revista lampião - nº 2

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revista LAMPIÃO

2

revista

LAMPIÃOnº 2

Conselho Editorial

Gabriel de CastroMarina ZaniRafael BarizanThafarel Pitton

Marketing e publicidade

Daniel BarizanMatheus Lino

Diagramação

Gabriel de Castro

Revisão Geral

Gabriel de Castro

Colaboradores

João Victor Jacetti de OliveiraJuan de LimaLetícia NaísaMaria Esther ValdiviezoMayara Abreu MendesThomaz NapoleãoVanessa Souza

Contato

e-mail: [email protected]: www.revistalampiao.com www.issuu.com/revistalampiaomídias sociais: www.facebook.com/revistalampiao www.twitter.com/revistalampiao

Revista Lampião

Anunice aqui e seja um apoiador:[email protected]

Edição nº 2 >> Julho de 2013

Todos os artigos assinados são de responsab-ilidade de seus autores e não refletem neces-sariamente a opinião da revista. É proibida a reprodução de textos ou imagens sem a prévia autorização dos editores.

editorial

A mídia no Brasil

Pensávamos estar diante de uma revolução na mídia ao ver vários veículos de comunicação ao me-nos cobrir as manifestações que aconteceram no Brasil afora.

Mas só parecia. Nos meses que antece-deram a edição dessa revista, os campi da UNESP eferveceram em protestos. Perma-nência estudantil, paridade nas decisões da universidade e a discussão aberta em relação ao PIMESP foram as pautas gerais dos alu-nos. As paralisações (mesmo que apenas por um dia) se estenderam por todo o estado.

Não bastasse os estudantes reclama-rem por um ensino público de qualidade, docentes e servidores também aderiram à greve em muitos locais. Em Bauru, os fun-cionários e técnicos já estão paralisados há mais de dois meses, e os docentes anuncia-ram nesse mês que também estão em greve.

Recentemente, os universitários ocupa-ram a reitoria pela segunda vez (a primei-ra foi no começo do junho). Na primeira oportunidade, os alunos evacuaram o local depois de uma garantia de um aumento nas bolsas, além da elaboração de um plano de obras para a construção de moradias e res-taurantes universitários para os campi que

não dispunham dessa infraestrutura. Nesse mês, no entanto, os alunos permaneceram no local. Após a emissão de uma ordem ju-dicial, foi anunciado que a Polícia Militar iria esvaziar o prédio.

A PM chegou com 184 policiais em 49 viaturas, além de contar com a ajuda da Tropa de Choque, Bombeiros, agentes de trânsito e policiamento dali da área. Tudo isso para retirar apenas 118 estudantes que estavam ali no edifício.

E a mídia ainda ousa tratar os alunos como “invasores” e os policiais como “man-tenedores da ordem”. Sequer se dão ao tra-balho de conversar com os estudantes e es-cutar a versão deles sobre o que aconteceu, ou quais são as reivindicações, porque esta-vam ali novamente: preferem fazer matérias unilaterais, que serão lidas por milhões de pessoas. Estas irão aderir ao simples dis-curso de que são “estudantes vagabundos e baderneiros”. É uma pena que os veículos de comunicação tradicionais se preocupem mais em manipular a mente da população do que em tentar passar o máximo de infor-mação possível para que ela própria possa tomar uma posição.

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Entrevista com Duílio Galli

Opinião

Não nos acordem, por favor!A Obesidade crônica mundial A Destruição Criativa da TV Cultura

CiênciaQuestões Sociológicas: o teste de Bechdel

Cultura

O festival já foi há algum tempo, mas a Lampião não poderia não falar do que aconteceu no Jockey Club: da lama até todo o rock ‘n roll

Crônica - Um dia frioLiberdade de criaçãoA Igreja do Livro Transformador

Um pouco sobre a onda de protestos que “incendiou o Brasil no último mês

#vemprarua

Em um país indiferente à empoeirada distinção entre cultura eru-dita e popular, poucas expressões artísticas são mais autênticas do que os caminhões espalhafatosamente coloridos

Os Caminhões Psicodélicos do Paquistão

índice

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Revista Lampião: Primeiramente, nós gostaríamos que o senhor contas-se um pouco da sua história de vida.Duílio Galli: Nossa, minha história tem mais de 80 anos, você pode ficar um dia escutando (risos). Bom, eu pra-ticamente nasci aqui em Ibitinga. Nos anos 30, meu pai veio para cá. Ele era alfaiate aqui, tinha uma alfaiataria ali onde é o Banco Itaú hoje. Só que, quan-do eu nasci, Ibitinga não tinha recurso nenhum, e então me levaram para São Carlos. Fiquei lá por uns 40 dias e de-pois voltei pra cá, onde vivi até os 13 anos. Estudei no Angelo Martino e no Ginásio Municipal Miguel Landim de Ibitinga. Você nem sabe que isso exis-tia, né? Depois eu fui para São Carlos e estudei no Arquidiocesano e depois fui para São Paulo. Nisso, eu já tinha 16 anos. Lá eu fiquei por 40 anos. Formei-me contabilista. Fazendo uma alusão a um artista, foi parecida com a vida de Gogan. Ele tinha um escritório e um dia largou tudo para seguir a carreira de artista. Comigo aconteceu mais ou me-nos parecido. Só que, nessa altura dos acontecimentos, o dinheiro não dava. Você sabe como é duro viver de arte nesse país. Então eu dividi meu escri-

tório no meio: na parte de trás eu fazia pintura e na parte da frente eu atendia como contabilista. Fui levando enquan-to pude. Como eu me aposentei muito cedo, eu então abandonei tudo e me de-diquei só à arte. Aí eu viajei o mundo inteiro, comecei a participar de salões, obtive alguns prêmios. Participava de salões no Brasil inteiro, mandava mi-nhas artes para todos. Eu me dediquei sempre a um tipo de trabalho com uma mensagem. Eu até participei de um grupo e eles queriam uma frase para ser a “frase característica” do grupo. “A arte não foi feita para enfeitar paredes e nem para tornar o artista rico ou fa-moso. Mas, sim, para levar ao mundo algo que eternamente transmita”, foi o que me veio à cabeça. Fui sempre muito criticado por fazer uma arte sempre en-gajada (seja no religioso, no social, ou mesmo nessa briga contra a poluição). Nesse último caso, nós organizamos um grupo que se chamava “Arte Pen-samento Ecológico”. Eu não fui o líder do grupo, foi um espanhol. Mas sem dúvida eu fui seu braço direito. Orga-nizei exposições no Brasil inteiro: esti-vemos em Brasília, no Rio de Janeiro, no país inteiro. E sempre mostrando o

perigo da poluição. E pode ter certeza: fomos um dos pioneiros nesse assunto. Depois, o pessoal da televisão pegaram a bandeira para eles e a gente saiu fora, porque não nos interessava a publicida-de do fato em si. Para nós, interessava só despertar a consciência da popula-ção sobre o assunto.

Lampião: O senhor disse que já viajou o mundo inteiro. Qual dessas viagens que o senhor fez foi a mais especial?Duílio: Eu até escrevi um livro so-bre isso, “Andanças do Pintor Caipi-ra”. Depois escrevi outro, “Andanças e Lembranças do Pintor Caipira”. Foram quase 30 anos viajando, en-tão não tem muito um fato especial. Vejamos (pausa). Organizei uma vez uma exposição no Consulado brasileiro de Milão e vendi tudo no primeiro dia. Fiz uma no Japão tam-bém e também vendi praticamente tudo em uma semana. Mas isso não quer dizer que foi sempre assim. Es-tive algumas vezes nos Estados Uni-dos, e até vendia os quadros lá, mas tinha que ralar muito.

Lampião: O que levou o senhor a se

Entrevista comDuílio GalliSão anos e anos dedicados à arte e ao incentivo à cultura. O “Pintor Caipira” pode dizer que já fez de tudo um pouco: foi contabilista, fez telas e escreveu livros, e ultimamente se arrisca como cinegrafista. Em 30 minutos de entrevista, Duílio contou um pouco de seus 80 anos de vida, sua exposição na Bienal e sua convivência com Tarcila do Amaral. Confira abaixo uma parte da entrevista. Para acessá-la na íntegra, basta entrar em nosso site: www.revistalampiao.com

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interessar pela área de Artes Plásticas?Duílio: Sempre eu fui um rato de museu. Sempre fui apaixonado pelas Artes Plásticas. E sempre fazia uns rabiscos. Mas não sei; um dia recebi uma mensagem espiritual me dizen-do que esse era o meu caminho. E a partir daí fui por esse caminho lou-co e maluco...

Lampião: E quais são suas princi-pais influências?Duílio: É o seguinte: eu fui aluno da Tarcila do Amaral, certo. Então, cla-ro, que tenho muita influência dela. Ela me ensinou técnica e tal. Mas ela me dizia: “Duílio, você que siga o teu caminho. Pinta o teu mundo interior. E exagera nos gestos”.

Lampião: Falando na Tarcila do Amaral, como o senhor diria que era a convivência com ela?Duílio: Ela era uma mulher que veio para o mundo 50 anos antes. Tudo que você pode falar de libertação femini-na, a Tarcila do Amaral já praticava. Para você ter uma ideia, ela teve 11 maridos! E ela sempre me dizia que era fiel aos seus esposos. Depois de separar, era outra conversa (risos). Ela era uma mulher extraordinária. Ela usava uns brincos muito grandes, que para a época era muito diferente.

Lampião: E de onde o senhor tira a inspiração para pintar, esculpir?Duílio: Às vezes, a ideia vem dos lu-gares mais improváveis possíveis. Às vezes, você está em um cinema e vem uma ideia. Só que se você não regis-trar na hora, você perde. De vez em quando, eu acordo no meio da noite com uma grande ideia boa na cabeça. Aí eu pego um papel, faço um rabisco e vou juntando tudo em uma mala.Então, em um dia que eu resolvo tra-balhar (o que está duro agora [risos]), eu vou lá e escolho um daqueles de-

senhos e começo a pintar do jeito que eu quero mesmo.

Lampião: O senhor fez parte da XIV Bienal de São Paulo, certo? Pode nos contar um pouco sobre essa experi-ência?Duílio: A escolha para a Bienal tal-vez seja, fazendo uma comparação um tanto quanto grosseira, como ser escolhido para a Seleção Brasileira

de Futebol. Claro que é um pouco rude, mas é essa a ideia.

Havia três mil artistas candida-tos à Bienal naquele ano, e eu fui um dos 30 escolhidos. Eram 40 peças sobre tudo que você pode imaginar que polui. Mas não era só poluição. Era também retratar o momento político que a gente vivia. Tanto que, quando os militares fo-ram visitar a Bienal, mandaram co-brir o vaso sanitário.

Lampião: E como foi essa influência da ditadura na Bienal?Duílio: O presidente até mandou fechar 20 dias antes. A Bienal é um evento internacional, vem gente do mundo inteiro aqui. Muita gente chegou lá para ver e a Bienal estava fechada. Sobre aquele vaso sanitário, não era um vaso novo. Eu o achei na rua, todo sujo. Porque eu queria que, quando eu estivesse pintando, eu sentisse aquele nojo do tipo de vida que a gente estava vivendo, da polui-ção que a gente estava passando.

Lampião: E qual foi o impacto desse vaso na opinião do senhor?Duílio: Até hoje tem gente que bri-ga comigo por causa dele (risos). Na internet às vezes tem um pessoal que

fica criticando. Mas muita gente não entendeu o que eu quis dizer.

Lampião: Falando mais sobre a di-tadura, o senhor chegou a receber algum tipo de censura?Duílio: Não, não sofri com isso. Só que um dia um primo meu que era militar me telefonou e disse: “Duílio, vi seu nome em uma lista e acho bom você ficar um tempo fora do país”.

Aí eu fui para a Europa e fiquei seis meses por lá. Mas não tive problema nenhum: andava pelos consulados, tomava uísque com eles lá, teve festa de 7 de setembro em Paris e eu ficava lá bebendo caipirinha com a turma. Não me perguntaram nada. Mas eu tive uma pessoa que me falou “Vai embora que o bicho vai pegar”...

Lampião: Quanto à Bienal, o se-nhor acha que ela ainda faz sentido atualmente?Duílio: Naquele tempo, a Bienal era democrática. Todo mundo manda-va trabalho e tinha chances de ser escolhido. Hoje é algo mais elitista. Eles escolhem os artistas que eles querem antes mesmo de enviar os trabalhos. E aí entra a influência dos caras que vendem quadro e querem promover o artista... Tem político que tem um filho que começou a pintar ontem e aí ele arranja um jei-to do filho entrar na Bienal.

Claro que ainda entra muita gente boa. A própria Tarcila foi convidada a ter uma sala em sua homenagem, vem vários artistas da Europa. Vários ainda participam, mas não é democrático. Para nós que, digamos assim, somos do “segundo time”, fecharam as por-tas. Mas eu também parei um pouco

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“Tudo que você pode falar de libertação femini-na, a Tarcila do Amaral já praticava”

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com isso. Já participei de mais de 180 salões, e, quando cheguei na Bienal, eu falei “Agora chega”. E parei, nunca mais mandei para ninguém.

Lampião: E quanto à arte brasileira, o senhor acha que ela anda sendo valorizada ou o senhor acha que o mercado ainda é incipiente?Duílio: Se você ler os jornais, pare-ce até que a arte morreu. Quando eu ainda estava na ativa mesmo, há alguns anos, todos os jornais tinham o seu crítico de arte, tinham uma pá-gina inteira de arte. Eu tenho repor-tagens aí guardadas com uma página inteira sobre alguns artistas. Havia uma crítica de arte, havia um interes-se popular de arte, que eu não vejo mais hoje. Não há mais interesse, ninguém mais quer saber de pintura.

Portinari, Tarcila do Amaral, Di Cavalcanti, Ademir Martins: os jornais só falam dessa gente. Atualmente de-vem ter alguns contemporâneos muito bons. Eu, na verdade, estou por fora do movimento artístico brasileiro, porque eu me isolei. Quando eu completei 70 anos, eu voltei para Ibitinga. Que-ria sossegar, não viajar mais, não ficar mais indo para salões, não ter mais preocupação com esse tipo de coisa. Mas eu fui para os Estados Unidos e trouxe de lá uma câmera de filmar. Aí começou a briga de novo. Comecei a fazer curta-metragem para televisão e fui levando minha vida assim.

Lampião: O museu daqui de Ibi-tinga, apesar de ter um dos maiores acervos da região, acaba que ficando esquecido pela população. O que o senhor acha disso?Duílio: Isso é por causa da educação. Não adianta. Por isso que eu falo sem-pre que educação é mais importante que comida. Se você der educação para um povo, ele luta pela comi-da. E se você só der a comida para o

cara, ele não vai lutar nunca. Quando você vai na escola, você aprende tudo: aprende política, aprende a se defen-der, aprende a levar uma vida melhor.

Lampião: E o que o senhor acha que tem que ser feito, tanto aqui em Ibi-tinga quanto a nível nacional, para o fomento da cultura?Duílio: É o seguinte: o museu foi feito em 1970. São 43 anos já. Eu consegui essas obras para lá porque naquela época eu ainda estava na ativa. Eu era amigo da Tarcila, de outros artistas. Eu pedia obras para eles e eles doa-vam para o museu. Então, tinha aqui 130 obras. Hoje não tem nem 100. Por que isso: eu doei essas coisas para a prefeitura, e coisa da prefeitura não tem dono. Cada vez que entra um prefeito, é outra cabeça. Entra um di-retor de museu que não gosta de arte e ele estraga tudo. Então, não tem

jeito. Agora, se todos fossem educa-dos, os dirigentes saberiam dar valor a isso, o povo saberia dar valor a isso. E o museu está lá. O lugar realmente não é muito bom, mas pelo menos as obras estão bem preservadas.

Lampião: O senhor comentou que escreveu um livro, “Andanças do pintor caipira”. Qual é a influência que o interior tem na sua obra?Duílio: Sou um pintor que tem o pé aqui, certo. Quando eu fui para São Paulo, você vê que a cidade grande me perturbou completamente. Nun-ca me adaptei lá. Morei lá por 40 anos.E sempre tive nostalgia daqui de Ibitinga. Tanto é que eu escrevi um outro livro, um romance. Essa obra, de um certa forma, é feita de

memórias. Nele, você percebe total-mente a minha nostalgia do interior. E eu acabei voltando para cá. Por causa disso, eu acabei me isolando na arte, me isolei dos grande movi-mentos e fiquei esquecido. Por culpa minha mesmo. Eu que saí da briga. Se bem que agora com a internet, ninguém me segura mais (risos).

Lampião: Já que o senhor falou da internet, como o senhor diria que a internet contribui para a difusão das obras de arte?Duílio: É o seguinte: eu só vejo no Facebook fofoca, coisas fúteis. Eu es-tou tentando difundir minhas obras e também obras de outros artistas lá. Queria que as pessoas parassem com essa bobeira, sabe. Esses dias eu postei um filme de Rudolph Valentino. Ele foi um artista dos anos 30, era um íco-ne na época. Quando ele morreu, com

30 e poucos anos, foi uma comoção no mundo inteiro, fizeram missa em São Paulo até, eram multidões mobiliza-das. Então, eu coloquei um filme dele dançando tango, é lindo, uma coisa maravilhosa. Também coloquei esses dias um filme do Bogart e da Ingrid Bergman, “Casablanca”. Mas ninguém liga para isso. Você vê lá só uns três ou quatro acessos, no máximo uns dez. É uma coisa tão bonita, obras que fica-ram para a história. Mas o pessoal só pensa em besteira, em churrasco, ba-lada. Tudo bem que a fofoca faz parte, mas vamos pensar em algumas coisi-nhas melhores, né.

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“Não há mais interesse, ninguém mais quer saber de pintura”

Para acessar a entrevista completa, visite nosso site:

www.revistalampiao.com

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#vempraruaDurante o último mês, o Brasil foi palco de uma onda de protestos. De capitais, os atos tomaram o interior do país. No entanto, muitas vezes, o movimento é organizado sem uma reivindicação principal, o que o torna desorganizado e inefetivo

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Tudo começou em São Paulo, quan-do os paulistanos (finalmente) se cansaram de serem abusados pelo poder público e, com a ajuda do Movi-mento Passe Livre, organizaram uma manifestação contra o aumento de R$0,20 na tarifa de ônibus.

No entanto, a indignação não era só voltada aos R$0,20. Pense que foram anos e anos de exploração, qualidade de vida ruim, políticas voltadas a uma minoria. Enfim, os R$0,20 foram ape-nas o estopim para que a população fosse às ruas.

#vemprarua

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De São Paulo, os protestos passaram para outras ca-pitais. Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília foram algumas das cidades em que a população mostrou as caras

No início, o foco era o transporte público. E não

só quanto ao preço: o povo protestava por um serviço de qualidade, como maior

frota de ônibus, melhorias no salário dos motoristas e cobradores. O problema foi

quando todos os problemas do passado - e também do

presente - começaram a vir à tona

#vemprarua

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Cidades de todo o país adotaram a onda de manifesta-ções e organizaram seus próprios atos. Bauru, cidade na qual estudo, foi uma delas. Em um desses protestos pude perceber o quão dispersa a população estava. A simples presença de uma grande quantidade de pessoas nas ruas já era suficiente para que os manifestantes ficassem maravilhados e perdessem o foco.

Outro reflexo da falta de objetivo comum nas demais cidades pode ser observado nos cartazes que são vistos nas manifestações. Por mais que muitos ali se voltas-sem ao transporte público, que era o foco também em Bauru, havia também muitos papeis que direcionavam as críticas a outros problemas. O que eu disse sobre os vários problemas - e não só os R$0,20 - culminarem na revolta é a causa disso. Saúde, educação, Copa do Mundo, segurança, autoritarismo. Tudo isso foi lembrado pelos manifestantes durante os protestos. Todas ques-tões importantes, sim, mas que culminaram para uma falta de organização e de efetividade para o protesto.

Há de se ressaltar a utilidade da internet nesse proces-so (o que explica o título #vemprarua). A propagação do evento e das reivindicações foi de suma importância para a presença massiva do povo nas ruas. As pessoas também puderam se informar mais sobre os tópicos de luta e se inteirar a respeito do protesto.

O último fato sobre os protestos pode ser retratado com os versos “Somos os filhos da revolução/ Somos burgueses sem religião/ Somos o futuro da nação/ Ge-ração Coca-Cola”. Quero dizer que era grande a presença da classe média nesses atos. Em Bauru, a quantidade de estudantes era gigantesca, inúmeros presentes filmavam o que ali acontecia em seus smartphones, e ao fim do ato, davam suas opiniões nas redes sociais.

#vemprarua

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Não nos acordem, por favor!

NuNCA fuI DE CuLTIvAR RAIvA Ou RANCOR POR NINGuéM, ExCETO PELOS APOLíTICOS. E NOTEM quE APOLíTICO é DIfERENTE,

e bem diferente, de apartidário, de anarquista e de todas essas filoso-fias complexas. O que me deixa desolado, com fome de vingança, é o simples desdém daqueles que jul-gam necessário não se importarem com os problemas políticos do pais em que vivem. Sabe aquele tio ve-lho que com ar de ancião tenta des-viar de assunto sempre que política e religião aparecem no discurso? Então, é dele que eu tenho raiva!

E é ai que entra um problema maior, que vem o ápice da hipo-crisia, para não dizer uma bestei-ra das grandes. Esse tipo de gen-te, confiante de sua “apolitizacao”, tem um gosto especial em criticar as ideologias políticas dos outros. Parece que se sentem bem em tra-çar narrativas desanimadoras, com frases de efeitos que ouviram em grandes emissoras de TV, do tipo: “O Brasil não tem mais jeito”, “Não da pra mudar, só tem corrupto”. E pior que isso, como se não bas-tasse, criticam a geração seguin-te a deles com a velha conversa: “Sua geração só pensa em futebol”, “Bando de maconheiros”, “E é essa geração que vai mudar o pais? Ou-vindo essa musica?”.

Bom, confesso que antes meu discurso contra essas pessoas ficava meio vazio, sem exemplos para dar. Porém, hoje, depois de toda essa

onda de manifestações que assolou o pais, tenho um grande motivo para crer que eles estavam certos.

Sim, caro leitor, não se assuste. Não errei nas ideias, escrevi exata-mente o que quis. E falo mais: essa geração da qual fazemos parte não só não vai mudar o pais como vai abrir espaço para que a corrupção, a desordem e a manipulação au-mente na sociedade brasileira.

De fato, é errado pensar que tais ações populares não surtiram efeitos positivos na sociedade. En-tretanto, o que vemos não são pes-soas politizadas levantando carta-zes. O que vemos são pessoas que se acham politizadas, mas que não param para discutir política! São iguaizinhos aos tios chatos apolíti-cos, só que ao contrário!

Criamos uma ferramenta exce-lente de divulgação de ideias, o Fa-cebook, mas que tem um sério pro-blema: a opção “curtir”! Pois muita gente, senão a grande maioria, le-vantou cartazes com frases feitas que foram curtidas sem uma análise pré-via e aprofundada das mesmas.

Eis aqui um exemplo: muitos movimentos pregaram o apartida-rismo de forma antidemocrática, excluindo a participação de grupos e partidos políticos, rechaçando a presença dos mesmos. Nunca pen-saram que levantar uma bandeira nacional e fazer uma persegui-ção aos partidos de esquerda, tais como o PCO, PCB e PSTU, são ati-tudes de um governo ditador!

E ainda percebo o crescimento

por Thafarel Pitton

de um tal movimento pacifico, que é transmitido pela TV. E foi assim que a mídia se aproveitou do medo do cidadão que sai nas ruas para justificar a ação medíocre e podre da polícia. Funciona mais ou me-nos assim, enquanto a polícia não joga bombas de efeito moral, são todos manifestantes pacíficos. No entanto, quando a policia inter-vem, aí eles se tornam, em questão de segundos, vândalos, bandidos, arruaceiros. E é engraçado como todos realmente acreditam que existem, na mesma manifestação, pessoas que estão ali para vandali-zarem e pessoas que estão ali para apenas manifestar pacificamente. Pois bem, imagino eu que a tec-nologia hoje está tão avançada que as bombas de efeito moral apenas afetam os vândalos. Elas, biologi-camente, selecionam o caráter do individuo! Estou sendo irônico – é bom avisar.

Enfim, é por isso e por mais um milhão de questões que eu penso que realmente meu tio estava certo: não vamos mudar o mundo. Mas com um porém, nossa geração não ira mudar o mundo como um todo, não com essas manifestações, pois uma grande maioria dela é apenas massa de manobra. Se mudarmos algo, vai ser por uma pequena par-cela que diariamente estuda, ana-lisa e discute política. Cabe a você leitor, escolher de que lado fica.

Enquanto isso, rezo para que não nos acordem. Antes estar dormindo do que sendo motivo de piadas!

Opinião

Acorda Brasil

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Houve um tempo em que uma das maiores preocupa-ções da humanidade era a de erradicar a fome. Hoje em dia, o quadro está

um pouco diferente. Não que a fome esteja erradicada: atualmente, ela costuma se encontrar mais presen-te em alguns determinados países e regiões, ou mesmo em algum bair-ro ou classe social específico, mas o que mais se apresenta hoje em dia é uma inversão pelas preocupações que houve anteriormente.

A maior oferta de alimentos, que muitas das vezes não são saudáveis, mostra que esse quadro se inver-teu. Se antes a preocupação era a de acabar com a fome, hoje se teme que os problemas causados pela obesidade atinjam um grande con-tingente de pessoas, que passaram a ter um maior acesso a alimentos e, sobretudo, alimentos calóricos e com grande teor de gordura. Esse tipo de alimento colabora para que problemas de saúde específicos pas-sem a estar mais presentes na vida da população. Esse é um problema sociológico que tem sido discutido amplamente pelos governos mun-diais, pela indústria farmacêutica e pelas produtoras de alimentos.

Em um estudo recente, em que

187 países foram analisados, o Glo-bal Burden of Disease (com tra-dução literal de “Peso Global das Doenças”), maior estudo sobre a saúde realizado, nos mostra que a obesidade, antes a décima colocada no ranking de problemas de saúde, agora aparece em sexto lugar. Ao mesmo tempo, a expectativa de vida aumentou em praticamente todos os países do mundo; as mortes re-lacionadas com a falta de alimento caíram de 3,4 milhões de pessoas em 1990 para 1,4 milhão de pessoas em 2010; e, por fim, a subnutrição, doença que mais matava em 1990, agora se encontra na sétima posição da lista.

Em dezembro de 2012, a revista Carta Capital trouxe em sua edição, como matéria de capa, uma repor-tagem sobre a obesidade no mundo com o nome de “Um mundo cada vez mais gordo”, com conteúdo da revista americana The Economist. A reportagem trata do mesmo tema do estudo realizado em 2010 e mostra um panorama geral sobre o problema da obesidade, que as-sola a humanidade.

A principal causa atribuída ao alto número de obesos no mundo é a mudança drástica na alimentação das pessoas. Os indivíduos, desde

que possuam dinheiro, podem se alimentar do que quiser e quanto quiser, o que acarreta em uma mu-dança biológica e estética do corpo, que acaba sendo influenciado pelo espírito de consumo. A maioria dessas pessoas que se alimenta pre-ferencialmente pelos alimentos ca-lóricos não tem em mente os male-fícios que essa “dieta” pode causar, e pouco se preocupam com a rea-lização de exercícios físicos. Nos Estados Unidos, onde o consumo de alimentos calóricos virou um hábito nacional, dois terços de toda a população já se encontra acima do peso, o que fez que essa rotina alimentar se tornasse característica do país e de seus habitantes.

Mas se engana quem acha que isso só acontece nos EUA. Os paí-ses europeus, na grande maioria já desenvolvidos, já sofrem com esse mal. No entanto, a obesidade não se restringe às terras desenvolvidas: o Global Burden of Disease mostra também, por exemplo, que 53% dos brasileiros estariam acima do peso já em 2008. Em números to-tais, cerca de 1,5 bilhão de adultos, equivalente a um terço da popula-ção adulta mundial, já cruzaram a “linha da obesidade” em 2008.

Ao mesmo tempo em que os obesos apresentam uma preocu-pação para os governos mundiais, que gasta para tratar os problemas de saúde que se originam pelo ex-cesso de peso, a obesidade é uma oportunidade para muitos conglo-merados industriais.

As cirurgias barátricas passa-ram a ser procuradas por grande parcela da população. No Brasil, o número de cirurgias que são realizadas é bem menor que a de-manda da população. Nesse caso, o indivíduo, desde que tenha condi-ções financeiras, irá movimentar o mercado de cirurgias estéticas, que

revista LAMPIÃO

A obesidade crônica mundialpor Juan de Lima*

Hoje, cerca de meio bilhão de pessoas no mundo está acima do peso

Tobyotter / Flickr

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aumenta a cada ano que passa. A indústria farmacêutica também se beneficia na medida em que apre-senta soluções para esses proble-mas causados pelo excesso de peso.

O jornal O Estado de S. Paulo, no dia 10 de fevereiro desse ano, publicou uma matéria, em sua pá-gina online, que mostra um estudo realizado por nutricionistas do Ins-tituto do Coração (InCor) e do Ins-tituto da Criança do Hospital das Clínicas da USP em um mutirão da saúde realizado em São Paulo. O mutirão coletou dados de cerca de 15 mil pessoas e trouxe um aler-ta: 66,3% de todos os participantes estavam acima do seu peso ideal. Isso mostra a tendência mundial de aumento do peso da população.

Nesse empasse ficam os indiví-duos, as empresas e os governos. Dentro da vida das pessoas, há uma maior oferta de alimentos e o hábito cada vez maior do seden-tarismo. As empresas, por sua vez, sendentas em vender em escalas maiores, divulgam seus produtos, dizendo o quão saborosos eles são, mas ocultam o “lado sombrio” da história. Por fim, os governos se ocupam em buscar tratamentos dos problemas de saúde que envol-vem a obesidade.

Esse assunto deveria ser moti-vo constante de discussão e refle-

xão por parte de nós, que sofremos direta e indivudualmente os males causados por uma má alimenta-ção e que lidamos com problemas como a obesidade. Vale lembrar também que a obesidade enquanto aparência é o menor dos problemas da população. Uma dieta a base de junk food pode causar diversos problemas, como diabetes, enfar-te, entre outros. Se passássemos a nos importar mais com o que de fato importa, deixando a “sede de comer mais e mais” de lado, deixa-ríamos também de alimentar tanto a indústria farmacêutica quanto a estética, que se beneficiam dos pro-blemas causados pela obesidade.

revista LAMPIÃO

Cursando o segundo ano de Ciên-cias Sociais pela UNESP, campus de Araraquara. Atualmente desenvolve uma pesquisa sobre as mudanças de sociabilidade causada pelas redes sociais com base na antropologia. Tam-bém possui interesse pela sociologia econômica. Na diversão, filmes clássi-cos e música. Muita música.

Juan de Lima, colaborador

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A Destruição Criativa da Tv Cultura

A Tv Cultura registra, em seus últimos anos de existência, um lento e contínuo processo de de-cadência. Não falamos

da pouca audiência que apresenta, mas sim da perda de qualidade de seu quadro editorial. A situação se deve ao modelo adotado pela emissora paulista para atender aos interesses políticos de uma suces-são de governos neoliberais.

Seu processo de reestruturação foi conduzido de forma impen-sada. Cortaram-se custos, porém não se atentou ao déficit de profis-sionais qualificados que se criou na emissora com a demissão de mais de quinhentos de seus funcioná-rios. Programas de qualidade ím-par como o Entrelinhas – do qual eu pessoalmente era um fã – e o Vi-trine foram extintos e suas pautas incorporadas ao Metrópolis, não sem perda substancial para o teles-pectador atento.

O Jornal da Cultura há muito deixou de ser uma referência. An-tes caracterizado pela análise pon-derada dos fatos e a apresentação

de notícias efetivamente relevan-tes, cedeu às matérias de maior apelo comercial. Adotou, tentando manter sua qualidade, um modelo de debate. Dois convidados, geral-mente professores, jornalistas ou economistas de renome debatem as notícias. Contudo, isso não é o suficiente. Por mais qualificado que sejam os convidados não se pode extrair opiniões do vazio. Além disso, sua âncora em nada contri-bui para o debate. Em geral, colo-ca opiniões derivadas do mais raso senso comum e envergonha seus convidados. Suas interrupções são constates e causam irritação ao te-lespectador, que ao ver um bruxu-lear de inteligência o tem destruído.

O Roda Viva, antes uma intrigan-te plataforma para o debate de ideias, hoje mais parece um recorte das ve-lhas ideias mastigadas a exaustão pelos jornais e revistas tradicionais que tanto agradam as classes domi-nantes. Não há ao menos o esforço de esconder o pastiche, visto que os convidados repetem-se: editor X de Veja, colunista Y da Folha de São Paulo, jornalista W do Estadão,

por Rafael Barizan

intelectual Z caricatamente de direi-ta. Nem ao menos quando, tenta-se transformar a farsa em comédia, o resultado é satisfatório.

Basta ver o resultado do Roda Viva com Slavoj Zizek, no qual o programa tentou aproveitar a pas-sagem do filósofo pelo Brasil para o entrevistar pela segunda vez. Em comparação a sua primeira partici-pação, temos um declínio vertigi-noso de qualidade, não de Zizek, obviamente, mas da capacidade de extrair o melhor de seu pensamen-to. Basta analisar os convidados que o entrevistaram. Em 2009, tí-nhamos um time de entrevistado-res de excelente qualidade, repre-sentando o que há de melhor no pensamento brasileiro. Já em 2013, fez-se uma reunião apressada de nomes, a maioria mais preocupada em propagandear seu anti-esquer-dismo do que em efetivamente elaborar perguntas ou refletir para não confundir conceitos básicos da teoria hegeliana.

Há ainda excertos de bom jor-nalismo e qualidade em sua pro-gramação. Pode-se assistir sem-pre a bons filmes tanto nacionais quanto estrangeiros, em especial o cinema francês (um alívio ao fre-nesi hollywoodiano que infesta a grade das demais emissoras). Con-tudo, a exceção não faz a regra.

Soma-se a perda de qualida-de da programação à redução da abrangência de sua cobertura. An-tes se estendendo por quase todo o território nacional por meio de alianças regionais, hoje se restringe ao Estado de São Paulo e algumas poucas cidades de Minas Gerais e Paraná. Uma perda irreparável para os que antes tinham na TV Cultura uma alternativa à progra-mação repetitiva e, por muitas ve-zes, nociva das demais redes.

Será que a Cultura ainda é uma TV diferente?

Divulgação / www.cmais.com.br

revista LAMPIÃO

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Ciência

virginia Woolf, já no co-meço do século xx ques-tionava o papel reser-vado as personagens femininas na literatura

em seu artigo “Um Teto Todo Seu” (A Room of One’s Own):

“Todas essas relações entre mulheres, eu pensei, recordan-do rapidamente a esplêndida galeria de personagens fictícias, são muito simples. Tanto foi deixado para trás. E, eu tentei lembrar de algum caso, no qual duas mulheres são representa-das como amigas. Há uma ten-tativa em Diana of the Crosswa-ys [de George Meredith]. Elas são confidentes, de fato, em Ra-cine e nas tragédias gregas. Aqui e ali são mães e filhas. Mas, qua-se sem exceção, são retratadas em seus relacionamentos com homens. É estranho pensar que até Jane Austen, toda grande personagem feminina de ficção não somente fosse vista pelo ou-tro sexo, mas em relação a ele. Quão pequena é essa parte da vida de uma mulher [...]”¹

Da publicação do célebre artigo aos dias de hoje muitas conquis-tas obtiveram as mulheres graças ao movimento feminista, contudo longe se está de ter por finalizada a luta pelo tratamento equitativo na sociedade.

Para evidenciar as distorções ainda existentes em nossa cultu-

Questões Sociológicas: o Teste de Bechdelpor Rafael Barizan

ra, especificamente no cinema, em 1985 a cartunista Alison Be-chdel propôs em sua série Dykes to Watch Out For um teste muito simples para analisar a presença feminina em um filme. Para pas-sar o teste de Bechdel qualquer

filme deve responder a três per-guntas simples:

1. Há duas ou mais persona-gens femininas?

2. Elas conversam entre si?3. Elas conversam sobre outro

assunto que não uma personagem masculina?

Apesar de extremo, ou até risí-vel a primeira vista, o teste quan-do aplicado apresenta resultados

catastróficos. Pelo menos 45% dos filmes não passam pelo tes-te², especialmente os blockbus-ters e ganhadores do Oscar. Den-tre os 55% que passam no teste, o fazem, em geral, porque duas mulheres conversam ou sobre ca-

samento ou sobre bebês.Qual o problema disso? Sim-

ples, reproduz-se massivamente a submissão da mulher, tal como preconizado em uma sociedade patriarcal e conservadora. Após décadas de lutas, ideias brilhantes e intelectuais como Woolf, Stein e Beauvoir lutando pela causa femi-nista é desolador perceber como ainda podemos assistir impassíveis a tal conjuntura.

Teste de Bechdel Aplicado às Principais Premiações do Cinema

Ao se aplicar o teste de Bechdel aos principais prêmios da indústria cinematográfica per-cebe-se a tendência a seus filmes falharem na representação de personagens femininas, em especial no mercado estadunidense. (fonte: www.bechdeltest.com)

Rafael Barizan

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Os Caminhões Psicodélicos do Paquistão

Em um país indiferente à empoeirada distinção vitoriana entre cultura “erudita” e “popular”,

poucas expressões artísticas são mais autênticas do que os caminhões espalhafatosa-

mente coloridos que alegram estradas, avenidas e ruelas paquistanesas.

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texto e fotos por Thomaz Napoleão*,diplomata brasileiro no Paquistão

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São geralmente Bedford ingleses dos anos 1960 ou 1970, mas de tão adornados ficam irreconhecíveis. Renascem.

É um color-blocking permanente. Para um nativo do país do car-naval, não deixa de ser algo familiar.

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Há vários apelidos para essas imensas máquinas metálicas de cor e fumaça. Soldados os chamam jingle trucks, estrangeiros sorriem dos LSD trucks e os próprios caminhoneiros se referem, com ternura, a seus veículos como brides. Se são noivas, certamente são vaidosas.

Como era de se esperar de um país que são vários, há grandes variações regionais na arte dos jingle trucks. Peshawar é a terra da caligrafia is-lâmica sobre rodas. Já nos LSD trucks de Islamabad, predomina a geo-metria abstrata. Se quiser ver máquinas delicadamente adereçadas com ossos de camelo, vá ao Sindh rural; se preferir madeira, vá a Quetta. Na capital nacional dos caminhões coloridos, Karachi, é possível encontrar todos os estilos.

Preocupada em dar sentido a tudo, a Academia vê nesses caminhões-camaleão “an outward projection of Pakistan’s tensions with its indivi-dual and collective identities”. Interprete-se isso como se queira.

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A metamorfose de um caminhão comum em LSD truck é lenta e cara; consome dezenas de semanas e milhares de dólares. Não é coisa para amadores. É ofício de artistas especializados, que o Paquistão festeja e re-verencia como mestres renascentistas.

O leitor de urdu e árabe (ou pashto, ou punja-bi, ou sindhi, ou baluque, ou…) reconhecerá, em certos caminhões, suras do Corão e poe-mas de luminares locais, como Allama Iqbal. Há também retratos de atrizes, políticos, músicos, santos sufi, jogadores de críquete e até projetistas de bombas atômicas. No universo criativo dos jingle trucks, tudo é permitido.

É diplomata, professor, fotógrafo e editor do blog “Jovens Diplomatas”. Escreve de Islamabade, Paquistão.

Thomaz Napoleão, colaborador

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PatexuliNovidades

Endereço: Av. D. Pedro II, 509, Centro

Telefone: (16) 3342 - 3822

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Cultura

Lollapalooza Brasil 2013O festival já foi há algum tempo, mas a lampião não poderia não falar do que aconteceu no jockey club: da lama até todo o rock ‘n roll

Guitarras, dança e lágrimas nos olhos

Numa tarde de domingo que já esperava pela noite, o Lollapalooza 2013 nos trouxe bons shows se-cundários, mostrou um

repertório nacional interessante e ganhou o fim de semana em um es-petáculo impressionante dos donos do festival.

A variada tarde de shows teve alguns destaques. O indie rock dos britânicos Kaiser Chiefs era um dos sons mais esperados pelos que che-garam cedo ao Jockey Clube e o vo-calista Ricky Wilson bem que ten-tou corresponder às expectativas.

Ricky correu, pulou, escalou as torres do palco, se jogou na galera, enfim, fez tudo o que podia e o que não podia para animar a galera. Sua loucura foi um show à parte. Se fo-carmos no som, no entanto, a apre-sentação deixou a desejar. O reper-tório se baseou nos hits que todo mundo queria ouvir, aqueles bem no estilo “Ruby”, mas a impressão

Dia 3

por João Victor Jacetti de Oliveira

Um dia cheio de surpresas

E lá vinha mais um Lollapa-looza. Era o segundo dia do festival, mas, para mim, era só o primeiro. Entre escolher pelos três

dias, preferi somente dois, já que não tinha muita afinidade pelas bandas do dia 29. Em comparação ao ano passado, a fila não estava cheia e o evento estava mais orga-nizado, o que não quer dizer que estava livre de pecados. A chuva foi a vilã do dia anterior e havia ru-mores de que estaria presente tam-bém no dia 30, o que me fez rezar e prometer aos céus por um dia en-solarado. Minhas preces foram ou-vidas, mas como tudo tem um pre-ço, a lama estava em boa parte do Jockey Club e na minha bota. Ok, vamos ao que realmente importa.

Pegamos um copo de cerveja e fomos para o Palco Perry onde to-cava William Noraime. A música eletrônica se combinava às luzes coloridas que se atravessavam e re-

Dia 2

por Maria Esther Valdiviezo

Além da lama e da chuva

Dia 29 de março de 2013. Sexta-feira Santa. Cerca de 50 mil pessoas troca-ram o bacalhau com bata-tas do almoço de família

por um dia chuvoso e nublado no Jockey Club. Lamapalooza. Foi as-sim que eu e muitos outros chama-mos carinhosamente o primeiro dia da segunda edição do Lollapa-looza no Brasil.

A princípio, eu não iria para o Lolla. Comprei um LollaPass na noite anterior de um amigo por um preço muito camarada. Era 13h20 quando a mensagem do meu amigo chegou. Hora da caminhada rumo ao Jockey (junto de mais um zilhão de pessoas, pelo que parecia).

Em meio a tantas filas gigantescas para meia entrada, comemorei por-que meu ingresso era de entrada in-teira eu não tive que ficar na espera.

Perdi umas três músicas da banda islandesa mais fofa do mundo, mas logo estava num lugar bom para ver o resto

Dia 1

por Mayara Abreu Mendes

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que tínhamos é que isso era tudo o que os Chiefs poderiam oferecer. Além disso, a bateria estava estou-rada e abafava a voz do cantor em vários momentos. Apesar de não podermos culpar a banda por isso,

o show ficou bastante prejudicado.Outra banda que sofreu com

a bateria foi o The Hives. Mas os suecos fizeram um show bem mais interessante que os britânicos. O punk rock meio grunge da ban-da agitou o público e mostrou que nem só de sons alternativos é feito o Lolla. Com o já tradicional visual cheio de estilo e um comportamen-to bastante animado, a banda fez o que me pareceu o segundo melhor show do domingo. Em hits como “Hate To Say I Told You So”, vinha a certeza de que eles estavam agra-dando. Não bastasse tudo isso, o vocalista Pelle Almqvist ainda mos-trou estar com os estudos em dia e falou várias vezes em português com a plateia. A única parte ruim do show foi que ele acabou rápido demais: menos de uma hora.

Diversificando ainda mais o re-pertório, dois DJ’s fizeram os fãs de rock dançarem ao som do mais puro eletrônico. Kaskade coman-dou a festa dos que não estavam lá pelo show de encerramento e os brasileiros do FelGuk mostraram porque estão entre os melhores Dj’s do mundo.

Completando a brasilidade do festival podemos destacar a banda Vivendo do Ócio e a volta do Planet Hemp ao grande cenário. A primei-ra banda com um estilo majorita-riamente indie, mas com uma pega-da parecida surf rock não é nada de

revista LAMPIÃO

sultavam em outras cores. Um mis-to de estilo circense e psicodélico contaminava o público, a maioria acredito que assim como eu nem conhecia o cantor. Naquele horário não havia bandas tão interessantes. Andamos meio nômades pelo fes-tival, até que Gary Clark Jr. chamou minha atenção. Ao som de blues e acompanhado de sua guitarra, Gary trazia um som diferente do tradicional rock que era ouvido em volta. Repleto de riffs, suas músicas atraíram a multidão ao Palco Al-ternativo. Apesar de muitos o com-pararem a Jimi Hendrix, Gary tem um estilo próprio perceptível.

Junto ao pôr do sol, começava Franz Ferdinand. Com uma con-siderável quantidade de fãs brasi-leiros, ficar perto do palco foi im-possível. De longe acompanhei os clássicos “No you Girls”, “Take me Out” e “Ulysses”, e de bônus a ban-da escocesa tocou entre as inéditas a “Fresh Strawberries”, do novo ál-

bum. Apesar de tentar trazer algo novo para os brasileiros, o show não foi muito diferente do último em 2012. Aqui estávamos no Pal-co Butantã, e logo o Queens of The Stone Age tocariam do outro lado do Jockey, na Cidade Jardim. En-tão, pernas pra que te quero!

Entre os desvios de lama e pes-soas, por relance vi e principal-mente ouvi a imponente voz de Britanny Howard. A vocalista do Alabama Shakes fazia um belo show, tocando faixas do seu CD de estreia “Boys & Girls”. Mas não

Dia 2do show do Of Monsters, no palco Bu-tantã (perto de onde entrei). Só fiz a bes-teira de entrar na fila enorme de Pillas (fichas para comprar bebidas e comidas do Lolla com o valor de quatro reais cada) durante o show e estava longe do palco quando “Little Talks” tocou – me imaginem cantando a plenos pulmões na fila. Peguei um chopp (caríssimo, por sinal!) e voltei a assistir a apresentação.

Of Monsters and Men superou minhas expectativas musicais e cum-priu perfeitamente as de carisma, simpatia e fofura. Um instrumental sem falhas perceptíveis, mesclado com vozes e arranjos maravilhosos fizeram o show da banda de um disco só ficar mais do que completo. Nem a chuvinha fina e chata conseguiu es-tragar a participação e animação do público. Nanna, a vocalista, ressaltou ainda que “chuva é melhor que sol” e durante o show desceu um pouqui-nho para ficar mais perto do públi-co. Surpresa boa para quem não os conhecia; felicidade e amor de quem, assim como eu, já os amava.

Ao fim de Of Monsters and Men veio a caminhada para o palco Cida-de Jardim para ver The Temper Trap. Depois da garoa da tarde e das chu-vas dos dias anteriores, o Jockey era muita lama e pouca grama. Tênis, sapatilhas, botas e todos os outros sapatos mudaram de sua cor natural para um tom de marrom. Difícil era não pisar em uma poça. E o cheiri-nho de esterco não agradava nada também. Acontece, são coisas de um festival a céu aberto. Mas a sujeira foi logo esquecida quando The Tem-per Trap começou a mostrar para que tinham sido chamados para o

Dia 1 Dia 3

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impressionante, mas também não é ruim de se ouvir. Em meio ao nosso cambaleante rock nacional, pode-mos dizer que é algo com potencial.

O Planet Hemp subiu ao palco e fez o que se esperava. Comanda-da por Marcelo D2, a banda apre-sentou todos os seus maiores hits, sempre dentro daquela temática já tradicional e com um som exa-tamente como o que a banda fa-zia nos anos 90, como fez questão de falar D2 ao introduzir “100% hardcore”. Além do som, o Planet sempre foi marcado por opiniões de bastante impacto e, dessa vez, não foi diferente. O show teve um começo impactante, com “Legalize Já”, e, em determinado momento, BNegão gritou “Fora Feliciano”.

Tudo isso criava um bom dia de festival em São Paulo, mas faltava alguma coisa para que as 60 mil pessoa presentes fossem embora rindo à toa. Essa “coisa” se chama-va Pearl Jam.

O repertório foi composto por todos os hits mais grunge dos nor-te-americanos, uma pequena ho-menagem à banda Ramones (que veio por meio da música “I Believe In Miracles”) e algumas daquelas belas músicas que agradam a to-dos. Mas não foi só o repertório que surpreendeu.

“Evenflow”, “Jeremy”, “Alive”, “Dau-ghter” e tantas outras obras-primas já seriam suficientes para deixar o público extasiado simplesmente por serem toca-das. No entanto, Eddie Vedder e compa-nhia fizeram questão de o fazer maravi-lhosamente bem. O vocalista está com a voz em dia e impressionou a todos com sua performance, mostrando que ainda tem a energia de um garoto, e o resto da banda continua tão preciso e emo-cionante quanto sempre foi. Na música “Yellow Ledbetter”, Eddie costuma dizer “Me faça chorar” antes do solo de guitar-ra. Se ao fim do solo ele não estava cho-rando, com certeza não foi culpa do gui-tarrista Mike McCready, porque grande

havia tempo, tínhamos que correr pelo Queens. Com esse mesmo pensamento, várias pessoas foram mais rápidas e não podemos ficar tão perto. Entre os sucessos esti-veram “The Lost Art of Keeping a Secret”, “No One Knows” e “Burn the Witch”, estas duas últimas tive-ram seus solos de guitarra “canta-dos” pela plateia. Acho que é meio comum para nós brasileiros fazer isso. Carismático, o frontman Josh Homme brindou com a plateia antes do animado “Little Sister” e fazia questão de avisar quando

a música era de amor, como em “Make it Wit Chu”. Impecável nos tons graves e instigante, o QOT-SA fez um show digno de atração principal, como muitos disseram. Foi uma experiência envolvente e ainda com um presente, a inédita “My God is The Sun”, do novo CD “...Like a Clockwork”. Após um ano e meio sem tocarem juntos, a banda honrou o nome, foram “reis” e reafirmaram seus rock chapado que conquistou tantos jovens. Fim do show, estava feliz. E agora, vamos esperar pelo Black Keys. Era a primeira vez do duo

Lollapalooza. Apesar de eu não co-nhecer a banda, fiquei encantada com o som e com as vozes dos aus-tralianos, além da presença de palco do vocalista. Eles conseguiram mes-clar tristeza melódica com animação de forma bem equilibrada e cativa-ram muito o público (boa parte for-mada por fãs de The Killers que já esperavam o show dos americanos).

Saí no final do Temper Trap para atravessar o vale da lama de volta ao palco Butantã a fim de ver Cake, apesar de metade do meu grupo de amigos foi ver Crystal Castle. Mesmo com o pal-co Perry atrapalhando e muito o som com as músicas eletrônicas e de o telão de fundo do palco ter uma imagem de montanhas com neve, a banda levan-tou a plateia e fez todo mundo cantar e dançar com covers e as músicas pró-prias. O som deles estava bem baixo, mas um vocalista bom faz toda a dife-rença: a banda, muito talentosa e ani-mada, interagiu muito com o público (o que ganhou meu coração) e superou minhas expectativas.

Daí para frente eu tinha quatro von-tades: ver Passion Pit, ver The Killers, co-mer e fazer xixi. Passion Pit demoraria cerca de uma hora para começar e The Killers umas duas horas e meia. Logo, fui comer. Enquanto deliciava minha pizza sabor oito reais (!), assistia à coisa bizarra que foi o show do The Flaming Lips (o vocalista chegou a dizer que seria muito legal se um avião caísse ali no Jockey). Foi a decepção do meu dia, porque, pelo que eu conhecia da banda, julgava que o show seria bom. Terminei minha pizza e corri dali para fazer xixi. Além da fila de mais de meia hora, o banheiro esta-va nojento. Não tinha condições de se apoiar em canto algum, que dirá utilizar o que sobrou de papel higiênico nos ba-nheiros químicos.

Quando saí do banheiro, os pri-meiros acordes de Passion Pit estavam ecoando pelo palco alternativo. Apesar da minha enorme vontade de assistir à banda, decidi que queria ficar num bom lugar no show do The Killers, afinal es-

Dia 3Dia 2Dia 1

revista LAMPIÃO

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parte do público estava.A única ausência sentida por grande

parte dos fãs foi uma das mais famosas

canções da banda, “Last Kiss”, mas nada que pudesse estragar a noite. Em termos de interação com a plateia, o que mais chamou atenção foi o desejo de Feliz Páscoa de Eddie para seus fãs e um dis-curso no qual o vocalista parabenizava São Paulo pela aprovação da união ho-moafetiva.

A participação do público no show, no entanto, não se deu em conversas com o cantor, mas sim durante as mú-sicas. Toda a plateia cantou durante o show inteiro sem descansar sequer por um segundo (exceto na pausa que a pró-pria banda fez). E, como era de se espe-rar, o clímax da noite foi durante a músi-ca “Black”, quando era visível nos olhos de cada fã que aquele show já era um sucesso mesmo estando longe de acabar.

A noite de todos os fãs de Pe-arl Jam presentes no último dia do Lollapalooza 2013 foi mágica e o amante de música que passou sua Páscoa curtindo todos esses shows também não tem do que reclamar.

aqui no país tropical!Conseguimos ficar mais na

frente, o que foi praticamente um milagre. Para não perder o lugar, renunciamos a Criolo e A Perfect Circle. Após tanta espera, surgiram os excêntricos headliners desse segundo dia. Confesso que fiquei decepcionada, esperava mais. O som estava baixo, o vocalista Dan cantava de olhos fechados a maior parte do tempo e não havia tanta energia para quem é principal atra-ção. Somente “Lonely Boy” tirou o pessoal do chão, mas tiveram boa combinação “Gold On The Cei-ling” e “Dead and Gone”. A respon-

sabilidade de fechar com chave de ouro não foi cumprida, talvez por não serem tão conhecidos e logo após do energético show do Que-ens of the Stone Age. Entretanto, eles serão bem-vindos na próxima vinda ao Brasil.

João Victor Jacetti de Oliveira, colaborador

perei por quatro anos por aquele mo-mento. Eu e meu amigo migramos para o palco Cidade Jardim e esperamos por uma hora. E valeu cada segundo. Ficar na grade em frente ao telão e com visão do palco inteiro foi uma excelente esco-lha (desculpa, Passion Pit).

Fecho os olhos e consigo lembrar a sensação incrível que foi viver o mo-mento de cantar “Mr. Brightside” ao vivo e com umas 50 mil pessoas me acompanhando (e não só o Brandon no meu fone de ouvido). O momento de puro êxtase de felicidade que vivi ali, naquela primeira música, perdurou pelo show inteiro. A chuva marcou, novamente, presença em um show que eu esperava muito. Dessa vez, no entanto, passou despercebida. A voz de Brandon Flowers e sua presença de palco são invejáveis. Como não amar um vocalista que diz que sentiu falta do público enquanto estava na pausa para o bis? Além de Flowers, a quali-dade do som dos instrumentos estava magnífica. Complementando a perfei-ção musical, chuvas de papéis e fogos de artifício foram utilizados, configu-rando ainda mais o espetáculo como tal. O setlist foi ótimo tanto para quem curte o CD novo quanto para quem ama as clássicas. Eu, fã das duas eras de The Killers, não poderia ter ficado mais contente. Esperaria mais alguns anos se fosse necessário para ter um show tão maravilhoso quanto esse.

Dia 3Dia 2Dia 1

É aluno do terceiro ano de Jornalismo na Unesp - Bauru. Fanático pelo Corin-thians e por rock (principalmente grunge e metal), João tem música e esportes como seus principais interesses. Natu-ral de Jundiaí - SP, mas vivendo em Bau-ru desde 2011, João dá aulas de história no cursinho Princípia e é voluntário na ONG de conscientização política Batra- Bauru Transparente

É aluna do terceiro ano de Jornalismo na Unesp - Bauru. Apaixonadíssima por mú-sica, procrastinadora de primeira linha, fascinada por idiomas e adoradora de sorrisos, Mayara escreve e fala bastante, apesar de preferir escrever. É paulistana nata, mas vem perdendo suas paulistani-dades por morar em Bauru desde 2011, onde estuda, dá aulas de inglês, faz parte de projetos de cultura e música e é feliz.

Mayara Abreu Mendes, colaboradora

Maria Esther Valdiviezo, colaboradora

Escolheu pelo momento o Jornalismo e cursa o segundo ano na Unesp - Bauru. Nô-made desde o nascimento, vive agora na cidade sanduíche, mas sempre a procura de um novo canto pra se aventurar e através da escrita vomitar toda a beleza que en-contra. Não gosta de clichês, mas tem que concordar, como a maioria dos jornalistas, se divide entre as palavras e a vida boêmia. Quer a simplicidade como uma constante.

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Crônica

Eu podia sentir o vento londrino gelado bater nas minhas orelhas, a fumac-inha sair na minha respi-ração. Minha pele estava

quase que totalmente coberta por um milhão de casacos e luvas e meias e afins. Você deve imaginar: “Que sensação ruim, não?”.

Não. Cada inspiração daquele ar trazia consigo uma nova sensação. A pureza ilusória da atmosfera mantinha um sorriso estampado em meu quase congelado rosto. Tinha todos os motivos para recla-mar, xingar todas as gerações pas-sadas. Mas tinha um motivo para agradecer por estar ali. Um único motivo. E bastava.

Nada fazia sentido. O tele-transporte de cenas era irracional. Como não estava nem com sono e nem sob efeito de drogas, aque-la mudança súbita de cenários era confusa. Eu me vi de repente de frente para a St. Paul’s Cathedral. Por alguns segundos, me faltaram palavras para descrever as imagens que meus olhos captavam.

Adentrei na catedral e fiquei bo-quiaberto com a grandeza daquilo. Era tudo tão lindo e gigante que não me atentei para os detalhes. Queria muito tirar uma foto do lu-gar, mas estava sem meu celular.

Em um simples piscar de ol-hos, já estava nas ruas da cidade. Carros pela esquerda, toda aquela coisa que não preciso dizer. Foi aí que passou por mim um ônibus. Daqueles vermelhos e de dois an-dares. Não estava nem no ponto, mas corri para entrar no veículo. Quando me aproximei, o cenário já tinha mudado. E adivinhe só, es-

Um dia friopor Gabriel de Castro

tava dentro de uma cabine telefôni-ca. Para quem ligava? Nem sei, talvez estivesse passando um trote. O que importa é: eu estava em uma cabine telefônica em Londres. E não tinha uma máquina para reg-istrar aquele momento.

Qualquer um estaria enfure-cido a essa altura, tenho certeza. Imagine minha vontade de regis-trar cada frame que passava pela minha retina. Deixar guardado em um daqueles álbuns de 30 mil fotos que talvez eu nunca folhe-asse mais. Seriam coisas concretas que me lembrassem desse mo-mento tão especial.

Dessa vez adotei um meio de transporte “normal” e andei pe-las ruas. Andei até que cheguei no Emirates Stadium, que, naquele mo-mento, era palco do dérbi Arsenal e Tottenham. Meu Deus, o que mais me faltava para coroar esse dia?

Tudo. A única coisa que man-tinha meu bom humor naquele gelado dia. Eis que, ao pisar nos

arredores do Emirates, minhas pál-bebras se unem e, ao se separarem novamente, estou ali. Na fila do Wembley Stadium.

Dei todo o rolê por Londres para que, naquele momento, es-tivesse na fila para o show. Lem-bro que em 2008 eu estipulei que, antes de morrer, gostaria assistir a esse show, se possível na capital inglesa. Era um sonho se tornando realidade. Os minutos à espera da apresentação voaram - o que não é nenhuma surpresa depois de todos os teletransportes.

Fecho meus olhos novamente e, ao abrí-los, deparo-me com a triste realidade: estou na minha cama, no escuro e no meio de uma bagunça imensa. O vento, o frio, as coisas: tudo isso não passava de um devaneio. De um sorriso escancarado, passei para cara de ressaca. Daquelas que você acor-da no dia seguinte pedindo para morrer. E, para quem não sabe, o show a que me referia era do Oa-sis. Não podia ser verdade mesmo, não sei porque acreditei que tudo aquilo poderia estar de fato acon-tecendo. Mas, como eu acredito até no Coelhinho da Páscoa, sei que a banda britânica vai se reunir em 2014 para uma turnê de comemo-ração de 20 anos do álbum “What’s the Story Morning Glory?”. E eu vou estar lá em Londres para vê-los tocar, nem que seja pela última vez. Ou aqui no Brasil também. Não importa o palco, não importa o cli-ma, não importa o dia. Se todos os outros sonhos que tenho não saem do imaginário, eu sei que esse em específico vai ser como uma pre-visão do futuro.

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A principal forma de co-municação visual an-tes da fotografia era a pintura. Até meados de 1830, os movimentos

de pintura clássica eram os respon-sáveis pelo registro da realidade. Não se sabe exatamente a quem atribuir a invenção de uma câmera fotográfica, já que foi um processo de inúmeros estudos em diferentes épocas, mas a primeira fotografia de fato data de 1826, de autoria do francês Joseph Nicéphore Niépce.

O objetivo dos estudos para o desenvolvimento da fotografia era criar uma forma mais objetiva de registrar a realidade. “Quando a fotografia foi inventada, ela trazia o registro do real de uma maneira que o traço humano, a habilidade do pintor dificilmente consegui-ria reproduzir. Então as pessoas passam a atribuir um papel para a fotografia que é o registro do real”, explica o fotógrafo e professor da PUC-SP, Cristiano Burmester.E a pintura?

A fotografia liberta o pintor da função de transmissor da reali-dade. A arte clássica tinha como objetivo a verossimilhança. A arte moderna e principalmente a con-temporânea mostram-se artes mais soltas, mais abstratas, devido não somente ao contexto histórico de mudanças rápidas na sociedade e

Liberdade de criaçãoA possibilidade de repro-duzir e desenvolver arte através de um aparato tecnológico abriu caminho para os novos movimentos criativos da arte contem-porâneapor Letícia Naísa

no mundo, mas também à tecno-logia da fotografia, que permitiu ao artista criar uma arte mais ino-vadora, através de movimentos de vanguarda, como o cubismo e o expressionismo. De acordo com o professor Cristiano, “a fotografia li-bertou o pintor de registrar o mun-do exatamente como a gente o vê”.

Contudo, a pintura continuou a ser referência estética para a fo-tografia. As primeiras câmeras exigiam tempo de exposição mais longo, então as pessoas tinham que “posar” para tirar uma foto, da mesma forma que acontecia com um quadro: “até quase o século XX, a fotografia registrou o mundo como a pintura fazia, no sentido de enquadramento, do olhar, da pose”, explica o professor. Com o avanço da tecnologia, a fotografia se per-mitiu certas inovações. A fotogra-fia instantânea permitiu um traba-lho mais livre e mais espontâneo, ganhando uma independência de linguagem e podendo registrar um fragmento do tempo. Fotografia sempre foi arte

A grande inovação da fotogra-fia foi esse registro instantâneo do tempo e seu aparato tecnológico que permitia criar novas formas de comunicação visual. A questão da criação da imagem é um proces-so artístico, “no início, as pessoas acreditavam que pelo fato da câ-mera ser igual para todo mundo, todo mundo faria as mesmas fotos, mas a gente sabe que não é isso”, por isso, a fotografia não deixa de ser uma forma de expressão artís-tica do autor.

Sua popularidade cresceu em meio ao movimento de arte mo-dernista, mas foi na era da Arte Contemporânea que a ela ganhou um destaque maior e se consoli-

dou como uma linguagem. Nesse momento, a fotografia passa a ser-vir de inspiração – e até mesmo de material – para grandes artistas, como no caso de Andy Warhol, que se utilizou de retratos de per-sonalidades, como Marilyn Mon-roe e Elvis Presley, e os pintou em telas, “a base daqueles quadros é fotográfica”, diz Cristiano.

Assim, a pintura começou a buscar referência na fotografia, que começou a ganhar um espaço maior dentro do movimento de arte contemporânea e dentro de museus e galerias. Ela é uma arte acessível, principalmente nesses tempos de Internet, em que qual-quer um pode tirar uma foto. Para ser considerada arte, uma obra tem que ser relevante e pressupor um diálogo, além de requerer um olhar diferenciado, um novo pon-to de vista, algo diferente sobre um tema da vida.

Nem toda fotografia é uma obra de arte, mas toda fotografia é resul-tado de um processo criativo e seu papel no desenvolvimento da arte contemporânea é inquestionável. A fotografia foi o que permitiu a reprodutibilidade da imagem e o que inspirou grandes artistas do movimento da Pop Art e hoje ga-nhou um espaço importante den-tro do próprio mercado artístico.

fotografia

Um projeto de jornalista. Escreve no Jornal Contraponto, da PUC-SP, gosta de fotografia, Beatles e cinema. É visitadora de museus, ávida leitora e “usuária” de transporte público.

Letícia Naísa, colaboradora

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Não leitor exasperado, esta não é mais uma dissidência protestan-te que se instalará no seu bairro e deixará

os fiscais da Lei do Silêncio de ca-

A Igreja do Livro Transformador

por Letícia Naísa

belos em pé.A palavra igreja do nome desse

movimento em prol da leitura refe-re-se tão somente ao seu significa-do de reunião. Idealizado por Luiz Ruffato, escritor brasileiro autor do premiado Eles eram muito cava-los, o movimento pretende reunir depoimentos de anônimos e famo-sos sobre o livro que transformou suas vidas e fomentar a leitura no Brasil. Em seu depoimento o autor lembra: “O livro que mudou minha vida foi Bábi Iar do escritor ucra-niano Anatoly Kuznetsov”.

O projeto surgiu como uma brincadeira em uma roda de dis-cussões da Bienal do Livro do Pa-

raná de 2010. Ruffato, a partir de então, passou a divulgar a ideia e perguntar em suas palestras qual o livro que havia transformado a vida de seus leitores. Em pouco tempo, percebeu que essa era uma ótima desculpa, apesar de cômica, para as pessoas falarem sobre seu amor pelos livros.

Entre as iniciativas do projeto estão o projeto quase anarquista da Biblioteca Livre instalada em um shopping de Curitiba. A ideia é simples, uma estante cravada no coração de um centro comercial, na qual se podem alugar e deposi-tar livre a qualquer momento sem nenhuma burocracia.

por Rafael Barizan

Junte-se ao movimento e diga: qual o livro que transformou a sua vida?

uma ida à faculdade, ao mercado, ao shopping. Muitas vezes, em um ca-minho de algumas quadras, nos perdemos ouvindo

música ou nos irritando com o trân-sito. Tantas distrações que acabamos não reparando em detalhes simples, daqueles que estão debaixo de nossos narizes mas não conseguimos ver.

Uma mensagem de amor, um grito contra a desigualdade social: os mu-ros podem, sim, dizer muito. Quem nunca se divertiu ao ler um recado romântico pintado naquele muro branco ou uma assinatura na parede recém pintada.

O site “Olhe os Muros” traz fotos curiosas desses amontoados de tijo-los que trazem consigo mensagens que valem a pena olhar. Tanto em sua

Mais vivos do que você imaginaPassando despercebidos em muitas ocasiões, os muros podem ter muito a se comunicar

por Gabriel de Castropágina no Facebook como em seu Tumblr, o “Olhe os Muros” destaca desde a pintura mais simples até as mais rebuscadas; de críticas sociais e recadinhos amorosos até caricaturas e pinturas.

Cada foto vem, na maioria das ve-zes, acompanhada da cidade em que o muro está localizada (São Paulo, Curitiba, Madrid,etc.) e/ou algum agradecimento pela sugestão da foto.

O projeto começou no Twitter de modo colaborativo e se mantem assim até hoje. Viu um muro inte-ressante? Basta enviar a foto para o e-mail [email protected] ou envie um tweet para @olheosmuros. As fotos podem ser enviadas pelo Tumblr também. Nesse caso, basta clicar em “Viu um muro?”, na parte superior da página e enviar a ima-gem.

fotos: olheosmuros.tumblr.com

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Faroeste Caboclo

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Direção: René SampaioElenco: fabrício Boliveira, Isis valverde e felipe AbibDuração: 105 minutos

A história de um pobre que vai para uma ci-dade grande tentar uma vida melhor e que aca-ba se metendo em altas

confusões e aventuras. Poderia muito bem ser um roteiro de um filme da Sessão da Tarde. Mas ainda bem que não é. É bem mais complexo que isso.

Todos – ou quase todos – que foram aos cinemas assistir ao filme que mar-cou a estreia de René Sampaio nas telonas já sabiam o que aconteceria no final. Um duelo final entre João de San-to Cristo (Fabrício Boliveira) e Jeremias (Felipe Abib), a morte de todo mundo que importava na história. Enfim, não é necessário falar sobre isso.

“Faroeste Caboclo” surpreende não por um final inesperado, mas por um certo desapego da música que serviu de inspiração para o longa. Pelo mesmo motivo os fãs mais fiéis da Legião Urba-na e de Renato Russo se desesperaram durante os 105 minutos de filme.

Não há Santo Cristo garanhão da cidade, velho oferecendo propina, ou outro velho oferecendo uma passagem para Brasília. Quem esperava uma mera reprodução dos mais de nove minutos de música composta por Renato quase arrancou seus cabelos durante a sessão.

O próprio músico, quando escreveu “Faroeste Caboclo”, já pretendia trans-portá-lo para o cinema. Chegou até a elaborar um roteiro para o que seria o longa. Não conseguiu, é verdade, mas era inevitável que a obra fosse reproduz-ida nas telas. E foi logo René Sampaio

que o fez – essa foi a estreia do diretor no cinema.

A construção dos personagem Jer-emias e Pablo (César Troncoso) é um dos principais pontos positivos do filme. O primeiro já é introduzido logo no in-ício do filme. E é algo bem explicável: o que seria da saga de Santo Cristo se não houvesse um vilão em carne e osso? Mas se engana quem acha que Jeremias é o único ruim da história. A verdadeira críti-ca é em relação a uma sociedade funda-mentada no preconceito e na hipocrisia, algo próximo do que a música propõe.

Além dessa elaboração do bad boy, Felipe Abib também conseguiu tirar a visão que alguns podiam ter de Jeremi-as antes do filme: um valentão grande, forte (até um pouco gordo), com cara de mal encarado. O personagem do longa vai além disso: “é uma pessoa extrema-mente egocêntrica, um playboy violen-to, que caminha para um lado meio ob-scuro e passa por cima de todo mundo”, como o próprio Abib o descreve.

Já Pablo vai muito além daquele pri-mo que mal aparece no enredo. Ele é ex-tremamente importante: especialmente em uma cena que não consta nos nove minutos de música. Não é um bonzinho que ajuda Santo Cristo quando este pre-cisa, da mesma forma que Santo Cristo também não é aquele que só veio para Brasília para ajudar o resto do povo.

E como não falar de Maria Lúcia (Isis Valverde). Confesso que não espe-rava muita coisa da atriz e que ela me surpreendeu – e muito – nesse filme. A sua personagem é imensamente mais desenvolvida e complicada que a elab-orada por Renato Russo. Ela não é só

uma boa moça que acaba até por pare-cer submissa de Santo Cristo em alguns momentos. É certo que, assim como em boa parte da literatura romântica bra-sileira, a personagem perde força con-forme o fim se aproxima, o que não tira o mérito dos roteiristas.

No mais, a atuação de todo o elen-co é impecável e não se assemelha em nada com uma tonelada de filmes que se vê saindo por aí todo ano. As cenas dramáticas interpretadas por Santo Cristo e Maria Lúcia são perfeitas, da mesma maneira que a loucura de Jere-mias é a mais parecida possível com o verídico. “Faroeste Caboclo” já não sur-preenderia por um final inesperado e até por isso inovou ao chocar o espectador durante o filme. Afinal, um bom filme é aquele que prende os olhos de quem as-siste e cativa pelo que acontece no meio, e não só por aquilo que acontece no fim. Não vou ser hipócrita, no entanto, de dizer que não fiquei decepcionado de não ouvir Santo Cristo chamando Jere-mias de filho da p...

por Gabriel de Castro

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Cinema

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Vestido de LaerteDireção: Claudia Priscilla, Pedro MarquesElenco: Laerte CoutinhoDuração: 13 minutospor Rafael Barizan

O curta metragem repre-senta o universo coti-diano de Larte Coutinho após a aceitação e di-vulgação de ser traves-

ti, como prefere ser chamado, ou crosssdresser, como a mídia o cha-ma (não sem segundas intenções) .

Busca-se demonstrar por meio da experiência do cartunista a exclu-são social a qual ainda está submetida uma parcela de brasileiros, que con-vivem diariamente com o conflito de sua identidade de gênero, não se ade-quar ao seu corpo biológico (transe-xuais) ou ao modo como se apresen-

tam a sociedade (transgêneros).O curta ressalta a posição sin-

gular na qual Larte se encontra por ser alguém reconhecido e protegido ou ao menos estar incluso em uma classe social superior. O cartunista tem uma experiência ao se travestir de forma muito distinta da geral-mente experimentada pela grande maioria de seus pares. Sim, ainda enfrenta preconceitos, como no

São Paulo S/A

uma cidade moderna, indus-trial, cujo progresso está em cada esquina represen-tado por seus arranha céus,

seus automóveis, seus habitantes frenéticos e agitados. Todos estão co-ordenados pelo ritmo dessa nova or-ganização, são partes de um sistema, peças de uma máquina, cuja função é produzir, desenvolver, gerar lucros. Nesse cenário suas vida se repetem, suas ações são racionais e pragmáti-cas, não há tempo para emoções, sen-timentos, escapes da rotina.

Direção: Luís Sérgio PersonElenco: Walmor Chagas, Ewa Wilma e Ana EsmeraldaDuração: 111 minutos

por Rafael Barizan

episódio que serviu de inspiração ao filme: a polêmica envolvendo o uso do banheiro feminino de uma pizzaria por Laerte. Porém tem seus direitos e opiniões respeitados e le-vados em conta.

A personagem é, pois, de gran-de relevância em um país majori-tariamente conservador por trazer abertamente e de forma inteligente o debate sobre uma questão sempre marginalizada para o seio da im-prensa e da sociedade, que prefere rechaçar, criminalizar e/ou margi-nalizar tudo aquilo que lhe é parte, mas incomoda por não se adequar a sua moral retrógada.

Esse é o clima de São Paulo S/A, um retrato amargo das patologias so-ciais da sociedade moderna feito por Luiz Sérgio Person que sintetiza o ab-surdo dessa existência na fala de seu protagonista Carlos:

“O que se pode esperar do mundo?... Recomeçar, trabalhar, mil vezes tentar ser um homem... mil vezes recomeçar, recomeçar de novo, recomeçar sempre, recomeçar, aceitar...”

Esse retrato desolador é a resposta do Cinema Novo a crítica de que se preocuparia somente com o sertão ou a favela. Pelo contrário, sabe retratar com perfeição temas urbanos, a classe média, a era do desenvolvimentismo à JK, não lhe poupa críticas ou abranda a realidade, mostra-a visceral e mes-quinha em todos seus tons de mes-quinhez e conservadorismo.

Em agosto...

> JobsDireção: Joshua Michael SternElenco: Ashton Kutcher, J. K. Simmons

> Círculo de fogo (Pacific Rim)Direção: Guillermo del ToroElenco: Charlie Hunnam, Idris Elba

O filme conta a história da ascenção de Steve Jobs desde o colégio até se tornar uma das mentes mais criativas do século 20

Uma guerra entre os humanos e criaturas vindas do mar começa. Como resistência aos ataques vindos do oceano, os humanos utili-zam robôs gigantescos como uma tentativa desesperada de evitar sua destruição

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The 20/20 Experience

revista LAMPIÃO

Justin Timberlake

Depois de sete anos desde o último álbum de estú-dio, o cantor norte-ame-ricano Justin Timberlake sentiu que era a hora

de voltar. Em março de 2013, “The 20/20 Experience” chegou aos ouvidos do mundo como um dos lançamentos mais aguardados do ano.

Várias características do disco são antecipadas logo pela primeira faixa, “Pusher Love Girl”. A canção come-ça com os falsetes tão característicos de Timberlake e se prolonga por oito minutos, quando a média de duração das músicas do álbum gira em torno de sete. As viradas durante a faixa, para driblar a monotonia, é algo que o cantor já tinha ensaiado em seu álbum anterior, “FutureSex/LoveSounds”, em canções como “LoveStoned/I Think That She Knows” e a famosa “What Goes Around... Comes Around”. Além de, é claro, um flerte fortíssimo com o soul e R&B, fazendo o pop esperado pelos ouvintes praticamente cair para segundo plano.

Isso fica claro no primeiro single do álbum, “Suit & Tie”. A música tem a participação do rapper Jay-Z, mas o que chama mais a atenção é o senti-mento que ela passa de ir além da bar-reira do som e chegar a um salão cheio de gente bem arrumada, com o cantor alisando seu terno para conquistar a mulher amada. Aliás, uma curio-sidade é o fato de o nome do álbum remeter justamente à visão: a expres-são 20/20 é usada no ramo da oftal-mologia para descrever uma pessoa que enxerga bem. E o que Timberlake nos oferece em seu terceiro álbum é

realmente música que pode ser vista. É o que acontece em praticamente todas as faixas, mas “Don’t Hold the Wall” é outro bom exemplo de como você pode ser transportado do lugar onde está até uma espécie de balada em slow motion coberta de fumaça de gelo seco e luzes em tons de azul.

O tema abordado nas letras, é claro, é o amor, bem daquele tipo “SexyBa-ck” que o cantor nos trouxe em 2006. Ainda assim, canções como Strawber-ry Bubblegum e Spaceship Coupe são verdadeiras love songs do século XXI. Esta última, além disso, também mos-tra a boa forma vocal (e até uma me-lhora significativa na técnica) do can-tor, que já não gravava nem entrava em turnê fazia um bom tempo. Já “That Girl” não inova muito, sendo a canção que segue uma linha mais tradicional no álbum, sem muita ousadia.

“Let the Groove Get In” é aquela música que não vai sair da sua cabeça (nem da sua boca) por algum tempo. O refrão é absurdamente “cantarolan-te” e os metais usados complementam muito bem a parte instrumental da canção. Um dos destaques do álbum é “Tunnel Vision”, que começa parecen-do ser um tantinho irritante, mas se

desenrola em uma das melhores faixas do disco. Em termos de melodia, é a música mais familiar para quem esta-va acostumado com o Justin Timber-lake de “FutureSex/LoveSounds”.

“Mirror”, por sua vez, é a canção mais próxima do pop que o cantor apresenta desde seu primeiro álbum solo, “Justified”, de 2004. A batida é a maior prova disso, indo contra a maré da percussão usada no resto do álbum. No entanto, ao contrá-rio do que se pode pensar, ela não destoa do todo que é a “experiên-cia” proposta por Timberlake e flui muito bem até desaguar em “Blue Ocean Floor”, a faixa que encerra a versão regular do álbum. Para quem só conhecia os agudos e falsetes do cantor, aqui está um bom exemplar do grave que ele tem em uma das melhores canções do disco.

Depois de uma hora e dez minutos de Justin Timberlake, se você ainda quiser mais, a versão deluxe traz ou-tras duas faixas, “Dress On” e “Body Count”, que funcionam muito bem como uma extensão do álbum. Afinal, ninguém merece faixas bônus que não se encaixam no resto, não é mesmo?

por Vanessa Souza* Divulgação

Música

8 e 80: realista e sonhadora, pes-simista e otimista, pop e rock – e um pouquinho de soul. Resenhista amadora e um tanto orgulhosa. Ama música, filmes, poesia e arte em geral, principalmente a arte que é a vida e o absurdo do dia a dia.

Vanessa Souza, colaboradora

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Filosofia de um par de botasMachado de Assis

A simplicidade do diálogo combina-se com o ima-ginário para represen-tar por meio do diálogo questões relevantes da

temática social da época. Tal como em “Um Apólogo”, Machado de Assis dá vida a personagens inanimados para ironizar seus pares e mais uma vez nos demonstrar sua maestria na utilização da ironia e do humor para a crítica.

O conto, não um de seus mais co-nhecidos, contudo, merece destaque por algumas razões. Não é possível chegar a sua última página sem gar-galhar algumas vezes, considerando especialmente que alguns problemas

satirizados pelas botas continuam tão atuais quanto o eram no século XIX.

Encontramos uma detalhada análise de nossa estrutura social ao acompanharmos a trajetória do par de botas e percebemos como ainda podemos relacioná-la ao Brasil de hoje, apesar de todas as mudanças ocorridas na última década. Logo, percebemos como ainda é imperiosa a necessidade de mudanças estrutu-rais em nossa sociedade e falhos os discursos pela manutenção do status quo, alardeados na mesa de jantar das famílias quatrocentonas ou em praça pública pelo recém-descoberto

exército de Joãos que repicam e do-bram seus sinos conforme lhes diz a capa da semana de Veja ou a desbra-sileirizada voz de William Bonner.

Por fim, temos a cena final do conto a qual convido o leitor a ler cuidadosamente. Um desfecho que não poderia ser mais apropriado aos tempos atuais, com suas organiza-ções corporativistas (o desejo indivi-dualista de nosso cômodo narrador) tentando se impor em detrimento das classes menos favorecidas (o mendigo do conto). Incômodo, sim; sempre, como toda boa literatura a frente de seu tempo.

por Rafael Barizan

Literatura

O Queijo e os Vermes (Il formaggio e i vermi)Carlo Ginzburg

Carlo Ginzburg produz uma excepcional narrativa de microhistória ao relatar a vida do moleiro Menoc-chio. A reconstituição da

vida de Menocchio e de seu jul-gamento pelos tribunais da Santa Inquisição foram possíveis devido a vasta documentação encontra-da pelo historiador quase ao acaso quando pesquisava sobre uma seita italiana de curandeiros e bruxos.

As peculiaridades das teorias de Menocchio, como a crença de que os anjos surgiram da massa primordial (o caos), tal como os

vermes surgem do queijo, levaram seus inquisidores a terem especial cuidado com seu processo tornan-do-o riquíssimo em detalhes que permitiram uma descrição apura-da da formação intelectual de Me-nocchio, bem como da construção de suas crenças, leituras das quais poderiam derivar e lendas que te-riam o influenciado.

Essa vastidão de fontes mi-nuciosamente coletado pelo his-toriador e o cuidado estilístico resultam em um texto atraente e objetivo que constrói uma hipó-tese geral de interpretação sobre

a cultura popular da Europa me-dieval, sem ser monótono. A lei-tura flui com facilidade e não se nota, por vezes, se estar diante de um apurado trabalho de pesqui-sa acadêmica. O livro é ainda um interessante estudo sobre a justi-ça em tempos nos quais religião e Estado estavam visceralmente ligados e é fundamental para a discussão e compreensão de quão fundamentais são conceitos que hoje nos parecem banais como o devido processo legal, o contradi-tório e a ampla defesa.

por Rafael Barizan

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