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Introdução aos Estudos
da (Im)Polidez linguística
Geórgia Maria Feitosa e Paiva
Reginaldo Gurgel Moreira
Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos
Introdução aos Estudos
da (Im)Polidez linguística
1ª Edição
Fortaleza – Ceará
2016
Copyright 2016. Geórgia Maria Feitosa e Paiva, Reginaldo
Gurgel Moreira, Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos
Revisão do Texto: Profa. Dra. Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos Profa. Dra. Suelene Silva Oliveira Nascimento
Normalização e Padronização Luiza Helena de Jesus Barbosa
Capa Carlos Eugênio de Alencar Araripe Furtado
Diagramação Janete Pereira do Amaral
Revisão de ABNT Luiza Helena de Jesus Barbosa CRB 3/830
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
CENTRO UNIVERSITÁRIO ESTÁCIO DO CEARÁ
Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão
Núcleo de Publicações Acadêmico-Científicas
P149i Paiva, Geórgia M. F.
Introdução aos Estudos de (Im)Polidez linguística/ Geórgia
M. F. e Paiva, Reginaldo G. Moreira, Letícia A. P. F. dos
Santos. – Fortaleza: Centro Universitário Estácio do Ceará,
2016.
156f.; 30cm.
ISBN: 978-85-69235-01-9
1. Polidez Linguística 2. Pragmática 3. Linguística I.
Paiva, Geórgia M. F. II. Moreira, Reginaldo G. III. Santos,
Letícia A. P. F. IV. Centro Universitário Estácio do Ceará.
CDD 410
CONSELHO EDITORIAL
Dra. Ana Cristina Pelosi Silva de Macedo – Universidade Federal do Ceará
Ms. Ana Flávia Alcântara Rocha Chaves – Centro Universitário Estácio do Ceará
Dra. Andrine Oliveira Nunes- Centro Universitário Estácio do Ceará
Ms. Janete Pereira do Amaral - Centro Universitário Estácio do Ceará
Ms. Joana Mary Soares Nobre - Centro Universitário Estácio do Ceará
Dra. Kariane Gomes Cezario- Centro Universitário Estácio do Ceará
Dra. Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos – Centro Universitário Estácio do Ceará, Universidade Estadual do Ceará, Universidade Federal do Ceará
Dra. Marcela Magalhães de Paula- Embaixada do Brasil na Itália
Dra. Maria Elias Soares – Universidade Federal do Ceará e Universidade Estadual do Ceará
Ms. Maria da Graça de Oliveira Carlos – Centro Universitário Estácio do Ceará
Dra. Margarete Fernandes de Sousa – Universidade Federal do Ceará
Dra. Rosiléia Alves de Sousa – Centro Universitário Estácio do Ceará
Dra. Suelene Silva Oliveira Nascimento- Universidade Estadual do Ceará
Dr. Vasco Pinheiro Diógenes Bastos - Centro Universitário Estácio do Ceará
_______________________________________________________ Núcleo de Publicações Acadêmico-Científicas
Rua Vicente Linhares, 308 - Aldeota CEP: 60.135-270 - Fortaleza – CE - Fone: (85) 3456-4100
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PREFÁCIO
La politesse vaut mieux que la
sincérité, car la politesse fait
toujours confiance à
l’intelligence d’autrui.
Roland
Barthes
La politesse s’exerce avant tout
envers autrui, c’est l’altruisme au
quotidien.
Catherine Kerbrat
Orecchioni
A polidez é uma dimensão central na comunicação verbal,
pois, como sublinha Hernández-Flores é, em última instância, a
busca de equilíbrio da imagem social dos interlocutores.
Quando procedemos a uma reflexão hermenêutica sobre a
contemporaneidade e os valores que devemos subscrever,
percebemos quão importante é a construção de um ethos
reconhecido, de gratidão.
Importa construir pontes para chegar ao outro, importa
fomentar protocolos de encontro, nas relações, no quotidiano.
Para uma das maiores especialistas portuguesas sobre
cortesia/delicadeza/polidez, Maria Helena Araújo Carreira, “a
expressão verbal da cortesia não se limita às formas
propriamente ditas da cortesia (de tratamento, de saudação, de
agradecimento, de elogio, de desculpa), mas compreende os
processos mais ou menos complexos de modalização e de
indireção” (1995: 196). Daí a importância dos estudos
linguísticos, discursivos, comunicacionais, para evidenciar
como as estratégias polidas podem e devem ser ensinadas e
interiorizadas.
Esta obra, que oportunamente se dá à estampa, ntrodução aos
Estudos de (Im)Polidez Linguística vem reiterar a centralidade
deste olhar e, sobretudo, da necessária e consequente
aprendizagem.
Após uma recensão dos principais enquadramentos teóricos
sobre o tema, merece especial louvor, a perspetiva didática que
é privilegiada, em que são propostas aplicações dos conceitos
previamente explanados, ilustrando, de forma extremamente
inteligente e arguta, a inseparabilidade das práticas linguísticas
e sociais que urge promover.
Uma palavra de louvor para os organizadores desta obra,
ilustres Professores Geórgia Paiva, Reginaldo Moreira e Letícia
dos Santos que, procederam a uma síntese dos conceitos
teóricos mais relevantes, e os souberam explanar, numa
linguagem simples, acessível e, concomitantemente, rigorosa e
competente.
Esta obra coletiva confirma, em suma, a urgência de
aprofundar a reflexão sobre o tema da polidez verbal, e de a
entender como uma forma de conduta que encerra um desejo
de sedução em prol da harmonia e da construção do respeito
social entre todos.
Isabel Roboredo Seara
Universidade Aberta LISBOA, Portugal
Lisboa, setembro de 2016
SUMÁRIO
Apresentação........................................................... 07
Introdução............................................................... 11
Capítulo 1 – Groffrey Leech e a polidez
linguística...........................................
17
Capítulo 2 - A polidez linguística de Penelope
Brown e Stephen C. Levinson.......
53
Capítulo 3 - Comunidade de Prática Cortês e
Comunidade de Prática Descortês
de Kaul de Marlangeon...................
97
Notas sobre os autores........................................... 147
Referências............................................................. 151
APRESENTAÇÃO
Na trilha deixada por Saussure, disseminador do
Estruturalismo e um dos primeiros a sinalizar que a língua é
um fato social, chegamos a uma concepção de Linguística
menos internalista e mais preocupada com a relevância social
de seus estudos, bem como com o processo de comunicação
social.
É preciso ter em mente de que a comunicação social
deve ser avaliada considerando diversos fatores que vão muito
além do que é comunicado, especialmente aqueles relacionados
às pessoas envolvidas na interação. A polidez linguística é um
fator que protagoniza muitas de nossas escolhas lexicais,
sinalizando que nós nos preocupamos com a imagem que
construímos e com a imagem do outro na interação.
Dessa forma, trouxemos o tema polidez linguística para
nosso estudo por acreditarmos que há boas razões para o estudo
dessa temática. Entre elas, podemos dizer que a polidez é uma
expressão de preocupação com o sentimento alheio, uma forma
de respeitar o território do outro. Além de disso, ela expressa
preocupação com os sentimentos dos outros de diferentes
maneiras linguísticas ou extra-linguísticas. O uso do termo
“polidez”, no dia-a-dia, descreve um comportamento formal,
onde a intenção é não invadir o território do outro ou impor
valores pessoais no processo de interação. Ser polido, segundo
(HOLMES, 1990, p.4), significa expressar respeito em relação
à pessoa com quem você fala, evitando ofendê-la.
A polidez pode se caracterizar como a expressão
da boa vontade, boa educação ou até mesmo camaradagem,
bem como o comportamento familiar não intrusivo o qual é
chamado “polido” na linguagem diária. Como se pode ver,
há diversas formas de se demonstrar polidez, que são ainda
mais relativas se pensarmos que os sujeitos, que estão no
jogo da interação, são oriundos de contextos sociais e
culturais bem específicos. Deste modo, é preciso entender
que não existe uma única teoria da polidez linguísticas, mas
uma série de reflexões e modelos teóricos que pretendem dar
conta das diversas nuances da interação social.
Neste livro, Geórgia Maria Feitosa e Paiva,
Reginaldo Gurgel Moreira e Letícia Adriana Pires Teixeira
dos Santos reuniram em três capítulos resenhas das teorias de
Leech (1983; 2005); Brown e Levinson (1987) e Kaul de
Marlangeon (2003; 2014), alguns dos autores mais
renomados nos estudos de polidez linguísticas. Nesta obra,
procurou-se sintetizar em uma linguagem mais acessível uma
biografia dos teóricos; apresentaram suas inspirações
teóricas; discutiram suas teorias; e por fim os autores
demonstraram como exemplares do nosso cotidiano podem
ser analisados, segundo cada uma das teorias aqui expostas.
Este livro não pretende encerrar discussões, ao
contrário, pretende, acima de tudo, promover o
conhecimento de modelos teóricos ricos, mas pouco
conhecidos no Brasil, certamente em virtude das barreiras
idiomáticas travadas nas universidades. Este livro não
pretende ser uma tradução literal das teorias, ao contrário,
são resenhas; seus capítulos são compostos por um diálogo
entre teorias que em um contexto original, seria improvável
de acontecer.
Este livro pretende inspirar, incentivar o curioso,
o estudante a entender um pouco mais das nossas escolhas
discursivas; compreender como usamos o nosso idioma para
falar muito mais do que um conteúdo comunicacional frio, e
sim manifestar intenções, sentimentos, legitimar nossa
identidade e mostrar como queremos ser vistos.
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INTRODUÇÃO
Os linguistas têm incluído em seus estudos a
subjetividade, as múltiplas atividades psicossociais, as práticas
sociais, culturais, religiosas, históricas, entre outras, que
constituem a linguagem humana. A variação linguística e a
diversidade humana são temas de pesquisas científicas que nos
fazem ver o mundo como uma grande orquestra sinfônica em
que cada instrumento pode ser comparado às pessoas: nenhum
instrumento toca da mesma forma, mas, em conjunto, formam
um belíssimo espetáculo. O processo de tocar junto e de forma
harmoniosa pode levar muito tempo. Ensaios são necessários.
As interações sociais são extremamente complexas e
bastante parecidas com essa grande orquestra; alguns
instrumentos podem até desafinar, mas não devem deixar de
tocar. Assim também são as pessoas em processo de interação
social, principalmente, em interações ordinárias; elas
desafinam; entram em conflitos interacionais, e muitas vezes
procuram, de algum modo, reparar o acontecido.
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(Con)viver com as diferenças é uma arte. Ter processos
empáticos também não é algo tão simples. De modo que
superar preconceitos e refletir sobre a linguagem são desafios a
que a Linguística tem se proposto a partir da inserção dos
elementos heteróclitos reputados, muitas vezes, por alguns
Estruturalistas.
Com esse viés linguístico, quisemos, neste livro,
evidenciar alguns fundamentos da polidez linguística,
objetivando trazer, para estudantes das mais diversas áreas e
interessados nessa temática, os fundamentos teóricos
resenhados durante nossos trabalhos de dissertação de
mestrado e de tese de doutorado. Estudamos o processo de
interação social e posicionamo-nos sobre os dados desse estudo
à luz da Teoria da Polidez de Brown e Levinson, Leech e Silvia
Kaul de Marlangeon .
No primeiro capítulo nos preocupamos em discutir as
contribuições de Leech (1983; 2005) para a área da polidez
linguística. Antes de apresentar suas propostas teóricas,
julgamos pertinente mencionar a teoria que o inspirou a
refletir sobre a existência de um princípio que operasse
conjuntamente ao princípio da comunicação (GRICE, 1982).
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Na primeira versão de sua teoria, Leech propõe que os
sujeitos, em uma interação, obedecem às máximas da polidez.
Na segunda versão, ele faz uma releitura de sua teoria com
base nas críticas recebidas e trabalhos mais recentes e propõe
que estamos sujeitos, não a máximas, mas a regras de polidez
que podem variar segundo algumas variáveis, entre elas,
território do self e o território do outro (dentro e fora do
grupo). Para finalizar o capítulo, apresentamos uma sugestão
de análise de uma notícia que teve bastante repercussão nas
redes sociais.
No segundo capítulo, elucidamos questões pertinentes
à polidez de Brown e Levinson (1987), suas influências
teóricas, dando ênfase à ideia de trabalho com as Faces de
Goffman e os Atos de Fala. O trabalho dos linguistas
apresenta a polidez com bastante clareza; eles a dividem em
polidez positiva e negativa e indicam que os sujeitos
empregam-na com base em três variáveis “atos que ameaçam
as faces” (FTA), do “distanciamento social” (D) e da relação
de “poder” (P). A realização da polidez acontece, segundo os
autores, quando os interlocutores optam por utilizar estratégias
para minimizar ou evitar danos às faces dos envolvidos na
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interação. No final do capítulo, apresentamos uma sugestão de
análise de um cartoon.
No terceiro e último capítulo, buscamos romper com o
paradigma dos estudos clássicos resenhados anteriormente para
apresentar um estudo latino-americano de grande relevância
para a pesquisa em polidez linguística: as Comunidades de
Prática Cortês e Descortês de Silvia Kaul de Marlangeon,
fundamentada, por sua vez, nos conceitos de Cortesia1 em
Diana Bravo (1999; 2003; 2005), por meio dos estudos da
Pragmática Sociocultural. Essa corrente de estudo
(extra)linguístico surge a partir da crítica às teorias clássicas
de Brown e Levinson (1978; 1987), questionando, segundo
Diana Bravo (2003, p.10) e outros, aspectos como a
universalização dos processos de análise daqueles esquemas
fechados das faces (self) e da polidez positiva e negativa,
presentes no modelo de Brown e Levinson2; bem como o
fundamento etnocentrista anglófono desse modelo, para
analisar, inclusive, fenômenos linguísticos da cortesia em
1
No capítulo em questão, optamos por utilizar os termos Cortesia e
Descortesia como sinônimos de Polidez e Impolidez. Essa opção diz
respeito a um posicionamento político nosso, mediante os estudos da
linguagem e da Pragmática Sociocultural, em sintonia com os estudos
latino-americanos, conforme veremos a seguir. 2 Já apresentados em capítulos anteriores.
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outras culturas, sem considerar, a contento, as particularidades
dos sujeitos na interação, em sua dimensão social, histórica e
cultural. Fechamos o capítulo com uma sugestão de análise de
um anúncio publicitário, retirado da internet e utilizado aqui
com finalidade didática e acadêmica, assim como as demais
ilustrações e imagens que serão analisadas neste livro.
Entendemos que é necessário conhecer e reler os
clássicos e, numa abertura crítica, atualizar as análises em seus
contextos específicos, mediante as interpelações que nos
afetam, tal como a música orquestrada e muitas vezes
dissonante. E é sob esse viés que pensamos neste livro: uma
obra que apresenta possibilidades, podendo servir de base para
outras (re)leituras e apropriações.
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CAPÍTULO 1 - Groffey Leech e a polidez lingüística
O autor
Geoffrey Leech nasceu em 1936 em Gloucester,
Reino Unido. Iniciou sua vida acadêmica e magistério na
Universidade College de Londres. No final da década de
sessenta ele começou a lecionar na Universidade de
Lancaster, atuando como especialista em língua inglesa.
Não muito tempo depois, assumiu a chefia do
departamento de Linguística da universidade.
Sua obra é extensa e entre as contribuições mais
importantes, podemos destacar sua atuação nas áreas de
literatura, estilistica, semântica e gramática, além da
pragmática.
Em 1983 publicou Principles of Pragmatics, livro
em que dedica um capítulo ao estudo da polidez
linguística. Seu modelo de análise de polidez linguística
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foi considerado bastante inovador e até hoje, muitos
pesquisadores o utilizam como fonte de trabalho.
Uma semana antes do seu falecimento, no ano de
2014 foi publicado seu último livro, The Pragmatics of
Politeness, obra que encerrou a sua releitura sobre a teoria
da polidez.
Influências
Os estudos de Leech iniciam com base na teoria
de Grice3
(1982, p.86), a qual pressupõe que a
comunicação seja regida por um princípio básico de
cooperação, cujos falantes devem contribuir para a
comunicação, “no momento em que ela ocorre, pelo
objetivo reconhecido da comunicação” na qual estejam
participando.
Para Grice (1982, p.65), os falantes atuam como
jogadores, cada um ciente das regras do jogo
conversacional, deve atuar de modo claro e reconhecido
3 A primeira publicação de Grice data o ano 1965. Neste livro,
citaremos a tradução, publicada em 1982.
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por todos, do contrário seria impossível se comunicar, em
outras palavras, seria um jogo, no qual não houvesse
blefes ou trapaças.
Na cena ideal, os atores, para Grice, conduziriam
suas falas com base em máximas, a saber:
1. Quantidade: Faça com que a informação
fornecida seja suficiente:
a) que a informação fornecida seja tão
informativa quanto o necessário;
b) que a informação fornecida não seja mais
informativa quanto o necessário.
2. Qualidade: Faça com que sua contribuição seja
verdadeira:
a) que a informação fornecida não seja
falsa;
b) que a informação fornecida possa ser
provada.
3. Relação ou relevância: que a informação
fornecida seja coerente, pertinente ao
assunto em questão.
4. Maneira ou modo: seja claro:
a) evite obscuridade;
b) evite ambiguidade;
c) seja breve;
d) seja ordenado.
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Sabendo dessas máximas, os interlocutores não
somente jogariam o jogo de modo racional e previsível,
como também esperariam que seus interlocutores fizessem
suas escolhas comunicacionais com base nas mesmas
regras. Se a expectativa se confirmasse, poderia ser
observada de fato a cooperação, que existiria com base na
confiança mútua e na ética, obviamente, somente em um
mundo ideal.
Grice não desconsidera o fato de que como em
um jogo, a comunicação pode ir muito além das máximas
citadas, pode ser pautada em outros objetivos, mais
obscuros, talvez, portanto, ele nos chama a atenção para o
fato de que é possível priorizar máximas ou quebrá-las.
Neste caso, no jogo conversacional, manifestam-se outros
tipos de discurso: irônicos, metafóricos, poéticos,
eufêmicos, entre outros, cabendo ao outro falante
compreender o que foi dito.
Ao esforço de calcular o que o outro falante
quis dizer, Grice chama de implicatura, que podem ser
convencionais ou conversacionais. As primeiras estão
restritas ao próprio texto, presas às expressões linguísticas,
já as segundas precisam que o interlocutor se esforce mais
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um pouco e procure no seu conhecimento de mundo, da
situação, do lugar conversacional em que eles ocupam
para identificar o sentido mais adequado para a
mensagem.
Com relação às implicaturas conversacionais,
Grice entende que elas podem ser de dois tipos: a)
implicatura conversacional generalizada, cujo contexto
não precise ser particular a situação de fala; e b)
implicatura conversacional particular, ligada aos contextos
específicos da conversação, bem como os conhecimentos
de mundo compartilhados entre os interlocutores do
evento comunicativo.
De acordo com Watts (2004), as implicaturas
conversacionais não consistem em violações reais do
princípio de cooperação, muito pelo contrário, elas
restabelecem o princípio de cooperação através de uma
inferência suscitada pelo conhecimento compartilhado dos
interlocutores.
Desse modo, existiria uma violação real desse
princípio, caso o falante e o ouvinte não compartilhassem
seus conhecimentos de mundo, ou mesmo quando o
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falante, conhecendo as circunstâncias nas quais ele e seu
ouvinte estão inseridos, prefira evitar compartilhar
informações imprescindíveis ou, ainda, sob as condições
necessárias para que seu ouvinte o compreenda, ou seja:
uma interação na qual falante e ouvinte possuam
propósitos divergentes, um conflito comunicacional.
As considerações de Grice sobre a natureza
conversacional foram extremamente relevantes para os
estudos na área da pragmática, configurando-se como base
para várias outras teorias. Depois de publicado em seu
artigo Lógica e conversação, no final da década de 60, o
princípio de cooperação suscitou várias alternativas para a
resolução do problema da sobreposição de máximas, como
também possíveis conflitos e implicaturas
conversacionais. E foi nesse momento que surgiram nos
Estados Unidos e no oeste da Europa, as primeiras
especulações sobre a importância da polidez linguística
nas interações sociais, especialmente sob as formas de
conversação.
Muitos teóricos, entre eles Leech (1983; 2005), se
aventuraram a compreender o que motivaria um falante a
preferir ser compreendido por meio de uma implicatura
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em vez de cooperar razoavelmente com as máximas
observadas por Grice - e como uma das candidatas mais
prováveis surgiu a polidez linguística.
Desse modo, Leech (1983) orientou seus estudos
de acordo com a perspectiva do princípio de cooperação
de Grice, tentando resolver as seguintes questões: a) por
que as pessoas preferem se comunicar indiretamente? e b)
qual a relação entre força e sentido quando sentenças do
tipo não declarativas são consideradas? Na tentativa de
resolver esses problemas, Leech propôs o PP (Princípio de
Polidez) que sugere que os falantes numa interação
preferem ser polidos. Assim, a polidez e a cooperação
estariam lado a lado.
As contribuições de Leech
Leech (1983), assim como Grice, parte do
pressuposto de que a interação é regida por regras, que
variam segundo as metas comunicativas de seus
interlocutores, mas desta vez, as regras são mais maleáveis
no que tange a questão de que se fazem no momento da
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interação. Para esclarecer o seu princípio, Leech (1983),
opta por chamar o falante de self e outro, o seu interlocutor
e/ou sujeito que influencia a situação de fala.
A polidez interessa-se pelo relacionamento entre
dois participantes que nós podemos chamar de self
e outro. Na conversação, normalmente, o self será
indicado por S e outro tipicamente identificado por
H, mas falantes também demonstram polidez a
terceiros que podem ou não ser apresentados na
situação de fala. O rótulo “outro” pode, portanto,
ser aplicado não somente ao destinatário, mas às
pessoas designadas pelos pronomes da terceira
pessoa. A importância de mostrar polidez a uma
terceira parte varia: o fator chave é se a terceira
parte está presente ou não como espectador; o
outro fator é se a terceira parte é percebida como
pertencente à esfera de influência de S ou H
(LEECH, 1983, p.131).4
Nessa citação, podemos observar que o foco de
Leech, como veremos no próximo tópico, apesar de
estabelecer regras que norteiam as ações do falante é a
figura do outro, que pode ser o ouvinte, ou seja, para quem
4Texto original: Politeness concerns a relationship between two
participants whom we may call self and other. In conversation, self
will normally be identified with s, and other will typically be
identified with h; but speakers also show politeness to third parties,
who may or not be present in the speech situation. The label other may
therefore apply not only to address, but to people designated by third-
person pronouns. The importance of showing politeness to third
parties varies: a key factor is whether or not third party is present as a
bystander; another is whether the third party is felt to belong to s´s or
to h´s sphere of influence.(LEECH, 1983, p.131)
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a mensagem é direcionada, ou uma pessoa que exerce
alguma influência, e/ou está presente no momento da
interação.
Essa observação é de grande importância, pois a
maioria dos trabalhos realizados na área de polidez
procura evidenciar as figuras do falante e do ouvinte, não
considerando essa terceira pessoa, que pode estar incluída,
mesmo que indiretamente, na interação, como é o caso de
programas de auditório, ou mesmo interações realizadas
entre dois participantes em uma sala de bate-papo aberta.
Nesses casos, a pessoa que fala pode não necessariamente
encaminhar a mensagem apenas para seu interlocutor, mas
para uma plateia que o observa e que dela acredita merecer
algum tipo de apreciação (PAIVA, 2008).
As máximas da polidez
Leech (1983, p.) propôs seis máximas que
atendessem ao princípio de polidez segundo uma escala de
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custo e benefício5. Para ele, quando alguém deseja ser
polido preza por minimizar os custos do outro,
beneficiando-o de algum modo, sempre. Ou seja, para ele,
o self sempre deve estar em desvantagem para parecer
polido, cortês.
E para ser polido, o self deve demonstrar
discernimento, generosidade, aprovação, modéstia,
simpatia e concordância:
I) Máxima do discernimento: a) minimize o custo
ao outro; b) maximize o benefício ao outro. Na
interação, o falante deve amenizar qualquer ato
que possibilite ao seu ouvinte algum tipo de custo
na medida em que ele puder oferecer benefícios a
este. A máxima do discernimento pode ser
encontrada em diálogos, nos quais a negociação
encontra-se em evidência, tais como os diálogos
estabelecidos por atendentes de telemarketing.6
II) Máxima da generosidade: a) minimize o
benefício para si próprio; b) maximize o custo para
si próprio. A execução desta máxima compreende
a construção da imagem que o ouvinte fará do
falante, ou seja, quanto menos se beneficiar de um
ato, mais considerado será pelo seu interlocutor.
5Outras escalas são mencionadas pelo teórico com importância
equivalente. São: escala da voluntariedade do ato, escala da qualidade
do ato ser indireto, a escala de autoridade e a escala da distância
social. 6 Para mais informações, ver APPA (2005).
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III) Máxima de aprovação: a) minimize a
depreciação do outro; b) maximize o enaltecimento
do outro. Esta máxima requer do falante uma
posição complementar à máxima anterior, pois
favorece a construção de sua imagem perante o
interlocutor, através da focalização da imagem do
ouvinte. Ao enaltecer o outro, evitando qualquer
tipo de depreciação deste, o falante facilitará o
engajamento dele, deixando-o confortável.
IV) Máxima da modéstia: a) minimize o
enaltecimento de si mesmo; b) maximize o
enaltecimento do outro. Ao contrário da máxima
anterior, esta tem como foco a imagem dos dois
interlocutores, sendo o falante responsável por
evitar qualquer associação positiva com a própria
imagem.
V) Máxima de concordância: a) maximize a
concordância entre si e outro; b) minimize a
discordância entre si e o outro. Em muitas
situações comunicativas, a concordância é uma
estratégia eficiente de polidez, pois possibilita que
os interlocutores sintam-se mais à vontade para
comungar informações, na medida em que
comunguem de ideias afins.
VI) Máxima da simpatia: a) minimize a antipatia
entre um e outro; b) maximize a simpatia entre si e
outro. O foco do falante é distanciar-se de uma
imagem de si que não corresponda aos interesses
do ouvinte, demonstrando-se simpático a esses.
Com base nessas máximas, podemos perceber
que o self sempre deseja construir uma imagem de si
positiva baseada na demonstração das virtudes que visa,
acima de tudo, o benefício do outro, seja ele seu
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interlocutor ou a um terceiro, e dependendo da interação,
mas principalmente das pessoas que estão envolvidas nela,
algumas máximas podem ser priorizadas ou ter
importância hierárquica diferente.
O linguista acredita que, entre as máximas, existe
uma espécie de hierarquia, que varia segundo a
perspectiva do outro na interação e também com relação
aos valores compartilhados culturalmente entre eles.
Considerando as máximas I e IV, I parece ser mais
poderosa que II, III e IV. Se isso for verdade, reflete uma
lei mais geral da polidez, que é focada mais no outro que
no self (LEECH, 1983, p.132).
A hierarquia também pode ser visualizada dentro
de cada máxima, uma vez que as regras do item a, sempre
são mais fortes que o item b. Nota-se que cada sub-
máximab, aquela orientada ao self, parece ser menos
importante que a sub-máximaa, orientada ao outro. De
acordo com Leech, essa disposição tenta ilustrar a grande
importância do outro na interação.
Apesar de não deixar claro, em sua teoria, até que
ponto a cultura pode influenciar na escolha ou nível de
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importância de uma ou mais máximas, Leech não as
encara como regras absolutas e sim como passíveis de
adaptação, segundo valores culturais.
Outro fator que Leech não menciona na primeira
fase de sua teoria é a importância do contexto também
como uma variável determinante na hierarquia das
máximas, pois se sabe que, dependendo da interação, uma
ou outra máxima pode ser mais ou menos importante,
quando pode não ser considerada pelos interlocutores de
um determinado tipo de interação social.
Outros princípios
Além do princípio da cooperação estipulado
por Grice (1965) e do princípio da polidez, proposto por
Leech (1983), a retórica interpessoal, segundo ele, contém
outros princípios que, apesar de estarem separados do
princípio de polidez, de algum modo promovem ou têm,
em si, alguma relação com a polidez linguística. São eles:
o princípio da ironia e de banter; o princípio da lítotes e da
hipérbole.
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Princípio de Ironia e de Banter7
Para Searle (2002), uma enunciação irônica é
aquela, cujo falante pretende significar o oposto do que
diz, chegando ao significado da emissão através do
significado literal da sentença, ou seja, dois significados
são acionados concomitantemente, através dos indícios
instaurados pelo enunciador no ato da enunciação.
Observando que muitas pessoas se comunicam
por meio de ironias, Leech (1983) percebeu que poderia
haver um princípio que funcionasse na comunicação, tal
qual o princípio de cooperação de Grice e o princípio da
polidez.
O princípio da ironia encontra-se em oposição
ao princípio da polidez, ou seja, quando o princípio da
polidez diz “seja polido”, o princípio da ironia diz “seja
impolido”.
7 Por não possuir nenhuma palavra correlata na língua portuguesa,
preferimos manter o termo em sua língua de origem. Segundo o
dicionário Michaelis, Banter pode significar n 1 gracejo, brincadeira.2
Am. Desafio para disputa.// vi 1 bulir com, provocar.2 gracejar,
caçoar, trocar.
- 31 -
O PP (princípio da ironia) funciona como
um “princípio de segunda ordem” que
permite ao falante ser impolido quando
parece ser polido. Ele o faz pela quebra
superficial do princípio de cooperação
(CP), para finalmente mantê-lo.
Aparentemente, o princípio da ironia é
disfuncional em relação ao PP, pois o
princípio da polidez promove
preferencialmente a comunhão em vez do
conflito nas relações sociais. O princípio
da ironia nos capacita a promover o uso
anti-social da língua. Nós somos irônicos,
mentindo para os outros através de uma
polidez que obviamente é insincera, como
um substituto para a impolidez8. (LEECH,
1983, p.142)
Apesar de não haver qualquer estudo linguístico
que ateste as reais intenções por trás de um enunciado. A
tentativa de Leech (1983) é de mostrar que existem
enunciados ofensivos que podem parecer simpáticos,
agradáveis, polidos, mas que não são e que podem ser
identificados. Leech (1983) chama este fenômeno de
mock-politeness.
8Texto original: The IP (Irony Principle) is a second order principle
which enables a speaker to be impolite while seeming to be polite; it
does so by superficially breaking the CP, but ultimately upholding it.
Apparently, then, the IP is dysfunctional: If PP promotes a bias
towards comity rather than conflict in social relations, the IP, by
enabling us to bypass politeness promoting antisocial use of language.
We are ironic at someone’s expense, scoring off others by politeness
that is obviously insincere, as a substitute for impoliteness.(LEECH,
1983, p.142)
- 32 -
Apesar de estar em oposição ao princípio da
polidez, pelo fato de violá-lo em alguma instância,
antagonicamente, o princípio da ironia parece funcionar
com o mesmo propósito daquele, na medida em que busca
ser indireto, atenuando possíveis conflitos por meio de
uma polidez ilusória ou superficial, mas ao contrário do
primeiro, ele não é, nem pretende ser altruísta. Além disso,
por se tratar de uma ofensa velada, nem sempre o outro
entenderá o enunciado como uma ofensa, levando-o a uma
situação de descrédito, ou seja, de custo social.
Funcionando de modo inverso ao princípio da
ironia, Leech identificou o princípio de Banteroumock-
impoliteness, caracterizado por um comportamento verbal
ostensivamente ofensivo, mas que carrega um sentido
amigável. Para Leech (1983; 2005) o princípio funciona
da seguinte forma: para demonstrar solidariedade com H,
diga algo que é i) obviamente falso; e ii) obviamente
impolido para H, tal como um diálogo entre dois amigos,
no qual ambos trocam palavras ofensivas, mas que não
consistem em si um ato de impolidez, mas uma
demonstração de camaradagem e intimidade entre eles.
- 33 -
Assim como a ironia, banter deve ser reconhecido como
não-sério.
Princípio da Hipérbole e da Lítotes
Esses dois princípios violam as máximas da
qualidade e quantidade de Grice (1982), uma vez que
visam, em prol da cooperação e do princípio da polidez,
estabelecer ou manter uma interação harmoniosa.
De acordo com Leech (1983, 2005) os dois
princípios supracitados funcionam como uma referência
maior e menor ao estado de coisas descrito. A hipérbole
refere-se a uma descrição intensificada; já a lítotes refere-
se à conversão para isso, ou seja, a uma amenização do
estado de coisas.
Existirão, naturalmente, a preferência pelo
exagero de crenças polidas e o
entendimento daquelas impolidas.
Enquanto o exagero de “Thatwas a
deliciousmeal!” favorece o prazer de
outros, uma informação falsa- um típico
objeto de eufemismo- é sempre utilizado
- 34 -
como crítica: I wasoverimpressedbyher
speech. O entendimento do prazer será
freqüentemente direcionado ao self em
vez do outro9. (LEECH, 1983, p.146)
No exemplo “what a delicious meal!”, o uso do
adjetivo delicious pode não ser uma correspondência
equivalente ao estado de coisa, mas que, para fazer com
que o outro se sinta aprovado, o self busca no léxico um
modo de demonstrar essa aprovação, ou seja, o exagero.
Então, podemos dizer que o princípio da hipérbole foi
utilizado com a finalidade de manter a polidez na
interação.
Como constatamos no exemplo acima, a
hipérbole e a lítotes não são princípios pragmáticos
independentes, mas em geral são tendências que ocorrem
independentemente de alguns princípios pragmáticos que
trazem a ideia de distorção da verdade, seja para ser
cooperativo, polido ou impolido.
9Texto original: There will naturally be a preference for overstating
polite beliefs, and for understanding impolite ones: while an
exaggeration such as That was a delicious meal! Is favored in praising
others, an informative denial- a typical device of understatement- is
frequently used in criticism: I wasn’t over impressed by her speech.
The understanding of praise will normally be directed towards s rather
than towards h. (LEECH, 1983:p.146)
- 35 -
Um re-exame da teoria da polidez linguística
de Leech (2005)
Em 2005, Leech voltou a publicar sobre polidez.
Dessa vez, ele buscou fazer uma releitura do princípio da
polidez linguística proposto por ele na década de oitenta.
Entre os objetivos do artigo, destacam-se a
redefinição de conceitos, entre eles, as máximas, e o
preenchimento das lacunas suscitadas pelas críticas que
surgiram ainda na década de oitenta.
Certamente, uma das críticas mais importantes
sugere que o princípio de polidez (PP) tem uma orientação
à cultura ocidental. Essa crítica baseou-se na presença
maciça de exemplos em língua inglesa, como fontes de
validação do princípio. Desse modo, muitos pesquisadores
(MATSUMOTO, 1989; MAO, 1994; apud WATTS,
2004) questionaram a validade do modelo de Leech (1983)
em termos de uma teoria universal.
Nesse novo estágio da teoria, Leech (2005) foi
desafiado a encontrar uma modelo de estudo de polidez
linguística que visasse atender a diferentes nuances
- 36 -
culturais, e para isso ele procurou evidenciar
manifestações do fenômeno da polidez linguística nas
línguas inglesa, japonesa e chinesa para demonstrar que
sua nova abordagem seria suficiente para abranger as
línguas ocidentais e orientais.
As escalas de polidez
Nesse novo modelo, o autor buscou ir além da
ideia de que a polidez se baseia numa ralação de custo e
benefício e procurou rever e propor novas escalas que
dessem conta das diferentes circunstâncias culturais que
podem influenciar uma situação comunicativa, a saber:
a) a escala absoluta de polidez: A escala
absoluta de polidez consiste em uma avaliação
da manifestação linguística independente de
informações contextuais. Para Leech, essa
escala registra os níveis de polidez em termos
lexicogramaticais, ou seja, através da
semântica, o pesquisador pode reunir
resultados importantes. Nesses termos, o
- 37 -
linguista exemplifica que nós podemos julgar
o enunciado “can you help me?”(você pode
me ajudar?) como mais polido que “help me!”
( ajude-me) e menos polido que “could you
help me?” ( você poderia me ajudar), dada a
possibilidade de escolha evidenciada pelos
verbos can e could. Nesse caso, ao preferir
esse tipo de escala, o pesquisador descartará
informações contextuais. Desse modo,
podemos inferir que um dos maiores
problemas dessa escala é alcançar as
peculiaridades da comunicação e
principalmente a natureza discursiva de alguns
enunciados, tais como a ironia, ou a metáfora;
b) a escala relativa de polidez: Esse tipo de
escala pretende abranger aspectos culturais e
contextuais das manifestações linguísticas
como fontes de avaliação de polidez. Nesse
caso a relatividade concerne à dinâmica das
relações interpessoais e às especificidades
culturais dos interlocutores. Para Leech, essa
é uma escala bi-direcional. Nesse caso,
- 38 -
parâmetros como a distância social, o poder e
a situação, além das formas linguísticas,
podem interferir na avaliação de um
enunciado. O linguista apresenta o seguinte
exemplo para ilustrar esse tipo de relatividade:
Could I possibly interrupt YOU?(eu poderia
possivelmente interromper VOCÊ?) poderia
ser entendido como um pedido muito polido,
mas ao contextualizar em uma situação
familiar, cujos membros monopolizam a
conversa, poderia ser interpretado como
friamente sarcástico.
Essas duas escalas certamente dão conta de duas
formas que devem sempre estar lado a lado ao se analisar
enunciados com a finalidade de identificar a presença ou
não de polidez linguística, uma vez que, outros princípios
como o da ironia ou mesmo de banter, podem operar de
modo menos óbvio.
- 39 -
A polidez positiva e negativa
Para Leech, quando estamos imersos em uma
interação social temos duas grandes metas, uma se destina
a atingir um objetivo comunicativo, a meta ilocucionária,,
e a outra é orientada às relações sociais, meta social.
Leech alerta para o fato de que nem sempre as
metas ilocucionárias estão em concordância com as metas
sociais, cabendo aos interlocutores decidir sobre o que é
mais importante, ser polido ou ser claro, por exemplo.
As metas ilocucionárias podem ajudar ou competir
com as metas sociais - especialmente com a meta
de ser polido. Então, em um elogio, observamos
que a meta ilocucionária do falante é comunicar a
H uma avaliação relativamente alta sobre algum
atributo seu. Nesse caso, à meta ilocucionária
ajuda a meta social (ser polido para manter boas
relações). Mas, em um pedido, ou uma crítica a H,
a meta ilocucionária compete ou entra em conflito
com as metas sociais. Ambos os tipos de
enunciados envolvem polidez, e eu os distinguirei
chamando-os de pos-polidez e neg-
polidez10
.(LEECH, 2005, p.7)
10
Texto original: Illocutionary goals may either support or compete
with social goals – especially the goal of being polite. Thus in paying
a compliment, one’s illocutionary goal is to communicate to H one’s
- 40 -
Assim, a polidez positiva e a polidez negativa de
Leech, respectivamente pos-polidez eneg-polidez, se
distinguem diante das circunstâncias enunciativas, ou seja,
se as metas ilocucionárias e sociais competirem entre si,
nós então observaremos uma manifestação de neg-polidez,
do contrário teremos um exemplo de pos-polidez.
(PAIVA, 2008)
Sendo assim, existem atos de fala que
pressupõem a presença do conflito e que de algum modo
suscitam uma situação de neg-polidez. Elogiar alguém é
um ato de fala que enaltece a figura do outro, ou seja,
atende a máxima da simpatia, e por si só figura como uma
situação de pos-polidez. Já o ato de pedir, por exemplo,
tem uma importância negativa porque o ato de fala já
pressupõe um esforço do interlocutor, isto é, neg-polidez,
high evaluation of H or of some attribute of H. Here the illocutionary
goal supports a social goal (being polite, in order to maintain good
relations). But in a request, or a criticism of H, the illocutionary goal
competes, or is at odds, with that social goal. Both these kinds of
utterance involve politeness, and I will distinguish these by calling
them respectively pos-politeness and neg-politeness. (LEECH, 2005,
p.7)
- 41 -
que significa atenuar ou diminuir o peso do ato de fala
para que as metas de S sejam impostas a H.
A grande estratégia de polidez (GSP)
Ao desenvolver a sua grande estratégia de polidez
(GSP), Leech procurou atualizar o estudo realizado na
década de oitenta, evitando utilizar o termo máximas,
substituindo-o por regras.
Assim, como no primeiro modelo, as regras de Leech se
subdividem em itens, dessa vez numerais, que definem o
valor atribuído ao falante (ou self- S) e ao ouvinte (ou
outro- O). Ainda trabalhando com um sistema de
hierarquia de importância, o autor tentou demonstrar
através de números quais são as regras mais importantes
em termos de polidez e quais seriam as secundárias, tendo
sempre como base o Outro.
Com relação aos numerais, o autor,
cuidadosamente, destinou aos números ímpares, os mais
importantes, as regras de pos-polidez, ou seja, aquelas que
- 42 -
não têm a possibilidade de suscitar um conflito entre as
metas ilocucionais e sociais, e às pares, as regras passíveis
de conflito, ou seja, as regras secundárias, vejamos as
regras:
1. Atribuir um alto valor aos interesses do Outro
2. Atribuir um baixo valor aos interesses do Self
3. Atribuir um alto valor às qualidades do Outro
4. Atribuir um baixo valor às qualidades do Self
5. Atribuir um alto valor às obrigações do Self para
com o Outro
6. Atribuir um alto valor às obrigações do Outro
para com o Self
7. Atribuir um alto valor às opiniões do Outro
8. Atribuir um baixo valor às opiniões do Self
9. Atribuir um alto valor aos sentimentos do Outro
10. Atribuir um baixo valor aos sentimentos do Self
Observando essas regras, identifica-se a herança
das máximas propostas no modelo da década de oitenta,
uma vez que exaltam a modéstia, a simpatia, o tato, a
concordância e o discernimento. Assim, para ser polido, o
sujeito deve, sempre, evitar colocar-se em uma posição
privilegiada em relação ao outro, e na medida do possível,
deve depreciar-se.
- 43 -
É válido salientar mais uma vez que dependendo
da situação comunicativa, algumas regras podem se
sobrepor a outras devido a aspectos culturais que
influenciam a escolha dos interlocutores. Leech (2005,
p.20) nos fornece alguns exemplos em que podemos
encontrar esse conflito de regras:
I. questionando sobre quem vai pagar a
conta do restaurante: aqui, a generosidade
compete com a concordância, a menos
que exista um claro entendimento que
uma pessoa está sendo convidada por
outra;
II. aconselhar: a generosidade pode
competir com a concordância e a
modéstia. Dar conselhos consiste em
fornecer benefícios da opinião de S para
O, mas pode implicar também que você
superestime a própria opinião;
III. ofertas e convites: a generosidade pode
competir com a modéstia.
A análise da polidez linguística
Para compreender como a polidez se desenvolve
em uma determinada situação, o autor considera as regras
citadas no tópico anterior, mas sempre a luz de um
contexto. Para dar conta disso, ele propõe duas variáveis:
- 44 -
os direitos e as obrigações definidos socialmente; e o
território do self e o território do outro (dentro e fora do
grupo).
Ao assumir um determinado papel social, também
assumimos direitos e obrigações que nos limitam ou
ampliam as possibilidades de realizar atos mais ou menos
polidos, isso fica evidente nas relações entre professor x
aluno; médico x paciente; chefe x funcionário, etc., que
imersos em uma cultura ou grupo particular deveremos
optar por usar mais um tipo de regra do que outro.
A variável o território do self e o território do
outro (dentro e fora do grupo) foi estipulada para tentar
compreender alguns tipos de relação social existentes no
Japão e na China, cujos meios de integração do indivíduo
dentro do grupo são bastante complexos, muitas vezes
ritualísticos, o que ocasiona termos específicos para a
delimitação do território, do que pertence ao grupo.
Além das questões culturais e situacionais que
podem ajudar os interlocutores a identificar qual regra é a
mais adequada para cada situação, Leech (2005) se
apropriou de três variáveis estipuladas por Brown e
- 45 -
Levinson: a) distância vertical entre o self e o outro
(poder; status; papel social; idade) [P]; b)a distância
horizontal entre o self e o outro (intimidade; familiaridade;
conhecimento; estranheza) [D];c)peso ou valor: quão
grande é o beneficio, custo, favor, obrigação. [R(x)], às
quais discutiremos com maior profundidade no próximo
capítulo.
Vamos analisar?
Vejamos a notícia publicada no G1:
Médico debocha de paciente na internet: 'Não existe
peleumonia'
Médico e duas funcionárias foram afastados após postagem
em rede social.
Guilherme Capel disse que não teve intenção de ofender e
pediu desculpas.
Renata Victal
Do G1 Campinas e Região
Um médico plantonista no Hospital Santa Rosa de Lima,
em Serra Negra (SP), foi afastado do trabalho após ter uma
foto sua publicada numa rede social com o título “Uma
imagem fala mais que mil palavras”. Na foto, Guilherme
- 46 -
Capel Pasqua mostra o receituário médico com o seguinte
dizer: “Não existe peleumonia e nem raôxis”.
Durante a tarde, o médico enviou ao G1 um comunicado em
que pede desculpas a todos que se ofenderam com a
postagem.
Figura 1: Postagem
- 47 -
Médico também comentou na foto (Foto:
Reprodução/internet)
Vinte minutos antes da postagem, na quarta-feira (27), o
médico havia atendido o mecânico José Mauro de Oliveira
- 48 -
Lima, 42 anos, que estudou até o segundo ano do ensino
fundamental e não sabe como falar corretamente algumas
palavras.
Seu enteado, o eletricista Claudemir Thomaz Maciel da Silva,
de 25 anos, o acompanhava na consulta e revela que, assim
que souberam o diagnóstico, o mecânico perguntou sobre o
tratamento para a "peleumonia". A reação do médico não foi
muito profissional, afirma Claudemir.
"Quando meu padrasto falou pneumonia e raios X de forma
errada, ele deu risada. Na hora, não desconfiamos que ele iria
debochar depois na internet. O que ele fez foi absurdo. O
procurei e escrevi para ele na rede social que, independente
dele ser doutor, não existe faculdade para formar caráter.
Assim que ele viu minha postagem, apagou a foto. Ele não
quis conversar com a gente", diz Claudemir.
O eletricista conta que o padrasto ainda não sabe que virou
assunto na internet e teme pela reação dele. Claudemir diz
que o mecânico não pôde estudar por falta de dinheiro.
"Meu padrasto não sabe falar direito porque não teve estudo.
Ele vai ficar muito triste quando souber o que aconteceu,
estamos evitando contar, mas ele vai acabar descobrindo. Ele
trabalhava como cozinheiro aqui em Serra Negra e depois se
tornou mecânico. Lembro que ele estudava, mas precisou
abandonar as aulas para cuidar de mim. Tive tuberculose aos
- 49 -
dois anos e, nessa época, ou ele estudava ou pagava meus
remédios", lembra.
Fonte: http://g1.globo.com/sp/campinas-
regiao/noticia/2016/07/medico-debocha-de-paciente-na-
internet-nao-existe-peleumonia.html
FIGURA 2: Postagem
Fonte: https://encrypted-tbn1.gstatic.com
/images?q=tbn:ANd9GcR1RdQzWQsVxuwF0uwZtsG-
MFgbBlmTZMLJTdM8gNCWBxsI5gF5
1. Neste tipo de situação, quem é o Self e quem é o
Outro da interação?
2. Houve a aplicação de alguma máxima ou regra
de polidez linguística? Qual?
3. Corrigir o Outro implica em alguma violação às
regras ou máximas de polidez? Por que?
- 50 -
4. Na sua opinião, em uma situação de
atendimento como a citada acima, o médico
agiu de forma polida?
Sugestão de Análise
1. Para Leech, o Self é aquele que ocupa o lugar de
falante da interação, ele pode ser cada um de nós,
no momento que ocupamos o turno da fala.
Quando o médico opta por escrever em um
receituário uma mensagem, é ele quem assumiu o
turno, portanto ele é o Self. Em contraponto, temos
o Outro, que pode ser o paciente citado na notícia,
alvo do comentário, ou mesmo todos os usuários
da rede social pela qual a foto circulou. Nesse
caso, temos um Outro que influencia a ação do
médico de demonstrar seu interesse em corrigir, e
um Outro, que chamaremos de terceiros, que
influenciam o interesse dele em fazer isso
publicamente, seus “amigos” ou seguidores da rede
social.
2. Quando o médico optou por postar a foto, ele
realizou uma ofensa, ou seja, não manifestou, em
nenhum momento o desejo de enaltecer, concordar,
solidarizar-se, demonstrar simpatia ou modéstia em
relação ao Outro, alvo da correção gramatical. Já
para os terceiros, amigos ou seguidores, ele pediu
aprovação quando decidiu narrar a consulta e
- 51 -
expor sua correção em forma de foto para os
usuários da rede social.
3. Corrigir, mesmo quando necessário, é um ato por
si só ofensivo, pois ele coloca o Outro em uma
posição de descrédito em relação ao Self, e quando
seve ser feito, é preciso que o Self faça das regras
ou máximas para minimizar o efeito negativo
preconizado pelo ato de fala. Trata-se portanto de
um ato de ameaça, e quando usado de forma
polida, trata-se de um exemplo de neg-polidez.
4. Na relação médico e paciente, é preciso considerar
que os papeis já carregam a força da hierarquia
social preestabelecida. O médico é aquele que sabe
mais, aconselha, consulta, o paciente é aquele que
ouve e obedece. Infelizmente, muitas pessoas
julgam que porque ocupam posição privilegiada
em determinadas situações não precisam ser
polidas, como no caso mostrado pela reportagem.
- 52 -
- 53 -
CAPÍTULO 2 – A polidez linguística de Penelope Brown e Stephen C. Levinson
Os autores
Stephen C. Levinson nasceu em 1947 em Londres,
cursou arqueologia e antropologia na Universidade de
Cambridge. No ano de 1977, ele finalizou seu doutorado
em linguística antropológica. Dez anos depois, publicou
Politeness: Some Universals in Language Usage. Studies
in interactional sociolinguistics em parceria com Penelope
Brown.
Penelope Brown nasceu em 1944, New Jersey,
EUA. Suas maiores áreas de interesse são a aquisição da
linguagem, comparação entre as línguas, semântica.
Atualmente ela é pesquisadora sênior do Max Planck
Institute for Psycholinguistics.
- 54 -
Influências
1) Goffman
Para construir um modelo de polidez, cujo
principal propósito seria a instituição de uma teoria
universal das manifestações polidas, os linguistas
ampararam-se na teoria pragmática dos atos de fala
construída por Austin e Searle, a teoria do princípio de
cooperação estipulada por Grice, além de uma teoria que
tratasse mais profundamente do funcionamento das
relações humanas, principalmente no que tange os rituais
de interação. Para tanto, Brown e Levinson adotaram a
noção de face fundada por Goffman (1967).
Goffman, um dos grandes pensadores do século
passado, contribuiu para os estudos em sociologia,
filosofia, psicologia e linguística. Muitos de seus
trabalhos basearam-se na análise de produções linguísticas
orais em interações sociais de natureza face a face ou
radiofônicas.
No livro Ritual de Interação, publicado em 1967,
o autor toma como pressuposto que as pessoas vivem em
- 55 -
um mundo de encontros sociais e que, a cada encontro, os
sujeitos tendem a manter uma linha de comportamento,
definida como “um padrão de atos verbais e não verbais
pelos quais expressa sua visão da situação e, a partir desta,
a sua avaliação dos participantes, especialmente dele
mesmo” (GOFFMAN,1967, p. 5).
A partir da noção de linha, Goffman propõe outro
conceito, o de face, que para ele constitui-se como
um valor social positivo de uma pessoa
que efetivamente afirma sobre si mesma
pela linha que os outros assumem que ela
adotou durante um contato particular.
Face é a imagem do self delineada em
termos de atributos sociais aprovados -
embora a imagem que os outros possam
compartilhar, como quando uma pessoa
faz uma boa demonstração de sua
profissão ou religião, fazendo uma boa
demonstração de si mesmo11
.
(GOFFMAN, 1967, p.5)
11
Esta e todas as traduções dessa dissertação são livres. Texto
original: The term face may be defined as the positive social value a
person effectively claims for himself by the line others assume he has
taken during a particular contact. Face is an image of self delineated in
terms of approved social attributes- albeit an image that others may
share, as when a person makes a good showing for his profession or
religion by making a good showing for himself. (GOFFMAN, 1967,p.
5)
- 56 -
Partindo de uma perspectiva mais racional,
Goffman menciona todos os membros adultos de uma
sociedade têm (e sabem que os outros têm) uma face. Não
existiria, portanto, uma possibilidade de interagirmos sem
que tivéssemos o intuito de construir uma imagem positiva
de nós mesmos, lembrando que essa imagem é construída
conjuntamente, mas com base nos valores sociais que
julgamos relevantes para nós mesmos.
Por que um membro adulto? A restrição de
Goffman certamente se baseia na sua ideia de que toda
interação, seja ela realizada oralmente ou não, é
constituída de regras conhecidas pelos membros de uma
determinada sociedade e em um determinado contexto, ou
seja, para saber como interagir é preciso ter conhecimento
de mundo a respeito do ritual que está sendo realizado, é
preciso ter experiência. Para ele o termo ritual significa
uma negociação “de atos através de componentes
simbólicos, cujo ator mostra o quão digno ele é de respeito
ou quão dignos ele sente que os outros são disso”.
Devemos considerar também que em qualquer
fase da conversação, os interlocutores podem se sentir
constrangidos, entrar em conflito e para isso precisam
- 57 -
recorrer a sua experiência para escolher um tipo de ação
adequada para a situação que possivelmente fragilizaria a
manutenção ou o estabelecimento de face.
Deixar a si mesmo ou o outro em uma situação
desconfortável, em termos de construção e manutenção da
imagem positiva de si mesmo, é o que Goffman chama de
ofensa, dividida em três categorias, a saber:
a) Ofensas inocentes: O falante pode
parecer ter agido inocentemente, sua
ofensa parece não ter intenção, mas
também não constituem um tipo de
brincadeira. Contudo, ele deveria prever
as conseqüências ofensivas. São
exemplos: gafes e erros que causam
algum tipo de constrangimento tanto do
falante quanto do ouvinte.
b) Ofensas maliciosas: Nesse caso, a
ofensa ao ouvinte pode parecer ter sido
feita maliciosamente e com o intuito de
desaprovação, provocando insultos
abertamente, tal como uma crítica.
c) Ofensas incidentais: Para o
pesquisador, são ofensas incidentais
aquelas que surgem de um modo não
planejado, mas às vezes são geradas
antecipadamente pelo produto da ação -
ação de ofender quando não se quer gerar
conseqüências ofensivas, embora não se
queira machucar. (PAIVA, 2008)
- 58 -
Para tratar as interações de modo menos
conflituoso, o adulto precisa ter tato, ou savoir-faire,
diplomacia, polidez. Cabe a ele preservar a sua face e a
face do outro para que a interação ocorra de modo
harmônico, o sujeito deve estar atento a
dois pontos de vista, uma orientação
defensiva, salvando sua própria face e a
orientação de proteção salvando a face
dos outros. Algumas práticas serão
primariamente defensivas, e outras
primariamente de proteção, embora, no
geral, pode-se esperar essas duas
perspectivas ao mesmo tempo. Na
tentativa de salvar a face dos outros, a
pessoa deve escolher a opção que não a
deixará perder sua própria face; ela deve
considerar a perda de face que sua ação
pode gerar para os outros. 12
(GOFFMAN,
1967, p. 14).
Trata-se, portanto, de um exercício complexo e
estratégico, muitas vezes difícil para um adulto, quem dirá
12
Texto original: The person will have two points of view- a defensive
orientation toward saving his own face and protective orientation
toward saving other’s face. Some practices will be primarily defensive
and others primarily protective, although in general, one may expect
these two perspectives to be taken at the same time. In trying to save
the face of others, the person must choose a tack that will not lead to
loss of his own; in trying to save his own face, he must consider the
loss of face that his action may entail for others. (GOFFMAN,
1967,p.14)
- 59 -
para uma criança. Goffman (1967) ainda menciona que o
repertório de regras sociais, as quais estamos sob
influência, pode ser particular para cada situação, pessoa,
subcultura de uma sociedade, sexo, classe social, e não
menos importantes os propósitos comunicativos.
Toda prática de salvar a face que é
permitida a neutralizar uma ameaça
particular está aberta à possibilidade de
uma ameaça intencional ser introduzida
pelo que pode ser ganho por isso de um
modo seguro. Se a pessoa sabe que a sua
modéstia vai ser respondida pelo orgulho
dos outros por ela, ela pode “pescar
elogios”. Se sua própria avaliação de si
mesma será checada contra os eventos
incidentais, então ela pode buscar
surgimento de eventos incidentais. (...)
Finalmente, com um certo custo para si
mesma, a pessoa pode gerar nos outros a
sensação de que estes machucaram seus
sentimentos, forçando-os a sentirem-se
culpados, com remorso e sustentar um
desequilíbrio no ritual13
. (GOFFMAN,
1967, p.24)
13
Texto original: Every face-saving practice which is allowed to
neutralize a particular threat opens up the possibility that the threat
will be willfully introduced for what can be safely gained by it. If a
person knows that his modesty will be answered by other’s praise of
him, he can fish for compliments. If his own appraisal of self will be
checked against incidental events, then he can arrange for favorable
incidental events to appear. […] Finally, at some expense to himself,
he can arrange for the others to hurt his feelings, thus forcing them to
feel guilt, remorse, and sustained ritual desiquilibrium. (GOFFMAN,
1967, p.24)
- 60 -
Nos exemplos acima, podemos observar que os
propósitos comunicativos do falante estão muito acima do
desejo de fazer com que o outro se sinta bem. Tais
situações podem gerar desconforto e para minimizar essa
sensação, Goffman identificou três tipos de movimentos
que têm por finalidade a preservação ou a manutenção da
face. São eles:
a) o processo de distanciamento: consiste na
realização de atos que evitem o contato com possíveis
fontes de conflito tais como evitar certos tópicos; ou
mudar de tópicos; fazer brincadeiras; não ser direto. Nesse
ponto, Goffman também considera a polidez como uma
forma de distanciamento
b) o processo corretivo: o conflito já foi
estabelecido, portanto, cabe ao ofensor a realizar uma ação
de reparo para minimizar os custos do ofendido, que pode
ser ele mesmo ou o outro.
c) a aceitação do ocorrido: a este processo,
Goffman chama de intermudança, pois só ocorre depois da
realização do ritual do processo corretivo da ofensa. Para
ocorrer é preciso que ofensor e ofendido aceitem o
- 61 -
ocorrido, o ofensor reparando o erro e o ofendido dando-
lhe o perdão.
2) Searle
Além de Goffman (1967), outro autor que
contribuiu bastante para a composição do modelo de
polidez linguística de Brown e Levinson foi Searle
(1969),que por sua vez amparou-se em Austin, para
construir sua teoria sobre atos de fala.
Searle propõe que o ato de fala seja constituído de
um conteúdo proposicional do verbo (p), e uma força F .
A comunhão entre esses dois elementos faz com que um
enunciado seja um ato de fala, ou seja, não somente tenha
um conteúdo a ser comunicado, mas também carrega a
forma com que é comunicado, e por isso se realiza de
formas diferentes nas interações sociais. Searle propõe
então a fórmula: F(p) para exemplificar o funcionamento
dentre força e as proposições. Searle (2002,p. 43) afirma
que:
- 62 -
Muitos verbos que chamamos de verbos
ilocucionários não são marcadores de
propósito ilocucionário, mas de alguma
outra característica do ato ilocucionário.
Ex. Insigt e Suggest são usados para
marcar o grau de intensidade com que se
apresenta o propósito ilocucionário
distinto. Da mesma forma, Announce,
hint, econfinde não marcam propósitos
ilocucionários distintos, mas sim, o estilo
ou modo de realização de um ato
ilocucionário. Eles são verbos
ilocucionários, mas não nomes de
espécies de atos ilocucionários.
Os falantes, certamente, reconhecerão que a
escolha por um determinado termo ao invés de outro pode
provocar consequências diferentes, pode inclusive gerar
apreciação ou soar como ofensa.
E por falar em ofensa, uma das propostas de
Searle é explicar como podemos ofender de forma
indireta, ou realizar qualquer ato de modo indireto,
levando o interlocutor a encarar a sentença com um peso
mais suave. Para ele, tornar um enunciado indireto é uma
espécie de força que caminha lado a lado com a força
ilocucionária e que também exige do interlocutor um
conhecimento prévio para compreender adequadamente.
- 63 -
Em tais casos, uma sentença que contenha
os indicadores de força ilocucionária
relativos a um tipo de ato ilocucionário
pode ser emitida para realizar
adicionalmente um outro tipo de ato
ilocucionário. Há também casos em que o
falante emite uma sentença e quer
significar o que diz e também significar
uma outra elocução com conteúdo
proposicional diferente. Ex. Você pode
alcançar o sal? E pretender que não seja
simplesmente uma pergunta, mas um
pedido para que a pessoa passe o sal.
(SEARLE, 2002, p.47)
Assim, pode-se declarar algo enquanto faz-se
uma ordem, ou uma sugestão, a possibilidade de podermos
fazer isso, faz com que o estudo da linguagem demonstre
que a interação social se comunica muito mais do que
aparentemente se expressa, mesmo em termos linguísticos.
Imaginem a cena de uma mãe chegando em casa, e ao
entrar no quarto do filho, ela verifica que está
desorganizado e diz:
Mãe: acho que hoje a noite você vai demorar a
sair pra brincar.
Filho: eu arrumo em um minuto.
No exemplo, a mãe faz uma constatação de algo
que ainda pode acontecer e o filho responde como quem
- 64 -
responde a uma ordem, ele poderia, concordar com ela, ele
poderia discordar dela, mas o filho prefere prometer. Sua
escolha certamente reflete uma reação a crítica feita pela
mãe de forma indireta, o que segundo a teoria de Grice
(1982), geraria uma implicatura conversacional, pois viola
a máxima da relação ou relevância, mas funciona
perfeitamente, pois adéqua-se ao contexto.
Assim, podemos definir que o ato ilocucionário
secundário (constatação) é literal e o ato ilocucionário
primário não é literal (crítica), contudo é muito mais
saliente, levando ao filho prometer ao invés de concordar
ou discordar. Searle (2002) observou que entre tantas
motivações que um falante poderia ter ao preferir,
enunciar algo através de uma forma indireta deve-se à
polidez linguística, principalmente com relação à categoria
dos diretivos.
No campo dos atos de fala indiretos, a
área dos diretivos é aquela que é mais útil
de estudar, pois as exigências
conversacionais comuns da polidez
normalmente acarretam ser inconveniente
à formulação de sentenças imperativas
categóricas (por exemplo: saia da sala) ou
performativas explícitas (ex. ordeno-lhe
que saia da sala) e procuramos portanto
- 65 -
encontrar meios indiretos para nossos fins
ilocucionários (ex. gostaria de saber se
você se importaria de sair da sala). Nos
diretivos, a polidez é a principal
motivação do caráter indireto do ato.
(SEARLE, 2002, p.55)
As contribuições de Penelope Brown e Stephen
C. Levinson
De acordo com Brown e Levinson (1978), a
polidez linguística é um sistema complexo de estratégias
realizadas verbalmente por todos os falantes racionais que
buscam prevenir, minimizar ou distanciar-se de atos
ameaçadores de face, responsáveis por gerar desequilíbrio
na interação. O objeto da polidez, para os autores, é a
harmonia e o equilíbrio da interação.
Brown e Levinson (1978) restringiram seus
corpora a interações orais provenientes de conversas
informais face a face realizadas em inglês, tzeltal e tamil.
A partir da análise, os pesquisadores verificaram que
determinadas estratégias eram recorrentes nas três línguas,
todas realizadas com a finalidade de evitar ou diminuir
possíveis conflitos na interação. Os lingüistas deduziram,
portanto, que estas poderiam ser consideradas universais,
- 66 -
ou seja, se aplicariam a todas as línguas. Assim, conceber
a polidez como um universal linguístico passou a ser uma
hipótese adotada pelos linguistas, a fim de compreender
como as pessoas, nativas de línguas diferentes, constroem
seu discurso segundo padrões de comportamento verbal
semelhantes.( PAIVA, 2008) 14
O conceito de face e a polidez
Brown e Levinson (1987) buscaram no
conceito de face proposto por Goffman (1967), uma base
teórica para compreender de que modo cada estratégia
atuaria nas interações sociais. Eles verificaram, no entanto,
que os adultos racionais não estão interessados somente
em construir valores positivos sobre si mesmos, mas
também de esconder valores que não consideram positivos
ou que julgam que não precisam ser compartilhados
publicamente.
14
Depois de publicada a primeira versão da teoria (1978), surgiram
muitas críticas, o que gerou uma segunda publicação (1987), mais
completa, na qual os linguistas tentam destrinchar, com mais detalhes,
os conceitos estabelecidos na década anterior. A partir de agora,
adotaremos como referência a obra de 1987.
- 67 -
Surgiu daí a ideia de face positiva e negativa.
A face negativa consiste em um conjunto dos territórios do
‘eu’ (território corporal, espacial, temporal, bens materiais
ou simbólicos) que os interlocutores julgam que devem ser
preservadas; e a face positiva como um conjunto das
imagens valorizadas de si mesmos que os interlocutores
constroem e tentam impor na interação. Brown e Levinson
desenvolveram um conceito de polidez que se baseia nas
noções de autonomia/território (polidez negativa) e
afiliação/ aprovação (polidez positiva).
A polidez positiva baseia-se no desejo de
exposição e compartilhamento de interesses do falante em
relação a seu interlocutor dentro de uma interação
particular. O falante busca se aproximar do interlocutor e
configura sua fala com base na imagem que ele constrói
do outro na interação, de modo a parecer adequado e
agradável.
A polidez negativa consiste no desejo do falante
em evitar uma aproximação desnecessária que possa
provocar algum risco de desequilíbrio na interação. Ela se
baseia na preservação do território do outro, da sua
liberdade de ação.
- 68 -
Considerando a interação como um jogo, os
interlocutores alternam entre o desejo de se expor e serem
aprovados socialmente (polidez positiva) e ao mesmo
tempo querem ter suas privacidades resguardadas (polidez
negativa). Cada jogador deve fazer uso de estratégias que
vise auxiliar não somente atingir os objetivos
comunicativos, mas também de manter o equilibro da
interação.
A relação entre atos de fala e atos ameaçadores de face
dos interlocutores
Se considerarmos a interação como um jogo,
cujos participantes tenham ciência das regras para efetuar
suas jogadas, também podemos considerar que muitas
delas podem ser agressivas, ameaçadoras, podem colocar
o falante ou o seu interlocutor em uma situação
constrangedora.
Cientes disso, os jogadores devem fazer uso das
diferentes possibilidades que a língua nos fornece para
jogar sem parecer ser tão agressivo, mesmo que a jogada
seja agressiva ou gere algum custo para o outro. Entra
- 69 -
então em cena a polidez linguística, para amenizar a força
dos atos ameaçadores de face positiva e negativa.
Os Atos ameaçadores de face negativa do
interlocutor consistem nos atos que podem interferir na
liberdade de ação do interlocutor, levando-o a realizar
ações que ele não gostaria de fazer. Seguem, abaixo,
alguns exemplos desses tipos de ameaças: ordens e
pedidos, sugestões e conselhos, lembretes, avisos, ameaças
e pedidos que envolvem riscos; promessas, elogios
exagerados.
Os atos ameaçadores de face positiva do
interlocutor são aqueles que colocam em cheque a imagem
positiva do interlocutor por meio de uma avaliação
negativa do falante, como exemplos, podemos citar as
críticas, a ridicularização, repressão, acusação; a
provocação e os insultos. Pertencem também as
contradições, os desacordos, as dúvidas, entre outros tipos
de ato.
Mais danosos que os primeiros, há também os
atos ameaçadores que ameaçam tanto a face positiva
quanto a face negativa do interlocutor, são eles:
- 70 -
expressões de violência, menção de temas
constrangedores, como religião, política, esporte ou tabus,
comunicados de más notícias, desacordos, uso de
vocativos que demonstrem intimidade em situações que
não convém, entre outros.
Além do interlocutor, podemos observar que o
falante também pode ser constrangido, ameaçado por algo
que foi dito por ele. Alguns atos ameaçam a sua liberdade
de ação (face negativa), ou seja, fazem com que ele
comprometa-se com algo que ele poderia não querer se
comprometer. São exemplos: agradecer, promessas,
aceitação de ofertas, confronto de pontos de vista,
responsabilidade sobre um passo em falso do ouvinte.
O falante também pode colocar a sua face
positiva em risco quando pede desculpas, aceita um
elogio, agradece, quando emociona-se, ou mesmo por
descuido coloca-se em situações constrangedoras, como o
choro em um lugar inadequado.
À primeira vista, parece que toda e qualquer
enunciação pode consistir em um ato ameaçador de face,
desde o pedido de desculpas a um elogio. Nesse sentido, é
- 71 -
importante não considerarmos radicalmente a divisão dos
autores, pois precisamos - como já prediz a teoria - buscar
no contexto interacional subsídios para avaliar se um
determinado ato classificado como ameaçador a uma
determinada face, na interação, pode ser realmente
avaliado como ameaçador. (PAIVA, 2008)
Pensando nisso, os autores não restringiram
seu modelo de análise de polidez linguísticas na noção de
ato ameaçador de face, eles adicionaram outras duas
variáveis que auxiliam na compreensão do contexto de
interação.
O poder e a intimidade como variáveis
Para Brown; Levinson (1987), as ameaças às
faces podem ser mensuradas como mais ou menos
agressivas dependendo do nível de intimidade entre os
participantes da interação (D); e o poder dos interlocutores
(P) na situação analisada. Os autores propuseram que a
polidez equivale ao nível de intimidade entre falante e
- 72 -
ouvinte mais o poder deles e o peso do ato ameaçador de
face: Wx = D(S, H) +P(H, S) +Rx.
A fórmula considera fatores como simetria, o ato
de fala como aporte ameaçador e o engajamento dos
interlocutores. Assim, em um contexto familiar como o
citado anteriormente, no qual a mãe tenha mais poder que
o filho, embora exista um baixo distanciamento entre eles,
dada a intimidade da relação, é provável que o ato
ameaçador de face não pese tanto, visto que a obediência
seja um fator preponderante na relação desses dois
familiares; mas, uma vez que o filho enuncia um ato
ameaçador à face a sua mãe, esse ato passa a assumir uma
força diferenciada, ou seja, ele pode ser potencializado
devido a assimetria do papel que ambos ocupam na
interação social.
Fatores que influenciam as escolhas dos falantes
Para Brown; Levinson (1987), em uma interação,
os interlocutores devem pesar o que é mais importante
para eles ao enunciar algo. Para tomar esta decisão, eles
- 73 -
devem considerar se: a) é realmente necessário realizar o
ato ameaçador de face; ii) é importante enunciá-lo de
forma clara e ostensiva; c) é preciso manter a face de seu
interlocutor em algum grau.
Ao realizar tal avaliação da situação, os falantes
estarão aptos a definir como querem se engajar na
situação. Eles podem demonstrar envolvimento
preservando as faces dos interlocutores (On Record),
podem envolver-se sem se preocupar com as faces, já que
preza-se mais pela clareza e precisão (Baldon Record), ou
podem preferir enunciar demonstrando baixo ou nenhum
envolvimento com o ato(Off Record).
A escolha por enunciar um ato de ameaça a face
de modo On-Record, Off-Record desencadeia uma série de
vantagens que podem ser adquiridas pelo falante, por
exemplo, se o falante usar estratégias que visem o
envolvimento e manter as faces (On-Record),ele
certamente receberá crédito por ser honesto, poderá evitar
mal entendidos, podendo inclusive, ser apreciado. Se por
acaso ele preferir envolver-se pouco ou não se envolver
(Off- Record), além de não ter responsabilidade sobre o
ato, ele pode evitar colocar-se a si e ao outro em situações
- 74 -
constrangedoras, sofrendo menos riscos, podendo receber
crédito por ter tato nas relações sociais.
Como nos mostra a figura 1, cabe ao falante
decidir se ele deseja realizar o ato ameaçador de face e
como ele deseja realizá-lo. Para os autores, a polidez surge
em forma de estratégias com o objetivo de reparar o ato,
minimizando a sua força. Essas estratégias podem ser
direcionadas às faces positivas e negativas tanto do falante
quanto de seu interlocutor.
Figura1 - Estratégias que podem realizar um ato ameaçador de face
extraída
Fonte: Brown e Levinson (1987, p. 69)
Os autores observaram que os falantes nativos das
três línguas costumam usar de modo semelhante as
mesmas estratégias. Eles identificaram quinze estratégias
- 75 -
de polidez positiva realizadas de modo On-Record, dez
direcionadas a face negativa e quinze estratégias que
minimizam o envolvimento do falante com aquilo que
enuncia (off-Record).
On –record: estratégias direcionadas à face positiva
(polidez positiva)
1) Note (isto é, focalize) os interesses do ouvinte
(interesses, metas, necessidades, qualidades)
Ao escolher essa estratégia, o falante tem o
intuito de fazer com que o seuinterlocutor sinta-se bem,
apreciado, elogiado.
Exemplo 1: What a beautiful vase this is!
Wheredid come from? (tradução para o português: Que
belo vaso ele é! De onde veio?)
2) Exagere (interesse, aprovação, simpatia com o
ouvinte)
O falante pode optar por exagerar seu interesse.
Aqui, ele reitera seu interesse e, portanto aumenta o seu
- 76 -
nível de engajamento com o que diz.
Exemplo 2: What a fantastic garden you have!
(tradução para o português: Que jardim fantástico você
tem!).
3) Intensifique o interesse do ouvinte
O falante deseja que o seu interlocutor mantenha
sua atenção focada nele, e por isso tenta aumentar o seu
interesse, gerando expectativa.
Exemplo 3: I’ll be done in one second. (tradução
para o português: Estarei pronto em um segundo).
4) Use marcadores de identidade e grupo no
discurso
O falante quer se aproximar do seu interlocutor,
ele procura intimidade ou compartilhar do mesmo código
lingüístico, portanto, ele usa marcadores de identidade e
grupo que demonstrem este interesse.
Exemplo 4: Come here, buddy. (tradução para o
português: Venha aqui, amigo.).
5) Procure concordar
- 77 -
Como vimos no capítulo anterior, esta estratégia
lembra um dos princípios da teoria de Leech (1983),
segundo o qual o falante deve buscar a concordância.
Exemplo 5: A: Did she go to the country? B:
Shewent. (tradução para o português: A: Ela foi para a
cidade? B: Ela foi.)
6) Distancie-se da discordância
Assim como a estratégia anterior, essa nos remete
ao par do princípio de Leech (1983) supracitado, que é
evitar a discordância na interação:
Exemplo 6: A:What is she, small? B: Yes,
sheissmall (…) - (tradução para o português: A: O que ela
é?Pequena? B: Sim, ela é pequena (...))
Os lingüistas argumentam que esse tipo de
estratégia pode ser observado em repetições, como é o
caso do exemplo acima, e exageros. Neste caso, a
intensidade tende a demonstrar além da concordância uma
atenção maior sobre o objeto ao qual se refere.
7) Aceite, aumente, delimite o terreno comum
- 78 -
Além de usar os marcadores de identidade e
grupo, o falante pode demonstrar que compartilha dos
conhecimentos de seu interlocutor.
Exemplo 7:A: Oh, this cut hurts awfully, Mum. B:
Yes dear, it hurts terribly, I know. (tradução para o
português: A: Oh, esse corte é horrível mãe. B: Sim
querido, ele dói terrivelmente, eu sei.)
8) Brinque para deixar o ouvinte mais à vontade
Se a situação em que o ato de ameaça a face foi
realizado foi bastante comprometida, o falante pode optar
por descontraí-la, deixando-a mais leva. Ele pode então,
brincar para deixar o seu interlocutor mais a vontade. Cabe
ressaltar que o uso desta estratégia deve ser bem avaliado,
uma vez que a falta ou pouca intimidade entre eles possa
incorrer em mais uma ação constrangedora.
Exemplo 8: Ok if I tackle those cookies
now?(tradução para o português: Tudo bem se eu atacar
esses biscoitos agora?)
9) Acerte ou pressuponha conhecimento do
- 79 -
ouvinte e de seus interesses
O falante pretende demonstrar ao ouvinte que
conhece seus interesses e especificidades. Esse
conhecimento é evidenciado no exemplo pela expressão I
know (eu sei):
Exemplo 9: I know you love roses, but the florist
didn’t have any more, so I brought you geraniums instead.
(tradução para o português: Eu sei que você ama rosas,
mas a florista não tinha mais, então eu comprei ao invés
de rosas, gerânios.)
10) Ofereça, prometa
No caso das ofertas e promessas, também
identificadas por Leech (2005) como representantes do
grupo de regras correspondentes às máximas do tato e da
generosidade, o falante parece procurar algum crédito, ou
seja, manter a sua face positiva, no que diz respeito a uma
ação realizada por ele, ao passo que se compromete com o
que diz.
Exemplo 10: I’ll drop by sometime next week.
(tradução para o português: Eu virei em algum momento
- 80 -
semana que vem.)
11) Seja otimista sobre os interesses do ouvinte.
Ele quer o que o falante quer
Aqui o falante pressupõe que os interesses do
interlocutor são iguais aos seus.
Exemplo 11: Look, I’m sure you won’t mind if I
borrow your typewriter. (tradução para o português:
Veja, eu tenho certeza de que você não se importará se eu
pegar emprestada a sua máquina de escrever.)
12) Inclua ouvinte e falante na mesma atividade
O falante realiza esta estratégia com a finalidade
de fazer o interlocutor sentir-se engajado.
Exemplo 12: Give us a break. (tradução para o
português: Dê-nos um intervalo.)
13) Forneça ou peça razões
Esta estratégia tem como meta demonstrar que o
falante está disposto a compartilhar suas razões ou pedi-las
para fazer algo.
- 81 -
Exemplo 13: Why don’t I help you with that
suitcase? (tradução para o português: Por que eu não lhe
ajudo com essa mala?)
14) Acerte uma troca recíproca
Ao acertar uma troca recíproca, o falante garante
que nem ele, nem seu interlocutor serão prejudicados, ou
se serão, serão os dois.
Exemplo 14: I’ll do that for you, and you’ll do
that for me. (tradução para o português: Eu farei isso
para você e você fará isso por mim).
15) Forneça presentes ao ouvinte (qualidades,
simpatia, entendimento, cooperação)
Como podemos observar no exemplo, nem
sempre os presentes são necessariamente objetos, mas atos
que facilitam, em algum aspecto, a interação. A
demonstração de sentimentos pode ser expressa pelas
categorias básicas dos atos de fala expressivos e
declarativos.
Exemplo 15: I’m so glad to see you. (tradução
para o português: Estou feliz por ver você).
- 82 -
On–record: Estratégias direcionadas à face
negativa (polidez negativa)
16) Seja convencionalmente indireto
Ao invés de dar uma ordem, o falante pode
minimizar a imposição do ato de fala, transformando-o em
um pedido.
Exemplo 16: Can you please pass the salt?
(tradução para o português:Você pode, por favor, passar
o sal?)
17) Questione, restrinja-se
A escolha do modalizador equaliza o enunciado
de modo que a restrição adotada pelo falante, evita que ele
demonstre uma certeza inquestionável, e que ele pode
estar certo ou não.
Exemplo 17: I think that Harry is coming.
(tradução para o português: Eu acho que Harry está
vindo.)
- 83 -
18) Seja pessimista
Aqui o falante solicita a colaboração do
interlocutor minimizando ressaltando que isso é um custo
para ele. Neste caso, o interlocutor sente-se tentado a
negar o custo, obrigando-se muitas vezes a fazer o que não
quer.
Exemplo 18: Perhaps you’d care to help me.
(tradução para o português: Talvez você se importasse
em me ajudar.).
19) Minimize a imposição
Consiste no uso de expressões que minimizam o
peso do ato de ameaça à face negativa do ouvinte.
Podemos destacar, nesse exemplo, as palavras just, if
elittlecomo expressões que visam a restringir a ameaça.
Exemplo 19: I just want to ask you if I can
borrow a little paper?(tradução para o português:Eu só
queria perguntar a você se eu posso pegar emprestado um
papel pequeno?)
- 84 -
20) Demonstre respeito
Aqui o falante reconhece o poder ou a baixa
intimidade entre ele e seu interlocutor.
Exemplo 20: That’s all right, sir. (tradução para
o português: Está tudo certo, senhor.)
21) Desculpe-se
O ato de se desculpara é um exemplo clássico de
reparo que não necessariamente minimiza o peso do ato,
mas serve a imagem do falante.
Exemplo 21: I’m sorry to bother you,
but...(tradução para o português: Perdoe-me por
incomodar, mas…)
22) Impessoalize o falante e o ouvinte.
Distancie-se dos pronomes eu e você:
Ao se distanciar dos pronomes eu e você, o
falante está evitando exaltar o compromisso com o que é
enunciado e colocar às faces de ambos em risco.
Exemplo 22: It’s broken- I broke it. (tradução
para o português: Isso quebrou- eu quebrei isso.)
- 85 -
O exemplo nos mostra que o uso do pronome it
omite o agente da situação, que por sua vez distancia-se de
um possível ato ameaçador de face. Outro aspecto que
podemos destacar nesse exemplo é a presença da voz
passiva como uma estratégia de impessoalização, um
recurso recorrente nos discursos acadêmico e jornalístico.
23) Categorize um ato de ameaça à face como
uma regra geral
O falante faz uso de um conhecimento
proveniente do senso comum, um provérbio, ou uma lei
para sustentar o ato de ameaça a face, assim, é possível,
minimizar a sua responsabilidade sobre a sua realização.
Exemplo 23: We don’t sit on tables, we sit on
chairs, Johnny.(tradução para o português: Nós não
sentamos em mesas, nós sentamos em cadeiras, Johnny.)
24) Nomeie para distanciar o ator e adicione
formalidade
O falante usa da formalidade para evitar colocar-
se em risco na interação.
- 86 -
Exemplo 24: I’m pleased to be able to inform
you... - it’s pleasant to be able to inform you…(tradução
para o português: Eu estou contente por estar apto para
informar a você… - É um prazer estar apto para informá-
lo...)
25) Aja como se estivesse em débito com o
interlocutor ou como se o interlocutor não lhe devesse
nada
O falante ressalta que ele está em descrédito em
relação ao interlocutor.
Exemplo 25: I´d be eternally grateful if you
could... (tradução para o português: Eu estaria
eternamente agradecido se você pudesse...)
Off–record: estratégias de polidez lingüística
26) Faça insinuações
Insinuar algo é expressar algo sem ser claro.
Quando o falante opta por comunicar-se desta forma, ele
- 87 -
está sendo indireto e pode realizar um ato indireto de fala
Searle (2002), como no exemplo abaixo.
Exemplo 26: It is cold in here. (tradução para o
português: Está frio aqui.)
27) Forneça pistas associativas
Outra forma de ser indireto é comunicar-se por
meio de códigos que agem como pistas que somente o
falante e seu destinatário conhecem.
Exemplo27: Oh god, I’ve got the headache again.
(tradução para o português: Oh Deus, estou com dor de
cabeça novamente.)
Se o enunciado do exemplo surgir em resposta a
um pedido, entenderemos que ter dor de cabeça pode ser
um modo polido de fazer uma recusa.
Exemplo 28: A: Você poderia me ajudar a lavar
os pratos? /B: Oh Deus, estou com dor de cabeça
novamente.
- 88 -
29) Pressuponha
Esta estratégia está amparada no conhecimento de
mundo e nas expressões linguísticas.
Exemplo 29: I washed the car again today.
(tradução para o português: Eu lavei o carro novamente
hoje.)
30) Minimize
Como vimos no capítulo anterior, essa estratégia
parece ter alguma relação com o princípio de lítotes de
Leech (1983), cujo principal objetivo é o de distorcer o
estado de coisas, quando elas sugerem ser um ato
ameaçador de face. Procuramos utilizar esse tipo de
estratégia para dar más notícias, fazer críticas, expor nossa
opinião.
Exemplo 30: That dress is quite nice. (tradução
para o português: Esse vestido está relativamente bom.)
31) Exagere
Aqui o falante também distorce o estado de
coisas, mas desta vez, ele aumenta com a intenção de
- 89 -
buscar uma aprovação, concordância, assim como chamar
a atenção, entre outros:
Exemplo 31: I tried to call a hundred times,
but...(tradução para o português: Eu tentei ligar uma
centena de vezes, mas…)
32) Use tautologias
Para Grice (1982), a tautologia viola a máxima da
quantidade, pois não fornece informação suficiente, mas
gera apreciação e concordância em termos de polidez.
Exemplo 32: War iswar. ((tradução para o
português: Guerra é guerra.)
33) Use contradições
Ao ser contraditório, o falante afirma e nega o ato
ameaçador de face provocando uma confusão, o que
minimiza a sua responsabilidade para com o que foi
enunciado.
Exemplo 33: Well, John is here, and he isn’t
here. (tradução para o português: Bem, John está aqui e
não está.)
- 90 -
34) Seja irônico
Ao ser irônico, o falante quer dizer algo e negar
essa mesma coisa no mesmo enunciado. Ao contrário da
contradição, que o interlocutor logo interpreta a confusão,
na ironia, ele precisa se amparar nos recursos lingüísticos
e extralingüísticos para identificar que no enunciado estão
contidos dois sentidos opostos.
Exemplo 34: John is a real genius. (tradução
para o português: John é realmente um gênio.).
35) Use metáforas
Metáforas são comparações implícitas que
requerem de todos os interlocutores o esforço de
identificar a comparação.
Exemplo 35: Harry’s a real fish. (tradução para
o português: Harry é realmente um peixe.)
36) Use questões retóricas
As questões retóricas servem para desviar a
atenção do ouvinte para um determinado ato de fala. No
caso do exemplo abaixo, o falante procura fazê-lo pela
- 91 -
alegação da ignorância ou por inabilidade em realizar
algo.
Exemplo 36: What can I say?(tradução para o
português: O que eu posso dizer?)
37) Seja ambíguo
Essa estratégia também exige do interlocutor um
cálculo mental para tentar compreender o que o falante
tentou dizer.
Exemplo 37: John’s a pretty sharp cookie.
(tradução para o português: John não é um tolo).
38) Seja vago
Ao ser vago, o falante não se compromete com
aquilo que optou por não dizer, cabendo ao interlocutor a
responsabilidade de compreender o objeto da possível
ameaça.
- 92 -
Exemplo 38: I’m going you know where.
15(tradução para o português: Eu estou indo, você sabe
onde).
39) Generalize
Ao generalizar, o falante pode incluir a si mesmo
ou ao interlocutor em um grupo ou categoria alvo de atos
ameaçadores de face. Deste modo, ele minimiza a força do
ato porque a responsabilidade para com ele é
compartilhada.
Exemplo 39: Mature people sometimes help to
the dishes.(tradução para o português: Pessoas maduras,
às vezes, ajudam com os pratos.)
40) Desloque o ouvinte
Quando o falante opta por deslocar o ouvinte, ele
consegue se fazer entender endereçando sua mensagem
para outra pessoa, presente na interação, que não aquela
que ele mencionou.
15
O dêitico where (onde) também poderia ser um exemplo para a
estratégia de número 2: Forneça pistas associativas.
- 93 -
Exemplo 40: Let’s do the homework. (tradução
para o português: Vamos fazer a tarefa de casa.)
41) Seja incompleto, use elipses
Evitar mencionar todas as informações
necessárias ou ser incompleto é outra forma de ser indireto
e não se comprometer com o ato.
Exemplo 41: Well, I didn’t see you16
… (tradução
para o português: Bem, eu não vi você…).
Vamos analisar?
Neste capítulo, nós nos dedicamos a apresentar o
modelo de análise de polidez linguística proposto por
Brown e Levinson (1987). Neste modelo, os autores
consideram que os interlocutores da interação possuem
faces positivas e negativas e direcionam as estratégias de
polidez para cada uma dessas faces. Leia “A fábula do
freelancer” e responda como a polidez se manifesta neste
exemplo:
16
Esse exemplo, extraído de Brown e Levinson (1987) encontra-se
descontextualizado, provocando uma incompreensão da estratégia.
- 94 -
Figura 2 - A Fábula do Freelancer
Fonte: http://lh3.googleusercontent.com/-
W7n0Q1VnnXE/VUQA6YQjL3I/AAAAAAAAOHw/
QXzSJS11tS8/liberdade%252520e%252520depend%2525C3%
2525AAncia%252520cartoon%252520de%252520Odyr%2525
20Berrnardi_thumb%25255B3%25255D.jpg?imgmax=800
Sugestão de análise
A polidez linguísticas é observada no
comportamento social quando se deseja instaurar a
- 95 -
harmonia na interação. Muitas vezes, ao invés de
privilegiarmos a clareza e a precisão de um enunciado,
priorizamos o bem estar das pessoas envolvidas e por isso
optamos por ser mais simpáticos e às vezes indiretos.
No cartoon intitulado de “A fábula do
freelancer”, temos dois pássaros, um preso em uma gaiola
e um livre em um galho. O primeiro se dirige ao outro
pássaro fazendo uso da estratégia acerte ou pressuponha
conhecimento do ouvinte e de seus interesses quando diz
que “deve ser linda a liberdade”. Ao usar tal estratégia, o
pássaro enjaulado tenta estreitar seus laços com o outro
pássaro, trabalhando o engajamento.
O pássaro livre também faz uso da estratégia
procure concordar, demonstrando ao outro que o
engajamento é possível, mas não só isso. Ele ressalta os
benefícios de estar enjaulado utilizando a expressão “tem
o seu valor”, ou seja, ele fornece presentes ao ouvinte,
valorizando também a sua condição de preso.
O autor do cartoon, certamente, quis demonstrar
uma situação bastante comum nos dias de hoje, o conflito
entre a estabilidade de um emprego e a beleza da liberdade
- 96 -
que um profissional liberal pode ter. O fato de trazer a
tona um assunto tão controverso em forma de fábula
mostra que o autor buscou ser indireto, para resguardar as
faces dele e de todos aqueles que podem se incluir nesta
situação.
- 97 -
CAPÍTULO 3 – Comunidade de Prática Cortês e Comunidade de Prática Descortês de Kaul de Marlangeon
1 A Autora
A linguista argentina Silvia Kaul de Marlangeon é
doutora em Letras e professora titular no Departamento de
Língua e Literatura da Faculdade de Ciências Humanas da
Universidad Nacional de Río Cuarto, Argentina. Desde
sua Especialização em Linguística, na Escola de Línguas
da Universidad Nacional de Córdoba, em 1992, Kaul de
Marlangeon tem se destacado nos estudos sobre a Cortesia
Verbal, com a aprovação de seu trabalho inédito “A força
da cortesia-descortesia e suas estratégias no discurso
tanguero da década de 20”17
, publicado em 1995 pela
revista RASAL (ISSN 0327-8794. Ano III, número 3,
páginas 7-38) da Universidade Nacional de Tucumán e
reeditada por EDICE em 2003.
17
Título original: La Fuerza de Cortesía-Descortesía y sus estrategias
en el Discurso Tanguero de la Década del ’20.
- 98 -
Nessa obra, conforme resume Kaul de Marlangeon
(2003, p. 3), encontramos suas primeiras reflexões teóricas
sobre a Descortesia Verbal. São pesquisas alicerçadas na
Pragmática Sociocultural18
que, de certo modo,
complementa a teoria proposta por Brown e Levinson, por
meio de uma análise das estratégias de interação verbal
que manifestam descortesia no discurso tanguero (letras
de tangos) dos anos 20 e que permitem reconhecer a
qualidade das relações sociais dos protagonistas como um
aspecto do ethos da cultura do Rio da Prata, representada
nas canções.
A relevante contribuição de seu trabalho precursor
pode ser também confirmada com a projeção que essa
pesquisadora recebeu nos livros Research on Politeness in
the Spanish-Speaking World, Laurence Erlbaum
Associates, Publishers: London (2007) e Pragmatics.
Cognition, Context&Culture, Mc GrawHill(2016).
18
Em linhas gerais, podemos dizer que os estudos da Pragmática
Sociocultural partem da necessidade de priorizar o particular ao
universal, evidenciando o enfoque sociocultural à prática
(extra)linguística dos sujeitos, bem como o caráter crítico e
transdisciplinar, identificando-se mais ao pós-estruturalismo
linguístico, dada sua concepção de abertura prático-reflexiva e ruptura
a sistemas teóricos fechados. Tal perspectiva dialoga com as reflexões
sobre Pragmática Cultural desenvolvidas no Brasil (UECE), em
Nogueira de Alencar (2014) e outros.
- 99 -
Kaul de Marlangeon está associada ao Programa
Estudios sobre el Discurso de la Cortesía en Español
(EDICE)19
, tendo uma extensa lista de pesquisas e textos
publicados e reconhecidos pelo referido órgão,
concentrando-se na Cortesia e Descortesia Verbal,
Pragmática, Gramática e Semântica. Uma de suas mais
recentes pesquisas a levou a refletir sobre as Comunidades
de Prática Cortês e Descortês, sendo esta abordagem
teórica o objeto de nosso estudo neste capítulo.
De certa forma, seu trabalho demonstra um
engajamento crítico na luta contra a violência linguística,
ao estudar o fenômeno (extra)linguístico pela caráter da
(Des)Cortesia, denunciando a “dor” que uma palavra/ação
causa na interação social. Por essa razão, tem sido
convidada por diferentes universidades na América e
Europa, bem como palestras em congressos internacionais
sobre o tema.
19
Confira página eletrônica EDICE, disponível em:
http://edice.org/acerca-del-programa/. Trata-se de uma rede
internacional de contato entre investigadores que incluem, em seus
trabalhos de Pragmática Sociocultural, pesquisas sobre o fenômeno da
(Des)Cortesia nas distintas variantes da língua espanhola.
- 100 -
Em dezembro de 2014, a autora esteve em São
Paulo como palestrante convidada no II Congresso
Internacional Interdisciplinar (Des)Cortesia: expressão
de cultura(s)?. Participou também de Conferência do
Grupo de Pesquisa Pragmática (inter)linguística, cross-
cultural e intercultural da Universidade de São Paulo, com
o tema "Descortesía de fustigación de personajes
mediáticos: entre la extimidad del hablante y la extimidad
impuesta o atribuida al oyente".
Destacamos ainda sua contribuição à Gramática e à
Semântica com os livros Los advérbios en –mente del
español de hoy y su función semántica de cuantificación
(Vervuert/Iberoamericana, Frankfurt/Madri, 2002) e, em
coautoria com Cristina Astorga e LenUnsworth,
Developing second language writing in English: teaching
the narrative of personal experience (A genre-based
approach.Editorial de La Fundación UNRC, 2003).
2 Influências
Se tomarmos como referência os primeiros estudos em
(Des)Cortesia de Kaul de Marlangeon, como o trabalho
citado acima, notaremos uma forte influência do modelo
- 101 -
textual-interacional de Brown e Levinson que abordam as
estratégias dos atos ameaçadores da imagem positiva ou
negativa; bem como das variáveis sociais (Poder,
Distância Social e Grau de implicação/apreensão) que são
vivenciadas e conhecidas entre os membros de cada
cultura. São conceitos relevantes que a ajudaram a
concluir que a cultura rio-pratense presente nos tangos
argentinos da década de 20 manifesta uma visão
desvalorizada do mundo e, sobretudo, da mulher, tratando-
a com descortesia.
No decorrer de seus estudos sobre (Des)Cortesia, Kaul
de Marlangeon passa a se aproximar das reflexões prático-
teóricas sobre Cortesia na perspectiva da Pragmática
Sociocultural de Diana Bravo, o que resulta na criação de
uma abordagem prático-teórica da Descortesia de
Fustigação e, posteriormente, das Comunidades de
Prática Cortês e Descortês, para analisar o fenômeno
(extra)linguístico das interações humanas.
Dada a relevância de Diana Bravo para os estudos de
Kaul de Marlangeon, vamos conhecer, sinteticamente,
seus principais postulados e sua importância para os
estudos latino-americanos da (Des)Cortesia.
- 102 -
Diana Bravo é doutora em Espanhol pela Universidade
de Estocolmo, na Suécia, Instituição em que é, além de
pesquisadora, professora no Departamento de Espanhol,
Português e Estudos Latino-americanos. Formada em
Letras e Literatura pela Universidade de Buenos Aires, a
linguista argentina Diana Bravo se tornou uma referência
internacional nos estudos pragmáticos da Cortesia Verbal,
colaborando na edição de coleções sobre Cortesia e
integrando o conselho de redação de revistas científicas,
como a revista internacional Sociocultural
Pragmatics (SOPRAG)20
, publicada por De Gruyter. Seu
engajamento com a investigação acadêmica na Linguística
Aplicada resultou na idealização, realização e direção do
Programa EDICE.
Diana Bravo reconhece que o ineditismo de uma
leitura crítica aos clássicos da Cortesia surgiu com
Matsumoto21
, ao discordar de Brown e Levinson que,
prescindindo do conhecimento do contexto do usuário de
uma língua (no caso, japoneses), caracterizaram, de modo
20
Disponível em: http://www.degruyter.com/view/j/soprag 21
MATSUMOTO, Y. Reexamination of the universality of Face:
politeness phenomena in japanese. JournalofPragmatics, n. 12 (4), p.
403-426, 1988.
- 103 -
geral, a comunidade japonesa como “cortesia negativa”. A
bem da verdade, os falantes japoneses, ao usar de
“deferências” no cumprimento-interação entre si, não se
percebiam diante de uma cortesia negativa, mas sim
tratava-se de questões culturais de respeito ao próximo e
ao grupo, revelando uma dependência do indivíduo ao
grupo. Ou seja, o sujeito japonês se vincula ao grupo
muito mais do que a outra comunidade linguística
(anglófona) que Brown e Levinson pesquisaram. Portanto,
não era um ato ameaçador da imagem, mas um ato de
preservação do sujeito no grupo.
Seguindo Matsumoto, Diana Bravo e outros
linguistas latino-americanos, como Silvia Kaul de
Marlangeon, passaram a repensar os estudos sobre a
Cortesia Verbal, tomando como referência essa leitura
encarnada na realidade, tanto de quem pesquisa quanto
sobre que sociedade se vai pesquisar.
A despeito dessas críticas aos estudos clássicos
sobre a Cortesia, em consonância com esses linguistas,
queremos ressaltar que a perspectiva da Pragmática
Sociocultural que defendemos neste capítulo não significa
negar ou desmerecer todo o importante trabalho que
- 104 -
aqueles teóricos clássicos da Cortesia (citados
anteriormente) ofereceram à Linguística e às Ciências
Sociais e Humanas.
Ao contrário, reconhecemos que muitos dos
pressupostos dessa primeira geração de estudos sobre as
Faces e a Cortesia servem de pontapé inicial, ou base
teórica e inspiradora, para uma reflexão mais
transdisciplinar, como é próprio da nova pragmática
desenvolvida por Rajagopalan (2010).
Por essa razão, uma das maiores contribuições de
Diana Bravo (1999) que influenciou Kaul de Marlangeon,
foi seu novo conceito de imagem (Face), substituindo a
noção de cortesia negativa e cortesia positiva de Brown e
Levinson, por afiliação (trata-se de como uma pessoa
deseja se ver e ser vista pelos demais enquanto àquelas
características que a identificam com o grupo) e
autonomia (trata-se de como uma pessoa deseja se ver e
ser vista pelos demais como um indivíduo com contorno
próprio dentro do grupo)22
.
22
Texto original: Autonomía: abarca todos aquellos comportamientos
que están relacionados cómo una persona desea verse y ser vista por
los demás como un individuo con contorno propio dentro del grupo.
- 105 -
Por meio de Diana Bravo (2003, p. 101), passamos
a compreender cortesia como uma estratégia para “ficar
bem com o outro23
”, em meio às interpelações do contexto
sociocultural em que a interação vai se estabelecer, quer
manifestada como objetivo primordial (saudação, elogio,
etc.), quer explicitada como uma atenuação de algo que
pode parecer rude e descortês ao receptor, por parte do
emissor (como um comentário inapropriado); ou ainda de
ser – o emissor – particularmente amável com o objetivo
de obter benefícios extra-interlocutivos24
.Para Diana
Bravo (2005, p. 23-25), a cortesia numa comunidade de
fala está relacionada com a conduta social e com o
contexto sociocultural compartilhado pelos sujeitos
participantes do grupo.
Inspirada pelos primeiros conceitos de Diana
Bravo e alicerçada na pragmática sociocultural,
Afiliación: agrupa aquellos comportamentos em los cuales se refleja
cómo una persona desea verse y ser vista por los demás encuanto a
aquellas características que la identifican com el grupo. (Bravo 2003.
Pag.106)
23 Texto original: quedar bien com el outro.
24 Como exemplo, a autora cita o caso de pedir dinheiro emprestado
usando de extrema amabilidade e cordialidade, respeitando a distância
social, relação de poder e o grau de implicação/apreensão.
- 106 -
destacamos a significativa contribuição de Silvia Kaul de
Marlangeon (2014) para uma nova análise sobre
(Des)Cortesia. É com essa autora e com suas categorias de
Comunidades de Práticas (Des)Corteses que nós vamos,
mais efetivamente, analisar a ocorrência da descortesia na
perspectiva da violência nos atos performativos presentes
nas interações sociais, em meio à problematização da
intencionalidade/responsabilidade nessas interações.
3 As contribuições de Kaul de Marlangeon
Escolhemos apresentar as contribuições de Kaul de
Marlangeon, porque nos identificamos com seus anseios
de engajamento no combate à violência e resistência por
um mundo ético e com justiça social, por meio de uma
nova pragmática que parte dos contextos socioculturais na
interação ordinária. Assim justifica a autora25
:
25
Texto original: Desde el punto de vista de la pragmática
sociocultural, el análisis del discurso de (des)cortesia consiste en
examinar conductas que quedan plasmadas em el texto como produto
de la atividade discursiva y, por tanto, tal análisis busca em los
contextos situacional, social y cultural la interpretación de esos
comportamientos, a fin de lograr suprensión em el seno de la vida
social de una comunidade. Por ello, dicho análisis se ocupa no sólo
de la aprehensión de regularidades de naturaleza formal, como actos
de habla o turno de habla, sino también de la aprehensión de
- 107 -
Do ponto de vista da pragmática
sociocultural, a análise do discurso de
(des)cortesia consiste em examinar
condutas que ficam plasmadas no texto
como produto da atividade discursiva e, por
tanto, tal análise busca nos contextos
situacional, social e cultural a interpretação
desses comportamentos, a fim de lograr sua
pressão no seio da vida social de uma
comunidade. Por ela, dita análise se ocupa
não só da apreensão de regularidades de
natureza formal, como atos de fala ou turno
de fala, mas também da apreensão de
regularidades de natureza formal, como
estratégias de (des)cortesia, procurando
indagar a intenção do falante e a reação
(previsível ou imprevisível) que causa no
interlocutor, isto é, os efeitos que este e
qualquer ouvinte percebe no contexto em
que se produzem (KAUL DE
MARLANGEON, 2014, p. 8).
Kaul de Marlangeon (2014, p. 9) estipula duas
unidades sociais da análise do discurso de (des)cortesia,
com características extralinguísticas, multidimensionais e
regularidades de naturaleza no formal, como estratégias de
(des)cortesía, procurando indagar la intención del hablante y la
reacción (previsible o imprevisible) que causa em el interlocutor, es
decir, los efectos que éste y cualquier oyente percebe em el contexto
en que se producen.
- 108 -
de amplo alcance: as Comunidades de Práticas Corteses e
Descorteses. Entretanto, a linguista nos chama atenção
para a necessidade de iniciar essa reflexão com noções
anteriores, como as de comunidade de fala26
, comunidade
discursiva27
e comunidade de prática28
. O motivo para tal,
segundo Moreira (2016, p.73) é o caráter extralinguístico e
social intrínsecos às comunidades supracitadas, uma vez
que são, todas elas, compostas por grupos de pessoas que
tem em comum o uso de signos linguísticos e
compartilham atitudes primordialmente corteses
(comunidade de prática cortês) ou primordialmente
descorteses; e ainda por um modo comum de falar
(comunidade de fala) ou por um léxico específico na
interação de informação especializada (comunidade
discursiva).
26
Confira em: Hymes, Dell. 1972. “Models of the interaction of
language and social life”. Em: Directions in sociolinguistics: The
ethnography of communication, compilado por John Gumperz y
DellHymes, 35-71. Nueva York: Holt, Rinehardt y Winston.
——. 1974. Foundations in sociolinguistics: An ethnographic
approach. Philadelphia: University of Pennsylvania Press. 27
Confira em: Swales, John. 2011. “The concept of discourse
community”. Em: Writing about writing, editado por Elizabeth
Wardle y Doug Downs, 466-480. Boston: Bedford St. Martins. 28
Confira em: Wenger, Etienne. 1998. Communities of practice.
Cambridge: Cambridge University Press.
- 109 -
Mais do que estratégias, as unidades de análise do
discurso de (des)cortesia são também meio de realização
de práticas da comunidade. Em linhas gerais, nas
comunidades de práticas corteses e descorteses
encontramos unidades que levam em consideração as
ações sociais dos grupos (des)corteses.
Para uma melhor compreensão, vejamos como
Kaul de Marlangeon (2014, p. 12) sintetiza sua explicação
sobre as características das unidades linguísticas (que são
os textos ou segmentos textuais) e extralinguísticas (que é
a prática social das comunidades e seus contextos) que
servem de orientação para a análise e avaliação dos
enunciados corteses e descorteses, de maneira integradora.
Observemos que as Comunidades de Práticas Corteses e
Descorteses se vinculam diretamente às unidades
extralinguísticas, em meio às práticas sociais de uma
comunidade de fala.
- 110 -
Características das unidades linguísticas e
extralinguísticas segundo Kaul de Marlangeon (2014)
Unidades linguísticas
textos ou
segmentos/recursos
textuais
Unidades extralinguísticas
comunidade em sua prática
social
macroato/ ato/
estratégias
linguísticas
(des)corteses
Características:
- São unidades
discretas, de extensões
variáveis.
- Identificam e
interpretam ações dos
interactantes.
comunidade de fala
comunidades
de práticas
corteses
comunidades
de práticas
descorteses
Características:
- São unidades amplas,
multidimensionais.
- As de prática (des)cortês
manifestam propósitos de
(des)cortesia, através de gêneros
específicos.
- O texto permite deduzir do
contexto a respectiva unidade de
comunidade: de fala, de prática
cortês ou de prática descortês.
Fonte: Tradução nossa. Caracterização das unidades
linguísticas e extralinguísticas da análise de enunciação
(des)cortês, em Kaul de Marlangeon (2014).
Imbrincada a essas delimitações reflexivas sobre as
unidades linguísticas e extralinguísticas como parte
integrante do nosso mundo social ordinário, Kaul de
- 111 -
Marlangeon apresenta suas categorias de Comunidades de
Práticas Corteses e Comunidades de Práticas Descorteses,
partindo da noção de comunidade de prática como
unidade constituída por três dimensões: empreendimento
conjunto, compromisso mútuo e repertório
compartilhado29
. Esse conceito nos possibilita entender
melhor sua base prático-teórica, como veremos a seguir.
- Comunidade de Prática Cortês
Já sabemos que Kaul de Marlangeon comunga da
noção de cortesia de Bravo (2005, p. 33-34), como uma
atividade comunicativa que visa tanto à boa convivência
com o outro, quanto às normas e códigos sociais que são
de conhecimento dos falantes (KAUL DE
MARLANGEON 2014, p. 13). Tal perspectiva nos leva a
associar a uma provável influência dos Jogos de
Linguagem30
de Wittgenstein e dos Atos Performativos da
29
Tradução nossa, cujo texto original é: “empresa conjunta,
compromiso mutuo y repertorio compartido” (KAUL DE
MARLANGEON, 2014, p. 13) 30
Sobre Jogos de Linguagem, adotamos os conceitos de Wittgestein,
em Investigações Filosóficas: “Nossos jogos de linguagem claros e
simples não são estudos preparatórios para uma regulação futura da
linguagem, - não são, por assim dizer, aproximações preliminares,
sem levar em conta o atrito e a resistência do ar. Os jogos de
- 112 -
Fala31
de John Austin, como uma forte fundamentação do
caminho analítico dessas Comunidades de Práticas
(Des)Corteses de Kaul de Marlangeon.
Provavelmente, essa relação pode ocorrer também
se levarmos em consideração a noção de que Jogos de
Linguagem criam e potencializam uma gramática
cultural, ao construir “regras que reinscrevem modos de
dizibilidade e de reconhecimento cultural” (NOGUEIRA
DE ALENCAR, 2014, p. 88). Em estudos futuros,
poderemos desdobrar essas relações prático-teóricas, tendo
em vista a necessidade de aprofundar nossos
conhecimentos no fenômeno da linguagem e da Nova
Pragmática.
Dando continuidade à caracterização da
Comunidade de Prática Cortês, Kaul de Marlangeon
vincula essa comunidade de prática à comunidade de fala
em que materializa referências da cortesia convencional
utilizadas e constituídas em suas interações, cujos
linguagem estão aí muito mais como objeto de comparação, os quais,
por semelhança e dissemelhança, devem lançar luz nas relações de
nossas linguagens” (WITTGESTEIN, 2013, p. 75-76).
31
Conforme explanação em capítulo anterior.
- 113 -
membros desenvolvem comportamentos corteses por sua
regularidade, homogeneidade e persistência, evidenciando
assim a preservação da imagem do enunciador.
A autora resume essa inter-relação partindo do
ponto de vista que numa comunidade de prática em que
seus membros são primordialmente corteses, há o
compromisso mútuo, tácito ou expresso da proteção
recíproca das imagens públicas desses membros, atitudes
que assumem como uma noção clara de empresa conjunta.
Além disso, possuem um repertório compartilhado dos
diversos modos de ser cortês, postula Kaul de Marlageon(
2014, p. 13).
- Comunidade de Prática Descortês
Podemos entender o conceito sobre Comunidade
de Prática Descortês em Kaul de Marlangeon (2010; 2014,
p. 14) em dois sentidos: bilateral/bidirecional e
unilateral/unidirecional, constituído a partir da relação-
interação-conflito de poder entre seus membros.
No sentido bilateral ou bidirecional, os
participantes de uma comunidade de prática são
primordialmente descorteses em meio a
- 114 -
réplicas/reciprocidades de descortesia. Dessa forma, o
compromisso mútuo da cortesia se transforma em
prevenção mútua ou consciência acerca da possível
agressividade ou violência que cada membro do grupo
pode empregar em prol da realização dos seus objetivos ou
do predomínio de seus posicionamentos e visão de mundo.
Deduzimos, de certo modo, que tais réplicas descorteses
podem ser sinais de forças de poder compartilhados ou
disputados entre os participantes de uma comunidade,
numa luta de sobreposição de forças.
Conforme a autora, na bilateralidade, apela-se para
a descortesia pela ausência de um compromisso mútuo,
mediante a luta pela imposição ou até mesmo realização
pessoal, em que uns se sobrepõem aos demais, dispondo
de recursos acumulados, advindos do conhecimento
compartilhado pela comunidade.
Em relação ao sentido unilateral/unidirecional da
descortesia, alguns dos participantes de uma comunidade
de prática exercem a descortesia sem espaço para
réplicas/reciprocidades. Assim, o compromisso mútuo da
cortesia se transforma na sujeição de um membro de
menor poder para receber descortesia de outro membro de
- 115 -
maior poder. O sujeito de menor poder passa a ter
consciência sobre a possibilidade de ser vítima de
violência do membro de maior poder e este tem
expectativa de causar descortesia, isto é, o sujeito de maior
poder tem consciência de sua capacidade de vulnerar a
imagem do de menor poder. Nessa perspectiva, o sujeito
de maior poder dentro do grupo utiliza o conhecimento
compartilhado de recursos acumulados, historicamente,
para prevalecer sobre os de menor poder dentro do grupo.
No que diz respeito à questão do poder nas
relações sociais descorteses desse grupo, entendemos que
há uma assimetria de poder, um hiato, uma distância
significativa do mais forte (que se sente com o “direito” de
ofender), para o mais fraco/subjugado, que “aceita” a
condição de alvo da descortesia, dada a força do poder
simbólico de inferioridade que o forma. Acompanhemos o
trecho abaixo que resume esse conceito:
A preservação mútua e as expectativas de
receber ou de causar descortesia,
conforme mencionadas, excluem que a
homogeneidade, a paz, a harmonia e a
felicidade sejam propriedades distintivas
- 116 -
das respectivas comunidades de prática.
Pelo contrário, o conflito pode constituir o
núcleo essencial da prática compartilhada.
Desacordos, desafios e competições
podem ser suas formas de participação
num tipo de empresa conjunta, cujo
repertório compartilhado sejam os modos
de produzir descortesia: palavras,
símbolos, gestos, gêneros discursivos,
ações e premissas culturais envolvidas.
(KAUL DE MARLANGEON, 2014, P.
14)32
.
Em Kaul de Marlangeon, podemos perceber que a
cortesia e a descortesia estão, em sua essência, associadas,
respectivamente, à presença ou à ausência de
compromisso mútuo.
32
Texto original: La prevención mutua y las expectativas de recibir o
de causar descortesia, recién mencionadas, excluyen que la
homogeneidade, la paz, la armonía y la felicidade sean propriedades
distintivas de las respectivas comunidades de práctica. Por lo
contrário, el conflito puede constituir el núcleo essencial de la
práctica compartida. Desacuerdos, desafios y competência pueden ser
sus formas de participación en una suerte de empresa conjunta, cuyo
repertorio compartido sean los modos de producir descortesía:
palavras, símbolos, gestos, géneros discursivos, acciones y premisas
culturales involucradas.
- 117 -
- Distinção entre as Comunidades de Fala, de Prática
e Discursiva
Considerando uma abordagem mais aprofundada
sobre as Comunidades de Prática (Des)Cortês, Kaul de
Marlangeon (2014, p. 15) distingue a comunidade de fala
da comunidade de prática, explicando que toda
comunidade de prática pertence à comunidade de fala,
uma vez que esta é a entidade de maior categoria que
constitui uma unidade social básica. Logo, podemos
participar, deliberadamente, de várias comunidades de
prática contidas numa mesma comunidade de fala da qual
somos membros, e para a qual não escolhemos participar,
diferentemente da comunidade de prática. Nesse sentido,
a autora recorre ao conceito de afiliação em Diana Bravo
para a comunidade de fala construir a identidade de seus
sujeitos/membros.
Kaul de Marlangeon (2014, p. 15) distingue outras
duas unidades sociais: comunidade discursiva (SWALES,
201133
) da comunidade de prática. Identificamos uma
33
Swales, John. (2011). “The concept of discourse community”.Em:
Writing about writing, editado por Elizabeth Wardle y Doug Downs,
466-480. Boston: Bedford St. Martins.
- 118 -
comunidade discursiva quando um grupo comunga dos
objetivos consensualmente, isto é, compartilha propósitos
comum se públicos, determinados e registrados inclusive
por escrito, regulamentando o critério para a existência de
uma comunidade discursiva. A autora destaca ainda que
tal comunidade articula modos particulares de
comunicação para trocar informações de interesse
coletivo. O que resulta em processo de retroalimentação,
bem como em delimitação de terminologia especializada e
gênero específico, conforme caracteriza a pesquisadora.
Apesar de a pesquisadora reconhecer que uma
comunidade de prática cortês esteja comprometida dentro
de uma comunidade discursiva, as mesmas não se
confundem, porque diferem na empresa conjunta ou na
classe de interesse: na primeira se privilegia o cuidado da
imagem; na segunda, o intercâmbio de informação (KAUL
DE MARLANGEON, 2014, p. 16). Assim também são
distintos os conceitos de uma comunidade de prática
descortês e de uma comunidade discursiva, pois não há
intercessão entre esses conceitos, como explica Kaul de
Marlangeon no excerto abaixo:
Wenger, Etienne. 1998. Communities of practice. Cambridge:
Cambridge University Press.
- 119 -
Quando uma comunidade discursiva
participa da descortesia, deixa de ter valor,
pois a descortesia entre seus membros
afeta os objetivos comuns e a
retroalimentação apropriada para a
subsistência de tal comunidade. Numa
comunidade discursiva pode haver
dissidências, mas sempre mantidas dentro
do consenso e interdependência de seus
membros; numa comunidade de prática
descortês, pelo contrário, os
comportamentos são independentes e
carentes de compromisso mútuo.
Enquanto que os membros de uma
comunidade discursiva recebem e
respondem mensagens informativas, os
membros de uma comunidade de prática
descortês atuam segundo duas
possibilidades: procuram unilateralmente
comportamentos descorteses ou trocam
hostilidades e violências. (KAUL DE
MARLANGEON, 2014, P. 16-17)34
.
34
Texto original: Cuando una comunidade discursiva participa de la
descortesia, deja de tenerentidad, pues la descortesía entre sus
membros afecta los objetivos comunes y la retroalimentación
apropiada para la subsistencia de tal comunidade. En una
comunidade discursiva puede haber disidencias, pero siempre
mantenidas dentro del consenso y la interdependencia de sus
membros; en una comunidade de práctica descortês, por lo contrario,
los comportamentos son independientes y carentes de compromisso
mutuo. Mientras que los miembros de una comunidade discursiva
reciben y responden mensajes informativas, los miembros de uma
- 120 -
Tendo em vista uma melhor síntese desse processo
comparativo das unidades de análise para uma maior
compreensão dos fenômenos de descortesia-violência
linguística de uma comunidade de prática (des)cortês,
traduzimos o quadro de Kaul de Marlangeon (2014) que
caracteriza as comunidades supracitadas, anteriormente:
Caracterização das comunidades linguísticas de
fala, discursivas e de práticas (des)corteses, segundo
Kaul de Marlangeon (2014)
Comunidade
de Fala
Comunidade
Discursiva
Comunidade de
Prática de
(Des)Cortesia
Ponto de vista
sociolinguístico,
aplicado a
qualquer grupo
da mesma
língua.
Ponto de vista
sociorretórico,
aplicado a grupos
com interesses
comuns e
públicos.
Ponto de vista
sociopragmático,
aplicado a grupos
cujos membros tem
habitualmente
atitudes
(des)corteses.
Seus membros
compartilham
uma forma de
Seus membros
compartilham,
com léxico
Seus membros
participam:
i) na cortesia, da
comunidade de práctica descortês actúan según dos posibilidades: o
bien procuran unilateralmente comportamientos descorteses, o bien
intercambian hostilidades.
- 121 -
fala e o
conhecimento
de regras para a
interpretação de
tal fala.
específico, o
intercâmbio de
informação
especializada.
proteção das
respectivas
imagens;
ii) na descortesia,
da atitude até o
conflito como
prática
compartilhada.
Pertença por
nascimento ou
adoção.
Pertença por
interesses
ocupacionais.
Pertença:
i) na cortesia, por
adesão às pautas
vigentes;
i) na descortesia,
por imposição das
circunstâncias ou
por escolha
pessoal, variando
de indivíduo a
indivíduo.
Comportamento
linguístico que
proporciona
socialização e
garante
identidade
Comportamento
linguístico
funcional que
procura a
obtenção de
interesses
compartilhados.
Comportamento
linguístico
sociocultural que
busca:
i) na cortesia, a
harmonia social;
ii) na descortesia, a
prevalência do
falante, de sua
cosmovisão ou de
seus requerimentos
de imagem.
Unidade
linguística de
análise: evento
Unidades
linguísticas de
análise: gêneros
Unidades
linguísticas de
análise: gêneros
- 122 -
o ato de fala. próprios como
mecanismos
comunicativos
entre seus
membros.
que
veiculam/propagam
práticas sociais
(des)corteses de
seus membros. Fonte: Tradução nossa. Kaul de Marlangeon (2014, p. 17)
- Multidimensões das Comunidades de Prática
(Des)Cortês
Em consonância com as reflexões de Kaul de
Marlangeon apresentadas até agora, torna-se
imprescindível destacar, pormenorizadamente, as
características ou multidimensões das Comunidades de
Prática (Des)Cortês, em Kaul de Marlangeon (2014, p. 18-
20)35
, resultando na centralidade do seu aporte
prático/teórico:
No que diz respeito aos indivíduos, aos grupos e
seus tipos de relações:
a) Indivíduo versus grupo:
Para a Cortesia, encontramos as categorias de
autonomia de uma pessoa frente ao grupo e de
afiliação, em que a pessoa é parte do grupo,
35
Tradução e adaptação nossa.
- 123 -
conforme Kaul de Marlangeon cita Bravo
(1999).
Para a Descortesia, esta relação reconhece
duas motivações básicas: de refratariedade ao
grupo, ou seja, o membro se percebe e é
percebido como opositor ao grupo e de
afiliação exacerbada ao grupo, escolhendo a
descortesia em sua defesa.
b) Grupo versus grupo:
Para a Cortesia: nestas relações não-
conflitivas, refletidas na variação cultural entre
grupos oriundos de distintas comunidades de
fala, ocorre uma autonomia entre grupos, ou
seja, membros de um grupo prescindem
respeitosamente de suas pautas, em vista das
pautas de outro grupo.
Para a Descortesia: esta relação se constitui
dentro de uma comunidade de prática de
referência, que oficializa e materializa uma
cosmovisão distinta para cada grupo. Assim, a
descortesia que um grupo aplica sobre o outro,
a autora chama de extragrupal, no que diz
respeito ao primeiro grupo a ofender. Segundo
- 124 -
Kaul de Marlangeon, essas práticas resultam
numa instância de descortesia de fustigação
entre grupos, ocasionada pela refratariedade de
um grupo para com o outro.
As práticas particulares recorrentes de uma
comunidade, propagadas por diversos gêneros
discursivos.
Para a Cortesia, tais gêneros protegem e
preservam a imagem do receptor.
Para a Descortesia: utilizam com o propósito de
atacar a imagem do receptor.
O caráter institucional ou não institucional do
âmbito de ocorrência, tanto para a Cortesia quanto
para a Descortesia.
O modo de exercer a Cortesia: unilateral; bilateral
ou recíproca (o caso mais típico, segundo a
autora); sincrônica (face a face); assincrônica ou
mediada; ritual (associada a um tipo de cortesia
convencional).
- 125 -
O modo de exercer Descortesia: unilateral;
bilateral; sincrônica ou assincrônica, ritual,
aparente, ideológica.
As estratégias que cada Comunidade de Prática
(Des)Cortês usam para emitir seus atos
particulares.
O tipo prevalecente de Cortesia: atenuadora,
valorizante, estratégica, convencional, codificada
(BRAVO, 2005, p. 34) ou agradável (KERBRAT-
ORECCHIONI, 2004, p. 43).
O tipo prevalecente de Descortesia: formalmente
descortês com propósito cortês, involuntária,
autodescortesia, formalmente cortês com propósito
descortês, cerceamento deliberado da cortesia
esperada pelo interlocutor, silêncio angustioso, de
fustigação (KAUL DE MARLANGEON, 2008).
As avaliações do interlocutor concernentes, por
um lado, ao efeito social positivo de cortesia e, por
outro, ao efeito social negativo de descortesia.
- 126 -
Enfim, são essas as motivações prático-teóricas que
lançamos mão para “atualizar” a leitura/análise sobre a
(Des)Cortesia nas interações (extra)linguísticas, à luz de
um Nova Pragmática que parte do mundo sociocultural
dos sujeitos no ato de fala, num cenário de conflitos
ideológicos permeado pelo poder simbólico presente em
todas as instâncias da vida social.
- Ideologia e formas simbólicas: reforço na análise da
(Des)Cortesia
Em nossos estudos transdisciplinares, encontramos
um apoio metodológico para analisar a (Des)Cortesia em
Kaul de Marlangeon à luz de uma interpretação ideológica
crítica. Essa perspectiva ideológica está alicerçada nas
formas simbólicas e suas estratégias de ocorrência
geradoras de sustentação das relações de dominação e
poder, no sentido de descrever prováveis vínculos de
poder e dominação que subjazem aos discursos
(des)corteses e às comunidades de prática (des)cortês.
- 127 -
Em outras palavras, nosso foco da pesquisa não
está, a priori, numa mera investigação sobre a verdade ou
a falsidade das formas simbólicas presentes na
(des)cortesia entres os sujeitos da interação, mas na
articulação de como essas formas simbólicas servem para
(re)ativar ou sustentar relações de dominação entre sujeito
de comunidades de fala, comunidade discursiva e
comunidades de prática (des)cortês. Em Thompson
(2014), notamos que a ideologia, portanto, pode se
materializar num discurso a serviço do poder,
estrategicamente produzido, distribuído e recepcionado.
Resumidamente, trazemos aqui a contribuição dos
estudos recentes de Thompson (2011, p. 424), que versam
sobre a ideologia, tendo como base fundacional as
reflexões de Karl Marx e Max Weber (ao sinalizar que a
socialização dos meios de produção iria concentrar ainda
mais o poder nos domínios de uma elite burocrática) e a
teoria crítica da Escola de Frankfurt. Para esse autor, a
crítica da ideologia sempre foi a centralidade da teoria
crítica, e merecia, portanto, ser reformulada.
Para tanto, Thompson passa a integrar essa
concepção ideológica crítica num referencial teórico que
- 128 -
“focaliza a natureza das formas simbólicas, as
características dos contextos sociais, a organização e a
reprodução do poder e da dominação” (THOMPSON,
2014, p. 426).
Em decorrência desses princípios de uma análise
crítica da ideologia, Thompson (2014, p. 79) acrescenta
três vertentes que constituem seu novo conceito de
ideologia: a concepção de sentido (das formas simbólicas
inerentes aos contextos sociais), a noção de
dominação(relação assimétrica de poder, resultando em
exclusão social) e as maneiras como o sentido pode servir
para estabelecer e sustentar relações de dominação. De
acordo com esse autor (ibidem, p. 80), a noção de poder
está diretamente associada à localização social dos sujeitos
e as qualificações relacionadas a essa posição, implicando
em diferentes graus de poder.
Acerca dessas maneiras ou modos em que ocorrem
os fenômenos ideológicos, apresentamos agora o quadro
de operação da ideologia em suas estratégias de
construção simbólica que muito nos auxilia no nosso
procedimento metodológico para uma análise crítica sobre
o fenômeno da (des)cortesia linguística.
- 129 -
Modos de Operação da Ideologia em Thompson
(2011)
Modos Gerais por meio dos
quais a ideologia pode
operar
Estratégias Típicas de
Construção simbólica
Legitimação
Dissimulação
Unificação
Fragmentação
Reificação
Racionalização
Universalização
Narrativização
Deslocamento
Eufemização
Tropo (sinédoque,
metonímia, metáfora)
Estandardização ou
padronização
Simbolização da unidade
Diferenciação
Expurgo do outro
Naturalização
Eternalização Fonte: Thompson, 2011, p. 81
Explicando o quadro acima, Thomspon (ibidem, p.
82-89), introdutoriamente, considera o modo de operação
- 130 -
legitimação como relações de dominação estabelecidas e
sustentadas e legítimas pela força dos fundamentos
racionais (diz respeito ao apelo à legalidade de regras
dadas), tradicionais (apelo à sacralidade de tradições
imemoriais) e carismáticos (apelo ao caráter de uma
autoridade), consoante a Max Weber. Tais princípios
podem sinalizar formas simbólicas por meio de estratégias
típicas de construção simbólica, como: racionalização, em
que emissores persuadem seus receptores produzindo uma
teia de raciocínio “legítimo” que objetiva sustentar uma
enunciação por meio de argumentação em formas
simbólicas; universalização, são acordos e parcerias
institucionais que efetivamente beneficiam uns poucos,
embora há, no discurso, promessas de benefícios
coletivos; narrativização, encadeamento dos processos
históricos passados e presentes, ratificando-os pela força
da tradição iteravelmente aceita por uma sociedade.
O segundo modo de ocorrência da ideologia é a
dissimulação, em que as relações de dominação podem
ser estabelecidas e sustentadas pelo fato de serem
ocultadas ou camufladas para desviar a atenção.
Destacam-se as seguintes estratégias: deslocamento,
- 131 -
desviar o foco de atenção, isto é, transferir a
responsabilidade de algo ou alguém para terceiros;
eufemização, de forma explícita ou sutil, os atos de fala,
instituições, relações sociais são (re)descritas com a
finalidade de atribuir uma valoração positiva da imagem
social, ou seja, pode ocorrer por meio de uma mudança de
sentido pequena ou mesmo imperceptível; tropo, trata-se
do uso figurativo da linguagem e das formas simbólicas,
tais como a sinédoque, metonímia e metáfora.
Quanto ao terceiro modo, temos a unificação, que
se caracteriza por meio da criação e adoção/propagação de
uma forma de unidade que interliga os sujeitos numa
identidade coletiva, independentemente das diferenças e
divisões sociais. Nesse caso, sobressaem-se as seguintes
estratégias: padronização, aqui as formas simbólicas são
ajustadas a um marco referencial (im)posto, partilhado e
aceitável nas trocas simbólicas; simbolização da unidade,
trata-se da criação de símbolos de unidade, de identidade
coletiva por meio de um grupo, de modo que unir os
sujeitos resulta no estabelecimento e sustentação de
relações de dominação.
- 132 -
A fragmentação é o quarto modo de operação da
ideologia. Nesse sentido, as relações de dominação, ao
contrário da unificação, podem ser mantidas segmentando
os sujeitos e grupos, de tal maneira que possam ser
capazes de se transformar num desafio concreto aos
grupos dominantes, ou se opondo às forças de dominação,
considerando-as como ameaçadoras. As estratégias desse
modo são: diferenciação, aqui as diferenças e divisões
entre sujeitos e grupos se sustentam nas peculiaridades que
provocam a desunião, reforçando o impedimento à união,
em vista de um exercício de poder; expurgo do outro, por
meio da criação de um inimigo, que é tido como ameaça
para o bem coletivo, aqui os sujeitos de um grupo são
motivados a resistir coletivamente ao mau ou a expurgá-lo
do grupo, assim, os participantes de um grupo precisam se
unir para expurgar o mau/sujeito ameaçador.
Por fim, no quinto modo de operação da ideologia,
temos a reificação, em que as relações de dominação
podem ser estabelecidas e sustentadas pela retratação de
uma situação passageira, histórica, como algo natural,
permanente, atemporal, resultando assim na eliminação ou
ofuscação do aspecto sócio-histórico dos fenômenos.
- 133 -
Ocorre como naturalização, em que um fenômeno sócio-
histórico é concebido como um acontecimento natural,
resultando na naturalização de determinados fenômenos;
eternalização, quando os fenômenos sócio-históricos são
esvaziados em sua historicidade e reduzidos à imagem
imutável, recorrente, implicando na cristalização desses
fenômenos; nominalização, fatos ganham nomes, ou seja,
dada a referência simbólica de um determinado fenômeno,
atribui-se um nome para reificar a realidade objetiva desse
fenômeno; passivização, trata-se do emprego do verbo na
voz passiva, assim como a nominalização, a passivização
desfoca a atenção do ator e da ação para considerar os
fenômenos simbólicos como acontecimentos sem sujeitos
causadores. Essas estratégias tendem a excluir referências
a contextos espaço-temporais, excluindo ação e ator, ao
narrar tais fatos no gerúndio, por exemplo.
Thompson salienta ainda que as formas simbólicas
da ideologia são produzidas pelo entrecruzamento dessas
estratégias, ou seja, necessariamente os fenômenos
ideológicos analisados não se apresentam de maneira
estritamente isolada, mas traspassada.
- 134 -
Vejamos como essas categorias ocorrem no nosso
estudo, em associação com as categorias relativas às
comunidades de prática (des)cortês.
4 Vamos analisar?
Considerando que o compromisso da Nova
Pragmática é com uma visão prático-teórica mais crítica
para “olhar a língua de fora para dentro”, como afirma
Rajagopalan (2010, p. 41), a análise que apresentamos a
seguir parte, portanto, da noção de que estudar a
linguagem é estudar na e através da prática sociocultural.
Vejamos, portanto, como podemos refletir sobre os
fenômenos (extra)linguísticos à luz das Comunidades de
Práticas (Des)Corteses, cientes de que muitos desses
fenômenos descorteses são, também, sinônimos da
violência linguística que “açoita” não apenas o corpo, mas
a dignidade humana.
Já que o lugar da análise é a linguagem ordinária,
como nos orienta Wittgenstein (2013, p. 30), propomos
analisar o caso do discurso publicitário violento e
descortês, presente em anúncio institucional impresso em
jornal, que foi denunciado, julgado e suspenso pelo
- 135 -
Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária
(doravante CONAR), cuja missão principal é impedir que
a publicidade enganosa ou abusiva cause
constrangimento ao consumidor ou a empresas e defender
a liberdade de expressão comercial.
Descortesia penalizada: “Pernambuco não te quer”.
No Boletim do CONAR36
de 2013, encontramos a
Representação nº 243/12, em recurso ordinário, que
apresenta um anúncio publicitário veiculado no jornal
impresso Folha de Pernambuco, de responsabilidade do
anunciante Fórum Pernambucano Permanente Pró-
VidaPE, que estandardiza (Thompson, 2011) um ato de
fala preconceituoso e homofóbico.
Segundo o CONAR, um expressivo número de
consumidores escreveu para o órgão para denunciar esse
discurso abusivo e criminoso, o que resultou na sustação e
advertência à referida ação37
. O julgamento ocorreu sob a
36
Boletim do CONAR Conselho Nacional de Autorregulamentação
Publicitária: ética na prática. Nº 200. São Paulo: Jun. de 2013. P. 47.
Disponível em: http://conar.org.br/. 37
Embasado nos artigos 1º, 3º, 6º, 19, 20 e 50, letras “a” e “c” do
Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus Anexos.
Disponível em: http://conar.org.br/.
- 136 -
coordenação dos conselheiros Severino Queiróz Filho e
Mónica Gregori, na oitava câmara e câmara especial de
recursos do CONAR.
Na peça publicitária, a palavra homossexualismo
(sic) está diretamente associada à pedofilia, exploração
sexual de menores, turismo sexual e prostituição,
margeando o título, isto é, conceito do anúncio:
Pernambuco não te quer. Vejamos o anúncio:
FIGURA 4: Anúncio
Fonte: Imagem da Internet. Disponível em:
http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/79029/An%C3%BAncio-
pr%C3%B3-homofobia-no-Recife-ati%C3%A7a-as-redes-sociais-
An%C3%BAncio-pr%C3%B3-homofobia-Recife-ati%C3%A7a-
redes-sociais.htm. Acessado em 29 de jun. de 2016.
- 137 -
O Pró-Vida pode ser considerada, nos termos
analíticos de Kaul de Marlangeon, uma comunidade de
discurso e de prática (des)cortês que congregava – pelo
menos naqueles anos entre 2012 e 2013 – cerca de 25
entidades e igrejas de Pernambuco e se afirmava enquanto
identidade coletiva que luta “contra todos os valores
imorais que destroem culturalmente e moralmente a nossa
civilização. Pela família Natural, Moral e Bons
Costumes”38
. Investigando mais sobre o anunciante na
internet, observamos que o mesmo está vinculado ao
movimento (que se afirma cristão) Javé Nossa Justiça,
com o objetivo de “praticar e estimular a caridade;
divulgar e estimular o conhecimento do evangelho; apoiar
as boas causas em comunhão com a doutrina cristã e
defender a vida”39
.
Parece-nos estarrecedora e antagônica a
compreensão desses objetivos e missão (entendidos por
nós como unidades de análise linguísticas), tendo como
referência símbolos sagrados da cristandade que
38
Disponível em: https://twitter.com/providape. Acessado em 19 de
jun. de 2016. 39
Disponível em: http://www.fpp-pv.com.br/objetivo.php. Acessado
em 19 de jun. de 2016
- 138 -
correspondem à noção de Amor e Vida operacionalizada
ideologicamente por reificação de estratégias de
eternização que ultrapassaram Eras e fronteiras. Aliás,
estratégias estas que tal comunidade parece utilizar para
estabelecer um poder ideológico contrário à perspectiva de
inclusão e de respeito, quando se ama, conforme o que se
espera de um cristão. Ao contrário, com essa
operacionalização ideológica, por meio de uma
comunidade de prática descortês, seus membros –
iteravelmente – assinam o teor ofensivo, descortês e
violento do seu anúncio publicitário, atacando
veementemente a vida e a dignidade humana, sobretudo,
da comunidade discursiva e de prática LGBT (Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), sintetizadas no
termo pejorativo e politicamente incorreto
“homossexualismo” (sic) e da comunidade discursiva e de
prática das profissionais do sexo ou mulheres em situação
de prostituição, reduzindo-as ao termo “prostituição”.
Além disso, o direito à vida e outros direitos
básicos do povo brasileiro são uma premissa legal para
todos, independentemente de religião e credo, conforme
nos assegura nosso Estado Democrático de Direito. Não
- 139 -
sendo permitido, em nome de construções deturpadas e
preconceituosas de entidades religiosas, a ameaça e a
exclusão a esses direitos, pulverizadas inclusive na mídia.
De acordo com nossas reflexões, essa comunidade
de prática descortês Pró_Vida PE parece agir de modo
ignorante, talvez por estar deveras fechada e “engessada”
em sua doutrinação sociorreligiosa, levando o outro-
diferente (sujeito e outras comunidades) à condição
ideológica de fragmentação, em relações de dominação
sustentadas pela não unidade dos sujeitos na coletividade,
por meio de estratégias ideológicas de expurgo ao outro
(Thompson, 2011), como se verifica na enunciação:
“Pernambuco não te quer”.
Ora, o outro-diferente passa a ser uma ameaça para
o status quo de uma comunidade de prática descortês, por
isso age pela afiliação exacerbada a membros que
confessam a mesma “fé”/discurso violento “a ponto de
escolher a descortesia em sua defesa” (KAUL DE
MARLANGEON, 2014, p. 18).
No que tange à defesa dessa entidade e a postura
do CONAR, vejamos o que diz o relato abaixo:
- 140 -
Considera a defesa que a forma de
apresentação do anúncio deixa claro que
não houve intenção de ofender ou
discriminar quem quer que seja. O relator
de primeira instância, analisando a
apresentação da peça publicitária e a
reação dos consumidores, propôs a
alteração, para que seja excluída a palavra
“homossexualismo”, bem como
advertência ao anunciante, para que novas
campanhas da entidade não permitam
interpretações incorretas. Seu voto foi
aceito por unanimidade. Houve recurso
por parte da Pró-Vida PE, mas a
recomendação inicial foi agravada: além
da advertência, foi adotada, por
unanimidade, a recomendação de sustação
(BOLETIM DO CONAR, Conselho
Nacional de Autorregulamentação
Publicitária: ética na prática. Jun. 2013, n.
200, p. 45. Disponível em:
http://www.conar.org.br/. Acessado em 19
de jun. de 2016).
Observamos que o CONAR, num primeiro
momento, apenas recomendou a alteração do termo
“homossexualismo” e advertiu para que esse discurso
violento não se repetisse. Tampouco considerou o
- 141 -
contexto (extralinguístico) do termo “prostituição40
” em
meio aos signos textuais que remetem a possíveis crimes.
A recomendação por sustar a peça veio posteriormente ao
recurso feito pelo anunciante.
Gostaríamos de saber por qual razão o CONAR, de
imediato, não identificou ofensa suficiente para advertir e
sustar um discurso tão violento. Leiamos, abaixo, o
excerto do Código de Ética aplicado como fundamentação
para esse processo:
Artigo 1º Todo anúncio deve ser
respeitador e conformar-se às leis do país;
deve, ainda, ser honesto e verdadeiro. (...)
Artigo 3º Todo anúncio deve ter presente
a responsabilidade do Anunciante, da
Agência de Publicidade e do Veículo de
Divulgação junto ao Consumidor. (...)
Artigo 6º Toda publicidade deve estar em
consonância com os objetivos do
desenvolvimento econômico, da educação
e da cultura nacionais. (...) Artigo 19 Toda
atividade publicitária deve caracterizar-se
40
Como se sabe, a profissional do sexo em sua atividade, não está
cometendo crime, perante nossa lei; mas sim o favorecimento à
prostituição e a exploração sexual, bem como o tráfico de pessoas.
Disponível em: http://direito.folha.uol.com.br/blog/prostituio-no-
crime. Acessado em 19 de jun. de 2016.
- 142 -
pelo respeito à dignidade da pessoa
humana, à intimidade, ao interesse social,
às instituições e símbolos nacionais, às
autoridades constituídas e ao núcleo
familiar. (...) Artigo 20 Nenhum anúncio
deve favorecer ou estimular qualquer
espécie de ofensa ou discriminação racial,
social, política, religiosa ou de
nacionalidade. (...) Artigo 50 Os infratores
das normas estabelecidas neste Código e
seus anexos estarão sujeitos às seguintes
penalidades: a. advertência; c.
recomendação aos Veículos no sentido de
que sustem a divulgação do anúncio
(BRASIL Código de ética CONAR,
1980).
Como podemos notar, o comportamento descortês
do referido anúncio alude à possibilidade de existir,
enquanto perdurar tais posturas discriminatórias, uma
comunidade de prática descortês, servindo-se de
simbolismo religioso para justificar e naturalizar uma
descortesia de fustigação. Outra característica ou
dimensão da comunidade de prática descortês que Kaul de
Marlangeon (2014) postula diz respeito efeito social
negativo de descortesia, relativos à recepção do
interlocutor. Não por menos, esse anúncio gerou uma série
- 143 -
de manifestações descontentes e processo judicial. O
termo ofensivo “homossexualismo” representa, além de
desrespeito, desconhecimento do uso, quando da época em
que era discursivamente constituído, a homossexualidade
ou homoafetividade, como uma doença, uma patologia
mental e porque não dizer, social.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a
homossexualidade da lista internacional de doenças, em 17
de maio de 1990, fato este que ficou simbolizado como
Dia Internacional contra a Homofobia. Até então, o termo
comumente usado para o fenômeno, tido como transtorno
mental, era “homossexualismo”.
Portanto, se a comunidade de prática descortês Pró-
vidaPE usa o termo nas condições ideológicas do anúncio,
pela iterabilidade41
, essa entidade pretende legitimar uma
prática homofóbica e, ao associar a crimes como a prática
da pedofilia no mesmo anúncio, pretende deslocar a
comunidade de fala/discurso/prática LGBT para uma
comunidade de prática criminosa, em que não tem lugar
41
Por iterabilidade, assumimos a perspectiva de Derrida (1991) que se
configura como uma repetição de um enunciado cujos signos, ao
serem deslocados numa citação, rompem com o contexto de origem,
se sujeitando às condições de possibilidade de uso da linguagem.
- 144 -
em Pernambuco. Logo, entendemos que essa tentativa de
criminalizar a orientação sexual de gênero pode ser
considerada uma descortesia de fustigação e um ato
criminoso.
Queremos ainda destacar provável conivência (ou
lapso?) do jornal Folha de Pernambuco por vender seu
espaço midiático para promover a violência linguística e
criminosa do Fórum Permanente Pernambucano Pró-
Vida/FPP-PV. Atitude essa que resultou em pedido formal
de desculpas à sociedade por parte desse periódico. Se a
postura do jornal é declaradamente contrária à homofobia,
por que esse anúncio passou pela linha editorial do jornal?
Interesses comerciais, pressa em finalizar a edição ou
simplesmente descaso do jornal no compromisso final da
edição? São questões que merecem outras pesquisas, em
momento oportuno. Leiamos a nota oficial da Folha de
Pernambuco, em que o jornal se retrata, tenta preservar
sua imagem positiva:
Erramos! Pedimos desculpas e
garantimos que tal episódio não se
repetirá. Sobre o anúncio publicitário do
Instituto Pró-Vida publicado na edição de
segunda-feira, 3 de setembro de 2012, a
Folha de Pernambuco afirma que seu
- 145 -
conteúdo de forma alguma reflete a
opinião do jornal, cuja prática sempre foi
a de divulgar e promover todas as ações
que esclarecem e propagam a tolerância e
o respeito aos direitos humanos. Ao longo
dos seus 14 anos, a Folha construiu um
histórico de respeito aos seus leitores,
focado na promoção aos direitos
humanos, inclusive da comunidade LGBT,
com a qual o jornal mantém diálogo
constante. Reconhecemos como dever
assegurar o respeito ao próximo e não
tolerar qualquer tipo de discriminação,
seja ela racial, religiosa ou sexual. A
direção. (Disponível em:
http://www.doistercos.com.br/folha-de-
pernambuco-pede-desculpas-a-
populacao-pelo-anuncio-do-instituto-pro-
vida/. Acessado em 19 de jun. de 2016).
Para o deputado federal Jean Wyllys, que
coordena a Frente Parlamentar Mista pela Cidadania
LGBT, o Pró-Vida PE, ao promover publicidade
homofóbica, além de infringir as garantias fundamentais
da Constituição Federal de 1988, que dizem respeito à
promoção do bem de todos, sem preconceito nem
discriminação (parágrafo 4 do artigo 1º)“se torna
- 146 -
cúmplice dos crimes de ódio motivados por homofobia que
matam um/a LGBT a cada dois dias no Brasil”42
.
Assim como ele, nós acreditamos que todo ato de
fala descortês, irresponsável e inconsequente pode
modificar uma História, (des)qualificando populações. Por
isso, a necessidade de lançar mão de novos estudos para
colaborar com essa luta contra a violência linguística que
afeta a vida sociocultural do povo, diretamente. Em
conformidade com Kaul de Marlanngeon (2014, p. 17), as
unidades linguísticas de análise da comunidade de prática
descortês se evidenciam nos gêneros que veiculam
práticas sociais descorteses de seus membros, nesse caso,
práticas sociais criminosas, desrespeitosas e homofóbicas.
42
Disponível em: http://jeanwyllys.com.br/wp/nota-de-repudio-contra-
anuncio-da-organizacao-pro-vida-pernambuco-que-equipara-a-
homossexualidade-a-pedofilia-e-prostituicao. Acessado em 19 de jun.
de 2016.
- 147 -
NOTAS SOBRE OS AUTORES
Geórgia Maria Feitosa e Paiva é doutora em Linguística
pela Universidade Federal do Ceará, onde também obteve
o título de mestre em Linguística no ano de 2008. Em
2007, tornou-se especialista em Ensino da Língua
Portuguesa pela Universidade Estadual do Ceará. No ano
de 2005, obteve o título de bacharel em Comunicação
Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela
Universidade de Fortaleza. Desde 2013, atua como
professora no Centro Universitário Estácio do Ceará. Suas
atividades de pesquisa concentram-se nas seguintes áreas:
redes sociais, comunicação em mídias digitais, análise da
conversação, sociolinguística, pragmática, educação à
distância e polidez linguística, sua maior área de interesse.
Reginaldo Gurgel Moreira é do sertão cearense de
Russas e Palhano, filho de pai agricultor e mãe professora.
Encontrou nos estudos e no trabalho acadêmico uma
forma de engajamento contra a desigualdade social e a
violência. Fez mestrado em Linguística Aplicada, com
ênfase nos Estudos Críticos da Linguagem, pela
Universidade Estadual do Ceará, e especialização em
- 148 -
Publicidade e Propaganda e Marketing pela Faculdade
Estácio/CEUT (Centro Unificado de Ensino de Teresina).
Graduou-se em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de
Filosofia e Teologia (FAJE), em Minas Gerais, e em
Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco.
Foi religioso jesuíta, onde colaborou com movimentos
sociais e eclesiais, como a Pastoral da Mulher
Marginalizada e a Pastoral da Comunicação. Trabalhou
como assessor de imprensa e redator publicitário. Desde
2008, é professor na área de Comunicação Social do
Centro Universitário Estácio do Ceará e participa de
grupos de estudo com ênfase em: redação publicitária,
comunicação comunitária, pragmática sociocultural,
linguística aplicada, violência linguística e (des)cortesia
linguística.
Letícia Adriana Pires Ferreira dos Santos é doutora e
mestre em Linguística, graduada em Letras pela
Universidade Federal do Ceará. Especialista em Ensino de
Língua Portuguesa e em Ensino do Português pelas
Universidades Estadual e Federal do Ceará. Atualmente
está fazendo Pós-doutorado na Universidade Federal do
Ceará em Linguística. Professora adjunta da Universidade
Estadual do Ceará e Professora Titular do Centro
Universitário Estácio do Ceará. Vice-Líder do Grupo de
Pesquisa GELP/COLIN (Cognição e Linguística),
registrado na Plataforma Lattes. Participa do Grupo
Pragmática Cultural, Linguagem e Interdisciplinaridade.
- 149 -
Tem experiência na área de Linguística Aplicada, com
ênfase em Cognição, Análise do Discurso, Análise da
Conversação e Pragmática. Suas pesquisas estão focadas
sob a perspectiva da pragmática, partindo dos conceitos de
atos de fala, da (im)polidez linguística, da gramática
cultural, dos jogos de linguagem. Além disso, procura
estabelecer uma interface com os estudos da violência, da
cultura, dos conceitos e das categorizações na área jurídica
e da saúde, bem como com os dos movimentos sociais e
com as teorias descoloniais. Trabalha também com os
jogos das faces e com o multiculturalismo. Coordenou o
Núcleo de Línguas da UECE - Unidade Pacajus, Aquiraz e
Eusébio. Professora do Programa de Pós- Graduação em
Linguística Aplicada (PosLA) da Universidade Estadual
do Ceará, ministrando aulas no Mestrado e no Doutorado.
Foi Diretora do Centro de Humanidades da Universidade
Estadual do Ceará e, atualmente, é Pró-Reitora de Pós-
Graduação, Pesquisa e Extensão do Centro Universitário
Estácio do Ceará. Coordena os Laboratórios de Extensão
Cognition e o Misto Linguagem e Cognição-LINC
(UECE). É Coordenadora do Laboratório Misto
Linguagem, Dor, Violência e Subjetividade- Laudvs- e o
de Linguagem, Cognição e Comunicação- LINCOS- do
Centro Universitário Estácio do Ceará. Vice-
Coordenadora do Núcleo de Estudos da Linguagem- NEL
da UECE. Editora Científica e Membro dos Conselhos
Editoriais das Revistas Anima, Corpvs, Referendum, Pós-
Graduação Estácio, Rever.com do Centro Universitário
Estácio do Ceará. Membro Efetivo, ocupando a cadeira
22, da Academia Feminina de Letras do Ceará-AFELCE.
- 150 -
Anteriormente, assinava publicações com o nome de
Letícia Adriana Pires Teixeira (TEIXEIRA, Letícia
Adriana Pires).
- 151 -
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Vozes; Bragança Paulista, SP : Editora Universitária São
Francisco, 2013.
"Querida Letícia, estimados amigos,
Fiquei muito sensibilizada com o envio do vosso livro que
considero maravilhoso e uma preciosa ajuda para todos os
estudantes que se interessam por estas questões da polidez
verbal. Os meus parabéns sinceros.
Porque gostei muito deste vosso livro, não resisti a escrever
para vós um brevíssimo prefácio que espero chegue a tempo de
ser incluído na obra.
Desejo-vos o maior sucesso.
Um abraço muito amigo e grato,
Isabel Roboredo Seara"
_______________________________________ CENTRO UNIVERSITÁRIO ESTÁCIO DO CEARÁ
Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão Núcleo de Publicações Acadêmico-Científicas
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