinha medo: deixou até de andar de moto,
pensando que poderia ser atropelado e morto pela linha dura. E o caso foi
parar em Cuba, através de uma carta de Luiz Carlos Prestes, o supremo chefe
do Partido Comunista Brasileiro, ao Comandante Fidel Castro*.
O certificado acabou saindo em 1987. Fernando acabou ganhando um prêmio
Nobel.
Depois de fazer dois cursos de extensão na Europa, com poucas possibilidades
de trabalho por causa da falta do certificado e preocupado em somar à sua
especialidade em cirurgia algum tipo de trabalho social, Fernando começou atrabalhar em projetos de saúde popular e participou da montagem do centro de
saúde da favela da Mangueira, no Rio de Janeiro. Um projeto sem vínculos
com o governo, que prosperou, serviu de exemplo para outros centros em
áreas carentes e recebeu a visita de muitas Organizações não Governamentais.
Uma destas ONG's, da Holanda, convidou Fernando a fazer parte do grupo
Médicos Sem Fronteiras. Convite aceito, primeiro médico brasileiro na
organização, lá foi ele. Primeiro, combater a malária entre os índios
ianomâmis na selva amazônica; depois, montar um posto médico em um
barracão de madeira em plena área da guerrilha hindu contra o governo
budista do Sri Lanka; em seguida, em uma viagem que misturou barco, trem,avião e peregrinação por três países, foi para Ruanda, no meio de uma guerra
entre as etnias hutus e tútsis que matou 800 mil pessoas e deixou 2,5 milhões
de desabrigados em um país de 7 milhões de habitantes.
Fernando esteve também na Bósnia, no front de Saravejo, e na Somália, em
seu período de treinamento no Médicos Sem Fronteiras, instituição fundada há
25 anos na França, que hoje conta com mais de 2 mil médicos em 100 países,
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sempre em trabalhos de socorro a vítimas de guerras ou desastres naturais. Em
outubro de 1999, o MSF recebeu o Prêmio Nobel da Paz.
“A trajetória de vida do meu pai já havia me ensinado o quanto um regime político pode influenciar a nossa vida pessoal, o nosso dia a dia. A reabertura
do caso Riocentro serve para reafirmarmos os valores da democracia e para
que a juventude de hoje saiba disso – como uma ditadura pode tornar infeliz o cidadão e o indivíduo. E tome consciência do quando é importante se
importar, participar. Nas vésperas do ano 2000, eu me lembro do médico
francês de 62 anos que foi me substituir no meio da guerrilha, acompanho o processo contra o general Pinochet, preso em Londres e o andamento das
denúncias contra os verdadeiros culpados por aquelas bombas no Riocentro eainda vejo o MSF ganhar o prêmio Nobel. Aí sei que estamos caminhando
para um mundo melhor.”
Fernando Olinto Henrique FernandesNovembro de 1999
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http://veja.abril.com.br/idade/em_dia_2001/reportagens/reportagem_rioc
entro.html