revista ilustrar #7

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Nesta Edio:Junior Lopes, Carlos Nine, Ricardo Antunes, Eugnio Colonnese, Soud e Hiro

Foto: arquivo Ricardo Antunes

uita gente me pergunta o que , exatamente, a Revista Ilustrar: seria uma revista ou a apresentao do portfolio de ilustradores? Na verdade so os dois; realmente uma revista apresentando portfolios, mas acima de tudo tambm uma grande homenagem aos artistas que se dedicam ilustrao, apresentando os mais talentosos, criativos e inspiradores do mercado. Dessa forma, a revista tenta, atravs de seus convidados e de seus portfolios, apresentar as melhores referncias sobre como ser um grande profissional de ilustrao. Assim, nesta edio temos a participao de Junior Lopes e suas inusitadas ilustraes com retalhos de tecidos; Soud, em um passo a passo sensacional; Hiro contando suas histrias na seo 15 perguntas; Ricardo Antunes - este que vos fala - na seo Sketchbook; o saudoso Eugnio Collonese - recentemente falecido na seo Memria, e, na seo Internacional, o brilhante ilustrador e artista plstico argentino Carlos Nine. Espero que gostem, e dia 1 de janeiro tem mais, com uma edio especial. Aguardem... Abraos

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E D I TO R I A L ......................................................................... 2 P O RT F O L I O : Junior Lopes .................................................... 4 I N T E R N A C I O N A L : Carlos Nine .......................................... 14 S K E TC H B O O K : Ricardo Antunes ........................................... 26 M E M R I A : Eugnio Colonnese ............................................... 36 S T E P B Y S T E P : Soud ........................................................ 46 1 5 P E R G U N TA S PA R A : Hiro ............................................ 55 C U R T A S ............................................................................... 72 L I N K S D E I M P O RT N C I A ............................................ 74

DIREO, COORDENAO E ARTE-FINAL: Ricardo Antunes [email protected] DIREO DE ARTE: Neno Dutra - [email protected] Ricardo Antunes - [email protected] REDAO: Ricardo Antunes - [email protected] REVISO: Neno Dutra - [email protected] Helena Jansen - [email protected] COLABORARAM NESTA EDIO: Jal (Colonnese) - [email protected] Minighitti (Colonnese) - [email protected] Angelo Shuman (divulgao) - [email protected] ILUSTRAO DE CAPA: Eugnio Colonnese Revista Ilustrar PUBLICIDADE: [email protected] DIREITOS DE REPRODUO: Esta revista pode ser copiada, impressa, publicada, postada, distribuda e divulgada livremente, desde que seja na ntegra, gratuitamente, sem qualquer alterao, edio, reviso ou cortes, juntamente com os crditos aos autores e co-autores. Os direitos de todas as imagens pertencem aos respectivos ilustradores de cada seo.

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Foto: arquivo Junior Lopes

araense da cidade de Castanhal, mas morando em So Paulo, Junior Lopes tem um trabalho bastante variado, atuando como ilustrador, cartunista, quadrinista, retratista e desenhista de moda. Mas com os seus retratos feitos a partir de retalhos de tecido que seu trabalho ganha fora, expressividade e originalidade sem igual. E essa originalidade acabou projetando seu nome no exterior, onde tem exposies planejadas em Moambique e Alemanha, alm de ter exposto seus trabalhos em Porto Alegre, no ano passado. A seguir, Junior fala mais detalhes da sua trajetria.

Junior Lopes

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Autodidata total. O Allan Sieber tem um cartum genial, que um cartunista dando uma entrevista, todo sujo, com mosquinhas circulando sua cabea e o balo o seguinte:

"hoje vocs me vem dormindo numa confortvel caixa de papelo, mas saibam que nem tudo foram flores nesse percurso!". mais ou menos por a rsss

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Para no fazer uma lista enorme e maante, prefiro que vejam os retratos que fao. Essa galera que retratei o resultado de uma boa parte de influncias que absorvi, nesses 40 anos de vida. No posso esquecer de uma figura muito importante em minha formao, que foi um especialista em cartum, que conheci

quando tinha 20 anos, em Castanhal, no Par (onde morei dos 4 aos 30 anos), chamado Luiz Fernando Carvalho, que me apresentou esse universo de artistas grficos que desde sempre admirei, como Loredano, Daumier, Millr, Kalixto, J. Carlos, Egon Schiele, Klimt, Francis Bacon, Lucien Freud, Vik Muniz, Andy Warhol, Trimano, Biratan Porto, etc.

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Somos pginas em branco, n? Tudo que lemos, ouvimos e vemos vai se amalgamando e nos moldando (para o bem ou para o mal) nesses monstrinhos que nos tornamos.

Ler fundamental. Caretice no se deixar envolver por esse universo preto e branco de idias dispostas nessas caixinhas de celulose chamadas livros.

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Essa parte surreal: acordei um dia, de ressaca, e, indo para o banheiro, vi, no cho da sala, o rosto de Jimi Hendrix. Achei que fosse delirium tremens, mas eram simplesmente retalhos de uma saia que minha sogra estava costurando! O retalho maior era escuro e pedaos brancos formavam, miraculosamente, o design do rosto (esse retrato est no blog). O mais louco que tudo verdade. Eu costumo ver formas (e acho que voc tambm) em coisas completamente desconexas, tipo aquela brincadeira de ver desenhos em nuvens. s vezes, no escuro do quarto, uma cala jogada no cho parece um perfil de um rosto ou algo do gnero... Ricardo, eu sou meio maluco, cara! rsss Depois que colei esse Jimi Hendrix em uma cartolina, vi que ali tinha algo novo a ser explorado Ento foi s aprofundar o conhecimento.

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Depois de 8 anos fazendo retratos com retalhos, j sei que retalhos especficos iro compor um retrato X. Depois de pronto, caso ainda no tenha sado exatamente como imaginei, so acrescentar mais um layer (mais retalho) por cima da ltima camada.

Alguns retratos so formados por 5 ou 6 camadas de retalhos; depois s achatar a imagem rsss O barato de fazer retratos que eu sempre acho que no vai sair como planejei, mas os retalhos sempre me surpreendem. meio mgica a coisa.

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Fiz uma exposio em Porto Alegre, no ano passado, a convite de uma escola de arte txtil, presidida por uma artista maravilhosa, chamada Maria Rita. Essa escola mantm um intercmbio com pases africanos e o convite veio

naturalmente para expor, em Moambique, uma srie de 15 retratos de personalidades moambicanas. Estou tambm fazendo uma srie de retratos de artistas brasileiros e alemes, para uma possvel exposio em Berlim, no ano que vem.

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Foto: arquivo Carlos Nine

estre argentino dos quadrinhos e da ilustrao, Carlos Nine tem um enorme reconhecimento internacional, devido ao seu trao original e tcnica brilhante. Premiado diversas vezes, seu trabalho bem mais extenso, atuando tambm como escultor, roteirista, pintor e escritor, sendo autor de vrios livros. Alm disso, costuma dar seminrios, workshops e cursos, na Argentina e na Frana. Mais recentemente participou do projeto Cidades Ilustradas, onde cada volume mostra uma cidade brasileira pelo trao de um artista - e coube Carlos Nine apresentar a sua de Porto Alegre.

Carlos Nine

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Comeou desde criana; concretamente, na escola.

Alm disso o desenho a nossa primeira lngua e comea bem antes da linguagem escrita.

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Tudo depende das pocas da vida. Na infncia a minha grande influncia foi a arte grfica, que qualquer um poderia encontrar em revistas populares. Na verdade, muito antes de saber que existem Picasso ou Van Gogh ou Monet, as crianas so confrontadas com quadrinistas ou ilustradores. Se esses interesses se transformam ao

longo dos anos em vocao lgico pensar que esse processo se originou na obra certamente modesta e quase annima desses pioneiros. E muito provvel que dificilmente algum recorde dessas primeiras experincias estticas. Eu nunca me esqueci, sinto enorme gratido por eles, j que tiveram e tm uma enorme responsabilidade pedaggica.

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Muitas vezes uma boa idia, ou uma boa imagem, se desvirtua porque no se encontra a tcnica ou linguagem adequada para poder ser representada em sua exata natureza.

devido a isso, e aproveitando que na escola de belas artes pude aprender a experimentar em diversas tcnicas, que trato de aplicar o mais conveniente para cada caso.

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A verdade que me custa estabelecer as diferenas. Para "democratizar" o meu trabalho, h muito tempo que estou habituado a me considerar um trabalhador da imagem. Evito, dessa maneira, a palavra "artista", to perigosa e propensa a gerar equvocos e confuses. Eu trabalho em gerao de imagens, esse o meu trabalho.

Muito poucas vezes saem como eu queria, mas eu dedico a elas todo o esforo possvel, independentemente do suporte para a qual esto destinadas. Podem ser pinturas, quadrinhos, ilustraes, esculturas, tipografias etc., mas a todas considero com o mesmo interesse. Todas so formas, so as imagens.

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Muitas vezes o meu trabalho foi rejeitado por aqueles que me haviam contratado, geralmente porque as imagens os assustavam. Em alguns casos teriam alguma razo, mas outras vezes acontece o de sempre, os diretores de arte so, na maioria, bastante conservadores. Tambm no se pode acus-los de grandes delitos; em ltima anlise quase sempre cumprem ordens ou comandos.

Porm, em outras ocasies eu os pude convencer com argumentaes inslitas que me foram dotando ao longo do tempo de um grande trabalho para dizer mentiras. Acima de tudo, o que eu quero ver impresso um bom desenho, meu prprio, mais alm do que pensa o autor do texto ou o diretor de arte. Se para eles necessrio mentir um pouco, no to grave, e alm disso serve tambm como um exerccio de imaginao.

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curioso, porque eu nunca gostei de caricatura, apesar de ter tido que faz-las durante quase dez anos na revista "Humor", mas uma especialidade especfica que no me atrai, falando especificamente de trabalhar sobre personagens conhecidas, polticos etc.

Eu as aprecio s como espectador, em especial as obras de Daumier. Sim, no entanto, me interessa criar personagens onde apaream alguns traos caricaturados ou definitivamente animalescos.

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Bem, foi uma experincia nica, extraordinria, incomum, l. Para comear, era a primeira vez que um no-europeu dirigia o festival, e alm disso, Jos Muoz teve a generosa idia de homenagear, tal como expliquei em uma pergunta anterior, esses mestres pouco conhecidos que nos levaram neste caminho. Jos tinha direito, por ter sido eleito diretor do festival, a uma megaexposio

do seu prprio trabalho. No entanto, cedeu a maior parte do espao (reservou a si apenas uma parte muito pequena) para homenagear a todos os artistas grficos que tanto nos ensinaram com sua arte e que eram absolutamente desconhecidos por l. Foi um grande choque para as pessoas, especialmente para os alunos da l'ecole de l'image.

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Sim, penso que mesmo para aqueles que no o usam normalmente para o trabalho, como no meu caso, j que s o utilizo para aplicar cores planas em alguns desenhos originalmente feitos em preto e branco, deu-nos uma outra maneira de olhar.

Muitos dos problemas que tem nos meus trabalhos, descubro na tela do computador, depois de scannea-los. E esses mesmos defeitos no os havia detectado, observando o original.

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Eu no tenho muito conhecimento do panorama geral e amplo da ilustrao no Brasil, j que estou apenas familiarizado com os trabalhos de alguns artistas amigos, como por exemplo Fabio Zimbres ou Ziraldo, mas suponho que haver problemas parecidos conosco.

Eu discuto bastante, aqui na Argentina, em especial com os mais jovens, por questes estilsticas, porque a todos nos custa bastante romper com os mandatos estticos globais e desenvolver uma personalidade de uma certa originalidade. Os europeus tm o mesmo problema.

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Para conhecer melhor Carlos Nine, veja: http://br.youtube.com/watch?v=BhwsQV2aG74

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Foto: arquivo Ricardo Antunes

tilizando o grafite, um de seus materiais preferidos, o ilustrador Ricardo Antunes tenta mostrar um pouco do seu trabalho mais pessoal atravs de sketches feitos em folhas normalmente maiores que A3. Seus sketches costumam ter alguma soltura, mas sempre trabalhando em pormenor certos detalhes, explorando as possibilidades de luz e sombra, pelas quais sempre sentiu um enorme interesse, devido dramaticidade que pode conseguir. Mas tambm fala da sua mania meio estranha de jogar quase todos os sketches fora, sobrando poucos, no final, para contar histria.

Ricardo Antunes

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Por incrvel que parea, eu nunca tive um sketchbook. O nico que tenho para que outros amigos ilustradores deixem a sua marca de lembrana. No que eu no faa sketches, muito pelo contrrio, mas tenho a mania de fazer os estudos sempre em folhas soltas, folhas velhas que vou guardando e usando para ir rabiscando muito. De todo o material que fao, 95% acabo rasgando e vai para o lixo. Quase no guardo nada... cada louco com a sua mania... rsrsrs

Mas de tempos em tempos, depois de montanhas de papel rabiscado e rasgado, paro para fazer algo com mais ateno, usando s vezes folhas grandes, maiores que um A3.

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Quando resolvo fazer algo mais interessante, fao dois ou trs trabalhos e depois volto matana generalizada de papis, utilizando s o grafite como munio... Os ambientalistas devem me odiar pela destruio das florestas... rsrsrs...

Uma das caractersticas que mais gosto no grafite que, sem uso de outros recursos, no h como disfarar certas deficincias de desenho: ou ele sai bom de verdade ou ento a gente volta para a prancheta, com mais folhas. No tem truques, efeitos, cores, filtros ou atalhos para disfarar um desenho defeituoso, e a borracha usada s para pequenos acertos ou abrir brilhos, e no para corrigir deficincias.

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Algo que sempre me encantou foi a anatomia humana, e acho brbaro como a iluminao, o jogo de luz e sombra podem criar um desenho muito expressivo, mesmo apenas se trabalhando em pequenas reas. Acho que a magia do desenho se encontra nisso, em perceber que mesmo em pequenos detalhes s vezes se encontra uma riqueza enorme de pormenores.

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Uso grafite de todos os gneros, alm de cont, lpis pastel e giz branco, e, para abrir largas manchas de fundo, uso grafite em p, que raspo de um lpis, e esfrego no papel com um pedao de pano ou guardanapo. E, ao invs de borracha, uso o limpa-tipos, s para abrir os brilhos

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Foto: arquivo JAL

esponda rpido: como se chama a primeira personagem de histria em quadrinhos que mulher, vampira, morena, linda, gostosa e seduz os homens? Quem respondeu "Vampirella" errou feio. Vampirella foi criada em 1969 nos EUA, mas dois anos antes tinha sido criada a personagem "Mirza, A Mulher Vampira", a criao mais conhecida e cultuada de Eugnio Colonnese. Com um desenho extraordinrio e um acabamento melhor ainda, Colonnese foi um dos maiores desenhistas de histrias em quadrinhos de terror do Brasil, alm de grande ilustrador, da mesma gerao de outros gnios como Jayme Cortez, Nico Rosso e outros.

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Responda rpido novamente: como se chama o personagem de histrias em quadrinhos que um ser estranho, disforme, vive aterrorizando as pessoas e mora em um pntano? Quem respondeu que o "Homem-Coisa" da Marvel Comics, mais uma vez errou... e quem respondeu que o "Monstro do Pntano" da DC Comics, tambm errou longe. Outra criao genial de Colonnese, o "Morto do Pntano" foi criado 5 anos antes dos seus parentes americanos. Colonnese nunca pensou em processar as editoras americanas por plgio, desestimulado pela morosidade da justia brasileira. Infelizmente a falta de informao fez com que muitos brasileiros acusassem Colonnese, durante toda a sua vida, de ter copiado os personagens americanos.

Assim como vrios artistas da mesma gerao, Eugnio Colonnese foi mais um imigrante que acabou se firmando no Brasil depois de um comeo sinuoso de moradias. Ele nasceu em Fuscaldo, no extremo sul da Itlia (bem no bico da bota) em 3 de setembro de 1929, filho de pai italiano e me brasileira.

Aos 2 anos de idade vem para o Brasil, indo morar logo em seguida no Uruguai, ficando por 3 anos. A seguir, se muda para Buenos Aires, na Argentina, onde sua famlia se fixa de vez. Desde cedo mostrou interesse pelo desenho, e mais tarde chegou a abandonar os estudos secundrios para se dedicar s aos quadrinhos.

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Em 1948 ganha a medalha de ouro pelo 1 lugar em um concurso de quadrinhos em Buenos Aires, abrindo as portas profissionalmente, e, um ano depois, j estava publicando em vrias revistas da Editora Columba e Editorial Frontera. Durante a dcada de 1950, participa da grande exploso de quadrinhos que a Argentina estava vivendo, ao lado de grandes nomes como Hugo Pratt, Breccia, Salinas e outros. De frias no Brasil, em 1955, apresentado a Jayme Cortez que fica impressionado com o seu trabalho -, alm de conhecer vrios outros grandes nomes da rea grfica, como lvaro de Moya, Miguel Penteado, Syllas Roberg e outros. Com uma carta de apresentao de Jayme Cortez, Colonnese vai para o Rio de Janeiro conhecer a grande Editora Ebal - Editora Brasil-Amrica, sendo recebido pelo prprio Adolfo Aizen, diretor-presidente. Entusiasmado com o trabalho, imediatamente solicitou a Colonnese a quadrinizao do poema "Navio Negreiro", de Castro Alves, que seria entregue semanas depois e publicado em 1957. Entretanto, Colonnese volta a Buenos Aires para dar continuidade aos seus trabalhos. Em 1961, ainda na Argentina, convidado pela Fleetway Publications para fazer uma histria em quadrinhos sobre uma batalha naval da II Guerra Mundial para a revista Tide War, onde muito elogiado pela fidelidade nos detalhes e na enorme pesquisa feita. Em 1964 Colonnese muda-se definitivamente para o Brasil, estabelecendo-se em Santo Andr, So Paulo, onde logo no ano seguinte j estaria trabalhando com as principais editoras da poca. Ao perceber que havia um grande mercado para o seu trabalho, Colonnese se associa ao tambm quadrinista argentino Rodolfo Zalla, criando, em 1964, o Estdio D-Arte, onde empregavam vrios jovens artistas que se tornariam grandes talentos.

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www.nostalgiadoterror.com

De 1964 a 1970, o Estdio D-Arte tomou boa parte do mercado de quadrinhos brasileiro, j que eram praticamente os nicos que cumpriam os prazos e faziam histrias de qualidade, embasadas em ampla pesquisa histrica e de figurinos. Com uma produo gigantesca, o estdio chegou a fazer perto de 300 pginas de quadrinhos por ms (fora as capas), graas a uma equipe muito bem treinada. Dessa forma, Colonnese e Zalla implantaram no Brasil um esquema eficiente e necessrio para o segmento de quadrinhos da poca. Em 1967, fez as primeiras histrias de Mirza, a Mulher-Vampiro, e, na mesma poca, criou seu outro personagem ligado ao terror: Morto do Pntano. As histrias de terror eram publicadas pela Editora D-Arte.

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Na dcada de 1970, aps uma inverso do mercado, com uma das piores crises do setor de quadrinhos, passou a ilustrar livros didticos para vrias das grandes editoras, em especial a Editora tica,

que adotou as histrias em quadrinhos como linguagem de ensino. Acabou por assumir o cargo de diretor de arte da editora em 1979, permanecendo no cargo at 1999.

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De 1980 em diante, retoma sua produo de histrias em quadrinhos, publicando em revistas de terror da poca, como a "Spectro" e os ttulos "Calafrio" e "Mestres do Terror", da Editora D-Arte. Nesta poca, quadrinizou tambm as aventuras do cowboy Beto Carrero. Criou vrios outros personagens como Mylar, o Caador e Pele de Cobra; tambm se destacou nas reas de publicidade, onde seus trabalhos mais conhecidos foram as histrias em quadrinhos institucionais do Instituto Universal Brasileiro. Ganhou diversos prmios, entre eles os trofus Angelo Agostini e HQ Mix, na categoria Mestre do Quadrinho Brasileiro. A partir da dcada de 1990, dividiu a atuao entre trabalhos institucionais com outros, sobre a produo de quadrinhos. Nos ltimos anos, vinha se dedicando ao ensino de quadrinhos na Escola Studio de Artes, em Santo Andr.

Estava hospitalizado desde junho deste ano, aps sofrer um AVC; porm uma srie de outros problemas de sade apareceu neste perodo, grande parte em decorrncia do uso prolongado do cigarro durante a vida, e ele acabou por falecer no dia 8 de agosto de 2008, pouco antes de completar 79 anos. Ainda existem venda, nas livrarias, dois livros da autoria de Colonnese, ensinando a desenhar suas maravilhosas mulheres um ltimo presente deixado a todos por este genial artista.

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Foto: arquivo Ricardo Antunes

arioca radicado em So Paulo, Rogrio Soud tem desenvolvido o seu trabalho de ilustrao atravs de um dos programas de computador mais importantes do mercado: o Painter. Apesar disso, no deixa de misturar o programa com tcnicas de pintura tradicional, criando assim uma textura mais rica e realista da tinta. F de cartazes de cinema, Soud tem desenvolvido uma srie de obras sobre filmes brasileiros, e atravs de um deles mostrou um passo a passo para a Ilustrar. Tambm no esconde a sua predileo pela caricatura, com um trao expressivo e cuidadoso, onde os detalhes so um prazer para quem v.

Rogrio Soud

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Esta ilustrao faz parte de uma srie que venho fazendo nas horas vagas, e que trata de interpretaes livres sobre filmes brasileiros de comdia produzidos nos ltimos tempos. Desta vez o escolhido foi O Xang de Baker Street, que foi baseado no livro de J Soares. Vale dizer que meu objetivo nestas interpretaes no o de caricaturar os rostos dos atores, j que a caricatura de verdade uma cincia mais profunda.

Para isso, o artista deve capturar caractersticas de sua vtima e desenvolver distores em cima de sua personalidade, o que no caberia nesta minha proposta. Ento, o que fao tem a ver mais com a desestruturao das feies, mantendo o realismo das formas, suas luzes, sombras e brilhos. Estou juntando este material para montar uma exposio to logo tenha alguma quantidade considervel.

Quando assisto o filme, vou em busca de elementos que me permitiro criar uma composio em que, de alguma forma, a histria esteja l. Ento, aps separar vrias cenas com os principais atores, objetos de cenrios e fundos, parto para o esboo.

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Para esta pintura, eu quis que todo o fundo tivesse como base o efeito real da aquarela. Como normalmente fao tudo no programa Painter e, infelizmente, ele ainda no possibilita o efeito desejado, fui para a mesa de luz e marquei todo o contorno dos elementos numa folha de Canson. Peguei os vidros de ecoline, h anos sem abrir, os pincis empoeirados e, sobre o papel, deixei a tinta fazer aquilo que chamo de encontro das guas.

Agora sim, tudo pronto para o incio da pintura com o software, a tablet Wacom e o Mac. Fundo pronto e escaneado, com o Painter comeo a encaixar o esboo. Alis, digo sempre que se no fosse esse trio bacana, eu no teria direcionado todo o meu trabalho para o digital.

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Com o Painter na sua verso 9, procuro trabalhar as ilustraes o mximo possvel com a ferramenta Digital Watercolor/New Simple Water ajustada em: - Dab Type: Circular - Stroke Type: Single - Method: Digital Wet - Subcategory: Grain Digital Wet Dessa forma, o resultado da pintura se mantm dentro do efeito de aquarela inicialmente pretendido.

No incio, eu havia pensado o morro cobrindo toda esta parte da composio, mas depois decidi acrescentar um pedao de mar, pois assim fica mais clara a idia de que a trama do filme acontece na cidade do Rio de Janeiro.

O fundo vai ganhando definio.

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Comea a parte mais importante e divertida: pintar os rostos dos atores. um desafio deix-los reconhecveis dentro da desestruturao que fao, de seus retratos. Sempre com a ferramenta de aquarela, primeiramente marco a expresso da figura com um meio-tom da cor que usarei na sombra, assim tenho garantida a expresso da figura. Depois, como na tcnica convencional, trabalho do claro para o escuro, secando as cores e sobrepondo os tons.

Conseguido o primeiro, sigo para os outros com mais tranquilidade.

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Aqui eu usei o lpis do prprio Painter para fazer algumas correes.

Mais um rosto, ento comeo marcando primeiro a expresso. Tendo definidos olhos, nariz e boca, o resto segue naturalmente.

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Mantenho o efeito de aquarela do fundo na medida que fique harmnico com as figuras e elementos da composio.

Trabalho finalizado, o esboo que eu mantinha separado em layer descartado, ficando somente o resultado da pintura.

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Foto: arquivo Ricardo Antunes

xistem ilustradores que passam uma vida de trabalho sem deixar qualquer marca, e outros que acabam por deixar uma marca profunda, quer pelo seu trabalho artstico, quer por sua postura profissional. O ilustrador Marcos Hiroshi Kawahara, ou simplesmente Hiro, como conhecido, esse segundo tipo de ilustrador. Qualquer pessoa que j tenha ido ao McDonalds no Brasil j teve contato com o seu trabalho, uma vez que ele o responsvel pela imagem da empresa estampada nas famosas toalhas de bandeja, nicas no mundo, e em outras peas. Mas muito alm de ser apenas o homem das toalhas do McDonalds, Hiro , acima de tudo, um profissional talentoso e inteligente, e que soube criar novos rumos profissionais a partir do seu trabalho como ilustrador.

Hiro

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Eu fiz a faculdade de Biologia da USP durante quatro anos, mas no terminei, faltando apenas quatro matrias pra terminar o curso, devido minha insensatez juvenil. J tinha requisitado at bolsa do CNPq pra trabalhar com pesquisa de peixes. Depois disso comecei a trabalhar com ilustrao e no me preocupei mais em ter uma formao acadmica. Tenho pensado muito em fazer uma faculdade de propaganda por causa do diploma, j que a minha empresa est registrada como uma agncia de publicidade, e uma parte dos meus trabalhos envolve criao de projetos e consultoria na rea de mercado infantil, principalmente porque prevejo que questo de tempo para ser criado um Conselho Federal de Publicidade. De qualquer forma, isso tambm seria questionvel, porque tenho mais de 20 anos de carteira assinada como diretor de arte, o que deve pesar de alguma forma no direito de continuar sendo publicitrio.

Em relao ilustrao, s recentemente fiz um curso com Gilberto Marchi, uma enciclopdia humana de desenho, e infelizmente tive que suspend-lo por um tempo por causa de um trabalho muito grande que assumi este ano. Um curso, que me comprometi comigo mesmo a fazer, o Illustration Academy, por influncia do Montalvo Machado, que o cursou h alguns anos. um curso de imerso total de ilustrao em Sarasota, na Flrida, e s de mencionar Mark English e Anita Kuntz como professores j faz meu brao esquerdo formigar de ansiedade. um curso de altssimo nvel, mas bastante exigente, pois requer um investimento alto (U$5.800,00, fora passagem, comida e hospedagem) e se programar profissionalmente, j que o curso leva aproximadamente 7 semanas. Foi por um triz que no o fiz no ano passado; estou apostando muito que eu consiga faz-lo em 2010.

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No ltimos meses da faculdade, uma amiga tambm abandonou a Biologia para fazer faculdade de Editorao. Depois ela conseguiu um emprego na Editora Trs, nos fascculos de uma revista chamada Vida, que era um guia de autosuficincia (que ensinava a plantar cenoura, fazer sabo com banha de porco e castrar leites, entre outras coisas).

Naquele momento a revista estava precisando de ilustradores, e como eu tinha o hbito de rabiscar cadernos com caneta Bic durante as aulas, e esses rabiscos faziam um certo sucesso entre os colegas de classe, ela me indicou para fazer um teste na revista e por uma daquelas coisas que parecem um alinhamento de planetas, por mais que as probabilidades diziam que no, consegui o emprego.

As lminas de bandeja so os maiores beneficiados pela faculdade. A maioria delas trata de curiosidades de assuntos muito diversos, mas que precisam ser pesquisados, checados, confirmados e

procurados na bibliografia correta. Eu fazia muito isso na faculdade, e essa prtica ajudou muito na metodologia para fazer as lminas. Ser curioso fundamental nesse trabalho.

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Essa lista para mim gigantesca, pois toda semana encontro algum ilustrador que me influencia de alguma forma. Mas para mencionar os top de linha, acho que, sem dvida, posso comear com Hayao Miyazaki, porque no usa frmulas fceis trabalhando com fantasia, e de uma sensibilidade aliengena (devo ter assistido Kikis Delivery Service tantas vezes que deve ter furado o disco de DVD). Al Hirschfeld, acho que o ilustrador com o trao mais elegante que j existiu. Alm disso, sua histria pessoal e faz seu corao ficar do tamanho de uma ervilha. Eu quero ficar velho e desenhando como ele. E tambm quero uma cadeira de barbeiro para trabalhar, igual dele. Al Jaffee, Srgio Aragons, as minhas influncias diretas dos quadrinhos. Eu s comprava a revista Mad por causa deles. Al Jaffee influenciou muito o tipo de humor que uso at hoje, essa coisa de misturar coisas funcionais e racionais com absurdo e humor negro. E esse meu hbito de desenhar coisas midas, amontoadas e em grande quantidade foi influncia de Aragons.

E posso parecer o maior puxa-saco do Bencio, mas a grande verdade que eu admiro o trabalho dele desde a minha infncia. Eu tinha quase todos os cartazes dos filmes dos Trapalhes e me perdia horas observando os detalhes. E o cartaz da Dona Flor e Seus Dois Maridos foi parte importante da minha transio entre infante e adolescente. Fora que, pessoalmente, ele um sujeito muito fofo. E tem ainda outros ilustradores que me influenciam de alguma maneira, gente que eu sempre fico de olho nos novos desenhos e observo cuidadosamente a maneira que eles trabalham, um exerccio de controle de inveja saudvel, acreditando que dessa forma eu consiga absorver algum talento por osmose. Will Murai, Rafael Gramp, Gustavo Duarte, Crcamo, Suppa, Alarco, Patrcia Lima, Kako, Fernanda Guedes, s pra mencionar alguns brasileiros, e Ronnie del Carmen, Vera Brosgol, Scott Campbell, Arthur de Pins, Peter de Seve, Tara McPherson, Luc la Tulippe, Bill Presing, Brianne Drouhard e Cris Sanders, na turma que no fala portugus.

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A primeira ilustrao na minha carreira foi o teste que recebi para ser contratado na Editora Trs. Tive que ilustrar dois repolhos aquarelados em um final de semana. O detalhe funesto: eu nunca havia desenhado nada que no fossem rabiscos de canto de caderno e nunca havia molhado um pincel de aquarela em minha vida. Juntei os ltimos trocados que tinha guardado e comprei uma aquarela Guitar vagabunda e pincis idem; alguns repolhos na quitanda e uma folha de papel Verg, pois em Mogi das Cruzes no se vendia papel para aquarela. E assim montei um espacinho na mesa da cozinha e pintei os repolhos da mesma maneira que voc mama pela primeira vez: instintivamente. Na hora de mostrar os desenhos para os editores, aconteceu uma reunio imprevista e perguntaram se eu no gostaria de voltar outro dia, pois iria demorar um pouco.

No queria ir, voltar, para depois ter que ir e voltar de novo pra Mogi das Cruzes s por causa da reunio, ento eu optei por esperar. Na redao vazia, encontrei na estante um livro ingls com ilustraes aquareladas, e o que eu encontro? Uma bela pgina dupla com um repolho maravilhoso. Olhei para o meu repolho e para o do livro e bateu um desespero, pois o meu repolho tinha acabado de virar um catarro aquarelado perto daquele desenho do livro. Como eu trazia todo material de desenho na mochila e uma pasta grande, eu me tranquei numa privada (obviamente dei a descarga antes), montei tudo no meu colo e retoquei o repolho, usando o livro como referncia e a gua da privada. Sa de l em menos de uma hora, o diretor de arte adorou a ilustrao ainda mida e foi assim que consegui o emprego. Isso aconteceu mesmo.

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Eu digo que sou um bastardo de sorte, pois os primeiros anos como ilustrador na Editora Trs funcionaram como uma escola muito bem remunerada. Tive a incrvel sorte de ser contratado como ilustrador fixo em uma revista de uma editora de mdio porte, sem saber desenhar uma lua cheia! Foram anos difceis, de aprendizado forado, errando muito e nem sempre aprendendo com os erros. Como no desenhava quase nada e a necessidade de ilustradores era enorme, fiquei ilustrando apenas coisas mais simples, como grficos e diagramas. Mas tive ajuda de ningum menos do que Braslio Matsumoto, um dos maiores ilustradores do Brasil, dono do estdio 6B. Ele tambm ilustrava para a revista e frequentemente me ajudava, dando dicas de ilustrao quando eu atolava em algum desenho mais cabeludo, como uma escada em espiral.

Praticamente foi ele quem me ensinou como ilustrar com perspectiva. E medida que melhorava meu desenho, tambm pegava melhores trabalhos na revista. Nessa poca no tinha a mnima idia de como negociar valores e qual a importncia dos direitos autorais, mas isso no importava muito, pois peguei o finalzinho da poca de ouro da ilustrao editorial. Era uma poca em que se pagava muito, muito bem pelo trabalho do ilustrador. Para se ter uma idia, com o salrio de um ms dava para comprar uma Braslia usada, o carro do momento naquela poca. Ser ilustrador era sinnimo de fartura e excentricidade, que saudade. Para um garoto que nunca havia trabalhado e vivia duro e liso como um azulejo, aqueles foram dias de usar caviar para engraxar sapato.

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Quando sa da Editora Trs, tentei ser um ilustrador freelancer. Mas como naquela poca eu tinha a maturidade de uma larva, minha empreitada pelo mundo autnomo acabou no dando certo, pois no tinha disciplina nem habilidades de negociao. Ento, com o dinheiro se resumindo a moedas, mudei de rea e virei layoutman (o sujeito que fazia os layouts das agncias de publicidade). Da fui largando um pouco a ilustrao para me dedicar carreira de diretor de arte, at chegar na Taterka, que a agncia do McDonalds h 16 anos. Era para ser um emprego temporrio, mas fiquei l 10 anos fixos e ainda trabalho para eles como autnomo. Naquela poca, as lminas de bandeja no tinham nenhum apelo; em sua maioria eram anncios de promoes. Coisa chata mesmo. Isso porque ela era uma pea que no dava evidncia, no vendia nada e no trazia retorno, nem em vendas e nem institucional. Antes aconteceram tentativas de transformar essa pea em algo como ela hoje, mas foram lminas espordicas, muitas vezes com muito texto e com ilustraes muito simples. A falta da periodicidade em manter esse trabalho deixou ela meio que no limbo. Aos poucos, imaginei como ela seria se fosse como uma pgina dupla de uma revista, cheia de curiosidades e desenhos divertidos, com o nico propsito de ser um motivador para pessoas sozinhas terem o que ler durante o consumo do lanche (pouca gente sabe, mas o tempo que se leva pra ler uma lmina de bandeja quase o mesmo tempo que voc leva pra comer um Nmero 1). Levei a proposta at os altos escales da agncia e eles deixaram que eu criasse a lmina, contanto que no a fizesse no horrio de trabalho, e teria que fazer tudo sozinho, pois a estrutura da lmina exigia um perfil editorial que no se encaixava na agncia - e os redatores tambm no tinham muito interesse nesse trabalho. Mas como eu vinha da rea editorial e j gostava de escrever, somando a experincia de ter pesquisado na faculdade, assumi esse trabalho como um projeto pessoal. No primeiro ano da sua existncia, consegui uma pequena verba para que o ilustrador Adelmo Barreira fizesse

os desenhos da lmina. A primeira lmina de bandeja deu certo, a diretora de Marketing do McDonalds deu carta branca e sinal verde para dar prosseguimento para novas lminas. A partir dali ela seria mensal e j podia ser feita no horrio de trabalho, normalmente, ainda com a condio de assumir desde a criao at a finalizao o que acontece at hoje. Em seguida, o Adelmo, por motivos pessoais, parou de ilustrar as lminas de bandeja, e, para conseguir entreg-las no prazo, comecei eu mesmo a ilustr-las. Foi a minha volta para o campo da ilustrao. s vezes eu ficava sobrecarregado de trabalho e conseguia um prazo maior, o que possibilitava contratar outros ilustradores. Graas lmina comecei a ter contato com outros ilustradores, como Cia Esteves, Paulo Zilbermann, a grafiteira Nina... Teve at uma lmina que eu queria muito que fosse ilustrada pelo Fernando Gonsales, o pai do Nquel Nusea, mas ela no foi aprovada. Com um contato maior com ilustradores, comecei a namorar mais firme a idia de me tornar um ilustrador em tempo integral, depois que aconteceu um alinhamento da linha criativa do McDonalds do mundo inteiro mais exatamente quando foi lanada a campanha Amo Muito Tudo Isso ou Im Loving it, nos EUA. Foi quando as caixinhas e campanhas de McLanche Feliz comearam a vir prontas de outros pases, somente com o trabalho de adaptar para o portugus. Felizmente a direo do McDonalds decidiu deixar que o Brasil continuasse o trabalho com as lminas de bandeja, por ser um case nico, e vi que no valia mais a pena ser contratado apenas para faz-las. Foi quando pedi demisso e virei o que sou hoje, ilustrador autnomo.

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Os leitores das lminas de bandeja no so apenas crianas, mas adolescentes e adultos tambm. Porm, so as crianas e os adolescentes os mais entusiasmados com o trabalho, alm dos aspirantes a ilustrao recebo muitos emails deles. Eu procuro, sempre que possvel, usar o texto, informao e ilustrao de forma integrada, mas com uma pitada de irreverncia, sempre ldica. A proposta da lmina de bandeja nunca foi ensinar, mas de estimular curiosidade e a vontade de saber mais, dando pequenas gotas de conhecimento. Esse conceito se chama visual learning (aprendizado visual), pois a informao fica marcada se for vista de maneira divertida e

curiosa, ao contrrio do que aconteceria se ela fosse apresentada apenas com um texto corrido, modorrento. H 14 anos, quando comecei a trabalhar nesse conceito, ainda no existia internet, e isso aumentava ainda mais o interesse pelas curiosidades. Tive essa conscincia da importncia desse papel semi-educacional depois que virei autnomo, pois eu comecei a receber emails diretamente dos consumidores, com elogios e reclamaes (antes somente as cartas de reclamaes eram mostradas para mim), o que me possibilitou um retorno e uma avaliao direta do trabalho. Fiquei surpreso ao saber que muitas pessoas colecionavam as lminas de bandeja e que muitas escolas sem recursos as usam como ferramenta de aprendizado. Depois que tambm descobri que a tiragem das lminas era mastodntica, caiu a ficha de que a maneira como o pblico de So Paulo ou Rio de Janeiro via a lmina era diferente da das pessoas que moravam em regies extremas e menos favorecidas. Hoje tudo isso levado em conta na hora de cri-las. Eu uso um raciocnio mestre, uma linha pedaggica que orienta todas as lminas. Eu sou um admirador de carteirinha de Gianni Rodari, um pedagogo italiano que nasceu em 1920. Eu praticamente sigo todo o contedo do seu livro A Gramtica da Fantasia, no apenas nas lminas de bandeja, mas em qualquer trabalho que eu fao. Entre outras coisas, ele estimula o uso do erro como ferramenta criativa e o como quebrar um raciocnio lgico para tentar explicar algo, e reconstruir esse raciocnio de maneira diferente, para um uso tambm diferente.

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Por volta de 12 milhes de unidades, a cada nova bandeja que lanada. coisa pra dar apendicite em militante ecolgico. Alm disso, hoje tambm fao as chamadas lminas de bandeja regionais,

que so restritas a uma regio ou a uma cidade do Brasil (comemoraes de aniversrios ou eventos regionais). Essas so um pouco menores, coisa de 500 mil unidades.

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Nunca possvel agradar a todos. Embora milhares de pessoas escrevam elogiando o trabalho, so as reclamaes que so ouvidas (e cobradas) pelo McDonalds. A grande verdade que hoje ficou muito mais difcil trabalhar, tanto com humor como com informao, por causa do maldito Politicamente Correto. Existe hoje uma militncia, que tambm pode se chamar de intolerncia, que parece coisa de livro de George Orwell. J tive casos de leitores indignados porque ilustrei uma lagartixa (em um tpico numa lmina sobre ecologia que pedia para no matarem lagartixas); j tive quase uma ciznia diplomtica com a embaixada da Coria do Sul porque desenhei um coreano com um chapu tpico de fazendeiro chins (mas que tambm usado na Coria) e pedidos lisrgicos impondo uma cota de participao de negros, mulatos e pessoas com algum tipo de deficincia (cheguei a receber uma ameaa de um sujeito que contava a quantidade de negros e mulatos que eu desenhava em uma lmina de bandeja, me chamando escancaradamente de racista).

Existe tambm o problema de o McDonalds ser uma vitrine recm-lavada dos Estados Unidos. J perdi a conta dos emails belicosos de seres que podem ser chamados de radicais livres, me acusando de vender minha arte para o capitalismo selvagem, de ser parceiro do imperialismo americano. Tem gente, inclusive, que no acredita que as lminas de bandeja sejam feitas aqui no Brasil, e que o Hiro na verdade so funcionrios malpagos trabalhando em Chicago e adaptando o contedo de maneira suna para o Brasil, como os filmes gringos onde Diaz sobrenome brasileiro. Existem casos absurdos, mas divertidos e inofensivos, como de mes que querem ver os desenhos dos seus filhos nas lminas de bandeja ou de um senhor que sempre manda um poema para que eu coloque l. O crescimento da fama da lmina de bandeja se deu ao mesmo tempo em que eu sa da agncia e comecei a ser conhecido como o cara das toalhinhas de bandeja, por causa de uma reportagem que saiu na revista poca. A partir da minha cara ficou conhecida no mercado, o que me garantiu uma certa exposio salutar e, ao mesmo tempo, o interesse pelas lminas de bandeja tambm comeou a aumentar graas internet, pois colecionadores e comunidades virtuais comearam a ser criados por causa delas. Isso fez com que departamentos da empresa e da agncia vissem a dimenso do trabalho com todo seu valor institucional. Essa fama foi o fim da liberdade, pois antigamente eu tinha 90% de liberdade de propor todo tipo de temas e criar textos e ilustraes muito diferentes e intrigantes, sempre com o cuidado de no usar sexo, religio e poltica. Hoje, para se ter uma idia, todas os temas so criados pelo McDonalds, com rarssimas excees, e advogados fazem fila para caar possveis focos de problemas jurdicos. Infelizmente, lminas como Lendas Urbanas, Animais incrveis demais para serem reais ou Coisas que eu odeio nas pessoas dificilmente sero produzidas. No para o McDonalds, pelo menos.

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Na verdade a experincia no veio das lminas de bandeja, mas sim do tempo em que eu cuidava de todo material de McLanche Feliz, pois eu fazia os filmes, criava as caixinhas, as brincadeiras, os materiais de ponto-de-venda e at mesmo estratgias e diferenciais de campanha. O que eu aprendi sobre crianas que elas so mais espertas do que a maioria dos diretores de marketing gostaria que elas fossem. Para domar esse tipo de consumidor poderoso e instintivo, cria-se uma srie de rtulos onde se d um valor que eu acho excessivo para dados, pesquisas e nmeros. Hoje, toda campanha de marketing s comea se tiver esses dados cimentados em cima da mesa. Sempre achei que trabalhar com crianas uma questo de observao, tanto do momento e do ambiente, quanto da prpria criana, e partir para o risco criativo. Crianas no so adultos, no adianta pensar linearmente com elas; tem que arriscar e usar o absurdo, a fantasia e, principalmente, o que nunca foi visto antes, para conseguir um grande case de mercado, por mais que se diga que 75% das crianas gostam de super-heris de cueca vermelha.

Na grandiosa maioria das agncias de publicidade, a criatividade ficou menos importante do que a razo, e mesmo quando h criatividade, ela vem presa em rtulos e engradados, idias que viram clich no momento em que so manifestadas. E por causa disso, todas as grandes empresas no arriscam; usam o Excel como sua fonte de inspirao, quando o lado esquerdo do crebro que deveria dominar isso e usar os dados e pesquisas para fortalecer o conceito. Mas no futuro tudo isso pode mudar. Est em trmite no Congresso a aprovao de uma lei extremamente radical, que probe o uso de personagens, ilustraes, cores ou quaisquer outros diferenciais em embalagens e propagandas infantis. Caso essa lei seja aprovada, provavelmente acontecer uma reviravolta na forma que a publicidade infantil vista hoje. Sim, ela radical demais, ir provocar consequncias imprevisveis na parte econmica e social, mas talvez isso tambm seja um sinal de que algum tipo de equilbrio est por vir. Eu, pelo menos, consigo ver uma oportunidade de ouro para se trabalhar nessa rea, caso isso realmente seja efetivado.

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Adoro livros, menos os de auto-ajuda. Nesse ponto a parte profissional e pessoal se misturam, pois o que eu leio por causa de um trabalho comea a fazer parte da minha vida pessoal tambm. Pelo fato de as lminas de bandeja usarem temas diversos, que vo de esporte a histria da moda, toda vez que tenho um job novo, l vou eu fazer a compra do ms, seja ela na livraria da esquina ou na Amazon.com. Eu era uma criana e adolescente muito s (sons de violinos tristes ao fundo). Sempre carreguei algum livro na mochila, pois toda vez que eu enfiava a cara no livro, a sensao de solido sumia. Eu sempre digo, parafraseando um outro ditado, que O livro o amigo porttil. Graas ao meu pai, meu gosto pela leitura comeou muito cedo. Ele me estimulava dando gibis, os quadrinhos da Folha de So Paulo e a revista Recreio. A leitura algo que j se incorporou organicamente dentro de mim, ajuda a formar novas idias, d outros pontos de vista e alguns marcam sua vida para sempre. Tenho sorte de trabalhar em uma profisso onde ler uma constante.

Hoje eu compro porque acho o livro interessante, mas no tenho necessidade de ler tudo que adquiro, com exceo dos livros que compro para pesquisas das lminas de bandeja. Hoje entendi que tambm no importa a quantidade de livros que voc l, e nem mesmo a qualidade, se no souber como cruzar as informaes e o conhecimento que voc tira dele para um uso mais prtico, mesmo que seja para um auto-conhecimento. Desse jeito voc s acumula informao. Melhor ler poucos livros e us-los de maneira correta. Fiquei felicssimo ao ler um artigo de Umberto Eco (O Nome da Rosa) em que ele tira a dor da minha conscincia por comprar muitos livros que eu no chego a ler. Ele acredita que todos os livros que voc compra e guarda em sua estante formam o que ele chama de Antibiblioteca. Voc no tem que ler todos os livros que compra, mas eles devem ficar l paradinhos para um dia serem consultados se voc precisar de alguma informao. Sua biblioteca particular jamais deve ser um motivador para aumentar o ego do proprietrio, mas sim uma ferramenta de pesquisa, pois livros no lidos so to importantes quanto livros j lidos.

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Ilustrao e escrita so duas irms gmeas fraternas, e no univitelinas (aqueles gmeos que saem diferentes da barriga da me). Voc pode expressar uma idia s pela escrita, s desenhando ou fazendo um bem-bolado entre os dois. Isso veio desde as lminas de bandeja, pois nesse trabalho a relao entre texto e ilustrao quase ntima. Uma coisa depende da outra para dar certo.

Da veio o blog. Ele nasceu de um projeto para um cliente e depois resolvi seguir com ele, e decidi falar sobre o que eu mais entendia, que ilustrao. E descobri que era possvel falar sobre ilustrao de maneira humorada e diferente, e no com um verniz acadmico e sorumbtico. Isso desbloqueou minhas travas para escrever meus textos particulares e histrias. E embora seja ilustrador, tem dias em que acho que escrevo melhor do que desenho.

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Depois de tanto tempo trabalhando na rea de publicidade e design, bateu uma vontadinha de fazer algo mais autoral. Acho que esse momento chega para todo ilustrador, principalmente aqueles que dependem de briefings para trabalhar. Comearam como livrinhos infantis, tornaramse romances infantis e por fim se tornaram romances com toques infantis. A histria j est pronta, e agora estou fazendo testes na parte grfica, pois ela depende de ilustraes para ser totalmente compreendida. De repente eu chuto o balde e adapto tudo pra virar uma grande histria em quadrinhos, quem sabe?

Ainda quero fazer uma verso aquarelada do I Ching, o Livro das Mutaes, com um texto traduzido direto do chins por um mestre taosta que viveu no Brasil, at falecer, h alguns anos (pouca gente sabe, mas eu j dei aulas de I Ching em uma escola de acupuntura). Mas esse um projeto para a vida toda. E agora surgiu essa vontade de fazer um livro s com as lminas de bandeja que nunca sero feitas para o McDonalds, mas ainda so idias boas demais para ficarem vagando soltas como almas penadas. E elas do um trabalho do co para serem feitas.

Espero que antes de dezembro de 2012.

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A Revista Sacapuntas, a parente argentina da Revista Ilustrar, est na edio n 18, cada vez maior e melhor. Neste nmero, uma entrevista com Luciano Vecchio; tambm a continuao de uma matria sobre ilustrao cientfica e um texto de Lucas Nine sobre desenhos de Rodolfo Fucile. Imperdvel! www.a-d-a.com.ar/sacapuntas.php

A famlia latino-americana de revistas de ilustrao est aumentando. Paralela Revista Sacapuntas, temos tambm a Revista Artefacto, dos nossos colegas do Per, sob a batuta de Omar Zevallos Velarde. J na edio n 12, conta com vrias matrias de diversos pases, uma delas sobre caricaturistas brasileiros. http://artefacto.deartistas.com

www.releituras.com / ilustrao Rodrigo Rosa

Casamento perfeito: um site bacana de crnicas, escrito por vrios grandes escritores, e muitos dos textos ilustrados por grande artistas. E o melhor, d para se fazer a busca dos textos por ilustradores, que inclui uma pequena biografia de cada artista: www.releituras.com

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A japonesa Sachiko Kodama tem um currculo impressionante: aps uma graduao em fsica, frequentou um curso de belas-artes, e logo em seguida iniciou o doutoramento na rea da holografia e arte computacional. O resultado? Esculturas em ferrofluido, ou fludo magntico. www.kodama.hc.uec.ac.jp

Com um trabalho delicado, que s vezes parece o de aquarelas ou ilustraes orientais, o artista holands Albert Koetsier tcnico em raio-x e fotgrafo amador. E utilizando essa experincia, ele tira raios-x de vrios elementos na natureza, resultando em uma composio interessante, alm de revelar detalhes, s vezes escondidos, dos elementos: www.beyondlight.com

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