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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

RIBEH

REVISTA IBERO-AMERICANA DE EDUCAÇÃO HISTÓRICA

Associação Iberoamericana de Pesquisadores da Educação Histórica –

AIPEDH

Volume 2 – Número 1 Jan./Jun. 2019

AIPEDH

CURITIBA-2019

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

ASSOCIAÇÃO IBEROAMERICANA DE PESQUISADORES DA

EDUCAÇÃO HISTÓRICA – AIPEDH

Presidente: Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt (UFPR)

Vice-Presidente: Isabel Barca (UMINHO)

Secretária Adjunto: Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd (Faculdade São Braz)

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

Editor: Geyso Dongley Germinari Coeditora: Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt Conselho Editorial: Ana Claudia Urban – LAPEDUH/UFPR Adriane de Quadros Sobanski – SEED/LAPEDUH Andressa Garcia Pinheiro de Oliveira – LAPEDUH Estevão Chaves de Rezende Martins – UnB Everton Carlos Crema – UNESPAR Geyso Dongley Germinari – UNICENTRO Isabel Barca – Universidade do Minho (Portugal) Jorge Luiz Cunha - UFSM Julia Castro – Universidade do Minho (Portugal) Lidiane Camila Lourençato – LAPEDUH/UFPR

Lucas Pydd Nechi – LAPEDUH/UFPR Luciano de Azambuja – IFSC Marcelo Fronza – UFMT Maria Conceição Silva – UFG Marilia Gago – Universidade do Minho (Portugal) Marlene Cainelli – UEL Olga Magalhães – Universidade de Évora (Portugal) Rafael Saddi – UFG Rita de Cássia Gonçalves Pacheco dos Santos – Universidade Tuiuti do Paraná Thiago Augusto Divardim de Oliveira – IFPR/LAPEDUH/UFPR Tiago Costa Sanches – UNILA – PR Conselho Consultivo: Alamir Muncio Compagnoni – SME/Araucária Camila Chueire Caldas – SEED/LAPEDUH/UFPR Carla Gomes da Silva – LAPEDUH/UFPR Cláudia Senra Caramez – SEED/PR Cristina Elena Taborda Ribas – SEED/LAPEDUH/UFPR Daniele Sikora Kmiecik – LAPEDUH/UFPR Dioury de Andrade Bueno – LAPEDUH/UFPR Fabio Aparecido Ferreira – LAPEDUH/UFPR Geraldo Becker – LAPEDUH/UFPR Henrique Rodolfo Theobald – SME/Araucária João Luis da Silva Bertolini – LAPEDUH/UFPR Juliane Nascimento das Neves – LAPEDUH/UFPR Juliano Mainardes Waiga – LAPEDUH/UFPR Leslie Luiza Pereira Gusmão – SEED/LAPEDUH/UFPR Nikita Mary Sukow – LAPEDUH/UFPR Patrícia Rogéria de Matos Rodrigues Torres – LAPEDUH/UFPR Sergio Antônio Scorsato – LAPEDUH/UFPR Solange Maria do Nascimento – SEED/LAPEDUH/UFPR Vaneska Mezete Pegoraro – LAPEDUH/UFPR Rafaella Baptista Nunes – LAPEDUH/UFPR Rosangela Gehrke Seger – LAPEDUH/UFPR Thiago de Carvalho Miranda – LAPEDUH/UFPR

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EDITORA: AIPEDH

Endereço: Rua Dr. Nelson de Souza Pinto, 709 – Curitiba-Paraná. CEP

82.200-060

Coordenadora: Prof.ª Dr.ª Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt

Email: [email protected]

Coordenação Editorial: Geyso Dongley Germinari

Editoração Eletrônica: Geraldo Becker

Capa: Gustavo Iurk

Revisão dos textos: a cargo de cada autor

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MISSÃO DA REVISTA

A Revista Ibero-Americana de Educação Histórica tem vinculação com a AIPEDH

Associação Iberoamericana de Pesquisadores da Educação Histórica – AIPEDH, e

objetiva converter-se em publicação de excelência, difundindo a produção da área em

nível mundial, com foco no público dos países de língua portuguesa e espanhola.

Os trabalhos enviados para publicação deverão apresentar estudos inseridos no rol

de questões debatidas pela Educação Histórica, promovendo o avanço do conhecimento

nas diversas linhas de investigação relacionadas ao ensino e à aprendizagem da História,

assim como às práticas e políticas curriculares, à produção, usos e circulação de manuais

didáticos, à formação profissional e ao cotidiano de professores e alunos, com ênfase na

articulação do ensino e da aprendizagem com as teorias e filosofias da História.

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SUMÁRIO

Editorial Geyso Dongley Germinari; Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt Competência do pensamento histórico, domínio de um panorama histórico, ou conhecimento do cânone histórico? Bodo Von Borries Didática da história: uma ciência da aprendizagem histórica? Edinalva Padre Aguiar Memória, ensino de história e formação de professores: elementos para uma pesquisa narrativa (auto) biográfica Lisliane dos Santos Cardôzo; Jorge Luiz da Cunha Ideia de interculturalidade: a perspectiva em manual didático de história Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd O ensino de história local na formação da consciência histórica de alunos do ensino fundamental Flávio Batista dos Santos; Marlene Rosa Cainelli A consciência histórica e significância histórica em alunos portugueses: um estudo de caso longitudinal com alunos do 1.º CEB Glória Solé Entrevista Doutorando Nilson Javier Ibagón Martín Normas para publicação

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

EDITORIAL

A Revista Ibero-Americana de Educação Histórica – RIBEH apresenta, em sua

segunda edição, trabalhos de pesquisadores e professores ligados ao campo de pesquisa

em Educação Histórica. Dentro da finalidade para a qual foi criada, a RIBEH coloca-se

como um espaço de difusão de pesquisas realizadas por professores-pesquisadores no

âmbito da Educação Histórica, cujo foco principal tem sido as problemáticas relacionadas

à aprendizagem histórica no âmbito escolar.

O professor e pesquisador alemão, Bodo Von Borries, no texto “Competência do

pensamento histórico, domínio de um panorama histórico, ou conhecimento do cânone

histórico?”, traduzido por Éder C. Sousa, afirma que a História é um assunto complexo e

que deve ser pensada como um “modelo de pensamento” e não estritamente como uma

narrativa cronológica ou cânone histórico. Defende também que o ensino de História deve

constituir competências do pensamento histórico em um contexto de multiperspectividade.

Para problematizar a aprendizagem histórica como um princípio da Didática da

História, a professora Edinalva Padre Aguiar, em “Didática da História: uma ciência da

aprendizagem histórica?”, defende que a compreensão de que no ensino de História as

investigações de situações que estimulem a cognição histórica dos estudantes devem ser

priorizadas, em vez das competências e habilidades, é fundamental para uma

reorientação das concepções sobre aprendizagem histórica no Brasil. Nesse sentido, a

Didática da História mobiliza uma teoria da aprendizagem histórica.

Os pesquisadores Lisliane dos Santos Cardozo e Jorge Luiz da Cunha apresentam

resultados desenvolvidos durante o mestrado na UFSM que procurou investigar por meio

da identidade narrativa e da memória de educadores como a formação inicial do curso de

História da UFSM influencia o trabalho do professor em sua trajetória de vida e como ele

interpreta o lugar social de história na contemporaneidade. Os sujeitos são quatro

professores graduados entre os anos de 1980 e 2000, atuantes na educação básica em

escolas públicas por, no mínimo, cinco anos.

No artigo “Ideia de interculturalidade: a perspectiva em manual didático de história”,

Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd, apresenta resultados de investigação que indaga,

como a ideia de interculturalidade está presente no manual didático de História?, a

pesquisa indica que a narrativa do manual didático privilegia, elementos das tradições

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culturais africanas; mas que, afrodescendentes estão em condições de desigualdade, na

medida em que, atualmente, ainda precisam lutar contra a discriminação.

Os autores Flávio Batista dos Santos e Marlene Rosa Cainelli procuram, em sua

investigação, compreender como o ensino de história local pode contribuir para o

desenvolvimento de uma consciência histórica que possibilite suprir uma orientação

temporal a partir da constituição de uma identidade.

Glória Solé, professora e pesquisadora da Universidade do Minho – Portugal, em

seu artigo buscou estabelecer a interface entre o ensino da História, a utilização e a

exploração de objetos e a construção de museus em sala de aula, além das principais

potencialidades didático-pedagógicas da utilização deste tipo de fonte em sala de aula. A

autora conclui com as possíveis implicações deste tipo de estratégia no ensino da

História.

Por fim, a entrevista com o professor Doutor Nilson Javier Ibagón Martín, professor

do Departamento de História da Universidad del Valle (Cali-Colômbia) apresenta um

panorama da expansão da Educação Histórica na Colômbia.

Boa leitura!

Geyso Dongley Germinari

Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt

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COMPETÊNCIA DO PENSAMENTO HISTÓRICO, DOMÍNIO DE UM PANORAMA

HISTÓRICO, OU CONHECIMENTO DO CÂNONE HISTÓRICO?

HISTORICAL THOUGHT COMPETENCE, DOMAIN OF HISTORICAL PANORAMA, OR

KNOWLEDGE OF THE HISTORICAL CANON?

Bodo Von Borries1

Resumo: A história é um assunto complexo com uma epistemologia complexa, oferecendo múltiplas e freqüentes explicações contraditórias para por que as coisas são como são hoje. Deve-se, portanto, ser pensado como “um modelo de pensamento” e não estritamente como uma narrativa cronológica ou cânone histórico, especialmente porque cronologias e cânones simplificam o passado, deixando de fora 99.9% do que aconteceu, particularmente experiências de pessoas comuns. Portanto, o ensino de historia deveria constituir competências do pensamento histórico. A história deve ensinar mais a partir de múltiplas perspectivas, e deveria iniciar a partir das necessidades e experiências das próprias crianças. A partir disso, o currículo poderia ir no sentido de explorar processos de mudança, eventos específicos de importância crítica para estudantes e pesquisas metodológicas. Para jovens crianças, estudos de caso podem ser usados para constituir eventos mais concretos e significativos. Já os estudantes mais velhos podem estudar temas históricos e processos em um nível mais abstrato. Palavras-chave: História. Epistemologia. Ensino de História. Abstrac: History is a complex subject with a complex epistemology, offering multiple and frequent contradictory explanations for why things are as they are today. It should, therefore, be thought of as a "model of thought" and not strictly as a chronological narrative or historical canon, especially since chronologies and canons simplify the past, leaving out 99.9% of what happened, particularly ordinary people's experiences. Therefore, the teaching of history should be the competence of historical thought. History should teach more from multiple perspectives, and should start from the needs and experiences of the children themselves. From this, the curriculum could go towards exploring change processes, specific critical events for students, and methodological research. For young children, case studies can be used to build more concrete and meaningful events. Older students can study historical themes and processes at a more abstract level. Keywords: History. Epistemology. History Teaching.

O que a história quer dizer?

1 Universidade de Hamburgo. Hamburg, Alemanha. Alsterterrasse 1. 20354. E-mail: [email protected]

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O que é “História”, o que é “História Geral”, o que é “Relevância Histórica”? Essas

três questões não são completamente idênticas, mas algo similar.

• História não é uma lista de fatos, uma história de eventos, processos, e

estruturas.

• História não é “o passado” ou a mais “importante parte do passado”.

• História não é – por assim dizer uma ilustração precisa – modelo, imitação, ou

cópia do passado.

Ao contrário, história é um modo distinto de pensamento, um acesso metódico para

um melhor entendimento do mundo e de si, uma ferramenta para decodificar fenômenos e

orientações no presente e no futuro – basicamente efetuada por narrativas “verdadeiras”

sobre eventos passados, mudanças, e desenvolvimentos.

A típica questão clássica: “Papai, por que os austríacos não são alemães, apesar

deles falarem alemão? ” A questão não pode ser respondida por teorias sistemáticas ou

argumentos lógicos, mas apenas contando uma história sobre diferentes estados no

passado (eventos, processos, estruturas, evolução) e suas mudanças até hoje

(“desenvolvimento”). Esta é chamada a “lógica narrativa” na estrutura da história. (LÜBBE,

1975). Certamente, o contar (produzir: “re-construção”) histórias não é somente uma

operação mental, mas o exame (análise: “des-construção”) de versões históricas já

completadas e oferecidas por outros é igualmente importante (veja a seguir).

No caso mencionado, várias e distintas histórias podem ser ditas. Uma é a do tipo

tradicional “pessoas e eventos”:

A Áustria tem sido uma parte da Alemanha. Mas, então, Napoleão surgiu e o velho

Sacro-Império Romano chegou ao fim. Depois sob Bismarck, foi colocada a

Áustria fora da Alemanha (a “Federação Germânica” de 1815) pela guerra em

1866. Depois da Primeira Guerra Mundial, em 1919, os austríacos tentaram em

vão juntar-se à Alemanha novamente, mas os aliados proibiram. Depois Hitler

anexou a Áustria em 1938 e foi derrotado em 1945, o “staatsvertrag” (tratado de

Estado), em 1955, fez da Áustria um “Estado Nacional” separado – e neste tempo

foi aceito – como de língua germânica. Em 1995 ela entrou na União Europeia,

sem demandar uma linguagem austríaca adicional.

Mas uma outra história pode ser mais plausível

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A teoria ou ideologia de “uma linguagem – uma nação” – um estado, que é a base

de sua questão sobre Áustria e Alemanha, historicamente evoluiu tarde, não antes

do século XVIII e início do século XIX. Desde 1806, e ainda em 1866, a Áustria foi

uma parte da Alemanha; mas a Alemanha não foi um “Estado Nacional” o tempo

todo. Por mais ou menos razões acidentais, a Áustria estava economicamente e

militarmente excluída dos processos da “construção nacional” alemã. Depois disso

(em 1919 e 1938), algumas tentativas foram feitas de ambos os lados para

integrar a Áustria tardiamente, mas elas falharam, por causa de duas derrotas em

Guerras Mundiais e por causa de um gradual distanciamento entre os dois países.

A primeira versão é mais suave e menos teórica (uma “história dos eventos”); mas

esta é menos “historicamente plausível”, porque omite a essencial diferença de

mentalidades e estruturas anteriores ao século dezenove. Torna-se possível construir

uma terceira história sem muita dificuldade: “No caso alemão – como em outros, como na

Bélgica, Grã-Bretanha e Estados Unidos – ‘linguagem’, ‘Cultura’, ‘Estado’ e ‘Nação’ têm

que ser distinguidos cuidadosamente. Por razões históricas a Áustria é linguisticamente (e

culturalmente) alemã e politicamente (nacionalmente) não alemã”.

E uma quarta versão é ainda mais plausível:

A Áustria não é primariamente uma nação, uma tribo ou um território, mas uma

dinastia (“Casa d’Áustria – Habsburgos”) que se afirmou para reinar sobre todo o

mundo (“AEIOU – Áustria Esta Imperiu Orbis Universi” – “toda a terra é súdita da

Áustria”). No século XIX, era da “construção nacional”, a Áustria transformou-se

em um “Império transnacional” para uma assim chamada “prisão de nações”.

Depois disto caiu em 1918 e foi reduzida a um pequeno estado de língua Alemã

(ou, ainda, um “microestado”).

A “história” não é identificável com a “história política” – e isto é essencial para

entender o mundo

O número de tais questões, que só podem ser respondidas historicamente e não

logicamente, é enorme – e não somente no campo político das nações e Estados, mas

em alguma parte e setor da vida pública e privada:

“Mãe, por que minha amiga Mary uma Católica (veste uma saia longa) e minha

amiga Beyhan uma Muçulmana (usa um véu), enquanto eu sou uma garota

protestante (e posso andar quase nua)?”

“Mr. Muller, por que nunca houve uma presidente mulher dos Estados Unidos?”

“Papai, por que meu nome é aquele da minha mãe Carla Neubeauer, enquanto

meus colegas de classe são chamados Kaminsky e Öztürk, de acordo com os

nomes de seus pais?”

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“Papai, por que a maioria dos cidadãos norte-americanos fala inglês e os cidadãos

mexicanos espanhol? Por que o primeiro grupo é mais rico e o segundo

normalmente é pobre?”

“Mrs. Cohn, por que Hamburgo é um estado separado da Alemanha e Munique

não?”

“Prof. Wheller, você pode, por favor, me dizer por que a família Flick possui bilhões

de euros e minha família não?”

Todos esses fatos e condições do mundo apresentados podem somente ser

explicados pela lógica, pela natureza ou por histórias, isto é, os efeitos contínuos de

formas, eventos e processos. Se nós aceitássemos naturalmente como uma causa, nós

facilmente chegaríamos ao racismo, biológico, Darwinismo Social ou determinismo (LÉVI-

STRAUSS, 1952). Neste caso, estruturas sociais e diferenças não podem ser distinguidas

a partir do que elas são atualmente. Se nós escolhemos a “história” como uma

explicação, nós fazemos o passado responsável pelo presente e nós temos que levar o

“acaso” ou o “acidente” em conta (“contingencial”). Ao contrário, nós temos o problema da

trivialidade ou dos argumentos circulares: “Explicações históricas nas quais as coisas que

são de um modo particular são como elas são porque elas têm que ser como elas são”.

Isso não é realmente satisfatório, mas, de um lado, pessoas que não podem ter essa

lógica selecionariam outro tópico. Historicamente refletindo, as pessoas são

recompensadas pela situação em que muitas diferentes versões podem ser ouvidas,

comparadas e checadas por sua plausibilidade ou convincente qualidade (características

multiperspectivadas, controversas e pluralistas). Isto é não somente uma frase rasa: as

mais importantes questões históricas – como a relação causal entre colonialismo e

industrialização – são basicamente e apaixonadamente disputadas.

Aqueles que, de outro lado, rejeitam esse balanço de contradições históricas, devido

ao rememorar incerto e ao distanciamento necessário do tempo, poderão também olhar

para fora da história. Mas, então, eles não podem entender a presente situação ou eles,

falsamente, atribuem isso à “natureza” ou à “lógica”. Esta estrutura das explicações

retrospectivas e hipotéticas da presente situação de narrações sobre mudanças no

passado é a natureza epistemológica da história.

Consequências da “estrutura narrativa” e a “retrospecção a partir de hoje”

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Portanto, o problema do “ensino de História”, na época da (pelo menos a quarta

fase) globalização e (pelo menos a segunda) era pós-Nacional, não é um cânone de

dados para conservar e transmitir para a próxima geração da sociedade e suas

subculturas (“população” em vez de uma “nação” mítica como uma comunidade

“inventada/imaginada”), mas uma maneira de construir competências de pensar

historicamente diferentes contextos (como raça, língua, idade, sexo, religião, cultura,

região, classe, poder, riqueza, profissão, consumo, estilo de vida, mentalidade). A

“história” tem sido distinguida do “passado”. O passado não pode ser restaurado ou

reconhecido, mas somente ser reconstruído e contado; portanto, como já dito, uma

“narrativa” estruturada é uma inevitável condição da história.

A história é escrita a partir dos pontos de vista do presente. Isto não pode ser mal

compreendido: Uma boa história não pode ser escrita sem uma séria tentativa de pensar

partindo das possibilidades e mentalidades das pessoas que viveram no passado. A

estrita redução das precondições em que o tempo (sem conhecimento do

desenvolvimento posterior e resultados) é uma condição sine qua non do insight histórico.

Mas isto é somente um passo necessário, o outro, uma síntese e avaliação do atual ponto

de vista é tão importante quanto (“Metodologicamente o historiador tem que andar em

duas pernas, na direita a história e na esquerda o presente”).

A história é necessariamente e altamente seletiva; 99,99% de todos os eventos

passados, situações e estruturas são esquecidas sem alguma relíquia preservada.

Adicionalmente, 99,99% das informações históricas que estão bem documentadas

tiveram que ser deixadas de lado (ainda no caso de estudos muito especializados).

Mesmo a história completa de um homem durante um dia, com todas as suas

experiências, discursos, ideais e pensamentos, poderia precisar de um longo livro (e.g.,

James Joyce’s, Ulysses). Ademais, tamanhas informações foram possíveis serem

preservadas para o futuro (no “estado de arquivo” da história). Mas a “existência

funcional” de parte da história dada por uma sociedade (“cultura histórica”) é muito menor

(o “status de tesouro” da história) (ASSMANN, 1999).

Quais são as condições especiais e necessárias para nosso tempo na história? O

que são as tendências que alguém tem que conhecer, detalhadamente, para processos

efetivos de orientação em tempos de mudanças e, particularmente, de novas situações no

presente e no futuro?

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. “Europeização” e “Deseuropeização” (e.g., estrutura “pós-colonial” e/ou

“neocolonial”);

. Desigualdades econômicas mundiais e poder mundial;

. Integração europeia;

. Emancipação da mulher;

. Crescente expectativa de vida e transformação das relações entre grupos etários

(“acordos geracionais” e “conflitos geracionais”);

. Revolução na comunicação (computador, televisão, internet, celular, “base do

conhecimento social”) e outras supertecnologias;

. Diga-se “globalização” (em harmonia, competição, e conflito);

. Imigração e diversidade (“sociedades multiculturais”);

. Mobilidade física e mental (“flexibilidade”, “aprendizado ao longo da vida”);

. “Aceleração” de mais desenvolvimentos (“redução do tempo de validade do

conhecimento”);

. Explosão populacional em partes do mundo (e “declínio populacional” em alguns

países ricos);

. Poluição ambiental e destruição (mudanças do clima, vida curta das matérias-

primas).

Muitos desses fenômenos têm antecedentes em tempos antigos. Tudo a respeito

pode ser entendido melhor por meios de comparação e retrospecção. Certamente, às

vezes, as situações acima são principalmente produtivas e informativas porque elas

mostram maiores diferenças (e.g., mobilidade, relação entre gerações), mas,

frequentemente, as similares são também importantes (e.g., “crise ambiental”,

“sociedades multiculturais”).

Versões da “História Geral”

Ainda: O que é “História Geral?” Esta é a mais decisiva questão. Por muitos séculos,

na longa tradição da historiografia, o critério do poder ou dominação foi supremo. De fato,

esta foi a origem da própria historiografia. Todo o resto da vida tem sido evidente e

enfadonho, portanto, setores mais práticos na sociedade (e.g., relações sexuais,

condições ambientais) foram – falsamente – pensados para serem estáveis e a-históricos.

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Hoje, ao contrário, nós geralmente percebemos como aborrecidos os longos contos sobre

determinados governantes ou poderes dominantes, que foram vistos arbitrariamente

durante um longo tempo. Mas, ainda hoje, muitos alunos e professores não entendem a

maior questão: O que é “História Geral?”. Para eles, a tradição ou identificação política

dominante na história continua sem dúvidas.

No entanto, a vida humana é mais velha e mais original do que o Estado. Primeiro o

homem e a mulher têm que viver, trabalhar, casar, cooperar e criar seus filhos. Somente

depois eles podem organizar e ampliar estados, subjugar e eliminar outros. Portanto, em

minha opinião, “antropologia histórica” é certamente “História Geral” (este insight não é

realmente novidade; ele era bem conhecido pela escola dos Annales desde 1929).

Adicionalmente, a história do dia a dia pode ser aprendida mais facilmente do que aquela

dos estados e guerras. Crianças já sabem – ao menos particularmente – o viver diário de

hoje. Elas têm um estrelado ponto para trabalhar a partir e para comparações. No caso do

estado, lhes falta essa vantagem, porque elas não conhecem ainda o Estado atual.

As pessoas podem saber um conjunto de datas (reinos, batalhas, tratdos, invenções,

etc.), sem serem aptas para narrar a história de alguma forma. Isto pode ser visto

acontecendo frequentemente, ainda entre estudantes de história das universidades.

(BORRIES et al., 2004). Adicionalmente, eles podem ser aptos a narrar longas histórias

sem criticismo e habilidades metodológicas. Em minha opinião, tais características falham

para cumprir uma condição da “competência histórica”. Somente a qualificação do

pensamento, trabalho, argumentação e julgamento de uma maneira histórica podem ser

os objetivos da aprendizagem histórica. A história é interminável e infinita. Isto nunca

pode ser aprendido com um “conteúdo”.

Embora na maioria dos países – assim como na Alemanha – a maioria dos padrões

fixados pelas autoridades é de “padrões de conteúdo”2, a minoria dos “padrões

processuais” é mais importante – e a “oportunidade de aprender padrões”, bem como,

2 A Alemanha tem 16 estados membros que são exclusivamente responsáveis pelo sistema educacional e pela manutenção de 2 a 4 tipos de escolas e é completamente impossível analisar os conteúdos canônicos em cerca de 50 comparações curriculares somente de escolas secundárias. A “Associação de professores de história” publicou um tipo de modelo de “padrões de conteúdos em história” em 2006 (VERBAND, 2006), mas, de fato, foi oferecida uma lista de “padrões de conteúdo” sem uma gradação de perfeição (competências) somente. A original “performance de padrões” (ou padrões metodológicos) não foi aplicada em tópicos canônicos: simplesmente as socialmente (nacionalmente) interpretações aceitas foram reproduzidas.

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

porque eles estão muito mais próximos às necessidades de estabelecer (e conseguir)

“competências”.

O problema de um “modelo de competência histórica” – com seções e níveis – e o

problema para um “currículo de história” não são idênticos (BORRIES, 2007a) e nem

similares (embora ligados um ao outro). Um menino chinês e um menino britânico podem

adotar uma equivalente qualificação no “pensar historicamente”, se eles somente

aprenderem a estudar a história de suas experiências diárias, de suas típicas histórias

culturais nacionais, a partir de fontes primárias, como também a partir de novelas

históricas e filmes. Mas o conteúdo de suas abordagens históricas – e, portanto, de seus

conhecimentos declarados – poderá variar radicalmente.

O fato de que nós podermos facilmente enumerar alguns tópicos que poderiam ser

incluídos na China, bem como na Inglaterra, deveria ser mencionado também. Estes são

a “era neolítica (agricultura)”, “industrialização”, “direitos civis e humanos (invenção e

cumprimento), “dependência e/ou mudança das condições do habitat”, “outros

subcontinentes culturais” (talvez América Latina, para ambos, talvez Índia para o Chinês e

China para o Inglês). Mas estas decisões já são concepções normativas. Formalmente, a

escolha do conteúdo é mais arbitrária.

Se alguém duvida dessa opinião, ele ou ela tem que assumir as consequências.

Então, um professor universitário de História Antiga ou de História Contemporânea não

tem competência histórica porque ele não sabe quase nada sobre Cesar ou Mao (para

dizer nada sobre Birmânia ou Benin, história de gênero ou ambiental). Eu poderia

facilmente mostrar tais lacunas “catastróficas” e furos no conhecimento geral de muitos

professores alemães famosos. Em outras palavras: história são dois mundos, um de

conteúdo, temas e tópicos; o outro de ferramentas, habilidades, métodos, teorias. Ambos

não são completamente independentes: há uma ligação entre eles no mundo das noções,

conceitos, estruturas e categorias.

Seletividade e perspectividade num mundo de lealdades e identidades múltiplas

Narratividade, seletividade e perspectividade talvez sejam as mais importantes

características da história e têm que ser discutidas mais diligentemente. Seletividade não

é uma deficiência e fraqueza, mas uma condição estrutural sine qua non. Nem organismo,

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nem mente poderiam relembrar todas as particularidades do passado. Necessariamente,

viver é relembrar, bem como é esquecimento. Isto não é só verdade para os indivíduos,

mas para a família, a comunidade ou o coletivo. Não obstante, quem está vivendo está

rememorando, como também está esquecendo. Relembrança e história deveriam conter

conteúdos que são moralmente e intelectualmente honestos. Mas o critério para tal

decisão (para estar sóbrio e honesto) é muito difícil, porque – de fato – você tem que

omitir 99,99%.

Todos sabem que a história é escrita pelos vitoriosos – ou pelo último dos

sobreviventes – pelo interesse dos sobreviventes. Em muitos casos, nós sabemos sobre

uma destruição intencional de tradições e documentos dos conquistados (América, China,

África). De fato, a informação é pesadamente filtrada pelo ponto de vista dos vencedores.

Não obstante, nós frequentemente encontramos uma minoria de documentos ocultos

depois da queda dos anteriores vencedores (Como o arquivo Ringelblum da revolta do

Gueto de Varsóvia em 1943).

Aparentemente, uma história é escrita ou contada de um ponto de vista de uma

comunidade específica e de uma identidade de determinada comunidade, isto é chamado

de “concretude da identidade” (veja ASSMANN, 1997, “Identitätskonkretheit” –

“concretude da identidade”, em German). A segunda guerra púnica foi recontada por Tito

Lívio e outros romanos. Foi escrita pelos seguidores gregos de Aníbal também (mas estes

livros foram perdidos). Certamente existiram descrições helenísticas de observadores

orientais também.

Uma versão romana e púnica comum não pode ser imaginada, somente um

controverso ou dramático debate num tribunal ou em uma etapa.

Mas o que isso significa? Certamente, mentiras são proibidas, mas omissões

daqueles “fatos” que são mais importantes para um outro lado ou aspecto são também

inadmissíveis. No mínimo, desde o começo da história científica, todas as censuras, todas

as objeções, todos os comentários críticos têm que ser considerados e respondidos

cuidadosamente. Observações como “eu não estou interessado neste tipo de fontes

primárias” ou “tal atribuição da causalidade perturbaria minha interpretação de um modo

aterrador” não são mais permitidas. Historiadores devem argumentar, têm que trocar

argumentos empíricos, lógicos, teóricos e morais. Portanto, eles têm que estar sempre

comprometidos.

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De fato, a qualidade da história como “concretude da identidade” (ASSMANN, 1997,

“Identitätskonkretheit”) produz um dilema para o “pluralismo” (no mundo ou na sociedade)

e para estas “características científicas”. O que devemos fazer com a diversidade? Se

narrações históricas ganham plausibilidade adicional pela inclusão de outros argumentos

e pontos de vista, por métodos científicos perfeitos, elas estão em perigo de perder sua

utilidade prática e relevância para a orientação cotidiana de pessoas particulares

(específicas) e comunidades. Elas podem perder o poder também para motivar, porque

nelas faltam afirmações para o grupo. As “melhores” histórias podem se revelar

desconfortáveis. (BORRIES, 2004a)3.

O que são comunidades? Certamente, não somente os estados e nações (mais

exatamente os “Estados Nacionais” em “Nações-Estado”). Isto é um conceito ideológico

muito tardio – embora bem-sucedido (ANDERSON, 1983; GELLNER, 1983; HROCH,

2005), que, contudo, nunca fornece soluções para muitos dos problemas do mundo. De

uma história inteira da historiografia, nós sabemos que cidades, clãs, famílias, conventos,

comunidades religiosas, dinastias, minorias, classes e subcontinentes culturais têm suas

próprias histórias e historiadores. Nós poderíamos, artificialmente, decidir tomar decisões

normativas, não em um autoevidente (“natural”) ato. Para dizer a verdade, isto seria uma

decisão muito má, porque isto poderia dar às pessoas mais uma identidade, e não um par

ou um conjunto compatível delas (para diferentes situações e relações).

Todas essas redefinições já são conceitos centrais dos padrões processuais de

aprendizagem histórica. Como já foi dito, o acesso metodológico é tão importante quanto

um conteúdo padrão ou uma abordagem temática. Saber sobre a seletividade,

perspectividade, caráter hipotético e narratividade da história. E isto de um modo muito

concreto, com respeito a exemplos particulares – isso é mais importante do que saber

dados sem reflexão, dogmáticos e tendenciosos sobre o Império Romano, a Revolução

Francesa, a Reforma Alemã ou a Industrialização da Inglaterra.

Não podemos esquecer que todas as escolhas “canônicas” são muito complicadas e

basicamente controversas. Os assim chamados “fatos”, a “narrativa”, a síntese e as

3 Outro risco ocorre também: é “história” arbitrária, se nós seguirmos o modelo descrito? É “história” de algum uso, se nós aceitarmos sua complexidade e ambiguidade, como mencionado? E sobre as limitações e tolerâncias? Nós temos que seguir as célebres palavras de Voltaire, podemos rejeitar completamente a opinião de um colega, mas defendemos firmemente o direito deste homem expressar a sua opinião? O caso é muito complicado: A pré-condição é que os oponentes aceitem o mínimo de “racionalidade”, “não agressão” e “discurso mútuo” com o objetivo de uma “aceitação parcial”. Se isto não ocorrer, o sistema não trabalha. Este problema precisa ser trabalhado em detalhes.

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consequências atuais (“mensagens”) não podem ser deduzidos a partir de um modo

lógico e não ambíguo. Eles são interdependentes e constitutivos de cada um de maneira

espiral. Em uma sociedade democrática e pluralista não há direito e autoridade de

prescrever uma certa interpretação para todos os cidadãos ou todos os estudantes.

(BERGMANN, 1975). Observe o caso da Revolução Francesa. O que a faz significante

para hoje: democracia ou ditadura, direitos humanos e civis ou capitalismo, liberalismo ou

terror totalitário, guerra civil e externa ou abolição da escravatura, sociedade burguesa ou

sociedade civil (cidadania), secularização ou construção nacional?

Dupla meta: conteúdos motivadores e métodos transmissíveis

Isso praticamente demanda duas metas em todas as unidades curriculares ou

conceitos: um método e um conteúdo orientador único. A orientação metodológica

passaria por três estágios: Desenvolvimento de habilidades de trabalho; manuseio de

material, características; e epistemologia da história; nas escolas, isto se configura como

um elevado risco de ruptura para o primeiro ou ainda mais o segundo nível. O que

precisamos é da “gramática” metodológica da temática em si. Com certeza, isso pode ser

feito em estudos, somente a partir da mobilização de tópicos particulares:

. A análise histórica e historiográfica de um filme (e.g. “The homesickness de

Walerjan Wrobel” ou “O retorno de Martin Guerre”);

. Conquista espanhola nas Américas Central e do Sul – Com o foco na discussão e

mudança de perspectiva da escrita histórica dos vencedores para a história dos povos

derrotados (BORRIES, 2001, p. 148-161);

. Produção e escrita de uma história particular que faça sentido (e.g. sobre a

perseguição às bruxas na era moderna);

. Questionar: “Existe uma inter-relação causal entre ‘colonialismo’ e ‘industrialização’

(i.e. descrevendo e decidindo uma controvérsia)?”.

Para adentrar mais detalhadamente gostaria de requerer o desenvolvimento de um

modelo de competência estrutural e de níveis de competência. (KÖRBER; SCHREIBER;

SCHÖNER, 2007; SCHREIBER; KÖRBER, 2006). Isso não pode derivar da política ou da

filosofia, mas da epistemologia da história (em outras palavras, a lógica da historiografia).

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O pensamento histórico significa fazer sentido fora do tempo, da mudança e da

experiência da crise. Isto não é um estágio final que é somente alcançado por professores

universitários, mas tem que ter lugar desde o início. Caso contrário, sem conexão com a

identidade e “Lebenswelt” (mundo diário), o assunto “história” seria inútil. Isso traz a

questão da iniciação para aprendizes.

O modelo “Fuer Geschichtsbewusstsein” (para a consciência histórica)

(SCHREIBER; KÖRBER, 2006; KÖRBER; SCHREIBER; SCHÖRNER, 2007) distingue

quatro áreas de competência: “competência histórica em fazer perguntas”, “competência

histórica metodológica”, “competência histórica de orientação”, “competência histórica de

noções e estruturas”. Três dessas descrevem os (repetitivos) processos de pensar

historicamente, o quarto significa um estoque de conceitos e categorias que são usadas e

cumulativamente melhoradas por novos processos;

Em outro aspecto, o modelo tem cinco níveis: todas as fases de competência

iniciam-se em um nível “básico” de um caráter “não convencional”. O terceiro nível –

“intermediariamente” – é chamado “convencional”, o quinto – “elaborado” – é indicado

pelo “transconvencional” pensamento. No meio, as lacunas são preenchidas se

“agarrando à convenção” e ao “criticismo da convenção”;

Com certeza, cada modelo não é a “realidade”, mas uma construção em si mesmo.

Isto é, somente uma tentativa de estruturação que pode revelar-se mais ou menos

elegante do que outra. A questão é, se outros modelos podem ser facilmente e

frutuosamente explicados e traduzidos para este modelo;

Comparavelmente “fácil” e acessível processo de mudança e exemplos de

diferenças existentes em alguns campos:

. Família, vizinhança e a cidade durante as últimas três (ou quatro) gerações;

. “Índios vermelhos” (“nativos americanos”);

. Mídia e “revolução das comunicações”;

. Viagens e mobilidade, comidas e bebidas típicas;

. Relações entre gerações;

. “A maravilha que era a Índia”;

Outro tipo de processo é muito mais complicado: Revoluções compreensíveis da

vida social como um todo (“avanços evolutivos”) podem ser entendidos a partir de:

. Desenvolvimento do “homo sapiens” (hominização);

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. Advento da sociedade agrária (Revolução Neolítica);

. Primeiras civilizações (estado, cidade, escrita, hierarquia, guerra);

. Racionalidade e redenção religiosas (Jaspers’ (1983) “Axis Era”);

. Europeização (especialmente desde Colombo, 1492 e Da Gama, 1498);

. Industrialização (e.g., Desde a melhoria da máquina a vapor por Watt em 1769,

mas não por causa dela);

. Guerras mundiais e mortalidade em massa;

. A assim chamada “globalização”.

De fato, isto já está há muito tempo em uma lista. Assim, as propostas não podem

ser impostas de um modo autoritário, mas somente oferecidas para discussão e estudo. O

primeiro princípio da didática da história define: “Ouse usar sua própria razão” (Immanuel

Kant) e o segundo é: “Para primeiramente tratar-se de forma diferente e em segundo

tratar como suspeito” (Wilhelm Busch).

Monoperspectividade ou como tornar absoluta a sua própria proposição

Certamente, todos podem identificar a verdade com suas próprias perspectivas:

“Este sou eu, é minha visão, é meu interesse, é minha verdade”. Isso é sempre feito,

todos os dias, na vida e também nas lições de história. Em muitos casos, isso realmente

não faz mal a ninguém e é uma contribuição para sentir-se melhor. Isso economiza

energia, pensamento e emoções negativas. Em outros casos, isso pode conduzir a

catástrofes sociais. Se um casal sabe muito bem que sua posição é a única correta, se

eles não estão mais aptos para perceber e para refletir outros interesses e argumentos, o

divórcio virá em breve.

O mesmo é verdade para coletividades e sua história, por exemplo, nações ou

comunidades religiosas. A força da autoconfidência frequentemente perverte-se em uma

fraqueza de mau entendimento do mundo e da situação. Assim, uma pessoa ou um grupo

com uma reivindicação de absoluta validade a partir de seus próprios pontos de vista

(“monoperspectividade”, “representação única”, “infalibilidade”) não somente danifica seus

próprios interesses e posições, mas também põe em perigo a paz. Sob as condições

tecnológicas da atualidade, isso é um problema sério: “Se todos se sentam em um único

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barco que pode ser virado por cada um deles, a história de todos e de todas as relações

de parceria torna-se o destino de todos”.

Não obstante, esta solução é vista como normal nas lições de história em todo o

mundo. Especialmente, o realizar absoluto das perspectivas nacionais é constituído

inconscientemente e imperceptivelmente (se não agrada e esclarece). Indiscutivelmente e

inquestionavelmente, seleções normalmente automáticas incluem monoperspectividade.

Normalmente, a educação de professores é muito restrita para que sejam conscientes

desse automatismo – e os estudantes nunca aprendem que existem outras versões

respeitáveis da história.

Três tipos de conhecimento?

A distinção de conhecimentos não sistemáticos, conhecimentos canônicos,

referenciais do conhecimento e uma concentração no problema dos quadros de referência

do conhecimento tem sido um conjunto de propostas originais deste texto e pode ser

frutífera. Primeiramente, nós temos que relembrar que a aquisição de conhecimento

canônico no ensino de História na escola nunca foi trabalhada, não ainda para uma

pequena minoria ou elite. Na Alemanha, alguns trabalhos empíricos foram feitos antes de

1968 entre aqueles 10% das pessoas que já fizeram seus exames finais nas escolas e

que se preparavam para estudar nas universidades. (BORRIES, 1988, p. 186; BORRIES,

2004b, p. 138). Naquele tempo, eles tinham aprendido “história” em um sistema

cronológico duas vezes (primeiramente por cinco e depois por três anos). Os resultados

foram muito desapontadores. Uma visão global do conhecimento histórico é uma ilusão,

embora uma generalização. Isso é teoricamente impossível também, porque nós não

precisamos de uma “visão global”, mas várias delas (uma feminista, uma liberal, uma

socialista, uma ecológica, etc., versões da história global) e uma comparação crítica entre

elas.

A ideia de um “referencial de conhecimento” é muito mais interessante. Não

obstante, é muito mais infectada e determinada por uma escolha especial, um especial

interesse e uma perspectiva especial como um outro tipo de interpretação e um plano

maior de narrativa, que é inevitável. Isso leva a uma decisão necessária:

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a) Ou nos ater a um particular, bem definido – principalmente, na maior parte

“nacional” –, uma identidade que nós tentamos fortalecer tão intensamente e efetivamente

quanto possível. Então nós tempos que enfrentar a censura de manipular e doutrinar

nossos estudantes, de recursar as contribuições das identidades de minorias, imigrantes,

opositores, garotas e assim por diante. Obviamente, o fazer de uma nova, mas

transnacional (ex. “Europeia”) identidade (“construção mental da Europa”), uma outra

versão de alguns tipos de intentos, algumas estruturas lógicas;

b) Ou nós pretendemos uma capacidade de pessoas novas atuarem, brincarem e

agirem em uma multidão de diferentes identidades (diferentes unidades nacionais,

diferentes unidades sociais, diferenças culturais ou sexualidade, etc.), que podem ser

escolhidas e combinadas livremente por indivíduos autônomos (com responsabilidade

intelectual e moral). Neste caso, nós necessitamos confrontar a objeção de que nós

estamos negligenciando uma orientação social fixa e psíquica de nossos filhos.

Para mim, a decisão é clara. Por 200 anos, a “história” foi a mais poderosa

ferramenta para danificar e utilizar mal as crianças para propostas de “classes políticas”,

para “decisões de minorias”4. Eu rejeitaria fortemente alguma parte neste trabalho.

Entretanto, eu tenho que contribuir para uma alternativa que eu sei que é muito arriscada

e desconfortável. Talvez improvável e impopular. Talvez a natureza humana – ao menos

das pessoas jovens – não é realmente preparada para manipular a história de uma

maneira multiperspectivada, controversa e pluralista.

Deixe-me expressar isso de outra maneira. No passado, a visão da aprendizagem

histórica foi alterada frequentemente, de acordo com a mudança no sistema político (ex.,

na Alemanha em 1870/71, 1918/19, 1945/49, 1968/69, 1989/90). Mas a lógica do

comportamento futuro desejado para os jovens não foi mudada: fornecimento de lealdade

para com o poder através de doutrinação, preparação para sacrificar-se em relação aos

outros. Somente alguns sinais de trânsito são mudados, não o ato em si de trafegar a

4 Na noção de “memória cultural” a compreensão de “cultura” é um problema. Parece que uma velha versão de “alta cultura” é incluída, a cultura é o domínio das elites. Isto é bastante surpreendente, desde a noção de “cultura de massa” ou de “cultura como práticas simbólicas” prevalece e recoloca mais e mais o uso normativo de “cultura” como uma característica da educação do povo. A versão de J. Assmann (1997) tende mais ou menos para ser típica para sociedades pré-democráticas. Hoje, nós não acreditamos em uma cultura fixa e uniforme na sociedade, mas nós percebemos uma quantidade de mutantes e variadas subculturas (regiões, classes, gênero, minorias, grupos de idade, profissionais, etc.) com infindáveis misturas e transições. Mas isso torna necessária e questionável uma decisão central acerca da “história” na escola (como “memória cultural” e “transferência cultural”); isso pode levar a uma ação não democrática e ilegítima.

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rodovia. A história seguiu produzindo “alienação”. Interpretações frequentemente

mudadas, o conteúdo normalmente se mantendo, faltando a capacidade de refletir sobre

as próprias decisões. Em vez disso, a lógica, a figura do próprio pensamento tem que ser

substituída e renovada.

Isso não pode ser mal entendido. Se a contribuição da história para a identidade não

é ligada à “nação”, “nacionalidade” e “Estado-nacional” somente, o efeito da história

multiperspectivada, controversa e pluralista não se relaciona somente à nação. Estes

meios:

a) A lealdade para com uma “comunidade imaginada”, que é chamada “nação”, é

uma questão importante para indivíduos. Mas, muitas pessoas têm boas razões para

serem leais a duas nações ou a nenhuma nação. E muitas definições de conflitos

“nacionais” uns com os outros demandam lealdades incompatíveis. Nós somos

responsáveis pela autonomia em casos de crise e também em conflitos;

b) Para dar um único exemplo: ensinar uma história que pode ser entendida e

discutida (não completamente aceita) por Sérvios Ortodoxos, Católicos Croatas e Bósnios

Muçulmanos, ao mesmo tempo, é uma meta muito importante, mas não a única;

c) Uma vez que cada um tem um bem social, um bem (sub) cultural, um religioso,

um sexual, um geracional, uma identidade linguística e um ponto de vista nacional

também, a história é ligada a todos estes setores da vida. Para mim, a história da infância

é tão importante para a vida futura das crianças – por exemplo, sua forma de conduzir e

direcionar seus filhos – como é a nação holandesa. O mesmo é verdade para a história

ambiental, história econômica e assim por diante. A identificação exclusiva de “politics,

policy and polity” com “história” é tão prejudicial e deficiente como aquela da “nação”;

d) “História” é um modo de pensamento, um acesso ao mundo e a si mesmo.

Portanto pode ser aplicado e transferido para todas as partes e seções da vida. Isso tem

uma consciência crucial para o ensino de História. Significa que o “pensamento histórico”

é aprendido não somente com temas gerais da “história”, mas também em cursos de

língua e literatura, ou na religião também (se estes tópicos são somente feitos de uma

forma inteligível). Muitos indivíduos lembrarão que suas realidades historicamente

relevantes foram aprendidas e introduzidas por um dramaturgo, um museu ou uma

cidade, não por professores de história;

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e) Muitas pessoas deveriam dizer: “Sim, história é muito complicada, mas nós

tempos que simplificá-la por razões pedagógicas. E isso significa usar a história nacional

como um sistema canônico e referencial de conhecimento, pelo menos para uma pessoa

comum e para novatos”.

Isto precisa claramente ser rejeitado, porque significa discriminação para com

“outra” criança, grupos minoritários de imigrantes, classes baixas, garotas e assim

por diante, com seus interesses menores em violência e guerra... A direção dessa

simplificação seria um ato injusto e ideológico por si mesmo.

Finalmente, uma redefinição muito importante é necessária aqui: multi-

perspectividade é uma perspectiva também. É logicamente impossível escapar do

problema da seleção e dos pontos de vista. Não obstante, uma designação aberta e a

discussão dos dilemas possibilitam uma solução parcial. Embora essa visão seja

especialmente difícil para iniciantes, isso pode ser exercitado de forma frutífera com

seleções menos extremas e é somente raramente mencionado em livros de história e

lições. Assim, consciente e explicitamente, multiperspectividade é uma perspectiva, mas

pode trazer uma meta perspectiva o tempo todo.

Quatro estratégias para a seleção de tópicos históricos em sociedades de

imigrantes

Os processos do pluralismo e as demandas por autonomia individual em uma

sociedade democrática são a razão mais importante contra a tradição central do “currículo

por conteúdos”. Em sociedades pluralistas, a orientação via história é diferente entre os

cidadãos (e “não naturalizados convidados” também). Meninos e meninas, heterossexuais

ou homossexuais, alemães do leste e do oeste, passam por diferentes processos de

identidade. A lista poderia facilmente continuar. Mas a situação entre a maioria dos

“alemães completos” (de pai e mãe) e crianças com ascendência imigrante (pelo menos

de um lado) é a meta principal. Sobre 25% – muitos deles muçulmanos – mostram uma

origem imigrante e eles evidentemente têm uma “consciência histórica” diferente.

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(BORRIES et al., 1999, p. 292)5. A Alemanha é um “país de imigrantes”; e seu ensino de

História tem que refletir sobre o fato (mas até agora não o faz, normalmente).

Alguns anos atrás, quatro modelos foram distinguidos para resolver o problema, o

que teve suas vantagens e seus fracassos, que podem ser combinados em diferentes

misturas e estruturas. (BORRIES, 2004b; BORRIES et al., 2004, p. 428):

a) “História nacional como uma entrada para a naturalização”: o acesso tradicional

seria fazer da grande narrativa mítica nacional uma condição de naturalização e

integração; e de fato as primeiras tentativas são feitas para testar, não somente as

habilidades na língua alemã, mas também – mais elementar – questões históricas, que

não podem ser respondidas pela maioria dos alemães. Alternativas mais inteligentes e

funcionais podem ser inventadas também, por exemplo, a versão “construtivista” do

processo de formação nacional, desde o século dezoito até a primeira parte do século

vinte, incluindo o caminho alemão para catástrofes em 1914/18 e 1933/45. Esta solução

não pode ser negada antecipadamente, porque claramente a Alemanha precisa de um

novo tipo de “repetição da construção nacional” (trazendo juntos imigrantes, alemães

Orientais e Ocidentais) a partir de uma alteração séria para assegurar a paz, a integração

europeia e a cooperação internacional;

b) “História dos direitos humanos como religião civil”: Nem uma religião comum, nem

uma tradição ideológica nacional podem servir como um instrumento simples de

coerência (“cimento”) para a sociedade germânica. Lealdade com os “direitos humanos e

civis”, para uma “lei democrática fundamental”, é uma alternativa. Isso foi também

chamado de “patriotismo para com a constituição”. Mas isso é abstrato (e a forma abstrata

de “direitos humanos e civis” é evidentemente um tópico chato para pessoas jovens). Se o

processo de construir, se a evolução, primeiro levar a cabo os “princípios democráticos” e

os “direitos humanos” forem investigados em “casos históricos” detalhados sobre pessoas

concretas, isto é uma boa introdução. Isso inclui também que os processos não são

completos (e.g., “direito de preservação natural”, “direito de autenticidade cultural”), mas

abertos para o futuro e abertos às contribuições de outras regiões (não europeias)

(RÜSEN, 1994);

5 Um problema adicional não pode ser esquecido completamente. Houve uma grande migração da Alemanha do Leste (DDR) para a Alemanha Oeste, principalmente antes de 1968 e desde 1989. Este movimento interno continua e é algumas vezes relacionado também a crises de identidade.

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c) “História de ‘life-world’ e experiências de imigração como apoio para orientação”:

Como já foi mencionado, muitas crianças nunca compreendem que história tem algo a ver

com eles ou com suas vidas. Isso é especialmente o caso de grupos não privilegiados

como os deficientes, garotas e imigrantes. A situação pode ser mudada se as

experiências de pessoas em situações similares ou com histórias familiares similares

forem contempladas. Certamente, isto é impossível de se contemplar na história de todas

“nações” (ou “culturas”), a partir das quais as crianças imigrantes veem (ou se

influenciam). Mesmo a inclusão de duas mais frequentes unidades (na Alemanha isso

significa Rússia e Turquia) é difícil conseguir. Uma concentração de condições

particulares de migração em si mesmo (o desenvolvimento através de algumas gerações)

parece ser a melhor ajuda para o entendimento e a integração em ambos os lados,

majoritários e minoritários;

d) “História das mentalidades como extensão das identidades”: A definição de

identidades individuais e coletivas mudou muito em processos longos e curtos. Homens e

mulheres não são mais o que eles fizeram nos séculos dezessete e dezenove. Pessoas

jovens e velhas desenvolvem seus sentimentos e suas relações também. “Nações”

(“estados nacionais” em “nações-estado”) foram constituídas tardiamente nos séculos

dezoito e dezenove e começaram a transformar suas concepções e estruturas no final do

século dezenove e início do século vinte. Estudar seus desenvolvimentos pode ser uma

grande ajuda em decisões individuais e experiências. Isso remove aqueles processos

pessoais do reino da “natureza” ou da “determinação”, trazendo-os, então, para um

campo de “contingencialidade” e “escopos para decisões”. Talvez os casos aprendidos

sejam mentalmente difíceis (mesmo sobrecargas) para alguns estudantes (ou mais

culturas tradicionais), mas é necessário oferecer isto a eles.

Isso não pode ser descrito e discutido mais detalhadamente. Mas uma das

consequências é que conteúdos “mais suaves” e “mais difíceis” não podem ser

organizados ao longo de uma simples e única linha cronológica. Outros princípios de

sequências e outras estruturas de conhecimento têm que ser levados em consideração

também. (BORRIES, 1995, 2001, 2004c; BORRIES et al., 1999).

Em direção a um núcleo curricular de orientação metodológica

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Qual é a condição? A continuidade de propostas para um debate trata-se de uma

apropriação muito pessoal, depois de longas considerações e muitos experimentos –

principalmente com estudos universitários – também (veja BORRIES et al., 2004). As

sugestões estão especificamente concentradas no início e no final do tema central

“História” na escola. A lista não é por meios consensuais do debate alemão ou pela

reprodução de tendências curriculares nos 16 estados membros da Alemanha para seus

diferentes níveis e tipos de escolas. Isso seria uma tarefa muito difícil e exaustiva, com

muitas pequenas pesquisas prévias (veja HANDRO; SCHÖNEMANN, 2004; JEISMANN;

SCHÖNEMANN, 1989). Então eu tenho que reduzir minha proposta às minhas

convicções pessoais. (BORRIES, 1995, 2001).

a) Estudantes têm que aprender, a partir de muito cedo, que história é uma

reconstrução hipotética, um ato mental de construção de sentido e uma narrativa

retrospectiva. Isso é mais fácil no estreito campo do dia a dia e da experiência histórica. A

história inicialmente ensinada deveria, portanto, investigar a história local e familiar das

últimas três ou quatro gerações, o que tem a grande vantagem de utilizar “memórias

comunicativas” (veja ASSMANN, 1997). Em toda parte, as acelerações extremas têm

colocado pessoas jovens em um mundo que é completamente diferente da infância de

seus avôs. Frequentemente, o centro da cidade, a cidade ou o bairro foram

profundamente modificados durante os últimos 50 anos, por exemplo, de uma economia

agrária para uma industrial e de serviços. Em tais processos de pesquisa, estudantes

podem obter o insight de que eles estão envolvidos na história, que seus avôs e avós não

somente viveram na história, mas influenciaram a história. Depois do ensino convencional

da história, nós frequentemente achamos que a história vai se completando no

pensamento como um todo, “um país estrangeiro”, sem conexão com a realidade e a vida

presente (“alienação mental”);

b) Mas nós não podemos esquecer a cronologia e a data dos eventos, processos e

estruturas. Com crianças mais novas isso deveria ser feito a partir da organização de

pinturas (pirâmides, catedrais, arados, máquinas, roupas, armas, pessoas trabalhando,

invenções, etc.). Certamente, uma linha do tempo ilustrada (na Alemanha “Zeitstrahl” ou

“Geschichtsfries”) é o produto óbvio (e uma versão impressa pode ser adicionada e

comparada a uma autofabricação). Isso é muito importante porque muitos diferentes

fenômenos ocorreram ao mesmo tempo (diferentes setores, regiões, continentes, atores).

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A história não é de nenhuma maneira um “processo de tópicos”. Certamente, este método

é adaptado à curiosidade, o hábito de coletar coisas e a “fome” por imagens da infância

tardia, sua preparação para aventuras, descobertas e invenções. Certa habilidade para

estabilizar ordens cronológicas – para todo trabalho futuro – deveria ser o resultado

(frequentemente não alcançado na cronologia ensinada tradicionalmente). Em alguns

aspectos, isso vai ser mais um exemplo de história “antropológica” do que “política”;

c) Talvez um ano depois, um processo similar de insight pode ser repetido

adicionalmente, principalmente pretendendo representar e descrever as partes do mundo

e a história fora da Europa com imagens motivadoras (prédios, ferramentas, esculturas,

pinturas, roupas, peças de mobiliário da China, Índia, pré-islamismo e islamismo,

Japão/Coreia, Indochina/Indonésia, Sibéria e Ásia Central, mas África negra e América

pré-colombiana também). Textos muito curtos (poemas ou aforismos) podem ser

adicionados. A censura dessas transmissões muito convencionais – até estereotipadas e

prejudiciais – impressões do “exótico”, cultura “oriental” com “canibalismo” e “nobres”

barbáries é possível, tem que ser aceita e parcialmente levada em conta. Isso é possível

para investigar a “mensagem” e o “julgamento” em algumas dessas representações da

“ordem”, “o estrangeiro”. O caráter “projetivo” e a comparação oculta em nossos próprios

desejos e medos podem ser revelados em simples e pequenos exemplos. Geralmente,

isto é mais importante ser feito na história dos “outros” fora da Europa (e seus

descendentes, os Estados Unidos) no mínimo presente e visíveis desde muito cedo; eles

são cerca de 90% da população mundial. Certamente, diferenciações e pesquisas críticas

de problemas selecionados têm que ser seguidas em idades mais avançadas;

d) Outra necessidade tem que ser conhecida muito cedo: as radicais mudanças e

um desenvolvimento em setores da vida ao longo dos tempos (contínuos) e os processos

de aceleração nos últimos séculos. Novamente, isso deveria estar longe e demasiado

complicado – ou somente necessário – nesse fenômeno. Nós temos que selecionar um

ou dois (e a seleção pode ser diferente entre professores): alguns podem preferir

“comunicação e mídia”, outros “mobilidade, transporte e trânsito”, outros “população e

expectativa de vida”, um quarto grupo “conhecimento de física e química” ou “perfeição

técnica e efeitos destrutivos das armas” ou “eficácia da produção e utilização da energia”.

Certamente, esses são dois grandes riscos, a “ilusão do progresso”6 e o isolamento de

6 Quando se analisa “seções longitudinais” ou se faz “estudos longitudinais” em história, não é fácil seguir a

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setores demonstrados a partir de outros a ele relacionados. Ainda, muito tem que ser

resistido (e parcialmente lutar). Pelo menos entre o “menor grau das crianças”, o perigo

de nunca se perceber o outro lado das formas de vidas passadas é mais sério do que

aqueles mencionados. Adicionalmente, a ambivalência de muitas invenções (armas,

efeitos negativos no meio ambiente, desperdício de matéria viva, perda de equilíbrio e

concentração) deveria ser levada em conta;

e) Estes são alguns – embora raros – “conteúdos históricos” ou “fenômenos

históricos” que são compulsoriamente aprendidos por alguns, pelo menos na Alemanha,

“desde o início do primeiro século vinte”. Certamente, “Ditadura Nazista, Guerra Nazista e

Crimes Nazistas” são alguns deles. Razões de “história cultural”, de ética para política, de

relações internacionais e mais alguns, podem ser enumerados. O Nacional Socialismo é

de fato frequentemente coberto em outros assuntos maiores, mas isso não deveria ser

tratado tarde demais em “história”, o que significa que ele deve ser tratado de forma

sistemática e reflexiva. Isso é essencial para garantir que, desde cedo, todas as crianças

não terão já assumido e fixado posição em direção ao Nacional Socialismo, por exemplo,

fora da família ou amigos ou na mídia, antes os tópicos são trabalhados através – para se

dizer “cientificamente” – da escola. Isso é mais importante, por existir um conflito sério

entre o Nacional Socialismo e a “memória comunicativa” e a “transferência cultural”

(WELZER et al., 1997, 2002). De modo que, é um argumento forte contra uma simples

cronologia estruturada por professores de história (BORRIES, 1995);

f) Ao menos um segundo conteúdo histórico obrigatório tem que ser mencionado e

nomeado: “industrialização”. Isto não significa um fenômeno isolado na Inglaterra no final

do século dezoito, mas o longo período, contínuo, acelerado e o processo mundial

abrangente em novas regiões do mundo, novos setores da vida, novas tecnologias de

produção, novos saldos e assimetrias entre países, em um complexo ritmo temporal de

mais de 200 anos. A vida de todos – garotas ou garotos, nativos ou imigrantes, ricos ou

pobres – será fortemente influenciada pelos estágios passados desse processo como

também pelo recente e pelo futuro;

g) A habilidade, não apenas para entender, mas também para contar história, tem

que ser demonstrada e exercitada explicitamente. Na Alemanha, isso é certamente uma

versão de MacNeill (1963) – The Rise of the West. Mas, pelo menos, é possível levar em conta outras versões e mencionar Lévi-Strauss (1972) – Race and History, com suas observações sobre o invisível e o irreconhecível empreendimento “para o outro”.

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tradição do “aprendendo história pela pesquisa histórica” (DITTMER; SIEGFRIED, 2005;

MEBUS; SCHREIBER, 2005). Um acesso muito modesto tem sido a “orientação através

de fontes primárias” desde os anos 1970. Mas a noção de “fontes primárias” e as técnicas

de verificação e o exame material ou a informação para sua validade e utilização têm que

ser ensinados e mostrados diretamente. O erro tem frequentemente sido a seleção de

somente um bom e sólido material. Assim, a tarefa que resta é apenas extrair suas

informações importantes. Nós sabemos isso a partir de estudos empíricos (BORRIES et

al., 2005; BORRIES et al., 1995); desafortunadamente, os passos nesse pensamento

permanecem frequentemente esquecidos ou são considerados superficialmente. Portanto,

aos estudantes deveria ser dado um material cru real (em parte válido, mas em parte

duvidoso) para estudar isso e produzir uma tomada de posição dos fenômenos da

história. A seleção pode incluir fontes primárias (textos e pinturas) de diferentes lados,

teorias, pesquisas científicas, relatos populares e textos ficcionais (histórias curtas,

novelas, romances, filmes, etc.). O tópico deveria ser importante, móvel e motivador,

como “Perseguição às Bruxas no início da era moderna”, “Peste Negra’ na Europa desde

1347”, “Emigração alemã para os Estados Unidos e Imigração Alemã nos Estados

Unidos” ou “A Guerra Civil na Espanha 1936-1939”. Alguns desses exemplos já têm sido

testados: resultados surpreendentes é que mais pupilos – e mais estudantes – têm

enormes dificuldades em produzirem suas próprias narrativas históricas plausíveis – a

despeito de um modelo duradouro de “orientação por fontes primárias” nas escolas

alemãs;

h) A história usualmente não é produzida por cidadãos em si mesmos a partir de

fontes primárias (isto não é ainda verdade no caso de historiadores universitários). O uso

normal da história é ouvido ou visto por pré-fabricada, pronta e perfeita narrativa histórica,

por pessoas, jornais, filmes, TV, livros, especialista, guias de turismo. Isso foi um grande

erro da história alemã, ensinada desde 1970, que confiou totalmente em uma “base de

fontes primárias” em vez de “métodos gerais de orientação” ou “promoção de

competências”. Como exercitar a habilidade de análise pré-determinada de historiadores

em vez de produzir suas próprias histórias (nós chamamos isto de “Desconstrução” em

vez de “Reconstrução”). (KÖRBER; SCHREIBER; SCHÖNER, 2007; SCHREIBER;

KÖRBER, 2006). A melhor forma é uma abordagem comparativa:

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Analisar três livros de bolso sobre o “Regime Nazista” (ou a “Revolução Francesa”,

ou a “Conquista Espanhola da América” ou a “Reforma Alemã”)! Examinar a

mensagem transmitida (consequências implícitas e explícitas para hoje e

amanhã), a sintética e contextual narração com suas teorias nas entrelinhas, os

fatos mencionados e substanciais – os fatos omitidos e negados – e as relações

entre essas três camadas da história!

(Certamente, isso é uma tarefa muito dispendiosa, que tem que ser preparada por

anos, etapa por etapa. O processo de análise é um bocado mais fácil, se os três

relatos são claramente escritos em diferentes épocas ou décadas).

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DIDÁTICA DA HISTÓRIA: UMA CIÊNCIA DA APRENDIZAGEM HISTÓRICA?7

DIDACTICS OF HISTORY: A SCIENCE OF HISTORICAL LEARNING?

Edinalva Padre Aguiar 8

Resumo: O presente texto tem como objetivo discutir a Didática da História com base na proposição do historiador alemão Jörn Rüsen, ou seja, na perspectiva de compreendê-la como uma teoria da aprendizagem própria da História e situada em seu campo, em diálogo com a Educação. Está divido em cinco partes: inicia com uma pequena introdução ao tema, aborda uma concepção geral da Didática com base em José Carlos Libâneo e, em seguida, discute o pensamento de Jörn Rüsen acerca da Didática da História e da consciência histórica. Finaliza apresentando algumas argumentações que visam contribuir para as discussões que caminham na perspectiva de elaboração de uma Teoria da Aprendizagem Histórica.9 Palavras-chave: Teoria da Aprendizagem Histórica. Didática da História. Didática Geral.

Abstract: This text aims to discuss Didactics of History based on the proposition of the German historian Jörn Rüsen, that is, with the perspective of understanding it as a theory of learning proper to History and situated in its field, in dialogue with the Education. It is divided into five parts: it begins with a short introduction to the theme, approaches a general conception of Didactics based on José Carlos Libâneo, and then discusses Jörn Rüsen's thinking about Didactics of History and historical consciousness. It concludes by presenting some arguments that aim to contribute to the discussions that move towards the elaboration of a Theory of Historical Learning. Keywords: Theory of historical learning. Didactics of history. General Didactics.

Introdução

No Brasil, tradicionalmente os currículos de Licenciatura em História surgiram do

modelo 3+1, ou seja, três anos destinados às disciplinas de conteúdos históricos e um

ano às disciplinas de caráter didático.10 Embora extinto pelo parecer nº. 242/62 do

Conselho Federal de Educação, quando a Didática se manteve no ensino na forma de

7 O presente texto foi apresentado originalmente no XXVIII Simpósio Nacional de História, promovido pela ANPUH, entre os dias 27 a 31/07/2015 em Florianópolis-SC. 8 Professora da área de Metodologia e Prática do Ensino de História – Departamento de História, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Doutora em Educação. [email protected] 9 Este artigo foi adaptado de minha tese de doutorado intitulada “O ensinado, o aprendido: a educação histórica e a consciência histórica”, defendida em 2013 junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sob orientação da profª. Drª. Maria Antonieta de Campos Tourinho. 10 No Brasil a implantação desse modelo ocorreu em 1941 quando o curso de didática passou a ser independente e era realizado depois do bacharelado (VEIGA, 1991:30).

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estágio supervisionado, o modelo dualista do 3+1 acabou se consolidando e contribuindo

para que a Didática da História11 fosse vista como uma disciplina de caráter instrumental,

cuja função deveria se circunscrever a ensinar e mediar a relação entre a produção

histórica e o conteúdo a ser ensinado nas escolas, entre o “saber sábio” e o saber

escolar, entre “historiadores profissionais” (pesquisadores) e “professores de História”,

geralmente vinculados à educação básica. Outro aspecto largamente aceito é de que ela

estaria alocada no campo educacional e não no interior da própria História, sendo, por

isso, negligenciada pela maioria dos historiadores.

Contrariando esse pensamento, conforme argumentaremos ao longo do texto, é

defensável a teoria ruseniana segundo a qual a Didática da História deve partir da Ciência

Histórica e aprimorar caminhos teóricos e metodológicos que contribuam para o

desenvolvimento da consciência histórica, configurando-se, como uma Teoria da

Aprendizagem Histórica. Com isso, não negamos seu conteúdo instrumental e normativo,

bastando, para confirmar tal posição, verificar sua gênese e desenvolvimento como

disciplina. Trata-se de reconhecer que, além de “arte de ensinar a ensinar”, ela se

constitui em uma prática social, articulando-se, portanto, com um cenário mais amplo,

composto por outros espaços, outras práticas e com interesses e necessidades de

aprendizado da vida concreta e cotidiana e com o sentido do fazer histórico.

Antes de adentrar por essa concepção, consideramos importante apresentar

algumas considerações acerca da didática geral em seus aspectos formativos e em sua

relação com as didáticas específicas.

Didática geral e sua relação com as didáticas específicas

De acordo com Libâneo, entendida como método de ensino, a Didática surge junto

com o processo de institucionalização escolar que impôs a necessidade de uma

intervenção direta, sistematizada e intencional da ação pedagógica. Dessa forma, ela

[...] aparece quando os adultos começam a intervir na atividade de aprendizagem das crianças e jovens através da direção deliberada e planejada do ensino, ao contrário das formas de intervenção mais ou menos espontâneas de antes

11 “Historicamente, no Brasil, essa disciplina tem aparecido com várias denominações, tais como Didática da História, Metodologia do Ensino de História e Prática de Ensino de História, nos cursos de licenciatura, destinados à formação do professor de História. Também recebeu o nome de Didática dos Estudos Sociais (incluindo Geografia e História), quando se destina à formação de professores das séries iniciais (1ª. a 4ª. série)” (SCHMIDT, 2006, p. 4101).

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(LIBÂNEO, 1994, p. 58).

Contribuindo para alargar a compreensão acerca da Didática Geral, Libâneo (2002,

p. 5) a conceitua como

[...] uma disciplina que estuda o processo de ensino em seu conjunto no qual os

objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas da aula se relacionam entre

si de modo a criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa.

Portadora de aspectos teóricos e práticos, ela se ocuparia com os processos de

ensino e aprendizagem. Esse mesmo autor advoga que a Didática “[...] tem o

compromisso com a busca da qualidade cognitiva das aprendizagens” (LIBÂNEO, 2004,

p. 5) e está vinculada à própria aprendizagem do pensar. Segundo ele, essa disciplina

cumpre sua função quando auxilia o aluno a desenvolver a elaboração crítica, a lidar com

conceitos e a se posicionar diante de dilemas e problemas da vida prática. Seguindo sua

linha de raciocínio, entendemos não ser descabido afirmar que a Didática constitui-se

como epistemologia, posto que se preocupa em produzir modos e estratégias de ensinar

e aprender e teoriza sobre as práticas educativas.

Libâneo (2002, p. 10) sintetiza em três premissas sua concepção de Didática:

primeiro, a aloca no interior da Pedagogia – assumida como ciência – e esta vinculação

incita a preocupar-se com a formação do aluno, cumprindo sua finalidade educativa;

segundo, ela toma como objeto de estudo o processo de ensino e aprendizagem,

notadamente como se dá o ato de ensinar e de aprender; em terceiro, a Didática envolve

o conhecimento, atuando como mediadora entre a formação, o aluno e o conteúdo

disciplinar, estabelecendo, assim, uma relação entre Teoria do Ensino (e da

Aprendizagem) e Teoria do Conhecimento.

Esse mesmo autor trata da relação entre a Didática Geral e as Didáticas Específicas,

atribuindo à primeira o caráter de disciplina síntese, por compreender que ela “[...] deve

provocar reflexão de conjunto sobre conceitos que introduz e conceitos tratados em

outras disciplinas” (LIBÂNEO, 2002, p. 12). Nesse sentido, ressalta que aceitá-la como

disciplina síntese “[...] implica reconhecer que ela tem dois campos conexos e integrados

de saber: o ensino e o ensino de determinada matéria” (LIBÂNEO, 2002, p. 12). Assim,

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para que o professor transforme as bases da ciência na qual é especialista e encaminhe o

ensino visando à formação do aluno é necessário que ele detenha:

[...] a) formação na matéria que leciona; b) formação pedagógico-didática na qual se ligam os princípios gerais que regem as relações entre o ensino e a aprendizagem com problemas específicos do ensino de determinada matéria (LIBÂNEO, 2002, p. 12).

Conforme o autor, a advertência serve para ratificar que, no ensino das disciplinas

específicas, não é suficiente deter seu conteúdo, é igualmente importante dominar a

Didática e a metodologia própria daquela disciplina e, assim, compreender o ensino em

sua totalidade (LIBÂNEO, 2002, p. 12).

O autor (2002, p. 13-14) identifica quatro tendências presentes no pensamento

contemporâneo acerca da Didática. A primeira, vinculada ao senso comum, a entende

como Prática do Ensino, destacando apenas sua instrumentalidade, o que, para ele, é

uma premissa antididática, pois, conquanto ela também seja uma teoria de métodos e

técnicas de ensino, não se reduz unicamente a esses aspectos. Na segunda tendência, a

Didática Geral é tida como dispensável, já que os conteúdos e formas de abordagem

podem ser tratados genericamente em uma disciplina denominada Prática do Ensino, cuja

composição incluiria o domínio de conteúdos e metodologias das disciplinas específicas

às quais se adicionaria uma pitada de psicologia da aprendizagem. A terceira tendência

apresentada pelo autor subdivide-se em duas premissas: a primeira, composta por

intelectuais que questionam sua especificidade epistemológica, contudo não se

interessam pela prática docente cotidiana, sendo desconhecedores, segundo ele, do

campo específico da Didática. Na outra premissa encontram-se pesquisadores (docentes)

que “[...] negam à Didática estatuto científico próprio e atribuem à sua área de

especialização certa supremacia no tratamento das questões do ensino” (LIBÂNEO, 2002,

p. 14). A quarta tendência “[...] reconhece a especificidade teórica da Didática sem

desconhecer seu caráter multi e interdisciplinar. Há nesse grupo uma variedade de

formulações em torno do que seria seu campo próprio de investigação” (LIBÂNEO, 2002,

p. 15), sendo esta a que nos identificamos.

Partindo do exposto, é correto afirmar que esse autor defende o diálogo e a união

entre a Didática Geral, outras ciências da Educação e as especificidades disciplinares,

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constituindo-se a Didática Geral como disciplina integradora. Contudo, ressalva a

importância de manter suas bases teóricas e práticas próprias. Assim, entende que

as tarefas da Didática incluem as Metodologias específicas, porém as extrapola. Primeiro, porque as lógicas das ciências, que se convertem em lógicas das matérias de ensino, não é idêntica a lógica do processo didático. Segundo, porque, sendo teoria da instrução e do ensino, generaliza leis, princípios e procedimentos obtidos na investigação das próprias disciplinas específicas e nas demais ciências que explicam as conexões entre ensino e aprendizagem. Verifica-se, assim, que a Didática e as Metodologias são mutuamente referidas, uma dependendo da outra, ainda que guardem cada uma sua especialidade (LIBÂNEO, 2002, p. 20).

Adiante Libâneo (2002, p. 23) resume seu pensamento acerca dos vínculos entre a

Didática Geral e as específicas da seguinte maneira: “existe a Didática (sem adjetivo) e

existem as Metodologias específicas das matérias”. Concordamos com o autor quando

defende a existência da Didática constituída de um corpo teórico e metodológico próprio.

Conquanto seja possível que o autor não pretendeu dar tal conotação – o que pode ser

inferido por suas ideias gerais acerca da Didática –, discordamos do termo

“metodologias”, cuja utilização pode incorrer no risco de que as Didáticas Específicas

sejam vistas somente como métodos e técnicas de ensino, destituindo seu caráter teórico,

além de desqualificar o processo de construção do conhecimento pela ciência de origem,

as preocupações com os usos sociais desse conhecimento e as funções e sentidos que a

escola e a educação têm para essas ciências.

Concordamos com Libâneo ao argumentar que, diante das demandas atuais, que

ampliaram o número de informações e conhecimentos, impuseram a complexificação do

pensamento e a necessidade de desenvolver competências e habilidades cognitivas, a

Didática “[...] precisa incorporar as investigações mais recentes sobre modos de aprender

e ensinar e sobre o papel mediador do professor na preparação dos alunos para o

pensar” (LIBÂNEO, 2004, p. 6).

Outra alegação do autor com a qual concordamos é que a produção e apreensão do

conhecimento não ocorrem de forma mecânica, necessitando da atividade metodológica

do pensamento e da utilização de procedimentos ordenados do pensar, o que intensifica a

importância da mediação cognitiva no labor docente. Tal argumentação pressupõe que a

Didática não se restringe à função instrumental de ensinar a ensinar ou ensinar a

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aprender, mas, igualmente, a ela compete o papel de impulsionar o sujeito a desenvolver

a metacognição.

Entendendo que a educação e o ensino são fenômenos universais e necessários ao

aprimoramento mental e que, por sua vez, esse aprimoramento vincula-se a fatores

socioculturais associados às condições internas do indivíduo, esse autor questiona “[...]

como o ensino pode impulsionar o desenvolvimento das competências cognitivas

mediante a formação de conceitos e desenvolvimento do pensamento teórico, e por quais

meios os alunos podem melhorar e potencializar sua aprendizagem” (LIBÂNEO, 2004, p.

6).

Em sua opinião, cabe à Didática identificar e analisar os caminhos que precisam e

devem ser utilizados para estimular o potencial investigativo dos alunos, contribuindo para

o aperfeiçoamento de suas capacidades cognitivas e intelectivas, colocando-se, dessa

forma, a serviço de uma pedagogia interessada na formação de sujeitos pensantes e

críticos. Pautando-se nessa argumentação, o autor entende que a Didática deve

[...] salientar em suas investigações as estratégias pelas quais os alunos aprendem a internalizar conceitos, competências e habilidades do pensar, modos de ação que se constituem em “instrumentalidades” para lidar praticamente com a realidade: resolver problemas, enfrentar dilemas, tomar decisões, formular estratégias de ação (LIBÂNEO, 2004, p. 6-7, grifo do autor).

Libâneo (2004, p. 22) defende a necessidade de compreender que

[...] o papel da educação escolar no mundo contemporâneo implica saber que a aquisição de conhecimentos e do desenvolvimento de capacidades mentais dos alunos inclui o conhecimento teórico, juntamente com o desenvolvimento de competências cognitivas complexas.

Com base nessa análise, é possível pensar que o ensino de História, mais que o

desenvolvimento de competências, deve gerar situações onde ocorra a apreensão e o

desenvolvimento de conceitos históricos por parte do aluno e o entendimento acerca do

processo de produção da Ciência Histórica e seu significado social, elevando seu

pensamento, por meio do aprimoramento de suas aptidões e habilidades cognitivas, a

uma compreensão metahistórica.

Buscando analisar mais perto o processo da cognição histórica situada, passamos a

discutir a Didática da História.

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Didática da história: ciência da aprendizagem histórica

Tratando da Didática da História, o teórico alemão Jörn Rüsen (2012, p. 72) advoga

a tese segundo a qual é ela “[...] a ciência da aprendizagem histórica”,12 deixando clara

sua fina sintonia com a formação e o desenvolvimento da consciência histórica e o seu

papel na vida concreta. Nesse sentido, ele reafirma a tradição alemã, argumentando ser a

consciência histórica o objeto da Didática da História, que, por sua vez, aguça o olhar

didático para seu ensino e aprendizagem (RÜSEN, 2012, p. 71). Para o autor, tal

proposição alarga as competências do ensino de História, uma vez que inclui a análise de

todas as formas e funções da consciência histórica, levando a Didática a adquirir um

“autoentendimento” com o qual ela olha para si com relativa autonomia, constituindo-se

“[...] como uma sub-disciplina da ciência da história, com a sua própria área de pesquisa e

de ensino, com seus próprios métodos e com a sua própria função” (RÜSEN, 2012, p.

70). Tal ampliação é possível graças “[...] à função de orientação que o conhecimento

histórico tem na vida prática humana” (RÜSEN, 2012, p. 70), que pode ser regulada com

o auxílio da pesquisa na Didática da História. Para ele, “esta afirmação é inquestionável

quando se trata da função prática que o conhecimento histórico desempenha na

formação, especialmente no ensino de história” (RÜSEN, 2012, p. 70).

Apesar da importância atribuída à Didática da História em sua função prática de

orientação, de acordo com Rüsen (2012, p. 71), a Didática da História não teria

encontrado ainda seu lócus, nem definido uma função justificadora de sua existência. Em

sua opinião, esse problema pode ser corrigido se for perguntado o que há em comum

entre as variadas formas do ensino de História (entendidas como arte), a Educação

(entendida como um currículo organizado de ensino e aprendizagem) e a ciência

historiográfica, na busca por diretrizes gerais que amparem os interesses de

reconhecimento nos três âmbitos. É facilmente perceptível que a arte se interessa pelo

ensino, a ciência da educação pelo ensino e a aprendizagem, no entanto esse interesse

não está tão claramente formulado no que diz respeito à ciência historiográfica, pois,

ainda que a consciência histórica seja o objeto fundamental da Didática da História,

segundo o autor, por si só não justifica a existência de uma disciplina dedicada

especialmente a ela.

12 A nosso ver, encontra-se aí subjacente o ensino, pois, na medida em que compreendemos melhor os caminhos da aprendizagem, é possível aperfeiçoar as formas de ensino (LIBÂNEO, 2002, p. 11).

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A despeito dessa observação, Rüsen (2012, p. 71) reitera a importância da categoria

consciência histórica como orientadora disciplinar da Didática da História, uma vez que

ela evidencia a “[...] questão de como a história é ensinada e aprendida, de como isso

pode e deve ser”, direcionando a consciência histórica para fatores de ensino e

aprendizagem.

No que diz respeito à pesquisa envolvendo a Didática da História, o autor propõe

que ela seja investigada em seus aspectos empíricos, normativos e pragmáticos. No

primeiro, “[...] a didática da história levanta a questão do que é a aprendizagem histórica”

(RÜSEN, 2012, p. 72). Esse aspecto atentaria para a concretude do processo de ensino e

aprendizagem “[...] suas diferentes condições, formas e resultados, o seu papel no

processo de individualização e socialização humana” (RÜSEN, 2012, p. 72). No aspecto

normativo, a Didática da História interroga o que deve ser a aprendizagem histórica, que

pontos de vista influencia, qual o seu planejamento, objetivos e justificativas. Quanto ao

aspecto pragmático, deve levantar “[...] a questão de como a didática da história pode ser

organizada de acordo com os planos e metas pré-determinadas, e examina as estratégias

do aprendizado histórico” (RÜSEN, 2012, p. 72), que inclui materiais didáticos, o saber

fazer do professor e a análise dos meios que envolvem a prática pedagógica. A nosso

ver, tal formulação busca fornecer à Didática da História um arcabouço teórico e prático

que contribui para sua solidificação como ciência da aprendizagem histórica.

Rüsen destaca a importância de tais investigações por entender que essa Didática

Específica necessita ter para si uma noção clara e abrangente do que é a aprendizagem

histórica, o que, por outro lado, a ajudaria a explicar-se como disciplina e ainda lhe

proporcionaria o desenvolvimento e coordenação de uma base teórica verificável nos três

aspectos por ele indicados (pesquisa empírica, reflexões normativas e estratégias

pragmáticas). Nessa perspectiva, para nós, a Didática da História assume um duplo

caráter: 1) teórico-reflexivo, na medida em que se preocupa com o que é e com o que

deve ser a aprendizagem histórica; 2) pragmático, quando se ocupa com organização e

estratégias do processo de ensino-aprendizado.

Esse autor lembra que até o século XVIII os modelos historiográficos compreendiam

e apresentavam a História como “mestra da vida” (vitae magistra),13 nisso implicando que

13 Termo utilizado por Cícero, orador, escritor, filósofo, jurista e político romano do séc. I a.C. Aparece na obra De oratore, livro II e sugere o estudo do passado para iluminar o presente, buscando nele exemplos. Com o desenvolvimento da ciência histórica no séc. XVIII serviu como parâmetro para o historicismo e para

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sua escrita deveria ser “[...] orientada pela moral e pelos problemas práticos da vida, e

não pelos problemas teóricos ou empíricos da cognição metódica” (RÜSEN, 2006, p. 8),

ou seja, as razões do seu fazer eram motivadas mais pelas necessidades práticas que

pelos questionamentos suscitados pela pesquisa e, mesmo com o advento do Iluminismo,

quando modelos modernos de pesquisa e discursos acadêmicos foram incorporados ao

ofício do historiador, as discussões acerca dos princípios didáticos da escrita histórica

permaneceram, constituindo-se como fundamentais para o trabalho histórico.

De acordo com Rüsen (2006), a institucionalização e profissionalização da História

diminuiu a importância de sua Didática. Preocupados em torná-la uma ciência e romper

com as ideias do senso comum, ao definir a disciplina a partir do século XIX, os

historiadores vinculados à escola metódica distanciaram-na do público mais amplo,

restringindo-a a especialistas, descaracterizando, assim, sua relação visceral com as

necessidades sociais de orientação da vida ante as mudanças temporais. A consequência

desse quadro foi a diminuição do interesse pela Didática da História, em contraposição ao

fortalecimento da metodologia da pesquisa. Assim, “a didática da história migrou para um

duplo exílio em relação à prática cotidiana da ciência da história: para a técnica da aula de

história e – quase sem ligação com ela – para uma teoria pedagógica geral da formação

[...]” (RÜSEN, 2012, p. 114), distanciando-se das carências de orientação temporal

impostas pela vida concreta e não contribuindo para a formação da consciência histórica,

sobre a qual passaremos a tratar, por ser esse o principal objetivo (e objeto) da Didática

da História.

A didática da história e a consciência histórica

Segundo a concepção de Rüsen, a consciência histórica é uma categoria que

perpassa todo o pensamento histórico. É por meio dela que o passado é experenciado e

interpretado e que se entende os usos e funções da História na vida pública e privada.

Explicitando o imbricamento entre Didática da História e consciência histórica, o

autor apresenta três premissas que envolvem a consciência histórica. A primeira é que ela

estabelece a complexa relação entre as três dimensões temporais: passado, presente e

futuro, considerando que a busca pela apreensão do passado é regulada pela

o positivismo.

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necessidade de compreensão do presente, com perspectivas de projetar o devir histórico.

Tal compreensão ajuda a superar a ideia de que a Ciência Histórica deve ocupar-se

exclusivamente do passado.

A segunda premissa aplicada à consciência histórica é a de que ela pode ser

compreendida como “[...] um conjunto coerente de operações mentais que definem a

peculiaridade do pensamento histórico e a função que ele exerce na cultura humana”

(RÜSEN, 2006, p.14). Essas operações mentais dizem respeito à interpretação da

experiência a fim de que, interpretada, possa dar sentido e significado ao tempo presente,

servindo como fator de orientação e, no extremo, à própria História. Nesse caso, a

narrativa histórica desempenha um papel relevante, dado que, por seu intermédio, a

consciência histórica se expressa.

A terceira premissa apresentada por Rüsen é a de que, por meio da análise das

operações e funções da consciência histórica, a Didática da História pode contribuir com

insights que ajudem a compreender o papel do conhecimento histórico e seus significados

para a práxis e o processo de modelagem das identidades humanas, que vão se

constituindo ao longo, na passagem do tempo.

Defendendo a circularidade entre Didática da História, consciência histórica e

produção da Ciência Histórica e convidando os historiadores a pensarem sobre seu ofício,

Rüsen argumenta que, se a educação histórica pode ser vista como parâmetro para a

formação de identidade construída na inter-relação temporal acima mencionada, a

Didática da História também não pode ser desvinculada do fazer historiográfico.

Conquanto defenda essa circularidade, Rüsen (2007, p. 90) adverte que a Didática

da História deve ser vista como uma disciplina com estatuto próprio. A necessidade dessa

autonomia é assumida por entender que o ensino exige do professor uma competência

distinta de sua especialização em História, e a Didática representa a disciplina na qual

essa competência – diretamente relacionada ao processo de ensino e aprendizagem – é

formulada e refletida. Tanto a pesquisa, quanto o ensino-aprendizado histórico têm

métodos variados e produzem aspectos cognitivos peculiares a cada um. Com isso, o

autor reconhece que adificuldade não reside em suas diferenças e particularidades, e,

sim, na formação, uma vez que o professor, tanto tem que ter o domínio do especialista,

quanto do didático, para que obtenha êxito em seu ofício de ensinar. Segundo nossa

concepção, o problema é que a formação tem centrado esforços nos aspectos da

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especialização, tornando a Didática um “método de ensino”, uma instrumentalização

técnica, distanciando-a da teoria, fazendo do professor um mero transmissor da cultura

histórica.

Se Rüsen advoga ser a Didática da História parte integrante da Teoria da História,14

o contrário também acontece, ou seja, a teoria, forçosamente, no dizer do próprio autor,

se aproxima da Didática, “quando as carências de orientação, que emergem das

situações extremas da vida concreta no tempo, são transformadas em motivos para a

obtenção de conhecimento histórico” (RÜSEN, 2007, p. 91). Para ele, essas carências

podem e devem ser entendidas também como carências de aprendizado, nisso

consistindo que “a ciência da história não tem como dispensar-se, em sua especialização,

dos impulsos advindos do ensino e do aprendizado de história” (RÜSEN, 2007, p. 91), já

que resvala para o campo didático, o que reforça os laços dessa produção com a Didática

da História.

Para Rüsen (2007, p. 92), essa união se intensifica quando a teoria passa para a

didática seus fatores de matriz disciplinar15 no contexto do aprendizado, o que ocorre

sempre, segundo ele, já que aprender é um ato básico e permanente da vida, dele

emanando o conhecimento. O inverso ocorre quando a Didática interroga o significado da

cientificidade do conhecimento histórico para o aprendizado. Uma vez que a História pode

e é aprendida nos mais diversos espaços e circunstâncias, se a Didática está realmente

interessada em compreender essas formas de aprendizado, precisa consultar

constantemente a teoria.

Rüsen (2007, p. 92) adverte que a forte imbricação entre ambas gera o risco de uma

subordinação e funcionalização, levando a teoria a estipular “[...] o que deve ser

aprendido como história, e sua racionalidade metódica [decidir], como instância crítica,

que modos do pensamento histórico devem ser aprendidos”, desprezando a existência de

um fundamento existencial comum a ambas – a consciência histórica – do qual dimanam

as mesmas questões e problemas práticos da vida. Já a subordinação da teoria pode

14 Rüsen (2001, p. 29) entende como sendo papel da teoria da história apreender “[...] os fatores determinantes do conhecimento histórico que delimitam o campo inteiro da pesquisa histórica e da historiografia, identificá-los um a um e demonstrar sua interdependência sistemática”. Lembra que historiografia e pesquisa não são estáticas, cabendo à teoria mostrar essa dinamicidade. Assim, o objeto da teoria “[...] são os fundamentos e os princípios da ciência da história” (idem, ibidem). 15 Essa expressão foi cunhada por Thomas Kuhn de quem Rüsen toma por empréstimo e a define como “o conjunto sistemático dos fatores ou princípios do pensamento histórico determinantes da ciência da história como disciplina especializada” (RÜSEN, 2001, p. 29).

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ocorrer quando a ciência da história assume unicamente os imperativos didáticos do

aprendizado histórico, perdendo sua autonomia. Apesar dessa advertência, considera

improfícuas tais dissensões por entender serem impeditivas de uma melhor compreensão

do que está sendo abordado (produção científica ou aprendizado histórico). Segundo sua

opinião, esse unilateralismo pode ser evitado, bastando que fique claro que Teoria da

História e Didática da História partem do mesmo ponto, qual seja “[...] estão fundados nas

operações e nos processos existenciais da consciência histórica” (RÜSEN, 2007, p. 93),

muito embora o desenvolvimento de cada uma delas caminhe em direções e interesses

cognitivos múltiplos e distintos, uma vez que “a teoria da história pergunta pelas chances

racionais do conhecimento histórico e a didática pelas chances de aprendizado da

consciência histórica” (RÜSEN, 2007, p. 93).

Atento à atual situação de desvalorização da Didática, Rüsen percebe em meio a

essa a crise um campo fértil para se perguntar o que é a Didática da História e qual a sua

tarefa, apresentandouma demanda que ele caracteriza como “prática ou funcional” e que

pode justificar sua existência como disciplina. Essa demanda diz respeito aos usos da

cultura histórica no ambiente escolar ou fora dele, sobre o qual apresenta o seguinte

argumento:

[...] historiadores e historiadoras precisam adquirir certas competências se quiserem dar validade prática a sua perícia acadêmica e a sua competência técnica no sistema educacional e nas áreas difusas da cultura pública da história como, por exemplo, em museus, exposições ou na proteção ao patrimônio histórico (RÜSEN, 2012, p. 117).

Explicita perícia acadêmica e competência técnica, como sendo “[...] a capacidade

de lidar com o saber histórico produzido cientificamente e, eventualmente, produzir por

conta própria tal saber, mas, em todo caso, ser capaz de disponibilizá-lo onde ele for

necessário” (RÜSEN, 2012, p. 117), isto é, tal competência deve estar presente não

somente na produção do conhecimento histórico, mas, também nas formas de

apresentação desse conhecimento em qualquer espaço onde ele se faça presente.Essa

demanda diz respeito também à necessidade de formação docente, uma vez que o labor

no âmbito da educação formal difere do trabalho de produção do conhecimento e

reflexão, requerendo competências diferentes das exigidas na perícia de historiadores

profissionais.

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Continuando seu raciocínio afirma que,igualmente, o tratamento da História fora da

escola exige dos especialistascompetências diversas daquelas necessárias à produção

científica, notadamente no que respeita a ações histórico-culturais e envolvem a

preservação da memória histórica, o que significa que à competência cognitiva, o

historiador precisa aliar competência de ação cultural, o que é importante para garantir

“[...] um tratamento especializado da história nos locais em que acontece seu uso prático

em interesse público” (RÜSEN, 2012, p. 118).

Alega que o interesse público reascende a memória histórica que, compartilhada, é

apropriada pelas novas gerações em um processo de retroalimentação, sendo sua

disseminação uma necessidade cultural da vida social. Nesse processo a demanda

funcional “[...] fornece um fundamento social firme para a didática da história” (RÜSEN,

2012, p. 118).

Dessa maneira,

a palavra didática da história é apropriada na medida em que não trata apenas do aprendizado organizado escolarmente e de processos de educação e formação institucionalizados, mas, também, de maneira mais geral, de uma atividade especializada na área da cultura histórica (RÜSEN, 2012, p. 121).

O fomento da cultura histórica cria então, espaços nos quais os profissionais de

história podem atuar, espaços onde há intencionalidade de educar historicamente – como

museus e arquivos, por exemplo – ou onde não há essa intencionalidade – na assessoria

de produções cinematográficas ou turísticas, por exemplo. Dessa forma, a Didática da

História torna-se responsável por criar a perícia necessária para essas atividades,

estreitamente vinculadas às práticas sociais mais amplas e não unicamente à prática

escolar.

Ainda tratando da razão de ser e de existir da Didática da Históriae da necessidade

de construir uma base teórico-metodológica que possibilite o desenvolvimento de uma

epistemologia que lhe seja própria, lhe assegure certa autonomia e rompa com uma visão

instrumental, de acordo com a acepção de Schmidt e Garcia, a Didática da História tem

uma tarefa de formação política, crítica e comunicativa, podendo, assim, se configurar em

um conjunto de conhecimentos capaz de formular e transmitir conteúdos relevantes do

passado. Contudo, nessa proposição, não está contida a defesa de uma mera seleção

curricular, tampouco uma seleção baseada na “tradição” e sim, um retorno ao

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conhecimento do passado que ganhe sentido e significado e seja transformado pelas

novas gerações em “habilidades sociais” (SCHMIDT; GARCIA, 2009, p. 30). Vivenciado

desse modo, o conhecimento histórico possibilita reflexões mais aprofundadas sobre as

questões impostas pelo presente e a construção de um futuro que tenha como parâmetro

outras bases sociais.

Conclusão

Segundo nossa perspectiva, o contexto atual – em que o fortalecimento do projeto

neoliberal e globalizador trouxe novas demandas para a educação – subordinou a

Didática à concepção econômica, com prevalência dos métodos, técnicas e mensurações,

preconizando um ensino preocupado com a instrumentalização, formando “aquele que

sabe fazer”, mas não domina os fundamentos desse fazer, contribuindo assim, para a não

elevação do nível de sofisticação crítica e cognitiva do sujeito, nem lhe proporcionando

condições de realizar uma avaliação aprofundada da realidade social que o cerca. Nesse

contexto, Veiga (1991, p. 39) entende que “[...] a didática tem uma importante contribuição

a dar em função de clarificar o importante papel sócio-político da educação, da escola e,

mais especificamente, do ensino”. De fato, essa clarificação é relevante, mas a ela

acrescentamos a necessidade de analisar em igual nível o como, para que e para quem

está voltada a educação, sob pena de hierarquizar esses componentes da relação

pedagógica e desviar o ensino de seus reais propósitos e finalidades sociais.

Perseguindo essas finalidades, ratificamos nossa posição em relação à Didática da

História, entendendo-a – conforme a tese de Rüsen – como uma Teoria da

Aprendizagem Histórica. Entendemos que esse campo encontra-se em processo de

aprimoramento teórico e empírico, cuja contribuição não se inscreve somente ao âmbito

educacional e escolar, posto que – assim como a produção da Ciência Histórica – deve

voltar-se para as necessidades cotidianas, para as interrogações neles levantadas e para

as necessidades de orientação temporal, cumprindo sua função de formar a consciência

histórica para a práxis.

Destacamos que a defesa de uma Didática da História referenciada na História não

implica negar a existência de um campo epistemológico próprio da Didática Geral ou

desconsiderar a relação entre esta e as Didáticas Específicas, o que poderia levar,

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conforme adverte Libâneo (2002, p. 14), a reducionismos. A proposição aqui assumida é

de que a Didática Específica da História, em diálogo com a ciência histórica e com a

Didática Geral, continue caminhando na direção de construir uma Teoria da

Aprendizagem Histórica, que difere da aprendizagem Matemática, da aprendizagem

Física etc.

Além disso, se pensada como uma subdisciplina da Ciência Histórica, a Didática da

História – como ademais outras Didáticas Específicas – pode ajudar também a superar a

“psicologização” (pretensamente neutra) presente ainda no ensino, especialmente nas

séries iniciais, e romper a segmentação e hierarquização entre teoria e prática, entre

sujeitos que produzem conhecimento e sujeitos que didatizam e “transmitem” esse

conhecimento, entre conhecimento científico e conhecimento disciplinar.

Assim, o título desse artigo interroga se a Didática da História pode ser

compreendida como uma Ciência da Aprendizagem Histórica. Esperamos que as

argumentações assinaladas e a perspectiva analítica por nós assumida ao longo do texto

tenham demarcado positivamente nossa resposta à indagação levantada. Entendemos

que a elaboração e práxis de uma Didática referenciada na História não constitui tarefa

fácil. Há muitos obstáculos intrínsecos e extrínsecos a serem vencidos que dentre outros

podem ser citados: o reconhecimento e a valorização da Didática da História entre os

profissionais especializados e no processo de formação acadêmica; a relação com a

cultura histórica dentro e fora do sistema escolar; a formação da consciência histórica; a

utilização do conhecimento histórico na vida cotidiana e a elaboração de uma teoria sobre

o aprendizado histórico, apenas inicialmente esboçada por Rüsen.

Referências LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. (Coleção magistério 2º grau. Série Formação do Professor). ______. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender: a teoria histórico-cultural da atividade e a contribuição de Vasili Davydov. In: Revista Brasileira de Educação. Nº. 27, set/ out/nov/dez, 2004, p. 5-25. ______. Didática: velhos e novos temas. 2002. Disponível em: <http://www.slideshare.net/jotaluiz/jose-carlos-libaneo-livro-didatica-libneo-7231007>. Acesso em: 27 ago. 2012. RÜSEN, J.Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Trad. Estevão de Rezende Martins. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001.

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MEMÓRIA, ENSINO DE HISTÓRIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ELEMENTOS

PARA UMA PESQUISA NARRATIVA (AUTO) BIOGRÁFICA16

MEMORY, TEACHING OF HISTORY AND TEACHER TRAINING: ELEMENTS FOR

NARRATIVE (SELF) BIOGRAPHICAL RESEARCH

Lisliane dos Santos Cardôzo17

Jorge Luiz da Cunha18

Resumo: Este trabalho é referente à pesquisa de mestrado cuja questão de pesquisa indaga: como a formação inicial, realizada no curso de história da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), influi em como o educador interpreta seu trabalho, seus percursos formativos e o ensino de história? Neste sentido, nosso objetivo é investigar, através da identidade narrativa e da memória de educadores, como a formação inicial tem implicado no trabalho do professor, em sua trajetória de vida e em como interpreta o lugar social do ensino de história na contemporaneidade. Utilizamos o método (auto)biográfico. Assim, essa pesquisa narrativa (auto)biográfica ou narrativa de formação, tem interesse pelos processos de (auto)biografização de professores de história em processo de formação. Entrevistaremos quatro professores graduados – entre os anos de 1980 e 2000 – que estejam atuando na educação básica em escolas públicas por, no mínimo, cinco anos. Estamos em processo de realização da pesquisa empírica. Isso possibilitará, a posteriori, um constructo teórico e metodológico, ancorado numa perspectiva hermenêutica de análise. Nossos principais referenciais são: Ricoeur (1994, 2007, 2011), Nóvoa (1994, 1995), Josso (2004, 2010) e Rüsen (2001, 2007). Palavras-chave: Ensino de História. Formação de Professores. Narrativas.

Abstract: This work is related to the research of masters whose research question asks: how the initial formation, realized in the history course of the Federal University of Santa Maria (UFSM), influences how the educator interprets its work, its formative paths and the teaching of story? In this sense, our objective is to investigate, through the narrative identity and the memory of educators, how the initial formation has implied in the work of the teacher, in his life trajectory and in how he interprets the social place of history

16 Neste texto apresentaremos nosso projeto de pesquisa de mestrado e seus primeiros encaminhamentos

teórico-metodológico, em andamento, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal de Santa Maria. 17 Bacharel Licenciada em História pela UFSM. Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria. Membro do Grupo Clio - Núcleo de Estudos sobre Memória e Educação – CNPQ. Bolsista CAPES. Contato: [email protected]. 18 Orientador. Professor titular da Universidade Federal de Santa Maria. Doutor em História Medieval e Moderna Contemporânea - Universitat Hamburg. Mestre em História Social do Brasil pela Universidade Federal do Paraná. Graduação em Estudos Sociais, História e Geografia pelas Faculdades Integradas de Santa Cruz do Sul. Contato: [email protected]

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teaching in contemporaneity. We use the (auto) biographical method. Thus, this narrative (self) biographical research or training narrative, is interested in the processes of (auto) biography of teachers of history in the process of formation. We will interview four graduate teachers - between 1980 and 2000 - who are working in basic education in public schools for at least five years. We are in the process of conducting empirical research. This will enable, a posteriori, a theoretical and methodological construct, anchored in a hermeneutical perspective of analysis. Our main references are: Ricoeur (1994, 2007, 2011), Nóvoa (1994, 1995), Josso (2004, 2010) and Rüsen (2001, 2007). Keywords: Teaching History. Teacher Training. Narratives.

Considerações iniciais

Portanto, responder à pergunta “quem somos?” implica uma

interpretação narrativa de nós mesmos, implica uma construção de nós mesmos na unidade de uma trama.

Jorge Larrosa

Quem somos? Qual o sentido do que fazemos? Esses questionamentos são

existenciais e tocam em questões ontológicas, muitas vezes sem resposta fixa. “Indagar-

se” é um componente indispensável da formação humana e, portanto, elemento

imperativo do trabalho. O âmbito profissional, onde enfatizamos o trabalho de

professores, é uma face das indagações copiosas da vida. As respostas ou motivações

estão na vida dos sujeitos e na sua memória.

Partindo das idiossincrasias pertinentes ao trabalho do professor da disciplina de

História é perene o seguinte questionamento: qual tem sido o lugar social do Ensino de

História? Compreendemos que a ciência histórica pode ter um papel orientador, na

contemporaneidade, através da consciência histórica (RÜSEN, 2007). Neste estudo não

ambicionamos responder esta pergunta, mas contribuir para problematizá-la, para além

de nosso problema de pesquisa.

Pensando na questão acima e visando colaborar na sua reflexão é que

manifestamos nossa questão central de pesquisa, formulada a partir do entendimento de

que a formação de professores, o trabalho de professores e a trajetória de vida dos

professores se enredam mutuamente, como fios que se entrelaçam. São elementos

interdependentes e implicam diretamente no ensino de História. É ela: como a formação

inicial, realizada no curso de história da Universidade Federal de Santa Maria, influi em

como o educador interpreta o seu trabalho, seus percursos formativos e o ensino de

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história? Para isso, delimitamos que serão quatro sujeitos entrevistados, que tenham se

formado no curso de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), entre os

anos 1980 e 2000, e estejam atuando na educação básica em escolas públicas por, no

mínimo, cinco anos. Neste sentido, nosso objetivo é pesquisar, através da identidade

narrativa de educadores formados no curso de História da UFSM, como a formação inicial

tem implicado no seu trabalho, em sua trajetória de vida e em como interpreta o lugar

social do ensino de história da contemporaneidade.

Trata-se, portanto, de uma investigação onde utilizamos o método (auto)biográfico.

Nossa pretensão é, através das histórias de vida, fazer um “zoom” nas experiências

formadoras. Isto permitirá uma postura de reflexibilidade, oriunda da interpretação, sobre

o trabalho e a formação. Ou seja, a formação será o centro das narrativas de vida que

carrega consigo uma temporalidade, experiência e subjetividade próprias. A narrativa oral

é nossa fonte. É (auto)biográfica porque o sujeito que narra se coloca dentro do processo

de narrativização, que, por sua vez, está inserido em um contexto histórico-social, onde o

singular e o plural são inseparáveis. É através desse caminho teórico-metodológico, que

evidenciamos o seu caráter formativo, transformativo e (auto)transformativo. Quando

rememoramos e narramos nossas histórias de vida, nossa experiência, significamos

nossa prática, o nosso presente, revelando crenças de outrora que podem, através do ato

de narrar, ganhar novos sentidos.

Entendemos que nesse processo dialético interpretativo o sujeito que narra ganha

centralidade. Reside ai o porquê da escolha por pesquisarmos acerca dos movimentos de

formação dos professores e do trabalho do professor de história, relacionando-os:

pesquisar processos formativos – começando com a (a) escolarização, enfatizando a (b)

formação inicial e encontrando com o professor hoje e seu (c) trabalho – implica a

compreensão da prática educativa em sua dimensão social e política.

Por que investigar a relação da formação inicial com outras dimensões? Tornou-se

um lugar comum a noção de que a formação permanente do educador se faz ao longo da

vida nos âmbitos profissional e pessoal. Todavia, a formação inicial mobiliza,

problematiza, transmite saberes, posturas teóricas, enfim, adquiri relevância nos

processos formativos e na vida dos sujeitos. Práticas e teorias oriundas da formação

inicial, com o tempo, serão negadas e superadas. Certas perspectivas, contudo, tornam-

se essenciais na trajetória de vida do professor e em suas experiências, penetrando de tal

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modo no seu trabalho que se naturalizaram. Aos sujeitos da pesquisa narrar e rememorar

a formação inicial permite ressignificá-la, através da construção de uma sensibilidade

ativa, atribuindo sentido aos seus percursos formativos. Pode, assim, ter a oportunidade

de identificar permanências e rompimentos ao lembrar-se daquele professor que estava

em processo de “fazer-se” educador, ainda na formação inicial do curso de História. Isto é

o singular. O singular, porém, relaciona-se com o plural. Quando pensamos o particular

podemos vislumbrá-lo em um todo complexo: a renovação do ensino de História e o lugar

deste na sociedade contemporânea.

Percursos teórico-metodológicos da pesquisa: a abordagem (auto)biográfica

A narrativa é uma construção sócio-histórica e é de sobremaneira, parte do cotidiano

humano, que é abalizado pelas histórias que ouvimos, produzimos e por como contamos

e significamos as experiências vivenciadas. Para Galvão, narrar: “Não se trata de uma

batalha pessoal, mas é um processo ontológico, porque nós somos, pelo menos

parcialmente, constituídos pelas histórias que contamos aos outros e a nós mesmos

acerca das experiências que vamos tendo” (2005, p. 330, grifo nosso).

Se o ato de narrar, processo ontológico de rememoração de experiências, faz parte

da nossa essência, enquanto seres dotados de linguagem, por que não refletir sobre essa

ação e empregá-la no âmbito da pesquisa? É isto que a pesquisa (auto)biográfica em

educação, que ganhou impulso no Brasil nos últimos quinze anos, intenciona, ao apostar

na interpretação das narrativas de sujeitos que vivem e constroem sua história, usando a

narrativa de vida como um método. Segundo Josso (2006, p.22), nas ciências humanas,

as histórias de vida como método de pesquisa começaram no início do século XX:

[...] s intensificação de tais metodologias aqui no Brasil, sobretudo a partir dos anos de 1990, contribuiu para renovar a pesquisa educacional sob vários aspectos, notadamente no que diz respeito à pesquisa e à formação de professores, fazendo aflorar o interesse por questões e temáticas novas, tais como as que se configuram nos estudos sobre profissão, profissionalização e identidades docentes (BUENO, 2006, p. 402).

De tal modo, podemos notar que trabalhar com o método (auto)biográfico e as

historias de vida de professores é um processo recente na pesquisa em educação no

Brasil. O impulso inicial foi dado em 1988, pela publicação da obra O método

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(auto)biográfico e a formação de Nóvoa e Finger. Porém, foi só na década de 90 que esse

método ganhou visibilidade, marcado por uma heterogeneidade que foi sendo constituída

por diversas áreas disciplinares.

A pesquisa em ciências humanas renovou-se metodológica e teoricamente, criando

um contraponto e uma quebra no paradigma dominante da objetividade, assentando-se

em princípios epistemológicos qualitativos. Esses princípios reconhecem o sujeito e

compreendem que o ato de narrar impulsiona também uma renovação, onde as

incertezas, os erros, as preocupações, se tornam experiências refletidas e significadas ao

logo da história de vida. A partir dessas experiências reveladas e refletidas abre-se a

possibilidade de instigar um formar e educar diferentes. Essa construção da experiência

centra-se na singularidade e na subjetividade, o que promove uma proximidade entre o

pesquisador e o sujeito da pesquisa, pois estabelece, a partir do diálogo, uma relação

dialógica e dialética. A partir da década de 90 podemos dizer que, com a pluralidade de

pesquisas, teorias e práticas, há uma mudança no cerne da pesquisa em educação, que

supera uma racionalidade técnico-objetiva para propor uma valorização da experiência

vivida.

Interpretação das experiências: caminhos para uma reflexão sobre formação de

professores

Quando narramos produzimos conhecimento, sobre nossa vida pessoal e

profissional, abrindo espaço para a (auto) (trans) formação e também viabilizamos a

compreensão de questionamentos pertinentes no que tange a formação de professores,

quando o pesquisador, também em formação, interpreta enfocando a investigação social

e educativa. Assim, cabe pensar o que entendemos como formação nesta pesquisa.

Concordamos com Nóvoa (1995, p. 26-28) quando diz que:

A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade critica sobre as práticas e de (re) construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir a pessoa e dar um estatuto ao saber experiência. [...] A formação passa por processos de investigação, diretamente articulados com as práticas educativas.

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Apoiados no autor enxergamos o sujeito em sua globalidade, pois não dividimos o

eu pessoal e do profissional. A formação, por sua vez, concerne ao todo, ao sujeito em

sua integralidade. Certas facetas da formação são, muitas vezes, ignoradas, por não

serem reconhecidas por cursos acadêmicos, e valendo-se da história de vida podemos

admitir saberes subjetivos, não formalizados. A formação está relacionada à reflexão,

estando impregnada de tudo que foi vivido. O que vai ser definidor, na formação,

extrapola os títulos profissionais, e se assenta no que refletimos. No contexto estrutural

em que vivemos a possibilidade de reflexão do professor acerca de seu trabalho é

minimizada, e a narrativa pode oportunizar que o professor reflita, o que, talvez, não

aconteceria espontaneamente. Goodson (1994, p. 70) argumenta que segundo a sua

experiência:

[...] quando falo com professores sobre problemas de desenvolvimento curricular, matérias do ensino, gestão escolar e organização geral das escolas, eles trazem à colação, constantemente, dados sobre suas próprias vidas. Isto pode ser tomado como prova razoável de que os próprios professores consideram estes problemas de maior relevância.

Nossa decisão por usar a (auto)biografia para investigarmos a formação do

professor, tem a ver com a nossa experiência, que é similar a do autor, pois entendemos

que é impossível desconsiderar a história de vida do professor quando falamos sobre a

sua formação. O método (auto)biográfico é uma investigação que valoriza a superação do

imediato para a construção de um conhecimento que é refletido. Este é um processo que

se desdobra no interior do narrador, por estar dentro do processo chamamos (auto)

biográfico. A biografização possui, em seu âmago, uma dimensão sócio política, por ser

uma prática de formação. Assim, a narrativa permite que o sujeito possa dar um sentido a

conflitos existenciais, tomando consciência através da sua própria história. Concordamos

com Souza (2006, p. 135-136, grifo nosso) quando diz que:

A escrita da narrativa potencializa no sujeito o contato com a singularidade e o mergulho na interioridade do conhecimento de si, ao configurar-se como atividade formadora porque remete o sujeito para uma posição de aprendente e questiona suas identidades a partir de diferentes modalidades de registro que realiza sobre suas aprendizagens experienciais. Desta forma, enquanto atividade formadora, a narrativa de si e das experiências vividas ao longo da vida caracterizam-se como processo de formação e de conhecimento, porque se ancora nos recursos experienciais engendrados nas marcas acumuladas das experiências construídas e de mudanças identitárias vividas pelos sujeitos em processo de formação e desenvolvimento.

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Percebemos que é possível construir um conhecimento de si abrindo-se ao ato de

narrar à vida, através da memória. Quando se recorda a formação inicial, e se possui a

expectativa do futuro chegamos à compreensão das formas como damos sentido ao

trabalho, redimensionando o que do passado ainda pesa sobre o hoje, e o que já não faz

mais sentido. Através da narrativa o educador está aberto a questionar-se: Como a

formação inicial contribui para que eu me tornasse o professor que eu sou? Como ela

interfere, até hoje, no meu trabalho e no que entendo que seja o ensino de História? Se

meu conhecimento não é oriundo da formação inicial, de onde vem o que eu penso sobre

essas questões? No que, até hoje, a minha formação inicial interfere nos meus projetos,

minha visão da educação, minha inspiração? Josso (2010, p.195) enfatiza que “o sujeito

que constrói sua narrativa e que reflete sobre sua dinâmica é o mesmo que vive sua vida

e se orienta em cada etapa. Dizer isso equivale a colocar o sujeito no centro do processo

de formação. É fazer dele o escultor de sua existência”.

Além disto, pretendemos pensar a relação da formação inicial no trabalho, na

trajetória de vida e, por último, mas não menos importante, em como o educador

interpreta o lugar social do ensino de história da contemporaneidade. Abre-se, portanto,

um filão de discussões em torno dessa última questão: o lugar social do ensino de

história.

Qual é o lugar social do ensino de história?

Como mencionado nas considerações inicias, não ambicionamos responder a este

questionamento, mas problematizá-lo. Compreendemos que a ciência histórica pode ter

um papel orientador, na contemporaneidade, através da consciência histórica (RÜSEN,

2001, 2007). A consciência histórica, tal como pensada dentro dos cânones das

renovadas correntes do pensamento histórico alemão, surge como um dos aportes

possíveis e indispensáveis no entendimento da relação entre o universo moral e a

conduta ética.

Jörn Rüsen tem encarado complexas problemáticas em função de um projeto

audacioso de fazer da analise historiográfica um lugar também propício para a reflexão

teórica. Numa tradição que tem também Reinhart Koselleck como fonte de inspiração, e

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um intenso debate com a tradição do clássico historicismo alemão, com a sociologia

moderna e com a tradição filosófica alemã, Rüsen lançou-se na tarefa de investigar “a

ciência da história como fator da própria história”, ou seja, a ciência da história como

objeto de pesquisa e ao mesmo tempo como sujeito do pensamento histórico19.

Constrói, portanto, uma fecunda sistematização dos fundamentos da ciência

histórica e ao mesmo tempo daquilo que a define socialmente enquanto ciência capaz de

fornecer orientação aos homens frente às transformações temporais, individuais,

estruturais. Sua ênfase na idéia de constituição de sentido permite que se possa

vislumbrar a história-ciência como diametralmente articulada com o presente em que se

desenrola, diretamente tocada pelas carências de orientação da práxis humana. Tais

carências despontam como os motivos geradores dos interesses cognitivos para que a

ciência histórica possa explorar, aí na esfera metodologicamente orientada da academia,

determinados recortes do passado e trazê-los de volta ao presente, como representação

narrativa a ser reintroduzida como argumentação racional voltada ao consenso no mundo

da vida. A teoria ganha aqui um caráter forte e uma função mediadora:

A teoria da história trata do complexo contexto formado pelas carências de orientação pré e para científicas da vida humana prática, pelo modo científico próprio do pensamento histórico e pelas funções de orientação que este exerce. A teoria põe em evidência, pois, que a obtenção de competência profissional não é um processo de aprendizado que abstraia da vida humana concreta e que se refugie numa espécie de torre de marfim científica, mas sim, pelo contrário, que requer a produção de resultados que possuam relevância prática. [...] A teoria assume, pois, no campo da formação histórica, uma função didática de orientação. [...] torna-se, assim, uma didática, uma teoria do aprendizado histórico; ela transpõe a pretensão de racionalidade que o pensamento histórico em sua cientificidade possui para o enraizamento da história como ciência na vida prática. [...] (RÜSEN, 2001, p. 41-49).

Exatamente por querer articular uma teoria que vá além de um mero programatismo

conceitual-metodológico é que Rüsen atenta para o pressuposto primitivo da

racionalidade histórica, ou seja, “situações genéricas e elementares da vida prática dos

homens (experiências e interpretações do tempo) que constituem [...] a consciência

histórica” – pressuposto este que fora tradicionalmente tratado como óbvio ou natural

pelos historiadores. Esses fenômenos estão presentes tanto na forma científica de se

pensar a história quanto no mundo em geral, operado pelos seres humanos no mundo da

19 Aprofundamentos em: RÜSEN, Jörn. A Razão Histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, 2001, p. 15.

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vida (RÜSEN, 2001, p. 54). Tal forma particular de consciência é o conjunto de

“operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da evolução

temporal de seu mundo e de si mesmos, de forma tal que possam orientar,

intencionalmente, sua vida prática no tempo”: o homem só pode viver no mundo, portanto,

não o tomando como a pura circunstancialidade, ou seja, desenvolvendo um superávit de

intencionalidade na sua relação existencial com seu espaço de experiências e seu

horizonte de expectativas. E talvez aqui o exemplo mais interessante seja que os homens

projetam o tempo incessantemente como algo para além de sua experiência imediata,

constituindo um sentido da experiência no tempo através da narrativa, encontrando-se em

meio às mudanças sofridas pelo mundo e por si mesmos (RÜSEN, 2001, p. 57-58).

Assim sendo, essa dimensão da consciência humana apresenta-se como

fundamental no que diz respeito aos sujeitos no mundo em busca de um sentido para a

existência e para a argumentação constituinte das instâncias normativa e moral das

sociedades. O Ensino de História pode ter esse papel orientador. Assim sendo,

estabelece-se aqui uma interconexão elementar e substantiva para nossa argumentação

quando Rüsen postula a reinserção do conhecimento histórico produzido

academicamente – e aqui o caráter didático-crítico torna-se fundamental nesse retorno do

conhecimento ao mundo da vida – no espaço da vida prática, aprimorando e

potencializando essa consciência histórica humana e propondo-lhe respostas que,

conquanto resolvam certas necessidades de manutenção de continuidades identitárias e

de fundamentação da existência cotidiana, se transformam em novos motivos de

interesses cognitivos a respeito do passado, num ciclo que se retroalimenta. A história

que se ensina na escola deve ser, para o aluno, significativa em termos pessoais.

Defendemos e concordamos com Rüsen quando este nos coloca que, grosso modo,

aprender história não é puramente aprender sobre o passado. O sujeito educando precisa

assenhorar-se de si próprio a partir da história, formando sua identidade, subjetividade e

interpretação. Isso implica em questões éticas e morais, além de aspectos existenciais.

A noção que o educador tem do papel do Ensino de História é um processo que

começa na formação inicial, onde muitas vezes, a didática é vista com oposta à teoria e

vice-versa. Para Rüsen (2007, p. 89-90):

[...] a difundida noção atual (e não é de hoje), aparentemente indestronável, de que a didática é alguma coisa completamente externa à história como ciência. Ela se

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ocuparia da aplicação e da intermediação do saber histórico, produzido pela história como ciência, em setores do aprendizado histórico fora da ciência. Os didáticos seriam transportadores, tradutores, encarregados de fornecer ao cliente ou à cliente – comumente chamado de “aluno” ou “aluna” – os produtos científicos.[...] Na medida em que a cientificidade for identificada exclusivamente com os procedimentos adotados pela pesquisa e com os tipos de saber por ela produzidos, são, de certa forma, “banidos da ciência” os demais fatores determinantes do processo cognitivo da história: a geração de problemas históricos a partir das carência de orientação da vida prática, a relação da formatação historiográfica ao público e, sobretudo, as função de orientação prática do saber histórico.

Na formação inicial a didática é vista como “coisa da pedagogia” e o didático é aquele

que faz apenas a transposição didática. A didática, conseqüentemente, é encarada como

completamente externa à história como ciência, fora da teoria e, então, ocorre um

desinteresse com a dimensão cognitiva da cultura histórica. Este fenômeno também é

responsável pelo ensino de história ser ainda um campo obtuso, pouco aparelhado e

teoricamente estigmatizado nos espaços da produção cientifica do saber historiográfico.

Sobre isso queremos nos aprofundar através da narrativa de nossos educadores.

Apontamentos acerca da memória e da narrativa

O tempo só se converte em tempo humano quando se organiza, encontra sentido,

ressignifica-se em uma narração. A narrativa, por sua vez, é a forma da memória e a

memória, a presença do passado. O tratamento que a memória recebeu de alguns autores

foi de que é oposta à história (HALBWACHS, 1990). Outros, afirmaram que a memória e a

história são sinônimas, ou que são fundidas uma na outra, especialmente, no

desenvolvimento de uma memória nacional (NORRA, 1993). Rejeitamos a concepção de

que história e memória são a mesma coisa, e também nos distanciamos daqueles que as

percebem como opostas. Concebemos, com base em estudos de Ricoeur, a relação da

história e da memória numa perspectiva dialógica.

Ricoeur ocupou-se com a memória tardiamente, a questão aparece na obra A

memória, a história e o esquecimento, publicada em francês em 2000. Antes, contribuiu no

campo historiográfico com Tempo e Narrativa. Trabalho no qual analisou a natureza do ato

narrativo em relação à percepção e representação da temporalidade. Segundo Ricoeur, na

medida em que a referência última da narrativa é percebida como a própria estrutura do

tempo, a ficção e a história passam a se implicar mutuamente, embora sem anular suas

particularidades. A tessitura de uma intriga e a chamada referência metafórica as

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aproximam; a ambição veritativa, no âmbito da epistemologia, estabelece a diferenciação. A

tese é que:

[...] el vínculo de la historia con el relato no puede romperse sin que la historia pierda su especificidad entre las ciencias humanas. Diré, em primer lugar, que el error fundamental de aquellos que oponen historia y relato se debe al desconocimiento del carácter inteligible que la trama confiere al relato, algo que Aristóteles había sido el primero en subrayar. Una noción ingenua del relato, como sucesión deshilvanada de acontecimientos, se encuentra siempre en el trasfondo de la crítica al carácter narrativo de la historia. Dicha crítica sólo aprecia el carácter episódico y olvida el carácter configurado, que constituye la base de su inteligibilidad. Al mismo tiempo, se ignora la distancia que establece el relato entre él y la experiencia viva. Entre vivir y narrar existe siempre una separación, por pequeña que sea. La vida se vive, la historia se cuenta (RICOEUR, 2000, p. 192).

Concluímos que existe uma diferença entre viver e narrar, entre o passado e a história.

É através da narrativa que o tempo e os acontecimentos são ordenados, que a escrita da

história se torna inteligível. A narrativa permite que acontecimentos reais, interdependentes

dos que os antecedem e dos que os sucedem, sejam representados com sentido e estética

próprios. Já a ficção lida com acontecimentos irreais, como se fossem reais por meio da voz

narrativa. Isso as une, a intriga, ou seja, a representação que faz parte da tessitura tanto do

texto histórico como do literário. No entanto, a epistemologia as separa. Porém, toda a

produção da historiografia está marcada pelo signo da narratividade, bem como a literatura

ou mesmo um relato oral. Ou seja, busca-se a constituição de um sentido que transcende o

evento em si, recorrendo-se inevitavelmente à imaginação e a interpretação do mundo.

Em Tempo e narrativa Ricoeur deixou uma lacuna: a memória, mas esta foi estudada

em A memória, a história e o esquecimento. O autor percebeu justamente que essa brecha,

o nível intermediário da experiência temporal humana e a operação narrativa, era a

memória. Ricoeur (1994) traz uma abordagem hermenêutica narrativa, de modo que a

compreensão do ser-no-mundo revela-se mediado pela narrativa, e esta articularia o tempo

transformando-o em tempo humano. Dessa forma, a narrativa possibilita a autointerpretação

dos sujeitos, a invenção de si (JOSSO, 2002), de modo a se reconhecer em sua existência,

em um movimento flexível e dinâmico na relação passado-presente-futuro, “no sentido de

que a narrativa quebra o modo linear espaço-temporal de significar trajetórias e vivências”

(ABRAHÃO, 2006, p.153).

Podemos concluir, numa perspectiva micro, que duas noções são importantes para a

compreensão da narrativa (auto)biográfica: são a da experiência e a interpretação. Ambas

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carregam a subjetividade de quem narra. Essas duas questões se relacionam e nos

remetem a outra concepção elementar: de que as narrativas não estão abertas a

comprovação, não podem ser julgadas verdadeiras ou falsas, pois são a expressão de um

ponto de vista. De modo que a narrativa é verdadeira pra quem narra, significando o que o

contador interpreta que viveu. As narrativas não copiam a realidade, elas propõem

representações, é a linguagem que medeia o processo de interpretação, a experiência vivida

e os seus significados. A história de vida contada, entre memórias e esquecimentos, é um

constructo e não é a vida narrada. Segundo Abrahão (2006, p.151, grifo nosso) o fenômeno

do ato de narrar se estriba na memória do narrador:

[...] a significação que o narrador deu ao fato no momento de seu acontecimento é ressignificada no momento de enunciação desse fato, em virtude de que a memória é reconstrutiva, além de ser seletiva, mercê não só do tempo transcorrido e das diferentes ressignificações que o sujeito da narração imprime aos fatos ao longo do tempo, mas também pelas ressignificações que ocorrem na relação que se estabelece entre narrador e pesquisador no momento da narração.

A temporalidade e a narração formam um todo. É nessa dialética constante entre os

tempos passado, presente e futuro que uma memória autobiográfica caracteriza o ser em

uma constante identidade narrativa dinâmica.

Considerações finais

Procuramos nesse texto apresentar caminhos teórico-metodológicos de nossa

pesquisa, através da abordagem (auto)biográfica. Estamos em processo de realização da

pesquisa empírica, em que, por meio de questionário semi-estruturado, realizamos o

trabalho de campo. Isso possibilitará, posteriormente, após os procedimentos da

entrevista, um constructo teórico e metodológico, ancorado numa perspectiva

hermenêutica de análise. Finalmente, tentaremos responder nossa problemática central

de pesquisa.

Nesta pesquisa entendemos o sujeito como central, onde as narrativas, em um

determinado tempo e lugar, são um processo constituído pelo educador narrador. São

histórias que atribuem sentido ao trabalho dos professores e uma reflexibilidade sobre a

sua formação. Essas interpretações e significações estão estreitamente ligadas as suas

experiências passadas, atuais e futuras. Essa tridimensionalidade da narrativa

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(auto)biográfica oferece um terreno fértil de compreensão do passado, fazendo emergir

memórias sobre a escolarização, sobre a formação inicial, relacionando-as com o

presente, com o professor que se é hoje. Do mesmo modo, as implicações pessoais e a

interpretação das trajetórias individuais, expressas através da oralidade, revelam as

relações entre a formação inicial e o trabalho do professor de história, que, por sua vez,

relacionam-se ao ensino de História e o lugar que este ocupa na sociedade

contemporânea.

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IDEIA DE INTERCULTURALIDADE: A PERSPECTIVA EM MANUAL DIDÁTICO DE

HISTÓRIA

INTERCULTURALITY: THE PERSPECTIVE IN A HISTORY DIDACTIC MANUAL

Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd20

Resumo: Apresento alguns resultados da pesquisa desenvolvida no contexto do ensino de História, mais especificamente no âmbito das investigações da Educação Histórica. O objeto de investigação, bem com o recorte teórico-metodológico da pesquisa toma como referência a teoria da consciência histórica, portanto um dos autores de referência para as reflexões sobre manual didático tem sido Jörn Rüsen (1997, 2012) na medida em que para esse autor o livro de História é o guia mais importante da aula de História e este deve ter algumas condições para que seja considerado um “livro ideal”, e com isso possibilite a aprendizagem da História. Além disso, podemos pensar o manual didático como produto da cultura escolar, bem como do uso público da história e, portanto, produto da cultura histórica a partir do conceito de cultura de Williams (2003); cultura escolar de Forquin (1993) e de cultura histórica de Rüsen (1994). Nessa pesquisa tomei como foco de investigação o conceito de interculturalidade a partir dos estudos de Júlia Castro (2007, 2008, 2011); Vera Maria Candau (2008) e Catherine Walsh (2009). Tendo como referência esses preceitos teóricos levantei a seguinte questão de investigação: Como a ideia de interculturalidade está presente no manual didático de História? Para desenvolver a pesquisa, de natureza qualitativa e de cunho exploratório, selecionei a coleção analisada no pós-doutorado – Vontade de saber História (PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2009). Algumas considerações podem ser apontadas, percebe-se que a narrativa do manual didático privilegia, na perspectiva de Walsh (2009), a interculturalidade relacional, ainda que de forma implícita, pois faz referência ao contato e intercâmbio entre as culturas – portuguesa e africana; mostra elementos das tradições culturais africanas; mas que, afrodescendentes estão em condições de desigualdade, na medida em que, atualmente, ainda precisam, “protestar contra a discriminação e lutar pela igualdade de direitos em nosso país”. Palavras-chave: Ensino de História. Educação Histórica. Manual Didático. Conceito de Interculturalidade.

Abstract: I present some results of the research developed in the context of History teaching, more specifically in the scope of Historical Education research. The research object, as well as the theoretical-methodological cut of the research, takes as reference the theory of historical consciousness, so one of the authors of reference for the reflections on didactic manual has been Jörn Rüsen (1997, 2012) since, for this author The book of History is the most important guide of History class and this must have some conditions for it to be considered an "ideal book", and with that make possible the learning of History. In addition, we can think of the didactic manual as a product of school culture, as well as of

20 Pesquisadora LAPEDUH/UFPR/BRASIL. [email protected]

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the public use of history and, therefore, product of the historical culture from the concept of culture of Williams (2003); school culture of Forquin (1993) and historical culture of Rüsen (1994). In this research I took as a research focus the concept of interculturality from the studies of Júlia Castro (2007, 2008, 2011); Vera Maria Candau (2008) and Catherine Walsh (2009). With reference to these theoretical precepts I raised the following research question: How is the idea of interculturality present in the didactic manual of History? In order to develop the research, of qualitative and exploratory nature, I selected the collection analyzed in the postdoctorate - Will to know History (PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2009). Some considerations can be pointed out, it is noticed that the narrative of the didactic manual privileges, in the perspective of Walsh (2009), the relational interculturality, although implicitly, because it makes reference to the contact and interchange between the cultures - Portuguese and African; shows elements of African cultural traditions; but that, Afro-descendants are in conditions of inequality, to the extent that they still need to "protest against discrimination and fight for equal rights in our country". Keywords: History Teaching. Historical Education. Didactic Manual. Concept of Interculturality.

Introdução

A pesquisa aqui apresentada se enquadra no contexto do ensino de História, mais

especificamente no âmbito das investigações da Educação Histórica e está atrelada à

minha participação no grupo de pesquisa do Laboratório de Pesquisa em Educação

Histórica (LAPEDUH), vinculado ao Programa de Pós-Graduação da Universidade

Federal do Paraná (UFPR), sob a coordenação da Profa. Dr.a Maria Auxiliadora Moreira

dos Santos Schmidt.

O objeto de investigação, bem com o recorte teórico-metodológico da pesquisa toma

como referência a teoria da consciência histórica, a partir de autores que fundamentam essas

investigações, como os trabalhos de Lee (2001, 2003); Rüsen (2001, 2012); Barca (2006);

Schmidt (2002; 2006; 2012); Schmidt e Garcia (2006); entre outros.

Além disso, partindo do conceito de cultura de Raymond Williams (2003); cultura

escolar de Forquin (1993) e de cultura histórica de Jörn Rüsen (1994)21 podemos pensar

o manual didático como produto da cultura escolar, bem como do uso público da história

e, portanto, produto da cultura histórica. Isso corroborado por Maria Auxiliadora Schmidt

(2014) quando a autora aponta que no âmbito das investigações na área da Educação

21Texto original em: Füssmann, K., Grütter, H.T., & Rüsen, J. (Eds.) (1994). Historische Faszination. Geschichtskultur heute (pp.3-26). (Texto traduzido disponível em http://www.culturahistorica.es/ruesen/cultura_historica.pdf).

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Histórica, o conceito de cultura é um dos principais fundamentos da teoria da consciência

histórica. Portanto, as reflexões aqui expostas tomam como base os estudos de Schmidt

(2012) sobre a relação entre o conceito da cultura histórica de Rüsen (1994), e suas

interrelações com o ensino e a aprendizagem histórica, mais especificamente, um dos

elementos da cultura escolar – o manual didático.

Com isso, a preocupação em investigar manuais didáticos tem sido foco de minhas

pesquisas, tanto na desenvolvida durante o mestrado e o doutorado ao ver como o

manual didático apresenta conteúdos relacionados à História do Paraná, como, no pós-

doutorado, em relação ao conceito substantivo escravidão africana no Brasil. Diante disso

levantei algumas questões de investigação: como o manual didático apresenta

determinados conteúdos escolares; como o manual é utilizado pelo professor; como os

alunos se apropriam das narrativas desse material presente na cultura escolar. Nessa

pesquisa tomei como foco de investigação o conceito de interculturalidade em relação ao

conceito substantivo escravidão africana no Brasil.

Manual didático de história: pressupostos teóricos

Para Rüsen (1997, p. 81-82), o livro de História é o guia mais importante da aula de

História e este deve ter algumas condições para que seja considerado um “livro ideal”, e

com isso possibilite a aprendizagem da História que, no seu entender, é um processo de

desenvolvimento da consciência histórica no qual se devem adquirir competências da

memória histórica. As características de um bom livro didático podem ser definidas como:

um formato claro e estruturado; uma estrutura didática clara; uma relação produtiva com o

aluno; uma relação com a prática da aula (RÜSEN, 1997, 2010).

Além disso, um livro didático de história deve apresentar uma utilidade para a

percepção histórica, uma utilidade para a interpretação histórica e para a orientação

histórica. Com isso, “um livro didático deveria levar em conta que as crianças e jovens aos

quais se dirige possuem um futuro cuja configuração também depende da consciência

histórica que lhes foi dada” (RÜSEN, 1997, p. 93).

Pois, no entender do autor:

a consciência histórica pode ser descrita como a atividade mental da memória histórica, que tem sua representação em uma interpretação da experiência do

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passado encaminhada de maneira a compreender as atuais condições de vida e a desenvolver perspectivas de futuro na vida prática conforme a experiência. O modo mental deste potencial de recordação é o relato da história (relatar não no sentido de entender uma mera descrição, mas no sentido de uma forma de saber e de entendimento antropologicamente universais e fundamentais). Esta forma narrativa que oferece uma interpretação da história do passado representado cumpre uma função de orientação para a vida atual. Esta função se realiza como um ato de comunicação entre produtores e receptores de histórias. Por isto, o aspecto comunicativo da memória histórica é tão importante, porque é através da narrativa (e da percepção) das histórias que os sujeitos articulam sua própria identidade em uma dimensão temporal em relação com outras (e ao articulá-las se formam) e ao mesmo tempo adquirem identificadores de direção (por exemplo, perspectivas de futuro) sobre critérios de fixação de opinião para seu próprio uso (RÜSEN, 2012, p. 112).

A aprendizagem da História, segundo as considerações do autor, é um processo de

desenvolvimento da consciência histórica no qual se devem adquirir competências da

memória histórica, que podem ser divididas em três competências:

A competência perceptiva ou embasada na experiência consiste em saber perceber o passado como tal, isto é, em seu distanciamento e diferenciação do presente (alteridade histórica), em vê-lo a partir do horizonte de experiências do presente como um conjunto de ruínas e tradição. A competência interpretativa consiste em saber interpretar o que temos percebido como passado em relação e conexão de significado e de sentido com a realidade (a “História” é a encarnação suprema desta conexão). Finalmente, a competência de orientação consiste em admitir e integrar a “História” como construção de sentido com o conteúdo de experiências do passado, no marco de orientação cultural da própria experiência de vida (RÜSEN, 2012, p. 114).

Rüsen destaca que na atividade mental da consciência histórica a diferenciação

entre as competências da percepção, interpretação e orientação é fictícia, pois as três

operações se apresentam em uma correlação estreita e se sobrepõem continuamente. No

entanto, graças a essas competências é que podemos dimensionar o procedimento de

aprendizagem e que é possível identificar os resultados mais importantes que deve

produzir um livro didático no processo de aprendizagem na sala de aula (RÜSEN, 2012,

p. 114).

Em torno da questão dos manuais didáticos um autor de referência tem sido

Raimundo Cuesta Fernandez (1997; 1998), na medida em que esse autor tem buscado

como fontes de pesquisa os manuais didáticos e os denomina de textos visíveis do código

disciplinar22 da história escolar. De acordo com o autor (1997), esse material tem sido

22Para Cuesta Fernandes, além dos textos visíveis (como Leis, Códigos, Regulamentos e manuais didáticos), há que se buscar outras fontes para a reconstrução do código disciplinar do ensino de História.

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considerado como uma importante fonte de divulgação científica e, portanto, uma das

formas adequadas para se ensinar e aprender História. Para esse autor o texto didático é:

o conjunto de suposições e normas tangíveis ou intangíveis, visíveis ou invisíveis, que governam seu discurso e seu uso: desde a frequente adoção de um estilo frio e impessoal, como se não existisse o aluno, como se a narração fosse transescolar, até a sequência de atividades e a atribuição de papéis aos intervenientes no processo de ensino e aprendizagem (CUESTA FERNANDEZ, 1998, p. 107).

No entender do autor, o manual didático possui uma "marca pedagógica", bem como

apresenta uma ambivalência: por um lado, continua utilizando como ponto central o

discurso histórico em um texto narrativo impessoal de tipo objetivo e, por outro,

apresentam fontes e documentos históricos de todo tipo, propondo atividades que recriam

os procedimentos adotados pelos historiadores e sua forma de pensar. No entanto, o

manual didático, ainda que em sua versão mais avançada, segue sendo exemplar de um

"saber fossilizado" e de uma determinada maneira de aprender e de ensinar história

(CUESTA FERNANDEZ, 1998, p. 109-117).

Para Alain Choppin (2008, p.12-13), os livros de texto são instrumentos de poder,

pois:

se orientam a espíritos jovens, por sua vez manipuláveis e pouco críticos. Podem ser reproduzidos em grande número e difundidos em todo o território de um país. Fixando por escrito o conteúdo educativo, garantem, frente à palavra do professor, uma certa ortodoxia. Sua eficácia procede também da lenta impregnação que permite sua utilização frequente, prolongada, repetida. Constituem assim poderosas ferramentas de unificação – até de uniformização – nacional, linguística, cultural e ideológica.

Conforme Choppin (2004, p. 549), após terem sido negligenciados, tanto pelos

historiadores quanto pelos bibliógrafos, os livros didáticos, nas últimas décadas, vêm

suscitando um vivo interesse entre os pesquisadores. Nesse período, a história dos livros

e das edições didáticas passou a constituir um domínio de pesquisa em pleno

desenvolvimento, em um número cada vez maior de países.

Seriam os textos invisíveis do código disciplinar, “os conteúdos escolares da prática de ensino”. Deste modo, para essa reconstrução há que se “diversificar” as fontes: “fotografia, pintura, espaços e arquiteturas escolares, regulamentos, memórias de centros, testemunhos orais, entrevistas, informes administrativos” (CUESTA FERNANDES, 1997, p. 12- 21).

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

Partindo da preocupação desses investigadores em relação ao manual didático

busquei nessa pesquisa elementos para perceber a relação entre o manual didático, o

conceito de cultura, a cultura escolar e a cultura histórica. Para tanto, o conceito de

cultura foi de fundamental relevância para compreender essa relação. Para Raymond

Williams (2003, p. 52-53) o conceito de cultura

está relacionado com significados e valores de determinadas sociedades que são mantidos graças à herança social e demonstram ser universais, no sentido de que, quando são aprendidos, em qualquer situação particular, podem contribuir para o crescimento das faculdades do ser humano. Essa tradição geral, que apresenta modificações e conflitos, pode ser chamada de cultura humana geral, que modela-se, nas sociedades, de forma local e temporal.

Segundo Rüsen (2014, p. 267):

Cultura é interpretação, e interpretação sempre tem como referência algo diferente dela, o trabalho, a dominação, circunstâncias sociais de vida etc. [...] A “cultura” não cobre tudo e cada coisa que acontece no e com o ser humano, mas constitui um modo, uma dimensão desse acontecimento, inseparável e estreitamente entrelaçada com outros modos ou dimensões, com o trabalho, a sociedade, a política e com a dependência de recursos naturais.

Para esse autor o conceito de cultura histórica auxilia a compreensão da produção e os

usos da história no espaço público na sociedade, nesse caso, o uso da história por

autores de manuais didáticos. O conceito de cultura histórica segundo esse autor

contempla as diferentes estratégias de investigação científico-acadêmica, da criação artística, da luta política pelo poder, da educação escolar e extraescolar, do lazer e de outros procedimentos de memória histórica pública, como concretudes e expressões de uma única potência mental. Deste modo, a 'cultura histórica' sintetiza a universidade, o museu, a escola, a administração, a mídia, e outras instituições culturais como conjunto de lugares da memória coletiva, e integra as funções do ensino, do entretenimento, da legitimação, da crítica, da distração, da ilustração e de outras maneiras de rememorar, na unidade global da memória histórica (RÜSEN, 1994, p. 2-3).

O conceito de cultura, no dizer de Forquin (1993, p. 167), contribui para a

compreensão das práticas e situações escolares, pois, no entender do autor a escola é

um 'mundo social' com "seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus

modos próprios de regulação e transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão

de símbolos". A cultura da escola não deve ser confundida com a "cultura escolar", que

consiste no "conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos que, selecionados,

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

organizados, 'normalizados', 'rotinizados'" pela didatização, constituem o objeto da

transmissão no contexto escolar.

O pensamento de Forquin permite admitir a existência de uma cultura escolar e,

portanto, a possibilidade de se encontrar um tipo de narrativa histórica – a narrativa

histórica escolarizada. Ao mesmo tempo, permite identificar elementos dessa narrativa

que são provenientes de um produto da cultura escolar – o manual didático (GEVAERD,

2009, p. 109).

Em seu artigo, que trata do livro didático “ideal”, Rüsen (2010, p. 111) demonstra a

importância de investigações empíricas sobre o uso e o papel que os livros didáticos

desempenham no processo de aprendizagem em sala de aula. Essa preocupação esteve

presente em minha investigação de pós-doutorado e isso levou-me a desenvolver essa

investigação para identificar de que maneira o conceito de interculturalidade está

expresso no manual didático presente na cultura escolar.

Conceito de interculturalidade

A pesquisadora e professora Dr.a Júlia Castro em sua tese de doutoramento pela

Universidade do Minho, Braga – Portugal, sob a orientação da Prof.a Dr.a Isabel Barca,

aponta em seus trabalhos a relação entre o conceito de interculturalidade e consciência

histórica, especialmente, em relação às ideias de jovens portugueses (CASTRO, 2007,

2008, 2011). Segundo a autora a ideia de interculturalidade propõe uma problematização

que procura olhar o ser humano e as sociedades numa perspectiva aberta às ideias de

diversidade e universalidade. Além disso, aponta que esse conceito abre possibilidades

de análise a um conjunto de fenômenos que marcam o ser humano no tempo, mais

especificamente, as relações de complementariedade e de conflito, que deixaram marcas

no percurso da Humanidade (CASTRO, 2008, p. 65).

Para a autora, a interculturalidade, enquanto abordagem para a Educação e,

podemos dizer para a Educação Histórica, constitui-se como um conjunto de questões

atualmente por força de um tempo marcado pela globalização. A abordagem intercultural

implica uma forma de questionamento a diferentes áreas do saber, sendo por isso uma

demanda epistemológica que aponta para a inscrição dos conceitos de

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diferença/diversidade, cultura/culturalidade, contato/relação, universal/universalidade

(CASTRO, 2008, p. 65).

As questões de alteridade, da diferença e da diversidade surgem, no dizer da autora,

cada vez com maior frequência, nos debates quer sobre a consciência histórica, quer

sobre o pensamento histórico dos jovens. A autora destaca que a memória histórica e a

consciência histórica desempenham funções culturais importantes, e, portanto,

formadoras da identidade. Com isso, a interculturalidade torna-se uma modalidade

fundamental para o pensamento histórico (CASTRO, 2008, p. 66).

Vera Maria Candau (2008, p. 52), defende uma perspectiva intercultural que promova

uma educação para o reconhecimento do “outro”, para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais. Uma educação para a negociação cultural, que enfrenta os conflitos provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos socioculturais nas nossas sociedades e é capaz de favorecer a construção de um projeto comum, pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas. A perspectiva intercultural está orientada à construção de uma sociedade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade com políticas de identidade.

Para a autora o desenvolvimento de uma educação na perspectiva intercultural é

uma questão complexa, pois está atravessada por tensões e desafios. Portanto,

Exige problematizar diferentes elementos do modo como hoje, em geral, concebemos nossas práticas educativas e sociais. As relações entre direitos humanos, diferenças culturais e educação colocam-nos no horizonte da afirmação da dignidade humana num mundo que parece não ter mais essa convicção como referência radical (CANDAU, 2008, p. 54).

Catherine Walsh (2009) em seu artigo Interculturalidad crítica y educación

intercultural apresenta os sentidos e os usos múltiplos do conceito interculturalidade, com

ênfase especial no campo educativo. Argumenta que a educação intercultural só terá

significação, impacto e valor quando assumida de maneira crítica, como ato pedagógico-

político que procura intervir na transformação da sociedade. Apresenta três perspectivas:

relacional, funcional e crítica.

Na perspectiva relacional faz referência ao contato e intercâmbio entre culturas, é

dizer, entre pessoas, práticas, saberes, valores e tradições culturais distintas, o que pode

dar-se em condições de igualdade ou desigualdade.

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A perspectiva funcional se enraíza no reconhecimento da diversidade e da diferença

cultural, com metas à inclusão da mesma no interior da estrutura social estabelecida.

E, na interculturalidade crítica aponta que nesta perspectiva, não partimos do

problema da diversidade ou diferença em si, mas do problema estrutural-colonial-racial. E,

que a interculturalidade entendida críticamente ainda não existe, mas que é algo por

construir (WALSH, 2009).

Além disso, para a autora a interculturalidade crítica deve ser entendida

como uma estratégia, ação e processo permanentes de relação e negociação entre, em condições de respeito, legitimidade, simetria, equidade e igualdade. Mas ainda mais importante é seu entendimento, construção e posicionamento como projeto político, social, ético e epistêmico – de saberes e conhecimentos –, que afirma a necessidade de mudar não só as relações, mas também as estruturas, condições e dispositivos de poder que mantém a desigualdade, inferiorizarão, racializacão e discriminação (WALSH, 2009, p. 4).

Percurso metodológico

Para fundamentar o percurso metodológico assumido, parti das considerações

pautadas por autores da pesquisa qualitativa, tomando como referência, especialmente,

os estudos de Godoy (1995); Bogdan e Biklen (1994), que serviram de referência em

minha investigação de doutorado.

Segundo Godoy a pesquisa qualitativa tem ocupado um lugar relevante entre as

várias possibilidades de se estudar os fenômenos que envolvem os seres humanos e

suas relações sociais. De acordo com essa perspectiva, um fenômeno pode ser melhor

compreendido no contexto em que ocorre, devendo ser analisado numa perspectiva

integrada. Nessa metodologia, o pesquisador vai a campo buscando "captar" o fenômeno

em estudo a partir da perspectiva das pessoas nele envolvidas, considerando todos os

pontos de vista relevantes. (GODOY, 1995, p. 28-29 apud GEVAERD, 2009, p. 105).

Para Bogdan e Biklen (1994, p. 50), na investigação qualitativa, os dados não são

recolhidos com o objetivo de confirmar ou infirmar hipóteses construídas previamente,

mas, em vez disso, as abstrações são construídas à medida que os dados particulares

recolhidos vão sendo agrupados. Além disso, apontam os autores, que esta é uma teoria

que se desenvolve 'de baixo para cima', em que as peças individuais são recolhidas e

depois inter-relacionadas. É designada por Grounded Theory, ou teoria fundamentada, na

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qual o investigador que planeja elaborar uma teoria sobre o seu objeto de estudo só

poderá estabelecer a direção de sua pesquisa após a recolha dos dados (BOGDAN;

BIKLEN, 1994, p. 50 apud GEVAERD, 2009, p. 105).

Tomando como referência estudos referentes ao conceito de interculturalidade,

especialmente Castro (2007, 2008, 2011); Candau (2008); Walsh (2009) analisei a ideia

de interculturalidade em relação ao conceito substantivo escravidão africana no Brasil,

tema de pesquisa no pós-doutorado. Pata tanto, levantei a seguinte questão de investigação:

Como a ideia de interculturalidade está presente no manual didático de História? Para

desenvolver a pesquisa, de natureza qualitativa e de cunho exploratório, selecionei a

coleção analisada no pós-doutorado – Vontade de saber História (PELLEGRINI; DIAS;

GRINBERG, 2009). No entanto, nessa investigação a edição de 2012.

Inicialmente, busquei identificar a presença do conceito/ideia de interculturalidade no

Guia do Programa Nacional do Livro Didático23 – PNLD 2014: história: ensino

fundamental: anos finais (Brasil, 2013); em seguida, analisei a coleção Vontade de saber

História (PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2012), mais especificamente, as Orientações

para o professor, bem como o Manual do aluno.

Segundo o Guia do PNLD, nas Orientações gerais, está indicado que

A avaliação do MEC [Ministério da Educação] também faz cumprir uma série de leis que determina a inclusão nos currículos e nos materiais didáticos de alguns temas considerados obrigatórios. São exemplos desses dispositivos a história e a cultura dos africanos, afrodescendentes e indígenas, o respeito aos direitos das crianças, adolescentes e idosos, o combate à violência contra a mulher, o combate a homofobia e a construção dos valores, princípios éticos e estéticos anunciados na Constituição Federal de 1988. (BRASIL, 2013, p. 12). (Grifo nosso).

Constata-se que no Guia não existe a indicação explícita do conceito de

interculturalidade, no entanto, aponta a necessidade da cumprir algumas leis que

determinam a obrigatoriedade do ensino da história e cultura dos africanos e indígenas,

Leis 10639/0324 e 11645/0825, respectivamente. Portanto, de modo implícito o referido

Guia indica a relevância de questões que tratem do conceito de interculturalidade.

23Segundo o Portal do MEC “O Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) é destinado a avaliar e a disponibilizar obras didáticas, pedagógicas e literárias, entre outros materiais de apoio à prática educativa, de forma sistemática, regular e gratuita, às escolas públicas de educação básica das redes federal, estaduais, municipais e distrital e também às instituições de educação infantil comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com o Poder Público”. (Recuperado em 12 dezembro, 2017, de http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12391&). 24LEI No 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003, altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que

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A análise realizada pelo PNLD (BRASIL, 2013, p. 134) em relação à coleção –

Vontade de saber História (PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2012), aponta que nos

textos e atividades estão indicados conceitos como “identidade, semelhança, diferença”

que devem ser trabalhados e que ajudam o aluno a sentir-se sujeito da história, bem como

“combatentes das políticas discriminatórias e segregacionistas”. Isso pode ser um

indicativo de que a referida coleção possui uma preocupação com as questões relativas

ao conceito de interculturalidade.

Ao analisar a Coleção Vontade de Saber História (PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG,

2012, p. 27), identifiquei que, nas Orientações didáticas e metodológicas, no item – A

construção da cidadania, mais especificamente no subitem – A importância do ensino

pluriétnico, o autor26 faz referência sobre o debate que tem ocorrido, nos últimos anos,

acerca da valorização das contribuições pluriétnicas na formação da sociedade brasileira

e, que isso foi se expandindo do meio acadêmico para a sociedade civil. Segundo ele, os

resultados já podem ser vistos a partir da aprovação das leis n.o 10.639/2003, que

determina a introdução do ensino de história da África e da cultura afro-brasileira, e a

n.o 11.645/2008, que estabelece a obrigatoriedade da inclusão de história e cultura dos

povos indígenas aos alunos dos níveis fundamental e médio. No seu entender, a inclusão

dessas temáticas contribui para a desconstrução de preconceitos e estereótipos sobre

africanos e indígenas, que ainda estão impregnados nos conteúdos escolares.

De acordo com o autor

No caso da inserção da história da África e da cultura afro-brasileira e da história e cultura dos povos indígenas, eles veem a expansão dos direitos de grupos tradicionalmente marginalizados e que agora devem ter sua cultura e sua contribuição para a construção do Brasil reconhecidas, ao mesmo tempo em que as especificidades desses grupos devem ser valorizadas como responsáveis por contribuições originais na formação da sociedade brasileira. Esse direito à diferença que ganhou força com o multiculturalismo, não deve ser confundido com aquiescência às desigualdades, sendo justamente neste ponto que essas alterações no currículo escolar devem intervir (PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2012, p. 28).

estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". Recuperado em 12 dezembro, 2017, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm 25LEI Nº 11.645, DE 10 MARÇO DE 2008, altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Recuperado em 12 dezembro, 2017, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm 26A obra é de autoria de três autores, no entanto para facilitar a leitura optei por usar no singular.

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O autor destaca, entre outras questões, a importância da valorização da história e

cultura dos africanos e indígenas, por muito tempo marginalizados, e que ganhou

destaque com o multiculturalismo. Com isso, segundo o autor, não se deve confundir o

direito à diferença com a ideia de aquiescência às desigualdades. Portanto, pode-se

inferir que a ideia de interculturalidade está presente, mesmo que de forma implícita, na

referida coleção.

No manual do professor, o autor apresenta um mapa de conteúdos e recursos

destacando os principais temas, critérios, noções e atitudes que auxiliam na organização

do planejamento (PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2012, p. 14). O conceito substantivo

escravidão africana no Brasil é contemplado no 7.o ano, compondo o capítulo sob o título

A colonização na América Portuguesa, conforme quadro abaixo:

QUADRO 1 - MAPA DE CONTEÚDOS E RECURSOS NO MANUAL DO PROFESSOR

PRINCIPAIS TEMAS PRINCIPAIS CRITÉRIOS E

NOÇÕES ATITUDES

A mão de obra africana; Relações comerciais; Funcionamento de um engenho; Etapas da produção do açúcar; Formas de resistência africana à dominação portuguesa.

Trabalho Escravidão Resistência Intercâmbio cultural

Sensibilizar-se com as dificuldades enfrentadas pelos africanos para resistirem à dominação portuguesa; Respeitar e valorizar a cultura africana; Valorizar os africanos como sujeitos históricos; Sensibilizar-se com as lutas dos afro-brasileiros por melhores condições de vida.

Fonte: Pellegrini; Dias; Grinberg (2012, p.14).

No mapa de conteúdos e recursos a ideia de interculturalidade aparece de forma

implícita quando no item “Principais critérios e Noções” indica a noção de intercâmbio

cultural que ocorreu entre os diferentes povos quando da colonização na América

portuguesa, ou seja, conceitos como cultura/contato/relação estão implícitos. Além disso,

a ideia de interculturalidade relacional está implícita no item “Atitudes” ao indicar que

existem diferenças/diversidade entre esses povos, bem como ao indicar que o aluno deve

respeitar e valorizar a cultura africana (PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2012, p. 14).

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Ainda no segmento “Atitudes” pode-se dizer que a ideia de interculturalidade crítica

está implícita na indicação de que os alunos devem Sensibilizar-se com as lutas dos

afro-brasileiros por melhores condições de vida. A indicação dessa atitude nos remete

a pensar que como os afro-brasileiros ainda necessitam lutar por seus direitos, segundo

Walsh (2009) a interculturalidade crítica ainda não existe e, como aponta a autora está

por ser construida.

Em relação ao manual do aluno, mais especificamente, no item Explorando o tema a

narrativa do autor apresenta a ideia de interculturalidade, na medida em que apresenta o

seguinte segmento: “Os africanos resistiram de diversas formas à dominação portuguesa.

Uma dessas formas era a preservação dos costumes de sua terra natal, como

danças, cantos e crenças” (PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2012, p. 192). Pode-se

dizer que neste segmento está explícita a ideia de interculturalidade de forma relacional,

pois faz referência ao conceito de cultura representado na preservação dos costumes

trazidos da região de origem, como a dança, cantos e crenças. Nessa ideia de cultura

pode-se dizer que está implícita a ideia da diferença/diversidade.

Mais adiante, o autor apresenta a ideia de interculturalidade na perspectiva

funcional:

A cultura afro-brasileira é o resultado da mistura de elementos culturais africanos na formação da cultura brasileira. [...] Apesar da violência, da segregação e das privações que sofreram, os africanos preservaram muitos aspectos de sua cultura. Além disso, por meio da miscigenação e das trocas culturais, forneceram elementos importantes para a formação da sociedade brasileira (PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2012, p. 193).

No segmento acima, a ideia de interculturalidade funcional está expressa de forma

explícita nos conceitos de mistura de cultura, preservação de muitos aspectos da cultura,

das trocas culturais e da miscigenação. Pode-se dizer que os conceitos de

diferença/diversidade, contato/relação estão implícitos no referido segmento.

Em outro segmento da narrativa observa-se que a ideia de interculturalidade

funcional está expressa como herança cultural: “Em nosso país, a herança cultural

africana se manifesta, por exemplo, na religião, na culinária, na música e na dança, bem

como nas palavras e expressões incorporadas ao português falado no Brasil”

(PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2012, p. 193).

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Finalmente, a ideia de interculturalidade está implícita no segmento: “Atualmente, no

dia 20 de novembro, é comemorado o Dia Nacional da Consciência Negra. Nesse dia,

muitos brasileiros vão às ruas para protestar contra a discriminação e lutar pela

igualdade de direitos em nosso país” (PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2012, p. 193),

ou seja, ao tratar dos protestos contra a discriminação e pela luta pela igualdade, a

narrativa apresenta de forma implícita os conceitos de diferença/diversidade.

Considerações finais

Algumas considerações podem ser apontadas, percebe-se que a narrativa do

manual didático privilegia, na perspectiva de Walsh (2009), a interculturalidade relacional,

ainda que de forma implícita, pois faz referência ao contato e intercâmbio entre as

culturas – portuguesa e africana; mostra elementos das tradições culturais africanas; mas

que, afrodescendentes estão em condições de desigualdade, na medida em que,

atualmente, ainda precisam, “protestar contra a discriminação e lutar pela igualdade de

direitos em nosso país”.

Além disso, pode-se apontar que a referência ao 20 de novembro – Dia Nacional da

Consciência Negra é uma forma de manifestação e questionamento do problema

estrutural-colonial-racial e, com isso, perspectivar a interculturalidade crítica que ainda

não existe, mas algo que está por construir.

Como já observado na pesquisa de pós-doutorado, pode-se dizer que a narrativa do

manual didático está elaborada em tópicos e apresentada de forma fragmentada. Na

perspectiva de Rüsen (2012, p. 170) a narrativa do livro didático em geral, “trata-se de um

saber muito simplificado para fins escolares e selecionado a partir do capital da respectiva

ciência. O limite de sua simplificação e aplicação a fins pedagógicos é o ponto em que a

racionalidade metódica que o fundamenta constitutivamente é ferida como princípio”.

Ademais, levando em consideração a perspectiva de Rüsen (2001, p. 155) de que a

narrativa histórica é um procedimento mental que confere sentido ao passado e tem como

finalidade dar uma orientação para os sujeitos narradores, o professor, ao mediar a

narrativa do manual didático em aulas de História, estará reconstruindo, em parte, a sua

própria consciência histórica e a de seus alunos. Com isso, pode-se indicar a necessidade

de estudos futuros no sentido de investigar as ideias de alunos sobre o conceito de

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interculturalidade, como expressam as suas ideias de interculturalidade a partir do uso de

narrativas presentes em manuais didáticos de História.

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O ENSINO DE HISTÓRIA LOCAL NA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA HISTÓRICA DE

ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

THE LOCAL HISTORY TEACHING IN THE FORMATION OF THE HISTORICAL

CONSCIOUSNESS OF STUDENTS OF FUNDAMENTAL TEACHING

Flávio Batista dos Santos27

Marlene Rosa Cainelli28

Resumo: Este texto faz parte da pesquisa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Londrina, sob a orientação da Professora Doutora Marlene Rosa Cainelli. Nossa investigação teve como objetivo compreender como o ensino de História local pode contribuir para o desenvolvimento de uma consciência histórica que possibilite suprir uma orientação temporal a partir da constituição de uma identidade. Tendo como suporte teórico os estudos de Jorn Rüsen e Paulo Freire estudou os diferentes atos de consciência, considerando a percepção, imaginação e memória dos sujeitos envolvidos na pesquisa, buscando compreender e perceber a utilidade da aula de História, bem como relacioná-la à vida prática de cada um. Pensando num processo de conscientização (FREIRE, 1980) ou de consciência histórica (RÜSEN, 2001, 2010), alguns questionamentos ou indagações fazem parte do nosso interesse de pesquisa que é a formação da consciência histórica de alunos do Ensino Fundamental a partir do ensino da História local. Num primeiro momento busca-se situar alguns aspectos entre o pensamento de Rüsen e de Paulo Freire no que diz respeito a ideia de consciência. O primeiro trabalha com os conceitos de consciência histórica, localizando-as em quatro etapas: tradicional, exemplar, crítica e genética; o segundo trata da consciência ingênua e sua evolução até uma consciência crítica. Para a realização desse trabalho, de natureza qualitativo, conhecemos os perfis do grupo participante da pesquisa, bem como uma analisamos o nível de consciência utilizando as narrativas produzidas pelos alunos. Palavras chave: Ensino de História. Consciência Histórica. História Local.

Abstract: This text is part of the research of Master in Education of the State University of Londrina, under the guidance of teacher Marlene Rosa Cainelli. Our investigation had as objective to understand how the teaching of local history can contribute to the development of a historical consciousness that makes it possible to provide a temporal orientation from the constitution of an identity. Having as theoretical support the studies of Jorn Rüsen and Paulo Freire studied the different acts of consciousness, considering the perception, imagination and memory of the subjects involved in the research, seeking to understand and to perceive the utility of the History class, as well as relate it to life practice of each one. Thinking about a process of conscientization (FREIRE, 1980) or historical consciousness (RÜSEN, 2001, 2010), some questions or questions are part of

27 Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected] 28 Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected]

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our research interest that is the formation of historical consciousness of elementary school students from the teaching of Local history. In a first moment it is tried to situate some aspects between the thought of Rüsen and of Paulo Freire in what concerns the idea of conscience. The first works with the concepts of historical consciousness, locating them in four stages: traditional, exemplary, critical and genetic; the second deals with naive consciousness and its evolution to a critical consciousness. For the accomplishment of this work, of qualitative nature, we know the profiles of the participant group of the research, as well as an analysis of the level of consciousness using the narratives produced by the students. Keywords: History Teaching. Historical Consciousness. Local History.

Introdução

Esta investigação teve como objetivo compreender como o ensino de história local

pode contribuir para o desenvolvimento de uma consciência histórica que possibilite suprir

uma orientação temporal a partir da constituição de uma identidade. Tendo como suporte

teórico os estudos de Jörn Rüsen e Paulo Freire estudou os diferentes atos de

consciência, considerando a percepção, imaginação e memória dos sujeitos envolvidos

na pesquisa, buscando compreender e perceber a utilidade da aula de História, bem

como relacioná-la à vida prática de cada um. Pensando num processo de conscientização

(FREIRE, 1980) ou de consciência histórica (RÜSEN, 2001, 2010), alguns

questionamentos ou indagações fazem parte do nosso interesse de pesquisa que é a

formação da consciência histórica de alunos do ensino fundamental a partir do ensino da

história local. Num primeiro momento situou alguns aspectos entre o pensamento de

Rusen e de Paulo Freire no que diz respeito à ideia de consciência. O primeiro trabalha

com os conceitos de consciência histórica, localizando-as em quatro etapas: tradicional,

exemplar, crítica e genética; o segundo trata da consciência ingênua e sua evolução até

uma consciência crítica.

Para a realização desta investigação, um trabalho qualitativo, analisou os perfis do grupo

participante da pesquisa, bem como uma análise da consciência histórica apresentada

pelos alunos nas narrativas propostas. Percebendo a consciência histórica como um

modo de compreender o passado, orientando situações reais da vida presente com

reflexos nas expectativas de futuro.

Se entende por consciência histórica a suma das operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da evolução temporal de seu mundo e de

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si mesmos, de forma tal que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo (RÜSEN, 2001, p. 57).

Observa-se que o pensamento histórico de Rüsen está relacionado com a vida

prática, com vistas à constituição de uma consciência que orienta a construção de

identidade dos indivíduos com seu grupo social.

Contextualizando a problemática

Ensinar é um desafio presente no nosso dia a dia como professores. Pensar um

ensino de história dentro de uma perspectiva de crítica da realidade constitui uma

demanda importante para o trabalho do professor de história, bem como para os

estudantes que diariamente estão envolvidos com fatos históricos, que pouco ou muito

influenciam suas vidas, mesmo que muitos não tenham isso definido de modo claro e

distinto. A escola e seu conjunto de sujeitos são agentes vivos, assim a história ensinada

também tem que estar vinculada a processos dinâmicos e não estáticos num passado

que pouca representatividade tem para os estudantes.

A forma como o educador realiza o seu trabalho, organiza o conteúdo programático

das disciplinas, seleciona as técnicas de ensino e avaliação, estão diretamente vinculadas

com pressupostos teórico-metodológicos, implícita ou explicitamente. Uma boa parte dos

professores, provavelmente a maioria, baseia sua prática em prescrições pedagógicas

que viraram senso comum, incorporadas quando de sua passagem pela escola ou

transmitidas pelos colegas mais velhos; entretanto, essa prática contém pressupostos

teóricos implícitos. Por outro lado, há professores interessados num trabalho docente

mais consequente, professores capazes de perceber o sentido mais amplo de sua prática

e de explicitar suas convicções. Há também aqueles que se deixam influenciar pela última

tendência da moda, sem maiores cuidados em refletir se essa escolha trará, de fato, as

respostas que procuram. Deve-se salientar, ainda que os conteúdos dos cursos de

licenciatura, em geral, ou não incluem o estudo das correntes pedagógicas, ou giram em

torno de teorias de aprendizagem e ensino que quase nunca têm correspondência com as

situações concretas de sala de aula, não ajudando os professores a formar um quadro de

referência para orientar sua prática.

É a partir do reconhecimento de que não há na escola a mobilização de um conjunto

de saberes na prática do ensino de história que pensamos esta pesquisa, tendo como

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busca a viabilidade de práticas que assumem nuances de construção de conhecimentos

com base num movimento dinâmico e integrado, tendo como ponto de partida um

contexto real, concreto e objetivo. Essa possibilidade se apresenta aos estudantes,

conscientes de sua condição, num processo contínuo de apropriação de conhecimento,

não factual, mas processual e articulado da sua vivência com outras realidades. Neste

sentido, fomentar uma consciência sobre sua condição de sujeito individual, mas

integrado a uma coletividade dimensiona este trabalho.

Ao se desenvolver como parte constitutiva da ciência histórica, o ensino de história

busca formas de ensinar situadas na própria natureza da história. Assim o trabalho do

professor exige uma constante reflexão sobre sua prática, métodos e atualizações ao

longo do tempo. Esses elementos se incorporam aos saberes dos alunos, auxiliando no

desenvolvimento de competências de leitura contextualizada do passado a partir de

evidências encontradas em diversas fontes permitindo uma narrativa da história, levando

em consideração o tempo e o espaço.

Para tanto, a proposta desenvolvida partiu do ensino da história local, não em

sentido restrito, mas como ponto de articulação para a pesquisa, analisando como essa

seleção de conteúdos poderá contribuir no processo de aprendizagem dos alunos no

desenvolvimento de conhecimentos ligados a vida prática, tendo como fontes de análise a

produção de narrativas históricas.

A história é uma experiência humana que está relacionada com as experiências

vividas por todos os homens independentes do local de onde produzem a história. Assim

é importante aprimorar e incorporar em sala de aula métodos que contribuam para o

despertar destas experiências e produzir um ensino voltado para as questões vivenciadas

nas sociedades.

O trabalho em sala de aula desenvolvido pelo professor permite a produção de

narrativas, as quais possibilitam verificar a constituição do pensamento e compreensão

histórica dos estudantes, além disso, promove atividades que visam o domínio da

temporalidade e do espaço. Pelos elementos elencados é possível uma compreensão

sobre o desenrolar das práticas na sala de aula. Para tanto, a escolha de conteúdos

substantivos como de segunda ordem, torna-se fundamental nesse processo, pois

permite dotar os estudantes de instrumentos e ferramentas relevantes na apropriação dos

atributos necessários à narrativa histórica e ao desenvolvimento da consciência histórica.

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Assim escolher o que e com que trabalhar, organizar as experiências de aprendizagem,

permite ao estudante compreender as temporalidades e elaborar suas próprias narrativas.

O tempo histórico não se limita ao estudo do tempo cronológico sequenciado

estabelecido por calendários, deve ser levado em consideração toda sua complexidade,

como os diferentes ritmos de duração, percepção de mudanças e as permanências

humanas. Neste sentido, expressa relevância os estudos sobre a história local como

ponto inicial das reflexões sobre o tempo e o espaço. Entende-se que o ensino da história

local é um ponto de partida para a aprendizagem histórica, pois possibilita uma

articulação com o tempo vivido pelos estudantes e é o local onde ocorrem as relações

sociais, sendo o primeiro espaço de atuação dos seres humanos. Assim, vislumbra-se

uma proposição de reflexão permanente relacionando a essa prática a construção de

sujeitos históricos a partir da escola.

O estudo da história local promove o conhecimento sobre as tensões existentes

entre o que chamamos de regional com o nacional, estabelecendo uma relação de

identidade por conta de uma memória refletida em acontecimentos próximos e

vivenciados pelos sujeitos.

Segundo Le Goff (2000), a memória se remete ao conjunto de elaborações

psíquicas no qual os homens guardam suas recordações e sentimentos e buscam

atualizar suas impressões e informações passadas. Contar uma história, um

acontecimento significa utilizar a linguagem falada ou escrita, que por si já estão

armazenadas em nosso cérebro.

Sendo assim, a memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse

sentido, ela está em permanente movimento, aberta à dialética da lembrança e do

esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos

e manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas revitalizações, conforme

aponta Pierre Nora (1993).

A história é a reconstrução analítica da memória. A história faz da memória objeto e

estuda o desejo de lembrança e esquecimento dos grupos sociais. Liberta a memória por

suas operações metodológicas, revela o que está por traz da dinâmica da lembrança e do

esquecimento de determinadas memórias. Para trabalharmos com as questões de ordem

regional, com as tradições regionais, encontramos as dificuldades de romper com a

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memória coletiva fundamentada, até mesmo nos livros didáticos, para buscar aquilo que

se desenvolve nas realidades sobre o qual esta memória opera.

É notório que a história local é pouco trabalhada na escola, se levarmos em conta os

anos finais do ensino fundamental e médio, para isso basta observar os livros didáticos,

amplamente usados nesses níveis de ensino. O passado é uniformizado a fim de

estabelecer um parâmetro do desenvolvimento humano desde a antiguidade até os dias

atuais, assim, o estudo da história carece para maior parte dos estudantes de um sentido.

Desta forma, a história ensinada parece algo distante, pois ocorre uma enorme distância

entre a realidade vivenciada pelos alunos e os conteúdos trabalhados, o estudante se

torna mero telespectador de fatos, não necessitando esforços no sentido de qualquer

reflexão ou elaboração.

Segundo Schimdt e Cainelli (2004), o trabalho com a história local pode ser

instrumento para a construção de uma história mais plural, menos homogênea, que não

silencie a multiplicidade de vozes dos diferentes sujeitos da história. Portanto, colabora

para um processo de reflexão sobre a realidade se trabalhada numa perspectiva

exploratória das possibilidades de compreensão dos acontecimentos do passado a partir

da realidade local.

Localizando o campo teórico e objeto da pesquisa

Os saberes adquiridos ao longo da experiência profissional como docente na

educação básica ajudou a sedimentar a convicção da necessidade de um ensino de

história mais integrado à realidade dos alunos, não que isso nos levasse a transformar o

ensino de história numa ilha onde se ensinaria determinados conteúdos desvinculados de

outros, mas que a aproximação com os estudantes de assuntos relacionados à história

poderia resultar em uma maior apropriação do pensamento histórico, de modo a poder

fazer inferências em assuntos tanto locais como globais, dando um caráter de

familiaridade a conceitos bases que explicam os acontecimentos históricos.

Nesse sentido, o pensamento de Paulo Freire tem um caráter promissor, pois

engaja-se num tempo e realidade histórico-cultural, cujo eixo central é a perspectiva de

construção de uma sociedade formada por sujeitos que problematizam e dialogam com

sua realidade com vistas a uma análise da sua trajetória, portanto, histórica. Assim a

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história passa a ser algo vivo, pois é retratada nas condições materiais vividas pelos

estudantes. Deste modo, busca a superação de um conhecimento histórico fundamentado

exclusivamente no fato, no acontecimento e passa a dar ênfase a uma concepção

epistemológica a partir de uma análise crítica, fundante de uma perspectiva de

consciência histórica.

Cabe uma reflexão sobre o papel do professor na construção de alguns conceitos

que permeiam o seu trabalho, como da didática, pois, segundo Cerri (2001) a didática da

história não pode ser mais o conjunto de teorias e métodos voltados ao ensino, mas

precisa ser uma teoria da aprendizagem histórica, superando, se quiser responder aos

desafios contemporâneos, o campo restrito da metodologia de ensino.

Além da didática, o conceito de tempo e de passado também merece uma

discussão, pois definir o como sabemos, aprendemos e identificamos o tempo e o

passado faz parte de uma análise que pode ser fundamental para o entendimento dos

acontecimentos e como os compreendemos, e isso vale tanto para o professor quanto

para o aluno. A escrita da história, ou o letramento histórico, superando a ideia de

transmissão de conteúdos, baseados numa lista deve ser um dos objetivos, pois o que se

busca é a construção de uma identidade, que pode estar ligada a memória individual ou

coletiva. Esta relação com a memória ou com o passado deve estar também vinculada

com o presente e com o futuro. Hobsbawn (1995) afirma que os jovens de hoje crescem

numa espécie de presente contínuo, ou seja, não fazem relação com o passado, mas

também não projetam o futuro. Neste sentido cabe o processo de conscientização

defendido por Freire, ou mesmo de tomada de consciência, pois, segundo Rusen, não há

um processo evolutivo de consciência, mas sim conjunturas que estabelecem as

adequações e os sentidos que os indivíduos dão a cada situação. Ao tratar dos diferentes

tipos de consciência, destaca que “implicam-se mutuamente, ou seja: um não pode ser

pensado sem os demais. Ademais, sob condições determinadas, a passagem de uns aos

outros não se faz de modo arbitrário” (RUSEN, 2010, p. 63-64).

Se para Rusen (2010) não há um processo evolutivo de consciência, ou seja, não

necessariamente os indivíduos geram sentidos numa perspectiva tradicional, exemplar,

crítico e genético, Freire (2011) ao pensar numa consciência ingênua e seu alcance para

uma consciência crítica, mostra certo processo de construção dessa consciência, sendo

desenvolvida ao se reconhecer como sujeito dentro de uma determinada realidade.

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Embora esse ponto traz certo distanciamento entre o pensamento de Rusen do de Freire,

nota-se uma aproximação ao analisar o que seria a consciência ingênua de Freire,

considerando-a simplista nas suas interpretações, valorizando o passado em detrimento

do presente, realidade marcadamente estática, passional e segregadora, ao passo que a

consciência crítica procura aproximar o passado do presente, questiona os paradigmas e

entende que a realidade é mutável, buscando, assim, interpretações racionais, livrando-se

dos preconceitos.

A partir daí é possível, nessa aproximação, entre Freire e Rusen, entender que a

consciência crítica de Freire pode ser um caminho para uma narrativa histórica que dê

sentido ao tempo, ou seja, caminhe para uma conscientização ou tomada de consciência

do seu momento presente, relacionando com o passado, mas não se descuidando do

futuro, à medida que consegue se situar cognitivamente como sujeito histórico. Vê-se

dessa maneira uma possibilidade de diálogo entre Freire e Rusen levando em

consideração a interpretação da realidade em Freire a partir da construção da consciência

crítica com a competência narrativa de Rusen, determinante na consciência histórica,

fatores que expressam dimensões temporais, vinculando a questões empíricas, desta

forma, o tratamento das experiências e vivências contribuem para a conscientização.

O pensamento freireano coloca o indivíduo como um ser histórico, que se concretiza

na intervenção da realidade, tendo como pressuposto o diálogo em relação ao ato

cognoscente, o qual é desvelador da realidade. Assim, se reconhece no sujeito um ser

produtor do conhecimento e receptível aos diferentes saberes e culturas. Na concepção

freireana, a escola é o local da apreensão crítica do conhecimento significativo, vinculado

a um processo dialógico. Seu foco é promover um aluno crítico, articulando o saber

popular ao saber crítico, científico, mediado pelas experiências do mundo (FREIRE,

2001).

Compreender que o ensino deve contribuir com o desenvolvimento das capacidades

humanas em intervir na realidade, os conteúdos de aprendizagem são tratados como

meios de conhecer e responder as indagações postas pelos alunos em função da sua

realidade experiencial. Os alunos carregam, pela sua experiência, um saber ingênuo,

cabe ao professor exercer a sua formação, dando à experiência dos alunos uma

contribuição rigorosa e crítica, superando o saber ingênuo do aluno através do exercício

da curiosidade epistemológica (FREIRE, 1996). Neste sentido, o pensamento freireano se

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concretiza no momento em que se delineia a autonomia do ser humano, conquistada a

partir da capacidade de entender e compreender a realidade, sendo esta local, global e

por vezes complexa. Assim sendo, nossa compreensão no desenvolver da pesquisa de

uma relação experiencial local, mas sem perder de vista as relações existentes com

outras realidades, externas ao cotidiano, mas que não deixa de influenciá-lo,

principalmente, em momentos de globalização das relações entre os mais diversos

segmentos da sociedade.

O presente trabalho se constituiu numa tentativa em se fazer um estudo com alunos

do ensino fundamental, anos finais, objetivando responder a uma questão fundamental

dentro do ensino de história que é a relevância e a significância histórica nos conteúdos

trabalhados pelos professores para a vida prática desses estudantes. Nesse sentido,

analisamos como a histórica local pode influenciar na formação de uma consciência

pautada numa orientação temporal que sustente uma interpretação do seu cotidiano a

partir de conhecimentos que se desenvolveram próximos, pelo menos do ponto de vista

geográfico.

A opção pela história local parte-se das próprias limitações que o ensino de história

local proporciona aos professores dos anos finais do ensino fundamental e no ensino

médio, tendo em vista que os materiais sejam eles livros didáticos ou outros meios

utilizados não dão conta do assunto, fazendo com que muitas vezes, por não ser discutido

de maneira pormenorizada, o local deixa de fazer parte da história e por consequência, os

próprios alunos se veem alijados do processo histórico.

O trabalho com história local é vivenciado pelos alunos durante os anos iniciais do

ensino fundamental. Nos anos finais e no ensino médio essa prática está condicionada a

trabalhos isolados de um ou outro professor, mesmo que nos documentos oficiais e

legislações especificas do estado do Paraná a história local tem que obrigatoriamente ser

desenvolvido em sala de aula.

Partindo desse contexto, sucintamente esboçado, nosso intuito foi observar até que

ponto a história local proporciona aos estudantes uma visão de mudanças e

permanências no tempo, tendo como foco uma abordagem qualitativa de análise, a partir

de questionários e produção de narrativas respondidos e produzidos por alunos do ensino

fundamental.

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Conduzimos-nos na pesquisa buscando responder as seguintes questões: abordar a

história local possibilita a construção do conhecimento histórico escolar? Em que medida

o trabalho com história local se concretiza na prática, rompendo com os limites do

localismo e a generalização globalizante que refuta as particularidades e as

especificidades do local?

A opção por compreender o ensino de história na ótica do aluno se justifica à medida

que ele será o principal componente no processo de aprendizagem e a sua construção do

pensamento histórico passa naturalmente pela sua empatia pelo tema abordado. Num

outro cenário, os alunos estão em contato com uma série de acontecimentos que ocorrem

no mundo, sabendo disso de modo instantâneo através dos meios de comunicação.

Muitas vezes sabe-se mais daquilo que acontece distante da sua realidade do que

próximo a ela, assim como relacionar fatos e eventos distantes e a sua via cotidiana.

Neste sentido, busca associar esse aluno como um agente social, num processo

integrado entre a vida local e os acontecimentos longínquos.

A contemporaneidade vive uma situação paradoxal, pois ao mesmo tempo em que

há uma tendência homogeneizadora em atitudes e costumes, ou seja, uma cultura

construída de modo global, onde as fronteiras dos Estados Nacionais não são mais

barreiras para incorporar determinados padrões perceptíveis nos mais diversos locais,

observa-se o crescimento de particularismos de grupos que pretendem ver suas

reivindicações serem aceitas no dia a dia. Para isso basta verificar a luta de minorias, de

grupos distintos na busca de direitos, mesmo que isso cause contestações em parcelas

amplas da sociedade, como exemplo, podemos citar os movimentos negro, feminista,

gay, além de diversas manifestações culturais locais, ligadas à tradição cultural que lutam

em permanecer vivas no contexto de massificação global da cultura.

O local aqui expressado refere-se ao espaço geográfico, cujos laços sociais,

econômicos, de parentesco e políticos se dão de modo significativo direto ou indireto, os

quais influencia na sociabilidade entre eles. Esse espaço envolve, portanto, o município e

suas adjacências, tendo como limite a unidade federativa denominada de estado.

Não se quis fazer uma apologia a um tipo de estudo, valorar mais um modelo de

ensino em detrimento do outro, separar o local do nacional ou global, mas refletir sobre

um modelo de ensino da história que contemple as particularidades dos próprios

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estudantes como forma de compreensão do passado, presente e as perspectivas de

futuro, mas sem desvincular essa relação local dos acontecimentos globais.

Neste sentido, a história local é entendida como uma abordagem que vincula as

particularidades do lugar e suas relações e conexões com outros lugares, num processo

continuo de interrelação entre os sujeitos e o objeto de estudo nas suas múltiplas

especificidades, identificando a partir do local as diferentes culturas existentes. Nos

escritos de Samuel (1990, p. 220) observa-se que:

A história local requer um tipo de conhecimento diferente daquele focalizado no alto nível de desenvolvimento nacional e dá ao pesquisador uma ideia muito mais imediata do passado. Ele a encontra dobrando a esquina e descendo a rua. Ele pode ouvir os seus ecos no mercado, ler o seu grafite nas paredes, seguir suas pegadas nos campos. As categorias abstratas de classe social, ao invés de serem pressupostas, têm de ser traduzidas em diferenças ocupacionais e trajetórias devidas individuais; o impacto da mudança tem de ser medido por suas consequências para certos domicílios. Os materiais básicos do processo histórico devem ser constituídos de quaisquer materiais que estejam à disposição no local ou a estrutura não se manterá.

A história local demanda uma série de ações teórico-metodológicas própria no seu

tratamento, pois muitas vezes o seu estudo se dá com o vivenciado, pois a proximidade

com os acontecimentos leva a isso, ou seja, a aproximação efetiva com os indivíduos,

objeto de estudo, torna-se a um estudo onde há um apego afetivo maior, tornando-a

dessa maneira um fator de motivação para a aprendizagem uma vez que a identificação

com os sujeitos da história se tornam mais concretos. Porém, o trabalho em si não pode

eximir-se das relações com o nacional ou geral, pois, em muitas situações, os fatos locais

não se explicam em si mesmo, tendo a necessidade de uma relação com dimensões mais

amplas de análise histórica.

Ao buscar no ensino de história um vinculo com a relevância, significância, a história

local poderá vir a ter um papel importante, pois a sua proximidade com os estudantes a

tornam um fator de pertencimento maior dos acontecimentos com aqueles que fazem sua

análise ou se deparam com alguns fatos que por alguma razão possa ser identificado

como participante do evento, através de usa própria vinculação com o fato, mas também

por aproximar com o local de nascimento, o conhecer o local, ou seja, se vê intimo ou

conhecedor do tema discutido.

O local na perspectiva aqui abordada é visto como um espaço de identidades e

facilita as relações e o entendimento num mundo cada vez mais global. Assim, é vista

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como uma estratégia de ensino que possibilita uma inserção dos estudantes num

processo de conquistas de identidade, contribuindo para uma melhor percepção de sua

existência como ser social e analista dos acontecimentos cotidianos, mas também

aprimorando novas leituras de mundo.

Ao enfatizar a história local como um meio metodológico que visa dar maior

significado ao ensino de história, nossa intenção é a superação de uma aprendizagem

voltada à memorização, desarticulada e sem relação com a realidade dos estudantes, ou

seja, um estudo passivo de conteúdos, constituídos por feitos ligados a personagens

ilustres, excluindo ou secundarizando aqueles que não apresentaram algum destaque no

cenário nacional ou global.

O estudo desenvolvido se volta para a incorporação de outros elementos presentes

no cotidiano dos estudantes, como uma praça, uma rua, o contato com pessoas comuns,

relacionando esses elementos a olhares interpretativos da realidade a partir de eventos

do passado, organizando, dessa forma, a mudança ou permanência temporal, ou seja,

desenvolvendo um pensamento histórico tendo como origem a própria localidade.

A relação existente entre o estudante e o fato, por consequência da proximidade,

torna o ensino de história local como um fator de relevância significativa no que diz

respeito ao ensino da disciplina de história. No entanto, cabe frisar que não se pretende

por ora dessa proposta fragmentar o ensino de história, isolando-o do contexto geral da

história. Pelo contrário, o que se busca é articular o ensino do local, com o nacional e o

global. Em tese a proposta, caracterizada pelas particularidades, mostrará uma

diversidade na constituição da história nacional, rompendo com uma história voltada para

o ato político ou econômico, simplesmente, como é o viés de estudos da história do Brasil.

As condições encontradas nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio

para o ensino de história é desfavorável para o ensino da história local, uma vez que os

materiais utilizados por professores, em sua grande maioria, têm no livro didático ou

apostilas de escolas particulares uma ênfase na história geral. Isso nos leva a pensar que

essa dificuldade encontrada nos materiais dificulta sua disseminação nesses níveis de

ensino, reduzindo o ensino do local a ações esporádicas por parte dos professores. Em

várias localidades, incluindo o Paraná, o ensino da história local é contemplado de forma

legal, com determinações que resultam em obrigatoriedade dessa prática. No ensino

médio, o interesse pela história local por parte dos estudantes se dá exatamente pela

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obrigatoriedade de um percentual de questões relativas à história do Paraná estar

presente nos vestibulares das instituições públicas do estado.

As dificuldades em relação à história local parecem ser mais fortes do que a

legislação ou as necessidades por conta de alguns testes de vestibulares. Desta forma

seu reconhecimento dentro do ambiente escolar a torna um conteúdo inferior. No entanto,

para o ensino da história, não são somente o entendimento sobre a macro-estrutura que

dão conta de responder acontecimentos e interpretação do tempo. A história local dá uma

dimensão mais próxima da realidade e inúmeras possibilidades podem ser realizadas a

partir do seu estudo, assim, descrever, analisar, criticar, ou seja, interpretar e entender a

dinâmica da sociedade a partir da compreensão das mudanças no tempo podem ser

feitas a partir da história local.

A ênfase na história local é compreensível à medida que através dela pode ser

verificada os diferentes tempos entre diferentes lugares. Não é possível partir do

pressuposto que os eventos históricos são necessariamente originados num ambiente

local. O fato da generalização do tempo esconde entre outras coisas as particularidades

que só é percebida a partir do momento que se privilegia o local. Desta forma, o estudo

local vivifica as experiências diversas e caracteriza o tempo de cada lugar.

Ao estudar o local nos deparamos com a questão do tempo e assim uma questão

fundamental em história que é exatamente estabelecer parâmetros de mudanças ou de

permanências. Sabemos que nem tudo aquilo que aconteceu no passado pode ser

tratado como história, mas aquilo que se consegue observar de alterações. A história local

tem essa dimensão, de comparar, observar e verificar que o tempo não é único e cada

lugar tem uma especificidade e tem uma história, construída por aqueles que em um dado

momento e num determinado espaço ali estiveram.

Torna-se relevante no ensino da história local a diversidade de olhares sobre os

lugares, distanciando-se de um processo homogeneizador do pensamento e dos sujeitos

sociais, fato esse que coloca o conjunto dos estudantes de fora do processo histórico. A

história local promove um processo de alteridade entre os diferentes grupos sociais

existentes em espaços distintos.

Relevância e significado são expressões que caminham juntos no processo

educativo. No ensino de história não é diferente, ou seja, aquilo que se trabalha em sala

de aula, de algum modo, carece de uma importância para os estudantes que muitas

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vezes não percebem isso nos conteúdos ensinados. Vilma de Lurdes Barbosa (2006,

p.62) afirma:

Para a maior parte dos estudantes brasileiros, o estudo de história carece de sentido ou utilidade; não se tem a visão de ciência e sim de uma matéria decorativa, estudo do passado, que só exige como vimos, a prontidão em declinar nomes, datas e fatos. Não é de se estranhar que assim seja, porque ocorre a enorme distância entre a realidade vivenciada pela comunidade e o tratamento dado ao ensino de história, já que o aluno torna mero espectador de fatos, não necessitando esforços no sentido de qualquer reflexão ou elaboração.

Pelo fragmento, a história ensinada em sala de aula carece de uma empatia por

parte dos estudantes. Muito dessa apatia frente ao ensino da história está relacionado à

metodologia aplicada, baseada no livro didático, que muitas vezes trazem uma sequência

de fatos isolados, resultando numa tarefa de estudos decorativo e sem reflexão daquilo

que se estuda. Neste sentido, cabe ressaltar que a história local ao ser trabalhada no

contexto da sala de aula ajudaria numa proposta de ensino processual, voltada para o

estudo da experiência humana no tempo, compreendendo as mudanças e permanências

pela qual as sociedades passam, contribuindo, desta maneira, para a construção de uma

identidade histórica e a formação do pensamento histórico nos estudantes.

A história é o resultado da ação humana no tempo, para tanto tem métodos

apropriados para se chegar a interpretações do passado, uma vez que o passado não

pode ser reproduzido no presente, mas através de fontes pode-se argumentar como se

deram as relações num tempo diferente do nosso. Para fazer essa análise e reflexão

sobre um fato são necessários materiais. A história local tem essa dificuldade, o que

muitas vezes acabam dando a ela um tratamento de inferioridade em relação à história

geral. No entanto, os documentos escritos ou outras fontes que legitimam a história geral,

também podem se associar às pesquisas baseadas na memória individual ou coletiva dos

relatos orais de vida, onde os segmentos populares são centrais e podem contribuir para

o ensino da história, não como objeto, mas como sujeitos da história.

Procedimentos de Investigação

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A pesquisa de abordagem qualitativa, tem como campo teórico a matriz de

pensamento de Paulo Freire e Jorn Rusen, sistematizados num conjunto de obras que

tratam da questão da consciência, tendo como foco a aproximação entre os dois teóricos.

Nossa investigação, decorrente do ensino de histórica local na formação da

consciência histórica, desenvolveu-se em um colégio que oferta o ensino fundamental

anos finais, onde estavam os sujeitos da pesquisa. Na pesquisa, consta a aplicação de

instrumentos que possibilitam analisar tipos de consciências, bem como analisar as

operações de pensamento histórico. Para isso, dois procedimentos são adotados para

alcançar os objetivos propostos: num primeiro momento, foram aplicados questionários

buscando conhecer os perfis dos grupos de alunos do ensino fundamental que integrarão

a pesquisa; num segundo momento, são produzidas narrativas a partir de temas locais

apresentados aos alunos.

Pensar num ensino de história que leve em consideração a temporalidade, o sujeito

histórico e a questão de identidade são propósitos que podem ser construídos a partir do

ensino da história local. Esse ponto de vista pode ser defendido com base na articulação

entre a história vivida e a história percebida, vinculando-se nesse aspecto a uma

articulação entre o geral e o local e vice-versa.

A abordagem tem como ponto de partida a produção bibliográfica sobre o assunto,

materializada em artigos, livros, dissertações e teses que discutem esse assunto. Os

conceitos de consciência histórica e os desafios da didática da história e o ensino de

história local e a construção da identidade social darão fundamentação e contribuem para

a formatação da ideia contida no título desse trabalho.

O levantamento de dados citados acima colabora na construção de um norte para a

realização da pesquisa, pois aborda questões relacionadas a conceitos e procedimentos

que clareiam de certo modo o encaminhamento que será dado ao tema proposto. Assim

buscou definir os conceitos pertinentes à pesquisa, relacionado ao ensino de história e

sua relação com a vida prática. Para tanto, trata da relação entre passado, presente e

futuro, onde se analisa o ensino de história, formado pelos métodos e conteúdos,

permitindo através de imagens, representações e memórias compreender o passado.

Nesta pesquisa, entendemos que a consciência histórica é inerente ao ser humano,

independente da época ou do lugar em que esteja, é um fenômeno vital e ligado a vida

prática, auxilia na construção de uma narrativa histórica, apontando a partir daí as

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experiências temporais, as quais permitem descrever o passado, mas também projetando

o futuro.

A história local, neste contexto, foi nosso ponto de referência para entender o

processo de conscientização, buscando entendimentos como o quanto de passado há no

presente e que relação isso poderá ser feito com o futuro. Assim, a pesquisa discutiu a

relação presente/passado no âmbito das relações locais e como isso se processa ou se

relaciona com a história geral, nacional ou global. Nesta perspectiva, projetou-se um

estudo levando em consideração os seguintes questionamentos: entendendo que a

consciência histórica não é um processo linear, na teoria de Rusen, quais possibilidades

há para se estabelecer ou mensurar o nível de consciência de um indivíduo? O ensino de

história e a seleção de conteúdos colaboram no processo de desenvolvimento da

consciência histórica? A história local contribui no desenvolvimento da consciência

histórica? No processo de conscientização ou consciência crítica assuntos que tenham

uma proximidade com o sujeito favorecem sua construção? Diferente do pensamento de

Rusen, quanto a linearidade da consciência histórica, a consciência crítica de Freire pode

ser entendida como um processo linear?

Essas indagações abrem duas perspectivas de análise, quais sejam: o nível de

consciência histórica ou de conscientização por parte dos estudantes, como também a

didatização dos conteúdos trabalhados pelos professores. Neste sentido, entendemos

que a história local pode ser um referencial para reflexões sobre o ensino de história,

tendo como princípio os dois extremos nesse processo: o professor, com toda sua

formação histórica e os alunos, iniciando seu processo de tomada de consciência do

mundo que os cerca.

Considerações

É inegável que o estudo da história local promove o conhecimento sobre as tensões

existentes entre o que chamamos de regional, nacional e global. Ao estudar a história e a

memória, debatemos com a memória coletiva, que sintetizou os grandes eventos e os

heróis nacionais, uma história contada a partir do ponto de vista político, pelo documento

escrito, que visava à criação de uma identidade homogênea (ZIMMERMANN, 2006). Não

nos esquecemos que vivemos num mundo de profunda integração, principalmente, no

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campo econômico, mas nem por isso podemos deixar de lado a questão do local, pois

segundo Ianni (1999, p. 119):

É claro que a globalização do capitalismo deve ser vista como um vasto e complexo processo, que se concretiza em diferentes níveis e múltiplas situações. Envolve o local, o nacional, o regional e mundial, tanto quanto a cidade e o campo, os diferentes setores produtivos, as diversas forças produtivas e as relações de produção.

Neste sentido, esta pesquisa discute a relação existente entre a história local e a

consciência histórica ou tomada de consciência de alunos do ensino fundamental, a partir

do pensamento de Jorn Rusen e Paulo Freire, estabelecendo níveis de apropriação na

vida prática dos conteúdos escolares.

Pensar no processo de ensino e aprendizagem é também ter como marco o

processo dinâmico pelo qual se constitui a história. Desenvolver a capacidade de

compreensão e de apreensão do movimento da história é fator essencial para fazer a

relação do passado com o presente e com as perspectivas de futuro. Esse processo de

pensar historicamente passa necessariamente pelo entendimento das mudanças e

permanências que observamos no nosso dia a dia. Nesse sentido, a história local tem um

papel significativo na construção dessa compreensão do passado e sua relação com o

presente, pois o local está mais visível, são eventos mais concretos, onde podemos fazer

inferências, com conhecimento de causa.

Não temos a intenção nessa proposta de eliminar a chamada “história geral”, mas

possibilitar através das especificidades locais compreender a dinâmica da história através

da experiência social e cultural dos alunos, tendo como objetivo estabelecer vínculos ou

relações com outros contextos, identificando as similaridades e diferenças observadas

num contexto global mas tendo como ponto de partida o local onde cada aluno está

inserido. Assim, procura-se dar sentido à história, com vistas a constituir um processo

onde os alunos se veem como sujeitos, podendo formular explicações para algumas

questões do presente tendo como origem os acontecimentos do passado. A preocupação

é que os alunos compreendam a história numa dinâmica temporal, sendo orientados,

portanto, dentro das variáveis de tempo e espaço, com vistas a aplicá-la na sua vida

prática.

É compreensível que a história local não seja uma redução da história global.

Também não quer dizer que é um processo natural de formação da identidade do sujeito.

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Outros condicionantes podem interferir nesse processo, como a relação com outras

localidades e até mesmo outros países. No entanto, pode contribuir num interesse maior

dos alunos pela história, fazendo com que ocorram aproximações com suas experiências

culturais, vinculados a membros familiares ou outros que tenham conhecimento. Nesse

sentido, a possibilidade de um recorte histórico, associado a contextos mais amplos

integrariam o conjunto de saberes que seriam apropriados pelos alunos. Desta forma,

O trabalho com a história local no ensino da História facilita, também, a construção de problematizações, a apreensão de várias histórias lidas com base em distintos sujeitos da história, bem como de histórias que foram silenciadas, isto é, que não foram institucionalizadas sob forma de conhecimento histórico, ademais, esse trabalho pode favorecer a recuperação de experiências individuais e coletivas do aluno, fazendo-o vê-las como constitutivas de uma realidade histórica mais ampla produzindo um conhecimento que, ao ser analisado e trabalhado, contribui para a construção de consciência histórica (SCHMIDT, CAINELLI, 2004, p. 114).

A história local pode ser vista como uma proposta pedagógica que visa a

compreensão do conhecimento histórico através da inserção do aluno na comunidade

para a criação de sua historicidade e identidade e também para a reflexão de sua

realidade social. A história local permite o debate da realidade econômica, política, social

e cultural, facilitando o estabelecimento de continuidades e diferenças com as evidências

de mudanças, conflitos e permanências. Neste sentido, colabora para o processo de

formar um pensamento histórico ao analisar o presente através dos acontecimentos

passados.

Referências BARBOSA, V. L. Ensino de História local: redescobrindo sentidos. Saeculum – Revista de História. João Pessoa, jul./dez. 2006. CERRI, L. F. Os conceitos de consciência histórica e os desafios da didática da história. Revista de História Regional. v. 6, n. 2, p. 93-112, 2001. FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 9 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. _______. Conscientização: teoria e prática da libertação – uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3 ed. São Paulo: Cortez & Moraes, 1980. _______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

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_______. Pedagogia do oprimido. 50 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. HOBSBAWN, E. A era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. IANNI, O. A era do globalismo. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. LE GOFF, J. História e memória. São Paulo: Edições 70, 2000. NORA, P. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Revista Projeto História. São Paulo, n.10, p. 7-28, 1993. RUSEN, J. História viva: teoria da história: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2010. ________. Razão histórica: os fundamentos da ciência da história. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001. SCHIMIDT, M. A. CAINELLI, M. Ensinar história. São Paulo: Scipione, 2004. ZIMMERMANN, C. A. Memória e identidade. Dissertação de Mestrado. São Paulo, USP,2006. Disponível em:www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16136/tde.../Dissertacao_final _3 .pdf. Acesso em: 12/01/2011.

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A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA E SIGNIFICÂNCIA HISTÓRICA EM ALUNOS

PORTUGUESES: UM ESTUDO DE CASO LONGITUDINAL COM ALUNOS DO 1.º CEB

HISTORICAL CONSCIOUSNESS AND HISTORICAL SIGNIFICANCE IN PORTUGUESE

STUDENTS: A LONGITUDINAL CASE STUDY WITH STUDENTS OF THE 1st CEB

Glória Solé29

Resumo: Nesta comunicação iniciamos por analisar e discutir a inter-relação entre consciência histórica, memória, identidade e significância histórica, associado ao passado e à História, integrando o contributo de vários investigadores da Filosofia da História e da Educação Histórica. Numa segunda parte apresentamos os resultados de uma investigação realizada com alunos do 1.º CEB num estudo longitudinal realizado em duas turmas de uma escola urbana do Norte de Portugal, no 1.º e 3.º ano, acompanhadas respetivamente no ano seguinte no 2.º e 4.º ano e esta última posteriormente no 8.º ano, após 4 anos do início do projeto. Através de entrevistas semi-estruturadas procurámos analisar o que entendem os alunos por História e passado e qual a finalidade da História em vários momentos do seu percurso escolar, durante os dois anos do projeto “Ensino da História no 1.º Ciclo” e os seus reflexos no 3.º Ciclo (8.º ano), tendo sido estes alunos sujeitos a um ensino de História com recurso a diversas estratégias em contexto de sala de aula realizadas pela investigadora- professora. Procurou-se analisar ainda em que medida o projeto contribuiu para uma melhor aprendizagem de História destes alunos no 2.º e 3.º ciclo, assim como analisar a significância histórica atribuída pelos alunos através dos argumentos que convocam para a seleção de um período histórico, um acontecimento histórico e uma personagem histórica da História de Portugal. Os resultados sugerem que estes alunos no 1.º ciclo valorizam o estudo da História não só para compreender o passado (a nível pessoal, nacional ou mundial), mas também para compreender o presente e preparar o futuro, revelando já a emergência de uma consciência histórica. Reconhecem também a importância da História para a preservação da memória (pessoal ou nacional) assim como para a afirmação da identidade individual e coletiva, reconhecendo importantes marcos da História de Portugal essenciais para a consciência coletiva de um povo (Independência de Portugal, os Descobrimentos, a Restauração da independência, a Ditadura, o 25 de Abril) destacando como figuras significativas da nossa História reis, navegadores, escritores e políticos. Contribuiu este estudo para demonstrar que estratégias pedagógicas de ensino de História diversificadas e inovadoras têm um papel importante para o desenvolvimento da consciência histórica, considerada a meta das metas de aprendizagem em História. É importante por isso proporcionar aos alunos experiências de ensino aprendizagem que lhes possibilite pensar sobre a significância para que exista um crescimento do conhecimento histórico e do pensamento histórico que lhes permita compreender o mundo que os rodeia. Por último, apresentam-se algumas conclusões e implicações deste estudo para o ensino da História a crianças dos primeiros anos de escolaridade.

29 Instituto de Educação/Universidade do Minho.

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Palavras-chave: Educação Histórica. Consciência Histórica. Significância Histórica. Ensino da História a Crianças.

Abstract: In this communication, we began by analyzing and discussing the interrelationship between historical consciousness, memory, identity and historical significance, associated with the past and history, integrating the contribution of several researchers from the Philosophy of History and Historical Education. In a second part, we present the results of an investigation carried out with 1st CEB students in a longitudinal study carried out in two classes of an urban school in the north of Portugal, in the 1st and 3rd year, followed respectively the following year in the 2nd . And 4th year and the latter later in the 8th year, after 4 years of the beginning of the project. Through semi-structured interviews we tried to analyze what the students understand by History and past and what the purpose of History in various moments of their school, during the two years of the project "Teaching History in the 1st Cycle" and their reflections in the 3rd cycle (8th grade), and these students were subject to a history teaching using various strategies in the context of the classroom conducted by the researcher-teacher. We also sought to analyze to what extent the project contributed to a better learning of the history of these students in the 2nd and 3rd cycle, as well as to analyze the historical significance attributed by the students through the arguments that call for the selection of a historical period , a historical event and a historical personage of the History of Portugal. The results suggest that these students in the 1st cycle value the study of history not only to understand the past (at personal, national or world level), but also to understand the present and prepare the future, already revealing the emergence of a conscience historical. They also acknowledge the importance of history for the preservation of memory (personal or national) as well as for the affirmation of individual and collective identity, recognizing important milestones in the history of Portugal essential for the collective conscience of a people (Independence of Portugal, the Discoveries, the Restoration of Independence, the Dictatorship, April 25) highlighting as important figures of our history kings, navigators, writers and politicians. This study has contributed to demonstrate that diverse and innovative pedagogical strategies for teaching History have an important role for the development of historical awareness, considered the goal of learning goals in History. It is important, therefore, to provide students with teaching learning experiences that enable them to think about the significance of a growing historical knowledge and historical thinking that allows them to understand the world around them. Finally, we present some conclusions and implications of this study for the teaching of History to children of the first years of schooling.

Keywords: Historical Education. Historical Consciousness. Historical Significance. Teaching History to Children.

Consciência histórica e significância histórica

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

Desde 1970 a corrente germânica renovou a historiografia sobre a consciência

histórica, dando um grande contributo para a Educação Histórica e a Filosofia da História.

Rüsen um dos representantes da corrente germânica, tem contribuído para renovar a

historiografia e feito a ponte para a educação histórica. Atribui um significado especial às

inter-relações entre passado, presente e futuro. Para Rüsen (2007, p. 13) o passado é

mantido vivo pela memória e a História é também memória “uma forma elaborada de

memória".

Na obra Theorizing historical consciousness (edited by Peter Seixas, 2004) vários

autores discutem o conceito de consciência histórica. Seixas (2004, p. 10) propõe-nos

algumas definições abreviadas de consciência histórica, uma das quais foi apresentado

na revista History and Memory que refere que consciência histórica é: "a área em que a

memória coletiva, a escrita da história, e outros modos de moldar imagens do passado

emergem na opinião pública”, outras definições surgem relacionadas com o extenso

trabalho de consciência histórica europeia, considerando-a como: "A compreensão

individual e coletiva do passado, os fatores cognitivos e culturais que configuram o

entender, bem como as relações de compreensão histórica em relação ao presente e ao

futuro” (p.10). Reconhece também o autor que “ na era moderna, na História emerge a

ideia de ligação desta ao passado e ao futuro através das narrativas nacionais” (p. 4).

Esta ligação ao passado não é apenas realizada por historiadores, outros académicos de

várias disciplinas, orientam as suas investigações para o passado, intensificando-se os

estudos sobre memória nas humanidades e nos estudos sociais. David Lowenthal, um

autor de referência em estudos sobre memória, herança e património, defende esta

mesma ideia: “De repente a herança está em todo o lado – nas notícias, nos filmes, nos

mercados- em tudo desde as galáxias aos genes” (in Seixas, 2004, p. 3). Investigadores

desta área de estudo defendem que há mecanismos que contribuem para valorizar e

preservar a memória coletiva, através do património material (museus, monumentos,

escolas, arquivos, e comemorações) e património não material (leis, língua, hábitos e

costumes) e isto contribui para preservar o passado no presente. Deste modo este autor

refere, “[o] passado comum, preservado através de instituições, tradições, e símbolos, é

um instrumento crucial na construção de identidades coletivas no presente” p. 5).

Identidade e memória são inseparáveis, uma depende da outra. Seixas (2004)

reconhece que o termo “memória coletiva” no estudo de David Lowenthal é utilizado como

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

sinónimo de consciência histórica, e questiona a necessidade do conceito de consciência

histórica, dado que o conceito de memória coletiva tem sido bastante adequada para

compreender como pessoas comuns, não-historiadores, compreendem o passado. Uma

das diferenças importantes que identifica é a ligação do passado não apenas ao presente

mas também ao futuro, o que associa à historiografia alemã para a qual “ a compreensão

do passado individual e coletiva e fatores cognitivos e culturais contribuem para a

compreensão do presente e do futuro” (p. 10).

Rüsen procura discutir a distinção entre memória histórica e consciência histórica.

Num capítulo do livro publicado em 2007 e organizado pela CiCe, History teaching,

identities, citizenship (CiCe), afirma não ser fácil esta distinção entre os dois conceitos,

porque os dois se reportam ao mesmo campo. Num outro artigo (SOLÉ; FREITAS, 2008,

p. 502-503) analisámos como Rüsen distingue de forma clara memória de consciência

histórica: a) a memória é mais ligada a princípios práticos que norteiam a mente humana

a consciência histórica é uma representação do passado visto de uma forma mais

explícita com o presente, do passado o que é significativo para o presente e mais

associado às mudanças temporais e à busca da verdade; b) a relação entre o passado e

o presente é imediata na memória e mediada na consciência histórica; c) a memória tem

mais a ver com a imaginação, enquanto que a consciência histórica está relacionada com

a cognição; d) o passado está preso à memória, enquanto a consciência histórica aponta

para o futuro. Alerta, porém que “estas distinções são unilaterias. É muito mais útil mediar

ou mesmo sintetizar essas duas perspetivas em apresentar e representar o passado

(RÜSEN, 2007, p.16).

Identificou três tipos (níveis) de memória: 1) memória comunicativa, que tem a ver

com as diferenças geracionais e as experiências históricas que eventos específicos ou

símbolos especiais têm para a representação de um sistema político, 2) a memória

coletiva, que pressupõe um maior estabilidade social e contribui para um sentimento de

pertença a grupo (s), que é muito importante para um mundo em fase de mudança, e 3) a

memória cultural, que é a memória coletiva que se mantém estável no tempo, que

representa o núcleo da identidade histórica e do sistema político.

Rüsen considera a forma como o passado é representado de acordo com critérios

diferentes e também a memória, e identificou duas formas desta representação: a

memória sensível, associada a uma experiência de intensidade ou a eventos traumáticos,

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

o Holocausto é o exemplo mais típico; memória construtiva na qual o passado é uma

narração e um processo de comunicação, uma história com sentido "e aqueles que se

lembram parecem ser donos do seu passado como eles colocaram a memória numa

perspectiva temporal dentro da qual eles podem articular suas expectativas, esperanças e

medos" (RÜSEN, 2007, p. 17).

O autor acrescenta: "A consciência histórica é uma forma específica de memória

histórica" (p, 17), e as lembranças têm o poder de manter o passado vivo. O passado

torna-se histórico quando há um processo mental para interpretar o passado para

compreender o presente e vislumbrar o futuro.

Este processo mental da consciência histórica envolve quatro elementos: "a

percepção de um outro tempo, diferente [...]; a interpretação deste tempo como

movimento temporal no mundo humano, de acordo com alguns aspetos abrangentes [...];

a orientação da prática humana através da interpretação histórica - tanto externamente

como uma perspetiva de ação [...] e internamente como as conceções de identificação [...]

e, finalmente, a motivação para a ação que proporciona uma orientação" (RÜSEN, 2007,

p. 18).

O autor defende também as relações entre a cultura histórica, memória histórica e

consciência histórica: "A cultura histórica é a memória histórica e a consciência histórica

trabalha neste contexto social” (RÜSEN, 200, p. 22).

Para Rüsen (2010a) a consciência histórica não pode ser entendida como simples

conhecimento do passado. Primeiro, ela dá estrutura ao conhecimento histórico

contribuindo para compreender o presente e antecipar o futuro. Implica uma combinação

complexa entre o passado, presente e futuro, na medida em que “contém a apreensão do

passado regulada pela necessidade de entender o presente e de presumir o futuro” (p.

36). Alerta o autor para a necessidade dos historiadores perceberem a conexão entre os

três tempos na estrutura da consciência histórica, preocupando-se assim não só com o

passado, mas também com a realidade presente e com possíveis reflexos destes no

futuro. Segundo, a consciência histórica pode ser entendida como uma operação mental

associada à compreensão histórica. Um dos conceitos históricos estruturais (ou de

segunda ordem) essenciais que contribui para a compreensão da lógica interna da

História é o da significância histórica. A atribuição de significância histórica integra-se

numa rede de conceitos, entre eles o de empatia, que contribuem para a formação de

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

uma consciência histórica emergente. A significância histórica é por isso um conceito

estrutural complexo, que integra em si outros conceitos estruturais, é um procedimento

mental essencial para a compreensão histórica. Monsanto (2009) partindo dos estudos de

Seixas (1997, p. 10) define o conceito de significância segundo dois níveis: “o primeiro,

enquanto significado básico e intrínseco que corresponde aos factos particulares, e que

são convocados, e o segundo que corresponde à noção de interpretação e de importância

histórica”. Neste último sentido, a significância histórica interfere na compreensão da

História, na medida em que é um “ingrediente que interfere na interpretação,

compreensão, julgamento e avaliação dos factos históricos, das personagens e das

narrativas históricas” (p. 11). A significância histórica é um dos procedimentos mentais

usados pelos historiadores, quando confrontados com o que selecionar do passado,

avaliam e interpretam os acontecimentos, factos e fenómenos mais relevantes e

historicamente significativos para a compreensão do passado humano. Seixas (1997) a

partir do estudo que realizou sobre significância histórica com 82 alunos canadianos

construiu um modelo das ideias dos alunos sobre significância histórica agrupados em

dois tipos de orientações: objetivista/subjetivista, e cada uma delas em duas variantes, a

básica e a sofisticada, formando a seguinte tipologia com cinco posições: Objetivista

Básica; Subjetivista Básica; Objetivista Sofisticada; Subjetivista Sofisticada; Narrativista.

Este modelo foi adotado em outros estudos nomeadamente em Portugal (CHAVES, 2006;

MONSANTO, 2009 e OLIVEIRA, 2012) com ligeiras adaptações à realidade do contexto

dos alunos portugueses e brasileiros.

Rüsen (2010b, p. 61-71) propõe um modelo de desenvolvimento estrutural para a

consciência histórica na forma de uma tipologia geral do pensamento histórico. Apresenta

quatro tipos de consciência histórica, organizadas em seis elementos e factores:

1. O tipo tradicional- que valoriza as tradições como elementos indispensáveis na

orientação da vida prática, pois “apresentam a totalidade temporal que faz

significativo o passado relevante e a realidade presente e a sua extensão futura

como uma continuidade dos modelos de vida e os modelos culturais pré-escritos

além do tempo” (p. 64).

2. O tipo exemplar- A História nesta conceção é vista com uma função didática, como

uma recordação do passado, que nos dá lições para o presente.

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3. O tipo crítico- A orientação temporal, que integra o passado, presente e o futuro

surge como algo negativo, onde prevalece a noção de rutura na continuidade. A

História é vista como uma ferramenta que rompe com esta continuidade, perdendo

assim o seu poder como fonte de orientação no presente.

4. O tipo genético- Nesta estrutura a mudança (entendida como progresso, rutura ou

permanência) é o que dá sentido ao passado, existindo assim uma visão dinâmica

do tempo, expressa no pensamento histórico moderno. A história faz parte do

passado, mas ao mesmo tempo é-lhe concedido o futuro. Há uma transição

dinâmica entre o passado, presente e o futuro, no entanto o futuro excede o

passado em seu direito sobre o presente. Esta forma de pensamento histórico vê a

história humana em toda a sua complexidade temporal, aceitando diferentes

pontos de vista “porque se integram em uma perspetiva de mudança temporal” (p.

69).

Para Rüsen esta tipologia desenvolve-se em complexidade em vários aspetos e

esse crescimento pode ser especificado e diferenciado seguindo a lógica das pré-

condições, por exemplo, verifica-se isso em relação aos padrões de significância histórica,

assim como também em relação à identidade histórica. Conclui, com base não em

estudos empíricos, mas através de observações diárias que “demonstram que os modos

tradicionais e exemplares de consciência histórica estão bastante estendidos e se podem

encontrar com frequência; os modos críticos e genéticos, pelo contrário são mais raros”

(p. 74). Segundo o autor, a experiência prática do ensino da história nas escolas revela

que é mais fácil ensinar e aprender as formas tradicionais de pensamento porque não

requerem grande esforço por parte dos alunos e professores, enquanto que o modo

crítico e o genético implicam competências que requerem um maior esforço de ambas as

partes. O autor afirma que a forma exemplar de consciência histórica é a que domina os

currículos de História.

Também em Portugal têm sido realizados alguns estudos acerca da consciência

histórica. Pais (1999) defende a relação da consciência histórica na construção da

identidade, referindo: “Sem consciência histórica sobre o nosso passado (e

antepassados…) não perceberíamos quem somos” (p.1). Identidade para Pais é “

entendida no sentido de imagem de si, para si e para os outros- aparece associada à

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consciência histórica, forma de nos sentirmos em outros que nos são próximos, outros

que antecipam a nossa existência que, por sua vez antecipará a de outros” (p.1). Pais

defende que a consciência histórica contribui para a memória e identidade- individual e

colectiva e é “um símbolo de apropriação da realidade” (p. 2). Este projeto procurou

analisar as ideias de consciência histórica dos jovens, e as possíveis conexões no modo

como os jovens europeus interpretam o passado, percecionam o presente e perspetivam

o futuro. Os resultados deste estudo internacional, sugerem que a maioria dos jovens

europeus, dá mais importância ao conhecimento do passado do que à orientação para o

futuro, ou até mesmo perceber o presente, os três níveis temporais que integram a

consciência histórica. Este aspeto é mais evidente nos jovens dos países que valorizam o

passado na construção da identidade nacional, por exemplo é o caso dos jovens

portugueses.

Importantes contributos têm sido dados neste domínio de investigação em Portugal

pela equipa coordenada por Isabel Barca, no projecto Consciência Histórica: Teoria e

Prática I e II, tendo sido realizado já vários seminários, e produzidas várias comunicações

e artigos publicados em várias revistas sobre as investigações realizadas pelos

investigadores do projeto, e algum desse trabalho foi também apresentado no seminário

Consciência Histórica: a meta das metas de aprendizagem realizado em Lisboa. Integrado

neste projeto destacámos o estudo de Gago (2007) que identificou três tipos de

perspetivas sobre o passado em estudantes dos 10-14 anos: o passado como algo fixo ou

o que já aconteceu; como interpretação dos historiadores; ou como reconstrução,

dinâmica com o presente.

Neste enquadramento teórico sobre consciência histórica e significância histórica

sobressaí esta inter-relação entre este conceito de segunda ordem, o da significância

histórica e outros como o de empatia histórica, como essenciais ao conhecimento

histórico, e estruturais para a construção de uma consciência histórica. Nesta linha de

pensamento Oliveira (2012, p. 23) refere que:

Quando se confere significância a relações entre o Passado, Presente e Futuro inerente à compreensão do desenvolvimento humano, e se entende cada tempo no seu contexto, mobiliza-se a consciência histórica que, por seu lado alimenta uma determinada consciência social.

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Relacionado com alunos do 1.º CEB, Solé (2009, 2010, 2011) procurou numa parte

do seu estudo analisar as conceções dos alunos sobre História e passado e as finalidades

da História, procurando percecionar a consciência histórica dos alunos neste nível de

escolaridade, e cujos resultados se sintetizam no ponto seguinte. Neste texto integram-se

também as ideias dos alunos veiculadas sobre significância história em articulação com a

consciência histórica. As entrevistas realizadas aos alunos deste estudo pareceram-nos

que apontavam de alguma forma para conceitos de consciência histórica e memória

próprios de um pensamento histórico pouco expectável entre crianças dos quatro

primeiros anos de escolaridade (6-10 anos), mas já emergente em alunos do 3.º e 4.º ano,

é disso exemplo o pensamento da Anabela do 4.º ano:

Se eu estivesse aqui sem saber nada do que tinha acontecido antes era muito esquisito, não sabia nada, porque não sabia nada, porque não sabia nada sobre o passado da minha família, dos outros seres humanos.

No próximo ponto deste texto apresentaremos o nosso estudo, centrando a nossa

análise e discussão sobre ideias de consciência histórica e significância histórica dos

alunos do 1.º CEB que participaram no nosso estudo (SOLÉ, 2009), com uma maior

profundidade e com novos dados analisados sobre ideias de significância histórica

relativamente a outros textos apresentados em congressos internacionais, publicados ou

ainda no prelo.

A consciência histórica e a significância histórica em alunos do 1.º CEB: um estudo

de caso

Metodologia

Este estudo é apenas uma parte do estudo realizado no âmbito do doutoramento

intitulado, O ensino da História no 1.º Ciclo: a concepção do tempo histórico nas crianças

e os contextos para o seu desenvolvimento, realizado com alunos do 1.º Ciclo (6-10 anos)

em Portugal. O estudo foi realizado numa escola urbana de Braga em duas turmas, uma

no 1.º e 2.º ano e a outra 3.º e 4.º ano ao longo de dois anos escolares (2004-2005 e

2005- 2006). Foram usadas diversas estratégias de ensino de estudos Sociais e História

nestas turmas, procurando promover o ensino da história e do passado e desenvolver a

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compreensão temporal e histórica através de várias atividades implementadas pela

investigadora-professora e continuadas algumas delas pelos professores das turmas. Ao

longo dos dois anos escolares, cada aluno (24 no 1.º/2.º ano e 25 no 3.º e 4.º ano) foi

entrevistado três vezes: no início do 1.º e 3.º ano, no fim do 1.º e 2.º ano ou no fim do 3.º

e 4º ano. Quase a totalidade dos alunos do 4.º ano (22 alunos) foram novamente

entrevistados ao fim de 4 anos quando frequentavam o 8.º ano (2009-2010).

Através destas entrevistas, principalmente através das entrevistas finais com os

estudantes do 8.º ano, procurámos analisar nas respostas as eventuais mudanças na

concepção de passado e de história. Procurámos também avaliar o seu conhecimento

histórico adquirido ao longo do seu percurso escolar e como este projeto se refletiu no

desenvolvimento das suas competências em história.

As perguntas da entrevista deste estudo foram inspiradas nos estudos de Levstik e

Papas (1987), Levstik e Barton (1996) e Barton e Levstik (1996), concebidas com

objetivos semelhantes- compreender o tempo histórico nas crianças- que podem ser

analisadas nas categorias que se apresentam na secção seguinte. Em relação à questão

sobre o ensino da História, principalmente em relação ao com quem e como aprendem,

inspiramo-nos no estudo de nos estudos Hoge e Foster (2002).

Este artigo descreve apenas parte dos resultados do estudo realizado através das

entrevistas semi-estruturadas, centrado principalmente na relação entre consciência

histórica, memória e identidade presente na definição de história e passado e significância

histórica apresentada por estes alunos do 1.º ciclo, com foco na comparação dos dados

dos mesmos alunos no 3.º/4.º ano e no 8.º ano, 4 anos depois do projeto em que

participaram. Alguns destes dados foram já apresentados, nomeadamente na Tenth

Conference of Children‟s Identity and Citizenship in Europe Thematic Network (SOLÉ e

FREITAS, 2008), na 12th Annual conference- Lifelong Learning and Active Citizenship

(SOLÉ, 2010) e na Cice Regional conference “Globalocal citizenship (SOLÉ, 2011). Na

primeira conferência (SOLÉ, 2008) comparamos os dados dos alunos do 1.º/2.º ano (24

alunos) e do 3.º /4.º ano (25 alunos) e nas duas últimas comunicações apresentaram-se já

os dados comparativos com o 8.º ano (SOLÉ, 2010, 2011). Neste texto reforça-se a

significância histórica atribuída pelos alunos à aprendizagem da História como resultado

do projeto em que participaram.

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Procedemos à análise de conteúdo (BARDIN, 1994) das entrevistas e categorização

das respostas dos alunos. As categorias emergiram a partir da resposta dos alunos e com

base nas questões do protocolo da entrevista centradas na noção de história, passado e a

finalidade da história: Para ti, o que é o passado? O que entendes por História? Onde,

como, com quem aprendes história? Achas importante aprender história? Para que é que

serve? O mesmo protocolo de entrevista foi utilizado no 8.º ano (2009-2010), mas outras

questões foram colocadas para avaliar o impacto deste projeto na sua aprendizagem de

História. Para a construção das categorias recorremos ao software NVivo 2.0.

Análise e discussão dos resultados30

Relativamente ao passado os alunos expressam três concepções diferentes: o

passado cronológico, o passado pessoal e o passado histórico. Constatámos que a

maioria dos alunos (à exceção do 4.º ano) associa o passado ao passado cronológico e a

noções temporais referindo-se ao passado a algo que já aconteceu, que já passou e na

sua maioria há muito tempo.

Verifica-se em alunos do 1.º e 2.º ano e em alguns alunos do 3.º ano, a associação

de passado a diferentes tempos, tempo próximo ou tempo distante. Para a maioria dos

alunos do 3.º e do 4.º ano o passado são coisas que já se passaram, revelando uma

maior consciência que o passado não é só o que “aconteceu há muito tempo”, mas pode

ser também próximo. Revelam já uma noção clara de continuidade do tempo, do mais

longínquo para o mais próximo, outros dão exemplos de quantificação do tempo. Alguns

alunos explicam o passado por oposição aos outros tempos, presente e futuro.

No 8.º ano os mesmos alunos reforçam a ideia do passado associado a diferentes

tempos, mas também a um passado temporalmente indiferenciado: “Tudo aquilo que

aconteceu, independentemente do ano em que foi” (Rui Manuel). A ideia de continuidade

do tempo é reforçada neste ano de escolaridade, associada à ideia que o presente é parte

do passado como refere a Mariana: “São as coisas que aconteceram mas que continuam

a influenciar a nossa vida. As consequências do passado podem vir no futuro”.

A concepção de passado associado ao passado pessoal surge exclusivamente nos

alunos do 1.º e 2.º anos, e no início do 3.º ano, mas estes já estabelecem uma relação

30 Todos os nomes dos alunos referidos são pseudónimos, para se garantir o anonimato.

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entre o tempo pessoal e familiar com o tempo histórico localizando esse passado no

tempo histórico. A partir do 3.º ano, mas mais visível no 4.º ano, realçam já o que é mais

significativo na História, tanto a nível político como da vida quotidiana. A História é vista

como parte do passado por um número significativo de alunos do 4.º ano, mas de um

passado significativo, construído pelos historiadores a partir das fontes e que está em

constante construção através de novas pesquisas e investigações.

No 8.º ano a noção de passado é reforçada pela oposição ao presente, faz parte do

presente, contribuindo para compreender melhor o presente como refere o Bruno: “Acho

que existe passado para compararmos como éramos e como somos agora” mas também

perspetivar o futuro, procurando evitar cometer-se os erros do passado, ideia reforçada

pela Anabela: “Através do passado podemos „tomar precauções em relação ao futuro”. As

respostas destes alunos refletem de certa forma um dos tipos de consciência histórica, o

tipo exemplar, associado à ideia de perceção de horizonte temporal. Neste tipo

consciência histórica “a história é vista como uma recordação, como uma mensagem ou

lição para o presente” (RÜSEN, 2010b, p. 65).

Só no 8.º ano foi-lhes colocada diretamente a pergunta: Qual a diferença entre

passado e História?, considerando já que esta não está diretamente relacionada com a

diferença cronológica, embora alguns ainda a refiram, mas não associada já à ideia de

História relacionada com o passado longínquo, como se depreende na resposta da

Catarina: “Pode haver história na atualidade”. Essa diferença parece mais relacionada

com a relevância e significância, referindo que o passado integra tudo indistintamente,

enquanto que a História se refere aos acontecimentos mais importantes da humanidade

como constatámos na resposta do Isidro: “O passado é o que já aconteceu. A História

estuda os factos mais importantes que aconteceram”, contribuindo a história para a

construção do conhecimento do passado através da interpretação das fontes.

Tal como Levstik e Papas (1987) e Hoodless (1998) constatam, também pela análise

das respostas dos alunos se depreende que a partir do 2.º ano estes distinguem

perfeitamente história e passado em termos cronológicos, considerando que a História diz

respeito ao que aconteceu há muito tempo atrás e o passado é um tempo mais recente.

Esta ideia gradualmente vai sendo substituída pela relevância, selecção e significância

dos factos históricos que caracterizam a história, por oposição ao passado que é tudo.

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Da análise das respostas dos alunos à questão O que entendes por História? Alguns

de entre os mais novos associam a História ao conto/narrativa, isto pela própria

ambiguidade do termo história, que em português tem também este significado. No

entanto, tal como Levstik e Papas (1987) o referem, verificámos que alguns alunos mais

novos, do 1.º e do 2.º anos, já associam a História à cronologia, utilizando termos

relacionados com tempo para explicar o que é a História e a sua relação com o passado

como por exemplo, História é “o passado”, é “de há muito tempo”. Os do 3.º e 4.º anos

continuam a usar expressões semelhantes, mas alguns realçam a datação como

imprescindível na História como refere o Roberto “A História trata do que se passou ao

longo de todos estes séculos”. No 8.º ano os alunos têm já uma clara definição de

História, integrando explicitamente a dimensão temporal diacrónica, associada a

acontecimentos históricos como podemos constar em algumas respostas dos alunos: “É o

que se passou ao longo da vida dos humanos, desde a pré-história até à atualidade. São

os vários acontecimentos que foram ocorrendo” (Carolina). A conceção de passado

humano surge diluída noutras conceções, mas bem evidente na definição dada pelo

Tiago: “Estuda o passado desde a existência do homem, da existência da escrita”.

É a partir do final do 3.º ano e principalmente no 4.º ano que surge de forma mais

evidente a associação da História ao passado significativo, identificando o que é

realmente importante na História, realçando e dando exemplos de acontecimentos

importantes da História de Portugal, não só associados à História política, mas também

da vida quotidiana, que foi muito trabalhada ao longo do projeto. No 8.º ano vários alunos

salientam mesmo alguns factos importantes estudados pela história, inseridos em

temáticas que estudaram ou estavam a estudar, como se depreende na justificação dada

pela Guilhermina: “A Histórica é quando por exemplo a revolução industrial, a época

renascentista, a descoberta do fogo, foram todas pequenas coisas que foram importantes

para História, que foram importantes para a humanidade”.

Antes de uma aprendizagem formal de História alguns alunos do 2.º e 3.º ano

entendem a História como preservação da memória e identidade pessoal e familiar,

referindo palavras e expressões como “lembrança”, “recordação”, “o que passa de

geração em geração”. Os alunos após estudarem História reconhecem a História como

importante para a preservação da memória não só pessoal mas também nacional, e como

essencial para a construção da identidade individual e coletiva.

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Alguns alunos associam a História aos três tempos, relacionado com o tipo

tradicional da tipologia proposta por Rüsen (2010 b) da Consciência histórica, por

exemplo quando o José Marco do 4.º ano afirma: “A História pode ser passado, presente

e futuro. Neste nível de consciência histórica, a História valoriza o passado, o que é

significante e relevante para o presente, e que terá reflexos no futuro, em termos de

continuidade ao longo dos tempos das tradições culturais e modos de vida.

A consciência histórica surge no 8.º ano mais expressa quando explicam a finalidade

da História mais do que na definição de História, afirmando por exemplo o Rui Miguel: “A

História serve para compreender melhor o passado, para podermos perceber o presente e

o futuro. Para sermos melhores do que o que éramos”.

Se alguns alunos do 4.º ano reconheciam a importância da construção do

conhecimento histórico a partir da interpretação das fontes, da procura de evidências para

a produção de inferências históricas, no 8.º ano tendem a realçar a História como ciência,

pela preocupação com o rigor científico pelos métodos usados, como se depreende por

exemplo na afirmação do José Marco: “É na mesma o que se passou mas é provado

cientificamente. Aquilo que é cientificamente comprovado”. São poucos os alunos que

revelam ideias acerca da construção do conhecimento histórico, expresso no tipo crítica

da tipologia de consciência histórica (RÜSEN, 2010b).

Quanto à função da História, analisada a partir das respostas dadas pelos alunos à

pergunta: Achas importante aprender História? Para que serve? Em todos os anos de

escolaridade analisados os alunos destacam que é importante para saber, conhecer e

aprender, em que se evidência o papel da história como conhecimento escolar, integrado

na cultura geral. No 4.º ano há alunos que refletem nos seus comentários a importância

do estudo da História como preparação para uma posterior aprendizagem de História ao

longo do percurso escolar, nas suas opções académicas e posteriormente profissionais.

No 8.º ano a maioria dos alunos consideram que a História é importante para a “cultura

geral”, “se manterem informados sobre o que se passou” (Bernardete). A História é fonte

de conhecimento, de saber e por isso deve-se procurar esse conhecimento do passado.

Os mais novos valorizam a História pela sua função de preservação da memória e

identidade associada principalmente ao passado e à história da família e na transmissão

desse património familiar. Os mais velhos (3.º e 4.º anos) embora se refiram à sua

importância para a preservação da memória familiar, revelam já consciência da

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importância da história para a identidade pessoal, familiar mas também nacional. No 8.º

ano é valorizada a memória coletiva e nacional que contribui para a formação da

identidade nacional de um povo, bem expressa pelo Bruno: “nós temos que saber como é

o nosso país, saber como é que já fomos. Também viver num país e não sabermos como

é que evoluímos, como é que fomos antes e somos agora”.

Tínhamos verificado que um ou outro aluno do 2.º ano parecia já evidenciar um

sentimento de consciência histórica mesmo sem terem ainda estudado História,

provavelmente mais por repetição de expressões que ouvem dizer do que de uma

consciência efetiva dessa finalidade da História de esta contribuir para estudar o passado

para melhor compreender o presente e perspetivar o futuro. A ideia veicula pelos alunos

do 4.º ano que a História contribui para se evitar cometer os erros do passado é bastante

reforçada por alguns dos mesmos alunos no 8.º ano, dando mesmo exemplos de erros

cometidos no passado mais longínquo (ex. Escravatura, Inquisição) ou mais recentes

associados mesmo a catástrofes naturais como refere o Ricardo Manuel: “Estas coisas

que estão a acontecer no Haiti e na Madeira, a maior parte delas pode ser da natureza,

mas outras podem dever-se a erros do homem no passado”. Verificámos que alguns dos

alunos quando identificam erros do passado, como por exemplo a escravatura ou a

inquisição, evidenciam já um nível elevado de compreensão empática de acordo com o

modelo de progressão das ideias sobre empatia histórica proposto por Ashby e Lee

(1987) procurando problematizar e relacionar estas práticas no contexto da época, como

podemos verificar no discurso da Anabela: “por exemplo na altura da inquisição, certas

coisas que nós agora achamos absurdas temos que tentar compreender como é que

naquela época aquilo fazia sentido”.

Esta inter-relação entre o passado, o presente e futuro, reflete também

implicitamente valores de cidadania, na medida em que os cidadãos conhecendo o seu

passado compreendem melhor o presente, quem somos, e procuram ser melhores e agir

melhor no futuro, ideias presentes no discurso do Ricardo Manuel: “A História serve para

compreender melhor o passado, para podermos perceber o presente e o futuro. Para

sermos melhor do que o que éramos”. A ideia de que a História contribui para percecionar

e compreender as mudanças presente nos alunos do 4.º ano é reforçada pelos mesmos

alunos no 8.º ano, afirmando mesmo, uma das alunas que a História é importante “para

conhecermos a História de Portugal e assim sabermos a História do nosso país e

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podermos ver as diferenças entre o passado e agora” (Paula) ou mesmo partir do

presente para o passado, identificando semelhanças mas também diferenças, ideias de

mudança, bem explícitas no discurso da Sílvia: “Nós somos o reflexo do passado, (A

História), é importante para nos conhecermos mediante aquilo que se passou e ver as

diferenças, o que foi mudado”. Prevalece nestes alunos a noção de História associada

mais à mudança do que ao progresso assemelhando-se estes alunos mais às crianças

Irlandesas (Irlanda do Norte) de acordo com o estudo realizado por Barton (2001) em que

estas revelam uma conceção de História associada à ideia de mudança enquanto que as

crianças americanas tem mais uma conceção de progresso. Poderemos relacionar esta

conceção de história com o tipo genético, o quarto tipo pensamento histórico da

consciência histórica proposto por Rüsen (2010b), associado a uma visão dinâmica de

tempo, associado à ideia de mudança.

Decorridos quatro anos após o términus do projeto, em 2010 procurámos averiguar

o impacto e o contributo do projeto, realizado entre 2004-2006, na aprendizagem de

História ao longo do percurso escolar dos alunos mais velhos (3.º e 4.º anos) , tendo-lhes

sido colocado cinco novas questões:

- Em que medida o projeto sobre o Ensino da História em que participaste nos anos

letivos de 2004-2005 (3.º ano ) e 2005-2006 (4.º ano) contribuiu para uma melhor

aprendizagem de História no 2.º ciclo (5.º e 6.º anos e no 3.º ciclo (7.º e 8.º anos )?

Que nota tiveste a História no 5.º, 6.º, 7.º e 8.º (1.º período)?

-Que período da História Gostaste mais e porquê?

-Indica um acontecimento histórico importante na História de Portugal. Por que razão

o escolheste?

-Indica uma personagem histórica que achas importante na História de Portugal. Por

que razão a escolheste?

Quanto aos reflexos do projeto na aprendizagem de História ao longo do seu

percurso escolar todos os alunos foram unânimes em reconhecer os enormes benefícios

que este projeto lhes trouxe relativamente à aprendizagem de História, não só a nível dos

conhecimentos históricos que adquiram, mas também das capacidades desenvolvidas ao

nível da compreensão histórica e temporal, mas também na valorização, interesse e

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motivação que sentem no estudo por esta área disciplinar. Revelaram que no 5.º e 6.º

anos, na disciplina de História, já possuíam conhecimentos históricos que estavam a ser

lecionados e compreendiam melhor os temas e assuntos históricos por já terem alguns

conhecimentos, aplicavam também os conhecimentos adquiridos e relacionavam com

novos conteúdos lecionados, evidenciavam uma preparação diferente em relação aos

seus colegas de turma, que se evidenciava também ao nível da compreensão histórica.

Vários alunos afirmaram que os professores, ficavam admirados não só com os

conhecimentos históricos que possuíam mas também com as capacidades ao nível da

compreensão histórica. A Guilhermina na sua entrevista refere isso mesmo: “A mim

ajudou-me porque eu relacionava muito as coisas com o que tínhamos aprendido no 3.º e

4 anos [...] Foi relacionar o que tínhamos aprendido com o que estávamos a aprender. Já

podia ter termo de comparação e uma maneira diferente de interpretar […]”.

Destacam várias das experiências e estratégias pedagógicas, como por exemplo a

utilização e construção de linhas de tempo, genealogias, exploração de imagens,

narrativas e visitas a museus, que os marcaram e que contribuíram para desenvolver

competências específicas em História, relacionadas com a compreensão histórica ao nível

da contextualização, espacialidade e temporalidade, mas também competências na

interpretação de fontes e ao nível da comunicação, na construção de relatos e ideias

sínteses históricas. O Roberto Manuel realça a componente didático-pedagógica da

importância das várias estratégias utilizadas referindo: “Como éramos crianças a maneira

como eram abordados os assuntos era de grande importância […] por exemplo foi

importante usar linhas de tempo, colocar lá as imagens por ordem cronológica”. Outros

alunos realçam o papel das linhas de tempo no desenvolvimento da compreensão

temporal.

Estes alunos no 8.º ano revelaram-se participativos nas aulas de história, intervindo

ativamente nas aulas, questionando, discutindo, argumentando e contra-argumentando.

Eram alunos sempre interessados, motivados, como o destaca a Catarina: “Estávamos

mais interessados, às vezes (a professora) ficava admirada porque estávamos sempre

com o dedo no ar, comparávamos com o que tínhamos dado anteriormente”. Vários

alunos afirmaram que a História era das disciplinas que mais gostavam e que este projeto

os marcou e contribuiu para gostarem de história e que se irá manter ao longo da sua vida

independentemente das suas opções académicas e profissionais no futuro.

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

Relativamente ao aproveitamento escolar pudemos verificar que o impacto do

projeto também se refletiu nas classificações, principalmente nos dois anos seguintes ao

do projeto, com tendência para uma ligeira descida destas no 7.º e 8.º anos. A maioria

dos alunos, obtiveram a classificação 4 (Muito Bom), decrescendo ligeiramente do 5.ºano

(64%) para o 6.º ano (60%), e mais acentuadamente no 7.º (41%) para o 8.º ano (27%).

Os alunos justificaram esta diminuição nas notas, apontando principalmente duas razões:

1) maior quantidade e complexidade de conteúdos históricos a aprender; 2)

diferenças pedagógicas dos professores, que se refletem também indiretamente no seu

rendimento escolar. Um número significativo de alunos revelaram-se excelentes a

História, com nível 5, mantendo esta classificação ao longo dos quatro anos e no 8.º ano

dos 6 alunos excelentes, 4 deles já obtiveram esta classificação no 1.º período, o que

efetivamente comprova o elevado nível escolar destes alunos. Apenas dois alunos

obtiveram nota negativa a História, um deles no 5.º e 7.º ano e outro no 7.º e 8.º ano. A

classificação 3 só no 8.º ano é a nota dominante neste grupo de alunos. Ficámos

satisfeitas com o impacto do projeto, não só pelos êxitos académicos dos alunos, que se

confirmaram através das boas classificações obtidas na disciplina de História, mas pela

destreza e gosto com que os alunos falam de História, nas capacidades que o projeto lhes

proporcionou não só ao nível da compreensão histórica, mas também pelo

desenvolvimento de competências de carácter transversal.

Conclusão

A consciência histórica acerca do “nosso” passado e antepassados é importante

para sabermos quem somos e para onde queremos ir. Esta dimensão temporal, que

interrelaciona o passado, o presente e futuro deverá ser entendida como relevante no

ensino da História desde os primeiros anos de escolaridade. A consciência histórica surge

também associada à “memória coletiva”, à identidade e à cidadania, pois esta integra

também estas dimensões.

Procurámos neste artigo, articular o contributo da investigação ao nível da

epistemologia sobre consciência histórica, a partir dos contributos da corrente germânica,

destacando os estudos de Rüsen e outros estudos sobre significância histórica, com os

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

resultados de investigação empírica de um estudo de caso realizado com alunos do 1.º

ciclo sobre as conceções de passado, história e a sua finalidade (SOLÉ, 2009).

Os resultados deste estudo permitem afirmar que o sentimento de consciência

histórica parece evidenciar-se já em crianças de 6-7 anos, mesmo antes de uma

aprendizagem formal da História, embora ainda de forma emergente e mais evidente a

partir dos 8-10 anos, quando começam aprender História no 3.º ano (História local) e no

4.º ano (História Nacional). Sugere por isso este estudo que os alunos do 1.º CEB têm já

uma perceção da relevância e importância do estudo da História desde os primeiros anos

de escolaridade, apresentando ideias emergentes de consciência histórica (RÜSEN,

2010b). Encontramos nestes alunos diferentes tipos de consciência histórica de acordo

com a tipologia de Rüsen (2010b), tendo sido o tipo tradicional e o tipo exemplar os mais

frequentes entre os mais novos. No final do projeto, alguns de entre os mais velhos,

revelaram pensamento histórico mais complexo em relação à consciência histórica, que

poderemos relacionar de certa forma ao tipo crítico e genético da tipologia de Rüsen

(2010b).

Os alunos envolvidos no projeto reconheceram que a História é importante para o

conhecimento histórico de quem somos, para a construção da nossa identidade a várias

níveis, é importante para conhecer o passado para compreender o presente e projetar

caminhos para futuro. Contribui também para desenvolver competências específicas de

carácter cognitivo diretamente relacionadas com o pensamento histórico, assim como

promover competências transversais. A história revela-se também importante para uma

cidadania mais responsável e participativa, pois só conhecendo o passado, podemos

compreender o presente e perspetivar um futuro melhor. Assim, o modo como se concebe

o tempo em História e as suas inter-relações temporais pode refletir-se na consciência

histórica e na tomada de decisões.

O estudo permitiu revelar a importância de se realizar com os alunos um tipo de

ensino que privilegie o construtivismo no ensino da História, através do recurso a

estratégias diversas e metodologias diversificadas que promovam o desenvolvimento do

pensamento histórico dos alunos e o interesse pelo estudo da História, tendo-se

constatado isso nos alunos que participaram neste estudo no 3.º e 4.º ano, demonstrarem

no 8.º ano as capacidades e competências que desenvolveram nesta área curricular.

Também verificámos que a significância que os alunos atribuem aos acontecimentos

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

históricos, personagens históricos e períodos históricos, indicia a aprendizagem, que

estes realizam da História. Este estudo sugere também que o curriculum e determinadas

estratégias pedagógicas de ensino da história são importantes para a construção de uma

consciência histórica ativa e interventiva na sociedade do presente.

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

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ENTREVISTA

Realizada com o Doutorando Nilson Javier Ibagón Martín, professor do

Departamento de História da Universidad del Valle (Cali-Colômbia), por e-mail, foi

conduzida pelo professor Dr. Geyso Dongley Germinari/UNICENTRO e pela professora

Ms. Solange Maria do Nascimento / SEED e UFPR. Tradução de Flávio Luis dos Santos.

1. Geyso e Solange: Professor Javier Ibagón Martín conte-nos um pouco sobre sua

formação e sobre sua atuação profissional.

Javier Ibagón: Sou licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Distrital Francisco

Jose de Caldas. Especialista em Currículo e Pedagogia na Universidade dos Antes e

Mestre em História na Universidade Javeriana. Com uma bolsa de estudos concedida

pelo Ministério da Educacão da Argentina e a Organização dos Estados Ibero-americanos

(OEI), pude fortalecer em FLACSO-Argentina minha formação acadêmica em Ciências

Sociais com orientação em educação. Atualmente faço doutorado em Educação na

Universidade de Murcia – Espanha, sob a orientação dos Doutores Pedro Miralles

Martínez e Javier Maquilón.

Tenho trabalhado na universidade colombiana na formação de docentes de Ciências

Sociais, História, Filosofia e Educação Infantil. Além disso, durante dez anos fui docente

de ciências sociais, políticas e econômicas no Ensino Fundamental II e Médio. No final de

2016, por meio de um concurso público, fui nomeado professor para o Departamento de

História da Universidade do Vale – Cali, Colômbia, na qual trabalho na área específica de

Didática da História. As investigações e publicações acadêmicas que tenho produzido

estão concentradas, principalmente, na análise da política educacional na Colômbia, o

ensino e a aprendizagem da história e a formação de docente.

2. Geyso e Solange: Como tem sido a recepção da perspectiva da Educação Histórica

na Colômbia?

Javier Ibagón: Em princípio, para entender a recepção, é necessário esclarecer que na

Colômbia a discussão e produção acadêmica sobre a aprendizagem e o ensino da

história são muito deficitárias em comparação com outros países latino-americanos. São

quatro os pontos que, de acordo com a minha opinião, explicam essa situação. Em

primeiro lugar, na Colômbia faz três décadas que a história deixou de ser uma disciplina

independente no currículo oficial, sendo integrada a uma área comum chamada de

Ciências Sociais. Embora esta denominação não tenha excluído de modo definitivo o

ensino de certos conteúdos substantivos associados à história, com o tempo, levou a um

plano marginal as reflexões educacionais em torno da didática específica da história que

requer o estudo desses conteúdos.

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Com o marco dessa transformação curricular emergiram e se consolidaram setores

acadêmicos que veem na história um conhecimento escolar que pouco ou nada agrega à

formação das novas gerações. Suas criticas, embora em um momento tenham desvelado

as falhas que se apresentaram no ensino da história oficial – memorização, difusão de

uma identidade homogênea, negação da alteridade, etc. -, entraram em um processo de

fundamentalismo que impediu aos acadêmicos reconhecer a existências de outras formas

de entender e conceber a formação em história e os aportes que pode ter, por exemplo, o

desenvolvimento do pensamento histórico na escola. Estes setores que hoje tem uma

interferência importante na definição de políticas curriculares oficiais das ciências sociais

escolares na Colômbia assumem que falar sobre o ensino de história implicaria em um

retrocesso curricular no país; ideia que difundiram através de diversos meios –

congressos, revistas, meios de comunicação – e que ajudou a debilitar (ou que prejudica)

o campo de reflexão sobre o ensino e a aprendizagem da história.

Em terceiro lugar e no contexto das duas situações anteriormente descritas se deve

ter presente que no país até a pouco tempo somente existia um programa de licenciatura

em História31 (Univerdad del Valle), a qual contrasta com a existência de um importante

número de licenciaturas em Ciências Sociais. Em que pese que nos planos de estudos da

maioria dos programas acadêmicos existem linhas e espaços de formação baseados

especificamente na abordagem de conteúdos históricos, os problemas associados ao

como, para quê, que e por quê se ensina história, com algumas exceções, não se

constituem em objetos de investigação e formação.

Finalmente, esta ausência se estende para a formação na pós-graduação, na qual a

oferta de programas específicos sobre o ensino da história é inexistente. Os únicos

espaços de reflexão sobre este objeto de estudo em particular têm-se constituído ou

mantidos através de grupos de investigação articulados por alguns doutores e mestres em

História. Não obstante, nesses programas a legitimidade de sua presença, em geral, é

colocada em questão, na medida em que se assume que a discussão sobre o ensino e a

aprendizagem pertence a outras esferas de conhecimento que não têm o status e o valor

que certos setores acadêmicos consideram – historiadores profissionais – se tem a

produção disciplinar em história.

O marco dessas dificuldades, na perspectiva da Educação Histórica, tem permitido

gradativamente a certos acadêmicos colombianos projetar rotas de trabalho que permitam

constituir um campo específico de reflexão em torno do ensino e aprendizagem da

História no país. Em outras palavras, a Educação Histórica está sendo constituída em

uma base teórica e pratica a partir da qual várias iniciativas pessoais e institucionais

vendo sendo desenvolvidas, se articulam efetivamente buscando potencializar e fortalecer

experiências formativas que reconhecem na história um saber fundamental. Em principio

a disseminação que vem sendo realizada desta perspectiva tem sido recebido de modo

importante por grupos chaves: os professores e os historiadores profissionais. Os

31 Na Colômbia quando se fala de licenciaturas se faz referência a programas universitários que formam especificamente futuros professores. Neste sentido, ao menos formalmente, existe uma diferença entre ser historiador e ser licenciado em história.

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

primeiros, quando se aproximam dos princípios básicos da Educação Histórica

estabelecem uma conexão direta com sua prática, desde o reconhecimento de que já

realizam efetivamente durante suas aulas ou o que poderiam realizar nelas. Os segundos,

ao identificar que um dos pilares centrais da fundamentação da Educação Histórica se

encontram na epistemologia da História começaram a ter uma abertura maior em torno

das discussões, projetos, espaços de formação em que se baseia o problema do ensino e

da aprendizagem da disciplina.

Geyso e Solange: Qual é o espaço da pesquisa em Educação Histórica na Colômbia?

Javier Ibagón: É promissor, embora com vários desafios pela frente, o maior deles é um

converter-se em um referencial que oriente a reflexão sobre o ensino e a aprendizagem

da história no país, sem que isso implique que seja assumida a lógica de transferência

acrítica do conhecimento. É importante reconhecer os avanços que vem sendo

desenvolvidos no espaço educacional e em outros contextos nacionais a partir da

Educação Histórica, contudo é necessário ter presente que no caso colombiano existem

realidades e necessidades particulares que requerem adequações e inovações próprias.

A partir deste princípio considero que existem cinco vertentes de trabalho investigativo

que podem ser frutíferos no país:

- Estudos e análise da relação que existe entre epistemologia da história e didática da historia, a partir de dimensões teóricas e práticas.

- Estudo e análise da história difícil que representa o conflito armado colombiano e seu lugar como temática escolar.

- Análise das relações entre a cultura escolar e a cultura histórica, como meio para entender as diferentes variáveis que definem o ensino e a aprendizagem da história.

- Compreensão e análise das relações que existem entre a História a ensinar (currículo oficial), a história ensinada (práticas docentes) e a história aprendida (agência dos estudantes/ espaço dos estudantes/perspectiva dos estudantes).

- Sistematização de experiências educativas que sustentam o desenvolvimento do pensamento histórico.

Geyso e Solange: Poderia descrever experiências de formação inicial e/ou continuada de

professores na perspectiva da Educação Histórica desenvolvidas pela sua universidade?

Javier Ibagón: Há cinco anos, o departamento de História da Universidade do Vale,

iniciou um processo de fortalecimento da área específica de didática da História, um

campo que estava formalizado em documento, mas que ocupava um terceiro plano de

importância na hora de pensar os projetos formativos e investigativos que se

desenvolviam no interior da instituição. Há três anos, a partir do contato direto com a

perspectiva da Educação Histórica e seus fundamentos epistêmicos, o horizonte de

trabalho a seguir tornou-se mais claro, na medida em que permitiu aos professores

estabelecer certos consensos acerca do lugar que deve ocupar a reflexão sobre o ensino

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e a aprendizagem da história como objeto de reflexão no interior do Departamento. A

partir desses consensos várias iniciativas foram impactadas positivamente os diferentes

programas acadêmicos de formação inicial e na pós-graduação que estão sob a

responsabilidade do Departamento de História.

No caso da formação inicial, foram adotadas as basses teóricas da Educação

História para basear o eixo de formação didática do programa de licenciatura em História.

Isso permitiu iniciar um proceso de reflexão curricular muito interessante, sobre os

conteúdos e metodologias que devem ser contemplados na formação de professores de

história. Da mesma forma abriu-se uma linha de pesquisa específica em Educação

Histórica articulada aos Mestres em história do departamento. Nesse momento estão

sendo desenvolvidos dois trabalhos de mestrado com este enfoque.

No médio prazo tem-se contemplada a criação da Especialização em Educação

Histórica, que busca por um lado, converte-se em um espaçode formação voltado

especialmente aos professores (as) de Ciências Sociais e História do sudoeste do país,

por outro lado, tornar-se um nó de articulação acadêmica com grupos de pesquisa de

universidades internacionais e nacionais que desenvolveram um trabalho significativo

neste campo específico. Além dessas iniciativas, o Departamento de História de Univalle

foi convocado pela Associação Ibero-americana de Educação Histórica para organizar,

em agosto de 2019 o XIX Congresso Internacional de Educação Histórica”; desafio que foi

assumido com muito entusiasmo por parte dos professores e estudantes, os quais, veem

nesse evento a oportunidade de ter em primeira mão as dissertações de especialistas

mundiais no assunto, e um espaço em que podem conhecer as diferentes pesquisas que

o país e a região vem desenvolvendo em matéria de ensino e aprendizagem de história.

Da mesma forma, o Congreso foi visto como um meio através do qual as redes de

conhecimento que vem se estabelecendo na Iberoamerica ao redor da Educação

Histórica se fortaleçam ainda mais e tenham na Universidade del Valle um aliado

estratégico.

O intercâmbio acadêmico realizado com a Universidade Federal do Paraná,

especificamente com o "Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica" - LAPEDUH,

dirigido pela Dra. Maria Auxiliadora Schmidt, tem sido fundamental nesses projetos em

andamento e projetados. Através deste contato, tem havido aprendizado significativo em

vários campos teóricos e práticos os quais foram capazes de estruturar e gerenciar os

projetos e iniciativas acadêmicas mencionados anteriormente. Além disso, através do

LAPEDUH foi viabilizada a comunicação com pesquisadores e grupos de pesquisa do

Brasil, Portugal, Espanha, Estados Unidos e Inglaterra, que no futuro serão fundamentais

na consolidação do projeto de Educação Histórica no Departamento de História da

Universidade de Valle

Geyso e Solange: Para encerrar nossa entrevista, professor conte um pouco sobre as

suas atuais pesquisas no campo da Educação Histórica.

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Javier Ibagón: No momento, estou desenvolvendo dois projetos de pesquisa. O primeiro

está ligado a uma das linhas de trabalho do Grupo de Pesquisa Histórica em Economia,

Política e Educação – IHEPE (sigla em espanhol) -, no qual trabalho como pesquisador

principal. Este projeto procura identificar e analisar discursos escolares que existem na

educação básica secundária e média em torno do conflito armado colombiano. Para tanto,

foram definidos como objetos de estudo, regulamentos curriculares oficiais para o ensino

de ciências sociais no país, textos escolares, narrativas de alunos do ensino médio e

posições pedagógicas e disciplinares de professores em exercício sobre o assunto em

questão. Alguns dos resultados parciais foram apresentados em eventos acadêmicos

internacionais, como a 15ª History Educators International Research Network Conference

realizada na cidade de Corfu-Grécia em 2018, e o XVIII Congresso Internacional de

Educação Histórica, realizado em Múrcia-Espanha no final do ano passado.

O segundo projeto de pesquisa que está em andamento é o da minha pesquisa de

doutorado. Nele, através de uma abordagem que dialoga perspectivas metodológicas

quantitativas - Questionários com escala Likert – e qualitativas- produções narrativas

escritas - analiso o desenvolvimento da consciência histórica de jovens estudantes

colombianos e espanhóis. Atualmente, estou na fase de análise da informação após ter

aplicado os instrumentos de pesquisa a mais de mil e duzentos (1200) estudantes que

estão cursando em Bogotá e Múrcia o último ano da escolaridade obrigatória em seus

respectivos países. Alguns dos resultados parciais serão apresentados este ano no VI

Encontro Internacional sobre o Ensino da História, evento que será realizado na cidade de

Monterrey-México e é organizado pela Rede de Especialistas em Ensino, Difusão e

Pesquisa em Educação da Universidade de Monterrey. História, que reúne várias

universidades mexicanas e centros de treinamento que trabalham neste campo

específico. Haverá também uma apresentação de alguns resultados da pesquisa, no

âmbito do XIX Congresso Internacional de Educação Histórica, evento organizado pela

Universidade Valle, a ser realizado na cidade de Cali-Colômbia.

La entrevista con Doutorando Nilson Javier Ibagón Martín, profesor del

Departamento de Historia de la Universidad del Valle (Cali-Colombia), por correo

electrónico, fue realizada por el Profesor Dr. Geyso Dongley Germinari - Unicentro y la

Profesora Ms. Solange Maria do Nascimento. Con traducción de Flávio Luis dos Santos.

1. Geyso y Solange: Profesor Javier Ibagón Martín cuéntenos un poco sobre su

formación y su actuación profesional

Javier Ibagón: Soy licenciado en Ciencias Sociales de la Universidad Distrital “Francisco

José de Caldas”. Especialista en Currículo y Pedagogía de la Universidad de los Andes y

Magister en Historia de la Pontificia Universidad Javeriana. Mediante una beca de

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Revista Ibero-Americana de Educação Histórica, Curitiba, v. 2, n.1, jan./jun. 2019.

estudios otorgada por el Ministerio de Educación de Argentina y la Organización de

Estados Iberoamericanos (OEI), pude fortalecer en FLACSO-Argentina mi formación

académica obteniendo los títulos de Especialista en Políticas Educativas y Magister en

Ciencias Sociales con orientación en educación. Actualmente curso mis estudios

doctorales en Educación en la Universidad de Murcia –España-, bajo la orientación de los

doctores Pedro Miralles Martínez y Javier Maquilón.

Me he desempeñado en el sector universitario colombiano en la formación de

docentes de Ciencias Sociales, Historia, Filosofía y Educación Infantil. Asimismo, durante

diez años fui docente de ciencias sociales, políticas y económicas en los niveles de básica

secundaria y media. A finales del año 2016, por medio de un concurso público de méritos,

fui nombrado profesor de planta en el Departamento de Historia de la Universidad del

Valle –Cali, Colombia-. Allí me desempeño en el área específica de didáctica de la

Historia. Las investigaciones y publicaciones académicas que he llevado a cabo se han

concentrado principalmente en el análisis de la política educativa en Colombia, la

enseñanza y aprendizaje de la historia y la formación docente.

2. Geyso y Solange: ¿Cómo ha sido la recepción de la perspectiva de la Educación

Histórica en Colombia?

Javier Ibagón: En principio, para entender esta recepción, es necesario aclarar que en

Colombia la discusión y producción académica sobre el aprendizaje y la enseñanza de la

historia es muy débil en comparación a otros países latinoamericanos. Cuatro son los

puntos que según mi opinión explican esta situación. En primer lugar, en el país desde hace

tres décadas, la historia dejó de ser una asignatura independiente en el currículo oficial,

siendo integrada a un área denominada Ciencias Sociales. Esta determinación aunque no

excluyó del todo la enseñanza de ciertos contenidos substantivos asociados a la historia,

con el tiempo, llevó a un plano marginal las reflexiones educativas en torno a la didáctica

específica que requiere el estudio de esos contenidos.

En el marco de esa transformación curricular, emergieron y se consolidaron sectores

académicos que ven en la historia un conocimiento escolar que poco o nada aporta a la

formación de las nuevas generaciones. Sus criticas, aunque en un momento develaron las

fallas que se presentaban en la enseñanza de la historia oficial –memorización, difusión

de una identidad homogénea, negación de la otredad, etc.-, entraron en un proceso de

fundamentalismo que les ha impedido reconocer a estos académicos la existencia de

otras formas de entender y concebir la formación en historia y los aportes que puede

tener, por ejemplo, el desarrollo del pensamiento histórico en la escuela. Estos sectores,

que tienen hoy una injerencia importante en la definición de las políticas curriculares

oficiales de las ciencias sociales escolares en Colombia, asumen que hablar de

enseñanza de la historia implicaría un retroceso curricular en el país; idea que han

difundido a través de diversos medios –congresos, revistas, medios de comunicación- y

que ha ayudado a debilitar el campo de reflexión sobre la enseñanza y aprendizaje de la

historia.

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En tercer lugar y en el contexto de las dos situaciones anteriormente descritas, se

debe tener presente que en el país hasta hace poco, sólo existía un programa de

licenciatura en Historia32 (Universidad del Valle), lo cual, contrasta con la existencia de un

número importante de licenciaturas en Ciencias Sociales. Pese a que, en los planes de

estudio de la mayoría de estos programas académicos existen líneas y espacios de

formación basados específicamente en el abordaje de contenidos históricos, los

problemas asociados al cómo, para qué, qué y por qué se enseña historia, salvo algunas

excepciones, no se constituyen en objetos de investigación y formación.

Finalmente, esta ausencia se extiende a la formación pos-gradual, en la cual, la

oferta de programas específicos sobre enseñanza de la historia es inexistente. Los únicos

espacios de reflexión sobre este objeto de estudio en particular, se han constituido o

mantenido a través de grupos de investigación articulados a algunos doctorados y

maestrías en Historia. No obstante, en estos programas la legitimidad de su presencia,

por lo general, es puesta en cuestión, en la medida que se asume que la discusión sobre

la enseñanza y aprendizaje pertenece a otras esferas de conocimiento que no alcanzan a

tener el estatus y valor que según ciertos sectores de académicos –historiadores

profesionales- si tiene la producción disciplinar en historia.

En el marco de estas dificultades, la perspectiva de Educación Histórica le ha

permitido paulatinamente a ciertos académicos colombianos proyectar rutas de trabajo

que permitan constituir un campo específico de reflexión en torno a la enseñanza y el

aprendizaje de la Historia en el país. En otras palabras, la Educación Histórica se ha

venido constituyendo en un anclaje teórico y práctico, desde el cual, varias iniciativas

personales e institucionales que ya se venían desarrollando, se articulen efectivamente

buscando potenciar y fortalecer experiencias formativas que reconocen en la historia un

saber fundamental. En principio la difusión que se ha venido realizando de esta

perspectiva ha tenido una recepción muy importante en integrantes de dos grupos claves:

el profesorado y los historiadores profesionales. Los primeros, cuando se aproximan a los

principios básicos de la Educación histórica establecen una conexión directa con su

práctica, ya sea, desde el reconocimiento de lo que realizan efectivamente al interior de

las aulas o, lo que podrían realizar en ellas. Los segundos, al identificar que uno de los

pilares centrales de fundamentación de la Educación Histórica se encuentra en la

epistemología de la Historia, han comenzado a tener una apertura mayor en torno a

discusiones, proyectos, espacios de formación que se soportan en el problema de la

enseñanza y el aprendizaje de la disciplina.

Geyso y Solange: ¿Cuál es el espacio de la investigación en Educación Histórica en

Colombia?

32 En Colombia cuando se habla de licenciaturas se hace referencia a programas universitarios que forman específicamente a futuros maestros. En este sentido, al menos desde lo formal, existe una diferencia entre ser historiador y ser licenciado en historia.

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Javier Ibagón: Es prometedor aunque con varios retos por delante, el mayor de ellos

convertirse en un referente que oriente la reflexión sobre la enseñanza y el aprendizaje de

la historia en el país, sin que ello implique que sea asumido desde la lógica de una

transferencia acrítica de conocimiento. Es importante reconocer los avances en materia

educativa que se han desarrollado en otros contextos nacionales a partir de la Educación

Histórica, sin embargo, es central tener presente que en el caso colombiano existen

realidades y necesidades particulares que requieren adecuaciones e innovaciones

propias. A partir de este principio considero que existen cinco vertientes de trabajo

investigativo que pueden ser fructíferos en el país:

- Estudio y análisis de la relación que existe entre epistemología de la historia y didáctica de la historia, a partir de dimensiones teóricas y prácticas.

- Estudio y análisis de la historia difícil que representa el conflicto armado colombiano y su lugar como temática escolar.

- Análisis de las relaciones entre la cultura escolar y la cultura histórica, como medio para entender las diferentes variables que definen la enseñanza y aprendizaje de la historia.

- Comprensión y análisis de las relaciones que existen entre la Historia a enseñar (Currículo oficial), la historia enseñada (Prácticas docentes) y la historia aprendida (agencia de los estudiantes).

- Sistematización de experiencias educativas sustentadas en el desarrollo del pensamiento histórico.

Geyso y Solange: ¿Podría describir experiencias de formación inicial y/o continuada de

profesores en la perspectiva de la Educación Histórica desarrollada por su Universidad?

Javier Ibagón: El Departamento de Historia de la Universidad del Valle, desde hace cinco

años inició un proceso de fortalecimiento del área específica de didáctica de la Historia,

un campo que desde hace tiempo estaba formalizado en el papel, pero que ocupaba un

tercer plano de importancia a la hora de pensar los proyectos formativos e investigativos

que se desarrollaban al interior de éste. Desde hace tres años a partir del contacto directo

con la perspectiva de Educación Histórica y sus fundamentos epistémicos, el horizonte de

trabajo a seguir se ha vuelto más claro, en la medida que éstos han permitido al interior

del cuerpo profesoral establecer ciertos consensos acerca del lugar que debe ocupar la

reflexión sobre la enseñanza y aprendizaje de la historia como objeto de reflexión al

interior del Departamento. A partir de estos consensos se han impulsado una serie de

iniciativas que han venido impactando positivamente los diferentes programas

académicos de formación inicial y pos-gradual que están a cargo del Departamento de

Historia.

En el caso de la formación inicial, se han adoptado las bases teóricas de la

Educación Histórica para fundamentar el eje de formación didáctica del programa de

licenciatura en Historia. Esto ha permitido iniciar un proceso de reflexión curricular muy

interesante, sobre los contenidos y metodologías que deben ser contemplados en la

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formación de maestros en Historia. Asimismo, se ha abierto una línea de investigación

específica en Educación Histórica articulada a la Maestría en Historia del Departamento.

En estos momentos se encuentran desarrollando dos trabajos de maestría desde este

enfoque. A mediano plazo se tiene contemplada la creación de la Especialización en

Educación Histórica, que busca por un lado, convertirse en un espacio formativo dirigido

especialmente a maestros y maestras de Ciencias Sociales e Historia del suroccidente del

país, y por otro, en un nodo de articulación académica con grupos de investigación de

universidades internacionales y nacionales que han desarrollado un trabajo significativo

en este campo específico.

Sumado a estas iniciativas, el Departamento de Historia de Univalle fue convocado

por la Asociación Iberoamericana de Educación Histórica para organizar en agosto de

2019 el “XIX Congreso Internacional de Educación Histórica”; reto que ha sido asumido

con mucho entusiasmo por parte de profesores y estudiantes, los cuales, ven en este

evento la oportunidad de tener de primera mano las disertaciones de expertos mundiales

en el tema, y un espacio en el que se puede dar a conocer las diferentes experiencias que

en el país y la región se vienen desarrollando en materia de enseñanza y aprendizaje de

la historia. Asimismo, el Congreso se ha entendido como un medio a través del cual las

redes de conocimiento que se han venido estableciendo en Iberoamérica alrededor de la

Educación Histórica se fortalezcan aún más y tengan en la Universidad del Valle un aliado

estratégico.

En estos proyectos en marcha y proyectados ha sido fundamental el intercambio

académico que se ha tenido con la Universidad Federal de Paraná, específicamente con

el “Laboratório de pesquisa em Educação Histórica” –LAPEDHU- dirigido por la Doctora

María Auxiliadora Schmidt. A través de este contacto se ha producido un aprendizaje

significativo en diversos campos teóricos y prácticos desde los cuales se han podido

estructurar y gestionar los proyectos e iniciativas académicas mencionadas anteriormente.

Además a través del LAPEDHU se ha viabilizado la comunicación con investigadores y

grupos de investigación de Brasil, Portugal, España, Estados Unidos e Inglaterra, que a

futuro serán claves en la consolidación del proyecto de Educación Histórica en el

Departamento de Historia de la Universidad del Valle.

Geyso y Solange: Para cerrar nuestra entrevista, profesor, cuéntenos un poco de sus

actuales investigaciones en el campo de la Educación Histórica.

Javier Ibagón: En estos momentos estoy desarrollando dos proyectos de investigación.

El primero de ellos está articulado a una de las líneas de trabajo del Grupo de

Investigaciones Históricas en Economía, Política y Educación –IHEPE-, en el cual me

desempeño como investigador principal. En este proyecto se busca identificar y analizar

discursos escolares que existen en la educación básica secundaria y media en torno al

conflicto armado colombiano. Para ello, se han definido como objetos de estudio, las

normativas curriculares oficiales de enseñanza de las ciencias sociales en el país, textos

escolares, narraciones de estudiantes de educación media y posicionamientos

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pedagógicos y disciplinares de maestros en ejercicio sobre el tema en cuestión. Algunos

de los resultados parciales se han presentado en eventos académicos internacionales

como el 15 History Educators International Research Network Conference celebrado en la

ciudad de Corfú-Grecia en 2018, y el XVIII Congreso Internacional de Educación Histórica,

llevado a cabo en Murcia-España a finales del año pasado.

El segundo proyecto de investigación que está en curso, es el de mi investigación

doctoral. En ella, a través de un enfoque que pone en diálogo perspectivas metodológicas

cuantitativas –cuestionarios con escala Likert- y cualitativas –producciones narrativas

escritas-, analizo el desarrollo de la conciencia histórica de jóvenes estudiantes

colombianos y españoles. Actualmente me encuentro en la fase de análisis de la

información luego de haber aplicado los instrumentos de investigación a más de mil

doscientos (1200) estudiantes que cursan en Bogotá y Murcia el último año de educación

obligatoria en sus respectivos países. Algunos de los resultados parciales se presentarán

este año en el VI Encuentro Internacional de Enseñanza de la Historia, evento que se

desarrollará en la ciudad de Monterrey-México y que es organizado por la Red de

Especialistas en Docencia, Difusión e Investigación en Enseñanza de la Historia, la cual

agrupa a diversas Universidades y centros de formación mexicanos que trabajan en este

campo específico. Además se hará una presentación de algunos resultados de la

investigación, en el marco del XIX Congreso Internacional de Educación Histórica, evento

organizado por la Universidad del Valle, que se realizará en la ciudad de Cali-Colombia.

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