revista portuguesa de ciÊncias do desporto 2015/2 › _arquivo › rpcd_2015-2.pdf · 2015/2....

55
2015/2 REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO

Upload: others

Post on 27-Jun-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

2015/2REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO

Page 2: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO

ÍNDICE

Nota Editorial — Obrigações

dos académicos e intelectuais:

pensar, agir e intervir

Jorge Bento

Actividade física e consumo

de substâncias tóxicas

em estudantes universitários

José Vasconcelos-Raposo, Pedro Silva,

Carla Maria Teixeira

Análise multidimensional

dos indicadores de rendimento

desportivo de equipas

profissionais de Futebol

Ricardo Belli, Gonçalo Dias, José Gama,

Micael Couceiro, Vasco Vaz

Impacto da orientação às metas

na percepção da eficácia coletiva

no contexto do voleibol juvenil

José Luiz Lopes Vieira, Luciana Ferreira,

Francielle Cheuczuk, José Roberto Andrade

do Nascimento Junior, João Ricardo Nickenig

Vissoci, Lenamar Fiorese Vieira

9

19

34

51

64

78

96

Análise cinemática da corrida

com pés descalços em indivíduos

que normalmente correm calçados:

Impacto da utilização do calçado

sobre a cinemática da corrida

Letícia Parada Moreira, Leonardo Rodrigo Duarte,

Débora Dias Farraretto Moura Rocco,

Alexandre Galvão da Silva

Abordagem empírica da noção

de prontidão motora no contexto

da disciplina de Educação Física

Cláudia Malafaya, Go Tani, José Maia

A Escola e o Desporto

José Augusto Santos

2015/2

Page 3: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS)

Paula Mota (UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO)

Paulo Farinatti (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO)

Paulo Machado (UNIVERSIDADE MINHO)

Pedro Sarmento (UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA)

Ricardo Petersen (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL)

Sidónio Serpa (UNIVERSIDADE TÉCNICA LISBOA)

Silvana Göllner (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL)

Valdir Barbanti (UNIVERSIDADE SÃO PAULO)

Víctor da Fonseca (UNIVERSIDADE TÉCNICA LISBOA)

Víctor Lopes (INSTITUTO POLITÉCNICO BRAGANÇA)

Víctor Matsudo (CELAFISCS)

Wojtek Chodzko-Zajko (UNIVERS. ILLINOIS URBANA-CHAMPAIGN)

FICHA TÉCNICA DA RPCD

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto Publicação quadrimestral da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto [ISSN 1645-0523]

DESIGN E PAGINAÇÃO

Rui Mendonça

COLABORAÇÃO Noémia Guarda

IMPRESSÃO E ACABAMENTO

Greca — Artes Gráficas

TIRAGEM 500 exemplares

FOTOGRAFIA NA CAPA

Juliana Melo, 2015

© A REPRODUÇÃO DE ARTIGOS, GRÁFICOS

OU FOTOGRAFIAS DA REVISTA SÓ É PERMITIDA

COM AUTORIZAÇÃO ESCRITA DO DIRECTOR.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO Faculdade de Desporto da Universidade do Porto Rua Dr. Plácido Costa, 91 4200.450 Porto — Portugal Tel: +351—225074700; Fax: +351—225500689 www.fade.up.pt [email protected]

PREÇO DO NÚMERO AVULSO

Preço único para qualquer país: 20€

A Revista Portuguesa de Ciências do Desportoestá representada na plataforma SciELO Portugal

— Scientific Electronic Library Online [site], no SPORTDiscus e no Directório e no Catálogo Latindex — Sistema regional de informação em linha para revistas científicas da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal.

CORPO EDITORIAL DA RPCD

DIRECTOR Jorge Olímpio Bento (UNIVERSIDADE DO PORTO)

CONSELHO EDITORIAL Adroaldo Gaya (UNIVERSIDADE FEDERAL RIO GRANDE SUL, BRASIL) António Prista (UNIVERSIDADE PEDAGÓGICA, MOÇAMBIQUE)

Eckhard Meinberg (UNIVERSIDADE DESPORTO COLÓNIA, ALEMANHA)

Gaston Beunen (UNIVERSIDADE CATÓLICA LOVAINA, BÉLGICA)

Go Tani (UNIVERSIDADE SÃO PAULO, BRASIL)

Ian Franks (UNIVERSIDADE DE BRITISH COLUMBIA, CANADÁ)

João Abrantes (UNIVERSIDADE TÉCNICA LISBOA, PORTUGAL)

Jorge Mota (UNIVERSIDADE DO PORTO, PORTUGAL)

José Alberto Duarte (UNIVERSIDADE DO PORTO, PORTUGAL) José Maia (UNIVERSIDADE DO PORTO, PORTUGAL) Michael Sagiv (INSTITUTO WINGATE, ISRAEL)

Neville Owen (UNIVERSIDADE DE QUEENSLAND, AUSTRÁLIA)

Rafael Martín Acero (UNIVERSIDADE DA CORUNHA, ESPANHA)

Robert Brustad (UNIVERSIDADE DE NORTHERN COLORADO, USA)

Robert M. Malina (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE TARLETON, USA)

EDITOR CHEFE António Manuel Fonseca (UNIVERSIDADE DO PORTO, PORTUGAL)

EDITORES ASSOCIADOS Amândio Graça (UNIVERSIDADE DO PORTO, PORTUGAL)

António Ascensão (UNIVERSIDADE DO PORTO, PORTUGAL)

João Paulo Vilas Boas (UNIVERSIDADE DO PORTO, PORTUGAL)

José Maia (UNIVERSIDADE DO PORTO, PORTUGAL)

José Oliveira (UNIVERSIDADE DO PORTO, PORTUGAL)

José Pedro Sarmento (UNIVERSIDADE DO PORTO, PORTUGAL)

Júlio Garganta (UNIVERSIDADE DO PORTO, PORTUGAL)

Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE DO PORTO, PORTUGAL)

Rui Garcia (UNIVERSIDADE DO PORTO, PORTUGAL)

CONSULTORES Alberto Amadio (UNIVERSIDADE SÃO PAULO)

Alfredo Faria Júnior (UNIVERSIDADE ESTADO RIO JANEIRO)

Almir Liberato Silva (UNIVERSIDADE DO AMAZONAS)

Anthony Sargeant (UNIVERSIDADE DE MANCHESTER)

António José Silva (UNIVERSIDADE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO)

António Roberto da Rocha Santos (UNIV. FEDERAL PERNAMBUCO)

Carlos Balbinotti (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL)

Carlos Carvalho (INSTITUTO SUPERIOR DA MAIA)

Carlos Neto (UNIVERSIDADE TÉCNICA LISBOA)

Cláudio Gil Araújo (UNIVERSIDADE FEDERAL RIO JANEIRO)

Dartagnan P. Guedes (UNIVERSIDADE ESTADUAL LONDRINA)

Duarte Freitas (UNIVERSIDADE DA MADEIRA)

Eduardo Kokubun (UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA, RIO CLARO)

Eunice Lebre (UNIVERSIDADE DO PORTO, PORTUGAL)

Francisco Alves (UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA)

Francisco Camiña Fernandez (UNIVERSIDADE DA CORUNHA)

Francisco Carreiro da Costa (UNIVERSIDADE TÉCNICA LISBOA)

Francisco Martins Silva (UNIVERSIDADE FEDERAL PARAÍBA)

Glória Balagué (UNIVERSIDADE CHICAGO)

Gustavo Pires (UNIVERSIDADE TÉCNICA LISBOA)

Hans-Joachim Appell (UNIVERSIDADE DESPORTO COLÓNIA)

Helena Santa Clara (UNIVERSIDADE TÉCNICA LISBOA)

Hugo Lovisolo (UNIVERSIDADE GAMA FILHO)

Isabel Fragoso (UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA)

Jaime Sampaio (UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO)

Jean Francis Gréhaigne (UNIVERSIDADE DE BESANÇON)

Jens Bangsbo (UNIVERSIDADE DE COPENHAGA)

João Barreiros (UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA)

José A. Barela (UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA, RIO CLARO)

José Alves (ESCOLA SUPERIOR DE DESPORTO DE RIO MAIOR)

José Luis Soidán (UNIVERSIDADE DE VIGO)

José Manuel Constantino (UNIVERSIDADE LUSÓFONA)

José Vasconcelos Raposo (UNIV. TRÁS-OS-MONTES ALTO DOURO)

Juarez Nascimento (UNIVERSIDADE FEDERAL SANTA CATARINA)

Jürgen Weineck (UNIVERSIDADE ERLANGEN)

Lamartine Pereira da Costa (UNIVERSIDADE GAMA FILHO)

Lilian Teresa Bucken Gobbi (UNIV. ESTADUAL PAULISTA, RIO CLARO)

Luis Mochizuki (UNIVERSIDADE SÃO PAULO)

Luís Sardinha (UNIVERSIDADE TÉCNICA LISBOA)

Luiz Cláudio Stanganelli (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA)

Manoel Costa (UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO)

Manuel João Coelho e Silva (UNIVERSIDADE DE COIMBRA)

Manuel Patrício (UNIVERSIDADE DE ÉVORA)

Manuela Hasse (UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA)

Marco Túlio de Mello (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO)

Margarida Espanha (UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA)

Margarida Matos (UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA)

Maria José Mosquera González (INEF GALIZA)

Markus Nahas (UNIVERSIDADE FEDERAL SANTA CATARINA)

Mauricio Murad (UNIVERS. ESTADO RIO DE JANEIRO E UNIVERSO)

Ovídio Costa (UNIVERSIDADE DO PORTO, PORTUGAL)

A RPCD TEM O APOIO DA FCT

PROGRAMA OPERACIONAL CIÊNCIA,

TECNOLOGIA, INOVAÇÃO DO QUADRO

COMUNITÁRIO DE APOIO III

Page 4: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

NORMAS DE PUBLICAÇÃO NA RPCD

TIPOS DE PUBLICAÇÃOINVESTIGAÇÃO ORIGINAL

RPCD publica artigos originais relativos a todas as áreas das ciências do desporto;

REVISÕES DA INVESTIGAÇÃO

A RPCD publica artigos de síntese da literatura que contribuam para a generalização do conhecimento em ciências do desporto. Artigos de meta-análise e revisões críticas de literatura são dois possíveis modelos de publicação. Porém, este tipo de publicação só estará aberto a especialistas convidados pela RPCD.

COMENTÁRIOS

Comentários sobre artigos originais e sobre revisões da investigação são, não só publicáveis, como são francamente encorajados pelo corpo editorial;

ESTUDOS DE CASO

A RPCD publica estudos de caso que sejam considerados relevantes para as ciências do desporto. O controlo rigoroso da metodologia é aqui um parâmetro determinante.

ENSAIOS

A RPCD convidará especialistas a escreverem ensaios, ou seja, reflexões profundas sobre determinados temas, sínteses de múltiplas abordagens próprias, onde à argumentação científica, filosófica ou de outra natureza se adiciona uma forte componente literária.

REVISÕES DE PUBLICAÇÕES

A RPCD tem uma secção onde são apresentadas revisões de obras ou artigos publicados e que sejam considerados relevantes para as ciências do desporto.

REGRAS GERAIS DE PUBLICAÇÃOOs artigos submetidos à RPCD deverão conter dados originais, teóricos ou experimentais, na área das ciências do desporto. A parte substancial do artigo não deverá ter sido publicada em mais nenhum local. Se parte do artigo foi já apresentada publicamente deverá ser feita referência a esse facto na secção de Agradecimentos.Os artigos submetidos à RPCD serão, numa primeira fase, avaliados pelo editor-chefe e terão como critérios iniciais de aceitação: normas de publicação, relação do tópico tratado com as ciências do desporto e mérito científico. Depois desta análise, o artigo, se for considerado previamente aceite, será avaliado por 2 “referees” independentes e sob a forma de análise “duplamente cega”. A aceitação de um e a rejeição de outro obrigará a uma 3ª consulta.

PREPARAÇÃO DOS MANUSCRITOSASPECTOS GERAIS

Cada artigo deverá ser acompanhado por uma carta de rosto que deverá conter:

— Título do artigo e nomes dos autores; — Declaração de que o artigo nunca foi previamente publicado.

FORMATO:

— Os manuscritos deverão ser escritos em papel A4 com 3 cm de margem, letra 12 com duplo espaço e não exceder 20 páginas; — As páginas deverão ser numeradas sequencialmente, sendo a página de título a nº1.

DIMENSÕES E ESTILO: — Os artigos deverão ser o mais sucintos possível; A especulação deverá ser apenas utilizada quando os dados o permitem e a literatura não confirma; — Os artigos serão rejeitados quando escritos em português ou inglês de fraca qualidade linguística;

— As abreviaturas deverão ser as referidas internacionalmente.

PÁGINA DE TÍTULO:

— A página de título deverá conter a seguinte informação: — Especificação do tipo de trabalho (cf. Tipos de publicação); — Título conciso mas suficientemente informativo; — Nomes dos autores, com a primeira e a inicial média (não incluir graus académicos) — “Running head” concisa não excedendo os 45 caracteres; — Nome e local da instituição onde o trabalho foi realizado; - Nome e morada do autor para onde toda a correspondência deverá ser enviada, incluindo endereço de e-mail

PÁGINA DE RESUMO:

— Resumo deverá ser informativo e não deverá referir-se ao texto do artigo; — Se o artigo for em português o resumo deverá ser feito em português e em inglês — Deve incluir os resultados mais importantes que suportem as conclusões do trabalho; — Deverão ser incluídas 3 a 6 palavras-chave; — Não deverão ser utilizadas abreviaturas; — O resumo não deverá exceder as 200 palavras.

INTRODUÇÃO:

— Deverá ser suficientemente compreensível, explicitando claramente o objectivo do trabalho e relevando a importância do estudo face ao estado actual do conhecimento; — A revisão da literatura não deverá ser exaustiva.

MATERIAL E MÉTODOS:

— Nesta secção deverá ser incluída toda a informação que permite aos leitores realizarem um trabalho com a mesma metodologia sem contactarem os autores; — Os métodos deverão ser ajustados ao objectivo do estudo; deverão ser replicáveis e com elevado grau de fidelidade; — Quando utilizados humanos deverá ser indicado que os procedimentos utilizados respeitam as normas internacionais de experimentação com humanos (Declaração de Helsínquia

de 1975); — Quando utilizados animais deverão ser utilizados todos os princípios éticos de experimentação animal e, se possível, deverão ser submetidos a uma comissão de ética; — Todas as drogas e químicos utilizados deverão ser designados pelos nomes genéricos, princípios activos, dosagem e dosagem; — A confidencialidade dos sujeitos deverá ser estritamente mantida; — Os métodos estatísticos utilizados deverão ser cuidadosamente referidos.

RESULTADOS:

— Os resultados deverão apenas conter os dados que sejam relevantes para a discussão; — Os resultados só deverão aparecer uma vez no texto: ou em quadro ou em figura; — O texto só deverá servir para relevar os dados mais relevantes e nunca duplicar informação; — A relevância dos resultados deverá ser suficientemente expressa; — Unidades, quantidades e fórmulas deverão ser utilizados pelo Sistema Internacional (SI units). — Todas as medidas deverão ser referidas em unidades métricas.

DISCUSSÃO:

— Os dados novos e os aspectos mais importantes do estudo deverão ser relevados de forma clara e concisa; — Não deverão ser repetidos os resultados já apresentados; — A relevância dos dados deverá ser referida e a comparação com outros estudos deverá ser estimulada; — As especulações não suportadas pelos métodos estatísticos não deverão ser evitadas; — Sempre que possível, deverão ser incluídas recomendações; — A discussão deverá ser completada com um parágrafo final onde são realçadas as principais conclusões do estudo.

AGRADECIMENTOS:

— Se o artigo tiver sido parcialmente apresentado publicamente deverá aqui ser referido o facto; — Qualquer apoio financeiro deverá ser referido.

REFERÊNCIAS

— As referências deverão ser citadas no texto por número e compiladas alfabeticamente e ordenadas numericamente; — Os nomes das revistas deverão ser abreviados conforme normas internacionais (ex: Index Medicus); — Todos os autores deverão ser nomeados (não utilizar et al.) — Apenas artigos ou obras em situação de “in press” poderão ser citados. Dados não publicados deverão ser utilizados só em casos excepcionais sendo assinalados como “dados não publicados”; — Utilização de um número elevado de resumos ou de artigos não “peer-reviewed” será uma condição de não aceitação;

EXEMPLOS DE REFERÊNCIAS:

ARTIGO DE REVISTA

1 Pincivero DM, Lephart SM, Karunakara RA (1998). Reliability and precision of isokinetic strength and muscular endurance for the quadriceps and hamstrings. Int J Sports Med 18: 113-117 LIVRO COMPLETO Hudlicka O, Tyler KR (1996). Angiogenesis. The growth of the vascular system. London: Academic Press Inc. Ltd. CAPÍTULO DE UM LIVRO Balon TW (1999). Integrative biology of nitric oxide and exercise. In: Holloszy JO (ed.). Exercise and Sport Science Reviews vol. 27. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 219-254FIGURAS

— Figuras e ilustrações deverão ser utilizadas quando auxiliam na melhor compreensão do texto; — As figuras deverão ser numeradas em numeração árabe na sequência em que aparecem no texto; - As figuras deverão ser impressas em folhas separadas daquelas contendo o corpo de texto do manuscrito. No ficheiro informático em processador de texto, as figuras deverão também ser colocadas separadas do corpo de texto nas páginas finais do

manuscrito e apenas uma única figura por página; — As figuras e ilustrações deverão ser submetidas com excelente qualidade gráfico, a preto e branco e com a qualidade necessária para serem reproduzidas ou reduzidas nas suas dimensões; — As fotos de equipamento ou sujeitos deverão ser evitadas.QUADROS

— Os quadros deverão ser utilizados para apresentar os principais resultados da investigação. — Deverão ser acompanhados de um título curto; — Os quadros deverão ser apresentados com as mesmas regras das referidas para as legendas e figuras; — Uma nota de rodapé do quadro deverá ser utilizada para explicar as abreviaturas utilizadas no quadro.

SUBMISSÃO DOS MANUSCRITOS— A submissão de artigos para à RPCD poderá ser efectuada por via postal, através do envio de 1 exemplar do manuscrito em versão impressa em papel, acompanhada de versão gravada em suporte informático (CD-ROM ou DVD) contendo o artigo em processador de texto Microsoft Word (*.doc). - Os artigos poderão igualmente ser submetidos via e-mail, anexando o ficheiro contendo o manuscrito em processador de texto Microsoft Word (*.doc) e a declaração de que o artigo nunca foi previamente publicado.

ENDEREÇOS PARA ENVIO

DE ARTIGOS

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto Faculdade de Desporto da Universidade do Porto Rua Dr. Plácido Costa,Porto Portugal(+351) 914 200 450e-mail: [email protected]

Page 5: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

PUBLICATION NORMS

WORKING MATERIALS (MANUSCRIPTS)ORIGINAL INVESTIGATION

The PJSS publishes original papers related to all areas of Sport Sciences.

REVIEWS OF THE LITERATURE

(STATE OF THE ART PAPERS): State of the art papers or critical literature reviews are published if, and only if, they contribute to the generalization of knowledge. Meta-analytic papers or general reviews are possible modes from contributing authors. This type of publication is open only to invited authors.

COMMENTARIES: Commentaries about published papers or literature reviews are highly recommended by the editorial board and accepted.

CASE STUDIES: Highly relevant case studies are favoured by the editorial board if they contribute to specific knowledge within the framework of Sport Sciences research. The meticulous control of research methodology is a fundamental issue in terms of paper acceptance.

ESSAYS: The PJSS shall invite highly regarded specialists to write essays or careful and deep thinking about several themes of the sport sciences mainly related to philosophy and/or strong argumentation in sociology or psychology.

BOOK REVIEWS: the PJSS has a section for book reviews.

GENERAL PUBLICATION RULES: all papers submitted to the PJSS are obliged to have original data, theoretical or experimental, within the realm of Sport Sciences. It is mandatory that the submitted paper has not yet been published elsewhere. If a minor part of the paper was previously published, it has to be stated explicitly in the acknowledgments section.

All papers are first evaluated by the editor in chief, and shall have as initial criteria for acceptance the following: fulfilment of all norms, clear relationship to Sport Sciences, and scientific merit. After this first screening, and if the paper is firstly accepted, two independent referees shall evaluate its content in a

“double blind” fashion. A third referee shall be considered if the previous two are not in agreement about the quality of the paper.After the referees receive the manuscripts, it is hoped that their reviews are posted to the editor in chief in no longer than a month.

MANUSCRIPT PREPARATION GENERAL ASPECTS:

The first page of the manuscript has to contain: — Title and author(s) name(s) — Declaration that the paper has never been published

FORMAT:

— All manuscripts are to be typed in A4 paper, with margins of 3 cm, using Times New Roman style size 12 with double space, and having no more than 20 pages in length. — Pages are to be numbered sequentially, with the title page as n.1.

SIZE AND STYLE:

— Papers are to be written in a very precise and clear language. No place is allowed for speculation without the boundaries of available data. — If manuscripts are highly confused and written in a very poor Portuguese or English they are immediately rejected by the editor in chief. — All abbreviations are to be used according to international rules of the specific field.

TITLE PAGE:

— Title page has to contain the following information: — Specification of type of manuscript (but see working materials-manuscripts). — Brief and highly informative title. — Author(s) name(s) with first and middle

names (do not write academic degrees) — Running head with no more than 45 letters. — Name and place of the academic institutions. — Name, address, Fax number and email of the person to whom the proof is to be sent.

ABSTRACT PAGE:

— The abstract has to be very precise and contain no more than 200 words, including objectives, design, main results and conclusions. It has to be intelligible without reference to the rest of the paper. — Portuguese and English abstracts are mandatory. — Include 3 to 6 key words. — Do not use abbreviations.

INTRODUCTION:

— Has to be highly comprehensible, stating clearly the purpose(s) of the manuscript, and presenting the importance of the work. — Literature review included is not expected to be exhaustive.

MATERIAL AND METHODS:

— Include all necessary information for the replication of the work without any further information from authors. — All applied methods are expected to be reliable and highly adjusted to the problem. — If humans are to be used as sampling units in experimental or non-experimental research it is expected that all procedures follow Helsinki Declaration of Human Rights related to research. — When using animals all ethical principals related to animal experimentation are to be respected, and when possible submitted to an ethical committee. — All drugs and chemicals used are to be designated by their general names, active principles and dosage. — Confidentiality of subjects is to be maintained. — All statistical methods used are to be precisely and carefully stated.

RESULTS:

— Do provide only relevant results that are useful for discussion. — Results appear only once in Tables or Figures. — Do not duplicate

information, and present only the most relevant results. — Importance of main results is to be explicitly stated. — Units, quantities and formulas are to be expressed according to the International System (SI units). — Use only metric units.

DISCUSSION:

— New information coming from data analysis should be presented clearly. — Do no repeat results. — Data relevancy should be compared to existing information from previous research. — Do not speculate, otherwise carefully supported, in a way, by insights from your data analysis. — Final discussion should be summarized in its major points.

ACKNOWLEDGEMENTS:

— If the paper has been partly presented elsewhere, do provide such information. — Any financial support should be mentioned.

REFERENCES:

— Cited references are to be numbered in the text, and alphabetically listed. — Journals´ names are to be cited according to general abbreviations (ex: Index Medicus). — Please write the names of all authors (do not use et al.). — Only published or “in press” papers should be cited. Very rarely are accepted “non published data”. — If non-reviewed papers are cited may cause the rejection of the paper.

EXAMPLES:

PEER-REVIEW PAPER

1 Pincivero DM, Lephart SM, Kurunakara RA (1998). Reliability and precision of isokinetic strength and muscular endurance for the quadriceps and hamstrings. In J Sports Med 18:113-117COMPLETE BOOK Hudlicka O, Tyler KR (1996). Angiogenesis. The growth of the vascular system. London:Academic Press Inc. Ltd.BOOK CHAPTER Balon TW (1999). Integrative

biology of nitric oxide and exercise. In: Holloszy JO (ed.). Exercise and Sport Science Reviews vol. 27. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 219-254FIGURES

— Figures and illustrations should be used only for a better understanding of the main text. — Use sequence arabic numbers for all Figures. — Each Figure is to be presented in a separated sheet with a short and precise title. — In the back of each Figure do provide information regarding the author and title of the paper. Use a pencil to write this information. — All Figures and illustrations should have excellent graphic quality I black and white. — Avoid photos from equipments and human subjects.TABLES — Tables should be utilized to present relevant numerical data information. — Each table should have a very precise and short title. — Tables should be presented within the same rules as Legends and Figures. — Tables´ footnotes should be used only to describe abbreviations used.

MANUSCRIPT SUBMISSION The manuscript submission could be made by post sending one hard copy of the article together with an electronic version [Microsoft Word (*.doc)] on CD-ROM or DVD. Manuscripts could also be submitted via e-mail attaching an electronic file version [Microsoft Word (*.doc)] together with the declaration that the paper has never been previously published.

ADDRESS FOR MANUSCRIPT SUBMISSION

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto Faculdade de Desporto da Universidade do Porto Rua Dr. Plácido Costa, Porto Portugal(+351) 914 200 450e-mail: [email protected]

Page 6: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

9 — RPCD 15 (2): 09-18

Nota Editorial

Obrigações dos académicos

e intelectuais: pensar, agir

e intervir

1. Segundo a mitologia grega, Zeus mandou transmitir a Epitemeu a ordem de criar os

seres destinados a povoar a Terra. Epitemeu falou da ordem divina ao seu irmão Prometeu;

e este advertiu-o sobre a necessidade de pensar bem naquilo que ia fazer. Mas Epitemeu

(em grego clássico significa: o que primeiro faz e depois pensa) não tomou muito a sério

o conselho; criou seres dotados de requisitos para encararem as exigências da vida e do

meio, distribuiu por eles os pressupostos, capacidades e qualidades existentes e no final

inventou o ser humano, nu e desprovido de tudo.

Ao ver a desgraça da sua criação, cheio de inquietações e remorsos, Epitemeu recorre

de novo a Prometeu (o que primeiro pensa e depois faz) e este admoesta o irmão pelo erro

cometido, mas disponibiliza-se a ajudá-lo a remediar o mal. Pela calada da noite, enquanto

os deuses dormiam, escala o céu para roubar e depois entregar aos entes humanos o fogo

divino, a alma, o espírito, a razão, as artes, a linguagem, as técnicas, as astúcias e demais

meios que lhes possibilitam revestir a nudez original, soltar-se e ir além dela, superá-la,

transcendê-la, desmedir-se, ter um segundo nascimento e adquirir a sua verdadeira e ma-

tricial natureza: a que é dada pela cultura.

Não vou narrar e explanar o mito em pormenor, nem trazer aqui as duras consequências

sofridas por Prometeu, devido ao seu assombroso e generoso feito, impostas pela fúria, raiva

e sede de vingança de Zeus. Quero apenas reter o essencial do episódio mitológico. Epitemeu

inventou a criatura humana, num ato de pouca ou nenhuma reflexão; primeiro fez e depois é

que pensou no ser débil, frágil e sem nada que pôs na Terra. Não fora a ajuda e coragem de

EJorge Olímpio Bento 1

1 Diretor da Revista Portuguesa de Ciências do Desporto

Sabedoria é saber o que fazer.

Habilidade é saber como fazer.

Virtude é fazer.

DAVID STARR JORDAN, 1851-1931

Page 7: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

11 — RPCD 15 (2)

Prometeu e esse ser não teria sobrevivido. Ao cabo e ao resto, o mito convida a termos pre-

sente a lição e a fatura da nossa dupla origem, a não esquecermos o modo como começou o

nosso começo, a sopesarmos devidamente a herança recebida dos nossos criadores.

Gosto, portanto, desta passagem da mitologia grega, por colocar no centro dos nossos

olhares a necessidade do pensar inteligente e do fazer consequente. Acho-a particular-

mente adequada para desenhar o quadro de obrigações que impendem sobre os professo-

res, especialmente sobre os que laboram no setor da formação superior.

Como refere Manuel Ferreira Patrício, “em educação, é preciso pensar o que se faz e fazer

o que se pensa”.1 No desporto, na educação física e na vida também! A coerência e corres-

pondência entre o pensar e o fazer constituem um mandamento vinculativo do nosso agir,

da maneira de ser e estar condignamente na vida.

2. Todavia, na área do Desporto e da Educação Física, temos uma tradição de separação en-

tre o fazer o pensar, entre a prática e a teoria, com nítido menoscabo dos segundos parâme-

tros e, concomitantemente, com frágeis alicerces para os primeiros. Esse atavismo requer

ser superado, para não se continuar a incorrer na distração e insanidade de Epitemeu e na

grave lacuna apontada por Leonardo Da Vinci (1452-1519): “Quem pensa pouco, erra muito.”

Por conseguinte devemos pensar a Educação e o Desporto com toda a radicalidade

com que deve ser pensado tudo o que é humano. À luz do postulado de Terêncio (cerca

de 190-150 a.C.): “Homo sum: humani nihil a me alienum puto – Sou homem: nada do que

é humano reputo alheio a mim.”

Isto implica que necessitamos de valorizar a teoria. E porquê? Porque, sublinhou Fer-

nando Pessoa, “só os espíritos superficiais desligam a teoria da prática, não olhando a

que a teoria não é senão uma teoria da prática e a prática não é senão a prática de uma

teoria”. Isto é, o culminado e o transcendido (a prática) devem ser balizados e guiados

pelo culminante e transcendente, pelas bitolas e referências, pelos princípios e ideais da

teoria. E implica outrossim que os quadros académicos, os mestres e doutores tenham

na devida conta e assumam, sem escusas e rodeios, a obrigação de serem produtivos, de

produzir conhecimentos que orientem e guiem, amparem e alimentem a ação daqueles

que não são cientistas nem teóricos.2

Para o alcance desta implicação acorda-nos o oportuno lembrete de Gilberto Freyre

(1900-1987): “Sem um fim social, o saber será a maior das futilidades.” Sem serem divul-

gados e postos ao serviço do bem público, os resultados do labor científico, intelectual e

teórico não teriam justificação suficiente.

Dito de outro modo, os quadros académicos têm que corresponder à sua condição de in-

telectuais; têm que honrar e fazer jus ao seu estatuto de seres bidimensionais. Para tanto

não lhes basta ser competentes no exercício académico, dentro do perímetro universitário;

são desafiados a mostrar e comprovar a sua proficiência numa intervenção exterior ao seu

múnus particular. Ou seja, têm que oscilar entre recolhimento e exposição pública, entre o

estudo, a acumulação e reflexão de saberes, conhecimentos e dados e a divulgação e conver-

são destes em instrumentos orientadores da atividade do respetivo grupo sócio-profissional.

É desta forma que eles concretizam o seu ofício de ‘intermediário’ ou ‘passador’ entre o

mundo das ideias e a praça pública ou cidade.

Pierre Bourdieu (1930-2002) enfatizou, sobremaneira, a deontologia dos académicos,

intelectuais e teóricos, exortando-os a respeitar e cumprir exemplarmente a sua pertença

ao ‘partido do contra’, a contribuir ativa, empenhada e responsavelmente para renovar e

superar o estado das coisas e dos factos estabelecidos.

Deste axioma brota a diversidade de obrigações dos mestres e doutores, em especial

a de ‘ser produtivo’, tal como assinala António Teixeira Fernandes, “o primeiro e principal

objetivo da ciência consiste em produzir conhecimentos”.

Um académico, um mestre ou doutor deve, portanto, ser membro zeloso da sociedade de

produtores (característica da era moderna e industrial), orientar-se pela vontade e capaci-

dade de produzir e não conformar-se apenas ao papel de consumidor passivo.

Esta exigência comporta, entre outras, a obrigação e a responsabilidade da autoria de

publicações. Tal como afirmou Jorge Luís Borges (1899-1986), “publicamos para não pas-

sarmos a vida a fazer rascunhos”.

3. Levemos um pouco mais longe a reflexão acerca da obrigação de produtividade e acerca

das implicações que o estatuto de ‘intelectual’ ou ‘teórico’ comporta.

A Modernidade e o Iluminismo deixaram um legado insubstituível, que não pode ser es-

camoteado. Em concordância com essa herança, todo o especialista em qualquer ramo do

conhecimento e da ciência deveria obrigar-se, como vimos, a ser ‘intelectual’. Ora isto in-

clui que ele tenha que consolidar e desdobrar a sua competência numa autoridade moral e

estética, própria e afirmativa de um homem de saber. É isto que confere significado social

abrangente à sua particularidade. Para não se enquadrar na moldura talhada pelo cinzel de

Ortega y Gasset: “Dantes os homens podiam facilmente dividir-se em ignorantes e sábios,

E

1 Esta afirmação foi feita pelo Professor Manuel Ferreira Patrício num conferência proferida na

FADEUP, em data que não recordo. Ao longo deste texto surgem citações, cuja fonte não consigo

apresentar. Peço desculpa aos leitores por não ter tido o cuidado, quando as recolhi, de fazer o

registo devido. Agora “Inês é morta”.2 A palavra ‘teoria’ provém do grego, congregando dois vocábulos num só: theion (divino, superior)

+ orao (ver). O ‘teórico’ é aquele que tem como função vislumbrar e apontar aquilo que é divino e

superior, para servir de guia e objetivo da prática.

Não tenho presente quem é o autor (Aristóteles, Fernando Pessoa ou outro?) desta afirmação:

“Não há nada mais prático do que uma boa teoria”.

Page 8: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

13 — RPCD 15 (2)

em mais ou menos sábios ou mais ou menos ignorantes. Mas o especialista não pode ser sub-

sumido por nenhuma destas duas categorias. Não é um sábio porque ignora formalmente

tudo quanto não entre na sua especialidade: mas também não é um ignorante porque é ‘um

homem de ciência’ e conhece muito bem a pequeníssima parcela do universo em que traba-

lha. Teremos de dizer que é um sábio-ignorante – coisa extremamente grave, pois significa

que é um senhor que se comportará em todas as questões que ignora, não como um ignoran-

te, mas com toda a petulância de quem, na sua especialidade, é um sábio.”3

Para o mesmo intuito converge a observância do conselho de Kant (1724-1804), de que

é curial utilizar publicamente a razão. Sob pena de ser ‘imaturo’, de ficar refém do uso ‘pri-

vado’, em vez de ser humano livre e liberto pelo emprego da universalidade da razão. Isto

quer dizer que o olhar restrito, curto e fechado não constitui a matéria-prima da individuali-

dade e especificidade de um académico; ao invés, é no contexto institucional e comunitário

que se situa a matriz da sua identificação e profissionalidade. Sendo mais preciso, o inte-

lecto é de ordem geral e não de acantonamento ‘privado’. Consequentemente a identidade

dos académicos modela-se, institui-se, edifica-se e afirma-se no relacionamento, na cum-

plicidade, no casamento e comprometimento com as causas coletivas, gerais e universais,

respeitantes a todos, à Universidade, ao País, à sociedade, ao desporto e à educação.

Francisco de Assis Magalhães Gomes (1906-1990), pioneiro da pesquisa nuclear no

Brasil, é taxativo nesta matéria: “O filósofo, o humanista, o cientista podem continuar na

sua torre de marfim para contribuir com as meditações que fazem no seu gabinete, na

sua biblioteca, no seu laboratório, para aumentar e enriquecer a inteligência e o espírito

do homem. Essa torre, porém, deve ter uma janela de onde se observa o mundo e uma

porta para que, quando a ocasião o exija, eles participem das agruras dos seus irmãos

e os sirvam com sua sabedoria e seus conselhos. Compete a todos correrem o risco e a

responsabilidade da condição humana. No convulsionado mundo de hoje, o engajamento

não é só um imperativo moral, é também uma contingência.”4

Do mesmo teor é a recomendação tecida por Zygmunt Bauman, um dos pensadores

que melhor descreve as misérias, os dramas e o modo de funcionamento do mundo con-

temporâneo: “O preço do silêncio é pago na dura moeda corrente do sofrimento humano.

Fazer as perguntas certas constitui, afinal, toda a diferença entre sina e destino, entre

andar à deriva e viajar. Questionar as premissas supostamente inquestionáveis do nosso

modo de vida é provavelmente o serviço mais urgente que devemos prestar aos nossos

companheiros humanos e a nós mesmos.”5

Para os académicos vale também esta máxima de Fernando Pessoa: “Porque sou do

tamanho daquilo que vejo, e não do tamanho da minha altura.” E esta outra de Ortega y

Gasset: “Só é possível avançar quando se olha longe.” E ainda o testemunho de Alberto

Caeiro (heterónimo de Fernando Pessoa):

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver o Universo…Por isso a minha aldeia é tão grande Como outra terra qualquerPorque eu sou do tamanho do que vejoE não do tamanho da minha altura…

Viver sem a claridade e altura dos sonhos, causas, ideais e utopias é viver sem alma e alento,

com o ânimo anestesiado; é apenas sobreviver na caverna bafienta do degredo escuro e rasteiro.

Em suma, os académicos e intelectuais são desafiados a um permanente estado de pron-

tidão, como formula Vergílio Ferreira (1916-1996): “Fatiguemos o nosso espanto, a nossa

interrogação, até que ela nos canse de a enfrentarmos. Como solução (será uma solução?)

não temos outra. Porque Deus não é solução, como um regresso à infância é impossível.”6

4. Em conformidade com os pontos e abordagens anteriores, o ‘ser intelectual’ estrutura-se no

poder, na assertividade, fulgurância e luminosidade da linguagem e da palavra. É esta a ferra-

menta que ele tem à mão para exercer o seu mister e é com ela que lavra e semeia o seu destino.

Mestres e doutores são ‘profissionais da palavra’ e do ministério de a escrever e dizer

com estilo erudito e perfumado, claro e sublime, belo e magnífico. Devem, pois, ser for-

mados e entender-se como cultores do uso maior e do poder superior da palavra. A lógica

científica, filosófica e epistemológica requer a companhia colaborante, cúmplice e fiel de

um correspondente nível retórico.7

Na feliz proposição de José de Alencar (1829-1877), “todo o homem, orador, escritor ou

poeta, todo o homem que usa da palavra (…) como um instrumento de trabalho (...) deve

estudar e conhecer a fundo a força e os recursos desse elemento de sua atividade”.8

A palavra não é inferior, nem anda desavinda da ciência. Ambas andam de mão dada e

caminham lado a lado. A palavra vincula ao mistério; a ciência vincula às coisas. Na pala-

vra mora a intimação da pergunta; na ciência mora a possibilidade da resposta. A palavra

mergulha no obscuro; a ciência vai pelo caminho da luz. A ciência está vinculada à raciona-

lidade da cabeça; a palavra brota da sensualidade do coração.

3 Peço desculpa ao leitor, mas não consigo lembrar-me de onde retirei esta citação.4 Não tenho presente a fonte deste texto. Sei apenas que o recolhi de um prospeto ou revista

que, em tempos, me foi oferecida na Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.5 Zygmunt Bauman, Globalização, As consequências humanas, p. 11. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Editor, 1999.

6 Vergílio Ferreira, Invocação ao meu corpo. Lisboa: Livraria Bertrand, 1978.7 Para Millôr Fernandes, “erudito é um sujeito que tem mais cultura do que a que cabe nele”.8 In: Fausto de Barreto e Carlos de Laet: Anthologia Nacional ou Collecção de Excerptos

dos Principaes Escriptores da Língua Portugueza do 20º ao 16º Século, 14ª Edição.

Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1929.

E

Page 9: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

15 — RPCD 15 (2)

Com as palavras inventamos o que não existe. Temos intimidade com os mares, ventos,

trovões e crepúsculos da natureza e com os fenómenos urbanos e sociais. Escrevemos

livros sobre o nada. Criamos o inviável. Fazemos nascer magias e mistérios de maravilha,

a partir do inominado e do insignificante; e esculpimos poemas e primaveras com entulhos

e inutensílios. Pomos pássaros multicores a cantar nos dedos das mãos. Rasgamos a escu-

ridão com raios de luz. Experimentamos o gozo de conceber e gerar. Sentamo-nos no trono

de Deus, proclamando-nos donos, arquitetos e sujeitos do oitavo dia da criação.

Só quem vive em estado de palavra pode enxergar a inexistência e dar-lhe corpo, feições

e forma. Talvez seja por isto que Manoel de Barros, escritor pantaneiro, afirma: “Gosto mais

de viajar por palavras do que de trem.”9

Por idêntico diapasão afina François-René de Chateaubriand (1768-1848): “Aquiles só existe

graças a Homero. Tirai deste mundo a arte de escrever e provavelmente tereis tirado a glória.”

Sim, como reza a Bíblia, no princípio era o Verbo. Adão começou por nomear os animais,

as coisas, as plantas, etc. Foi assim, por passarem a ter nome, que os seres principiaram a

existir. O mundo era e é mudo, só falado existe e na dimensão que as palavras lhe outorgam.

“O mundo das palavras é que cria o mundo das coisas”, escreveu Jacques-Marie Émile La-

can (1901-1981), a tal ponto que não há entre ambos correspondência real, porque a todo

o domínio da existência é impossível exceder aquilo que o afirma, a palavra em que é dito.

O sentido não é transcendente aos sinais que o dizem e manifestam. Parafraseando Martin

Heidegger (1889-1976), os sinais das palavras são o feitio, o figurino e a morada do Ser.

Podem estas lucubrações soar a exagero ou a um adorno barroco. Todavia, como se vê,

não estamos sós, não somos os únicos a segui-las e subscrevê-las. Atente-se ainda nas

insuspeitas declarações de mais nomes clarividentes, preclaros, ilustres e insignes:

Ludwig Wittgenstein (1889-1951): “Os limites da nossa linguagem são os limites do nosso mundo.” Fernando Savater, pensador espanhol: “A linguagem é o tapete mágico simbólico deste permanente sobrevoar ativamente a realidade para tentar chegar a ser plenamente real. Sem nunca o conseguir totalmente, claro…”

Boaventura Sousa Santos, sociólogo com reputação além dos muros da velha Universidade

de Coimbra:

“Cada método é uma linguagem e a realidade responde na língua em que é perguntada.”

Voltemo-nos para o campo dos poetas, na busca de outro tipo de reforço das posições

expostas. Comecemos por Sophia de Mello Andresen (1919-2004):

De longe muito longe desde o inícioO homem soube de si pela palavraE nomeou a pedra a flor a águaE tudo emergiu porque ele disse.

Invoquemos Manuel Alegre:

Com palavras se fazem coisasCom elas se desfazemAs palavras não deciframSão enigmasMatéria obscuraLuminosa.Com palavras se navega.Com palavras se naufraga.Com palavras.

E culminemos a incursão na poesia com o poema A Palavra, de Miguel Torga (1907-1995):

Falo da natureza.E nas minhas palavras vou sentindoA dureza das pedras,A frescura das fontes,O perfume das flores.Digo, e tenho na vozO mistério das coisas nomeadas.Nem preciso de as ver.Tanto as olhei,Interroguei,AnaliseiE referi, outrora,Que nos próprios sinais com que as marqueiAs reconheço, agora.10

E

10 Miguel Torga, Antologia Poética, p. 378. Lisboa: Dom Quixote,1999.9 Manoel de Barros, Retrato do Artista Quando Coisa. Rio de Janeiro: Edit. Record, 1998.

Page 10: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

17 — RPCD 15 (2)

5. Nesta era de subalimentados de sonhos, ideias e ideais, cuidemos de libertar e soltar a

palavra e a linguagem das peias da pasmosa e imobilizadora mediocridade, de a colocar no

cardápio diário como uma apetecível e alimentícia iguaria poética.

A linguagem escrita ou falada é e sempre será uma arte de distinção e eleição. A Palavra

é contra o analfabetismo, contra a injustiça e a mentira que, por incrível que pareça, ainda

existem e têm livre-trânsito nas decisões e circunstâncias, nas indignidades e iniquidades

que tecem, apoquentam, atropelam e agrilhoam a vida individual e coletiva.

Não esqueçamos que a verdade mora nos interstícios das palavras. E que a linguagem

representa a forma das ideias e do pensamento, da sua acuidade ou obliteração, do seu

rigor ou da falta dele. Logo a qualidade da linguagem dá-nos a medida da exatidão e preci-

são das ideias e do pensamento. Ambiguidades, dificuldades, confusões e imprecisões da

linguagem traduzem desordens e turbações do raciocínio. O mesmo é dizer que, quando

trabalhamos, exercitamos e cultivamos a nossa linguagem, estamos a aprimorar a nossa

dimensão espiritual, lógica, cogitativa e pensante.

O escritor Vergílio Ferreira (1916-1996) é perentório: “Se nenhum pensar precede ou

ultrapassa a palavra em que é pensar, é na própria palavra – e não fora dela – que se de-

cide a validade e significação desse pensar”. E prossegue: “O que tu és, a tua língua o diz

e o pensa (…) A realidade da tua língua é o espírito que a trespassa (…) Sabemos o nome

das coisas e elas são-nos submissas, conhecemos o caminho reto até elas. Jogamo-las

no jogo que nos apetecer, todo o nosso espírito se implanta no mundo e em si pela estra-

da livre da sua claridade.” 11

Mia Couto, integra-se no mesmo coro: “Recriamos a língua na medida em que somos ca-

pazes de produzir um pensamento novo (…) Nesse caminho lhe fomos somando colorações.

Devolvemos cores que dela haviam sido desbotadas – o racionalismo trabalha que nem lixí-

via. Urge ainda adicionar-lhe músicas e enfeites, somar-lhe o volume da superstição e a gra-

ça da dança. É urgente recuperar brilhos antigos. Devolver a estrela ao planeta dormente.”12

Estas respeitáveis apreciações e conjeturas permitem concluir: O real tem a medida da

palavra. Palavra elevada – realidade alta; palavra medíocre – realidade baixa. Tudo é a

superfície polida da palavra, a rede vocabular em que tudo se entretece.

Indo mais fundo, a palavra é expressão do que não temos, do que ainda não atingimos,

nem somos. As palavras, que fazem com que as ‘coisas’ elevadas desapareçam, criam a

incomodativa sensação de penúria, de perda, de vazio e de ausência. Por isso, na profissio-

nalidade académica, necessitamos de fabricar, empregar, difundir e popularizar palavras

novas, substantivas, aumentativas, leves, aladas, azuis, criadoras que estimulem e incen-

tivem os outros a apropriar-se delas e a recriar a sua vida de modo condizente, a levantar

voo e seguir viagem até às estrelas mais distantes.

11 Vergílio Ferreira, Invocação ao meu corpo. Lisboa: Livraria Bertrand, 1978..12 Mia Couto, Perguntas à Língua Portuguesa (texto divulgado na internet).

13 Rubem Alves, Um céu numa flor silvestre: a beleza em todas as coisas. Campinas, SP: Verus Editora, 2005.14 Valter Hugo Mãe lança livros no Brasil, entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, 12 de abril de 2012. 15 João Ubaldo Ribeiro, Observações de um usuário, in O Estado de S. Paulo, 29 de maio de 2011.16 Exposição GILBERTO FREYRE – INTÉRPRETE DO BRASIL, patente no Museu da Língua Portuguesa,

São Paulo, de 27 de Novembro de 2007 a 4 de Maio de 2008.

EJosé Saramago (1922-2010) comprovou, por experiência própria, que a tarefa é complexa e

ingente: “A expressão vocabular humana não sabe ainda, e provavelmente não o saberá nunca,

conhecer, reconhecer e comunicar tudo quanto é humanamente experimentável e sensível.”

As palavras, disse um autor desconhecido, são sempre insuficientes para nos dizermos. As coi-

sas comunicáveis pela palavra comum são superficiais, epidérmicas. As ‘coisas’ profundas só

são exprimíveis pela arte. Ora a arte não está ao alcance de todos; é ‘coisa’ rara, própria dos ouri-

ves e escultores que põem à mostra, na filigrana e talha do verbo, a forma e o teor do magma es-

caldante das verdades íntimas. São os literatos que dão às palavras o sal e o sol, o brilho e a luz, o

saber e o sabor, o encanto e o esplendor, tornando-as uma festa do arco-íris das nossas emoções.

Mas…quem, se não os académicos, tem que estar preparado para aceitar o repto de

transpor esta fasquia?

Na esteira de Rubem Alves, um mestre ou doutor deve ser um agente e propagador da sensi-

bilidade essencial. Deve aspirar a enternecer, a engravidar de beleza os ouvidos que o escutam

e os olhos que o leem; a ir além da estrita racionalidade e ser uma instigação ao encantamento.

Quem os ler e ouvir há-de assim desejar ver-se e medir-se por uma imagem luminosa.13

Um mestre ou doutor deve mirar-se neste enlevo de Valter Hugo Mãe: “Eu fico maravi-

lhado quando alguma frase me transcende. Fico a admirá-la. Sem perceber muito como foi

possível mas procurando entendê-la lucidamente, como a incorporá-la, quase suplicando

para que essa frase passe a fazer parte de mim.”14

Para tanto a linguagem académica não pode quedar-se na rasura e abdicar de se alcan-

dorar às alturas da excelsitude. Falamos de coisas diferentes e irradiamos mensagens dife-

rentes consoante o nível da linguagem. O recado de João Ubaldo Ribeiro é suficientemente

explícito: “A norma culta, a dominante, a que é ensinada como correta (….) é necessária

para preservar e aprimorar a precisão da linguagem científica e filosófica, para refinar a

linguagem emocional e descritiva, para conservar a índole da língua, sua identidade e, con-

sequentemente, sua originalidade. Ao contrário do que entendi de certas opiniões que li

sobre o assunto, a norma culta não tem nada de elitista, é ou devia ser patrimônio e orgulho

comuns a todos. Elitismo é deixá-la ao alcance de poucos, como tem sido nossa política.”15

Façamos então, nós os pertencentes a carreiras e possuidores de formações acadé-

micas, um uso apropriado, criativo e inclusivo do vastíssimo instrumentário das pala-

vras. Como testemunhou Gilberto Freyre, “escrevendo, venho vivendo uma arte mistu-

rada a uma ciência”. Para tanto “uso as palavras intuitivas sem repelir as lógicas, as

cotidianas sem repudiar as raras, as populares sem deformar as eruditas, as sensíveis

sem repelir de todo as abstratas”.16

Page 11: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

Ademais, aos académicos, cientistas, intelectuais e teóricos deve servir de arrimo, de

bengala e bússola esta passagem, da autoria de António Risério, que brilha esplendorosa

no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo: “Nossa matéria-prima é a palavra. A pa-

lavra, como som, como sentido, como prática, como senha, como signo cultural distintivo,

como argamassa social, como história, como objeto, como entidade mutável e mutante.”

Falada ou escrita, se for certeira, culta, pertinente e elevada, a palavra continua a ser

a espada mais afiada e cortante para abater a escuridão e abrir caminhos de luz. É essa

espada que os académicos têm o dever indeclinável e irrecusável de erguer e brandir con-

victa e insistentemente contra o desconhecimento, contra a ignorância, contra a má-fé,

contra a baixeza e a vulgaridade, contra o descaso e o destrato, contra tudo o que avilta,

ofende e rebaixa, atrapalha, escurece e entorpece o desejável, aprumado, nobre, reto e

decente curso da cidadania e da dignidade da vida humana.

Enfim, a linguagem é verdadeiramente materna e o nosso lídimo berço parturiente. Dá-

-nos o inestimável e insubstituível leite de integração no mundo: os valores, princípios, so-

nhos e ideais, as atitudes, inclinações e predisposições; as fórmulas e os modos de pergun-

tar e responder, de observar e entender, de aperceber e valorar, de ser e estar. Mediante a

linguagem somos, estamos e cooperamos na construção do mundo.

Escrever e publicar, pensar, agir e intervir são, muito justamente, modalidades que se

inscrevem na acurada e sensata, equilibrada e bem proporcionada ementa de imperativos

profissionais, éticos, morais e sociais dos docentes académicos. É esse precisamente o

desporto árduo e imprescindível que lhes compete treinar e praticar. Como no palco des-

portivo, eles expõem-se aos julgamentos dos ouvintes e leitores, sabendo que a palavra,

dita ou escrita, é como a pedra atirada: uma vez arremessada, já não pode ser corrigida ou

recolhida, ficando entregue à sorte da avaliação crítica e inclusive desabonadora. Porém

não têm alternativa; é este o fado livremente escolhido pelos que optam e lutam por ter

lugar e assomar na varanda da carreira académica e intelectual.

19 — RPCD 15 (2): 19-33

Actividade física

e consumo de substâncias

tóxicas em estudantes

universitários

KEYWORDS:

Substâncias tóxicas. Droga. Consumo.

Género. Actividade física.

RESUMO

A população universitária tende a ser vista como estando acima da média no que se refere

aos consumos de substâncias tóxicas. Alguma literatura sugere que a prática de activida-

de física é um factor de prevenção no consumo de substâncias tóxicas. No entanto, outros

estudos indicam que os jovens envolvidos em práticas desportivas apresentam maior ten-

dência para consumirem álcool, tabaco e outras substâncias. Com o propósito de con-

firmar estes dados levamos a cabo o presente estudo tendo como amostra estudantes

universitários que frequentaram regularmente a biblioteca da Universidade. Foi aplicado

um questionário a 209 indivíduos, (115 do sexo feminino e 94 do sexo masculino). Através

da aplicação de um teste de Mann-Whitney, constatou-se regularidades nos consumos

de cerveja, bebidas destiladas e derivados da cannabis significativamente superiores nos

praticantes de actividade física. Os resultados apontam para uma relação positiva entre

o consumo de determinadas substâncias tóxicas e a prática de actividade física na forma

de recreação e lazer. A comparação por sexo evidenciou os indivíduos do sexo masculino

como consumidores mais regulares de vinho, cerveja, bebidas destiladas, cannabis e de

outras substâncias declaradas. Os indivíduos do sexo feminino, apresentaram consumos

mais regulares de apenas medicamentos.

AUTORES:

José Vasconcelos-Raposo 1

Pedro Silva 1

Carla Maria Teixeira 1

1 Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro — ECHS – Polo 1.Vila Real, Portugal

Correspondência: José Vasconcelos-Raposo. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

ECHS – Polo 1.5000 – 881. Vila Real, Portugal. ([email protected]).

SUBMISSÃO: 20 de Maio de 2015ACEITAÇÃO: 22 de Agosto de 2015

01

Page 12: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

21 — RPCD 15 (2)

01Physical activity and use of drugs

among university students

ABSTRACT

The university student population tends to be seen as being above the

average in what refers to drugs use. Some literature suggests that the

practice of physical activity is a prevention factor for substance abuse.

However, other studies indicate that young adults involved in sports

present a larger tendency to consume alcohol, tobacco and other sub-

stances. With the purpose of confirming these data we carried out the

present study. The sample consisted of university students that used

the University library services on regular basis. 209 individuals (115 fe-

male and 94 male) voluntarily collaborated in this study. Through the

application of the Mann-Whitney test it was verified regularities in the

beer consumptions, distilled beverages and other products derived from

cannabis were significantly superior among those who were physically

active. The results present a positive relationship between the consump-

tion certain substances and the practice of physical activity in the rec-

reation and leisure form. The comparison between, males and females

evidenced the males are more regular consumers of wine, beer, distilled

beverages, cannabis and of other declared substances. The female indi-

viduals presented more regular consumptions of prescribed medicines.

KEY-WORDS:

Substance abuse. Drug consumption.

Gender. Physical activity.

INTRODUÇÃO

Pretendemos esclarecer desde já que qualquer referência a “droga” ou “substância tóxica”

encontrada ao longo deste artigo, significa toda a substância que, quando introduzida no

organismo vivo, pode modificar uma ou mais das suas funções (17). Assim, por substâncias

tóxicas entendemos todas as substâncias com propriedades psicoativas.

Desde há muito tempo que as sociedades se debatem com o problema do abuso de subs-

tâncias tóxicas que, sendo universal, constitui uma preocupação para os jovens e para as

famílias. O consumo de substâncias ilícitas constitui um dos grandes flagelos sociais e

humanos vai para mais de um século, porém, nos meados do século passado (XX), tomou

dimensões diferentes passando a constituir um problema de saúde pública.

Numa breve resenha da história da utilização das substâncias tóxicas, Morel, Boulanger,

Hervé e Tonnelet (21), entre outros aspectos, descrevem-nos como o consumo das subs-

tâncias em causa não é uma questão individual mas sim colectiva. Mais que o consumo e

as dimensões que este assume nas múltiplas sociedades, o consumo abusivo não é uma

questão exclusivamente biológica ou psicológica, mas também, e talvez fundamentalmen-

te, uma dimensão cultural. Por esta razão, os autores defendem que qualquer intervenção

requer o envolvimento alargado de vários grupos sociais, entre eles os políticos, os profis-

sionais da saúde, e nós acrescentaríamos os da doença (médicos e enfermeiros), os edu-

cadores e os indivíduos que tenham vivido as consequências do consumo abusivo. Entre os

profissionais da saúde nós incluímos os professores de Educação Física e Desporto.

Num comunicado à imprensa em 2002, o Director-Geral e Alto-Comissário da Saúde (11,

27) em Portugal afirmou que a prática de actividade física regular surge como um factor

de prevenção de comportamentos de risco, entre os quais o tabagismo, o alcoolismo e o

abuso de substâncias tóxicas. Estas afirmações levam-nos, de certo modo, a pensar que

os praticantes de actividade física regular consomem menos substâncias tóxicas que os

indivíduos sedentários. No entanto, outros estudos levados a cabo pela American Psycho-

logical Association (4) e pelo National Institute on Drug Abuse (23) mostraram que os jovens

que estavam envolvidos em práticas desportivas apresentavam maior tendência para con-

sumir álcool, tabaco e outras drogas.

O consumo de substâncias tóxicas, apesar de representar um problema social e de saú-

de pública de grandes dimensões, tem merecido pouca atenção por parte dos investigado-

res na área da psicologia do desporto e do exercício. Esta escassez é, ainda, mais acentu-

ada quando a população alvo são os estudantes universitários.

Page 13: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

23 — RPCD 15 (2)

01A pouca investigação levada a cabo nesta área parece sugerir que na realidade a prática

de actividade física não tem os benefícios que a priori se poderia imaginar ter. No que se

refere ao consumo de substâncias tóxicas entre estudantes universitários, há relatos que

indicam que este é comum e a sua incidência é variável em função do tipo de substância

em causa (15). Por sua vez, Dunn e Wang (12) afirmam que o padrão ou tendência para o con-

sumo não tem sofrido alterações ao longo dos últimos dez anos.

Tradicionalmente, na opinião de Pate (26), o envolvimento em actividades físicas e despor-

tivas tem estado associado à ideia de que estas exercem um efeito preventivo no âmbito

da saúde, uma vez que são referidas como comportamentos promotores de hábitos de

saúde, assim como minimizadores da adesão a comportamentos de risco (19, 24, 25, 26). Este

tipo de crença, na ausência de investigação científica, tem-se reproduzido ao longo dos

anos, apesar de existir um conjunto de estudos que sugere que os indivíduos com maior

envolvimento em actividades recreativas tendem a ter maiores consumos (12, 16, 18).

No estudo de Pate (26) foram comparados dois grupos em função do nível de envolvimen-

to em actividades físicas: baixo e elevado. Os resultados obtidos evidenciaram que “ … little

or no involvement in physical activity was associated with cigarette smoking, marijuana use,

poor dietary habits, television viewing, failures to wear a seat belt, and perception of low

academic performance (p. 1579). No entanto, não foi encontrado qualquer tipo de relação

entre um nível baixo de actividade física e consumo de cocaína, prática sexual, actos de

violência e auto-percepções relativamente ao peso. No caso das mulheres, a baixa activi-

dade física estava positivamente relacionada com o consumo de álcool.

Dunn e Wang (12) estudaram 2.436 estudantes com o objectivo de identificar o tipo de

relação entre actividade física e uso de substâncias tóxicas. Os resultados evidenciaram

que a participação poderá servir como factor protector ou preventivo no que se refere ao

consumo de tabaco e álcool. No entanto, não foi encontrada qualquer relação estatistica-

mente significativa que permita afirmar que a actividade física reduz as possibilidades de

envolvimento em comportamentos de consumo de outras substâncias tóxicas.

Num estudo que envolveu 5.065 estudantes do ensino superior (5), verificou-se que 44%

dos estudantes inquiridos praticavam alguma actividade desportiva ocasionalmente, sen-

do as actividades de maior adesão os desportos de equipa (21%) e a ginástica ou atletismo

(15%). Não possuímos, no entanto, dados relativos ao tipo de prática de actividade física ou

desportiva destes estudantes – desporto federado ou de recreação. Se tivermos em conta

os motivos enunciados por Vasconcelos-Raposo e Figueiredo (29), considerados como os

mais importantes para a participação dos jovens nas actividades desportivas, verificamos

que estão incluídos, para além do aperfeiçoamento de habilidades (skills) e do desenvol-

vimento do fitness, os motivos: “divertimento” e “estar com os amigos”. Ainda de acordo

com os mesmos autores, são vários os estudos que revelam ser considerados como im-

portantes, para a prática de actividade física, os motivos de ordem social para a prática de

actividade física e desportiva, como o divertimento, fazer novas amizades e o estar com os

amigos. Um desses estudos está representado no Quadro 1.

QUADRO 1 – Motivos apresentados no estudo Buonamano, Cei e Mussimo (6) retirado de Vasconcelos-Raposo e Figueiredo (28)

MOTIVOS PERCENTAGEM

Divertimento (necessidade de gozo, jogar e experienciar momentos de prazer) 49.2%

Motivos de ordem física (ter saúde, ser mais forte) 32%

Razões sociais (estar com os amigos, realização pessoal pelos outros) 8.9%

Competição (competir consigo mesmo e com os outros) 4.2%

Competências (aprender novos “skills”, improvisar “skills”) 2.9%

Estatuto social (ganhar um estatuto social, ganhar dinheiro e ser popular entre os outros) 2.8%

Estes resultados obtidos num estudo realizado em Itália por Buonomano (6) com uma

amostra de 2.589 rapazes e raparigas com idades compreendidas entre os 9 e os 18 anos

de idade de diferentes zonas de Itália, aos quais foi aplicado um questionário de resposta

aberta, elaborado pelos próprios autores. Em relação à população universitária, Balsa e col. (5) constataram ainda que as actividades que assumiam maior importância no contexto das

actividades de lazer dos estudantes eram as que se relacionavam com as sociabilidades,

entre as quais, passar tempo no café, cervejaria ou pastelaria (43%) e a frequência de bares

e discotecas (36%). No entanto, apesar de 44% dos estudantes terem elegido a prática de

actividade física e desportiva como uma das suas actividades de lazer, estes autores pare-

cem não as ter associado às actividades que se relacionavam com sociabilidades. Achamos

que a prática de actividade física é uma actividade que, quando realizada em equipa ou em

grupo, provoca por si só a sociabilidade, para além de esta última ser um factor de motiva-

ção para a procura de actividade física e desportiva. E o facto de a sociabilização propor-

cionar o convívio, poderá aumentar significativamente a promiscuidade para o consumo de

certas substâncias. Tendo estes aspectos em mente as perguntas orientadoras do nosso

projecto foram: Há diferenças entre praticantes e não praticantes de actividade física ao

Page 14: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

25 — RPCD 15 (2)

01nível do consumo de substâncias tóxicas? Serão essas diferenças significativas entre géne-

ro? O interesse e a curiosidade de caracterizarmos os padrões de consumo de substâncias

psicoactivas em estudantes universitários, relacionando-os com os seus hábitos de prática

de actividade física, resultaram da controvérsia de factos sobre a real influência que activi-

dade física pode desempenhar na prevenção das toxicodependências.

As substâncias seleccionadas e os motivos que nos levaram a inclui-las no questionário

que apoia o nosso estudo foram: (1) no que diz respeito às substâncias ilícitas: as mais

consumidas pelos Portugueses verificadas no Relatório Anual de 2001 do Centro de Infor-

mação sobre a Droga e a Toxicodependência (7, 15) – LSD, heroína/ opiáceos, cocaína/ crack,

ecstasy, derivados da cannabis; (2) no que diz respeito às substâncias lícitas: o tabaco, pelo

facto de ser responsável por cerca de 20% da mortalidade total (11) e também porque os

agregados familiares portugueses têm vindo a afectar um peso crescente da sua despe-

sa em tabaco (14); a cafeína, vulgarmente designada por café, que costuma também fazer

parte dos padrões de consumo dos Portugueses; o álcool, pelo facto de, segundo a DGS (10,

11), Portugal ser o 3.º país da União Europeia (EU) com maior consumo per capita de álcool

puro, e os fármacos ou medicamentos porque se tem verificado um consumo crescente de

medicamentos por parte das populações.

Em relação à substância álcool, decidimos especificá-la no questionário em vinho, cerveja

e bebidas destiladas, uma vez que num estudo de Correia e Negreiros (8) sobre o consumo de

substâncias lícitas e ilícitas por jovens estudantes das escolas profissionais do distrito da Guar-

da se verificaram padrões de consumo diferentes relativamente a estas bebidas alcoólicas.

De acordo com o Center for Disease Control (15), existem seis factores de risco para a saú-

de que contribuem para a morbilidade e mortalidade, são eles: inactividade física, consu-

mo de tabaco, álcool, droga, comportamentos sexuais de risco, maus hábitos alimentares

e lesões (acidentais ou não). Tendo em consideração que os comportamentos e hábitos de

saúde tendem a estabelecerem-se nas primeiras duas dezenas de anos, o presente estudo

apresentou-se-nos como relevante na medida em que, no contexto universitário onde nos

inserimos, sabe-se muito pouco sobre esses hábitos entre os estudantes de ambos os sexos.

Averiguámos os tipos de consumo que pressupunham o uso contínuo de pelo menos uma

vez por mês de cada uma das seguintes substâncias: cafeína, vinho, cerveja, bebidas desti-

ladas, LSD, heroína/ opiáceos, cocaína/ crack, ecstasy e derivados da cannabis. Em relação

ao tabaco, considerámos os tipos de consumo que pressupunham pelo menos o uso de um

maço de tabaco durante o período de um mês. Quanto aos fármacos/ medicamentos, achá-

mos que só seria pertinente analisar os tipos de consumo que se verificassem pelo menos

uma vez por dia e que fossem de carácter permanente.

METODOLOGIA

A nossa amostra foi constituída por 209 indivíduos. Estes frequentaram a biblioteca da

Universidade onde o estudo se realizou no período das duas semanas durante as quais foi

aplicado o nosso questionário. Dos estudantes que corporizaram a amostra, 45% (n = 94)

foram do sexo masculino e 55% (n = 115) do sexo feminino. Existe um certo equilíbrio per-

centual entre os dois géneros, deduzindo-se, portanto, que esta variável não será indutora

de variabilidade nos resultados. A média de idades dos estudantes foi de 23.1 anos, sendo

18 anos a idade mínima e 44 anos a idade máxima. Mais de metade da amostra concentrou-

-se na faixa etária 18 – 23 anos de idade.

Este estudo integrou três tipos de variáveis: (1) variáveis de caracterização que incluem o

sexo e a idade; (2) variáveis relativas à prática e tipo de actividade física e desportiva, a saber,

praticante ou não praticante e desporto federado ou desporto de recreação (incluímos no des-

porto de recreação o desporto universitário, o jogging, as actividades de academia, as danças

sociais e os desportos praticados entre amigos) e (3) variáveis relativas ao consumo de subs-

tâncias tóxicas, nomeadamente, café, vinho, cerveja, bebidas destiladas, tabaco, LSD, heroína/

opiáceos, cocaína/ crack, ecstasy, derivados da cannabis e medicamentos ou fármacos.

As variáveis alusivas ao consumo de café, vinho, cerveja, bebidas destiladas, LSD, he-

roína/ opiáceos, cocaína/ crack, ecstasy e derivados da cannabis foram categorizadas em

sete níveis de consumo: (1) não consumo; (2) uma vez por mês; (3) uma vez em duas sema-

nas; (4) uma vez por semana; (5) duas a quatro vezes por semana; (6) uma vez por dia; e (7)

mais que uma vez por dia. Uma vez que ao nosso estudo interessava averiguar a existência,

ou não, de uma maior regularidade ao nível dos consumos, apenas constaram no nosso

questionário opções de resposta que incluíam o “não uso” de uma qualquer destas subs-

tâncias ou o seu uso mínimo de uma vez por mês até mais do que uma vez por dia.

As variáveis alusivas ao consumo de tabaco foram também categorizadas em sete níveis

de consumo: (1) não consumo; (2) um maço por mês ou menos; (3) um maço por semana;

(4) um maço em cada três dias; (5) um maço em cada dois dias; (6) um maço por dia e (7)

mais do que um maço por dia.

As variáveis relativas aos consumos de fármacos ou medicamentos foram classificadas

em: (1) não consumo; (2) uma vez por dia e (3) mais do que uma vez por dia.

Portanto, as variáveis independentes estão relacionadas com os hábitos de prática de ac-

tividade física – “praticante de actividade física” e “não praticante de actividade física” – e

com o género, e as variáveis dependentes dizem respeito ao consumo das substâncias psi-

coactivas cafeína, tabaco, fármacos/ medicamentos, vinho, cerveja, bebidas destiladas, LSD,

heroína/ opiáceos, cocaína/ crack, ecstasy, derivados da cannabis e outras substâncias.

Page 15: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

27 — RPCD 15 (2)

01O questionário utilizado foi concebido pelos autores do presente estudo. O objectivo do

questionário é identificar quais as substâncias psicoactivas que os estudantes consumiam

actualmente, a regularidade do seu consumo e os seus hábitos de prática de actividade físi-

ca – praticante ou não praticante, tipo de prática e número de sessões semanais. Todos os

questionários incluíram uma pequena introdução inicial na qual garantimos total anonimato

e confidencialidade, o que foi reforçado pelo método de amostragem e recolha de dados

abaixo descritos. Nesse texto, apelámos ainda, de forma clara, para que o inquirido não con-

siderasse como actividade física as formas de actividade laboral ou doméstica, nas suas

respostas. Todas as respostas do questionário foram fechadas, à excepção de uma, na qual o

inquirido poderia, eventualmente, mencionar uma outra substância consumida regularmen-

te por si e que não constasse no questionário, bem como a sua regularidade de consumo.

A técnica de amostragem utilizada no presente estudo caracterizou-se pela ausência de

qualquer tipo de contacto entre os autores do presente estudo e os sujeitos que, volunta-

riamente, preencheram os questionários. No local onde tinham acesso aos questionários

não existia qualquer tipo de informação sobre o estudo, assim como também não se pres-

tou qualquer informação sobre as pessoas que realizavam o estudo.

Quanto às condições de entrega e recolha dos questionários, optámos por colocar dia-

riamente no balcão da biblioteca da Universidade onde o estudo se realizou 60 inquéritos

e 60 envelopes. Cada leitor preenchia então o seu questionário, introduzia-o no envelope,

lacrava-o e, seguidamente, introduzia este último numa caixa de cartão com uma ranhu-

ra na parte superior, disponibilizada para o efeito. Os inquéritos foram levantados diaria-

mente ao fim da manhã (por volta das 13:00h) e ao fim do dia à hora de encerramento da

biblioteca (23:30h). Deste modo, pudemos ter a certeza de que os inquéritos não foram

preenchidos todos num só dia, num determinado período, e sim ao longo do dia, durante

duas semanas (em dias úteis).

Para o tratamento de dados recorremos ao SPSS – 18. Para procedermos à análise descri-

tiva dos nossos dados utilizámos as percentagens para quantificar os valores obtidos. Recor-

remos ainda à estatística indutiva, mais concretamente, ao teste de Mann-Whitney (p < .05).

RESULTADOS

VARIÁVEIS RELATIVAS À PRÁTICA DE ACTIVIDADE FÍSICA

Mais de metade dos estudantes da amostra (56.9%) possuem hábitos de prática de acti-

vidade física contra 43.1% dos inquiridos que responderam não possuir quaisquer hábitos

de prática de actividade física. A recreação e o lazer foram a forma de actividade física

preferida destes estudantes (87.7% do número de estudantes que pratica actividade física,

N = 119). Apenas 14 estudantes (11.8%, N = 119) praticam desporto federado.

VARIÁVEIS RELATIVAS À REGULARIDADE DE CONSUMO DAS SUBSTÂNCIAS LÍCITAS

Café: grande parte dos indivíduos consome café uma vez por dia, ou mais que uma vez por

dia (22% e 28.2%, respectivamente) e 21.5% dos estudantes da amostra não consome café.

As restantes formas de consumo assumiram proporções pouco significativas. Os resulta-

dos obtidos com o teste de Mann-Whitney não revelaram diferenças significativas na regu-

laridade do consumo de café entre sexos (p = .751) e entre praticantes e não praticantes

de actividade física (p = .802).

Vinho: mais de metade dos estudantes constituintes da amostra referiu não consumir vi-

nho (52.6%), seguindo-se com 16.7 % a quantidade de estudantes que respondeu consumir

vinho apenas uma vez por mês, com 12% os que consomem apenas uma vez em duas se-

manas e com 10% a quantidade de estudantes que consomem vinho uma vez por semana.

As restantes formas de consumo não assumiram proporções significativas. Os resulta-

dos obtidos com o teste de Mann-Whitney revelaram não haver diferenças significativas na

regularidade do consumo de vinho entre praticantes de actividade física e não praticantes

(p = .490). Em relação às diferenças entre sexos, verificaram-se diferenças estatistica-

mente significativas (p = .001), que parecem indicar os indivíduos do sexo masculino como

consumidores regulares mais expressivos de vinho.

Cerveja: o valor mais expressivo obtido no consumo de cerveja foi o dos não consumi-

dores, com 45%. Seguem-se os consumos de cerveja de entre duas a quatro vezes por

semana com 15.8%, os consumos de apenas uma vez por mês com 13.9%, os consumos

de uma vez por semana com 11% e os consumos de uma vez em cada duas semanas com

9.1%. As restantes formas de consumo não pareceram ser suficientemente expressivas

para merecerem o nosso destaque. Os resultados obtidos com o teste de Mann-Whitney

revelaram existir diferenças significativas na regularidade do consumo de cerveja, quer

em relação à variável sexo (p = .001), quer em relação à variável prática de actividade fí-

sica (p = .046). Os indivíduos do sexo masculino consomem cerveja mais regularmente do

que os indivíduos do sexo feminino e os praticantes de actividade física consomem cerveja

mais regularmente do que os não praticantes.

Bebidas destiladas: a maioria dos estudantes inquiridos afirmou não consumir bebidas

destiladas (49.8%). A seguir a este valor, destaca-se a percentagem de estudantes que

consomem este tipo de bebida uma vez por mês (24.4%), os que consomem uma vez em

cada duas semanas (12%) e os que consomem uma vez por semana (9.1%). As restantes

formas de consumo sugerem valores pouco expressivos. Verificámos a existência de di-

ferenças significativas na regularidade do consumo de bebidas destiladas em relação às

variáveis sexo (p = .001) e prática de actividade física (p = .003). Os indivíduos do sexo

masculino apresentam consumos mais regulares de bebidas destiladas do que os indivídu-

os do sexo feminino e os praticantes de actividade física também apresentaram consumos

mais regulares do que os não praticantes.

Page 16: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

29 — RPCD 15 (2)

01Tabaco: na nossa amostra, 68.4% dos estudantes referiram ser não fumadores. Em rela-

ção às restantes formas de consumo, parece-nos que estas se encontram relativamente

equilibradas em termos de percentagem, assumindo estas, isoladamente, valores pouco

expressivos. No entanto, constatámos, ao analisar as frequências acumuladas, que 19.7%

dos estudantes fumam um maço de cigarros em cada 3 dias, ou mais. Não se verificaram

diferenças significativas na regularidade do consumo de tabaco em relação às variáveis

sexo (p = .189) e prática de actividade física (p = .650).

Medicamentos: Registou-se uma elevada percentagem de estudantes que não conso-

mem medicamentos (87.6%). No entanto, 11% dos estudantes inquiridos referiram consu-

mir algum tipo de medicamento uma vez por dia e 1.4% referiram consumir algum tipo de

medicamento mais do que uma vez por dia. Os resultados obtidos com o teste de Mann-

-Whitney revelaram existir diferenças significativas (p = .001) no consumo regular de me-

dicamentos entre os dois sexos, apresentando o sexo feminino consumos mais regulares

de medicamentos. Em relação às diferenças entre praticantes de actividade física e não

praticantes, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas na regularidade

do consumo de medicamentos (p = .881). Tentamos agrupar os medicamentos referidos

pelos estudantes constituintes da amostra, pelos subgrupos fármaco-terapêuticos com

maior encargo financeiro no Sistema Nacional de Saúde (SNS) no ano de 1998 (os últimos

dados disponíveis), de forma a podermos estabelecer comparações. No entanto, a dificul-

dade manifestada pelos próprios estudantes em especificar o tipo de medicamento que

consumiam, dificultou este procedimento. Realçamos, no entanto, os medicamentos mais

consumidos: a pílula contraceptiva, as vitaminas e os antidepressivos e psicotónicos foram

os que apresentaram os valores mais expressivos.

VARIÁVEIS RELATIVAS À REGULARIDADE DE CONSUMO DAS SUBSTÂNCIAS ILÍCITAS

LSD: a maioria esmagadora dos estudantes inquiridos declarou não consumir LSD (97.1%).

Quanto às restantes formas de consumo, estas apresentaram-se inexistentes ou quase

insignificantes. Em relação às diferenças entre sexo e entre prática de actividade física,

estas também não se mostraram significativas.

Heroína: à semelhança dos consumos de LSD, os consumos de heroína são quase nulos.

Apenas três indivíduos referiram consumir heroína, havendo, assim, uma percentagem de

não consumidores de 98.6%. As restantes formas de consumo são inexistentes ou muito

insignificantes. Tendo em conta o alto grau de dependência capaz de provocar a heroína, os

estudantes que referiram consumir uma vez por mês e uma vez em duas semanas prova-

velmente falsearam as suas respostas ou encontram-se de momento, numa fase inicial de

consumo desta substância. Os resultados obtidos com o teste de Mann-Whitney revelaram

não existir diferenças significativas em relação à regularidade do consumo de heroína/

opiáceos na variável sexo (p = .441) e na variável prática de actividade física (p = .400).

Cocaína: à semelhança das duas substâncias anteriores, o consumo de cocaína reve-

lou-se praticamente inexistente. A percentagem de não consumidores atingiu os 98.1%,

apresentando-se as restantes formas de consumo como nulas ou muito pouco significati-

vas. Os resultados obtidos com o teste de Mann-Whitney revelaram não haver diferenças

significativas (p = .767) na regularidade do consumo de cocaína/ crack entre praticantes

de actividade física e não praticantes. Em relação às diferenças entre sexos, também não

se verificaram diferenças estatisticamente significativas (p = .827).

Ecstasy: o ecstasy apresenta a taxa mais elevada de estudantes não consumidores –

99%. Na nossa amostra, apenas dois indivíduos referiram consumir ecstasy uma vez por

mês. Os resultados obtidos com o teste de Mann-Whitney revelaram não haver diferenças

significativas (p = .218) na regularidade do consumo de ecstasy entre praticantes de acti-

vidade física e não praticantes. Em relação às diferenças entre os dois sexos, também não

se verificaram diferenças estatisticamente significativas (p = .200).

Cannabis: apesar de a grande maioria dos estudantes inquiridos não consumir derivados

da cannabis (84.7%), esta apresentou-se como a substância ilícita consumida mais regular-

mente pelos estudantes universitários. A forma de consumo com maior percentagem é a que

se reporta aos consumos de cannabis uma vez por mês (5.7%). Segue-se a percentagem de

indivíduos que consome de entre duas a quatro vezes por semana (3.3%) seguida pela per-

centagem de indivíduos que consome mais do que uma vez por dia (2.9%). A percentagem de

indivíduos que consome cannabis ou derivados uma vez em duas semanas ou uma vez por

dia é de 1.9% e 1.4%, respectivamente. Os resultados obtidos com o teste de Mann-Whitney

revelaram existir diferenças significativas (p = .009) na regularidade do consumo de canna-

bis ou derivados entre praticantes de actividade física e não praticantes, apresentando os

praticantes consumos mais regulares de cannabis. Em relação às diferenças entre sexos,

também se verificaram diferenças estatisticamente significativas (p = .020), que indicaram

os indivíduos do sexo masculino como consumidores regulares mais expressivos.

Em relação às diferenças de regularidade de consumo das substâncias ilícitas LSD, he-

roína, cocaína e ecstasy entre sexos e praticantes e não praticantes de actividade física,

pretendemos reforçar o número demasiado reduzido de consumidores. No futuro, outros

estudos deverão assumir o consumo de ecstasy como seu objecto de estudo. Esta é uma

substância que promove a sociabilidade e o seu consumo tende a ocorrer em momentos

específicos do dia e da semana, assim como em alguns lugares, nomeadamente em dis-

cotecas, onde hoje surge um movimento no sentido de serem criadas condições para um

consumo em condições de segurança para os próprios indivíduos.

Page 17: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

31 — RPCD 15 (2)

01OUTRAS SUBSTÂNCIAS

As outras substâncias referidas que não constavam no nosso questionário, foram os cogu-

melos mágicos, a gasolina e o chá, mas em proporções bastante reduzidas. A regularidade

de consumo dessas substâncias assumiu diferenças estatisticamente significativas (p = .026)

em relação ao sexo, sendo os indivíduos do sexo masculino os consumidores mais regulares

de outras substâncias. Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas (p = .774)

entre os praticantes de actividade física e os não praticantes em relação à regularidade do

consumo de outras substâncias. Relativamente a este tipo de substâncias também deverão ser

realizados estudos especificamente desenhados para o efeito.

DISCUSSÃO

Antes de darmos início à discussão dos dados, importa relembrar que a amostra do nosso

estudo é tendenciosa na medida em que visou estudar os comportamentos de consumo en-

tre os estudantes que, à partida, foram definidos como aqueles em que o consumo deveria

ser muito reduzido ou nulo, uma vez que satisfaziam o critério de estudantes empenhados:

frequentar a biblioteca, interesse pelos cartazes afixados na biblioteca (o que os levava a

ler o cartaz por nós afixado, convidando ao preenchimento do questionário) e praticantes

de actividade física, portanto aderentes a comportamentos de saúde.

Os participantes neste estudo apresentam índices bons de participação em actividade fí-

sica (56.9%), quando comparados com a população portuguesa em geral que apresenta os

maiores índices de inactividade da União Europeia (13, 20, 28). A interpretação destes valores

apresenta-se difícil, na medida em que os dados recolhidos não nos permitem tirar ilações

suficientemente consolidadas para fazer qualquer tipo de sugestão, para além da consta-

tação dos números. De qualquer forma, reforçam a validade dos critérios de ordem teórica

que orientaram a inclusão na amostra de indivíduos com maior adesão a comportamentos

de saúde e menor índice de consumo de substâncias tóxicas.

Os resultados do estudo permitiram-nos constatar que o álcool e o tabaco foram as

duas drogas mais consumidas, aparecendo a cannabis como a droga ilícita preferida. Não

foram reportados por parte da nossa amostra consumos significativos de substâncias ilí-

citas ou de outras substâncias. Os resultados do presente estudo apresentam valores de

consumo superiores aos verificados em estudantes canadianos e idênticos aos padrões

de consumo verificado nas instituições universitárias norte americanas (2). De facto, num

estudo levado a cabo por Adlaf, Gliskman, Demers e Newton-Taylor (2), constatou-se que

17.1% dos estudantes canadianos inquiridos fumavam. Tal como no nosso estudo, não se

verificaram diferenças entre os sexos. Os resultados do presente estudo não confirmam

as interpretações de Pate (26), que sugeriram que a actividade física se apresentava como

um elemento preventivo para o consumo destas substâncias. Apesar de na literatura da

especialidade (19) se fazer constar que a participação em actividades físicas parece estar

associada com bons hábitos alimentares, comportamentos sexuais em que os praticantes

de desporto tendem a permanecer virgens até mais tarde (em especial as mulheres) e con-

sumos reduzidos de álcool (1), os nossos resultados sugerem que esta ideia (ou crença) não

é tão linear como a sugestão é feita na literatura. Tal como se verifica nos estudantes norte

americanos (19), o consumo de tabaco e álcool são as substâncias tóxicas mais consumidas

pelos sujeitos por nós estudados.

Os indivíduos do sexo feminino revelaram apenas superioridade nas regularidades dos

consumos medicamentosos em relação aos indivíduos do sexo masculino. Em relação às

restantes substâncias, verificaram-se regularidades superiores nos indivíduos do sexo

masculino nos consumos de: vinho, cerveja, bebidas destiladas, cannabis e de outras

substâncias. Quando analisámos os medicamentos em causa, constatámos que a maioria

destes consistiu de suplementos alimentares, como vitaminas e psicotónicos e, no caso

específico das mulheres, da pílula. Estes resultados, de alguma forma, expressam os cui-

dados que tivemos na constituição da amostra com a expectativa de integrarmos no estudo

os indivíduos aparentemente mais empenhados na vida académica.

Constatamos que os consumos de cerveja, bebidas destiladas e derivados da cannabis,

foram significativamente superiores nos praticantes de actividade física em relação aos

não praticantes. Este facto dá ênfase às nossas presunções de que as actividades que

promovem a sociabilidade e o convívio entre indivíduos aumentam significativamente o

risco de consumo de substâncias como o álcool, o tabaco e outras drogas. Portanto, pen-

samos existir uma relação entre os dois seguintes factores: (1) o facto de as actividades

que se relacionavam com sociabilidades terem assumido maior importância no contexto

das actividades de lazer, como se sugere no estudo de Balsa et al. (5), nas quais incluímos

as actividades físicas e desportivas; (2) o facto de se ter verificado nos estudos da APA (4,

23) maior tendência para o consumo de álcool, tabaco e outras drogas, por parte dos jovens

praticantes de actividades desportivas. Verificámos em vários estudos (22, 29) que entre os

principais factores de motivação para a prática desportiva, se situam os de natureza social:

divertimento, necessidade de gozo, estar com os amigos e fazer novas amizades.

Não pretendemos, com este estudo, denegrir a imagem do desporto, mas apenas alertar os

jovens, os pais e a população em geral para os possíveis “caminhos” que nos poderão surgir

após a prática desportiva: os jantares da equipa, os encontros no café depois do “joguito” de

futsal com os colegas da firma, as saídas com os amigos do ginásio, entre outras, são formas

de convívio proporcionadas pela prática da actividade física e do desporto que podem intervir

como agentes facilitadores para o consumo de certas substâncias (lícitas ou ilícitas). De acor-

do com o American College of Sports Medicine (3), praticar regularmente uma actividade física

Page 18: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

com intensidade moderada a elevada, traz benefícios consideráveis para a saúde. No entanto,

a prática desportiva por si só, despida de qualquer tipo de transmissão de valores não se apre-

senta como um bom promotor de comportamentos preventivos, antes pelo contrário.

A vida universitária segue-se a um dos períodos de maior exigência sócio-cultural para o

adolescente e jovem adulto. É, caracteristicamente, uma fase da vida em que os indivíduos

estão sujeitos a desafios novos e constantes e onde a experimentação, a todos os níveis,

deve ser encarada como fazendo parte do desenvolvimento das múltiplas facetas que cons-

tituem a vida do estudante. Na Europa, construímos presentemente uma sociedade em que,

de alguma forma, o culto do individualismo e do consumismo é uma consequência inevitável.

Assim, quando nos deparamos com uma ausência de politicas que visem a promoção dos

hábitos e comportamentos de saúde associadas ao desinvestimento no sistema educativo e

à desvalorização da actividade física como promotora da saúde, é “natural” que até entre os

estudantes mais aplicados academicamente, como aqueles que estudamos, prevaleça esta

atitude para a experimentação assumindo comportamentos de risco para a saúde.

Por outro lado, ao longo das décadas assistimos a uma completa incapacidade por parte

dos profissionais da educação física e desporto em fazerem prevalecer os seus contributos

para a educação das classes dirigentes sobre o valor da actividade física como agente pre-

ventivo de um conjunto alargado de patologias. Devemos destacar que uma percentagem das

verbas que os governos gastam no âmbito da saúde está directamente relacionada com as

despesas com medicamentos, assim como no pagamento de serviços curativos para as cha-

madas doenças hipocinéticas (as que resultam da falta de movimento), como por exemplo do-

enças cardiovasculares, diabetes, depressão, ansiedade, perturbações renais e osteoporose.

Importa realçar que os sujeitos por nós estudados participavam em actividades físicas que

ocorreram em contextos sem qualquer tipo de supervisão pela parte de profissionais da área

das ciências do desporto, recreação e saúde. Este aspecto deverá ser devidamente considera-

do em estudos futuros, uma vez que o tipo de orientação cognitiva que é promovida durante os

programas de exercício é determinante para a adesão aos comportamentos de saúde.

Do presente estudo podemos concluir que o consumo de substâncias tóxicas é uma re-

alidade para todos os tipos de estudantes, dos mais aos menos empenhados academica-

mente. Os valores por nós identificados sugerem que o consumo, neste grupo, tende a

ocorrer em contextos de convívio sociais ou facilitadores deste. A literatura sugere que

os comportamentos dos estudantes relativamente a estes consumos são transitórios e

que tendem a diminuir com o passar dos anos. De qualquer forma, somos da opinião que

instituições como são as universidades deverão ter o cuidado de proporcionar as oportuni-

dades para os estudantes terem uma prática regular de exercício físico, mas em contextos

devidamente supervisionados por profissionais devidamente treinados para o efeito.

BIBLIOGRAFIA

1. Aaron D, Dearwater S, Anderson R, Olsen T, Kriska A, LaPorte R (1995). Physical activity and the initiation of high risk health behaviors in adolescents. Meicine and Science in Sports and Exercise, 27 (2): 1639-1645.2. Adlaf E, Gliskman L, Demers A, Newton-Taylor (2003). Cigarette use among Canadian undergradua-tes. Canadian Journal of Public Health. 94 (1): 22-24.3. American College of Sports Medicine (1991). Gui-delines for exercise testing and prescription (4.ª Ed.). Londres: Lea Febiger.4. American Psychological Association (1998). High school athletes get good grades, but are more drawn to alcohol and drugs, study suggests. Resumo retirado a 19-Abril-2003, de www.apa.org/monitor/aug98/drug.htm5. Balsa C, Simões J, Nunes P, Carmo R, Campos R (2001). Perfil dos estudantes do ensino superior: Desi-gualdades e diferenciação. Lisboa: Edições Colibri.6. Buonamani, R., Cei, A., & Mussino, A. (1995). Par-ticipation motivation in italian youth sport. The Sport Psychologist, 9, 265 – 2817. Centro de Informação sobre a Droga e a Toxicode-pendência (2002). Relatório anual 2001. A situação do país em matéria de drogas e toxicodependências: Informação Estatística 2001. Retirado a 10-Dezem-bro-2002, de http://www.ipdt.pt8. Correia R, Negreiros J (2000). Consumo de subs-tâncias lícitas e ilícitas por jovens estudantes das es-colas profissionais do distrito da Guarda. Tese de mes-trado não publicada. Porto: FPCEUP.9. Dinger M (2000). Health-risk behaviors of high school and college female. Journal of Physical Educa-tion, Recreation & Dance, 71(1): 19-29.10. Direcção Geral da Saúde (2001). Elementos esta-tísticos: Saúde 1998. Lisboa: DGS.11. Direcção Geral da Saúde (2002). Ganhos de saúde em Portugal: Ponto de situação. Relatório do Director-Geral e Alto-Comissário da Saúde. Lisboa: Ministério da Saúde.12. Dunn M, Wang M (2003). Effects of physical acti-vity on substance use among college students. Ameri-can Journal of Health Studies, 18 (2/3): 126-132.13. Institute of European Food Studies (1998). A pan-EU survey on consumer attitudes to physical activity, body-wei-ght and health. Dublin: Institute of European Food Studies.14. Instituto Nacional de Estatística (2002). Inqué-rito aos orçamentos familiares 2000: Despesas com tabaco. Retirado a 21-Dezembro-2002, de www.ine.pt15. Johnston L, O´Malley P, Bachman J (1998). National survey results on drug use from monitoring the future stu-dy. NIH – nº. 98-4346. Washington DC: Gov. Printing Office.

16. Kokotailo P, Henry B, Koscik R, Fleming M, Landry G (1996). Substance use and other health risk beha-viors in collegiate athletes. Clinical Journal of Sports Medicine, 6: 183-189.17. Kramer JF, Cameron DC (1975). Manual sobre dependên-cia de las drogas. Genebra: Organización Mundial de la Salud.18. Leichliter J, Meilman P, Presley C, Cashin M (1998). Alcohol use and related consequences among students with varying levels of involvement in college athletics. Journal of American College health. 46: 257-262.19. Leonard W (1998). The influence of physical acti-vity and theoretically relevant variables in the use of Drugs: The deterrence hypothesis revisited. Journal of Sport Behavior. 21 (4): 421-434.20. Marivoet S (2002). Hábitos desportivos da popula-ção portuguesa. Lisboa: INFED.21. Morel A, Boulanger M, Hervé F, Tonnelet G (2000). Prevenção das toxicomanias. Coimbra: CLIMEPSI.22. Mota P, Gusmão J (1999). Factores de motivação para a prática do exercício físico: Perspectivas do modelo transteórico. Monografia não publicada. Vila Real: UTAD.23. National Institute on Drug Abuse (1996). Wo-men and gender research: Director’s report to council. Retirado a 19-Abril-2003, de www.drugabuse.gov/ WHGD/WHGDDirRep5.htm24. Naylor A, Gardner D, Zaichkowski L (2001). Drug use patterns among high school athletes and non-

-athletes. Adolescence. 36 (144): 627-639.25. Paretti-Watel P, Beck F, Legleye S (2002). Beyond the U-curve: The relationship between sport and alco-hol, cigarette and cannabis use in adolescents. Addic-tion, 97: 707-716.26. Pate R, Heath G, Dowda M, Trost S (1996). Associa-tions between physical activity and other health beha-viors in a representative sample of US adolescents. American Journal of Public Health. 86 (11): 1577-1581.27. Pereira MJ (2002). Dia mundial da saúde 2002. Comunicado à imprensa, retirado a 1-Março-2003, de www.dgsaúde.pt/imprensa/com_3_4_02.htm28. Varo J, Martínez-González M, Irala-Estevéz J, Kear-ney J, Gibney M, Martinez J (2003). Distribution and de-terminants of sedentary lifestyles in the European Union. International Journal of Epidemiology, 32: 138-146.29. Vasconcelos-Raposo J, Figueiredo A (1997/2002). Fac-tores de motivação para a prática desportiva em estudantes da UTAD. Documento não publicado. Vila Real: UTAD.30. Vasconcelos-Raposo J, Figueiredo A, Granja P (1996). Factores de motivação dos jovens para a prática desportiva. Documento não publicado. Vila Real: UTAD.

01

Page 19: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

35 — RPCD 15 (2): 34-50

02Análise multidimensional

dos indicadores de rendimento

desportivo de equipas

profissionais de Futebol

PALAVRAS CHAVE:

Comportamento coletivo. Probabilidades

de interação. Jogador centróide.

RESUMO

Este estudo teve como objetivo principal efetuar uma análise multidimensional dos indicado-

res de rendimento desportivo de equipas profissionais de futebol. Deste modo, usámos três

métodos distintos: (1) categorização do tipo de ações ofensivas de jogo; (2) probabilidades de

interação entre jogadores e (3) jogador centróide. A amostra consistiu na observação e análise

de dois jogos de uma equipa profissional de futebol, escalão seniores, referentes à Primeira

Liga Portuguesa. Foram analisadas 517 ações ofensivas coletivas e 571 interações intra-equi-

pa. Os resultados indicam maiores probabilidades de interação nos jogos analisados entre os

seguintes jogadores: defesa central, defesa direito e guarda-redes. Os dados mostram ainda

que as ações coletivas Tipo II ocorreram em maior número, ou seja, com início e progressão,

sem possibilidade de finalização imediata. A análise do jogador centróide mostra que o jogador

6 (médio defensivo) foi aquele que apresentou a melhor classificação global face ao número

de interações realizadas no primeiro jogo (g_6=0.5954). Além disso, no segundo jogo, os resul-

tados mostram que o jogador 10 (médio ofensivo) apresentou melhor posição no ranking face

ao número de interações efetuadas (g_10=0.6057). Conclui-se que a análise multidimensional

implementada neste estudo permite descrever os indicadores de rendimento desportivo rela-

cionados com a performance coletiva, fornecendo ao treinador informação relevante sobre a

forma como as equipas se auto-organizam dentro do campo.

AUTORES:

Ricardo Belli 1

Gonçalo Dias 1

José Gama 1

Micael Couceiro 2,3

Vasco Vaz 1

1 FCDEF, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal

2 Ingeniarius, Lda., Mealhada, Portugal

3 Instituto de Sistemas e Robótica, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal

Correspondência: Gonçalo Dias. FCDEF-UC. Estádio Universitário de Coimbra, Pavilhão 3,

3040-256 Coimbra, Tel: +351 239 802 770. ([email protected]).

SUBMISSÃO: 12 de Janeiro de 2015ACEITAÇÃO: 31 de Agosto de 2015

Multidimensional analysis of the sport performance

indicators in Football professional teams

ABSTRACT

The main objective of this study was to investigate the multi-dimensional

sports performance indicators in professional football teams. We used

three different methods: (1) categorization of the type of offensive game

actions; (2) probability of interaction between players and (3) centroid

player. We analyzed two matches and observed 517 offensive collective

actions and 571 intra-team interactions. The results indicate a higher

probability of interaction from the following players: central defender,

right defender and goalkeeper. The data also show that Type II collec-

tive actions (i.e., starting and running) occurred more frequently, without

any possibility of immediate termination. The analysis of the player cen-

troid indicates that player 6 (defensive midfielder) was the one who had

the best overall rating regarding the number of interactions performed

during the first game (G_6=0.5954). In the second game, the results

show that player 10 (midfielder) had the higher ranking regarding the

number of interactions performed (g_10=0.6057). We concluded that

the multidimensional analysis implemented in this study allowed us to

follow the sport performance indicators related with the collective per-

formance. This method provides relevant information to the coach about

the self-organization processes in field-invasion team sports.

KEY WORDS:

Collective behavior. Probabilities of interaction.

Centroid player.

Page 20: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

37 — RPCD 15 (2)

02INTRODUÇÃO

A análise do jogo tem vindo a ser usada para investigar os indicadores de rendimento des-

portivo relacionados com o comportamento coletivo de equipas profissionais de futebol (16, 17, 18, 19, 31, 37). Estes indicadores podem ser apresentados sob a forma de informações

quantitativas, tais como: estatística das ações dos atletas no campo, as quais permitem

acompanhar os eventos mais relevantes do jogo (4, 15, 22, 27, 36), bem como, ainda, através do

estudo das probabilidades de interação entre jogadores (15, 36) e, também, através da aná-

lise do desempenho do jogador centróide, ou seja, aquele que apresenta maior influência

nas ações de jogo e no nível de interação da equipa (2, 7).

Neste sentido, estudos recentes indicam que as maiores probabilidades de ocorrência de

interação em equipas profissionais de futebol tendem a ocorrer, maioritariamente, entre os

jogadores que assumem as posições de defesas laterais, médios e atacantes (15, 36). Nesta

base, Vales et al. (34), Vaz et al. (36) e Gama et al. (15) identificaram que no futebol profissional

ocorre um maior número de ações coletivas ofensivas incompletas, i.e., com recuperação

da posse de bola e manutenção da mesma, com progressão no terreno de jogo, sem que

haja possibilidade de finalização imediata (i.e., Tipo II, cf. materiais e métodos).

Por seu lado, no que diz respeito à análise do centróide em equipas profissionais de

futebol, investigadores como Frencken e Lemmink (12), Yue et al. (36), Bourbousson et al. (3),

Frencken et al. (13) e Folgado et al. (11) sugerem que este método permite mapear os indica-

dores relacionados com a performance coletiva. Além disso, fornece informação relevante

ao treinador sobre a tendência de desempenho intra e inter-individual que emerge das

ações de jogo e a forma como as equipas organizam o seu comportamento coletivo (1, 8, 9, 26).

A literatura sugere ainda que os indicadores de rendimento desportivo em equipas pro-

fissionais de futebol podem conjugar a análise do tipo de ações de jogo ofensivas, as proba-

bilidades de interação entre jogadores e o método do jogador centróide, de forma a enten-

der melhor a dinâmica da coordenação entre jogadores e o consequente comportamento

coletivo (2, 7, 15, 36). Neste sentido, Bartlett et al. (1) defendem uma visão multidimensional dos

indicadores do jogo de futebol como opção robusta para aferir a performance da equipa e

dos seus intervenientes, algo que, per si, a análise notacional (e.g., estatística de jogo) não

permite realizar de forma inequívoca.

Esta abordagem integradora pode, eventualmente, permitir ao treinador obter um maior

número de informação quantitativa e qualitativa do rendimento da sua equipa e dos inter-

venientes que compõem a mesma, otimizando assim a sua intervenção pedagógica em con-

texto de treino e competição. Tais evidências, que estão bem patentes no âmbito da análise

contemporânea dos desportos coletivos, podem ainda constituir uma matriz inovadora no

modo como se mede o comportamento que ocorre em contexto competitivo (10, 20, 23, 25).

À luz destes pressupostos, parece que a conjugação das três abordagens apresentadas

neste estudo, nomeadamente: (1) categorização do tipo de ações de jogo ofensivas; (2) pro-

babilidades de interação entre jogadores e (3) jogador centróide podem fornecer algumas

respostas aos treinadores sobre a forma como as equipas interagem no campo (3, 11, 12), bem

como, ainda, permitir conhecer melhor a dinâmica de interação entre jogadores ao longo

de uma época desportiva (12, 15).

Face ao exposto, perante a escassez de investigação conhecida através desta matriz in-

tegradora, o objetivo deste estudo é efetuar uma análise multidimensional dos indicadores

de rendimento desportivo em equipas profissionais de futebol. Deste modo, pretende-se

que esta abordagem possa ser útil para a evolução da análise dos desportos coletivos,

bem como para descodificar os “jogadores-chave” que mais influem na dinâmica do com-

portamento coletivo.

MATERIAL E MÉTODOS

A amostra consistiu na observação e análise de dois jogos de uma equipa profissional de

futebol, escalão seniores, referentes à Primeira Liga Portuguesa, época 2010/2011. A equipa

analisada ficou em segundo lugar na Primeira Liga Portuguesa, e os jogos observados foram

disputados contra o principal adversário (vencedor da Liga), no formato fora-casa, com um

espaço temporal de uma “volta competitiva”. Neste estudo, analisámos 517 ações ofensivas

coletivas e 571 interações intra-equipa. Todos os participantes da amostra possuíam com-

petência e capacidade legal para participarem de livre vontade na investigação, sendo que o

estudo foi realizado ao abrigo do código de ética da Universidade de Coimbra e da Convenção

de Helsínquia em pesquisa com seres humanos. O registo espacial das condutas compor-

tamentais dos jogadores foi efetuado através do campograma que é proposto pela Amisco®

(Figura 1), estando validado para a análise de jogos de futebol de alto rendimento (15).

Page 21: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

39 — RPCD 15 (2)

02

FIGURA 1. Campograma e zonas de jogo (adaptado de Gama et al.15).

A sua estrutura abrangeu uma divisão do campo em 24 zonas que são compostas por 4

corredores e 6 setores (14, 15). Salientamos que a análise de dados que abrangeu as ações

dos jogadores, durante a fase ofensiva de jogo, tinha início na recuperação da bola e era

finalizada quando a equipa perdia a mesma, isto em qualquer zona do campo (5, 15, 16, 36).

De acordo com os estudos realizados por Vales et al. (34), Vaz (35), Gama (14), Vaz et al. (36)

e Gama et al. (15), caraterizámos as ações coletivas ofensivas de jogo que asseguram um

início, uma progressão e uma finalização, podendo ser agrupadas da seguinte forma: 1)

Ações coletivas ofensivas Tipo I: caracterizam ações coletivas completas (e.g., início, pro-

gressão e finalização), sem possibilidade de finalização a curto prazo; 2) Ações coletivas

ofensivas Tipo II: representam ações coletivas incompletas (e.g., início e progressão), sem

possibilidade de finalização imediata e 3) Ações coletivas ofensivas Tipo III: identificam

ações coletivas com origem em bola parada, com possibilidade de finalização a curto prazo.

Neste estudo, contemplou-se, como ação colectiva ofensiva, o conjunto de ações regista-

das entre o início/recuperação da posse de bola até ao instante da perda da mesma (14, 34, 35).

ANÁLISE DO CENTRÓIDE

A primeira aplicação do método do centróide foi apresentada por Frencken e Lemmink (12)

no Congresso Mundial de Ciência e Futebol. Nesta ótica, outros investigadores (3, 7, 11, 13, 39)

seguiram os mesmos pressupostos teóricos na análise deste desporto coletivo, ainda que

não tenham usado todos os fundamentos que estão plasmados neste estudo, os quais fo-

ram agora aplicados em equipas profissionais de futebol.

Tal como iremos verificar de seguida, foi necessário realizar uma abordagem mais por-

menorizada destes conceitos no presente trabalho, usando, para o efeito, maioritariamen-

te, a investigação de Couceiro et al.(7) Assim, para estabelecermos o jogador centróide, foi

idealizada, com base na literatura (7), uma matriz adjacência antissimétrica ponderada (ver,

em detalhe, o estudo de Couceiro et al.(7)). No contexto dos desportos coletivos, como é o

caso deste estudo, interpretámos a conetividade normalizada como uma medida de coope-

ração entre um jogador e os restantes elementos da equipa. No entanto, um jogador pode

apresentar uma conetividade elevada com outros jogadores mas, ainda assim, ser incapaz

de produzir consenso de interação entre esses jogadores. Por outras palavras, o jogador

pode interagir com muitos jogadores diretamente que, por outro lado, não interagem entre

si. Este facto, conhecido como coeficiente de agrupamento do jogador, foi representado

com base na literatura (7) por uma medida associada ao grau de inter-conetividade na vizi-

nhança do jogador (cf. resultados).

Determinámos, também, uma métrica típica das redes sociais, com aplicabilidade prática

no âmbito das Ciências do Desporto, denominada como jogador centróide (7). Neste sentido,

considerando que o objetivo principal deste estudo incidiu na análise do jogo de futebol, tal

como qualquer outro desporto coletivo, foi dada prioridade ao desempenho coletivo (i.e., in-

teração global entre jogadores). Neste contexto, o jogador localizado no topo da hierarquia,

apresentando o valor de “interação” mais elevado, designado através da literatura (7) como

jogador centróide (7, 15) (cf. resultados). Logo, no contexto dos desportos coletivos, esse atleta

pode ser considerado como aquele que mantém a “equipa unida” na rede de interações e

mais influi na dinâmica do comportamento coletivo (7).Finalmente, para mensurar o nível de

interacção dos jogadores, foi utilizado o método de Probabilidades de Frequência Relativa (14,

15, 28, 29, 36). Nesta base, a probabilidade de uma interacção ocorrer, i.e., tal como está a ser defi-

nida, resulta na frequência relativa da ocorrência A. Posto isto, a probabilidade de ocorrência

de uma interacção que não é passível de ser concretizada é 0, sendo que, a probabilidade de

ocorrência de uma interação concretizavel é 1 (15, 36).

Perante os elementos anteriormente apresentados, ao relacionarmos o conceito de jo-

gador centroíde com a análise de redes sociais, verifica-se que estas abordagens, ainda

que distintas, podem ser complementares, uma vez que ambas retratam o nivel de intera-

ção e conexão entre jogadores, bem como os elementos mais relevantes no contexto das

ações individuais e coletivas.

Page 22: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

41 — RPCD 15 (2)

RESULTADOS

PRIMEIRO JOGO

PROBABILIDADES DE INTERACÇÃO ENTRE JOGADORES

O Quadro 1 representa as probabilidades de ocorrência de interação entre jogadores no jogo.

QUADRO1. Probabilidades de ocorrência de interação entre jogadores no jogo.

PARA/DE 12 4 23 27 6 10 17 18 8 14 31 20 15 5

POSIÇÃO GR DC DE DC MD MO MC ME MD DD PL S S S

12 GR - 0.05 0.13 0.00 0.03 0.04 0.03 0.06 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00

4 DC 0.44 - 0.04 0.31 0.08 0.00 0.20 0.06 0.29 0.47 0.00 0.44 0.00 0.00

23 DE 0.00 0.05 - 0.15 0.18 0.13 0.13 0.19 0.00 0.00 0.00 0.14 0.00 0.00

27 DC 0.11 0.08 0.09 - 0.03 0.00 0.00 0.06 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00

6 MD 0.33 0.23 0.22 0.15 - 0.17 0.20 0.00 0.14 0.03 0.00 0.14 0.00 1.00

10 MO 0.00 0.03 0.04 0.00 0.08 - 0.10 0.13 0.29 0.17 0.36 0.14 0.00 0.00

17 MC 0.00 0.10 0.09 0.08 0.26 0.30 - 0.19 0.14 0.17 0.09 0.14 0.00 0.00

18 MIE 0.11 0.03 0.30 0.31 0.10 0.00 0.07 - 0.00 0.00 0.09 0.14 0.33 0.00

8 MID 0.00 0.10 0.04 0.00 0.08 0.13 0.10 0.00 - 0.13 0.00 0.00 0.00 0.00

14 DD 0.00 0.30 0.00 0.00 0.08 0.04 0.13 0.00 0.14 - 0.18 0.00 0.00 0.00

31 PL 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.09 0.00 0.13 0.00 0.03 - 0.14 0.33 0.00

20 S 0.00 0.05 0.00 0.00 0.05 0.09 0.03 0.19 0.00 0.00 0.18 - 0.00 0.00

15 S 0.00 0.00 0.04 0.00 0.05 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 - 0.00

5 S 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.09 0.00 0.33 -

Legenda: GR = Guarda-redes; DE = Defesa esquerdo; DD = Defesa direito; DC = Defesa central; MD = Médio defensivo; MC = Médio centro;

MO = Médio ofensivo; MIE = Médio esquerdo; MID = Médio direito; PL = Ponta de lança; S = Suplente.

Verifica-se que as maiores probabilidades de ocorrência de interação ocorreram entre

o jogador 4 (defesa central) e jogador 14 (defesa direito) (47%), seguido, de perto, pelo

jogador 4 (defesa central) e jogador 12 (guarda-redes), com 44%.

02TIPO DE AÇÕES COLETIVAS

O Quadro 2 representa as ações coletivas observadas no jogo.

QUADRO2. Ações coletivas observadas no jogo (Tipo I, II e III).

AÇÕES COLETIVAS TIPO I TIPO II TIPO III TOTAL

1ª Parte 53 53 29 135

2ª Parte 24 47 11 82

Total 77 100 40 217

Os dados mostram que foram registadas 217 ações coletivas ofensivas durante o jogo,

predominando em maior número as ações coletivas Tipo II (e.g., 100). Em menor número,

ocorreram as ações coletivas Tipo III (e.g., 40).

JOGADOR CENTRÓIDE

O Quadro 3 mostra a classificação global das interações entre jogadores no primeiro jogo.

QUADRO 3. Classificação global das interações entre jogadores (centróide) no primeiro jogo.

CLASSIFICAÇÃOINTERAÇÃO EFETUADA INTERAÇÃO RECEBIDA

JOGADOR JOGADOR

1 6 0.5954 4 0.5665

2 4 0.5472 17 0.5539

3 17 0.4999 14 0.5396

4 14 0.4419 6 0.4734

5 8 0.3723 10 0.4299

6 23 0.3592 23 0.4266

7 18 0.3453 8 0.3536

8 10 0.3450 18 0.2658

9 12 0.3231 12 0.2384

10 27 0.2980 31 0.2222

11 20 0.2364 27 0.1925

12 15 0.1268 20 0.1914

13 31 0.1236 15 0.0651

14 5 0.0217 5 0.0001

Os resultados mostram que o jogador 6 foi aquele que apresentou a melhor classificação

global face ao número de interações realizadas (g_6=0.5954), sendo seguido pelo jogador

4 (g_4=0.5472). Relativamente ao número de passes recebidos pela equipa, o jogador 4

(g_4=0.5665) manteve a liderança do ranking.

Page 23: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

43 — RPCD 15 (2)

ZONAS DE INTERAÇÃO

A Figura 2 descreve as zonas de interação da equipa no jogo, com sucesso e insucesso.

FIGURA 2. Zonas de interação da equipa no jogo, com sucesso e insucesso.

Observa-se que as situações do jogo levaram a equipa a uma predominância de intera-

ções no meio campo defensivo, nas zonas 2 e 3, ou seja, pelos corredores centrais (2CD,

2CE, 3CD e 3CE).

NETWORKS

A Figura 3 mostra a network de interações estabelecidas pelos jogadores no jogo.

FIGURA 3. Network representativa do total de interações dos jogadores.

02Verifica-se que o maior número de interações efetuadas com sucesso entre jogadores da

mesma equipa ocorreu entre o jogador 4 (defesa central) e o jogador 14 (defesa direito),

resultando num total de 12 interações. Os resultados indicam ainda que o jogador 4 (defe-

sa central) foi o mais interventivo no jogo, totalizando 76 ocorrências, sendo estas obtidas

através de 40 interações efetuadas e 36 interações recebidas.

SEGUNDO JOGO

PROBABILIDADES DE INTERAÇÃO ENTRE JOGADORES

Quadro 4 representa as probabilidades de ocorrência de interação entre jogadores.

QUADRO 4. Probabilidades de ocorrência de interação entre jogadores.

PARA/DE 12 4 18 2 27 6 10 20 8 11 30 25 7 33

POSIÇÃO GR DC DE DD DC MD MO ME MD AV AV S S S

12 GR - 0.00 0.00 0.00 0.03 0.02 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.05

4 DC 0.25 - 0.08 0.14 0.23 0.24 0.07 0.00 0.05 0.00 0.06 0.00 0.00 0.25

18 DE 0.00 0.25 - 0.05 0.05 0.05 0.07 0.25 0.05 0.00 0.06 0.33 0.17 0.05

2 DD 0.00 0.23 0.05 - 0.00 0.07 0.07 0.00 0.24 0.00 0.12 0.00 0.00 0.00

27 DC 0.00 0.19 0.22 0.00 - 0.22 0.07 0.00 0.14 0.00 0.06 0.10 0.00 0.00

6 MD 0.00 0.26 0.04 0.33 0.18 - 0.00 0.08 0.00 0.20 0.00 0.19 0.00 0.30

10 MO 0.00 0.00 0.09 0.10 0.05 0.05 - 0.13 0.10 0.40 0.06 0.00 0.00 0.00

20 MIE 0.00 0.05 0.30 0.00 0.20 0.10 0.13 - 0.19 0.20 0.12 0.10 0.33 0.05

8 MID 0.00 0.07 0.04 0.24 0.15 0.15 0.33 0.00 - 0.00 0.24 0.00 0.17 0.00

11 AV 0.00 0.00 0.00 0.00 0.05 0.00 0.07 0.04 0.00 - 0.18 0.00 0.00 0.00

30 AV 0.00 0.00 0.00 0.14 0.05 0.07 0.20 0.17 0.19 0.20 - 0.05 0.17 0.05

25 S 0.00 0.02 0.00 0.00 0.00 0.02 0.00 0.21 0.00 0.00 0.00 - 0.17 0.25

7 S 0.00 0.00 0.04 0.00 0.03 0.00 0.00 0.13 0.05 0.00 0.12 0.00 - 0.00

33 S 0.75 0.07 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.24 0.00 -

Legenda: GR = Guarda-redes; DE = Defesa esquerdo; DD = Defesa direito; DC = Defesa central; MD = Médio defensivo; MC = Médio centro;

MO = Médio ofensivo; MIE = Médio esquerdo; MID = Médio direito; PL = Ponta de lança; S = Suplente.

Constata-se que as maiores probabilidades de ocorrência de interação emergiram entre

o jogador 12 (guarda-redes) e jogador 33 (suplente) (75%), seguido do jogador 2 (defesa

direito) e jogador 6 (médio defensivo), com 33%.

Page 24: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

45 — RPCD 15 (2)

TIPO DE AÇÕES COLETIVAS

O Quadro 5 representa as ações coletivas observadas no jogo (Tipo I, II e III)

QUADRO 5. Ações coletivas observadas no jogo (Tipo I, II e III).

AÇÕES COLETIVAS TIPO I TIPO II TIPO III TOTAL

1ª Parte 49 65 24 138

2ª Parte 55 65 17 137

Total 104 130 41 275

As ações coletivas Tipo II, foram as que ocorreram em maior número (130), seguindo-

-se 104 ações Tipo I. Por último, e em menor número, ocorreram as ações coletivas Tipo

III (41 ocorrências).

JOGADOR CENTRÓIDE

O Quadro 6 mostra a classificação global das interações entre jogadores no segundo jogo.

QUADRO 6. Classificação global das interações entre jogadores (centróide) no segundo jogo.

CLASSIFICAÇÃOINTERAÇÃO EFETUADA INTERAÇÃO RECEBIDA

JOGADOR JOGADOR

1 10 0.6057 18 0.5869

2 18 0.4694 10 0.5733

3 20 0.4565 11 0.5568

4 11 0.4485 4 0.5324

5 30 0.4200 20 0.4518

6 25 0.4046 8 0.4489

7 6 0.3984 30 0.4352

8 8 0.3830 12 0.3296

9 4 0.3632 6 0.3206

10 27 0.2796 2 0.3107

11 2 0.1994 25 0.2705

12 12 0.1050 27 0.2589

13 7 0.0943 33 0.1023

14 33 0.0263 7 0.0303

Os resultados indicam que o jogador 10 foi o que apresentou melhor classificação global

face ao número de interações efetuadas (g_10=0.6057), sendo seguido pelo jogador 18

(g_18=0.4694). Neste contexto, relativamente ao número de passes recebidos pela equipa,

o jogador 18 mostra o valor mais elevado (g_18=0.5869).

02ZONAS DE INTERAÇÃO

A Figura 4 descreve as zonas de interação da equipa no jogo, com sucesso e insucesso.

FIGURA 4. Zonas de interação da equipa no jogo, com sucesso e insucesso.

Constata-se uma grande utilização dos corredores centrais direito e esquerdo, nome-

adamente: setores 2 e 3 (2CE, 2CD, 3CE, 3CD), sendo que a progressão dos jogadores

ocorreu com maior sucesso pelos corredores laterais.

NETWORKS

A Figura 5 mostra a network de interações estabelecidas pelos jogadores no jogo.

FIGURA 5. Network representativa do total de interações dos jogadores.

Page 25: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

47 — RPCD 15 (2)

O maior número de interações efetuadas com sucesso entre jogadores da mesma equipa

ocorreu entre o jogador 18 (defesa esquerdo) e o jogador 20 (médio esquerdo), resultando

num total de 12 interações. Além disso, o jogador 4 (defesa central) apresentou o maior

número de interações efetuadas com sucesso (43).

Os resultados mostram ainda que o jogador número 6 (médio defensivo) foi aquele que

mais interveio no jogo, com 79 intervenções, sendo estas obtidas através de 41 interações

efetuadas e 38 interações recebidas.

DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo foi analisar os indicadores de rendimento desportivo em equipas

profissionais de futebol, usando, para o efeito, três métodos distintos, nomeadamente (1)

categorização do tipo de ações ofensivas de jogo; (2) probabilidades de interação entre jo-

gadores e (3) jogador centróide. Deste modo, pretende-se que esta abordagem possa ser

útil para a evolução da análise dos desportos coletivos, bem como para descodificar os

“jogadores-chave” que mais influem na dinâmica do comportamento coletivo.

Neste sentido, relativamente às maiores probabilidades de ocorrência de interação no

primeiro jogo, estas emergiram entre os jogadores 4 (defesa central) e jogador 14 (defesa

direito). Já no segundo jogo, os resultados mostram que as maiores probabilidades de

ocorrência de interação ocorreram entre o jogador 12 (guarda-redes) e jogador 33 (su-

plente). Face ao exposto, os estudos de Vaz et al.(36) e Gama et al.(15) indicam que as maiores

probabilidades de ocorrência de interação tiveram lugar entre o jogador 1 (guarda-redes)

e o jogador 5 (defesa esquerdo), assim como, entre o jogador 17 (extremo esquerdo) e o

jogador 8 (médio centro).

Além disso, as ações de jogos observadas neste estudo estão em linha com os resulta-

dos de Vales et al.(34), Vaz et al.(36) e Gama et al.(15), sendo maioritariamente obtidas ações

Tipo II. Por seu lado, ao analisarmos as zonas de interação preferenciais dos jogadores,

verifica-se uma grande utilização dos corredores centrais direito e esquerdo, nomeada-

mente: setores 2 e 3 (2CE, 2CD, 3CE, 3CD), o que também está em conformidade com

Vales et al.(34), Vaz et al.(36) e Gama et al.(15).

Em concordância com nossos resultados, os estudos de Yokoyama e Yamamoto (37),

Gama et al. (15) e Belli (2) sugerem que o comportamento coletivo e o tipo de ações emer-

gentes ao longo dos jogos analisados estão sujeitos a várias “transições de fase” e “flutu-

ações críticas”, evidenciando assim que o jogo de futebol é dotado de grande variabilidade

02de ações (16, 17, 18). Desta forma, no que diz respeito à análise do centróide, os resultados

sugerem que o “jogador-chave”, ou seja, com maior influência nas ações de jogo, não foi,

necessariamente, o mesmo do ponto de vista do ranking de performance ao longo dos dois

jogos. Por exemplo, no primeiro jogo, o jogador-chave foi o jogador 6 (médio defensivo) e,

no segundo jogo, o jogador-chave foi o jogador 10 (médio ofensivo). Estes resultados vão

ao encontro das conclusões obtidas por Frencken e Lemmink (12), Yue et al. (39), Bourbous-

son et al. (3), Frencken et al. (13) e Folgado et al. (11), quando referem que este método permite

mapear os indicadores relacionados com a performance coletiva e descrever a dinâmica

do comportamento intra e inter-individual (1, 6, 8, 9, 26).

Ainda no seguimento da aplicação do jogador centróide, considerando os estudos de

Duch et al. (10), Peña e Touchette (30), Sargent e Bedford (31), Couceiro et al. (7), Gama et al. (15), a nossa investigação permite retratar o maior nível de conexão dos jogadores-chave,

algo que pode ser útil no âmbito da análise de outros desportos coletivos, tendo aplicações

práticas na mensuração do rendimento desportivo (7).

Ao compararmos os nossos resultados com o conceito de centralidade descrito no es-

tudo de Grund (20), os nossos dados indicam que a estrutura e o nível de conexão das ne-

tworks são caraterizadas por uma alta intensidade (i.e., elevado controlo de oportunida-

des de interação), que nem sempre traduzem, efetivamente, numa alta centralização, a

qual, hipoteticamente, pode estar associada a um desempenho menos eficaz ou falta de

articulação da equipa numa determinada fase do jogo. Isto pode indicar que as equipas

profissionais de futebol tendem a efetuar uma avaliação direta e sistemática das intera-

ções dos seus pares, atuando, maioritariamente, em função das possibilidades de acção

que emergem ao longo do jogo. Deste modo, o passe, enquanto elemento chave no futebol

profissional, quando bastante “estabilizado”, pode afinar e direcionar o comportamento

coletivo e a dinâmica de orquestração da equipa rumo ao melhor rendimento desportivo.

Logo, neste estudo, constatam-se diferentes níveis de interações entre jogadores com re-

levância para o resultado final da ação, mas distintas face aos padrões que emergem do

número de passes, dos jogadores envolvidos e da sua localização no campo.

Posto isto, tendo em conta os estudos “clássicos” de Hughes e Franks (22, 23), esta abor-

dagem permite retirar informações importantes do jogo para o treino, uma vez que esta-

belece uma relação quantitativa e qualitativa da performance e uma consequente opera-

cionalização na análise de equipas profissionais de futebol. Em suma, estes indicadores de

rendimento desportivo possibilitam o mapeamento dos eventos mais relevantes do jogo,

bem como a avaliação das probabilidades de interação entre jogadores, o seu nível de co-

nexão e a tendência de desempenho que resulta das ações seus intervenientes.

Page 26: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

CONCLUSÕES

Os resultados deste estudo permitem concluir que uma análise multidimensional do jogo

de futebol tem vantagens para o treinador tanto no treino como na competição, uma vez

que através dos indicadores de rendimento desportivo de equipas profissionais de futebol

pode conjugar a análise do tipo de ações de jogo com as probabilidades de interação entre

pares e o jogador centróide, algo que poderá alargar o conhecimento sobre a forma de

atuar da sua equipa.

Conclui-se ainda que é possível obter uma visão multidimensional dos indicadores do

jogo de futebol enquanto opção potencialmente credível para aferir a performance da equi-

pa e dos seus intervenientes, algo que a análise notacional parece não facultar de forma

robusta. Nesta ótica, emergem aplicações práticas para o treinador relativas à tendência

de desempenho intra e inter-individual que resultam das ações de jogo, facultando algu-

mas respostas face ao modo como as equipas auto-organizam o comportamento e rendi-

mento desportivo.

Posto isto, uma abordagem desta natureza pode ser complementada com outros indi-

cadores e outros métodos que permitam aumentar o poder explicativo das variáveis apre-

sentadas neste estudo. Para tal, sugere-se que futuros trabalhos analisem estes e outros

indicadores de rendimento desportivo em equipas profissionais de futebol, transversais a

outros desportos coletivos, usando, para o efeito, uma amostra mais robusta do ponto de

vista do número de jogos analisados.

02REFERÊNCIAS

1. Bartlett R, Button C, Robins M, Dutt-Mazumder A, Kennedy G (2012). Analysing Team Coordination Pat-terns from Player Movement Trajectories in Football: Methodological Considerations. Int J Perfor Anal Sport 12: 398-424.2. Belli R (2015). Análise da network e comportamen-to colectivo no jogo de futebol. Universidade de Coim-bra: FCDEF.UC.3. Bourbousson J, Sève C, McGarry T (2010). Space-time coordination dynamics in basketball: Part 2 The interac-tion between the two teams. J Sport Sci 28: 349-358.4. Carling C (2001). Choosing a computerised match analysis system. Insight Live, 5, 5-12.5. Carling C, Williams M, Reilly T (2005). Handbook of soccer match analysis. A systematic approach to im-proving performance. London: Routledge.6. Clemente F, Couceiro M, Martins F, Mendes R, Figueire-do A (2014). Intelligent systems for analyzing soccer games: The weighted centroid. Ing Invest 34: 70-75.7. Couceiro MS, Clemente FM, Martins FML (2013).Toward the evaluation of research groups based on Scientific co-authorship networks: The RoboCorp case study, Arab Gulf J Sci Res 31: 36-52.8. Duarte R, Araújo D, Freire, L, Folgado H, Fernandes O, Davids K (2012).Intra – and inter-group coordination pat-terns reveal collective behaviors of football players near the scoring zone. Hum Movement Sci 31: 1639–1651.9. Duarte, R, Araújo D, Correia V, Davids K (2012).Sports teams as superorganisms: implications of sociobiological models of behaviour for research and practice in team sports performance analysis. Sports Med 42: 633–642.10. Duch J, Waitzman JS, Amaral LAN (2010). Quan-tifying the performance of individual players in a team activity. PLoS ONE 5: e10937.11. Folgado H, Koen APM, Lemmink K, Frencken W, Sampaio J (2014). Length, width and centroid dis-tance as measures of teams tactical performance in youth football, Eur J Sport Sci 14: 487-S492.12. Frencken W, Lemmink K (2008). Team kinematics of small-sided football games: A systematic approach. In T. Reilly, & F. Korkusuz (Eds.), Science and Football VI (pp. 161-166). Oxon: Routledge Taylor & Francis Group.13. Frencken W, Lemmink K, Delleman N, Visscher C (2011). Oscillations of centroid position and surface area of football teams in small-sided games. Eur J Sport Sci 11: 215-223.

14. Gama J (2013). Network – Análise da interacção de dinâmica do jogo de futebol. Tese de Mestrado. Uni-versidade de Coimbra: FCDEF.UC.15. Gama J, Passos P, Davids K, Relvas H, Ribeiro J, Vaz V, Dias G (2014).Network analysis and intra-team activity in attacking phases of professional football.Int J Perfor Anal Sport 14: 692-708.16. Garganta J (1997). Modelação táctica do jogo de Futebol: estudo da organização da fase ofensiva em equipas de alto rendimento. Tese de Doutoramento. Universidade do Porto: FADEUP.17. Garganta J (2001). A análise da performance nos jogos desportivos: revisão acerca da análise do jogo. Rev Port Cien Desp1: 57-64.18. Garganta J (2005). Dos constrangimentos da acção à liberdade de (inter)acção, para um futebol com pés… e cabeça. In D. Araújo (Eds.), O contexto da decisão – A acção táctica no desporto (pp. 179-190). Lisboa: Visão e Contextos.19. Gréhaigne J (2001).La organización del juego en el fútbol. Barcelona: Inde.20. Grund TU (2012). Network structure and team performance: The case of English Premier League soccer teams. Soc Networks 34: 682-690.21. Horvath S (2011). Weighted Network Analysis: Appli-cations in Genomics and Systems Biology. London: Springer. 22. Hughes M, Franks I (2005). Analysis of passing sequen-ces, shots and goals in soccer. J Sport Sci 23: 509-514.23. Hughes M, Franks IM (2004). Notational analysis

– a review of the literature. In Hughes, & I. M. Franks, Notational Analysis of Sport: Systems for better co-aching and performance in sport (pp. 59-106). New York: Routledge.24. Jaria I (2014). Metrologia do rendimento despor-tivo: Análise da interacção do jogo de futebol 7 e 11. Tese de Mestrado. Universidade de Coimbra: FCDEF.UC.25. Lago-Peñas C, Dellal A (2010).Ball Possession Strategies in Elite Football According to the Evolu-tion of the Match-score: the Influence of Situational Variables.J Human Kinet 25, 93-100.26. Lames M, Erdmann J, Walter F (2010). Oscillations in football – Order and disorder in spatial interactions between the two teams. Int J Sport Psychol 41: 85-86. 27. McGarry T, Anderson DI, Wallace SA, Hughes M, Franks IM (2002). Sport competition as a dynamical self-organizing system, J Sport Sci 20: 771-781.

Page 27: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

28. Passos, P, Davids, K, Araújo, D, Paz, N, Minguéns, J, & Mendes, J (2011).Network as a novel tool for stu-dying team ball sports as complex social system. J Sci Med Sport14: 170-176.29. Peebles PZ (2001). Probability, random variables, and random signal principles, McGraw-Hill.30. Peña JP, Touchette H (2013). A network theory analysis of football strategies, In C Clanet (Eds), Sports Physics: Proceedings Euromech Physics of Sports Conference Proc. Éditions de l’École Polytech-nique: Palaiseau, 517-528.31. Sargent J, Bedford A (2013). Evaluating Australian Football League Player Contributions Using Interactive Network Simulation. J Sports Scie Med 12: 116-121.32. Sarmento H, Anguera M T, Campaniço J, & LeitaoJ (2013). A metodología Observacional como método para análise do jogo de Futbol. Uma perspetiva teó-rica. Boletim de la Sociedade Portuguesa de Educação Física 37: 9-20.33. Vales A (1998). Propuesta de indicadores tácticos para la optimización de los Sistemas de Juego en Fút-bol. Tesis Doctoral. Universidad de La Coruña.34. Vales A, Gayo A, Pita H, Fernandez C (2011). De-sign and application of a multidimensional battery of performance indicatons for evaluating competitive performance in top-level football. Int. J. Sports Sci 23: 103-112.35. Vaz V (2011). Especialização desportiva em jovens hoquistas masculinos. Estudo do jovem atleta, do pro-cesso de selecção e da estrutura do rendimento. Tese de Doutoramento. Universidade de Coimbra: FCDEF.UC.36. Vaz, V, Gama J, Valente-dos-Santos J, Figueiredo A, Dias G (2014). Network: análise da interacção e dinâ-mica do jogo de futebol. Rev Port Cien Desp 14: 12-25.37. Yamamoto Y, Yokoyama K (2011). Common and Unique Network Dynamics in Football Games. PLoS ONE 6: 12, e29638. 38. Yokoyama, K., & Yamamoto, Y. (2009). Qualitative changes and controlling factors in ball sports: eviden-ce from six-player field hockey games. Jpn J Phys Fit Port 54: 355-365.39. Yue Z, Broich H, Seifriz F, Mester J (2008). Mathe-matical Analysis of a Soccer Game. Part I: Individual and Collective Behaviors. J Human Kinet 3: 223-243.

03Impacto da orientação

às metas na percepção

da eficácia coletiva no contexto

do voleibol juvenil

PALAVRAS CHAVE:

Orientação às metas. Eficácia coletiva.

Desempenho.

RESUMO

Este estudo investigou o impacto da orientação às metas sobre a eficácia coletiva de jovens

atletas de voleibol, medalhistas e não medalhistas. Foram sujeitos 185 atletas das equipes

masculinas e femininas participantes do Campeonato Paranaense Sub-18 2014. Como ins-

trumentos foram utilizados o Questionário de Orientação às metas e o Questionário de Eficá-

cia Coletiva para o Esporte. Na análise dos dados, utilizou-se o teste “U” de Mann-Whitney,

a correlação de Spearman e a Regressão Simples Multivariada (p<0.05). Os resultados

evidenciaram que os atletas medalhistas apresentaram escores superiores em todas as di-

mensões da eficácia coletiva (Habilidade, Esforço, Persistência, União e Preparação) e maior

orientação para a tarefa em comparação aos atletas não medalhistas (p<0.05). A orientação

para a tarefa apresentou impacto significativo na percepção de eficácia coletiva tanto dos

atletas medalhistas quanto dos não-medalhistas (p<0.05), todavia com maior destaque para

os não-medalhistas. Concluiu-se que no contexto do voleibol juvenil a orientação para a ta-

refa é um fator chave para a percepção de eficácia coletiva dos atletas, principalmente para

atletas que ainda estão em busca do melhor nível de desempenho.

AUTORES:

Luciana Ferreira 1

José Luiz Lopes Vieira 1

Francielle Cheuczuk 1

João Ricardo Nickenig Vissoci 1

José R. A. do Nascimento Junior 1

Lenamar Fiorese Vieira 1

1 Programa de Pós-Graduação em Educação Física, Universidade Estadual de Maringá. UEM-UEL. Maringá – PR (Brasil)

Correspondência: Luciana Ferreira. Rua Paranaguá, número 565, bloco 11, apto 22. Zona 7.

Maringá –PR, Brasil. ([email protected]).

SUBMISSÃO: 5 de Dezembro de 2014ACEITAÇÃO: 31 de Agosto de 2015

51 — RPCD 15 (2): 51-63

Page 28: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

53 — RPCD 15 (2)

Impact of the goal orientations in the perception

of collective efficacy in the youth volleyball context

ABSTRACT

This study investigated the impact of the goals orientation on the collec-

tive efficacy among young volleyball players (medalists and non-medalists).

Participants were 185 athletes from male and female teams participating of

the Under 18 Paraná’s Championship. Data collection was conducted with

the Task and Ego Orientation Sports Questionnaire and the Collective Effi-

cacy Questionnaire for Sports. For data analysis, Mann-Whitney, Spearman

Correlation and Multivariate Simple Regression were conducted (p<0.05).

The results showed that medalists athletes had higher scores in all dimen-

sions of collective efficacy (Skill, Effort, Persistence, Preparation and Un-

ion) and higher task orientation compared to non-medalists (p<0.05). Task

orientation had significant and moderate impact on the medalists’ and non-

medalists’ perception of CE (p<0.05), however most notably for the non-

medalists. It was concluded that for the young volleyball context the task

orientation is a key factor for the athletes’ perception of collective efficacy,

especially for athletes who are still in search of better performance.

KEY WORDS:

Goals orientation. Collective efficacy.

Performance.

INTRODUÇÃO

O que leva muitas vezes uma equipe de baixo nível técnico vencer um adversário tecnica-

mente superior? Qual a importância do trabalho em grupo dentro de uma equipe esporti-

va? Questões como estas têm sido amplamente discutidas e trabalhadas por treinadores

esportivos, visto que altos níveis de auto eficácia e eficácia coletiva (EC) têm sido aponta-

dos como fatores chaves para o sucesso esportivo (5, 16, 23, 38). Nesse contexto, a EC tem sido

apontada a como uma das propriedades psicológicas importantes para o sucesso de uma

equipe esportiva (10, 19). Dessa forma, compreender os processos psicológicos envolvidos

na construção da EC das equipes de sucesso no esporte pode proporcionar implicações

teóricas e práticas para as ciências do esporte.

A EC pode ser considerada como uma variável compartilhada da capacidade coletiva do

grupo em se organizar com sucesso e realizar as tarefas em equipe (41). Assim, a forma como

os atletas interagem, se comunicam e são organizados em grupos, definem os resultados

cognitivos, comportamentais e afetivos no esporte (3, 9). Recentes investigações têm identifi-

cado que o comportamento do treinador influencia a percepção de EC do atleta (15, 28) por meio

de elementos como o feedback positivo, o suporte social e as instruções fornecidas durante

os treinamentos (40). Tais fatores criam um ambiente satisfatório para a prática esportiva (2, 12), cujas particularidades podem ser estudadas a partir de um dos principais elementos

da Teoria de Orientação às Metas (TOM) (12). Além de ser considerada uma das cinco fontes

clássicas de EC (3), a Orientação às Metas (OM) tem sido apontada por pesquisadores como

um importante fator psicológico interveniente no desempenho esportivo (5, 6, 29).

Conceitualmente a OM se refere às estruturas de metas situacionais criadas pelos pares

(treinadores, pais, amigos), podendo ser caracterizada a partir de duas distintas orienta-

ções: Orientação para o Ego (OE) e Orientação para a Tarefa (OT) (36). A OT é atribuída ao

esforço, maior persistência e interesse do atleta (7), o qual tem como parâmetro sua pró-

pria referência de rendimento. Dessa forma, o atleta está focado em habilidades pessoais

associadas com o nível de habilidades já adquiridas e não as compara com outros compa-

nheiros e/ou adversários. A OE está associada a uma maior competitividade, com elevação

da ansiedade durante a competição, avaliando o seu desempenho na comparação com o

resultado dos outros para comprovar a sua capacidade (14). As duas orientações devem ser

analisadas dentro de um determinado contexto, não devendo uma ser considerada mais

relevante do que a outra (32). Os dois tipos de orientações devem ser entendidos dentro da

perspectiva da TOM, visto que não estabelecem um perfil dos sujeitos e não podem ser uti-

lizadas como rótulos, uma vez que podem estar presentes ou ausentes ao mesmo tempo,

em diferentes situações e com diferentes intensidades, em um mesmo indivíduo (7, 12).

03

Page 29: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

55 — RPCD 15 (2)

Estudos recentes têm revelado associação entre as OM estabelecidas pelos treinadores

e o comportamento individual de atletas (1, 29), entretanto, são escassas as pesquisas que

exploraram as relações entre a OM e as variáveis da dinâmica de grupos (6, 16). Dessa forma,

o presente estudo teve como foco a análise da influência da orientação às metas dos atletas

sobre a percepção de EC da equipe a partir da abordagem da Teoria de Orientação as Metas.

Estudos na área do esporte já têm apontado evidências empíricas sobre a relação entre a

OM e a EC (5, 6, 27, 29), indicando que uma forte disposição na orientação para a tarefa auxilia

no conceito de cooperação, e, consequentemente, na melhor percepção da EC. Já uma alta

orientação ao ego pode contrariar esse conceito, visto que um atleta com esta orientação

está mais preocupado com o seu resultado individual do que o sucesso da equipe (5, 21, 27).

Apesar de tais achados, ainda não há um consenso na literatura a respeito da relação di-

reta da OM sobre a EC no contexto esportivo em geral, uma vez que as pesquisas existentes

avaliaram apenas atletas de futebol (5, 29), remo (27), basquetebol e handebol (17), apresentando

evidências da relação positiva entre as OM, o clima motivacional satisfatório e a percepção

de EC. Contudo, ainda não existem evidências empíricas que confirmam se a relação entre

tais variáveis é semelhante em atletas de diferentes níveis de desempenho competitivo.

Diante disso, em uma tentativa de expandir o conhecimento e a compreensão a respeito

das relações entre OM e a EC no contexto esportivo, o presente estudo teve como objetivo

investigar a OM e a EC de atletas de voleibol, buscando especificamente verificar o impacto

das OM na percepção de EC de jovens atletas de equipes de diferentes níveis de desempe-

nho (medalhistas e não-medalhistas).

METODOLOGIA

SUJEITOS

Fizeram parte do estudo as 16 equipes de voleibol participantes do Campeonato Paranaen-

se Sub-18 de 2014, totalizando 185 atletas, sendo 95 do sexo masculino e 90 do sexo femi-

nino. Os atletas apresentaram uma média de idade de 17.27±1.25 anos e uma experiência

média como atletas de 4.0±2.4 anos. O critério para a definição dos grupos (medalhistas

e não-medalhistas)– foi o nível de desempenho esportivo (participação no Campeonato

Paranaense Sub-18, que é a principal competição para jovens atletas do estado).

Medalhistas – Atletas das equipes que terminaram a competição na 1ª, 2ª e 3ª posição

(n =71). Não-medalhistas – Atletas das equipes que terminaram a competição da 4ª po-

sição em diante (n = 114).

INSTRUMENTOS

Para verificar a orientação às metas dos atletas foi utilizado o Task and Ego Orientation

Sports Questionnaire (TEOSQ) (7), validado para a língua portuguesa como Questionário

de Orientação às Metas (13). O instrumento é composto por 16 itens distribuídos em duas

subescalas: Orientação para a Tarefa e Orientação para o Ego. O questionário é respondido

numa escala Likert de 5 pontos, num continuum de “1” (discordo totalmente) a “5” (con-

cordo totalmente). Para a análise dos dados, médias ponderadas dos resultados dos itens

de cada dimensão foram calculadas, inseridos na análise como variáveis observadas. A

Análise Fatorial Confirmatória (AFC) revelou ajuste aceitável [X2 (100) = 164.77; p = 0.001;

X2/gl = 1.65; CFI = 0.92; GFI = 0.90; TLI = 0.91; RMSEA = 0.05; P (RMSEA <0.05) = 0.16],

atestando aplicabilidade do TEOSQ a nossa amostra. A confiabilidade composta para a

consistência interna foi satisfatória (Orientação Tarefa = 0.78; Orientação Ego = 0.80).

Para mensurar o nível de Eficácia Coletiva dos atletas foi utilizado o Questionário de Efi-

cácia Coletiva para o Esporte (CEQS) (37), adaptado para o contexto brasileiro por Paes (33). O

instrumento é composto por 20 itens distribuídos por cinco subescalas: Habilidade, Esforço,

Persistência, União e Preparação. Os itens são respondidos numa escala do tipo Likert de

9 pontos, num continuum de “1” (nada confiante) a “9” (extremamente confiante). Para a

análise dos dados, médias ponderadas dos resultados dos itens de cada dimensão foram

calculadas, inseridos na análise como variáveis observadas. Para verificar a estrutura fa-

torial do instrumento para a amostra do estudo foi conduzida uma AFC, a qual apresentou

ajuste aceitável [X2 (159) = 343.74; X2/gl = 2.16; CFI = 0.90; GFI = 0.89; TLI = 0.89; RMSEA =

0.08]. Os valores da confiabilidade composta para a consistência interna foram satisfatórios

(Habilidade=0.83; Esforço=0.81; Persistência=0.80; União=0.77; Preparação=0.75).

PROCEDIMENTOS

A pesquisa está integrada ao projeto institucional sob o parecer do Comitê de Ética em

Pesquisa com Seres Humanos (COPEP) nº 339.11. Inicialmente foi solicitada a autoriza-

ção para realização da pesquisa junto a Federação Paranaense de Voleibol. Para a coleta

de dados foram contatados os técnicos das equipes participantes do Campeonato Esta-

dual Sub-18 do Paraná de 2014. A coleta dos dados ocorreu no local da competição, após

a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, com duração média de 35

minutos, no primeiro semestre de 2014.

03

Page 30: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

57 — RPCD 15 (2)

ANÁLISE DOS DADOS

A análise preliminar dos dados foi realizada por meio do teste de normalidade de Kolmo-

gorov Smirnov. Como os dados não apresentaram distribuição normal serão expressos

em Mediana (Md) e Quartis (Q1-Q3). Para a comparação entre os grupos (medalhistas e

não-medalhistas) foi utilizado o Teste “U” de Mann-Whitney. Para analisar a relação entre

a qualidade da relação treinador-atleta e a eficácia coletiva dos atletas utilizou-se a matriz

de correlação de Spearman. A significância adotada foi p<0.05. Tais análises foram condu-

zidas com o auxílio do software SPSS versão 19.0.

Para verificar o impacto da orientação as metas sobre a eficácia coletiva dos jogado-

res (medalhistas e não-medalhistas), foram conduzidos diferentes modelos de regressão

com as variáveis que obtiveram correlação significativa (p<0.05). A existência de outliers

foi avaliada pela distância quadrada de Mahalanobis (DM2) e a normalidade univariada das

variáveis foi avaliada pelos coeficientes de assimetria (ISkI<3) e curtose (IKuI<10) uni e

multivariada. Como os dados não apresentaram distribuição normal, utilizou-se a técnica de

Bootstrap de Bollen-Stine para corrigir o valor dos coeficientes estimados pelo método da

Máxima Verossimilhança (30) implementado no software AMOS versão 18.0. Para verificar a

adequação da amostra para a análise proposta, aplicamos a técnica de Bootstrapping (26).

Não foram observados valores de DM2 indicadores da existência de outliers, nem correlações

suficientemente fortes entre as variáveis que indicassem problemas com a multicolineari-

dade (Variance Inflation Factors<5.0). Partindo das recomendações de Kline (24), a interpre-

tação dos coeficientes de regressão teve como referência: pouco efeito para coeficientes <

0.20, médio efeito para coeficientes até 0.49 e forte efeito para coeficientes > 0.50 (p<0.05).

RESULTADOS

Como se pode verificar no Quadro 1, os jogadores medalhistas apresentaram maior nível

em todas as dimensões de eficácia coletiva (Habilidade, Esforço, Persistência, União e Pre-

paração) em comparação aos atletas não-medalhistas (p<0.05). Em relação à orientação

às metas, nota-se que os atletas medalhistas demonstraram maior orientação a tarefa

(p=0.016) em comparação aos atletas não medalhistas. Não houve diferenças significati-

vas na orientação para o ego (p>0.05).

QUADRO 1. Comparação do nível de eficácia coletiva e da orientação às metas dos jovens atletas

de voleibol em função do desempenho na competição.

VARIÁVEIS

MEDALHISTAS

(n=71)NÃO MEDALHISTAS

(n=114) P

Md (Q1-Q3) Md (Q1-Q3)

Eficácia Coletiva

Habilidade 8.00 (7.25 – 8.75) 7.12 (6.00 – 8.00) 0.001*

Esforço 8.25 (7.50 – 8.75) 8.00 (7.18 – 8.50) 0.006*

Persistência 8.00 (7.00 – 8.50) 7.25 (6.50 – 8.00) 0.003*

União 8.00 (7.25 – 8.75) 7.50 (6.50 – 8.25) 0.004*

Preparação 8.25 (7.50 – 8.50) 7.25 (6.50 – 8.00) 0.001*

Orientação às metas

Orientação para o Ego 2.00 (1.56 – 2.78) 2.11 (1.63 – 2.66) 0.938

Orientação para a Tarefa 4.00 (3.56 – 4.22) 3.77 (3.55 – 4.00) 0.016*

*Diferença significativa – p<0.05.

Ao analisar a correlação entre as dimensões de eficácia coletiva e as orientações as metas

dos jogadores medalhistas, observou-se que a dimensão de orientação para a tarefa apre-

sentou correlação significativa com as seguintes subescalas da EC: habilidade (r=0.37), es-

forço (r=0.36) e preparação (r=0.36). Já para os atletas não-medalhistas, a orientação para

a tarefa se correlacionou com todas as variáveis da EC: Habilidade (r=0.32), Esforço (r=0.32),

Persistência (r=0.33), União (r=0.27) e Preparação (r=0.33). Contudo a orientação para o

ego não apresentou correlação significativa com nenhuma variável em ambos os grupos.

Para verificar o impacto da orientação às metas na eficácia coletiva, após a análise de corre-

lação, foi conduzido um modelo de regressão entre a orientação para a tarefa e as subesca-

las da eficácia coletiva que apresentaram correlação significativa (p<0.05).

03

Page 31: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

59 — RPCD 15 (2)

FIGURA 1. Modelo de regressão do impacto da orientação as metas sobre a eficácia coletiva

dos atletas medalhistas e não-medalhistas.

Verificou-se que a orientação para a tarefa apresentou impacto significativo (p<0.05) na

variabilidade da habilidade (8%), do esforço (9%), da persistência (11%), da união (8%) e

preparação (11%) para os atletas não medalhistas (Figura 1). Já para os atletas medalhis-

tas, observou-se que a orientação para a tarefa apresentou impacto significativo (p<0.05)

na variabilidade da habilidade (12%), esforço (13%) e preparação (13%).

QUADRO 2. Análise de regressão entre as variáveis com correlação significativa para os jovens atletas de voleibol.

VARIÁVEL

DESFECHO

VARIÁVEL

PREDITORAR β R2

ERRO –

PADRÃO

RÁCIO

CRÍTICOP

Não-medalhistas

Habilidade

Orientação

para a Tarefa

0.32 0.28 0.08 0.347 3.06 0.002

Esforço 0.32 0.29 0.09 0.244 3.271 0.001

Persistência 0.33 0.33 0.11 0.240 3.776 0.001

União 0.27 0.29 0.08 0.282 3.186 0.001

Preparação 0.33 0.33 0.11 0.282 3.777 0.001

Medalhistas

Habilidade

Orientação

paraa Tarefa

0.37 0.34 0.12 0.316 3.049 0.002

Esforço 0.37 0.37 0.13 0.296 3.281 0.001

Preparação 0.37 0.36 0.13 0.279 3.268 0.001

Em relação às trajetórias individuais do modelo de regressão (Quadro 2) para os atletas

não medalhistas, verificou-se que o aumento da orientação para a tarefa possui um efei-

to moderado sobre a habilidade (β=0.28), esforço (β=0.29), persistência (β=0.33), união

(β=0.29) e preparação (β=0.33). Para os atletas medalhistas, verificou-se que o aumento

da orientação para a tarefa possui um efeito moderado sobre a habilidade (β=0.34), esfor-

ço (β=0.37) e preparação (β=0.36).

DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivo investigar a OM e a EC de atletas de voleibol, bus-

cando especificamente verificar o impacto das OM na percepção de EC de jovens atletas

de equipes de diferentes níveis de desempenho (medalhistas e não-medalhistas). De uma

forma geral, observou-se que a OT apresentou um impacto positivo sobre a percepção

de EC tanto dos atletas medalhistas, quanto dos não-medalhistas (Figura 1). Ressalta-se

que, independente do nível de desempenho, quanto maior o foco na tarefa, melhor será a

confiança do jogador em relação às habilidades e capacidade do grupo em realizar uma

tarefa de forma bem-sucedida (20), visto que esses atletas estarão mais preocupados no de-

senvolvimento da sua competência, auto superação, e não somente com o desempenho ou

resultado imediato (22). Tal resultado encontra suporte nos princípios da TOM, que apontam

que a orientação esportiva é um aspecto fundamental para o sucesso de um atleta inde-

pendente do seu nível competitivo, entretanto, o padrão motivacional adaptado tem mais

tendência a se desenvolver quando os indivíduos adotam uma orientação para a tarefa (8).

Pesquisas recentes (5, 6, 29) encontraram resultados semelhantes aos do presente estudo

com atletas de diferentes modalidades esportivas (voleibol, basquetebol, futebol e remo),

indicando que uma forte tendência para a OT pode desenvolver melhores percepções de

EC, enquanto uma forte disposição na OE pode, eventualmente, contrariar o conceito de

colaboração que é necessário para a realização coletiva (27).

No entanto, percebeu-se que a OT é um elemento mais interveniente para os atletas não-

-medalhistas, uma vez que apresentou impacto sobre todas as dimensões de EC, indicando

que para atletas que ainda não alcançaram o sucesso, o foco na tarefa é imprescindível para

a melhor percepção de todos os aspectos da EC (27). Acredita-se que a ausência de impacto da

OT sobre a percepção de União dos atletas medalhistas pode estar relacionada às seguidas

entradas e saídas de atletas ao longo da temporada, influenciando assim a percepção de

união (34), uma vez que estas equipes disputam mais competições ao longo da temporada e

possuem uma rotatividade maior de jogadores. Outra dimensão de EC que não sofreu efeito

03

Page 32: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

61 — RPCD 15 (2)

da OT nos atletas medalhistas foi a Persistência, resultado que pode ser explicado pelo su-

cesso alcançado pela equipe na competição, uma vez que indivíduos que ainda não alcança-

ram o sucesso tendem a serem mais persistentes na busca dos objetivos (39).

Embora a análise de regressão tenha apontado que a OT apresentou impacto na EC dos

atletas independente do nível de desempenho competitivo e que seja mais importante para

a percepção das dimensões de EC dos atletas não-medalhistas, verificou-se que os atletas

medalhistas apresentaram maior percepção de EC em todas as subescalas (Quadro 1),

indicando que acreditam mais na capacidade dos seus companheiros e se sentem mais

confiantes para a obtenção de um bom desempenho (27). Assim, pode-se dizer que jovens

atletas bem-sucedidos em uma competição possuem melhor percepção das habilidades,

persistência, união e preparação da equipe frente aos obstáculos a serem superados em

detrimento a atletas malsucedidos (3).

Tais achados vão ao encontro da literatura (6, 25), que tem identificado que atletas de me-

lhor nível competitivo ou mais bem-sucedidos possuem maior eficácia coletiva em relação

às suas habilidades, além de serem mais confiantes na qualidade e capacidade da equipe

em apresentar um bom desempenho competitivo (31). Diversas investigações (11, 23) também

têm encontrado que a melhor percepção de EC está intimamente relacionada com o suces-

so esportivo, uma vez que quanto mais o atleta acredita e confia em seus companheiros de

grupo, melhor a coesão e o foco dos membros para obter sucesso na tarefa (19).

Percebeu-se também que os atletas medalhistas possuem maior foco na tarefa (Quadro

1), sugerindo que atletas bem-sucedidos são mais focados nas metas e objetivos da equi-

pe, além de serem mais interessados e esforçados em melhorar o desempenho individual

e coletivo (4). Pesquisas (18, 40) reforçam os achados deste estudo, destacando que a OT é

mais presente que a OE nos esportes coletivos, visto que nestas modalidades os atletas

são incentivados a conduzir os seus esforços em função do grupo em detrimento de suas

metas pessoais (40). Em contrapartida, Sari, Ilić e Ljubojević (35) verificaram que atletas

turcos de basquetebol eram mais orientados para o ego, entretanto, tal achado pode estar

relacionado pelas especificidades culturais dos países.

Apesar dos achados serem relevantes para a área da Psicologia do Esporte, algu-

mas limitações necessitam ser destacadas. Primeiramente, a restrição a apenas jovens

atletas do estado do Paraná, o que não representa a realidade de jogadores de voleibol

do Brasil. Contudo, a amostra pode ser considerada representativa uma vez que foram

avaliados todos os atletas participantes da principal competição juvenil do estado. Em

segundo lugar, foram analisados atletas de apenas uma modalidade esportiva (voleibol),

impossibilitando a generalização dos resultados para todo o contexto esportivo juvenil

brasileiro. Além disso, destaca-se que o delineamento transversal adotado produziu um

conjunto de predições significativo, entretanto, não necessariamente de relacionamen-

tos causais, visto que apenas designs longitudinais permitiriam inferências mais pro-

fundas dos padrões de causalidade. Diante disso, novos estudos devem continuar ana-

lisando as relações entre estas variáveis com atletas de outros esportes, de diferentes

regiões do país, além do uso de delineamentos longitudinais.

CONCLUSÃO

Os achados deste estudo apresentam significativas contribuições teóricas e práticas para

a área da Psicologia do Esporte, uma vez que destaca as orientações para meta como um

preditor da percepção de EC no contexto do voleibol juvenil. Apesar de já ser estabelecida

na literatura a importância da EC em esportes de alta interdependência, como no caso do

voleibol, nossos achados contribuem para o entendimento de seus antecedentes psico-

lógicos e são inéditos na medida em que analisam jovens atletas de diferentes níveis de

desempenho competitivo. Por meio dos resultados obtidos pode-se concluir que a orien-

tação para tarefa tem impacto significativo na percepção da eficácia coletiva no contexto

do voleibol juvenil independente do nível de desempenho dos atletas. Contudo, os atletas

medalhistas percebem maior eficácia coletiva e são mais orientados para a tarefa.

Dessa forma, algumas implicações práticas podem ser destacadas para os profissionais

que trabalham no contexto do voleibol juvenil. Em primeiro lugar, os resultados indicam

que treinadores de jovens atletas devem trabalhar para que os seus atletas estejam foca-

dos nas metas e objetivos da equipe e não em seus desempenhos individuais, visto que o

foco na tarefa e nas metas comuns da equipe favorecem a melhora da percepção de com-

petência individual e coletiva. Outra contribuição refere-se à compreensão e entendimento

das fontes de eficácia coletiva no contexto esportivo, visto que destaca a importância de

os atletas serem voltados para a tarefa para o aumento da percepção de eficácia coletiva.

03

Page 33: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

REFERÊNCIAS

1. Alfermann D, Geisler G, Okade Y (2013). Goal orien-tation, evaluative fear, and perceived coach behavior among competitive youth swimmers in Germany and Japan. Psychol Sport Exerc 14: 307-15. 2. Baker J, Côté J, Hawes R (2000). The relationship between coaching behaviours and sport anxiety in athletes. J Sci Med Sport 3: 110-9.3. Bandura A, Azzi RG, Polydoro SA (2008). Teoria So-cial Cognitiva: Conceitos Básicos. Porto Alegre.4. Baser B, Bayar P, Ghorbanzadeh B (2013). A deter-mination of goal orientation in respect to the age cate-gories and gender volleyball players in relation to their success. Eur J Exp Biol 3:81-4.5. Blecharz J, Luszczynska A, Tenenbaum G, Scholz U, Cieslak R (2014). Self-Efficacy Moderates but Collec-tive Efficacy Mediates between Motivational Climate and Athletes’ Well-Being. Appl Psychol Health Well Being 6: 280-299.6. Damato G, Heard P, Grove JR, Eklund RC (2011). Multivariate relationships among efficacy, cohesion, self-talk and motivational climate in elite sport. Pa-mukkale J Sport Sci 2: 06-26.7. Duda JL (1989). The relationship between task and ego orientation and the perceived purpose of sport among male and female high scholl athletes. J Sport Exerc Psychol 11: 18-335.8. Duda JL, Olson LK, Templin TJ (1991). The rela-tionship of task and ego orientation to sportsmanship attitudes and the perceived legitimacy of injurious acts. Res Q Exerc Sport 62: 79-87.9. Feltz D, Short S, Sullivan P (2008). Self efficacy in sport: Research and strategies for working with athle-tes, teams and coaches. Int J Sports Sci Coach 3: 293-5.10. Filho E, Tenenbaum G, Yang Y (2014). Cohesion, team mental models, and collective efficacy: towards an integrated framework of team dynamics in sport. J Sports Sci 2: 1-13.11. Fransen K, Vanbeselaere N, Exadaktylos V, Vande Broek G, De Cuyper B, Berckmans D, Ceux T, De Backer M, Boen F (2012) “Yes, we can!”: Perceptions of collective efficacy sources in volleyball. J Sports Sci 30: 641-649.12. Gonçalves CE, Coelho e Silva MJ, Cruz J, Figueire-do A (2010). Efeito da experiência do treinador sobre o ambiente motivacional e pedagógico no treino de jo-vens. Rev Bras Educ Fís Esporte 24: 15-26.13. Goulart C, Rose J, D., Rezende A (2009). Tradu-ção e validação do instrumento orientações às metas, aplicado a jovens esportistas brasileiros. Revista de Educação Física 2: 20-28.

14. Hall HK, Kerr AW, Kozub SA, Finnie SB (2007). Motivational antecedents of obligatory exercise: The influence of achievement goals and multidimensional perfectionism. Psychol Sport Exerc 8: 297-316.15. Hampson R, Jowett S (2012). Effects of coach le-adership and coach-athlete relationship on collective efficacy. Scand J Med Sci Sports 24: 454-60.16. Heuzé JP, Raimbault N, Fontayne P (2006). Rela-tionships between cohesion, collective efficacy and performance in professional basketball teams: an exa-mination of mediating effects. J Sports Sci 24: 59-68.17. Heuzé JP, Sarrazin P, Masiero M, Raimbault R, Tho-mas JP (2006). The Relationships of Perceived Moti-vational Climate to Cohesion and Collective Efficacy in Elite Female Teams. J Appl Sport Psychol 18: 201-18.18. Hirota VB, De Marco A, Verardi CEL, de Moura Go-mes R, De França E. (2013) Avaliação da orientação motivacional de metas na modalidade do futebol. Mo-trivivência 40: 67-79.19. Jowett S, Chaundy V (2004). An investigation into the impact of coach leadership and coach–athlete relationship on group cohesion. Group Dyn-Theor Res 8: 302-11.20. Jowett S, Shanmugam V, Caccoulis S (2012). Col-lective efficacy as a mediator of the association betwe-en interpersonal relationships and athlete satisfaction in team sports. Int J Sport Exerc Psychol 10: 66-78.21. Jowett S, Cockerill IM (2003). Olympic medallists’ perspective of the althlete–coach relationship. Psychol Sport Exerc 4: 313-31.22. Keegan R, Spray C, Harwood C, Lavallee D (2010). The motivational atmosphere in youth sport: Coach, pa-rent, and peer influences on motivation in specializing sport participants. J Appl Sport Psychol 22: 87-105.23. Keshtan MH, Ramzaninezhad R, Kordshooli SS, Pa-nahi PM (2010). The relationship between collective efficacy and coaching behaviors in professional volley-ball league of Iran clubs. World J Sport Sci 3: 1-6.24. Kline RB (2011). Principles and practice of struc-tural equation modeling: Guilford Press.25. Kocaekşi S, Koruç, Z (2013). An investigation of collective efficacy and team cohesion levels of suc-cessful and unsuccessful handball players in Turkey. Pamukkale J Sport Sci 4: 127-34.26. MacCallum RC, Browne MW, Sugawara HM (1996). Power analysis and determination of sample size for covariance structure modeling. Psychol Methods 1: 130.27. Magyar M, Feltz D, Simpson I (2004). Individual and Crew Level Determinants of Collective Efficacy in Rowing. J Sport Exerc Psychol 26: 136-53.

28. Marcos FML, Calvo TG, González IP, Miguel PAS, García-Mas A (2009). Aplicación de un programa de intervención para la mejora de la cohesión y la eficacia en jugadores de baloncesto. Cuadernos de Psicología del Deporte 9: 73-84.29. Marcos FML, Sánchez-Miguel PA, Sánchez-Oliva D, Alonso DA, Calvo TG (2011). Análisis del clima motivacio-nal como antecedente de la eficacia colectiva en futbolis-tas semiprofesionales. Rev Psicol Deporte 21: 159-62.30. Marôco J (2010). Análise de equações estruturais: Fundamentos teóricos, software & aplicações: Repor-tNumber, Lda.31. Myers ND, Feltz DL, Short SE (2004). Collective Effi-cacy and Team Performance: A Longitudinal Study of Col-legiate Football Teams. Group Dyn-Theor Res 8: 126-138.32. Olympiou A, Jowett S, Duda J (2008). The psycho-logical interface between the coach-created motiva-tional climate and the coach-athlete relationship in team sports. Sport Psychol 22: 423-38.33. Paes MJ (2014). Validação do Collective Efficacy Ques-tionnaire For Sports (CEQS) para atletas brasileiros. Uni-versidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Biológicas, Programa de Pós-Graduação em Educação Física: 108p.34. Rocha HPA, Bartholo TL, de Melo LBS, Soares AJ (2011). Jovens esportistas: profissionalização no futebol ea formação na escola. Motriz: Rev Educ Fis. 17: 252-263.35. Sari İ, Ilić J, Ljubojević M (2013). The comparison of task and ego orientation and general self-esteem of turkish and montenegrin young basketball players. Kineziologija 45: 203-12.36. Sarrazin P, Guillet E, Cury F (2001). The effect of coach’s task-and ego-involving climate on the chan-ges in perceived competence, relatedness, and auto-nomy among girl handballers. Eur J Sport Sci 1: 1-9.37. Short SE, Sullivan P, Feltz DL (2005). Development and preliminary validation of the collective efficacy questionnaire for sports. Measurement in Physical Education and Exercise Science 9: 181-202.38. Stajkovic AD, Lee D, Nyberg AJ (2009). Collecti-ve efficacy, group potency, and group performance: Meta-analyses of their relationships, and test of a me-diation model. J Appl Psychol 94: 814-825.39. Treasure DC, Robert GC (2001). Students’ percep-tions of the motivational climate, achievement beliefs, and satisfaction in physical education. Res Q Exerc Sport 72: 165-175.40. Vasconcelos-Raposo J, Moreira JM, Teixeira CM (2013). Clima motivacional em jogadores de uma equi-pa de andebol. Motricidade 9: 117-26.

41. Zaccaro SJ, Blair V, Peterson C, Zazanis M (1995). Self-efficacy, adaptation and adjustment: Theory, re-search, and application. In Maddux JE (Ed). Collective efficacy. New York: Plenum Press, 305-28.

03

Page 34: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

65 — RPCD 15 (2): 64-77

Análise cinemática

da corrida com pés descalços

em indivíduos que normalmente

correm calçados. Impacto

da utilização do calçado sobre

a cinemática da corrida

PALAVRAS CHAVE:

Cinemática. Tecnologia de amortecimento.

Corrida de rua.

RESUMO

O objetivo do presente estudo foi comparar o padrão cinemático de corrida em indivídu-

os calçados e descalços. Foram recrutados 8 indivíduos, com idades compreendidas en-

tre 18 e 51 anos, praticantes de corrida de rua, que normalmente utilizam calçados com

tecnologias de amortecimento em seus treinamentos diários. O indivíduo, primeiramente,

correu numa esteira ergométrica, com seus tênis habituais de treino, durante 5 minutos,

à velocidade de 8 km/h, para familiarização e ambientação. A cada 1 minuto, a velocidade

era incrementada em 1 km/h, até atingir-se 85% da frequência cardíaca de reserva do in-

divíduo. Atingida a FC alvo, realizou-se uma filmagem digital a uma frequência de 120 Hz,

no plano sagital, durante 15 segundos. Após o indivíduo caminhar durante 3 minutos a 5

km/h, repetiu-se o procedimento, desta vez descalço. Foram encontradas alterações sig-

nificativas nos padrões cinemáticos da corrida descalço em relação a calçado nos ângulos

de flexão de tornozelo (112.8 ± 7.91° e 100.8 ± 9.04°, respectivamente) e joelho (163.3 ± 4.03° e 151.1 ± 5.67°); ângulo do joelho em relação ao eixo horizontal (97.1 ± 3.04° e 89.6 ± 3.16°); e no ângulo do tornozelo em relação ao eixo vertical (76.9 ± 6.20° e 93.9 ± 4.55°). Os

resultados encontrados sugerem que tais alterações podem estar relacionadas à diminui-

ção da força de reação do solo e à possível ergonomia com pés descalços.

AUTORES:

Letícia Parada Moreira 1

Leonardo Rodrigo Duarte 1

Débora Dias F Moura Rocco 1

Alexandre Galvão da Silva 1

1 LAFES: Laboratório de Fisiologia do Exercício e Saúde, Faculdade de Educação Física e Esporte da Universidade Santa Cecília – Santos/SP– Brasil

Correspondência: Letícia Parada Moreira. Rua Laurindo Mirabelli, nº 165, Parque Continental

São Vicente – SP. CEP: 11348-38. ([email protected]).

04

SUBMISSÃO: 10 de Dezembro de 2014ACEITAÇÃO: 31 de Agosto de 2015

Kinematic analysis of barefoot running in individuals

who usually run with shoes. Impact of using

the footwear on the race kinematics

ABSTRACT

The aim of the present study was to compare kinematic patterns of race

running with shoes and barefoot. It was recruited 8 individuals, aged

between 18 and 51 years old, practitioners of street racing, which typi-

cally use shoes with cushioning technologies in their daily training. The

individual first ran on a treadmill, with their usual training shoes, during

5 minutes, at a speed of 8 km/h, for familiarization and ambiance. Every

1 minute, the speed was increased by 1 km/h, until it hit 85% of the heart

rate reserve. When it hit the target heart rate, it was held a digital foot-

age at a frequency of 120 Hz, in the sagittal plane, during 15 seconds.

After the individual walked for 3 minutes at 5 km/h, the procedure was

repeated, this time with bare feet. Significant changes were found in the

kinematic patterns of racing barefoot in relation to racing with shoes, on

ankle flexion angles (112.8 ± 7.91° and 100.8 ± 9.04°, respectively) and

knee (163.3 ± 4.03° and ± 5.67 151.1°); knee angle relative to the hori-

zontal axis (97.1 ± 3.04° and 89.6 ± 3.16°); and the ankle angle in relation

to the vertical axis (76.9 ± 6.20° and 93.9 ± 4.55°). The results suggest

that such changes may be related to decreased ground reaction force

and a possible ergonomy in the race with bare feet.

KEY WORDS:

Kinematics. Cushioning technology. Street racing.

Page 35: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

INTRODUÇÃO

O movimento do corpo humano é definido fisicamente como um complexo sistema de seg-

mentos articulados em equilíbrio estático ou dinâmico, gerando forças internas e externas

no eixo articular, provocando deslocamentos angulares nesses segmentos (1).

Durante o exercício físico, a sobrecarga articular e os efeitos dos mecanismos motores

exercidos pela sobrecarga, tanto da dinâmica muscular quanto no dispêndio de energia,

são fatores que podem influenciar no desenvolvimento biomecânico da marcha (20).

A corrida é hoje em dia uma das atividades esportivas que mais desperta adeptos por causa

dos seus benefícios à saúde, como também por sua conveniência e natureza econômica (21).

O aumento dessa prática esportiva tem elevado o número de lesões. Um estudo recente (7),

avaliando a prevalência de lesões por corredores no último ano, demonstrou que 55% dos in-

divíduos que participaram da pesquisa haviam sofrido lesões musculoesqueléticas nos doze

meses anteriores. Refletindo o potencial que a prática regular de corridas tem em provocar

lesões musculares e articulares.

A cinemática dos movimentos dos membros inferiores da corrida em adultos vem sendo

estudada de maneira extensiva na literatura. Apesar da ampla divulgação – pela mídia,

treinadores e, claro, pelos próprios fabricantes de calçados – da ideia de que correr sem

um calçado provido de amortecimento e/ou controle de movimentos possa representar um

grande risco à integridade dos membros inferiores e pés, os estudos não são conclusivos

para comprovarem tal fato (14). Alguns grandes fabricantes de calçados esportivos, per-

cebendo isso, já começaram a se movimentar, criando uma onda de lançamentos de tênis

chamados “minimalistas”, com solados baixos e planos, desprovidos de qualquer tecnolo-

gia de amortecimento ou controle de movimentos.

Analisando a estrutura anatômica do corpo humano (10), observa-se que temos plenas condi-

ções de correr descalços. Vale ressaltar que sempre o fizemos para garantir nossa sobrevivência.

Desde a invenção do tênis moderno – com bolsas de ar nos calcanhares, espumas de

diferentes densidades para evitar a pronação, placas estabilizadoras que percorrem toda

a entressola – no início da década de 1970, já se foram mais de 40 anos. Ele foi inventado

com o intuito de “corrigir” o movimento natural de pronação do pé – que, na verdade, é

uma combinação de três movimentos diferentes em três eixos anatômicos: eixo ântero-

-posterior, látero-lateral e crânio-caudal – e propiciar uma passada mais confortável para

corridas de longa distância, aterrissando nos calcanhares – graças à densa “almofada”

sob eles – e terminando o movimento no antepé, ganhando alguns centímetros a mais no

movimento, que se inicia à frente do centro de gravidade do corpo (11).

Porém, diversos estudos encontraram resultados diferentes dos esperados pelos inventores

dos tênis modernos. Neles, o impacto do pé calçado com o solo no momento da aterrissagem,

em comparação ao pé descalço, foi maior em todas as medições. Tais resultados sugerem que

aterrissar com os calcanhares – e não no médiopé ou antepé, como se faz correndo descalço

– pode ser mais lesivo, mesmo contando com toda tecnologia disponível (5, 6, 9, 17, 23, 25). Os índices

de lesões nos últimos 40 anos, ao contrário do que seria o esperado, aumentaram em 10% (11).

Um estudo (20) com corredores profissionais, calçados com tênis minimalistas, foi realizado

com o objetivo de relacionar padrões cinemáticos à Economia de Corrida (ECO) – consumo de

oxigênio em determinada velocidade submáxima de corrida (corredores mais econômicos ten-

dem a ser mais rápidos consumindo menos oxigênio). Nos resultados, os padrões cinemáticos

por ele encontrados nos corredores mais econômicos foram similares aos padrões encontra-

dos por outros autores, que realizaram estudos semelhantes com corredores descalços (5, 17).

Com base nessas informações, sabe-se que a característica mais intrínseca da corrida

com pés descalços em relação à corrida com pés calçados é a forma de aterrissagem: no

mediopé ou antepé quando descalço, e nos calcanhares quando calçado (5, 6, 9, 17, 25). A lite-

ratura explora aspectos como a força de reação do solo e os movimentos da articulação

subtalar (“pronação”) na fase de apoio da corrida (3, 5, 6, 8, 9, 18, 19, 21). Porém, não foi encon-

trado nenhum estudo que comparasse outros diversos aspectos cinemáticos que possam

ser modificados com a simples retirada do calçado de indivíduos que normalmente correm

calçados.

A hipótese do estudo é a de que a corrida com pés descalços apresente diferenças cinemá-

ticas em comparação com a corrida utilizando calçados. Nesse sentido, o presente estudo teve

como objetivo identificar alterações em padrões cinemáticos da corrida, após breve período

de adaptação à corrida com pés descalços, em indivíduos que normalmente correm calçados.

METODOLOGIA

AMOSTRA

O estudo foi constituído por 08 indivíduos adultos, praticantes de corrida de rua, de ambos

os gêneros, que foram recrutados nas assessorias esportivas e academias instaladas em

Santos, São Vicente e Praia Grande. Os sujeitos da pesquisa corriam recreativamente em

média 30 minutos, três vezes por semana na rua ou na esteira e também praticavam mus-

culação. A coleta dos dados foi realizada em academia na cidade de Praia Grande, entre

Agosto e Setembro de 2012, em dias e horários previamente agendados com os voluntá-

rios do estudo e com os pesquisadores.

67 — RPCD 15 (2)

04

Page 36: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

69 — RPCD 15 (2)

Foram adotados como critérios de inclusão: indivíduos com idades compreendidas entre

18 e 60 anos, que pratiquem corrida a pelo menos um ano, ininterruptamente, utilizando

tênis com tecnologias modernas de amortecimento e/ou controle de movimento em seus

treinamentos diários.

Foram adotados como critérios de exclusão: indivíduos que corram, mesmo que ocasional-

mente, com os pés descalços ou com tênis minimalistas, que apresentam ou apresentaram

lesões osteomioarticulares nos últimos 3 meses, ou então que possuam limitações ortopédi-

cas ou patológicas que os impeçam de correr por 20 minutos em esteira ergométrica.

Todos os sujeitos participantes do estudo assinaram, em duas vias, o Termo de Con-

sentimento Livre e Esclarecido, com detalhes sobre o estudo e a garantia do anonimato

quanto à sua identidade. Os procedimentos utilizados respeitam as normas internacionais

de experimentação com humanos (Declaração de Helsinki, 1997)(24), e tais procedimentos

foram realizados pelos próprios pesquisadores, após diversas baterias de testes para de-

terminação de variáveis espaciais e temporais e fixação dos métodos.

O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Santa Cecília, sob o protocolo

número 91.968.

INSTRUMENTO

Os instrumentos utilizados foram: esteira ergométrica da marca Lion Fitness, modelo X-4;

filmadora digital da marca GoPro, modelo HD Hero2; frequencímetro da marca Garmin, mo-

delo Forerunner 405; Frequencímetro da marca Oregon, modelo SE139 Smart Trainer; sof-

tware Kinovea – Video Analysis Software for Sports.

PROCEDIMENTOS

Foram analisados seis padrões cinemáticos no momento do primeiro contato do pé com o

solo na corrida com pés calçados e com pés descalços: ângulos articulares do tornozelo

(Figura 1), joelho (Figura 2), quadril (Figura 3) e cotovelo (Figura 4); ângulo do joelho em

relação ao eixo horizontal – dado por uma linha entre o epicôndilo lateral do fêmur e o

maléolo lateral interseccionando com uma linha horizontal a um ângulo reto perpendicular

ao solo (Figura 5); e ângulo do tornozelo em relação ao eixo vertical – dado por uma linha

correndo paralelamente à sola do tênis ou do pé interseccionando com uma linha vertical

a um ângulo reto perpendicular ao solo (Figura 6).

FIGURA 1. Ângulo articular do tornozelo. FIGURA 2. Ângulo articular do joelho.

FIGURA 3. Ângulo articular do quadril. FIGURA 4. Ângulo articular do cotovelo.

FIGURA 5. Ângulo do joelho em relação ao eixo horizontal. FIGURA 6. Ângulo do tornozelo em relação ao eixo vertical.

04

Page 37: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

71 — RPCD 15 (2)

FIGURA 7. colocação de marcas refletivas em proeminências anatômicas nas seguintes localizações no lado direito:

1. tubérculo maior do úmero; 2. epicôndilo lateral do úmero; 3. processo estilóide da ulna; 4. trocanter maior do fêmur;

5. epicôndilo lateral do fêmur; 6. maléolo lateral; 7. tuberosidade do 5º metatarso.

Os testes foram realizados da seguinte forma:

1. Pré-teste: colocação de marcas refletivas em proeminências anatômicas (Figura 7) nas

seguintes localizações no lado direito: 1. tubérculo maior do úmero; 2. epicôndilo late-

ral do úmero; 3. processo estilóide da ulna; 4. trocanter maior do fêmur; 5. epicôndilo

lateral do fêmur; 6. maléolo lateral; 7. tuberosidade do 5º metatarso.

2. Medição da frequência cardíaca de repouso: colocação da cinta do frequencímetro no

indivíduo sentado e mensuração da frequência cardíaca de repouso durante 5 minutos;

3. Corrida com pés calçados: calçados com seus tênis de corrida habituais, os indivíduos

correram por 5 minutos na esteira ergométrica, à velocidade de 8 km/h, para familia-

rização e ambientação. Houve um incremento de 1 km/h a cada 1 minuto, até que sua

frequência cardíaca atingisse 85% de sua frequência cardíaca de reserva, calculada

pela fórmula: FC reserva = ([220-idade] – FC repouso) x 0.85 + FC repouso4. Atingida a

FC alvo, realizou-se uma filmagem digital a uma frequência de 120 Hz, no plano sagital,

durante 15 segundos. A filmadora esteve a uma distância de 1.70 metros da esteira,

a uma altura de 1.10 metro do solo, apoiada sobre um tripé. Em seguida, o indivíduo

caminhou por 3 minutos à velocidade de 5 km/h para volta à calma;

4. IV. Após 20 minutos para descanso, o mesmo indivíduo realizou procedimento seme-

lhante à etapa III, só que dessa vez com os pés descalços.

ANÁLISE DOS DADOS

Após a realização dos testes, as filmagens digitais foram processadas no software Kinovea,

separadas quadro a quadro, e selecionado o quadro do momento de primeiro contato do

pé direito do indivíduo com o solo na corrida, nas etapas de corrida com pés calçados e

descalços. Depois de selecionado o quadro, no mesmo software foi realizado, através de

ferramenta específica, a medição dos ângulos articulares do tornozelo, joelho, quadril e

cotovelo; ângulo do joelho em relação ao eixo horizontal; e ângulo do tornozelo em relação

ao eixo vertical.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os dados estão apresentados como média + ou – erro padrão e utilizamos o programa

Statistics 12.0 para o procedimento estatístico.

As variáveis utilizadas foram submetidas ao teste de Kolmogorov-Smirnov para consi-

derar a distribuição normal. As variáveis que não apresentaram esta distribuição foram

analisadas após transformação logarítima.

Para características de angulações articulares foram submetidos à análise de variância

de um caminho (one away ANOVA) para amostras repetidas com nível de significância <0.05.

RESULTADOS

O gráfico 1 apresenta os ângulos articulares do tornozelo. Todos os indivíduos apresenta-

ram uma maior dorsoflexão quando calçados (p=0.013), com média de 100.8 ± 9.04°, ante

112.8 ± 7.91° quando descalços.

GRÁFICO 1. Médias dos ângulos articulares do tornozelo no momento de contato com o solo

entre os grupos calçado e descalço.

04

Page 38: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

73 — RPCD 15 (2)

Também foi encontrado um aumento significativo (p=0.000) na extensão do joelho quan-

do os indivíduos correram com os pés calçados (163.3 ± 4.03°) e com os pés descalços

(151.1 ± 5.67°), conforme apresentado no gráfico 2.

GRÁFICO 2. Média da extensão de joelhos no momento de contato com o solo entre os grupos calçado e descalço.

Em relação aos ângulos das articulações do quadril e do cotovelo, não foram observadas

diferenças entre os grupos, com médias de 159.8 ± 5.06° para indivíduos calçados e 158.6

± 8.23° para descalços e 80.8 ± 12.24° no grupo calçado, e nos indivíduos descalços foi de

85.9 ± 15.23° respectivamente (Quadro 1 e Quadro 2).

QUADRO 1. Média, desvio padrão e valor P do ângulo articular do quadril no momento de contato com o solo

entre os grupos calçado e descalço.

QUADRO 2. Média, desvio padrão e valor P do ângulo articular do quadril no momento de contato com o solo

entre os grupos calçado e descalço.

Observamos no gráfico 3 diferenças estatisticamente significativas no ângulo do joelho

em relação ao eixo horizontal, (p=0.000) entre os grupos calçado e descalço. Nos indivídu-

os correndo calçados, a média foi de 97.1 ± 3.04°, e nos indivíduos correndo descalços foi

de 89.6 ± 3.16°. Mas a maior diferença se deu no ângulo do tornozelo em relação ao eixo

vertical (P=0.000), como podemos ver no gráfico 4. Nos indivíduos calçados, a média foi de

76.9 ± 6.20°; nos indivíduos descalços, encontramos a média de 93.9 ± 4.55°.

GRÁFICO 3. Angulação do joelho em relação ao eixo horizontal no momento de contato com o solo

entre os grupos calçado e descalço.

GRÁFICO 4. Angulação do tornozelo em relação ao eixo vertical no momento de contato com o solo

entre os grupos calçado e descalço.

04

Page 39: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

75 — RPCD 15 (2)

DISCUSSÃO

O presente estudo confirmou a hipótese que a corrida com pés descalços e calçados

apresenta importantes diferenças cinemáticas em algumas articulações durante a prá-

tica da corrida. Dentre as variáveis cinemáticas analisadas o ângulo articular do torno-

zelo (p=0.013), do joelho (p=0.000), o ângulo do tornozelo em relação ao eixo vertical

(p=0.000) e o ângulo do joelho em relação ao eixo horizontal (p=0.000) apresentaram dife-

renças significativas. Em relação aos ângulos articulares do quadril e cotovelo não foram

encontradas diferenças significativas.

Em relação ao ângulo articular do tornozelo, os resultados mostram que há uma dorso-

flexão mais acentuada quando o individuo corre calçado, forçando a uma aterrissagem no

retropé, corroborando com diversos estudos (5, 6, 9, 17, 23, 25). Esse tipo de aterrissagem causa

maiores forças de reação do solo, elevando as forças que agem nas articulações e, conse-

quentemente, aumenta a probabilidade de lesões.

Estudos utilizando eletromiografia (12, 13, 15) demonstraram que o músculo tibial anterior,

principal responsável pela dorsoflexão, sofre uma fadiga precoce quando solicitado con-

centricamente. Isso leva a crer que a “pronação excessiva” dos pés, no momento da fase

de apoio da corrida, e considerada por muitos (8, 16, 18) uma das principais causas de lesões

no referido esporte, pode estar relacionada à essa fadiga precoce do músculo tibial ante-

rior. Esse é um dado bastante relevante da pesquisa, pois demonstra um possível benefício

da corrida descalço em relação à corrida calçado, tendo em vista a menor probabilidade de

lesões no joelho decorrentes da alta solicitação do tibial anterior.

Além da dorsoflexão, o tibial anterior é o responsável pela sustentação excên-

trica do arco do pé no momento do apoio na corrida, e participa ativamente do

movimento de inversão, antagônico à “pronação”. Por isso a queixa constante de

ardência na região tibial anterior em corredores que aterrissam no retropé.

O joelho é a principal articulação do membro inferior quanto à absorção de impactos

na corrida. Ele é a região anatômica mais acometida por lesões (7, 20). Em nosso estudo, o

ângulo de flexão do joelho dos indivíduos correndo calçados foi mais próximo a 180°, um

ângulo raso. E, quanto mais próximos desse valor, maiores as forças de reação do solo (10,

14, 17) que, além de serem prejudiciais aos joelhos, atingem as articulações do quadril e a co-

luna vertebral. É plausível afirmarmos que, quanto mais flexionados os joelhos na hora do

impacto, maior será a capacidade de seus músculos flexores absorverem excentricamente

as forças verticais de reação do solo e retorná-las na forma de impulsão.

Os ângulos encontrados na articulação do quadril não apresentaram diferenças signifi-

cativas entre a corrida calçada e descalça. Porém, levando em consideração que os indiví-

duos flexionaram mais o joelho quando descalços, a aterrissagem deu-se mais próxima da

projeção vertical do centro de massa no solo (22) fazendo com que o movimento translató-

rio do centro de massa fosse mais uniforme, independentemente da angulação do quadril

houve menos desacelerações e acelerações.

O ângulo de flexão do cotovelo, apesar de não apresentar significância, não deve ser to-

talmente desprezado. Quando correndo descalços, os indivíduos apresentaram uma maior

extensão do cotovelo, o que faz com que os punhos pendulem mais próximos à região

do quadril e mais paralelos ao corpo, baixando o centro de gravidade, provocando menor

oscilação vertical, contribuindo com um mais eficiente deslocamento do centro de massa

à frente. Tartaruga (20) demonstrou em sua investigação evidências de que, quanto mais

estendidos os cotovelos, mais econômicos eram os indivíduos (20).

Como já foi dito, para não haver desacelerações desnecessárias, o ideal seria que o pé

tocasse o solo logo abaixo do centro de gravidade do corpo, que seria dado por um ângu-

lo de 90°. Porém, na medição do ângulo do joelho em relação ao eixo horizontal, quando

calçados, os indivíduos apresentaram um valor médio de 97.1 ± 3.04°. Esse valor indica

que o ponto de contato com o solo estava à frente do centro de gravidade, enquanto que,

descalços, a média angular ficou em 89.6 ± 3.16°, muito próxima do ideal.

Corroborando com os resultados encontrados na amplitude de flexão do tornozelo, ao

medirmos o ângulo do tornozelo em relação ao eixo vertical, a média dos indivíduos cal-

çados foi de 76.9 ± 6.20°, muito mais obtuso que quando descalços, com média de 93.9 ±

4.55°, mesmo considerando que a altura do solado dos tênis na região dos calcanhares era

consideravelmente mais alto que a parte da frente. Ou seja, calçados, os indivíduos ater-

rissaram no retropé com uma dorsoflexão bastante acentuada. Enquanto isso, descalços,

a aterrissagem foi num ângulo raso, maior do que 90°, evidenciando um contato com o solo

prevalentemente com o mediopé.

Se relacionarmos a amplitude angular de tornozelo, joelho e quadril, veremos que,

descalços, os indivíduos apresentaram um “efeito de mola” do membro inferior, mais

capaz de absorver o impacto e acumular energia para a fase de impulsão da corrida.

Enquanto isso, o membro inferior dos indivíduos calçados apresentou um aspecto mais

rígido, menos capaz de dissipar as forças de reação do solo, podendo aumentar a sobre-

carga sobre as articulações.

Algo que não era objetivo de pesquisa e que não teve significância estatística, mas que

merece ser comentado foi a maior velocidade de corrida dos indivíduos quando descal-

ços. A 85% da frequência cardíaca de reserva, cinco dos 8 indivíduos atingiram maiores

velocidades quando descalços. Os outros 3 mantiveram a mesma velocidade. Esses dados

corroboram com um estudo (20), o qual analisou a Economia de Corrida (ECO – consumo

de oxigênio em velocidades submáximas de corrida) em corredores profissionais de nível

nacional que correm com tênis de perfil baixo. Os padrões cinemáticos encontrados por

04

Page 40: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

ele nos indivíduos mais econômicos foram similares aos do nosso estudo, com um menor

ângulo do joelho na fase de apoio, o deslocamento à frente do centro de massa, a maior

amplitude do cotovelo e o ângulo de flexão do tornozelo.

A inserção de corridas descalças nos treinamentos, com o intuito de alterar a cinemática,

pode ser benéfica aos atletas, assim como a substituição de tênis ditos “modernos” – com

calcanhares altos e macios, suportes para o arco do pé e entressolas rígidas, que impedem

o movimento natural dos pés – por tênis minimalistas, com solados baixos e sem qualquer

tipo de amortecimento e controle de movimentos subtalares.

Sendo assim, os resultados encontrados sugerem que a corrida com pés descalços,

comparada à corrida com pés calçados, pode diminuir a incidência de lesões causadas

pelo impacto e por movimentos acessórios das articulações. Portanto, fazem-se neces-

sários mais estudos correlacionando as variáveis cinemáticas, cinéticas, anatômicas e fi-

siológicas da corrida descalço, para determinar com mais precisão a Economia de Corrida

e por quais mecanismos ela se dá. Além disso, um estudo epidemiológico comparando os

níveis de lesão em corredores que normalmente correm descalços com os que correm

calçados seria bem vindo.

Podemos citar algumas limitações desta investigação, como o fato dos indivíduos utiliza-

rem seus próprios calçados para as análises e, eventualmente, o mau estado de conservação

dos mesmos pode ser um ponto negativo à cinemática da corrida. Pode-se destacar também

que as análises da corrida com pés calçados e descalços foram efetuadas no mesmo dia

com apenas 20 minutos de descanso entre ambas e que talvez a fadiga possa ter interferido

na segunda avaliação. Por outro lado nos baseamos na hipótese de que os avaliados esti-

vessem bastante adaptados aos seus calçados mesmo que gastos serviam ao propósito do

estudo. Vale ressaltar também que a intensidade de exercício proposto foi confortável para

esses indivíduos justamente para tentar minimizar a questão da fadiga no segundo teste.

REFERÊNCIAS

1. Amadio AC, Serrão JC. (2007). Contextualização da biomecânica para a investigação do movimento: fundamentos, métodos e aplicações para análise da técnica esportiva. Revista Brasileira Educação Física e Esporte. 21: 61-85.2. Carvalho ACA. (2011). Alinhamento mecânico dos membros inferiores e lesões musculoesqueléticas em corredores: descrições, associações e taxas de lesão. [Dissertação]. São Paulo. USP; Escola de Fisioterapia.3. Chen WP, Tang FT, Ju CW. (2001). Stress distribu-tion of the foot during mid-stance to push-off in bare-foot gait: a 3D finite element analysis. Clinical Biome-chanics. 16: 614-620.4. Ciolac EG, Guimarães GV. (2004). Exercício físico e síndrome metabólica. Revista Brasileira de Medicina do Esporte. 10(4): 319-324.5. De Wit B, De Clercq D, Aerts P. (2000). Biomecha-nical analysis of the stance phase during barefoot and shod running. Journal of Biomechanics. 33: 269-278.6. Divert C, Mornieux G, Baur H, Mayer F, Belli A. (2005) Mechanical Comparison of Barefoot and Shod Running. International Journal Sports of Medicine. 26: 593-598.7. Hespanhol Junior LC, Costa LOP, Carvalho ACA, Lo-pes DA. (2012). Perfil das características do treina-mento e associação com lesões musculoesqueléticas prévias em corredores recreacionais: um estudo trans-versal. Revista Brasileira de Fisioterapia. 16 (1): 46-53.8. Jorge LH. (2005). Características da pronação do pé medidas através de parâmetros clínicos e biomecâ-nicos. [Dissertação]. Santa Catarina. UDESC; Centro de Educação Física, Fisioterapia e Desporto.9. Lieberman DE, Venkadesan M, Werbel WA, Daoud AI, D’Andrea S, Davis IS, Mang’Eni RO, Pitsiladis Y. (2010). Foot strike patterns and collision forces in habitually barefoot versus shod runners. Nature. 463: 531-535.10. Lieberman D. (2012). What We Can Learn About Running from Barefoot Running: An Evolutionary Medical Perspective. Exercise and Sport Sciences Reviews. 40: 59-60.11. Mcdougall C. (2010). Nascido para correr. São Paulo: Globo.12. Munn J, Beard DJ, Refshauge KM, Lee RY. (2003). Ec-centric muscle strength in functional ankle instability. Me-dicine and Science in Sports and Exercise. 35(2): 245-250.

13. Neumann DA. (2011). Cinesiologia do aparelho musculoesquelético: fundamentos para reabilitação. Rio de Janeiro: Elsevier.14. Richards CE, Magin PJ, Callister R. (2008). Is your prescription of distance running shoes evidence-based? British Journal of Sports Medicine. 43: 159-162.15. Santos MCA. (2008). Análise da fadiga muscular localizada em atletas e sedentários através de parâ-metros de frequência do sinal eletromiográfico. Revis-ta Brasileira de Medicina do Esporte. 14(6): 509-512.16. Souza TR de. (2011). Pronação excessiva e varis-mos de pé e perna: relação com o desenvolvimento de patologias musculoesqueléticas – Revisão de literatu-ra. Revista Fisioterapia e Pesquisa. 18(1):92-98.17. Squadrone R, Gallozzi C. (2009). Foot strike pat-terns and collision forces in habitually barefoot versus shod runners. The Journal of Sports Medicine and Phy-sical Fitness. 49: 6-13.18. Tartaruga LAP, Tartaruga MP, Black GL, Coertjens M, Ribas LR, Kruel LFM. (2005). Comparação do ângulo da articulação subtalar durante velocidades submáximas de corrida. Acta Ortopédica Brasileira. 13(2): 57-60.19. Tartaruga MP, Cadore EL, Alberton CL, Nabinger E, Tartaruga LAP, Ávila AOV, Kruel LFM. (2010). Comparação de protocolos para determinação do ângulo de pronação subtalar. Acta Ortopédica Brasileira. 18(3): 122-126.20. Tartaruga MP. (2008). Relação entre economia de corrida e variáveis biomecânicas em corredores fundistas. [Dissertação]. Rio Grande do Sul. UFGRS; Escola de Educação Física.21. Taunton JE, Ryan MB, Clement DB, McKenzie DC, Lloyd-Smith DR, Zumbo BD. (2001). A retrospective case-control analysis of 2002 running injuries. British Journal of Sports Medicine. 36: 95-101.22. Tucker R, Dugas J, Fitzgerald M. (2010). O Corpo do Corredor. São Paulo: Gente.23. Warburton M. (2001). Barefoot running. Sports-cience. Disponível em: http://sportsci.org/jour/0103/mw.htm em 05/05/2012 às 11h.24. World Medical Association – Declaration of Hel-sinki. (1997). JAMA 277: 925-6.25. Zekhry D, Acquesta F, Serrão JC, Amadio AC. (2007). Adaptação à corrida com os pés descalços: um estudo pre-liminar. Net. Disponível em: http://www2.rc.unesp.br em 05/05/2012 às 11h30.

04

Page 41: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

79 — RPCD 15 (2): 78-95

05Abordagem empírica

da noção de prontidão motora

no contexto da disciplina

de Educação Física

PALAVRAS-CHAVE:

Prontidão motora. Regressão quantílica.

Função discriminante. Crianças e adolescentes.

Educação Física.

RESUMO

A literatura disponível não permite identificar, com facilidade, formas e processos condu-

centes à operacionalização da prontidão motora no domínio pedagógico. No presente es-

tudo assume-se que a prontidão motora envolve aspetos relacionados com a proficiência

motora e a aptidão física, de modo que possa ser avaliada por meio de testes específicos.

Daqui que o objetivo desta pesquisa seja o de operacionalizar a PM associada à aptidão físi-

ca. Para o efeito (1) recorre-se à análise da função discriminante para verificar a presença

de diferenças nas categorias de prontidão esperadas ao longo dos vários anos de escolari-

dade; (2) apresenta-se um “aptidograma” com base na distribuição do desempenho a partir

da regressão quantílica cujos valores possam servir de indicadores de distintos níveis de

prontidão motora. A amostra total é composta por 2986 crianças e jovens, do 5º ao 9º

ano de escolaridade, que foram avaliados em cinco testes motores: dinamometria manual,

impulsão horizontal, corrida vai-vem, corrida de 50 jardas e corrida/marcha da milha. Os

resultados mostram incrementos do desempenho em ambos os sexos ao longo dos anos

de escolaridade, tendo os meninos desempenhos médios superiores. Os perfis configura-

cionais de PM são inferiores aos esperados em cada ano de escolaridade, com exceção dos

alunos do 5º ano, em ambos os sexos, e dos meninos do 9º ano. Os “aptidogramas” mos-

tram resultados diferenciados por ano e sexo, salientando o diferencial de PM.

AUTORES:

Cláudia Malafaya 1

Go Tani 2

José Maia 3

1 Departamento de Expressões, Escola Básica de Leça da Palmeira, Matosinhos. Portugal

2 Laboratório de Comportamento Motor, Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo. São Paulo, SP. Brasil

3 CIFI2D & Laboratório de Cineantropometria e Gabinete de Estatística Aplicada, Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, Porto, Portugal

SUBMISSÃO: 1 Junho de 2015ACEITAÇÃO: 15 Agosto de 2015

Correspondência: Maria Cláudia d’Athayde Malafaya Tavares de Lima. Escola Básica de Leça da Palmeira,

Rua do Sol Poente, 4450-793 Leça da Palmeira, Portugal ([email protected]).

Em conclusão, os valores de reclassificação da função discriminante traduzem não

só insuficiência de prontidão motora em diferentes anos de escolaridade, mas tam-

bém heterogeneidade e variabilidade interindividual existentes em crianças e jovens

do mesmo ano de escolaridade. Os valores da regressão quantílica e do “aptidograma”

resultante são informação útil para os professores ajuizarem com maior rigor os níveis

de PM dos seus alunos.

Page 42: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

81 — RPCD 15 (2)

Empirical approach to motor readiness

within the Physical Education context

ABSTRACT

The available literature does not easily identify forms and processes

conducive to the operationalization of motor readiness in the educa-

tional field. In the present study it is assumed that MR involves as-

pects related to motor proficiency and physical fitness, so that it can

be assessed by specific tests. Therefore the aim of this research is

to operationalize the motor readiness associated with physical fitness.

For this purpose (1) the discriminant function analysis is used to verify

the presence of differences in the categories of readiness expected

over the years of schooling; (2) a “physical aptitudegram” based on

the distribution of performance using quantile regression whose val-

ues can serve as indicators of different levels of MR is presented. The

sample comprised 2,986 children, from 5th to 9th grade. Physical fit-

ness was assessed by five tests: handgrip, standing broad jump, shut-

tle run, 50-yard dash and 1-mile walk/run. The results show perfor-

mance increments in both sexes over the years of schooling, with boys

having higher performances. In both sexes (with the exception of 5th

grade girls and boys and 9th grade boys) configurational profiles of MR

is lower than expected for each grade. The “physical aptitudegrams”

show results differentiated by year and sex, stressing differential MR.

In conclusion, the reclassifications of discriminant function values

reflect not only insufficiency of PM in different school years, but also

heterogeneity and interindividual variability in children and young

of the same grade. The resultant values of quantile regression and

“physical aptitudegram” are useful tools for teachers to deem more

rigorously the motor readiness levels of their students.

KEYWORDS:

Motor readiness. Quantile regression. Discriminant function.

Children and adolescents. Physical Education.

INTRODUÇÃO

É atualmente reconhecido que o estudo da prontidão motora (PM) de crianças e jovens

assume enorme importância pedagógica (4, 14, 15, 18, 20, 21). Os níveis de PM de cada criança ou

jovem expressam um pré-requisito essencial para realizar com sucesso as exigências de

uma tarefa motora ou de uma situação de aprendizagem (6, 20, 21).

A relevância pedagógica atribuída a esta temática resulta da necessidade sentida pelos

professores de Educação Física (EF) em identificar os níveis de PM de crianças e jovens

de forma a adequar as propostas didático-metodológicas das aulas às características dos

alunos, respeitando as diferenças interindividuais existentes em cada turma e entre tur-

mas do mesmo ano de escolaridade (13, 15, 28).

No presente estudo assume-se que a PM envolve aspetos relacionados com a proficiência

motora e a aptidão física, de modo que possa ser avaliada por meio de testes específicos.

A aptidão para aprender habilidades motoras é atribuída à combinação entre proficiência

motora prévia e uma série de experiências apropriadas (27). A proficiência motora altera-se à

medida que a criança se desenvolve e o seu desenvolvimento é acompanhado por uma me-

lhoria nos níveis de desempenho (18, 20). Em contexto escolar, cabe à disciplina de EF o desen-

volvimento harmonioso da aptidão física e da proficiência motora, cujo propósito é contribuir,

entre outros aspetos, para a PM das crianças e jovens (14). Ademais, orientar o processo de

aprendizagem de habilidades motoras, adequando as opções pedagógicas às características

da população escolar, é uma responsabilidade primordial dos professores de EF.

Um modo relativamente simples, embora limitado, para determinar o estado de profi-

ciência motora é marcar o nível de desempenho motor (DM), isto é, expressá-lo de forma

quantitativa e qualitativa. Como a recolha de informação do DM passa pela administração

de testes motores, o tratamento dos dados obtidos em diferentes testes pode ajudar a

traçar um perfil multidimensional de desempenho de cada aluno e, desta forma, ter uma

ideia do seu nível de PM. Além disso, o acompanhamento e monitorização dos resultados

do DM de crianças e jovens podem contribuir de forma decisiva para a promoção da prática

de atividades físico-desportivas ao longo da vida (9).

No que se refere ao aspeto de aptidão física associado à PM, ressalte-se que níveis di-

ferenciados de aptidão física expressam elementos fundamentais para o sucesso motor,

propiciando êxito na atividade e criando expectativas de manutenção futura de estilos de

vida ativos e saudáveis (2, 25, 26).

05

Page 43: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

83 — RPCD 15 (2)

Existe uma grande variedade de testes para avaliar a aptidão física, sendo as baterias de

testes EUROFIT (7), AAHPER (1) e Fitnessgram (29) as mais referenciadas na literatura inter-

nacional. Similarmente, está disponível um conjunto diversificado de trabalhos visando à

apresentação e discussão conceitual da PM (ver, por exemplo, Malafaya, Tani & Maia (17)).

Contudo, não obstante o valor intrínseco desta informação, o fato é que nem sempre é pos-

sível vislumbrar o(s) modo(s) de operacionalizar a PM. Na literatura em língua portuguesa

foram identificados somente dois estudos que se aproximam desta noção (14, 15), ambos com

crianças do 1º ciclo do ensino básico. A sua abordagem, exploratória, recorre aos proce-

dimentos da análise de variância multivariada e da função discriminante, centrando a sua

atenção na construção de perfis da aptidão física e de coordenação motora grossa.

Da revisão da literatura disponível não se conseguiu identificar qualquer estudo publica-

do em países lusófonos que se debruce sobre a PM em crianças e jovens dos 2º e 3º ciclos

do ensino básico. Deste modo, a intenção desta pesquisa é contribuir para um melhor co-

nhecimento da PM, apresentando uma proposta relativamente simples que permita a iden-

tificação dos níveis de PM associados à aptidão física dos alunos. Daqui que os propósitos

deste estudo sejam: (1) verificar a presença de diferenças nas categorias de prontidão

esperadas ao longo dos vários anos de escolaridade com base nas matrizes de confusão

geradas pela análise da função discriminante; (2) apresentar um “aptidograma” com base

na distribuição centílica do DM a partir da regressão quantílica e que pode servir de indica-

dor de distintos níveis de PM.

METODOLOGIA

AMOSTRA

A amostra deste estudo é oriunda do projeto educativo “Desafios à Vida mais Saudável

na Escola e na Família”, uma pesquisa com um delineamento longitudinal-misto realizada

na Escola Básica de Leça da Palmeira, no concelho de Matosinhos (Norte de Portugal). A

amostra é composta por 2986 indivíduos (1598 do sexo masculino e 1388 do sexo femini-

no) do 5º ao 9º ano de escolaridade, com idades compreendidas entre os 10 e os 15 anos

(Quadro 1). Para a realização do estudo foi obtido consentimento escrito, livre e informado

dos encarregados de educação de todos os alunos. O projeto foi aprovado pela Comissão

de Ética da Universidade do Porto, pela Direção da Escola e pelo seu Conselho Pedagógico.

QUADRO 1. Distribuição da amostra por idade, ano de escolaridade e sexo.

ANO DE ESCOLARIDADE

SEXOIDADE

TOTAL10 11 12 13 14 15

♂ 212 132 20 8 372

♀ 211 117 15 3 346

Total 423 249 35 11 718

♂ 10 206 121 47 24 2 410

♀ 12 202 104 23 8 1 350

Total 22 408 225 70 32 3 760

♂ 2 183 106 23 7 321

♀ 162 95 12 2 271

Total 2 345 201 35 9 592

♂ 157 81 26 264

♀ 122 80 10 212

Total 279 161 36 476

♂ 149 82 231

♀ 123 86 209

Total 272 168 440

TOTAL 445 659 605 561 500 216 2986

Algumas restrições levaram a que nem sempre fosse possível obter toda a informação

sobre os alunos inicialmente sinalizados. O Quadro 2 apresenta o número de alunos em

relação aos quais foi possível recolher informação completa em todos os testes adminis-

trados. Ressalte-se que a informação omissa, cujo padrão é aleatório (do inglês missing at

random), em nada limita a análise dos dados nem condiciona a sua generalização.

QUADRO 2. Número de alunos da amostra com informação completa.

SEXOANO DE ESCOLARIDADE

TOTAL5º 6º 7º 8º 9º

Masculino 245 344 298 233 215 1335

Feminino 242 302 246 176 185 1151

TOTAL 487 646 544 409 400 2486

05

Page 44: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

85 — RPCD 15 (2)

TESTES MOTORES

Para mapear a PM de cada criança e jovem foi utilizado um conjunto variado de testes

marcadores de distintas facetas da aptidão física. A avaliação da aptidão foi concebida em

termos normativos e recorreu a um conjunto de testes das baterias EUROFIT (7), AAHPER

(1) e Fitnessgram (29), conforme o Quadro 3.

QUADRO 3. Testes e componentes da aptidão física utilizados para mapear a PM.

TESTES MOTORES COMPONENTES DA APTIDÃO

Dinamometria manual Força estática da mão

Impulsão horizontal Força explosiva dos membros inferiores

Corrida de 50 jardas Velocidade

Corrida vai-vem Agilidade

Corrida/marcha da milha Resistência cardiorrespiratória

A essência da avaliação normativa é diferenciar níveis de aptidão física de crianças e

jovens e situar os seus valores num grupo de referência por ano de escolaridade e sexo. No

caso do presente estudo, o grupo de referência é a população estudantil dos 2º e 3º ciclos

da Escola Básica de Leça da Palmeira.

Os testes foram aplicados pelos professores de EF de acordo com procedimentos des-

critos nos manuais das respetivas baterias.

CONTROLE DA QUALIDADE DE INFORMAÇÃO

O controle da qualidade de informação foi efetuado em três etapas: (1) após a apresen-

tação do projeto e da estrutura da avaliação, todos os professores de EF da Escola foram

treinados na aplicação dos testes das distintas baterias; (2) foi efetuado um estudo de

teste-reteste numa subamostra de alunos dos dois sexos e distintos anos de escolaridade,

sendo que os retestes foram realizados num espaçamento de duas semanas; (3) foram

calculados os coeficientes de correlação intraclasse para se ajuizar da qualidade da in-

formação obtida, conforme sugestões de Baumgartner (3). Os resultados do coeficiente de

correlação intraclasse (R) e respetivos intervalos de confiança (IC 95%) são apresentados

no Quadro 4. Os valores indicam a elevada qualidade da informação obtida.

QUADRO 4. Estimativas de fiabilidade: sujeitos retestados (n), coeficiente de correlação intraclasse (R) e respetivos intervalos de confiança a 95%.

TESTES N R IC 95%

Dinamometria manual (kg) 213 0.96 0.95 a 0.97

Impulsão horizontal (cm) 248 0.95 0.94 a 0.96

Corrida de 50 jardas (seg) 243 0.96 0.95 a 0.97

Corrida vai-vem (seg) 234 0.94 0.92 a 0.95

Corrida/marcha da milha (min) 242 0.93 0.91 a 0.95

PROCEDIMENTOS ESTATÍSTICOS

Foi efetuada uma análise exploratória com a finalidade de verificar a normalidade das dis-

tribuições dos resultados em cada teste, identificar a presença de outliers e calcular as

principais estatísticas descritivas. Esta análise foi realizada no software SPSS 20.

A primeira etapa da operacionalização da PM recorreu à análise da função discriminante,

tal como sugerido por Lopes (14) e Maia e Lopes (15). O fator principal foi o ano de escolari-

dade, e as análises foram realizadas separadamente por sexo. Nesta etapa, os resultados

mais importantes dizem respeito à matriz de confusão onde se verificou a dimensão dos

alunos mal classificados no seu ano de escolaridade quanto a PM esperada. Isto é, estes

resultados expressam a percentagem de casos reclassificados nos seus grupos originais

(i.e., anos de escolaridade) a partir dos coeficientes produzidos pelas funções discriminan-

tes. Este procedimento foi realizado no software SYSTAT 13. A segunda etapa da opera-

cionalização da PM foi efetuada com base no cálculo dos valores da distribuição quantílica

(neste caso percentílica, P20, P40, P50, P60 e P80) em função do ano de escolaridade e

sexo, com recurso à regressão quantílica (do inglês quantile regression) descrita por Ko-

enker e Hallock (11) e implementada no software STATA 13. Assim, partindo da distribuição

esperada dos níveis finais de período, numa escala de 1 a 5 (escala de níveis determinada

pelo Ministério da Educação e Ciência português (23)), foi considerado que o nível mínimo

de PM de um qualquer aluno para responder às exigências das aulas no que se refere a

sua aptidão física se situaria, em todas as provas, entre o P20 e o P40, ou seja, no nível 2.

05

Page 45: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

87 — RPCD 15 (2)

RESULTADOS

As principais estatísticas descritivas (média e desvio-padrão) de cada teste, por ano de

escolaridade e sexo, são apresentadas no Quadro 5. Os resultados mostram incrementos

do desempenho em ambos os sexos ao longo dos anos de escolaridade, tendo os meninos

desempenhos médios superiores.

QUADRO 5. Média e desvio-padrão (M ± dp) para cada teste motor, por ano de escolaridade e sexo.

TESTE SEXOANO DE ESCOLARIDADE

5º 6º 7º 8º 9º

Dinamometria manual (kg)

♂ 18.9 ± 4.3 22.4 ± 6.1 25.6 ± 5.9 30.3 ± 6.7 34.3 ± 6.3

♀ 18.1 ± 3.7 21.4 ± 4.3 23.7 ± 4.7 26.5 ± 4.2 26.4 ± 4.3

Impulsão horizontal (cm)

♂ 133.2 ± 23.9 150.3 ± 28.3 161.0 ± 26.2 175.7 ± 28.7 186.0 ± 26.4

♀ 119.3 ± 20.9 132.8 ± 22.2 137.0 ± 23.0 145.4 ± 24.6 142.8 ± 23.6

Corrida 50 jardas (seg)

♂ 8.7 ± 0.9 8.2 ± 0.9 7.8 ± 0.9 7.6 ± 0.9 7.0 ± 0.7

♀ 9.2 ± 0.9 8.6 ± 0.8 8.4 ± 0.8 8.3 ± 0.8 8.1 ± 0.7

Corrida vai-vem (seg)

♂ 11.8 ± 1.3 11.4 ± 1.1 10.8 ± 1.0 10.4 ± 0.9 10.1 ± 0.8

♀ 12.4 ± 1.3 12.1 ± 1.1 11.7 ± 1.1 11.4 ± 1.1 11.4 ± 1.0

Corrida/marcha da milha (min)

♂ 9.8 ± 1.9 9.1 ± 1.9 8.6 ± 1.6 8.2 ± 1.8 7.7 ± 1.4

♀ 11.1 ± 1.9 10.6 ± 1.8 10.3 ± 1.6 9.7 ± 1.7 9.7 ± 1.7

Nos Quadros 6 e 7 estão os resultados das matrizes de confusão obtidas das duas funções

discriminantes, significativas nos meninos (Wilks´ L=0.48, F=54.32, p<0.001) e meninas (Wi-

lks´ L=0.58, F=33.71, p<0.001). As frequências absolutas (n) e percentagens (%) assinala-

das a negrito referem-se aos alunos corretamente classificados no seu ano de escolaridade.

Os resultados mostram que a percentagem total de reclassificação correta é muito baixa.

Nos Quadros 8 e 9 são apresentados os principais resultados da regressão quantílica (P20,

P40, P50, P60 e P80) para cada ano de escolaridade de meninos e meninas. Estas tabelas

expressam a ideia de “aptidograma”, por incluírem, por ano de escolaridade, a distribuição dos

centis mais importantes para marcar diferentes bandas de PM. Do ponto de vista operacional,

e tal como referido anteriormente, a “banda” de resultados entre o P20 e o P40 em todos os

testes e em cada um dos anos de escolaridade expressa a PM mínima para responder com

sucesso às exigências das aulas no que concerne ao desenvolvimento de aptidão física.

QUADRO 6. Matriz de confusão (reclassificação) dos meninos dos diferentes anos de escolaridade (%CC=percentagem de reclassificação correta; %CJK=percentagem de reclassificação correta com base no procedimento de re-amostragem de Jackknife para validação cruzada da solução obtida).

ANO DE ESCOLARIDADE

5º 6º 7º 8º 9º %CC %CJK TOTAL

5º n 174 41 26 4 0 245

% 71.0 16.7 10.6 1.6 0.0 71 69

6º n 123 104 73 24 20 344

% 35.8 30.2 21.2 7.0 5.8 30 29

7º n 45 68 97 50 38 298

% 15.1 22.8 32.6 16.8 12.8 33 32

8º n 9 24 47 71 82 233

% 3.9 10.3 20.2 30.5 35.2 30 30

9º n 2 5 28 29 151 215

% 0.9 2.3 13.0 13.5 70.2 70 70

Total 1335

% total de reclassificação correta 45%

QUADRO 7. Matriz de confusão (reclassificação) das meninas dos diferentes anos de escolaridade (%CC=percentagem de reclassificação correta; %CJK=percentagem de reclassificação correta com base no procedimento de re-amostragem de Jackknife para validação cruzada da solução obtida)

ANO DE ESCOLARIDADE

5º 6º 7º 8º 9º %CC %CJK TOTAL

5º n 168 49 14 7 5 242

% 69.4 20.2 5.8 2.9 2.1 69 69

6º n 97 82 58 32 30 302

% 32.1 27.2 19.2 10.6 9.9 29 27

7º n 40 55 56 42 53 246

% 16.3 22.4 22.8 17.1 21.5 24 23

8º n 7 19 34 63 53 176

% 4.0 10.8 19.3 35.8 30.1 38 36

9º n 9 24 25 66 61 185

% 4.9 13.0 13.5 35.7 33.0 35 33

Total 1151

% total de reclassificação correta 37%

05

Page 46: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

89 — RPCD 15 (2)

QUADRO 8. Valores percentílicos nos testes motores por ano de escolaridade – Sexo masculino (resultados da regressão quantílica).

ANO DE ESCOLARIDADE

TESTEPERCENTIL

20 40 50 60 80

5ºDinamometria manual (kg)

15.3 17.2 18.5 19.4 22.1

Impulsão horizontal (cm)

112 128 134 140 153

Corrida 50 jardas (seg)

9.41 8.89 8.63 8.47 7.96

Corrida vai-vem (seg)

12.92 12.03 11.68 11.38 10.63

Corrida/marcha da milha (min)

11.26 10.20 9.35 9.02 8.15

6ºDinamometria manual (kg)

17.3 20.3 21.5 22.7 26.4

Impulsão horizontal (cm)

125 141 149 156 175

Corrida 50 jardas (seg)

8.87 8.33 8.10 7.89 7.43

Corrida vai-vem (seg) 12.30 11.59 11.29 10.97 10.48

Corrida/marcha da milha (min)

10.50 9.29 9.00 8.33 7.45

7ºDinamometria manual (kg)

20.7 23.9 24.3 26.1 30.4

Impulsão horizontal (cm)

140 155 160 167 180

Corrida 50 jardas (seg)

8.43 7.93 7.72 7.46 7.12

Corrida vai-vem (seg) 11.55 10.95 10.68 10.45 9.96

Corrida/marchada milha (min)

10.00 8.52 8.24 8.07 7.26

8ºDinamometria manual (kg)

24.3 28.1 30.2 31.8 36.0

Impulsão horizontal (cm)

151 169 178 185 200

Corrida 50 jardas (seg)

8.39 7.61 7.48 7.19 6.78

Corrida vai-vem (seg) 11.12 10.56 10.33 10.09 9.60

Corrida/marcha da milha (min)

9.40 8.38 8.13 7.48 6.51

9ºDinamometria manual (kg)

28.8 32.4 33.7 35.7 40.0

Impulsão horizontal (cm)

164 180 186 193 210

Corrida 50 jardas (seg)

7.41 7.01 6.89 6.73 6.49

Corrida vai-vem (seg) 10.61 10.18 9.98 9.75 9.46

Corrida/marcha da milha (min)

8.59 7.51 7.36 7.23 6.45

QUADRO 9. Valores percentílicos nos testes motores por ano de escolaridade – Sexo feminino (resultados da regressão quantílica).

ANO DE ESCOLARIDADE

TESTEPERCENTIL

20 40 50 60 80

5ºDinamometria manual (kg)

14.8 16.7 17.8 18.9 21.3

Impulsão horizontal (cm)

100 113 118 123 135

Corrida 50 jardas (seg)

9.85 9.32 9.07 8.87 8.49

Corrida vai-vem (seg)

13.55 12.76 12.40 12.02 11.23

Corrida/marcha da milha (min)

12.56 11.35 11.15 10.37 9.30

6ºDinamometria manual (kg)

17.6 20.3 21.8 22.7 24.3

Impulsão horizontal (cm)

115 126 132 136 151

Corrida 50 jardas (seg)

9.25 8.75 8.53 8.34 7.84

Corrida vai-vem (seg)

12.99 12.36 12.07 11.78 11.11

Corrida/marcha da milha (min)

12.17 11.08 10.36 10.08 9.10

7ºDinamometria manual (kg)

19.7 22.4 23.4 24.7 27.3

Impulsão horizontal (cm)

118 131 137 144 156

Corrida 50 jardas (seg)

9.03 8.55 8.30 8.05 7.63

Corrida vai-vem (seg)

12.36 11.83 11.52 11.28 10.84

Corrida/marcha da milha (min)

11.51 10.48 10.17 9.58 9.08

8ºDinamometria manual (kg)

22.8 24.6 26.1 27.8 30.3

Impulsão horizontal (cm)

123 139 144 151 166

Corrida 50 jardas (seg)

8.90 8.34 8.14 7.97 7.50

Corrida vai-vem (seg)

12.19 11.50 11.30 11.13 10.47

Corrida/marcha da milha (min)

11.25 10.20 9.50 9.18 8.27

9ºDinamometria manual (kg)

23.0 24.9 26.4 27.5 30.0

Impulsão horizontal (cm) 120 137 142 148 160

Corrida 50 jardas (seg)

8.71 8.19 8.03 7.89 7.43

Corrida vai-vem (seg)

12.03 11.55 11.31 11.12 10.61

Corrida/marcha da milha (min)

11.12 10.06 9.35 9.09 8.22

05

Page 47: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

91 — RPCD 15 (2)

DISCUSSÃO

Este estudo pretendeu, essencialmente, verificar a presença de diferenças nas categorias de

prontidão esperadas nos vários anos de escolaridade e apresentar um “aptidograma” com

base na distribuição centílica do DM que pudesse servir de indicador de distintos níveis de

PM. Em contexto escolar, pensa-se que este assunto assume particular importância, pois é

solicitado ao professor de EF que tome decisões pedagógicas adequadas às características

dos seus alunos. Tal facto exige que possua um conhecimento relativamente preciso sobre

os níveis de PM dos seus alunos, considere as diferenças interindividuais existentes e avalie

o que foi trabalhado e conseguido ao longo de cada período ou ano de escolaridade.

Operacionalizar o conceito de PM não é tarefa fácil, até porque da literatura consultada

(ver Malafaya, Tani & Maia (17)) não é fácil identificar formas e processos conducentes à

sua objetivação, sobretudo no domínio pedagógico. É reconhecido que o conhecimento dos

níveis de PM dos alunos assume um papel fundamental na organização mais eficaz do

planeamento das aulas e na orientação do processo de aprendizagem (14, 15, 18, 28). No entanto,

na literatura da especialidade não se encontram ainda métodos objetivos que, de forma

clara e explícita, ajudem os professores a resolver este problema (12, 14). A título de exem-

plo, Malina (21) propõe e define procedimentos para diagnosticar a PM, mas nada refere em

concreto sobre a sua operacionalização, nem apresenta suporte empírico que valide a sua

proposta. Entre os procedimentos sugeridos por alguns autores são propostos indicadores

da proficiência motora quantificados por meio dos resultados do desempenho de tarefas

(como, por exemplo, a distância do salto ou o tempo gasto para completar um percurso) e

de alguns componentes da aptidão física (como, por exemplo, agilidade, velocidade, força

e resistência aérobia) (8, 21), sem, contudo, se referir como definir valores de corte para de-

terminar, de modo preciso, a PM dos alunos.

O recurso a testes motores marcadores de distintas facetas da aptidão física reflete a

opção feita por conteúdos de baterias internacionalmente conhecidas e aceites, de fácil

aplicação e mensuração. Ora, tal como esperado, os resultados mostram incrementos sig-

nificativos nas médias do desempenho em ambos os sexos ao longo dos anos de escolarida-

de, e que os meninos têm desempenhos médios superiores às meninas nos cinco testes rea-

lizados (análises estatísticas não incluídas no texto). A diferença de médias do desempenho

entre sexos, com superioridade dos meninos, está em consonância com o estudo realizado

anteriormente por Malafaya, Chaves e Maia (16) na mesma amostra, e é bem conhecido na

literatura internacional (ver, por exemplo, Malina, Bouchard & Bar-Or (22)), se bem que possa

esbater-se quando se corrige para diferenças dimensionais (ver, por exemplo, as sugestões

de Nevill, Ramsbottom & Williams (24) com base na metodologia alométrica).

O propósito primeiro deste artigo foi verificar a presença de diferenças nas categorias de

prontidão esperadas nos vários anos de escolaridade, em cada sexo, a partir da análise de

perfis da PM associada à aptidão física expressa nas soluções da função discriminante (14, 15).

Os resultados apresentados nas matrizes de confusão (reclassificação dos sujeitos nos seus

grupos originais) permitem verificar o número de alunos cujo perfil de PM está de acordo

com o esperado para o seu ano de escolaridade e o de aqueles que estão mal classificados.

Existem, em ambos os sexos, alunos que expressam perfis correspondentes aos do seu grupo

original, mas existem também alunos em relação aos quais tal não se verifica. Nos meninos,

a precisão de casos corretamente classificados nos 5º e 9º anos de escolaridade – 71% e

70.2% respetivamente – é relativamente elevada, ou seja 7 em cada 10. Nos 6º, 7º e 8º anos

a ausência de precisão é expressiva, situando-se entre 30.2 e 32.6%. Quando se toma, por

exemplo, os meninos do 7º ano (n=298), somente 97 (32.6%) estão corretamente classifica-

dos no seu ano face ao que é esperado quanto ao seu desempenho motor; pelo contrário, 45

alunos têm desempenhos correspondentes ao esperado para os alunos do 5º ano, 68 a alunos

do 6º ano, 50 aos do 8º ano e 38 aos do 9º ano. Nos outros anos de escolaridade a ausência

de reclassificação elevada é praticamente inexistente. A percentagem total de casos corre-

tamente classificados é muito baixa, somente 45%. Nas meninas a situação é semelhante

em praticamente todos os anos de escolaridade, correspondendo a uma percentagem muito

baixa de classificação correta, entre 22.8 e 35.8%. A exceção são as alunas do 5º ano, cuja

percentagem de classificação correta é de 69%. A percentagem total de casos corretamente

classificados é de 37%. Resultados equivalentes aos obtidos pelos alunos de Leça da Palmei-

ra, realçando a presença de percentagens elevadas de alunos mal classificados nos diferen-

tes anos de escolaridade, foram apresentados por Maia e Lopes (15) num estudo realizado em

crianças açorianas dos 6 aos 10 anos de idade do 1.º ciclo do ensino básico, e confirmados

por Sousa, Lopes, Seabra, Garganta e Maia (28) num estudo realizado em Amarante com uma

amostra semelhante. Os resultados obtidos poderão ter alguma explicação na forte variabili-

dade individual existente entre crianças do mesmo ano de escolaridade e na heterogeneidade

etária de cada ano de escolaridade, sobretudo quando se consideram diferenças nos níveis

maturacionais (22). Acrescente-se, também, que uma parte substancial deste diferencial de

prontidão, em termos populacionais, pode ser explicada por efeitos genéticos, uma vez que a

variação do desempenho nestas provas possui estimativas de heritabilidade de nível modera-

do a elevado (5, 22).

A forte variabilidade interindividual é também claramente visível nos valores da distri-

buição centílica (P20, P40, P50, P60 e P80) para cada ano de escolaridade de meninos e

meninas. A título de exemplo, veja-se o caso dos meninos do 5º ano de escolaridade cuja

05

Page 48: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

93 — RPCD 15 (2)

“banda” de resultados apresenta a seguinte variação: de 15.3 a 22.1 kg, na dinamometria

manual; de 9.41 a 7.96 seg, na corrida de 50 jardas; de 112 a 153 cm, na impulsão horizon-

tal; de 12.92 a 10.63 seg, na corrida vai-vem; de 11.26 a 8.15 min, na corrida/marcha da

milha. Estas amplitudes de valores expressam distintos níveis de PM. Esta variabilidade é

fruto das diferenças esperadas no desempenho de crianças e jovens da mesma idade cro-

nológica, e que são bem conhecidas por todos mas nem sempre percebidas. Este retrato

do estado de prontidão, de natureza multifacetado, tem também alguma virtualidade face

ao seu caráter distintivo em função do ano de escolaridade e sexo.

Importa referir que a noção de PM assumida neste manuscrito é, de certo modo, restri-

tiva ainda que útil. O conceito de PM em EF é muito mais vasto e complexo do que o da PM

marcada por um conjunto de indicadores de aptidão física. Deve igualmente referir-se que

a variabilidade interindividual reflete o efeito da influência diferenciada de vários fatores

(maturação biológica, crescimento físico, características comportamentais, ambiente físi-

co e sociocultural, experiências motoras anteriores) (10, 19, 22). Não obstante esta limitação,

considera-se que a informação resultante da avaliação da aptidão física pode tornar-se um

auxiliar importante para o professor estimar o estado de PM de cada criança (15), ainda que

de uma forma parcelar. Ora, de acordo com os documentos oficiais para a EF propostos pelo

Ministério da Educação de Portugal para os 2º e 3º ciclos do ensino básico, a matéria ads-

trita à aptidão física é de ensino transversal a todos os anos de escolaridade, devendo ser

desenvolvida em cada ano de escolaridade ao longo de cada ano letivo. Na sua prática peda-

gógica, o professor de EF é confrontado com a necessidade de conhecer os níveis de PM de

cada criança a fim de planear e organizar as aulas de forma adequada e ajustada às carac-

terísticas dos seus alunos. Um dos problemas que o professor necessariamente enfrenta

é a ausência de documentação oficial, ou proveniente da literatura da especialidade, que o

ajude a determinar os níveis de PM dos seus alunos. De acordo com o nosso conhecimento

não existe na literatura da especialidade uma apresentação de valores de corte para definir

graus ou níveis de insuficiência na aptidão física avaliada de modo normativo em contexto

escolar e nos testes motores administrados neste estudo. O recurso à avaliação criterial

operacionalizada na bateria Fitnessgram também não resolve este problema, porque a sua

definição de apto ou inapto (estar ou não na zona de aptidão saudável) não apenas carece de

validação transcultural, como não apresenta qualquer preocupação no que se refere à PM.

Assim, e conforme ao anteriormente referido na metodologia, foi considerado que o nível

mínimo de PM de um qualquer aluno para responder às exigências das aulas relativas à

sua aptidão física se situaria, em todas as provas, entre o P20 e o P40, ou seja, no nível

2. Valores abaixo do P20 expressam insuficiência para responder às exigências das aulas,

situando-se o aluno no nível 1. No que concerne à organização e otimização da estrutura

didático-metodológica das aulas, o professor deve estar particularmente atento a estes

alunos de forma a prever situações de aprendizagem facilitadoras do desenvolvimento da

proficiência motora, propondo tarefas com exigências ajustadas aos seus níveis de compe-

tência e que coloquem desafios alcançáveis aos alunos.

CONCLUSÕES

Verifica-se em ambos os sexos a presença de perfis de configuração da aptidão física in-

feriores aos esperados para os seus anos de escolaridade originais. A percentagem total

de casos corretamente classificados é muito baixa, respetivamente de 45% nos meninos

e de 37% nas meninas. Esta situação traduz insuficiência em aspetos da aptidão física nos

diferentes anos de escolaridade, à exceção dos alunos do 5º ano em ambos os sexos e do

9º ano nos meninos. Os valores de reclassificação apresentados neste estudo são revela-

dores da heterogeneidade e variabilidade interindividual existente em crianças e jovens do

mesmo ano de escolaridade. Os valores resultantes da regressão quantílica e o “aptidogra-

ma” obtido com base nesses resultados são um auxiliar precioso para ajudar o professor a

operacionalizar o valor da PM dos seus alunos.

A informação deste estudo faculta aos professores de EF uma ferramenta de enorme rele-

vância pedagógica uma vez que os valores normativos de referência apresentados podem ser

utilizados para avaliar os níveis de PM dos alunos relativos ao seu ano de escolaridade e sexo.

05

Page 49: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

REFERÊNCIAS

1. American Alliance for Health, Physical Education, and Recreation. (1976). AAHPER Youth Fitness Test Manual. Revised Edition. Washington, DC: AAHPER.2. Andersen L, Hasseltrom H, Gronfeldt V, Hansen S, Karsten K (2004). The relationship between physical fitness and clustered risk, and tracking of clustered risk from adolescence to young adulthood: Eight years follow-up in the Danish Youth and Sport Study. Int J Behav Nutr Phys Act, 1(6), 1-4. 3. Baumgartner TA (2006). Reliability and error of measurement. In T M Wood & W Zhu (Eds.), Measu-rement theory and practice in kinesiology (pp. 27-52). Champaign (IL): Human Kinetics.4. Beunen GP, Malina RM, Van’t Hof MA, Simons J, Ostyn M, Renson R, Van Gerven D (1988). Adolescent growth and motor performance: A longitudinal study of Belgian boys. Champaign, IL: Human Kinetics.5. Bouchard C, Malina R, Pérusse L (1997). Genetics of Fitness and Physical Performance. Champaign, IL: Human Kinetics.6. Brenner A, Scott LH (1971). School Readiness Fac-tor Analyzed. Detroit: Merrill-Palmer Institute.7. Council of Europe. Committee of Experts on Sports Research (1993). EUROFIT : Handbook for the Eurofit tests of physical fitness (2 ed.). Strasbourg: Council of Europe, Committee for the Development of Sport.8. Erceg M, Zagorac N, Katić R (2008). The impact of football training on motor development in male chil-dren. Collegium Antropologicum, 32(1), 241-247. 9. Guedes, DP (2007). Implicações associadas ao acompanhamento do desempenho motor de crianças e adolescentes. Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Pau-lo, 21(Esp), 37-60. 10. Guedes, DP (2011). Crescimento e desenvolvimen-to aplicado à Educação Física e ao Esporte. Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, 25(Esp), 127-140. 11. Koenker R, Hallock KF (2001). Quantile regression. Journal of Economic Perspectives, 15(4), 143-156. 12. Lopes V, Maia J, Mota J (2000). Aptidões e Habili-dades Motoras – uma visão desenvolvimentalista. Lis-boa: Livros Horizonte.13. Lopes VP, Maia JAR, Silva RG, Seabra A, Morais FP (2003). Estudo do nível de desenvolvimento da coor-denação motora da população escolar (6 a 10 anos de idade) da Região Autónoma dos Açores. Rev Port Cien Desp, 3(1), 47-60.

14. Lopes VP (1997). Análise dos efeitos de dois pro-gramas distintos de educação física na expressão da aptidão física, coordenação e habilidades motoras em crianças do ensino primário. FCDEF, Universidade do Porto: Tese de Doutoramento.15. Maia JAR, Lopes VP (2002). Estudo do crescimento somático, aptidão física, actividade física e capacidade de coordenação corporal de crianças do 1º ciclo do en-sino básico da Região Autónoma dos Açores. Porto: Fa-culdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto; Direcção Regional de Educa-ção Física e Desporto da Região Autónoma dos Açores.16. Malafaya C, Chaves R, Maia J (2013). Cartas per-centílicas do desempenho motor. Um estudo de caso na Escola Básica de Leça da Palmeira, Portugal. Rev Port Cien Desp, (1), 38-56.17. Malafaya C, Tani G, Maia J (2015). Prontidão moto-ra. Uma revisão do conceito, operacionalização e sua aplicação no contexto escolar. Artigo submetido à Rev Port Cien Desp.18. Malina, RM (2004). Growth and maturation: Basic principles and effects of training. In M C e Silva & R M Malina (Eds.), Children and Youth in Organized Sports (pp. 137-161). Coimbra: Imprensa da Universidade.19. Malina RM (2004). Motor Development during In-fancy and Early Childhood: Overview and Suggested Di-rections for Research. Int J Sport Health Sci, 2, 50-66. 20. Malina RM (2008). Skill Acquisition in Childhood and Adolescence. In H. Hebestreit, O. Bar-Or, C. I. Olympique & F. I. M. Sportive (Eds.), The Young Athle-te. Malden, Mass: Blackwell Pub.21. Malina RM (1993). Youth sports: readiness, selec-tion and treinability. In W Duquet & J A P Day (Eds.), Kinanthropometry IV. London: E&FN Spon.22. Malina RM, Bouchard C, Bar-O O (2004). Growth, Maturation, and Physical Activity (2ª ed.). Champaign, IL: Human Kinetics.23. Ministério da Educação e Ciência (2012). Decreto-

-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho. Diário da República, 1.ª série(129), 3476-3491. 24. Nevill AM, Ramsbottom R, Williams C (1992). Sca-ling physiological measurements for individuals of different body size. Eur J Appl Physiol Occup Physiol, 65(2), 110-117. 25. Safrit MJ. (1995). Complete Guide for Youth Fit-ness Testing. Champaing, IL: Human Kinetics.

26. Saraiva JP, Rodrigues LP (2010). Relações entre actividade física, aptidão física, morfológica e coordena-tiva na infância e adolescência. Motricidade, 6(4), 35-45. 27. Seefeldt V (1988). The concept of readiness ap-plied to motor skill acquisition. In F L Smoll, R A Magill & M J Ash (Eds.), Children in sport (3 ed., pp. 45-52). Champaign: Human Kinetics.28. Sousa MA, Victor L, Seabra A, Garganta R, Maia J (2006). Explorando a noção de prontidão motora. Uma aplicação ao estudo da aptidão física de crianças dos 6 aos 9 anos de idade. R. bras. Ci. e Mov, 14(1), 59-66. 29. Welk GJ, Meredith MD (2008). Fitnessgram / Activi-tygram Reference Guide. Dallas: The Cooper Institute.

05

Page 50: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

97 — RPCD 15 (2): 96-103

06A Escola

e o Desporto

PALAVRAS-CHAVE:

Escola. Desporto. Fenómeno social e cultural.

RESUMO

O Desporto é um fenómeno social cada dia mais importante e com múltiplas implicações

nas relações entre todas as sociedades humanas. Consubstancia-se como realidade plu-

ral que concretiza todas as expressões do humano. O Desporto radica-se na necessidade

humana de desafio e transcendência. O Desporto dá ao homem a possibilidade de se elevar

acima dos limites da sua expressão biológica. Daqui releva a dimensão cultural do Des-

porto. Citius, Altius, Fortius. A divisa olímpica não pode ser somente validada através da

súmula das competências físicas, mas deve ser subsidiária duma axiologia que transporta

o movimento desportivo significativo para lá da dimensão da corporeidade. Desporto como

cultura e definidor de valores deve encontrar na escola o seu lugar genésico. Por isso, urge

redimensionar a Educação Física e o Desporto escolar, ultrapassando o resistente dualis-

mo que secundariza as coisas do corpo. A sociedade portuguesa, através da sua política

educativa, deve eleger o Desporto como motor determinante de desenvolvimento e pro-

gresso alocando-lhe os meios adequados para a efetivação da sua elevada missão social.

AUTOR:

José Augusto Santos 1

1 CIFI2D, Faculdade de DesportoUniversidade do Porto, Portugal

Correspondência: José Augusto Rodrigues dos Santos. CIFI2D, Faculdade de Desporto. Universidade do Porto. Rua

Dr. Plácido Costa, 91. 4200-450, Porto, Portugal. ([email protected]).

The School and the Sport

ABSTRACT

The Sport is a social phenomenon increasingly important with multiple

implications on the relationship between all human societies. It is em-

bodied as plural reality embodying all expressions of human. The Sport

is rooted in human need to challenge and transcendence. The Sport

gives man the ability to rise above the limits of their biological expres-

sion. Hence highlights the cultural dimension of Sport. Citius, Altius, For-

tius. The Olympic motto cannot be validated only through the summary

of the physical skills, but must be subsidiary of an axiology that carries

Sport beyond the dimension of corporeality. Sport as culture and crea-

tive force of values should find in school their founding place. Therefore,

it is urgent resize the Physical Education and School Sports, overtaking

tough dualism that minimizes the issues of the body. The Portuguese

society, through its education policy, shall elect Sport as key driver of

development and progress allocating to Sport the appropriate means for

the realization of its high social mission.

KEYWORDS:

School. Sport. Social and cultural phenomenon.

SUBMISSÃO: 17 de Maio de 2015ACEITAÇÃO: 31 de Julho de 2015

Page 51: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

99 — RPCD 15 (2)

O Desporto é a forma mais conseguida de elegia do Corpo. Este, como realidade incon-

tornável, comporta todas as expressões que definem o humano – espírito, alma, emoção,

imanência e transcendência.

O Desporto como realidade polissémica engloba uma diversidade de vertentes que lhe

granjeiam a importância social que hoje merece. Desporto é biologia, psicologia, biomecâ-

nica, desenvolvimento, mitologia e fundamentalmente cultura. É como realidade cultural

de expressão polimórfica que o Desporto se constituiu como o fenómeno socialmente mais

pregnante dos séculos XX e XXI.

Por isso o Desporto não é coisa menor em qualquer tipo de sociedade, desenvolvida ou

em vias de desenvolvimento, laica ou religiosa, agrícola ou industrial, insular ou continen-

tal, setentrional ou meridional. O Desporto atravessa as sociedades hodiernas com um

lastro transformador que vai muito além do seu campo específico e direto de intervenção.

Por isso o Desporto é economia, ciência, investigação, ensino e promoção social. Essa

polissemia concetual determina-lhe a importância e responsabilidade social que poucos

levam até às últimas consequências. O valor do Desporto como indutor de elevação in-

telectual, científica e cultural de uma sociedade deve merecer, dos que ocasionalmente

ocupam as cadeiras do poder político, a atenção e suporte adequados ao cumprimento da

missão essencial que lhe está cometida.

O Desporto entendido somente na sua expressão utilitária, higienista, corporalmente

formadora deixa na penumbra a sua essencialidade como fenómeno cultural. Não quer

significar que aquelas expressões devam ser entendidas como menores ou de reduzida

importância sociológica, mas que somente através da sua expressão cultural pode o Des-

porto abrir as portas de realização humana e social que estiveram fechadas, até há bem

pouco, pela consideração dualista do corpo.

O Desporto expande o humano abrindo-lhe territórios renovados e renovadoras de so-

nho, volúpia e paroxismo. O Desporto dá ao Homem o que ele nele procura. É um pai gene-

roso que oferece na medida do que se pede. Saúde, fruição estética, descarga adrenérgica,

sentido de partilha, espírito de corpo, cooperação, desafio e superação.

Para mim, como professor, o Desporto é o fundamento ético, estético, científico e axio-

lógico da Educação Física. Consubstancia uma realidade social e cultural que importa in-

terpretar e desenvolver, transformando-o em meio de educação. A escola, mesmo visando

a formação completa do ser, não pode considerar as atividades físicas desinseridas do

contexto de cultura que lhe dão significado.

Para mim, como atleta e treinador, o Desporto é uma aventura constante que me coloca

desafios recorrentes que tento ultrapassar com o espírito em festa e o corpo mortificado.

A procura dos limites do humano através do Desporto é a grande aventura ecuménica do

século XXI. Não sei se o Desporto sobreviverá aos séculos vindouros, mas, mesmo que

feneça nas poeiras do tempo, criou história imortal do que melhor o humano construiu.

O Desporto cria as sínteses mais criativas do humanismo hodierno. As ciências do Ho-

mem estão tocadas pelo demónio da fragmentação, do reducionismo. Em alguns momen-

tos, e.g. na investigação científica, essa procura do elemento desligado do todo é condição

sine qua non para a evolução e progresso. Mas, quando vamos à procura do infinitamen-

te pequeno temos que ter o infinitamente grande – o Homem, como referência. Todas as

aventuras reducionistas são válidas e justificáveis quando em movimento de feedback re-

gressam ao Homem que as determina.

Por isso, o Desporto é um campo magnífico das mais conseguidas sínteses. O Desporto,

ao contrário de outras áreas de intervenção social, nunca perde de vista o ser atuante

(dimensão motora), o sujeito sensível (dimensão afetiva) e o sujeito pensante (dimensão

cognitiva). Todo o ato desportivo está impregnado da totalidade do ser. Esquecer isto é

perder de vista a inteireza inquebrantável do Homem.

Raras expressões culturais humanas conseguem abordar o Homem na sua pluralidade.

Teatro, cinema, música, sim, têm o Homem quase completo como referência. No entanto,

só a Dança e o Desporto conseguem elevar o Homem na sua integralidade. O sujeito atu-

ante, sensível e cognitivo só na Dança e Desporto é abordado de forma não disjunta. Nunca,

como nestas realidades culturais – dança e desporto, a expressão motora é recoberta,

com o manto etéreo e significativo, da cognição e emoção.

Assumindo como postulado que o Desporto é fundamentalmente substanciado em ex-

pressões motoras, estas são sempre enriquecidas pelos domínios da cognição e afetivida-

de o que torna o ato motor realização cultural, isto é, humana.

Esta aventura gnosiológica de tornar o ato motor uma realidade cultural entronca na

própria evolução filogenética da espécie. A evolução do cérebro humano dá-nos uma ima-

gem clara do que está investido ou comportado no ato motor e por consequência no Des-

porto. O cérebro humano, embora deva ser entendido na sua integridade complexa, evoluiu

do cérebro reptiliano, para o cérebro dos mamíferos inferiores até chegar ao neocórtex

que caracteriza a espécie humana e lhe permite o pensamento abstrato e a criatividade.

Assim, em cada expressão motriz o homem transporta toda a sua ancestralidade filoge-

nética. Em cada gesto desportivo estão implicados os mecanismos arcaicos de agressão

e fuga, afetividade e sentido de território, compreensão e inteligência. No entanto, a visão

integrada é essencial para compreender a ação desportiva. O mesmo aparelho neuro-ce-

rebral que elabora o pensamento é o mesmo que prepara, desenrola e controla a ação. In

benevolentiae o desporto diviniza o homem; in malevolentiae o desporto reduz o homem à

sua condição de animal predador propiciando a emergência dos seus instintos primários e

naturais de agressão.

Quando se fala de inteligência emocional, pretende-se dar uma noção de unidade a con-

ceitos que não são dispersos, mas complementares. Afirma-se que a razão pensa a obra

e a emoção ergue-a. Penso que própria conceção da obra já tem um lastro de emoção a

06

Page 52: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

101 — RPCD 15 (2)

determiná-la. No Desporto, o problema da emoção/afetividade é de capital importância já

que, pela negativa, abre os caminhos da irracionalidade e desumanização e, pela positiva,

os da motivação transformadora.

O Desporto está impregnado de sociedade. O Desporto consubstancia uma certa forma

de uso social do corpo, ainda agora manchado pelo estigma duma conceção dualista que

privilegia os valores ditos intelectuais em detrimento dos valores corporais, fazendo trans-

por para uma atividade não diretamente produtiva a competição económica e social. Mas,

enquanto a competição económica é cega, anárquica e brutal, a competição desportiva é

controlada, racionalizada, tornada eticamente aceitável.

Imediatamente após o 25 de Abril, alguns pensadores de esquerda, mais fundamenta-

listas, tocados por uma visão redutora dos fenómenos sociais, proclamavam o desporto de

competição, em especial o futebol, como fenómeno de massas alienante. Esqueciam-se

de um princípio fundamental na análise política da realidade: quando uma sociedade se

caracteriza pela restrição de liberdade de ação e pensamento, em que a mensagem ema-

nada do poder é a verdade única aceitável, então o Desporto está alienado. Nesse caso, a

alienação não toca somente o Desporto, mas também as restantes instituições sociais.

Numa sociedade alienada tudo está alienado menos aqueles focos de insubmissão que

resistem, como faróis de liberdade, contra a lógica política vigente. Em todo o mundo, muitos

desses faróis de liberdade tiveram nascimento no âmbito do Desporto. Quer isto significar

que mesmo em sociedades totalitárias, sonegadoras das mais básicas liberdades individuais,

o Desporto pode-se constituir como contrapoder pois é um fator indutor de pensamento livre

e iniciativa transformadora. No seio do Desporto é difícil criar exércitos de escravos, razão

pela qual, muitos sistemas políticos ditatoriais trataram com especial desvelo os campeões

desportivos tentando arregimentá-los como modelos exemplares das virtudes do sistema.

O Desporto treina o corpo e o pensamento e este raramente se deixa prender nas baias da

submissão. O medo pode impedir o pensamento de voar, mas o gérmen da pergunta permane-

ce incontornável em estado larvar. Todo o pensamento livre ou ansiando liberdade levantará

muitas vezes a questão: Porquê? Um desportista é por natureza questionante, isto é, interro-

gador da realidade em que se move. A capacidade de pergunta é um dos sintomas de liberdade.

Por comodismo ou interesse imediato, o Desporto pode fazer coincidir os seus interes-

ses com os do poder político ou económico que o controlam. Hoje, muitos fundos financei-

ros procuram no Desporto uma capa de legalidade e dignidade que intrinsecamente não

lhes corresponde. Os fundos especulativos, com a mesma facilidade com que destroem a

economia dos países, espraiam-se, como veraneantes de ocasião, nas praias promocionais

do Desporto. A força promocional do Desporto é fogo em que muitos plutocratas se quei-

mam mas que permite uma imagem falsa de utilidade social a muitos outros.

Mas, para lá da sua utilização desvirtuada, o Desporto ainda mantém um módico de ilu-

são e sonho que permite preencher de cor a vida de muitos.

Por isso, os nossos campeões são modelos referenciais cujos êxitos afirmam a sua ex-

celência individual e, quer queiramos quer não, elevam a imagem do país. Que eles sejam

muitas vezes assumidos por quem para a dignificação do Desporto pouco contribuiu, são

contas de outro rosário.

Para onde vai o Desporto Português? Que novas rotas deve seguir?

Tendo como referência os pressupostos filosóficos, políticos e sociológicos atrás aborda-

dos procurarei avançar na resposta a essas perguntas.

Para onde vai o Desporto Português não sei. Qual a rota segura que deve seguir sei-o há

bastante tempo, e não tem nada de novo.

A solução do Desporto Português passa pela Escola.

Esta afirmação, repleta de gratuitidade na boca dos políticos, é de crucial importância

para estruturar uma prática desportiva com alicerces seguros. Daqui dimana a importân-

cia social, pedagógica e formativa da educação física.

O Desporto na escola deve ser abordado numa dupla vertente: (1) como meio de forma-

ção e educação psico-motora, e (2) como prolegomenon para a prática desportiva de com-

petição. Ambas são socialmente importantes e devem merecer a atenção, reconhecimento

e suporte dos poderes públicos instituídos.

Urge que a escola seja a fonte renovadora dos desportistas de elite que representem

Portugal nos areópagos desportivos internacionais. E por isso o Desporto escolar tem que

ser levado a sério. A escola, começando com a educação física escolar, bem expressa nos

curricula, deve ser o ponto de partida do Desporto escolar que, se funcionar bem, deverá

ser o viveiro onde o Desporto de alta competição encontre o seu húmus renovador.

Para conseguir tal desiderato, o Desporto escolar deve ser redimensionado, permitindo que

cada escola responda ao pulsar desportivo regional, desenvolvendo centros de excelência

que não se compadecem com horários limitados e meios reduzidos que lhe estrangulam a

operacionalidade. A implementação de um quadro de treinadores especificamente vocaciona-

do para o treino no âmbito do Desporto escolar, ocupando espaços e tempos fora dos tempos

letivos usuais, corretamente pagos e apoiados por uma estrutura dirigente, é condição sine

qua non que permitirá o salto quantitativo e qualitativo que o Desporto nacional necessita.

A visão política economicista da sociedade, que atravessou como veneno os últimos go-

vernos, tem impulsionado uma política niilista cuja sanha redutora tem afetado a eficiência

formativa da educação física. Quem retira espaço de intervenção da educação física e des-

portiva na escola contribui consciente ou inconscientemente para a debilitação da saúde

física e mental da nossa sociedade.

06

Page 53: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

Em 1933, Fernando Pessoa, com o humor cáustico que o caracterizava, referia-se assim

aos benefícios da ginástica e educação física: – “Quando, em 1907, o Prof. Egas Moniz me

passou, para fins gimnásticos, para as mãos de Luiz Furtado Coelho, para ser cadáver só

me faltava morrer. Em menos de três meses e a três lições por semana, pôs-me Furtado

Coelho em tal estado de transformação que, diga-se com modéstia, ainda hoje existo –

com que vantagens para a civilização europeia, não me compete a mim dizer” (in Forum

Olímpico de Portugal).

A educação física escolar deve ser o ponto de partida do Desporto escolar, mas também

deve desenvolver os saudáveis hábitos duma prática desportiva que ajude a erradicar a

doença e se constitua como suporte cultural e higiénico duma vida social bem preenchida.

Médicos, trolhas, professores, juristas, carpinteiros, eletricistas, engenheiros, técnicos

de limpeza, polícias, bombeiros, advogados, cirurgiões e até políticos cumprirão com maior

proficiência as tarefas sociais que lhes estão cometidas se a sua corporeidade estiver es-

truturada numa educação física plenamente formadora.

A Escola é o centro de promoção da cultura intelectual, corporal e artística de um povo.

Nunca se lhe devem sonegar os meios para ela cumprir essa elevada missão.

Page 54: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO

2015/2

Page 55: REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO 2015/2 › _arquivo › RPCD_2015-2.pdf · 2015/2. Pablo Greco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) Paula Mota ... Olga Vasconcelos (UNIVERSIDADE

2015/2REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DO DESPORTO