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2 TRANSPARÊNCIA // comportamento

A ética dosegredo

Manter em sigilo certas atitudesnão faz parte só da política:os atos secretos estão naspróprias relações sociais

AutoresLaelie Machado e Omar de Souza

“Minha vida é um livro aberto!” Toda vez que você ouvir alguém dizer isso, desconfie: ninguém é

tão transparente assim. Os segredos têm praticamente a mesma idade das relações humanas e estão presentes em todas as suas

instâncias — na adolescente que confidencia à amiga a paixão que nutre por um rapaz na

escola; no executivo que guarda a informação estratégica capaz de colocá-lo um passo à frente dos concorrentes; ou no empresário que esconde

dos subordinados a situação da empresa. A dificulda-de reside em discernir os limites éticos do sigilo. Se,

por exemplo, a intimidade de um casal é um assunto de ordem inquestionavelmente privada, o que dizer de

um político que, discretamente, se aproveita de brechas legais para empregar parentes ou aumentar os ganhos

além do salário?

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Privacidade, vergonha, estratégia, culpa, fide-lidade, enfim, são muitos os fatores que podem justificar ou condenar um “ato secreto” — expres-são que se tornou corrente quando explodiu a crise no Senado, no meio do ano, após uma série de denúncias de comportamento antiético envol-vendo vários políticos, entre os quais o próprio presidente daquela casa legislativa, José Sarney (PMDB-AM). Inconformado, Sarney acusou a imprensa, que divulgara uma série de decisões administrativas até então mantidas em sigilo, de invasão de privacidade. Mas até que ponto é lícito um representante eleito pelo povo, que toma decisões em nome do povo e com dinheiro do povo, promover “atos secretos”?

Calma. Não se desespere. Guardar um se-gredo ou tomar cuidado com o sigilo em deter-minadas situações não é necessariamente uma coisa negativa. Até o fim dessa matéria você terá tempo para desencanar e entender melhor esse processo.

Comece assumindo esta realidade: os se-gredos fazem parte da vida. Uma contribuição anônima a uma instituição de caridade pode ser considerada um “ato secreto” tanto quanto um caso extraconjugal. A diferença está em três fatores: as motivações do sigilo, as implicações pessoais desse sigilo e os riscos que se corre na eventualidade de esse sigilo ser quebrado.

É justo, além de recomendável e desejável, que um psicanalista não saia por aí expondo as coisas que ouve de seus pacientes. Ele tem a motivação certa, conhece as implicações e pode calcular os riscos e as consequências. É por isso que conta com a confiança das pessoas a quem atende. Em contrapartida, manter algo em segredo também pode ser uma forma de ocultar atitudes destrutivas que, uma vez expostas, levariam a um enorme constrangimento ou mesmo à vergonha.

Segundo o terapeuta sexual João Borzino, o segredo pode ser uma tentativa de substituição de uma fantasia que provoca dor. “Quando se omite algo, intencionalmente ou não, a pessoa está tentando substituir o que lhe é passível de penalização”, explica. Isso é chamado de fan-tasia, pois é algo que o indivíduo acha que os

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outros vão julgar mal, mas nem sempre se refere ao que os outros realmente pensam.

Na política, porém, o segredo tem outra conotação. De acordo com Rogério de Carva-lho, filósofo, professor e consultor em Políticas Públicas, a vida pública não comporta atitudes às escondidas. “Atualmente, os atos públicos exigem muita transparência, como é o caso das licitações e da probidade administrativa”, diz. Para ele, a razão disso consiste em algo simples: as pessoas que realizam atos públicos na administração não o fazem por necessi-dades pessoais, mas porque foram eleitas e representam a coisa pública. Nesse sentido, todo segredo concernente a essa área é ilegal por esconder fatos das pessoas envolvidas ou diretamente interessadas.

O deputado estadual Waldir Agnello também concorda com a necessidade de transparência

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dentro da política. Para ele, não deve haver nada de secreto na vida de um homem público quando se trata dos atos no transcurso do mandato, uma vez que o conceito de segredo já sugere algo errado. “Temos de nos acostumar com a ideia de que ‘prestar contas’ deve ser uma atitude espontânea e desprovida de qualquer reserva”, diz Waldir.

Essa separação entre as instâncias — pública e privada — pode fazer toda a diferença. Fique-mos no mesmo campo: um político não precisa necessariamente revelar ao mundo que tem uma relação difícil com o filho (foro íntimo), mas se ele o emprega no próprio gabinete, a questão passa a ser nepotismo. Roberto Fonseca, jornalista de política do Jornal da Tarde, lembra que, se o político vincula a vida privada com a pública, “o assunto vira notícia de interesse da sociedade”.

Segredos profissionaisA arte de guardar segredos, não é para qual-

quer um. Existem profissões em que a necessi-

dade de manter sigilo é essencial na atuação da atividade. Esse é o caso do padre Adalton Pereira de Castro, ordenado em 1973 e padre na Paróquia Nossa Senhora da Lapa desde 1980. Ele conta que os padres precisam lidar com os segredos do ser humano com muito respeito, pois no catolicismo romano existem penas de dimensão eclesiástica para aqueles que violam ou rompem um segredo de confissão. “Nosso sigilo na confissão é mais do que um mero se-gredo. Ele vai além da materialidade”, explica.

Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos padres no exercício de sua atividade é se ver diante de um confessor que possui caráter duvidoso, e a situação exposta no confessionário envolve e prejudica outras pessoas. Mesmo as-sim, segundo ele, o relato não pode ser revelado. “Se não me é dado o direito de revelar, não posso fazer isso em situação alguma. Não se pode jamais revelar um segredo”, diz o padre Adalton.

Outra atividade que requer forte ética por parte do profissional é a terapia. O doutor João Borzino explica que o sigilo médico é a garantia de que os assuntos conversados no consultório não serão revelados nem comentados com nin-guém. Quando se depara com situações em que o paciente está causando danos a si e a outras pessoas, o médico o orienta a perceber isso e mudar de atitude. Entretanto, o paciente precisa tomar a decisão e ter consciência de que seus erros têm consequências.

A terapia auxilia as pessoas a tratar seus comportamentos errados no mundo exterior seguindo o caminho inverso. “Os pacientes reproduzem na terapia o comportamento que têm com o mundo exterior. Compreendendo e conseguindo se resolver na terapia, devolvem isso para a sua vida”, diz o médico.

Uma contribuição anônima a uma instituição de caridade pode ser considerada um “ato secreto” tanto quanto um caso extraconjugal.

A diferença está nas motivações, nas implicações pessoais e nos riscos que se corre na eventualidade de esse sigilo ser quebrado.

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A colunista social Sonia Lago entende bem o que é lidar com segredos. Quando os atos secretos envolvem artistas famosos, é preciso que o profissional saiba o que é relevante de ser publicado e o que não é. Diretora de uma empresa de eventos e da revista É!, Sonia explica que é preciso ter cuidado para não entrar na vida íntima das pessoas, pois lidar com a vaidade é complicado. “Precisamos conhecer bem quem entrevistamos, o que podemos explorar dela e ter bom senso em tudo, principalmente na pu-blicação dos fatos”, conta a colunista.

Faca de dois gumesMais complicado ainda é quando um “ato

secreto” tem o poder de gerar graves conse-quências em ambas as situações: quando re-velado ou mantido em sigilo. Um filho adotado, uma traição ou perversões sexuais são alguns segredos que envolvem familiares e, descober-tos ou não, causam sofrimento pessoal, entre outros estragos.

Esse foi o caso de Marisa (nome fictício), que descobriu a existência de uma irmã de 48 anos. “Após se tornar viúvo duas vezes, meu pai procurou uma mulher com quem tivera um caso antes do primeiro casamento. Ela nem acreditou quando o viu”, conta Marisa. Luzia (nome fictício) revelou o segredo de quase cinquenta anos: sua filha mais velha era fruto do caso que tivera com aquele homem e ninguém sabia — nem o marido, nem a própria filha. A notícia foi dada no dia em que Luzia foi pedida em casamento, e a surpresa foi geral. “Nós éramos quatro irmãos até desco-brir que tínhamos uma irmã mais velha. Foi um prazer conhecê-la”, diz Marisa.

Seja um profissional que lida com a vida secreta das pessoas, ou um amigo de con-fiança escolhido para guardar o segredo de alguém, envolver-se com informações sigilosas é sempre delicado. Por isso, antes de aceitar que alguém lhe conte algo em confidencialidade ou de fazer secretamente alguma coisa que você não faria em público de maneira alguma, questione-se:

“Por que estou fazendo isso?”É o momento de avaliar suas motivações. Há uma justificativa plausível e ética para o sigilo desse ato ou dessa confidência? Posso dormir tranquilo, sabendo que é justo ou recomendável manter esse segredo?

“O que isso acarretaráem minha vida?”

Esse “ato secreto” provocará culpa ou peso em meu coração? Ele me impedirá de atingir meu potencial? Ele prejudicará minha relação com

as pessoas? Pense nisso com honestidade.

“Quem seráafetado com isso?”Alguém será prejudicado por esse “ato secreto”? Ao fazer isso, estou prejudicando ou lesando outras pessoas? Esse segredo que guardo ou essa atitude que tomo em sigilo tem potencial de produzir sofrimento?

“O que aconteceria se issose tornasse público?”É uma pergunta extremamente importante, ainda que a resposta não signifique necessariamente que o “ato secreto” é lícito ou não. Ela serve como parâmetro para ajudar você a avaliar as consequências e, em última análise, entender até que pondo aquele sigilo se justifica.

“Estou infringindo alguma lei ou pervertendo a ética?”É hora de avaliar o “ato secreto” à luz

dos relacionamentos humanos gerais e fundamentais. Se o segredo em questão (seu

ou de outra pessoa) não passar por essa prova, fuja dele.

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ARIOVALDORAMOS

Filósofo, teólogo e escritor

O dilema

Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, concedida no fim de outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma declara-

ção polêmica ao afirmar que, se tivesse de fazer política hoje no Brasil, até Jesus Cristo teria de buscar aliança com Judas. Independentemente da questão religiosa — o presidente é assim mesmo, gosta de usar imagens populares para fazer comparações de fácil assimilação —, a fala revela o dilema de Lula: por um lado, o governo sofre os ataques da oposição, se esta espera ter alguma chance nas próximas eleições pre-sidenciais, pois a popularidade do presidente continua em alta, com grande chance de fazer o seu sucessor; por outro lado, o PMDB, por mais que tenha se habituado ao fisiologismo, é parte importante na sustentação dessa jor-nada. O presidente precisa dele porque parte dessa caminhada se sustenta no avanço do PAC que, em vários momentos, dependerá do apoio político na Câmara e no Senado.

Por essa razão, o presidente não pode se dar ao luxo de ver a oposição assumir o comando

do Legislativo. E Lula fica sem escolha: tem de sustentar a aliança do PMDB, que pode ser o fiel da balança tanto no momento político atual quanto numa eventual eleição de Dilma Rousseff. Essa aliança pressupõe, inclusive, a indicação de políticos do partido para ocupar cargos-chave no governo e apoio a candidaturas em vários estados. É o preço que o governo tem de pagar.

Isso tudo se reduziria a mera manobra política, se não fosse o PMDB o partido do atual presidente do Senado, José Sarney, velho usuário do sistema e da casa legislativa, com uma longa ficha de abusos, dignos de alguém que se julga plenipo-tenciário. Nas fileiras do PMDB figura também Renan Calheiros, alvo de denúncias, em 2007, de um grande esquema de corrupção. Neste caso, porém, a oposição tem telhado de vidro: Renan foi ministro da Justiça no governo FHC. Mesmo assim, é uma associação incômoda.

E nós, onde ficamos nisso tudo? A maioria dos brasileiros apóia o governo. A sensibilidade social de Lula é notória, coisa que não se perce-be em seus opositores. A pergunta, entretanto, que precisamos responder é a seguinte: seria possível construir uma nação que não seja sustentada em valores sólidos? Tais valores se coadunam com o que estamos assistindo?

A resposta para tais questões é um retum-bante “não”. Sendo assim, não está mais que na hora de tomarmos as rédeas da nação, deixando claro que os programas sociais precisam ser po-líticas de Estado, não podendo ficar à deriva dos vários governos? Não está mais que na hora de nos organizarmos de modo a lembrar aos nossos

prepostos, nos três poderes, de quem concentra o poder?

Neste momento de crise, pre-cisamos assumir que, antes de qualquer programa de governo, precisamos construir uma nação, onde o conjunto dos cidadãos decide e é obedecido.

Seria possível construir uma nação que

não seja sustentada em valores sólidos?

Tais valores se coadunam com o que

estamos assistindo?

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