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2014 Volume 2 Número 2 REVISTA DE MORFOLOGIA URBANA Revista da Rede Portuguesa de Morfologia Urbana

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2014

Volume 2

Número 2

REVISTA DE MORFOLOGIA URBANAR e v i s t a d a R e d e P o r t u g u e s a d e M o r f o l o g i a U r b a n a

Page 2: REVISTA DE MORFOLOGIA URBANA - apgeo.pt · REVISTA DE MORFOLOGIA URBANA R e v i s t a d a R e d e P o r t u g u e s a d e M o r f o l o g i a U r b a n a. Editor: Vítor Oliveira,

Editor: Vítor Oliveira, Universidade do Porto, Portugal, [email protected] Editores Associados: Frederico de Holanda, Universidade de Brasília, Brasil Paulo Pinho, Universidade do Porto, Portugal

Editor dos Book Review: Teresa Marat-Mendes, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal,

[email protected] Editor Assistente: Mafalda Silva, Universidade do Porto, Portugal Consultores: Giancarlo Cataldi, Università degli Studi di Firenze, Itália

Ian Morley, Chinese University of Hong Kong, China

Jeremy Whitehand, University of Birmingham, Reino Unido Kai Gu, University of Auckland, Nova Zelândia

Michael Conzen, University of Chicago, Estados Unidos da

América Peter Larkham, Birmingham City University, Reino Unido

Quadro Editorial: Isabel Martins, Universidade Agostinho Neto, Angola

Jorge Correia, Universidade do Minho, Portugal José Forjaz, Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique

Judite Nascimento, Universidade de Cabo Verde, Cabo Verde Luiz Amorim, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil

Manuel Teixeira, Universidade de Lisboa, Portugal

Renato Leão Rego, Universidade Estadual de Maringá, Brasil Sandra Pinto, Universidade Nova de Lisboa, Portugal

Sílvio Soares Macedo, Universidade de São Paulo, Brasil

Stael de Alvarenga Pereira Costa, Universidade Federal de Minas

Gerais, Brasil Teresa Marat-Mendes, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal

Os autores são os únicos responsáveis pelas opiniões expressas nos textos publicados na

‘Revista de Morfologia Urbana’. Os Artigos (não deverão exceder as 6 000 palavras, devendo

ainda incluir um resumo com um máximo de 200 palavras), as Perspetivas (não deverão exceder

as 1 000 palavras), os Relatórios e as Notícias referentes a eventos futuros deverão ser enviados

ao Editor. As normas para contributos encontram-se na página 2.

Desenho original da capa - Karl Kropf. Desenho das figuras - Vítor Oliveira

REDE LUSÓFONA DE MORFOLOGIA URBANA ISSN 2182-7214

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REVISTA DE MORFOLOGIA URBANA Revista da Rede Lusófona de Morfologia Urbana

Volume 2 Número 2 Dezembro 2014 53 Editorial 55 P. Drach e R. Emmanuel

Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana

71 P. Gonçalves e M. Guimarães Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica

85 P. Pinheiro Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa

Perspetivas 99 Compreender o holon A. Perdicoúlis 101 A forma urbana em Moçambique: projeto, intervenção e investigação D. Viana e J.

Laje 105 Regiões morfológicas: a aplicabilidade de um conceito da morfologia urbana na prática

de planeamento municipal V. Oliveira e C. Monteiro Relatórios 94 21º International Seminar on Urban Form I. Morley 96 Morfologia Urbana e Progetto V. Oliveira 98 Colloquium on Mediterranean Urban Studies T. Ünlü 113 3.º Seminário Território e Cidades do Norte Atlântico Ibérico D. Viana 114 Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM): 2013-14 V. Oliveira Book reviews 109 P. J. Larkham e M. P. Conzen (2014) Shapers of urban form V. Oliveira 111 V. del Rio e W. Siembieda (2013) Desenho urbano contemporâneo no Brasil S. A. P.

Costa Notícias 54 Urban Morphology 84 PNUM2015: Configuração urbana e os desafios da urbanidade 108 1º Workshop PNUM – Diferentes abordagens no estudo da forma urbana

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Normas para contributos para a Revista de Morfologia Urbana Os textos a submeter à ‘Revista de Morfologia Urbana’ deverão ser originais, escritos em Português, e não deverão estar em apreciação em nenhuma outra revista científica. Os textos serão aceites para publicação depois da avaliação favorável de, pelo menos, dois revisores independentes. Os artigos não deverão exceder as 6.000 palavras, devendo ainda incluir um resumo com um máximo de 200 palavras e até cinco palavras-chave. O título do artigo, o resumo e as palavras-chave deverão ser bilingue, em Português e em Inglês. Como a autoria dos textos não é revelada aos revisores, o(s) nome(s) e o(s) endereço(s) do(s) autor(es) devem constar de uma folha em separado. As ‘perspetivas’ (também sujeitas a ‘revisão por pares’) e os book reviews não deverão exceder as 1.000 palavras. Os artigos e as ‘perspetivas’ devem ser formatados em word e enviados por email para o Editor ([email protected]). Os book reviews deverão ser endereçados ao Editor dos Book Review ([email protected]). Os textos deverão ser submetidos em formato de coluna única com margens largas. Os autores não deverão tentar reproduzir o layout da revista. Todas as medições devem ser expressas no sistema métrico.

Os autores são os únicos responsáveis pelas opiniões expressas nos textos publicados na ‘Revista de Morfologia Urbana’. São ainda responsáveis por assegurar eventuais permissões para reprodução de ilustrações, citações extensas, etc. Referências Os autores deverão usar o sistema de referenciação Harvard, no qual o nome do autor (sem as iniciais) e a data são apresentados no corpo do texto – por exemplo (Whitehand e Larkham, 1992). As referências são apresentadas por ordem alfabética no final do texto, sob o título ‘Referências’, da seguinte forma: Conzen, M. P. (2012) ‘Urban morphology, ISUF

and a view forward’, 18th International Seminar on Urban Form, Montreal, 26 a 29 de Agosto.

Conzen, M. R. G. (1968) ‘The use of town plans in the study of urban history’, em Dyos, H. J. (ed.) The study of urban history (Edward Arnold, Londres) 113-30.

Hillier, B. (2008) Space is the machine (www.spacesyntax.com) consultado em 9 Setembro de 2013.

Kropf, K. S. (1993) ‘An inquiry into the definition of built form in urban morphology’, Tese de Doutoramento não publicada, University of Birmingham, Reino Unido.

Moudon, A. V. (1997) ‘Urban morphology as an emerging interdisciplinary field’, Urban Morphology 1, 3-10.

Whitehand, J. W. R. e Larkham, P. J. (eds.) (1992) Urban landscapes, international perspectives (Routledge, Londres).

No caso de publicações com múltiplos

autores, todos os nomes devem ser incluídos na lista de referências. Apenas as referências citadas devem ser incluídas na lista. Ilustrações e tabelas Os desenhos e as fotografias deverão ter a dimensão adequada à sua reprodução. Nesse sentido, a dimensão das páginas da revista deverá ser tida em consideração pelo autor ao desenhar as ilustrações. As ilustrações devem ser a preto e branco a menos que a cor seja essencial. Devem ser numeradas de forma consecutiva, referidas diretamente no texto e submetidas em formato JPEG ou TIFF. As ilustrações fotográficas deverão ter uma resolução de, pelo menos, 1200 dpi, e os desenhos de, pelo menos, 600 dpi. Todas as ilustrações devem ter uma designação. No final do texto, após a lista de referências, deve ser incluída uma lista das ilustrações, da seguinte forma:

Figura 1. Análise metrológica de Lower Broad Street, Ludlow

Deverá ser dedicada uma atenção especial ao layout das tabelas, devendo ser desenhada uma tabela por página. As tabelas deverão ser desenhadas com o mínimo recurso a normalizações quer na vertical quer na horizontal. Deverão ter margens largas em todos os lados.

Página de título Numa página em separado deverá ser indicado o título do artigo e o nome, a filiação académica (ou profissional) e o endereço completo (incluindo email) do(s) autor(es). Títulos Apenas na primeira letra e nos nomes próprios serão utilizadas maiúsculas. Os títulos deverão ser justificados à esquerda. Os títulos primários deverão ser a negrito e os secundários em itálico. Números Deverão ser usados algarismos para todas as unidades de medida, à exceção de quantidades de objetos e pessoas, quando estas se referirem a valores compreendidos entre um e vinte. Nesse caso, os números deverão escritos por extenso. Por exemplo: 10 dias, 10 km, 24 habitantes, 6400 m; mas dez pessoas, cinco mapas. Provas Durante o processo de publicação serão enviadas provas aos autores. Nesta fase, apenas serão corrigidos erros de impressão, não sendo aceitáveis alterações de fundo.

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Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(2), 53-4 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214

Editorial

A relação entre investigação científica e prática profissional Ao longo dos últimos anos a relação entre investigação científica, em morfologia urbana, e prática profissional, em planeamento urbano e arquitetura, ganhou considerável protagonismo no debate internacional. Entre os vários desenvolvimentos neste debate, destaca-se, pelo caráter sistemático do trabalho desenvolvido, a criação, no final de 2011, de uma Task Force no âmbito do International Seminar on Urban Form (ISUF) dedicada exclusivamente a este tema. O trabalho desenvolvido ao longo do primeiro semestre de ‘vida’ da Task Force (que reúne investigadores e profissionais de três continentes diferentes) deu origem à elaboração de um relatório contendo quatro recomendações fundamentais que viriam a ser desenvolvidas nos dois anos seguintes (Samuels, 2013).

A primeira recomendação consistia na publicação de uma ‘Carta’ do ISUF. Ao longo dos últimos meses de 2013 e dos primeiros meses de 2014, os membros da Task Force e do ISUF Council envolveram-se na preparação de um documento que sintetizasse, de forma tão simples quanto possível, os princípios fundamentais do ISUF. Os conteúdos da Carta deveriam ser claros não só para académicos e profissionais, mas também para o cidadão comum. A Porto Charter, formalmente apresentada durante a conferência anual do ISUF de 2014 realizada na cidade do Porto, estabelece que o ISUF deverá promover a Morfologia Urbana como o estudo da forma física da cidades. Nesse sentido, o International Seminar on Urban Form pretende: demonstrar a relevância da Morfologia Urbana a todas as escalas, desde o edifício individual até à região metropolitana; facilitar a disseminação internacional do conhecimento, experiência e técnicas morfológicas; promover o reconhecimento do significado cultural e ambiental da forma urbana, bem como do seu contributo para o bem-estar social e económico das sociedades; estimular a

interação entre investigação científica e atividade profissional em áreas relacionadas com a forma urbana; facilitar a comunicação entre o conjunto de profissões, disciplinas, tradições intelectuais e ‘comunidades de interesse’ na área da forma urbana; promover estudos comparativos e avaliar os impactos de eventuais transferências de experiências e conceitos para diferentes contextos e sociedades; e, por fim, promover e facilitar o estudo da forma urbana na educação de profissionais na área do ambiente urbano.

A segunda recomendação contida no relatório consiste na recolha de informação relevante sobre o modo como a Morfologia Urbana é incluída em diferentes cursos em diferentes países. Dado que a grande maioria dos profissionais adquire e consolida uma parte das teorias, conceitos e métodos que utiliza na prática durante a sua formação superior, é necessário perceber que conteúdos de Morfologia Urbana estão a ser comunicados nos estabelecimentos de ensino superior, que conteúdos devem ser introduzidos e, ainda, que conteúdos existentes deverão ser melhorados. Tendo em vista este propósito, a Task Force tem vindo a recolher material pedagógico em diferentes países da América, Ásia e Europa.

A terceira recomendação consistia na preparação de um catálogo de boas práticas sobre ‘como’ e ‘onde’ é que a Morfologia Urbana está a ser utilizada com sucesso. No início de 2013, foi lançada a avaliação de quatro casos de estudo sendo que os resultados deste exercício foram apresentados na conferência do ISUF deste ano. Três destes casos (Ahmedabad, Newcastle-upon-Tyne e Porto) correspondem a avaliações da implementação de planos em que os avaliadores não são os autores dos planos, mas num dos casos (Saint-Gervais-Les-Bains) há uma coincidência entre autores e avaliadores, o que aumenta a relevância do exercício. Os resultados destas avaliações estão reunidos, respetivamente, em Scardigno e Maretto (2014), Hancox e Barke

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54 Editorial

(2014), Oliveira et al. (2014) e Pattacini e Samuels (2014).

Por fim, a última recomendação da Task Force consiste na preparação de um manual de Morfologia Urbana. A este respeito foi já apresentada uma proposta estruturada nos seguintes conteúdos: os elementos da forma urbana; os atores e os processos de transformação urbana; a cidade na história; a cidade contemporânea; a cidade em Portugal (aplicável apenas no caso português); o estudo da forma urbana: diferentes abordagens; da teoria à prática; e, por fim, relações com outros campos do conhecimento (Oliveira, 2014).

A estas quatro recomendações da Task Force acrescentar-se-ia uma outra, que se centra na transmissão do conhecimento morfológico. O modo como a Morfologia Urbana tem vindo a influenciar a prática de planeamento urbano e arquitetura não se conforma necessariamente com os desejos e as prioridades de quem desenvolve a sua investigação em Morfologia Urbana. O processo de difusão do conhecimento morfológico é lento e realiza-se de um modo não sistemático. Apesar de este ser um problema que necessita de uma reflexão cuidada, não difere muito da situação verificada nas outras ciências sociais ou mesmo da relação entre teoria de planeamento e prática de planeamento. Neste sentido, os investigadores deverão continuar a desenvolver esforços para construir pontes entre investigação e prática, desenvolvendo as avaliações sistemáticas referidas na terceira recomendação da Task Force,

tentando perceber as necessidades e as aspirações de profissionais de planeamento, e testando permanentemente a relevância e o potencial de difusão dos produtos e dos resultados da sua investigação. Referências Hancox, K. e Barke, M. (2014) ‘What can you

offer us? Challenges facing the practical application of urban morphology: South Jesmond Conservation Area, Newcastle upon Tyne, UK’, 21st International Seminar on Urban Form, 3 a 6 de Julho.

Oliveira, V. (2014) ‘Manuals for urban morphological education’ Urban Morphology 18, 77-8.

Oliveira, V., Silva, M. e Samuels, I. (2014) ‘Urban morphological research and planning practice: a Portuguese assessment’, Urban Morphology 18, 23-39.

Pattacini, L. e Samuels, I. (2014) ‘Urban morphological methodology and planning practice: The Plan d’Occupation des Sols for Saint Gervais Les Bains (Haute Savoie, France). A case study’, 21st International Seminar on Urban Form, 3 a 6 de Julho.

Samuels, I. (2013) ‘ISUF Task Force on Research and Practice in Urban Morphology: an interim report’, Urban Morphology 17, 40-3.

Scardigno, N. e Maretto M. (2014) ‘Revitalization of Ahmedabad’s informal walled city: the role of urban morphology’, 21st International Seminar on Urban Form, 3 a 6 de Julho.

Vítor Oliveira

Urban Morphology O último número da revista Urban Morphology, referente ao mês de Outubro, foi já publicado, sendo que a versão online se encontra disponível, para os subscritores, em http://www.urbanform.org/online_public/index.shtml. Este número inclui quatro artigos. Yu Ye e Akkelies van Nes debatem a utilização de ferramentas quantitativas em morfologia urbana, explorando a utilização combinada, numa estrutura de Sistemas de Informação Geográfica (SIG), de três métodos diferentes – sintaxe espacial, spacematrix e um índice de mistura de usos. Stael Pereira da Costa e Cristina Teixeira

fazem uma revisão dos estudos de morfologia urbana no Brasil – texto que se integra na colecção The study of urban form in…. Ye Li e Pierre Gauthier analisam a evolução dos edifícios residenciais e dos tecidos urbanos em Guangzhou, na China, a partir de uma perspetiva morfológica e tipológica. Por fim, Mirko Guaralda parte de um conjunto de três livros publicados em 2012 para, num review article, debater um modelo de ‘planeamento baseado na forma’ e a produção de ambientes urbanos efetivamente vividos e utilizados. O próximo número será publicado em Abril.

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Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(2), 55-70 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214

Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana

Patricia R. C. Drach e Rohinton Emmanuel School of Engineering and Built Environment - SEBE, Glasgow Caledonian

University, Glasgow - G4 OBA, United Kingdom. E-mail: [email protected], [email protected]

Artigo revisto recebido a 27 de Setembro de 2014

Resumo. As perspectivas de mudanças climáticas e suas possíveis consequências recomendam o desenvolvimento de estratégias para mitigar problemas relacionados ao sobreaquecimento urbano. O presente estudo tem como objetivo examinar a interferência da forma urbana, aferida pela Fracção de Céu Visível (Sky View Factor, SVF), sobre as variações na temperatura intra-urbana na cidade de Glasgow, Reino Unido, uma cidade de clima frio. 49 pontos de medição foram locados no centro da cidade e foram desenvolvidas 31 campanhas de coleta de dados, durante a primavera e o verão de 2013. Para cobrir uma grande área dentro de um tempo relativamente curto, foi utilizado o método de ‘transecto’ com rotas pré-determinadas, a pé e de bicicleta. O software ArcGIS foi utilizado para visualização dos resultados. Os resultados indicam que a variação da diferença da temperatura intra-urbana está fortemente relacionada à estabilidade atmosférica, sugerindo que esta tem realmente um importante efeito nessa variação. O estudo conseguiu apontar ainda, conforme esperado, que a vegetação e os materiais de cobertura urbana desempenham um papel importante, interferindo no clima local. O conhecimento das interferências nas variações de temperatura local pode ser mais um aliado na elaboração de estratégias apropriadas para lidar com os problemas do sobreaquecimento urbano. Palavras-chave: temperatura intra-urbana, forma urbana, Fracção de Céu

Visível, desenho urbano, estabilidade / instabilidade atmosférica.

Os efeitos do aquecimento urbano estão presentes em todos os climas e podem ser observados na formação da Ilha de Calor Urbana (ICU) e na variação da temperatura intra-urbana. O objeto deste artigo é o estudo da variação da temperatura intra-urbana e sua relação com a forma urbana e a instabilidade/estabilidade atmosférica.

A ilha de calor é uma anomalia térmica positiva onde a temperatura média da baixa atmosfera de uma determinada área urbana se torna mais elevada do que a das regiões circundantes não urbanizadas. As variações térmicas podem ser de vários graus celsius e ocorrem basicamente devido às diferenças de absorção / emissão de radiação infravermelha entre as regiões edificadas e

impermeabilizadas e aquelas não construídas (Corbella e Yannas, 2003; Monteiro et al., 2012a).

As variações da temperatura intra-urbana estão relacionadas com as diferenças observadas na temperatura do ar no meio urbano. Esses processos são significativamente alterados, entre outras, pelas seguintes características: transformação de energia solar em calorífica, que resulta da forma urbana e da proliferação de superfícies e materiais muito diversos quanto aos materiais como quanto à geometria; diminuição de áreas verdes e impermeabilização do solo; e presença de fontes antrópicas de calor e humidade como a utilização de condicionadores de ar,

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56 Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana

refrigeradores e queima de combustível por automóveis e indústrias.

Apesar do problema de sobreaquecimento urbano ser reconhecido e estudado em locais de climas quentes, em cidades de climas frios as suas implicações têm sido, por vezes, assumidas como um fator positivo. Na década de 1960, por exemplo, o fenômeno de ilha de calor urbano de Londres foi apresentado com muitas conotações positivas. Dentre elas podem ser apontadas, uma estação de plantio e coleita mais longa, menor necessidade de aquecimento, menos gastos com degelo em vias férreas, entre outra (Chandler, 1965). Contudo, atualmente, ou seja, passados menos de 50 anos, o sobreaquecimento causado pelo efeito de ICU já vem sendo identificado como um problema (GLA, 2006; Kolokotroni e Giridharan, 2008; entre outros) e as políticas para mitigar as suas consequências promovendo medidas de adaptação tem vindo a ser postas em prática (GLA, 2011).

A importância de atenuar o efeito da ICU tem vindo a ser cada vez mais assinalada como uma prioridade estratégica. O global e crescente processo de urbanização representa uma intensificação dos riscos das alterações climáticas em relação às cidades que normalmente já vêm comprometendo as condições ambientais. Segundo o World Urbanization Prospects (UN, 2011), as projeções da dinâmica de populações urbanas e rurais até o ano de 2050 apontam perspectivas de intensificação da ocupação urbana (Figura 1). Este fato é particularmente grave nas áreas em vias de desenvolvimento, onde a curva de ocupação da área urbana é contraposta por uma curva descendente na área rural.

Uma vez que as cidades interferem e sofrem a interferência do meio ambiente, atentar para as opções de planejamento urbano apropriadas pode ajudar a melhorar o problema de sobreaquecimento urbano e a desenvolver meios de adaptar as cidades para lidar com os riscos relacionados com as futuras alterações climáticas (Kleerekoper et al., 2012). Em cidades de clima frio, para lidar com problemas que envolvem o aquecimento urbano (Stone et al., 2012) são necessárias ações voltadas tanto para o uso do calor como um recurso no inverno bem como para amenizar suas consequências

Figura 1. Populações urbanas e rurais do mundo: 1950-2050 (fonte: UN, 2011).

negativas no verão. Além disso, diante dos novos cenários de mudanças climáticas, serão também necessárias, intervenções para mitigação das referidas alterações, através da redução de emissão de gases de efeito estufa.

No entanto, as estratégias urbanas de adaptação às alterações climáticas vêm sendo abordadas (Hebbert e Jankovic, 2013) com planos de ação específicos para cada cidade fazer frente aos riscos decorrentes das manifestações de mudança climática. Em particular, o desenvolvimento de estudos relacionados com a forma urbana como um dos possíveis caminhos para se adaptar às mudanças climáticas são raros (Shimoda, 2003; Amorim et al., 2013).

A exploração da eficácia das formas urbanas pode apontar a importância do planeamento da forma urbana visando reduzir o risco de sobreaquecimento atenuando as suas consequências negativas.

Dado o crescente interesse pelas medidas de adaptação às alterações climáticas, bem como o aumento do uso de modelos para avaliar a eficácia de diversas ações de adaptação (Tomlinson et al., 2012), tais avaliações deveriam descrever tanto os efeitos urbanos, bem como a interferência dos efeitos atmosféricos sobre os microclimas. Um maior conhecimento das dinâmicas envolvidas na forma urbana pode ser ainda um grande aliado para diferenciação mais precisa dos efeitos relacionados às interferências do desenho urbano daqueles causados por condições atmosféricas (Monteiro et al., 2012b).

O objetivo do presente artigo é precisamente examinar o efeito da forma urbana sob diversas condições atmosféricas

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Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana 57

nas variações da temperatura intra-urbana, na cidade de Glasgow, Reino Unido. De acordo com a classificação de Koeppen-Geiger, Glasgow é uma cidade caracterizada por um clima temperado (Cfb), suavizado pela influência marítima. As condições atmosféricas são avaliadas e classificadas utilizando o critério Pasquill-Gifford-Turner modificado, e a forma urbana é aferida pelo Sky View Factor (SVF). No estudo, foi considerada a variedade da forma urbana observada no centro da cidade, associada à presença de diferentes componentes da paisagem urbana para identificar seus efeitos no aquecimento local. Estado da arte Kershaw et al. (2010) apresentaram uma metodologia para avaliar o efeito da ICU em diversos cenários das projeções climáticas realizadas para o Reino Unido. As implicações, no futuro, da ICU em relação ao conforto, energia e saúde para uma cidade de um tipo de clima frio como Londres, por exemplo, já foram descritas por Mavrogianni et al. (2011).

Os estudos de Drach (2007) sublinham a capacidade dos elementos de forma urbana de influenciarem as dinâmicas de ventilação e, consequentemente, da temperatura no interior dos espaços urbanizados. Efeito da forma urbana Em zonas frias, o efeito da geometria urbana na criação de microclimas e na definição da forma e da magnitude da ICU pode ser medida pelo SVF. Uma primeira tentativa de estabelecer uma ligação entre o SVF e o ICU, utilizando elementos objetivos foi relatada por Oke (1981). Uma análise detalhada dos esforços subsequentes foi desenvolvida por Unger (2004).

Enquanto Unger (2009) encontrou relações frágeis e contraditórias àcerca da relação entre o SVF e a temperatura do ar no ambiente urbano, noutros estudos, por exemplo, em Gotemburgo na Suécia, foram encontradas relações bastante consistentes (R2 = 0,78), em algumas áreas específicas da cidade durante as campanhas de medição (Svensson, 2004).

Todavia, levando em conta medições durante períodos de tempo mais extensos (um ano), e sobre uma área maior, como por exemplo toda a área urbanizada de Szeged, na Hungria (Unger, 2004), os resultados mostraram uma relação bastante mais fraca (R2 = 0,47). Por esse motivo Unger (2009) enfatizou a importância da escala e chamou a atenção tanto para a necessidade de delimitar a área de estudo (para estabelecer uma melhor correlação) como de selecionar a escala apropriada de trabalho para verificar uma relação entre o SVF e a ICU significativa. Aquecimento urbano e instabilidade atmosférica Na literatura sobre os efeitos de ICU são encontrados trabalhos em que as medições foram feitas relatando também as condições de estabilidade atmosférica. Dentre os estudos que exploram o efeito de fatores de forma urbana, bem como as condições de estabilidade meteorológica pode ser citado aqui, a título de exemplo, o exposto por Unger et al. (2001) em estudo realizado para a cidade de Szeged. Explorando o uso do solo e aspectos meteorológicos de ICU nesta cidade, Unger et al. (2001) relataram uma forte relação entre o aumento da temperatura urbana e a distância do centro da cidade, bem como a relação com a área construída, mas as condições de estabilidade meteorológica não apresentaram efeito significativo sobre a intensidade das ilhas de calor urbanas.

Nos últimos anos ganhou importância a análise mais cuidadosa das condições atmosféricas (Lee et al. 2009, Holmer et al. 2012) e dos padrões sinóticos (Kolokotsa et al., 2009; Lai e Cheng 2009), necessidade esta impulsionada pelo reconhecimento da influência de tais padrões nas medições das ICU. Mirzaei e Haghighat (2010), ao discutir as fragilidades das técnicas de monitorização e de simulação de ilhas de calor urbanas, apontam a grande importância do conhecimento dos processos de resolução do sistema climático a grande escala para a formação das ICU. Foi o que procuraram Kruger e Emmanuel (2013) para estimarem os efeitos atmosféricos sobre as ICU, bem como as diferenças das temperaturas intra-

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58 Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana

urbanas, concluindo que as diferenças nas temperaturas intra-urbanas, assim como o aquecimento em relação aos locais urbanos específicos foram acentuados quando levada em conta a estabilidade atmosférica. Além disso, a relação entre SVF e aquecimento local foi mais pronunciada sob condições atmosféricas estáveis. Métodos e materiais A variação da temperatura local foi medida com o apoio da estação meteorológica de referência. A estação meteorológica Davis Vantage Pro2 foi utilizada como estação de referência e instalada no campus da Glasgow Caledonian University GCU (55° 51' 57.294"N, 4° 15' 0.2628"W, 138m amsl). Trata-se de um equipamento wireless composto de duas partes: conjunto de sensores (sensor de temperatura e humidade do ar, piranômetro de silício, anemômetro de copo com pá de vento e coletor de água de chuva) e uma consola digital (data logger) usada para o armazenamento de dados. A monitorização das variáveis climáticas foi realizada continuamente e os registos armazenados a cada 15 minutos. As informações sobre a localização da estação meteorológica de referência (denominada 1s), da imagem da lente de olho de peixe, do SVF e da trajetória solar, são apresentados na Tabela 1. Na Tabela 2 estão indicadas as características de cada sensor utilizado nas medições, ou seja, os sensores localizados na estação de referência e aqueles utilizados em pontos fixos e nos transectos.

As medições foram efetuadas em vários pontos da cidade através de data loggers fixos e móveis (transectos). Foram

demarcados seis pontos de medição fixos e 42 pontos de medição móveis. Os sensores de temperatura e humidade (Tinytag TGP-4500) foram transportados com coberturas de proteção para impedir que sejam atingidos por radiação solar direta e difusa, além de oferecer proteção em caso de precipitação, muito comum na região. São de cor branca e possuem aberturas apropriadas para permitir a ventilação no interior dos sensores/registradores de dados. Forma urbana Foram selecionados pontos representativos da forma urbana de Glasgow para avaliar e comparar os resultados de diferentes utilizações do espaço urbano. O objetivo almejado foi a obtenção de informação suficientemente diversificada e representativa da dinâmica de variação de temperatura dentro do centro da cidade

No início, a região foi analisada através de uma simples caminhada no centro da cidade de Glasgow e os pontos foram determinados por observação visual intuitiva. Durante a caminhada a intenção foi determinar diferenças marcantes na forma urbana como, por exemplo, ruas extremamente estreitas, áreas abertas, proximidade do Rio Clyde, canyons urbanos, praças com e sem vegetação, entre outros. Posteriormente, as imagens das áreas selecionadas dentre as visitadas foram fotografadas com uma objetiva ‘olho de peixe’ (SIGMA 4,5 milímetros f 2.8 EX). A partir dessas imagens foram calculados os SVF e as trajetórias solares, utilizando a ferramenta computacional RayMan Pro (desenvolvido por Matzarakis et al., 2010).

Tabela 1. Estação meteorológica de referência - Glasgow Caledonian University (1s)

Coordenadas e FVC Imagem com lente

olho de peixe Máscara de obstrução

do entorno Trajetória solar

Latitude: 55° 51' 57.294"N Longitude: 4° 15' 0.2628"W

FVC 0.774

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Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana 59

Tabela 2. Características do equipamento utilizado nas medições

Sensor Posicionamento Resolução por unidade de medida

Intervalo de medição

Precisão

Temperatura do ar

Estação meteorológica de referência

0,1°C ou 1°C (user-selectable)

-40° a +65°C ±0,5°C acima de 20°F (-7°C)

Umidade do ar Estação meteorológica de referência

1% 1 a 100% ±3% (0-90%), ±4% (90-100%)

Velocidade do ar

Estação meteorológica de referência

0,4 m/s 1 a 80 m/s ±1 m/s

Direção do vento

Estação meteorológica de referência

22,5° 0 - 360° ±3°

Radiação solar Estação meteorológica de referência

1 W/m2 0 a 1800 W/m2

±5%

Temperatura do ar (Tinytag TGP-4500)

Transectos: pontos fixos e percursos a pé e

de bicicleta

0,01°C -25°C a +85°C

±0,45°C

Figura 2. Localização dos pontos de medição no centro da cidade de Glasgow. A partir da análise das imagens e dos valores de SVF, foram selecionados os pontos mais representativos da diversidade de uso do solo urbano necessária para a análise.

Assim, levando em conta a diferenciação da forma urbana, os pontos de medição selecionados foram os que evidenciavam diferenças marcantes na forma urbana que

podem interferir no microclima local. Para a localização de cada ponto de medição, foi usado um GPS (GPS Garmin MAP) com o intuito de fornecer a localização precisa das coordenadas geográficas de cada um dos pontos e possibilitar que a experiência pudesse ser repetida sempre que necessário.

Com a informação das coordenadas

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60 Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana

Tabela 3. Localização dos sete pontos estacionários (2s ... 7s)

Coordenadas e FVC Imagem com lente

olho de peixe

Máscara de obstrução do

entorno Trajetória solar

Blythswood Square (2s)

Latitude: 55° 51' 48.7542"N / Longitude: 4° 15' 44.1288"W

FVC: 0.017

City Council - Hope St (3s)

Latitude: 55° 51' 31.8744"N / Longitude: 4° 15' 33.0804"W

FVC: 0.201

City Council - Montrose St (4s)

Latitude: 55° 51' 37.875"N / Longitude: 4° 14' 46.4274"W

FVC: 0.127

City Council - Elmbank St (5s)

Latitude: 55° 51' 48.618"N / Longitude: 4° 16' 3.9144"W

FVC: 0.205

Lighthouse - Mitchell Ln (6s)

Latitude: 55° 51' 35.445"N / Longitude: 4° 15' 20.1132"W

FVC: 0.042

St Andrew’s Cathedral (7s)

Latitude: 55° 51' 20.5122"N / Longitude: 4° 15' 8.7762"W

FVC: 0.440

80

70

60

50

40

30

20

10

N

W

S

E

© 1999 - 2010 RayMan Pro 2.1

22.7.

4

5

6

7

8

9

101112

13

14

15

16

17

18

19

20

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Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana 61

Tabela 4. Variações da forma urbana (imagens de quatro dos 42 pontos de medição)

Ponto 1

55° 51' 58.0248"N, 4° 15' 13.2516"W

FVC = 0.569

Ponto 10

55° 51' 35.2476"N, 4° 15' 18.5466"W

FVC = 0.039

Ponto 22

55° 51' 50.4432"N, 4° 15' 10.4544"W

FVC = 0.325

Ponto 24

55° 52' 0.1884"N, 4° 15' 4.8018"W

FVC = 0.348

geográficas, das imagens recolhidas com a lente olho de peixe, das trajetórias solares e dos SVF foi possível determinar os pontos apropriados para localizar os sensores climáticos. No mapa do centro da cidade de Glasgow são apresentados os 49 pontos de medição (Figura 2).

Representação espacial das variações de temperatura

Os seis pontos de medição fixos são apresentados na Tabela 3. Quatro pontos móveis foram escolhidos (Tabela 4), dentre quarenta e dois utilizados, para representar as variações da forma urbana e a

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62 Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana

diversidade entre os pontos selecionados. Pode ser observada, além da variação do valor do SVF, a diversidade de cenários existente. Protocolo das medições Foram efetuadas, durante a primavera e o verão de 2013, 31 campanhas de coleta de dados, compreendendo os meses de Maio, Junho, Julho e Agosto. Para que a coleta de dados fosse capaz de abranger todo o centro da cidade de Glasgow num curto intervalo de tempo (uma hora) foi adotado o método de ‘transectos pedonais’. Para tal foram definidas três rotas pré-determinadas (Figura 2) percorridas a pé e de bicicleta – Meteobike (Figura 3). A bicicleta tornou-se uma importante ferramenta de apoio, principalmente por causa da distância a percorrer dentro do Green Park de Glasgow.

Três rotas foram definidas tendo a Buchanan Street, rua de pedestres que divide o centro da cidade de Glasgow, como referência: uma central, uma na direção oeste e outra na direção leste incluindo aí o parque Glasgow Green. As três rotas têm o Ponto 25, situado na Glasgow Caledonian University, próximo à estação de referência, como ponto partida e o Ponto 10, próximo à Buchanan Street, como término do percurso. Os trajetos das três rotas podem ser observados na Figura 2.

Antes de iniciar as medições, os sensores de temperatura e umidade são colocados ao ar livre por 20 minutos. Em cada ponto de medição são efetuadas paragens de 2 minutos. Os medidores foram programados para efetuarem registros em intervalo de 10 em 10 segundos. As quatro primeiras medidas de cada ponto são desprezadas para garantir que o registrador esteja estabilizado.

Conta-se, portanto, com oito medições para calcular a média para cada ponto. As campanhas de medição têm início às 14:30 horas, horário local, para estarem próximas da temperatura maxima diária, que tipicamente ocorre às 15:00 horas, e finaliza por volta das 15:30 horas, durando, portanto, aproximadamente uma hora. O intervalo de uma hora foi estabelecido para que as variações de temperatura observadas

Figura 3. Bicicleta utilizada durante as medições, Meteobike.

pudessem ser atribuídas apenas às variações da forma urbana. Para validar os dados recolhidos nos transectos há seis pontos de medição itinerante que coincidem com seis pontos fixos.

Posteriormente os dados de temperatura são comparados com os das observações diárias, da média mensal (com a média de todas as medições obtidas no mês) e das diferenças na temperatura intra-urbana (diária e mensal). As diferenças da temperatura intra-urbana durante cada campanha são calculadas a partir da determinação da temperatura mínima observada em cada campanha. A partir disso é calculada a diferença do valor medido em cada ponto do transecto em relação ao ponto que apresentou o valor de mínima temperatura.

Estabilidade atmosférica A caracterização da situação sinóptica à superfície nos dias de medição itinerante foi elaborada segundo o sistema de classificação modificado Pasquill-Gifford-Turner, PGT (Turner, 1970).

Esta classificação foi realizada a partir da análise dos dados da estação meteorológica localizada no campus da Glasgow Caledonian University (55º 47'N, 4º 25'W, 138 m AMSL) no centro da cidade de Glasgow. As classes de estabilidade de A (fortemente instável) a G (fortemente estável) foram definidos de acordo com a Tabela 5.

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Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana 63

Tabela 5. Classes PGT de Estabilidade Atmosférica

VV (m/s)

Dia – RS (W/m²) Noite – CN (octas)

Elevado1 Moderado2 Baixo3 Nublado Baixo 4 Moderado5 Elevado 6

≤ 2 A A-B B C G-F F D 2-3 A-B B C C F E D 3-5 B B-C C C E D D 5-6 C C-D D D D D D > 6 C D D D D D D

Legenda: VV velocidade do vento, RS radiação solar global, CN Cobertura noturna de nuvens, 1 (>600), 2 (300-600), 3 (<300), 4 (0-3), 5 (4-7), 6 (8), A (Fortemente instável ou convectivo), B (Moderadamente instável), C (Ligeiramente instável), D (Neutra), E (Ligeiramente estável), e F (Moderadamente estável), G (Fortemente estável).

Figura 4. Mapas: (a) Mapa Lidar e (b) mapa com as edificações.

Representação espacial das variações de temperatura Os pontos de medição georreferenciados utilizando um manual GPS (GPS Garmin MAP), foram cartografados no mapa da cidade de Glasgow utilizando a ferramenta ArcMap do software ArcGIS (ArcGIS v. 10.1). Para a visualização foi utilizada uma combinação do mapa Lidar (Edinburgh University, 2013) e do mapa com as edificações (VECTOR MAP, Landmap Spatial Discovery, 2013). As Figuras 4a e 4b mostram esses mapas, respectivamente.

Para cada dia de medição foram gerados mapas da distribuição do campo de temperatura para o centro da cidade de Glasgow. A Figura 5 apresenta, a título de

exemplo, a visualização das variações da temperatura intra-urbana e dos valores de SVF para cada ponto de medição, no dia 19 de Julho de 2013.

Representação espacial das variações de temperatura intra-urbana Os mapas gerados para cada campanha e para as médias mensais revelaram-se uma ferramenta importante e útil para visualizar as tendências do comportamento da temperatura no meio intra-urbana de Glasgow.

Veja-se, por exemplo, que os resultados apresentados na Figura 6 e que mostram a relação entre o SVF e as temperaturas

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64 Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana

Figura 5. Mapa com a temperatura do ar e SVF - 19 de Julho de 2013.

Figura 6. Temperatura do ar versus SVF para os dados da média do mês de Julho: (a) sete pontos fixos e (b) 49 pontos de medição.

médias das medições itinerantes e dos pontos fixos realizadas durante o mês de Julho de 2013 onde o R2=0.95 é bastante animador. Todavia, este excelente resultado pode dever-se ao tamanho da amostra que contava com apenas sete pontos de medição fixos. Não obstante, estes resultados confirmam as expectativas em relação à configuração da curva de forma parabólica com os valores mais baixos de temperatura encontrados nos valores de SVF elevados.

Quando incluimos o conjunto total de 49 pontos de medição (Figura 6b) os resultados indicam que os pontos extremos de SVF, conforme esperado, continuam apresentando as menores temperaturas do conjunto, apesar do valor de R2 ser bastante mais baixo.

Foram construídos vários mapas e

gráficos de temperatura do ar versus SVF para cada dia e para as médias mensais. Os resultados apresentados na Figura 7 mostram mapas da variação espacial da temperatura intra-urbana em dois dias particularmente quentes, 18 e 22 de Julho de 2013. E aqui, as temperaturas extremas, ou seja, os valores de máxima e mínima temperatura medidas durante a campanha, para estes dois dias estavam atendendo à mesma distribuição espacial.

A área com as temperaturas mais elevadas para ambas as imagens está indicada por sua imagem do SVF na parte superior das Figuras 7a e 7b (SVF=0.569). A região com as temperaturas mais baixas (SVF=0.440) está indicada pelas imagens do SVF nas proximidades do Rio Clyde.

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Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana 65

Figura 7. Variação especial da temperatura intra-urbana em dois dias particularmente quentes: 18 (a) e 22 (b) de Julho.

Figura 8. Diferenças da temperatura intra-urbana (°C): 19 (a) e 22 (b) de Julho e média mensal de Julho (c).

Diferença de temperatura intra-urbana Para cada campanha de medição também é incluído o cálculo da diferença de temperatura (denominada aqui como diferença de temperatura intra-urbana) entre todos os pontos medidos, complementando assim a análise do comportamento do campo de temperatura. Para tal é calculado o ponto com o mínimo valor de temperatura medido, que é tomado como referência. Esse procedimento permite detectar a dimensão da variação da temperatura na área de estudo.

A partir das imagens é possível ressaltar que o padrão de diferença de temperatura manteve-se semelhante para a maior parte dos dias de campanha: a região próxima ao Rio Clyde, bem como um pequeno parque urbano, Blythswood Square (região assinalada com o círculo), estava entre os pontos onde foram observadas as

temperaturas mais baixas. Na Figura 8 são apresentados os mapas com as diferenças na temperatura intra-urbana para os dias 19 (a) e 22 (b) de Julho, bem como para a média mensal (c) do mesmo mês.

Como forma de explorar a possibilidade de estabelecer uma relação significativa entre as condições meteorológicas e a variação da temperatura intra-urbana, a classe estabilidade atmosférica PGT foi adotada para classificação dos dias medidos conforme descrito anteriormente (Tabela 4).

Os resultados, no sentido de estabelecer uma relação significativa entre as condições meteorológicas e a variação da temperatura intra-urbana, não foram conclusivos como pode ser observado na Figura 9. Os valores de classes A e C têm uma distribuição extensa, se comparados com os resultados de classes B e AB que continuam a apresentar os valores de temperatura mais baixos nos

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66 Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana

Figura 9. SVF versus temperaturas medidas e classificadas de acordo com as classes PGT:

(a) A, (b) A-B, (c) B e (d) C.

Tabela 6. Diferenças de temperatura intra-urbana versus estabilidade atmosférica (Classe PGT)

valores extremos de SVF. Não foram observadas diferenças ou tendências importantes que os diferenciasse sobremaneira daqueles obtidos relacionando SVF versus temperatura. Resultados e discussão A diferença das temperaturas intra-urbanas, conforme mencionado anteriormente, apresentou importantes alterações entre as campanhas de medição. Estas diferenças chegaram a variar entre 1,96 e 7,70°C e foi constatado um importante efeito das classes de estabilidade atmosférica sobre as diferenças de temperaturas intra-urbanas.

A Tabela 6 apresenta a relação entre a diferença de temperatura intra-urbana e a estabilidade atmosférica com os dados diários agrupados de acordo com as classes PGT. Pode-se observar que a presença de uma classe altamente instável (A) está associada às maiores diferenças de

temperatura intra-urbanas no centro da cidade de Glasgow. Quanto mais instável a atmosfera maior é a variação de temperatura intra-urbana e da mesma forma, à medida que a estabilidade atmosférica aumenta, a variação da temperatura intra-urbana experimenta uma redução.

A Tabela 7 apresenta as médias das diferenças de temperatura intra-urbanas agrupadas por classes de estabilidade atmosférica (PGT) em sua distribuição espacial (ArcGIS) e com o gráfico de dispersão. Todos os mapas são apresentados na mesma escala de temperatura.

Duas observações são imediatas: as variações de temperatura intra-urbana estão claramente relacionadas com a estabilidade atmosférica (as menores diferenças de temperatura intra-urbana estão presentes nos dias de classificação ‘ligeiramente instável’ e as maiores diferenças ocorrem para os dias classificados como fortemente instáveis ou convectivos). A relação entre o SVF e as diferenças de temperatura intra-urbana são

R² = 0.9831

0

1

2

3

4

5

6

7

8

A A-B B CDif

eren

ças

de te

mpe

ratu

ra (

°C)

Classes PGT

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Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana 67

Tabela 7. Mapas das médias das diferenças de temperatura intra-urbanas (classes PGT) e gráficos de dispersão das médias das diferenças de temperatura versus SVF

Classe de estabilidade

atmosférica (PGT)

Mapas das médias das diferenças de temperatura intra-urbanas (oC)

Médias das diferenças de temperatura (oC) vs. FVC

A

A-B

B

C

semelhantes para todas as classes de estabilidade atmosférica com o intervalo de R2 = 0,4031-0,4308.

A forma urbana, bem como os materiais de revestimento urbano, influenciam as variações de temperaturas locais em cidades. Conhecer suas respectivas contribuições às variações das temperaturas locais é

importante condição para elaborar estratégias de planejamento urbano, capazes de lidar eficazmente com o problema de superaquecimento urbano.

Os padrões espaciais das variações da temperatura intra-urbana mostram que as regiões próximas aos rios, canais, praças e parques urbanos apresentam variações de

R² = 0.41490

1

2

3

4

5

6

0 0,5 1

R² = 0.4308

0

1

2

3

4

5

0 0,5 1

R² = 0.4031

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

0 0,5 1

R² = 0.4118

0

0,5

1

1,5

2

2,5

0 0,5 1

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68 Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana

Figura 10. Diferenças de temperatura intra-urbana em duas praças da cidade de Glasgow: (a) dia 21 de Maio e (b) 3 de Julho de 2013.

temperatura consistentemente inferiores conforme apresentado na Figura 8. Nas figuras 10a e 10b os resultados medidos para duas praças da cidade, uma arborizada e outra não, respectivamente, permitem observar a diferença da temperatura medida. É interessante observar que no dia 21 de Maio de 2013 (Figura 10a) a diferença de temperatura quase atinge 4°C e no dia 3 e Julho de 2013 (Figura 10b) fica entorno dos 2°C.

Observa-se que, mesmo para os parques urbanos, a presença de diferentes materiais de revestimento urbano representa alterações significativas da temperatura local. A adoção de estratégias de inserção de vegetação também pode resultar em uma maior oferta de áreas abertas e verdes para a população, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida. No entanto, nem sempre é viável a introdução de espaços livres abertos em todos os lugares, tornando a opção por grandes espaços verdes, por vezes impraticável. O estudo do papel da vegetação e dos corpos de água, bem como de seu efeito de mitigação requer uma análise mais aprofundada que está sendo desenvolvida pelos autores. Sabendo-se que os efeitos obtidos com a adoção de áreas de vegetação dependem também do tipo de vegetação e de sua distribuição, esse tema merece ser mais investigado e o emprego da simulação computacional pode constituir-se em uma importante e eficaz ferramenta.

Buscando estabelecer relações entre a forma urbana, a dinâmica do campo de temperatura intra-urbana e possíveis

conexões com a instabilidade atmosférica para cidades de clima tropical, pesquisa semelhante está em andamento para as cidades do Rio de Janeiro e de Petrópolis. Os primeiros resultados parecem confirmar a importância das áreas verdes e sua interferência na temperatura intra-urbana produzindo um efeito de resfriamento. Conclusões As condições atmosféricas, bem como a forma urbana, influenciam as variações de temperaturas locais em cidades. Conhecer suas respectivas contribuições às variações das temperaturas locais é importante condição para elaborar estratégias de planejamento urbano capazes de lidar eficazmente com o problema de superaquecimento urbano.

A relação entre a forma urbana (aqui medida pelo SVF) e as variações de temperatura intra-urbanas, mesmo sendo um dos aspectos mais bem estudados em pesquisas de ilha de calor urbanas, não parece tão evidente.

A estabilidade atmosférica, definida pelo sistema de classificação modificado PGT, indica interferência na relação entre o SVF e a temperatura intra-urbana, mas esta relação também necessita ser mais investigada. O fator de visão do céu, SVF, parece apresentar uma relação ‘parabólica’ com a temperatura do ar medida durante o dia (espaços muito abertos como áreas verdes, bem como aqueles densamente construídos, com locais

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Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana 69

sombreados, que apresentam as temperaturas mais baixas), mas essa relação não é conclusiva.

O presente trabalho sugere que a ocorrência de diferenças de temperatura intra-urbanas mais elevadas (ou seja, diferença de temperatura entre os pontos mais frios e os mais quentes de uma determinada região urbana) está fortemente relacionada com a estabilidade atmosférica.

As classes de estabilidade atmosférica mais instáveis têm as maiores variações de temperaturas intra-urbanas enquanto as classes menos instáveis apresentam variações menores. A partir da categorização dos dias de medição de acordo com as classes PGT, a estabilidade atmosférica parece ser capaz de explicar cerca de metade das variações nas temperaturas intra-urbanas.

Os padrões espaciais das variações de temperatura locais mostram consistentemente que corpos de água e parques urbanos têm variações de temperatura consistentemente inferiores. Os resultados também indicam que vegetação e material de cobertura urbana podem desempenhar um papel importante quando incluídos nestas análises.

Um maior entendimento acerca da influência da forma urbana nas variações das temperaturas locais pode ser um fator de importante auxílio para elaboração de estratégias de planejamento apropriadas para mitigar ou lidar com o superaquecimento urbano num futuro próximo, ante as perspectivas de aquecimento global. Agradecimentos Patricia R. C. Drach agradece o suporte financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) (246551/2012-7) e o apoio da Glasgow Caledonian University, Reino Unido. Referências Amorim, M., Lima Neto, J. e Monteiro, A. (2013)

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Tradução do título, resumo e palavras-chave The influence of urban form on intra-urban temperature Abstract. Climate change, and its consequences, points out the need of developing strategies for mitigating problems related to urban overheating. This paper aims to examine the influence of urban form, here measured by the Sky View Factor (SVF), on intra-urban temperature in the city of Glasgow, UK, a naturally cold city. A set of 49 measurement points was selected in the city centre, and 31 campaigns, for data collection, were made during the spring and summer of 2013. In order to cover a large area of the city, within a relatively short period of time, the ‘traverse’ method was used on pre-determined routes. Temperature variation was visualized using the software ArcGIS. The results indicate that the maximum intra-urban temperature differences are strongly correlated with atmospheric stability, which suggests that atmospheric stability has a relevant effect on intra-urban temperature variation. The study also indicates, as expected, that the vegetation and the urban cover materials play an important role in influencing the local climate in cold cities. The knowledge on the influence of urban form on local temperature variation can be important in the development of strategies to deal with urban overheating.

Keywords: intra-urban temperature, urban form, Sky View Factor, urban design, atmospheric stability

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Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(2), 71-84 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214

Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica

Paulo E. B. Gonçalves e Marília D. Guimarães Universidade de Guarulhos, Praça Tereza Cristina 88, Centro, 07023-070 Guarulhos,

SP - Brasil. E-mail: [email protected], [email protected]

Artigo revisto recebido a 6 de Maio de 2014

Resumo. Este artigo pretende investigar as transformações ocorridas na configuração do tecido urbano da cidade de São Paulo, Brasil, bem como a relação estabelecida pela edificação, determinada por sua implantação nos lotes resultantes do modelo de parcelamento adotado e correspondente legislação edilícia vigente em cada período. O estudo partiu da organização de uma periodização histórica e estilística tradicional, percorrendo de forma cronológica os acontecimentos políticos, economicos e sociais. Busca identificar as transformações decorrentes de cada um deles, partindo do período de colonização brasileira pelos portugueses e seus modelos de construção das cidades, passando pelos estágios de monoculturas agrárias durante o neocolonialismo e o neoclássico do Império, pré e efetiva industrialização na República do ecletismo, chegando até a instauração da República Nova, momento no qual se estabeleceram e difundiram os ideais do Movimento Moderno, nas artes e na arquitetura. Utilizou-se como área de estudo o bairro da Mooca, com sua localização estratégica e diversificação demográfica, fatores que fizeram parte integrante dos principais momentos de transformação do tecido urbano paulistano, possibilitando que dele se extraíssem exemplares remanescentes dos principais tipos identificados.

Palavras-chave: transformação urbana, tecido urbano, parcelamento, lote,

Mooca 

O processo de alteração da ocupação de um dos elementos morfológicos básicos do desenho da cidade, o lote, que não representa apenas o parcelamento cadastral do terreno mas também, e principalmente, a célula fundamental de geração do edifício, corresponde ao foco central desta reflexão. Pretende-se investigar os modelos pelos quais as edificações estabelecem seus limites físicos e criam espaços abertos ou fechados, vazios ou cheios, determinando o seu desenho a partir do traçado estabelecido para o terreno em que se inserem. Através de um percurso cronológico, associando os modelos e tipologias de implantação às teorias e tratados estilísticos característicos de cada período abordado, bem como aos principais aspectos da legislação edilícia urbana correspondente, pretende-se mapear os

caminhos percorridos por esta transformação da forma urbana.

A análise tem início no período colonial brasileiro, segue abordando os aspectos derivados da instalação da República e investiga, na sequência, as transformações decorrentes dos processos de industrialização e metropolização da cidade de São Paulo no final do século XIX e início do século XX, as quais abririam caminho para a instauração do Movimento Moderno na arquitetura, período de importante produção dos arquitetos paulistas.

Utilizou-se como área de estudo o bairro da Mooca, em São Paulo, tradicional área de subúrbio do final do século XIX, com concentração de habitantes ligados à mão-de-obra e à produção agro fabril, além de imigrantes recém-desembarcados no Brasil.

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Buscou-se no bairro, exemplos

remanescentes de cada período, ou aspecto relevante estudado, no intuito de ilustrar imageticamente as transformações decorridas. A escolha do bairro da Mooca como área de estudo deu-se devido às características derivadas de sua localização estratégica lindeira ao perímetro da ‘Colina Central’, fato que o tornou, desde logo, caminho obrigatório para o desenvolvimento do tecido urbano da cidade.

‘Colina Central’ é uma expressão utilizada para designar a área de início da ocupação urbana de São Paulo, e que viria a se transformar em seu centro histórico, sendo desenhado no alto da colina dos ‘campos de Piratininga’, a partir dos conventos católicos que ali se estabeleceram – inicialmente os Jesuítas, responsáveis pela fundação da cidade em 1554 em terras dos índios Guaianás (Franco, 2001). Os Jesuítas, em atendimento às determinações do Marquês de Pombal, foram expulsos do Brasil, fato determinado pela publicação de Decreto, em 3 de Setembro de 1759. A chegada de novas congregações religiosas à Vila foi-se dando gradativamente e para nela fixarem-se ergueram seus conventos, respectivamente: em 1598 os Carmelitas, em 1600 os Beneditinos e em 1640 os Franciscanos. Todos localizados no alto da colina do planalto, junto à confluência dos rios Anhangabaú e Tamanduateí, posicionados geograficamente nos vértices de um triângulo, a partir do qual se deu o estabelecimento do traçado da estrutura urbana da região, que pode ser identificado no mapa de usos do solo da Cidade de São Paulo de 1809, baseado no Mappa da Cidade de São Paulo (Figura 1). Estrutura urbana e ocupação dos lotes no período colonial brasileiro Em sua origem, o domínio sobre as terras brasileiras pertenceu à Coroa portuguesa, e o caso do povoado que daria origem à cidade de São Paulo não fugiu à regra. A apropriação, uso e ocupação de terras se deram sob o regime de concessão de Sesmarias, regido pelas Ordenações do reino (Simoni, 2005).

Foi a partir de 1530 que os portugueses

Figura 1. Mapa de usos do solo da cidade de São Paulo em 1809 (fonte: Bueno, 2005).

deram início à ocupação das terras brasileiras e implantaram o regime da grande propriedade rural. Nesse período a terra era vista como parte do patrimônio pessoal do Rei, que consolidou o sistema através da doação de grandes porções de terras – as Sesmarias. A doação de terras, apesar de regulamentada por lei, descrita e documentada pelas Ordenações do reino, ocorria segundo o arbitrium real, que avaliava os candidatos considerando: status social, qualidades pessoais e serviços prestados à Coroa, além de interesses políticos. O regime de Sesmarias vigorou até 1820 (Azevedo, 1956).

Baseadas num processo elaborado no período clássico, que estabelece uma perfeita identidade entre o traçado das ruas, hierarquizadas pela sua importância e perfil, e as fachadas dos edifícios que as margeiam, surgem as cidades coloniais, tendo como elemento gerador de suas formas o próprio traçado, que atende à necessidade de organização distributiva habitacional e divisão cadastral, garantindo adequada subdivisão do solo, uniformização estética e disciplina racional do espaço.

‘Aproveitando antigas tradições urbanísticas de Portugal, nossas vilas e cidades apresentavam ruas de aspecto uniforme, com residências construídas sobre o alinhamento das vias públicas e paredes laterais sobre os limites dos terrenos’ (Reis, 2006, p. 22).

O sistema de transportes existente na época era o mesmo que caracterizava o restante da província e grande parte do

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Brasil. A circulação era feita por estradas que tinham como objetivo conduzir os habitantes da região central das províncias, ou de suas chácaras e sítios, à Corte, então localizada no Rio de Janeiro, através de ‘tropas de burro’ e por cavalos (Langenbuch, 1971).

A arquitetura residencial urbana do período colonial brasileiro baseava-se num tipo de lote definido nas tradições urbanísticas de Portugal, gerador de ruas com aspecto uniforme, com residências contíguas, alinhadas às vias públicas e erguidas sobre os limites laterais dos lotes, justapostas às empenas vizinhas, o que contribuía para a proteção destes elementos construtivos da ação das intempéries tropicais, uma vez que nesse período se utilizavam ainda técnicas construtivas primitivas, geralmente com paredes externas em taipa de pilão e as divisões internas em pau a pique ou adobe. Não havia alternativa, ou as casas eram urbanas ou eram rurais, não se encontravam exemplares, nas vilas e cidades, com recuos ou jardins: ‘Assim, as casas de frente de rua, do período colonial, cujas raízes remontam as cidades medievo-renascentistas da Europa’ (Reis, 2006, p. 16).

Essa característica se justificava, uma vez que as ruas tinham seu traçado definido pelo alinhamento das fachadas das edificações. Não havia passeios públicos definidos e em sua maioria, não possuíam calçamento. Também não era possível delimitar-se ruas sem os edifícios, responsáveis por traçar os caminhos a partir de sua união e disposição sequencial: ‘(…) não seria possível pensar em ruas sem prédios; ruas sem edificações, definidas por cercas, eram estradas (Reis, 2006, p. 22).

A topografia e os equipamentos de precisão ainda não existiam nessa época e o traçado das ruas era demarcado com a utilização de piquetes de madeira e cordas. Por esse motivo, as vias iam sendo desenhadas na medida em que as construções se iniciavam nos terrenos. A presença física dos edifícios era a garantia de manutenção do traçado, sendo que estes mantinham em média dez metros de frente e profundidades variadas de acordo com o tamanho do quarteirão definido ou com a atividade praticada no quintal da residência (Reis, 2006).

A padronização dos lotes, a manutenção

do alinhamento e o número de aberturas das edificações eram inicialmente determinados por Cartas Régias e posteriormente por Códigos de Postura Municipais. Entretanto tal característica se reproduz também nas fachadas e na disposição dos ambientes internos das casas, conforme pode ser observado no registro do traçado colonial da malha urbana da época (Figura 2). O desenvolvimento da planta interna, mesmo sendo livre, de forma geral, dispunha ambientes de sala e loja voltados para a rua, sala de jantar e cozinha junto das aberturas dos fundos do edifício, ficando a área central sem iluminação e ventilação destinada às alcovas e corredor de circulação, que poderia estar localizado numa das laterais ou centralizado. Essa disposição era reproduzida nos sobrados, que além de pisos diferenciados, no pavimento térreo chão batido e nos superiores assoalho de tábuas, acrescentava a escada de acesso ao nível superior localizada paralela ao corredor de ligação entre a área social e a de serviços ou junto à sala conforme se observa no croqui de Reis na Figura 3.

Reis (2006) nos relata ainda, que a distinção entre sobrados e casas térreas também caracterizava a diferença entre os extratos sociais. Os mais abastados habitavam os primeiros e os mais pobres as casas de chão batido, térreas. Além disso, informa que o pavimento térreo dos sobrados, quando não abrigava lojas, servia de abrigo aos escravos e animais ou permanecia quase vazio, nunca utilizado para permanência dos proprietários.

Mesmo as cidades mais desenvolvidas do período colonial, sobreviviam em condições tecnológicas bastante primárias, dependentes das áreas rurais e do comércio com a Europa. Ainda nesse período ocupavam áreas reduzidas, circundadas por propriedades rurais que as abasteciam e garantiam a solução de seus problemas fundamentais básicos (Reis, 2006).

As mudanças na forma urbana das cidades brasileiras ocorrem de forma lenta durante os séculos XVI e XVII. As alterações mais marcantes se concentram no uso de novos materiais para a construção de residências urbanas e rurais. As casas de chácara se afastam dos limites laterais dos terrenos, porém nas áreas centrais as casas geminadas

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Figura 2. Traçado colonial da malha urbana (fonte: Instituto Morais Salles).

Figura 3. Planta esquemática da casa colonial popular: 1 - loja / depósito; 2 - corredor de

circulação; 3 - sala de estar ou salão; 4. alcovas; 5 - sala de jantar / varanda / sala das mulheres; 6 - cozinha e serviços (fonte: Reis,

2006). e alinhadas ao passeio vêm se tornando indispensáveis nas ruas e vielas e são determinantes na paisagem urbana.

Somente no século XIX é que se torna possível pensar em novos esquemas de implantação urbana, com o fim do sistema construtivo colonial baseado na mão-de-obra escrava. O Brasil passa por um processo de transformação. Nesse momento aparece de maneira discreta, ainda, uma diversificação nos tipos habitacionais. Além das casas térreas e dos sobrados, presentes desde o período colonial, surgem os palacetes, construídos ou reformados para receberem características neoclássicas, os cortiços

edificados ou inseridos em habitações degradadas e mais tardiamente se projetam e constroem as primeiras vilas operárias.

A construção de vilas e núcleos de habitação no país precede o processo de industrialização, uma vez que já durante o período de colonização portuguesa aparecem nas fazendas, engenhos de açúcar e junto as áreas de mineração. A grande inovação deste período, a partir de 1880, é a localização destes conjuntos junto dos centros urbanos, ocupando áreas periféricas da cidade, junto aos prédios das fábricas localizados no caminho das ‘estradas de ferro’ (Correia, 2010). Transformação urbana e da ocupação do lote na cidade de São Paulo a partir do século XIX ‘(…) o estudo do crescimento permite determinar aquelas lógicas inscritas profundamente no território que esclarecem as razões de ser do assentamento atual. Começar a análise de uma cidade pelo estudo do seu crescimento é um dos meios de apreendê-la em sua globalidade (…)’ (Panerai, 2006, p. 55).

As primeiras transformações nas edificações coloniais apareceram de forma tímida, com a chegada de equipamentos importados e sob a inspiração da Academia Imperial de Belas Artes e da presença da Missão Cultural Francesa no país.

As inovações tardaram a chegar a São Paulo. Entretanto o caminho já estava traçado e pelos trilhos dos trens, desembarcaram inicialmente os novos materiais utilizados nos acabamentos das residências. Platibandas passam a ser munidas de calhas e de coletores embutidos que foram substituindo, gradativamente, os antigos beirais. O ferro passou, também, a ornamentar as bandeiras das portas e janelas, acabando por substituir as antigas gelosias e urupemas, cujas folhas passaram a receber vidros simples ou coloridos, assim como as bandeiras das portas.

No contexto do desenvolvimento industrial de São Paulo é possível observar, na Carta das Estradas de Ferro da Província de São Paulo, de 1878, o desenho da trama

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urbana que se conforma ao longo das estradas de ferro, as quais passam a recortar não só a Província, no caminho do planalto para o Porto de Santos, mas também, todo o Estado de São Paulo para escoar sua produção agrícola do interior, alimentando o crescimento e o desenvolvimento da região.

O processo de industrialização das cidades era inevitável, porém para levar adiante suas pretensões, os industriais que se instalavam no Brasil tinham de construir seu próprio parque residencial, junto das fábricas, para poder abrigar os operários que ali fossem trabalhar, mantendo-os cativos aos seus locatários-patrões e longe da regulamentação do Estado, que até esse momento era quem financiava a vinda da força de trabalho, organizando uma política de imigração e viabilizando o investimento do capital, induzindo dessa maneira a estruturação da divisão social do trabalho e criando as condições gerais para o desenvolvimento econômico do país (Oliveira, 1978).

Durante o período de instalação das indústrias, as relações entre a produção fabril e a das monoculturas eram muito intrínsecas. Blay (1985) relata o caso da principal indústria de tecido de juta de São Paulo, a Fábrica Sant’Anna, de propriedade do industrial Jorge Street, que tinha sua produção comprometida com os exportadores de café, que dependiam dessa produção para ensacar suas safras, assim como a produção das sacarias em geral que estavam comprometidas com o consumo concentrado na população residente nas áreas rurais.

Outro avanço no desenvolvimento das cidades, também decorrente do apogeu mercantilista e da industrialização emergente, provável causa do surgimento de um contingente de trabalhadores urbanos que demandariam habitação popular em grande escala, foi a instalação das Ferrovias, uma estadual e outra federal. A primeira, interligando as maiores cidades do Estado de São Paulo ao Porto de Santos passando pela capital do estado e, a segunda, interligando as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, que se tornou sede do vice-reinado em 1763 e com a transferência da Corte e da família real em 1808, vinda de Salvador, reafirmou sua posição de polo articulador do território

centro-sul da América conquistada desde o início do século XVIII.

Mesmo instalando ramais individuais privilegiados que atendiam exportadores de produtos agrícolas ou grandes produtores fabris, foram as ‘estradas de ferro’ os principais responsáveis por criar uma rede de transporte público que atendia as necessidades de deslocamento da população, como relata Gonçalves (2009), fato que pode ser comprovado pelo Mapa das Estradas de Ferro de 1867.

As transformações ocorridas na capital já em princípios do processo de explosão demográfica, por conta da fartura na produção agrícola e do aumento da população, inclusive com o incremento de imigrantes estrangeiros, que por ocasião da chegada das ferrovias, segundo Langenbuch (1971), era de cerca de 26 000 habitantes, já em 1890 batia a marca dos 65 000, e veria no próximo triênio este número quase que duplicar, passando dos 120 000, sendo que deste valor mais de 70 000 eram estrangeiros. Esta população pujante deu origem a uma demanda real e crescente de mão-de-obra operária, que necessitava do transporte coletivo para se locomover de casa até seu local de trabalho. As estradas de ferro foram a solução adotada na época (Gonçalves, 2009).

Por fim, a orla ferroviária foi palco para o desenvolvimento econômico do final do século XIX, enquanto instrumento viabilizador do incremento do parque industrial paulistano, determinando definitivamente a estruturação que possibilitou sua metropolização (Leite, 2003).

Transformação do tecido urbano paulistano a partir do século XX O crescimento da população extrapolou a área central e seus arredores, chegando por falta de opção às áreas suburbanas, através dos loteamentos destinados a atender o contingente populacional oriundo do acréscimo de residentes urbanos empregado na mão-de-obra industrial e nos serviços que a subsidiavam, como bem definiu Silva (2007, p. 9) ao falar da problemática gerada

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por estes loteamentos: ‘A ocupação efetiva dos loteamentos mais afastados dependia da conexão com o centro e com o resto da cidade. Os anos 1920’s, 30’s e 40’s materializaram a transformação de uma cidade cujo transporte público funcionava sobre trilhos em uma cidade onde o transporte sobre pneus se tornou hegemônico.

Nas duas ilustrações a seguir aparecem configuradas as áreas de concentração de urbanização no final do século XIX e início do século XX, mostrando claramente os caminhos do desenvolvimento da estrutura urbana no município, onde a concentração é quase que total na área central da cidade e esparsa em direção leste no sentido do Brás e a caminho da Mooca (Figura 4). Após dez anos, já em 1882 (Figura 5) as manchas aparecem dispersas em direção Sudeste, Norte e Oeste onde se concentravam os loteamentos periféricos ou suburbanos, associados às estações ferroviárias.

A Planta da Cidade de São Paulo datada de 1916 (Figura 6) demonstra o caráter ainda pouco compacto da cidade visto que, em sua maioria, os loteamentos destinados à construção de residências encontravam-se vazios. Algumas áreas vizinhas ao aglomerado central da cidade já aparecem com o arruamento e quadras delimitados interligando os antigos bairros isolados, entre si, ou ligando-os diretamente a colina central onde se concentravam comércio e serviços municipais.

Segundo relato de Rolnik (2003) bairros como o Bom Retiro, a Lapa, o Brás e a Mooca se transformaram em subúrbios populares, originários de loteamentos de chácaras. Era comum que a partir do parcelamento de uma delas se desenvolvesse um núcleo urbano do qual partia um caminho que o ligaria ao centro da cidade atravessando grandes vazios.

A casa popular suburbana dos tempos coloniais praticamente teve a mesma planta pelo Brasil inteiro, embora as técnicas construtivas tenham sido diversificadas, não resultando grande diferencial no processo de ocupação dos lotes, repetindo genericamente, como concluiu Reis (2004) os esquemas urbanísticos e arquitetônicos coloniais, herdados de Portugal e da Espanha, com discretas adaptações.

Figura 4. Área urbanizada de São Paulo, 1872-1881 (fonte: Empresa Paulista de

Planejamento Metropolitano).

‘Sem receio de exagerar, podemos dizer mesmo, que o século passado conservou praticamente intacto, até à sua metade, o velho esquema de relações entre a habitação e o lote urbano, que herdara do século XVIII’ (Reis, 2006, p. 34).

As construções eram geminadas e levantadas em terrenos estreitos e profundos. O cômodo da frente, com janela no alinhamento da rua, quase sempre era a sala de recepção, quando não abrigava alguma oficina ou loja. Os cômodos intermediários, acessíveis por corredor lateral, eram os dormitórios. Nos fundos, fechava a sequência a cozinha, a varanda alpendrada que dava acesso ao quintal, onde sempre havia um arremedo de instalação sanitária. Nos locais onde o lençol freático era profundo, havia a possibilidade de sumidouros – buracos em cima dos quais era instalada a casinha, também chamada de ‘secreta’ ou ‘sentina’ (Reis, 2006).

Com paredes sobre os limites do lote e alinhado ao passeio, este tipo de implantação configura o modelo das primeiras construções urbanas no país, ainda influenciadas pela colonização portuguesa e pelo modo de construção ibérico. Permanecem exemplos desse tipo de apropriação, ainda hoje, nos bairros tradicionais da capital, como a Mooca, Brás, Campos Elísios e outros (Figura 7).

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Figura 5. Área urbanizada de São Paulo, de 1881 a 1914 (fonte: Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano).

Figura 6. Planta da cidade de São Paulo, 1916 (fonte: Prefeitura de São Paulo).

Entre as casas térreas de chão batido

(inicialmente) e os sobrados, surgiu no início do século XIX, um tipo arquitetônico intermediário, a casa com porão alto. Ainda alinhada ao passeio, afastada das áreas comerciais, construída em bairros residenciais, a nova implantação pretendia aproximar a residência da rua, sem o desconforto e a exposição das casas térreas,

através da elevação do porão à meia altura, que tinha também a função estrutural de manter o piso do pavimento afastado da umidade do solo e, muitas vezes era detectado apenas pela presença dos óculos ou das seteiras com grades de ferro sob as janelas das salas principais.

Para proporcionar o acesso ao interior elevado do pavimento principal, criaram-se

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Figura 7. Esquema de implantação no lote - casa com ‘modelo colonial’.

Figura 8. Casa com porão alto.

pequenas escadas que conduziam à porta de entrada, geralmente com vidro a meia altura para detectar a presença de pessoas. Estes porões assumiram diversas utilidades, inclusive a de abrigar os criados da casa e até mesmo os animais de propriedade das famílias. Bem mais tarde com a substituição da tração animal pelo automóvel, ainda que em pequeno número no início do século XX, os porões altos foram sendo transformados em garagens, como podemos observar na transformação detectada num exemplar remanescente do período e registrada na

Figura 8. Na passagem do transporte sobre trilhos

para o transporte sobre pneus, que ocorreu na cidade de São Paulo no início do século XX, a malha urbana foi o elemento mais afetado pela transformação. A aceleração na abertura e alargamento de ruas, bem como seu calçamento e pavimentação foram prioridades nesse período que visava integrar as regiões dispersas do município ao centro.

A concentração da classe operária, nas regiões sudeste e noroeste da cidade, seria reafirmada por uma lei municipal datada de

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1900, que estipulava um cinturão central dentro do qual era proibida a construção de vilas operárias. Nas áreas suburbanas, localizadas fora de tal cinturão, ocorreu a proliferação e extensão do solo construído modificando os modelos espaciais urbanísticos propostos até então.

A rua passa a ter função de mero guia para percurso, as quadras têm baixa densidade e as casas unifamiliares proliferam sem força nem estrutura para constituir a verdadeira urbanidade. Surgem novas situações, árvores e jardins substituem a relação do edifício com o espaço urbano. A edificação vai aos poucos migrando para o interior do lote, individualizando-se e deixando de conectar-se diretamente com a rua (Lamas, 1993).

O recuo lateral surgiu de forma discreta e gradativa, aparecendo no lote urbano como forma de acesso à luz natural para ambientes afastados da face alinhada ao passeio, por estarem normalmente, alocadas em terrenos estreitos e profundos, que obrigavam a utilização desse recurso para atender às determinações higienistas da época, as quais passaram a proibir a existência de alcovas nas residências.

As mudanças socioeconômicas e tecnológicas ocorridas durante a segunda metade do século XIX no Brasil implicaram profundas transformações nos modos de habitar e construir. As construções executadas para classes ascendentes de trabalhadores e comerciantes dependiam de materiais importados para se alinharem aos princípios estilísticos da época, tanto para a execução de elementos estruturais como para tentar imitar o refinamento dos detalhes dos acabamentos neoclássicos e ecléticos. Os conjuntos metálicos adquirem maior importância nas moradias por suas qualidades funcionais, plásticas e construtivas que podem ser comprovadas tanto por sua variedade, quanto por sua frequência. Mesmo as casas menores, com entradas mais modestas, sem jardins, tinham uma cobertura de vidro e armação de ferro, às vezes uma simples coluna. Exatamente a partir desse afastamento lateral foi que surgiriam os primeiros exemplares de edificações construídas, ainda, no alinhamento do lote com o passeio, entretanto passando a apresentar um discreto

recuo lateral (Figura 9), constituindo assim, um novo tipo de implantação que, com o tempo, foi se tornando mais frequente. Somente depois da abolição da escravatura e com a chegada dos primeiros imigrantes europeus, responsáveis pela origem do trabalho remunerado é que a nova forma de implantação da residência urbana se difundiu podendo ser definida como ‘deslocamento’ da edificação dos limites do lote e a primeira tentativa de incorporação do espaço externo à arquitetura (Reis, 2006).

O ecletismo, propondo uma conciliação entre os estilos, foi um veículo estético eficiente para a assimilação de importantes inovações tecnológicas. Por menores que fossem as dimensões dos espaços abertos, as flores e os arbustos eram sempre dispostos em canteiros executados com perfeitos traçados geométricos. A entrada das residências, transferida para a fachada lateral, era feita por uma escada geralmente de ferro, com degraus de mármore, mas nos exemplos mais econômicos, poderia ser de alvenaria com degraus de granito, como ainda se vê em algumas casas remanescentes desse período em São Paulo.

Nos anos seguintes, os últimos do século XIX, começaram a aparecer as primeiras casas com jardins frontais, fato que na sequência estabeleceria um novo tipo de implantação, utilizado até mesmo em lotes de meio de quadra, o qual apresentava edificações, já com afastamento do passeio buscando a privacidade dos ambientes sociais localizados junto das entradas, sendo utilizado em terrenos de menor escala. Em geral, eram erguidos junto aos limites laterais do terreno com pequeno e aleatório recuo frontal (figura 10). Entretanto, em meados da década de 1930 se estabelece uma medida mínima de 4 m para este afastamento, em conformidade com o Ato n.º 663, de 10 de agosto de 1934, posteriormente reafirmado pela consolidação do Código de Obras no Art.º 33 (1968).

As primeiras edificações populares, soltas das divisas do lote aparecem timidamente e em estilos indefinidos (Figura 11); entretanto são as reais precursoras de obediência aos princípios determinados pelo Movimento Modernista, que apregoava edificações livres no lote, obedecendo às determinantes de insolação, ventilação e topografia que melhor

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80 Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica

Figura 9. Esquema de implantação no lote com recuo lateral.

Figura 10. Esquema de implantação no lote com afastamento do passeio.

Figura 11. Esquema de implantação livre dos limites do lote.

favorecessem aos moradores, sem preocupações com alinhamentos, apenas respeitando a legislação vigente.

Em decorrência da Revolução de 1930, foi constituído o Estado Novo no Brasil, sob o comando do Presidente Getúlio Vargas,

que em oposição ao liberalismo da Primeira República, assume claramente a responsabilidade pelo provimento de unidades de habitação para a classe trabalhadora.

Seguem-se os dogmas modernistas, que

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Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica 81

vinham ao encontro dos interesses do poder público no intuito de atender às reivindicações sociais de maneira racional, econômica e em grande escala, sem no entanto perder o controlo tanto da valorização da terra urbana quanto do adensamento das áreas centrais. Diante do colocado, foram criados os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP), órgãos corporativos através dos quais se materializaram as políticas habitacionais da Nova República. Desta maneira, entre o final dos anos 40 e meados dos anos 50, foram construídos e entregues à população os primeiros conjuntos habitacionais multifamiliares, projetados por arquitetos e engenheiros alinhados aos princípios modernistas, ao serviço do Estado (Bruna, 2010).

O bairro da Mooca, assim como outros bairros de São Paulo, constituiu foco de intervenção de alguns dos Institutos das corporações profissionais, uma vez que sua localização estratégica, atendia aos objetivos públicos de controlo sobre a terra urbana, que visavam a promoção da valorização de um banco de terras, distribuídas ao longo de vias especiais de transporte, tal qual as implementadas em Amsterdão, Frankfurt ou Londres, criando eixos radiais em direção aos subúrbios munidos de transporte de massa.

Do ponto de vista morfológico, investigado a partir da observação da produção de conjuntos habitacionais promovida pelos IAP, pode-se determinar que nos principais centros urbanos do país, houve uma indução à adoção de duas tipologias básicas de implantação e edificação como soluções para a questão habitacional daquele momento. Ou utilizaram-se casas térreas ou assobradadas, geminadas ou não, representantes das soluções mais tradicionais de apropriação de lotes individuais, ainda que seus projetos de implantação apresentassem vestígios dos princípios das cidades-jardim inglesas.

Havia a previsão de áreas livres, jardins frontais e sistema de circulação hierarquizada, tanto para pedestres como para veículos, ideias com as quais a população tinha maior facilidade em se adaptar. Foram implantados exemplares na Mooca, divididos

em dois conjuntos, um promovido pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Eletricitários (IAPE) e outro pelo Instituto dos Trabalhadores em Transportes e Cargas. Ou se adotavam as lâminas, com três, quatro ou cinco pavimentos, simples ou duplas, integradas por caixas de circulação vertical, implantadas segundo a melhor orientação do ponto de vista das questões ligadas à iluminação e ventilação naturais dos ambientes. Tudo isto sem obrigatoriedade de relação geométrica com os limites do lote, prevendo áreas livres de lazer e atividade física, que integravam toda a área de ocupação do empreendimento, além de se prever equipamentos de uso coletivo, entremeados por vias locais de circulação de peões.

O mais famoso dos conjuntos construídos no bairro da Mooca foi o do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI) (Figura 12), utilizando prédios de quatro pavimentos projetados por Paulo Ribeiro, fundamentado nos dogmas estabelecidos pela Carta de Atenas. São 576 apartamentos distribuídos em dezasete edifícios de quatro e cinco andares erguidos sobre pilotis e com programa distribuído em lâminas simples, implantados no polígono localizado na confluência das ruas dos Trilhos, dos Donatários, Tobias Barreto e Cassandoca, com uma área livre de 5 000 m2 aproximadamente, interligando os prédios e acomodando um sistema viário local de circulação hierarquizada segundo a intensidade de movimento e sua inter-relação com a malha urbana existente.

O projeto original não previa cercas nem muros (Figura 13); no recuo frontal apenas estavam delimitadas áreas ajardinadas e caminhos de acesso ao interior dos edifícios, configurando uma vez mais o caráter moderno da implantação. Infelizmente a proposta de espaços abertos com acesso restrito não se consolidou e na tentativa de promover segurança ao conjunto, além de criar vagas de estacionamento para os moradores, isolaram-se as áreas livres, definindo condomínios independentes, o que acabou por descaracterizar a intenção original de integrar os caminhos locais à malha de circulação urbana.

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82 Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica

Figura 12. Cojunto residencial IAPI Mooca, imagem geral e vista aérea.

Figura 13. Cojunto residencial IAPI Mooca, pavimento térreo (1970 e 2008). Considerações finais Foi no período colonial que se delinearam as bases do traçado urbano da maioria das cidades brasileiras, a partir de ruas definidas pelo alinhamento das fachadas das edificações e desenhadas com o fim, simples, de interligar áreas mais afastadas aos polos centrais, promovendo um crescimento sem planejamento, fato que viria a se refletir na situação de caos da circulação e dos meios de transporte que se implantou nas cidades modernas e perdura até a contemporaneidade.

Foi a partir do processo de industrialização, atrasado pelo longo período de latifúndio monocultor e escravocrata, que se estabeleceram os elementos principais de constituição da mola propulsora do desenvolvimento da construção civil e da urbanização que ocorreria ao longo do século XX, confirmando que o modelo resultante desse processo não atende as demandas por habitação popular, nem garante um sistema básico viário e de transporte público, que seriam necessários para vencer as distâncias decorrentes da dispersão dos novos assentamentos.

Tal crescimento levou á necessidade de expansão do território urbano, obrigando o desenho e construção de novos loteamentos de tipos populares, os quais viriam a constituir, quase sempre, uma reinterpretação dos velhos esquemas tradicionais, com a desvantagem de serem reeditados com exagerados índices de aproveitamento do solo, além de surgirem carentes de infraestrutura básica, exigindo imediato investimento de capital público, que por insuficiente, sempre acabou por determinar o adensamento de população em áreas desprovidas de urbanidade e com exagerada padronização morfológica, tanto do ponto de vista do parcelamento de quadras e lotes, como das tipologias edilícias.

A partir da análise descrita, pode-se considerar que o bairro da Mooca, acaba por confirmar sua vocação como área de estudo e pesquisa. Campo profícuo para a localização de tipos remanescentes, uma vez que sua localização estratégica, identificada já nos primeiros traçados de caminhos para expansão da malha urbana da cidade de São Paulo, garantiu que participasse como parte integrante dos diversos processos de

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Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica 83

transformação ocorridos, tanto do ponto de vista da forma urbana – com suas chácaras, arruamentos, loteamentos e vilas – quanto do ponto de vista da diversidade estilística estabelecida no decorrer do processo histórico, como área de cunho rural colonialista, depois se firmando como área de subúrbio industrial associado á moradia operária e popular com forte influência de imigrantes estrangeiros de diversas nacionalidades.

Investigando-se o mote da habitação social estabelecido desde o início do Movimento Moderno no Brasil e especificamente em São Paulo, nas décadas de 1940 e 1950, como setor de grande produção de unidades habitacionais, mais uma vez, tornou-se possível identificarem-se na Mooca, não somente o germe dessa atividade, mas também o grande interesse e importante produção dos IAP na região, concentrando vários dos conjuntos de diversos institutos corporativos, como o dos bancários, eletricitários, industriários e trabalhadores em transportes e cargas, os quais contribuíram largamente, não só com o grande número de unidades, mas também com a diversidade de tipologias para o enriquecimento do tecido urbano do bairro, consolidando a viabilização desta investigação. Referências Azevedo, A. (1956) ‘Vilas e cidades do Brasil

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Tradução do título, resumo e palavras-chave The transformation of the urban form of São Paulo: the case of the Mooca neighborhood as a typological reference Abstract. This paper aims to investigate the transformations in the urban tissues of São Paulo, Brazil, as well as the relationships established between buildings – with a focus on their location on plots – and the corresponding building legislation in force in each period of time. The study draws on the organization of historical and stylistic periods, covering in a chronological way, the main political, economic and social events in the urban history of São Paulo. The study intends to identify the changes framed by each of these events, starting from the period of Portuguese colonization of Brazil, moving then to the agricultural

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monocultures during the neocolonialism and the so-called neoclassic of the Empire, to the pre- and the industrialization phases in the Republic (eclecticism), and finally to the New Republic, when the ideals of the Modern Movement were established and promoted both in architecture and arts. The selected study area is the traditional neighbourhood of Mooca. Its strategic location and demographic diversification make it a crucial area to understand the main stages of transformation of the urban tissues of São Paulo. Mooca includes buildings representing the main building types identified in the study.

Keywords: urban transformation, urban tissue, land subdivision process, plot, Mooca

PNUM2015: Configuração urbana e os desafios da urbanidade

A 4ª Conferência Anual da Rede Portuguesa de Morfologia Urbana (PNUM) realizar-se-á em Brasília, Brasil, a 25 e 26 de Junho de 2015.

O título da conferência é ‘Configuração urbana e os desafios da urbanidade’ e os temas em debate são os seguintes: i) transformações urbanas recentes – novos impactos, novos desafios; ii) desigualdade socioespacial das cidades; iii) configuração urbana e patrimônio cultural; iv) o legado da cidade moderna; v) a urbanização total: tendências para a metápole; vi) espaços públicos na cidade contemporânea; vii) teorias, conceitos e técnicas morfológicas; e, por fim, viii) configuração urbana e história das cidades.

O call for abstracts foi lançado em Outubro de 2014, sendo que os resumos deverão ser submetidos até 1 de Fevereiro de 2015. Os autores serão notificados acerca da aceitação do

resumo até 6 de Abril, devendo enviar o artigo completo até 31 de Maio de 2015. A data limite de inscrição no PNUM2015 é o primeiro dia da conferência, 25 de Junho. O website do PNUM2015, contendo informações detalhadas sobre a conferência, será lançado muito em breve. A Comissão Organizadora da conferência inclui: Gabriela Tenorio (Presidente), Frederico de Holanda, Valério Medeiros, Ana Barros, Liza Andrade, Cláudia Garcia e, ainda, Mônica Gondim. A Comissão Cientifica do PNUM2015 inclui: Frederico de Holanda (Presidente), Décio Rigatti, Edja Trigueiro, Gabriela Tenorio, Jorge Correia, Luiz Amorim, Miguel Bandeira, Nuno Norte Pinto, Renato Saboya, Stael Pereira da Costa, Teresa Marat-Mendes, Valério Medeiros, Vinicius Netto e Vítor Oliveira.

Figura 1. Brasília, Esplanada dos Ministérios (Fonte: Rodrigo Studart Corrêa).

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Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(2), 85-93 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214

Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa

Paulo Pinheiro CIAUD, Faculdade de Arquitetura, Universidade de Lisboa, Rua Sá Nogueira, Pólo

Universitário, Alto da Ajuda, 1349-055 Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected]

Artigo revisto recebido a 11 de Setembro de 2014

Resumo. Há em Lisboa poucos quarteirões com o seu interior aberto à cidade. Os existentes surgiram em torno de 1940, ano da Exposição do Mundo Português, o certame de afirmação do regime de ditadura e a marca, no tempo, da inflexão na política de modernidade da nação. É um ano importante para a arquitetura portuguesa porque significa o início de um novo ciclo após uma década de abertura do regime à construção de obras claramente referenciadas à arquitetura moderna que se fazia na Europa. Precisamente nesse ano, 1940, o arquiteto Maurício Trindade Chagas elabora o projeto para um quarteirão de habitação com esta particularidade moderna: o seu interior é acessível à utilização pública, é possível atravessá-lo através de um eixo longitudinal com vocação pedonal. Este quarteirão ergue-se em frente à Casa da Moeda, um edifício moderno, então recente, e de clara influência da arquitetura holandesa. Este artigo caracteriza a ambivalência conceptual do projeto: a linguagem do Estado Novo e a modernidade do tipo de quarteirão adotado. Para tal enquadram-se os acontecimentos no tempo e identificam-se os modelos de influência na concepção deste quarteirão.

Palavras-chave: quarteirão aberto, modernidade, urbanidade, Lisboa

A época industrial, de inspiração progressista, e o subsequente século XX concretizam um período notável quanto ao desenvolvimento da humanidade. É um tempo que concentra as mais profundas transformações que a humanidade conheceu no último milénio. Muitas dessas transformações aconteceram por volta de 1900 e determinaram vincadamente o rumo das ideias e dos factos que viriam a constituir o século XX.

Em Portugal, o primeiro quartel do século XX, corresponde a um período de alguma agitação política. À margem do fulgor da Europa, Portugal tem uma indústria insipiente e após anos de instabilidade política e económica vê implantar-se em 1926 uma ditadura militar que vem, mais tarde, a originar o denominado Estado Novo.

Esta mudança traz alguma estabilidade política e económica ao país e será, numa primeira fase, um impulso determinante à aplicação prática dos princípios da arquitetura moderna que se praticava na Europa.

A segunda metade da década de 1920 e a década de 1930 correspondem a um período de tempo de um certo fulgor da modernidade na arquitetura portuguesa. Apoiados pelo investimento público na construção de grandes equipamentos e por uma vontade iminente de aplicação dos novos conceitos arquitetónicos, uma geração de jovens arquitetos desenvolve nestes anos um conjunto significativo de projetos e obras profundamente inspiradas na linha ‘internacionalizante’ da arquitetura moderna.

Porém, em 1940 verifica-se uma inflexão

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na estratégia da modernidade da nação e a Exposição do Mundo Português, certame realizado durante esse mesmo ano, é a grande manifestação dessa inflexão que, enquanto evento de afirmação da imagem do poder, assume, imperativamente, a linha nacionalista negando a concepção moderna internacional da arquitetura.

É precisamente neste ano, um tempo de desencontro e incerteza, que se desenvolve e apresentam à Câmara Municipal de Lisboa (CML) os projetos de arquitetura dos lotes que constituem o quarteirão em estudo.

É esta circunstância particular o impulso deste estudo: por um lado, o guião imperativo para uma linguagem de razão ‘nacionalizante’ e, por outro lado, a premência e o desejo de aplicar modelos modernos de cidade. O estudo visa contribuir para o conhecimento deste período particular da história e da forma urbana da cidade de Lisboa, mais concretamente para o enquadramento histórico e conceptual de um elemento urbano excepcional no contexto da forma urbana de Lisboa, o quarteirão aberto. Metodologicamente, o estudo desenvolve-se e entretece-se entre dois modos de atuação: a revisão da literatura e a recolha de dados em fontes primárias, designadamente os arquivos dos processos dos edifícios na CML e a visita ao local durante o processo de investigação. Objeto de estudo O quarteirão em estudo é constituído por dezoito lotes que correspondem à repetição de cinco tipos diferentes. Destes, foram consultados (arquivo da CML) seis processos / lotes onde constavam todos os tipos. Verificou-se que todos os projetos de arquitetura dos edifícios foram realizados pelo arquiteto Maurício Trindade Chagas. Verificou-se ainda que todos os projetos, deram entrada na CML em 1940, ano em que se iniciou a construção dos edifícios. A obra decorreu em contínuo até ao ano de 1943.

O conjunto edificado em estudo, situa-se em Lisboa, nas Avenidas Novas (próximo do Bairro Social do Arco do Cego), tendo como limites: a Avenida Defensores de Chaves; a Avenida António José de Almeida; a Rua D. Filipa de Vilhena; e a Avenida Visconde Valmor (figuras 1 e 2).

Figura 1. Vista sobre o gaveto noroeste.

Figura 2. Vista sul, faixa ajardinada.

Trata-se de um quarteirão concebido para uso habitacional com rés-do-chão e quatro pisos.

Relativamente à envolvente urbana mais próxima, os edifícios que configuram os quarteirões, apresentam uma grande diversidade linguística, formal e volumétrica que contrasta com o quarteirão em análise. Este facto é a consequência direta de dois factores: por um lado o grande leque temporal em que decorreu a ocupação e construção de todos os lotes; por outro lado, e talvez seja este o aspecto mais determinante da diversidade, imperava (na segunda metade do século XIX e início do século XX) um certo liberalismo político e legal sobre os agentes da construção e da promoção imobiliária, isto é, a ausência de modelos de arquitetura afectos ao plano de Ressano Garcia, entregava ao construtor ou dono de obra o poder da decisão sobre a altura do edifício, o número de pisos, os tipos (que variavam entre a moradia com jardim à frente, o palacete isolado, o prédio de rendimento...) e o índice de ocupação do lote.

Em contraste com esta heterogeneidade, este quarteirão apresenta-se como se de um

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único edifício se tratasse. Apesar de ser constituído por vários lotes, cada um com a sua entrada e respectivo número de polícia, o quarteirão foi concebido como um único projeto e executado num único momento de obra. Harmonizaram-se, a linguagem arquitectónica, os materiais utilizados, a paleta cromática, a volumetria, a cércea e os tipos de habitação.

O conjunto apresenta uma composição racional e depurada das suas fachadas. Com um embasamento em todo o seu redor, de pedra calcária lisa, onde todos os vãos ao nível do rés-do-chão se apresentam como subtrações à massa calcária. A partir do primeiro piso, a fachada é rebocada com argamassa de cimento pintada e os vãos, sob forma de janelas ou sacadas para varandas, são emoldurados por elementos espessos de cantaria. Os vãos de sacada servem o acesso a pequenas varandas, também estas, pequenas lajes balançadas, em pedra calcária. É aliás, nestes elementos em pedra (cantaria de janelas e varandas) que se encontram os adornos decorativos que se resumem a cachorros de suporte às varandas, suportes para vasos nalguns vãos de janela e lintéis das janelas nos gavetos.

Tipologicamente, a maioria dos edifícios, os que preenchem os maiores lados do quarteirão, apresentam uma implantação em ‘U’ com um espaço reentrante ao eixo das traseiras, como um saguão aberto, ou um pátio que dá acesso à escada de serviço (figuras 3 e 4). Quando juntos, estes edifícios aparentam um característico ‘rabo de bacalhau’, apesar de na realidade não o serem. A designação ‘rabo de bacalhau’ é frequentemente utilizada para identificar edifícios de habitação multifamiliar cuja planta do piso-tipo tem a configuração de um ‘T’. Trata-se de uma solução ‘recorrente na arquitectura para habitação multifamiliar das décadas de 1940 e 1950. Mecanismo de projecto que permite contornar a dificuldade em fazer aprovar edifícios com grande profundidade de construção (...) mediante o desenho, em lotes de média e grande dimensão, de generosos salientes posteriores como extensão da parte central da planta. A forma resultante de planta em T, recordando o formato do gadídeo, implica o aumento significativo da área dos fogos a tardoz, ocupada na maioria dos casos com áreas

Figura 3. Pormenor do acesso aos edifícios pelo interior do quarteirão – recorte

reentrante da caixa de escadas.

Figura 4. Planta de implantação do quarteirão (fonte: Arquivo Municipal da CML).

íntimas e de serviços (cozinhas, tratamento de roupas e escadas)’ (Agarez, 2008, p. 72).

Já os edifícios dos topos sobre o eixo longitudinal, aqueles sob os quais se abrem os túneis de acesso ao interior do quarteirão (figuras 5 e 6), apresentam uma organização em planta com rabo de bacalhau, porém mais largo que o seu congénere mais usual em Lisboa. A origem do lugar: o Plano das Avenidas e o quarteirão tradicional A segunda metade do século XIX e o primeiro quartel do século XX significam, na

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Figura 5. Acesso nascente ao interior do quarteirão.

Europa, tempos de grandes mudanças para as cidades. É neste período que se desenvolvem teorias, planos e se concretizam obras de grande dimensão que vêm a transformar profundamente as cidades, bem como, a marcar paradigmaticamente aquelas que no futuro se viriam a ampliar e a modernizar. São disso exemplo a Paris de Haussmann (1809-1891) ou a Barcelona de Cerdá (1815-1876), assim como as cidades, que mais tarde se confrontaram com a reconstrução do pós-guerra. As teorias progressistas desencadearam um movimento obstinado pela melhoria das condições de vida nas cidades, que se confrontavam com graves problemas sociais e de salubridade que resultaram do crescimento vertiginoso que algumas cidades europeias tinham tido com a Revolução Industrial.

Londres passa de 846 845 habitantes em 1801, para 1 873 676 em 1841 e para 4 232 118 em 1891. Apesar de Inglaterra ter sido o primeiro país a sofrer e a registar as transformações da Revolução Industrial, a Europa continental, nomeadamente a França e a Alemanha, seguem o seu exemplo, registando valores de crescimento da população urbana semelhantes a partir de 1830 (Choay, 1965).

Lisboa, embora mais tarde (em relação a outras cidades europeias) enfrenta também os desafios do crescimento após a consolidação urbana da expansão pombalina. Em 1874 Frederico Ressano Garcia (1847-1911) é admitido para a repartição técnica da

CML. Formado em engenharia de pontes e calçadas, pela Escola Politécnica de Paris, Ressano Garcia vem protagonizar a implementação de ‘um plano compreensivo da cidade, evidentemente inspirado na cultura internacional do seu tempo, que se destina especialmente à zona norte, mas se ocupa de áreas passíveis de desenvolvimento empírico com grande abertura e maleabilidade’ (Rodrigues, 1979, p. 64).

Entre outras zonas da cidade, como os bairros de Campo de Ourique e da Estefânia, Ressano Garcia define as linhas que virão a determinar a configuração da cidade para norte e que vem a constituir o Plano das Avenidas (1888). Apesar de não se poder associar diretamente o desenho adoptado para esta nova Lisboa à Paris de Haussmann, uma vez que não se destrói a cidade antiga sob a ideia imperativa do progresso, mas sim se expropria o solo de natureza rural e de potência urbana na senda de um crescimento mais organizado, pode-se, todavia, encontrar pontos de contacto entre a Lisboa de Ressano Garcia e a geometria racionalista de Hausmann em Paris. ‘Ressano Garcia não tem a intenção de fazer uma cidade nova, como em Paris ocorria, mas sim dar extensão a Lisboa, quer na zona norte, quer nos bairros novos (…)’ (Rodrigues, 1979, p. 77).

Ressano Garcia corresponde, assim, ao mediador que trouxe para Lisboa as ideias de Haussmann que fez de Paris um exemplo paradigmático do urbanismo europeu que se veio a exportar para outras cidades, não só francesas, como também de outros países europeus (Lamas, 1993, p. 212). Ressano Garcia procura, com este modelo, construir uma cidade com maior mobilidade, mais arejada e salubre, com mais luz, com espaços verdes e responder aos requisitos da cidade nova. O desenho dos planos que se projetam para Lisboa, têm como base morfológica a ‘avenida’, agora ampla, e o ‘quarteirão’ de forma regular, de dimensão adaptada à escala de Lisboa (de menor dimensão que os de Haussmann em Paris).

A ocupação imobiliária destes lotes, é um processo lento, que decorre ao ritmo dos investimentos imobiliários que a burguesia vai fazendo. As Avenidas Novas são assim, no primeiro quartel do século XX, um tecido viário consolidado, porém com inúmeros

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Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa 89

Figura 6. Túnel poente de acesso ao interior do quarteirão: a) vista para o interior, b) vista para o exterior.

lotes e mesmo quarteirões por construir.

Em 1940, ano em que se desencadeia o projeto e a obra do quarteirão em estudo, poucos eram os lotes que em seu redor se encontravam ocupados com edifícios. Para além de alguns prédios de rendimento de concepção pré-moderna e do Bairro Social do Arco do Cego, cujo processo tem origem na 1ª República, importa referir que faziam já parte da envolvente próxima do quarteirão um conjunto de edifícios muito significativos e representativos do primeiro modernismo que se realizou em Portugal na década anterior, os anos 30, designadamente: confinando com uma das suas frentes, a Casa da Moeda (1933-41) de Jorge Segurado (1898-1990); o Liceu D. Filipa de Lencastre (1932-40), também da autoria de Jorge Segurado; para nascente, a poucos metros, está o Campus Universitário do Instituto Superior Técnico (IST) (inaugurado no ano lectivo de 1936/1937) e o Instituto Nacional de Estatística (1935), ambos de Pardal Monteiro (1887-1957); e ao longo da Avenida António José da Almeida, um conjunto de moradias unifamiliares que inicialmente se destinavam a dar residência a professores do IST, projetadas, entre outros, por Cassiano Branco (1897-1970), Cristino da Silva (1896-1976) e Cottinelli Telmo (1897-1948).

A arquitetura dos anos de 1920 e 1930 Se no estrito âmbito da linguagem da arquitetura do conjunto edificado em estudo é possível identificar a apologia à recentemente instituída linguagem do poder, já no âmbito do desenho urbano afecto a este pequeno conjunto, podemos identificar modernidade na utilização de um tipo de quarteirão sem precedentes em Lisboa.

Como se referiu, o início do século XX é marcado pelo aparecimento crescente de manifestações culturais diversas que defendem um novo paradigma arquitectónico que corrobore a vida urbana moderna, industrializada e salubre, tirando proveito de todo o potencial disponível pela nova ciência da construção e da técnica.

No ano de 1925 em Paris inaugurava-se a L' Exposition des Arts Décoratifs, onde se expunham as formas das vanguardas da arquitetura que, com uma certa ambivalência, eficazmente representavam o tempo de mudança que então se vivia. Se por um lado se expunha ‘a nostalgia decorativa modernizada pelas formas geométricas que ficou conhecida como art déco’ (Caldas, 1997, p. 23), por outro, este evento também deu espaço ao ‘purismo racionalista dos pavilhões representativos da vanguarda do movimento moderno’ (Caldas, 1997, p. 23).

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90 Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa

Era este o tempo do confronto e da tomada de posição sobre a linha a adoptar: idealista e defensora da continuidade progressiva da evolução natural do gosto (Zevi, 1950), tendencialmente simplificadora e racional das formas e da decoração que agora se geometriza; ou rendida aos prodígios da técnica, da nova ciência da construção e da nova realidade sociocultural que a industrialização desencadeou.

Em Portugal, a estabilidade política trás consigo algum investimento na construção. ‘O novo regime totalitário, sobretudo a partir do momento em que consolidou o poder político e se assumiu como Estado Novo, reforçou o papel dos arquitectos e deixou vir a si a nova arquitetura’ (Caldas, 1997, p. 23).

Uma nova geração de arquitetos, que apesar da sua formação eclética essencialmente dicotómica entre o modelo beauxartiano na linha do racionalismo e outra de pendor nacionalista na senda da ‘Casa Portuguesa’ protagonizada por Raul Lino (1879-1974), rende-se às vanguardas da arquitetura moderna e às virtudes técnicas do betão armado. Estes arquitetos (Cristino da Silva, Pardal Monteiro, Carlos Ramos, Jorge Segurado e Cassiano Branco) vêm, na década de 30 do século XX, a criar e construir um número significativo de obras com referências objectivas à linguagem moderna que crescia na Europa industrializada. Em 1931 é inaugurado o cinema/teatro Capitólio de Cristino de Silva (1896-1976), obra percursora do modernismo em Portugal, que apesar de rendida às virtudes do betão armado e da linguagem moderna, apresenta referências formais às Artes Decorativas. O mesmo Cristino da Silva, inaugura em 1932 o Liceu de Beja, obra esta assumidamente moderna mais racionalista com referências claras à linha internacionalista proclamada por Walter Gropius. Carlos Ramos (1897-1969) vê concluir, em 1933, aquela que talvez seja a sua obra mais moderna – o Pavilhão do Rádio. Pela mão de Pardal Monteiro e com o apoio de Duarte Pacheco (1900-1943) inaugurava-se em 1935 o Instituto Nacional de Estatística e no ano lectivo de 1936/37 o campus universitário do Instituto Superior Técnico (IST) na Alameda D. Afonso Henriques, cujo processo de obra, por razões

de ordem orçamental, foi em crescendo exigindo a Pardal Monteiro uma maior racionalização e depuração da construção, porventura até pretexto para uma aproximação aos ideais da arquitetura moderna. Da autoria de Jorge Segurado, surgem também dois edifícios de expressão moderna e determinantes para a caracterização desta época, o Liceu D. Filipa de Lencastre e a Casa da Moeda onde, assinale-se, são visíveis as influências da arquitetura holandesa, com a qual Segurado tinha já contactado.

A década de 30, prolífica para a arquitetura moderna em Portugal, foi também o momento da mudança estratégica da linguagem do poder. Um conjunto de acontecimentos políticos que entretanto se desencadeavam na Europa fascista, inspirou Oliveira Salazar, que na sua atitude neutra perante uma Europa em Guerra, se identifica com a estética autoritária do poder totalitário de Hitler e Mussolini. Assim, ‘consolidado este (o regime), em situação internacional favorável, clarificam-se os valores estéticos que melhor se identificam com o poder. Há que afirmá-los sem ambiguidades’ (Fernandez, 1988, p. 27).

Mesmo no período precedente, o nacionalismo e a ideia da ‘Casa Portuguesa’, nunca tinham sido inteiramente abandonadas. Com a pressão da Igreja e o apoio dos sectores mais conservadores da ditadura, crescia a vontade de criar os símbolos de afirmação da ‘Portugalidade’.

Em Julho de 1940 (ano em que Maurício Trindade Chagas fizera o projeto do quarteirão) era inaugurada em Lisboa a Exposição do Mundo Português, que constituiu um marco histórico de viragem do rumo da arquitetura em Portugal – a arquitetura de regime. Foi convocado Cottinelli Telmo para Arquiteto-Chefe do certame e convidados praticamente todos os arquitetos que tinham protagonizado o modernismo alguns anos antes. Todos aceitaram participar, não só no desenho da exposição com todas as condicionantes propostas, como também, depois desta, em responder positivamente às encomendas do estado como se o moderno nunca tivesse feito parte dos seus percursos. Era o início de um novo ciclo para a arquitetura portuguesa.

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Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa 91

As influências do urbanismo moderno O quarteirão tradicional foi, em toda a história das cidades, a unidade morfológica que mais se repetiu constituindo-se como elemento estruturante e paradigmático na organização das cidades.

Desencadeia-se, com o advento do urbanismo moderno, um processo de mutação da forma tradicional do quarteirão que passa, entre outros aspectos, por abrir o seu interior à cidade.

O crescimento das cidades, após a Revolução Industrial, trouxe novos e sérios problemas de alojamento e o interior dos quarteirões, destas cidades, tornou-se um território propício ao alojamento de novas comunidades urbanas que cresciam desmedidamente insalubres e fora da vista oficial. Cresciam pequenas comunidades dentro dos quarteirões de Paris e de Londres, sem condições de saneamento, ventilação e salubridade mínimas desencadeando epidemias de cólera incontroláveis. É a esta realidade que o Barão de Haussmann vai ‘declarar guerra’, com uma política de expropriações demolidora, abrindo corredores de acesso ao interior dos velhos quarteirões e rasgando largas avenidas de desenho moderno e auspicioso. Como produto dos novos traçados surgem novos quarteirões com formas irregulares e poligonais.

‘Aparecem também diversas funções no interior do quarteirão, (...) pela introdução de equipamentos, de serviços, pequena indústria, artesanato, garagens, recolha de viaturas, armazéns ou mesmo jardins. (…) Em outras situações, o quarteirão será rasgado por galerias comerciais – as passagens parisienses, aí se propondo o fim do quarteirão como unidade impenetrável – , prenúncio da evolução morfológica que surgirá do século XX’ (Lamas, 1993, p. 214).

Outro exemplo paradigmático do novo urbanismo é o plano de Ildefonso Cerdá para Barcelona, quase contemporâneo da intervenção de Haussmann em Paris. Este parte também de uma quadrícula geométrica, mais regular que a de Paris, mas propõe paralelamente um leque variado de possibilidades de implantação dos edifícios, como alternativa à tradicional conceção de

ocupação do quarteirão, por exemplo: construindo apenas duas bandas em dois dos lados paralelos do quarteirão, abrindo-se um corredor arborizado ao eixo longitudinal para uma circulação secundária (e porventura pedonal); ou, construindo edifícios em ‘U’, que ocupam três dos quatro lados do quarteirão, abrindo o seu interior, ordenado e arborizado, à utilização pública.

A cidade nova apresentava-se agora, numa extensão geometricamente planeada e racionalizada, com vias principais de circulação, mas com uma sucessão de percursos alternativos, pedonais, mais lentos e arborizados, promotores do arejamento e de uma vivência urbana mais saudável e moderna.

A criação de um subsistema de circulação urbana, afastado das vias principais, agora dedicadas à velocidade do automóvel, é um conceito moderno que vem, em crescendo, a ganhar importância. Este princípio, associado diretamente à abertura do quarteirão à utilização pública, tendo sido impulsionado inicialmente, como vimos, por razões de ordem da saúde pública e da higienização do espaço urbano, ganha, contudo, uma nova importância, agora de ordem social, quando se procura proporcionar aos cidadãos da nova cidade a convivência saudável, que anteriormente se usufruía nas pequenas comunidades rurais.

Ebenezer Howard (1850-1928) com o modelo da Cidade-Jardim no último quartel do século XIX propõe, em oposição à densa cidade industrial, a ocupação de subúrbios urbanos com pequenos aglomerados de baixa densidade, em que os conjuntos edificados se dispõem em volta de um largo (impasse) abundantemente arborizado cujo acesso se processa a partir da via principal de circulação: como quarteirões abertos à vivência pública promotora das relações sociais de vizinhança, ‘reinterpretando o pátio de quinta anglo-saxónico como espaço de convivência e estrutura das construções que o envolvem’ (Lamas, 1993, p. 312).

Noutros países da Europa, envolvidos com a reconstrução das suas cidades e com o progresso, realizam-se também aplicações destes modelos, são os casos das Siedlung e dos Hoff na Alemanha e na Aústria, respectivamente. Mas é na Holanda, país em franco crescimento económico no princípio

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92 Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa

Figura 7. Vista da rua, interior do quarteirão.

do século XX, de forte vocação progressista e com políticas sociais emergentes, onde se realizam experiências urbanas em tudo semelhantes àquela que motiva este estudo. São também aqui, as necessidades de habitação e de melhorias das condições de vida de um país recentemente industrializado e comercialmente dinâmico, que originam políticas de atuação sobre o território, controlando a especulação imobiliária e propondo soluções de habitação condignas às classes desfavorecidas. Elaboram-se planos para a expansão de Amsterdão em larga escala onde se utilizam o modelo anglo-saxónico da Cidade-Jardim e o da cidade tradicional de geometria regular com quarteirões (Lamas, 1992, p. 323). A emergência das teorias sobre a cidade moderna e a aplicação extensiva do tipo ‘quarteirão’ associada à tendência política para a ‘desprivatização’ do espaço urbano privado, desencadeiam a experimentação continuada e sistemática da abertura do interior do quarteirão à cidade.

Neste processo de ‘destruição’ do quarteirão holandês, existem três fases de evolução que importa identificar. Seguindo a tradição holandesa, as habitações ao nível do rés-do-chão, têm destinada a utilização de um pequeno jardim nas traseiras, pelo que, numa primeira fase, se abre num dos topos (ou mesmo nos dois), do quarteirão rectangular e longo, um arco, que dá acesso de serviço, estreito e longitudinal, aos jardins privados das habitações do rés-do-chão. Numa segunda fase, a dimensão destes jardins é reduzida, aumentando-se a largura da rua interior que assim adquire uma utilização mais colectiva e lúdica por parte

de todos os moradores. Numa terceira fase, é eliminado um dos topos do edificado, abrindo-se totalmente o espaço do quarteirão à cidade, tendo mesmo servido, nalguns casos, de espaço à implantação de equipamentos públicos (Lamas, 1993, p. 326).

É neste ambiente de democratização do espaço que se desenvolve um número considerável de projetos de cidade que procura a transformação da concepção tradicional do quarteirão. E é a descoberta dessa experimentação que em sincronia com a vontade da modernidade consequente a uma década de abertura do país às novas linguagens e concepções do espaço público e privado que nos sugerem uma forte influência com a solução adoptada no nosso quarteirão de Lisboa. Conclusões Após uma década de aceitação e abertura em relação ao Moderno, com um olhar ambicioso para a Europa e para o futuro auspicioso que se desenhava, o ano de 1940 – ano em que Maurício Trindade Chagas, elabora o projeto para o quarteirão em estudo – constitui um marco de viragem do rumo da arquitetura em Portugal. É um ano de inflexão estratégica, de inspiração fascista, no sentido da procura de uma identidade nacional da arquitetura e da negação de qualquer linha de reflexão ligada à vanguarda internacional do Movimento Moderno. É o ano da Exposição do Mundo Português, certame de celebração do regime. É um olhar para trás, para a nostalgia da

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Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa 93

história e do glorioso império.

O projeto de Chagas, na vizinhança da Casa da Moeda, do IST, do Liceu Filipa de Lencastre, do INE e das moradias da Avenida António José de Almeida, embora ordenado por uma regra racionalizante na composição, apresenta uma estrutura de disposição de vãos, bem como de alguns elementos de cantaria, de adorno acessório, que nos remetem à razão do pitoresco e ambicionado portuguesismo. Já o tipo de quarteirão adotado, bem como a introdução de uma faixa ajardinada entre o conjunto edificado e a principal via automóvel, que o separa da Casa da Moeda, edifício de concepção anterior e ícone do primeiro moderno, revelam uma atitude de ambição francamente moderna. À imagem das soluções de quarteirão amplamente experimentadas no princípio do século XX na Holanda, as quais se acredita terem servido de modelo a esta abordagem, este quarteirão, proporciona, excepcionalmente em Lisboa, a possibilidade de percorrer o seu interior através de uma via que o atravessa. De largura estreita e sem a grandeza dos quarteirões holandeses que proporcionam uma utilização lúdica e de permanência, este elemento propõe uma experiência de percurso pedonal urbano e alternativo à comum convivência com o automóvel.

É no entanto de referir que a sua atual utilização está longe daquela que se pensa ter

sido a idealizada por Chagas. A sua condição de rua interior, com acesso visual limitado ao transeunte em virtude da configuração em ‘Y’ dos corredores em túnel que lhe dão acesso, associada, porventura, a uma experiência e cultura urbanas insipientes deste tipo de solução, terão contribuído para uma certa degradação pouco convidativa à sua utilização. Este espaço serve hoje de estacionamento de automóveis (Figura 7), alguns deles abandonados e apresenta sinais de utilização marginal e insalubre, que afastam qualquer intenção de utilização. Referências Agarez, R. (2008) Património arquitectónico de

habitação multifamiliar do século XX (IHRU/ IGESPAR, Lisboa).

Caldas, J. V. (1997) ‘Cinco entremeios sobre o ambíguo modernismo’, Arquitectura do Século XX – Portugal (Centro Cultural de Belém, Lisboa) 23-31.

Choay, F (1965) L'urbanisme, utopies et réalités: une anthologie (Seuil, Paris).

Fernandez, S. (1988) Percurso. Arquitectura portuguesa 1930/1974 (Edições FAUP, Porto).

Lamas, J. R. G. (1993) Morfologia urbana e desenho da cidade (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa).

Rodrigues, M. J. M. (1979) 'Tradição, transição e mudança, Lisboa (ESBAL, Lisboa).

Zevi, B. (1950) Storia dell'architettura moderna (Einaudi, Turim).

Tradução do título, resumo e palavras-chave Between tradition and modernity: an open street block in the Avenidas Novas, Lisbon Abstract. In Lisbon, there are few street blocks opening their interior space to the city. The existing open streets blocks were built around 1940, the year of the Exhibition of the Portuguese World, an event for the political promotion of the dictatorial regime that represented an inflection in a policy of modernity of the nation. This is an important year for portuguese architecture as it means the beginning of a new cycle after a decade of a relative opening of the regime to a number of works clearly referenced to the modern architecture that was being developed in Europe. In that year, 1940, architect Maurício Trindade Chagas designed the project for a housing block with a particular modern feature: its interior was accessible to public use, and the block could be crossed throughout a longitudinal axis designed for pedestrian traffic. This block stands in front of the so-called Casa da Moeda, a remarkable modern building clearly influenced by Dutch architecture. This paper characterizes the conceptual ambivalence of the project for the street block: the language of the Estado Novo and the modernity of the block type. The main events in the construction of the street block are framed in their time and the models for the design of this new block are identified.

Keywords: open street block, modernity, urbanity, Lisbon

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94 Relatório

21º International Seminar on Urban Form Na cerimónia de encerramento do 21º International Seminar on Urban Form, o presidente do ISUF, Giancarlo Cataldi (Università degli Studi di Firenze), realçou a natureza global da organização. Perante um conjunto de participantes oriundos da Ásia, Australásia, Europa, América do Norte e do Sul, Cataldi salientou que muito embora a morfologia urbana frequentemente enfatize estruturas e evoluções urbanas de carácter local, a verdade é que, nos últimos anos, tem crescido de um modo que torna inequívoca a sua cobertura internacional.

Atraindo oradores de quase 50 países, o ISUF 2014 iniciou-se com apresentações de dois investigadores da Universidade do Porto ligados aos estudos urbanos, Vítor Oliveira e Paulo Pinho. Após uma descrição das transformações históricas e contemporâneas do Porto, a partir das suas origens, foi apresentada, a uma ampla audiência (Figura 1), o metabolismo da cidade, e o modo como a sua forma, função, tecido construído e história se terão tornado intimamente intrincadas enquanto o Porto se tornava a segunda maior cidade Portuguesa. A sessão plenária subsequente incluiu artigos sobre diferentes abordagens no estudo da forma urbana, apesentados por Jeremy Whitehand (University of Birmingham), Jürgen Lafrenz (University of Hamburg), Giancarlo Cataldi e Bill Hillier (University College London). O painel explorou questões como a gestão da paisagem urbana, a forma da paisagem cultural, a formação espacial e as relações entre estrutura urbana, função e teoria (Figura 2); todos estes tópicos foram posteriormente abordados em inúmeros artigos.

Contando com vários oradores provenientes do Brasil e de Portugal, foi dada, durante toda a conferência, particular atenção a tópicos como planos urbanos, planeadores, ideologia e tipo-morfologia portuguesa e brasileira. Staël de Alvaranga Pereira Costa (Universidade de Minas Gerais) e Teresa Marat-Mendes (Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-IUL) discutiram a necessidade de estar atento ao desenvolvimento do conhecimento urbano e paradigmas intelectuais de modo a classificar os ambientes construídos e processos que afetam sua forma. No caso do espaço rural português, Marat-Mendes analisou a relação entre geografia, geologia e cultura no desenho, evolução e classificação dos tipos habitacionais. A política e o poder, enquanto agentes que afetam o modo como o espaço urbano pode ser criado e adquirir diferentes significados foram abordados por muitos autores. Pelin Özden (Istanbul University)

considerou um conjunto de atitudes políticas no planeamento de Istambul, e Joyce Silva, profissional da autarquia de São Paulo, apresentou o processo de elaboração e implementação do novo plano diretor para a maior cidade brasileira. Por outro lado, Paulo Silva (Universidade de Aveiro) chamou a atenção para a questão da governança e do ativismo dos cidadãos, mostrando como a reutilização dos espaços urbanos permite aos cidadãos intervirem na formação do carácter construído nas cidades.

A definição dos layers urbanos foi um tema recorrente. Ayşe Kubat (Istanbul Technical University) salientou como diferentes circunstâncias políticas e culturais terão deixado marcas no tecido construído de Istambul. Este tema, frequentemente direcionado para a paisagem e a cultura tradicional, foi também evidente nos artigos de autores Chineses e artigos centrados no Médio Oriente, e será sem dúvida um tema de grande importância na conferência do ISUF 2016 a realizar em Nanjing, China.

Embora a maioria dos participantes na conferência pertença ao mundo académico, o tema da prática de planeamento foi abordado por vários oradores. Karl Kropf (Built Form Resource e Oxford Brookes University) descreveu um projeto financiado pelo ISUF com o propósito de estabelecer um repositório de tecidos urbanos. Procurando identificar atributos fundamentais em vários espaços urbanos que poderiam, por exemplo, facilitar a utilização da morfologia urbana como uma ferramenta de apoio a planeadores numa definição mais efetiva de políticas, Kropf encorajou ainda eventuais contributos para a implementação do projeto.

A sessão plenária final, apresentada por Ivor Samuels (University of Birmingham) (Figura 3) explorou o modo como a investigação em morfologia urbana pode contribuir para a prática de planeamento. Os artigos apresentados por membros da ISUF Task Force on Research and Practice foram bem recebidos. Infelizmente, o tempo disponível foi escasso para contributos da audiência relativos ao modo como a morfologia urbana, enquanto ferramenta intelectual diferenciada, influencia atualmente a prática de desenho urbano do ‘mundo real’ e como a deveria influenciar no futuro. A exposição de Vítor Oliveira sobre a integridade do centro histórico do Porto, e de Michael Barke (University of Northumbria) sobre os desafios relativos ao carácter da propriedade em Newcastle, no Reino Unido, forneceram as bases para a discussão. A exposição da tipologia habitacional em Gujarat, na India, de Nicola

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Relatório 95

Figura 1. Parte da ampla audiência na sessão de abertura da conferência. Fotografia de Ana Natálio.

Figura 2. O debate sobre diferentes abordagens no estudo da forma urbana. Fotografia de Cláudia Monteiro.

Figura 3. Ivor Samuels introduzindo a sessão plenária sobre investigação e prática. Fotografia de Pedro Oliveira.

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96 Relatório

Scardigno (Roma Tre University), e a consideração do uso e perceção da natureza do carácter de desenho local nos Alpes franceses dada por Laurence Pattacini (University of Sheffield) forneceram oportunidades adicionais para explorar o modo como a academia e a prática do mundo real poderiam ser relacionadas de um modo mais efetivo. Como Barke e Samuels notaram, é provável que o modo como a investigação em morfologia urbana é apresentada, influencie significativamente a sua adoção enquanto ferramenta de planeamento.

Esta conferência, extremamente bem-sucedida, e pela qual a sua Comissão de Organização deve ser felicitada, testemunhou dois importantes marcos: o reconhecimento formal do trabalho de Jeremy Whitehand em morfologia urbana, demonstrado pela publicação de um novo livro; e a criação da Porto Charter,

uma proposta de documento clarificando, para um público alargado, os objetivos da morfologia urbana sob a perspetiva do ISUF. A Carta irá, provavelmente, fornecer as bases para debate futuro na Urban Morphology.

A julgar por esta conferência, os prognósticos para o ISUF são bons. A agenda é vasta e desafiante, incluindo o lugar da morfologia urbana na educação, as ligações entre diferentes abordagens e a relação entre investigação e prática. Estes, e sem dúvida muitos outros temas, serão discutidos nas conferências de 2015 e 2016, em Roma e Nanjing. Ian Morley, Department of History, Chinese University of Hong Kong, Fung King Building, Shatin, N.T., Hong-Kong. E-mail: [email protected]

Morfologia Urbana e Progetto A conferência Morfologia Urbana e Progetto, organizada pelo ISUF Italia, decorreu no dia 6 de Novembro na Faculdade de Arquitetura Valle Giulia em Roma, Itália. A realização desta conferência teve três objetivos fundamentais: i) a preparação da conferência anual do ISUF, a realizar em Setembro de 2015; ii) a publicação do primeiro número da revista U+D Urbanform and Design editada pela rede italiana; e, ainda, iii) o relançamento do ISUF Italia. A sessão da abertura contou com intervenções de Piero Ostilio Rossi (Sapienza Università degli Studi di Roma), Giancarlo Cataldi (Università degli Studi di Firenze), e Giuseppe Strappa (Sapienza Università degli Studi di Roma). Strappa apresentou uma interessante sintese da história disciplinar da Morfologia Urbana. A primeira sessão foi dedicada à educação e investigação morfológica na Europa. O painel, moderado por Roberto Cherubini (Sapienza Università degli Studi di Roma), incluiu quatro apresentações de autores vindos de três países Europeus – Portugal, Reino Unido e Turquia. A apresentação de Carlos Dias Coelho (Universidade de Lisboa) partiu do trabalho que este tem vindo a coordenar no Forma Urbis Lab, em particular o Atlas Morfológico, para debater os processos de decomposição dos diferentes elementos da forma urbana. Nesta apresentação foram reforçados dois pressupostos de base: o enfoque na cidade real e não na cidade utópica e o desenvolvimento de uma abordagem claramente arquitetónica, onde se sublinha a importância do desenho. Vítor Oliveira (Universidade do Porto) dividiu a sua apresentação em duas partes. Na primeira parte

apresentou o programa de uma disciplina de Morfologia Urbana lecionada num curso de mestrado em arquitetura. Na segunda parte apresentou a sua investigação recente centrada em três temas fundamentais: métodos e técnicas morfológicas, estudos comparativos de forma urbana, e a relação entre investigação científica em morfologia urbana e prática de planeamento – fazendo a ponte para a apresentação seguinte. Este último tema foi desenvolvido na apresentação de Ivor Samuels (University of Birmingham). Samuels analisou, de forma detalhada, o contexto de ensino (em particular, de um conjunto de curricula em diferentes instituições de ensino universitário) e da prática profissional no Reino Unido e nos Estados Unidos da América, colocando mais uma vez em evidência o vazio entre estas duas realidades. A apresentação tornou também clara a compartimentação do conhecimento e o modo como alguns autores chave num contexto, disciplinar ou geográfico, são praticamente ignorados num contexto diferente. A sessão encerrou com a apresentação de Tolga Ünlü (Mersin University) sobre os padrões de crescimento à escala metropolitana, com um enfoque particular na formação, e nas subsequentes transformações, das cinturas periféricas (fringe belts), tomando como caso de estudo a cidade e área metropolitana de Mersin.

A segunda sessão centrou-se na publicação de uma nova revista, a U+D Urbanform and Design. Paolo Carlotti (Sapienza Università degli Studi di Roma) apresentou a estrutura da revista – editoral, ensaios e projetos, perspetivas, estudos e investigação, book reviews e notícias –

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Relatório 97

Figura 1. Sessão de abertura. Fotografia de Stefanos Antoniadis.

Figura 2. Quarta sessão Verso ISUF 2015. Fotografia de Stefanos Antoniadis.

sublinhando as semelhanças e as diferenças (sendo a mais significativa o carater fortemente arquitetónico) em relação à revista do ISUF, a Urban Morphology.

Marco Maretto (Università degli Studi di Parma) conduziu a terceira sessão, dedicada ao relançamento do ISUF Italia. Maretto começou por uma descrição do ISUF, abordando questões como o regulamento, o modo de organização, as conferências anuais e a Urban Morphology, avançando de seguida para uma descrição do processo que levou à criação do ISUF Italia em 2007, à relativa estagnação da rede nos últimos anos e ao seu relançamento em 2014. Esta introdução serviu de mote a um intenso debate, entre os arquitetos italianos presentes, sobre o que deve ser o ISUF Italia.

A última sessão, dedicada à preparação do ISUF 2015, teve três momentos distintos. Num primeiro momento, Alessandro Camiz (Girne American University) apresentou o trabalho de preparação da conferência já desenvolvido. O segundo momento consistiu num olhar

‘exterior’ (ou ‘não italiano’) sobre as atividades do ISUF. Vítor Oliveira identificou as principais dificuldades na realização do ISUF 2014 realizado na cidade do Porto. Tolga Ünlü apresentou as origens e desenvolvimentos da Turkish Network of Urban Morphology / TNUM, dando especial atenção ao workshop de fundação realizado em Abril de 2014, à preparação da primeira conferência do TNUM a realizar em Outubro de 2015 e à identificação do principal contributo que o TNUM poderá trazer ao debate internacional sobre forma urbana, centrado na relação entre investigação em morfologia urbana e prática profissional. A sessão encerrou com uma mesa redonda, moderada por Anna del Monaco (Sapienza Università degli Studi di Roma), sobre o que será a conferência de Setembro de 2015, abordando não só questões de conteúdo (os diferentes temas da conferência, a importância do projeto arquitetónico, a discussão da Porto Charter, entre outros) mas também aspetos organizacionais (como a

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98 Relatório

organização das sessões paralelas e a importância do moderador, a diversidade no interior de cada sessão, a possibilidade de proposta de organização de sessões temáticas, ou as formas de pagamento).

A reunião de Roma mostrou a vitalidade da rede italiana, agora dinamizada com um novo media – a revista U+D Urbanform and Design, e deixou antever uma excelente conferência

nesta magnifica cidade para o mês de Setembro do próximo ano.

Vítor Oliveira, CITTA – Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente, Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto, Rua Roberto Frias 4200-465 Porto, Portugal. E-mail: [email protected]

Colloquium on Mediterranean Urban Studies O ‘Colóquio sobre Estudos Urbanos Mediterrânicos’ (Colloquium on Mediterranean Urban Studies), com o tema ‘A transformação das cidades portuárias mediterrânicas: séculos XIX e XX’, realizou-se a 23 e 24 de Outubro em Mersin, na Turquia, tendo sido organizado pelo Centro de Estudos Urbanos Mediterrânicos da Universidade de Mersin. O colóquio deste ano surge na continuidade dos quatro colóquios anteriores, realizados sob o enquadramento temático de ‘Mersin na História’, organizados com o propósito de incentivar a investigação científica sobre a região do Mediterrâneo Oriental.

Ao longo do século XIX, as mudanças nas relações económicas à escala internacional e nas tecnologias de transporte deram origem à emergência de cidades portuárias com uma relativa independência face aos governos centrais. Estas cidades beneficiaram muito das suas inter-relações com outras cidades portuárias. As relações recíprocas transformaram assim as cidades portuárias em locais de intercâmbio cultural, onde pessoas de diferentes partes do Mediterrâneo se encontravam e interagiam. Neste sentido, as cidades portuárias eram caracterizadas por uma grande complexidade urbana e diversidade social, sendo possível falar de uma ‘urbanidade comum’ ao longo do século XIX.

Após a fundação de cidades-estado, os problemas de desenvolvimento urbano em cidades portuárias mediterrânicas resultaram da ausência de características sociais, económicas, culturais e espaciais comuns. As cidades portuárias foram-se transformando em ‘arenas’, nas quais era exercida a política da nação soberana, resultando na progressiva destruição da complexidade urbana e diversidade social. Consequentemente, as cidades portuárias mediterrânicas foram perdendo as suas características distintivas e as suas qualidades espaciais.

Partindo de um ‘olhar’ sobre este percurso, o ‘Colóquio sobre Estudos Urbanos Mediterrânicos’ procurou discutir a

transformação das cidades portuárias mediterrânicas nos séculos XIX e XX, com uma ênfase específica nos aspetos económicos, sociais, culturais e espaciais. A sessão especial de abertura centrou-se no mundo mediterrânico, em termos genéricos, enquanto as seguintes sessões especiais se focaram nas cidades portuárias do Mediterrâneo Ocidental – Lisboa, Barcelona e Génova – e do Mediterrâneo Oriental – Volos, Esmirna, Alexandria e Creta. No segundo dia, os investigadores partilharam os seus trabalhos sobre cidades da Palestina, Salonica e Mersin, para além das cidades referidas anteriormente.

O debate, realizado ao longo das diferentes sessões, revelou que as cidades portuárias do Mediterrâneo tinham, de facto, muitos pontos em comum, em termos de composição e conformação do espaço urbano, identidade arquitetónica e características sociais, dependendo das relações comerciais recíprocas durante o período de modernização do século XIX.

Dois eventos reforçaram a especificidade deste colóquio. Primeiro, após a sessão de abertura, o Contribution to Urban History Award foi apresentado aos investigadores a trabalhar em Mersin, a desenvolver pesquisa sobre a história urbana da cidade ou dando apoio aos estudos do Centro de Estudos Urbanos Mediterrânicos. Segundo, foi organizada uma sessão especial de encerramento, designada ‘Memória Urbana: Vozes Locais’, que convidou residentes, de longo termo, em Mersin, para partilharem as experiências desenvolvidas ao longo da sua vida nesta cidade.

Após dois dias de intenso debate, no terceiro dia os participantes participaram numa excursão à cidade de Tarsus, uma cidade caraterizada por múltiplos layers desde a antiguidade até á atualidade. Tolga Ünlü, Department of City and Regional Planning, Mersin University, Yenisehir, Mersin 33343, Turkey. Email: [email protected]

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Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(2) 99-108 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214

PERSPETIVAS

Debate sobre temas fundamentais em morfologia urbana

Compreender o holon Anastássios Perdicoúlis, Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente, Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto, Rua Roberto Frias, 4200-465 Porto, Portugal. Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal. Email: [email protected] A realidade de cada cidade é, sem dúvida, única: o seu aspeto visual, a maneira como a cidade está organizada, e o modo como funciona. Por outras palavras, a forma, a estrutura e a função de cada cidade – ou de cada entidade, no caso geral – criam combinações irrepetíveis através da sua composição e das suas interações (Aristóteles, VIII: 6): em cada caso, um holon (όλον [Gk] tudo, completo). Podemos sentir isto mesmo como habitantes, visitantes ou investigadores; mas como podemos compreender este holon da cidade? Metáforas Estamos habituados, mesmo em ambientes académicos, a lidar com o abstrato como a ‘entidade’, a ‘essência’ ou o holon através de metáforas (literalmente ‘transportes’) de experiências familiares em contextos alheios, que em princípio não têm nada a ver com o nosso objeto de interesse – por exemplo, a cidade versus objetos indiferenciados, como ‘sólidos’ ou ‘fluidos’. Numa primeira instância, enquanto sólidos, o ‘caráter’ que poderia ser atribuído a uma cidade refere-se literalmente a uma ‘gravação’, uma marca distinta, como o contraste

nas joias valiosas. Numa segunda instância, enquanto fluidos, a ‘idiossincrasia’ de uma cidade, literalmente refere-se a uma ‘mistura especial’ dos quatro fluidos essenciais da medicina Hipocrática: sangue, flegma, bílis amarela e bílis preta – os mesmos quatro fluidos que, alegadamente, tornam as pessoas únicas pelo seu ‘humor’ ou ‘temperamento’.

As metáforas podem ajudar a captar – talvez com ‘licença poética’ – a essência do nosso objeto de interesse, mas não ajudam a ‘perceber’ esse mesmo objeto, principalmente como é que ele está construído e como funciona, que são duas vertentes importantes para conhecer e compreender um objeto complexo, como a cidade, de maneira mais completa ou holística.

Sem auxílios metafóricos então, mas recorrendo à alternativa analítica (literalmente, através de ‘decomposição’), podemos ver o holon da cidade pelas suas três facetas complementares: a forma, a estrutura e a função (Figura 1). Forma, estrutura e função A forma é, por norma, um interface facilmente percetível pela visão, e revela-se em perspetivas parciais ou vistas globais, em várias escalas ou

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Figura 1. Três facetas interligadas do holon (fonte: Perdicoúlis, 2014).

níveis de agregação, e em meios comuns como desenhos, maquetes, fotografias, vídeos, mapas, e modelos tridimensionais. Esta deverá ser a perceção da cidade mais familiar para um grande número de pessoas; até mesmo para profissionais, como arquitetos.

No caso da cidade como objeto de estudo, a estrutura ‘física’ também é visível - por exemplo, ‘estruturas verdes’ com espaços verdes interligados, estruturas rodoviárias para as comunicações terrestres ou quarteirões em malha reticulada. No entanto, existem outros tipos de estruturas que são invisíveis, embora seja possível recorrer à visualização – por exemplo, a estrutura ‘organizacional’ (por exemplo, a hierarquia da administração pública de uma cidade) ou a estrutura ‘dinâmica’ (por exemplo, os agentes principais e as suas interações). E naturalmente, como é tão bem captado pelo popular ditado Inglês: out of sight, out of mind.

A terceira faceta da cidade como sistema, a função, é por excelência abstrata, logo invisível. Por exemplo, como perceber e / ou convencer os outros que uma cidade é o ‘centro da vida cultural’ de um país? Pode-se recorrer a ‘indicadores’, como o local de residência de artistas e produtores, com auxílio da estatística – por exemplo, a sua densidade ou distribuição espacial. No entanto, sem a dinâmica representada pelas interações de estrutura e função – que, por norma, são invisíveis e não são captadas pela estatística, estando apenas presentes em modelos mais especializados – podemos formar uma ideia errada. Por exemplo, várias localidades nas Caraíbas aparecem como residência de artistas de renome internacional, pelo que a sua densidade poderia indicar que são o centro da vida cultural mundial a par de Hollywood; isto é, se não soubéssemos interpretar as estatísticas, já que ‘estes artistas não trabalham lá’.

Complementaridade

É possível – e é até muito fácil – identificar a cidade pelo seu aspeto visual ou caráter global, mas isto não nos permite ainda ‘perceber’ a cidade: ainda falta ‘ver’ quem vive lá, o que faz, com quem, onde, como, etc. Sendo um sistema, a cidade não pode ser reduzida a uma imagem ótica ou metafórica. Se queremos mesmo compreender a cidade, o que a torna naquilo que ela é, na sua essência holística, talvez um diagrama tipo ‘raio X’ com os seus elementos e interações invisíveis, com as facetas da Figura 1, seja mais apropriado para perceber a dinâmica por detrás do visível ou do metafórico.

No entanto, é necessário algum cuidado ao trabalhar com ‘raios X’. Primeiro, como há várias maneiras de definir, considerar, ou ‘talhar’ um sistema, é preciso cuidado com aquilo que se vai incluir (ou não) como parte da cidade – i.e. o âmbito deste sistema (Perdicoúlis, 2013). Segundo, se vamos fazer julgamentos de valor, como ‘apreciações’ ou ‘avaliações’, sobre a realidade descrita da cidade, será necessário definir referências (por exemplo, preocupações, objetivos) claras, e de preferência, comuns entre os vários stakeholders. Estes desafios parecem simples e de natureza técnica, mas incluem grandes dificuldades, exatamente pela invisibilidade envolvida.

Considerando as tradições e os hábitos de longa data (por exemplo, os avanços no estudo de sistemas, como a representação diagramática) talvez a melhor maneira de compreender e documentar o holon da cidade passe por abarcar duas abordagens diferentes: por um lado, o modo artístico da metáfora (compreensão por semelhança, mas global) e, por outro lado, os modelos analíticos, de ‘decomposição’, mas que correm o risco de criar holons particulares, criados para propósitos específicos (por exemplo, resolver um problema, ou compreender uma determinada situação). Se a cidade é mesmo um holon, convém que as abordagens para a sua compreensão sejam igualmente holísticas. Referências Aristóteles (Século 4º AC) Metaphysics

(Tradução de Ross, W. D. University of Adelaide, Adelaide).

Perdicoúlis, A. (2013) ‘The city as a system’, Systems Planner 16, 1-6.

Perdicoúlis, A. (2014) ‘The SF2 vision of Systems Planning’, Visions 2, 1-4.

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Perspetivas 101

A forma urbana em Moçambique: projeto, intervenção e investigação David L. Viana, Centro de Investigação da Escola Superior Gallaecia, Largo das Oliveiras, 4920-275 Vila Nova de Cerveira, Portugal. E-mail: [email protected] e Jéssica Lage, Faculdade de Arquitetura, Universidade do Porto, Via Panorâmica s/n, 4150-755 Porto, Portugal. E-mail: [email protected] O estudo da forma urbana em Moçambique não constitui corpo teórico e metodológico homogéneo, nem tão pouco contempla linhas programáticas convergentes que possibilitem indicar categorias de orientações predominantes. Não obstante, a problemática tem vindo a ser abordada por diversos autores e instituições, mesmo que de modo disciplinarmente não estruturado. A identificação das principais tendências, em termos do desenvolvimento de análises morfológicas, assentou na verificação do estado da arte sobre a questão, conferindo âmbitos, atores e intervenientes relevantes para o estudo da forma urbana em contexto moçambicano. Considerou-se o papel quer de agentes que têm contribuído para a transformação da forma urbana, quer de investigadores que analisam tipológica e morfologicamente cidades de Moçambique. Projeto e intervenção O planeamento físico em Moçambique tem sido um dos ramos de formação académica desde a década de 1980. As escolas de arquitetura moçambicanas vocacionaram-se também para o ensino de temáticas relativas à disciplina urbanística. Os planeadores físicos formados pelas instituições de ensino superior em Moçambique são os que apresentam maior conhecimento para projetarem e intervirem sobre as cidades, sendo responsáveis por parte das publicações sobre estudos urbanos. Enquanto recursos técnicos, integram instituições do Estado – como o Instituto Médio de Planeamento Físico e Ambiente, o Ministério para a Coordenação Ambiental, o Fundo de Fomento da Habitação, entre outros agentes estatais com responsabilidade no desenvolvimento, transformação e gestão das cidades. Para além deste enquadramento, há espaço para a atuação ao nível da sociedade civil, através (por exemplo) de associações e Organizações Não Governamentais, com focagem em projetos sociais, envolvendo a população e seus representantes (como os Grupos Dinamizadores). A intervenção sob a forma urbana ocorre, maioritariamente, em bairros não (ou sub) urbanizados apelidados de ‘informais’,

modificando-os com novas ruas, definindo talhões construindo habitações. Poder-se-á nomear o contributo da Associação Moçambicana para o Desenvolvimento Urbano (AMDU) no incremento de índices de urbanidade em bairros de Maputo. A sua ação teve impacto na dinamização de comunidades locais e respetivas atividades, organização e distribuição de parcelas, edificação de habitação e pequenos equipamentos de apoio e implementação de lógicas participativas e produtivas.

A outro nível, análises morfológicas e de condições da edificação dita ‘popular’, verificando a habitabilidade básica em contextos resultantes de processos de urbanização referidos como informais, estão presentes em relatórios da UN-HABITAT, como o de 2007 ou, mais recente, o de 2010 (UN-HABITAT, 2007, 2010). Estes relatórios sistematizam perfis urbanos de bairros ‘informais’ e apontam à intervenção integrando moradores no desenvolvimento de projetos residenciais para população com baixo rendimento.

Em termos de ensino universitário de arquitetura e urbanismo, caberá destacar a Faculdade de Arquitetura e Planeamento Físico da Universidade Eduardo Mondlane (FAPF / UEM), cuja atividade letiva remonta a 1986, tendo sido criada sob direção de José Forjaz com o apoio da Universidade de Roma La Sapienza. No âmbito da cooperação internacional entre estas instituições, resultou a influência da ‘escola italiana’ sobre a disciplina urbanística em Moçambique, sublinhando a abordagem de Muratori. Deste período destaca-se também a integração da participação ‘popular’ na transformação urbana. Mais recentemente, a FAPF promoveu o primeiro Mestrado em Planeamento e Gestão de Assentamentos Informais, onde se perspetiva a existência de uma cultura urbana mais plural e, simultaneamente, se procura estabelecer condições e aferir instrumentos para gerir e intervir em territórios sujeitos a acelerados processos urbanos de crescimento. Este tipo de contexto de assentamento é muito próprio de cidades como Maputo.

O Centro de Estudos e Desenvolvimento do Habitat (CEDH), da FAPF, tem coordenado /

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colaborado na elaboração de planos de ordenamento do território e de urbanização, em distintas escalas, para diferentes cidades de Moçambique. Como exemplo, poder-se-á indicar: Planos de Estrutura para a capital moçambicana (1999, 2008), Matola (2009-2010), Tete (2011-2012) e Lichinga (2005); diagnóstico, análise e proposta de melhoramento de assentamentos informais para Maputo (2006) e para as cidades de Nacala, Monapo, Chimoio e Vilankulo (2007-2008). O CEDH é responsável pela publicação regular de obras sobre arquitetura e planeamento, contando com autores como José Forjaz, Júlio Carrilho, Luís Lage e João Tique.

Por fim, ainda muito embrionariamente e sem projetos científico-técnicos desenvolvidos, uma outra linha de atuação procura tomar forma no recente Curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique (ISCTEM). Pretendem apurar abordagens próximas de legados vernáculos, redescobrindo valores e indicadores dos modos tradicionais de organização espacial (Mário Rosário, 2011) aplicáveis em contextos menos urbanizados do território moçambicano. Investigação Moçambique em geral Sobre Moçambique, encontram-se referências a problemáticas que envolvem o estudo da forma urbana quer nas ciências sociais, quer nas disciplinas da antropologia e da sociologia, não esquecendo as ciências humanas e os âmbitos da geografia. Destaca-se a investigação de António Rita Ferreira (1957, 1982, 2012), Ramos Muhamona (1995), Manuel Araújo (1997), Isabel Raposo (1999), Catarina Cruz (2002) e Rui Mendes (2012).

A FAPF acolhe trabalhos de pesquisa sobre urbanismo em Moçambique, podendo-se mencionar autores como Sandro Bruschi e Luís Lage (2005), em que descrevem a organização do espaço desde antes da ocupação portuguesa até à independência. Conjuntamente com Júlio Carrilho (2005) elaboram um estudo sobre Pemba, identificando elementos para a conformação da história urbana daquela cidade, focando questões relacionadas com tipologias habitacionais existentes e demais características urbanas. Estes mesmos autores e Carlos Menezes (2000) aprofundam o conhecimento sobre o tecido edificado da cidade de Lichinga, equacionando usos e a distribuição espacial, sistematizando materiais, inquirindo técnicas construtivas e formas de apropriação. Complementarmente, identificam aspetos socioculturais comuns a assentamentos em várias cidades de Moçambique.

José Forjaz é um dos autores mais relevantes

para o entendimento da condição urbana moçambicana. Tem textos de referência sobre habitação e sobre o planeamento físico em Moçambique (Forjaz, 1985). Defende o ajuste entre processos, modelos e instrumentos de planeamento com as circunstâncias físicas do território, seus recursos, capacidades e especificidades socioculturais e económico-produtivas (Forjaz, 1999). Proclama a necessidade de se assegurar a sustentabilidade da paisagem humanizada, elencando princípios ambientais na procura de arquiteturas e cidades mais sustentáveis (Forjaz, 2005). Aprofunda esta temática enquadrando estratégias de melhoramento para espaços urbanos infraestruturalmente fragilizados, avançando com programas específicos para assentamentos informais recorrendo aos recursos locais disponíveis (Forjaz, 2006).

A problemática da sustentabilidade urbana foi também equacionada por outros autores, como Maria dos Anjos Rosário (1999) e, mais recentemente, Manuel Correia Guedes (2011). O espectro da sustentabilidade na análise urbana em Moçambique tem envolvido a revisão de modelos de intervenção que impliquem meios, técnicas e tecnologias de escala, exógenas aos contextos dos assentamentos e com impacto na transformação das cidades e suas formas – desconsiderando estruturas comunitárias e a diversidade do ‘saber-fazer’ local. Quanto às periferias urbanas poder-se-á referir Paul Jenkins, com publicação de estudos urbanos explorando aspetos socioeconómicos associados à urbanização em Moçambique (Jenkins, 1991, 1992). Numa outra vertente, o autor reflete sobre o legado do desenvolvimento colonial para a constituição de contextos urbanos informais, verificando modelos urbanos e tipos de habitações locais (Jenkins, 1993). Com Jorgen E. Andersen (2011), refuta a dicotomia formal / informal, rejeitando o carácter subjetivo e conotativo da adjetivação a ela implícita. O estudo de Maputo A capital moçambicana é a cidade que concentra maior número de publicações de âmbito urbano em Moçambique. O estudo de Maputo pode ser dividido em três grupos: i) o estudo da cidade como um todo; ii) o estudo da cidade colonial; e iii) o estudo da cidade informal.

No primeiro grupo encontram-se autores como: Aniceto dos Muchangos (1994) que aborda aspetos geográficos de Maputo relacionados com o crescimento da cidade e sua estrutura urbana; Luigi Corvaja (1998) verifica a história urbana da capital e identifica arquiteturas notáveis; Cristina Henriques (2008) analisa, com auxílio de Sistemas de Informação Geográfica (SIG), a evolução da densidade populacional e habitacional historiando

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Perspetivas 103

atividades na transformação da cidade; João Sousa Morais (2001, 2002) e Fábio Vanin (2013) descrevem fases de transformação da forma urbana, definidas pelos planos de urbanização na ocupação portuguesa e analisando a expansão de subúrbios (sendo que o último também considera elementos ‘decorativos’ identificados em contexto urbano).

No segundo grupo encontram-se publicações sobre a urbanização e arquitetura moderna de matriz portuguesa, com autores como: Alfredo Pereira Lima (1968), Maria Clara Mendes (1979), José Manuel Fernandes (2005), Ana Magalhães e Inês Gonçalves (2009), Ana Vaz Milheiro (2012) e Ana Tostões (2013). De destacar o trabalho de inventariação do património edificado de Maputo, desenvolvido por João Sousa Morais, Luís Lage e Joana Bastos Malheiro (2012).

No terceiro grupo são de referir autores como: Júlio Carrilho e Luís Lage (2000, 2005) que analisam a transformação da periferia urbana da capital moçambicana, traçando perspetivas sobre a história da casa moçambicana e desafios da habitação; Luís Lage (2001) reúne trabalho sobre novas tipologias habitacionais em contextos de informalidade urbana, sistematizando fichas de levantamento e verificando padrões encontrados em técnicas, processos construtivos e distribuição espacial em habitações estudadas; Isabel Raposo é responsável por produção científica assinalável e diversa sobre Maputo, publicando investigação sobre bairros suburbanizados da cidade (em parceria com autores como Jochen Oppenheimer, 2002, 2007), enquadrando contextos económicos, político-ideológicos, histórico-sociais e culturais e níveis de urbanidade, confrontando-os com elementos compositivos e padrões tipo-morfológicos da forma urbana; com Cristina Henriques (2005) e com Sílvia Jorge, Sílvia Viegas e Vanessa Melo (2012) aprofunda o conhecimento sobre a condição urbana de Maputo, observando processos de configuração espacial e equacionando indicadores territoriais; David L. Viana enquadra a forma urbana de Maputo enquanto espaço urbano (in)formal (2009) e a partir desta noção híbrida desenvolve uma metodologia combinatória de abordagens morfológicas para o estudo de Maputo (com Vítor Oliveira, 2014). Síntese prospetiva A diversidade de abordagens ao estudo da forma urbana em Moçambique apresentada ao longo desta Perspetiva não é exaustiva nem tão pouco comtempla integralmente a listagem de intervenientes, autores e obras cujo escopo é a transformação de cidades moçambicanas. A investigação sobre a forma urbana em Moçambique, produto não só da iniciativa de

instituições, agentes e académicos moçambicanos, mas também de organizações e pesquisadores internacionais, com autonomia e fundos próprios, contribui para o desdobramento de enfoques que a questão acaba por conhecer. Embora aparentemente problemática, por falta de concertação geral, este quadro heterogéneo de abordagens morfológicas e estudos urbanos contribui para o ensaio de múltiplas perspetivas que, consideradas caso a caso, amplificam o enquadramento e abrangência de análises e planos, permitindo antecipar o estreitamento da atual diferença entre como se intervém, o que se propõe em termos projetuais e a complexidade das formas urbanas em Moçambique.

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104 Perspetivas

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Perspetivas 105

Tostões, A. (2013) Arquitetura Moderna em

África. Angola e Moçambique (Edição de autor, Lisboa).

UN-HABITAT (2007) Perfil do sector urbano em Moçambique (UN-HABITAT, Nairobi).

UN-HABITAT (2010) The state of African cities 2010. Governance, inequality and urban land markets (UN-HABITAT, Nairobi).

Vanin, F. (2013) Maputo, Cidade aberta. Investigação sobre uma capital africana

(Fundação Serra Henriques, Lisboa).

Viana, D. L. (2009) ‘Maputo: transformación de una estructura urbana de origen portugués. Una contribución para la recalificación del espacio urbano’, Ciudades 12, 233-41.

Viana, D. L. e Oliveira, V. (2014) ‘Combining different morphological approaches in the study of Maputo’, 21st International Seminar on Urban Form, Porto, 3 a 6 de Julho.

Regiões morfológicas: a aplicabilidade de um conceito da morfologia urbana na prática de planeamento municipal Vítor Oliveira, CITTA – Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente, Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto, Rua Roberto Frias 4200-465 Porto, Portugal. E-mail: [email protected] e Cláudia Monteiro CM Arquiteta, Rua do Lindo Vale 435, Porto, Portugal. E-mail:[email protected] Para a grande maioria dos 308 municípios Portugueses o Plano Diretor Municipal (PDM) é o principal, e em muitos casos o único, instrumento de planeamento e gestão urbanística. O planeamento e a gestão territorial, enquadrados pelo PDM, assentam normalmente num mecanismo de zonamento. Na esmagadora maioria dos casos este mecanismo, que consiste em definir diferentes zonas para as quais posteriormente se estabelecem diferentes regras de transformação urbana, tem por base um único critério, os usos do solo. Ou seja, as zonas definidas no plano têm por base uma delimitação funcional e um dos seus objetivos fundamentais, em termos de transformação futura, é separar ou misturar diferentes usos do solo.

As desvantagens de uma excessiva divisão funcional têm sido evidenciadas ao longo das últimas décadas. No entanto, se a tendência para uma separação funcional tem vindo a dar lugar a uma maior propensão para a mistura de usos (desde que compatíveis), o mecanismo de zonamento com base num critério de uso do solo permaneceu praticamente inalterado. Enquanto a questão funcional é plenamente abordada por este mecanismo, ele pouco ou nada regula em termos de forma e de estrutura urbana – dois elementos com uma maior permanência na ‘vida’ da cidade do que o elemento funcional que, em geral, se transforma mais rapidamente. Como em muitos municípios Portugueses, a qualidade do espaço urbano na cidade do Porto foi progressivamente diminuindo ao longo das últimas décadas. Apesar da existência de um mecanismo de zonamento funcional não ser o

único fator que levou a esta perda de qualidade, ele constituiu um contributo fundamental. Em 2006 é aprovado um novo PDM que constitui um marco de viragem na história urbanística recente da cidade do Porto e um caso singular na prática de planeamento Portuguesa (Oliveira, 2006). O plano, que está atualmente em vigor, baseia-se numa cuidadosa análise da cidade, realizada rua a rua, parcela a parcela. Esta análise conduziu à identificação de dez tipos de ‘tecidos urbanos’, com base nos edifícios existentes (e, de modo indireto, nas parcelas e ruas). Para cada um desses tecidos o PDM define um conjunto de regras que a autarquia e cada ator privado têm de cumprir no processo de transformação da cidade, em particular nos processos de loteamento e de licenciamento. Estas regras, que variam de tecido para tecido, consistem em aspetos muito simples, como o cumprimento de alinhamentos, a manutenção de uma cércea dominante ou o estabelecimento de uma cércea inferior à largura da rua em que o edifício se insere, entre outros. Oito anos passados sobre a ratificação do PDM é possível fazer uma avaliação muito positiva do processo de implementação do plano (Oliveira et al., 2014). No entanto, pode-se perguntar se é possível fazer ainda melhor. Mais concretamente: poderá o campo científico da Morfologia Urbana dar um sólido contributo ao modo como se pensa e planeia a dimensão física da cidade do Porto? A relação entre investigação científica e prática profissional é um dos temas do debate atual na área da Morfologia Urbana. Nesse sentido, tem vindo a ser discutida a aplicabilidade de teorias, conceitos e métodos morfológicos na

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106 Perspetivas

Figura 1. Identificação da área de estudo na cidade do Porto.

prática de planeamento. Um desses conceitos é a ‘região morfológica’ (morphological region). O conceito de ‘região morfológica’ como uma área morfologicamente homogénea (em termos de plano / planta de cidade, tecido edificado e uso do solo) e como tal distinta das áreas que a envolvem, e o método de ‘regionalização morfológica’ (morphological regionalization) como um instrumento para reconhecer e delimitar essas áreas foram desenvolvidos por M. R. G. Conzen entre o final da década de 50 e o final dos anos 80 (ver, por exemplo, Conzen, 1960, 1975). Ao longo das últimas décadas, o conceito tem sido aplicado, em diferentes partes do mundo, na investigação morfológica e, em casos excecionais, na prática de planeamento (Whitehand, 2009). O objetivo fundamental desta Perspetiva é contribuir para uma discussão sobre a aplicabilidade do conceito de região morfológica nos Planos Diretores Municipais que estão a ser preparados em Portugal. Utiliza-se um caso de estudo na cidade do Porto, integrado num projeto de investigação recentemente concluído, financiado pelo International Seminar on Urban Form (ISUF) (Oliveira et al., 2015). Nesta nova análise do caso de estudo identificam-se semelhanças e diferenças entre o zonamento tipológico presente no PDM do Porto e um hipotético zonamento elaborado a partir do conceito de região morfológica. O caso de estudo inclui doze quarteirões que conformam a Rua de Costa Cabral, entre a Praça do Marquês e a Via de Cintura Interna / VCI (Figura 1). A Figura 2 apresenta o zonamento do PDM para esta área de estudo. O plano identifica cinco zonas: Área de Frente Urbana Contínua Consolidada, Área de Frente Urbana Contínua em Consolidação, Área de Habitação de Tipo Unifamiliar, Área de Edificação Isolada com Prevalência de Habitação Coletiva e, por fim, Área de Equipamento Existente. A regionalização morfológica desta mesma área, desenvolvida no âmbito do projeto de

investigação, organiza-se em 14 regiões. Ao contrário do conceito de ‘zona’ presente no PDM o conceito de ‘região’ implica uma continuidade física pelo que duas áreas com características morfológicas semelhantes separadas fisicamente são classificadas como duas regiões distintas. No sentido de potenciar as condições de comparabilidade entre as duas abordagens elaborou-se a Figura 3 que classifica como uma mesma zona regiões com características semelhantes, ainda que separadas fisicamente. Assim, o mapa da Figura 3 organiza-se em oito zonas: Ocupação Linear, Área de Edifícios Geminados – Alta Densidade, Área de Edifícios Geminados – Média Densidade, Área de Edifícios Geminados – Baixa Densidade, Área de Habitações de Três Frentes, Área de Habitações de Quatro Frentes, Área de Habitação Coletiva (Blocos de Apartamentos) e, por fim, Cintura Periférica. Uma análise comparativa das figuras 2 e 3 revela que, apesar do diferente número de zonas identificadas em cada um dos dois zonamentos e das diferentes designações adotadas para cada uma dessas zonas, estamos perante dois sistemas de classificação muito próximos. No entanto, existem duas diferenças fundamentais. A primeira prende-se com a especificidade do método de regionalização morfológica. O ponto de partida para a identificação das regiões morfológicas é a estrutura histórico-geográfica da paisagem urbana. Isto significa que se trata de uma leitura não apenas das formas urbanas existentes no território aquando desse exercício, mas também da história urbana do território e, portanto, daquilo que é estrutural. De algum modo, isto explica as diferenças nas duas propostas de zonamento para a Rua de Costa Cabral. Enquanto no segundo caso (regiões morfológicas) a rua é entendida como um todo interrompido pontualmente junto à Rua Silva Tapada (presença de conjuntos de habitação coletiva de grandes

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Perspetivas 107

Figura 2. Zonamento do Plano Diretor Municipal.

Figura 3. Zonamento elaborado a partir do conceito de Região Morfológica. dimensões), no primeiro caso (PDM) a rua é entendida por partes. A isto não é alheio o facto de na leitura do primeiro zonamento a unidade fundamental ser o quarteirão. A segunda diferença fundamental prende-se com uma leitura dos ‘grandes elementos’ que estruturam a cidade. Se no primeiro caso esta leitura não existe, no segundo caso há um

reconhecimento das cinturas periféricas (fringe belts) como elementos estruturadores do espaço urbano e reveladores da história urbana da cidade. No primeiro caso, as partes de uma cintura periférica da cidade não são identificadas como tal, sendo remetidas para a Área de Edificação Isolada e para a Área de Equipamento. Como foi dito anteriormente, o PDM do Porto

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é um caso excecional na prática de planeamento em Portugal no que se refere ao modo como lida com as formas urbanas existentes e com o desenho das formas urbanas futuras. O caso de estudo de Costa Cabral mostra que é possível melhorar este zonamento tipológico através da aplicação do conceito de região morfológica. No entanto, revela também uma importante limitação da aplicabilidade deste conceito – a aplicação a uma cidade com a dimensão do Porto, ou a outra de dimensão semelhante, consome demasiados recursos humanos e financeiros.

A regulação da transformação urbana das cidades Portuguesas assente num mecanismo de zonamento meramente funcional tem conduzido a uma desregulação da produção das formas urbanas com consequências visíveis em todo o território Português. A necessidade de mudança de paradigma, de um zonamento funcional para um zonamento tipo-morfológico, à semelhança do proposto no PDM do Porto, é urgente. Nesse sentido, importa continuar a debater o potencial que o conceito de região morfológica poderá ter para a preparação de Planos Diretores Municipais efetivamente ‘baseados na forma urbana’.

Referências Conzen, M. R. G. (1960) Alnwick,

Northumberland: a study in town-plan analysis, Institute of British Geographers Publication 27 (George Philip, London).

Conzen, M. R. G. (1975) ‘Geography and townscape conservation’, in Uhlig, H. and Lienau, C. (eds) Anglo-German Symposium in Applied Geography, Giessen-Würzburg-München (Lenz, Giessen) 95-102.

Oliveira, V. (2006) ‘The morphological dimension of municipal plans’, Urban Morphology 10, 101-13.

Oliveira, V., Silva, M. e Samuels, I. (2014) ‘Urban morphological research and planning practice: a Portuguese assessment’, Urban Morphology 18, 23-39.

Oliveira, V., Monteiro, C. e Partanen J (2015) ‘A comparative study of urban form’, Urban Morphology 19.

Whitehand, J.W.R. (2009) ‘The structure of urban landscapes: strengthening research and practice’, Urban Morphology 13, 5-27.

1º Workshop de morfologia urbana / PNUM: diferentes abordagens no estudo da forma urbana O primeiro workshop de Morfologia Urbana do PNUM, ‘Diferentes abordagens no estudo da forma urbana’, realizar-se-á na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, de 30 de Junho a 4 de Julho de 2015.

O workshop, com a duração de uma semana, destina-se a estudantes, académicos, investigadores e profissionais nas áreas da arquitetura, geografia, planeamento e história. O objetivo do workshop é dar a conhecer aos participantes um conjunto de teorias, conceitos e métodos de análise da forma física das cidades.

No primeiro dia, serão apresentadas aos participantes as diferentes abordagens morfológicas – Abordagem Histórico-Geográfica (Escola Conzeniana), Abordagem Tipológica Processual (Escola Muratoriana), Space Syntax e Spatial Analysis – e o caso de estudo, a cidade do Porto. Ao final do dia, cada participante deverá escolher uma abordagem morfológica. Os participantes serão então divididos em diferentes grupos de acordo com a abordagem escolhida. Nos dias seguintes, cada grupo, orientado por um professor, deverá trabalhar no caso de estudo utilizando a abordagem escolhida. No último dia, realizar-se-á um exercício comparativo entre as

diversas abordagens no sentido de evidenciar as potencialidades, e as eventuais fragilidades, de cada uma delas, bem como as complementaridades fundamentais tendo em vista uma utilização integrada. A(s) melhor(es) prestação(ões) no workshop será(ão) recompensada(s) com a participação no ISUF2015-Roma a realizar-se entre 22 a 26 de Setembro de 2015.

A comissão organizadora do workshop é constituída por Vítor Oliveira (Universidade do Porto) – coordenação, David Viana (Escola Superior Gallaecia, Escola Superior Artística do Porto), Marco Maretto (Università degli Studi di Parma) e Teresa Marat-Mendes (Instituto Universitário de Lisboa). O conselho consultivo é constituido por Giancarlo Cataldi (Università degli Studi di Firenze), Giuseppe Strappa (Sapienza Università di Roma), Frederico de Holanda (Universidade de Brasilia) e Jeremy Whitehand (University of Birmingham).

Os valores de inscrição no workshop são 150 €, inscrição normal, e 100€, inscrição para estudantes de licenciatura, mestrado e doutoramento. O período de inscrição decorrerá entre 1 de Janeiro e 31 de Maio.

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Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(2) 109-13 Rede Lusófona de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214

BOOK REVIEWS

Shapers of urban form. Explorations in urban morphological agency, de Peter J. Larkham e Michael P. Conzen, Routledge, Nova Iorque, Estados Unidos da América, 2014, 336 pp. ISBN 978-0-415-73889-7.

Shapers of urban form é um livro dedicado a Jeremy Whitehand: ‘académico imaginativo, professor paciente e promotor incansável do estudo internacional em morfologia urbana e da sua relevância para a conformação do(s) futuro(s) urbano(s), ao longo de mais de meio século’ (tradução livre da dedicatória de Peter Larkham e Michael Conzen).

O livro, apresentado publicamente – e pela primeira vez ao homenageado – na conferência anual do International Seminar on Urban Form realizada em Julho deste ano no Porto, é editado por Larkham e Conzen, reunindo o contributo de duas dezenas de académicos, de diferentes contextos geográficos, cujo percurso profissional foi, de algum modo, influenciado por Whitehand.

Shapers of urban form explora uma linha de investigação em morfologia urbana – o estudo sistemático dos agentes, individuais e coletivos, e dos processos responsáveis pela transformação da paisagem urbana. O livro estrutura-se em quatro partes, com uma ordem cronológica, focando-se sucessivamente em assentamentos pré-modernos, modernos (fase inicial), da era industrial, tardo-modernos e pós-modernos. Após estas quatro partes, um último capítulo procura teorizar o processo pelo qual as intenções dos agentes são traduzidas em ações sobre as formas urbanas.

A primeira parte do livro centra-se nos assentamentos pré-modernos e em três dos seus agentes institucionais fundamentais – os monarcas, a Igreja e as comunas locais. Cada um dos três artigos que compõem esta parte do livro aborda um destes agentes. Keith Lilley analisa a ação de Edward I no contexto de um conjunto hierarquizado de responsabilidades no

planeamento de um conjunto de assentamentos no norte do País de Gales. Partindo de um conjunto de casos de estudo na Grã-Bertanha e na Europa continental, Terry Slater estuda o impacto da Igreja nas formas urbanas, evidenciando semelhanças relativamente a um tipo de promoção por parte dos líderes seculares mas também sublinhando diferenças que determinam a especificidade dos assentamentos promovidos pela Igreja. Anngret Simms avalia a ação das comunas e governos locais, na sua tensão constante com outros agentes – como a Monarquia e a Igreja – identificando o seu papel decisivo na emergência de uma atividade de planeamento urbano, criando sistemas de ruas ortogonais e promovendo a construção de equipamentos públicos (mercados, assembleias municipais, tribunais, escolas e universidades, hospitais, entre outros).

As cidades na época moderna (numa fase inicial da época moderna) e o modo como as inovações tecnológicas e burocráticas suportaram a emergência de um conjunto de estados absolutistas são os objetos da segunda parte do livro. Enquanto Katharine Arntz e Michäel Darin fornecem uma análise do poder imperial em território europeu – mais especificamente na Prússia e em França – Michael Conzen descreve a ação da Rússia colonial na América do Norte. A partir do caso de estudo de Potsdam, Arntz descreve a emergência de um novo tipo de ‘paisagem urbana autoritária’, onde o espaço urbano é definido pela centralidade dos grandes palácios e parques adjacentes, pelas ruas de traçado regular e pelo edificado conformado por rígidas regras. Ao contrário de Potsdam, construída num contexto rural, a Paris de Napoleão III e de Haussmann foi construída sobre um tecido urbano medieval. O modo como todo o sistema de ruas de uma cidade é reformulado – com as inerentes questões de propriedade – é o tema do capítulo de Darin. Para além do enfoque em Haussmann, Darin analisa a

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110 Book Reviews

influência do Barão nos planeadores que lhe sucederam até ao século XX, bem como nos seus biógrafos e críticos que, por sua vez, tiveram também influência nas subsequentes transformações urbanísticas da capital francesa. Por fim, Conzen analisa a ação colonial Russa no continente americano até ao seu declínio e à transferência para a jurisdição americana em 1867. Um enfoque na cidade de Novo-Arkhangel’sk (Sitka) ilustra as profundas transformações das formas urbanas – e dos materiais utilizados na construção dos edifícios – que acompanharam as significativas mudanças políticas e administrativas.

Arthur Krim, Marek Koter e Mariusz Kulesza, Michael Pacione e Richard Harris assinam os capítulos que constituem a terceira parte de Shapers of urban form, centrada nos assentamentos da era-industrial, marcados pelo crescimento metropolitano, pela construção de grandes fábricas e pelo desenvolvimento do caminho-de-ferro. Krim explora o modo como as novas linhas de caminho-de-ferro a vapor eram implantadas em cidades já existentes. Uma análise de duas cidades britânicas e duas cidades americanas mostra as maiores dificuldades de implantação na Grã-Bretanha, onde as dimensões do sistema de ruas levaram a uma clara separação de diferentes tipos de tráfego. Koter e Kulesza exploram o conjunto de agentes envolvidos na fundação e desenvolvimento das cidades polacas de Łódź e Zyrardów. Os autores evidenciam as diferenças no desenvolvimento das duas cidades a partir de uma decisão inicial – construir, ou não, em simultâneo com a unidade fabril um tecido residencial de suporte. Uma das reações mais significativas ao ambiente industrializado das cidades do século XIX foi a teoria da cidade-jardim, que irá suportar a emergência de todo um conjunto de novas formas urbanas com uma notável permanência temporal. Pacione explora a ação, ora conjunta ora de confrontação, de proprietários, construtores e residentes na primeira cidade, ou subúrbio, jardim construída na Escócia – Pollockshields, perto de Glasgow. Por fim, Harris explora o tema da auto-construção nos Estados Unidos da América centrando-se num caso específico, Peoria, no Illinois, na primeira metade do século XX. O capítulo mostra como este tipo de processo leva a formas urbanas diferentes da construção de promoção privada, mesmo quando esta é assente numa política de baixos custos.

O papel e a ação dos agentes nos assentamentos tardo-modernos e pós-modernos é o tema da quarta parte deste livro. Uma diferença fundamental deste período temporal relativamente aos períodos anteriores é a importância crescente do arquiteto enquanto agente – um processo que tem como momento

chave a emergência e consolidação do Movimento Moderno. Itália foi, sem dúvida, um dos países onde a discussão ideológica em torno do Movimento Moderno e do(s) conceito(s) de tipo edificado foi mais intensa. Nicola Marzot analisa este debate procurando ainda perceber as dinâmicas concetuais que motivam os arquitetos, enquanto agentes, a sobrepor a inovação à tradição, o individual ao coletivo. Peter Larkham avalia um conjunto de duzentos planos de reconstrução preparados num momento singular do planeamento Britânico, após a Segunda Guerra Mundial. Mais de metade dos planos foram preparados, não por consultores, mas por técnicos das autoridades locais. Este conjunto de planos inaugurou uma tendência com uma forte componente técnica, apoiada em métodos científicos suportados em pesquisas e análises sistemáticas, informada por um processo de participação pública. O programa de criação de novas cidades (new towns), como forma de des-densificar e descongestionar um conjunto de cidades existentes, é analisado por John Gold. Gold examina as tensões entre autoridades locais e centrais, políticos, consultores, promotores e residentes na new town de Cumbernauld, no sudeste da Escócia. Kai Gu analisa o processo de transformação de zonas de docas e infraestruturas portuárias em zonas residenciais e de lazer em duas cidades da Nova Zelândia, Auckland e Wellington. Por fim, Tim Hall e Phil Hubbard analisam as recentes transformações urbanas de Birmingham evidenciando a promoção de uma forte ‘imagem urbana’ como motor de vitalidade económica, a transformação de uma paisagem de produção numa paisagem de consumo e, ainda, uma rede de agentes em permanente transformação unida pelo interesse comum de facilitação do fluxo de capital financeiro para esta cidade Britânica.

A última parte, e o último capítulo, do livro – da autoria de Karl Kropf – apresenta um modelo teórico sobre o modo como os agentes intervém na forma urbana, distinguindo diferentes tipos de agentes e inter-relações reciprocas. O modelo é ilustrado com o caso de Leighton Buzzard, no Reino Unido.

Jeremy Whitehand e o grupo que fundou em 1974, o Urban Morphology Research Group (UMRG), terão sido, porventura, ao longo destas quatro décadas, os principais promotores da linha de investigação sintetizada neste livro: o estudo dos agentes e dos processos responsáveis pela transformação da paisagem urbana. Em 1997 Whitehand editou o primeiro número da revista Urban Morphology. Em menos de duas décadas a revista transformou-se na principal referência internacional para todos aqueles que investigam e que querem partilhar a sua investigação em morfologia urbana. Para além dos elevadíssimos

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padrões de qualidade, a revista tem um caracter verdadeiramente internacional, expresso pela percentagem de autores cuja língua nativa não é o Inglês. Os autores que já publicaram na Urban Morphology retêm certamente um empenho no trabalho de edição absolutamente singular no panorama internacional das revistas científicas. Desde as primeiras reuniões informais em Lausanne, Whitehand está no centro do International Seminar on Urban Form contribuindo para a consolidação desta e de outras linhas de investigação no campo da morfologia urbana. Desde o início, o contributo direto de Whitehand para a ‘Rede Lusófona de Morfologia Urbana’ e para a ‘Revista de Morfologia Urbana’ é inestimável. Por tudo isto, Shapers of urban form é um livro dedicado a Jeremy Whitehand. Vítor Oliveira, CITTA – Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente, Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto, Rua Roberto Frias 4200-465, Porto, Portugal. Email: [email protected] Desenho urbano contemporâneo no Brasil, de Vicente del Rio e William Siembieda, GEN / LTC, Rio de Janeiro, Brasil, 2013, 285 pp. ISBN- 978-85-216-2255-0. Os autores apresentam Desenho Urbano contemporâneo no Brasil e comentam que ‘enquanto se transforma em um Estado moderno, o Brasil enfrenta sérios e persistentes problemas’. Esclarecem, contudo que os seus líderes também percebem que a ‘cidade é uma grande arena para promover o desenvolvimento equilibrado, a justiça social e cidadania plena’. A partir desta constatação identificam a coexistência de duas ideologias urbanas – a modernista e a pós-modernista atuando na prática do planejamento urbano, sob a forma de um aparato legal que rege as políticas de um governo centralizador e paternalista. Esta fala é corroborada pela observação do papel desempenhado pelos espaços urbanos na construção da vida cotidiana, que proporciona os meios para a compreensão da ação social (Dear, 2000).

As duas ideologias diferentes são utilizadas para estruturar o livro cuja introdução é elaborada por Vicente del Rio por meio de uma abordagem histórica denominada ‘O contexto do desenho urbano no Brasil’ e tem como ponto de partida, o urbanismo no Brasil da década de 1930.

Os autores escolhem um modo interessante para apresentar o urbanismo brasileiro optando pela subdivisão dos temas em três seções que se enquadram nas duas ideologias citadas, a modernista ou pós-modernista.

A primeira seção denominada ‘Modernismo tardio, esforços para controlar a forma e a função urbanas’ reúne quatro artigos que analisam as políticas urbanas empreendidas pelo poder público para controlar a expansão urbana sob a forma de um modelo idealizado racional e de boa qualidade.

O primeiro deles, denominado ‘Brasília, permanência e metamorfoses’ de autoria de Maria Elaine Kohlsdorf, Günter Kohlsdorf e Frederico de Holanda, analisa o plano piloto projetado para Brasília por Lúcio Costa em 1960 e o avalia frente às alterações ocorridas na forma urbana dos planos complementares do distrito federal. Como exemplos são mencionados os mosaicos compostos por tecidos urbanos que surgiram desde a criação de Brasília e que não foram contemplados no plano piloto, originando as cidades satélites do distrito federal.

O artigo seguinte, ‘Palmas: desenho urbano da capital do Tocantins’ elaborado por Dirceu Trindade, apresenta os planos para a cidade de Palmas, a capital do estado de Tocantins. O artigo de Trindade apresenta as estratégias exitosas para a ocupação das regiões do interior do Brasil, por meio da criação de uma capital, semelhante à que foi empreendida em Brasília na década de 1960. Embora ainda em curso, essas estratégias já haviam sido implementadas no país desde os tempos coloniais, quando o governo português criou novos polos urbanos no interior do Brasil (Delson, 1997).

Os dois últimos trabalhos da seção sobre o Modernismo tardio discutem outras formas da intervenção pública tanto no uso do solo como na promoção de incentivos públicos para promover o desenvolvimento econômico. O primeiro trabalho, intitulado ‘A paisagem verticalizada de São Paulo: a influência do Modernismo no desenho urbano contemporâneo’, por Silvio Macedo, traz novos paradigmas sobre o uso da terra, aplicados pela primeira vez na capital paulistana, nos anos de 1970. Esses paradigmas foram posteriormente implantados sob a forma de leis de uso e ocupação do solo em quase todas as metrópoles brasileiras. A materialização desses parâmetros nas paisagens urbanas brasileiras expõe o que Aldo Rossi (1966) denomina o processo de transformação, levado a cabo por forças econômicas no planejamento urbano, por meio da especulação do solo, o consequente acréscimo financeiro para poucos e a perda de qualidade urbana para toda a população. O

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mesmo processo é observado por Gilda Bruna e Heliana Vargas no texto ‘Shopping centers e o desenho urbano no Brasil: dois estudos de caso em São Paulo’, que demonstram como a construção de shopping centers em áreas pericentrais contribui para a promoção de novos polos comerciais o que, por sua vez, incrementa o valor da terra no entorno dessas localizações. Este processo implementado pela primeira vez em São Paulo tem sido replicado com o mesmo modelo em várias metrópoles brasileiras.

A segunda seção do livro, intitulada ‘Revitalização: o desafio de melhorar a cidade existente’, apresenta relatos sobre projetos de revitalização desenvolvidos no passado brasileiro recente. O primeiro artigo, ‘O projeto corredor cultural: preservação e revitalização no centro do Rio de Janeiro’, por Vicente del Rio e Denise de Alcântara, versa sobre a relação harmoniosa do processo de planejamento e projeto para a revitalização social, cultural e econômica de um popular centro de varejo no Rio, em sintonia com as necessidades da comunidade local. Por outro lado, o caso de Salvador, Bahia, descrito em ‘Revisitando o Pelourinho: preservação, cidade-mercadoria, direito à cidade’, por Ana Fernandes e Marco Aurélio F. Gomes, revela a experiência de um projeto de desenvolvimento liderado pelo poder público visando a melhoria do centro histórico baiano para fins turísticos e o consequente processo de gentrificação, decorrente dessa revitalização. O texto seguinte, ‘Revitalização da orla fluvial na Amazônia, o caso de Belém do Pará’, apresentado por Simone Seabra e Alice Rosas, traz reflexões sobre o uso das frentes ribeirinhas para áreas de lazer e entretenimento dos cidadãos, nesta cidade do norte do Brasil. O último artigo desta seção é de autoria de Lineu Castello, ‘Redesenhando brownfields em Porto Alegre’, que descreve exemplos de empreendimentos efetuados pela iniciativa privada para a remodelação de uma antiga sede da fábrica para transformá-la em um shopping center.

A terceira e última seção do livro é sobre ‘A inclusão social - uma cidade melhor para todos’ e concentra-se nos projetos desenvolvidos para promover a inclusão social de comunidades. ‘Desenho urbano, planejamento e políticas de desenvolvimento em Curitiba’, por Clara Irazábal, analisa a experiência de planejamento de Curitiba, mundialmente reconhecida. A política urbana de Curitiba, apesar de seus sucessos, recebe crítica pela reduzida participação popular, como também pelo contraste entre o bem-estar desta capital e as cidades mais pobres da sua região metropolitana. O artigo seguinte, ‘Resgatando a imagem da cidade e o prazer das ruas: projetos Rio Cidade, Rio de Janeiro’, de Vicente del Rio, investiga os

projetos desenvolvidos pela Prefeitura do Rio de Janeiro visando a melhoria dos espaços públicos da cidade. O êxito do Projeto Rio Cidade influenciou diversas cidades brasileiras que passaram a desenvolver projetos semelhantes, entre elas São Paulo, como se pode perceber no terceiro artigo denominado ‘O território metropolitano em mutação: intervenções urbanas contemporâneas em São Paulo’, por Carlos Leite. Este trabalho apresenta projetos de planejamento de intervenções contemporâneas caracterizadas por políticas para reabilitar áreas centrais e cidades metropolitanas. O último artigo da terceira seção intitula-se ‘Transformando favelas em bairros: o programa Favela-Bairro no Rio de Janeiro’ escrito por Cristiane Duarte e Fernanda Magalhães, descreve os projetos que buscam estabelecer a inclusão social, por meio de urbanização de favelas. Este programa visa promover o reconhecimento das mesmas como integrante da estrutura urbana da cidade moderna. Como informa o texto, a inclusão de assentamentos ilegais na cidade formal tem sido responsável pela melhor qualidade de vida dos cidadãos nos locais onde essas foram implementadas, porém o gerenciamento sobre o controle da expansão e crescimento dessas áreas até 2013 não tem sido tão eficaz. Este último artigo conclui a apresentação das três seções.

A conclusão do livro é de William Siembieda que expõe a intenção dos autores - apresentar o urbanismo brasileiro que acontece além da criação da capital do país. A análise cuidadosa dessa situação, elaborada por numerosos autores com reconhecida atuação no urbanismo brasileiro, por meio de reflexões positivas e críticas do que acontece no Brasil em 2013, apresenta o urbanismo contemporâneo por meio de uma lente focada em projetos de sucesso implementados ou como política governamental ou por entidades privadas, ou aqueles caracterizados como empresas mistas. Estas reflexões constituem uma contribuição importante para os estudos do urbanismo brasileiro na contemporaneidade.

Os resultados positivos observados em vários exemplos, no entanto, não sobrepõem a realidade do dia a dia do urbanismo brasileiro e tampouco como também não o faz com o otimismo demonstrado pelos organizadores frente à perspectiva global do urbanismo moderno brasileiro. Esses destacam os avanços obtidos no urbanismo brasileiro visando a inclusão social e cidadania frutos da legislação urbana em curso desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, bem como o Estatuto da Cidade, contido na Lei Federal no 10257, de 2001 que regulam o controle do uso e ocupação do solo. Se por um lado, destacam esses aparatos legais que proporcionam aos municípios ferramentas

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Book Reviews 113

fundamentais para a construção de cidades melhores e mais justas, por outro lado não comentam as consequências da sua gestão na maioria das cidades brasileiras. A grande maioria dos 5 000 municípios que abrigam cerca de 80 por cento da população brasileira estão sob um caótico processo de urbanização e que, a partir da Constituição de 1988, tornam-se responsáveis pela implementação das políticas de planejamento urbano. A maioria delas, porem não possui sequer um profissional qualificado nos seus quadros administrativos para exercer a gestão urbana. Isto leva à adoção de políticas de planejamento inadequadas, o que tem resultado no controle de expansão ineficaz e na proliferação de assentamentos de risco. Soluções resultantes de planejamento imediatista para resolver demandas políticas trazem consequências para a população em geral, bem como impactos para o meio ambiente, o que leva

a outro cenário, além das bens sucedidas experiências do urbanismo brasileiro. Referências Dear, M. (2000) The postmodern urban condition

(Blackwell, Oxford). Delson, R. M. (1997) Novas vilas para o Brasil

Colônia – planejamento espacial e social no século XVIII (Alva Cordis - Integrado de Ordenamento Territorial, Brasília).

Rossi, A. (1966) L’architettura della città (Marsilio, Padova).

Staël de Alvarenga Pereira Costa, Escola de Arquitetura, Departamento de Urbanismo, Rua Paraíba 697, Belo Horizonte, Brasil, E- mail: [email protected]

3º Seminário ‘Território e Cidades do Norte Atlântico Ibérico’ A Escola Superior Gallaecia (ESG) e a Câmara Municipal de Viana do Castelo (CMVC) organizaram o 3.º Seminário ‘Território e Cidades do Norte Atlântico Ibérico’ que decorreu na Sala Couto Viana da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, nos dias 25 e 26 de Setembro de 2014.

Dando continuidade ao enquadramento geral das duas edições anteriores, o evento deste ano aprofundou a noção que a viabilidade e reabilitação dos territórios dependem do seu potencial de gerar valor e emprego, através da capacidade de atrair e fixar atividades económicas e habitantes.

Considerou-se relevante compreender o território enquanto estrutura física de implantação e suporte de atividades, mas também como espaço de estabelecimento de relações de caráter objetivo e subjetivo, podendo a sua abrangência contemplar tanto a escala local, como a global.

Reconheceu-se que o conhecimento e compreensão dos territórios, das suas características específicas, que os diferenciam entre si, é condição necessária para que possam ser adotadas medidas e políticas adequadas que conduzam à integração dos mesmos em cadeias de valor que promovam o respetivo potencial. Reafirmou-se a relevância do conhecimento multidisciplinar e de informação multiescalar, enquanto recursos de significativo valor estratégico.

Apresentaram-se e debateram-se métodos

de planeamento, reabilitação e gestão que perspetivam proporcionar abordagens integradas e ajustadas aos territórios, permitindo o desenvolvimento de análises plurais e a produção de elementos de apoio à tomada de decisão por parte de agentes envolvidos.

Equacionou-se a reabilitação de territórios, a economia urbana, as atividades económicas e os usos do solo enquanto constituintes basilares de processos sistémicos de desenvolvimento e transformadores das paisagens, das formas urbanas e de estruturas sociofísicas. Para isto foi determinante o contributo de académicos, profissionais de planeamento, gestores de empresas e de infraestruturas.

No primeiro dia do Seminário decorreu a sessão temática sobre perspetivas estratégicas para a região (Figura 1), moderada por Francisco José Fumega (ESG), na qual estiveram presentes Álvaro Carvalho (CCDR-N), Vânia Rosa (Augusto Mateus & Associados), Manuel Correia Fernandes (CMP), Rio Fernandes (FLUP) e José Maria Costa (CMVC/CIM Alto Minho).

No dia seguinte aconteceram as restantes ‘mesas’. A segunda sessão temática, com moderação de Isabel Rodrigues (CMVC), incidiu sobre tipos, processos e gestão física de territórios e contou com comunicações de Jorge Carvalho (UA), Frederico Moura e Sá (UA), Carina Pais (UA), Henrique Seoane Prado (UDC) e David Leite Viana (ESG). A terceira sessão temática, moderada por Mónica Alcindor (ESG),

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114 Relatório

Figura 1. Sessão temática sobre perspetivas estratégicas para a região. Fotografia CIESG.

foi sobre territórios produtivos, atividades e infraestruturas, na qual participaram Francisco Laranjeira (ENERCON), Paulo Silvestre (FEUP) e Paulo Vieira (CMVC). Por fim, a sessão temática sobre projeto e forma urbana foi moderada por Rui Florentino e nela apresentaram Manuel Teixeira (FAUL), Maria Manuel Oliveira (EAUM) e Álvaro Domingues (FAUP).

O 3.º Seminário ‘Território e Cidades do Norte Atlântico Ibérico’ teve o apoio institucional da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional Norte (CCDR-N), do Eixo Atlântico, da CIM Alto Minho e da Associação dos Urbanistas Portugueses. A Comissão Científica foi coordenada por David Leite Viana (ESG) e dela

fizeram parte José Maria Costa (CMVC), Francisco José Fumega (ESG), Luís Nobre (CMVC), Rui Correia (ESG), Isabel Rodrigues (CMVC), Rui Florentino (ESG), Paulo Vieira (CMVC), Armando Fernandes (ESG) e Manuel Correia Fernandes (CMP).

Acompanharam o Seminário duas exposições. A primeira, presente no edifício dos Antigos Paços do Concelho em Viana do Castelo, mostrava o resultado dos trabalhos realizados no âmbito do Workshop Internacional VernaDoc – Vernacular Documentation Camp: Montaria, Viana do Castelo, na qual os coordenadores do Workshop, Ana Lima Pacheco, David Leite Viana e Gilberto Duarte Carlos, enquadraram os desenhos de levantamento dos moinhos de água desenvolvidos por participantes portugueses, espanhóis, finlandeses e tailandeses ao longo do Workshop (organizado pela ESG e CMVC, em Outubro de 2013). A segunda exposição, que esteve patente na galeria do Estação Viana Shopping, apresentava trabalhos de estudantes do Mestrado Integrado em Arquitetura e Urbanismo da ESG, desenvolvidos no âmbito de Projeto Integrado e Projeto Reabilitação. Esta mostra (organizada pela ESG com apoio da CMVC) teve a apresentar os trabalhos os docentes Armando Fernandes e Rui Correia (respetivamente). David L. Viana Centro de Investigação da Escola Superior Gallaecia, Largo das Oliveiras, 4920-275 Vila Nova de Cerveira, Portugal. E-mail: [email protected]

Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM): 2013-14

Este relatório descreve as principais atividades da Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM) entre Julho de 2013 e Julho de 2014. Em 2014, depois de organizar três conferências anuais no Porto, Lisboa e Coimbra, o grupo Lusófono propôs-se a um desafio mais ambicioso colaborando na organização do vigésimo primeiro International Seminar on Urban Form (ISUF). Em 2014, a conferência anual do ISUF teve lugar no Porto entre 3 e 6 de Julho e teve um número recorde de comunicações. Foram submetidos para avaliação 550 resumos, tendo sido incluídos no programa da conferência quase 400 apresentações, de 50 países diferentes. O programa incluiu 80 sessões paralelas, estruturadas em dez temas fundamentais, e cinco sessões plenárias. As sessões plenárias

incluíram um conjunto de apresentações sobre: i) a forma e a estrutura urbana do Porto; ii) um livro dedicado a Jeremy Whitehand (Larkham e Conzen, 2014); iii) as diferentes abordagens no estudo da forma urbana – escola Conzeniana, morfogenética alemã, escola Muratoriana e sintaxe espacial; iv) um projeto ISUF, em desenvolvimento, sobre um repositório de tecidos urbanos; e, por fim, v) o trabalho da Task Force do ISUF sobre a relação entre investigação em morfologia urbana e prática profissional, incluindo ‘A Carta do Porto’ (The Porto Charter) e quatro estudos de caso desenvolvidos sob o enquadramento do ‘catálogo de boas práticas’ – Porto, Newcastle upon Tyne, Ahmedabad e Saint Gervais Les Bains. Uma descrição detalhada do ISUF 2014 é fornecida por Ian Morley

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Relatório 115

(Universidade Chinesa de Hong Kong) nesta edição da Revista de Morfologia Urbana (pp.94-6).

Em 2015, o PNUM irá enfrentar outro grande desafio. Pela primeira vez, a conferência anual da rede lusófona terá lugar fora de Portugal. ‘Configuração urbana e os desafios da urbanidade’ será realizada na cidade de Brasília, a 25 e 26 de Junho, tendo como oito temas fundamentais: i) transformações urbanas recentes – novos impactos, novos desafios; ii) desigualdades sociais nas cidades; iii) configuração urbana e património cultural; iv) o legado da cidade moderna; v) urbanização total: metapoles; vi) espaços públicos na cidade contemporânea; vii) teorias, conceitos e técnicas morfológicas; e, por fim, viii) configuração urbana e história das cidades.

A comissão organizadora e a comissão científica do PNUM 2015 serão presididas, respetivamente, por Gabriela Tenorio (Universidade de Brasília) e Frederico de Holanda (Universidade de Brasília).

Em Dezembro de 2013, foi lançado este novo projeto do PNUM, a Revista de Morfologia Urbana. A Revista é um dos principais elementos para a consolidação e desenvolvimento da rede lusófona, trazendo para o debate em Morfologia Urbana um conjunto de investigadores que, até agora, devido à barreira da língua, não estavam a publicar em revistas científicas com revisão por pares.

Os dois primeiros números da Revista, publicados em Dezembro de 2013 e Julho de 2014, incluem um conjunto de artigos, de investigadores portugueses e brasileiros, sobre: a dicotomia entre ‘regular’ (associado a ‘planeado’) e ‘irregular’ (associado a ‘espontâneo’) nos estudos históricos sobre forma urbana; a aplicação da geometria fractal no estudo de áreas urbanas (com um enfoque na fragmentação dos tecidos urbanos); um novo método, a Morpho, concebida para a investigação em morfologia urbana e a prática de planeamento; o estudo das formas urbanas informais de Maputo, a capital de Moçambique; e uma avaliação do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, recentemente elaborado para a capital brasileira. Estes dois números da Revista incluem ainda a tradução para português de dois influentes artigos, publicados originalmente na Urban Morphology, ‘British urban morphology: the Conzenian tradition’ (Whitehand, 2001) e ‘Saverio Muratori and the Italian school of planning typology’

(Cataldi et al., 2002). Um conjunto de Perspetivas, Book Reviews e notícias completa – como no caso da Urban Morphology – o conteúdo da Revista.

Um dos temas que tem sido parte do debate nas conferências do PNUM, e do ISUF, é o ensino da morfologia urbana. No próximo ano, a rede lusófona vai continuar a explorar este tema através do lançamento do primeiro Workshop PNUM em Morfologia Urbana.

O workshop terá lugar na cidade do Porto, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, no final do primeiro semestre, e será desenvolvido em articulação com o ISUF 2015 - Roma e com o PNUM 2015 - Brasília.

O tema deste workshop de uma semana, concebido para estudantes, investigadores e profissionais, são as ‘Diferentes abordagens no estudo da forma urbana’, um tema que foi objeto de um intenso debate no ISUF 2014. Os participantes serão apresentados às principais abordagens morfológicas e em seguida convidados a fazerem as suas ‘escolhas morfológicas’, aplicando uma dessas abordagens na análise de uma área específica na cidade do Porto (ver mais detalhes na página 108). É nosso objetivo que o Workshop, a Revista e a Conferência Anual tenham um papel central na atividade de PNUM para os próximos anos, contribuindo para a promoção do estudo da forma urbana em países de língua portuguesa. Referências Cataldi, G., Maffei, G. L. and Vaccaro, P. (2002)

‘Saverio Muratori and the Italian school of planning typology’, Urban Morphology 6, 3-14.

Larkham, P. J. and Conzen, M. P. (eds) (2014) Shapers of urban Form. Explorations in morphological agency (Routledge, Nova Iorque).

Whitehand, J. W. R. (2001) ‘British urban morphology: the Conzenian tradition’, Urban Morphology 5, 103-9.

Vítor Oliveira, CITTA – Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente, Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto, Rua Roberto Frias 4200-465 Porto, Portugal. E-mail: [email protected]

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REDE LUSÓFONA DE MORFOLOGIA URBANA

A Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM) foi criada em 2010, em Hamburgo, como um

grupo regional do International Seminar on Urban Form. Os objectivos do grupo são: promover

e desenvolver o estudo da forma urbana; consolidar uma verdadeira rede de investigação no

domínio da morfologia urbana, através da organização de reuniões e conferências, e da

publicação da presente Revista; e, por fim, estabelecer uma relação privilegiada com o

International Seminar on Urban Form, através da colaboração com iniciativas de debate e

divulgação do ISUF. Para mais informações consultar o sitío do PNUM em: pnum.fe.up.pt/pt.

Conselho Científico

Presidente: Teresa Marat-Mendes, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal (2016)

Membros: Frederico de Holanda, Universidade de Brasília, Brasil (2016)

Jorge Correia, Universidade do Minho, Portugal (2015)

Miguel Bandeira, Universidade do Minho, Portugal (2016)

Nuno Norte Pinto, The University of Manchester, Reino Unido (2016)

Stael de Alvarenga Pereira Costa, Universidade Federal de Minas Gerais,

Brasil (2016)

Vítor Oliveira, Universidade do Porto, Portugal (2016)

(As datas entre parentesis indicam o final do mandato)

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53 Editorial 55 P. Drach e R. Emmanuel Interferências da forma urbana na dinâmica da temperatura intra-urbana

71 P. Gonçalves e M. Guimarães Transformação da forma urbana paulistana: o caso do bairro da Mooca como referência tipológica

85 P. Pinheiro Entre a tradição e a modernidade: um quarteirão aberto nas Avenidas Novas em Lisboa Perspetivas 99 Compreender o holon A. Perdicoúlis 101 A forma urbana em Moçambique: projeto, intervenção e investigação D. Viana e J. Laje 105 Regiões morfológicas: a aplicabilidade de um conceito da morfologia urbana na prática de planeamento municipal V. Oliveira e C. Monteiro Relatórios 94 21º International Seminar on Urban Form I. Morley 96 Morfologia urbana e progetto V. Oliveira 98 Colloquium on Mediterranean Urban Studies T. Ünlü 113 3º Seminário Território e Cidades do Norte Atlântico Ibérico D. Viana 114 Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM): 2013-14 V. Oliveira

Book reviews 109 P. J. Larkham e M. P. Conzen (2014) Shapers of urban form V. Oliveira 111 V. del Rio e W. Siembieda (2013) Desenho Urbano contemporâneo no Brasil S. A. P. Costa Notícias 54 Urban Morphology 84 PNUM2015: Configuração urbana e os desafios da urbanidade 108 1º Workshop PNUM - Diferentes abordagens no estudo da forma urbana