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Revista do Portal das Poéticas Visuais

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Revista do Portal das Poéticas Visuais

Sensual

20061 m x 1,20 mTécnica Mista

Acervo de Artes Visuais da Faac-Bauru

Sueli Dabus

Revista do Portal das Poéticas Visuais

Editores CientíficosRicardo Nicola e Nelyse Salzedas

Editora ExecutivaRosa Maria Araújo Simões

Comissão de Relações InternacionaisMaria Luiza C. Costa e Rosa Maria Araújo Simões

Coordenação Editorial:

Maria Antonia Benutti, João Eduardo Hidalgo, Maria do Carmo Jampaulo Plácido Palhaci, Milton Koji Nakata, Dorival Rossi, Luiz Antonio Vasques Hellmeister, Ro-berto Deganutti, Adenil Alfeu Domingos, Sônia de Bri-to, Guiomar J. Biondo, Elaine Patrícia Grandini Serrano, Maria Luiza Calim de Carvalho Costa, Joedy Luciana Barros Marins Bamonte, Rosa Maria Araújo Simões, José Marcos Romão da Silva, Célia Maria Retz Godoy dos Santos, Solange Maria Bigal, Solange Maria Leão Gon-çalves, Ricardo Nicola e Nelyse Apparecida Salzedas.

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA“JULIO DE MESQUITA FILHO”

Coordenação Técnico-CientíficaNúcleo de Pesquisa em Multimeios Mídia Press

Editor Assistente/Projeto Gráfico EditorialFelipe Oliveira CavalieriUniversidade Estadual Paulista (UNESP) - Bauru, São Paulo, Brasil

WebdesignLucas Trentim Navarro de AlmeidaUniversidade Estadual Paulista (UNESP) - Bauru, São Paulo, Brasil

Edição e preparo de originais/Tradutor dasversões impressa e on-line:Ivan Abdo AguilarUniversidade Estadual Paulista (UNESP) - Bauru, São Paulo, Brasil

Edição de Imagens e CapaAnderson Thiago GenerozoUniversidade Estadual Paulista (UNESP) - Bauru, São Paulo, Brasil

Conselho Científico:

Diana DominguesUniversidade de Brasília (UnB) - Brasília, Distrito Federal, Brasil

Derrick de KerckhoveUniversidade de Toronto (UofT) - Toronto, Ontário Canadá

Massimo de FeliceUniversidade de São Paulo (USP) - São Paulo, São Paulo, Brasil

João Carlos CorreiaUniversidade da Beira do Interior - Covilhã, Portugal

Andreia Célia MolfettaUniversidad de Buenos Aires - Buenos Aires, Argentina

Dana LeeRyerson University - Toronto, Ontário, Canadá

Emilio Garcia FernandezUniversidad Complutense de Madrid - Madrid, Espanha

George Michael KlimisPanteion University - Atenas, Grécia

Francisco Cabezuelo LorenzoUniversidad de San Pablo - Barcelona, Espanha

Ana Mae Tavares BarbosaUniversidade de São Paulo (USP) - São Paulo, São Paulo, Brasil

Anamélia Bueno BuoroCentro Universitário Senac - Santo Amaro, São Paulo, Brasil

Maria Cristina Castilho CostaUniversidade de São Paulo (USP) - São Paulo, São Paulo, Brasil

Irene Gilberto SimõesUniversidade de São Paulo (USP) - São Paulo, São Paulo, Brasil

Mario PiredduUniversità degli Studi Roma TRE - Roma, Itália

Massimo CanevacciUniversità de Roma - La Sapienza - Roma, Itália

Eduardo Peñuela CanizalUniversidade de São Paulo (USP) - São Paulo, São Paulo, Brasil

Antonio Manuel dos Santos SilvaUniversidade Estadual Paulista (Unesp) - Bauru, São Paulo, Brasil

Duda Penteado, Artista PlásticoNew Jersey City University - New Jersey City, NJ, EUA

Elza AjzenbergMuseu de Arte Contemporânea (USP) - São Paulo, São Paulo, Brasil

Edson LeiteUniversidade de São Paulo (EACH USP) - São Paulo, São Paulo, Brasil

Jesús González Requena Universidad Complutense de Madrid - Madrid, Espanha

Genaro Talens Université de Genève (UNIGE) - Geneva, Suíça

Julio Pérez PeruchaPresidente de La Asociación Española de Historiadores del Cine, Ma-drid - Madrid, Espanha

George PrestonCity University of New York, New York, EUA

Poéticas Visuais/Impresso no BrasilISSN: 2177-5745 versão impressa - ISSN: 2317-4935 versão on-line

Classificação CAPES Qualis B3 em Artes/Núsica, B2 em Interdisciplinar e B5 em Ciências Sociais Aplicadas

ReitorJulio Cezar Durigan

Vice-reitoraMarilza Vieira Cunha Rudge

Pró-reitor de Pós-GraduaçãoEduardo Kokubun

Diretor FAACNilson Guirardello

Volume 3 N° 2 2012www.poeticasvisuais.com

copywrite.Revista Poéticas Visuais, Faac/Unesp/2012

Revista do Portal das Poéticas Visuais da Universidade Estadual Paulista“Júlio de Mesquita Filho”

Av. Luiz Edmundo Carrijo Coube n° 14-01CEP 17033-360 Bauru/SPPABX (14) 3103 - 6000

As opiniões expressas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. Todo material incluído nesta revista tem autorização expressa dos autores ou de seus representantes legais.

EDITORIAL

Um Etore Scola Inusitado An unusual Etore Scola Mariarosaria Fabris p. 15

A Arte nas ondas do rádio: ações e procedimentos para esta práticaThe art on the radio waves: actions and procedures for this practiceThiers Gomes da Silvap. 20

Um olhar em tríade: caminhos abrindo espaços A look at triad: paths open spaces Terezinha de Jesus Bellotep. 29

Maçãs mordidas: tecidos em redes, Jobs e Ana Maria Machado Apples bites: tissue networks, Jobs and Ana Maria Machado Clarice Zamonaro Cortezp. 42

Artistic RevolutionAbraham Lubelskip. 45

“Os Mortos de Sobrecasaca*”“The deads with frock”Adenil Alfeu Domingos (In Memoriam)p. 49

EDITORIAL

Artigos

P. 13 Sumário

NO

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A C

OLA

BO

RA

DO

RES

p.

140

Semiótica aplicada ao ensino de interpretação de texto didático não literárioSemiotics applied to the teaching of comprehension for non-literary didatic textRenato Ferreira Narducip. 50

O desenho das energias, John Ruskin e as Pedras de Veneza The design of the energies, John Ruskin, and the Stones of VeniceClaudio Silveira Amaralp. 56

Duende ArtJosé Rodeiro

p. 72

Poética UbíquaUbiquitous poetics

Massimo Canevacci p. 99

Artes Cênicas, o ator e o desenho de animaçãoPerforming Arts, actor and animation design

Myrian Pessoa Nogueira p. 114

A poética visual de Nuno RamosThe Nuno Ramos’ Visual Poetics

Pedro Luiz Padovini p. 126

A arte sendo revisitada pelo contexto da repressão e da presentaçãoThe Art has been revisited through the context of repression and presentationNelyse Apparecida Melro Salzedasp. 138

Como entender a função informacional tecnológica nos processos de construção artística?How to understand the rule of technological information in the process of artistic construction? Ricardo Nicola p. 139

RESENHAS

Após navegar pelos textos de Cabral, Drummond, Borges, ancoro, agora, em um texto de Ernest GOMBRICH1,

“Ce que l’image nous dit”(2009), em forma de diálogos com Didier ERIBON2. Por que o crítico e historiador austrí-aco? Pela sua postura em relação ao conceito de arte resultante de seus diálogos com Eri-bon. Afinal, o que é a Arte? Podemos to-má-la em dois sentidos: arte infantil, arte de doentes mentais; não se diz que são grandes obras de arte, mas simplesmente pintura ou criação de imagens, contudo, se se diz isto, é um obra de arte; estamos exprimindo um juizo de valor. São coisas, pois diferentes. Por outro lado, responde: “eu emprego a palavra ‘arte’ quando a realização torna-se também importante ou mais importante que sua fun-ção”. Há, também, uma história tecnoló-gica da arte como uma história do gosto, do estilo, das influências exercidas de um mestre sobre outro.(2009) Mas, passemos para o posicionamen-to de uma revista “Connaissance des Artes”3 (2012), que retoma o conceio de arte: a Arte não é, sobretudo, uma exposição de um fato histórico (realidade histórica); ela é um sig-no, mas um signo muitas vezes precursor que anuncia e diz coisas que, sobretudo, outros signos não dizem tão bem. Eis caminhos. Eis encruzilhadas. Pa-remos ante eles e elas, e caminhemos: espere-mos que “Poéticas Visuais” discuta-os através do seus artigos.1-2.GOMBRICH, Ernst; ERIBON, Didier. Ce que l’image nous dit. Paris: Editions, Cartouche, 2010.3.CONNAISSANCE des artes - Hour-série. Paris, v. 555, 2012.

Nelyse Apparecida Melro SalzedasLíder do Grupo de Pesquisa do CNPq

“Texto e Imagem”Unesp-Bauru

EDITORIAL

DES

TA

QU

ES

15Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2

Um Ettore Scola inusitado An unusual Ettore Scola

Mariarosaria Fabris

Doutora em Artes, no campo do audiovisual (cinema), e professora aposentada da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Socine) de Sâo Paulo, São Paulo, SP.

Abstract This article discusses aspects of Ettore Scola’s filmography; he was considered at this stage a director differen-

tiated, why not “unusual”. The text is devoted to the Scolas´s cinematographic aesthetics, pointing out few moments of his work.

ResumoEste artigo discute aspectos da filmografia de Ettore Scola, ao que considerou-se nesta fase um diretor diferen-

ciado, por que não, “inusitado”. O texto é dedicado à estética cinematográfica de Scola, pontuando alguns instantes de sua obra.

Em Trevico-Turim: viagem no Fiat-Nã, ao narrar a história do jovem Fortunato Santospirito, que migra para Turim a fim de trabalhar na FIAT, Ettore Scola traça um painel das lutas políticas e sindicais que agitaram a Itália entre os anos 1960 e 1970.

Dessa forma, realiza um filme militante, que foge às características de sua produção, mas que prepara o terreno para as realizações do período mais fecundo de sua trajetória, de Nós que nos amávamos tanto (C’eravamo tanto amati, 1974) em diante.

Dentre as obras de Ettore Scola, há uma que parece não enquadrar-se em sua filmografia. Trata-se de Trevico-Turim: viagem no Fiat-Nã (Trevico-Torino - viaggio nel Fiat-Nam, 1973), que antecede o perí-odo mais fecundo de sua trajetória, de Nós que nos amávamos tanto (C’eravamo tanto amati, 1974) em diante.

O título do filme alude à migração interna, que caracterizou a Itália principalmente nos anos 1960, como consequência da retomada econômica que atingiu prevalentemente o Noroeste do país, depois que este se recuperou dos desastres da guerra. Trevico (onde o diretor nasceu), um distrito de Avellino, na região da Campânia, portanto no Sul da Itália, é um lugarejo como o que Scola retratará em Splendor (Splendor, 1988). E Turim é uma das três grandes cidades industriais do Norte (ao lado de Milão e Gê-nova), para a qual se dirigiram, em busca de uma vida melhor, italianos do Sul em sua grande maioria, mas também de regiões centrais (Toscana) e do Nordeste da península (Trentino e Friul), como Trevico--Turim: viagem no Fiat-Nã mostra.

Além disso, a junção entre a sigla FIAT (Fabbrica Italiana Automobili Torino) e a designação geográ-fica Vietnã, ao evocar a guerra travada naquele período no Sudeste asiático entre duas grandes frentes

Keywords: Ettore Scola, cinema, filmography, cine-biography, analize, cinematography.

Palavras-Chave: Ettore Scola, cinema, filmografia, cine-biografia, análise, cinematografia.

, p. 15-19, 2012.

16 17Poéticas Visuais, Bauru, v. 3, n. 2 Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2

Cena do filme: Trevico-Torino - Viaggio nel Fiat-nam (Ettore Scola - 1973)

francês, e começaram a surgir alguns grupos altamente politizados, como o Collettivo Politico Metro-politano, de Milão, em setembro de 1969, de cujas fileiras sairão alguns dos futuros fundadores das Br (Brigate Rosse, ou seja, Brigadas Vermelhas), um ano depois. O governo predominantemente de direita tentava fazer frente a essas manifestações promovendo uma violenta repressão na qual não faltaram aten-tados - atribuídos aos grupos neofascistas Nuclei Armati Rivoluzionari e Ordine Nuovo -, classificáveis como verdadeiras carnificinas, dentre os quais o de Piazza Fontana (Milão, 12 de dezembro de 1969), que inaugura os chamados anos de chumbo na Itália, provocando, como reação, o início da luta armada por parte de algumas facções da esquerda extraparlamentar (além das Br, Lotta Continua, Nuclei Arma-

1 - Napoli era o termo empregado depreciativamente para designar um sulista imigrado para o Norte. Seu emprego, provavelmente, se deve ao fato de todas as regiões do Sul, exceto a Sardenha, pertencerem ao Reino de Nápoles ou Reino das Duas Sicílias, antes da unificação do país (1860).

ideológicas, já traduz a ideia dos conflitos internos a serem abordados na obra de Scola. Como já tive oportunidade de observar (Fabris, 2006), a Itália havia adentrando os anos 1960 cindida entre o boom econômico e o início das lutas sindicais e estudantis, o pragmatismo do “capitalismo selvagem” e a utopia do “queremos tudo” de seus contestadores (“Vogliamo tutto” era um dos slogans dos operários da FIAT nas greves desse período), a violência do Estado e a violência de seus opositores. A prática das lutas operárias de 1968-1969 - principalmente a do “autunno caldo” (“outono quente”) de 1969 - somava-se à experiência do movimento estudantil, cujas manifestações, na Itália, antecederam as do maio

ti Proletari, Potere Operaio etc.). O Partido Comunista Italiano, por seu lado, temendo os “golpes bran-cos” da direita e uma consequente guinada reacionária (temor que se acentuará com a queda de Salvador Allende, a 11 de setembro de 1973, no Chile) e preocupado com um provável fracasso uma vez conquis-tado o poder, irá propor o chamado compromisso histórico, baseado na colaboração entre comunistas e De-mocracia Cristã. Esse é o pano de fundo de Trevico-Turim: viagem no Fiat-Nã, que conta a história do jovem Fortunato Santospirito (cujos nome e sobrenome têm uma cono-tação amargamente irónica), o qual

alcança Turim para trabalhar na FIAT exatamente no período do “outono quente”, quando as reivindica-ções do operariado italiano se intensificaram. Lá, ele conhece de perto a exploração e a alienação à qual estavam sujeitos os trabalhadores e o tratamento reservado pela população local aos que vinham do Sul, quase todos indistintamente apelidados de napoli (que corresponderia a “paraíba” ou “baiano”), embora

3 - isso talvez porque o cineasta era filiado ao PCI e a Unitelfilm (ligada ao partido) produziu o filme. Para essa produtora, o diretor realizou alguns trabalhos, como o registro dos festivais promovidos pelo PCI - Festival dell ‘Unità 1972 (1972) e Festival Unità (1973) - e das exéquias do último grande líder do partido- L ‘addio a Enrico Berlinguer (1984) -,os quais, junto com uma enquete sobre Lotta Continua e algumas sequências rodadas na periferia romana em homenagem a Pier Paolo Pasolini (quando de sua morte), constituem o que Scola denomina “documentos”, recusando-se a empregar o termo “documentário”, uma vez que essas obras “pouco tinham a ver com cinema na acepção mais estrita” (Prudenzi & Resegotti , 2006, p. 134).

provenientes de outras localidades que não a cidade de Nápoles¹ como lembra o próprio Scola (Prudenzi & Resegotti, 2006, p. 135), numa entrevista.

Muitos dos sulistas que trabalhavam em Turim viviam na própria pele os contrastes, as dificuldades dos novos trabalhos. Tentemos imaginar como pode ter sido difícil para eles se apropriarem de gestos que nada tinham em comum com a atividade rural. Ali estavam diante de máquinas desconhecidas, e não por acaso a percentagem de acidentes de trabalho era altíssima. Para não mencionar as condições de vida: no começo dos anos 1970, a Fiat ainda não tinha um refeitório, e os operários levavam de casa as marmitas e na hora do almoço começavam a comer entre o maquinário, ou nos pátios. Depois viviam outra difi-culdade, ligada ao fato de que não possuíam uma consciência operária: eram camponeses e, por isso, não sabiam o que eram as lutas sindicais, os direitos dos trabalhadores. E, além disso, havia a cidade, essa Turim tão severa, fria, fechada, que não raro manifestava para com eles uma intolerância que beirava o racismo. Uma cidade onde não era difícil encontrar cartazes com os dizeres “Alugam-se quartos, mas não para meridionais”.

O protagonista de Trevico-Turim: viagem no Fiat-Nã vai percebendo a dificuldade de inserir-se no mundo automatizado da fábrica - onde se dá duro como no campo, mas lá, ao menos, se sabia para que servia o próprio trabalho (como ele mesmo concluirá no fim do filme) - e naquela cidade, na qual chega num dia de neblina e que começa a conhecer, percorrendo as ruas do centro, com seus prédios deteriora-dos, que se destinam aos forasteiros.²

A primeira e breve amizade que trava é com Beppe, filho de mãe sarda e pai friulano, indício de uma migração mais antiga e do arraigamento da discriminação, pois, embora o jovem, que trabalha num bar, tenha nascido em Turim, continua sendo um ser marginalizado e explorado.

Assim, Fortunato, aos poucos, adquire uma consciência política, ao conhecer o padre de um centro de assistência social, um seu quase conterrâneo (que discursa sobre os dissabores dos “desterrados”), ao retomar seus estudos num curso notumo e ao relacionar-se com um sindicalista comunista e com Vicki, uma jovem estudante que milita em Lotta Contiua, com a qual se envolve sentimentalmente.

O momento do primeiro encontro entre Fortunato e Vicki é bem interessante: a garota aparece, em primeiro plano, militando, enquanto o rapaz se move por trás dela, para a direita e para a esquerda, como se quisesse ser focalizado pela câmera à qual a jovem se dirige. Na verdade, trata-se de uma espécie de “dança” erótica, que se repete quando Fortunato observa algumas cabeças de manequins de peruca - com seus olhos sedutores e suas bocas vermelhas e carnudas, como a de Vicki -, a qual, seguida pela sequência em que ele chora no quarto do alojamento, deitado em sua cama, exprime bem a ideia do desejo e da repressão do desejo a serem enfrentados.

Como afirmam Orio Caldiron, Elio Girlanda e Pietro Pisarra, estamos diante de um “exemplo de ci-nema militante que fotografa uma condição humana de mal-estar e marginalização, na qual foi inserida uma história privada, delicadamente sentimental” (Caldiron et al., 1995, p. 351).

O idílio entre Fortunato e Vicki, embora marcado e truncado pelas diferenças sociais entre os dois, não é improvável, uma vez que, como recorda Scola (Prudenzi & Resegotti, 2006, p. 135), “logo de-

2 - 0 impacto provocado nos habitantes do Sul ao chegarem às cidades do Norte estará presente ainda em Assim é que se ria (Cosi ridevano, 1999), de Gianni Amelio, cuja sequência inicial também se passa em Turim e remete, por sua vez, à chegada da família siciliana na fria Milão, em Rocco e seus irmãos (Rocco e i suo i fratelli, 1960), de Luchino Visconti.

, p. 15-19, 2012., p. 15-19, 2012.

18 19Poéticas Visuais, Bauru, v. 3, n. 2 Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2

Cena do filme: Trevico-Torino - Viaggio nel Fiat-nam (Ettore Scola - 1973)

Cena do filme: Trevico-Torino - Viaggio nel Fiat-nam (Ettore Scola - 1973)

pois de 1968 era habitual os universitários postarem-se ante os portões da FIAT para falar com os operários” e para atiçarem ainda mais a luta contra os patrões, tachados de fascistas no filme, embo-ra este não focalize a divisão entre o PCI, que dominava o sindicalismo, e os grupos ex-traparlamentares, que contes-tavam essa hegemonia.³

E todos os explorados pe-los patrões comparecem à manifestação na grande pra-ça, com suas bandeiras vermelhas, na qual, como se diz no filme, toda a Itália está representada. Nesse sentido, é interessante a focalização de um grevista que desfralda sua bandeira agarrado a uma estátua que homenageia o surgimento do país enquanto nação, como se a união dos trabalhadores italianos ainda não tivesse se concre-tizado, porque estes foram excluídos daquela unificação política ensejada pela classe dirigente.

Como a diretoria da FIAT nem sempre permitiu tomadas no interior de suas fábricas, Scola serve-se de imagens fixas da linha de montagem (sobre as quais acrescenta legendas), que modulam a trama. O que não pode ser mostrado é “comentado” pelos vários personagens ou transparece nas entrevistas realizadas na por-ta da fábrica de Mirafiori. Estas lembram as cenas curtas que caracterizavam o teatro da agit-prop\ com os entrevistadores Vicki e Fortunato provocando, graças a suas perguntas, o “jogo de agitação”, para extrair do operariado seu ponto de vista sobre os acontecimentos político-sociais que sacudiam o país.

Dessa forma, a um registro em que o espectador veria o funcionamento da linha de montagem substitui--se o relato das condições desse trabalho, em que o operário vindo do campo, ao perder suas raízes afetivas, sociais e culturais, deixa de ser um sujeito e se transforma, no mundo neocapitalista, num “mero indivíduo”,

ou seja, num “objeto”, como salienta Al-berto Mor~via (2010, p. 936): A ideia é sempre a mesma: explorar o moribun-do universo campesino sem fazer nada para ajudá-lo a tornar-se urbano. Logo: nada de alojamento, nada de assistên-cia social, nada de escola, nada de nada; apenas o trabalho de ritmos de qualquer modo desumanos e, em seguida, a desu-mana vida privada em ambientes esquá-lidos, praticamente para escravos (dor-mitórios, cinturão periférico, refeitórios etc.).

Por isso, em vários momentos, Tre-vico-Turim: viagem no Fiat-Nã lembra que deveria haver trabalho em qualquer lugar, sem que os trabalhadores estives-

Bibliografia

BRUNETTA, Gian Piero. Cent’anni di cinema italiano. Roma-Bari: Laterza, 1991.

BRUNETT A, Gian Piero. Storia del cinema italiano dal 1945 agli anni ottanta. Roma: Editori Riuniti, 1982.

CALDIRON, Orio et al. “Trevico-Torino... Viaggio nel Fiat-Nam”. ln: GIAMMATTEO, Femaldo Di (Org.). Dizionario del cinema italiano. Roma: Editori Riuniti, 1995, p. 351-352.

FABRIS, Mariarosaria. “A classe operária não alcançou o paraíso”. ln: Jornal Eletrônico, Assis, ano 1, n. 2, ago. 2006. Disponível em: www.assis. unesp. br/cilbelc/j o mal.

FABRIS, Mariarosaria. “Aqueles trens vindos do Sul”. ln: Revista de ltalianística, São Paulo, n. XVIII, 2008, p. 195-214 (revista eletrônica).

IVERNEL, Philippe & AMIARDE-CHEVREL, Claudine. “Agit-prop (le théâtre d’). ln: CORVIN, Michel (Org.). Dictionnaire encyclopédique du théâtre à travers le monde. Paris: Bordas, 2008, p. 45-47.

MORA VIA, Alberto. “Quel treno che ferma a Torino”. ln: . Cinema italiano: recensioni e interventi 1~33-1990. Milano: Bompiani, 2010, p. 935-937.

POPPI, Roberto. Dizionario del cinema italiano: i registi dal 1930 ai nostri giorni. Roma: Gremese, 1993.

PRUDENZI, Angela & RESEGOTTI, Elisa. “Ettore Scola”. ln: Cnema político italiano. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 134-135.

Recebido em 18 de Agosto de 2012. Aprovado para publicação em 25 de Outubro de 2012.

sem obrigados a deixar seu rincão natal. No fim do filme, a sucessão cerrada dessas imagens fixas, que se alternam à fadiga crescente dos operários, visível no bonde ou no curso notumo, traduz bem a idea de como os ritmos impostos pela fábrica destroem as pessoas. E Fortunato, que depois de brigar com o chefe da repartição, é transferido para uma fábrica mais afastada do centro, onde o batente é bem mais pesado, esmagado pelo cansaço e sentindo-se um dejeto (como os dejetos industriais de seu setor), resolve abandonar aquela vida, expressando toda sua angústia no grito final.

Dentro da filmografia de Scola, Fortunato seria uma espécie de irmão menor dos protagonistas de Ciúme à italiana (Dramma della gelosia - Tutti i particolari in cronaca, 1970) e Rocco Papal e o Permette (Rocco Papa-leo, 1971) (Brunetta, 1982, p. 772) e, na galeria de personagens que caracterizaram o cinema político italiano dos anos 1960-1970, não deixa de ser parente dos pequenos empregados ou operários de O posto (Il posto, 1961), de Ermanno Olmi, “Renzo e Luciana”, episódio de Boccaccio 70 (Boccaccio ‘70, 1963), de Mario Monicelli, A classe operária vai ao paraíso (La classe operaia va in paradiso, 1971), de Elio Petri, e Mimi, o metalúgico (Mimi metallurgico ferito nell ‘onore, 1972), de Lina Wertmüller, só para citar alguns.

, p. 15-19, 2012. , p. 15-19, 2012.

20 21Poéticas Visuais, Bauru, v. 3, n. 2 Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2

A arte nas ondas do rádio: ações e procedimentos para esta prática

The art on the radio waves: actions and procedures for this practice

Thiers Gomes da Silva

Doutorando, aluno especial, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Informação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista, câmpus de Marília, Marília, SP. É professor no curso de Radialismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Universidade Estadual Paulista, campus de Bauru, Bauru,SP.

Abstract This paper proposes an extension of the personal experience of the listener through radio. The radio, because

it is a medium of reaching, disseminating and having considerable accessibilities towards the production of its contents, and if exploited, could very well combine functionality with aesthetics in the production and broadcasting of programs, something that makes the radio not only a means for transmission of information. In the production of dramatic art, for example, the use of other elements, such as sound effects, may suggest form and consistency to the object described during the practice of radio utterance. The proper combination of function and aesthetic in music, sound effects and voiceover radio can change the mood of the listener and even promote their creativity.

Resumo O presente artigo propõe uma ampliação da experiência pessoal do ouvinte através de sons radiofônicos. O rá-

dio por se tratar de um meio de comunicação de grande alcance na difusão e consideráveis facilidades acessibilida-de da produção de seus conteúdos, se bem explorado, pode combinar muito bem a funcionalidade com a estética na produção e transmissão de programas, algo que faz do rádio um meio significativo não somente para a transmissão da informação. Na produção da arte dramática, por exemplo, a utilização de outros elementos, como no caso dos efeitos sonoros, pode sugerir forma e consistência ao objeto descrito durante a prática da locução radiofônica. A adequada combinação funcional e estética música, do efeito sonoro e da locução radiofônica pode mudar o humor do ouvinte até mesmo promover a sua criatividade.

Keywords: radio, aesthetics, production, transmission, procedures

Palavras-Chave: rádio, estética, produção, transmissão, procedimento

Introdução

O rádio pode inspirar no ouvinte, dentre outras coisas, o interesse em averiguar quais os fatores que atuam na organização interna e externa de uma determinada obra artística que a fazem constituir uma estrutura peculiar. Mas, este procedimento, não se trata aqui, neste trabalho, de

fazer a obra de arte perder o seu status de unicidade e originalidade, mas sim de intensificar a relação

A arte de fazer rádio

A arte do universo sonoro nos meios de comunicação pode estar presente no cinema contemporâneo, na televisão e no rádio, englobando o leque de profissionais necessários com suas especificas funções, desafios, experimentações, os conhecimentos e responsabilidades indispensáveis em cada etapa da pro-dução. No final dos anos 1970 ocorreu o início da abertura política no Brasil, destacando-se enste época, a mobilização da sociedade civil e o revigoramento da produção artística nacional.

Hoje na sociedade, o atual processo cultural de hipervalorização da visão em relação aos outros senti-dos elevou a imagem a um alto patamar e é uma das razões que fazem o som radiofônico algumas vezes passar indiferente entre as mídias para aqueles que não possuem uma mínima noção da complexidade em torno da realização desse importante meio de comunicação.

Desde os primórdios do rádio, com a proliferação comercial no meio, o processo de produção de

entre o receptor, o produtor e a produção artística.No processo de produção de sons radiofônicos, o radialista deve levar em consideração que na mesma

base de comunicação está a adequação das características do meio de comunicação, isso a fim de que se possam transmitir temas que sejam assimiláveis para o ouvinte. Logo, não é pouca a importância do rádio no processo de disseminação da arte, principalmente por se tratar de um meio de comunicação de grande alcance na difusão e consideráveis facilidades acessibilidade da produção de seus conteúdos. Tendo como influência a “Sociedade da Informação” e a “Era Digital” os elementos norteadores de diversas situações no mundo, o rádio planeja e pesquisa para manter seus ouvintes e não ser esquecido que é um vantajoso meio de comunicação.

O rádio, quando surgiu no Brasil, era um meio elitista, por causa do alto custo do aparelho receptor das ondas eletromagnéticas. O conteúdo dos programas, em sua maioria, apresentava as características da classe economicamente dominante. Em setembro de 1922 ocorreu, oficialmente, a primeira transmissão radiofônica de rádio no Brasil.

O presidente Epitácio Pessoa, na época, organizou uma exposição para comemorar o Centenário da Independência. Entre 1940 e 1960, o rádio no Brasil era o principal meio de comunicação existente para a divulgação da genuína cultura brasileira.

Nestes tempos, pode-se destacar a significativa empatia entre a emissora e o público ouvinte onde nas transmissões de dramatizações radiofônicas (inspiradas nas artes cênicas) era gerada uma forte cumplici-dade entre emissor e receptor.

Vale destacar que nos primórdios do rádio no Brasil, a expressão artística da dramaturgia radiofônica era ao vivo, pois na época não existiam recursos técnicos de gravação. “Em busca da felicidade” do cuba-no Leandro Blanco, adaptado por Gilberto Martins foi à primeira dramaturgia radiofônica transmitida no Brasil, em 1943.

Pode-se considerar que a programação radiofônica também emitia a arte na forma de música clássica, além de informações gerais a respeito dos temas. Com a passagem do tempo, através de novas pesquisas e implementos tecnológicos, o preço dos aparelhos receptores de sons radiofônicos diminuiu, transfor-mando o rádio no meio democrático como é conhecido hoje.

É notável o quanto as tecnologias de comunicação mudam todo o processo de difusão e captação de sons radiofônicos. Claro que o conteúdo original das fontes, que servem de elementos de produção, nem sempre passam a ser os mesmos na etapa da recepção e isso porque “Não há difusão, dizíamos, sem tra-dução, adaptação sem deformação da mensagem /.../.” (Bougnoux, 1994:41).

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programas, em muitas emissoras, passou a ser orientado por critérios econômicos, basta ouvir a pro-gramação de algumas rádios e perceber que estas fazem uso das técnicas da comunicação de massa a qual se baseiam em um público amplo com características homogêneas não levando em consideração a diversidade de personalidades que compõem a audiência.

Este procedimento do “fazer” rádio é ultrapassado e trata-se, provavelmente, de um efeito da compe-tição entre os meios de comunicação onde se destaca um caráter de trabalho imediatista, unidirecional e transitório, por não se atem a registros permanentes para a reflexão crítica.

E, ainda sim, este mesmo procedimento se propõe a transmitir tanto uma grande quantidade de infor-mações como também a prestação de serviços para fácil “acesso” do usário. Sem dúvida, algo contraditó-rio, pois mesmo tentando não excluir nenhum ouvinte, este procedimento não valoriza o tempo necessá-rio, nos atos da recepção, para um amplo entendimento e a percepção da utilidade da mensagem sonora.

Apesar do rádio, há algum tempo atrás, ter perdido grande parte de seu público ouvinte para o chama-tivo aspecto audiovisual que é a televisão, ele ainda se destaca usando exatamente o ponto positivo de só atingir a audição, pois é ainda hoje o mais importante meio que pode ser usufruído com a utilização de apenas um dos sentidos, sendo possível utilizar os demais sentidos em outras atividades. “Para muitos dos ouvintes, analfabetos ou não, o rádio se constitui, muitas vezes, no único canal de informação, de conhecimento e de ligação mais ampla com universos distanciados do seu quintal comunitário.” (Blois, 1996:15).

Com o advento da Internet (atrelada às novas tecnologias), o rádio também viu seu público se dividir em grupos de interesses. O publico ouvinte tornou-se segmentado associado a uma programação espe-cializada para refletir gostos, os valores, os hábitos e a cultura de um determinado grupo social. Nisso destaca-se a arte de falar bem, ou seja, a retórica que está ligada ao rádio, através das características da oralidade com o objetivo de cativar o ouvinte.

Destaca-se que quanto ao acesso à arte e à cultura de áreas diversas “Um dos aspectos mais interessan-tes do rádio na Internet está perspectiva de sintonizarmos, através do computador, emissoras de qualquer parte do mundo, desde que a emissora disponibilize seu áudio na rede e que o usuário tenha condições mínimas de recepção.” (Bufarah Jr. 2004;09).

O rádio possui uma linguagem específica, mas ainda carece de uma teoria expressiva que possa ex-plicar o seu procedimento específico de comunicar, difundir e expressar a arte. Porém, o potencial ra-diofônico, se bem explorado, pode combinar muito bem a funcionalidade com a estética na produção e transmissão de programas, algo que faz do rádio um meio significativo a difusão doe entretenimento.

É muito comum emissoras radiofônicas que possuem uma ampla audiência, geralmente, em nos seus procedimentos de produção de conteúdos, simularem, discretamente ou não, uma ou mais vantagens decorrentes do ato de audição de seus programas. São argumentações oralizadas com base na arte da retórica para persuadir seus ouvintes.

Isso pode dar a ideia ao público que sairá ganhando se vier a ouvir determinado programa. Nesse caso, por exemplo, é possível fazer com que o ouvinte, através de seus pensamentos, sinta-se um artista ou co-criador do programa, praticamente, um convidado especial. “Um programa de rádio cria imagens na mente que podem fornecer um cenário muito mais intenso do que aquele que pode ser produzido na TV.” (Hausman, 2010: 257).

A arte dramática radiofônica

Atualmente, a arte dramática no rádio está atualmente diluída em breves momentos sonoros, basta ouvir os comerciais ou propagandas que nos moldes da dramaturgia radiofônica divulgam produtos e situações as vistas do lucro.

A expressão convincente da arte dramática no rádio pode ser a consequência do potencial funcional e estético orientados na combinação da palavra, da música de fundo, dos efeitos sonoros e, claro, também do uso silêncio como elemento muito expressivo. Na prática da arte dramática radiofônica, atua-se para ser ouvido, trabalha-se na própria voz as possibilidades artísticas de provocar o imaginário do ouvinte.

O ator radiofônico, no estúdio de gravação, manipula a própria voz com a consciência de está em um processo de empatia com o ouvinte e o convida a introspecção, a imaginar as cenas. É possível ao ouvinte a ocorrência do processo de identificação, ou seja, há uma intersecção entre os tipos de imagens sugeridas pelos sons radifônicos e às imagens da memória do ouvinte.

No rádio “o objetivo do drama é contar uma história interessante de forma atraente. O objetivo das no-tícias não é muito diferente. Embora um produtor de notícias tenha de ser extremamente cuidadoso para não levar os ouvintes a entender algo errado e para não adulterar a informação visando ter um impacto dramático, o uso inteligente dos elementos dramáticos certamente é aceitável.” (Hausman, 2010: 262).

Verifica-se que na prática de ouvir o rádio que nos programas radiofônicos, com exceção das produ-ções estritamente musicais, a palavra possui uma presença muito maior que os outros elementos, logo, a oralidade destaca-se sobre os outros elementos componentes dos sons radiofônicos.

Geralmente, “no rádio, é a voz, a oralidade, conjugada a outros signos sonoros (ruído, música) e o silêncio, que “carregam” e organizam a informação. A palavra propõe o conteúdo do fato transmitido.” (Velho, 2009:04).

Mesmo tão mais evidente, sem a devida medida, criatividade e planejamento, a “falação” no rádio é um risco do cotidiano. Este excesso tem como consequência o condicionamento cultural da audiência por preferência de programas musicais, onde há pouca locução radiofônica, o mínimo de oralidade.

O excesso da oralidade radiofônica provoca uma espécie de fadiga auditiva no ouvinte e se converte em um ruído capaz de dificultar o envolvimento deste último com sons radiofônicos.

Coibir o excesso da palavra, na produção radiofônica, pode amenizar, ou até, evitar a fadiga auditiva, ou seja, evita-se um alto grau de concentração para ouvir sons radiofônicos.

A oralidade radiofônica se descontrolada ocasiona a perda da expressividade artística e comunicativa, da estética sonora do rádio. Logo, o uso da palavra, no rádio, deve ser criativo em consenso com as ca-racterísticas do meio do qual se faz uso.

Na produção da arte dramática, a utilização de outros elementos, como no caso dos efeitos sonoros podem sugerir uma forma e consistência ao objeto descrito durante a oralidade radiofônica.

Assim como a música de fundo, os efeitos sonoros são úteis à produção radiofônica, podem contribuir para dar um sentido ou até mesmo sugerir a descrição do evento ou “cena” sonora.

Esta utilidade deve ser manipulada sob certa medida, pois não se deve fazer uso dos efeitos sonoros sem planejamento, pois, caso contrário, os sons radiofônicos soam confusos e até podem a causar a irrita-bilidade auditiva. “No drama de rádio, é muito importante planejar os efeitos sonoros de fundo para criar uma rede de credibilidade. Se precisamos dar a impressão de andarmos por ruas movimentadas, os efeitos sonoros precisam nos levar de um lugar para o outro.” (Hausman, 2010:264).

Após as devidas checagens, com o sentido artístico norteando a produção radiofônica, pode-se usar o efeito sonoro: com finalidade descritiva, expressiva ou até narrativo, ou seja, um elo de coerência sonora.

É fascinante quando na breve ausência dos outros elementos, o valor significativo do silêncio torna-se

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presente podendo, neste momento, aguçar a mente do ouvinte no processo de imaginar a “materialização” do objeto ou da situação, logo, a “cena” pode surgir a partir do silêncio, no mundo interior da audiência.

Destaca-se que enquanto elemento componente da arte dramática, a importância e arte do silêncio podem ser percebidos, por exemplo, na radionovela “A Guerra dos Mundos”, um produto norte americano de 1938, criado em pleno momento de insegurança e temor social consequentes das atividades da Segunda Guerra Mundial.

Durante a transmissão desta dramatização, na noite de 30 de Outubro de 1938, nos Estados Unidos, em de-vidos momentos, a breve ausência dos outros elementos da linguagem radiofônica, podia fazer com o ouvinte, no silêncio do rádio, através da rápida imaginação, completar ou até mesmo continuar a narrativa.

Nesse tipo de relação entre a audiência e a dramatização radiofônica destaca-se a prática talvez própria ou característica da interatividade, pois esta transmissão ocorreu em sintonia com o contexto social da época.

Já no caso do processo de produção de programas que esteja com poucos elementos pré-gravados, onde também nem todas as expressões para a locução estão pré-definidas e não há no acervo uma ampla variedade de efeitos sonoros, pode-se fazer uso artístico da musica instrumental.

Na manipulação artística da música instrumental pré-gravada, manifesta-se uma representação simbólica, já que os sons propagados pelos dos instrumentos musicais nunca se assemelham aos sons naturais, apenas referem-se a eles. Um som natural, ou seja, propagado pela própria fonte sem intermediários, é puro com suas características inconfundíveis, amplificado e transmitido pelos alto-falantes. Possui um timbre próprio, mas pode perder alguma de suas características quando é transmitido.

Atualmente, com a correta utilização dos equipamentos de áudio, no fazer arte no rádio é possível obter re-sultados satisfatórios, até mesmo quando se busca o máximo de identificação com a realidade sendo proposta, por exemplo, na dramaturgia radiofônica.

A manifestação artística no rádio não depende somente da sensibilidade ou habilidades afins, mas também da qualidade das mediações necessárias. Isso se verifica na relação arte, rádio e público ouvinte.

As mediações na produção radiofônica

Na interação entre a emissora radiofônica e a audiência, pode-se verificar: a mediação pessoal, grupal, or-ganizacional, tecnológica e do público. Nestas mediações, que formam o suporte material de todo o conjunto auditivo, há a evidência da dimensão ou interferência subjetiva, ou seja, os operadores artísticos, cada um com suas experiências de vida, conhecimentos, interesses, necessidades, crenças, opiniões, motivações, expectati-vas e repertório cultural como fatores na interpretação dos fatos.

Na mediação tecnológica, que condiciona a evolução do rádio, pode se verificar que os sons radiofônicos primeiramente desconstruídos durante a transmissão técnica estão substancialmente alterados quando chegam ao ouvinte, nota-se que determinados equipamentos requerem o uso de procedimentos específicos que, por pla-nejamento, podem interferir no resultado final da produção radiofônica, logo, o som no rádio não corresponde à experiência acústica natural, pois é um som artificial resultado de uma série de intermediações de equipamen-tos e máquinas que não permitem uma fidelidade aos sons originais.

No caso de todos os elementos interagindo de modo planejado, o potencial comunicativo do rádio é inten-sificado e pode estimular o ouvinte a interpretar, ou seja, a buscar significado, a refletir, a produzir o conheci-mento.

Pode ser um procedimento artístico rico e estimulante trabalhar pensando em todas as mediações que en-volvem a produção radiofônica compondo sons onde a transmissão se dê estimulante no momento presente do indivíduo, no presente social da audiência em sintonia com as suas necessidades artísticas e culturais.

A arte e a digitalização radiofônico

São diversas as contribuições e modificações trazidas pelas mídias digitais à prática artística contemporâ-nea. A emissora de rádio enquanto empresa tende a se reorganizar além do ponto de vista técnico como também na pesquisa do conteúdo de seus programas.

Por outro lado, mesmo com avançadas tecnologias, a sociedade, geralmente, não tem um repertório de conhecimentos suficientes para compreender e usufruir, amplamente, os acontecimentos do mundo que deter-minam abrangentes processos de mudança. Poucos cidadãos, na coletividade, possuem conhecimento e tempo suficiente para compreender, assimilar e fazer uso das expressões e conhecimentos artísticos na sociedade.

É possível, por meio do rádio, organizar produções com conteúdos voltados para a tanto para a divulgação como também o fazer artístico.

Estas produções radiofônicas devem ser formadas por um conjunto de elementos que atenda não somente às necessidades e interesses dos receptores / ouvintes (em última instância, é a razão de ser da própria programa-ção), mas também promova a educação por meio da elucidação significativa e expressiva de conceitos e fatos da ciência.

Os índices de audiência e ampliação do alcance das transmissões radiofônicas são cada vez mais ampliados em consequência das novas tecnologias de comunicação. Geralmente, não se conquistam ouvintes através apenas de um programa. O comunicador necessita de um tempo para ganhar a confiança, a simpatia para estar em sintonia com o interesse do ouvinte.

As pesquisas sobre tecnologias digitais que incluem, dentre duas determinadas funções, a diminuição dos equipamentos, produção de novos conteúdos e a amenização das variadas formas de incidência do ruído nas mensagens, estão alterando a organização da produção em emissoras de rádio, logo não é mais possível validar a produção apenas em termos financeiros.

Dentre as vantagens da radiodifusão sonora digital, ocorre uma verdadeira revolução no modo de ouvir rá-dio, já que o veículo, provavelmente, se tornará multimídia. O rádio, poderá ser uma mídia interativa fazendo com que seu ouvinte participe ainda mais daquilo que quer e ouvir.

A emissora com transmissão digital ainda encontra-se em fase de implementação no Brasil. O processo de digitalização é uma revitalização do rádio.

Possivelmente, os objetivos de um programa radiofônico poderão ser alterados, algo diferente de delimitar em quatro categorias: informação, entretenimento, educação e religião.

Desta forma, temos como exemplo a programação das emissoras que visam apenas o entretenimento e outras poucas, nas quais, a programação tem a finalidade de aprimorar a educação e/ou grau de instrução dos indivíduos na sociedade brasileira. Porém, tais objetivos nem sempre são independentes ou diferenciáveis, pois pode ocorrer a organização da produção de um determinado programa que envolva os quatro objetivos, ou então, ou destes alguns combinados entrei si, tudo depende da direção da equipe de produção.

Os sons radiofônicos podem ser assimilados ou captados pelo ouvinte, provavelmente, por meio de três modos sendo esses: a audição ambiental, parcialmente intencional e a prática efetiva de escutar programas ra-diofônicos. Na audição ambiental, o ouvinte apenas deixa ligado como “pano de fundo” um determinado equi-pamento receptor que está transmitindo algum programa radiofônico. O ato de ouvir parcialmente significa que o ouvinte esteja realizando alguma atividade simultânea ao ato de assimilar ou entender os sons radiofônicos. No que se refere à prática da escuta de sons radiofônicos isso equivale a dizer que o ouvinte possa estar com a atenção totalmente voltada para assimilar os sons que chegam até os próprios ouvidos.

Chegou-se a expandir a ideia de que o rádio perderia espaço entre os meios mais modernos de comunicação, mas, atualmente, é um dos instrumentos mais importantes para a difusão de informações.

Devido ao condicionamento cultural e também por falta de uma adequada organização e produção, os pro-gramas sobre divulgação ou fazer artístico (ou qualquer outro semelhante) causam uma impressão nem sempre

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positiva no ouvinte isso devido e esse estar acostumado a sons radiofônicos muitos mais musicais do que falados. Outra generalização negativa é a separação entre programa popular e programa cultural, erroneamen-te acreditando-se este último estar distanciado da realidade cotidiana da maioria dos cidadãos sendo apenas reservado à recepção de uma minoria seleta e elitista.

Deve-se ressaltar que o rádio apresenta diversos elementos e procedimentos para uma transmissão organi-zada, voltada para a divulgação artística adequada pelo contexto favorecendo a todos os ouvintes o exercício do fazer artístico.

Considerações finais

Para a realização dos trabalhos radiofônicos sejam para a expressão artística, ou então, para a divulgação de alguma forma de arte, o produtor dos roteiros pode ou não estar presente no estúdio da emissora. Como também há a possibilidade do produtor não ser o locutor do programa.

Para que o fazer artístico esteja inserido nas ondas do rádio, a direção da equipe de produção, ou então, o diretor da emissora deve coordenar desempenho da produção de todos os programas radiofônicos.

No planejamento periódico efetuado com todos os membros da equipe de produção é recomendável que a direção proceda tanto com a avaliação de desempenho como também de desenvolvimento.

Existem alguns itens o diretor da emissora ou da produção verificar durante as reuniões - na presença da equipe de produção da emissora (para corrigir falhas, dificuldades ou erros):

A)Melhorar o desempenho da equipe (consenso e diplomacia);

B) Adequar a organização da produção e direção conciliando estética com funcionalidade;

C)Identificar as necessidades da cultura artística e intelectuais da comunidade de ouvintes;

D)Apresentar e avaliar novas ideias (tanto particulares como de outros membros, com relação ao contexto);

E)Manter a motivação e o compromisso de todos os envolvidos em processo criativo de produção.

É fundamental que os profissionais de rádio não fiquem restritos ao seu ambiente profissional, deve ter re-ferências ou informações significativas, quando possível, diretamente da comunidade (participação em shows, cinema, teatros, restaurantes, empresas diversas, bairros, localidades rurais ou urbanas, na rua, etc.) que está tentando “servir”, pois o rádio é um meio de comunicação principalmente local, logo, é correto refletir conte-údos artísticos e intelectuais que estiverem ocorrendo em uma específica comunidade.

O rádio é um meio de comunicação muito eficiente, pois incide com grande facilidade sobre a opinião públi-ca; é um meio unicamente sonoro que informa, fornece conhecimentos aos ouvintes e também funciona como entretenimento.

Para que o programa radiofônico tenha êxito no processo de compreensão por parte do ouvinte, a equipe de organização da produção deve verificar e analisar:

- As categorias de ouvintes (assíduos da programação, ocasionais e não sistemáticos) e suas devidas neces-sidades;

- O tipo de público: infantil, juvenil ou adulto; o grau médio de instrução e suas características básicas;

- O formato, conteúdo, duração e período adequado de transmissão do programa;

- E, principalmente, a contextualização do tema, sendo neste caso a ficção científica.

Ainda sim, no ambiente de produção da emissora radiofônica, também pode estar disponível um banco de dados ou informações quanto às possíveis ações (dos ouvintes) que podem ser posteriores ao conhecimento artístico adquirido, ou melhor, o conteúdo do programa pode alterar ou transformar pontos de vista, hábitos culturais ou valores pessoais. Isso demonstra uma produção detalhada onde dificilmente ocorra um desvio, do objetivo do programa.

As hipóteses que podem determinar como o ouvinte percebe, compreende e até mesmo, quem sabe, sente o conteúdo do programa artístico podem suscitar as evidências claras e precisas que definam como a informação artística é usada.

Para que uma adequada empatia ocorra no processo de audição do programa, este deve facilitar a identifi-cação dos sons radiofônicos nas devidas partes ou trechos, ou seja, na abertura, na introdução, no desenvolvi-mento, no resumo, nos e-mails personalizados para a audiência fazer contato.

O objetivo da empatia é manter a atenção da audiência e passar a sensação de está se dirigindo a cada um dos ouvintes em particular. Logo, neste sentido, o desenvolvimento do programa deve ser efetuado de modo linear, onde apresente uma estrutura coerente respeitando a linguagem do rádio.

Tanto os recursos da sonoplastia devem estar adequados à proposta do programa como também, no caso de necessários improvisos nas locuções, esses mesmos devem ser criativos e não incoerentes.

A redundância ou sinonímia, fator necessário à produção radiofônica, com a função de repetir ou destacar termos ou expressões principais deve ser usada com prudência e discrição, de modo a evitar a fadiga auditiva, pois vale ressaltar a problemática do condicionamento cultural da audiência para apenas a audiência da pro-gramação musical sem ênfase na divulgação artística.

Apesar de inicialmente ser a grande tiete das salas de visitas e depois dividir espaço com para a televisão e, posteriormente, com internet, o rádio tem conseguindo manter com criatividade um público cativo por causa de suas facilidades de acesso, principalmente o fato de ser um meio que pode ser totalmente explorado apenas pela audição e por desenvolver um conteúdo próprio para essas características.

Os temas ou assuntos artísticos, no rádio, não devem ser apresentados superficialmente, sem a devida sínte-se ou aprofundamento, é recomendável que sejam discorridos procedimentos objetivos, nos quais, é possível (para ouvinte) compreender, identificar as explicações, opiniões, soluções ou orientações para determinadas formas ou modos de expressão artística. A prática deste procedimento revela um serviço de radiodifusão em evolução.

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Referências Bibliograficas

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VELHO, Ana Paula Machado. A linguagem do rádio multimídia. www.bocc.ubi.pt ISSN: 1646-313. Bibliote-ca On line de Ciências da Comunicação, 2009.

Recebido em 15 de Setembro de 2012. Aprovado para publicação em 27 de Outubro de 2012.

Um Olhar Em Tríade: Caminhos Abrindo Espaços

A looking on triad: paths opennig spaces

Terezinha de Jesus Bellote Chaman

Jornalista, mestre em Comunicação Social pela Universidade Estadual Paulista, câmpus de Bauru (Unesp-Bauru), e, atualmente, é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista, câmpus de Franca (Unesp-Franca), Franca, Sâo Paulo.

Abstract The text analyzes on reference infant-youthful book by Maria Clara Machado – “Abrindo Caminho” – the relation

text/image, focosing on the reading like maker of meaning. Keywords: Ana Maria Machado, text, image, reading, meaning

ResumoO texto analisa na obra infanto-juvenil de Ana Maria Machado – “Abrindo Caminho” – a relação texto/imagem, en-

focando a leitura como energia construtora de sentido. Palavras-chave: Ana Maria Machado, texto, imagem, leitura, sentido,

Para se comunicar, as pessoas utilizam a linguagem verbal e outros sistemas semióticos (como as imagens), com três funções básicas: de mostração, de interação e de sedução. E nós homens, lei-tores das linguagens que envolvem texto, imagem ou texto/imagem, corremos à caça do sentido

escondido, que, parafraseando Dascal (1992 apud KOCH, 2002, p. 9), teimamos em encontrar. Desta forma, o texto verbal e o não verbal tornam-se um complexo ato de recepção, de desvendamento de linguagens, que acompanham nossa experiência cotidiana.

Koch (2002, p. 09), no prólogo de sua obra, “Desvendando os Segredos do Texto”, revela-nos:

- E o texto tem segredos?Bem, se você achar que o texto é um artefato linguístico formado pela combinação de letras

(ou sons) que formam palavras que rotulam coisas ou estado de coisas do mundo real que formam sentenças que têm um sentido literal que existem textos totalmente explícitos descontextualizados e autônomos que para produzir e compreender textos basta dominar o código etc... etc... é claro que a resposta só poderá ser negativa. MAS... se você pensar o texto como lugar de constituição e de inte-ração de sujeitos sociais, como um evento, portanto, em que convergem ações linguísticas, cognitivas e sociais (BEAUGRANDE, 1997), ações por meio das quais se constroem interativamente os objetos de discurso e as múltiplas propostas de sentidos, como função de escolhas operadas pelos coenun-ciadores entre as enumeráveis possibilidades de organização textual que cada língua lhes oferece... ENTÃO você compreenderá que o texto é um construto histórico e social, extremamente complexo e multifacetado, cujos segredos (quase ia dizendo mistérios) é preciso desvendar, para compreender melhor esse ‘milagre’ que se repete a cada nova interlocução – a interação pela linguagem, lingua-gem que, como dizia Carlos Franchi, é atividade constitutiva.

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Na leitura da obra infanto-juvenil de Ana Maria Machado, procuramos refletir a relação texto/imagem, apoiando-nos na obra A leitura, de Jouve (2002), que nos abriu caminho para a leitura de Iser (1996). Com ambos, entendemos o leitor e o ato da leitura, cujos objetos são o texto.

Procuramos ler o texto como um todo, tentamos decifrá-lo, tirando-lhe a máscara. Embasados na Esté-tica da Recepção e em autores, como Iser (1996), Jauss (1978), Jouve (2002), Joly (2003), que enfatizam a essência do ver/olhar, buscamos mergulhar na profundidade das palavras e das imagens, conforme os sábios ensinamentos de quem tão bem soube abrir-nos tantos caminhos: Profª. Drª. Nelyse Ap. M. Salzedas (2001). Ancorados na oposição que faz Iser (1996), quanto à obra literária, concentramo-nos no polo estético. Este diz respeito à concretização realizada pelo leitor.

O texto pareceu-nos instigante, desde a primeira leitura. O diálogo com ele foi preenchendo os vazios, a partir das relações feitas. E concretizaram-se as palavras de Iser (1996), em sua obra O ato da leitura: o horizonte de expectativa do leitor cresce mais e mais, à medida em que ele lê. Instaurado o diálogo com o texto, instaurado foi também um processo metalinguístico do abrir caminho no Abrindo Caminho. E fomos redescobrindo que ler é expandir o texto, sem descaracterizá-lo. Ler é produzir sentido, é criar sentido, fo-mos redescobrindo que ler é ampliar sentido. Evocados no passado Dante Alighieri, Carlos Drummond de Andrade, Tom Jobin, homens da arte do pensar, do criar com as palavras. Evocados no passado Cristóvão Colombo, Marco Pólo e Santos Dumont, homens da arte do agir, do fazer, do desbravar o mar, a terra, o ar. O horizonte de expectativas alargou-se e sentiu-se o homem em sua universalização.

Com Iser (1996, orelha de livro, vol. 2), reaprendemos e abrimos novos caminhos:

Pensar algo no ato da leitura que nos é estranho porque não o experimentamos ainda, significa não só que temos de apreendê-lo; além do mais, significa que esses atos de apreensão são bem-suce-didos na medida em que formulam algo em nós. A constituição de sentido que acontece na leitura, não só significa que criamos o horizonte de sentido, tal como implicado pelos aspectos do texto; ademais, a formulação do não formulado abarca a possibilidade de nos formularmos e de descobrir o que até esse momento parecia subtrair-se à nossa consciência. Neste sentido, a literatura oferece a oportuni-dade de formularmo-nos a nós mesmos, formulando o não dito.

Desconstrução do Texto: O Dito E O Visto

Passemos ao jogo lingüístico e imagético, que nos permitirá mergulhar no tempo e atualizar o nosso horizonte de leitor com o horizonte do texto (assimetria).

Analisemos a primeira tríade:

No meio do caminho de Carlos tinha uma pedra.

No meio do caminho de Dante tinha uma selva escura.

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No meio do caminho de Tom tinha um rio.

Dante Alighieri, um dos maiores poetas de todos os tempos: o poeta da esperança. Visionário, precursor e pai da língua italiana. Vivendo na Idade Média, o seu espírito adiantou-se muitos séculos em relação aos con-temporâneos e, ainda hoje, os seus rasgos de modernidade nos deixam surpreendidos. Sua obra monumental, “A Divina Comédia” (1822), uma visita imaginária ao além-túmulo. É uma das glórias da literatura universal, cuja importância radica-se na mensagem que contém, segundo a qual o homem deve explorar o íntimo de sua alma, olhar o próprio coração e erguer-se acima do pecado e da tentação, para se tornar digno da sociedade. Escrevendo numa época semelhante à nossa, plena de convulsões, o poeta faz um apelo ao homem, em prol da ordem e da paz. Vislumbra um mundo unido, conceito que faz dele o primeiro europeu de mentalidade mo-derna. Aponta-nos um caminho: é durante a vida terrena que o homem decide o seu destino. Em seu último e sonoro verso, assegura-nos de que o sol e as outras estrelas são movidas pelo Amor.

E um olhar de Ana Maria, escritora, e outro de Elisabeth, ilustradora, nos fazem ler e ver que a selva escura, repleta de pecadores, de animais ferozes, de anjos de cara feia, de gente que mal se mostra, de demônios, de hipócritas vestidos de capuzes de frade, pode ter um Virgílio, símbolo da razão, uma Beatriz, símbolo da Fé (observe-se o olhar lateralizado de Dante, parecendo procurar a amada). Assim, rompendo o caminho do obs-curantismo, pode-se encontrar uma estrada.

Ao exaltarmos o grande poeta florentino, celebramos o nascimento do homem moderno. E eis Carlos Drum-mond de Andrade, com sua pedra no meio do caminho. Poema que tanto escândalo e divergência provocou, quando publicado. E mesmo depois, a tal ponto que o próprio poeta organizou, em 1968, uma antologia, Uma Pedra no Meio do Caminho – Biografia de um Poema, onde reuniu tudo o que se publicou a respeito, ou se fez, parodiando seus versos.

Nunca me esquecerei desse acontecimentona vida de minhas retinas tão fatigadas.Nunca me esquecerei que no meio do caminhotinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminhono meio do caminho tinha uma pedra.

Verso livre, linguagem coloquial, poema de circunstância e da captura do cotidiano, tornado assunto poético. Obra de estreia do poeta, “Alguma Poesia”, datada de 1930, marcou-se pelo senso de humor, pela ironia. Eis a polêmica causada pelo poema “No meio do Caminho”. A selva escura de Dante, a pedra de Drum-mond. O olhar frontal do poeta para a imensidão... papel e caneta na mão. O não recuo. A coragem de ir além. Voltar é regredir, é não dizer sim ao plano de maturação do movimento modernista dos anos 1930. Drummond, sabendo-se intelectual e responsável pelo desenvolvimento da cultura brasileira, dá vida às palavras de Bosi (1978, p. 491):

[...] o peso da tradição não se remove nem se abala com fórmulas, (...) mas pela vivência sofrida e lúcida das tensões, que compõem as estruturas materiais e morais do grupo em que se vive.

Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, maestro da bossa-nova, introdutor de arranjos que re-novaram as estruturas tradicionais da música popular brasileira. Pianista, maestro arranjador, compôs canções ao mesmo tempo sofisticadas e acessíveis ao gosto popular. Águas de março (1972), composição inspirada na natureza e da qual nasce o questionamento primeiro de Abrindo o Caminho.

E a perspicácia do olhar de Ana Maria fecha a primeira tríade:

“Era pau. Era pedra. Era o fim do caminho?”

No meio do caminho de Tom tinha um Rio... de Janeiro a ser transformado, a ser arquitetado pela mú-sica inebriante e renovadora: a bossa-nova. Era preciso abrir caminho. A luz da manhã, a aurora, traria o “fim da picada”, as águas de março fechariam o verão e trariam vida, renovação à música popular brasileira. Seu olhar lateralizado busca a outra margem... foi preciso ultrapassar o rio... e a história da música popular brasileira mudou de rumo, graças a ele, Tom.

As dificuldades encontradas no decorrer dos caminhos de Dante, Drummond e Tom, revestiram-nos de coragem, de fé e assim...

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“Cada um no seu canto. Com seu canto nos chamou. E nenhum de nós, nunca mais, ficou sozinho.”

Sentindo-se chamada, Ana Maria reescreveu a história das três histórias, já agora no tempo do mundo narrado:

“No meio do caminho de Dante teve uma estrada. No meio do caminho de Carlos teve um túnel. No meio do caminho de Tom teve uma ponte.”

Três homens. Três vidas. Identidade de busca: a Arte como forma de ver o mundo, como forma de dizer o mundo, como forma de cantá-lo e encantar-nos.

O dito na estante da leitora: Divina Comédia, Bossa-Nova, Drummond... o visto nas mãos da leitora: No meio do caminho de Marco tinha inimigo e deserto.

No meio do caminho de Cris tinha um oceano.

a intersecção do ontem e do hoje. A certeza de que o convite a avançar para águas mais profundas deve ser discernido através de dificul-

dades encontradas, em cada caminho humano. O dar... e o receber... o receber e novamente dar... círculo constante da vida. O olhar da leitora... o olhar do pássaro... o olhar transformador através da janela. Na doação, o fim da solidão.

Observemos a segunda tríade:

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E tinha muita lonjura pelo caminho de Alberto.

Três homens. Três vidas. Identidade: a busca, a conquista, cada um a seu modo, do mar, da terra e do ar.

Cristóvão Colombo (XV), o homem que deu à Espanha o domínio sobre um território que jamais tinham podido imaginar. Realizou um dos maiores feitos de coragem individual na História da Humani-dade: a descoberta da América. Arriscou-se. Ele sabia que a Terra era redonda. Obcecava-o a ideia de que, navegando em direção a Oeste, poder-se-ia escancarar uma nova porta para o Oriente, ideia defendida num constante desafio aos seus contemporâneos. Vencer o oceano era preciso, com todos os seus perigos, com todos os seus mitos.

Marco Pólo (XIII), o primeiro viajante do mundo. Aos 17 anos lança-se a uma aventura que du-raria longos 24 anos. Espírito cheio de discernimento, de uma curiosidade viva e de uma memória que retinha tudo o que aprendia. Eram chuvas torrenciais, rios caudalosos, tempestades de areia e aludes, inimigos, animais de hastes monstruosas... tudo a enfrentar.

Alberto Santos Dumont (XIX), o pai da Aviação, um brasileiro tenaz, impressionado pelas obras de Júlio Verne. Muito bem nos lembra Iser (1996, p. 15):

“O texto é um potencial de efeitos que se atualiza no processo de leitura. “

Dumont adiantou-se meio século aos homens de sua época. Adivinhou um mundo novo, unido por vias aé-reas. O prêmio alcançado, ao dar a volta à torre Eiffel, dividiu entre o pessoal que o tinha ajudado e os pobres de Paris. Uma alma nobre, que não suportou, em 1932, ver sua máquina da paz transformar-se em máquina de destruição.

Colombo, Pólo, Dumont: tenacidade, fé, busca, compreensão de que os obstáculos devem ser entendidos como trampolins, para a conquista de seus sonhos, de suas esperanças, de suas crenças. Busca, busca incessante, que só finda com a morte física.

Que milagre, o poder da alma sobre a energia! Que milagre, a essência dominando a consistência dos frágeis vasos de barro desses três homens! Ana Maria o diz muito bem:

“Era pau. Era pedra. Era o fim do caminho?

Pedra que faz fortaleza faz também mercado, bazar. Se eu conversar contigo, disso estou muito certo, consigo me aproximar...

Com muito encontro e negócio, inimigo vira amigo, quem está longe fica perto. A caravana de Marco se encarregou de provar. Pau, toco, tábua, madeira?... Faz navio de navegar! Mastro firme, branca vela, tronco agora é caravela para distância encurtar. Com coragem, sobre as ondas, Cris atravessou o mar.Não há distância para os pássaros nem para quem cisma de ousar. Alberto pôs na cabeça que ia conseguir voar. Voou, Dirigiu seu voo, era isso o avião! E desde então a lonjura

não atrapalhou mais, não. No meio do caminho de Marco teve um mapa bem melhor. No meio do caminho de Cris teve um mundo bem maior. E com o avião de Alberto, esse mundo ficou menor.” E o diálogo prossegue, num processo incessante de construção do sentido: duas tríades e uma nova tríade

a abrir caminho, a convidar-nos a buscar águas mais profundas, a fazer das pedras, das cercas, dos muros de nossos

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“No meio do meu caminhotem coisa de que não gosto.Cerca, muro, grade tem.No meio do seu , aposto, tem muita pedra também.Pedra? Ou ovo?Fim do caminho?Ou caminho novo?Porta, ponte, túnel, estrada, mapa, voo, navegação.Quem disse que o fim da picadanão se abre para a imensidão?” E eis que o fim da picada se abre para a imensidão. Imensidão legível e visível no Ovo de Colombo.

Imensidão perceptível e tangível na vida que o ovo traz. Mas é preciso querer avançar, com intrepidez e coragem e aí encontrar o caminho novo.

Lembra-nos Iser (1996, p. 50):

No processo da leitura se realiza a interação central entre a estrutura da obra e seu receptor. Por esse motivo, a teoria fenome-nológica da arte enfatizou que o estudo de uma obra literária não pode dedicar-se apenas à configuração do texto, mas na mesma medida aos atos de sua apreensão.

O dito e o visto se harmonizam e traduzem encontro, paz, convite a que o leitor “pule para dentro do texto” e interaja, dialogue, sinta, viva a sensação do que ele provocou: ausência de caos, presença do cosmos.

caminhos, motivos de busca, motivos de alavanca. “Beco que vira avenida.Muro que cai para o irmão.Esperança renascida escancarando a prisão.É promessa de vida no meu coração.”

[...] sentimos no final da leitura a vontade de relacionar essa experiência estranha ao horizonte de nossas ideias; esse horizonte dirigiu, de forma latente, nossa disposição de responder ao texto. (ISER – 1996, p. 63).

Visão de paraíso: das ilustrações emergem sorrisos, tranquilidade, paz, olhares que se cruzam, mãos que se encontram, promessa de vida, vida que é encontro, exploração do íntimo, olhar dirigido ao coração. E salta aos olhos, nas ilustrações, a intersecção do ontem e do hoje: o dito e o visto na banca do Cristóvão, no bar do Tom, na lavanderia Shangai, na livraria Alighieri, nas mudanças Oriente e no avião de Dumont. E podemos dizer, com Leloup (2001), que não estamos na Terra para manipular objetos, mas para viver encontros. É a explosão metonímica da obra: no destino tecido de cada homem, o destino do Homem.

Benveniste (1989), falando sobre a subjetividade na linguagem, deixa clara a impossibilidade de definir o homem sem ela. Linguagem entendida como atividade, como forma de ação interindividual, dual, finalisticamente orientada. Como diz Geraldi (1985), trata-se de um jogo que se joga na sociedade, na inter-locução, e é no interior do seu funcionamento que se pode procurar estabelecer as regras de tal jogo.

Podemos dizer que a atividade linguística envolve: um trabalho de representação, de referenciação e de regulação. Exemplificando, o sujeito constrói suas representações do ponto de vista psicológico, subjeti-vo, individual, mas ele não pode parar aí: tem de ir além, num processo de socialização (do que pertence ao outro) e tem de seguir avante, na instauração do diálogo criativo entre o eu e o outro. Na busca, confronta-se com as palavras, com as frases, com as orações, com o discurso. Na busca, apela-se para as atividades meta-linguísticas: repensa-se a língua, debruça-se sobre ela, reflete-se, analisa-se a estrutura morfossintática. Mas não basta. Não termina aí o investimento. A linguagem é indeterminada. As palavras apenas e simplesmente apontam para “direções grosseiras”, a ambiguidade é constitutiva. É no esforço de encontrar os desencon-tros das palavras “tão pobres, tão magras, tão vazias”, que se encontra a liberdade, que se lança no abismo aberto pelo surgido sulco. Vai-se! Procura-se na densidade do texto, procura-se na experiência pessoal, vai-se à gênese... para voltar-se ao sintagma, novamente (atividades epilinguísticas). Ao desambiguizar, o sintagma se ilumina, o sentido do texto se aclara. Então é que, verdadeiramente, o processo ativo do sujeito afora. É o dito levando ao visto, porque todo o texto envolve um processo de interlocução, e neste processo nasce a leitura, nesse processo nasce a produção de sentido.

E Iser (1996) vem pontuar muito bem. A escola de Constança (Estética da Recepção) coloca a leitura em seu devido lugar: o leitor é o que interessa, mas... ele não pode ler o que quiser. Porque o texto tem indica-tivos. E é através destes, que temos de lê-lo.

Deste modo, podemos e devemos estabelecer relações e pontos comuns entre as três atividades: linguística, metalinguística e epilinguística. É o ato de semear que fará a colheita melhor ou... pior. Exempli-ficando: ao investir no texto Abrindo Caminho, faço uma viagem, um jogo espiralante e/ou espiralado, que me fará sair do mundo da indeterminação das palavras (linguagem), passar pelo mundo visível da gramática do texto (metalinguagem) e direcionar o olhar para a atividade metalinguística inconsciente, para a gênese e aí atingir a linguagem das linguagens, a linguagem dos vasos comunicantes, onde o dito se torna visto. Em síntese, se aceito o jogo espiralante, não simultâneo, mas progressivo, paulatino, faço aflorar o indetermina-do das palavras, faço emergir plenamente o esquema de interação.

O leitor implícito de Iser (1996) explica a relação com o sentido e a parte subjetiva da recepção. A

, p. 29-41, 2012. , p. 29-41, 2012.

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leitura, retomando os termos do autor escolhido para tal trabalho, é uma dialética entre protensão e retenção. É um processo de ir e vir. Neste ir e vir dá-se o sentido. O sentido primeiro é questionado, parte-se para a nova leitura. Nasce o outro sentido, mais amplo, enriquecido, mais repleto de possibilidades. E o leitor, ca-çador de sentidos, lança-se em busca da luz, da energia que emana do texto. Na argumentatividade, inscrita nos enunciados de Abrindo o Caminho, o jogo da linguagem verbal e não verbal. No redizer das histórias componentes das tríades, a tríade “nova”, a nos dizer que o maior desafio é a busca, e, para começar, a gran-de força é a vontade. Não basta viver, é preciso ousar.

Com Iser (1996), reiteremos: o texto é um potencial de efeitos que se atualiza no processo da leitura e se o sentido pretende ser sentido, precisa ser pregnante. E se a estética do efeito compreende o texto como um processo, privilegia a Literatura num momento social de sua não evidência.

Referencias Bibliográficas

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GERALDI, João W., ILARI, Rodolfo. Semântica. 2ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 1985.

JAUSS, Hans Robert. Pour une asthétique de la réception (trad. fr.) Paris: Gallimard, 1978.

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JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Trad. de Marina Appenzeller. Campinas: Ed, Papirus, 1999.

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MACHADO, Ana Maria. Abrindo Caminho. 1ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 2003.

Recebido em 27 de Agosto de 2012. Aprovado para publicação em 12 de Outubro de 2012.

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TEIXEIRA, Elisabeth. Abrindo Caminho (ilustrações). 1ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 2003.

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MAÇÃS MORDIDAS tecidos em redes, Jobs e Ana Maria Machado

Apples bites: tissue networks, Jobs and Ana Maria Machado

Clarice Zamonaro Cortez

Pós-doutora pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Doutora em Letras pela Universidade Estadual Paulista, câmpus de Assis, Assis, SP. É professora de Letras e Literatura Portuguesa, sendo docente associada da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR.

Abstract This article aims to encourage the reader for searching to new instruments that are conduct to teaching and learning, seeking a new look for magazines, advertisements, children’s books, in order to think of them as entertainment and educational catharsis. The methodology relates to the aesthetics of reading and reader education in the pursuit of intertextuality.

Keywords: magazine, advertisement, Job, teaching, education-art

ResumoEste artigo tem por objetivo estimular o leitor a pesquisar novos instrumentos que conduzam ao ensino e ao aprendido,

buscando um novo olhar para revistas, propagandas, livros infantis, pensá-los como entretenimento e catarse pedagógica. A metodologia adotada relaciona-se com a estética da leitura e a formação do leitor, na busca da intertextualidade.

Palavras-chaves: revista, propaganda, Job, ensino, educação-arte

Comecemos por argumentar através de textos tirados da mídia impressa e do livro infantil, mas que oportunizam o docente a discuti-los e a mergulhar na sua prática pedagógica. As escolhas daqueles textos chamam a atenção do leitor para um slogan - Tem sempre um jeito novo de olhar as coisas.

O primeiro artigo, retirado da revista Cultura, (edição 49) tem, Jobs, o criador da Apple, o que nos faz refletir sobre o profissional inovador que se diferencia do não criativo, lembrando que a diferença está entre a capacidade de fazer associações e conectar proble-mas de diversos campos aparentemen-te sem relação. É a percepção que faz separar o inovador do imitador, ou seja, do professor com seu caderno receituá-rio daquele que inova buscando outros caminhos.

Já o texto publicitário da revista Ne-gócio (Jornal “O Estado de São Paulo”, de 08/08/2011) trabalha a imagem da maçã, com uma técnica criativa de co-lagem com papéis em diferentes cores, induzindo o leitor para uma síntese cul-tural, desconstruindo-a, faz o sentido se abrir em uma cronologia mítica, religio-sa como o pecado de Adão e Eva; isso se dá na lei da física; nas lendas; e no

presente dos apaixonados; em um ato heróico, Guilherme Tell e a cidade que nunca dorme e por fim, a maçã, uma média com o professor.

O livro de Ana Maria Machado, Abrindo Caminho é outro instrumento de trabalho, quando através do caminho de Drummond, a leitura do imaginário, da descoberta do Mundo novo, da criação do avião e de-pois, a encruzilhada.

Que caminho tomar? O que se esperar? Como fazê-lo? O artigo sobre Jobs, o texto publicitário, o texto de Ana Maria Machado nos dizem?

Há entre eles um ritornello, um jeito novo de olhar as coisas, que criam e abrem caminhos, de avaliar, através de jornais, das revistas, da mídia visual, da arte e dos livros. Tal abertura de caminhos, inovada por

Jobs ao criar a Apple; cujo símbolo é a maçã mordi-da, apresenta uma desconstrução, produzindo novas leituras aos personagens de Abrindo Caminhos que enfrentam “pedras”, “rios”, “cercas” e buscam fora deles a si próprios. É revisitando textos como esses que faz o docente perceber as coisas de modo distinto, obrigando o cérebro a fazer conexões, oportunizando--o a discuti-las e a mergulhar na sua prática pedagó-gica.

Tanto Jobs, com seus aparelhos eletrônicos, com sua tecnologia e Ana Maria Machado com seu tex-to Abrindo Caminhos, adentram por territórios antes seccionados e vistos separadamente, o que invalidava a junção de caminhos e a abertura de fronteiras entre eles. Jobs fez da historia da maçã mordida pela nossa primeira mulher, segundo o texto bíblico, a metáfo-ra de navegar por “mares nunca dantes navegados” e descobrir novos caminhos.

Ana Maria Machado fez de sua narrativa não se-qüencial temporal, uma diegese da criação e da desco-berta. Assim o seu livro, logo nas primeiras páginas, apresenta “Tom Jobim”, cenorizado em uma calçada de Copacabana, abrindo caminho para Bossa Nova;

, p. 42-44, 2012. , p. 42-44, 2012.

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“Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é o livro, os demais são extensões do seu corpo. O mi-croscópio, o telescópio, são extensões de sua vista; o telefone é extensão de sua voz; depois temos o arado e a espada, extensões do braço. Mas o livro é outra coisa – o livro é uma extensão da memória e da imaginação.”

Referências Bibliográficas

ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. (Vol. I/II). Trad. Johannes Kretschmer. São Paulo: Ed. 34, 1996.

GERALDI, João W., ILARI, Rodolfo. Semântica. 2ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 1985.

JAUSS, Hans Robert. Pour une asthétique de la réception (trad. fr.) Paris: Gallimard, 1978.

MACHADO, Ana Maria. Abrindo Caminhos. São Paulo: Editora Ática, 2003.

“Esperança RenascidaEscancarando a prisãoÉ promessa de vidaNo meu coração.”

Recebido em 18 de Agosto de 2012. Aprovado para publicação em 15 de Outubro de 2012.

ao apresentar Dante, cenorizado em uma “selva oscura”, volta à Idade Média em um mergulho secular, pro-vocando um estudo da construção poemática, da sociedade de Florença, do inicio da língua italiana; Drum-mond, cenorizado pelas pedras e montanhas, do território mineiro, ao atravessá-lo chega ao lugar procurado. Temos uma vereda de poesia.

Há cortes seqüenciais na narrativa, mas todos eles são retratos cartográficos de uma biblioteca, na qual uma personagem leitora busca neles um viés para entrar na história e assim “viajar” para o trilho terrestre da China, em companhia de Marco Polo; “viajar” para as Américas em companhia de Colombo; voar em companhia de Santo Dumont e chegar às cidades grandes, cheias de grades e muros. Encontramos nessas seqüências outro nó - uma pedra, impedindo-a de caminhar, “Há uma pedra no meio do caminho, um rio para passar, uma selva para atravessar”.

O inicio da narrativa amarra o seu fim. Pelo percurso existiam outras pedras, outras florestas, outros ma-res, outras selvas, por onde todos passaram, abrindo caminhos. Temos ainda que considerar os dois criadores envolvidos, Jobs e Ana Maria Machado. No caso de Jobs, a maçã contém só uma cartografia - o mesmo espaço, mas lugares, tempos e histórias diferentes; no caso de Ana Maria Machado, a pena e o pincel vão construindo, ponto por ponto, pincel por pincel, histórias diferentes, com personagens diferentes, cheios de obstáculos que são afastados e os caminhos ficam abertos.

A Maçã, o logotipo eletrônico de Jobs, contém signos reunidos com outros em um sincretismo semioló-gico, sob uma mesma forma cheia de significados diferentes. Em Ana Maria Machado, o signo se expande, construindo uma sintaxe monocórdia, que abre caminhos implicitados por obstáculos vencidos. Abrindo Caminhos é uma maçã mordida, símbolo da criação e da descoberta.

Texto ou imagens são livros, não importa a denominação que recebam. Vale aqui deixar um pensamento de Jorge Luiz Borges

Artistic Revolution

Abraham Lubelski

Artista contemporâneo e fundador da revista NYArts Magazine - publicação também conhecida como New York Arts Magazine. Na função de editor da NY Arts Magazine, tem sido responsável pela organização e curadoria de grande número de exposições. Há também uma galeria em Nova Iorque que leva seu nome, a Abraham Lubelski Galery.

Abstract New Jersey-based Brazil ian artist, Duda Pen teado, has ded i cated over ten years to hon ing not only his own per sonal

art prac tice, but also to shar ing his pas sion for art with New York City metro area youth through a vari ety of urban arts out-reach ini tia tives. The most recent of a long list of notable projects, is his Global HeART Warm ing project. Located in Bed ford Stuyvesant, Brook lyn, it is a 100 x 72 foot mural com mis sioned by the CIT Yarts Foun da tion, aimed at rais ing aware ness about cli mate change.

Keywords: Brazilian artist, Duda Penteado, CITYarts Foundation, art, projectResumoO artista brasileiro presente em New Jersey, Duda Penteado, dedicou dez anos de sua vida não apenas para sua própria

prática artística, mas também para compartilhar sua paixão pela arte na área metropolitana de Nova Iorque através de va-riadas iniciativas de artes. Na mais recente lista de notáveis projetos, está seu projeto Global HeART Warning. Localizado em Stuyvesant Bedford, Brooklyn, é um mural de 100x72 pés (3x2,13 m) coordenado pela Fundação CITYarts, incentivada pela crescente preocupação quanto à mudança climática.

Palavras-chave: artista brasileiro, Duda Penteado, CITYarts Foundation, arte, projeto

Accord ing to the rev o lu tion ary Brazil ian edu ca tor and ped a gog i cal the o rist, Paulo Freire, the ide-al aim of edu ca tion is to be the “prac tice of free dom, the means by which men and women deal crit i cally and cre atively with real ity and dis cover how to par tic i pate in the trans for ma tion of their

world.” Con tin u ing Freire’s legacy and heed ing the call to rad i cally trans form the world through cre ativ ity and empow er ment, New Jersey-based Brazil ian artist, Duda Pen teado, has ded i cated over ten years to hon ing not only his own per sonal art prac tice, but also to shar ing his pas sion for art with New York City metro area youth through a vari ety of urban arts out reach ini tia tives. The most recent of a long list of notable projects, is his Global HeART Warm ing project. Located in Bed ford Stuyvesant, Brook lyn, it is a 100 x 72 foot mural com mis sioned by the CIT Yarts Foun da tion, aimed at rais ing aware ness about cli mate change.

The fin ished mural, a col lab o ra tion exe cuted between Pen teado and his stu dents, con sists of a Pop--Surreal land scape rem i nis cent of George Gar nett Dunning’s clas sic ani ma tion of The Bea t les’ The Yel low Sub ma rine. The joy ous and com pelling mural depicts a peo ple, flower, bike, and car-filled road, flanked by brick red moun tains and ver dant rolling hills on one side, and Hokusai-inspired ocean waves on the other. A funky yel low fac tory is sit u ated in the fore ground, and a vibrant col lec tion of city sky scrap ers looms in the dis tance. “Nature is in love with the earth … Nature is spring blos soms … Nature’s tears are earth’s floods” is writ ten in yel low let ters hov er ing in a starry night sky like undu lat ing air cur rents above a large yel low bird of peace.

, p. 42-44, 2012. , p. 45-48, 2012.

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Duda during his processing of piece of art

The fin ished mural, a col lab o ra tion exe cuted between Pen teado and his stu dents, con sists of a Pop--Surreal land scape rem i nis cent of George Gar nett Dunning’s clas sic ani ma tion of The Bea t les’ The Yel low Sub ma rine. The joy ous and com pelling mural depicts a peo ple, flower, bike, and car-filled road, flanked by brick red moun tains and ver dant rolling hills on one side, and Hokusai-inspired ocean waves on the other. A funky yel low fac tory is sit u ated in the fore ground, and a vibrant col lec tion of city sky scrap ers looms in the dis tance. “Nature is in love with the earth … Nature is spring blos soms … Nature’s tears are earth’s floods” is writ ten in yel low let ters hov er ing in a starry night sky like undu lat ing air cur rents above a large yel low bird of peace.

“Philo soph i cally, my mis sion as an artist is to empower and to cre ate dia logue about dif fi cult is-sues,” he says. “… In my case, my art pieces are not an end in and of them selves, but a means of arriv ing at a fun da men tal human truth: the strug gle of the car nal and the divine in our lives.”

Despite the obvi ous his tor i cal links of this kind of large scale pub lic paint ing to the Mex i can mural ist move ment of Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros, and José Clemente Orozco, Duda’s per sonal art prac tice seems to fol low more from a long tra di tion of Latin Amer i can mod ernist, sur re al ist, abstract, and fig u ra tive artists includ ing Juan Batlle-Planas, Rufino Tomayo, Roberto Matta, Jorge de la Vega, Hilton Berredo, and Beat riz Mil hazes, as well as the vibrant tra di tions of street art vital in both New York and many Latin Amer i can urban environments.

Detail of urban art from Duda Penteado´s projetcts

Take his recent Bird of Rev e la tion wall instal la tion at Jer sey City’s City Hall exhi bi tion enti tled Deck the Hall. Penteado’s expan sive mural con sists of a brushy sil ver ground, on top of which float quasi-representational/quasi-abstract ele ments, includ ing flat sky blue leafs pro trud ing from jagged brown and orange tree limbs, which jut into the com po si tion at off-angles from some unseen tree. Large comic-style sin gle eye balls in orange, each with a sin gle vul ture foot, and a pair of droopy ghost-like angelic wings, are perched on these limbs. The image is sur real in exe cu tion, draw ing to mind the hal lu ci na tory imagery of Cuban sur re al ist, Wil fredo Lam, yet evinc-ing an approach that is unique to Penteado’s hybridic style and set of influ ences. The work is equally dis turb ing and com i cal, bring ing to mind a car-toon Hal loween night mare, some thing akin to Pee-Wee’s Play house meets The Night mare Before Christmas.

Also notable in Penteado’s vast oeu vre is his recent acrylic on can vas paint ing series enti tled the Glo cal lica Series. These images rep-re sent a series of deformed hands, some times mor ph ing with or jux-ta posed against cragged tree bran-ches (a recur ring motif in Penteado’s work), all of which is jux ta posed against a back drop of abstracted color fields. In one image, we see a gold-en rod col ored can vas, with a large black hand mor ph ing into a tree. The image bears automatic-styled con-tour-line draw ings, as well as a blue float ing reverse-tear drop shape al-most quiv er ing as it hov ers in the far right hand side of the com po si tion. In another image, we see a tex tured crim son ground, super im posed with a centrally-located black tree trunk, with two hand-shaped wings flank ing it to either side, and a yel low abstract form sim i lar to the upside down tear drop from the pre vi ous image. In another can vas, rem i nis cent of Jean Dubuffet’s Art Brut han dling of paint, and Jean-Michel Basquiat’s approach to line work, Pen teado depicts two abstracted hands, one in elec tric blue, and one in a smudged sil ver, both con toured with free flow ing loose line work. The back ground is in lax blocks of color: black, gold, and red. In these, and other works in this provoca-tive series, the artists pro poses mul ti ple ref er ence points and inter pre ta tions from duende-inspired visions to the hor rors of war. These kooky and creepy dream-like images verge on the abstract, but evoke strong sym bols from the Black Power fist of free dom to the limp out stretched fin gers of zom bies, Penteado’s pop cul ture ref-er ences are sub tly embed ded into open-ended and ani mated forms of rep re sen ta tion, result ing in what critic José Rodeiro has termed the “urgent 21st-century rehu man iza tion of art and cul ture, … which dare to fore stall ram pant tech no log i cal dog ma tism, bel li cose neo-futurism, rav en ous mate ri al ism, sci en tific trans genic art (bio--art) or mere reduc tivis tic ornate decoration.”

, p. 45-48, 2012. , p. 45-48, 2012.

48 49Poéticas Visuais, Bauru, v. 3, n. 2 Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2

“OS MORTOS DE SOBRECASACA” (poema extraído de “Sentimento do mundo*” de Carlos Drummond de Andrade)

“The deads with frock”

Adenil Alfeu Domingos (In Memoriam)

Livre-Docente pela Universidade Estadual Paulista, câmpus de Bauru, Bauru, SP, tendo sido professor do Departa-mento de Comunicação Social, da Universidade Estadual Paulista, câmpus de Bauru, (Unesp-Bauru), Bauru, SP, no período de janeiro de 1995 a março de 2013.

“Havia a um canto da sala um álbum de fotografias intoleráveis,alto de muitos metros e velho de infinitos minutos,

em que todos se debruçavamna alegria de zombar dos mortos de sobrecasaca.

Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentese roeu as páginas, as dedicatórias e mesmo a poeira dos retratos.

Só não roeu o imortal soluço de vida que rebentavaque rebentava daquelas páginas.”

Adenil, Carlos Drummond de Andrade disse os versos para nós:

não roeu o imortal soluço que rebentava daquelas páginas. Ficou.

Nós todos...

*ANDRADE, Carlos Drummond. Sentimento do Mundo, São Paulo: Companhia das Letras, 2010. (e-book)

“How can an artist work ing in the twenty-first cen tury con tinue to cre ate orig i nal works of art after the over whelm ing pres ence of remark able twen ti eth cen tury art move ments like Cubism, Dada, Sur re al ism, Bauhaus, and Cobra?” Pen teado queries. It is clear that he draws on his vast knowl edge of art his tory and con-tem po rary trends, and yet he is able to pro duce unique images that draw on all of these diverse cul tural and his tor i cal sources while pro vid ing novel, fresh, and com pelling visions that inspire us all to look at the world with new eyes. In the end, this is per haps his most rev o lu tion ary act.

Recebido em 17 de Julho de 2012. Aprovado para publicação em 5 de novembro de 2012.

Mural in edition of montage

, p. 45-48 , p. 49, 2012.

50 51Poéticas Visuais, Bauru, v. 3, n. 2 Poéticas Visuais, Bauru, v 3, n. 2, p. 50-55, 2012. , p. 50-55, 2012.

Semiótica aplicada ao ensino de interpretação de texto didático não-literário

Semiotics applied to the teaching of comprehension for non-literary didatic text

Renato Ferreira NarduciLicenciado em Letras, Português, pela Universidade do Sagrado Coração (USC), Bauru, SP. Professor de Educação Básica da Rede Pública Estadual de Ensino, São Paulo, SP, e coordenador do Projeto Pesquisa de Capacitação Ex-tracurricular em Língua Portuguesa para Alunos da Rede Pública Estadual de Ensino. Aluno Pesquisador do Projeto Estadual Ler e Escrever..

Resumo:Este artigo tem como objetivo introduzir elementos semióticos à prática docente quanto ao ensino de interpretação de texto

não literário através de conceituações textuais, semióticas e aplicações, a fim de facilitar o processo de ensino/aprendizagem das matérias curriculares escolar. Foram bases de referências para concluir este artigo: Mariana Cabral, Massaud Moises, Lucia Santaella, Ferdinand de Saussure, Edward Lopes, Claudio Vicentino, Gianpaolo Dorigo, Charles Sanders Peirce e Umberto Eco. Como apoio prático, traz ainda a interpretação semiótica saussuriana de trechos do texto A Consolidação da Guerra Fria, retirados do livro didático História Geral e do Brasil publicado pela editora Scipione.

Palavras-Chave: Semiótica. Interpretação. Texto. Não literário. Didática. Língua Portuguesa.

Abstract:This article has the purpose to introduce semiotic elements to the teaching practice on not literary text interpretation throu-

gh textual conceptualizations, semiotic and applications, in order to facilitate the teaching/learning process of school subjects. The following bases of reference were used to conclude this article: Mariana Cabral, Massaud Moises, Lucia Santaella, Fer-dinand de Saussure, Edward Lopes, Claudio Vicentino, Gianpaolo Dorigo, Charles Sanders Peirce e Umberto Eco. And also, as a practical support, it brings the Saussurean semiotic interpretation from sections of the text The Cold War Consolidation, taken from the textbook História Geral e do Brasil published by Scipione publishing house.

Keywords: Semiotic. Interpretation. Text. Not literary. Didactics. Portuguese.

O aprendizado da língua portuguesa na educação básica é fundamental para a aprendizagem das ou-tras matérias constantes nas grades curriculares das instituições de ensino deste nível no país, pois, através dele, o aluno recebe noções gerais das regras de linguagem e técnicas para a interpretação

de texto. Um problema matemático pode se tornar um problema linguístico, assim como um fato histórico pode ser desvirtuado, se o discente não conseguir interpretar corretamente a obra. Durante o ensino da língua materna, desde o letramento até extensões de ensino superior, é impres-cindível, para o professor, pensar em lecionar as técnicas de interpretação de texto, a fim de auxiliar o aluno a expandir suas fontes do saber. Os textos atribuídos para as aulas de língua portuguesa são divididos em dois gêneros linguísticos: Literários e Não Literários, o que complica ainda mais a vida do aluno. Para entendimento e classificação

dessas duas tipologias textuais, Mariana Cabral, especialista em língua portuguesa e literatura, fez a seguin-te conceituação: A linguagem literária é caracterizada por sua plurissignificação, cuja base é a conotação, é utilizada muitas vezes com um sentido diferente daquele que lhe é comum. Podemos citar como exemplos de textos literários o conto, o poema, o romance, peças de teatro, novelas, crônicas. A linguagem não literária é a utilizada com o seu sentido comum, empregada denotativamente, é a linguagem dos textos informativos, jornalísticos, científicos, receitas culinárias, manuais de instrução etc. (CABRAL) Os textos literários a serem interpretados pelos alunos cursantes do ensino médio ficam restritos, na maioria das vezes, para as próprias aulas de literatura, enquanto os textos não literários são disseminados em todas as áreas do saber. Para a análise do texto literário, o ex-professor da Universidade de São Paulo (USP) e estudioso da Língua Portuguesa, Massaud Moises, estabeleceu em sua obra “Guia Prático de Análise Literária”, publica-da pela Editora Cultrix em 1969, princípios gerais de análise literária, justificando:

Visto que a análise literária confina com uma área de múltiplas facetas e implica uma série de pressupostos (...), entende-se por princípios gerais de análise literária uma primeira tentativa de sistematização e esclarecimento. Por outro lado, não cabe examinar aqui a contribuição e as limitações da “explicação do texto” conforme a praticam os franceses desde há muito: evidentemente que constitui um processo válido de útil (...), mas é de crer que sua tendência à uniformização deve ser postergada em favor de uma técnica aberta e dinâmica. Pois é tendo em mira uma análise menos padronizada que se organiza-ram os seguintes princípios orientadores. (MOISES, 1969, p.25)

O que diferencia, como visto, a primeira tipologia textual da segunda, são os elementos de denota-ção e conotação. Uma vez que o elemento de denotação traz o sentido exato da palavra, ou termo, o compo-nente de conotação deixa implícito o significado, para o leitor, dentro do contexto. Isso não significa que o texto com único sentido, denotativo, não requer uma interpretação minuciosa, pelo contrário, fazer bem essa interpretação, irá propiciar ao leitor que interaja com o conteúdo, podendo culminar sua interpretação com o seu conhecimento de mundo, gerando um novo conhecimento.

Podemos aplicar a essa interpretação os elementos semióticos estabelecidos pelo linguista e filósofo suíço, Ferdinand de Saussure. Porém, previamente, para estabelecer o significado de semiótica, Lúcia San-taella, Livre-docente em Ciências da Comunicação, publicou em 1999, pela editora Brasiliense, em sua obra “O que é semiótica”, as seguintes considerações:

Semi-ótica – ótica pela metade? Ou Simiótica – estudo dos símios? Essas são, via de regra, as primeiras traduções, a nível de brincadeira, que sempre surgem na aborda-gem da semiótica. Aí, a gente tenta ser sério e diz: – “O nome Semiótica vem da raiz grega semeion, que quer dizer signo. Semiótica é a ciência dos signos.” Contudo, pensamos es-clarecer, confundimos mais as coisas, pois nosso interlocutor, com olhar de um novo nome para a Astrologia. Confusão instalada, tentamos desenredar, dizendo: – “Não são os signos do zodí-aco, mas signo, linguagem. A Semiótica é a ciência geral de todas as linguagens”. Mas, assim, ao invés de melhorar, as coisas só pioram, pois que, então, o interlocutor, desta vez

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com olhar de cumplicidade – segredo desvendado –, replica: – “Ah! Agora compreendi. Não se estuda só o português, mas todas as línguas”. Nesse momento, nós nos damos conta desse primordial, enorme equívoco que, de saída, já ronda a Semiótica: a confusão entre língua e linguagem. E para deslindá-la, sabemos que temos de começar as coisas de seus começos, agarrá-las pela raiz, caso contrário, tornamo-nos presas de uma rede em cuja tessitura não nos enredados e, por não nos termos enredado, não saberemos lê-la, traduzí-la. (SANTAELLA, 1999, p. 7-8).

A autora, Lúcia Santaella, ainda segue em sua definição explicando a diferença entre língua e lin-guagem, para que possa se estabelecer um sentido íntegro de Semiótica.

Antes de tudo, cumpre alertar para uma distinção necessária: o século XX viu nascer e está testemunhando o crescimento de duas ciências da linguagem. Uma delas é a Linguística, ciência da linguagem verbal. A outra é a semiótica, ciência de toda e qualquer linguagem. As principais relações fundamentais de semelhança e oposição entre ambas são problemas que tentaremos ir focalizando oportunamente no decorrer do percurso que iremos efetuar neste livro. Como ponto de partida, porém, que tentemos desatar o nó de um equívoco de base: a diferença entre língua e linguagem em conexão com a diferença, que buscaremos discri-minar, entre linguagens verbais e não-verbais. Tão natural e evidente, tão profundamente integrado ao nosso próprio ser é o uso da língua que falamos, e da qual fazemos uso para escrever – língua nativa, materna ou pátria, como costuma ser chamada –, que tendemos a nos desaperceber de que esta não é a única e exclusiva forma de linguagem que somos capazes de produzir, criar, reproduzir, transformar, e consumir, ou seja, ver-ouvir-ler para que possamos nos comunicar uns com os outros. É tal a distração que a aparente dominância da língua provoca em nós que, na maior parte das vezes, não chegamos a tomar consciência de que o nosso estar-no-mundo, como indivíduos sociais que somos, é mediado por uma rede intrincada e plural de lingua-gem, isto é, que nos comunicamos também através da leitura e/ou produção de formas, vo-lumes, massas, interações de forças, movimentos; que somos também leitores e/ou produ-tores de dimensões e direções de linhas, traços, cores... Enfim, também nos comunicamos e nos orientamos através do olhar, do sentir, e do apalpar. (SANTAELLA, 1999, p.10-11)

A semiótica então explicada, e diferenciada da linguística, é tida como uma ciência cujo objetivo é toda forma de linguagem, sendo assim, é papel da semiótica estudar, analisar e pontuar os textos, sendo eles literários ou não. Para aplicar os conceitos de semiótica, a própria autora Lúcia Santaella, em outra obra – Semiótica Aplicada –, publicada em 2008 pela editora Cengage Learning, aplica a semiótica à fenomeno-logia.

Entendemos por fenômeno, palavra derivada do grego Phaneron, tudo aquilo, qualquer coisa, que aparece à percepção e à mente. A fenomenologia tem por função apre-sentar as categorias formais e universais dos modos como os fenômenos são apreendidos pela mente. Os estudos que empreendeu levaram Peirce à conclusão de que há três, e não mais que três, elementos formais e universais em todos os fenômenos que se apresentam à per-cepção e à mente. Num nível de generalização máxima, esses elementos foram chamados

de primeiridade, secundidade e terceiridade. A primeiridade aparece em tudo que estiver relacionado com acaso, possibilidade, qualidade, sentimento, originalidade, liberdade, mônada. A secundidade está ligada às ideias de dependência, determinação, dualidade, ação e reação, aqui e agora, conflito, surpresa, dúvida. A terceiridade diz respeito à gene-ralidade, continuidade, crescimento, inteligência. A forma mais simples da terceiridade, segundo Peirce, manifesta-se no signo, visto que o signo é um primeiro (algo que se apre-senta à mente), ligando um segundo (aquilo que o signo indica, se refere ou representa) a um terceiro (o efeito que o signo irá provocar em um possível intérprete). (SANTAELLA, 2008, p.7).

Por esses parâmetros, temos que a fenomenologia apresenta à mente os fenômenos. Já a semiótica explica esses fenômenos, atribuindo um significado para entendimento do contexto. Essa definição já permi-te ao professor de língua portuguesa, trabalhar com seus alunos a interpretação de textos não literários, pois irá culminar nos seus alunos um fenômeno e traduzi-lo a partir dos elementos semióticos. Para pontuar esses elementos, é preciso seguir o ponto de vista de um semiólogo, que, no caso, será Ferdinand de Saussure. Para Saussure, a língua é constituída pelo signo linguístico, que por sua vez, é constituído pelo sig-nificado e significante. Em sua obra “Curso de Linguística Geral”, publicado no Brasil pela editora Cultrix em 1975, O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica (SAUSSURE, p.80). Imagem acústica, por simples definição, é a representação natural da palavra. Com essa definição de Saussure, pontuamos que o signo é o sentido total, enquanto destrinchado, há apenas um significado – conceito – ou um significante – imagem acústica. A fim de melhor entender o raciocínio sobre o signo (significante + significado) linguístico estabele-cido por Saussure, considere o ensinamento passado pelo professor Edward Lopes em seu livro Fundamen-tos de Linguística contemporânea, publicado pela editora Cultrix.

Ao conceber o signo linguístico como uma unidade de significante mais signifi-cado, Saussure reintroduzia a Semântica no corpo da Linguística e reativava o interesse, então adormecido, pelos estudos dessa área. No CLG, Saussure distingue as relações intra-sígnicas – relações “verticais” no interior de um mesmo signo entre o significante e o significado –, das relações intersígni-cas – aquelas que cada signo mantém com os demais signos presentes no mesmo enuncia-do –. A parole se desenvolve sintagmaticamente, ao longo de um virtual eixo de sucessões onde cada elemento discreto (“palavra”) ocupa uma posição significativa. Graças a isso, o significado desse elemento não provém da sua natureza, mas sim, por um lado, da po-sição que ele ocupa por referência aos outros elementos coocorrentes em seu contexto e, por outro lado, ele depende dos elementos ausentes desse mesmo contexto, mas por ele evocados, na memória implícita da langue. Assim, raciocinava Saussure, um elemento lin-guístico é um puro valor e o seu significado fica determinado num duplo enquadramento: o sintagmático, discernível no contraste entre elementos discretos (...), e o paradigmático (ou associativo), discernível nas oposições instauradas entre os membros da mesma classe de palavras e memorizáveis na langue. (LOPES, 2003, p. 234).

Apoiando-se na explicação de Edward Lopes, fazem-se visíveis duas relações existentes dentro de um texto, sendo elas, interssígnicas – relações entre os signos (palavra-palavra-palavra) –, e intrassígnicas – relações entre os significados e significantes (significado da palavra-campo semântico). Para se trabalhar

, p. 50-55, 2012. , p. 50-55, 2012.

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com esse raciocínio, o professor Lopes destaca outros dois elementos saussurianos essenciais para atribuir significado a um texto (elemento linguístico – puro valor) através de sua semiótica, sendo eles o enquadra-mento sintagmático – discernível no contraste entre elementos discretos (LOPES, 2003), e o paradigmático - discernível nas oposições instauradas entre os membros da mesma classe de palavras (LOPES, 2003) Assim, a linguagem tem o sentido atribuído através de oposições. Para melhor entendimento do assunto apliquemos tal técnica em alguns trechos do texto, “A Con-solidação da Guerra Fria”, retirado do livro didático História Geral e do Brasil – de ClaudioVincentino e Gianpaolo Dorigo, publicado em 2010 pela editora Scipione:

“A Consolidação da Guerra Fria

Os Estados Unidos e a União Soviética terminaram a Segunda Guerra Mundial como aliados. Sua atuação conjunta contra o Eixo foi decisiva para livrar a Europa da presença nazista. Rapidamente, entretanto, as relações entre ambos se deterioraram de tal forma que, após 1947, os especialistas começaram a falar em Guerra Fria, ou seja, um confronto indireto entre as superpotências.O motivo mais claro do rompimento é ideológico. Capitalismo e Socialismo, incompatí-veis em sua forma de entender diversas esferas da vida humana, do papel do Estado aos direitos prioritários dos cidadãos, levaram ao desacordo entre os Estados Unidos e a União Soviética no que se refere às finalidades da ordem política e aos métodos de atuação dentro dela. Sem constituir um período homogêneo, em razão do agravamento das tensões seguido da distensão entre os polos rivais, a Guerra Fria durou quase meio século, até o esfacelamento da União Soviética”. (VINCENTINO e DORIGO, 2010, p. 692).

Neste curto trecho do texto, observamos, de forma didática, elementos sintagmáticos – que se con-trastam –, Estados Unidos, de um lado, e União Soviética, de outro. Dentro das relações interssígnicas, nós observamos os signos interligados (palavra-palavra-palavra), porém, quando analisadas as relações in-trassígnicas (vertical), nós separamos em dois grupos opostos, um representado por Estados Unidos – e o que diz respeito a ele (capitalismo e esfacelamento da União Soviética), e o outro representado pela União Soviética – e o que diz respeito a ela (socialismo).

Seguimos a análise com mais um trecho:

“Em março de 1947, com o objetivo de combater o comunismo e a influência so-viética, o presidente norte-americano Harry Truman proferiu um discurso no Congresso no qual afirmou que os Estados Unidos se posicionaram a favor das nações livres que desejassem resistir às tentativas de dominação. No mesmo ano, o secretário de Estado George Marshall lançou o Plano Marshall, programa de investimentos e de recuperação econômica para os países europeus em crise após a guerra. Esse oferecimento estendeu-se aos países do Leste Europeu, que haviam sido libertados do nazismo pelo Exército Ver-melho. Em todos eles, as respectivas agremiações comunistas haviam tomado o poder.” (VINCENTINO e DORIGO, 2010, p. 692).

Somando ao que já tínhamos de informações sobre o primeiro trecho, neste segundo agora acarreta-mos uma divisão oposta em: Estados Unidos – capitalismo; esfacelamento da União Soviética; objetivo de

combater o comunismo e a influência soviética; Harry Truman; a favor das nações livres; George Marshall; plano Marshall; investimentos e de recuperação econômica para os países europeus em crise após a guerra; países do leste europeu), e União Soviética – socialismo; comunismo e influência soviética; Exército Ver-melho; respectivas agremiações comunistas haviam tomado o poder. Leve em consideração que partes do texto foram sublinhadas em dois tipos propositalmente, a fim de destacar os elementos opositivos, sendo que os sublinhados com apenas uma linha pertencem ao paradig-ma “Estados Unidos” e os sublinhados com duas linhas ao “União Soviética”. Com esses pontos destacados, é possível que o aluno faça a diferenciação antagônica, destaque os elementos pertinentes a cada uma delas e estabeleça um ponto em comum, neste caso, a própria Guerra Fria – e seu objetivo (luta pela defesa de seu sistema econômico). O exemplo da aplicação semiótica ao texto não literário foi aplicado em trechos de um texto didático de história, porém, qualquer texto de qualquer matéria – coeso e coerente – poderia ser interpretado deste modo. Justifico, pois a importância de o docente de língua portuguesa trabalhar com a Semiótica Aplicada com seus alunos, a fim de eles interpretarem e absorverem melhor o conhecimento das outras matérias cur-riculares.

RefeRências:

CABRAL, Mariana. http://www.brasilescola.com/literatura/linguagem-literaria-naoliteraria.htm. Acesso em 5 de dezembro de 2012.

ECO, Umberto. Conceito de texto. São Paulo: Editora Edusp, 1984.ECO, Umberto. Leitura do Texto Literário. Lisboa: Editora Presença, 1979.LOPES, Edward. Fundamentos da Linguística Contemporânea. São Paulo: Editora Cultrix, 2003.MOISES, Massaud. Guia Prático de Análise Literária. São Paulo: Editora Cultrix, 1969.PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e Filosofia. São Paulo: Editora Cultrix, 1972.SANTAELLA, Lucia. O que é Semiótica. 2. Ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1999.SANTAELLA, Lucia. Semiótica Aplicada. São Paulo: Cengage Learning, 2008.SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 7. Ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1975.VINCENTINO, Cláudio e DORIGO, Gianpaolo. História Geral e do Brasil. São Paulo: Editora Scipione, 2010.

Recebido em 15 de fevereiro de 2013. Aprovado para publicação em 9 de abril de 2013.

, p. 50-55, 2012. , p. 50-55, 2012.

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O Desenho das Energias, John Ruskin e as Pedras de Veneza

The design of the energies, John Ruskin, and the Stones of VeniceClaudio Silveira Amaral

Pós-doutor e Professor do Departamento de Arquitetura da Universidade Estadual Paulista, câmpus de Bauru (Unesp-Bauru), Bauru, SP.

Resumo:The metodologia de projeto do crítico de arte inglês do século XIX John Ruskin.

Palavras chaves: estética, metodologia de projeto, artes, desenho, história.

Abstract:The metodology of project of the English critic John Ruskin from the XIX century.

keywords: aesthetic, design metodology, arts, drawing, history.

“Nascido na metade do caminho entre as montanhas e o mar, aquele menino Jorge de Castel-franco, do bravo castelo, o chamavam de robusto Jorge, o Jorge dos Jorges, um bom rapaz, Giorgione. Você alguma vez pensou qual mundo o seu olhar curioso, cheio de vida, olhar de criança viu? Um mundo com a vitalidade das montanhas, das raízes do mar, de vidas esplen-dorosa, quando ele chegou tão jovem a cidade de mármore para se tornar ele mesmo. Cidade de mármore, disse isso? Não... mais uma cidade dourada pavimentada de esmeraldas, pois, verdadeiramente, cada pináculo, cada torre, se ergue coberto de ouro. Abaixo sem mácula o mar em pesados respiros de ondas verdes. Majestosos, terríveis como os mares, os homens de Veneza se movimentam na oscilação do poder e das guerras, puros como os pilares de ala-bastro, mãe desfilando sua nobreza, provedora de forças, de possibilidades, com seus panos vermelho sangue, com os seus medos, seus receios, sua paciência, um estado de fé implacável, com honras e esperanças embaladas pelo movimento das ondas que cercam seus sagrados bancos de areia. Um espaço privilegiado no mundo, um mundo em si. Deitada sobre as águas nem tão grande, seus capitães a viam por entre as brumas ao entardecer penetrado por es-pessos raios solar como se fossem sólidos, cuja força era sentida como embriagues como se estivessem navegando num paraíso; um lugar onde todo mal havia sido banido pela dinâmica de uma vida simples. Nada de ruim, nenhum tumulto naquelas estreitas ruas iluminadas pelo luar, com musica pulsando, se alterando, silenciando. Nenhum muro poderia cercá-la, nenhum telhado cobri-la, apenas a força das pedras coloridas e preciosas. E ao redor, até onde o olhar avista o doce movimento das águas, numa pureza cheia de orgulho, como flores espalhadas pelos campos, o etéreo dos Alpes, como num sonho, desaparece por trás das costas de Torcello. Acima, ventos livres, nuvens selvagens, o brilho do Norte e o balsamo do Sul, as estrelas ao entardecer amanhecem por entre as luzes por detrás dos arcos do paraíso e do mar revolto”.1

Por que será que John Ruskin se apaixonou por Veneza? Provavelmente porque Veneza conseguiu explicitar a sua Teoria da Arquitetura, assim como a da Pintura, e principalmente a sua Filosofia da Natureza, pois Veneza é movimento, é energia, é explosão de cores; Veneza é o pulsar de vidas e a

Teoria da Arquitetura de Ruskin trata do desenho das energias. Ruskin já havia sentido essa atmosfera na pintura de Joseph Turner , no qual as cores da paisagem se interpenetram criando a sensação da existência de um todo em estado de harmonia. Turner pintou a atmosfera de paisagens naturais, Ruskin pintou a atmosfera de Veneza, uma composição do azul do céu, com o branco das nuvens, com o amarelo-avermelhado de raios solar, com o verde das águas da lagoa, com sua arquitetura que parece flutuar, com o colorido dos mármores, com o frescor dos terraços esculpidos por pilares e arcos góticos, com o movimento apressado das pessoas, com o nervosismo das águas agitada devido ao intenso tráfico de barcos, com o céu cada hora de um jeito, com as luzes coloridas difusas entre as brumas, com os ventos selvagens; Ruskin misturou essas sensações e pintou a energia. Foi uma sensação de embriagues que o fez devanear, uma tontura que o levou ao êxtase. Essa mesma sensação já havia sentido nas paisagens dos Alpes Suíços, uma mistura de montanhas, lagos, céus, nuvens que nunca descansam, arvores frondosas, e animais pastando tranquilamente se movimentando e se misturando desenhando um todo em estado de equilíbrio instável. Ruskin buscou num Filosofia da Natureza a explicação para o que sentiu. Essa filosofia teria por princípio uma ética no qual tudo se relaciona com tudo, e todos vivem em estado de harmonia devido à po-lítica da ajuda-mutua. Com essa concepção de ética Ruskin criou a sua noção de estética cuja problemática foi: como sentimos essa ética no espaço?

, p. 56-71, 2012. , p. 56-71, 2012.

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Foi através da arquitetura bizantina e gótica de Veneza que conseguiu enxergar o desenho dos movimentos das energias que compõe o espaço. Assim, para tratar de São Marcos e do Palácio Ducal, primeiro nos conduz a um passeio por entre as ruas estreitas de Veneza. Por fim, chega-se à Bocca de Piazza, e num único relance, o olhar explode em mil cores frente ao clarão das luzes vindas das abertu-ras proporcionadas pela Praça de São Marcos e se avista de repente São Marcos com sua fachada de arcos simétricos contrastando e compondo com as irregularidades das vielas percorridas anteriormente. No entanto, apesar de majestosa, São Marcos parece flutuar isto porque, os inúmeros e esqueléticos pilares coloridos e arcos de sua fachada são de uma delicadeza extrema quando tocam o chão, parecendo nem tocá-lo. Do mesmo modo o

Palácio Ducal, com seus pilares e arcos sobrepostos dão a impressão de levitar frente à pesada caixa que carregam, criando uma sensação de desequilíbrio no observador. Se por fora de São Marcos a vida é movimento alucinado, por dentro é movimento em câmera lenta. Após se acostumar a escuridão inicial depois de adentrá-la, percebe-se um silêncio assustador que se interrompe apenas quando raios de luzes com a intensidade de canhões de energia despencam das abertu-ras das cúpulas anunciando um ornato. Num determinado instante focam esse ornato para logo em seguida o escon-der na penumbra, surgindo outro em seu lugar, e assim su-cessivamente. Esse movimento é lento, e segue o ritmo do caminhar da luz solar lá fora. Desta qualidade estética, Ruskin extraiu dois im-portantes conceitos para sua Teoria da Arquitetura: a Ver-dade das Estruturas e a Verdade dos Materiais. Para Ruskin o fenômeno estético é a qualidade de sentir o espaço, mais precisamente, sentir o fluxo das energias que circulam e constituem o espaço. A estética arquitetônica seria o desenho destas energias que compõe a edificação. Para constituir tal conceito, Ruskin considerou o desenho dos elementos estruturais que controlam esses fluxos, pois, absorvem, conduzem, redirecionam e transmitem forças de energias, desenhando linhas de forças. Desta forma, a chu-va, a neve, os ventos, o peso próprio, o peso das pessoas, enfim, as forças naturais e artificiais se materializam em desenhos de linhas de forças. Ruskin pesquisou o desenho dessas linhas de forças para as construções em pedra, defi-nindo seus elementos estruturais, como: a fundação (base),

a parede ou coluna, a cornija ou o capitel, os arabescos e os contrafortes. Explicou o surgimento de colunas para não ser necessário engrossar as paredes frente a maiores solicitações de pressões verticais, assim como explicou os capitéis derivados das cornijas concentradas num único ponto, do mesmo modo que a coluna seria a concentração da parede num único ponto; os arabescos seriam desenhos delicados transmissores de energias verticais e laterais localizados geralmente nos vitrais ou interior de arcos. Os desenhos de arcos servem para receber as forças verticais para em seguida direcioná-las as colunas que, por sua vez, as condu-zem para a base, e esta as distribui pelo chão. Os contrafortes são apoios para desviar as forças laterais. São estes os elementos estruturais para as construções em pedra, são desenhados para funcionar em conjunto: um transmitindo a força recebida ao outro e assim sucessivamente até se dissipar completamente ao tocar o chão. Ruskin chamou a atenção para o fato destes elementos não serem de forma alguma ornamentais, mas sim estruturais, podendo ser decorados após a definição de sua forma; e que, a criação da coluna, do arco e do capitel, assim como da cornija não se refere a símbolos religiosos, estão em igrejas como poderiam estar em qualquer outra edificação, pois são desenhos estruturais para a matéria pedra. Ruskin explicitou esse seu conceito de verdade das estruturas através do desenho da arquitetura gótica, no qual a ossatura da edificação

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se expõe para a visão do observador. O sistema estrutural é visto, sentido e compreendido, e isso é o que dá sentido a sua concepção de estética, que em última instância, seria sentir a energia que ocorre pela diferença na justaposição de forças. Essa diferença desloca o tempo por continuidade do desenho que se torna virtual e o observador acompanha com os olhos e o corpo. Pode ser mais fina, veloz, elegante, mais densa, forte ou ruidosa. Isso faz com que o espaço vazio, porém sensível, vibre. O usuário, habitante comum, de sensível corpo, sente o entendimento dessas forças, sua visualização transformada em Linguagem Arquitetônica. O observador/usuário navega nesse espaço, desvia de algo sem o saber, já que inominável para ele é. Foi assim que o desenho do gótico exemplificou a sua noção de estética arquitetônica, assim como a verdade das estruturas.

E por que arquitetura? A resposta é que a arquitetura, para Ruskin, faz parte da paisagem, embora seja o desenho de uma paisagem artificial deverá compor com os demais elementos da paisagem natural, não devendo se opor e nem se sobrepor a esta, porem conviver em harmonia. A arquitetura, assim como a natureza, é para ele um livro aberto para ser lido. Assim pensando, percebe-se uma metafísica por traz do raciocínio ruskiniano vindo de sua Filosofia da Natureza. Metafísica que entende a natureza ser composta por elementos em movimento, como se fizessem parte de uma grande máquina cujas partes funcionam de acordo com certas leis (leis da Natureza), em busca de um estado de harmonia/equilíbrio. Ora, isso não seria Bacon? Newton? A diferença talvez esteja na ética dessa Natureza, que para Ruskin é a lei da ajuda mútua e para Bacon e Newton motivo de conhecimento para dominar a Natureza, e também diferente de Darwin que viu a Natureza pela dinâmica da competição entre os seus elementos no qual o mais forte vence. Assim, como a arquitetura é o resultado da composição de desenhos de campos energéticos, o es-paço ao redor também o é. Desta constatação Ruskin extraiu um método para o projeto de arquitetura; um método cuja intenção projetual seria integrar as linhas de forças do entorno as linhas de forças do projeto. Ruskin recomenda ao arquiteto deitar no lote para sentir suas energias, para em seguida desenhar as linhas de forças de seu projeto em consonância com as do lote e do entorno. Queria com isso, desenhar um campo de forças em estado de harmonia, ou seja, todas as energias trabalhando em comunhão, uma conectada a outra (a ética da ajuda mutua). Outro conceito ruskiniano é a Verdade dos Materiais que além de se referir as questões de resis-tência dos materiais, possui estreita relação com a noção de tempo. O conceito de verdade dos materiais diz respeito às particularidades idiossincráticas de cada material. Quando Ruskin se refere a uma pedra de mármore, por exemplo, indaga sua constituição geológica, sua origem geográfica, quanto trabalho foi ne-cessário para extraí-la, quanto trabalho para modificá-la, quem fez o trabalho, quais as técnicas que utilizou; ou seja, evoca um passado para o presente. Para Ruskin, não existe espaço sem história, não existe espaço sem tempo. Quando o tempo é apagado, o presente ressente e perde seu vinculo com o futuro. Passa-se a vivenciar apenas um agora, sem passado e por isso sem futuro, restringindo-se as experiências de superfícies sem profundidades. Para Ruskin isso empobrece a vida, desqualifica-a. Por isso foi contrário a demolição de edifícios antigos, pois seria um passar de borracha na história. Do mesmo modo que Marcel Proust (seu admirador), reconheceu no mundo dos objetos externos a nós o local onde se encontra a nossa memória,

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assim Ruskin também pensou em relação a arquitetura. O tempo, para ele é o movimento entre um passado, presente e um futuro, ou seja, é fluxo de energias que não deve ser interrompido. Ruskin acreditou não ser possível e nem desejável parar o tempo, o que significaria a própria morte, pois, segundo ele, a energia da mente humana se alimenta de tempos. No que diz respeito à restauração de edifícios antigos, Ruskin primeiro recomenda um processo de constante manutenção para nunca ser preciso restaurar, mas se a construção estiver comprometida, prefere a demolição para em seguida surgir um projeto inteiramente novo. Mas se for necessário algumas alterações

na configuração original da edificação, que seja feita aparentando ser algo novo, nunca imitando ou conti-nuando o desenho original. Neste aspecto, criticou Viollet-le-Duc por ter participado da demolição das duas torres de St. Oven na França, substituindo-as por cópias das originais. Ruskin estudou o Dictionnaire Raisonné de l´Architecture Française du Siècle XI au XVI de Viollet--le-Duc, fazendo anotações e comentários em suas páginas. Le-Duc utilizou para desenhar, a linguagem técnica feita com régua, compasso, esquadro, representado por plantas, fachadas, cortes e perspectivas. De-senho este muito diferente dos de Ruskin feito a mão livre, explicitando apenas os detalhes que lhe interes-sava no momento, muitas vezes coloridos com cores fortes em aquarela. A dureza dos desenhos de Le-Duc fez com que Ruskin, várias vezes, os pintasse de cor de rosa, azul, amarelo; provavelmente, querendo com isso, trazer um pouco de vida a frieza do desenho técnico do Dictionnaire. Embora tenham discordâncias sobre o método, os dois tratam do mesmo assunto: a arquitetura gótica e tanto Ruskin quanto Viollet-le-Duc trabalham com os mesmos conceitos de verdade dos materiais e verdade das

estruturas. “… Os escritórios de arquitetura possuem hoje a seu dispor muitas possibilidades técnicas inovado-ras, mas quando são chamados a atuar não às utilizam criando sempre o já visto... Nossos edifícios públicos parecem não ter alma, reproduzem relíquias do passado, expressam uma linguagem incompreensível para os dias atuais... O século XIX não possui uma arquitetura própria… Porque isso acontece? Será que falta um método? Hoje temos que considerar duas verdades para a arquitetura: o Programa Arquitetônico e as Técni-cas Construtivas. O programa diz respeito a função do edifício, e as técnicas construtivas se fere ao uso cor-reto do material empregado conforme suas qualidades e propriedades de resistência… A arquitetura da Índia utilizou a pedra seguindo o desenho estrutural da Madeira, assim também fizeram os Gregos e os Egípcios. Utilizaram desenhos estruturais emprestados de outros materiais. Temos que respeitá-los, mas repetir isso hoje é ridículo… Por outro lado, temos o exemplo da arquitetura da Idade Média, o gótico, que inventou de-senhos próprios para a matéria pedra respeitando as suas propriedades de resistência construindo situações de equilíbrio. Essa experiência deveria continuar nos dias atuais, não podemos abandoná-la temos de partir

daí. Temos que utilizar os exemplos do passado que possam servir para as novas possibilidades tecnológicas do presente… É de fundamental importância termos um método capaz de levar essa experiência adiante e esse método é o de Descartes.” De modo parecido, Viollet-le-Duc e Ruskin buscam por uma arquitetura para o século XIX com base na verdade dos materiais e na verdade das estruturas. O que os diferencia é o método; Le-Duc utilizou o método cartesiano, no qual o desenho arquitetônico é a síntese cartesiana entre as técnicas construtivas e o programa arquitetônico, e Ruskin cujo método foi extraído de sua Filosofia da Natureza visto anteriormente. A metodologia ruskiniana, diferente da cartesiana, agrega diferentes assuntos para tratar de um úni-co, desta forma, Ruskin para falar de arquitetura, tratou de suas relações de trabalho. Porém, antes de considerar a sua noção de trabalho, seria oportuno tratar de outro assunto para em seguida retornar. Ruskin foi muito criticado pelos pensadores de sua época por ser um religioso e disto concluíram ser ele um defensor dos princípios da Idade Média. É certo que Ruskin atribuiu a criação da

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Natureza a um deus, e sabe-se que foi educado segundo os princípios da religião Protestante. Porem, num determinado momento de sua vida, perdeu a fé em relação a todas as religiões, passando a ter fé única e exclusivamente no trabalho. Revoltou-se contra o cristianismo, ao admitir poder existir o paraíso na terra e não apenas no após a morte. Não admitia as injustiças sociais, e muito menos entendeu o sofrimento hu-mano ser motivo de orgulho e humildade. Sua filosofia da Natureza enxergou um mundo em harmonia, e assim, um possível paraíso na terra a ser construído pelo trabalho do homem. Ruskin jamais utilizou a arquitetura gótica como exaltação ao modo de produção artesanal do pas-sado. Fez uso do gótico, assim como da história de Veneza, para ilustrar o que imaginou ser possível para o futuro. Mesmo porque, é duvidoso que as relações no trabalho ilustradas por ele tenham de fato ocorridas. Ele criticou o presente voltando ao passado, como tantos outros o fizeram, porem um passado idealizado que não necessariamente existiu, para em seguida propor um futuro diferente do presente. Foi nesse sentido que, William Morris (aluno e seguidor de Ruskin), no prefácio de A Natureza do Gótico, capítulo de As Pedras de Veneza, publicado pela Kelmscott House, Editora de Morris, em 1892, exaltou ser este uma das maiores obras já publicadas naqueles tempos, pois apontava para um futuro onde o trabalho seria feito com prazer. Morris, nesse prefácio, defendeu o avanço tecnológico prevendo um futuro no qual a máquina dispensaria o homem dos trabalhos mecânicos.

O trabalho feito com prazer para Ruskin é o trabalho no qual o homem se envolve por completo, corpo e alma. Nesse sentido criticou a moderna divisão do trabalho entre quem pensa e quem faz. “A humanidade vem aperfeiçoando a divisão do trabalho, no entanto tem dado a ela um nome fal-so, pois não foi o trabalho apenas que foi dividido, mas o homem foi dividido em segmentos de homem, quebrado em fragmentos de vida, exigindo que sua inteligência realize trabalhos repetitivos sem o menor interesse.” A divisão das artes em Liberal e Mecânica foi severamente criticada por Ruskin. Para ele quem faz deve pensar e quem pensa deve fazer; e respondendo aos que o acusaram de ser contra as máquinas e a favor da volta ao modo de produção da Idade Média, respondeu dizendo que o trabalho com prazer nunca foi sinônimo de trabalho manual.“…considere o grande número de homens que trabalham na produção de jóias. Existe muita destreza de mão, muita paciência, mas nenhum prazer, nenhuma criatividade a pesar de ser feito com as mãos.”

“Hoje em dia separamos quem pensa de quem faz, e chamamos quem pensa de cavalheiro e quem faz de operário, no meu entender, quem pensa deveria também fazer e quem faz deveria também pensar e todos deveriam ser chamados de cavalheiro. ” Desta forma, o trabalho é para Ruskin a atividade mais importante do homem, e pensando assim, criticou a burguesia industrial de seu tempo por não trabalhar e viver à custa da exploração do trabalho da classe operária. Considerou isso um roubo e qualificou a burguesia de ladra. Ruskin buscou no passado o modo gótico de trabalhar, um modo na verdade idealizado por ele para se adequar a ética de sua Filosofia da Natureza. Propôs o trabalho com prazer, entendendo ser este o trabalho criativo. O resultado desse processo de trabalho viu materializado na arquitetura de Veneza, pois, o gótico veneziano se adequou aos princípios de sua Filosofia da Natureza, sendo propício para representar a sua noção de estética e de trabalho feito com prazer. A essa sua noção de trabalho com prazer, Ruskin associou ser preciso haver relações sociais e eco-nômicas propicia, e identificou essa situação no inicio da historia de Veneza quando o gótico veneziano nasceu. Mas, assim como as relações de trabalho no passado foi uma idealização sua, a sociedade do bem--estar-social vista por ele em Veneza provavelmente também foi. Mas isso não importava a Ruskin, pois propunha uma concepção de futuro e não uma história para diletantes. Ruskin inventou um passado para criticar o presente a fim de propor um futuro. Portanto, é pos-sível supor que os desenhos que viu na arquitetura de pedra, desenhos de linhas de forças, poderiam ser repensados para outros tipos de materiais, desde que respeitassem a verdade das estruturas e a verdade dos materiais. Entendeu que o trabalho criativo devesse ser regido pela imaginação, pela fantasia, inventando aquilo que nunca existiu. Na medida em que os desenhos estruturais da matéria pedra foram desenhados na forma de base, coluna, capitel, arabesco, cornija e contraforte; poder-se-ia então imaginar outros desenhos para outros materiais, desde que respeitassem as verdades acima mencionadas. Para Ruskin cada edifício é único em termos de desenho. Não existe um único edifício gótico igual ao outro, dizia. Apesar da existência de uma metafísica no pensamento ruskiniano, esta passa necessariamente pelo crivo imaginativo do artista,

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e por artista entendeu todo trabalhador que estivesse por inteiro em seu trabalho , ou seja, todo trabalho feito com prazer. Sua critica a arquitetura do renascimento (de não expor o seu desenho estrutural para a visão do observador, e de dividir o pensar do fazer) na verdade foi uma critica aos arquitetos de seu tempo, pois, segundo ele, trabalhavam do jeito renascentista, sendo o arquiteto quem pensa e o pedreiro quem faz, alem dos desenhos serem imitações de desenhos já vistos (neo-gótico, neo-renascimento, etc.), portanto, sem imaginação, uma mera repetição. Há de se considerar que a arquitetura do renascimento se fundamentou numa filosofia da Natureza vinda da Grécia Antiga, que tem por princípio uma Natureza constituída por medidas e números. Visão di-ferente da filosofia da Natureza de Ruskin. Além de propor uma metodologia para a arquitetura, Ruskin propôs um tipo particular de relaciona-mento no processo produtivo da arquitetura. Disto surgiu o arquiteto participativo. diferente do renascen-tista (que separa o pensar do fazer), este convoca todos os participantes do processo produtivo para rede-senhar suas primeiras idéias, seus primeiros croquis. A participação dos pedreiros, azulejistas, eletricistas, engenheiros, e demais envolvidos, possibilita uma criação coletiva, que segundo Ruskin, é educativo, pois permite a troca de experiências e de saberes, engrandecendo o conhecimento de cada um, além de atribuir maior qualidade ao trabalho final. Isto não quer dizer que o arquiteto seja dispensável, mas que coordenará um processo de produção coletiva pensada coletivamente. Esse tipo de arquiteto se encaixa nos princípios da ética da ajuda mútua da Filosofia da Natureza ruskiniana. É certo que Ruskin remava contra a maré, provocando a ira dos arquitetos ingleses que o ridiculari-zaram por não ser arquiteto e por estar criticando a arquitetura vitoriana e criando uma metodologia própria. “Ruskin comenta uma crítica feita a seu livro The Seven Lamps of Architecture: O Sr. Ruskin pensa que São Marcos é bela, nós arquitetos a achamos horrorosa.” “Os arquitetos modernos foram extremante influenciados pelo livro de James Fergusson,” A Histó-ria dos Estilos Modernos na Arquitetura”, e comemoraram o estilo “gótico revival” na reforma do Parlamen-to Inglês iniciado em 1840. O “gótico revival” foi também muito divulgado pelos escritos de Pugin…” “Em um jornal de arquitetura, o arquiteto e botânico de nome Wood comentou cartas de arquitetos franceses, italianos e gregos se posicionando contra a arquitetura de São Marcos em Veneza, “nunca viram uma arquitetura tão feia”, e acrescenta,” se alguns defendem a irregularidade de suas formas, eles (os arqui-tetos), por sua vez, eram da opinião de que toda arquitetura necessita de princípios rígidos de regularidade.” No entanto, nem todos os arquitetos do século XIX o hostilizaram, pois o nome de Ruskin foi con-traditoriamente indicado para receber a Real Medalha de Ouro do RIBA (Instituto dos Arquitetos Britâni-cos) em1873. Porém Ruskin recusou-a, justificando não reconhecer a legitimidade do RIBA para tratar de arquitetura... E do mesmo modo que alguns arquitetos o respeitaram no século XIX, alguns do século XX como, por exemplo, Frank Llyod Wright e Le-Corbusier sofreram sua influência.Em The Arts and Crafts of the Machine Frank Lloyd Wright propôs o abandono dos estilos históricos com base na defesa dos conceitos ruskiniano de verdade das estruturas e verdade dos materiais, assim como do trabalho feito com prazer. Pretendeu com isso transformar as relações no trabalho fabril, qualificado por ele de trabalho escravo, para relações que permitissem o trabalho criativo. E propôs também, revolucio-nar a concepção plástica dos produtos industriais adequando-os as novas possibilidades construtivas e de materiais conforme a verdade dos materiais, estendendo essa sua crítica também para a arquitetura. Parece que Frank Lloyd Wright estava dando o passo adiante na proposta ruskiniana, ou seja, atualizando o futuro proposto por Ruskin. A influência ruskiniana em Le Corbusier tem sido objeto de estudo de Jan Kenneth Birksted , Paul Turner e Russell Walden Todos estes concordam que Le Corbusier sofreu a influência de Ruskin durante a

sua formação artística em La Chaux-de-Fonds devido ao professor L´Eplattenier que declamava Ruskin em sala de aula, mais precisamente As Pedras de Veneza. Jan Kenneth viu essa influência na tradição maçônica das relações de trabalho em La Chaux-de--Fonds que se aproximam da lei da ajuda mutua de Ruskin, mais especificamente nos aspectos de fraterni-dade e companheirismo durante o trabalho. Kenneth relacionou isso a concepção corbusiana de Promenade architectural, que propõe espaços integrados, como por exemplo, o interno com o externo, o edifício com a paisagem, a arquitetura com o urbanismo, semelhante a proposta ruskiniana de integrar a arquitetura na paisagem natural, ou seja, um ajuda o outro a existir. Paul Turner enxergou a influência ruskiniana em Le Corbusier apenas no início da formação artísti-ca, não a localizando após sua partida para Paris quando teria ido trabalhar no escritório de August Perret. Diferente destas duas visões, Russell Walden entendeu o processo criativo de Le Corbusier ser contraditório, ou seja, Corbusier utilizou várias teorias ao mesmo tempo, mesmo sendo hostil uma a outra, e nesse sentido, o seu raciocínio arquitetural foi dialético. Se por um lado, a sua formação inicial se deu a partir de princí-pios românticos devido a influência de L´Eplattenier, por outro lado, quando, com August Perret em Paris, sofreu a influência do racionalismo francês. Le Corbusier, conforme Walden, não descartou nenhuma destas influências e trabalhou com o choque das duas. E seria desta dinâmica contraditória, segundo Walden, que se encontra o poder e a qualidade estética da arquitetura de Le Corbusier. Foi dito que L´Eplattenier apresentou o trabalho de Ruskin a Le Corbusier, do mesmo modo que August Perret o apresentou ao trabalho de Viollet-le-Duc, mas para além disso, Le Corbusier sofreu da influ-ência de Nietzsche, de Ernest Renans e de Henri Provensal, dentre outros. Walden constatou que Provensal o apresentou as formas puras cúbicas antes mesmo do movimento Cubista surgir. Embora Walden encontre divergências em Ruskin e Le-Duc, os dois utilizam a concepção de verdade das estruturas e dos materiais, assumidas por Le Corbusier, no entanto, o fato da metodologia ruskiniana agregar vários assuntos para tratar de um, Walden entendeu ser esta mais utilizada pelo pensamento corbusiano do que o raciocínio cartesiano de Le-Duc. Segundo Walden, a obra de Corbusier que mais perto chegou do pensamento ruskiniano foi a Mão Aberta projetada para Shandigarh na Índia. Le Corbusier entendeu ser o símbolo de uma segunda fase para a civilização maquinista no qual a harmonia enfim haveria chegado. Viu a Índia como um país que não sofreu dos primeiros momentos da revolução industrial, e por isso entraria nela já numa segunda fase, ou seja, numa fase no qual os erros cometidos inicialmente estariam dissipados. Para tratar da Mão Aberta Le Corbusier relacionou vários assuntos como, arquitetura, urbanismo a escultura e a ética para dizer que a Mão Aberta é a expressão do urbanismo moderno e da filosofia moderna. “Le man ouverte est um geste plastique charge de contenu profondément human. Um symbol bien approprié à la nouvelle situation d´une terre liberée independent. Un geste qui appelle à la collaboration du monde. Aussi un geste sculptural et plastique capable d´attraper le ciel et d´engager la terre.” A Mão Aberta anunciou um novo momento para a civilização maquinista, momento no qual a hu-manidade faria as pazes com a Natureza. No entanto, como tudo em Le Corbusier é dúbio, a Mão Aberta as vezes se parece com uma mão aberta, mas as vezes se parece também com um pássaro, do jeito que Walden entendeu a produção de Le Corbusier, contraditória. Voltando a Ruskin, o fato de não ser arquiteto e, no entanto criar uma metodologia para a arquitetura critica aos arquitetos de então, despertou a antipatia de muitos arquitetos de sua época, e como se isso não bastasse, Ruskin conclamou todos a se revoltar contra a arquitetura de então, pois, segundo ele, a arquite-tura é um bem público, e portanto, todos deveriam ter o direito de opinar, não apenas os especialistas. É preciso lembrar que seus escritos nunca foram feitos para especialistas, sua obra é dedicada ao cidadão comum, sendo de fácil leitura, com poucos termos técnicos (e quando aparecem são explicados a exaustão), através da dinâmica de uma conversa. Ruskin dialoga com o seu leitor, mudando de opinião

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durante a conversa. Por exemplo, em As Sete Lâmpadas da Arquitetura define a arquitetura ser submissa a pintura e a escultura, e em The Stones of Venice vol. 3, muda de opinião dizendo que a arquitetura é a maior das artes. Seu discurso é energético, se movimenta, respira, possui vida. Quando trata do desenho das nuvens, por exemplo, não consegue entendê-lo, e admite não ter conhecimentos científicos para tal deixando o assunto em aberto. A obra ruskiniana é, na verdade uma só. Inicia com os quatro volumes de Modern Painters, no qual apresenta a sua filosofia da Natureza para tratar da pintura de Joseph Turner. Sente necessidade de apro-fundar a questão estética através da arquitetura e escreve The Seven Lamps of Architecture, considerado por ele a introdução de The Stones of Venice, (três volumes), que por sua vez foi a introdução a Modern Painters (quinto e último volume). Destes surgiram livros paralelos, sendo muitos transcrições de palestras: The King of the Golden Cross, Lectures on Art, The elements of Drawing, Ethics of Dust, The Storm of the Nineteenth Century, Unto this Last, The poetry of Architectures, Sesame and Lillies, Love´s Meinie, The Queen of the Art, Our Fathers have told us, dentre outros. Ruskin acreditou que a obra de Joseph Turner fosse também uma só, pois este, ao fim da vida lhe pediu para que nunca separasse os seus quadros para que fossem vistos como um todo. Toda a produção ruskiniana teve por mérito divulgar certa Filosofia da Natureza juntamente com sua noção de estética, ou seja, como se sente essa ética no espaço. A produção ruskiniana ocorreu como se fosse uma pesquisa em desenvolvimento agregando dife-rentes áreas do conhecimento na medida em que caminhou. Mas a sua principal problemática sempre foi a estética.Ruskin comentou a pintura holandesa a fim de compará-la a estrutura compositiva da pintura de Turner, que segundo ele, era o resultado da interpenetração de todos os elementos desenhados, o que remete a sua concepção de composição natural, cuja ética afirma não existir na natureza nenhum elemento a sós, todos precisam se ajudar mutuamente para que a existência individual possa ocorrer.“..no quadro existe o músico, os dançarinos, a caça, navios, a pesca, o banho de praia, crianças brincando, água, arquitetura, céu, montanhas, arvores, nuvens. Tudo indica um paraíso, no entanto nada se relaciona com nada, tudo esta solto e isolado, uma sensação de quietude opressiva. As dançarinas não se interessam pelos caçadores, os pais não se interessam pelas crianças, ninguém percebe a existência do céu, os banhis-tas não entram na água... Pergunto-me, será que esse pintor nunca soube o significado da palavra prazer? A pintura, apesar de ter uma série de possibilidades é a expressão da morte, não tem vida.” Em oposição a esse tipo de composição, que segundo Ruskin é a expressão da morte, sugere a de Joseph Turner que diferente de Giorgione (pintor italiano citado no início), vindo da cidade de mármore, veio da Inglaterra vitoriana dos primeiros anos da Revolução Industrial, com suas desigualdades sociais, com suas condições subumanas de existência para os trabalhadores, com suas cidades divididas entre ricos e pobres, sendo que os pobres vivendo como porcos, onde os campos haviam sido destruídos, e tudo isso co-berto por uma espessa nuvem preta de fumaça soprada pelas chaminés das fábricas. Turner, segundo Ruskin, veio das profundezas do inferno enquanto Giorgione veio do céu. No entanto, Ruskin entendeu que a produção poética não precisar de condições ideais para acontecer, e admitiu que artistas como Shakespeare, Tintoreto, Veronese, Corregio, Turner, Miguel Ângelo, Rubens, possuíam certo instinto animal, instinto este diferente do que havia imaginado em suas análises anteriores nas quais dizia ser necessário haver caráter, integridade, pureza e tranqüilidade para ser artista. Percebeu que esse lado animal, cuja força lateja e extrapola os limites do convencional destruindo preconceitos, era quem de fato alimentava a criatividade do artista, assim como a fogueira que se consome ao queimar. E associado a isso, entendeu também, não ser necessário haver condições ideais para surgir a arte, ou seja, muitas vezes nasce do lixo e do caos, como foi o caso de Turner, surgindo o inesperado, a ordem, a beleza, e a esperança. “... vindo de uma vida não tão afortunada, numa tarde de verão, depois de se perder pelas estradas do Norte,

se viu sozinho sentado numa paisagem das montanhas de Yorkshire. Pela primeira vez na vida sentiu o si-lêncio da natureza que surgiu como se fosse uma sentença de liberdade, uma sensação gloriosa tomou conta de seu corpo possuindo-o. Paz. Enfim, nenhuma opressão, mas apenas o frescor de um estranhamento que mais parecia um prazer. Liberdade afinal pensou. Paredes mortas, trilhos sombrios, campos cercados, jardins confinados, tudo isso se dissipou como num sonho de prisioneiro. Enfim encontrou nesse vale deserto, e não entre os homens de rostos pálidos, expressões cruéis, a consciência de que poderia se libertar do sofrimento humano e se dissol-ver nas nuvens e viver.” Foi isso que Ruskin viu na pintura de Turner, cuja história se desenrolou na escuridão da Revolução Industrial, a margem de qualquer tipo de privilégio, e, no entanto produziu luz, cores, vida, energia e poesia, anunciando a possibilidade de futuros melhores.

Notas

i Tradução livre de Castelfranco, The Stones of Venice vol. 3, p. 212, 1886. ii The Seven Lamps of Architecture, p. 190. iii The Seven Lamps of Architecture, p. 204.iv Modern Painters, vol. 5, p. 204.v Modern Painters, vol. 5, p. 203, 207.vi The Stones of Venice, vol. 2, p. 24, Library Edition.vii The Stones of Venice, p.38, Primeira Edição; p. 242 Library Edition.viii The Stones of Venice, vol. 2, p. 64, Library Edition.ix The Stones of Venice, vol. 2, p. 330, Library Edition.x The Stones of Venice, vol. 2, p. 65, Library Edition.xi The Stones of Venice, vol. 2, p. 279, Library Edition.xii Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 2, 1886, p. 64. xiii Ruskin, J. The Seven Lamps of Architecture, 1890, p.51, e p. 226 e p. 269 Library Edition.xiv The Stones of Venice, p. 183, p. 369, Library Edition.xv The Seven Lamps of Architecture, p. 190.xvi The Stones of Venice, vol. 2, p. 51, Library Edition.xvii The Seven Lamps of Architecture, p. 61.xviii The Stones Of Venice, vol. 1, Primeira Edição, p. 146.xix Ruskin, J. The Stones of Venice, vol. 1, Primeira Edição, p. 167, e vol. 2, p. 114, Library Edition.xx The Stones of Venice, vol. 1, Primeira Edição, p. 94.xxi The Seven Lamps of Architecture, p. 61.xxii Composição de Sidney Tamai .xxiii The Stones of Venice, vol. 1, p. 120, Library Edition. xxiv The Seven Lamps of Architecture, p. 106; The Stones of Venice, vol. 1, p. 343, Library Edition. xxv The Stones of Venice, vol. 2, p. 269, Library Edition.

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xxvi The Seven Lamps of Architecture, p. 48 e p. 236.xxvii The Seven Lamps of Architecture, p. 155.xxviii The Seven Lamps of Architecture, p. 77.xxix The Seven Lamps of Architecture, p. 224. xxx The Seven Lamps of Architecture, p. 234.xxxi The Stones of Venice, vol. 2, p. 39, Library Edition.xxxii The Seven Lamps of Architecture, p. 248.xxxiii The Seven Lamps of Architecture, Rodapé p. 244. xxxiv Viollet-le-Duc, Lectures on Architecture. Nova Iorque: Dover Publication, INC., p. 448, 449, 450, 1987.xxxv Modern Painters, vol. 5, p. xli. xxxvi Modern Painters, vol. 5, p. 267.xxxvii Modern Painters, vol. 5, p. 353.xxxviii The Seven Lampas of Architecture, p. 25, e The Stones of Venice, vol. 2, p. 235, Library Edition.xxxix The Stones of Venice, vol 3, p. 197, Edição 1886.xl The Stones of Venice, Vol. 2, Appendix, p. 462, Library Edition.xli The Stones of Venice, vol. 2, p. 196, Library Edition.xlii The Seven Lamps of Architecture, p. 265.xliii The Stones of Venice, vol. 2, p. 201, Library Edition.xiv Modern Painters, vol. 5, p. 353.xlv The Stones of Venice, vol. 1, p. lviii, Library Edition.xlvi The Stones of Venice, vol. 2, p. 199, Library Edition.xlvii The Stones of Venice, vol. 3, p. 204.xlviii The Stones of Venice, vol. 3, p. 201.xlix The Seven Lamps of Architecture, p. 252. l The Stones of Venice, vol. 2, p. 202, Library Edition.li The Stones of Venice, vol. 1, p. 32.lii The Seven Lamps of Architecture, p. 197.liii The Seven Lamps of Architecture, p. 206.liv Harris, J., RIBA Journal, n. 70, abril de 1963.lv Wright, F., L., The Arts and Crafts of the Machine, http:/www.jstor.org/stable/25505640, Brush and Pencil, Vo. 8, n. 2, (May, 1901), p. 77-81, 83-85, 87-90.lvi Birksted, J., K., Beyond the cliché of the books: Le Corbusier´s Architectural Promenade, Londres: The Journal of Architecture, vo. 2, n. 1, The Bartlett School of Architecture, University of College London. lvii Turner, P., The beginnings of Le Corbusier´s Education, 1902-07, The Bulletin, vo. 53, n. 2 (Jun., 1971), p. 214-224, Published by College Art Association, http:/www.jstor.org/stable/3048831.lviii Walden, R., The Open Hand, essays on Le Corbusier, Cambridge: MIT Press, 1977.lix Walden, R. The Open Hand, essays on Le Corbusier, Cambridge: MIT Press, p.75, 1977.lx The Stones of Venice, vol. 1, p. Xi, Library Edition.lxi The Stones of Venice, vol. 1, p. Xi, Library Edition.lxii The Seven Lamps of Architecture, p. 11.lxii The Stones of Venice, vol. 3, p. 226, Library Edition. lxiv Modern Painters, vol. 5, p. 151.lxv The Seven Lamps of Architecture, p. 11. lxvi The Stones of Venice, vol. 1, p. xlvii. lxvii Modern Painters, vol. 5, p. 434.lxviii Modern Painters, vol. 5, p. 366.lxix Tradução livre, Modern Painters V, p.388, Library Edition.

RefeRências BiBliogRáficas:

Amaral, C., S., The influence of John Ruskin on the teaching of drawing in Brazil, how his spatial way of thinking affects architecture and painting. Nova Iorque: The Edwin Mellen Press, 2012.Harris, J., The Ruskin Gold Medal (Controversy), Londres: RIBA Journal, n. 70, Abril de 1963.Ruskin, J., The Stones of Venice, vol.1, The Foundation, Londres: Smith, Elder and Co., 1851. Ruskin , J., The Stones of Venice, vol. 1, The Foundation, Londres: George Allen, The Library Edition, 1903.Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 1, The Foundation, Londres: George Allen Edição 1886.Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 2, Sea Stories, Londres: George Allen, The Library Edition, 1904. Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 2, Sea Stories, Londres: George Allen, 1886.Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 3, The Fall, Londres: The Library Edition, 1904.Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 3, The Fall, Londres: George Allen, 1886.Ruskin, J., The Seven Lamps of Architecture, Londres: George Allen, 1903.Ruskin, J., The Seven Lamps of Architectures, Londres: George Allen, 1890.Ruskin, J., Modern Painters, vol. 5, Londres: George Allen, 1905.Viollet-le-Duc, E., E., Lectures on Architecture. Nova Iorque: Dover Publications, INC, 1987.Viollet-le-Duc, E., E., Dictionnaire Raisonné de l Architecture Française du XI au XVI siècle. Paris: A. Morel Éditeur, 1867. Walden, R., The Open Hand, essays on Le Corbusier, Cambridge: MIT Press, 1977.

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Ilustrações:

1-Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 2, Windows of the Third and Fourth orders: the Casa Sagredo, Londres: George Allen, p.298, 1904.2-Foto do autor, Cúpula de São Marcos, Veneza, 2013.3-Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 2, Londres: George Allen, p. 331, 1904.4-Bunney, J. W., oil painting in The Stones of Venice, vol. 2, Londres: George Allen, p. 82, 1904.5-Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 2, Londres: George Allen, p. 300, 1904.6-Foto do autor, “ossatura” de uma igreja gótica em Paris, 2013.7-Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 2, Londres: George Allen, p. 58, 1904.8-Ruskin, J. The Stones of Venice, vol. 1, Londres: George Allen, p. 390, 1903.9-Ruskin rabiscando sobre o livro de Viollet-le-Duc.10-Le Corbusier, a Mão Aberta, em Walden R., The Open Hand, essays on Le Corbusier, Cambridge: MITT Press, p.76, 1977. 11-Ruskin colorindo o livro de Viollet-le-Duc. 12-Ruskin, J., The Stones of Venice, vol. 1, Londres: George Allen, p. 376, 1903.13-Ruskin, J, Wall Veil Decoration, comparação entre o renascimento e o romanesco. The Stones of Venice, vol. 1, Londres: George Allen, p. 348, 1903. 14-Turner, J., S. Giorgio, 1840, in Turners Venice, Stainton, L., Londres: British Museum Pubication Limited, p.62, 1985.15-Turner, J., Procession of Boats with distant Smoke, Venice, in Turners Venice, Stainton, L., Londres: British Museum Limited, p. 92, 1985.

agRadecimentos:

À Fapesp, à Unesp e à Ruskin Library and Research Centre, Lancaster University.

Recebido em 23 de fevereiro de 2013. Aprovado para publicação em 8 de abril de 2013.

, p. 56-71, 2012. , p. 56-71, 2012.