richard sennett

15
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA BRUNA LIMA BIASI RESENHA: A CORROSÃO DO CARÁTER: CONSEQUÊNCIAS PESSOAIS DO TRABALHADOR NO NOVO CAPITALISMO E AS INVASÕES BÁRBARAS

Upload: sayonara-nogueira

Post on 25-Jun-2015

433 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

Sociologia

TRANSCRIPT

Page 1: Richard sennett

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PEDAGOGIA

BRUNA LIMA BIASI

RESENHA: A CORROSÃO DO CARÁTER: CONSEQUÊNCIAS PESSOAIS DO

TRABALHADOR NO NOVO CAPITALISMO E AS INVASÕES BÁRBARAS

UBERLÂNDIA

2013

Page 2: Richard sennett

BRUNA LIMA BIASI

RESENHA: A CORROSÃO DO CARÁTER: CONSEQUÊNCIAS PESSOAIS DO

TRABALHADOR NO NOVO CAPITALISMO E AS INVASÕES BÁRBARAS

Resenha apresentada ao Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial a obtenção de nota na disciplina Sociedade Trabalho e Educação.Professora: Joelma Lúcia Vieira Pires

UBERLÂNDIA

2013

Page 3: Richard sennett

RESENHA: A CORROSÃO DO CARÁTER: CONSEQUÊNCIAS PESSOAIS DO

TRABALHADOR NO NOVO CAPITALISMO E AS INVASÕES BÁRBARAS

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo e as Invasões Bárbaras. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999.

AS INVASÕES BÁRBARAS. Denys Arcand. Argentina, 2003.

Richard Sennett, professor de sociologia da Universidade de Nova York e da London

School of Economics escreveu em 1998 a obra sobre ética do trabalho: A corrosão do caráter:

conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Sennett, nesta obra, apresenta

seqüência a sua pesquisa e reflexão sobre as novas relações de trabalho no capitalismo atual e

seus resultados no caráter subjetivo.

Este ensaio principia-se como uma conferência feita na Universidade de Cambridge

em 1996 por Sennett. Segundo o autor, a continuação no Centro de Estudo Avançado em

Ciências Comportamentais lhe ajustou tempo satisfatório para escrever esta obra. Além disso,

o autor demonstra suas experiências particulares com trabalhadores americanos ao longo de

sua vida e, a partir de tais conhecimentos, passa a ajuizar sobre as relações de trabalho, o

caráter particular e as suas modificações no novo capitalismo.

Sennett procura o cenário atual, concebido pelo filho de Enrico, Rico, cuja vida é mais

próspera materialmente, ainda que em outra conjuntura, no qual o trabalho não é mais uma

obrigação para longos períodos ou com sentidos mais permanentes. A partir de

entrevistas  realizadas com executivos dispensados da IBM em Nova York, colaboradores de

uma padaria de Boston, um empregado que se transformou em um executivo da publicidade e

muitos outros, Sennett avalia os resultados desorientadores do novo capitalismo.

Ele expõe o contraste intenso entre dois mundos de trabalho: aquele das organizações

hierárquicas severas, no qual o que implicava era um senso de caráter individual; e o

espantoso mundo novo da reengenharia das corporações, risco, flexibilidade, marketing de

rede e equipes que trabalham juntas durante um breve espaço de tempo, no qual o que implica

Page 4: Richard sennett

é ser apto de se reinventar a toda hora. Em alguns aspectos, as transformações que assinalam

o novo capitalismo são positivas: afinal, não se pode recusar que elas estabeleceram uma

economia dinâmica. Contudo elas também podem desgastar o senso de objetivos, a probidade

e a confiança recíprocas, fatores que as gerações precedentes afrontavam como fundamentais

para forjar o caráter individual.

As Invasões Bárbaras é um filme de Denys Arcand que retrata também o colapso do

capitalismo. Trata-se de um drama que descreve os períodos finais da vida de um professor

universitário do Canadá, enfermo de câncer em estágio terminal. Suas relações familiares

tinham se decomposto, pois não vivia mais com sua mulher e com seus dois filhos nem sequer

trazia contato. O estranhamento em sua atividade fica ilustrado de saída num momento em

que se despede de seus alunos, deixando evidente se afastar “por motivo de saúde”, recebendo

como retorno somente uma interrogação sobre o prazo de entrega dos trabalhos. Isso numa

cena que expunha a atitude dos universitários: levianos por excelência, uma esboço cujo

móvel é fidedigno, ainda que se realize por uma alegorização tópica que, felizmente, não volta

a acontecer.

Voltando a obra de Sennet, o autor apresenta informações importantes para apreender

o contexto político e  social do mundo pré e pós-globalizado e para afrontar uma economia

fundamentada no princípio de “sem comprometimentos em longo prazo”. Com base em sua

acepção de caráter: “traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais

buscamos que os outros nos valorizem” (p.10), Sennett passa a examinar as relações de

trabalho moderno e seus efeitos nos valores subjetivos como a lealdade e os compromissos

recíprocos.

No filme, a esposa do professor, mesmo tendo se separado fisicamente dele devido às

variadas aventuras amorosas de Rémy, alimenta uma carinho que a move a estar perto dele;

mais que isso, empenha-se por dar conta de todas as responsabilidades com que de modo

repentino se depara. O contato com o filho e a solicitação por sua presença é ponto essencial

deste cuidado. O filho de Rémy, Sébastien, um trabalhador do mercado de capitais em

Londres, não obstante de resistente, pela separação afetiva em relação a seu pai, dirige-se ao

Canadá e, logo depois de alguns desentendimentos com Rémy, torna-se determinado a voltar

atrás ligeiramente. É quando sua mãe interfere, confessando que o pai, apesar de tudo, sempre

tinha cuidado muito por ele: “ligava aos seus professores até no tempo da faculdade”.

A circunstância incômoda remete-o a raciocinar em como auxiliar seu pai, já que

Rémy encontra-se internado em um hospital público do Canadá, onde o sistema de saúde foi

completamente estatizado e passa por uma fileira de inconvenientes acarretados pela

Page 5: Richard sennett

superlotação, atendimento impróprio, carência de equipamentos, entre outros problemas.

Resistente, protesta Rémy: “eu batalhei pela estatização, assim sendo, tenho que lutar também

com as implicações”. Sébastien, contudo, leva-o para os Estados Unidos, a fim de conseguir

exames mais particularizados, e decide usar o dinheiro que possui para comprar a diretora do

hospital e o sindicato, com representantes nos ambientes de trabalho gozando benefícios

legais e tendo na corrupção uma atividade corrente, com a finalidade de montar um quarto

digno para Rémy num andar em desuso, onde este pôde receber os grandes amigos de

antigamente.

Sennett em sua obra questiona como decidir os traços individuais, o valor em uma

sociedade onde tudo é passageiro, onde a flexibilidade, ou seja, o poder de se convencionar a

qualquer meio é tido como valor? Não é admissível estabelecer um caráter em um capitalismo

flexível, onde não existem metas em longo prazo, pois a constituição deste depende de valores

morosos, relações duradouras, de longo prazo, isto não é imaginável em uma sociedade onde

as instituições vivem se desfazendo ou sendo sempre reprojetadas.

Para debater esta questão, Sennett apela a diferentes fontes, como informações

econômicas, narrativas históricas e teorias sociais como de Max Weber e Adam Smith e,

ainda, à sua vida cotidiana, seu procedimento é como de um antropólogo, segundo o próprio

autor. A obra é decomposta em oito breves capítulos, onde se determina o tempo capitalista,

se confronta o velho capitalismo e o novo, mostram-se os problemas de se envolver as novas

relações de trabalho, a ofensiva do capitalismo ao caráter subjetivo, a transformação ética do

trabalho, os sentimentos despertos nos sujeitos como o fracasso, o desnorteamento, a

depressão e, por fim, como suportar e existir neste meio? Existe remédio para os males do

trabalho? São as respostas para estas questões que Sennett busca neste debate.

No primeiro capítulo, Deriva, Sennett descreve a história de duas gerações norte-

americanas, Enrico e Rico, filho de Enrico. Este relato convém como conferição entre dois

exemplos de trabalhadores. O trabalhador fordista, burocratizado e rotinizado, que

esquematiza sua vida e suas metas se fundamentado em um tempo lineal, cumulativo e

disciplinado, que estabelece sua história e perspectivas a partir de um progresso de longo

prazo.

E o trabalhador flexibilizado do capitalismo mais atual, que altera de endereço

comumente, não institui laços estáveis de relação com os vizinhos, muda de emprego

constantemente, não projeta suas metas a partir de perspectivas de longo prazo, ou seja, vive

uma vida de inseguranças, vida sem laços duráveis. O trabalhador flexível não tem laços

estáveis nem com sua própria família. Segundo Sennett, o problema de se instituir laços

Page 6: Richard sennett

duráveis está corrompendo o caráter e como isso advém é corroborado ao longo do ensaio.

Retornando ao filme, o reencontro com seus amigos intelectuais, convidados por ação

de Sébastien é sintomático para uma geração imbuída de teorias extenuadas moralmente: eles

fazem rememorar suas aventuras sexuais “livres”, suas frustrações na atividade do magistério

e na faculdade, admitindo seu esgotamento teórico. Contudo a aproximação franca e as

atitudes dos amigos, proporcionando alguns deleites finais a Rémy e, especialmente,

apoiando-o em sua determinação derradeira, a eutanásia, sugerem a importância desta relação

fundamental que avigorou a todos, ainda que de modo limitado.

Um ponto muito importante é, exatamente, este final conformado pela morte de Rémy

por overdose induzida, viabilizada por uma remota amiga de Sébastien, dependente de

heroína, cuja aproximação deve-se a uma tentativa de suavizar as dores que já esgotavam seu

pai. Nesta oscilação, a garota rescinde um círculo desmoralizado a que se submetia e passa a

tomar uma grandeza mais palpável não dos efeitos do uso de drogas, contudo sim de

possibilidades de vida para as quais não ajuizava, o que a movimenta em procura da

desintoxicação.

Nesta afinidade, constituída de modo inconveniente, o filho de Rémy vê-se

submergido por alguém que interrogava seu comportamento ingrato e calculista; Sébastien é

um yuppie, em certa medida contrário às pretensões da geração de seu pai. É respeitável

observar que não se trata simplesmente de um conflito de gerações, e sim de uma

contraposição entre subjetividades constituídas em tempos históricos distintos: ao pai falta

acertar para as modificações acontecidas, e ao filho falta a dimensão das relações humanas.

Um aspecto análogo posto em função da tragédia torna-se a sensibilização de Sébastien.

No livro, a rotina era a grande moléstia do velho capitalismo, conforme Adam Smith

ela embrutecia o íntimo, na experiência de se libertar deste mal a nova sociedade procurou

flexibilizar o tempo, de forma a não ficar presa a um costume, a um programa. Esta negativa

da rotina, do velho capitalismo, pode ser observada no indeferimento do modo de vida de

Enrico por seu filho Rico. Rico se avigora para não evidenciar nenhuma ligação ou resquício

do trabalhador braçal que procurava o Sonho americano como que era seu pai, Rico quer

esquivar da rotina.

A grande dificuldade é que esta rotina fundamentada no tempo linear foi suprida por

novas formas de autoridade e influência. No velho capitalismo fordista, o poder e o controle

eram manifestos, o patrão no superior do escritório controlava e supervisionava o trabalho dos

trabalhadores, regulava o tempo. O novo capitalismo flexibilizou o tempo, os produtos são

cada vez menos duráveis, adotando a dinâmica de curto prazo, os empregos são provisórios.

Page 7: Richard sennett

No entanto, esta coerência de desburocratização agrupou o poder ainda mais nas mãos dos

capitalistas que, agora, são invisíveis dentro das corporações.

A ilusória liberdade oferecida ao trabalhador por meio do trabalho em grupo, onde ele

determina o que fazer sem o chefe lhe dar direção, na verdade alocou o trabalhador ainda mais

sob a autoridade do capitalista. Isso ocorreu porque ele já não contém mais o que faz, a

atomização cada vez maior dos serviços fez com que não se necessitasse mais de tanto

preparo, treinamento por parte do trabalhador, como resultado este deixou de ter a

propriedade sobre seu emprego, por isso ele sempre está mudando de campo, de empresa, de

função, já não tem vínculos fortes com suas tarefas, com seus companheiros.

A falta de dedicação ao longo prazo com seu trabalho, a não concepção de laços

duráveis acabou flexibilizando e por fim adulterando o caráter, pois este depende de tempo

para se concretizar na medida em que apenas se pode definir o sujeito, o valor que tem

quando procura a valorização de seu interior pelos outros. Ou seja, somente se determina

nosso caráter quando se estabelece laços constantes que admita situar o homem dentro de um

meio social.

O novo capitalismo, pois, se diferencia pela competência imediata, a flexibilização, a

ousadia, a alienação acabada do sujeito, “não se mexer é tomado como sinal de fracasso,

parecendo a estabilidade quase uma morte em vida” (p.102). Modificar o tempo todo faz a

pessoa se perder da realidade a qual compete, no antigo capitalismo o acordo de se pertencer a

uma categoria era simplesmente percebível, no capitalismo presente não se conhece a que

grupo social se incumbe. Esta realidade pode ser vista quando Sennett pergunta a alguns

padeiros a que classe concerne, dizem vagamente serem  da classe média.

No jogo capitalista moderno todos confiam serem possíveis vencedores, sabem que os

vencedores fazem parte de um pequeno grupo, contudo não se movimentar é condenar-se ao

fracasso. “O risco é um teste de caráter; o importante é fazer o esforço, arriscar a sorte,

mesmo sabendo-se racionalmente que se está condenado a fracassar” (p.106). Portanto, as

pessoas se observam exauridas ética, social, cultural e politicamente. As relações humanas se

tornam uma dissimulação teatral, relações sem domínio, sem comando. Desta forma, a

constituição de uma história de vida que vincule as pessoas fica incapaz, pois não existe

padrão e nem responsabilidade. As pessoas estão sujeitas ao sentimento de fracasso.

Nesta definição, as pessoas mais velhas ou mais experientes são observadas como

atrasadas, fracassadas, pois flexibilidade, risco, não convenciona com acúmulo de

conhecimento, de tempo de vida. A história de Rose é um bom padrão oferecido pelo autor,

ela admite “não ter mais coragem” (p.107). “As atuais condições da vida empresarial

Page 8: Richard sennett

encerram muitos preconceitos contra a meia-idade. Dispostos a negar o valor da experiência

passada da pessoa” (p.107). Além disso, este exemplo comprova como o novo capitalismo se

tornou desnorteante e deprimente, instituiu éticas antagônicas à autodisciplina e à auto-

modelação da ética de trabalho como a apresentada em A ética protestante e o espírito de

capitalismo de Max Weber.

O poder está presente, mas o domínio está ausente. O repúdio da autoridade e da

responsabilidade admite a evasão dos protestos e das crises, já que não existem laços fortes o

satisfatório para existir uma coesão. Não existe nenhuma autoridade para distinguir o valor,

pois as pessoas estão à deriva do fracasso. O pronome nós é temido pelos capitalistas, temem

o ressurgimento dos sindicatos, igualmente no capitalismo atual não oferece motivos para as

pessoas se vincularem, “há história, mas não narrativa partilhada de dificuldade e portanto

tampouco destino partilhado” (p.176). Para Sennett, um regime, portanto não pode se

conservar por muito tempo.

Para Sennett, a superficial melhoria das condições de trabalho tão enaltecidas, não

passam de pura fantasia, a verdade é que o caráter humano foi fortemente corrompido. A

fidelidade, os compromissos pessoais são dificílimos, é a desumanização absoluta do ser

humano. Deste modo, o autor consegue evidenciar como esta corrosão advém utilizando

exemplos verdadeiros, ao escolher pela narrativa e não meramente o uso de estatísticas e

tabelas, consegue produzir vida, expressão, para corroborar sua hipótese inicial  de que as

novas analogias do novo capitalismo flexível contaminaram e corrompem o caráter do ser

humano.

A partir desta conclusão o autor induz o leitor a ajuizar sobre o tipo de sociedade que

está sendo estabelecida, uma sociedade em que os sujeitos não se vêem imprescindíveis uns

aos outros, ou seja, é o individualismo surgido da burguesia industrial do velho capitalismo

levado ao extremo, potencializado.

O autor termina seu livro ligando os pontos de desgaste do caráter do trabalhador no

capitalismo flexível à perda do senso de comunidade; e são estes os aspectos que devem ser

resgatados: o caráter do homem estabelecido pelo trabalho e a lealdade à comunidade. A

noção de comunidade empregada por Sennett refere-se ao significado de vizinhança das

cidades norte-americanas e do partilhar de problemas, alegrias e angústias; ainda que

conservando a ética da gratificação do trabalho individual e sucessivo.

A leitura do livro de Sennett não desperta certezas nem almeja levantar disposições

teóricas, entretanto seguramente interroga as transformações atuais que submergem a todos

numa rede flexível e improvável, em que o caráter não estabelece a linha norteadora da vida e

Page 9: Richard sennett

do trabalho.

Em relação ao drama, trata-se de um bom filme que recomenda problemas sociais

presentes no terreno genético da ação: estranhamento no trabalho, pauperização dos

trabalhadores, esgotamento do Estado de bem-estar social, colapso ideológico.

A miserabilidade sempre em destaque, o papel fundamental e resolutor do dinheiro, a

delucidação da falência teórica das propostas acadêmicas são verificações essenciais que

ganham significado na medida em que se faz presente a noção, ainda que por vezes

contemplativa, da precisão de libertação humana destes vínculos, ou seja, rompe-se

ativamente com uma fileira de imperativos morais e, especialmente, encontra-se espaço para

relações humanas mais fidedignas, e nisso convive o que pode ser analisado o mérito do

filme.

O importante é que tudo acontece por meio da diferenciação de sujeitos em vida de um

modo que pode ser analisado feliz, sem o embuste de quem quer se mencionar à totalidade de

costumes da vida social a partir de meia dúzia de padrões que tudo permitem. Existe, assim

sendo, personagens em ação numa circunstância característica, sem a representação tão

presente em diretores que, ao se ambicionarem realistas, não fazem mais do que uma “crítica

social” tão decisiva quanto vazia de substância humana.

Assim sendo, mesmo apresentando uma tragédia extrínseca à trama propriamente, a

doença, o filme percorre com seqüência orgânica e com naturalidade na trama dos

acontecimentos que se conjetura também na sua forma longínqua das invencionices peculiares

da maior parte da produção cinematográfica recente.

A doença terminal de Rémy é estratagema exterior à trama, externo à ação de pessoas

propriamente. O filme é um trabalho muito bem estabelecido, uma crítica contrária não

poderia reincidir sobre a trama ou mesmo sobre sua forma geral, entretanto cujo embasamento

é forjado pela carência de matéria dramática. Fato é que se vivem possibilidades limitadas, no

entanto rejeitar substância humana é hipocrisia a que este filme não se rende. O ceticismo

ofuscado deve abdicar espaço às relações humanas bem abrangidas.

O distanciamento dos compromissos freqüentes, que acarretam uma proximidade

obrigatória, consente a compreensão da seriedade e necessidade da amizade regularizada por

parâmetros outros que aqueles da sobrevivência imediata e do pragmatismo habitual.

Entretanto, não se pode acolher que alguma enfermidade terminal seja o motivo de tais

existências que hoje escasseiam.