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3 | Rio Pesquisa - nº 15 - Ano IV

Uma herança levada aosom da flauta

Projeto na UniRio recuperarepertório pouco divulgado de um

dos mais importantes nomes damúsica erudita no País

Um dos maiores músicos eruditosbrasileiros do século XX, o com-positor Francisco Mignone (1897-

1986) deixou um vasto legado de obras paraorquestra sinfônica, ópera, coral e músicade câmara. O que poucos sabiam é que esseacervo tão diversificado ainda guarda pre-ciosidades inéditas, que vão além da suaprodução para piano solo, mais conhecidapelo público. Uma das facetas pouco ex-plorada pelos discípulos e admiradores deMignone, seu repertório para música decâmara que contempla extensivamente aflauta transversal, não dorme mais em baú,armário ou gaveta. Coordenado pelo flau-tista e professor Sérgio Barrenechea (na foto

ao lado), um projeto de pesquisa na Univer-sidade Federal do Estado Rio de Janeiro(UniRio) contribuiu para enriquecer umpouco mais o universo da música eruditacom a gravação do CD triplo A Música para

Flauta de Francisco Mignone.

�O objetivo do projeto é resgatar obras re-levantes da literatura para flauta na músicade câmara de Francisco Mignone, tentan-do contribuir, assim, para a sua divulgaçãoentre o público e músicos interessados emsua obra�, resume Barrenechea. Em suaavaliação, a contribuição de Mignone aorepertório para flauta transversal mereceatenção especial, não apenas pelo grandenúmero de obras do compositor que inclu-em este instrumento, mas também pela ma-neira inventiva como a flauta é utilizada, fre-quentemente exigindo habilidadesvirtuosísticas do executante. �Entre peçasoriginais e transcrições, Mignone compôsmais de 30 obras para música de câmaraque incluem a flauta transversal�,contextualiza.Flauta em destaque

Débora Motta

MÚSICA3 | Rio Pesquisa - nº 15 - Ano IV

barrenechea
Note
Revista Rio Pesquisa Ano 4 - nº 15. Rio de Janeiro: FAPERJ, junho de 2011. pg 3-5.

Ano IV - nº 15 - Rio Pesquisa | 4

O repertório de Mignone voltado para a flauta permeiaseu desenvolvimento como um compositor completo, queescreveu para diversos gêneros e formações instrumen-tais � com destaque para obras sinfônicas e as de músicade câmara para fagote, voz, piano e cordas �, mas tam-bém reflete a sua história de vida. �A predileção deMignone pela flauta decorre principalmente do fato deseu pai, Alfério Mignone, ter sido um flautista profissio-nal e tê-lo incentivado a tocar este instrumento na juven-tude�, conta Barrenechea, ressaltando que a figura do paido compositor está presente ao longo de todo seu reper-tório flautístico. Ele dedica a Alfério as obras Três Peças,de cunho nacionalista e com arranjo para piano solo, eSuíte para flauta e cordas, que remete a um italianismoreminiscente. Já na Sonata para flauta e piano, obra atonalde 1962, a referência paterna encontra-se presente nadedicatória ao eminente flautista ítalo-argentino, �paraAlfredo Montanaro, grande amigo de meu saudoso pai�.

Além de revelar a influência paterna, a proximidade deMignone com a flauta também aponta para a proximida-de do compositor com a música popular brasileira. �Parase esquivar do preconceito da época contra os músicosque não se dedicavam à música erudita, ele assinou, quan-do jovem, diversas composições populares com o pseu-dônimo de Chico Bororó�, explica o professor.

Dessa fase dedicada à música popular, quatro peças en-traram no repertório da coletânea: Céo do Rio Claro, Assim

Dança Nhá Cotinha, Saudades de Araraquara e Celeste. �To-das elas foram gravadas com a participação do pai de Fran-cisco Mignone, frequentemente tocando a parte melódi-ca principal na flauta�, conta o pesquisador. Todas as peçasassinadas por Chico Bororó foram gravadas em discosde 78 rotações pelo selo Parlophon, que registrou nesseperíodo 19 composições de Mignone, muitas com a Or-questra Paulistana, dirigida e regida por seu pai.

A coletânea também faz um apanhado das demais fasesda produção do compositor, que foi maestro do TheatroMunicipal do Rio de Janeiro e professor da Escola deMúsica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),à época conhecida como Universidade do Brasil. �Pro-curamos apresentar um repertório representativo, quedestacasse todas as fases da produção musical ao longoda sua vida�, diz Barrenechea.

A partir do alto: o ainda jovem Francisco Mignone, estudante demúsica, em Milão, em 1921; à frente da Orquestra do TheatroMunicipal do Rio, em 1955; na foto em família acompanhado porsua mulher, Maria Josephina, e pela única filha do casal, Anete; aopiano, ao lado da mulher, com quem foi casado por 22 anos; e emensaio com a Orquestra Sinfônica Brasileira, em 1982

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O professor explica que as outrasvertentes da obra de Mignone, alémda popular, presentes nas faixas doCD triplo são o eurocentrismo eneoclassicismo sem intenção nacio-nalista explícita; o nacionalismo, in-fluenciado por compositores comoVilla-Lobos, que beberam na fontedas raízes populares brasileiras; ododecafonismo e procedimentosseriais (música atonal, influenciadapelo modernismo); e a fase da matu-ridade do compositor, em que ele fezuma síntese de duas ou mais carac-terísticas das suas fases anteriores.

A escolha do repertório para a cole-tânea deu-se após um longo proces-so de pesquisa, que incluiu busca departituras manuscritas em algumasinstituições, como a Biblioteca Na-cional, que guarda parte do acervoparticular de Mignone doado pelaviúva do compositor, MariaJosephina, além de visitas a músicoseruditos que foram contemporâne-os do maestro. �Entrevistando osmúsicos que conviveram e tocaram

bos, da UniRio. Entre os músicosparticipantes estão, além de SérgioBarrenechea, na flauta em sol e piccolo;os também professores LúciaBarrenechea, ao piano; Hugo Pilger,no violoncelo; Luís Carlos Justi, nooboé; Fernando Silveira, na clarineta;e Elione Medeiros, no fagote; e maisos pós-graduandos José BeneditoViana Gomes e Nilton AntonioMoreira Jr., ambos na flauta; o ex-aluno Carlos Prazeres, no oboé; e obacharelando Felipe Braz da Silva, naflauta. Todas as faixas incluídas nostrês CDs podem ser baixadas peloendereço <duobarrenechea.mus.br/cd_mignone.htm>.

com Mignone, conseguimos recupe-rar alguns manuscritos que estavamem posse de Odette Ernest Dias,que foi professora de flauta da Uni-versidade de Brasília; de CelsoWoltzenlogel, que foi professor deflauta da UFRJ; e também de NoelDevos, que foi professor de fagoteda UFRJ e da UniRio�, revela. Ou-tra parte do material foi dispo-nibilizada pelo pesquisador FlávioSilva, da Coordenação de MúsicaErudita da Fundação Nacional deArtes (Funarte).

Para Barrenechea, a causa do desco-nhecimento dessa parte do acervo deMignone até hoje é a ausência de re-gistros sonoros. �A maior parte dorepertório da coletânea está sendogravado pela primeira vez�, destacao flautista. �Essas obras não forameditadas, por isso caíram no esqueci-mento. A maioria das partituras es-tava apenas no manuscrito deMignone. Só uma minoria havia sidopublicada e comercializada�, relata.Mas o material, ao que parece, aindaestá longe de ser esgotado. �Aindaficou muita coisa de fora, dá paragravar mais três CDs�, dizBarrenechea. Por isso, a ideia do pro-fessor da UniRio é dar continuidadeao projeto. �Essa foi só uma primei-ra produção em áudio. Depois, va-mos tentar publicar as partiturasregistradas no CD triplo e gravar umanova coletânea�, adianta.

Com o apoio da FAPERJ, por meiodo edital para Apoio à produção e divul-

gação das Artes, o projeto contou coma participação de um grupo de mú-sicos de notória excelência artística,além de estudantes da graduação eda pós-graduação em música e depesquisadores � todos ligados, dealguma forma, ao Instituto Villa-Lo-

Pesquisador: Sérgio BarrenecheaInstituição: Universidade Federal doEstado do Rio de Janeiro (UniRio)

Música em família: ao lado da mulher, apianista Lucia, Sergio forma o Duo Barrenechea

Encarte do CD triplo A Música para Flauta de Francisco Mignone: coletânea apresenta

obras raras do compositor para o instrumento

Repertório paraflauta de FranciscoMignone ficoudesconhecido atéhoje pela ausênciade registros sonoros

Fotos: Divulgação