ri 183 - a essência do "compliance"

2
por ROBERTO GOLDSTAJN Nos últimos anos a sociedade brasileira assistiu incrédula a uma série de escândalos corporativos com o envolvimento, infelizmente, de pessoas ligadas ao poder público. Nessa esteira o Supremo Tribunal Federal condenou recentemente diversas fi guras privadas com base na bem sucedida tese da “Teoria do Domínio do Fato” onde executivos de primeiro escalão foram punidos por ilícitos cometidos por seus subordinados (Ação Penal nº 470). Após enormes pressões populares - e atendendo uma antiga exigência da Convenção sobre o Combate a Corrupção de Funcionários Públicos em Transações Comerciais Interna- cionais – Convenção da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, o Governo Federal editou a Lei nº 12.846/13, mais conhecida como Lei Anticorrupção, com uma importante inovação, nesse caso, a possibilidade de punição adicional da pessoa jurídica sem prejuízo da apuração da responsabilidades de seus dirigentes. Com o advento dessa norma inúmeras empresas iniciaram o desenvolvimento do programa de “compliance” motiva- das pelo dispositivo legal que garante pena mais branda em caso de comprovação de um programa eficaz para coibir a prática de condutas ilícitas ali tipificadas. Essa movimentação tem exigido enorme esforço dos res- ponsáveis pela área nas sociedades empresárias para divul- gar a necessidade de relacionamento ético e transparente com as autoridades públicas. Evidente a importância dessa novidade legislativa para coi- bir e/ou minimizar riscos de fraudes corporativas. A despeito da necessidade de aperfeiçoamento das relações entre entes públicos e privados, o tema desperta atenção para outra demanda. E qual? A ausência de disseminação da cultura de boas práticas cor- porativas junto aos demais “stakeholders”, posto que a cria- ção da área de “compliance” motivada pela edição de uma lei não parece ser bastante para perenidade dos negócios. Indiscutível que o bom relacionamento com todos seus ato- res sociais contribui - e muito - para o sucesso das atividades empresariais. Poucas empresas dedicam tempo para moni- torar o relacionamento com seus empregados, fornecedo- res, clientes, acionistas, investidores, dentre outros. Nunca é demais frisar as recentes acusações de “dumping social” que recaem sobre grandes companhias. Também A ESSÊNCIA DO COMPLIANCE COMPLIANCE 52 REVISTA RI Maio 2014 COMPLIANCE 52 REVISTA RI

Upload: roberto-goldstajn

Post on 05-Jul-2015

254 views

Category:

Economy & Finance


6 download

TRANSCRIPT

Page 1: RI 183 - A essência do "compliance"

por ROBERTO GOLDSTAJN

Nos últimos anos a sociedade brasileira assistiu incrédula a uma série de escândalos corporativos com o envolvimento, infelizmente, de pessoas ligadas ao poder público. Nessa esteira o Supremo Tribunal Federal condenou recentemente diversas fi guras privadas com base na bem sucedida tese da “Teoria do Domínio do Fato” onde executivos de primeiro escalão foram punidos por ilícitos cometidos por seus subordinados (Ação Penal nº 470).

Após enormes pressões populares - e atendendo uma antiga exigência da Convenção sobre o Combate a Corrupção de Funcionários Públicos em Transações Comerciais Interna-cionais – Convenção da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, o Governo Federal editou a Lei nº 12.846/13, mais conhecida como Lei Anticorrupção, com uma importante inovação, nesse caso, a possibilidade de punição adicional da pessoa jurídica sem prejuízo da apuração da responsabilidades de seus dirigentes.

Com o advento dessa norma inúmeras empresas iniciaram o desenvolvimento do programa de “compliance” motiva-das pelo dispositivo legal que garante pena mais branda em caso de comprovação de um programa efi caz para coibir a prática de condutas ilícitas ali tipifi cadas.

Essa movimentação tem exigido enorme esforço dos res-ponsáveis pela área nas sociedades empresárias para divul-gar a necessidade de relacionamento ético e transparente com as autoridades públicas.

Evidente a importância dessa novidade legislativa para coi-bir e/ou minimizar riscos de fraudes corporativas.

A despeito da necessidade de aperfeiçoamento das relações entre entes públicos e privados, o tema desperta atenção para outra demanda. E qual?

A ausência de disseminação da cultura de boas práticas cor-porativas junto aos demais “stakeholders”, posto que a cria-ção da área de “compliance” motivada pela edição de uma lei não parece ser bastante para perenidade dos negócios.

Indiscutível que o bom relacionamento com todos seus ato-res sociais contribui - e muito - para o sucesso das atividades empresariais. Poucas empresas dedicam tempo para moni-torar o relacionamento com seus empregados, fornecedo-res, clientes, acionistas, investidores, dentre outros.

Nunca é demais frisar as recentes acusações de “dumping social” que recaem sobre grandes companhias. Também

A ESSÊNCIA DOCOMPLIANCE COMPLIANCE

52 REVISTA RI Maio 2014

COMPLIANCE

52 REVISTA RI

Page 2: RI 183 - A essência do "compliance"

vale lembrar que importantes “players” sofreram danos à imagem - e pesadas multas - por contratarem fornecedores que mantinham em seus quadros empregados em condi-ções análogas à de escravos.

Ou mesmo aqueles casos em que grandes companhias lideram o “ranking” de reclamações perante órgãos de defesa ao consumidor ou de desrespeito aos acionistas minoritários.

Esses e muitos outros exemplos prejudicam o desempe-nho financeiro das empresas e nos remetem a uma preo-cupação maior.

SERÁ QUE AS EMPRESAS REALMENTE ESTÃO ADOTANDO BOAS PRÁTICAS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA?Vale a pena revisitar a definição do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC que define governança cor-porativa: “é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, conselho de administração, diretoria e ór-gãos de controle. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso ao capital e contribuindo para a sua longevidade.”

Oportuno também relembrar o conceito de desenvolvi-mento sustentável de acordo da Comissão Mundial para o

Meio-ambiente e Desenvolvimento estabelecida no Relató-rio Brundtland intitulado “Nosso Futuro Comum”: “o desen-volvimento que atende às necessidades do presente sem com-prometer as habilidades das gerações futuras em atender suas próprias necessidades.”

Como se vê, o sucesso do programa de “compliance” é con-sequência da adoção das boas práticas de governança corpo-rativa dentro das empresas com reflexo direto nas relações com seus “stakeholders”.

Ora, a criação de um programa de “compliance” para aten-der apenas o mecanismo da Lei Anticorrupção contraria um importante aspecto sócio econômico, ou seja, a harmo-nização de interesses entre três dimensões: ambiente, negó-cios e sociedade (“Triple Botton Line”).

De tal modo resta claro que a legislação em comento é um avanço importante, porém, insuficiente para melhorar nos-so ambiente de negócios. RI

Oportuno também relembrar o conceito de desenvolvimento sustentável de acordo da Comissão Mundial para o Meio-ambiente e Desenvolvimento estabelecida no Relatório Brundtland intitulado “Nosso Futuro Comum”: “o desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer as habilidades das gerações futuras em atender suas próprias necessidades.

ROBERTO GOLDSTAJN é sócio do Fernandes, Figueiredo Advogados. [email protected]

53REVISTA RIMaio 2014