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1 REVISTAS EM TURISMO: FELICIDADE À VISTA CYNTHIA MENEZES MELLO FERRARI Apropriada pela lógica capitalista a felicidade que por muitos séculos foi um estado de espírito ligado ao divino deslocou-se a mãos da produção cultural do mercado capitalista, transformando-se em um produto simbólico poderoso para obtenção dos sujeitos de prazeres, status para a construção e/ou manutenção de distinções de singularidades visando o engajamento destes em seus relacionamentos no mundo globalizado. Ser feliz tornou-se um imperativo do gozo contemporâneo, um direito a ser alcançado pelos sujeitos que buscam as singuralidades e, paradoxalmente, por meio de projetos de felicidade homogêneos mercadologicamente construídos, levando-os a atender a lógica consumista e, para tanto, midiaticamente formatados. O texto analisa os projetos de felicidades contemporâneos construídos pelas revistas em turismo, apresentados como receitas produzidas para tornarem-se modelos para o leitor ser felizenquanto turista em paraísos turísticos para fruição dos prazeres e descobertas de si. Palavras-chave: felicidade, projetos homogêneos, revistas em turismo. A FELICIDADE Nunca antes a palavra felicidade foi tão utilizada, ou melhor, tão convocada para expressar estados de espírito, desejos, esperanças e projetos pessoais na lógica capitalista globalizada das sociedades contemporâneas ocidentais. As prateleiras da produção dos sujeitos modernos estão abarrotadas de títulos sobre como ser feliz hoje - não ontem e nem amanhã, mas aqui e agora e podem ser encontrados em centenas de livros, guias, revistas, blogs e sites compondo uma diversidade de abordagens de auto- ajuda religiosas, psicológicas, científicas, turísticas entre outras. Os livros de auto-ajuda disparam na lista dos mais vendidos e prometem sucesso garantido ao propor caminhos aos seus leitores sobre como devem aderir a suas orientações para viver com qualidade

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REVISTAS EM TURISMO: FELICIDADE À VISTA

CYNTHIA MENEZES MELLO FERRARI

Apropriada pela lógica capitalista a felicidade que por muitos séculos foi um estado de

espírito ligado ao divino deslocou-se a mãos da produção cultural do mercado

capitalista, transformando-se em um produto simbólico poderoso para obtenção dos

sujeitos de prazeres, status para a construção e/ou manutenção de distinções de

singularidades visando o engajamento destes em seus relacionamentos no mundo

globalizado. Ser feliz tornou-se um imperativo do gozo contemporâneo, um direito a ser

alcançado pelos sujeitos que buscam as singuralidades e, paradoxalmente, por meio de

projetos de felicidade homogêneos mercadologicamente construídos, levando-os a

atender a lógica consumista e, para tanto, midiaticamente formatados. O texto analisa os

projetos de felicidades contemporâneos construídos pelas revistas em turismo,

apresentados como receitas produzidas para tornarem-se modelos para o leitor “ser

feliz” enquanto turista em paraísos turísticos para fruição dos prazeres e descobertas de

si.

Palavras-chave: felicidade, projetos homogêneos, revistas em turismo.

A FELICIDADE

Nunca antes a palavra felicidade foi tão utilizada, ou melhor, tão convocada para

expressar estados de espírito, desejos, esperanças e projetos pessoais na lógica

capitalista globalizada das sociedades contemporâneas ocidentais. As prateleiras da

produção dos sujeitos modernos estão abarrotadas de títulos sobre como ser feliz hoje -

não ontem e nem amanhã, mas aqui e agora e podem ser encontrados em centenas de

livros, guias, revistas, blogs e sites compondo uma diversidade de abordagens de auto-

ajuda religiosas, psicológicas, científicas, turísticas entre outras. Os livros de auto-ajuda

disparam na lista dos mais vendidos e prometem sucesso garantido ao propor caminhos

aos seus leitores sobre como devem aderir a suas orientações para viver com ‘qualidade

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de vida’ e serem assim felizes. Quem não se lembra do livro e do DVD “O Segredo”1?

A obra foi um dos best sellers da auto-ajuda nos últimos dez anos e ensina como atrair

a felicidade total. Assim, a indústria do bem-estar e do aprimoramento pessoal se

expande dia-a-dia oferecendo um leque invejável de produtos e serviços com palestras e

workshops motivacionais; DVDs e CDs acompanhados de terapias diversas como:

comportamental, holística, do amor, do riso, de plantas, bioenergética, de linha oriental,

indígena ou até extraterrena; serviços de coaching presencial e a distância atendendo as

categorias de pessoal e empresarial. (FREIRE, 2010).

Os esforços para ser feliz também incluem os cuidados com o corpo, mente e espírito.

Os programas para um corpo saudável e sarado incluem exercícios milagrosos que

incentivam a alimentação natural e balanceada. Sacrifícios interpretados como prazer

pelos sujeitos para obter-se um corpo perfeito através de dietas milagrosas, cirurgias

estéticas, pílulas, massagens e cosméticos rejuvenescedores e eficientes. Nesta lista

incluem-se os consultores de imagem e os personals trainings garantindo aos seus

pupilos o não desvio destes programas, de maneira rápida, personalizada e eficaz.

Entretanto, para apaziguar o ‘eu’ (mente e espírito) surgem também os diversos tipos de

gurus espirituais, terapeutas alternativos e suas práticas de auto-ajuda, equilíbrio

emocional, descobertas subjetivas do sentido da vida, etc.

Os meios de comunicação atuais, do mesmo modo, oferecem auxílio aos

leitores/telespectadores para consecução de suas metas de viverem felizes noticiando os

programas de felicidade na moda ou mesmo propondo centenas deles em algumas das

segmentações de sua grade televisiva2; os jornais fazem o mesmo esforço através dos

seus suplementos, sem dizer nos diversos gêneros das revistas que atendem os públicos

segmentados ofertando receitas supostamente mais especializadas3.

1 O livro de Rhonda Byrne foi lançado em 2007, posteriormente recebeu versão em DVD, vendendo milhões de exemplares e cópias

e explica o segredo das leis da atração através de posturas otimistas, de como se pode conseguir tudo o que se deseja e ser assim,

feliz.

2 Recentemente a TV Globo e a TV Record lançaram quase simultaneamente os programas televisivos: ‘Bem-estar’ e ‘ E aí,

Doutor?’ voltados para informações sobre como ‘viver bem’, abordando temas sobre saúde, bem estar, alimentação, etc.

3 Femininas, masculinas, entretenimento, lazer e viagens, teen, crianças, sustentabilidade e meioambiente, negócios e carreira, etc.

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É possível também discernir, também, um entusiasmo crescente pela temática

da felicidade em segmentos mais prestigiosos da mídia, como revistas

semanais de informação. Veja, Época e IstoÉ elegeram, recentemente, a

assistência na conquista do bem-estar subjetivo como o foco de matéria de

capa. (FREIRE, 2010, p.21).

Paulo Vaz (2010, p.135) enfatiza que “O direito à felicidade de cada indivíduo é um

lema maior das culturas ocidentais contemporâneas” e, não mais uma possibilidade

remota de ser usufruída após a morte, nos paraísos celestiais doados pelo divino. Trata-

se de um dever a ser perseguido como inserido “ao consumo de bens e serviços”,

resultado da consciência do homem acerca da finitude humana, o que explica a adesão

de tantos esforços comungados em prol do ser feliz hoje.

Quem não quer ser feliz? Como posso e devo ser feliz? Quais são os caminhos da

felicidade? Quem pode me ajudar? São algumas das indagações que compõem o atual

imaginário sobre a felicidade e permeiam a subjetividade cotidiana dos sujeitos, estejam

eles dispostos ou não, a serem submetidos aos padrões de felicidades modernos. Neste

sentido, podemos dizer que o mote do sucesso da busca da felicidade está na

composição de elementos diversos como status social e sucesso; prazer e bem-estar

físico e espiritual; riqueza e poder; liberdade e emancipação, mobilidades (sociais e

físicas), etc. Constituindo-a em um amálgama de desejos, sonhos e fantasias possíveis

de serem realizadas na e pela lógica capitalista, ao ponto de tornar a felicidade um tipo

de indumentária obrigatória para os sujeitos se reconhecerem como tal. Este traje

mostra-se impermeável às tristezas, uma capa contra as frustrações e desilusões

cotidianas, entretanto sempre tecida primorosamente por seu principal genitor, o

onipresente discurso publicitário, a partir de imagens engendradas astutamente para

alinhavar qualquer corpo sócio-cultural.

Estas imagens se apresentam através de “uma família sorrindo numa casa repleta de

objetos que trariam conforto e aliviariam a dureza do trabalho doméstico; ou então

cenas de jovens se aventurando por praias, florestas e montanhas”, praticando esportes

radicais “ ou se divertindo em festas” e viajando para lugares exóticos distantes de suas

realidades mundana. E mais: podendo ser descartada, trocada por outra veste, a qualquer

momento, sem explicações ou sentimentos de culpa adequando-se aos novos desejos

surgidos de novas imagens arquitetadas pela publicidade contanto que haja sempre,

outro traje a disposição para não deixar os sujeitos nus. (VAZ, 2010, p.135).

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Deste modo, administrar a felicidade é mais uma das tarefas absorventes do cotidiano e,

portanto, também percorre o caminho angustiante e árduo do dia-a-dia provocando uma

obrigatoriedade imposta de se viver o tempo todo flertando com ela por meio dos seus

representantes: objetos, mercadorias e consultores. Se outrora a felicidade se baseava

em um percurso em uma esfera pública ou então somente “possível após a morte” esta

imagem tornou-se uma ideia jurássica, em que a plena consciência do indivíduo de sua

extinção, o levou a procurar caminhos mais curtos - mas nem sempre eficazes de ser

feliz, de incorporá-la, ou melhor, transvestir-se com qualquer modelo da moda oferecido

pelo mercado capitalista através de projetos individuais deixando para trás os

investimentos ou à sua guarda ao tempo futuro e/ou de sua manifestação através do

divino.

Vaz (2010) complementa a ideia definindo o lema de se feliz como a cultura terapêutica

que passou ser: ter saúde, experenciar entretenimento, exercitar sorrisos, provocar

adrenalina, fazer sexo sem repressão e ter objetos. Ou em outras palavras: atingir o bem-

estar a partir do hedonismo e o narcisismo. De tal modo, que a chave para o acesso a

felicidade depende de um território fértil de objetos de desejo tornando-se propício para

desenvolver emoções, os prazeres e as satisfações individuais no mundo real/ ou não

dos sujeitos. Por outro, o sentido hodierno da felicidade também está alicerçado, ou

melhor, esta na sua condição de ser um ideal enquanto valor subjetivo dos sujeitos:

(...) trata-se de designar “o valor”, numa cultura em que a satisfação terrena,

mundana, dos sujeitos humanos é considerada preeminente. Não se trata

assim apenas de um valor positivo entre outros, mas de um novo e imanente

summum bonum, desejo e esperança de todos os sujeitos. (...) Essa visão

moderna de mundo é fundamentalmente eudemonista, ou seja, voltada para

satisfação dos ideais neste mundo nesta vida – e não em outra. (Duarte, 2010,

p. 241).

Entretanto a felicidade também é um grande espetáculo, em que os sujeitos não querem

mais apenas assistir, mas precisam participar para fazer parte, incorporar, e realmente

vesti-la a qualquer preço. Neste sentido, não temos como negar que o show tomou conta

da vida dos sujeitos globalizados que encenam vários personagens e papéis no palco de

suas vidas buscando uma suposta originalidade ao incorporar os projetos de felicidade e

vestir suas fantasias temáticas de prosperidade. Dessa forma:

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Cedo ou tarde, qualquer pessoa pressente que sua posição emocional é

parecida com a fera na jaula e, justamente por isso, o homem moderno é um

sonhador de confins ampliados, que exige às indústrias do corpo, do turismo

e do espetáculo ser abastecida por estímulos originais. (FERRER, 2010,

p.165)

Não tão originais, pois vivemos na era da produção em série, em que o novo está

submetido e “subordinado à repetição e à regularidade”. Os meios de comunicação

incitam não só a olhadela do espetáculo de ser feliz, mas também oferecem fórmulas

mágicas através de receitas modalizadoras de como chegar lá “ao assumirem o seu

papel de apaziguadores ou de excitantes, dependendo de como se olhe, mas

principalmente por exercerem função de alívio que em outra época era oferecido por

capelas ou templos.” ( FERRER, 2010, p. 165).

Como parte do show, os sujeitos consomem preferencialmente imagens de um mundo

próspero, colorido, pacífico, saudável, moderno e rico abastecido primordialmente pelas

mídias, não apenas para encontrar os caminhos para adentrar na experiência de ser feliz,

mas também, para renovarem as emoções, sempre de formas rápidas e fugazes tão

necessárias e vitais para não se perder tempo e postas como representações da felicidade

terrena e não mais celestial, pois são conscientes que o tempo é o seu mais perigoso

algoz. Afastar o máximo possível as imagens ligadas à infelicidade, a morte, a pobreza

e as convocações aos projetos coletivos que lhe façam perder tempo - excetos aqueles

que apelam à sustentabilidade e a cidadania frugal - tornam-se o ideário de vida dos

sujeitos contemporâneos.

PROJETOS DE FELICIDADE, REALMENTE EXISTEM?

Mas... Quais são os problemas destes projetos de vida? Fundamentalmente, adequar-se a

esta realidade requer um esforço cotidiano individual exigindo que os sujeitos

estabeleçam seus projetos de felicidade nas relações com o mundo para no mínimo

poder acessá-la e sentirem-se vivos no espetáculo do mundo. Estes planos de felicidade

fazem parte de um complexo processo da construção da realidade social que “elege,

elabora e constitui valores éticos, morais, estéticos, políticos, afetivos e econômicos”,

de acordo com VELHO ( 2010,p.228 ).

O que pode levar os sujeitos a buscarem a adaptação no mundo por meio do consumo

exacerbado de objetos, aos excessos, em função da falta de critérios e limites em suas

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escolhas de vida. Este destemperamento na seleção dos valores sócio-culturais é

incentivado pela lógica capitalista que precisa se realizar para dar continuidade ao

consumo de bens e serviços. Desta maneira perpetuando um mercado vigoroso que se

impõe em todos os aspectos nas vidas das pessoas (in) comuns para serem felizes: ou

seja, no campo profissional e financeiro; afetivo e sexual; saúde e juventude, etc. O que

às vezes parece ser simples de ser conquistado origina diversos outros tantos obstáculos

que bloqueiam os fluxos da prosperidade para que o bem-estar da felicidade flua

tranquilamente nas vidas do sujeito. Assim, ser feliz na contemporaneidade demanda

muito tempo, dinheiro, energia, construindo sonhos impossíveis levando-os as

frustrações diversas, dívidas desnecessárias, sacrifícios sem sentidos, negações de si

para ser Outro; egoísmo e renúncia de esforços e envolvimentos nos projetos sociais

coletivos.

Safatle (2005) remete-nos à visão lacaniana sobre estes paradoxos, a partir de Zizek

(2003), para contextualizar a injunção social da felicidade na atualidade: “Goze sua

sexualidade, realize seu eu, encontre sua identidade sexual, alcance o sucesso ou,

mesmo goze uma ascese espiritual” . (SAFATLE, 2005, p, 120 apud ZIZEK, 2003).

Safatle (2005) aponta que o grande problema destas ações e seus ‘pseudosprojetos’ são

a insensatez do imperativo deste gozo que reside na falta de regras de conteúdo sobre

“como gozar ou qual objeto adequado ao gozo” e que apenas incita ao “(...) goze sem

predicações, um puro “não ceda em seu desejo””. Uma “desvinculação geral entre

imperativo do gozo e conteúdos normativos privilegiados” e assim, “pode nos ajudar a

compreender porque, na sociedade de consumo “ magro, bonito bronzeado” pode

facilmente ser trocado, por exemplo, por “ doente, anoréxico e mortífero”, sem

prejuízos para sua capacidade momentânea de mobilização de desejos” ou seja: ser feliz

através de projetos que não existem. (SAFATLE, 2005, p, 132).

Assim, derruba-se a compreensão de que os sujeitos realmente construam para si

‘projetos de felicidade’. A manifestação forçosa de se gozar a felicidade na

presentificação, não permite aos sujeitos tempo suficiente para que estabeleçam regras

de planejamento e de seleção de como e qual é o melhor objeto de desejo para fazê-lo.

Sem planejamento, não existem projetos, pois os mesmos pressupõem idealizações,

futuro, tempo para amadurecimento de ideias levando tudo e todos, sem limites

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tornarem-se objetos de desejos das pessoas. Sobre este aspecto também podemos

complementar com Lepovitsky (2007), afirmando que vivemos em um tempo do

hiperconsumo, na civilização da felicidade e ser feliz nestes moldes desemboca em uma

desorientação psicológica.

Como dissemos, tudo deve ser em demasia, ou em outras palavras ‘ter e ser’ em exagero

ficando excluídas quaisquer disposições para associar-se aos projetos coletivos que

exigem esforços de mobilização do sujeito, em termos de tempo e energia despendidos

para seus planejamentos. O ‘seu tempo’ passa ser o inimigo número um dele mesmo -

o principal indicador de sua finitude corporal. Em seguida, transfere essa culpabilidade

de não saber administrar o ‘seu tempo’ lançando-a ao inimigo número dois, o Outro

social-cultural acerca das frustrações de uma vida infeliz. Os sintomas podem surgir por

meio da hipercompetitividade profissional, a partir da intranquilidade do futuro semeada

pelo mercado através dos empregadores; o dente por dente e olho por olho, torna-se a

ética da moral empresarial hipocritamente combatida pelos projetos de felicidade

oferecidos por estes para o suposto combate ao bullyng e fazendo dos programas

motivacionais, de coaching, de lideranças, desenvolvimento de habilidades e

competências, o sucesso que são na realidade empresarial, pois supostamente ensinam

os desvios e as encruzilhadas perigosas do insucesso para a realização profissional e/ou

os assédios morais indesejados de colegas e empregadores. Ou então, através do

sintomático culto ao corpo, da boa forma e a juventude é outro suposto projeto de

imperativo da felicidade exigindo adesão em massa dos sujeitos em planos que facilitem

a suposta eternidade da vida ou a juventude sem fim, como se a maturidade fosse o

caminho da infelicidade, um vírus perigoso, o término do gozo, de tudo e deve ser

bloqueada, expurgada do DNA das pessoas.

As celebridades também se enquadram neste diagnóstico preocupante e orquestram os

espetáculos da felicidade, moldando e projetando os sujeitos - a partir deste mundo de

fantasias e shows em que elas residem, a buscarem as mesmas ‘experiências de vida e

em vida’. Supostamente, para o homem comum ser uma celebridade consiste em viver o

tempo todo de sua existência em um estilo de vida perfeito de tanta alegria: repleto de

sucesso, saúde, juventude, dinheiro e muito lazer e viagens. A imagem do estilo de vida

das celebridades corrobora na luta, ou melhor, no extermínio da tristeza que também

recebe apoio de fórmulas mágicas medicamentosas associadas a tratamentos de

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felicidade guiados pelos diversos gurus a disposição em arenas midiáticas, empresariais

e igrejas e/ou seitas renovadoras com meditação ou sem e, oferecem soluções

definitivas contra os infortúnios do cotidiano. Outra possibilidade é o sujeito poder

encontrar o seu caminho de felicidade transformando-se em um profissional do ser feliz,

da indústria do bem-estar, aliás, uma receita muito perseguida profissionalmente em

nossos dias. Portanto, os supostos projetos de ascensão social se solidificam cada vez

mais “nas molas do capitalismo (...) expressos na busca de melhores trabalhos, com

maior remuneração, do consumo e, de modos distintos, de reconhecimento social”, pois

significam o ser feliz hoje. (VELHO, 2010, p. 228).

Neste caminho não existem desculpas plausíveis, o imperativo da realidade

contemporânea é ser feliz e mesmo para aqueles sujeitos que por razões diversas não

podem aderir facilmente às prescrições oferecidas pela variedade de consultores

(profissionais, de estilo, afetivos, negócios, viagens etc.) resta ainda uma poderosa

aliada, mais econômica e de fácil acesso: a mídia com seu receituário. É só escolher: na

tela da TV, na internet, na banca de jornal, etc.

FELICIDADE VIA REVISTAS EM TURISMO

Omitimos propositalmente os projetos de felicidade acoplados às experiências de viajar

no sentido de oferecer antes uma visão geral da complexidade do cenário em que se

realizam visando primeiramente provocar reflexões sobre a temática para facilitar a

contextualização do turismo em suas práticas de ser feliz e a sua materialização

antecipada através das fantasias provocadas através das páginas das revistas em turismo.

A concepção da singularidade, distinção social e da finitude corporal como

apresentamos são alguns dos elementos que norteiam a busca da felicidade

contemporânea operando da mesma forma como fator de mobilização às práticas

turísticas, transformando as viagens em embrulhos culturais, como também em uma

importante indústria do capitalismo globalizado, consequência direta da procura de

identificações dos sujeitos contemporâneos em serem felizes por meio do lazer e

entretenimento no hoje.

Para Velho (2010, p. 229) esta “ ideia da felicidade desenvolve-se num quadro

sociocultural em que a interação e o olhar e julgamento dos outros é fundamental” para

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os leitores sentirem-se reconhecidos como pessoas especiais, valoradas socialmente,

onde vir-a-ser turista oferece, além de status social uma oportunidade de experenciar

outros papéis mais estimulantes e distantes das obrigações maçantes do cotidiano no

espetáculo proposto pela indústria do turismo endossados moralmente.

Partiremos das reflexões de Wainberg (2003, p. 51- 50) de que o turismo é a indústria

da diferença, pois comercializa o estranho, o diferente e, a essência desta prática social

consiste no “poder de atração que a diferença possui”. E mais: “apresentar o estranho

como um produto não ameaçador e possível de desfrute” facilitando a excitação e a

fruição do Outro cultural que pode construir e/ou realimentar sonhos e fantasias dos

sujeitos em serem felizes nas diferentes máscaras identitárias que assumem ao percorrer

as diversas possibilidades de viagens. Por outro, a diferença também é um soro

imunizador contra a homogeneização cultural do mundo, onde o mercado turístico se

insere oferecendo aos sujeitos possibilidades realistas de singularidades (distinção e

mobilidade social), de fugas do cotidiano e/ou promessas de descobertas do eu se

conseguir transporem às fronteiras da inalterabilidade mundana de seus mundos

(cultural e social) e assim, alcançarem a diferença que Outro cultural pode abonar. E

sedentos beberem nestas fontes turísticas os elixires da felicidade: saúde, prazer, lazer,

entretenimento, status social, etc.

Neste sentido, a partir da ideia de criar cenários diferentes para atrair o consumo para os

seus espetáculos, a lógica publicitária turística se aloca nas revistas em turismo que

utilizam, ou melhor, se apropriam da visualidade do Outro cultural e seus artefatos,

construindo simultaneamente discursos de singularidades, estranhezas, mas em torno de

uma aura de prosperidade visando seduzir e projetar o enunciatário através de olhadelas

em suas páginas, a fim de experimentar essas alteridades, por meio das receitas de

felicidade oferecidas pelo consultor/especialista midiático e assim, vir-a-ser turista.

Embora a natureza da indústria do turismo, como parte do processo capitalista seja de

natureza simbólica, demanda um opulento acervo de signos postos de forma a serem

revelados, em que a mídia auxilia a sua propagação, pois como explica Culler (1981, p.

128 apud Urry, 2001, p. 18):

(...) o turista se interessa por tudo como um sinal da coisa em si... No mundo

inteiro esses exércitos não declarados de semióticos, isto é, os turistas, se

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inflamam, à procura de sinais das demonstrações de francesismo, do

comportamento típico, de cenas orientais exemplares, de autopistas

americanas típicas, de pubs tradicionais ingleses.

Um território fecundo de objetos de desejos (centenas de destinos turísticos) disponíveis

para os sujeitos terem acesso à felicidade tornando as experiências em viagens propícias

para desenvolver emoções, os prazeres, satisfações individuais no mundo real/ ou não.

Assim, o turismo é um movimento massivo, mas ser turista é uma produção individual

incitada a ser estabelecida nos ideais de vidas dos sujeitos, consequentemente, fazendo

parte dos seus ‘pseudosprojetos de felicidade’. Portanto, ser turista é uma posição

privilegiada para se fazer apropriação sobre o que o Outro cultural tem a oferecer acerca

das assertivas de felicidades. Abrir as portas da felicidade para França (2010, p. 218) é

impossível, pois “essa sociedade almeja uma chave que abra muitas portas”. Entretanto,

como uma governanta de um hotel, o turismo finge possuir a chave mestra de acesso a

todos os quartos e ambientes onde o Outro cultural vive supostamente feliz. Mas, é

óbvio, não poderão nunca abri-las todas. Neste sentido a impressão causada pela prática

turística é contrária, pois os sujeitos são iludidos pela fértil prateleira de objetos

culturais turísticos existentes que é sempre engendrada pela e na lógica capitalista e

“veiculadas incessantemente pela produção midiática” turística.

Vejamos agora, as estratégias (chaves) utilizadas pelas enunciadoras-revistas em

turismo nas tematizações de suas receitas acerca do acesso ao ‘pseudosprogramas’ de

felicidade configurada em suas páginas como a

‘viagem ideal’ ou o que nomeamos sendo: ‘ A viagem

perfeita’, em um exemplo ao lado da revista Lonely

Planet (2010). O título da reportagem principal é: “

Índia - Fizemos a viagem ideal”, em que o

enunciatário já é convocado para experimentar o

projeto de ser feliz a partir do título. Assim sendo,

uma bela imagem icônica do Taj Mahal4 cobre todo o

espaço da capa habilmente selecionada para compor a

4 O Taj Mahal faz parte das sete maravilhas imperdíveis do mundo moderno (New7Wonders), escolhidas em um concurso mundial,

com 90 milhões de votos através da internet e telefones celulares. O concurso foi promovido pela fundação suíça, New 7 Wonders

Foundation e, o resultado final foi anunciado no dia 07/07/2007, em um grande evento na cidade de Lisboa.

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visualidade sincrética (verbal e visual) necessária para uma narrativa do estranhamento,

mas utilizando da iconicidade do monumento centenar, como um traço de

reconhecimento prévio visando atrair e seduzir o olhar do enunciatário acerca do destino

turístico proposto.

A fotografia oferece a representação de um país exótico, tranquilo e quase etéreo -

desvinculado de outras questões sociais, mas ao mesmo tempo, fascinante, eternizado

pela diversidade cultural e espiritual. As cores predominantes da capa e da fotografia

são matizes do azul, aos quais captam o olhar do enunciatário a partir do tom azul

escuro do título com o nome da revista, descendo pelo céu azul celeste que contrasta

com o branco da figura icônica do Taj Mahal e chegando ao reflexo do espelho d’água

do rio Yamuna, com crianças e uma mulher, em trajes coloridos num barco que navega

tranquilamente. Valoriza-se assim, a ideia da ascese espiritual e exótica indiana e o

apelo estésico que o enunciador quer causar para projetar o enunciatário nesta

experiência de viagem. Os atrativos (apelos) da cena turística complementam-se ao lado

do nome do destino, Índia, destacado por uma cor vibrante em rosa Pink, em uma

composição de fonte com letras menores, entretanto, em caixa altas para enfatizar este

discurso exótico/espiritual de felicidade oriental: “ DO TAJ MAHAL AOS TIGRES

SELVAGENS”. (LONELY PLANET, junho, 2010).

Outra tática midiática consiste em reforçar as fantasias que o enunciador quer produzir e

são projetadas também no título do Editorial: “Uma passagem para Índia”5. Este se

remete a ilusão das chaves dos ‘pseudoprogramas’ de felicidade, endossando a

concepção da capa de arremessar o enunciatário através da construção de imaginários de

exotismo e espiritualidade a partir da alteridade do povo indiano. Esta estratégia é ainda

ampliada quando a revista assume o papel de ‘guru especialista’, iniciando um pupilo

em uma experiência, ou melhor, em uma viagem perfeita, quase mítica através do

discurso do editor-chefe da revista:

Foi ao publicar o guia Lonely Planet da Índia que Tony Wheeler conheceu

seu maior sucesso no caminho para tornar-se o melhor auxiliar de viajantes

de todo o mundo. E há várias razões que explicam esse fenômeno. A Índia é

um país exótico e fascinante. Tem tudo que é necessário para enfeitiçar as

aspirações de quem vive um cotidiano ocidental. É inegável, contudo, que,

pelas mesmas razões, seja um lugar difícil de decifrar. Povos e etnias

diferentes, idiomas estranhos, cidades caóticas são apenas algumas das razões

5O título do editorial também é uma alusão ao filme, Passagem para a Índia, do famoso cineasta David Lean de 1984.

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que assustam, confundem e, muitas vezes, até afastam o turista independente

de uma incursão mais abrangente pelo país do Ganges. Pois a proposta de

nossa reportagem de capa é resolver estas questões. A jornalista Abigail

Hole e o fotógrafo Pete Seaward fizeram um roteiro abrangente pelo Rajastão

( uma das regiões mais belas do país) e sugerem, passo a passo, o que

consideram uma viagem perfeita. Você vai descobrir que é muito mais fácil

(e barato) do que imagina circular pela Índia. Até como alugar um carro com

motorista bilíngüe para conduzi-lo por pequeno valor, você vai ficar sabendo.

(HEIN, 2010, p. 8).

Observa-se que esta função de ‘guru turístico em Índia’ ganha ênfase no discurso

midiático do editor da revista informando aos leitores que o fundador e proprietário dos

famosos guias turísticos e da revista Lonely Planet, Tony Wheeler alcançou o seu maior

sucesso editorial orientando viajantes por todo o mundo ao publicar um guia turístico

sobre a Índia. Sutilmente deixa saber que estão mais do que aptos em guiá-los durante o

percurso e para tanto, basta (devem) seguir as prescrições da reportagem. A utilização

da palavra ‘viajante’ é também proposital visando estabelecer, ou melhor, comungar a

importância das singularidades dos e com os enunciatários, tônica principal para a

projeção da fantasia de vir-a-ser um viageiro e estabelecer uma distinção com os outros

tipos de viajantes, evitando assim, o uso do termo ‘turista’ e, consequentemente,

afastando à ideia de práticas (roteiros de viagens) homogêneas, como também, os

sentidos pejorativos que podem causar6.

Em seguida, o editor lança mão da tática muito utilizada pela mídia impressa de viagem

que é o uso de superlativos na linguagem (textual e visual) e, é o fio condutor acionador

para a transposição das qualidades (atrativos) do lugar turístico apresentados em seus

produtos midiáticos. Os atrativos turísticos são oferecidos em uma linguagem textual

sincrética superlativizada, a partir sempre da visualização de belíssimas cenas

fotográficas para a realização da ‘viagem perfeita’ e no caso específico desta edição

compõem-se com frase ‘viagem ideal e a imagem do belíssimo Taj Mahal’. Este

superlativismo de linguagem (textual e visual) pode ser analisado por várias vertentes.

A primeira é apontada por Siqueira (2007) como uma exaltação dos atributos turísticos

utilizados como estratégia pela mídia turística, ou seja ‘projetos de felicidade’ em um

discurso que objetiva superdimensionar e exacerbar qualidades, fatos e eventos dos

lugares turísticos transformando-os em locais ideais, únicos, perfeitos para viagens.

6 Urbain (1991) em um estudo se refere ao ‘idiota das viagens’ corroborando com a ideia de que o turista sofre preconceitos, desde

o seu surgimento, dos que se consideram ‘viajantes’ e de seus duplos, os outros: os ‘turistas’, ora sendo visto como uma mercadoria

à disposição dos dispositivos do capitalismo, ora como destruidores do planeta.

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Neste sentido, se a Índia é um lugar especial que, só pode ser usufruída por sujeitos

singulares e especiais e: “Tem tudo que é necessário para enfeitiçar as aspirações de

quem vive um cotidiano ocidental”, como afirma o editor da revista reforçando a ideia

dos pseudosprojetos de bem-estar e distantes do estressante cotidiano ocidental. (HEIN,

2010, p. 8).

Assim, cada localidade é apontada por estas revistas como um lugar especial, único,

singular, tomado como o centro do mundo7, ou seja: o melhor sítio do mundo, o mais

perfeito lugar para se encontrar a felicidade e se apropriar dela. Entretanto, para o leitor,

não basta apenas visualizar e ler a cerca dos destinos turísticos, as revistas turísticas

precisam oferecer um plus para destacar o seu produto em decorrência ao que explica

Auge (2010) como um desinteresse causado pela exposição dos sujeitos aos excessos

imagéticos atuais, em que o mercado turístico transformou todas as paisagens em um

produto qualquer. Identifica-se então, outra possibilidade de abordagem para exaltar a

diversidade do Outro cultural.

Para exemplificarmos pensemos ainda na Índia, que pode ser visualizada

simultaneamente nas manchetes de um jornal por seus conflitos étnicos político-

religiosos, a pobreza de grande parte da população e/ou no caderno de turismo da

mesma mídia, pelo seu avesso: o lazer e o entretenimento através de sua diversidade

cultural-espritual milenar. O destaque do agendamento midiático turístico se

concentrará nas qualidades paisagistas e culturais do país visando se diferenciar dos

demais agendamentos midiáticos e realizar a convocação do enunciatário a projetar-se

na fantasia da performance turística. Ou seja: não basta mais para o enunciatário

somente visualizar lugares distantes do seu cotidiano nas páginas das revistas de

turismo, precisa ser incentivado a se projetar, usar a imaginação, pois o tempo todo já é

bombardeado por cenas imagéticas midiáticas (TV, cinema, jornais, folders, sites) além

do dia-a-dia, que são oferecidas em todas as atuais formas de mídia, enclausurando as

diversidades culturais nesse “Museu Imagético”, como explica Augé (2010), nivelando

a experiência na cotidianêz, onde tudo parece ter sido visto. Se tudo parece ser ter sido

visto, qual é a graça de prová-lo?

7 Siqueira (2007) aponta para as representações sociais nas revistas de turismo como práticas etnocêntricas.

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Assim sendo, exaltar os predicados dos destinos turísticos agendados, as revistas em

turismo “pretende se veicular ‘ a coisa real’ ”8, utilizando-se como estratégia textos (

visuais e verbais) superlativizados objetivando produzir algo singular, emoções,

sentimentos, manter a diversidade, a partir do estranhamento, uma distinção especial

para a figurativização de imagens turísticas que dêem acesso a uma “experiência única”

: felicidade à vista. (FONTENELE, 2004, p. 186).

Esta é a chave oferecida pela e nas mídias turísticas como ressalta o editor da Lonely

Planet, quase no final do editorial da revista: “A jornalista Abigail Hole e o fotógrafo

Pete Seaward fizeram um roteiro abrangente pelo Rajastão ( uma das regiões mais belas

do país) e sugerem, passo a passo, o que consideram uma viagem perfeita.” (HEIN, p.8).

Mais a frente, o enunciatário finalmente chegará à viagem perfeita que é herdeira do

imaginário do paraíso perdido, a terra prometida da felicidade e é certamente o objeto

central de desejos dos sujeitos que a buscam em suas jornadas na vida, aqui e ali e, nas

páginas das revistas em turismo.

Fig. 2. LONELY PLANET, junho de 2010, p 46-47.

Mas... Sabendo que se não conseguirem habitá-la, ao menos poderão usufruir, mesmo

que rapidamente e, somente enquanto turistas às centenas de paraísos turísticos. É o que

o apelo do aceno da sorridente indiana diz: venham (gozem)... Felicidade à vista!

8 Para maiores detalhes ver Fontenelle (2003, p. 186) que esclarece ser o papel da mídia o de se vincular a “coisa real”,

denominando como “mídia-realidade”, inserção feita aparentemente normal, descomprometida, mas em uma relação muito séria

com o mercado de experiência.

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