revolução cubana em perspectiva biazeto & martins

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MARTINS, Luis Carlos dos Passos, BIAZETTO, Bruno HenzRevolução Cubana em Perspectiva: EUA, Brasil e a Guerra Fria na

 América Latina nos anos 60. Porto Alegre : Editora All Type Ltda, 2014, v.1.112 p.

ISBN 978-85-65459-02-0

1  – América  – História  – Revolução Cubana. 2. Imprensa. 3. Guerra Fria. 4.

Relações Internacionais. 5. Brasil. 6. EUA

Prefixo Editorial: 65459

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Revolução Cubana em Perspectiva: 

EUA, Brasil e a Guerra Fria na América

Latina nos anos 60

MARTINS, L.C.P & BIAZETTO, B. H. (Org.).

Porto Alegre : Editora All Type Ltda, 2014

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO  01 

CAPÍTULO I

Agora é guerra: o papel da diplomacia americana na primeira

tentativa de remoção de Castro (1960)

Bruno Henz Biazetto  05 

CAPÍTULO II

Perigo vermelho: o anticomunismo em debate na campanha

presidencial estadunidense de 1960

Waldemar Dalenogare Neto 29 

CAPÍTULO III

Os Dilemas de San Tiago Dantas em Punta del Este, 1962

 Arthur Schreiber de Azevedo 46 

CAPÍTULO IV

Brasil e a Questão Cubana: a Politica Externa Independente

na visão da grande imprensa

Luis Carlos dos Passos Martins

 Arthur Schreiber Azevedo 70 

CAPÍTULO V

A Crise dos Mísseis: o conflito na visão da grande imprensa brasileira

Lilian Orso 93 

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Apresentação

O livro aqui apresentado é composto por um conjunto de cinco capítulos

notadamente distintos e redigidos por diferentes autores. Um tema, porém, une-os e se

torna o eixo dessa obra coletiva: a reflexão sobre a Revolução Cubana e as suas

consequências para a relação entre Estados Unidos, América Latina e Brasil, no início

dos anos 60. Não se trata, contudo, de análises sobre esta Revolução propriamente dita,

mas de textos focados na maneira como ela foi pensada e/ou provocou reações emdiferentes contextos institucionais, espaciais e, acima de tudo, discursivos. Mais do que

o processo revolucionário liderado por Fidel Castro, o que está em discussão nesta

coletânea são as diversas maneiras maneira de “ler” e de reagir a ele, as quais nos

indicam como era impossível não se importar e não se posicionar diante de um

acontecimento tão impactante, mesmo através de leituras e reações divergentes. Além

disso, o recorte temporal é relativamente curto, concentrando-se em torno dos três anos

que se sucederam à deflagração da Revolução e, dessa forma, detendo-se nas visões enas ações desencadeadas ainda no “calor dos acontecimentos”, como é o caso das

tentativas de reversão ou anulação da mesma por parte dos EUA.

Uma abordagem com esta pode, contudo, frustrar o leitor que busca maiores

informações específicas sobre a Revolução Cubana ou deseja compreender o seu efeito

de longo prazo para as relações exteriores na América e sobre os rumos da Guerra Fria.

Todavia, ela apresenta vantagens. E não são poucas. Primeiro, de recuperar as

interpretações e representações produzidas por parte dos agentes históricos direta ouindiretamente envolvidos no processo no momento em que se viram na contingência de

 pensar e de se posicionar frente a ele, as quais tem um peso elucidativo para as suas

ações e estratégias de valor igual ou maior do que as explicações macro-estruturais.

Segundo, porque esse tipo de escolha temática pode permitir perceber, muitas vezes de

forma surpreendente, como as leituras e as reações a um acontecimento desta ordem são

 bastante diversos das visões totalizantes que as análises macro-históricas tendem a

consagrar posteriormente. Terceiro e por fim, essa opção de abordagem oferece um bom panorama de como este mesmo acontecimento foi experimentado, vivido e sentido por

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 parte de seus contemporâneos, recolocando o “sujeito na História”, de onde nunca

deveria ter sido deslocado. Foram essas as principias intenções que motivaram a

 publicação desses diferentes textos e esperamos ter conseguido atende-las, ao menos

 parcialmente.

Os capítulos do presente livro foram organizados respeitando critérios de ordem

cronológica e, acima de tudo, temática. O primeiro deles é  Agora é guerra: o papel da

diplomacia americana na primeira tentativa de remoção de Castro (1960), de autoria

de Bruno Henz Biazetto. Utilizando documentação produzida pela diplomacia norte-

americana, o autor aborda como o Departamento de Estado e outras instâncias do

establishment   governamental norte-americano perceberam originalmente a Revolução

Cubana e como pensaram em reverter o processo. Chama a atenção a visão bastante particular sobre o que acontecia na ilha caribenha, especialmente a pouca importância

dada ao poder de liderança de Fidel e à força que a Revolução adquiria internamente.

Também não deixa de surpreender a interpretação no mínimo arrogante dos homens do

Departamento e da CIA, grande parte dos quais achava que seria possível derrotar o

movimento castrista simplesmente transmitindo para a ilha caribenha, de forma

clandestina, peças publicitárias e jogos de beisebol. Objetivava-se, com isso, divulgar o

“modo de vida americano” e, dessa forma, colocar a população de Cuba contra Castro esua estratégia de direcionar o regime revolucionário para o socialismo soviético, numa

crença bastante ingênua acerca do poder de persuasão do american way of life  sobre

uma população que havia “sofrido” a influência desse estilo de vida por mais de um

século.

O segundo capítulo, intitulado Perigo vermelho: o anticomunismo em debate na

campanha presidencial estadunidense de 1960, de Waldemar Dalenogare Neto, analisa

a forma como a Guerra Fria e a Revolução Cubana foram abordadas na campanhaeleitoral de 1960, que levou o candidato democrata John F. Kennedy à Presidência dos

Estados Unidos. O foco do estudo do autor foi o uso da televisão nessa campanha, nova

arma empregada nas disputas eleitorais estadunidenses, abordando, para tanto,

documentação original, oriunda dos debates e da propaganda televisiva. Destaca-se,

curiosamente, a pouca ênfase que o tema da Revolução Cubana recebe nos primeiros

debates, quando é focada como questão central da Guerra Fria a ameaça de a China

tomar as insignificantes ilhas Quemoy e Matsu, na época pertencentes a Taiwan. Essacuriosa escolha, porém, justifica-se como uma estratégia da campanha de Richard

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 Nixon, candidato republicano, desejando evitar que o movimento revolucionário de

Fidel Castro, extremamente constrangedor para a administração Eisenhower - de quem

 Nixon era vice-presidente -, tomasse conta da discussão eleitoral. Por pressão da própria

mídia promotora dos encontros televisivos e por uma manobra tática de Kennedy, a

“perda” da ilha caribenha “para o comunismo” tor nou-se um dos temas-chave do último

debate, gerando um forte incômodo ao candidato republicano e contribuindo para o seu

fracasso no pleito que se seguiu.

Os três últimos capítulos promovem um redirecionamento do olhar: o foco da

análise deixa de estar nos EUA e passa a ser a posição do Brasil diante do processo

revolucionário cubano e as suas consequências para a América Latina, dando ênfase à

forma como a estratégia brasileira foi interpretada pela grande imprensa da época. Nocapítulo III, Os Dilemas de San Tiago Dantas em Punta del Este, 1962, de Arthur

Schreiber de Azevedo, é avaliada a atuação de San Tiago Dantas, então chanceler do

governo parlamentarista de João Goulart, e responsável pela condução da política

externa brasileira na Conferência de Punta del Este. Ocorrida no Uruguai, em 1962, esse

conclave decidiu pela expulsão do governo de Cuba da OEA. O texto retrata não apenas

as difíceis negociações que resultaram no documento final do encontro, mas enfatiza os

 propósitos e ideias centrais a partir dos quais Dantas procurou defender os princípios denão intervenção e autodeterminações dos povos. Era uma forma de impedir que a

rigidez ideológica da Guerra Fria viesse a pautar completamente as relações entre os

 países americanos. Com isso, tentava-se garantir igual ou maior margem de manobra ao

Brasil em busca de vantagens políticas e/ou econômicas em suas táticas de inserção

internacional, uma das bases da Política Externa Independente (PEI). Uma questão a

destacar, porém, nesse trabalho, é a hipótese levantada pelo autor de que a posição final

do Brasil não foi resultado de uma estratégia previamente concebida, mas uma

adaptação dos princípios e propósitos defendidos por Dantas aos diferentes cenários que

as negociações e acontecimentos políticos acabaram gerando.

O capítulo IV, de autoria de Luis Carlos dos Passos Martins e novamente de

Arthur Schreiber de Azevedo ( Brasil e a Questão Cubana: a Politica Externa

 Independente na visão da grande imprensa), dará ênfase à forma como a participação

 brasileira na Conferência de Punta del Este foi abordada pelos grandes jornais

 brasileiros, representados aqui pelo periódico carioca  Jornal do Brasil  e pelo impresso paulista O Estado de S. Paulo. Nesta análise, destaca-se o seguinte: afora uma forte

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rejeição dos jornais a qualquer ação militar contra Cuba, não encontramos uma

unanimidade de posição entre  JB  e OESP ; ao contrário, eles apresentam profunda

divergência no que se refere à sua visão sobre a Guerra Fria, à participação brasileira em

Punta del Este e à Política Externa Independente levada adiante pelo governo brasileiro.

 No caso, OESP  criticando pesadamente a atuação do Brasil e a PEI e o  JB assumindo a

defesa desses dois pontos. Além disso, salienta-se a tentativa dos impressos em fazer

uma leitura dos acontecimentos da política externa a partir de seus possíveis efeitos e/ou

interesses na política interna do país. Contudo, não é possível, a partir desse trabalho,

concluir que esses jornais eram meros porta-vozes de grupos político-partidários. Muito

ao contrário, a hipótese aqui defendida é que o posicionamento sobre as relações

exteriores do Brasil constituiu uma das formas a partir das quais esses diferentes e

influentes periódicos procuraram construir, perante o seu leitor e o universo político, a

condição de interlocutores legítimos no debate público nacional.

O quinto e último capítulo,  A Crise dos Mísseis: o conflito na visão dos jornais

no Brasil , de Lilian Orso, apresenta uma abordagem similar a anterior, só que agora

voltada ao posicionamento dos mesmos jornais frente à Crise dos Mísseis e à

 participação brasileira no conflito. Os resultados são bastante convergentes com os

encontrados no capítulo IV: crítica unânime no que se refere à solução do confrontocom o uso da força militar, mas forte divergência no que diz respeito à atuação

“neutralista” brasileira e aos princí pios da PEI. O maior diferencial desse capítulo está,

contudo, em mostrar como as divergentes opiniões identificadas nos editoriais aparecem

nitidamente no espaço da informação, através de variadas estratégias, como a seleção ou

esquecimento de determinado tema, a diferença de ênfase dada a um mesmo assunto e,

 por fim, o próprio posicionamento, explícito ou implícito, contido no texto das

reportagens.

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CAPÍTULO I

Agora é guerra: o papel da diplomacia americana na primeira

tentativa de remoção de Castros (1960)

 Bruno Henz Biazetto1 

Este artigo tem por objetivo primordial analisar o papel do Departamento de

Estado nas operações que visavam remover o regime castrista em Cuba. O presidente

Dwight Eisenhower dividiu essa tarefa entre a CIA e o Departamento de Estado. A CIA

 possuía um papel ainda mais complexo, que era a montagem de um grupo paramilitar de

exilados, visando à derrubada direta do governo cubano. Contudo, a participação da

CIA já é algo bastante abordado pela historiografia, ainda mais quando a temática é

Cuba e os anos 60 (BANDEIRA, 1998).

 Neste ensaio, o cerne não está no secreto, no mundo obscuro das agências

governamentais de inteligência durante a Guerra Fria. A ênfase se encontra nas ações da

diplomacia e como ela pode, às vezes, ocupar posições que transcendem o seu caráteroriginal de representação e intermediação. Os diplomatas, nos séculos anteriores ao XX,

sempre estiveram muito associados à espionagem. Em um mundo onde os setores de

inteligência não estavam desenvolvidos, essa função era exercida pela diplomacia

conforme KISSINGER (2006) e WRIGHT (2006) nos recordam muito bem. 

Com a chegada do século XX e o surgimento das agências de espionagem e

contra-espionagem, os diplomatas perderam um pouco da imagem negativa que lhes foi

atribuída. Mas, mesmo assim, eles ainda eram responsáveis por articulações que osremetiam ao seu velho papel. Também é necessário lembrar que muitas das ações da

diplomacia são baseadas na Razão de Estado e que a defesa dos interesses de suas

nações, normalmente, utilizando-se mais da força do que dos argumentos

(MORGENTHAU, 2003; WIGHT, 2002).

A partir desses parâmetros, o Departamento de Estado teve a importante tarefa

de articular diplomaticamente o apoio na América Latina e na Europa para a remoção

1 Doutorando em história da América Latina pela universidade de Georgetown.

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do governo cubano. Também foi encarregado de realizar operações de propaganda em

Cuba, visando minar ideologicamente o regime inimigo, além de buscar membros

compatíveis com os ideais estadunidenses, para a formação de um novo governo.

A pressão econômica constitui-se no meio favorito do Departamento de Estado para que a mudança de regime acontecesse rapidamente. Ao longo do ano de 1959,

diversos métodos foram estudados, mas somente o bloqueio da entrada do açúcar

cubano nos Estados Unidos havia sido consenso entre os diplomatas. Já em 1960, o que

era apenas um planejamento se transforma em prática. A complexidade, bem como as

eventuais reações ao plano estadunidense, trazia uma série de problemas para a

diplomacia norte-americana. Sobre essas medidas, comenta Moniz Bandeira:

 Na opinião do Secretário de Estado, Christian Herter, o Sugar Act era maisimportante, desde que se constituía uma arma contra Cuba. E aqueles quecriticavam o Departamento de Estado por não adotar sanções econômicascontra o regime de Fidel Castro concluíram que nenhuma outra medida seriatão eficaz quanto o corte da cana de açúcar e o desestímulo ao turismo, já aevaporar-se (BANDEIRA, 1998, p. 225).

O Departamento já trabalhava para inicialmente buscar novos parceiros

fornecedores de açúcar para os Estados Unidos. Thomas Mann, o Secretário de

Assuntos Econômicos, acreditava que era vital reduzir a dependência do mercado norte-americano em relação ao açúcar cubano. Ele também ressaltava que o GATT2 não seria

um problema, pois as violações cubanas seriam mais sérias que as americanas, o que

dando aos Estados Unidos uma chance maior de vitória em uma possível arbitragem da

questão. Por fim, ele destacava que a pressão seria bem sucedida, por um simples fato:

A economia de Cuba está ligada a nossa e cedo ou tarde Cuba terá dereconhecer isso. Somente então, nós estaremos em uma vantajosa posição de

 barganha. Investidores vão perder muito pouco até a espera de uma época

2 O GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) ou  Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio  foicriado em 1947 com o objetivo de tentar dinamizar o comércio internacional. Não era propriamente umtratado e nem um órgão independente, tendo sido formado através de uma série de acordos entre os países

 participantes. Baseava-se na “ideia de que o livre câmbio e a divisão internacional do trabalhorepresenta[vam] um ideal que deve[ria] ser atingidos pelas nações civilizadas”. Além disso, os“signatários se empenhavam em não suspender as suas tarifas aduaneiras e a conceder a seus parceiros otratamento de nação mais favorecida” (MAURO, 1973, 414), fazendo com que todos os governos fossemobrigados a oferecer as mesmas taxas para qualquer país assinante. Também foi acertado que as tarifasalfandegárias seriam reduzidas a cerca de um terço de seu valor vigente, o que, obviamente, favorecia as

nações industrializadas –  exportadoras de bens manufaturados e, por isso, interessadas em manter e/ouconquistar mercados para os seus produtos –  e prejudicava as nações não-industrializadas, que aspiravamdesenvolver um parque fabril próprio mediante o protecionismo.

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mais razoável, já que a possibilidade de um acordo satisfatório e imediato éremota.3 

Contudo, para que o êxito fosse possível na questão do açúcar, o presidente

 precisava ter a autoridade para realizar o corte, algo que somente poderia ser dado peloCongresso. Nesse ponto, é importante ressaltar que Eisenhower passava por uma fase

 bastante conflituosa com o legislativo, principalmente com a consolidação da maioria

democrata em 1958. Cabia aos congressistas renovarem as vantagens tarifárias cubanas,

de quatro em quatro anos. E muitos deputados e senadores acreditavam ser uma

temeridade dar para um governo de caráter bastante incerto um benefício tão grande por

tanto tempo.

A batalha pela chamada “autoridade do executivo” seria intensa e sua

importância ficou bem clara nas palavras de Henry Ramsey, 4 do grupo de planejamento

de políticas:

O obstáculo imediato nas relações cubano-americanas é a pendente legislaçãodo Congresso relativa à cota do açúcar. É do meu entendimento que o PoderExecutivo vai pedir que a atual legislação seja estendida por um ano e queseja dado ao Executivo a autoridade de fazer ajustes nas cotas existentes. Euespero e presumo que essa legislação vai passar. Isso nos permitiria arranjar otempo necessário e dar ao Executivo a flexibilidade necessária para manobrar

com Cuba, nas cotas e nos preços. Isso iria abrir uma área de comunicaçãoque poderia ser útil.5 

Cabia agora aos congressistas republicanos e ao próprio governo a tentativa de

convencer a maioria democrata da importância da medida para a solução do problema

cubano. Porém, era ano eleitoral e os democratas não se demonstravam muito

interessados em facilitar a vida do Executivo. Principalmente porque as discordâncias

mais sérias estavam justamente na formulação da política externa. Os senadores

3 “Cuba’s economy is tied to ours and sooner or later Cuba will have to recognize this. Only then will bein an advantageous bargaining position. The investors lose little by waiting for a reasonable time since the

 possibility of a satisfactory and immediate settlement is remote” ( FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba.Washington: United States Government Press, 1991, p. 726).4  Membro do Grupo de Planejamento de Políticas do Departamento de Estado.5  “The immediate hurdle in US-Cuban relations is the pending Congressional legislation on the sugarquota. It is my understanding that the executive branch will ask the existing legislation be extended forone year and that the executive be given authority to make adjustments in exisising quotas. I hope andassume that the existing legislation will pass. It would permit us to buy necessary time and give the

executive the flexibility required to maneuver with Cuba on quotas and prices. This would open an areaof communication which might be helpful” ( FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: UnitedStates Government Press, 1991, p. 797).

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Fulbright, Johnson e Kennedy criticavam incessantemente a administração de

Eisenhower por deixar que a União Soviética estivesse na “dianteira” da Guerra Fria. 

O antigo Secretário de Estado no governo Truman, Dean Acheson, reuniu um

grupo de intelectuais democratas para estabelecer um constante debate sobre os rumosda política externa norte-americana. O grupo de trabalho se mostrou bastante crítico das

estratégias estadunidenses para a América Latina, condenando uma aparente perda de

terreno do governo americano na região. Algumas das medidas sugeridas seriam

incorporadas ao programa de governo de Kennedy, transformando-se na Aliança para o

Progresso.6 

Esse desejo de formular uma nova política para a América Latina tornava os

democratas bastante duvidosos das pretensões governamentais. O que deixava a

liberação para a definição da cota algo ainda mais difícil. Portanto, era necessário que a

liberação chegasse logo, para que ela tivesse o efeito desejado de uma vez. Castro ainda

 parecia bastante forte e popular, o que preocupava o Departamento de Estado, levando

os seus formuladores a trabalhar com outras formas de pressão econômica.

Uma delas foi a aplicação de um boicote de petróleo para Cuba. As companhias

americanas, que eram as responsáveis pelo refino na ilha, haviam se negado a refinar

mais petróleo para Castro, deixando Cuba em uma crise de combustíveis. A União

Soviética se propôs a fornecer petróleo cru para os cubanos, o que foi aceito

 prontamente pelo país, necessitado do produto. Mas, as refinarias americanas receberam

ordens diretas do Departamento de Estado, via o embaixador Phillip Bonsal, de se

retirarem de Cuba, caso fossem obrigadas a refinar petróleo russo. O embaixador

destacava que era “lamentável” que companhias como a  Esso e a Texaco, presentes na

ilha durante quase 80 anos, tivessem de encerrar as suas atividades por uma questão

 política. De acordo com os especialistas estadunidenses, os equipamentos americanos

que ficaram em Cuba não eram adequados para o refino do petróleo russo.

O Departamento também articulou seus contatos em Londres, onde pediu ao

governo de McMillan que pressionasse a Shell  para encerrar as suas atividades na ilha.

6 A partir de 1952, forma-se o chamado “Grupo Finletter”, fundado pelo acadêmico democrata ThomasK. Finletter. O objetivo era a existência de um fórum constante de debates das políticas do partido. O

grupo era composto por nomes do porte de Eleanor Roosevelt, George Kennan, Dean Acheson e KennethGalbraith. A partir de 1956, o grupo ficou conhecido como DAC ( democratic advisory comitee), e suasidéias tiveram um imenso impacto na formulação da política externa de John Kennedy.

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As informações passadas até aquele momento pelo governo britânico davam conta de

que a Shell teria a mesma posição que as suas parceiras norte-americanas, e que as três

anunciariam a sua decisão para o governo cubano no mesmo dia, 6 de junho.7 

Outro ponto que deveria ser abordado na questão do petróleo era a intenção dedificultar ao máximo o transporte do combustível para Cuba. Todo transporte era

realizado via naval, por armadores gregos, em sua maioria. Os diplomatas

estadunidenses prontamente entraram em contato com os senhores Onassis e Niachros,

os dois maiores armadores do mundo naquela época, convencendo-os de seus

 propósitos através do discurso persuasivo de que a Grécia fazia parte do bloco ocidental

e que a sua colaboração era essencial nesse momento de “crise”. Os diplomatas ainda

enfatizaram que seria bom para um andamento saudável dos negócios dos gregos nosEstados Unidos se eles cooperassem com os estadunidenses naquele momento. Ambos

se mostraram bastante receptivos e foram devidamente persuadidos de sua importância,

colaborando prontamente com a não utilização de seus navios para o transporte de

 petróleo para Cuba8. Este particular método de pressão foi bastante efetivo no começo e

a ilha somente iria resolver os seus problemas com o abastecimento de combustível ao

se alinhar, definitivamente, com o bloco oriental.

Conforme, ao longo do ano, a tensão parecia se agravar, outra medida foi

seriamente considerada. Consistia na utilização do Trading With the enemy act . Este

ato interromperia imediatamente todo comércio entre Cuba e os Estados Unidos, bem

como liberaria ao governo estadunidense a possibilidade de congelar todo dinheiro

cubano que estivesse em bancos americanos. O Secretário do Tesouro, Anderson,

gostava da ideia, mas, ao mesmo tempo, dizia que ela tinha de ser pensada com cuidado,

 pois não era do interesse dos Estados Unidos passarem a ideia de que Cuba era uma

vítima perante a comunidade internacional.9 

Depois de uma árdua batalha no Congresso norte-americano, a autoridade do

Executivo para cortar a cota do açúcar cubano foi finalmente aprovada em julho. Roy

Rubottom, em encontro no Departamento de Estado, afirmou que era necessário fazer

um uso imediato da autoridade para mostrar ao Congresso que o voto de confiança no

7

  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 936.8  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 980.9  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 959.

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governo foi bem aproveitado.10 Afirmou ainda que iria recomendar ao presidente o corte

de 700.000 toneladas das 740.000 que Cuba tinha direito de exportar aos Estados

Unidos.11 Ao mesmo tempo, os novos exportadores deveriam ter o seu açúcar pago de

acordo com os preços praticados no mercado americano, que eram o dobro do mercado

internacional.12 

Após o êxito no bloqueio do açúcar e do petróleo, o governo de Eisenhower

começava a demonstrar sinais de otimismo. Na reunião do NSC,13  ocorrida um dia

depois do anúncio do corte, Douglas Dillon afirmava que esse ato iria gerar um efeito

em cascata que levaria à quebra da economia cubana.14  No mesmo encontro, o

Secretário Anderson argumentou que era a hora de o governo americano congelar o

dinheiro e os bens do governo cubano nos Estados Unidos. Seria o golpe final, na percepção do Executivo estadunidense.15 

O cenário otimista se modificou a partir da segunda metade de 1960, quando o

 bloqueio petrolífero começou a perder efeito. Em um encontro com o presidente, Allen

Dulles informou que os chineses comprariam grande parte do açúcar cubano, podendo

chegar até 500.000 toneladas. Enquanto o Sr. McCone16 informava a Eisenhower que

era impossível impedir Cuba de adquirir mais petróleo. Armadores de menor porte

estavam dispostos a fornecer os seus serviços aos cubanos, enquanto o governo

americano somente conseguiu garantir um acordo com os gigantes do setor.17 

A grande solução parecia ser realmente a efetivação do Trading with the Enemy

 Act , que começou a ser defendida pelo Departamento de Estado. Em uma

correspondência para o Secretário de Estado Herter, o Secretário de Defesa, Thomas

Gates, explica os benefícios da aplicação do ato:

Sob o Trading with the Enemy Act , os EUA poderiam (1) congelar as contasde banco cubanas nos EUA e proibir todos os negócios entre cidadãosamericanos e firmas cubanas; (2) embargar todas as importações de Cuba; e

10  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 976.11  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 976.12  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 979.13 National Security Council (Conselho Nacional de Segurança).14  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 982.15

  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 986.16  Diretor da Comissão de Energia Atômica a partir de julho de 1958.17  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1023.

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(3) aplicar “controle de transações” para negar a Cuba produtos de firmascontroladas pelos EUA no exterior. 18 

Aqui chegamos a um ponto bastante interessante, onde havia uma não usual

concordância entre os diversos setores do Estado norte-americano sobre a necessidadeda implementação de uma pressão econômica. Porém, as discordâncias logo retornaram,

 justamente no momento em que as lideranças apresentavam satisfação com o

andamento das ações. Outros setores se mostravam desgostosos e até mesmo descrentes

com a possibilidade de êxito das medidas tomadas até então. Mesmo sendo uma minoria

e com poucas chances de realmente influenciar um novo tipo de política externa, eles se

faziam notados, como o caso do embaixador Bonsal:

 Nenhum dos elementos de pressão econômica já citados vai botar essegoverno de joelhos e, ainda por cima, eles estão sendo interpretados, atémesmo por nossos amigos, como uma tentativa mal sucedida de fazê-lo.19 

Bonsal estava em Cuba, e era um diplomata bastante perspicaz, por isso era bem

informado e ciente do momento da ilha. Ele complementava argumentando que, se os

Estados Unidos compravam 774.000 toneladas de açúcar de Cuba, o Bloco Comunista

estava comprando 2.200.000 toneladas. Mesmo a um preço inferior e com grande parte

do pagamento sendo feita através de equipamentos, a demanda dos mercados da Rússiae da China compensava boa parte da perda anterior.

Dentro dos quadros do Departamento de Defesa, crescia o descontentamento.

Em um memorando, Edward Lansdale20  escreve para James Douglas, nos seguintes

termos:

Como você já apontou, não me parece que o nosso curso atual de ação vaitrazer os resultados efetivos que desejamos. O plano atual é baseado na

 premissa de que o povo cubano vai se transformar em uma forçaanticomunista em um número suficiente para trazer uma mudança degoverno. As táticas comunistas de segurança, como a de criar milícias

 populares, e o contínuo apoio a Castro pela maioria da população, bloqueiamo sucesso das nossas ações planejadas. Assim, me parece que é hora de

18 “Under the Trading with the Enemy Act, the US could (1) freeze Cuban bank accounts in the US and prohibit all dealings between US nationals and the Cuban firms; (2) embargo all imports from Cuba; and(3) apply “transactions controls” to deny Cuba products of US controlled firms abroad” ( FRUS. VolumeVI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1037).19 “ None of the above elements of economic pressure will bring this government to its knees though they

in themselves are being increasingly interpretated, even by our friends, as unsucessful attempts to do so”( FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1042).20  Assistente para Operações Especiais, órgão ligado ao Departamento de Defesa.

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darmos outra boa olhada em nosso plano. Se o nosso atual plano parecefadado ao fracasso, então o que pode ser feito para se ter sucesso? 21 

Por fim, a estimativa nacional de inteligência, relativa à situação de Cuba,

realizada ao fim de 60, mostrava a ineficiência das medidas econômicas até aquelemomento: “A economia cubana como um todo continua a se deteriorar, mas não ainda

ao ponto de ameaçar a estabilidade do regime de Castro”.22 

Ainda havia esperança na implementação do  Enemy Act , mas isso exigiria mais

um esforço concentrado no Congresso e já não havia mais tempo para a administração

Eisenhower fazer isso. Seria uma decisão a ser tomada pelo governo Kennedy, na

medida em que envolvia o reconhecimento diplomático de Cuba como um inimigo

oficial dos Estados Unidos.

O que se pode perceber na questão econômica é que o governo estadunidense

superestimou o potencial de suas medidas, ao mesmo tempo em que subestimou a ajuda

oferecida pelo Bloco Comunista. Também se pode notar que a discordância dessa vez

não está centrada no triângulo Departamento de Estado, Defesa e Executivo, mas sim na

hierarquia. Ao passo que as lideranças desses três ramos acreditavam que as medidas

eram efetivas, os responsáveis diretos pela sua aplicação e verificação já podiam notar a

sua ineficiência. Essa contradição afetou diretamente o desenvolvimento da política

externa estadunidense para Cuba naquele momento, já que a falha na cadeia de

comunicação ( feedback) comprometia qualquer correção de rumo.

O fracasso inicial da pressão econômica não pode ser entendido isoladamente.

Ele está ligado à eficiência duvidosa das outras iniciativas organizadas pelo governo

estadunidense, como a propaganda, por exemplo. O componente essencial do plano de

mudança do governo cubano era fazer com que o próprio povo de Cuba fosse oinstrumento da mudança. Para provocar a sua mobilização, era necessário apresentar os

Estados Unidos como um parceiro, interessado no desenvolvimento da ilha caribenha. E

21 “As you pointed out, it does not appear that our present course of action will bring the effective result swe desire. The present plan is based on the assumption that the Cuban people would rally to anti-communist forces in sufficient numbers to bring about a change in government. Communist securitytactics, such as creating a people’s militia, and the continued support of Castro by a majority of Cubans,

 block the success of planned actions. Thus, it appears to be time to take another hard look at our plan.Ifour present plan now seems to be doomed to failure, then what must be done for success?” ( FRUS.Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States ,Government Press, 1991, p. 1115).22

 “The Cuban economy as a whole continues to deteriorate, but is not yet close to the point where thestability of Castro regime is jeopardized” ( FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: UnitedStates Government Press, 1991, p. 1172).

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era imperativo enfraquecer a força que a retórica antiamericana Castrista possuía sobre

as classes mais baixas.

Para que isso se tornasse possível, o Departamento de Estado formulou uma

série de estratégias, descritas em detalhes no memorando de Abbott Washburn 23 para oembaixador Phillip Bonsal:

 Nós reconhecemos realisticamente que este esforço expandido de informação pode representar no máximo uma pequena parte da totalidade de influênciasem jogo na complexa situação cubana. Mas descrever o procedimento passo a

 passo é necessário: (1) manter uma imagem clara dos EUA o quanto for possível diante do povo cubano, já que se vive em uma época em que Castrotem constantemente retratado os EUA como a fonte da maior ameaça paraCuba. 24 

Washburn prossegue:

(2) Manter e aumentar a simpatia que os cubanos, como indivíduos, têm pelos EUA; (3) evitar deixar um vácuo que pode vir a ser preenchido porextremismo comunista ou ultranacionalista; (4) prover com ainda maismaterial o estoque já disponível que documente os perigos do comunismo.25 

Washburn indicava que todo material, que envolveria propaganda em jornais e

na televisão cubana, mais a organização de exilados e de americanos influentes anti-

Fidel, custaria algo em torno de US$ 200.000. Esses recursos seriam geridos pela

United States Information Agency  (USIA), que era subordinada ao Departamento de

Estado e se dedicava à promoção dos valores americanos ao redor do mundo. Sobre o

caráter da USIA, comenta Nancy Snow:

Considero a USIA um instrumento de relações públicas da propagandacorporativa que “vende” a história da América no exterior integrandointeresses comerciais com objetivos culturais. Do mesmo modo que a

Comissão Creel persuadiu a população americana durante a Primeira GuerraMundial a aceitar sem questionamento uma guerra total contra a Alemanha eo povo alemão, a USIA utiliza a guerra psicológica para promover a

23 Diretor Adjunto da Agência de Informação dos Estados Unidos.24 “We recognize realistically that this expanded information effort will at best be but a small part of thetotality of influences at play in the complex Cuban situation. But the step-up is necessary: (1) to keep asclear a US image as possible before the Cuban people at a time when Castro has increasingly portrayedthe US as the source of the greatest threat to Cuba” ( FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington:United States Government Press, 1991, p. 774).25 “(2) to maintain and increase the friendship Cubans as individuals hold for the US.; (3) to avoid leaving

a vacuum for Communist and ultra-nationalistic extremism to fill; (4) to provide an increased suply ofreadily-available material documenting the dangers of Communism” ( FRUS. Volume VI, 1958-1960Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 774).

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superioridade da livre empresa norte-americana, a expansão dos interessescomerciais no exterior... (SNOW, 1998. p. 40).

Outra medida que já estava pronta para ser efetivada era a construção de uma

estação de rádio em Swan Island , que deveria ter programação transmitida pelaoposição sediada em Miami, mas com textos feitos pela USIA.26 Em um encontro do

 NSC, novas medidas foram aprovadas. Como a compra de espaço em rádios da Flórida

 para a transmissão de programas contra Castro, bem como a montagem de outra estação

de rádio de 500 KW, para a transmissão de programação semelhante.

Existiram também algumas propostas que foram julgadas inadequadas, ou pelos

altos custos ou pela falta de efetividade. Uma delas foi a de se transmitir programação

de TV estadunidense através de um avião que decolaria de Key West todo o dia.Eisenhower e Allen Dulles se mostraram bastante irritados com a proposta, pois temiam

que tal ato iniciasse uma “guerra rádio-televisiva” no ocidente. Eles também temiam

que essa agressão fosse muito explícita, passando dos limites de discrição impostos pelo

governo para esta operação.27 Allen Dulles ainda chegou a sugerir que a transmissão de

 jogos de beisebol poderia ser produtiva para a divulgação do modo de vida americano,

tendo em vista que os cubanos são fãs do esporte. Complementou, ainda, que notícias

 pró-americanas poderiam ser passadas nos intervalos dos jogos. Douglas Dillon eRichard Nixon debocharam da sugestão de Dulles e o vice-presidente afirmou que

aquilo não era um programa “digno de um americano”.28 A ideia de qualquer espécie de

transmissão de TV seria abandonada a partir daí.

A investida de propaganda não deveria se restringir somente a Cuba, mas

envolver toda a América Latina. Era necessário ganhar o apoio dos demais países do

continente, visando medidas mais fortes contra a ilha caribenha na ONU e na OEA. Roy

Rubottom, em correspondência para Phillip Bonsal, explica a importância desse projeto:

É, portanto, essencial para os Estados Unidos, utilizando-se da maiordiscrição, ter um papel ativo em levar os fatos para ao resto do hemisfério;caso contrário, nós não podemos esperar que as outras repúblicas americanasvejam a situação sob a mesma ótica que a nossa.29 

26  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 851.27  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 894.28  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 895.29  “It is,therefore, essential that the United States, using the utmost discretion, play an active role in

getting the facts to the rest of the hemisphere; otherwise we cannot expect the other American Republicsto see the situation in the same light as we do” ( FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington:United States Government Press, 1991, p. 932).

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Rubottom ainda enfatizava que o esforço da embaixada em Cuba seria vital, pois

ela era a responsável natural em prover as informações necessárias para que o governo

americano pudesse apresentar ao continente um retrato mais adequado à sua percepção

do regime cubano. A partir dessa percepção, novos aliados poderiam ser angariados

 para o apoio político e diplomático.

Por fim, a última menção, na documentação, aos esforços de propaganda era

uma informação dada por Allen Dulles em um encontro com o presidente, onde ele

avisava que a estação de Swan Island   já estava em pleno funcionamento. De acordo

com as suas fontes na CIA, o sinal só estava um pouco ruim em Havana, devido ao

excesso de rádios na região. Mas ele afirmava que no resto do país o sinal estava perfeito, e que a transmissão por rádio era a melhor forma de os objetivos serem

atingidos.30  Porém, a utilização de propaganda que enfatizava os valores

estadunidenses, visando conquistar corações e mentes em Cuba, trazia consigo um

interessante paradoxo, comentado por Michael Allen:

Se apela constantemente aos valores estadunidenses para justificar e legitimardecisões ou tomadas de posição. Inclusive, aqueles que defendem uma

 postura crítica contra o governo dos Estados Unidos invocam os valoresestadunidenses, se bem que é para ressaltar suas incoerências ou hipocrisias...O mundo abriga grandes expectativas sobre os Estados Unidos precisamente

 porque ele encarna uma ideia de liberdade e democracia a um nível deexigência ética que habitualmente não se poderia esperar que predominassena tarefa de construção de um Estado no cenário internacional (ALLEN,2003, p. 54).

A propaganda poderia ter sido um meio efetivo para a cooptação dos cubanos e

 para se angariar a simpatia de aliados. Contudo, a conquista de suporte substancial das

Repúblicas Americanas às medidas estadunidenses contra Cuba estava condicionada a

uma intensa coordenação diplomática. O Departamento de Estado sabia que os Estados

Unidos estavam em baixa ao sul do continente e que a maioria dos governos latino-

americanos adotava uma postura ambígua diante de Castro, não demonstrando

abertamente a sua ojeriza pelo ditador, visando não gerar tensões com a esquerda

nacionalista.

30  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1058.

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A situação era tão delicada que Livingston Merchant, em reunião com os Chefes

do Estado Maior Conjunto, disse ser realmente necessário “um escalpe, e não um

machado de cortar carne”.31  O que ele queria passar para os militares, sendo o

responsável pela ligação entre a Casa Branca e o JSC, era que uma ação militar

unilateral forte por parte dos Estados Unidos não seria exatamente uma opção naquele

momento. Assim, era possível conter os notórios ímpetos mais belicistas, que pudemos

observar desde 1958.

Os diplomatas responsáveis pela busca de apoio no continente sabiam que era

vital um bom trânsito com três países: Brasil, Argentina e Canadá. A diplomacia

estadunidense tinha consciência que com o peso desses três na OEA, qualquer ação

contra Castro seria validada dentro das regras estabelecidas no sistema interamericano.E uma ação forte, referendada por uma organização multilateral de peso, era uma

vantagem moral da qual os Estados Unidos não queriam prescindir.32 

Em um memorando que o Secretário de Estado escreveu para o embaixador em

Cuba, pedindo para a chancelaria do Brasil e da Argentina realizarem um papel de

mediação  junto a Castro, Christian Herter destacou que os dois eram “muito

influentes”33  e pediu para que o embaixador Bonsal fosse pessoalmente agradecer a

ajuda prestada. O Secretário estava impressionado com uma discussão ao vivo na

televisão cubana, onde Castro brigou com o representante diplomático espanhol,

deportando-o com o programa ainda no ar.

Os homens do Departamento de Estado acreditavam que boas relações com o

Brasil poderiam ser decisivas para carregar o apoio do resto da América Latina. Vasco

Leitão da Cunha, o embaixador brasileiro em Cuba, estava em constante contato com

Phillip Bonsal. E a sua percepção do problema o aproximava dos Estados Unidos, como

mostra o memorando de uma conversa entre ambos:

O embaixador brasileiro comparou a atitude cubana em relação aos EstadosUnidos com a de uma criança que se volta contra seus pais ou professores, eque no final, somente destruiria o que ela tem de mais valioso. Essa teoria

 pode ser apoiada também pela observação dos líderes cubanos, que apesar desua inteligência, são imaturos e inexperientes como crianças brincando com

31  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 732.32

 Para um aprofundamento maior da importância da vantagem moral nas relações internacionais, bemcomo dos meios de obtê-la, ver WIGHT, 2002, cap VIII.33  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 766.

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armas de fogo. Ele afirmou que a situação exige uma abordagem psicanalítica.34 

Tal abordagem deixava o Departamento relativamente animado, vindo ao

encontro do pensamento de certos ramos ideológicos da diplomacia estadunidense. A pedra no caminho da melhoria das relações e da busca de um apoio brasileiro mais

efetivo era a fria recepção que o governo americano deu para a Operação Pan

Americana, do presidente Juscelino Kubistchek. O diplomata Henry Ramsey comenta o

assunto dessa forma:

Seria útil para reparar as nossas relações danificadas com o Brasil, por causada Operação Pan Americana, e poderíamos lançar algo que possa ser feitocom tempo, colocando o problema do desenvolvimento em um contexto

hemisférico e multilateral. Isso iria permitir ao Brasil exercer influênciasmoderadoras em Cuba.35 

O governo Eisenhower pouco considerou seriamente a possibilidade de dar

ênfase a uma política desenvolvimentista e de apoio hemisférico. Não fazia parte do

ideário republicano para a América Latina este tipo de estratégia ou suporte, mesmo que

em certos setores do Departamento de Estado ainda existisse um apreço pela política de

“boa vizinhança” e uma cooperação hemisférica mais intensa. Porém, ao  final do

mandato e com o crescente distanciamento da América Latina, o governo percebeu queuma nova orientação teria sido necessária, mas já não havia tempo para uma reversão de

curso tão severa. Foi uma tarefa solenemente conferida à próxima administração

(IMMERMANN, 1990).

Outro interlocutor estadunidense foi o embaixador argentino em Cuba, Júlio

Amoedo. Ele teve um encontro com diplomatas cubanos buscando alguma possibilidade

de acordo ou de uma retomada de negociações com os Estados Unidos. Amoedo enviou

comentários que sugeriam o seguinte:

34 “Brazilian Ambassador linkened Cuban attitude toward US to spite of a child against parent or teacheragainst which could lead him even to destroying his prized possesssions. This theory was furthersupported he believed by observation that present GOC leaders, however naturally intelligent, areimmature, inexperienced and like children playing with fire arms. Situation he feels calls for

 psychoanalythical approach” ( FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United StatesGovernment Press, 1991, p. 768).35  “It would repair our somewhat strained relations with Brazil regarding Operation Pan-America and

launch something which must be done be done in time, placing the development problem in a hemisphereand multilateral context. This would permit Brazil to exert moder ating influences on Cuba” ( FRUS.

Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 799).

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Para os EUA, ser uma vítima dos excessos e dos abusos de Cuba era a melhorforma de superar a predisposição dos países latino-americanos de apoiar afraca República americana contra o poderoso EUA.36 

Amoedo complementava afirmando que era sábio para a política estadunidense

manter um curso mais paciente, evitando providências mais duras e voltadas para o uso

da força. Isso, na verdade, somente robustecia o discurso já defendido pelo

Departamento de Estado, onde se pregava pressão contra Cuba, mas sem abusos no

recurso às armas. Porém, o incipiente suporte de Brasil e Argentina acabou não se

configurando, pois os dois países passavam por um ano eleitoral e as necessidades da

 política interna impediam uma efetivação dessa aproximação, afora outras questões de

cunho sociopolítico que envolviam o relacionamento dos dois países naquele instante.

De outro lado, México e Canadá, por questões de estratégia continental, não apoiavamas medidas de pressão econômica contra Cuba, as quais julgavam excessivas.

Com o passar do tempo e a ausência de um suporte diplomático formal, o

governo estadunidense começa a demonstrar, em suas discussões internas, o seu

descontentamento com a situação. O Departamento de Estado buscava respostas para

entender esse abandono, de certa forma inesperado, de toda América em relação às

atitudes que os Estados Unidos pretendiam tomar contra Cuba. Um memorando escrito

 pelo Secretário Assistente de Estado resume bem as motivações em cada país para essa

negativa diplomática:

Para a conversa com o presidente, tem de ter sem sombra de dúvida emmente que o México é simplesmente incapaz de qualquer raciocínio sobre o

 problema cubano sem remeter à revolução que ele mesmo realizou. Já o presidente brasileiro, que demonstrou desejo de participar em projetos desteDepartamento, precisa ser julgado nos termos da política doméstica brasileirae no desejo do presidente Kubistchek, que está apoiando o Marechal Lott,visando minimizar a visita do candidato Jânio Quadros a Cuba na primavera

 passada. Além do mais, de acordo com os relatórios recentes doSubsecretário Merchant, está claro que os canadenses são incapazes deentender o problema cubano à luz da verdadeira ameaça que ele representa.37 

36 “For US to be “victim” of Cuba’s excesses and abuse was best way he thought to overcome LatinAmerican predisposition to side with weak American republic against powerful” ( FRUS. Volume VI,1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 847).37  “For a discussion with the President, you will be undoubtedly bear in mind that Mexico is simplyunable to assess the Cuban problem in any terms except her own revolution. The brazilian President, if hehas envinced a willingness to participate in a good offices effort, must be judged in terms of Braziliandomestics politics and the desire of President Kubischek, who is back Marshall Lott, to offset the effectsof candidate Janio Quadros’s visit to Cuba last spring. Moreover, in view of Under Secretary Merchant’s

recent reports, it is clear that the Canadiens are unable to see the Cuban problem in its truly menacinglight” ( FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.p.1027).

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Essa pretensa incompreensão da ameaça que Castro representaria para a

América Latina deixava, não somente o Departamento de Estado bastante desgostoso,

mas também o próprio presidente Eisenhower. Em uma reunião na Casa Branca, ele até

mesmo afirmou que era “impossível ter o apoio de vinte países que viviam com

governos instáveis”.38  Assim, ao atribuir o termo “instável”, Eisenhower desqualifica

imediatamente o contexto e as opções políticas de cada país, reforçando o velho

estereótipo anglo-saxônico sobre a “irracionalidade latina”. 

A falta de apoio do Canadá, um vizinho rico e membro da OTAN, consternava

ainda mais o governo estadunidense. Os canadenses se recusavam a congelar o dinheiro

cubano depositado em seus bancos e não pensavam em retirar as suas empresas deCuba, o que levou o Secretário do Tesouro americano a afirmar que ninguém no

governo canadense entendia de América Latina.39  Os diplomatas estadunidenses

também atribuíram tal postura ao desconhecimento do que realmente representava a

questão cubana no xadrez da Guerra Fria. Desmond Morton explica o ponto de vista

canadense neste momento:

Os intelectuais canadenses deploravam a caça aos comunistas promovida pelos políticos americanos, e os diplomatas canadenses se preocupavam coma agressividade da política externa norte-americana... A ansiedade cresceu

 porque os policy makers dos Estados Unidos necessitavam convencer os seusaliados e seus inimigos de que eles iriam, de fato, arriscar o holocaustonuclear para defender os interesses dos Estados Unidos (MORTON, 2001, p.267).

A maioria dos países do bloco ocidental percebia os eventos em Cuba como um

 problema dos Estados Unidos e não como uma ameaça direta do comunismo.

 Naturalmente, essa postura se modificaria com os eventos a partir de 1961 e com a

efetivação da união entre Cuba e os soviéticos. Mas, em 1960, os Estados Unidos não

conseguiram persuadir, diplomaticamente, as nações do seu bloco, e isso deixou o

governo Eisenhower engessado em termos de alguma medida mais forte.

Em outros termos, o suporte diplomático, que era um dos pilares do plano de

remoção de Castro, havia falhado. Já que os outros países percebiam os eventos na ilha

como um problema estadunidense, caberia aos Estados Unidos, unilateralmente,

38  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1086.39  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1013.

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resolver o impasse. A questão agora era se o apoio norte-americano para isso seria de

maneira explícita ou secreta. Era da concordância da Casa Branca e do Departamento de

Estado, que a mudança de regime deveria ser realizada pelos próprios cubanos, com

auxílio material e logístico secreto dos Estados Unidos.40 

A pressão econômica e a propaganda tinham como objetivo minar Cuba por

dentro, fazendo com que o tecido social se desintegrasse, criando as condições

necessárias para a queda do regime de Castro. Havia também duas iniciativas que

estavam sendo realizadas fora da ilha e com forte apoio estadunidense. Uma era a

montagem de um grupo político de oposição, baseado nos exilados de Miami, visando a

montagem de um novo governo. A outra consistia no treinamento de mais de mil tropas

 paramilitares de exilados, visando uma invasão armada da ilha. O objetivo era que essegrupo, bem treinado e equipado, apenas desse o golpe final em um governo

 pretensamente desgastado politicamente, que cairia com facilidade diante do

descontentamento do “povo cubano”. Essas tropas estavam sendo treinadas pela CIA na

Guatemala, e o governo estadunidense desejava o seu uso o mais rápido possível

(BANDEIRA, 1998, p. 242-243).

 No que dizia respeito à criação de uma oposição forte no exílio, os problemas

eram os mais diversos. Desde a fraqueza ideológica e a falta de cooperação entre os

diferentes partidos, até a ambição de antigos membros do gabinete de Batista de

retornarem ao poder. A dificuldade inicial que se levantava já era relativa ao tipo de

atividade que esses exilados realizavam na Flórida. Desde 1959, esses novos moradores

estavam criando sérias dificuldades ao serviço de imigração dos Estados Unidos. Até

mesmo os cubanos mais ricos se dedicavam a atividades ilícitas como jogo, tráfico de

drogas e voos clandestinos para bombardear Havana. A sugestão dada pelo governo

 para o Departamento de Justiça foi a de que eles deveriam ser deixados em paz, poiseram muito úteis para as finalidades estadunidenses num futuro próximo. As atividades

criminosas geravam um desgaste maior com o governo estadual, e os voos provocavam

seguidos incidentes diplomáticos entre Cuba e os Estados Unidos (BANDEIRA, 1998,

 p. 242-243).

Em uma carta para o Almirante Arleigh Burke, Livingston Merchant explica

 porque era necessário suportar os “modos” dos imigrantes:

40  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1049.

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A não ser que ocupemos Cuba militarmente por tempo indefinido, a únicasolução para o problema cubano é a emergência de uma liderança cubanasequiosa e capaz de governar o país de acordo com os moldes consistentescom a política básica dos Estados Unidos para a América Latina. E isso ainda

vai levar tempo.

41

 

Seguindo a lógica política da conjuntura, é possível entender a proposição de

Merchant para Burke. Apesar da tentação de resolver o problema em curto prazo,

utilizando-se da poderosa máquina de guerra estadunidense, o preço em vidas

americanas e a incerteza do sucesso eram grandes demais para uma ação tão ousada. O

exemplo de Suez ainda era bastante vivo nos diplomatas e militares estadunidenses.

Dessa forma, tolerar os modos pouco polidos dos exilados era apenas um pequeno preço

a ser pago, diante da estratégia que em tese seria a correta.

Outro ponto bastante pertinente é sobre o caráter dessa oposição. Qual era a sua

 base social e política? Quem eram os partidos? Eram eles confiáveis, compatíveis com

as políticas americanas? Um relatório feito pelo Departamento de Estado visava a

responder essas perguntas:

a) o novo governo deve ser uma coalizão de vários grupos de oposição, de

uma unidade bastante frágil, principalmente de centro ou de esquerda efortemente nacionalista em sua orientação política. Contudo, o futurogoverno vai trabalhar com os EUA para trazer estabilidade social, econômicae política.

 b) Por causa do vasto apoio que muitos dos programas e objetivos dogoverno Castro possuem, as políticas proclamadas pelo novo governo serãovariantes desta  –   porém, as medidas iniciais implementadas vão

 provavelmente ser mais responsáveis e calculadas para provocar uma menorobjeção dos EUA.42 

O governo estadunidense desejava que um novo regime cubano fosse capaz de

criar uma classe média liberal no país, que seria o sustentáculo de um regimedemocrático e aliado dos Estados Unidos. A Casa Branca também sabia que buscar

41  “Unless we were indefitely to occupy Cuba militarly, the only solution to the Cuban problem isnecessarily the emergence of a Cuban leadership willing to and capable of governing the country alonglines acceptable to the Cuban people and along lines consistent with basic US policy to Latin America”( FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 838).42 “a) The new government is likely to be a coalition of various opposition groups, or fraigile unity, left ofcenter and strongly nationalistic in political orientation. It will, however, be willing to work with the USin bringing about political, social, economic and financial stability. B) Because of the widespread supportenjoyed by many of the objectives and programs of the Castro government, the proclamed policies of the

new government will be variants of these  –  although initial measures of implementation will probably bemore responsible” ( FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press,1991, p. 1066).

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ajuda nos antigos asseclas de Batista era algo impensável, por isso seria necessário lidar

com forças de esquerda mais moderadas, embora essas não fossem o tipo de elite

 política percebida pelos norte-americanos como ideal para governar o país. Por elite

 política e econômica, podem-se entender homens de negócios de alto escalão e outras

 profissões geralmente ligadas às classes mais abastadas de uma nação. Nancy Snow

explica a lógica inserida na escolha dessa elite:

... a elite culta se encontra na melhor posição para traçar e influenciar a política pró-América em seus respectivos países. Que dizer da maioria damassa, daqueles 80 a 90% que o jornalista Walter Lippmann chama de ‘oconfuso rebanho’? Espera-se que apenas leve adiante o programa e não seincomode com a tomada de decisão política ou econômica (SNOW, 1998, p.48).

Organizar a oposição cubana exilada se mostrava uma grande dificuldade.

Existiam muitos movimentos sem expressão, que mais atrapalhavam do que ajudavam

 por suas minúcias ideológicas. O principal movimento oposicionista era a Frente

Revolucionária Democrática (FRD), que possuía uma agenda social não muito radical e

era claramente um movimento anticomunista. Contudo, as informações colhidas em

Miami não foram muito animadoras, pois o movimento estava minado por brigas

internas e pela vaidade pessoal do líder Antônio de Varona. Por fim, a Frente foi

caracterizada pelo Departamento de Estado como “inerte”, não conseguindo sequer

iniciar um programa de sabotagem contra o governo de Castro.43 

Outro grupo considerado de peso estava no Movimento Revolucionário do Povo

(MRP), que tinha como  slogan  o seguinte mote: “fidelismo sem Fidel”. O que na

verdade o grupo contemplava era o retorno da “democracia”, com a mudança da

economia, seguindo alguns dos princípios de Castro. De acordo com os diplomatas

norte-americanos, o Movimento desejava uma forte presença estatal, mas sem excluir ocapital privado. Outra vantagem percebida foi que a maior parte dos correligionários

ainda estava lutando em Cuba, o que lhes daria um maior conhecimento da situação.

Contudo, os relatórios da embaixada em Havana informavam que esses guerrilheiros

opositores sofreram severas baixas, o que poderia comprometer a sua causa no médio

 prazo.44 

43  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1155.44  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1155

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Outros partidos oposicionistas, como o Movimento 30 de Novembro, o Bloco de

Organizações Anticomunistas Cubanas e a Ação Cívica Anticomunista, eram vistos

como muito incipientes em sua capacidade de ação e difusos em seu caráter ideológico.

Eram movimentos cujas intenções nem mesmo o Departamento de Estado possuía plena

ideia e a plataforma de alguns deles se mostrara incompatível com as metas que os

Estados Unidos pretendiam atingir na ilha. Portanto, foram rapidamente descartados

como alternativa viável.

A perspectiva do surgimento de uma oposição política forte em Cuba parecia

cada vez mais nebulosa, conforme chegava o fim do governo de Eisenhower. Além das

dificuldades anteriormente relatadas, ainda existia uma série de problemas legais, tais

como o reconhecimento de um governo no exílio, bem como a sua devida representaçãona ONU e na OEA.

 Não bastasse isso, os relatos da embaixada em Havana davam conta de que

Castro consolidava cada vez mais o seu poder na ilha, deixando pouca margem para o

florescimento de um novo movimento. Também se levava em consideração que, apesar

da popularidade de Fidel ter diminuído desde janeiro de 59, ela era ainda muito alta,

especialmente nas camadas populares.45 

A conclusão do Departamento de Estado nos últimos dias da administração

Republicana era que a oposição não tinha a menor chance de derrubar Castro naquele

momento. Seria necessário continuar a pressão e, mesmo assim, esperar resultados de

médio e longo prazo.46 Enquanto a oposição não estava pronta, o grupo de paramilitares

destinados a ser o braço militar da ação política na retomada de Cuba estava sendo

treinado a pleno vapor. Vale relembrar que a organização dessa força ficou por conta da

CIA, mas, como todo planejamento relacionado a Cuba, a responsabilidade era dividida

com o Departamento de Estado, que era informado sobre o projeto constantemente.47 

Desde que a ordem de derrubar o regime cubano fora dada pela Casa Branca, ao

final de 1959, o uso de força militar era contemplado. O plano inicial formulado pelo

JCS está explicado da seguinte forma:

45  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1185.46

  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 118547  A parte da operação da remoção de Castro que estava sob comando da CIA foi chamada de “ProjectClean up”, com um orçamento estimado em US$ 28 milhões. Ver BANDEIRA, 1998.

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Sob estes planos está antecipado que as forças utilizadas podem ser dosEstados Unidos em conjunto com outras nações ou forças estadunidenses

 podem ser utilizadas unilateralmente. Os planos visam, em uma instância,que somente força naval e os Marines serão usados, com a marinha provendosuporte anfíbio e os Marines a força terrestre. Em outra instância, está

 planejado que todos os serviços militares dos EUA utilizarão suas forças,

com a marinha provendo uma força tarefa, os Marines ficariam com a forçade desembarque anfíbio, bem como a Força Aérea e os paraquedistas doExército. Esse plano pode entrar em ação em poucas horas.48 

Também estava previsto no plano um bloqueio naval à ilha, que demoraria algo

em torno de 24 horas, de acordo com o Comando da Frota do Atlântico. Apesar da

estratégia já estar montada e ser tentadora pela possibilidade de uma solução rápida,

 politicamente não era viável. Como foi possível verificar, não existia apoio diplomático

 para uma ação militar direta dos Estados Unidos contra Cuba. E não existia, também,

suporte interno, ainda mais para um governo em fim de mandato. Uma guerra em ano

eleitoral poderia ter efeitos desastrosos nas eleições de 1960.

Dessa maneira, a solução intermediária foi entregar à CIA a montagem de um

grupo paramilitar de exilados cubanos, que seria treinado por militares estadunidenses.

A função deste grupo paramilitar era espalhar focos de resistência em toda Cuba,

colaborando para dar o golpe final contra o regime de Fidel Castro. O grupo 5412 havia

estipulado, em março de 1960, que seriam necessários 6 meses para que os paramilitaresestivessem prontos para agir.49 

Os cálculos do grupo se mostraram muito otimistas. Em agosto, somente estava

 pronto o treinamento de 20 instrutores cubanos, realizado na Escola das Américas, no

Panamá. Esses 20 instrutores deslocaram-se para a Guatemala, onde 500 exilados eram

treinados com vistas à invasão. Na Guatemala, encontravam-se forças especiais dos

Estados Unidos e técnicos da Força Aérea, que ficavam responsáveis pela montagem de

toda a estrutura.50 

O Secretário de Defesa, Thomas Gates, deixou bem claro que não queria forças

americanas na operação de ataque direto, pois os Estados Unidos não poderiam estar

48 “The plan envisage, in one instance, that only and Naval and Marine for ces would be used with the Navy providing amphibious support and the Marines landing forces. Only a few hours would benecessary to implement this Navy-Marine plan. In another instance it is antecipated that all US serviceswouls provide forces, and the Air Force and Army airborne forces. This plan also can go into effectwithin a few hours” ( FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press,

1991, p.842).49  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 851.50  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 851.

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imediatamente ligados a qualquer evento do tipo. Isso poderia causar um dano

irreparável nas relações com a América Latina. Já Gordon Gray51 discordou e defendeu

que tropas estadunidenses deveriam ser utilizadas como reservas, caso o ataque

falhasse. Allen Dulles, porém, contemporizou, lembrando que era uma decisão a ser

tomada pelo JCS e que ali não era o melhor momento para tal debate.52 

Durante o preparo das tropas, acabou vazando para o  New York Times a história

sobre o campo de treinamento. A notícia teve um forte impacto no continente, gerando

uma crise com a oposição guatemalteca e despertando a fúria do governo cubano, que se

sentiu bastante ultrajado. A imprensa internacional e a ONU ficaram atentas ao assunto

e passaram a cobrar o governo norte-americano. O Secretário de Assuntos

Interamericanos, Thomas Mann, comenta o vazamento:

Para minimizar o perigo, eu creio que devemos nos mover rapidamente paratirar o foco do nosso treinamento clandestino e outras atividades que temosna Guatemala, e deveríamos transferir as operações para bases dentro dosEstados Unidos. Medidas de segurança mais eficientes seriam possíveis aqui,e outras vantagens operacionais estariam disponíveis da mesma forma. Seessa revelação pública eventualmente der resultado, os EUA deveriam, emmeu julgamento, suportar o risco de uma humilhação pública ao invés deuma provável perda do atual governo da Guatemala.53 

A sugestão de Mann de trazer o treinamento para os Estados Unidos foi

imediatamente rejeitada pela Casa Branca, por acreditar que o risco de vazamentos era

ainda maior em solo norte-americano. Outro fator influente nessa decisão foi que os

Estados Unidos não poderiam estar de forma alguma ligados diretamente a essa

operação, pelo menos publicamente. E, caso ocorresse algo semelhante em uma base

americana, não haveria como negar e a operação seria abortada.

O governo Eisenhower foi bastante eficiente em montar uma história para cobrir

a falha, mas os meios pelos quais o objetivo foi atingido ainda não estão claros na

historiografia do período. De concreto, sabe-se que o treinamento continuou no mesmo

51  Assistente especial do presidente para Assuntos de Segurança Nacional.52  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1058.53 “To minimize this danger, I believe we should move promptly to de-emphasize our clandestine trainingand other activities in Guatemala and to transfer such operation to bases within the United States.Improved security measures would be possible here, and distinct operational advantages would be offered

as well. Should public revelation eventually result, the US could, in my judgment, better stand the risk ofembarrassing publicity than it could the loss of the present government of Guatemala” ( FRUS. VolumeVI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1123).

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lugar e que a CIA esperava aumentar o número de tropas para acima de 600. 54 Para que

isso acontecesse, de acordo com Dulles, um novo campo de treinamento deveria ser

construído na América Central, provavelmente na Guatemala.

Ao mesmo tempo, os voos do avião de reconhecimento U2 foram autorizados pelo presidente Eisenhower, visando a angariar novas informações sobre os dispositivos

de defesa cubanos.55 O U2, aeronave mais moderna de sua época, estava sendo usado

com bastante eficiência sobre a URSS, permitindo aos americanos monitorarem até

mesmo o potencial nuclear soviético. As primeiras conclusões das análises avaliaram

que o exército de Castro crescera consideravelmente, tendo como parâmetro o ano

anterior. Já havia inclusive a preocupação com a possibilidade da instalação de mísseis

soviéticos, sendo eles nucleares ou não.

Essas novas informações aguçaram o sentido de urgência do governo americano.

William Pawley, amigo do presidente e de Antônio de Varona, líder maior da oposição,

 pediam pressa na execução do plano e o aumento no número de paramilitares para

3.000.56 Ambos acreditavam que a janela de oportunidade para uma ação mais forte em

Cuba estava se fechando rapidamente. O Departamento de Estado corroborava a ideia,

mas entendia que era tarde demais para o governo Eisenhower fazer algo mais sério.

Seria tarefa do presidente recém-eleito, John Kennedy, dar sequência aos trabalhos e

finalizar a obra iniciada na gestão Republicana.57 

Como foi possível perceber, a formulação das medidas que visavam a

enfraquecer e derrubar Castro foi bastante heterogênea e exigiram muito dos recursos do

Departamento de Estado, tanto no planejamento, como na complexa execução de cada

uma das ações em andamento. Contudo, todas elas estavam falhando em dar o resultado

esperado no momento em que foram concebidas. Cuba, com o crescente suporte do

 bloco oriental, resistia ao embargo econômico estadunidense, principalmente ao corte

do acesso ao mercado norte-americano de açúcar.

As iniciativas no campo da propaganda apresentavam resultados inconclusivos,

a despeito do alto investimento que receberam. Castro, conforme se consolidava ainda

mais no poder, ficava cada vez mais hábil para controlar o fluxo de informações dentro

54  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1123.55

  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1093.56  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1127.57  FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991, p. 1176

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de seu próprio país. O suporte diplomático das Américas, tão útil para reafirmar uma

liderança estadunidense no continente e dar legitimidade a uma ação militar contra

Cuba, estava absolutamente esvaziado. A imagem desgastada dos Estados Unidos,

diante do conhecido “descaso” com o continente no pós Segunda Guerra, havia

diminuído o interesse de muitos dos países latino-americanos em uma aliança

incondicional. O complexo contexto interno dessas nações, especialmente a sua relação

com as forças de esquerda, deixavam governos temerosos de participar de uma

empreitada contra um regime que era popular entre muitos setores da esquerda na

América Latina.

A oposição cubana, apesar dos intensos esforços do Departamento em buscar um

grupo sólido e coerente com as ideias estadunidenses, era dispersa e bastante débil. O próprio governo estadunidense reconhecia que mais tempo seria preciso para a devida

maturação de uma força política de oposição que tivesse reais condições de um embate

com Castro pelo poder em Cuba. Sobrava como uma espécie de “solução milagrosa” o

uso da força de invasão paramilitar. Mas até mesmo esse recurso encontrava-se com

efetivos inferiores ao necessário e o seu treinamento estava atrasado. Sem contar as

inúmeras incertezas sobre o plano de desembarque e o uso de tropas americanas na

operação. John Kennedy acabaria pagando, em 1961, pelas dúvidas e falhas de 1960.

A questão de Cuba havia se tornado um verdadeiro nó górdio  para a

administração Eisenhower. Apesar do desaparecimento do ambiente de severas

discordâncias entre os diferentes setores governamentais, que marcaram os anos de 58 e

59, os resultados foram inferiores aos obtidos anteriormente. Se o caminho já trilhado

era duvidoso, pelo menos foi fruto de um sério debate de variadas percepções sobre a

 política externa dos Estados Unidos, que gerou os melhores resultados possíveis no

momento.

Porém, um ambiente de menor atrito e concordância quase absoluta gerou uma

série de projetos falhos, que comprometeram seriamente a capacidade dos Estados

Unidos de atingirem seus objetivos em relação a Cuba. Esse fator, somado aos

 problemas internos e externos enfrentados pelo governo norte-americano naquele

estágio da Guerra Fria, redundou no fracasso da derrubada de Castro ainda em 1960,

como era o desejo de Eisenhower.

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Por fim, o que fica evidente é a falta de entendimento sobre a realidade latino-

americana no momento, por parte da maioria do alto escalão governamental

estadunidense. Também se pode perceber que a retomada conservadora do governo

Eisenhower levou a busca de soluções anacrônicas, que foram insuficientes para a

execução de um plano efetivo. E, paradoxalmente, um ambiente de entendimento entre

os diferentes setores governamentais acabou por gerar uma política que era, ao mesmo

tempo, tudo e nada. Não era militarista o suficiente (“jacksoniana”) e nem idealista

(“wilsoniana”) o bastante. Diz-se usualmente que a virtude está no caminho do meio.

 Neste caso, o caminho do meio foi, talvez, o que acabou sendo o calcanhar de Aquiles

do planejamento estadunidense.

Referências bibl iográficas:

ALLEN, Michael.  Los valores de Estados Unidos. Vanguardia Dossier   : número 7,2003.

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América

 Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

IMMERMANN, Richard H (org).  John Foster and the Diplomacy of the Cold War.  New Jersey: Princeton University Press, 1990.

KISSINGER, Henry. Diplomacy. New York: Simon and Schuster, 1994.

MAURO, Frédéric.  História Econômica Mundial   : 1790-1970. Rio de Janeiro: Zahar,1973. 506 p

MORGENTHAU, Hans J. A Política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. SãoPaulo: Editora UnB, 2003.

MORTON, Desmond.  A Short History of Canada.  Toronto: McClelland & Stewart,2001.

SNOW, Nancy.  Propaganda Inc. vendendo ao mundo a cultura dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1998.

WIGHT, Martin. A Política do Poder. São Paulo: Editora UnB, 2002.

WRIGHT, Jonathan. The Ambassadors:  from Greece to the nation state. London:Harper Press, 2006.

Fontes documentais:

 Foreign relations of the United States. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington:United States Government Press, 1991.

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CAPÍTULO II

Perigo vermelho: o anticomunismo em debate na campanha presidencial

estadunidense de 1960

Waldemar Dalenogare Neto58

 

A campanha que colocou John F. Kennedy na Casa Branca, em 1960, foi

marcada por uma série de inovações, todas ligadas à popularização da televisão. Com

um investimento milionário realizado pelos partidos, a compra de espaços para

 propagandas políticas no horário nobre acentuou as diferenças entre Kennedy e Richard

 Nixon, seu oponente que representava a continuidade do projeto do presidente Dwight

D. Eisenhower.

O anticomunismo foi um dos elementos mais abordados nas duas campanhas.

Apesar de ambos os candidatos concordarem que os Estados Unidos deveriam garantir

que nenhum caso como o de Cuba se repetisse no continente americano e que a União

Soviética deveria ser pressionada para perder influência internacional através da

 propagação dos ideais dos Estados Unidos, a forma com que o combate ao avanço

vermelho no cenário mundial era tratado dentro das campanhas se deu de maneira

completamente diferente.

 Neste artigo, busco analisar como as experiências passadas dos dois candidatos

refletiram nos seus programas de governo, nas propagandas presidenciais e nos debates.Para que tal objetivo seja cumprido, não posso deixar escapar uma explicação que será

necessária para compreender o andamento do texto. Em 1960, além da tomada de Cuba

 pelos comunistas estar fresca na memória dos eleitores estadunidense, outro caso

ganhava grande repercussão na imprensa americana: a ameaça da China tomar as ilhas

Quemoy e Matsu, na época pertencentes a Taiwan. Tal fato fez com que todas as

discussões referentes ao anticomunismo na campanha de 1960 jogassem em duas

frentes: enquanto a primeira era uma crítica aberta ao temor da União Soviética

58 Mestrando em História no PPG-História da PUCRS.

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conseguir instalar novos satélites no continente americano, a outra dizia respeito ao

incidente mencionado que envolvia os chineses. Por isto, uma análise das discussões

sobre o rumo da política externa dos Estados Unidos no período da campanha deve

englobar o caso de Quemoy e Matsu.

Para tal, chamo a definição de anticomunismo político estadunidense expressado

 por Erickson (1987), que abrange não apenas a propaganda no período da Guerra Fria

como também a  smear campaign59 organizadas em torno do medo de uma dominação

e/ou avanço dos ideais soviéticos no continente americano. Isto se torna de fundamental

importância para construção deste capítulo, já que trabalho a partir das propagandas e

dos debates presidenciais veiculados na televisão.

Richard Nixon chegou como franco favorito a eleição de 1960: vice-presidente

de seu país durante os dois mandatos de Eisenhower, o republicano buscou montar seu

 plano de governo apostando na defesa dos ideais defendidos durante os oito anos da

administração republicana. Por um longo período, Nixon manteve uma visão positiva da

América Latina, que considerava um “território de bons amigos”. Este pensamento

começou a tomar outro rumo em 1958, quando, a pedido de Eisenhower, o vice-

 presidente organizou uma longa viagem pela América do Sul. O objetivo inicial era

visitar a Argentina e dar apoio ao presidente Arturo Frondizi, que substituiu o populista

Juan Domingo Perón, mostrando que a política dos Estados Unidos para o Cone Sul era

apoiar o que a diplomacia americana considerava “novos regimes democráticos”

(NIXON, 1962, p. 299). Nixon, porém, visitou todos os países da América do Sul (com

exceção de Brasil e Chile) em duas semanas e meia de viagem. Após ser bem recebido

em Buenos Aires, o vice-presidente teve discussões acaloradas com estudantes de uma

faculdade de Montevidéu. Na Bolívia, Equador e Paraguai, Nixon ouviu gritos de

“ yanqui go home” ao mesmo tempo em que recebia prêmios e era cumprimentado nas

ruas. Em Bogotá, o republicano foi escoltado por um batalhão de policiais que tiveram

que usar bombas de gás lacrimogéneo para acalmar uma multidão que levava cartazes

dizendo “Morte a Nixon” e “Estados Unidos, deixem a América em paz”. Até mesmo os

correspondentes americanos que faziam a cobertura do evento sofreram tentativas de

agressão. Durante o seu período na Colômbia, Nixon somente saiu de seu hotel para

59 Campanha difamatória.

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dois compromissos de agenda. Mais tarde, disse que seria a primeira vez em sua vida

 política que realmente temeu pela morte (RABE, 2008, p. 100-103).

Após ser atacado em Lima, a parada em Caracas seria definitiva para moldar a

concepção do que era a América Latina para Nixon. Depois, seu carro ser apedrejado echutado por uma multidão de pessoas, o vice-presidente por pouco não se feriu quando

um vidro de seu car ro ser trincado. “Eles não estavam atirando beijos”, disse Nixon para

os jornalistas que o acompanhavam. Ao perceber a fúria dos manifestantes e o crescente

sentimento de antiamericanismo, o vice-presidente passou a conceber que a América

Latina somente poderia ser considerada segura caso os Estados Unidos formulassem um

 plano para interferir diretamente nos governos, não deixando nenhum espaço para

namoros dos líderes latinos com o comunismo (RABE, 2008, p. 104). Os cantos pró-comunistas só aumentaram a ira do republicano. Caso chegasse à Presidência em 1960,

ele afirmou que não iria dar tanta liberdade aos movimentos de esquerda como

Eisenhower fez. Sua principal recomendação ao presidente era a infiltração dos ideais

americanos em grandes grupos universitários de toda América do Sul que “aceitassem

uma boa gratificação” (AMBROSE, 1987, p. 473-80).

As redes de televisão dos Estados Unidos deram ampla cobertura à viagem de

 Nixon. A reportagem que mostrava cenas do carro de Nixon sendo apedrejado por

manifestantes em Caracas gerou grande desconforto no país. Em seu retorno a

Washington, mais de dez mil pessoas esperaram o vice-presidente com faixas de apoio.

Eisenhower fez questão de receber pessoalmente seu colega e as emissoras de tv

cobriram ao vivo o evento. Nos noticiários produzidos pela Universal, o título da

matéria em destaque era “Um herói retorna para casa” (RABE, 2008, p. 111).  

John Kennedy, por outro lado, jamais havia se envolvido de forma decisiva com

qualquer assunto relacionado à América Latina. Com uma ascensão meteórica na

 política estadunidense, o democrata desbancou nomes de peso de seu partido como

Lyndon Johnson e Adlai Stevenson para conquistar a nomeação à disputa da

Presidência. Como todo bom candidato que pretende desbancar a continuidade de um

 projeto de governo que estava no poder, JFK trouxe o anticomunismo para o centro da

campanha através de declarações em revistas e jornais onde criticava duramente os

rumos tomados por Eisenhower durante seu governo. Apesar de nunca ter se envolvido

diretamente nas acaloradas discussões do período do Macarthismo no Congresso

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americano, Kennedy optou por trazer o medo da supremacia soviética à tona para

moldar seu pensamento de que, caso Nixon fosse eleito, a instalação de uma segunda

Cuba na América Latina seria evidente. 60 

A campanha de 1960: a lu ta contra uma nova Cuba

Com o início da campanha presidencial, a questão da política externa era um

dos focos principais de ataques de JFK. Após o lançamento da Sputnik, no dia 1° de

outubro de 1957, Kennedy fez um discurso no Senado onde criticava o governo

Eisenhower por “deixar o país perder a disputa de satélites e mísseis graças a uma série

de confusões e disputas de vaidade”. Melanson (1987) considera que Kennedyconseguiu explorar o medo da superioridade soviética de forma tão eficaz que sua

eleição em certo momento parecia a única saída para evitar um desastre maior. O caso

conhecido como missle gap - suposta vantagem soviética na corrida de armamentos na

transição dos anos de 1950 para 1960 - foi o maior mito criado pela campanha

democrata de 1960. JFK e sua equipe sabiam que as estimativas de produção soviética

que eles apresentavam ao público eram infladas e, após Khrushchev declarar que a

 produção de mísseis na união soviética “era tão eficaz quanto à de salsichas”, os

democratas passaram a fraudar as estatísticas (DONALDSON, 2007, p. 128). O caso

tomou conta das discussões da imprensa: para Nixon, a defesa dos números

apresentados por Kennedy era tarefa difícil, já que o histórico de Eisenhower mostrava

que a recuperação econômica de que o General tanto se orgulhava passou diretamente

 pelo corte nos gastos do exército. Nixon também considerava que qualquer tentativa de

desmentir os números da produção soviética poderia ser considerada como uma forma

de esconder algum tipo de fraqueza sobre o governo Eisenhower.

Em agosto de 1960, enquanto Kennedy preferiu propagar suas desconfianças

na imprensa escrita, Nixon decidiu levar o caso para uma de suas primeiras propagandas

60 A experiência de Kennedy na área da política externa foi objeto de debates na imprensa estadunidenseem 1960. O principal alvo de críticas vinha da amizade da família Kennedy com Joseph McCarthy. JFKnão participou da sessão de censura de McCarthy no Senado devido à orientação de seu pai, fato que maistarde lhe geraria problemas dentro de seu partido. Eleanor Roosevelt, que considerava Joseph “a maiorameaça à liberdade de expressão americana”, negar -se-ia a participar da fracassada tentativa de colocarKennedy como candidato à vice-presidência pelos democratas, em 1956, por conta de sua indecisão

 política neste caso e pela desconfiança de que JFK não teria experiência e maturidade suficientes paradiferenciar anticomunismo, censura e liberdade de expressão. Para mais sobre o tema, ver CASEY(2008).

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 políticas na televisão, ao responder se era possível manter a paz no mundo apesar das

tentativas de criação de novos satélites comunistas através das iniciativas do Secretário-

Geral do Partido Comunista, Nikita Khrushchev. Segundo Nixon:

Bem, a verdade é que nós devemos continuar com a paz mundial, e nós podemos, se nós continuarmos mostrando firmeza e força ao mundocomunista. Khrushchev é um homem frio e feroz. Ele se alimenta de fraquezae dúvidas. E nós nunca podemos cometer o erro de deixá-lo pensar que nóssomos fracos. Nós devemos mostrar a ele que nós somos mais fortes nocampo econômico e militar, e que nós não vamos ser coagidos, nós nãovamos sofrer pressão. Devemos continuar lidando com o comunismo e comos líderes soviéticos não de maneira beligerante, mas com firmeza e semprecom vigilância. 61 

Em outra inserção, o candidato republicano continuava propagando o discurso

de que era o único capaz de conseguir lidar com Khrushchev.

Qual é o problema que mais incomoda os americanos nesta campanha? Nãoexiste nenhuma dúvida sobre a resposta, e eu pude comprovar em minhasviagens pelo país. Principalmente, o povo Americano quer líderes quemantenham a paz na América e no mundo. Henry Cabot Lodge e eu tivemosa oportunidade de trabalhar junto ao presidente Eisenhower nesta questão porsete anos e meio. Nós dois conhecemos o senhor Khrushchev. Nós nossentamos em lados opostos da sala de conferência com ele. Nós sabemos oque é necessário para a paz. Nós vamos manter os Estados Unidos como anação mais forte do mundo, e nós vamos manter esta força com uma dura

diplomacia –  sem desculpas, sem lamentações. Sempre dispostos a negociar pela paz, mas não abrindo espaços para nenhum tipo de concessão em trocadela.62 

Enquanto Kennedy utilizava seus espaços na televisão para a veiculação de

 jingles e promovia discursos de um candidato que se apresentava como a nova cara da

 política americana, Nixon ainda tratava de fechar as feridas abertas com o caso do

61 “Well, the truth is that we must continue to have peace, and we can, if we continue to show firmnessand strength to the Communist world. Khrushchev is a cold, hard, ruthless man. He feeds upon weaknessand doubt. And we must never make the mistake of letting him think we are weak. We must show him weare strong economically and militarily, that we will not be coerced, that we will not tolerate being pushedaround. We must continue to deal with Communism and the Soviet leaders, not belligerently, but firmly,and always with vigilance” (PEACE. Propaganda de Televisão. 1960).62 “What is the most important issue confronting the American people in this election cam paign? There'sno question about the answer that I have found in traveling all over this nation. Above everything else, theAmerican people want leaders who will keep the peace without surrender for America and the world.Henry Cabot Lodge and I have had the opportunity of serving with President Eisenhower in this cause forthe last seven and a half years. We both know Mr. Khrushchev. We have sat opposite the conference tablewith him. We know what peace demands. We will keep America the strongest nation in the world, and we

will couple that strength with firm diplomacy —  no apologies, no regrets. Always willing to negotiate for peace, but never conceding anything without getting a concession in return” (MOST.  Propaganda de

Televisão. 1960).

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missle gap criado pelos democratas. Ainda discutindo sobre sua experiência, o terceiro

anúncio de Nixon novamente tinha o comunismo como tema central:

O senhor Khrushchev só entende poder e firmeza. Pedir desculpas a ele

significa fraqueza. Nosso próximo presidente deve mostrar claramente que osEstados Unidos não vão suportar a pressão de ninguém neste mundo.Enquanto o senhor Khrushchev diz que nossos netos vão viver sob ocomunismo, nós devemos dar uma resposta: seus netos é que viverão emliberdade. Quando ele diz que a Doutrina Monroe acabou, nós dizemos que adoutrina da paz deve ser aplicada em todos os lugares do mundo. A únicaresposta para o comunismo é uma grande ofensiva da liberdade. Liberdade dafome, da doença e a vitória de uma esperança que está em todas as pessoas:liberdade sobre a tirania.63 

A insistência de Richard Nixon em abordar assuntos ligados à política externa

incomodava os democratas. Enquanto eles pretendiam tratar do assunto somente após osdebates presidenciais, cada citação de Nixon a Khrushchev parecia exigir uma resposta

 por parte de Kennedy. Em um relatório, um assessor de JFK escreveu: “ele (Nixon) está

tentando esbanjar seus anos de vice-presidente e tentando convencer o eleitor de que

somente ele é experiente” (DOVER, 1994, p. 106). A chamada “questão da

experiência” foi alvo de discussões em noticiários e artigos em jornais estadunidenses.

Mais tarde ela seria levada para a televisão, naquela que foi a maior inovação da

campanha de 1960: os debates presidenciais.

Considerando que a população estadunidense passava mais tempo assistindo TV

do que ouvindo o rádio, a Columbia Broadcasting System (CBS) pressionou o

Congresso estadunidense para mudar a legislação e permitir que os dois principais

candidatos à presidência pudessem discutir frente a frente os mais variados problemas

da nação. Com uma articulação montada pelo líder democrata do Senado, Lyndon

Johnson, o Congresso suspendeu a seção 315, somente no período das eleições de 1960.

Sendo assim, as redes de televisão apenas tinham a obrigação de convidar os dois

 principais candidatos daquele ano.64 

63 “Mr. Khrushchev understands only strength and firmness. To apologize to him just means weakness.Our next president must show clearly that America won't stand for being pushed around anywhere in theworld. While Mr. Khrushchev says that our grandchildren will live under communism, we must answer:His grandchildren will live in freedom. When he says the Monroe Doctrine is dead, we say the doctrine offreedom applies everywhere in the world. The only answer to communism is a massive offensive forfreedom. Freedom from hunger, from disease, and a victory for the ageless hope of people everywhere:

freedom from tyranny” (FREEDOM. Propaganda de Televisão. 1960).64 Para mais sobre a discussão em torno da criação dos debates presidenciais nos Estados Unidos, verSCHOEDER (2008).

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Assim que os debates presidenciais começaram, a questão da política externa

americana mostrava-se como a principal diferença nos planos de governo. Na primeira

oportunidade apropriada para abordar os rumos diplomáticos tomados por Eisenhower,

Kennedy citou que Nixon deveria dividir o crédito pela perda de Cuba com Eisenhower:

Eu tenho sido um crítico das políticas adotadas por esta administração. […]Eu critiquei o senhor Nixon porque, em sua conferência de Havana, em1955, ele elogiou a competência e estabilidade da ditadura de Batista,responsável pela morte de mais de vinte mil cubanos em sete anos. O que eucritiquei foi a falha desta administração em usar sua grande influência para

 persuadir o governo cubano e fazer com que eles convocassem eleiçõesdiretas, particularmente em 1957 e 1958. Arthur Gardner, um embaixadorrepublicano, e Earl Smith, também embaixador republicano, indicaram nasseis semanas anteriores (a deposição de Batista) que Castro era um marxista,e que Raul Castro era um comunista, mas eles não conseguiram nenhumresultado efetivo. Ao invés disso, continuamos ajudando Batista, o que se

mostrou ineficaz. Nunca estivemos ao lado da liberdade. Nós nunca usamosnossa influência quando poderíamos tê-la usado de forma mais eficaz  –   ehoje Cuba está perdida no quesito liberdade. Eu espero que algum dia elavolte. Mas não acredito que isto vá ocorrer com as mesmas políticas paraCuba que estamos realizando nos últimos anos. Na verdade, isto se aplicatambém para toda a América Latina  –   já que estamos ignorandocompletamente as necessidades deles. Nós não transmitimos um único

 programa em espanhol para a América Latina durante os últimos oito anos.65 

Defendendo as decisões tomadas pela administração Eisenhower, Nixon optou

 por expressar que o governo americano diminui o número de ditadores na América

Latina nos últimos anos e acusou Kennedy de propagar discursos derrotistas para o país,

em uma tentativa de aumentar o medo na população com o monstro chamado Cuba.

Bem, eu quero deixar muito claro que eu não concordo quando o SenadorKennedy diz que Cuba é um caso perdido. (Se pensar desta maneira), a Chinafoi perdida quando esta administração chegou ao poder em 1953. Eu vejoCuba hoje e acredito que nós estamos tomando o caminho certo. Umcaminho que é difícil, mas que se mostra, nestas circunstâncias, a única saída

 para que o povo cubano tenha uma chance de observar suas aspirações de progresso em busca da liberdade, e eles vão conseguir isto com nossacooperação com outros estados na Organização dos Estados Americanos.

Veja bem, o senador Kennedy fez alguns ataques pesados a minha pessoa-

65 “I've been critical of the Administration's policy. […] I criticized Mr. Nixon, was because in his pressconference in Havana in 1955, he praised the competence and stability of the Batista dictatorship - thatdictatorship had killed over twenty thousand Cubans in seven years. What I criticized was the failure ofthe Administration to use its great influence to persuade the Cuban government to hold free elections,

 particularly in 1957 and 1958. Thirdly, Arthur Gardner, a Republican Ambassador, Earl Smith, aRepublican Ambassador, in succession - both have indicated in the past six weeks that they reported toWashington that Castro was a Marxist, that Raul Castro was a Communist, and that they got no effectiveresults. Instead our aid continued to Batista, which was ineffective; we never were on the side of freedom;we never used our influence when we could have used it most effectively - and today Cuba is lost forfreedom. I hope someday it will rise; but I don't think it will rise if we continue the same policies toward

Cuba that we did in recent years, and in fact towards all of Latin America - when we've almost ignoredthe needs of Latin America; we've beamed not a single Voice of America program in Spanish to all ofLatin America in the last eight years” (CPD, october 7, 1960).

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especialmente sobre como eu lidei com Cuba. Ele traz à tona o fato de eu tervisitado Cuba enquanto o senhor Batista estava no poder. Eu só posso dizerque, se nós fossemos jugar as administrações por suas relações comditadores, eu fico feliz em fazer uma comparação com a administraçãoanterior (Truman). Havia onze ditadores nas Américas quando nós chegamosao poder, em 1953. Hoje existem apenas três, contando com aquele de Cuba.

Achamos que isto é um progresso e tanto. O senador Kennedy tambémindicou com relação a Cuba que ele considera que eu cometi um erro quandoestava lá por não ter convocado eleições diretas naquele país. Ficoextremante surpreso que o Senador Kennedy tenha feito um pronunciamentodeste tipo. Pra falar a verdade, no seu livro, Strategy for Peace, ele tomouesta mesma posição. E é uma posição que os Estados Unidos têm acordada,que nos proíbe de interferir nas disputas internas de qualquer outro estado eque os proíbe de fazer o mesmo Não, Cuba não está perdida, e eu não achoque estas falas derrotistas do Senador Kennedy vão ajudar em alguma coisa.

66 

O jornalista Edward Morgan perguntou a JFK sobre o incidente U-2. No dia 9

de abril, um avião americano modelo U-2, utilizado para espionagem, foi abatido pormísseis S-75 Dvina em território soviético. Durante a queda da aeronave, o piloto

Francis Gary Powers não conseguiu ativar o botão de autodestruição, e o avião foi

capturado pela KGB após Powers se lançar de paraquedas. A CIA orientou Eisenhower

a afirmar que o avião era um “experimento meteorológico”, mas não sabia sobre o

estado de conservação deste, que, nas palavras de um oficial russo, “era

inacreditavelmente impecável, com boa parte dos painéis conservados”. Nikita

Khrushchev fez questão de mostrar à imprensa os restos do U-2 e desmentir a teoria

americana, indicando que a inteligência russa sabia desde 1956 dos projetos de

espionagem dos estadunidenses, mas apenas quatro anos mais tarde conseguiram

fabricar mísseis capazes de abater o avião.67  Durante a sua campanha, Kennedy citou

que o governo americano deveria mandar uma carta pedindo desculpas aos soviéticos

66 “Well first of all, I don't agree with Senator Kennedy that Cuba is lost and certainly China was lostwhen this Administration came into power in 1953. As I look at Cuba today, I believe that we arefollowing the right course, a course which is difficult but a course which under the circumstance is theonly proper one which will see that the Cuban people get a chance to realize their aspirations of progress

through freedom and that they get that with our cooperation with the other states in the Organization ofAmerican States. Now Senator Kennedy has made some very strong criticisms of my part - or alleged part- in what has happened in Cuba. He points to the fact that I visited Cuba while Mr. Batista was in powerthere. I can only point out that if we are going to judge the Administrations in terms of our attitude towarddictators, we're glad to have a comparison with the previous administration. There were eleven dictatorsin South America and in Central America when we came in, in 1953. Today there are only three leftincluding the one in Cuba. We think that's pretty good progress. Senator Kennedy also indicated withregard to Cuba that he thought that I had made a mistake when I was in Cuba in not calling for freeelections in that country. Now I'm very surprised that Senator Kennedy would have made such astatement as this kind. As a matter of fact in his book, The Strategy for Peace, he took the right position.And that position is that the United States has a treaty - a treaty with all of the Organization of AmericanStates - which prohibits us from interfering in the internal affairs of any other state and prohibits them aswell. No, Cuba is not lost, and I don't think this kind of defeatist talk by Senator Kennedy helps the

situation one bit” (CPD, october 7, 1960). 

67 O piloto americano sobreviveu sem ferimentos e foi condenado a três anos de prisão. Em 1962, foilibertado em um acordo de troca de prisioneiros com os soviéticos.

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 pelo episódio e pelas mentiras. JFK citou que essa forma de correspondência é um ato

comum na diplomacia, e que tanto os russos quanto os chineses já adotaram esta prática

 por incidentes passados e não via motivos para os Estados Unidos não reconhecerem o

seu erro. A resposta do vice-presidente seria motivo de controvérsia, pois justificou que

a espionagem realizada pelo U-2 era um ato defensivo vinculado à segurança dos

Estados Unidos: “Parece-me que todas estas críticas da parte dele (JFK) não tem

nenhum fundamento. Todos nós lembramos Pearl Harbor. Perdemos três mil vidas. Não

 podemos ficar para trás na questão relativa à inteligência”.68 

 No sábado anterior ao segundo debate sobre política externa, perguntado sobre

qual seria sua estratégia para conter os comunistas chineses e defender o governo de

Chiang Kai-shek, Kennedy sugeriu traçar a linha defensiva dos Estados Unidos após asilhas de Quemoy e Matsu, portanto, deixando espaço para o avanço comunista nesta

região. Durante o debate, Kennedy disse:

Bem, os Estados Unidos passaram boa parte da década de 1950 tentandofazer com que Chiang Kai-shek levasse suas tropas de volta para Formosa. Eeu realmente acredito que podemos defender Formosa. Essas ilhas (Quemoye Matsu) estão a cerca de 10 quilômetros da China comunista e mais de 160quilômetros distantes de Formosa. Nós nunca garantimos que vamosdefender Quemoy e Matsu se elas forem atacadas. Nós dizemos que vamos

defender elas como um todo, se acontecer um grande ataque em Formosa.Mas é extremamente difícil falar sobre isso. O senhor (Christian) Herterquando era Secretário de Estado disse que essas ilhas eram estrategicamenteindefensáveis. Os almirantes Spruance e Callins, em 1955, disseram que nósnão devemos tentar defender essas ilhas na Conferência do Extremo Oriente.O general Ridgway disse a mesma coisa. Eu acredito que, se acontecer umaguerra em Formosa, devemos estabelecer uma linha de defesa bemestratégica. Um dos problemas, para mim, é que ao mesmo tempo em queesta discussão ocorre, há tempos atrás a questão era se a Coréia do Suldeveria ser defendida por nós se ela fosse atacada. Eu acredito que devemosdefender Formosa. […] Eu acho que é uma decisão precipitada dar chance

 para o mundo entrar em uma grande guerra por causa de duas ilhas que sãoestrategicamente indefensáveis e que não são, de acordo com depoimentos,

essenciais para a defesa de Formosa. E eu acho que nós devemos honrarnossos compromissos. Devemos fazer o mesmo em Berlin.69

 

68 CPD, october 7, 1960.69  “Well, the United States, mostly in the middle fifties, tried to persuade Chiang Kai-shek to pull histroops back to Formosa. I believe strongly in the defense of Formosa. These islands are a few miles - fiveor six miles - off the coast of Red China, within a general harbor area and more than a hundred milesfrom Formosa. We have never said flatly that we will defend Quemoy and Matsu if it's attacked. We saywe will defend it if it's part of a general attack on Formosa. But it's extremely difficult to make that

 judgment. Now, Mr. Herter in 1958, when he was Under Secretary of State, said they were strategicallyundefensible. Admirals Spruance and Callins in 1955 said that we should not attempt to defend theseislands, in their conference in the Far East. General Ridgway has said the same thing. I believe that when

you get into if you're going to get into war for the defense of Formosa, it ought to be on a clearly definedline. One of the problems, I think, at the time of South Korea was the question of whether the UnitedStates would defend it if it were attacked. I believe that we should defend Formosa. […] I think it's

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Kennedy sabia que esta questão seria o principal foco de ataque de Nixon.

Afinal, sugerir uma possível entrega das ilhas aos chineses poderia ser considerado

como uma posição de fraqueza, com repercussões diretas na América Latina. Robert

Kennedy passou dois dias revisando relatórios sobre as ilhas e encontrou depoimentos

de almirantes e generais (que foram utilizados na resposta de JFK) para tentar evitar

com que a declaração se tornasse arma para os republicanos. Dentro de seu partido,

Kennedy enfrentou certa resistência e cogitou-se a possibilidade do senador fazer uma

retratação sobre a sua posição. Isso foi prontamente rejeitado pela coordenação de

campanha democrata, pois mostraria que o candidato era vulnerável e não tinha

conhecimento total da causa. Ainda no segundo debate, Nixon aproveitou para reafirmar

seu compromisso com a diplomacia para conter os avanços soviéticos.

Eu discordo totalmente do senador Kennedy nesta questão. Eu lembro que no período anterior à Guerra da Coréia também diziam que Coréia do Sul eraigualmente indefensável. Foram os generais quem garantiram isto. E osecretário Acheson fez um famoso discurso em um clube, no começo daqueleano, dizendo que a Coréia do Sul estava além da zona de defesa dos EstadosUnidos. Eu acredito que ele falou isto porque achava que uma Guerra não

 poderia acontecer lá. Agora eu vejo esta questão de Quemoy e Matsu e possodizer que a questão não é se estas duas pequenas nações são importantes. Nãoé sobre as poucas pessoas que vivem lá  –  elas também não são importantes

 para nós. É sobre todo princípio que envolve isto. Estas duas ilhas estão na

região da liberdade. Não podemos forçar nossos amigos nacionalistas a sairde lá e entregar estas terras para os comunistas. Se isto acontecer, uma reaçãoem cadeia vai ocorrer. Porque os comunistas não querem Quemoy e Matsu,eles querem Formosa. Em minha opinião isto é tipo de pensamento com acabeça nas nuvens, igual o que aconteceu no desastre Americano na Coréia.Sou contra isto. Nunca irei tolerar isto como presidente dos Estados Unidos, erealmente espero que o senador Kennedy refaça seu pensamento se chegar àPresidência. 70 

unwise to take the chance of being dragged into a war which may lead to a world war over two islandswhich are not strategically defensible, which are not, according to their testimony, essential to the defense

of Formosa. I think that uh - we should protect our commitments. I believe strongly we should do so inBerlin” (CPD, october 7, 1960).70  “I disagree completely with Senator Kennedy on this point. I remember in the period immediately

 before the Korean War, South Korea was supposed to be indefensible as well. Generals testified to that.And Secretary Acheson made a very famous speech at the Press Club, early in the year that k- KoreanWar started, indicating in effect that South Korea was beyond the defense zone of the United States. Isuppose it was hoped when he made that speech that we wouldn't get into a war. But it didn't mean that.We had to go in when they came in. Now I think as far as Quemoy and Matsu are concerned, that thequestion is not these two little pieces of real estate - they are unimportant. It isn't the few people who liveon them - they are not too important. It's the principle involved. These two islands are in the area offreedom. The Nationalists have these two islands. We should not uh - force our Nationalist allies to getoff of them and give them to the Communists. If we do that we start a chain reaction; because theCommunists aren't after Quemoy and Matsu, they're a- they're after Formosa. In my opinion this is the

same kind of woolly thinking that led to disaster for America in Korea. I am against it. I would nevertolerate it as president of the United States, and I will hope that Senator Kennedy will change his mind ifhe should be elected” (CPD, october 7, 1960).

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Após o fim do debate especifico sobre política externa, Nixon pensava que

havia conquistado uma boa vantagem sobre Kennedy. No entanto, o republicano ficou

decepcionado ao saber que a imprensa não deu a cobertura desejada sobre a questão da

China. Ao longo da semana, o Partido Republicano passou a veicular propagandas nos

 jornais acusando Kennedy de ser fraco na política externa. As pesquisas pós-debate

apontaram empate entre os candidatos: para a maioria dos analistas políticos, Nixon

obteve leve vantagem, mas o caso das ilhas não era algo que pudesse fazer o eleitor

deixar de votar em JFK, principalmente pelo caso de Cuba. O fato é que a concepção da

 política externa de Kennedy estava bem definida: não deixar outro satélite soviético se

instalar na América Latina deveria ser prioridade para os Estados Unidos. O caso

chinês, de que Nixon abordava com tanta firmeza, apenas se referia a um conjunto de

ilhas, que, na visão democrata, não acarretaria o impacto para os Estados Unidos do que

uma nova Cuba teria em tempos de Guerra Fria. A visível tensão gerada após o final do

debate foi utilizada pelos republicanos como arma para a preparação do próximo

encontro, no dia 13 de outubro. Pela primeira vez na história, um link direto de boa

qualidade com transmissão ao vivo e com atraso muito pequeno foi utilizado na

televisão. Irritado com as frequentes perguntas sobre as ilhas chinesas, Kennedy

chamou Nixon de trigger happy dois dias antes do terceiro debate presidencial.71 Como

esperado, esta foi a primeira questão abordada pelos jornalistas presentes. Nixon

lamentou o comentário e lançou o seu principal ataque durante toda a eleição, tentando

 passar a mensagem de que Kennedy não era um candidato tão centrado como mostrava

ser, e que um presidente deve saber medir os esforços, seja para entrar em guerra ou

saber negociar através da diplomacia.

Eu lamento muito, porque isto parece implicar que os republicanos gostam deguerra, e que colocariam esta nação em um conflito. Eu gostaria de lembrar osenador Kennedy sobre os nossos últimos cinquenta anos. Eu gostaria que elecitasse um presidente republicano que levou este país para a guerra.Ocorreram três grandes guerras neste período (I e II guerras mundiais, eCoréia) e foram três presidentes democratas que colocaram esta nação nelas.

 Não quero dizer que um partido é o da paz e outro é o da guerra. Mas eu digoque esta acusação de que eu e os republicanos gostamos de guerra éinvalidada pela história. Tinha uma guerra ocorrendo quando chegamos ao

 poder, em 1953. Acabamos com ela, assim como evitamos tantas outras. Istocertamente mostra que não gostamos de guerra.72 

71 Sem tradução aproximada no português, Kennedy quis dizer que Nixon, no campo militar, seria umirresponsável e louco por guerras, procurando problemas para autorizar intervenções militares.72 “I resent it because it’s an implication that Republicans have been trigger-happy and, therefore, would

lead this nation into war. I would remind Senator Kennedy of the past fifty years. I would ask him toname one Republican president who led this nation into war. There were three Democratic presidents wholed us into war. I do not mean by that that one party is a war party and the other party is a peace party. But

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 Nixon foi orientado pela sua equipe a levantar a questão das “guerras

democratas” já que as pesquisas internas do partido apontavam que o público americano

estava inclinado a concordar com o vice-presidente sobre esta questão. Aproveitando o

fato de que a questão chinesa iria tomar conta do encontro, o republicano aproveitou e

atacou indiretamente Joseph Kennedy, que tentou levar uma visão positiva de Hitler

 para Roosevelt antes da Segunda Guerra Mundial:

Fazer o que foi sugerido pelo senador Kennedy  –   sugerir que nós vamosrender as ilhas ou forçar os nacionalistas chineses a se render de antemão nãoé algo que vá levar à paz. Vai levar à guerra, na minha opinião. Isso é o quehistória de negociação com os ditadores mostra. Nós tentamos isto com Hitlere não funcionou. Ele primeiro queria a Áustria, depois queria os sudetos,depois queria Danzig, e a cada pedida parecia que era só aquilo que elequeria. E o que os comunistas querem? Eles não querem apenas Cuba. Elesquerem o mundo! E a questão é que se você rende ou indica comantecedência que você não vai defender uma região do mundo livre, e vocêacha que isto vai lhes fazer felizes, saiba que não, isto não irá satisfazê-los.Só aumenta o apetite.73 

Kennedy sabia que estava sofrendo um pesado ataque e mediu suas palavras.

Geralmente optava por discursos defensivos e, sempre que possível, fugia do assunto

sobre as ilhas chinesas. O senador sentiu que a discussão em torno de Formosa poderia

denegrir a sua imagem. JFK ainda foi questionado sobre Harry Truman. Na semanaanterior ao terceiro debate, o ex- presidente americano havia dito que “aqueles que são

do sul e votam nos republicanos podem ir para o inferno”. Kennedy declarou que tudo

era uma brincadeira e que não podia falar em nome de Truman. Já Nixon ressaltou o seu

orgulho com a postura de Eisenhower, que havia “restaurado a dignidade e decência na

 presidência americana”.

O caso das ilhas chinesas, porém, não era relevante para os eleitores, com mais

de 88% destes declarando estarem mais preocupados com Cuba. Sabendo das críticas do

I do say that any statement to the effect that the Republican party is trigger-happy is belied by the record.We had a war when we came into power in 1953. We got rid of that; we've kept out of other wars; andcertainly that doesn't indicate that we're trigger-happy” (CPD, october 13, 1960,).73 “To do what Senator Kennedy has suggested - to suggest that we will surrender these islands or forceour Chinese Nationalist allies to surrender them in advance - is not something that would lead to peace; itis something that would lead, in my opinion, to war. This is the history of dealing with dictators. This issomething that Senator Kennedy and all Americans must know. We tried this with Hitler. It didn't work.He wanted first Austria, and then he went on to the Sudetenland and then Danzig, and each time it wasthought this is all that he wanted. Now what do the Communists want? They don't want just Quemoy and

Matsu; they don't want just Cuba; they want the world. And the question is if you surrender or indicate inadvance that you're not going to defend any part of the free world, and you figure that's going to satisfythem, it doesn't satisfy them. It only whets their apetite” (CPD, october 13, 1960).

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 jornal The New York Times, que considerou “um programa cujo tempo poderia ser mais

 bem aproveitado”, os organizadores do debate seguinte aceitar am fazer Cuba o principal

assunto da discussão entre Kennedy e Nixon (BOCHIN, 1990, p. 52).

O último encontro, realizado no dia 21 de outubro, teve considerações iniciais efinais de cada candidato. A questão central era: o que fazer com Cuba? Dentro de seu

círculo politico, Nixon se mostrava a favor de uma ofensiva contra Castro o mais rápido

 possível. O vice-presidente tentou argumentar com Eisenhower que a demonstração de

força contra um ditador comunista vizinho dos Estados Unidos provaria o

comprometimento da administração republicana com o projeto de barrar o avanço

“vermelho”  nas Américas. Apesar de autorizar o treinamento de exilados cubanos,

Eisenhower decidiu deixar a decisão de atacar ou não a ilha para o próximo presidente, já que não queria que seu sucessor encontrasse um caos no primeiro dia de trabalho,

como foi seu caso com a Guerra da Coréia. O candidato republicano foi ordenado a

esconder do público os projetos para intervenção em Cuba. Com isto, passou o debate

inteiro defendendo uma posição na qual ele próprio não acreditava. A campanha de

Kennedy se mostrava a favor do treinamento de exilados e de uma intervenção imediata

contra Castro.

Eu acho que as políticas propostas pelo senador Kennedy sobre como lidarcom o regime de Castro são, provavelmente, as mais perigosas eirresponsáveis promessas que ele fez durante a sua campanha. Na verdade, osenador Kennedy recomenda que o governo dos Estados Unidos deva ajudaros exilados e todos aqueles que se opõem ao regime de Castro  –  considerando também que eles são anti-Batista. Agora, vamos entender o queisto significa. Nós temos cinco tratados na América Latina, incluindo umassinado pela Organização dos Estados Americanos em Bogotá, no ano de1948, no qual nós concordamos não intervir nas políticas internas de nenhum

 país das Américas [...] O que eu sei é o seguinte: se nós seguirmos asrecomendações (de Kennedy), nós vamos perder todos nossos amigos naAmérica Latina, provavelmente vamos ser condenados na ONU e não vamosconseguir cumprir este objetivo. E eu sei de outra coisa: isto seria um conviteaberto para o senhor Khrushchev vir na América Latina e nos colocar emuma espécie de guerra civil nesta região, ou até mesmo algo bem pior queisto.74 

74 “I think that Senator Kennedy's policies and recommendations for the handling of the Castro regime are probably the most dangers- dangerously irresponsible recommendations that he's made during the courseof this campaign. In effect, what Senator Kennedy recommends is that the United States governmentshould give help to the exiles and to those within Cuba who oppose the Castro regime - provided they areanti-Batista. Now let's just see what this means. We have five treaties with Latin America, including theone setting up the Organization of American States in Bogota in 1948, in which we have agreed not tointervene in the internal affairs of any other American country. I do know this: that if we were to followthat recommendation, that we would lose all of our friends in Latin America, we would probably be

condemned in the United Nations, and we would not accomplish our objective. I know something else. Itwould be an open invitation for Mr. Khrushchev to come in, to come into Latin America and to engage usin what would be a civil war, and possibly even worse than that” (CPD, october 21, 1960).

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 Nixon assumiu uma proposta que não acreditava para defender o governo de

Eisenhower e tentar se promover como um candidato pela paz, como já havia defendido

nos outros debates. O vice-presidente ainda acrescentou que as políticas do governo

Eisenhower de suspensão de financiamentos e corte de qualquer tipo de relações

diplomáticas “devem levar o próprio povo de Cuba a lidar com Fidel Castro”. Por outro

lado, Kennedy já sabia sobre o plano de treinamento de exilados, graças aos briefings 

que fez com o Secretário de Estado, Christian Herter, durante a sua campanha. 75  JFK

discursou contra o projeto republicano e mostrou-se preocupado com a influência de

Cuba na América usando o exemplo da eleição presidencial brasileira de 1960, ao

lembrar a simpatia de Jânio Quadros por Castro:

Em 1957, eu estava em Havana. Eu falei com o embaixador americano queestava lá. Ele disse que ele era o segundo homem mais poderoso de Cuba. Eainda assim, os embaixadores Smith e Gardner, ambos republicanos, mesmoapós nos alertarem sobre Castro e suas influências marxistas, suas influênciascomunistas, nada foi feito. Nossa segurança depende da América Latina. Seráque algum americano pode olhar para a situação na América Latina e sesentir satisfeito com o que acontece hoje, quando um candidato à Presidênciado Brasil sente que é necessário ligar durante sua campanha  –   não paraWashington –  mas para Castro, em Havana, com o desejo de garantir o apoiode simpatizantes de Castro no Brasil? [...]. Qual sistema triunfara nos

 próximos cinco ou dez anos? Comunismo ou Liberdade? É isto que devemosnos preocupar, Pelos anos de 1965 e 1970, será que teremos outras Cubas naAmérica Latina?. 76

 

Considerações f inais

Ao analisar a campanha presidencial de 1960, é interessante destacar como as

duas candidaturas optaram por tratar um mesmo problema com soluções e propostas

diferentes - ainda que, em última instância, tenham resultados equivalentes. Apesar de o

governo Eisenhower ter planos para a invasão de Cuba (que seriam postos em prática

75

 Os dois candidatos à presidência dos Estados Unidos têm direito a briefings (reuniões) com pessoas dogoverno, ou seja, eles coletam dados sobre questões pontuais e planos secretos para evitar que algumainformação confidencial seja vazada para o público. Em sua campanha, JFK deu a entender que não tinhaconhecimento do treinamento dos exilados e deixou passar as contradições de Nixon para preservar ofator surpresa de um possível ataque aos cubanos.76 “In 1957 I was in Havana. I talked to the American Ambassador there. He said that he was the secondmost powerful man in Cuba. And yet even though Ambassador Smith and Ambassador Gardner, bothRepublican Ambassadors, both warned of Castro, the Marxist influences around Castro, the Communistinfluences around Castro, both of them have testified in the last six weeks, that in spite of their warningsto the American government, nothing was done. Our security depends upon Latin America. Can anyAmerican looking at the situation in Latin America feel contented with what's happening today, when acandidate for the presidency of Brazil feels it necessary to call - not on Washington during the campaign -

 but on Castro in Havana, in order to pick up the support of the Castro supporters in Brazil? […] Which

system, Communism or freedom, will triumph in the next five or ten years? By 1965 or 1970, will there be other Cubas in Latin America?” (CPD, october 21, 1960).

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 por Kennedy), o candidato republicano preferiu se esconder atrás de um discurso

 politicamente correto, evitando o comprometimento da missão que estava sendo

organizada pela CIA. Kennedy, por outro lado, foi para campanha como franco atirador,

atacando a passividade do governo republicano e pedindo uma brusca mudança no

 posicionamento estratégico dos Estados Unidos no continente americano.

Em uma tentativa desesperada de responder as críticas, Eisenhower decretou o

embargo total a Cuba dias antes da eleição, o que apenas deu mais argumentos para

Kennedy citar o fracasso do projeto republicano. JFK se mostrou como um candidato a

favor de uma política diplomática linha dura com qualquer nação latino-americana que

tentasse manter relações com a União Soviética

O democrata venceu a eleição por uma margem apertada, alvo de muita

discussão devido às denúncias de fraude. O que interessa, no entanto, é ver que

Kennedy apenas deu sequência ao projeto criado por Eisenhower que seria posto em

 prática em abril do ano seguinte: a fracassada Invasão da Baía dos Porcos. Quando viu

que a ilha não seria conquistada por forças militares sem sofrer pressões da comunidade

internacional e retaliações dos soviéticos, JFK mudou seu plano e passou a financiar o

apoio de nações simpáticas aos americanos. A proposta da Aliança para o Progresso, no

entanto, foi esquecida logo após o assassinato de Kennedy, já que seu sucessor, Lyndon

Johnson, deixou a América Latina de lado a fim de voltar os seus esforços para o

Vietnã.

Richard Nixon, por sua vez, assumiu a presidência em 1968 e adotou o discurso

de Kennedy na eleição presidencial de 1960. A partir de uma política externa baseada

na tolerância zero, a posse de Salvador Allende no Chile foi também a gota d’água para

seus diplomatas. Nixon decidiu apoiar as ditaduras do Cone Sul, citando o perigo da

existência de uma nova Cuba na América Latina. O anticomunismo foi a base estrutural

da política externa para o republicano, que fechou seus olhos às diversas acusações de

violações de direitos humanos nos regimes ditatoriais na região. Por este motivo, não é

errado afirmar que o Kennedy de 1962 foi o Nixon de 1960, colocando a diplomacia em

 primeiro lugar, assim como o Nixon de 1968 tinha em mente um projeto de intervenção

muito parecido com o que seu rival democrata pregava na eleição presidencial de 1960.

Ainda no caso chileno, após Nixon cancelar empréstimos e financiamentos ao governo

socialista de Allende, a cobertura da CIA para o golpe liderado por Augusto Pinochet

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em 11 de setembro de 1973 mostrou que a luta anticomunista nos Estados Unidos virou

a obsessão de um presidente com uma política externa descontrolada e sem rumo.

Referências bibl iográficas:

AMBROSE, Stephen.  Nixon: The education of a politician, 1913-1962. Nova York:Simon and Schuster, 1988.

BOCHIN, Hal.  Richard Nixon: Rhetorical Strategist. Westport: Greenwood PublishingGroup, 1990.

CASEY, Shaun. The Making of a Catholic President : Kennedy vs. Nixon 1960. Oxford:Oxford University Press, 2008.

DONALDSON, Gary. The First Modern Campaign: Kennedy, Nixon, and the electionof 1960. Lanham: Rowman & Littlefield, 2007.

DOVER, Edwin.  Presidential elections in the television age. Santa Barbara: Praeger,1994.

ERICKSON, Gerald M. Anti-communism: the politics of manipulation. Saint Paul: MEPPublications, 1987.

MELANSON, Richard A.  Reevaluating Eisenhower: American Foreign Policy in the

1950s. Chicago: University of Illinois Press, 1987.

 NIXON, Richard M. Six Crises. Nova York: Doubleday, 1962.

RABE, Stephen.  Eisenhower and Latin America: The Foreign Policy ofAnticommunism. Chapel Hill: UNC Press Books, 1988.

SCHOEDER, Alan.  Presidential debates: fifty years of high risk TV. Nova York:Columbia University Press, 2008.

Fontes documentai s

 Debates:

CPD. October 7, 1960 Debate Transcript. Disponível em: <http://goo.gl/jBWcUj>.Acesso em: 4 jan. 2014.

 _____. October 13, 1960 Debate Transcript. Disponível em: <http://goo.gl/LKZlsF>.Acesso em: 4 jan. 2014.

 _____. October 21, 1960 Debate Transcript. Disponível em: <http://goo.gl/Re9J1E>.Acesso em:: 4 jan. 2014.

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 Propagandas presidenciais:

BEST Qualified. Propaganda de Televisão. Preto e branco. Partido Republicano, 59s.1960.

FREEDOM. Propaganda de Televisão. Preto e branco. Partido Republicano, 59s. 1960.

MOST important issue. Propaganda de Televisão. Preto e branco. Partido Republicano,59s. 1960.

PEACE. Propaganda de Televisão. Preto e branco. Partido Republicano, 59s. 1960.

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CAPÍTULO I I I

Os dilemas de San Tiago Dantas em Punta del Este, 1962

 Arthur Schreiber de Azevedo77 

I ntrodução

A VIII Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores da

Organização dos Estados Americanos, ocorrida entre janeiro e fevereiro de 1962, na

cidade uruguaia de Punta del Este, reuniu os países que compunham essa organização

internacional para decidir as repercussões políticas e jurídicas do novo regime de

governo cubano. Ela pode ser considerada um dos momentos mais dramáticos de

História continental, marcada pelo ingresso definitivo, na América do Sul e Central, do

conflito da Guerra Fria.

Esta Conferência entrou, também, para o imaginário político e social dos países

do continente, como, aliás, foi o caso da maioria das polêmicas a respeito de Cuba: se o

 golpe  apresentava-se como um perigo de infiltração socialista no Hemisfério e de

transformação de seus países em repúblicas comunistas, ou se a revolução era algo a ser

valorizada e cultuada, representando um grito de contestação à hegemonia norte-

americana e ao capitalismo. De uma forma ou de outra, as discussões a respeito desse

 país apresentaram-se recorrentes naquela década, bem como, de certa forma,

contemporaneamente. Os resultados dessa VIII Reunião de Consulta somente foram

revistos, com alguma dificuldade e polêmica, 47 anos depois, em 2009.

O governo de Cuba foi expulso da OEA por uma das nove resoluções da

Conferência de Punta del Este. No entanto, essa resolução somente foi aprovada com o

número mínimo de votos (14), tendo se abstido as delegações do Brasil, Argentina,

77 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Especialista em Política Internacional. Mestre em Históriadas Sociedades Ibero-Americanas (PUCRS). E-mail: [email protected]

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Bolívia, Chile, Equador e México. Quanto às demais resoluções, que incluiam uma

condenação à ofensiva do comunismo internacional na América Latina  –  proposta pela

delegação brasileira  – , foram todas aprovadas por unanimidade. Portanto, umas das

questões centrais para a historiografia sobre esse episódio é tentar entender a abstenção

do voto brasileiro para a expulsão do governo cubano em um contexto maior que era a

chegada, no espaço sul-americano, da dinâmica da Guerra Fria.

De forma geral, as respostas apresentadas partiam de uma compreensão

simplificada sobre a Conferência: ela seria, em última análise, resultado da manipulação

dos Estados Unidos (EUA) para impor os seus próprios interesses contra as aspirações

dos demais países americanos. Essa leitura é feita, dentre outros, por três trabalhos

clássicos a respeito da Conferência: Tânia Quintaneiro (1988), Paulo FagundesVizentini (1995) e Moniz Bandeira (1998). Essas respostas pecam por deixar de lado

um aspecto importante das negociações multilaterais, o qual este capítulo busca

apresentar: embora a Guerra Fria se apresentasse até aquele momento

 predominantemente como um ambiente de coação e imposição dos EUA e da URSS,

havia espaço na negociação para países como o Brasil, a Argentina e o México tomarem

decisões de acordo com seus próprios interesses nacionais,78  isto é, com relativa

independência e autonomia.

O objetivo desse capítulo é analisar os dilemas pelos quais passou o chanceler

 brasileiro San Tiago Dantas durante a sua tomada de decisão frente ao tema de Cuba, e

entender por que ele decidiu abster-se de votar pela expulsão do governo cubano da

OEA. Parte-se, em primeiro lugar, de uma análise de seu pensamento diplomático, em

especial para entender como ele concebia o funcionamento do sistema interamericano,

 para, em segundo lugar, avaliar a sua posição durante a Conferência. No último ponto,

 busca-se compreender os motivos da abstenção em votar na resolução que expulsou

78 O conceito de “interesse nacional”, como aparece ao longo do texto, é posto em seu aspecto cognitivo

ou  subjetivo, isto é, que os atores interpretam a realidade de seu tempo e concluem, a partir de ideias econceitos, objetivos a serem buscados em curto, médio e longo prazos, formulando, por fim, estratégias ediscursos políticos. Ele se contrapõe, portanto, ao sentido normativo ou objetivo de “interesse nacional”, oqual observa e interpreta, desde o presente, quais eram de fato os interesses constantes naquele momentohistórico. Para uma discussão sobre essa relação, observar Renouvin e Duroselle, os quais não buscam“em absoluto, determinar um ‘interesse nacional’ objetivo, porém mostrar quais as ideias subjetivas que

os homens de Estado tiveram a respeito, na época contemporânea” (RENOUVIN e DUROSELLE 1967, p. 341). Para uma discussão no âmbito do paradigma construtivista das Relações Internacionais, observaro debate entre HOUGTON (2007) e FLANIK (2011).

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Cuba da OEA, ao mesmo tempo em que se colocava favoravelmente a todas as demais

resoluções. 

“Sistema interamericano” e “Luta pelo direito” no pensamento de San Tiago 

Francisco Clementino de San Tiago Dantas nasceu em 30 de agosto de 1911, e,

aos 50 anos, assumiu o cargo de Ministro das Relações Exteriores do Brasil. Nessa

época, ele era Deputado Federal, eleito pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de

Minas Gerais, no pleito de 1958. Participou, igualmente, das conturbadas negociações

 políticas que permitiram a ascensão de João Goulart à Presidência da República após a

renúncia de Jânio Quadros. Ao ser instaurado o regime parlamentarista e garantida a posse de Jango, Dantas trocou o seu cargo de embaixador nas Nações Unidas com

Afonso Arinos de Mello Franco  –  antigo chanceler de Jânio  –  e assumiu a chefia desse

Ministério.

Sua trajetória até assumir o Ministério foi marcada por duas grandes atividades.

A primeira é, certamente, a profissional, predominantemente jurídica, voltada, no início,

 para o direito privado, mas, com o passar dos anos, dedicada ao Direito Internacional

Regional.79 Outro elemento importante na sua trajetória profissional é a do ensino, com

ênfase em diversas áreas, como Direito Romano, Economia Política, Filosofia e Direito

Civil.80 San Tiago, assim, passou a maior parte de sua trajetória pública sob o signo do

79 Em 1928, ele ingressou na Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro, formando-se em 1932.Após uma década dedicada à advocacia e ao ensino jurídico, em 1943, ele ensaia os primeiros passos deuma carreira jurídica internacional, como delegado brasileiro na I Conferência de Ministros da Educaçãodas Repúblicas Americanas, ocorrida no Panamá. Em 1951, ele foi delegado na IV Reunião de Consultados Chanceleres Americanos, ocorrida na capital dos EUA. No ano seguinte, se torna membro da Corte

Permanente Internacional de Arbitragem, em Haia, bem como Jurisperito da ONU no Comitê sobreObrigações Alimentares e Execução de Sentenças no Estrangeiro, em Genebra. Em 1953, foi delegado brasileiro na III Reunião do Conselho Interamericano de Jurisconsultos, em Buenos Aires, e, em 1954,Conselheiro da Delegação Brasileira na IV Reunião do Conselho Interamericano Político e Social, no Riode Janeiro. Entre os anos de 1955 a 1958, foi presidente da Comissão Jurídica Interamericana, com sedeno Rio de Janeiro. Em 1959, ele foi conselheiro da delegação brasileira na V Reunião de Consulta dosMinistros das Relações Exteriores da OEA, em Santiago do Chile e, em 1961, foi indicado pelo

 presidente Jânio Quadros para a Chefia da Delegação Permanente do Brasil na ONU, e, após a renúnciado presidente e dos arranjos parlamentaristas, assumiu como Ministro das Relações Exteriores. Suatrajetória jurídica profissional foi uma carreira jurídica em várias áreas do Direito Internacional PúblicoRegional (MOREIRA, 1983).80 Após a formatura em Direito, Dantas assumiu a cátedra interina de Legislação e Economia Política daFaculdade de Arquitetura, com uma monografia sobre o Direito de Vizinhança. Em 1937, ele foi

efetivado, por concurso, na Cátedra da Faculdade Nacional. Em 1939, ele foi nomeado professor deInstituições de Direito Civil e Comercial da então Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas,transformada, posteriormente, em Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da universidade do Brasil.

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Direito e do ensino jurídico, o que marcou consideravelmente o modo como pensava e

interpretava o mundo.

A segunda grande atividade de Dantas é a política.81 A participação partidária

 pode ser dividida em duas fases, uma em sua juventude, ligada ao nacionalismo católico

e antiliberal da AIB, e a outra no final de sua vida, ao ingressar no nacionalismo

trabalhista do PTB, com um hiato de cerca de 20 anos. Nesse período de ausência, sua

atividade política ficou restrita à publicação de artigos de opinião em jornais, afastado

da vida partidária. Nesse aspecto, pode-se considerar que a militância tem um peso

menor em sua trajetória, sendo maior a liderança intelectual do que o controle

tradicional da burocracia do partido, o que pode ser comprovado a partir da falta de

grandes vitórias eleitorais, embora houvesse sido prestigiado com cargos importantes daadministração, como Ministério das Relações Exteriores e, posteriormente, da Fazenda.

Essa trajetória é o ponto de partida para entender a atuação de San Tiago em

Punta del Este. De um modo geral, ele buscava convergir a aplicação de conceitos de

seu receituário intelectual com a realidade política do momento, de um modo mais

“doutrinário” do que “oportunista”.82 Sua trajetória nos ajuda a compreender, em parte,

Em 1940, novamente por concurso, torna-se catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito daUniversidade do Brasil, e, no ano seguinte, professor de Direito Romano na Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio de Janeiro. Entre os anos de 1941 a 1945, ele foi Diretor da Faculdade Nacional deFilosofia da Universidade do Brasil. Em 1952, ele foi Diretor do Banco Moreira Salles (MOREIRA,1983). A trajetória profissional de professor foi muito intensa e desde muito jovem, tendo chegado aoauge durante a Segunda Guerra Mundial. É possível que tenha incorporado, como o fez com sua carreirade advogado, essas características para atuar em outras esferas de sua vida.81 Durante o período em que ficou na faculdade, Dantas teve uma formação política mais intelectualizada.Ele participou ativamente da fundação do Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos e Sociais (CAJU), quecontava com Vinícius de Moraes, poeta, futuro diplomata e criador do movimento musical da  Bossa

 Nova, além de Otávio de Faria, escritor e, mais tarde, membro da Academia Brasileira de Letras, tendo publicado, em 1931, o livro Maquiavel e o Brasil , e, em 1933, Destino do Socialismo, além do jornalista e

historiador Hélio Viana, entre outros, os quais ingressaram com ele nas fileiras da AIB em 1932. Nesteano, após formar-se, assume o cargo de Oficial de Gabinete do Ministro da Educação Francisco Campos.desfilhou-se, porém, dessa organização, em 1937, por discordância a respeito do levante ao governo deVargas. Teve um período considerável da vida política como dono ou redator-chefe em três jornais:  A

 Razão, em 1931; a  Revista Econômica, da Caixa Econômica Federal, em conjunto com Hélio Viana em1933; e o Jornal do Commercio entre 1957-59. Retornou à vida partidária, de forma definitiva, filiando-seao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de Minas Gerais, em 1958, e elegendo-se duas vezes DeputadoFederal, em 1959 e 1963. Assumiu cargos de destaque como vice-presidente da Comissão Executiva doPTB, em 1960, bem como Ministro das Relações Exteriores, em 1961, e Ministro da Fazenda em 1963.Foi, também, candidato derrotado como vice-governador de Minas Gerais na chapa com Tancredo Neves(1960), bem como derrotado ao cargo de Primeiro-Ministro, após a queda do gabinete de Tancredo

 Neves. Em 1964, San Tiago afasta-se da política para tratar de um câncer, e acaba falecendo emdecorrência dele em naquele mesmo ano (MOREIRA, 1983).82

 Nesse sentido, Renouvin e Duroselle já faziam a distinção, em 1967, entre um perfil do Homem deEstado “doutrinário” ou “teórico” em contraste com um “oportunista” ou “empirista”. “Os doutrinários –  (...) teóricos –  são os que estabelecem para o seu uso um sistema de pensamento coerente e que procuram,

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o modo como ele julgava as relações interamericanas, isto é, qual importância dava à

OEA e aos vínculos com os países do continente. Dentro do seu arcabouço conceitual,

 presente nas manifestações que deu a respeito da Conferência, dois conceitos aparecem

com grande ênfase: o de “Sistema interamericano” e o de “Luta pelo direito”, conceitos

ligados à sua experiência de vida.

Em relação ao conceito de “Sistema interamericano”, é importante compreendê-

lo como era utilizado correntemente no debate público da época. Havia, ao menos, duas

situações para essa categoria. Na primeira, e mais comum, ela era considerada sinônimo

de “pan-americanismo”, um movimento ligado ora à liderança norte-americana no

continente (CASTRO, 1962; DREIER, 1962), ora à tradição diplomática de integração

continental (MELLO, 1955); na segunda, significava apenas o arcabouço jurídico einstitucional da OEA, relativamente autônomo a esse movimento político (DREIER,

1962). No discurso de Dantas, o “sistema interamericano” aparece nesse segundo

sentido, isto é, os países americanos que compunham a OEA tinham autonomia para as

decisões, dependendo apenas do respeito às regras reconhecidas pela instiuição.

Existem diferentes motivos para haver essa distinção no pensamento de Dantas.

 No aspecto do jogo político, o “pan-americanismo” era um conceito utilizado pela

oposição, especialmente Juscelino Kubitschek, Horácio Lafer e Augusto Frederico

Schmidt, ligados à “Operação Pan-Americana”. Isso permitia a Dantas diferenciar-se de

seus rivais no debate da época ao abster-se de utilizá-lo, especialmente pelas críticas que

o conceito vinha sofrendo (AZEVEDO, 2014). No entanto, há outro motivo, ligado ao

 pensamento de San Tiago. Sua trajetória apresenta uma formação com ênfase em alguns

aspectos do “positivismo jurídico”, no sentido proposto por Kelsen, Ross e Hart

(BARZOTTO, 2007), e essa teoria jurídica tendia a separar, argumentativamente,

Direito e Política. Portanto, era natural para ele fazer uma distinção conceitual entre“pan-americanismo” e “sistema interamericano”, sendo este último o Direito e o

 primeiro a Política.

Essa questão parece mais clara quando analisado os seus argumentos a respeito

do funcionamento das Nações Unidas e da OEA, nas declarações feitas em

com a máxima frequência possível, harmonizar suas decisões com este sistema. Os oportunistas ouempiristas não se prendem a nenhum sistema preciso e regulam sua conduta pelas circunstâncias.

Certamente não pode haver doutrinário puro, porque as circunstâncias impõem, às vezes, decisõesaberrantes, relativamente à doutrina, e todo oportunista tem, não obstante, algumas ideias gerais, às quais permanece fiel” (RENOVIN e DOUROSELLE, 1967, p.311).

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comemoração ao décimo aniversário dessa organização internacional, em 1955.

Teorizou, Dantas, a respeito das organizações internacionais que

Todo o sistema institucional, desde a tribo até o Estado e a Federação,exprime e racionaliza uma forma de equilíbrio entre grupos e forças sociais.A instituição é o vestígio lógico, com que se cobre e protege um corpoanimado de vida e ávido de dominar suas próprias contradições (DANTAS,2009, p. 29).

Concluiu, então, que “a Carta de São Francisco e a Organização das Nações

Unidas deram essa expressão racional e um estado momentâneo de equilíbrio, em que se

encontravam, em 1945, os povos detentores dos meios de destruição em escala

mundial” (DANTAS, 2009, p. 29). Como fica claro, San Tiago concebeu uma separação

entre a dinâmica política e o arcabouço jurídico e institucional que dá forma à

organização. Ao mesmo tempo, ele argumentou que essa dinâmica política modificava

constantemente a operacionalidade da organização a partir de problemas que surgiam

em seu funcionamento. Com a crise da “polarização da vida internacional”, em 1947,

San Tiago argumentou que “o instrumento concebido para servir a uma ação combinada

entrou em paralização” (DANTAS, 2009, p. 31). Essa “paralização”, segundo ele, só

seria evitada em sua forma total se houvesse, na instituição, um “grau de flexibilidade”

que permitisse novos arranjos políticos e institucionais para ela exercer suas “funções

sucedâneas” (DANTAS, 2009, p. 32). Se a Organização não conseguisse trazer uma paz

 permanente, assegurou, ela poderia, de fato, evitar uma guerra total. Concluiu, então:

Essa situação [da paralisia decisória devido à Guerra Fria] frustrou aconsecução do objetivo institucional [da paz permanente], ou pelo menosretardou o seu advento, mas deu ensejo a que o organismo criasse umafunção nova, não menos vital e relevante que a primeira: mantendo frente afrente, em debate público, num fórum ininterrupto, os Estados que seantagonizavam, as Nações Unidas passaram a desempenhar um papelhipotensor da situação internacional. O debate era que as partes sãocompelidas a justificar suas atitudes e fundamentar suas acusações, [o que, no

entanto,] não logra eliminar as causas profundas que impelem as nações parao choque militar. Mas é sabido que as guerras têm causas imediatas eremotas. (...) As imediatas prendem-se a fatos momentâneos, cujo poder dedetonação resulta menos de sua própria significação, do que do nível a quechega, em determinadas épocas, a tensão internacional. O isolamento entre asnações favorece a elevação desses níveis de tensão, e a sua confrontaçãoassídua no terreno das conferências e dos debates, favorece a sua baixa(DANTAS, 2009, p. 34).

 Na teoria política defendida por Dantas, percebemos que as instituições

internacionais, como a ONU e a OEA, servem de “foro de debate ininterrupto”, no qual

os “Estados em antagonismo” justificam-se um perante o outro, permitindo que, desse

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debate formado pela troca de argumentos, sejam impedidas as “causas imediatas”

 provocadoras das ações militares (DANTAS, 2009, p.34). As instituições

internacionais, portanto, não servem a um único movimento político, mas, sim, a

 participação de todos. Isso é muito importante para entender a atuação do chanceler

 brasileiro em Punta del Este, especialmente essa distinção que ele faz entre “sistema

interamericano” e “pan-americanismo”: a OEA fornece um espaço de divergência que

 possibilita chegar-se à paz, inicialmente, por meio do diálogo e da troca de ideias.

O segundo conceito, “Luta pelo direito”, aparece como uma estratágia de ação a

 partir do funcionamento da própria instituição. Esse conceito sintetizava o modo como

ele percebia a evolução das instituições internacionais, como a OEA, além de afirmar o

 papel e a estratégia da chancelaria brasileira nesse processo. Originalmente, a ideiasurgiu em 1955, no mesmo discurso a respeito do funcionamento das Nações Unidas e

de como inovações foram feitas nessa instituição para que a Assembleia Geral tivesse

mais competências de decisão, devido à “paralisia decisória” (DANTAS, 2009, p. 34).

De modo geral, a “Luta pelo direito” era proposta por San Tiago como uma

teoria sobre a evolução institucional das organizações. Dantas sustentava ser este um

 processo gradual em que tais organizações eram reformadas, adquirindo novos

contornos jurídicos conforme as relações políticas entre os Estados modificavam-se e os

desafios de cada geração se apresentavam diferentes. A transformação de “aspirações”

(normas jurídicas sem obrigatoriedade) em “compromissos” (normas jurídicas

obrigatórias) dentro do “sistema interamericano” era, segundo acreditava, parte dessa

dinâmica (FRANCO, 2007, p. 226). As organizações ganhavam novas finalidades e

instrumentos jurídicos, e, portanto, a luta política que os Estados “militarmente fracos”

deveriam travar era de conferência em conferência, de resolução em resolução,

 propondo ou impedindo essas transformações.

 Nesse sentido, o chanceler argumentou, durante a Conferência, que era preciso

“tomar as cautelas necessárias” para que a finalidade da OEA e do sistema de segurança

coletivo interamericano não fosse “desviado, com severos prejuízos para as conquistas

 pacientemente acumuladas em séculos de esforço e luta pelo direito à existência

soberana dos Estados mais fracos” (FRANCO, 2007, p. 193). Da mesma forma, ele

haveria de propor, na hora de votação, modificiações nos textos das resoluções

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apresentadas na Conferência de Punta del Este, dentro dessa dinâmica de “Luta   pelo

direito”. 

Os di lemas na tomada de posição sobre Cuba

A historiografia é unânime em apontar que, durante a Conferência de Punta del

Este, o Brasil defendeu, de modo absoluto, os princípios da autodeterminação dos povos

e da não-intervenção em assuntos internos. Os motivos para isso, afirma-se, vai desde

uma “simpatia ideológica” do governo com o regime de Fidel Castro (BANDEIRA,

1998), no sentido de solidariedade continental com os países subdesenvolvidos do

continente, até uma atitude menos solidária e mais preocupada com os problemas que poderiam surgir a partir das reformas que o próprio presidente João Goulart pretendia

fazer, isto é, que ao defender a autonomia de Cuba o país estava defendendo a sua

 própria (VIZENTINI, 1995). Embora essas sejam respostas muito importantes, nosso

objetivo aqui é entender o que significava essa defesa absoluta de princípios para San

Tiago Dantas e, assim, ampliar o leque de motivos que poderiam ter levado o chanceler

a decidir os votos brasileiros em Punta del Este.

 Nosso ponto de partida é o reconhecimento de que a tomada de posição a

respeito de Cuba foi um processo complexo. Havia condicionamentes internos, ligados

à transição de regime após a renúncia de Jânio Quadros, no qual a aproximação entre os

dois governos planejada pelo ex-presidente deveria ser revista, ou mitigada. Como fica

evidente, nas reuniões preparatórias, para as quais o chanceler brasileiro convocou

assessores e embaixadores do quadro do Itamaraty a fim de discutir a situação,

explicando ao grupo a necessidade de revisar as posições a respeito desse país devido a

 problemas de ordem interna. Nas posições de Jânio Quadros, afirmou, “havia um ligeiro

toque de simpatia ideológica e uma recusa sistemática  –   sendo que, algumas vezes,

evasiva  –   de se pronunciar sobre o caráter democrático do governo Fidel Castro”.83 

83 San Tiago lembrou dois episódios da administração passada que apoiavam sua posição. No primeiro,citou um discurso do ministro Afonso Arinos à Câmara dos Deputados, no qual afirmou “de maneiracategórica, que não considerava que existissem provas de que o regime de Fidel Castro fosse comunista,dando a impressão de que haver, ou não haver provas fosse de grande importância” (FRANCO, 2007, p.

222). No segundo episódio, lembrou que “atitudes como a da condecoração do comandante Guevaramostravam simpatia e nada tinham que ver com a autodeterminação, o que tornava a atitude oficial mais

 polêmica do que a que temos procurado observar” (FRANCO, 2007, p. 222). 

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Portanto, “havia uma pequena diferença entre o que temos procurado fazer e o que

caracteriza a linha Jânio Quadros em relação a Cuba” (FRANCO, 2007, p. 222).  

O chanceler brasileiro afirmou que havia começado a revisão do posicionamento

“pelo reconhecimento sincero de que o regime cubano não era democrático”, já que

“pouco importava saber se era comunista ou socialista”, mas, sim, “classificá -lo como

não democrático, tomado como padrão a Declaração de Santiago.”84 Disso resultaria,

segundo ele, a eliminação do “problema da simpatia ideológica” reafirmando que “o

governo brasileiro não tem simpatia ideológica pelo regime Fidel Castro; ainda que a

 possam ter grupos políticos dentro do governo, o governo só tem simpatia pelo que está

na Constituição ou nos tratados” (FRANCO, 2007, p. 222). Essa mudança, disse ele,

dava novo “vigor” ao princípio de não intervenção e de respeito à autodeterminação dos povos, isto é, eles “adquiriam um caráter mais absoluto”. Dantas concluiu que isso “foi

aceito no Congresso e nas diferentes correntes de Opinião”, o que permitiria, de acordo

com o raciocínio do chanceler, uma maior margem de apoio junto à sociedade brasileira

(FRANCO, 2007, p. 222).

Os condicionantes externos diziam respeito ao relacionamento do país com o

funcionamento da OEA. San Tiago, ao ser informado da convocação da Conferência,

 pela chancelaria colombiana, passou a criticá-la categoricamente. O “Plano Lleras” –  

nome dado em função do Presidente colombiano Alberto Lleras Camargo  –   era visto

 por Dantas como uma forma de reintepretar o “sistema interamericano”. Ele afirmou

que a “convocação (...) vinha, desde logo, marcada pela inovação do Tratado do Rio de

Janeiro e só podia ter duas finalidades”. Na primeira, a convocação pretendia “descobrir

no regime cubano uma agressão potencial e, portanto, enquadrá-lo na violação do artigo

6º” deste tratado85 (FRANCO, 2007, p. 222-223). Na segunda finalidade, a convocação

84 A “Declaração de Santiago”, em termos objetivos, foi o documento assinado ao final  da V Reunião deConsulta dos Ministros das Relações Exteriores da OEA, que realizou-se em Santiago, no Chile, entre osdias 12 e 18 de agosto de 1959. Essa reunião de consulta tratou do “tema da instabilidade política naregião do Caribe e se definiram critérios necessários para a efetividade de um sistema políticodemocrático” (DANTAS, 2009, p. 41). Essa Conferência teve como decisão final, entre outras, a criaçãode um conceito de “democracia” aplicável a todos os países que compunham o “sistema interamericano”.De forma geral, podia-se considerar um regime democrático aquele que tivesse, ao mesmo tempo: oEstado de Direito; Eleições Livres; Alternância no poder; Respeito aos direito individuais e à justiçasocial; e existência do  Habeas Corpus. No julgamento de San Tiago Dantas, Cuba não era umademocracia pois lhe faltavam essas características.85  O caput do art. 6º do Tratado Interamericano de Assistência Recpíprova (TIAR) tem a seguinte

redação: “se a inviolabilidade ou integridade do território ou a soberania ou independência política dequalquer Estado Americano for atingida por uma agressão que não seja um ataque armado, ou por umconflito extra-continental ou por qualquer outro fato ou situação que possa por em perigo a paz da

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 pretendia “caracterizar o regime como comunista e, nesse caso, usar a resolução 93 de

Caracas como uma ampliação ou aditivo ao Tratado do Rio de Janeiro, ou seja, um caso

de agressão presumida”, e, sendo assim, “o simples fato de ser comunista ou filiado ao

comunismo internacional presume a agressividade do regime”. Dessa forma, San Tiago

concluiu que, em ambas as possibilidades, “ocasiona -se a aplicação de sanções”

(FRANCO, 2007, p. 223).

A aplicação de sanções era indesejável como solução ao problema, já que Dantas

 pretendia propor o reingresso de Cuba à democracia  –   nos moldes da Declaração de

Santigo  –   de um modo que não afetasse ou inovasse negativamente o “sistema

interamericano”. Durante as reuniões preparatórias, ele foi enfático nesse sentido. Ao

considerar a situação de Cuba naquele momento, foram apresentadas duas alternativas:na primeira, “o Brasil tem esperança de ver Cuba recuperada à amizade continental, por

meio suasórios”; e, na segunda, “é necessário o retorno de Cuba ao sistema continental

 por meios coercitivos, os únicos eficazes para resolver o caso cubano”. Ele afirmou,

então “que estamos na primeira posição”, ao mesmo tempo em que procurava evitar a

segunda.86 

Ao lado do “Plano Lleras”, o chanceler brasileiro propôs o “Plano Fino”. Esse

 plano consistia, de modo geral, na apresentação de uma proposta de neutralização de

Cuba frente ao continente, de um modo muito próximo ao caso da Finlândia em relação

à URSS. A ideia original foi do Embaixador Vasco Leitão da Cunha, que havia sido o

representante brasileiro nesse país na década de 1950.87 Originalmente, o “Plano Fino”

consistia em dez pontos, entre os quais estavam garantidas as conquistas do processo

revolucionário cubano, um retorno desse país aos valores definidos pela Declaração de

América, o Órgão de Consulta reunir-se-á imediatamente a fim de acordar as medidas que, em caso deagressão, devam ser tomadas em auxílio do agredido, ou, em qualquer caso, convenha tomar para a defesacomum e para a manutenção da paz e da segurança no Continente”. 86 Centro de História e Documentação Diplomática. Cadernos do CHDD. Ano 6, número 11, SegundoSemestre, 2007. p. 392.87 Em depoimento ao Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Contemporânea do Brasil (CPDOC),Vasco Leitão da Cunha relembrou sua passagem pela Finlândia, observando que recebera ordens daSecretaria de Estado para observar “a política escandinava em face da União Soviética”, pois “a Finlândiaficou neutralizada pela Suécia e pela Rússia, e a Suécia ameaçava reformular sua objeção à Otan[Organização do Tratado do Atlântico Norte] se a Rússia atacasse a Finlândia” (CUNHA, 1994, p. 152).Prosseguiu, então, afirmando que “o problema era que a Finlândia fazia parte do sistema defensivo daUnião Soviética. Quando o governo americano propôs ajuda à Europa, a Finlândia quis aceitar a sua partemas os russos vetaram, declararam que não a poupariam. A Suécia então disse que enquanto os russos

respeitassem as dependências da Finlândia, ela não se juntaria à Otan, mas se os russos desrespeitassem,ela reveria a sua posição. De maneira que a Finlândia serve de garantia de que a Suécia não será atacada pela União Soviética. (...) A Finlândia é um Estado-Tampão” (CUNHA, 1994, p. 154-155).

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Santiago, além do isolamento ideológico da revolução e a sua desmilitarização, entre

outros. Durante a negociação, como é natural, ele vai sofrer muitos ajustes, e a proposta

apresentada por San Tiago seria relativamente menos abrangente, como veremos mais

adiante. Em resumo, esse plano estava baseado na possibilidade de compatibilizar, por

meio de sua negociação, a revolução cubana com a democracia, e, por fim, evitar que

qualquer transformação negativa no “sistema interamericano” se perpetuassem pelas

sanções que, por ventura, fossem aprovadas contra esse país.

Esse plano, contudo, inviabilizou-se em decorrência do discurso de filiação

ideológica de Fidel Castro ao marxismo e ao comunismo internacional. Ao afirmar ser o

seu governo de matriz socialista, o líder cubano minou a base na qual assentava o

“Plano Fino” do chanceler brasileiro e de Vasco Leitão da Cunha: era inconcebível, naépoca, a transição da revolução de Cuba em uma democracia ao moldes da Declaração

de Santiago. Portanto, foi necessário reunir novamente os embaixadores para redefinir

as posições sobre a ilha revolucionária.

 Nessa segunda reunião, duas mudanças no posicionamento a respeito de Cuba

foram expostas, além da feita pelo próprio chanceler. A primeira foi a do embaixador

Mário Gibson Barboza,88  que criticou o fato de a chancelaria brasileira estar menos

 preocupada em resolver o problema cubano do que tentar salvar o “sistema

interamericano” de um colapso. Ao propor o foco na solução do primeiro, afirmou que

ele deveria ser interpretado e lidado exclusivamente no âmbito bilateral entre EUA e a

ilha caribenha. Afirmou, ainda, que o Brasil deveria se abster de qualquer protagonismo

em relação ao problema, porque, nos Estados Unidos, “jamais o Departamento de

Estado aceitaria afrontar a opinião pública com a confissão de que tinha sido levado

 pela mão da diplomacia brasileira, mexicana ou argentina”. Ele concluiu que, naquela

ocasião, “era preciso que o Brasil se omitisse completamente de qualquer espécie de

88  Diplomata de carreira, Gibson Barboza nasceu em Olinda, Pernambuco, em 1918, e entrou noItamaraty na primeira metade da década de 1940. Em 1943, fora designado vice-cônsul em Houston,Texas, nos Estados Unidos, país com que manteve um misto de admiração e distância (BARBOZA, 1992,

 p. 17-18; 200). Após o término da Segunda Guerra Mundial, participou das negociações que levaram àconstrução das Nações Unidas e, no final daquela década, foi Oficial-de-Gabinete do então Ministro dasRelações Exteriores, Raúl Fernandes, com o qual manteve relações de amizade (BARBOZA, 1992, p.32). Gibson Barboza estava lotado na delegação brasileira das Nações Unidas quando, em 1961, conheceuDantas, nutrindo por ele admiração (BARBOZA, 1992, p. 62). Sua experiência no foro multilateral era

muito valorizada pelo chanceler, e Barboza relatou que ele o chamava de “minha campainha de alarme”,devido aos constantes alertas que este lhe dava, consequências de uma discordância em termos de

 pensamento diplomático (BARBOZA, 1992, p. 75).

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 publicidade” e fizesse crer que a ideia tinha sido “generosidade dos Estados Unidos”

(FRANCO, 2007, p. 233-234).

A segunda mudança foi exposta pelo embaixador Araújo Castro89  e era uma

crítca ainda mais forte do que a feita por Mário Gibson. Esse embaixador afirmou

categoricamente que o problema da Conferência não apresentava solução alguma, tanto

no âmbito hemisférico, na tentativa de salvar o “sistema interamericano”, quanto na

dimensão cubana. Declarou, ainda, que o governo brasileiro não deveria assumir “a

responsabilidade total pela solução do problema cubano, nem pelo futuro do sistema

interamericano”, porque o próprio “sistema interamericano” lhe parecia “perdido”, que

a situação ia “se resolver mal para o pan-americanismo” (FRANCO, 2007, p. 236).

Araújo Castro acreditava ser infrutífera a tentativa de San Tiago de salvar este sistema, pois ele já estava “liquidado” (FRANCO, 2007, p. 237). A proposta desse embaixador,

 portanto, era a manutenção absoluta de uma posição contrária à sanções, reafirmando os

 princípios da autodeterminação e da não intervenção e, ao final da Conferência, votar

contrariamente a elas.

Argumentava, também, que a chancelaria deveria apenas se preocupar com os

efeitos da negociação na situação política interna do país. A questão da “opinião

 pública”, para Araújo Castro, era a mais importante, porque “o assunto está se

extremando e, em janeiro, o tema cubano será o grande tópico da política brasileira”. A

“opinião pública”, que Araújo Castro estava falando, eram as discussões que ocorriam

no Parlamento e na imprensa do país. Sugeriu, por fim, que eles deveriam “c olocar o

 problema cubano dentro do panorama diplomático brasileiro, de maneira a justificar

nossa posição” em relação a outras decisões já tomadas (FRANCO, 2007, p. 236).

Acrescentou, como medida estratégica, que o governo poderia discursar procurando “conceituar o sentido da independência da diplomacia do Brasil à guisa de

 princípios gerais de ação”, ou, ainda, que eles poderiam “aproveitar um pouco a questão

89 Igualmente diplomata de carreira, João Augusto de Araújo Castro era carioca e formado em direito pelaFaculdade de Niterói em 1940. Havia ingressado no corpo diplomático conjuntamente com Mário GibsonBarboza. Até aquele momento, tinha sido Vice-Cônsul em San Juan de Porto Rico e Nova Iorque, alémde ter participado na Conferência para a criação da Organização Mundial da Saúde e sido, também,membro da delegação do Brasil na ONU entre 1949-1953. Após, serviu em Roma até 1957 e em Tóquioaté 1961, quando voltou ao Brasil e foi promovido a embaixador. Depois do retorno do Presidencialismo,em 1963, Araújo Castro seria promovido a Ministro das Relações Exteriores, contribuindo para a

construção da Política Externa Independente do período, em conjunto com Afonso Arinos e o próprio SanTiago. Uma excelente análise de seu pensamento diplomático foi publicada recentemente e discute commais detalhes suas ideias e conceitos políticos fundamentais (VARGAS, 2013).

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colonial, de modo a mostrar que a diplomacia brasileira está independente de todos os

lados”. Pretendia, com isso, evitar o “excesso de gestões [diplomáticas] de nossa parte”

ao tentar-se mediar uma solução para um problema que não via fim (FRANCO, 2007, p.

239). Acreditava que deveriam “conciliar e ajustar a posição” para evitar “ataques dos

dois lados”, pois, “um ataque dirigido pelo Departamento de Estado contra o Brasil terá

efeitos internos muito grandes” (FRANCO, 2007, p. 238).  

Fica claro que, no ambiente no qual San Tiago estava, a tomada de posição a

respeito de Cuba colocava questões que iam além da simples simpatia com o governo

de Fidel Castro ou com a defesa de seus próprios interesses a partir do que se decidisse

em Punta del Este. Os dilemas estavam em se o governo brasileiro deveria seguir ou não

uma linha que priorizava a solução do problema cubano  –  como sugeria o embaixadorGibson –  ou se, de outro modo, priorizava-se salvar o “sistema interamericano”, mesmo

que isso significasse abster-se a respeito do próprio problema de Cuba –  como o próprio

chanceler havia sugerido com o “Plano Fino”. Ainda havia uma terceira opção, que era

abandonar completamente o âmbito internacional e priorizar a estabilidade política

interna por meio de um discurso não comprometedor  –   como sugerido por Araújo

Castro.

Dantas, ao decidir qual seria a estratégia brasileira, procurou unir as três

 posições ao mesmo tempo, nos limites do que poderia ser compatibilizado. Tentou

intermediar uma aproximação entre Cuba e os EUA sem muito alarde, como tinha

sugerido o embaixador Gibson; ao mesmo tempo em que deu bastante ênfase à defesa

absoluta dos princípios da autodeterminação dos povos e não intervenção em assuntos

internos para estabilizar o debate na “opinião pública” nacional, como disse Araújo

Castro; e, por fim, apresentou o “Plano Fino” e buscou evitar a aprovação de qualquer

iniciativa que viesse a inovar negativamente o “sistema interamericano”, nos termos do

seu conceito de “Luta pelo direito”. 

Os dilemas em Punta del Este, 1962

Quando Dantas pôs-se a caminho de Punta del Este, cuja Conferência iniciariano dia 22 de janeiro de 1962, ele tinha em mãos as instruções confidenciais do Conselho

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de Ministros para delegação brasileira. Nesse documento estavam, de forma resumida e

definitiva, as questões discutidas com seus embaixadores: “a delegação brasileira (...) 

orientará a sua participação nos trabalhos e o seu voto de forma a preservar, da maneira

mais eficaz, a paz no hemisfério”, isto é, “evitar que o problema cubano se agrave, em

seus aspectos internacionais, convertendo-se em motivo de agitação junto à opinião

 pública dos demais Estados” (FRANCO, 2007, p. 272). 

O Conselho de Ministros estava preocupado com a possível crise no “sistema

interamericano” no modo como o chanceler brasileiro havia proposto. O documento

restringia, portanto, a delegação brasileira, que ficava proibida de votar “em favor de

medidas que importem na violação dos princípios de não-intervenção, inclusive sanções

militares, econômicas ou diplomáticas”, pois elas poderiam “enfraquecer o sistemaregional interamericano”. Outra exigência trazida pelas instruções confidenciais era de

que a delegação brasileira procuraria aprovar uma “resolução, cuja apresentação pode

caber a outros países, em que se reconheça a incompatibilidade das declarações e

atitudes do governo de Cuba com os princípios e objetivos do sistema interamericano”

(FRNCO, 2007, p. 272). Essas exigências, por si mesmo, já davam o sentido dos votos

nas futuras resoluções: proibia o Brasil de votar favoravelmente na sexta resolução que

expulsava o governo de Cuba da OEA; e exigia o voto positivo na resolução quedeclarava a incompatibilidade do comunismo internacional com os valores

interamericanos.

Ao chegar em Punta del Este, San Tiago percebeu um problema muito grave

 para pôr em prática sua estratégia de negociação. A agenda da Conferência previa o

início imediato dos trabalhos, com a exposição de discursos dos representantes de cada

 país e a votação da Ata Final. Assim, acreditava, não haveria tempo hábil para fazer

uma negociação sobre o tema da neutralização de Cuba. Após a eleição que definiu acomposição das comissões,90  o chanceler brasileiro sugeriu, com aprovação unânime

das demais chancelarias, um “período de flexibilidade” para consultas entre as

delegações, a fim de que aquelas que não haviam ainda se definido pudessem ser

90 A delegação brasileira foi eleita conjuntamente com as delegações do Haiti, da Colômbia e dos EstadosUnidos para a comissão de estilo, a qual faria a redação preliminar da Ata Final (MRE, 1962, p. 221).

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 persuadidas pelas outras. Era o primeiro passo, acreditava o chanceler, para negociar a

 proposta de “finlandização” de Cuba.91 

A negociação iniciou com uma entrevista sua aos jornalistas presentes no Hotel

San Rafael (local dos acordos), divulgando a proposta brasileira de “neutralizar” Cuba

 para resolver a grave crise hemisférica. Ele deu uma declaração ao Jornal O Globo, em

Punta del Este, a respeito de seu projeto e do que ele significava para o “sistema

interamericano”, afirmando que 

O desejo primordial do Brasil é ver que qualquer decisão a ser tomada emPunta del Este represente a unidade de opinião dos Governos Americanos.Entende o chanceler que uma decisão por maioria de votos, emboraalcançado o ‘quorum’  dos dois terços exigidos pela Carta da Organização dosEstados Americanos, seria danosa ao sistema interamericano. Pois em todas

as ocasiões em que estiveram reunidos os chanceleres americanos, asdecisões foram unânimes. E receia o Sr. San Tiago Dantas que se aquele‘quorum’  mínimo, que equivale a 14 votos dos países-membros da OEA, nãofor alcançado, criando-se um impasse, então, haverá um dano maior ao pan-americanismo, pelas péssimas repercussões que haveria entre os governos e aopinião pública dos países extracontinentais, além de construir gravedesprestígio para o Ocidente, na sua luta ideológica contra o comunismo.92 

Dessa forma, o chanceler propunha ser o seu projeto “o único que pode oferecer

uma solução prática para o caso cubano”, 93 e acreditava poder chegar por meio dele à

unidade dentr o do “sistema interamericano”, unidade cuja falta poderia agravar a crise e

enfraquecer o continente dentro da dinâmica de competição da Guerra Fria.

Contudo, essa possibilidade de alcançar a unidade de votos estava longe de ser

construída pelas delegações. Durante a Conferência, elas iriam se agrupar em torno de

duas propostas e, a partir dessas, transitar de um grupo para o outro conforme

 percebessem, de alguma forma, uma mudança nas suas estratégias de negociação.94 De

um lado, havia 13 delegações que buscavam uma solução prescrevendo sanções a Cuba,

lideradas pelos Estados Unidos e pela Colômbia, e seguidas pela Guatemala, San

91 Ministério das Relações Exteriores. O Brasil em Punta del Este, Rio de Janeiro: Seção de Publicações,1962. p. 220-221; 225.92 Ministério das Relações Exteriores. O Brasil em Punta del Este, Rio de Janeiro: Seção de Publicações,1962. p. 224-225.93 Ministério das Relações Exteriores. O Brasil em Punta del Este, Rio de Janeiro: Seção de Publicações,1962. p. 223.94 O Haiti foi o exemplo dessa mudança de posição. Durante a negociação, ele saiu do grupo dos treze

 para ingressar temporariamente no dos seis, transformando-o em dos sete. Sua saída, no entanto, nãoapresentava, de fato, uma ruptura com o grupo liberado pelos EUA e Colômbia, já que a delegação

haitiana tinha anunciado essa posição devido à falta de vantagens financeiras recebidas pelos EUA, e nãodiscordância quando aos argumentos principais (“San Tiago contrário à intervenção”,  Jornal do Brasil ,23 de janeiro de 1962. p. 3).

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Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Haiti, República Dominicana, Panamá,

Peru, Paraguai e Venezuela. De outro lado, um grupo de seis delegações que defendia

uma alternativa sem a aplicação de sanções, no qual se encontravam Brasil, Argentina,

Bolívia, Chile, Equador e México.95 Em termos gerais, estavam dispostos dois planos de

negociação: o “Plano Lleras” e o “Plano Fino”. 

O ponto central de divergência a respeito da votação entre o grupo dos 13 e o

grupo dos sete ficou evidente em uma declaração do chanceler colombiano96 e em outra

do secretário de Estado norte-americano,97 os quais defendiam a aplicação de sanções

contra Cuba mesmo se aprovadas por maioria, dentro das regras de organização da

OEA. Ao contrário de San Tiago, que advogava a necessidade de aprovação unânime na

resolução, o grupo dos 13 pretendia romper essa tradição da organização.

Para evitar que isso ocorresse e o “Sistema interamericano” entrasse em crise

 permanente, Dantas participou de um almoço-reunião com o Secretário de Estado norte-

americano Dean Rusk, conjuntamente com o chanceler argentino Miguel Ángel

Cárcano e o chanceler mexicano Manuel Tello na casa do presidente uruguaio Eduardo

Victor Haedo.98  Nessa ocasião, San Tiago apresentou a proposta de “neutralização” de

Cuba, a qual foi respondida em tom negativo pelos norte-americanos.99  À noite, o

chanceler brasileiro dirigiu-se a uma reunião com o representante diplomático cubano

Oswaldo Dorticós, na qual apresentou, igualmente, a proposta, e recebeu sua resposta

 positiva, embora este último questionasse a viabilidade e aceitação pelos EUA.100 

Portanto, a neutralização de Cuba tornava-se inviável já nos primeiros dias e a reunião

de consulta parecia dirigir-se à crise institucional, na visão de San Tiago, na medida em

que o grupo dos 13 não conseguia alcançar os 14 votos necessários para aprovar sanções

contra Cuba e o grupo dos seis (mais o Haiti) não conseguia reunir forças para articular

96 “Alterações nas propostas da Colômbia deram-lhe mais energia, diz Caicedo” Jornal do Brasil, 22 de janeiro de 1962. p. 7.97 “Rusk prega necessidade de eliminação de Cuba do sistema interamericano”,  Jornal do Brasil , 23 deJaneiro de 1962. p. 3.98 A chancelaria uruguaia, promotora do encontro, não havia, ainda, definido sua posição em relação àConferência, não integrando nenhum dos grupos. O chanceler brasileiro já havia conversado com oresponsável pelas negociações da delegação uruguaia, Benito Nardone, no início da Conferência, quandoa proposta havia sido feita.99

 “San Tiago contrário à intervenção”, Jornal do Brasil , 23 de janeiro de 1962. p. 3.100 Ministério das Relações Exteriores. O Brasil em Punta del Este, Rio de Janeiro: Seção de Publicações,1962. p. 230.

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um consenso em torno de uma proposta que resguardasse os princípios da não-

intervenção e autodeterminação dos povos.

Os dias que seguiram foram de impasse nas negociações até a votação. Mário

Gibson Barboza, em suas memórias, lembrou que a divisão entre os dois grupos provocava, nas reuniões, “silêncios durante intermináveis minutos: ninguém falava,

alguns rabiscavam papéis que circulavam em silêncio, sem qualquer comentário”

(BARBOZA, 1992, p. 75). Isso tornava, portanto, os discursos na Comissão Geral as

 principais manifestações no processo de negociação da delegação brasileira, momento

em que Dantas reafirmava as suas posições em relação à grave crise do “Sistema

interamericano”, ao mesmo tempo em que condenava a aplicação de sanções.

Paralelamente à fala do representante brasileiro, circulou uma declaração

conjunta do grupo dos seis (mais o Haiti) condenando sanções contra Cuba. A

argumentação do memorandum era a exposta anteriormente pelos chanceleres brasileiro,

argentino e mexicano, com base nos princípios da não-intervenção e autodeterminação

dos povos e a necessidade de assegurar a integridade do funcionamento do “sistema

interamericano”. Desse modo, o secretário de Estado norte-americano, Dean Rusk, ao

discursar, no dia 25 de janeiro, o fez em um teor moderado, não exigindo sanções contra

a ilha caribenha, mas, sim, que o problema fosse resolvido no sentido de excluir o

governo de Fidel Castro de participação nos órgãos interamericanos.101 San Tiago, após

o discurso de Rusk, emitiu nota comentando-o de forma positiva, já que

Entre as medidas a serem tomadas em relação a Cuba (...) não estãomencionadas (...) as sanções previstas no Tratado do Rio de Janeiro e outros,que o Brasil tem considerado (...) inadequados e que certas correntes poucoesclarecidas da opinião pública, não só do Brasil, mas de outros paísesamericanos tem sustentado impensadamente.102 

Por fim, concluiu que “os Estados Unidos estão procurando, como o discursoevidencia, fixar objetivos mais flexíveis, bastante próximos, embora ainda não

integralmente coincidentes com o memorandum”.103 

101 Ministério das Relações Exteriores. O Brasil em Punta del Este, Rio de Janeiro: Seção de Publicações,1962. p. 238.102 Ministério das Relações Exteriores. O Brasil em Punta del Este, Rio de Janeiro: Seção de Publicações,

1962. p. 241.103 Ministério das Relações Exteriores. O Brasil em Punta del Este, Rio de Janeiro: Seção de Publicações,1962. p. 241.

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Assim, Dean Rusk sinalizava que, com uma proposta menos radical, poderia

conseguir os 14 votos necessários para aprovar algum texto contrário a Cuba. Os

debates na Comissão Geral estenderam-se por mais um dia e, após o final de semana

sem trabalhos, foram aprovadas nove resoluções, entre as quais apenas uma não

conseguiu ser aceita unanimemente: a própria resolução que excluía o governo de Cuba

da OEA enquanto durasse a orientação marxista-leninista de Fidel Castro. Ela foi votada

 positivamente pelos 13 países originais do grupo liderado pelos Estados Unidos e

Colômbia (o Haiti, mediante promessa de auxílio financeiro, havia voltado a participar

do grupo dos 13) e o Uruguai, o qual se tornou o 14º Estado-membro a se posicionar

contrariamente a Cuba. Quanto ao grupo dos seis, abstiveram-se, optando por não votar

contrariamente.

Qual o sentido dessa abstenção, especialmente a brasileira? Segundo o que

Dantas tinha afirmado constantemente durante a negociação, a divisão dos países

americanos dentro da OEA poderia aprofundar a crise no sistema, enfraquecendo-o em

relação ao conflito da Guerra Fria. Portanto, ao abster-se de votar, o chanceler brasileiro

 pretendia não agravar a crise no “sistema interamericano” por meio de seus votos

negativos. Era uma repetição da estratégia já utilizada quando a Conferência fora

convocada, tendo ele se abstido naquela ocasião com esse propósito.

104

 E quanto aosvotos positivos? O modo mais efetivo de compreendê-la é considerar, em primeiro

lugar, a concordância da delegação brasileira com o seu teor geral, como mostrado pelas

instruções confidenciais do Conselho de Ministros. Em segundo lugar, deve-se levar em

conta a estratégia de “Luta pelo direito”, especialmente na primeira resolução.

A primeira resolução da Ata Final, aprovada por unanimidade, condenava a

“ofensiva do comunismo na América” e declarava a sua incompatibilidade com o

“sistema interamericano”. Do ponto de vista de San Tiago Dantas –  que tinha sido umdos propositores dessa resolução105  –   ela era importante porque reconhecia várias

afirmações que ele defendera durante as negociações. Uma delas era a condenação da

atuação soviética na América, por ser uma forma de “imperialismo”: “agitando -se o

lema do ‘anti-imperialismo’, [o comunismo] pretende-se um imperialismo agressivo e

opressor, o qual subordina as nações submetidas aos interesses militaristas e agressivos

104 Centro de História e Documentação Diplomática. Cadernos do CHDD. Ano 6, número 11, Segundo

Semestre, 2007.105 Ministério das Relações Exteriores. O Brasil em Punta del Este, Rio de Janeiro: Seção de Publicações,1962. p. 261.

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 política hemisférica; ou abster-se de votar, o que não gerava um rompimento total entre

eles, ao mesmo tempo em que expressava seu descontentamento com a solução, além de

retirar, em parte, a sua legitimidade dentro do sistema, por não ser unânime. Optou por

abster-se. Por fim, aprovou as demais resoluções, fazendo pequenas modificações em

seu conteúdo, tornando a luta contra o “comunismo” como uma luta contra o

“imperialismo”, adequada ao quadro geral de posições já tomadas pela política externa

independente.

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CAPÍTULO I V

Brasil e a Questão Cubana: a Politica Externa Independente na visão

da grande imprensa

 Luis Carlos dos Passos Martins 109  Arthur Schreiber Azevedo

110 

Uma introdução

 No presente capítulo, iremos abordar a forma como dois dos principais jornais

da grande imprensa nacional nos anos de 1960, o  Jornal do Brasil   e o  Estado de S. Paulo, posicionaram-se frente à participação brasileira na Conferência de Punta del

Este, no Uruguai, ocorrida em janeiro de 1962. 111 

Este tema já se justifica pela própria importância da Conferência, que discutiu a

 permanência de Cuba no “sistema americano” e, principalmente, na Organização dos

Estados Americanos, depois que o líder revolucionário da ilha caribenha, Fidel Castro,

optou por encaminhar o regime cubano em direção ao socialismo e à influência de

Moscou. Além disso, a historiografia interpreta a participação brasileira nesse episódiocomo um momento de inflexão da política externa nacional, no qual o país teria passado

de um tradicional alinhamento com as posições norte-americanas para uma Política

Externa Independente (PEI), pela qual procuraria pautar a sua inserção internacional não

 por bandeiras ideológicas, mas pela ampliação dos parceiros a fim de obter maiores

vantagens econômicas e políticas.

A escolha da investigação a partir dos grandes jornais tem, porém, suas próprias

motivações. Estudos sobre a forma como a imprensa nacional abordou as principais

questões de política externa brasileira ao longo da História são ainda raros. A

 bibliografia especializada privilegia a análise dessa questão nos círculos político-

diplomático, normalmente com um enquadramento macro-histórico, procurando

109 Pós-doutor em História pela PUCRS e professor do Curso de Graduação em História e do PPG emHistória da mesma instituição.110 Especialista em Política Internacional pelo PPG em Sociologia da PUCRS e mestre em História peloPPG de História da mesma instituição.111

 Esse capítulo é a apresentação de resultados parciais de uma pesquisa maior que está investigando aforma como a Política Externa Brasileira foi abordada pela grande imprensa nacional no período do pós-guerra (1945-1964).

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relacionar as tomadas de decisões na condução dos negócios externos com a dinâmica

econômica, social e política do país. Não se trata, é claro, de criticar essas formas de

abordagem, todas elas pertinentes para a compreensão do tema aqui em análise, mas de

apontar um aspecto que ainda tem sido pouco explorado.

O estudo dos posicionamentos da grande imprensa a respeito da política externa

 brasileira tem diferentes pontos de interesse. Em primeiro lugar, em virtude da própria

necessidade de os formulares e executores dessa política buscarem respaldo interno para

as suas ações no plano externo.112 Embora tais ações sejam voltadas para a relação do

 país com os demais, ela também visa e mesmo não pode desconsiderar a repercussão

 junto às diversas instâncias sociais no interior de uma nação. O que se torna ainda mais

imperioso em se tratando dos anos de 1960, quando a Guerra Fria dividia o mundo emdois blocos opostos e pautava as tomadas de posição dos partidos e outros grupos

 políticos.

Se aceitarmos isso –  e esse é o segundo ponto que gostaríamos de considerar – , a

análise dos meios de comunicação se torna fundamental, na medida em que a mídia 

constitui um espaço privilegiado tanto para a busca de legitimação das políticas públicas

frente ao corpo social, quanto para a compreensão da repercussão e das leituras que

estas políticas podem receber para além do universo diplomático. Mesmo que os

 posicionamentos dos meios de comunicação não possam ser generalizados para toda a

coletividade e muito menos serem tomados como expressão da “opinião pública”, sua

análise oferece bons indicativos acerca das informações, interpretações e ideias que

foram difundidas para o “grande público” 113 ou mesmo circularam pelo corpo social

(ROSANVALLON, 2010).

 Nesse sentido, ao focarmos a pesquisa na forma como conceitos e ações em

 política externa foram apropriados e difundidos pela grande imprensa, a investigação

redireciona o olhar inquiridor do círculo onde essas ações e conceitos são formulados e

executados para um espaço no qual eles são discutidos, avaliados e recebem um poder

112 Ver exemplo no Capítulo III, com a posição de Araújo Castro sobre a estratégia brasileira em Puntadel Este.113 No sentido em que Gabriel TARDE (1992) definiu esse termo, ou seja, de um público que só pode serreunido através dos meios de comunicação de massa. Segundo o autor, a democracia de massa só foi

 possível na medida em que surgiu a imprensa comercial, capaz de reunir em um “grande público”indivíduos que estão fisicamente separados, geografia e socialmente: “O sufrágio universal e a

onipotência das maiorias parlamentares só foram possíveis pela ação prolongada e acumulada daimprensa, condição  sine qua non  de uma grande democracia niveladora; não digo de uma pequenademocracia limitada às muralhas de uma cidade grega ou a um cantão suíço” (TARDE, 1992, p. 91).

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Devemos, porém, evitar o risco  –   tão comum e tentador  –   de pensar essa

 possibilidade de delimitação da problemática legítima como sendo apenas fruto da ação

deliberada daqueles que controlam os meios de comunicação. É necessário também se

 precaver da tendência, como tradicionalmente faz a análise da mídia  no Brasil, de

colocar a imprensa somente como porta-voz de discursos externos à sua área de

 produção, cuja finalidade seria apenas “manipular” conscientemente a “realidade” a fim

de defender interesses políticos e econômicos.116  Embora essa forma de análise não

deva ser descartada, limitar-se a esse aspecto seria muito redutor na avaliação do

fenômeno comunicacional. Como bem ressalta BOURDIEU, os meios de comunicação

devem ser considerados como um campo de produção simbólica que, mesmo

dependente das pressões externas, possui a sua lógica específica de funcionamento e as

suas formas próprias de selecionar e representar a realidade, nas quais também

interferem, além dos interesses exteriores, categorias sociais e profissionais de

compreensão do mundo, que normalmente não agem de maneira consciente e

deliberada.

Mais do que isso, como ressalta Lavina RIBEIRO (2004), as tomadas de posição

dos jornais constituem a principal formar a partir da qual o jornalismo impresso constrói

simbolicamente a sua inserção no “espaço público” como capaz de criar significados para os seus leitores e, assim, construir-se como um interlocutor legítimo nesse espaço.

Dessa forma, considerar a mídia como mero instrumento de defesa de outros “poderes

sociais” é, no mínimo, empobrecer o seu papel efetivo no debate nas sociedades

contemporâneas.

Por fim, os argumentos precedentes nos levam à outra questão: a necessidade de

considerar o estudo da imprensa em si mesmo, ou seja, como objeto específico de

análise. Avaliar a forma como os grandes jornais historicamente abordaram a políticaexterna brasileira constitui um excelente tópico para compreender o seu posicionamento

 político-ideológico, tema bastante controverso e ainda muito negligenciado pela

historiografia dedicada ao estudo dos meios de comunicação no país. Pois permite

entender como essa imprensa tentou construir a sua posição no debate público avaliando

a inserção internacional do país e, assim, procurou legitimar-se frente aos seus leitores

como um intérprete do mundo e da imersão do Brasil no mesmo.

116 Quanto a isso, ver as posições de SODRÉ (1983) e CAPELATO (1980), a qual define a imprensacomo “instrumento de manipulação de interesses”. 

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A escolha dos periódicos O Estado de S. Paulo  e o  Jornal do Brasil   decorreu

especialmente do fato de eles estarem entre os mais importantes órgãos da grande

imprensa brasileira nos anos 60. O Estadão, jornal paulista bastante tradicional, com

quase 80 anos de existência nesse período, era o principal expoente da mídia  de São

Paulo. Enquanto que o  JB, impresso carioca com 70 anos de existência, encontrava-se

entre os jornais mais influentes do Rio de Janeiro, ocupando um lugar de vanguarda na

modernização do jornalismo brasileiro naquela conjuntura. Embora não se pretenda

tomar esses dois jornais como representantes de toda a imprensa nacional, pelo exposto,

não é difícil de aceitar que ambos fornecerão, no atual estágio da pesquisa, bons

indicativos sobre as percepções possíveis da participação brasileira em Punta del Este e

da Política Externa Independente que circularam na imprensa no período 117.

A Conferênci a em seu contexto

Para compreendemos melhor o significado da participação brasileira na

Conferência de Punta del Leste devemos, inicialmente, esclarecer melhor o que se

entende por Política Externa Independente (PEI). Esta foi uma estratégia gestada nas

 presidências de Jânio Quadros e de João Goulart, com a participação de seus respectivos

ministros das relações exteriores  –  Afonso Arinos, San Tiago Dantas e Araújo Castro  –  

entre os anos de 1961 e 1964. Por meio dela, procurava-se dar um sentido comum e

certa continuidade às ações desses governos em política externa, as quais, embora não

fossem completamente coerentes entre si, guardavam características similares, como a

 busca pela universalização das relações internacionais do Brasil, a defesa da

descolonização, da autodeterminação dos povos e da não intervenção em assuntosinternos. Essas ideias surgiam em um momento no qual se discutia com intensidade a

coexistência pacífica entre os Estados Unidos e a União Soviética, bem como emergia a

influência do chamado “Terceiro Mundo” –   conceito surgido nesse período -, contido

no Movimento dos Não Alinhados (ARCHER, 1985; CERVO, 2008; CRUZ, 1989).

 No plano econômico, a “independência” se caracterizava pela expansão da

inserção brasileira sobre os mercados consumidores da África, da Ásia e do Leste

117 Sobre esses jornais, um histórico mais detalhado será oferecido no capítulo seguinte.

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Europeu, em uma tentativa de diversificar as exportações nacionais e impulsionar o

 projeto de desenvolvimento, independentemente de afinidades ideológicas com seus

sistemas de governo das nações parceiras. No plano interno, ela se contrapôs à

“Operação Pan-Americana” de Juscelino Kubitschek, que privilegiava o relacionamento

com os EUA e o hemisfério, não somente em questões econômicas, mas também

 politicamente. Portanto, a PEI foi formada, aos poucos, em um período de intensa

crítica sobre a inserção internacional do Brasil e de busca por estratégias não

ideológicas para a formação de parcerias externas (CRUZ, 1989).

A Conferência de Punta del Este, ocorrida no litoral uruguaio em janeiro de

1962, foi negociada dentro desse contexto geral da PEI, no momento em que se tentava

dar os primeiros sentidos para essa estratégia. De modo objetivo, ela reuniu os paísesque compunham a Organização dos Estados Americanos (OEA) para decidir as

repercussões políticas e jurídicas da Revolução Cubana dentro dessa instituição

intergovernamental. O desenrolar dessa questão expôs uma divergência fundamental

entre os participantes. De um lado, havia aqueles que defendiam a aplicação de sanções

econômicas, diplomáticas e militares contra o regime de Fidel Castro, com base em uma

interpretação do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), no qual a

simples existência de um governo comunista, socialista ou ligado à União Soviéticaconsistia em uma ameaça presumida de agressão ao sistema interamericano e deveria,

 portanto, ser eliminado. Essa posição era sustentada pelo chamado grupo dos 13,

composto por Estados Unidos, Colômbia, Guatemala, San Salvador, Honduras,

 Nicarágua, Costa Rica, Haiti, República Dominicana, Panamá, Peru, Paraguai e

Venezuela. O Haiti, embora tenha saído temporariamente do grupo, retornou a ele ao

final, mediante a promessa de investimentos e recursos norte-americanos.

Do outro lado, estavam os países que se contrapunham à aplicação de sanções dequalquer natureza contra Cuba, argumentando que o sistema interamericano garantia a

autodeterminação para seus membros, além de não prescrever qualquer forma de

intervenção em seus assuntos internos. A escolha de um regime de governo, afirmavam,

era um tema particular a ser decidido pelo povo de cada país e não coletivamente pela

OEA. Faziam parte desse grupo, chamado de grupo dos seis (com a participação

temporária do Haiti), Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Equador e México.

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A delegação brasileira, chefiada pelo Ministro das Relações Exteriores San

Tiago Dantas, defendia esses dois princípios e, subsidiariamente, a aprovação de um

 plano de neutralização para Cuba, ao estilo do acordado em relação à Finlândia. Em

ambos os casos, o EUA e a União Soviética deveriam se abster de interferir política e

militarmente no país em troca da estabilidade na região. O plano brasileiro, no entanto,

não foi aceito pelos norte-americanos. Outra singularidade era que o chanceler Dantas

não aprovava as aplicações de sanções porque elas poderiam modificar o funcionamento

da OEA de modo a prejudicar, futuramente, a independência e a autonomia da política

externa brasileira, e afetar, consequentemente, o projeto de desenvolvimento nacional

 pensado pelo governo (FRANCHINI NETO, 2004).

Durante a negociação, todavia, algumas posições acabaram convergindo entre os participantes, especialmente os indecisos, como o próprio Uruguai. Segundo as regras

da OEA, para aplicar qualquer forma de sanção em uma Reunião de Consulta de

Ministros das Relações Exteriores, era necessário o voto da maioria absoluta (dois

terços dos participantes), mais especificamente 14 votos. Como o grupo dos 13

necessitava apenas de mais um voto, o Secretário de Estado norte-americano, Dean

Rusk, sinalizou uma resolução intermediária, excluindo o governo  –   e não o Estado

cubano  –   da OEA. Essa resolução teve o voto positivo do número mínimo de participantes, incluindo-se o país sede da Conferência junto ao grupo dos 13. As demais

nações abstiveram-se de votar essa resolução, não causando nenhum constrangimento

maior ao funcionamento da organização. Foi a primeira vez que uma resolução em suas

conferências não foi tomada por unanimidade (MONIZ BANDEIRA, 1998).

Com esse resultado, qual importância de Punta del Este para a PEI? A

historiografia responde a essa pergunta por meio do que chama de uma negação ao

“alinhamento automático” com os Estados Unidos ocorrido durante a Conferência.

 Nesse alinhamento, os interesses nacionais do Brasil eram identificados pelos

formuladores de política externa como idênticos aos interesses nacionais dos norte-

americanos, e o resultado era uma aliança privilegiada com a maior potência do

continente e do mundo (RICUPERO, 2006, p. 27), naquilo que ficou conhecido como

“pan-americanismo”, ou seja, uma aliança continental entre todos os países que

compunham a OEA. Em Punta del Este, entretanto, observa-se uma passagem da

 prioridade “pan-americana” para uma prioridade “latino-americana”, na qual as relaçõesinternacionais do país iriam priorizar o relacionamento com os vizinhos

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subdesenvolvidos do continente, bilateralmente ou com novas instituições

internacionais que estavam sendo criadas, como a Associação Latino Americana de

Livre Comércio (ALALC) (CERVO, 2008, p. 75-76).

Outra questão advinda dessa característica de desalinhamento com os EUAocorrido na PEI era a mudança, igualmente importante, de uma prioridade “regional” da

 política externa, na qual a OEA apresentava-se fundamental, para uma prioridade

“universal”, na qual o relacionamento preferencial do Brasil se diversificava, no seio da

Organização das Nações Unidas (ONU) e por meio de relacionamentos bilaterais. Nesta

 perspectiva, o governo brasileiro abria espaços globais em suas estratégias de inserção

internacional, vinculando-se com países de outros continentes e de outras matrizes

“ideológicas”, com a mesma ênfase de prioridade que dava para o relacionamento comos do continente (VIZENTINI, 2003).

Parte da historiografia interpreta essa nova estratégia de inserção internacional

como sendo resultado de uma inovação na perspectiva sobre o “interesse nacional”,

determinado, agora, a partir de prioridades políticas internas, consequências diretas da

urbanização e da industrialização, as quais geraram novos atores e novas demandas

sociais (CERVO, 2008, p. 74). Decorreria daí a razão pela qual o Estado brasileiro passa

a defender os princípios de não-intervenção em assuntos internos e da autodeterminação

dos povos, isto é, os conceitos de liberdade e soberania política durante a Conferência

de Punta del Este.

Punta del Este em pauta: os jornai s e a Conferência

Analisando os dois jornais pesquisados, é indiscutível o grau de importância que

a Conferência de Punta Del Este recebe nesses periódicos. Afora as reportagens e

notícias, o encontro de Chanceleres é abordado pelos impressos em seus editoriais

 praticamente em todos os dias avaliados. Além disso, é perceptível que ambos os

 periódicos deram ênfase semelhante ao tema, não sendo possível afirmar que o assunto

receba maior destaque em um do que em outro.

Essa constatação, porém, não deve surpreender, na medida em que, como vimos,discutia-se em Punta del Este não só como lidar com Cuba pós-revolucionária, mas

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também com as consequências que a sua opção pelo socialismo poderia trazer para a

segurança hemisférica e o “concerto americano”.

Igualmente não surpreende que ambos os periódicos apresentem uma visão

 pouco positiva sobre a situação cubana. Embora possamos encontrar elogios a respeitoda Revolução, ocorrida em 1959, os rumos assumidos pelo governo revolucionário,

liderado por Fidel Castro, em direção ao socialismo e ao alinhamento com o Bloco

Soviético, desagradaram sobremaneira os jornais. O que mais preocupa, porém, os

impressos não é a opção político-ideológica da ilha caribenha  –  embora, isso não conte

com o seu apoio. O foco das suas restrições está nos efeitos que esta opção poderia

trazer para a América, servindo como uma provável porta de entrada para o socialismo e

os “interesses de Moscou” no continente. Como deixa bem claro OESP :

O ano de 1959 começou também sob a égide de Cuba e da mensagem deesperança que trouxeram ao seu povo, e a todos os outros povos da AméricaLatina, os lutadores de Sierra Maestra ao entrarem triunfantes em Havana.Desde então a esperança que Fidel Castro suscitou foi progressivamentesubstituída pelas perspectivas sombrias que se abriram para a América Latina

 pelo fato de a bela filha tropical das Antilhas separando-se espiritualmente detudo que as Américas significam, ter-se transformado numa base logística da

 penetração comuno-soviética neste Continente.118 

Dessa maneira, seria de se esperar que ambos os periódicos apresentem grandes

expectativas sobre a realização da Conferência e dos resultados que ela poderia

conseguir. Entretanto, quando analisamos OESP , percebemos que este jornal não se

 posiciona diretamente sobre o conclave antes de sua abertura.119  O periódico apenas

começa a fazer referências ao encontro na medida em que aborda a participação

 brasileira no mesmo, indicando agora o apoio dado à sua realização, como podemos

notar por esse comentário às decisões finais do conclave:

O culto da liberdade da pessoa humana e a independência interna e externadas nações. Foi esta tradição mais caracteristicamente americana, que foivitoriosamente reafirmada pela Conferência de Punta del Este, a cujo nome

 permanecerá eternamente ligado a fato inédito na história de um continente

118 “Uma lição para os tímidos”, O Estado de S. Paulo, 02 de janeiro de 1962, Caderno 1, p .3. O  Jornal

do Brasil compartilha essa preocupação, alertando os seus leitores sobre o risco que a ilha insurgenterepresentava para todo o continente americano. “Ou devemos cruzar os braços diante do reg ime de FidelCastro, que põe toda a sua alma numa revolução marxista latino-americana? Devemos, por acaso,aplaudir o confisco de propriedades, a criação de um partido único, os fuzilamentos, as restriçõescrescentes à Igreja Católica, a propaganda subversiva espalhada por todo o Continente, o estímulo àsatividades revolucionárias nas pequenas nações das Caraíbas?” (“Que fazer de Cuba?”,  Jornal do Brasil ,

12 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6)119 É bastante aceitável interpretar essa negligência como sendo uma forma de dizer que se trata de umaação cuja necessidade se impõe por si só, não precisando ser, por isso, justificada.

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inteiro de, por decisão unanime de todas as nações que nele habitam, ter-seformulado a “doutrina da incompatibilidade” da ideologia comunista com os

 princípios que regem sua vida política e social.120 

O  Jornal do Brasil , ao contrário do  Estadão, posiciona-se de forma muito

eloquente sobre a Conferência no período que antecede a abertura da mesma. A sua

 posição, porém, é muito mais de receio e resistência do que entusiasmo. Lembra o

impresso, por exemplo, que ela “foi convocada nos termos do Tratado do Rio de Janeiro

 –  o que nos pareceu incorreto”, tendo em vista que nem este e “nem a Carta da OEA

 preveem sanções contra um país por agressão ideológica ou de propaganda ou por ter

firmado acordos comerciais, culturais, etc., com uma nação extracontinental”.121  Em

outras palavras, a maior preocupação  JB  está no medo que da Conferência resultem

sansões punitivas contra Cuba por suas opções políticas internas, numa clara agressão àsoberania nacional cubana e ao princípio democrático do concerto interamericano.122 

Percebe-se, dessa forma, a proximidade da opinião do  JB com a linha defendida

 pela diplomacia brasileira em Punta del Este o que não conseguimos identificar no

 Estadão. Este último, por sinal, foi bem eloquente em avaliar a participação do Brasil

no Conclave. Começa levantando severas dúvidas sobre a ação do governo federal,

afirmando: “Têm sido tão frequentes, tão confusas e, às vezes, tão contraditórias as

declarações do sr. Santiago ( sic) Dantas a respeito da posição do Brasil na próxima

conferência de Punta del Este que já não se sabe, afinal, qual será essa posição.”123 

Quando analisa o conteúdo apresentado pela chancelaria brasileira, o jornal não condena

 propriamente a oposição de Dantas a uma possível invasão da ilha de Fidel.124 Detem-

se, na verdade, naquilo que identifica como vacilo do chanceler ao não aderir

120  “O exemplo das Américas”, O Estado de S. Paulo, 02 de fevereiro de 1962, Caderno 1, p. 3.121 “Solução política”, Jornal do Brasil , 07 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6.122

  “A Conferência dos Chanceleres das 21 Repúblicas membros da Organização dos EstadosAmericanos, a ser aberta amanhã em Punta del Este, deverá responder a três questões principais. A

 primeira é se os Estados membros da OEA são  –   ou não  –   tão soberanos quanto os outros paísesindependentes das várias regiões do mundo. A segunda é se existe realmente uma diferença ético-políticoentre o sistema interamericano e o sistema de nações que tem seu centro no (hoje abalado) eixo Moscou –  Pequim. A terceira é se a orientação democrática e política de homens como o Presidente Kennedy érealmente a que domina hoje em dia no alto do Poder norte-americano” (“Destemor e confiança”, Jornal

do Brasil , 21 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6).123  “Ainda a institucionalização do problema cubano”, O Estado de S. Paulo,  14 de janeiro de 1962,Caderno 1, p. 3.124 “O sr. San Thiago Dantas já evoluiu em relação às que publicamos anteontem. Já não se trata tanto dereintegrar Cuba num sistema que ela pretende desintegrar, mas sim de demonstrar a inconveniência deuma ação militar pura e simples e também de sanções econômicas e de sugerir medidas diplomáticas.

Ora, ninguém pretende aconselhar ações militares, e, como o próprio sr. San Thiago Dantas proclamaseria pelo menos inócua qualquer sanção econômica” (“Ainda a institucionalização do problema cubano”,O Estado de S. Paulo, 14 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 3).

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imediatamente à alternativa de exclusão da ilha caribenha da OEA. Para o jor nal, “a

única fórmula” aceitável seria “o afastamento de Cuba da Organização dos Estados

Americanos e o seu consequente isolamento dentro do bloco interamericano. Será isso

que sugere o sr. San Thiago Dantas?. [...] Qual será a posição do Brasil na conferência

de Punta del Este?” 125 

Diante dessa situação, o periódico desdenha da posição do chanceler brasileiro,

em especial de seu argumento de que a Conferência não tinha como sancionar qualquer

um dos seus membros por decisões em sua política interna. Segundo o impresso

 paulista, essa forma de raciocínio não passa de mera filigrama jurídica, a qual, porém,

não é sem consequências, tendo em vista que abre o risco de infiltração comunista na

América, o maior receio do jornal relacionado ao caso cubano. Conforme o  Estadão “aCuba do sr. Fidel Castro” não pode pertencer à “família das nações americanas”, pois,

“(t)anto ou melhor do que nós, sabe s. exa. o que significa para a harmonia continental a

existência de uma ‘cabeça de ponte’ bolchevista no coração do Hemisfério”.126 Agindo

dessa forma, “a posição brasileira só pode favorecer a Cuba marxista e, através dela, o

Cremlin”, algo que se torna muito perceptível, para o impresso, quando se observa “a

satisfação com que o comunismo acompanha a ação do sr. San Thiago Dantas” e “o

apoio indisfarçado que as autoridades brasileiras se preparam para dispensar ao governode Havana”.127 

Outra consequência danosa é o significado da ação do chanceler sobre os rumos

da política externa brasileira para o continente, ao quebrar com uma suposta tradição de

convergência com os EUA.128  O  Estadão, porém, deixa claro que essa mudança de

rumos, embora esteja sendo agravada, não foi concebida e nem iniciada por Dantas. Ao

contrário, ela já vinha sendo gestada pelo governo de Jânio Quadro, como salienta o

 jornal ao recordar que a posição do Chanceler em Punta del Este

coincide, aliás, no fundo, com a que assumiu o sr. Jânio Quadros quando, aoempossar-se na Presidência da República do Brasil, resolveu modificar orumo da nossa política exterior, que sempre fora de absoluta lealdade à

 palavra empenhada com os Estados Unidos num solene tratado de aliança

125  “Ainda a institucionalização do problema cubano”, O Estado de S. Paulo,  14 de janeiro de 1962,Caderno 1, p. 3.126 ”A entrevista do chanceler”, O Estado de S. Paulo, 17 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 3.127 “Atitude que se não justifica”, O Estado de S. Paulo, 18 de janeiro de1962, Caderno 1, p. 3.128  “ No conclave de Punta del Este, pelo que se pode concluir das reiteradas declarações do titular do

Itamarati, o Brasil afastar-se-á da sua posição histórica. Ao contrário do que sempre se verificou no passado, o Governo brasileiro resolveu desta vez assumir posição divergente dos Estados Unidos.”(“Atitude que se não justifica”, O Estado de S. Paulo, 18 de janeiro de1962, Caderno 1, p. 3).

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militar. Aproximou-se então o ex-presidente do grupo das nações ditas“neutralistas”. Não ia até à adesão a Moscou, pois no fundo é um liberalconvicto, mas em sua inveterada e primária demagogia não podia deixar

 passar a ocasião de fazer escândalo, comprometendo o Brasil numa tomadade posição dúbia que havia de concorrer para a sua queda do poder.129 

Para reforçar essa posição, o jornal externa seu apoio ao Manifesto dos Ex-

Chanceleres, um apedido publicado na imprensa por quatro ex-ocupantes do Itamarati

os quais, com base na sua suposta autoridade derivada do exercício pretérito da

chancelaria, vieram a público discordar da linha “neutralista”  de Dantas.130  Sobre a

nota, comenta o Estadão 

Em memorial dirigido ao governo federal, os ex-ministros do Exterior doBrasil declaram-se irredutivelmente contrários ao ponto de vista do sr. San

Thiago Dantas. E isto depois de enumerarem os compromissosiniludivelmente assumidos pelo País em sucessivos acordos e tratados de cujaredação participamos e cuja validez jamais foi contestada por qualquergoverno brasileiro. Em todos esses documentos nos comprometemossolenemente, com as demais nações que os assinaram, a combater ototalitarismo de esquerda que viesse porventura a se implantar noContinente.131 

Outra forma de deslegitimar a posição da chancelaria é enquadrá-la como

dissociada do interesse ou opinião da coletividade. Assim, a crítica dos ex-chanceleres

não é apenas a palavra de antigos ocupantes do Itamarati, pois, com ela, “nada mais

fazem do que interpretar o sentimento nacional”.132 O próprio jornal também se coloca

como um intérprete privilegiado do interesse coletivo, falando em nome de toda a

nacionalidade:

A Nação brasileira não aceita de modo algum o ponto de vista sustentado emPunta del Este pela nossa declaração. E, através da sua imprensa, pela vozdos chefes da Igreja e pelas manifestações de grande número decongressistas, ela fez já sentir que reprova inapelavelmente a posiçãoassumida pelo Brasil no Uruguai.133 

129 “A defesa do continente e o Itamarati”, O Estado de S. Paulo, 01 de fevereiro de 1962, Caderno 1, p. 3130 O Manifesto dos Ex-Chanceleres foi um apedido publicado no dia 16 de janeiro de 1962, no jornal OGlobo, assinado por quatro ex-titulares do Ministério das Relações Exteriores, José Carlos MacedoSoares, João Neves da Fontoura, Vicente Ráo e Horário Lafer. Todos tinham sido chanceleres de pelomenos um dos governos que datavam de Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra e Juscelino Kubitschek.

 Nessa nota, os signatários condenavam a linha de ação adotada pelo Brasil para se posicionar na VIIIReunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores da Organização dos Estados Americanos,defendendo um retorno às “nossas tradições” de alinhamento com o posicionamento norte-americano e ocombate ao “totalitarismo”. 131

 “O Manifesto dos ex-chanceleres”, O Estado de S. Paulo, 19 de janeiro de1962, Caderno 1, p. 3.132 “O Manifesto dos ex-chanceleres”, O Estado de S. Paulo, 19 de janeiro de1962, Caderno 1, p. 3.133 “Governos versus opinião pública”, O Estado de S. Paulo, 03 de fevereiro de 1962, Caderno 1, p. .3.

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Distanciada do interesse coletivo, a posição de Dantas e do governo brasileiro

são associadas a interesses particulares, ou pior, a interesses partidários e ambições

 políticas do próprio chanceler:

A Casa de Rio Branco era terreno respeitado, onde nunca lograva penetrar a política rasteira dos partidos. Hoje, pelo contrário, o que se vê é um governoconstituído por elementos de partidos fragorosamente derrotados nas últimaseleições subordinar a tese que defende em congresso internacional àsconveniências dos seus membros no futuro pleito eleitoral. Não é o prestigionem a segurança nacional que o sr. San Thiago Dantas tem em vista quando

 procura insistentemente solidarizar-nos com a aventura castrista: o que preocupa s. exa. é o que possa pensar de sua atitude em Punta del Este oeleitorado que obedece a liderança da corrente comuno-nacionalista.134 

Atitude que se explica pela “filiação” política do chanceler, da “mesmíssima

família” do “homem que neste momento preside aos destinos políticos da

nacionalidade”: 

O sr. Jango Goulart veio-nos de São Borja e o sr. Tancredo Neves, chefe doConselho de Ministros, e, portanto, segunda responsabilidade na hierarquiada alta administração, provém da facção política mineira que nunca deixou deestar ao lado do ditador Vargas. Nessas condições, seria realmente deespantar que o sr. San Thiago Dantas fosse a Punta del Este defender a teseque a democracia liberal brasileira entende ser a única que corresponde aosentir quase unanime da nacionalidade.135 

Em outras palavras, a postura particular do chanceler brasileiro em Punta delEste só se explicaria como uma atitude voltada aos interesses mesquinhos particulares

de Dantas e dos políticos que ele representa.

Quando analisamos o Jornal do Brasil , encontramos uma posição singularmente

diferente sobre a posição brasileira na questão em debate. O periódico carioca não se

furta em elogiar abertamente a linha de ação adotada pela chancelaria nacional,

afirmando que ela é “a mais construtiva e realista de quantas já foram divulgadas, por

vários Estados”. Para o JB, nada

é tão construtivo e realista, neste mundo dividido em que vivemos e nesteContinente angustiado a que pertencemos, do que uma tentativa objetiva efranca de contribuir para a paz regional e para a preservação de um sistemafundado nos princípios da civilização ocidental. 136 

134

 “Itamarati em Punta del Este”, O Estado de S. Paulo, 26 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 3.135 “Governos versus opinião pública”, O Estado de S. Paulo, 03 de fevereiro de 1962, Caderno 1, p. 3.136 “Brasil e Cuba”, Jornal do Brasil , 13 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6.

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 No que se refere propriamente ao conteúdo, o  JB  endossa a defesa que Dantas

faz dos princípios de autodeterminação dos povos e de não intervenção como argumento

 para tentar vetar as sanções punitivas a Cuba. Mais do que isso, conforme o jornal, tal

 posição não contraria a linha de ação histórica do Brasil, mas é formulada como “reza a

tradição do Itamarati”:

Vale a pena assinalar que a conduta da Chancelaria brasileira sempre foi dereafirmar esses princípios consagrados nos instrumentos internacionais que oBrasil firmou. [...] O fato de ser Cuba, hoje em dia, uma nação sob regimecomunistas não desobriga o Brasil do cumprimento dos tratados existentes.Muito pelo contrário. Nação democrática o Brasil não tem o hábito  –  tipicamente totalitário –  de considerá-los meros farrapos de papel.137 

Encontramos nesse ponto não uma apenas uma divergência de posição, mas uma

ver dadeira “luta simbólica” - no sentido que Bourdieu emprega essa expressão138

 - entreos dois jornais pesquisados, qual seja: uma disputa pela imposição do sentido mais

legítimo de uma palavra, conceito ou expressão, que é, ao mesmo tempo, uma forma de

(des)legitimar aqueles que as empregam. No caso em questão, um conflito pela

definição mais legítima do que seria a “tradição” da política externa brasileira e qual

lado da disputa seria o “totalitário” e qual o democrático. 

Sintomaticamente, é importante notar que nenhum dos jornais nega a

necessidade de associar a ação da política externa brasileira a uma “tradição”, o que nos

denota o respaldo que o Itamaraty tem como instituição responsável por tal política e a

importância de vincular qualquer ação na condução da mesma a uma linha de

continuidade. Da mesma maneira, ambos os periódicos procuram defender a sua

 posição relacionando-a à “democracia” e classificando a ação dos adversários como

“totalitária”. O notável é a diferença de definições que eles atribuem a esses termos.

 No caso do  Estadão, democracia está praticamente reduzida ao combate ao

comunismo, enquanto totalitarismo fica circunscrito ao próprio comunismo. Qualquer

atitude que se tome para combatê-lo é legitima-se em si mesma, inclusive a que

137  “Solução política”, Jornal do Brasil , 07 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6.138 Conforme BOURDIEU, o campo de produção ideológica é o lugar privilegiado da luta simbólica, ouseja, da luta pela definição da visão mais legítima sobre o mundo social que é também um conflito pelaconstrução desse mundo, porque a transformação ou a conservação da ordem social dependem datransformação ou conservação dos esquemas de percepção dessa ordem. Para este autor, a luta simbólicase dá essencialmente pela disputa em torno da imposição do sentido social ou coletivo dos grupos sociais

 –  definidos por sua posição geral na sociedade e/ou por sua posição específica em determinado campo de produção  –   e das características, das ideias, dos programas, dos projetos, que a eles estão associados(BOURDIEU, 1990, p.192; BOURDIEU, 1989, p.134).

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implique em quebra das regras legais e em agressão a outras nações. Já para o  JB, temos

o contrário: a democracia sendo associada ao respeito às normas jurídicas do “concerto

americano” e o totalitarismo às medidas usadas para desrespeitá -las, não importando as

causas que as motivem.

 No que se refere à definição da “tradição brasileira” em política externa, OESP  a

define como a aproximação à política norte-americana de combate ao comunismo, ou

seja, de adesão aos princípios da Guerra Fria no contexto americano. No caso do Jornal

do Brasil , essa tradição passa a ser a coerência histórica com os princípios de

autodeterminação e de não-intervenção e a prioridade dada não a compromissos

ideológicos mas aos preceitos jurídico- políticos de “liberdade” e “democracia”. O 

impresso carioca, porém, não defende essa linha de ação como um enfrentamento dosEUA. Ao contrário, caso a chancelaria brasileira se mantenha nesse caminho, ela

ajudaria os norte-americanos na definição de uma política continental mais acurada: “O

nosso Governo prova que o Brasil já atingiu a maturidade política e pode, por meio de

sua ação independente, prestar um serviço real não apenas ao sistema a que pertence

como, também, ao seu aliado tradicional: os Estados Unidos”.139 

Dessa maneira, não deve surpreender a crítica contundente que o  JB  faz ao

Manifesto dos Ex-Chanceleres. Não só acusa o documento de oportunista e

desestabilizador da posição brasileira na Conferência, como também contesta

abertamente a interpretação que ele faz da tradição do Brasil em política externa.

Insinuam que o Governo está, pura e simplesmente, invocando “o preceito deautodeterminação para justificar, sob a capa da neutralidade odescumprimento de compromissos soberanamente assumidos por todos e

 pelo Brasil”. Pedem que o Gover no resguarde a tradição diplomática brasileira, dando a entender que tal coisa não está acontecendo. (...) É o casode acolherem  –   eles  –  um apelo. O daqueles brasileiros mais informados e

mais atualizados que sabem que a luta contra o adversário é um exercício de paciência e de firmeza.140 

 Notamos, dessa forma, que o  JB distancia-se muito da posição do  Estadão  na

avaliação do papel brasileiro na Conferência de Puntal del Este e do que seria a nossa

tradição em política externa. As divergências, porém, não param por aí.

Quando se reporta, por exemplo, ao “perigo cubano”, o  Jornal do Brasil , mesmo

que não descarte por completo a possibilidade de um avanço do comunismo na América

139 “Brasil e Cuba”, Jornal do Brasil , 13 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6.140 “Apelo aos apelantes”, Jornal do Brasil , 18 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6.

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a partir da Revolução em Cuba, minimiza esse perigo, afirmando que o “comunismo

cubano já está circunscrito, praticamente, pela simples ação de presença de forças norte-

americanas nas Caraíbas. E a Aliança para o Progresso, se aplicada com a necessária

rapidez, impedirá o processo de cubanização do Continente”.141 

 Na verdade, a maior preocupação do jornal não está no avanço do comunismo,

mas no risco ao “sistema interamericano” decorrente de um confronto entre Estados

Unidos e Cuba se ambos continuarem irredutíveis em suas posições políticas. Como

 pergunta o  JB: até “que ponto o Governo de Cuba está disposto a aceitar que a sua

revolução seja circunscrita e até onde o Governo norte-americano se sentirá

suficientemente forte para abandonar a posição emocional que sempre manteve com

relação ao caso cubano, passando a adotar uma atitude racional?”142

 O alvo dessa fala, porém, não é Havana, cujas decisões o jornal não parece querer influenciar, mas o

governo de Washington, o qual, conforme o impresso carioca, “deve (...) enfrentar os

riscos de uma gradativa mudança de orientação quanto ao caso cubano, pois estes são

 bem menores do que os riscos que qualquer ação drástica, reflexa ou emotiva pode

trazer para o sistema interamericano.” 143 Ou seja, mais do que o medo do comunismo, a

grande ameaça que a questão cubana está gerando é o fim do sistema interamericano

derivado de uma ação agressiva dos EUA - no caso, a invasão de Cuba -, em detrimentodas soluções políticas e dos princípios jurídicos que deveriam nortear as relações entre

os países.

Mas que sistema interamericano era este? Em outras palavras, como o jornal

define este sistema que tanto procura defender? A resposta a essas questões aparece

abertamente na avaliação que o JB fez dos resultados finais da Conferência:

E aí está o segundo grande resultado da Conferência de Punta del Este: ficou provado, de uma vez por todas, para conhecimento não só do comunismointernacional como de todo e qualquer bloco ou país, que o sistema em quevivemos é uma associação de países livres. (...) todos, sem exceção, no livregozo de sua soberania nacional, exercendo em toda a sua profundidade o

141 “Esperança em Kennedy”,  Jornal do Brasil , 16 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6). Ou ainda: “Osegundo ponto de referência a que inicialmente nos referimos consiste na comprovação do fato  –  no qualtantas vezes insistimos, nesta coluna  –   de que a Cuba não interessa deixar o sistema interamericano.

 Nestes dias, em Punta del Este, e já antes, ao passar pelo Brasil, a at itude da delegação cubana não temmostrado outra coisa. As ameaças cubanas no sentido de poder Cuba vir a integrar-se no Pacto deVarsóvia são bravatas pueris” (“Posição de grandeza”,  Jornal do Brasil , 28 de janeiro de 1962, Caderno

1, p. 6).142 “Esperança em Kennedy”, Jornal do Brasil , 16 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6.143 “Esperança em Kennedy”, Jornal do Brasil , 16 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6.

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direito de escolha entre objetivos, métodos, estilos de ação. Um sistemademocrático unindo nações democráticas. Sistema e nações que, inclusive, sesentem suficientemente fortes para suportar, sem entrar em pânico, o desvioocasional, para a direita ou para a esquerda, deste ou daquele de seusmembros mais débeis. Um sistema, ademais, que se sabe capaz de exercerirresistível atração, mais cedo ou mais tarde, para os transviados da esquerda

e da direita.144

 

Ora, essa definição do “sistema interamericano”, baseado nos princípios da

democracia continental e da “auto-determinação dos povos”, difere muito da definição

tradicional de pan-americanismo, como convergência com as orientações norte-

americanas, aproximando-se daquilo que defendia a diplomacia brasileira naquela

conjuntura. Mais do que isso, a viabilidade e mesmo a vitalidade desses princípios

exigem uma mudança na linha de ação estadunidense. Para o jornal, aliás, os EUA estão

diante de uma “encruzilhada” entre duas opções representadas por duas figuras públicas: de um lado, a nova orientação do governo de John Kennedy, “intelectual e

 político por vocação”, e, de outro e contrário à primeira, “os militares e mercadores que

insistem em manter, como guia dos Estados Unidos, uma política de potência

inteiramente ultrapassada pelos fatos da vida de nossa época.145 

Durante toda a sua cobertura da Conferência, o impresso carioca avalia a

 participação estadunidense com base nesse parâmetro, ou seja, qual dos dois lados

 prevaleceria no posicionamento do país.146 E aposta todas as suas fichas no abandono

das posições de força em favor de uma política de desenvolvimento econômico para a

América Latina, como forma de combater o comunismo, política esta representada pela

Aliança para o Progresso (AP).

Essa proposta de Kennedy, aliás, receberá enorme destaque no  JB, sendo objeto

de menção ou comentário positivo em quase todos os editoriais que abordam a

Conferência, em franco contraste com O Estadão, que pouco a menciona. Além de

enfatizar esse programa, o Jornal do Brasil  ainda demonstra grande esperança que a sua

aplicação constitua a principal saída, não só para inibir a possível disseminação do

comunismo na América Latina a partir da Revolução Cubana, mas igualmente para

 prevenir a repetição autóctone do mesmo “problema” em outra nação continental:

144 “Os grandes resultados”, Jornal do Brasil , 31 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6.145 “Posição de grandeza”, Jornal do Brasil , 28 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6.146 Assim, logo no início da abordagem do tema, o periódico se preocupa em salientar: “Quanto à posiçãonorte-americana, já foi mais intransigente. Hoje, o Governo dos Estados Unidos procura uma solução

 política  –   à seu favor, é claro, mas basicamente política. É com esse espírito que a delegação norte-americana irá a Punta del Este” (“Solução política”,  Jornal do Brasil , 07 de janeiro de 1962, Caderno 1,

 p. 6).

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A Aliança é um programa democrático, político, diplomático –  civilizado. É aantítese da intervenção em Cuba ou onde quer que seja, da  política da

 potência, do fechamento de portas e janelas, da interrupção do diálogo, da belicosidade farisaica. A Aliança, ademais, a longo alcance, dispensaqualquer medida externa, unilateral ou coletiva, contra o regime castrista.

Pois, se ela tiver êxito, dentro de pouco tempo nada impedirá queintelectuais, estudantes, trabalhadores do campo e da cidade, em todo oContinente, tirem suas conclusões do contraste entre o fracasso político eeconômico de Cuba e a prosperidade com liberdade que se instalará em vinteRepúblicas através da Aliança.147 

Em consequência, não fica difícil de entender a forma como o  JB  irá se

 posicionar frente às mudanças que estavam ocorrendo na orientação da política externa

 brasileira desde o governo de Jânio Quadros. Ao contrário do  Estadão, que insiste em

enquadrar o Brasil no contexto ideológico da Guerra Fria, o impresso carioca está preocupado, não apenas com a democracia e a autodeterminação dos povos, mas

também com o desenvolvimento econômico da região, para o que uma política externa

mais independente dos conflitos ideológicos se torna indispensável. Isso leva o

 periódico a dizer que “o Brasil tem uma política externa fundamentalmente clara e

segura –  ainda que flexível e rica de cambiantes, como toda a política -, independente da

fragilidade de indivíduos, governos, regimes constitucionais”. 148  E essa política, ao

contrário de ser frágil e porta de entrada do comunismo, é a estratégia de uma

 Nação soberana. De nação dividida, fraca, ainda convalescente de uma criseque teria destruído ou desvirtuado muitas outras  –  mas de nação decidida aconservar sua personalidade e a luta por seus direitos fundamentais. Uma

 política que o grande povo dessa mesma nação soberana compreende eaprova como um interesse, uma vivência que atestam o alto grau de

 politização que em tão pouco tempo conquistamos –  nós que ainda há poucosanos podíamos ser considerados uma nação sem quadros. Essa política é a da

 Nação.149 

147 “Destemor e confiança”,  Jornal do Brasil , 21 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6. O  JB  também fezfortes críticas aos EUA, quando o Secretário de Estado Dean Rusk insinuou que, caso a Conferência nãoendossasse uma política norte-americana mais punitiva para Cuba, Washington repensaria o programa deKennedy: “o Secretário de Estado dos Estados Unidos cometeu, ontem, um erro que os amigos de seu

 país só podem lamentar e procurar, a todo o custo, remediar enquanto é tempo. Colocou ele a vitória, naConferência, do ponto de vista de seu país, como condição  sine qua non da Aliança para o Progresso”.(“Salve-se a Aliança”, Jornal do Brasil , 24 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6).148 “Situação nacional”, Jornal do Brasil, 19 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6.149 “Situação nacional”, Jornal do Brasil, 19 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6. O mesmo discurso podeser encontrado mais além, quando o jornal afirma: “Somos hoje o que temos de ser: uma nação ainda

 pobre, ainda dividida, ainda hesitante diante de vários caminhos. Mas já somos uma nação inconfundível.Somos uma nação que têm seus interesses, que tem seu jogo, seu espírito, sua palavra. Uma nação

 politizada. Um ser nacional com uma vontade de poder  –   vontade justificada não apenas por nossa potencialidade, porém já agora por inúmeros aspectos positivos de nossa atualidade” (“Situação Nacional”, Jornal do Brasil , 19 de janeiro de 1962, Caderno 1, p. 6).

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 Notamos aqui como o  JB  procura se construir simbolicamente como um

intérprete do “grande povo” e da posição desse povo de aprovação frente aos novos

rumos que a política externa brasileira está tomando. Da mesma maneira, vemos o seu

endosso, não só às opções da diplomacia em Punta del Leste, mas à própria estratégia

central da Política Externa Independente: abandono dos preceitos da Guerra Fria na

condução da inserção internacional do país e a defesa dos princípios jurídicos que

garantiriam mais liberdade de ação ao Brasil em busca de seus objetivos como Nação.

 No caso, a busca pelo desenvolvimento econômico, sendo os EUA um parceiro possível

apenas na medida em que corresponder a essa expectativa.

Por fim, assim como o Estadão, o  JB não deixa de fazer uma leitura da política

externa com base nas divisões da política interna do país. Diferentemente no jornal paulista, porém, o impresso carioca irá buscar apoio no outro lado do espectro

 partidário. Referindo-se ao futuro pleito parlamentar argentino e a posição de Frondizi,

cujo governo levou a Argentina na direção do Brasil na Conferência de Punta del Este, o

 jornal afirmou que

(...) a luta é, sim, interna, ferindo-se, violenta ou disfarçadamente, no seio decada um dos países democráticos deste Hemisfério: a luta entre as forças da

reforma e do progresso, representadas por homens como os PresidentesKennedy e Frondizi e como o ex-Presidente Jânio Quadros, e as forçasretrogradas da extrema direita, em cuja ação contraproducente o comunismocontinental e internacional deposita suas maiores esperanças.150 

Em outras palavras, o jornal parece claramente tomar uma posição, se não

oposta, ao menos divergente frente ao OESP , no que se refere à relação entre política

externa e política interna no Brasil. Mais do que isso, vincula diretamente a PEI ao

 progresso econômico e social  –   em alguns casos, ao desenvolvimento  –   em

contraposição às “forças da extrema direita”, ao “obscurantismo político e econômico”.

Mas, sintomaticamente, coloca o comunismo como uma consequência do segundo

grupo e associa, no caso do Brasil, o primeiro grupo a Jânio Quadros e não João

Goulart.

150 Mais adiante, comenta: “A vitória ou a derrota do Presidente Frondizi terá imedia ta repercussão noBrasil e em todo país da América Latina onde se decide a luta entre a democracia e os extremismostotalitários, entre o Direito e a força bruta, entre o progresso econômico e social e o  status quo.  A vitóriade Frondizi será a vitória de Kennedy e de sua Aliança para o progresso. Sua derrota será, a curto prazo, a

vitória da extrema direita, do obscurantismo político e econômico, das soluções belicistas. A longo prazo,será a vitór ia do fidelismo e do comunismo”  (“Batalha decisiva”,  Jornal do Brasil , 06 de fevereiro de1962, Caderno 1, p. 6).

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Considerações f inais

O trabalho aqui apresentado é apenas o início de uma pesquisa maior que

 procura avaliar a forma como, não apenas a Política Externa Independente, mas as

 próprias estratégias de inserção internacional do Brasil foram apropriadas pela grande

imprensa brasileira no pós-guerra. Entretanto, mesmo parciais, esses resultados já

 permitem, se não conclusões definitiva, ao menos o levantamento de algumas hipóteses.

 Notamos claramente a relevância do tema de política internacional relacionado à

Guerra Fria para ambos os periódicos pesquisados e, é claro, que nenhum desses

representantes da grande imprensa toma a defesa do socialismo como bandeira.

Entretanto, evidencia-se claramente a divergência de posição, quando o  Estadão 

toma uma postura oposta à posição “neutralista” brasileira, defendendo abertamente um

alinhamento direto com os EUA, e o  JB, ao contrário, sustenta essa posição de

neutralidade e independência e, mais do que isso, apoia os princípios básicos que

norteiam a Política Externa Independente. Além disso, notamos que ambos os

 periódicos procuram fazer relação entre as ações da política externa brasileira com a

 política interna, numa demonstração evidente de que sua leitura da primeira é feita com

 base nas alternativas político-doutrinárias oferecidas pela segunda. Igualmente, é visível

como nesse ponto os jornais também divergem: OESP   condenando a PEI como sendo

uma mesquinha estratégia do chanceler Dantas e do governo petebista em busca de

apoio das “esquerdas nacionais”, enquanto o  JB coloca essa política como sendo uma

 posição internacional ligada ao progresso econômico-social na América - cujo expoente

 brasileiro seria o ex-presidente Jânio Quadros -, enquanto que a oposição a ela seria

obra do atraso, do conservadorismo retrógrado, etc.

Entretanto, seria um equívoco pensar que tais associações possa ser reduzida a

um simples reflexo  –   ou seja, que os jornais fossem meros porta-vozes dos grupos

 político que, de fora, ditariam as suas tomadas de posições no universo jornalístico. Até

 porque, pela análise que fizemos, não é possível vislumbrar com clareza qual grupo

 político seria o suporte da posição de cada jornal. Ao contrário disso, embora não se

descarte os vínculos político-partidários da imprensa, parece mais razoável pensar que o

 posicionamento dos periódicos aqui estudados melhor reflete a forma como cada um

deles pretende construir a sua especificidade como interlocutor legítimo no “debate

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 público” brasileiro do período. Nesse caso, se a defesa retórica da democracia, da

tradição em política externa e o próprio anticomunismo estão como os elementos

comuns da inserção nesse debate, são as divergências que constroem o lugar específico

de cada um, direcionando-se, provavelmente, a públicos distintos.

Dessa maneira, consideramos que, OESP, seguindo a sua própria tradição,

 procura construir/reforçar a sua posição como interlocutor das classes conservadoras,

através especialmente da defesa do alinhamento com os EUA, do anticomunismo e do

“antitrabalhismo”. Enquanto o JB, embora não cultive simpatias pelo socialismo e nem

demonstre afinidades diretas com João Goulart e o PTB, tenta procura ocupar o espaço

de um jornal ligado à defesa do desenvolvimentismo econômico e de sua expressão na

 política externa, qual seja, uma estratégia de inserção internacional pragmática, nãoideológica e voltada para a obtenção dos recursos materiais e políticos necessários ao

 progresso econômico do país e à sua construção como uma Nação forte  –  nesse caso,

industrializada. São hipóteses que as pesquisas posteriores nos informaram sobre a sua

validade ou não para interpretar os pontos acimas elencados.

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CAPÍTULO V

A Crise dos Mísseis: O conflito na visão da imprensa brasileira

 Lilian Orso151 

I ntrodução

O presente texto pretende verificar como a Crise dos Mísseis, conflito ocorrido

em outubro de 1962, envolvendo Estados Unidos, União Soviética e Cuba, foi abordado

 por parte da imprensa brasileira. Para tanto, realizou-se a pesquisa a partir da leitura dos jornais O  Estado de São Paulo e o Jornal do Brasil , buscando estabelecer uma relação

entre os dois periódicos, apontado convergências e divergências no discurso jornalístico

ao abordar esse tema. Assim, investigou-se os acervos on-line dos dois jornais

selecionados, destacando a cobertura jornalística a partir do dia 17 de outubro de 1962,

data em que começam a chegar as primeiras informações a respeito das bases nucleares

instaladas em Cuba pela União Soviética, até o dia 31 de outubro de 1962, data em que

foi noticiado o fim da crise.

A escolha desses jornais baseou-se nos seguintes critérios:

a) O fato de tratar-se de periódicos muito tradicionais e influentes na imprensa

 brasileira, sendo dois impressos de grande tiragem e os mais antigos em circulação no

 país naquela conjuntura;

 b) A abrangência de ambos, que cobrem os estados do Rio de Janeiro e de São

Paulo, os mais importantes do Brasil no período estudado;

c) a possibilidade de testar a hipótese de que esses jornais defenderem pontos de

vista ideológicos diferentes na conjuntura em questão, que os aproximava tantos das

forças mais conservadoras do país, no caso de O Estado de São Paulo, quanto das

 progressistas e populares, como no Jornal do Brasil. 

151 Especialista em Política Internacional pela PPG-Sociologia PUCRS.

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Inicialmente, iremos contextualizar o tema, explicando a importância da Crise

dos Mísseis na Guerra Fria, uma vez que ela constitui num dos momentos mais tensos

desse período. Também analisaremos o papel do Brasil frente a esta crise, identificando

qual foi seu posicionamento no conflito e a orientação da política externa brasileira no

governo do então presidente João Goulart. Por fim, o presente estudo analisará

reportagens e editorias dos jornais O  Estado de São Paulo e o Jornal do Brasil , com a

intenção de interpretar como a Crise dos Mísseis e a posição do Brasil diante dela foram

retratadas nos jornais selecionados.

A Cr ise dos Mísseis

Guerra Fria

Ao abordamos o tema da Crise dos Mísseis é importante, como

contextualização, mencionar aspectos gerais do período histórico conhecido como

Guerra Fria. A Guerra Fria teve como seus protagonistas os governos dos Estados

Unidos e da União Soviética, representando sistemas econômico-sociais bastante

distintos (capitalismo x comunismo). Iniciou-se logo após a Segunda Guerra Mundial,em 1945, e durou até 1991, quando da dissolução da URSS. Segundo Paulo Vizentini,

Os Estados Unidos emergiram como os maiores beneficiados pela guerra, pois ela reativou e expandiu seu parque industrial, absorveu a enorme massade desempregados dos anos 30, além do país sofrer poucas perdas humanas e

 praticamente nenhuma destruição material. Sua economia tornou-sedominante, respondendo por quase 60% da população industrial em 1945(VIZENTINI, 1900, p. 13).

Já sobre a União Soviética, o mesmo autor comenta que

A URSS, por seu turno, exercera um papel decisivo na derrota da Alemanhanazista e gozava de imenso prestígio diplomático e militar, tendo seusinteresses reconhecidos em sua esfera de influência junto as suas fronteiraseuropeias. O fortalecimento da esquerda em todo mundo e a presença doExército Vermelho no centro da Europa e no Extremo Oriente tambémacentuavam o poderio soviético (VIZENTINI, 1990, p. 14).

Ideologicamente em campos opostos, as duas superpotências passaram a

disputar espaços de poder e influenciar todo o globo, numa luta pela hegemonia política,

econômica e militar no mundo, embora não tivéssemos conflitos armados diretos. Noentanto, isso não quer dizer que os dois países envolvidos não se preocupassem com o

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 poderio militar, pois promoveram uma verdadeira corrida armamentícia. Apesar dos

discursos sobre o desarmamento, foi um período histórico em que o mundo se alarmou

com a possibilidade de uma guerra nuclear. Para J.P. Morray

Essa nova aversão à guerra nuclear reflete-se nas políticas nacionais dedesarmamento. Há um sentimento generalizado de que a corridaarmamentista termina na guerra. O receio popular das armas nucleares faz,

 portanto, do desarmamento um objetivo aparente, ao passo que na realidade oarmamento nuclear continua crescendo (MORRAY, 1961. p. 136).

Estados Unidos e União Soviética se utilizaram da Guerra Fria com o objetivo

de controlar os países do assim chamado Terceiro Mundo, tentando evitar que os mais

 próximos escapassem da sua área de domínio. O grande temor norte-americano era que

o comunismo se propagasse além das fronteiras do Bloco Soviético e, principalmente,chegasse à América. “Os Estados Unidos alertava o mundo da ‘ameaça comunista’,

ficando clara a preocupação em perder o controle sob alguns governos e economias

mundiais, como do Brasil e dos países latino-americanos” (ARBEX, 1997. p. 46). 

Estados Unidos e União Soviética disputavam o poder e, ao mesmo tempo,

 protegiam-se um do outro. Sendo assim, a corrida armamentista alcançou uma dimensão

geoestratégica. Para José Arbex Jr., “além de desenvolver tecnologias de destruição

cada vez mais sofisticadas, as superpotências criavam e consolidavam bases militares

em todo o mundo, estabelecendo zonas de influência” (ARBEX, 1997. p. 44). A

 bipolaridade da Guerra Fria, assim, atingiu o mundo, com os países, aos poucos,

colocando-se de um lado ou de outro. Dentro da Política Internacional, os Estados

Unidos e a União Soviética estabeleceram o objetivo de alcançar o maior número

 possível de aliados, para assim ampliar o seu poder global.

A Crise dos Mísseis ocorreu em meio a esta disputa pelo poder entre as duas

superpotências. Os Estados Unidos, após a vitória da revolução de Fidel Castro e sua

aproximação da URSS, temiam que o comunismo chegasse a uma área até então sob o

seu controle. A Washington não interessava ter como vizinho um país aliado aos

soviéticos, passando, então, a exigir o apoio incondicional das demais nações do

continente americano para reverter o processo revolucionário cubano. Porém, muitos

 países não se definiram claramente, como foi o caso do Brasil, que na conjuntura dos

anos 60, durante o governo de João Goulart, não concordou com uma intervenção em

Cuba, proposta pelos Estados Unidos. Em relação à Crise dos Mísseis, o Brasil adotou

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uma postura conciliadora, oferecendo-se para mediar o conflito. Esta proposta

desagradou o governo norte-americano que esperava o apoio brasileiro contra Fidel

Castro. De acordo com Amado Cervo

A política exterior do Brasil tem por fundamento um caráter não-confrontacionista. Sobrevaloriza o princípio da autodeterminação econsequentemente a não-intervenção. Quer soluções pacificas e negociadas

 para as controvérsias e condena o uso da força para obter resultados externos.O pacifismo brasileiro é uma opção filosófica que conta com o apoio defatores socioculturais, tais como a satisfação com o território e a abundânciade recursos naturais, a heterogeneidade cultural, a tolerância social, atranquilidade diante dos vizinhos. Não conta, entretanto, com o apoio dasteorias de relações internacionais que prevaleceram nos centros de poder e dahistória das relações internacionais contemporâneas. Os princípios de não-intervenção e autodeterminação, que as grandes potências apreciam para asoutras, não integraram seu realismo durante a Guerra Fria (CERVO, 1994. p.

309).

 No período da Crise dos Mísseis, o governo brasileiro estava sob as diretrizes da

Política Externa Independente (PEI), que se caracterizava, principalmente, por sua

autonomia no que se referia às alianças com os demais países, procurando evitar o

alinhamento ideológico com qualquer um dos blocos envolvidos na Guerra Fria.152 

Segundo Amado Cervo

A Política Externa Independente (PEI) –  designação com que ficou conhecidaa política exterior brasileira de 31 de janeiro de 1961 (posse de JânioQuadros) a 31 de março de 1964 (advento do regime militar)  –  foi, pois, um

 processo e não um projeto concebido em detalhes. A política exteriorinaugurada por Jânio Quadros, possuía um caráter pragmatista, pois buscavaos interesses do país sem preconceitos ideológicos; e para melhor consecuçãodesses objetivos, adotava a postura independente em face de outras naçõesque tinham relacionamento preferencial com o Brasil (CERVO, 1994. p.310).

A Cr ise

O período conhecido como a Crise dos Mísseis é considerado por parte da

historiografia como um dos maiores embates entre Estados Unidos e União Soviética,

durante a Guerra Fria.153 A crise se instalou em outubro de 1962, a partir do momento

que o governo norte-americano foi informado da intenção soviética de instalar mísseis

152

 Quanto a isso, consultar os capítulos III e IV.153 Arbex Jr., por exemplo, classifica a Crise dos Mísseis “como umas das mais séria s crises geopolíticasda Guerra Fria e do século XX” (ARBEX, 1997, p.166). 

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nucleares em Cuba. Iniciou-se, assim, dias de tensão, no qual o mundo viveu a sensação

de um iminente combate nuclear, que envolveu diretamente os líderes dos governos dos

 países participantes do conflito: o norte-americano John Kennedy, o soviético Nikita

Kruschev e o cubano Fidel Castro.

 No dia 16 de outubro de 1962, o governo norte-americano descobriu, através do

sobrevoo de um avião U-2, a instalação de bases nucleares na ilha de Cuba, por parte da

União Soviética. Especialistas americanos detectaram que tais bases comportariam

mísseis SS-5 com capacidade de atingir praticamente qualquer ponto do território

estadunidense. Kennedy imediatamente reuniu os seus assessores a fim de definir

estratégias para lidar com essa situação.

Em 22 de outubro, John Kennedy fez um pronunciamento transmitido porrádio e televisão, anunciando a presença de armas nucleares em Cuba ecomunicando o isolamento da ilha, caso os soviéticos não desativassem as

 bases nucleares. A partir deste dia, a Crise dos Mísseis tornou-se pública egerou muita tensão entre os três países envolvidos diretamente e o resto domundo, pois a ameaça de uma guerra nuclear pairava no ar. 154 

Os dias que se seguiram foram de muitas reuniões entre governantes dos países

envolvidos no conflito, com o clima da proximidade de uma guerra nuclear tomando

conta da atmosfera mundial. As negociações eram tensas. Os Estados Unidos exigiam aretirada imediata das bases nucleares de Cuba, sob pena de invadir a ilha. Já Fidel

Castro passou a ver o episódio como a melhor forma de enfrentar os americanos e

apoiava totalmente a proposta do primeiro ministro soviético Nikita Kruschev de

 permanecer com as bases nucleares instaladas em Cuba.

Em 26 de outubro de 1962, Kruschev enviou uma carta aos Estados Unidos

 propondo um acordo, alegando que, apesar das diferenças ideológicas entre ambos os

 blocos, seria possível uma convivência sem emprego de meios militares. John Kennedy

 preferiu ignorar a última mensagem de Kruschev, agindo como se nunca a tivesse

recebido, e respondeu apenas concordando com a promessa de não atacar a ilha cubana.

Em 28 de outubro de 1962, porém, o clima de tensão começaria a se dissipar,

quando Kruschev anunciou, pela Rádio Moscou, a decisão de retirar os mísseis de

Cuba, pondo fim à iminência de uma guerra nuclear. A atitude do líder soviético foi

duramente criticada, por supostamente demonstrar fraqueza, ao não sustentar sua

154  “O dia que chegamos perto do fim”, Revista Veja, São Paulo, outubro de 1962.

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 posição inicial frente aos Estados Unidos. A maior crítica veio por parte do governo

cubano. Fidel Castro se sentiu traído, pois, durante as negociações, não havia sido

consultado pelos russos. Fidel alegou que as bases nucleares eram uma defesa e uma

garantia para o desenvolvimento de Cuba. Em discurso, acusou o soviético de não ter

coragem de enfrentar os EUA. A postura de Kruschev, aliás, acarretou-lhe séria

oposição dentro do Kremlin pela forma como conduziu a crise, contribuindo para o seu

afastamento do cargo, dois anos depois. No lado oposto, John Kennedy foi muito

aclamado pela forma como comandou a negociação durante a Crise dos Mísseis. Fidel

Castro, apesar de não perder a popularidade, passou a ficar mais atento ao jogo do poder

 político internacional.

Antes da Crise dos Mísseis, a possibilidade de uma guerra nuclear não chegava aalarmar a população mundial. Era difícil imaginar uma situação que levasse as

superpotências ao limite de uma guerra. Mas, após outubro de 1962, o mundo passou a

acreditar nesta possibilidade e a temer a utilização de armas nucleares (TARR, 1968. p.

100).

A Crise dos Mísseis também teve consequências no Brasil. O ano de 1962 foi

um período delicado para a política brasileira, que ainda vivia sob o impacto da

renúncia de Jânio Quadros e do movimento da Legalidade para assegurar a posse de

João Goulart. Em meio a todo esse processo, chegou um pedido do presidente Kennedy

solicitando apoio brasileiro em relação à Crise dos Mísseis através de uma posição

contrária ao governo cubano. Goulart, porém, preferiu oferecer a diplomacia brasileira

 para mediar o conflito, enviando o general Albino Silva, chefe da Casa Militar, a Cuba a

fim de conversar com Fidel Castro. A resposta de João Goulart tinha como princípio

 básico a defesa da soberania de cada país, respeitando suas posições políticas e

institucionais, conforme rezava a cartilha da Política Externa Independente. Ogovernante cubano, entretanto, mostrou-se irredutível, pois, para ele, como vimos, a

 proteção dos mísseis soviéticos seria fundamental à segurança de seu país. De qualquer

sorte, o posicionamento político brasileiro frente ao conflito não agradava aos Estados

Unidos, que esperavam a total reprovação do comportamento soviético e cubano. A

alegação de Washington era que, não só o território americano estava sob ameaça russa,

mas o mundo inteiro.

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A Imprensa Brasil eir a

Durante a Crise dos Mísseis, o mundo acompanhou apreensivo as negociações

entre Estados Unidos e União Soviética, que tiveram grande repercussão na imprensa

internacional e nacional. Durante as duas semanas mais tensas de outubro de 1962, os

 jornais brasileiros, como o  Jornal do Brasil  e o jornal O Estado de São Paulo, traziam

em suas páginas reportagens sobre a Crise dos Mísseis, com matérias jornalísticas que,

além de informar sobre o conflito, também alarmavam a população com a possibilidade

de uma guerra nuclear.

A imprensa brasileira nos anos 60 passava por diversas reformas, implantando

novas normas editoriais. Por influência norte-americana, os principais jornais do paíscomeçaram a adotar as regras do jornalismo comercial anglo-saxônico, dando maior

 privilégio à informação do que à opinião, e procurando ser mais atrativos ao leitor, com

maior dinamicidade nas editorias, o uso de fotografias e chamadas na capa, etc.. 155 

Entretanto, essas mudanças não provocaram o total abandono da condição desse

 jornalismo como imprensa opinativa, quase de “tribuna”. Segundo Simão Alves

Tannous, aliás, “foi nos anos 1960 que conhecemos o apogeu do jornalismo político, a

imprensa acompanhava as reivindicações e contestações politico-ideológicas, posicionado-se e opinando” (TANNOUS, 2010. p. 139).

Quanto a isso, a historiografia normalmente aponta essa imprensa como sendo

fortemente oposicionista ao presidente João Goulart, sempre exaltando o

anticomunismo como forma de amedrontar seus leitores mais conservadores.156  A

campanha para a derrubada do presidente “Jango” ganhou força em 1964, com o um

forte apelo discursivo “à ordem” e contra a “ameaça vermelha”, supostamente

representada pelo governo, havendo uma boa dose de convergência dos grandes jornaisem favor da derrubada do presidente, com o golpe militar de 1964. 157 

155 Quanto a essas mudanças, consultar RIBEIRO (2007), ABREU & LATTMAN-WELTMAN (1996) eSILVA (1991).156 Por exemplo, afirma OLIEIRA: “O jornal O Estado de São Paulo fazia forte oposição ao governo JoãoGoulart, classificando-o como passivo, manobrado pelos comunistas, que o poder tinha caído em suasmãos, que era um líder revolucionário disfarçado, corrupto e incapaz” (OLIVEIRA, 1993, p. 57). 157

  Como lembra CAPELATO, no “dia 31 de março de 1964 a ‘Revolução Gloriosa’  livra o Brasil daameaça comunista. A grande imprensa, em sua maioria, exulta. As manchetes dos jornais expressamindignação contra o presente, entusiasmo e otimismo quanto ao futuro” (CAPELATO, 1988, p. 53). 

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Jornal do Brasil

O Jornal do Brasil  é um jornal carioca diário e matutino, fundado em 9 de abril

de 1891 por Rodolfo de Souza Dantas e Joaquim Nabuco. Em sua declaração de

 princípios, traçava diretrizes básicas de sua conduta política, afirmando seu propósito de

criticar o governo, mas estabelecendo, ao mesmo tempo, limites a essa atuação.

Tradicionalmente é considerado um jornal com maior penetração nas camadas

 populares e médias por ter, até os anos 50, as páginas iniciais dedicadas aos

classificados, e por destinar grande espaço a temas caros a esses grupos, como a

economia popular. Aliás, como aponta Martins (MARTINS, 2010), até os anos 50,

sobrevivia basicamente das vendas em bancas e da oferta dos classificados.

O jornal encarou com desapontamento o início do governo de Jânio Quadros,

que criticava duramente a política de Juscelino Kubitschek, o que é possível notar neste

editorial:

Poucas vezes em nossa história um chefe de Estado fez afirmativas tão pessimistas sobre a situação financeira do país. E não resta dúvida que o presidente tinha razão no que dizia respeito às finanças nacionais. Mas... o presidente Jânio Quadros não pintou um retrato preciso da República, tendoomitido toda e qualquer referência ao processo de desenvolvimento

econômico brasileiro, que é real e não pode ser negado. O que é essencial, éque o Brasil não adote umas dessas políticas de austeridade sem liberdadeque só servem para manter a chamada democracia das aparências. Do Sr.Jânio Quadros queremos um governo excepcional, e não de exceção ( Jornal

do Brasil  apud ABREU, 2001. p. 2870).

As críticas diretas a Jânio intensificaram-se a partir de 3 de junho de 1961,

quando ocorreu o incidente da suspensão da Rádio Jornal do Brasil, em consequência da

divulgação da notícia de um pacto militar firmado entre Jânio e Arturo Frondizi,

 presidente da Argentina. As medidas tomadas a seguir pelo governo suscitaram

 protestos crescentes, culminando na condecoração do ministro cubano Ernesto Che

Guevara, que foi severamente criticada pelo Jornal do Brasil .

Com a renúncia de Jânio, em agosto de 1961, colocou-se a questão da posse do

vice-presidente João Goulart, inaugurando-se assim nova crise política. O jornal firmou

 posição em defesa da legalidade, passando a sofrer consequências da censura. Após a

 posse de Goulart, o impresso carioca deu um crédito de confiança a seu governo,

apoiando uma das principais questões encaminhadas pela nova administração: a política

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externa independente proposta pelo ministro das Relações Exteriores, Francisco de San

Tiago Dantas.158 

Em 22 de janeiro de 1962, o jornal criticou as pressões do governo norte-

americano na Conferência de Punta del Este, onde San Tiago Dantas defendeu o princípio da não intervenção em Cuba.159  A indicação de Dantas para o cargo de

 primeiro ministro foi bem aceita pelo  Jornal do Brasil , que entreviu aí a possibilidade

de um governo de união nacional. A recusa do Congresso veio, contudo, desapontar o

 jornal, ao mesmo tempo em que aguçou a crise política, adiada com a implantação do

 parlamentarismo. A convocação do plebiscito, dia 06 de janeiro de 1963, que decidiria

sobre a volta, ou não, ao regime presidencialista recebeu integral apoio do  Jornal do

 Brasil . Restaurado o presidencialismo e organizado o novo ministério, foi estabelecido,como objetivo prioritário do governo, encontrar uma fórmula que conciliasse a

continuidade do desenvolvimento do país com um programa anti-inflacionário

(ABREU, 2001, p. 2866 –  2871).

O Estado de São Paulo

O Estado de São Paulo é um jornal paulista diário e matutino. Foi fundado em 4

de janeiro de 1875, com o nome de  Província de São Paulo, por um grupo sob a

liderança de Américo Brasiliense de Almeida Melo e Manuel Ferraz de Campos Sales.

O jornal defendeu desde o início os interesses da elite agrária, combatendo a

centralização política e administrativa imposta pelo Poder Moderador ao longo do

Império. Em 1889 o jornal passou a chamar-se O Estado de São Paulo. Durante a sua

história ficou conhecido como um jornal conservador, apoiando as elites econômicas do

 país e defensor do liberalismo, tendo como uma de suas bandeiras a proposta de umamaior aproximação como os Estados Unidos durante a Guerra Fria. Foi acima de tudo

um jornal antigetulista e antipopulista.

158  A esse respeito, advertia o  Jornal do Brasil : “Os adversários dessa política exterior sustentadagalhardamente pelo presidente João Goulart e pelo chanceler San Tiago Dantas são minoria. Trata-se, noentanto, de uma minoria poderosa, com ramificações no estrangeiro, que atua metodicamente, como secumprisse as determinações de um comando central. Há uma verdadeira conspiração democrática de

direita em todo o continente, ameaça tão grande quanto a do comunismo” ( Jornal do Brasil   apudABREU, 2001, p. 2870).159 Quanto a isso, consultar o capítulo IV.

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O governo Kubitschek foi considerado por O Estado de São Paulo  como “o

 período mais tr abalhoso de toda a sua existência.” (ABREU, 2001, p. 2031). O jornal

opôs-se de maneira sistemática ao presidente, considerando um representante tardio do

getulismo. O início do governo de Jânio Quadros foi recebido com euforia pelo

 periódico. Pouco tempo depois, entretanto, o impresso paulista começou a se inquietar

com a política externa de Jânio, que defendeu a admissão da República Popular da

China na Organização das Nações Unidas (ONU), reatou relações diplomáticas com a

Hungria, a Romênia e a Bulgária, e condecorou o ministro cubano Ernesto Che

Guevara. Por fim, a partir de março de 1961, O Estado de São Paulo se enfileirou entre

os setores oposicionistas. A renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, foi recebida

com perplexidade. Contrário a posse de João Goulart, O Estado de São Paulo  não

confiava na solução parlamentarista. O novo presidente foi recebido com hostilidade.

Cronologia da Crise dos Mísseis

A Crise dos Mísseis durou exatos treze dias, este número serviu de inspiração

 para dar nome às manchetes de jornais, reportagens de revistas e, até mesmo, filmes.160 Como vimos, o conflito começa a ser narrado a partir do dia 16 de outubro de 1962,

quando o presidente Kennedy recebe a primeira informação a respeito das bases

nucleares que estavam sendo instaladas em Cuba pelo governo soviético. No dia 17 de

outubro o  Jornal do Brasil   e O Estado de São Paulo  noticiam, muito sutilmente, as

 primeiras informações a respeito do conflito. Do dia 17 até o dia 31 de outubro de 1962,

os dois periódicos pesquisados não passaram um só dia sem noticiar a Crise dos

Mísseis. A princípio, o Jornal do Brasil  ocupou mais as suas páginas do que O Estado

de São Paulo, mas, conforme a crise foi se agravando, os dois jornais passaram a

dedicar mais espaço para o grande embate da Guerra Fria.

 Na cronologia da Crise dos Mísseis podemos observar, através do  Jornal do

 Brasil   e O Estado de São Paulo, como as notícias sobre este conflito internacional

chegaram ao Brasil. Como vimos, em virtude do segredo com que o assunto era tratado,

160

 A revista Veja de outubro de 1962 deu a uma de suas reportagens o título “Treze Dias de Angústias”. Nos anos 2000 o cinema lançou o filme “Thirteen Days”, no Brasil recebeu o título de “Treze Dias queAbalaram o Mundo”. 

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a cobertura do mesmo inicia apenas a partir do dia 23 de outubro, quando o conflito

tornou-se público, depois do discurso feito, no dia anterior, pelo presidente Kennedy e

transmitido pelo rádio e televisão.

O Jornal do Brasil  noticiou, em sua reportagem de capa, o início do bloqueioamericano: “O presidente Kennedy proclamou, ontem à noite, a decisão norte-

americana de realizar, de imediato, o bloqueio aeronaval de Cuba, para impedir o

transporte de qualquer tipo de armamento à ilha”. 161  Mais além, comenta: “O

 presidente João Goulart declarou que o Brasil não aceita o recurso à violência como

forma de solução dos conflitos internacionais”. 162 

O dia 24 de outubro de 1962 foi de muita tensão no cenário internacional. O

 bloqueio prometido pelos Estados Unidos entrou em vigor e navios norte-americanos se

 posicionaram para impedir que embarcações se encaminhassem a Cuba. Neste dia, o

 Jornal do Brasil   foi mais enfático, dando maior espaço para o conflito, trazendo uma

importante reportagem que mostrava a União Soviética alertando as suas tropas e

acusando os Estados Unidos de encaminhar o mundo para guerra.163  É ressaltada na

matéria a indignação da URSS em relação às decisões estadunidenses, questionando o

direito de Washington em intervir no destino de outros países. Em um trecho da

reportagem, o jornal explicita as perguntas dos soviéticos: “Quem deu aos Estados

Unidos o direito de assumir o papel de mestre dos destinos de outros países e outros

 povos? Porque devem os cubanos revelar os assuntos internos de sua pátria somente

 para agradar os Estados Unidos?”164  Enquanto o  JB  expôs a indignação e os

questionamentos soviéticos, o  Estadão  trouxe em suas páginas deste mesmo dia

novamente trechos do discurso proferido pelo presidente Kennedy, sem se preocupar em

dar muito destaque ao conflito propriamente dito.

Com a tensão aumentando a cada dia, a ONU, através de seu secretário-geral U

Thant, iniciou uma tentativa de negociação entre as duas superpotências. O

envolvimento da ONU no conflito foi amplamente divulgado pelos jornais no dia 25 de

outubro de 1962, apesar do próprio insucesso da ação. Diferentemente do que vinha

161 Dizia o jornal: “A União Soviética cancelou ontem todas as licenças militares. Fez com que os paísesdo bloco socialista acentuem os seus preparativos bélicos e acusou os Estados Unidos de darem um passona estrada que leva ao desencadeamento de uma guerra nuclear” ( Jornal do Brasil , 23 de outubro de1962, Caderno 1, p. 1).162

  Jornal do Brasil , 23 de outubro de 1962, Caderno 1, p. 1.163  Jornal do Brasil , 24 de outubro de 1962, Caderno 1, p. 3.164  Jornal do Brasil , 24 de outubro de 1962, Caderno 1, p. 3.

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ocorrendo até então, nesta data, o jornal O Estado de São Paulo deu maior cobertura à

Crise dos Mísseis em comparação ao  Jornal do Brasil . Além da reportagem de capa, o

impresso paulista distribuiu as notícias sobre o conflito em mais seis páginas,

apresentando aos seus leitores relatos mais detalhados sobre as negociações em curso. A

reportagem de primeira página do periódico deteve-se na mudança de rumo dos navios

russos e no bloqueio naval em vigor pela Marinha dos Estados Unidos. Dizia o jornal:

Um porta-voz do Departamento de Defesa informou hoje que alguns dosnavios do bloco comunista que se dirigem a Cuba, aparentemente alteraramseu rumo. Acrescentou, porém, que os navios continuam navegando paraCuba. Aduziu o porta-voz que ainda não foi necessário interceptar os citadosnavios.165 

 No dia 26 de outubro de 1962, a Crise dos Mísseis obteve grande cobertura

 jornalística tanto pelo  Jornal do Brasil   quanto pelo O Estado de São Paulo. No  JB,

destacamos a reportagem da página 3, noticiando que os membros do Conselho de

Segurança passaram a considerar a proposta do Brasil para solucionar o impasse.

Conforme o impresso: “[a]lguns Estados membros  do Conselho de Segurança estão

considerando apresentar a proposta brasileira, feita perante a Assembleia-Geral no

início do atual período de sessões, de que as regiões da América Latina e África sejam

consideradas zonas desnuclearizadas.”166 Em relação a isso, percebe-se nitidamente que

o impresso carioca passou uma imagem muito positiva do Brasil frente ao conflito

internacional, destacando que o secretário-geral da ONU, U Thant, dirigiria a proposta

 brasileira aos Estados Unidos e à União Soviética.

 Na mesma data, o  Estadão, diferindo do  JB, foca nas condições impostas por

Kennedy e Kruschev para solucionar a crise. Segundo o jornal, os dois governantes se

dispunham a negociar a paz, atendendo ao apelo de U Thant, na medida em que ambosestariam preocupados com o rumo da crise e os seus governos teriam enviando

mensagens ao secretário da ONU, considerando a possibilidade de um acordo. 167 Já, em

165 O Estado de São Paulo, 25 de outubro de 1962, Caderno 1, p. 1.166  Jornal do Brasil , 26 de outubro de 1962, Caderno 1, p. 3.167  Segundo o jornal, Kennedy teria escrito: “Em sua mensagem e em sua declaração no Conselho deSegurança, ontem à noite, V.Exa. fez certas sugestões e propôs conversações preliminares para ver se

 pode chegar a acordos satisfatórios. Posso dar-lhe garantias de nosso desejo de chegar a uma solução

satisfatór ia desta questão”. Já Kruschev escreveu: “Recebi sua mensagem e a estudei com atenção.Felicito-o por sua iniciativa e compreendo sua preocupação pela situação criada na zona das Antilhas,uma vez que o governo soviético também considera esta situação muito perigosa e que, como tal, exige a

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relação ao posicionamento brasileiro e a sua tentativa de conciliação do conflito, O

 Estado de São Paulo não divulgou nenhuma informação.

Com base no levantamento aqui realizado, o dia 27 de outubro poderia ser

considerado como uma data de trégua entre os envolvidos na Crise dos Mísseis, pois, osdois jornais pesquisados noticiaram que os Estados Unidos e a União Soviética

atenderiam ao pedido do secretário-geral da ONU, evitando o encontro dos barcos

soviéticos com os barcos americanos. O dia 28 de outubro de 1962, porém, foi de

intensas negociações. O JB trouxe, para seus leitores, o acordo proposto pelo primeiro-

ministro soviético Kruschev que se dispunha a desativar as bases em Cuba, desde que os

Estados Unidos também desativassem as bases na Turquia. Esta proposta foi enviada ao

 presidente Kennedy e ao secretário-geral do ONU. Na página 2, o impresso cariocaesclareceu que os soviéticos teriam a mesma preocupação que os americanos sobre o

 perigo representado por bases nucleares inimigas tão perto de seus países. Disse

Kruschev em sua mensagem:

O presidente Kennedy parece preocupado com bases de foguetes a 150quilômetros do litoral norte-americano, mas a Turquia esta localizada aonosso lado. Nossos guardas caminham e fitam uns aos outros. Os senhoreslocalizaram foguetes destruidores na Turquia, literalmente junto de nós, aonosso lado.168 

O Estadão, por sua vez, destacou, em sua capa do dia 28 de outubro, a decisão

de Kennedy de somente levantar o bloqueio naval se a União Soviética inutilizasse as

 bases:

O presidente Kennedy anunciou que concorda em ordenar a suspensão daquarentena imposta a Cuba, dispondo-se também a dar garantias de que a ilhanão será invadida, desde que o chefe do governo soviético tome prontamenteas providências necessárias para tornar inofensivas as bases de foguetesnucleares instaladas em Cuba, sob o controle da ONU, e suspenda o envio dearmas ofensivas para a ilha.169 

Já no dia 30 de outubro de 1962, o clima de tensão se distendia nas páginas dos

 jornais, com os Estados Unidos admitindo suspender o bloqueio e a União Soviética se

comprometendo em retirar os foguetes de Cuba. O  Jornal do Brasil  e O Estado de São

 Paulo  traziam em suas capas do dia 30 de outubro manchetes sobre o alívio

intervenção imediata da ONU. Declaro-lhe que estou de acordo com sua proposta, que corresponde aos

interesses da paz” (O Estado de São Paulo, 26 de outubro de 1962, Caderno 1, p. 2).168  Jornal do Brasil , 28 de outubro de 1962, Caderno 1, p.2.169  O Estado de São Paulo, 28 de outubro de 1962, Caderno 1, p. 1.

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internacional, depois de duas semanas de tensas negociações entre duas potências

nucleares.

Já no dia 31, a expectativa da chegada do fim dos impasses se confirma, com

EUA e URSS negociando o encerramento da Crise dos Mísseis e o término dosmomentos de tensão vividos pelo mundo com a iminência de uma guerra nuclear. O

 Jornal do Brasil  trouxe na sua capa deste dia, a boa imagem com que o Brasil sairia da

crise. O presidente João Goulart havia enviado o General Albino Silva a Havana e

considerou os resultados satisfatórios. Segundo o  JB, o governo brasileiro se manteve

como mediador da crise, em busca da paz. E este posicionamento brasileiro foi elogiado

 pelo presidente Kennedy, que, conforme o impresso, “manifestou a um grupo de 80

oficiais brasileiros da Escola Superior de Guerra, na Casa Branca, a esperança de que oBrasil e Estados Unidos continuem a caminhar juntos”. 170 Enquanto o impresso carioca

apoiava o presidente João Goulart e a política externa brasileira, o  Estadão

desconsiderava abertamente a linha de ação da diplomacia nacional nesse conflito.

Editoriais

Finalizaremos nossa pesquisa com a análise de dois editoriais, um de O Estado

de São Paulo  e outro do  Jornal do Brasil . Pretendemos, como isso, verificar se a

cobertura diferenciada de cada jornal sobre o episódio no espaço da informação

confirma-se também no espaço da opinião. E, pode-se adiantar, na análise dos editoriais

de ambos os periódicos pesquisados, percebemos uma série de divergências de opiniões

sobre a Crise dos Mísseis e a posição da política externa brasileira do governo João

Goulart.

O Estado de São Paulo, com o editorial intitulado “O Brasil ante a capitulação

do URSS” considerou desfavorável o afastamento do país em relação aos Estados

Unidos e criticou a diplomacia brasileira no que se refere à Crise dos Mísseis. Em

determinado momento, chegou a dizer:

Vai se tornando extremamente desagradável a posição em que o Brasil, nestemomento crucial da história da humanidade, é colocado pelo grupo dehomens a cujas mãos foram cair, para a infelicidade do país, as rédeas danossa política diplomática. Tudo que se vem fazendo nesse campo é

 profundamente errado. A posição do Itamarati em relação aos acontecimentos

170  Jornal do Brasil , 28 de outubro de 1962, Caderno 1, p. 1.

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desencadeados pela ocupação militar de Cuba pela Rússia, é de todoinsustentável.171 

O Estadão igualmente considerou irresponsável a determinação de João Goulart

em rejeitar o projeto dos membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) de

apoiar incondicionalmente as decisões dos EUA, discordando abertamente dos rumos da

 política externa do presidente do PTB:

E foi para isso que o governo brasileiro tentou torpedear a atitude másculados dirigentes norte-americanos. Mais de uma vez aqui temos afirmado quenenhuma responsabilidade o povo brasileiro tem nesta política indigna. E quea nação não se identifica nela e que formalmente a repudia, atesta-o entremuitos outros fatos o documento em que várias associações brasileiras sedirigem ao senador Moura Andrade pedindo-lhe a convocação imediata doCongresso Nacional para a clara definição da política brasileira no planointernacional.172 

Em outras palavras, o jornal condenou taxativamente a linha ação do governo

Goulart nesse caso, considerando que o mais prudente seria a solidariedade do Brasil

com as causas norte-americanas. Posicionamento que, a rigor, é coerente com a crítica

que o impresso paulista já havia feito a Jânio Quadros e a “Jango” em relação à

condução das relações exteriores brasileiras com base nos princípios da Política Externa

Independente. Com o encerramento da Crise dos Mísseis, após a negociação entre as

duas superpotências, pairava no ar o temor norte-americano que a América Latinasucumbisse ao comunismo. Os Estados Unidos não ficaram muito satisfeitos com a

 postura do Brasil em relação à Crise dos Mísseis, na medida em que o país não se

 posicionou contrário a Cuba. Esta também era a preocupação do jornal O Estado de São

 Paulo, ao defender que o Brasil deveria ter seguido a convocação norte-americana para

combater o comunismo na América.

O editorial do  Jornal do Brasil   do dia 31 de outubro de 1962 foi em sentido

contrário, estampando a seguinte manchete: “Prestígio Externo”. Mostrava-se, assim,

totalmente de acordo com o posicionamento da política externa brasileira em relação ao

conflito:

 Neste momento em que uma das crises mais graves que o mundocontemporâneo já conheceu, dá ao Brasil a oportunidade de projetar, no

 plano internacional, a sua imagem de nação defensora da paz e propugnadorade soluções políticas racionais, vale a pena recordar que foi áspero e

171  O Estado de São Paulo, 30 de outubro de 1962, Caderno 1, p. 3.172

 O Estado de São Paulo, 30 de outubro de 1962, Caderno 1, p. 3.20 Jornal do Brasil , 31 de outubro de 1962, Caderno 1, p. 6

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 pontilhado de incompreensões o caminho percorrido por todos aqueles que,na política, na diplomacia, na imprensa e em tantos outros setores,trabalharam em favor de uma política externa independente.173 

Enquanto o jornal O Estado de São Paulo critica o Brasil por não ser solidário às

causas norte-americanas, o  JB elogia o governo brasileiro por não votar passivamente

em favor de todas as propostas dos Estados Unidos.174 Além disso, o impresso carioca

se posicionou favorável à Política Externa Independente do governo Goulart, ocupando

suas páginas com elogios ao Brasil e incentivando as decisões brasileiras frente à

 política internacional. Encerrando assim seu editorial do dia 31 de outubro de 1962:

A política externa brasileira não tem donos nem donatários. Ela é de um paísque se afirma e que sabe o que está fazendo. É de todos, inclusive daquelesque antes não compreendiam que nela estavam implícitos poder e glória parao nosso país. 20

A partir deste editorial do Jornal do Brasil , percebemos uma grande divergência

entre os periódicos. Enquanto o jornal O Estado de São Paulo  criticava veemente a

 política externa brasileira em relação ao conflito de Cuba, o  Jornal do Brasil  apoiava

totalmente a postura da diplomacia brasileira na condução do caso, mostrando confiança

no governo João Goulart nesta questão e sustentando, inclusive teoricamente, a Política

Externa Independente levada adiante por ele. Nada mais diferente um do outro, então.

Considerações f inais

O objetivo do presente texto foi abordar a Crise dos Mísseis tomando por base as

reportagens dos jornais O Estado de São Paulo e o Jornal do Brasil . Escolhemos estes

dois periódicos brasileiros com a intenção de analisar a postura da imprensa frente ao

episódio de outubro de 1962, na medida em que se trata de dois jornais importantes e de posicionamentos divergentes.

 No que se refere ao levantamento numérico das reportagens, observamos que o

 Jornal do Brasil  ofereceu mais destaques nas reportagens sobre o conflito, enquanto que

O Estado de São Paulo iniciou a cobertura jornalística sobre o episódio de maneira mais

moderada, divulgando pequenas notas sobre a crise. Analisando a condução jornalística

173  Jornal do Brasil , 31 de outubro de 1962, Caderno 1, p. 6.174 Editoriais em anexo.

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investigar melhor o assunto, a sua defesa da participação “neutralista” do Brasil, no caso

da Crise dos Mísseis, e o seu apoio dado à PEI parecem-nos estar ligados a essa nova

 postura editorial do jornal que, pelo visto, não se reduz às mudanças gráfico-editoriais,

mas envolve também o seu posicionamento doutrinário do periódico, tanto em favor do

desenvolvimentismo, como da Política Externa Independente com a qual o

desenvolvimentismo está intrinsecamente ligado.

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