revista jornalismo e cidadania ed.0

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Jornalismo e cidadania ANO I | ED. 0 Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE Jornalismo e construção identitária Mídia Fora do Armário Livro-reportagem infantil Prosa Real Brasil de Fato chega a PE Entrevista E mais...

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Ed. 0 da Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM|UFPE) Acesse nossa Fanpage: facebook.com/jornalismoecidadania

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Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 1

Jornalismo e cidadaniaANO I | ED. 0

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE

Jornalismo econstrução identitária

Mídia Fora do ArmárioLivro-reportageminfantil

Prosa RealBrasil de Fatochega a PE

Entrevista

E mais...

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JORNALISMO E CIDADANIA | 2

ExpedienteEditor Geral | Heitor Rochaprofessor PPGCOM/UFPEEditoração Gráfica | Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE

Colaboradores |

Marcos Costa LimaPós-Graduação em Ciência Política/UFPE

Túlio Velho Barreto Fundação Joaquim Nabuco

Gustavo Ferreira da Costa LimaPós-Graduação em Sociologia/UFPB

Luiz Lorenzo Núcleo de Rádios e TV Universitárias/UFPE

Articulistas |

PROSA REALAlexandre Zarate Macieldoutorando PPGCOM/UFPE

MÍDIA ALTERNATIVAXenya Bucchionidoutoranda PPGCOM/UFPE

NO BALANÇO DA REDEIvo Henrique Dantasdoutorando PPGCOM/UFPE

POLÍTICA E PROPAGANDALuis Celestinodoutorando PPGCOM/UFPE

JORNALISMO E POLÍTICALaís Ferreiramestranda PPGCOM/UFPE

JORNALISMO AMBIENTALRobério Daniel da Silva Coutinhomestre em Comunicação UFPE

PODER PLURALRakel de Castrodoutoranda PPGCOM/UFPE e UBI

CIDADANIA EM REDENataly Queirozdoutoranda PPGCOM/UFPE

NA TELA DA TVMariana Banjamestranda PPGCOM/UFPE

COMUNICAÇÃO PÚBLICAAna Paula Lucenadoutoranda PPGCOM/UFPE

JORNALISMO INDEPENDENTEKarolina Caladodoutoranda PPGCOM/UFPE

MÍDIA FORA DO ARMÁRIORui Caeiromestre em Comunicação UFPE

MUDE O CANALTicianne Perdigão doutoranda PPGCOM/UFPE

RÁDIO E CIDADANIAKaroline Fernandesmestre em Comunicação UFPE

Bolsistas |

Fabson Gabriel Pereira da Silva Giselle Mendes Cahú CostaGraduandos de Jornalismo UFPE

Índice

Editorial

Entrevista

Prosa Real

Mídia Alternativa

No Balanço da Rede

Política e Propaganda

Jornalismo e Política

Jornalismo Ambiental

Poder Plural

Cidadania em Rede

Na Tela da TV

Comunicação Pública

Jornalismo Independente

Mídia Fora do Armário

Mude o Canal

Rádio e Cidadania

Referências Bibliográficas

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Edição Nº 0Recife-Pernambuco, Junho 2016

Arte da Capa: Designed by Freepik.com

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EditorialRevista Jornalismo e Cidadania

A Revista Jornalismo e Cidadania, seguindo os preceitos que regem os projetos de extensão, apresenta-se como uma intervenção da Uni-

versidade/Academia na sociedade com o objetivo de, nesta interlocução, fortalecer, na elaboração dos conte-údos da discussão pública, a participação dos intelectu-ais, artistas, professores, estudantes e indivíduos de uma maneira geral, bem como dos movimentos sociais que constituem a periferia da estrutura de poder composta pelas elites que controlam o aparelho de Estado e as cor-porações do mercado, especialmente em temas como comunicação, direitos humanos, inclusão e respeito às diferenças étnico-raciais, de gênero, orientações religio-sas e sexuais.

Com este propósito, além de ser disponibilizada em link no site do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Con-temporaneidade (www.ufpe.br/jornalismo), a Revista Jornalismo e Cidadania pretende atuar como espaço de discussão e articulação com as seguintes redes: Fórum Pernambucano de Comunicação (FOPECOM); Fórum Pernambucano de Comunicação - espaço que agrega instituições, coletivos e pessoas com o intuito ampliar a participação da sociedade na discussão sobre a mídia e o direito humano à Comunicação, reunindo cerca de 50 representações; Fórum de mulheres de Pernambu-co, rede feminista formada da por quase 60 entidades de mulheres do interior de Pernambuco e da Região Metropolitana do Recife; Articulação AIDS-PE, rede movimentalista da sociedade civil que aglutina cerca de 40 organizações e indivíduos que lutam por políticas públicas de enfrentamento do HIV e pela atenção das pessoas soropositivas; e Articulação do Semiárido, rede movimentalista que reúne organizações da sociedade civil que atuam no semiárido brasileiro na perspectiva da convivência com o mesmo e mantém um forte viés de atuação na comunicação popular, inclusive com as rádios comunitárias, reunindo mais de 200 OSC.

A Revista Jornalismo e Cidadania também estará co-nectada com as seguintes instituições da sociedade civil: Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Ins-tituições não Governamentais Alternativas – CAATIN-GA, AUÇUBA, CÁRITAS - NE2, Centro Brasileiro da Criança e do Adolescente - Casa de Passagem, Centro de Cultura Professor Luiz Freire – CCLF, Centro de Educa-ção Comunitária Rural - CECOR -, Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – CENDHEC, Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá - CENTRO SABIÁ, Centro de Habilitação e Apoio ao Pequeno

Agricultor do Araripe – CHAPADA, Centro de Estudos e Pesquisas Josué de Castro – CJC, Centro das Mulheres do Cabo – CMC, Casa da Mulher do Nordeste – CMN, Coletivo Mulher Vida – CMV, Centro Nordestino de Medicina Popular – CNMP, Grupo Curumim Gestação e Parto, Escola de Formação Quilombo dos Palmares – EQUIP, Escola Pernambucana de Circo - PECIRCO, Equipe Técnica de Assessoria, Pesquisa e Ação Social – ETAPAS, Federação de Órgaãos para a Assistência Social e Educacional – FASE, Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizacões Populares – GAJOP, Soropo-sitividade, Comunicação e Gênero – GESTOS, Grupo Mulher Maravilha – GMM, Grupo de Trabalhos em Prevenção Positivo - GTP+, Movimento Infanto-Juve-nil de Reivindicação - MIRIM BRASIL, Instituto Papai – PAPAI, Serviço de Tecnologia Alternativa – SERTA, Instituto Feminista para a Democracia - SOS CORPO, Centro de Cidadania UMBU-GANZÁ.

Serão ainda contactadas as listas da Assessoria de Comunicação e do Departamento de Comunicação So-cial da Universidade Federal de Pernambuco, da Asses-soria de Comunicação e do Departamento de Comuni-cação Social da Universidade Católica de Pernambuco, dos departamento de comunicação social das faculda-des Uninassau, FAVIP, Faculdade Boa Viagem e das coordenações de jornalismo da Faculdade Guararapes, Faculdades Integradas Barros Melo/AESO e Faculdade Joaquim Nabuco.

Assim, como atividade de extensão, a Revista Jor-nalismo e Cidadania está fundamentada no paradigma científico construtivista para respaldar a sua convicção na viabilidade da mudança social através da mobilização popular nas interações simbólicas, para reverter a crise estrutural de sentido gerada a partir do comunicação sis-tematicamente distorcida pelo fluxo quase exclusivo que os veículos de comunicação e os grandes portais da in-ternet mantêm das grandes instituições do sistema para a periferia da estrutura de poder, marginalizando a maioria sociedade e, assim, comprometendo a legitimidade e am-pliando os potenciais de conflito e violência.

Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

Por Heitor Rocha

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EntrevistaJornalismo à esquerda: Brasil de Fato chega a Pernambuco

Em novembro do ano passado, o Brasil de Fato lançou sua primeira edição em Pernambuco. Com distribuição gratuita e periodicidade quinzenal, o jornal pretende se contrapor a mídia comercial hegemônica, acreditando ser o jornalismo um instrumento para fomentar a pluralidade de vozes e o fortalecimento da democracia. Monyse Ravena, editora do Brasil de Fato PE, falou com Jornalismo e Cidadania sobre o projeto editorial de esquerda, sobre o exercício da profissão e seus rebatimentos políticos.

Por Nataly Queiroz

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JeC: Como se deu a chegada do Brasil de fato em Pernambuco?

Monyse Ravena: O Brasil de Fato como jornal impresso de circulação nacional existe desde 2003. Durante 10 anos, ele circulou através de assinaturas e vendas avulsas em formato standart por todo o país. A partir de 2013, o BF iniciou uma nova for-ma de circulação em versões tabloides estaduais e de distribuição gratuita com o objetivo de atingir um maior número de pessoas. Após a consolida-ção desse projeto nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, ele chega agora a Pernambuco, como a primeira experiência do Nor-deste, articulado por um campo de Movimentos e Organizações Populares e Sindicais. Começamos o processo de articulação há cerca de um ano. Em novembro lançamos uma edição “Zero” para apre-sentar a sociedade o projeto e no dia 15 de abril ini-ciamos nossa circulação regular, quinzenal e com uma tiragem de 40.000 exemplares.

JeC: Quais as principais diretrizes da linha edito-rial do Brasil de Fato?

Monyse Ravena: O Brasil de Fato tablóide apre-senta para o conjunto da sociedade uma visão de esquerda, a partir da classe trabalhadora. O projeto busca competir diretamente com os grandes meios de comunicação presentes nas grandes cidades do Brasil, se colocando na batalha de ideias no país. Privilegiando sempre uma perspectiva popular dos fatos, com linguagem simples e direta.

JeC: Então, o Brasil de Fato não pretende ser im-parcial.

Monyse Ravena: Não. Na verdade não acredita-mos nessa assertiva do jornalismo imparcial. Nossa perspectiva editorial de situa à esquerda da socie-dade e tem como objetivo apresentar os fatos a par-tir de uma visão popular, sem que isso represente a prática de um jornalismo panfletário que ignore as contradições ou que não as noticie. Nos propomos a exercer um jornalismo que problematiza os fatos e que não aceita respostas prontas. Produzimos in-formação a partir de “uma visão popular do Brasil e do Mundo”, essa é nossa principal característica.

JeC: O jornalismo no Brasil, desde as manifesta-ções de junho de 2013, e agora, com os últimos fatos políticos envolvendo a presidência da república, pa-rece vivenciar uma crise de identidade e de credibili-dade. Você concorda com essa assertiva?

Monyse Ravena: Em partes. Não concordo que

a crise é de identidade, em especial quando trata-mos do jornalismo praticado pela grande mídia. Há uma identidade bem evidente nesses meios com a classe dominante, apesar disso não ser expresso para o público. Mas concordo que existe uma cri-se de credibilidade que é posta em cheque, em es-pecial nesse momento de crise econômica, social e política por qual passa o Brasil. A grande mídia, em especial a Rede Globo, é reconhecida por amplos setores da sociedade como uma instituição que age para desestruturar o governo, nesse momento. As redes sociais e o avanço dos meios de comunicação populares contribuíram muito para desnudar esse papel desestruturante que a comunicação está ten-do

JeC: Para o Brasil de Fato, qual o papel do Jorna-lismo em um período de crise como o que vivencia-mos no Brasil?

Monyse Ravena: O papel é produzir informa-ções sobre esse momento com uma perspectiva popular. É dialogar com a população sobre as pro-postas da esquerda para sair da crise. É contribuir para o aprofundamento da democracia garantindo a pluralidade das vozes e das pautas das mulhe-res, dos jovens, dos negros e negras, da população LGBT, enfim, da classe trabalhadora.

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Prosa RealLivro-reportagem, jornalismo e contexto

“Malala: a menina que queria ir para a escola” (Companhia das Letras, 2015)

Livro-reportagem infantil: em busca de novos públicos

Considerado o primeiro livro-reportagem vol-tado para o público infantil no Brasil, a obra da jornalista Adriana Carranca, “Malala: a

menina que queria ir para a escola” (Companhia das Letras, 2015), apontou para as editoras um campo fértil. Trata-se da história real da paquistanesa Malala Yousafzai, do Vale do Swat, região controlada pelo grupo extremista Talibã, que proibiu música e dança, mulheres nas ruas e meninas nas escolas. Insistindo em continuar a estudar, a garota se tornou uma líder e sofreu um atentado a tiro em 2012, ao qual sobreviveu. Malala foi a mais jovem ganha-dora do prêmio Nobel da Paz e o livro descreve o ambien-te repressor que ela teve que enfrentar. A jornalista Adria-na Carranca é especializada na cobertura internacional sobre conflitos, intolerância religiosa e direitos humanos em países como Síria, Iraque e Afeganistão. Os eventos de lançamento do livro em todo Brasil tem contado com a concorrência de um animado público infantil. Atenta à tendência, pelo menos mais uma editora já entrou com esse tipo de produto no mercado, a Globo, que lançou

Autor do mês: Klester Cavalcanti

No prefácio do novo livro-reportagem do jornalista pernambucano Klester Caval-canti, “A dama da liberdade: a história de

Marinalva Dantas, a mulher que libertou 2.354 tra-balhadores escravos no Brasil, em pleno século XXI” (Benvirá, 2015), o cineasta Fernando Meirelles consta-ta: “Mais do que um repórter, Klester Cavalcanti é um sobrevivente. Parece que ele nunca termina um livro. Sobrevive a cada um deles. Klester deve ter algum tipo de compulsão ou distúrbio que o leva, a cada livro que escreve, a situações mais extremas, sempre com o obje-tivo de revelar que quem o lê, no conforto dos seus so-fás, uma espécie de lado B do mundo”. A definição não

Klester Cavalcanti: sem medo dos temas que incomodam

Por Alexandre Zarate Maciel

no final do ano passado as versões juvenis da trilogia de sucesso do jornalista Laurentino Gomes, “1808”, “1822” e “1899”. Neste caso, os textos das obras foram adaptados pelo escritor carioca especializado em linguagem infanto--juvenil, Luiz Antonio Aguiar e fartamente ilustrados pela ar-tista plástica gaúcha Rita Brugger. Diante da ótima recepção dessas obras, o campo está aberto para novas experiências de livros-reportagem voltados às crianças e adolescentes.

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poderia ser mais apropriada e basta listar o título e o tema de suas obras para se perceber que Klester Caval-canti não mantém em seu dicionário a expressão zona de conforto. Repórter desde 1994, tendo passado pela Veja, IstoÉ e Estadão, o recifense estreou com “Direto da Selva-As aventuras de um repórter na Amazônia” (Geração Editorial, 2002), compartilhando suas expe-riências de correspondente na floresta, denunciando, por exemplo, madeireiros ilegais e sofrendo duras con-sequências. Seu segundo livro, “Viúvas da Terra-morte e impunidade nos rincões do Brasil” (Editora Planeta, 2004), é resultado de cinco anos de pesquisa sobre vio-lência agrária. Klester entrevistou mais de 70 pessoas, incluindo sobreviventes de massacres, órfãos, parentes de vítimas, advogados, sociólogos e acusados, além de se debruçar sobre 3 mil páginas de inquéritos policiais e processos judiciais para narrar, de forma vívida, as tristes histórias das viúvas dos conflitos de terra. Já em “O nome da morte: a história real de Júlio Santana, o homem que já matou 492 pessoas” (Editora Planeta, 2006), mergulhou na mente de um assassino de alu-guel que esteve ao lado dos militares na Guerrilha do Araguaia e em Serra Pelada e anota todos os nomes de suas vítimas em uma caderneta. A convivência de sete anos com o pistoleiro, a princípio por telefone e

depois presencialmente, permitiu uma narrativa ágil e impactante. Resultado de seu trabalho como corres-pondente de guerra, em seu quarto livro, “Dias de in-ferno na Síria: o relato do jornalista brasileiro que foi preso e torturado em plena guerra” (editora Benvirá, 2012), Klester Cavalcanti relata a difícil situação de ser encarcerado e torturado por tropas oficiais na cidade de Homs, na fronteira libanesa. Convivendo com 20 outros presos, não se abateu e registrou suas histórias, que servem de pano de fundo para explicar o confli-to na região. “Viúvas da Terra”, “O nome da morte” e “Dias de Inferno na Síria” tornaram Klester Cavalcanti tricampeão em sua categoria no prêmio Jabuti de Lite-ratura, um dos mais importantes do país. Em seu novo livro, conta a história de Marinalva Dantas, que coorde-na um dos grupos móveis de Fiscalização do Ministério do Trabalho que tentam desmantelar os sistemas de tra-balho escravo no Brasil. Além de 120 horas de entrevis-tas com a personagem central, leu mais de 2 mil páginas de relatórios do Ministério do Trabalho, inquéritos e processos. As 200 fotos e 30 horas de vídeos de opera-ções lideradas pela auditora serviram de base para uma descrição minuciosa dos fatos, que se lê como narrativa literária. Klester Cavalcanti não tem medo de mexer em vespeiros, mesmo que saia ferroado algumas vezes.

Pesquisa de doutorado vai trazer impressões dos autores de livros-reportagens no Brasil

O autor desta coluna, professor do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, Maranhão, Alexandre

Zarate Maciel, desenvolve uma tese de douto-rado na pós-graduação em Comunicação da UFPE. Atento ao problema central “Qual o lugar do livro-reportagem no jornalismo bra-sileiro na perspectiva dos modelos jornalísticos experimentados pelos seus autores?”, o pesqui-sador está entrevistando jornalistas-escritores como os biógrafos Ruy Castro, Fernando Mo-rais e Lira Neto; os mais voltados para a repor-tagem, como Daniela Arbex, Klester Caval-canti, Leonêncio Nossa; além daqueles que se situam na fronteira entre o trabalho televisivo e o livro, como Caco Barcellos e nomes já re-nomados, que se exercitam há anos no formato livro-reportagem, como Zuenir Ventura. Tam-bém serão ouvidos, em entrevistas qualitativas em profundidade, os editores da Alfa-Omega,

Fernando Mangarielo, editora que enfrentou o governo militar lançando livros polêmicos nos anos 1970, como “A Ilha”, de Fernando Morais. E Luiz Schwartz, da Companhia das Letras, que foi o grande apoiador, nos anos 1990, da explosão dos novos formatos para esse tipo de produto no mercado. A principal hipótese é que os jornalistas-autores compõem um grupo que se identifica com um modelo de jornalismo mais autoral e menos preso a hierarquias, pro-curando se afastar da efemeridade do factual e dos valores-notícias. Eles acreditam que estão contribuindo para a consolidação da memória nacional ao focar, em suas obras, temas con-temporâneos de forma extensiva. As entrevistas estão acontecendo neste ano de 2016 e a tese, provisoriamente intitulada “Arqueólogos do contemporâneo: o livro-reportagem produzido no Brasil na concepção dos jornalistas-autores” será defendida até janeiro de 2018.

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Mídia AlternativaJornalismo de oposição e resistência

Jornalismo Alternativo:uma presença constante na história do país

Quando falamos sobre jornalismo alterna-tivo é comum associá-lo ao período da ditadura civil-militar brasileira (1964-

1985). Jornais como O Pasquim, Movimento e Opi-nião são, via de regra, citados como exemplos marcan-tes da época áurea dos alternativos. Embora a trinca tenha sido relevante no combate e oposição ao regi-me, diversas experiências jornalísticas existiram ao largo desse período e trouxeram à tona temas, nor-malmente, marginalizado pela mídia convencional. Convém lembrar, entretanto, que já nos tempos de Império, e bem antes do fenômeno de O Pasquim, por exemplo, o humor e a caricatura burlavam a censura vigente (velha companheira da atividade jornalísti-ca no país), atraíam o gosto popular e alimentavam a crítica aos costumes. Em 1905, a voz dissonante da revista Anima e Vita, voltada ao público femini-no e fundada pela socialista Ernestina Lesina, co-locaria em circulação o naturalismo de Émile Zola. Duas décadas mais tarde, a defesa dos interesses das comunidades imigrantes levaria à criação de diver-sos jornais e revistas, inspirando o lançamento de O Clarim da Alvorada, fundado pela líder da comuni-dade negra paulista, José Correia Leite, e que circulou por 16 anos, de maneira irregular, entre 1924 e 1940. É possível observar, portanto, que a produção de conteúdo feito à contramão da tendência convencio-nal tem servido como uma chave para se pensar a im-prensa alternativa e defini-la através dos tempos.

Seguindo essa toada – e retornando ao período da ditadura civil-militar – encontram-se alguns jornais voltados às questões dos grupos minoritários. Os tí-tulos feministas são representador por Brasil Mulher (1975-1980), Nós Mulheres (1976-1978) e Maria Qui-téria (1977-1979), assim como a pauta LGBT encontrou eco no Lampião da Esquina (1978), que impulsionou o surgimento do primeiro movimento homossexual no país. As questão indígena e dos negros tiveram espaço garantido em Versus (1975-1979), publicação que, tam-bém, incorporou uma perspectiva latino-americanista em suas páginas, apresentando-se de modo original em meio ao grande volume de alternativos circulantes.

Se a transgressão pelo humor espalha-se, atu-almente, em memes e gifs pelo vasto universo das redes sociais, sua possibilidade de crítica re-

monta, justamente, toda essa trajetória dos alternativos. Foi essa característica, aliás, a responsável por tornar O Paquim um dos alternativos mais populares da década de 1970. É válido lembrar que, em 1969, ano de seu nas-cimento, o cerco às liberdades individuais e de expressão estava devidamente ancorado no Ato Institucional no 5. A censura se acirrava e o humor abria as brechas possí-veis para exercer o pensamento crítico e tocar nos temas banidos da imprensa convencional. Como recorda o car-tunista Nani, o clima de terror era tão grande que Ziraldo passava para as mulheres e namoradas dos cartunistas o telefone de advogados. Segundo Paulo Ramos, jornalis-ta e autor do Blog dos Quadrinhos, naquele momento “qualquer forma de transgressão gráfica era válida para testar os limites da censura e denunciar o sistema auto-ritário”. Embora o humor combativo estivesse presente na produção da turma da patota, – que abrigou humo-ristas jovens e veteranos como Jaguar, Henfil, Fortuna, Ziraldo, Millôr Fernandes, Claudius, Hubert e Reinaldo (Casseta e Planeta) etc. – a classe média moralista, os coniventes de plantão, o comportamento e os modos de vida das pessoas e até a ecologia também foram alvos d’O Pasquim. “O jornal não era essencialmente políti-co, era de esculhambação, recorda-se Toninho Mendes, fundador da Circo Editorial, criada por influência da turma criativa d`O Pasquim e que se tornaria um mar-co na cultura brasileira dos anos 80 ao redefinir o que todos conheciam sobre o humor e a crítica de costumes.

Por Xenya Bucchioni

Para se ter ideia do florescimento deste tipo de im-prensa ao longo da década de 1970, somente em 1975 foram criados cinco novos jornais alternativos de peso. Outros sete foram lançados em 1976, e mais nove nos três anos seguintes. Neste recorte temporal, entre 1975 e 1976, é possível identificar a circulação nacional de oito alternativos: O Pasquim (RJ), Crítica (RJ), Ex (SP), Opinião (SP), Movimento (SP), Brasil Mulher (Londri-na, SP), Versus (SP) e Coojornal (POA).

De geração em geração, as marcas da transgressão

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Fundada por Toninho Mendes em 26 de abril de 1984, a Circo Editorial estreou nos tem-pos inquietantes de “Diretas Já”. O ambien-

te de abertura política e a expectativa em relação ao futuro deram tom ao ousado projeto da edito-ra: a investida em revistas com temáticas de crítica ao cotidiano urbano das grandes cidades. Não é a toa que a sua primeira publicação, a revista Chiclete com Banana 1, traz uma capa esculhambadora com o Bob Cuspe para prefeito – proeza impensável no auge da ditadura.

O sucesso da Chiclete com Banana, que reunia personagens do Angeli como Skrotinhos, Rê Bor-

A geração da Circo dosa e Bob Cuspe, além da colaborações de outros autores como Laerte e Glauco, permitiu a ampliação das publicações da Circo. Assim foram lançadas as revistas Geraldão do Glauco, Piratas do Tietê do La-erte, Circo do Luiz Gê e Níquel Náusea do Fernando Gonsales.

Dentre os temas recorrentes nas diversas histórias e personagens criados pela talentosa turma da Circo, estão as relações humanas: entre homens e mulheres, chefe e empregado, amigos, família, etc. Mas, para Toninho Mendes, um dos grandes temas que acom-panha o material da Circo é a transformação do uni-verso das mulheres. “Até a década de 60 as mulheres eram uma coisa, hoje são outra. A relação homem e mulher mudou e isso aconteceu entre as décadas de

70 e 80. Hoje a preocupação não é se a mulher é virgem, mas se ela está se prevenindo contra a Aids.Essa passagem está nas piadas, que foram fei-tas com base nessa nova rea-lidade”.

Rêbordosa e suas crises existenciais endossam a afir-mação. A personagem talvez seja o mais completo retrato da mulher urbana de sua épo-ca. Já as inquietações da nova relação entre homens e mu-lheres, encontram no Casal Neuras um de seus maiores representantes. Sexo, traição, ciúme, vícios e neuroses uni-versais marcam presença nessa criação de Glauco.

Presente no mercado por mais de dez anos, a Circo en-cerrou suas atividades em 1995 depois de passar por cinco ajustes no padrão monetário nacional, tamanha era a insta-bilidade econômica. Embora tenha deixado saudades, seu legado continua de certa for-ma vivo no traço da geração de cartunistas que a acompanhou.

No compasso do movimen-to da história do jornalismo, o humor de crítica de costumes segue se atualizando. Compu-tadores e celulares integram o enredo das novas piadas e apimentam as neuroses desse mundo conectado, que ainda sofre com inquietações que atravessam as décadas, como o ciúme e a traição.

Sucesso da Chiclete com Banana foi fundamental para o crescimento da Circo

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No Balanço da RedeJornalismo em tempos conectados

Entre bolhas de filtro e a avalanche informacional

Dados divulgados pela Cisco (uma das maio-res empresas de gestão de redes do mundo) dão conta de que, até o final de 2016, estare-

mos diante de um número de informações disponíveis na internet suficiente para atingir um novo marco, o zettabyte, nova unidade de medida para quantificação de dados digitais.

A quantidade de informação gerada na rede a cada segundo supera o limite do que uma pessoa é capaz de ler em toda uma vida. Para muitos autores, vivemos uma era do excesso de informações. (Weinberger, 2012; Pariser, 2012)

Não há dúvidas sobre o papel da internet neste ce-nário. Através da World Wide Web, é possível acessar conteúdos a qualquer hora, de qualquer lugar, além de gerar conteúdo de forma a obter alcance mundial. No Brasil, mais da metade da população tem acesso à rede, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao mesmo tempo, estudos, como da empresa E.Life e do American Press Institute, revelam que, cada vez mais, as pessoas estão se utilizando da in-ternet como principal fonte para busca de informações, seja através dos portais de notícias, seja utilizando agre-gadores de conteúdo ou redes sociais.

Em meio a esta realidade, acabamos lançando mão de ferramentas que auxiliem na escolha do que mere-

Por Ivo Henrique Dantas

ce nossa atenção. Através de algorítimos desenvolvidos para sugerir conteúdos baseados em equações, as in-formações são selecionadas e categorizadas para serem exibidas nas linhas do tempo de redes sociais e agrega-dores de conteúdo.

Vivemos em uma época de opostos – excesso de informação e de filtros – (Pariser, 2012), e precisamos ficar atentos para evitar que tantas ferramentas de filtra-gem acabem nos colocando dentro de uma bolha, sem acesso a fatos e opiniões contraditórias, fundamentais para a sustentação do ambiente democrático.

É neste ponto que entra em ação o jornalismo. Tido por diversos autores como fundamental para o funcio-namento da esfera pública (Habermas, 2014), o jorna-lismo tem como função intermediar a troca de informa-ções de interesse público, que perpassam os interesses individuais.

A internet enquanto meio de comunicação desem-penha papel fundamental na sociedade pós-moderna não apenas pelo seu alcance global, mas por suas carac-terísticas dialógicas. Ao contrário da televisão, jornais, revistas e rádio, que possuem uma série de limitações advindas de suas concepções como tecnologia, a inter-net abre toda uma gama de novas possibilidades, como o alto potencial multiplicador da informação, o hiper-texto, o espaço virtualmente infinito e a multimidiali-dade.

O grande volume de informações gerado diaria-mente contrasta com a atenção limitada do ser huma-no. Diante da grande oferta de informações disponível na internet atualmente, e da disponibilidade de menos

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tempo para leitura diante das tarefas do dia-dia, os usu-ários passaram a necessitar de novos filtros para indicar o que é realmente importante, e, consequentemente, merece sua atenção.

Neste contexto, o jornalismo baseado nas interfaces do meio online, que aqui convenhamos chamar de we-bjornalismo (Canavilhas, 2003), compete com diversas outras ferramentas, como agregadores de conteúdo e informações geradas através de sites amadores e redes sociais.

Ao mesmo tempo, diante desse processo de ava-lanche informativa, surgem bolhas de filtros (Pariser, 2012). As pessoas passam a filtram tanto aquilo que consomem, seja de forma consciente ou através de al-gorítimos pré-definidos pelas ferramentas, que correm o risco de perder contato com informações que as levem ao contraditório, com aquilo que é de interesse público e não apenas pessoal. Pariser (2012) levanta um ques-tionamento que merece toda a atenção dos estudos de comunicação. Estamos diante de uma bolha que pode pôr em risco o processo democrático?

Por um lado, o webjornalismo conta com potenciali-dades que podem, e devem, ser usufruídas em busca de uma melhor comunicação com o público. O texto, que antes era linear, pode ser dinâmico. A produção e vei-culação de uma notícia não estão mais presas a certas rotinas produtivas industriais do jornal, nem à grade de programação de rádios e TVs. O diálogo com o leitor pode atingir níveis que confundam a própria autoria da notícia. A utilização de links pode servir para contextu-alizar fatos e contribuir com a construção de uma cons-ciência crítica.

Por outro, apesar de toda essa gama de potenciali-dades, ainda existem limitações de cunho estrutural, social e econômico. O capital necessário para pôr essas possibilidades no ar demanda um forte investimento no profissional e a criação de novas formas de capitalização.

A expansão das redes sociais amplia o poder do usu-ário e modifica a dinâmica da legitimação social dos ve-ículos de imprensa e dos investimentos publicitários na web, observado o trinômio de forças que rege as institui-ções jornalísticas independentemente do meio em que estejam baseadas: “veículo – anunciantes – público”.

Enquanto isso, o entendimento da esfera pública e a consequente ação comunicativa pressupõe um papel fundamental para a imprensa como intermediadora do conhecimento e diálogo na sociedade. Mesmo nas necessárias revisões do modelo original proposto por Habermas (2014) para se enquadrar na nova realidade da sociedade em rede, a imprensa sempre manteve um papel central. Assim, nos cabe questionar se o webjorna-lismo praticado em território brasileiro tem cumprido seu papel democrático de servir como meio dialógico, cosequentemente garantindo um equilíbrio entre filtros e amplo acesso à informações necessárias para o diálogo na esfera pública.

Um novo jornalismo para novos tempos

É necessário compreender que o webjornalis-mo não se apresenta na história da internet como algo fechado, pronto. Está em eterno

estado Beta, influenciando e sendo influenciado pelo contexto em que está imerso.

Segundo Manuel Castells (1999), a mudança da sociedade industrial para a sociedade informacio-nal, com a conseqüente substituição da acumulação de produtos, típica do período de industrialização, por um acúmulo de informações, não só traz mudan-ças significativas para o fazer jornalístico, mas pode, ainda, ser apontada como força-motriz do desenvol-vimento do webjornalismo.

Desse modo, passa a existir uma alteração vital na forma de enxergar a relação espaço-tempo, que passa a seguir as rotinas do capital financeiro-especulativo, ao invés do tempo industrial, o que impacta direta-mente nas rotinas típicas da produção jornalística. Enquanto o tempo da produção industrial, ou seja, dos veículos impressos, tradicionais, é determinado pelas rotativas, na internet esse conceito sofre grandes alterações. Tais mudanças têm impactos imediatos na produção noticiosa. Diante desse contexto, as rotinas jornalísticas privilegiam a organização das narrativas em estruturas pré-determinadas, o que prejudica a construção de novos modelos narrativos para incor-porar as potencialidades da web e uma notícia contex-tualizada.

Ao mesmo tempo, a empresa jornalística vem so-frendo o efeito Groundswell, que também se abate sobre os outros setores econômicos. Segundo explica Charlene Li (2008), o Groundswell pode ser definido como “uma tendência social na qual as pessoas pas-sam a utilizar as tecnologias para conseguir as coisas que elas precisam, geralmente, entre elas ao invés de utilizar as instituições tradicionais, como as corpo-rações”. No caso do jornalismo, isso exerce um forte impacto na legitimação social da atividade em si, já que, através das redes sociais, as pessoas passaram a trocar, cada vez mais, informações e criar consciência crítica sem a intermediação dos veículos de impren-sa. Tal panorama nos meios de comunicação também recebe atenção especial de Castells (2009) ao sugerir a utilização do termo auto-comunicação em massa para classificar toda a gama de possibilidades comunica-cionais da internet.

É preciso reconhecer o papel central na divulgação de informações e construção do diálogo na esfera pú-blica. É justamente neste processo de filtragem entre excesso de informações e o risco de cair em bolhas algo-rítimas (Pariser, 2012) que acreditamos estar o papel do webjornalismo nos dias atuais.

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Política e PropagandaCaminhos e descaminhos na propaganda política

Propaganda Política: há um campo próprio?

Não ignorando que os espaços da política vão muito além das vias institucionais consolidadas na atuação de governos e

na dinâmica nos legislativos, bem como a vida polí-tica extrapola o dia a dia dos partidos políticos tra-dicionais ou os embates de período eleitoral, a pro-paganda tem ganhado protagonismo nos processos políticos.

Em parte isso se dá pelo peso e importância que os meios de comunicação tem na sociedade brasilei-ra, mas também por ainda termos uma esfera públi-ca frágil num país de mídia televisiva concentrada nas mãos de poucas famílias, de jornais de relati-va circulação focados em poucas cidades e de uma classe política não acostumada com debates públi-cos em outras instâncias. Isso faz com que a pro-paganda política, sobretudo o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), ganhe um certo grau de protagonismo orientando alianças e submetendo programas e diretrizes políticas a profissionais do campo da comunicação.

Não seria correto defender que a propaganda é o fator principal para a eleição de um candidato. Uma eleição se dá através de uma série de dimensões em que a propaganda também está envolvida, mas não é a única nem deve ser a mais importante. No entanto,

Por Luis Celestino

ela é sim decisiva. Surgem então alguns questiona-mentos no estudo do tema que, no Brasil, ainda é extremamente recente tendo os primeiros estudos aparecido no final da década de 1990.

O primeiro questionamento de pesquisa sobre o tema seria o de tentar entender se é possível, após observar diferentes estratégias de campanha, di-zer se estamos diante de um campo. Há elementos que se repetem em campanhas diferentes forman-do uma gramática própria da propaganda podendo então ser essa elevada a status de campo próprio? Ou seria mais prudente dizermos que a propaganda tem uma linguagem própria e o universo da política meramente se adequa a ele? Parece-me um terreno fluido demais para caminhar com respostas seguras e objetivas.

Algumas dificuldades se impõem numa observa-ção continuada sobre a propaganda brasileira. Pri-meiro é o fato de o Brasil ter diferenças regionais gigantescas que se refletem na atuação dos partidos políticos. Assim, por exemplo, a atuação de um par-tido em São Paulo é muitas vezes bem diferente da atuação de um partido no Pará ou no Rio Grande do Sul. Some-se a isso o fato de que além de o mapa partidário brasileira ser pulverizada em mais de trinta siglas, os partidos são extremamente frágeis em suas estruturas internas fazendo com que mui-tas vezes se confunda com a atuação de suas figuras mais proeminentes.

Outra dificuldade tem sido a mudança das vá-rias leis que compõem o ordenamento jurídico que

Horário reservado à propaganda

eleitoral gratuita.Lei Nº 9.504/97

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rege o HGPE no país fazendo com que toda eleição tenha suas regras próprias. O mesmo pode ser dito em relação à Propaganda Política Eleitoral (dito de forma bem simples: aquela que é exibida durante a semana em períodos não-eleitorais ou que é exibi-da através de inserções ao longo da programação de rádios e Tvs).

Mesmo assim, alguns aspectos parecem se repe-tir. O primeiro deles é o fato de que a classe polí-tica busca uma profissionalização de campanhas eleitorais e mesmo da atuação em governos e parla-mentos. A substituição de militantes históricos por profissionais de marketing é um sinal importante de mudança no espectro político.

O professor da Universidade de Brasília, Venício Lima, elaborou em meados dos anos 1990 o conceito de cenário de representação da política (CRP). Cada campanha teria um CRP diferente o que significa que os enquadramentos, temáticas, atores e estra-tégias tem particularidades próprias. Os CRPs são, portanto, extremamente fluidos orientando cam-panhas de formas diversas. Assim, por exemplo, o candidato pelo PSDB à Presidência da República em 2002, atuou como candidato apoiado pelo Governo; mas em 2010 o mesmo José Serra foi candidato de oposição. Algo parecido ocorre com o Lula de 2002, candidato de oposição, e o Lula, de 2006, candidato à reeleição. Ou mesmo o Lula de 1989 e o Lula de 1998 (nos dois casos candidato de oposição mas em cenários diferentes). A mudança desses cenários é consequencia não só da evolução tecnológica dos meios de comunicação, mas da mudança dos con-textos sociais, históricos e econômicos.

Essa quantidade de variáveis ajuda a pensar que se a propaganda política deve ser vista como um campo próprio esse campo não se resolve com um olhar positivista ou determinista. Ele é extremamen-te líquido passando por constantes reconfigurações já que há variáveis externas a ele como a mudan-ça dos contextos sociais e econômicos específicos. Além do mais, é um campo extremamente influen-ciado pelos enquadramentos midiáticos do período em que se elaboram as peças publicitárias.

Não há, portanto, que se pensar numa mera ade-quação do cenário de representação da política a uma lógica ou gramática dos meios. Há uma tensão permanente entre essas duas dimensões, política e propaganda, com variáveis as mais diversas. O pro-fissional de comunicação mais hábil nesse campo é aquele que tem melhor capacidade de identificar e atuar diante dessa fluidez, afastando-se da reprodu-ção de fórmulas prontas.

Permanece o questionamento sobre o campo da política. Ela não se rebaixaria a um nível de im-portância ao meramente adequar a linguagem e as imagens a uma lógica dos meios? Considerando que

os meios atuam dentro de uma lógica informativa ou de entretenimento, isso não seria um enquadra-mento empobrecedor da política já que deixaria de complexificar dimensões da vida cotidiana afas-tando de uma lógica interpretativa? Ou é possível complexificar temas em espaços de propaganda po-lítica? As duas questões partem de dois pressupos-tos questionáveis. O primeiro é o de que a atuação política é necessariamente feita de forma complexa. O segundo é de que a propaganda dos meios de co-municação são sempre simples e nunca interpreta-tivos. Creio estarmos diante de um impasse que só estudos específicos podem responder.

Outras questões surgem e merecem discussões futuras. A propaganda política se apropria de estra-tégias da propaganda comercial de venda de produ-tos comerciais? Ou ela tem uma linguagem própria completamente diferente? Além do mais, parece que os partidos do campo da esquerda, acostumados a uma outra arena de atuação e visibilidade, tem en-contrado mais dificuldade em criar uma visualida-de próprias acabando por se adequar a uma lógica da propaganda que indiferencia discursos de polos diferentes do espectro político. A única diferença muitas vezes acaba sendo a cor.

Pesquisa se propõe a estudar as reconfigurações da propaganda do PT

O autor desta coluna, Luis Celestino, desenvolve uma tese de Doutorado sobre as representações do Partido dos Traba-lhadores (PT) no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE). Partindo da hipótese de que temas relacionados ao consumo de bens materiais vem ganhan-do mais espaço na agenda pública do PT em detrimento de causas sociais histori-camente associadas ao partido, o trabalho pretende mostrar em que medida é possí-vel a partir de uma leitura da propaganda identificar mudanças na imagem, no pro-grama e na atuação do próprio PT.

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Jornalismo e PolíticaUma relação polêmica e paradoxal

Mídia e política: uma íntima relação

A relação entre jornalismo e política é his-toricamente polêmica e paradoxal: a po-lítica é um acontecimento de interesse

público, cujas decisões influenciam diretamente a sociedade e, dessa maneira, é tema importante para o jornalismo. Este segundo, entretanto, tornou-se o campo no qual os atos políticos se legitimam, como uma espécie de mensageiro que transmite ao povo as decisões sobre o rumo do país. Esses segmentos se retroalimentam, formando um ciclo de ações e reações, no qual a política se fortalece ou se fragili-za perante a opinião pública a partir da leitura que a mídia faz sobre suas ações, bem como os veícu-los de comunicação necessitam noticiar as ações do campo político para cumprir a sua função social de fornecer subsídios para um exercício consequente da cidadania.

Caracterizada por muitos como o “quarto poder”, a mídia recebeu a função de vigiar os poderes cons-tituintes do estado moderno, assumindo o papel de defensora do interesse público. Essa ideia surgiu no século XIX, em meio a evolução das formas moder-nas de democracia, e tornou-se suposto à imprensa

Por Laís Ferreira

o dever de fiscalizar os poderes Legislativo, Executi-vo e Judiciário, analisando, denunciando e levando ao conhecimento do público atos ilegais, corruptos e incoerentes em diversos setores da sociedade. Ao menos esse seria o ideal de função social da mídia, mas entre a idealização e a prática pode existir um enorme abismo.

Os veículos de comunicação tradicionais no Bra-sil, da maneira como operam hoje, se definem con-tra o poder e contra a manipulação, evidenciando seu caráter imparcial e seu papel de servir ao públi-co. Entretanto, muitas vezes, a mídia é utilizada para fins de interesse privado, tendo como pano de fun-do a geração de lucro e a manutenção das bases ca-pitalistas. As elites políticas e econômicas utilizam os meios de comunicação para difundir sua ideolo-gia na tentativa de disseminá-la como conjunto de ideias consensuais para todos os indivíduos. Assim, os cidadãos acabam por, de certa maneira, torna-rem-se reféns dessa mídia, tanto pela maneira como são representados, como “pelos efeitos passionais provocados, efeitos que se acham muito distantes de qualquer pretensão à informação”, como bem afir-ma o pesquisador Patrick Charaudeau, em sua obra O Discurso das Mídias, publicada em 2009.

Além do uso dos meios de comunicação como ferramentas a serviço de interesses particulares, ou-tra característica importante no cenário brasileiro é

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a alta concentração da mídia. Os veículos são con-trolados por poucos grupos empresariais, além de um grande número de concessões de rádio e televi-são estarem sob a égide de políticos, caracterizando, assim, uma perigosa relação entre mídia e poder.

Essa situação se torna ainda mais preocupante quando analisamos a importância da mídia na so-ciedade atual. Como afirma o pesquisador Venicio Lima, a maioria das sociedades urbanas podem ser consideradas centradas na mídia, uma vez que a construção do conhecimento público que possibilita a tomada de decisão por cada um de seus membros não seria possível sem os meios de comunicação. Desse modo, a mídia pode ser uma poderosa aliada tanto para a manutenção como para a mudança de um status quo estabelecido.

Segundo dados do projeto Donos da Mídia, no Brasil, atualmente 271 políticos são sócios ou dire-tores de 324 veículos de comunicação. Isso contra-ria o artigo 54 da Constituição Federal, que dispõe que “é proibido a todo e qualquer ocupante de cargo eletivo ser diretor ou proprietário de canais de co-municação, como jornais impressos, rádios e TV”. Entretanto, apesar do artigo 55 punir com a perda do mandato quem descumprir a norma, esses po-líticos continuam a ocupar seus cargos públicos e a disseminar uma ideologia que lhes é favorável, uti-lizando seu poder de comunicação como moeda de troca em transações com correligionários e aliados.

Faltam voz e vez nos veículos tradicionais, mas a internet pode ser uma saída

A relação entre mídia e poder deveria re-sultar na democratização da informação. No entanto, as distorções de poder pro-

vocadas pelo desequilíbrio entre os sistemas pú-blico, privado e estatal, a concentração dos meios de comunicação e o vínculo dos grandes grupos de mídia com lideranças políticas impedem a livre cir-culação da informação e provocam a hierarquização da sociedade.

Diante da falta de pluralidade de vozes e de di-ferentes pontos de vista sobre determinados acon-tecimentos e da ausência de uma representação verdadeira da população por parte dos veículos tra-dicionais, a sociedade, em especial os movimentos sociais, tem recorrido às redes sociais como ferra-menta para expressar ideias, lutar por direitos e or-ganizar ações reais. Ela pode ser um ambiente de

contraponto ao posicionamento conservador e a ausência de espaço para a discussão plural nos veí-culos de comunicação de massa.

O uso da internet pela sociedade civil, ao que se refere à formação de redes de comunicação, pode configurar um ambiente no qual essa comunicação entre os sujeitos pode fluir de maneira mais livre, partindo-se do pressuposto de que a liberdade de expressão é um direito que deve ser efetivamente as-segurado a todos. Isso se torna mais perceptível em momentos de reação a ações políticas ou econômi-cas, a exemplo do que ocorreu nas manifestações de junho de 2013, onde milhares de pessoas foram às ruas em várias cidades do país para protestar contra o aumento da passagem de ônibus, pedir o fim da corrupção, exigir a rejeição da PEC 37, projeto que limitaria o poder de investigação do Ministério Pú-blico, entre outras reivindicações.

Todo o movimento foi articulado pelas redes so-ciais que, para além de mobilizar, foram um espaço importante para a disseminação de informações di-vergentes daquelas veiculadas pela mídia tradicio-nal. Ao final, as manifestações que saíram das redes digitais para as ruas, conseguiram barrar o aumen-to das tarifas de ônibus e a aprovação da PEC 37, e exerceram força política que foi fundamental para o andamento de diversos processos contra a corrup-ção que estavam parados no Congresso Nacional.

O uso da internet, enquanto espaço aparente-mente mais democrático do que a mídia tradicional, é um caminho sem volta. Ela possibilita discussões sobre diversos aspectos de um mesmo fato, algo im-provável para os veículos tradicionais, como o que acontece atualmente no cenário político brasileiro. Diante da grande crise política em que se encontra o nosso país, agravada pela tramitação de um pro-cesso de impeachment contra a presidente Dilma Roussef, os veículos de comunicação tomaram suas posições, envoltos em uma aparente capa de neutra-lidade e a serviço do bem comum, em uma tenta-tiva de disfarçar seu trabalho de defesa de interes-ses político-partidári os. E mais: apesar da internet ser uma importante ferramenta na pluralização de informações, ainda é a mídia tradicional que de-tém o maior poder de interferir no debate públi-co a partir do que ela veicula e da maneira como determinado assunto é abordado, alcançando um número muito maior de pessoas. Assim, faz-se ne-cessário o reconhecimento do jornalismo enquanto campo de disputa política, e não como ferramenta única de informação sobre fatos ocorridos. Desta maneira, evidencia-se a necessidade de criação de sistema que tenha como base a comunicação dialó-gica e participativa, baseada no compartilhamento e comunhão, defendendo os reais interesses da po-pulação.

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Jornalismo AmbientalSociedade, natureza e mudanças climáticas

Desafios de representar as mudanças climáticas

Os impactos das mudanças climáticas, a exem-plo dos eventos extremos meteorológicos, como secas e tempestades mais intensas e

recorrentes, e seus problemas socioeconômicos e biofísi-cos decorrentes (IPCC, 2014), passaram a ganhar maior cobertura jornalística e maior audiência pública sobre a questão (ANDI, 2007). No entanto, mesmo consideran-do toda a complexidade do problema atrelado ao clima e vários interesses associados aos grupos sociais (GUA-RESCHI, 2004), os brasileiros ainda não têm apresenta-do grande interesse pelo tema (IPEA, 2013), mesmo ele representando um significativo risco sobre a vida no pla-neta.

Desse modo, levando em consideração que a maior parte do conhecimento científico, a exemplo das mudan-ças climáticas, chega ao conhecimento das populações através da sua representação social da realidade (jornalis-mo), o fato nos provoca e remete a fazer reflexões críticas a cerca a quantidade e qualidade de notícias sobre a ques-tão transmitidas à população. O cenário, por sua vez, nos favorece a presumir que carece de mais subsídio qualificado sobre o fenômeno do clima e suas implica-ções para que a esfera pública problematize-o de modo a pressionar pelo advento de leis capazes de atenuarem efeitos e riscos causados pela questão (PNUD, 2007). As-sim, entendemos que o jornalismo pode melhor articular e mediar estrategicamente este subsídio através das notí-cias, de modo a processualmente ir legitimando a pressão social necessária por ações políticas efetivas. Porém, pre-cisa de qualidade adequada.

Uma adequada representação noticiosa da realidade social é aquela que qualificadamente é constituída en-quanto subsídio público para contribuir na formação do entendimento do cidadão sobre a questão (COUTINHO, 2014), de modo à articular/mediar na reverberação dessa caixa de ressonância social/esfera pública (HABERMAS, 1984), qualificando a referida opinião pública frente aos desafios e riscos socioambientais correlatos ao clima.

Assim, a notícia jornalística pode contribuir com a necessária visibilidade pública e política do fenômeno e riscos socioambientais (CARVALHO, 2011), que preci-sam de radicais e enérgicas intervenções do poder políti-co sob pena de prejuízos maiores (PBMC, 2012).

Todavia, salientamos que a complexidade deste pro-

Por Robério Daniel da Silva Coutinho

blema socioambiental e disputas em torno da questão através dos interesses distintos entre variados grupos so-ciais hegemônicos e a sociedade civil, elevam o desafio do jornalismo para representar adequadamente (etica-mente) o fenômeno. Mas, tal constatação não é uma su-gestão para o campo jornalístico se sensibilizar diante do problema levantado, mas é um princípio ético do campo que deve ser defendido e exercitado através da maior pro-dução e transmissão de notícias qualificadas.

Educação ambiental sobre as mudanças climáticas através do jornalismo

As mudanças climáticas antrópicas são resulta-do da ação do homem no decorrer da história da Era Moderna. O fenômeno está relacio-

nado ao processo de industrialização e da expansão dos

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valores no consumismo moderno (modelo hegemônico de desenvolvimento humano), ampliando a produção, o que consequentemente eleva o uso de matrizes energéti-cas poluentes, favorecendo a emissão ainda maior de ga-ses de efeito estufa na atmosfera (IPCC, 2014). Essa é a principal causa biofísica, social e histórica do seu advento e agravamento.

A atual crise socioambiental em que se insere o fe-nômeno do clima demanda reflexões e respostas diante dos desafios postos às populações, que, por exemplo, es-tão mais vulneráveis a eventos extremos meteorológicos e outros setores biofísicos - (ecossistemas, assentamentos humanos urbano e rural, recursos hídricos, produção de alimentos (agricultura), avanço do mar e segurança hu-mana (saúde) -, bem como nos setores socioeconômicos - governança política, tecnologia, transporte, indústria e a energia (PBMC, 2012). Portanto, convém adotar ações e estratégias de mitigação e de adaptação para enfrentar tais efeitos, visando atenuar os impactos, sem com isso, como disputam os grupos sociais, limitar o então desen-volvimento.

É dentro deste contexto que se observa a necessidade de uma esfera pública qualificada, através do sistema po-lítico, para realizar ações e estratégias de adaptação e de mitigação aos efeitos das mudanças do clima nos diversos setores mais vulneráveis. Mas, somente através de uma opinião pública qualificada, tais desafios socioambientais podem ser problematizados socialmente em busca de so-luções políticas. Para isso, o tema precisa ser reverberado dentro dessa caixa de ressonância social, que é a esfera pú-blica, com as suas diferenças e interesses.

Evoca-se, portanto, a tarefa social central e estratégica do jornalismo à articulação e mediação dos interesses da sociedade através da qualificada representação noticiosa da realidade social sobre as mudanças climáticas (COU-TINHO, 2014).

Todavia, urge alertarmos para a existência de específi-cos paradigmas distintos do campo jornalístico que cum-prem papéis e funções sociais opostos e geram efeitos dis-tintos na noção da realidade das pessoas sobre o problema e como elas se posicionam e atuam na vida real.

O paradigma positivista valida-se socialmente como sendo espelho da realidade. Embora seja hegemônico, este paradigma não educa o conjunto social porque induz a abstrair a característica essencial da notícia, que é consti-tuída por um sofisticado mecanismo de seleção sistêmica de vozes e atores sociais (ALCINA, 2009; HALL, 1999). O jornalismo reflete, mas também refrata muitas realidades ao selecionar vozes e versões, enquanto silencia outras.

Já no paradigma construtivista, que nos associa-mos, ele defende uma produção da notícia com compro-misso crítico e ético, nega o cientificismo e a neutralida-de axiológica, onde se exorta os cidadãos a participarem conscientemente da construção social da realidade. Eis aí a razão do jornalismo ser o articulador/mediador central e estratégico desta construção.

Dessa forma, levando em consideração que o processo de aprendizagem não se limita ao espaço escolar (FREI-RE, 2005), o jornalismo pode ajudar pedagogicamente na formação qualificada da opinião pública mesmo diante da complexidade do problema abordado e com a dispu-ta entre os grupos de interesse envolvidos. E o jornalismo cumpre a função pedagógica quando “procura esclare-cer a cidadãos e cidadãs fatos, acontecimentos, pesquisas científicas, etc. as quais elas não têm acesso (...) proporcio-nam uma melhor compreensão do entorno, do cotidiano em que vivem” (VIZEU; ROCHA, 2012 p. 4).

Não esqueçamos que a delimitação de um mundo subjetivo acontece numa relação complementar com o mundo social. Assim, os problemas socioambientais e bio-físicos oriundos das mudanças do clima podem ser mais bem percebidos pela esfera pública através da estratégica e central contribuição pedagógica desta comunicação am-biental (LIMA, 2004), a qual precisa ser constituída a par-tir de uma concepção crítica capaz de produzir reflexões e ações emancipatórias, promovendo uma conscientização nos indivíduos em coletividade, gerando noções de mu-dança social e cultural, de emancipação-libertação indivi-dual e social e de integração no sentido de complexidade da realidade social.

Ademais, considerando que as mudanças climáticas tratam de uma discussão que envolve uma concepção integradora do homem na natureza, não se deve separar dos debates ambientais as relações sociais da humanidade, inclusive numa perspectiva histórica.

Assim, dentre os principais desafios para se garantir uma notícia adequada/pedagógica sobre as mudanças climáticas, destacam-se, ao menos, inserir nelas dois as-pectos relevantes: a) os setores socioambientais e biofí-sicos relacionados diretamente com a questão do clima, contextualizando-os com a vida cotidiana das pessoas, e (b) a conexão que se deve fazer entre a origem, impactos, vulnerabilidades frente às mudanças do clima, e as ações políticas, estratégias e leis para dirimir os riscos (adapta-ção e mitigação), sem desvincular criticamente da ques-tão central do hegemônico modelo socioeconômico de desenvolvimento humano.

Nesta perspectiva, as notícias sobre as mudanças do clima devem ser contextualizadas e significadas através da complexidade do fenômeno e seus problemas e desa-fios postos para aos setores mais vulneráveis, sem descon-siderar as disputas entre grupos sociais envolvidos.

Entendemos que assim, a representação noticiosa da realidade social pode contribuir na formação da opinião do público, auxiliando na significação de uma melhor compreensão sobre as questões sistêmicas do problema levantado, o que é indispensável para que o cidadão possa entender a pertinência, os desafios e os riscos que a pro-blemática significa para a sua vida, bem como, consequen-temente, as ações políticas para amenizar os respectivos riscos, o que demanda mobilização social e cobrança de leis pertinentes, e as suas aplicações efetivas.

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Poder PluralPolítica contemporânea e Internet

Jornalismo político na Web: Mapeando uma relação entre o discurso e o patrimonialismo

Sob o viés Construtivista, o discurso jor-nalístico político na web se transforma em tema de investigação no doutorado do

Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco em Co-Tutela com o Doutorado em Ciências da Comunicação da Universidade da Beira Interior / Portugal, através da pesquisa desenvolvida pela jornalista Rakel de

Por Rakel de Castro

Castro, que tenta estabelecer quais tipos de relações patrimonialistas existem e como elas interferem na produção deste discurso.

Os diversos núcleos de produção jor-nalística na web, especialmente no que diz respeito ao campo político, se con-figuram como uma força relevante nas novas formas de comunicação que vem se constituindo. Mas nem sempre esse processo, quando feito na web, significa uma produção de mídia independente.

A pesquisa em questão busca iden-tificar, no contexto interiorano no Rio Grande do Norte / Brasil e na Beira In-terior / Portugal, as relações patrimo-nialistas, pensadas primariamente por Max Weber (2004, 1982), e desenvolvi-do a posteriore por outros autores, para então analisar os discursos jornalísticos políticos produzidos na e para a web, tentando explicar também como esses os novos espaços midiáticos se preten-dem jornalísticos e surgem a partir dos poucos espaços de manifestação na mí-dia corporativa abertos à população, mas logo se unem às mesmas formas de produção de discurso midiático de uma mídia corporativa maior, buscando lu-cro e sendo reduto de propaganda polí-tico-partidária.

Inicialmente, parte-se da hipótese de que o Brasil herdou de Portugal, resquí-

cios do espírito aventureiro das Grandes Navega-ções e do período colonial, o princípio das relações patrimonialistas no Estado, e o transpôs também para as demais esferas da sociedade, em especial para o Jornalismo Político.

A fim de se traçar um paralelo entre a história e a atualidade dos pequenos centros urbanos brasilei-ros e portugueses, e constatar como o discurso jor-nalístico político (analisado nos dois países - Brasil e Portugal), pode ter uma relação construtivista da realidade, acredita-se que o que une, pelo menos parte do que se relaciona como dado comum, a his-tória desses dois países, é o patrimonialismo.

Segundo Sergio Buarque de Holanda (2011) pela importância particular que atribuem ao valor pró-

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Poder PluralPolítica contemporânea e Internet

prio da pessoa humana, à autonomia de cada um dos homens em relação aos semelhantes no tempo e no espaço, devem os espanhóis e portugueses mui-to de sua originalidade nacional. Para eles, o índice de valor de um homem, interfere antes de tudo da extensão de que não precise depender dos demais. Cada um se baste e é filho de si mesmo, de seu pró-prio esforço. E isso espelharia a ideia de que eles têm de superação, a qual era admirada, engrandecida até pelos poetas. É dessa ideia que resultaria em grande escala as formas de organização e associação desses povos hispânicos.

O historiador ainda vai afirmar a tendência de Portugal para o nivelamento das classes sociais, em que a nobreza não precisava transcender ao indiví-duo; teria de depender de suas forças e capacidades, pois valia mais a eminência própria do que a her-dada.

Este círculo de virtudes, implicaria direto da rela-ção dos povos ibéricos com as teorias do livre-arbí-trio e a invencível repulsa que sempre lhes inspirou toda moral fundada no culto ao trabalho com com-pensações próximas (fato que os distinguiu bastante dos calvinistas e da ética protestante fundamentada no trabalho, no capitalismo concorrencial, na livre associação dos homens). Por isso, o que o Português viera buscar nas Grandes Navegações, fora a riqueza. Mas uma riqueza que custaria muito mais ousadia do que trabalho.

Então, em detrimento do espírito do trabalho, Por-tugal manifestou a predominância pelo espírito aven-tureiro. Neste perspectiva, Holanda (2011) vai afirmar que o espírito aventureiro ignora fronteiras e onde quer que se levante obstáculos contra seus objetivos, ele os transforma em trampolim. Vive dos espaços limitados, dos grandes projetos e dos horizontes distantes.

Segundo Jessé de Souza (2000), seria o persona-lismo a raiz de algumas de nossas poucas virtudes, como a plasticidade. Foi a plasticidade que teria per-mitido aos portugueses a fixação em meio ambiente tão hostil e estranho e propiciado a assimilação social e racial dos elementos indígenas e especialmente dos africanos. A plasticidade é uma espécie de virtude dos fracos, espelhando a predisposição para o ajuste e o compromisso, em vez da sobranceira imposição unilateral da vontade também típica dos calvinistas. É essa circunstância que faz Buarque afirmar que, neste terreno particular, a fraqueza lusitana foi sua força.

Ainda conforme Souza (2000), analisando Sér-gio Buarque, é precisamente pelo caráter de estar ao mesmo tempo, em todos os lugares que a influência rural ocorrida aqui no Brasil explica as formas mais abstratas e permanentes do personalismo herdado de Portugal. Nesse sentido, o patriarcalismo, especial-mente na sua versão patrimonialista, seria a forma

política específica ao personalismo. É essa autarquia personalista que se transfere tal qual para o ambien-te citadino (...). “Isso ficaria claro nas associações de caráter político, por exemplo, quando a solidariedade grupal é construída a partir de sentimentos e deveres de amizade e compadrio, e nunca pela força intrínse-ca de interesses objetivos e ideias impessoais”. (SOU-ZA, 2000, p. 164-165).

Vele salientar, entretanto que, a ideia do Patrimo-nialismo que, em tese, impediria o desenvolvimento de um Estado racional democrático, sendo raiz de muitos males, não é particularidade apenas do Brasil ou do homem brasileiro.

Habermas (1997, 1998) vai dizer que o Estado Democrático de Direito nunca funcionou muito bem em lugar algum da Europa, pois a democracia na Europa apontava muitas vezes para o surgimento de foros econômicos, em detrimento das decisões polí-ticas. Em relação à unificação da Europa, o autor vai lembrar que quanto mais frequentes e importantes as matérias reguladas por meio da negociação inte-restatal, tanto mais decisões serão subtraídas a uma formação democrática da opinião e da vontade. (HA-BERMAS, GÜNTHER, DWORKIN, 1998).

Já Richard Sennett (1999) afirma que essa confu-são entre o público e o privado que o homem tende a fazer é uma característica própria do homem capi-talista (mas que nasce, portanto, ao nosso ver, com as Grandes Navegações, antecipadas por Portugal e Espanha, em que o capitalismo inicia sua fase comer-cial, mercantil). O autor chega a dizer que os sinais gritantes de “uma vida pessoal desmedida e de uma vida pública esvaziada [...] são resultantes de uma mudança que começou com a queda do Antigo Re-gime e com a formação de uma nova cultura urbana, secular e capitalista”. (SENNET, 1999, p. 30).

Dessa forma, as pessoas somente conseguiriam ser sociáveis quando dispõe de alguma proteção mútua; sem barreiras, sem limites, sem a distância mútua que constitui a essência da impessoalidade, as pessoas são destrutivas, não porque a natureza do homem seja mal, mas por que o efeito último da cultura gerada pelo capitalismo e pelo secularismo modernos torna lógico o “homem ser o lobo do homem”, quando as pessoas utilizam as relações intimistas como bases para as relações sociais (SENNETT, 1999).

Por fim, é preciso justificar que estes estudos não devem e nem podem ser privilégios dos gran-des centros urbanos, em que a inserção dos meios de comunicação no cotidiano das pessoas é muito mais visível. Regionalizar certas questões parece ser uma forma viável de tentar solucioná-las. Dar atenção às demandas locais pode representar uma maior efici-ência e eficácia na abordagem e análise de sociedades que estão distante de muitos olhares, como uma for-ma até de exercício da cidadania.

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Cidadania em RedeRedes sociais virtuais e esfera pública ampliada

Vamos falar sobre as redes sem fetichismos nem demonizações

Nas últimas semanas, a discussão sobre a limitação do acesso à internet de acordo com os pacotes vendidos pelas empresas

do setor das teles, ocupou as páginas dos jornais, sites noticiosos e redes virtuais. A mobilização po-pular, contrária a proposta das operadoras, forçou o Estado a intervir em defesa da democratização do acesso à internet e do próprio Marco Civil da In-ternet. O debate é amplo e complexo por ser imi-nentemente político. Falar de acesso à rede mundial de computadores, em uma sociedade tecnologizada como a nossa, é abordar inclusão social, possibilida-de de empoderamento econômico das pessoas e de participação popular na esfera política.

A era das redes sociais, como postula Manuel Castells, se constitui em um período de reordena-mento das estruturas de poder na sociedade. É um desafio necessário e urgente analisar a morfologia e as demandas políticas dos novos movimentos e no-vas formas de ativismo que brotam em redes virtuais e asseguram mobilizações de rua de indivíduos, na

Por Nataly Queiroz

sua maioria jovens, se autorepresentando. Foi assim, na Primavera Árabe, nos Indignados, na Espanha, e é assim no Recife, onde o Ocupe Estelita denuncia a especulação do Cais José Estelita, área central e his-tórica do Recife, como um signo da disputa pelo es-paço público de uma cidade inchada, que privilegia a mobilidade realiza da por carros individuais em detrimento do transporte público e vivencia uma forte especulação imobiliária com espigões voltados para a classe média, e a consequente marginalização das comunidades pobres. Nestas mobilizações, a co-municação tem um lugar político e central.

O fato é que as plataformas digitais abriram es-paços para a (re) produção de conteúdos hegemô-nicos e contra hegemônicos, para a emergência de novos sujeitos políticos, ampliando o leque temático da agenda pública e se apresentam como instrumen-tos importantes para a consolidação da democracia. Isto porque a participação social, elemento-chave da democracia, se constrói no diálogo, na esfera pública, nos nossos tempos ampliada da vida em átomos para a vida em bits. “O poder na sociedade em rede é o poder da comunicação” (CASTELLS, 2009b, p. 85).

Pensar as estratégias de comunicação adotadas pelos movimentos e por indivíduos ávidos em parti-cipar diretamente da vida política, na sociedade em rede é parte essencial para entender o sentido polí-

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tico das reconfigurações socioeconômicas introdu-zidas pela popularização do uso das tecnologias e das redes, e compreender o próprio significado do que é fazer movimento social na atualidade. Está--se diante de um cenário complexo, paradoxal e em constante mudança, o que torna a análise das rela-ções anteriormente citadas desafiante e necessária.

No centro desta discussão, na qual Castells inse-re a emergência dos Mass self communication e de novos sujeitos promotores de mudanças sociais, as relações de poder seguem fortemente vinculadas a três entes conhecidos: o mercado, que cria as bases tecnológicas e estruturas hegemônicas da sociedade em rede; os Estados que as devem regular e, em al-guns casos, financiam a construção de tecnologias que possibilitem o acesso universal dos cidadãos a elas; e os cidadãos comuns que também podem criar plataformas virtuais com códigos abertos, se articular em comunidades ainda que seus membros não se conheçam offline, e atuar massivamente na produção de conteúdos interferindo diretamente na agenda pública, transgredindo o monopólio da Grande Mídia sobre a visibilidade pública, embora o sucesso de seus objetivos continuem dependen-do, em grande medida, dos significados mediados pelo jornalismo neste espaço denominado por Stu-art Hall (1999) de idioma público, agora democra-ticamente ampliado, ou menos ameaçado devido à redução da distorção que a estrutura de poder sistematicamente exerce para barrar o acesso dos

indivíduos, especialmente da periferia, à discussão pública.

Reiteramos, de forma problemati-zadora, que esta maior possibilidade de participação cidadã na esfera pública também mantém resquícios dos padrões estruturais clássicos de disparidades e poder. Neste contexto, estão presentes as pressões das empresas transnacionais pela desregulamentação dos mercados mundiais e pela diminuição do Estad de bem estar social. De forma ampla, alguns pensadores, desde a década de 1990, alertam para o processo de reordena-mento das diferenças sem supressão das desigualdades, questionando assim os processos de fetichização das TICs, bem como as supostas possibilidades univer-sais vinculadas à popularização delas.

Ainda assim é é inegável as brechas existentes neste modelo societário e co-municacional, e devidamente ocupadas por cidadãos na defesa de direitos. Con-siderando, a esfera pública como espaço de interação capaz de mobilizar forças políticas de mudança social, a internet

se apresenta como uma praça que aglutina pessoas e pode ser espaço de promoção de transformações reestruturadoras das formas de participação social e da própria democracia. Isto reitera a relevância dos processos comunicativos para a sociedade, contemplando sua diversidade. Por outro lado, isto não se dá por decreto, é preciso um processo de amadurecimento político dos grupos que com-põem esta sociedade. “A construção de uma auto-nomia comunicação tem a ver diretamente com o desenvolvimento da autonomia social e política, um fator-chave para fomentar a mudança social”. (Castells, 2009b, p. 532)

A comunicação automediatizada, via redes so-ciais, tem a capacidade de mobilizar indivíduos em ações políticas que são, inicialmente, de autoreco-nhecimento identitário, de cidadania e possibilita a organização destas em forma de mensagens que serão dirigidas a outros cidadãos e cidadãs. Tal mo-delo desafia o controle, hoje ainda existente, dos que têm o poder de falar, de emitir discursos para uma grande audiência, seja a partir de programas exibi-do em mídias tradicionais, mas também por meio de peças publicitárias. Ainda é cedo para previsões, mas o que se anuncia são novas formas de sociabi-lidade que incidem no político e todas as mudanças neste sentido, pelo seu rebatimento na coletividade, precisam ser analisadas o devido cuidado para en-xergar as possibilidades em curso para assegurar a inclusão social e os direitos humanos.

Possibilidade de limitar acesso à internet gerou reação nas redes sociais virtuais

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Na Tela da TVJornalismo, linguagem e representação social

A notícia como narrativa

Apesar de recente, o campo dos media, o que inclui a comunicação social, logo o jornalismo, configura-se na sociedade

contemporânea como um dos mais importantes campos sociais. Ele influencia diretamente na cons-tituição do espaço público, esse entendido como o lugar simbólico onde as relações sociais se (re) dese-nham. A experiência da compressão do espaço pelo tempo, decorrente da globalização, atribui novo sig-nificado ao papel exercido pelas mídias, sobretudo às eletrônicas, com destaque para a televisão.

Para se ter uma ideia, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2013 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 97,2% dos lares brasileiros possuem televisão. Com presença significativa na vida dos brasileiros, não resta dúvida sobre a relevância do estudo deste meio. Importância inserida em um repositório vasto de temas: tecnologia utilizada, a produção de con-teúdo, o modelo de negócio, estudos de recepção.

No entanto, entre tantas possibilidades a inves-tigar, parece-nos ser umas das mais importantes, à luz de uma perspectiva construtivista, buscar re-fletir acerca do jornalismo na televisão. Resende (2004), diz que os textos jornalísticos “interferem no status quo e recriam modos de vida, porque leem e provocam releituras de experiências subjetivas e objetivas”. O estudo do telejornalismo, especifica-

Por Mariana Banja

mente da sua narratividade e discurso, são assuntos essenciais ao conhecimento da práxis comunicativa.

Se para Barthes (1972) as narrativas do mundo são inumeráveis, serão também vastas as definições para o que vem a ser uma narrativa. Gérard Genette (1972) define “a narrativa como a representação de um acontecimento ou de uma série de acontecimen-tos, reais ou fictícios, por meio da linguagem”. Mil-ton José Pinto (1972) afirma que a narrativa é “um sistema conotativo, uma mitologia, entre as diversas que se podem misturar para formar um discurso, este entendido como um exemplo de linguagem re-conhecida por um sistema semiótico”.

Presente desde que o mundo e mundo, a narrati-va está presente em todos os tempos, sendo seu iní-cio simultâneo ao da humanidade. Estrutura-se pela linguagem articulada, escrita ou oral, pela imagem, móvel ou fixa, pelo gesto ou pela mistura coerente de todos estes elementos. Está presente em várias formas de relatos – mito, lenda, fábula, conto, nove-la, pintura, vitral, cinema, quadrinhos, conversação e, claro, nas notícias.

A compreensão da narrativa, independentemen-te do seu gênero, passa pelo reconhecimento dos estágios de projeção de encadeamentos. Esse enten-dimento acontece ao se estruturar uma gramática comum, de modo a desvendar o seu discurso. O es-copo básico para a clareza são os códigos, a estru-tura formal, constituída por um feixe de categorias semânticas redundantes, organizadas num sistema

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próprio. Todos esses elementos devem interagir em harmonia com a gramática cultural, para que o dis-curso da mensagem seja transmitido.

As narrativas se constituem, portanto, como for-ma de representação social, devendo ser entendidas como o caminho por onde o discurso é revelado ao mundo exterior ao do narrador. Por discurso, tem--se um relato atestado pela linguagem, que designa como qualquer outro sistema semiótico. A caracte-rística fundamental dos discursos é a heterogenei-dade justamente do ponto de vista semiológico.

Não é diferente com as notícias. Se levarmos em consideração que o jornalismo é a reconstrução discursiva do mundo, devemos admiti-lo enquanto forma narrativa. Um fato quando é narrado indica que todas as outras etapas de produção deste campo tiveram sentido, como a apuração, a construção de personagens, a movimentação de equipes, elabora-ção do texto, edição. Após passar por todas as fases que a (re) validaram como acontecimento relevante a ser noticiado, a narrativa consolida o aconteci-mento, tornando-o objeto público.

A mediação entre o campo dos media e a socie-dade ocorre na e através da narrativa, segundo Re-sende (2004). A narração, então, é a forma de esco-amento do conteúdo jornalístico. Se a matéria boa é a matéria que vai ao ar, que é publicada, notícia boa é aquela que, antes de tudo, pode ser narrada. A experiência narrativa dos episódios da vida não se faz só como uma das mais importantes tarefas do jornalismo, ela é a principal.

Na sociedade mediatizada, segundo Rodrigues (1984), as narrativas são, vale dizer, práticas essen-ciais dentro do processo de sociabilidade, porque estabelecem conexões com uma série de outras pe-quenas narrativas, depositadas em um “imaginário ancestral”.

A estrutura do texto jornalístico e o uso do personagem

Os dispositivos estruturais das narrativas surgem como métodos de transmitir as informações de modo preciso e eficaz,

justamente para reforçar a ideia de realidade. Um deles, é o personagem. Esse seria um aporte essen-cial à narrativa. Seria também ao texto jornalístico? Entendemos que sim, considerando o pensamento de Barthes (1976) ao dizer que que “não existe uma só narrativa no mundo sem personagem, ou ao me-nos sem agentes.”

O uso de personagens nas narrativas está inti-mamente relacionado à necessidade do autor de es-tabelecer pontos de ligação entre o que é narrado e

a realidade de quem recebe a mensagem. É como se coubesse ao personagem validar informações, compartilhar conceitos intersubjetivamente. Aqui, ainda não estamos fazendo qualquer tipo de dife-renciação de narrativas. Independentemente do gênero a que pertençam, estamos afirmando que a demanda de contar histórias através de personagens sempre existiu.

No texto jornalístico, o personagem assume ca-racterísticas e funções. Podemos falar em categorias que se traduzem em veracidade, por exemplo, ao texto que está sendo veiculado. Há ainda a possi-bilidade de falarmos em humanização do conteú-do, possibilitando a ressonância do que é exibido. A ideia aqui é pensarmos o personagem no texto jornalístico como um ator, que tem um papel – ou mais - e uma função – ou funções - a cumprir nas narrativas.

A problemática da reprodução mítica do real

Mas quando, então, é que os personagens seriam verdadeiramente um aporte narrativo ao texto, contribuindo para o

esclarecimento, distanciando-se da construção e da ressignificação de mitos? Essa acaba por ser uma preo-cupação a qual naturalmente nos voltamos, ao desejar entender como se processa a representação social no telejornalismo.

Charaudeau (2006) diz que toda narrativa se fun-damenta não na simples lógica dos fatos. Ela é inten-cional e construída em torno de diferentes questões como “a da origem (por que as coisas são assim?), a da finalidade (para onde vão as coisas?) e a do lugar do homem no universo (por que eu sou assim no meio dessas coisas?)”. É daí que nos perguntamos a que pa-péis estão a assumir os personagens dessas narrativas.

É um desafio, portanto, no estudo das narrativas compreender se elas – com seus personagens – são capazes de problematizar a realidade e emancipar os sujeitos. O estudo da categoria do humano personifi-cada por meio do personagem volta-se ao observar se esta presença de traduz em um fator de qualidade para a narrativa, constituindo-a em uma cena polifônica, dialógica, plural, opondo-se a mera reprodutibilidade do mundo da vida.

É nesta análise qualitativa da representação social, dada pelo lugar do elemento personagem no texto, portanto, que vislumbramos ser a forma pela qual ocorre a personalização determinante para alargar a noção do debate público, da cidadania, da transforma-ção social e da democracia.

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Comunicação PúblicaInformação, diálogo e participaçãoPor Ana Paula Lucena

Capas do site Conexão Pública, lançado em 2015 e que se dedica a ser um espaço de reflexão, análise e debates

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Site Conexão Pública: gestão pública, comunicação e cidadania

O site Conexão Pública, lançado em ou-tubro de 2015, é um espaço de reflexão, análise e debates sobre assuntos das di-

versas áreas da Administração Pública, mas, em especial, sobre temas relacionados à Comunicação Pública. O estilo adotado pelos idealizadores e edi-tores, Jorge Duarte e Armando Medeiros, segue o jeito colaborativo, ou seja, está aberto para que pro-fissionais e estudantes dos campos da gestão pública e da comunicação participem escrevendo e enviando conteúdo. Durante visita à página, o internauta vai perceber que as atualizações são sistemáticas, “mas sem a ansiedade da notícia digital”, acrescentam os fundadores. Ao navegar na home, você vai encon-trar pesquisas publicadas, textos, artigos, opiniões, notícias, vídeos, livros disponíveis para download, e, informações sobre cursos e eventos.

Para isso, o site está organizado nas seguintes seções: Quem somos, Ágora, Biblioteca, Cursos e Eventos, Resenhas, Interesse Público, Sismógrafo, Na Web, Links Recomendados, Twitter e, por fim, Fale Conosco. Deste modo, o Conexão Pública, pode ser considerado um espaço aberto para dis-cussões de interesse público, no qual reúne conteú-dos inspiradores para pensar e agir de maneira co-letiva. Diversos temas coadunados à comunicação, gestão pública e cidadania são publicados, sema-

nalmente, contribuindo para o cidadão permanecer bem informado sobre assuntos de interesse comum, que, na maioria das vezes, não chegam ao seu al-cance. Parte desse distanciamento, entre as pautas públicas e o cidadão, é causado pela grande mídia, que faz uso da concessão para investir nos seus pró-prios interesses, e pelo poder público, que compre-ende muito pouco a respeito da teoria e prática da Comunicação Pública e, ao mesmo tempo, cerceia a população do direito de conhecer, acompanhar, avaliar e participar das políticas públicas. Infeliz-mente, boa parte dos cidadãos não sabem que são direitos conquistados e adquiridos. Iniciativas de sites como esse, relembram e fomentam reflexões a partir do que defende o pesquisador francês Pierre Zémor (2012).

Para o autor, a prática da Comunicação Pública deve seguir alguns princípios, que são: informação é um direito, além de ser uma necessidade; as insti-tuições devem disponibilizar acesso às informações no espaço público; os dados públicos devem estar disponíveis ao cidadão; transparência; diálogo e de-bate público; as formas de expressão das mensagens não devem ser desviadas para fins particulares; e; a comunicação pública deve estar a serviço do inte-resse público. Portanto, se adequam a qualquer ator da sociedade (público ou privado).

Fica a dica de um espaço público virtual, que ali-menta discussões e repensa novas práticas para a mu-dança social. E, por falar em mudança, perguntamos, ao caro leitor, leitora, quais transformações na sociedade você gostaria de dialogar, participar? Sugerimos, abaixo, a leitura de três assuntos publicados recentemente.

Links de Interesse:

USP lança curso online e gratuito sobre democraciahttp://www.conexaopublica.com.br/?p=2056

Na semana do impeachment, 3 das 5 notícias mais compartilhadas no Facebook eram falsashttp://www.conexaopublica.com.br/?p=2072

A Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça lançou o Portal de Defesa do Consumidorhttp://www.conexaopublica.com.br/?p=2023

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Jornalismo IndependenteJornalismo e financiamento coletivo

A pluralidade de vozes no jornalismo de financiamento coletivo

Novas narrativas jornalísticas contemporâ-neas elaboradas por jornalistas indepen-dentes, que prezam pela discussão e plu-

ralidade de vozes não pautadas pela mídia tradicional, têm emergido no Brasil. Refere-se aqui às novas alter-nativas de produção de conteúdo em sites que funcio-nam por meio do financiamento coletivo, inclusive junto a plataformas que agem estrategicamente a partir da lógica de recompensa, chamadas de crowd-funding. O processo democrático aí incutido se inicia na proposição de pautas por qualquer usuário, no fi-nanciamento de sites, de reportagens, de projetos e na escolha daqueles que serão financiados pelo grupo. Há um engajamento por parte dos usuários em relação às causas ou temáticas envolvidas, de modo que eles se

Por Karolina Calado

tornam os próprios divulgadores, comentam as repor-tagens e entram em contato com os sites a fim de sabe-rem como se realiza uma doação em dinheiro.

Nessa nova cadeia, é possível já se perceber a inde-pendência em relação à audiência, pois a preocupação é com a causa, a exemplo de uma denúncia a ser inves-tigada ou uma questão que mereça ser refletida pela sociedade.

Sabendo da importância que o jornalismo tem para tornar público o debate de questões de interesse social, este estudo procurará uma categorização que permita compreender à temática e o enredo das novas narrati-vas voltadas para a abertura à participação social e à pluralidade de vozes.

A narrativa jornalística tem alguns aspectos, como enredo, narrador e personagem, que a diferencia da narrativa literária apenas sob o ponto de vista da construção da realidade; é o que Luiz Gonzaga Motta (2005) chama de narrativa fática, quando relacionada ao jornalismo, e narrativa fictícia, na literatura. Mas, segundo o próprio autor, o jornalismo também desen-

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Algumas consideraçõesteóricas

A atual sociedade possui um valor informacio-nal diferenciado, inexistente em épocas ante-riores. O motor central não é o carvão ou a

energia, como nas revoluções industriais, mas conteúdos (Castells, 2000). Vive-se agora a revolução da informa-ção. No entanto, as grandes riquezas informacionais que circulam na rede mundial de computadores, justamente pelo valor acrescido, têm ficado novamente em grandes corporações, que não apenas retêm valor, como ainda fa-zem uso de sua força simbólica para ideologicamente ser-vir a grandes potências mundiais. O que se percebe acon-tecer no universo online é exatamente o que já aconteceu com as mídias eletrônicas, concentradas nas mãos de poucas famílias brasileiras (LIMA, 2010).

A internet é aberta e livre para todos, mas as estraté-

volve o aspecto mítico em suas narrativas, a partir do momento em que constrói determinados perso-nagens como heróis ou intenciona direcionar o sentido do acontecimento por um determinado caminho. De forma estratégica, utiliza seus códigos de “veracidade” e “realidade” e inclui alguns personagens como fontes, para conduzir o leitor no sentido que deseja.

O debate social não manipulado, estimulado pelo jornalismo, poderá reverberar em uma fundamentada formação da opinião pública. Recorre-se a Habermas para, de forma exploratória e exaustiva, fundamentar a pesquisa de acordo com seus conceitos de democracia deliberativa, esfera pública e ação comunicativa (HA-BERMAS, 1984, 2003).

Sabe-se que questões ideológicas e financeiras, do ponto de vista da publicidade, inibem a capaci-dade de desenvolver determinados temas que possam gerar discussão e, consequentemente, uma mudança social. De encontro a essa lógica, têm surgido diver-sas iniciativas, a partir do financiamento coletivo, que merecem ser mapeadas. Tais projetos têm dado maior autonomia ao repórter, gerando maiores participações dos leitores, abordado diferentes temas e incluído dife-rentes personagens. Desenvolvem-se, portanto, novas narrativas, com novos padrões de narração? Resta sa-ber se, construídas nesses novos moldes, essas novas narrativas poderiam desenvolver de forma mais efeti-va o debate, ou tornar mais visíveis os problemas so-ciais, para que o leitor possa contribuir com sua fala na formação da opinião pública.

A pesquisa em curso no Programa de Pós-gradua-ção em Comunicação irá contribuir com a discussão sobre a qualidade das narrativas jornalísticas em re-lação a sua posição social. Nesse cenário, a pesquisa detalhada das narrativas jornalísticas, nos ambientes acima citados, contribuirá para o fortalecimento dos estudos de sentidos textuais.

gias que empresas como Google e Facebook usam não são as mesmas que pequenos produtores de notícias têm con-seguido utilizar. A visibilidade, inclusive, não é a mesma. O pesquisador Antonio Lafuente justifica, com o conceito de pro-común, que a internet foi construída por todos e pertence a todos e que ninguém pode se apropriar das ri-quezas geradas por todos em seu próprio benefício. No entanto, há importantes movimentos se intensificando na internet, a exemplo das comunidades de softwares li-vres, que buscam desenvolver linguagens abertas em que todos podem contribuir e compartilhar. Na mesma lógica, há blogs como o blogoosfero, abertos e vetando qualquer tipo de censura, além de tantas outras iniciativas, a exemplo da que envolve o presente projeto, o financiamentocoletivo, ou crowdfunding, de reportagens jornalísticas, oportunidades democráticas de melhoria de conteúdo com cunho empreendedor no cenário pro-fissional.

Para Marcela Donini (2014), as formas de financia-mento e o empreendedorismo no jornalismo crescem em paralelo com a série de demissões degradantes em gran-des veículos, como Folha de São Paulo, Abril, Diário Ca-tarinense, Época, entre outros. A autora enfatiza que esses veículos não sabem como gerar receita no meio digital, já que as receitas ficam na publicidade de empresas de tec-nologia, como Google.

Tem-se visto despontar uma chance de se desenvolver um bom jornalismo independente, sem que a publicidade possa atrapalhar o desfecho do enredo em si, já que não se depende da iniciativa privada.

Em prefácio do livro A vaquinha não foi pro brejo (DONINI, 2014), Marcelo Trasël contextualiza sua fala com as primeiras iniciativas do financiamento coletivo. (Ver Box)

Segundo Donini (2014), há uma diferença entre crow-dfunding e financiamento coletivo. O primeiro sugere alguma recompensa para quem doou; e o segundo, não. Porém, ela argumenta que quem doa não está interessado na gratificação, mas na causa em si. Portanto, em sentido de comunidade, a proposta reúne pessoas em prol de um projeto.

Se a convergência digital e a internet tiraram do jornalismo sua principal fonte de receitas, também colocaram os meios de produção da notícia nas mãos dos proletários das redações. Em 2003, o repórter free-lance Chris Albritton levantou 15 mil dólares entre os leitores de seu blog back to Iraq, com a promessa de usar o dinheiro para realizar uma cobertura independente da guerra no Iraque. (DONINI, 2014, p. 4-5)

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Mídia Fora do ArmárioJornalismo e construções identitárias

No espaço social, todos os corpos gravitam

Quanto vale uma vida? O que o determi-na? Quem e como? Para quem existimos? Por quem? Desde quando? Até quando?

Para começar a pensar estas e outras questões, im-porta desde logo deixar explícito: diferentes vidas têm diferentes pesos – ao menos dentro do sistema capitalista atual, fruto maduro do colonialismo eu-ropeu.

O peso, dizem-nos as leis da Física, varia consoan-te a massa do corpo e a força gravitacional que sobre ele atua. Aplicando esta ideia ao contexto a que me refiro, podemos pensar as normas sociais como cen-tro do sistema, atraindo para si todos os indivíduos – quanto mais afastados do raio de ação, mas ‘leves’ serão os corpos. Tal leveza funciona em duplo senti-do: 1) ainda que possa significar maior liberdade para explorar o universo, inclusive para encontrar outros

Por Rui Caeiro

centros gravitacionais que nos orientem para novos sistemas (de pensamento e ação); 2) por mais leves que os corpos sejam, eles não escapam – não comple-tamente – do raio de ação do sistema capitalista-co-lonialista. Nele, todos os corpos são cuidadosamen-te medidos, classificados e orientados para posições úteis à reprodução da realidade ‘tal como ela é’ – de-sejada como ‘natural’, universal. Aqueles e aquelas que denunciam essa lógica, que se tornam mais leves e procuram outras possibilidades de existência, tor-nam-se perigosos/as. Mais: tornam-se descartáveis, indesejáveis excessos a serem eliminados.

Como afirmado, o peso depende não apenas da gravidade (das normas sociais), mas do corpo. É aqui que o nosso paralelo com a Física termina, infeliz-mente. É que o valor do corpo, na nossa fórmula, não é medido, exclusivamente, por sua massa. Isto porque ele não existe em si mesmo, todo objeto natural, apar-tado da experiência social. Quer dizer, não negamos a existência concreta dele, suas formas, cores, tama-nhos, fisiologias, mas todos esses aspectos apenas ga-

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Binarismos biológicos na definição dos pesos

Quanto de nós conhecemos para afirmar o que somos? Quanta de nossa existência nos é revelada, por quem, porquê?

Historicamente, relações de poder abusivas têm sido justificadas com base nas (supostas) diferenças biológicas entre indivíduos/ grupos. No livro Gêne-ro, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-es-truturalista, Guacira Lopes Louro aponta que nossa sociedade é povoada por teorias que “foram cons-truídas e utilizadas para «provar» distinções físicas, psíquicas, comportamentais; para indicar diferentes habilidades sociais, talentos ou aptidões; para justi-ficar os lugares sociais, as possibilidades e os desti-nos «próprio»” de cada sujeito e grupo social.

Vários exemplos podem ser dados. Pensemos no conceito de raça, surgido pela mão dos ‘conquis-tadores’ renascentistas: ele surge para justificar a proclamada legitimidade dos navegadores. Classifi-cações como ‘índio’ e ‘negro’ nascem pela ação da-queles que têm poder para agrupar e hierarquizar, enfim, organizar, mediante a cor de pele, a popula-ção para determinados fins. Pensemos no conceito de ‘minoria’ sexual, surgido nos consultórios médi-cos e tribunais (católicos e judiciais) com o intui-to de manter a ordem e valores de determinada vi-são de mundo. A sexualidade, incrustrada no mais profundo do sujeito (nos genes, talvez? Até hoje se procuram responsáveis), define-o. Lésbicas, gays, bissexuais… não são exatamente os atos que as/os condenan, mas o que ‘são’ e o que colocam em cau-sa.

A determinação biológica é, portanto, binária. Existe um elemento central, em relação ao qual se constitui ‘o outro’, seu oposto, seu subordinado: Ocidente/Oriente, Heterossexualidade/Homosse-xualidade, Homem/Mulher, Branco/Negro, etc. Es-sas relações, que são exclusivistas – ou seja, para que uma mulher seja considerada como tal é importante que não apresente qualquer elemento considerado pertencente ao seu par oposto –, e portanto co-de-pendentes – tudo o que o sujeito é depende do que ele não é –, são extremamente limitantes, violentas mesmo, não apenas para os elementos que consti-tuem o par, constantemente vigiado, mas também para todos os sujeitos (corpos leves), que não se identificam com as ofertas apresentadas.

A mídia e a (des)naturalização

O binarismo, as relações de poder abusi-vas e a biologia determinista funcionam pela naturalização, pela ideia de que

o mundo sempre assim foi e sempre continuará. Que outras possibilidades não existem. Funciona pelo estreitamento de horizontes. Pelo apagamen-to dos processos que criaram as categorias social-mente valorizadas (em nossa sociedade, o homem branco, másculo, heterossexual, etc.). Assim, essas ‘verdades’ – sobre o que é ser homem e o que é ser mulher, por exemplo, percebidas como únicas pos-sibilidades – dependem da repetitibilidade, da su-pressão do conhecimento histórico e, em seu lugar, da adoração de uma narrativa única, povoada por falas prontas e amarras corporais.

Neste processo, a mídia ocupa uma posição cen-tral. Refiro-me ao que normalmente apelidamos de ‘grande mídia’, ou seja, aquela que nasceu no seio do capitalismo e hoje está integrada no mer-cado global. É importante sublinhar que, apesar de assim nomeada – ‘grande mídia’ –, ela não é una, universal. Não ignorando que o berço é comum e a independência nunca foi concretizada, falo de uma mídia povoada por sujeitos diversos, mutável e que, desde logo, depende de para quem oferece seus pro-dutos. Financiadores/as? Consumidores/as? Quem é o público? Independentemente das respostas, di-fíceis, ela, como outros corpos individuais e coleti-vos, não escapa à gravidade do sistema. Mais, por seu peso, aparenta, por vezes, ter gravidade própia.

Apesar da crise de credibilidade que a mídia, e mais concretamente o jornalismo, atravessa, não podemos ignorar seu papel e preponderância, nas sociedades democráticas (sendo ela mesmo resul-tado e barômetro desses sistemas societais).

Colocando em circulação temas e vozes, por-tanto definindo as premissas a partir das quais se-rão feitas as leituras dos fenômenos que relatam, a mídia/jornalismo trabalha, fundamentalmente, a construção da realidade. Contribui para a definição de quem existe, como existe, onde existe. Tornan-do públicos discursos e sujeitos, contribui para a construção de significados, lutas e representações sociais. Concorre para a definição do mundo, da história e estórias. Coloca sujeitos em contato. Ou afasta-os. De qualquer modo, a mídia/jornalismo pulsa. Para que direção? De que forma se relaciona com as lutas de sujeitos historicamente narrados, objetificados, no extremo, desumanizados? Ques-tionemo-nos. Desloquemo-nos. Tornemo-nos mais leves.

nham significado (ao menos tão complexo e variado como pode ser percebido) através da ação humana. Assim, o corpo é sempre medido em relação às nor-mas, seja por reforço ou rejeição.

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Mude o CanalSensacionalismo e exploração de acontecimentos

Sensacionalismo na TV brasileira

No decorrer de um ano, as seis emisso-ras de televisão com maior audiência no país veiculam mais de 52 mil horas

de conteúdo (LOPES; OROZCO, 2011, p. 139). De tempos em tempos, surgem debates dentro e fora da academia acerca da qualidade dos conteúdos televisivos veiculados. Os programas policiais e de auditório geralmente se encontram na pauta deles. Pegadinhas, testes de fidelidade, discursos racistas, exposição do corpo de forma vulgarizada, sensacio-nalismo e exploração de acontecimentos com enfo-

Por Ticianne Perdigão

que degradante e humilhante são alguns dos princi-pais alvos de críticas.

A ideia de a televisão manter um nível razoável de qualidade na programação também parece cícli-ca. Em 2013, após 08 anos distante da RedeTV!, o apresentador João Kléber retorna com as mesmas fórmulas que reproduzem práticas sociais de infe-riorizarão das mulheres, homossexuais e outras mi-norias. Sua saída ocorreu após a Ação Civil Pública mais significativa contra conteúdos televisivos na justiça do país. A ação, impetrada pelo Ministério Público Federal de São Paulo junto com 06 entida-des da sociedade civil, foi um marco na efetivação de um direito de resposta coletivo e na reavaliação da responsabilidade da emissora sobre o uso da

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concessão pública.A exemplos dos programas diários de João Kle-

ber, os casos de violação de direitos exibidos pelas emissoras são constantes. Em estudo recente, a OnG ANDI, analisando o conteúdo de programas poli-cialescos constatou, em apenas 30 dias, 1.936 nar-rativas com violações de direitos. São programas como o Correio Verdade, da TV Correio, afiliada da Rede Record de Televisão, que veiculou, em 30 de setembro de 2011, em horário de almoço, cenas de um estupro de uma criança ocorrido na cidade de Bayeux, região metropolitana de João Pessoa. As ce-nas exibidas foram gravadas por um celular e repe-tidas inúmeras vezes pelo programa. O Ministério Público Federal da Paraíba entrou com uma Ação Civil Pública e descreveu as cenas como o “exemplo mais cabal de exploração da miséria humana, da se-xualidade pervertida, de desrespeito aos valores da sociedade e da família, e de atropelo da dignidade de uma criança por meio de veículo de comunica-ção” (BRASIL, 2012a).

Exemplos como esses demonstram as tensões de forças existentes entre a sociedade, o Estado e os poderes econômicos e políticos envolvidos no processo. No caso do Programa Correio Verdade, enquanto o Ministério das Comunicações, em pro-cesso administrativo, multou a emissora no valor de R$ 4.657,25 por exposição de pessoas ao constran-gimento, o Ministério Público, no processo jurídico, solicitou uma multa de 500 mil reais. A emissora foi condenada à 200 mil reais em primeira instância e o processo segue ganhando recursos.

Enquanto concessionárias do serviço público, as emissoras estão sujeitas a deveres, inclusive, acer-ca do conteúdo veiculado. Constitucionalmente, encontram-se orientações sobre os princípios e fi-nalidades que devem ser seguidas pelas emissoras, como a promoção da cultura nacional e regional, estímulo à produção independente, preferência às atividades culturais, educativas e informativas e respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. No plano infraconstitucional, há atos nor-mativos mais específicos como a Portaria de Classi-ficação Indicativa e até mesmo o Código Brasileiro de Telecomunicação e o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão que aprofundam as orientações de conteúdo e preveem fiscalização e sanção para as emissoras.

Para além da importância da regulação de conte-údo para satisfação da norma legal, acreditamos que o principal motivo justificador desta regulação se dá pela ciência que o conteúdo transmitido pela televi-são interfere o próprio entendimento do homem so-bre ele mesmo e sobre o mundo. Berger e Luckmann (2004) explicam a construção da realidade social tendo como premissa o homosocius, em que o rei-

no social, ou seja, sua sociabilidade, é que o define. Para os autores, a realidade é construída em termos sociais, através da interação entre grupos de indiví-duos. O processo de interiorização das mensagens e a tomada de consciência das suas significações se dão no âmbito das relações sociais. A vida cotidiana é interpretada pelos homens, que atribuem sentidos e significados a esta realidade. Este processo se dá através da linguagem que permeia todas as intera-ções e seus processos de subjetivação. (BERGER; LUCKMANN, 2004). Na mesma concepção, Corcu-ff, acredita que a realidade social é construída a par-tir de vivências históricas e cotidianas dos atores in-dividuais e coletivos (CORCUFF, 2001, p. 26). Neste sentido, a televisão ganha destaca nesta esfera não somente por estar presente nos hábitos cotidianas da maioria da sociedade, mas também por ser ca-paz de transmitir os acontecimentos desta realidade influenciando nos modos de percepção do sujeito para com o mundo.

A presença estatal tanto na promulgação de novas leis, quanto nas atividades de fiscalização e sanção tem se demonstrado falha. Sua atuação é re-flexo da utilização das emissoras para fins privados corroborando interesses econômicos e políticos. A adoção do modelo comercial de televisão desde sua consecução, em 1950, e a distribuição de concessões sem o conhecimento da população fez com que o telespectador nunca percebesse o seu caráter públi-co e a necessidade, por isso, de uma transmissão de conteúdo dentro de padrões legais mínimos exigi-dos. Tal aspecto nos leva a concordar com a afirma-ção de Laurindo Leal (2000) ao dizer que o proble-ma da televisão brasileira é estrutural.

Diante deste cenário, a saída é muitas vezes a uti-lização da demorada via judicial. No entanto, refle-tindo-se segundo a lógica televisiva de imediatismo, os direitos violados e transmitidos para milhões de pessoas precisam de uma resposta judicial rápida que busquem a redução dos prejuízos causados por sua transmissão. Além disso, considera-se pouco democrático que apenas uma pessoa, no caso, o juiz, julgue se tal conteúdo que afetou milhões de pessoas fere ou não a ordem pública.

Um órgão regulador independente e autônomo é a solução encontrada em muitos países mas que não se encontra na linha do horizonte do Brasil. A for-mação de órgãos a partir de representantes da socie-dade garantiria a apresentação de diversos pontos de vistas sobre o mundo, aperfeiçoando o julgamen-to com premissas mais plurais e democráticas.

O caminho é tortuoso. A tendência é uma pro-gramação televisiva visando cada vez mais ao lucro com perda de referências de finalidade e orienta-ções acerca dos padrões éticos e morais legalmente instituídos.

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Radio e CidadaniaAs relações entre notícia e entretenimento no radiojornalismo

O papel social do rádio na atualidade

Qual o papel social do rádio na contempo-raneidade? Qual o seu impacto na nossa sociedade? Estamos falando de um veí-

culo que, no auge dos seus 96 anos de existência, ainda se configura como um meio de grande pene-tração no Brasil, baixo custo e de poderoso alcan-ce, não perdendo espaço para a TV aberta, TV por assinatura ou Internet, conforme indica o estudo, divulgado em 2015, voltado aos investimentos futu-ros que serão feitos em diversos veículos de comu-nicação por todo o mundo até 2019, pela consulto-ria PricewaterhouseCoopers (PwC). Essa pesquisa analisa gastos do consumidor e do anunciante em 13 segmentos de Entretenimento e Mídia e abran-ge 54 países e cerca de 80% da população mundial. Para se ter uma ideia, o investimento em rádio no Brasil, onde hoje existem 4.500 emissoras de rádio AM e FM, vai superar a média do que é emprega-do nos demais países pesquisados. O levantamento mostrou que 60% dos pesquisados ouvem rádio se-manalmente e é o segundo veículo na confiança do consumidor para publicidade. Além disso, o país é o maior mercado de rádio na América Latina em gastos do anunciante com publicidade, e tem previ-são de crescimento médio em torno de 3,7% ao ano. Enquanto isso, no resto do mundo, a média gira em torno de 2,5% ao ano.

Pelo panorama acima exposto, denota-se a im-portância do rádio enquanto instituição de produ-ção e veiculação de bens simbólicos, por meio de seus mais diversos gêneros radiofônicos praticados. Sob a luz das teorias do jornalismo e o do constru-tivismo social, tomemos como objetivo de análise, no contexto do radiojornalismo pernambucano, o quadro Passando a Limpo, veiculado dentro do pro-grama Supermanhã, que vai ao ar de segunda a sex-ta-feira, das 9h às 10h, na Rádio Jornal de Recife AM/FM. Segundo dados do Ibope fornecidos pela emissora, a Rádio Jornal obtém 43% da audiência na Região Metropolitana do Recife, com média de 69 mil ouvintes por minuto e cerca de 150 mil no horá-rio de maior audiência, entre as 7h e 8h. É impor-tante destacar o papel central do veículo enquanto

Por Karoline Fernandes

divulgador de ideologias e conhecimento, e quais os possíveis impactos de seu conteúdo veiculado pe-rante sua audiência e, consequentemente, identifi-car como esta dinâmica influencia nas práticas do radiojornalismo atual.

Gêneros radiofônicos: algumas classificações

Basta ouvir a programação das rádios para tentar compreender o quanto a perspec-tiva dos gêneros é importante no estudo

dessa mídia. Especificamente sobre gêneros radio-fônicos, André Barbosa Filho considera que há no rádio sete gêneros: jornalístico, educativo-cultural, de entretenimento, publicitário, propagandístico, de serviço e, por fim, gênero especial. Considerando apenas o gênero jornalístico, Barbosa Filho classi-fica as seguintes modalidades: 1) nota (informe sin-tético de um fato atual, nem sempre inconcluso); 2) notícia (modulo básico da informação); 3) boletim (pequeno programa informativo, com, no máximo, cinco minutos de duração, distribuído ao longo da

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programação e constituído por notas e notícias e, às vezes, por pequenas entrevistas e reportagens); 4) reportagem (amplia o caráter minimalista do jor-nalismo narrado); 5) entrevista (uma das principais fontes de coleta de informação, está presente direta ou indiretamente, na maioria das matérias jornalís-ticas), 6) comentário (cria ritmo e amplia o cenário sonoro do receptor, visto que propicia a presença de diferentes vozes na programação), 7) editorial (é o anúncio de opinião não-personalizada e retrata o ponto de vista da instituição radiofônica), 8) crô-nica (tem relação direta com a atualidade e ligação com uma circunstância favorável. Transita entre a fronteira entre jornalismo e literatura), 9) radiojor-nal (congrega e produz outros formatos jornalísti-cos, como as notas, notícias, reportagens, comen-tários e crônicas) 10) documentário jornalístico, 11) mesas-redondas ou debates (são espaços de dis-cussão coletiva em que os participantes apresentam ideias diferenciadas entre si), 12) programa policial (tem como objetivo cobrir os acontecimentos e fa-tos policiais, por meio de reportagens, entrevistas, comentários e notícias), 13) programa esportivo (é a divulgação, cobertura e análise dos eventos espor-tivos. Veiculado no formato de notícias, comentá-rios, reportagens, entrevistas, mesas-redondas), e 14) divulgação técnico-científica (tem a função de divulgar e, conseqüentemente, informar a sociedade sobre o mundo da ciência, com roteiros apropriados e linguagem que seja acessível à maioria da popu-lação).

O gênero mesa-redonda e o programa Passando a Limpo

Para chegar a uma visão esquemática pri-mária do quadro Passando a Limpo, fo-ram analisados dois programas veiculados

no mês de março de 2016, mais precisamente, nos dias 16/03 e 17/03. O quadro apresenta a seguinte formatação: em uma hora, incluindo os intervalos comerciais, temas polêmicos que estão na agenda pública dos veículos de comunicação podem servir como pauta para um debate (ou mesa-redonda, nos termos de Barbosa Filho), cujos integrantes são os jornalistas que estão na própria redação da Rádio Jornal ou convidados do Jornal do Commercio (em-presa integrante do grupo JCPM). Após a escolha do assunto, cada participante expõe suas opiniões pessoais acerca do tema. O debate não é aberto para que os ouvintes opinem e interajam na programa-ção. Durante a coleta de dados, a equipe estava assim constituída: Laurindo Ferreira (diretor do Jornal do

Commercio), Jamildo (editor do Blog do Jamildo), Wagner Gomes (radialista da Rádio Jornal) e Geral-do Freire (locutor e apresentador do Super Manhã).

Na edição 16.03, o comunicador Geraldo Freire chama a atenção para um tema que envolve a polí-tica pernambucana, em torno da costura de alian-ças para a candidatura à prefeitura de Caruaru, no Agreste de Pernambuco. A bancada inicia um ba-te-papo sem antes situar o ouvinte sobre o pano-rama político em questão. Entende-se, no entanto, que estão abordando entre si sobre os bastidores da política a partir de uma estrutura de linguagem dis-tanciada da práxis jornalística. Já a pauta da edição da quinta-feira (17/03) foi conduzida por dois fa-tos que sacudiram o cenário político nacional e re-percutiram na mídia internacional. A nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como Ministro da Casa Civil do governo Dilma Rousseff (PT) e o vazamento na imprensa (autorizada pela Justiça a partir do magistrado Sérgio Moro) de liga-ções telefônicas mantidas entre os dois correligioná-rios. Após conversarem entre si sobre o fato, o co-municador Geraldo Freire interrompe o diálogo na bancada e inicia entrevista por telefone com o depu-tado federal Mendonça Filho (DEM-PE), integrante da oposição ao governo na Câmara dos Deputados. E o questiona sobre se foi correta a atitude do juiz Sério Moro em divulgar os grampos. Não houve ou-tra fonte contraditória a ser entrevistada no mesmo programa, de onde de pode concluir que o formato da mesa-redonda proposta em Passando a Limpo furta-se das regras ideológicas profissionais jorna-lísticas, e, portanto, não orientam poderosamente o rádio nas “definições de realidade social” que as fontes creditadas (no caso, os jornalistas da reda-ção) deveriam oferecer.

A noção de credibilidade, que norteia um dos princípios jornalísticos nas democracias, perde espaço para opiniões genéricas. As definições dos argumentos veiculados nas edições não acontecem com “porta-vozes” especializados nos assuntos su-geridos no programa. A formação da opinião públi-ca, neste quadro, se apresenta seriamente ameaçada por argumentos nem sempre embasados e de visões plurais, politizadas, na medida em que os jornalis-tas participantes nem sempre são especializados nos assuntos. Os principais atores que participam do de-bate acabam por fragmentar a construção social da realidade, principalmente pela falta de normativa, de método e rigor jornalístico, Um debate promo-vido sem o mínimo de critérios profissionais atinge os princípios do jornalismo moderno no rádio, den-tro da democracia brasileira. A carência de fontes fidedignas pode indicar que a emissora em questão proporciona à audiência um baixo nível cultural ou de comprometimento social.

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Nota 1: Jorge Duarte possui graduação pela Universidade Católica de Pelotas em Jornalismo e em Relações Públicas (1989), mestrado em Comunicação Social (1996) e doutorado em Comunicação Social (2004) pela Universidade Metodista de São Paulo.

Nota 2: Armando Medeiros é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1994). Especialista em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (1986) e Especialista em Comunicação Empresarial e Governamental.

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Mude o Canal

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Jornalismo e cidadaniaANO I | ED. 0

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE

RECIFE-PE | JUNHO 2016

Editorial

Entrevista

Prosa Real

Mídia Alternativa

No Balanço da Rede

Política e Propaganda

Jornalismo e Política

Jornalismo Ambiental

Poder Plural

Cidadania em Rede

Na Tela da TV

Comunicação Pública

Jornalismo Independente

Mídia Fora do Armário

Mude o Canal

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