revista planejamento e políticas públicas

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Page 1: revista Planejamento e Políticas Públicas
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Governo FederalSecretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República

Ministro Wellington Moreira Franco

Fundação pública vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o Ipea fornece suporte técnico e institucional às ações governamentais – possibilitando a formulação de inúmeras políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiro – e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos.

PresidenteMarcio Pochmann

DiretoriaFernando FerreiraJoão SicsúJorge Abrahão de CastroJosé Celso Pereira Cardoso JúniorLiana Maria de Frota CarleialMárcio Wohlers de AlmeidaMário Lisboa Theodoro

Chefe de GabinetePersio Marco Antonio Davison

Assessor-Chefe de Imprensa e ComunicaçãoDaniel Castro

URL: http://www.ipea.gov.brOuvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

Ficha Técnica

PPP: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS é uma publicação semestral do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta revista, desde que seja citada a fonte. As opiniões emitidas são de responsabilidade de seus autores e coautores.e-mail: [email protected]

Corpo Editorial

Membros

Boaventura de Souza Santos (Universidade de Coimbra)Clélio Campolina (UFMG)David Kupfer (IE/UFRJ)Fernando Rezende (Ebape-FGV-Bsb/RJ)Gilberto Bercovici (USP)Guilherme Delgado (Ipea-pesquisador aposentado/UFU)Raquel Rolnik (USP)Ricardo Paes de Barros (Ipea)Yves Vaillancourt (Universidade do Quebec, LAREPPS/ESSBE/ARUC)

EditorLiana Maria da Frota Carleial (Ipea/UFPR)

CoeditorBruno de Oliveira Cruz (Ipea)

Secretário-ExecutivoFrancisco de Souza Filho

Apoio TécnicoSimone Aparecida Lisniowski

Apoio AdministrativoEdineide Pedreira Ramos

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planejamento e políticas públicas ppp

número 35 | jul./dez. 2010

Brasília, 2010

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As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e de inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.

Planejamento e Políticas Públicas v. 1 −, n.1 −, jun. 1989 – Brasília:

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

Semestral.

Editor anterior: de 1989 a março de 1990, Instituto de Planejamento Econômico e Social.

ISSN 0103-4138

1. Economia. 2. Política Públicas. 3. Brasil. 4. Periódicos. I. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

CDD 330.05

© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2010

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NOTA DOS EDITORES

O número 35 da Revista Planejamento e Políticas Públicas (PPP) oferece aos lei-tores um conjunto de nove artigos que trata de temas relevantes e diversificados no âmbito das políticas públicas, tais como escalas territoriais, a municipal e a estadual, e a sustentabilidade ambiental.

Entre os que privilegiam a escala municipal, um deles discute os gargalos à implementação exitosa da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), apoia-da num arranjo federativo que pressupõe a participação dos municípios – nem sempre preparados para esta tarefa. Nesse sentido, o artigo apresenta sugestões que venham a melhorar a ação da PNMA.

Na mesma escala, outro artigo examina as concepções de pobreza e suas implicações em termos de estratégias e diretrizes de políticas, por meio da análise de dois programas municipais de enfrentamento da pobreza. Busca-se identificar ali como estes programas incorporam no seu desenho as noções de intersetoriali-dade, autonomia e território.

Na escala estadual, a matriz elétrica do estado do Pará é o objeto de análise. Os autores apontam as transformações que a matriz precisaria sofrer para favorecer o desenvolvimento sustentável no estado, mantida a base hídrica, mas contando, tam-bém, com a participação de fontes alternativas – como a biomassa e a energia solar.

No artigo sobre os ciclos políticos orçamentários no estado do Ceará entre 1986 e 2006, os autores lançam mão de diferentes vertentes teóricas, e finalizam por considerar que os governadores daquele período tiveram um comportamento oportunista, expresso pelos movimentos cíclicos da execução orçamentária.

Ainda sobre o estado do Ceará, outro artigo trata do processo de desen-volvimento da agricultura familiar praticado em determinados assentamentos, tendo como pano de fundo tanto a dimensão cultural como a contribuição para o desenvolvimento sustentável.

Quanto ao estado de Pernambuco, por sua vez, destaca-se a maior aptidão do perímetro de irrigação de Nilo Coelho na produção de frutas irrigadas, em artigo que o analisa, paralelamente ao perímetro de Bebedouro, ambos no município de Petrolina.

Numa perspectiva mais ampla, este volume da Revista traz ainda mais três artigos. Um investiga se há relação direta entre desigualdade de renda e nível de renda per capita entre os estados do Brasil no período entre 1995 e 2008. Os resul-tados indicam que, no caso brasileiro, há pouco suporte empírico para a hipótese do U-invertido de Kuznets.

Três autores assinam artigo que analisa se as pressões cambiais e ataques especula-tivos sofridos pela moeda brasileira durante o período de regime de câmbio fixo foram

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motivados por desequilíbrios macroeconômicos. Para tanto, os autores trabalham com variáveis do setor externo e das áreas monetária e fiscal, concluindo que desequilíbrios nos fundamentos econômicos contribuíram para o colapso cambial de janeiro de 1999.

Por último, uma investigação que trata do mercado de trabalho colombiano no período 1977 a 2006 fecha o conjunto de artigos. Os autores apontam a reduzida capacidade do crescimento econômico para alavancar o crescimento do emprego, impondo uma melhor compreensão dos mercados de trabalho no ciclo econômico e uma melhor resposta da política econômica.

Neste espaço, é com muita satisfação que se divulgam os artigos e autores agra-ciados com o Prêmio PPP – 20 anos, uma homenagem a João Paulo dos Reis Velloso. Concorreram a este prêmio os quarenta artigos publicados nas edições dos dois últimos anos da Revista (números 32, 33, 34, e 35). Por decisão do Conselho Editorial da Revista PPP, o comitê avaliador dos artigos foi formado por uma comissão de quatro membros, assim composta: um representante da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (ANPEC), professora Basília Aguirre, da Universidade de São Paulo (USP); um representante do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), professor Plínio de Assis Pereira Filho; um representante do Programa IPEA-Cátedras para o Desenvolvimento, professor Niemeyer Almeida, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU); e um representante da Associação Nacional das Instituições de Planejamento, Pesquisa e Estatística (Anipes), professora Sonia Nahas. O comitê selecionou os trabalhos adiante relacionados, cujos autores parabenizamos.

1. A Desoneração da Contribuição Patronal sobre a Folha de Pagamentos – uma solução à procura de problemas, de Luis Henrique Paiva e Graziela Ansiliero.

2. Capacidade Ambiental e Emulação de Políticas Públicas: o caso da responsa-bilidade pós-consumo para resíduos de pilhas e baterias no Brasil, de Bruno Milanez e Ton Bührs.

3. Pólos e Parques de Alta Tecnologia: uma alternativa?, de Rogério Bezerra Silva e Renato Dagnino.

No dia 20 de dezembro de 2010, os prêmios foram entregues em cerimônia realizada no Ipea, durante a qual os artigos foram apresentados e debatidos na presença do ministro João Paulo dos Reis Veloso, o homenageado da Revista.

Este número da PPP traz também, ao final do volume, os agradecimentos dos editores da Revista aos generosos pareceristas que viabilizaram as duas edições do periódico no ano de 2010.

Liana Maria da Frota CarleialBruno de Oliveira Cruz

Editores

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A LÓGICA MATERIAL E SIMBÓLICA NA AGRICULTURA FAMILIAR: IDIOSSINCRASIAS DE ASSENTAMENTOS CEARENSES....................................................................9Francisco Uribam Xavier de Holanda

OS MUNICÍPIOS E A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE............................................................................................25Taciana Neto Leme

ANÁLISE DOS DESEQUILÍBRIOS CAMBIAIS A PARTIR DO ÍNDICE DE PRESSÃO DOS FUNDAMENTOS ECONÔMICOS: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA DOS ANOS 1990..............................................53Fernando Antônio Ribeiro SoaresMaurício Barata de Paula PintoTito Belchior Silva Moreira

DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E PERÍMETROS IRRIGADOS: AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS IMPLANTADAS NOS PERÍMETROS IRRIGADOS BEBEDOURO E NILO COELHO EM PETROLINA (PE)........................................87Antônio César Ortega Tiago Farias Sobel

INTERSETORIALIDADE, AUTONOMIA E TERRITÓRIO EM PROGRAMAS MUNICIPAIS DE ENFRENTAMENTO DA POBREzA: EXPERIÊNCIAS DE BELO HORIzONTE E SÃO PAULO....................119Carla Bronzo

QUAL A RELAÇÃO ENTRE DESIGUALDADE DE RENDA E NÍVEL DE RENDA PER CAPITA? TESTANDO A HIPÓTESE DE KUzNETS PARA AS UNIDADES FEDERATIVAS BRASILEIRAS...................161Fernando Henrique Taques Caio Cícero de Toledo Piza da Costa Mazzutti

A MATRIz ELéTRICA NO ESTADO DO PARÁ E SEU POSICIONAMENTO NA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.............................................................187Fabrício Quadros BorgesDésIrée Moraes Zouain

CICLOS POLÍTICOS ORÇAMENTÁRIOS NO ESTADO DO CEARÁ (1986-2006).....................................................................................223Mário César Lemos QueirozAlmir Bittencourt da Silva

OS FLUXOS DE EMPREGO NO SETOR INDUSTRIAL COLOMBIANO: PREMISSAS TEÓRICAS, CARACTERÍSTICAS E IMPACTOS SOBRE O NÍVEL DE PRODUTIVIDADE......................................................................255Pedro Hugo Clavijo CortésAndrés Felipe Mora Cortés

SUMÁRIO

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THE MATERIAL AND SYMBOLIC LOGIC OF FAMILY-BASED AGRICULTURE : IDIOSYNCRASIES OF RURAL SETTLEMENTS IN THE STATE OF CEARA ........................................9Francisco Uribam Xavier de Holanda

THE MUNICIPAL DISTRICTS AND THE NATIONAL ENVIRONMENTAL POLICY..............................................................................25Taciana Neto Leme

ANALYSIS OF CURRENCY CRISES BASED ON INDEX FOR PRESSURE ON ECONOMIC FUNDAMENTALS: THE BRAzILIAN EXPERIENCE OF THE 90’s.....................................................53Fernando Antônio Ribeiro SoaresMaurício Barata de Paula PintoTito Belchior Silva Moreira

TERRITORIAL DEVELOPMENT AND IRRIGATED PERIMETERS: EVALUATION OF GOVERNMENT POLICIES IMPLANTED IN BEBEDOURO AND NILO COELHO IRRIGATED PERIMETERS IN PETROLINA (PE)........................................................................................87Antônio César Ortega Tiago Farias Sobel

INTERSECTORIALITY, AUTONOMY AND TERRITORY IN MUNICIPAL PROGRAMS TO FIGHT POVERTY: EXPERIENCES OF BELO HORIzONTE AND SÃO PAULO ................................119Carla Bronzo

WHAT IS THE RELATIONSHIP BETWEEN INCOME INEQUALITY AND LEVEL OF INCOME PER CAPITA?TESTING FOR A KUzNETS HYPOTHESIS OF THE BRAzILIAN STATES.......................................................................................161Fernando Henrique Taques Caio Cícero de Toledo Piza da Costa Mazzutti

MATRIX POWER IN THE STATE OF PARÁ AND ITS POSITION IN THE PROMOTION OF SUSTAINABLE DEVELOPMENT................................187Fabrício Quadros BorgesDésIrée Moraes Zouain

POLITICAL BUDGET CYCLES IN CEARA (1986-2006)....................................223Mário César Lemos QueirozAlmir Bittencourt da Silva

EMPLOYMENT FLOWS IN THE INDUSTRIAL SECTOR IN COLOMBIA: A THEORETICAL FRAMEWORK, CHARACTERISTICS AND IMPACT ON THE LEVEL OF PRODUCTIVITY................................................................255Pedro Hugo Clavijo CortésAndrés Felipe Mora Cortés

SUMMARY

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LA LÓGICA MATERIAL Y SIMBÓLICA EM LA AGRICULTURA FAMILIAR: IDIOSINCRASIA DE ASENTAMIENTOS CEARENSES..........................................................................9Francisco Uribam Xavier de Holanda

LOS MUNICIPIOS Y LA POLÍTICA NACIONAL DEL MEDIO AMBIENTE..........................................................................................25Taciana Neto Leme

ANÁLISIS DE CRISIS DE CAMBIO DERIVADAS DE LOS DESEQUILIBRIOS DE LOS FUNDAMENTOS ECONÓMICOS: LA EXPERIENCIA BRASILEñA DE LOS AñOS 90............................................53Fernando Antônio Ribeiro SoaresMaurício Barata de Paula PintoTito Belchior Silva Moreira

DESARROLLO TERRITORIAL Y PERÍMETROS DE REGADÍO:EVALUACIÓN DE LAS POLÍTICAS GUBERNAMENTALES EN EL PERÍMETROS DE REGADÍO BEBEDOURO Y NILO COELHO EN PETROLINA (PE).........................................................................87Antônio César Ortega Tiago Farias Sobel

INTERSECTORIALIDAD, AUTONOMÍA Y TERRITORIOS EN PROGRAMAS MUNICIPALES PARA EL AFRONTAMIENTO A LA POBREzA: EXPERIENCIAS DE BELO HORIzONTE Y SÃO PAULO.....................................119Carla Bronzo

¿CUÁL ES LA RELACIÓN ENTRE DESIGUALDAD DE INGRESOS Y NIVEL DE RENTA PER CÁPITA? PRUEBAS DE HIPÓTESIS DE KUzNETS DE LOS ESTADOS BRASILEñOS........................161Fernando Henrique Taques Caio Cícero de Toledo Piza da Costa Mazzutti

MATRIX DE ENERGÍA EN EL ESTADO DE Y PARÁ SU POSICIÓN EM LA PROMOCIÓN DEL DASARROLLO SOSTENIBLE..................187Fabrício Quadros BorgesDésIrée Moraes Zouain

CICLOS POLITICOS PRESUPUESTARIOS EN LA PROVINCIA DE CEARÁ (1986-2006)................................................................................223Mário César Lemos QueirozAlmir Bittencourt da Silva

LOS FLUJOS DE EMPLEO EN EL SECTOR INDUSTRIAL COLOMBIANO: PREMISAS TEÓRICAS, CARACTERÍSTICAS E IMPACTOS SOBRE EL NIVEL DE PRODUCTIVIDAD.........................................................255Pedro Hugo Clavijo Cortés Andrés Felipe Mora Cortés

SUMARIO

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LA LOGIQUE MATéRIELLE ET SYMBOLIQUE DANS L’AGRICULTURE FAMILIALE: IDIOSYNCRASIES D’ASSENTAMENTOS DANS LE CEARÁ..............................................................9Francisco Uribam Xavier de Holanda

MUNICIPALITéS ET LA POLITIQUE NATIONALE DE L’ENVIRONNEMENT..................................................................................25Taciana Neto Leme

ANALISE DE CRISES DE CHANGE PROVIENNENT DES DESEQUILIBRES DANS LES BASES DE L’ECONOMIE: L’EXPéRIENCE BRéSILIENNE DES ANNéES 90...............................................53Fernando Antônio Ribeiro SoaresMaurício Barata de Paula PintoTito Belchior Silva Moreira

DéVELOPPEMENT TERRITORIAL ET PéRIMÈTRES IRRIGUéES: EVALUATION DES POLITIQUES PUBLIQUES IMPLANTé DANS LES PéRIMÈTRES IRRIGUéES DE BEBEDOURO ET NILO COELHO À PETROLINA...................................................................................87Antônio César Ortega Tiago Farias Sobel

INTERSECTORIALITé, AUTONOMIE, TERRITOIRE ET FIN À LA PAUVRETé EN PROGRAMMES MUNICIPAUX: EXPéRIENCES DES BELO HORIzONTE ET SÃO PAULO..................................119Carla Bronzo

QUEL EST LE LIEN ENTRE INéGALITé DU REVENU ET NIVEAU DE REVENU PAR HABITANT? ESSAI POUR UN HYPOTHÈSE DE KUzNETS DES éTATS DU BRéSIL.........................................161Fernando Henrique Taques Caio Cícero de Toledo Piza da Costa Mazzutti

POWER MATRICE DANS I`éTAT DU PARÁ ET SA POSITION DANS LA PROMOTION DU DéVELOPPEMENT DURABLE..............................187Fabrício Quadros BorgesDésIrée Moraes Zouain

CYCLES POLITIQUES BUDGéTAIRES EN éTAT DE CEARÁ (1986-2006).......................................................................................223Mário César Lemos QueirozAlmir Bittencourt da Silva

LES FLUX D’EMPLOI DANS LE SECTEUR INDUSTRIEL COLOMBIEN: DES PRéMISSES THéORIQUES, CARACTéRISTIQUES ET DES IMPACTS SUR LE NIVEAU DE LA PRODUCTIVITé.........................................................255Pedro Hugo Clavijo CortésAndrés Felipe Mora Cortés

SOMMAIRE

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A LÓGICA MATERIAL E SIMBÓLICA NA AGRICULTURA FAMILIAR: IDIOSSINCRASIAS DE ASSENTAMENTOS CEARENSESFrancisco Uribam Xavier de Holanda*

O artigo aborda o processo de desenvolvimento da agricultura familiar em alguns assentamentos cearenses, tendo como pano de fundo a dimensão cultural. O objetivo é demonstrar como, a partir de um processo de observação empírica, pode-se ter um entendimento da lógica material e simbólica do sistema econômico vivido pelos assentados, e como se podem apontar algumas reflexões para o desenvolvimento sustentável.

PALAVRAS-CHAVE: Assentamento; Lógica Material e Simbólica; Cultura; e Desenvolvimento Sustentável.

THE MATERIAL AND SYMBOLIC LOGIC OF FAMILY-BASED AGRICULTURE : IDIOSYNCRASIES OF RURAL SETTLEMENTS IN THE STATE OF CEARA

The article approaches the development process of family-based agriculture as practiced in some rural settlements in the State of Ceara having as its background a cultural dimension. The goal is to demonstrate, from a process of empirical observation, how one can assess the material and symbolic reasoning supporting an economic system experienced by settlers and, on a second approach, advances some reflections about sustainable development.

Keywords: Settlement; Material and Symbolic Logic; Culture and Sustainable Development.

LA LÓGICA MATERIAL Y SIMBÓLICA EM LA AGRICULTURA FAMILIAR: IDIOSINCRASIA DE ASENTAMIENTOS CEARENSES

El artículo aborda el proceso de desarrollo de la agricultura familiar practicado em algunos asentamientos cearenses y tiene como escenario la dimensión cultural. El objetivo es demostrar como, a partir de um proceso de observación empírica, podemos tener un entendimiento de la lógica material y simbólica del sistema económico vivenciado por los asentados y como podemos señalar algunas reflexiones para el desarrollo sustenible.

Palabras Cllave: Asentamiento; Lógica Material y Simbólica; Cultura y Desarrollo Sustenible.

LA LOGIQUE MATéRIELLE ET SYMBOLIQUE DANS L’AGRICULTURE FAMILIALE: IDIOSYNCRASIES D’ASSENTAMENTOS DANS LE CEARÁ

L’aticle porte sur le processus de développement de l’agriculture familiale pratiqué dans quelques assentamentos de l’État du Ceará, ayant en toile de fond la dimension culturelle. Le but est de montrer comment, à partir d’un processus d’observation empirique, nous pouvons avoir une compréhension de

* Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC). Endereço eletrônico: [email protected].

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la logique matérielle et symbolique du système économique vécu par les assentados, et comment nous pouvons indiquer quelques réflexions pour le développement durable.

MOTS-CLÉS: Assentamento ; Logique Matérielle et Symbolique ; Culture et Développement Durable.

1 INTRODUÇÃO

As teorias que trataram da questão agrária, tanto na vertente socialista como na liberal, abordaram a economia camponesa associando-a ao atraso, como um resíduo a ser removido pelo progresso. O capitalismo desenvolveu-se, passou pela fase industrial, chegou à fase de globalização financeira, mas o camponês não se transformou totalmente em assalariado, nem toda a produção camponesa se mecanizou. A agricultura familiar existe e se constitui, especificamente agora, num campo de estudo fecundo.

O objetivo aqui é demonstrar, a partir de um processo de observação empírica, como se pode ter um entendimento da lógica material e simbólica1 do sistema econômico praticado por famílias em alguns assentamentos rurais no Ceará e, com base neste entendimento, apontar caminhos para ações de desenvolvimento sustentável.

Para entender o ciclo do desenvolvimento na agricultura familiar é preciso interrogar o que significa para as famílias camponesas a reprodução de determinadas práticas. Um pesquisador deve ter, portanto, antes de tudo, consciência das categorias de análise que utiliza e das categorias utilizadas por aqueles que ele tenta compreender. Assim, a violência semiológica que se impõe deve ser rompida para que os significados de qualquer ação social possam ser compreendidos. É com esta atitude que se pode ter acesso ao conhecimento do que seja um assentamento como unidade econômica de base familiar.

2 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Este artigo é resultado de uma pesquisa estruturada a partir do interesse do autor pelo tema e não foi financiada por nenhuma agência de fomento. Por meio de contatos com técnicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o autor conseguiu visitar 12 assentamentos em dez municípios do estado do Ceará (citados na nota de rodapé número 6). Os critérios de escolha dos assentamentos foram três: i) terem mais de dez anos de implantação; ii) terem recebido financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF); e iii) estarem localizados em diferentes regiões do estado.

A metodologia utilizada para dar suporte ao processo de observação empírica foi composta de um conjunto de técnicas e ações participantes. O primeiro contato

1. Material porque voltada para a manutenção do consumo doméstico e do patrimônio familiar. Simbólica porque afirma uma concepção de mundo, do que é possível fazer, como e por que fazer. Ou seja, os assentados são criadores de significados e agentes morais.

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11A lógica material e simbólica na agricultura familiar: idiossincrasias de assentamentos cearenses

foi realizado quando, aproveitando a visita dos técnicos do Incra aos assentamentos, o autor passou, naquele momento, a ser apresentado aos assentados. Nesta ocasião, aplicava a técnica de grupos focais com o objetivo de colher informações sobre os principais problemas vivenciados quanto à vida familiar, educação, saúde, produção e organização. O número de informantes era em média de 18 pessoas: eram convidados os jovens, as mulheres e as lideranças comunitárias. A partir dos grupos focais, foi possível construir um quadro com os problemas comuns experimentados nos assentamentos.

Além da técnica de grupos focais, o autor ministrou, num segundo contato, um curso sobre associativismo, no qual, além da troca de saberes, foram realizadas entrevistas e uma dinâmica de grupo conhecida como dinâmica do dinheiro, cujo objetivo era obter informações sobre as relações de gênero a partir da definição de interesses estimulados pela oportunidade de gastos reais. Outro componente da pesquisa foi a participação em reuniões, nas quais, além das pautas e encaminhamentos, o autor observou os interesses em jogo, avaliando o comportamento das lideranças, dos técnicos estatais e dos escritórios de assessoria e elaboração de projetos.

3 O SIGNIFICADO DE SER ASSENTADO NO SEMIÁRIDO

No Ceará, os assentamentos rurais são compostos de indivíduos organizados em unidades familiares que incorporam uma dupla dimensão econômica: de produtores e consumidores. A ação produtiva destina-se, principalmente, à subsistência e, parcialmente, ao mercado local ou troca, de onde os assentados adquirem os produtos de consumo por eles não produzidos (açúcar, café, óleo, sal, roupa, remédios, arroz, fósforo, fumo etc.). A produção, desenvolvida de forma mais individual que coletiva, combina a prática da agricultura (produção de milho, feijão e mandioca), da pecuária (criação de gado bovino, caprinos e galinhas) e da pesca, e tem seu universo de troca e circulação restrito, na maioria das vezes, ao âmbito da comunidade, por meio dos laços comerciais com atravessadores, bodegueiros, compadres e pessoas que prestam favores à comunidade.

Serem cadastradas e incluídas como assentadas num projeto de reforma agrária representa uma mudança de vida para muitas famílias que nunca tiveram nada, que sempre foram manipuladas politicamente e espoliadas pelos patrões. Significa ter acesso a terra, a casa para morar, a crédito, a capacitação técnica, não ser sujeitada a um patrão; enfim, significa segurança e início da conquista da liberdade. Apesar das dificuldades e dos limites a serem enfrentados dentro do assentamento, ser assentado significa ter uma melhoria nas condições de vida. Esta constatação tem afinidade com o depoimento dado por alguns assentados:2

2. A entrevista com os assentados aconteceu por ocasião da realização de curso sobre associativismo no assentamento Lagoa do Serrote e no assentamento Terra Nova.

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Antes de vir para cá (assentamento), meu marido cuidava do gado do patrão na sorte, de cada cinco/[ficava com] uma. No assentamento o regime é coletivo e individual. Tem casa de tijolo e o que produzimos é nosso e não somos sujeitos ao patrão. Para melhorar tá precisando de organização (Maria Helena, 46. Lagoa do Serrote, município de Santana do Acaraú).

Antes eu trabalhava como rendeiro. Lá o patrão queria três/uma. Tudo era por conta da gente. Quando a gente terminava a safra, o que a gente produzisse e terminasse de pagar todas as despesas, a gente ficava com nada. No assentamento a gente faz sua terra, você produz, tem recurso que a gente só paga a metade. Tudo que você produz é seu. Vir para o assentamento foi excelente. Eu não tinha casa para morar, morava com o patrão. Eu não tinha terra para me beneficiar com minhas próprias forças, ter minha safra para vender sem dar satisfação a ninguém. Ter crédito no banco, que eu não tinha. O principal problema é a falta de água. Estamos no assentamento e só pegamos pessoas idosas com opiniões velhas, gente que nunca estudou, mas agora tá abrindo caminho, a gente tá assistindo curso, ouvindo pessoas falar. Para melhorar é preciso água, saber aplicar os créditos, ter escola, posto médico e fábrica (José Jeová, 43. Terra Nova, município de Morada Nova).

Na unidade familiar, a autoridade do pai é fundamental. A questão patriarcal, por sua vez, está ligada não só à forma de sociabilidade do assentamento, mas também à forte expressão no processo de construção das relações de mando, representação política e organização produtiva. Por exemplo, nos assentamentos Santa Fé (município de Russas) e Terra Nova (município de Morada Nova), as mulheres foram proibidas pelos homens de compor a diretoria da associação.3 Na maioria das famílias assentadas, o pai tem o controle da produção, o que lhe assegura o governo sobre a família. Para entender o poder de mando que o pai exerce sobre a família a partir do controle do processo de produção, é preciso compreender a casa – seja ela organizada de forma esparsa ou na forma de agrovila – enquanto núcleo simbólico da divisão entre o espaço doméstico e o espaço natural. A casa é o espaço de dentro, espaço conhecido. Assim, a terra é o espaço natural; o desconhecido, o espaço de fora.

A produção dentro do assentamento é um deslocamento que se efetiva para fora da casa, para a roça (espaço público). A direção deste processo é determinada pela figura do homem-pai.4 Ele controla o espaço produtivo externo à casa, a mulher administra o espaço interno (privado) da casa. Quando ela se envolve em atividades de plantio, colheita ou criação de pequenos animais, estas atividades são consideradas “ajuda” e não trabalho. Quando se solicita nas reuniões, em assentamentos, que as mulheres se apresentem dizendo nome e ocupação, é muito

3. Como afirma Freire (1981, p. 93): “Também é característico do regime patriarcal o homem fazer da mulher uma criatura tão diferente dele quanto possível. Ele, o sexo forte, ela o fraco; ele o sexo nobre, ela o belo”.

4. Assim: “O fato de ser o homem quem define a direção do deslocamento espacial indica que ele também detém o controle do processo como um todo. A mulher, pelo contrário, é remetida a um movimento inverso, de fora para dentro, trazendo para dentro da casa os produtos da roça transformados em mantimento, para torná-los comida, inserida em sua própria direção, a do consumo. Em oposição ao do homem, o movimento da mulher dá-se de um espaço já domesticado por ele para outro espaço, a casa, núcleo simbólico da família” (Woortmann, 1997, p. 37).

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13A lógica material e simbólica na agricultura familiar: idiossincrasias de assentamentos cearenses

comum elas falarem que não fazem nada, só cuidam da casa, que o marido é quem trabalha. Estes depoimentos, em si, são uma demonstração de que o controle do espaço público natural (terras, matas, rios) pelo homem já foi incorporado e aceito pela mulher como uma coisa também natural e correta.

Embora muitas entidades venham desenvolvendo atividades de conscientização sobre relações de gênero nos assentamentos, e mesmo que, em alguns assentamentos, as mulheres desenvolvam papel determinante, principalmente na participação da organização política e social, a reflexão que ora se faz sobre a divisão do espaço produtivo e doméstico não é uma especulação, nem reflete uma visão do passado. Ao contrário, trata-se de atitudes e manifestações do mundo prático da pequena propriedade e dos assentados no Ceará, que puderam ser constatadas a partir da convivência e mediante a aplicação da citada técnica de grupo, a dinâmica do dinheiro.

Com a dinâmica do dinheiro,5 utilizando-se fotocópia de cédulas de R$ 10 e de R$ 50, pôde-se obter, de forma subjetiva, o que cada participante classificou como sendo os seus desejos e necessidades imediatas. O mundo simbólico, casa ou roça, ao qual estão ligados, revela, ainda, a diferença de valores entre o feminino e o masculino, os meios necessários para sua melhoria de vida e uma divisão de papéis. A dinâmica aplicada no assentamento Terra Nova, no município de Morada Nova, teve a participação de 30 assentados, sendo 19 homens (63,4%) e 11 mulheres (36,6%). Ao final, foram identificados os pontos a seguir destacados.

1. Existe uma divisão patente entre o espaço produtivo e o espaço doméstico, entre o espaço econômico e o espaço da casa. Esta divisão é definidora de papéis e de relações entre o masculino e o feminino, e sedimenta, no inconsciente e no comportamento, níveis de responsabilidades e desejos. Assim, na tabela de anotações, verifica-se o seguinte: enquanto os homens responderam que gostariam de possuir vaca, carro, dinheiro, comércio, terreno e emprego, as mulheres responderam que desejariam possuir coisas que facilitassem a vida delas no espaço doméstico, objetos como geladeira, televisão, máquina de costura, bicicleta e fogão.

2. Não tendo dinheiro ou possibilidade para realizarem seus pequenos so-nhos, por terem acesso somente a pequenas quantias em dinheiro, como R$ 10 e, eventualmente, R$ 50 (uma quantia difícil de se adquirir no assentamento em período de seca), o assentado volta-se para necessidades

5. A dinâmica com dinheiro tem o seguinte procedimento: primeiro, distribui-se uma folha em branco aos participantes na qual eles escrevem o nome e indicam até três coisas que gostariam de possuir. É explicado que estas coisas devem ser facilitadoras da melhoria de suas vidas. O segundo passo é a distribuição das cédulas. Cada um recebe apenas uma cédula e, neste momento, é ressaltado que eles estão recebendo dinheiro para realizar os seus sonhos. É feita também uma advertência de que se o dinheiro não for suficiente, cabe a eles raciocinarem sobre como fazer a melhor aplicação da quantia recebida. No terceiro passo escrevem nas costas da cédula o que comprariam com o dinheiro ganho. No quarto passo dizem o que queriam possuir e o que comprariam. Em seguida os papéis e as cédulas são recolhidos, abrindo-se um espaço para os comentários dos participantes.

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básicas que afetam sua sobrevivência. Assim, com recursos parcos, eles só comprariam: uma feira, carne, um botijão de gás, par de chinelos, remédios e pequenos animais como galinha, ovelha e bacorinho.

3. Assim como o carro e a casa própria são símbolos de desenvolvimento, status e prosperidade para pessoas de classe média do meio urbano, o gado e a fartura são os símbolos de desenvolvimento, prosperidade e riqueza para os trabalhadores rurais assentados. Não é à toa que, em qualquer projeto discutido com os assentados, o gado, seja na forma individual ou coletiva, entra como um componente a ser financiado.

TABELA 1Tabela de anotações da dinâmica com dinheiro

Que coisa você gostaria de possuir?Dinheiro ganho

O que compraria?Sexo Valor (R$)

01 – Vacas, carroça com animal e um carro Masculino 50,00 Duas marrãs de ovelhas02 – Vaca, cavalo e uma moto Masculino 10,00 Um par de chinelos03 – Vaca, geladeira, ovelhas Feminino 50,00 Um botijão de gás e uma feira04 – Geladeira e máquina de costura Feminino 10,00 Uma marrã de ovelha05 – Vacas, uma forrageira e um transporte Masculino 10,00 Duas marrãs de ovelha06 – Vacas, uma geladeira e uma carroça Masculino 10,00 Um bacorinho07 – Gado, sapataria e pocilga Masculino 50,00 Um porco08 – Uma carroça com animal, gado e carneiro Feminino 50,00 Duas cabras09 – Gado, ovelha, carro Masculino 10,00 Um carneiro10 – Vaca, cabra, dinheiro Masculino 10,00 Uma ovelha11 – Geladeira, vaca, dinheiro Feminino 10,00 Uma ovelha12 – Gado, moto, dinheiro Masculino 50,00 Ovelhas13 – Vaca, fábrica de queijo e dinheiro Masculino 10,00 Uma ovelha14 – Terreno, comércio, emprego Masculino 50,00 Ovelhas 15 – Gado, ovelha, cavalo Masculino 10,00 Uma ovelha16 – Casa, vaca, conforto Masculino 10,00 Fazer uma feira17 – Ovelha, vaca, crédito Masculino 10,00 Uma foice18 – Fogão, geladeira, vaca Feminino 50,00 Um fogão de duas bocas e uma feira19 – Remédio, vaca, dinheiro Masculino 10,00 Medicamento 20 – Vaca, máquina de costura e uma televisão Feminino 50,00 Uma feira21 – Máquina de costura, bicicleta e uma cama Feminino 10,00 Uma garrafa para café22 – Máquina de costura, bicicleta e ovelha Feminino 50,00 Uma ovelha23 – Vaca, moto e geladeira Masculino 10,00 Dois quilos de carne24 – Geladeira, moto, máquina de costura Feminino 50,00 Uma feira25 – Casa, máquinas agrícolas e dinheiro Masculino 50,00 Três ovelhas26 – Máquina de costura, vaca, dinheiro Feminino 10,00 Um bacorinho 27 – Vaca, ovelha, carro Feminino 10,00 Uma marrã de ovelha28 – Emprego, vaca, transporte Masculino 10,00 Duas galinhas29 – Gado, ovelhas e carroça com animal Masculino 50,00 Dez galinhas30 – Fazenda de gado, trator e dinheiro Masculino 10,00 Uma marrã de ovelha

Elaboração do autor.

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15A lógica material e simbólica na agricultura familiar: idiossincrasias de assentamentos cearenses

Depois dos beneficiados pelo Programa Bolsa Família, os assentados do Ceará pertencem ao contingente populacional mais contemplado pela ação social do governo. Os projetos financiados pelo governo federal – desde o governo de FHC, que criou o Programa Nacional de Reforma Agrária, o Programa Cédula da Terra (PCT), o Banco da Terra e o PRONAF, chegando até o governo Lula – vêm alterando as condições de vida dos assentados. Todavia, em alguns assentamentos, o melhor resultado alcançado é a criação de condições mínimas para permanência dos contemplados no campo. Após aplicação de um questionário em 116 assentamentos com mais de dez anos de implantação, foi possível sistematizar os principais problemas vivenciados de forma comum em relação ao bem-estar (família, educação e saúde), à economia (produção) e ao exercício da cidadania (organização comunitária).

TABELA 2Principais problemas vivenciados pelos assentados

Família Educação Saúde Produção Organização

• Falta de união e respeito entre pais e filhos

• Alcoolismo

• Falta de lazer

• Falta de recursos para compra de mantimentos e utensílios não produzi-dos pelo assentamento

• Migração dos jovens para os centros urbanos

• Carência de escolas (prédios): a maioria das salas de aula fun-ciona nas casas-sede

• Pequeno número de professores

• Baixa qualidade dos professores; a maioria dos professores só possui o 5o ano do ensino fundamental

• Faltam livros, carteiras e merenda escolar.

• Escola distante da comunidade

• Maioria das crianças fora da sala de aula

• Evasão dos alunos matriculados

• Falta de incentivo por parte dos pais para que os filhos estudem

• Baixo salário dos professores

• Inexistência de posto de saúde

• Não há ambulatório de primeiros socorros

• Falta de assistência médica

• Falta de serviço odon-tológico

• Falta de serviço oftal-mológico

• Faltam ginecologistas

• Faltam remédios nos postos da cidade. Quan-do existem, são apenas para gripe e verme.

• Falta de água potável para beber

• Faltam higiene e sanea-mento básico

• Falta de ambulância para transporte de doentes graves

• Falta de crédito e acom-panhamento técnico permanente

• Escassez de água para produção agropecuária e irrigação

• Faltam instrumentos de trabalho

• Falta emprego para os jovens

• Faltam sementes sele-cionadas; quando che-gam, é com atraso e em pequena quantidade.

• Persistência das práticas tradicionais, como queimadas e corte de madeira

• Prática da agricultura de sobrevivência baseada nas culturas de milho, feijão e mandioca

• Exiguidade de transpor-te para circulação de produtos e pessoas

• Falta de credibilidade de uns assentados com os outros

• Falta de capacidade da comunidade para con-duzir sua associação

• Falta de capacidade e experiência para gerir os projetos financeiros

• Falta de interesse de alguns associados pelas reuniões

• Falta de transparência das lideranças na con-dução dos projetos

• Ausência de explicação e prestação de contas sistemática dos recursos financeiros

• Acumulação de trabalho nas mãos do presidente

• Falta de comunicação sistemática entre diretoria e sócios

Elaboração do autor.

6. Os questionários de levantamento dos principais problemas vivenciados pelos assentamentos foram aplicados nos seguintes assentamentos: Maceió e Escalvado (Itapipoca), Sabiaguaba (Amontada), Várzea do Mundaú (Trairi), Ipanema (Alto Santo), Pachicu (Itarema), Juazeiro (Independência), Torta (Camocim), Córrego do Quixinxé (Ocara), Jacurutu (Canindé), e Lagoa do Mato e Camará (Aracati).

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Os problemas comuns ligados ao bem-estar (família, educação e saúde) podem ser creditados à omissão dos governos municipais quanto à viabilização de mecanismos concretos para que se atendam as demandas por serviços básicos. Todavia, constata-se a não mobilização dos assentados no sentido de pressionarem o poder local para que tais demandas sejam atendidas. Todas as suas reivindicações são dirigidas ao Incra, numa relação que revela a falta de compreensão política de seus direitos no que concerne à competência do poder local, ou, às vezes, por este se mostrar o caminho mais fácil a ser seguido para atendimento das demandas. Por sua vez, o poder municipal julga que o assentamento é de pura responsabilidade da esfera federal. Em algumas localidades, a relação com o poder municipal vem se alterando. O assentamento Cachoeira do Fogo, por exemplo, no município de Independência, tem uma boa relação com a prefeitura. Por seu turno, no município de Amontada, a relação entre o assentamento Sabiaguaba e a prefeitura é conflituosa.

O camponês cearense foi acostumado a pensar sua sobrevivência de forma individual ou familiar. A ação política coletiva que acontece durante a luta pela posse da terra não se repete na dimensão econômica. O trabalhador não confia na produção coletiva quando o que se põe em jogo é sua sobrevivência alimentar, pois é de sua responsabilidade individual a manutenção da feira semanal e da reprodução das condições de vida durante todo o ciclo agrícola. Apostar no coletivo ou em outra forma de produção, que não a individual, é não se autodeterminar7 (e isto não pode ser confundido com individualismo), é entrar numa relação de sujeição (seja ao patrão, seja à comunidade). Assim, ele só se aventura nestas formas de produção quando tem seu espaço de terra garantido para a manutenção de sua família. Os assentados que escolheram o coletivo puro como forma de produção geraram muitos problemas; onde coexiste a forma mista, do individual com o coletivo, esta não funciona muito bem.

4 A LÓGICA MATERIAL E SIMBÓLICA NA AGRICULTURA FAMILIAR

É comum, nos documentos de instituições governamentais e até mesmo em alguns documentos produzidos por representações dos trabalhadores, organizações não governamentais (ONGs) e escritórios de elaboração de projetos, a concepção de que os assentamentos são uma unidade jurídica, política e econômica, ou seja, uma área de terra limitada (espaço físico-geográfico) que comporta uma unidade produtiva organizada sob o comando dos assentados. Acredita-se que os assentamentos, como unidades produtivas, são potencialmente capazes de evoluírem para unidades

7. “Invocar a existência de uma realidade social transcendente aos indivíduos pode corresponder, na arena dos embates ideológicos, ao primeiro passo de um caminhar que costuma desembocar na supressão da liberdade em nome da pretensa redenção dos coletivos” (Oliva, 1994, p.33).

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empresariais, ou seja, são capazes de se integrarem ao mercado na condição de produtores e gestores de atividades mercantis. Para atingirem tal finalidade, devem ser apoiados por uma ação articulada entre crédito, capacitação e assistência técnica.

Para o raciocínio lógico-formal, com o qual nos acostumamos a pensar no cotidiano, tudo está coerente: os assentados conquistaram a terra, aos poucos vão conquistando créditos e equipamentos agrícolas, e faltam agora novos conhecimentos e tecnologias, ou seja, assistência técnica e capacitação. O raciocínio conclusivo é que, ao final, teremos como resultado o desenvolvimento e a prosperidade. Mas, na realidade, as coisas são assim? Será que a visão tecnicista empregada nas formulações dos projetos e programas de assistência técnica e capacitação é suficiente para promover o desenvolvimento e a prosperidade? Será que seus diagnósticos levam em conta a maneira como o camponês age diante do mundo? Será que são considerados os sentimentos e os cálculos com que os camponeses operam na condução de suas práticas?

No contato com alguns assentamentos que receberam investimentos para aplicação em equipamentos e infraestrutura produtiva, observou-se8 o uso inadequado de tratores, máquinas e caminhões; abandono de equipamentos e peças em local não apropriado; desperdício de produção excedente; pagamento de mercadoria antes de esta ser recebida e conferida; e compra de mercadoria sem nota fiscal. Será que estes comportamentos se justificam somente pela falta de assistência técnica, capacitação e pelo baixo nível de escolaridade que persiste no meio rural?

Ao ignorar as aspirações e a lógica material e simbólica de exploração da terra pelos assentados, os projetos de desenvolvimento não são assimilados e as mudanças de comportamento não acontecem. A ideia de transformar os assentamentos numa unidade empresarial não é uma aspiração dos assentados do Ceará. A cultura vigente tem um comportamento sem ambição de mercado: a produção de sobrevivência em áreas de sequeiro e a produção de culturas sem valor de mercado, mas com grande valor de uso. Pois, se a ideia de transformar os assentamentos numa unidade empresarial se choca com a cultura sedimentada na consciência dos assentados, como, em nível prático, se efetivariam a convivência com esta ideia e sua aceitação pelos assentados?

Neste caso, não se consideram as necessárias alterações que as inovações técnicas exigem ou provocam nos procedimentos de associações e de gerenciamento; e muito menos no domínio de valores e dos comportamentos individuais e coletivos. Essa “aceitação”, que se dá apenas no nível do discurso, e que corresponde apenas a um comportamento de submissão ou de oportunismo, logo esgota suas escassas potencialidades para dinamizar as possibilidades de desenvolvimento e de operar as transformações mais

8. No assentamento Maceió, no município de Itapipoca, o desprezo pelos equipamentos pode ser classificado como descaso. O Banco do Nordeste do Brasil (BNB) chegou, até mesmo, a fazer uma investigação para apurar desvio de recursos dos projetos.

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profundas. Muitos dos casos de “aceitação” se transformam em sucessos efêmeros e viram vitrines tempo-rárias9 para os visitantes incautos ou crédulos. E quando o fracasso mostra sua face, as explicações também costumam ser parciais e superficiais. Sem estarem ancoradas em análises suficientemente criteriosas, elas apontam para justificativas arbitrárias: fatores estruturais fora da capacidade imediata de influência dos trabalhadores e técnicos; ou o imprevisível comportamento de algum indivíduo (Araújo, 1995, p. 11).

A unidade econômica de produção familiar assentada é portadora de peculiaridades no que diz respeito à sua forma de reprodução material e de tratar a questão da finalidade de produção, que, como prática social, orienta-se pela exigência de satisfazer necessidades de consumo. Sendo o consumo de alimento uma necessidade diária e prioritária, o pequeno produtor tem seu cálculo econômico representado pela feira semanal. A situação ideal é que a produção familiar possa ser suficiente para suprir a feira semanal durante todo o ciclo agrícola.

Na unidade familiar, o cálculo do esforço necessário para a produção e dos bens a serem consumidos pela família são determinados pelo chefe de família, ou seja, o pai. Este cálculo econômico tem como lógica a retirada do roçado – terra disponível para o trabalho familiar – de uma quantidade de produtos suficientes para o consumo da casa e para a reprodução das condições de produção e de consumo dos anos seguintes.

A maior parte do roçado é dedicada ao cultivo para o consumo de alimentos: logo, uma baixa produtividade, devido a uma seca ou à presença de praga na lavoura, pode implicar privações e pôr em risco a capacidade de reprodução agrícola do ano seguinte. Por isso, na cabeça do pequeno produtor, ao escolher os tipos de cultivo que vai realizar, está claro que a produção tem que ser suficiente para o abastecimento alimentar. Segundo Heredia (1979, p.124):

O predomínio no roçado de cultivos que podem ser autoconsumidos e/ou vendidos possibilita ao pequeno produtor enfrentar as flutuações de preços, situação que escapa ao seu controle. É exatamente o caráter alternativo que estes produtos possuem que determina sua escolha para o plantio, embora possam coexistir com cultivos destinados exclusivamente à venda.

Um dos produtos que exemplifica bem o caráter de alternância10 é a mandioca, pois ela pode ser: i) armazenada na terra por um período que ultrapassa o ciclo agrícola; ii) colhida em pequenas quantidades; e iii) transformada em

9. Um exemplo de assentamento no Ceará que virou vitrine temporária foi o de Santana, no município de Monsenhor Tabosa. Os vídeos, relatórios e material de propaganda que registraram o seu sucesso servem como comprovação de pertinência da reflexão ora realizada.

10. Segundo Seu Pedro, um informante citado por Heredia (1979, p. 126): “A roça é uma lavoura que espera pelo tempo. Ela é a única que espera pelas necessidades da gente(...) colhe algodão, vende e acaba logo o dinheiro. Colhe o cará, vende e acaba logo o dinheiro. Mas a roça fica enterrada, quando ela está barata e não dá para ninguém fazer nada, a gente limpa ela, deixa lá, então que não precisa vai dar outro ano pra ela. Então quem pode espera quando ela dá muito preço [e] arruma muito dinheiro”.

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19A lógica material e simbólica na agricultura familiar: idiossincrasias de assentamentos cearenses

farinha para o consumo direto e para a venda. No Ceará, entre plantar cajueiro anão precoce, acerola ou mandioca, o agricultor vai preferir, pelo seu caráter alternativo, a mandioca.

Assim, o cultivo da mandioca, que num cálculo de economia clássica aparece como algo não lucrativo, pois seus custos de produção são bem mais elevados que seu retorno mercantil, dentro da lógica do agricultor de base familiar participa de uma estratégia econômica não capitalista que lhe possibilita articular sua re-produção material semanal e enfrentar as incertezas do ciclo agrícola. Para ele, a mandioca representa uma poupança, uma reserva que lhe permite enfrentar as conjunturas externas, mantendo a sua condição de pequeno produtor independente.

Na exploração agrícola do assentamento, os indivíduos não recebem salário – obtêm como resultado de um ano de trabalho uma quantidade x de produtos como renda. O salário, como categoria econômica utilizada na economia capitalista, está ausente no sistema econômico de base familiar. Para calcular, neste sistema, a única renda possível, deve-se acrescentar a esta quantidade x os bens materiais que a família adquiriu ao longo do ano e deduzir o dispêndio material no transcurso do mesmo período.

A quantidade de produto do trabalho é determinada pelos seguintes fatores: tamanho da terra disponível para plantação, composição familiar (número de homens, mulheres e crianças) e produtividade da unidade de trabalho, ou seja, o número de membros capazes de trabalhar e o grau de autoexploração (grau de esforço) da família. A partir de estudos empíricos, Chayanov (1981, p. 139) estabeleceu a seguinte tese: “o grau de autoexploração é determinado por um peculiar equilíbrio entre satisfação da demanda familiar e a própria penosidade do trabalho”. O ponto de equilíbrio é bastante variável, podendo, contudo, ser calculado da seguinte maneira:

(...) de um lado, pelas condições específicas reais de produção da unidade, sua situação de mercado, e pela localização da unidade em relação aos mercados (que determina o grau de fadiga do trabalho); e de outro, pelo tamanho e composição da família e a premência de suas necessidades, que determina a avaliação do consumo.

A lógica que orienta a exploração da terra é a busca do equilíbrio interno, que se traduz na aplicação do trabalho familiar para atingir um maior rendimento possível. Este maior rendimento não é obtido por meio do cálculo aritmético do máximo lucro possível numa dada situação de mercado, embora a estrutura orgânica da economia familiar tenha de utilizar a situação de mercado e as condições naturais dadas, mas se realiza mediante comparações internas de avaliação subjetiva. Em outras palavras, pode-se dizer que a estrutura interna

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da economia nos assentamentos orienta-se pela seguinte lógica: aumento da quantidade de produtos para consumo com um menor esforço.

Por que será que depois de tanto investimento financeiro, técnico e em capacitação, em alguns assentamentos no Ceará os resultados são insatisfatórios ou até mesmo negativos? A resposta está na desconsideração da lógica material e simbólica que orienta a exploração da terra por parte dos assentados, ou na crença de que esta lógica sedimenta apenas uma mentalidade tradicional e economica-mente atrasada. Daí que,

comumente, a atenção dos assessores, das instituições e dos programas está voltada apenas para assegurar que suas proposições técnicas sejam aceitas, aprendidas e aplicadas. Esta atitude é tão disseminada que é possível afirmar que ninguém se lembra de perguntar sobre como o impacto, a aceitação e a viabilidade das mudanças de caráter técnico-político englobam transformações no campo dos valores e atitudes e das concepções dos trabalhadores. É como se neste, ao contrário dos demais, houvesse apenas o vazio. Ou existindo alguma coisa, pudesse ela ser simplesmente substituída por outra, melhor, mais moderna. É como se não houvesse nenhuma relação entre técnicas, máquinas, processos, imaginação e símbolos (ARAúJO, 1995, p. 9).

O resultado dessa postura técnica é que os assentados continuam integrados ao mercado apenas como consumidores; os recursos dos investimentos acabam servindo muito mais para dinamizar o mercado das indústrias de insumos, de máquinas e equipamentos – ou seja, o assentado aumenta o seu consumo de recursos técnicos, mas continua condenado a uma condição de vida baseada na agricultura de sobrevivência.

Para entender, no cotidiano, as relações de poder e dominação nos assentamentos cearenses, é preciso distinguir a diferença entre a esfera da comunidade (espaço de organização natural) e a esfera da sociedade civil (espaço de organização institucional). Dentro dos assentamentos no Ceará, a esfera da sociedade civil ainda é muito débil ou gelatinosa; como diz Gramsci, confunde-se com a esfera comunitária.

A esfera comunitária ou comunidade é um espaço no qual se estabelecem relações que definem a linha do ser. As pessoas participam dela pelo que são. É na esfera comunitária que se dão as relações primárias do próprio ser: a amizade, o parentesco, a afetividade e a sexualidade, as festas, o lazer, as crenças e as tradições culturais, e as várias formas de violência. A função maior da esfera comunitária é determinar a forma de sociabilidade possível a partir da ação cotidiana dos seus membros.

A esfera da sociedade civil é um espaço em que se estabelecem as relações na linha do ter. Sua função é a vivência cívica voltada para a conquista de direitos, a superação de carências materiais e a realização de interesses individuais e coletivos.

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21A lógica material e simbólica na agricultura familiar: idiossincrasias de assentamentos cearenses

As pessoas dela participam colocando em comum algo que possuem: trabalho, tempo livre, capacidade técnica, influência política, dinheiro, crenças religiosas, conhecimento etc.

A esfera da sociedade civil, mesmo gelatinosa, é, ainda, um espaço criado para responder à necessidade de reconhecimento, reflexão e ação. Pode ser uma associação, um grupo de jovens, um grupo de trabalho, uma cooperativa, uma comissão de crédito, um conselho gestor de uma escola ou de um posto de saúde, entre outros. Nela, o poder pode ser exercido de várias formas: pela confiança adquirida, capacidade de acesso à informação, dedicação de tempo a serviço da comunidade, capacidade de propor e aprovar determinadas decisões; capacidade de impedir que determinadas propostas aprovadas sejam executadas; capacidade de mediação entre os interesses do assentamento e os daqueles que vêm de fora – sejam técnicos privados ou públicos, liderança sindical, membro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outros –, pelo conjunto de seus membros que chegam ao consenso e dissenso.

Uma grande parte dos problemas que enfrentam os assentamentos é causada ou aprofundada pela debilidade de seus espaços institucionais, principalmente de suas associações. Quem tem familiaridade com os assentamentos do Ceará pode constatar com facilidade que muitos técnicos e lideranças, por impaciência ou postura política, não respeitando o ritmo e os limites dos assentados, acabam estabelecendo a pauta das reuniões e os tipos de projetos, e passam a coordenar as reuniões das associações, numa clara substituição de papéis e usurpação de lugar e poder.

A vivência democrática exige uma grande ação pedagógica e o respeito ao outro. O ato de respeitar o ritmo do assentado no seu aprendizado cívico, na sua forma de deliberar, por intermédio do diálogo em seus espaços de moradia e trabalho, exige muita atitude de firmeza e paciência histórica. O que ocorre é que, muitas vezes, o ato de levantar o braço numa reunião pode servir, aos que “arrumam o circo”, como argumento de que a matéria ou o projeto aprovado é legítimo porque foi votado pelos trabalhadores (comunidade). Contudo, quando algo sai errado, quando um projeto não é adequado à realidade, a culpa é do individualismo, da falta de compromisso e da falta de capacidade de gestão dos assentados. É preciso identificar bem cada caso para que este discurso não mascare uma relação de dominação e poder que se torne prejudicial ao desenvolvimento sustentável dos assentamentos.

5 CONCLUSÕES

A forma tradicional de trabalho dos assentados não é vazia de saber. A agricultura praticada por eles é precedida de um saber que muitos chamam de tradicional, costume, crença. Todo processo produtivo – broca, destocamento, queimada,

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limpa, colheita, conserto de cerca – é conduzido por um conhecimento empiricamente acumulado e atualizado. Portanto, qualquer tentativa de alterar o processo produtivo dos assentados não pode ser feita de forma abrupta. Um conhecimento técnico não pode ser transmitido de imediato, ignorando-se o saber acumulado pelos assentados. A partir do momento em que houver por parte dos técnicos, elaboradores de projetos e orientadores de projetos a devida paciência histórica, pedagógica e técnica para identificar e compreender o saber sedimentado no imaginário social dos assentados, estará se abrindo a possibilidade para acontecerem várias simbioses entre saberes diferentes (da tradição, da técnica e da inovação), no rumo de uma melhor qualificação dos padrões produtivos e administrativos que possam conviver com as mutações de uma economia em processo constante de globalização.

O êxito do desejo de transformar os assentamentos em unidades empresariais passa pela compreensão do imaginário social sedimentado pelo mundo vivido na agricultura de base familiar. É importante que o ato de introduzir novas culturas e novos conhecimentos para produção, gestão e organização agite este imaginário social, confrontando-o. Nele a visão de mundo dos assentados (crenças, desejos, sonhos, religiosidade, concepção de qualidade de vida e riqueza, valores morais, sentidos da vida e da morte) é formulada. Esta dimensão estruturada é também estruturante (BOURDIEU, 1989), porque é a partir daí que os seres humanos orientam suas vidas, incorporam novidades, convivem com elas, desprezam-nas ou as temem. Ao mesmo tempo que é preciso ligar os assentados ao processo de assistência técnica e capacitação, faz-se necessário saber como introduzir na sua base cultural a necessidade do lucro como objetivo a ser alcançado, valorizar o desempenho pessoal e criar uma base mínima de competição produtiva para tornar o mercado um objetivo a ser alcançado.

Os trabalhadores rurais assentados têm um imaginário social voltado para suas necessidades imediatas, seus sonhos são fáceis de serem realizados, pois eles sonham com poucas coisas. Um projeto sério, democrático, que tenha origem no desejo e na opinião deles pode evitar o gasto de recursos públicos com projetos de escritório, que não envolvem os assentados no processo de mudança da sua qualidade de vida material e cultural.

Os assentamentos no Ceará não podem ser abstraídos da economia nacional e internacional. Portanto, não estão imunes aos apelos do trabalho assalariado, ao mercado de consumo e aos valores urbanos. Assim, numa forma de intervenção que venha provocar mudanças, mediante, por exemplo, políticas públicas (agrárias e agrícolas), deve-se abrir a possibilidade de se construir um conjunto de ações que possibilite o equilíbrio interno, faça parte da lógica camponesa e, ao mesmo tempo, promova a integração da agricultura familiar ao restante da economia.

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Uma intervenção responsável pode gerar um assentado que combina ativi-dades agropecuárias com outras não agrícolas (turismo ecológico, lazer, serviços, bens de saúde etc.). A partir do momento em que a pequena agricultura familiar diminuir a autoexploração, o pequeno produtor poderá ter a opção e o tempo para a pluriatividade. Em alguns assentamentos, como o do Coqueirinho, no município de Fortim, o processo de pluriatividade acontece pela integração à “Rede Tucum de Turismo Comunitário e Solidário”. Nesse caminho, ser livre ou sujeito será tomado em relação a outros pontos e perspectivas abertos por uma conjuntura sobre a qual agora não se tem domínio.

REFERÊNCIAS ARAÚJO, J. E. C. Valores e atitudes dos assentados rurais no contexto das mudanças necessárias em seus sistemas produtivos e organizativos. Fortaleza, 1995. (Mimeografado).

BOURDIEU, P. O poder simbólico. Lisboa, Difel, 1989.

CHAYANOV, V. A. Sobre a teoria dos sistemas econômicos não capitalistas. In: SILVA, J. G.; STOLCKE, V. (Orgs.). A questão agrária. São Paulo, Brasiliense,1981.

FREIRE, G. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Rio de Janeiro, Livraria José Olimpio Ed., 1981.

HEREDIA, B. M. A. A morada da vida – trabalho familiar de pequenos produtores do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979.

OLIVA, A. Conhecimento e liberdade – individualismo X coletivismo. Porto Alegre, Edipucrs,1994.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTARABRAMOVAY, R. Paradigma do capitalismo agrário em questão. São Paulo, Hucitec/Ampocs, 1992.

WOORTMANN, K.; WOORTMANN, E. F. O trabalho da terra: a lógica e a simbólica da lavoura camponesa. Brasília, UnB, 1997.

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OS MUNICÍPIOS E A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTETaciana Neto Leme*

As políticas públicas de meio ambiente são competência comum de todos os entes federados e devem envolver a sociedade, tal como prevê a Constituição Federal. O arranjo institucional previsto para a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) é o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), que enfrenta limitações na sua implementação, as quais serão discutidas no presente trabalho. Um dos gargalos do sistema é a fragilidade institucional dos fóruns destinados à pactuação de políticas entre entes federados e entre órgãos do governo federal, o que compromete a gestão ambiental compartilhada. O principal fator limitante abordado no presente trabalho está relacionado aos municípios, que são os atores mais frágeis do Sisnama, em virtude dos déficits de capacidade instalada. Contudo é possível perceber, por meio da análise de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que a capacidade dos municípios para lidar com a gestão ambiental local vem aumentando nos últimos anos. Assim, propõem-se iniciativas que visam melhorar o desempenho na implementação da PNMA.

Palavras-chave: Política Nacional de Meio Ambiente; Sisnama; Federalismo; Gestão Ambiental Compartilhada; Gestão Ambiental Local.

THE MUNICIPAL DISTRICTS AND THE NATIONAL ENVIRONMENTAL POLICY

Environmental public policies are a common responsibility of all federal entities and must comprehend the society, as set forth in the Federal Constitution. The institutional arrangement provided for in the Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA – National Environmental Policy) is the Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama – National Environment System), which has restrictions in its implementation to be discussed herein. One of the problems in this system is the institutional fragility of fora destined to the pactuation of policies between federal entities and between federal government bodies, what compromises the shared environment management. But the major limiting factor discussed in this instrument concerns the municipal districts that are frailer agents of Sisnama, due to the deficits of installed capacity. Nonetheless, it is possible to notice, through the data analysis of Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – Brazilian Institute of Geography and Statistics), an increasing capacity of municipal districts in dealing with the local environment management in the last years. Therefore, initiative aiming at improving the performance in the PNMA implementation is presented herein.

Keywords: National Environmental Policy [PNMA]; Sisnama; Federalism; Shared Environment Management; Local Environment Management.

* Do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Endereço eletrônico: [email protected] ou [email protected].

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LOS MUNICIPIOS Y LA POLÍTICA NACIONAL DEL MEDIO AMBIENTE

Las políticas públicas del medio ambiente son competencia común de todas las entidades federales y deben involucrar la sociedad, según previsto por la Constitución Federal. La composición institucional prevista para la Política Nacional del Medio Ambiente (PNMA) es el Sistema Nacional del Medio Ambiente (Sisnama), que afronta limitaciones en su implementación, las cuales serán discutidas en este trabajo. Una de las dificultades del Sistema es la fragilidad institucional de los foros destinados al pacto de políticas entre entidades federales y organismos del gobierno federal, lo que compromete la gestión ambiental compartida. Sin embargo, el principal factor limitante abordado en este trabajo tiene que ver con los municipios que son los actores más frágiles del Sisnama, por los déficits de capacidad instalada. Todavía es posible percibir, por medio del análisis de datos del Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (Instituto Brasileño de Geografía y Estadística), que la capacidad de los municipios de manejar la gestión ambiental local ha aumentado en los últimos años. Así, son propuestas iniciativas que aspiran a la mejora del desempeño en la implementación de la PNMA.

Palabras clave: Política Nacional del Medio Ambiente; Sisnama; Federalismo; Gestión Ambiental Compartida; Gestión Ambiental Local.

MUNICIPALITéS ET LA POLITIQUE NATIONALE DE L’ENVIRONNEMENT

Les politiques publiques d’environnement sont une compétence commune de toutes les entités fédérées et doivent impliquer la société, tel qu’il est prévu dans la Constitution Fédérale. L’agencement institutionnel prévu pour la Politique Nationale de l’Environnement (PNMA) est le Système National de l’Environnement (Sisnama), rencontre des limitations dans sa mise en place, celles-ci seront discutées dans le présent travail. Un des goulots d’étranglement du Système est la fragilité institutionnelle des forums destinés à l’établissement de politiques entre les entités fédérées et entre les organismes du Gouvernement Fédéral, ce qui compromet la gestion environnementale partagée. Mais le principal facteur limiteur abordé dans le présent travail est lié aux municipalités qui sont les acteurs les plus fragiles du Sisnama, en vertu des déficits de capacité installée. Néanmoins, il est possible de percevoir, au moyen de l’analyse de données de Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (l’Institut Brésilien de Géographie et de Statistique), que la capacité des municipalités à s’occuper de la gestion environnementale locale ne fait qu’augmenter ces dernières années. Ainsi, des initiatives sont proposées qui visent à améliorer la performance de la mise en place de la PNMA.

Mots-clef: Politique Nationale de l’Environnement; Sisnama; Fédéralisme; Gestion Environnementale Partagée; Gestion Environnementale Locale.

1 MEIO AMBIENTE E POLÍTICA PÚBLICA

Como afirma a Constituição Federal de 1988, meio ambiente é um bem de uso comum do povo e direito de todos, ou seja, meio ambiente é elemento fundamental na interação entre os atores sociais. É esperado que, nesta interação, surjam

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diferentes conflitos de interesse. Embora muitos reconheçam a importância dos recursos naturais, não há consenso de como gerenciá-los, pois nem todos estão dispostos a arcar com os custos de tal gestão e as possíveis restrições de uso. Assim, tratar de questões ambientais é lidar com conflitos e com política, na perspectiva do conceito de Schmitter (apud RUA, 1998) de que política é a resolução pacífica de conflitos. O poder público tem o dever de defender o meio ambiente tanto quanto a coletividade, como traz a Constituição Federal, o que pressupõe políticas públicas, construídas em conjunto com a sociedade, para cumprir com esse dever que se estende às presentes e às futuras gerações.

Existem diversas definições a respeito do que vem a ser política pública. Saravia (2006) afirma que se trata de um fluxo de decisões públicas orientado a manter o equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa realidade. Sua finalidade é a consolidação da democracia, justiça social, manutenção do poder e felicidade das pessoas. Para compreender políticas públicas, Klaus (2000) afirma que é fundamental perceber três dimensões, que na língua inglesa distinguem-se por diferentes palavras: polity, politics e policy. Polity para denominar as instituições políticas, politics para os processos políticos e, por fim, policy para os conteúdos da política.

Se o meio ambiente é uma atribuição do poder público e da coletividade, será que as instituições políticas (polity) previstas para lidar com as políticas ambien-tais correspondem a esse pressuposto constitucional? Para tanto, neste texto, será discutido o arranjo institucional previsto na Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), denominado de Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama). Além disso, é necessário discutir o tema do federalismo, visto que a questão ambiental é competência comum de todos os entes federados, como previsto no artigo 23 da Constituição Federal.

A partir do arranjo do Sisnama, tratar-se-á também da necessidade de coor-denação entre as instituições para promover a gestão ambiental compartilhada, da contribuição e os limites para a atuação dos municípios, bem como dos entes mais recentes da federação brasileira. Assim, colocam-se as seguintes perguntas: qual a capacidade instalada nos municípios para lidar com a gestão ambiental compartilhada? Essa capacidade vem evoluindo ao longo dos anos?

Essas perguntas estão relacionadas à abordagem da polity, ou seja, às institui-ções envolvidas com as políticas ambientais. Parte-se de uma perspectiva macro para discutir o arranjo institucional em termos nacionais, os fóruns de coordena-ção e articulação e a capacidade instalada nos municípios. Para responder a tais questionamentos, serão tratados temas como: federalismo, Sisnama, coordenação de política, gestão ambiental compartilhada, papel dos municípios nas políticas ambientais e estruturação da gestão ambiental nos municípios. Será apresentada

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uma discussão a partir de referências bibliográficas e serão analisados os dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), comparando os resultados da pesquisa nos anos 2002 e 2008.

2 FEDERALISMO E DESCENTRALIzAÇÃO

A Constituição de 1988 elevou os municípios a entes federados, que passam a ter autonomia para se auto-organizarem, elegerem seus representantes, elaborarem suas leis e arrecadarem tributos próprios. Os municípios passaram, então, a assumir uma série de competências com relação a diversas políticas públicas. Mesmo que de forma compartilhada com outros entes da federação, os municípios passaram a ser protagonistas para diversas políticas. O artigo 23 da Constituição Federal enumera uma série de competências comuns com os diferentes entes da federação. Além disso, o capítulo 30 reafirma que as questões de caráter local são de competência dos municípios. A questão ambiental aparece entre as competências descritas no artigo 23, incisos VI e VII: “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” e “preservar as florestas, a fauna e a flora”.

A Constituição Federal abre a possibilidade de todos os entes federados tratarem da questão ambiental, contudo ela não aponta como isso deve ser feito. O parágrafo único do artigo 23 é que dá margem à legislação infraconstitucional, nele, há a previsão de que lei complementar venha a abordar como deve ser a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios. Embora a discussão da regulamentação do artigo 23 se arraste desde 2003 até o fim de 2009, não foi votada a lei para indicar as formas de cooperação, o que prejudica a coordenação da PNMA, entre outras políticas. Assim, compartilha-se do argumento de Cunha e Pinto (2008) de que, ao mesmo tempo em que a Constituição reforçou a descentralização e o compartilhamento de responsabilidades entre os entes federados, ela é omissa quanto aos mecanismos de coordenação interfederativa.

O federalismo é a base das relações políticas em nosso país. Para que de fato funcione, é preciso garantir a unidade na diversidade, resguardar a autonomia local e manter a integridade territorial em um país marcado pela heterogeneidade. Nesse sentido, um dos grandes desaf ios da federação é a coordenação intergovernamental, ou seja, como se dão as formas de integração, compartilhamento e decisão conjunta (ABRUCIO, 2005). A maior parte dos programas de governo é implementada a partir das relações intergovernamentais e de parcerias com a sociedade civil (ARRETCHE, 2001). Entretanto, operar políticas públicas com uma diversidade de atores sem a devida pactuação é tarefa praticamente impossível.

O atual governo colocou esse tema em pauta por intermédio de duas dinâmicas: i) a concertação entre os atores sociais; e ii) a repactuação federativa. Entre outras ações, destaca-se a criação, em 2003, de um instrumento chamado

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Comitê de Articulação e Pactuação Federativa (CAF). Esse comitê se propôs a garantir, ao mesmo tempo, o respeito à autonomia de cada esfera de governo, o reconhecimento de diferenças e contenciosos, a construção de agendas compartilhadas, a construção de consensos e a responsabilização diante de temas comuns entre a União e os municípios. Ele é composto por representantes do governo federal, coordenados pela Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República e pelas três entidades nacionais de representação de prefeitos: Frente Nacional de Prefeitos, Confederação Nacional de Municípios e Associação Brasileira de Municípios (TREVAS et al., 2004, p. 6-11). Entre os temas discutidos no CAF estava, desde o princípio, o encaminhamento de um Projeto de Lei Complementar, fixando normas para a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional, nos termos do parágrafo único do art. 23 da Constituição de 1988. Apesar de inúmeros esforços, essa temática não logrou êxito. Tal regulamentação tem especial interesse para a questão ambiental, visto que as discussões acerca do artigo 23 vêm sendo provocadas pela agenda ambiental. Também vale destacar que, embora o CAF represente um avanço no diálogo federativo, ele não inclui os estados.

Federalismo e descentralização são mecanismos complementares para a implementação de diversas políticas públicas. Na área de meio ambiente, esses mecanismos também representam um grande potencial, muito embora seja preciso discutir e identificar seus limites. Que competências cabem ou não (des)centralizar? É preciso que se fortaleçam mecanismos de gestão compartilha-da entre os diferentes entes e definam-se claramente as respectivas competências em uma perspectiva sistêmica.

3 ARRANJO INSTITUCIONAL DA POLÍTICA NACIONAL DE MEIO AMBIENTE

O arranjo institucional previsto para lidar com as questões ambientais é o Sisnama, instituído pela Lei no 6.938/1981, que sofreu algumas alterações, particularmente no período pós-constituinte, evidenciando a lógica federativa especialmente por meio dos órgãos central, seccionais e locais. O órgão central é representado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), que tem como finalidade planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente. Os órgãos seccionais são os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas e projetos, bem como pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental. Por fim, os órgãos locais são os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização destas atividades nas suas respectivas jurisdições. O Sisnama também é composto por um órgão superior, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), além de órgãos executores da política federal como o Ibama e o ICMBio.

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Na atual década, a criação de novos órgãos ambientais, vinculados ao Ministério do Meio Ambiente, aponta para uma tendência de especialização e setorização das agendas ambientais, como é o caso: i) da Agência Nacional de Águas (ANA), criada pela Lei no 9.984/2000; ii) do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), criado pela Lei no 11.284/2006; e iii) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), criado pela Lei no 11.516/2007. A criação desses órgãos não foi acompanhada do estabelecimento de um fórum institucionalizado no marco legal que propiciasse a coordenação entre as agendas específicas, mas que são permeadas de sobreposições. Desta maneira, a coordenação entre os órgãos é contingente, uma vez que fica a critério dos atores políticos, de modo que nem sempre os órgãos criados tornaram-se devidamente articulados, o que acarreta, frequentemente, sobreposições de competências, recursos, esforços e ainda demonstra déficit na coordenação das políticas ambientais.

A efetivação do Sisnama enquanto sistema que rege a política ambiental brasileira até hoje demonstra limitações. Todas as Unidades Federativas dispõem de pelo menos um órgão para tratar das questões ambientais, embora nem sempre estruturados com equipamentos, pessoal e orçamento para formular e implementar as políticas ambientais em suas esferas. Entretanto, o maior gargalo da institucionalização do Sisnama encontra-se nos municípios, apesar dos avanços obtidos nos últimos anos, como pode ser observado nos dados do IBGE que serão tratados com detalhes mais adiante.

A agenda ambiental também carece de espaços de diálogos interfederativos, da mesma forma que outras políticas setoriais, como constatado por Cunha e Pinto (2008). Nesse sentido, foram criadas, a Comissão Tripartite Nacional, por meio da Portaria no 189/2001, e as Comissões Técnicas Tripartites Estaduais, por meio da Portaria no 473/2003, do Ministério do Meio Ambiente. Tais comissões foram instituídas como um espaço de diálogo entre os órgãos e entidades ambientais dos municípios, dos estados, do Distrito Federal e da União com o objetivo de fortalecer o Sisnama e promover a gestão ambiental compartilhada. Entretanto, esses espaços de diálogo são frágeis. Instituídos por portaria, não compõem o arranjo institucional garantido na lei que cria o Sisnama, assim, podem, a qualquer tempo, ser desfeitos ou simplesmente desconsiderados. Além disso, outros fóruns de diálogos não propiciam a coordenação interfederativa. Exemplo disso é a constatação feita pela Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (Anamma), em levantamento informal dos representantes nos conselhos estaduais de meio ambiente, de que não há conselhos estaduais com assento de representação dos municípios.

Muitos programas implementados em âmbito nacional não passam por nenhuma das frágeis instâncias previstas para os diálogos federativos, o que pode ocasionar déficits de implementação. O diálogo entre os entes e a pactuação das

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políticas poderiam ser mecanismos importantes para melhorar a eficácia, eficiência e efetividade das políticas públicas na área ambiental. O resultado dessa falta de diálogo interfederativo acarreta falta de coordenação, fragmentação das políticas públicas, desperdício de recursos, sobreposição de ações, além dos inúmeros conflitos de competência, especialmente quanto aos licenciamentos ambientais, levando a questionamentos do Ministério Público.

Assim, muitos dos desafios das políticas públicas ambientais são comuns aos das políticas sociais, tal como descritos por Arretche (2006): a responsabilização e a definição de competências de cada ente federado individualmente, a definição do que é comum a todos e, ainda, os mecanismos de integração e coordenação para a operacionalização do trabalho compartilhado.

A complexidade das políticas ambientais ultrapassa a necessidade de coordenação e cooperação entre os entes federados. As políticas ambientais devem ser concebidas de modo a dialogar, de forma horizontal, com as políticas setoriais a fim de incorporar critérios ambientais na concepção de todas as políticas públicas, especialmente as de desenvolvimento. Além disso, para promover esse diálogo setorial (horizontal) e federativo (vertical), o arranjo institucional previsto no Sisnama é precário, muito embora haja no governo federal possíveis espaços para estabelecer o diálogo, como o Comitê de Assuntos Federativos

4 O PAPEL DOS MUNICÍPIOS NA GESTÃO AMBIENTAL

É fundamental discutir a temática ambiental em âmbito local. Nesse sentido, diversos temas serão discutidos, tais como: o papel dos municípios na Política Nacional do Meio Ambiente, os riscos e as oportunidades dos municípios assumirem protagonismos nas políticas públicas ambientais e a capacidade instalada para assumir as competências cabíveis. Com essa discussão e a análise de dados secundários é que se pretende responder às questões: qual a capacidade instalada nos municípios para lidar com a gestão ambiental compartilhada? Essa capacidade vem evoluindo ao longo dos anos?

Carlo (2006) traz, a partir de diversos autores, alguns riscos no processo de des-centralização de políticas públicas: captura do poder local por grupos que se beneficiam de práticas predatórias; corrupção de políticos e funcionários públicos; e exercício do poder oligárquico pelas elites locais, com prejuízo da qualidade dos serviços prestados.

A especificidade das políticas ambientais traz alguns agravantes, pois os in-teresses locais, muitas vezes –, apontam no sentido da promoção do crescimento econômico imediato e repudiam o cumprimento da legislação ambiental. Além disso, a escala para se promover a gestão dos recursos naturais é maior que a do município, portanto, a maioria das questões deve, no mínimo, ser tratada em escala que obedeça à lógica dos recursos naturais, como bacia hidrográfica ou bioma, por exemplo. Outro agravante é que, em geral, os municípios carecem de capaci-

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dade técnica para lidar com problemas ambientais. Ademais, a autora aponta que a falta de participação social é uma das principais causas do fracasso de processos de descentralização das políticas públicas (CARLO, 2006).

Porém são inúmeros os exemplos de iniciativas locais de recuperação, preservação e boa gestão dos recursos naturais. Além de soluções criativas locais, é no município que a população está mais próxima dos representantes políticos e interagem diretamente com as políticas públicas. Portanto é nesse espaço territorial que a organização da sociedade pode levar à construção de consensos e de outras lógicas de desenvolvimento que valorizem o local, as relações humanas, a justiça social. Nessa linha, é interessante a discussão que Farah (2006) traz acerca da importância das iniciativas locais em um processo embrionário de reconstrução do Estado brasileiro, estabelecendo uma nova relação entre Estado e sociedade, além da redefinição da esfera pública, orientada para a democratização da gestão das políticas públicas no país.

Contudo algumas características tornam esse processo mais difícil. O universo dos municípios é extremamente diversificado, a começar pela população e como ela está distribuída no território. A maior parte dos municípios brasileiros, que, juntos, representam mais de 70%, são pouco populosos, com até 20 mil habitantes (gráfico 1). Por sua vez, 4% dos municípios mais populosos (com acima de 100 mil habitantes) somam a metade da população brasileira.

GRÁFICO 1Distribuição da população residente nos municípios brasileiros, por categorias, conforme o tamanho de sua população (2000)(Em %)

Fonte: IBGE (2000).

Outra análise fundamental a ser feita para compreender a diversidade do universo dos municípios é o tipo de problema ou potencial ambiental.

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33Os municípios e a política nacional do meio ambiente

Os municípios mais populosos e das regiões metropolitanas lidam com problemas de naturezas muito diferentes dos pouco populosos. Enquanto os municípios das regiões metropolitanas enfrentam problemas como a poluição do ar ou o excesso de impermeabilização, os pequenos lidam com pressões sobre os recursos naturais, seca ou salinização do solo, por exemplo. As características ambientais como o tipo de bioma, bacia, forma de ocupação do espaço e a localização acarretam pressões de naturezas distintas. A gestão ambiental de um município localizado em áreas prioritárias para conservação é distinta daquela em áreas destinadas à exploração mineral ou em áreas de expansão agropecuária. Além disso, a renda per capita da população, o grau de mobilização social, a diversidade populacional (comunidades tradicionais, industriais, população rural ou urbana) também interferem nas características socioambientais desses territórios. Por fim, a capacidade instalada dos municípios para lidar com a gestão ambiental – pessoal qualificado, recursos, marco legal e conselho de meio ambiente – influi no tipo de gestão ambiental que será promovida nos diferentes municípios.

Todos esses elementos devem ser considerados na reflexão e nas decisões acerca das competências municipais de gestão ambiental. Essa discussão estará presente na pauta dos colegiados ambientais estaduais tão logo seja aprovada a lei complementar que regulamenta o artigo 23 da constituição, como previsto no atual Projeto de Lei Complementar de dezembro de 2003.

É preciso desencadear uma discussão acerca do perfil dos municípios com o intuito de identificar categorias no que tange à gestão ambiental local levando em conta diversos critérios como os citados anteriormente. A partir de tais categorias, será necessário estabelecer as respectivas competências. Essa discussão certamente seria muito mais proveitosa se ocorresse não apenas nos conselhos estaduais ou nas comissões tripartites estaduais, como previsto no projeto de lei. O governo federal poderia assumir um papel fundamental na coordenação dessa discussão, identificando soluções e gargalos a partir da heterogeneidade das realidades nas regiões brasileiras e promovendo o intercâmbio entre os estados e municípios.

5 PESQUISA DE INFORMAÇÕES BÁSICAS MUNICIPAIS (MUNIC) DO IBGE E A GESTÃO AMBIENTAL MUNICIPAL

A MUNIC tem por objetivo a consolidação de uma base municipal de informações, com dados estatísticos e cadastrais atualizados, que proporcionam um conjunto relevante de indicadores de avaliação e monitoramento do quadro institucional e administrativo das cidades brasileiras.

Realizada pelo IBGE desde 1999, inclui registros administrativos relativos às prefeituras de todos os municípios brasileiros. Segundo Carlo (2006), essa pesquisa é importante fonte de informações sobre o aparato institucional de planejamento público local, as finanças públicas, os programas sociais, a oferta de serviços e de infraestrutura.

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No ano de 2002, a MUNIC, que estava em sua terceira edição, aplicou um suplemento específico de meio ambiente, e os dados foram publicados em 2005. Entre os temas abordados na pesquisa estão: a existência de estrutura administrativa, a disponibilidade de recursos financeiros, o andamento da implementação da Agenda 21 local, a existência de legislação ambiental, a articulação institucional municipal em meio ambiente, os programas e ações de preservação ambiental praticados, a existência de unidades municipais de conservação da natureza, entre outros (IBGE, 2005).

A última versão da MUNIC foi lançada no final de 2008. Nela, alguns temas ambientais foram novamente pesquisados, o que permite uma comparação de dados com a pesquisa de 2002. Entre os temas, estão estrutura organizacional, pessoal, atuação do Conselho Municipal de Meio Ambiente, recursos específicos para a área, existência de articulação intermunicipal e principais ocorrências impactantes observadas com frequência no meio ambiente do município nos últimos 24 meses (IBGE, 2008).

As perguntas feitas nos dois anos foram, em alguns casos, formuladas de forma diferente. O quadro 1 apresenta uma breve comparação de perguntas que sofreram alterações.

QUADRO 1Comparação entre perguntas da MUNIC (2002 e 2008)

Critérios 2002 2008

Órgão

ambiental

1) Esta Prefeitura possui uma Secretaria de Meio Ambiente?SimNão

2) A Secretaria trata unicamente de meio ambiente?SimNão

3) Esta Prefeitura possui um departamento,

assessoria, setor ou órgão similar para tratar

da questão ambiental?Sim

Não

1) O órgão responsável pelo meio ambiente no

município caracteriza-se como:

a) Secretaria municipal exclusiva;

b) Secretaria municipal em conjunto com outros

temas;

c) Departamento, assessoria, setor ou órgão

similar de meio ambiente;

d) A prefeitura não possui órgão de meio

ambiente.

Funcionários

Total de funcionários ativos na estrutura

administrativa de meio ambiente (estatutários

e CLT, contratado sem vínculo empregatício

e prático)1

Registre a quantidade de pessoas ocupadas na área

do meio ambiente conforme (estatutários, celetistas,

comissionados, sem vínculo permanente)2

(Continua)

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35Os municípios e a política nacional do meio ambiente

(Continuação)

Critérios 2002 2008

Conselho

1) O município possui um Conselho Municipal

de Meio Ambiente?

Sim

Não

2) Qual o caráter do Conselho de Meio

Ambiente?

a) Consultivo;

b) Deliberativo.

3) Qual a proporção de representação da

sociedade civil neste Conselho?

a) Menos de 50%;

b) Mais de 50%;

c) Não há representação da sociedade civil.

4) Com que frequência o Conselho de Meio

Ambiente se reuniu nos últimos 12 meses?

a) Mensal ou menos;

b) Bimestral/trimestral;

c) Quadrimestral/semestral;

d) Irregular;

e) Realizou apenas uma reunião.

1) O município possui Conselho Municipal de

Meio Ambiente ou similar?Sim

Não

2) O Conselho Municipal de Meio Ambiente

tem caráter:

a) Consultivo;

b) Deliberativo;

c) Normativo;

d) Fiscalizador.

3) O Conselho Municipal de Meio Ambiente:

a) É paritário;

b) Tem maior representação da sociedade civil;

c) Tem maior representação governamental.

4) O Conselho Municipal de Meio Ambiente

realizou reunião nos últimos 12 meses?

Sim

Não

Recursos

1) Em 2001 a Prefeitura recebeu recursos

financeiros específicos para o meio

ambiente?

Sim

Não

2) Em 2001 o município contou com o Fundo

Municipal de Meio Ambiente?

Sim

Não

1) O município contou com recursos específi-

cos para a área ambiental nos últimos 12

meses?

Sim

Não

2) O município possui Fundo Municipal de

Meio Ambiente?

Sim

Não

Elaboração da autora.

Notas: 1 Prático é a pessoa que tem conhecimento local dos rios e matas, contratada para trabalhar por prestação de serviços para determinada ação ambiental em lugares remotos, sem vínculo empregatício.

2 Sem vínculo são os cedidos por órgãos federais ou estaduais, os prestadores de serviços, os voluntários, entre outros.

São inúmeras as possibilidades de cotejamento e análises a partir da base de dados da MUNIC, mas o presente trabalho ficará limitado a estabelecer algumas comparações quanto aos seguintes temas:

• Presença de estruturas de meio ambiente: órgãos, secretaria, departa-mento, órgão;

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• Pessoal que trabalha nos órgãos ambientais;

• Presença de Conselho de Meio Ambiente;

• Disponibilidade de recursos específicos para meio ambiente.

Tais temas foram eleitos, pois indicam a capacidade instalada para promo-ver a gestão ambiental local: presença de órgão, pessoal trabalhando na área, instância de deliberação com participação social e recurso. A análise se dará a partir das planilhas produzidas pelo IBGE, disponíveis na página eletrônica do órgão. Estas tabelas reúnem as informações dos municípios agrupadas por estado, por região e por categorias de municípios conforme população residente. Os dados desses dois anos foram comparados e são apresentados em gráficos organizados por região e por categoria de município conforme população residente, bem como serão apresentados elementos que se destacam no conjunto de dados.

5.1 Estruturas de meio ambiente nos municípios

Dispor de algum tipo de órgão para tratar a questão ambiental é elemento básico para implementar as políticas ambientais no município. Em 2002, 68% dos municípios afirmavam dispor de órgão responsável pela gestão ambiental local. Este percentual cresceu 15% nos seis anos seguintes. Houve crescimento em todas as regiões brasileiras, como pode ser visto no gráfico 2, bem como em todas as categorias de municípios divididos por população residente.

Enquanto, no Brasil, o aumento percentual das estruturas de meio am-biente foi de 15%, a região Norte teve um acréscimo de 37%, alcançando um índice de 89% dos municípios nessa região que afirmam dispor de algum tipo de órgão ambiental. Possivelmente tal resultado seja um indicativo dos inúmeros programas e investimentos para o fortalecimento da gestão ambiental na região amazônica. Em contrapartida, a região Sul foi a de menor crescimento percentual, com apenas 5% nesse período, ou seja, passou de 82% para 86%. Este menor crescimento percentual é facilmente explicado, pois a região Sul já detinha o maior percentual de municípios com estruturas de meio ambiente. De forma surpreendente, a região Sudeste é a que detém o menor percentual de municí-pios com órgãos ambientais. É interessante destacar que o avanço percentual na região Norte superou todas as demais regiões do país. Os dados apontam que essa região é a que tem o maior percentual de municípios com algum tipo de estrutura na área ambiental.

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37Os municípios e a política nacional do meio ambiente

GRÁFICO 2Quantidade de municípios com órgãos de meio ambiente, comparação por região e por categorias, conforme o tamanho da população dos municípios (2002 e 2008)(Em %)

Fonte: IBGE (2005 e 2008).

A maioria dos municípios com mais de 20 mil habitantes afirma ter algum tipo de órgão ambiental. Mesmo os municípios menores afirmam dispor de estruturas para lidar com a questão ambiental, o que corresponde a 75% dos municípios entre 5 e 20 mil habitantes e 67% dos municípios com até 5 mil habitantes (gráfico 2).

Tal resultado é bastante expressivo, pois representa que a maior parte da população brasileira reside em municípios que dispõem de órgãos ambientais locais. É bastante compreensivo que os pequenos municípios não tenham tal estrutura e tampouco acredita-se que a solução seja a criação de órgãos ambientais em todos os municípios brasileiros. Os municípios menores podem atuar na área ambiental por meio de parcerias com outras políticas e/ou com outros municípios, numa perspectiva regionalizada, por meio de iniciativas transversais e consorciadas.

É o caso da experiência na região do Vale do Ribeira, uma das regiões mais pobres do Estado de São Paulo, que formou, em 2004, o Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (Consad). Este consórcio reúne 25 municípios da região e é constituído em parceria com a sociedade civil, que representa dois terços do quórum. Diferentes políticas públicas em âmbito federal estão articuladas para a região; trabalham juntos Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério do Desenvolvimento Agrário e Ministério do Meio Ambiente, todos articulados para promover o desenvolvimento territorial sustentável. De forma

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mais recente, a região foi eleita como Território da Cidadania;1 em 2009, foram previstas 72 ações de dez ministérios que tratam dos seguintes temas: direitos e desenvolvimento social; organização sustentável da produção; saúde, saneamento e acesso à água; educação e cultura; infraestrutura; apoio à gestão territorial e ações fundiárias. Essa perspectiva territorial representa um novo arranjo de política pública, pois, além de fortalecer os municípios pequenos, que carecem de recursos e estrutura para a gestão ambiental local, trata da temática de forma transversal.

5.2 Pessoal atuando na gestão ambiental municipal

A maior parte dos estados aumentou o contingente de pessoal trabalhando na área ambiental. Apenas em cinco estados (Acre, Ceará, Pernambuco, Sergipe, Rio de Janeiro) o número foi reduzido. Porém é possível perceber que houve um aumento do pessoal em todas as regiões brasileiras, bem como em todas as categorias de municípios divididos pela população (gráfico 3). Hoje são mais de 41 mil pessoas trabalhando na gestão ambiental pública municipal e, nesse período de seis anos, houve um acréscimo de 32,7%, com destaque para o Rio Grande do Norte, que quase triplicou a quantidade de gestores ambientais municipais. Novamente, a região Norte foi a que teve o maior crescimento percentual em gestores atuando nos municípios, aumentando de 2.526 pessoas para 4.662, com destaque para o Tocantins, que passou de 174 para quase 600 pessoas. A região Sudeste tem o maior contingente, são mais de 16 mil pessoas, especialmente em São Paulo e Minas Gerais, que, juntos, reúnem mais de 30% do pessoal que trabalha com gestão ambiental nos municípios brasileiros.

Além disso, o gráfico 3 demonstra que a maior concentração de pessoal trabalhando com gestão ambiental está nos municípios entre 20 e 100 mil habitantes. Vale destacar que a natureza do trabalho dos gestores nos municípios menores é muito distinta do trabalho nos municípios maiores. Nesse sentido, políticas e programas de capacitação de gestores municipais devem levar em conta tal diversidade, bem como devem considerar a identificação clara da natureza do trabalho, conforme as competências assumidas por esses municípios.

O número de trabalhadores é um dos elementos para verificar as capacidades instaladas para a gestão ambiental local; é indicativo da polity, entretanto não demonstra o impacto na policy, ou seja, não é suficiente para demonstrar o aumento das capacidades para a formulação e implementação das políticas públicas. Embora existam muitas pessoas trabalhando nos municípios, é muito comum que elas careçam de qualificação técnica para os desafios que lhe são postos, o que demonstra a importância de políticas continuadas de formação e qualificação de pessoal para assumir as competências adequadas para cada município.

1. Território da Cidadania é um programa do governo federal que tem como objetivos promover o desenvolvimento econômico e univer-salizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. A participação social e a integração de ações entre governo federal, estados e municípios são fundamentais para a construção dessa estratégia.

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GRÁFICO 3Pessoal que trabalha na área ambiental nos municípios, comparação por região e por categorias, conforme o tamanho da população dos municípios (2002 e 2008)

Fonte: IBGE (2005 e 2008).

Além das citadas, outras pessoas estão envolvidas com a gestão ambiental local: são os conselheiros da sociedade civil. Portanto esse número provavelmente deve ultrapassar 50 mil pessoas envolvidas com a elaboração, implementação e acompanhamento de políticas públicas de meio ambiente na esfera local. O contin-gente de pessoal que atua na área de meio ambiente nos órgãos públicos no Brasil é ainda maior se considerarmos os servidores dos órgãos estaduais e nacionais. Nesse sentido, qualificar a atuação dessas pessoas é algo extremamente estratégico e que deveria ser feito de modo coordenado e continuado, na perspectiva de melhorar o desempenho das políticas públicas ambientais.

Esse contingente é merecedor de políticas públicas de qualificação, de desenvolvimento de capacidades, tais como o Programa Nacional de Capacitação de Gestores Ambientais e Conselheiros Municipais (PNC), o Programa Nacional de Meio Ambiente (PNMA) e muitas outras iniciativas desarticuladas de capacitação de servidores nas diferentes esferas e temáticas na área ambiental. O PNC, programa de maior representatividade junto aos gestores municipais, desde a sua criação, em 2005, até o final de 2008, envolveu cerca de sete mil pessoas em processos de capacitação; um percentual pequeno (14%) comparado ao volume total de pessoas envolvidas com a gestão ambiental local (MMA, 2008). Além do caráter continuado de capacitação, o que quer dizer que mesmo aqueles que já participaram deveriam continuamente passar por processos de qualificação, há outro motivo para investir em capacitação, que é a rotatividade de pessoal nos municípios,

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especialmente em períodos eleitorais. Apesar dos esforços de alguns municípios na realização de concurso e contratação de servidores, um percentual significativo mantém uma relação trabalhista precária, não condizente com os desafios postos para políticas públicas ambientais. Daí a necessidade de se formular e implementar uma política nacional de capacitação de gestores públicos e conselheiros de meio ambiente no Brasil. Essa política deveria ser concebida e implementada de forma coordenada com todos os órgãos ambientais nacionais e as representações dos órgãos estaduais e municipais, além de outros órgãos públicos como as escolas de governo, universidades, escolas técnicas e demais atores de políticas correlatas, ou seja, deveria ser uma política interfederativa e intragovernamental, com o intuito de otimizar esforços e compatibilizar as demandas.

5.3 Conselhos municipais de meio ambiente

Os Conselhos Municipais de Meio Ambiente são espaços privilegiados para a negociação das demandas e conflitos, bem como a mediação dos interesses locais. A simples criação de conselhos não representa que sua finalidade seja cumprida; a sua composição também não representa a real participação dos atores. A MUNIC traz um indicativo dos conselhos existentes e faz uma tentativa de buscar informações sobre seu funcionamento quando questiona sobre a periodicidade das reuniões nos últimos 12 meses, mas esses dados não são conclusivos sobre o real funcionamento e participação efetiva da sociedade, para tanto, seriam necessários outros mecanismos de avaliação. Contudo a comparação ao longo dos anos e com outras políticas setoriais pode trazer alguns indicativos.

Segundo o IGBE (2008, p. 64), há dados relativos à criação de conselhos mu-nicipais de meio ambiente desde 1975, quando o município de Cubatão (SP) criou o primeiro conselho municipal de meio ambiente do país. Esses dados apontam para um aumento do número de conselhos de meio ambiente com maior intensidade a partir de 1997, e de maneira mais evidente, nos anos imediatamente seguintes aos das eleições municipais (1997, 2001 e 2005), ou seja, no primeiro ano de governo dos prefeitos, o que pode indicar iniciativa proativa do prefeito e/ou pressão da sociedade.

Quando comparado com conselhos de outras políticas públicas, a área de meio ambiente apresenta um baixo desempenho. Por exemplo, em 2001, os conselhos de saúde estavam presentes em 98% dos municípios do país, os de assistência social, em 93%, os de direitos da criança e do adolescente, em 77%, e os de educação, em 73%. Por sua vez, na mesma época, os conselhos de meio ambiente estavam presentes em apenas 21,4% dos municípios. Essa diferença pode ser explicada pelo fato de que nas políticas de saúde e assistência social, diferentemente da área de meio ambiente, há transferência de recursos condicionados à existência de conselhos municipais. Na área ambiental, não há obrigatoriedade de transferências de recursos entre entes, as transferências são voluntárias por meio de convênios. Com esses dados e a partir

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das análises de Arretche (2006, p. 105) é possível inferir que o fato de a União não assumir o papel de financiador da política ambiental acaba enfraquecendo seu potencial papel de coordenador, bem como reduzindo as possibilidades de alcançar resultados redistributivos.

Houve um crescente aumento do número de conselhos municipais de meio ambiente entre 2002 e 2008, foram criados 755 conselhos, totalizando 2.650 conselhos municipais, o que significa que os conselhos estavam presentes em quase 48% dos municípios brasileiros. Embora esse dado indique uma evolução nos espaços de participação, é possível perceber que mais da metade dos municípios no Brasil ainda carecem desse espaço (gráfico 4). Dos 1.895 municípios (34%) que tinham conselho municipal em 2002, 1.451 (26%) eram ativos, ou seja, reuniram-se pelo menos uma vez nos 12 meses anteriores à data da pesquisa. Em 2008, dos 2.650 municípios com conselho, 1.880 (33,8% dos municípios brasileiros) haviam se reunido nos últimos 12 meses. Embora ainda existam conselhos que não funcionem, podemos perceber que tais espaços de controle social estão se fortalecendo.

Nesses anos, a criação dos conselhos aconteceu na maior parte dos estados em todas as regiões do país (gráfico 4), das quais as regiões Sul e Norte tiveram os maiores índices de crescimento percentual. As regiões Sul e Sudeste são as que têm maior número de conselhos municipais de meio ambiente, 61% e 59%, respectivamente, seguidas pela região Centro-Oeste, com 51% dos municípios. Não obstante todas elas ainda carecem de espaços para a participação e controle social.

GRÁFICO 4Municípios com conselhos de meio ambiente, comparação por região e por categorias, conforme o tamanho da população dos municípios (2002 e 2008)(Em %)

Fonte: IBGE (2005 e 2008).

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Enquanto a média de crescimento foi de 14%, somente o Estado do Ceará teve um acréscimo de 47%, passando de apenas 28 municípios com conselho para 115. Este expressivo resultado pode ser explicado pelo estímulo dado à criação e ao fortalecimento de conselhos por programas como o Selo Verde, do órgão estadual de meio ambiente, e o Programa Nacional de Capacitação de Gestores Ambientais e Conselheiros Municipais, do MMA, em parceria com a Associação de Municípios e com o órgão estadual de meio ambiente. No Rio Grande do Sul, há uma tradicional política de fortalecimento da gestão ambiental municipal, isso se traduz no estado com o maior percentual de conselhos municipais do país (80%).

Em todas as categorias de municípios, desde os menos populosos até as mega-lópoles, houve um aumento do número de conselhos. Mais de 90% dos municípios com mais de 100 mil habitantes têm conselhos de meio ambiente. Esses espaços estão menos presentes nos municípios menores. Para municípios muito pequenos, a simples criação de diversos espaços de participação social pode, inclusive, levar ao esvaziamento e competição pela participação nos diferentes conselhos de políticas públicas. Nesses casos, dever-se-ia incentivar a criação de conselhos gerais que tra-tassem do conjunto das políticas públicas.

5.4 Recursos para a gestão ambiental municipal

Para implementar políticas públicas, é necessário ter estrutura administrativa, ter pessoal, ter espaço de negociação política e, sobretudo, ter recursos financeiros. A MUNIC traz resultados significativos com relação a esse quesito.

Em 2002, 18% dos municípios brasileiros afirmaram dispor de algum recurso para a área de meio ambiente, percentual extremamente baixo. A região com menor percentual era a Nordeste (apenas 6%), e a maior, a Sudeste (28%) (gráfico 5).

Em todas as regiões do país, houve um expressivo aumento de municípios com recursos específicos para meio ambiente. Em termos nacionais, mais do que duplicou, passando de 987 para 2.079 municípios. O gráfico 5 aponta que há uma relação direta entre municípios maiores e a destinação de recursos específicos para meio ambiente e uma limitação dos municípios menores para disporem de tais recursos.

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GRÁFICO 5Municípios com recursos específicos para meio ambiente (2002 e 2008)(Em %)

Fonte: IBGE – MUNIC (2005 e 2008).

O aumento percentual entre os dois anos foi mais expressivo na região Centro-Oeste, que passou de 13% para 57,3% dos municípios da região contando com recursos para essa área. Os Estados do Amazonas e Tocantins se destacam quanto ao percentual de municípios com recursos, são mais de 80% dos municípios nos dois casos.

Esse aumento é tão significativo que vale questionar a confiabilidade do dado, pois a questão do formulário teve pequena alteração entre um ano e outro, o que pode dar margem a diferentes entendimentos. As perguntas foram: “Em 2001 a Prefeitura recebeu recursos financeiros específicos para o meio ambiente?”, na pesquisa de 2002, e “O município contou com recursos específicos para a área ambiental nos últimos 12 meses?” na pesquisa de 2008. A forma com que a pergunta foi feita em 2002 pode dar margem a entendimento que excluiria possíveis recursos da própria prefeitura.

Outra pergunta relacionada aos recursos, que provavelmente teve diferentes entendimentos nos dois anos da pesquisa, foi a presença de Fundo Municipal de Meio Ambiente. Nesse caso, as perguntas nos formulários foram: “Em 2001 o município contou com o Fundo Municipal de Meio Ambiente?”, na pesquisa em 2002, e “O município possui Fundo Municipal de Meio Ambiente?” em 2008. Em 2002, apenas 81 municípios responderam que tinham Fundo Municipal de Meio Ambiente, enquanto, em 2008, 1.260 municípios afirmaram ter o fundo. Como a criação de um fundo público pressupõe a aprovação de uma lei, levanta-se a seguinte hipótese: os municípios desconheciam a existência de fundos e,

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por conta de um grande esforço do MMA, por intermédio do Fundo Nacional do Meio Ambiente, em esclarecer o papel dos fundos públicos de meio ambiente e fortalecê-los, muitos fundos já criados foram (re)descobertos. É certo que diversos fundos foram criados por lei, mas essa pesquisa não dá a real dimensão de comparação entre esses dois anos.

De qualquer forma, esses dados relativos aos recursos específicos para meio ambiente indicam que essa temática está entrando na agenda dos governos municipais, e é provável que tenhamos mais recursos públicos aplicados em meio ambiente hoje do que há sete anos.

6 POTENCIAIS E LIMITES DA ATUAÇÃO MUNICIPAL

A análise comparativa dos dados da MUNIC aponta para um processo de fortalecimento da gestão ambiental nos municípios brasileiros, que estão gradativamente assumindo atribuições no que diz respeito à gestão ambiental local. Todos os critérios analisados – estrutura, pessoal, conselho e recursos – demonstram evoluções nas estruturas municipais entre os anos 2002 e 2008, tanto na análise por regiões quanto por categorias de municípios por população residente.

Um destaque pode ser dado para os municípios da região Norte, que demonstraram os maiores percentuais de fortalecimento, entre eles, os do Estado do Tocantins, com desempenhos sempre superiores à média em todos os critérios analisados.

Os estados com iniciativas de gestão ambiental compartilhada e programas de fortalecimento da gestão ambiental municipal sinalizam para processos catalisados de fortalecimento das capacidades locais, como é o caso do Rio Grande do Sul, Ceará e Rio Grande do Norte.

Carlo (2006), ao analisar os dados relativos à gestão ambiental municipal, em 2002 e 2004, dessa mesma pesquisa do IBGE, conclui que a heterogeneidade presente nas estruturas de gestão ambiental dos municípios reflete, de maneira geral, as mesmas desigualdades estruturais de natureza econômica, social, política e de capacidade administrativa dos governos municipais. A análise aqui apresentada não abordou todos os dados com a mesma profundidade, mas há indícios de outras conclusões, visto que os estados que tiveram melhores desempenhos não são necessariamente aqueles que dispõem dos melhores índices econômicos, como é o caso do Tocantins, Rio Grande do Norte e Ceará. Seria necessária uma avaliação mais aprofundada para investigar os motivos dos melhores desempenhos.

Carlo (2006) também defende o importante papel dos municípios na implementação da gestão ambiental, tendo em vista que, somente no âmbito local, é possível obter uma imagem precisa dos principais problemas ambientais bem como das reais necessidades da população. Ela indica a falta de empoderamento

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dos municípios como interlocutores do Sisnama, apesar de um aparente esforço para gerar novas estruturas administrativas e articulações institucionais.

Os dados obtidos em 2008 apontam para um processo de fortalecimento muito significativo da gestão ambiental municipal. Trata-se de mais de 4.300 municípios com órgãos de meio ambiente, mais de 40 mil pessoas trabalhando nas prefeituras, mais de 1.800 conselhos que se reuniram nos 12 meses anteriores à pesquisa, mais de dois mil municípios com recursos específicos para meio ambiente. Apesar disso, é certo que esse volume de recursos, pessoas e instituições estejam atuando de forma fragmentada e subutilizada, pois as iniciativas de diálogos interfederativos são precárias e, como consequência, temos subaproveitamento de recursos públicos, sejam eles financeiros ou humanos.

Aumentar as responsabilidades locais por meio da gestão ambiental compartilhada pode representar um dilema, tal como apontado por Castells (1998 apud AZEVEDO, PASQUIS e BURSZTYN, 2007), de acordo com o qual, os governos locais são mais propícios para estabelecer o controle e participação social, mas, em contrapartida, são também os governos locais os mais suscetíveis à captura da administração por interesses privados.

Nesse sentido, é preciso otimizar a aplicação dos potenciais e administrar os limites, o que parece ser uma maneira racional para melhorar o desempenho da implementação da Política Nacional de Meio Ambiente. Não obstante outras iniciativas, apresentam-se algumas propostas que devem contribuir nesse processo:

1) Aprimoramento e fortalecimento dos espaços de diálogos e articulações interfederativas;

2) Definição conjunta das competências municipais, levando em conta múltiplos critérios;

3) Criação de espaços de diálogo, comunicação e cooperação técnica entre os gestores;

4) Fortalecimento e articulação regional de forma consorciada;

5) Ação consorciada para pequenos municípios;

6) Integração das ações com base no território;

7) Capacitação de gestores e conselheiros de meio ambiente;

8) Ações específicas em locais com maiores pressões sobre os recursos naturais;

9) Inspiração em outras políticas públicas;

10) Mecanismos financeiros sistêmicos.

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Ou seja:

1) Aprimorar e fortalecer os espaços de diálogos e articulações interfederativas, tais como Comissões Técnicas Tripartites e Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, decorre de que as Comissões Técnicas Tripartites carecem de maior institucionalização no marco legal, bem como priorização pelos membros participantes. É preciso que esses fóruns sejam efetivamente utilizados para resolver questões relativas à gestão ambiental compartilhada. É fundamental que os Conselhos Estaduais de Meio Ambiente possam rever suas composições, incluindo as representações municipais. Nesses espaços de diálogos interfederativos, o governo federal tem papel crucial na coordenação das discussões, na busca de minimizar a fragmentação das políticas públicas e construir consensos e papéis diferenciados.

2) Os fóruns de diálogo são locais privilegiados para a construção e pactuação das atribuições dos municípios. É preciso incluir nessa discussão múltiplos critérios a fim de identificar perfis de municípios a partir dos quais devem ser estabelecidas as competências municipais. Alguns dos critérios sugeridos são: a capacidade instalada nos municípios, o tamanho da população, os impactos sobre os recursos naturais, as categorias de problemas e potenciais ambientais, a diversidade e o grau de conflito entre os atores locais. Além disso, é preciso repensar o papel dos governos federal e estaduais para a “importância de acompanhar o processo de redistribuição de competências e recursos por meio de mecanismos de coordenação entre os distintos níveis institucionais em que se desenvolvem as ações dos agentes políticos”, como aponta Castells (1998 apud AZEVEDO, PASQUIS e BURSZTYN, 2007).

3) Além das instâncias políticas, é preciso criar mecanismos de diálogo, comunicação e cooperação técnica entre os gestores que atuam nos órgãos ambientais. Isso permitirá não apenas a busca de soluções, mas, especialmente, garantir apoio mútuo, maior transparência e disseminação de informações de natureza técnica. Essas trocas permitem aumentar as capacidades locais no que tange à formulação e implementação das políticas públicas. Hoje, as tecnologias de comunicação de informação, especialmente por meio da internet, propiciam abrir canais de diálogos os mais diversos, que poderiam ajudar na qualificação dos técnicos, gestores municipais e conselheiros de meio ambiente.

4) Também é fundamental estimular a lógica de fortalecimento regional, de modo que os gestores municipais possam participar e se articular em comitês de bacias, entorno de unidades de conservação, territórios da cidadania ou em outras lógicas regionais. A perspectiva regional

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é fundamental para as questões ambientais, pois o planejamento ambiental requer escalas maiores do que o território municipal, como é o caso de políticas de recursos hídricos, conservação da biodiversidade, gestão florestal, desenvolvimento territorial sustentável, entre outras. A articulação regional também facilita na implementação de diversas políticas por economia de escala, como gestão de resíduos sólidos, tratamento de água e esgoto. Existem iniciativas de ações consorciadas especialmente para políticas de saneamento ambiental e que, a partir da nova Lei de Consórcios Públicos (Lei no 11.107/2005), podem ser ainda mais incentivadas. Essa lei traz muitas inovações no que tange ao arranjo regional, que, por ser recente no marco jurídico brasileiro, acaba suscitando dúvidas e posturas de precaução. O esclarecimento das dúvidas e a construção de alternativas vai acontecer à medida que as práticas consorciadas forem desenvolvidas, e, para isso, alguns gargalos precisam ser superados, sobretudo questões político-partidárias.

5) As ações consorciadas também representam uma escolha apropriada para aqueles municípios que não dispõem de recursos e estrutura que comporte órgão, conselho e pessoal específico para meio ambiente. Os municípios pequenos, atuando de forma conjunta e coordenada, fortalecem-se e conseguem dialogar com outros entes de forma prioritária quando comparados com municípios isolados. A parceria de diversos municípios pequenos com um município polo pode ser uma forma de equacionar problemas regionais e uma oportunidade para estabelecer novos arranjos de políticas públicas, em parceria com a sociedade e outros entes governamentais.

6) No âmbito do município, há muitas oportunidades para a transversalização das ações com base no território. A partir do território, envolvendo um ou diversos municípios, é possível integrar políticas de saúde, saneamento, educação, agricultura, turismo, meio ambiente, desenvolvimento local sustentável etc. Esta é uma oportunidade de superar o gargalo da fragmentação das políticas. Os órgãos estaduais e nacionais de meio ambiente poderiam fomentar esse tipo de iniciativa, como as experiências do Consad e territórios da cidadania, além de dialogar com as representações municipais de modo a buscar boas práticas de integração de políticas para que inspirem outros municípios em suas políticas locais de meio ambiente.

7) A integração de ações também poderia ocorrer por meio de iniciativas de qualificação da sociedade, especialmente os conselheiros, para uma boa participação nas instâncias de deliberação das políticas. Esse processo

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certamente levaria a políticas não apenas mais democráticas, mas, especialmente, mais compatíveis com as demandas sociais. Este processo de qualificação da sociedade pode parecer constrangedor para alguns políticos, na medida em que a sociedade terá mais acesso à informação e mais qualificação para discuti-las, o que aumentará o controle sobre as ações do governo. Porém ao contrário do que possam pensar muitos políticos, esse controle traz muitos benefícios. Pesquisas (STARK e BRUSTZ, 1998 apud ABRUCIO, 2004) comprovam situações em que o Executivo, quando foi mais constrangido a prestar contas de suas decisões, aumentou sua capacidade de elaborar e implementar as políticas. Estes resultados devem ser disseminados para o convencimento acerca da importância dos conselhos municipais de meio ambiente. Tais espaços, quando bem utilizados, aumentam as capacidades para a implementação das políticas, o que pode trazer retornos positivos aos atores políticos.

8) Se os municípios estão mais fortalecidos para lidar com as questões ambientais locais, é certo que as pressões sobre os recursos naturais também aumentaram nos últimos anos. A questão é: em que velocidade cada um desses processos acontecem? Por exemplo, os dados indicam fortalecimento da gestão ambiental municipal na região amazônica, em contrapartida, as pressões aumentaram muito significativamente, especialmente nos municípios do arco do desmatamento. Para obter resultados efetivos sobre esses territórios que mais sofrem com as pressões sobre os recursos naturais, é fundamental estabelecer políticas específicas e compartilhadas, que busquem as causas dos impactos e construam, em conjunto com os gestores e atores municipais, as soluções de desenvolvimento que valorizem os potenciais locais.

9) O contato com outras políticas públicas pode ser inspirador, como na área de assistência social. O programa Bolsa-Família envolve os entes federados de diversas maneiras, tais como: implantação de instrumentos mais permanentes de negociação (como fórum intersetorial e intergovernamental), pactuação de programa em Comissões Intergestores Tripartites (CIT), desenvolvimento de sistemas de informação e gestão, construção de fluxos e rotinas que materializem a responsabilidade de cada esfera de governo, capacitação e informação continuada à gestão descentralizada, mecanismos de comunicação como boletins semanais com informações dos gestores municipais, processos de capacitação à distância, construção de indicadores de monitoramento e de apoio financeiro à gestão descentralizada e Prêmio de Gestão Inovadora do Programa (CUNHA e PINTO, 2008).

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10) Por fim, para promover efetivamente uma gestão sistêmica da política ambiental, assim como preconizado pela PNMA, é necessário dispor de mecanismos financeiros que olhem para o Sisnama e incorporem a lógica federativa e intersetorial. É preciso repensar a forma de arrecadação e distribuição de recursos para financiar as políticas ambientais. Não é coerente pensar em uma perspectiva sistêmica e federalista para as políticas ambientais sem ter, em paralelo, um mecanismo sistêmico de financiamento. Para isso, outras políticas públicas podem inspirar a ambiental, como é o caso da Assistência Social, da Saúde e da Ciência e Tecnologia. Além disso, é fundamental o desenvolvimento e aprimoramento de instrumentos econômicos para a gestão ambiental, que, embora a lei da PNMA previsse, em seu artigo 4o –, inciso VII, a “imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”, isso não se traduzia no artigo referente aos instrumentos da política. Em 2006, a Lei no 11.284, que trata da gestão de florestas públicas, modificou o artigo 9o da Lei no 6.938/1981 incluindo entre os instrumentos da política “instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros”, o que representa um estímulo ao desenvolvimento de tais instrumentos para a implementação da PNMA (LEME e SOTERO, 2008).

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A capacidade instalada nos municípios para lidar com a gestão ambiental compartilhada pode ser mensurada, ao menos em parte, pelos mais de 4.300 municípios com órgãos de meio ambiente, mais de 40 mil pessoas nos governos locais, mais de 1.800 conselhos ativos, mais de 2 mil municípios com recursos específicos para meio ambiente. Todos esses indicadores apontam para avanços na gestão ambiental municipal, porém, ainda há muito o que ser feito, tanto no que diz respeito ao fortalecimento das capacidades locais quanto ao diálogo interfederativo, que ainda é precário. Tal afirmação se fundamenta na fragilidade institucional dos fóruns destinados à pactuação de políticas, como as comissões tripartites e os conselhos estaduais, que não disponibilizam assento aos municípios.

Os dados e as reflexões deste trabalho apontam que a gestão ambiental pú-blica no Brasil ainda precisa ser aperfeiçoada e deve ser feita em conjunto com a sociedade. Relembrando que os processos de envolvimento social aumentam as capacidades de elaboração e implementação de políticas, além de ser uma previsão constitucional em que todos têm o direito ao meio ambiente equilibrado e o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

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A MUNIC é um importante instrumento para a formulação de políticas públicas ambientais baseadas na gestão ambiental compartilhada entre os entes federativos. Contudo, para potencializar esse instrumento, é necessário que aumente a frequência da pesquisa e que as perguntas sejam mantidas nos formulários nos diferentes anos, permitindo comparações sucessivas. O MMA poderia, a exemplo do que foi feito em 2002, priorizar esse importante instrumento para que as decisões sejam tomadas levando em conta os potenciais e limites dos municípios, que podem ser diagnosticados a partir de pesquisas desta natureza.

Enfim, é fundamental contar com os municípios no protagonismo de políticas públicas ambientais, pois eles reúnem consideráveis potenciais, como pessoas, recursos e controle social. Contudo, é preciso amadurecimento no diálogo com esses atores, reconhecendo sua diversidade e suas capacidades, e, a partir delas, estabelecer as possíveis competências. Nos municípios, o envolvimento da população é algo factível, considerando a proximidade desta com os gestores. É a partir da esfera local que podem advir diversas alternativas de soluções, não apenas para os problemas locais, mas também para a reconstrução da relação Estado, natureza e sociedade.

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ANÁLISE DOS DESEQUILÍBRIOS CAMBIAIS A PARTIR DO ÍNDICE DE PRESSÃO DOS FUNDAMENTOS ECONÔMICOS: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA DOS ANOS 1990*

Fernando Antônio Ribeiro Soares**

Maurício Barata de Paula Pinto***

Tito Belchior Silva Moreira****

Este artigo analisa se as pressões cambiais e ataques especulativos sofridos pela moeda brasileira durante o período de regime de câmbio fixo foram derivados dos desequilíbrios nos fundamentos econômicos. Uma nova metodologia de análise de crises cambiais é utilizada, avaliando-se a correlação entre os índices de pressão no mercado cambial e de pressão sobre os fundamentos. A contribuição deste artigo está no desenvolvimento de um constructo de fundamentos para a economia brasileira que incorpora variáveis dos setores externo, fiscal e monetário. Os resultados mostram que desequilíbrios nos fundamentos contribuíram para o colapso cambial em janeiro de 1999.

Palavras-chave: Índice de Pressão Cambial; Índice de Pressão nos Fundamentos; Ataques Especulativos;

Crises Cambiais.

ANALYSIS OF CURRENCY CRISES BASED ON INDEX FOR PRESSURE ON ECONOMIC FUNDAMENTALS: THE BRAzILIAN EXPERIENCE OF THE 90’s

This paper is addressed to the performance of the Brazilian market for foreign exchange, under the regime of fixed exchange rates, up to 1999. We ask if unbalances in the fundamentals of the economy resulted in pressures on the foreign exchange market and in speculative attacks on the national currency. A new analytical method is devised to answer this question. The method is based on the correlation between an index for pressure on the foreign exchange market and an index for pressure on economic fundamentals. The main contribution of the paper is in the construction of the index for economic fundamentals. The index is based on variables concerning the monetary, fiscal and external sectors of the economy. The results show that unbalanced fundamentals contributed to the collapse of the exchange rate regime in January 1999.

Key words: Index for Pressure on the Foreign Exchange Market; Index for Pressure on the Fundamentals; Speculative Attacks; Foreign Exchange Crisis.

* Os autores agradecem os comentários dos pareceristas anônimos.

** Diretor do Departamento de Política de Aviação Civil da Secretaria de Aviação Civil do Ministério da Defesa. Endereço eletrônico: [email protected].

*** Professor da Universidade de Brasília. Endereço eletrônico: [email protected].

**** Professor da Universidade Católica de Brasília. Endereço eletrônico: [email protected].

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ANÁLISIS DE CRISIS DE CAMBIO DERIVADAS DE LOS DESEQUILIBRIOS DE LOS FUNDAMENTOS ECONÓMICOS: LA EXPERIENCIA BRASILEñA DE LOS AñOS 90

Este artículo examina si las presiones de cambio y ataques especulativos sufridos por la moneda brasileña durante el periodo de mini devaluaciones del cambio fueron derivadas de los desequilibrios de los fundamentos económicos. Una nueva metodología de análisis de crisis de cambio es utilizada, evaluándose la correlación entre los índices de presión en el mercado de cambio e de presión sobre los fundamentos. La innovación está en el desarrollo de un nuevo abordaje para analizar la economía brasileña que incorpora variables de los sectores externo, fiscal y monetario. Los resultados muestran que los desequilibrios en los fundamentos contribuyeron para el colapso de la tasa de cambio en enero de 1999.

Palabra llave: Índice de Presión en el Mercado de Cambio; Índice de Presión sobre los Fundamentos; Ataques Especulativos; Crisis de Cambio

ANALISE DE CRISES DE CHANGE PROVIENNENT DES DESEQUILIBRES DANS LES BASES DE L’ECONOMIE: L’EXPéRIENCE BRéSILIENNE DES ANNéES 90

Cet article analise si les pressions des taux de change et attaques spéculatives subies par la monnaie brésilienne pendant la période d’ancrage du taux de change proviennent des déséquilibres dans les bases de l’économie. Cet article utilise une nouvelle méthodologie pour analiser les crises monetaires selon laquelle on évalue la corrélation entre la pression dans le marché des changes et la pression exercée sur les bases de léconomie. L’innovation de ce travail se doit au développement d’une ‘‘construction’’ de bases pour l’économie brésilienne qui intègre des variables du secteur extérieur ainsi comme des variables fiscales et monétaires. Les résultats montrent que des déséquilibres dans les bases de léconomie ont contribué à l’effondrement du taux de change en janvier 1999.

Mots-clés: Index de Pression des Taux de Change ; Index de Pression dans les Bases de l’Économie ; Attaques Spéculatives ; Crises de Change.

1 INTRODUÇÃO

Como pode ser visto em Soares (2006) e Soares, Pinto e Moreira (2007), a econo-mia brasileira, ao longo da década de 1990, passou por importantes desequilíbrios derivados de crises internacionais com efeitos em escala mundial. O Brasil, que possuía um regime de taxas de câmbio fortemente administradas, foi submetido a ataques especulativos provenientes das crises do México, da Ásia e da Rússia. Além disso, problemas internos, tais como a falta de comprometimento por parte do governo com o equilíbrio fiscal, a supervalorização da taxa de câmbio e a eleição presidencial de outubro de 1998, desestabilizaram ainda mais a economia do país culminando na mudança do regime cambial em janeiro de 1999.

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55Análise dos desequilíbrios cambiais a partir do índice de pressão dos fundamentos econômicos: a experiência brasileira dos anos 1990

O objetivo do presente artigo é verificar se as pressões cambiais e ataques especulativos sofridos pela moeda brasileira, em especial na crise cambial de janeiro de 1999, ocorridos durante o período da ancoragem cambial, que era um dos instrumentos de combate à inflação do Plano Real, foram derivados dos desequilíbrios nos fundamentos econômicos. Deve-se, portanto, considerar que a análise subjacente a este trabalho é calcada nos modelos de fundamentos de crises cambiais de Krugman (1979), Flood e Garber (1984) e Obstfeld (1984), entre outros. Em tais modelos, as crises do balanço de pagamentos e, consequentemente, os colapsos cambiais são provenientes da deterioração dos fundamentos macroeconômicos.

A metodologia a ser utilizada na verificação da associação entre desequilíbrios cambiais e nos fundamentos passará pela análise do inter-relacionamento entre o índice de pressão cambial e o índice de pressão de fundamentos.

O índice de pressão cambial segue a metodologia de Eichengreen, Rose e Wyplosz (1995, 1996), Kaminsky e Reinhart (1999) e Goldstein, Kaminsky e Reinhart (2000) e foi construído para a economia brasileira, para o período em análise, em Soares (2006) e Soares, Pinto e Moreira (2007). Por sua vez, o índice de pressão de fundamentos, elaborado originalmente em Soares (2006), assemelhar-se-á ao índice de pressão cambial, porém refletirá variáveis associadas aos fundamentos macroeconômicos, particularmente variáveis relativas aos setores externo, fiscal e monetário.

Vários índices, constituídos a partir de diversas variáveis representativas dos fundamentos econômicos, serão construídos e confrontados com o índice de pressão cambial. A hipótese básica é que correlações positivas e de elevada magnitude indicam relacionamento entre a deterioração dos fundamentos e os desequilíbrios cambiais. Primeiramente, serão construídas correlações para todo o período da ancoragem cambial. Especificamente, serão elaboradas 24 medidas de associação entre o índice de pressão cambial e o índice de pressão de fundamentos. Em seguida, para algumas construções do índice de pressão de fundamentos, será mostrado o comportamento destas em relação ao índice de pressão cambial para os eventos das crises do México, da Ásia, da Rússia e da própria crise cambial brasileira.

Este artigo se diferencia dos demais estudos relativos à literatura de crises cambiais no que diz respeito à construção de uma variável latente que representa os fundamentos econômicos. A ideia de fundamentos está associada a um estado da economia, ou seja, ao comportamento intercorrelacionado de um conjunto de variáveis macroeconômicas que pode assegurar a manutenção de um regime cambial fixo ou mesmo desestabilizá-lo. Este conjunto de variáveis e o seu comportamento inter-correlacionado pode gerar ou não um estado de estabilidade econômica que assegure a manutenção do câmbio fixo. Nesse contexto, este artigo desenvolve uma forma simples e original de obter um constructo que possa

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representar os fundamentos da economia. Com base neste constructo, pode-se verificar como este se correlaciona com o índice de pressão cambial.

Isso posto, pode-se apresentar a estrutura do presente artigo. A segunda seção será dedicada a uma breve descrição do índice de pressão cambial, bem como os seus resultados para a economia brasileira. A terceira seção descreverá a metodologia do índice de pressão de fundamentos e os critérios para inclusão de seus componentes. Na quarta seção, será feita a associação entre os índices cambial e de fundamentos para todo o período de administração da taxa de câmbio durante o Plano Real. Na quinta seção, realizar-se-á a depuração do índice de pressão de fundamentos para se evitar possíveis superestimações, objetivando-se, dessa forma, confirmar a robustez dos resultados anteriores. A sexta será dedicada à análise do relacionamento entre os dois índices nos momentos em que a economia brasileira estava sob ataque especulativo nos anos 1990. Finalmente, na última seção, estarão presentes as conclusões do trabalho.

2 O ÍNDICE DE PRESSÃO CAMBIAL1

O índice de pressão cambial, elaborado a partir da metodologia de Eichengreen, Rose e Wyplosz (1995, 1996), Kaminsky e Reinhart (1999) e Goldstein, Kaminsky e Reinhart (2000), é uma média ponderada das variações na taxa de câmbio nominal, nas reservas internacionais e na taxa de juros.2 A ideia relativa ao índice relaciona-se ao fato de que as pressões sobre o mercado cambial não são sentidas apenas sobre a taxa de câmbio, mas também sobre as reservas internacionais e sobre a taxa de juros. Em consequência, a pressão cambial, a despeito da estabilidade da taxa de câmbio nominal, pode ser causada por uma queda abrupta das reservas internacionais e/ou um aumento discreto das taxas de juros.

Determinar-se-á, a partir da construção do índice, ao longo do período analisado, as pressões cambiais e os ataques especulativos aos quais foi acometida a economia brasileira. Cabe ressaltar que a aplicação de uma metodologia similar, porém, para uma amostra voltada para dados em painel, foi realizada por Moreira (2001) e Moreira, Pinto e Souza (2004, 2004a).

Como apontado, o índice de pressão cambial toma a forma de uma média ponderada da taxa de mudança da taxa câmbio nominal, ; da taxa de mudança das reservas internacionais, ; e da taxa de mudança da taxa de juros, .3 Dadas tais informações, o índice é apresentado na fórmula (1).

1. A presente seção é baseada em grande medida em Soares (2006) e Soares, Pinto e Moreira (2007).

2. Essa metodologia foi proposta inicialmente por Girton e Roper (1977), que utilizam o termo exchange market pressure, isto é, pressão no mercado cambial. Daí vem o termo índice de pressão cambial, já utilizado na literatura nacional, a exemplo de Moreira, Pinto e Souza (2004, 2004a) e Soares, Pinto e Moreira (2007).

3. A taxa de mudança relativa à taxa de juros é apenas porque essa variável já denota uma taxa de crescimento.

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57Análise dos desequilíbrios cambiais a partir do índice de pressão dos fundamentos econômicos: a experiência brasileira dos anos 1990

(1)

onde representa o desvio padrão da taxa de mudança da taxa de câmbio, o desvio padrão da taxa de mudança das reservas internacionais e o desvio padrão da taxa de mudança das taxas de juros.

A literatura sobre o índice de pressão cambial, estabelecida, como visto, por Eichengreen, Rose e Wyplosz (1995, 1996), Kaminsky e Reinhart (1999) e Goldstein, Kaminsky e Reinhart (2000), constrói o índice a partir da taxa de câmbio nominal. No entanto, pode-se avaliar que este índice poderia ser construído com a taxa de câmbio real em lugar da taxa de câmbio nominal. Essa outra construção metodológica, segundo a literatura, deve ser aplicada em economias inflacionárias nas quais haja um grande diferencial entre a taxa de inflação doméstica e internacional. Como no Brasil pós-Plano Real os diferenciais de inflação não eram muito elevados, principalmente quando comparado com o período imediatamente anterior ao Plano, optou-se pela utilização tradicional do câmbio nominal, conforme dispõe a literatura sobre o índice.

Ainda em relação à utilização das taxas de câmbio reais, com vistas a avaliar possíveis desequilíbrios sobre as contas externas e, assim, sobre o mercado de câmbio (nominal), temos que esta análise seria voltada para a busca da taxa de câmbio de equilíbrio ou da mensuração do desvio desta. O índice de pressão cambial, no entanto, não cumpre esse propósito de testar a taxa de câmbio de equilíbrio. Seu objetivo está primordialmente associado à análise não da taxa de câmbio, mas do regime cambial. Colocando em outros termos, o índice de pressão cambial busca capturar a estabilidade ou não do regime cambial – em geral, um regime de taxas de câmbio fixas ou assemelhados – e os respectivos eventos de pressões sobre o regime, bem como ataques especulativos.4

O índice busca capturar a ideia de que as pressões sofridas pelo mercado cambial conduzem a variações na taxa de câmbio, mas também podem ser sentidas por meio de variações nas reservas internacionais e nas taxas de juros. De outra forma, durante um ataque especulativo, as autoridades monetárias podem defender a taxa de câmbio vendendo reservas internacionais e elevando as taxas de juros domésticas. Assim, a ampliação na variação de pelo menos um dos três componentes do índice pode sinalizar que o país esteja sofrendo pressões em seu mercado cambial ou mesmo recebendo um ataque especulativo.

A possibilidade de defesa da taxa de câmbio por parte das autoridades monetárias faz surgir outra importante característica do índice de pressão cambial.

4. A despeito de se estar usando a taxa de câmbio nominal no presente artigo pelos motivos acima elencados, surge como possibilidade para um futuro trabalho o teste do índice de pressão cambial a partir do uso da taxa de câmbio real.

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O índice visa capturar não só os ataques especulativos que levaram a mudanças nos regimes cambiais ou, pelo menos, a desvalorizações da taxa de câmbio, mas também os eventos nos quais as autoridades monetárias foram bem-sucedidas em defender a taxa de câmbio. Nesse caso, apesar da manutenção da paridade cambial (ou dos limites de uma banda cambial ou de uma intrabanda), o índice poderá refletir a ocorrência de um ataque especulativo a partir de uma vigorosa queda das reservas internacionais ou uma acentuada elevação das taxas de juros domésticas.

Outro fator a ser esclarecido refere-se à ponderação do índice. Sua ponderação pelos desvios padrões das taxas de mudança das variáveis tem como objetivo equalizar a volatilidade dos três componentes. Caso contrário, caso não fosse feita essa ponderação, um dos componentes poderia dominar o índice, o que enviesaria seus resultados. Portanto, a ponderação proposta por Eichengreen, Rose e Wyplosz (1995, 1996) busca evitar que uma das três variáveis domine o índice. Ainda em relação à ponderação, de acordo com a metodologia, os pesos de um determinado índice não podem incorporar informações posteriores temporalmente, sendo isso decorrente do fato da não possibilidade de utilização de informações futuras e, dessa forma, não disponíveis ao mercado. Soares (2006) e Soares, Pinto e Moreira (2007), no entanto, refutam essa ideia observando que a construção de pesos para toda a série daria mais equilíbrio ao índice e, além disso, permitiria a incorporação de expectativas.5

Por fim, falta definir os limites do índice para a ocorrência de um ataque especulativo. Tais valores, de acordo com a literatura econômica, são meramente sugestivos e variam de 1,5 a 3 desvios padrões acima da média amostral. Particu-larmente neste trabalho, será utilizado o valor de 1,5 desvio padrão acima da média amostral. Em consequência, conclui-se que uma economia estará enfrentando um ataque especulativo se o índice de pressão cambial apresentar o valor de 1,5 desvio padrão acima de sua média amostral.6 Isto posto, os valores limites do índice de pressão cambial são definidos da seguinte forma:

Crise = 1 se

= 0 demais casos

onde e são, respectivamente, a média amostral e o desvio padrão do índice de pressão cambial.

Dadas essas informações metodológicas sobre o índice de pressão cambial, serão apresentados seus resultados para a economia brasileira, no período de

5. Destaque-se que os resultados alcançados com a construção do índice de pressão cambial com pesos de ponderação incorporando todos os dados de uma série e, sendo assim, com informações posteriores à ocorrência de ataques especulativos, são similares àqueles obtidos utilizando-se unicamente informações passadas aos mesmos ataques especulativos.

6. A escolha do valor limite para o índice de pressão cambial, como enfoca a própria literatura, é ad hoc. Particularmente a escolha de 1,5 desvio padrão acima da média demonstra uma atitude mais conservadora quanto à definição da ocorrência de ataques especulativos.

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59Análise dos desequilíbrios cambiais a partir do índice de pressão dos fundamentos econômicos: a experiência brasileira dos anos 1990

administração cambial ao longo do Plano Real, com base em Soares (2006) e Soares, Pinto e Moreira (2007). No entanto, cumpre ressaltar primeiramente que a rígida administração da taxa de câmbio pode ser considerada o principal pilar dos planos de estabilização adotados pelos países em desenvolvimento ao longo dos anos 1980 e 1990. A utilização de tal instrumento, contudo, formou as bases para as crises cambiais ocorridas nas últimas décadas. Durante o Plano Real, particularmente após a crise mexicana de 1994, foi adotado um regime de bandas cambiais e, dentro deste esquema, um sistema intrabanda fortemente controlado pelas autoridades monetárias (PASTORE e PINOTTI, 1999, 1999a; ANDRADE, SILVA e CARNEIRO, 2000).

Voltando ao índice de pressão cambial, temos que a série a ser construída será mensal e se estende de julho de 1994 a janeiro de 1999, coincidindo com o período da ancoragem cambial no Brasil.7 Os resultados obtidos mostram que o valor médio do índice foi de 0,33 com desvio padrão de 7,59. Consequentemente, o valor limite ( ) para a ocorrência de um ataque especulativo foi de 11,71. Assim, índices de pressão cambial superiores a 11,71 significam que a economia está sob ataque especulativo. Tal descrição pode ser verificada pelas fórmulas (2) (3) e (4).

(2)

(3)

ataque especulativo (4)

De acordo com os dados referentes ao índice de pressão cambial, a economia brasileira estava sob ataque especulativo nos seguintes períodos: i) março de 1995; ii) outubro e novembro de 1997; iii) setembro e outubro de 1998; e iv) janeiro de 1999. Os três primeiros eventos correspondem, respectivamente, aos efeitos no país da crise mexicana, da crise asiática e da crise russa somados às eleições presidenciais no Brasil. O último evento, por sua vez, corresponde à própria crise cambial brasileira.8

3 O ÍNDICE DE PRESSÃO DE FUNDAMENTOS

O índice de pressão de fundamentos será construído de acordo com a metodologia empregada na formulação do índice de pressão cambial. Ele apresentará

7. Como o índice é calculado a partir da taxa de mudança das variáveis, o primeiro dado da série, referente a julho de 1994, não pode ser considerado.

8. Outros resultados sobre o índice de pressão cambial, que, no entanto, transcendem ao escopo do presente trabalho, podem ser vistos em Soares (2006) e Soares, Pinto e Moreira (2007).

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metodologia semelhante àquela proposta por Eichengreen, Rose e Wyplosz (1995, 1996), Kaminsky e Reinhart (1999) e Goldstein, Kaminsky e Reinhart (2000) relativa ao índice cambial, apresentado na seção anterior. A diferença crucial está nas variáveis constitutivas.

Diferentemente do índice de pressão cambial que tem sua constituição exatamente determinada pela taxa de mudança da taxa de câmbio, pelas taxas de mudanças de seus mecanismos de defesa, pelas reservas internacionais e pelas taxas de juros, o índice de fundamentos possui maior grau de liberdade em sua construção. Toda variável representativa dos fundamentos econômicos de um país, a princípio, é candidata a compor o índice. No entanto, como será visto adiante, a inclusão ou não de uma variável seguirá critérios teóricos, empíricos e, além disso, fatores condicionantes da economia brasileira no período analisado.

A elaboração desse índice permite-nos alcançar alguns objetivos: i) determinar a evolução dos fundamentos econômicos no período em análise; ii) determinar se os desequilíbrios nos fundamentos estão associados aos desequilíbrios cambiais durante a experiência de taxas administradas; e iii) determinar, caso se confirme a associação entre os fundamentos e os desequilíbrios cambiais, quais variáveis estão mais estreitamente relacionadas à ocorrência desses desequilíbrios cambiais.

O índice de pressão de fundamentos pode ser definido como uma média pon-derada da taxa de mudança de cada uma das variáveis que o integra. Apesar de não haver essa restrição, como o índice de fundamentos será associado ao índice de pressão cambial, e este último foi elaborado a partir de três variáveis, optou-se pela condição na qual o índice de fundamentos também seja composto por três variáveis.9 O índice de pressão de fundamentos tomará a forma apresentada na fórmula (5).

(5)

onde , e representam os três fundamentos e , e os desvios padrões dos respectivos fundamentos.

Tal como no índice cambial, a ponderação é um fator importante. A ponderação pelos desvios padrões das taxas de mudança dos fundamentos tem como objetivo equalizar a volatilidade entre os três componentes. Essa ponderação torna-se necessária para que uma variável não domine o resultado do índice.

Outro fator relevante na elaboração do índice, apesar de simples, refere-se ao sinal (positivo ou negativo) do fundamento. Admitindo que maiores valores do índice de pressão de fundamentos representem uma piora dos fundamentos,

9. Para variáveis discriminadas como unidades monetárias, calcularam-se as taxas de crescimento. Para as variáveis estabelecidas em termos percentuais, foi utilizada a taxa de variação.

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caso a ampliação do fundamento melhore o equilíbrio macroeconômico do país, seu sinal deverá ser negativo (por exemplo, a ampliação do saldo em conta de transações correntes). Contudo, caso a ampliação da variável venha a piorar os fundamentos, seu sinal de entrada será positivo (por exemplo, o aumento das necessidades de financiamento do setor público).

3.1 CRITéRIOS PARA CONSTRUÇÃO DO ÍNDICE DE PRESSÃO DE FUNDAMENTOS E SEUS COMPONENTES

Antes de iniciar a construção dos diversos índices de pressão de fundamentos para a economia brasileira, bem como a elaboração do inter-relacionamento desses com o mercado cambial, serão apresentadas as variáveis representativas dos fundamentos a serem utilizadas. As variáveis serão relacionadas ao setor externo, às contas fiscais e ao setor monetário. Como o índice é construído a partir de três variáveis, idealmente, sua elaboração deve privilegiar a inclusão de uma variável de cada campo, porém essa não será necessariamente a regra.

Boa parte dos componentes a serem utilizados nos diversos índices de pressão de fundamentos está descrita na resenha de Kaminsky, Lizondo e Reinhart (1998) sobre as variáveis determinantes de crises cambiais. Contudo, como a ideia do presente artigo é analisar as crises cambiais a partir de problemas nos fundamentos econômicos brasileiros, as variáveis descritas nestes modelos de fundamentos também se tornam candidatas.10 Não menos importantes são as variáveis descritas pela literatura brasileira acerca da experiência de administração da taxa de câmbio e do próprio colapso cambial de janeiro de 1999. De acordo com essa literatura, os componentes relativos ao setor externo e às contas fiscais foram determinantes e, portanto, também comporão os índices de fundamentos.11 Além disso, um critério empírico, que visa evitar a superestimação dos índices de pressão de fundamentos, também foi utilizado. Em conclusão, a decisão de inclusão de variáveis no índice obedeceu a três critérios:

1) Critério teórico: este critério, como o próprio nome sugere, buscou selecionar as variáveis exploradas pelos modelos de crises do balanço de pagamentos a partir da deterioração dos fundamentos econômicos.

2) Critério da literatura brasileira: critério estabelecido a partir da literatura acerca da experiência de administração cambial dos anos 1990 no Brasil. Nesta literatura ficou evidenciado que os principais fatores causadores das instabilidades cambiais foram derivados das contas externas e das contas fiscais.

10. A esse respeito, ver Krugman (1979), Flood e Garber (1984), Obstfeld (1984), Blanco e Garber (1986), Cumby e Wijnbergen (1989), Goldberg (1994), Dornbusch, Goldfajn e Valdés (1995) e Flood, Garber e Kramer (1996), Menezes e Moreira (2001), Moreira (2002, 2003), Moreira, Menezes e Souza (2005), Moreira, Pinto e Souza (2005) entre outros.

11. Análises nesse sentido podem ser vistas em Pastore e Pinotti (1999, 1999a), Schwartsman (1999), Silva, Andrade e Torrance (2000) e Soares (2006, cap. 4).

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3) Critério empírico: este critério está intimamente relacionado à metodologia de construção do índice de pressão de fundamentos. As variáveis constitutivas do índice devem guardar baixo grau de inter-relacionamento, pois, caso contrário, uma variável poderia estar influenciando a outra, de modo que o índice não reflita a efetiva pressão sobre os fundamentos. Em outros termos, o índice de pressão cambial poderia estar superestimado.12

Ainda em relação ao terceiro critério, buscou-se privilegiar a construção do índice a partir de variáveis que possuam baixa intercorrelação. Porém a avaliação teórica não é suficiente para tanto. Decidiu-se construir coeficientes de correlação simples e parciais entre as taxas de mudanças dos fundamentos constitutivos dos índices. Baixos coeficientes de correlação demonstram um baixo inter-relacionamento entre as variáveis. Contudo taxas de mudança que apresentem elevadas correlações resultam em alto grau de inter-relacionamento entre as variáveis e, consequentemente, tendem a superestimar o índice de pressão de fundamentos. De outra maneira, haveria a possibilidade de incluir em um mesmo índice duas variáveis que estariam refletindo um mesmo aspecto do processo econômico. Por isso, tais índices devem ser avaliados com alguma cautela.

A seguir, serão apresentadas as variáveis, subdivididas entre os setores externo, fiscal e monetário, a serem utilizadas como fundamentos.

1) Variáveis do setor externo: saldo em conta de transações correntes como proporção do PIB (CTC), saldo da balança comercial (BC) e captação de recursos externos de curto prazo, correspondentes a bônus e notes e commercial paper (CECP).

2) Variáveis fiscais: necessidade de financiamento primária, operacional e nominal do setor público, todas como proporção do PIB (respectivamente, NFSPP, NFSPO e NFSPN); dívida líquida do setor público total, dívida interna líquida do setor público total e dívida externa líquida do setor público total, todas como proporção do PIB (respectivamente, DSP, DISP e DESP) e dívida mobiliária federal indexada ao câmbio (DMFC).

3) Variáveis monetárias: papel-moeda em poder do público e depósitos à vista (M1), base monetária (BM), base monetária ampliada (BMA), crédito doméstico total como proporção do PIB (CDT), crédito doméstico total do setor público como proporção do PIB (CDSP) e crédito doméstico total do setor público relativo ao crédito doméstico total (CDSP/CDT).

12. O índice de pressão de fundamentos não representa uma equação de regressão, porém o critério empírico busca eliminar um possível problema entre as variáveis componentes do índice que se assemelharia à multicolinearidade.

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4 A CORRELAÇÃO ENTRE O ÍNDICE DE PRESSÃO CAMBIAL E OS ÍNDICES DE PRESSÃO DE FUNDAMENTOS

Nesta seção, será mostrada a composição dos índices de pressão de fundamentos elaborados a partir dos critérios e variáveis previamente estabelecidos. Além disso, será construído o inter-relacionamento entre os vários índices de fundamentos com o índice de pressão cambial para todo o período de rígida administração cambial ao longo do Plano Real.

A determinação do grau de associação entre os dois índices, de fundamentos e cambial, realizar-se-á mediante a construção de coeficientes de correlação para séries que se estendem de agosto de 1994 a janeiro de 1999. A hipótese por trás desta análise determina que coeficientes de correlação positivos e elevados constituem indícios de que os desequilíbrios cambiais sofridos pelo país estavam associados a problemas nos fundamentos econômicos. Esta hipótese é pautada nas análises anteriores, que demonstraram que o Brasil, durante o período de administração da taxa de câmbio, passou por várias instabilidades, verificadas a partir do índice de pressão cambial, bem como por um processo de contínua e acentuada deterioração dos fundamentos macroeconômicos, como pode ser visto na literatura sobre a economia brasileira para o período.

Deve-se considerar que o presente trabalho não está definindo uma causalidade entre a deterioração dos fundamentos macroeconômicos e os desequilíbrios cambiais, mas, tão somente, estabelecendo a variação conjunta desses grupos de variáveis. Para tanto, seria necessário realizar testes de inferência adicionais. O propósito central é estabelecer o constructo de pressão de fundamentos e associa-lo às pressões cambiais. Na verdade, a utilização de correlações na análise de crises cambiais está relacionada aos modelos de contágio. A contribuição deste artigo é, então, elaborar o constructo de fundamentos e relacioná-lo ao mercado cambial mediante o uso de uma abordagem originalmente aplicada aos modelos de contágio.13

Nos índices apresentados a seguir, foram respeitados os dois primeiros critérios de escolha de variáveis representativas dos fundamentos. O terceiro critério, o do baixo inter-relacionamento entre os componentes do índice de fundamentos, não foi necessariamente seguido. A ideia por trás dessa opção foi que, a princípio, é interessante mostrar um número maior de correlações entre os índices de fundamentos e o de pressão cambial. Num momento seguinte, no entanto, serão apontados aqueles resultados que devem ser analisados com reservas pela elevada intercorrelação entre as variáveis representativas dos fundamentos e que, consequentemente, tendem a superestimar o índice de fundamentos. Feitas essas considerações, analisou-se o inter-relacionamento entre os diversos índices de pressão de fundamentos e o índice de pressão cambial.

13. A utilização de correlações nos modelos de contágio pode ser vista em King e Wadhwani (1990), Baig e Goldfajn (1998, 2000), Rigobon (2001), Forbes e Rigobon (2002), entre outros.

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Nas construções dos índices de fundamentos, percebe-se a constante presença do saldo em conta de transações correntes e de algum critério de necessidade de financiamento do setor público. Isto se deve, em grande medida, às análises que demonstram que, para o período em análise, houve um processo de gradativa deterioração dos fundamentos relativos ao setor externo e às contas fiscais.

Voltando-se a atenção para os dados, observa-se um primeiro resultado bastante relevante: a correlação entre todos os 24 índices de fundamentos elaborados e o de pressão cambial foi positiva. Isto nos fornece evidências de que os fundamentos econômicos, ou a deterioração destes, possuem uma inter-relação direta com os desequilíbrios cambiais. Tal afirmação pode ser corroborada ao verificarmos que, no período analisado, a deterioração dos fundamentos econômicos foi contínua e crescente, afetando, desta forma, os diversos índices de pressão de fundamentos. Da mesma forma, ainda no período analisado, a economia brasileira sofreu sucessivos ataques especulativos. Portanto a hipótese de que os fundamentos econômicos afetaram o mercado cambial durante a experiência de taxas administradas, perante tais resultados, é fortalecida.

Além do importante resultado qualitativo já apresentado – especificamente, todos os coeficientes de correlação entre os índices de pressão de fundamentos e o de pressão cambial terem sido positivos –, também foi obtido um importante resultado quantitativo. Tal resultado refere-se à média dos coeficientes de correlação, que foi de 0,56. Considerando-se que o período analisado possui momentos de graves instabilidades cambiais, pode-se afirmar que os resultados reforçam os indícios de que a deterioração dos fundamentos contribuiu para a ocorrência de desestabilização cambial no período.

5 ANÁLISE DA INTERCORRELAÇÃO ENTRE OS COMPONENTES DOS ÍNDICES DE PRESSÃO DE FUNDAMENTOS14

A importância de se testar o inter-relacionamento entre os componentes do índice de pressão de fundamentos, como já assinalado, reside no fato de que, ao colocar dentro de um mesmo índice variáveis altamente intercorrelacionadas, pode-se gerar a superestimação deste. Isso, por sua vez, é decorrente da possibilidade de o índice ser composto por duas ou mesmo três variáveis que estejam medindo o comportamento de um mesmo fundamento. Colocando em outros termos, poderíamos estar simplesmente somando variáveis que estejam refletindo o mesmo evento, redundando, dessa forma, em uma superestimação do índice de pressão de fundamentos.

Dadas essas considerações, em seguida, estabelecer-se-á limites para a existência de uma dependência máxima entre as variáveis componentes dos índices

14. Parte dos argumentos encontrados na presente seção são derivados de Fisher (1925), Johnston e DiNardo (2001), Judge et al. (1988), Theil (1971) e Yamane (1968, 1969).

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65Análise dos desequilíbrios cambiais a partir do índice de pressão dos fundamentos econômicos: a experiência brasileira dos anos 1990

de pressão de fundamentos. Como instrumento para medir esse referido grau de dependência entre as variáveis, serão utilizados os coeficientes de correlação simples e parcial.

5.1 Grau de dependência entre os componentes do índice de pressão de fundamentos: análise a partir dos coeficientes de correlação simples

Primeiramente, foi adotado, como medida da dependência entre os componentes do índice de pressão de fundamentos, o coeficiente de correlação simples.

Considera-se que o terceiro critério para a construção dos índices de pressão de fundamentos não será satisfeito caso as variáveis que tenham relacionamento teórico apresentem coeficientes de correlação simples de suas taxas de mudança superiores a ± 0,25. Pode-se citar, como exemplo, que o aumento da necessidade de financiamento do setor público nominal aumentaria a dívida pública interna ou a dívida pública total. Caso o coeficiente de correlação simples entre esses elementos fosse superior a +0,25, o índice de pressão de fundamento seria descartado, porque o elevado grau de intercorrelação entre as suas variáveis estaria superestimando o seu valor.15 Trata-se, efetivamente, de um critério ad hoc. Apesar disto, sua utilização cumpre o papel de eliminar índices supostamente enviesados.16

Feitas essas considerações, os índices de pressão de fundamentos relacionados a seguir apresentaram grau de associação entre seus componentes superior ao limite de ± 0,25. Em decorrência deste fato, foram excluídos da análise do relacionamento entre problemas nos fundamentos e desequilíbrios cambiais.

1) Índice de pressão de fundamentos (14): conta de transações correntes, necessidade de financiamento do setor público nominal e crédito domés-tico do setor público.

2) Índice de pressão de fundamentos (15): conta de transações correntes, neces-sidade de financiamento do setor público nominal e crédito doméstico total.

3) Índice de pressão de fundamentos (21): conta de transações correntes, necessidade de financiamento do setor público e dívida mobiliária federal indexada ao câmbio.

4) Índice de pressão de fundamentos (22): conta de transações correntes, necessidade de financiamento do setor público operacional e dívida do setor público total.

5) Índice de pressão de fundamentos (23): conta de transações correntes,

15. Como apontado anteriormente, seria uma espécie de multicolinearidade dentro do índice de pressão de fundamentos.

16. Pode-se também criticar o valor escolhido de ±0,25. Como observam Judge et al. (1988), no entanto, a multicolinearidade, que se aproxima do que está sendo retratado aqui, poderia ser considerada severa quando o coeficiente de correlação simples entre os regressores – no caso, os componentes do índice de pressão de fundamentos – fosse superior a 0,80.

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necessidade de financiamento do setor público operacional e dívida externa do setor público total.

6) Índice de pressão de fundamentos (24): conta de transações correntes, necessidade de financiamento do setor público nominal e dívida externa do setor público total.

Os componentes dos índices de pressão de fundamentos assinalados que apresentaram elevado grau de dependência e, por conseguinte, os inviabilizaram para a análise do relacionamento com o índice de pressão cambial são apresentados na tabela 1.

TABELA 1

Índices de pressão de fundamentos excluídos (elevado grau de dependência entre os componentes), critério de correlações simples

Índice de pressão de fundamentos

Componentes com elevado grau de dependência

Correlação simples entre os componentes

(14)Necessidade de financiamento nominal e crédito doméstico do setor público

0,6806

(15)Necessidade de financiamento nominal e crédito doméstico total

0,9157

(21)Necessidade de financiamento nominal e dívida mobiliária federal indexada ao câmbio

0,3561

(22)Necessidade de financiamento nominal e dívida do setor público total

0,4538

(23)Necessidade de financiamento operacional e dívida externa do setor público

0,5397

(24)Necessidade de financiamento nominal e dívida externa do setor público

0,2941

Fonte: Banco Central do Brasil.

Elaboração dos autores.

Obs.: A correlação simples é feita a partir da taxa de mudança/crescimento das variáveis que compõem os índices de pressão de fundamentos.

A tabela 1 mostra as variáveis que atuaram no sentido de superestimar alguns índices de pressão de fundamentos e, portanto, que deterioraram suas características estatísticas. Por outro lado, tais relacionamentos nos mostram outros resultados relevantes. Como se vê, a elevada associação entre os componentes dos índices colide com os ditames teóricos das crises de balanço de pagamentos originadas na deterioração dos fundamentos econômicos, na qual o financiamento monetário do déficit público leva à ocorrência de desequilíbrios cambiais.

Em detalhe, pode-se citar o forte relacionamento entre a necessidade de financiamento do setor público (nominal) e as variáveis monetárias (crédito doméstico do setor público e crédito doméstico total) – índices (14) e (15). Este resultado, a variação do déficit público no mesmo sentido da variação do crédito doméstico, apoia, para o caso brasileiro, os indícios de que os desequilíbrios cambiais ocorridos nos anos 1990 tiveram origem em problemas nos fundamentos

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macroeconômicos. Em segundo lugar, há forte associação entre o déficit público e as variáveis relativas ao componente dívida – (21), (22), (23) e (24). Como consequência, também denota a associação entre variáveis que favorecem a ocorrência de desequilíbrios cambiais.

Feitos os expurgos necessários, os índices de pressão de fundamentos remanescentes, que conformaram com o critério do baixo grau de dependência entre seus componentes, bem como suas respectivas correlações com o índice de pressão cambial são apontados na tabela 2.

TABELA 2

Correlações simples entre os índices de pressão de fundamentos (remanescentes) e o índice de pressão cambial

IPF Componentes do IPF Coeficiente de correlação

(6)Conta de transações correntes, necessidade de financiamento primária e dívida interna do setor público total

0,2362

(7)Conta de transações correntes, necessidade de financiamento primária e crédito do setor público

0,3683

(8)Conta de transações correntes, necessidade de financiamento primária e crédito doméstico total

0,3995

(9)Conta de transações correntes, necessidade de financiamento nominal e captação de recursos externos de curto prazo

0,4159

(10)Balança comercial, necessidade de financiamento primária e dívida do setor público total

0,4253

(11)Conta de transações correntes, necessidade de financiamento primária e dívida mobiliária federal indexada ao câmbio

0,4826

(12)Conta de transações correntes, necessidade de financiamento nominal e crédito doméstico do setor público/crédito doméstico total

0,4854

(13)Conta de transações correntes, necessidade de financiamento operacional e crédito doméstico do setor público/crédito doméstico total

0,5111

(16)Conta de transações correntes, necessidade de financiamento primária e dívida do setor público total

0,5667

(17)Conta de transações correntes, dívida do setor público total e crédito doméstico do setor público/crédito doméstico total

0,5704

(18)Conta de transações correntes, necessidade de financiamento operacional e crédito doméstico do setor público

0,6324

(19)Conta de transações correntes, necessidade de financiamento operacional e crédito doméstico total

0,6589

(20)Conta de transações correntes, necessidade de financiamento primária e dívida externa do setor público total

0,6917

Correlação média

0,4957

Elaboração dos autores.

A exclusão dos índices de pressão de fundamentos anteriormente assinalados não alterou substancialmente os resultados. A correlação média entre os índices de fundamentos remanescentes e o índice de pressão cambial atingiu o patamar

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de 0,50. Tal resultado reafirma os indícios de que a deterioração dos fundamentos se moveu no mesmo sentido dos desequilíbrios cambiais durante a experiência de administração do câmbio. Quanto às variáveis, os resultados expostos na tabela 2 destacam a importância daquelas relativas ao setor externo, em especial, o saldo em conta de transações correntes e as variáveis fiscais, com evidência para as diversas versões da necessidade de financiamento do setor público.

5.2 Grau de dependência entre os componentes do índice de pressão de fundamentos: análise a partir dos coeficientes de correlação parcial

Nesta seção será apresentada uma medida alternativa de mensuração da associação entre os componentes do índice de fundamentos. Trata-se do coeficiente de correlação parcial.17

Conforme Fisher (1925), o coeficiente de correlação parcial é uma importante extensão do conceito de correlação para a aplicação em grupos de mais de duas variáveis. Supondo a existência de três variáveis, esta técnica busca determinar o coeficiente de correlação parcial para cada par de variáveis, eliminando o possível efeito da terceira. Dessa forma, a terceira variável é tomada como uma constante. Com isso, a partir dos coeficientes de correlação parcial, poder-se-á determinar a associação, duas a duas, das variáveis componentes do índice de pressão de fundamentos, mantendo-se o terceiro componente do índice constante. Pretende-se, dessa maneira, medir com mais acuidade o grau de intercorrelação entre os elementos que compõem os índices de fundamentos.

(6)

De acordo com a equação (6), as variáveis são nomeadas como 1, 2 e 3. Como disposta, está se calculando a correlação parcial entre 1 e 2, enquanto a variável 3 é mantida constante, eliminando assim seu efeito.

Tendo em vista o exposto, passar-se-á à apresentação dos resultados relativos ao cálculo dos coeficientes de correlação parcial, bem como suas respectivas análises. Na tabela 3, estão os coeficientes de correlação parcial entre os componentes dos índices de pressão de fundamentos que mostraram elevado grau de dependência.

17. A mensuração via coeficientes de correlação simples seria suficiente para satisfazer a necessidade de baixo grau de intercorrelação entre os componentes do índice de pressão de fundamentos, dado que o fator relevante, no presente estudo, é o efeito como um todo das variáveis sobre o valor do índice. A despeito disto, a construção do coeficiente de correlação parcial poderá, no mínimo, corroborar as análises feitas anteriormente.

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69Análise dos desequilíbrios cambiais a partir do índice de pressão dos fundamentos econômicos: a experiência brasileira dos anos 1990

TABELA 3

Índices de pressão de fundamentos excluídos (elevado grau de dependência entre os componentes), critério de correlações parciais

Índice de pressão de fundamentos

Componentes com elevado grau de dependência

Correlação parcial entre os componentes

(14) Necessidade de financiamento nominal e crédito doméstico do setor público 0,6932

(15)Necessidade de financiamento nominal e crédito doméstico total 0,9157Necessidade de financiamento nominal e conta de transações correntes 0,2797

(21)Necessidade de financiamento nominal e dívida mobiliária federal indexada ao câmbio

0,3522

(22) Necessidade de financiamento nominal e dívida do setor público total 0,4691(23) Necessidade financiamento operacional e dívida externa do setor público 0,5433

(24)Necessidade de financiamento nominal e dívida externa do setor público 0,3402Conta de transações correntes e dívida externa do setor público -0,2693

Elaboração dos autores.

Obs.: A correlação parcial é feita a partir da taxa de mudança/crescimento das variáveis que compõem os índices de pressão de fundamentos.

Os dados referentes aos coeficientes de correlação parciais praticamente repetem aqueles da tabela 1 para as correlações simples. Houve, na grande maioria dos coeficientes calculados, um ligeiro aumento das intercorrelações. Contudo, no que se refere aos índices de pressão de fundamentos (15) e (24), ocorreu o surgimento de uma nova intercorrelação, a qual transcende ao limite estabelecido de ± 0,25. Portanto, a partir desses resultados, pode-se concluir que as análises realizadas para as correlações simples continuam válidas.

6 OS ÍNDICES DE PRESSÃO DE FUNDAMENTOS E OS ATAQUES ESPECULATIVOS: ALGUNS EXERCÍCIOS

A proposta desta seção é relacionar alguns dos índices de pressão de fundamentos com o índice de pressão cambial, mas, diferentemente das análises anteriores, focar nos períodos em que o Brasil estava sob ataque especulativo. Especificamente, a ideia é relacionar os índices de fundamentos escolhidos com o índice de pressão cambial nos momentos das crises do México, da Ásia, da Rússia e, principalmente, quando da crise brasileira de janeiro de 1999.

O primeiro passo é a determinação dos índices de pressão de fundamentos a serem utilizados nas análises das diversas crises. Serão detalhados três índices. Na determinação dos três, deve-se minimizar a arbitrariedade na escolha destes, porém essa não é uma tarefa fácil. A escolha buscou satisfazer os três critérios anteriormente assinalados, tendo cuidado especial com o terceiro, que preconiza a baixa dependência entre as variáveis constitutivas dos índices. Além disso, buscou-se que um número elevado de diferentes variáveis fosse utilizado para dar uma maior amplitude na análise do relacionamento entre os fundamentos e os desequilíbrios cambiais. Com base nesses elementos, optou-se pelos índices de fundamentos números (7), (17) e (19).

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6.1 Primeiro exercício: detalhamento do índice de pressão de fundamentos número (7)

O primeiro índice de pressão de fundamentos a ser detalhado é composto pela conta de transações correntes, pela necessidade de financiamento do setor público primária e pelo crédito doméstico do setor público, todos como proporção do PIB. O índice tomou a forma assinalada na equação (7).

(7)

A composição desse índice confirma os preceitos teóricos das crises de balanços de pagamento oriundas nos desequilíbrios macroeconômicos. Ademais, ao agregar os componentes externo e fiscal, corrobora as análises que afirmam que a crise brasileira tivera origem nesses dois setores. Finalmente, foi verificado o baixo grau de dependência entre os seus componentes. Sua matriz de correlação é mostrada a seguir.18

GRÁFICO 1

Índice de pressão de fundamentos (CTC, NFSPP e CDSP) e índice de pressão cambial (ago./1994-jan./1999)

Elaboração dos autores.

Obs.: Para melhor visualização, os dados dos dois índices foram ponderados (subtração da média e divisão pelo desvio padrão).

18. Serão meramente apresentados os dados referentes aos coeficientes de correlação simples, pois, como apontado, os coeficientes de correlação parciais, em grande medida, repetiram os resultados das correlações simples.

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71Análise dos desequilíbrios cambiais a partir do índice de pressão dos fundamentos econômicos: a experiência brasileira dos anos 1990

Apresentados os pré-requisitos necessários à construção do índice, passar-se-á à discussão do relacionamento deste com o índice de pressão cambial. O gráfico 1 mostra este relacionamento.

Verifica-se que, nos momentos em que o Brasil se encontrava sob ataque especulativo, em especial na crise mexicana, o índice de pressão de fundamentos demonstrou ascensão em sua evolução, o que sinaliza para a possibilidade de que os desequilíbrios cambiais estivessem associados à deterioração dos fundamentos. Essas colocações, no entanto, referem-se às primeiras impressões. Logo em seguida, o inter-relacionamento entre os dois índices será detalhado para cada período de ataque especulativo.

A continuação da análise requer a avaliação do relacionamento entre os índices nos períodos de ataques especulativos, especificamente nos períodos da crise mexicana, asiática, russa e brasileira, que, conforme a seção 2 deste artigo, tiveram seus reflexos sobre o Brasil sentidos, respectivamente, em março de 1995, outubro de 1997, setembro de 1998 e janeiro de 1999. Isto será feito pelos mesmos mecanismos utilizados até o momento, ou seja, a determinação de coeficientes de correlação entre os índices.

A análise avaliará os coeficientes de correlação entre os índices de fundamentos e o índice cambial para um período anterior à ocorrência das crises. Busca-se, dessa maneira, elaborar uma medida de precedência temporal em relação aos momentos de crise. Colocando de outra maneira, um comportamento de estreito relacionamento entre os índices de pressão de fundamentos e cambial nos momentos prévios aos ataques especulativos fornece indícios de que os fundamentos contribuíram para os desequilíbrios cambiais.19

Ainda em relação aos índices de pressão de fundamentos a serem detalhados, temos que as correlações com o índice cambial apresentarão janelas de 6, 9, 12, 15 e 18 meses. A perspectiva temporal é importante, porque as autoridades monetárias, quando da ocorrência de ataques especulativos, tentam defender o regime cambial por meio da venda de reservas internacionais e pela elevação das taxas de juros. A utilização de mecanismos de defesa da taxa de câmbio tende, no entanto, a aprofundar a deterioração dos fundamentos econômicos do país, principalmente dos fundamentos fiscais. Daí, no caso brasileiro, a sobreposição de crises e as sucessivas defesas da taxa de câmbio, em tese, tornariam o equilíbrio macroeconômico cada vez mais precário, sendo que isso pode ser verificado a partir da evolução dos coeficientes de correlação. Tal técnica, como detalhado anteriormente, é uma adaptação da metodologia de mensuração das crises cambiais decorrentes de efeito contágio.

19. Caso fosse incluído o período do ataque especulativo, haveria naturalmente a tendência de o índice de pressão cambial se sobrepor em relação ao índice de pressão de fundamentos. Isso seria resultado de uma espécie de overshooting do índice de pressão cambial, que, hipoteticamente, não seria acompanhado na mesma intensidade pelo índice de pressão de fundamentos.

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Da análise já apresentada, é válido destacar a seguinte cadeia de causação: deterioração dos fundamentos, precipitação de ataques especulativos e ampliação da deterioração dos fundamentos econômicos. Surge, portanto, um círculo vicioso que indica a ocorrência, em algum momento futuro, de uma crise cambial. Tal fato, que pode ser considerado um fato estilizado nos modelos de deterioração dos fundamentos, caracterizou a experiência brasileira de câmbio administrado dos anos 1990, sendo a confirmação disso a crise de janeiro de 1999.

Dadas essas informações iniciais, que também são pertinentes aos outros índices de fundamentos a serem detalhados, na tabela 4, são apresentados os resultados do índice de pressão de fundamentos número (7).

TABELA 4

Correlações entre o índice de pressão de fundamentos (CTC, NFSPP e CDSP) e o índice de pressão cambial (ago./1994-jan./1999)

IPC e IPF defasados um período antes das crises

6 meses 9 meses 12 meses 15 meses 18 meses

Correlações – Crise mexicana1

0,5994 - - - -Correlações – Crise asiática

0,1828 0,1724 0,2274 0,2731 0,2454

Correlações – Crise russa

0,1966 -0,0216 0,3583 0,3337 0,3411

Correlações – Crise brasileira2

0,9157** 0,7355** 0,5849** 0,5756** 0,5449**

Elaboração dos autores.

Notas: 1 Como a amostra está limitada ao período de agosto de 1994 a janeiro de 1999, apenas a janela de 6 meses foi construída para a crise mexicana.

2 *, ** e *** representam, respectivamente, coeficientes de correlação significativos a 1, 5 e 10%.

Primeiramente, torna-se necessário realizar um comentário sobre os coeficientes de correlação estimados e seus níveis de significância. Os coeficientes, para as crises do México, da Ásia e da Rússia, mostraram-se estatisticamente não significativos. Uma primeira explicação para esses resultados, ainda que não diretamente relacionada a elementos teóricos, refere-se aos dados amostrais utilizados nas construções dos coeficientes de correlação. Como os coeficientes foram elaborados para períodos próximos à ocorrência dos ataques especulativos, as amostras utilizadas foram pequenas, não superando o número de 18 observações. Com isso, tal fator pode ter operado para gerar a não significância dos coeficientes estimados.20

20. A distribuição t, de Student, utilizada para aferir a significância dos coeficientes de correlação estimados, depende da magnitude do próprio coeficiente de correlação, mas também do tamanho da amostra. Em consequência, como a estatística teste é crescente, com o número de observações e as estimativas computadas se deram a partir de pequenas amostras, há, de fato, uma tendência para que esse teste não se mostre estatisticamente diferente de zero. Caso o teste se mostre significativo, isto se deverá basicamente à magnitude do coeficiente de correlação, o que, por sua vez, referenda a hipótese construída no artigo.

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73Análise dos desequilíbrios cambiais a partir do índice de pressão dos fundamentos econômicos: a experiência brasileira dos anos 1990

Em segundo lugar, poder-se-ia criticar a utilização de pequenas amostras afirmando que o problema estatístico poderia ser solucionado pelo incremento de novas observações. No presente trabalho, contudo, optou-se por não fazê-lo. Isso se deveu à necessidade de medir a associação entre os índices de pressão de fundamentos e de pressão cambial nos momentos prévios aos ataques especulativos. Colocando em outros termos, optou-se pela proximidade temporal das correlações estimadas entre os índices com os ataques especulativos. Ganha-se, com isso, poder explicativo para referendar a hipótese de que desequilíbrios nos fundamentos contribuíram para instabilidades cambiais.21

A não significância do caso mexicano é peculiar. O coeficiente de correlação calculado e associado temporalmente com essa crise, como apontado anteriormente, foi obtido a partir de uma amostra de apenas seis meses, como resultado, para a crise mexicana, o problema do tamanho amostral pode ser considerado decisivo. Esta afirmação é reforçada ao verificarmos que o coeficiente de correlação calculado foi positivo e de magnitude considerável (0,5994).

Contudo, no que tange às crises asiática e russa, o comentário realizado no parágrafo anterior não se aplica necessariamente. Para esses dois ataques especulativos, o número de observações, apesar de ainda consideravelmente pequeno, é superior ao do caso mexicano, o que, em tese, diminuiria a participação desse problema na não significância das estimativas. A principal dificuldade de apoiar a hipótese do relacionamento entre deterioração dos fundamentos e desequilíbrios cambiais, no entanto, refere-se aos baixos coeficientes de correlação estimados.22 Mesmo supondo que os coeficientes de correlação estimados fossem estatisticamente significativos, a magnitude dos coeficientes não nos permitiria ser incisivos em apoiar a hipótese citada.

O caso brasileiro, em contraposição aos demais, mostrou estimativas estatisticamente significativas. Além disso, todos os coeficientes de correlação, inclusive aqueles que cobrem um período amostral maior, foram positivos. Tal resultado não é suficiente para afirmar que a crise cambial vivida pelo Brasil, em janeiro de 1999, foi derivada dos desequilíbrios nos fundamentos macroeconômicos, mas é suficiente para referendar a hipótese de que há indícios de que os desequilíbrios nos fundamentos econômicos contribuíram para a crise cambial.

21. Caso a amostra fosse aumentada incluindo observações ocorridas em períodos mais distantes dos ataques especulativos, a possi-bilidade de relacionar os problemas nos fundamentos aos desequilíbrios cambiais seria reduzida.

22. No caso russo há, inclusive, um coeficiente de correlação negativo, o que contraria a hipótese definida neste artigo.

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Outro destaque em relação à crise brasileira, além do fato de todas as correlações se mostrarem positivas, foi que, a partir da janela de 12 meses, iniciada em janeiro de 1998,23 houve uma tendência de crescimento nas estimativas, atingindo, no período mais próximo à crise (a janela de 6 meses), o patamar de 0,92. Este importante resultado reafirma os indícios de que a crise cambial brasileira foi influenciada pela deterioração dos fundamentos econômicos do país. Ademais, fica patente que a sobreposição de crises (crise asiática, crise russa e a eminência da crise brasileira) e a tentativa do governo em defender o regime cambial agiram no sentido de aprofundar a deterioração dos fundamentos econômicos. Em especial, houve a ampliação dos desequilíbrios em transações correntes, além da geração de sucessivos déficits primários.

6.2 Segundo exercício: detalhamento do índice de pressão de fundamentos número (17)

Esse índice de pressão de fundamentos é composto pela conta de transações correntes e pela dívida líquida do setor público (total), ambos como proporção do PIB, e pela relação entre o crédito doméstico do setor público e o crédito doméstico total. O índice toma a forma apresentada abaixo.

(8)

O índice novamente contempla os preceitos teóricos das crises cambiais a partir dos fundamentos e as análises feitas para o Brasil, onde a piora do saldo em conta de transações correntes e a ampliação da dívida do setor público foram fatos concretos no período analisado. Também foi verificado o baixo grau de dependência entre seus componentes.

23. É válido considerar que janeiro de 1998 se refere a um período imediatamente após a ocorrência da crise asiática.

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75Análise dos desequilíbrios cambiais a partir do índice de pressão dos fundamentos econômicos: a experiência brasileira dos anos 1990

O gráfico 2 mostra o relacionamento entre o índice de pressão de fundamentos e o de pressão cambial. A evolução dos índices mostra um movimento conjunto das duas medidas nas crises do México e da Rússia. No caso brasileiro, há quase uma convergência. Na crise asiática, no entanto, esse comportamento não é tão evidente.

GRÁFICO 2

Índice de pressão de fundamentos (CTC, DSP e CDSP/CDT) e índice de pressão cambial (ago./1994-jan. /1999)

Elaboração dos autores.

Obs.: Para melhor visualização, os dados dos dois índices foram ponderados (subtração da média e divisão pelo desvio padrão).

A tabela 5 permitirá análises mais detalhadas do relacionamento entre o índice de pressão de fundamentos (CTC, DSP e CDSP/CDT) e o índice de pressão cambial. A despeito da análise gráfica e da grande maioria dos coeficientes de correlação ter sido positiva, as estimativas feitas para esses coeficientes relativas às crises do México, da Ásia e da Rússia mostraram-se novamente não significativas estatisticamente. Para esses três eventos, as análises realizadas na subseção anterior são, em grande medida, mantidas. Os coeficientes relativos à crise asiática até aumentaram em magnitude, mas não o suficiente para torná-los estatisticamente significativos. Por sua vez, os coeficientes relativos às crises mexicana e russa diminuíram em magnitude, o que representa uma piora na significância das estatísticas calculadas.

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TABELA 5Correlações entre o índice de pressão de fundamentos (CTC, DSP e CDSP/CDT) e o índice de pressão cambial (ago./1994-jan./1999)

IPC e IPF defasados um período antes das crises

6 meses 9 meses 12 meses 15 meses 18 meses

Correlações – Crise mexicana1

0,2714 - - - -

Correlações – Crise asiática

0,6722 0,4929 0,3359 0,3962 0,5791**

Correlações – Crise russa

0,1356 -0,0893 0,1181 0,1089 0,1321

Correlações – Crise brasileira2

0,8651** 0,8426* 0,6952** 0,3495 0,3345

Elaboração dos autores.

Notas: 1 Como a amostra está limitada ao período de agosto de 1994 a janeiro de 1999, apenas a janela de 6 meses foi construída para a crise mexicana.

2 *, ** e *** representam, respectivamente, coeficientes de correlação significativos a 1, 5 e 10%.

Em relação à crise brasileira, novamente, todas as correlações entre o índice de pressão de fundamentos e o de pressão cambial foram positivas e, além disso, de considerável magnitude. Quando foram incluídos dados apenas dos períodos próximos ao evento de janeiro de 1999 (6, 9 e 12 meses prévios à crise), os coeficientes encontrados foram ainda maiores. Tais fatos levam-nos a concluir que, para o presente índice de pressão de fundamentos, composto pela conta de transações correntes, pela dívida total do setor público e pela relação entre crédito doméstico do setor público e crédito doméstico total, a hipótese de que a deterioração dos fundamentos agiu no sentido de contribuir para as instabilidades do mercado cambial é reafirmada.

Em relação à análise anterior, na composição do índice de pressão de fundamentos, como visto, a conta de transações correntes foi mantida; o déficit primário foi substituído pela dívida do setor público; e, finalmente, o crédito do setor público deixou de ser uma proporção do PIB para se tornar uma proporção do crédito doméstico total. A comparação entre os dois exercícios situa-se, então, nas variáveis fiscais e monetárias. Como ambas as medidas do crédito mostraram um comportamento declinante no período, não podem ser consideradas como fatores que contribuíram decisivamente para a piora dos fundamentos brasileiros. Sendo assim, as variáveis que contribuíram para a ampliação do índice de fundamentos e, assim, para a própria piora dos fundamentos foram a realização de contínuos déficits em transações correntes e o significativo aumento da dívida pública. Novamente, variáveis relacionadas aos setores externo e fiscal. Em conclusão, pode-se considerar que há, mais uma vez, indícios apontando para os desequilíbrios nas contas externas e a contínua piora nos resultados fiscais como causadores da crise cambial de janeiro de 1999.

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77Análise dos desequilíbrios cambiais a partir do índice de pressão dos fundamentos econômicos: a experiência brasileira dos anos 1990

6.3 Terceiro exercício: detalhamento do índice de pressão de fundamentos número (19)

O último índice de fundamentos a ser detalhado foi construído a partir de dados do saldo da conta de transações correntes, da necessidade de financiamento do setor público (operacional) e do crédito doméstico total, todos como proporção do PIB. A equação que balizou a construção deste índice é apresentada a seguir.

(9)

Como nos anteriores, o índice assinalado na equação (9) é composto por variáveis que corroboram tanto os modelos teóricos de crises cambiais relacionadas aos fundamentos como também as análises realizadas para a economia brasileira nos anos 1990, principalmente no que tange à inclusão de variáveis relativas aos setores externo e fiscal. Outro elemento importante é verificar a baixa dependência entre os componentes do índice a partir da matriz de correlação.

GRÁFICO 3

Índice de pressão de fundamentos (CTC, NFSPO e CDT) e índice de pressão cambial (ago./1994-jan./1999)

Elaboração dos autores.

Obs.: Para melhor visualização os dados dos dois índices foram ponderados (subtração da média e divisão pelo desvio padrão).

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A correlação entre a variação do crédito doméstico total e a da necessidade de financiamento do setor público operacional, no valor de 0,22, poderia suscitar a dúvida da existência de uma maior dependência entre esses componentes. Porém, nesse caso, seria efetivamente preocupante se, em vez do crédito doméstico total, tivesse sido colocada a criação de crédito pelo setor público, o que seria interpretado como a criação de crédito pelas autoridades monetárias para financiar o déficit público. Outro fator que minimiza a importância desse resultado é que a correlação para as duas variáveis nos níveis, no lugar das taxas de variação, mostrou-se negativa. Feitas essas considerações, no gráfico 3, é mostrado o inter-relacionamento entre os índices de pressão de fundamentos e o de pressão cambial.

O gráfico mostra que, em um primeiro momento, ambos os índices apresentaram seus menores patamares. Em seguida, com a continuidade da administração cambial, os índices começam a se ampliar, atingindo, ao redor da crise mexicana, patamares elevados. A defesa da taxa de câmbio nessa crise foi bem-sucedida, mas suscitou a explicitação do regime de bandas cambiais bem como, implicitamente, a definição das minibandas. Passados os efeitos da crise mexicana, tanto o índice de fundamentos quanto o de pressão cambial mantiveram-se em níveis relativamente baixos até a crise asiática, quando o índice cambial teve um sobressalto. No ano seguinte, com a crise russa, as duas medidas tiveram trajetórias semelhantes, sendo que, quando da crise brasileira, pode-se dizer que tiveram trajetórias ascendentes quase convergentes. Dada essa primeira impressão, a tabela 6 detalha os dois índices.

TABELA 6Correlações entre o índice de pressão de fundamentos (CTC, NFSPO e CDT) e o índi-ce de pressão cambial (ago./1994-jan./1999)

IPC e IPF defasados um período antes das crises

6 meses 9 meses 12 meses 15 meses 18 meses

Correlações – Crise mexicana1

0,6758 - - - -

Correlações – Crise asiática

0,1474 0,1371 0,2320 0,1867 0,3541

Correlações – Crise russa

0,1525 0,0148 0,1794 0,1494 0,1795

Correlações – Crise brasileira2

0,9051** 0,8482* 0,7025** 0,6553* 0,6429*

Elaboração dos autores.

Notas: 1 Como a amostra está limitada ao período de agosto de 1994 a janeiro de 1999, apenas a janela de 6 meses foi construída para a crise mexicana.

2 *, ** e *** representam, respectivamente, coeficientes de correlação significativos a 1, 5 e 10%.

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79Análise dos desequilíbrios cambiais a partir do índice de pressão dos fundamentos econômicos: a experiência brasileira dos anos 1990

Em primeiro lugar, deve-se reafirmar o que foi colocado anteriormente. Apesar de todos os coeficientes de correlação para as crises do México, da Ásia e da Rússia terem se mostrado positivos – o que, em tese, apoiaria nossa hipótese –, todos também se mostraram não significativos estatisticamente.

Para o caso da crise brasileira, os resultados, além de estatisticamente significativos, são claros. Havia uma evidente pressão sobre os fundamentos. A conta de transações correntes não apresentava melhorias, o crédito doméstico acenava para um ligeiro crescimento e os déficits operacionais eram acentuadamente crescentes. Novamente, as contas externas e fiscais apresentaram sua contribuição ao desestabilizar o regime cambial brasileiro.

Analisando-se particularmente os resultados operacionais para toda a série do índice de fundamentos, é importante notar que, no período prévio à crise mexicana, esse componente fiscal ainda não era deficitário, mas apresentava uma gradativa redução de seus superávits. Em julho de 1995, no entanto, a piora dos resultados operacionais passou a configurar déficits. Esses déficits, ao longo do Plano Real e da administração cambial, apesar de oscilantes,24 apresentaram uma tendência de gradativo aumento, atingindo seu patamar mais elevado quando da crise de janeiro de 1999 (11,73% do PIB). Com base nestas informações, pode-se intuir que a defesa do regime cambial nos sucessivos ataques especulativos e a necessidade de atração de capitais externos acabaram por desequilibrar as contas fiscais. A deterioração das contas fiscais, por sua vez, ampliava as pressões sobre o regime cambial. Portanto, para a crise brasileira, fica mais uma fez evidenciado o círculo vicioso entre o regime de taxas administradas e a piora dos fundamentos econômicos.

6.4 Quarto exercício: inferência entre o índice de pressão cambial e os índices de pressão de fundamentos

Na análise a seguir, testar-se-á se os índices de pressão de fundamentos (IF7, IF17 e IF19) afetam significativamente o índice de pressão cambial (IPC). Pode-se observar, na tabela 7, que as variáveis relativas aos índices de pressão de fundamentos não aceitam a hipótese nula de raiz unitária com base nos teses Augmented Dickey-Fuller (ADF) e Phillips-Perron (PP) sem considerar a constante e a tendência. Também realizamos os mesmos testes incluindo a constante e a constante e tendência, e o resultado é confirmado. Trata-se de um resultado esperado, uma vez que todos os índices de pressão cambial e de fundamentos são construídos na 1a diferença.

24. Durante o ano de 1997, até o mês de setembro, mês imediatamente anterior ao auge da crise asiática, houve uma redução da necessidade de financiamento operacional, mas, ainda assim, foram mantidos déficits da ordem de 3% do PIB, segundo informações do Banco Central do Brasil.

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TABELA 7Teste de raiz unitária augmented Dickey-Fuller (ADF) e Phillips-Perron (PP)

Variáveis Estatística t (ADF)

Probabilidae (ADF)

Estatística t (PP)

Probabilidade (PP)

IPC -4.816 <0.001 -4.738 <0.001

IF7 -5.892 <0.001 -5.897 <0.001

IF17 -4.762 <0.001 -4.975 <0.001

IF19 -2.306 0.022 -4.681 <0.001

Elaboração dos autores.

Obs.: Valor crítico ao nível de 5% = -1.947

A tabela 8 apresenta os resultados de uma regressão em mínimos quadrados ordinários, na qual apenas a constante não é estatisticamente significantiva. Isso mostra que os índices de pressão de fundamentos (IF7, IF17 e IF19) afetam significativamente e positivamente o índice de pressão cambial, confirmando que os fundamentos macroeconômicos da economia brasileira são importantes para explicar a crise cambial no período analisado. Em outras palavras, os resultados mostram que, quanto maior o índice de pressão de fundamentos, ou seja, quanto maior a fragilidade nos fundamentos, maior a pressão no índice cambial. O resultado da análise do correlograma sobre os resíduos mostra o caso de ruído branco.

TABELA 8Regressão em mínimos quadrados ordinários (MQO)

Variáveis Coeficiente Desvio Padrão Estatística t Probabilidade

Constante -1.052 0.716 -1.469 0.149

IF7 16.603 4.038 4.111 <0.001

IF17 7.732 2.884 2.681 0.010

IF19 21.670 4.098 5.288 <0.001

R2 0.597 Estatística F 12.746

R2 ajustado 0.550 Probabilidade (est. F) <0.001

Elaboração dos autores.

A tabela 9 se diferencia da tabela 8 por apresentar o índice de pressão cambial utilizando a taxa de câmbio efetiva real em vez da taxa de câmbio nominal. Os resultados apresentados na tabela 9 corroboram com os resultados da tabela 8. A análise do correlograma sobre os resíduos também mostra o caso de ruído branco. Os testes de raiz unitária confirmaram que o IPC calculado com a taxa de câmbio real também é estacionário, isto é, não aceita a hipótese nula de raiz unitária.

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81Análise dos desequilíbrios cambiais a partir do índice de pressão dos fundamentos econômicos: a experiência brasileira dos anos 1990

TABELA 9Regressão em mínimos quadrados ordinários (MQO)

Variáveis Coeficiente Desvio padrão Estatística t Probabilidade

Constante -1.125 0.753 -1.493 0.142

IF7 11.867 4.174 2.843 0.006

IF17 7.001 3.034 2.310 0.025

IF19 20.175 4.108 4.911 <0.001

R2 0.550 Estatística F 20.413

R2 ajustado 0.523 Probabilidade (est. F) <0.001

Elaboração dos autores.

7 CONCLUSÕES

Neste artigo, buscou-se avaliar se as pressões cambiais e ataques especulativos aos quais foi acometida a economia brasileira nos anos 1990, inclusive a própria crise de janeiro de 1999, que foi derivada da deterioração dos fundamentos econômicos do país. Analisou-se, dessa forma, se os desequilíbrios cambiais seguiram aos ditames dos chamados modelos de crise do balanço de pagamentos de primeira geração.

Para relacionar o comportamento das principais variáveis macroeconômicas com as instabilidades no mercado cambial, foi elaborado e construído o índice de pressão de fundamentos. Este índice incorpora simultaneamente diversas variáveis representativas dos fundamentos econômicos em uma única medida. A metodologia utilizada seguiu aquela proposta por Eichengreen, Rose e Wyplosz (1995, 1996), Kaminsky e Reinhart (1999) e Goldstein, Kaminsky e Reinhart (2000) para o índice de pressão cambial, apresentado na segunda seção do pre-sente trabalho, porém tal metodologia foi adaptada para refletir os fundamentos macroeconômicos brasileiros.

Como medida para refletir os movimentos no mercado de câmbio, foi utilizado o índice de pressão cambial elaborado por Soares (2006) e Soares, Pinto e Moreira (2007) para a economia brasileira. A amostra deste índice, tal como no índice de fundamentos, cobre a experiência de taxas de câmbio fortemente administradas ao longo do Plano Real, cobrindo o período de agosto de 1994 e janeiro de 1999. A avaliação do papel dos fundamentos econômicos em gerar instabilidades no mercado cambial deu-se pela construção de medidas de associação entre os dois índices apontados.

Após a apresentação do índice de pressão cambial e da metodologia do índice de pressão de fundamentos, foi realizado o primeiro exercício deste artigo. Foram construídos 24 modelos do índice de fundamentos a partir de diversas composições de variáveis relativas aos setores externo, fiscal e monetário. Em seguida, por meio

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de coeficientes de correlação, esses 24 modelos foram relacionados ao índice de pressão cambial, apresentado na seção 2. Além da própria elaboração e construção dos índices, um segundo importante resultado foi obtido: todos os coeficientes de associação mostraram-se positivos. Isto pode ser analisado como um indício de que os fundamentos contribuíram para as pressões cambiais sofridas pelo país durante a experiência de taxas de câmbio administradas dos anos 1990, dado que, no período analisado, a economia brasileira foi acometida por diversos ataques especulativos.

Em seguida, três índices de fundamentos foram detalhados. Buscava-se, nesse novo exercício, avaliar o relacionamento dos fundamentos com os ataques especulativos sofridos pelo Brasil, ou seja, pretendeu-se dar uma perspectiva temporal entre o intercorrelacionamento dos dois índices e a ocorrência de ataques especulativos. Particularmente, foram analisados os eventos das crises mexicana, asiática, russa e, principalmente, da crise cambial brasileira de janeiro de 1999.

Chegou-se às conclusões que se seguem. Primeiramente, as estimativas construídas para as crises do México, da Ásia e da Rússia mostraram-se sistematicamente não significativas em termos estatísticos. No que se refere à crise mexicana, tais resultados podem ser atribuídos ao baixo número de observações amostrais utilizadas na construção das estimativas, dado que os coeficientes de correlação obtidos entre os índices de fundamentos e cambial, pelo menos para o primeiro e terceiro exercícios realizados, apresentaram uma importante magnitude. No que tange à crise asiática e, principalmente, à crise russa, a não significância estatística não pode ser atribuída meramente a problemas amostrais, dado que as intercorrelações entre os fundamentos e o índice de pressão cambial apresentaram valores positivos, mas, em sua maioria, de baixa magnitude.

Para esses dois ataques especulativos, provenientes da Ásia e da Rússia, é necessário que sejam envidados esforços em pesquisas adicionais. Nesses dois eventos, deve-se considerar a provável importância do efeito contágio. Em especial, deve-se analisar o relacionamento entre fundamentos deteriorados na economia brasileira e os efeitos contágio oriundos desses países. Colocando-se em outros termos, o contágio proveniente dessas economias pode ter sido o estopim para que ocorressem ataques especulativos em um país com fundamentos já sabidamente deteriorados.

A consideração feita no parágrafo anterior é bastante relevante no caso russo. No momento anterior a esse ataque especulativo, o Brasil passava por certa tranquilidade no que se refere à taxa de câmbio, sendo essa afirmação balizada pelo comportamento do índice de pressão cambial. As reservas internacionais estavam sendo recompostas após a crise asiática e as taxas de juros retornaram para valores prevalecentes antes da eclosão desta crise. Os fundamentos, por sua vez, apresentavam-se cada vez mais deteriorados, principalmente os fundamentos fiscais. A dívida pública era crescente. Estavam sendo gerados déficits primários,

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83Análise dos desequilíbrios cambiais a partir do índice de pressão dos fundamentos econômicos: a experiência brasileira dos anos 1990

o que, por si só, já representa uma péssima sinalização para o mercado e crescentes déficits operacionais. Dessa forma, a situação pré-crise russa é paradoxal, com fortes desequilíbrios nos fundamentos acompanhados por uma tranquilidade no mercado cambial. Neste caso, há, então, indícios de que o Brasil tenha sofrido contágio daquela economia. Porém, como assinalado acima, não se trataria de um efeito contágio puro, como em um comportamento de manada, mas de um que acomete economias com fundamentos semelhantes.

Os desdobramentos da crise russa deram-se na crise cambial brasileira de janeiro de 1999. Nesse caso, a grande maioria das estimações mostrou-se significativa. Além disso, todas as intercorrelações entre os índices de pressão de fundamentos e de pressão cambial foram positivas e de elevado valor (acima de 0,50). No caso brasileiro, de janeiro de 1999, há, então, efetivos indícios que os fundamentos deteriorados atuaram no sentido de gerar a crise cambial. Surgem como candidatos a precursores desta crise os componentes externos, na figura dos desequilíbrios em transações correntes, e fiscais, como resultado da geração de sucessivos déficits e de um acentuado crescimento do endividamento público (em especial, do endividamento interno). Em conclusão, os resultados obtidos neste artigo em relação à crise de janeiro de 1999 apoiam a hipótese de que desequilíbrios macroeconômicos agiram no sentido de instabilizar a taxa de câmbio brasileira. Esta conclusão também está fundamentada nos resultados apresentados pela regressão dos índices de pressão de fundamentos frente ao índice de pressão cambial, na qual se mostraram estatisticamente significantes.

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DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E PERÍMETROS IRRIGADOS: AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS IMPLANTADAS NOS PERÍMETROS IRRIGADOS BEBEDOURO E NILO COELHO EM PETROLINA (PE)

Antônio César Ortega* Tiago Farias Sobel**

Nos diferentes perímetros de irrigação, observa-se uma série de particularidades que fazem com que sua dinâmica seja afetada. Nesse sentido, este trabalho procura analisar as distinções existentes no interior de diferentes perímetros de irrigação, por meio do estudo de caso dos perímetros irrigados Nilo Coelho e Bebedouro, ambos situados em Petrolina (PE). Apesar de, em cada perímetro implantado pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), existirem “áreas de empresas” e “áreas de colonização”, este trabalho foi dirigido ao estudo destes últimos. A metodologia utilizada consistiu essencialmente em realização de entrevistas com agentes-chave dos perímetros estudados, com aplicação de questionários semiestruturados; coleta e análise de dados secundários; e revisão da literatura. De modo geral, pode-se dizer que, apesar dos problemas enfrentados pelos pequenos produtores, em ambos os perímetros, os do Nilo Coelho apresentam-se mais aptos ao cultivo de frutas irrigadas, quando comparados aos do Bebedouro.

Palavras-chave: Polo Petrolina-Juazeiro; Pequenos Produtores; Perímetros de Irrigação.

TERRITORIAL DEVELOPMENT AND IRRIGATED PERIMETERS: EVALUATION OF GOVERNMENT POLICIES IMPLANTED IN BEBEDOURO AND NILO COELHO IRRIGATED PERIMETERS IN PETROLINA (PE)

In the different irrigation perimeters exists a series of particularities that make that his dynamics is affected. In this sense, this paper search to analyze the existent distinctions inside different irrigation perimeters, through the study of case of the Nilo Coelho and Bebedouro Irrigated Perimeters, both placed in Petrolina (PE). In spite of each perimeter implanted by Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – São Francisco and Parnaíba Valley Development Company (Codevasf) to exist “companies areas” and “colonization areas”, this papers was points to study this second one. The methodology consisted essentially in interviews with key actors from studied perimeters, collection and analysis of secondary data and literature review. In general, it can be said that, in spite of the problems faced by the small farmers in both perimeters, the Nilo Coelho small farmers are more capable to irrigated fruits cultivation, when compared with the Bebedouro small farmers.

Key Words: Polo Petrolina-Juazeiro; Small Farmers; Irrigated Perimeters.

* Professor Associado do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

** Doutorando em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), pesquisador bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe).

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DESARROLLO TERRITORIAL Y PERÍMETROS DE REGADÍO: EVALUACIÓN DE LAS POLÍTICAS GUBERNAMENTALES EN EL PERÍMETROS DE REGADÍO BEBEDOURO Y NILO COELHO EN PETROLINA (PE)

En los distintos perímetros de regadío, observase una serie de particularidades que hacen con que su dinámica sea afectada. En este sentido, este trabajo tiene como objetivo analizar las diferencias existentes en el interior de los distintos perímetros de regadío, por medio del estudio de caso de los Perímetros de Regadío Nilo Coelho e Bebedouro, situados en Petrolina (PE). A pesar de que en cada uno de los perímetros implementados por la Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – Compañía de Desarrollo del Valle de São Francisco y Parnaíba (Codevasf) encontrarse “áreas de empresas” y “áreas de colonización”, este trabajo está dirigido al estudio de los últimos. La metodología utilizada se ha consistido esencialmente de la aplicación de cuestionarios seme-estructurados en encuestas junto a agentes claves de los perímetros de estudio, recolección y análisis de datos secundarios y revisión de la literatura. De una manera general, se puede decir que, a pesar de los problemas enfrentados por los pequeños productores de los dos perímetros, los de Nilo Coelho se han presentado más aptos para la producción de los cultivos de frutas en regadío, cuando comparados con los de Bebedouro.

Palabras clave: Pólo Petrolina-Juazeiro; Pequeños Productores; Perímetros de Regadío.

DéVELOPPEMENT TERRITORIAL ET PéRIMÈTRES IRRIGUéES: EVALUATION DES POLITIQUES PUBLIQUES IMPLANTé DANS LES PéRIMÈTRES IRRIGUéES DE BEBEDOURO ET NILO COELHO À PETROLINA

Dans les différents périmètres d’irrigation il y a beaucoup de particularités que affectent sa dynamique. Par conséquent, cet article analyse les distinctions existant dans les différents projets d’irrigation, à travers de l’étude-de-cas dans les périmètres irriguées Nilo Coelho et Bebedouro, situés en Petrolina (PE). Pendant chaque périmètre implanté pour Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – Société de Développement des Vallées de São Francisco et Parnaíba (Codevasf) posséder “zones d’activités” et “zones de peuplement”, ce travail a été concentré en ces dernières. La méthodologie a consisté principalement en entrevues avec les principaux agents dans les périmètres étudiés; collecte et l’analyse des données secondaires et revue de la littérature. En général, on peut verifié que malgré les problèmes affrontés par les petits producteurs, les de Nilo Coelho se présentaient plus appropriées par la culture irriguée des fruits, comparativement avec des Bebedouro.

Mots-clés: Polo de Petrolina-Juazeiro; Petits Agriculteurs; Périmètres D’irrigation.

1 INTRODUÇÃO

Reconhecendo a complexidade do problema da seca no semiárido, vários cientistas, técnicos e estudiosos procuram, há muito tempo, sugerir ações para o desenvolvimento desta sub-região, visando melhorar as condições de vida de

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sua população. No entanto, até a década de 1950, os esforços para combater os constrangimentos provocados pela seca restringiam-se às medidas de caráter assistencial e à construção de uma rede de açudes. Isso mudou em 1957, quando foi criado o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), sob a chancela do renomado economista Celso Furtado, visando solucionar, entre outros problemas do Nordeste, os causados pela seca no semiárido. Este grupo de trabalho elaborou um documento no qual se assegurava que a solução dos problemas do semiárido estaria em dar uma maior estabilidade à renda da população, reduzindo, por exemplo, a prática da agricultura de subsistência. Para alcançar este objetivo, uma das alternativas sugeridas pelo documento era a implantação da irrigação nas zonas em que esta atividade fosse possível.1

Nesse contexto, a partir da década de 1960, o governo federal passou a investir em perímetros de irrigação e criou, entre outros, o Polo Petrolina-Juazeiro (figura 1), no submédio do Vale do São Francisco, considerado, por vários autores (SILVA, 1989; SAMPAIO e SAMPAIO, 2004; OLIVEIRA et al., 1991; LIMA e MIRANDA, 2000; entre outros), como o Polo de irrigação de maior sucesso da região Nordeste.

FIGURA 1Localização do Polo Petrolina-Juazeiro

Fonte: Banco do Nordeste do Brasil (BNB, 2007).

1. Poucas localidades do semiárido tinham condições de implantar esta atividade, entre elas, o Vale do São Francisco. Segundo Noblat (1977), em 1977, apenas 2% da área do Nordeste era considerada irrigável. Desta forma, o grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (1997) frisou o caráter limitado desta atuação para o desenvolvimento do semiárido.

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Atualmente existem sete perímetros em funcionamento no Polo Petrolina-Juazeiro – “Bebedouro”, “Senador Nilo Coelho” e sua recente extensão “Maria Tereza”, em Petrolina; e “Curaçá”, “Maniçoba”, “Tourão” e “Mandacaru” em Juazeiro – tendo sido implementados em diferentes épocas e condições. O Bebedouro foi o primeiro perímetro irrigado a ser construído no Polo, em 1968, servindo, junto ao perímetro de Mandacaru (BA), como laboratório para análise da viabilidade econômica de tais investimentos para o semiárido. Por sua vez, o Perímetro Nilo Coelho teve o início de seu funcionamento no ano de 1984, período em que já se havia observado a viabilidade econômica destes investimentos para a região, comprovada pela elevada taxa de crescimento econômico observada nos municípios do Polo. Assim, verifica-se que, mesmo sendo alvos da mesma política pública e sendo praticamente vizinhos, estes perímetros – o Bebedouro e o Nilo Coelho – tendem a apresentar distintas realidades em seu interior, tanto no nível econômico, quanto social e ambiental, em função dos momentos em que são constituídos.

Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo analisar as distinções existentes no interior de diferentes perímetros de irrigação, por meio do estudo de caso dos perímetros irrigados Nilo Coelho e Bebedouro, ambos situados em Petrolina. Ao analisarmos as realidades socioeconômicas dos pequenos produtores rurais inseridos nestes perímetros, procuramos identificar os resultados das políticas implantadas no Polo por meio da verificação da distribuição dos recursos públicos e das possibilidades de redução, manutenção ou agravamento das desigualdades relacionadas a esta distribuição.

Apesar de, em cada perímetro implantado pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), existirem “áreas de empresas” e “áreas de colonização”,2 este trabalho foi dirigido ao estudo destes últimos: i) por apresentarem, de maneira geral, maiores dificuldades financeiras, devido as suas maiores dificuldades de produção, quando comparados às grandes propriedades agrícolas; ii) porque, num contexto regional, estes produtores representam um importante segmento em termos de área, produção, renda e emprego nas áreas irrigadas; e iii) para verificar se, de fato, tais produtores foram incorporados aos mercados de forma dinâmica, visto que este era um dos objetivos dos projetos de criação dos perímetros irrigados.

A metodologia que viabilizou nossa análise consistiu essencialmente em: i) coleta de dados secundários relativos às realidades da agricultura nos perímetros irrigados; ii) revisão de literatura; e iii) entrevistas, com a aplicação de questionários semiestruturados a pessoas-chave selecionadas nos perímetros em análise: 14 pequenos produtores (em 2006), cinco lideranças locais de associações do Perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho e técnicos agrícolas que trabalham diretamente com colonos dos perímetros estudados e que, por isso, apresentam

2. As “áreas de colonização” foram feitas para serem exploradas por produtores familiares, chamados de “colonos”.

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plenas condições de descrever a atual situação em que se encontram. Assim, foram coletados e analisados dados sobre as realidades sociais, econômicas e técnicas dos pequenos produtores dos dois perímetros.

O trabalho se inicia com uma descrição geral da microrregião, em que se destacam sua estruturação social e as políticas implementadas, visando situar melhor o leitor acerca de em que contexto e como foram constituídos os perímetros públicos de irrigação no polo. Em seguida, é feita uma descrição geral das condições atuais dos perímetros irrigados Nilo Coelho e Bebedouro com base nos dados primários obtidos e outras fontes secundárias. Na sequencia, é exposta a realidade socioeconômica e tecnológica dos pequenos produtores nestes dois perímetros, a partir da investigação dos seguintes itens: i) a escolaridade; ii) a evolução da tecnologia adotada, com destaque para os sistemas de irrigação utilizados; iii) o tempo em que os colonos estão alocados em seus determinados perímetros e suas faixas etárias, visando constatar o grau de rotatividade existente; iv) a quantidade e qualidade do emprego existente; v) os mercados para os quais é destinada a produção; e vi) a organização social. Por fim, são expostas as conclusões do artigo.

2 O POLO PETROLINA-JUAzEIRO

Situado na zona mais árida do Nordeste brasileiro, às margens do rio São Francisco, no extremo oeste de Pernambuco e norte da Bahia, o Polo de Desenvolvimento Petrolina-Juazeiro é formado por oito municípios – Petrolina, Lagoa Grande, Santa Maria da Boa Vista e Orocó, em Pernambuco; Juazeiro, Sobradinho, Casa Nova e Curaçá, na Bahia (figura 1) –, nos quais estava distribuída, em 2007, uma população de 689.421 habitantes (IBGE, 2007). Suas condições naturais (solo, clima, topografia etc.) são excepcionais para o desenvolvimento da fruticultura; o único fator limitante para esta atividade agrícola na região é o baixo nível de precipitações pluviométricas, com um período de estiagem anual de oito meses, de abril a novembro. Este fator limitante, porém, vem sendo sanado pela disponibilidade de água em quantidade e qualidade, oferecida para irrigação pelo rio São Francisco.

Alvo de políticas públicas importantes, o Polo Petrolina-Juazeiro vem apresentando transformações expressivas em sua estrutura produtiva e social. No entanto, há pouco mais de três décadas, este território se apresentava como mais um entre as diversas zonas de miséria situadas no sertão nordestino. Como afirma Coelho e Mellet (1995), até meados do século XX, era impossível antever o futuro da região como um grande Polo de produção de frutas do país. O quadro era tão desolador que levou Oliveira et al. (1991) a afirmarem que “nada poderia acontecer naquela região do São Francisco que provocasse uma transformação do aparelho produtivo local”. Deste modo, segundo esses autores, “as forças de propulsão da economia local teriam que vir, necessariamente, de fora da região” (p. 20).

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Tais forças chegaram, no decorrer da década de 1950, quando as autoridades públicas federais voltaram a atenção para as potencialidades agrícolas da microrregião, e intensificaram-se a partir de 1959, com a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Daí para frente, o Estado manteve uma forte atuação no Polo, passando, gradualmente, a ter, na agricultura irrigada, sua principal atividade fomentadora do desenvolvimento. Para tanto, três foram as principais formas de atuação que nortearam os investimentos públicos no Polo:

1) Investimentos em infraestrutura: apesar de ser apontada por vários cientistas como área de alto potencial para a produção da agricultura irrigada, a infraestrutura de transporte, energia, comunicação etc. da microrregião era considerada insuficiente para ser constituída por meio da ampliação do excedente local. Logo, os investimentos estatais foram intensificados a partir de 1950, com os quais foi possível construir, por exemplo, a ponte que une as cidades de Petrolina e Juazeiro, o aeroporto de Petrolina, a barragem de Sobradinho, rodovias federais ligando o Polo a todos os centros urbanos do país etc. Estes investimentos foram importantes para incentivar as primeiras mudanças na economia da microrregião, viabilizando a implantação dos perímetros públicos no Polo.

2) Investimentos em irrigação: os investimentos em irrigação no submédio foram feitos após a realização de estudos sobre as condições do solo e da água da região e comprovada a viabilidade da utilização destes recursos para fins de irrigação (MALAVASI e QUEIROZ, 2003). Órgãos como a Sudene, a FAO (Food Agriculture Organization), o Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS), a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) colaboraram nestes estudos.

3) Políticas de incentivos ao setor privado: visando a atração dos investimentos privados ao Polo, foram disponibilizados diversos incentivos a esse setor, especialmente financeiros e fiscais, oferecidos desde o início dos anos 1970 e intensificados durante a década de 1980. Entre estes incentivos, destacam-se o Programa de Assistência Financeira à Agroindústria e à Indústria de Insumos, Máquinas, Tratores e Implementos Agrícolas (Proterra/Pafai), o Programa de Desenvolvimento da Agroindústria do Nordeste (PDAN), o Programa de Desenvolvimento Agroindustrial (Prodagri) e o Programa Nacional de Assistência à Agroindústria (Pronagri). Estes programas contaram com recursos do Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor) e do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) (SUDENE, 1995).

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Portanto, pode-se concluir que o atual dinamismo econômico verificado no polo se deve, essencialmente, a fatores exógenos à região. Destaque-se que, entretanto, assim como ocorrera com outras políticas públicas implementadas durante o regime militar, em sua atuação no polo, o foco dos investimentos públicos foi a geração de condições físicas locais favoráveis à produção em grande escala da agricultura irrigada, em um claro exemplo de planejamento centralizado, sem uma ampla e democrática participação das comunidades locais. Por conseguinte, a região apresentou, durante muito tempo, uma forte resistência às práticas organizacionais do tipo cooperativo. Contudo, mais recentemente, este panorama vem se modificando.

Essa forte intervenção pública começa a mudar no final da década de 1980, com a emancipação dos perímetros públicos, transformados em privados. Essa mudança na orientação do papel do Estado deveu-se tanto à necessidade de com-patibilizar a administração dos perímetros às restrições financeiras do governo federal durante a forte crise enfrentada na década de 1980, quanto à adoção de uma ideologia liberalizante, que acreditava em uma maior eficiência com menor intervenção pública e maior liberdade para a iniciativa privada.

Nesse contexto, foi implementado, nos perímetros –, um modelo de gestão denominado “Distrito de Irrigação”, pelo qual os próprios produtores seriam os responsáveis pela administração, operação e manutenção de suas áreas comuns.3 Com a emancipação, foi criada uma nova realidade institucional, que induziu a sociedade local a ter uma maior ação participativa diante das políticas imple-mentadas. Como resultado, observa-se o surgimento das primeiras associações de produtores, embora sem êxito no início. Isto porque, até então, o paternalismo caracterizado pela atuação estatal gerou um forte vínculo de dependência dos colonos em relação ao poder público, inibindo, portanto, durante muitos anos, a formação de entidades fortes e representativas.4

Só a partir de meados da década de 1990 é que os produtores começam, de fato, a perceber a importância da ação cooperada. Esta nova postura se deve: i) ao intenso processo de abertura comercial, que deixou o produtor bastante vulnerável à concorrência externa; e ii) ao enorme esforço empreendido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), pelo Banco do Nordeste Brasileiro (BNB), pelos Distritos de Irrigação, pela Codevasf, pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agorpecuária (Embrapa), por Organizações Não Governamentais (ONGs) etc. visando conscientizar os produtores do polo dos benefícios proporcionados pelas associações, organizações e cooperativas no

3. Esse modelo foi implementado após técnicos da Codevasf conhecerem as experiências na gestão dos perímetros irrigados no México, nos Estados Unidos, na Espanha e em Israel.

4. Como afirmam Graziano da Silva e Takagi (2004), organizações sociais que se encontram numa posição de dependência em relação a atores governamentais, criadas por intervenção direta destes atores, acabam se tornando obstáculos para que a participação social assuma uma dimensão mais autônoma.

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processo de competição. Com esse incentivo, surgem, no polo –, uma série de entidades representativas dos produtores.5 No entanto, a despeito de toda esta mudança de atitude, é fato que a maioria dos produtores, particularmente os pequenos, ainda vê com certa desconfiança as iniciativas de cunho cooperativo, principalmente por não se ver representada. 6

Vale ressaltar, ainda, que, atualmente –, as ações de cunho associativo no polo não se limitam à esfera produtiva. Além da organização entre produtores, observa-se que a comunidade local vem procurando criar conselhos com o intuito de participar mais ativamente das políticas voltadas às áreas sociais. O quadro 1 evidencia este fato, detalhando a existência de conselhos municipais em Petrolina e Juazeiro que atuam em diferentes setores.

QUADRO 1Existência de conselhos municipais (2001)

Área de atuação Petrolina Juazeiro

Educação Sim NãoSaúde Sim SimAssistência social Sim SimCriança e adolescente Sim SimEmprego e trabalho Não NãoTurismo Sim NãoHabitação Sim NãoMeio ambiente Sim NãoTransportes Não NãoPolítica urbana Não SimPolíticas setoriais Não Não

Fonte: Sistema de Informações Socioeconômicas dos Municípios Brasileiros (Simbrasil).

De modo geral, observa-se que existem no polo várias estruturas sociais e formas de organização de produtores, representando, assim, uma mudança no comportamento da população local. No entanto, ainda há espaço para uma maior organização social nesse território, o que propiciaria que as políticas implementadas apresentassem condições de gerar maiores benefícios econômicos e sociais à população local e, consequentemente, à microrregião como um todo.

Pode-se concluir, assim, que o atual dinamismo econômico do polo deveu-se, inicialmente, a fatores exógenos à região. No entanto, mais recentemente, tem

5. Dentre as principais, pode-se citar, entre outras: i ) Cooperativas: a Cooperativa Agrícola Juazeiro da Bahia Resp. Ltda. (CAJ-BA), a Unipex do Vale Import. e Export. Ltda. e a Néctar Agrícola Import. e Export. Ltda; ii ) Associações: a Associação dos Produtores e Exportadores de Hortifrutigranjeiros e Derivados do Vale do São Francisco (Valexport), a Coopercotia Yamanashi Desenv. Agrícola Ltda. (Cooperyama), a CYG Agrícola Imp. e Exp. Ltda. e a Agroaliança; iii ) Câmara da Uva, para o controle da qualidade de produção e do preço da mercadoria no exterior, vinculada à Valexport; iv ) Brazilian Grapes Marketing Board (BGMB), também vinculada à Valexport.

6. Este fato foi identificável na pesquisa de campo não só em conversa com técnicos e funcionários do BNB, Sebrae, Codevasf, Distrito de Irrigação e Consultorias, mas em conversa com os próprios pequenos produtores.

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sido observada uma maior participação da sociedade civil organizada em espaços de discussão para reivindicação de ações públicas, numa tentativa de combinação do planejamento centralizado e do descentralizado. Contudo, é preciso verificar se, de fato, as transformações ocorridas no polo nas últimas décadas reduzi-ram as desigualdades econômicas e sociais historicamente existentes na região. Esta questão será discutida a partir da próxima seção, ao se analisar o caso dos perímetros Nilo Coelho e Bebedouro.

3 INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE OS PERÍMETROS

Implantado pela Codevasf, em 1968, o Projeto Bebedouro está localizado a 35 km a noroeste da sede municipal de Petrolina e foi pioneiro da grande irrigação do Nordeste (CODEVASF, 2006). Apesar de possuir uma área total de 8.076 hectares, somente cerca de 1.938 são destinados à irrigação.7 Das áreas irrigáveis, 43,7% são ocupadas por empresas e 56,3% por colonos; no entanto, em 2004, apenas 45,2% desta área estava sendo de fato utilizada para fins de irrigação (tabela 1). O perímetro é administrado pelos próprios irrigantes, por meio do Distrito de Irrigação Perímetro Irrigado Bebedouro (DIPIB), cabendo a estes a gestão da água e as funções de assistência técnica. Apesar disso, em 1998, foram aportados investi-mentos públicos estimados por Sampaio e Sampaio (2004) em R$ 30,98 milhões.

Localizado em Petrolina, a 15 km da sede municipal (CODEVASF, 2006), o Perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho (PISNC) custou aos cofres públicos cerca de R$ 340,52 milhões (em reais de 1998), segundo estimativa de Sampaio e Sampaio (2004). Este perímetro foi construído em duas etapas: a primeira, conhecida como Nilo Coelho, teve o início de suas atividades em 1984; e a segunda, conhecida como Maria Tereza, foi iniciada em 1996. Assim como no Bebedouro, a administração deste perímetro é feita pelos próprios irrigantes, por meio do Distrito de Irrigação Perímetro Senador Nilo Coelho (DIPSNC). Este é considerado o maior perímetro público do Brasil, com uma área total de 40.763 ha, dos quais 21.640 ha são irrigáveis, sendo 41,4% das áreas destinadas a empresas e 58,6% destinadas a colonos. O índice de ocupação foi de 86,6%, na primeira etapa, e 69,9%, na segunda, ambas apresentando índices bem superiores ao observado em Bebedouro. O restante da área do projeto (área não irrigável) é preenchido por 970 km de rede viária interna (700 km, na 1a etapa, e 270 km na 2a etapa), cinco núcleos de serviços e 11 habitacionais,8 além de canais de irrigação primários e secundários, culturas de sequeiro, reserva florestal, galpões etc.

7. As demais áreas em seu interior são ocupadas por três núcleos habitacionais e dois de serviços, 45 km de rede viária interna, além de canais de irrigação primários e secundários, área de sequeiro, galpões, reserva florestal etc.

8. É interessante ressaltar que, na 1a etapa, foram disponibilizadas residências à maioria dos colonos, o que não foi observado na 2a etapa, na qual foram disponibilizadas apenas as áreas para que fossem construídas as vilas de moradores. Isto ocorreu porque esta etapa consistiu apenas em um complemento do Nilo Coelho, e este, no momento da inauguração da 2a etapa, caracterizava-se como sendo privado, cabendo, portanto, ao poder público apenas os investimentos em infraestrutura de irrigação.

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TABELA 1Informações gerais dos perímetros Nilo Coelho e Bebedouro

Item Bebedouro1Nilo Coelho2

1a etapa 2a etapa Total

Área total do projeto (ha) 8.076,00 - - 40.763,00

Área irrigável (ha) 1.938,96 16.592,00 5.048,00 21.640,00

Área irrigada (ha) 876,65 14.369,54 3.513,17 17.882,71

Índice de ocupação (%) 45,21 86,61 69,60 82,64

Empresas

Área ocupada (ha) 848,10 6.878,00 2.081,00 8.959,00

Área destinada (%) 43,74 41,45 41,22 41,40

Lotes ocupados 7 134 46 180

Área média ocupada por empresa (ha) 121,16 51,33 45,24 49,77

Área irrigada (ha) 185,15 4.919,64 1.001,35 5.920,99

Índice de ocupação (%) 21,83 71,53 48,12 66,09

Colonos

Área ocupada (ha) 1.090,86 9.714,00 2.967,00 12.681,00

Área destinada (%) 56,26 58,55 58,78 58,60

Lotes ocupados 157 1.520 543 2.063

Área média ocupada por colono (ha) 6,95 6,39 5,46 6,15

Área irrigada (ha) 691,50 9.449,90 2.511,82 11.961,72

Índice de ocupação (%) 63,39 97,28 84,66 94,33

1Fonte: Franca (2004) e Ater/DIPIB (2004).2Fonte: DIPSNC (2005) e Ater/DIPSNC (2004).

Elaboração dos autores.

Incluindo Codevasf e Embrapa, o número total de empresas localizadas no Bebedouro são sete,9 totalizando 848,10 hectares, o equivalente a 121,16 ha por empresa. No entanto, levando em consideração exclusivamente as empresas voltadas à produção mercantil, a área irrigável cai para 617,20 hectares, elevando para 123,44 hectares a área média por empresa. Em Nilo Coelho, por sua vez, apesar da área total ocupada pelas empresas ser maior, a área média destinada a estas é bem menor, isso é compensado pelo alto grau de aproveitamento das áreas irrigadas, principalmente na primeira etapa, com 71,53% de ocupação, contra os 21,83% no Bebedouro.

No Bebedouro, constata-se que a área média ocupada pelos colonos é um pouco maior do que no Nilo Coelho (6,95 ha contra 6,15 ha).10 No entanto, o índice de ocupação das áreas irrigáveis mantém-se bem abaixo das médias observadas no Nilo Coelho, principalmente quando comparada a 1a Etapa, que apresenta 97,3% de ocu-pação. Observa-se ainda que o índice de exploração das áreas irrigáveis no Bebedouro se eleva para os colonos quando comparado aos índices observados nas empresas.

9. A Codevasf possui uma área de 20,40 hectares referente a uma estação de piscicultura, enquanto a Embrapa possui uma área de 210,5 hectares destinada à geração e adaptação de tecnologia para irrigação e à produção de sementes básicas (FRANCA, 2004).

10. Quando distribuídos aos colonos, os lotes possuíam em média 6 hectares (BRITO, 1995).

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Com base na tabela 1, pode-se afirmar que, apesar de a área média da propriedade do pequeno produtor no Nilo Coelho ser menor que a do Bebedouro, seu grau de exploração para irrigação é maior, o que pode resultar em maior eficiência relativa.

4 REALIDADE DOS PEQUENOS PRODUTORES NOS PERÍMETROS IRRIGADOS NILO COELHO E BEBEDOURO

4.1 Escolaridade

A escolaridade é considerada uma variável de suma importância para a elevação da eficiência econômica das propriedades rurais no polo.11 Estudo feito por Sobel (2005) apontou que esta variável influi decisivamente na renda dos pequenos produtores na microrregião. Isto ocorre, segundo Rocha (2001), porque um elevado grau de instrução acaba potencializando a capacidade do pequeno produtor de: i) inserir-se no mercado; ii) organizar-se; iii) utilizar e manusear tecnologias mais avançadas (com maior grau de complexidade); iv) negociar com possíveis compradores etc. Constata-se que os pequenos produtores mais escolarizados solicitam o acompanhamento de um profissional especializado na área, invariavelmente agrônomos. Vale ressaltar, ainda, que grande parte dos que apresentam nível médio possui cursos técnicos em agronomia, o que os diferencia dos que apresentam escolaridade elementar. Desta forma, além da maior produtividade no cultivo, o grau de instrução leva o produtor a ter um maior discernimento da realidade empresarial, aumentando seu poder de barganha e proporcionando-lhe condições contratuais mais favoráveis.

Na elaboração da tabela 2, foram utilizadas mais de uma fonte de informações, visando dar maior confiabilidade aos resultados. Devido aos anos das pesquisas, optou-se por separar a análise em dois blocos de resultados. No primeiro, foram utilizados dados sobre escolaridade apresentados para Bebedouro por Franca (2004), enquanto, para Nilo Coelho, foi utilizada uma pesquisa de campo organizada por Costa (2003). No segundo, as informações foram coletadas do trabalho de Sampaio e Sampaio (2004), que se baseou em pesquisa de campo feita pela Fade/UFPE no ano de 1998. Vale destacar que, neste último, os dados estão disponíveis de maneira agregada por perímetro, não sendo possível dividir em 1a e 2a etapas os dados obtidos para o Projeto Senador Nilo Coelho.

De modo geral, observam-se, em ambas as pesquisas, que o nível de escolaridade dos colonos no Perímetro Irrigado Nilo Coelho é maior que no Bebedouro. No entanto, os dados mais recentes, observados no primeiro bloco

11. Obviamente, levando-se em consideração que os meios de produção terra e água constituem pré-requisito básico para a produção agrícola.

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de resultados, apresentam-se muito aquém do desejável para o Bebedouro e um pouco melhores para o Nilo Coelho, quando comparados ao segundo bloco. Segundo Franca (2004), no Bebedouro, todos os entrevistados se declararam alfabetizados, apesar de 91% terem apenas nível escolar elementar; outros 7% apresentam segundo grau completo e apenas 2% iniciaram o ensino superior (de agronomia), dos quais, apenas um concluiu o curso.12 Já no Nilo Coelho, apesar de a amostra ser relativamente pequena para o primeiro bloco de resultados, observa-se que a 2a etapa (Maria Tereza) apresenta melhores indicadores escolares quando comparados à 1a etapa. Esta melhor escolaridade relativa dos projetos mais novos deve-se, segundo Sampaio e Sampaio (2004), à mudança nos critérios utilizados para seleção dos colonos ao longo da implantação dos perímetros analisados, a partir dos quais, passou-se a levar em consideração, com maior ênfase, a escolaridade.13 No entanto, vale salientar que, apesar de apresentar melhor escolaridade relativa, esta variável é também muito deficitária, mesmo no Perímetro Nilo Coelho.

TABELA 2Distribuição dos colonos por grau de escolaridade nos perímetros Nilo Coelho e Bebedouro(Em %)

Fonte Grau de instrução Bebedouro (2004)1Nilo Coelho (2003)2

1a etapa 2a etapa Total

Pesquisa de campo (2003/2004)1

Elementar 91 63,3 46,7 59,4Médio 7 34,7 26,7 32,8Superior (completo ou incompleto)

2 2,0 26,7 7,8

Total de entrevistados 100 49 15 64

Pesquisa Fade/UFPE (1998)2

Analfabeto 46,2 - - 32,8Elementar 38,5 - - 42,8Médio 15,4 - - 17,6Superior (completo ou incompleto)

0 - - 6,9

1Fonte: Franca (2004) e Costa (2003).2Fonte: Sampaio e Sampaio (2004).

Essa realidade se deve, em grande parte, ao fato de que, dentro desses perímetros, localizam-se escolas apenas de nível fundamental, ou seja, até a quarta série. Como afirmou um presidente de associação de uma das vilas do Nilo Coelho:

12. Inclusive, segundo Sampaio e Sampaio (2004), Bebedouro é o perímetro que apresenta o maior número de analfabetos do polo, com porcentagem bem superior à média dos demais perímetros do polo (46,2% contra 32,4%, respectivamente).

13. Por exemplo, no caso específico do Bebedouro, para adquirir o lote, um dos requisitos básicos impostos ao colono era apresentar no máximo um grau de escolaridade equivalente a um curso primário, critério este não imposto para o Perímetro Nilo Coelho (BRITO, 1995).

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99Desenvolvimento territorial e perímetros irrigados

“Aqui no Nilo Coelho, tem vilas que foram criadas com 150 famílias, mas que hoje já têm 500 famílias e, mesmo assim, continua só tendo escola ensinando até a quarta série”. Logo, para estudar além desta série, os colonos são obrigados a se deslocar até o centro urbano de Petrolina (local mais próximo dos perímetros). E, mesmo no centro urbano, há certa insuficiência de serviços escolares ofertados à população pelos governos municipal, estadual e/ou federal, devido ao seu inchamento. Além disso, muito deste resultado se deve a questões culturais, já que a maioria destes colonos teve infância pobre; “obrigados” a trabalhar desde cedo, não tiveram, assim, a oportunidade de estudar quando pequenos. Este fato faz com que enraízem esta realidade a seu estilo de vida como uma tradição a ser seguida pelos seus sucessores (filhos, netos etc.).

4.2 Padrão tecnológico adotado

O sistema de irrigação utilizado pelos pequenos produtores também se mostra como fator de grande importância para que estes maximizem a eficiência em suas propriedades. Segundo Sobel e Costa (2005), a microaspersão é o sistema que melhor se adéqua à fruticultura na microrregião. Por sua vez, o método de irrigação por gravidade é considerado extremamente atrasado, trazendo os piores resultados em termos de eficiência econômica e de qualidade para os produtos. A tabela 3 reúne dados obtidos sobre os recursos tecnológicos utilizados pelos colonos nos perímetros estudados. Novamente, a análise está dividida em dois blocos de resultados, tal qual especificado anteriormente. Pelo fato de vários pequenos agricultores utilizarem mais de um tipo de sistema de irrigação em suas propriedades, foi considerado na tabela apenas o principal sistema empregado pelos colonos, evitando-se, assim, múltipla contagem.

Em ambos os blocos de resultados, observa-se que o Perímetro Irrigado Nilo Coelho utiliza sistemas de irrigação mais eficientes quando comparados ao Perímetro Irrigado Bebedouro.14 Vale salientar também que, na 1a etapa, os colonos utilizam sistemas de irrigação mais eficientes quando comparados à 2a etapa. Isto se deve, em grande parte, ao fato de que os colonos assentados em 1984 já tiveram mais tempo para mudar os sistemas inicialmente implantados em seus perímetros (aspersão), enquanto, no Maria Tereza, o sistema de irrigação implantado foi o mesmo, apesar de seu tempo de mudança ser relativamente pequeno.

14. Deve-se levar em consideração as devidas distinções metodológicas existentes nos dois blocos de resultados, tais como: i ) diferentes tamanhos amostrais nas tabelas e; ii ) períodos distintos – no primeiro bloco de resultados, nos anos de 2004 e 2003, e, no segundo, no ano de 1998.

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TABELA 3Sistemas de irrigação utilizados pelos colonos do Nilo Coelho e do Bebedouro(Em %)

Fonte Sistema de Irrigação Bebedouro (2004)1Nilo Coelho (2003)2

1a etapa 2a etapa Total

Pesquisa de campo (2003/2004)1

Gravidade 98 - - -Aspersão - 63,3 86,7 68,8Microaspersão 2 34,7 13,4 29,7Gotejamento - 2,0 - 1,6Total de entrevistados 100 49 15 64

Pesquisa

Fade/UFPE

(1998)2

Gravidade 88,2 - - 0Aspersão 11,8 - - 95,2Microaspersão - - - 4,4Gotejamento - - - 0,4Total de entrevistados 17 - - 252

1Fonte: Franca (2004) e Costa (2003).2Fonte: Sampaio e Sampaio (2004).

Com relação à área, o Relatório Ater/DIPSNC (2002) aponta que, no Nilo Coelho, dos 10.111,01 hectares irrigados em 2002 pelos pequenos produtores, 61,61% da área total era irrigada com aspersão convencional; 32,37% com microaspersão; 1,28% com gotejamento e, no restante (4,74%), são utilizados outros sistemas (canhão, inundação, xique-xique etc.). No Bebedouro, de acordo com o Relatório Ater/DIPIB (2003), dos 1.094,52 hectares explorados pelos pequenos produtores neste período, apenas em 148,64 ha era adotada a irrigação localizada (microaspersão ou gotejamento), o que representava apenas 13,58% das áreas irrigadas por estes, sendo praticamente todo o restante irrigado com a utilização do método por gravidade.

De forma geral, baseado nos percentuais descritos, pode-se concluir que, no Nilo Coelho, os colonos estão incorporando mais rapidamente sistemas de irrigação modernos, inversamente ao que é observado no Bebedouro, onde há um maior percentual de colonos utilizando sistema por inundação. Este fato é relevante por demonstrar uma maior evolução relativa na busca dos pequenos produtores do PISNC por tecnologias mais eficientes.

Apesar disso, não se pode ignorar um fator importante que pode justificar, em parte, os resultados obtidos. Segundo Franca (2004), o modelo de irrigação implantado na fundação do projeto Bebedouro foi por gravidade, enquanto, no Nilo Coelho, os lotes foram distribuídos com métodos de irrigação por aspersão (aspersão convencional). No entanto, mesmo conhecendo-se este fato, que explica em parte os atuais métodos utilizados pelos colonos nos distintos perímetros, é espantoso ver que, ainda em 2004, após 36 anos, grande parte dos pequenos produtores do Bebedouro continuava utilizando o método mais atrasado, com

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101Desenvolvimento territorial e perímetros irrigados

consequências negativas sobre os resultados ambientais e para a produtividade de suas propriedades.15

Inclusive, de acordo com o Relatório Ater/DIPIB (2004), a utilização desse método era uma das principais queixas dos colonos desse perímetro, sendo apon-tado como causa principal para essa realidade

a escassez dos recursos para custeio e investimento, dificultou avanços no sentido de mudanças no sistema de irrigação, (...) considerando fatores decisivos à melhoria da eficiência da irrigação e eficácia dos resultados econômicos perseguidos pelos produtores (ATER/DIPIB, 2004, p. 5).

Analisando-se a tabela 4, pode-se notar que a grande maioria (97%) dos pequenos proprietários no Bebedouro gostaria de mudar de sistema de irrigação. No entanto, os altos custos e a falta de recursos financeiros para instalação de um novo método de irrigação acabam inviabilizando esta mudança. Segundo Heinze (2002), o valor a ser investido em sistemas de irrigação e nas culturas permanentes exige, em média, de US$ 8.000 a US$ 10.000 por hectare e, segundo o autor, “poucos produtores têm como contrair esses empréstimos, devido à sua baixa capacidade de endividamento” (p. 32) e às elevadas garantias exigidas aos produtores. Por seu turno, no PISNC, observa-se que a maioria também não muda de método ou sistema devido aos altos custos e/ou falta de recursos financeiros (69,4%). Contudo, também se observa que uma parte considerável dos entrevistados está satisfeita com os sistemas que utilizam (27,4%). Grande parte destes possui microaspersão, sendo, portanto, bastante compreensível seu contentamento, visto que utilizam o sistema considerado mais eficiente para a fruticultura no submédio do Vale do São Francisco (SOBEL e COSTA, 2005).

Além da falta de recursos financeiros, observa-se que vários colonos não fazem uso de tecnologias mais modernas por não terem conhecimentos sobre elas. A tabela 5 expõe dados sobre a utilização de outros sistemas de irrigação e o treinamento para o sistema usado. No geral, os resultados mostram que houve pouca experimentação com outros sistemas de irrigação além dos atuais utilizados pelos colonos. Logo, é provável que estes não apresentem conhecimento técnico de como manusear outros sistemas. Entretanto, observa-se, na mesma tabela, que parte considerável dos colonos (56,9%) recebeu treinamento sobre o sistema atualmente utilizado, sendo 95,8% destes oferecidos por órgão oficial.

15. Segundo Ater/DIPIB (2003), esta utilização de sistema de irrigação inadequado, acaba gerando uma perda mensal na distribuição de água no Bebedouro equivale a um volume suficiente para irrigar 150 hectares no mesmo período. E esse descontrole da água con-sumida pelos produtores familiares tem contribuído para que os pequenos produtores apresentem elevados índices de inadimplência no pagamento da tarifa de água.

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TABELA 4Razão para não utilizar outros recursos tecnológicos

Motivo

Bebedouro

(2004)1

Nilo Coelho (2003)2

1a etapa 2a etapa Total

No % No % No % No %

Alto custo e falta recursos financeiros 97 97 30 63,8 13 86,7 43 69,4Consideram o atual sistema ideal3 - 0 15 31,9 2 13,3 17 27,4Não souberam responder 3 3 2 4,3 - 0 2 3,2Total 100 100 47 100 15 100 62 100

1 Fonte: Franca (2004).2 Fonte: Pesquisa de campo Fade/UFPE (2003).3 Esta pergunta não foi feita para os produtores do Bebedouro.

TABELA 5Utilização de outros sistemas de irrigação e treinamento sobre o sistema usado (1998)(Em %)

Item Bebedouro Nilo Coelho Total

Utilizou outro sistema 0 6,0 5,5Recebeu treinamento 46,2 56,8 56,9Treinamento oficial - 97,2 95,8

Fonte: Sampaio e Sampaio (2004).

Analisando-se separadamente os perímetros, observa-se que, no Nilo Coelho, 6% dos colonos já fizeram uso de outros sistemas de irrigação, e 56,8% receberam treinamento sobre o sistema utilizado, enquanto, no Bebedouro, estes percentuais são de 0% e 46,2%, respectivamente. Além disso, observa-se que, na grande maioria, os treinamentos recebidos pelos colonos foram concedidos por órgãos oficiais – 97,2% no Nilo Coelho e dados não disponíveis para o Bebedouro. Com base nestes valores, pode-se concluir que, apesar de o treinamento reforçar o conhecimento técnico e a utilização do atual sistema pelo colono, parece não estimular a experimentação ou adoção de sistemas mais modernos (SAMPAIO e SAMPAIO, 2004).

A partir das informações obtidas, pode-se afirmar que nem sempre é por falta de vontade, visão empreendedora ou capacidade técnica que os colonos deixam de implantar sistemas mais eficientes em suas propriedades. Na pesquisa de campo efetuada em 2003 no PISNC, os colonos que pretendiam substituir a tecnologia de irrigação apontaram como razões para a não mudança: i) falta de condições financeiras; ii) dificuldade de se obter empréstimos, devido à burocracia (necessidade de fiador, bens para penhora, excesso de documentos) e altos juros cobrados; e iii) ausência de conhecimento técnico sobre qual seria o melhor sistema. A pesquisa de campo realizada por Franca (2004) com os colonos do Bebedouro

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103Desenvolvimento territorial e perímetros irrigados

apontou que a falta de crédito era o principal fator inibidor da modernização de suas propriedades (68%), seguida pela falta de conhecimento técnico com relação a tecnologias mais avançadas de irrigação (22%).

Portanto, pode-se concluir que, caso os colonos, em ambos os perímetros, tivessem condições financeiras de efetuar a troca e/ou qualificação técnica para manusear sistemas mais modernos, a mudança de tecnologia de irrigação já teria ocorrido.

4.3 Tempo de permanência e faixa etária dos colonos nos perímetros

Devido a uma série de fatores (econômicos, pessoais, naturais etc.), os pequenos produtores são, muitas vezes, “obrigados” a se desfazer de suas propriedades após determinado período. Na tabela 6, pode-se observar o período médio de permanência dos colonos nos perímetros em estudo, além da média de idade destes. Para formulação desta tabela, assim como exposto nas tabelas 2 e 3, foram extraídos dados de três fontes diferentes, separando a análise em dois blocos. Vale salientar que, apesar dos cálculos sobre rotatividade serem de difícil mensuração – uma vez que a implantação e o assentamento dos colonos nos perímetros, principalmente no Nilo Coelho (duas etapas), ocorreram de forma gradativa –, pelos dados da tabela 6, é possível se ter uma ideia da rotatividade dos colonos nos projetos estudados.

TABELA 6Distribuição dos colonos por tempo de trabalho no lote dos perímetros Bebedouro e Nilo Coelho (2004, 2003 e 1998)

Fonte Tempo de trabalho BebedouroNilo Coelho

1a etapa 2a etapa Total

Pesquisa de campo (2004 e 2003)1

Média de idade (em anos)4 - 47,18 41,71 45,94

Média de permanência (em anos)3 22,13 14,53 5,29 -

Tempo dos primeiros assentados no momento da pesquisa de campo (em anos) 36 19 6 -

Média de permanência/tempo dos primeiros assentados (em %) 61,47 76,47 88,17 -

Fade/UFPE (1998)2

Média de idade (em anos)4 53,82 - - 50,51

Média de permanência (em anos)3 18,25 - - 10,71

Tempo dos primeiros assentados no momento da pesquisa de campo (em anos) 30 - - 14

Média de permanência/tempo dos primeiros assentados (em %)

60,83 - - 76,50

1 Fonte: para dados do Bebedouro, Franca (2004), e, para dados do Nilo Coelho, Costa (2003).2 Fonte: Sampaio e Sampaio (2004).3 O procedimento para calcular a média de anos de permanência nos perímetros irrigados foi a multiplicação da média entre

os intervalos de anos com a frequência para cada intervalo, obtido junto às fontes indicadas, somando seus resultados e dividindo por 100.

4 O procedimento para calcular a média de idade foi multiplicar a média entre os intervalos de anos com frequência para cada intervalo, somando seus resultados e dividindo por 100. Exemplo para Nilo Coelho: [(3 x 7,9 + 8 x 30,7 + 13 x 60,6 + 18 x 0,8)/100].

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Expostas as limitações, observa-se que os projetos implantados mais recentemente apresentam colonos com uma média de idade menor – em ordem crescente: Maria Tereza, Nilo Coelho e Bebedouro. Este fato já era esperado, visto que, como aponta a tabela 6, os projetos mais antigos possuem colonos que lá estão há mais tempo, assim, a tendência é de que estes sejam mais velhos, fato que pode implicar em vários desdobramentos para sua produção. Primeiramente, a elevada média de idade faz com que estes produtores estejam mais próximos de se “aposentar”, ou seja, seu vigor, no geral, é menor que o dos mais novos. Além disso, por já estarem mais “velhos”, dificilmente se encontram dispostos, nessa fase da vida, a mudar de método, visto que já têm muita experiência e habilidade no manejo do método por inundação.

Analisando o período médio de permanência dos colonos nos perímetros, observa-se, utilizando a primeira base de dados, que este é de 5,29 anos na 2a etapa do Nilo Coelho e de 14,53 anos na 1a etapa, valores estes que equivalem, respectivamente, a 88,17% e 76,47% do período no qual foram assentados os primeiros colonos nestes perímetros até o ano da pesquisa de campo.16 No Bebedouro, constata-se que a média de anos de permanência dos pequenos agricultores é maior (pouco mais de 22 anos). No entanto, com relação ao tempo de funcionamento do perímetro, até o momento da pesquisa de campo (implantação do perímetro em 1968 e pesquisa de campo em 2004, ou seja, 36 anos), os colonos lá se encontram por um tempo relativo menor, ou seja, o equivalente a 61,47%.

Utilizando os dados da Fade/UFPE, observa-se uma média de permanência de 18,25 anos para os colonos do Bebedouro, em 1998, enquanto, para Nilo Coelho, a média cai para 10,71 anos. No entanto, observa-se que o período de permanência relativa está muito próximo do obtido anteriormente, ou seja, os colonos de Bebedouro estão em seus perímetros por um período relativo menor (o equivalente a 60,83% do período de implantação), enquanto os colonos do Nilo Coelho lá se encontram há cerca de 76,50% do período de sua implantação.17

A princípio, pode-se apontar alguns pontos que afetam a dinâmica do número de colonos em ambos os perímetros. Segundo Brito (1995), apesar de a concepção pretendida na construção dos perímetros no polo ser a de inserir o pequeno produtor de forma dinâmica no mercado, a execução dos projetos não obedeceram a esta filosofia. Ou seja, passada a euforia inicial da construção dos perímetros,

16. Segundo Silva, Souza e Barreto (1995), os primeiros assentamentos ocorreram entre os anos de 1982 e 1986, na primeira etapa do projeto Nilo Coelho. No entanto, dados do mesmo autor apontam que, até 1984, apenas 2% dos colonos haviam sido assentados, já que, apenas a partir deste ano, é que foi, de fato, disponibilizada infraestrutura de irrigação pública nos assentamentos. Já na segunda etapa, apesar de sua construção ter sido finalizada em 1996, os primeiros assentados só foram contemplados em 1997, seguindo-se o assentamento até o ano de 1999 (DIPSNC, 2005). Por estes fatores, foram tomados como base de cálculos para a tabela os anos de 1984 e 1997, respectivamente, para as duas fases do projeto.

17. Lembrando que os dados disponíveis em Sampaio e Sampaio (2004), referentes à pesquisa Fade/UFPE de 1998, estão agregados, não sendo possível discriminar em qual das etapas se localizavam os entrevistados.

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105Desenvolvimento territorial e perímetros irrigados

não foi dada a devida atenção aos colonos, principalmente após as emancipações no final dos anos 1980.18 Segundo a autora, os colonos receberam do governo apenas os lotes com equipamento para irrigar, sem o necessário acompanhamento técnico e financeiro. No entanto, sabe-se que, para produzir de forma competitiva, é necessário capital e capacidade técnica, naturalmente mais acessíveis aos grandes e médios empresários, de modo que a vantagem financeira destes é maior. Aliado a estes fatores, é importante frisar que o mecanismo de doação de terras para o colono pelo Estado permitia a flexibilidade deste fator, gerando condições ao colono de vender seus lotes quando bem lhes conviesse (GRAZIANO DA SILVA, 1989). Pelas razões apresentadas, boa parte dos colonos enfrenta grandes dificuldades para produzir no polo, resultando na venda de seus lotes para as empresas, o que reduz a quantidade de colonos “originais” nos perímetros e amplia concentração de terra.

Vale, no entanto, salientar divergências em torno das conclusões anteriores. Dadas as condições pré-perímetros de irrigação, os que defendem a política implementada no polo afirmam que os investimentos observados deram condições para que os pequenos produtores mais qualificados se incluíssem de forma competitiva nos mercados. Mellet (1995) concorda com este ponto de vista, afirmando que os perímetros irrigados não trouxeram benefícios apenas para os grandes proprietários de terra. Graziano da Silva (1989) segue a mesma linha de raciocínio:

O assentamento de colonos cria oportunidades para que famílias de trabalhadores rurais (...) tenham acesso à terra em condições excepcionais. Além do acesso à terra, os projetos públicos de irrigação oferecem aos irrigantes uma assistência quase total, uma vez que proporcionam, além da infraestrutura específica para irrigação, moradia, escola, posto de saúde, assistência técnica e creditícia (p. 106).

No mesmo sentido, Sampaio e Sampaio (2004) acreditam no sucesso dos perímetros, afirmando ser esta uma das grandes experiências brasileiras de distribuição de renda, por meio de distribuição de terras habilitadas à produção irrigada. Para estes autores, “as sucessivas críticas dos eternos insatisfeitos são pueris” (p. 48).

Portanto, apesar de número expressivo de pequenos produtores se apresentar em péssimas condições financeiras, não é correto generalizar esta situação para todo o polo. Em estudo sobre a renda dos colonos da microrregião, Sobel (2005) observa que há um elevado grau de heterogeneidade entre os colonos do polo, ou seja, nem todos os colonos dos perímetros estão em péssimas condições financeiras, já que uma parte considerável destes vive de forma bastante satisfatória, destacando-se aqueles que conseguiram se organizar por meio de cooperativas.

18. Como afirma Graziano da Silva (1989), o processo emancipatório significou o abandono total do princípio social da atuação estatal nos perímetros.

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Analisando-se especificamente cada perímetro, observa-se que o menor período de permanência dos colonos do Bebedouro (com relação ao tempo de implantação do perímetro) pode mostrar que, neste, a política de ocupação de terras foi menos criteriosa, auxiliando na exclusão dos pequenos irrigantes de suas terras. Ou seja, apesar de ambos os perímetros disporem de semelhante infraestrutura para irrigação e de serviços de assistência técnica, no Bebedouro, por ser o primeiro perímetro implantado a servir como laboratório para implantação dos seguintes, é provável que tenha havido um maior número de equívocos nas políticas de ocupação dos lotes, além de pior qualidade dos serviços de auxílio ao colono, quando comparado aos perímetros que lhe sucederam. No Nilo Coelho, contudo, dada à experiência obtida com os perímetros anteriores, foi possível: i) corrigir uma série de erros cometidos na política de ocupação de terras19 de outros perímetros; e ii) melhorar os serviços de assistência ao colono. Além disso, Brito (1995) aponta as facilidades oferecidas pelo governo federal aos pequenos produtores deste perímetro (PISNC) visando sua conservação nos lotes: i) autorização de trabalho no lote por um período de dois anos para adaptação; e ii) prazo de 10 anos para pagamento, com cinco anos de carência, caso o colono decidisse comprar o lote após o período de adaptação.

Adicionalmente, não se deve esquecer que, pelo fato de o Bebedouro ser um perímetro bem mais antigo, torna-se mais difícil para os proprietários originais permanecerem em suas terras por três razões primordiais: i) maior tempo possível para mudanças de planos dos produtores originais ou dos seus respectivos sucessores; ii) menor dinamismo econômico da microrregião na década de 1970 quando comparado a meados de 1980 – época na qual foi implantada o PISNC – e fins da década de 1990, quando foi implantada sua 2a etapa; e iii) maior dependência por parte de seus colonos à ação paternalista do Estado (principalmente se comparado à 2a etapa, que já nasceu em um perímetro emancipado), estando, portanto, menos aptos a enfrentar o processo de emancipação dos perímetros. Ou seja, no Perímetro Nilo Coelho, muitos dos que ali se instalaram, via distribuição de lotes por parte do governo, continuavam em suas terras, já que: i) o tempo entre o início das operações e a pesquisa de campo era relativamente pequeno; ii) foram assentados num período no qual a microrregião já se encontrava em forte processo de crescimento e com forte infraestrutura produtiva voltada à agricultura irrigada, podendo, assim, inserirem-se mais facilmente no mercado; e iii) tiveram um menor período de tempo de dependência do poder público, adaptando-se, portanto, de forma relativamente mais fácil à emancipação dos perímetros.

19. Por exemplo, estes dispuseram de sistema de irrigação mais modernos (aspersão), quando comparados aos colonos do Bebedouro (gravidade), apresentando, assim, vantagens competitivas. Desta forma, Bebedouro fica mais vulnerável à concorrência.

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107Desenvolvimento territorial e perímetros irrigados

Por fim, vale salientar que, apesar de a Codevasf estabelecer que a preferên-cia na aquisição de lotes nos projetos deveria ser dada aos pequenos produtores desalojados que cumprissem os critérios pré-determinados,20 segundo as normas de seleção dos irrigantes, muitos colonos conseguiram adquirir os lotes devido a indicações de “padrinhos políticos”, em desobediência ao estabelecido, como constataram Brito (1995) e Graziano da Silva (1989). Isso resultou na distribuição de lotes a colonos sem nenhum conhecimento sobre agricultura (eram pedreiros ou marceneiros, por exemplo) e que, não tendo assistência e capacitação adequada, ficaram em péssimas condições econômicas e de eficiência.21

As tabelas 7, 8 e 9 demonstram claramente a falta de condições técnicas para manusear propriedades que utilizam irrigação por parte dos pequenos produtores no momento em que estes adquiriram seus lotes. No perímetro Bebedouro, a grande maioria trabalhava com cultura de sequeiro (72%) ou em empresas privadas (16%) e nunca havia tido experiência com irrigação (tabela 7). Esta distribuição de lotes ocorreu visando diminuir o êxodo migratório do Nordeste para o Sudeste; foi, portanto, priorizada a inserção de agricultores familiares que viviam nas áreas de sequeiro e vazante, tanto de Pernambuco como da Bahia. Em consequência, dos 100 entrevistados por Franca (2004), apenas dez apresentavam, aparentemente, condições iniciais para gerenciar uma propriedade agrícola com irrigação.

TABELA 7Conhecimento tecnológico e de aperfeiçoamento dos produtores no Bebedouro antes de adquirirem a propriedade (2004)

Situação profissional Número

Trabalhavam em áreas de sequeiro, sem qualquer experiência em irrigação 72Funcionários de empresas privadas, sem qualquer experiência em irrigação 16Vieram de órgãos públicos e receberam treinamento em irrigação 07Foram orientados por alguém da família 03Já possuíam cursos de técnicos agrícolas 02Total 100

Fonte: Franca (2004).

No Nilo Coelho, a situação era bem diferente (tabelas 8 e 9). Em 1995, 63% dos 60 pequenos agricultores em piores condições financeiras deste perímetro já tinham alguma experiência prévia com agricultura irrigada antes de obterem os lotes, e 82% trabalhavam com agricultura. Logo, apesar de não se exigir que o colono apresentasse experiência prévia com irrigação para receber o lote, observa-se

20. Os critérios eram os seguintes: i ) grau de escolaridade (no máximo curso primário); ii ) capacidade de trabalho com agricultura; iii ) assimilação de técnicas mais sofisticadas de agricultura; e iv ) comportamento comunitário (BRITO, 1995).

21. Segundo Heinze (2002), essa ausência de capacitação de boa parte da mão de obra assentada nos perímetros de Petrolina foi também observada em outros polos irrigados do Nordeste. Graziano da Silva (1989) também aponta para a seleção de colonos seguindo interesses políticos em outros perímetros implementados no Nordeste.

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que, no Nilo Coelho, grande parte dos colonos possuía melhores condições prévias para administrar uma propriedade que disponibilizasse de tecnologia de irrigação.

TABELA 8Produtores de Nilo Coelho que possuíam experiência com agricultura irrigada (1995)

Sim Não

63% 37%

Fonte: Silva, Souza e Barreto (1995).

TABELA 9Ocupação anterior dos colonos do Perímetro Nilo Coelho (1995)

Agricultura Comércio Indústria Serviço

82% 2% 9% 7%

Fonte: Silva, Souza e Barreto (1995).

O relato de um pequeno produtor e líder de uma associação de moradores no Perímetro Nilo Coelho permite um bom resumo deste item:

Eu cheguei aqui [no Perímetro Nilo Coelho] no ano de 1984. Na ocasião, eu era servente de pedreiro. Só que, naquela época, mesmo sendo servente de pedreiro, carpinteiro, lavrador etc., a gente tinha condições de produzir, porque a gente tinha uma estrutura que dava condições. Nós tínhamos à dispo-sição assistência técnica, assistente social etc., e tínhamos, também, o principal: o financiamento para a produção. Mas, devido às transformações no Polo e ao despreparo do próprio colono no gerenciamento e na administração dos lotes, poucos daqueles produtores conseguiram permanecer nas suas terras (...). A realidade hoje é que grande parte dos que foram aqui assentados não se encontram mais, pois venderam seus lotes. Inclusive a maioria acabou voltando depois para ser trabalhador rural.

Portanto, de forma geral, observa-se uma tendência de crescimento do número de vendas de lotes. Entretanto, entre os colonos que aí se encontravam, os do Nilo Coelho apresentavam melhores condições de obter êxito nos seus negócios, pois eram mais bem preparados para trabalhar com irrigação. Este fato pode explicar o menor número relativo de agricultores a se desfazer de seus lotes.

4.4 Número de empregados e qualidade do emprego

Os colonos do Polo Petrolina-Juazeiro, apesar de apresentarem características bastante diversificadas, podem ser definidos como agricultores que estruturam suas atividades produtivas dentro de uma organização familiar. Deste modo, na microrregião, dentro destas unidades de produção, os membros da família do produtor representam cerca de 50% da mão de obra utilizada nas propriedades, ficando os 50% restantes, portanto, vinculados à contratação de mão de obra assalariada (MARINOZZI e CORREA, 1999).

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109Desenvolvimento territorial e perímetros irrigados

Para Sampaio (1999), os colonos do polo apresentam a capacidade de criar 0,42 empregos diretos por hectare, considerando-se apenas as atividades exclusivamente ligadas a uma determinada cultura (coeficiente técnico específico), e 1,00 emprego direto por hectare, quando consideradas atividades mais gerais, tais como as de melhoria de infraestrutura da propriedade e de manutenção das benfeitorias e equipamentos etc. (coeficiente técnico geral).22 Com base nestes coeficientes, procurou-se estimar, para os perímetros estudados, a quantidade total de empregos criados no ano de 2004 e o número médio de empregos diretos gerados por colonos no mesmo ano.

TABELA 10Estimativa de criação de empregos diretos para as pequenas propriedades nos Perímetros Irrigados Nilo Coelho e Bebedouro, segundo diferentes hipóteses sobre coeficientes (2004)

PerímetroCoeficientes técnicos específicos Coeficiente técnico geral

Total de empregos diretos gerados1

Empregos diretos gerados por colono2

Total de empregos diretos gerados1

Empregos diretos gerados por colono2

Bebedouro 290,4 1,85 691,5 4,40

Nilo Coelho

1a etapa 3.969,0 2,61 9.449,9 6,22

2a etapa 1.055,0 1,94 2.511,8 4,63

Total 5.024,0 2,43 11.961,7 5,80

Fonte: Sampaio (1999).

Notas: 1 Multiplicaram-se as áreas irrigadas dos respectivos perímetros (tabela 1) com os coeficientes técnicos obtidos por Sampaio (1999).

2 Dividiu-se o total de empregos diretos gerados pelo número de lotes ocupados por colonos para os respectivos perímetros (tabela 1).

Obs.: O coeficiente técnico específico é de 0,42, enquanto o coeficiente técnico geral é de 1,00.

Os resultados da tabela 10 deixam claro que o perímetro que gerou maior número de empregos foi o Nilo Coelho, principalmente por apresentar comparativamente uma maior área irrigada destinada a colonos (tabela 1). Ainda com relação à média de empregos diretos gerados por cada pequena propriedade, os resultados se apresentam maiores no Nilo Coelho, com destaque para a 1a etapa, para ambos os coeficientes. Uma das razões para tal resultado está no fato de que, no Nilo Coelho, são utilizados métodos mais modernos, impondo aos produtores maior necessidade de mão de obra assalariada. No entanto, em ambos os perímetros, mostra-se evidente a necessidade, por parte dos colonos, de empregar mão de obra para algumas atividades de sua produção. Portanto, com base nestes resultados, observa-se que, apesar de os colonos utilizarem como base de

22. Dados extraídos dos seis perímetros de irrigação em funcionamento no polo em 1998. A implementação mais contundente da fruti-cultura irrigada (cultura permanente) em detrimento da cultura de sequeiro (culturas temporárias), nos últimos anos, pode ter contribuído para que os coeficientes tenham variado positivamente. No entanto, este aumento esperado do coeficiente pode ser compensado pela diminuição do emprego resultado do aumento de produtividade observado no polo (SOBEL e COSTA, 2005). Deste modo, estes valores podem ser considerados como uma boa estimativa quanto à capacidade de criação de emprego pelos colonos do polo.

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sua produção a mão de obra familiar, também se emprega uma grande quantidade de trabalhadores, com efeitos positivos para a economia da microrregião.

No entanto, pode-se afirmar que os perímetros possibilitam não só impactos positivos na quantidade de empregos diretos criados, mas também uma forte melhoria na qualidade destes empregos. Isto porque o aumento de produtividade em quilograma por hectare, por safra e por ano (kg/ha/safra e kg/ha/ano) –, oferece condições para uma intensificação no uso da terra. Isto causa um impacto altamente positivo sobre a mão de obra, aumentando sua demanda e reduzindo, consequentemente, sua sazonalidade, ao possibilitar a utilização da terra em períodos que, não fosse a irrigação, estaria em entressafra (MAFFEI e SOUZA, 1987).

TABELA 11Índice de sazonalidade dos colonos nos perímetros Nilo Coelho e Bebedouro (1998)1

Perímetro Índices

Bebedouro 0,25

Nilo Coelho 0,11

Média para os perímetros 0,11

Fonte: Fade/UFPE (1998 apud SAMPAIO e SAMPAIO, 2004).

Nota: Coeficiente de variação do trabalho temporário mensal.

Para comparar a sazonalidade da agricultura irrigada entre os perímetros, Sampaio e Sampaio (2004) construíram um índice de sazonalidade, o qual, na verdade, segundo os autores, é o coeficiente de variação do trabalho temporário mensal.

Entende-se, por conseguinte, que capta a sazonalidade para o trabalho temporário, ficando entendido que

a menor expressão dos temporários na força de trabalho total é o maior indicativo de menor sazonalidade

na agricultura irrigada. (p. 108)

Logo, de acordo com os dados da tabela 11, o índice para os colonos do Bebedouro é bastante superior ao observado no Nilo Coelho e na média de todos os perímetros do polo. Deste modo, pode-se concluir que há uma maior quantidade relativa de trabalhadores contratados por colonos no PISNC, e estes se apresentam mais fixos nos seus postos de trabalho, já que o grau de sazonalidade neste perímetro é menor que no Bebedouro. Este resultado pode ser explicado pela necessidade de relações trabalhistas mais avançadas entre colono e empregado no Nilo Coelho, fruto da utilização de métodos de irrigação relativamente mais modernos.23

23. Segundo Graziano da Silva (1989), a utilização de métodos de irrigação mais modernos impõe também relações de trabalhos mais modernas, nisto que a mão de obra contratada apresenta um certo grau de capacitação técnica mais avançada.

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111Desenvolvimento territorial e perímetros irrigados

4.5 Destino da produção e organização social

A demarcação das vendas por área permite delimitar a abrangência dos mercados para a produção do Polo Petrolina-Juazeiro e comparar o comportamento dos colonos e sua orientação distinta por perímetro. Foram selecionadas algumas culturas, passíveis de comparação interperímetros, visando analisar os mercados atingidos por seus colonos (tabela 12).

De acordo com os dados da tabela 12, observa-se que o mercado nacional é mais importante que o exterior para os colonos de ambos os perímetros. Para Sampaio e Sampaio (2004), este fato não surpreende, dado o enorme mercado consumidor existente no país para frutas tropicais. Desta forma, o mesmo autor classifica como leiga a imprensa, que vem destacando a importância das exportações como principal destino da produção dos colonos do polo. Entretanto, há que se registrar que, mais recentemente, ainda que sem dispor dos dados agregados, novos mercados internacionais vêm sendo conquistados, aumentando o peso das exportações nas vendas originárias do polo.

TABELA 12Distribuição das vendas dos colonos do Bebedouro e do Nilo Coelho, por região (1998)

Culturas Perímetro Norte Nordeste Sul Sudeste Centro-Oeste Exterior

Uva Bebedouro 0,00 99,89 0,00 0,11 0,00 0,00Nilo Coelho 2,35 70,18 17,38 1,41 0,00 8,69

MangaBebedouro 0,00 100,00 0,00 0,00 0,00 0,00Nilo Coelho 0,00 84,51 10,32 5,18 0,00 0,00

BananaBebedouro 0,00 100,00 0,00 0,00 0,00 0,00Nilo Coelho 0,61 91,19 0,00 8,20 0,00 0,00

CocoBebedouro - - - - - -

Nilo Coelho 0,00 32,19 18,29 49,53 0,00 0,00

FeijãoBebedouro 0,00 100,00 0,00 0,00 0,00 0,00Nilo Coelho 0,00 100,00 0,00 0,00 0,00 0,00

Fonte: Fade/UFPE (1998 apud SAMPAIO e SAMPAIO, 2004).

Os mercados mais importantes de destino dos produtos cultivados pelos colonos dos perímetros irrigados estudados são os principais centros consumidores da própria região Nordeste, seguido das regiões Sudeste e Sul. Praticamente toda a produção do Bebedouro é voltada para o mercado nordestino. Por sua vez, os colonos do Nilo Coelho, apesar de também concentrarem maior parte de suas vendas no Nordeste, conseguem atingir mercados extrarregionais, com destaque para a venda de coco para o Sudeste, e internacionais, a exemplo da uva.

Outra questão destacada por Sampaio e Sampaio (2004) refere-se à remuneração do produtor, dependendo se a produção é vendida no mercado

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interno ou externo. Segundo o autor, os produtores que vendem seus produtos ao mercado externo conseguem melhor renda, elevando assim suas receitas. No entanto, segundo Brito (1995, p. 45), “os pequenos agricultores enfrentam grandes dificuldades (...) para comercializar sua produção”. Isso é facilitado para aqueles produtores que se organizam em cooperativas e associações, visando atingir os mercados mais exigentes, apoderando-se, desta forma, de maior margem de lucros.

Nesse sentido, observa-se que os colonos do Nilo Coelho se encontram bem mais organizados quando comparados aos colonos do Bebedouro. Analisando-se quatro cooperativas de pequenos produtores que se destacam no polo (CAJ, Aprovale, Coopexvale e Coopexfruit), pode-se observar, de acordo com dados da tabela 13, que apenas três pequenos produtores do Bebedouro são cooperados, contra 78 do Nilo Coelho.

TABELA 13Principais cooperativas de pequenos produtores do Polo Petrolina-Juazeiro e seus respectivos números de associados, por perímetro (2006)

Cooperativas/

AssociaçõesSede Total

Nilo CoelhoBebedouro

Outros

perímetros1a etapa 2a etapa Total

CAJ Juazeiro 80 15 8 23 1 56

Aprovale Petrolina 21 15 3 18 0 3

Coopexvale Petrolina 32 25 3 28 2 2

Coopexfruit Petrolina 9 9 0 9 0 0

Total Sede 142 64 14 78 3 61

Fonte: informações obtidas pelos autores junto às próprias cooperativas.

Além disso, foram identificadas, no perímetro Nilo Coelho, experiências associativas de produtores de relativo sucesso (tabela 14). Por exemplo, no PISNC, existem nove associações de produtores/moradores, enquanto, no Bebedouro, não há nenhuma. Entre estas nove associações, foram obtidas informações sobre cinco delas. Observa-se que estas ainda não conseguiram obter um grau de organização satisfatório, já que a maioria ainda não chega a atuar de forma conjunta, principalmente na comercialização dos bens. No entanto, elas estão se capacitando para atuação mais intensiva, por meio de venda de bens, compra de insumos, busca de financiamento etc. de forma conjunta.

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113Desenvolvimento territorial e perímetros irrigados

TABELA 14Grau de organização das associações de produtores do Perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho (2006)

AssociaçãoAno de

fundaçãoNo de

associadosPrincipais produtos

Grau de organização

N3 1986 26 uva/manga Vendas individuais e vendas coletivas em implantação

N4 1993 98 acerolaAs vendas são feitas para empresas que, por sua vez, exportam

N5 - 15 uva A negociação para exportação é feita conjuntamente, mas as vendas são feitas individualmente por produtor

N6 2000 42 goiaba/manga Vendas individuais e vendas coletivas em implantação

N7 2003 65 goiaba Vendas individuais e vendas coletivas em implantação

Fonte: Informações obtidas pelos autores junto às cooperativas.

No Bebedouro, formalmente, com relação à organização de seus produtores, o que se observa é um retrocesso, já que, em 2002, foi fechada a única cooperativa que funcionava no perímetro: a Cooperativa Agrícola Mista do Projeto de Irrigação de Bebedouro (CAMPIB). Fundada em 1968, esta cooperativa chegou a ser considerada, por Lima e Miranda (2000) –, a experiência de maior sucesso na organização cooperativa entre os irrigantes do polo, por disponibilizar a seus sócios crédito rural, máquinas e equipamentos, orientação técnica à produção, compra de insumos e comercialização da produção de forma centralizada etc. Segundo o relato de um agricultor familiar (apud FRANCA, 2004, p. 102),

a CAMPIB foi a melhor coisa que já aconteceu para nós agricultores do Projeto Bebedouro, pois, através dela, a gente tinha equipamento para trabalhar na terra, como vender nossa produção com garantia de recebimento. Ela foi uma verdadeira mãe para a gente.

Contudo, para disponibilizar a seus associados todos esses serviços, a cooperativa sempre utilizou recursos públicos. Ou seja, enquanto a ação paternalista do Estado existiu, a cooperativa foi bem-sucedida. A partir de fins da década de 1980, com a redução do intervencionismo estatal, com forte redução da inversão de recursos estatais à cooperativa, abate-se sobre ela uma grave crise financeira, que culminou com seu fechamento em 2002.24 Com isso, os colonos do Bebedouro se sentiram abandonados pelo poder público, representado pela atuação da cooperativa, já que estes haviam construído uma relação histórica de dependência25 (FRANCA, 2004). Hoje, entre as experiências de organização

24. Inclusive, segundo Franca (2004), os débitos contraídos pelos agricultores por meio das cooperativas tornavam inadimplentes os antigos agricultores, sócios da cooperativa, perante instituições financeiras, já que os empréstimos foram tomados de forma coletiva, sob fiança da CAMPIB.

25. A título de curiosidade, é interessante observar que, quando a CAMPIB ainda funcionava, os colonos criticavam bastante sua atuação. Por exemplo, em pesquisa feita por Correia et al. (1999) no Bebedouro, a maior parte dos colonos declarou que a assistência técnica e a comercialização feita pela cooperativa eram deficientes.

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de pequenos produtores, o que resta no Bebedouro é a intenção da constituição de uma associação de produtores de uva.

Vale registrar, ainda, que, segundo dados da Valexport (2007), entre as 42 empresas/cooperativas agregadas à Valexport,26 16 estão sediadas no PISNC, e nenhuma no Bebedouro. Por sua vez, das 81 empresas/cooperativas do polo que estão devidamente certificadas no PIF,27 47 estão sediadas no PISNC (34 na 1a etapa e 13 na 2a etapa) e, novamente, nenhuma no Bebedouro.

É importante, no entanto, destacar duas limitações aos dados acima expostos: i) algumas dessas cooperativas/empresas associadas à Valexport ou certificadas no PIF, mesmo possuindo sede no PISNC, podem congregar, no seu quadro de associados, colonos do Bebedouro; e ii) o perímetro Nilo Coelho reúne um maior número de produtores que o de Bebedouro (tabela 1), sendo, deste modo, mais fácil àquele agregar uma maior quantidade de produtores “cooperados” e “certificados”. De qualquer modo, acredita-se que todas estas informações podem ser interpretadas como uma proxy, a evidenciar que os colonos do PISNC encontram-se mais bem organizados que os do Bebedouro.

Para sanar possíveis dúvidas quanto a esse fato, em entrevista junto a consultores e técnicos que trabalham na microrregião, foram unânimes as afirmações de que, no Bebedouro, os produtores se encontram menos organizados quando comparados aos do Nilo Coelho. Segundo um consultor do Sebrae,

no Bebedouro, os produtores pararam no tempo e no espaço. Por exemplo, o Bebedouro era o principal produtor de uva no Polo, mas, com o passar do tempo, enquanto outros produtores vinham evoluindo suas tecnologias, eles [os do Bebedouro]: i) não renovaram as videiras, tem videiras lá com muitos anos de produção que já começam a ver suas produtividades caindo; ii) não atualizaram os seus sistemas de irrigação, hoje eles ainda usam, na melhor das hipóteses, aspersão, em vez de micro e gotejo, etc. Então diversos fatores colocaram o Bebedouro nesta situação, mesmo com a Embrapa dentro. Agora no meio da confusão existem alguns produtores muito bons lá que realmente se destacam. Mas, no geral, estão perdidos no tempo.

Além disso, a melhor capacidade de organização dos produtores do Nilo Coelho se manifesta até mesmo no grau de organização de seu Distrito de Irrigação, que apresenta relatórios mais completos sobre a realidade dos seus produtores, técnicos mais atuantes etc., comparado ao Distrito do Bebedouro.

26. Criada em 1988, a Valexport (Associação dos Produtores e Exportadores de Hortigranjeiros e Derivados do Vale do São Francisco) desempenha um papel fundamental junto ao setor público e a organismos internacionais, visando remover os obstáculos institucionais concernentes à aplicação de métodos de produção e à inserção do Vale no mercado externo de frutas.

27. A Produção Integrada de Frutas (PIF) representa um conjunto de técnicas voltadas à produção de alimentos de alta qualidade, utilizando técnicas que busquem garantir o uso mínimo de produtos agroquímicos nas frutas. Além do acompanhamento técnico, o programa consiste numa etapa de auditoria, visando a expedição do “Selo de Conformidade da Produção Integrada” (VALEXPORT, 2007).

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115Desenvolvimento territorial e perímetros irrigados

Por todas essas razões ressaltadas, fica evidente que, de fato, o PISNC possui um “melhor” capital social28 quando comparado ao do Bebedouro, fazendo com que seus colonos consigam alcançar mercados mais exigentes, por meio de cooperativas e associações. Isto porque, como afirma Moyano (1999), as comunidades que se integram de forma mais sólida em torno de um objetivo comum acabam alcançando as metas preestabelecidas com maior facilidade (no caso, comercializar junto a mercados mais exigentes).

No entanto, ainda se observa que boa parte dos pequenos produtores, inclusive do Nilo Coelho, não fazem parte de cooperativas e associações por duas razões básicas: i) por vê-las com desconfiança; e ii) por não apresentarem os pré-requisitos básicos necessários impostos pelas cooperativas, já que vem se exigindo dos associados a adequação a normas sanitárias e fitossanitárias cada vez mais rigorosas (por exemplo, PIF e EUROPGAP29). No entanto, ao mesmo tempo em que não fazem parte destas associações, os mesmos colonos não apresentam capital suficiente para colocar, de maneira individual, sua produção nos mercados consumidores mais competitivos e exigentes. Deste modo, acabam tendo que vender aos atravessadores, constituindo-se, assim, um grave empecilho à ampliação dos lucros dos pequenos agricultores do polo.

Exatamente por isso é que os produtores veem os atravessadores como um “mal necessário”, pois, se, por um lado, os pequenos produtores perdem excedente pela relação com intermediários, por outro, diminuem o risco de sua produção não ser escoada no mercado. Como afirma Franca (2004, p. 105), “A presença dos compradores independentes, conhecidos como ‘atravessadores’, é considerada, na visão dos produtores familiares, a ‘salvação’ para a venda dos seus produtos, ou seja: dos males o menor.”

Desse modo, de forma geral, o que se pode concluir é que o desenvolvimento da irrigação no polo ainda tem sido incapaz de adequar novas relações entre pequenos produtores e mercado, mantendo, assim, as tradicionais relações entre colono e capital comercial. Segundo França (s/d), grande parte deste problema se deve ao fato da assistência e capacitação no polo serem realizadas com foco voltado para o processo de produção, deixando de lado outros aspectos importantes, tais como pesquisas de mercado, qualidade, promoção de produtos, definição de embalagens, marketing etc. Ou seja, as

28. De maneira bastante ampla, pode-se conceituar o capital social como sendo as características da organização social (como, por exemplo, confiança, normas e sistemas) em torno de uma atividade produtiva local ou de algum objetivo específico (por exemplo, visando a melhoria na educação, saúde etc.) que facilitam as ações coordenadas e, assim, contribuem para aumentar a eficiência da sociedade (MOYANO, 1999).

29. O EUROPGAP (Euro Produce Working Group Good Agricultura Practices) é uma certificação de qualidade dada a propriedades que possuem boas práticas agrícolas (bem-estar animal, responsabilidade social, respeito ao meio ambiente, saúde e segurança dos funcionários e qualidade do produto) e é exigida por alguns consumidores europeus preocupados com a segurança alimentar (INDEPENDÊNCIA, 2006).

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políticas na região acabaram priorizando as ações dentro da propriedade, ignorando o que se passa “do outro lado da cerca”, ou seja, as ações pós-colheita.

Portanto, faz-se necessário que as pesquisas e os investimentos realizados no polo contemplem esses fatores com maior veemência e que, assim feito, sejam disseminados a todos os colonos, havendo, deste modo, maior possibilidade de inserção dos pequenos produtores nos mercados mais exigentes.

5 CONCLUSÕES

De forma geral, observa-se que os colonos enfrentam grandes dificuldades para produzir e, em extensão, para comercializar sua produção. As dificuldades pas-sam por questões relacionadas a crédito, educação, escoamento de produção, acesso à assistência técnica e baixo grau de organização. Entretanto, quando comparados os dois perímetros aqui analisados, pode-se dizer que os produtores do Perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho apresentam melhores condições, com uma melhor escolaridade e métodos de irrigação mais eficientes para a fruticultura na microrregião.

Além disso, ou como consequência, no Perímetro Nilo Coelho há uma maior coesão social por parte de seus produtores em torno da atividade frutícola, facilitada, inclusive, pelo maior nível escolar observado neste perímetro, fazendo com que seus colonos apresentem maiores possibilidades na obtenção de sucesso em suas propriedades. No entanto, em todos os itens mencionados no artigo (água, crédito, educação, organização social, assistência técnica etc.), os dois perímetros ainda enfrentam graves problemas.

Desse modo, conclui-se que, ao produtor do polígono da seca, não basta o acesso à água, contradizendo, assim, um dos grandes mitos criados em torno das condições de pobreza dos agricultores do semiárido nordestino. Outros requisitos devem ser assegurados para que estes produtores tenham condições de produzir e se inserir de forma competitiva nos mercados. Não se pode, ainda, esperar que a construção da coesão social, que viabilize o pacto territorial necessário para uma inserção coletiva e mais vitoriosa nos mercados, ocorra espontaneamente. É preciso incentivar, criar espaços de governança que garantam a participação democrática de todos os segmentos sociais, realizando o diagnóstico da realidade local e encaminhando suas reivindicações aos governos estadual e federal. Dessa maneira, pode-se dizer que se estaria combinando ações de planejamento de cima para baixo com as de baixo para cima.

Portanto, sem que se reduza o sucesso das políticas de desenvolvimento territorial na indução da construção de um arranjo socioprodutivo, é necessária, por parte do Estado, atuação decisiva na constituição no financiamento de projetos identificados de maneira participativa pelos atores sociais locais.

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117Desenvolvimento territorial e perímetros irrigados

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INTERSETORIALIDADE, AUTONOMIA E TERRITÓRIO EM PROGRAMAS MUNICIPAIS DE ENFRENTAMENTO DA POBREzA: EXPERIÊNCIAS DE BELO HORIzONTE E SÃO PAULOCarla Bronzo *

A discussão parte de um marco analítico sobre as concepções de pobreza e suas implicações em termos de estratégias e diretrizes de políticas. O artigo analisa dois programas municipais de enfrentamento da pobreza e busca identificar como eles incorporam, no seu desenho, as noções de intersetorialidade, autonomia e território, que a literatura indica como centrais para uma estratégia efetiva de inclusão social.

Palavras-chave: Pobreza; Inclusão Social; Gestão Local; Intersetorialidade; Território/Autonomia.

INTERSECTORIALITY, AUTONOMY AND TERRITORY IN MUNICIPAL PROGRAMS TO FIGHT POVERTY: EXPERIENCES OF BELO HORIzONTE AND SÃO PAULO

The discussion’s starting point is an analytical framework on the concepts of poverty and its implications in terms of strategies and policy guidelines. The article looks at two municipal programs to combat poverty and seeks to identify how they incorporate in their design the concepts of intersectoriality, autonomy and territory. These categories are indicated by the literature as central to an effective strategy for social inclusion.

Key Words: Poverty; Social Inclusion; Intersectoriality; Territory; Autonomy.

INTERSECTORIALIDAD, AUTONOMÍA Y TERRITORIOS EN PROGRAMAS MUNICIPALES PARA EL AFRONTAMIENTO A LA POBREzA: EXPERIENCIAS DE BELO HORIzONTE Y SÃO PAULO

La discusión parte de un marco analítico respeto a los distintos conceptos de pobreza y sus implicancias en términos de estrategia y retos de políticas. El artículo analiza dos programas locales de combate a la pobreza y evalua cómo incorporan, en su diseño, las nociones de transversalidad, autonomía y territorio, que la literatura indica como fundamentales en una estrategia efectiva de inclusión social.

Palabras-clave: Pobreza; Inclusión Social; Intersectorialidad; Territorio; Autonomía.

* Professora e pesquisadora da Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho, da Fundação João Pinheiro, Minas Gerais. Endereço eletrônico: [email protected].

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INTERSECTORIALITé, AUTONOMIE, TERRITOIRE ET FIN À LA PAUVRETé EN PROGRAMMES MUNICIPAUX: EXPéRIENCES DES BELO HORIzONTE ET SÃO PAULO

L´approche analytique a pour objectif comprendre les conceptions de la pauvreté et leurs implications en matiére de stratégies et directives de politiques. L´ article analyse deux programmes municipaux qui visent mettre fin à la pauvreté et tente repérer comment ils tiennent en compte dans leurs conception les notions d´ “intersectorialité”, d´autonomie des individus et du territoire local, dont la literature met en relief comme centrales pour une stratégie effective d´ “inclusión sociale”.

Mots-clés: Paureté; Inclusión Social; Intersectorialité; Territoire; Autonomie.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo parte do pressuposto de que as maneiras de se definirem as condições de destituição e privações humanas são múltiplas e cada uma representa uma delimitação do problema, o caracteriza sob determinadas perspectivas e a partir de distintas dimensões, e que isto tem implicações para o desenho de políticas e para a definição de estratégias de intervenção sobre a pobreza. Que princípios ou diretrizes devem ser levados em conta no desenho das estratégias de inclusão, tendo como referência a literatura sobre o tema?

O objetivo é distinguir e organizar as dimensões e categorias constantes da literatura examinada e analisar, a partir do quadro assim construído, duas estratégias locais desenvolvidas em contextos metropolitanos, identificando como as noções de intersetorialidade, autonomia e território estão presentes no desenho das políticas. A ideia básica consiste em sustentar que as categorias e os elementos identificados na literatura são fundamentais no desenho de estratégias efetivas de superação da pobreza; e, além disso, mostrar alguns tipos de dificuldades que podem aparecer quando se tenta implementar de fato tais estratégias. Não se trata, portanto, de uma avaliação sobre a efetividade e/ou eficácia das diferentes experiências, mas do contraste entre um quadro analítico com experiências concretas desenvolvidas no âmbito municipal – o Programa BH Cidadania, de Belo Horizonte (MG), e a estratégia de inclusão social de São Paulo (SP).

2 DETERMINANTES DA POBREzA E LIMITES DAS ESTRATéGIAS LOCAIS PARA SEU ENFRENTAMENTO

As formas mais flexíveis e relacionais de gestão pública local, “aderentes” às necessidades das pessoas, famílias e territórios, e desenvolvidas de forma mais integrada pelos diversos setores das políticas e níveis de governo, constituem

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estratégias potencialmente mais exitosas no enfrentamento da pobreza (BRONZO, 2005; GOMà, 2004). Entretanto, é importante ressaltar um ponto: a pobreza não pode ser totalmente equacionada no âmbito local e nem por um conjunto específico de políticas sociais, uma vez que as causas de sua produção e reprodução estão também conectadas às dinâmicas e processos nos âmbitos nacional e internacional e a diversos campos da política pública, principalmente no que se refere às políticas econômicas (laborais, financeiras) e de natureza macroestrutural (como urbanização, transporte e regularização fundiária).

Evidentemente, uma análise consistente das estratégias de enfrentamento da pobreza no âmbito das políticas públicas deveria considerar com centralidade as questões relativas às causas estruturais da pobreza e da desigualdade e as especificidades da pobreza em países na periferia do capitalismo. Certamente trata-se de um tema bastante denso, espinhoso, de difícil tratamento, cuja análise envolveria questões relativas aos processos econômicos, demográficos e urbanos. A literatura sobre o tema é ampla e já bastante consolidada, e não convém reproduzir aqui o debate, visto que o foco do trabalho reside no exame de estratégias de gestão de políticas no âmbito local. Isto coloca em segundo plano uma análise sobre as políticas de cunho macroestrutural necessárias para se enfrentar o problema da pobreza e da desigualdade, em uma perspectiva mais histórica e estrutural.

Na literatura sobre modelos de desenvolvimento, uma das respostas para a superação da pobreza é o crescimento econômico, considerado a via mais direta para sua redução. No entanto, a concepção de que crescimento econômico seria suficiente, por si só, para superar a pobreza, é problemática. Ao se analisar a trajetória de vários países, torna-se evidente a permanência da pobreza, mesmo nos casos de crescimento econômico.1

Ainda que se evidencie a sua insuficiência, grande ênfase tem sido dada à estimativa das taxas de crescimento econômico necessárias para acabar com a pobreza. Esta é a perspectiva dominante, embora se argumente, inclusive por meio das agências internacionais, como o Banco Mundial, que devem ser identificados modelos de crescimento que levem em conta a desigualdade. No âmbito do debate importa estabelecer, ainda numa visão estritamente econômica e individualizada, as relações entre crescimento, desigualdade e pobreza, com evidências de que o crescimento deve ser combinado com redução da desigualdade, a fim de se produzirem efeitos na redução da pobreza. Embora expandindo a concepção tradicional sobre crescimento econômico e desenvolvimento, esta abordagem estrutura-se sobre a mesma ordem e conjunto de preocupações tradicionais do debate sobre pobreza e crescimento econômico.

1. Por exemplo, o relatório de 2004 do Chronic Poverty Research Centre afirma que “embora os indicadores de desenvolvimento humano tenham melhorado ao longo das ultimas duas décadas, o gasto agregado per capita dos domicílios aumentou pouco – na média, menos do que 50% –, a despeito da recuperação econômica e crescimento positivo nos anos 1990. Em alguns países, como o Peru, as taxas de pobreza aumentaram e o hiato da pobreza se ampliou paralelamente a um substancial crescimento econômico” (p. 79. Tradução livre).

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A suposição que orienta esta perspectiva é mais ou menos a seguinte: a pobreza resulta da não riqueza, crescimento gera riqueza, logo riqueza reduz pobreza, decorrendo daí a estratégia baseada em crescimento econômico (HENRIQUES, 2004, p. 65). O que parece efetivamente novo nos esforços recentes é inserir-se nesta equação a variável desigualdade, que intervém em tal processo de “riqueza reduz pobreza”, mas sem se abandonarem os pressupostos ou a orientação básica deste conjunto de suposições.

Na tentativa de explicitarem as relações entre crescimento, pobreza e desigualdade, alguns autores desenvolvem simulações a partir das quais afirmam que o caminho do crescimento econômico é importante, embora lento, para o combate à pobreza.2 A descoberta é que a desigualdade social tem impactos profundos para o crescimento econômico e a redução da pobreza. Os estudos empíricos recentes mostram, ao contrário do que se pensava de forma quase unânime, que países com baixa desigualdade de renda apresentam altos índices de crescimento econômico, e vice-versa, afirmando que a distribuição de ativos é determinante, e não um mero resultado do crescimento. As evidências empíricas sugerem, portanto, que “a distribuição inicial de ativos, principalmente capital humano, afeta o desempenho futuro de uma economia” (BIRDSAL e LONDONO, 1997. Tradução livre).

É importante enfatizar-se que pobreza e desigualdade são fenômenos diversos, mas no Brasil tais fenômenos se sobrepõem. Parte expressiva da pobreza no Brasil não está associada à escassez de recursos, mas à perversa estrutura de desigualdade na distribuição da renda. No Brasil, a renda per capita e o PIB per capita são de cinco a oito vezes superiores à linha de indigência e de três a quatro vezes à linha de pobreza (HENRIQUES, 2004), o que permite afirmar: a distribuição mais equitativa dos recursos disponíveis seria mais do que suficiente para eliminar toda a pobreza no país (BARROS et al., 2000, p. 20; HENRIQUES, 2004). De acordo com os autores, para se entender a permanência da pobreza no Brasil é preciso que se considere a estrutura da desigualdade de renda. A busca de maior equidade deve ser o eixo central de uma política eficaz de enfrentamento da pobreza, pois sem se alterar de forma radical a estrutura de desigualdade vigente pouco pode ser feito para se modificar o cenário de pobreza no país.

Ao se buscar analisar as causas da distribuição desigual de renda, tem-se a identificação de alguns de seus determinantes. Os primeiros fatores explicativos

2. De acordo com os autores, um crescimento de 4% ao ano (a.a.) de renda per capita por um período de dez anos reduziria a pobreza no Brasil em 12,5 pontos percentuais (p.p.); enquanto a redução do grau de desigualdade ao nível existente em Costa Rica (alterando o índice de Gini de 0,60 para 0,46), por exemplo, seria suficiente para alcançar o mesmo resultado, mesmo na ausência de crescimento econômico (Barros et al., 2000, p. 27-28). É necessário um longo período de crescimento econômico estável para que se possa chegar ao mesmo resultado que uma alteração na estrutura de desigualdade provocaria. Uma estratégia eficaz de combate à pobreza seria alterar um dos mais importantes determinantes da pobreza, que é a desigualdade. Em 2005, a simulação é feita utilizando o índice de Gini do Uruguai (o menor da América Latina) e sustenta que a redução da desigualdade no Brasil ao valor existente no Uruguai seria suficiente para reduzir em 20% a pobreza, que passaria de 34% para 14% da população (Henriques, 2004).

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referem-se às diferenças entre os indivíduos, sejam elas natas (raça, gênero) ou adquiridas, como nível educacional, por exemplo. Outro conjunto de fatores relaciona-se com os mecanismos e estruturas do mercado de trabalho, que agem sobre as características individuais, transformando-as em diferenças no rendimento do trabalho. A estrutura e dinâmica dos mercados de capital, que definem acesso a créditos e seguros, também afetam a geração de renda e sua distribuição. Os fatores demográficos, que envolvem decisões sobre fertilidade e formação de domicílios, constituem também um importante determinante da desigualdade de renda (FERREIRA, 2000). A questão da distribuição e, por conseguinte, da desigualdade, é complexa e não deve ser abordada de uma forma ligeira. Na literatura, o debate Fishlow-Langoni é expressivo da controvérsia sobre a desigualdade de renda no Brasil e o papel da educação como um dos seus principais determinantes (FERREIRA, 2000).

A necessidade de se alterar a estrutura de desigualdades, para assim se reverterem as condições de pobreza, é reconhecida na literatura. Entretanto, trata-se de uma estratégia de difícil efetivação, pela complexidade política, institucional e social. Não será aprofundado este debate, mas apenas se pontuará que, para uma abordagem estratégica da pobreza, deve-se considerar a possibilidade de políticas mais universais de provisão de bens e serviços sociais, além de estratégias redistributivas para redução dos níveis de desigualdade. Além da incorporação da temática da desigualdade e da exclusão na agenda pública, tem-se o desafio de garantir as condições para sua implementação, o que pressupõe alocação de recursos, alterações no padrão de financiamento, e condições institucionais e gerenciais para maior eficiência do gasto e maior efetividade das políticas implementadas.3

Forçosamente, equacionar o problema da pobreza implica rever normas e padrões de justiça que orientam as ações distributivas em cada sociedade. Entretanto, sabe-se que tais questões extrapolam o âmbito de atuação das políticas sociais, demandando soluções de natureza macroeconômica, que não serão examinadas aqui. As políticas sociais encontram limites muito fortes – concernentes a salários, emprego e distribuição de renda, dinâmicas do mercado de trabalho, e desenvolvimento urbano e rural –, o que remete a outros conjuntos de políticas do Estado. As implicações das políticas econômicas, de desenvolvimento, urbanas e de infraestrutura estão diretamente relacionadas com as situações de pobreza e exclusão e funcionam como barreiras ou, em caso de ausência ou má qualidade dos serviços, enquanto elementos potencializadores e perpetuadores destas mesmas condições de vulnerabilidade e destituição.

3. A redução das desigualdades requereria a combinação de “políticas estruturais redistributivas – a partir da redistribuição de ativos, em particular, aceleração da educação, reforma agrária e acesso a crédito -, que têm impacto de médio e longo prazos, com políticas redistributivas compensatórias – como programas de renda mínima – que corrigem temporariamente as desigualdades, a posteriori com impacto de curto prazo” (Barros, Henriques e Mendonça, 2000, p. 28).

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Como desenvolver políticas estratégicas e efetivas para superação da pobreza em um contexto – característico da periferia do capitalismo – de desigualdade, precariedade e pobreza disseminada (frequentemente extrema)? A pobreza não é residual e nem se apresenta como excepcional no contexto da maioria dos países da América Latina. O desafio é colocar no centro o conteúdo distributivo do problema e envolver, no seu enfrentamento, não políticas isoladas e setoriais, mas sim o conjunto do sistema de políticas públicas, outros atores e domínios para além do Estado (como o mercado e a sociedade civil). O desafio é demonstrar que a inserção social não é uma questão equacionável somente pelas políticas sociais ou políticas de assistência, mas que demanda intervenções orientadas para meios e causas estruturais, e não para as pessoas pobres. O objeto de intervenção, neste caso, passa a ser a própria sociedade. Trata-se de uma aposta e ainda de uma promessa, cuja viabilidade está condicionada, entre outros fatores: i) por uma coordenação mais articulada entre os diversos entes federativos; ii) por uma maior articulação entre políticas econômicas e sociais; e iii) por uma visão mais estratégica, dos diversos setores das políticas públicas, sobre a pobreza e a questão social que ela manifesta (COHN, 2004).

2.1 As concepções importam?

Detrás de cada estilo de política pública siempre existe, en forma implícita o explícita, una determinada perspectiva teórica, es decir, un modo específico de ver las cosas. Una teoria, en síntesis, es un sistema de categorias de percepción (FANFANI, 1991, p. 92).

A análise dos diferentes enfoques será aqui necessariamente simplificada e certamente não esgota o tratamento do tema. Mas, uma vez que o foco reside na identificação das categorias centrais presentes nas distintas concepções, e não na discussão dos fundamentos e limites das abordagens diversas sobre o tema, tal simplificação é justificada.

A suposição é que as concepções sobre um problema ou fenômeno social influem – e muito – tanto na identificação dos pobres quanto no desenho de estratégias para o enfrentamento da pobreza. Cada concepção constrói-se em torno de conceitos e pressupostos teóricos fundamentais que orientam as metodologias de mensuração.

As diferentes formas de mensuração que decorrem de cada enfoque têm implicações para a identificação do universo da intervenção, o que remete ao tema da focalização (LADERCHI, SAITH e STEWART, 2003, p. 26). Os critérios de focalização utilizados para definir o público legitimamente demandatário das políticas estão diretamente relacionados com a concepção subjacente de pobreza. Quer dizer, os critérios, escolhas e unidades de análise da focalização decorrem de definições prévias sobre o que é a pobreza e como ela deve ser caracterizada. Também

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estas definições trazem, de forma mais ou menos explícita, uma proposta de solução para o problema. Partindo-se da identificação e análise dos diferentes enfoques, tem-se, portanto, dois desdobramentos. Um remete diretamente ao problema da mensuração, da identificação de indivíduos e famílias considerados pobres e distintos de um grupo não pobre. O segundo remete não apenas à mensuração, mas também às alternativas de intervenção que são desenhadas para sua superação.

Conceber a pobreza como ausência ou insuficiência de renda, em uma perspectiva unidimensional do problema, constitui a visão tradicional, que se expressa pela identificação dos pobres a partir do estabelecimento de padrões mínimos de vida que são traduzidos em um valor monetário. Grande parte da literatura internacional sobre o tema4 sustenta que este enfoque monetário é muito restrito para compreender e principalmente para orientar intervenções sobre a pobreza, mas apresenta vantagens pela simplificação dos processos de mensuração e focalização do público a ser contemplado.

O enfoque das necessidades básicas concentra-se, em versões mais canônicas, também no plano das privações materiais, sendo orientado, contudo, para considerar o acesso das pessoas aos bens e serviços sociais, com prioridade para mensuração da pobreza a partir de distintos indicadores sociais. Tal abordagem se operacionaliza também na mensuração da pobreza a partir de recortes territoriais, identificando áreas e territórios com padrões distintos de satisfação de necessidades básicas, como acesso a educação, saúde, habitação, infraestrutura, entre outras variáveis passíveis de compor os indicadores.

O enfoque das capacidades, inspirado na concepção de desenvolvimento como liberdade, de Amartya Sen, sinaliza uma efetiva abertura de fronteiras no campo da economia do bem-estar, considerando dimensões menos tangíveis da pobreza, levando em conta aspectos até então negligenciados na abordagem do tema, como dignidade, autoestima e autorrespeito. Nesta perspectiva a pobreza é definida como carência ou privação de capacidades, sendo pobres aqueles que carecem de capacidades básicas para operarem no meio social, que carecem de oportunidades para alcançarem níveis minimamente aceitáveis de realizações, o que pode independer da renda dos indivíduos.

A concepção de exclusão remete, em sua formulação original, ao reconhecimento das diversas faces ou dimensões da pobreza, à afirmação da heterogeneidade de suas manifestações e à consideração de dimensões relacionais presentes nestas condições. Rompe com uma visão estática da pobreza e incorpora a ideia de processo e trajetória e situa-se claramente em uma dimensão coletiva da abordagem da pobreza, entendida sob a ótica da questão social. A mudança

4. Para uma revisão do debate, ver Tese de Doutorado de Carla Bronzo: Programas de proteção social e superação da pobreza,: concepções e estratégias de intervenção, UFMG, 2005. A abordagem dos diferentes enfoques será aqui necessariamente simplificada.

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de foco operada pela concepção de exclusão implicaria alterações profundas na maneira de se conceber a atuação do Estado e no desenho de estratégias mais adequadas para seu enfrentamento.

O enfoque da vulnerabilidade e risco, por sua vez, tem a vantagem de incorporar elementos das abordagens anteriores, sob a categoria de ativos, que podem ser vistos de uma forma restrita ou mais ampliada, como a que considera as relações sociais em sua composição. Ao identificar mais diretamente as estratégias distintas (ex-ante e ex-post) de prevenção, mitigação ou enfrentamento da pobreza, esta abordagem salienta os distintos níveis de ação e de análise, considerando tanto os microaspectos quanto os macroaspectos envolvidos na produção e na superação desta condição. Esta abordagem complementa e em certa medida incorpora as anteriores. As ênfases ou os aspectos destacados em cada abordagem não são excludentes e podem, em certa medida, ser complementares, uma vez que implicam elementos comuns das estratégias de ação, ainda que cada enfoque saliente mais um ou outro aspecto.

Os enfoques das necessidades básicas, capacidades, exclusão e vulnerabilidade reconhecem que processos de inclusão e redução da vulnerabilidade social envolvem, além da renda, o acesso a serviços públicos e sociais de qualidade; relações sociais, familiares e comunitárias de caráter mais positivo; acesso a trabalhos qualificados, que confiram aos indivíduos não apenas renda, mas também uma identidade e um “lugar social”. Além disso, a perspectiva de superação da vulnerabilidade envolve viver em territórios dotados de adequada infraestrutura, tanto urbana quanto social, pois é bem reconhecido que a pobreza é espacialmente localizada e que o território é uma categoria central para caracterizar a pobreza quanto à sua reprodução.

A partir dos elementos extraídos dos diferentes enfoques tem-se que, para uma adequada compreensão do problema e para o desenho das estratégias de superação da pobreza, é necessário considerar não apenas a dimensão mais tangível de bens e serviços oferecidos pelo Estado. É preciso levar em conta a dimensão relacional e o foco no território, porque a pobreza é também fruto de relações sociais e de processos de segregação e marginalização socioespacial. Reconhecida a multidimensionalidade e heterogeneidade das formas de privação e a centralidade do caráter relacional da pobreza, a pergunta seguinte é: que consequências isto traz para o desenho de estratégias de intervenção orientadas para o enfrentamento e a superação da pobreza?

2.2 Intersetorialidade, território e autonomia: elementos para a intervenção

As categorias de intersetorialidade, território e autonomia são decorrentes de uma concepção ampliada sobre a pobreza e constituem o arcabouço conceitual a partir do qual serão analisadas as experiências de Belo Horizonte e São Paulo.

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Intersetorialidade como estratégia de gestão

Os enfoques mais amplos sobre a pobreza salientam o mesmo ponto: pobreza envolve uma multiplicidade de dimensões, fatores ou vetores de destituição. Nas situações de pobreza convergem fatores de natureza socioeconômica, cul-turais, familiares, individuais e institucionais, conformando trajetórias distintas e demandando ações públicas de conteúdos, abrangência e objetivos diversos. A multidimensionalidade da pobreza e a interação complexa entre os diversos vetores de destituição exigem políticas diversificadas, combinadas para propiciar prevenção, mitigação e superação da pobreza, que possam funcionar como redes de barreira e de impulso com as quais as famílias, nas diversidades de situações, possam contar.

Para contemplar todas as dimensões, a consequência é desenhar estratégias de intervenção capazes de abranger distintos setores das políticas públicas, remetendo à atuação conjunta e necessária de vários programas e iniciativas sociais. Esta exigência se traduz, no plano do desenho de políticas, em intervenções intersetoriais. A intersetorialidade na gestão é a contraface da multidimensionalidade da pobreza; a intersetorialidade é uma decorrência lógica da concepção da pobreza como fenômeno multidimensional. Este é o primeiro registro sob o qual se deve examinar o tema da intersetorialidade.

A pobreza não é só multidimensional, múltipla em suas formas de manifestação, mas também é multideterminada. São numerosos os condutores para a pobreza. A literatura aponta que as causas da produção e reprodução da pobreza residem na estrutura de desigualdades e dinâmicas do mercado de trabalho e no baixo status de ativos (humanos, físicos, financeiros, sociais). Também os choques econômicos e políticos incidem sobre ela, bem como a habitação em áreas remotas e estigmatizadas, o que expõe as populações a condições de vulnerabilidades múltiplas e sobrepostas. Neste caso tem-se a combinação de vetores diversos de vulnerabilidades, dados pela faixa etária, pelos problemas relativos aos territórios e áreas, condições de saúde, status social (grupos étnicos, religiosos, migrantes, refugiados etc.), incorporação adversa no mercado de trabalho, características diversas (diferenças de raça e gênero, possíveis deficiências etc.), entre outros.

Como viabilizar ações e políticas integradas, focadas no desenvolvimento integral das pessoas em diversos âmbitos (educacionais, de saúde e bem-estar, trabalho e renda, habitação, acesso à cultura, ao lazer, ao universo da cidadania)? Para uma gestão afinada com a perspectiva da integralidade tem-se, segundo Brugué [s.d.], duas vias. Uma, no âmbito da concepção dos problemas e da atuação dos gestores, como uma forma de pensar integralmente a realidade, o que envolve mudanças no âmbito cultural e a aceitação de outros princípios e estratégias de ação; e outra no âmbito das estruturas organizativas, inovando em relação às segmentações existentes. Para superar de forma sustentável as situações de exclusão

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é necessário desenvolver um conjunto de ações diferenciadas, intersetorialmente articuladas, o que exige mais do que uma simples conexão ou agregação de setores. A demanda é por uma estratégia mais coletiva de enfrentamento da pobreza, o que supõe a integralidade na definição da estratégia de intervenção.

Uma segunda dimensão da intersetorialidade a define como estratégia de gestão, de natureza mais institucional e organizacional.5 A gestão segmentada e a definição setorial das políticas já não respondem de forma adequada aos desafios atuais. Nesta perspectiva, os modelos de bem-estar social emergentes valorizam a perspectiva da integralidade da gestão. A intersetorialidade responderia assim não somente a um requisito de ordem substantiva, relativo à natureza da pobreza, mas estaria também articulada a uma exigência no âmbito técnico e institucional, como estratégia adequada ao aumento da eficácia das políticas e como resposta aos desafios colocados para as políticas de proteção social, em especial as de combate à pobreza. A maior eficácia deste instrumento reside na sua capacidade de ser mais aderente e responsivo quanto às demandas e necessidades identificadas. Programas e ações centradas nas necessidades das famílias, indivíduos e grupos supõem e requerem, para sua operacionalização, uma gestão que supere a fragmentação.

A perspectiva da intersetorialidade 6 acena para um conjunto de inovações no âmbito da gestão pública, em um contexto no qual os sistemas técnicos especializados e as estruturas fortemente hierarquizadas e verticais são confrontados com novos objetivos e demandas políticas e sociais, novas temáticas e novos segmentos da população, que demandam uma remodelagem das velhas estruturas organizacionais, exigindo novas respostas organizativas, das quais a intersetorialidade é apenas uma das alternativas possíveis. O argumento principal sustenta que a intersetorialidade é um atributo necessário (embora em graus variados, a depender das distintas situações) da gestão de políticas sociais adequadas para se enfrentarem os desafios da pobreza, da exclusão e das situações específicas de vulnerabilidade.

A abertura para uma visão de trabalho horizontal é o ponto-chave, e caracteriza, de modo geral, tais formulações. A intersetorialidade pode se constituir a partir de critérios territoriais, a partir de eixos temáticos (exclusão, imigração), de faixas de idade ou de determinados coletivos (famílias monoparentais, deficientes, grupos étnicos etc.). Pode-se pensar, como hipótese de trabalho, que a noção de intersetorialidade situa-se em um contínuo que abrangeria desde a articulação e coordenação de

5. A intersetorialidade se diferencia, ainda que de maneira sutil, da articulação ou coordenação das ações, uma vez que, em uma versão “forte”, envolveria alterações nas dinâmicas e nos processos institucionais e no desenho e conteúdos das políticas setoriais. Coorde-nação é um termo que sinaliza um processo de articulação institucional que não pressupõe, necessariamente, alterações nas estruturas ou dinâmicas existentes nos diversos setores. A questão, contudo, é controversa. Para alguns autores, como Fabian Repetto (2004), a articulação intersetorial pode ser entendida como uma manifestação de coordenação; para outros, como Serra (2004) e Cunnil Grau (2005), vale a pena ressaltar as especificidades da intersetorialidade em relação aos elementos da coordenação.

6. A emergência do tema da intersetorialidade na agenda pública vem mesclada com outros termos – transversalidade, cross cutting, matricialidade – sendo difícil estabelecer, sem ambiguidades, os limites e as distinções entre eles.

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estruturas setoriais já existentes até uma gestão transversal, configurando formas intermediárias e arranjos organizativos que expressam a intersetorialidade de baixa ou de alta densidade. O posicionamento das iniciativas e arranjos neste contínuo vai depender do grau de legitimidade e da centralidade do tema na agenda pública e no plano decisório; da magnitude dos arranjos e alterações institucionais necessárias para viabilizar a gestão horizontal das políticas; das alterações nas rotinas, práticas de trabalho e metodologias de entrega dos bens e serviços.

Intersetorialidade consiste em uma estratégia de gestão que se apresenta em diversos níveis da implementação e que se define pela busca de formas mais articuladas e coordenadas das políticas e setores governamentais, pautada pela necessidade de uma abordagem mais abrangente sobre a pobreza e as condições de sua produção e reprodução social. A construção da gestão intersetorial e do governo multinível, em suas formulações mais densas, exigem a alteração de estruturas institucionais e organizacionais ou a adoção de estratégias de gestão integradas ou mecanismos integradores, tais como gestão em rede, foco no território e na família, e estruturas matriciais de gestão.

Território e rede de serviços

Além da multidimensionalidade da pobreza e da consequente adoção da perspectiva intersetorial na produção de políticas sociais, enfoques ampliados têm afirmado a heterogeneidade das situações de privação. Reconhecer a diversidade da pobreza e de suas formas de manifestação demanda estratégias de ação moldadas a partir das necessidades das pessoas e famílias, mais flexíveis e sensíveis para captar espe-cificidades. Em decorrência deste reconhecimento, três questões emergem como estruturantes para o desenho de políticas de inclusão social: i) a centralidade do território para as políticas sociais, seja como elemento para o diagnóstico e foca-lização ou como objeto da intervenção; ii) a noção de infraestrutura social, que combina a noção de território com a de comunidade; e iii) a atenção necessária a formas flexíveis de provisão dos serviços.

Considerar a dimensão do território (e da comunidade) contribui para uma melhor compreensão do problema, ou funciona como uma outra lente sob a qual se podem ver os processos de pobreza e exclusão, que acontecem em territórios, permeados por relações sociais e laços de respeito, cooperação e conflito, reciprocidade, atuação de redes institucionais e comunitárias. Richardson e Mumford (2002), Lupton e Power (2002) e Kleinman (1998) incorporam a dimensão espacial, do território, da comunidade e da vizinhança como dimensões estruturantes da própria concepção de pobreza. As comunidades e territórios constituem, neste sentido, as unidades privilegiadas de análise.7 Os campos da

7. No entanto, esse enfoque não é novo. Os pioneiros no estudo da pobreza, Rowntree e Booth, no final do século XIX realizaram o

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economia, da sociologia urbana e da política social diferem quanto à percepção do lugar e do papel do território na explicação da pobreza e quanto às estratégias para enfrentá-la. Permanece um debate intenso sobre a pertinência, e mesmo a legitimidade, do enfoque do território enquanto estratégia de redução da pobreza, uma vez que o foco nesta dimensão obscureceria as causas da desigualdade. Embora existam críticas e ceticismo quanto à pertinência do enfoque do território para o entendimento e o enfrentamento da pobreza e da exclusão, o fato é que, apesar de tais processos terem causas amplas, nacionais e internacionais, a pobreza e a exclusão são geograficamente concentradas e o crescimento e a prosperidade para a sociedade como um todo não necessariamente contribuem para a reversão de processos nas áreas mais pobres. Mesmo que haja expansão, existe uma importante parcela que fica de fora: “crescimento e prosperidade para a sociedade como um todo não necessariamente ajudam as áreas mais pobres” (Glennerster, Lupton, Noden, Power, 1999, p. 5). A maré cheia não levanta todos os barcos, para usar uma expressão corrente no debate sobre o tema da pobreza.

A partir da categoria de espaço articulam-se os determinantes de análise ampla ou restrita, sendo que território e comunidade, termos distintos mas aqui inter-relacionados, são elementos para possíveis conexões entre o campo estrutural e o individual. Os chamados “efeitos de vizinhança” exemplificam este tipo de relação e explicam por que nem todas as áreas respondem da mesma forma às grandes mudanças que acontecem na sociedade como um todo. Não se sabe ao certo quais seriam as relações de causalidade, mas há evidências empíricas de que nas áreas de extrema pobreza existem dificuldades muito maiores para transpor as privações, uma provável decorrência da operação de múltiplos vetores de destituição que se somam, interagem e se reforçam mutuamente. Estudos estatísticos têm permitido evidências importantes acerca dos impactos da concentração e da persistência da pobreza nas condições de vida e no bem-estar de famílias e crianças pobres (Glennerster et al., 1999, p. 7). A conclusão é que incorporar a dimensão territorial importa, e muito, para explicar e combater a pobreza, sendo necessário desenvolver estudos que busquem explicar como tais fatores interagem, em determinados locais, para o recrudescimento e a permanência da pobreza.8

O ponto central de grande parte da produção sobre o tema da pobreza e

primeiro estudo focado em áreas sobre o tema da pobreza, considerando os diferentes matizes da vida local, antecedendo os sociólogos posteriores da Escola de Chicago, no século seguinte. Entretanto, embora os dois autores reconhecessem a dimensão central do território na compreensão do fenômeno, não o consideravam como estratégia para ações antipobreza (Glennerster, Lupton, Noden, Power, 1999).

8. Como interagem a política habitacional e a de educação? E as políticas de transporte e qualidade da alimentação? Como educação e saúde se conectam? Quais as relações entre a escolaridade da mãe e mortalidade ou escolaridade futura dos filhos? Como se explicam as relações e interações entre processo de estigma de áreas, declínio de serviços locais e perda de indústrias e pontos de comércio? Sob denominação de efeitos de vizinhança, trata-se da necessidade de estudar como fatores diversos interagem para permanência e recrudescimento da pobreza. Com perguntas como estas, Glennerster, Lupton, Noden, Power (1999) apontam para a existência de um importante campo de estudos aberto e ainda relativamente pouco explorado.

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território é que existem áreas que, por conta também dos efeitos de estigmatização, podem exacerbar e recriar a pobreza (TORRES e MARQUES, 2004). Pessoas que moram em determinadas áreas segregadas têm mais dificuldades de conseguir emprego, crédito, contam com serviços piores, os seguros são mais caros, o que faz com que as condições dos pobres em áreas segregadas sejam piores do que se eles morassem em outras áreas. Quer dizer, mantendo-se sob controle as demais variáveis, entre as pessoas que apresentam a mesma renda, as que moram em áreas segregadas apresentam pior condição de vida e menos chances de superação da condição de pobreza.

A concepção de infraestrutura social (RICHARDSON e MUMFORD, 2002) permite conceber o território em sua dupla dimensão, de pessoas e lugares, e sob este termo incorporam: i) os serviços e facilidades existentes, tais como habitação, acesso a crédito, educação, saúde, assistência à infância, meio ambiente bem cuidado e transporte, entre outros; ii) a organização social, identificada a partir da existência e da qualidade das redes de amizade, da existência de pequenos grupos informais e do desempenho dos mecanismos de controle social, como regras e normas coletivamente partilhadas. Nesse sentido, a noção pressupõe tanto as redes de serviços e bens existentes na comunidade quanto os aspectos da organização social (RICHARDSON e MUMFORD, 2002, p. 203). As autoras, sobretudo, estão interessadas em examinar o papel de grupos de residentes e da organização social, de forma mais geral, na recuperação de áreas degradadas.9

A noção de território articula-se ainda com a noção de redes – governamentais, locais, de serviços – que também integram, embora não sob esta designação, a abordagem de infraestrutura social. A concepção de infraestrutura social pode ser útil para analisar estratégias de inclusão desenvolvidas em contextos urbanos, nos quais a degradação de áreas ou a localização de populações nas periferias urbanas manifesta a distribuição espacial da pobreza e da exclusão. A infraestrutura formal (serviços e instalações) combina-se com a organização social (valores, normas, controle social, densidade associativa) para a produção de uma infraestrutura social que pode ser potencializadora ou atuar como barreira para os processos de superação da pobreza.

A gestão ativa do território significa que áreas segregadas precisam ser claramente identificadas e serem objeto de políticas específicas. O “planejamento integral” do território (UNIVERSITAT AUTÒNOMA DE BARCELONA – UAB, 1998, p. 25), envolve, por um lado, aspectos relativos ao desenvolvimento e

9. A importância da infraestrutura social torna-se perceptível quando se analisam exemplos de onde ela foi quebrada, como é o caso em áreas em declínio, em processo de degeneração. As autoras sustentam que a diferença entre tais comunidades degradadas e as que têm uma infraestrutura social saudável está na qualidade da organização social, na capacidade de a maioria fazer cumprir as regras. Quando esta capacidade diminui, aumentam atos de vandalismo, crimes e comportamentos antissociais, combinados com a crescente perda de autoridade dos representantes do poder público, que se sentem incapazes de fazer frente às novas demandas, o que contribui para o enfraquecimento do controle social e para a má imagem da região, condenação de seus moradores a uma espiral negativa e comprometimento de todos os aspectos da infraestrutura social: instalações, serviços e organização social (Richardson e Mumford, 2002, p. 206).

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crescimento urbano e, por outro, aspectos relativos ao tema da adesão comunitária e da cidadania, e é neste sentido que a expressão encontra correspondência com a concepção de infraestrutura social. Uma atuação orientada para o território ou a gestão ativa dos territórios emerge como condição necessária em uma estratégia efetiva de enfrentamento e superação da pobreza. Esta gestão ativa do território relaciona-se, entre outras coisas, com maior adequação entre a oferta de serviços e as demandas e necessidades existentes, na perspectiva de fortalecimento da infraestrutura social. O problema se coloca aqui, portanto, no âmbito da gestão, no qual a dimensão do território ganha centralidade como critério de focalização e/ou como unidade de intervenção.

O poder público, via rede de programas, serviços e instalações, pode atuar como suporte para a reconstrução de redes sociais informais de controle e normas, ingrediente vital para uma organização social “saudável”. A existência de redes sociais informais e as alterações na infraestrutura formal são condições necessárias para se processarem tais mudanças. A heterogeneidade da pobreza e a concepção de infraestrutura social remetem à noção de oferta flexível e ajustada às necessidades, demandas e problemas identificados. As necessidades e demandas das famílias, indivíduos ou grupos em situação de pobreza são várias e não é possível antecipar ou criar estruturas muito rígidas ou metodologias de atendimento muito padronizadas. Para que seja possível executar programas flexíveis e adaptados às condições, capacidades e limitações locais, a existência de redes de serviços é fundamental. A noção de rede pressupõe uma retaguarda de serviços e apoio, capaz de ser mobilizada pelos agentes públicos e combinados diante de cada situação específica. Dar respostas adequadas, oportunas e eficazes a estas demandas depende da disponibilidade de serviços, programas e ações governamentais e não governamentais, que possam funcionar como elementos de um “cardápio” a ser montado sob medida para atender às necessidades das famílias, indivíduos e grupos, conforme afirma Corera (2002).

Autonomia e empoderamento

Um terceiro item que, combinado aos anteriores, configura-se como um elemen-to de um marco de ação, refere-se ao tema da autonomia e do empoderamento. A condição de pobreza geralmente envolve, além da precariedade da renda por um longo período de tempo, necessidades insatisfeitas, relações sociais fragiliza-das, aspectos psicossociais negativos e baixa capacidade de mobilização de ativos. Os pobres, principalmente aqueles em situação de pobreza crônica, experimentam várias formas de destituição ao mesmo tempo e estas combinações, sempre sujeitas tanto a fatores estruturais quanto idiossincráticos, configuram situações de perpetua-ção da pobreza, com crescente bloqueio às oportunidades de escape (BARRIENTOS e SHEPPERD, 2003, p. 8). Para se enfrentar estrategicamente a pobreza, pode ser imprescindível, do ponto de vista do conteúdo das políticas, desenvolver ações pautadas

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pela busca da autonomia, ampliação das capacidades ou empoderamento das pessoas, grupos e regiões. Este é o aspecto que deve ser enfatizado aqui. Ao se partir de um enfoque da pobreza sob o prisma da vulnerabilidade, exclusão ou capacidades, decorre daí a necessidade “lógica” de considerar a questão do empoderamento como funda-mento de um modelo de ação ou como conteúdo central das políticas de proteção.

Ao se considerar a dupla condição da pobreza (RACZYNSKI, 2002, p.6; MINISTERIO DE PLANIFICACIÓN Y COOPERACIÓN – MIDEPLAN, 2002, p.9), como fenômeno que envolve aspectos tangíveis e aspectos menos tangíveis, processos objetivos e também de ordem subjetiva, tem-se como implicação que para desenvolver estratégias sustentáveis e efetivas é necessário alterar tais condições limitadoras, investir no empoderamento das pessoas, no desenvolvimento de sua autonomia, competências e capacidade de autodesenvolvimento, visando ampliação de sua capacidade de ação. Sem que se altere esta dimensão, não é suficiente alterar condições objetivas, prover bens e serviços, investir em infraestrutura ou alterar condições macroeconômicas, uma vez que os resultados não serão efetivos ou sustentáveis no longo prazo (RACZYNSKI, 2002, p. 6-7). É necessário que haja sinergia entre os dois movimentos, entre fatores exógenos e endógenos às pessoas. São necessárias tanto ações fortemente ancoradas nas carências materiais e demandas básicas quanto aquelas voltadas para alterações nas dinâmicas psicossociais, que se processam via interações e relações sociais, cujo peso significativo cabe às relações institucionais estabelecidas com os agentes públicos e de proteção social. 10

Os resultados das ações de empoderamento podem ser de diferentes tipos e magnitude, mas todos espelham uma mesma ordem de questões, relativas ao aumento do protagonismo, da autonomia, do senso de dignidade, do acréscimo de capacidades. Empoderamento, como processo e resultado das políticas de proteção social, pode ser uma categoria síntese para se referir à ampliação da capacidade de escolhas dos indivíduos, que ocorre quando se tem acesso a ativos que, em interação sinérgica entre si, permitem a incorporação de indivíduos e grupos no universo da cidadania.

Formular e implementar estratégias de intervenção que partam de uma visão multidimensional da pobreza e do reconhecimento de sua heterogeneidade demanda ações articuladas, coordenadas ou, ainda, desenvolvidas de forma intersetorial ou transversal. A dimensão da territorialização surge a partir do reconhecimento da heterogeneidade da pobreza e interdependência entre os diversos vetores da exclusão, e também da combinação múltipla de vetores de

10. Sendo assim, as relações entre os agentes públicos e os usuários das políticas ganham centralidade, pois estes se tornam os agentes catalisadores das mudanças, atuando na direção do empoderamento, ampliação da capacidade de escolha e melhoria efetiva nas condições e perspectivas de vida. A dimensão da agência tem aí um papel de destaque, e esta categoria é entendida como capacidade de ação e de protagonismo, de coautoria e corresponsabilidade do indivíduo pela sua trajetória de inserção, e é utilizada para afirmar o papel dos agentes institucionais, informais e familiares na produção de bem-estar.

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inclusão ou inserção social em determinados espaços da cidade, que podem ser suficientemente e adequadamente entendidos sob a concepção de infraestrutura social. O reconhecimento da heterogeneidade da pobreza implica, por um lado, uma tendência a focalizar o território como locus no qual a heterogeneidade se manifesta e se cristaliza e, por outro, a atenção a uma rede de serviços capaz de ser acionada para atender às demandas, adequada para responder às necessidades e problemas identificados. E finalmente o reconhecimento de que existem fatores estruturais, idiossincráticos e relacionais que contribuem para a manutenção da pobreza, tem-se como implicação para a intervenção a necessária atenção às dimensões da autonomia e do empoderamento, que envolvem maior capacidade de escolha e maior domínio sobre os recursos tangíveis e sobre aqueles menos tangíveis.

Trata-se agora de focalizar, com base em tais categorias, dois programas locais de inclusão social, buscando identificar como os elementos da intersetorialidade, do território e da autonomia se inscrevem no desenho dessas estratégias de intervenção. Sem a pretensão de avaliar resultados ou processos de implementação, a perspectiva orientadora é examinar, na contraluz, como se materializam no mundo empírico algumas categorias identificadas no quadro conceitual.

3 AS ESTRATéGIAS DE BELO HORIzONTE E SÃO PAULO: CONCEPÇÃO E DESENHO DA INTERVENÇÃO11

Nesta seção serão analisados dois programas municipais orientados para o enfrentamento da pobreza, vulnerabilidade e exclusão social. O objetivo é identificar, com base no marco analítico anterior, como as categorias de interesse – intersetorialidade, território e autonomia – estão presentes nos desenhos12 ou nas estratégias de intervenção desenvolvidas em Belo Horizonte e São Paulo. Três temas orientam, portanto, o exame das experiências: i) a dimensão de natureza mais substantiva, voltada para as questões da autonomia e do empoderamento; ii) a intersetorialidade para situar novas formas de gestão; e iii) a dimensão do território e da infraestrutura social para apreender como estes elementos são considerados em cada estratégia. A pretensão, ao se examinarem as duas experiências, é ressaltar se, e em que medida, estas estratégias contemplam, em seu desenho, elementos do quadro analítico aqui apresentado, o que significa colocar em

11. Os dados relativos aos dois programas datam de 2005. Não será considerada aqui a trajetória dos programas após este tempo, sua continuidade ou remodelações. Sabe-se, contudo, que a estratégia de Belo Horizonte ampliou-se ao longo dos anos, estando o BH Cidadania presente em 23 territórios em Belo Horizonte em 2010. O programa de São Paulo foi finalizado e não se configura mais como uma estratégia mais coordenada de intervenção. Entretanto, avançar no exame da trajetória destes programas pode ser útil para compreender os processos que incidem na manutenção e sustentabilidade política e institucional de uma política pública.

12. O termo desenho é aqui entendido como o conjunto de pressupostos e concepções de natureza teórica (e normativa) que orientam ou embasam a intervenção pública, e refere-se ao campo das teorias em uso que informam as ações ou as concepções existentes quanto à mudança social e ao papel das intervenções neste processo de transformação social. Uma definição forte de desenho engloba, certamente, outro nível de questões, que remete não apenas à dimensão conceitual e substantiva, mas também envolve recursos e o marco operacional e institucional das políticas.

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movimento as categorias mobilizadas e buscar identificá-las nas ações efetivamente realizadas. Elementos de natureza econômica, política e institucional atuam como constrangimentos que limitam ou conformam as estratégias efetivamente implantadas em cada contexto, e a análise específica destas questões demandaria o exame mais rigoroso dos processos de implementação, o que não será feito aqui.

A literatura mais recente no campo das políticas públicas enfatiza o papel do âmbito local, sustentando que, no campo da produção das políticas de inclusão, os governos locais apresentam tanto uma maior capacidade de diagnosticar e captar as demandas e necessidades que se encontram cada vez mais heterogêneas, múltiplas e fragmentadas, quanto uma maior capacidade de fornecer respostas mais adequadas a elas, a partir da flexibilização na provisão dos bens e serviços (BRUGUÉ e GOMà, 1998, p. 43-44). Trata-se, sobretudo, de uma aposta e de uma expectativa de que os governos locais possam de fato desempenhar este papel estratégico, dada a centralidade que têm para um adequado diagnóstico dos problemas e de sua legitimação, bem como para a proposição de ações mais adequadas às realidades e demandas locais. Não se trata, ao afirmar a centralidade do nível local, de afirmar a irrelevância do nível central na provisão de bens e serviços de proteção social, mas de salientar que cabe a cada nível de governo um aporte específico na produção das políticas de bem-estar. Esta definição, que envolve atribuição de competências e recursos, é sempre uma escolha política, o que coloca a centralidade da politização da gestão como um dos atributos da perspectiva da governança local. Evidentemente uma estratégia adequada e suficiente de superação da pobreza envolve a articulação entre políticas e ações de diversas áreas e distintos níveis de governo, o que coloca a centralidade da discussão federativa no campo da proteção social que, contudo, não será aprofundada aqui.

Belo Horizonte e São Paulo constituem experiências locais de inclusão social que buscam dar respostas no campo da proteção para uma população em situação de intensa vulnerabilidade. Os indicadores selecionados (PNUD – Atlas do Desenvolvimento Humano, 2004) permitem uma visão das condições de pobreza, indigência, desigualdade e vulnerabilidade nestas cidades. A incidência da pobreza e da indigência diminuiu entre 1991 e 2000 em Belo Horizonte (de 18,89% para 14,17% no caso da pobreza e de 6,05% para 4,92% no caso da indigência), mas aumentou na cidade de São Paulo (de 8,00% para 12% e de 2,98% para 5,60% no caso da pobreza e da indigência, respectivamente). Considerando apenas a indigência, ou a pobreza mais severa e crônica (com renda abaixo de R$ 37,75, em valores do ano 2000), os números são os seguintes: em Belo Horizonte, 110 mil indivíduos; em São Paulo, cerca de 584 mil. Mas se houve uma redução na incidência, a intensidade tanto da pobreza quanto da indigência aumentou no período nas duas capitais. Em Belo Horizonte, a distância que separa a renda dos pobres e indigentes em relação às linhas de pobreza e indigência aumentou de

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37,97% para 40,64%, no caso da pobreza, e de 33,84% para 55,92%, no caso da indigência. Em São Paulo, a intensidade da pobreza passou de 46,18% para 51,19% e de 71,77% para 74,59%, no caso da indigência. Os indicadores de desigualdade são expressivos da magnitude da apropriação desigual de renda no país, nos estados e nas cidades consideradas. A desigualdade aumentou ao longo da década, com o incremento da renda apropriada pelos mais ricos e o decréscimo da renda apropriada pelos mais pobres: em Belo Horizonte, o aumento da renda apropriada pelos 10% mais ricos ao longo da década foi de 1,18%. Em São Paulo, foi de 4,73%. Em compensação, percebe-se o decréscimo de renda apropriada pelos 40% mais pobres: para Belo Horizonte, o decréscimo foi de 0,5 ponto percentual (p.p.); em São Paulo, foi de 2,25 p. p. Com estes dados têm-se as evidências para afirmar que a pobreza, a indigência e a desigualdade ainda persistem como problemas que demandam ações consistentes e mais efetivas em termos de políticas públicas.

Dada a magnitude dos problemas a serem enfrentados, expressos por esses indicadores, as iniciativas aqui analisadas são claramente insuficientes como políticas de enfrentamento da pobreza e da desigualdade, uma vez que, como visto, na produção e reprodução destes fenômenos incidem causas de âmbito internacional, nacional, e estadual, em diversos setores da vida social. O objetivo aqui não consiste em avaliar os resultados ou a efetividade destes programas, mas sim em mapear a presença das categorias analíticas nos dois programas, identificando alguns desafios para sua materialização, para além do desenho das estratégias de intervenção.

3.1 O BH Cidadania

O BH Cidadania é uma estratégia de intervenção voltada para a inclusão social que tem início em 2000, em Belo Horizonte. O objetivo do programa é promover a inclusão do conjunto de famílias residentes nos territórios, utilizando um modelo de gestão intersetorial. Como objetivos específicos, tem-se a melhoria do acesso a bens e serviços sociais, a redução dos fatores de vulnerabilidade e risco e a promoção de relações de solidariedade entre os membros das comunidades atendidas (Documento do Programa, v. 3/3, 2003, p. 8). A partir dos vários programas desenvolvidos em territórios específicos, o BH Cidadania busca reduzir vulnerabilidades, estimular a convivência familiar e comunitária e favorecer a autonomia das famílias. O programa adota três linhas de ação: i) acesso a bens e serviços públicos (educação, saúde); ii) redução dos riscos e vulnerabilidades das famílias (inclusão produtiva, educação infantil); e iii) potencialização das relações comunitárias (estímulo à convivência familiar e comunitária).

Como estratégia de focalização foram identificadas nove áreas-piloto que apresentavam os piores indicadores, segundo um índice final que foi construído a partir do Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) e do Mapa de Exclusão Social

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e também segundo o Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU) e o Índice de Risco à Saúde (IRS), abrangendo um conjunto de 23.114 pessoas, ou 5.942 famílias, no ano 2000. A vulnerabilidade é abordada pelo vetor espacial, entendendo-se que certas áreas urbanas concentram dinâmicas e condições próprias que produzem e reproduzem a pobreza. Daí adotar-se o território como eixo de atuação.

Para as famílias que fazem parte do recorte territorial priorizado pelo BH Cidadania (famílias que moram nas áreas de abrangência do programa, no máximo 700 famílias em cada uma das nove áreas), tem-se um conjunto específico de ações: transferência de renda (Bolsa Escola Municipal –BEM); oficinas de esporte, arte e cultura para crianças e adolescentes; educação infantil em tempo integral; ações preventivas e atenção básica em saúde; cursos de capacitação de chefes de família e jovens para ampliar as possibilidades de inserção produtiva; fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários; fortalecimento da rede local. Os componentes do programa, com exceção dos que se referem à área de assistência social, são iniciativas e programas que já existiam, em sua maioria, antes da emergência do BH Cidadania.13

As famílias atendidas são identificadas, cadastradas e acompanhadas pelos técnicos e estagiários dos NAFs (núcleos de apoio familiar), principais responsáveis pela articulação da rede de serviços e pelo encaminhamento das demandas da população. O núcleo, localizado em cada regional, também executa diretamente ações para as famílias, de caráter sociocomunitário. Ao propiciar encontros, espaços de interlocução e de troca de informações, o NAF tem um importante papel de fomentar relações, estreitar laços, contribuindo para estimular a cooperação e a confiança, atuando sobre o espaço das relações sociais e familiares. Este equipamento e os programas e ações desenvolvidos a partir dele podem funcionar como instrumento de mobilização e formação de capital social (SOMARRIBA, 2004), o que poderia ampliar as bases da infraestrutura social. Além da dimensão comunitária, a linha de ação dos NAFs junto às famílias é importante para “reforçar a dinâmica intrafamiliar”. Como visto, as relações familiares constituem um importante ativo que pode ser fortalecido e funcionar como um elemento atenuante ou inibidor de situações de risco e vulnerabilidade. A concepção que fundamenta a existência dos NAFs sustenta-se e encontra ressonância nas categorias de autonomia e empoderamento de pessoas, famílias e territórios. Algumas considerações sobre a atuação dos núcleos, com base em

13. De acordo com o documento do programa (PBH/Urbal, 2004) os componentes do BH Cidadania são: a) enfrentamento de situações de risco familiar e social; b) promoção de identidades pessoais e vínculos sociais; c) acesso a políticas sociais e urbanas do município; d) reforço de vínculos familiares para crianças pequenas; e) desenvolvimento comunitário; f) estímulo à leitura; g) socialização infanto-juvenil – 6 a 14 anos; h) socialização de jovens – 15 a 18 anos; i) educação fundamental; j) educação de jovens e adultos; k) qualificação profis-sional; l) incentivo à formação de cooperativas; m) atenção básica à saúde; n) programa de saúde da família; e o) transferência de renda.

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documentos e estudos disponíveis,14 permite focalizar o programa a partir das concepções de autonomia, empoderamento e capacidades.

Um primeiro ponto refere-se à baixa capacidade em termos operativos e técnicos para o desenvolvimento das ações propostas pelos núcleos. O número de técnicos é insuficiente frente à magnitude das tarefas e isto limita as condições para planejar o trabalho nas suas diversas frentes de ação. As relações que os técnicos estabelecem com os usuários são, de acordo com o desenho, de intensa interação e altamente personalizadas. Com a expressão “acolhida”, usada para identificar o tipo de atendimento que se estabelece entre técnicos e usuários, tem-se a tradução do que seria uma alta interação, nos termos de Martinez Nogueira (1998). Trata-se de um atendimento extenso no tempo, baseado na confiança, que pressupõe a capacidade de resposta dos técnicos às demandas objetivas e subjetivas. Para que os técnicos sejam de fato capazes de exercerem este papel e atuarem como catalisadores das mudanças no âmbito da família e de suas relações, é necessário que contem com formação e qualificação adequada, com supervisão sistemática, com legitimidade e com recursos que possam ser acionados, de forma mais garantida, para auxiliar o processo de empoderamento e de expansão das capacidades das pessoas e famílias.

Além disso, tem-se uma dificuldade de outra natureza: é que não parece haver clareza sobre a “teoria em uso” que fornece o guia para a ação. O programa tem como objetivos “reduzir fatores de risco e vulnerabilidade social das famílias e promover relações de solidariedade entre os membros da comunidade”, mas não fica claro quais seriam os componentes necessários para alcançar estes objetivos. O que é necessário fazer para reduzir a vulnerabilidade das famílias e aumentar a solidariedade comunitária?

Os componentes do BH Cidadania (produtos e serviços que o programa entrega) não são construídos a partir de uma identificação explícita dos riscos, sendo os mesmos programas para todas as áreas, o que limita o desenvolvimento de ações diferenciadas e mais específicas para áreas ou para grupos de uma mesma área que se encontram em situações distintas de vulnerabilidade.15 Também o objetivo de fortalecimento da solidariedade nas comunidades é ambíguo, pois não há clareza sobre como este objetivo pode ser alcançado. Quais componentes do programa são orientados para sua produção? A análise dos documentos não possibilita estabelecer o nível de consistência desejável entre os objetivos pretendidos

14. Ver, a esse respeito: Bronzo (2005); Veiga e Bronzo (2005a); Filgueiras (2005).

15. Por exemplo, uma área que apresente um problema grave de violência e tráfico de drogas não encontra, nos componentes do programa, uma ação específica orientada para equacioná-lo. Questões que podem ser gerais para a população em condição de pobreza crônica, mas que se apresentam de forma mais intensa em determinadas regiões (gravidez na adolescência, uso de drogas, trabalho infantil, homicídio de jovens), não encontram respostas diferenciadas quanto aos programas ou serviços disponíveis.

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e o que o BH Cidadania entrega em termos de programas, serviços e bens, o que talvez possa ser explicado pelo fato de que as ações do programa não partem dos problemas identificados e sim da oferta disponível de bens e serviços das diversas secretarias. Com isso o Programa não fornece respostas ou pistas para permitir o estabelecimento de objetivos e metas mais precisas, o que limita o alcance efetivo dos resultados e o acompanhamento da implementação. Mas o BH Cidadania possui, pelo menos em seu desenho, instrumentos que poderiam reverter esta situação: o grupo de referência e o Plano de Ação Local. Tanto o grupo de referência quanto o plano seriam os mecanismos de incorporação da perspectiva das famílias e das comunidades, o que possibilitaria, pelo menos em tese, que as ações tivessem maior aderência às necessidades dos interessados, a partir da identificação de situações específicas e do desenho de alternativas flexíveis de respostas.

Fica difícil, nesse caso, afirmar como as ações do NAF produzem efeitos quanto ao empoderamento das pessoas, fortalecendo a capacidade dos pobres em interferirem e influenciarem naquilo que lhes diz respeito (em uma visão matizada pela dimensão do empoderamento como possibilidade de ser e de fazer) ou em ampliar a sua capacidade de resposta frente aos eventos de riscos (em uma visão do ponto de vista da abordagem da vulnerabilidade e dos ativos). Quando estas ações de empoderamento não são acompanhadas por outras intervenções mais diretamente vinculadas ao fortalecimento de ativos como trabalho e qualificação profissional, as possibilidades de inclusão efetiva ficam comprometidas. No BH Cidadania, o componente relacionado à inclusão produtiva é muito limitado. Entretanto, as ações de geração de trabalho e renda estão entre as mais complexas no conjunto das políticas públicas, uma vez que estas ações estão imbricadas de forma muito mais densa com processos no âmbito do mercado que, pautando-se sobretudo pelo lucro, não incorporam de forma central a perspectiva da equidade, própria da ação do Estado.

Para que o NAF consiga de fato apresentar resolutividade quanto às demandas específicas de vulnerabilidade das famílias, ele necessita da adesão das diversas secretarias e órgãos governamentais e não governamentais. Esta adesão não é automática, nem está de antemão garantida, demandando uma negociação permanente e calcada, sobretudo, nas relações pessoais e, portanto, informais (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE – PBH, 2004). A ausência de uma rede de apoio ao trabalho dos NAFs constitui, segundo os técnicos envolvidos, um importante elemento desestabilizador das ações desenvolvidas. Nas palavras dos técnicos, “os NAFs não dispõem de boa retaguarda” (PBH, 2004, p. 38), e sem isto sua atuação permanece limitada e inadequada para responder às necessidades e problemas identificados. Entretanto, é importante ressaltar que a atuação dos NAFs

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no campo da sociabilidade cumpre um papel central na estratégia do programa e, embora com grande heterogeneidade entre as áreas, os atores envolvidos na implementação da política reconhecem que as atividades apresentam resultados, e estes incluem mudanças de comportamento, fortalecimento dos laços de vizinhança, estreitamento dos laços sociais, maior disposição e capacidade para ação, inclusive na busca pelos serviços e pelos direitos.

Esse ponto não é banal, pois o eixo de socialidade pode cumprir um papel central na inclusão social de grupos vulneráveis. Considerando as categorias de infraestrutura social e toda a discussão sobre a dimensão psicossocial e sobre o aspecto relacional da pobreza, fica evidente a centralidade deste conjunto de estratégias desenvolvidas pelos NAFs para uma trajetória de inserção social. Entretanto, o NAF, para atuar nesta ponta, no âmbito da interação e da promoção de relações sociais mais “virtuosas” necessita de retaguarda na outra, no campo dos bens e serviços produzidos pelo setor público.

Quanto ao tema da intersetorialidade, o BH Cidadania explicitamente o adota como princípio e diretriz da intervenção. A implementação deste novo modelo de ação no campo das políticas sociais, e principalmente nas ações de inclusão social, veio acoplada a um processo de mudanças na estrutura administrativa do executivo municipal, deslocando, e posteriormente reacomodando nos antigos lugares, as distintas secretarias de políticas sociais – educação, saúde e assistência social.16 Alterações na estrutura administrativa sinalizam mudanças na concepção e na produção de políticas sociais, afirmando as diretrizes da intersetorialidade e da descentralização, entendida também a partir do enfoque territorial como orientação para a atuação governamental.

De acordo com o desenho do programa, o BH Cidadania não tem “pernas próprias” e funciona, de certa forma, a partir das “pernas” da saúde, educação, assistência social e das demais secretarias e órgãos governamentais e não governamentais. Isto quer dizer que, para alcançar seus objetivos, depende da atuação e colaboração direta de outros setores da máquina pública. Nas palavras da coordenação do BH Cidadania, “a atuação intersetorial no programa visa à potencialização das atividades desenvolvidas pelas temáticas (saúde, educação, cultura, esporte, assistência social, direitos da cidadania e abastecimento)”. Este

16. No primeiro momento do programa BH Cidadania, a responsabilidade pela formulação e coordenação das ações cabia à Secretaria de Coordenação Municipal das Políticas Sociais (SCOMPS), uma instância recém criada na estrutura da Prefeitura de Belo Horizonte, que ficara com a incumbência de articular as ações de saúde, educação e assistência social. Tratava-se de uma grande responsabilidade, mas não se contava com a legitimidade e os meios para efetivar a tarefa árdua de colocar para operar juntos setores consolidados (educação e saúde) com outros menos consolidados (assistência), pressupondo uma alteração nas rotinas, prioridades e formas de organizações anteriores à reforma. Na nova reforma administrativa, realizada em 2004, a SCOMPS muda de nome e de posição no organograma da PBH. Ela passa a ser denominada Secretaria Municipal de Políticas Sociais (SMPS) e coordena apenas a área de assistência social (se-cretaria adjunta), e as áreas de cultura, esporte, lazer e abastecimento, estando no mesmo nível hierárquico das secretarias de Educação e Saúde e não mais acima delas, como no desenho anterior.

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modelo ou estratégia do desenho do programa pressupõe a adesão dos diferentes setores e exige alta capacidade de coordenação horizontal das ações, capacidade de implementar as decisões tomadas nas instâncias superiores de coordenação e capacidade de articulação entre as secretarias temáticas e as regionais. Sua estrutura exige alta capacidade de coordenação do nível central para articular redes horizontais (entre setores) e multiníveis (municipal e local ou do nível central e regional).17 Por depender de outras secretarias para efetivar seus objetivos, o BH Cidadania demanda uma coordenação mais forte para articular ações e orçamentos, diluir sobreposições, ajustar prazos, metas e processos, estabelecer procedimentos mais homogêneos de cadastros, sistemas de informação, processos de monitoramento e avaliação mais conjuntos ou minimamente uniformes.

Uma ação integrada envolve um conjunto mais amplo de atores, o que exige capacidade de coordenação e autoridade institucional, para articular atores diversos e alterar a maneira de os programas sociais atuarem. Entretanto, os documentos e estudos disponíveis salientam as dificuldades para a implementação efetiva desta diretriz ou instrumento de gestão. A atuação da saúde no município segue orientação universal, orienta-se por seus próprios critérios de focalização territorial e trabalha com estruturas de gestão e procedimentos definidos, e que não se alteram de forma tão maleável em função das diretrizes do BH Cidadania, o mesmo ocorrendo com a educação. Não se pode sensatamente esperar que, dada a forma como os setores da educação e da saúde estão organizados, que estes venham a incorporar, sem resistências, a necessidade de atuar para atender a um público específico e de forma diferenciada. O mesmo tipo de dificuldade é encontrado no âmbito das regionais: as áreas do BH Cidadania são manchas dentro do território sob a jurisdição de cada regional. Daí decorrem as dificuldades para convencer as equipes das regionais a priorizarem as famílias das áreas piloto, em detrimento de outras famílias, em igual situação, mas que residem em outras áreas.

17. O programa apresenta uma engenharia institucional complexa, ao pressupor o envolvimento de distintos setores das políticas e diversas instâncias de ação e decisão. A responsabilidade pelo programa é da Secretaria Municipal de Política Social (incluindo as Secretarias Adjuntas de Assistência Social, Abastecimento, Esportes, Direitos de Cidadania e Fundação Municipal de Cultura), tendo como coexecu-toras as secretarias municipais de Educação e Saúde, Secretaria Municipal de Política Urbana e Ambiental, Secretaria de Planejamento e as secretarias municipais de Coordenação de Gestão Regional. No nível decisório tem-se a Câmara Intersetorial de Políticas Sociais (CIPS), coordenada pela Secretaria Municipal de Políticas Sociais (SMPS), e com representantes de suas secretarias adjuntas, Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), Secretaria Municipal de Educação (SMED) e Gestão Regional (SCOMGER). No nível gerencial tem-se o grupo de trabalho (GT) do BH Cidadania, com coordenação da SMPS e representantes técnicos de todas as secretarias temáticas ligadas a ela; SMSA e SMED e gerentes de Políticas Sociais das nove regionais. No nível executivo tem-se dois colegiados de coordenação, um regional e outro local. Ambos são coordenados diretamente pelo secretário municipal regional de Serviços Sociais, embora mudanças recentes apontem que o colegiado local passe a ser coordenado pelo NAF, sendo esta a instância responsável pelo planejamento, implantação, monitoramento e avaliação das atividades do programa no âmbito local. A participação da comunidade está prevista no colegiado local e no grupo de referência, constituído por representantes eleitos para representar a comunidade na interlocução com o poder público. Duas instâncias são fundamentais para viabilizar a participação no âmbito do programa: o grupo de referência e o plano de ação local. Este último consiste na elaboração conjunta (por técnicos do NAF e grupo de referência) do diagnóstico e de propostas de ação.

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Dificilmente os interesses e as posições das diferentes secretarias convergem da mesma forma e com a mesma intensidade para os mesmos objetivos. Mesmo que haja convergência em relação aos fins ou objetivos buscados, pode-se supor que ocorram divergências quanto aos meios mais adequados para realizá-los. O esforço para quebrar resistências de setores como educação e saúde é muito grande (PBH,2004), e mesmo em outras áreas a perspectiva da intersetorialidade é um desafio.

Um elemento central para atenuar resistências é dependente da autoridade social do município, de sua capacidade e legitimidade para inserir a intersetorialidade na agenda e nas práticas institucionais. Além de legitimidade e pactuação no nível das diretrizes e princípios, a efetivação da intersetorialidade pressupõe, em algum nível, uma mudança nos processos e nos instrumentos de gestão que permitam a ação transversal do BH Cidadania. Uma condição para que tais alterações se processem consiste em criar os pontos concretos de conexão entre as áreas, estabelecer, na prática, os fluxos e rotinas, desenhar e implementar instrumentos e ferramentas de gestão compartilhada. A reestruturação administrativa, legal ou formal, não foi suficiente para alterar padrões, fluxos e conteúdos das ações desenvolvidas. A utilização de estratégias de planejamento coletivo e de forma participativa, buscando-se o estabelecimento de visões compartilhadas, bem como as direções colegiadas (caso do grupo de trabalho), são formas de se criar a viabilidade política e técnica da intersetorialidade, e estas são estratégias desenvolvidas pelo programa, constituindo sua aposta e sua promessa.

Quanto ao tema do território, tem-se que o BH Cidadania aponta para um esforço de construção de redes de serviços e para uma estrutura intersetorial no planejamento e gestão das ações, tendo como base os territórios de alta vulnerabilidade e exclusão. Neste caso, a dimensão do território é estruturante. A perspectiva da construção e fortalecimento das redes locais, por meio da articulação de equipamentos, programas e serviços, constitui neste programa o centro da estratégia, conforme sugere o documento do programa: “pode-se dizer que a inclusão social se desenha espacialmente, sendo necessário localizar a vulnerabilidade no município e organizar a atuação a partir do território, promovendo o acesso à oferta local e não-local de serviços, de modo a maximizar a eficácia das ações” (Documento do Programa, 2003, p. 6). Existe ainda o reconhecimento de que o princípio da territorialidade está relacionado diretamente à questão da diversidade, o que implica que “a forma de intervenção em uma região pode ser bastante diferente da intervenção em outra região, dependendo das necessidades de cada uma delas” (Documento do Programa, 2003, p. 7).

Entretanto, embora seja afirmada a diversidade das formas de atuação a partir da heterogeneidade dos territórios, não fica evidente como o território se constitui, de fato, como unidade de intervenção. O território no BH Cidadania é um critério de focalização, sendo que o programa tem dois recortes básicos que

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orientam a identificação do público-alvo da ação governamental: os territórios e as famílias que neles habitam. Estudos localizados indicam que os territórios do BH Cidadania, apesar de homogêneos quanto a vários dos indicadores utilizados, apresentam heterogeneidade entre as famílias dentro de cada área (CORREA e MAGALHÃES, 2004). Muitas famílias circunscritas ao território podem não apresentar as mais intensas situações de privação, enquanto outras que se situam fora dos limites territoriais do BH Cidadania podem estar em piores condições de vulnerabilidade e exclusão social. Mesmo com este limite, a estratégia primeira de focalização adotada é o território. Embora este processo não seja explícito nos documentos examinados, pode-se sugerir que existe no programa uma espécie de segunda focalização, com o atendimento de famílias, no território, que apresentam maior vulnerabilidade.

De forma semelhante ao que ocorre no campo da metodologia de trabalho do NAF – que carece de uma teoria em uso (ou de um marco conceitual) mais consistente para orientar de forma mais precisa componentes e resultados –, parece não haver, no caso do território, objetivos traduzidos em formas de atuação que permitam transformar o território. Que tipo de mudança é esperado e por que meios ela irá se processar? Como definir o que se espera e como avaliar se o projetado foi alcançado? Sem definições básicas sobre estes pontos, a intervenção fica fraca, com menos possibilidades para surtir efeitos, uma vez que não se tem um modelo mais claro do que deve ser feito.18

A atenção ao território enquanto unidade de intervenção (e não apenas como estratégia de focalização) implica ações em rede, estratégias de participação e de atuação simultânea no plano da infraestrutura formal (bens, equipamentos, serviços) e no plano da organização social. Um dos objetivos específicos do programa refere-se à ampliação da oferta e do acesso aos serviços e instalações mantidos ou gerenciados pela administração pública, e ao fortalecimento das dinâmicas comunitárias que demandam espaços de convivência comunitária e criação de uma rede de serviços. Entretanto, os esforços ainda parecem ser insuficientes para atendimento à demanda e, antes de mais nada, não se tem, de forma clara e suficientemente compartilhada, o que precisa ser implantado ou viabilizado em cada uma das áreas do BH Cidadania para se responder aos problemas existentes.

18. O tema mais geral no qual essa discussão se situa refere-se à complexidade dos problemas sociais, dada a multiplicidade de causas que interagem para a produção dos fenômenos e as dificuldades maiores para isolar causas ou estabelecer relações de causalidade. Se por um lado tem-se uma complexidade inerente ao próprio objeto da intervenção, por outro tem-se bases teóricas frágeis para sustentar as estratégias de ação. Isto quer dizer que, geralmente, nos programas sociais não existe um conhecimento adequado do problema, o que impossibilita a formulação segura de alternativas para seu enfrentamento. Programas sociais utilizam tecnologias com alto grau de incerteza, ou “tecnologias brandas”, tal como sugere Sulbrandt (1994, p. 382-383). Não se tem, além desta precariedade teórica – ou por isso mesmo –, um conjunto de estudos sobre programas e experiências no campo social, de forma a gerar um conhecimento maior dos processos e mecanismos que interferem para produzir alterações nos públicos-alvo e alcançar os objetivos pretendidos das intervenções. Saber o que funciona e como, por quais mecanismos, constitui uma necessidade urgente para se criar tecnologias mais duras e institucionalidades adequadas para enfrentar os desafios da pobreza e exclusão.

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Os documentos de análise do programa mostram as dificuldades de se articular essa rede de forma efetiva, de se garantirem os fluxos e a capacidade de resposta da rede de serviços efetivamente existente nas regionais (PBH, 2004). A rede existente, com a qual o executivo tem que contar para atender às necessidades da população contemplada, não está sempre localizada nos territórios de maior vulnerabilidade social e onde existe a prioridade do atendimento, o que marca a existência de uma territorialização da demanda e não uma territorialização da oferta. Novamente aqui cabe recuperar um ponto que foi anteriormente ressaltado quanto aos NAFs. O fato de estes não disporem de “boa retaguarda”, conforme afirmado reiteradamente pelos técnicos envolvidos com a gestão do programa, constitui uma expressão do tipo de questões que estão sendo aqui identificadas no que respeita à infraestrutura social.

Como na maioria dos centros urbanos no Brasil, as entidades não governamentais que atuam na prestação de serviços de assistência são muito heterogêneas, de caráter filantrópico, religioso e assistencialista; caracterizam-se por níveis gerenciais e por capacidade técnica reduzida, e são sustentadas por princípios, valores e diretrizes variados, o que conforma um quadro desafiador para o estabelecimento de políticas em parceria e para estratégias de governo em rede. O desafio do programa parece ser o de estruturar uma rede de serviços, potencializando a que existe, mas ampliando e reorientando a prestação de serviços para adequá-la às necessidades do público-alvo.

As características e precariedades das redes de serviços existentes comprometem ainda o alcance dos objetivos estabelecidos nos NAFs. Como equipamento de referência do programa, o NAF pretende atuar enquanto agente catalisador da articulação da rede de serviços governamentais e não governamentais, de forma a responder aos problemas identificados no território. Entretanto, sua atuação pressupõe uma rede de serviço de qualidade, adequada e efetivamente acessível, capaz de responder flexivelmente às solicitações dos grupos em situação de vulnerabilidade. Para que o NAF consiga de fato apresentar resolutividade quanto às demandas específicas, ele necessita da adesão das diversas secretarias e órgãos governamentais e não governamentais. Esta adesão não é automática, nem está de antemão garantida, exigindo uma negociação permanente e calcada, sobretudo, nas relações pessoais e, portanto, informais (PBH, 2004). A ausência de uma rede de apoio ao trabalho dos NAFs constitui um importante elemento desestabilizador das ações desenvolvidas, e sem isto sua atuação permanece limitada e inadequada para responder às necessidades e problemas identificados. Nem mesmo junto à própria rede de serviços do executivo municipal se têm garantias de que os encaminhamentos feitos pelos NAFs sejam de fato acolhidos e processados. A atuação da rede se vincula às características do contexto, do entorno, sendo limitada por variáveis políticas, partidárias, econômicas, sociais, culturais. As regionais apresentam uma grande

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heterogeneidade quanto à capacidade técnica e legitimidade política dos gerentes regionais e quanto à extensão e qualidade da rede de serviços disponível, o que limita o desempenho do programa, que apresenta resultados melhores ou piores, dependendo do envolvimento e da estabilidade das equipes locais, da capacidade de negociação, da adesão da comunidade, das condições da infraestrutura social.

Não basta que o território seja considerado como critério de focalização, usado para identificar áreas de maior exclusão social de forma a se priorizar a intervenção. A gestão ativa do território, como estratégia de inclusão, demanda a construção de planos estratégicos e integrados; e na consecução dos objetivos de melhoria das condições de vida das populações que vivem em territórios degradados, um papel central cabe ao Estado, como agente catalisador que promova a participação dos diversos atores que agem no território e viabilize uma adequada estrutura da rede de serviços. Esta rede de serviços, por sua vez, pode atuar como elemento que potencialize uma organização social mais virtuosa, como identificado na literatura sobre infraestrutura social.

A estratégia de Belo Horizonte inovou na implantação dos NAFs integrados ao BH Cidadania, conformando um modelo que serviu de base para a criação dos centros de referência em assistência social (CRAS), equipamentos de proteção básica que fazem parte do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), desenhado como estratégia para a política nacional de assistência social, a partir de 2004-2005. A perspectiva dos NAFs consiste em potencializar as ações territorialmente localizadas, via integração da rede de serviços e ações, e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. O programa se expandiu a partir de 2005, havendo, em 2010, 23 centros do BH Cidadania (antigos NAFs), o que demonstra a vitalidade da estratégia e sua sustentabilidade ao longo das mudanças de governo. Muitas questões aqui apontadas podem ter sido equacionadas, dado o processo de amadurecimento técnico, político e institucional pelo qual passou o programa nos últimos anos.

3.2 O Programa de Inclusão Social de São Paulo

A estratégia de São Paulo enfatiza uma estrutura de gestão descentralizada, territorializada e intersetorial, que teve início em 2001, com a criação da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade (SDTS), encarregada de sua implementação. A estratégia sustentou-se na criação de três blocos de programas (redistributivos, emancipatórios e de desenvolvimento local), que fundamentam a perspectiva de inclusão social. Foram desenhados nove programas sociais, concebidos de forma integrada e articulados entre si, que operam, de acordo com seus formuladores, sob o princípio da universalidade, sendo este termo utilizado para referência à cobertura total da população identificada como legítima demandatária das ações dos programas, uma vez que se enquadre nos critérios de elegibilidade.

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Os programas redistributivos, organizados basicamente por faixa etária e tendo o trabalho como eixo – Programa de Garantia de Renda Mínima, Pro-grama Bolsa Trabalho (com quatro subprojetos), Programa Começar de Novo e Programa Ação Coletiva de Trabalho/Operação Trabalho – envolvem o repasse mensal de benefícios para famílias e indivíduos de determinadas faixas etárias, por um tempo determinado, de forma vinculada ao cumprimento de certas condicionalidades. Os programas emancipatórios – Programa Oportunidade So-lidária, Capacitação Ocupacional e de Aprendizagem em Atividades de Utilidade Coletiva, Programa Central de Crédito Popular (São Paulo Confia) são voltados para o repasse de ativos, sob a forma de conhecimentos, crédito, e experiências tuteladas de trabalho e de ação cooperativa. O público destes programas foi priori-tariamente, embora não de forma exclusiva, o mesmo dos programas redistributivos. Os programas de desenvolvimento local – Programa de reestruturação produtiva e relações do trabalho e Programa Sistema de Alocação Pública do Trabalho – voltaram-se para o âmbito da geração de oportunidades de trabalho e renda e para a dinamização dos espaços e territórios, a partir do fortalecimento das cadeias pro-dutivas e da intermediação de negócios e de alocação de trabalhadores autônomos. Os dois programas que compunham este bloco estavam centrados no desenvolvi-mento das localidades, na perspectiva do desenvolvimento econômico sustentável.

O centro da estratégia é a combinação da transferência de renda com a ampliação da autonomia e das capacidades, enfatizando também o desenvolvimento local, com forte ênfase territorial. A complementaridade entre os três blocos de programas foi a grande aposta da SDTS, criada para o desenvolvimento das ações. Os programas emancipatórios priorizam o público dos programas redistributivos, e também os programas de apoio ao desenvolvimento local priorizam as regiões com maior concentração dos beneficiários dos programas redistributivos. Isto não quer dizer que sejam as mesmas pessoas beneficiadas em todos os programas, mas que se prioriza, no caso dos programas emancipatórios e de desenvolvimento, o público dos programas distributivos.

A estratégia de inclusão tem uma preocupação central com a dimensão dos ativos que os indivíduos possuem e que são necessários para a redução da condição de vulnerabilidade. Todo o desenho da estratégia sustenta-se nesta perspectiva básica, que enfatiza os ativos, a criação de capacidades e o fortalecimento de dimensões psicossociais mais positivas para o enfrentamento da exclusão. Os programas redistributivos concebem a transferência de renda como criação de empoderamento, na medida em que buscam reter crianças e jovens na escola ou propiciar formação profissional, por exemplo. São concebidos como necessários, mas insuficientes enquanto estratégia de saída da condição de pobreza. Daí advém a necessidade de sua articulação com os programas emancipatórios, orientados para fortalecimento da autonomia e das capacidades dos indivíduos. O Programa de Crédito Popular

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é um exemplo de um tipo de ação voltada para a criação de ativos, como também o Programa Bolsa Trabalho, com transferência de renda vinculada à realização de cursos e ações de fortalecimento das capacidades dos jovens. O foco nos ativos (capital financeiro, humano, social) permite atuar de forma preventiva para alguns jovens, sendo que o programa pode atuar como uma barreira para a queda na pobreza extrema e para se enfrentarem situações de grande e complexa vulnerabilidade.

Também é enfatizada a preocupação com os elementos menos tangíveis envolvidos nas situações de exclusão. No programa Operação Trabalho, por exemplo, o objetivo não era necessariamente a ocupação, uma vez que se buscou aliar capacitação para o trabalho e capacitação cidadã ao exercício de atividades concretas de âmbito comunitário e de utilidade coletiva. Para tanto, teria sido fornecida uma atenção especial aos que se encontram na situação de desemprego, a partir da valorização das habilidades básicas e da oferta de “estímulos sociais e psicológicos”, voltados para o enfrentamento das condições depressivas que geralmente acompanham os que se encontram envolvidos na condição de “quase exclusão do mercado de trabalho”. Uma especial atenção é dada, portanto, aos aspectos psicossociais decorrentes das situações de desemprego de longa duração, e uma preocupação clara é com a não culpabilização do indivíduo por sua condição de desempregado, o que é comum quando se focaliza exclusivamente a baixa escolaridade e a ausência de capacitação profissional como responsáveis em última instância por esta condição (POCHMANN, 2002, p. 125).

De forma distinta, mas apontando para um mesmo conjunto de questões, as ações do Oportunidade Solidária, por exemplo, buscavam o desenvolvimento de ações coletivas, centradas no empoderamento e fortalecimento do capital social, a partir de empreendimentos coletivos e desenvolvimento do protagonismo e das capacidades individuais e coletivas. O Programa São Paulo Confia, ao enfatizar a metodologia dos grupos solidários, baseia-se na confiança, sendo esta a matéria-prima que alimenta a metodologia dos grupos solidários e a política de microcrédito. Ao fomentar a criação e fortalecimento do capital social, enfatiza a confiança, a reciprocidade e a cooperação entre pessoas de uma mesma localidade que decidem tomar de forma conjunta um empréstimo para atividades de geração de renda.

Um primeiro ponto a ser destacado no que tange à dimensão da autonomia refere-se à efetividade das ações de capacitação para se viabilizar um efetivo empoderamento de uma população em condição de pobreza. Os programas emancipatórios, tendo como público prioritário os beneficiários dos programas redistributivos, buscavam criar condições para a ampliação das capacidades de resposta dos indivíduos, visando à emancipação em relação aos benefícios

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recebidos. Entretanto, diante de objetivos tão amplos, as ações efetivamente desenvolvidas concentravam-se, sobretudo, em ações de capacitação, ainda que tais ações estivessem marcadas por conteúdos mais abrangentes, que extrapolavam conteúdos mais específicos de uma formação profissional. A adoção de módulos que consideram questões tais como autoestima, cidadania, higiene e cuidados com o corpo e com a saúde são importantes e mesmo centrais para públicos em precárias condições de vida, mas isto pode ser pouco. Não se depreende, a partir do material examinado, uma proposta consistente e direcionada para atuar sobre as dimensões menos tangíveis da pobreza. Embora os cursos de formação incluam conteúdos ligados a aspectos menos tangíveis (autoestima, identidade, cidadania), isto não parece suficiente para inferir a existência de uma metodologia consistente e explícita de intervenção em tais campos. Que mudanças objetivas são buscadas? Como, por quais mecanismos, os cursos contribuem para isto? Dada a magnitude das carências e privações, estas informações podem significar e suscitar mudanças substantivas nas formas de vida e nas percepções dos indivíduos, mas sem dúvida são insuficientes para viabilizarem um efetivo empoderamento, capaz de emancipar as pessoas, permitindo-lhes trilhar um caminho diferente do da entrada e permanência nas condições de pobreza crônica.

O outro ponto a ser considerado aqui problematiza os limites de uma estratégia centrada no trabalho como eixo da incorporação social em uma sociedade sem empregos ou trabalho para todos. A estratégia de São Paulo busca dar uma resposta local a um problema criado por uma conjuntura internacional e nacional, e esta condição é estruturalmente determinante dos limites dos seus efeitos na alteração de mais longo prazo nas condições de pobreza no município.

A dimensão da autonomia, para um conjunto de pessoas em situação de intensa vulnerabilidade social, pode se constituir em uma meta ainda mais distante de ser alcançada, dado o esforço e a magnitude das ações e das transformações que devem ser processadas para que se possa efetivamente, e de forma realista, ter a expectativa da inclusão social. E esta inclusão – como mostram as entrevistas realizadas junto ao público dos programas por Campos (2004) – está fortemente ancorada, como representação social, na possibilidade de uma inserção no circuito da produção e do consumo, a partir de relações de trabalho e emprego, e não de caridade ou favor, ou de políticas assistenciais ou compensatórias.

Para se promover a autonomia efetiva são requeridas intervenções abrangentes e intensas, por longos períodos de tempo, a fim de que estas sejam capazes de produzir alterações duradouras, ainda que não seja simples definir qual o tempo adequado para tanto. A experiência de São Paulo não contou com esta condição. O tempo de intervenção não foi suficientemente longo para garantir a maturação e a consolidação da estratégia, e muito menos para provocar os resultados desejados. O legado de clientelismo e de políticas assistencialistas é muito presente mesmo em grandes centros urbanos como São Paulo (CAMPOS, 2004), e nesse sentido a

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promoção da autonomia encontra-se de antemão debilitada. Qualquer esforço no sentido de romper com esta barreira (caso da estratégia da SDTS) tem o mérito de buscar alternativas para os problemas detectados, ainda que não seja totalmente bem-sucedido quanto ao êxito da tarefa.

Quanto à dimensão da gestão intersetorial, é interessante que se recupere a estratégia de inclusão social de São Paulo, não apenas pelo seu conteúdo, que agrega benefícios monetários e não monetários, mas também porque permite identificá-la sob as lentes da perspectiva do governo relacional e multinível, ancorado nos eixos da intersetorialidade, da descentralização intraurbana e da participação. A quantidade de parceiros mobilizados para a gestão dos programas é significativa do esforço realizado para expandir a ação pública no município de São Paulo. São vários níveis de integração necessários para o desenvolvimento da estratégia. O primeiro nível de articulação é relativo à integração entre os nove programas; o segundo nível refere-se à articulação entre os diversos setores da política municipal; e o terceiro refere-se ao esforço de integração entre as diversas instâncias de governo, seja com o nível estadual e federal ou com os níveis local ou regional. Estas questões são importantes na identificação de alguns limites para a efetiva operacionalização de concepções como a intersetorialidade.

Para dar materialidade à perspectiva relacional que sustenta o programa, foram criadas instâncias coletivas, orientadas para gestão compartilhada (POCHMANN, 2003, p. 41-46). Foram formados diversos fóruns e comissões intersecretariais, envolvendo atores governamentais e não governamentais, do setor público e privado, para contribuir na implementação dos programas, seja na execução das ações, seja no seu acompanhamento, sob a forma de instâncias consultivas e/ou deliberativas. Entre os atores envolvidos há diversas secretarias e órgãos públicos municipais, universidades, centros de pesquisa, entidades de classe, associações diversas, sindicatos, bancos, organizações não governamentais (ONGs), associações comunitárias etc.19 Entretanto, sem desconsiderar o enorme

19. Em alguns programas, a magnitude da articulação pretendida fica evidente. As ações complementares para os bolsistas do Bolsa Trabalho e do Programa de Capacitação Ocupacional e Aprendizagem em Atividades de Utilidade Coletiva permitem verificar a neces-sária integração dos diversos setores e secretarias: o Bolsa Trabalho vincula o repasse de bolsas a ações de formação e à realização de atividades junto a diversas secretarias e empresas municipais, com ênfase no desenvolvimento de ações comunitárias e sociais. Alguns exemplos: jovens qualificados para prevenção e tratamento de DST/AIDS atuando como multiplicadores junto a outros jovens da comunidade; jovens capacitados para desenvolver ações para idosos no campo do transporte urbano; jovens formados em fotografia que atuam como multiplicadores de uma técnica de fotografia junto a professores do ensino fundamental (Pochmann, 2004, p. 82-83). No Programa de Capacitação estiveram envolvidas 11 secretarias municipais e cinco empresas públicas municipais, além de um grande número de entidades não governamentais, contando com mais de 50 instituições parceiras, configurando uma rede de abrangência nacional com ação no plano municipal e local, voltada para o tema da capacitação e da formação (Campos, 2004, p. 192). Também o Programa Operação Trabalho estabeleceu parcerias com todos os órgãos da prefeitura, que identificaram a possibilidade de abertura de 13.750 vagas de trabalho. As parcerias envolviam a elaboração de um plano de capacitação teórica e prática, com cronograma de execução e com termo de compromisso assinado entre os órgãos envolvidos. Estudos (Campos, 2004) apontam o reconhecimento de que o trabalho conjunto de diversas secretarias viabilizou a otimização dos custos, garantindo ações sem a necessidade de novos recursos financeiros; a perspectiva da descentralização favoreceu o fortalecimento das subprefeituras (chamadas na administração paulista de “governos locais”) na implementação dos programas e na busca das parcerias locais.

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esforço realizado para compatibilizar a atuação conjunta de tantas e tão distintas instituições, evidenciam-se questões não equacionadas de articulação no próprio material produzido pela SDTS (POCHMANN, 2002, 2003, 2004a), embora não apareça a discussão mais aprofundada sobre as causas das dificuldades ou uma análise de suas dimensões.20

Quanto ao tema do território, o foco orienta-se, principalmente, para a revitalização do tecido econômico e para o desenvolvimento de determinadas áreas territoriais da cidade. O centro da estratégia consiste em identificar nas regiões cadeias produtivas com maior capacidade de gerar empregos; com maior capacidade de inovação; atividades pouco desenvolvidas que requerem apoio do poder público para se expandirem (reciclagem, saneamento, tratamento de resíduos, biotecnologia etc.); atividades de bases tecnológicas e solidárias e atividades que apresentem melhores condições para exportação (POCHMANN, 2002, p. 200). Foram definidos alguns complexos de atividades nos setores na indústria, comércio e serviços, que receberam atenção para diagnóstico, acompanhamento e proposição de ações em termos de políticas públicas (POCHMANN, 2002, p. 201).

Como se pode perceber, a estratégia do programa apresenta um claro recorte econômico, tendo sido formulada com o objetivo de fomentar a economia regional e local, a partir do fortalecimento das ações de planejamento e coordenação, envolvendo os atores sociais da comunidade (“governo municipal e comunidade”) em ações para o desenvolvimento local. O desenho da estratégia prevê, em sua modelagem, uma gestão ativa dos territórios, buscando alterar as condições (ainda que apenas econômicas) aí existentes. Com estes dois programas, buscava-se dinamizar o tecido econômico e o mercado de trabalho local, visando ao fortalecimento dos territórios, e com isso percebe-se, na estratégia de São Paulo, uma preocupação com políticas territoriais e não apenas políticas territorializadas, o que significa que se busca alterar as condições dos territórios e não apenas as condições dos moradores. Quer dizer, o território é em si mesmo objeto de intervenção, quando se tenciona, nos programas de desenvolvimento local, a articulação dos agentes para a produção de maior dinamismo na economia e no mercado de trabalho locais.

A iniciativa de São Paulo buscava alterar as condições de vida do público beneficiado, mas também pretendia alterar os arcabouços institucionais, viabilizando procedimentos articulados de gestão. A aposta da SDTS foi articular

20. Com relação à integração das ações, foi apontada a necessidade de mais articulação e integração específica entre os programas desenvolvidos na SDTS e as secretarias municipais de educação, saúde e assistência, para encaminhamentos referentes a analfabetismo, doenças crônicas e benefícios da Loas (Pochmann, 2002, p. 121). Foi identificado, entre os beneficiados do Programa Começar de Novo, uma alta porcentagem de casos de analfabetismo e analfabetismo funcional, alcoolismo, hipertensão e doenças crônicas, sendo que o encaminhamento e o adequado atendimento destas demandas para as secretarias competentes (educação e saúde) ainda não havia sido equacionado.

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e desenvolver ações de forma intersetorial, contudo a mudança do comando do Executivo municipal, a partir de 2005, afetou fortemente a SDTS e a estratégia de intervenção, que não encontrou respaldo político na nova administração – algo infelizmente bastante comum nas políticas públicas no Brasil. Mudanças constantes, rupturas, descontinuidades, são fatores que podem significar expressivas perdas (de recursos financeiros, tempo e motivação das pessoas). E, o que é mais importante, comprometer o estabelecimento dos vínculos estáveis e pautados na confiança entre agentes públicos e beneficiários, minando as condições necessárias para uma estratégia exitosa de enfrentamento da pobreza.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dois programas considerados se desenvolvem em contextos metropolitanos e configuram estratégias locais que partem de visões abrangentes sobre pobreza, consideram o território como parâmetro para focalização e as famílias, unidades de intervenção, elencando a intersetorialidade e a participação enquanto elementos centrais de uma estratégia de inclusão social. Entretanto, diferem quanto à cobertura21 e escopo das ações, arranjos e processos institucionais para se viabilizar a intersetorialidade, e quanto ao uso do território como unidade de focalização ou objeto de intervenção.

Os critérios usados para identificação da população alvo das intervenções partiram do exame de índices multidimensionais, espacialmente considerados. Esta estratégia permitiu identificar territórios que seriam os focos das intervenções, bem como hierarquizar seu atendimento pelos programas. Embora o território seja uma categoria presente nas duas estratégias, não se tem, de forma evidente, propostas ou concepções que caminhem no sentido de fortalecimento da infraestrutura social.

A incorporação da unidade territorial, como instrumento de focalização ou como unidade de intervenção, está presente nos programas. Em Belo Horizonte, o Programa BH Cidadania está explicitamente direcionado para atuar sobre territórios de alta exclusão; em São Paulo, regiões caracterizadas por altíssima exclusão foram priorizadas para orientar as intervenções. Nos dois casos, mesmo não havendo uma referência explícita ao conceito, a noção de infraestrutura social

21. Quanto à cobertura, tem-se que de 2001 a 2004, em São Paulo foram atendidas mais de 323 mil beneficiários apenas nos programas de transferência de renda para famílias pobres com crianças de zero a 15 anos. O Programa Bolsa Trabalho atendeu a 63.471 beneficiários e o Começar de Novo a 58.925. O Programa Operação Trabalho atendeu a 20.553 beneficiários. Apenas nos programas redistributivos, foram atendidos no período 466.741 beneficiários, e no total dos nove programas, a 490.401 beneficiários, sem dupla contagem. No Programa Oportunidade Solidária foram atendidos 19,2 mil beneficiários (Pochmann, 2004, p. 141). O volume de atendimento alcançado pelos nove programas é expressivo. É quase meio milhão de famílias, mais de 2 milhões de pessoas atingidas direta ou indiretamente, cerca de 20% da população atual, envolvendo repasse de recursos da ordem de 1 bilhão de reais (Pochmann, 2004, p. 106). Não estão disponíveis dados equivalentes para o Programa BH Cidadania, mas em 2004 eram 4.365 famílias atendidas e 20.224 crianças em atividades no contraturno escolar. Em 2007 eram 14 NAFs implantados e 20 mil famílias atendidas. A previsão é que até 2012 sejam construídos mais sete NAFs, atendendo a um conjunto de 55 mil famílias, ou 220 mil pessoas (http://www.conasems.org.br/files/dia29/Mesa4BeloHorizonteMarceloMourao.pdf. Acesso em março 2010).

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está subentendida. Ela se manifesta na preocupação de se disponibilizarem serviços e equipamentos que possam funcionar como apoios às famílias dos territórios, nos seus esforços de melhorar os padrões de convivência comunitária (áreas de recreação e lazer, serviços de apoio às famílias em situação de risco, como são os núcleos de apoio – NAFs – do BH Cidadania). A dimensão das ações comunitárias é mais evidente no caso de Belo Horizonte, porque elas estão centradas nas atividades desenvolvidas pelos NAFs, que priorizam propostas socioeducativas e comunitárias, mas não se percebe uma estratégia explícita de intervenção no sentido deste fortalecimento, ou um marco conceitual consistente que possa guiar a intervenção. Somente na segunda fase do programa de Belo Horizonte (que se inicia em 2005-2006) a dimensão urbana entra como parte da estratégia de intervenção, o que traz como aposta o fortalecimento do território enquanto unidade de intervenção, articulando-se ações sociais no meio urbano.

Na experiência de São Paulo, o território aparece apenas como locus de articulação de cadeias produtivas, e da dinamização da vida econômica, sob a égide do desenvolvimento econômico local. Entretanto o território, ao ser considerado sob a perspectiva da infraestrutura social, demanda uma outra ordem de prioridades, que não são evidentes nos casos considerados. A rede de serviços frágil e inadequada e as precárias condições da infraestrutura urbana em um conjunto expressivo de territórios e “pedaços” das cidades permite evidenciar os limites das estratégias de inclusão. A ausência de equipamentos e espaços públicos dos quais as pessoas e grupos das comunidades periféricas possam se apropriar foi salientada pelos agentes de ambos os programas. A criação de redes e malhas de solidariedade e de integração em comunidades degradadas passa, necessariamente, por uma adequada provisão de bens e serviços de bem-estar, o que inclui equipamentos e espaços de uso comunitário capazes de possibilitar a socialização e a interação social. Estes elementos, por sua vez, são fundamentais para o alcance de empreendimentos baseados na cooperação, no estabelecimento de redes e na confiança e disposição para trabalhos conjuntos de longo prazo.

Nas duas experiências tem-se o esforço de criar espaços e mecanismos de uma gestão intersetorial das políticas de inclusão.22 Além da articulação no âmbito do governo e suas áreas setoriais, as experiências, tanto de São Paulo quanto de Belo Horizonte, demandavam um envolvimento significativo dos serviços, e portanto dos técnicos que atuavam na ponta, isto é, nas estruturas descentralizadas do poder

22. Foram organizados, no nível central de cada administração municipal, o fórum intersecretarias e empresas municipais (São Paulo) e o grupo de trabalho e a câmara intersetorial (Belo Horizonte), para a construção da gestão articulada dos programas, que contavam com a participação das demais secretarias para sua efetivação. A execução de grande parte dos programas nas duas cidades tinha, como visto, o pressuposto fundamental do envolvimento direto de diferentes secretarias, instâncias ou níveis de governo, organizações e atores diversos da sociedade civil para a execução das ações e a consecução dos objetivos das estratégias de intervenção. As duas secretarias responsáveis pelos programas (SMPS em Belo Horizonte, e SDTS em São Paulo) eram “enxutas”, contando com relativamente poucos técnicos, o que exigia que a execução das ações fosse feita pelas secretarias e demais organizações públicas, governamentais ou não governamentais.

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público e da sociedade civil. Tanto em Belo Horizonte quanto em São Paulo as experiências de descentralização intramunicipal são recentes e não é irrisório o esforço que ainda precisa ser feito para dotar os governos locais (em São Paulo) ou as regionais (em Belo Horizonte) dos elementos necessários para se efetivar uma gestão estratégica e com resultados mais efetivos. Entre estes elementos destacam-se os recursos financeiros, humanos, materiais e técnicos úteis na identificação das necessidades e problemas e no oferecimento de respostas adequadas. A fragilidade da capacidade institucional é um elemento inibidor da viabilidade do desenho da estratégia, pautado por uma gestão flexível e coordenada entre vários atores governamentais e não governamentais. A ênfase na participação e na articulação horizontal e multinível demandam estruturas e processos de gestão ainda não plenamente desenvolvidos, que permitam a deliberação e a tomada de decisão entre atores situados em campos distintos da ação pública. A perspectiva da intersetorialidade aponta para a necessária articulação com os níveis estadual e federal de governo. Embora tenha sido feito um esforço considerável no sentido de fortalecer a gestão intersetorial, não se pode afirmar como esta estratégia foi de fato implementada, e com que resultados.

Os elementos geralmente presentes na definição da intersetorialidade envolvem o compartilhamento de recursos, responsabilidades e ações e, de forma mais radical, exigem que os objetivos, estratégias, atividades e recursos de um setor sejam considerados a partir dos objetivos, estratégias e recursos de outros setores, como aponta Cunil Grau (2005). Alterações deste tipo não se processam de uma hora para outra e nem se realizam facilmente, dadas as resistências de se incorporarem lógicas específicas às políticas existentes e a heterogeneidade de interesses e visões que as sustentam. O desenvolvimento de ações sociais depende de uma multiplicidade de atores (organizações governamentais, ONGs com perfis diversos, conselhos, associações, entidades filantrópicas e religiosas etc.) que apresentam visões diferentes sobre os problemas e sobre os meios para enfrentá-los. Isto requer processos de negociação e de decisão mais custosos e demorados, o que torna mais complexa a elaboração e implementação das ações. A fragmentação das burocracias públicas e as disputas que alimentam suas engrenagens também são características ou condicionantes das políticas sociais e inserem desafios cuja superação é importante, principalmente para que se efetive a diretriz da intersetorialidade.

Outro ponto a ser enfatizado quanto às estratégias de intervenção examinadas refere-se não ao território ou à estrutura intersetorial de gestão, mas ao conteúdo da intervenção e ao peso dado à promoção da autonomia como objetivo da intervenção. Sem dúvida existe nos desenhos da intervenção uma preocupação central com a dimensão dos ativos e da criação de capacidades e de atenção aos aspectos menos tangíveis da pobreza. Este ponto é mais evidente no caso de São

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Paulo, cuja estratégia é mais centrada nas questões de trabalho, escolarização, qualificação e formação profissional. Como foi dito, os programas redistributivos concebiam a transferência de renda como criação de empoderamento, na medida em que buscavam reter jovens na escola ou propiciar formação profissional, por exemplo. No caso de Belo Horizonte, a atenção aos ativos produtivos, relacionados ao trabalho e renda, não foi enfatizada. Entretanto, tem-se uma ênfase nas relações familiares, com as ações do NAF (e de outros equipamentos como a casa de brincar) orientadas para as dinâmicas intrafamiliares e para o fortalecimento dos laços aí estabelecidos. Esta dimensão não encontra espaço na estratégia de São Paulo. A atenção às relações comunitárias, relativas ao aspecto da organização social, também é mais presente no desenho do BH Cidadania, embora este programa careça ainda de um consistente marco conceitual, operacionalizado em objetivos, metas e indicadores, de forma a permitir uma compreensão mais clara das transformações desejadas neste âmbito.

Um ponto importante a ser ressaltado em relação à autonomia refere-se à necessidade de se atuar tanto na dimensão da subjetividade e nos aspectos mais propriamente relacionais quanto na dimensão das estruturas de oportunidades. No campo das estruturas de oportunidades, a realização da autonomia demanda um investimento intenso, bancado pelo poder público, a fim de se viabilizarem oportunidades de trabalho e renda para um público que já não tem lugar no mercado. Mantendo-se as condições do mercado de trabalho e as dinâmicas atuais neste campo, as chances de incorporação dos pobres por esta via estão fortemente comprometidas. Sem mudanças estruturais no mercado de trabalho (alterações na estrutura de oportunidades) que possibilitem a inserção de milhares de jovens e adultos neste universo, não é possível buscar, de forma consistente e realista, emancipação ou autonomia. Estas condições tornam os programas de transferência de renda compensatórios, sem condições de propiciarem de fato a autonomia ou a independência dos indivíduos frente aos benefícios e transferências. A transferência de renda, estratégia que tem se generalizado no campo da proteção social, não é suficiente para promover esta condição de autonomia. No caso de São Paulo, os programas redistributivos concebiam a transferência de renda como criação de empoderamento, na medida em que buscavam reter jovens na escola ou propiciar formação profissional, por exemplo. Entretanto, o tempo para o recebimento do benefício é pequeno e pode ser insuficiente para propiciar alterações substanciais nas condições de vida de indivíduos e famílias extremamente pobres. Políticas de transferência de renda são insuficientes principalmente se não vierem acompanhadas de um outro conjunto de políticas universais, que garantam efetivamente o acesso a serviços públicos de qualidade, e se não forem acopladas a alternativas reais e sustentáveis de inserção produtiva e de geração de renda e a outras medidas de caráter estrutural. A estruturação de sistemas de proteção

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mais compreensivos, com maior cobertura e intensidade protetora, parece ser uma condição básica para uma atuação estratégica no enfrentamento da pobreza.

Na dimensão da subjetividade, tem-se que sem a alteração das dimensões menos tangíveis, as marés cheias, quando e se vierem, não serão capazes de tirar da pobreza um contingente expressivo de pessoas, uma vez que a pobreza se caracteriza por privações de ordem não apenas material, embora estejam ancoradas, fortemente, na privação de renda e de ativos diversos. Recuperando a noção de empoderamento como algo contingente das relações entre os planos específico e geral, tem-se a centralidade das estruturas de oportunidades abertas pelos agentes públicos que tornam viável ou não o fortalecimento da capacidade dos indivíduos de fazerem escolhas e de transformarem tais escolhas em atos e resultados.

E, por último mas não menos importante, saliente-se que, embora seja reconhecido o papel do âmbito local de gestão para a expansão e a ampliação da democracia e para maior efetividade da ação governamental, há dúvidas sobre as possíveis implicações negativas quanto ao ganho de autonomia do nível local. Sem entrar neste debate, sem dúvida importante, parece suficiente sinalizar que a fragmentação e o ganho em proximidade que advêm com a revalorização do nível local de gestão são acompanhados, em outro nível, pela redução da perspectiva universalizante presente na provisão central ou nacional de bens e serviços de proteção social. Quer dizer, embora o nível local de gestão possa ser mais adequado para capturar demandas e responder a elas, a perspectiva igualitária e universalizante da produção de políticas é um atributo das políticas centrais, que devem garantir equidade e a efetivação de direitos, para além da autonomia do âmbito local de gestão.

Mais uma vez a solução pode estar no equilíbrio da combinação entre duas dimensões: i) ações desenvolvidas pelo nível local, atentas às especificidades dos problemas e capazes de adotarem formas de provisão de serviços com maior grau de interação; e ii) ações do nível nacional, que viabilizem maior igualdade e a garantia de direitos sociais básicos. As experiências de São Paulo e Belo Horizonte, exemplos de iniciativas locais de inclusão social, são fundamentais para viabilizarem a proximidade com as demandas e problemas e para aumentarem as chances de respostas mais adequadas a elas. Entretanto, uma atuação estratégica para enfrentamento da pobreza exige políticas desenvolvidas por outros níveis de governo e que se situam, inclusive, fora do âmbito específico das políticas sociais.

Somente inserindo a problemática da pobreza no centro da questão social, como algo que diz respeito ao conjunto das políticas públicas e não apenas às políticas sociais, entendida como uma questão que deve ser equacionada pelos distintos níveis de governo e setores da sociedade, é que se materializa o tratamento coletivo e estratégico da pobreza. Somente inserindo a questão da pobreza no

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marco de um ordenamento social mais justo e, portanto, menos desigual, é que se pode esperar seu efetivo enfrentamento ou superação.

Para além de uma ação irrefletida que caracteriza o trabalho infindável de Sísifo – levar a pedra ao alto da montanha para vê-la cair novamente –, e transcendendo o sonho de Prometeu – trazer o conhecimento aos homens, roubando-o dos deuses –, somos nós, nos espaços de diálogo e de prática social, que podemos estabelecer a conexão necessária entre conhecimento e ação, e com isso contribuir para a construção de novas possibilidades humanas, para a conformação de um mundo que esteja ao alcance de nossos esforços, no qual a pobreza não seja paisagem (TELLES, 2001).

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QUAL A RELAÇÃO ENTRE DESIGUALDADE DE RENDA E NÍVEL DE RENDA PER CAPITA? TESTANDO A HIPÓTESE DE KUzNETS PARA AS UNIDADES FEDERATIVAS BRASILEIRAS*

Fernando Henrique Taques**

Caio Cícero de Toledo Piza da Costa Mazzutti***

O objetivo deste trabalho é investigar se há uma relação direta entre desigualdade de renda e nível de renda per capita para as unidades federativas brasileiras no período entre 1995 e 2008. A hipótese de Kuznets (1955), também conhecida como hipótese do U invertido, sugere uma correlação positiva, a curto prazo, entre desigualdade de renda e nível de renda per capita, que seria revertida no longo prazo, configurando uma relação U invertido entre desigualdade de renda e nível de renda per capita. Este trabalho utiliza econometria de dados de painel e dois indicadores de desigualdade de renda – coeficiente de Gini e L de Theil – para testar essa relação empiricamente. Os resultados obtidos indicam que há pouco suporte empírico para a hipótese do U invertido de Kuznets.

Palavras-chave: Curva de Kuznets; Desigualdade; Dados de Painel; U invertido.

WHAT IS THE RELATIONSHIP BETWEEN INCOME INEQUALITY AND LEVEL OF INCOME PER CAPITA? TESTING FOR A KUzNETS HYPOTHESIS OF THE BRAzILIAN STATES

This paper aims to investigate the relationship between income inequality and level of income per capita looking at the Brazilian states from 1995 to 2008. The Kuznets hypothesis (1955), also known as inverted-U hypothesis, suggests a short run positive correlation between inequality and income per capita. Such relationship would tend to be reverted in the long run therefore configuring an inverted-U correlation between those two variables. This paper makes use of a panel data at the level of Brazilian states as well as two measures of income inequality, the Gini coefficient and Theil-L indexes, to test empirically this relationship. According to results, the inverted-U hypothesis is weakly supported by the data.

Keywords: Kuznets Curve; Inequality; Panel Data; Inverted-U.

* Os autores agradecem a Priscilla Albuquerque Tavares pelas valiosas contribuições e também aos dois pareceristas anônimos da PPP. Quaisquer erros remanescentes são de responsabilidade dos autores.

** Mestrando em Economia pelo PEPGEP/PUC-SP. Endereço eletrônico: [email protected]

*** Doutorando em Economia pela EESP/FGV-SP. Endereço eletrônico: [email protected]

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¿CUÁL ES LA RELACIÓN ENTRE DESIGUALDAD DE INGRESOS Y NIVEL DE RENTA PER CÁPITA? PRUEBAS DE HIPÓTESIS DE KUzNETS DE LOS ESTADOS BRASILEñOS

El objetivo de este estudio es investigar si existe una relación directa entre la desigualdad de ingresos y la renta per capita para los estados de Brasil entre 1995 y 2008. La hipótesis de Kuznets (1955), también conocido como la hipótesis de la U invertida, sugiere una correlación positiva en el largo plazo, formando una relación de U invertida entre la desigualdad del ingreso y el ingreso per capita. Este trabajo utiliza datos de panel econométricos y dos indicadores de desigualdad de ingresos, el coeficiente de Gini y Theil L, para probar esta relación empíricamente. Los resultados indican que hay poco apoyo empírico para la hipótesis de la U invertida de Kuznets.

Palabras clave: Kuznets; Desigualdad; Panel Econométricos; U invertida.

QUEL EST LE LIEN ENTRE INéGALITé DU REVENU ET NIVEAU DE REVENU PAR HABITANT? ESSAI POUR UN HYPOTHÈSE DE KUzNETS DES éTATS DU BRéSIL

L’objectif de cette étude est de chercher des preuves de la relation directe entre l’inégalité des revenus et la revenus par habitant pour les états du Brésil entre 1995 et 2008. L’hypothèse de Kuznets (1955), également connu comme en U-inversé hypothèse suggère une corrélation positive dans le court terme des inégalités de revenus et la revenus par habitant serait renversé, dans le long terme, en donnant la forme d’un U-inversé des inégalités de revenus et la revenus par habitant. Ce étude utilise l’économétrique de données de panel et avec l’utilisation des indicateurs de Gini et Theil L, pour tester cette relation empirique. Les résultats indiquent que ya peu de données empiriques pour soutenir l’hypothèse de l’U-inversé de Kuznets.

Mots-clés: Kuznets; Inégalités; Donnés de Panel; U-inversé.

INTRODUÇÃO

As discussões sobre a relação entre nível de renda per capita (uma proxy para de-senvolvimento econômico) e desigualdade de renda tiveram maior repercussão no debate econômico após a publicação dos trabalhos pioneiros de Simon Kuznets nos anos 1950 e 1960. A partir de então, diversos estudos e métodos foram elaborados com o intuito de mensurar a desigualdade de renda, tanto para países desenvolvidos como para países em desenvolvimento.1

A relação entre crescimento econômico e desigualdade de renda ainda é tema de controvérsia no debate econômico atual. Alguns estudos como o de Deinin-

1. O interesse na hipótese de Kuznets ainda não desapareceu completamente e, hoje –, esta hipótese é frequentemente testada à luz de novos dados e procedimentos estatísticos (AGHION e DURLAUF, 2006).

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163Qual a relação entre desigualdade de renda e nível de renda per capita?

ger e Squire (1996a, 1998), Ravallion e Chen (1997), Easterly (1999) e Dollar e Kraay (2002) sugerem que o crescimento econômico não está relacionado a altos níveis de desigualdade de renda. Em contrapartida, outros autores postulam que a desigualdade de renda está relacionada ao crescimento econômico, conforme os trabalhos de Alesina e Rodrick (1994) e Alesina e Perotti (1996).

Deve-se enfatizar que a maioria desses trabalhos assume o nível de renda per capita como um indicador de desenvolvimento econômico. Dessa forma, a corre-lação verificada entre nível de renda per capita e desigualdade de renda conduziu o debate para a relação entre desenvolvimento econômico e desigualdade de renda. Com as evidências apresentadas nos trabalhos de Kuznets, por exemplo, passou-se a acreditar que os países com baixo grau de desenvolvimento tenderiam a verificar maior nível de desigualdade de renda a curto prazo e que tal relação tenderia a se reverter à medida que tais países galgassem as etapas necessárias para atingir níveis mais elevados de renda per capita.

Contudo, para Sen (2000), a mensuração do desenvolvimento econômico deve levar em conta as variáveis socioeconômicas como, por exemplo, o acesso à educação, a disponibilidade de serviços de saneamento e saúde, bem como a expectativa de vida. As variáveis unicamente relacionadas à renda seriam insufi-cientes para medir o nível de desenvolvimento econômico.2

Anand e Ravallion (1993 apud SEN, 2000, p. 61) constataram, por exemplo, que a expectativa de vida apresenta correlação positiva com a renda per capita, principalmente quando há efeito do crescimento econômico sobre a renda dos pobres e também quando há maiores dispêndios do Estado com serviços de saúde. Como resultado, os autores concluíram que não há evidências de que um aumento na expectativa de vida aumentaria a renda per capita, mas, sim –, que esta relação tenderia a ser maior quando houvessem gastos na área de saúde e redução no nível de pobreza.

Utilizar-se-á a terminologia desenvolvimento econômico como sinônimo de nível de renda per capita apenas com o propósito de ser condizente com a literatura que motivou este trabalho.

Fields (2002), por exemplo, alerta que a desigualdade de renda pode ser definida em termos absolutos ou relativos. A desigualdade absoluta, por exemplo, olha para a distância interquartil da renda, ao passo que a desigualdade relativa é mensurada pela proporção da renda das classes da população (razões entre quartis de renda, por exemplo).

Este trabalho segue o que tem sido a abordagem padrão nessa literatura e adota medidas de desigualdade relativas. Uma das justificativas para tal es-

2. Para mais detalhes sobre a discussão da dimensão do desenvolvimento econômico, ver Sen (2000).

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colha reside no fato de as medidas absolutas serem diretamente afetadas pelo crescimento econômico.

Dessa forma, o objetivo deste trabalho é investigar como a desigualdade de renda e o nível de renda per capita se relacionaram no período entre 1995 e 2008. O estudo investiga essa relação a partir de um painel dos estados brasileiros (mais o Distrito Federal) e utiliza duas medidas de desigualdade de renda como uma forma de testar a robustez dos resultados.

Os estudos que testaram a hipótese de Kuznets foram elaborados com distintas abordagens econométricas. Pode-se destacar os trabalhos de Paukert (1973) e Ahluwalia (1974, 1976a), com o método de cross-section, Anand e Kanbur (1993), Brenner, Kaelble e Thomas (1991) e Deininger e Squire (1998), em séries de tempo e, para o método de dados em painel, Fields e Jakubson (1994), List e Gallet (1999) e Mushinski (2001). A motivação do uso de metodologias distintas refere-se ao fato dos estudos utilizarem indicadores distintos (para mensurar tanto a desigualdade quanto o crescimento econômico) e à limitação do método econo-métrico: em ambos os casos, os resultados podem levar a conclusões equivocadas.3

Outros autores testaram a hipótese do U invertido com dados referentes ao Brasil. Entre estes, citam-se os trabalhos de Barros e Gomes (2007), Porto Júnior et al. (2007), Bêrni, Marquetti e Kloeckner (2002), Bagolin, Gabe e Ribeiro (2004) e Salvato et al. (2006).

Bêrni, Marquetti e Kloeckner (2002) sugerem que a utilização de dados para períodos maiores de tempo e as diversas medidas de desigualdade de renda e desenvolvimento econômico conferem maior poder explicativo aos estudos. Neste sentido, o diferencial deste trabalho em relação a outros estudos é a utilização dos métodos de especificação de pooled cross-section, dados em painel (efeitos fixo e aleatório) e primeira diferença para os dados referentes aos estados brasileiros. Este trabalho também adiciona dummies para os estados com IDH alto (SP, RJ, DF e SC) para prevenir as estimativas da presença de outliers.

O trabalho está dividido em cinco seções, além desta introdução e da conclusão. A primeira parte apresenta o referencial teórico da hipótese de Kuznets. Na segunda são listados trabalhos empíricos tanto internacionais quanto nacionais. Na terceira seção são descritos os dados e as motivações empíricas. Na quarta são descritos os modelos econométricos utilizados para testar a validade da hipótese do U invertido para os estados brasileiros no período proposto. Por fim, a quinta parte é destinada a análise empírica dos resultados estimados para os modelos econométricos.

4. Fields (2002) assevera que o padrão do U invertido em cross-section não depende unicamente do crescimento econômico, mas também de fatores históricos, políticos e culturais.

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165Qual a relação entre desigualdade de renda e nível de renda per capita?

1 A HIPÓTESE DE KUzNETS – ARCABOUÇO TEÓRICO

Um dos primeiros trabalhos que relaciona a desigualdade de renda e desenvolvi-mento econômico foi elaborado por Simon Kuznets (1955). A partir deste, surgiram diversos outros com interesse em estudar a relação entre o nível de crescimento econômico e a desigualdade de renda, bem como estudar a relação da desigualdade com o crescimento econômico.4 Vale a pena mencionar que o propósito de boa parte desses estudos é estimar uma relação empírica entre as duas variáveis em questão. Nesse sentido, na maioria dos trabalhos voltados à investigação do U invertido, não há uma preocupação direta com a estimação do efeito causal do desenvolvimento sobre a desigualdade (e vice-versa), assim como não há um modelo teórico que sugira o conjunto de regressores que devam ser incluídos no modelo econométrico.5

A relação que ficou conhecida na literatura econômica como a hipótese do U invertido de Kuznets, como o próprio autor define, surgiu, na verdade, de um estudo que contém 5% de informações empíricas e 95% de especulação (KUZ-NETS, 1955, p. 26).

Em Economic Growth and Income Inequality (1955), Simon Kuznets utilizou um modelo dual com um setor agrícola e outro não agrícola – moderno e dinâmico – com o intuito de analisar a relação entre desigualdade de renda e o crescimento econômico. A suposição é que a desigualdade de renda se elevaria a curto prazo e, com o crescimento econômico, reduziria-se, configurando um U invertido.6

Com a transferência de população de um setor para outro – do tradicional agrícola para o moderno industrializado –, a desigualdade de renda aumentaria, pois este setor mais dinâmico também é mais próspero e desigual. Isto se daria pela diferença de rendas da população de ambos os setores, que podem ser observadas por meio da renda per capita média industrial, da participação da renda setorial em relação à renda total e da desigualdade nas participações populacionais, que tendem a ser superiores no setor urbano em relação ao setor rural (SALVATO et al., 2006; JACINTO e TEJADA, 2004; BARRETO, JORGE NETO e TEBALDI, 2001).

Supondo, então, um fluxo migratório da população rural para a região urbana, ceteris paribus, haveria um aumento na desigualdade de renda devido ao migrante obter uma renda inferior à população já estabelecida. A curva de Kuznets seria configurada pela alteração do estado estacionário7 da economia para uma economia dinâmica.

5. Fields (2002) apresenta uma série de estudos que relacionam a desigualdade de renda ao crescimento econômico.

6. A literatura sobre determinantes do crescimento, por exemplo, tem sugerido que os modelos são flexíveis o suficiente para aco-modar um grande número de variáveis de controle (o que Durlauf, Kourtellos e Tan chamam de open-ended), e que a estimação do efeito causal é muito dificultada devido à presença de viés de simultaneidade e dos problemas decorrentes de erros de medida (ver DURLAUF, KOURTELLOS e TAN, 2005).

7. Cabe ressaltar que a hipótese de Kuznets não sugere o formato de um U simétrico, de forma tal que o nível de desigualdade no longo prazo não seria o mesmo do período anterior à industrialização em virtude da área urbana ser mais desigual do que a área rural (BARROS e GOMES, 2007).

8. Situação na qual as variáveis crescem a uma taxa constante (BARRO e SALA-I-MARTIN, 1999).

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GRÁFICO 1Representação da curva de Kuznets

Fonte: Elaboração dos autores.

Inicialmente, o setor moderno demandaria mais mão de obra qualificada, até o ponto em que esta demanda começaria a decair, em virtude do excesso de profissionais qualificados. Este fato acarretaria a redução dos salários e, con-sequentemente, a demanda por trabalhadores com habilidades. Sendo assim, concomitantemente à queda na demanda por profissionais qualificados, haveria um aumento na demanda por trabalhadores sem qualificação e, por conseguinte, o mesmo fenômeno seria observado para os trabalhadores não qualificados (TO-DARO e SMITH, 2002).

Com o crescimento econômico impulsionado pela industrialização, a maioria da mão de obra estaria alocada no setor industrializado, configurando uma melhor distribuição dos rendimentos. A redistribuição mais igualitária seria obtida com a concentração de poupança, em decorrência da menor participação na renda dos indivíduos já estabelecidos no meio urbano (SALVATO et al., 2006).

Esse fenômeno seria explicado pelo fato de a capacidade de auferir renda ser superior nos residentes das áreas urbanas do que em indivíduos originários das áreas rurais, e também pelo aumento, ao longo do tempo, da eficiência dos trabalhadores (BARROS e GOMES, 2007). Segundo Kuznets, a desigualdade de renda se concentraria nos estágios iniciais de desenvolvimento econômico e, posteriormente, haveria maior igualdade na distribuição da renda.

A seção seguinte apresentará uma breve revisão empírica de estudos que verificaram uma relação de U invertido entre a desigualdade de renda e o desen-volvimento econômico.

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167Qual a relação entre desigualdade de renda e nível de renda per capita?

2 A HIPÓTESE DE KUzNETS – REVISÃO EMPÍRICA

O estudo elaborado por Kuznets teve por objetivo verificar se a desigualdade na distribuição de renda aumentava ou diminuía com o nível de renda do país e quais fatores determinavam o comportamento destas variáveis.

Quanto aos dados, Kuznets atenta às classificações em distintas classes de renda com tamanhos variados e às limitações decorrentes da falta de dados para períodos longos. Utilizando uma base de dados referente aos Estados Unidos, Reino Unido e uma limitada amostra para a Alemanha (Prússia e Saxônia), o au-tor sugere que uma distribuição de renda relativa, medida por meio da incidência de renda anual entre as classes, revelou um movimento de maior igualdade na década de 1920, apresentando-se também evidências no período anterior ao da Primeira Guerra Mundial.

Para os Estados Unidos, a desigualdade de renda diminuiu nos anos en-tre a crise de 1929 e o período pós-Segunda Guerra Mundial. Por sua vez, no ao Reino Unido, a desigualdade de renda diminuiu entre 1910 e 1947. Na Prús-sia, a desigualdade de renda aumentou ligeiramente entre 1875 e 1913, ao passo que, na Saxônia, a redução da desigualdade entre 1880 e 1913 ocorreu em menor proporção. Para a Alemanha, como um todo, a desigualdade de renda declinou acentuadamente a partir de 1913, seguindo até 1920. Segundo Kuznets, este cenário se deu pela dizimação das grandes fortunas e pelos maiores rendimentos das classes mais baixas de renda (obtidos durante a Segunda Guerra e decorrentes da alta inflação). Todavia, o autor ressalta, ainda –, que houve aumento da desigualdade durante a década de 1930.

Fields (2002) assevera que a literatura seguiu duas segmentações após os estudos de Kuznets: uma direcionada para os modelos que observaram o padrão de U invertido a partir do nível desenvolvimento econômico, e outra que utilizou bases empíricas para corroborar – ou não – a hipótese de Kuznets.

O autor ainda faz algumas ponderações sobre a hipótese do U invertido. A primeira diz respeito ao fato de que a desigualdade tende a aumentar inicialmente e depois decair e não que certamente se eleva e depois decai, como alguns podem pensar erroneamente. O segundo ponto se refere ao fato de que não é apenas a taxa de crescimento econômico ou o nível de desenvolvimento econômico que determi-na se o grau de desigualdade de renda se altera, pois existem outras variáveis que podem influenciar a desigualdade, tais como: a natureza básica do sistema econô-mico, a estrutura de produção, a composição da pauta de exportações, os padrões regionais, a estrutura empregatícia, a distribuição de terra e capital, o estágio de desenvolvimento do mercado de capitais, o nível e a desigualdade da distribuição de capital humano e a distribuição de renda social etc. (FIELDS, 2002, p. 69-70).

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Em suma, parece haver consenso na literatura internacional mais recente (a partir dos anos 1980) que não se pode associar o crescimento econômico a um padrão determinado de desigualdade, pois a (não) verificação da hipótese de Kuznets é decorrente do método econométrico utilizado e da base de dados (se composta por países (regiões) desenvolvidos(as), subdesenvolvidos(as), como renda média alta ou baixa). Assim, não se pode afirmar que haja relação sistemática entre crescimento, por si só, e desigualdade de renda, sendo esta última determinada por vários fatores associados ao crescimento como o sistema econômico, a composição das exportações, a estrutura de mercado de trabalho, o estágio de desenvolvimento do mercado de capitais, entre outros (BARRETO, 2005; FIELDS, 2002 apud ARAúJO, 2007).

Alesina e Rodrik (1994) estudaram a relação entre políticas e crescimento econômico por meio de um modelo de crescimento endógeno em que se verifica um conflito distributivo entre os agentes com distintas dotações de capital e trabalho. Para os autores, quanto maior a desigualdade da renda e da riqueza, maior será a taxação sobre a renda e, por conseguinte, menor será o crescimento. O resultado empírico mostrou que tanto a desigualdade de terra quanto a concentração da renda são negativamente correlacionadas ao crescimento econômico.

Para Glaeser (2005), as políticas incentivadas pelo setor público como o avanço da industrialização, o aumento da mão de obra industrial em detrimento da agrícola, ou mesmo o investimento em capital humano podem contribuir no crescimento econômico e na redução da desigualdade.

Alesina e Perotti (1994 apud SNOWDON e VANE, 2005, p. 557-558) advertem que vários mecanismos são causadores da relação negativa entre a desigualdade de renda e o subsequente crescimento econômico. Primeiro, cita-se o acesso limitado dos mais pobres ao investimento em capital humano. Assim, uma vez que os indivíduos mais pobres utilizam-se de seus próprios recur-sos para financiar sua educação, estes investimentos poderiam aumentar a taxa de formação de capital humano e, por conseguinte, o crescimento econômico. O segundo aspecto se refere aos efeitos de desincentivos e distorções da intro-dução de uma tributação a partir de uma política de redução da desigualdade. Neste caso, a queda na desigualdade reduziria os incentivos dos investidores através da tributação, reduzindo desta forma o nível crescimento econômico. Outros autores justificam que a desigualdade pode ser prejudicial para o cres-cimento. Benabou (1996) e Rodríguez (1999b) asseveram que “Inequality can be harmful for growth either because redistribution is actually growth enhancing or because it has other indirect effects on growth’’ apud RODRÍGUEZ, 2000, p. 5. Por fim, o terceiro mecanismo é decorrente da elevada desigualdade, que conduz os agentes a praticarem rent seeking, corrupção e atividades criminosas, contribuindo na redução do investimento e no produto.

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169Qual a relação entre desigualdade de renda e nível de renda per capita?

Ray (1998), a partir dos dados de Deininger e Squire (1996) para 57 países (organizados em ordem crescente de renda per capita),8 revela que o valor dos rendimentos dos 40% mais pobres representa, em média, cerca de 15% da renda total, ao passo que os 20% mais ricos concentram cerca de metade da renda. Neste sentido, observa-se o padrão de U invertido para a faixa de renda dos 20% mais ricos; por sua vez, o padrão de U normal é verificado para os 40% mais pobres.

GRÁFICO 2Participação na renda dos 40% mais pobres e dos 20% mais ricos para os dados de Deininger e Squire (1996) e World Development Report (1995)

Fonte: Ray (1998).

Uma série de estimativas foi elaborada para testar a hipótese do U invertido. Os métodos de cross-section e séries de tempo foram amplamente utilizados nos estudos das décadas seguintes à sugestão de Kuznets, porém suas limitações foram apontadas por diversos autores. Desta forma, como alternativa, a estimativa em dados de painel tem sido amplamente utilizada e apresenta resultados estatistica-mente mais representativos.

Fields (2002) cita os estudos de Williamson e Lindert (1980) e Williamson (1985), nos quais o padrão do U invertido foi encontrado, respectivamente, para os Estados Unidos e para a Grã-Bretanha para séries de tempo. Contudo, estudos como o de Dumke (1991) e Thomas (1991) não apresentaram o mesmo padrão para a Alemanha e para a Austrália, respectivamente. Para o método de cross-section, diversos estudos foram realizados tanto para países desenvolvidos quanto para países em desenvolvimento, tais como Kuznets (1966), Adelman e Morris (1973), Ahluwalia (1974, 1976a), Chenery e Carter (1975).

12. Ray (1998, p. 23-24) apresenta os países e seus respectivos valores de renda per capita e a participação correspondente nos grupos de renda.

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QUADRO 1 Evidências empíricas para a hipótese de Kuznets

Autor Método Período Nível de análise Resultados

List e Gallet (1999)

Séries de tempo para um modelo com polinômio de terceiro grau para o índice de Gini em função da renda per capita

Entre 1961 e 1992

Amostra de 71 paísesNão corrobora o U invertido

Brenner, Kaelble e Thomas (1991)

Séries de tempo para desigualdade em função da renda per capita

Entre 1880 e 1970

Amostra de 13 países desenvolvidos

Corrobora o U invertido para a Suécia

Anand e Kanbur (1993)

Séries de tempo para diversos índices de desigualdade em função da renda

Entre 1958 e 1972

Amostra de 100 paísesNão corrobora o U invertido

Paukert (1973)Cross-section para a desigualdade de renda (índice de Gini) em função do PIB per capita

Entre 1951 e 1969

Amostra de 56 países, sendo 40 em desenvol-vimento

Corrobora o U invertido

Ahluwalia (1976b)

Cross-section para desigualdade em função da renda per capita

Entre 1958 e 1972

Amostra de 60 países, sendo 14 desenvolvidos, 40 subdesenvolvidos e 6 da Europa Oriental (dummies)

Corrobora o U invertido

Deininger e Squire (1998)

Cross-section para um modelo com a desigualdade em função da renda per capita

Entre 1960 e 1990

Amostra de 108 países desenvolvidos e em desenvolvimento

Corroba o U invertido para 10% da amostra

Fields e Jakubson (1994)

Pooled Cross-section e dados de painel – efeito fixo para um modelo quadrático com o índice de Gini em função da renda per capita

Dados de períodos distintos

Amostra de 20 países

Corrobora o U invertido para o método de pooled cross-section

Ravallion (1995)Dados de painel para um modelo com o índice de Gini em função do consumo médio per capita

Dados da década de 1980

Amostra de 36 países

Corrobora o U invertido, mas não revelou significância estatística

Thorton (2001)Dados de painel para um modelo quadrático para o índice de Gini em função do Ln do PIB

Entre 1960 e 1990

Amostra de 96 paísesCorrobora o U invertido

Fonte: Elaboração dos autores.

No método de cross-section, geralmente há maior desigualdade de renda em países com renda média do que em países mais ricos ou mais pobres, o que tende a reproduzir o U invertido para estes países com renda média (FIELDS, 2002). Contudo, a variação de renda explica apenas uma pequena fração de variação de desigualdade de renda. Como exemplo, o autor cita o caso da América Latina, onde os países apresentam maior desigualdade em relação a outros países em desenvolvi-mento, o que pode representar maior significância estatística quando variáveis de desigualdade são acrescidas no modelo. Sobre este método, Ahluwalia comentou que

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171Qual a relação entre desigualdade de renda e nível de renda per capita?

dados de cross-section são particularmente úteis para os presentes propósitos porque revelam a pos-sibilidade de identificação de padrões uniformes que caracterizam o problema em diferentes países. Identificar tais uniformidades auxilia no estabelecimento de médias a partir das quais os níveis de desigualdade observados em países específicos podem ser comparados (1974 apud BÊRNI, MARQUETTI e KLOECKNER, 2002 p. 6).

Nesse sentido, o padrão do U invertido em cross-section surge em decorrência do método econométrico utilizado, de míninos quadrados ordinários, e pela maior desigualdade de renda em países com renda média. Por sua vez, a estimação de efeitos fixos – dados em painel – tende a não configurar a hipótese do U invertido.

Observação similar é feita por Snowdon e Vane (2005, p. 557), ao concluírem que “The relationship between inequality and GDP per capita shows up in both time series and cross-sectional data as an inverted U-shaped relationship’’. Pensamento similar é formulado por Ray (1998, p. 207): “A deeper problem with cross-section studies is one we have already noted: by pooling different countries and running a regression, the implicit assumption is made that all counties have the same inequality-income relationship’’.

Ao selecionar dados de países desenvolvidos e países em desenvolvimento, Fields e Jakubson (1994) admitem que certos países podem estar acima ou abaixo da média da curva de Kuznets. Sendo assim, a linha central, que seria a curva média dos países, poderia ser estimada por meio da metodologia de efeitos fixos.9 Os resultados dos autores foram distintos, de acordo com o método econométrico utilizado, e a diferença pode ser explicada a partir da observação dos resultados entre países e em um único país.

A relação entre desigualdade de renda e crescimento econômico pode se feita por meio de quatro aspectos, segundo Barro (2000 apud BARROS e GOMES, 2007): i) as imperfeições do mercado de crédito, que afetariam negativamente os mais pobres por meio das imperfeições do mercado e das limitações institucionais, que gerariam crescimento econômico e reduziriam a desigualdade de renda; ii) as decisões do eleitor mediano, que tende a ser pobre e, por consequência, votaria em candidatos com políticas mais igualitárias de renda; iii) as distorções nas taxas de poupança, que poderiam reduzir o ritmo de crescimento da economia; e, por fim, iv) as tensões sociais, que reduziriam a produtividade e o crescimento econômico, o que poderia fazer com que o Estado transferisse recursos para os mais pobres de maneira tal que a desigualdade seria reduzida.

9. Fields (2001) observa que o método de OLS é inconsistente se as observações dos fatores dos países apresentarem correlação, em contrapartida, o método de especificação dos efeitos fixos apresentaria homocedasticidade.

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2.1 Evidências empíricas para o Brasil

Com relação à literatura brasileira que verificou a hipótese de Kuznets, podemos destacar os trabalhos de Barros e Gomes (2007), Porto Júnior et al. (2007), Bêrni, Marquetti e Kloeckner (2002), Bagolin, Gabe e Ribeiro (2004) e Salvato et al. (2006).

QUADRO 2Evidências empíricas para a hipótese de Kuznets para o Brasil

Autor Método Período Nível de análise Resultados

Barros e

Gomes

(2007)

Cross-section com modelo para-

métrico para os índices de Gini e

L de theil em função da renda per capita e da razão entre a população

urbana e a população total como

proxy para urbanização

Censos decenais

de 1991-2000Municípios brasileiros

Algumas especificações

corroboraram o U inver-

tido e outras não, mas

todas apresentaram fraco

poder explicativo

Porto Júnior

et al. (2007)

Cross-section e dados de painel

para o índice de Gini em função da

renda per capita linear e quadrática

Censos decenais

de 1991 e 2000

Estados da região

Sul do Brasil (Santa

Catarina, Rio Grande

do Sul e Paraná)

Corrobora o U invertido

para o Paraná

Bêrni,

Marquetti

e Kloeckner

(2002)

Cross-section com modelo não-

paramétrico para o índice L de Theil

em função da renda per capita

setorial-desigualdade, tanto para a

renda agropecuária quanto indus-

trial e setor de serviços e densidade

demográfica municipal como variá-

vel explicativa da desigualdade

Censo decenal

1990

Municípios do Rio

Grande do Sul

Corrobora o U invertido

quando inclusiva a variá-

vel explicativa densidade

demográfica municipal

para alguns municípios. O

modelo para a renda in-

dustrial também corrobora

o U invertido

Salvato et al.

(2006)

Cross-section e dados de painel

(efeito fixo e aleatório) da desigual-

dade (índice de Gini e L de Theil)

em função da renda municipal per capita

Censos decenais

de 1991-2000

Municípios de Minas

Gerais

Corrobora o U invertido

em cross-section (1991)

e efeitos fixos para

ambos indicadores de

desigualdade

Bagolin,

Gabe e

Ribeiro

(2004)

Cross-section e dados de painel da

desigualdade (L de Theil) em função

da renda per capita

Anos de 1970,

1980 e 1991

Municípios do Rio

Grande do Sul

Corrobora o U invertido

em cross-section para

1970 e efeitos fixos, mas

as trajetórias são específi-

cas para cada município

Fonte: Elaboração dos autores.

Nas estimativas de Porto Júnior et al. (2007) para cross-section, a renda per capita linear e quadrática foram utilizadas como medidas com o intuito de captar alterações direcionais na distribuição da renda conforme esta au-menta. Para dados em painel, os autores constataram que, para o Rio Grande do Sul, a estimação com efeitos fixos sugere que o desenvolvimento inicial foi

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173Qual a relação entre desigualdade de renda e nível de renda per capita?

superado e que a desigualdade de renda não é mais tão elevada, se comparada ao estado do Paraná.

Bêrni, Marquetti e Kloeckner (2002) verificaram a hipótese do U invertido de Kuznets em cross-section para os municípios do Rio Grande do Sul. A partir de um modelo com método não paramétrico10 de regressão local, utilizaram a densidade demográfica municipal e a relação renda per capita setorial-desigual-dade tanto para a renda agropecuária quanto para a industrial e para o setor de serviços. Os resultados corroboraram o U invertido proposto por Kuznets, mas apenas para alguns municípios (quando inclusa a variável explicativa densidade demográfica municipal) e também no modelo com a variável renda per capita industrial.

Sobre o estudo de Salvato et al. (2006), cabe ressaltar que os autores ob-servaram um R2 baixo para todas as estimativas em cross-section, o que revela o baixo poder explicativo da renda na explicação da variância da desigualdade. Outro ponto relevante diz respeito à instabilidade da desigualdade de renda no período. Os autores sugerem que tal instabilidade pode estar associada a dife-rentes trajetórias de desenvolvimento entre os municípios devido a estruturas econômicas distintas.

3 DESCRIÇÃO DOS DADOS

Os dados utilizados na análise se referem a todos os estados do Brasil, além do Distrito Federal, no período entre 1995 e 2008. Com isso, o estudo conta com 378 observações ao longo dos 14 anos.

Os dados de desigualdade de renda (índice de Gini e índice L de Theil), renda per capita (valores em reais de 1o de outubro de 2008) e do índice de desen-volvimento humano (IDH) foram obtidos junto ao banco de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipeadata) e ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A título de ilustração, observando-se unicamente as variáveis de desigualdade de renda ao longo do tempo, separadamente, pode-se notar um formato de U invertido no período analisado, para ambos os indicadores.

14. Método utilizado para estimar curvas e superfícies por alisamento dos dados, desenvolvido por Cleveland (1979) e Cleveland e Devlin (1988). Maiores informações em Bêrni, Marquetti e Kloeckner (2002).

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GRÁFICO 3 Índice de Gini para os estados brasileiros (1995-2008)

GRÁFICO 4 Índice L de Theil para os estados brasileiros (1995-2008)

Fonte: Ipeadata e IBGE.Elaboração dos autores.

Fonte: Ipeadata e IBGE.Elaboração dos autores.

GRÁFICO 5Relação entre o índice de Gini e a renda per capita para os estados brasileiros (1995-2008)

GRÁFICO 6 Relação entre o índice L de Theil e a renda per capita para os estados brasileiros (1995-2008)

Fonte: Ipeadata.Elaboração dos autores.Obs.: Valores da renda per capita expressos em R$ de outubro de 2008.

Fonte: Ipeadata.Elaboração dos autores.Obs.: Valores da renda per capita expressos em R$ de outubro de 2008.

Como os modelos desenvolvidos para testar a hipótese de Kuznets (1955) consideram a relação entre um indicador de desigualdade em relação a uma variável de renda, aparentemente, para os estados brasileiros, no período analisado, há a configuração de um U normal e não de um U invertido, independentemente dos indicadores de desigualdade utilizados.

Observa-se, ainda, que a renda per capita média de todos os estados e do Distrito Federal é influenciada, principalmente, pelas unidades da federação que obtêm maiores níveis de renda. A mesma variação pode ser verificada nos indicadores de desigualdade de renda, particularmente no índice L de Theil, que apresenta valores extremos (muito superiores ou inferiores em relação à média), de tal forma que podem levar a conclusões precipitadas. Deste modo, a adoção de algum critério que distribua os estados em grupos é importante para testar com maior precisão a hipótese do U invertido.

Alternativamente, este trabalho propõe como critério a utilização de um indicador que contemple todos as unidades federativas (UFs) brasileiras e que as

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175Qual a relação entre desigualdade de renda e nível de renda per capita?

classifique em grupos. O indicador proposto é índice de desenvolvimento humano11 (IDH), que considera as variáveis educação, longevidade e renda em seu cálculo.12 Os dados utilizados neste trabalho têm como base a classificação dos estados para o ano de 2000, sendo distribuídos de acordo com o quadro 3.

QUADRO 3Classificação dos estados brasileiros conforme o IDH 2000

IDH Alto Distrito Federal, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo

IDH MédioAcre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins

Fonte: Ipeadata.

Elaboração dos autores.

Outra forma de visualizar graficamente o U invertido, conforme a teoria é Kuznets, é na relação entre a variação da renda per capita e a variação do índice de Gini. Neste caso, há a formação do U invertido, mas apenas para as UFs que apresentaram IDH médio, conforme a classificação de 2000. Este resultado reforça o fato de que a divisão das UFs em grupos pode resultar em conclusões distintas.13

GRÁFICO 7Relação entre o Ln do índice de Gini e o Ln da renda per capita para os estados brasileiros com IDH médio

Fonte: Ipeadata e IBGE.

Elaboração dos autores.

15. “O objetivo da elaboração do Índice de Desenvolvimento Humano é oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento”. Fonte: Portal do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Disponível em: <http://www.pnud.org.br/idh/>.

16. Conforme o PNUD, a classificação do IDH é elaborada da seguinte forma: para índices entre 0 e 0,499, o desenvolvimento humano é considerado baixo, entre 0,500 e 0,799 é considerado médio, e entre 0,800 e 1 é considerado alto. Fonte: Portal do PNUD. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=531&lay=pde>.

17. Este procedimento foi adotado por autores que realizaram análises entre países ao utilizarem dummies para classificar um conjunto de países como os da América Latina ou países socialistas. Maiores informações em Fields (2002).

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A distribuição das unidades federativas do Brasil em grupos tem como intui-to especificar os modelos econométricos que serão mostrados na próxima seção. A seguir, serão apresentadas as especificações e, posteriormente, os resultados econométricos para os modelos com dummies de ano e para as UFs com IDH alto.

4 PROCEDIMENTOS ECONOMéTRICOS

As estimativas aqui propostas utilizam as variáveis renda per capita em sua forma linear e quadrática, como medida de nível de renda per capita, e os índices de Gini e L de Theil para mensurar a desigualdade de renda, para todos os métodos econométricos. Considera-se, ainda, nas estimações, os modelos com especificações log-log e semi-log.

4.1 Cross-section

A estimação em cross-section pode ser obtida por meio do método de mínimos qua-drados ordinários (OLS).14 Neste caso, o modelo apresenta a seguinte especificação:

onde, D é a medida de desigualdade, Y é a renda per capita, 2Y a renda per capita em sua forma quadrática, e i se refere à unidade federativa do Brasil analisada. É desejável que o termo iε , erro aleatório ou idiossincrático, não apre-sente correlação com as variáveis explicativas.

Para a proposta do U invertido, as hipóteses devem apresentar a configuração:

, para U invertido, e para U normal.

Salvato et al. (2006) atentam para o fato de que o método de cross-section é limitado por ignorar diferenças históricas particulares de cada estado em suas trajetórias de crescimento e desigualdade de renda. Esta omissão poderia gerar erros na obtenção do U invertido. Sendo assim, a utilização da estimação de dados em painel, apresentada na próxima seção, é relevante por considerar especificações inerentes a cada estado.

4.2 Dados em painel

A estimação de dados em painel considera as observações em diferentes instantes de tempo, sendo a função do tipo:

onde, D é a medida de desigualdade, Y é a renda per capita, 2Y a renda per capita ao quadrado, t o indicador do tempo e i se refere à unidade da federação

14. Além do método de OLS, adotado neste trabalho, a estimativa pode ser elaborada por mínimos quadrados generalizados (GLS).

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analisada. Sendo aleatório, a equação pode ser estimada por OLS ou POLS.

A regressão de dados em painel pode utilizar o método de efeitos fixos (FE) ou aleatórios (RE). A estimativa de efeitos fixos consiste no controle de variáveis omitidas quando estas variam entre observações, mas não ao longo do tempo (STOCK e WATSON, 2004). Sua forma funcional é do tipo:

onde e a variável omitida iγ captam os fatores não observados que variam entre os estados, mas são constantes ao longo do tempo. Podem ser citados, como exemplo, os detalhes geográficos de cada estado, o nível de educação da população ou a idade média da população (estas últimas duas variáveis sendo aproximadamente constantes), ou, ainda, fatores econômicos setoriais. O termo de perturbação (ou erro idiossincrático) representa fatores que variam ao longo do tempo e afetam , mas não são observados. Stock e Watson (2004) atentam-se ainda à hipótese adicional do modelo de efeitos fixos, nos quais os erros não podem apresentar correlação ao longo do tempo e entre estados, sendo condicionais aos regressores. No modelo FE, procura-se estimar uma variável não observada ( iγ ), que varia entre os estados, mas é constante ao longo do tempo.

Na estimativa de efeitos aleatórios, as variáveis são constantes entre observa-ções, mas variam ao longo tempo. Sua forma funcional é dada por:

onde, tδ é a variável omitida, que varia ao longo do tempo, mas é constante entre os estados. Se tδ for correlacionado com , sua omissão resultará em viés da variável omitida. Se tδ for correlacionado com os demais regressores, ou seja, se

, a estimativa via OLS deixa de ser eficiente. Neste caso, a estimativa por GLS seria eficiente (STOCK e WATSON, 2004).

Alguns autores utilizam a denominação de within para a estimativa de efeitos fixos e FGLS15 para efeitos aleatórios. Para a definição de qual dos modelos adotar, entre FE e RE, aplica-se o teste de Hausman, que visa comparar a eficiência entre estes dois modelos. A hipótese nula é de que não há correlação entre itε e as va-riáveis explicativas no modelo de RE, ou seja, que este modelo é consistente e as diferenças nos coeficientes não são sistemáticas. Portanto, se rejeitada a hipótese nula, o modelo FE é mais consistente que RE.

Outro modelo a ser estimado é o de primeiras-diferenças (FD). Conside-rando que a variação do erro idiossincrático não é correlacionada com as variáveis

15. Feasible Generalized Least Squares (Mínimos quadrados generalizados fáctivel): pondera as variáveis pelo desvio-padrão, resultando em resíduos mais consistentes.

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explicativas, para ambos os períodos, nesta estimativa, cada variável é diferenciada ao longo do tempo (WOOLDRIDGE, 2006). A equação FD é do tipo:

onde, é a variação do período t para t = 1. Sendo iγ não observado, não aparece na equação devido à diferenciação.

Na próxima seção, serão apresentados os resultados dos modelos POLS, RE, FE e FD, respectivamente, com a finalidade de testar se a hipótese de Kuznets foi ou não corroborada para as estimativas propostas.

5 RESULTADOS

Nesta seção serão apresentados os resultados dos modelos econométricos, inclusive com as classificações sugeridas. Os modelos estimados utilizam os métodos de POLS, FE, RE e FD. Primeiramente, serão discutidos os resultados dos modelos tendo o coeficiente de Gini como variável dependente e, posteriormente, para o índice L de Theil. Para que o U invertido seja caracterizado, espera-se que

0: 10 >βH e 02 <β .

TABELA 1Regressões com variáveis em nível – Gini (variável dependente)

Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4Variáveis independentes POLS RE FE FD

Constante 0,661 0,651 0,641 0,0771

Renda per capita -0,00031 -0,00021 -0,00021 0,0001

Renda per capita^2 1,50e-071 1,18e-071 -0,00021 2,53e-081

Dummies de ano? Sim Sim Sim Sim

Dummies IDH? Sim Sim Sim Sim

R2 0,6257 0,6005 0,6008 0,5688

Observações 378 378 378 351

U invertido? Não Não Não NãoElaboração dos autores.

Obs.: Modelos estimados com erros padrão robustos.

Nota: 1 Estatisticamente significante a 1%.

Nota-se que, para o índice de Gini, as quatro estimativas não revelam o formato de U invertido. Em todos os modelos, exceto de primeiras-diferenças, os resultados foram estatisticamente significantes a 1%.

Pode-se notar, ademais, que, nas quatro estimações, os valores do coeficiente de significância (R2) foram elevados, distintamente dos resultados obtidos por Salvato et al. (2006). Parte do maior poder explicativo pode ser atribuído à inclusão das dummies nas especificações.

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179Qual a relação entre desigualdade de renda e nível de renda per capita?

TABELA 2Regressões com especificação log-log – Gini (variável dependente)

Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4Variáveis independentes POLS RE FE FD

Constante 0,24 -0,87 -1,10 -0,13 1

Ln Renda per capita -0,16 0,19 0,26 -0,83 2

(Ln Renda per capita)^2 0,005 -0,02 -0,028 0,08 2

Dummies de ano? Sim Sim Sim Sim

Dummies IDH? Sim Sim Sim Sim

R2 0,60 0,57 0,57 0,54

Observações 378 378 378 351

U invertido? Não Sim Sim NãoElaboração dos autores.

Obs.: modelos estimados com erros padrão robustos.

Nota: 1 Estatisticamente significante a 1%.2 Estatisticamente significante a 5%.

Em contrapartida, nas especificações que consideram as variáveis em Ln, ain-da para o índice de Gini, os resultados foram divergentes. Neste caso, os modelos de efeitos fixo e aleatório sugerem o formato do U invertido, mas os resultados não foram estatisticamente significantes. Apenas o modelo de primeiras-diferenças demonstrou significância estatística.

Para verificar qual dos modelos, RE ou FE, é mais consistente, utiliza-se o teste de Hausman. Tendo em vista que a hipótese nula do teste de Hausman supõe que o termo de erro da regressão não está correlacionado com a variável explicativa invariante no tempo, no modelo que utiliza o índice de Gini como dependente e as variáveis explicativas em Ln não se rejeita a hipótese nula; logo, o teste de Hausman sugere que o modelo RE fornece resultados mais eficientes que FE.

Uma das vantagens da especificação log-log é que os coeficientes podem ser interpretados diretamente como elasticidades. De acordo com o modelo 4, o efeito marginal do log natural da renda sobre o log natural do Gini é dado por:

Utilizando os dados da tabela A.1 (ver anexo), é possível calcular a elasticidade para o valor da renda média para cada um dos anos e para cada estado separadamen-te. Tomando o logaritmo natural do valor da renda per capita média de 2008, tem-se que a elasticidade renda da desigualdade para o estado do Rio Grande do Norte (RN) seria relativamente baixa, aproximadamente igual a -0,83+0,08*ln(467,76), ou -0.34. Assim, um aumento da renda per capita equivalente a 10%, o que não é pouco, reduziria a desigualdade de renda no estado do RN no ano de 2008 em

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pouco mais de 3%. Isso significa que a desigualdade mensurada pelo Gini, no estado de RN, no ano de 2008, seria próxima a 0,53 e não 0,55.

Em virtude de as estimativas do modelo 4 terem sugerido um formato de U normal, deve-se ter em mente que haverá um ponto de inflexão na relação entre desigualdade e renda e que, a partir da tal ponto, a elasticidade renda da desigualdade passa a ser positiva. Utilizando novamente RN como exemplo, é possível descobrir qual o nível de renda per capita a partir do qual a elasticidade passa a ser positiva. Igualando a expressão acima a zero, obtém-se o ponto crítico de interesse, ou seja, uma renda per capita superior a 32.048,32 (exp (ln10.375), tenderia a elevar a desigualdade no estado do RN.

As estimativas a seguir utilizam o índice L de Theil como variável depen-dente. O objetivo deste exercício é testar a robustez dos resultados discutidos há pouco. Como será visto adiante, os resultados dão algum suporte ao U invertido e sugerem que as estimativas e evidências estão sujeitas ao indicador de desigualdade utilizado na análise.

TABELA 3Regressões com variáveis em nível – L de Theil (variável dependente)

Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4Variáveis independentes POLS RE FE FD

Constante 1,001 0,901 0,831 0,0861

Renda per capita -0,00091 -0,00071 -0,00042 0,0011

Renda per capita^2 4,64e-071 2,73e-071 1,85e-073 -4,30e-072

Dummies de ano? Sim Sim Sim Sim

Dummies IDH? Sim Sim Sim Sim

R2 0,49 0.29 0,29 0,15

Observações 378 378 378 351

U invertido? Não Não Não SimElaboração dos autores.

Obs.: modelos estimados com erros padrão robustos.

Nota: 1 Estatisticamente significante a 1%.2 Estatisticamente significante a 5%. 3 Estatisticamente significante a 10%.

Apesar da significância estatística das estimativas, apenas o modelo em pri-meira diferença dá algum suporte à hipótese do U invertido. Talvez isso se deva ao fato de o modelo estar estimando, aproximadamente, a correlação entre a variação percentual da renda per capita e a variação percentual da desigualdade medida pelo L de Theil, visto que a diferença de uma variável em log é aproximadamente igual à sua variação percentual. Neste caso, o coeficiente da primeira diferença da variável renda per capita informaria a variação do Gini em pontos percentuais decorrente de um aumento de um ponto percentual na renda per capita.

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181Qual a relação entre desigualdade de renda e nível de renda per capita?

A não rejeição da hipótese nula no teste de Hausman sugere que as estima-tivas dos modelos com efeitos fixos e aleatórios não divergem estatisticamente. Portanto, o modelo de efeito aleatório é preferível ao modelo de efeito fixo por prover estimativas mais eficientes.

Por sua vez, no modelo com a especificação log-log, a configuração do U invertido foi verificada tanto nos modelos de efeitos aleatórios quanto de efeitos fixos, mas apenas neste último os resultados tiveram significância estatística para os dois coeficientes do log natural da renda per capita.

TABELA 4Regressões com especificação log-log – L de Theil (variável dependente)

Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4

Variáveis independentes POLS RE FE FD

Constante 1.8 -2.91 -3.983 -0.121

Ln Renda per capita -0.42 1.07 1.363 0.43

(Ln Renda per capita)^2 0.009 -0.113 -0.132 -0.003

Dummies de ano? Sim Sim Sim Sim

Dummies IDH? Sim Sim Sim Sim

R2 0.49 0.3 0.3 0.15

Observações 378 378 378 351

U invertido? Não Sim Sim SimElaboração dos autores.

Obs.: modelos estimados com erros padrão robustos.

Nota:1 Estatisticamente significante a 1%.2 Estatisticamente significante a 5%. 3 Estatisticamente significante a 10%.

Novamente, a hipótese nula não é rejeitada no teste de Hausman, assim como no modelo em log, tendo o índice de Gini como variável dependente.

De forma geral, os resultados obtidos sugerem que as evidências empíricas para uma relação de U invertido entre nível de renda e desigualdade dependem do índice de desigualdade utilizado. Nesse caso, os resultados apresentados falharam nos testes de robustez, além de terem exaltado a dificuldade de se chegar a alguma conclusão (ou fato estilizado) referente à relação investigada neste trabalho.

As estimações ainda sugerem que, ao contrário de diversos trabalhos, o método de cross-section não corroborou o U invertido. Além disto, os modelos foram sensíveis ao indicador de desigualdade de renda e também ao próprio método econométrico, conforme sugere a literatura empírica (AHLUWALIA, 1974; FIELDS, 2002; BARRETO, 2005). Por sua vez, a inclusão das dummies contribuiu para o maior poder explicativo das especificações.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicialmente, este trabalho buscou citar diversos estudos que testassem a hipótese proposta por Simon Kuznets (1955). Por meio de estimativas distintas, alguns deles corroboraram e outros rejeitaram a hipótese do U invertido, isto é, de que a desigualdade de renda se eleva e posteriormente se reduz, em estágios de desen-volvimento mais elevados.

A análise compreendeu todos os estados do Brasil e o Distrito Federal, no período entre 1995 e 2008. Foram utilizados os métodos de dados combinados, dados em painel (efeito fixo e efeito aleatório) e primeiras diferenças. A escolha de dois indicadores de desigualdade de renda – índice de Gini e índice L de Theil – e a utilização do Ln destes índices teve como intuito auferir maior robustez aos modelos estimados. Com o mesmo propósito, foi elaborada a classificação das UFs em IDH médio e IDH alto, para auferir maior precisão aos modelos, conforme foi demonstrado nos resultados.

As evidências empíricas, estimadas por meio de várias formas funcionais, revelaram, de forma geral, que não há evidências empíricas para a hipótese de Kuznets. Apenas para o índice L de Theil, nos modelos de primeiras diferenças, em nível, e, para efeitos fixos, em logaritmo natural, os resultados foram estatisti-camente significantes e favoráveis ao U invertido. A inclusão das dummies ainda contribuiu para o maior poder explicativo às estimativas.

Os resultados obtidos sugerem que, no Brasil, durante o período analisado, mesmo com a adoção de diversos programas de transferência de renda (tais como: Bolsa Escola, Auxílio Gás, Bolsa Família, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação, entre outros), o nível de renda per capita e a (des)igualdade de renda caminham na mesma direção a curto prazo, ao passo que, a longo prazo, aparentemente divergem.

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A MATRIz ELéTRICA NO ESTADO DO PARÁ E SEU POSICIONAMENTO NA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVELFabrício Quadros Borges*

DésIrée Moraes Zouain**

O objetivo deste trabalho é analisar o posicionamento estratégico da matriz elétrica do Pará na promoção do desenvolvimento sustentável no estado, tendo em vista que a segurança energética e as questões ambientais são determinantes em termos de competitividade. Neste sentido, o estudo pretende questionar quais transformações a matriz elétrica paraense deve sofrer para favorecer o desenvolvimento sustentável no estado. O estudo apresenta uma proposta de matriz elétrica para 2020, baseada nos resultados fornecidos por equações matemáticas quanto à proporcionalidade de participação de cada fonte de geração de eletricidade. A nova matriz ainda se caracterizaria por ser de base hídrica, porém se propõe uma participação atuante das fontes da biomassa e solar.

Palavras-chave: Matriz Elétrica; Desenvolvimento Sustentável; Fontes de Energia; Meio Ambiente; Estado do Pará.

MATRIX POWER IN THE STATE OF PARÁ AND ITS POSITION IN THE PROMOTION OF SUSTAINABLE DEVELOPMENT

The purpose of this study is to analyze the strategic positioning of the energy matrix of Para State in promoting sustainable development in the State, where energy security and environmental issues are crucial in terms of competitiveness. In this sense, this study intends to ask what changes can be done in the Para State energy matrix to encourage sustainable development in the region. The study contributes to the modification of the energy matrix positioning of the Para State through a proposed electricity matrix for 2020, based on results provided by mathematical equations as the proportionality of participation of each source of electricity generation in the State. The new matrix is characterized by being water-based, but proposes an active involvement of the biomass and solar energy sources.

Key words: Electrical Matrix; Sustainable Development; Energy Sources; Environment; Para State (Brazil).

POWER MATRICE DANS I`éTAT DU PARÁ ET SA POSITION DANS LA PROMOTION DU DéVELOPPEMENT DURABLE

Le but de cette étude est d’analyser le positionnement stratégique de la matrice énergétique de l’Etat du Para (Brésil), à la promotion du développement durable dans l’État, où la sécurité énergétique et les questions environnementales sont cruciales en termes de compétitivité. En ce sens, cette étude se propose de demander à ce que les changements de la matrice énergétique de l’État du Para doit souffrir avec l’intention d’améliorer leur position par la promotion du développement durable dans la région.

*. Professor de desenvolvimento ambiental do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Pará. e-mail: [email protected]

**. Professora de tecnologia nuclear e gestão de tecnologia e inovação da Universidade de São Paulo (USP). e-mail: [email protected]

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Enfin, l’étude contribue à la modification de la stratégie de la matrice énergétique de l’État du Para à travers d’une matrice électrique proposée pour 2020, fondées sur les résultats fournis par les équations mathématiques comme la proportionnalité de la participation de chaque source de production d’électricité dans l’État. Le nouveau tableau est caractérisés par leur base d’eau, mais propose une participation active des sources de biomasse et le solaire.

Mots-clés: Matrice Électrique; Développement Durable; Sources d’Énergie; Environnement; État du Para (Brésil).

MATRIX DE ENERGÍA EN EL ESTADO DE Y PARÁ SU POSICIÓN EM LA PROMOCIÓN DEL DASARROLLO SOSTENIBLE

El propósito de este estudio es analizar el posicionamiento estratégico de la matriz energética de Pará en la promoción del desarrollo sostenible en el estado, donde la seguridad energética y el medio ambiente son fundamentales en términos de competitividad. En este sentido, este estudio se propone solicitar a los cambios que la matriz energética Para que sufrir la intención de mejorar su posición en la intención de fomentar el desarrollo sostenible en el estado. El estudio contribuye a la modificación de la situación energética de Pará electricidad a través de una matriz propuesta para el año 2020, con base en los resultados proporcionados por las ecuaciones matemáticas como la proporcionalidad de participación de cada fuente de generación de electricidad en el estado. La nueva matriz también se caracteriza por ser a base de agua, sino que propone una participación activa de las fuentes de biomasa y solar.

Palabras-clave: El Poder de Matrix; El Desarrollo Sostenible; Fuentes de Energía; De Medio Ambiente; El Estado de Pará

1 INTRODUÇÃO

A matriz elétrica compreende a disposição futura, de modo quantificado e ordenado, das diversas formas de geração de eletricidade disponibilizadas aos processos produtivos em um determinado contexto espacial, e tem o objetivo de servir de instrumento para se estabelecerem políticas de uso estratégico da energia. Em vista disso, este insumo tem sido tratado como um bem de natureza estratégica que envolve dimensões econômicas, sociais, ambientais e tecnológicas. As condições de disponibilidade de energia elétrica em quantidade, qualidade e custos competitivos determinam a capacidade das sociedades de assegurarem determinado padrão de vida. Este padrão, porém, muitas vezes depende da utilização de fontes de eletricidade causadoras de significativos impactos ao meio ambiente, considerando-se que lançam gases na atmosfera que provocam o efeito estufa e contribuem para o aquecimento global. Diante deste cenário, a necessidade de transformação da matriz elétrica representa hoje um dos maiores desafios da agenda energética internacional.

No mundo, os investimentos em energias renováveis, como a eólica, a solar e a biomassa, ao longo de 2007, registraram crescimento de 60% em relação ao ano anterior, com US$ 148 bilhões aplicados no setor (PNUMA, 2007). Ainda assim,

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189A matriz elétrica no estado do Pará e seu posicionamento na promoção do desenvolvimento sustentável

as emissões de gases oriundas de fontes energéticas nunca foram tão expressivas. As emissões de gases que causam o efeito estufa correspondem a 49 bilhões de toneladas de CO

2 lançadas todos os anos na atmosfera. Destas, aproximadamente

26 bilhões estão vinculadas à produção de energia elétrica (IPCC/ONU, 2007). Em face das crescentes preocupações com o meio ambiente, os países que melhor posicionarem suas matrizes elétricas, por intermédio da utilização de fontes de baixo impacto ambiental e de baixo custo, terão vantagens comparativas deter-minantes para seus processos de desenvolvimento.

No Brasil, a geração de energia elétrica baseia-se primordialmente nas usinas hidrelétricas. Este cenário pauta-se na abundância de recursos naturais a baixos custos em termos relativos, principalmente na região amazônica. Porém, como bem observam Tolmasquim, Guerreiro e Gorini (2007), a questão que se coloca para o futuro é se o país terá condições de manter esta vantagem comparativa e ainda garantir à população o amplo acesso a este insumo.

No Pará, estado localizado na região amazônica, detentor de grandes poten-cialidades naturais e de notável potencial exportador de eletricidade, os desafios não estão apenas associados à garantia da disponibilidade deste insumo. A redução das desigualdades sociais e da pobreza, a universalização do acesso à energia elétrica e a minimização dos custos e dos danos ambientais oriundos de sua geração têm tido impacto positivo na realidade paraense. O seu expressivo potencial hidroelétrico a partir de grandes projetos é classificado como energia “limpa”, que cada vez mais procura atender à crescente demanda por eletricidade. Contudo, a construção destes projetos implica em bruscos impactos no ciclo hidrológico e mudanças no meio ambiente de modo geral.

Diante deste panorama, destaca-se que o estado do Pará precisa estar preparado para o enfrentamento da insegurança na oferta de eletricidade e para o desafio da problemática ambiental. Neste sentido, pretende-se questionar quais transformações a matriz elétrica paraense deve sofrer na intenção de se promover o desenvolvimento sustentável no estado. Parte-se da hipótese de que o setor elétrico paraense não pode prescindir do desenvolvimento de um processo de diversificação das fontes de eletricidade, na medida em que esta ação representa uma resposta aos novos padrões de competitividade e aos graves problemas ambientais decorrentes da geração e do uso de energia elétrica. O objetivo deste estudo, portanto, é analisar o posicionamento estratégico da matriz elétrica do Pará na promoção do desenvolvimento sustentável no estado, entendendo-se que a segurança energética e as questões ambientais são determinantes em termos de competitividade.

Neste contexto, a pesquisa se justifica pela: i) possibilidade de pensar a matriz elétrica conjuntamente com o processo de desenvolvimento socioeconômico do

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estado do Pará, na medida em que o insumo energético pode ser compreendido como um recurso para a garantia de um razoável padrão de qualidade de vida da população em bases mais democráticas; ii) indicação da importância de se desenvolver uma iniciativa local que contribua para a redução das emissões de gases oriundos da geração de energia elétrica causadores do efeito estufa e consequentemente do aquecimento global; e iii) oportunidade de se analisar o posicionamento da eletricidade, dentro da matriz energética paraense, enquanto bem de natureza estratégica para o desenvolvimento sustentável.

A metodologia desta investigação foi composta por três etapas. Na primeira, realizou-se um levantamento de dados e informações a respeito do posicionamento adotado pela Alemanha, pelo estado americano da Califórnia e pela China ante a necessidade de modificação estratégica de suas matrizes elétricas, e observou-se o reflexo das ações de seus respectivo governos. Na segunda etapa, analisou-se o cenário energético do Pará por meio da composição de seu balanço elétrico; e avaliou-se, por intermédio das dimensões econômica, social, ambiental e tec-nológica, a possibilidade de inserção, nas especificidades do estado, de fontes de eletricidade utilizadas estrategicamente pelos países analisados neste trabalho, no tocante ao reposicionamento de suas matrizes elétricas. Espera-se que, assim, o trabalho contribua para uma reflexão acerca do posicionamento das diversas fontes de produção de energia no Pará, por meio de uma proposta de matriz elé-trica para 2020. A investigação, além desta introdução, estrutura-se em quatro partes: procedimentos metodológicos, referencial teórico, análise e discussão de resultados e considerações finais.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa realizada classifica-se, conforme a taxionomia de Vergara (2009), quanto aos seus fins, como exploratória e descritiva. É exploratória na medida em que envolve um levantamento bibliográfico e analisa realidades que estimu-lam a compreensão da dinâmica da necessidade de transformação de matrizes elétricas. É descritiva, pois procura observar e analisar variáveis para melhor orientação prática de ações estratégicas no setor elétrico. E quanto aos seus meios, classifica-se como bibliográfica e documental, na medida em que se uti-liza de um levantamento de materiais e documentos junto a órgãos vinculados ao setor energético.

A metodologia foi dividida em três etapas. Na primeira, realizou-se uma coleta de dados por meio de pesquisa bibliográfica, que abrangeu a leitura e in-terpretação de livros, periódicos, textos legais e documentos diversos, bem como um levantamento de dados secundários junto a órgãos nacionais e internacionais. Efetuou-se um esforço de tratamento de dados na intenção de se enumerarem

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medidas governamentais realizadas e suas perspectivas na construção de novas matrizes elétricas a partir de estratégias ambientalmente coerentes com o cená-rio mundial, ocasionado pelos novos padrões competitivos e pelo aquecimento global. Este tratamento de dados foi construído a partir de duas realidades de países desenvolvidos – a Alemanha e o estado americano da Califórnia –, e em desenvolvimento, a China, por estarem representados por governos conscientes da necessidade de transformação de suas matrizes elétricas. Na segunda etapa, analisou-se o cenário energético do estado do Pará por meio da composição de seu balanço elétrico; e avaliou-se a possibilidade de inserção, nas especificidades regionais, de fontes de eletricidade utilizadas estrategicamente por aqueles go-vernos no reposicionamento de suas matrizes elétricas. A última etapa pretendeu constituir-se em uma proposta de matriz elétrica do estado para 2020, pautada na proporção recomendada por uma equação.

A opção por Alemanha e Califórnia, no tocante ao cenário energético, se deu, principalmente, pela conduta de seus governos no enfrentamento da insegu-rança na oferta de eletricidade e da questão ambiental, realidades que atingem o cenário mundial independentemente de características socioeconômicas de países. Especificamente, em vista de estas realidades caracterizarem-se: i) pela predomi-nância da utilização de fontes renováveis em suas matrizes; ii) por compreenderem experiências de aproveitamento estratégico de potencialidades regionais; e iii) por configurarem cenários que exigem o atendimento de demandas crescentes pelo insumo elétrico, realidades estas também verificadas no Pará. Nesta perspectiva, o movimento estratégico destes países desenvolvidos, em direção à modificação de suas matrizes elétricas, pode orientar iniciativas localizadas em países menos desenvolvidos, desde que sejam precisamente consideradas as peculiaridades so-cioeconômicas de cada região no desenho estratégico de ações.

Destaca-se, ainda, que qualquer esforço de comparação entre países e regi-ões, independentemente do campo de análise, revelará lacunas, por menores que sejam. Cada região possui suas características econômicas, sociais, tecnológicas, geológicas, culturais e de valores que impossibilitarão a construção de parâmetros tecnicamente perfeitos para afirmações científicas absolutas. Resta ao observador identificar variáveis similares que possam orientar reflexões consistentes. Neste sentido, na intenção de subsidiar uma melhor interpretação das diretrizes na modificação de matrizes elétricas a partir de características regionais, este estudo adiciona um terceiro exemplo, a China.

A opção pela experiência chinesa se deu em virtude de esta caracterizar-se por estar em processo de desenvolvimento, e, portanto, revelar elementos sociais e

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econômicos mais aproximados à realidade do estado do Pará. São eles: o consumo per capita de energia elétrica, o índice de desenvolvimento humano (IDH), o ritmo de crescimento de consumo de energia elétrica com fonte hídrica, e a participação da indústria no consumo de eletricidade (tabela 1), além da relevante participação da atividade mineral na economia.

TABELA 1

Consumo per capita, taxa de crescimento da fonte hídrica, IDH e eletricidade voltada para indústrias na China e no estado do Pará (2008)

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Fonte: BP GLOBAL, 2008; SEPOF, 2008. Elaboração do autor.Notas: 1 A taxa de crescimento foi calculada entre 1985 a 2005 para a China e entre 2000 e 2008 para o estado do Pará.

2 Valor referente ao ano de 2005

No tocante ao consumo per capita de eletricidade, observe-se que, em 2008, a China consumiu 2,859 trilhões de KW/h, o que redunda em um consumo per capita de 2.149 KWh/hab. No Pará, no mesmo ano, o consumo de eletricidade foi da ordem de 16,341 bilhões de KWh, sendo de 2.189 KWh/hab o consumo per capi-ta, equiparado ao dos chineses. Quanto ao IDH, constata-se que na China, em 2008, o índice foi de 0,762, enquanto no Pará, no ano de 2005 (apuração mais recente), alcançou 0,755, classificando-se as duas realidades como de médio desenvolvimento humano. No que concerne ao ritmo de consumo de energia elétrica, verificou-se que a China, apesar de apresentar uma predominância de fonte térmica em sua matriz, é a terceira maior consumidora mundial de hidroeletricidade, com uma taxa média de crescimento anual de consumo de 7,2% entre 1985 e 2005 (BP GLOBAL, 2008). No Pará, onde a hidroeletricidade é dominante na matriz elétrica, a taxa média de crescimento anual de consumo desta fonte entre 2000 e 2008, excluído o ano atípico do racionamento (2001), foi de 7,6%, o que caracteriza um ritmo percentual de crescimento aproximado ao chinês. A relevante participação da atividade mineral na economia também representa uma característica estrutural de ambas as realidades. A China, em relação ao volume de reservas de 45 dos principais minérios, caracteriza-se como um dos detentores das mais ricas reservas do mundo. O estado do Pará, por seu turno, é a Unidade Federativa que concentra algumas das maiores reservas minerais brasileiras. Por fim, quanto à participação da indústria no consumo de eletricidade, verificou-se que, em 2008, a China e o Pará direcionaram cerca de três quartos da eletricidade gerada para alimentar suas indústrias, com 70,1% e 77,2% respectivamente (BP GLOBAL, 2008; SEPOF, 2008).

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193A matriz elétrica no estado do Pará e seu posicionamento na promoção do desenvolvimento sustentável

O método de trabalho estabeleceu estrategicamente quatro dimensões de análise para se avaliar com mais precisão possibilidades de utilização de algumas fontes de geração de eletricidade no Pará, a seguir especificadas.

1. Econômica – analisa a viabilidade de investimento e custo. Esta dimensão foi representada a partir do custo de utilização e retorno de investimento de cada fonte na geração de eletricidade.

2. Social – observa a inclusão e a redistribuição de renda. Sua caracterização nesta investigação ocorreu por meio de análise da capacidade de geração de empregos.

3. Ambiental: avalia os impactos causados ao meio ambiente. Esta dimensão foi demonstrada pelo nível de emissões de gases poluentes.

4. Tecnológica – verifica os melhores resultados no menor tempo. Sua representação se deu por meio de unidades técnicas como intensidade, densidade e eficiência.

3 REFERENCIAL TEÓRICO

Neste tópico, tem-se como propósito a apresentação do embasamento teórico do estudo, identificando-se na literatura disponível o universo que envolve a definição das categorias matriz elétrica e desenvolvimento sustentável.

3.1 Matriz elétrica

O entendimento da matriz elétrica está vinculado ao da matriz energética. Assim, apresenta-se inicialmente uma breve definição e composição desta categoria. A matriz energética é a descrição de toda a geração e consumo de um país ou região, discriminados quando às fontes de produção e setores de consumo para uma situação futura. Quando se descreve toda a geração e consumo de um país ou região para uma situação presente, tem-se o balanço energético. A matriz energética nacional é atualmente elaborada pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE (EPE, 2010).

Em sua composição, a matriz energética está dividida em quatro partes: i) energia primária, que compreende os produtos energéticos gerados pela natureza em sua forma direta, como petróleo, gás natural, carvão mineral, energia eólica, solar etc.; ii) energia secundária, que se compõe de produtos energéticos resultantes dos diferentes centros de transformação, e possui como destino os diversos setores de consumo; iii) transformação, que envolve todos os centros onde as energias primárias e secundárias se transformam em uma ou mais formas de energia secundária; e iv) o consumo final, no qual se registram os diversos setores de

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atividade socioeconômica que, no último estágio, se alimentam deste insumo. Nesta composição, a eletricidade constitui-se como uma energia secundária.

A matriz elétrica, por seu turno, representa a disposição das diversas formas de eletricidade, disponibilizadas aos processos produtivos em determinado contexto espacial, envolvendo suas fontes de geração e utilização. A matriz elétrica pode ser utilizada na análise da produção e uso de eletricidade em determinado contexto local, de modo a permitir uma leitura a partir da conjuntura energética global. Esta condição permite observar que a quantidade de energia elétrica produzida deve ter sua importância associada aos tipos de fontes de geração deste insumo, assim como às formas de acesso da população. Logo, possibilita levantar subsídios de análise para se orientarem ações públicas do setor elétrico mais comprometidas com o desenvolvimento sustentável (REIS, FADIGAS e CARVALHO, 2005). Deste modo, a matriz elétrica representa um importante instrumento de análise estratégica para o desenvolvimento sustentável. De acordo com Goldemberg e Moreira (2005), fontes de energia compreendem insumos essenciais para o desenvolvimento sustentável. Entretanto, tão importante como sua disponibilidade interna a custos competitivos é o uso que se faz desta energia na produção de serviços. Também é preciso notar que quanto à disponibilidade física da exploração das fontes de energia, os autores observam que estes recursos determinam o interesse do mercado consumidor.

O resultado desta análise da matriz elétrica é subsídio para a tomada de decisão por parte do setor elétrico. Este setor, por sua vez, constitui-se em uma organização social formada de relações sistêmicas que envolvem o processo de transformação da energia primária até a utilização final por tipo de consumidor. Tais relações são estabelecidas entre os componentes do setor elétrico – como geração, transmissão e distribuição –, e devem tomar por base o potencial tecnológico e econômico próprios, os interesses da sociedade e as premissas do desenvolvimento sustentável.

3.2 Desenvolvimento sustentável

O tratamento da categoria desenvolvimento sustentável envolve um universo complexo de dimensões de abordagem. Este estudo, porém, não pretende realizar uma análise epistemológica ou uma ampla avaliação operacional de sua aplicação. A utilidade de tal referencial normativo, nesta oportunidade, é, sobretudo, permitir a percepção dos problemas enfrentados pelos governos na medida em que estes buscam a obtenção de segurança energética e no momento em que lidam com as questões ambientais, que são determinantes em termos de competitividade.

O Relatório de Brundtland, de 1987, é quem define o desenvolvimento sustentável com mais detalhamento. De acordo com o relatório, o termo refere um processo de mudança no qual a direção de investimentos, a orientação do

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195A matriz elétrica no estado do Pará e seu posicionamento na promoção do desenvolvimento sustentável

desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão em harmonia e elevam o potencial corrente e futuro para reunir necessidades e aspirações humanas (WORLD COMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT, 1991). O relatório apresenta uma relevante definição de crescimento, bastante discutida na pauta política internacional no que respeita às questões pertinentes à distribuição global de uso de recursos e à qualidade ambiental (BRUYN e DRUNDEN, 1999). Conforme Stahel (1995) e Aragón (1997), o relatório refere-se, pelo menos implicitamente, ao processo dentro de padrões do sistema capitalista, ou seja, dentro de um ambiente institucional de uma economia de mercado. Neste sentido, a definição possui dificuldades de separar-se da ideia de que a premissa fundamental do desenvolvimento sustentável seria o crescimento econômico.

O conceito de desenvolvimento sustentável também é cercado de contradi-ções. Conforme Kitamura (1994), este desenvolvimento vincula-se a uma ética que incorpora tanto valores ecológicos quanto espirituais. O problema reside no fato de que os interesses econômicos não se submetem às noções de ética. Seu conceito supõe ainda uma nova ordem internacional, que tem como produto uma ampla redistribuição do poder (KITAMURA, 1994). A ideia desta nova ordem de desenvolvimento, entretanto, ignora as correlações de forças no mercado mun-dial, e os interesses das nações industrializadas em manter a posição de vantagem no panorama internacional (REDCLIFT, 1987; SPANGENBERG, 2000). O fato de os interesses econômicos não se subjugarem aos princípios éticos que acolhem valores ecológicos e espirituais comprometem a essência da ideia terminológica do que seria o desenvolvimento sustentável. Os interesses das nações industrializadas na manutenção da condição de vantagem econômica no cenário mundial representam na prática a impossibilidade de implantação deste referencial normativo, pelo menos a partir de suas bases conceituais. O contexto de implantação do desenvolvimento sustentável é caracterizado, inclusive, implicitamente, por padrões de uma economia de mercado, o que leva à conclusão de que a ideia deste tipo de desenvolvimento está profundamente vinculada à ideia de crescimento econômico.

Dito isso, constata-se que a ideia mais aceitável para a construção do enten-dimento do desenvolvimento sustentável, de forma a iniciar uma contribuição à expressão a partir de uma dimensão mais categórica, alicerça-se no pensamento de que o desenvolvimento sustentável compreende uma condição de crescimen-to contínuo de uma economia, de modo a permitir uma razoável distribuição concreta da riqueza social por intermédio da ampliação do acesso das populações à satisfação de necessidades básicas como saúde, educação, água, saneamento e energia, sendo a última responsável prévia pelo acesso às necessidade anteriores. É neste ambiente sustentável que a preocupação com o posicionamento das matrizes elétricas representa justamente uma contribuição à garantia de um crescimento

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contínuo e sustentado a partir de diretrizes estratégicas que promovam o uso de fontes alternativas de eletricidade capazes de distribuírem a riqueza social e redu-zirem impactos ao meio ambiente.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS

A necessidade estratégica de transformação das matrizes elétricas tem levado muitos países a investirem em tecnologia e em legislações que procurem promover o desenvolvimento sustentável. Na dianteira destes esforços, destacam-se a Alemanha e o estado americano da Califórnia, cenários característicos de países desenvolvidos. Nos dois casos, observa-se concretamente que uma interação entre políticas governamentais conscientes e a participação de empresas privadas fizeram destas sociedades referências no planejamento energético.

A Alemanha é a maior consumidora de eletricidade da Europa. Sua política energética enfatiza a conservação e o desenvolvimento de fontes de energia reno-vável, como a solar, a eólica, a biomassa, a hidráulica e a geotérmica. Por sua vez, a Califórnia é um dos maiores centros industriais dos Estados Unidos (EUA), abrigando o Vale do Silício, região onde se encontra um conjunto das maiores organizações do mundo em tecnologia e informática.

O cenário energético nos países em desenvolvimento também deve ser observado e é representado nesta análise pela China. O país é um fenômeno internacional em virtude de seu admirável ritmo de expansão econômica, com uma taxa média anual de crescimento, entre 1980 e 2005, de 10,8% (CENTRO NACIONAL DE ESTATÍSTICA DA CHINA, 2008).

Inicialmente, realiza-se uma análise das medidas governamentais implemen-tadas na Alemanha e na Califórnia, assim como dos novos cenários de desenvol-vimento que já começaram a se desenhar naqueles contextos. Posteriormente, aborda-se o cenário energético da China, de forma a se perceberem potencialidades e limitações de seu planejamento no setor elétrico.

Na Alemanha, o esforço de transformação na matriz elétrica está pautado notadamente na ampliação da participação da energia eólica. O governo alemão já conta, desde a década de 1970, com resultados bastante razoáveis nos campos da economia de energia e do aumento da eficiência energética, o que colabora para que o país possa definir objetivos de satisfazer metade de sua demanda energética a partir de fontes renováveis até 2050. A utilização de subsídios no setor elétrico e a adoção de taxas temporárias compreendem a base das ações do governo alemão para promover desenvolvimento com prudência ambiental (quadro 1).

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197A matriz elétrica no estado do Pará e seu posicionamento na promoção do desenvolvimento sustentável

QUADRO 1

Medidas governamentais para a alteração da matriz elétrica na Alemanha e o novo cenário de desenvolvimento

Medidas governamentais Novo cenário de desenvolvimento

• Subsídios de € 20 milhões para o início das

operações comerciais de distribuição de fontes de

energia alternativa, notadamente de energia eólica.

• Prática temporária de taxa mensal fixa de

€ 1,80 para se atender aos custos de geração e

distribuição de energia eólica.

• Prática temporária de taxas decrescentes pagas

pelas distribuidoras às geradoras de eletricidade,

na intenção de se fazer com que fabricantes

desenvolvam turbinas mais baratas e eficientes.

Dimensão econômica: a indústria eólica alemã faturou

€ 6,5 bilhões em 2008.

Dimensão social: as empresas envolvidas com a cadeia de ener-

gia eólica já são as maiores geradoras de empregos no país, e

têm previsão de 100 mil vagas para os próximos dez anos.

Dimensão ambiental: a geração de energia eólica na Ale-

manha evitou, em 2008, a emissão de cerca de 27 milhões

de toneladas de gás carbônico.

Dimensão tecnológica: até 2015, os custos para converter a

energia dos ventos em eletricidade serão equivalentes aos

das usinas que queimam combustíveis fósseis.

Fonte: Deutsche Energie Agentur – DENA (2007;2008).Elaboração do autor.

O novo panorama de desenvolvimento que o governo alemão começa a estruturar para o país está alicerçado na criação de um setor industrial de evolução recente, o da indústria eólica. Os € 6,5 bilhões faturados em 2008 são um indicativo de que esta indústria tende a igualar ou até superar o setor automotivo alemão dentro de aproximadamente uma década. Os reflexos na geração de empregos também já começaram, por meio de uma abertura prevista de 10 mil novas vagas por ano na próxima década, apenas na indústria eólica. As hélices de geradores de energia eólica vêm cada vez mais modificando a paisagem na Alemanha, e melhor, apresentando resultados animadores, na medida em que a utilização deste tipo de fonte no país evitou em 2008 a emissão de aproximadamente 27 milhões de toneladas de gás carbônico. O país possui atualmente mais de 19 mil turbinas eólicas. No campo tecnológico, os avanços também acontecem. Os custos de geração de energia eólica são decrescentes no país. Desde 1991, estes custos já cairam pela metade, e em cerca de cinco anos estarão equivalentes ao patamar de competição das usinas térmicas movidas a combustível fóssil (DEUTSCH WIND ENERGY ASSOCIATION, 2009).

A intenção do governo alemão é que a participação de fontes eólicas e solares, e a partir de biomassa e de pequenas hidroelétricas seja de 25% até 2020 (tabela 2). Destes, 20% apenas de fonte eólica. Em 2008, registrou-se uma participação de 11% para estas fontes renováveis, dos quais 6% referem-se à energia eólica. O país tem o propósito de reduzir a participação relativa da utilização de eletrici-dade a partir da energia nuclear e do carvão mineral e vegetal.

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TABELA 2

Balanço de energia elétrica em 2008 e a matriz elétrica para 2020 na Alemanha

Fontes de eletricidade 2008 (%) 2020 (%)

Nuclear 29 25

Eólica, solar, biomassa e pequenas

hidrelétricas11 25

Carvão vegetal 26 20

Carvão mineral 21 20

Gás natural 10 8

Outros 3 2

Total 100 100

Fonte: Deutsche Energie Agentur - DENA (2007; 2008).Elaboração do autor.

O estado da Califórnia é o líder nacional na geração de eletricidade com uso de fontes renováveis de energia. Nenhum outro estado americano produz mais eletricidade mediante o uso da energia eólica e solar, bem como oriunda de hidro-elétricas. Porém, nos últimos anos, o crescimento da quantidade de eletricidade produzida no estado não tem acompanhado seu imenso crescimento populacional e econômico, e ocorreram vários “apagões”. Como consequência da alta demanda por eletricidade, a Califórnia precisa comprar eletricidade de estados vizinhos. O seu esforço na transformação da matriz elétrica está alicerçado na ampliação da participação da energia solar. Com este intento, o governo californiano baseou suas medidas na administração de fundos para a instalação de placas de energia solar e em estímulos à utilização deste tipo de energia por meio de subsídios (quadro 2).

QUADRO 2

Medidas governamentais para a alteração da matriz elétrica na Califórnia e o novo cenário de desenvolvimento

Medidas governamentais Novo cenário de desenvolvimento

• Administração de um fundo de US$ 350

milhões, que cobre um terço do custo de

instalação de um painel e o barateia os

custos para o cidadão comum.

• Instalação de 1 milhão de placas de energia

solar em residências nos próximos dez anos.

• Subsídios de US$ 2,9 bilhões nos próximos dez

anos para se estimular o uso da energia solar.

Dimensão econômica: as indústrias de energias renováveis na

Califórnia devem movimentar cerca de US$ 60 milhões por ano.

Dimensão social: as empresas envolvidas com a cadeia de energia

solar deverão gerar em dez anos cerca de 20 mil novas vagas.

Dimensão ambiental: a geração de energia solar na Califórnia

deverá evitar nos próximos dez anos emissões de cerca de 50

milhões de toneladas de gases poluentes.

Dimensão tecnológica: atração de fundos de investimentos que

já injetaram aproximadamente US$ 1 milhão em empresas que

desenvolvem tecnologias limpas na região.

Fonte: NEXT10 (2008) e Energy Information Administration – EIA (2008).Elaboração do autor (2009).

O resultado destas ações pode ser mais bem visualizado por intermédio da comparação do balanço de energia elétrica da Califórnia em 2008 com a matriz

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199A matriz elétrica no estado do Pará e seu posicionamento na promoção do desenvolvimento sustentável

elétrica projetada para 2020 (tabela 3). As fontes eólica, solar, biomassa e a hídri-ca, gerada a partir de pequenas hidrelétricas, tendem a passar de 12% em 2008 para 33% em 2020. Esta política energética pode inclusive colaborar para que os EUA tenham sua imagem associada mais a um exemplo de desenvolvimento sustentável vinculado a oportunidade de negócios do que à imagem de um dos maiores contribuintes para o aquecimento global.

TABELA 3

Balanço de energia elétrica em 2008 e a matriz elétrica para 2020 na Califórnia

Fontes de eletricidade 2008 (%) 2020 (%)

Eólica, solar, biomassa e peqquenas hidrelétricas 12 33

Hidrica 37 30

Nuclear 28 20

Gás natural 20 15

Outros 3 2

Total 100 100

Fonte: NEXT10 (2008) e EIA (2008). Elaboração do autor.

O novo cenário de desenvolvimento, gerado pelos esforços de alteração da matriz elétrica, solidifica a condição de liderança da Califórnia na luta contra o aquecimento global, e a manutenção destes investimentos em tecnologias ener-géticas limpas e eficientes provavelmente ampliará os avanços em seu processo de desenvolvimento. O capital movimentado pelas indústrias de energia renovável será de aproximadamente US$ 600 milhões em dez anos. Os 20 mil novos postos de trabalho nestes dez anos são representativos na medida em que se referem apenas às indústrias da cadeia da energia solar. E os fundos de investimento promotores de tecnologias limpas solidificam, com seu volume de inversões, um compromis-so consciente com a transformação da matriz elétrica do estado. A energia solar continua muito onerosa se comparada à eletricidade das termelétricas, mas está avançando muito, impulsionada pelas cotas estatais do governo americano.

O governo californiano tem a intenção de que o acréscimo da participação da energia renovável na matriz elétrica do estado substituam a cota de participação de fontes como a nuclear e o gás natural. Considerando a necessidade de importação de eletricidade, a Califórnia também trabalha na construção de grandes hidrelétricas, que entretanto não tendem a representar alterações na matriz elétrica, apenas têm peso na balança comercial, levando-se em conta que o estado deixaria de importar uma pequena parte da energia elétrica consumida.

O que se verifica na análise destes dois cenários é que a Alemanha, com forte participação em sua matriz do carvão mineral e vegetal, e a Califórnia, com destaque à fonte hídrica e ao gás natural, apresentam realidades distintas no que respeita a recursos naturais e tecnológicos. Porém, há conduta semelhante quanto

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ao planejamento do aumento da participação de fontes renováveis como a eólica, a solar e a biomassa em suas matrizes elétricas. A fonte nuclear tende a diminuir sensivelmente sua participação, mas possuirá papel relevante na geração de eletri-cidade nas duas realidades analisadas.

No tocante à China, observou-se que sua matriz elétrica possui uma ampla participação do carvão mineral, que alimenta a quase totalidade das usinas térmicas. A política energética chinesa vê o carvão como fonte estratégica para a expansão econômica e pretende aumentar a produção deste insumo. A matriz atual é resultado de uma tendência iniciada nos anos 1990, e exigirá do governo chinês investimentos que promovam inovações capazes de modificarem gradualmente a matriz elétrica chinesa. Os esforços governamentais estão sendo direcionados à ampliação da participação da hidroeletricidade, da energia nuclear e do gás natural. De acordo com a BP Global (2008), a hidroeletricidade cresce a uma taxa anual de 7,2%, a energia nuclear evolui à taxa de 27,7%, e a energia a partir de gás natural cresce a uma taxa de 25%. Na tabela 4, observa-se o balanço energético chinês em 2008 – no qual se verifica a predominância do carvão como fonte de eletricidade –, e uma aproximação do que seria a matriz elétrica da China para 2020, resultado de uma estimativa tendencial de investimentos baseada no ritmo de crescimento de cada fonte de energia elétrica no país. Apesar de a China tratar com seriedade sua política energética, seu governo atribui aos países desenvolvidos a responsabilidade pela redução das emissões de gases poluentes e não assume formalmente compromissos que se traduzam em uma matriz elétrica mais “limpa” para 2020.

TABELA 4

Balanço de energia elétrica em 2008 e a matriz elétrica para 2020 na China

Fontes de eletricidade 2008 (%) 2020 (%)

Carvão mineral 75,1 60,1

Hídrica 18 25,3

Eólica, solar, biomassa e pequenas hidrelétricas 3,7 9

Nuclear 2,6 3,6

Outros 0,6 2

Total 100 100

Fonte: Centro Nacional de Estatística da China (2008) e BP Global (2008).Elaboração do autor.

As medidas tomada pelo governo da China procuram estabilizar suas emissões até 2020 por meio de investimentos anuais da ordem de US$ 33 bilhões. O país só é superado em investimentos no setor energético pela Alemanha. O aumento da eficiência energética e a expansão da infraestrutura de energia renovável são os pilares destas medidas. No cômputo geral, estas medidas tendem a atingir todas as dimensões analisadas neste artigo. Observa-se, no quadro 3, cada uma delas.

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201A matriz elétrica no estado do Pará e seu posicionamento na promoção do desenvolvimento sustentável

QUADRO 3

Medidas governamentais para a alteração da matriz elétrica na China e o novo cenário de desenvolvimento

Medidas governamentias Novo cenário de desenvolvimento

Em 2007, os investimentos anuais

direcionados para a ampliação da

infraestrutura de utilização de fontes

alternativas de eletricidade foram da

ordem de US$ 12 bilhões.

Aprovação de um plano de inves-

timentos anuais de US$ 33 bilhões

até 2020 na intenção de sustentar

o ritmo de crescimento econômico,

a partir de uma maior participação

de fontes alternativas de energia

elétrica.

Dimensão econômica: os investimentos devem impedir que o crescimento

econômico, baseado em produtos agrícolas e pecuários, na indústria e na

mineração, seja estrangulado por déficits de energia elétrica.

Dimensão social: a diminuição das externalidades sociais da utilização do

carvão mineral como principal fonte. O trabalho nas minas de carvão, muito

duro e perigoso, é uma opção de emprego e sustento para os chineses das

camadas menos favorecidas.

Dimensão ambiental: as medidas procuram reduzir o uso do carvão como

fonte de energia na medida em que o processamento e a combustão deste

insumo libera grandes quantidades de gases poluentes que contribuem com

cerca de 80% das emissões de gás carbônico no país.

Dimensão tecnológica: os investimentos resultarão em inovações infraes-

truturais capazes de elevar de aproximadamente 7% para cerca de 15% a

porcentagem de energia com baixo uso de carbono até 2020.

Fonte: Centro Nacional de Estatística da China (2008) e BP Global (2008).Elaboração do autor.

A seguir, analisa-se o panorama elétrico no estado do Pará, sua realidade atual e possibilidades futuras na articulação de medidas sustentáveis no campo energético. O Pará tem uma área geográfica de 1.247.689,515 km² e população estimada de 7.431.020 habitantes (IBGE, 2009), o que significa uma densidade populacional de 5,95 hab./Km². A base produtiva paraense baseia-se em dois pilares – a agroindústria e a produção mineral. O produto interno bruto (PIB) do estado, em 2006, foi de R$ 44,376 bilhões, o que representou um crescimento de 7,11% em relação ao ano anterior, representando a terceira maior variação real entre os estados do Brasil. Este incremento foi superior à taxa do país, 3,97% (SEPOF, 2006).

O Pará, dotado do maior potencial hídrico nacional e exportador de eletricidade, possui seu serviço público de distribuição de energia elétrica sob concessão das Centrais Elétricas do Pará (Celpa), enquanto o mercado de geração hídrica é de domínio das Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte). Em 2008, o consumo de eletricidade no estado foi de 16.268 MWh (CELPA, 2009), maior que os consumos de eletricidade do Uruguai (7.030 MWh) e Equador (8.860 MWh) juntos.

A história da geração de eletricidade no estado está muito atrelada à construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, com potência inaugural, em 1984, de 3.960 MW. Em 1980, a participação da fonte hídrica na geração de eletricidade no estado era de 4%, contra 72% oriunda de fonte térmica (tabela 5). No ano de 1985, com o potencial gerado a partir de Tucuruí, a produção de eletricidade advinda de fonte

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hídrica cresceu excepcionalmente, para 92%, e colocou o estado na condição de exportador de energia elétrica. Em 1990, esta participação alcançou 98%. No ano de 2005, registro mais recente do balanço elétrico no estado, a participação hídrica foi de 96%, contra 2,5% oriunda de óleo combustível, 1% proveniente de fontes renováveis, sobretudo, biomassa e pequenas hidrelétricas, e 0,5% de outras fontes (BEEPA, 2007). Em outras fontes, a principal é o carvão vegetal, utilizado basicamente na indústria de ferro gusa e aço.

TABELA 5

Balanço de energia elétrica do estado do Pará (1980-2005)

(Em %)

Fontes de eletricidade 1980 1985 1990 1995 2000 2005Hídrica 4 92 98 96 97 96

Óleo combustível 72 4 1,5 2 2 2,5

Eólica, solar, biomassa e pequenas hidrelétricas 17 2 0,5 1 0,5 1

Outras 7 2 - 1 0,5 0,5

Total 100 100 100 100 100 100

Fonte: Balanço Energético do Estado do Pará – BEEPA (2007).Elaboração do autor.

A geração de energia elétrica a partir de fonte hídrica é energia renovável. Como bem observa Walisiewicz (2008), as usinas hidrelétricas baseiam-se em fundamentos simples. As turbinas retiram energia da água corrente dos rios, usando-a para acionar geradores elétricos (sistema que transforma energia me-cânica em eletricidade por meio da força cinética, que é devida à velocidade do fluxo da água, e da força potencial, devida à queda d’água). A barragem exerce controle sobre a quantidade de água que flui por meio das turbinas, de modo que a produtividade da usina é regulada de acordo com a demanda.

O Pará, detentor de inúmeras quedas d’água e de extensos rios, possui uma vasta capacidade de armazenamento nos reservatórios. A tendência crescente do consumo também não preocupa no longo prazo, na medida em que, de acordo com o Balanço Energético Nacional – BEN (BRASIL, 2006), o Brasil possui uma reserva de 144 GW de energia firme/ano de origem hídrica e utiliza 34 GW, isto é, apenas 23,6%. A capacidade hidráulica instalada é de 6.696 MW (BEEPA, 2007).

Ao se analisar os balanços elétricos de 2008, da Alemanha e da Califórnia, em comparação ao estado do Pará, chama atenção o ritmo de consumo de eletri-cidade. De acordo com o Centro Brasileiro de Infraestrutura (2008), enquanto o consumo de eletricidade na Europa deve aumentar em 2% ao ano (a.a.) e nos Estado Unidos em torno de 1%, no Brasil este aumento anual deverá ser da ordem de 5%. Quando se verifica o consumo de energia elétrica no Pará entre 2000 e 2008

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203A matriz elétrica no estado do Pará e seu posicionamento na promoção do desenvolvimento sustentável

(tabela 6), observa-se que sua média anual de crescimento foi de 5,5%, superior ao crescimento anual previsto para o Brasil. Excluindo-se o decréscimo atípico de consumo registrado em 2001, ano do racionamento de eletricidade, identifica-se para o estado do Pará um aumento médio anual de 7,6%.

TABELA 6

Consumo de eletricidade no Pará (2000-2008)

Ano Consumo de eletricidade (MWh) Variação do consumo (%)

2000 10.766 -

2001 9.787 (9,1)

2002 11.375 16,2

2003 12.423 9,2

2004 13129 5,7

2005 13.167 0,2

2006 14.664 11,4

2007 15.822 7,9

2008 16.268 2,8

Média anual 13.044 5,5

Fonte: BEEPA (2006) e Celpa (2009).Elaboração do autor (2009).

Os ritmos de crescimento de consumo previstos para a Europa e para os EUA poderão permitir que os governos da Alemanha e do estado da Califórnia construam usinas eólicas e solares na substituição de parte das usinas termelétricas e nucleares cuja operação encontra-se no final da vida útil. Entretanto, no Pará, usinas eólicas, solares e nucleares não poderão, em tempo hábil, ser construídas e alcançarem patamares próximos ao ocupado pelo potencial hidrelétrico no estado.

Todavia, este panorama que se desenha há décadas no Pará definitivamente não colabora, no médio ou no longo prazo, para a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa advindos de sua matriz elétrica. A fonte hídrica, caracterizada como “limpa”, causa graves e extensos impactos no ciclo hidrológico e mudanças no meio ambiente de modo geral, em virtude dos grandes projetos. Registram-se o desaparecimento de espécies de fauna e flora, a perda de qualidade de vida das populações atingidas e as ameaças à existência de vários grupos sociais.

A emissão de gases do efeito estufa representa outro grave problema causado pelos grandes empreendimentos hidrelétricos. Em estudos de mensuração das emissões de dióxido de carbono (CO2) a partir de fontes hídricas no estado, com base metodológica a partir de Santos (2000), verificou-se que, entre 1995 e 2005, esta fonte de energia lançou à atmosfera cerca de 90 milhões de toneladas de gases causadores do efeito estufa. Em termos comparativos com o desmatamento no Pará, verifica-se que entre 1999 e 2008 – de acordo com Aguiar et al. (2010), que utilizaram uma metodologia de cálculo de emissões de gases poluentes por estado –,

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computam-se cerca de 6 milhões de toneladas de CO2 a partir do território paraense. A quantidade bem inferior de emissões causadas pelo desmatamento, se comparada às emissões oriundas dos reservatórios, chama a atenção para a intensidade dos impactos ambientais da fonte hídrica no estado.

O fechamento de um rio por uma barragem provoca uma alteração estrutural – as águas passam de um sistema corrente, chamado lótico, para um sistema de água parada, denominado lêntico. Com o reservatório implantado, várias toneladas de matéria orgânica entram em decomposição no fundo da represa, liberando gás carbônico e metano (FEARNSIDE, 2004). O autor observa, ainda, que águas lênticas favorecem o aparecimento de plantas aquáticas (macrófitas). Assim, constata-se a emissão de dióxido de carbono pela decomposição de matéria orgânica acima da água. O metano, por sua vez, é produzido quando a decomposição ocorre no fundo do reservatório, com matéria verde e macia, como macrófitas.

Segundo Fearnside (op. cit.), as grandes áreas de lamaçais expostas no período da seca possibilitam o crescimento de vegetação macia que, quando inundadas na cheia, sob condições anóxicas se tornam fábricas de metano. O metano seria liberado quando a pressão da água cai repentinamente no momento que a água emerge das turbinas. Portanto, a emissão de carbono pela decomposição de matéria orgânica e macrófitas em represas acaba com a ideia de que as usinas hidrelétricas produzem energia limpa. Considerando que a condição de reprodução de ma-crófitas é ótima nas represas, não existe nada que indique, no longo prazo, uma reversão do processo de emissão de gases do efeito estufa pelas represas paraenses .

Destaca-se ainda outro problema relacionado às macrófitas, que é a possibi-lidade de aumento da densidade populacional de culicídeos. Especificamente em Tucuruí, no Pará, foi relatada a expansão dos gêneros anopheles e mansonia, além de outros insetos, que utilizam as macrófitas, sobretudo salvinia, eicchornia e pistia, para se reproduzirem (MARIN, 2000). Segundo a autora, estas plantas ocupam aproximadamente 30% da superfície da represa. A represa de Curuá-Una, também no estado, está tomada de macrófitas, que cobrem 27% da área, propiciando o desenvolvimento de mosquitos e caramujos transmissores de esquistossomose, doença que era desconhecida na região do município de Santarém.

Neste sentido, não é surpresa a constatação de Walisiewicz (2008), ao afir-mar que as preocupações com a viabilidade econômica das grandes hidrelétricas e com os significativos impactos ambientais oriundos da construção de barragens e reservatórios reduziram o ritmo mundial de crescimento deste tipo de geração a uma modesta taxa de 1,5% a.a.

Ao se analisar o balanço elétrico de 2008 da China, em comparação ao Pará, chama atenção o desafio enfrentado pelo governo chinês, o qual procura reduzir a dependência do carvão em sua matriz elétrica, e ao mesmo tempo sustentar a

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205A matriz elétrica no estado do Pará e seu posicionamento na promoção do desenvolvimento sustentável

expansão produtiva deste insumo, para garantia do ritmo de expansão econômi-ca. No caso paraense, apesar de possuir uma matriz elétrica predominantemente renovável, o estado também poderia reduzir a dependência da fonte hídrica, de modo a atenuar seus amplos impactos ambientais; porém, o Pará também precisa sustentar o ritmo de crescimento das demandas por esta fonte de energia.

A expansão das fontes renováveis na China, em combinação com suas potencialidades naturais, tende a avançar, sobretudo devido ao uso da energia nuclear e do gás natural. O planejamento de ampliação das fontes hídrica e eólica detém expectativas menores. Nesta perspectiva, o estado do Pará deve promover investimentos para a identificação e implantação do uso de fontes potencialmente adequadas à sua realidade, na tentativa de contar com alternativas mais limpas de geração de eletricidade. É neste cenário complexo, composto de dimensões econômicas, sociais, tecnológicas e ambientais, que o Pará deve enfrentar o desafio de rever sua matriz elétrica de modo a garantir a quantidade e a qualidade deste insumo, a partir de bases diversificadas e sustentáveis de geração de eletricidade.

Entre as principais alternativas de fontes complementares de eletricidade para diversificar no longo prazo as matrizes da Alemanha, Califórnia e China, estão a biomassa, a energia solar, a eólica, e a nuclear. A seguir, analisa-se a aplicabilidade de cada uma delas na realidade do estado do Pará. Todavia, é relevante destacar aqui que o Pará, diferentemente da Alemanha, da China e do estado americano da Califórnia, não possui autonomia para a definição de políticas energéticas. Estas políticas ficam a cargo do governo federal, que é responsável pelo planejamento energético nos estados brasileiros.

4.1 Biomassa

A biomassa é um tipo de matéria que alimenta usinas a vapor de geração elétrica a partir de um processo de queima de elementos acumulados em determinado ecossistema. Entre os materiais mais utilizados citam-se o bagaço de cana e os materiais lenhosos. A queima de biomassa ocasiona a liberação de dióxido de carbono na atmosfera. Porém, este composto foi anteriormente absorvido pelas plantas que deram origem ao combustível, o que proporciona um balanço de emissões de CO

2 nulo. A Suécia e as Ilhas Maurício estão entre os países que

registram maior utilização desta fonte como geradora de eletricidade.

O Pará possui um expressivo potencial de biomassa a partir de lenha e resíduos. O estado é o terceiro maior beneficiador de espécies florestais do Brasil, consequentemente gera grande quantidade de resíduos, o que representa potencial significativo para utilização desta biomassa para fins energéticos. No município de Paragominas, por exemplo, pertencente à mesorregião Sudeste do estado, cada hectare em área de floresta intacta registra uma concentração de

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309 toneladas de biomassa no solo (GERWING et al., 2002). Se apenas a metade desta quantidade de biomassa fosse utilizada para a geração de energia elétrica, com base em um poder calórico de 3.300 kcal/kg e uma eficiência de 20% no processo de geração de eletricidade, seria possível gerar 118 MWh para atender à população (SILVA, 2005). A lenha desempenha um papel estratégico neste cenário.

A lenha (conjunto de troncos de árvores, pedaços e lascas de madeira e gravetos) tem se destacado nos últimos anos como uma importante fonte de energia primária no Pará. Em 2005, participou com 47,6% da oferta interna bruta de energia primária (BEEPA, 2007), porém a utilização ainda incipiente na geração de eletricidade no estado. A maior parte do potencial de biomassa, a partir de material lenhoso, encontra-se nos municípios paraenses do sistema interligado nacional, podendo ser aproveitado como autoprodução, sendo viável também em muitos casos o transporte de biomassa para municípios do sistema isolado, onde o custo do KWh da geração a partir de biomassa for menor que o custo da geração a óleo combustível (PADILHA et al. 2005). Neste processo, a estrutura logística possui participação fundamental.

Além da lenha, os resíduos florestais, que compreendem todo o material florestal orgânico que sobra após a retirada da lenha, e os resíduos das madeireiras, também podem ser utilizados como energia primária, sobretudo os oriundos de serrarias. O Pará possui 3.660 serrarias formalmente registradas, e parte destas serrarias não tem destino certo para os seus resíduos, que são queimados a céu aberto ou jogados nos rios, ocasionando grandes danos ao meio ambiente. Os principais resíduos da indústria madeireira são: a serragem, originada da operação das serras, que pode chegar a 12% do volume total de matéria-prima; os cepilhos ou maravalhas, gerados pelas plainas, que podem chegar a 20% do volume total de matéria-prima, nas indústrias de beneficiamento; e os cavacos, compostos por costaneiras, aparas, refilos, cascas e outros, que pode chegar a 50% do volume total de matéria-prima, nas serrarias e laminadoras (HüEBLIN, 2001).

Quanto aos custos de utilização da biomassa, Padilha et al. (2005) observam que, levando-se em consideração que as usinas a vapor detêm custos menores de operação, se comparadas às usinas a diesel, e devido à atratividade técnica e econômica, as usinas termoelétricas podem ser implantadas com sucesso no Pará. Muitas mesorregiões apresentam sustentabilidade para o fornecimento de biomassa. A mesorregião do Marajó foi aquela que apresentou melhor possibilidade de aproveitamento da biomassa dentro da própria área, pois necessitou de pouca biomassa proveniente de outra mesorregião, uma vez que possui um potencial de geração com biomassa energética em torno de 16 MW. É relevante ainda acrescentar que materiais como papéis já utilizados, embalagens de papelão, sobras das toras e árvores perdidas pela exploração vegetal, galhos oriundos de poda de árvores em áreas urbanas e pó de serragem, bastante comum na indústria madeireira do Pará,

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207A matriz elétrica no estado do Pará e seu posicionamento na promoção do desenvolvimento sustentável

também podem ser amplamente utilizados em usinas termelétricas. É relevante ainda mencionar que estes materiais devem estar nas proximidades das usinas ou em rotas estratégicas com facilidade de acesso. A biomassa compreende uma fonte de baixo custo e é menos poluente, podendo representar uma alternativa bastante razoável se estabelecida em média escala no Pará.

4.2 Solar

A utilização da energia solar para a geração de eletricidade pode ocorrer de duas maneiras: indiretamente, gerada pelo uso do calor que alimenta uma central termelétrica; e diretamente, gerada pela utilização de painéis fotovoltaicos. A ge-ração fotovoltaica tem tido muito mais aplicação, sobretudo para a alimentação de pequenos sistemas isolados, de projetos-piloto e de eletrificação de equipamentos solitários (REIS, FADIGAS e CARVALHO, 2005). Esta forma de geração de eletricidade consiste no uso da energia térmica e luminosa captada por painéis solares, constituídos por células fotoelétricas ou fotovoltaicas. O efeito fotovol-taico gera uma diferença de potencial elétrico por meio de radiação, isto é, a célula solar trabalha a partir do princípio de que os fótons (partícula de radiação eletromagnética) incidentes, colidindo com os átomos de certos materiais, oca-sionam um deslocamento dos elétrons, carregados negativamente, gerando uma corrente elétrica. De acordo com Walisiewicz (2008), além do estado americano da Califórnia, a Espanha e a Itália também se destacam na utilização desta fonte de geração de eletricidade.

Este tipo de fonte é considerado limpo, renovável e inesgotável. Observe-se, na tabela 7, as emissões de CO

2 por intermédio dos estágios de produção de

energia, pertinentes a cada fonte de geração de eletricidade. A energia solar é a que menos lança CO

2 na atmosfera, o que a recomenda estrategicamente como

fonte complementar de geração de eletricidade.

TABELA 7

Emissões de CO² nos estágios de produção de energia (Ton/GWh)

Fontes de eletricidade Construção Operação Total

Carvão mineral 1 962 963

Gás natural 0 484 484

Eólica 7 - 7

Solar 5 - 5

Fonte: World Energy Council (2001).

As principais desvantagens da fonte solar são o alto custo de implantação de placas termossolares, muito onerosas para se viabilizar a produção de eletricidade em grande escala, e sua irregularidade na forma de distribuição uniforme, o que requer grandes áreas de coleta e sistemas de armazenamento. Todavia, como destaca

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Bermann (2003), a conversão fotovoltaica surge como alternativa de suprimento, de modo a promover a geração de empregos locais, a manutenção da receita da produção e da comercialização da energia na própria região, e um processo de desenvolvimento autossustentado.

O potencial de geração de empregos a partir da energia solar pode ser demonstrado por meio da composição dos segmentos da cadeia produtiva, desde o beneficiamento do quartzo (mineral não metálico de onde se extrai o silício, insumo dos painéis fotovoltaicos) até a produção e distribuição da energia solar propriamente dita. No tocante ao beneficiamento do quartzo, destaca-se que, de acordo com o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM, 2005), o Pará possui reservas de quartzo da ordem de 1.627.994 t, notadamente em Breu Branco e Marabá, municípios pertencentes à mesorregião Sudeste do estado, o que equivale a 36,6% das reservas nacionais deste mineral. Inserem-se ainda no ambiente em cadeia as transações decorrentes do processo natural de interação entre os segmentos produtivos. Todo este cenário permite a construção de um processo de desenvolvimento autossustentado em nível local.

No estado do Pará, a utilização da fonte solar é indicada graças a uma grande quantidade de radiação solar de que o estado dispõe durante todo o ano. Conforme Marques Filho e Dallarosa (2004), a Amazônia recebe, em média, 400 calorias por centímetro diariamente; destas, cerca de 120 referem-se ao território paraense, quantidade que é muitas vezes maior que a demanda do estado. De acordo com Silva (2005), se cada quilômetro quadrado no Pará fosse recoberto por painéis fotovoltaicos, o estado poderia fornecer entre 530 a 590 MWh por ano.

A inclusão da fonte solar na matriz elétrica do Pará, apesar dos relativamente altos investimentos iniciais, é necessária no médio prazo. Assim, estes investimentos poderiam se dar por meio de subsídios do governo federal (dado que o Pará não possui esta autonomia), que seriam empregados em duas etapas: na primeira, no curto prazo, o insumo energético poderia ser utilizado para o pré-aquecimento no setor industrial, e, em uma segunda etapa, no médio prazo, a utilização seria estendida a áreas residenciais específicas. Neste sentido, os subsídios seriam direcionados para se baratear a compra de equipamentos solares térmicos e se possibilitar a operação destas etapas.

De acordo com o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI (2008), o avanço de tecnologias indica que a contribuição da energia solar tende cada vez mais a constituir-se em uma alternativa energética adicional na oferta das energias convencionais, com aplicações estratégicas de natureza específica e localizada. Ainda segundo o INPI, o desenvolvimento de modernos painéis compostos com películas de telureto de cádmio tende no curto prazo a disponibilizar ao mercado níveis de eficiência capazes de traduzirem a energia solar em eletricidade, a partir de custos estimados de R$ 0,11/KW/h.

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209A matriz elétrica no estado do Pará e seu posicionamento na promoção do desenvolvimento sustentável

A utilização estratégica desta fonte de energia não se vincula às estruturas formadas por grandes aglomerados de eletricidade com distribuição por intermédio de linhas de transmissão, dotadas de altos custos, causadoras de impactos ambientais quando de sua implantação e detentora de perdas expressivas de energia. A conduta estratégica deve prezar justamente por centrais de pequeno e médio porte, posto que esta fonte de eletricidade pode ser encontrada potencialmente em qualquer lugar do estado. Áreas do Sudoeste e Noroeste do Pará seriam propícias para iniciar a implantação de painéis fotovoltaicos.

4.3 Eólica

A energia eólica é oriunda de uma tecnologia que utiliza a força dos ventos, a qual opera turbinas ligadas a redes de eletricidade. Este tipo de fonte de energia tende a crescer notadamente em países desenvolvidos na medida em que, por ser renovável, possui baixo custo de externalidades, não queima combustíveis fósseis e não emite gases poluentes que ocasionam o efeito estufa. De acordo com Walisiewicz (2008), além da Alemanha, a Dinamarca também utiliza-se destes benefícios, sendo 13% de sua eletricidade gerada a partir de fonte eólica.

Como desvantagens desta fonte destacam-se a alteração da paisagem quando da implantação de sua infraestrutura, composta por hélices e torres; a emissão de ruídos de baixa frequência, que causa interferências ocasionais em aparelhos de televisão; a ameaça às rotas migratórias de pássaros, em virtude da utilização de grandes hélices enfileiradas; e a improdutividade desta fonte em algumas regiões pela inconstância de ventos, baixa intensidade destes e desperdício de energia na ocorrência de fortes chuvas.

No território paraense registram-se ventos com velocidade entre 3,5 e 4 metros por segundo, em uma altura de 50 metros. De acordo com Silva (2005), se uma turbina eólica de 300 KW, com diâmetro de rotor de 33,4 metros fosse instalada a partir da mencionada velocidade, produziria uma potência máxima de 8,9 a 15 KW. Para o autor, estas velocidades seriam suficientes para operar turbinas eólicas com velocidades a partir de 3 m/s. No entanto, a velocidade de ventos entre 3,5 e 4 m/s, dominante no Pará, está entre as suficientes para apenas operar as turbinas eólicas em condições mínimas, e Silva (op. cit.) admite que estas turbinas jamais alcançariam um desempenho ótimo, o que inviabilizaria um amplo programa de implantação de turbinas no estado. No norte da Alemanha, por exemplo, a média anual dos ventos está acima de 6,5 m/s, o que propiciou o aproveitamento desta fonte de eletricidade naquele país como componente estratégico de sua matriz elétrica.

A partir de estudos mais próximos da base local de dados, verificou-se que a utilização desta fonte de energia elétrica não é recomendada como elemento de composição da matriz elétrica paraense. De acordo com Rendeiro (2003), o Pará possui grande parte de seu território com baixa densidade de ventos, o que

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desaconselha a utilização deste tipo de energia em larga ou mesmo em média escala. O Pará ainda apresenta uma desvantagem para a utilização da energia eólica – a improdutividade desta fonte em algumas microrregiões do estado pela inconstância de ventos, baixa intensidade destes e desperdício de energia na ocorrência de fortes chuvas. Conforme o IBGE (2008), as chuvas são abundantes no Pará, com a precipitação anual variando de 1.500 mm, no sul do estado, a 3.500 mm – 4.000 mm, no estuário do rio Amazonas.

Portanto, conclui-se que esta fonte deve ser utilizada em algumas pequenas áreas isoladas, notadamente no Nordeste do estado, o que traria inúmeros benefícios às comunidades locais. Entretanto, em âmbito global, a fonte eólica não teria representatividade suficiente para atrair investimentos que a transformassem em uma fonte complementar estratégica na matriz elétrica paraense.

4.4 Nuclear

A energia nuclear é a energia contida no núcleo dos átomos, a qual mantém prótons e nêutrons juntos. Suas principais aplicações são a produção de material radioativo, para utilização nos campos da medicina e da agricultura, e a geração de energia elétrica, foco de atenção deste artigo. A geração de eletricidade se dá a partir de base térmica – o calor produzido na fissão (reação na qual um nêutron, ao se chocar com um núcleo atômico, faz com que este se parta, liberando ener-gia), para movimentar o vapor de água, ocasiona o funcionamento de turbinas que produzem a eletricidade.

O desenvolvimento de reatores nucleares seguros (sistemas que realizam a produção controlada de uma reação nuclear de fissão) diminui substancialmente o risco de acidentes, e os desenvolvimentos tecnológicos de monta para que se torne economicamente viável apontam para esta fonte como a que oferece as melhores perspectivas no longo prazo. Países como França e Lituânia obtêm mais de três quartos da sua energia elétrica através destes reatores (WORLD NUCLEAR ASSOCIATION, 2008).

De acordo com a maior parte dos autores, a vantagem desta fonte está em sua tecnologia, capaz de reduzir as emissões de gases na produção de energia elétrica e os impactos climáticos originados pela geração de eletricidade. Observa-se, na tabela 8, uma estimativa dos custos para a sociedade e para o meio ambiente, decorrentes do uso da energia nuclear, em comparação com outras fontes. De acordo com a Eletrobrás (2002, apud BORGES, 2007), apesar de não terem sido incluídos os custos referentes ao lixo nuclear e à desativação, os custos de externalidades da energia nuclear, de US$ 0,19 a 0,58, são relativamente baixos em comparação a fontes como o carvão mineral, com custos entre US$ 1,94 e

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14,60, e o gás natural, com custos entre US$ 0,97 e 3,89. Entretanto, é relevante alertar os que defendem a tecnologia nuclear como não emissora de gases de efeito estufa que, se forem incorporados os cálculos do processo completo deste tipo de energia, incluindo mineração do urânio, transporte, enriquecimento do urânio, posterior desmontagem da central, e o processamento e confinamento dos resíduos radioativos, conclui-se que a opção pela fonte nuclear produz entre 30 e 60 gramas de CO

2 por KW/h gerado (AIEA, 2008).

TABELA 8

Custos de externalidades no uso da energia elétrica (2002)

Fontes de eletricidade Centavos de US$ / KWh

Carvão mineral 1,94 a 14,60

Gás natural 0,97 a 3,89

Eólica 0,05 a 0,24

Nuclear 0,19 a 0,58

Fonte: Eletrobrás (2002, apud Borges, 2007).Obs.: O cálculo dos custos de externalidades no uso da energia elétrica realizado pela Eletrobrás em 2002 é bastante preciso e completo. Dados mais recentes foram levantados, porém as metodologias utilizadas não englobam a totalidade dos reais custos destas externalidades. Neste sentido, optou-se pela utilização de dados de 2002.

Para a realidade brasileira, é interessante a difusão da fonte nuclear. A tendência de crescimento do consumo nacional de eletricidade não pode desconsiderar uma relevante participação complementar em sua matriz elétrica. O país não pode permanecer refém dos reservatórios, e esta afirmação justifica-se por três motivos: i) as secas prolongadas, muitas vezes, ameaçam a disponibilidade de eletricidade à população, na medida em que comprometem as reservas de energia; ii) o alagamento de milhares de quilômetros de áreas para a construção de reservatórios ameaça a fauna, a flora, os vários grupos sociais existentes, e emite grandes quantidades de gases poluentes; e iii) os riscos e a complexidade da geração termonuclear reduziram-se bastante nos últimos anos, em virtude dos avanços que envolvem segurança e tecnologia.

A energia nuclear possui papel estratégico no processo de transformação da matriz elétrica brasileira, e as usinas de Angra I e II, com potências, respectivamente, de 657 MW e 1.350 MW (ANEEL, 2009), já representam, ainda que de forma modesta, o despontar desta nova realidade. Atualmente, 2,8% da eletricidade gerada no Brasil vêm de fonte nuclear (BRASIL, 2009). Os investimentos devem continuar para que esta fonte possa conquistar uma maior participação no cenário energético do país.

Quanto ao Pará, caracteriza-se por ser um estado exportador de energia elétrica, dotado de potencialidades exploradas, como a energia hídrica, e de potencialidades a serem mais bem exploradas, como a energia solar e a biomassa. A utilização de potencialidades nucleares na produção de eletricidade não é

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indicada, em virtude das diversas alternativas energéticas de que o estado dispõe e em virtude de o Pará não se constituir em um grande centro de consumo. As usinas nucleares devem ser estrategicamente instaladas junto aos grandes centros de consumo de eletricidade na região Sudeste do país, e com estruturas logísticas próximas às principais reservas brasileiras de urânio (“alimento” da usina nuclear), localizadas nos estados da Bahia e do Ceará.

Observadas as potencialidades e limitações da biomassa e das fontes hídrica, solar, eólica e nuclear, apresenta-se uma análise global da avaliação de possibilidades de inserção de algumas destas modalidades na matriz elétrica paraense. As dimensões utilizadas nesta análise foram a econômica, a social, a ambiental e a tecnológica, por estas melhor caracterizarem o ambiente do desenvolvimento sustentável (quadro 4).

QUADRO 4

Análise do grau de desempenho, por dimensão, das fontes de geração de eletricida-de com base na realidade do estado do Pará

Fontes Dimensões Análise Grau de

desempenho

HÍDRICA

Econômica• Custos de construção dos reservatórios: R$1.140,00/MW (baixos).

• Custos após a construção: baixos.3

Social

• Geração de empregos na construção dos reservatórios: alta.

• Geração de empregos após a construção: alta, se considerado o

impulso na promoção de várias atividades econômicas.

3

Ambiental• Emissões de gases poluentes: 36 mil toneladas por Km² de área

alagada entre 1995 e 2005, considerada média.2

Tecnológica• Densidade energética: 3,4 MW/km², acima da média, que é de 1 MW/

Km².3

BIOMASSA

Econômica

• Custos de construção de uma pequena central: R$ 80,00/MW

(baixos).

• Custo médio estimado pela ANEEL: R$ 89,90/MW

3

Social• Geração de empregos: 300 empregos diretos e indiretos por

central. 2

Ambiental

• Emissões de gases poluentes: nula.

• Ameaça de devastação se cada central operar além de 80MW e se

não houver gestão eficiente de coleta de materiais.

2

Tecnológica

• Capacidade de geração: 309 toneladas de biomassa por hectare

em algumas mesorregiões.

• Capacidade correspondente à geração de 236 MW, caracterizando

um rendimento médio.

2

(Continua)

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213A matriz elétrica no estado do Pará e seu posicionamento na promoção do desenvolvimento sustentável

(Continuação)

Fontes Dimensões Análise Grau de

desempenho

SOLAR

Econômica

• Custos de instalação de sistema fotovoltaico com 50 painéis de 1,98 KW/PICO: R$ 65.000,00 (alto).

• Os custos são três vezes maiores do que aqueles verificados em outras fontes.

1

Social• Geração de empregos: média de um emprego direto para cada 32

painéis fotovoltaicos. Considerada de médio impacto na cadeia produtiva solar no Pará.

2

Ambiental

• Emissões de gases poluentes na construção da central: 5 toneladas/GWh.

• Emissões em sua operação: nula. Em cômputo global é considerada uma das fontes de menor emissão de gases.

3

Tecnológica

• Potencial de radiação solar: cerca de 120 calorias por centímetro diariamente – quantidade muitas vezes maior que a demanda do estado.

• Características infraestruturais: exige grandes áreas uniformes em locais estratégicos para instalação dos painéis.

2

EÓLICA

Econômica• Custo de instalação de um parque eólico: R$ 1.700,00/KW (alto). • O retorno do investimento seria prejudicado pela relação entre

custos e densidade dos ventos no Pará.1

Social• Geração de empregos: apesar do potencial de criação de postos de

trabalho, o estado não detém características naturais capazes de promoverem a cadeia produtiva eólica.

1

Ambiental• Emissões de gases poluentes na construção da central: 7 toneladas/

GWh. Emissões em sua operação: nula.3

Tecnológica

• Densidade dos ventos: velocidade abaixo de 4 m/s (baixo desempenho).

• Caracteísticas: inconstância de ventos, fortes chuvas, com precipitação anual variando de 1.500 mm e 4 mil mm.

1

NUCLEAR

Econômica

• Custos de instalação: altos custos por causa dos sistemas de emergência, contenção, resíduo radioativo e armazenamento.

• O retorno do investimento: muito baixo, tendo em vista que o Pará não dispõe de características naturais que recomendem uma participação atuante desta fonte.

1

Social• Geração de empregos: baixa capacidade de geração de postos de

trabalho nas atividades de operação e manutenção. 1

Ambiental• Emissões de gases poluentes: 30 a 60 gramas de CO² por KW/h

gerado (desempenho médio). 2

Tecnológica

• Intensidade energética: alta concentração de geração de energia, pois se utiliza o resíduo compacto.

• Características: perfil geológico, tecnológico e estratégico não identificado com as realidades verificadas no Pará.

2

Fonte: Elaboração do autor.Obs.: 1. Nota metodológica: o grau de desempenho foi classificado em três níveis: 3 – Alto desempenho; 2 – Médio desem-penho; 1 – Baixo desempenho. Considerando que a soma do grau de desempenho das dimensões de uma fonte tem valor máximo de 12 e mínimo de 4, a fonte que alcançou valor igual ou acima de 8 teve sua utilização recomendada na matriz elétrica paraense.

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Apesar de as fontes hídrica, biomassa e solar terem, de modo geral, atingido graus de atuação que as recomendam à matriz elétrica paraense, elas apresen-tam, nas dimensões econômica, social, ambiental e tecnológica, diferentes graus de desempenho. Para que seja possível identificar um posicionamento estratégico ideal para a participação de cada fonte na matriz, foi utilizada a seguinte equação:

λ = σ x 100ђ

onde:

λ = participação percentual recomendada de determinada fonte na matriz elétricaσ = Ω + δ + ß + ∂Ω = grau de desempenho da fonte na dimensão econômica δ = grau de desempenho da fonte na dimensão socialß = grau de desempenho da fonte na dimensão ambiental∂ = grau de desempenho da fonte na dimensão tecnológica

ђ = soma do σ ≥ 8 de todas as fontes analisadas

O resultado da equação recomendou que o melhor posicionamento das fontes de eletricidade na matriz elétrica paraense seria: 39% a partir de fonte hídrica, 32% baseada em biomassa e 29% a partir de fonte solar. O alcance deste cenário exigiria uma ampla e profunda modificação infraestrutural no sistema de geração de eletrici-dade no estado e somente poderia ser vislumbrado no longo prazo. Na tentativa de se caminhar para este ideal, apresenta-se, a seguir, uma proposta para 2020, que obedece ao resultado recomendado pelas equações quanto à proporcionalidade de participa-ção de cada fonte na matriz, porém, dentro das possibilidades de atendimento das demandas de consumo de eletricidade, bem como de tempo hábil para implantação da infraestrutura e para obtenção de investimentos nos próximos dez anos no Pará.

A fonte hídrica, recomendada em maior proporção de utilização, deve dimi-nuir sua participação na matriz paraense. A redução, de 96% registrada em 2005 para a meta de 80% em 2020 (tabela 9), não equivale a desativação de parte de potencial hídrico estadual, mas ao atendimento proporcional do crescimento da demanda a partir de outras fontes de energia. A biomassa e a solar compreendem duas fontes a serem difundidas no médio prazo e devem possuir destacado papel no processo de transformação da matriz elétrica. Estas fontes devem responder por 12% e 7%, respectivamente, na matriz de 2020. Atualmente, estas fontes respondem por 1% da participação na geração de eletricidade. As outras fontes não devem ultrapassar 1%, registrando-se aqui que a quase totalidade desta participação refere-se à utilização de óleo, ou seja, de combustível fóssil, para a geração elétrica.

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215A matriz elétrica no estado do Pará e seu posicionamento na promoção do desenvolvimento sustentável

TABELA 9

Matriz elétrica proposta para o estado do Pará (2020)

Fontes de eletricidade Participação (%)

Hídrica 80

Biomassa 12

Solar 7

Outros 1

Total 100Fonte: Elaboração do autor.

As empresas envolvidas com a cadeia energética de fontes de biomassa e solar no Pará deverão formar dois importantes setores que juntos movimentarão cerca de R$ 30 milhões e gerarão aproximadamente 20 mil empregos diretos nos próximos dez anos. No caso da biomassa, destaca-se que sua produção é intensiva de trabalho, e não de capital (como o petróleo, por exemplo). Esta indústria gera 300 empregos por usina, nestes não estando inclusos os coletores de biomassa e os empregos para quadros qualificados, que são aqueles envolvidos em pesquisa de espécies, processos de transformação industrial e novas utilizações. Neste sentido, com base no potencial estadual estimado, esta indústria teria capacidade de gerar, no decorrer de dez anos, 12 mil empregos diretos e 36 mil indiretos. Quanto à indústria solar, a realidade brasileira demonstra que a cada 32 painéis fotovoltaicos, aproximadamente, um emprego direto é gerado. No Pará, o potencial de produção anual poderia ser de 260 mil painéis, o que geraria cerca de 8 mil empregos diretos nos próximos dez anos.

A participação mais atuante da biomassa e da radiação solar como fontes energéticas deverá evitar o lançamento de emissões em cerca de 15 milhões de toneladas de gás carbônico em dez anos. Este novo cenário reduziria a contribuição paraense na emissão de gases a partir de fontes de eletricidade e demonstraria uma iniciativa de compensar uma pequena parte dos impactos causados ao aquecimento global pelas imensas áreas alagadas em virtude da construção das usinas de Tucuruí (Eletronorte) e de Curuá-Una (Celpa), ambas no Pará.

Em suma, o processo de diversificação da matriz elétrica paraense com uso de fontes renováveis de energia alternativa, como biomassa, radiação solar e até mesmo aquela proveniente de pequenas hidrelétricas, possui dois papéis estraté-gicos no reposicionamento da matriz elétrica do estado em direção ao seu desen-volvimento sustentável. O primeiro, caracterizado por um esforço concreto para solução de problemas ambientais oriundos de fontes de geração de eletricidade no estado, na medida em que se reduzam as emissões atmosféricas de gases poluentes. O segundo, concernente ao combate à pobreza por meio da geração de empregos e da oferta de oportunidades a partir de uma cadeia produtiva local de tecnologia energética não dependente de importações.

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É relevante destacar ainda que as formas de utilização e distribuição da ener-gia elétrica gerada no Pará também interferem no processo de desenvolvimento do estado. Apesar de este cenário não ser aqui objeto de discussão, registra-se que aproximadamente a metade do consumo de energia elétrica no estado está direcionada a grupos eletrointensivos. De acordo com Bermann (2003), o sub-sídio proporcionado pelos contratos de fornecimento de energia produzida pela usina de Tucuruí representa para a Eletronorte uma perda de aproximadamente R$ 370 milhões ao ano. Desenvolver no Pará uma infraestrutura associada ao perfil destas indústrias equivale a se adotar uma política de não agregação de valor às mercadorias produzidas no estado e ainda se arcar com os custos socioambientais desta geração, o que dificulta a evolução do processo de desenvolvimento socioe-conômico. Neste panorama, além de sua população se tornar suscetível aos amplos impactos sociais e ambientais provenientes da construção destes grandes projetos, coloca o estado em uma condição de submissão à lógica do capital (BORGES, 2007). Isto ocorre na medida em que exclui várias comunidades paraenses de benefícios sociais em favor da ampliação do PIB nacional no curto prazo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da necessidade de transformação das matrizes elétricas, muitas nações passaram a repensar seus posicionamentos energéticos, na intenção de se promover um processo de desenvolvimento sustentável. Este trabalho analisou três realidades distintas. Na Alemanha, o esforço de transformação na matriz elétrica está pautado notadamente na ampliação da participação da energia eólica. No estado americano da Califórnia, as iniciativas estão basicamente alicerçadas no aumento da proporção utilizada da energia solar. E na China, os esforços estão fundamentados na ampliação da participação de três fontes: hídrica, nuclear e gás natural.

Frente a este desafio mundial, analisou-se aqui a viabilidade de inserção das principais fontes de geração de eletricidade de crescente difusão nas realidades verificadas, para as especificidades econômicas, tecnológicas e naturais do Pará. A intenção foi aperfeiçoar o posicionamento estratégico da matriz elétrica paraense na promoção do desenvolvimento sustentável no estado. Assim, foram avaliadas as seguintes fontes: hidrica, biomassa, solar, eólica e nuclear.

No tocante à fonte hídrica, observou-se que o Pará registra um alto desempenho para as dimernsões econômica, social e tecnológica, e um médio desempenho na dimensão ambiental – o que indica sua utilização. Em relação à biomassa, o estudo verificou que o estado apresenta alto desempenho para a dimensão econômica, médio desempenho para a dimensão social, médio desempenho para a dimensão ambiental e médio desempenho para a dimensão tecnológica. Sua utilização é indicada. O estado é o terceiro maior beneficiador de espécies florestais do Brasil, e consequentemente gera grande quantidade de resíduos, o que representa potencial

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significativo para utilização desta biomassa para fins energéticos. No tocante à fonte solar, observou-se que o estado apresentou baixo desempenho na dimensão econômica, médio desempenho para a social, alto desempenho na dimensão ambiental e médio desempenho para a dimensão tecnológica. Sua utilização é indicada, graças à enorme quantidade de radiação solar de que o estado dispõe durante todo o ano. Em relação à fonte eólica, verificou-se baixo desempenho para a dimensão econômica, baixo desempenho para a dimensão social, alto desempenho para a dimensão ambiental e baixo desempenho para a dimensão tecnológica. Não se aconselha sua utilização. O estado possui grande parte do território com baixa densidade de ventos – menos que 4 m/s –, e inconstância destes. Quanto à fonte nuclear, observa-se baixo desempenho para a dimensão econômica, baixo desempenho para a dimensão social, médio desempenho para a dimensão ambiental e médio desempenho para a dimensão tecnológica. A utilização de potencialidades nucleares na produção de eletricidade não é indicada, uma vez que não encontra sustentação nas peculiaridades geológicas, econômicas e tecnológicas do estado.

Tomando por referência o resultado de equações matemáticas, no que concerne às proporcionalidades de participação das fontes na matriz elétrica, elaborou-se uma proposta para 2020, que observa as realidades de ritmo de crescimento do consumo de energia elétrica, de condições infraestruturais e de investimento. A fonte hídrica deve reduzir sua participação na matriz paraense, de 96%, registrada em 2005, para a meta de 80% em 2020. A biomassa e a solar compreendem duas fontes a serem difundidas no médio prazo e devem possuir destacado papel no processo de transformação da matriz elétrica. Juntas, devem responder por 19% da matriz em 2020 (biomassa: 12%; solar: 7%). Hoje, cada uma das fontes responde por 1% da participação na geração de eletricidade no Pará. As demais fontes não devem ultrapassar 1%. Neste sentido, o planejamento de investimentos no setor elétrico deve ser um compromisso governamental com uma melhor proporcionalidade das fontes geradoras de energia.

A expectativa no cenário de desenvolvimento do estado do Pará é a de que as empresas envolvidas com a cadeia energética de fontes solar e biomassa venham a constituir dois novos setores que devem movimentar juntos cerca de R$ 30 milhões e gerar aproximadamente 20 mil empregos diretos nos próximos dez anos. A inclusão destas fontes de energia na matriz elétrica deverá evitar o lançamento de emissões em cerca de 15 milhões de toneladas de gás carbônico em igual período. Este novo cenário reduziria a contribuição paraense na emissão de gases poluentes a partir de fontes de eletricidade e demonstraria uma iniciativa de compensar uma pequena parte dos impactos causados ao aquecimento global pelas imensas áreas alagadas devido à construção das usinas hidrelétricas no estado.

Por fim, convém destacar que o esforço de construção de matrizes mais comprometidas com os desafios competitivos e ambientais apresentados pelo

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panorama internacional na atualidade deve ser resultado de um plano nacional sustentável e integrado. Se o planejamento do governo federal não estiver comprometido com a necessidade de transformação da matriz elétrica nacional e o discurso político continuar comprometido com a geração de PIB no curto prazo, fatalmente o crescimento do consumo de eletricidade no país irá indicar a necessidade de construção de novas hidrelétricas no Pará, o que comprometeria substancialmente a matriz elétrica proposta para 2020.

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CICLOS POLÍTICOS ORÇAMENTÁRIOS NO ESTADO DO CEARÁ (1986-2006)Mário César Lemos Queiroz*Almir Bittencourt da Silva**

Os ciclos políticos, de percepção bastante intuitiva, constituem-se num fenômeno amplamente estudado. Entre as teorias desenvolvidas, destacam-se quatro vertentes, organizadas segundo os critérios de racionalidade do eleitor e de comportamento do político, a saber: o ciclo político oportunista tradicional; o ciclo político oportunista racional; o ciclo político partidário tradicional; e o ciclo político partidário racional. Os ciclos políticos, no entanto, podem ocorrer com características combinadas, a exemplo dos ciclos políticos ideologicamente motivados (partidários) mesclados com algumas características dos ciclos oportunistas. Os ciclos políticos orçamentários, enquadrados como oportunistas racionais, são priorizados neste estudo. Acredita-se – em razão da simplicidade de sua operação, e levando-se em conta que a democracia é um processo ainda jovem no Brasil – que tal tipo de ciclo é o de ocorrência mais provável no país e, consequentemente, no Ceará. A intenção dos modelos propostos foi evidenciar o comportamento oportunista de governadores do estado do Ceará no período de 1986 a 2006, externado por meio de movimentos cíclicos da execução orçamentária. A análise dos dados confirmou que os governadores apresentaram, de forma geral, comportamento oportunista sobre a execução orçamentária.

Palavras-chave: Ciclos Políticos; Execução Orçamentária; Comportamento dos Mandatários.

POLITICAL BUDGET CYCLES IN CEARA (1986-2006)

The political cycles’ perception is very intuitive, and, therefore, it is a well studied phenomenon. Among the theories developed there are four strands, arranged between the criteria of voter’s rationality and politician’s behavior, namely: the traditional opportunistic political cycle and the rational opportunistic one, as well as the traditional partisan political cycle and the rational partisan one. The political business cycles, however, may occur with combined features, like the political cycles ideologically motivated (partisan cycles) with some characteristics of opportunistic cycles. The political budget cycles, framed as the rational opportunistic type, are prioritized in this study, because it is believed, due to its simplicity of operation and the fact that democracy is a process still young, to be the ones most likely to occur in Brazil and, consequently, in Ceará. The proposed models’ intention was to evidence the opportunistic behavior of Ceará state’s governors in the period from 1986 to 2006, externalized by cyclical movements of the budgetary execution. The data analysis confirmed that the governors showed, in general, opportunistic behavior on the budgetary execution.

Keywords: Political Business Cycles. Budgetary Execution. Incumbents’ Behavior.

* Administrador, mestre em economia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), analista contábil-financeiro da Secretaria da Fazenda do estado do Ceará. Correio eletrônico: [email protected].** Economista, doutor em economia pela UFC, professor associado da UFC. Endereço: Avenida da Universidade, 2.700, 2o andar. CEP: 60.020-181, Benfica, Fortaleza, Ceará. Correio eletrônico: [email protected].

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CICLOS POLITICOS PRESUPUESTARIOS EN LA PROVINCIA DE CEARÁ (1986-2006)

La percepción de los ciclos políticos es muy intuitivo, siendo por tanto un fenómeno bien estudiado. Entre las teorias dessarrolladas se destacan cuatro secciones, dispuestas entre los criterios de la racionalidad de los votantes y la raelización de la política, a saber, el ciclo político oportunista tradicional y el oportunista racional, y el ciclo político partidista tradicional y el partidista racional. Los ciclos políticos, sin embargo, pueden ocurrir con características combinadas, por ejemplo en el caso de los ciclos políticos ideologicamente motivados (partidários) con algunas características de los ciclos oportunistas. Los ciclos políticos presupuestários, enmarcados como el tipo de oportunistas racional, se priorizan em este estúdio porque se cree que debido a su simplicidad de operación y el hecho de que la democracia es aún um proceso joven, son los más problabes que ocurran em Brasil, y consecuentemente em Ceará. La intención de los modelos propuestos ES evidenciar El comportamiento de los gubernantes del Estado de Ceará em el período de 1986 a 2006, externando por médio de movimientos cíclicos de la organización pressupuestária La intención de los modelos propuestos es evidenciar el comportamiento oportunista de los gubernantes del Estado de Ceará en el período de 1986 a 2006, externando por médio de movimientos cíclicos de la organización pressupuestária. El análisis de los datos confirma que los gubernantes presentan, de forma general, comportamiento oportunista sobre la ejecución presupuestária.

Palabras-Clave: Ciclos Políticos, Ejecución Presupuestária, Comportamiento de los Mandatários.

CYCLES POLITIQUES BUDGéTAIRES EN éTAT DE CEARÁ (1986-2006)

La perception des cycles politiques est assez intuitive, étant, donc, un phénomène assez étudié. Entre les théories dévéloppées quatre branches se détachent, organisées entre les critères de rationalité de l’électeur et de comportement politique, à savoir: le cycle politique opportuniste traditionnel et celui rationnel, et le cycle politique de parti traditionnel et celui rationnel. Les cycles politiques peuvent, cependant, avoir des caractéristiques combinées, à l’exemple des cycles politiques idéologiquement motivés (cycles politiques de partis) avec quelques caractéristiques des cycles opportunistes. Les cycles politiques budgétaires, encadrés comme du type opportuniste rationnel, sont mis en priorité dans cette étude, car on croit, en raison de la simplicité de son opération et du fait d’être la démocratie un processus encore jeune, sont ceux les plus probables au Brésil, et conséquemment au Ceará. L’intention des modèles proposés a été celle de souligner le comportement opportuniste des gouverneurs de l’État du Ceará pendant la période de 1986 à 2006, presenté à travers les mouvements cycliques de l’exécution budgétaire. L’analyse des données a confirmé que les gouverneurs ont présenté, d’une manière générale, un comportement opportuniste sur l’exécution budgétaire.

Mots-clés: Cycles Politiques, Exécution Budgétaire, Comportements des Gouverneurs.

1 INTRODUÇÃO

A ideia deste artigo é construir um modelo representativo dos possíveis ciclos políticos orçamentários orquestrados pelos governadores do estado do Ceará no período de 1986 a 2006. Assim, partindo principalmente da análise do comportamento da execução orçamentária do estado, este trabalho contribui para

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225Ciclos políticos orçamentários no estado do Ceará (1986-2006)

clarificar distorções ou manipulações orçamentárias no Ceará, definindo eventuais padrões de conduta dos mandatários.

Fazer uma abordagem local a respeito de ciclos políticos, fenômeno amplamente estudado, tem uma motivação intuitiva, na medida em que se considera ser razoavelmente aceitável a possibilidade de que a oferta de bens e serviços públicos no estado do Ceará foi irregular durante o período de 1986 a 2006. Isto representaria um forte indício de que a intensidade dos gastos públicos acompanhou o calendário eleitoral, e de que os governadores não primaram pela maximização (ou pelo menos o aprimoramento) do bem-estar da população cearense, mas pelas suas chances de continuar no poder, seja diretamente, via reeleição, seja indiretamente, via sucessor do mesmo partido ou de coalizão.

O comportamento dos eleitores, naturalmente, é um fator importante para a teoria dos ciclos políticos, a qual os define como racionais ou não racionais, a depender da forma como geram informações relevantes sobre os candidatos a cargos eletivos. Todavia, a partir da observação informal do seu comportamento, percebe-se uma persistente insatisfação (incredulidade) com os mandatários, o que, embora revele a necessidade de exercer maior consciência política, tem certa aderência teórica, numa demonstração de que os titulares dos cargos, enquanto homines economici, são egoístas, ou seja, buscam maximizar sua própria função de utilidade, ao invés de maximizar um suposto “bem-estar social”. Assim, é de se pressupor que num sistema democrático os partidos formularão suas políticas visando prioritariamente à obtenção do maior número de votos possível e à permanência no poder, a despeito da defesa de determinado grupo de interesses ou de alguma ideologia (DOWNS, 1957, apud PREUSSLER, 2001, p. 12).

Depreende-se, portanto, que é considerável a hipótese de que muitos mandatários priorizem interesses oportunistas ao longo de seus mandatos. Estudar a ocorrência de tal comportamento por parte dos governadores do estado do Ceará, inclusive a ponto de promover ciclos políticos orçamentários, é o escopo desta pesquisa.

O presente artigo está estruturado da seguinte forma: na seção 2, faz-se uma breve revisão da literatura, perpassando-se os diversos modelos criados de combinações entre o comportamento dos eleitores (racional ou não racional) e dos políticos (oportunista ou partidário). Na seção 3 é feita uma detida apresentação do modelo de ciclos políticos orçamentários, consoante o objetivo deste trabalho. Em seguida, na quarta seção, apresentam-se evidências empíricas acerca do Brasil, com foco no referido modelo. A quinta seção discute a metodologia utilizada para o alcance do objetivo almejado. A seção 6 expõe os resultados obtidos. Por fim, a seção 7 refere-se à conclusão.

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2 REVISÃO DE LITERATURA

Diversos modelos foram desenvolvidos para representar o comportamento da economia ao longo do calendário eleitoral, numa tentativa de identificar a presença de movimentos cíclicos. Assim, uma maneira alternativa de se estudarem os ciclos econômicos é interpretá-los como politicamente determinados. Constata-se que a raiz de alguns deles situa-se na motivação política, ou seja, constata-se que os ciclos econômicos são também políticos (REICHENVATER, 2007, p. 1).

Fialho (1996, apud SALVATO et al., 2007, p. 3) afirma que a busca de evidências históricas e estatísticas que sinalizam uma conexão entre calendário eleitoral e flutuações econômicas procura, em última instância, oferecer uma explicação adicional para tais flutuações. Para a autora, este foco tomado pela teoria dos ciclos políticos difere de outros estudos sobre flutuações econômicas de curto prazo “fundamentalmente por tomarem como endógena e relevante a participação dos agentes políticos (ou do governo) na determinação da trajetória da economia” (FIALHO, 1996, apud SALVATO et al., 2007, p. 3).

A literatura sobre ciclos políticos pode ser dividida em dois principais grupos de estudos empíricos: os que buscam a trajetória cíclica com quebra de tendência pós-eleitoral nas séries de tempo relativas às variáveis macroeconômicas desemprego, inflação e crescimento do produto, e os que tratam a manipulação pré-eleitoral em instrumentos de política econômica tais como emissão monetária, taxa de câmbio, arrecadação de impostos, transferências governamentais e gastos governamentais (PREUSSLER e PORTUGAL, 2002, apud SALVATO et al., 2007, p. 5).

A teoria dos ciclos políticos foi, todavia, organizada em diferentes vertentes. Segundo Jula e Jula (2007, p. 2), a partir do espectro oportunista-ideológico de motivação política, os modelos de ciclos políticos podem ser classificados de acordo com as expectativas que se supõe serem mantidas pelos indivíduos.

QUADRO 1

Tipologia dos ciclos políticos

Comportamento dos eleitores

Não racional Racional

Mot

ivaçã

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com

porta

men

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dos

polít

icos Oportunista

Mod

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do

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(FRE

Y e

SCHN

EIDE

R, 1

978)

Ciclo político oportunista tradicional

(NORDHAUS, 1975)

Ciclo político oportunista racional

(ROGOFF e SIBERT, 1988; ROGOFF,

1990; PERSSON e TABELLINI, 1990)

PartidáriaCiclo político partidário tradicional

(HIBBS, 1977)

Ciclo político partidário racional

(ALESINA, 1987)

Adaptado de Jula e Jula (2007, p. 3).

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227Ciclos políticos orçamentários no estado do Ceará (1986-2006)

Esta classificação permite identificar quatro variantes na literatura dos ciclos políticos: o ciclo político oportunista puro; a teoria partidária tradicional; o ciclo político oportunista racional; e a teoria partidária racional.

2.1 Ciclo político oportunista tradicional

O modelo de Nordhaus (1975) é largamente apontado pela literatura como o principal pressuposto do que vem a ser o ciclo político oportunista tradicional. Drazen (2000, p. 78) coaduna com esta visão ao afirmar que, a partir daquele, os primeiros modelos de ciclos políticos – quer sejam oportunistas, quer sejam partidários – tiveram a política monetária como força motriz: uma política monetária expansionista levava a um aumento temporário na atividade econômica, seguido, com defasagem, por um aumento na inflação.

De forma bastante concisa, Drazen (2000, p. 78) defende que o modelo de Nordhaus foi criado para mostrar que, se o voto era baseado no desempenho econômico recente, e se as expectativas de inf lação eram retrógradas, um mandatário oportunista que controla a política monetária iria encontrá-la ideal para induzir um ciclo de inflação e desemprego correspondente à duração do seu mandato, com pico justamente antes da eleição, e com uma recessão mais tarde.

Dessa forma, a economia é caracterizada por uma curva de Phillips aumentada pelas expectativas, e pressupõe-se a utilização de instrumentos de política fiscal e monetária pelos políticos, de forma que (FIALHO, 1999, p. 133):

• o governo estimula a demanda agregada antes das eleições, explorando as vantagens de uma curva de Phillips de curto prazo;

• a atividade econômica sofre um aumento temporário, com uma signifi-cativa redução no desemprego;

• há uma pequena elevação da inflação no período eleitoral;

• após o período eleitoral, as expectativas se ajustam, e a inflação aumenta ainda mais; e

• os efeitos expansionistas do período anterior são eliminados pela contração da demanda agregada, levando a uma recessão logo após as eleições.

Borsani (2000, p. 42), por sua vez, menciona a crítica da miopia política, evitada particularmente nas versões racionais da teoria oportunista, segundo a qual o funcionamento reiterado do modelo pressupõe que os eleitores não teriam capacidade de aprender com as experiências anteriores. Gonçalves e Fenolio (2007, p. 467) alegam que os modelos pioneiros, notadamente aqueles fundamentados na vertente teórica fundada por Nordhaus (1975), Lindbeck (1976) e MacRae (1977), denominada ciclos políticos oportunistas, caíram em descrédito com a revolução das expectativas racionais nos anos 1970.

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2.2 Ciclo político oportunista racional

A ideia de manipulação eleitoral da política econômica não foi abandonada, com vários trabalhos tentando compatibilizar expectativas racionais e ciclos políticos. Disto surgiu uma nova vertente de ciclos políticos, na qual os eleitores são modelados como racionais, mas possuindo informação imperfeita, ou seja, eles buscam inferir a competência do mandatário a partir de suas decisões políticas, usando todas as informações relevantes disponíveis acerca da variável que estão tentando prever (VIANA, 2003, p. 22).

Gonçalves e Fenolio (2007, p. 468) afirmam, no entanto, que o modelo opor-tunista racional não prevê, em termos gerais, ciclos de produto agregado como em Nordhaus, mas envolve, por exemplo, manipulações orçamentárias das transferên-cias governamentais, as quais são infladas nas vésperas das eleições em detrimento dos investimentos, uma vez que estes possuem prazo de maturação bem maior.

Segundo Brender e Drazen (2005, p. 7), expansões fiscais durante os anos de eleição conduzem eleitores racionais a votarem nos mandatários que as produzem, pois sinalizam elevada competência quando há incerteza sobre a sua capacidade. Eles estão se referindo a ciclos políticos com base em manipulação orçamentária (ciclos políticos orçamentários), para os quais os eleitores possuem informação imperfeita sobre as características relevantes dos políticos potenciais, e o que parece ser artifício (expansões fiscais oportunistas) produz efeitos porque os eleitores são levados a gerar informações relevantes sobre os candidatos a cargos eletivos (DRAZEN, 2000, p. 100). É nestas circunstâncias que eleitores racionais permitem ser influenciados pela manipulação do orçamento promovida com fins eleitoreiros.

Assim, Rogoff (1990, apud ALESINA, COHEN e ROUBINI, 1991, p. 7) apresenta um modelo não monetário focado nas despesas governamentais de consumo (ou transferências) e nos investimentos, cuja sinalização toma a forma de aumentos pré-eleitorais nas despesas de consumo e transferências imediatamente visíveis, e de cortes nas despesas de investimentos. O autor argumenta que, embora a queda no investimento seja nociva à produtividade e à eficiência, estes resultados são observáveis pelos eleitores apenas posteriormente, o que possibilita o surgimento de ciclos orçamentários por meio de distorções na alocação de recursos entre os programas de gastos públicos. Esta ideia, porém, foi formalizada anteriormente por Rogoff e Sibert (1986, p. 5), os quais partem do pressuposto de que todos os governantes são requisitados a fornecer um dado nível de bens e serviços públicos ou transferências, G , chegando à seguinte restrição orçamentária:

∆++= τεG (1)onde ε é a competência do governo, τ são os impostos diretos (ou

transferências, se negativos) e ∆ representa a receita de senhoriagem (levantada sob o custo de distorções na economia).

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229Ciclos políticos orçamentários no estado do Ceará (1986-2006)

Os bens e serviços devem ser financiados com o mínimo possível de recursos públicos, pois se presume que o governo mais competente requer o mínimo de receita para entregar G à sociedade (ROGOFF e SIBERT, 1986, p. 5).

Para Alesina, Roubini e Cohen (1997, p. 30), uma interpretação alternativa considera ∆ o déficit orçamentário, em vez de senhoriagem, e a implicação empírica de o período pré-eleitoral apresentar um nível de tributação abaixo do eficiente e um nível de inflação acima do ótimo seria: no ano da eleição, deve-se observar menor tributação e maiores déficits. A partir disto, Rogoff (1987, p. 3) estabelece uma função produção dos bens públicos, dada por:

tttt kg ετ +=+ +1 (2)

onde tg representa os bens públicos de consumo, 1+tk é o investimento no período t que se torna visível no período 1+t , e tτ e tε são as duas variáveis insumo dentro do processo de produção de bens públicos;

tg e tτ são observados contemporaneamente pelos eleitores, mas estes apenas formam inferências sobre os gastos com investimento ( k ) e a competência do mandatário (ε ), confirmando-as apenas no período seguinte às eleições ( 1+t ).

Rogoff (1987, p. 6) propõe que todos os agentes, incluindo o governante, compartilham a mesma função utilidade, com a diferença de que o titular do cargo público desfruta de uma renda adicional, conhecida como ego rents. Assim, a função utilidade do governador pode ser interpretada como o governante pondo algum peso no bem-estar social (o que o inclui como cidadão comum) e algum peso na renda que ele aufere como chefe do executivo.

A partir do modelo de ciclo orçamentário originalmente proposto por Rogoff e Sibert (1988), o trabalho de Persson e Tabellini (1990) propôs uma simplificação (REICHENVATER, 2007, p. 4). O modelo, baseado em expectativas racionais, foi desenvolvido num ambiente keynesiano, com preços não totalmente flexíveis, havendo a possibilidade de um trade-off de curto prazo entre inflação e desemprego. Dessa forma, o governante tenta mostrar-se competente buscando, por meio da política monetária, reduzir o desemprego para aquém da sua taxa natural sem precipitar o nível de preços (PREUSSLER, 2001, p. 29).

Em suma, os modelos oportunistas racionais (orçamentários ou baseados na curva de Phillips) preveem manipulações de curto prazo do orçamento ou da política monetária no período imediatamente antes e depois da eleição.

2.3 Ciclo político partidário tradicional

Considerando-se que a teoria tradicional dos ciclos políticos se apoiou em fraca evidência empírica, tendo sido inclusive rejeitada por diversos autores que usaram dados dos Estados Unidos pós-Segunda Guerra Mundial, vários estudos empíricos

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passaram a focar a teoria partidária de política macroeconômica. Ao propor esta abordagem, Hibbs (1977), categorizando os partidos políticos como sendo de esquerda ou de direita, alegou que o Partido Democrata dos Estados Unidos e os partidos socialistas da Europa são mais avessos ao desemprego e menos à inflação que o Partido Republicano dos Estados Unidos e os partidos conservadores da Europa (ALESINA e SACHS, 1986, p. 3). Alesina (1988, p. 16) afirma que estas hipóteses foram testadas nos Estados Unidos por Hibbs (1987) a partir de um modelo baseado numa curva de Phillips, mas sem se considerarem as expectativas racionais, o que seria o modelo partidário tradicional. Assim, as formulações da curva de Phillips e das expectativas de inflação são as mesmas que no caso do modelo oportunista tradicional, embora seja abandonada a hipótese de que os políticos são iguais.

Este modelo implica que diferentes partidos escolhem diferentes pontos da curva de Phillips, optando entre combinações que representam um maior (partidos de direita) ou menor (partidos de esquerda) nível de desemprego, com os respectivos desdobramentos sobre o crescimento do produto e a inflação (ALESINA e ROUBINI, 1990, p. 8).

Os eleitores, por sua vez, também têm uma visão retrospectiva neste caso, pois olham para a situação da economia e, baseados nas suas preferências, favorecem um partido ou outro. No entanto, não usam as suas observações do passado para fazer previsões racionais do futuro (ALESINA, ROUBINI e COHEN, 1997, p. 49).

Tendo em vista que os partidos de esquerda são mais avessos ao desemprego e menos à inflação que os de direita, o desemprego é permanentemente menor e a inflação e o crescimento são permanentemente maiores com partidos de esquerda no poder que com governantes de direita (ALESINA, ROUBINI e COHEN, 1997, apud JULA e JULA, 2007, p. 3).

2.4 Ciclo político partidário racional

Dando continuidade às pesquisas sobre manipulação eleitoral, Alesina (1987) e Alesina e Sachs (1988) apresentaram um modelo embasado na visão partidária, mas contrário à literatura então vigente neste assunto, pois contava com expectativas racionais e voltadas para o futuro. Neste modelo macroeconômico, a economia também é caracterizada por uma curva de Phillips, mas numa versão específica para contratos de salários nominais, cujos reajustes acompanham, com atraso, a evolução da inflação.

Segundo Alesina e Roubini (1990, p. 9), para que este modelo gere um ciclo político, deve-se supor que os contratos de trabalho são assinados em intervalos discretos (os quais não coincidem com a duração do mandato eletivo), e que os resultados da eleição são incertos em razão dos choques contra as preferências dos eleitores (adoção de políticas inesperadas).

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O modelo pressupõe que as expectativas sobre a inflação e a política monetária são baseadas na média das políticas que, espera-se, serão seguidas pelos partidos uma vez eleitos, de forma que a possibilidade de vitória de um ou outro partido faz com que as previsões não sejam suficientemente boas para evitar surpresas. No entanto, estas surpresas não perpassam todo o mandato eletivo, desaparecendo tão logo os eleitores ajustem as suas expectativas (ALESINA e ROUBINI, 1990, p. 9).

Adicionalmente, admite-se que os eleitores são prospectivos (voltados para o futuro), conhecem as funções objetivo dos dois partidos, bem como as suas políticas (metas de inflação). Baseados nas suas preferências, votam no partido que entrega a maior utilidade esperada (ALESINA, ROUBINI e COHEN, 1997, p. 55).

2.5 Ciclo político situacional

Outro problema teórico dos ciclos políticos está na possibilidade de unir os modelos partidário e oportunista. O resultado foram os modelos dependentes do contexto. Nestes modelos, a extensão com que os políticos controlam resultados macroeconômicos ou políticas pode variar significativamente, dependendo de circunstâncias específicas. Assim, deve-se esboçar uma função popularidade e uma função política. A função popularidade expressa um suporte partidário como uma função de taxas de desemprego, inflação e crescimento econômico, enquanto a última incorpora as preferências ideológicas responsivas do governo do mandatário. Elas sugerem que políticos partidários, quando no poder, se tornam oportunistas com a aproximação das eleições se eles são relativamente impopulares. Se a popularidade atual do governante excede a crítica, o governante mantém um superávit de popularidade; se sua popularidade cai abaixo do nível da crítica, o governante ostenta um déficit de popularidade; o primeiro cenário motiva o governante a agir ideologicamente, enquanto o segundo, oportunistamente (FREY e SCHNEIDER, 1978, apud JULA e JULA, 2007, p. 4).

Sobre o embate entre maximizar votos e seguir a ideologia partidária, Przeworski e Sprague (1986, apud BORSANI, 2000, p. 46) afirmam que “a necessidade de manter o apoio de suas bases sociais faz com que muitas vezes não seja fácil para um partido pensar somente na maximização do voto”, e que por mais que esta seja a vontade dos seus dirigentes, é difícil atrair significativamente os votos do centro político, o qual geralmente concentra a maioria do eleitorado. No entanto, “o processo centrípeto em busca dos eleitores moderados não culmina necessariamente na homogeneidade dos partidos”, ressalta Borsani (2000, p. 46) ao mencionar que este fenômeno motiva deslocamentos no espectro ideológico do partido, de forma a estabelecer um equilíbrio entre a disposição de ganhar eleições e a de sustentar os propósitos políticos. Portanto, é eminente a necessidade de prudência ao se combinar características dos modelos oportunistas e partidários, sob pena de se subestimar o valor da literatura antecedente e específica para cada tipo de ciclo político.

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3 ESCOLHA E IMPLICAÇÕES DO MODELO DE CICLOS POLÍTICOS ORÇAMENTÁRIOS

Os ciclos políticos orçamentários, destacados neste artigo, estão inseridos num contexto teórico desenvolvido a partir do estudo de diversos sistemas políticos, conforme explanações anteriores. Também se mostrou que a sua modelagem pressupõe a manipulação de variáveis orçamentárias (receitas e despesas) como forma de os mandatários sinalizarem elevada competência no período pré-eleitoral, bem como que esta sinalização toma a forma de aumentos pré-eleitorais nas despesas de consumo e transferências imediatamente visíveis e de cortes nas despesas com maior prazo de maturação, a exemplo dos investimentos.1 Agora, faz-se mister enfatizar as razões da escolha destes modelos.

A princípio, impute-se que, uma vez que os modelos de ciclos políticos oportunistas com base em manipulação de variáveis macroeconômicas (crescimento e desemprego) apresentaram fracos resultados empíricos (ALESINA, ROUBINI e COHEN, 1997, p. 254), os modelos de ciclos com base em manipulação orçamentária surgiram como uma alternativa para explicar o comportamento dos mandatários no período pré-eleitoral (DRAZEN, 2000, apud JULA e JULA, 2007, p. 5), o que já constitui uma importante razão para adotá-los neste trabalho. Mas também vale ressaltar o fato de o estado do Ceará ser um ente subnacional, não detentor, portanto, de poder sobre políticas macroeconômicas. Tal limitação torna sobremaneira mais atraente, para o mandatário de um ente subnacional, a tentativa de manipular o orçamento quando a questão é garantir a manutenção do poder ao longo de vários mandatos eletivos.

Ademais, acreditar, a despeito das demais teorias, que são os ciclos políticos orçamentários o padrão de comportamento mais provável de ocorrer quando um mandatário tenta aumentar as suas chances de reeleição no Brasil, e mais especificamente no Ceará, leva em conta os seguintes pressupostos:

• os ciclos políticos orçamentários são ciclos mais simples de serem opera-dos, podendo estar presentes, em maior ou menor grau, mesmo nos casos em que a intenção do mandatário no período pré-eleitoral seja seguir ideologias partidárias ou influenciar os agregados macroeconômicos; e

• a democracia brasileira ainda é jovem.

O último item diz respeito ao efeito do grau da democracia sobre a magnitude da manipulação fiscal. Gonzalez (1999, apud DRAZEN, 2000, p. 98)

1. Foi testada neste trabalho, no entanto, a presença de manipulação orçamentária das despesas de investimentos e inversões financeiras, a qual se daria por meio de defasagem no aumento destas despesas em relação ao ano eleitoral. O que se espera é que o pico do ciclo dos investimentos e inversões financeiras ocorra no ano pré-eleitoral, visto que os gastos com investimentos (superiores às inversões financeiras) apresentam prazo de maturação mais amplo e devem ser defasados em relação ao ano eleitoral para que o governador acerte o timing do ciclo.

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considera o modelo de ciclo político orçamentário originalmente desenvolvido por Rogoff (1990), porém sem um setor monetário e estendido com duas variáveis adicionais: os custos de se remover um político do cargo (o grau de democracia) e a transparência, significando a probabilidade de os eleitores aprenderem a competência do mandatário de forma menos custosa, isto é, independentemente de sinalização. Intuitivamente, tem-se que um ciclo eleitoral do tipo orçamentário emerge apenas se o custo de remoção de um político do cargo não é tão alto, e que quanto maior é o grau de transparência, menor é o tamanho da distorção orçamentária. No entanto, avaliar que as instituições políticas e os próprios eleitores brasileiros ainda não atingiram um grau de maturidade compatível com um reduzido nível de manipulação orçamentária é bastante razoável.

3.1 O processo de sinalização de competência

Inerente à teoria dos ciclos políticos orçamentários, o processo de sinalização de competência implica que a manipulação orçamentária é também apontada como uma consequência da seleção do político mais competente, uma vez que este sinaliza maior competência por meio das políticas adotadas, resolvendo o problema de seleção adversa enfrentado pelos eleitores. Mas vale reproduzir que a competência não é uma variável escolhida pelo governante, mas uma característica individual, definida como a capacidade de um administrador prover um dado nível de bens públicos com um nível de recursos menor que o demandado por um administrador incompetente (ROGOFF, 1987, p. 4). Sob este ponto de vista, a possibilidade de insucesso na tentativa de reeleição do mandatário incompetente é uma ameaça admissível.

Confirmando esse processo de sinalização, Rogoff (1987, p. 1) argumenta que antes das eleições os impostos tendem a nivelar-se abaixo do nível ótimo, e as despesas públicas acima deste. Conclui que, apesar da percepção popular de que os ciclos políticos orçamentários2 são prejudiciais, este estranho comportamento orçamentário dos políticos mandatários pode ser um importante mecanismo social para difundir informações atualizadas sobre suas competências, permitindo que os eleitores lidem melhor com o problema de seleção que enfrentam. O autor alerta ainda que esforços para mitigar os ciclos políticos orçamentários podem facilmente reduzir o bem-estar, tanto por impedir a transmissão de informação quanto por induzir políticos a selecionar formas de sinalização mais onerosas para a sociedade.

Embora se admita alguma virtude do processo de sinalização de competên-cia por meio da manipulação orçamentária, considerando-se, inclusive, o risco da tentativa de mitigar os ciclos políticos orçamentários (ROGOFF, 1987, p. 1),

2. Por considerar o orçamento público muito visado pelos mandatários para fins de manipulação dos resultados eleitorais, o autor acaba sugerindo essa tipologia de ciclo.

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o comportamento oportunista sobre a execução orçamentária é realmente um problema, o qual chega a ser crônico em países em desenvolvimento. Com isto, a criação de limites constitucionais e de leis específicas com o condão de amenizar eventuais ciclos políticos orçamentários torna-se uma necessidade. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Lei no 9.504/97 merecem destaque, mesmo que não possuam o objetivo direto de combater os ciclos políticos.

A LRF – Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000 –, por exemplo, estabelece formalidades e condutas procedimentais obrigatórias para os chefes do Executivo, Legislativo e Judiciário. Uma importante restrição imposta diz respeito à dívida e endividamento dos entes, os quais passaram a ter um limite máximo para a sua dívida e, consequentemente, restrições para a realização de novas operações de crédito, sobretudo em anos eleitorais. A menos que se confirme a previsão de Rogoff (1987, p. 1), segundo a qual os esforços para mitigar os ciclos políticos orçamentários podem induzir os mandatários a selecionarem formas de sinalização mais onerosas para a sociedade, a LRF representa naturalmente prejuízos à orquestração destes ciclos.

O comportamento oportunista dos mandatários sobre a execução orçamentária também sofre restrições da Constituição Federal de 1988, a qual estabelece em seu Artigo 167 a proibição, entre outras, de realizar, em cada exercício, operações de crédito que excedam o montante das despesas de capital (conhecida como regra de ouro), salvo lei específica autorizadora.

A Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997, conhecida como Lei Eleitoral, por seu turno, proíbe aos agentes públicos condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais. Entre as vedações, destaca-se a proibição de realizar transferências voluntárias nos três meses antecedentes ao pleito.

Novamente, lembre-se que os mecanismos mencionados não têm a intenção de banir o comportamento oportunista dos mandatários, até porque, para tanto, seria necessário banir também a atuação discricionária dos políticos, o que de certa forma é indesejável.

4 EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS NO BRASIL

Os ciclos políticos realmente existem? Caso existam, quais seriam os principais fatores que conduzem os mandatários a agirem sistematicamente neste sentido? Para responder a tais perguntas, vem se desenvolvendo uma interessante literatura no Brasil nos últimos anos. Alguns de seus resultados são apresentados a seguir.

Bittencourt (2002, p. 119) especificou um modelo com um grupo de três variáveis dummies, 1T , 2T e 3T , as quais representam as diferentes fases do ciclo

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eleitoral a partir daquele que seria o ano eleitoral ( 0T ). A ideia básica foi captar uma possível variação sistêmica na execução orçamentária entre o ano da eleição e os demais anos de um mandato de quatro anos, de forma que a presença de tais padrões indicaria a ocorrência de ciclos políticos orçamentários. Destarte, analisando-se as diversas variáveis orçamentárias dependentes (receitas tributárias, comunicações, educação e cultura, defesa nacional e segurança pública, transporte etc.) e os parâmetros estimados para as dummies do modelo proposto, o referido autor concluiu que: i) não se pode afirmar a ocorrência de redução na arrecada-ção tributária em períodos próximos às eleições; ii) a despesa pública, no geral, é claramente afetada pela proximidade das eleições; iii) o padrão do ciclo não é de contração da despesa no início do mandato e recuperação contínua até a eleição, de forma que este padrão, caso exista, parece ser dado por um vale no segundo ano do mandato; e iv) nas despesas nas quais os efeitos sobre o bem-estar da população apresentam defasagem, o comportamento da variável orçamentária ao longo dos mandatos é diferente do comumente verificado. O autor não é conclusivo quanto ao efeito sobre as despesas da identificação política entre as esferas nacional e subnacional, pois enquanto algumas despesas cresceram com a coalizão política, outras decresceram significativamente.

Num estudo sobre a relação entre flutuações econômicas e calendário eleitoral no Brasil, Salvato et al. (2007, p. 14) usaram a seguinte equação para analisarem de forma independente a evolução da série temporal da despesa pública:

ttt uuPPSEPPREdespesad ++++= −11)(ln θγλα (3)onde tdespesad )(ln é a taxa de crescimento do índice real da despesa

pública, PPRE e PPSE são, respectivamente, variáveis dummies para captar a manipulação pré-eleitoral e pós-eleitoral, 1θ é o parâmetro do componente da média móvel, e tu é a perturbação estocástica.

Para esta especificação foi encontrada significativa evidência de oportunismo político sobre a taxa de crescimento da despesa governamental, mas apenas para o período pós-eleitoral, cujo sinal negativo do coeficiente indica que a taxa de crescimento do gasto público tende a diminuir para amenizar as pressões inflacionárias surgidas pelas políticas expansionistas implementadas com fins eleitoreiros.

Ao analisar componentes específicos do orçamento dos estados brasileiros no período de 1986 a 2004, Nakaguma (2006, p. 21) evidenciou a presença de ciclos bem definidos na receita orçamentária (receita tributária, transferências correntes e receita de capital), caracterizados por fortes elevações durante os anos eleitorais e quedas acentuadas nos pós-eleitorais. O autor salienta que o aumento da receita tributária nos anos eleitorais entra em contradição direta com a teoria e com a evidência empírica internacional, ressalvando que parcela da composição das

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receitas tributárias advém de transferências voluntárias da União para os estados, cujo aumento generalizado em anos eleitorais justificaria esta elevação. De fato, as transferências voluntárias recebidas são absolutamente distintas das receitas tributárias, mas, para todos os efeitos, a literatura já admite tal comportamento de crescimento da arrecadação tributária com as proximidades das eleições, conforme se depreende de Schuknecht (1998, apud BITTENCOURT, 2002, p. 94), o qual sugere que nos países em desenvolvimento é muito mais eficiente aumentar os gastos públicos que cortar os impostos para afetar o comportamento do eleitor.

Ainda segundo Nakaguma (2006, p. 26), a LRF acarretou, entre outras con-sequências, acentuada redução nas despesas de capital. Trata-se de uma evidência de que o ajuste fiscal induzido pela LRF também recaiu fortemente sobre o nível de investimento dos estados. Outro resultado interessante do autor (2006, p. 26) indica que a Emenda Constitucional (EC) no 16, de 4 de junho de 1997, sobre a reeleição, influenciou substancialmente o inchaço das despesas públicas por parte dos gover-nadores candidatos à reeleição em comparação aos não candidatos, demonstrando que a nova lei introduziu um estímulo adicional para as manipulações eleitorais.

Este resultado acerca da possibilidade de reeleição, no entanto, vai de encontro à controversa conclusão de Menegrin (2002, p. 148) de que quanto maiores forem as chances de o governador se perpetuar no cargo por meio de mandatos subsequentes, mais cautela ele terá com relação aos déficits estaduais. O autor sugere, portanto, que o instituto da reeleição tem esta externalidade positiva sobre as contas públicas, o que é um resultado oposto àquele previsto pela teoria dos ciclos econômicos de origem política (political business cycles).

Ferreira e Bugarin (2007, p. 276) testam, por meio de dummies que identificam o alinhamento político entre prefeitos e governadores, e entre prefeitos e o presidente da República, a hipótese de que as transferências voluntárias para os municípios são superiores em presença de alinhamento político entre os prefeitos e os governos estadual e federal. O estudo encontrou correlações positivas entre o alinhamento político de prefeitos com as coligações que elegeram os governadores e as transferências voluntárias recebidas pelos municípios. Também evidenciou correlação positiva entre o alinhamento político de prefeitos com o presidente da República (indicado pela coincidência de partidos) e as transferências voluntárias. Os autores concluem (2007, p. 277) que a significância destas variáveis de motivação política sugere a necessidade de um modelo estendido para estudar o ciclo político orçamentário em federações fiscais, como a brasileira, levando em consideração as transferências politicamente motivadas.

Ainda sobre os municípios brasileiros, Sakurai (2009, p. 50) buscou evidências de ciclos eleitorais nas suas funções orçamentárias, entre os anos de 1990 a 2005, a partir da utilização de dummies com valor um para os anos eleitorais,

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e zero para os demais. Entre outras funções analisadas, os resultados indicaram que o fenômeno dos ciclos eleitorais é observado de forma mais expressiva nas funções saúde e saneamento, habitação e urbanismo, assistência e previdência, e transporte. Sakurai (2009, p. 49) também observou empiricamente que algumas funções sofreram reduções nos valores executados após a vigência da LRF, tais como saúde e saneamento, habitação e urbanismo e transporte. No entanto, outras funções sofreram acréscimos, de tal forma que a referida lei pode ter provocado não somente uma redução das despesas totais, mas também um “efeito composição” dos gastos realizados pelos municípios brasileiros.

Na tentativa de sinalizar o oportunismo político nos instrumentos de política fiscal por parte dos governadores de Minas Gerais, Neto, Fontes e Lima (2003, p. 8) procederam a um estudo econométrico das variáveis receita total e despesa total do estado no período de 1981 a 2002, usando uma variável dummy para captar a manipulação da execução orçamentária nos anos de eleição, a qual assumiria valor um nos anos de eleição, e zero nos demais. Por um lado, no caso da receita total, o coeficiente foi estatisticamente significativo a 1% e apresentou sinal negativo, o que é um indicativo de redução das despesas em anos eleitorais. Por outro lado, a despesa total teve coeficiente significativo a 5% e sinal positivo, ou seja, as despesas aumentam em anos eleitorais.

Ferreira (2006, p. 7) resolve um jogo eleitoral para o caso em que existe informação perfeita sobre a competência dos atuais representantes políticos, e encontra como principal resultado que, mesmo sob a ótica da informação completa, as transferências politicamente motivadas podem constituir uma fricção suficientemente forte para mudar o comportamento dos eleitores no sentido de alterar sua escolha, levando-os a reeleger um mandatário incompetente (ou eleger um político incompetente do mesmo partido) ao invés de trocá-lo por um representante de maior competência esperada (adversário político do mandatário). O autor (2006, p. 8) acrescenta que, num contexto de informação assimétrica sobre a real competência do titular, os ciclos políticos orçamentários podem até ser ampliados, quando o alinhamento político do prefeito com o governador aumentar as possibilidades de distorção da política fiscal escolhida pelo atual representante dos eleitores. Dessa forma, a seleção do político com choque de competência mais favorável, um resultado positivo associado aos ciclos políticos orçamentários obtidos em Rogoff (1990), pode ser quebrada em razão das transferências voluntárias politicamente motivadas dos estados aos municípios, de sorte que o problema de seleção adversa do eleitor não é resolvido.

Os resultados da regressão a partir do modelo proposto por Ferreira (2006, p. 12), por sua vez, demonstram uma correlação positiva entre o alinhamento políti-co de prefeitos e governadores e as transferências recebidas pelos municípios.

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Quanto à relação entre o alinhamento político entre prefeitos e presidente da República e as transferências recebidas, o autor (2006, p. 12) não encontra um resultado estatisticamente significante.

As evidências apresentadas estão, conforme o caso, reportadas no capítulo referente aos resultados, relacionando-as. A seguir, encontra-se a metodologia utilizada para a apuração dos resultados.

5 METODOLOGIA

Partindo-se do objetivo principal deste artigo, qual seja, testar a existência de ciclos políticos orçamentários durante os mandatos dos governos estaduais do Ceará no período de 1986 a 2006, foi desenvolvida, além do modelo econométrico, uma análise do comportamento de índices criados a partir da execução orçamentária das mesmas variáveis selecionadas para o referido modelo, mas sempre com a intenção de detectar comportamentos oportunistas dos mandatários sobre a execução orçamentária.

A LRF, cuja finalidade precípua é a transparência na gestão fiscal, mas também intende, mesmo que indiretamente, amenizar os ciclos políticos, foi avaliada, por meio de índices de execução orçamentária, quanto a seus impactos nos níveis de receita e despesa em anos eleitorais. O que se pretende é observar um possível resultado contraproducente da LRF: ter contribuído para que os governadores buscassem meios ainda mais custosos de sinalização de competência no período pré-eleitoral, sofisticando e exacerbando o comportamento cíclico da execução orçamentária, no sentido de que esta execução, em anos eleitorais, tenha sido ainda maior no período pós-LRF. Tal comportamento seria decorrente da preocupação do governador em atender às novas restrições fiscais, mas sem comprometer o processo de sinalização de competência no período pré-eleitoral.

Da mesma forma, avaliou-se o resultado da permissibilidade da reeleição. Mesmo admitindo-se previamente que tal instituto não tem a intenção de amenizar os ciclos políticos, é pertinente supor que a reeleição – aprovada por meio da EC no 16, de 4 de junho de 1997, que a permite para um único mandato subsequente – também tenha exacerbado o comportamento cíclico da execução orçamentária.

Parte da discussão dos parágrafos anteriores é pertinente à questão levantada por Rogoff (1987, p. 2), segundo o qual esforços para mitigar os ciclos políticos orçamentários podem facilmente reduzir o bem-estar, tanto por impedir a transmissão de informação quanto por induzir políticos a selecionarem formas de sinalização mais onerosas para a sociedade. No caso do Ceará, o que se pretende verificar é se a LRF e a possibilidade da reeleição acabaram por onerar o processo de sinalização de competência do mandatário por meio dos gastos públicos.

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239Ciclos políticos orçamentários no estado do Ceará (1986-2006)

Em relação ao tratamento econométrico, analisou-se o comportamento de grupos de receitas e despesas orçamentárias. Estas variáveis foram consideradas dependentes e organizadas em modelos cujas especificações permitiram que fossem explicadas individualmente pelas independentes. Estas últimas compõem-se basicamente de variáveis dummies para captar o comportamento oportunista do mandatário durante a execução orçamentária, e possibilitaram, portanto, definir a existência ou não de ciclos políticos orçamentários. A seguir, estão descritos os comportamentos capturados pelas dummies.

No primeiro modelo, optou-se por utilizar um grupo de três variáveis dummies representativas das diferentes fases do ciclo a partir do ano da eleição ( 0t ), conforme adotado em Bittencourt (2002, p. 87). Cada ano do mandato eletivo tem uma identificação: 1t para o ano pós-eleitoral, 2t para o ano intermediário e 3t para o ano pré-eleitoral. Estas variáveis – as quais assumem valor um para o ano a que se referirem, e zero para os outros – servem para detectar o desnivelamento das variáveis dependentes entre o ano da eleição e os demais, com os coeficientes negativos indicando um nível inferior em relação ao ano eleitoral e os positivos indicando um nível superior. Dessa forma, o primeiro modelo utilizado para estimar as regressões apresenta a seguinte especificação geral:

tttt tttBudBud ωααααα +++++= −− 332211110 (4)

onde tBud representa uma das diversas variáveis orçamentárias, 1−tBud , a variável orçamentária defasada, e tω , os resíduos do modelo.

Conforme Nakaguma (2006, p. 13), o intuito de defasar a variável depen-dente é justamente captar a estrutura dinâmica da política fiscal, e sua justificativa teórica reside na possível existência de custos políticos de ajustamento, os quais impediriam os gastos públicos de se alterarem otimamente de um período para o outro. Gujarati (2006, p. 533) ainda expõe motivos psicológicos, tecnológicos e institucionais como razões para as defasagens, ressaltando que elas ocupam um papel central na economia, nos métodos de curto e de longo prazo.

Uma vez observados os comportamentos oportunistas ao longo dos mandatos eletivos, alguns estudos e observações complementares para o refinamento dos resultados se mostram importantes, tais como a verificação de alterações nos níveis de execução das receitas e despesas em função da coalizão política entre os entes nacional e subnacional.

Assim, para analisar-se a influência da coincidência de orientação política entre a esfera federal e estadual sobre possíveis manipulações do orçamento, criou-se um modelo com as dummies 0* tsame e 3* tsame , assumindo, no caso da primeira, valor um numa situação de coalizão política entre os dois entes no ano eleitoral e zero nas demais, e, no caso da segunda, valor um numa situação de

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planejamento e políticas públicas | ppp | n. 35 | jul./dez. 2010240

coalizão política entre os dois entes no ano pré-eleitoral e zero nas demais. Estas dummies têm a tarefa de indicar se a influência desta coincidência de orientação sobre a variável dependente é significativa em cada um dos dois últimos anos do mandato, a ponto de colocar o oponente do mandatário numa imensa desvantagem no tocante à sinalização de competência.

A fim de se verificar se a competitividade do oponente do mandatário influencia os resultados orçamentários no sentido de reforçar os ciclos, foi inse-rida, ainda, a dummy 0* tcompet , cuja finalidade é mostrar se à medida que o mandatário (ou aliado) vê suas chances de reeleição esvaírem-se, ele torna-se menos preocupado com o legado ao sucessor, distorcendo ainda mais as variáveis orçamentárias. Este assunto remete à discussão sobre modelos de ciclos políticos situacionais ou dependentes do contexto outrora comentados. Para mensurar o comportamento inerente aos ciclos, foram utilizados os resultados das eleições, a partir do pressuposto de que o mandatário que não obteve sucesso nas urnas, via reeleição ou sucessor do mesmo partido ou coalizão, provocou mais distorção no ano eleitoral. Assim, a variável assume valor um quando o ano for eleitoral e o mandatário (ou aliado) não obtiver êxito na eleição, e zero nos demais casos.

Contudo, o segundo modelo é especificado a seguir:

tttt utcompettsametsameBudBud +++++= −− 033201110 *** βββββ (5)

As variáveis orçamentárias dependentes analisadas, pelo lado da receita, foram receita tributária e transferências de capital recebidas. Pelo lado da despesa, foram consideradas a variável investimentos e inversões financeiras e as despesas por função, quais sejam, educação e cultura, saúde e saneamento, habitação e urbanismo e transporte. De forma geral, espera-se que estas variáveis apresentem níveis de execu-ção superiores nos anos eleitorais, podendo ocorrer gradação ao longo do mandato eletivo, e que as coalizões políticas entre o governo federal e estadual contribuam para incrementar a execução orçamentária nos anos eleitoral e pré-eleitoral.

O método utilizado para estimar as regressões foi o de mínimos quadrados ordinários (MQO), a partir de uma amostra de 21 observações anuais, a qual compreende quatro mandatos eletivos completos.3 Utilizou-se o método de Newey-West para a estimação dos parâmetros com erros robustos ao problema de não-constância da variância do erro.

A obtenção dos dados se deu a partir de fontes secundárias, sobretudo o sítio da Secretaria do Tesouro Nacional (STN),4 no qual estão disponibilizados os dados da execução orçamentária. Quanto às variáveis políticas, foi realizada

3. O MQO apresenta bom desempenho mesmo no caso de pequenas amostras.

4. Disponível em: < http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estatistica/est_estados.asp >. Acesso em: 12 maio 2009.

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241Ciclos políticos orçamentários no estado do Ceará (1986-2006)

pesquisa junto a sítios eletrônicos diversos: do gabinete do governador do estado do Ceará,5 da Presidência da República,6 do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE)7 e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).8 Todos os dados de execução orçamentária utilizados neste trabalho estão em mil reais e em valores constantes de dezembro de 1995.

6 RESULTADOS

Esta seção, por uma questão de conveniência e organização, foi dividida em duas partes, uma contendo a análise do comportamento de índices criados a partir da execução orçamentária das variáveis selecionadas, e outra abrangendo a interpretação das regressões dos dois modelos especificados anteriormente.

6.1 Efeitos da EC no 16 e da LRF

Dada a possibilidade de a LRF ter ocasionado um resultado contraproducente, ou seja, ter contribuído para que os governadores buscassem meios ainda mais custosos de sinalização de competência no período pré-eleitoral, e em virtude da suposição de que a permissibilidade da reeleição tenha exacerbado o comportamento cíclico da execução orçamentária, os dados dos cinco mandatos eletivos completos abrangidos pela amostra das variáveis orçamentárias selecionadas para o caso do estado do Ceará foram transformados em índices, como uma forma de permitir uma melhor comparabilidade ao longo dos anos. Assim, os dados do orçamento de cada ano para a receita tributária e para as transferências de capital recebidas foram divididos pela respectiva receita total, ao passo que os dados referentes a investimentos e inversões financeiras, educação e cultura, habitação e urbanismo, saúde e saneamento e transporte foram divididos pela respectiva despesa total. A partir dos índices encontrados chegou-se às conclusões a seguir.

1. No terceiro mandato (1995-1998), as variáveis transferências de capital recebidas, investimentos e inversões financeiras, habitação e urbanismo e transporte apresentaram maior índice no ano eleitoral, e, ainda, a va-riável educação e cultura apresentou índice relativamente alto. A receita tributária no terceiro mandato, por seu turno, apresentou menor índice no ano eleitoral.

2. No quarto mandato (1999-2002), nenhuma das variáveis apresentou pico no ano eleitoral.

5. Disponível em: < http://www.gabgov.ce.gov.br/threepointsweb_utils_example >. Acesso em: 15 maio 2009.

6. Disponível em: < http://www.presidencia.gov.br/info_historicas/ >. Acesso em: 15 maio 2009.

7. Disponível em: < http://www.tre-ce.gov.br/index.php >. Acesso em: 15 maio 2009.

8. Disponível em: < http://www.tse.gov.br/internet/index.html >. Acesso em 15 maio 2009.

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3. No quinto mandato (2003-2006), enfim, três variáveis apresentaram maior índice no ano eleitoral: transferências de capital recebidas; investi-mentos e inversões financeiras; e saúde e saneamento. Receita tributária e educação e cultura mostraram-se bastante homogêneas.

A Emenda Constitucional da reeleição, de 4 de junho de 1997, já estava em vigor a uma altura razoável do terceiro mandato (decorrido de 1995 a 1998), bem como já surtia efeitos quando da transição para o seguinte. Assim, a permissibilidade da reeleição constitui-se em uma explicação plausível, no respectivo ano eleitoral (1998), para, por um lado, o baixo nível da receita tributária e, por outro, o aumento das transferências de capital recebidas e das despesas de investimentos e inversões financeiras, habitação e urbanismo e transporte. Saliente-se que o então governador do estado do Ceará concorreu à reeleição e obteve êxito. Tudo isto é coerente com a hipótese, restritamente ao terceiro mandato, de que a possibilidade de reeleição do mandatário provoca a exacerbação da manipulação orçamentária, o que é condizente com o resultado de Nakaguma a este respeito (2006, p. 26), apresentado anteriormente.

A vigência da LRF, desde 4 de maio de 2000, já abrange mais da metade do quarto mandato (1999-2002). Buscou-se detectar se esta lei apresentou um resultado contraproducente, qual seja, meios mais custosos de sinalização de competência do mandatário. Mas, como se depreende das observações efetuadas, não é possível confirmar esta hipótese, exatamente porque a execução orçamentária mostrou-se mais homogênea a partir do quarto mandato. Dessa forma, a LRF parece estar, na verdade, contribuindo para amenizar os ciclos políticos orçamentários, conforme mostraram Sakurai (2009, p. 50) e Nakaguma (2006, p. 26).

Por fim, ressalte-se que, embora o instituto da reeleição tenha gerado, no quarto e quinto mandatos, alguns efeitos, estes foram dominados pelos efeitos agregadores da LRF. Além disso, é mais seguro afirmar que a reeleição tenha exacerbado a manipulação orçamentária – conforme previsto pela teoria dos ciclos econômicos de origem política – que apresentado uma externalidade positiva sobre as contas públicas – conforme a polêmica conclusão de Menegrin (2002, p. 148).

6.2 Análise das estimações

A princípio, a observação geral dos resultados obtidos nesta seção aponta que empiricamente há evidências da existência de ciclos políticos orçamentários durante os mandatos dos governos estaduais do Ceará no período de 1986 a 2006. Muitos dos coeficientes foram estatisticamente significantes aos níveis de 1%, 5% ou 10% e apresentaram sinais coerentes com a teoria.

Começando-se com as estimativas das regressões do primeiro modelo apresentado na metodologia, foram obtidos os resultados da tabela 1 para os grupos receita tributária, transferências de capital recebidas e investimentos e inversões.

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243Ciclos políticos orçamentários no estado do Ceará (1986-2006)

No tocante à receita tributária, vê-se a presença de um pico no ano da eleição ( 0t ), tendo em vista que todos os coeficientes das dummies se apresentaram negativos. Isto significa que, na média, a receita tributária foi maior no ano eleitoral. Este comportamento coaduna com a previsão de Schuknecht (1998, apud BITTENCOURT, 2002, p. 94), de que nos países em desenvolvimento é muito mais eficiente aumentar os gastos públicos que cortar os impostos para afetar o comportamento do eleitor.

TABELA 1

Resumo das regressões para a receita tributária, transferências de capital recebidas e investimentos e inversões, com dummies anuais como variáveis independentes

VariáveisReceita

tributáriaTransferências

de capital Investimentos

e inversões

C169.678,42

(0,0143)**

77.126,86

(0,1199)

205.138,71

(0,0617)***

1−tBud 0,97

(0,0000)*

0,38

(0,1333)

0,77

(0,0000)*

t1

-152.083,38

(0,0092)*

-46.736,96

(0,2497)

-178.948,96

(0,0793)***

t2

-112.923,68

(0,0890)***

-73.986,41

(0,1138)

-159.509,59

(0,1304)

t3

-115.705,59

(0,0369)**

-8.967,71

(0,8695)

-123.490,86

(0,2590)

Prob (Estatística F) 0,0000 0,1735 0,0018

Elaboração dos autores.Obs.: Significância a 1% indicada por *; significância a 5%, por **; e significância a 10%, por ***. O p-valor está indicado

entre parênteses nos coeficientes.

As transferências de capital recebidas também foram superiores, em média, no ano eleitoral ( 0t ). Entretanto, embora os coeficientes das dummies tenham apresentado sinais e magnitudes coerentes com a teoria dos ciclos políticos orçamentários – mostraram-se negativos, o que indica um nível bastante superior destas transferências no ano eleitoral –, eles não são significantes, ou seja, estatisticamente são iguais a zero.

Os investimentos e inversões apresentaram o menor nível de execução orçamentária no ano pós-eleitoral ( 1t ), com recuperação gradativa até o ano eleitoral ( 0t ), sendo este também o de maior nível de execução. Os coeficientes das dummies 2t e 3t , porém, não são estatisticamente significantes. Diferentemente das duas variáveis anteriores, o que se esperava, na verdade, é que o pico do ciclo dos investimentos e inversões financeiras ocorresse no ano pré-eleitoral ( 3t ), porquanto os gastos com investimentos apresentam prazo de maturação mais amplo e devem ser defasados em relação ao ano eleitoral para que o governador acerte o timing do ciclo. Uma possível razão para este deslocamento do ápice do ciclo (de 3t para 0t ) reside no fato de as inversões financeiras estarem agregadas aos investimentos,

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uma restrição imposta pela fonte dos dados da pesquisa. Conforme foi visto ainda na introdução deste trabalho, as inversões financeiras são representadas por dotações orçamentárias destinadas à aquisição de imóveis ou bens de capital já em utilização e, uma vez que seu impacto para a sociedade é substancialmente mais imediato que uma decisão de investimento, reduzem a necessidade de o governador defasar os gastos para influenciar a decisão do eleitor.

Os resultados das regressões do primeiro modelo para as despesas por função estão reportados na tabela 2.

TABELA 2

Resumo das regressões para as despesas por função, com dummies anuais como variáveis independentes

Variáveis Educação e cultura

Saúde e saneamento

Habitação e urbanismo

Transporte

C57.313,34

(0,2751)64.281,00

(0,2426)27.574,84 (0,0057)*

61.849,80 (0,0150)**

1−tBud 0,98 (0,0000)*

0,88 (0,0001)*

0,51(0,0187)**

0,64(0,0000)*

t1

-60.985,35(0,1837)

-67.949,42 (0,3458)

-12.372,36 (0,3589)

-44.235,91(0,1879)

t2

-84.300,69

(0,0316)**-22.389,21

(0,7410)-13.064,06

(0,2000)-51.746,94

(0,0788)***

t3

26.042,53 (0,5102)

30.226,95 (0,6948)

-94.951,32(0,5379)

-29.179,49 (0,1568)

Prob (Estatística F) 0,0000 0,0228 0,1576 0,0234

Elaboração dos autores.Obs.: Significância a 1% indicada por *; significância a 5%, por **; e significância a 10%, por ***. O p-valor está indicado

entre parênteses nos coeficientes.

Como se pode observar, a dummy 2t da função educação e cultura apresentou, a um nível de 5%, coeficiente estatisticamente significante, cujo sinal e valor apontam que o ano intermediário do mandato eletivo ( 2t ) é o vale do ciclo das despesas com educação e cultura. Ressalte-se, porém, que, embora estatisticamente insignificante, o sinal positivo do coeficiente da dummy 3t indica despesas no ano pré-eleitoral ( 3t ) superiores, em média, às do ano eleitoral ( 0t ), um resultado incoerente com a teoria dos ciclos políticos orçamentários.

Os coeficientes das dummies são estatisticamente iguais a zero (não significantes a 1%, 5% ou 10%) para as funções saúde e saneamento e habitação e urbanismo. De qualquer forma, vale salientar que, da mesma forma como ocorreu com a função educação e cultura, o sinal do coeficiente da dummy 3t para a função saúde e saneamento não está coerente com a teoria dos ciclos políticos orçamentários, pois, enquanto positivo, está indicando que as despesas no ano pré-eleitoral ( 3t ) são superiores, em média, às do ano eleitoral ( 0t ).

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A regressão da despesa por função transporte apresentou despesas superiores, em média, no ano eleitoral, uma vez que todos os coeficientes das dummies são negativos. As dummies 1t e 3t apresentaram coeficientes estatisticamente insignificantes, mas o coeficiente da dummy 2t foi significante a um nível de 10%, cujo sinal e valor apontam o ano intermediário do mandato eletivo ( 2t ) como o vale do ciclo desta despesa.

Partindo para as estimativas das regressões do segundo modelo apresentado na metodologia, foram obtidos, para os grupos receita tributária, transferências de capital recebidas e investimentos e inversões, os resultados mostrados na tabela 3.

TABELA 3

Resumo das regressões para a receita tributária, transferências de capital recebidas e investimentos e inversões, com dummies políticas como variáveis independentes

VariáveisReceita

tributáriaTransferências

de capitalInvestimentos e

inversões

C91.002,44

(0,3054)26.771,77

(0,1633)55.741,30

(0,0114)**

1−tBud 0,94 (0,0000)*

0,31 (0,1418)

0,71 (0,0000)*

same*t0

38.677,61 (0,3277)

95.973,10 (0,0014)**

199.913,79 (0,0027)*

same*t3

16.867,03 (0,7424)

32.199,36 (0,4180)

54.482,43 (0,2818)

compet *t0

200.143,73 (0,0001)*

154.869,28 (0,0000)*

437.052,08 (0,0000)*

Prob (Estatística F) 0,0000 0,0122 0,0000

Elaboração dos autores.Obs.: Significância a 1% indicada por *; significância a 5%, por **; e significância a 10%, por ***. O p-valor está indicado entre parênteses nos coeficientes.

Depreende-se da tabela 3 que o coeficiente da dummy 0* tcompet para a variável dependente receita tributária é positivo e estatisticamente significante a 1%, indicando que o mandatário (ou aliado) que não é competitivo no ano eleitoral distorce ainda mais a receita tributária. Neste caso, conforme explanado, a distorção é no sentido de aumentar a arrecadação no ano eleitoral. Esta motivação situacional do mandatário se aproxima da teoria dos ciclos políticos situacionais, segundo a qual o mandatário sente-se mais inclinado a distorcer as variáveis econômicas para crescerem as chances de reeleição quando possui um déficit de popularidade, a despeito dos seus apoios políticos e da sua própria ideologia (FREY e SCHNEIDER, 1978, apud JULA e JULA, 2007, p. 4). Os coeficientes das dummies 0* tsame e 3* tsame não são estatisticamente significantes, porém estas dummies não são relevantes para a receita tributária, a qual é uma receita própria e independente de coalizões políticas.

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As variáveis transferências de capital recebidas e investimentos e inversões financeiras apresentaram resultados coerentes com a teoria dos ciclos políticos orçamentários, com níveis superiores de execução no caso de não competitividade do mandatário (ou aliado) no ano eleitoral ( 0t ) e de presença de coalizão política entre o governador e o presidente da República, também em anos eleitorais. Porém, mesmo considerando-se que estas variáveis apresentaram, sob a presença de coalizão política, execução orçamentária menor em anos pré-eleitorais que em anos eleitorais, os respectivos coeficientes da dummy 3* tsame (coalizão política em anos pré-eleitorais) também se mostraram positivos e indicativos de que a não competitividade do mandatário no ano pré-eleitoral pressiona a execução orçamentária para níveis mais elevados, muito embora os coeficientes não sejam estatisticamente significantes.

Cumpre ressaltar, ainda, especificamente para as transferências de capital recebidas em anos eleitorais na presença de coalizão política (dummy 0* tsame ), que os resultados observados são condizentes com os de Ferreira (2006, p. 12) e Ferreira e Bugarin (2007, p. 276), os quais encontraram coeficientes positivos e estatisticamente significantes para dummies de detecção do comportamento das transferências voluntárias entre entes federativos em anos eleitorais. Além disso, a Lei Eleitoral (Lei no 9.504/97), a qual proíbe a realização de transferências voluntárias nos três meses antecedentes ao pleito, não parece ter surtido efeito no combate ao avolumado nível de transferências de capital recebidas em anos eleitorais no caso do estado do Ceará, muitas delas, obviamente, de origem da União.

A tabela 4 apresenta os resultados das regressões do segundo modelo para as despesas por função. Esta tabela mostra que a despesa com a função educação e cultura é positivamente influenciada pelas coalizões políticas entre o governador e o presidente da República nos anos eleitorais (ver o coeficiente positivo e estatisticamente significante da dummy 0* tsame , justamente indicando maior execução em anos eleitorais sob a presença de coalizão política) e, contraditoriamente à teoria, mais ainda nos anos pré-eleitorais (o coeficiente da dummy 3* tsame é estatisticamente significante e de maior magnitude que o da dummy 0* tsame ). O coeficiente da dummy apresenta o sinal esperado (positivo) e é estatisticamente significante, indicando maior nível de execução no caso de não competitividade do mandatário (ou aliado) no ano eleitoral ( 0t ).

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247Ciclos políticos orçamentários no estado do Ceará (1986-2006)

TABELA 4

Resumo das regressões para as despesas por função, com dummies políticas como variáveis independentes

VariáveisEducação e

culturaSaúde e

saneamentoHabitação e urbanismo

Transporte

C26.489,67

(0,5047)39.264,08

(0,0995)***8.836,28 (0,1958)

31.847,32(0,0136)**

1−tBud 0,90 (0,0000)*

0,77

(0,0000)*0,59

(0,0030)*0,53

(0,0002)*

same*t0

93.168,09(0,0179)**

1.273,78

(0,9469)22.244,15(0,0003)*

70.211,45 (0,2173)

same*t3

101.160,26(0,0583)***

100.113,01

(0,0073)*22.842,26

(0,0172)**14.448,84

(0,6537)

compet*t0

119.632,07(0,0001)*

335.356,88

(0,0000)*33.679,41(0,0000)*

7.431,57

(0,2125)

Prob (Estatística F) 0,0000 0,0000 0,0066 0,0146

Elaboração dos autores.Obs.: Significância a 1% indicada por *; significância a 5%, por **; e significância a 10%, por ***. O p-valor está indicado

entre parênteses nos coeficientes.

A função saúde e saneamento também se mostrou influenciada pela presença de coalizões políticas em anos eleitorais e pré-eleitorais, no sentido de que os sinais dos coeficientes são positivos e, portanto, coerentes com a teoria dos ciclos políticos orçamentários. No entanto, as magnitudes dos coeficientes não se mostraram coerentes com a teoria, uma vez que o coeficiente de 3* tsame é maior que o de 0* tsame , tal como ocorreu com a educação e a cultura, mas com uma diferença bastante ampliada neste caso. Esta ampla diferença, salvo a hipótese da ocorrência de muitos investimentos atrelados a esta função no ano pré-eleitoral, os quais apresentam maior prazo de maturação, é, repise-se, contraditória com a teoria. Contudo, ressalte-se que o coeficiente de 0* tsame é não significante ou estatisticamente igual a zero. Para o coeficiente da dummy 0* tcompet , repita-se o mesmo em relação à função educação e cultura: apresenta o sinal esperado (positivo) e é estatisticamente significante, indicando maior nível de execução no caso de não competitividade do mandatário (ou aliado) no ano eleitoral ( 0t ).

Por seu turno, a função habitação e urbanismo possui todos os coeficientes das dummies positivos e estatisticamente significantes. Assim, conclui-se pela coerência dos seus sinais com a teoria dos ciclos políticos orçamentários, visto que a coalizão política entre o estado e a União em anos eleitorais e pré-eleitorais e a não competitividade do mandatário em anos eleitorais promovem uma maior execução orçamentária em tais períodos. Entre os coeficientes das dummies 0* tsame e 3* tsame há, ainda, coerência de magnitude em relação à teoria, pois o coeficiente da primeira é maior que o da segunda, ou seja, as despesas com a habitação e o urbanismo em anos eleitorais (sob presença de coalizão) são superiores em relação aos demais anos do mandato eletivo e, nos anos pré-eleitorais, superiores aos dois primeiros anos.

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Por fim, o comportamento da função transporte foi bastante semelhante ao da função habitação e urbanismo, tanto em termos de sinais quanto de magnitude dos coeficientes, o que torna a interpretação anterior extensível a este caso, não fossem os coeficientes estatisticamente insignificantes.

7 CONCLUSÃO

Dentro do contexto empírico e teórico dos ciclos políticos, este artigo teve a intenção de apresentar uma contribuição adicional para o tema, analisando, numa abordagem local dos ciclos políticos orçamentários, o comportamento da execução orçamentária do estado do Ceará no período de 1986 a 2006.

Durante o desenvolvimento da pesquisa, foram levantadas várias situações que se pretendia testar, como verificar se a LRF contribuiu para que os governadores buscassem meios ainda mais custosos de sinalização de competência no período pré-eleitoral. Objetivou-se, também, examinar se, em relação à execução orçamentária, a permissibilidade da reeleição exacerbou o seu comportamento cíclico; se a coalizão política entre o governador e o presidente da República elevou a ocorrência de tal comportamento nos anos eleitorais e pré-eleitorais; se a competitividade do adversário do mandatário no ano eleitoral foi um fator de contribuição adicional para a sua variabilidade em anos eleitorais. Especial atenção foi dispensada ao se investigar se foi seguida uma gradação ao longo dos mandatos, a qual não se esperava que fosse necessariamente crescente até o ano eleitoral. Considerando-se a possibilidade de algumas ações possuírem maior prazo de maturação, previa-se uma defasagem no aumento de determinadas despesas em relação ao ano eleitoral.

Propôs-se testar as hipóteses mencionadas por meio de análise econométrica e de índices de execução orçamentária. Por meio da utilização dos índices, levando-se em conta a LRF e a EC da reeleição, verificou-se que o advento do instituto da reeleição coincidiu com a exacerbação da manipulação orçamentária observada no terceiro mandato (1995-1998). Observou-se, no período analisado, uma amenização dos ciclos políticos orçamentários, o que pode sugerir uma possível influência da LRF, cujo início de vigência se deu a partir do ano 2000.

As regressões estimadas retornaram, para o caso do modelo com dummies anuais de detecção da variabilidade da execução orçamentária ao longo do mandato eletivo, resultados condizentes com a teoria dos ciclos políticos orçamentários. Das sete variáveis dependentes regredidas, quatro (receita tributária; investimentos e inversões; educação e cultura; e transporte) apresentaram pelo menos uma (do total de três) dummy anual estatisticamente significante. Destas quatro, três evidenciaram o ano eleitoral como o de maior nível de execução orçamentária dentro de cada mandato; a exceção foi a despesa com a função educação e cultura. O comportamento da receita tributária merece destaque, pois parece

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contraditório com a teoria concluir que a arrecadação seja superior em anos eleitorais. No entanto, vale lembrar novamente a previsão de Schuknecht (1998, apud BITTENCOURT, 2002, p. 94), de que nos países em desenvolvimento é muito mais eficiente aumentar os gastos públicos que cortar os impostos para afetar o comportamento do eleitor. O aumento dos gastos referentes a investimentos e inversões financeiras não apresentou defasagem em relação ao ano eleitoral, o que representa um possível erro no timing do ciclo, dado o maior prazo de maturação das despesas de investimento.

As regressões a partir do modelo especificado com dummies políticas também trouxeram resultados condizentes com a teoria. A competitividade do adversário do mandatário na disputa eleitoral, por exemplo, é realmente um fator contributivo para o aumento da receita tributária e das despesas em anos eleitorais, de sorte que a ameaça de perda do cargo eletivo incita um comportamento permissivo no governador.

Quanto à coalizão política entre o governador do estado e o presidente da República em anos eleitorais, todas as variáveis dependentes apresentaram relação positiva, e a maioria delas (quatro de sete) possui uma relação estatisticamente confirmada. Todavia, vale a pena tomar os exemplos das transferências de capital recebidas e dos investimentos e inversões financeiras realizados: visto ser comum o financiamento de investimentos dos estados via transferências de capital da União, é provável que o aumento dos investimentos no Ceará em anos eleitorais tenha sido coberto pelo aumento das transferências de capital da União recebidas em iguais períodos. Semelhante coalizão política, mas em anos pré-eleitorais, revelou os coeficientes das variáveis educação e cultura, saúde e saneamento e habitação e urbanismo positivos e estatisticamente significantes, bem como de maior magnitude que os da coalizão em anos eleitorais, o que, embora seja incoerente com a teoria dos ciclos políticos orçamentários, pode indicar defasagem no aumento destas despesas como tentativa de acertar o timing do ciclo.

Assim, coloca-se como principal resultado deste trabalho – e por que não dizer: contribuição – a confirmação de que os governadores do estado do Ceará no período de 1986 a 2006 promoveram, de uma forma geral, ciclos políticos orçamentários.

Boa parte do estudo empreendido envolve teoria econômica e política, mas a pesquisa também é importante para as finanças públicas locais, dada a realização de detida análise da execução orçamentária do estado.

Compreendendo a conveniência de estudos complementares futuros, o desempenho do setor público, certamente sob a mira da irregularidade nos níveis dos gastos públicos, desponta como uma possibilidade interessante. Um problema adjacente ao planejamento de políticas públicas no Brasil é a preterição das políticas de Estado pelas políticas de governo (descontinuidade de programas quando há ruptura de poder), o que não deixa de ser uma forma de o mandatário sinalizar a sua

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competência. Enfim, considerando-se possíveis impactos da conduta oportunista dos mandatários sobre o bem-estar da sociedade, sugere-se a realização de pesquisa com a utilização de um modelo estendido com variáveis de cunho social.

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LOS FLUJOS DE EMPLEO EN EL SECTOR INDUSTRIAL COLOMBIANO: PREMISAS TEÓRICAS, CARACTERÍSTICAS E IMPACTOS SOBRE EL NIVEL DE PRODUCTIVIDAD*

Pedro Hugo Clavijo Cortés**

Andrés Felipe Mora Cortés***

RESUMEN: Este documento analiza los flujos de empleo para el sector industrial colombiano durante el periodo comprendido entre 1977 y 2006. Al trascender la tasa de desempleo como indicador clave del comportamiento de los mercados laborales, avanza en el reconocimiento de los procesos de creación y destrucción de empleo que, en última instancia, determinan aquél indicador. La permanente reasignación de los empleos y la fuerza de trabajo, el carácter idiosincrático de las decisiones empresariales en materia de demanda de trabajo y creación de empleo y los desafíos que estos hechos empíricos imponen a la teoría convencional del ciclo de los negocios, facilitarán la comprensión de la problemática que padece actualmente la economía colombiana en términos de la respuesta ínfima del empleo al crecimiento económico, y justificarán la necesidad de avanzar hacia una comprensión más rica de la dinámica de los mercados laborales, de su relación con la productividad y el ciclo económico y de las respuestas de política económica más acertadas en este contexto.

PALABRAS CLAVE: flujos de empleo, ciclo real de los negocios, mercado laboral, sector industrial, Colombia.

OS FLUXOS DE EMPREGO NO SETOR INDUSTRIAL COLOMBIANO: PREMISSAS TEÓRICAS, CARACTERÍSTICAS E IMPACTOS SOBRE O NÍVEL DE PRODUTIVIDADE

RESUMO: O documento analisa os fluxos de emprego no setor industrial da Colômbia durante o período compreendido entre 1977 e 2006. Ao transcender a taxa de desemprego como indicador chave do comportamento dos mercados de trabalho, avança no reconhecimento dos processos de criação e destruição do emprego que, em ultima instancia, determinam aquele indicador. A permanente realocação dos empregos e a força de trabalho, o caráter idiossincrático das decisões empresariais em matéria de demanda de trabalho e criação de emprego e os desafios que estes fatos empíricos impõem à teoria convencional do ciclo dos negócios, facilitarão a compreensão da problemática que padece atualmente a economia colombiana em términos da resposta ínfima do emprego ao crescimento econômico, e justificarão a necessidade de avançar para uma compreensão mais rica da dinâmica dos mercados de trabalho, da sua relação com a produtividade e o ciclo econômico e das respostas de política econômica mais acertadas neste contexto.

PALAVRAS CHAVE: fluxos de emprego, ciclo real dos negócios, mercado de trabalho, setor industrial. Colômbia

* Este artigo, em língua espanhola, não foi objeto de revisão do editorial do Ipea.

** Economista Universidad Nacional de Colombia. Investigador del Observatorio de Macroeconomía para el Pleno Empleo y la Estabilidad de Precios de la Universidad Nacional de Colombia.

*** Politólogo y Magíster en Ciencias Económicas de la Universidad Nacional de Colombia. Investigador del Observatorio de Macroe-conomía para el Pleno Empleo y la Estabilidad de Precios de la Universidad Nacional de Colombia.

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EMPLOYMENT FLOWS IN THE INDUSTRIAL SECTOR IN COLOMBIA: A THEORETICAL FRAMEWORK, CHARACTERISTICS AND IMPACT ON THE LEVEL OF PRODUCTIVITY

ABSTRACT: This document examines the employment flows in the Colombian industrial sector between 1977 and 2006. Upon transcending the unemployment rate as a key indicator of the labor market, the document moves on in acknowledging the dynamics of job creation and destruction that ultimately determine that indicator. The continuing job and work force turnover, the idiosyncratic process of corporate decisions in connection with labor demand and job creation, and the challenges posed by empirical facts on the business cycle conventional theory will help to understand the current problematic of the Colombian economy in terms of the employment’s weak answer to economic growth, and will justify the need to advance towards a richer comprehension of the dynamics of the labor markets, their relation with productivity and economic cycle, as well as of the best economic policies responses within this context.

KEY WORDS: employment flows, real business cycle, labor market, industrial sector, Colombia.

LES FLUX D’EMPLOI DANS LE SECTEUR INDUSTRIEL COLOMBIEN: DES PRéMISSES THéORIQUES,CARACTéRISTIQUES ET DES IMPACTS SUR LE NIVEAU DE LA PRODUCTIVITé

RÉSUMÉ: Le document analyse les flux d’emploi dans le secteur industriel colombien pendant la période comprise entre 1977 et 2006. En dépassant le taux de chômage autant qu’indicateur clé du fonctionnement du marché du travail, nous avançons en la compréhension des processus de création et destruction d’emploi que, à la fin, déterminent tel indicateur. La constante ré-allocation des postes et de la force de travail, le caractère propre de prend de décision des entreprises autour la demande de travail et la création d´emploi ainsi que les défis que cette constatation empirique impose à la théorie standard du cycle des affaires, favorisent la compréhension de la problématique actuelle de l’économie colombienne en face la faible réponse de l´emploi par rapport au croissance économique, du même qui justifient l’intérêt d’avancer vers un approche plus enrichissant de la dynamique des marchés du travail, de son lien avec la productivité et le cycle économique et des réponses plus appropriés de la politique économique dans ce contexte là.

DES MOTS CLÉ: flux d’emploi, cycle réel des affaires, marché du travail, secteur industriel, Colombie.

CLASIFICACION J.E.L.: E320, J230, J290.

INTRODUCCIÓN

El presente trabajo tiene como objetivo presentar un retrato estadístico de los flujos de empleo para el sector industrial colombiano durante el periodo comprendido entre 1977 y 2006. Con ello se intentará llamar la atención sobre la necesidad de trascender la tasa de desempleo como indicador fundamental del comportamiento de los mercados laborales y de avanzar hacia el reconocimiento de los procesos de creación y destrucción de empleo que, en última instancia,

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255Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

determinan aquél indicador. La permanente reasignación de los empleos y la fuerza de trabajo, el carácter idiosincrásico de las decisiones empresariales en materia de demanda de trabajo y creación de empleo, la importancia de las dinámicas de reestructuración económica y los desafíos que estos hechos empíricos imponen a la teoría convencional del ciclo real de los negocios, serán aspectos que ofrecerán luces para la comprensión de la problemática que padece actualmente la economía colombiana en términos de la respuesta ínfima del empleo al crecimiento económico, y colocarán en evidencia la importancia de avanzar hacia una comprensión más rica de la dinámica de los mercados laborales, de su relación con el ciclo económico y de las respuestas de política económica más acertadas que emergen en este contexto.

En la primera parte del documento serán señaladas las premisas teóricas y las categorías que componen la teoría de los flujos de empleo. Dado este marco teóri-co, se procederá a enunciar los hechos estilizados que sobre esta materia han sido definidos para naciones industrializadas y países en vías de desarrollo. Finalmente, serán presentados los avances que esta teoría produce en relación con la teoría con-vencional del ciclo real de los negocios y sus postulados alrededor del empleo y el ciclo económico.

Tomando como fundamento los aspectos teóricos y empíricos definidos en la primera parte del documento, la segunda sección presentará un análisis de los flujos de empleo en el sector industrial colombiano. Mostrando el comportamiento diferenciado y poco correlacionado que se presenta entre la tasa neta de creación de empleo y el producto en cada una de las ramas de la actividad económica, se pondrá de manifiesto la necesidad de trascender las premisas fundamentales del ciclo real de los negocios y de avanzar hacia el estudio de la microdinámica de los flujos de empleo y de la presencia de componentes idiosincrásicos en las decisiones de demanda de mano de obra. La existencia de datos para el sector industrial colombiano permitirá construir un retrato estadístico de los flujos de empleo entre 1977 y 2006, presentando el comportamiento que durante este periodo mostraron las tasas brutas de creación de empleo, las tasas brutas de destrucción, las tasas netas de creación, las tasas de reasignación y los excesos de volatilidad.

Estos datos permitirán, en la segunda parte del documento, controvertir la tesis que defiende la existencia de una correlación positiva entre las dinámicas de reasignación de empleo y los incrementos en los niveles de productividad. Con esto, el ensayo también avanza en el reconocimiento de los límites de las teorías de los flujos de empleo y la “destrucción creativa” y concluye que para el caso colombiano las altas tasas de reasignación de trabajo (creación y destrucción de empleo) no se correlacionan ni siquiera débilmente con los incrementos de productividad en el sector industrial, abriendo así la discusión sobre los costos y beneficios de las dinámicas de reasignación. Se sostendrá esencialmente que los

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efectos positivos que sobre la productividad genera la reasignación de productores (entrada-salida de firmas al mercado) no implican la existencia de una correlación positiva entre la reasignación de trabajo y los incrementos en productividad. Este hecho permitirá definir una perspectiva crítica en relación con la teoría de los flujos de empleo y proponer dos líneas de investigación susceptibles de ser planteadas para el sector industrial colombiano: i) el análisis sobre los costos de la reasignación del trabajo en materia de bienestar y ii) la comprensión del vínculo que puede presentarse entre la reasignación de trabajo y el paso hacia el desempleo abierto. Elementos no previstos por la teoría de los flujos de empleo debido a su confianza en los beneficios que la destrucción creativa genera en el largo plazo. Finalmente, serán enunciadas las principales conclusiones del estudio y algunos dilemas de política económica.

Recientemente, las conclusiones presentadas por Bonilla (2007) sobre el comportamiento del empleo en el sector industrial colombiano han despertado un enorme debate. Según dicho autor, entre 1992 y 2006, la pequeña, mediana y gran industria –responsable del 70% del valor agregado industrial y del 24% de las personas ocupadas en el sector industrial- ha dejado de generar 215.000 empleos permanentes. Más aún, a pesar de incluir el empleo temporal dentro de los cálculos, se demuestra que, en forma definitiva, han dejado de trabajar 33000 personas en este segmento del sector industrial colombiano. Como conclusión, se extrae que en los últimos 14 años, el sector industrial no ha aumentado en uno sólo el número de trabajos permanentes.

Las reacciones de rechazo por parte de algunos sectores académicos, del gobierno nacional y algunos gremios de la producción fueron inmediatas, y aduciendo problemas metodológicos e inconsistencias técnicas, se han apartado de las conclusiones del estudio Bonilla. Con este trabajo, se pretende brindar una alternativa a las reacciones airadas y carentes de rigor, proponiendo un enfoque teórico y metodológico que corroborará la tendencia expuesta por Bonilla y demostrará que entre 1977 y 2006 la tasa neta de creación de empleo en el sector industrial colombiano ha sido del 0.09%. Con ello, se coloca en evidencia el paupérrimo desempeño del sector industrial colombiano en materia de generación de empleo, el carácter inercial de este comportamiento en los últimos 30 años, y la necesidad de trascender los enfoques tradicionales para la comprensión de la dinámica de los mercados laborales en las economías en vías de desarrollo.

1 LOS FLUJOS DE EMPLEO: PREMISAS TEÓRICAS, CATEGORÍAS, HECHOS ESTILIzADOS Y AVANCES

1.1 Premisas teóricas

Según Caballero y Hammour (2000) la creación destructiva constituye un mecanismo central del desarrollo en las economías capitalistas contemporáneas,

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257Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

atravesadas por procesos permanentes de innovación y cambio. La imposición de trabas a este proceso implica el entorpecimiento de las mejoras en los niveles de productividad y el deterioro en los estándares de vida. Obstáculos como la existencia de instituciones subdesarrolladas o politizadas, o la existencia recurrente de crisis, restringen el buen funcionamiento de dicho proceso de destrucción creativa y terminan convirtiéndose en la explicación fundamental de dinámicas de creación retardada, esclerosis tecnológica y reasignación espúrea. Elementos todos que entorpecen el proceso de reestructuración e involucran enormes costos productivos.

Las afirmaciones anteriormente expuestas toman como premisa fundamental el vínculo estrecho que se presenta entre los procesos de creación y destrucción observados a escala de las empresas y el crecimiento económico. Desde las tesis de la “destrucción creativa” se descartan los modelos de equilibrio general y la economía se representa como una sucesión de desequilibrios impulsados por procesos de innovación productiva, tecnológica, mercantil u organizacional. Se considera que estas dinámicas de transformación cambian la estructura económica desde adentro, convirtiendo a los procesos de destrucción y creación en hechos esenciales de las economías capitalistas y en los mecanismos básicos para asegurar el crecimiento económico y los incrementos en productividad. “El descubrimiento de la relación entre la reasignación de recursos y el aumento de la productividad constituye el hallazgo más importante de los estudios de la microestructura de la economía. Como corolario de este hallazgo se puede plantear que cualquier cosa que interfiera con tal reasignación constituye un impedimento al crecimiento de la productividad” (Wengel, 2006: 14).

Como parte imprescindible de esta perspectiva, se reconoce la sustancial heterogeneidad que caracteriza a los agentes económicos y se rechaza de plano la existencia de un “productor-agente representativo”. La incertidumbre asociada al desarrollo, distribución o mercadeo de nuevos productos; las posibilidades de alcance y adopción de nuevas tecnologías; la irreversibilidad de las decisiones de inversión; la habilidad de las empresas para identificar y promocionar nuevos productos, organizar la producción, motivar a los empleados o adaptarse a circunstancias cambiantes; las diferencias en información acerca de la tecnología, los canales de distribución, las estrategias de mercado y los gustos de los consumidores; las dinámicas de experimentación y aprendizaje y el tamaño y edad de las firmas constituyen, en su conjunto, una fuente nunca descartable de decisiones idiosincrásicas altamente descentralizadas y de respuestas heterogéneas a factores exógenos asociados al ciclo económico, a choques de demanda o a la implementación de la política económica.

Debido a que los ajustes que se generan en este contexto son costosos y no se realizan de manera instantánea, la dinámica de la reestructuración resulta importante, y se relaciona de manera estrecha con la reasignación de

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factores. Particularmente, han sido estudiadas las dinámicas de reasignación de trabajo y se ha concluido que son amplias, intensas y persistentes; que en su mayoría son intrasectoriales y no intersectoriales; y que los flujos de empleo desde establecimientos menos productivos a otros más productivos juegan un papel fundamental en los incrementos de la productividad a nivel industrial. Se considera que la reasignación determina, en promedio, el 52% de los incrementos en productividad en los países desarrollados. La mitad de dicho porcentaje es explicado por la reasignación de productores (entrada y salida de firmas al mercado) (Caballero y Hammour, 2000: 8).

El interés por avanzar en los estudios alrededor de la creación y destrucción de empleo consiste en reconocer el carácter dinámico de la reasignación de la mano de obra en una economía de mercado. En esta perspectiva, los flujos de empleo desde el lado de la demanda del mercado laboral se comprenden en el contexto de una economía dinámica en que el cambio, la reestructuración y los elementos idiosincrásicos constituyen la regla y no la excepción. El análisis microeconómico del constante ajuste realizado por las firmas en materia de empleo se interesa por establecer vínculos entre este proceso y el ciclo económico, el tamaño de las firmas, las características de la industria a la que pertenecen, su ubicación geográfica, la edad de la firma, la intensidad del capital, el desempeño productivo, el grado de exposición a la competencia internacional, el carácter del mercado laboral y los niveles salariales1.

1.2 Hechos estilizados

Países industrializados

Con base en las diferencias en términos de ubicación regional, clase de industria, intensidad de capital, nivel salarial, edad de la firma, grado de especialización, diferenciación de productos y grado de exposición al comercio internacional, Davis, Haltinwanger y Schuh (1996) analizan las variaciones en la creación y destrucción de empleo entre diversas sectores de la industria manufacturera en Estados Unidos. Estas son sus conclusiones:

1. Las categorías de análisis utilizadas en el documento para analizar los flujos de empleo fueron: 1. Creación bruta de empleo: El incre-mento de empleo en todas las empresas que se expandieron más el empleo en las empresas que nacieron entre el periodo de tiempo t y t-1. 2. Destrucción bruta de empleo: Las pérdidas de empleo en todas las empresas que se contrajeron más las pérdidas debidas a cierres de empresas entre el periodo de tiempo t y t-1. 3. El cambio neto de empleo en el tiempo t es la diferencia entre el empleo en el tiempo t y el tiempo t-1. 4. Reasignación bruta de trabajo: tomando en cuenta el número de empleos que desaparecen o aparecen por contracción o expansión de las plantas, la reasignación bruta de empleo es la suma de todo el empleo generado y perdido entre t y t-1. Es la suma de la creación y la destrucción de empleo. 5. El exceso de reasignación de trabajo es igual a la diferencia entre la reasignación bruta de trabajo y el valor absoluto del cambio neto de empleo, y representa la parte de reasignación de trabajo por encima o por debajo del nivel requerido para acomodar los cambios netos de empleo.

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259Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

1) La mayor parte de la creación y destrucción de trabajo que se presenta en un año refleja una alta persistencia en términos de los cambios en el nivel de empleo de las plantas. Esto implica, por ejemplo, que muchos de los empleos que desaparecen durante un año, son reabiertos en el mismo lugar, en promedio, después de dos años. Los datos muestran que la persistencia de la destrucción parece ser mayor que la persistencia de la creación. Igualmente, evidencian que los empleos creados durante una recesión tienen menos posibilidades de sobrevivir que aquellos que son creados durante un ciclo expansivo.

2) En cuanto al comportamiento cíclico, los flujos de empleo son bastante dinámicos a través del tiempo. Las tasas de destrucción de empleo exhi-ben una mayor variación cíclica que la tasa de creación. Particularmente, las recesiones son caracterizadas por un pronunciado incremento de la destrucción de empleo, acompañado por una disminución relativamente suave de la creación. En este sentido, el comportamiento de ambas varia-bles no es simétrico. La creación de empleo es procíclica, y la destrucción de empleo es contracíclica al igual que la reasignación de trabajo.

3) En términos de estabilidad laboral y niveles salariales, las plantas con mayores salarios exhiben menos flujos brutos de trabajo; más aún, los em-pleos con altos salarios son más durables. La demanda de mano de obra no calificada es más débil; este hecho coloca en evidencia una articulación clara entre capital humano, niveles salariales y flujos de trabajo: las plantas con altos niveles salariales y mayor estabilidad operan con trabajadores con altos promedios de capital humano. La destrucción y creación de empleo es mucho mayor en sectores con niveles salariales muy bajos o moderadamente bajos.

4) Los flujos brutos de empleo muestran una correlación pequeña con la exposición al comercio internacional. Desde esta óptica, la preocupación en términos de la mayor volatilidad de los mercados laborales debido a la mayor exposición de la industria al comercio internacional resulta infun-dada. Asimismo, las tesis que defienden el comercio internacional como fuente de generación de empleo resultan poco sustentadas. Sin embargo, es posible apreciar que las tasas de destrucción de empleo en industrias con fuerte exposición al comercio internacional pueden ser mayores.

5) En materia de productividad, intensidad de factores y grados de es-pecialización, el estudio realizado por los autores arrojó los siguientes resultados: las industrias que se especializan en la producción de bienes específicos presentan mayores flujos brutos de trabajo posiblemente

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debido a la mayor sujeción a los cambios permanentes en la demanda de sus bienes. Las firmas diversificadas ofrecen un entorno laboral más estable. Por otra parte, el empleo neto se incrementa fuertemente con la intensidad de capital por trabajador. En efecto, aunque las mayores tasas de creación de empleo son generadas por firmas con menores niveles de intensidad de factores, la destrucción de empleo disminuye notablemente con la intensidad de capital. Finalmente, en términos de productividad la creación de empleo es más alta en industrias con una elevada tasa de productividad de factores; la destrucción de empleo no se relaciona sistemáticamente con esta variable. Estos hechos implican que el empleo neto y el exceso de reasignación aumentan en función de los incrementos en la productividad.

6) En relación con la edad y el tamaño de las firmas convencionalmente se ha aceptado que son las pequeñas firmas las que poseen la mayor habilidad para generar puestos de trabajo. Sin embargo, estas conclusiones se sustentan en falacias estadísticas e interpretaciones erróneas: en realidad las empresas manufactureras pequeñas exhiben grandes tasas brutas de creación de empleo, pero no tasas elevadas de creación neta de empleo. Más aún, la intensidad de la reasignación del trabajo declina fuertemente en relación con el tamaño y edad de las plantas. Por su parte, la persistencia del empleo responde positivamente y las probabilidades de supervivencia de los nuevos trabajos creados aumentan en virtud del tamaño y edad de la firma. Las altas tasas de destrucción de empleo que caracteriza a las firmas pequeñas, y los resultados mixtos que han arrojado los estudios impiden la distinción de un patrón definido para evaluar la relación entre tamaño-edad de la firma y la creación neta de empleo. Este hecho pone en tela de juicio las políticas diferenciadas tendientes a brindar apoyo a las empresas más pequeñas.

Países en vías de desarrollo

En términos generales se acepta que el sector industrial en los países en vías de desarrollo responde a la evolución mostrada por la demanda, a los cambios en las oportunidades tecnológicas, a los regímenes de política económica, comercial e industrial y al dinamismo exhibido por la entrada y salida de productores en los mercados. No obstante, el análisis de estos elementos se ha concentrado en los aspectos macroeconómicos más amplios y ha dejado de lado la comprensión de la microdinámica que se presenta a nivel de las firmas. Más aún, el carácter primitivo de los estudios se hace más fuerte si se tienen en cuenta los rasgos propios de las economías en desarrollo, afectadas por la promoción de cambios estructurales asociados al tránsito de una economía agraria a una industrial, presionadas por la

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261Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

necesidad del mejoramiento tecnológico, dependientes del comercio internacional y la inversión extranjera y caracterizadas por altos niveles de dinamismo en el mercado laboral (Bartelsman, Haltinwanger y Scarpetta, 2004).

El trabajo de Roberts y Tybout (1996) pretende responder a este vacío teórico y, mediante el uso de datos panel, intenta analizar la microdinámica del sector in-dustrial en cinco países semiindustrializados (Chile, Colombia, México, Marruecos y Venezuela). Como resultado de su investigación, son presentados un conjunto de hechos estilizados a nivel de la planta sobre la dinámica y heterogeneidad del sector industrial en los países en vías de desarrollo:

1) La entrada, salida y repartición de los mercados responden a tres fuerzas esenciales: i) los movimientos en los patrones tecnológicos y de demanda que en el largo plazo generan la expansión (contracción) del producto y la entrada (salida) de firmas; ii) el comportamiento cíclico y las fluctuaciones de corto plazo vinculadas a cambios en las condiciones macroeconómicas o en la política comercial, y finalmente, iii) al reemplazo de productores menos eficientes por otros más eficientes al interior de una misma indus-tria. Aunque el primer factor parece ser el determinante, no hay certeza sobre el grado de importancia de cada uno de estos factores para explicar la magnitud e intensidad de la reasignación.

2) Se establece igualmente que, si los productores en alguna industria son heterogéneos en los niveles de beneficios, productividad o aprovecha-miento tecnológico, las fuerzas del mercado generan continuos procesos de entrada y salida a pesar de la estabilidad en la demanda. Este cambio continuo se considera potencialmente beneficioso porque induce al in-cremento de la productividad y el bienestar, aunque son reconocidos los costos asociados a los factores que son desaprovechados temporalmente, y a la pérdida de ingreso para dichos factores durante el proceso.

3) En comparación con los países industrializados, la volatilidad y reasig-nación del trabajo en los países en vías de desarrollo es mucho mayor. En efecto, mientras que en Estados Unidos se crean y destruyen cerca del 10% del empleo total del sector manufacturero, en los países semiin-dustrializados esta cifra se ubica entre el 26% y el 30%. La creación y destrucción de empleo es sustancial y toma lugar, simultáneamente, en todas las fases del ciclo económico. Este patrón de comportamiento im-plica que el ciclo no es la fuente determinante de la creación y destrucción de empleo, y que los productores responden de manera diversa a cambios en el ambiente económico común.

4) Los niveles de reasignación y volatilidad encontrados en los países en vías de desarrollo son bastante elevados, y se mantienen relativamente

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inalterados en periodos de expansión y contracción. A diferencia de lo encontrado en los países desarrollados, el patrón contracíclico de la re-asignación de empleo no es evidente en los países en vías de desarrollo.

5) La exposición al comercio internacional no tiene grandes efectos más allá de los efectos indirectos que se generan a través de la demanda. Al igual que en los países industrializados, la mayor parte de la reasignación del trabajo es intraindustrial y no interindustrial. Los flujos de trabajo se hacen mayores cuando la producción es de pequeña escala, cuando la intensidad del capital es pequeña y cuando el nivel tecnológico es bajo.

6) Es posible que las políticas industriales y comerciales que inhiben la salida, entrada o reemplazo de firmas tengan efectos negativos sobre los niveles de productividad en el largo plazo. No obstante, los beneficios producidos por la “destrucción creativa” de los procesos de reasignación y reestructuración son acompañados por costos de transacción y pérdidas de ingreso de los factores que paran de manera temporal durante el proceso. Estos costos son mayores en los países en vías de desarrollo.

Si se comparan estos hechos estilizados con los países industrializados y las economías en vías de desarrollo se ponen en evidencia los límites de teorías for-males que se pretenden susceptibles de aplicación universal omitiendo cualquier referencia a variables históricas o espaciales. Es en este contexto en que la teoría de los flujos de empleo lanza fuertes críticas a las premisas fundamentales de la teoría del ciclo real de los negocios. A continuación, serán presentados los aspec-tos fundamentales de esta crítica para poner de relieve los avances realizados por la teoría de los flujos de empleo para la comprensión de los mercados laborales.

1.3 Avances: aspectos críticos del modelo del ciclo real de los negocios

Teniendo en cuenta la asimetría cíclica presentada por las tasas de creación y des-trucción, los elementos específicos diferenciadores de cada recesión y la existencia e importancia de las “fricciones y choques de asignación”, la teoría de los flujos de empleo desestima y critica la perspectiva y predicciones realizadas desde la teoría del ciclo real de los negocios.

La teoría del ciclo real de los negocios considera que las contracciones o expansiones económicas son generadas por choques agregados desde la oferta o la demanda que afectan las firmas (aproximadamente al mismo tiempo y de la misma forma) causando aumentos o caídas en los niveles de empleo y producción. Se cree que el efecto extendido y similar entre la mayoría de sectores y las firmas es el rasgo fundamental de un choque agregado, pues se parte de la existencia de productores y consumidores representativos. Por este motivo, la teoría del ciclo de los negocios hace abstracción del comportamiento cíclico diferenciador que

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263Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

experimentan los hogares y las firmas, los sectores y los empleadores en función de su respuesta específica al choque.

En virtud de estos aspectos, la teoría del ciclo de los negocios termina concentrándose en los choques agregados y mantiene el silencio en relación con los vínculos que se presentan entre los procesos de reasignación, reestructuración y ciclo económico. En otras palabras, no brinda relevancia a dinámicas económicamente importantes como los despidos masivos, la duración del desempleo, las probabilidades de encontrar empleo en el mismo lugar en que se perdió, ni a los comportamientos idiosincrásicos que determinan las decisiones en materia de creación, destrucción y demanda de trabajo por parte de las firmas.

Las debilidades teóricas señaladas anteriormente explican la estrechez de las tres predicciones esenciales presentadas por la teoría del ciclo real de los negocios en términos de la dinámica de la creación y destrucción de empleo: i) se cree que la correlación entre las tasas de creación y destrucción es cercana a -1.0; ii) se considera que los cambios en creación y destrucción de empleo a lo largo del ciclo tienen signo opuesto, pero una magnitud aproximadamente igual y iii) la correlación entre la tasa de reasignación de trabajo y la tasa neta de creación de empleo es cercana a cero. Sin embargo, las investigaciones empíricas que se apartan de los límites teóricos de esta teoría colocan en tela de juicio dichos pronósticos: i) la correlación entre las tasas de creación y destrucción de empleo no es cercana a -1.0. La creación y destrucción de empleo no se mueven siempre en direcciones opuestas a lo largo del ciclo, y su correlación se acerca a -0.36. ii) En términos de los cambios cíclicos, las tasas de creación y destrucción de empleo son más o menos similares en las fases expansivas; no obstante, durante las recesiones, la destrucción de empleo aumenta en promedio cuatro veces más que la declinación en la tasa de creación. iii) La correlación entre la reasignación de trabajo y el crecimiento neto de empleo no es cercano a cero, se acerca a -0.57; por lo tanto, la tasa de reasignación se incrementa en periodos de recesión y declina en periodos de expansión (Davis, Haltinwanger y Schuh, 1996).

La divergencia entre la evidencia empírica y los pronósticos realizados por la teoría del ciclo real de los negocios, justifica la búsqueda de una perspectiva más amplia que enriquezca la comprensión del ciclo económico a través del esclarecimiento de la conexión que se presenta entre la magnitud y el comportamiento de los flujos de empleo, y las dinámicas y características de los procesos de reasignación, reestructuración y fluctuaciones agregadas. En este sentido, se debe avanzar hacia el reconocimiento de la heterogeneidad, las fricciones y los choques de asignación como fuerzas motoras que interactúan con y explican aspectos de las fluctuaciones agregadas, pues estas fuerzas pueden llevar al ciclo a episodios no previstos y dotados de una naturaleza particular.

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Si se comprenden los choques de asignación como los eventos que alteran las posibilidades de encuentro entre las características deseadas y verdaderas de los insumos de trabajo y capital en términos de atributos productivos, distribución de habilidades o ubicación geográfica, una visión más amplia del ciclo económico los reconocería como aspectos importantes que destruyen o devalúan insumos importantes para el proceso de producción como el “capital-información” y el “capital-organización” que afectan el costo y el tiempo requerido para descubrir y desarrollar combinaciones eficientes de factores o insumos productivos cuando éstos exhiben grados importantes de heterogeneidad. La cuestión consistiría, en-tonces, en cómo recrear y defender el capital-información y el capital-organización de los choques de asignación, y cómo robustecerlos para garantizar crecimiento económico y generación de empleo.

Los choques de asignación constituyen una fuerza motora detrás de las fluc-tuaciones económicas agregadas, y su intensidad y continuidad explican la lentitud o rapidez de los procesos de ajuste y reestructuración, afectan la dinámica de los flujos de trabajo, y entorpecen o fortalecen la actividad económica en general. En este sentido, se considera que los choques y fricciones de asignación pueden explicar la persistencia en las respuestas del empleo y el producto a los choques agregados generados desde la oferta o la demanda y, por lo tanto, que influencian el carácter, profundidad y duración de las recesiones económicas. Los atributos idiosincrásicos de las decisiones empresariales, el encuentro entre puestos de trabajo y mano de obra heterogénea, la mayor profundidad de las recesiones en ciertos sectores, el carácter de la reasignación de mano de obra altamente especializada, las posibilidades de readiestramiento de la mano de obra, las dinámicas de adopción de nuevas tecnologías, la adaptación a nuevos patrones de producción y distribución y el acceso imperfecto a los mercados de crédito para enfrentar las crisis son, entre otros, elementos explorados por la teoría de los choques de asignación.

¿Es posible, entonces, encontrar obstáculos potenciales para el proceso de destrucción creativa que terminan por determinar la profundidad y persistencia de las fluctuaciones económicas? ¿Son los choques de asignación la única fuente de vínculos entre los procesos de reasignación y el ciclo económico? O, por el contrario, ¿la relación es recíproca y las recesiones se convierten en factores que impactan de manera negativa las dinámicas de reasignación?

De acuerdo con Caballero y Hammour (2000) las instituciones subdesar-rolladas o politizadas constituyen una primera fuente de restricciones. En efecto, un marco institucional pobre es el resultado de la existencia de grupos de interés capaces de inclinar excesivamente el balance institucional en su favor para mini-mizar los efectos distributivos de la reestructuración.

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265Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

En segundo lugar, la ocurrencia frecuente de crisis afecta negativamente el proce-so de reestructuración dado el retardo que imponen y las liquidaciones pronunciadas que generan (cierres de firmas y altas tasas de destrucción de empleo). Por tal motivo, resulta errónea la inferencia que considera que la intensificación y profundización de las crisis o contracciones económicas aceleran y agilizan el proceso de reestructuración. Por ejemplo, las pérdidas de empleo características de las recesiones generalmente alimentan el desempleo abierto o la informalidad antes que introducir incrementos en la productividad o respuestas rápidas en la creación de empleo.

En conclusión, aunque la evidencia no es contundente, parece ser que las crisis constituyen otro obstáculo importante para el buen funcionamiento de los procesos de reestructuración. Las crisis generan un costo social y económico aso-ciado con el efecto negativo generado sobre la reestructuración y la productividad en el largo plazo. Este costo se suma a los costos inmediatos que tradicionalmente le son adjudicados en términos de desempleo, incrementos en la informalidad, subutilización de los recursos y suspensión de ingresos para los factores productivos.

El proceso de destrucción creativa es fundamental para el crecimiento econó-mico en las modernas economías de mercado; sin embargo, es un proceso frágil, sometido y expuesto a intereses políticos, ambientes contractuales inapropiados y subdesarrollo en los mercados financieros. Elementos que parecen ser más notables en los países en vías de desarrollo y nunca aprehensibles desde la teoría convencional del ciclo de los negocios.

Hasta el momento, han sido señalados todos los elementos teóricos y empíricos de los flujos de empleo y los procesos de reasignación del trabajo. Los avances realizados en materia de comprensión de la importancia de las decisiones idiosincrásicas, las respuestas heterogéneas de los productores a cho-ques exógenos y el vínculo complejo y recíproco que se establece entre el ciclo económico y las dinámicas de reasignación, constituyen un marco conceptual adecuado para iniciar un análisis de los flujos de empleo en el sector industrial colombiano. En la siguiente sección del documento, se enfatizará en la im-portancia de reconocer los factores idiosincrásicos que determinan la creación neta de empleo, se construirá un retrato estadístico de los flujos de empleo en el sector industrial colombiano, y se demostrará la correlación inexistente que se presenta entre las tasas de reasignación de trabajo y los incrementos en los niveles de productividad del sector industrial colombiano entre 1977 y 2006.

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2 ANÁLISIS PARA COLOMBIA. LOS FLUJOS DE EMPLEO EN EL SECTOR INDUSTRIAL COLOMBIANO

2.1 Colombia. Ciclo económico y tasa de creación neta de empleo 1997-2007

Las altas tasas de crecimiento del producto asociadas con recuperaciones nulas o excesivamente lentas del empleo -e incluso, con aumentos en los niveles de desempleo- constituye un problema económico generalizado a nivel internacional. Ni los países industrializados como Estados Unidos ni los países en vías de desarrollo ubicados en la región de América Latina han podido escapar a esta paradoja. En Estados Unidos, por ejemplo, “en 2002-2003 el producto estuvo creciendo entre 1.3% y 5% a tasas anualizadas, mientras que el empleo decreció en promedio 0.4%, también a una tasa anualizada. De hecho, mientras que al final de junio de 2003 la expansión del producto fue de 4.5% desde su punto más bajo en el tercer trimestre del 2001, el empleo de nómina bajó casi 0.4% en el 2002 y otros 0.3% en junio de 2003” (Pérez, 2007: 5).

Asimismo, en Centro y Sur América, las tasas promedio de crecimiento entre 2003 y 2006 se ubicaron en el 5.3% y el 4.6%, respectivamente; sin embargo, los niveles de desempleo en la región se mantuvieron inalterados. Más aún, diversos cálculos realizados han concluido que para América del Sur, y teniendo en cuenta indicadores de Okun, se han necesitado, en promedio, 7.3 puntos de crecimiento para reducir en un punto la tasa de desempleo. En Centroamérica la situación es menos favorable y se requieren 18.8 puntos de crecimiento para reducir la tasa de desempleo en un punto. De hecho, cuatro países (República Dominicana, El Salvador, Guatemala y Honduras) que han alcanzado tasas de crecimiento económico promedio del 3.3%, han sufrido aumentos en los niveles de desempleo (Pérez, 2007).

La paradoja del crecimiento sin empleo también se reproduce en Colombia. En 2002, por ejemplo, el crecimiento del 1.93% que se presentó en el marco de la recuperación económica fue acompañado por un aumento del desempleo del 4.81%. Entre 2003 y 2005 los incrementos promedio en el producto del 4.5%, pasada la fase de recuperación, son seguidos por disminuciones del desempleo de 9.07%. No obstante, la situación se recrudece en 2006 cuando el producto aumentó en 6.94% y la tasa de desempleo creció en 2.96%. En el primer trimestre de 2007, la elevada expansión del 8.09% del PIB fue acompañada por un aumento del 0.22% en la tasa de desempleo.

Las posibles causas del deterioro de la ocupación y el aumento del desempleo en condiciones de crecimiento económico, pueden ser debidas a la generalización de las prácticas de flexibilización laboral, a incrementos en la productividad relacionados

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267Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

con el uso de nuevas tecnologías en los procesos productivos, a la alta rigidez que caracteriza a los mercados laborales de la región o a la influencia de China en los flujos del comercio internacional. Sin embargo, ninguna interpretación resulta contundente. En el caso particular de Colombia, por ejemplo, las explicaciones asociadas a los incrementos en la productividad industrial o al peso que representa en las estadísticas el aumento del desempleo en el área rural y en las cabeceras municipales, resultan insatisfactorias y poco robustas.

Este panorama coloca en evidencia la necesidad de trascender las explicaciones que se inspiran en los modelos y premisas teóricas que prevén una correlación simple y positiva entre el crecimiento del producto y la generación de empleo. Se requiere avanzar hacia el reconocimiento de teorías alternativas que reflejen la mayor complejidad de la dinámica económica y que se adapten de mejor manera a la evidencia mostrada por las estadísticas. Es en este contexto en que la teoría de los flujos de empleo puede aportar a la comprensión de la paradoja del crecimiento sin ocupación gracias a que las categorías que componen su perspectiva de análisis permiten aprehender de mejor forma la complejidad que caracteriza la microdinámica de la creación y la destrucción de empleo en el marco de las decisiones idiosincrásicas de demanda de mano de obra, y de las respuestas heterogéneas de los empresarios a hechos exógenos relacionados con el ciclo económico, el comportamiento de la demanda o el ejercicio de la política económica.

Para justificar este cambio de perspectiva, basta realizar un acercamiento al comportamiento de las tasas netas de creación de empleo por ramas de actividad económica y su relación con el comportamiento del producto (Cuadro No.1). A pesar que en el agregado parecen seguir la misma tendencia (Gráfica No. 1, Anexo No. 1), un acercamiento sectorial rompe con esta imagen (Gráficas 2 a 10, Anexo No. 1). En efecto, los sectores de minas, canteras, electricidad, gas, agua, transporte, almacenamiento, comunicación y servicios sociales, comunales y personales, presentan enormes saltos en materia de creación neta de empleo, y separaciones drásticas en relación con la tendencia seguida por el producto sectorial. Los sectores agropecuario, silvicultura, caza, pesca, de construcción, industria y establecimientos financieros, por su parte, muestran un comportamiento procíclico –aunque bastante sensible- de la tasa neta de creación de empleo. Finalmente, la rama de comercio, reparación, restaurantes y hoteles presenta un comportamiento inercial de la tasa neta de creación de empleo en relación con el comportamiento del producto.

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CUADRO 1

Colombia. Tasas de crecimiento económico y creación neta de empleo por ramas de actividad

Año / Sector 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Agropecuario, silvicultura, caza y pesca

Crecimiento 0,7 0,0 0,0 3,8 -0,4 0,1 2,7 2,0 1,8 2,3 2,6

Creación -0,2 8,5 -5,2 2,3 -1,2 -8,4 9,2 -0,3 4,3 -6,7 -3,9

Explotacion de minas y canteras

Crecimiento 3,7 15,6 18,5 -10,3 -6,1 -0,5 13,7 2.6 2,1 0,1 4,5

Creación -9,8 18,1 -31,0 -1,4 67,2 35,3 -23,3 -8,2 -7,3 1,6 -19,9

IndustriaCrecimiento 0,5 -0,2 -8,6 11,8 1,3 2,6 4,5 7,1 3,9 10,8 10,6

Creación -3,6 0,6 -5,0 14,9 -3,7 0,3 3,7 8,7 0,7 -2,1 1,7

Electricidad, gas y agua

Crecimiento 1,0 1,8 -4,2 0,9 3,0 0,8 2,2 2,7 5,0 3,0 2,3

Creación 45,7 -61,0 2,0 17,1 -2,4 -21,7 -7,4 12,9 10,3 -2,5 -3,8

ConstruccionCrecimiento 2,2 -7,2 -27,0 -3,9 3,9 12,8 13,3 12,4 11,8 14,8 13,3

Creación 3,3 -6,8 -10,5 1,1 -4,9 25,8 -8,1 2,3 6,7 6,7 1,9

Comercio, repara-cion, restaurantes y hoteles

Crecimiento 1,7 -1,6 -15,4 7,3 3,1 1,9 5,4 7,6 7,2 11,0 10,4

Creación 0,9 -0,8 1,7 1,3 4,1 -0,3 1,5 -0,2 0,4 0,0 0,5

Transporte, almacenamiento y comunicacion

Crecimiento 5,8 2,5 -1,9 1,5 4,0 2,4 2,9 6,2 4,7 10,3 12,5

Creación 3,3 1,2 4,3 -2,0 22,5 0,0 11,7 0,7 3,0 6,2 9,9

Establecimientos financieros, seguros, inmuebles y serv. Emp

Crecimiento 4,9 -1,3 -4,9 -1,0 2,2 2,3 5,7 4,8 3,6 1,4 8,3

Creación 7,2 1,5 -2,7 -5,0 -3,1 -3,3 12,4 2,4 7,8 4,4 16,7

Serv. Sociales, comu-nales y personales

Crecimiento 7,2 1,8 3,3 0,6 0,7 -0,3 -0,2 1,4 3,9 2,2 3,1

Creación 5,2 1,6 4,5 11,3 -18,8 3,0 4,8 -1,7 0,7 -16,4 17,5

Producto interno bruto total-tasa de creación total

Crecimiento 3,4 0,6 -4,2 2,9 1,5 1,9 3,9 4,9 4,7 6,8 7,5

Creación 3,0 1,4 -0,5 6,3 0,1 0,0 5,6 0,8 2,4 -4,0 5,1

Fuente DANE-Banco de la República. Cálculos Propios.

Dichos comportamientos divergentes de la tasa neta de creación de empleo pueden ser explicados por los rasgos específicos del mercado laboral en cada una de las ramas de actividad. Un acercamiento a los sectores de mayor crecimiento en los últimos años (construcción, industria y comercio), revelaría dichos rasgos diferenciadores y los posibles determinantes de la tasa neta de creación de empleo.

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269Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

En el sector industrial, por ejemplo, la tasa neta de creación de empleo pue-de estar asociada a la generalización y consolidación de las nuevas modalidades de contratación y a las transformaciones introducidas por el cambio técnico y la sustitución de trabajadores. Asimismo, puede influir el hecho de que gran parte de la microindustria se caracteriza por la existencia de un enorme número de in-dependientes, jornaleros urbanos, trabajadores pagos a destajo y por la vinculación permanente de miembros de la familia. La construcción por su parte, tiene efectos de corto plazo sobre el nivel de empleo, y se caracteriza por la contratación de mano de obra de baja calificación, un cambio técnico lento y el uso del trabajo intensivo en acabados y limpieza de obra. La actividad comercial incluye los segmentos compuestos por el comercio tradicional de pequeños locales cuyos volúmenes de venta son bajos y en donde participa un número incontable de trabajadores por cuenta propia y familias enteras. El otro segmento, moderno y asociado con las cadenas comerciales de enormes superficies, se caracteriza por la contratación de un reducido volumen de personas y por el efecto perverso que genera sobre el co-mercio tradicional minorista en términos de su desplazamiento, marchitamiento y pérdidas de empleo (Bonilla, 2007).

Además de estos factores específicos, la literatura advierte que los factores idiosincrásicos de las firmas dominan la determinación de los flujos de empleo. Aspectos como la industria, la región, los salarios, la intensidad de capital, la pro-ductividad, la competencia internacional y el tamaño y la edad de la planta, no constituyen elementos explicativos sistemáticos del incremento en el nivel de empleo. Por el contrario, son los procesos de experimentación de las firmas con la creación de nuevos productos, la incorporación de nuevas tecnologías, la incertidumbre sobre las condiciones futuras de la demanda, las habilidades para organizar la actividad productiva, los costos de energía, los costos del trabajo y la información sobre los canales de distribución, los agentes que, en su conjunto, determinan las decisiones empresariales de demanda de trabajo. Por este motivo, la intervención gubernamental para crear más y mejores empleos debe ser analizada desde un mayor nivel de complejidad, teniendo en cuenta, igualmente, las distorsiones que puede generar. Para comprender los procesos agregados es necesario comprender la distribución de los resultados de política sobre los agentes económicos hetero-géneos y sus respuestas diversas a la acción gubernamental. Resulta evidente el desconocimiento de estos factores idiosincrásicos en el desempeño económico en general y en los flujos de empleo en particular.

2.2 Flujos de empleo en el sector industrial colombiano 1977-2006

En consonancia con las categorías y hechos estilizados definidos en la primera parte de este trabajo, y habiendo demostrado los comportamientos y vínculos diferenciados que se presentan en materia de crecimiento del producto y creación

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neta de empleo en las diversas ramas de la actividad económica colombiana, la presente sección muestra el comportamiento de los flujos de empleo en el sector industrial colombiano (pequeña, mediana y gran industria) entre 1977 y 2006.1

Como se evidencia (Cuadro No. 2), entre 1977 y 2006 los promedios observa-dos para los componentes de los flujos de empleo son: crecimiento neto de empleo 0.09%, creación bruta de empleo 11.33%, destrucción bruta de empleo 11.24%, tasa de reasignación 22.57% y tasa de volatilidad (exceso de reasignación) 22.48%.

CUADRO 2

Colombia. Flujos de empleo para el sector industrial 1977 - 2006

Año

Tasa de Incremento

Productividad (producción

bruta/empleo permanente)

Tasa de Crecimiento del Producto Sector Indus-

trial

Tasa Bruta de Creación de

Empleo

(A)

Tasa Bruta de Destrucción de

Empleo

(B)

Tasa Neta de Creación de

Empleo

(C=A-|B|)

Tasa de Rea-signación Bru-ta de Empleo

(D=A+|B|)

Exceso de Reasignación

de Empleo

(E=D-C)

1977-78 8,87 11,9 16,20 -13,60 2,60 29,8 27,21978-79 2,99 6,2 17,80 -14,40 3,40 32,2 28,81979-80 4,22 4,2 13,40 -13,60 -0,20 27 27,21980-81 1,04 -2,0 12,10 -15,00 -2,90 27,1 301981-82 -3,33 -5,6 11,30 -14,00 -2,70 25,3 281982-83 2,29 -1,3 10,90 -12,80 -1,90 23,7 25,61983-84 14,29 12,5 10,30 -11,90 -1,60 22,2 23,81984-85 8,64 4,5 10,20 -13,80 -3,60 24 27,61985-86 11,37 14,0 13,20 -11,00 2,20 24,2 221986-87 1,72 6,2 16,20 -8,50 7,70 24,7 171987-88 6,56 7,9 10,60 -6,20 4,40 16,8 12,41988-89 0,52 2,5 11,20 -9,20 2,00 20,4 18,41989-90 4,29 5,0 9,50 -9,10 0,40 18,6 18,21990-91 -4,29 -4,2 11,80 -11,00 0,80 22,8 221991-92 -21,39 1,5 12,50 -11,70 0,80 24,2 23,41992-93 7,79 9,1 10,90 -11,60 -0,70 22,5 23,21993-94 7,40 8,3 10,90 -11,60 -0,70 22,5 23,21994-95 3,40 2,6 9,30 -11,40 -2,10 20,7 22,81995-96 6,03 2,7 10,21 -13,37 -3,16 23,58 26,74

(sigue)

1. Los cálculos presentados en el Cuadro No. 1 sobre creación neta de empleo en el sector industrial colombiano, difieren de los que serán presentados en el Cuadro No. 2 sobre esta misma variable. La diferencia en los datos presentados se explica porque en el Cuadro No. 1 se presenta la creación neta de empleo en la totalidad el sector industrial (es decir se incluyen los datos de empleo ofrecidos por la microindustria y la pequeña, mediana y gran industria). Por el contrario, los cálculos realizados en el Cuadro No. 2 se sustentan en los datos ofrecidos por la Encuesta Anual Manufacturera, que toma como universo de seguimiento muestral al constituido por la pequeña, mediana y gran industria. Así, en el sector industrial “se diferencian dos segmentos: A) la microindustria, entendida como todos aquellos establecimientos que realizan algún proceso de transformación e incorporación de valor agregado y trabajen hasta nueve personas, predominan las panaderías, los talleres de carpintería metálica y en madera, actividades de confección y fabricación de muebles; estos talleres diversos representan la mayor proporción de los establecimientos dedicados a la actividad industrial, allí se ocupan alrededor del 76% de las personas y se genera cerca del 30% del valor agregado industrial nacional. B) El segundo segmento es la pequeña, mediana y gran industria, identificada como la de todas aquellas unidades productivas de transformación que ocupan más de diez personas, que corresponden a alrededor de ocho mil establecimientos con 24% de las personas ocupadas y 70% del valor agregado industrial, este segmento es seguido de cerca por el DANE con la Encuesta Anual Manufacturera EAM. En materia de ocupación, la Encuesta Continua de Hogares en 2007 proyecta alrededor de 2.5 millones de personas que se distribuyen entre 600.000 que identifica la EAM y 1.9 millones que agruparía toda la microindustria” (Bonilla, 2007: 91).

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271Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

(continuación)

Año

Tasa de Incremento

Productividad (producción

bruta/empleo permanente)

Tasa de Crecimiento del Producto Sector Indus-

trial

Tasa Bruta de Creación de

Empleo

(A)

Tasa Bruta de Destrucción de

Empleo

(B)

Tasa Neta de Creación de

Empleo

(C=A-|B|)

Tasa de Rea-signación Bru-ta de Empleo

(D=A+|B|)

Exceso de Reasignación

de Empleo

(E=D-C)

1996-97 1,53 1,8 11,62 -11,62 0,00 23,24 23,241997-98 2,32 -3,8 7,80 -13,66 -5,86 21,46 27,321998-99 6,96 -3,8 5,50 -15,47 -9,97 20,97 30,941999-00 8,42 8,7 11,15 -10,81 0,34 21,96 21,622000-01 2,76 1,5 8,35 -9,66 -1,31 18,01 19,322001-02 6,11 6,8 9,81 -9,24 0,57 19,05 18,482002-03 2,20 5,0 11,81 -9,23 2,58 21,04 18,462003-04 3,54 8,3 12,16 -7,67 4,49 19,83 15,342004-05 2,34 5,3 10,64 -7,73 2,91 18,37 15,462005-06 7,15 11,6 11,21 -7,16 4,05 18,37 14,32

Fuente: DANE-Encuesta Anual Manufacturera; DNP; Roberts y Tybout (1996); Wengel (2006,2009). Cálculos Propios.

Además, este retrato estadístico demuestra que a pesar de las transformaciones sufridas por la economía colombiana en el marco de las políticas de estabilización, ajuste y reforma estructural, y el cambio en el modelo de desarrollo que este pro-ceso lleva implícito, los promedios de los flujos de empleo en el sector industrial colombiano se mantienen prácticamente inalterados. Esto es consistente con la literatura que subraya la heterogeneidad de las respuestas de las firmas y el carácter idiosincrásico de las decisiones de los productores en el marco de cambios exógenos en su entorno económico común.

Sin embargo, se presenta una disminución en el promedio de creación bruta de empleo que es acompañada por un declive en la tasa bruta de destrucción de empleo. Dichos comportamientos explican los menores niveles de reasignación y volatilidad observados. Sin embargo, el promedio de la tasa neta de creación de empleo observada entre 1977 y 1989 (0.75%) (es decir, antes de la puesta en marcha de la políticas del Consenso de Washington) es mayor a la observada entre 1990 y 2006 (-0.45%) (periodo caracterizado por la implementación de las políticas de estabilización, ajuste y reforma estructural).

Ahora, al analizar el comportamiento de las tasas brutas de creación y destrucción en relación con el crecimiento del producto en el sector industrial (Gráfica No. 11, Anexo No. 1), se observa que para el periodos objeto de estudio (1977-2006) las tasas de creación bruta de empleo muestran mayor sensibilidad al ciclo del producto. Igualmente, son comunes los periodos en que el mayor crecimiento del producto industrial es acompañado por caídas en la tasa bruta de creación de empleo (1983-1985 y 1999-2001). Asimismo, entre 1984 y 1986 la tasa bruta de creación aumenta a pesar de la caída en el producto. Entre 1998 y

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2000 se presenta un aumento sostenido de la tasa bruta de creación, mientras que el producto permanece constante. Por su parte, la tasa bruta de destrucción de empleo se mantiene casi inalterada ante cambios bruscos en el producto industrial. Esto confirma el hecho estilizado anunciado en la primera parte del documento que indica la mayor sensibilidad de las tasas de creación de empleo a los cambios en el producto en los países en vías de desarrollo.

Los patrones seguidos por la tasa de crecimiento del producto industrial, la creación neta de empleo y la tasa bruta de reasignación de empleo (Gráfica No. 12, Anexo No. 1) muestran unas tasas de creación neta de empleo más di-námicas en el periodo comprendido entre 1977 y 1989, en comparación para lo observado entre 1990 y 2006. Sorprendentemente, son recurrentes los periodos en que la tasa neta de creación de empleo es contracíclica: sumando los rangos de tiempo, casi la mitad del periodo de análisis (1982-1986, 1995-1997 y 1998-2002). Las tasas de reasignación bruta de trabajo parecen más dinámicas (aunque decli-nantes) entre 1977-1989. Entre 1990 y 2006, las elevadas tasas de reasignación de trabajo parecen mostrar un comportamiento inercial, no sujeto a los cambios en el nivel de producto.

En general, estos hallazgos corroboran los hechos estilizados definidos para los flujos de empleo en los países en vías de desarrollo y el sostenimiento de la pa-radoja crecimiento del producto-desocupación. No obstante, dichas conclusiones no dicen nada acerca de la premisa fundamental de las teorías de la destrucción creativa de los procesos de reasignación: ¿Implican las elevadas tasas de reasigna-ción del trabajo mejoras permanentes en los niveles de productividad sectorial? ¿Presentan las altas tasas de reasignación de empleo y los niveles de productividad una correlación positiva en la industria colombiana? Estas cuestiones serán tratadas en el siguiente apartado del documento.

2.3 Correlación flujos de empleo-productividad: hacia un análisis de los costos de la reasignación de trabajo.

Las dinámicas de reasignación de productores (procesos de entrada-salida y expansión-contracción de establecimientos) en los mercados determinan en gran medida las decisiones de demanda de mano de obra. En general, se ha avanzado en el establecimiento de las correlaciones que dichas dinámicas establecen con variables como la estructura de los mercados, el grado de exposición al comercio internacional, la intensidad del capital y el comportamiento de la productividad sectorial.

Particularmente, se ha aceptado con amplitud que las dinámicas de entrada y salida, de nacimientos y muertes de firmas, generan un proceso de destrucción creativa con impactos importantes sobre los niveles de productividad de las eco-nomías. Sin embargo, no es claro el vínculo que se establece entre productividad

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273Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

y flujos de empleo, entendidos estos últimos desde categorías como creación neta de empleo, creación bruta de empleo, destrucción bruta de empleo, reasignación de empleo y exceso de reasignación o volatilidad: ¿Presentan los flujos de empleo alguna correlación (positiva o negativa) con los niveles de productividad económi-ca? ¿La correlación positiva que se presenta entre la reasignación de productores y productividad implica, necesariamente, la existencia de algún tipo de correlación entre flujos de empleo y productividad? O, por el contrario, ante la posible inexis-tencia de dicha correlación ¿son demasiado elevados los costos que las altas tasas de reasignación de empleo generan en materia de bienestar?

El estudio sobre la microestructura de la producción en el sector industrial colombiano elaborado por Wengel (2006) plantea las siguientes conclusiones:

• “El cambio estructural y el crecimiento de la productividad no se da como el resultado de la transferencia de sectores de baja productividad a sectores de alta productividad. El cambio estructural se da al interior de los sectores en donde los establecimientos de baja productividad son reemplazados por establecimientos de alta productividad. Este reemplazo se puede medir en términos del flujo de puestos de trabajo (…) De esta manera se sustenta que la migración de puestos de trabajo entre empre-sas del mismo sector constituye una de las avenidas principales para el crecimiento de la productividad” (Wengel, 2006: 5).

• “(…) en Colombia el peso relativo de la pequeña empresa es reducido. Es decir, el peso relativo de la pequeña empresa en términos de número de empresas, personal empleado y valor agregado es menor que en otros países. Esto tiene consecuencias económicas puesto que las pequeñas em-presas son las que registran mayores tasas de crecimiento, y el crecimiento de la productividad depende en gran parte de la entrada de empresas pe-queñas. Por consiguiente se tiene que como están las cosas, en Colombia el crecimiento de la productividad depende del paulatino crecimiento de la productividad registrado en las grandes empresas” (Wengel, 2006: 6).

De acuerdo con Wengel (2006), la correspondencia de las premisas de la teoría de la destrucción creativa con la realidad se hace evidente a la luz de la dinámica económica mostrada por el sector industrial colombiano. En efecto, en materia de entrada-salida se firmas, y flujos de empleo “se registra una pérdida de 1.067 establecimientos entre 1995 y 2003. Se tiene que en ese periodo cerraron 3609 establecimientos y se crearon 2.542 nuevos. En el periodo 1995-2003 se perdie-ron 145.670 puestos de trabajo debido al cierre de empresas y se ganaron 109.700 por vía de la creación de establecimientos nuevos. Las empresas existentes que sobrevivieron en este periodo redujeron su planta de personal en 69.556 puestos de trabajo” (Wengel, 2006: 18). Igualmente, en todos los sectores industriales se

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presenta la paradoja de pérdida de plazas de trabajo en los sectores de expansión, y generación de puestos de trabajo en sectores de contracción. Las dinámicas simul-táneas de creación, destrucción y reasignación de empleo ascendieron a promedios del 9.28%, del 11.39% y del 20.6% en el periodo 1995-2003, respectivamente. En este mismo periodo la creación neta de empleo fue, en promedio, del 0.3%.

Ahora, ¿cuál es el aporte a la productividad del proceso de destrucción creativa –entendido en términos de reasignación de productores- en la industria colombiana? “En un periodo de 9 años [1995-2003] la contribución del proceso de creación y destrucción es de sólo el 20% o el 21%. En el nivel internacional (…) en un periodo de 3 a 5 años el incremento de la productividad atribuible al proceso de creación y destrucción es de un 20% a un 50%. En un periodo de 10 años debe superar el 50%. En conclusión se tiene que en Colombia el proceso de destrucción creativa sólo aporta poco al incremento de la productividad y lo hace principalmente por el lado destructivo y no por el lado de la creación” (Wengel, 2006: 43).

No obstante, cuando se avanza hacia el reconocimiento de la microdinámica y se tiene en cuenta el tamaño de las empresas “se tiene así que en las escalas 0 y 1, correspondiente a empresas de menos de 20 empleados, la creación de nuevas empresas explica más de las tres cuartas partes del incremento de la productividad, la cual superó el 100%. Para las empresas del grupo 2 [de 20 a 49 empleados] la creación explica el 25% del incremento de la productividad y la destrucción contribuye con otro 12%. Es decir, para este grupo, el proceso de reemplazo de empresas viejas por nuevas contribuye en un 37% al incremento de 36.37% en la productividad. La contribución del proceso de destrucción creativa contribuye con el 53% del incremento del 28.89% en la productividad del grupo 4 [de 100 a 149 empleados]. Para los tamaños de empresas más grandes, a partir de 100 empleados, la mayor parte del incremento de la productividad se debe al aumento dentro de las empresas mismas, aunque no deja de ser insignificante la participación del proceso de destrucción creativa” (Wengel, 2006: 43).

No obstante, en el trabajo presentado por Wengel (2006) no es clara y nunca se establece la relación entre reasignación de trabajo y productividad. De hecho, concluir que la mayor reasignación de trabajo genera incrementos en productividad debido al proceso de destrucción creativa (nacimiento y muerte de establecimientos) que aquella dinámica presupone, constituye un error, ya que de acuerdo con Roberts y Tybout (1996) únicamente el 12% de los flujos de empleo o de las tasas de reasignación de trabajo son atribuibles al nacimiento (entrada) y muerte (salida) de establecimientos en los mercados. Una proporción similar es atribuible a las expansiones y contracciones. Roberts y Tybout (1996) insisten igualmente en que los vínculos presentados entre reasignación de mano de obra y reasignación de productores son mucho más complejos y difíciles de determinar.

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275Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

Debido a que los flujos de empleo representan una combinación de ajustes entre los establecimientos que se expanden o contraen y la entrada (nacimiento) o salida (muerte) de otros, es importante analizar en qué medida contribuye cada uno de estos procesos a la determinación del comportamiento de los flujos de empleo. Para tal efecto, Roberts y Tybout (1996) obtiene los datos de creación, destrucción y reasignación explicados por el nacimiento-muerte de nuevos esta-blecimientos y los compara con las cifras obtenidas al analizar las dinámicas de expansión-contracción de las firmas existentes. En general, concluye, el cambio neto en la creación de empleo es explicado con mayor fuerza por la entrada y salida de establecimiento que por la expansión y la contracción. Este patrón se hace más significativo ante cambios sustanciales en la demanda. Las expansiones y contracciones sufridas por las firmas explican el mayor incremento neto observado en periodos de expansión.

La mayor parte de la reasignación es explicada por contracciones y expan-siones más que por entradas o salidas de establecimientos. Aunque en periodos de recesión económica la entrada-salida de firmas es responsable de una mayor proporción de reasignación, siempre prima el factor asociado a la expansión-con-tracción de los establecimientos. Estos mismos patrones de comportamiento son observados cuando se analizan los excesos de reasignación (grados de volatilidad) en los flujos de empleo. Finalmente, al igual que en los países industrializados, la mayor parte de los flujos de empleo son explicados por la entrada-salida y la expansión-contracción de establecimientos en el mismo sector.

Las conclusiones presentadas por Roberts (1996) desestiman la posibilidad de establecer un vínculo directo entre reasignación de productores, reasignación de trabajo e incrementos en la productividad. Esta visión se aleja de la planteada por Wengel (2006) para el caso colombiano y es reafirmada por el análisis cualitativo que permite observar la conducta divergente de la reasignación, la volatilidad y el comportamiento de la productividad (Gráfica No. 13, Anexo No. 1).

Adicionalmente, los análisis econométricos realizados en la presente in-vestigación comprueban la ausencia de correlación entre los mayores niveles de reasignación de empleo y el comportamiento de la productividad industrial. En efecto, las regresiones simples presentadas en el Anexo No. 2 intentan establecer el carácter de la correlación presentada entre el comportamiento de la productividad y los flujos de empleo en el sector industrial colombiano. Como se observa en dicho Anexo, ninguno de los componentes fundamentales de los flujos de empleo en el sector industrial colombiano (1. destrucción bruta de empleo, 2. creación bruta de empleo, 3. reasignación bruta de empleo y 4. exceso de reasignación) presenta una correlación clara y precisa con el incremento o disminución en los niveles de productividad industrial.

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Los coeficientes de correlación y determinación en cada una de las regresiones no muestran ninguna relación clara (positiva o negativa) entre los componentes fundamentales de los flujos de empleo y el comportamiento de la productividad. Así, los resultados econométricos alcanzados son consistentes con los obtenidos por otros autores cuando afirman que no es claro que la reasignación de empleo sea un factor explicativo de la productividad en los países en vías de desarrollo.

Los análisis econométricos comprueban, además, que la correlación entre los flujos de empleo en cada uno de sus componentes y la productividad no es tan clara ni tan fuerte como se observa en países desarrollados como Estados Unidos o Canadá. De hecho, varios autores resaltan que altas tasas de flujos de trabajo y reasignación de empleo pueden ser consistentes con esclerosis o cambios ínfimos en la productividad, pues la pregunta no concierne únicamente al tamaño de los flujos, sino a su calidad: los flujos y las dinámicas de reasignación pueden ser impro-ductivas en sí mismas, y no constituyen una condición necesaria y suficiente para explicar la productividad (Caballero y Hammour, 2000: 9ss). La reestructuración, por ejemplo implica costos de reinversión y fricciones que se consideran elevadas para las economías con bajo nivel de ingresos. Aparecen en escena los choques de asignación señalados por Davis, Haltinwanger y Schuh (1996) y enunciados en la primera parte de este documento.

Ahora, si el corolario de la conclusión obtenida para los países desarrollados es que cualquier obstáculo político o de política económica compensatoria sería negativo para el proceso de destrucción creativa en que se sustentan los mejora-mientos en productividad, crecimiento y desarrollo, esto no parece claro para los países en vías de desarrollo. Surge, entonces, una pregunta que coloca en eviden-cia los límites distributivos y de bienestar de la teoría de los flujos de empleo: su silencio e indiferencia con respecto a los costos sociales de la excesiva reasignación del trabajo. Teniendo en cuenta los beneficios ínfimos que sobre la productividad genera las altas tasas de reasignación de mano de obra, ¿Son socialmente aceptables los costos que estas dinámicas producen en relación con las posibilidades de paso hacia el desempleo abierto por parte de los agentes, con la suspensión transitoria o permanente de la generación de ingresos o con la inexistencia (o “inconveniencia”) de compensaciones para los “perdedores” del proceso de destrucción creativa? Estas cuestiones trascienden el objetivo propuesto para este trabajo; sin embargo, abren las posibilidades de nuevas líneas de trabajo e investigación.

3 CONCLUSIONES Y RECOMENDACIONES DE POLÍTICA

El comportamiento diferenciado y poco correlacionado que se presenta entre el producto y la tasa neta de creación de empleo en las ramas de la actividad eco-nómica colombiana, pone de manifiesto la necesidad de trascender las premisas

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277Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

fundamentales del ciclo real de los negocios y de avanzar hacia el estudio de la microdinámica de los flujos de empleo, y del carácter idiosincrásico de las decisiones de las firmas en materia de demanda de mano de obra. Estos aspectos iluminan y nutren el debate acerca de las respuestas ínfimas o negativas del empleo al cre-cimiento económico en las economías contemporáneas. El comportamiento del sector industrial colombiano entre 1977 y 2006 en materia de flujos de empleo, sirve de soporte para esta premisa y gracias a la disponibilidad de datos para la pequeña, mediana y gran industria, permite concluir que, durante este periodo de tiempo, el promedio de creación neta de empleo ha sido del 0.09%, la creación bruta de empleo ha sido del 11.33%, la destrucción bruta del 11.24%, la tasa de reasignación del 22.57% y el exceso de reasignación del 22.48%.

En este contexto, la tendencia decreciente en la tasa bruta de creación de empleo explica la declinación de la tasa neta de creación en las tres últimas dé-cadas; hecho que a su vez, explica las disminuciones en las tasas de reasignación de empleo y volatilidad, variables ambas que en los últimos años, presentan un comportamiento inercial no determinado por el comportamiento del producto industrial. Asimismo, se evidencia la mayor sensibilidad de las tasas de creación de empleo a los cambios en el producto, y sorprende que durante casi la mitad del tiempo de estudio la tasa neta de creación de empleo haya presentado una conducta contracíclica.

Por su parte, la productividad industrial demuestra una tasa de crecimiento promedio del 3.65%, y los ejercicios econométricos realizados no encuentran una correlación clara con el comportamiento en los niveles de reasignación del trabajo. Por lo tanto, los efectos positivos que sobre la productividad genera la reasignación de productores (entrada-salida de firmas al mercado) no implican necesariamente la existencia de una correlación positiva entre la reasignación de trabajo y los incrementos en productividad. Este hallazgo alimenta la literatura sobre los flujos de empleo en los países en vías de desarrollo, y pone en evidencia el contraste que se advierte en relación con los hechos estilizados de los países industrializados, pues en ellos se ha encontrado una correlación positiva entre los volúmenes de reasignación del trabajo y los incrementos en la productividad del sector industrial.

Dados los comportamientos característicos de las firmas en términos de la creación y destrucción de empleo, y teniendo en cuenta los aspectos señalados en materia de flujos de empleo y ciclo económico, es posible enunciar otras conclu-siones e implicaciones de política económica:

• En general, se observa que el comportamiento de los flujos de empleo en el sector industrial colombiano se ajustan a los hechos estilizados definidos para los países en vías de desarrollo. Particularmente es evidente la mayor

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sensibilidad de la tasa bruta de creación de empleo a las fluctuaciones en el producto, la mayor inercia de las tasas brutas de destrucción de empleo, los elevados índices de reasignación y volatilidad, y el recurrente com-portamiento contracíclico de la tasa neta de creación. Por este motivo, la intervención gubernamental para crear más y mejores empleos debe ser analizada desde un mayor nivel de complejidad. Para comprender los pro-cesos agregados es necesario comprender la distribución de los resultados de política sobre los agentes económicos heterogéneos, sus respuestas diversas a la acción gubernamental y la presencia de choques de reasignación que retroalimentan y afectan el comportamiento cíclico de la economía.

• La existencia de aspectos idiosincrásicos en las decisiones de las firmas obstaculiza la formulación y evaluación de las políticas industriales y co-merciales. Los tratamientos preferenciales para la creación de empleo, la prevención de pérdida de trabajo o el mejoramiento de la competitividad y la productividad en sectores prioritarios, pueden generar distorsiones que limitan o retardan el ajuste y la reestructuración del mercado además de exigir, debido a la heterogeneidad característica de las firmas, complejos diseños de política y grandes esfuerzos de monitoreo. Si se reconoce que las grandes fallas de los negocios y la destrucción de empleo constituyen elementos normales y tal vez esenciales de una economía de mercado exitosa, y que las políticas objetivo impiden el ejercicio de procesos de ensayo-error obstaculizando las fallas del mercado y la destrucción de empleo cuando estos resultados son económicamente deseables, se debe considerar la necesidad de avanzar en la búsqueda de políticas neutrales no focalizadas.

• Las altas tasas de destrucción de empleo que se presentan en todos los sectores de la economía demuestran la importancia económica de una fuerza de trabajo flexible capaz de adaptarse a cambios de ubicación inter e intrasectorial y a los requerimientos de habilidades de los trabajos dis-ponibles. La generación de una mano de obra flexible descansa en gran medida en un sistema educativo que forme sujetos con fuertes habilidades básicas y capacidades de innovación para la solución de problemas; en este sentido, los esfuerzos públicos se deben concentrar en garantizar la tota-lidad del proceso educativo (educación primaria, secundaria y terciaria).

• En cuanto a las políticas de estabilización, es necesario desestimar el conocimiento convencional sobre las políticas de estabilización agregadas e incluir en los análisis la relación presentada entre reestructuración eco-nómica, reasignación y ciclo económico. Desde la perspectiva presentada por la teoría de los flujos de empleo, se pone en cuestión la eficacia de las políticas de estabilización ortodoxas para enfrentar el ciclo económico y

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279Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

garantizar el pleno empleo, el crecimiento sostenido y la estabilidad de precios. Si se tiene en cuenta la actividad propia del proceso de reestruc-turación económica (que incluye la reasignación y reempleo del capital físico, el capital humano, el capital-información y el capital-organización) y la heterogeneidad de los agentes económicos, el fracaso de las políticas fundamentadas en las tesis del “agente representativo” se asocia al posible retardo que la política económica ortodoxa genera sobre el proceso de reestructuración y a las drásticas consecuencias que dicho retardo puede generar en términos de la profundización de las recesiones y el deterioro de los prospectos de crecimiento de largo plazo en el marco de la “des-trucción creativa”.

En este sentido, se considera que la intervención debe interesarse en au-mentar la eficiencia del proceso de reestructuración, impulsarlo y enfrentar las fuerzas motoras que actúan detrás del ciclo económico y que definen sus características esenciales y diferenciadoras. Esto sin olvidar el análisis sobre los costos de la reasignación del trabajo en materia de bienestar y la comprensión del vínculo que puede presentarse entre la reasignación de trabajo y el paso hacia el desempleo abierto.

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ANEXO 1

COLOMBIA. TASAS DE CRECIMIENTO ECONÓMICO Y CREACIÓN NETA DE EMPLEO POR RAMAS DE ACTIVIDAD ECONÓMICA

GRAFICA 1 Tasas PIB y crecimiento totales

Fuente: DANE-Banco de la República. Cálculos Propios.

GRAFICA 2

Sector agropecuario, silvicultura, caza y pesca

Fuente: DANE-Banco de la República. Cálculos Propios.

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281Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

GRAFICA 3Explotación de minas y canteras

Fuente: DANE-Banco de la República. Cálculos Propios.

GRAFICA 4Industria

Fuente: DANE-Banco de la República. Cálculos Propios.

GRAFICA 5Electricidad, gas, agua

Fuente: DANE-Banco de la República. Cálculos Propios.

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planejamento e políticas públicas | ppp | n. 35 | jul./dez. 2010282

GRAFICA 6Construcción

Fuente: DANE-Banco de la República. Cálculos Propios.

GRAFICA 7Comercio, reparación, restaurantes y hoteles

Fuente: DANE-Banco de la República. Cálculos Propios.

GRAFICA 8Transporte, almacenamiento y comunicación

Fuente: DANE-Banco de la República. Cálculos Propios.

Page 285: revista Planejamento e Políticas Públicas

283Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

GRAFICA 9Establecimientos financieros, seguros, inmuebles y servicios empresariales

Fuente: DANE-Banco de la República. Cálculos Propios.

GRAFICA 10Construcción

Fuente: DANE-Banco de la República. Propios.

GRAFICA 11Relación entre la tasa de crecimiento del producto del sector industrial y la tasa bruta de creación y de destrucción de empleo

Fuente: DANE-Encuesta Anual Manufacturera; DNP; Roberts y Tybout (1996); Wengel (2006,2009). Cálculos Propios.

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planejamento e políticas públicas | ppp | n. 35 | jul./dez. 2010284

GRAFICA 12Relación entre la tasa de crecimiento del producto del sector industrial y la tasa neta de creación y reasignación bruta de empleo

Fuente: DANE-Encuesta Anual Manufacturera; DNP; Roberts y Tybout (1996); Wengel (2006,2009). Cálculos Propios.

GRAFICA 13Relación entre la tasa de incremento de la productividad, la tasa de reasignación bruta de empleo y el exceso de reasignación bruta de empleo

Fuente: DANE-Encuesta Anual Manufacturera; DNP; Roberts y Tybout (1996); Wengel (2006,2009). Cálculos Propios.

ANEXO 2

REGRESIONES SIMPLES

1. CORRELACIÓN PRODUCTIVIDAD – TASA BRUTA DE DESTRUCCIÓN DE EMPLEO

Estadísticas de la regresión

Coeficiente de correlación múltiple 0,022127869Coeficiente de determinación R^2 0,000489643R^2 ajustado -0,03652926Error típico 6,367290799

(Sigue)

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285Los Flujos de Empleo en el Sector Industrial Colombiano

(Continuación)

Estadísticas de la regresión

Observaciones 29 Coeficientes F Valor crítico de F Estadístico t Probabilidad

Intercepción 4,268365872 0,013226826 0,909289876 0,771538864 0,447087945Tasa bruta de Destrucción 0,055288265 0,11500794 0,909289876

2. CORRELACIÓN PRODUCTIVIDAD – TASA BRUTA DE CREACIÓN DE EMPLEO

Estadísticas de la regresiónw

Coeficiente de correlación múltiple 0,1142748Coeficiente de determinación R^2 0,01305873R^2 ajustado -0,02349465Error típico 6,327129018Observaciones 29

Coeficientes F Valor crítico de F Estadístico t ProbabilidadIntercepción 6,927226798 0,35725095 0,555017478 1,234204493 0,227761704Tasa Bruta de Creación de Empleo -0,289542388 -0,597704735 0,555017478

3. CORRELACIÓN PRODUCTIVIDAD – TASA BRUTA DE REASIGNACIÓN DE EMPLEO

Estadísticas de la regresión

Coeficiente de correlación múltiple 0,095832612

Coeficiente de determinación R^2 0,00918389

R^2 ajustado -0,027513003

Error típico 6,339537354

Observaciones 29

Coeficientes F Valor crítico de F Estadístico t Probabilidad

Intercepción 7,488657749 0,250263411 0,620942897 0,963871477 0,34366443

Tasa de Reasignación Bruta de Empleo

-0,170206154 -0,500263341 0,620942897

4. CORRELACIÓN PRODUCTIVIDAD – EXCESO DE REASIGNACIÓN DE EMPLEO

Estadísticas de la regresión

Coeficiente de correlación múltiple 0,022127869

Coeficiente de determinación R^2 0,000489643

R^2 ajustado -0,03652926

Error típico 6,367290799

Observaciones 29

Coeficientes F Valor crítico de F Estadístico t Probabilidad

Intercepción 4,268365872 0,013226826 0,909289876 0,771538864 0,447087945

Exceso de Reasignación de Empleo

-0,027644132 -0,11500794 0,909289876

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COLABORADORES

Para os dois números da PPP, em 2010, a editoria da Revista contou com a colabo-ração de um conjunto importante de pareceristas de diferentes instituições e regiões brasileiras. Agradecemos a cada um da listagem a seguir, pois desta colaboração generosa dependem a melhoria contínua da qualidade e a pontualidade da PPP.

Adriana Maria Magalhães. de Moura (IPEA)Adriana Moreira Amado (Unb) Adriano Sarquiz Bezerra Menezes (BNB) Alceu Pedrotti (UFS) Alexandre dos Santos Cunha (Ipea)Alexandre Manoel Angelo da Silva(Ipea)Álvaro Hidalgo (UFPE)Ana Amélia Camarano (ipea) Anderson Kazuo Nakano (Polis) André Gambier Campos (ipea) Anete Brito Leal Ivo (UFBA)Angelo José Mont Alverne Duarte (ministério da Fazenda) Antenor Lopes de Jesus Filho (Ipea))Antonio Carlos Campino (USP) Assuero Ferreira (UFC)Bolívar Pêgo Filho (ipea) Bruno de Oliveira Cruz (Ipea)Caio Cícero de Toledo Piza da Costa Mazzutti (University of Sussex-UK)Carlos Alvares da Silva Campos Neto (Ipea)Carlos Eduardo Ferreira Carvalho (puc-sp)Carlos Henrique Ribeiro Carvalho (ipea) Carlos Octavio OCké Reis (Ipea)Carlos Wagner de Albuquerque Oliveira (Ipea)Cesar Costa Alves de (CADE) César Nunes de Castro (ipea) Claudio Hamilton matos dos santos (Ipea)Cleandro Henrique Krause (Ipea)Constantino Cronemberger Mendes (Ipea) Cristiane Bendetto (SPU) Danilo Santa Cruz Coelho (Ipea)David Kupfer (UFRJ)Demian Castro (UFPR)Denise Lobato Gentil (ipea) Divonzir Arthur Gusso (Ipea) Edison Benedito da Silva Filho (Ipea)

Page 290: revista Planejamento e Políticas Públicas

Elane Ribeiro Peixoto (UnB)Elizabeth Farina (USP) Elson Luciano Silva Pires (UNESP)Eneuton Dornellas Pessoa de Carvalho (Ipea)Ernesto Pereira Galindo (ipea) Fabiano Mezadre Pompermayer (Ipea) Fábio Domingues Waltenberg (UFF) Fabio Monteiro Vaz (ipea) Fernanda Carolinna Vieira da Costa (Cooperativa Gênesis)Fernanda de Negri (ipea)Fernando Gaiger (ipea) Fernando Salgueiro Perobelli (UFJF) Filipe Lage de souza (BNDES/UFF)Francisco de Assis Costa (NAEA-UFPA)Frederico Flósculo Pinheiro Barreto (UnB) Gilberto Bercovici (USP)Glayds Rocha (UFMG) Guilherme Costa Delgado (Ipea)Habib Jorge Fraxe Neto (Senado Federal) Helena Barreto Salva (licoln institute) Hoyêdo Nunes Lins (UFSC) Huascar Pessali (UFPR)Isabel Mendes de Faria Marques (Ipea)Jair do Amaral Filho (UFC)Jó Bezerra de Sales (Idesp)João Carlos Ramos Magalhaes (ipea) João Damásio de Oliveira Filho (UFBA) João Paulo Viana (Ipea) João Policarpo Rodrigues Lima (UFPE)Joao Rogério. Sanson (UFSC)Joaquim Bento de Souza Ferreira Filho (USP)Jorge Abrahão de Castro (Ipea)Jorge Hargrave Gonçalves da Silva (Ipea)Jose Antonio Peres Gediel (UFPR) Jose Eustáquio Ribeiro Vieira Filho (Ipea)José Juliano de Carvalho (USP)José Oswaldo Cândido Junior (ipea/senado federal) Juliana Dalboni Rocha (Ipea)Leila Posenato Garcia (Ipea)Leonardo Mello de Carvalho (ipea) Leôncio José Bastos Macambira Júnior (IDT)

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Liana Maria da Frota Carleial(Ipea)Lígia Melo Casimiro (IRFB)Lucas Ferreira Mation (ipea) Lucia Helena Salgado (Ipea)Lucia Helena Salgado e Silva (Ipea)Luciana Sabóia Fonseca Cruz (UnB) Luis Claudio Kubota (ipea) Luiz dias Bahia (Ipea)Luiz Fernando Tironi (ipea) Luiz Ricardo Mattos Teixeira Cavalcante (ipea) Mansueto F. de Almeida Junior (Ipea)Marcelo Abi-Ramia Caetano (ipea) Marcelo Luis Curado (UFPR) Marcelo Piancastelli de Siqueira (Ipea)Marco Aurélio Costa (ipea) Marcos Antonio Macedo (ipea) Marcos José Mendes (senado) Maria Augusta Almeida Bursztyn (UnB/CDs) Maria Cleide Carlos Bernal (UFC) Maria Cristina de Melo (ufce) Maria da Conceição Sampaio (UnB)Maria da Piedade Morais (Ipea)Maria Lucia Refinetti (USP)Maria Luiza de Macedo Soares Marques Dias (IPERDES) Martim Oscar Smolka (Lincoln Institute of Land Policy) Miguel Matteo (ipea) Milko Matijascic (ipea) Nathalie Beghin (Oxfam Internacional) Olívio Armando Cordeiro Junior (TCU) Orlando Monteiro da Silva (UFV)Bruno Milanez (UFJF)Raul da Mota Silveira Neto (UFPE)Leonardo Monteiro Monasterio (ipea) Paulo Coelho Ávila (Minist. cidades)Paulo de Martino Jannuzzi (IBGE)Paulo Ricardo Opuszka(FURG)Paulo Roberto Corbucci (ipea)Paulo Roberto Furtado de Castro (Ipea)Pedro Henrique Melo Albuquerque (Ipea)Pedro Jorge Ramos Vianna (FIEC/FIEL)Rafael Guerreiro Osório (ipea)

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Rafael Henrique Moraes Pereira (ipea) Rejane Maria Vasconcelos Accioly de Carvalho (UFC)Renata Paula Lucas (PMG)Renato Nunes Balbim(Ipea)Ricardo Henrique Kozak (projepro) Roberto Arico Zamboni (Ipea) Roberto Henrique Sieczkowski Gonzalez (ipea) Roberto Passos Nogueira (Ipea)Rodrigo Mendes Pereira (ipea) Rogério Boueri Miranda (Ipea) Ronaldo Seroa da Motta (ipea)Rute Imanishi Rodrigues (Ipea)Salvador Teixeira Werneck Vianna (Ipea)Sérgio Francisco Piola (Ipea)Sergio Ulisses Silva Jatobá (Ipea)Sergio Wulff Gobetti (Ipea) Tatiane Almeida de Menezes (Pimes/UFPE)Valéria Villa Verde Reveles Pereira (Ipardes)Vanessa Gapriotti Nadalin (Ipea)Vicente Correia Lima Neto (ipea) Waldery Rodrigues Junior (ipea) Walter Belik (IE/unicamp) Wanderley Andrade da Costa Lima (Unip) Werber Sutti (IPHAN)

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Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Editorial

CoordenaçãoCláudio Passos de Oliveira

SupervisãoMarco Aurélio Dias Pires Everson da Silva Moura

RevisãoLuciana Dias JabbourReginaldo da Silva DomingosAndressa Vieira Bueno (Estagiária) Leonardo Moreira de Souza (Estagiário)

EditoraçãoBernar José VieiraClaudia Mattosinhos CordeiroJeovah Herculano Szervinsk JuniorLuís Cláudio Cardoso da SilvaRenato Rodrigues Bueno

CapaJoe RodriguesDaniel Dresch

LivrariaSBS – Quadra 1 – Bloco J – Ed. BNDES,Térreo – 70076-900 – Brasília – DFFone: (61) 3315-5336Correio eletrônico: [email protected]

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jul - dez | 2010

A LÓGICA MATERIAL E SIMBÓLICA NA AGRICULTURA FAMILIAR: IDIOSSINCRASIAS DE ASSENTAMENTOS CEARENSESFrancisco Uribam Xavier de Holanda

OS MUNICÍPIOS E A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTETaciana Neto Leme

ANÁLISE DOS DESEQUILÍBRIOS CAMBIAIS A PARTIR DO ÍNDICE DE PRESSÃO DOS FUNDAMENTOS ECONÔMICOS: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA DOS ANOS 1990Fernando Antônio Ribeiro SoaresMaurício Barata de Paula PintoTito Belchior Silva Moreira

DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E PERÍMETROS IRRIGADOS: AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS IMPLANTADAS NOS PERÍMETROS IRRIGADOS BEBEDOURO E NILO COELHO EM PETROLINA (PE)Antônio César OrtegaTiago Farias Sobel

INTERSETORIALIDADE, AUTONOMIA E TERRITÓRIO EM PROGRAMAS MUNICIPAIS DE ENFRENTAMENTO DA POBREZA: EXPERIÊNCIAS DE BELO HORIZONTE E SÃO PAULOCarla Bronzo

QUAL A RELAÇÃO ENTRE DESIGUALDADE DE RENDA E NÍVEL DE RENDA PER CAPITA? TESTANDO A HIPÓTESE DE KUZNETS PARA AS UNIDADES FEDERATIVAS BRASILEIRASFernando Henrique Taques

A MATRIZ ELÉTRICA NO ESTADO DO PARÁ E SEU POSICIONAMENTO NA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVELFabrício Quadros BorgesDésIrée Moraes Zouain

CICLOS POLÍTICOS ORÇAMENTÁRIOS NO ESTADO DO CEARÁ (1986-2006)Mário César Lemos QueirozAlmir Bittencourt da Silva

LOS FLUJOS DE EMPLEO EN EL SECTOR INDUSTRIAL COLOMBIANO: PREMISAS TEÓRICAS, CARACTERÍSTICAS E IMPACTOS SOBRE EL NIVEL DE PRODUCTIVIDADPedro Hugo Clavijo CortésAndrés Felipe Mora Cortés

juldez

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ISSN 0103-4138

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