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  • 8/9/2019 Revoluo Industrial Caseira

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    Revoluo Industrial CaseiraUm Manifesto de Baixo Custo Operacional

    Kevin A. CarsonCentro por uma Sociedade Sem Estado

    Traduzido por Uriel Alexis Farizeli Fiori

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    Copyright Kevin A. Carson 2010Woody Guthrie Public License

    Pode ser reproduzido sem limites, com atribuio."Qualquer um encontrado copiando e distribuindo este livro sem permisso ser considerado

    um grande e bom amigo nosso, porque no damos a mnima."

    Srio, Revoluo Industrial Caseiraest licenciado sob a Creative Commons Attribution-ShareAlike 3.0 United States License, e pode ser copiado sem limites - inclusive para distribuio

    comercial - contando que seja atribudo a Kevin Carson.

    ISBN 978-1439266991

    Carson, Kevin A.Ttulo Original

    The Homebrew Industrial Revolution: A Low-Overhead ManifestoInclui referncias bibliogrficas e ndice

    1.Technology social aspects. 2.Production management.3.Reengineering (Management) 4.Anarchism. I.Title

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    A minha me, Ruth Emma Rickert,

    e memria do meu pai, Amos Morgan Carson.

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    Contedo

    Dedicatria 3

    Contedo 5

    Prefcio 8

    1. Um Rumo Errado 12A. Prefcio: A Periodizao de Mumford da Histria Tecnolgica 12B. A Fase Neotcnica 15C. Uma Coisa Gozada Aconteceu no Caminho para a Revoluo Neotcnica 21

    2. Moloch: O Modelo Sloanista de Produo em Massa 35Introduo 35

    A. Formas Institucionais de Prover Estabilidade 47B. Consumo em Massa e Distribuio Empurrada para Absorver o Excedente 59C. Ao Estatal para Absorver o Excedente: Imperialismo 70D. Ao Estatal para Absorver o Excedente: Capitalismo de Estado 73E. Mene, Mene, Tekel, Upharsin (uma Crtica aos Defensores do Sloanismo) 83F. As Patologias do Sloanismo 86G. Alto Custo Operacional Obrigatrio 94

    3. A Queda da BabilniaIntroduo

    A. Retomada da Crise de SuperacumulaoB. Crises de Recursos (Pico do Petrleo)C. Crise Fiscal do EstadoD. Decadncia do Pseudomorfo CulturalE. Fracasso em Neutralizar os Limites de Captura de Valor atravs doCercamento dos Comuns DigitaisF. Resistncia em Rede, Netwar, e Guerra Assimtrica Contra a AdministraoCorporativa

    Apndice: Trs Obras sobre Abundncia e Desemprego Tecnolgico

    4. De Volta para o FuturoA. Fabricao CaseiraB. Fabricao RelocalizadaC. Novas Possibilidade para a Fabricao FlexvelBarra Lateral: Objees Marxistas a Mercados No Capitalistas: A Relevncia

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    do Modelo Industrial Descentralizado

    5. A Pequena Oficina, Fabricao Desktop e Produo CaseiraA. Indstria de Vizinhana e de QuintalB. A Revoluo Desktop e a Produo entre Pares na Esfera Imaterial

    C. A Expanso da Revoluo Desktop e a Produo entre pares no DomnioFsico

    1. Design Open-Source: Remoo de Rendas Proprietrias do Estgiode Design e Design Modular2. Custos de Transao Reduzidos de Agregao de Capital3. Despesas de Capital Reduzidas para a Produo Fsica

    D. A MicroempresaApndice: Estudos de Caso na Coordenao da Fabricao em Rede e DesignAberto

    1. Open Source Ecology/Factor e Farm2. 100kGarages3. Avaliao

    6. Comunidades Resilientes e Economias LocaisA. Economias Locais como Bases de Independncia e Amortecedores ContraTurbulncia EconmicaB. Modelos Histricos de Comunidade ResilienteC. Resilincia, Unidades Sociais Primrias e Valores LibertriosD. Sistema LETS, Redes de Escambo e Moedas ComunitriasE. Inicializao ComunitriaF. Ideias e Projetos Contemporneos

    1. A "Economia de Hamlet" de Jeff Vail2. Rede Global de Ecovilas3. O Movimento "Transition Town"4. Vilas Globais5. Empreendedorismo Comunista6. Organizao Social e Econmica Descentralizada (DESO)7. A Trplice Aliana

    7. A Economia Alternativa como uma SingularidadeA. Produo em Rede e o Evitamento dos Ns CorporativosB. As Vantagens da Criao de Valor Fora do Nexo MonetrioC. Extrao Mais Eficiente de Valor a partir dos InsumosD. Vendo Como um ChefeE. As Implicaes dos Custos Reduzidos do Capital FsicoF. Incentivos Fortes e Custos de Agncia ReduzidosG. Custos Reduzidos em Sustentar Rentistas e Outros Comensais InteisH. A No-Revoluo EstigmrgicaI. A Singularidade

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    ConclusoApndice: A Singularidade no Terceiro Mundo

    Bibliografia

    ndice

    Sobre o Autor

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    Prefcio

    Ao pesquisar e escrever meu ltimo livro, Organization Theory: A Libertarian Perspective, euprovavelmente estava mais engajado e entusiasmado em trabalhar no material relacionado micro-manufatura, microempresa, economia informal, e singularidade resultante delas, doque em basicamente qualquer outra parte do livro. Quando o livro foi para a grfica, eu nosenti que eu tinha terminado de escrever sobre aquelas coisas. Enquanto eu completavaaquele livro, eu estava focado em diversos temas que, embora fossem recorrentes por todo olivro, estavam imperfeitamente interligados e desenvolvidos.

    Em meu primeiro artigo como pesquisador associado no Centro para uma SociedadeSem Estado1, eu tentei unir estes temas e desenvolv-los em maior detalhe na forma de umacurta monografia. Logo eu descobri que no iria parar por ali, conforme eu elaborava sobre omesmo tema em uma srie de artigos para o C4SS sobre a histria industrial.2E conforme euescrevia esses artigos, eu comecei a v-los como os blocos de construo para um livroautnomo.

    Um dos temas implcitos no Organization Theory que eu tentei desenvolver desdeento, e que central para este livro, o papel central dos custos fixos - gastos em capitalinicial e outros custos operacionais - na economia. Quanto maiores os custos fixos de umaempresa, maior o fluxo de receitas necessrio para atend-los. Isso to verdadeiro para amicroempresa domstica, quanto para a "empresa" do prprio domiclio, quanto para negciosmais convencionais. Regulamentaes que impem custos artificiais de capitalizao e outroscustos operacionais, a compra de equipamento desnecessariamente caro de um tipo que

    requer a produo de grandes lotes para amortizar, o uso de prdios autnomos, etc.,aumentam o tamanho do fluxo de receita mnimo necessrio para se manter em atividade, eefetivamente elimina o auto-emprego em meio perodo ou intermitente. Quando tais restriesimpem custos fixos artificialmente altos sobre os meios de subsistncia bsica (se abrigar ecomer, etc.), seu efeito tornar uma subsistncia barata e confortvel impossvel, e exigirfontes externas contnuas de renda apenas para sobreviver. Como Charles Johnsonargumentou,

    1 Kevin Carson, Industrial Policy: New Wine in Old Bottles, C4SS Paper No. 1 (1 st Quarter 2009)2Carson, MOLOCH: Mass Production Industry as a Statist Construct, C4SS Paper No. 3 (July 2009); The Decline and Fall of Sloanism, C4SS Paper No. 4 (August 2009); The Homebrew Industrial Revolution, C4SS Paper No.5(September 2009) ; Resilient Communities and Local Economies, C4SSPaper No. 6 (4th Quarter 2009) ; The Alternative Economy as aSingularity, C4SS Paper No. 7 (4thQuarter 2009) .

    http://c4ss.org/content/78http://c4ss.org/content/888http://c4ss.org/content/category/studieshttp://c4ss.org/content/category/studieshttp://c4ss.org/content/1148http://c4ss.org/content/1148http://c4ss.org/content/1415http://c4ss.org/content/1523http://c4ss.org/content/1523http://c4ss.org/content/1415http://c4ss.org/content/1148http://c4ss.org/content/category/studieshttp://c4ss.org/content/888http://c4ss.org/content/78
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    Se verdade (como Kevin argumentou, e como eu argumentei em Scratching By3) que,ausente o estado, a maioria dos trabalhadores comuns experimentariam um declniodramtico nos custos fixos de vida, incluindo (entre outras coisas) um acessoconsideravelmente melhor posse individual de pequenos lotes de terra, nenhumimposto sobre a renda ou sobre a propriedade para pagar, e nenhuma restrio de

    zoneamento, licenciamento, ou outras restries governamentais sobre ofciosdomsticos de pequena escala na vizinhana, indstria caseira, ou agriculturaleve/jardinagem pesada, eu acho que voc veria muito mais pessoas numa posio dediminuir as horas ou largar completamente o trabalho assalariado de baixo rendimento -em favor de ganhar a vida modestamente no setor informal, cultivando a prpriacomida, ou ambos...4

    Por outro lado, a inovao nas tecnologias da produo em pequena escala e da vidadiria reduzem a necessidade do trabalhador de um fluxo de renda contnuo. Ela permite que amicroempresa funcione intermitentemente e entre no mercado incrementalmente, sem qualquercusto fixo a ser atendido quando os negcios esto lentos. O resultado so empresas que soenxutas e geis, e podem sobreviver longos perodos de negcios lentos, sem virtualmentequalquer custo; igualmente, tais eficincias aumentadas, ao minimizarem o fluxo de rendacontnuo exigido para subsistncia confortvel, tm o mesmo efeito libertador sobre as pessoascomuns que o acesso terra comum teve para seus ancestrais trezentos anos atrs.

    Quanto mais eu pensava sobre ele, mais central o conceito de custo operacional setornou para minha anlise das duas economias concorrentes. Juntamente com o tempo deconfigurao, os custos fixos e operacionais so centrais para a diferena entre a agilidade e afalta dela. Da o subttulo deste livro: "Um Manifesto de Baixo Custo Operacional".

    A Agilidade e a Resilincia esto no mago das diferenas da economia alternativa comsua predecessora convencional. Suas superioridades so resumidas por uma fotografia que

    encontrei na Wikimedia Commons, que eu considerei usar como imagem de capa; umapequenina menina adolescente Viet Cong guiando um enorme soldado americano capturado.Sou grato a Jerry Brown (via Jesse Walker da revista Reason) pela metfora: guerrilheiros empijamas pretos, comeando com armas Japonesas e Francesas capturadas, com um trem deabastecimento baseado em bicicletas, dando um pau na melhor treinada e maistecnologicamente avanada fora militar da histria humana.

    Mas o Governador Brown era muito mais um conservador fiscal do que o GovernadorReagan, mesmo que ele fizesse argumentos pela austeridade que o Republicano

    jamais usaria. (Em um ponto, para transmitir a ideia de que uma organizao enxutapoderia superar uma burocracia inchada, ele ofereceu o exemplo dos Viet Cong).5

    3Charles Johnson, Scratching By: How Government Creates Poverty as We Know It, The Freeman:Ideas on Liberty, December 2007 4Comentrio de Johnson sob Roderick Long, Amazon versus the Market,Austro-Athenian Empire,December 13, 2009 .5Jesse Walker, Five Faces of Jerry Brown, The American Conservative, November 1, 2009.

    http://www.thefreemanonline.org/featured/scratching-by-how-government-creates-poverty-as-we-know-it/http://www.thefreemanonline.org/featured/scratching-by-how-government-creates-poverty-as-we-know-it/http://www.thefreemanonline.org/featured/scratching-by-how-government-creates-poverty-as-we-know-it/http://www.amconmag.com/article/2009/nov/01/00012/http://www.amconmag.com/article/2009/nov/01/00012/http://www.amconmag.com/article/2009/nov/01/00012/http://www.thefreemanonline.org/featured/scratching-by-how-government-creates-poverty-as-we-know-it/http://www.thefreemanonline.org/featured/scratching-by-how-government-creates-poverty-as-we-know-it/
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    Depois decidi ficar com a figura da impressora 3D Rep-Rap que voc v na capa agora, masum soldado guerrilheiro ainda um smbolo apropriado para todas as caractersticas daeconomia alternativa que estou tentando transmitir. Como eu escrevi no captulo de conclusodo livro:

    Perpassando todo o livro, como um tema central, esteve a eficincia superior daeconomia alternativa: seus menores fardos de custos operacionais, seu uso maisintensivo de insumos, sua preveno de capacidade ociosa.

    Duas economias esto lutando at a morte: uma delas uma economiaconvencional altamente capitalizada, com altos custos operacionais e burocraticamenteossificada, o produto subsidiado e protegido de um sculo e meio de coluso entre ogrande governo e as grandes empresas; a outra, uma economia alternativa de baixocapital, baixos custos operacionais, gil e resiliente, superando a economia capitalistade estado apesar de prejudicada e relegada clandestinidade.

    A economia alternativa est se desenvolvendo dentro dos interstcios da antiga,se preparando para suplant-la. A frase Wobbly "construir a estrutura da novasociedade dentro da casca da antiga" uma das frases mais adequadas jamaisconcebidas para resumir o conceito.

    Eu gostaria de agradecer a Brad Spangler e a Roderick Long por me fornecerem o espao, noCentro por uma Sociedade Sem Estado, em que eu escrevi a srie de ensaios nos quais esselivro embasado. Eu no poderia ter escrito isto sem toda a valiosa informao que eu reunicomo participante da lista de e-mails "P2P Research" e da lista "Open Manufacturing" noGoogle Groups. Minha participao (sem dvida frequentemente sem noo) foi inteiramentede um f e leigo entusiasta, uma vez que eu no consigo escrever uma linha de cdigo e mal

    consigo martelar um prego direito. Mas eu agradeo a eles por me permitirem desempenhar opapel de Jane Goodall. E finalmente, agradeo ao Professor Gary Chartier da La SierraUniversity, por seu belo trabalho em formatar o texto e projetar a capa, assim como seuscomentrios e pela gentil promoo deste trabalho em andamento.

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    Um Rumo Errado

    A. Prefcio: A Periodizao de Mumford da Histria Tecnolgica

    Lewis Mumford, em Technics and Civilization, dividiu o progresso do desenvolvimentotecnolgico desde os tempos medievais em trs perodos (ou fases) consideravelmentesobrepostos: o eotcnico, o paleotcnico e o neotcnico.

    A revoluo tecnolgica original da baixa Idade Mdia, o eotcnico, estava associada

    aos artesos qualificados das cidades livres, e eventualmente incorporou os frutos dainvestigao por parte dos primeiros cientistas. Ela comeou com inovaes agrcolas como ocolar de cavalo, a ferradura e a rotao de culturas. Ela atingiu grandes avanos no uso demadeira e vidro, de alvenaria, e de papel (o ltimo incluindo a imprensa). Os avanos agrcolasdo comeo do segundo milnio, levados mais adiante pelas inovaes de horticultores nossculos XVI e XVII - como, por exemplo, a horticultura de canteiros elevados, a compostagem eo desenvolvimento intensivo do solo, e os viveiros e estufas possibilitados pelos avanos naproduo barata de vidro.

    Na mecnica, em particular, seus maiores avanos foram as mquinas de relojoaria e aaplicao intensiva de energia hidrulica e elica. O primeiro e mais importante pr-requisito

    para a produo de mquinas era a transmisso de energia e o controle do movimento atravsdo uso de engrenagens gradeadas. O mecanismo do relgio, argumentava Mumford, era "amquina chave da era industrial moderna". Era

    um novo tipo de mquina de potncia, em que a fonte de energia e a transmisso eramde tal natureza que asseguravam o fluxo uniforme de energia durante todos ostrabalhos e possibilitavam a produo regular e um produto padronizado. Em seurelacionamento com quantidades determinadas de energia, com a padronizao, com aao automtica e, finalmente, com seu prprio produto especial, a cronometragemprecisa, o relgio foi a principal mquina na tcnica moderna... O relgio, alm disso,serviu como um modelo para muitos outros tipos de obras mecnicas, e a anlise do

    movimento que acompanhou o aperfeioamento do relgio, com os vrios tipos deengrenagens e transmisses que foram elaborados, contriburam para o sucesso detipo bastante diferentes de mquinas.6

    Se as mquinas de potncia so um critrio, a revoluo industrial modernacomeou no sculo XII e estava em pleno andamento no sculo XVI. 7

    6Lewis Mumford, Technics and Civilization(New York: Harcourt, Brace, and Company, 1934), pp. 14-15.7Ibid,p. 112.

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    Com este primeiro e maior obstculo removido, pensadores Renascentistas como DaVinci rapidamente se voltaram para a aplicao da mquina de relojoaria a processosespecficos.8 Dada a existncia da mquina de relojoaria, o desenvolvimento de processosmecnicos para toda tarefa especfica imaginvel era inevitvel. Independente do motor

    primrio em uma ponta, ou do processo especfico na outra, a transmisso via mecanismo derelgio da energia era a caracterstica definidora da maquinaria automtica.

    Ao resolver os problemas de transmitir e regular o movimento, os criadores domecanismo de relgio ajudaram no desenvolvimento geral de mecanismos refinados.Para citar Usher mais uma vez: "O desenvolvimento primrio dos princpiosfundamentais da mecnica aplicada foi... largamente baseado nos problemas dorelgio". Relojoeiros, juntamente com ferreiros e chaveiros, estavam entre os primeirosmecnicos:

    Nicholas Forq, o francs que inventou a plaina mecnica em 1751, era umrelojoeiro; Arkwright, em 1768, teve o auxlio de um relojoeiro de Warrington; foiHuntsman, outro relojoeiro, desejoso de um ao mais refinadamente temperado para amola do relgio, que inventou o processo de produo do ao de cadinho; estes soapenas alguns dos nomes mais ilustres. Em suma, o relgio foi a mais influente dasmquinas, mecanicamente assim como socialmente; e por volta do meio do sculoXVIII, ele se tornara a mais perfeita; de fato, sua concepo e sua perfeio delimitammuito bem a fase eotcnica. Ainda hoje, ele o padro do automatismo refinado.9

    Com o uso do mecanismo de relgio para extrair energia de motores primrios etransmiti-la para processos de produo mecnica, a indstria eotcnica proliferou onde querque o vento ou a gua corrente fossem abundantes. Os redutos centrais da indstria eotcnica

    foram as regies de rio da Rennia e do norte da Itlia, e as reas de muito vento dos maresdo Norte e Bltico.10

    Moer gro e bombear gua no eram as nicas operaes para as quais omoinho d'gua era usado: ele fornecia energia para a produo de pasta para papel(Ravensburg: 1290); fazia funcionar as mquinas de martelamento e corte de ferrarias(prximo Dobrilugk, Lausitz, 1320); serrava madeira (Augsburg: 1322); batia couros nocurtume, fornecia energia para a fiao de seda, era usado em pises11para trabalharos feltros, e girava os esmeris dos armeiros. A mquina de trefilagem, inventada porRudolph de Nrnberg em 1400 funcionava com energia hidrulica. Nas operaes deminerao e metalurgia, o Dr. Georg Bauer descreveu a grande convenincia da forahidrulica para propsitos de bombeamento na mina, e sugeriu que se ela pudesse serutilizada convenientemente, deveria ser usada no lugar de cavalos ou homens para

    8Ibid,p. 68.9Ibid, p. 134.10Ibid., p. 113.11Nota do Tradutor: Processo na fabricao de tecidos em que se limpa e engrossa a fibra do tecido.Vide:http://en.wikipedia.org/wiki/Fulling

    http://en.wikipedia.org/wiki/Fullinghttp://en.wikipedia.org/wiki/Fullinghttp://en.wikipedia.org/wiki/Fullinghttp://en.wikipedia.org/wiki/Fulling
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    girar o maquinrio subterrneo. J no sculo XV, os moinhos d'gua eram usados paratriturar minrio. A importncia da energia hidrulica em relao s indstrias de ferrono pode ser superestimada: pois utilizando essa energia, foi possvel fazer foles maispoderosos, atingir temperaturas mais altas, usar fornalhas maiores e, portanto,aumentar a produo de ferro.

    A extenso de todas estas operaes, comparadas com aquelas empreendidashoje em Essen ou Gary, era naturalmente pequena: mas assim o era a sociedade. Adifuso da energia foi um auxlio para a difuso da populao: enquanto o poderindustrial era representado diretamente pela utilizao de energia, em vez de peloinvestimento financeiro, o equilbrio entre as vrias regies da Europa e entre a cidade eo campo dentro de uma regio era mantido bastante uniformemente. Foi apenas com arpida concentrao de poder poltico e financeiro nos sculos XVI e XVII que ocrescimento excessivo da Anturpia, Londres, Amsterdam, Paris, Roma, Lio, Npoles,ocorreu.12

    Com o "crescimento excessivo da Anturpia, Londres, Amsterdam, Paris, Roma, Lio, Npoles"veio o triunfo de uma nova forma de indstria associada com o poder concentrado dessascidades. A fase eotcnica foi suplantada ou preterida no incio da Idade Moderna pelopaleotcnico - ou ao que se referido, erroneamente, nas histrias mais convencionaissimplesmente como "a Revoluo Industrial".

    O paleotcnico teve suas origens no novo estado centralizado e nas indstriasintimamente associadas com ele (mais notavelmente minerao e armamentos), e centrava emminerao, ferro, carvo, e energia a vapor. Para dar alguma indicao dos locais do complexoinstitucional paleotcnico, a mquina a vapor foi primeiro introduzida para bombear gua parafora das minas, e sua necessidade de combustvel, por sua vez, reforava a significncia daindstria de carvo13; a primeira apario de produo fabril em larga escala foi na indstria de

    armamentos14

    . O paleotcnico culminou nos "moinhos satnicos sombrios" do sculo XIX e nasgigantes corporaes do final do XIX e incio do XX.

    A chamada "Revoluo Industrial", na linguagem convencional, funde dois fenmenosdistintos: o desenvolvimento de processos mecanizados para tipos especficos de produo(fiao e tecelagem, em particular), e o aproveitamento da mquina a vapor como um motorprimrio. O primeiro foi uma consequncia natural direta da cincia mecnica da faseeotcnica, e teria sido completamente compatvel com a produo em oficinas pequenas seno fosse pelas questes prticas levantadas pela energia a vapor. O imperativo de concentrara produo mecnica em grandes fbricas resultou, no de exigncias da produo mecnicacomo tal, mas da necessidade de economizar energia a vapor.

    Embora o paleotcnico incorporasse algumas contribuies do perodo eotcnico, elefoi um afastamento fundamental em direo, e envolveu o abandono de um caminho rival dedesenvolvimento. A tecnologia foi desenvolvida pelos interesses dos novos absolutistas reais,da indstria mercantilista e do sistema fabril que nasceu a partir dela, e dos novos agricultores

    12Ibid, pp. 114 115.13Ibid, pp. 159, 161.14Ibid, p. 90.

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    capitalistas (especialmente a oligarquia Whig da Inglaterra); ele incorporou apenas aquelascontribuies eotcnica que eram compatveis com as novas tiranias, e abandonou o resto.

    Mas seu sucessor, o neotcnico, o que nos interessa aqui.

    B. A Fase Neotcnica

    Muito da centralizao da indstria paleotcnica resultou, alm da cultura institucionalautoritria associada com suas origens, da necessidade (que vimos acima) de economizarenergia.

    ...a mquina a vapor tendia em direo ao monoplio e concentrao...Operaes de vinte e quatro horas, que caracterizavam a mina e o alto-forno, agorachegavam a outras indstrias que tinham at ento respeitado as limitaes do dia e danoite. Movidos por um desejo de ganhar toda soma possvel sobre seus investimentos,os fabricantes txteis prolongaram o dia de trabalho... A mquina a vapor era um

    marca-passo. Uma vez que a mquina a vapor exige cuidado constante por parte dofogueiro e do engenheiro, a energia a vapor era mais eficiente em grandes unidades doque em pequenas: em vez de duas dezenas de pequenas unidades, trabalhandoquando necessrio, uma mquina grande era mantida em constante movimento. Destaforma, a energia a vapor nutria a tendncia em direo a grandes plantas industriais jpresente na subdiviso do processo de fabricao. O tamanho grande, forado pelanatureza da mquina a vapor, se tornou, por sua vez, um smbolo de eficincia. Oslderes industriais no apenas aceitaram a concentrao e a magnitude como um fatoda operao, condicionado pela mquina a vapor: eles vieram a acreditar nele, por simesmo, como uma marca do progresso. Com a grande mquina a vapor, a grande

    fbrica, a grande fazenda, o grande alto-forno, a eficincia deveria existir em proporodireta com o tamanho. Maior era outra forma de dizer melhor.[O gigantismo] era... instigado pelas dificuldades da produo energtica

    econmica com pequenas mquinas a vapor: ento os engenheiros tenderam aamontoar tantas unidades produtivas quanto possvel no mesmo duto, ou dentro doalcance da presso do vapor atravs de canos limitados o suficiente para evitar perdasexcessivas por condensao. A conduo das mquinas individuais na planta a partirde um nico eixo tornou necessrio identificar as mquinas ao longo do sistema deeixos, sem uma estreita adaptao s necessidades topogrficas do trabalho em si... 15

    A energia a vapor significava que o maquinrio tinha que ser concentrado em um lugar,

    a fim de obter o mximo uso de um nico motor primrio. A tpica fbrica paleotcnica, por todoo incio do sculo XX, tinha mquinas alinhadas em longas fileiras, "uma floresta de cintos decouro subindo de cada mquina, dando voltas em torno de um longo duto de metal passandopor toda a extenso da fbrica", todas dependentes da estao central de fora da fbrica16.

    15Ibid, p. 224.16William Waddell e Norman Bodek, The

    Rebirth

    of American

    Industry: A

    Study

    of

    Lean Management (Vancouver, WA: PCS Press, 2005), pp. 119 121.

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    A revoluo neotcnica do final do sculo XIX ps um fim a todos esses imperativos.Se o paleotcnico era um "complexo de ferro-e-carvo", na terminologia de Mumford, o

    neotcnico era um "complexo de eletricidade-e-ligas".17 A caractersticas definidoras doneotcnico eram a produo descentralizada possibilitada pela eletricidade, e o peso leve e aefemerizao (para tomar emprestado um termo de Buckminster Fuller) possibilidade pelos

    metais leves.O comeo do perodo neotcnico estava associado, mais importantemente, com a

    inveno dos pr-requisitos para a energia eltrica - o dnamo, o alternador, a clula dearmazenamento, o motor eltrico - e a resultante possibilidade de reduzir a escala domaquinrio de produo eletricamente alimentado para a pequena oficina, ou mesmo reduzir aescala das ferramentas eltricas para a produo domstica.

    A eletricidade possibilitou o uso de virtualmente qualquer forma de energiaindiretamente como um motor primrio para a produo, combustveis de todos os tipos, sol,vento, gua, mesmo diferenciais de temperatura.18 Conforme se tornou possvel operarmquinas autnomas com pequenos motores eltricos, a lgica central do sistema fabrildesapareceu. "Em geral", como Paul Goodman escreveu, "a mudana do carvo e vapor paraa eletricidade e leo flexibilizou uma das maiores causas da concentrao do maquinrio emtorno de um nico duto condutor"19.

    O potencial descentralizador do maquinrio de pequena escala eletricamentealimentado era um tema comum entre muitos autores a partir do final do sculo XIX. Isso e afuso de cidade e vila que ele possibilitava eram os temas centrais do Fields, Factories andWorkshops de Kropotkin. Com a eletricidade "distribuda nas casas para pr em movimentopequenos motores de um quarto a doze cavalos de potncia", era possvel produzir empequenas oficinas e mesmo em casas. Liberar o maquinrio de um nico motor primrioacabou com todos os limites sobre a localizao da produo mecanizada. A base primriapara a economia de escala, como ela existia no sculo XIX, era a necessidade de economizar

    em cavalos-vapor - uma justificativa que desapareceu quando a distribuio de energia eltricaeliminou a dependncia de uma nica fonte de energia.20

    William Morris parece ter feito algumas suposies tecnolgicas Kropotkinianas em suadescrio de uma futura sociedade comunista libertria em News From Nowhere:

    "Que construo essa?" disse eu, avidamente; pois era um prazer ver algo umpouco parecido com o que eu estava acostumado: "parece ser uma fbrica".

    "Sim", disse ele, "Eu acho que eu sei o que voc quer dizer, e isso que ; masno as chamamos de fbricas agora, mas de oficinas-unificadas; isto , lugares em queas pessoas que querem trabalhar juntas se renem".

    "Suponho", disse eu, "que algum tipo de energia usado ali?"

    17Mumford, Technics and Civilization, p. 110.18Ibid., pp.

    214, 221.19Paul e Percival Goodman, Communitas: Means of Livelihood and Ways of Life (NewYork: Vintage Books, 1947, 1960), p. 156.20Peter Kropotkin, Fields, Factories

    and

    Workshops: or Industry Combined

    with

    Agriculture and Brain Work with Manual Work (New York: Greenwood Press, Publishers,1968 [1898]), pp. 154, 179 180.

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    "No, no", disse ele. "Por que a pessoas se reuniriam para usar energia,quando elas podem t-la nos lugares onde vivem ou por perto, quaisquer duas ou trsdelas, ou qualquer uma, alis? ..."21

    A introduo da energia eltrica, em suma, ps a produo mecnica em pequena

    escala em p de igualdade com a produo mecnica na fbrica.

    A introduo do motor eltrico operou uma transformao dentro da prpriafbrica. Pois o motor eltrico criava flexibilidade no desenho da fbrica: no meramenteas unidades individuais poderiam ser colocadas onde eles queriam, e no meramenteelas poderiam ser projetadas para o trabalho em particular necessrio; mas atransmisso direta, que aumentava a eficincia do motor, tambm possibilitou alterar otraado da prpria fbrica conforme necessrio. A instalao de motores removeu oscintos que bloqueavam a luz e diminuam a eficincia, e abriu caminho para o rearranjodas mquinas em unidades funcionais sem levar em considerao os dutos ecorredores da fbrica antiquada; cada unidade poderia trabalhar em sua prpria taxa develocidade, e comear e parar para atender suas prprias necessidades, sem perdas deenergia atravs da operao da planta como um todo.

    ...[A] eficincia de pequenas unidades operadas atravs de motores eltricos,utilizando corrente de turbinas locais ou de uma usina central, deu indstria depequena escala um novo sopro de vida: em uma base puramente tcnica ela pode, pelaprimeira vez desde a introduo da mquina a vapor, competir de igual para igual com aunidade maior. Mesmo a produo domstica se tornou possvel novamente atravs douso da eletricidade: pois se o moedor de gros domstico menos eficiente, de umponto de vista puramente mecnico, do que os enormes moinhos de trigo emMinneapolis, ele permite um melhor sincronismo da produo com a necessidade, de

    forma que no mais necessrio consumir farinhas brancas peneiradas porque asfarinhas de trigo integrais deterioram mais rapidamente e estragam se so modas pormuito tempo antes de serem vendidas e usadas. Para ser eficiente, a pequena fbricano precisa permanecer em operao contnua, nem precisa produzir quantidadesgigantescas de gneros alimentcios e bens para um mercado distante: ela poderesponder demanda e oferta locais; ela pode operar de modo irregular, uma vez queos custos fixos de pessoal e equipamento permanente so proporcionalmente menores;ela pode tirar vantagem de menores desperdcios de tempo e energia no transporte e,pelo face a face, ela pode cortar a inevitvel burocracia de mesmo grandesorganizaes eficientes.22

    Os comentrios de Mumford sobre a moagem de farinha tambm anteciparam asignificncia do maquinrio alimentado em pequena escala em possibilitar o que mais tarde se

    21William

    Morris, News From

    Nowhere: or, An Epoch

    of Rest

    (1890).

    Marxists.Orgon line text .

    22Mumford, Technics and Civilization, pp. 224 225

    http://www.marxists.org/archive/morris/works/1890/nowhere/nowhere.htmhttp://www.marxists.org/archive/morris/works/1890/nowhere/nowhere.htmhttp://www.marxists.org/archive/morris/works/1890/nowhere/nowhere.htm
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    tornou conhecido como "produo enxuta"23; seu princpio central que o fluxo global maisimportante para o corte de custos do que maximizar a eficincia de qualquer estgio emparticular isoladamente. Os modestos aumentos no custo de produo unitrio em cada estgioem separado so compensados no apenas por custos de transporte grandemente reduzidos,mas ao se evitar os grandes vrtices no fluxo global de produo (estoques de reserva de

    bens-em-processo, armazns cheios de bens "vendidos" para o inventrio sem quaisquerpedidos, etc.) que resultam quando a produo no est centrada na demanda.24

    Mtodos neotcnicos, que poderiam ser reproduzidos em qualquer lugar, tornarampossvel uma sociedade em que "as vantagens da indstria moderna [iriam] ser espalhadas,no atravs do transporte - como no sculo XIX - mas atravs do desenvolvimento local". Apropagao do conhecimento tcnico e de mtodos padronizados tornariam o transporte bemmenos importante.25

    Mumford tambm descreveu, em termos bastante Kropotkinianos, o "casamento dacidade com o campo, da indstria com a agricultura", que poderia resultar da aplicao detcnicas horticulturais eotcnicas ainda mais refinadas e da descentralizao da manufatura naera neotcnica.26

    Mumford via a fase neotcnica como uma continuao dos princpios da eotcnica, coma organizao industrial tomando a forma que teria feito se permitida se desenvolverdiretamente da eotcnica sem interrupo.

    O neotcnico, em um sentido, uma retomada das linhas de desenvolvimentoda revoluo eotcnica original, aps a interrupo paleotcnica. O neotcnico sediferencia da fase paleotcnica quase como o branco se diferencia do preto. Mas, poroutro lado, ele mantm a mesma relao com a fase eotcnica que um adulto tem comum beb.

    ...Os primeiros esboos apressados do sculo XV agora se transformaram em

    desenhos de trabalho; os primeiros palpites foram agora reforados com uma tcnica deverificao; a primeiras mquinas cruas foram, enfim, levadas perfeio na requintadatecnologia mecnica da nova era, que deu aos motores e turbinas propriedades quehaviam, menos de um sculo antes, pertencido exclusivamente ao relgio.27

    23N. do T.: Lean manufacturing, traduzvel como manufatura enxuta ou manufatura esbelta, e tambmchamado de Sistema Toyota de Produo uma filosofia de gesto focada na reduo dos sete tipos dedesperdcios (super-produo, tempo de espera, transporte, excesso de processamento, inventrio,

    movimento e defeitos). Vide:http://pt.wikipedia.org/wiki/Lean_manufacturing24No caso da farinha, de acordo com Borsodi, o custo de uma farinha moda sob encomenda por ummoinho local era aproximadamente metade daquela da farinha de um moinho gigantes em Minneapolis,e a farinha de um pequeno moinho domstico eltrico era ainda mais barata. Prosperity and Security:A Study in Realistic Economics (New York and London: Harper & BrothersPublishers, 1938), pp.

    178 181.25Ibid, pp. 388 389.26Mumford, Technics and Civilization, pp. 258 259.27Mumford, Technics and Civilization, p. 212.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Lean_manufacturinghttp://pt.wikipedia.org/wiki/Lean_manufacturinghttp://pt.wikipedia.org/wiki/Lean_manufacturinghttp://pt.wikipedia.org/wiki/Lean_manufacturing
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    Ou, como Ralph Borsodi colocou, "[a] mquina a vapor colocou a roda d'gua fora donegcio. Mas agora o motor a gasolina e o motor eltrico foram desenvolvidos a um ponto emque esto colocando a mquina a vapor fora do negcio".

    A fbrica moderna veio com o vapor. O vapor uma fonte de energia que quase

    necessita da produo fabril. Mas a eletricidade no. Seria justia potica se aeletricidade retirada das mirades de pequenos riachos rurais h muito negligenciadosfornecessem a energia para uma contra-revoluo industrial.28

    Mumford sugeriu que, ausente a quebra abrupta criada pelos novos estadoscentralizados e seus clientes capitalistas estatistas, o eotcnico poderia ter evoludodiretamente para o neotcnico. No tivesse o eotcnico sido abortado pelo paleotcnico, umarevoluo industrial moderna em grande escala ainda teria quase certamente acontecido "notivesse uma tonelada de carvo sido escavado na Inglaterra, e no tivesse uma nova mina deferro sido aberta"29.

    A quantidade de trabalho realizada pela energia do vento e da gua se comparavabastante favoravelmente quela da revoluo industrial movida a vapor. Na verdade, osgrandes avanos na produo txtil do sculo XVIII foram feitos com fbricas movidas a gua;a energia a vapor foi adotada apenas mais tarde. A turbina d'gua de Fourneyron, aperfeioadaem 1832, foi o primeiro motor primrio a exceder as pobres eficincias de 5% ou 10% dasprimeiras mquinas a vapor, e foi um desenvolvimento lgico da tecnologia movida a guainicial que teria provavelmente seguido muito mais cedo em seu devido curso, no tivesse odesenvolvimento da fora d'gua sido desviado pela revoluo paleotcnica.30

    Tivesse a roda d'gua do sculo XVII se desenvolvido mais rapidamente para aeficiente turbina d'gua de Fourneyron, a gua poderia ter permanecido a espinha dorsal dosistema energtico at que a eletricidade tivesse se desenvolvido suficientemente para dar a

    ela uma maior rea de uso.31

    A fase eotcnica sobreviveu por mais tempo na Amrica, de acordo com Mumford.

    Tivesse ela sobrevivido um pouco mais, poderia ter passado diretamente para o neotcnico.Em The City in History, ele mencionou aplicaes abortivas de meios eotcnicos para aorganizao descentralizada, infelizmente obstrudas pela revoluo paleotcnica, e especuloulongamente sobre a direo Kropotkiniana que a evoluo social poderia ter tomado, tivesse oeotcnico passado diretamente para o neotcnico. Das sociedades da Nova Inglaterra e dosNovos Pases Baixos do sculo XVII, ele escreveu:

    Esta cultura eotcnica foi incorporada em uma infinidade de pequenas cidades evilas, conectadas por uma rede de canais e estradas de terra, suplementadas aps omeio do sculo XIX por ferrovias de linhas curtas, ainda no conectadas em algunspoucos sistemas de tronco destinados somente a aumentar o poder das grandes

    28Ralph

    Borsodi, This

    Ugly

    Civilization (Philadelphia: Porcupine

    Press, 1929, 1975),p. 65.29Mumford, Technics and Civilization, p. 118.30Ibid, p.

    118.31Ibid, p. 143.

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    cidades. Com energia do vento e da gua para as necessidades produtivas locais, estaera uma economia equilibrada; e tivesse seu equilbrio sido mantido, tivesse o equilbriode fato sido conscientemente buscado, um novo padro geral de desenvolvimentourbano poderia ter emergido...

    Em 'Technics and Civilization', eu apontei para como a inveno anterior de

    motores primrios mais eficientes, a turbina d'gua de Fourneyron e os moinhosaerogeradores, poderia, talvez, ter proporcionado mina de carvo e mina de ferrosrios concorrentes tcnicos que poderiam ter mantido este regime descentralizado portempo o suficiente em existncia para tirar vantagem da descoberta da eletricidade e daproduo de metais leves. Com o desenvolvimento coordenado da cincia, isto poderiater levado diretamente integrao mais humana de 'Campos, Fbricas e Oficinas' quePeter Kropotkin iria esboar, uma vez mais, nos anos 1890.32

    Borsodi especulava, em linhas semelhantes s de Mumford, sobre a direo diferenteque as coisas poderiam ter tomado, tivesse a fase eotcnica sido desenvolvida a seu potencialcompleto sem ser abortada pelo paleotcnico:

    impossvel formar uma concluso slida quanto ao valor para a humanidadedesta instituio que os Arkwrights, os Watts, e os Stephensons trouxeram existnciase nos confinarmos a uma comparao da eficincia do sistema fabril de produo coma eficincia dos processos de produo que predominavam antes da fbrica aparecer.

    Uma comparao muito diferente deve ser feita.Devemos supor que as descobertas inventivas e cientficas dos ltimos dois

    sculos no tivessem sido usadas para destruir os mtodos de produo quepredominavam antes da fbrica.

    Devemos supor que uma quantidade de pensamento e engenhosidade

    precisamente igual quela usada no desenvolvimento da fbrica tivessem sidodevotadas ao desenvolvimento da produo domstica, sob encomenda e cooperativa.

    Devemos supor que a roda de fiar domstica rudimentar tivesse sidogradualmente desenvolvida em mquinas cada vez mais eficientes; que teares,batedeiras, prensas de queijo, moldes de velas rudimentares e aparelhos produtivosrudimentares de todos os tipos tivessem sido aperfeioados, passo a passo, sem osacrifcio da "domesticidade" caracterstica que eles possuam.

    Em suma, devemos supor que a cincia e a inveno tivessem se devotado atornar a produo domstica e artesanal eficiente e econmica, em vez de se devotarquase exclusivamente ao desenvolvimento de mquinas fabris e da produo fabril.

    A civilizao dominada pela fbrica de hoje nunca teria se desenvolvido. Asfbricas no teriam invadido aqueles campos da manufatura em que outros mtodos deproduo pudessem ser utilizados. Apenas a fbrica essencial teria sido desenvolvida.Em vez de grandes cidades, impregnadas com fbricas e cortios, teramos inmeraspequenas cidades cheias de casas e oficinas de artesos do bairro. A cidades seriamcentros polticos, comerciais, educacionais e de entretenimento... Implementos e

    32Lewis Mumford, The City in History: Its Transformations, and Its Prospects (NewYork: Harcourt, Brace, & World, Inc., 1961), pp. 333 34.

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    mquinas domsticas eficientes desenvolvidas por sculos de aprimoramento cientficoteriam eliminado o trabalho penoso do lar e da fazenda.33

    E, poderamos complementar, o maquinrio de produo caseira em si teria sido manufaturado,no em fbricas de produo em massa Sloanistas, mas principalmente em pequenas fbricas

    e oficinas integrando mquinas motorizadas na produo artesanal.

    C. Uma Coisa Gozada Aconteceu no Caminho para a Revoluo Neotcnica

    O curso natural das coisas, de acordo com Borsodi, era que o "processo de mudanada produo do lar e da vizinhana para a fbrica localizada remotamente" teria atingido oauge com "o aperfeioamento da mquina a vapor de mbolo", e ento se estabilizado at quea inveno do motor eltrico revertesse o processo e permitisse que famlias e produtoreslocais utilizassem o maquinrio motorizado anteriormente restrito fbrica.34 Mas noaconteceu dessa forma. Em vez disso, a eletricidade foi incorporada na manufatura de uma

    maneira completamente perversa.Michael Piore e Charles Sabel descreveram uma bifurcao no caminho, com base em

    qual das duas formas alternativas possveis foi escolhida para a incorporao de energiaeltrica na manufatura. A primeira, mais condizente com o potencial nico da nova tecnologiaera integrar o maquinrio motorizado eletricamente produo artesanal de pequena escala:"uma combinao de habilidade artesanal com equipamento flexvel", ou "produo artesanalmecanizada".

    Seu fundamento era a ideia de que mquinas e processos poderiam aumentar ahabilidade do arteso, permitindo s pessoas trabalhadoras incorporarem seu

    conhecimento em produtos cada vez mais variados: quanto mais flexvel a mquina,quanto mais amplamente aplicvel o processo, mais ela expandia a capacidade doarteso para a expresso produtiva.

    A outra era adaptar o maquinrio eltrico estrutura pr-existente da organizaopaleotcnica industrial - em outras palavras, o que viria a se tornar a indstria de produo emmassa do sculo XX. Esta ltima alternativa implicava quebrar o processo de produo emseus passos separados, e ento substituir a habilidade humana por mquinas extremamentecaras e especializadas. "Quanto mais especializada a mquina - quanto mais rpido elatrabalhasse e quanto menos especializado seu operador precisasse ser - tanto maior suacontribuio para o corte de custos de produo"35.

    O primeiro caminho, infelizmente, foi, na maior parte, o que no foi tomado; ele foiseguido apenas em enclaves isolados, particularmente em variados distritos industriais na

    33Borsodi, This Ugly Civilization, pp. 60 61.34Borsodi, Prosperity

    and

    Security, p.

    182.35Michael S. Piore e Charles F. Sabel, The Second Industrial Divide: Possibilities forProsperity (New York: Harper Collins, 1984), pp. 4 6, 19.

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    Europa. O exemplo atual mais famoso a regio da Emilia-Romagna na Itlia, queexaminaremos em um captulo posterior.

    O segundo modelo, de produo em massa, se tornou a forma dominante deorganizao industrial. Avanos neotcnicos como o maquinrio alimentado eletricamente, queofereciam o potencial para a produo descentralizada e eram ideais para um tipo

    fundamentalmente diferente de sociedade, foram, at o momento, integrados estrutura daindstria de produo em massa.

    Mumford argumentava que os avanos neotcnicos, em vez de serem usados em seupotencial completo como a base para um novo tipo de economia, foram, em vez disso,incorporados estrutura paleotcnica. O neotcnico no tinha "substitudo o velho regime" com"velocidade e determinao", e ainda no tinha "desenvolvido sua prpria forma eorganizao".

    Emergindo da ordem paleotcnica, as instituies neotcnicas ainda assim, emmuitos casos, se comprometeram com ela, cederam ante a ela, perderam suaidentidade por motivo do peso dos interesses escusos que continuaram a apoiar osinstrumentos obsoletos e as metas anti-sociais do meio da era industrial. Ideais

    paleotcnicos ainda dominam em grande parte a indstria e a poltica do MundoOcidental... na medida em que a indstria neotcnica falhou em transformar o complexocarvo-e-ferro, na medida em ela falhou em assegurar uma fundao adequada parasua tecnologia mais humana na comunidade como um todo, na medida em que elaemprestou seus poderes aumentados para o minerador, para o financista, para omilitarista, as possibilidades de perturbao e caos aumentaram.36

    Verdadeiro: o mundo industrial produzido durante o sculo XIX est outecnologicamente obsoleto ou socialmente morto. Mas infelizmente, seu cadvercarunchoso produziu organismos que, por sua vez, podem debilitar ou possivelmente

    matar a nova ordem que deveria tomar seu lugar; talvez deix-la uma aleijada semesperana.37

    As novas mquinas seguiam, no seu prprio padro, mas o padroestabelecido pelas estruturas econmicas e tcnicas anteriores.38

    O fato que, nas grandes reas industriais da Europa Ocidental e da Amrica...,a fase paleotcnica ainda est intacta e todas suas caractersticas essenciais estomais elevadas, muito embora muitas das mquinas que ela usa sejam neotcnicas outenham sido reformadas - como na eletrificao dos sistemas ferrovirios - atravs demtodos neotcnicos. Nesta persistncia da paleotcnica... continuamos a cultuar asdivindades gmeas, Mammon e Moloch...39

    Ns meramente usamos nossas novas mquinas e energias para promoverprocessos que foram comeados sob os auspcios do empreendimento capitalista e

    36Mumford, Technics

    and

    Civilization, pp.

    212 13.37Ibid, p. 215.38Ibid, p.

    236.39Ibid, p. 264.

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    militar; ainda no as utilizamos para conquistar estar formas de empreendimento esubjug-las a propsitos mais vitais e humanos...40

    No apenas as velhas formas de tcnica serviram para constranger odesenvolvimento da economia neotcnica; mas as novas invenes e dispositivos tmsido frequentemente usados para manter, renovar, estabilizar a estrutura da velha

    ordem social...41

    O presente pseudomorfo , social e tecnicamente, de terceira categoria. Ele tem

    apenas uma frao da eficincia que a civilizao neotcnica como um todo podepossuir, desde que ela finalmente produza suas prprias formas institucionais econtroles e direes e padres. No momento, em vez de encontrar estas formas, temosaplicado nossa habilidade e inveno de modo a dar um novo sopro de vida a muitasdas obsoletas instituies capitalistas e militaristas do antigo perodo. Propsitospaleotcnicos com meio neotcnicos: esta a caracterstica mais bvia da atualordem.42

    Mumford usava a ideia de Spengler de "pseudomorfo cultural" para ilustrar o processo:"... na geologia uma rocha pode manter sua estrutura aps certos elementos terem sido

    lixiviados dela e terem sido substitudos por um tipo inteiramente diferente de material. Umavez que a estrutura aparente da antiga rocha permanece a mesma, o novo produto chamadode pseudomorfo".

    Uma metamorfose similar possvel na cultura: novas foras, atividades, instituies,em vez de se cristalizarem independentemente em suas prprias formas apropriadas,podem se introduzirem pela estrutura de uma civilizao existente.... Enquanto umacivilizao, ainda no entramos na fase neotcnica... [E]stamos ainda vivendo, naspalavras de Matthew Arnold, entre dois mundos, um morto, o outro impotente para

    nascer.43

    Para Mumford, a Rssia Sovitica era uma imagem espelhada do Ocidente capitalistaem espremer a tecnologia neotcnica em uma estrutura institucional paleotcnica. Apesar dapromessa neotcnica da "eletrificao mais poder Sovitico" de Lenin, o ideal esttico Soviticoera aquela da fbrica de produo em massa Ocidental: "o culto ao tamanho e foramecnica bruta, e a introduo de uma tcnica militarista tanto no governo quanto naindstria..."44Que a viso de Lenin de "comunismo" implicava em um emprstimo por atacadodo modelo de produo em massa, sob propriedade estatal, sugerido por sua paixo peloTaylorismo e sua supresso da auto-gesto trabalhista nas fbricas. O fetiche Stalinista pelogigantismo, com sua vanglria de ter a maior fbrica, usina, etc. do mundo, seguia-se porrotina.

    40Ibid, p. 265.41Ibid, p. 266.42Ibid, p.

    267.43Ibid, p. 265.44Ibid, p. 264.

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    Como os interesses institucionais existentes foram capazes de frustrar o potencialrevolucionrio da energia eltrica, e desviar as tecnologias neotcnicas para canaispaleotcnicos? A resposta que o estado fez pender a balana.

    O estado desempenhou um papel central no triunfo da indstria de produo em massanos Estados Unidos.

    Os subsdios estatais ao transporte de longa distncia foram os primeiros e maisimportantes. Nunca teria havido grandes firmas de manufatura produzindo para um mercadonacional, no tivesse o governo federal criado primeiro um mercado nacional com a redenacional ferroviria. Um sistema de transporte nacional de alto volume era um pr-requisitoindispensvel para as grandes empresas.

    Citamos a observao de Mumford acima, de que a revoluo neotcnica ofereceusubstituir a dependncia do transporte de longa distncia pela industrializao atravs dodesenvolvimento econmico local. Polticas estatais, no entanto, fizeram pender a balana naoutra direo: elas artificialmente mudaram a vantagem competitiva em direo concentraoindustrial e distribuio de longa distncia.

    Alfred Chandler, o apstolo chefe da grande corporao de produo em massa, eleprprio admitiu isso: todas as vantagens que ele alegava para a produo em massa

    pressupunham um sistema de distribuio de alto volume, alta velocidade e alta rotatividadeem escala nacional, sem considerar se os custos do ltimo excediam os supostos benefcios doprimeiro.

    ...[A] empresa moderna apareceu pela primeira vez na histria quando o volumede atividades econmicas atingiu um nvel que tornou a coordenao administrativamais eficiente e mais lucrativa do que a coordenao de mercado.45

    ...[O surgimento da coordenao administrativa primeiro] ocorreu apenas emalguns poucos setores ou indstrias em que a inovao tecnolgica e o crescimento do

    mercado criaram uma vazo de alta velocidade e de alto volume.46

    William Lazonick, um discpulo de Chandler, descrevia o processo como obter "umagrande fatia do mercado a fim de transformar os altos custos fixos em baixos custosunitrios"47.

    A ferrovia e o telgrafo, "to essenciais para a produo e distribuio em alto volume",eram, na viso de Chandler, o que tornava possvel este fluxo constante de bens atravs dosistema de distribuio.48

    A primazia de tal infraestrutura subsidiada pelo estado indicada pela prpria estruturado livro de Chandler. Ele comea com as ferrovias e o sistema de telgrafos, elas prprias as

    45Alfred

    D.

    Chandler, Jr., The Visible Hand: The Managerial Revolution in AmericanBusiness (Cambridge and London: The Belknap Press of Harvard University Press,1977), p.

    8.46Ibid, p. 11.47William

    Lazonick, Business Organization and

    the Myth of the Market Economy

    (Cambridge, 1991), pp. 198 226.48Chandler, The Visible Hand, p. 79.

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    primeiras empresas modernas multi-unitrias.49 E nos captulos subsequentes, ele reconta asucessiva evoluo de uma rede nacional de atacado sendo carregada pelo sistemacentralizado de transporte, seguido por um sistema nacional de varejo, e apenas ento pelamanufatura em larga escala para o mercado nacional. Um sistema nacional de transporte delonga distncia levou distribuio em massa, que, por sua vez, levou produo em massa.

    A revoluo nos processos de distribuio e produo repousavam, em grandeparte, sobre a nova infraestrutura de transporte e comunicao. A moderna produoem massa e distribuio em massa dependiam da velocidade, do volume e daregularidade no movimento de bens e mensagens possibilitadas pela chegada daferrovia, do telgrafo e do navio a vapor.50

    A chegada da distribuio em massa e o surgimento dos modernoscomerciantes em massa representavam uma revoluo organizacional possibilitadapelas novas velocidade e regularidade do transporte e da comunicao.51

    .... Os novos mtodos de transporte e comunicao, ao permitirem um fluxogrande e constante de matrias-primas para dentro da fbrica e de produtos finalizadospara fora dela, possibilitaram nveis de produo sem precedentes. A realizao dessepotencial exigia, no entanto, a inveno de novos maquinrio e processos.52

    Em outras palavras, as chamadas "economias internas de escala" na manufaturapuderam acontecer apenas quando as deseconomias externas compensatrias da distribuioa longa distncia foram artificialmente anuladas pelo bem-estar corporativo. Tais "economias"podem ocorrer apenas dado um conjunto artificial de circunstncias que permitem que oscustos unitrios reduzidos de mquinas caras e especficas de produtos sejam consideradosisoladamente, porque os custos indiretos implicados so todos externalizados para asociedade. E se os custos reais de remessas de longa distncia, marketing de grande presso,

    etc., de fato excedem as economias de mquinas mais rpidas e mais especializadas, ento a"eficincia" falsa.

    um exemplo do que Ivan Illich chamava de "contra-produtividade": a adoo de umatecnologia alm do ponto, no apenas de retornos decrescentes, mas de retornos negativos.Illich tambm usava o termo "segundo divisor de guas" para descrever o mesmo conceito: porexemplo, no caso de medicamentos, o primeiro divisor de guas inclua coisas bsicas comosaneamento pblico, o extermnio de ratos, purificao d'gua, e a adoo de antibiticos; osegundo divisor de guas era adoo de mtodos intensivos em capital e habilidades ao pontoem que doenas iatrognicas (induzidas pelo hospital ou pelo mdico) excediam os benefciospara a sade. Em outras reas, a introduo do transporte motorizado, alm de um certo ponto,produz distncia artificial entre coisas e gera congestionamento mais rpido do que ele podeser aliviado.53

    49Ibid, pp. 79, 96 121.50Ibid, p. 209.51Ibid, p. 235.52Ibid, p.

    240.53 Ivan Illich, The Three Dimensions of Public Opinion, in The Mirror of the Past:

    Lectures and Addresses, 1978 1990 (New York and London: Marion Boyars, 1992),

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    Onde Illich errou foi em ver a contra-produtividade como inevitvel, se a adoo detecnologias no fosse restrita pela regulamentao. Na verdade, quando todos os custos ebenefcios de uma tecnologia so internalizados por quem adota, a adoo alm do ponto decontra-produtividade no ocorrer. A adoo alm do ponto de contra-produtividade lucrativaapenas quando os custos so externalizados sobre a sociedade ou sobre o pagador de

    impostos, e os benefcios apropriados por uma classe privilegiada.Como o prprio Chandler admitia, a maior "eficincia" de organizaes atacadistas

    nacionais jaz em sua "cada vez mais efetiva explorao dos sistemas ferrovirio e telegrficoexistentes"54. Isto , elas fossem parasitas mais eficientes. Mas as "eficincias" de um parasitaso normalmente de uma natureza de soma zero.

    Chandler tambm admitia, talvez inadvertidamente, que os novos mtodos de produo"mais eficientes" foram adotados quase como uma reflexo posterior, dadas as reas demercado artificialmente grandes e a distribuio subsidiada:

    ...a natureza do mercado foi mais importante do que os mtodos de produo emdeterminar o tamanho e em definir as atividades da corporao industrial moderna. 55

    E, finalmente, Chandler admitiu que a nova indstria de produo em massa no eramais eficiente em produzir em resposta demanda autnoma do mercado. Ele prprioprestativamente apontou, como veremos no prximo captulo, que os primeiros grandesindustriais apenas integraram a produo em massa com a distribuio em massa porqueforam forados a isso: "Eles o fizeram porque os comerciantes existentes eram incapazes devender e distribuir produtos no volume em que eram produzidos"56.

    Apesar de tudo isso, Chandler - espantosamente - minimizava o papel do estado emcriar o sistema que ele tanto admirava:

    O surgimento da empresa moderna na indstria americana entre a dcada de 1880 e aPrimeira Guerra Mundial foi pouco afetada pela poltica pblica, mercados de capitais,ou talentos empreendedores, porque era parte de um desenvolvimento econmico maisfundamental. A empresa moderna... era a resposta organizacional a mudanasfundamentais nos processos de produo e distribuio possibilitados peladisponibilidade de novas fontes de energia e pela crescente aplicao do conhecimentocientfico tecnologia industrial. A chegada da ferrovia e do telgrafo e oaperfeioamento de novos processos de alto volume... possibilitaram um volumehistoricamente sem precedentes de produo.57

    p. 84; Tools for Conviviality (New York, Evanston, San Francisco, London: Harper&

    Row,

    1973),

    pp.

    xxii xxiii, 1 2, 3, 6 7, 84 85; Disabling Professions (New Yorkand

    London: Marion Boyars,

    1977),

    p. 28.

    54Chandler, The Visible Hand, p. 215.55Ibid,p. 363.56Ibid,p. 287.57Ibid,p. 376.

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    "A chegada da ferrovia"? Na linguagem de Chandler, as ferrovias parecem ser umafora inevitvel da natureza em vez do resultado de aes deliberadas por parte doslegisladores.

    No podemos deixar Chandler passar sem disputar sua suposio implcita(compartilhada por muitos liberais tecnocratas) de que a indstria paleotcnica era mais

    eficiente do que os mtodos descentralizados, de pequena escala de Kropotkin e Borsodi.Nunca lhe ocorreu a ele que a interveno massiva do estado, ao mesmo tempo que permitiaas revolues no tamanho e na intensidade de capital da corporao, poderia ter pendido abalana entre formas alternativas de tecnologia de produo.

    O sistema ferrovirio nacional simplesmente nunca teria vindo existncia em talescala, com uma rede centralizada de linhas-tronco de tal capacidade, no tivesse o estadoforado o projeto.

    Piore e Sabel descrevem as enormes despesas de capital, e os enormes custos detransao a serem superados, ao se criar um sistema ferrovirio nacional. No apenas oscustos iniciais do capital fsico efetivamente, mas aqueles de se assegurar direitos depassagem, eram "enormes":

    improvvel que as ferrovias tivessem sido construdas to rpida e extensivamentequanto foram, no fosse pela disponibilidade de subsdios governamentais massivos.

    Outros custos de transao superados pelo governo, ao criar o sistema ferrovirio, incluam areviso do direito civil e contratual (por exemplo, para eximir as transportadoras comuns daresponsabilidade por muitos tipos de danos fsicos causados por sua operao). 58

    De acordo com Matthew Josephson, durante dez anos ou mais antes de 1861, "asferrovias, especialmente no Oeste, eram 'companhias de terra' que adquiriam sua principalmatria-prima atravs de puras concesses em troca de sua promessa de construir, e cujos

    diretores... faziam um impetuoso negcio de terras em terras agrcolas e terrenos urbanosaumentando os preos". Por exemplo, sob os termos da lei da Pacific Railroad 59, UnionPacific (que construiu do Mississipi para o oeste) foram concedidos doze milhes de acres deterra e o equivalente a US$27 milhes em ttulos do governo de trinta anos. A Central Pacific(construda da Costa Oeste para o leste) recebeu nove milhes de acres e o equivalente aUS$24 milhes em ttulos.60

    As concesses federais de terras para as ferrovias, de acordo com Murray Rothbard,incluam quinze milhas de terra em ambos os lados do direito de passagem efetivo. Conformeas ferrovias foram sendo completadas, estas terras dispararam em valor. E conforme novascidades foram sendo construdas ao longo das rotas ferrovirias, cada casa e negcio foi

    58Piore e Sabel, pp. 66-67.59 N. do T.: Uma srie de atos do Congresso dos E.U.A. que promoveram a construo da ferroviatranscontinental no pas, atravs da autorizao da emisso de ttulo do governo e concesses de terrapara companhias ferrovirias. Vide:http://en.wikipedia.org/wiki/Pacific_Railroad_Acts60 Matthew Josephson, The Robber Barons: The Great American Capitalists 1861-1901 (New York:Harcourt, Brace & World, Inc., 1934, 1962), pp. 77-78.

    http://en.wikipedia.org/wiki/Pacific_Railroad_Actshttp://en.wikipedia.org/wiki/Pacific_Railroad_Actshttp://en.wikipedia.org/wiki/Pacific_Railroad_Actshttp://en.wikipedia.org/wiki/Pacific_Railroad_Acts
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    construdo em terras vendidas pelas ferrovias. Os tratos incluam valiosas reas de exploraomadeireira, tambm.61

    Theodore Judah, engenheiro chefe do que se tornou a Central Pacific, assegurouinvestidores potenciais "que ela poderia ser feita - se a ajuda governamental fosse obtida. Poiso custo seria terrvel". Collis Huntington, o principal promotor do projeto, envolvido em uma

    srdida combinao de propinas estrategicamente colocadas e apelos aos medos dascomunidades de serem ignoradas, a fim de extorquir concesses de "direitos de passagem,zonas de terminais e abrigos de trens, e.... subscries de aes e ttulos variando entreUS$150.000 e US$1.000.000" de uma longa lista de governos locais que incluam SoFrancisco, Stockton e Sacramento.62

    Ausentes as concesses de terras e as compras governamentais de ttulos dasferrovias, as ferrovias provavelmente teriam se desenvolvido, em vez disso, ao longo das linhasiniciais descritas por Mumford: muitas redes frreas locais conectando comunidades emeconomias industriais locais. As interligaes regionais e nacionais de redes locais, quandoocorressem, teriam sido bem menos e bem menores em capacidade. Os custos comparativosda distribuio local e nacional, adequadamente, teriam sido bastante diferentes. Em umanao de centenas de economias industriais locais, com o transporte frreo de longa distnciamuito mais custoso do atualmente, o padro natural de industrializao teria sido integrarmquinas motorizadas de pequena escala na manufatura flexvel para mercados locais.

    Em vez disso, o estado artificialmente agregou a demanda por bens manufaturados emum nico mercado nacional, e artificialmente reduziu os custos de distribuio para aquelesservindo a esse mercado. Com efeito, ele criou um ecossistema artificial ao qual a indstria deproduo em massa em larga escala estava melhor "adaptada".

    Os primeiros organismos a se adaptaram a este ecossistema artificial, como recontadopor Chandler, foram as redes nacionais de atacado e varejo, com sua dependncia da altarotatividade e da confiana. Ento, sobre os ombros delas, estavam os grandes fabricantes

    servindo ao mercado nacional. Mas eles eram apenas "mais eficientes" em termos de sua maiseficiente explorao de um ambiente artificial que era ele mesmo caracterizado peloencobrimento e pela externalizao dos custos. Com todos os custos encobertos eexternalizados completamente subsumidos no preo de bens produzidos em massa, em vez detransferidos para a sociedade ou para o pagador de impostos, provvel que o custo geral debens produzidos flexivelmente em maquinrio de propsito geral para mercados locais teriasido menor do que aquele de bens produzidos em massa.

    Alm de criarem quase sozinhas o artificialmente unificado e barato mercado nacional,sem o qual os fabricantes nacionais no poderiam ter existido, as companhias ferroviriastambm promoveram ativamente a concentrao da indstria atravs de suas polticas detaxas. Piore e Sabel argumentam que "a poltica das ferrovias de favorecer seus maioresclientes, atravs de descontos", foi um fator central no surgimento da grande corporao. Umavez no lugar, a ferrovias - sendo uma indstria com altos custos fixos - tinha

    61Murray N. Rothbard, Power and Market: Government and the Economy(Menlo Park, Calif.: Institute forHumane Studies, Inc., 1970), p. 70.62Josephson, pp. 83-84.

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    um tremendo incentivo a usar sua capacidade de uma maneira contnua e estvel. Esteincentivo significava, por sua vez, que elas tinham um interesse em estabilizar aproduo de seus clientes principais - um interesse que se estendeu proteo de seusclientes de concorrentes que eram servidos por outras ferrovias. No , portanto,surpreendente que as ferrovias tenham promovido esquemas de fuso que tinham este

    efeito, nem que favorecessem as corporaes ou consrcios resultantes comdescontos.

    "De fato, visto sob esta luz, o surgimento da corporao americana pode ser interpretado maiscomo o resultado de alianas complexas entre bares gatunos da Era Dourada do que comouma primeira soluo para o problema da estabilizao do mercado enfrentado por umaeconomia de produo em massa"63. De acordo com Josephson,

    enquanto os lavradores da terra se sentiam sujeitos extorso, eles viam tambm quecertos interesses entre aqueles que manuseavam o gro e o gado que eles produziam,os ascensores, moleiros e currais, ou aqueles de quem eles compravam suasnecessidades, os refinadores de leo, as grandes casas comerciais, eram encorajadospelas ferrovias a se unirem contra o consumidor. Nas audincias ante ao HepburnCommittee em 1879 foi revelado que a New York Central, assim como ferrovias portodo o pas, tinha em torno de 6000 acordos de desconto, tais como o que fizera com aSouth Improvement Company...64

    ...[A]s tticas secretas de desconto deram a certos grupos produtivos (como empetrleo, carne, ao) aquelas vantagens que os permitiram ultrapassar concorrentes elogo conduzir seus negcios a uma escala to grande quanto a das prprias ferrovias.65

    .... Sobre o leo refinado que [Rockefeller] enviava de Cleveland, ele recebia umdesconto de 50 centavos por barril, dando-lhe uma vantagem de 25 por cento sobre

    seus concorrentes.66

    No meio tempo, os representantes polticos que os colonos desiludidos

    enviavam para Washington ou para as legislaturas estaduais pareciam no apenasincapazes de ajud-los, mas eram vistos aps um tempo andando pelo pas para ondequer que especificassem, em virtude dos passes livres generosamente distribudos aeles.67

    As ferrovias tambm capturaram as legislaturas estaduais e as comisses deestradas de ferro.68

    Entre certos Objetivistas e libertrios vulgares da Direita, isto comumentetransformado em uma pea de moralidade em que homens de gnio inovador constroemgrandes empresas atravs de puro esforo e empreendedorismo, e do poder da eficincia

    63Piore and Sabel, pp. 66-67.64Josephson, pp. 250-251.65Ibid,p. 253.66Ibid,p. 265.67Ibid,p. 251.68Ibid,p. 252.

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    superior. Estes hericos John Galts ento cobravam taxas embasadas nos benefcios dasnovas ferrovias para os clientes, e eram forados ao lobby poltico apenas como uma questode auto-defesa contra a extorso governamental. Isto uma mentira.

    O que aconteceu no tinha nada a ver com um livre mercado, a menos que se pertenaa estirpe direitista do libertarianismo para a qual "livre mercado" se igualda a "benfico para

    grandes empresas". Era, na verdade, um caso do governo interferindo para criar uma indstriaquase a partir do zero, e pelo mesmo ato colocando-a em uma altura dominante, da qual elapoderia extorquir lucros monopolistas do pblico. A analogia moderna mais prxima so ascompanhias farmacuticas, que usam monoplio ilimitados de patentes concedidos pelo estadopara cobrar preos extorsivos pelos medicamentos desenvolvidos inteiramente ou quaseinteiramente com fundos de pesquisa governamentais. Mas at a, os Randroids e libertriosvulgares tambm so fs da Big Pharma.

    Claro, as ferrovias foram apenas o primeiro de muitos projetos de infraestruturacentralizadores. O processo continuou por todo o sculo XX, com o desenvolvimento dosistema rodovirio subsidiado e do sistema de aviao civil. Mas, ao contrrio das ferrovias,cuja principal significncia foi seu papel em criar o mercado nacional em primeiro lugar, aaviao civil e o complexo industrial-automotivo foram indubitavelmente um sumidouro para ocapital e a produo excedentes. Eles sero tratados no prximo captulo, adequadamente,como exemplo de um fenmeno descrito por Paul Baran e Paul Sweezy em MonopolyCapitalism: a criao governamental de novas indstrias para absorver o excedente resultantedas tendncias crnicas do capitalismo corporativo em direo ao superinvestimento e super-produo.

    Segundo, a estrutura legal americana foi transformada na metade do sculo XIX demaneiras que produziram um ambiente mais hospitaleiro para grandes corporaes operandoem uma escala nacional. Entre as mudanas estavam o surgimento de uma lei comercialfederal geral, leis gerais de incorporao, e o status da corporao como uma pessoa sob a

    Dcima Quarta Emenda. A significncia funcional destas mudanas em uma escala nacionalera anloga ao efeito posterior, em uma escala global, das agncias do Breton Woods e doprocesso do GATT: uma ordem legal centralizada foi criada, pr-requisito para seufuncionamento estvel, coextensiva com as reas de mercado de grandes corporaes.

    A federalizao do regime legal associada, em particular, com o reconhecimento deum corpo geral de legislao comercial federa em Swift v. Tyson(1842), e com a aplicao daDcima Quarta Emenda a pessoas corporativas em Santa Clara County v. Southern PacificRailroad Company(1886).

    A deciso do caso Santa Clara foi seguida por uma era de ativismo judicial federal, emque leis estaduais foram revogadas sobre a base do "substantivo devido processo". O papeldas cortes federais na economia nacional foi similar ao papel global da atual OrganizaoMundial do Comrcio, com tribunais superiores com poderes de passar por cima de jurisdieslegais que eram prejudiciais aos interesses corporativos.

    Nas cortes federais, os direitos de "devido processo" e "igual proteo" das corporaesenquanto "pessoas jurdicas" foram tornados a base de protees contra ao legal visandoproteger os antigos direitos da lei comum de pessoas de carne e osso. Por exemplo, portariaslocais para proteger guas subterrneas e populaes locais contra poluio txica e doenascontagiosas de granjas de sunos, para proteger proprietrios da eroso e do aluimento do solo

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    causado pela extrao de carvo - certamente indistinguvel, na prtica, das provises deresponsabilidade civil de qualquer cdigo legal libertrio de uma anarquia de mercado justa -tm sido derrubadas como violaes dos direitos de "igual proteo" de granjas industriais desunos e de companhias de minerao.

    Outro componente ainda da revoluo legal corporativa foi a maior facilidade, sob leis

    gerais de incorporao, de formar corporaes com responsabilidade limitada com statuspermanente de entidade parte (separada ou coletivamente) dos acionistas.

    Possivelmente, como Robert Hessen e outros j argumentaram, o status de entidadecorporativa e a responsabilidade limitada contra credores poderiam ter sido atingidosinteiramente atravs de contratos privados. Quer esse seja o caso ou no, o governo inclinou ocampo de jogo decisivamente em direo forma corporativa ao fornecer um procedimentopadro e automtico de incorporao. Ao faz-lo, ele tornou a corporao a forma padro oupr-definida de organizao, reduziu custos de transao de se estabelec-la relativo ao quepredominaria, fosse ela negociada inteiramente desde o princpio e, desse modo, reduziu opoder de barganha das outras partes em negociar os termos em que ela opera.

    Terceiro, no apenas o governo indiretamente promoveu a concentrao e acartelizao da indstria atravs das ferrovias que criou, mas ele o fez diretamente atravs dalei de patentes. Como veremos no prximo captulo, a produo em massa exige grandesorganizaes empresariais capazes de exercer poder suficiente sobre seu ambiente externopara garantir o consumo de sua produo. As patentes promoveram o controle estvel demercados por firmas oligopolistas atravs do controle, da troca e do acmulo de patentes.

    De acordo com David Noble, duas indstrias baseadas em cincia essencialmentenovas (aquelas que "cresceram do solo cientfico em vez do conhecimento artesanaltradicional") emergiram no final do sculo XIX: as indstrias eltrica e qumica.69

    Na indstria eltrica, a General Electric teve suas origens primeiro em uma fuso entrea Edison Electric (que controlava todas as patentes eltricas de Edison) e a Sprague Electric

    Railway and Motor Company, e depois em uma fuso de 1892 entre a Edison General Electrice a Thomas-Houston - ambas delas motivadas primariamente por consideraes de patentes.No ltimo caso, em particular, a Edison General Electric e a Thomas-Houston, cada uma,precisavam das patentes detidas pelas outras e no poderiam "desenvolver equipamentos deiluminao, ferrovirios e de energia sem medo de processos e injunes por violao" 70. Apartir da dcada de 1890, a indstria eltrica foi dominada por duas grandes firmas: GE eWestinghouse, ambas das quais deviam suas parcelas de mercado grandemente ao controlede patentes. Alm das patentes que elas originalmente possuam, elas adquiriram controlesobre patentes (e, consequentemente, sobre muito do mercado de manufatura eltrica) atravsda "aquisio dos direitos de patentes de indivduos inventores, aquisio de firmasconcorrentes, fuses com concorrentes, e o desenvolvimento sistemtico e estratgico de suasprprias invenes patenteveis". Como a GE e a Westinghouse juntas asseguraram umimpasse na indstria eltrica atravs da aquisio de patentes, a concorrncia entre elas setornou cada vez mais intensa e perturbadora. Por volta de 1896, o custo de litigao de cercade trezentos processos por patentes pendentes era enorme, e as duas companhias

    69David F. Noble,America by Design: Science, Technology, and the Rise of Corporate Capitalism(NewYork: Alfred A. Knopf, 1977), p. 570Ibid,p. 9.

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    concordaram em formar um Conselho de Controle de Patentes conjunto. A General Electric e aWestinghouse reuniram suas parentes, com a GE controlando 62.5% dos negcioscombinados.71

    A estrutura da indstria telefnica teve origens similares, com a Bell Patent Associationformando "o ncleo da primeira organizao industrial Bell" (e eventualmente da AT&T). A

    National Bell Telephone Company, a partir da dcada de 1880 em diante, lutou vigorosamentepara "ocupar o campo" (nas palavras do gerente geral Theodore N. Vail) atravs do controle depatentes. Como Vail descreveu o processo, a companhia se cercou

    de tudo que protegeria o negcio, isto , o conhecimento do negcio, todo o aparatoauxiliar; mil e uma pequenas patentes e invenes com as quais fazer o negcio queera necessrio, isto o que queramos controlar e conseguir posse.

    Para realizar isso, a companhia lego cedo estabeleceu um departamento deengenharia cujo negcio era estudar as patentes, estudar o desenvolvimento e o estudodestes dispositivos que ou eram originados por nosso prprio pessoal, ou chegavam ans de fora. A, no comeo de 1879, comeamos nosso departamento de patentes, cujonegcio era inteiramente estudar a questo das patentes que saam, tendo em vistaadquiri-las, j que... reconhecamos que se no controlssemos estes dispositivos,outra pessoa iria.72

    Esta abordagem fortaleceu a posio de controle da companhia sobre o mercado, noapenas durante o perodo de dezessete anos das principais patentes, mas (como FrederickFish colocou em um discurso para o American Institute of Electrical Engineers) durante ossubsequentes dezessete anos de

    toda e cada uma das patentes registradas sobre mtodos e dispositivos subsidirios

    inventados durante o progresso do desenvolvimento comercial. [Portanto] um dosprimeiros passos tomados foi organizar um corpo de engenheiros inventivos paraaperfeioar e melhorar o sistema telefnico em todas as direes... que, ao asseguraras invenes acessrias, a posse do campo poderia ser mantida tanto quanto possvele por tanto tempo quanto possvel.73

    Este mtodo, a ocupao preventiva do mercado atravs da aquisio e do controleestratgicos de patentes, tambm foi usada pela GE e pela Westinghouse.

    Mesmo com a concorrncia intensificada resultante da expirao das patentes Belloriginais em 1894, e antes do favoritismo governamental nas concesses de direitos depassagem e do status de monoplio regulamentado, o efeito legado do controle da AT&T daspatentes secundrias foi suficiente para assegur-la metade do mercado telefnico treze anosmais tarde, em 1907.74 A AT&T, antecipando a expirao de suas patentes originais, tinha(para citar Vail novamente) "cercado o negcio com toda a proteo auxiliar que era possvel".

    71Ibid,pp. 9-10.72Ibid,pp. 11-12.73Ibid,p. 12.74Ibid,p. 12.

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    Por exemplo, a companhia, em 1900, comprou a patente de Michael Pupin sobre bobinas decarga e, em 1907, adquiriu direitos domsticos exclusivos pelas patentes da Cooper-Hewittsobre o retificador de vapor de mercrio - tecnologias essenciais que fundamentavam omonoplio da AT&T sobre a telefonia de longa distncia.75

    Na poca em que a FCC76 foi formada em 1935, o Bell System j tinha adquirido as

    patentes de "algumas das invenes mais importantes na telefonia e no rdio", e "atravs devrios acordos de agrupamento de patentes de rdio na dcada de 1920... tinha efetivamenteconsolidado sua posio em relao a outras gigantes na indstria". Ao faz-lo, de acordo comuma investigao da FCC, a AT&T tinha ganhado controle da "explorao de formaspotencialmente competitivas e emergentes de comunicao" e "se apropri[ado] de novasfronteiras da tecnologia para explorao no futuro..."77.

    Os agrupamentos de patentes de rdio incluam AT&T, GE e Westinghouse, RCA (elamesma formada como uma subsidiria da GE aps a ltima ter adquirido a American Marconi),e American Marconi.78A histria de Alfred Chandler das origens da indstria de eletrnicos deconsumo pouco mais que uma descrio estendida de quais patentes eram mantidas, esubsequentemente adquiridas, por quais companhias.79Isto deveria nos dar alguma indicao,alis, do que ele quis dizer por "capacidade organizacional", um termo seu que ser objeto deescrutnio no prximo captulo. Em uma era em que as despesas de capital necessrias para aprpria planta fsica e para os equipamentos esto rapidamente diminuindo em muitas formasde manufatura, uma das principais funes da "propriedade intelectual" criar uma "vantagemcomparativa" artificial ao dar a uma firma em particular um monoplio sobre tecnologias etcnicas, e impedir sua difuso por todo o mercado.

    A indstria qumica americana, em sua forma moderna, foi possibilitada pelo confiscopor parte do Departamento de Justia das patentes qumicas alems na Primeira GuerraMundial. At a guerra, cerca de 98% dos pedidos de patentes na indstria qumica vinham defirmas alems, e nunca foram trabalhadas nos E.U.A. Como resultado, a indstria qumica

    americana era de segunda classe tecnicamente, grandemente limitada ao processamento finalde bens intermedirios importados da Alemanha. O procurador-geral A. Mitchell Palmer, como"Guardio da Propriedade Estrangeira"80 durante a guerra, detia as patentes em confiana elicenciou 735 delas para firmas americanas; a Du Pont sozinha recebeu trezentas. 81

    De maneira mais geral, as patentes so uma ferramenta efetiva para cartelizarmercados nas indstrias em geral. Elas foram usadas nas indstrias automotiva e siderrgica

    75Ibid,p. 91.76 N. do T.: Comisso Federal de Comunicaes (em ingls: Federal Communications Commission -FCC) o rgo regulador da rea de telecomunicaes e radiodifuso dos Estados Unidos criado em1934 dentro do programa New Deal. Vide:http://en.wikipedia.org/wiki/Federal_Communications_Commission77Ibid., p. 92.78Ibid,pp. 93-94.79Alfred Chandler, Jr., Inventing the Electronic Century(New York: The Free Press, 2001).80O "Office of Alien Property Custodian" ("Escritrio do Guardio de Propriedade Estrangeira") era umescritrio dentro do Governo dos Estados Unidos durante as Primeira e Segunda Guerras Mundiais queservia como Guardio da Propriedade Inimiga para a propriedade que pertencia aos inimigos dos E.U.A.Vide: http://en.wikipedia.org/wiki/Office_of_Alien_Property_Custodian81Noble,America by Design, p. 16.

    http://en.wikipedia.org/wiki/Federal_Communications_Commissionhttp://en.wikipedia.org/wiki/Federal_Communications_Commissionhttp://en.wikipedia.org/wiki/Federal_Communications_Commission
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    entre outras, de acordo com Noble.82 Em um artigo de 1906, o engenheiro mecnico eadvogado de patentes Edwin Prindle descreveu as patentes como "o melhor e mais efetivomeio de controlar a concorrncia".

    As patentes so a nica forma legal de monoplio absoluto. Em uma recente

    deciso judicial, o tribunal disse, "dentro de seu domnio, o titular da patente um czar...clamores de restrio de comrcio e comprometimento da liberdade de vendas sointeis, porque, para a promoo das artes teis, a constituio e os estatutosautorizam este mesmo monoplio".

    O poder que um titular de patente tem de ditar as condies sob as quais seumonoplio pode ser exercido tem sido usada para formar acordos comerciais ao longode praticamente indstrias inteiras, e se o propsito da combinao primariamenteassegurar o benefcio do monoplio das patentes, a combinao legtima. Sob taiscombinaes no podem haver acordos efetivos quanto a preos a serem mantidos...; aproduo de cada membro da combinao pode ser especificada e imposta... e muitosoutros benefcios que se buscam assegurar atravs de combinaes comerciais, feitospor acordos simples, podem ser adicionados. Tais combinaes comerciais sobpatentes so as nicas combinaes comerciais vlidas de aplicveis que podem serfeitas nos Estados Unidos.83

    E, ao contrrio de cartis puramente privados, que tendem em direo desero e instabilidade, cartis de controles de patentes - sendo baseados em um privilgio concedidopelo estado - trazem uma punio crvel e efetiva pela desero.

    Atravs de seu "conceito Napolenico de guerra industrial, com invenes e patentescomo seus mercenrios", e atravs do "brao de pesquisa da 'ofensiva das patentes'",fabricantes corporativas foram capazes de assegurar o controle estvel dos mercados em suas

    respectivas indstrias.84

    Estas foram as condies presentes no incio da revoluo da produo em massa, em

    que o desenvolvimento da economia industrial corporativa comeou. Na ausncia destas pr-condies necessrias, simplesmente no teria havido um nico mercado nacional ou grandescorporaes lhe servindo. Em vez de serem adotadas na estrutura do sistema fabrilpaleotcnico, a introduo do maquinrio eltrico provavelmente teria seguido seu cursonatural e ter feito jus a seu potencial nico: as mquinas motorizadas teriam sido incorporadasna produo de pequena escala para mercados locais, e a economia nacional teria sedesenvolvido como "cem Emilia-Romagnas".

    Mas estas foram apenas as condies necessrias no incio. Como veremos no prximocaptulo, o crescimento do grande governo continuou a ser paralelo ao da grande empresa,introduzindo formas mais novas e de mais larga escala de interveno poltica para resolver astendncias crescentes da economia corporativas em direo desestabilizao, e isolar acorporao gigante das foras de mercado que teriam, de outra forma, a destrudo.

    82Ibid,p. 91.83Ibid,p. 89.84Ibid,p. 95.

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    2__________________________________________________________________________

    Moloch: O Modelo Sloanista de Produo em Massa

    Introduo

    O modelo de produo em massa carregava alguns fortes imperativos: primeiro, ele exigiaproduo em grandes lotes, operando o enormemente dispendioso maquinrio produto-especfico em capacidade total para minimizar os custos unitrios (nas palavras de AmoryLovins, "o cada vez mais rpido fluxo unitrio de materiais, do esgotamento poluio85); e,segundo, ele exigia controle social e previsibilidade para garantir que a produo seria

    consumida, para que inventrios crescentes e mercados saturados no fizessem as rodas daindstria pararem de girar. Utilizar a capacidade, utilizar a capacidade, isso Moiss e osprofetas. Eis Lewis Mumford quanto ao princpio:

    Conforme os mtodos mecnicos se tornaram mais produtivos, cresceu a noo de queo consumo deveria se tornar mais voraz. Por trs disto est uma ansiedade para que aprodutividade da mquina no crie um excesso no mercado...

    Esta ameaa superada pelos "dispositivos do desperdcio competitivo, do acabamento de mqualidade e da moda..."86.

    Como descrito por Michael Piore e Charles Sabel, o problema era que recursos produto-especficos no podiam ser realocados quando o mercado mudava; sob tais condies, o custoda imprevisibilidade do mercado era inaceitavelmente alto. Mercados para a produo daindstria de produo em massa tinham que ser garantidos porque o maquinrio altamenteespecializado no podia ser realocado para outros usos com a mudana na demanda. "Umapea do maquinrio moderno dedicado produo de uma nica parte no pode ser passadopara outro uso, no importa o quo baixo o preo daquela parte caia ou quo alto o preo deoutros bens suba"87.

    A produo em massa exigia grandes investimentos em equipamento altamenteespecializado e trabalhadores estritamente treinados. Na linguagem da manufatura,

    estes recursos eram "dedicados": adaptados fabricao de um produto em particular -frequentemente, na verdade, apenas a um feitio ou modelo. Quando o mercado para

    85 Paul Hawken, Amory Lovins, e L. Hunter Lovins, Natural Capitalism: Creating the Next IndustrialRevolution(Boston, New York, London: Little, Brown, and Company, 1999), p. 8186Lewis Mumford, Technics and Civilization(New York: Harcourt, Brace, and Company, 1934), pp. 396-397.87Michael J. Piore e Charles F. Sabel, The Second Industrial Divide: Possibilities for Prosperity (NewYork: Harper Collins, 1984), p. 50.

  • 8/9/2019 Revoluo Industrial Caseira

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    aquele produto em particular declinava, os recursos no tinham nenhum lugar para ir. Aproduo em massa era, portanto, lucrativa apenas com mercados que eram grandes osuficiente para absorver uma produo enorme de uma nica mercadoria padronizada eestvel o suficiente para manter os recursos envolvidos na produo daquelamercadoria continuamente empregados. Mercados deste tipo... no ocorriam

    naturalmente. Eles tiveram que ser criados.88

    .... Se tornou necessrio que as firmas organizassem o mercado de maneira a

    evitar flutuaes na demanda e criassem uma atmosfera estvel para investimentolucrativo de longo-prazo.89

    ...[Houve] duas consequncias da descoberta dos americanos de que alucratividade do investimento em equipamento de produo em massa depende daestabilidade dos mercados. A primeira destas consequncias foi a construo, dadcada de 1870 at a dcada de 1920, de corporaes gigantes, que poderiamequilibrar a demanda e a oferta dentro de suas indstrias. A segunda consequncia foia criao, duas dcadas mais tarde, de um sistema Keynesiano para equiparar aproduo e o consumo na economia nacional como um todo.90

    Ralph Borsodi argumentava que "[c]om a produo serial, ...o homem se aventurou emum mundo s avessas no qual

    bens que se desgastam rapidamente ou que saem de moda antes que tenham achance de se desgastarem parecem mais desejveis do que bens que so durveis esuportveis. Bens agora tm