revista subversa vol 3 nº9 dez2015

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NILCÉIA KREMER JOÃO ROCHA LUCAS GROSSO MAURÍCIO BORBA FILHO LARISSA VAHIA A MIYAJIMA EDUARDO VALMOBIDA MARCIO DAL RIO DANIEL PERRONI RATTO CACO BELMONTE SUBVERSA Vol. 3 | n.º 9 | Dezembro de 2015 ISSN 2359-5817 Ilustração REIDER PEREIRA

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Subversa dedicada ao reconhecimento das editoras independentes!

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Page 1: Revista subversa vol 3 nº9 dez2015

NILCÉIA KREMER JOÃO ROCHA LUCAS GROSSO

MAURÍCIO BORBA FILHO LARISSA VAHIA

A MIYAJIMA EDUARDO VALMOBIDA MARCIO DAL RIO

DANIEL PERRONI RATTO CACO BELMONTE

SUBVERSA Vol. 3 | n.º 9 | Dezembro de 2015 ISSN 2359-5817

Ilustração REIDER PEREIRA

Page 2: Revista subversa vol 3 nº9 dez2015

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WWW.FACEBOOK.COM/CANALSUBVERSA

@CANALSUBVERSA

[email protected]

Subversa | literatura luso-brasileira |

V. 3 | n.º 09

© originalmente publicado em 01 de dezembro de 2015 sob o título de

Subversa ©

Edição e Revisão:

Morgana Rech e Tânia Ardito

Ilustrações

REIDER PEREIRA

Os colaboradores preservam seu direito de serem identificados e citados

como autores desta obra.

Esta é uma obra de criação coletiva. Os personagens e situações citados nos

textos ficcionais são fruto da livre criação artística e não se comprometem

com a realida

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3

NILCÉIA KREMER | DE PLACA | 6

A MIYAJIMA | BUCÉFALO | 8

MARCIO DAL RIO | LAVOURA | 10

CACO BELMONTE | O COELHO É MAU | 12

LARISSA VAHIA | DIA DE PRAIA | 14

JOÃO ROCHA | A VERDADE DE GOUNOD | 17

MAURÍCIO BORBA FILHO | CIACCONA | 23

EDUARDO VALMOBIDA | ECOLALIA | 25

DANIEL PERRONI RATTO | LISERGIA MARSUPIAL | 28

LUCAS GROSSO | TRANSFIGURAÇÕES DO SER | 30

SOBRE REIDER PEREIRA |32

SUBVERSA

Page 4: Revista subversa vol 3 nº9 dez2015

4

EDITORIAL

Esté é o penúltimo número do Volume 3, ilustrado por Reider

Pereira, de São Paulo. Três criaturas estranhas observam o leitor, na

capa. Hoje, temos motivos suficientes para pensar que esse olhar de

estranheza é o próprio olhar da função maior da literatura, o de colocar

diante do espelho tudo aquilo que é estranho à sociedade, ao senso

comum e à lógica vigente.

Basta acompanhar os últimos acontecimentos literários, para

notar o papel que as editoras independentes têm cumprido nessa

missão, estando fortemente inseridas numa verdadeira comunidade de

autores que têm se arriscado (e levado para casa!) prêmios de relevo

na área. Assim, registramos a nossa admiração e apoio a todos os

editores e autores que tem conquistado o reconhecimento que

genuinamente lhes cabe, pela coragem em partir em uma quase

insana jornada pela busca de um lugar ao Sol.

Desejamos uma excelente leitura a todos.

As editoras.

Page 5: Revista subversa vol 3 nº9 dez2015

5

SUBVERSA # 1 – Versão Impressa | Volume 1 (2014)

Adquira e apoie o crescimento da revista.

Page 6: Revista subversa vol 3 nº9 dez2015

6

NILCÉIA KREMER | Passo Fundo, RS.

Conheço o medo que você guarda

embaixo da sobrancelha

o medo telha furada

das goteiras esmagadoras

Sei do armário e suas gavetas

das tretas berçários

em que nina tuas máscaras

Sei do estrago de memórias hostis

das pragas

DE PLACA

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7

vis palavras que mandas ao céu

do pastel teu preferido

dos teus idos grudados na epiderme

do inerte no teu peito

Sei do parapeito em que me transformei

pra represar tuas barbáries

daquela cárie que você esconde

na cova rasa do dente

Sei quando uma meia

verdade fede

e antes que você entregue

roubei a bola

marquei o gol

NILCÉIA KREMER é gaúcha, ariana nascida em 80, conjuradora de

palavras. Inquieta, já provou um pouquinho de várias linguagens

artísticas e descobriu que o melhor sabor se dá no encontro entre elas.

Crê na arte comunhão. Participou da coletânea Sobre Lagartas e

Borboletas publicado eletronicamente pela TUBAP e tem poemas

publicados nas revistas Plural (Scenarium), Mallarmargens, Limbo, O

Emplasto, DiversosAfins, Revista Gente de Palavra e outros blogs e sites.

Mantém o blog In Process

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A Miyajima

Narciso era um respeitável idiota de cinquenta e nove anos de

constituição robusta, com amplo torso de marinheiro, e íntimo amigo de

Sancho; vestia quase exclusivamente um casaco e um chapéu de

cowboy pretos, tinha rugas marcadas nos cantos dos olhos, orelhas

compridas e um brilho perfumado no olhar, que lhe dava um ar

selvagem e interessante, sendo que, no fundo, o astrolábio da sua

personalidade tinha um único azimute definido: a sua pessoa; e o que

se vislumbrava num primeiro momento como algo de selvagem e

fascinante na sua personalidade era simples e profundo desinteresse

sobre o outro e centração em si. Sancho era a maré vaza num atol de

tédio de fim de tarde onde este largava ferro para manutenção e lustro

BUCÉFALO

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do cargueiro da sua personalidade. E discursava Narciso , enquanto

Sancho lhe servia um café turco que prepara com as triviais

capacidades que dispunha, sobre os feitos de coragem e sedução seus

a cada noite anterior, mas com pequenas nuances e falhas visíveis

repetindo-se idênticos e irrelevantes, serão após serão; algo que não

tomava Sancho em consideração e interessado e atento permanecia,

com o olhar ridículo dos cândidos, nas viagens e feitos maravilhosos e

inverossímeis, que este homem, múltiplo, todas as noites realizava.

Narciso quando da alma repleta da atenção microcéfala de Sancho

colocava o chapéu de cowboy cambado para a frente sobre as

longas orelhas, acendia um cigarro, colocava as pernas esticadas, uma

sobre a outra, e adormecia, no conforto da poltrona do seu ego

anasarcado e polido; seguidamente, Sancho tapava-lhe as pernas

esguias com uma coberta e apaixonado com olhar reluzente,

mencionava, em voz alta, mas doce para que Narciso o ouvisse

claramente: este Narciso tem o olhar de um artista, o discernimento de

um filósofo e a candura de um poeta!

A. MIYAJIMA | Uma vez que as biografias mentem desagradavelmente;

sendo bastante mais interessante dizer mais com menos. Contemplei

com simpatia, admiração e algum temor o homem, que apenas

desembarcado de perigosa viagem, se alistou imediatamente numa

outra, como se a terra lhe queimasse os pés ou como se o coração seu

procurasse quietude para a uma paixão violenta e terminada de forma

abrupta, num qualquer porto, numa qualquer costa distante, num

qualquer outro amor, num qualquer outro exílio, assim me foi

apresentado o escritor, Monsieur, A. Miyajima.

http://livrosdeontem.pt/category/escritores/a-miyajima-escritores/

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MARCIO DAL RIO | São Paulo, SP.

Trabalharei na lavoura até a noite inundar minhas roupas

Os olhos marejados de mariposas, as mãos sujas de glória, o corpo

tomado de terra.

Chegarei em casa somente o branco dos olhos, o corpo que sobra

debaixo da água fria, água vermelha que some no buraco.

As mãos latejando das pragas arrancadas, o peito arfante, o pouco

feijão, memória de uma amor distante, lá no meio daquele

emaranhado de fios e prédios.

No peito tocará uma música pequena, súplica de homem no mundo,

andarei pela varanda, verei o milharal como um poema que dança, a

noite estalada, a música pequena, no peito das horas que ardem.

LAVOURA

Page 11: Revista subversa vol 3 nº9 dez2015

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Ficarei assim até a madrugada, para logo colocar minha roupa de

poeira, novamente as mãos na lida, espiga por espiga, para se

completar uma existência.

De noite a música pequena, o isolamento do homem, o milharal

dançante, poderá haver algum barulho, mas o silêncio impera, a

música distante, no peito de homem no mundo, das horas que ardem.

MARCIO DAL RIO nasceu em Mococa, SP, em 1973, e vive na capital

paulista desde 1991. No meio de caminho entre um trabalho de

comunicação corporativa e outro, escreve o blogue Bloganvile

(www.bloganvile.zip.net) desde 2006, cidade virtual da qual é prefeito.

Participou, em 1994 e 1995, das coletâneas Palavras de Poetas 1 e 2,

publicada pela editora alternativa Physis, e, em 2011, do coletivo

Transitivos (Off Produções Culturais) com apoio do PROAC-SP. |

[email protected]

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CACO BELMONTE | Porto Alegre, RS.

João Emilio surpreendeu a todos. Aconteceu num descuido da

babá, que teria ido fazer não sei o quê no banheiro. Momentos antes

ela o deixara ali, quietinho, brincando no tapete. Na mesma sala, em

outro ambiente, papai, mamãe e vovô conversavam. Coisa muito séria.

Ninguém atinou. Supostamente tranquilo, mas também muito

atento ao que acontecia na volta, João Emilio montava tijolinhos Lego.

Vovô geralmente aparecia aos sábados ou domingos, com a vovó.

O COELHO É MAU

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Naquela manhã de terça-feira chegou sem avisar, sozinho, pouco antes

do almoço.

Veio contar ao papai que lhe roubaram dinheiro. Dólares.

Culpava o sócio, esse tal de Coelho. Vovô o xingava aos berros. Ladrão,

canalha, sem-vergonha. Do alto de seus dois anos e meio, não

conseguiu entender que tipo de negócio vovô poderia ter com o

Coelho, mas compreendeu que o bicho era malvado.

O velho chutou cadeiras e até esmurrou uma parede. Tirou

sangue da mão. Os adultos acudiram. Papai correu e trouxe o kit de

primeiros socorros. Mamãe lavou a ferida, desinfetou com spray, cobriu

de gaze e colou esparadrapo. Enquanto atendiam ao vovô, João Emilio

fez o que fez.

Por coincidência, naquela manhã, mamãe concordara em

prestar um favor à vizinha de porta. A moça viajara às pressas, por

causa de um problema de saúde na família. Durante dois dias, numa

gaiola instalada na área de serviço do apartamento, dariam acolhida e

abrigo a um simpático animalzinho de olhos vermelhos.

Tratava-se de um coelho anão. Oryctolagus cuniculus. Pesando

pouco mais de 630 gramas, o pet da vizinha era premiado em

competições internacionais. Vinha de uma linhagem importante,

aprimorada ao longo de décadas, misturando cruzas com exemplares

do Mediterrâneo oriental e norte da África.

CACO BELMONTE é jornalista e escritor, natural de Porto Alegre (1972).

Frequentou a Oficina de Criação Literária da PUCRS, onde publicou na

coletânea de autores organizada por Luiz Antonio de Assis Brasil (Contos

de Oficina 10; Edipucrs). Em 2004, na FLIP, participou como autor

convidado na oficina Veredas da Literatura, ministrada por Milton

Hatoum. Lá, lançou a obra independente “Contos para Ler Cagando”.

Em 2005, passou a integrar o grupo de autores da Editora Casa Verde.

Em 2006, lançou o livro de contos “No Orkut dos outros é colírio”. Na

editora, participou de diversas coletâneas. Também é coautor do livro

“Farofa com pimentão – Histórias de Praia”, organizado em 2009 pelo

jornalista José Luiz Prévidi. | [email protected]

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LARISSA VAHIA | Rio de Janeiro, RJ.

Meus pés agasalhados pela areia

procuram uma sombra turva

um silêncio opaco

desarmado pela balbúrdia

da juventude feérica

brincando de mergulho com

o empuxo

das águas salgadas

Ouço a afetuosa sonoridade

quebra das ondas

que tropeçam

DIA DE PRAIA

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nos bancos de areia

molhando o seco e produzindo

sonância que propaga

dentro das conchas

emolduram os castelos de areia

no

Rio

40 graus

Pré-adolescentes substituem a fome

de carinhos com picolé gelado,

sede de beijinhos

com matte leão

sem gelo

me arrepio, con(gelo)

com a frieza dos corações

humanos que aguardam

o pôr do sol

com olhares imóveis

à espera da imagem

refletida na retina

chegando ao córtex primário

liberando neurotransmissores

que propiciam

euforia

Enquanto a brisa marítima

percorre, entre seus rostos, carregando

sorrisos, suspiros, olhares

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guiando a noite

e compelindo o

pôr do sol

enaltecendo o mar

LARISSA VAHIA é estudante de Medicina Veterinária da UFF,

apaixonada pela escrita e pelo reino animal. Observa a vida biológica,

as relações interpessoais e o cotidiano em vários ângulos que anseiam

versificação. Escreve no blog euphoniaviolacea.wordpress.com |

[email protected]

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JOÃO ROCHA | Belém, PA.

Os amigos queriam uma prova irrefutável para acreditar nos

relatos cósmicos de Seiva Gounod. Não obstante, estava difícil

acreditar na moça. Viajar para outro planeta, nem que seja aqui perto

ou talvez para a Lua, era de certa forma banal, Marte? Bah! Mas dizer

que visitou a galáxia NGC 6503 em um verdadeiro lapso temporal

inconsciente e esteve em contatos com planetas de beleza indescritível

era de uma falácia astronômica. Pobre Gounod, seu semblante era

evidentemente de alguém que dizia a mais tenra verdade. Olhos que

mantinham intacto os movimentos, pálpebras articuladas em profunda

concentração e mãos que apenas descansavam independentes e

A VERDADE DE GOUNOD

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impediam qualquer julgamento precipitado sobre a conduta da moça.

Devemos ressaltar que Gounod tinha uma reputação mais branca que

as nuvens na aurora. Tinha fama que revelar segredos ocultos de

amigas apenas para não ter que mentir. Talvez fosse sua criação

religiosa. Foi adotada ainda recém-nascida, tinha duas mães, Dona

Querina era a mais severa, casta, incorruptível, desde cedo ensinou a

menina que contar estórias poderia revelar um profundo destino

obscuro nas fogueiras infernais. Catarina era mais liberal, até deixou

Gounod comprar um telescópio sob o argumento de que ela se tornaria

– no futuro – um prêmio Nobel de astronomia.

Com doze anos já conhecia mais galáxias que os cientistas mais

experientes do Ocidente. Pois bem, como provaria que esteve - de fato

- na solitária NGC 6503? Seus amigos apenas riam quase abertamente.

Alguns diziam que ela era mais habilidosa no preparo do café ou que

deveria contar estórias para as crianças no pátio da escola, mas

Gounod não se contentava. – Ainda não há provas físicas, no entanto,

não foram as minhas imaginações nobres camaradas. Dizia,

desdenhando os incrédulos.

– Tudo bem Gou, mas, digamos que você esteja por um golpe

impossível do tempo, certa, mostre-me algum artefato daquele planeta

visitado. – Mostro, entretanto, não agora, infelizmente não tive a ideia

de trazer nem que sejam mostras do solo. Não tive também tempo de

buscar minha Leica. “Claro, claro” dizem os companheiros de outrora,

agora, intrépidos juízes do cosmo. – Mostro mais! Vou simplesmente

trazer pequenos organismos vivos que nadavam sobre os litorais do mar.

– Ah! Boa, havia água? – claro, um oceano magnífico, gigante, este se

chocava às rochas e estas tremiam causando oscilações no solo. Era

assustadoramente belo. No entanto, era uma água escura, não

convidava ao penetrável. Densa, pastosa talvez. A própria areia no

qual pisava nem poderia ser chamada assim. Era uma espécie de lama

amarelada, como um caldo engrossado, pegajoso, meus pés

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demoravam alguns segundos para se despregar causando muitas

dificuldades para eu caminhar e explorar mais o lugar. Nuvens? – não,

não vi, o céu era avermelhado. Um horizonte sem fim. Como se um

oceano houvesse brotado no meio do Saara. – Quente? Não, era seco

o ar, mas, respirável, no começo, quando me recobrei e emergi em

minha consciência - em pontiagudas dores de cabeça bem finas

mesmo - logo tive um surto de tosse que parecia não ter fim. – Então

sabes como chegou lá? – Na verdade, sentia a viagem.

Tremia meu corpo por alguns instantes, entretanto, como que por

uma força, eu não conseguia abrir os olhos. Talvez por pânico. Um

medo religioso quem sabe da morte. E se esta fosse à sensação da

queda nos abismos finais? Não tinha certeza, preferi acreditar que tudo

era apenas uma alucinação sonolenta. Sei que depois, uma sensação

de flutuação, uma paz orbitava meus poros, uma angústia indefinível

me embebia. Naturalmente ainda não conseguia abrir e ver qualquer

tipo de espaço onde me encontrava. De fato era lamentável meus

amigos, irônico até, sei, mas acreditem, penso que vagava no espaço.

– Vagava? Você teria morrido Gou, não acha? – claro que acho, tenho

certeza, não sou indestrutível, seria uma anomalia física. No entanto, sei

que vagava em direção a lugares que julgava serem mágicos. Daremos

um desconto amigos, neste instante eu tinha certeza que tudo não

passava de um sonho então, porque não se entregar ao fulgás destino

que me foi revelado por meu cérebro? – Verdade. Continue. Disse Ivan,

o mais inquieto e que se irritava com os cochichos inevitáveis ao redor.

– Gou, como sabe que era um planeta da constelação NGC

6503? – Alguém sussurrou nos meus ouvidos logo que cheguei. –

Sussurrou? – Sim, não sei, era uma voz de homem, talvez quarenta,

quarenta e cinco anos, não posso precisar, não obstante, ele chegou

próximo a mim e disse algo que remetia a este solitário aglomerado,

neste momento, como disse anteriormente, voltei à consciência bem

lentamente e quase desmaiei de tanta tosse, rouquidão, garganta

Page 20: Revista subversa vol 3 nº9 dez2015

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seca, precisava de água. – O viu? – Não, não o vi. Nem sua sombra.

Mas tenho certeza que foi o responsável por minha viagem. Além do

mais, quando voltei da fatídica viagem, estava coberta por alguma

poeira, demorei horas para tirar uma espécie de crosta escura que

impregnava minha pele. Infelizmente, não lembro como voltei ao nosso

planeta. – Gounod, precisas procurar um médico. Psiquiatra se for

possível!

- Calma, sabendo que vocês jovens tão jovens e tão

conservadores como são, não iriam me dar crédito, preparei uma

segunda ida à NGC e da lá transmitirei um sinal pela internet. – Como? –

Por streaming. – Acessem o endereço que vou indicar a vocês e terão a

prova indelineável das minhas palavras. Então sabes como voltar? – Sei,

mas não revelarei até ter certeza – Que horas? – Amanhã pela

madrugada.

O início do dia foi perturbador e desafiador para os amigos de

Gounod depois que receberam as instruções ainda pelo início da

manhã. Um deles, Arsênio, dormiu a tarde inteira a fim de se manter

acordado para o grande evento, porém, se matinha disfarçadamente

descrente, mas por dentro, ansiava pela verdade de Gounod. O outro,

o desconfiado Hogo, tinha a certeza rígida e ostentadora que Gounod

era uma farsa. No máximo havia tomado alguns ácidos na noite

passada. Mesmo assim, formulou umas desculpas para a namorada nos

planos de saírem a fim de esperar o grande evento. Ivan, bom, este

comprou pipocas, refrigerantes, preparou o computador para

downloads intermináveis e trancou a porta do quarto para o irmão

caçula não estragar a madrugada. Ironicamente perto da meia-noite,

ninguém conseguia encontrar o paradeiro de Gounod. Ligaram para

sua casa, mas esta ainda não havia voltado. Pode ter ido dormir na

casa de Draco, já desconfiavam deste oculto romance há tempos, mas

Draco negou e ficou preocupado.

Page 21: Revista subversa vol 3 nº9 dez2015

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As angústias cresciam em pressões arteriais medonhas, eclodindo

em idas e vindas pelos solavancos dos quartos, F5 mágicos que se

revelavam frustrantes. Gounod teria enganado a todos?

Porém…

Na tela escura, pequenos movimentos embaçados. Tons sépias

como que distorcidos por sinais de satélites decadentes. Pouca

visibilidade, movimentos turvos mais em progressão, era Gounod? Todos

se perguntavam. – Pessoal, sou… Camaradas, aqu… Noud… (Em cada

casa, subir pelas paredes era um ato absolutamente necessário). –

Gounod, você podes nos ouvir? – Pess… Estou em… 03… (Muitos ruídos,

sons ensurdecedores que rompiam as capacidades do computador)

Hogo procura o telefone, tropeçava em roupas arremessas pelo chão,

mãos trêmulas sobre os teclados. – Estais vendo…? – Ivan recebe

mensagem de Draco. Este desesperado por notícia. Gounod continua –

Pessoal, infelizmente o sin… ruim… Talvez… não… Mais… vol…te..m...

Fim do sinal.

Tela azul de angústias. Febre de ânsia inigualável. Onde estava

Gounod? – diziam todos. – Vocês a ouviram falar? – sim, entretanto, que

insânia. Encenou bem, a Gounod. Disse Hogo ainda excitado pelo

ocorrido, mas tentando manter algum lado sóbrio a se apoiar.

Os dias foram angustiantes. A procura por Gounod chegara há

duas semanas. Draco acusava os rapazes, estes acusavam o

desconhecido. – Talvez tenha fugido com o Outro. – Era louca. Mas

ninguém relevou para ele o acontecido. Foi rápido. Medonho.

Assustador. A sensação de que talvez realmente ela não voltasse

sobejava-os. Ivan sentia culpa. Depois de um mês, saiu da cidade.

Dizem que pegou uma bicicleta em um final de tarde e foi visto pelos

arredores de uma rodovia federal. Alucinado. Draco entrou em uma

depressão que permaneceu por décadas, jamais foi o mesmo jovem

impetuoso de antes. Souberam que ele havia falado algumas palavras

duras para Gounod na véspera. Jamais se perdoaria. Hogo e Arsênio

Page 22: Revista subversa vol 3 nº9 dez2015

22

ainda se falavam. Tentavam acessar o site milhões de vezes ao dia e

nada de encontrar alguma resposta.

A polícia os interrogou. Confessaram que havia conversado com

ela. Seria estranho. Seria comprometedor talvez. Não sabiam. Eram

jovens, nervosos e imaturos para lidar com as questões da lei. – Então

ela foi para outro planeta? Disse o delegado enquanto digitava

mensagem no celular de forma frenética. – Bom, ela que disse senhor. -

Sei... Vão embora e parem de beber essas vodcas piratas.

E Gounod? – Não sabemos. Ninguém sabe.

Quando anos depois o poderoso telescópio Hubble revelou fotos

nítidas da galáxia de NGC 6503. Os amigos que ainda restavam de

Gounod lagrimaram sua falta. NGC 6503 era um ponto vazio no espaço.

Uma galáxia solitária. No entanto, ficaram abalados com a notícia de

um estranho sinal vindo daquela região. Hogo e Arsênio, já

envelhecidos, entreolharam-se. Um súbito silêncio rompeu como uma

barragem em câmera lenta. Olharam-se e se puseram a rir. Riram o

resto dos anos. Contaram para os netos. Estes, incrédulos. Riram

copiosamente. Levaram para o túmulo a verdade de Gounod? A

mulher solitária da galáxia NGC 6503.

JOÃO ROCHA é poeta e contista da pequena cidade de Marituba,

região metropolitana de Belém/PA. Já participou de uma coletânea de

poetas chamada “Frutos Colhidos com mãos de Chuva” em 2011 e está

na antologia de contistas "A Mulher de Branco, e outras mentiras

verdadeiras” da Fundação Câmara Brasileiras dos Jovens Escritores.

Escreve contos e artigos para o site português Obvious desde 2012 e

mantem o blog “Outrotexto”. | [email protected]

Page 23: Revista subversa vol 3 nº9 dez2015

23

MAURÍCIO BORBA FILHO | Belém, PA.

e não saberemos

cruzar as pernas

dentro das horas

longas

das horas longuíssimas -

destas em que ficamos

a esperar a secagem

do rio de pedra azul

da nossa idade:

quando enfim restar

CIACCONA

Page 24: Revista subversa vol 3 nº9 dez2015

24

exposto o nosso abecedário

entre os peixes – enfim –

revelado:

não saberemos

cruzar as pernas

dentro destas horas

longas

nem fazer a figueta

do alaúde com a língua

enquanto ouvimos a ciaccona -

para acompanhá-la -

a ciaccona de uma anã branca

indiferente ao telescópio

não saberemos

não saberemos

mas observamos

e guardamos desde já

o vestígio dos humores

da noite

numa velocidade – baixíssima -

acompanhando a ciaccona da anã branca

que foi dormir na tua língua

MAURÍCIO BORBA FILHO (1992), publicou seu primeiro livro, "modos", que

ficou em terceiro lugar no Prêmio de Poesia Belém do Grão Pará,

edição 2014. | [email protected]

Page 25: Revista subversa vol 3 nº9 dez2015

25

EDUARDO H VALMOBIDA | São Paulo, SP.

Esboça um sorriso. Mas é só um esboço porque ela não está com

vontade de sorrir, mas a situação a obriga a, então os músculos da face

se contraem, se movem, como vermes sob a pele. Esteticamente

ECOLALIA

Page 26: Revista subversa vol 3 nº9 dez2015

26

falando se poderia dizer que era um belo sorriso, mas como não era

realmente um sorriso, então também não se pode falar de estética. Não

que estética trate apenas do que é todo formado, completo. Ela era

estética. Chamaria a atenção se o quisesse, mas sempre se vestia de

cores pastel e aquele momento não era exceção, mesmo que elas

existissem. Azul pastel, céu esmaecido, e olhos castanhoscuros, cor de

vácuo, dois pontinhos amarelados em cada íris, como reparara um dia

desses frente ao espelho, com os músculos do rosto como vermes sob a

pele do rosto. No fundo, um piano tocando leve. Mas no fundo da

mente, porque na sala de aula, frente ao professor, ninguém dizia nada.

Ela pigarreou, como pura vingança de não poder dizer, e o professor se

atrapalhou por um milésimo de segundo, o suficiente para soltar um é

prolongado, como se tivesse esquecido o que iria dizer, e o esquecera,

mas por um milésimo de segundo apenas. O piano sutil e o corpo dela

acompanhando as ondas sonoras do piano que ecoava por dentro,

meio dançando sobre a cadeira da sala de aula. As palavras que o

professor colocava no quadro eram quase incompreensíveis, se não

pela parte inconsciente dela que ainda acompanhava a aula,

enquanto ela se perdia cada vez mais. Mais tarde se lembraria disso

tudo, menos do piano.

Ela andava sob a chuva fina que caia e fumava um cigarro que

ia ficando cada vez mais úmido porque o guarda-chuva só lhe protegia

a cabeça, e ao cigarro apenas quando o levava à boca. Fumaça

furada pelas gotículas e ela andando meio distante de um grupo de

garotos que riam e se empurravam, como se tivessem oito anos, mas

tinham vinte e um. Não sei como o sei. Sei. Fim. Continuando. Ela

continuava andando e fumando e escutando, as risadas e o piano. O

piano quase retumbando, mas pianíssimo. E os passos dela começaram

a se enquadrar no ritmo da música, mas não sabia se era música

mesmo, talvez uma ecolalia da pulsação do mundo. Mundo que ela

mal conhecia, porque olhava demais para baixo, para o chão, e

Page 27: Revista subversa vol 3 nº9 dez2015

27

pensava enquanto vivia que era rés-do-chão com corpo de garota,

mas mundo que existia, que era tátil, e disso ela tinha certeza porque

acontecia que ela vivia aos encontrões com pessoas, postes ou muros.

Ela queria um muro para seguir apoiada nele, quase na diagonal, mas

isso era impossível, porque seu corpo fremia e pulsava, e destoaria,

então, do muro gélido e estático. O muro na mente dela era estático,

mas não estético. Muro não é estético porque só serve para impedir, e

impedir não é exatamente o propósito da estética, mas formar. Muro

não forma nada, apesar de que restringir por vezes é formar, mas não é

criar, então não pode ser estético. O muro encerra aquilo que já foi

criado. Então o corpo dela era como um muro que encerrava o piano

que tocava lá no fundo e ela fingia que não, mas sim, e pensariam que

ela estava louca se contasse a alguém que dentro de sua cabeça, lá

no fundinho, sobre o teclado de um piano escorregavam mãos, ela

sabia, já tentara, e nunca mais voltara a ver sua melhor amiga de

infância que morrera alguns anos atrás de câncer nos ossos. Se ela

encerrava a música dentro de si, então não era tão diferente do muro,

e talvez pudesse criar um em que se escorar ao longo do caminho,

porque seria mais fácil ter suas mãos frias deslizando sobre a frieza das

pedras. Queria um muro de pedras velhas com musgo nas brechas.

A essa ideia, do musgo escorrendo lentamente como veneno ou

saliva ou sêmen verde dos entre-pedras do muro, veio-lhe o sorriso. E o

piano pianando no fundo. A loucura. E lá fora a solidão. E a força para

não sorrir por não querer.

EDUARDO HENRIQUE VALMOBIDA nasceu em Jundiaí, interior do Estado

de São Paulo, e atualmente é refugiado na capital, onde cursa Letras

na Universidade de São Paulo. Aos vinte anos, ainda se prende à cor

azul, resquício da infância, assim como à figura do mar, que reverbera

tanto em sua escrita como no cotidiano banal. |

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DANIEL PERRONI RATTO | São Paulo, SP.

Os muros querem reviver

as sensações maniqueístas

Os tempos mudam a correr

nas campinas surrealistas.

O pró-labore assenta

manifestações teatrais

Do imposto que isenta

LISERGIA MARSUPIAL

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é a falta de algo mais.

A ideologia deixou

de consumir corações

O balcão de negócios

está cheio de traições.

Nas cataratas do mercado

ações ininterruptas

nos quadros digitais

Os bolsos do povo

são a esperança

dos velhos marsupiais.

DANIEL PERRONI RATTO é poeta, jornalista, pós-graduado em Mídia,

Informação e Cultura pela ECA/USP. Autor dos livros Urbanas Poesias

(Fiúza Editores, 2000), Marte mora em São Paulo (A Girafa, 2012) e

Marmotas, amores e dois drinks flamejantes (Patuá, 2014), Daniel

também foi letrista e vocalista das bandas Loco Sapiens, Criolo Branco e

Luz de Caroline. Colabora como cronista do UOL Música, do jornal

Diário do Nordeste e portal culture-se.com. Tem poemas publicados em

diversas revistas, tais como: Revista Gente de Palavra (RS),

Mallarmargens revista de poesia & arte contemporânea (PR) e Revista

Quincas (SP), entre outras. Em 2015, foi um dos poetas selecionados

para participar da Exposição Poesia Agora, no Museu da Língua

Portuguesa. | [email protected]

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LUCAS GROSSO | São Paulo, SP.

Em um primeiro instante – um rosto, uma personalidade

por toda uma constante existência

TRANSFIGURAÇÕES DO SER

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-tu foste alteridade!

Em uma segunda instância – memórias e reminiscências;

a tessitura de uma lembrança

-tu foste minhas vivências.

O terceiro momento – breve sugestão de um episódio,

apenas um fugidio acontecimento.

-tu tornas-te um espólio.

Como espólio – agora perco-te de todo,

não mais existência ou lembrança ou acontecimento:

lembro-te e penso – como fui tolo!

LUCAS GROSSO é professor, escritor e pesquisador em início de carreira.

É formado em Letras e defendeu seu mestrado em literatura

comparada em 2014, estudando Ivan Angelo e Milan Kundera. Já

publicou em algumas revistas e, regularmente, publica seus poemas e

prosas no blog Lucas Grosso, Destruidor de Cenários

(http://lucasgrosso.blogspot.com.br/) | [email protected]

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Monte Aprazível, SP.

FACEBOOK | BEHANCE | [email protected]

Reider Pereira é ilustrador profissional e procura investigar a

relação da arte literária com a arte pictórica, considerando que há um

forte aprendizado sobre pintura a ser explorado na literatura. Não possui

uma referência única, mas atualmente vê-se bastante inspirado pelos

artistas pré-rafaelitas e pela autora Virgínia Woolf. Suas técnicas

abrangem o uso do lápis de cor e tinta acrílica, além de aquarela e grafite.

“Gosto principalmente de materiais que fluem no papel, dos que

evanescem”, afirma Reider, que também gosta de explorar o papel

psicológico envolvido na arte, o “envolvimento espiritual com esse

estado de consciência criativa”.

Após ter largado um trabalho de carteira assinada para se

dedicar integralmente à ilustração, o artista prevê a dificuldade de

reconhecimento da área e, principalmente, da atividade do ilustrador

que, muitas vezes, é vista como passatempo, pelo senso comum. Reider

ilustrou o livro infanto-juvenil Little Purple Rains: “A historinha da mulher-

menino” e se prepara para ilustrar o próximo da coleção, além de

trabalhar em outros projetos de moda e aceitar novos desafios.

SOBRE REIDER PEREIRA

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PARCEIROS:

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Edição e Revisão:

Morgana Rech e Tânia Ardito

Recepção de originais:

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