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1 6º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais Belo Horizonte 25 a 28 de julho de 2017 História das Relações Internacionais e Política Externa RIO BRANCO E AS RELAÇÕES ENTRE O BRASIL E OS ESTADOS UNIDOS Péricles Pedrosa Lima Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

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6º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais

Belo Horizonte 25 a 28 de julho de 2017

História das Relações Internacionais e Política Externa

RIO BRANCO E AS RELAÇÕES ENTRE O BRASIL E OS ESTADOS UNIDOS

Péricles Pedrosa Lima

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

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Rio Branco e as relações entre o Brasil – Estados Unidos

Resumo

O trabalho apresenta uma releitura da publicação de 1947 do Ministério das Relações

Exteriores de autoria do diplomata e escritor brasileiro Aluizio Napoleão (1914 – 2006),

intitulada: Rio Branco e as Relações entre o Brasil e os Estados Unidos. O autor realizou

pesquisas nos arquivos e bibliotecas americanas e do Itamaraty com o propósito de publicar

uma obra para as comemorações do centenário de nascimento do Barão do Rio Branco

(1845 – 1912). A publicação está dividida em três partes. Na primeira parte aborda-se a

“Evolução de uma Amizade Internacional”, onde os temas partem do período de Alexandre

de Gusmão e o instituto do uti-possidetis, seguem pela diplomacia do Príncipe Regente e,

posteriormente, Rei D. João VI, os Impérios de Pedro I e Pedro II. Do lado norte-americano

os governos de George Washington, Thomas Jefferson, James Madison e James Monroe.

Na segunda parte o enfoque é o Barão do Rio Branco nos Estados Unidos e a questão dos

limites entre o Brasil e a Argentina, questão mediada pelo presidente norte-americano

Stephen Grover Cleveland. Na terceira e última parte aborda-se questões envolvendo o

Itamaraty e a Embaixada do Brasil em Washington, o caso do Acre e o trânsito pelo

Amazonas, relações comerciais e políticas entre o Brasil e os Estados Unidos, limites entre

o Brasil e o Peru e a atuação dos representantes americanos, divergências entre o Brasil e

os Estados Unidos na Conferência de Haia, entre outras questões. O autor e sua obra

trazem importantes episódios que marcaram os primeiros anos da relação entre o Brasil

Colônia, Reino Unido, Império e República, e os Estados Unidos da América. Apesar de um

abandono das fontes de História Diplomática o artigo faz uma releitura da publicação de

1947 e conclui que a mesma é um instrumento auxiliar de pesquisa em História das

Relações Internacionais do Brasil.

Palavras chaves: Rio Branco, Política Externa, Brasil, Estados Unidos.

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São várias as publicações tratam da chancelaria do Barão do Rio Branco e seus princípios

inovadores. O objetivo da política externa brasileira (PEB) no período era a consolidação de

uma hegemonia regional por meio de um bom relacionamento com os países vizinhos, em

especial com a Argentina. É inegável o amplo conhecimento de José Maria da Silva

Paranhos Junior do modus operandis do Sistema Internacional durante o século XIX e início

do século XX. O Barão do Rio Branco considerava o Brasil em posição de destaque na

América do Sul devido a sua extensão geográfica, condição econômica e demográfica e,

portanto, tinha um projeto de potência regional para o país. O seu conhecimento detalhado

sobre o Brasil e suas questões diplomáticos pode ser explicado pela sua trajetória familiar.

Filho do Visconde do Rio Branco, um dos homens de Estado mais importantes do Império

do Brasil, desde cedo acompanhou a trajetória do pai e assim obteve formação e

informações privilegiadas. Posteriormente, devido a sua experiência em postos diplomáticos

na Grã-Bretanha e na Alemanha, era dotado de uma consciência do imperialismo europeu

que marcou as relações entre a Europa, Ásia e África. A PEB desenvolvida em sua

chancelaria pode ser entendida como uma resistência a possíveis intervenções externas,

seja dos países europeus, seja dos Estados Unidos, e assim procurava compatibilizar-se

com a política norte-americana e com a política latina americana por meio de uma visão

realista. Soube ele conduzir essa compatibilização enquanto o processo de transferência do

centro de poder mundial ocorria da Europa para os EUA. Neste sentido observa-se que a

Doutrina Monroe e o corolário que o Presidente Theodore Roosevelt lhe aplicou foram

abraçados pelo Barão, constituindo um meio de enfrentar as pressões financeiras da Grã-

Bretanha, credor do Brasil, e assim favorecer a situação do país dependente das

exportações de café. (BANDEIRA, 1997, p.33). Vários pesquisadores escrevem sobre a vida

e a obra do Barão do Rio Branco produzindo trabalhos que contribuem para a compreensão

do eixo estruturante das Relações Internacionais do Brasil. Tais obras enfatizam o apogeu

do relacionamento amistoso entre Brasil e EUA alcançado com a chegada da República. O

Barão acreditava que ao cultivar e solidificar a amizade entre os dois países suas ações

diplomáticas poderiam ser mais prontamente conduzidas e um dos seus objetivos maiores,

a definição territorial do Brasil, também seria mais facilmente realizada. Além do estudo

clássico de Bradford Burns sobre a “aliança não escrita”, traduzido em 2003, podemos citar

outros autores que se debruçaram sobre a chancelaria do Barão do Rio Branco: Álvaro Lins,

Amado Cervo, Antônio Carlos Lessa, Cristina Patriota de Moura, Clodoaldo Bueno,

Francisco de Paula Cidade, Francisco Doratioto, Luís Cláudio Villafañe G. Santos, Luís

Viana Filho, Paulo Roberto de Almeida, Moniz Bandeira, Rubens Ricupero entre outros. As

publicações da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e do Ministério das Relações

Exteriores (MRE) por ocasião do primeiro centenário da morte do Barão do Rio Branco são

importantes contribuições.

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O presente artigo busca resgatar uma publicação do MRE que apresenta uma abordagem

peculiar sobre a trajetória das relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Sendo assim,

pergunta-se qual a contribuição da monografia publicada em 1947 pelo MRE como fonte de

estudos para a História das Relações Internacionais do Brasil? Para o historiador não existe

um fato histórico fechado em que a pesquisa sobre determinado objeto esteja concluída. A

História está sempre em constante elaboração, sempre em movimento. Neste sentido

busca-se fazer uma releitura da obra, visto que sua publicação em 1947 foi amplamente

divulgada, e assim verificar a possibilidade de seu uso como fonte de pesquisa da História

das Relações Internacionais do Brasil. Como enfatiza Saraiva, “há muito o estudo das

relações internacionais deixou de ser a mera observação do movimento da diplomacia e dos

processos do poder político” (SARAIVA, 2008, p.02). Ocorre um abandono das fontes da

História Diplomática e tal fato se deve à necessidade de ampliação na busca de diferentes

fontes para se escrever sobre os problemas internacionais. A descrição das ações dos

homens de Estado e a cronologia dos acontecimentos são uma constante na História

Diplomática e assim ela deixou de ser a única referência. Tornou-se necessário a ampliação

das fontes de pesquisa. Sendo assim, procuramos discutir neste artigo, ao avaliarmos uma

fonte de pesquisa oriunda da História Diplomática, se a necessidade de ampliação de fontes

e um possível abandono das fontes diplomáticas podem levar a perdas de fatos históricos e

de significados, e assim comprometer a pesquisa do historiador. Acreditamos que o

processo de pesquisa é uma constante e considerar os fatos passados, estudados por

diferentes pesquisadores, como histórias fechadas, concluídas e esgotadas de inovações

pode ser algo que conduz a perdas de informações importantes para esclarecimentos e

melhor compreensão dos fatos históricos. Ocupamo-nos da obra de Aluizio Napoleão,

diplomata e historiador, entendida por nós como fonte da História Diplomática do Brasil, e

passamos a utilizá-la como mais um instrumento auxiliar na pesquisa e na escrita da

História das Relações Internacionais do Brasil. Tal fato não é comum entre os

pesquisadores da atualidade, pois como dito anteriormente, o abandono de fontes

descritivas e cronológicas produzidas por órgãos de Estado e que são a construção de uma

história dentro de uma visão corporativista, compromete a interpretação dos fatos e do

espaço temporal a ser pesquisado. Optamos por fazer uma releitura da fonte em busca de

novos detalhes que possam contribuir para um melhor entendimento das negociações e dos

bastidores nas relações estabelecidas entre o Brasil e os EUA em diferentes períodos da

história.

Aluizio Napoleão de Freitas Rego (1914 – 2006) fez uma extensa pesquisa sobre os

primórdios das relações entre os dois países retrocedendo a espaços temporais pouco

explorados e utilizando de fontes raras como os arquivos da União Pan-americana, atual

Organização dos Estados Americanos (OEA), da Fundação Hispânica do Congresso Norte-

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Americano, do Departamento de Estado dos Estados Unidos, da Biblioteca Oliveira Lima da

Universidade Católica das Américas e o acervo particular do jurista John Basset Moore; em

especial a coleção de cartas do Barão do Rio Branco. No Brasil sua fonte de pesquisa foi o

arquivo e biblioteca do Palácio do Itamaraty no Rio Janeiro, hoje Museu Histórico e

Diplomático do Palácio do Itamaraty.

Bradford (2003) afirma que a historicidade da amizade entre o Brasil e os EUA deve ser

pautada a partir da República. A “aliança não escrita”, esforço do Barão, se baseava em um

apoio mútuo entre os países e à política externa de ambos, ou seja: a influência dos EUA na

América Central e as iniciativas brasileiras e sua expansão de fronteiras na América do Sul.

Portanto, a aproximação com os EUA e a sua solidariedade ao Brasil trariam ao mesmo

prestígio e também afastaria possíveis intervenções europeias, criando possibilidades em

sua política externa. Para Clodoaldo Bueno, “a República nasceu sob a égide da

solidariedade americana” (BUENO, 1995, p. 25) e a amizade se solidificara principalmente

após os EUA apoiarem em 1894, durante a Revolta da Armada, uma intervenção a favor de

Floriano Peixoto. Para o autor o período entre 1889 e 1903 preparou o terreno para uma

aliança com os EUA e para uma linha pan-americana. (Idem, p.23). Para Álvaro Lins, a

política de aproximação com os EUA promovida pelo Barão do Rio Branco não era original,

visto que a política externa do Império e também a sua aproximação com os EUA buscava,

já neste período, um equilíbrio nas disputas do Brasil com seus vizinhos hispano-

americanos. Desta forma era “uma moldura nova e brilhante para dar um relevo a um

quadro antigo”. (LINS, 1965, p. 329 citado por PEIXOTO, 2011). Podemos entender esta

dualidade de interpretações com relação ao momento e intensidade da aproximação com os

EUA visto que, após os republicanos chegarem ao poder em 1889, propagou-se um

discurso no qual se enfatizava que tudo que viesse do Brasil Império era negativo e que a

República era o símbolo de um novo país e de mudanças radicais em nossa trajetória como

nação. Podemos considerar como exemplo o rápido alinhamento aos EUA realizado pela

delegação brasileira em Washington na Conferência Pan-americana de 1889-1890. Neste

episódio vê-se um sinal de uma “deseuropeização” de nossa política externa e uma rápida

adesão a um americanismo. Portanto, para alguns autores, considerar a aproximação da

PEB aos EUA pela chancelaria do Barão do Rio Branco vem em sintonia com a ideia de

uma nova nação que a República trazia, em contraposição ao “velho” que o Império

aparentava. Para os dois países o movimento de aproximação interessava. Para a

chancelaria do Barão do Rio Branco vinha em consonância com o desejo das oligarquias

dominantes de um país que se encontrava na periferia do sistema capitalista. Para os EUA

convinha a posição estratégica do Brasil e ainda, o alinhamento era favorável em um

contexto em que a Argentina encontrava-se mais próxima à Grã-Bretanha e “repelia a

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aproximação norte-americana, pelo potencial de seu mercado e possibilidade de

investimentos” (CERVO; BUENO, 2015, p.192).

A evolução de uma amizade internacional

O autor inicia sua obra trazendo a seu leitor o processo de expansão e colonização da

América, tanto pela Inglaterra como pela Espanha e Portugal. Fruto de uma extensa

pesquisa nos EUA e no Brasil, em um texto descritivo, apresenta o processo de colonização

da América do Norte e do Sul, enfatizando a questão do instituto do uti possidetis utilizado

por Portugal. O critério do uti possidetis acordava que “o território deve pertencer ao país

que nele estiver autoridades ou seus cidadãos no momento da independência.” (VIDIGAL;

DORATIOTO, 2014, p.23). O princípio da posse efetiva da terra está associado a Alexandre

de Gusmão, redator do Tratado de Madrid (1750) e secretário do Rei D. João V (1689 –

1750). Ao trazer o referido princípio dentro de um espírito americanista, e ao consagrar a

posse da terra, Gusmão lançou as bases substanciais do pan-americanismo. Do lado da

história norte-americana aborda-se os Congressos da Filadélfia e a Declaração de

Independência. Destacam-se como participantes do congresso Thomas Jefferson e

Benjamim Franklin, personagens importantes para um futuro governo nacional. Thomas

Jefferson enquanto Ministro dos EUA na França encontra-se nesta publicação associado ao

Brasil Colônia quando se reporta o episódio envolvendo os jovens estudantes brasileiros na

Europa que aderiram ao movimento libertador no Brasil na segunda metade do século XVIII.

Na Europa, na cidade de Coimbra em Portugal e de Montpellier na França, estudantes

brasileiros tendo como exemplo a independência norte-americana, se comunicavam com os

conjurados mineiros no Brasil e tramavam um movimento libertador. O jovem José Joaquim

da Mata chegou a tratar com Thomas Jefferson sobre a possibilidade de um apoio dos EUA.

O próprio Thomas Jefferson narra o ocorrido em comunicado ao Secretário dos Negócios

Estrangeiros John Hay, em ofício de 04 de maio de 1787. (NAPOLEÃO, p. 26.) Thomas

Jefferson e o estudante se reuniram no sul da França, mas o apoio do ministro americano

ao movimento não ocorreu, pois o ministro não possuía instruções nem autoridade, além de

Portugal e EUA cultivarem uma sólida amizade. (Idem, p. 31). As relações comerciais entre

os EUA e a colônia ocorriam desde 1792 e o autor cita permissões para que navios norte-

americanos permanecessem no porto do Rio de Janeiro. Tal fato relatado contrapõe-se ao

difundido episódio da abertura dos portos de 1808, quando da chegada ao Brasil da família

real portuguesa. A abertura dos portos nesta ocasião realizada por D. João VI é tratada

como o marco do fim do exclusivo colonial praticado até então. A informação que Napoleão

traz à tona; um comércio entre EUA e Brasil Colônia, é pouco relatado entre os autores

brasileiros. A informação vem de Charles Lyon Chandler em artigo publicado em 1944 sobre

tráfego de veleiros que entraram no Brasil entre 1792 e 1812. (Idem, p. 32). Desde 1801

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Portugal e EUA haviam suspendido relações por questões econômicas e a chegada da corte

portuguesa ao Brasil foi a ocasião de reatamento das mesmas por meio de uma carta de

saudação enviada pelo agora presidente dos EUA, Thomas Jefferson, ao Príncipe Regente

D. João VI. A referida carta foi enviada por meio de um negociante norte-americano, Henry

Hill, o qual fora foi nomeado cônsul dos EUA no Brasil. (Idem, p. 35). As relações entre os

EUA e a colônia Brasil se intensificaram após a presença da família real portuguesa no Rio

de Janeiro. O Brasil foi pioneiro no espaço latino americano a ter um diplomata norte-

americano residente, assim como a reconhecer a Doutrina Monroe de 1823. Por sua vez os

EUA foram o primeiro a reconhecer a independência brasileira em 1824. (PEREIRA, 2006,

p. 31). A Doutrina Monroe foi reinterpretada mais tarde pelos EUA, após a Guerra Civil

(1861 – 1865), momento em que o país apresenta uma grande expansão econômica e

ampliavam seus interesses externos. Desta forma o país propõe o pan-americanismo “pelo

qual os Estados Unidos seriam os defensores das Américas e da convivência pacífica entre

seus países”. Para Doratioto tratava-se de um projeto hegemônico no contexto da rivalidade

existente entre os EUA e a Grã-Bretanha. (DORATIOTO, 2012, p. 134). A pesquisa de

Napoleão especificamente sobre estes episódios está fundamentada em obras e

documentos publicados na Inglaterra e na França entre 1926 e 1932. Destacam-se

Diplomatic relations between the United States and Brazil de Lawrence Hill e The diplomatic

relations of the United States and Brazil de Joseph Agan. A primeira publicada em Durham e

a segunda em Paris. Ao pesquisar em arquivos e bibliotecas nos EUA foi possível ao autor

informações detalhadas sobre a política norte-americana para o sul do continente em

diferentes momentos. Na presidência norte-americana de James Madison (1809 – 1816)

fora enviado ao Rio de Janeiro como Ministro americano junto à corte portuguesa Thomas

Sumter Jr. Ele não só tinha a incumbência de restabelecer as relações diplomáticas com

Portugal, visto que o Brasil ainda se mantinha em condição de colônia de Portugal e naquele

momento era a sede do Império Português, como também observar os movimentos políticos

na América Espanhola. Na presidência de James Monroe (1817 – 1825) as relações foram

pautadas pela Revolução Pernambucana de 1817 onde o movimento de libertação, defensor

de ideias liberais praticadas nos EUA, procurou apoio na presidência norte-americana.

Aluizio Napoleão nos informa que emissário do presidente Monroe recebeu liderança do

movimento revolucionário da colônia sem, contudo dar apoio à causa. Após a

independência do Brasil em 1822 o objetivo era o reconhecimento da mesma por parte dos

EUA. Para tanto fora nomeado para Cônsul Geral do Brasil nos EUA um dos líderes da

Revolução de 1817, Antônio Gonçalves da Cruz, e como encarregado de Negócios do Brasil

em Washington, José Silvestre Rebêlo. A missão de Rebêlo era “promover o

reconhecimento, solene e formal por parte dos EUA, da Independência, Integridade e

Dinastia do Império do Brasil no atual imperante e seus sucessores, perpetuamente e sem

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reserva do título do Imperador”. (Arquivo Diplomático da Independência, p. 23, 1923. In:

NAPOLEÃO, p.50). Os EUA desenvolviam uma política externa para a América o que veio a

se confirmar em 02 de dezembro de 1823, quando o presidente norte-americano James

Monroe traz uma mensagem ao Congresso norte-americano na qual anunciava a política

americana em relação aos países do continente. Proclamavam que a América não seria

mais passível de interferências ou colonização por parte dos países europeus e neste

sentido os EUA se comprometiam em não intervir em assuntos europeus. “Concebida

originalmente como proteção e não ingerência, a Doutrina Monroe foi transformada em

justificativa para sancionar intervenções em países latino-americanos abrangidos pela

ampliação da área de segurança norte-americana”. (PERKINS, 1963 citado por CERVO;

BUENO, 2015, p.194; DORATIOTO, 2012, p. 134). Mais tarde o presidente Theodore

Roosevelt (1901 – 1909) dá uma nova versão a Doutrina Monroe, conhecida como Corolário

Roosevelt e assim enfatizavam a responsabilidade da tarefa que acreditam ter: “zelar pela

ordem e pela paz na América por meio de uma ação de polícia internacional”, e que “aos

norte-americanos estava reservada a tarefa de dirigir os povos menos competentes”

(CERVO; BUENO, 2015, p.194 e 195). Apesar da ampla difusão da Doutrina Monroe, o

representante brasileiro enfrentou certas dificuldades para obter o reconhecimento da

independência. Napoleão nos informa que até 05 de maio de 1824 o governo americano não

havia reconhecido, pois alegações eram apresentadas para justificar tais atos como: a falta

de uma constituição e governo organizado, a considerável não aceitação do governo

imperial pelos defensores das ideias liberais e ainda a questão do tráfico de escravos. O

representante brasileiro encontrava-se preparado para enfrentar as objeções que o governo

americano oporia e em 22 de maio de 1824 José Silvestre Rebêlo é recebido na Casa

Branca pelo Presidente Monroe, ocasião que o reconhecimento é selado. (NAPOLEÃO, pp.

54, 55, 56). A importância deste ato traz também o início de relações comerciais entre o

Império do Brasil, os EUA e os países europeus. No âmbito das relações comerciais surge

outra questão envolvendo os dois países: a abertura do Rio Amazonas para a navegação

internacional. A pressão era feita não só pelos EUA mas por outros países, sendo negada

pelo governo Imperial. O debate foi intenso na Câmara dos deputados no Brasil entre

defensores e contrários. Aqueles que defendiam a abertura associavam a mesma ao bom

relacionamento com os EUA e assim venceram quando a “sete de dezembro de 1866 o

governo Imperial assinava o decreto em favor da medida que o governo americano

advogava desde 1853”. (Idem, p.63). O governo Imperial receava que a partir da abertura os

EUA transferissem escravos do sul de seu território para o plantio de algodão na Amazônia

e que a eventual abertura daquele rio facilitaria a imigração de norte-americanos, causando

possíveis problemas territoriais no futuro (VIDIGAL; DORATIOTO, 2014, p.23). A

presidência de Abraão Lincoln (1861 – 1865) foi marcada pela Guerra Civil nos EUA e

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documentos do Itamaraty dão conta da confiança do Presidente Lincoln no governo Imperial

do Brasil, inclusive, em caso de necessidade, cogitou-se a possibilidade da participação do

país como árbitro, pois o respeito à Doutrina Monroe conduzia o presidente norte-americano

a não aceitar qualquer intervenção europeia. (NAPOLEÃO, p. 65). A possibilidade do

Imperador Pedro II servir de mediador na guerra de secessão americana fora cogitada antes

da visita do monarca ao país, fato que ocorrera durante a exposição centenária de 1876. A

possibilidade vem elucidar a consideração do governo norte-americano com o monarca pois

as relações bilaterais eram pautadas por desconfianças. Os EUA acreditavam ser o Império

brasileiro uma possibilidade de projeção de interesses monárquicos europeus na América, e

as pressões norte-americanas para que fosse liberada a navegação internacional do

Amazonas criara constrangimentos entre as partes. Por outro lado, com seus vizinhos ao

norte, o Brasil havia assinado tratados que definiram fronteiras: com o Peru em 1851, com a

Colômbia em 1853, e com a Venezuela em 1859, sendo que os dois últimos não ratificaram

os tratados. Ao mesmo tempo ao sul o governo Imperial apoiava as independências do

Paraguai e do Uruguai, assim como a liberdade de navegação nos rios internacionais;

Paraná e Paraguai. (VIDIGAL; DORATIOTO, 2014, p.24). Desta forma entende-se o

prestígio que o monarca desfrutava nos EUA e a Política Externa do Império era

acompanhada com interesse pelos EUA. Tais fatos relatados entram em acordo com a tese

defendida por autores como Álvaro Lins, que ressalta a estreita ligação com os EUA já nos

tempos da política do Império e que conclui ser a aproximação promovida pelo Barão do Rio

Branco um fato não original. Destaca-se, entretanto, que após a República o Brasil não era

mais visto pelos EUA como uma reprodução europeia de governo, e uma nova etapa

iniciava-se nas relações entre os países. A Proclamação da República no Brasil em 1889

fora informada ao secretário de Estado norte-americano James Blaine pelo Ministro em

Washington José Gurgel do Amaral Valente em 19 de novembro de 1889. O

reconhecimento não se processou sem um debate no Congresso americano e o presidente

norte-americano Benjamim Harrison (1889 – 1893), prontamente deu instruções ao seu

representante no Rio de Janeiro para “reconhecer a República logo que o povo brasileiro lhe

demostrasse a sua completa adesão”. (NAPOLEÃO, p. 69).

O Barão do Rio Branco nos Estados Unidos

O Barão do Rio Branco em fins do século XIX encontrava-se nos EUA onde, designado pelo

governo de Floriano Peixoto (1891 – 1894) como o chefe da Missão Especial que estudava

a questão dos limites entre o Brasil e a Argentina submetida à decisão do Presidente dos

EUA. O Império brasileiro havia resolvido a questão de fronteiras ao sul com o Uruguai e o

Paraguai e ao norte com a Venezuela; a questão com a Argentina continuava em aberto,

assim como as questões envolvendo as Guianas, a Bolívia e o Peru. Em 1857 o governo

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Imperial havia assinado um tratado com o país vizinho, mas apesar de aprovado não foi

ratificado. Demonstrando aproximação e confiança por parte do governo republicano de

Floriano Peixoto escolheu-se como árbitro na questão dos limites o presidente norte

americano Grover Cleveland (1885 – 1889 e 1893 – 1897). O Barão do Rio Branco

deslocou-se para os EUA e lá contou com ajuda, dentre outras, de John Basset Moore, um

juiz americano e especialista em Direito Internacional. As cartas trocadas entre ambos e

apresentadas na obra de Aluizio Napoleão foram consultadas no arquivo particular de John

Basset Moore. Além das cartas nota-se que o referido juiz atuou em traduções e revisões,

assim como conselheiro jurídico do Barão nos EUA. A questão envolvendo o Brasil e a

Argentina prolongou-se por meses, e em 15 de novembro de 1894 iniciou-se o governo civil

de Prudente de Morais, (1894 – 1898) sem que a conclusão do arbitramento estivesse

concluída. A decisão arbitral só veio a acontecer em 06 de fevereiro de 1895 sendo

favorável ao Brasil. O Barão conseguira então, após quase dois anos de trabalho, o

resultado satisfatório da questão limítrofe com a República da Argentina. O sucesso obtido

no arbitramento ocorrido nos EUA em 1895 trouxe ao Barão do Rio Branco uma reputação

no Brasil que mais tarde abriria espaço na vida pública brasileira e o tornaria um dos

personagens mais centrais nas relações exteriores do Brasil.

O Itamaraty e a Embaixada do Brasil em Washington

No ano de 1898 uma nova questão de limites era objeto de estudos do Barão do Rio Branco

desta vez quando o Barão estava a residir em Berlim. Um novo arbitramento envolvia o

território do Amapá e a Guiana Francesa, desta vez tendo o governo suíço como árbitro. A

vitória também alcançada nessa última questão de limites ligou o Barão definitivamente às

relações exteriores do Brasil e assim foi declarado “Benemérito Brasileiro” recebendo do

presidente Rodrigues Alves o convite para o Ministério das Relações Exteriores. O aceite ao

convite incluiu uma condição: que a política interna não influenciasse na pasta das relações

exteriores. (NAPOLEÃO, p. 142 e 143). Os EUA nos primeiros anos do século XX se

transformavam em potência mundial e neste contexto o Barão do Rio Branco ao assumir a

chancelaria no Brasil buscou uma íntima aproximação com o país, mas “tal aproximação

não significou um alinhamento automático”, e serviu aos propósitos do chanceler nas

questões envolvendo a América do Sul. (CERVO; BUENO, 2015, p.191). Para Pinheiro

(2004) a República não trouxe grandes alterações na PEB visto que pontos centrais

defendidos pelos monarquistas seguiram igualmente apoiados pelos republicanos, e mesmo

antes que a República se instalasse já se discutia alternativas para a dependência

econômica brasileira da Inglaterra. Para esta autora “a política externa defendia a

aproximação com Washington no escopo da política de valorização do café, atendendo ao

verdadeiro interesse nacional” (PINHEIRO, 2004, p. 13). Para Pecequilo (2012) o

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alinhamento foi pragmático, pois não se apresentava como uma subordinação aos

interesses norte-americanos e nem uma perda de espaço do Brasil no contexto sul

americano. A relação era de interesse de ambos, mas em condições de poder assimétricas.

As variadas interpretações sobre a aproximação com os EUA caminham para o mesmo

ponto ao concordarem que por meio de uma interpretação realista sobre os arranjos de

poder no sistema internacional, o Barão do Rio Branco buscava oportunidade de inserção

do Brasil, uma economia agrária exportadora periférica, ao novo pólo de poder mundial. Os

EUA ao buscarem se consolidar como uma hegemonia política e econômica teria o Brasil e

os demais países latino-americanos em sua área de influência. Portanto, de forma

pragmática, buscou o Barão do Rio Branco uma aproximação com Washington em uma

relação preferencial. A liderança na pasta das relações exteriores do Brasil atravessaram

quatro presidentes da república: Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da

Fonseca, durante quase 10 anos. A agenda inicial encontrada pelo Barão envolvia além do

trânsito livre pelo Amazonas a disputa entre brasileiros e bolivianos envolvendo um sindicato

anglo-americano presente em território litigioso. Para Napoleão a questão do trânsito livre

pelo Amazonas, que havia sido suspenso e posteriormente reativado atendendo a

solicitação feita pelo encarregado de negócios dos EUA, era um primeiro sinal de uma

política de aproximação. Na questão do território do Acre, disputa entre bolivianos e

brasileiros, Napoleão tem como fonte principal as cartas do ministro americano David

Thompson ao Secretário de Estado norte-americano John Hay. (NAPOLEÃO, p.146 a 148).

Nelas pode-se evidenciar o ritmo intenso de informações repassadas para o governo

americano durante o desenvolvimento do processo de negociação. O acordo final e todo o

desenrolar do processo de disputa entre o Brasil e o país vizinho, sem conflitos armados,

são informados ao governo norte-americano por meio de sucessivas trocas de cartas

identificadas nos arquivos do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Ainda neste

arquivo identificam-se comunicações entre o Encarregado de Negócios dos Estados Unidos

no Brasil, Thomas Dawson, e governo norte-americano, as quais informavam sobre o

reconhecimento da independência do Panamá pelo Brasil, seguida pelos países vizinhos.

(Idem p. 149). Um novo fato envolvendo limites territoriais surge no ano de 1904 envolvendo

Brasil e Peru. Novamente a fonte de pesquisa são as correspondências da Legação

americana com o Departamento de Estado onde se pode constatar o interesse dos EUA no

desenrolar dos acontecimentos. Nelas pode-se constatar que, como anteriormente no caso

envolvendo os bolivianos, a opção do Barão era conduzir o processo por meio da

negociação, evitando-se o arbitramento. O Encarregado de Negócios americanos no Brasil,

Thomas Dawson, informava desta vez ao Departamento de Estado que como no caso do

Acre, o Barão só recorreria ao arbitramento caso não obtivesse sucesso nas negociações

diretas entre os dois países. (Idem p. 154). Ainda nestes primeiros anos do século XX a

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relação entre os dois países se tornara mais intensa quando em fins de 1904 ocorre a

elevação das duas legações, nas respectivas capitais, à categoria de Embaixada. Em

correspondência enviada a Joaquim Nabuco, Ministro do Brasil em Londres, o Barão do Rio

Branco além de convidá-lo para ser o primeiro embaixador brasileiro em Washington, se

referia a este posto como o mais importante para o Brasil. A Chancelaria sob o comando do

Barão do Rio Branco conquistava sucesso na sua política territorial, elevara a legação

brasileira em Washington ao nível de Embaixada e construía um prestígio regional que

abriria para o Brasil uma respeitável inserção internacional. Ainda neste sentido o

movimento pan-americanista se consolidava e as relações especiais entre o Brasil e os EUA

atingiam um novo e mais elevado patamar confirmando um alinhamento do Brasil ao

Monroísmo.

O Barão no Ministério das Relações Exteriores

A proclamação da República Federativa do Brasil fortalecia a identificação por parte de

políticos e da intelectualidade brasileira com os EUA. O Barão do Rio Branco promoveu a

aproximação com os EUA, mesmo sendo um homem aristocrata com fortes ligações

intelectuais com a Europa onde passou boa parte de sua vida e consolidara sua formação.

Com o passar dos anos a aproximação com os EUA e o cultivo ao Monroismo e ao Pan-

americanismo foram criticado por autores como Oliveira Lima e Veríssimo (HENRICH, 2011)

Para eles a aproximação era interpretada como adesão ao imperialismo norte-americano,

em sintonia com o “Destino Manifesto” utilizado como base do projeto de poder e da

formação territorial norte-americana. Mesmo assim, atendo às mudanças ocorridas no

mundo com a migração do centro de poder no sistema internacional, o Barão procurou

conduzir a PEB em sintonia com este movimento e com a aceitação dos preceitos da

Doutrina Monroe e posteriormente do Corolário Roosevelt Tanto o Barão do Rio Branco

quanto o embaixador brasileiro em Washington, Joaquim Nabuco, procuravam desfazer as

impressões sobre um possível imperialismo dos EUA, o que pode ser comprovado pelos

discursos proferidos por ocasião da Terceira Conferência Internacional Americana,

Conferência pan-americana, realizada em 1906 no Rio de Janeiro e que contou com a

presença do Secretário de Estado norte-americano, Elihu Root. Esta foi a primeira visita

oficial ao exterior de um Secretário de Estado norte-americano; momento de particular

importância para o desenvolvimento do pan-americanismo. (NAPOLEÃO pp.178 a 185). As

divergências entre os Estados Unidos e o Brasil na Conferência de Haia, sendo o

representante brasileiro o jurista Rui Barbosa, não afetou de forma considerável a amizade

entre os países. A questão se pautou pela divergência na constituição da Corte Suprema de

Justiça em que o delegado brasileiro insistia para que fosse resguardada a igualdade e

soberania dos Estados, grandes ou pequenos. O Barão apoiou a tese do delegado brasileiro

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que diferia do ponto de vista norte-americano. Entretanto a atitude não afetou a política de

aproximação entre os países. (NAPOLEÃO, p. 193). Considerado “um dos mais elogiáveis

atos” da chancelaria do Barão (Idem p. 200), foi assinado em 1909 um Tratado com a

República Oriental do Uruguai no qual o Brasil cedia espontaneamente ao Uruguai o

condomínio da Lagoa Mirim e do rio Jaguarão. Por meio de ofício do Embaixador dos EUA

Irving B. Dudley, enviado ao Secretário de Estado norte-americano Philander Knox em 31 de

maio de 1909, disponível no Arquivo do Departamento de Estado dos EUA, pode-se

observar a repercussão que este ato causou no Brasil:

A conter-manifestação, in connection with Brazil’s cession of rigts over Jaguarão and the Lake Mirim, was given in honor of Uruguay in Monroe Palace in the 25th instant. It resolves itself into na act in honor of Rio Branco and na attempt on the parto f a large body of students to influence him to run for the Presidency. Again he publicy announced that he woul confine his labors for his country strictly to her foreign relations. (DUDLEY, 1909. In: NAPOLEÃO, p. 201)

O Barão do Rio Branco por diversas vezes havia afirmado que se manteria restrito aos

problemas exteriores do Brasil. Vale recordarmos uma das condições quando da acolhida

ao convite do presidente Rodrigues Alves em 1902: a política interna não deveria interferir

na política exterior. O possível lançamento de sua candidatura à Presidência da República

no pleito que escolheria o sucessor de Afondo Pena foi enfaticamente afastado pelo

chanceler. (NAPOLEÃO, pp. 200 e 201) Com a morte do Barão do Rio Branco em 1912 e o

fim de sua chancelaria a PEB ainda seguiu durante alguns anos mantendo os princípios

estruturais criados por José Maria da Silva Paranhos Junior.

Conclusões

O que nos chamou a atenção na obra de Aluizio Napoleão é a longa extensão temporal

trabalhada pelo autor, buscando sinais de aproximação entre o Brasil, em suas diferentes

etapas de construção como Nação, e os Estados Unidos. Pode-se constatar que a amizade

entre Brasil e os EUA remete-se a períodos anteriores à República em que a chancelaria do

Barão do Rio Branco cultivou a aproximação com “our great sister of the north”

(NAPOLEÃO, p. 199). Ao decidirmos utilizá-la como fonte de pesquisa torna-se importante a

consciência da utilização de uma obra que foi escrita, financiada e divulgada por um órgão

estatal que busca enaltecer e cultuar a identidade do Barão do Rio Branco. A constante

publicação dessas obras contribui para a consolidação do posto de patrono da diplomacia

brasileira de uma das figuras mais importantes da História do Brasil. A trajetória das

relações entre EUA e Brasil é apresentada durante os séculos XVIII, XIX e XX. Observa-se

que o Brasil procurava se inserir no sistema internacional seja na condição de Colônia,

Império, e mais tarde República. A obra sendo um exemplar de História Diplomática foi

escrita por um homem de Estado que buscava contribuir para a construção da identidade do

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Barão do Rio Branco como o responsável pela aproximação do Brasil aos EUA e que mais

tarde se tornou o patrono da diplomacia brasileira; identidades que vêm sendo cultuadas ao

longo de décadas. Na História Diplomática atenta-se ao fato de que o Estado, por ser o

detentor dos papéis oficiais e protetor dos arquivos públicos, goza da possibilidade de ser

um censor que poderá facilitar a construção de símbolos e identidades em busca de um

projeto de Estado e de Nação. Ao entrarmos em contato com uma obra produzida por

homens de Estado e por ele financiada, deve-se estar atento à interpretação. Os episódios

institucionais podem ser socialmente construídos e saber interpretá-los é crucial para um

honesto trabalho. As informações podem ser produzidas para moldar ou mesmo alterar a

realidade dos fatos, deixando de serem fidedignas em si mesmas. Tal fato deve ser

considerado na interpretação das publicações do MRE. A História Diplomática perde

importância ao trazer uma narrativa cronologicamente montada e descritiva, moldando os

fatos frente aos interesses do Estado. Escrever a história da diplomacia sob o ponto de vista

do diplomata nos traz apenas um olhar sobre os fatos, uma conclusão dos acontecimentos

acolhida pela corporação e que poderá limitar o trabalho do pesquisador. Acreditamos que

para uma visão crítica da obra deve-se estar atento ao autor e sua origem, assim como

quem financia e divulga a obra. Ao trabalharmos com este documento do MRE de 1947

procuramos interpretá-lo como uma peça que faz parte da construção da identidade do

patrono da diplomacia brasileira e do culto à sua imagem. Não o consideramos frágil como

fonte histórica, apenas pode-se considera-lo como um instrumento complementar de

informação. A pesquisa em relações internacionais, principalmente em História das

Relações Internacionais, teve a contribuição da escola francesa nos anos 1950,

principalmente após Pierre Renouvin chamar a atenção para os “variados aspectos da vida

da sociedade” e assim trazer o desafio da construção de uma nova explicação por meio das

“forças profundas”. Mais tarde Jean Baptiste Duroselle completa a interpretação de seu

mestre chamando a atenção para o “conjunto de causalidades que atuam sobre os homens

de Estado em seus desígnios e cálculos estratégicos”. O próprio Renouvin era um defensor

da superação dos limites da História Diplomática ao enfatizar que ela era construída sob o

ponto de vista da chancelaria, e que a mesma foi “insuficiente para explicar as catástrofes

do século XX”, e “o diálogo dos homens de Estado com a sociedade”. A obra de Pierre

Renouvin rompera a construção de uma história sustentada apenas no fato político.

(SARAIVA, 2008, p. 12). Os arquivos diplomáticos são relevantes para o campo de

pesquisa, mas não o suficiente. Para se construir uma história mais abrangente devemos

levar em consideração as forças sociais, econômicas e morais vigentes. A chancelaria do

Barão do Rio Branco deve ser entendida em um contexto de mudança do eixo do sistema

internacional e de toda a pressão que tal fato trouxe e determinou suas ações. A dinâmica

da vida internacional tem fundamental importância e somente a História Diplomática não

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explica este movimento. A obra de Aluizio Napoleão não abrange totalmente as forças que

atuaram sobre aqueles homens e apenas contribui trazendo relatos pormenorizados dos

bastidores diplomáticos e enfatizando a construção de um modelo de homem de Estado, na

pessoa do Barão do Rio Branco: um homem sensato, intelectual, inteligente, um modelo de

diplomata, um exemplo a ser seguido. É a história escrita pelos diplomatas para os

diplomatas e público interessado nas questões internacionais: o Brasil visto pelos

diplomatas. A difusão da imagem do Barão como o responsável pela consolidação das

fronteiras, pela aproximação aos EUA que facilitaria a inserção internacional do Brasil e o

destacaria frente aos países vizinhos, pode ser entendida como uma retórica republicana

com vestígios imperialistas de hegemonia regional, interpretação pouco provável de ser

encontrada em uma obra que busca cultuar um mito. Desta forma, como dito anteriormente,

a obra de Aluizio Napoleão não poderá ser utilizada como obra central de pesquisa na

construção da História das Relações Internacionais do Brasil. Acreditamos, após a releitura,

que a obra poderá ser utilizada como fonte complementar de informações pois tem algo a

dizer além de uma mera referência elogiosa à figura do Barão do Rio Branco. A cultura

diplomática praticada quando das questões envolvendo fronteiras, especialmente no caso

entre os territórios do Brasil e da Argentina traz ao centro do episódio o jurista norte-

americano John Basset Moore, um ilustre desconhecido para o Brasil que ativamente

participou junto com o Barão do Rio Branco como seu conselheiro jurídico. O Barão

contratou o jurista em quatro diferentes arbitragens internacionais e todas foram vencidas

pelo Barão, como informado pelo autor. Mesmo após se tornar Ministro das Relações

Exteriores do Brasil o Barão do Rio Branco manteve John Basset Moore como seu

conselheiro em questões de Direito Internacional. As correspondências trocadas entre

ambos revelam as diversas fases do trabalho desenvolvido por ambos. O advogado

especialista em Direito Internacional, professor e juiz John Basset Moore contribuiu,

segundo pode-se verificar nas cartas publicadas, na redação de assuntos jurídicos em

busca de uma tradução mais apropriada ao caso, e assim buscava-se um melhor

esclarecimento da questão para o árbitro. A fonte primária utilizada por Aluizio Napoleão

foram os arquivos de John Basset Morre e do Barão do Rio Branco, o que trouxe ao autor a

certeza de uma relação de confiança que se estabelecera entre ambos. Portanto, concluiu-

se que a monografia publicada em 1947 pelo MRE de autoria do diplomata Aluizio Azevedo

é peça auxiliar na compreensão dos diferentes momentos da relação entre o Brasil e os

EUA, assim como dos episódios que conduziram a chancelaria do Barão Rio Branco em

direção ao alinhamento com o novo centro de poder que emergia no sistema internacional

no início do século XX.

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