revista sinal cristovam buarque

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Ano 11 n o 38 REVISTA DO SINDICATO NACIONAL DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO CENTRAL FINANÇAS SUSTENTÁVEIS A responsabilidade do BC na preservação do planeta EDIÇÃO ESPECIAL RIO+20

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Entrevista com Cristovam Buarque

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Ano 11 no 38REVISTA DO SINDICATO NACIONAL DOS FUNCIONRIOS DO BANCO CENTRALFINANAS SUSTENTVEISA responsabilidadedo BC na preservao do planeta EDIO ESPECIALRIO+2016ENTREVISTA DEPUTADO FEDERAL CLUDIO PUTY (PT-PA)junho 201217SENADOR CRISTOVAM BUARQUEA economia novai fazer um mundo muito melhorENTREVISTAflorestas.Estoudeacordo,issopodeser.Masachoque vai ser muito difcil o sistema financeiro ter esse papel. O papel est nos estados de no deixarem que se destruam as florestas. Est nos estados considerarem crime derrubar florestas e no emprestarem.MasoBancoCentralestestudandonormas,exign-cias,paraosgrandesemprstimos.Porexemplo,para financiarumahidreltricaserianecessriatodauma documentaoquecomprovequeomeioambienteno vai ser danificado.Entendi. Seria, por exemplo, criar regras que exijam que as fbricas coloquem filtros na poluio que geram. Isso eu estou deacordo.Masnovaihaver,realmente,sustentabilidade enquantoopadrodeconsumoforoatual.Noadianta. Quando eu digo que no adianta, no quer dizer que no se deva fazer, mas como fazer a Lei do Ventre Livre, no abolir a escravido. Claro que foi positiva, mas no aboliu a escravido. O que vai realmente dar a sustentabilidade uma mudanadopadrodeconsumo.Porexemplo,deixarde medir a performance da economia de um pas pelo PIB. Trabalhar com novos ndices, no?Sim. Deixar de considerar como parte do PIB, por exemplo, a produo de armas. Arma no um produto da economia, arma um produto de defesa ou para defesa. Prestigiar mais os bens pblicos do que os bens privados. Txi, ambuln-cia, carro da polcia, nibus, trens. O que vai realmente dar sustentabilidade uma mudana no padro de consumo de produo e de distribuio. At l, e isso demora, eu creio que,defato,vocstrouxeramumpontointeressante.Os bancos criarem regras mais protetoras do meio ambiente na hora de decidir os emprstimos. Que contribuio o senhor acha que o sistema financeiro pode dar ao projeto de sustentabilidade?Eu acho que a sustentabilidade no tem muito a ver com o sistema financeiro. Sustentabilidade uma coisa bem mais ampla, na qual o sistema financeiro entra como um agente sem poder. Por qu? Porque o que faz uma sociedade, diga-mos assim, no ser sustentada o excesso de consumo. E a a gente vai aos bancos para financiar o nosso consumo. No o banco que deve parar de emprestar dinheiro, a gente que deve parar de pedir dinheiro emprestado. Mas os bancos poderiam no emprestar para empresas que desrespeitam o meio ambiente, que contribuem para o desmatamento, por exemplo. No tinha visto nesse sentido, foi bom voc levantar isso. Mas vamos chegar l. O primeiro problema que a gente bate muito s nos bancos. Mas, no mundo de hoje, duas voracidades so aliadas: a do lucro do sistema financeiro e das empresas privadas e a do consumo de cada pessoa. um casamento maldito, cujo filho a destruio ecolgica, o acirramento mesmo da desigualdade. E a o banco ape-nas uma parte que, involuntariamente, pela sua voracidade, termina, como todos os outros, provocando a insustenta-bilidade,odesequilbrio.Agora,decertopontodevista, voc traz a ideia do sistema financeiro sendo instrumento de reduo do agravamento do desequilbrio, ao escolher a quem financia.JexistemalgunsacordoseprotocolosentreoBC,o Ministrio do Meio Ambiente e a Febraban nesse sentido. Eu creio que no se deve financiar agncia de turismo que saiparacaarelefante,seoelefanteestiveremextino emalgumlugar.Oufinanciarempresasquevodestruir O senador Cristovam Buarque um poltico com ideias firmes e algumas obsesses. Uma delas, a educao. Escola de qualidade, para todos, em tempo integral. Como fazer isso? Com a federalizao do ensino bsico, prope. Palestrante da Rio+20, tambm radical quando discute o futuro do planeta. Para ele, s h um caminho: rever, com urgncia, os conceitos de emprego e recesso. Confira, abaixo, sua entrevista Por Sinal:18 junho 201219Mas,enocurtoprazo,oquefazer?Esseprocesso delongoprazo,temavercomcultura,conscientizao, educao...Veja bem, o que caracterizou essa civilizao que a gente vive, chamada de industrial, o casamento de quatro coi-sas que se somavam, e, como todo casamento, s bom quando h uma sinergia. a inovao tcnica, a democracia poltica, a justia social e o crescimento econmico. Acabou o casamento e acabou pela mesma razo que acabam os outros. Surgiram mais dois parceiros: a crise ecolgica e o sistema financeiro independente da economia, descolado da economia. Ento essas duas coisas quebraram o casa-mento. Como que se vai retomar isso? Pode ter pequenos ajustes, aqui e ali, mas a retomada mesmo s mudando o processo, e como gostam de dizer por a, o paradigma do desenvolvimento. Seria buscar outra qualidade para o desenvolvimento?Sim,buscarqualidadedevida,bem-estar.Convivercom menores horas de trabalho das pessoas. Se possvel, com amesmarenda,sacrificandoolucro.Senoforpossvel, por questes polticas, reduzindo inclusive o prprio salrio, aumentandoosbenspblicosdisposiodaspessoas. Entendendo que uma me, que cuida de uma criana, e este um trabalho altamente produtivo, embora no entre no PIB, tenha uma remunerao. Para isso, o governo tem que parar de gastar em certas obras, porque precisa de equilbrio econmico, e fiscal tambm. Ser que seriam necessrios tantos viadutos, se a gente tivesse melhor transporte pblico? E agora, o que o governo fez? Facilitou a venda de carros, daqui a seis meses vamos precisar de mais viadutos. Com isso, deixa de fazer a escola, porque no tem jeito, no d para colocar um tijolo em dois lugares. Deixa de botar gua, deixa de colocar saneamento. Pode ser diferente?O caminho est errado. Podem ter ajustes, mas so ajustes provisrios, no so pra valer. Vou contar uma histria. Eu es-tive com um professor grego, universitrio, que perdeu 40% doseusalrio,mascortaram40%dashorasdetrabalho dele. A eu perguntei: O que voc est fazendo para viver? Bem, primeiro tirei meu filho da escola privada e coloquei na pblica. Agora, estou usando parte dos meus 40% livres para ajudar a escola do meu filho a melhorar. Parei de usar o carro. Mas eu descobri que o nibus est indo depressa porque os outros tambm pararam. E arranjei alguns bicos. Esse cara diferente, um professor universitrio. Primeiro, o filho estava na particular, o operrio j no pe o filho em escola particular. Segundo, ele pode fazer uns trabalhinhos de consultoria. O operrio talvez no possa. Mas a soluo melhorar a escola pblica para reduzir a necessidade de renda que voc tem. facilitar o trnsito de um lugar a ou-tro para que voc gaste menos tempo e menos gasolina. E menos juros, porque o carro foi financiado, e menos seguro do carro e menos oficina. Tudo isso. A Europa vai ter de fazer uma inflexo, a meu ver. Eu no vejo outra sada.temos que aprender a conviver com mais tempo livre; e ter tempo livre como um propsito da pessoa, e no s a renda. Quando eu digo tempo livre, mesmo at, se necessrio, comreduoderenda.Massabendooquefazercomo tempo livre, podendo at mesmo desenvolver atividades que gerem rendas, alm do emprego. Mas pode ser apenas para usufruir a vida, com mais tempo para as atividades culturais, e tambm para a famlia. Por que ficar mais tempo com a famlia considerado no emprego?Aeconomiasolidria,dealgumamaneira,buscaum caminho parecido...Aeconomiasolidriaumdoscaminhosparaisso.Mas vamos voltar sua pergunta. Eu no vejo sada para a Eu-ropa pela economia. A sada para a Europa vai ser por uma mudana de postura, de proposta, de objetivos. No vai ser a gerao de empregos. Como que se vai gerar emprego para as massas que esto chegando ao mercado de trabalho? Aumentando o nmero de fbricas? Para produzir o qu? Para produzir aonde? Para quem? Ns estamos pensando ainda de maneira muito tradicional. Este ltimo pacote do governo e eu disse ao Mantega (ministro da Fazenda) no Senado dos anos 1950! E ele me respondeu: No, ns no estamos nos anos 1950. Basta ver que diminuiu a desigualdade. E no diminuiu?Primeiro,diminuiumuitopouco.Segundo,adesigualdade que diminuiu foi de renda, no de educao, no de sade, no de segurana. No foi de horas perdidas no trnsito. Alis, nesse caso, a gente tem uma igualdade, todo mundo perde esse tempo. Terceiro, a diminuio da desigualdade no veio dadinmicaeconmica.Veioumpouquinhodadinmica econmica com emprego e a melhoria do salrio mnimo, mas veio, sobretudo, da transferncia de renda. Que, por sua vez, no veio da dinmica econmica, veio da vontade poltica l atrs, de Fernando Henrique Cardoso. Todo mundo pensa que foi Lula quem comeou, mas no foi. Alis, comeou em Braslia. A Fernando Henrique levou para o Brasil. E o Lula ampliou. Foi essa transferncia de renda que diminuiu ligeiramenteadesigualdade,noaeconomia.Enovejo como a economia vai fazer um mundo melhor.O Brasil vai fazer a Rio+20 uns dias aps aumentar os incentivos venda de automveis privados. Agora, como resolver isso?Eu acho que s tem um jeito. mudar o conceito de empregoe de recesso.Falandoemnovopadro,quaisseriamoscaminhos possveisparaoenfrentamentodaatualcrisemundial, sem entrar em sadas recessivas, em desemprego, por um lado, e sem buscar o desenvolvimento a qualquer preo, por outro? Dentro disso, a reduo do imposto de automveis para estimular a demanda e aquecer a economia no seria um contrassenso?Um absoluto contrassenso. O Brasil vai fazer a Rio+20 uns diasapsaumentarosincentivosvendadeautomveis privados.Agora,comoresolverisso?Euachoquestem um jeito. mudar o conceito de emprego e de recesso. E aceitar a possibilidade de uma pessoa considerar como parte deseubem-estartermaistempolivre,mesmoquecom menor renda. Por que a gente diz que os jovens na Espanha estodesempregados,eporissovamosinvestirparacriar emprego,emvezdeinvestirparaqueelesestudem?Em vez de investir para que cuidem melhor dos prprios pais? O ciclo de emprego tem de mudar. No temos como empregar todo mundo, a no ser proibindo a inovao tecnolgica. E no podemos proibir inovaes tecnolgicas. Por isso, ns 20 junho 201221se: Diga que pecado comprar um carro novo! Tem de virar pecado. Aes que levem sustentabilidade. Isto s a educao que vai dar. Vamos conseguir? No sei. Hoje a escola uma fbrica de insustentabilidade, de individualismo, dedescompromissocomosocial.Maseuachoque,de qualquer maneira, a criana mais receptiva a uma men-sagem verde do que os adultos. Um bom programa, com todas as crianas nas escolas, com escolas boas, passando a mentalidade de um novo tempo, este o nico caminho que eu vejo. Agora, vai demorar.mente dez anos, 15 anos, mesmo caindo. um absurdo, a obsolescncia um contrassenso com a sustentabilidade. E nsvivemosemumasociedadedeobsolescnciarpida, rpida, rpida, das roupas, dos sapatos, dos carros, de tudo. Mas voc falou em tecnologia verde. Tecnologia verde a base da economia verde. No fundo, a mesma coisa. A no ser que voc falasse em tecnologia social verde. A mudaria tudo. A metfora do verde para o social implicaria mudana, ruptura que eu estou propondo. E a voc teria mais longa vida. Como que se resolve isso? Com uma poltica fiscal, emquecadaprodutonovopagueumimpostomaiordo que o antigo. Quando voc for comprar, pensa duas vezes. Uma poltica fiscal que cobre mais da gasolina do que do lcool. Mas no mais como hoje, por causa da rentabilidade diferente de um e de outro. Com um litro de gasolina voc anda mais do que com um litro de lcool. Ento, no fundo, o preo o mesmo. Falo do ponto de vista de quilmetros rodados. Voc fazer o preo do lcool ser mais barato por quilmetro rodado do que o da gasolina. Cobrar impostos mais altos de tudo aquilo que leve insustentabilidade. Dar subsdios naquilo que for sustentvel. Aumentar o preo da energiaeltricadependendodeondeelaforproduzidae baratear a energia elica, a energia solar, por exemplo. O senhor acha que h espao para essadiscusso na Conferncia?No. Vai ter espao para isso fora da reunio dos chefes de Estado, na Cpula dos Povos. Mas entre os chefes de Estado, no vejo, no. At porque quem deveria dar essa orienta-o era a Dilma (Rousseff), ela a primeira que fala, ela quem poderia dar o eixo. Eu acho que o Brasil se adaptou diplomaticamente ao que os outros querem. O problema tambmdaRio+20queosdiplomatasvomandar.E osdiplomatasnotmousadia.proibidodiplomataser ousado. Faz parte da sua formao. A sustentabilidade se aprende na escola?Deveria se aprender, mas hoje, no. Mas no no currculo, apenas do ponto de vista tcnico e formal. mudando a mentalidade. Um dia desses um padre me perguntou: O que eu posso fazer para ajudar a sustentabilidade? Eu dis-Hoje a escola uma fbrica de insustentabilidade, de individualismo, de descompromisso com o social. Mas eu acho que, de qualquer maneira, a criana mais receptiva a uma mensagem verde do que os adultos. Um bom programa, com todas as crianas nas escolas, com escolas boas, passando a mentalidade de um novo tempo, este o nico caminho que eu vejo. Como transformar tudo isso em poltica pblica,de Estado? Poltica pblica fcil, a grande dificuldade, e eu no sei como, convencer a populao. Porque, se voc olhar as ltimas rebeldias na Europa, inclusive eleitorais, so todas para voltar ao passado, nenhuma para fazer uma revoluo. O que os jovens europeus querem hoje ter o mesmo padro de vida dos seus pais. Eles no esto querendo fazer revoluo. Como mudar e a sim, um problema, sobretudo do poltico , como fazer um discurso de longo prazo se a eleio no prximo ano? E o eleitor est se lixando, como voc e eu, para daqui a cem anos. No mximo, a gente pensa os prximos cem meses. Pensa no filho, um pouquinho no neto, mas no bis-neto, no tataraneto, nada! E depois do tataraneto nem nome tem! No existe nome para dizer o filho do seu tataraneto! Porque est fora da perspectiva da gente. Como fazer isso? Vai precisar de grandes estadistas. E hoje a gente no tem, vai demorar. At l, a gente vai ficar fazendo o que Mantega faz: um pacote aqui, daqui a dois meses, outro. Vai ter de fazer outro daqui a dois meses para resolver a inadimplncia, para investir mais na infraestrutura urbana. E enganando. O que os chefes europeus esto fazendo? Eles esto enganando. Esto jogando pra frente, empurrando com a barriga. O que o senhor acha que vai sairda Conferncia Rio+20?Eu acho que no vai sair, sinceramente, nada substancial. Por qu? Porque cada chefe de Estado, de governo alis, qualquer um de ns, se eu fosse tambm , vai para a reunio represen-tando o seu pas, e no um problema planetrio, mundial. Preocupados com os interesses especficosde seu pas...Especfico de cada pas. por isso que Obama no vem, com medo disso ser uma besteira. J pensou o Obama dizer que vai melhorar o transporte pblico e parar a produo de auto-mveis? No tem como ele dizer isso e no perder a eleio. No Brasil tambm. Ento eu no vejo que v sair muita coisa. A Conferncia Rio 92 deu mais resultado, deu Kyoto, deu uma conscincia. Nessa, eu no vejo o governo brasileiro querer comearumdiscursodizendo:Omundoestemrisco.A humanidade est ameaada. Eu no vejo essa perspectiva de dificuldades. Agora, largado isso no vai ficar, eu mesmo estou participando de um instituto, no Rio de Janeiro, para pensar o futuro. Mas isso, vamos falar com franqueza, no precisa de chefe de Estado, no precisa desse esforo todo. Entrando no debate da Rio+20, como o senhor v a eco-nomiaverde?Seriaamercantilizaodanatureza,como pensam alguns ambientalistas?Eu no estou preocupado se mercantilizao ou no, porque a gente vive em uma sociedade mercantil. O problema que a economia verde tambm adia um pouco. Ela boa, mas no a soluo. Vamos tomar como exemplo o transporte eu sempre volto ao transporte. Se voc colocar etanol no lugar de gasolina, um passo importante. Mas se voc for encher os 50 bilhes de carros do mundo de etanol, tem de destruir todas as florestas. Voc tem de parar de produzir comida para fazer etanol. Ento a soluo outra. O problema no mercantilizar ou no a economia verde, o problema publicizar ou no. E eu acho que tem de publicizar. O problema da economia verde ela sendo privatista. Mas privatista no a questo de ter dono da fbrica, porque isso eu acho que a gente vai ter mesmo. No h nenhum problema em ser dono de fbrica, desde que ele produza aquilo que interessa, pague imposto, gere emprego, tenha lucro. Mas, por exemplo, uma fbrica de nibus tem um papel pblico. Uma fbrica de carros para txis, para ambulncia, tem um papel pblico. Carro para a gente comprar j tem um papel privado. A economia verde uma boa auxiliar, mas no o caminho. Ela no a salvao do mundo, mas tambm no pode ser considerada a inimiga nmero um.Ao contrrio, ela uma aliada, sem dvida alguma. Mas no a soluo. Fale um pouco sobre a tecnologia verde,os equipamentos. Voc trouxe um ponto importante. Vamos ter de ampliar o tempo de vida das coisas. Tudo isso que a gente est vendo aqui nesta sala, esses trs celulares aqui, daqui a um ano esto mortos. A gente j vai querer outro. Eles durariam tranquila-22 junho 201223que morreu de tanto trabalhar para manter duas filhas na faculdade. Vira uma tragdia social, o menino que tinha de trancar matrcula, o pai que tinha de trabalhar dobrado. O ProUni liberou isso, foi um bom programa, como eu digo, social. No necessariamente universitrio, porque os cursos so to ruins que nem se pode dizer que h um acmulo deconhecimento.comoseagenteestivessehojeno Brasil consumindo aula, e no acumulando conhecimento. Entendeu a diferena? Consumir aula, quando voc sai dali, esqueceu. Mas foi positivo. E o ensino bsico?Oquelamentvelogovernoterfeitoesseaumento do nmero de vagas nas faculdades sem cuidar do ensino fundamental e do mdio. Isso que foi uma tragdia, est sendo uma tragdia. Hoje, no sei se vocs sabem, somando o primeiro ano de todas as faculdades do Brasil, tem mais vagas do que o nmero de meninos e meninas terminando o ensino mdio. Por que no sobram vagas? Porque tem gente que j terminou antes e faz vestibular. Tem um acmulo de gente fora. Mesmo assim, a disputa no Brasil por uma vaga na faculdade uma das melhores do mundo. um dos pases que tem mais vagas em relao ao estoque de crianas e adultos terminando o ensino mdio. O que a gente deveria ter feito era quebrar essa barreira, essa pirmide, fazendo assim: o nmero dos que comeam ser igual ao nmero dos que terminam o ensino mdio. O Brasil uma pirmide muito fechada. Comeam mais ou menos 4 milhes e meio e termina 1 milho e duzentos. No foi errado aumentar as vagas, foi errado no cuidar da base. E como que se faz isso? No de responsabilidade dos governos estaduais?Temquedeixardeser.Temqueserfederal.Notem resultado, um salto na educao, se no federalizarmos a educao de base. Isso no muito radical? No tem que mexerna Constituio?Porquenomexe?Agentemexeuumdiadessespara permitir a reeleio! Todo dia a gente mexe na Constituio capital e a renda se voc no aplicar bem na educao do filho. O bero da igualdade no vai ficar na renda. Voc pode nascer numa casa muito grande e ficar velha numa casa pequena, se no estudar. Isso uma mudana positiva do mundo. Deixou de ser o sangue, como na nobreza, deixou de ser a terra, como na fisiocracia, e est deixando de ser o capital. Salvo pelo fato de que no Brasil, lamentavelmente, a educao comprada. Esse o problema. Ento, filho de pobre continua pobre, filho de rico vai ser rico, no por causa do capital que o pai tem, mas porque esse capital vai ser aplicado na educao dele. A o filho vai ter chance, que vir da educao. Ento, qual a principal tarefa do Brasil para ser um pas decente? Escola igual para todos. Eu no proponho, como a Noruega, que proibiu a escola particular. Sou contra isso. Eu acho que faz parte da democracia ter escolaparticular.EuestoufalandonaNoruega,masso muitos pases que probem. Eu sou favorvel de a escola pblica ficar to boa que a particular deixe de ser necessria. Tambmsoufavorvelque,comaescolapblicamuito boa, a gente possa ter um ProUni da educao de base. Muita gente acha que essa minha posio errada, que seriaaprivatizaodaeducao.Eunoacho.Tambm me pergunto hoje em dia por que a gente no cria cotas sociais para a educao de base? Uma das crticas que o senhor faz que o governo federal privilegia hoje o acesso s universidades, mas que descuida do ensino bsico. Fale do seu projeto de federalizao do ensino mdio. Primeiro, deixa eu dizer uma coisa. Eu no critico o fato de o governo, desde Paulo Renato, ter aumentado o nmero de matrculas nas faculdades particulares. No. Eu diria at que uma das maiores revolues que aconteceram nos ltimos tempos no Brasil foi o fato de que, a partir dos incentivos a cursos superiores particulares, os jovens pobres passaram asonharcomfaculdade,comensinosuperior.Atesse programa, at os anos 1990, o jovem de classe mdia baixa nem pensava em entrar na faculdade. Passou a pensar. Com ogovernoLula,veiooProUni,quefacilitouoacesso.Foi um bom programa aumentar as vagas nas faculdades, mas gerou um problema social. Aqui em Braslia tem um taxista O Banco Central fazendo algumas aes para dar educa-o financeira s crianas e populao em geral. Ensinar apensarnovalordofuturo,empouparparaofuturo. Emvezdeconsumirhoje,iracumulando,poupando,e comprar depois.Pois , a ideia de felicidade junto com finanas. Isso uma coisa boa. A escolha do tempo, que uma das coisas que estatrapalhandooBrasil.OBrasiltemumamentalidade imediatista. Ns todos no pensamos l na frente. O judeu, aindanototalmenteabrasileirado,temumcompromisso com o futuro. Ele aprende a poupar, como os orientais, os chineses, os coreanos eles tm uma perspectiva de mdio e de longo prazo. Ns no temos. Em vez de poupar, ns nos endividamos. Ns queremos tudo hoje. Esse o problema. Nossa taxa de poupana no chega a 19%! Estamos sobre-vivendo pela poupana externa que est chegando aqui. Sou favorvel a ensinar finanas, direitos humanos, Constituio. Para isso, o horrio tem de ser integral. No d para ensinar isso em quatro horas. Voltando educao. O senhor fala muito sobre a desi-gualdade e diz que o bero da desigualdade est na escola. No adianta transferncia de renda se no tem todo mundo com o mesmo acesso ao conhecimento.Isso,porumlado,atumavano,hoje.Porque,anti-gamente, o bero da desigualdade estava no bero onde dormiaacriana.Hoje,ofilhodoricoquenoestudar vai ter dificuldades. E o filho do pobre que estudar vai ter chance. Agora, por isso, a escola, hoje, j desigual e faz a desigualdade. Mas se a gente igualasse a escola, construiria a igualdade. Essa frase de um livro que eu fiz, chamado O Bero da Desigualdade, com fotos do Sebastio Salgado. EuatpenseiembotarOBerodaIgualdade,pelolado positivo. A escola o bero da igualdade no mundo de hoje. No era antes. Antes era o ttulo de nobreza, era o sangue, depois passou a ser a propriedade de terras e de escravos. Era isso que fazia a desigualdade, quem tinha e quem no tinha escravos. Depois veio o capital. Hoje so o dinheiro, o capital e a renda. Mas daqui pra frente no vai ser mais o 24 junho 201225que a universidade tem de ser para todos. A universidade mesmo,comouniversidade,temdeserparaosquetm mais talento, mais persistncia, mais vocao e que depois vo trabalhar para todos. A sim, que importante. O que faz uma universidade ser democrtica no receber os filhos dos pobres, que no se prepararam bem. fazer com que os mdicos trabalhem para os filhos dos pobres. Agora, o que faz a universidade ser elitista no que s tem rico, que s tem quem pode pagar uma escola particular. Essa nova lei do acesso informao pblica. O que o senhor acha dela?Eu acho excelente. Esta semana demos dois saltos grandes. A Comisso da Verdade e a Lei da Transparncia. So dois saltos fundamentais. O primeiro paga uma dvida com a His-tria e o segundo com a verdade de hoje, que a gente tem de saber qual . Tem de saber quanto ganha um senador. No s o salrio, mas as outras coisas todas. O povo tem de ter direito de saber quanto custa um senador.OsenhoracreditaqueessaComissodaVerdadevai dar conta?At pelos nomes que esto l. So pessoas muito boas. possvelquenosesaibatudo.Masanoculpadeles. Mas eu acho que vai se saber muita coisa. Eu estou otimista, sim. A da transparncia, a gente vai ter de se acostumar. Vai ser complicado. Mas o Brasil que vem depois vai ser melhor. A mesma coisa a ficha limpa. Tem gente que vai ser pega sem ser corrupta. Mas preciso. Alguns pagam o preo, mas depois regula. Ento eu estou radicalizando. Quando falam que eu centralizo, digo no, eu defendo que cada escola tenha sua autonomia. Mas o governo federal vai fazer os Edefs da vida, vai fazer as avaliaes, e vai identificar onde que est indo bem e onde que est indo mal. Isso na primeira gerao. Na segunda gerao, esses meninos que passaram por essa escola agora vo para as escolas dos filhos. Eles vo cuidar, eles no vo deixar a escola ficar ruim. Quando um aluno, que teve uma boa educao, souber que pode demitir o professor do filho dele que no est ensinando bem, pronto, no precisa gover-no federal se meter, entendeu? descentralizado.Osenhornoachariainteressantevalorizaroensino mdio e o ensino tcnico? A educao de base fundamental e mdio. Tem que ser tudo. Eu defendo at aumentar para quatro anos o ensino mdio e todo mundo sair do ensino mdio com um ofcio. O que voc trouxe para o ano seguinte. Tem de acabar com a mania de que todo mundo tem de ir para uma universidade. Depois do ensino mdio, a gente tem de bifurcar a universida-de e ensinos ps-secundrios que no so, necessariamente, universitrios ainda. Aqui no tem. A Finlndia... Fui l visitar. Estava em um restaurante e a perguntei: Mas quem que estuda nesse outro lado aqui? A o cara disse: Essa garonete a deve ter feito. Uma moa que estava servindo. A voc vai ver, ela fez o curso ps-secundrio de garonete. Falava trs idiomas, entendia de vinho, sabia descrever as calorias da comida e estava querendo agora entrar na medicina. Tem que acabar com isso. Ns passamos de um tempo em que auniversidadeerasparaumaelite,paraumtempoem Esta semana demos dois saltos grandes. A Comisso da Verdade e a Lei da Transparncia. So dois saltos fundamentais. O primeiro paga uma dvida com a Histria e o segundo com a verdade de hoje, que a gente tem de saber qual .aqui. Mas eu no vejo por que mexer. Quer ver um exemplo? Ns j temos 300 escolas federais: Pedro II, escolas tcnicas, colgios de Aplicao, escolas militares. So todos federais. A Constituio no diz que s podem ter 300 escolas federais, no limita o nmero. Ento a soluo seria ampliar o nmerode escolas federais?Sim, s que eu acho que se deve ampliar pensando em 200 mil. E a minha proposta que a gente faa isso por cidade. Ento se chega na cidade e todas as escolas ficam federais. Mas e a Constituio no probe? No, porque podem con-tinuar ali as municipais que quiserem. S que a gente vai ter vaga para todos aqui nas federais. No h um consenso na sociedade e entre foras polticas de que preciso investir pesadamente no ensino bsico? Por que no se consegue? Quais os interesses que jogam contra isso? Quem resiste? um consenso, desde que no tenha dinheiro de nenhum lugar. Agora, a no tem jeito. Ningum resiste, enquanto for discurso. Vai resistir quando a gente disser: Olha, para fazer isso, tem que reduzir o salrio dos funcionrios do Congresso, do Banco Central. Eu duvido que algum aceite! Vai ter de deixar de fazer Belo Monte, e, portanto, vamos ter de poupar energia. Ento vai ter que se tirar de algum lugar. Mas isso seria ao longo de 20 anos, no fcil fazer isso logo, no. Veja bem o que a ideia de federalizao. dizer: vamos criar uma carreira nacional do magistrio. Algum contra isso? E o salrio que eu estou propondo de R$ 9 mil. Se compararmos com os do Congresso, da Justia, do Banco Central, da Polcia Federal, no nada. Mas j dava para atrairmos uma poro de gente boa. Mas a gente no conseguiria mais de cem mil no Brasil. Hoje, se a gente tiver todo o dinheiro do mundo e quiser pagar, no conseguimos mais de cem mil jovens nesse pas com competncia, preparo, vocao e predisposio para serem bons professores. Ento, com cem mil, voc precisaria de 20 anos para chegar aos 2 milhes. Agora, voc no pode contratar esses professores com muita exigncia na seleo, com mais um ano de treinamento antes de contratar, como a gente faz com os diplomatas, so dois anos, e espalh-los pelo Brasil. So 200 mil escolas, eles ficariam perdidos. Por isso, voc tem de concentr-los nas mesmas escolas. E a eu acho que tambm seria um desperdcio concentrar em uma escola, onde todas as outras escolas da cidade so ruins. Voc temdecolocartodoselesnasmesmascidades.Cemmil equivalem a 250 cidades de porte mdio. H 10 mil escolas atendendo 3 milhes de crianas. Em 20 anos, a gente chega a 60 milhes de crianas, 200 mil escolas e 2 milhes de professores. Agora, no adianta jog-los num prdio qualquer dizendo que uma escola. A escola tem de ser um prdio muito bonito, muito confortvel, cheio de quadra esportiva, de auditrio e muitos computadores e televiso. E horrio integral. Ento, voc pode fazer isso por cidade. Seria uma espcie de Ciep? isso, so os Cieps, colocando computador, que no tinha na poca. Colocando a carreira federal do professor, pagando bem melhor do que naquela poca. O que tem de importante nessa discusso? Duas filosofias: ir melhorando a educao que est a, e a ideia de fazer um novo sistema educacional. Eu defendo um novo sistema. Isso se faria paralelamente, mas um vai se esgotando e o outro vai surgindo. Os Cieps eram um novo sistema. Melhorar a escola que est a no representa nenhum salto. Eu queria colocar duas coisas em relao federalizao. Uma a preocupao com a burocratizao. E a segunda uma questo do Paulo Freire, em que o sujeito aprende inicialmente com a sua realidade local. Com a federalizao, como que a gente vai unificar e ao mesmo tempo respeitar essa realidade local?A federalizao dos meios, com descentralizao gerencial e liberdade pedaggica. Como o colgio Pedro II. L, quem manda o diretor. Agora, o salrio vem do governo federal e ele no pode mexer na carreira. Como o reitor das universi-dades. So federais, mas no esto subordinados ao poder central. A gente no vai mudar as crianas para Braslia. A gente vai mandar o dinheiro de Braslia para o lugar onde esto as crianas. possvel descentralizar. Descentraliza quem? No o prefeito, ele pode ser o gerente. Mas eu vou mais longe, eu descentralizaria a prpria escola, a escola seria autogestora.