revista exame brasil situacao economia -julho-2014

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  • BRASIL I economia

    Aps uma dcada de expanso,o consumo e a gerao de empregosdo sinais de esgotamento e j noimpulsionam mais a economia como antes.Sem mudanas, ser difcil inaugurarum novo ciclo de crescimento I FLVIA FURLAN

    OSLTIMOS MESES TMSIDO DIFrCEIS para ooperrio Jos GilbertoAzevedo Dias, de 48anos. Em janeiro, eleperdeu o emprego de metalrgico naTorcomp, fabricante de autopeas deBarueri, na Grande So Paulo, ondetrabalhava desde 2000. "Asencomen-das vinham caindo desde o ano passa-do, e fui demitido com alguns colegas",afirma Dias. Seu antigo empregadortem entre os clientes montadoras co-mo Scania eVolvo.Caso as vendas noreajam, a empresa pretende demitirat dezembro 10%dos 240 funcion-rios restantes. Hoje, Dias sustenta afamlia contando com o salrio da mu-lher, auxiliar de enfermagem, e com oseguro-desemprego, que receber at

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    agosto - o casal divide uma casa noJardim SoBento Novo,bairro da zonasul de So Paulo, com um filho de 22anos e uma filha de 15.Dias est pro-cura de trabalho. Enquanto no encon-tra, tem feito o possvel para economi-zar no dia a dia. Ele cancelou o contra-to da TV por assinatura e vai tirar acaula do curso de ingls. "No estoucomprando nada que no seja muitonecessrio", diz ele. "Minha ideia re-duzir as despesas at encontrar umemprego, o que est difcil de achar."Opessimismo de Dias no semmo-

    tivo. Os dados mais recentes mostramque os principais indicadores nosquais a poltica econmica do governoainda se sustenta - a gerao de em-pregos e a expanso no consumo dasfamlias - esto fraquejando. A inds-

    tria vem gerando menos empregosdesde 2010. As empresas de servios,que respondem por dois teros da eco-nomia brasileira e foram as principaiscriadoras de postos de trabalho no pe-rodo recente, tambm esto gradual-mente abrindo menos vagas. " natu-ral uma desacelerao no nmero devagas criadas medida que a economiase aproxima do pleno emprego", dizPaulo Caffarelli, secretrio executivodo Ministrio da Fazenda .. "No hperda de flego no mercado de traba-lho!' No bem assim. Em maio, o sal-do entre empregos criados e demissesfoi positivo em 59000 vagas, o piornmero para o ms em duas dcadas,segundo o Ministrio do Trabalho eEmprego. H poucas perspectivas deque os prximos meses sejam melho-

  • JOINVILLE (se): as vendas de geladeiras efoges da empresa caram cerca de 10% no primeiro semestre de 2014

    Dependendo do que ocorrer nocenrio externo, j h quem trabalhecom a possibilidade de uma quedano consumo nos prximos anos

    res. Passada a Copa do Mundo, hotise restaurantes devem enxugar o qua-dro. Operrios que continuam traba-lhando nas obras no entorno dos est-dios podem ser demitidos. Os econo-mistas preveem que o desemprego vaisubir no ano que vem - um aumentona taxa anual no registrado desde2009. "Muitas empresas demoraram ademitir, mesmo com a economia emqueda, porque tinham esperana de

    uma recuperao", afirma RodrigoLeandro de Moura, pesquisador doInstituto Brasileiro de Economia, daFundao Getulio Vargas.Num momento em que a inflao re-

    duz o poder de compra das famlias -em junho, ela superou os 6,5%, teto dameta estabelecida pelo Banco Central-, a perspectiva de que o mercado detrabalho fique mais apertado refreou ompeto para consumir. Um estudo pro-

    duzido pela consultoria Tendnciascom exclusividade para EXAME dideia do que pode acontecer nos prxi-mos cinco anos: na melhor das hipte-ses, o varejo crescer em mdia 3,2% aoano, quase a metade do ndice de ex-panso anual registrado de 2003 a 2014.J no cenrio pessimista, as vendasdevero cair at 2019 - isso acontece-ria no caso de uma conjugao de pro-blemas tanto fora quanto dentro dopas. "Se a economia mundial passarpor problemas, como uma desacelera-o mais acentuada da China, ou o go-verno brasileiro mantiver uma polticafiscal frouxa, o consumo no s vai pa-rar de crescer como comear a cair, oque ocorreu no perodo de 2000 a2003", diz Adriano Pitoli, scio da Ten-dncias. "De todo modo, o fato que

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  • BRASIL I economia

    chegamos ao fim de um ciclo de consu-mo e agora temos uma chance conside-rvel de passar por uma ressaca." Caf-farelli, do Ministrio da Fazenda, dis-corda: "Amelhora da distribuio derenda tende a manter o estmulo aoconsumo nos prximos anos".Por ora, as empresas que dependem

    de crdito sofrem mais - nos ltimosanos, o brasileiro se endividou e com-prometeu, em mdia, um terco de suarenda. o caso do setor aut~motivo,que viu suas vendas carem no primei-ro semestre deste ano 7,6%em relaoaomesmo perodo de 2013.Um estudoda consultoria econmica FFA, de SoPaulo,estima que haver uma queda de20% nas vendas de imveis na capitalpaulista neste ano. Outra empresa deanlise, a BG&B,prev que 30 dos 120shoppings que esto planejados paraentrar em operao no pas at 2018

    PILARES ENFRAQUECIDOS

    tos Honda, que detm 80% de partici-pao no mercado, viu suas vendasrecuarem 8%nos primeiros cinco me-ses deste ano em relao ao mesmoperodo do ano passado. "Cerca de80% dos consumidores financiam acompra das motos", diz Paulo Takeu-chi, diretor de relaes institucionaisda Honda. "Do ano passado para c, osbancos comearam a restringir o cr-dito, e isso afetou nosso desempenho."Para voltar a crescer, a Honda est re-tomando as vendas por consrcio,principalmente nos estados do Nortee do Nordeste. A empresa tambmbusca se fortalecer entre os consumi-dores de maior poder aquisitivo, comoalternativa ao mercado popular, emqueda. Desde meados de 2013, foramlanados trs modelos da marca commotor acima de 500 cilindradas - aexpectativa da Honda , at 2016, au-

    A gerao de empregos e o consumo das famlias - os dois principais indicadores

    o EMPREGO RECUAAs principais reas de atividade econmicaesto gerando menos postos de trabalho(saldo de vagas de trabalho abertas no ano, em milhares)

    A tendncia que o desempregovolte a crescer nas grandes cidades(taxa de desemprego anual/')

    INDSTRIA DATRANSFORMAO

    2007 _ , 4432010, 5542013. ....... .... , 121

    2007' 700SERViOS 2010, 1045

    2013 ..., 553

    2007 ..~ .." , 552010 ..........., -1702013 , -7

    AGRICULTURA

    6%

    . , 4902007-;;1.

    COMRCIO 2010' 6372013 _ .........., 317

    devem postergar a inaugurao em aomenos um ano, espera de um cenriomelhor na economia. E, nos shoppingsque mantm o cronograma de inaugu-rao, podem sobrar at 5 000 salesde lojas desocupados.As empresas j tentam se adaptar a

    esse novo cenrio. Afabricante de mo-

    48 I www.exame.com

    2011 2012 2013 2014 2015

    mentar dos atuais 31%para 50% suafatia nesse segmento do mercado.Entre os fabricantes de eletrodo-

    msticos - um dos ramos mais bene-ficiados pela reduo de impostospara empurrar o consumo - tambmh dificuldades. Na Whirlpool, donadas marcas Brastemp e Consul, asven-

    O consumo das famlias estcrescendo mais lentamente ...(evoluo das vendas no varejo)

    10,9%

    2010 2011 2012 2013 2014 2015

    das caram 10%no primeiro semestrede 2014. "Em junho, tivemos de darfrias coletivas de 14dias para metadedos funcionrios", diz Armando Ennesdo Valle Jnior, vice-presidente derelaes institucionais da Whirlpool."Estamos esperando para ver como omercado reagir no segundo semestre.

  • do em 2015. "Vamos comear um pe-rodo de mediocridade no qual o Brasildificilmente conseguir crescer maisdo que 2% ao ano", diz Marcos Lisboa,vice-presidente da escola de negciosInsper. "Qualquer expanso maior re-sultar em mais inflao." A propsito,o Ministrio da Fazenda prev 3% decrescimento em 2015.O Brasil chega perto das eleies

    com a percepo de que os indicadoresesto piorando. "O governo tentoumanter o argumento. insustentvel.deque a expanso do PIE no importavatanto quanto a taxa de desempregobaixa", diz Jos Roberto Mendona deBarros, scio da consultoria MB Asso-ciados. "Mas, se o crescimento da eco-nomia fica prximo de zero, como estocorrendo agora, o desemprego come-a a subir." Para sair dessa armadilha,ser preciso fazer ajustes. "Um deles

    nos quais a poltica econmica do governo ainda se sustenta - entraram em declinio

    o CONSUMO ESFRIA.e, neste ano, a tendncia de queda nas vendas a prazo(variao no nmero de consultasde crdito para vendas a prazo no SPC)

    5,07% 0,69% -4,83% -4,42% -2,08% -2,06%

    jan fev mar abr mai . jun(1) Nas seis maiores regies metropolitanas (2) Estimativa Fontes: Caged. Servio de Proteo ao Crdito e Tendncias Consultoria

    Dependendo do que acontecer, pode-r ser inevitvel demitir."Em parte, o fim do ciclo do consumo

    est relacionado a um comportamentoquase esquizofrnico na conduo dapoltica econmica. Enquanto o BancoCentral eleva os juros na tentativa detrazer a inflao para o centro da meta,

    dos 120 shoppingsprevistos at 2018 cogitampostergar sua abertura

    5000loja.? nos demais shoppingsdevem fitar desocupadasaps a inaugurao

    7,6% a queda nas vendasde veculos de janeiroa junho de 2014

    OSCENRIOS

    Nos prximos quatro anos, a ~nda e as vendas no varejo devemcrescer de forma mais modesta, prev a consultoria Tendncias(evoluo mdia anual do P18, da renda e das vendas no varejo) PIB Renda das famlias

    o QUEOCORREU2000-2003

    2004-2013

    Vendas no varejo

    A PREVISOPARA 2014-2019Cenrio bsico

    2,2% 2,7% 3,2%

    Cenrio pessimista

    3,7% 5,3% 7,5%

    o governo relaxa na poltica fiscal eestimula o consumo. Dessa forma, notem alcanado nem o crescimentomais forte nem o controle dos preos.As previses para a variao do PIEneste ano esto agora sendo revisadaspara menos de 1% de avano. E os ana-listas j esperam crescimento mingua-

    1,4% 0,9% -1,1%"':" "':" -:-. . .

    ~

    destravar os investimentos em infra-estrutura para melhorar a produtivi-dade das empresas e crescer sem gerarinflao", diz Werner Baer, professorda Universidade de Illinois e autor dolivro The Brazilian Economy, Growthand Development. Se isso no ocorrerlogo, a ressaca pode ser prolongada. _

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  • VIDAREALJ.R.GUZZO

    Muda, Brasil.S no futebolA presidente Dilma finalmentereconheceu que est na horade fazer mudanas. A renovaoapontada, porm, nada tema ver com o que o pas precisapara deixar o atoleiro da faltade crescimento e outras misrias

    APRESlDENTE DILMA RO~ AT QUE ENFIM, RE-CONHECEU QUE EST NA HORA defazer mudancas.Que sorte a nossa, no mesmo? Essa inesperadaviagem de volta realidade j vem tarde - mais do quetarde, na verdade, considerando-se o desempenho melan-clico da economia brasileira durante todo o seu governo ea ausncia de qualquer sinal objetivo de melhora para ofuturo prximo. Antes tarde do que nunca, porm. Admitirque a gesto econmica do pas no. a mais perfeita que sepoderia esperar dos responsveis por sua conduo - comoa presidente, o ex-presidente Lula e todo o seu sistema deapoio asseguram que - abriria a perspectiv de algumarenovao. Mas no nada disso. A mudana de que Dlmaestava falando, na ressaca dos 7 a 1que a seleo de futebolbrasileira tomou da Alemanha e colocou um pavoroso adeusna fantasia do "hexa", no tinha nada a ver com a economia,cada vez mais atolada no no crescimento e outras misrias.O que precisa mudar, no veredito da nossa "gerente", ofutebol nacional - uma convico verdadeiramente estra-nhssima vinda da presidente, pois at a vspera da surrana Copa ela achava que a equipe brasileira era a perfeioem pessoa, quase igual de seu governo. Como todos selembram, a doutrina oficial antes do dia 8 de julho susten-tava que s os maus brasileiros poderiam achar algo a cri-ticar no desempenho da Seleo Canarinho. Dilma, comesse rancor que s ela, Lula e o PT so capazes de exercitar,vinha despejando desde o jogo de abertura maldies in-dignadas contra quem quer que pudesse ter alguma dvidade que o Brasil seria o campeo de 2014 - seriam, como ela

    DIANTE DA REALIDADE: no campo esportivo, a derrota foiinegvel; mas 110 campo econmico perdura o desafio aos fatos

    disse, "urubus", pessimistas profissionais, traidores da p-tria, gente pessimamente intencionada, que s pensa emprejudicar seu governo e o povo brasileiro. Concluso: nadavai mudar naquilo que responsabilidade direta da presi-dente e de seus auxiliares. No h nada de errado a notarna paralisia econmica sofrida hoje pelo Brasil e na inpciado poder pblico em apresentar ideias coerentes para me-lhorar essa situao. Nosso problema, segundo acaba dedescobrir a presidente, o futebol.A realidade, naturalmente, mostra o contrrio do que o

    governo imagina ou faz de conta imaginar. O crescimentoda economia em 2014 promete ficar prximo de 1%se nadapiorar daqui at 31 de dezembro. A inflao est roncandooutra vez; j passou do limite mximo previsto na meta ofi-cial e, se avanar ainda mais um pouco, comear a ficarperto da zona de perigo, onde os-controles deixam de fun-cionar. Os juros, pelo jeito, vo chegar ao fim dos primeirosquatro anos do mandato de Dilma num nvel acima do queestavam quando assumiu a Presidncia. At h pouco tem-po, o governo sustentava a tese extravagante de que seuobjetivo era reduzir a taxa de juro - algo que fez, sem pen-sar na consequncia, at ficar evidente que no havia a me-nor condio real de afrouxar o custo do dinheiro sem atiaroutra vez a inflao. O consumo anda de lado, na melhor dashipteses. As estatisticas apontando para ndices baixos dedesemprego, que Dilma tomava como prova da competnciade sua "poltica econmica", deixaram de animar. Vinhamsendo uma beleza em termos de criao de empregos malremunerados, precrios e indiferentes para o avano da eco-nomia; agora. nem isso so mais. A indstria automobilsti-ca, esse fatdico termmetro de nossa atividade econmica,voltou a exibir desabamento nas vendas, ptios lotados deautomveis sem comprador e outros clssicos sinais de queo futuro est cinzento, a caminho de ficar preto.No h muito a esperar. Lula, o rbitro de tudo nesse go-

    verno, se diz convencido de que a economia brasileira nopoderia estar melhor; desafiou os fatos, recentemente, aoexigir que lhe apontem "dois ou trs pases" com desempe-nho superior ao nosso. H dezenas de exemplos disponveis,a comear pelos vizinhos aqui da Amrica Latina. E da?Muda, Brasil- mas s no futebol, claro. _

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