revista sem fronteiras
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Revista de Ciência, Tecnologia e Inovação Sem Fronteiras, publicada pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná.TRANSCRIPT
C A R TA A O L E I T O R
os últimos anos, as ciências de um modo geral tornaram-se
muito mais precisas e complexas. Cada vez mais presentes em nossas
vidas, nos desafiam a refletir sobre as profundas mudanças em curso
neste início de século – climáticas, por exemplo, e a busca por fontes
alternativas e limpas de energia, entre as quais a bioenergia, tema de
capa desta edição.
Nessa situação, um dos aspectos mais intrigantes é, sem dúvi-
da alguma, equilibrar os novos postulados científicos com os conceitos
sobre os quais nos apoiamos durante a maior parte do nosso apren-
dizado. Por isto, também não poderíamos, nesta edição, deixar de
abordar assuntos das áreas da genética clínica; da biotecnologia; da
física e da matemática; e da antropologia, entre outras.
No processo de comunicação com o público, experiências
como essa ao mesmo tempo em que fascinam quem está do lado
da produção da informação certamente geram alguma expectativa
por parte da comunidade científica e também do público leigo. Como
catalisadores, jornalistas que atuam no meio procuram colaborar com
cientistas e pesquisadores, transformando conteúdos altamente espe-
cializados em informação acessível à maioria. Mas esta nem sempre
é uma tarefa fácil.
É desejo da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensi-
no Superior do Paraná, que promove e financia esta publicação sob
a ótica de um mundo melhor, sem fronteiras, ampliar o diálogo com
o público acadêmico e não acadêmico, bem como prestar contas da
aplicação dos recursos investidos nessa área. Descontadas as inevi-
táveis lacunas de um primeiro número, desejamos que os artigos e as
reportagens aqui tratadas contribuam minimamente para isso.
N
SEÇÕES
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Carta ao leitor
Ensaio Por Waldemiro Gremski
Produção científica e qualidade de vida
Entrevista salmo raskin
Genética clínica: ela ainda não chegou ao sUs
MemóriaCaminhos do Pelourinho na Vila nossa senhora da luz
Perfil maria Helena FUnGaro
Uma vida dedicada à genética de microorganismos
Notícias de C&TDescobrindo os mistérios do universo
o maior acelerador de partículas já construído começa a funcionar
Linguagem sem números
Tribo amazônica não tem palavras que expressam quantidades exatas
Desligamento de genes
Terapia de silenciamento de genes combate o HiV em roedores
A família aumentou
Fósseis do maior dinossauro brasileiro são encontrados em minas Gerais
Laser para aplicação biomédica
Uem desenvolve laser para ser usado em cirurgias
Ao estilo de Sherlock Holmes
método analisa vestígios de solo e diz se um suspeito esteve na cena de um crime
Evento - 60º reunião anual da sBPC
marco antonio raupp: “a ciência brasileira vive um bom momento”
SEÇÕES
reportagens
CAPA Bioenergia. Brasil amplia vantagensO Brasil usa combustíveis limpos para atender 45,8% de suas demandas energéticas, enquanto a
média mundial não passa de 13%. O país domina, desde os anos setenta, tecnologias de produção de
etanol a partir da cana-de-açúcar e, nas últimas duas décadas, passou a produzir biocombustíveis,
atualmente misturados ao diesel. Mas há ainda um longo caminho a percorrer para aumentar a
produtividade destes combustíveis e ganhar escala para abastecer também o mercado externo.
CIÊNCIA
A força da biotecnologia Pesquisas realizadas pela Universidade estadual de maringá na área chamam a atenção
de indústrias bioquímicas e de fármacos da região.
Um problema fundamental Jovens brasileiros não demonstram interesse por matemática e física na hora de
escolher uma profissão.
HUMANIDADES
Festa no pedaço estudos do núcleo de antropologia Urbana da UsP propiciam uma compreensão renovada da
vida urbana e dos valores contemporâneos para além dos diagnósticos alarmistas.
Cuidadores de idosos: o país precisa desta profissão o aumento do número de idosos na américa latina vai quadruplicar entre 2005 e 2050 e superar
a população jovem em 30%.
MEIO AMBIENTE
Rio de informações Pesquisadores da Unioeste e da Uem preparam catálogo da ictiofauna do Baixo iguaçu.
Urbanização impõe novos desafios Cerca de 12% dos recursos hídricos mundiais estão no Brasil, mas os desafios não param de crescer.
TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
Mudanças em curso Consolidação da política nacional de inovação, calcada principalmente na lei do Bem é uma
dessas mudanças.
LIVROS
RESENHA Por Wander melo miranda
Pop e política da cópia
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E X P E D I E N T E
GOVERNADOR roberto requião
VICE-GOVERNADOR
Orlando Pessuti
SECRETÁRIA DE ESTADO DA CIÊNCIA,
TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR
lygia Pupatto
DIRETOR GERAL
Jairo Pacheco
José Tarcísio Pires Trindade
REVISTA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E
INOVAÇÃO SEM FRONTEIRAS
CONSELHO EDITORIAL Antônio Alpendre, Jairo Pacheco,
José Eduardo Gonçalves,
José Tarcisio Pires Trindade,
Patrícia Castro, Regina Célia Rocha
DIRETORIA TÉCNICA Patrícia Castro
EDITORA CHEFE Regina Célia Rocha
EDITORA ASSISTENTE Helen Mendes
REPORTAGEM Apolo Theodoro, Camilla Toledo,
Célio Yano, Ciméa Bevilacqua,
Cláudia Izique, Marcos Gouvea,
Miriam Karam, Rodrigo Apolloni,
Romeu de Bruns
FOTÓGRAFOS Bruno Stock, Carllos Bozelli,
Diego Singh, Marcos Borges,
Thiago Terebezinsky
REVISÃO Pluma Alvarenga Morato
COLABORADORES José Carlos Veiga Lopes,
Maria Helena de Moura Arias,
Wander Melo Miranda,
Waldemiro Gremski
APOIO Alexandre Sfeir Conter,
Euzilene A. Silva,
José Lázaro Jr,
Marcelo Barão,
Susana Branco,
OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE
A OPINIÃO DA SETI.
DIAGRAMAÇÃO Visualita Programação Visual
IMPRESSÃO Imprensa Oficial do Estado
TIRAGEM 20 mil exemplares
CONTATO [email protected]
SETI
Avenida Prefeito Lothário Meissner, 350 – Jardim Botânico – CEP
80210-170 – Curitiba – PR – Telefone (41) 3281-7300 – Fax (41)
3281-7334 – www.seti.pr.gov.br
A P R E S E N TA Ç Ã O
Como professora universitária tenho uma enorme satisfação em participar do
nascimento de uma revista que se propõe a difundir ciência e tecnologia dentro e fora
das universidades, faculdades e institutos de pesquisa. Tenho repetido por onde ando
que o desenvolvimento do país e a superação das nossas inaceitáveis desigualdades
passam pela educação e pela capacitação em ciência e tecnologia. Mais que isso,
tenho dito que a educação é capaz de realizar uma verdadeira revolução silenciosa,
provocando uma ruptura em séculos de dependência e desigualdades sociais.
Contemporaneamente, apesar de se produzir cada vez mais conhecimentos,
não se tem conseguido fazer com que eles cheguem a todos que dele tenham ne-
cessidade. Este processo marginaliza pessoas e até mesmo países, tornando desigual
o acesso aos benefícios gerados pela ciência. Esta revista visa, portanto, enfrentar
o desafio de fazer chegar a pesquisadores e aos cidadãos em geral informações
sobre os principais temas e avanços em ciência e tecnologia. A partir de uma abor-
dagem que considera a produção mais relevante em nível nacional e internacional,
apresenta as principais iniciativas desenvolvidas no Paraná em ciência, tecnologia e
ensino superior.
Vivemos atualmente num mundo que se transforma num ritmo nunca visto
anteriormente e que tende a continuar acelerando este movimento. Neste mundo no
qual “tudo que é sólido desmancha no ar”, a informação e o conhecimento são as fer-
ramentas que permitem que os indivíduos e as instituições não apenas se adaptem
melhor às mudanças, mas também que consigam nelas intervir, não ficando comple-
tamente subordinados aos ritmos da globalização e dos mercados.
Romper fronteiras, construir o futuro
Lygia Pupatto
Secretária de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
Os estudos da genética avançam em
várias áreas do conhecimento – agricultura,
medicina, antropologia e ciência forense – e
ganham corpo com as discussões em torno de
dilemas éticos relacionados às pesquisas com
células-tronco embrionárias, à clonagem humana
e aos alimentos geneticamente modificados, por
exemplo. Nesta entrevista, o médico geneticista
Salmo Raskin, reeleito presidente da Sociedade
Brasileira de Genética Médica, falou sobre
políticas públicas em genética clínica, pesquisas
nacionais e internacionais na área e também
sobre as terapias gênicas e a genômica pessoal.
Paranaense, Raskin é um dos poucos cientistas
brasileiros a integrar o Projeto Genoma
Humano. Em Curitiba, ele leciona na Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, Universidade
Positivo e Faculdade Evangélica. Trabalha ainda
nos Hospitais Pequeno Príncipe e Nossa Senhora
das Graças e é diretor do Genetika - Centro de
Aconselhamento e Laboratório de Genética.
SALMO RASKIN
Genética clínica
Ela ainda não chegou ao SUS
E N T R E V I S TA
HELEN MENDES
6 | semFRONTEiRAS
O senhor foi reeleito presidente da Sociedade Brasileira
de Genética Médica para o período 2008-2010. Quais
são as propostas para esta nova gestão?
SalmoRaskin Existem várias, mas a mais
importante é a tentativa de incluir junto ao Sistema
Único de Saúde (SUS) uma política de atendimento
voltada ao aconselhamento genético, além de exames
laboratoriais que detectam doenças genéticas. Em
2004, o Ministério da Saúde instituiu um grupo de
trabalho, que fez a parte técnica e elaborou uma
política pública para a área de genética clínica. O
projeto está pronto no Departamento de Atenção
Especializada da Secretaria de Atenção à Saúde. Falta
transformá-lo em realidade.
O que isto significa? O aconselhamento genético
poderá prevenir novas doenças?
SalmoRaskin Sim, novos casos poderão ser
prevenidos e as pessoas entenderão melhor porque
seus filhos nascem com certas doenças. Às vezes, uma
doença pode se repetir por causa da hereditariedade,
mas existem tratamentos específicos para ela. Então,
há um enorme conjunto de atitudes que poderiam ser
tomadas e não são porque 140 milhões de pessoas
não têm acesso à genética clínica.
Uma das principais causas da mortalidade infantil no
Brasil são as anomalias congênitas. Elas representam
13% dos óbitos de crianças com menos de um ano,
de acordo com a última avaliação da Fundação
Oswaldo Cruz. Os índices desta doença também
poderão diminuir com políticas públicas para a área
da genética?
SalmoRaskin Exatamente. O Brasil está em
um patamar em que as anomalias congênitas já
ultrapassaram, e muito, os índices em que se deve
incluir a genética no sistema público de saúde.
Neste ano, a Agência Nacional de Saúde incluiu
exames laboratoriais de DNA para detecção de
doenças genéticas nos procedimentos cobertos pelos
planos de saúde. Quais doenças podem ser detectadas
através destes exames?
SalmoRaskin Essa foi uma batalha ganha
pela diretoria anterior da Sociedade Brasileira de
Genética Médica, da qual eu era presidente. Mais de
1.200 doenças podem ser detectadas. Também é
“Tomando os cuidados
necessários, é possível
usufruir dos
benefícios que os
exames de dna podem
proporcionar”.
semFRONTEiRAS | 7
O senhor está otimista com os possíveis resultados
que estas pesquisas podem ter aqui no Brasil? Quais
são as perspectivas?
SalmoRaskin Eu estou otimista, porém
cauteloso. É importante que a sociedade saiba que
essas pesquisas terão algum resultado prático daqui
a dez, vinte anos, e não daqui um ou dois anos, como
alguns vêm propagando. Também não se pode
deixar de dizer que o Brasil ainda carece de muito
investimento em pesquisa. Assim, no momento em
que os administradores brasileiros entenderem a
importância da pesquisa científica, o país dará um
salto enorme e poderá ser um dos líderes mundiais
na área.
O Brasil está entrando em tempo de obter resultados
nessa área?
SalmoRaskin Está sim. Nós fazemos
algumas críticas, mas também temos que aplaudir
o que está sendo bem feito, e a aprovação da lei
veio em boa hora. Com isso, o Brasil fica ao lado dos
países mais desenvolvidos na pesquisa com células-
tronco. Nos Estados Unidos, e agora vou dar um
exemplo negativo, o governo federal não aprovou
lei para a pesquisa com verba federal. Portanto,
podemos dizer que o Brasil, neste momento, está à
frente desse país.
Hoje, com a chamada genômica pessoal, uma
pessoa já pode fazer um mapeamento de seu DNA
por um preço razoável com a técnica de análise
de SNPs - polimorfismos de nucleotídeo único.
Qual a sua opinião sobre estes serviços? É possível
fazer um planejamento de saúde com base nesses
resultados?
SalmoRaskin Eu acho que ainda há muita
desinformação sobre este assunto. Ainda não
existe uma tecnologia capaz de fazer o mapa
genético completo do indivíduo. Estes testes são
bastante superficiais e não têm a capacidade de
dar o retorno proposto. Algumas pessoas, leigas no
assunto, são levadas a imaginar que este teste é um
estudo completo do genoma humano, mas isto só
vai acontecer dentro de uns cinco ou dez anos, não
agora. Portanto, este é um teste que tem um intuito
mais comercial. Existem, sim, centenas de testes
genéticos, mas eles devem ser orientados para
“nesTe momenTo,
o brasil esTá
à frenTe dos
esTados unidos
em relação à
exisTência
de uma lei
aprovando a
pesquisa
com células-
Tronco”.
possível detectar se a pessoa tem predisposição para
desenvolver certas doenças genéticas e se ela tem
riscos de ter filhos com tais doenças.
Hoje, com maior disponibilidade de exames genéticos,
muitas pessoas temem que resultados que indicam
predisposição a doenças de difícil tratamento
dificultem a contratação de um plano de saúde ou
mesmo o ingresso em um emprego. Os benefícios
desta nova medicina personalizada poderiam ser
perdidos diante de preocupações como estas? O que
poderia ser feito?
SalmoRaskin Entendo que uma sociedade
de especialidade médica reconhecida pelo Conselho
Federal de Medicina deve ter o papel de reguladora e
controladora. É o que a Sociedade Brasileira de Genética
Médica está propondo. Além disso, os resultados dos
exames só podem ser acessados pelo paciente e seu
médico, de modo que nenhum dos problemas citados
acontecerá. Países mais desenvolvidos do que o nosso
nessa área, onde os exames já são feitos há mais de
uma década, já tomaram esses cuidados. Os Estados
Unidos acabaram de aprovar uma lei federal tornando
crime a liberação dos resultados para outras pessoas
que não o paciente e seu médico. Tomando esses
cuidados, é possível usufruir dos enormes benefícios
que esses exames podem proporcionar.
Neste ano, o Supremo Tribunal Federal validou a Lei
de Biossegurança, que libera pesquisas com células-
tronco embrionárias sob certas condições. Como o
senhor avalia esta aprovação?
SalmoRaskin Eu acho que foi um passo muito
importante, sob vários aspectos. É como se dissessem:
“Vão em frente, a pesquisa científica é importante para
o Brasil passar para o patamar de país desenvolvido”.
Acho que esta é a mensagem principal. Outras,
secundárias, também foram dadas. Por exemplo, a
de que o Brasil é um país laico, e, mesmo as religiões
sendo, obviamente, importantes dentro da sociedade,
não são elas que definem, por si próprias, os rumos
do país, elas definem apenas um dos componentes da
sociedade. E a própria lei, que permite pesquisas com
células-tronco embrionárias em certas circunstâncias,
é uma abertura para que, no futuro, milhões de
pessoas possam ter uma esperança.
“esTamos aTrás
na área das
Terapias
gênicas. o
sucesso dos
resulTados é mais
lenTo do que se
imaginava”.
8 | semFRONTEiRAS
uma determinada situação. É possível fazer testes
absolutamente precisos para problemas que possam
estar afetando uma família. O aconselhamento
genético feito por médico especialista é o momento
no qual se identifica se existe nessa família alguma
situação de risco elevado.
As pesquisas com terapias gênicas vêm mostrando
resultados promissores. Recentemente, foi anun-
ciado que cientistas conseguiram combater o HIV
em roedores através do desligamento de genes. O
Brasil produz este tipo de pesquisa?
SalmoRaskin Nesta área estamos um
pouco atrás. O motivo é que as terapias que
pretendem corrigir o material genético alterado
vêm se desenvolvendo com sucesso lento, mais
do que se imaginava. Num dado momento houve
pessimismo e dúvidas quanto à continuidade das
investigações científicas por causa dos problemas
encontrados. Contudo, parece que os principais
problemas de segurança e de eficiência começam a
ser contornados e a possibilidade de se corrigir um
erro genético retornou com bastante força. Claro,
ainda está em fase de pesquisa, mas há progressos
em algumas áreas. Cito o tratamento de doenças
neurológicas como o Mal de Parkinson: nos Estados
Unidos, pesquisadores estão aplicando a terapia
gênica num grupo pequeno de pacientes, o que é um
avanço. Eu acredito que o Brasil precisa acordar para
esta área, porque ela tem um enorme potencial.
O senhor tem pesquisas importantes sobre a fibrose
cística, não?
SalmoRaskin Esta é uma área pela qual eu
tenho um interesse muito grande e que eu pesquiso
há mais de vinte anos. A fibrose cística é uma doença
genética e hereditária que ataca principalmente
o pulmão. Até poucos anos atrás esta doença era
pouco diagnosticada no Brasil, o que não significa
que ela é rara. Ela não era diagnosticada porque os
médicos não a conheciam muito bem e os sinais às
vezes se confundem com sinais de outras doenças
mais freqüentes. Porém, com a ajuda dos nossos
trabalhos, conseguimos demonstrar ao governo
brasileiro porque era importante o SUS incluir o
diagnóstico dessa doença no teste do pezinho. Isto
foi feito há cerca de quatro anos no Paraná e desde
então o número de casos diagnosticados é muito
grande, muito maior do que antes. Com o diagnóstico
precoce, a qualidade de vida dos pacientes tem
aumentado de maneira exponencial.
O que a fibrose cística causa e como o diagnóstico
precoce pode melhorar a qualidade de vida dos
pacientes?
SalmoRaskin A fibrose cística é uma doença
que causa problemas no pulmão e no pâncreas,
principalmente. No pulmão, ela causa pneumonias
repetidas. No pâncreas, ela altera a absorção de
gorduras, causando desnutrição no paciente. Então
forma-se um ciclo vicioso: a desnutrição leva a
pneumonias, que levam à desnutrição. Este ciclo leva
os pacientes a óbito em torno da segunda década de
vida. Com o diagnóstico, o tratamento da doença,
que é iniciado aos cinco ou seis anos, pode começar
já no primeiro ano de vida.
Como um dos cientistas que integram o Projeto
Genoma Humano, qual o balanço que o senhor faz
da participação do Brasil neste projeto?
SalmoRaskin O Brasil teve um papel
secundário no projeto porque acordou muito tarde,
somente dois anos antes de sua conclusão. As
verbas para os pesquisadores brasileiros foram
direcionadas, principalmente, para a compreensão
da genética do câncer. O pesquisador brasileiro é
muito bem preparado, habilitado e contribuiu de
maneira significativa, mesmo em pouco tempo.
Fora isso, não houve uma grande contribuição.
Eu tive a oportunidade de ser um dos primeiros
pesquisadores brasileiros a fazer parte do projeto
por uma coincidência do destino: eu havia começado
a fazer meu treinamento em genética nos Estados
Unidos quando o Projeto Genoma Humano começou,
em 1990. Foi uma coincidência porque a universidade
para a qual eu passei a fazer pesquisa foi chamada
para fazer parte do projeto, e eu fui de carona. Então,
tive a oportunidade, durante três anos, de identificar
os genes humanos relacionados à produção do
hormônio do crescimento. Nesse momento fui
convidado a fazer parte do projeto.
“o TraTamenTo da
fibrose císTica é
iniciado aos cinco
ou seis anos
de idade. com o
diagnósTico, é
possível
começar no
primeiro ano de
vida”.
E N T R E V I S TA
semFRONTEiRAS | 9
Graduada em biomedicina, a professora e
pesquisadora Maria Helena Pelegrinelli Fungaro,
que está completando trinta anos na Universidade
Estadual de Londrina, encantou-se com a genética
molecular de microorganismos e fez uma carreira
brilhante.
Hoje, ela diz que pode dividir sua trajetória em
três fases. A primeira está relacionada aos estudos
de um fungo modelo, o Aspergillus nidulans, e ao
desenvolvimento de uma metodologia de introdução
de um fragmento de DNA nesse microrganismo, com
base num protocolo que não era descrito na literatura.
“Eu considero esse artigo um marco na minha
carreira”, resume a pesquisadora. Constantemente
citado pela literatura científica, o artigo é usado por
pesquisadores para diferentes finalidades.
A segunda fase é marcada por estudos sobre
fungos que se aplicam ao controle biológico de
p E R f I l
pragas na agricultura, o Metharhizium anisopliae e a
Beauveria bassiana, e análises de variação genética
a partir de testes de DNA. “Essa metodologia não
existia na UEL e mesmo na maioria dos estados
brasileiros”, relata a pesquisadora. A terceira fase
começou há cerca de seis anos com os estudos
sobre fungos que produzem toxinas em alimentos
como algumas espécies de Aspergillus. “Eu adoro
fazer pesquisa, mas antes de tudo sou professora”,
afirma ainda. “Quando você ensina alguma coisa em
que acredita, você tem uma resposta muito rápida.
É diferente da pesquisa, que é mais de longo prazo.
Ao final de cada semestre ou final de um curso de
extensão, a resposta já está ali”.
vida acadêmica
Maria Helena nasceu em janeiro de 1959, em
Londrina. É neta de italianos. Possui graduação
em ciências biológicas pela Universidade Estadual
10 | semFRONTEiRAS
A IMpLANtAçãO dO pROjEtO GENOMA , cOM
O SEqüENcIAMENtO dO dNA, E A pESqUISA
EM pROtEôMIcA, qUE EStUdA O cONjUNtO dE
pROtEíNAS dOS SERES vIvOS, EStãO ENtRES AS
pRINcIpAIS AtIvIdAdES dA pESqUISAdORA NA
UNIvERSIdAdE EStAdUAL dE LONdRINA.
Uma vida dedicada à genética de microorganismos
de Londrina (UEL) e mestrado e doutorado em
Agronomia (Genética e Melhoramento de Plantas)
pela Universidade de São Paulo (USP). Foi um
caminho difícil. “Fiz o 1º grau e o 2º grau em Londrina,
sempre em colégio público. Estudei no iEL (instituto
de Educação de Londrina) e no Vicente Rijo. Depois
ingressei na UEL e fiz biomedicina. Quando terminei a
universidade ainda não tinha curso de pós-graduação
e eu já estava encantada com a área de genética.
Então as professoras Olivia Nagy Arantes, que foi
minha orientadora, e Eleonora Marchesi me ajudaram
a fazer um curso de trinta dias de aperfeiçoamento
na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz,
em Piracicaba”, lembra a pesquisadora. Nessa cidade
ela encontrou o professor João Lúcio de Azevedo,
responsável pela implementação da genética de
microrganismos no Brasil. “Eu o considero meu pai
científico”, sublinha a pesquisadora.
No mestrado, passou em primeiro lugar e foi
contemplada com uma bolsa de estudos. Na lendária
Escola de Agronomia Luiz de Queiroz, da USP, ela ficou
entre 1982 e 1984, de onde saiu mestre em genética
de microrganismos – nessa época, Maria Helena não
tinha emprego. ingressou no doutorado, no mesmo
grupo e área do mestrado. Seis meses depois, fez a
seleção para trabalhar como professora temporária
da UEL. “Estudei muito, fui admitida como professora
temporária, mas precisei trancar o doutorado em
março de 1985”. Surgiu então o concurso para a vaga
definitiva e a carreira na UEL. A biologia molecular
veio um pouco mais tarde. No doutorado, encerrado
em 1991, ainda trabalhou com melhoramento de
uma levedura para a produção de coalho. Na Luiz de
Queiroz, Maria Helena viveu a experiência de professor
visitante, participando ativamente de toda a rotina
do Laboratório de Genética de Microrganismos. “isso
mudou a minha vida, eu cresci muito”, conta.
MARCOS GOUVEA
semFRONTEiRAS | 11
produção científica e qualidade de vida
A importância do conhecimento como base para o desenvolvimento de
uma região, estado ou país alcançou um consenso jamais visto. Considerado
assunto de segurança nacional por boa parte das nações, constitui o
diferencial entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento, entre a
riqueza e a pobreza, a dependência e a independência, entre a inclusão e
a exclusão.
Sem ele o país torna-se um simples coadjuvante no processo econômico
mundial, mero fornecedor de mão-de-obra barata, matéria-prima e
commodities, obrigando-se a pagar um alto preço por tecnologias prontas,
muitas vezes superadas, por vezes verdadeira sucata. Países sem domínio
em ciência e tecnologia estão destinados à pobreza, fadados a serem uma
economia periférica, tendo que sempre vender mais, para receber menos.
Quando se fala de conhecimento, porém, deve-se considerá-lo não
apenas ciência, mas também tecnologia e inovação, além de educação
e cultura. São patamares que coexistem entre si, entrelaçam-se e, juntos,
respondem por um progresso abrangente e harmonioso. É o equilíbrio
entre estas partes de um todo que possibilita o acesso aos bens resultantes
do conhecimento a todas as camadas da população. Um país que investe
em apenas um dos níveis que constituem o conhecimento, como é o caso
do Brasil, dificilmente irá alcançar um desenvolvimento com crescimento
sustentável, do qual emane justiça social, inclusão e cidadania.
No caso do Brasil, todos os indicadores apontam uma evolução substancial
da sua pesquisa científica, tanto em quantidade como em qualidade. O país
ocupa hoje a 15ª posição no “ranking” mundial, com mais de 19.400 papers
publicados, participando com 2,02% da produção científica mundial, à frente
de países como a Suécia e a Suíça. Trata-se, porém, de um conhecimento
produzido essencialmente no âmbito das universidades, em especial nas
públicas, que constitui a ciência, em boa parte dos casos ciência básica,
fundamental para a formação de recursos humanos qualificados, mas que,
isoladamente, não assegura o desenvolvimento de nenhum país. Ou seja,
embora um sistema de pesquisa bem estruturado seja parte indispensável
para encaminhar o país a uma independência econômica, será o uso criativo
deste conhecimento que irá gerar o avanço tecnológico e a inovação, dos
quais irão resultar, além de novos produtos, também estratégias, processos,
tecnologias e serviços inovadores. São etapas indispensáveis para que o país
sedimente um lastro sólido com vistas a um desenvolvimento que independa
de choques e humores externos.
Ocorre que o ambiente inovador por excelência é a empresa. A
interação entre quem produz ciência com o setor produtivo é, portanto,
etapa fundamental para transformar o conhecimento em novos produtos ou
agregando-lhes valor tecnológico. Nessa relação, porém, chama a atenção
E N S A I O
WALdEMIRO GREMSKI
Professor Titular Sênior da UFPR,
Professor Titular e
Diretor de Pesquisa e Pós-Graduação
da PUC-PR
12 | semFRONTEiRAS
a existência de um grande fosso entre a produção
científica do país, essencialmente universitária,
e o setor empresarial, algo ainda distante de ser
superado. A Coréia do Sul é um exemplo de país
que conseguiu superar as barreiras do crescimento
econômico. Com uma produção científica próxima à
brasileira, teve mais de cinco mil patentes registradas
nos Estados Unidos em 2006, o que representa
3% da inovação tecnológica mundial, o Brasil não
chegou a 300. Ressalte-se que há vinte anos, ambos
os países exibiam números semelhantes: cerca de 80
patentes por ano.
Várias são as razões para explicar essa realidade:
um processo de industrialização que nunca ocorreu
com ênfase na inovação, agências de financiamento
que cobram essencialmente a publicação de
papers, ausência de incentivo para o registro de
patentes, problemas de ordem político-ideológica
e corporativa das universidades que dificultam a
parceria universidade-empresa, ausência de cultura
de inovação empresarial, entre outras.
A solução reside, portanto, na implementação
de uma política voltada para a inovação tecnológica,
da qual participem a academia e a empresa, além
do Estado como ente planejador e normatizador. A
inovação cria o desenvolvimento sustentável, pois
independe de decisões externas, como autorizações
de matrizes e afluxo de capitais, sendo, por esta
razão, auto-estimulante. Quanto maior o nível
tecnológico agregado a um produto, maior é a
escala de conhecimentos produzidos, com alto nível
de competitividade e preço, com maior geração
de riqueza e, em muitos casos, com geração de
empregos nos diversos patamares da escala de
produção do mesmo. Consolida, além disso, a
produção científica local na medida em que passa
a exigir, de forma crescente, cada vez mais ciência e
recursos humanos qualificados para a pesquisa.
Outra decorrência será a fixação de
pesquisadores das áreas de inovação (engenharias,
tecnologias da informação, agroindústria, biotec-
nologia, etc.) nas empresas, hoje praticamente
confinados à academia. Como atualmente não há
demanda de doutores por parte do setor produtivo,
a pós-graduação brasileira dedica-se a formá-los
para produzirem papers, mantendo o país como um
grande produtor de ciência, fornecendo preciosas
informações para que outros países criem seus
produtos com alto valor tecnológico, os quais
serão, por sua vez, importados pelo Brasil, com a
conseqüente dependência tecnológica e sangria de
recursos.
Por outro lado, exemplos da competência
brasileira na criação de tecnologia, quando
há planejamento e financiamento apropriados,
não faltam. Basta ver o sucesso das pesquisas
desenvolvidas pela Embrapa, uma das grandes
responsáveis pelo sucesso do nosso agronegócio
em diferentes regiões do país, da Coope da UFRJ,
com a tecnologia da exploração de petróleo em
águas profundas, da Embraer, da Fiocruz, das
pesquisas na área de biotecnologia, entre tantos
exemplos. Verifica-se que, mesmo havendo políticas
adequadas de planejamento, o enorme atraso nesse
campo tão estratégico poderá ser recuperado, como
já aconteceu em outras situações. Há muito sabe-
se que o desenvolvimento científico-tecnológico de
um país não depende apenas do volume de recursos
investidos, mas do destino que é dado aos mesmos,
além da sua continuidade.
É imprescindível romper este círculo, profun-
damente vicioso, por interpor-se no caminho do
desenvolvimento do país. Cabe aos três atores
do processo – academia (universidade/centros de
pesquisa), empresa e Estado – juntar esforços nesta
direção.
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N O T í c i a S d e C&t
descobrindo os mistérios do universo
A expectativa é que o LHc revolucione nosso conheci-mento do minúsculo mundo do interior dos átomos até a vastidão do universo
No dia 10 de setembro deste ano, começou a funcionar
o maior instrumento científico já construído para observar as
menores partículas existentes no universo. O mais poderoso
acelerador de partículas do mundo, o Large Hadron Collider
(Grande Colisor de Hádrons), LHC, é uma estrutura colossal
instalada em um túnel de 27 km de circunferência, 100 metros
abaixo do solo, na fronteira da Suíça com a França, que vai
permitir que físicos investiguem as origens do universo e do
que ele é feito. O projeto é liderado pelo CERN (Organização
Européia de Pesquisa Nuclear).
O primeiro feixe de partículas percorreu com sucesso
os 27 quilômetros do LHC, ainda sem colisões. Este evento
marca a transição de mais de duas décadas de preparação
para o período de descobertas científicas. “É um momento
fantástico. Agora podemos esperar uma nova era de
compreensão das origens e evolução do universo”, disse o
líder do projeto Lyn Evans.
O acelerador vai produzir colisões entre feixes de
prótons ou de íons, que viajarão em velocidades muito
próximas à da luz, em um vácuo semelhante ao do espaço.
Supercondutores magnéticos operando em temperaturas
extremamente baixas (2 K ou -271º C) conduzirão os feixes
através do anel. Cada feixe consistirá de cerca de 3000
grupos com até 100 bilhões de partículas, cujas chances de
colisão são minúsculas por causa do tamanho. Entretanto,
como os feixes se cruzarão cerca de 30 milhões de vezes por
segundo, o LHC poderá gerar até 600 milhões de colisões
por segundo.
Uma vez que serão produzidas colisões com as maiores
energias já observadas em laboratório, os físicos estão
ansiosos para ver o que será revelado nesta escala de energia.
Quatro enormes detectores irão observar essas colisões para
que os físicos possam explorar novos territórios de matéria,
energia, espaço e tempo. Quando as partículas colidem, a
energia liberada forma novas partículas, de acordo com a
equação de Einstein E=m.c2. Um dos objetivos do projeto é
descobrir partículas que nunca foram vistas, mas que foram
previstas em cálculos, como é o caso do bóson de Higgs, que
daria massa a tudo o que existe no universo.
Outra expectativa é detectar a partícula que constitui a
matéria escura, que forma a maior parte do universo. Todas
essas colisões vão gerar uma enorme quantidade de dados,
cerca de 15 petabytes (15 milhões de gigabytes) anualmente,
que vão ser armazenados e distribuídos por uma estrutura
construída pelo CERN. Esta estrutura, chamada de LHC
Computing Grid, ligará dezenas de milhares de computadores
em todo o planeta e vai fazer com que cientistas do mundo
todo acessem e analisem esses dados.
“O LHC é uma máquina de descobertas. Seu programa
de pesquisa tem o potencial de mudar profundamente nossa
visão do universo, continuando a tradição da curiosidade
humana, que é tão antiga quanto a humanidade em si”,
afirma o diretor geral do CERN, Robert Aymar.
Incidente
Um incidente ocorrido no LHC nove dias após sua
inauguração vai suspender as atividades do acelerador até
o segundo trimestre de 2009. Um grande vazamento de
hélio ocorreu em um setor do túnel do LHC, provavelmente
por uma falha na conexão entre dois ímãs do supercondutor.
O setor teve que ser aquecido até a temperatura ambiente
para inspeção dos ímãs. Neste período, serão investigadas as
causas do problemas e feitos os reparos.
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ulg
ação
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HELEN MENdES
14 | semFRONTEiRAS
Um
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nú
me
ros Uma das primeiras coisas que
aprendemos quando crianças são
os números. Mas, contar pode não
ser tão universal quanto parece.
Cientistas do MIT (Massachusetts
Institute of Technology) descobriram
que uma tribo que vive no Amazonas
não tem palavras para os números
em sua língua. Em 2004, a equipe
relatou que a tribo Pirahã parecia ter
palavras que significavam “um”, “dois”
e “muitos”. Esta conclusão foi baseada
em experimentos nos quais os
membros da tribo contavam objetos,
como gravetos e sementes, que eram
dispostos pelos pesquisadores.
Dessa vez, os cientistas pediram
aos indígenas que fizessem uma
contagem decrescente dos objetos
à medida que estes iam sendo
removidos. Foi descoberto então que
os membros da tribo usam a palavra
que antes se pensava ser “dois” para
cinco ou seis objetos, e que eles
usam a palavra “um” para qualquer
quantidade menor que essa. Portanto,
as palavras não significam números,
mas sim quantidades relativas. “Nós
mostramos que os Pirahãs não têm
qualquer método lingüístico para
expressar quantidades exatas, nem
mesmo ‘um’”, dizem os pesquisadores
no artigo publicado no periódico
Cognition. Os resultados sugerem que
a linguagem exata para números é
uma invenção cultural, uma tecnologia
cognitiva, e não uma linguagem
universal.
Com um tipo de terapia gênica, cientistas conseguiram,
pela primeira vez, combater o vírus HIV em camundongos. O
grupo de pesquisadores, liderado pela Universidade Harvard, de
Boston (EUA), relatou na revista Cell que não apenas reduziu
a quantidade de vírus em camundongos infectados, como
preveniu a infecção em animais saudáveis. A técnica aplicada,
chamada RNA de interferência, ou RNAi, funciona com a
inserção em uma célula de pequenos segmentos de RNA, que
interrompem a produção de proteínas específicas e “silenciam”
um gene. Neste caso, foram bloqueados dois genes do vírus
e um encontrado nos linfócitos T dos roedores, as células do
sistema imunológico que são atacadas pelo vírus.
Uma das dificuldades em se pesquisar o HIV é que nenhum
outro animal além dos seres humanos é infectado pelo vírus,
nem mesmo os macacos, nossos parentes mais próximos.
Para estas pesquisas, os cientistas usaram camundongos
“humanizados”, ou seja, o grupo injetou células-tronco de
cordão umbilical humano na medula espinhal dos roedores
recém-nascidos. Suas medulas passaram a produzir sangue com
características humanas, e assim, seus linfócitos se tornaram
suscetíveis ao HIV. Para que o RNA chegasse até os linfócitos,
a equipe ligou a molécula a um anticorpo, uma proteína que se
liga especificamente aos linfócitos T, que levou o RNA de carona
até as células infectadas.
Em ratos já infectados com o HIV, a carga de vírus no
sangue caiu significativamente depois do tratamento. Em
animais saudáveis tratados com o RNAi, o vírus não conseguiu
se instalar. Se este tratamento se tornar disponível, ele poderá
ser usado para diminuir a quantidade de medicamentos
antiretrovirais e de efeitos colaterais sofridos pelos pacientes. O
maior problema das drogas antiretrovirais é a sua toxicidade, e a
nova técnica, pelo menos para os camundongos, não foi tóxica.
desligamento de genes
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ckp
ho
to
Div
ulg
ação
Fósseis de um titanossauro que viveu há 65
milhões de anos no Brasil foram encontrados por
paleontólogos em Uberaba, Minas Gerais. O mais
novo membro da família de dinossauros brasileiros é
também o maior a pisar por estas terras; o herbívoro
tinha 15 a 20 metros de comprimento, 3,5 metros de
altura e peso entre 12 e 16 toneladas. Os fósseis do
gigante pré-histórico foram encontrados em camadas
de rochas que representam os últimos níveis do
período Cretáceo, o que significa que o gigante viveu
no finalzinho da era dos dinossauros.
O Uberabatitan ribeiroi, batizado em
homenagem ao local onde foi descoberto e ao
geólogo e paleontólogo Luís Carlos Borges Ribeiro,
foi descrito em artigo publicado na revista científica
Palaeontology, por Ismar de Souza Carvalho, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Leonardo
Salgado, da Universidade Nacional do Comahue,
na Argentina. Os paleontólogos puderam analisar
farto material, correspondente a três indivíduos. A
descrição da espécie foi feita com base nos ossos
muito bem preservados de um destes indivíduos.
“A importância desta descoberta é a possibilidade
de se compreender melhor o contexto geológico, a
evolução das espécies, o ambiente e a paleoecologia”,
afirma Ismar Carvalho.
RECONSTRUçãO ARTíSTiCA DA ESPÉCiE
Herbívoro gigante é a mais nova
espécie da família de dinossauros
brasileiros
a família aumentou
Uma equipe de pesquisadores da Universidade
Estadual de Maringá (UEM) está desenvolvendo um
laser capaz de cortar tecidos humanos, para uso
em cirurgias. A equipe já produziu e patenteou um
vidro óptico que será usado na construção deste
laser. A principal característica deste vidro é ser livre
de íons OH-, o que permite que sejam introduzidos
em sua estrutura metais de transição e terras raras,
materiais específicos para que o laser emitido esteja
na freqüência certa para o corte cirúrgico. O vidro
será então inserido em uma cavidade ressonante,
onde uma luz incidirá sobre ele para que seja emitido
o laser.
Por causa da estrutura do vidro, o laser operará
na região espectral do infravermelho médio, ideal
para o corte de tecidos biológicos. A próxima etapa
será colocar o vidro no sistema e desenvolver o laser.
A produção desse laser demanda alta tecnologia, que
hoje o Brasil não possui – todas as opções no mercado
são importadas. “Nosso desafio é produzir o laser
para aplicação biomédica a um custo 10 a 15 vezes
menor do que o existente no mercado internacional
e popularizar as cirurgias”, diz Mauro Baesso, do
Departamento de Física da UEM e coordenador do
projeto. Para isso, os pesquisadores estão fazendo
parcerias com instituições nacionais e internacionais.Las
er p
ara
aplic
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méd
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UFR
J
16 | semFRONTEiRAS
Na ficção, o detetive Sherlock Holmes era capaz de dizer por onde seu companheiro Dr. Watson havia
andado apenas olhando para a sujeira em seus sapatos. A ciência forense já pode ligar uma pessoa à cena
de um crime a partir de vestígios de solo em sapatos, pneus e outros objetos. Uma equipe de pesquisadores
da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e uma perita criminal da Polícia Científica do Paraná construíram
um método capaz de caracterizar o solo de uma região para compará-lo a amostras coletadas em objetos
de suspeitos.
O estudo foi feito com amostras do solo de três bairros de Curitiba: Sítio Cercado, Cajuru e Cidade
Industrial, e dois bairros da região metropolitana: Alto Maracanã, em Colombo, e Rio Grande, em São José
dos Pinhais. “A escolha dos locais se baseou em um estudo da Secretaria de Segurança Pública do Estado,
que mostrou que estas foram as regiões com maiores índices de criminalidade, entre janeiro e outubro de
2004”, explica o professor do Departamento de Solos e Engenharia Agrícola da UFPR, Vander de Freitas
Melo.
O grupo conseguiu mostrar, com esse estudo, que duas amostras coletadas em um mesmo local
são semelhantes entre si, e diferentes das de outros locais. A maior contribuição da pesquisa, publicada
no periódico Forensic Science International foi gerar 56 variáveis, ou características químicas e físicas do
solo, analisando-se apenas 1g de material. Atualmente, os estudos publicados na literatura internacional
trabalham com um número muito menor de variáveis, o que torna mais difícil a confirmação forense.
O maior desafio da pesquisa foi a necessidade de trabalhar com pequenas quantidades de amostras,
de 1g de solo, para simular a situação real de investigação criminal, em que se tem apenas vestígios. Para
contornar este problema, a equipe precisou fazer vários ajustes metodológicos aos métodos convencionais
da análise de solo. O resultado foi um método que emprega 13 análises, começando pelas físicas e
terminando com as químicas destrutivas, para determinar as 56 características do solo. “Se as amostras
confrontadas forem semelhantes, é extremamente alta a probabilidade de que o investigado esteve no local
do crime”, diz Melo.
pequenas
diferenças no solo podem
significar
evidências
ao estilo de sherlock Holmes
N O T í c i a S d e C&t
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SX
C
N O T í c i a S d e C&t
em enTrevisTa à revisTa sem fronTeiras, o presidenTe da sbpc , marco
anTonio raupp, faz um balanço da 60a reunião e fala sobre as demandas
por inclusão de regiões como a amazônia e o semi-árido
“ciência brasileira vive um bom momento”
MARcO ANtONIO RAUpp
CLáUDiA iziQUE
A 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC) reuniu cerca de
15 mil pessoas no campus da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp), entre os dias 13 e 18 de julho.
Os temas das conferências, mesas-redondas, cursos e
seminários foram Energia, Ambiente e Tecnologias.
A reunião da SBPC voltou a Campinas depois de 60
anos. Em outubro de 1949, a cidade abrigou o primeiro
encontro da então recém-criada Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência do qual participaram pouco
mais de uma centena de pesquisadores e cientistas.
“Esse primeiro encontro marcou a forma como a SBPC
se pronunciaria sobre os diversos eventos científicos
nacionais”, disse Marco Antonio Raupp na abertura da
60ª reunião.
Ao longo de seis décadas, o Brasil desenvolveu
e consolidou um sistema forte de pós-graduação
e pesquisa e a ciência brasileira ganhou papel de
destaque no cenário internacional. “Hoje, temos que
trabalhar para construir novas estruturas para que
a ciência e o conhecimento possam levar os seus
benefícios a todo o povo brasileiro”, afirmou, citando
especificamente as demandas por inclusão de regiões
como a Amazônia e o Semi-árido.
Essa é a razão pela qual a próxima reunião anual da SBPC,
em 2009, será realizada em Manaus, Amazonas. “Temos que
promover a melhoria das condições operacionais das instituições
federais da Amazônia”, afirmou Raupp. Já estão agendadas
duas reuniões preparatórias para o encontro, nos municípios
de Oriximiná, no Pará, e Tabatinga, no Amazonas, das quais
deverão participar cientistas e pesquisadores brasileiros e de
países da região. “O Brasil é o país líder da região. Mas só isso
não adianta, é preciso exercer a liderança. A SBPC será palco
dessa cooperação entre países.”
Raupp enumerou os desafios atuais que se colocam
para o país - a globalização, o desenvolvimento sustentável
e a economia do conhecimento – e as saídas que, na sua
avaliação, estão na educação de qualidade; na capacidade de
transformar conhecimento em “bens com valor econômico”;
na sustentabilidade econômica, ambiental e “político-social-
cultural”; e na competitividade das empresas.
Esse cenário, segundo ele, pauta as ações da SBPC,
notadamente, o compromisso da entidade de ampliar a base de
pesquisa “buscando mais qualidade” e “uma distribuição justa e
estratégica” da pesquisa por todo o território nacional.
Em entrevista à revista Sem Fronteiras, Raupp avaliou os
principais resultados do encontro.
18 | semFRONTEiRAS
qual a sua avaliação do encontro deste ano?
A reunião foi muito boa em termos de participação e trouxe
temas importantes para o debate, temas que a SBPC ainda trata
muito pouco como a energia, o meio ambiente e a inovação
tecnológica. Tivemos dois grupos de trabalho sobre o etanol,
combustível que abre novas oportunidades para o país, o
qual nos vários debates foi tratado também na perspectiva
da segurança alimentar e da produção sustentável. A nossa
intenção é discutir os caminhos que o país deve seguir na
busca da inserção do conhecimento no setor produtivo e, como
conseqüência, na capacidade de inovação de nossas empresas
e serviços públicos com responsabilidade social e ambiental.
qual a principal mudança na organização da 60ª reunião
anual?
Sempre trabalhamos em torno de temas, mas não com as
características e com os procedimentos adotados na última
reunião. O Brasil jamais teve tanta capacidade de investimento em ciência e tecnologia e precisa, agora, discutir as suas
prioridades. Por isso, definimos as 16 temáticas fundamentais para o país. Os temas estratégicos, como energia e inovação,
foram analisados paralelamente a questões relacionadas às políticas públicas. Tivemos várias conferências, mesas-redondas,
mini-cursos e painéis sobre saúde, e outros tantos sobre biologia, em que foram avaliadas as perspectivas para a melhoria das
pesquisas com células-tronco. Todos os debates dessa 60ª Reunião Anual tiveram um foco.
Estivemos, por exemplo, analisando também questões relacionadas à biodiversidade. O governo está enviando ao Congresso
um projeto de lei de acesso ao patrimônio genético do país que vai substituir a medida provisória 2.186, editada em 2000.
Precisamos estar prontos para acompanhar e interferir nesse debate. A SBPC participa da proposta de um projeto de lei sobre
o acesso à biodiversidade. Temos um grupo de trabalho e pretendemos fazer propostas, já que a medida provisória trata mal os
pesquisadores.
a 61ª reunião da sbpc será no amazonas. qual será o tema principal?
A Amazônia é um dos grandes desafios do país. Uma instituição como o INPA (Instituto de Pesquisas da Amazônia), por exemplo,
tem grande responsabilidade sobre pesquisa científica, mas não tem o tamanho adequado que essa responsabilidade exige. Não
tem gente e nem equipamentos suficientes. Temos que promover a melhoria das condições operacionais dessas instituições
federais da Amazônia. Já tivemos uma reunião no Pará, em 2007, onde foram levantados vários problemas. Agora temos uma
proposta concreta para a ampliação da ciência e da tecnologia na região. É preciso ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade,
criar condições de preservação do patrimônio genético e cultural para fundamentar uma política de desenvolvimento. Já estão
agendados dois encontros preparatórios, para os quais estão convidados cientistas de outros países. O Brasil é o país mais forte
da região, porém não adianta ser só o líder, é preciso exercer a liderança e a SBPC será palco da cooperação entre países.
qual é, na sua avaliação, a missão atual da sbpc?
Durante vários anos, lutamos por uma organização de um sistema permanente de ciência e tecnologia no país. Agora, o destaque
está em o que a ciência e a tecnologia podem oferecer para a sociedade brasileira em matéria de inovação, desenvolvimento
regional, entre outros. Essa é a nossa bandeira. Para tanto, precisamos de uma legislação adequada. Vamos apresentar projetos
de lei no Congresso e defender projetos, como foi o caso da lei de Biossegurança que autorizou o uso de células-tronco
embrionárias em pesquisas, entre outros. Precisamos aproveitar esse bom momento, em que o Governo Federal prevê investir
R$ 10 bilhões por ano em ciência e tecnologia. Esse é um valor razoável e, considerando o número de cientistas que atualmente
existem no país, pode abrir boas perspectivas para incrementar a atividade de investigação científica.
Tom
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ay/S
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C
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PESQUiSAS REALizADAS PELA UNiVERSiDADE ESTADUAL
DE MARiNGá NA áREA DE BiOTECNOLOGiA CHAMAM
ATENçãO DE iNDúSTRiAS BiOQUíMiCAS E DE FáRMACOS
A força da biotecnologia
RODRiGO APOLLONi
Fotos Thiago Terebezinsky
semFRONTEiRAS | 21
dIóGENES ApARícIO
GARcIA cORtEz,
professor pós-doutor
do Departamento de
Farmácia e Farmacologia:
“Graças ao trabalho da
UEM, um clareador dental
obteve registro na Anvisa
e hoje está em quase
todo o país”.
LúcIO cARdOzO FILHO,
doutor em Engenharia de
Alimentos, professor do
Departamento de Engen-
haria Química: “Uma das
interações mais efetivas na
UEM é proporcionada pelas
incubadoras”.
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ckp
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22 | semFRONTEiRAS
Com mais de 250 grupos de pesquisa e cerca de dois mil
pesquisadores, a Universidade Estadual de Maringá (UEM) está entre
as instituições brasileiras de ensino superior que mais produzem
ciência e tecnologia. Indicador de relevância para a ciência no país,
o número de bolsistas de pesquisa CNPq (categorias 1 e 2) reflete
essa vocação: são cerca de 110, para uma população de dois mil
professores. Um destaque é a área de biotecnologia, com pesquisas
sobre bioprospecção de microorganismos endofíticos, aplicações
em nanotecnologia e isolamento e identificação de bioativos da
medicina popular.
Por causa dessas e de outras pesquisas básicas na área,
Maringá atrai para a região, há algum tempo, indústrias bioquímicas
e de fármacos. Também cresce a interação entre a universidade e
empresas do setor, segundo o professor Diógenes Aparício Garcia
Cortez, do Departamento de Farmácia e Farmacologia da UEM.
“Alguns de meus mestrandos vêm de empresas buscando experiência
e capacitação, e os resultados chamam a atenção dos empresários”,
afirma. Um exemplo recente é um clareador dental: “O interessado
foi ao meu laboratório com a fórmula e queria melhorar o produto.
Nós alteramos a fórmula e obtivemos excelentes resultados”, conta.
Essa pessoa incubou uma empresa na própria UEM. “O produto foi
tão bem desenvolvido que obteve o registro na Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) e, hoje, está em quase todo o país.”
Outro exemplo envolve a medicina popular. “A partir de relatos
de populares, verificamos a atividade biológica de algumas espécies
vegetais. Fazemos o isolamento e a identificação de substâncias
bioativas. Isto é algo inédito na UEM e está despertando interesse
das indústrias”, explica Diógenes. O trabalho envolve professores da
microbiologia, farmacologia e outros departamentos. “Recebi uma
bolsa de doutorado de uma indústria local e ela sinalizou que poderá
pagar outra bolsa para realizar uma pesquisa no nosso laboratório.
Isso é muito importante.”
O professor Lúcio Cardozo Filho, do Departamento de
Engenharia Química, dá como exemplo a parceria com a Plaspet,
empresa maringaense do setor de plásticos. “Essa parceria, junto
com um projeto enviado à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep),
resultou na construção do Laboratório de Inovações Tecnológicas
em Macromoléculas (Labitem), dirigido ao melhoramento do
C I ê N C I A
semFRONTEiRAS | 23
tipo de produto que a empresa comercializa.”
O tempo de “namoro” com a Plaspet foi de sete
anos e as perspectivas são animadoras. “Estamos
desenvolvendo um material a ser incorporado
à espuma, e outros relacionados à reciclagem
de embalagens PET”, conta o professor Adley
Rubira, do Departamento de Química. Para Rubira,
parcerias como a firmada com a Plaspet indicam
uma inflexão. “Até recentemente, as empresas
não confiavam seus problemas à universidade. E
os pesquisadores esperavam que as empresas
viessem atrás daquilo que eles estavam fazendo.
Felizmente, isso mudou.”
Para Lúcio Cardozo, um campo de interação
importante é o das incubadoras tecnológicas. “Elas
refletem a procura por novos produtos, criados
a um baixo custo e com um rigoroso processo
de desenvolvimento”. Segundo ele, as empresas
fornecem algum tipo de apoio a praticamente
todos os departamentos em que há pesquisa. E não
fazem isso por boa vontade: “a competitividade do
mercado e as leis ambientais impõem condições e
determinam essa procura. E a universidade oferece
esse suporte que é caro – quase gratuitamente”.
como avançar
Na avaliação do diretor de Pesquisa da Pró-
Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UEM,
professor Benedito Prado Dias Filho, é possível
aprofundar a relação entre a universidade e as
empresas. “As empresas brasileiras não têm
tradição, é preciso incentivo e capital de risco para
intermediar essa relação.” Segundo ele, agências
de fomento – caso da Finep – desempenham
esse papel.
Para o professor Emerson Marcelo Girotto,
do Departamento de Química, é preciso confiar
mais na universidade. “Os empresários devem
confiar não apenas para melhorar o que já existe,
mas para o desenvolvimento de novos produtos.”
Ele também alerta para as dificuldades existentes
AdLEy FORtI RUbIRA,
pós-doutor em Química,
professor do Departa-
mento de Química: “As
empresas não con-
fiavam seus problemas
à universidade e os
pesquisadores ficavam
esperando. Isso mudou”.
bENEdItO pRAdO
dIAS FILHO, professor
pós-doutor e diretor de
Pesquisa da Pró-Reitoria
de Pesquisa e Pós-
Graduação: “Este é o
momento de identificar
as vocações”.
EdvANI cURtI MUNIz,
professor pós-doutor
do Departamento de
Química: “O futuro da
biotecnologia é promis-
sor e o crescimento
será exponencial”.
24 | semFRONTEiRAS
no momento de se negociar o porcentual de cada
parte sobre as patentes de produtos criados na
universidade. “Os envolvidos deveriam negociar de
forma mais efetiva”, avalia.
O professor Edvani Curti Muniz, do
Departamento de Química, lembra que há uma lei
para definir os valores correspondentes ao recurso
aplicado e à exploração econômica da patente. A
divisão depende do tipo de parceria, se envolve o
desenvolvimento de produto ou, então, a prestação
de serviço. “No desenvolvimento de um produto a
universidade tem uma porcentagem maior, até
porque fornece uma estrutura maior, assim como
pesquisadores. Quando é uma prestação de serviço,
ela define previamente o que vai fazer, ganha para
isso e a porcentagem de participação pode ser
pequena ou mesmo nula.”
Para Benedito Prado Dias Filho, nos próximos
anos é possível que a questão de patentes – a
produção e patenteamento de produtos de base
tecnológica – não seja o principal foco da UEM. “Na
minha opinião, a prestação de serviços tecnológicos
é que será muito forte.”
biocombustíveis
O professor João Alencar Pamphile, do
Departamento de Biologia Celular e Genética,
vê como promissoras as possibilidades de
interação entre universidade e empresas no setor
de biocombustíveis. “Temos uma experiência
interessante no curso de Biotecnologia Aplicado à
Agroindústria. O curso atrai profissionais de usinas
e empresas na região”, observa. “Um desses
profissionais demonstrou interesse em estudar
as linhagens empregadas na produção do etanol,
principalmente de um subproduto, o creme, que é
utilizado como ração animal.”
EMERSON MARcELO GIROttO, professor
pós-doutor do Departamento de Química:
“Nosso objetivo é implantar no brasil um
projeto da área de nanotecnologia que
facilita o diagnóstico precoce do câncer a
partir dos Labs-on-a-Chip (LOc)”.
jOãO ALENcAR pAMpHILE, profes-
sor doutor do Departamento de Biologia
Celular e Genética: “A bioprospecção de
microorganismos endofíticos abre um
campo importante para o melhoramento
genético de culturas”.
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semFRONTEiRAS | 25
Biotecnologia sucede a era da informática
instituto de Biologia Molecular do Paraná
A era da biotecnologia ganhou um importante impulso com o
seqüenciamento do genoma humano, concluído em 2003. O projeto, que
levou treze anos e custou cerca de três bilhões de dólares, determinou a
seqüência de bases químicas que formam o DNA e identificou os 25 mil
genes do genoma humano.
Hoje, qualquer pessoa pode ter o seu DNA decodificado, mas esse
serviço, que já virou um grande negócio nos Estados Unidos, ainda é
inacessível para a maioria: o mapeamento de todos os seis bilhões de
caracteres e probabilidades para cerca de duas mil doenças custa 350
mil dólares. Um outro tipo de exame custa mil dólares e analisa apenas
as ‘letras’ de DNA que variam entre as pessoas. Neste caso, o cliente fica
sabendo sobre possíveis riscos de condições como o mal de Alzheimer e
outras menos graves, como a calvície.
Contudo, muitos pesquisadores estão lutando para baratear o custo
de exames que utilizam a tecnologia do DNA: é o caso dos testes para
detecção de um tipo raro de câncer em crianças, o câncer de córtex
adrenal, que, no Paraná, têm o apoio da Secretaria de Ciência, Tecnologia
e Ensino Superior.
A era da informática, que começou
no final dos anos 1940, sucedendo a era
industrial, tinha a previsão de durar pelo
menos um século, mas atingiu o seu ápice
por volta do ano 2000. O setor continua em
desenvolvimento, porém atualmente é visto
como um coadjuvante de todo o complexo
tecnológico mundial. A biotecnologia é a
ciência mais promissora da atualidade e o
Paraná tem tradição e ótimos exemplos nessa
área.
seq
üen
ciam
ento
do g
enom
a hum
ano
Chips de DNA Uma técnica bem
sucedida de estudo do genoma é a de microarray
(microarranjo), ou chips de DNA. Esta análise permite
a verificação da expressão de genes em resposta
a diferentes situações ambientais. Uma aplicação
prática dessa tecnologia é o estudo da interação
entre patógenos e seus hospedeiros.
Na UEM, uma nova linha de pesquisa usará essa
tecnologia para bioprospecção de microorganismos
endofíticos, ou seja, fungos e bactérias que existem
no interior de praticamente todas as espécies
vegetais, sem lhes causar doenças. Compreender
a interação desses microorganismos com seus
hospedeiros leva ao melhoramento genético de
culturas, pois permite mapear genes que determinam
as interações benéficas. Um grupo de pesquisadores
dessa universidade trabalha com microorganismos
da região para aplicação econômica. Um exemplo é o
Metarhizium anisopliae, microorganismo que atua no
controle de insetos-praga.
Microscopia eletrônica de bactérias endofíticas no
interior da folha de milho
C I ê N C I A
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ckp
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26 | semFRONTEiRAS
A biotecnologia também avança ao lado da
ciência dos materiais, que permite construir
molecularmente um material de acordo com
as nossas necessidades. Essas duas ciências
estão inaugurando a era dos biomateriais, que
abre caminho para a medicina preventiva e para
o tratamento do câncer e de outras doenças
importantes. Neste ano, num congresso
realizado em Amsterdã, o pesquisador Teruo
Okano mostrou que é possível implantar lentes
de contato que liberam medicamentos para
o tratamento de doenças específicas do olho
humano.
FUSãO dA bIOtEcNOLO-GIA cOM A cIêNcIA dOS MAtERIAIS
Um grande número de pesquisadores da área biotecnológica
afirma que já conseguiu diminuir um laboratório de química para que
ele caiba em um dispositivo do tamanho de um chaveiro. Os Labs-on-
a-chip são dispositivos que têm a capacidade de realizar reações de
laboratório em escala miniatura. Esses laboratórios super compactos
podem detectar bactérias, vírus e células cancerígenas através de
ensaios imunológicos, fazer reações bioquímicas, analisar células,
entre outros. As vantagens são a rapidez da resposta e a redução dos
custos nos testes de toxicidade. A UEM tem um projeto de laboratório
de pesquisa com nanofilmes que podem ser usados na criação
dos labs-on-a-chip. O projeto aguarda aprovação do CNPq para ser
instalado no Departamento de Química da universidade.
Lab
orató
rio co
mpacto
O número de parcerias na UEM cresce a cada ano. No
final da década passada, elas somavam 134 e em dezembro
de 2006, chegaram a 246. Se considerados os convênios
com empresas de economia mista, governo e órgãos de
fomento, o total chega a 551. Esse volume de acordos
viabilizou, por exemplo, lasers de aplicação biomédica,
estudos biotecnológicos sobre a Stevia rebaudiana, mais
comumente utilizada como adoçante, e sobre organismos
que se alojam nas turbinas da hidrelétrica de itaipu –
nesse caso, o objetivo é prevenir problemas nas unidades
geradoras decorrentes do processo de incrustação.
Há, ainda, um extenso rol de projetos conjuntos com os
setores elétrico, industrial, farmacêutico e agroindustrial,
entre outros. “Essa aproximação possibilita à universidade
ampliar o leque de novas tecnologias”, destaca o assessor
de planejamento, Ariston Azevedo.
parcerias que dão certo
Grande concentração de conídios de Metarhizium anisopliae
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semFRONTEiRAS | 27
Um problema fundamentalWaldemiro GremskiC I Ê N C I A
Jovens brasileiros não demonstram
interesse por matemática e Física na hora
de escolher uma proFissão
célio Yano e miriam Karam
ilust
raçã
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28 | semFronteiras
do exemplo clássico do chip de computador, que
através de bilhões de cálculos por segundo é capaz
de exibir vídeos, organizar informações e simular
jogos, até a organização do trânsito e a distribuição
de energia nas cidades, para as quais são usadas as
matrizes e as equações diferenciais, praticamente
tudo o que nos cerca depende da matemática e
da física. em outras áreas do conhecimento, como
a medicina, aplica-se a teoria dos conjuntos para
informar a compatibilidade genética entre dois
pacientes, enquanto na climatologia e na economia
buscam-se novas fórmulas para prever desastres
climáticos ou oscilações na bolsa de valores.
na fronteira entre a física e a química, a
nanotecnologia é hoje uma das áreas com maior
potencial no brasil, afirma o físico e ministro da ciência
e tecnologia, sérgio rezende. estruturas e novos
materiais são desenvolvidos a partir da manipulação
de átomos – o prefixo nano significando a bilionésima
parte de uma unidade. tintas não poluentes; madeiras
autolimpantes, impermeáveis e resistentes ao ataque
de fungos; borrachas termoplásticas recicláveis;
adesivos de alto desempenho, entre outros produtos,
estarão disponíveis em um futuro não muito distante
graças a essa ciência. a física médica, na sua interface
com a área de diagnóstico e radiologia, entre outras,
também tem crescido no país, trazendo perspectivas
de novos empregos.
apesar da relevância e da contribuição das
ciências exatas para o desenvolvimento do país,
são elas, entre as demais, as que menos seduzem
os jovens brasileiros atualmente. para se ter uma
idéia, em 2007, no último vestibular da universidade
Federal do paraná, um dos mais disputados no
estado, a concorrência para o curso de matemática
ficou em menos de quatro candidatos por vaga,
enquanto a média geral do processo seletivo foi
de 9,65. para física, a disputa foi ainda menos
acirrada: 2,98 candidatos por vaga. nas duas
carreiras, o bacharelado teve menos inscritos do
que a licenciatura, e os índices são semelhantes aos
verificados nos principais vestibulares do brasil. no
maior deles, da universidade de são paulo (usp),
a concorrência geral para o ano de 2008 foi de
12,31 candidatos por vaga. Já a disputa por física
e matemática teve pouco mais de três candidatos
por vaga. “a matemática ainda carrega o estigma
da dificuldade”, lamenta o matemático e educador
edilson roberto pacheco, do departamento de
matemática da universidade estadual do centro-
oeste (unicentro).
Evasão
Quanto aos índices de evasão, o último
levantamento realizado pelo instituto nacional de
estudos e pesquisas educacionais (inep), em 2005,
revelou que o curso de matemática registrava a maior
taxa no país – 44%. isto significa que para cada dez
alunos que ingressaram no curso naquele ano, quatro
desistiram de concluí-lo. Física ficou em quinto lugar,
com 34%, atrás de normal superior (38%), marketing
e publicidade (36%) e educação física (34%). cada
um dos cursos tem fatores próprios para explicar as
desistências, mas, para o matemático e professor da
uFpr, higídio oquendo, as duas disciplinas da área
de exatas possuem semelhanças nesse aspecto. “são
profissões que pressupõem uma capacidade muito
grande de abstração e de raciocínio. diferente do que
acontece em outros cursos, a compreensão integral
de cada matéria é essencial para o entendimento do
próximo módulo”, afirma. em sua opinião, além de
habilidade, é preciso alguma afinidade com os números.
“infelizmente, poucos têm tempo para dedicar várias
horas do seu dia para resolver um problema”, afirma.
semFronteiras | 29
Para o professor Jorge Megid Neto, da Faculdade
de Educação da Unicamp, “os índices de desistência,
quando altos, refletem a falta de perspectiva de
trabalho e empregabilidade para carreiras como
a de matemático ou a de físico”. “É fato”, concorda
categórico o professor Edilson Roberto Pacheco, que
trabalha em mudanças, ainda pioneiras no Paraná,
na grade curricular do curso de matemática, para
vencer o principal desafio que se impõe aos
professores da matéria: ser interessante. Pacheco
acredita que até mesmo os alunos que escolhem o
curso porque pensam gostar da matéria não têm
noção clara do que vão encontrar pela frente. Nem
das reais dificuldades que virão quando o assunto
chegar ao cálculo diferencial integral, por exemplo.
“Aí, começa a enroscar e eles patinam mesmo”. Depois
de participar do Fórum Estadual das Licenciaturas
em Matemática do Paraná no ano passado, Edílson
Roberto Pacheco e um grupo de seu departamento
na Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro)
discutiram uma proposta alternativa, que será
votada pelo conselho da instituição. Além de incluir
disciplinas como português e filosofia, a grade do
curso de licenciatura procurou introduzir ‘uma pitada’
do curso de bacharelado, para permitir que os alunos
que pretendam seguir a carreira acadêmica tenham
base para enfrentar a seleção para a pós-graduação.
Mudanças
O professor Jorge Megid, no entanto, acredita
não haver necessidade de mudanças de currículos, já
adaptados às novas diretrizes curriculares dos cursos
de graduação de 2001, e essas diretrizes estão – dentro
do possível – coerentes com as inovações no campo
da educação e com a atualidade dos conhecimentos
de cada área. Reforçando a idéia de que é grande a
diversidade entre as instituições de ensino superior do
país e entre as estruturas administrativas (públicas e
privadas, estaduais, municipais e federais), Megid diz
que a indústria brasileira absorve pouco os físicos e
os matemáticos, dando preferência aos engenheiros,
ao contrário de outros países. Assim, de acordo com
Megid, para os bacharéis a profissão fica restrita à
carreira no ensino superior – mestrado, doutorado e
pós-doutorado. Outra opção está em órgãos públicos,
como o IBGE e outros centros de estatística, por
exemplo, mas, novamente, as vagas não são muitas.
Nesse caso, para quem segue a carreira de prof
essor universitário (doutorado e dedicação exclusiva)
os salários variam entre R$ 6 e R$ 8 mil, segundo a
Secretaria de Recursos Humanos do Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão. A renda
é comparável a de pesquisadores de países como
Estados Unidos, Inglaterra e França. Para fazer suas
pesquisas, o docente pode ainda receber uma bolsa
do CNPq, cujo valor varia de acordo com o edital
correspondente ao seu projeto. Para os licenciados em
matemática ou física, o campo é inesgotável, avalia o
professor Megid. O déficit brasileiro de professores
é tão grande que levaria pelo menos dez anos para
atender a demanda. Mas, uma vez atendida, haveria
novo déficit por causa do crescimento populacional.
Para minimizar esse déficit, as instituições de ensino
superior, incentivadas pelo Ministério da Educação,
criam cursos de licenciatura à distância. O professor
Megid, no entanto, é cético quanto à qualidade
desses cursos, especialmente quando a carga horária
presencial é muito baixa, menos de 20% da carga
horária total.
A professora Celi Espasandin Lopes, que está
fazendo pós-doutorado na University of Georgia,
nos Estados Unidos, aponta um problema “básico”
para nossos professores: “uma meta importante
seria conseguir centralizar o trabalho docente em
uma escola; a quantidade de escolas que a maioria
dos professores tem que percorrer para completar
a jornada e melhorar seu salário inviabiliza que
ele participe efetivamente de um projeto político
pedagógico em uma escola”, afirma.
Apartheid
Para o diretor de Educação Básica da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes), Dilvo Ristoff, que falou na
60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC), em julho deste ano, em
Campinas, há problemas de outra ordem afetando
a qualidade do ensino das exatas no país. “Existe
um apartheid que separa o campus da escola, a
graduação do ensino básico e os professores das
licenciaturas dos professores das disciplinas do
ensino médio. Esses professores, que deveriam
estar próximos uns dos outros, não só pertencem
30 | semFronteiras
a sistemas de ensino distintos, autônomos e que
se declaram auto-suficientes, como dificilmente se
encontram em algum evento acadêmico ou científico
e raramente se comunicam”, disse na ocasião. Nessas
condições, segundo ele, o que se forma é o químico,
não o professor de química; o físico, não o professor
de física; o biólogo, não o professor de biologia.
“Enquanto isso continuar, a formação do professor
continuará sendo um rótulo, um título, sem conexão
com as demandas da escola”.
Impacto
“A transmissão eletromagnética sem fio, o laser e os semicondutores presentes nos computadores
e celulares são alguns exemplos do impacto da física na atualidade. Na medicina, há muitos aparelhos
provenientes dos avanços dessa ciência. Além disso, seus conhecimentos são essenciais para muitas
outras áreas, como as engenharias. Outra contribuição fundamental refere-se à construção da nossa
visão do mundo, além de suas inter-relações com outras áreas do conhecimento, como as artes e as
humanidades. No Brasil, a física também tem um papel significativo: a nanotecnologia, por exemplo, é
uma área de grande potencial no país”.
Interação
“A ciência é uma atividade social que tem interfaces com outros campos do saber, como as hu-
manidades, as artes e as técnicas. Por exemplo, as grandes teorias da física, como a relatividade e a física
quântica, foram revoluções do pensamento humano que contribuíram para alterar a nossa visão de
mundo. Além disso, as tecnologias modernas influenciam na produção e na imaginação dos artistas”.
Popularização
“A Sociedade Brasileira de Física tem tido um papel de destaque com as suas revistas de pesquisa e
divulgação, com seus encontros e agora com um novo site voltado para a divulgação e a educação cientí-
fica. Na realidade, a política de popularização da ciência e da tecnologia do MCT não privilegia a física,
mas apóia atividades em todas as áreas. Há cinco anos, temos um programa para a divulgação científica
que realiza editais para projetos nessa área em todo o país e gera também muitos programas novos. A
popularização da C&T e a melhoria do ensino de ciências é hoje uma importante linha de ação dentro da
IV Prioridade Estratégica para o Desenvolvimento Social do Plano de Ação 2007-2010”.
Imp
acto
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cia
“as tecnologias modernas
inFluenciam na produção e
na imaginação dos artistas”
trecho do depoimento do
Físico e ministro da ciência e
tecnologia, sérgio rezende, à
revista Sem FronteiraS:
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t
semFronteiras | 31
A escola possível
o ensino da matemática e das ciências naturais – física, química e biologia
– nas escolas de ensino fundamental vem sendo questionado por profissionais
da educação que discordam da metodologia aplicada atualmente. para eles,
em vez de privilegiar conteúdos específicos de cada disciplina, ensinados de
maneira descontextualizada das demais áreas, a educação científica deveria
estar conectada e atenta à realidade dos alunos e da sociedade em geral.
para os adeptos dessa educação divergente e questionadora, desvincular
os conteúdos específicos de cada disciplina das práticas e finalidades sociais
mais amplas não só é alienante como transforma a educação científica
em um buraco negro que suga a curiosidade das crianças. as professoras
mira roxo e maria inês nobre ota, de londrina, paraná, estão entre os que
querem ver a educação científica trilhando outros caminhos.
com licenciatura em filosofia, psicologia e sociologia da educação
pela puc-sp e bacharelado em pedagogia, mira é professora do ensino
fundamental na nossa escol(h)a, em londrina. maria inês é graduada em
física pela unicamp, mestre em ensino de ciências no instituto de Física da
universidade de são paulo (ifusp) e doutora em educação pela Faculdade de
educação da universidade de são paulo (Feusp).
Espaço de descobertas
elas defendem o envolvimento de alunos, professores e funcionários
no processo educacional, aproveitando cada ocasião para impulsionar o
conhecimento nas mais diferentes áreas. segundo mira, uma aula em que as
crianças ficam sentadas na sala, apenas ouvindo o professor, é enfadonha e
antipedagógica. “sentada, a criança não tem relação com o deslocamento. o
simples caminhar com as crianças pela escola tem uma conexão direta com
a ciência”, observa.
a escola deve ser um espaço de descobertas, na opinião das professoras.
“por exemplo, o trabalho na horta permite que os alunos criem conceitos que
passariam despercebidos se ensinados com o enfoque tradicional”, observa
maria inês. para mira, a cozinha é uma verdadeira aula de química, “porque,
ali, podem ser vistas transformações de matérias. isso desperta a curiosidade
e abre um leque de possibilidades para a criança”. na escola onde mira
E d u C A ç ã o C I E N t í f I C A
proFessoras deFendem
uma educação apoiada
na realidade
apolo theodoro
32 | semFronteiras
trabalha, é Maria, a zeladora, quem cuida da horta. Por
que a Maria? “Porque ela é quem mais sabe de horta
na escola”, responde.
Mas é a curiosidade das crianças o que mais
preocupa as professoras: “De maneira geral, elas
não são estimuladas a fazer perguntas, esperando a
resposta pronta em vez de ir buscá-la”, critica Mira.
“Essa maneira de ensinar dá respostas a questões
que não foram formuladas pelos alunos. É o professor
falando e as crianças ali paradas, sentadas, só ouvindo”,
completa Inês.
O método de ensino que prega uma única
resposta a tudo e ignora a divergência, é chamado de
“educação convergente”, um modelo que se reflete
depois na formação dos professores segundo Mira: “nas
minhas aulas eu
dava problemas aos
alunos, mas eles não
conseguiam argumentar por
medo de errar”. A professora
tributa tal postura à velha pregação de
que a ciência é absoluta e tem a verdade
sobre a natureza. “Não deveria ser nada disso,
ciência é conhecimento construído a partir da
interpretação da realidade”.
Prisão do conhecimento
Mira acrescenta que o livro didático é outra
manifestação da educação convergente, modelo
que leva à fragmentação do conhecimento: “Essa
fragmentação causa perda do todo e da parte porque
o aluno não vê a parte inserida no todo e nem o
todo composto das partes”. Para Inês, a educação
científica “deve estimular as pessoas a questionar o
tempo todo e a buscar outras fontes de informações
para não convergir”.
Um projeto pedagógico consistente, na opinião
de Inês, deveria envolver todos os que estão na escola,
ilust
raçã
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ucr
oq
uet
semFronteiras | 33
em vez de apenas considerar os alunos. O papel do
professor nesse processo é ter o espírito aberto para
buscar informações nas fontes, pesquisar em livros
e na internet e ter predisposição para investigar:
“o professor deve estimular o aluno a procurar
informação, a questionar tudo, pois educação cien-
tífica é lançar o problema e fazer com que todos
possam resolvê-lo”.
Ironizando a chamada grade curricular, que,
“como o próprio nome diz, é prisão do conhecimento”,
a professora Mira Roxo deixa um recado final:
“Alfabetização não é letração, abrange todas as áreas,
todas as linguagens, todas as fontes e, principalmente,
o contexto. É uma alfabetização sem limites”.
Para finalizar, a professora Maria Inês Ota
sustenta com convicção que essa escola é possível,
basta ter vontade. “O discurso está pronto, o que falta
é gente que chegue à escola e tente mudá-la. E essa
mudança só pode ser feita na escola pública, por uma
razão: a escola privada transformou a educação em
mercadoria, que é fazer o aluno passar no vestibular”,
defende.
Professores de matemática, física,
química e biologia de universidades e facul-
dades públicas paranaenses estão levando
suas experiências em sala de aula às escolas
municipais mais distantes dos grandes cen-
tros urbanos. Iniciado em 2007, como parte
das atividades do programa Universidade
sem Fronteiras, da Secretaria de Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior, esse trabalho
é realizado em parceria com os Núcleos
Regionais de Educação por meio de ofici-
nas, laboratórios, seminários, reuniões para
construção de materiais didáticos e de um
museu itinerante de ciências.
Na
rua
de
olh
o n
a lu
a
o encontro da universidade com a escola pública
“Os shows de química e de física duram em
média uma hora e reúnem até 300 alunos do ensi-
no fundamental e médio. Nessas atividades, sempre
tentamos relacionar os experimentos com algo do
cotidiano do aluno a fim de facilitar a sua compreen-
são”, relata Patrícia Caldana, uma das 1.394 bolsistas
do programa. Ela participa, em 19 municípios com
baixo índice de desenvolvimento humano da região
norte do Estado, do projeto museu itinerante de
ciências, coordenado pela Universidade Estadual de
Londrina (UEL), que também divulga astronomia:
“Na rua de olho na lua” e “Chuva de meteoros sagi-
tarianos”, por exemplo, reúnem dezenas de crianças
e adultos interessados nos fenômenos da natureza.
em Jandaia do sul, o encontro da universidade com o ensino básico
34 | semFronteiras
“esse modo de ensinar, novo, diferente,
mais próximo da realidade, portanto mais
fácil de entender, desperta interesse pela
ciência e também ajuda a quebrar certos
tabus, como os que pregam que a física e
a química não servem para nada, além de
serem muito difíceis de compreender”, co-
menta ainda patrícia. “essa experiência
também é positiva para os acadêmicos que
participam do projeto; além disso, mostra
as dificuldades que teremos de enfrentar
futuramente, como professores”. (rr)
semFronteiras | 35
B I O E N E R G I A
36 | semfronteiras
Óleo vegetal usado no Centro de
referência em agroecologia (CPra),
na região de Curitiba, emprega
girassol como matéria-prima
Brasil amplia vantagensMas há neCessidade de Mais Pesquisa e
organização do ProCesso Produtivo
Cláudia iziquefotos: Marcos Borges
semfronteiras | 37
Brasil amplia vantagens
o mundo começa a conviver com a idéia de que a era dos hidrocarbonetos
pode estar próxima do fim: a produção de petróleo na rússia parece ter
alcançado seu pico, a arábia saudita anunciou a suspensão dos planos para
aumentar sua capacidade produtiva e o preço do petróleo chegou a atingir,
em julho deste ano, o valor recorde de us$ 147 o barril, mais de 100% acima
da cotação de uma década atrás. o mundo também descobriu que os gases de
efeito estufa (gee) gerados, principalmente, pelo uso de combustíveis fósseis,
ameaçam o equilíbrio do planeta. os riscos de escassez e de aquecimento
B I O E N E R G I A
oFERTA INTERNA DE ENERGIA - BRASIL 2007
no Brasil, quase metade da matriz energética corresponde às energias renováveis.
no mundo, este percentual representa 12,7 %.
Fonte: MME
BioMassa
30,9%
hidráuliCa e
eletriCidade
14,9%
PetrÓleo e derivados
17,4%
gás natural
9,3%Carvão Mineral
6,0%
urÂnio
1,4%
238,3 milhões TEP (2% da energia mundial)RENOVÁVEL
Brasil: 46%
oeCd: 6%
Mundo: 12%
BIOMASSA
lenha: 12%
Produtos de Cana: 15,7%
outras: 3,2%
teP: (tonelada equivalente de petróleo)
a capacidade de
produção da usina de
Biodiesel instalada no
instituto de tecnologia do
Paraná (tecpar) é de 500
a 1000 litros por dia
as previsões para
2008-2012 são de um
mercado de 1 bilhão de
litros/ano de biodiesel B2. a
partir de 2013, a demanda
deverá subir para 2,4
bilhões de litros anuais
silv
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trev
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Mar
cos
Bo
rges
38 | semfronteiras
global – e, é claro, o instinto de sobrevivência -
desencadearam uma corrida mundial em busca de
alternativas energéticas limpas e renováveis que
podem mudar de forma dramática a geoeconomia
mundial.
O Brasil tem vantagens comparativas:
utiliza combustíveis limpos para atender 44% de
suas demandas energéticas, enquanto a média
mundial não passa de 13%. O país ainda investe
timidamente em tecnologias de geração de
energia eólica, solar ou marítima, mas domina,
desde a década de 1970, tecnologias de produção
do etanol a partir da cana-de-açúcar e, nas últimas
duas décadas, passou a produzir biocombustíveis
- extraídos de algumas oleaginosas, como a soja,
por exemplo –, atualmente misturados ao diesel.
Mas há ainda um longo caminho a percorrer para
aumentar a produtividade desses combustíveis e
ganhar escala para abastecer também o mercado
externo.
Etanol
O Brasil produz anualmente mais de 17
bilhões de litros de etanol obtidos da sacarose
da cana-de-açúcar. É o segundo maior produtor
mundial, atrás dos Estados Unidos, com cerca de
20 bilhões de litros produzidos a partir do milho. Nos
últimos 35 anos, a produtividade das lavouras saltou
de três mil para seis mil litros de etanol por hectare de
cana, aumentando a competitividade do combustível
em relação à gasolina. “Mas o país investiu muito
pouco em pesquisa para entender o que acontece na
planta quando ela converte a energia solar em energia
química”, exemplificou Rogério Cerqueira Leite,
coordenador do Centro de Pesquisa em Bioetanol que
o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) pretende
inaugurar ainda este ano, em Campinas, no Estado de
São Paulo. É preciso, portanto, acelerar as pesquisas
em toda a cadeia de produção de etanol para manter
a dianteira, já que os Estados Unidos, o principal
concorrente – e, potencialmente, o maior mercado
consumidor – investiram US$ 1,5 bilhão em 2007
no desenvolvimento de tecnologias de produção do
biocombustível.
Iniciativas
Há várias em curso no país, como o Centro de
Pesquisa em Bioetanol, que vai realizar pesquisa básica
e aplicada para superar deficiências tecnológicas e
aumentar a competitividade do produto nacional. As
principais demandas foram identificadas por meio de
um amplo diagnóstico do setor encomendado pelo
na safra
2007/2008, o
Paraná produziu
2,8 milhões de
toneladas de
açúcar e 1,6
bilhões de litros
de álcool. destes,
600 mil foram
destinados à
exportação
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stad
ual
de
no
tíci
as
semfronteiras | 39
pelos avanços realizados à cadeia produtiva do
etanol no país. “O Bioen vai criar um grande centro
virtual de pesquisas para somar esforços das
universidades e empresas”, diz Carlos Henrique de
Brito Cruz, diretor-científico da Fapesp. O programa
contará com várias linhas de investigação –
biologia genômica, biomassa, alcoolquímica, entre
outras -, parte delas desenvolvidas em parceria
com empresas como a Dedini, Oxiteno e Braskem.
O governo de São Paulo – Estado responsável
por 63% da produção do etanol no país – anunciou
a instalação de um Parque Tecnológico de
Biocombustíveis em Piracicaba, que contará com
investimentos de R$ 100 milhões em pesquisas
sobre matérias-primas renováveis, tecnologia de
conversão de biomassa e resíduos agroindustriais,
além de tecnologias ambientais. “O parque
representará a convergência do conhecimento
na área de biocombustíveis, seja ele público ou
privado”, explicou Luciano de Almeida, secretário-
adjunto da Secretaria de Desenvolvimento.
Estruturada a área de pesquisa, o desafio
será o de aumentar a produção de etanol sem
comprometer a de alimentos. Para abastecer
10% da demanda mundial do combustível,
além dos ganhos tecnológicos, o país terá que
ampliar as lavouras de cana-de-açúcar que
Ministério de Ciência e Tecnologia ao Centro de
Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE), e levado a
cabo pelo Núcleo Interdisciplinar de Planejamento
Estratégico (NIPE) da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), com a coordenação de
Cerqueira Leite. Os pesquisadores da Unicamp
tinham como tarefa identificar as ações necessárias
para expandir a produção brasileira de etanol de
forma a substituir de 5% a 10% a gasolina utilizada
no planeta até 2025. Concluíram que, para atingir
essa meta, será necessário investir em tecnologias
que permitam a utilização também da celulose,
da palha e do bagaço da planta – que concentra
2/3 da energia –, desenvolver a agricultura de
precisão, otimizar processos industriais e garantir a
sustentabilidade ambiental, social e econômica da
produção. “Temos que reduzir o impacto ecológico
e fechar com saldo positivo a conta dos gastos com
energia, emissão de carbono, desgaste do solo,
entre outros”, afirmou Cylon Gonçalves da Silva,
um dos coordenadores do projeto patrocinado
pelo MCT.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (Fapesp) também arquitetou um
programa de pesquisas em Bioenergia, batizado
com o nome de Bioen. O Estado reúne importantes
universidades e centros de pesquisas responsáveis
A produção de cana
de açúcar deve
aumentar 10% no
Paraná em 2008.
As regiões norte e
noroeste do estado
concentram a maior
parte das lavouras
40 | semfronteiras
un
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semfronteiras | 41
a competitividade em energia eólica ainda depende
de muita pesquisa e desenvolvimento
devido aos altos custos, a energia solar é pouco usada
no Brasil, mas pode representar uma solução para parte
dos problemas de escassez de energia
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atualmente ocupam seis milhões de hectares
para algo em torno de 42 milhões de hectares.
Os especialistas garantem que, num país com
uma área agricultável de 152,5 milhões de
hectares, é possível aumentar a produção de
cana sem deslocar a de alimentos. As áreas com
potencialidade de plantio foram mapeadas pelos
pesquisadores do NIPE: abrangem regiões como
o norte do Tocantins, o sul do Maranhão, Mato
Grosso, Goiás e Triângulo Mineiro.
Biodiesel
O Brasil também domina a tecnologia
de produção de biocombustíveis extraídos de
oleaginosas. O principal insumo é a soja, grão
que guarda 18% de óleo na semente. O produto
é adicionado numa proporção de 3% ao diesel
vendido nos postos de gasolina, desde o mês de
julho, e deverá atingir o percentual de 5% em
2010. “Temos que ter volume para atender essa
imposição legal”, diz Frederico Durães, diretor
da Embrapa Agroenergia, unidade de pesquisa
criada pela Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária em 2006.
Para atender essa demanda é preciso
ampliar, como ele diz, o mix de matérias-primas
com potencial para gerar biodiesel, como o
girassol, o algodão, o amendoim, o dendê, o
pinhão-manso, entre outros, que atendam tanto
ao agronegócio como a agricultura familiar. O
pinhão-manso, por exemplo, pode gerar até
duas toneladas de óleo por hectare, contra
0,5 tonelada por hectare produzida a partir da
soja. O problema é que a soja ainda é a única
oleaginosa sobre a qual o país tem domínio
tecnológico, adquirido ao longo de mais de
25 anos de pesquisa. Nas demais, ainda serão
necessários vários anos de investigação para se
obter volume, escala e para atender as demandas
de sustentabilidade do produto.
desde 2004, o instituto agronômico do
Paraná (iapar), em parceria com a empresa
Brasileira de Pesquisas agropecuárias (embrapa)
e a empresa Paranaense de extensão rural
(emater-Pr), vem desenvolvendo estudos sobre
a utilização de várias oleaginosas na produção
de biocombustíveis. as pesquisas integram o
Programa Paranaense de Bioenergia, criado em
2003 pelo governo estadual com o objetivo de
fomentar a pesquisa e o desenvolvimento, as
aplicações e o uso da biomassa, com foco inicial
na produção de biodiesel, adicionando-o à matriz
energética estadual. À frente desse programa,
estão as secretarias de Ciência, tecnologia
e ensino superior (seti) e da agricultura e
abastecimento (seaB).
“estamos trabalhando com oleaginosas e
com opção de produção no verão, como o girassol
e a mamona, e no inverno, com o amendoim e o
nabo forrageiro”, afirma dalziza de oliveira, do
iapar. as pesquisas começaram com o girassol,
que está sendo plantado na região de londrina,
e têm perspectivas interessantes. “o problema é
a grande população de pombas que destroem a
planta”, relata dalziza, apontando um problema
que também precisa ser solucionado pela
pesquisa.
as pesquisas buscam encontrar produtos
que atendam tanto às demandas do agronegócio,
como o girassol e a mamona, quanto à agricultura
familiar, que não utiliza a colheita mecanizada e
deve associar a produção de oleaginosas também
à de alimentos. “nesse caso, o amendoim pode
ser uma boa opção”, sublinha dalziza de oliveira.
Para garantir maior eficiência em pequenas
propriedades, o iapar investiga também a
utilização das tortas residuais como ração animal
e na adubação. “nos próximos dois ou três anos,
teremos definidas tecnologias de plantio”.
o instituto divide as plantas com potencial
para a produção de biodiesel em três grupos. no
primeiro estão a soja e o algodão, para os quais já
se tem tecnologia de cultivo e cadeia de produção
consolidada no estado. o segundo grupo abrange
espécies sobre as quais já se tem conhecimento
agronômico, mas que ainda exigem maiores
estudos, como é o caso do amendoim, mamona,
girassol, nabo forrageiro e canola. e o terceiro
engloba espécies como o cártamo, linho, crambe,
pinhão-manso e tungue, introduzidas há pouco
tempo no Paraná, e sobre as quais ainda há muito
que pesquisar.
recentemente, o iapar concluiu o programa
de zoneamento agroclimático da mamona, um
estudo fundamental para definir a melhor época
de plantio em cada região do estado, reduzir
riscos de perdas e facilitar a contratação de
crédito e seguro agrícola. o zoneamento do nabo
forrageiro e da canola deve ficar pronto no final
do ano. “nas culturas de soja, milho e trigo, já
constatamos que os fatores mais importantes
são os extremos de temperatura e o excesso de
Biomassa: a contribuição do Paraná
até o final de 2009, o estado deverá
Produzir CerCa de 280 Milhões de litros de
Biodiesel Por ano
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Carro movido a óleo vegetal
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Mini-usina compacta utilizada
no Centro Paranaense de
referência em agroecologia,
região de Curitiba
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44 | semfronteiras
agrícolas, aumentando sua renda e gerando
riquezas”, adiantou o diretor de engenharia
da Copel, luiz antonio rossafa. o estudo foi
encomendado pelo governador roberto requião.
Mestrado em bioenergia
Com a expansão da produção de biodiesel
no estado, o Paraná também investe na formação
de pesquisadores para criar competências
regionais e fazer avançar as pesquisas na área de
biocombustíveis. no início deste ano, por iniciativa
da seti e de 12 instituições de ensino superior e
de pesquisa, foi estruturado o curso de mestrado
em Bioenergia. o objetivo do curso, já submetido
à avaliação da Coordenação de aperfeiçoamento
de Pessoal de nível superior (Capes), é formar
pessoal qualificado para atuar em pesquisa e
desenvolvimento e no magistério superior.
umidade, porque estão relacionados à ocorrência
de doenças”, esclarece Paulo henrique Caramori,
especialista em agrometeorologia do instituto.
o óleo extraído de oleaginosas a partir das
pesquisas realizadas pelo iapar é testado numa
usina semi-industrial de produção de biodiesel
instalada no instituto de tecnologia do Paraná
(tecpar), na Cidade industrial de Curitiba, com
capacidade para 500 a mil litros por dia. “o produto
é misturado ao diesel em diferentes proporções e
testado em motores do ciclo diesel”, explica Bill
Jorge da Costa, diretor técnico. a usina é uma das
ações do Programa Paranaense de Bioenergia.
Mercado
no Paraná, três empresas de pequeno e médio
porte, todas em rolândia, norte do estado, têm
autorização da agência nacional de Petróleo (anP)
para produzir biodiesel: a Biolix, com capacidade
de nove milhões de litros por ano; a Big-frango,
com 12 milhões de litros por ano; e a Biopar, com
36 milhões de litros por ano. duas novas usinas
devem ser instaladas no Paraná – uma em Marialva,
no norte, e outra, da Petrobras, em Palmeira, no sul
– elevando a capacidade de produção de biodiesel
no Paraná para 280 milhões de litros por ano
até o final de 2009. nos cálculos da secretaria
estadual de agricultura e abastecimento, esse
volume deverá atender a demanda do estado –
de 120 milhões de litros por ano – e o excedente
poderá ser exportado para outras regiões e até
mesmo para outros países, segundo o engenheiro
agrônomo richardson de souza.
o estudo de viabilidade de produção do
biodiesel, elaborado pela Companhia elétrica do
Paraná (Copel) em parceria com secretarias de
estado, universidades e institutos de pesquisa, deve
sugerir modelos para a instalação de pequenas e
médias usinas de processamento de oleaginosas. “a
idéia é estruturar arranjos produtivos que atendam,
da melhor maneira, os pequenos produtores
Mini-usina compacta utilizada no Centro Paranaense
de referência em agroecologia, região de Curitiba
semfronteiras | 45
a expectativa do Programa Paranaense de Bioenergia é
estender a produção de biodiesel também à agricultura familiar.
de acordo com estudos desenvolvidos pelo governo federal, a
cada 1% de substituição de óleo diesel por biodiesel produzido
com a participação da agricultura familiar, são gerados cerca
de 45 mil empregos no campo. “a produção de oleaginosas em
lavouras familiares faz com que o biodiesel seja uma alternativa
importante para a erradicação da miséria no país, pela
possibilidade de ocupação de enormes contingentes de pessoas”,
afirma o agrônomo richardson de souza.
outra ação planejada pelo governo estadual é instalar mini-
usinas de extração de óleos vegetais a frio, por meio de prensagem
mecânica, no interior, para atender pequenas cooperativas e
associações de produtores que produziriam combustível para
suas máquinas. o primeiro protótipo já está em operação na
Colônia Witmarsum, em Palmeiras, apoiado pela rede evangélica
de assistência social. a usina extrai o óleo a frio, com pequenas
prensas. o processo não inclui produtos químicos, como solventes,
e garante o aproveitamento das tortas para alimentação humana
e animal. também estão em operação as mini-usinas de Pitanga,
na associação dos trabalhadores da Cidade e do Campo), e de
Curitiba, no Centro de referência em agroecologia (CPra).
a produção de etanol também poderá contribuir para a
integração de pequenos produtores ao mercado. a Cooperativa
Mista de Produção, industrialização e Comercialização de
Biocombustíveis do Brasil ltda (Cooperbio), na região de
redentora, no rio grande do sul, por exemplo, está implantando
um projeto-piloto de produção de biocombustíveis associada à
lavoura de alimentos em pequenas propriedades em parceria
com a Petrobras. serão nove microdestilarias, cada uma delas
com capacidade para processar o equivalente a sete toneladas
de cana por dia para a produção de 500 litros de álcool. três já
estão em operação.
esse projeto piloto reúne 15 mil famílias de pequenos
produtores de soja, milho, feijão e fumo e com uma área de
produção de cana que não pode ser superior a dois hectares
por família. a cana é colhida pelos agricultores, moída na
propriedade - com moendas móveis oferecidas pela Cooperbio – e
o suco é transportado para as microdestilarias patrocinadas pela
Petrobras. o bagaço e o vinhoto são utilizados na recuperação do
solo e no trato dos animais.
Mais empregos
para a agricultura
familiar
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Paraná cria uma via de inovação no estudo e aproveitamento da biomassa
Centro Paranaense de Referência em Agroecologia – CPRA (Pinhais) O CPRA, vinculado à Secretaria de Agricultura e
Abastecimento do Paraná, vem usando óleo vegetal obtido a partir do girassol em tratores para testes de rendimento.
Escola Latino Americana de Agroecologia (Lapa) No curso superior de Tecnologia em Agroecologia, professores
e alunos fazem reflexões críticas sobre as fontes de energia, suas possibilidades e seus limites. Nos cursos técnicos,
oferecidos em parcerias com movimentos sociais do campo, são produzidas oleaginosas como o girassol e a mamona.
Fundação Assis Gurgacz – FAG (Cascavel) Promove pesquisas nas áreas de produção de biodiesel com óleos vegetais
e gorduras animais. Também faz testes com motores e realiza estudos de viabilidade técnico-econômico-ambiental de
matérias primas disponíveis no mercado nacional.
Instituto de Tecnologia do Paraná – Tecpar (Curitiba) Referência no Estado, o Tecpar trabalha com fontes
renováveis de energia desde os anos 80. Em sua sede, na Cidade Industrial de Curitiba, estão o Centro de
Referência em Biocombustíveis (Cerbio), da Agência Nacional do Petróleo (ANP), e uma usina própria de
biodiesel com capacidade de produção de 500 a 1000 litros por dia.
Mini usinas comunitárias (Curitiba, Palmeira e Pitanga) São incentivadas pelo governo estadual: a primeira
delas foi instalada na Cooperativa de Witmarsum, no município de Palmeira, sul do Estado. Cerca de 60 grupos
de agricultores participam desse projeto, onde o óleo vegetal prensado a frio é aproveitado como alimento e
como biocombustível. As outras duas funcionam em Curitiba (CPRA) e em Pitanga.
Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento – Lactec (Curitiba)
Testa o biodiesel em geradores de energia elétrica, para uso em locais onde não há rede pública de energia, e
em indústrias, como fonte de emergência. Avalia resultados de desempenho de motores movidos a biodiesel,
encaminhando-os ao MCT. Pesquisa células a combustível, que geram energia a partir de hidrogênio, obtido a
partir de reforma de etanol e metanol, e a emissão de gases não regulamentados por lei. Um gerador movido
a biodiesel abastece parte do prédio.
Granja Colombari (São Miguel do Iguaçu)
A granja de suínos Colombari armazena os dejetos dos animais em um biodigestor de biogás. A energia
produzida é suficiente para abastecer a propriedade e ainda gera um excedente que é enviado à rede pública,
através de uma parceria com a Itaipu e a Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel).
Produção de álcool no Paraná (norte e noroeste do Paraná) Segundo maior produtor de álcool do país, com 30
indústrias do setor, o Paraná produziu 1,6 bilhão de litros de álcool na safra 2007-2008. A atividade está presente em 130
dos 399 municípios do Estado. As lavouras se concentram nas regiões norte e noroeste.
Porto de Paranaguá (Litoral) Abriga o primeiro terminal público de embarque de etanol do país: sua capacidade de
armazenamento é de 37,5 mil m3 do produto. Foi inaugurado em outubro de 2007.
Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG Contará em breve com uma planta piloto para geração de
biocombustíveis e um laboratório para análises. O objetivo é melhorar o aproveitamento dos resíduos gerados na síntese
de biodiesel e desenvolver novas tecnologias para produção de catalisadores.
46 | semfronteiras
Universidade Estadual de Londrina – UEL Estuda a otimização da reação de transesterificação, com a mistura
de catalisadores para melhorar o rendimento do processo de obtenção do biodiesel. Uma outra rota de obtenção
de biocombustível, a pirólise catalítica (craqueamento) de óleos vegetais, também é objeto de pesquisa. A diferença
é que esta reação não precisa do álcool e não gera sub-produtos como a glicerina, apresentando-se como uma
solução interessante para pequenos empresários e agricultores.
Universidade Estadual de Maringá – UEM Pesquisa o biodiesel e executa plantas de produção que ficam à disposição de
empresários. Desenvolve nanocatalisadores, faz ensaios e análises do óleo. Também estuda o reaproveitamento dos subprodutos
do biodiesel, bem como as linhagens especiais empregadas na produção do etanol.
Universidade Estadual do Centro-oeste – Unicentro (Guarapuava) Resultado de uma parceria com um grupo de empresários
da região, a usina piloto Lumabio já publicou vários trabalhos científicos na área de biocombustíveis. Está instalada na Incubadora
Tecnológica de Guarapuava.
Universidade Estadual do oeste do Paraná – Unioeste
- Biodigestores (oeste do Paraná – Toledo)
Estuda o potencial de produção de energia renovável no meio rural, particularmente de biomassa vegetal e de resíduos rurais.
Graças a esse trabalho, algumas propriedades do oeste do Estado já contam com biodigestores que processam os resíduos
orgânicos de suínos e bovinos para geração de biogás e biofertilizantes.
Universidade Federal do Paraná – UFPR A produção de biodiesel, a otimização de processos, o uso de co-produtos como a
glicerina, a torta e o farelo de óleo vegetal e de compósitos plastificados com amido e glicerol estão entre as principais pesquisas
da instituição. Além disso, desenvolve catalisadores e polímeros alternativos para uso em células a combustível. No Laboratório de
Energia da Biomassa, pesquisa-se o potencial da biomassa florestal como fonte para a matriz energética. Há ainda estudos sobre o
uso de resíduos de madeira como combustível renovável para o setor industrial, especialmente para produção de vapor e energia
elétrica, e projetos relacionados à atualização de tecnologias de produção de briquetes de resíduos florestais e de briquetes de
carvão vegetal.
Pró-Natureza Limpa (Toledo) Graças a esse projeto, resultado de uma parceria entre a Unioeste e a Prefeitura de Formosa do
Oeste, famílias poderão receber incentivos para separar o lixo orgânico de outros materiais. O lixo que iria para um aterro sanitário
servirá de matéria prima para geração de energia elétrica e térmica. Todos os equipamentos usados pelo projeto foram construídos
com material de ferro-velho.
Companhia de Energia Elétrica do Paraná – Copel (Curitiba) Com o objetivo de diversificar e descentralizar a matriz energética
paranaense, a Copel está investindo em novas tecnologias de fontes renováveis de energia. Está prevista a instalação de pequenas
e médias usinas de processamento de oleaginosas, bem como a estruturação de arranjos produtivos que aumentem a renda de
pequenos produtores agrícolas. Também serão formadas parcerias com usinas de álcool e açúcar para a construção de pequenas
centrais termelétricas. As usinas, de até 120 MW, produzirão eletricidade a partir do bagaço de cana.
Instituto Agronômico do Paraná – Iapar (Londrina) Pesquisa culturas de oleaginosas com potencial para
produção de biodiesel, como amendoim, girassol, nabo forrageiro, colza, mamona, tungue e pinhão-manso.
As pesquisas incluem o zoneamento agrícola, o manejo do solo, o melhoramento de materiais genéticos e
o controle de doenças. Também são feitos testes de prensas para extração de óleo e análise de viabilidade
econômica para cada cultura. O instituto destaca-se ainda na produção de sementes básicas e certificadas, a fim
de disponibilizar os materiais genéticos aos produtores do Paraná. Também há estudos para o aproveitamento
das tortas residuais para alimentação animal.
Pesquisas desenvolvidas nas universidades e institutos Paranaenses na área da Bioenergia revelaM CoMPetênCias eM várias frentes e tiraM a Produção aCadêMiCa do anoniMato.o oBJetivo é enContrar soluções que diversifiqueM a Matriz energétiCa, diMinuaM a dePendênCia dos CoMBustíveis fÓsseis e reduzaM a eMissão de Poluentes.
a seguir, alguns exeMPlos dessa Produção:
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Rio de informações
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Pesquisadores da unioeste e da ueM PreParaM
catálogo da ictiofauna do Baixo iguaçu
rodrigo aPolloni
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Rio de informações desde a primeira vez em que foi descrito por um viajante
europeu, no século 16, até o início do século 21, o Baixo iguaçu
– área da bacia hidrográfica compreendida entre união da
Vitória e foz do iguaçu – sofreu transformações importantes.
tais mudanças – definidas, fundamentalmente, pela construção
de reservatórios de usinas hidrelétricas e pela introdução de
espécies exóticas de peixes – implicaram em efeitos sobre
a fauna. nos últimos anos, pesquisadores de universidades
paranaenses vêm realizando um importante trabalho de
detecção e análise desses efeitos. ele inclui o levantamento
e descrição das espécies – assim como um grande número
de trabalhos científicos em áreas como taxonomia, ictiologia,
limnologia, gestão ambiental e engenharia de pesca.
semfronteiras | 49
um desses projetos resultará na publicação,
em breve, de um catálogo da ictiofauna do
Baixo iguaçu. o responsável, professor gilmar
Baumgartner – doutor em ecologia de ambientes
aquáticos continentais e coordenador do
grupo de Pesquisas em recursos Pesqueiros
e limnologia da unioeste, campus toledo –
explica que o levantamento começou em 1994,
por pesquisadores da ueM. “a partir de 2003
começamos a avaliar dois reservatórios de usina
da tractebel e, em 2006, iniciamos um trabalho
com a copel que abrange o trecho compreendido
entre salto caxias e união da Vitória”, explica.
ao todo, o monitoramento abrange oito
reservatórios - salto do Val, foz do areia, segredo,
derivação do Jordão, santiago, cavernoso,
caxias e chopim 1 - e alguns afluentes do Baixo
iguaçu. entre pesquisadores da unioeste e do
núcleo de Pesquisas em limnologia ictiologia
e aqüicultura (nupélia) da ueM, cerca de 80
pessoas participam do trabalho. além de fazer
coletas, as equipes também trabalham com
materiais coletados anteriormente. os espécimes
vêm sendo detalhadamente examinados,
medidos e fotografados.
o catálogo, explica Baumgartner, trará
informações sobre 83 espécies de peixes –
número que pode aumentar, uma vez que o
estudo ainda está em andamento. “o objetivo
é atingir dois públicos, o científico e o leigo,
que inclui estudantes e praticantes de pesca
desportiva. o trabalho, portanto, vai auxiliar em
duas frentes: no gerenciamento e na formação
de consciência ambiental”. a parte científica
trará um manual de identificação com todas as
características de cada espécie; a parte voltada
ao público leigo, informações sobre a biologia,
reprodução, hábitos alimentares e distribuição
espacial na bacia hidrográfica. a obra será
oficialmente apresentada durante o xViii
encontro Brasileiro de ictiologia, que acontece
em janeiro de 2009 em cuiabá (Mt).
Endemismo
Para a pesquisadora carla simone Pavanelli,
pós-doutora em sistemática, curadora do nupélia
e participante do projeto, o trabalho ganha em
importância na razão em que se está examinando
de forma específica o Baixo iguaçu. “É uma fauna
que apresenta uma série de peculiaridades e
difere, por exemplo, da fauna da bacia do rio
Paraná e de qualquer outra bacia.”
gilmar Baumgartner ressalta a riqueza da
fauna estudada. “as características do iguaçu
acabaram por determinar o desenvolvimento de
espécies endêmicas, ou seja, que só existem ali.
algumas, inclusive, estão adstritas a pequenos
trechos do rio”, salienta gilmar. a “descoberta”
dessas espécies representa, em si, uma enorme
riqueza de conhecimentos.
até o momento, as pesquisas revelaram
coisas importantes. cerca de 10% das espécies
catalogadas, por exemplo, jamais foram descritas.
as espécies “novas”, porém, permanecerão
sem nome científico no catálogo. isso acontece,
explica carla Pavanelli, em função de alguns
requisitos necessários ao “batismo científico”
de uma espécie, dentre os quais a publicação da
descoberta em revistas científicas internacionais.
“as descrições estão sendo feitas em separado.
assim, as que tiverem saído antes da publicação
M E I O A M B I E N T E
50 | semfronteiras
ao todo, 15 espécies exóticas foram identificadas,
dentre elas o tucunaré, peixe-rei, carpas, tilápias,
dourado, pintado e caxara. “em minha avaliação,
essa é a grande surpresa do estudo. essas espécies,
que podem ter sido introduzidas no rio de forma
deliberada ou por acidente, ameaçam as espécies
originárias. nossa grande preocupação é com o
tipo de substituição que pode acontecer no meio
ambiente”, pondera gilmar.
do catálogo serão incorporadas à obra. as demais
serão elencadas sem nome científico, mas com
todas as informações necessárias para que se possa
identificá-las, checar se são mesmo novas espécies e
chegar até elas na natureza.”
Impacto
a pesquisa também revelou o impacto da
introdução de espécies exóticas no Baixo iguaçu.
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Apareiodon vittatus –
canivete
Astyanax sp B - lambari
do rabo vermelho
Bryconamericus ikaa –
pequira
Pimelodus britskii -
mandi pintado
Pimelodus ortmanni –
mandi
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a relação entre hidroelétricas e pesquisas de
ictiofauna não é gratuita. a partir do momento em que
ocorrem alterações significativas em um curso de rio,
fatalmente são verificadas mudanças nas populações
de peixes. “a lei ambiental exige o monitoramento desse
impacto”, explica gilmar Baumgartner. “nos estudos
anteriores, o objetivo era mais o de levantamento das
espécies.
com a construção dos reservatórios, passamos,
também, a avaliar o impacto e a buscar subsídios para
o manejo das populações.” e que tipo de impacto já foi
verificado no Baixo iguaçu? como a bacia hidrográfica
não possui espécies migradoras, ele foi minimizado.
Mesmo assim, há registro de aumento do número de
indivíduos de algumas espécies – caso, por exemplo,
de certos tipos de lambaris. o estudo não identificou,
porém, reduções significativas de indivíduos das
espécies originárias do próprio rio.
Da demanda energética à pesquisa de impacto ambiental
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Urbanizaçãoimpõe novos desafios
O Brasil é um dos países mais ricos do mundo em água doce.
Seus rios totalizam vazões médias anuais de quase 180 mil metros
cúbicos por segundo, ou o mesmo que 72 piscinas olímpicas por
segundo – volume que corresponde a aproximadamente 12% da
disponibilidade mundial. Segundo a Agência Nacional das Águas
(ANA), a quantidade de águas em território nacional seria suficiente
para atender cerca de 57 vezes a demanda atual e abastecer uma
população de até 32 bilhões de pessoas (quase cinco vezes a
população mundial).
Os desafios são inúmeros: o maior rio do Paraná, o rio Iguaçu,
ilustra bem essa constatação. Ele nasce na Região Metropolitana
de Curitiba e acaba 1.300 quilômetros depois, nas Cataratas do
Iguaçu, em Foz do Iguaçu, região oeste do Estado. Mais de 1.200
quilômetros de suas águas estão em boas condições, segundo
a Superintendência de Desenvolvimento de Recursos Hídricos
e Saneamento Ambiental do Paraná (Suderhsa), que há mais
de 40 anos faz o monitoramento da qualidade da água dos rios
paranaenses. O maior problema está nos seus primeiros 70
quilômetros: ao atravessar a capital e seu entorno, o Iguaçu
ainda padece de problemas comuns aos grandes centros urbanos
brasileiros (segundo a Companhia de Saneamento do Paraná,
85% da população de Curitiba conta com serviços de coleta e
tratamento de esgoto).
cerca de 12% dos recursos hídricos
Mundiais estão no Brasil, Mas os
desafios não ParaM de crescer
caMilla toledo
semfronteiras | 55
Ocupações irregulares e poluição
“Ligações irregulares de esgoto e falta de
saneamento básico representam a maioria dos
problemas na área de recursos hídricos no Brasil,
somados ainda às ocupações em área de manancial
e à poluição das indústrias”, explica Eduardo Gobbi,
professor doutor em Engenharia Ambiental da
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atualmente,
pouco mais da metade (54%) dos domicílios
brasileiros contam com coleta de esgotos, informa
a Agência Nacional de Águas. Nas regiões com
maiores coberturas – como na região hidrográfica
do rio Paraná – os índices se aproximam de 70%
Já nos rios do interior do Estado, os problemas
são pontuais e típicos de regiões agropecuárias.
“O processo erosivo, a expansão da produção
agrícola, a retirada de matas ciliares, o lançamento
de agrotóxicos e de dejetos de animais são alguns
dos fatores de degradação da qualidade de rios
nas regiões dedicadas à produção de alimentos no
Brasil”, detalha o professor.
Além das águas superficiais, muitas localidades
recorrem às águas subterrâneas para abastecimento
público. Sob o território paranaense, encontram-se 11
aqüíferos, dentre os quais destacam-se o Serra Geral,
o Caiuá – amplamente utilizado para abastecimento
público – e o Guarani. Este último possui mais de 1,2
milhão de quilômetros quadrados espalhados por
oito estados brasileiros, além de Argentina, Paraguai
e Uruguai, onde estão armazenados cerca de 48 mil
quilômetros cúbicos de água. Na opinião do geólogo
Everton de Souza, presidente da Câmara Técnica
de Águas Subterrâneas, do Conselho Nacional de
Recursos Hídricos, e vice-presidente da Associação
Brasileira de Águas Subterrâneas (ABAS), os maiores
desafios estão na identificação dos usuários e na
ausência de uma rede eficiente de monitoramento
da qualidade e quantidade dessas águas.
“Hoje, no país, muitos poços ainda são
perfurados de forma clandestina, sem cadas-
tramento ou outorga dos órgãos ambientais,
em grande parte por falta de conscientização
da sociedade. Portanto, podemos dizer que
desconhecemos a totalidade de informações
fundamentais para uma boa gestão, como a
quantidade e a qualidade da água disponível ”,
afirma o geólogo. Para superar estes desafios,
Everton aposta na construção dos planos de
recursos hídricos. “Eles irão integrar a rede de
monitoramento de recursos subterrâneos com
a de recursos superficiais e reconhecer suas
interconexões”.
Mundo moderno e urbano
Devido às dimensões continentais do Brasil,
os ciclos hidrológicos são muito variados e diferem
de região para região. “Nas regiões Sul e Sudeste,
por exemplo, não existem períodos tão definidos
como nas demais regiões do Brasil, em que as fases
são bem características e podem até mesmo ser
denominadas de estação da seca ou das chuvas”,
explica o engenheiro civil especialista em gestão de
recursos hídricos, Edson Manassés. “Os ciclos são
permanentes em suas regiões; o que muda são as
demandas”, afirma. Neste sentido, a urbanização
é sempre um grande desafio para a gestão das
águas no Brasil. Além da ocupação irregular de
mananciais, que compromete a qualidade da água,
a impermeabilização do solo e a construção de
calçadas e pavimentação de ruas, conseqüências
desse processo, reduzem a infiltração da água
no solo e diminuem a recarga dos aqüíferos. Os
desmatamentos e a erosão também influenciam
negativamente o ciclo hidrológico.
O crescimento das cidades traz ainda outra
preocupação: com a impermeabilização do solo
também é necessário aumentar o potencial de
escoamento da água para evitar enchentes. Isto
é feito através da drenagem pluvial que direciona
M E I O A M B I E N T E
56 | semfronteiras
a água da chuva a locais onde o lançamento destas
vazões pode ser feito, geralmente rios e lagos. “A
implantação de galerias pluviais em áreas urbanizadas,
através de tubulações, canais, bocas de lobo e bueiros
é a metodologia mundialmente utilizada”, destaca o
engenheiro civil especializado em gestão de recursos
hídricos, Carlos Alberto Galerani. “A tendência da
grande maioria dos projetistas é aliar essas galerias à
implantação de bacias de detenção, que tem função
inversa às galerias pluviais: deter o escoamento na
fonte ou onde ele é produzido e, com isso, diminuir a
ocorrência de cheias”, completa.
Ele ressalta que as cheias são um processo
natural do rio. “Elas se tornam enchentes quando
a população ocupa uma área de escoamento do
rio que não deveria estar ocupada”, comenta. Uma
das alternativas apontadas pelo especialista é a
implantação de políticas públicas que favoreçam
a saída das famílias desses locais ambientalmente
inadequados para ocupação urbana. Além de trazer
prejuízos ambientais e econômicos, as enchentes
colocam a saúde da população em risco. Por isto,
a drenagem se apresenta como um dos quatro
pilares do saneamento básico – os outros três são
o abastecimento de água, a coleta e tratamento de
esgoto e a coleta e a disposição final de lixo.
LEgIsLaçãO tardIa
Antes da gestão participativa que reconhece a água como elemento essencial à saúde da população e ao desenvolvimento sustentável, os recursos hídricos foram, por muito tempo, administrados apenas por setores que os aproveitavam comercialmente.
entre 1910 e 1940, o modelo de propriedade conjunta terra-água era a tônica da gestão da água, que não era regulada pelo poder público.
É criado em 1934, o Código das Águas, trazendo profundas alterações no Código Civil.
A primeira legislação contemplando o tema água foi redigida somente em 1981, quando os impactos da urbanização já apresentavam conseqüências negativas como enchentes e piora na qualidade da água. É então criada a lei da política nacional do meio ambiente.
É sancionada em 1997, a lei das águas, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e prevê a participação popular. A instância superior do sistema é o Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Surgem, na seqüência, os sistemas estaduais de gerenciamento e os conselhos estaduais de recursos hídricos
Atualmente, a gestão participativa e descentralizada se dá através dos comitês de bacias hidrográficas. Já a execução do planejamento fica a cargo das Agências de Bacias.
Atualmente, apenas duas bacias hidrográficas em rios de domínio da União fazem a cobrança do uso da água: Paraíba do Sul e a Piracicaba-Capivari-Jundiaí, conhecida como PCJ. Em rios de domínio estadual a cobrança ocorre em São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará. A questão é polêmica.
Cálculos da Câmara Técnica de Cobrança do Comitê do Alto Iguaçu-Afluentes do Alto Ribeira indicam que a cobrança pelo uso da água em todas as 16 bacias hidrográficas paranaenses poderia direcionar, a cada ano, entre R$ 17 milhões e R$ 25 milhões à melhoria da qualidade dos rios.
JoSÉ LUIz SCRoCCARo, Diretor Operacional
de Águas da Suderhsa
“a gestão ParticiPatiVa É,
seM dúVida, uMa forMa de
garantir os usos MúltiPlos
das águas seM PreJuízos às
futuras gerações”.
semfronteiras | 57
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I N O VA Ç Ã O
58 | semfronteiras
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São evidentes os contrastes existentes no campo
da ciência e tecnologia, no Brasil. O país se destaca
como um dos países que mais produzem artigos
científicos no mundo (é o 15º, à frente de nações como
Suíça e Suécia), ao mesmo tempo, ainda tem um
ambiente pouco favorável à inovação tecnológica está
na 43ª colocação, segundo definiu recentemente o
Economist Intelligence Unit, braço de pesquisas
macroeconômicas da revista britânica The
Economist.
O avanço na produção científica brasileira é
inegável. Em 1970, foram publicados 64 artigos (0,019%
da produção mundial). Neste ano, a participação
chegou a 2,02%. Nessas três décadas, enquanto o
total mundial pouco mais que dobrou, o montante
brasileiro cresceu mais de 250 vezes, o que lhe
permitiu chegar às primeiras colocações do ranking.
E isso em um país que investe apenas 1% do PIB em
ciência e tecnologia, enquanto a Coréia do Sul e boa
parte dos países que apresentam maior crescimento
no campo científico aplicam cerca de 3%.
Esse bom desempenho indica que, apesar do
baixo investimento, os mecanismos que estimulam
essas publicações – em especial a avaliação a que
são submetidos os programas de pós-graduação nas
instituições de ensino, principal origem dos artigos
– têm sido eficientes. Se o crescimento da ciência
brasileira continuar – e nada indica que haverá
mudanças nessa área – a expectativa é que o Brasil
alcance a 10ª posição dentro de 10 anos.
Academia e iniciativa privada
Contudo, se o desempenho nos últimos anos
é positivo e a perspectiva, otimista, o que leva a The
Economist a considerar o Brasil um ambiente pouco
favorável à inovação? Uma primeira pista vem da
qualidade desses artigos, refletida no chamado
“ranking de impacto”, ou seja, o quanto esses artigos
servem como referência mundo afora.
Esse ranking é elaborado com base no índice
médio de citações por autores de cada país, e é liderado
por Estados Unidos, Canadá e Reino Unido. Sob esse
ponto de vista, o desempenho brasileiro se assemelha
ao de países em estágio similar de desenvolvimento,
como México e Argentina. A comparação com a
Irlanda, por exemplo, é interessante, já que esse país
tem três vezes menos artigos que o Brasil, mas é duas
vezes mais citado.
Outro indicativo vem da baixa integração
entre a academia e a iniciativa privada. O professor
universitário e consultor Cláudio Roberto Vicente, da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), fez
sua tese de mestrado exatamente sobre esse tema,
indicando como a gestão relacionamento-cliente
(CRM) pode ser utilizada pelas instituições científicas
como forma de aproximação com a indústria.
Um dos dados apurados por Vicente é
sintomático: enquanto apenas 12% dos engenheiros
e cientistas brasileiros estão alocados em pesquisa
e desenvolvimento industrial, esse índice é de 79%
nos Estados Unidos e de 55% na Coréia – país que,
há 25 anos, tinha indicadores de ciência e inovação
Mudanças em curso
Consolidação da polítiCa naCional de inovação,
CalCada prinCipalmente na lei do Bem, é uma dessas
mudanças
romeu de Bruns
semfronteiras | 59
similares aos nossos, mas com um programa de
investimentos pesados em educação e na criação de
institutos de pesquisa (eram pouco mais de 40 e hoje
já passam de 10 mil), passou a competir em pé de
igualdade com as economias mais desenvolvidas do
planeta. “A Coréia fez o que o Brasil precisa fazer”,
resume Vicente.
Essa pouca integração universidade-indústria
se reflete no baixo número de patentes que o Brasil
registra. Sobre isso, mais uma vez vale o exemplo
da Coréia. Nos anos 1980, empresas coreanas e
brasileiras registravam em média 80 patentes por
ano nos EUA. Hoje, enquanto a Coréia faz mais de
6 mil registros por ano, o Brasil não passa de 200;
a Universidade de Campinas (Unicamp), campeã
nessa área, sugere que algo não vai bem nessa
relação. A questão não é nova: de um lado, critica-
se o isolamento da universidade; de outro, deve-se
chamar a atenção para a inapetência das empresas
brasileiras em investirem em inovação.
De modo geral, as empresas costumam alegar
falta de incentivos. Porém, vale destacar que a
Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), ligada ao
Ministério da Ciência e Tecnologia, disponibilizou R$
450 milhões em recursos não reembolsáveis para
projetos inovadores, no ano passado. Desse montante,
um terço não chegou a ser repassado porque os
projetos apresentados não foram adequadamente
elaborados, o que é sinal de que muitas empresas
não estão preparadas para acessar esses recursos.
Lei do Bem
Apesar disso, as fontes entrevistadas são
unânimes em reconhecer que está em curso uma
mudança cultural no país, com a consolidação de
política nacional de inovação, calcada na Lei 11.196, de
2005 (lei do bem), Lei 10.973, de 2004 (lei de inovação
tecnológica), além das linhas de financiamento do
BNDES, Fundos Setoriais e iniciativas de âmbito
estadual.
“O investimento em inovação tecnológica e
científica tem que ser bastante coordenado, não vai
ser um órgão governamental sozinho que mudará
o quadro. Temos que popularizar mais a ciência e a
sociedade é o principal ator no processo”, afirma o
coordenador geral de Programas Estratégicos da
Capes, Luciano de Azevedo Soares Neto.
Ele tem percorrido o país nos últimos meses
divulgando a chamada pública MEC-MCT-MDIC,
uma fonte de recursos para projetos de inovação
científica e tecnológica sem prazo para se encerrar.
Um dos diferenciais dessa forma de financiamento
é que ela permite às empresas se associarem a
instituições científicas públicas para desenvolverem
suas propostas. Além de dois processos em fase final
de análise, outros 114 estão inscritos – isto em apenas
quatro meses. “Temos sido contatados por instituições
do país inteiro”, comemora Soares Neto.
O coordenador da Agência Paranaense de
Propriedade Industrial (APPI), abrigada no Núcleo
de Inovação Tecnológica (Nitpar), da Secretaria de
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), Marcus
Julius Zanon, reconhece que o tempo de registro
de uma patente no país ainda é muito demorado.
“Enquanto aqui a concessão de uma patente pode
levar até oito anos, na Espanha a demora é de três
anos, chegando a dois nos casos de urgência”, afirma.
• deduções de imposto de renda e da contribuição
sobre o lucro líquido (Csll) de gastos efetuados
em atividades de p&d.
• redução do imposto sobre produtos industrial-
izados (ipi) na compra de máquinas e equipamen-
tos para p&d.
• depreciação acelerada desses bens.
• amortização acelerada de bens intangíveis.
Principais incentivos da Lei do Bem
• redução do imposto de renda retido na
fonte incidente sobre remessa ao exterior
resultantes de contratos de transferência de
tecnologia.
• isenção do imposto de renda retido na fonte
nas remessas efetuadas para o exterior, des-
tinadas ao registro e manutenção de marcas,
patentes e cultivares.
60 | semfronteiras
“Mas o Brasil vem passando por um processo de
modernização da área de propriedade industrial na
última década”.
Desde 2005, o Instituto Nacional da Propriedade
Industrial (INPI) triplicou o número de pessoal (os
examinadores de patentes passaram de 110 para os
atuais 295, com previsão de chegar a 400 até o final
do ano) e eliminou da fila de espera cerca de 100 mil
processos só de registro de marcas. Por esta razão
espera-se que o estoque de processos iniciados há
mais de cinco anos seja zerado até meados de 2009.
“O problema maior, no entanto, é que há
demandas novas. O Brasil pressiona para aderir ao
chamado Protocolo de Madri, acordo que permite a
integração de sistemas, fazendo com que o mesmo
registro de marca ou patente tenha validade em
quase uma centena de países”, informa Júlio Zanon.
Esse crescimento da demanda é, portanto, a principal
motivação para que o sistema de registro de patentes
no Brasil se equipare aos padrões internacionais.
outra importante fonte de inovação reside nos institutos científicos. no Brasil, eles
desempenham papel relevante no que diz respeito aos avanços tecnológicos, como é o
caso da embrapa no desenvolvimento do setor agropecuário, do ita e da embraer no setor
aeroespacial, da Coope, da ufrJ, na prospecção de petróleo em águas profundas, Butantan
e fiocruz na saúde, entre outros. “o papel dos institutos de pesquisa é fundamental na
transferência de conhecimento pois normalmente eles estão mais conectados com o mercado
e a sociedade”, afirma Bill Jorge da Costa, diretor técnico do tecpar, instituto paranaense
que se dedica principalmente às tecnologias industriais básicas (prestação de serviços como
análises, ensaios e calibrações) nos segmentos industriais e agrícolas, desde os anos 1940.
os institutos nacionais de Ciência e tecnologia, que substituirão os institutos do
milênio, do Conselho nacional de desenvolvimento Científico e tecnológico (Cnpq) devem
reforçar o setor. eles foram anunciados pelo ministro sérgio rezende na 60ª reunião anual
da sociedade Brasileira para o progresso da Ciência (sBpC), em Campinas. o programa, que
terá r$ 270 milhões do governo federal nos três primeiros anos, poderá contar com recursos
totais de r$ 400 milhões se somada a participação de outros ministérios, de agências
estaduais de amparo à pesquisa e de entidades como o Banco nacional de desenvolvimento
econômico e social (Bndes). “os institutos do milênio conseguiram excelentes resultados,
mas têm recursos muito limitados. os institutos nacionais vão substituí-los com mais
sustentabilidade. vamos entrar em uma fase de sistematização e de consolidação do apoio
à ciência e à tecnologia”, disse rezende. o novo programa já tem participação garantida do
Bndes, dos ministérios da saúde e da educação e das fundações de amparo à pesquisa de
são paulo (fapesp), rio de Janeiro (faperj) e minas Gerais (fapemig).O p
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semfronteiras | 61
Vista aérea do
Instituto de
Tecnologia do
Paraná, em Curitiba
I N O VA Ç Ã O
62 | semfronteiras
Apostando no futuropolítiCas púBliCas para a área de CiênCia, teCnoloGia
e inovação inCluem a miCro e a pequena empresa
I N O VA Ç Ã O
A micro e a pequena empresa são as que mais geram empregos
no país. No Paraná, de acordo com a Secretaria de Estado da Fazenda,
dos 218 mil estabelecimentos inscritos no cadastro de contribuintes do
ICMS, 169 mil (77,5%) são pequenas e micro empresas. Um dos fatores
condicionantes do sucesso deste setor é o acesso a novas tecnologias: por
isso, políticas públicas que visam a maior sustentação do setor vêm sendo
ampliadas nos últimos anos no país e no Estado.
Em 2004, foi criado o programa Paraná Inovação, que funciona por
meio de um acordo entre a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior (SETI), a Rede Paranaense de Incubadoras e Parques Tecnológicos
(Reparte) e o Ministério da Ciência e Tecnologia/Finep, e tem recursos
da ordem de R$ 8 milhões, divididos entre o governo federal e estadual.
Desde a sua criação, o programa já financiou 70 projetos nas áreas de
agronegócio, biotecnologia, energia e saúde, em praticamente todas as
regiões do Estado. Entre os projetos concluídos estão: um cateter urinário,
charque de galinha poedeira e um software para gestão de energia.
“O Paraná Inovação fomenta projetos de pesquisa e desenvolvimento
de produtos e processos inovadores, empreendidos por pesquisadores
e em cooperação com empresas de base tecnológica com vocação para
a inovação e a utilização de técnicas avançadas ou pioneiras, e isto é
fundamental para o sucesso da micro e pequena empresa”, disse a secretária
Lygia Pupatto durante o lançamento do terceiro edital do programa, no
final de julho deste ano, cujos recursos somam R$ 3,9 milhões.
A preocupação com o acesso às novas tecnologias e com a geração de
novos postos de trabalho no segmento inovação também está embutida em
dois programas criados recentemente: o Sistema Brasileiro de Tecnologia
(Sibratec), anunciado em novembro de 2007 pelo presidente Luís Inácio
Lula da Silva, e o Extensão Tecnológica Empresarial, uma das atividades
do programa Universidade sem Fronteiras, anunciado no início deste ano
pela secretária. Neste caso, o diferencial é o público – exclusivamente
municípios com baixo índice de desenvolvimento humano.
semfronteiras | 63
Incubadoras tecnológicas
Ao oferecer um ambiente encorajador e infra-
estrutura de serviços necessários ao desenvolvimento
de empreendimentos inovadores, as incubadoras
tecnológicas também têm desempenhado papel
fundamental junto à micro e pequena empresa. No
Paraná, por exemplo, muitas empresas de sucesso no
mercado nacional e internacional já desenvolveram
produtos inovadores na Incubadora Tecnológica
do Tecpar (Intec), nas incubadoras instaladas nas
universidades estaduais de Londrina (UEL), Maringá
(UEM), Ponta Grossa (UEPG), Guarapuava (Unicentro)
e Cascavel (Unioeste), e nas incubadoras associadas à
Reparte. Os produtos desenvolvidos nesses ambientes
vão desde infra-estrutura em telecomunicações,
softwares, automação industrial até esportes e lazer.
Uma das instituições de ensino de maior tradição
no campo do desenvolvimento de tecnologias aplicadas
é a Universidade Federal Tecnológica do Paraná
(UTFPR), que conta com 10 campi e 16 mil alunos
espalhados pelo estado. Ao todo, são desenvolvidos,
por ano, cerca de 200 projetos de cunho tecnológico
e outros 60 de cunho social, com empresas parceiras.
A infra-estrutura conta com cinco pré-incubadoras
(chamadas de hotéis tecnológicos) e cinco incubadoras
que ao longo dos últimos anos graduaram 57 empresas
e geraram casos de sucesso como a Esystech, a única
companhia brasileira fora do eixo São Paulo-São José
dos Campos com projeto aprovado pela Financiadora
de Estudos e Projetos (Finep) na modalidade de
adensamento da cadeia aeroespacial.
Na avaliação da professora Isaura Alberton
de Lima, pró-reitora de Relações Empresariais e
Comunitárias da UTFPR, tanto as parcerias com
empresas de desenvolvimento de projetos incubados
quanto o da Esystech são exemplos de como o
Conhecimento, criatividade e ousadiaProdutos gerados nas incubadoras instaladas nas universidades estaduais mostram como
anda a criatividade dos empreendedores paranaenses. Alguns exemplos:
Software
Entre os produtos desenvolvidos pela empresa
Guenka, na Incubadora Internacional de Empresas
de Base Tecnológica da Universidade Estadual de
Londrina (Intuel), estão os sistemas de gestão em-
presarial, controle de produção e gerenciamento de
equipe de vendas. Uma equipe de 14 funcionários cria
softwares para uma empresa multinacional, fornece-
dora de sistemas para montadoras automobilísticas. Automação industrial
Na Incubadora Tecnológica de Maringá, a Skin Tech criou
um sistema de automação para máquinas industriais de lavar
roupas. Sua principal vantagem é que o funcionário não precisa
ter contato com os produtos químicos usados na lavagem. Este
é o primeiro sistema automatizado que permite que sejam usa-
dos produtos em pó no lugar dos produtos líquidos. Um programa
faz a dosagem dos químicos e controla todo o funcionamento
das máquinas, informando por um monitor em que etapa está
o processo. O sistema atende máquinas de lavar hospitalares,
industriais e de hotelaria. Há uma unidade em teste no Hospital
Universitário da UEM.
64 | semfronteiras
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conhecimento gerado na universidade é transferido
para a sociedade. “O contato com as empresas é
muito importante para a academia, porque permite
transformar problemas reais em temas de estudo”, diz.
Para facilitar a aproximação com a iniciativa privada, a
Universidade Federal do Paraná (UFPR) criou o Portal de
Relacionamento (www.relacionamento.ufpr.br/portal),
em que é possível acessar um banco de patentes com
as tecnologias desenvolvidas pela instituição. Até o
momento, são 40 patentes cadastradas. Uma delas
é o projeto de biotecnologia que utiliza feromônios
para atrair insetos e, desta forma, combater pragas
agrícolas sem o uso de pesticidas. “A idéia do portal
é unir a visão dos empresários com o conhecimento
dos pesquisadores”, diz o coordenador da iniciativa,
Wanderley Veiga.
Na Pontifícia Universidade Católica (PUC-PR), a
I Mostra de Pesquisa e Inovação, realizada em 2007,
viabilizou 30 projetos que já estão sendo negociados
com empresas. “A mostra faz parte de um leque de
iniciativas que inclui também a construção de um
parque tecnológico, a exemplo do que já existe na
PUC do Rio Grande do Sul. A idéia é atrair e fomentar
empresas de base tecnológica”, afirma Marco Antônio
Barbosa Cândido, superintendente da Associação
Paranaense de Cultura, instituição mantenedora da
PUC-PR. Atualmente, a PUC paranaense detém 228
termos de parceria com empresas localizadas no
Paraná, Santa Catarina e São Paulo, além de algumas
estrangeiras. Nos cálculos de Cândido, esse volume
deverá crescer 58% neste ano. A II Mostra de Inovação,
em setembro, contou com 155 projetos ⎯ 31% a mais
do que no ano passado. Em 2007, foram 10 patentes,
além de sete depósitos de registro de software e 90
marcas registradas. “De maneira geral, a integração
entre academia e setor produtivo é uma tendência
que veio para ficar”, garante.
Indústria têxtil
Em vez de exportar o fio de seda cru, que tem
baixo valor agregado, a empresa Bisa Overseas, de
Maringá, vem exportando cachecóis de seda para
a França. O projeto Seda Justa foi desenvolvido na
Incubadora Tecnológica da Universidade Estadual de
Maringá e o objetivo é proporcionar uma alternativa
de renda às famílias produtoras do casulo de bicho-
da-seda na Vila Rural Esperança. A tecnologia de
beneficiamento do fio de seda segue o conceito de
comércio justo: a rede Artisans du Monde compra os
produtos e paga diretamente às artesãs.
Telecomunicações
A HI Technologies, empresa instalada na Incu-
badora Tecnológica de Curitiba (Intec), desenvolveu
o OpenVida, sistema de telemedicina que permite
o monitoramento dos sinais vitais dos pacientes
em tempo real, através de qualquer computador
conectado à internet, por meio de senha. Esse acom-
panhamento também pode ser feito em ambulâncias
e na casa dos pacientes. Já foi implantado no Hospi-
tal Pilar, em Curitiba.
semfronteiras | 65
(RR, HM e RB)
A Incubadora Tecnológica de Curitiba
(Intec) já graduou 34 empresas,
responsáveis pela criação de mais de
70 produtos e pela geração de cerca de
280 empregos diretos. Foi a primeira
incubadora tecnológica do Paraná e
está instalada no Instituto de Tecnologia
do Paraná (Tecpar). Conta, atualmente,
com 11 projetos incubados.
Brasil: 400 incubadoras, em 25 estados
Empresas graduadas: cerca de 1500
Parques tecnológicos em operação: 10
Empresas instaladas nos parques: cerca de 150
Empregos diretos gerados por incubadoras e parques tecnológicos: cerca de 33 mil
Taxa de mortalidade: abaixo de 20%
Total de empresas vinculadas: mais de 6.300 empresas
Faturamento estimado das empresas graduadas nas incubadoras: R$ 1,6 bilhão
Estimativa de impostos gerados anualmente: R$ 400 milhões
Faturamento estimado das empresas incubadas: R$ 400 milhões
Custo médio para geração de empresa inovadora: R$ 70 mil por empresa
Números que crescem
Fonte: Anprotec/2007
66 | semfronteiras
O Núcleo de Inovação Tecnológica
do Paraná (Nitpar) facilita o acesso das
instituições de pesquisa aos incentivos
oferecidos pela lei de inovação. Para isso, o
núcleo abriga a Agência Paranaense de Pro-
priedade Industrial (APPI), que dissemina a
cultura de PI e orienta os pesquisadores a
proteger os resultados inovadores; a Rede
de Inovação e Prospecção Tecnológicas
para o Agronegócio (Ripa Sul), que atua na
criação e consolidação de indicadores de
avaliação e de impacto dos investimentos
em CT&I para o agronegócio no Paraná; e a
Rede Paranaense de Incubadoras e Parques
Tecnológicos do Paraná (Reparte), que co-
ordena incubadoras e parques tecnológicos.
NITPAR
Incubadoras no Paraná
Fonte: Reparte/2008
21 incubadoras associadas à Reparte
1 incubadora em vias de se associar (Universidade Positivo)
2 incubadoras em formação (Francisco Beltrão e Guaíra)
349 empresas/ projetos hoje são residentes ou não residentes nas incubadoras do Estado
Entre 2000 e 2008:
115 pedidos de patentes e/ou pedidos de registro de propriedade intelectual foram feitos
730 produtos foram gerados por empresas/ projetos incubados
283 postos de trabalho foram gerados durante a incubação; destes, 80 são empresários
ou diretores de empresa
Mais de R$ 5 milhões foi o faturamento durante o período de incubação
165 empresas foram graduadas
147 projetos ou empresas foram inviabilizados
661 empresas e/ ou projetos ingressaram no processo de incubação
semfronteiras | 67
Sede da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior, onde funciona o NITPAR
h u m a n i d a d e s
68 | semfronteiras
Festa no pedaçociméa bevilacqua
fotos bruno stock
semfronteiras | 69
As conseqüências do crescimento acelerado
dos grandes centros urbanos brasileiros são bem
conhecidas: déficit habitacional, falta de saneamento
básico, aumento dos níveis de poluição, colapso do
sistema de transporte. A deterioração dos espaços
e equipamentos públicos, acompanhada de índices
alarmantes de violência, conduz a uma crescente
privatização da vida coletiva e ao esvaziamento das
formas de sociabilidade. Enfim, as cidades vão mal,
ninguém duvida do diagnóstico. Ou melhor, quase
ninguém.
“É evidente que não há como negar os
inúmeros problemas das grandes cidades, mas será
que este cenário degradado esgota o leque das
experiências urbanas?”, questiona o antropólogo
José Guilherme Cantor Magnani, professor da USP.
“As metrópoles contemporâneas não podem ser
vistas simplesmente como cidades que cresceram
demais e desordenadamente, potencializando fatores
de desagregação”, sugere o professor, para quem a
própria escala das metrópoles propicia a criação de
novos padrões de sociabilidade e de outros espaços
para os rituais da vida pública.
Mas se vai longe o tempo em que os vizinhos
instalavam cadeiras nas calçadas para apreciar
o movimento e colocar a conversa em dia, é
preciso aprender a identificar e compreender as
dinâmicas características das metrópoles atuais.
“Contrariamente às visões que privilegiam, na análise
da cidade, as forças econômicas ou as decisões
dos planejadores, proponho partir dos próprios
moradores, mas não como indivíduos isolados e
submetidos a uma inevitável massificação”, explica
Magnani. “A experiência urbana comporta diferentes
arranjos coletivos, seja nas esferas do trabalho e
das estratégias de sobrevivência, seja no âmbito da
religiosidade, do lazer e da cultura, que se expressam
no uso cotidiano do espaço, dos equipamentos e das
instituições da cidade.”
estudos do núcleo de
antropologia urbana da usp
propiciam uma compreensão
renovada da vida urbana e
dos valores contemporâneos
para além dos diagnósticos
alarmistas
h u m a n i d a d e s
70 | semfronteiras
A investigação desses arranjos característicos
das grandes metrópoles tem sido, nos últimos
vinte anos, a tarefa do Núcleo de Antropologia
Urbana da Universidade de São Paulo (NAU-USP),
coordenado por Magnani e reconhecido como um
dos principais centros de excelência da antropologia
brasileira. Tendo como fundo comum a atenção às
experiências cotidianas e a convivência prolongada
com os grupos pesquisados – um olhar “de perto e
de dentro”, expressão utilizada por Magnani para
diferenciar a perspectiva antropológica de outros
enfoques –, esses estudos têm propiciado uma
compreensão renovada da vida urbana e dos valores
contemporâneos, para além dos diagnósticos
alarmistas e dos grandes números.
O lazer, da periferia ao centro
Um dos primeiros exemplos, que remonta a
meados dos anos 1980, é a pesquisa que deu origem
à tese de doutoramento de Magnani e ao livro Festa
no Pedaço: Cultura Popular e Lazer na Cidade,
hoje um clássico da antropologia urbana brasileira.
Contrariando a visão então corrente no universo
acadêmico, para a qual o lazer era uma questão de
pouca relevância no cotidiano dos trabalhadores
pobres, a pesquisa registrou um amplo e variado
leque de usos do tempo livre nos finais de semana
dos bairros de periferia: circos, bailes, festas de
batizado, aniversário e casamento, torneios de
futebol de várzea, quermesses, comemorações e
rituais religiosos, excursões de farofeiros. “Naquele
universo monótono e carente, quando lido apenas
na chave da pobreza ou da exclusão, havia uma
extensa rede de entretenimento que, embora
não tivesse o brilho e a sofisticação das últimas
novidades da indústria do lazer, ia muito além
da mera necessidade de reposição das forças
despendidas durante a jornada de trabalho”,
recorda Magnani.
verdurada reúne
straight edges,
punks e drag
queens, entre outros
representantes de
tribos urbanas
semfronteiras | 71
Uma das principais contribuições da
experiência na periferia de São Paulo foi revelar a
importância daquilo que os moradores chamavam
de pedaço, espaço intermediário entre o privado
e o público, até então ignorado pela literatura
acadêmica. Surgiu daí o interesse em investigar o
que aconteceria nas regiões centrais, percorridas
diariamente por milhares de pessoas: seriam esses
espaços anônimos, distantes da vizinhança, o
avesso da sociabilidade?
A disposição dos pesquisadores do NAU
para percorrer a pé centenas de quilômetros
pelas ruas de São Paulo e consumir muitas horas
de observação atenta revelou um quadro muito
diferente da conhecida imagem da metrópole
inóspita e impessoal. “Os freqüentadores dos
espaços de encontro e lazer das regiões centrais
da cidade não necessariamente se conhecem, mas
se reconhecem como portadores dos mesmos
símbolos que remetem a gostos, orientações,
valores, hábitos de consumo e modos de vida
semelhantes”, explica Magnani. “Gangues, bandos,
turmas, galeras exibem – nas roupas, nas falas, na
postura corporal, nas preferências musicais – o
pedaço a que pertencem”.
Tribos urbanas?
A presença na paisagem das grandes cidades
contemporâneas de grupos de jovens que se
diferenciam pela aparência física, pelos padrões
de consumo e pelos lugares que freqüentam,
não é propriamente uma novidade. A diferença
apontada por um grande projeto de pesquisa
desenvolvido pelo Núcleo de Antropologia Urbana
sobre jovens na metrópole, que já produziu
estudos sobre straight edges, góticos, pichadores
e baladeiros evangélicos, entre outros, é que esses
renan felipe
candido, adepto do
movimento straight
edge em festa na
casa do estudante
universitário72 | semfronteiras
grupos estão longe de corresponder à noção
de tribos urbanas – metáfora proposta nos anos
1980 pelo sociólogo francês Michel Maffesoli, e
rapidamente popularizada na mídia, que evoca
comunidades efêmeras, localizadas e desprovidas
de organização, constituídas pela adesão a algum
modismo.
Em vez de partir de um elenco qualquer
de itens de consumo, os pesquisadores do NAU
privilegiaram as relações sociais e sua inscrição
nos espaços da cidade. Com isso, foi possível
perceber que esses grupos de jovens não somente
são dotados de regularidade e organização, mas
também que não são comunidades localizadas e
exclusivistas. Ao contrário, desenvolvem redes de
sociabilidade e formas de troca com outros grupos
com os quais, à primeira vista, não teriam nada em
comum.
Um exemplo particularmente interessante é
o trabalho desenvolvido pela pesquisadora Bruna
Mantese de Souza sobre jovens que se auto-
identificam como straight edges. Surgidos como
uma variante do movimento punk, com o qual
ainda compartilham a rejeição ao capitalismo, o
estilo musical e o visual característico – piercings,
tatuagens e outras modificações corporais –, os
straight edges se singularizam por proibições
expressas quanto ao uso de drogas e à ingestão
de bebidas alcoólicas e pela adesão a uma versão
radical do vegetarianismo, o veganismo. Se
essas características pareceriam suficientes para
definir os straight edges como um grupo exótico,
confinado a algum gueto obscuro, a pesquisa
mostrou que eles têm presença visível no cenário
urbano e participação ativa em sua dinâmica, por
meio de relações com uma série de outros grupos
em diferentes contextos.
Por sua posição contrária ao consumo de
todo e qualquer produto de origem animal, as
festas do grupo são denominadas verduradas –
em contraposição às costumeiras churrascadas
ou cervejadas. É isso o que explica o vínculo
aparentemente paradoxal que os straight edges
mantêm com os Hare Krishna, muitas vezes
encarregados da comida que é servida em suas
festas. Além disso, por seu estilo de vida e opção
política, os straight edges também freqüentam
espaços vinculados aos movimentos anarquista
e ambientalista. Desse modo foi possível mapear
um extenso circuito freqüentado pelo grupo,
com seus pontos de preferência na cidade, mas
também identificar a incidência de seu estilo de
vida particular sobre espaços institucionais já
existentes e sobre a própria oferta de produtos de
alguns estabelecimentos comerciais.
h u m a n i d a d e s
verdurada na
casa do estudante
universitário, em
curitiba
semfronteiras | 73
grafite nos muros de curitiba
74 | semfronteiras
semfronteiras | 75
Outro pesquisador do NAU-USP, Alexandre Barbosa
Pereira, escolheu como tema um grupo capaz de
despertar as mais furiosas acusações de irracionalidade:
os pichadores, em sua maioria jovens moradores de
bairros periféricos que se deslocam constantemente para
deixar suas marcas no centro da cidade. “A pichação é um
fenômeno que deve ser estudado sem preconceitos para
que se possa apreender um pouco mais sobre o modo
como os seus autores se organizam no espaço urbano”,
afirma Pereira.
O estudo mostrou que as marcas deixadas pelos
pichadores em muros e edifícios, garatujas sem sentido
para quem não participa desse universo, expressam
elaborados códigos de pertencimento e reconhecimento.
“O pichador, de um modo geral, não quer se comunicar
com a cidade, embora acabe fazendo isso, mas sim se
comunicar com os outros pichadores na cidade”, constata
Pereira.
Além dessa comunicação inscrita na arquitetura
urbana, os pichadores também mantêm pontos de
encontros em regiões centrais, onde regularmente trocam
papéis assinados com as marcas que picham pela cidade
e se informam sobre os lugares pichados, as situações
difíceis passadas com a polícia e sobre o bairro em que
cada um mora. O point também é um espaço de resolução
de conflitos, surgidos principalmente quando um pichador
interfere nas marcas deixadas por outro.
Um dos aspectos mais surpreendentes da pesquisa,
porém, foi constatar o grande esforço dos jovens
pichadores em preservar uma memória da pichação. As
assinaturas de pichadores famosos e os convites para
festas são cuidadosamente colecionados em pastas, ao
lado de matérias de jornais e revistas sobre pichação.
Para esses jovens, tornar-se assunto na imprensa é algo
que aumenta a fama entre os parceiros e consolida uma
reputação. “Por isso mesmo, reportagens condenando a
pichação têm um efeito contrário ao esperado”, explica
Pereira. “Em vez de desestimularem a prática, acabam
motivando ainda mais o pichador a tentar ter sua marca
divulgada em algum meio de comunicação.”
h u m a n i d a d e s
76 | semfronteiras
Cuidadores de idosos: o país precisa desta profissão
h u m a n i d a d e s
o número de idosos na américa
latina vai quadruplicar
entre 2005 e 2050 e superar a
população jovem em 30%
A atividade é tão rara no Brasil, e tão nova,
que até uma palavra pouquíssimo usada teve de
ser resgatada dos dicionários para descrevê-la.
Cuidador é a pessoa que cuida de quem precisa, é
claro. No caso, porém, o objeto do cuidado é que é
preocupação nova nas políticas públicas brasileiras.
E não porque, de repente, a população tenha
começado a viver mais.
De acordo com o IBGE, em 1980, 3% da
população brasileira estavam com mais de 60 anos.
Em 2006, os idosos já somavam 10%, cerca de 17
milhões de pessoas. O ritmo do envelhecimento
da população é preocupante para quem trabalha
pela criação de uma rede de proteção social para o
idoso. Dados do Portal do Envelhecimento, mantido
pela PUC de São Paulo, mostram que a população
brasileira em geral cresce 1,2% ao ano; ao mesmo
tempo, a população idosa está crescendo num
ritmo superior a 3%.
Segundo a Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (Cepal), o número de
idosos no nosso subcontinente vai quadruplicar
entre 2005 e 2050 e superar a população jovem
em 30%. Basicamente são dois os motivos:
aumento na expectativa de vida e diminuição da
taxa de fecundidade feminina latino-americana. De
5,9 filhos, em 1950-1955, a taxa chegou, atualmente,
a 2,4 filhos por mulher. A esperança de vida alcança
hoje, em média, 73,4 anos para ambos os sexos.
miriam karam
fotos: bruno stock
semfronteiras | 77
Viver melhor
chega-se, então, à conclusão lógica: quanto mais
idosos, mais precisamos de cuidadores, e de políticas
públicas que permitam um envelhecimento saudável à
população. ou seja, já vivemos mais, o desafio agora é
viver melhor. o problema é que, no brasil, as políticas e
os serviços para idosos não têm prioridade, diferente
do japão, onde a aposentadoria chega bem mais tarde,
o respeito pelos mais velhos é maior e o país está bem
equipado com serviços de apoio.
dados do ministério da saúde dão conta que
80% dos idosos são cuidados por mulheres da família,
as quais também têm idade avançada. Há dois tipos
de cuidadores – o profissional, geralmente técnico de
enfermagem, que recebe por isso – e o familiar, que
não é bem treinado.
a dificuldade, explica a presidente do conselho
estadual dos direitos da pessoa idosa, schirley follador
scremin, é que o cuidador ainda não é uma profissão
no brasil. é apenas uma ocupação não regulamentada
que enfrenta resistência de algumas entidades, o que
está atrasando a aprovação do mec.
a secretaria da educação (seed-pr) chegou a
fazer concurso público para completar a necessidade de
professores para criar o curso técnico de formação de
cuidadores, um curso pós-médio com 1,2 mil horas/aula.
“sempre há algum problema quando o curso é novo,
porque as pessoas demoram um pouco para entender”,
diz a representante da secretaria da educação no
conselho, bernadete dal molin schenatto.
bernadete tem esperança que o curso comece
a ser ministrado já no próximo ano, em dez escolas
estaduais que demonstraram interesse. esse será,
então, o primeiro curso formal de cuidadores do brasil,
assim como o paraná também foi pioneiro ao incluir
nos livros didáticos temas sobre o envelhecimento, o
estatuto do idoso e o respeito ao idoso.
78 | semfronteiras
Cursinho rápido
Medidas governamentais, elaboradas pelo
governo federal, ainda são poucas e tímidas. O
Estatuto do Idoso foi escrito em 2003 e, no ano
seguinte, foi criada a Política Nacional de Saúde
do Idoso. Mas quase nada aconteceu de fato. A
campanha nacional de vacinação, talvez a primeira
e única ação concreta que apresenta resultados, é
o grande exemplo brasileiro, reconhecido até no
exterior.
Neste ano, em junho, o Ministério da Saúde
lançou o Guia Prático do Cuidador, uma espécie
de cursinho rápido para tratar de pessoas de
idade avançada. O manual tem ilustrações e
linguagem simples, permitindo aos profissionais
da saúde orientar as pessoas que cuidam de
idosos e proporcionar mais segurança a esses
trabalhadores. O material explica, por exemplo,
como proceder em caso de engasgo, queda ou
maus-tratos. Foram impressos 30 mil exemplares.
Como se vê, há outro desafio: o de formar
pessoal para cuidar do idoso, uma vez que
os trabalhadores da saúde não são treinados
especificamente para isso. Enquanto a figura
do cuidador profissional não se torna comum, a
solução caseira é a que prospera, a mesma que
resolve a vida de muitas mães e seus bebês.
Em muitas delas as duas situações se cruzam e
se completam num mesmo domicílio. Quando é
possível.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA) revela um dado doloroso: um total de 27%
dos idosos precisa de ajuda diária. Um número
considerável de homens e mulheres com mais
de 80 anos, cerca de 270 mil, é incapaz sequer
de andar ou subir poucos degraus. Precisam de
ajuda para tudo.
semfronteiras | 79
pesquisa feita pelo serviço social do
comércio (sesc) e pela fundação perseu abramo
revela que 88% dos idosos contribuem para a
renda familiar, e muitas vezes o idoso é o principal
provedor da família. também o censo 2000 do
ibge verificou que 62,4% dos idosos brasileiros
são responsáveis pelas famílias que viviam em
suas casas. em 2000, 20% dos domicílios tinham
um idoso como responsável, com idade bem
próxima dos 70 anos. as duas pesquisas trazem
outros dados curiosos e/ou impressionantes.
cerca de um terço dos idosos brasileiros vive com
netos e 16% são responsáveis por sua criação.
a responsabilidade pelo sustento da casa está
extremamente concentrada nos ombros dos
idosos com renda mais inferior.
Responsabilidade demais,atenção de menos
Por que envelhecemos?
Tudo começou com os antibióticos, logo seguidos por outros avanços das ciências da saúde. No século
passado, os países desenvolvidos conseguiram retardar o envelhecimento e aumentar a expectativa média
de vida humana ao nascer. Vencida a morte prematura, a expectativa média de vida da população americana
passou de 47 anos no começo dos anos de 1900 para a média de 77 anos no final do século – 75 anos para os
homens e 80 para as mulheres.
80 | semfronteiras
no brasil, as políticas e os serviços para idosos
não têm prioridade, diferente do japão, onde
o respeito pelos velHos é maior e o país está
equipado com serviços de apoio
semfronteiras | 81
Caminhos do Pelourinho na Vila Nossa Senhora da Luz
M E M Ó R I A
Columna Menio
Em sEu Vocabulário Português E latino (1712-1728)
raPhaEl blutEau dEfinE PElourinho como uma
EsPéciE dE coluna, Em algum lugar Público da ci-
dadE ou Vila, Em final dE jurisdição, quE tEm dE
ExErcitar justiça com PEna dE mortE.
PElourinho também rEsPondE ao quE antigamEntE
Em roma sE chamaVa columna, E algumas VEzEs
culumna mEnio, PorquE um cErto homEm chamado
mEnio mandou lEVantar junto das suas casas uma
coluna sobrE a qual, Em ocasião dE EsPEtáculos
Públicos, armaVa-sE com tábuas um PalanquE, dE
ondE os Via.
como a dita coluna EstaVa Em uma Praça dE con-
curso, ladrõEs, criados, maganos E os quE não
tinham com quE Pagar as suas díVidas Por sEn-
tEnça dos juízEs Eram a Ela condEnados, E com
grandE ignomínia ficaVam ExPostos ao ludíbrio
do PoVo, assim como alguns dElinqüEntEs PrEsos
nas argolas dos PElourinhos.
do
cum
ento
s pa
ra a
his
tóri
a P
aran
aen
se (
moy
sés
mar
con
des
– 1
923
/19
26)
Planta da baía de Paranaguá em aquarela, provavelmente de 1653,
representando o que seria uma nova povoação nos campos de
quereytiba segundo alguns e de curitiba segundo outros.
82 | semfrontEiras
fotos: diego singh
Em uma planta da baía de Paranaguá,
provavelmente do ano de 1653, localizada
no Arquivo Ultramarino de Lisboa pelo
historiador paranaense Moysés Marcondes
no início do século XX, aparecem em
primeiro plano a Vila de Paranaguá e logo
acima da serra, mais tarde denominada de
Serra do Mar, os campos de Quereytiba e
uma povoação nova, representada por
duas casas, um cruzeiro, ou uma cruz, e um
pelourinho.
Esta nova povoação, localizada entre o rio Atuba
(hoje Bairro Alto) e o rio Bacacheri, seria a origem
de Curitiba, conhecida por Vilinha e mais tarde por
Vila Velha, e onde havia, talvez em um tosco oratório
ou em uma simples capelinha, a imagem de Nossa
Senhora da Luz. Nessa região, os moradores teriam
ficado pouco tempo, transferindo-se, por volta de
1660, para o local atualmente conhecido como Praça
Tiradentes, no centro de Curitiba.
A Vilinha teria sido o “ponto final” dos
caminhos das minas de ouro. De acordo com as
indicações feitas no mapa português, foi em 1639
que o general das canoas de guerra Eleodoro Ébano
Pereira anunciou ao seu superior, o capitão-mor da
Vila de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá,
Gabriel de Lara, ter descoberto ouro nos “campos
de Quereytiba” como se dizia antigamente.
Testemunhas por ele inquiridas dez anos mais tarde,
durante um auto (cerimônia pública) realizado em 20
de setembro de 1649, confirmaram a descoberta nos
“ribeiros dos campos de Curitiba” segundo alguns ou
nos “ribeiros de Curiitiba” segundo outros.
Para o pesquisador José Carlos Lopes Veiga,
estudioso da obra de Júlio Moreira, esse auto em
manuscrito é o documento mais antigo de que se
tem notícia sobre as origens do nome da cidade de
Curitiba. A cópia do original (guardado no Arquivo
de Lisboa) está sob os cuidados
do Instituto Histórico e Geográfico
do Paraná. “Este documento deve
contribuir para esclarecer muitas
dúvidas sobre as origens da cidade”,
diz o pesquisador. Um segundo auto
para exame e vistoria no “Ribeiro das
Pedras” foi iniciado e concluído em
maio de 1650.
Documentação inédita
Em tempos anteriores, o rio Atuba, provável
local da primeira povoação de Curitiba, teria sido
o Ribeiro das Pedras. “O rio Atuba em sua parte
inferior percorre região de banhados, alagadiças, e
não sabemos se havia pedras, o que só ocorreria em
suas partes mais altas, próximas às suas cabeceiras”,
afirma o pesquisador. Recentemente, ele encontrou,
no primeiro tabelionato de notas de Curitiba, duas
escrituras lavradas no final do século XVIII referentes
à paragem Arruda, que seria um quarteirão do
município de Colombo, onde foi fundada a colônia
Antônio Prado.
Na primeira escritura, de 15 de setembro de 1788,
o capitão José de Andrade e sua mulher venderam
para Manuel Vaz Torres e Antônio Ribeiro Batista 500
braças de terras que haviam comprado do capitão
Luís Gomes na paragem ao pé da Campina do Arruda,
que de uma parte corria o rumo da cabeceira do rio
de Atuva. Na segunda escritura, de 14 de janeiro de
1793, Pedro Rodrigues Pinto vende a Manuel
Machado de Oliveira 200 braças de terras
lavradias na mesma paragem.
Conforme ainda o pesquisador,
um detalhe interessante que chama
atenção é que a paragem Arruda
tinha início exatamente na subida do
semfrontEiras | 83
Padroeira de curitiba
Espora da época
Ribeirão das Pedras, “correndo a testada rumo do
este até entestar nos cantos das terras e linha de
Manuel Vaz Torres, servindo esta linha a um e outro,
da divisa seguindo até o segundo córrego que dividia
este ao comprador e Antônio Ribas”.
Levantamento do Pelourinho
Moravam nos campos de Curitiba, entre ou-
tros, Baltazar Carrasco dos Reis e o capitão Mateus
Martins Leme, que mais tarde receberia o título de
Capitão Povoador. A comprovação está nas cartas de
sesmaria concedidas a ambos em 1661 e em 1668,
respectivamente, pelo capitão-mor e governador
do Rio de Janeiro e capitão-mor e governador de
Paranaguá. Segundo essa documentação, as terras
de um acabavam quando começavam as de outro,
nas bandas do rio Mariguy, ou seja, nos campos do
novo povoado de Nossa Senhora da Luz.
Como já havia um razoável número de famílias
morando na região, estas queriam a criação de
uma vila, mas só conseguiram o levantamento do
pelourinho, em 1668. Gabriel de Lara levantou o
pelourinho mas não convocou eleições para formar
a Câmara e não escolheu outras autoridades além de
Mateus Leme para administrar a nova vila.
Documentos históricos encontrados pelo
pesquisador comprovam que o pelourinho da Vila de
Nossa Senhora da Luz - que era de madeira - chegou
a ser usado para fixar editais da Câmara Municipal,
cujas sessões ocorriam numa igrejinha na Praça
cantil da época
ferraduras da época
arca das três chaves. século xViii. Primeira urna eleitoral da municipalidade
84 | semfrontEiras
Tiradentes, centro de Curitiba, onde hoje se encontra
a Catedral Metropolitana. Um desses editais solicitava
que ninguém pagasse ordenado “ao reverendo
vigário” uma vez que “era a Câmara que recebia o dito
dinheiro para fazer o pagamento e quem o fizesse
seria condenado em 6$000 e trinta dias de cadeia”.
José de Toledo violou a recomendação do Senado da
Vila de Curitiba e foi preso. Na sessão de 27 de julho
de 1734 o condenaram em 6$000, mas aliviaram a
prisão de trinta dias que constava no edital.
Quanto ao uso do pelourinho para exibição e
castigo de criminosos, o pesquisador José Carlos
Lopes Veiga afirma que não encontrou nenhum
registro histórico a respeito.
A criação da Vila
Em 24 de março de 1693, os moradores da
povoação de Nossa Senhora da Luz e Bom Jesus
dos Pinhais, dizendo que esta já estava bastante
crescida “por já possuir mais de noventa homens, e
quanto mais crescia a gente se iam fazendo maiores
desaforos, andando todos com as armas na mão, e
de que em diante seria pior, por não haver justiça
na dita povoação”, pediram a Mateus Leme, em um
documento, que houvesse justiça.
Em 29 de março de 1693, reuniu-se o povo na
igreja de Nossa Senhora da Luz e Bom Jesus dos
Pinhais em atendimento ao despacho dado pelo
capitão Mateus Leme, o qual disse que era justo tal
pedido, e que se nomeassem os oficiais e realizassem
eleição. Foram então nomeados os juízes, vereadores,
o procurador do conselho e o escrivão da Câmara.
grade de ferro da antiga cadeia da praça da matriz de curiti-
ba, atual Praça tiradentes. foi usada também na antiga cadeia
pública de campo largo, construída em 1991.
o pelourinho da Vila
de nossa senhora
da luz dos Pinhais
era de madeira. a
comprovação está
na receita e despesa
da câmara municipal
referente ao ano de
1704, onde consta:
“por um pelourinho
novo que se fez que
o outro apodreceu e
caiu 2$560”.
qu
adro
de
Eu
ro b
ran
dão
semfrontEiras | 85
Entre fevereiro e junho deste ano, enquanto
obras de revitalização eram feitas na Praça Tiradentes,
em Curitiba, uma equipe de arqueólogos fazia es-
cavações no local. Foi revelada uma calçada formada
por grandes blocos de pedra, do século 19, que agora
pode ser vista no local através de um piso de vidro.
Num mergulho mais profundo, os arqueólogos da
Universidade Federal do Paraná resgataram objetos
deixados no local em períodos tão antigos quanto o
da formação da cidade. Do século 17, foram encontra-
dos utensílios cerâmicos feitos por indígenas, materi-
ais bélicos, como cartuchos e cápsulas, e ferraduras,
pois o local funcionava como um ‘estacionamento’ de
cavalos e carroças. Também surgiram materiais mais
recentes, como faianças industrializadas portuguesas
e inglesas, dos séculos 18 e 19. Segundo o professor
Igor Chmyz, do Departamento de Arqueologia da
UFPR e coordenador da equipe, esta foi a primeira
pesquisa arqueológica feita na praça, que é o local
mais antigo da cidade. (HM)
Inventário da memória
PEsquisa: José CArLos LoPes VeigA, a Partir das sEguintEs fontEs: bolEtim do arquiVo municiPal dE curiti-
ba; dicionário houaiss da língua PortuguEsa; arquiVo ultramarino dE lisboa; liVros dE notas do 1º tabElion-
ato dE curitiba; júlio EstrElla morEira: ElEodoro ébano PErEira E a fundação dE curitiba; raPhaEl blutEau:
Vocabulário Português E latino (1712-1728); ruy cristoVam WachoWicz: a gênEsE da ‘urbE’ curitibana”.
Edição: reginA roChA • fotos: Diego singh/ acErVo musEu ParanaEnsE
die
go
sin
gh
86 | semfrontEiras
Em 1980, Sherrie Levine apresenta na Metro
Pictures Gallery, em Nova York, seu trabalho “After
Edward Weston”. São fotografias feitas por Levine de
conhecidas fotos documentais e realistas de Weston,
sem nenhuma intervenção por parte da artista nas
imagens reproduzidas, a não ser o acréscimo de sua
assinatura artística.
A arte da apropriação toma o modelo como um
outro idêntico, ao desencadear a repetição de uma
imagem que, por sua falta de diferença, demanda
com insistência uma explicação para existir. A imagem
repetida “irrita” a imagem anterior, ao levantar uma
série de questões que vão desde o que repetir e por
que repetir até à da censura econômica do copyright.
O deslocamento ocorrido põe em xeque a concepção
tradicional de criação artística e a do trabalho que se
transforma em propriedade.
A situação pode ser vista como uma síntese do
que é tratado nos textos de Mercedes Bunz, crítica
cultural alemã, jornalista e diretora de uma das
mais prestigiosas revistas eletrônicas de música, a
DE:BUG. Suas reflexões levam a uma compreensão
melhor da “logística da duplicação”, considerando-
se principalmente as mudanças resultantes da
tecnologia da cópia digital, uma nova era da
reprodutibilidade técnica.
A cópia digital, enquanto cópia idêntica, inicia
um novo ordenamento topológico do espaço, no qual
mover-se não tem mais o sentido de abandonar um
lugar. Transporte e duplicação superpõem-se: dados
são transportados sem que se distanciem de seu
lugar original; dois “originais” e dois “lugares” podem
multiplicar-se em escala imprevista.
A progressão sem centro também provoca
mudanças na concepção do tempo, uma vez que o
software sempre favoreceu sua expansão, ao não
apresentar nunca um produto acabado, mas apenas
uma versão. A reprodução se instala no interior do
código, no interior mesmo da tecnologia, para redefini-
la segundo uma lógica da repetição e desdobrar,
assim, o potencial utópico da cópia idêntica. Há um
lugar “u-tópico”, sem localização, que escapa às
regras estabelecidas: “a cópia idêntica pode ser lida
como um signo utópico”.
Para Mercedes Bunz, a aproximação entre o
digital e a música é o que mais se assemelha a essa
“utopia”. Ambos, digital e música, subtraem-se a uma
origem e produzem uma instabilidade comum. Assim
como a música, a cópia digital não copia o original
precedente e sim o duplica; armazenar digitalmente
a música significa torná-la multiplicável, pronta a ser
copiada.
Essa situação instável torna-se uma instância
política em que o político é um ato que reordena o
espaço ao tornar visível uma distribuição específica,
uma ordem enquanto tal, retirando-lhe toda
“naturalidade”. Nesse ambiente, a forma do sujeito
não preexiste ao meio, é programada dentro dele.
Trata-se, ao contrário da duplicação especular do
retrato tradicional, de condensar o rastro do sujeito,
Pop e política da cópia
R E s E n h A
bunz, mercedes. La utopía de la copia: el pop como irritación. sel. e trad. cecilia Pavón. buenos
aires: interzona, 2007. 160p.
WandEr mElo miranda
semfrontEiras | 87
sua aparição a partir de dados que permitem calcular
seus movimentos.
A entrada na “sociedade de controle” (Deleuze)
está marcada por esse sujeito flexibilizado. A técnica
da sujeição ou a tecnologia da subjetivação colhe e
recolhe dados por meio dos quais calcula de antemão
a margem de flutuação do rastro que o inscreve
na rede. Se é o rastro que constitui o usuário e o
torna controlável, não é a rede que aliena o sujeito,
a própria figura do sujeito é que está alienada. A
transformação em sujeito implica uma forma de
subjetivação e com ela a sujeição a um determinado
formato visível e, portanto, controlável: o rastro.
Nesse sentido, o sujeito é tematizado como ausência,
a tecnologia é descrita como terreno ameaçador que
precisa ser civilizado — Explorer, Navigator, Outlook...
O momento de resistência começa com a
exposição da alienação, por meio da apropriação de
uma forma que não será tornada própria, mas que
conserva sua alteridade. Por isso, enquanto a arte
da apropriação multiplica a autoria, a cópia digital
(idêntica) por sua vez altera a lógica do original, ao
sair da cadeia descendente entre original e cópia, ao
tornar esta última independente do autor, do fator de
autorização — “basta um clic”.
A arte torna-se porosa, outros campos e
temas podem aparecer em seu interior. Isso é novo
porque esses outros campos já não devem mais ser —
diferentemente da década de 1990 — reformulados
por artistas. A arte já não é mais hegemônica sobre
outros campos, porque beleza e verdade não são
exclusivas da arte; o poder não precisa mais de
fronteiras na sociedade de controle.
Sabemos, por Foucault, que onde há poder há
resistência. Não há mais nenhum fora; não é possível
hoje retirar-se para uma ordem própria. O horizonte
que Mercedes Bunz descortina é o resgate do antigo
conceito de utopia, adaptado às circunstâncias atuais
e apto a alimentar o regime da produtividade. O pop
e a política articulam-se de modo novo. A rebelião
estridente da contracultura é substituída por uma
“forma tênue de irritação”, que vai mais além do que
um projeto idealista: “o pop entendido como rebelião
individual está para uma política do isolamento. O pop
entendido como política dos nichos está para uma
cultura das relações”.
O desenvolvimento da técnica, enfim, não afeta
apenas o modelo do homem contemporâneo, mas
transforma na mesma medida o campo da técnica.
Artistas se declaram máquinas e as mimetizam; a
identidade de artista transforma-se em imagem de
artista. Em última instância, a ciência em si deixa de
ser o outro da estética e torna-se seu material, dá-lhe
materialidade.
Em vista disso tudo, já entramos num outro
admirável mundo novo?
R E s E n h A
Wander Melo Miranda é professor titular de Teoria da Literatura na UFMG.
88 | semfrontEiras
R E s E n h A
L I V R O s
O trabalho apresentado
no livro risco e Prazer
- os jovens e o imag-
inário da AiDs tem
como objetivo a com-
preensão do imaginário
do risco da AIDS entre
jovens e a forma como
eles articulam represen-
tações e ações frente a
essa questão. Esta publi-
cação será um importante instrumento de pesquisa
a todas as áreas do conhecimento relacionadas a jo-
vens e adolescentes.
risCo e PrAzer - os JoVens e o iMAginário
DA AiDs
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criador, aprendizagem e
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O livro tem o propósito
de compreender o homem contemporâneo, o qual
se revela naquilo que produz e reproduz.
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pulso para novas pesqui-
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semfrontEiras | 89
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mento histórico, correntes
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vêm transmitindo às filhas e netas os segredos da
cerâmica, ocupação ancestral, misteriosa e sagrada.
noiVAs DA seCA - CerâMiCA PoPuLAr Do VALe
Do JequitinhonhA
lalada dalglish
Editora unEsP
214 Páginas; 26cm; isbn85-7139-712-0/ 2006
PrEço: 130,00
Esta enciclopédia é a
mais abrangente obra
de referência em design
já composta e permite o
acesso a toda a história
do design moderno, com
listagens de A-Z e com
referências cruzadas.
enCiCLoPéDiA Do Design
mEl byars - tradutorEs: alinE lacErda mEnEgat, andré
dE godoy ViEira, hElEna d. chaVEs barcEllos guasPary
E lEila fErrEira dE souza mEndEs.
Editora unisinos
933 Páginas; 24cm; isbn 1-85669-349-x/2007
PrEço: 390,00
L I V R O s
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Anel de Diamante
Provocados pelo alinhamento entre a lua, o sol e a terra, eclipses solares totais produzem, em fra-
ções de segundos, fenômenos espetaculares. um desses fenômenos é o anel de diamante, que ocorre
no instante imediatamente anterior à totalidade do eclipse, quando as bordas do disco lunar deixam
escapar a luz do sol. imagem similar a da foto obtida pelo astrônomo josé manoel luís da silva, do ob-
servatório astronômico do colégio Estadual do Paraná, em 1994, na cidade de medianeira, no sudoeste
do Paraná, só se repetirá no século xxii. apesar de ocorrerem em determinados lugares da terra a
cada dezoito meses, em média, estima-se que os eclipses solares totais só se repetem numa mesma
localidade a cada 300 ou 400 anos.
2009 Ano Internacional da Astronomia
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