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Publicação da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ISSN 1413-4969 Publicação Trimestral Ano XVII - Nº 2 Abr./Maio/Jun. 2008 Revista de A experiência norte-americana com o seguro agrícola: lições ao Brasil? Pág. 25 Setor sucroalcooleiro no Brasil: situação atual e perspectivas Pág. 39 Eficiência de uso de fertilizantes na integração lavoura–pecuária do Cerrado Ponto de Vista Pág. 90 O mercado de fertilizantes no Brasil Pág. 5

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Publicação da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

ISSN 1413-4969Publicação Trimestral

Ano XVII - Nº 2Abr./Maio/Jun. 2008

Revista de

A experiêncianorte-americanacom o seguroagrícola:lições ao Brasil?

Pág. 25

Setorsucroalcooleirono Brasil:situação atuale perspectivas

Pág. 39

Eficiência deuso de fertilizantesna integraçãolavoura–pecuáriado Cerrado

Ponto de Vista

Pág. 90

O mercado defertilizantes

no Brasil

Pág. 5

ISSN 1413-4969Publicação Trimestral

Ano XVII – Nº 2Abr./Maio/Jun. 2008

Brasília, DF

SumárioCarta da Agricultura

Agricultura itinerante oumoderna na Região Amazônica? ......................................3Eliseu Alves

O mercado de fertilizantes no Brasil:diagnósticos e propostas de políticas ................................5Ali Aldersi Saab / Ricardo de Almeida Paula

A experiência norte-americanacom o seguro agrícola: lições ao Brasil? .......................... 25Marcelo Fernandes Guimarães / Jorge Madeira Nogueira

Setor sucroalcooleiro no Brasil:situação atual e perspectivas .......................................... 39Tarcizio Goes / Renner Marra / Geraldo Souza e Silva

Inovação e propriedade intelectualno agronegócio no Brasil ............................................... 52André Cabral de Souza

Sustentabilidade nos sistemas de produçãode bovinos: visão administrativa sobre o método Voisin ...... 65André Sorio

Viabilidade econômica deatividades florestais e agropecuárias ............................... 76Sabina Cerruto Ribeiro / Márcio Lopes da Silva

O uso do método SOMA naavaliação de cursos de capacitação ............................... 86Carlos Roberto de Albuquerque Lima / Rosilene Ferreira Souto /Carla Povoa Lemes / João Luiz Palma Meneguci

Ponto de VistaEficiência de uso de fertilizantes naintegração lavoura–pecuária do Cerrado ........................ 91Geraldo B. Martha Jr. / Lourival Vilela

Conselho editorialEliseu Alves (Presidente)

Edilson GuimarãesElísio ContiniHélio Tollini

Antônio Jorge de OliveiraBiramar Nunes LimaPaulo Magno Rabelo

Secretaria-GeralRegina M. Vaz

Coordenadoria editorialMarlene de Araújo

Cadastro e atendimentoGlauco A. N. de Andrade

Foto da capaAntonio Araújo

Direção de arte da foto da capaMarlene de Araújo

Embrapa Informação Tecnológica

Tratamento editorial

Revisão de textoCorina Barra Soares

Normalização bibliográficaVera Viana dos Santos

Projeto gráfico e capaCarlos Eduardo Felice Barbeiro

Impressão e acabamentoEmbrapa Informação Tecnológica

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 2

Todos os direitos reservados.A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,

constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Embrapa Informação Tecnológica

Revista de política agrícola. – Ano 1, n. 1 (fev. 1992) - . – Brasília: Secretaria Nacional de Política Agrícola, Companhia Nacionalde Abastecimento, 1992-

v. ; 27 cm.Trimestral. Bimestral: 1992-1993.Editores: Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento, 2004- .Disponível também em World Wide Web: <www.agricultura.gov.br>

<www.embrapa.br>ISSN 1413-49691. Política agrícola. I. Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento. Secretaria de Política Agrícola. II. Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento.

CDD 338.18 (21 ed.)

Interessados em receber esta revista, comunicar-se com:

Ministério da Agricultura, Pecuária e AbastecimentoSecretaria de Política Agrícola

Esplanada dos Ministérios, Bloco D, 7º andarCEP 70043-900 Brasília, DF

Fone: (61) 3218-2505Fax: (61) 3224-8414

[email protected]

Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuáriaSecretaria de Gestão e Estratégia

Parque Estação Biológica (PqEB), Av. W3 Norte (final)CEP 70770-901 Brasília, DF

Fone: (61) 3448-4159Fax: (61) 3347-4480

www.embrapa.brMarlene de Araújo

[email protected]

Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria dePolítica Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento, com a colaboração técnica da Secretariade Gestão e Estratégia da Embrapa e da Conab, dirigida atécnicos, empresários, pesquisadores que trabalham como complexo agroindustrial e a quem busca informaçõessobre política agrícola.

É permitida a citação de artigos e dados desta Revista, desdeque seja mencionada a fonte. As matérias assinadas nãorefletem, necessariamente, a opinião do Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento.

Tiragem5.000 exemplares

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 20083

Antes do advento dos insumos modernos,como fertilizantes, defensivos, máquinas e equi-pamentos de alta tecnologia, a agricultura se-guia seu curso em busca de terras virgens, co-bertas por matas. Machado e foice eram os equi-pamentos usados para derrubar a mata. Depoisda derrubada, esperava-se que o material ver-de secasse, para depois queimá-lo, com a fina-lidade de deixar o terreno pronto para o plantiomanual. A madeira de lei retirada era destinadaa três propósitos: parte era usada na própria fa-zenda, outra parte era estocada e uma terceiraera vendida. Aquela tecnologia era muito in-tensiva em trabalho, e as cultivares, pouco exi-gentes em fertilidade.

O cultivo da nova área prosseguia por al-guns anos até que o nível de fertilidade tornas-se a produtividade antieconômica. A área es-gotada poderia, então, ou ser transformada empastagem, ou deixada em pousio para o desen-volvimento da capoeira. Alguns anos depois, naárea em pousio, o ciclo desmatamento-lavourase reiniciaria, mas, desta vez, em uma terra comnível de fertilidade bem abaixo daquele do pri-meiro desmatamento. As pastagens tambémeram uma opção de exploração da terra, depoisdo desmatamento.

Esgotadas as terras de uma região, a agri-cultura migrava para outras regiões de mata vir-gem, em busca da fertilidade. Em resumo, atecnologia da agricultura itinerante é descritapelo machado, pela foice e pelo fogo. Fogo para

Agricultura itineranteou moderna naRegião Amazônica?

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ra

remover o entulho deixado pela derrubada, efogo para queimar as coivaras, quando do pre-paro do terreno em terras já usadas. Ou seja,essa agricultura é toda baseada na seqüênciaderrubada-fogo-lavouras-pastagens, deixandopara trás terras esgotadas.

No mundo, a agricultura itinerante foi opadrão de agricultura até o começo do século20; no Brasil – no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste –, até a década de 1960. No País, pormuitas décadas, os cerrados foram despreza-dos, porque seu nível de fertilidade natural eraconsiderado incompatível com as lavouras eas pastagens plantadas.

Quando a terra é muito fértil, as culturasda agricultura itinerante podem permanecer porum período muito longo. Em terras pouco fér-teis, porém, como é o caso da Amazônia – onde,contudo, há exceções importantes –, logo a ter-ra é esgotada.

Esse tem sido o padrão da agricultura daRegião Amazônica. Nas condições atuais, nagrande maioria de suas microrregiões, atecnologia do fogo-machado-foice é imbatível,quanto a custo de produção. Essa técnica con-tinuará a ser empregada até que se ofereça umatecnologia alternativa, a exemplo do que já ocor-re no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste.

E qual tecnologia poderia substituir o em-prego do segmento machado-foice-fogo? A demáquinas, equipamentos, fertilizantes, defensi-vos e sementes melhoradas. Com ela, se recu-

1 Eliseu Alves é pesquisador e assessor do diretor-presidente da Embrapa. As sugestões de Alberto R. Cavalcanti enriqueceram o texto.

Eliseu Alves1

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 4

peram as áreas empobrecidas e se reduz subs-tancialmente a exploração de novas áreas. Essatem sido a história da agricultura moderna, queeconomiza terra e trabalho.

Por que, então, ela não é adotada na Re-gião Amazônica? Porque, naquela região, ospreços dos insumos modernos são muito eleva-dos. E, se não for removido este obstáculo – odos custos elevados –, a agricultura itinerantecontinuará reinando, sem competição.

Discutir alternativas para a Região Ama-zônica, que reduzam o desmatamento e recu-perem as terras empobrecidas, sem discutircomo remover os obstáculos que impedem oacesso dos agricultores a insumos básicos, comocalcário, fertilizantes, defensivos, máquinas eequipamentos, é perda de tempo.

Importar esses insumos da Ásia ou da Áfri-ca implica vários problemas. No caso de fertili-zantes, custos menores seriam obtidos pelo usode navios de grande porte. Alega-se, porém, quenão existe demanda que justifique uma impor-tação dessa magnitude. Resolvido o problemada importação, surgiria o da distribuição dosinsumos e o conseqüente financiamento aosagricultores. Todos eles bastante complexos, masnão insolúveis.

Para a Região Amazônica, cogita-se emuma agricultura que economize terra com a fi-nalidade de reduzir o desmatamento e de recu-perar as terras degradadas. A recuperação dasterras empobrecidas pode ser feita com o pousio,mas, sem a introdução de tecnologia moderna,essa solução é inviável, pois implica a retiradada população do meio rural.

Sem a recuperação das terras empobre-cidas, o avanço da agricultura sobre a floresta éimpossível de ser contido, pois a agriculturaitinerante é o único recurso de que dispõe o agri-cultor. O dilema é claro: ou a agricultura itineranteou a agricultura moderna. Em outros termos: oudesmatamento e fogo, ou máquinas e insumosmodernos.

Desse modo, todo plano sério para pre-servar a floresta e recuperar áreas empobrecidasprecisará ter um capítulo totalmente dedicadoao fornecimento de insumos – calcário, fertili-zantes, máquinas e equipamentos –, e que con-sidere, também, preços competitivos, logísticade distribuição, financiamento e treinamentodos agricultores.

A alternativa – claramente inviável – se-ria retirar de lá os agricultores, murar a área emanter feroz policiamento para guardar o muro.

A pressão da opinião pública nacional einternacional concentrou a discussão no desma-tamento e nas queimadas. Estardalhaços anun-ciam as punições, como se punir quem desobe-dece à lei fosse algo inusitado. Ora, isso é umaobrigação permanente e normal do Estado.

É melhor ter a discussão centrada no de-senvolvimento da agricultura com preservaçãodo meio ambiente. Por que não estabelecer pó-los e neles resolver os problemas de infra-estru-tura, distribuição de fertilizantes, máquinas,equipamentos, assistência técnica, industriali-zação e venda de produtos? Por que não mudara retórica da punição para a do desenvolvimen-to, com preservação, retórica esta tão esqueci-da hoje?

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 20085

O mercado defertilizantes no BrasilDiagnósticos epropostas de políticas1

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo central a elaboração de um diagnóstico sobre a atualsituação da oferta e da demanda de fertilizantes, bem como apontar as tendências dos preços decor-rentes das alterações da estrutura de mercado, as quais resultaram dos processos de fusão e de aquisi-ção nessa indústria, em âmbito nacional. A inércia da indústria nacional em acompanhar o ritmo decrescimento da demanda pela agricultura brasileira favoreceu a importação de fertilizantes, a qual seelevou à taxa média de 9,83 % a.a., entre 1994 e 2007, e tornou-se a principal fonte de oferta desseproduto no mercado interno. Por sua vez, as fusões e as aquisições realizadas após a privatização dosetor deixaram essa indústria concentrada e liderada por três grupos multinacionais que, dentro deuma estrutura oligopolizada, possuem a capacidade de influir nos preços de mercado desse produto.Como conseqüência dos fenômenos apontados, o preço médio dos fertilizantes tem-se elevado desde1998 e apresenta tendência de alta até 2018. A manutenção desse cenário impactará consideravel-mente os custos de produção e a competitividade das principais commodities produzidas pelo Brasil,fato que realça a necessidade de se implementarem políticas públicas que minimizem tais efeitossobre o agronegócio nacional.

Palavras-chave: oferta e demanda de fertilizantes, preço dos fertilizantes, concentração de mercado.

Ali Aldersi Saab2

Ricardo de Almeida Paula3

1 Artigo elaborado em atendimento à solicitação da Assessoria de Gestão Estratégica (AGE-Mapa).2 Engenheiro agrônomo, M. Sc. em Agronegócios e técnico da Embrapa. E-mail: [email protected] Economista, M. Sc. em Agronegócios e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. E-mail:[email protected].

IntroduçãoAs projeções elaboradas para avaliar o desem-penho do agronegócio brasileiro até 2018 suge-rem um crescimento da área plantada, da produ-ção e da produtividade. Entretanto, há fatores crí-ticos capazes de afetar a competitividade dascommodities brasileiras no mercado internacio-nal e, dentre os mais relevantes, os fertilizantesestão entre aqueles insumos que poderão afetaros custos de produção agrícola.

Nesse sentido, o presente documento tem comoobjetivo central a elaboração de um diagnósticosobre a atual situação da oferta e da demanda defertilizantes, bem como as tendências dos preçosdecorrentes das alterações da estrutura de mer-cado havidas em face dos processos de fusão ede aquisição nessa indústria, em âmbitos nacio-nal e internacional.

A hipótese que se pretende testar é que, até 2018,os preços dos fertilizantes estarão sujeitos a au-

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 6

mentos significativos, podendo produzir um im-pacto considerável nos custos de produção dosprincipais commodities, gerando perdas nacompetitividade desses produtos nos mercadosque detêm atualmente.

O estudo justifica-se pela necessidade de encon-trar alternativas que possam minimizar os efeitosnegativos do aumento do custo dos fertilizantesna competitividade do agronegócio brasileiro, porconta da conseqüente transferência de renda dosprodutores para os demais elos dessa cadeia.

A metodologia de análise baseia-se no conceitode cadeia produtiva e na identificação dos itensque compõem a formação da oferta, da demandae dos preços dos fertilizantes. Estabeleceram-setambém os potenciais impactos que o crescimen-to das demandas nacional e internacional por pro-dutos agrícolas terão sobre a oferta de fertilizan-tes e respectivos preços. As projeções das áreasplantadas foram calculadas com base nos dadosfornecidos pela Assessoria de Gestão Estratégica(AGE), do Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento (Mapa), pela Associação Nacio-nal para a Difusão de Adubos (Anda) e daInternational Fertilizer Industry Association (IFA).Para tanto, empregaram-se os dados agregadosdo algodão, do arroz de sequeiro, da cana-de-açúcar, do feijão, da mandioca, do milho, da sojae do trigo. Em relação aos produtos café, laranja

e batata, foram utilizados os dados projetados pelaAnda. As projeções da necessidade de fertilizan-tes foram calculadas levando-se em conta osparâmetros tecnológicos recomendados pelaEmbrapa para cada cultura, bem como os níveistécnicos de produtividade utilizados pela Com-panhia Nacional de Abastecimento (Conab) nosseus levantamentos de safra.

Cadeia produtiva dos fertilizantesA cadeia produtiva de fertilizantes compõe-se deseis elos: i) o segmento extrativo mineral, forne-cedor da rocha fosfática, do enxofre, do gás natu-ral e das rochas potássicas; ii) o setor produtor dematérias-primas intermediárias, como o ácidosulfúrico, o ácido fosfórico e a amônia anidra;iii) o elo produtor de fertilizantes simples; iv) a in-dústria de fertilizantes mistos e granulados com-plexos; v) o setor de distribuição (atacado, varejoe logística); e vi) o produtor rural. A Fig. 1 ilustra acadeia produtiva dos fertilizantes no Brasil.

Oferta de fertilizantesA oferta de fertilizantes no Brasil (Fig. 2) atingiu29,77 milhões de toneladas em 2007, sendo re-sultado da produção interna (9,67 milhões de to-neladas), das importações (17,30 milhões de to-

Fig. 1. Cadeia produtiva de fertilizantes.Elaborado pelos autores a partir do conceito de cadeia produtiva.

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 20087

neladas) e do estoque final (2,80 milhões de tone-ladas).

Uma breve análise da Fig. 2 mostra a dificuldadeenfrentada pela indústria nacional de acompanharo ritmo de crescimento da demanda por fertilizan-tes, por parte da agricultura. Enquanto a oferta totalde fertilizantes cresceu à taxa de 7,22 % a.a. noperíodo descrito, a produção nacional expandiuapenas 2,93 % a.a. Esse crescimento lento da indús-tria nacional favoreceu a expansão das importaçõesde fertilizantes, que se elevou a uma taxa médiageométrica de 9,83 % a.a. entre 1994 e 2007.

A oferta de fertilizantes é resultante das seguintesvariáveis: a) disponibilidade internacional de ma-térias-primas; b) disponibilidade nacional de maté-rias-primas; e c) capacidade produtiva instalada.

Disponibilidade internacional de fertilizantesfosfatados, enxofre e ácido sulfúrico

Rocha fosfática e enxofre são as matérias-primasbásicas para a produção dos fertilizantesfosfatados comercializados. O ácido sulfúrico étambém um intermediário básico para os fertili-zantes fosfatados. O enxofre é um produto sólidoextraído de minas perfuradas a grandes profundi-dades, ou ainda pela recuperação de gases áci-dos do petróleo. A Tabela 1 apresenta as reservasmundiais de fosfato.

Das reservas de fosfato apresentadas na Tabela 1,cerca de 85 % estão concentradas nos seguintes

Fig. 2. Oferta de fertilizantes no Brasil – de 1994 a2007 (milhões de toneladas).Fonte: Anda (2008) e Brasil (2008b).

Tabela 1. Reservas mundiais de fosfato em 2005.

Fonte: Usdi (2007) e IFA (2008).

MarrocosChinaEstados UnidosÁfrica do SulJordâniaAustráliaRússiaIsraelSíriaEgitoTunísiaBrasilCanadáÍndiaSenegalOutrosTotal mundial

21.00013.000

3.4002.5001.7001.2001.000

800800760600370200160160

2.35050.000

Reservas(milhões detoneladasde P2O5)

42,026,0

6,85,03,42,42,01,61,61,51,20,70,40,30,34,7

100,0

∆∆∆∆∆%

30.08638.95930.464

2.6645.881

10.6762.9073.580

7.8125.801

16.484155.314

Produção(1.000 t)

19,425,119,6

1,73,8

6,91,92,3

5,03,7

10,6100,0

∆∆∆∆∆%País

países: Marrocos (42 %), China (26 %), EstadosUnidos (6,8 %), África do Sul (5 %), Jordânia(3,4 %) e Austrália (2,4 %). Salienta-se que, dospaíses apresentados na referida tabela, os princi-pais exportadores para o Brasil (concentrado derocha) são Marrocos (46 %), Israel (26 %) e Argé-lia (14 %).

As Tabelas 2 e 3 apresentam a produção mundialde enxofre, bem como a produção de ácido sul-fúrico. Conforme se vê, os Estados Unidos, o Ca-nadá e a Rússia são os maiores produtores de en-xofre, detendo cerca de 50 % da produção, en-quanto a China, os Estados Unidos, Marrocos e aRússia são os maiores produtores de ácido sulfúri-co, com mais de 51 %.

A Tabela 4 apresenta a capacidade mundial deprodução de ácido fosfórico. Nesse segmento, aÁsia lidera a produção mundial, sendo responsá-vel por 32,2 % da produção total, seguida pelaAmérica do Norte, com 20,5 % da produção. Osprincipais exportadores de ácido fosfórico para oBrasil foram: Estados Unidos (18 %), Rússia (23 %),Marrocos (21 %), Israel (10 %) e Tunísia (6 %).

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 8

Tabela 2. Produção mundial de enxofre em 2005(1.000 t).

Fonte: IFA (2008).

Estados UnidosCanadáRússiaArábia SauditaAbu DabiJapãoAlemanhaCasaquistãoIranMéxicoPolôniaOutrosTotal mundial

8.7307.9006.3012.7002.0601.0721.6421.6251.4401.016

94110.70147.028

Quantidade

18,616,813,4

5,74,44,23,53,53,12,22,0

22,8100,0

∆∆∆∆∆%País

Tabela 4. Capacidade mundial de produção de ácidofosfórico (1.000 t).

Fonte: IFDC (2008).

Américado NorteAméricaLatinaEuropaOcidentalEuropaOrientalEurásiaÁfricaÁsiaOceaniaMundo

11,781

1,716

1,425

1,735

6,7187,245

14,393465

45,478

2003Região

11,781

1,716

1,365

1,735

6,7187,245

14,798475

45,833

2004

11,146

1,92

1,4

1,878

6,8327,245

15,447520

46,388

2005

9,962

1,92

1,4

1,878

6,8327,245

15,647550

45,434

2006

Tabela 3. Produção mundial de ácido sulfúrico em2005 (1.000 t).

Fonte: IFA (2008).

ChinaEstados UnidosMarrocosRússiaÍndiaJapãoBrasilChileTunísiaAustráliaCanadáCoréia do SulMéxicoAlemanhaÁfrica do SulEspanhaPolôniaBélgicaIsraelOutrosTotal mundial

44.62231.95010.705

9.3346.9696.4955.7975.0894.8914.7004.4504.2873.8253.3303.0542.6062.0601.8501.841

31.197189.082

Quantidade

23,616,9

5,74,93,73,43,12,72,62,52,42,32,01,81,61,41,11,01,0

16,5100,0

∆∆∆∆∆%País produtor

9,962

1,92

1,4

1,878

6,8327,976

18,096550

48,614

2007

Disponibilidade internacionalde fertilizantes potássicos

As reservas mundiais de potássio estão estimadasem aproximadamente 16 bilhões de toneladas.O Canadá, com 60 %, e a Rússia, com 14 %, são os

países que detêm as maiores reservas do mundo.O Canadá é o maior produtor de potássio (K2O) domundo, com 8,36 milhões de toneladas, equivalen-tes em k2O, o que equivale a aproximadamente28,4 % do total mundial. Os outros principais pro-dutores mundiais são: Rússia (19,5 %), Bielo-Rússia(15,7 %), Alemanha (12,3 %), Israel (7,2 %), e China(5,3 %), que, somados ao Canadá, representam88,4 % do total mundial (IFA, 2008). A Tabela 5 resu-

Tabela 5. Reservas e produção mundiais de potássioem 2006.

Fonte: Usdi (2007) e IFA (2008).

CanadáRússiaBielo-RússiaAlemanhaIsraelJordâniaChinaEstados UnidosChileEspanhaReino UnidoUcrâniaOutrosTotal

9.7002.2001.000

850580580450300

50353030

41116.216

Reservas(milhões detoneladas

de K2O)

59,613,6

6,25,23,63,62,81,80,30,20,20,22,2

100,0

∆∆∆∆∆%

8.3605.7244.6053.6162.1231.0201.572 741 374 437 430

29.002

Produção(1.000 tde K2O)

28,419,515,712,3 7,2 3,5 5,3 2,5 1,3 1,5 1,5

100,0

∆∆∆∆∆%Paísprodutor

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 20089

me a localização das reservas, bem como a pro-dução mundial de potássio em 2006.

Disponibilidade internacionalde fertilizantes nitrogenados

Tecnologicamente, a amônia é o insumo-chavepara a obtenção dos fertilizantes nitrogenados eresulta da mistura de hidrogênio com nitrogênio.As unidades produtivas geralmente estão instala-das perto de refinarias petroquímicas, pois ohidrocarboneto é sua principal fonte de hidrogê-nio. A Tabela 6 apresenta a produção mundial deamônia. Segundo a tabela, China, Rússia, Índia eEstados Unidos produzem mais de 53 % da pro-dução mundial.

A Fig. 3 apresenta os principais países produtores deuréia, na qual China e Índia são responsáveis por64 % da produção mundial. Em seguida, a Fig. 4registra os principais países exportadores de uréia,em que Rússia, Ucrânia, Catar e Arábia Saudita sãoresponsáveis por 65 % da exportação mundial.

Principais grupos e empresasatuantes no mundo

A Tabela 7 apresenta a relação dos principais gru-pos e empresas de fertilizantes que atuam no ce-nário mundial.

Disponibilidade nacionalde fertilizantes fosfatados

As reservas de fosfato estão avaliadas em 370 mi-lhões de toneladas de concentrado de rocha (P2O5),cuja principal jazida se encontra em Tapira (MG),seguida das reservas em Patos de Minas (MG),Araxá (MG), Catalão (GO) e Cajati (SP).

A produção nacional de fosfatados atende a cer-ca de 50 % das necessidades do País. O Brasilimporta rocha concentrada de Marrocos, Israel e

Tabela 6. Produção mundial de amônia.

Fonte: IFA (2008).

ChinaRússiaÍndiaEstados UnidosIndonésiaUcrâniaTrinidad e TobagoCanadáAlemanhaPaquistãoPolôniaHolandaArábia SauditaCatarEgitoRomêniaBangladeshFrançaJapãoBrasilOutrosTotal mundial

35.89310.25010.009

8.0364.3704.2964.2373.7872.9682.4932.0701.9001.7721.7541.6581.3161.3011.1681.0721.069

17.121119.470

Reservas (miltoneladas de N)

30,08,68,46,73,73,63,63,22,52,11,71,61,51,51,41,11,11,00,90,9

13,2100,0

∆∆∆∆∆%Paísprodutor

Fig. 3. Principais países produtores de uréia.Fonte: IFA (2008).

Fig. 4. Principais países exportadores de uréia.Fonte: IFA (2008).

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 10

Tabela 7. Maiores fabricantes mundiais de fertilizantes(1).

(1) Elaborado a partir de relatórios e balanços das empresas.

YaraMosaicPotashK + SAgriumIClTerraGrowhow (Kemira)SinochemIfccoEurochemPhosagroSafcoEFCAFCCOCherkassyKochUralkalyTogliatti Azot

7,35,53,83,53,33,01,91,5n. i.n. i.n. i.n. i.n. i.n. i.n. i.n. i.n. i.n. i.n. i.

Receita(US$ bilhões)

NoruegaEstados UnidosCanadáAlemanhaCanadáIsraelReino UnidoFinlândiaChinaÍndiaRússiaRússiaArábia SauditaEgitoEgitoUcrâniaEstados UnidosRússiaRússia

Empresa/Grupo

País deorigem

Argélia, perfazendo 90 % da importação Entre-tanto, há forte dependência de importação deenxofre, matéria-prima básica para a produçãode ácido sulfúrico. A Petrobras produz cerca de7 % do enxofre demandado pelo mercado brasi-leiro, mas seu produto destina-se, basicamente, àindústria química, de cosméticos e de papel ecelulose. Hoje se importa praticamente todo oenxofre utilizado no setor de fertilizantes. A pro-dução nacional de ácido sulfúrico atende plena-mente à demanda para a obtenção do ácidofosfórico e de outros produtos.

Disponibilidade nacionalde fertilizantes potássicos

As reservas de potássio são as de Taquari/Vassou-ras (SE), explorada pela Companhia Vale do RioDoce (CVRD), e as localizadas no Amazonas eas pertencentes à Petrobras. Hoje os depósitos depotássio do País resumem-se à mina exploradapela Vale do Rio Doce, estimados em 300 milhõesde toneladas de cloreto de potássio, e reservasamazônicas, de cerca de 900 milhões de tonela-

das, sendo a Petrobras a atual detentora da con-cessão de lavra, cuja exploração ainda não foidefinida.

A CVRD é a única empresa que produz potássiono País desde 1991, atendendo a somente 10 %do consumo nacional, como o de cloreto de po-tássio. A jazida tem teor médio de 23,7 % de K2Oequivalente. Seu direito de exploração vai até2015. Em 2007, a CVRD produziu 671 mil tonela-das, e o Brasil importou cerca de 6,7 milhões detoneladas, o que representa 90,8 % da demandanacional. Os países fornecedores de cloreto depotássio em 2007 foram: Rússia/Bielo-Rússia, Ca-nadá, Alemanha e Israel, por intermédio das em-presas Uraukali/Belarruscalia, PCS/IMC/Mosaic,Kali und Salz e Dead Sea/Cleveland, perfazendomais de 95 % das importações.

Disponibilidade nacionalde fertilizantes nitrogenados

No Brasil, a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados(Fafen), localizada em Laranjeiras (SE) e emCamaçari (BA), e a Ultrafertil, em Cubatão (SP) eAraucária (PR), fabricam matérias-primas paraadubos nitrogenados. O Brasil importou, em 2007,88,3 % da sua demanda de sulfato de amônio,73,0 % de uréia (o Brasil é o terceiro maior importa-dor de uréia), 76,9 % do nitrato de amônia, 60,6 %do seu consumo de MAP e 99,7 % do de DAP.Os principais países fornecedores de MAP foramRússia, Marrocos e Estados Unidos, por intermé-dio da Phosagro/Eurochem, da Morroc Cia. e daPhosken/Mosaic/IMC , perfazendo 91 % das im-portações. As atuais fábricas de amônia para finsde produção fertilizantes no Brasil utilizam gásnatural, gás de refinaria ou resíduo asfáltico comomatéria-prima.

Importação de fertilizantes

A importação de matérias-primas para a produçãode fertilizantes em 2007 correspondeu a 58% daoferta total e sua participação tenderá a aumentarenquanto não houver investimentos necessáriospara aumentar a capacidade interna instalada.

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200811

A Tabela 8 apresenta um resumo da importação,da produção e do consumo das matérias-primase dos fertilizantes intermediários utilizados na pro-dução dos formulados granulados no País. Anali-sando essa tabela, percebe-se que certos produ-tos, como enxofre, matérias-primas nitrogenadase cloreto de potássio, têm alta dependência dasimportações, e necessariamente são adquiridosmesmo que os preços internacionais aumentemacima da expectativa, pois são insubstituíveis.

Demanda de fertilizantesAtualmente o Brasil é considerado o quarto maiorconsumidor mundial de fertilizantes. A Fig. 5 apre-senta os principais consumidores mundiais de fer-tilizantes e mostra o consumo brasileiro, que é daordem de 5,7 % do consumo mundial, menor ape-nas que o da China, o dos Estados Unidos e o daÍndia.

No Brasil, entre 1994 e 2007, o consumo de ferti-lizantes cresceu à taxa de 6,32 % a.a. e atingiu omontante de 29,77 milhões de toneladas em 2007.Entre 1994 e 2007, o consumo de fertilizantes qua-se triplicou em termos de volumes físicos. A Fig. 6ilustra o comportamento da demanda de fertili-zantes no Brasil.

Tabela 8. Produção, importação e consumo de fertilizantes intermediários em 2007 (1.000 t).

(1) Previsão de importação e consumo.Fonte: Anda (2008) e Brasil (2008).

Sulfato de amôniaUréiaDAPMAPSuper simplesSuper triploCloreto de potássioNitrato de amôniaEnxofre

255895

210435363855671323

-

Produção

1.9242.423

6281.602

3651.1746.6561.073

3.200(1)

Produto Importação

21793318

6302.6455.7282.0297.3271.396

3.200(1)

Consumo

88,373,099,760,6

6,457,990,876,9

100,0

∆∆∆∆∆%Importação/Consumo

Fig. 5. Consumo mundial de fertilizantes em 2006 (em %).Fonte: Anda (2006) e IFA (2008).

Fig. 6. Brasil: evolução da demanda por fertilizantes.Fonte: Anda (2008).

Todavia, a Fig. 7 mostra que quase 90 % de toda ademanda nacional provém de oito estados, quaissejam: MT, SP, PR, MG, RS, GO, BA e MS.

A concentração da demanda por fertilizantes emdeterminadas regiões, já mostradas, pode serexplicada pelos produtos agrícolas neles cultiva-dos e respectivas áreas plantadas. A Fig. 8 mostracomo se distribui a demanda por fertilizantes en-tre as principais culturas agrícolas brasileiras.Cerca de 59,8 % da demanda por fertilizantesprovém das lavouras de soja, de milho, de cana-de-açúcar e de café.

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 12

Fig. 7. Brasil: demanda estadual por fertilizantes em 2007.Fonte: Anda (2008).

Fig. 8. Consumo de fertilizantes por lavoura, em 2006(em %).Fonte: Anda (2006).

Preços dos fertilizantesO preço médio dos fertilizantes tem se comporta-do de forma ascendente após 1998. E esta ten-dência de alta apresenta-se da mesma forma paraos períodos subseqüentes. A Fig. 9 mostra o índi-ce de preços dos fertilizantes, de 1994 a 2007.

Fig. 9. Índice de preços pagos por fertilizantes, de1994 a 2007.Fonte: FGV (2008).

Excetuando o período entre janeiro de 2005 eoutubro de 2006, no qual os preços tiveram relati-va queda, o índice de preços mostrou-se semprecrescente nos demais períodos apresentados naFig. 9.

Como exemplo, os dados sobre variação de pre-ços dos fertilizantes extraídos da Anda (2008)mostram que, entre 2002 e 2007, o preço dosuperfosfato triplo aumentou 225 %, o preço docloreto de potássio elevou-se em 160 % e a uréiaficou 262 % mais cara. Esta elevação do preçodos fertilizantes teve impacto direto nos custos deprodução agrícola. Segundo a Conab (2007), de2006 para 2007, a participação do preço dos fer-tilizantes nos custos de produção elevou-se em19 % para a soja, em 33,7 % para o algodão, em18,5 % para o milho e em 13,3 % para o arroz desequeiro. Corroborando este cenário, a Tabela 9mostra a relação de troca entre fertilizantes e pro-dutos selecionados no período de 2000 a 2007.

Tabela 9. Relações de troca: fertilizantes versus produtos selecionados.

Fonte: Deral (2007) citado por Conab (2008).

20002001200220032004200520062007

42,352,943,639,248,355,448,451,0

Algodão(fardo 15 kg)

35,833,429,023,223,833,431,529,0

AnoArroz sequeiro

(saco 60 kg)

30,630,026,521,927,038,528,129,0

Arroz irrigado(saco 50 kg)

14,710,6

9,411,615,811,417,016,0

Feijão(saco 60 kg)

40,257,838,150,357,157,359,858,0

Milho(saco 60 kg)

25,423,417,619,822,727,726,726,0

Soja(saco 60 kg)

33,031,723,628,635,841,534,035,0

Trigo(saco 60 kg)

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200813

Determinação do preço dos fertilizantes

Até o ano de 2002, Nicollela et al. (2005) identifi-caram uma tendência de queda dos preços dosfertilizantes. Após 2002, com o fim da âncora cam-bial, a desvalorização do Real e a elevação dopreço do produto no mercado internacional contri-buíram para inibir a tendência de queda esperadae elevar o preço do produto no mercado interno.

Juntamente com o preço internacional e a taxa decâmbio, o consumo constitui outra variável a influ-enciar o preço do fertilizante no mercado interno.Utilizando como variável dependente o Índice dePreços Pagos pelo Fertilizante (IPP Fertilizante),como indicativo da evolução do preço do fertili-zante no mercado interno, e tendo como variáveisexplicativas o preço internacional da matéria-pri-ma pago pelo Brasil (US$ FOB por tonelada), a taxade câmbio vigente e o volume de fertilizante con-sumido, aplicou-se o modelo de regressão linearpara estimar a função preço do fertilizante. As va-riáveis foram selecionadas para o período de 1995a 2007 e estão apresentadas na Tabela 10. Os re-sultados estão a seguir, na Tabela 11.

Tabela 10. Preços do fertilizante(1), consumo(2), preçointernacional da matéria-prima pago pelo Brasil(3) ecâmbio(4) – de 1995 a 2007.

(1) Índice de Preços Pagos pelo Produtor Rural.(2) Em 1.000 t.(3) US$ corrente por tonelada – FOB.(4) R$/US$ corrente.Fonte: FGV (2008), Banco Central do Brasil (2008), Anda (2008) e Brasil(2008b).

1995199619971998199920002001200220032004200520062007

111,21132,05136,85137,11165,99186,49201,32234,05310,65358,26348,81323,57338,69

Índicesde preços

10.83912.24813.83414.66913.68916.39217.06919.11422.79622.76720.19520.98224.609

Ano Consumo

140,19149,68142,72137,24125,54124,70124,26120,59116,54161,34196,92190,15262,26

Preçointernacionalda matéria-

prima

0,921,011,081,161,811,832,352,923,082,932,442,181,95

Câmbio

Tabela 11. Resultado do modelo de preço dofertilizante estimado(1).

(1) Tabela elaborada pelos autores, com base em: IPP fertilizante,consumo fertilizante, preço FOB pago pela matéria-prima e taxa decâmbio.Fonte: FGV (2008), Anda (2008), Brasil (2008b) e Banco Central doBrasil (2008).

InterceptoConsumoUS$/tCâmbioErro-padrãoR² ajustado = 0,9683

-2,949030,492030,629840,593310,07587

F = 123,11

Variável Coeficiente

-1,546181,895484,160764,16933

-

Teste t

0,156460,090560,002440,00241

-

Pr>[t]

Pr > F = < 1,265E-07

Os coeficientes estimados significam as elastici-dades de longo prazo da função preço do fertili-zante ao produtor. Como todas as elasticidadesestimadas apresentaram sinais positivos (confor-me esperado), pode-se interpretá-las da seguinteforma: a redução de 1 % no consumo de fertili-zante resultará na diminuição do preço ao produ-tor em 0,492 %; a queda de 1 % no preço interna-cional da matéria-prima, a custo FOB, reduziráem 0,629 % o preço do fertilizante ao produtor; ea variação para baixo de 1 % na taxa de câmbioresultará em 0,593 % de decréscimo no preço dofertilizante ao produtor.

Os coeficientes acima mostram que o preço dofertilizante ao consumidor final é inelástico emface das variáveis selecionadas, significando queé interessante para as empresas produtoras res-tringirem a oferta para obterem melhores resulta-dos em termos de lucro.

Composição do preço dos fertilizantes

A variação dos preços dos fertilizantes ao consu-midor final não pode ser explicada apenas pelocomportamento das variáveis apresentadas naTabela 10 (IPP fertilizante, consumo, preço inter-nacional da matéria-prima e câmbio). Junto comas relações mostradas na seção “Determinaçãodo preço dos fertilizantes”, o preço do fertilizanteé influenciado, sobretudo, pelos itens que com-põem a estrutura de custo do fertilizante até seuconsumo final.

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 14

Após análise da cadeia produtiva dos fertilizan-tes, pôde-se indicar as seguintes variáveis rele-vantes para a formação do preço desse insumoagrícola: i) custo das matérias-primas; ii) custo dotransporte marítimo; iii) custos portuários; iv) tri-butos externo e internos; e v) custo de transporteaté os centros consumidores.

Custo da matéria-prima

Um dos principais motivos para a recente eleva-ção do preço do produto é a dependência que oBrasil tem em relação ao mercado externo de fer-tilizantes, pois o País importa, em média, 58 %dos fertilizantes que consome. Os motivos alega-dos pelo mercado e pela indústria que acarreta-ram o significativo aumento de preços foi o cres-cimento da demanda, sobretudo nos Estados Uni-dos, na Índia e na China. A Tabela 12 apresentaas variações de preços internacionais de maté-rias-primas, em dólares (US$), para o período de2003 até dezembro de 2007.

ber: inundação de uma mina de potássio na Rússia;elevação do frete marítimo em cerca de 50 %; etaxação em 30 % nas exportações da China, parareter a matéria-prima em seu mercado interno.

Custo do transporte marítimo

O frete marítimo é outro componente de custo queinflui na formação do preço final dos fertilizantes.Considerando as principais rotas de fretes maríti-mos dos fertilizantes, constituída pelas rotas deorigem do Báltico, do Mar Negro, de Tampa e deNorkfolk, pôde-se construir um preço médio paraos fretes praticados no mercado internacional.

Em maio de 2006, a média dos preços internacio-nais do frete marítimo situou-se em torno deUS$ 25,50 por tonelada. A partir de junho do mes-mo ano, o preço médio iniciou uma escalada, tendoatingido, em dezembro de 2007, US$ 65,00/t. Se-gundo a Anda (2008) e a Ama Brasil (2007), as des-pesas médias realizadas com fretes marítimos acres-centam um custo médio de 16 % aos preços dosfertilizantes do mercado internacional (FOB), consi-derados atualmente. A Fig. 10 ilustra esse cenário.Nela estão apresentadas as curvas dos preços dasrotas acima citadas e o preço médio calculado.

Custo portuário nacional

Os custos portuários incidem, da mesma formaque os fretes marítimos, no preço final dos fertili-zantes. Os custos portuários são compostos, ba-

Tabela 12. Evolução dos preços internacionais dematérias-primas em US$/t.

Fonte: Ama Brasil (2007) e Anda (2008).

MAPTSPKCLUréia

213,0172,5138,0167,6

2003

257,3213,5183,5183,6

Matéria-prima 2004

269,8218,8223,6244,5

2005

259,9221,4192,1246,9

2006

590,0495,0360,0445,0

2007

Outro motivo que justifica o aumento dos pre-ços foi que os preços de produtos como o nitro-gênio e a uréia estão atrelados ao preço inter-nacional do petróleo e do gás natural, respecti-vamente. Como a produção mundial do petró-leo é controlada pela Organização dos PaísesExportadores de Petróleo (Opep), que manipulaa oferta do produto e determina artificialmentesua formação de preços em curto prazo, seuspreços e os preços do gás natural forammajorados na mesma proporção.

Além dos fatores já citados, outros concorrerampara o aumento dos preços dos fertilizantes, a sa-

Fig. 10. Fretes internacionais: média das principaisrotas de transporte de fertilizantes (US$/t).Fonte: Anda (2008).

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200815

sicamente, das seguintes rubricas: Adicional aoFrete para Renovação da Marinha Mercante(AFRMM), Despesas Portuárias propriamente di-tas, demurrage e outros custos.

Segundo dados da Anda (2008) e da Ama Brasil(2007), as despesas portuárias totais em 2007 re-presentaram cerca de 20 % de acréscimo ao pre-ço das matérias-primas importadas para a produ-ção de fertilizantes, na média. Nesse total, as des-pesas portuárias acrescem algo em torno de 12 %ao preço dos fertilizantes, considerados a custo CIF.

Da mesma forma, o AFRMM acresce 4 % ao pre-ço CIF dos fertilizantes importados (25 % sobrefrete cuja média atual é de R$ 71,00/t); portanto, aAFRMM tem um custo médio de R$ 17,50 por to-nelada. Por fim, as taxas de demurrage e outroscustos portuários significam 4 % de acréscimo aopreço dos fertilizantes importantes.

Custo tributário

Os custos tributários correspondem aos impostosreferentes ao Imposto de Importação (que é com-preendido pela Tarifa Externa Comum (TEC) e pelaLista de Exceção do Mercosul), ao Imposto sobrea Circulação de Mercadorias (ICM), ao Impostosobre Produtos Industrializados (IPI), ao Programade Integração Social (PIS), ao Programa de For-mação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep)e à Contribuição para Financiamento daSeguridade Social (Cofins).

Os valores da TEC foram recentemente modifi-cados pelo Conselho de Ministros da Câmarade Comércio Exterior (Camex), que decidiu,durante a sua 46ª reunião, zerar as alíquotas deimportação de fertilizantes. Os fertilizantes pos-suíam uma alíquota de importação de 6 % den-

tro da Tarifa Externa Comum (TEC) e de 2 % naLista de Exceções. Hoje constam da Lista deExceção, com alíquota zero, cerca de cem pro-dutos. A partir de janeiro de 2008, será iniciadaa queda, por ano, de 25 deles. Já a Lista de Ex-ceção será extinta em 2011.

Quanto ao IPI, o setor está isento desse imposto.Para o ICM, a base de cálculo aplicada aos ferti-lizantes está reduzida em 30 % nas operaçõesinterestaduais, a qual deverá permanecer até abrilde 2008. Vigora também o diferimento nas opera-ções internas dos principais estados consumido-res (MG, GO, MT, MS, PR) e a isenção nas opera-ções no Estado de São Paulo, a partir de 1995.

A Lei nº 10.925, de 23 de julho de 2004, reduziu azero as alíquotas da contribuição para o PIS/Pasep ea Cofins, incidentes sobre a importação e a receitabruta de vendas no mercado interno de fertilizantes.

Custo do transporte interno

Nesta análise, o transporte interno de fertilizan-tes compreende apenas as modalidades rodoviá-ria e hidroviária. Os dados relativos a valores dofrete interno de fertilizantes utilizados provêm doSistema de Informações de Frete (Sifreca) daESALQ/USP. Em sua forma de cálculo, os valoresdependem do peso transportado, da região de ori-gem e destino do produto e das distâncias percor-ridas. Esses valores poderão sofrer influência dochamado “frete de retorno”. Como exemplo, es-tão apresentados, nas Tabelas 13 e 14, respecti-vamente, os valores relativos ao frete rodoviáriopara os fertilizantes transportados em sacas de50 kg e a granel. Da mesma forma, a Tabela 15indica os valores relativos ao transportehidroviário fluvial de fertilizantes.

Tabela 13. Custo do frete rodoviário de fertilizantes(1) (saca de 50 kg).

(1) Dados de 21/7/2007 a 24/8/2007.Fonte: Sifreca (2007).

CanoasCanoasCanoasParanaguá

RSRSRSPR

UF

45,0052,0048,8031,00

Origem R$/t

0,130,110,090,07

R$/t.km

CaçadorItuporanga

São Miguel do OesteGuarda do Embaú

Destino

SCSCSCSC

UF

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 16

Preço do fertilizante ao consumidor final

Os preços das matérias-primas nos estados doParaná e de Mato Grosso estiveram nos patama-res de R$ 607 a R$ 916 por tonelada, em setem-bro de 2007. E, no mesmo período, o preço dofertilizante formulado nos estados do Paraná e doRio Grande do Sul oscilaram entre os patamaresde R$ 733 a R$ 1.017 por tonelada. Esses valoresestão apresentados nas Tabelas 16 e 17.

Tomando para análise os casos mais críticos, ob-serva-se que o preço do superfosfato simples foimajorado em níveis acima de 32 %, entre julhode 2006 e julho de 2007, no Paraná e em MatoGrosso. Quanto ao fertilizante composto08-28-16, a elevação de seus preços variou maisque 21 % e 32 %, no Paraná e no Rio Grande doSul, respectivamente.

Tabela 16. Preço dos fertilizantes ao produtor – Paraná e Mato Grosso (julho de 2006 a setembro de 2007).

Fonte: Conab (2007).

Cloreto de potássioSulfato de amôniaSuperfosfato simplesUréia

695,00481,41447,24791,17

PRProduto/Ano

630560450830

MT

Julho de 2006

640,86553,36440,02851,86

PR

694460440865

MT

Janeiro de 2007

907608607907

PR

916736620916

MT

Setembro de 2007

Tabela 17. Preço dos fertilizantes ao produtor – Paraná e Rio Grande do Sul (julho de 2006 a setembro de 2007).

Fonte: Conab (2007).

Adubo 00-20-20Adubo 08-28-16

547,89748,50

PRProduto/Ano

520,92666,00

MT

Julho de 2006

597,60823,33

PR

585775

MT

Janeiro de 2007

7661.017

PR

733886

MT

Setembro de 2007

Tabela 15. Custo do frete hidroviário fluvial de fertilizantes(1) (a granel).

(1) Dados de 21/7/2007 a 24/8/2007.Fonte: Sifreca (2007).

Itacoatiara AM

UF

43

Origem R$/t

0,0387

R$/t.km

Porto Velho

Destino

RO

UF

Tabela 14. Custo do frete rodoviário de fertilizantes(1) (a granel).

(1) Dados de 21/7/2007 a 24/8/2007Fonte: Sifreca (2007).

CandeiasCatalãoRondonópolisUberabaUberabaUberabaUberaba

BAGOMTMGMGMGMG

UF

49,5040,0057,6079,2044,1061,5061,00

Origem R$/t

0,060,110,080,050,070,130,12

R$/t.km

Luís Eduardo MagalhãesRio Verde

Campos de JúlioCampo Novo do Parecis

MineirosOsascoSuzano

Destino

BAGOMTMTGOSPSP

UF

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200817

Concentração do setorAté o início dos anos 1990, havia uma marcantepresença estatal na produção de matéria-prima efertilizantes básicos pelas empresas Fosfértil eUltrafértil. A partir daí, deu-se início ao processode fusão e aquisição, bem como de venda deempresas estatais que atuavam no setor paraempresas estrangeiras. Após o processo deprivatização, o controle passou para as mãos daFertifós, cuja criação resultou de um consórcioformado por sete empresas, e a cadeia de fertili-zantes brasileira passou por grandes mudanças.As empresas que constituíram a Fertifós foram: IAP,Manah, Solorrico, Fertibrás, Fertiza e Takenaka/Ouro Verde. A Fig. 11 ilustra o processo citado,apresentando as empresas acionistas da Fertifóscom os respectivos percentuais.

e a Fertibrás, 12,76 %. A Fig. 12 apresenta anova situação acionária da Fertifós após esseprocesso de fusão.

Fig. 11. Fertifós e quadro de acionistas pós-privatização(1994) da Fosfértil/Ultrafértil(1).(1)Elaborado pelos autores, com base nos dados das empresas.

Com a aquisição, pelo Grupo Bunge Fertilizan-tes S.A., das empresas IAP, Takenaka/Ouro Ver-de e Manah, e aquisição, pela Cargill, daSolorrico e da Fertiza, a Bunge passou a deter52,3 % da Fertifós, enquanto a Cargill, 33,07 %,

Fig. 12. Participação acionária das empresas na Fertifósapós 2000(1).(1)Elaborado pelos autores, com base nos dados das empresas.

Em conseqüência, o consórcio Fertifós, capita-neado pela Bunge, passou a ter o controle acio-nário da Fosfértil, que, por sua vez, possui o con-trole total da Ultrafértil. Observa-se que esse pro-cesso de fusão e aquisição intensificou-se no se-tor, determinando grandes mudanças societárias,principalmente dentro do consórcio Fertifós. Dessaforma, a Bunge Fertilizantes S. A., que detinhadois votos no Conselho de Administração daFertifós, passou a ter cinco votos. As Fig. 13 e 14ilustram as mudanças ocorridas no Conselho deAdministração da Fertifós, após a ocorrência dasaquisições.

Com essas operações, houve significativa altera-ção na estrutura de votação do Conselho de Ad-ministração da Fertifós, no qual a Bunge Fertili-zantes S. A. passa a ter cinco votos, obtendo, as-sim, a maioria votante no citado Conselho.

Por conta desse intenso processo de fusão e aqui-sição, seu capital foi internacionalizado, pela par-ticipação de três grupos, resultando em um alto

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 18

Da fusão e da aquisição resultaram apenas trêsgrandes grupos multinacionais, em consonânciacom uma das tendências da globalização mun-dial, de forte concentração do setor. Os três gran-des grupos que dividem entre si esse complexoindustrial são: Grupo Bunge Fertilizantes S.A.,Grupo Yara e Grupo Mosaic (Fig. 17).

Esse quadro de concentração estende-se por todoo setor. A Fosfértil representa o exemplo concre-to desse processo. Em documento aberto, publi-cado em 2006, a Fosfértil comunicou a seus acio-nistas e ao mercado a composição do seu capitalsocial, em que a Bunge Brasil Holdings B.V. de-tém 43,43 %, enquanto a BPI – Bunge Participa-ções e Investimentos S.A. possui 6,96 %, valoresque conferem ao Grupo Bunge 50,39 % da Fosfértil(FOSFÉRTIL, 2006).

Uma análise do setor de matérias-primas mostraque a produção está concentrada nas mãos deum número reduzido de empresas, chegando, emvários casos, a concentrar 100 % da produçãonas mãos de um único grupo. Assim, o GrupoBunge/Fosfértil concentra a produção de cercade 76 % da rocha fosfática, 69 % do ácido sulfúri-co, 97,5 % do ácido fosfórico, 100 % do nitrato deamônia, 100 % da produção do DAP, 96 % doMAP, 94 % do superfosfato triplo, 70 % da produ-

Fig. 13. Fertifós – votos no Conselho antes das aquisições(1).(1)Elaborado pelos autores, com base nos dados das empresas.

Fig. 14. Fertifós – votos no Conselho após as aquisições(1).(1)Elaborado pelos autores, com base nos dados das empresas.

grau de concentração e integração vertical do se-tor. Em seguida, a Cargill Fertilizantes foi adquiridapela Mosaic, enquanto a Fertibrás, pela Yara.

Além disso, em 2003, a Bunge Fertilizantes S. A.adquiriu, da Companhia Paulista de Ferro e Li-gas, subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce(CVRD), a totalidade das quotas representativasda Dijon Participações Ltda., a qual correspondea 10,96 % do capital social votante e a 11,12 %do capital social da empresa Fosfértil. Essa aqui-sição não alterou a participação detida pelaBunge Fertilizantes no capital da Fertifós, empre-sa holding controladora da Fosfértil, mas a parti-cipação da Bunge Fertilizantes no capital socialtotal da Fosfértil passou de 30,1 % para 41,2 %.

A Fig. 15 a seguir apresenta os respectivos percen-tuais de participação de cada empresa da Bunge,apresentado pelo Swiss Bank, no documento deavaliação da Bunge Brasil S.A. em 2004.

Na Fig. 16, a seguir, observa-se a concentraçãodo capital social da Fertifós, com a nova partici-pação acionária dos Grupos Bunge, Yara e Mosaic.A internacionalização do capital da Fertifós de-correu tanto do fato de as empresas seremmultinacionais quanto de o seleto grupo determajoritariamente a produção e a comercializaçãode fertilizantes no mundo.

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Fig. 15. Participação da BungeFertilizantes nas empresas Fertifós eFosfértil.Fonte: Credit Suisse First Boston (2008).

Fig. 16. Participação dos grupos econômicos no capitalsocial da Fertifós(1).(1)Elaborado pelos autores, com base nos dados das empresas.

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Estima-se haver cerca de 60 misturadoras no País,entretanto mais de 82 % do total das vendas defertilizantes formulados (C4) é realizada por ape-nas quatro empresas: grupos Bunge, Yara, Mosaice Heringer. E, com os dados disponíveis sobre omarket share do mercado de fertilizantes no Bra-sil, estimou-se o Índice Herfndahl – Hirshman(HHI), cujo valor situou-se em torno de 2.463.Segundo Motta (2004), os organismos de prote-ção à concorrência dos Estados Unidos da Amé-rica definem, como altamente concentrados, osmercados com HHI superiores a 1.800. Assim,baseando-se na regra americana, pode-se con-cluir que o mercado de fertilizantes no Brasil seconfigura como um oligopólio.

O principal obstáculo à competição nas indústriasde misturas e fertilizantes é a concentração nomercado de rochas fosfáticas e acido fosfórico.Por outro lado, o aumento da demanda de rochafosfática para o Centro-Oeste é tido como absolu-tamente previsível, e, considerando que a ofertanacional de rocha fosfática é inelástica em curtoprazo, o atendimento dessa procura somente po-derá ter viabilidade por meio de matérias-primasfosfatadas importadas e transportadas para a re-gião central. Esse processo estaria condicionadoà realização de novos investimentos em fábricasmisturadoras e produtoras de fertilizantes formu-lados, com domínio acionário fora do grupo queatualmente domina o setor.

É mister realçar que os grupos das indústrias defertilizantes também controlam ou são sócios deboa parte das trading companies que comercia-lizam os grãos. Portanto, os produtores rurais degrãos são seus clientes nas duas pontas dessa ca-deia, e a rentabilidade desses produtores pode seravaliada pela relação de troca IPR/IPP, cuja rela-ção pode, em grande medida, ser determinadaantecipadamente, pelos preços dos fertilizantes,ou posteriormente, pelos preços das commoditiesfixadas pelas trading companies.

O mercado de commodities agrícolas é um dossetores mais concentrados do mundo, sendo do-minado, na maior parte, por quatro empresas fa-miliares e de atuação secular, quais sejam: ADM,Bunge, Cargill e Louis Dreyfus. A Fig. 18 ilustra o

Fig. 17. Concentração do setor de fertilizantes em 2007.

ção do superfosfato simples no Centro-Oeste, e,juntamente com a Petrobras, detém 100 % da pro-dução de amônia anidra. A CVRD detém 100 %do cloreto de potássio (ANDA, 2008; AMA BRA-SIL, 2007).

Estes números demonstram a concentração nes-se complexo industrial, e sem dúvida concede aoscapitais majoritários a capacidade de influir nospreços finais desse mercado, tendo condições deoperar dentro de um contexto de oligopólio.

Além disso, e como corolário desse processo deconcentração, o mercado de fertilizantes formula-dos, ou seja, o mercado para o consumidor final, édominado em mais de 57 % pelos mesmos três gru-pos, ou seja, Grupo Bunge, Yara e Mosaic. A Tabe-la 18 apresenta a participação percentual das em-presas no mercado de fertilizantes formulados final.

Tabela 18. Market share do mercado de fertilizantesformulados.

Fonte: Abiquim (2007) e Lima e Schmidt (2002).

Grupo Bunge/FosfértilGrupo Yara/FosfértilGrupo Mosaic/FosfértilGrupo HeringerCopebrásFertiparGalvaniIharabrasUnifértilOutrosTotal

Empresa

43,4015,0014,06

9,924,853,922,732,131,632,36

100,00

Participaçãoda empresa

(%)

C4 = 82,38 %HHI = 2.463,75

Índices deconcentraçãodo mercado

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processo de concentração no setor de fertilizan-tes, bem como no comércio de soja, milho ealgodão.

res. As projeções da necessidade de fertilizantesforam calculadas levando-se em conta osparâmetros tecnológicos recomendados pelaEmbrapa para cada cultura, bem como os níveistécnicos de produtividade utilizados pela Conabnos seus levantamentos de safra.

Em 2007, foram produzidas internamente 9.670 miltoneladas de adubo e importadas cerca de17.300 mil toneladas; a quantidade entregue foide 24.609 mil toneladas; havendo, ainda emagosto, um estoque de passagem de 2.379 miltoneladas.

Pela análise da Tabela 19, pode-se verificar quea necessidade prevista de fertilizantes para a sa-fra 2017/2018, somente para as culturas citadas,será de 34.093 mil toneladas e, não havendo in-cremento na capacidade nacional de produção,a importação necessária para completar o abas-tecimento será de 24.493 mil toneladas.

Haverá, portanto, um incremento na importaçãode fertilizantes, passando a atender a cerca de72 % da demanda. Assim, a dependência já exis-tente do agronegócio brasileiro quanto a esse fa-tor crítico deverá sofrer um aumento considerá-vel, e a produção nacional de commodities ficarádependente da importação de fertilizantes, sendoque somente 28 % da necessidade de adubo de-verá ser atendida pela produção nacional, o queatuará como um fator de risco para a competiti-vidade do setor agropecuário.

Fig. 18. Concentração no setor de fertilizantes ecommodities.

Previsão da demanda de fertilizantesInúmeras organizações nacionais e internacionaisrealizaram estudos de prospecção sobre a deman-da de fertilizantes, tanto em âmbito mundial quan-to em nacional. Neste caso, para se efetuar o cál-culo da demanda nacional futura de fertilizantesaté 2017/2018, levaram-se em conta os cenáriose as projeções de áreas plantadas, calculadas combase nos dados de Brasil (2008a), e foram utiliza-dos somente os dados agregados de algodão, ar-roz de sequeiro, cana-de-açúcar, feijão, mandio-ca, milho, soja e trigo. Para café, laranja e batata,foram utilizados os dados projetados pelos auto-

Tabela 19. Projeções da demanda, importação, estoques e produção de fertilizantes – de 2007/2008 a2015/2016 (1.000 t).

Fonte: Brasil (2008a).

2007/20082008/20092009/20102010/20112011/20122012/20132013/20142014/20152015/20162016/20172017/2018

-2.3792.6002.7002.8002.9003.0003.1003.2003.3003.300

Estoque inicialAno

9.6709.7009.7009.7009.7009.7009.7009.7009.7009.7009.700

Produção nacional

Oferta projetada

17.30016.56817.74018.68319.88320.96722.01422.74723.38523.90224.493

Importação

26.97028.64730.04031.08332.38333.56734.71435.54736.28536.90237.493

Oferta

24.60926.04727.34028.28329.48330.56731.6143234732.98533.60234.093

Consumo

2.3792.6002.7002.8002.9003.0003.1003.2003.3003.3003.400

Estoque final

Demanda projetada

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É relevante salientar que essas previsões de im-portação foram calculadas dentro de cenários compremissas conservadoras, podendo-se, então, su-por que a quantidade prevista para 2017/2018poderá ser ultrapassada.

Mantidos os preços internacionais atuais ao re-dor de US$ 500,00/t, o custo da importação pre-vista para 2017/2018, somente da matéria-pri-ma, será de aproximadamente US$ 12,2 bilhõesde dólares.

Conclusões e recomendações

Conclusões

Pode-se concluir que:

• Há uma alta concentração acionária no setorprodutivo de fertilizantes, no qual a tomada dedecisão está concentrada nas mãos de três gran-des grupos multinacionais: Bunge, Yara e Mosaic.

• A capacidade instalada da produção nacionalem 2007 somente atende a 30 % da demanda defertilizantes.

• Importam-se 100 % da demanda por enxofre.

• Importam-se 99,7 % da demanda por DAP.

• Importam-se 90,8 % da demanda por cloreto depotássio.

• Importam-se 88,3 % da demanda por sulfato deamônia.

• Importam-se 73 % da demanda por uréia.

• Importam-se 57,9 % da demanda por SPT.

• Importam-se 60,6 % da demanda por MAP.

• Importam-se 76,9 % da demanda por nitrato deamônia.

• Em 2018, poderá ocorrer um incremento de74 % nas importações de fertilizantes, caso per-maneça inalterada a atual capacidade produtiva.

• Haverá um aumento da dependência de insumoimportado, que hoje atende a 60 % da demandae que, em 2018, deverá participar com mais de74 % da demanda.

• Haverá impacto negativo no saldo da balançacomercial, com previsão de despesas com impor-tação de matérias-primas e fertilizantes da ordemde 9,8 bilhões de dólares em 2018.

• Aumentarão os custos de produção das principaiscommodities.

• Diminuirá a competitividade das commodities bra-sileiras em face dos concorrentes, com perda demercado.

• Os principais fornecedores de rocha fosfática parao Brasil foram Marrocos, Israel e Argélia, perfazendo86 % do total importado.

• Os principais exportadores de ácido fosfórico (pro-dutos intermediários) para o Brasil foram Estados Uni-dos, Rússia, Marrocos, Israel e Tunísia, perfazendo78 % do total importado.

• Os principais fornecedores de potássio para oBrasil foram Canadá, Rússia, Alemanha, Bielo-Rússiae Israel, perfazendo 95 % do total importado.

Recomendações

• Aumentar a capacidade de produção internade fertilizantes

O aumento da capacidade interna de produçãode fertilizantes é estratégico para que a produçãoagrícola brasileira não fique totalmente dependen-te da importação. Além disso, reduziria o impac-to sobre a balança de pagamentos. Esse aumentoda capacidade de produção poderia ser construídofora da esfera de influência do atual oligopólio,formado pela Bunge, pela Yara e pela Mosaic.

O aumento proposto traria enormes benefícios para acompetição do setor, caso seu capital ficasse sob aégide do setor produtivo. Nesse sentido, o setor pro-dutivo teria de possuir alta capacidade de organiza-ção, planejamento e gestão, fatores necessários paraexecutar e administrar tal empreendimento.

• Quem participa

O setor cooperativo, organizado num consórcio,teria total condição de levar a cabo tal investi-mento, pois já contaria com um mercado própriocativo para o fertilizante produzido. Outros seto-

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res produtivos regionais, organizados em funda-ções, associações de classe ou congêneres(Aprosoja, Fundação Mato Grosso, etc.), bemcomo o setor sucroalcooleiro, também poderiamrealizar tal empreendimento.

• O que construir e onde montar

Sugere-se a montagem de duas fábricas/mistura-doras (fertilizantes compostos NPK), sendo umalocalizada no Paraná e a outra em Mato Grosso,além de uma fábrica completa, incumbida tantoda extração da rocha fosfática, quanto da produ-ção de ácido sulfúrico, ácido fosfórico, MAP, DAP,SPS e SPT. Essa fábrica deverá ser construída najazida recém-descoberta em Mato Grosso, desdeque se confirme sua viabilidade, no que diz res-peito aos teores de fósforo na rocha e ao poten-cial da capacidade total.

• Linha de crédito para importação de matérias-primas

Estabelecimento de linha de crédito para finan-ciamento da importação de matérias-primas paraas novas organizações que estão sendo admiti-das nesse complexo (cooperativas e associaçõesde produtores).

• Aumento de investimentos em P&D

Para a obtenção de variedades mais eficientes nouso de fertilizantes e tecnologias, que permitamredução do custo de produção.

• Investimentos em infra-estrutura portuária elogística

Com vista na diminuição dos custos portuários,promover a ampliação dos berços existentes, coma melhoria de toda a logística interna, além daagilização da descarga de fertilizantes, diminu-indo, assim, os pagamentos de demurrage.

• Impostos de importação e ICM

Manter, na lista de exceção, todos os fertilizantesnela constantes, bem como insistir em sua prorro-gação, até que seja aprovada uma proposta dealíquota zero, a ser levada em discussão no âm-bito do Mercosul, dentro da Tarifa Externa Comum(TEC), para todos os fertilizantes e matérias-pri-mas importados pelo Brasil, nela constantes. Pro-

por que todos os decretos anti-dumping que esta-beleçam aumento de impostos de importação se-jam prontamente revogados. Quanto ao ICM, pror-rogar o acordo de diferimento do ICM cobradoatualmente pelos estados.

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A experiência norte-americana com oseguro agrícolaLições ao Brasil?

1 Economista, coordenador-geral de Análises Econômicas da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. E-mail:[email protected] Professor titular do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (ECO/UnB) e professor do mestrado em Agronegócios da UnB. E-mail:[email protected]

Marcelo Fernandes Guimarães1

Jorge Madeira Nogueira2

Resumo: O seguro agrícola é um instrumento eficaz de gestão de riscos rurais. Paradoxalmente,sua utilização pelos agricultores é relativamente baixa em quase todo o mundo. Os Estados Unidosda América, país onde essa modalidade alcançou reconhecido sucesso, representam uma notóriaexceção. O processo de adoção do seguro foi lento, muito dispendioso e envolveu a participaçãodeterminante do Estado em diversas ações complementares. Dessa forma, países que decidemincluir esse instrumento entre as prioridades de sua política agrícola, como parece ser o casobrasileiro, devem estar atentos aos requisitos para o seu sucesso e aos resultados e problemasgerados ou ampliados por sua massificação.

Palavras-chave: gestão de riscos rurais, seguro agrícola, política agrícola norte-americana.

IntroduçãoEm dezembro de 2003, o Congresso brasileiroaprovou a Lei nº 10.823 que autorizou aconcessão de subvenção econômica ao prêmiodo seguro rural, regulamentada pelo Decretonº 5.121/04. Essa iniciativa partiu do governofederal, que procurou estimular o uso desseinstrumento no rol de suas políticas agrícolas,tendência comum a diversos países. A despeitoda importância da subvenção para o desenvolvi-mento do seguro agrícola, faz-se importanteconhecer um pouco mais da experiência dealguns países sobre esse tema, a fim de avaliar osprováveis resultados da política brasileira. Estetrabalho tem por objetivo fazer uma análise daexperiência norte-americana com o seguroagrícola, a mais antiga de todas.

Os Estados Unidos da América (EUA), país ondeo seguro agrícola encontra-se mais difundido,vêm desenvolvendo, de forma sistemática,medidas de apoio a esse instrumento desde adécada de 1930. No entanto, foi somente apartir de meados da década de 1990 que a áreasegurada passou a representar uma parcelasignificativa da área cultivada e o seguro foidefinitivamente incorporado à política agrícoladaquele país. No entanto, deve-se ressaltar queeste nível de desenvolvimento só foi alcançadopor conta do papel extremamente ativodesempenhado pelo governo dos EUA, queenvolveu gastos muito elevados de subsídios aoprêmio e às despesas operacionais e adminis-trativas de seguradoras, além de diversas outrasações de apoio ao programa, inclusiveresseguro.

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 26

O seguro agrícola comoinstrumento de gestão de riscosA agricultura é uma atividade de elevado risco esignificativa incerteza, decorrentes tanto dainstabilidade de origem climática e das ameaçassanitárias, quanto das oscilações do mercado.Uma adequada gestão de riscos agrícolas podeafetar positivamente a estabilidade da renda doprodutor rural e sua própria permanência naatividade. No entanto, esta gestão mostra-secomplexa, exigindo, entre outros qualificativos,boa capacidade gerencial e elevado conheci-mento tecnológico, além de um alto grau deinformações permanentemente atualizadas.O gerenciamento de riscos no setor rural pode sedar de diversas formas, sendo as mais comuns: autilização de instrumentos oferecidos pelo setorde seguros e pelo mercado financeiro (mercadosfuturos, de opções, contratos a termo, etc.), a trocade insumos por produtos, a diversificação daprodução entre diferentes culturas e criações e adiversificação de atividades dentro e fora do setoragropecuário.

O seguro agrícola é reconhecidamente umimportante mecanismo de proteção da renda doprodutor rural. Ele atua de forma a amenizar osriscos de perdas na atividade agropecuária eproporciona a recuperação de sua capacidadefinanceira na eventualidade de sinistros ocorridospor motivos naturais incontroláveis. O segurorepresenta, então, um instrumento eficaz para atransferência do risco da agricultura para outrosagentes e setores econômicos (OZAKI, 2005;AZEVEDO-FILHO, 2000). Ademais, pelo aspectodos efeitos agregados sobre o setor, o seguroagrícola tende a estimular o aumento da áreacultivada e a proporcionar uma garantia do fluxode renda, facilitando, assim, a oferta definanciamento à atividade agropecuária.

Apesar dessas vantagens, esse instrumento temtido muitas dificuldades para apresentarviabilidade econômica em várias partes domundo. As causas parecem estar ligadas àprevalência de informações assimétricas nesse

mercado, fazendo que características como aseleção adversa e o risco moral, além do riscosistêmico, desestimulem a oferta por parte dascompanhias seguradoras3. Dessa forma, é comuma presença do Estado nesse mercado,desenvolvendo ações que busquem compensaressas deficiências. No entanto, essa intervençãopode envolver gastos extremamente elevados,além de outras medidas, principalmente de cunhoinstitucional, e exigir prazos muito longos paraapresentar resultados favoráveis. Países como oCanadá, a Espanha e o México, onde o seguroagrícola também alcançou bom nível dedesenvolvimento, também se apóiam fortementeno apoio estatal.

No Brasil, as experiências mais significativasresultaram do envolvimento direto do governo comprogramas de seguro agrícola de abrangêncianacional, que apresentaram sérios problemasoperacionais e administrativos, com histórico deelevadas fraudes e ineficiências. Com a aprovaçãoda Lei nº 10.823, o governo brasileiro espera agoraver desenvolvido um modelo de gestão de riscosrurais de responsabilidade inteiramente privada,mas contando com o apoio estatal, principalmentena subvenção ao prêmio pago pelos produtores, enão mais em resultados operacionais de programas.

O seguro agrícola nos EUA

Contexto histórico

Os EUA desenvolvem mecanismos formais degestão de riscos agrícolas desde o final doséculo 19. As primeiras experiências comseguros agrícolas privados de riscos múltiplosdatam de 1899, tendo prosseguido até o finalda década de 1920. No entanto, todasfracassaram e foram logo abandonadas(BARNETT, 2000; OZAKI, 2005). Por conta doinsucesso dessas iniciativas privadas, o governodos EUA criou, em 1938, a Federal CropInsurance Corporation (FCIC), vinculada aoUnited States Department of Agriculture (Usda),

3 Para mais detalhes sobre esses referenciais teóricos, ver Pindyck e Rubinfeld (2002) e Stiglitz e Walsh (2003).

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com o objetivo de formular políticas para odesenvolvimento do seguro agrícola, administrarprogramas e elaborar pesquisas. Inicialmente,criou-se um programa experimental restrito àsprincipais culturas e regiões produtoras.Entretanto, logo nos primeiros anos, o programaapresentou resultados financeiros negativos, adespeito do fato de não ter havido problemasclimáticos significativos, sendo necessáriorecorrer a aportes do Tesouro norte-americanopara cobrir os déficits gerados. Ozaki (2005)explica que tais resultados foram devidosprincipalmente a técnicas pouco desenvolvidasde precificação e a cálculos incorretos deestimativa de produtividade, aliados a problemasde seleção adversa.

Novos produtos e regiões foram paulatinamenteincluídos no programa e alguns ajustes eaperfeiçoamentos foram também tentados, semque houvesse, no entanto, uma melhoriasubstancial de seus resultados financeiros.Assim, entre 1939 e 1978, o programa alternouresultados atuariais negativos com resultadosfavoráveis, com uma leve preponderância paraesses últimos. Em 1979, o programa já atendiaa 29 culturas e beneficiava pelo menos umacultura nos 1.526 counties4 dos 3.100 existentesnos EUA (BARNETT, 2000).

Em 1980, o Crop Insurance Improvement Actdeterminou que o seguro agrícola seria a principalforma de proteção contra desastres naturais a queestavam expostos os produtores agrícolas norte-americanos e expressou a intenção de que asajudas ad hoc fossem extintas. Para tanto, instituiuuma série de medidas visando ao desenvolvimentodo instrumento. Entre elas destacaram-se aintrodução de subsídios ao prêmio pago pelosprodutores e a participação de companhiasseguradoras privadas na operacionalização doprograma e no compartilhamento parcial dosriscos5. As seguradoras também passaram areceber subsídios do governo para custear os

gastos operacionais e o desenvolvimento de novosprodutos de seguro. O programa também ampliouconsideravelmente o rol de produtos agrícolaspassíveis de cobertura e as regiões beneficiadas.Com o objetivo de oferecer maior segurança àscompanhias privadas, o governo introduziu aindaum esquema especial de resseguro, intituladoStandard Reinsurance Agreement (SRA), pelo qualoferece às seguradoras diversas formas de cessãode riscos6.

Com o fortalecimento do programa, julgou-se quenão haveria mais a necessidade de ajuda deemergência aos produtores rurais em decorrênciade problemas climáticos e supôs-se que aparticipação da área segurada com as culturaselegíveis ao programa alcançasse cerca de 50 %até o final da década de 1980 (GLAUBER, 2004).Entretanto, a seca ocorrida em 1988 e aconstatação de que a adesão ao programaalcançava apenas 25 % de todos os produtoreslevaram o Congresso a aprovar uma nova ajudaaos produtores rurais, para cobrir as perdas dosprodutores (GLAUBER; COLLINS, 2002).

A Tabela 1 mostra alguns indicadoresselecionados do programa de seguro agrícolados EUA entre 1981 e 2003. Entre 1981 e 1993,o desempenho atuarial do programa foidesastroso. Em nenhum dos anos, o índice desinistralidade foi inferior a 1, tendo a média doperíodo se situado em 1,52. O déficit nominalacumulado do programa (total de indenizaçõesmenos o total de prêmios arrecadados) noperíodo foi superior a US$ 3,65 bilhões,significando uma média anual de US$ 281 mi-lhões. A média anual da área total segurada nomesmo período foi de apenas 62,5 milhões deacres7 e, segundo Glauber (2004), teria sidoainda menor se a legislação que autorizou aajuda financeira, em virtude dos problemasclimáticos de 1988 e 1989, não estivessecondicionada à exigência de compra de seguroagrícola básico no ano subseqüente.

4 County é uma subdivisão político-administrativa do estado nos EUA, equivalente ao município no Brasil.5 Até 1980, as companhias seguradoras apenas comercializavam os produtos de seguro desenvolvidos pela FCIC.6 Para mais detalhes, ver item “Resseguro”, na página 30.7 O acre é uma medida de superfície e corresponde a 0,4047 ha. Para fins de comparação, a média da área colhida nos anos de 1982, 1987 e 1992 nos EUA foi de301,5 milhões de acres.USDA. National Agricultural Statistics Service. Disponível em: <http://www.nass.usda.gov>. Acesso em: 1 ago. 2006.

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Ao final dos anos 1980, tornava-se claro que osníveis de subsídios concedidos eraminsuficientes para fazer que a participação doseguro agrícola alcançasse os desejados 50 %do total da área plantada e que, para tanto,fazia-se necessária uma elevação do percentualdos subsídios ou a obrigatoriedade decontratação do seguro agrícola (GLAUBER,2004). Estudos conduzidos por Gardner eKramer (1986), Wright e Hewitt (1994) eGoodwin e Smith (1995), citados por Glauber(2004), concluíam que, para se atingir umíndice de participação de 50 %, seria necessáriauma taxa de subsídio da ordem de 50 %.

Em 1994, o Congresso e o governo federal dosEUA acordaram a edição do Crop InsuranceReform Act. Essa nova legislação determinavamais uma vez o fim dos pagamentos ad hoc paraajuda na ocorrência de catástrofes naturais,autorizava o aumento nos percentuais desubsídio aos prêmios do seguro agrícola etornava obrigatória a contratação do seguroagrícola na modalidade mais básica, preventivade catástrofes – CAT (Catastrophic RiskProtection), pelos beneficiários dos principaisprogramas governamentais de apoio aosprodutores rurais. O CAT cobria apenas 50 %da produtividade histórica do produtor e eraintegralmente subsidiado pelo governo.

As medidas adotadas surtiram efeito imediato,fazendo que a área coberta por seguro agrícolaem 1995 fosse a maior da história do programa,com mais de 80 % de participação sobre a áreaelegível ao programa, tendo a modalidade CATsido contratada em mais da metade da áreasegurada. Apesar desses resultados, as críticas dosprodutores norte-americanos à obrigatoriedade ea pressão por produtos de seguro mais sofisticadosinduziram o Congresso a eliminar a compulsorie-dade de cobertura pelo CAT, reduzindo subs-tancialmente sua contratação nos anos subse-qüentes.

O Federal Agriculture Improvement and ReformAct – Fair Act de 1996 – procurou desenvolver

novas e melhores formas de gestão de riscos, aserem oferecidas aos produtores rurais, einstituiu a Risk Management Agency – RMA(Agência de Gestão de Riscos), com o objetivode supervisionar e administrar as atividadesdiárias sob a responsabilidade da FCIC. No rolde produtos de seguro de cobertura a riscosmúltiplos, foram criadas também novasmodalidades, com destaque para os chamados“seguros de receita8”, conforme os quais nãomais se segurava apenas a produtividade, massim a receita financeira a ser gerada pelaatividade agrícola do segurado.

O aumento nos percentuais de subsídios e aintrodução das novas modalidades de segurode receita contribuíram para que, nos anosseguintes, os níveis de área segurada sesituassem próximos aos verificados em 1994 e1995. A Fig. 1 exibe a evolução da áreasegurada no período 1981–2003 e a Fig. 2apresenta a evolução dos percentuais médiosde subsídio ao prêmio no mesmo período.Destaca-se, porém, que agora, além de nãohaver mais a obrigatoriedade, percebia-se umaalteração na composição das modalidadesescolhidas pelos produtores rurais, os quaismigravam dos seguros básicos de produtividadepara os novos produtos de seguro de receita,que tiveram forte aceitação. Também contribuiupara esse resultado a introdução de descontosao prêmio dos seguros do tipo buy-up9,instituídos a partir de 1999, que representavamum subsídio adicional.

Em 2000, foi assinado o Agricultural RiskProtection Act (Arpa) que tornou a elevar ossubsídios ao prêmio e reduziu as diferençasentre os diversos níveis de subsídios em funçãodos níveis de cobertura, assim como equalizouas taxas de subsídio entre os seguros deprodutividade e os seguros de receita. Com baseem dados preliminares da contratação deseguro para a safra de trigo de 2001, Younget al. (2001) afirmavam que a Arpa contribuíapositivamente para o aumento da área segu-

8 Os seguros de receita são também freqüentemente denominados como seguros de renda.9 O termo buy-up refere-se a seguros com níveis de cobertura superiores ao seguro básico de catástrofes (CAT).

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Fig. 1. EUA: evolução da área segurada, de 1981 a2003.Fonte: Glauber (2004), elaborada pelos autores.

Fig. 2. EUA: percentuais médios de subsídio ao prêmio,de 1981 a 2003.Fonte: Glauber (2004), elaborada pelos autores.

rada, para a transferência de seguros deprodutividade para seguros de receita e para aescolha de níveis mais altos de cobertura pelosprodutores rurais.

Em 2003, o programa segurou um total de217,4 milhões de acres, com uma exposiçãoacima de US$ 40,6 bilhões, um total de prêmiosde mais de US$ 3,4 bilhões e subsídios que

superaram US$ 2 bilhões, equivalentes a umpercentual médio de 59,5 % (Tabela 1). Paraaquele mesmo ano, o índice de sinistralidadefoi de 0,94. A Fig. 3, que exibe o índice desinistralidade observado ao longo do período1981–2003, permite afirmar que, entre 1981 e1993, a sinistralidade do programa manteve-sesempre acima de 1 e o índice médio do períodofoi de 1,52. Entre 1994 e 2003, no entanto, asinistralidade foi superior a 1 em apenas 4 anose o índice médio foi de 0,98, demonstrando umadequado equilíbrio atuarial.

Para 2004, as estimativas indicavam um totalde 215 milhões de acres segurados, significandouma participação de 80 % em relação à áreaplantada elegível ao programa e uma exposiçãosuperior a US$ 46 bilhões (DAVIDSON, 2004citado por GLAUBER, 2004). Atualmente, oprograma compreende 22 planos de seguros,contemplando mais de cem culturas e comatuação em todo os EUA.

Fig. 3. EUA: índice de sinistralidade, de 1981 a 2003.Fonte: Glauber (2004), elaborada pelos autores.

Resseguro

A peça-chave do modelo de resseguro estabele-cido no programa de seguro agrícola dos EUA é oStandard Reinsurance Agreement (SRA), renego-ciado periodicamente10. Nele são definidas todasas cláusulas que regem o relacionamento entreas seguradoras privadas e a FCIC no tocante à

10 O atual SRA entrou em efetividade em 2005 e pode ser encontrado no sítio da RMA. O acordo anterior era de 1998. USDA. Risk Managemente Agency. Disponívelem: <http://www.rma.usda.gov>. Acesso em: 1 ago. 2006.

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participação das primeiras no programa. Dessaforma, desde o subsídio às estimativas de despesasadministrativas e operacionais até a política deretenção, cessão e compartilhamento de riscos,lucros e perdas estão ali incluídos.

Uma das características mais evidentes do SRArefere-se à exigência feita às seguradorasparticipantes do programa de que a nenhumprodutor rural elegível ao programa pode sernegado o direito ao seguro agrícola em qualquerum dos 50 estados da Federação, por umaseguradora que lá atue11. Assim, uma segura-dora que opere em um estado não podediscriminar produtores, culturas ou produtos deseguro naquele estado. Tal determinaçãoencontra-se claramente expressa na Seção IIA.2 do Standard Reinsurance Agreement (SRA)de 200512.

Pelo SRA, as seguradoras não podem ceder oureter o total do risco subscrito em uma apólice.Pode haver uma cessão proporcional do prêmioe da responsabilidade (exposição) à FCIC, bemcomo uma cessão não-proporcional do prêmioe da responsabilidade. O risco cedido por umaseguradora privada à FCIC é de inteiraresponsabilidade desta última. Para o restantede risco mantido pela seguradora, ela poderecorrer ao mercado privado de resseguro.

No relacionamento com a FCIC, uma seguradoradeve escolher entre três fundos para direcionarsuas apólices, em cada um dos estados em queela opera: o Assigned Risk Fund, o DevelopmentalFund e o Commercial Fund13. Cada um dessesfundos apresenta exigências específicas emtermos de cessão e retenção de riscos e depolíticas de compartilhamento de perdas e lucrosde subscrição, as quais variam de estado paraestado, conforme os riscos que apresentem.

Ao Assigned Risk Fund (ARF) são direcionadasas apólices consideradas de maior risco. A per-

centagem máxima de risco em cada estado quepode ser direcionada a esse fundo é estipuladano Acordo. Esse percentual varia de 10 % a75 %14. Ao Developmental Fund (DF), as com-panhias de seguro direcionam as apólices derisco intermediário difíceis de ser resseguradasem bases totalmente comerciais. A seguradoradeve reter no mínimo 35 % do prêmio da apólicee da exposição a ela associada. Ao CommercialFund (CF), as seguradoras direcionam osmelhores riscos, ou seja, as apólices com menorprobabilidade de perda. A seguradora deve reterpelo menos 50 % do prêmio e do risco associadoàs apólices destinadas a esse fundo. Nessefundo e no Distrito Federal, há ainda apossibilidade de aplicação do resseguro embases não proporcionais na parcela do riscoretido pelas seguradoras.

O direcionamento de apólices para diferentesfundos forma a parte proporcional das regrasdo acordo de resseguro. As regras na parte não-proporcional definem a responsabilidade daseguradora pelas perdas. Dependendo do fundoem questão e do montante das perdas, o Acordodetermina o grau de responsabilidade daseguradora, de forma que ela seja maior paraapólices destinadas ao Commercial Fund emenor para apólices depositadas no AssignedRisk Fund. O SRA também define as regras paraa divisão de lucros entre a seguradora e a FCIC.Similarmente ao compartilhamento das perdas,a distribuição dos lucros com as apólicestambém depende do fundo em questão e domontante do ganho com a emissão, de modo aque a parcela da seguradora nos ganhos sejamaior no Commercial Fund e menor noAssigned Risk Fund. Em outras palavras, nassituações em que a FCIC assume os maioresriscos, a parcela do lucro da operação que édestinada às seguradoras é menor e vice-versa.

11 Segundo Dismukes (2002, p. 9), a exigência aplica-se somente aos planos de seguro desenvolvidos pela FCIC/RMA. Segundo o autor, uma seguradora não é obrigadaa oferecer planos de seguro desenvolvidos de forma privada, porém elegíveis a subsídios e resseguro pela FCIC. No entanto, caso ela decida ofertar produtos de seguro,ela é obrigada a fazê-lo em todos os estados aprovados.12 “[...] the Company must offer and market all plans of insurance for all crops in any State where actuarial documents are available in which it writes an eligible crop insurancecontract and must accept and approve all applications from all eligible producers.” (KER, 2001, p. 559). Também cita essa mesma exigência no SRA de 1998.13 Dentro do Assigned Risk Fund e do Developmental Fund, há ainda uma subdivisão entre três fundos em cada um deles.14 Para se obterem os percentuais máximos de risco que podem ser direcionados ao Assigned Risk Fund (KER, 2001, p. 563).

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Avaliação dos resultados doprograma norte-americanoDecorridos mais de 25 anos de sua reestruturação,com a introdução dos subsídios e a participaçãode companhias seguradoras privadas, pode-seafirmar que o programa de seguro agrícola norte-americano encontra-se consolidado no rol dasprincipais políticas de apoio aos produtores rurais.No entanto, os resultados alcançados aindadeixam a desejar, dando motivos a muitas críticas,principalmente por parte da comunidade científicanorte-americana.

Inicialmente, percebe-se que o programa setornou um importante instrumento detransferência de renda ao setor rural. Goodwin(2001, p. 643) destaca que, entre 1981 e 1999,para cada dólar pago por participante doprograma, uma média de US$ 1,88 foi recebidoem indenização, descaracterizando-o como umprograma de seguro se fosse operado em basesprivadas. Skees (1999b, p. 7) também questionaos objetivos do programa. Para o autor, mais doque um instrumento de apoio à gestão de riscos,ele transformou-se em um mecanismo demercado para a concessão de mais subsídiosaos produtores rurais.

As críticas mais freqüentes referem-se ao fato deo programa ainda beneficiar um número pequenode produtores rurais e de haver uma grandevariação na área segurada e na disponibilidadede produtos de seguro entre as culturas e áreasgeográficas beneficiadas (MAKKI; SOMWARU,2001; GOODWIN, 2001).

Apesar da melhoria geral dos índices desinistralidade, o desempenho atuarial do programaesconde uma variância muito grande em relaçãoa culturas e regiões. Young et al. (2001) afirmamque a experiência com soja e milho no Centro-Oeste tende a apresentar um melhor desempenhoatuarial, ao passo que, entre as principais lavouras,o algodão nas planícies do Sul costuma apresentaros piores resultados. Embora reconheça que odesempenho atuarial do programa em âmbitonacional tem sido satisfatório, Skees (1999b)informa que o índice de sinistralidade agregado

mascara problemas que existem em muitasregiões, notadamente no Sul e no Sudeste,particularmente no Texas. Segundo o autor, gravesproblemas e iniqüidades resultam de abusos efraudes no programa. Goodwin (2001) tambémaponta grande variância nas sinistralidades entreestados, cujo exemplo extremo é o Estado de Iowa,onde o índice de sinistralidade acumulada entre1980 e 1998 foi de 1,01, e os estados de Arkansase Texas, cujos índices no mesmo período foram,respectivamente, de 2,97 e 2,72.

Skees (1999a) critica incisivamente o uso devultosos subsídios no programa, alertando parao fato de que eles trazem consigo uma grandeineficiência. Para o autor, a sociedade acabapagando para o produtor rural assumir um riscoadicional que ele normalmente não assumiria.Segundo o autor

[...] o efeito do subsídio é realocar fatores deprodução de uma parte da economia para outra(induzir mais terra, capital e trabalho a seremdespendidos na atividade agrícola do que ocorreriasob as simples forças do mercado) [...] (SKEES,1999a, p. 36, tradução nossa).

No entanto, ainda segundo o autor, é oproprietário dos ativos, principalmente da terra,o maior beneficiário, por conta de sua elevadavalorização. A questão ganha proporções maisgraves quando se constata que, em cerca demetade das unidades de produção agrícola dosEUA, quem efetivamente trabalha a terra não éo proprietário (SKEES, 1999a). Para o autor,tentativas de forçar uma redução artificial docusto do risco levam as pessoas a assumir novose diferentes riscos, até que seu nível de riscoretorne ao ponto em que se encontrava antesda intervenção da política pública, tornandoinócua a ação. Os produtores continuam aapresentar os mesmos riscos de antes, e osubsídio é incorporado ao valor dos ativos,criando barreiras à entrada de novosprodutores.

Um dos pontos mais comentados em relação aoprograma refere-se à questão de se e como ossubsídios alteram a decisão de produção dosagricultores. De uma maneira geral, a maioria dosautores que abordam essa questão reconhece que

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há efeitos sobre a produção e que estes, emborapequenos, dependem ainda da influência deoutras variáveis. Para Young et al. (2001), adisponibilidade do seguro agrícola subsidiadoafeta as decisões do produtor ao criar um incentivodireto à expansão da produção. Usando ummodelo de simulação15, os resultados mostram umcrescimento anual médio de 960.000 acres (0,4 %)na área plantada com as oito principais culturasnos EUA, ao longo do período de 2001 a 2010.Embora todas as culturas apresentem crescimentode área plantada, trigo e algodão respondem porcerca de 75 % desse aumento. Os autores afirmamque, embora modesto em âmbito nacional, esseresultado mascara importantes impactos regionaise individuais em termos de culturas específicas.Há ainda efeitos sobre os preços que serãocomentados mais adiante.

Goodwin et al. (2004) realizaram um estudoaplicado a produtores de soja e milho do Meio-Oeste norte-americano, e com produtores detrigo e cevada das planícies do Norte dos EUA,no período de 1985 a 1993. Os resultadosindicaram que uma redução de 30 % nos custosdo prêmio do seguro aumentava a participaçãodos produtores de milho em cerca de 25 %, ede soja em pouco mais de 20 %. No entanto, osimpactos sobre a área plantada eram quasenulos: 0,28 % para o milho e um valorestatisticamente insignificante para a soja. Nocaso do trigo e da cevada, os resultados foramsimilares, com um aumento da participação doprimeiro em 20,6 %, e do segundo em 19,2 %,porém, com um aumento de área plantadadesprezível para o primeiro e de 1 % para osegundo, demonstrando assim sua baixaelasticidade.

Skees (1999a) também concorda que oprograma influencia as decisões dos produtores.No entanto, apresenta estimativas um poucomais elevadas de impacto sobre a áreaplantada. O autor faz uma análise comparativado uso da terra do fim dos anos 1970 ao finaldos anos 1980, para as seis principais culturas

dos EUA, com o objetivo de avaliar as mudançasna produção. Ele conclui que a produçãodeslocou-se do sul e do leste do Meio-Oeste emdireção aos estados de topografia plana. O autorafirma que esses são estados com maiortransferência de risco e, embora reconhecendoque existem outras variáveis que contribuem parajustificar o fenômeno, acredita que as transferên-cias de risco expliquem uma parte das mudançasno uso da terra. Segundo o autor, os modelosutilizados sugerem que, para cada 10 % deaumento na transferência de risco, haja umaumento correspondente de 5 % na área plan-tada. Com base nas expectativas de transferênciasde subsídios para trigo, algodão e sorgo em 1999,o autor fez uma estimativa de aumento de 2 % a3 % da área plantada com essas culturas apenasdecorrentes dos subsídios. A estimativa sobre aárea plantada com milho e soja foi de 1 % a 2 %maior do que seriam sem os subsídios.

Esse não é, no entanto, o único impacto dossubsídios sobre a produção agrícola. Um outroaspecto importante a se considerar são os efeitosque a maior produção exerce sobre os preços.Ao resultar em maior área plantada e uma ofertade produtos agrícolas superior àquela que seriaobtida sem os subsídios, pode-se esperar efeitosde queda de preço. Skees (1999b) estima queos preços sofrem uma redução de cerca de3 %, sem precisar a que culturas ele se refere,enquanto Young et al. (2001) estimam o mesmopercentual, porém indicam que se trata dealgodão e arroz. Os mesmos autores estimamainda que, no caso do trigo, a resposta daprodução ao estímulo causado pelo programaem geral é suficiente para reduzir o preço emcerca de US$ 0,09 por bushel16. Segundo osautores, essa situação prejudica os produtoresque não contratam seguro agrícola e queterminam por receber preços mais baixos porseus produtos. Young et al. (2001) afirmam aindaque, em função desses ajustamentos demercado e de algumas despesas administrativasincorridas pelos participantes do programa, osbenefícios líquidos aos produtores participantessofrem uma redução considerável.

15 POLYSYS-ERS, desenvolvido pelo Economic Research Service (Usda).16 O bushel é uma medida de volume que corresponde a 25,401 kg para o milho e a 27,216 kg para a soja.

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Ainda em relação a elasticidades, Goodwin(1993) relata que, à medida que o risco aumenta,a elasticidade-preço da demanda por seguroagrícola cai significativamente. Assim,produtores com baixo risco apresentam umaresposta mais elástica a variações no preço doprêmio do que produtores de maior risco. Ossegurados selecionados de forma mais adversasão os que apresentam menor elasticidade aoaumento de preço dos prêmios.

Analisando 99 municípios, o trabalho confere queaqueles com históricos de maior sinistralidaderelativa apresentam menor elasticidade-preço nademanda por seguro agrícola. O resultado sugereque aumentos muito elevados no valor do prêmioincrementam a sinistralidade das seguradoras namedida em que produtores de menor riscodesistem do seguro mais rapidamente e em maiornúmero do que os de maior risco, confirmandoassim a presença de seleção adversa. Em umasimulação, o autor calcula que aumentos geraisno preço dos prêmios produzem elevação dareceita, em decorrência da inelasticidade-preçoda demanda. No entanto, verifica que asinistralidade também aumenta e numa proporçãosuperior às receitas, o que, segundo o autor, sugereque problemas de seleção adversa podem seragravados por aumentos gerais de prêmios.

Outro ponto freqüentemente abordado pelaliteratura especializada diz respeito à influênciamaléfica das ajudas ad hoc proporcionadas peloCongresso dos EUA aos produtores rurais e oconseqüente desestímulo à contratação deseguro agrícola. Apesar dos termos daslegislações de 1980 e 1994, que expressavamclaramente a intenção de não mais fornecerajuda a desastres naturais, desde o início doprograma o Congresso dos EUA já aprovoucerca de US$ 19 bilhões aos produtores norte-americanos sob a forma de assistência adesastres (GLAUBER, 2004). Para Skees (1999b,p. 37, tradução nossa), “Uma razão pela qualmuitos produtores não compram seguro agrícolaé que eles acreditam que, quando as coisasderem mal, o governo providenciará seguro

grátis na forma de pagamentos de desastres”.Para o autor, ao quebrar continuamente seucompromisso de não mais custear ajudas ad hoc,o Congresso tem minado o incentivo aosprodutores a adquirir seguro agrícola.

Nessa mesma linha de raciocínio, Skees (1999a)argumenta que as políticas de suporte de preçose garantia de renda adotadas pelos EUA por váriasdécadas contribuíram para que os mercadosfuturos não fossem tão utilizados pelos produtoresrurais e alerta que muitos dos novos seguros dereceita podem atuar no mesmo sentido,desestimulando ainda mais o uso dos instrumentosde mercados futuros pelos produtores. Nessesentido, o autor ressalta que o desenvolvimentode seguros de receita deve ser estimulado quandohouver efetiva presença de riscos de altavolatilidade de preços paralelamente à presençade elevados riscos naturais, que afetem aprodutividade. Se preponderarem riscos elevadosde variações significativas de preços, então, omais indicado será recorrer a mercados futuros.Analogamente, se predominarem riscos queafetem a produtividade sem grande oscilação depreços, o mais indicado será estimular o desen-volvimento de produtos de seguro voltados àcobertura da produtividade da lavoura (SKEES,1999b, p. 7).

Um dos argumentos utilizados na defesa desubsídios como política a ser adotada com vistano desenvolvimento do seguro agrícola é suporque sua contratação por produtores rurais induziriao uso de maior tecnologia, o que, por sua vez,provavelmente resultaria em níveis mais elevadosde produtividade (SOUSA, 1990a, 1990b). Noentanto, essa é uma questão controversa no quetange à experiência norte-americana. Embora sedesconheçam estudos científicos com o objetivode avaliação específica dos efeitos do uso doseguro agrícola sobre a produtividade agrícola,diversos trabalhos procuraram analisar os efeitosdo seguro agrícola sobre o uso de insumosquímicos17, muitas vezes apresentando resultadosconflitantes. Um dos trabalhos de granderepercussão acadêmica e ainda hoje muito

17 Mishra et al. (2005), Goodwin et al. (2004), Babcock e Henessy (1996) e Horowitz e Lichtenberg (1993).

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referenciado foi conduzido por Horowitz eLichtenberg (1993). Nele, os autores analisaramprodutores de milho do Meio-Oeste americano econcluíram que a aquisição de seguro agrícolaera positivamente correlacionada à utilização deinsumos químicos. Entretanto, outros estudoscitados por Glauber (2004)18 atestam que o usode insumos tende a declinar com a aquisição deseguro agrícola. Sobre esses estudos, o autordeclara que “(a) maioria conclui que os efeitos doseguro agrícola sobre o uso de insumos sãonegativos, sugerindo que o efeito resultante sobrea produtividade é provavelmente negativo”.(GLAUBER, 2004, p. 1190, tradução nossa). Mishraet al. (2005), em um trabalho empírico sobre trigode inverno em nível de propriedade rural,concluem que, entre os produtores daquele cerealde inverno, aqueles que adquirem seguro agrícolade receita tendem a gastar menos comfertilizantes, mas não alteram significativamenteos gastos com defensivos.

No que diz respeito à avaliação dos custos doprograma, a Fig. 4 apresenta a evolução do customédio do subsídio por acre de terra segurado, apreços reais de 200519. Em 1981, os percentuaismédios de subsídio ao prêmio situavam-se em12,5 %, e o custo médio por acre segurado, umpouco acima de US$ 2,00. Entre 1982 e 1994,os percentuais médios de subsídio variaram de22,3 % a 26,9 %, enquanto o subsídio por acresegurado variou de cerca de US$ 4,50 a US$ 3,20.Com a assinatura da Crop Insurance Reform Act,de 1994, e da Agricultural Risk Protection Act, de2000, os subsídios ao prêmio elevaram-seconsideravelmente, variando de cerca de 50 % a60 %, entre 1995 e 2003. Nesse mesmo período,o custo médio do subsídio por acre seguradoelevou-se substancialmente, chegando a alcançaraproximadamente US$ 10,00, em 2003.

Ainda em relação aos custos do Programa,Glauber (2004, p. 1182), utilizando valores reaiscorrigidos para 2000 e fazendo uso daabordagem marginalista da teoria econômica,demonstra que, com um adequado volume de

subsídios, os produtores adquirem seguroagrícola. Ele chama a atenção, no entanto, sobreos elevados e crescentes custos marginais dessaaquisição. Segundo o autor, como a demandapor seguro agrícola é geralmente inelástica emrelação ao prêmio, o custo marginal por unidadede terra da adesão de áreas adicionais aoprograma é muito alto. Segundo seus cálculos,o custo marginal do subsídio no período 1981–1994 foi de US$ 3,31 por acre, comparado aum subsídio médio por acre de US$ 2,73. De1995 a 1998, o custo marginal do subsídio poracre foi de US$ 10,51 contra um subsídio médiopor acre de US$ 4,99. Já de 1999 a 2003, o customarginal por acre foi de US$ 25,99 por acre,em comparação a um subsídio médio por acrede US$ 7,76 (Fig. 5). Ainda segundo Glauber,esses custos incluem apenas os gastos com osubsídio ao prêmio. Caso fossem computadostodos os gastos operacionais, os custosmarginais do subsídio por acre se elevariam acerca de US$ 30,00 por acre. Essa interessanteanálise de Glauber mostra de forma inequívoca

18 Quiggin et al. (1993), Babcock e Henessy (1996) e Goodwin et al. (2004).19 Deflacionados pela média anual do “Consumer Price Index” norte-americano.

Fig. 4. EUA: custos médios do subsídio por acresegurado – de 1981 a 2003.Obs.: valores reais de 2005, deflacionados pela média anual do Índice dePreços ao Consumidor (CPI) norte-americano.Fonte: Glauber (2004) elaborado pelos autores.

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a inelasticidade-preço do seguro agrícola, emque, para se alcançarem taxas elevadas deadesão ao Programa, foi necessário concedersubsídios em percentuais cada vez mais altos.

Com referência à iniqüidade do programa,entende-se que uma forma de corrigir asdistorções mencionadas seria estabelecerpercentuais de subsídios diferenciados em razãoda experiência histórica e do perfil de risco dosegurado. Para tanto, poder-se-ia utilizar osregistros históricos do beneficiário, atribuindo-se faixas de subsídios de acordo com osresultados do segurado. Dessa forma, seriaestabelecida uma relação inversa entre ospercentuais de subsídios concedidos e aexperiência verificada com a ocorrência desinistros e/ou indenizações pagas ao segurado.

Outro aspecto bastante criticado na literaturaespecializada diz respeito ao uso combinadode diversos programas de apoio ao produtor, queacabam competindo entre si, reduzindo aeficiência de alguns deles. No caso do seguroagrícola, Gray et al. (2004) abordam essaquestão em um estudo, no qual utilizam o CRC(Crop Revenue Coverage), e concluem que aeficiência desse programa seria muito maior naausência dos demais pagamentos realizadospelo governo20. Os autores sugerem que umapossível razão para os elevados montantesdespendidos com o programa de seguroagrícola dos EUA decorre do fato de os demaisprogramas de apoio ao produtor reduziremsubstancialmente o valor atribuído à reduçãode risco proporcionado pelo seguro agrícola.

Por fim, uma das questões mais sensíveis domodelo norte-americano é sua determinação deuniversalidade de acesso, segundo a qual anenhum produtor rural elegível ao programapode ser negado o direito ao seguro agrícola,em qualquer um dos estados, por umaseguradora que lá atue, por pior risco que elepossa representar. Sendo assim, como conciliarum objetivo de acessibilidade universal comeficiência econômica? Como garantirsustentabilidade atuarial de companhiasseguradoras privadas, de forma que possammanter-se e competir no mercado segurador? Talfato torna-se ainda mais grave ao se considerar

Fig. 5. EUA: custos marginais do subsídio ao prêmiodas coberturas buy-up.Obs.: valores reais de 2002.Fonte: Glauber (2004).

Merece comentário, também, o fato de osbenefícios do programa de seguro agrícola norte-americano não serem eqüitativos. Da forma comoo programa está estruturado, os produtores ruraisque apresentam riscos mais altos beneficiam-secom uma maior transferência de renda, porqueos subsídios são fixados como uma percentagemsobre o prêmio. Na medida em que o prêmioreflete a expectativa de risco apresentada por umdeterminado segurado, um agricultor de maiorrisco, e, conseqüentemente, de maior prêmio,receberá um montante de subsídio superior a deoutro produtor que apresente uma propriedade domesmo tamanho e explore a mesma cultura,porém com um risco mais baixo. Analogamente,as áreas e as regiões que apresentam riscos maiselevados também acabam recebendo uma maiortransferência de renda. Como já mencionado, Skees(1999a) chama a atenção para essa questão,demonstrando como a atual estrutura do programade subsídio ao prêmio do seguro agrícola contribuiupara aumentar a transferência da produção agrícolapara regiões de maior risco nos EUA.

20 Para essa análise, os autores utilizaram-se de uma metodologia de mensuração denominada Certainty Equivalent (Equivalente-certeza).

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que é o próprio governo, por meio da RMA, quetem a responsabilidade pela precificação dasapólices de seguro agrícola em todo os EUA.A resposta parece encontrar-se no Acordo Padrãode Resseguro (SRA), que constitui o âmago daparceria que envolve o governo e o setor privado.Como exposto anteriormente, pelos termos doAcordo, as seguradoras podem direcionar asapólices de maior risco para o Assigned Risk Fund,que oferece a elas condições extremamentevantajosas em caso de perdas. Esse tipo de acordonão oferece qualquer incentivo a uma política deeficiência e precaução na subscrição de riscos.Além de proporcionar lucros excessivos àsseguradoras, ele impõe um ônus adicional aoscontribuintes, que não só pagam os subsídios e oscustos do programa, como também os prejuízoscausados por uma administração de riscos menoseficiente do que ocorreria em condições normais.

A respeito do SRA, Miranda (2001), citado por Ker(2001), estima que o subsídio implícito na política deresseguro seja de 20 %. Da mesma forma, Vedenovet al. (2004), em uma análise econômica do SRA,afirmam que, no período entre 1997 e 2001, asseguradoras signatárias do SRA obtiveram ganhoslíquidos de cerca de US$ 1,5 bilhão, equivalente a16,6 % do valor dos prêmios, e que tais lucros teriamaté mesmo despertado críticas por parte de agênciasgovernamentais de controle. Os autores concluemque os termos do resseguro proporcionado pelo SRAresultaram em maior valor e menor variação noslucros das seguradoras, representando assim umincentivo à participação dessas no programa deseguro agrícola norte-americano. Ainda segundo osautores, mesmo em âmbito regional, a existênciado acordo torna lucrativo o seguro agrícola namaioria dos estados e que as seguradoras e predispõeas seguradoras a segurarem produtores e culturasde maior risco, dada a possibilidade de transferênciadeste à FCIC/RMA.

ConclusõesO mercado de seguros talvez represente um dosmercados nos quais a prevalência dasinformações assimétricas iniba a sua formação

e o seu pleno desenvolvimento. Os problemasdecorrentes da seleção adversa e do riscomoral parecem ser ainda mais relevantes parao mercado de seguro agrícola, que tambémpadece com os elevados custos de entrada eoperacional, além do risco sistêmico.

Essas características têm inibido o desenvol-vimento satisfatório desse ramo, e, por isso, namaioria dos países onde o seguro agrícola seencontra mais desenvolvido seja comum apresença do Estado, atuando diretamente comosegurador ou subsidiando prêmios e despesasoperacionais de seguradoras, de forma a aumentara atratividade para as seguradoras e para osprodutores rurais. No entanto, essa possibilidadepressupõe uma forte capacidade fiscal, condiçãoessa encontrada, na maioria das vezes, apenasem países desenvolvidos.

Esse é justamente o caso dos EUA, onde odesenvolvimento do seguro agrícola é calcadono estabelecimento de um generoso acordo deresseguro (SRA), e principalmente nos elevadospercentuais de subsídio ao prêmio e às despesasoperacionais das seguradoras, os quaisdemandam considerável montante de gastospúblicos com o programa. Diversos autoresquestionam a eficiência da política de subsídioao prêmio, uma vez que, para eles, a demandapor seguro caracteriza-se claramente comoinelástica. Outros afirmam que essa política trazconsigo uma grande dose de ineficiência, coma sociedade pagando para o produtor ruralassumir um risco adicional que elenormalmente não assumiria.

A experiência com o programa norte-americanode subsídio ao prêmio parece demonstrar queele altera a decisão de plantio dos agricultores.No entanto, os efeitos, além de modestos,dependem também da influência de outrasvariáveis. Para a maioria dos autores, osimpactos sobre a área plantada em âmbitonacional são estatisticamente insignificantes.Ressalte-se, porém, que essa constataçãoesconde impactos relevantes, que variamconforme a região e a cultura produzida.

A análise da experiência norte-americana deixaclaro que o desenvolvimento do seguro

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agrícola, além de dispendioso, é um processode longo prazo, requerendo ainda diversasações por parte do governo e da iniciativaprivada. Assim, países que pretendem fazer usodesse instrumento em suas políticas agrícolas,como é o caso do Brasil, devem estar atentos aesses resultados e aos problemas gerados ouampliados por sua utilização de forma maisgeneralizada.

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Setor sucroalcooleirono BrasilSituação atual e perspectivas

Tarcizio Goes1

Renner Marra2

Geraldo Souza e Silva3

Resumo: Neste artigo, foram abordados vários temas relacionados ao setor sucroalcooeleiro noBrasil, como: a expansão da cultura canavieira, sua evolução tecnológica, a ocupação de novasáreas, a produção de etanol e açúcar, de forma competitiva em relação à praticada em outrospaíses, e sua crescente importância como base para o desenvolvimento da agroenergia. Destacou-se também sua função como fonte alternativa de energia no processo de substituição doscombustíveis fósseis. Por meio de análises qualitativas e quantitativas, constatou-se a expansãoda cultura da cana-de-açúcar, o desenvolvimento e a modernização do setor sucroalcooleiro, osquais têm contribuído incontestavelmente para o fortalecimento do agronegócio brasileiro, e,conseqüentemente, para o crescimento da economia do País. Foram analisadas, detalhadamente,várias questões: produção, consumo interno, preços, condições atuais e tendências defortalecimento dos mercados interno e externo do etanol e do açúcar brasileiro nos próximosanos. Abordou-se ainda a expansão da cana-de-açúcar versus a produção de alimentos.

Palavras-chave: agroenergia, cana-de-açúcar, açúcar, etanol.

1 Pesquisador da Embrapa. E-mail: [email protected] Analista econômico da Embrapa. E-mail: [email protected] Pesquisador da Embrapa. E-mail: [email protected]

IntroduçãoA cana-de-açúcar sempre teve papel muitoimportante na economia brasileira. E agora,vive-se uma nova e promissora fase. A va-lorização do etanol como alternativa àsubstituição dos combustíveis fósseis, o forta-lecimento do preço do açúcar no mercado decommodities, a utilização e a valoração desubprodutos industriais resultantes da fabricaçãode açúcar e álcool e a alcoolquímica são fatoresque motivaram uma forte expansão da culturada cana no Brasil, e induziram à modernizaçãoe à maior eficiência da indústria canavieira.O nosso complexo sucroalcooleiro é consi-derado o mais moderno e competitivo do mundo,

mantendo o País entre os grandes produtores deaçúcar e etanol. A expansão da cultura da cana-de-açúcar, prevista para os próximos anos, estábaseada no aumento de produção e do consumodo etanol para atender ao crescimento domercado interno e suprir as exportações, quedeverão crescer substancialmente. Neste artigo,apresenta-se a expansão da cultura da cana-de-açúcar no Brasil, como conseqüência imediatada valorização do etanol, com estimativas paraos próximos anos. São abordados aspectosrelativos ao desenvolvimento tecnológico dacultura, aos sistemas de produção e à evoluçãoda produção e da produtividade. Uma análise daindústria sucroalcooleira mostra o grau dedesenvolvimento tecnológico, os investimentos

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que estão sendo feitos no setor, o estágio atuale as tendências de modernização e melhoriados padrões de eficiência desse setor para ospróximos anos. Questões relativas a preço e aperspectivas do mercado interno e dasexportações são analisadas com base nos dadosatuais. A utilização e a valoração dos resíduosindustriais resultantes da fabricação do açúcare do etanol, principalmente do bagaço da canacomo co-gerador de energia, dão uma novadimensão ao processo de modernização daindústria canavieira. Finalmente, é feita umaabordagem sobre a expansão da cultura dacana-de-açúcar versus a produção dealimentos.

A cultura da cana-de-açúcarA cultura da cana-de-açúcar está intrinsecamenteligada à história e ao desenvolvimento do Brasil.Desde a época da Colonização, a cana temexperimentado um grande desenvolvimentoagronômico e industrial. O nosso complexosucroalcooleiro é considerado o mais moderno domundo, tendo o Brasil assumido a posição deliderança na produção de etanol. A forte expansãoda cultura da cana-de-açúcar no Brasil deve-se àvalorização do etanol, como uma das principaisfontes de energia limpa, uma vez que o mundopassou a reconhecer a necessidade de mudar suamatriz energética, até agora baseada quase queexclusivamente em combustíveis fósseis. Essamudança visa primordialmente à minimizaçãodas conseqüências danosas do efeito estufa, pormeio da utilização de fontes de energiasrenováveis, em atendimento às disposiçõesestabelecidas no protocolo de Quioto, domecanismo de desenvolvimento limpo (MDL).

O Brasil tem todas as condições para a ampliaçãoda produção de cana, por possuir mais terras e asmelhores condições edafoclimatológicas para aexploração daquela cultura do que qualquer país.Ademais, já domina a tecnologia de ponta defabricação de etanol. O Brasil e os Estados Unidossão responsáveis por cerca de 70 % da produçãomundial de etanol, mas nossa matéria-prima, acana-de-açúcar, nos coloca em vantagem em

relação ao milho, matéria-prima utilizada pelosEstados Unidos na produção do etanol.

Em 2006, o etanol registrou o maior índice decrescimento entre os 50 produtos mais exportadospelo Brasil, com uma elevação de 109,6 % emrelação ao ano anterior. As vendas chegaram a1,6 bilhão de dólares e o Brasil exportou 3,4 bilhõesde litros de álcool, cerca de 18 % da sua produçãototal (BRASIL, 2008). As estimativas evidenciamque, mantido o ritmo atual, as exportaçõesbrasileiras de etanol, em volume, deverão maisque dobrar até 2010, conforme Tabela 1, quemostra a evolução da exportação de etanol e asua participação nas exportações do agronegóciobrasileiro. Estima-se, portanto, que, a partir daí,as vendas externas dobrem novamente, atéchegarem próximo a 16 bilhões de litros, em 2020(ANÁLISE EDITORIAL, 2008). Se essas estimativasse confirmarem, isso implicaria não só mais investi-mentos de capital (ampliação e construção denovas usinas), como também, e principalmente,a expansão de áreas cultivadas com cana. A Tabe-la 2 (2a e 2b) mostra a evolução da exportaçãodo etanol e sua participação nas exportações doagronegócio brasileiro.

Área plantada e produção

A área cultivada com cana no Brasil (ano agrícola2006/2007) é de 6,3 milhões de hectares.Estimativas da União da Indústria Canavieira –Unica (2007) para a expansão da produçãoindicam, para 2010–2011, uma área total cultivadade 8,5 milhões de hectares. Para 2015–2016,11,4 milhões de hectares, e para 2020–2021,13,9 milhões, o dobro, portanto, da área totalcultivada hoje. O avanço em área deve-se àmelhora da rentabilidade do setor. A produtividademédia geral deve aumentar 1,2 % em relação àsafra anterior. Dados da Cooperativa dosProdutores de Cana (Coopercana) (SAMPAIOFILHO, 2007) indicam que, no Estado de SãoPaulo, onde se cultivam 60 % de toda a canaprocessada pela indústria, a área ocupada por essacultura é de 4,2 milhões de hectares. Mas, peloatual ritmo de expansão, a expectativa é de queessa área ultrapasse 6 milhões de hectares nospróximos 5 anos.

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2003

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tal

1.64

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185

814

829

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1.60

294

21.

199 35

1.56

2

706

1.03

413

.097

7.49

720

.594

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1,74

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13,

954,

020,

897,

784,

575,

820,

177,

59

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036

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100,

00

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01.

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218

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1.27

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.671

7.88

144

.552

2.06

550

62.

720

1.04

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334

375

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11.2

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652

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627

63.

334

1.37

211

.168 27

71.

256

295

1.34

849

.712

15.0

9664

.808

2.19

977

83.

029

1.14

41.

393

486

1.16

089

62.

094

169

1.20

1

755

1.04

116

.344

8.49

624

.840

8,85

3,13

12,1

94,

605,

611,

964,

673,

618,

430,

684,

84

3,04

4,19

65,8

034

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100,

00

12.5

171.

934

15.9

61 635

1.62

548

03.

440

1.46

513

.354 63

11.

557

245

1.32

955

.174

12.8

0267

.976

2.60

31.

233

4.28

71.

590

1.79

955

11.

744

1.08

82.

140

158

1.31

6

1.04

0

1.19

320

.740

9.90

530

.645

8,49

4,02

13,9

95,

195,

871,

805,

693,

556,

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524,

29

3,39

3,89

67,6

832

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100,

00

13.6

032.

486

19.8

81 852

1.96

049

44.

566

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.914 60

61.

375

370

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2007

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3.27

11.

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761,

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100,

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14.4

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517

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74.

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71.

413

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19.5

4387

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267

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13.

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91.

165

2.03

41.

372

3.91

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62.

533

1.38

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13.2

8843

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6,57

2,90

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00

14.4

232.

697

22.4

291.

356

2.84

662

35.

545

2.04

118

.147

2.08

01.

356

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1.77

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.198

2.42

01.

229

5.66

03.

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3.20

31.

036

2.48

41.

524

6.16

71.

605

2.95

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1.46

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14.5

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105,

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0812

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529

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00

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342.

419

24.9

501.

523

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352

76.

244

1.99

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31.

481

491

1.77

278

.048

16.9

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.978

2.95

91.

720

6.70

34.

425

4.62

01.

230

3.02

31.

703

5.10

01.

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1.39

2

2.25

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.009

18.4

1158

.420

5,06

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77,

577,

912,

115,

172,

928,

732,

535,

83

2,38

3,85

68,4

831

,52

100,

00

12.4

772.

343

23.7

211.

615

3.16

260

56.

580

2.01

019

.359

2.82

41.

494

581

2.06

678

.838

24.0

4110

2.88

0

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 42

Com relação à produção, as estimativas daUnica apontam para: 430 milhões de toneladas(em 2006–2007); 601 milhões de toneladas (em2010–2011); 829 milhões de toneladas (em2015–2016); e 1.038 milhões de toneladas (em2020–2021), conforme mostra a Tabela 2a.

Os dados apresentados na tabela 2a têm por baseum cenário mundial positivo em relação àsprojeções para o consumo de etanol. Entretanto,as projeções realizadas pela Embrapa (Tabela 2b),que têm como base o comportamento históricodos dados (de 1990 a 2007), ainda não confirmamesse crescimento sinalizado pelas projeções daUnica. Com relação às projeções sobre produçãoe consumo de açúcar, as duas análises apresen-tadas nas Tabelas 2a e 2b não são divergentes.

Sistemas de produção

O sistema de produção da cana evoluiubastante, graças, entre outros motivos, astecnologias que permitiram o aumento daprodutividade e da expansão da cultura por novas

Tabela 2a. Expansão da produção de cana-de-açúcar no Brasil – açúcar e álcool.

Cana-de-açúcar: produção (milhões de toneladas)Cana-de-açúcar: área cultivada (milhões de ha)Açúcar: produção (milhões de toneladas)Açúcar: consumo internoAçúcar: excedente para exportaçãoÁlcool (bilhões de litros)Álcool: consumo internoÁlcool: excedente para exportação

Cana-de-açúcar, açúcar e álcool

Fonte: Unica (2005).

4306,3

30,29,9

20,317,914,2

3,7

2006–2007

6018,5

34,610,524,129,723,2

6,5

2010–2011

82911,441,311,429,946,934,612,3

2015–2016

1.03813,945,012,132,965,349,615,7

2020–2021

Tabela 2b. Expansão da produção de cana-de-açúcar no Brasil – açúcar e álcool.

Cana-de-açúcar: produção (milhões de toneladas)Cana-de-açúcar: área cultivada (milhões hectares)Açúcar: produção (milhões de toneladas)Açúcar: consumo internoAçúcar: excedente para exportaçãoÁlcool: produção (milhões de m3)Álcool: consumo interno (milhões de m3)Álcool: excedente para exportação (milhões de m3)

Cana-de-açúcar, açúcar e álcool

514,2 6,7

29,79,5

20,216,313,6

2,7

2007

551,87,3

35,810,525,317,313,9

3,5

2010

678,28,8

41,711,530,218,814,3

4,5

2015

740,29,5

45,012,033,019,814,5

5,3

2018

áreas. Variedades de diferentes procedências e umtrabalho eficaz de melhoramento genéticoajudaram o Brasil a se tornar o maior e o melhorprodutor de cana-de-açúcar. Os programas demelhoramento genético promoveram significa-tivos ganhos de produtividade. Na década de 1970,a produtividade ficava em torno de 45 t/ha. Hoje, aprodutividade média é de 75 t/ha (ROSSINI, 2007),e esse número deverá aumentar nos próximos anos,graças ao desenvolvimento de pesquisas e àdisponibilidade de variedades mais produtivas.

Aspectos técnico-agronômicos

O desenvolvimento tecnológico da cultura dacana tem duas vertentes principais: a obtençãoe a inclusão de novas variedades no processoprodutivo e técnicas de adubação e correçãodo solo, que permitem a expansão da culturapor áreas novas, e a elevação dos níveis deprodutividade, além de outros fatores de igualimportância, como novas práticas culturais, demanejo e de controle fitossanitário, entre outras.

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200843

Nos anos 1970, com o surgimento do ProgramaNacional de Produção de Álcool (Proálcool), osagricultores iniciaram o plantio da cana em áreasnovas, de baixa fertilidade, com base na utilizaçãoda variedade SP70-1143, de característicasrústicas, que se tornou a variedade mais plantadano Estado de São Paulo. A partir daí, iniciou-se umanova fase na cultura da cana-de-açúcar, com osurgimento dos grupos varietais, que dividem aresponsabilidade de sustentar a produtividade dacanavicultura brasileira. Portanto, foram osprogramas de melhoramento genético da cana-de-açúcar que promoveram ganhos constantes deprodutividade, permitindo a expansão e asustentabilidade da cultura, de forma competitiva.Atualmente, a pesquisa colocou à disposição maisde 500 variedades de cana, das quais 20 ocupam80 % da área de produção. No entanto, a variedademais utilizada atinge apenas 12,6 %. O aumentoda diversificação nos últimos 20 anos garantiusegurança à resistência contra pragas e doenças.

A biotecnologia da cana no Brasil apresentavariedades transgênicas – não-comerciais – desdemeados de 1990. Vale ressaltar que, para manteressas competitividade e sustentabilidade, énecessário continuar a investir em pesquisa comvistas na geração de novas tecnologias. A tec-nologia industrial também avançou. Hoje, obtém-se muito mais álcool por tonelada de cana do quese obtinha três décadas atrás, no início da atuaçãodo Proálcool (Fig. 1).

Evolução da produção e da produtividade

Projeções feitas pela Unica (2005) mostram umcrescimento de cerca de 120 % na área plan-tada com cana-de-açúcar, nos próximos 14 anos,conforme se vê na Tabela 2a. De acordo com amesma fonte, está previsto, para o mesmoperíodo, um aumento de 141 % na produçãode cana-de-açúcar, que, na safra 2020–2021,deverá ultrapassar 1 bilhão de toneladas.O aumento da produtividade agrícola da culturaestá estimado em 9,5 %.

Tendências

A expansão da área plantada com cana-de-açúcarnos próximos anos resultará do aumento dademanda por etanol e da melhoria da rentabi-lidadedo setor em decorrência de avanços tecnológicosresultantes da implementação de novos projetos,principalmente nos estados de Goiás, Mato Grossodo Sul, Minas Gerais, Paraná e São Paulo. Em SãoPaulo, dada a pouca disponibilidade de terras, aprodução deverá se concentrar nas regiões oestee noroeste. No Paraná, a produção deverá crescerna direção do arenito de Caiuá. Outras regiões aserem consideradas são o Triângulo Mineiro, o sulde Goiás e a Bacia do Rio Paraná, em Mato Grossodo Sul. Essas áreas deverão ser escolhidas emvirtude do relevo apropriado à colheita mecani-zada, do regime pluvial adequado e das facilidadesde escoamento do produto, graças à proximidadede sistemas de transporte. As novas fronteiras estãoconcentradas no Vale do São Francisco e no oesteda Bahia, no Maranhão e no Piauí, por ofereceremboas condições técnicas para a produção de cana,por estarem localizadas próximo a portos deexportação e, principalmente, por serem terras maisbaratas do que as terras das regiões produtorastradicionais.

Dados da Unica (2005) mostram uma estimativada expansão do setor produtivo e da cultura dacana-de-açúcar no Brasil no período quecorresponde à safra 2007–2008 até a safra2015–2016, e os investimentos previstos paraos próximos 6 anos, incluindo a participação docapital externo, bem como a expansão do setorsucroalcooleiro no Brasil a partir de 2005–2006,conforme se vê nas Fig. 2 e 3 e na Tabela 3.

Fig. 1. Evolução da produtividade agrícola e industrialda cana-de-açúcar, no período de 1997 a 2006 (1977= 1).Fontes: IBGE (2008) e Santaelisa Vale (2008).

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 44

Fig. 2. Mapa da expansão do setor produtivo.Fonte: Unica (2007).

Fig. 3. Expansão do setor sucroalcooleiro no Brasil, de 2005 a 2010 e tendências.Fonte: Dedini (2007)4 e Unica (2007).

4 DEDINI. A expansão do setor sucroalcooleiro no Brasil a partir de 2005–2006. São Paulo, 23 de outubro, 2007. Dados utilizados na palestra por Marcos S. Jank,em São Paulo em 2007.

Região/Estado

761592911112918861

346

Unidade deProdução

552893514153720340

472

Cana(MMT)

11,6561,217,412,973,187,844,240,640,850,0

100,00

Participação(%)

N/NESPMGMSMTPRGORJESRSTotal

Brasil: Safra 2007/2008

Região/Estado

761655438133340871

455

Unidade deProdução

5542611095245957640

880

Cana(MMT)

6,2548,4012,5010,792,736,70

11,020,680,910,0

100,00

Participação(%)

N/NESPMGMSMTPRGORJESRSTotal

Brasil: Safra 2015/2016

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200845

Avanços tecnológicos significativos deverãoocorrer nos próximos anos. Tecnologiasincorporadas ao pacote tecnológico, como afertiirrigação por gotejamento subterrâneo,permitem elevar os níveis de produtividade e alongevidade dos canaviais, aumentando acompetitividade na produção de etanol.

Estágio atual e tendênciasda indústria sucroalcooleiraA história da cana-de-açúcar e da indústriacanavieira remontam ao início da Colonizaçãodo Brasil. O açúcar era, naquela época, um dosprincipais produtos de exportação da Colônia, eo engenho de açúcar tornou-se a base daeconomia colonial. Seguiram-se os cicloseconômicos do ouro, da borracha, do café, mas oaçúcar nunca perdeu seu lugar de destaque napauta de exportações do Brasil. Nos últimos30 anos, a cana-de-açúcar teve grande expansãoe a indústria sucroalcooleira modernizou-se,atingindo um elevado estágio de desenvolvimentotecnológico, principalmente a partir do momentoem que o mundo passou a considerar o álcoolcomo uma das principais fontes de energiarenováveis, capaz de reduzir as emissões depoluentes atmosféricos quando misturado àgasolina.

Hoje, o setor sucroalcooleiro é um dos maisdinâmicos e promissores da agricultura brasileira,fazendo parte do cenário da agroenergia, queengloba a produção de combustível e eletricidadelimpos e renováveis.

Tabela 3. Investimento no setor sucroalcooleiro.

Novas indústriasIndústrias existentesTotal

Investimentos nos próximos 6 anos

Fonte: Unica (2008).

US$ 14 bilhõesUS$ 3 bilhõesUS$ 17 bilhões

2007–200822 Ups (36 MT)7 % do total

Participação do capital externo

2012–201331 UPs (83 MT)

12 % do total

O mais importante e atual marco de progresso dosetor sucroalcooleiro é a bioeletricidade.A utilização do bagaço e da palha da cana-de-açúcar na geração de energia abriu uma grandefronteira para o desenvolvimento e ofortalecimento do setor, na medida em que abioeletricidade passa a ser considerada uma dasmais importantes fontes de geração de energiaelétrica.

A alcoolquímica, que compreende uma importan-te gama de produtos do etanol (polietileno,cloretos de polvinila e etila, etileno glicol eacetaldeído, entre outros), vem sendo resgatadacomo um novo fator de desenvolvimento esustentabilidade do setor sucroalcooleiro. Tendoconhecido momentos de projeção nos anos 1980,a alcoolquímica foi descartada em seguida, emvirtude dos altos custos relativos, os quais,atualmente, foram recontabilizados em favor daretomada dessa atividade. Todos esses fatoresapontam para um grande desenvolvimento efortalecimento do setor, nos próximos anos.

AçúcarEmbora a produção de etanol seja a principalopção no momento, a produção de açúcartambém vem crescendo graças ao volume deinvestimentos aplicados na implantação denovas plantas de produção de açúcar. Em 2006,o Brasil tinha 346 usinas em funcionamento.A previsão é de que, nos próximos 10 anos, cercade cem novas usinas sejam instaladas. Estima-seque a produção de açúcar em 2015–2016 tenhaum crescimento de 37 % em relação à safra2006–2007, atingindo 41 milhões de toneladas.Em âmbito mundial, o crescimento da produçãode açúcar atingirá um ritmo menor. Os estoquesmundiais estão baixos e sua recuperação serápequena nos próximos anos. De acordo comanálise feita pelo Instituto FNP (FNP, 2007,p. 238-242), os fatores que contribuíram para aredução dos estoques mundiais foram a quedana produção da União Européia e oconcomitante aumento da demanda na África,no Oriente Médio e no Leste da Ásia. Com isso,os preços alcançaram patamares consideravel-

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 46

mente mais elevados. Essa situação pode serevidenciada pela Fig. 4, que analisa ocomportamento de preços do açúcar nomercado internacional, no período de janeirode 2000 a fevereiro de 2008, tendo como fontea Bolsa de Nova Iorque (NYBOT), e na Fig. 5,que mostra a evolução do consumo e dosestoques mundiais de açúcar. Com relação àprodução mundial, a tendência é de que, naUnião Européia, ela fique estável ou mesmo embaixa, enquanto, nos Estados Unidos, opte-sepela estabilização da produção nos níveisatuais. Portanto, a expectativa é de que ocrescimento da produção de açúcar dar-se-ános países mais competitivos, ou seja: Brasil,Colômbia, Guatemala, México e Tailândia. Asprevisões são de que, nos próximos 10 anos, os

estoques mundiais de açúcar deverãopermanecer relativamente baixos. Com relaçãoà demanda, a China deverá se tornar o maiorimportador mundial desse produto (tomando olugar da Rússia), e a Índia, atualmente o segundomaior produtor mundial, poderá passar àcondição de importador. Portanto, em razãodesses fatores, as cotações de preço do açúcarno mercado internacional deverão se manteraquecidas.

Aspectos industriais e resíduos da produção

No Brasil, a indústria açucareira apresenta umelevado estágio de desenvolvimento tecnológicoque, associado a outros fatores de produção, fazdo País o maior produtor e o maior exportadormundial desse produto. Apesar das barreirastarifárias impostas, principalmente pelos EstadosUnidos e pela União Européia, o açúcar produzidona Região Centro-Sul apresenta o menor custo deprodução do mundo. O aumento da demanda poraçúcar no mercado externo e o fortalecimento dopreço dessa commodity, associados ao aqueci-mento dos mercados interno e externo de etanol,além de outros fatores, resultarão num processocada vez maior de modernização da indústriasucroalcooleira nos próximos anos. Um dos fatoresque contribuirão para o fortalecimento dessaindústria é a destinação adequada e a valorizaçãocada vez maior dos resíduos resultantes doprocesso industrial da fabricação do açúcar –bagaço, vinhaça, torta de filtro, etc.

Conforme dados da Santaelisa Vale (2008), obagaço da cana-de-açúcar, considerado comosubproduto, é gerado no processo de extração docaldo, obtido por meio de difusor ou moenda.É um material fibroso, composto principalmentede água (de 48 % a 52 %) e sacarose. Utilizadona indústria como combustível nas caldeiras, paragerar energia para as unidades processadoras decana, apresenta-se, no momento, como umagrande alternativa, associado à palha de cana,para gerar bioeletricidade (JANK; RODRIGUES,2007). Segundo estimativas da Unica, o setor tempotencial para suprir 15 % das necessidadesbrasileiras até 2015, com a geração de mais de

Fig. 4. Preço internacional do açúcar bruto (NY 11).Valores corrigidos pelo IPC dos EUA.Fonte: Usda (2008).

Fig. 5. Relação entre estoque e consumo.Fonte: Usda (2008).

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14.000 MWmédios a partir da utilização de75 % do bagaço e de 50 % da palha disponívelnas usinas. A Fig. 6 mostra o processo industrialda cana-de-açúcar e a tecnologia para aobtenção da bioletricidade.

Fig. 6. Fronteira tecnológica da cana-de-açúcar.Fonte: Unica (2007).

A vinhaça, oriunda do vinho fermentado nasdornas, é uma importante fonte de potássio parao plantio da cana-de-açúcar, como substitutocompleto ou parcial da adubação mineral.Comparada com o bagaço e a torta de filtro, avinhaça é o resíduo orgânico mais rico emnutrientes, principalmente em potássio,entrando, na sua composição, também cálcio,magnésio, fósforo, manganês e nitrogênioorgânico. A utilização da vinhaça no processode fertiirrigação, ou in natura, ou misturada comágua residual, ou até mesmo com água limpa,aplicada em conformidade com as normastécnicas estabelecidas – preservados os teoresmáximos de potássio permitidos no solo paraevitar a contaminação do lençol freático –, éuma prática cada vez mais utilizada, permitindoum aumento significativo nos níveis deprodutividade da cana-de-açúcar.

A torta de filtro, resíduo proveniente dotratamento do caldo pelo processo de filtragem,é rica em fósforo, possui elevada umidade econcentração de matéria orgânica da ordem de50 % a 60 %. Vem sendo utilizada no plantioda cana-de-açúcar em substituição completaou parcial da adubação mineral. A aplicaçãoda torta de filtro é feita em área total oudiretamente no sulco de plantio.

A palha atualmente é deixada no campo, comocobertura vegetal, para melhorar as condiçõesde produção, por reduzir as perdas de solo,mantendo a umidade e diminuindo a variaçãode temperatura.

Além da importância da utilização do bagaçona bioeletricidade, outro fator que vairevolucionar a indústria sucroalcooleira é autilização da palha, do bagaço e de restosculturais da cana-de-açúcar na obtenção deetanol. A utilização adequada dos resíduos,combinada à modernização dos processosindustriais, resultou em: produção de Singas –gás de síntese; hidrólises ácida e enzimática eou mista; produção de plástico à base de cana;produtos alimentícios, tanto animal quantovegetal; ração animal proveniente do bagaçohidrolisado, alcoolquímica e outros.

EtanolO Brasil é o segundo maior produtor de etanoldo mundo, com 18 bilhões de litros produzidosem 2006. Os Estados Unidos produziram20 bilhões de etanol, basicamente de milho.O custo do etanol produzido de cana no Brasilcorresponde à metade do custo do etanolproduzido de milho nos Estados Unidos e a umterço do produzido de beterraba na Europa(ANÁLISE EDITORIAL, 2008). Essa vantagem,associada à necessidade de substituição doscombustíveis fósseis por combustíveis limpos,conferiu uma posição de destaque ao etanolbrasileiro. Além do grande interesse manifestomundialmente por esse combustível, ademanda interna aumentou consideravelmente,em decorrência principalmente da procura peloautomóvel flex fuel, cujas vendas, em 2007,atingiram quase 90 % das vendas de carrosnovos, conforme se vê pela Fig. 7. Além disso,o etanol é fonte de energia renovável que tema vantagem de ser misturado à gasolina.

Mercado interno

A variação de preços do etanol depende devários fatores, mas está fortemente associada

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Fig. 7. Percentual de vendas de autoveículos noatacado, no mercado interno, por tipo de combustível.Período: jan./2005 a dez./2007.Fonte: Anfavea (2007)5.

aos períodos de safra e entressafra. A produçãoexecutada entre os meses de abril/maio anovembro/dezembro é comercializada durante oano inteiro. A volatilidade dos preços do etanol é

5 ANFAVEA. Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. Perspectivas quanto aos veículos flex fuel no Brasil. Brasília, DF, out. 2007. Palestrarealizada no Congresso Nacional.

influenciada por outros fatores (condiçõesclimáticas, etc.), mas depende fundamentalmenteda alternância ocorrida nos períodos de safra eentressafra. A Fig. 8 mostra os preços médiosmensais do álcool anidro e do álcool hidratadorecebidos pelos produtores no Estado de São Paulo,no período de janeiro de 1998 a setembro de 2007.

Mercado externo

O mercado externo depende da consolidaçãodo etanol como commodity energética mundial.Entre os fatores que determinarão o compor-tamento da exportação de etanol estão: o álcoolreconhecido como commodity – para que possahaver adequação da legislação nos paísesinteressados – e a construção de mecanismosde precificação e de hedge (contratos) (JANK;RODRIGUES, 2007). Para tanto, o mercadoficará condicionado ao atendimento das

Fig. 8. Preços por mês do álcool anidro e do álcool hidratado recebidos pelos produtores no Estado de SãoPaulo (R$/litros de janeiro de 2008). Preços deflacionados pelo IGP-DI/FGV (sem frete e sem impostos).Fonte: Cepea (2008).

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seguintes condições: efetivação de contratos delongo prazo e de mecanismos de hedging;desenvolvimento e adequação da logística paraexportação; e eliminação de tarifas deimportação pelos Estados Unidos e pela UniãoEuropéia. Segundo dados da Unica, aexportação atual é de 3,7 bilhões de litros(carburante e outros usos), podendo o Brasilgerar um excedente de mais de 12 bilhões delitros em 2015.

Tendência

Nos Estados Unidos, a Energy Bill estabeleceu ouso de 50 bilhões de litros de etanol até 2012,podendo chegar a mais de 130 bilhões de litrosem 2022. O etanol de milho está limitado a 56 bi-lhões de galões. A União Européia propôs aparticipação da energia renovável em 20 % doconsumo até 2020, sendo que, no mínimo, 10 %deverão ser com o uso de biocombustíveis.A produção de etanol nos Estados Unidos estábaseada em milho, enquanto, na Europa, embeterraba e cereais – como trigo, cevada, milhoe centeio –, com custos muito maiores do que oetanol brasileiro, que é feito de cana-de-açúcar.A tendência, portanto, é de que as exportaçõesbrasileiras cresçam nos próximos anos,considerando a demanda de outros países.O Japão, por exemplo, tem um mercado potencialestimado em 10,6 bilhões de litros (JANK; RODRI-GUES, 2007). Com relação ao mercado interno,a previsão é de um crescimento substancial doconsumo e da produção, conforme se vê naFig. 9, a qual mostra a evolução da produção edo consumo de etanol a partir de 2006/2007, comestimativa até 2020/2021.

Cana-de-açúcar versusprodução de alimentosSegundo Moraes (2007), o território brasileiro tem851 milhões de hectares, dos quais 463 milhõessão áreas onde não se pode produzir – FlorestaAmazônica, Mata Atlântica, Pantanal Mato-Grossense, parques e reservas florestais, etc.Restam 388 milhões de hectares para a

Fig. 9. Biomassa da cana: projeção de produção econsumo de etanol (em bilhões de litros/ano).Fonte: Unica (2008).

agricultura. Desses, 282 milhões já estãoocupados com agricultura ou pecuária, restandoainda 106 milhões de hectares onde se podeproduzir. A área de cana-de-açúcar equivale a2,34 % da área com produção agrícola, a 1,70 %da área agricultável e a 0,78 % da área total doPaís. Se considerarmos a área total comagricultura no Brasil, dos 282 milhões dehectares, 220 milhões estão ocupados compastagens e 62 milhões com agricultura. A áreade 220 milhões de hectares de pastagem contacom 207 milhões de cabeças de gado e a taxade ocupação é de 1,0 QAn/ha (quantidade deanimais por hectare) e de menos de 0,5 UA/ha(unidade animal por hectare). Uma unidade porhectare (1 Ua/ha) corresponde a 450 kg de pesovivo por hectare. Segundo estimativa da Unica(2008) e Amaral et al. (2007), se a lotação médiano Brasil chegar a 1,4 cabeça/ha, 50 milhõesde hectares a 70 milhões de hectares poderãoser disponibilizados para a agricultura,conforme Fig. 10 e Fig. 11. A se confirmaremessas informações em face dos novos númerosindicados pelo Censo Agropecuário do IBGE,essa seria a real situação de disponibilidade deárea para expansão da cultura de cana-de-açúcar no Brasil.

A evidência é de que existe área disponível paraaumentar em 30 vezes a área atual plantadacom cana-de-açúcar, sem prejuízo das áreasde preservação ambiental, as de outras culturase as de produção de carne. Além disso, com oaperfeiçoamento da tecnologia de produção de

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Fig. 10. Brasil: agricultura versus pastagens.Fonte: IBGE (2008).

Fig. 11. Área de pastagem e número total de bovinosno Estado de São Paulo.Fonte: Amaral (2007).

álcool com base em celulose, em níveis deutilização econômica, a necessidade de novasáreas para a expansão da cultura da cana-de-açúcar será muito menor. Já na análise Souzaet al. (2007), não foram encontradas evidênciasde que a área plantada com cana-de-açúcarestivesse substituindo a área ocupada pelapecuária ou pela soja. Somente a área de milhovem sendo substituída pelo cultivo de cana.O cultivo de soja, porém, está invadindo áreasde pastagem, de cana-de-açúcar e de milho,do que se pode concluir que, se os preçosrelativos favorecerem a soja, essa cultura seráde certa forma um empecilho à expansão dacultura de cana-de-açúcar.

Camargo (2008), no estudo Dinâmica e Tendênciada Expansão da Cana-de-Açúcar sobre as DemaisAtividades Agropecuárias no Estado de São Paulo,mostra que, no período de 2001 a 2006, de1,45 milhão de hectares cedidos, 69,79 % são

referentes a pastagens cultivadas, e 27,81 % estãodistribuídos entre pastagem natural e cultivo demilho, de feijão, de café, de arroz e de laranja.A cultura que mais incorporou área foi a de cana-de-açúcar (67,33 %), seguida da de soja (14,17 %),da de eucalipto (11,27 %) e da de pínus (3,36 %).No entanto, a região oeste do Estado, tradicionalem pecuária de corte, destaca-se no períodoanalisado pela retração da área plantada compastagem cultivada, sendo a cana-de-açúcar acultura que mais incorporou área. Nessa região,somente no período do estudo, a área cedida porpastagem cultivada correspondeu a 619.380 ha,significando que toda a área cedida por essaatividade no Estado de São Paulo, ou seja, 62 %,concentram-se nesse espaço.

ConclusãoConclui-se, por este estudo, que ocorrerá, nospróximos anos, uma forte expansão da indústriasucroalcooleira no Brasil, motivada pelocrescimento da produção e pelo consumo doetanol nos mercados interno e externo e pelamodernização da indústria canavieira. Essademanda manterá o País no ranking dos grandesprodutores de açúcar e etanol e contribuirádecisivamente para o desenvolvimento daagroenergia. Outro fato importante evidenciadoé de que a expansão da cultura de cana-de-açúcarnão oferecerá riscos à produção de alimentos,dada a grande disponibilidade de áreas agricul-táveis no Brasil. Enfatizam-se, ainda, boas perspec-tivas de aumento dos níveis de rendimento, osquais deverão ser alcançados com a geração denovas tecnologias e a modernização do setorsucroalcooleiro.

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Inovação e propriedadeintelectual noagronegócio no Brasil

André Cabral de Souza1

Um pouco de históriaO agronegócio está presente na economia do Paísdesde a época do Descobrimento, tendo o Brasilatuado como produtor e fornecedor, para omercado externo, de produtos agrícolas – comoalgodão, arroz, cacau, baunilha, canela, cravo,açúcar, café e fumo –, além de couro, borracha,ouro, madeira e carne.

O comércio se fazia sob condições abusivas paraos produtores brasileiros, em primeiro lugar porparte da Colônia, e, depois, pela Holanda, pelaFrança e pela Inglaterra. Já no século 18, durasimposições ao comércio com o Brasil foram feitaspelos Estados Unidos, em prejuízo do produtobrasileiro, em acordos comerciais caracterizadospelo protecionismo. A participação do capitalestrangeiro também serviu para financiar, alémda produção, o transporte, a comercialização e aindustrialização brasileira, ocupando a Holandaposição de destaque como agente financeiro.

Outro fato que marcou a história econômica doBrasil foi sua dependência tecnológica de paíseseconomicamente mais desenvolvidos, que podeser representada pela importação de equipa-mentos para a tecnificação da produção agrícola,principalmente nos engenhos. Em contrapartida,os estrangeiros apropriaram-se, inescrupulosa-mente, do conhecimento desenvolvido no Brasilpara utilizá-lo em benefício próprio, a exemploda instalação, pelos holandeses, da indústria

açucareira no Caribe, cuja tecnologia foi imitadadaquela utilizada em terras nordestinas.

Em outro momento da história, ocorreu ainteriorização da economia agropecuária,motivada pela busca de terras férteis e menosexploradas pela ação humana. Graças a essemovimento de interiorização, foi possívelpromover o conhecimento e o desenvolvimentode determinadas aptidões regionais, algumas delasmantidas até o presente, ou pelo elevado capitalimobilizado nas culturas permanentes, ou pelascondições edafoclimáticas favoráveis2.

Situação atual do agronegócioMovimentando recursos da ordem de R$ 500 bi-lhões por ano, o agronegócio brasileiro é consi-derado o setor econômico mais dinâmico do País,motivo pelo qual vem atraindo a atenção dediversos investidores internacionais. Essedinamismo setorial pode ser avaliado não só pelaparticipação em 49,4 % nas exportaçõesbrasileiras, mas também na população economi-camente ativa (37 %) e no PIB (23,2 %), segundodados da Abag, de 2006 (ABAG INFORMATIVO,2007).

O Brasil ostenta uma situação invejável: éconsiderado o maior detentor dos recursos hídricosendógenos do planeta, e responsável por 8 % daoferta mundial de água, dispõe de 8.000 km de

1 Mestre em Desenvolvimento Agrícola pelo CPDA/UFRRJ, chefe do Departamento de Fomento, Análise e Acompanhamento Técnico I (Finep / MCT).E-mail:[email protected] São bons exemplos de atividades econômicas: a criação de gado no Rio Grande do Sul, o cultivo de café nos estados do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e de São Paulo,e a exploração de açúcar no Nordeste, entre outros.

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costa, comporta cinco grandes ecossistemas e850 milhões de hectares, dos quais 550 milhõessão plenamente agricultáveis. O desenvolvimentodo complexo agroindustrial passa a ser cada vezmais estratégico e necessário. E sua contribuiçãopara a redução da fome, por meio da produção dealimentos, é um dos seus maiores objetivos.

No mundo atual, a fome atinge aproximadamente840 milhões de pessoas, situação dramática acobrar soluções imediatas, que incluem a maiorprodução de alimentos e medidas de controle doseu desperdício.

Não há mais como adiar ações que repercutamno aumento da produção de alimentos – emmenores espaços de tempo e físico –, para que sepossam oferecer maiores quantidades de micro emacronutrientes, com qualidade inquestionável,e estendendo o acesso às comunidades menosfavorecidas. Em outras palavras, é a importânciada segurança alimentar, sem desprezar asegurança do alimento.

Relatos de organismos internacionais sugeremque, como 70 % da população pobre dos paísesem desenvolvimento vive em zonas rurais e obtémseus meios de sustento direta ou indiretamente daagropecuária, o crescimento do setor é condiçãoessencial para a redução da pobreza e para agarantia da segurança alimentar. Os estudostambém constatam que os agricultores pobres sãoduramente punidos pelo difícil e limitado acessoà terra, à água e às tecnologias adequadas,estando suas ações restritas à sobrevivência.

A produção e a oferta de alimentos é um dos maisimportantes instrumentos de melhoria de vidadesta e das próximas gerações. Entretanto, requerdisponibilidade de espaços físicos, de água, decapacidade de armazenagem, de meiosadequados de escoamento de produção, deredução de perdas (o que repercutiriapositivamente no preço final) e, principalmente,de tecnologias que sejam capazes de aumentar aprodução, mas de forma racional, isto é, semprejuízo do ambiente.

Como se sabe, o comércio agrícola é cíclico,comporta muitos participantes, associados tantoà demanda quanto à oferta de produtos, e espaçopara técnicas de diferenciação de produtos, queé o mecanismo dominante de concorrênciacapitalista neste século. E também é limitado noque concerne aos setores da produçãoagropecuária. Vale lembrar, contudo, que aadoção de mecanismos para melhoria daqualidade do produto, como uma forma deconquistar maior parcela de mercado ou de obterpreços mais elevados que os dos competidores,constitui uma estratégia válida para diferenciar oproduto, para aqueles segmentos que atuam dentroda porteira.

À necessidade de aumento de produção eprodutividade de alimentos – não só como fontede alimentos para os necessitados, mas tambémcomo participação do agronegócio no equilíbriodas contas externas de diversos países3, poderiaser acrescentada a importância de redução de suasperdas e o uso sustentável dos recursos naturais.

Torna-se, assim, de fundamental importância umapolítica agrícola que atue em duas variantes. Umadestinada a criar um ambiente econômico e demercado favorável à expansão e à consolidaçãoda estrutura produtiva, e que pretenda absorvercada vez mais as inovações tecnológicas ecomerciais. Outra, de natureza mais social,destinada a apoiar os agricultores excluídos doprocesso de transformação da agricultura,ajudando-os na fase de transição.

Quanto à comercialização, deve-se enfatizar quea abertura comercial ocorrida nos últimos temposvem expondo ainda mais as deficiênciasestruturais, confrontando produtores e empresasnacionais poucos tecnificados e com baixosrendimentos, com outras economias nas quaisprevalece a alta tecnificação e a elevadaprofissionalização, sem contar com as diversasformas de subsídios conferidos por esses paísesaos próprios produtos e as barreiras impostas aosprodutos nacionais.

3 Nos últimos 10 anos, o agronegócio gerou saldos consideráveis na balança comercial do País, que foram utilizados em boa parte para cobrir déficits do balanço depagamentos.

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Outros agravantes interferem na comercialização,como a tributação nos produtos industrializadosprocedentes de economias do Terceiro Mundo euma “certa facilitação” no comércio de produtosin natura. Essa situação, de certa forma, inibe ocrescimento de economias da América Latina,uma vez que são levadas a comercializarem osseus produtos (nessa situação está o Brasil) naforma de commodities, cujos preços são ditadospor bolsas internacionais de mercadorias e nãoespelham a realidade, por serem distorcidos pelossubsídios de outros países. Conseqüentemente,países latino-americanos não usufruem ouusufruem muito pouco dos benefícios econômicosadvindos da diferenciação de produto4.

Os debates sobre alimento seguro ou segurançado alimento, incorporados no final da década de1980 e no início da década de 1990 ao conceitode segurança alimentar, têm merecido atençãocrescente de instituições de pesquisa, de algunsórgãos de governo e também de organismosinternacionais. Esse interesse está respaldado nasexigências reais dos consumidores e nosargumentos pontuais utilizados como barreirasimpostas nas negociações externas5.

Apesar dos problemas enumerados, acredita-seque uma maior abertura do agronegócio mundial,já prevista nas regras da Organização Mundialdo Comércio (OMC), combinada com o imensopotencial do País, deverá aumentar ainda mais opapel desse setor no equilíbrio das contas externasbrasileiras. Outro fator será a exigência deelevados padrões de eficiência nos sistemasprodutivos e de distribuição, associados a umaagressiva estratégia de marketing, com vista napromoção dos produtos nos mercados tradicionaise emergentes.

Fazendo-se uma retrospectiva quanto às iniciativasverificadas no passado em favor do desenvol-

vimento do agronegócio, dir-se-ia ter ocorrido umerro estratégico ao se disponibilizarem somentefatores de custos elevados e escassos (crédito,tratores, outros insumos), cujo acesso limitou-se aum pequeno grupo de produtores e repercutiu deforma negativa nos resultados financeiros de suasatividades. Poder-se-ia ter pensado na concessãode elementos de custos menores, abundantes edisponíveis, como o conhecimento e as tecnolo-gias apropriadas às adversidades físico-produtivasenfrentadas pelos produtores em todos os seusníveis.

A opção feita no passado de privilegiar a agro-pecuária patronal em detrimento da familiartambém contribuiu para a concentração dapropriedade de terras e para o deslocamento deforça produtiva do campo para as cidades,trazendo a reboque todas as conseqüências damarginalidade econômica e social, que haviamigrado para o interior no início da históriaeconômica do Brasil.

A contribuição da pesquisaNos últimos tempos, tornou-se patente a importân-cia do conhecimento para o desenvolvimentoeconômico e social dos países.

Esta nova fase vem confirmando que o cresci-mento das economias não se dará mais, pura esimplesmente, pelas vantagens comparativas, mas,e preponderantemente, pelas vantagens compe-titivas.

Os fatores de produção não se limitam mais acapital, terra e trabalho, uma vez que a tecnologiavem sendo considerada como de igual relevância,senão mais importante.

Faz-se, pois, necessária a adoção de medidas depolíticas setoriais que atentem para os fatores jámencionados e contemplem a pesquisa como uma

4 Há inúmeras distorções provocadas pelo protecionismo exercido principalmente pelos países ricos e desenvolvidos. No passado, a medida mais comum era a adoçãode tarifas. Hoje, temos ações disfarçadas em cotas, subsídios, medidas anti-dumping e regulamentos sanitários. Especialistas classificam as barreiras não-tarifárias emtrês modalidades: restrições quantitativas (cotas, proibições e restrições voluntárias de exportação), barreiras sanitárias e barreiras técnicas (relacionadas com regrasde licenciamento, embalagens, volumes, ingredientes, rotulagem, entre outras).5 As três crises relacionadas à sanidade animal, vividas pela Europa e pela Ásia, exigiram uma mudança, por parte de muitos países, quanto à priorização dos enfoquesde suas políticas agrícolas, que passaram a visar, em primeiro plano, à segurança do alimento, em vez da produção agropecuária.

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das prioridades de investimento e a visualizemcomo um instrumento de crescimento, procurandoarticular seus atores.

Essa articulação é fundamental por dois aspectos:

• Contribui para a minimização dos custos dapesquisa para ambas as partes. Pelo governo,otimizando o uso dos recursos públicos, em faceda contrapartida das empresas nos projetos; epelas empresas – a experiência das universidadese de outros órgãos de pesquisa em C&T&I (quepode ser visualizada em experimentos já realiza-dos), associada à infra-estrutura existente, agilizaos resultados de projetos encomendados pelocapital privado.

• Facilita o direcionamento de experimentos quetraduzam as necessidades setoriais e aumentemo ganho competitivo do Brasil.

Cumpre ainda, ao setor público, apresentar planose prioridades que levem ao crescimento setoriale/ou à solução de problemas pontuais, permitindoque a pesquisa ocorra de forma induzida e que asdiretrizes sejam traçadas com mais precisão. Alémdo mais, deve-se procurar mecanismos queminimizem o risco de concentração dos recursosem âmbito institucional, regional e temático.

Conforme se sabe, importantes avanços noagronegócio brasileiro nasceram nas bancadasdos laboratórios das universidades, das empresaspúblicas, dos institutos e das fundações, e seusresultados foram repassados para o capitalprivado, que os transformou em produtosvalorizados pelos consumidores, inclusive nomercado externo.

Abrir-se-ia essa questão citando o projeto daprofessora Johanna Dobereiner que, por meio depesquisas apoiadas pela Finep, conseguiu identificarbactérias fixadoras de nitrogênio e, por conseguinte,contribuir para a redução do uso de adubosnitrogenados, os quais vêm contaminando rios, lagos,lençóis freáticos e manguezais. Outro bom exemploé o projeto desenvolvido por uma conceituadauniversidade, que facultou, aos pesquisadores, aidentificação das três enzimas responsáveis pelosabor natural, ruim, da soja, os quais, por meio demelhoramento genético molecular, desenvolveramvariedades que não contêm essas enzimas.

Sem medo de errar, pode-se dizer que, se aavicultura brasileira está hoje entre as mais com-petitivas e o produto final a um preço acessível àspopulações de baixa renda, muito se deve aospesquisadores nacionais, às respectivas institui-ções e aos órgãos financiadores que investiramrecursos, a fundo perdido, nesses projetos.

Vale destacar que esses resultados foram possíveisgraças às políticas de apoio à P&D. Podemos ini-ciar apontando o I PBDCT (BRASIL, 1972), queabrangeu o período de 1972 a 1974, que permitiumostrar à sociedade a importância de C&T, fortale-cendo o Fundo Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico e de sua Agência Executi-va, ou seja, a Financiadora de Estudos e Projetos(Finep). Quanto ao I PND, este possibilitou a insta-lação do parque industrial brasileiro, expandindoas áreas de infra-estrutura econômica, a educa-ção, a saúde e o saneamento (BRASIL, 1971).

Posteriormente, no II PND, que abrigou o períodode 1975 a 1979, começou-se a dar a devidaimportância ao equilíbrio entre pesquisa aplicadae fundamental. Na área tecnológica, enfatizava-se a oportunidade de beneficiar-se do conheci-mento existente em países desenvolvidos, anecessidade de atualização da tecnologia emgrande número de setores e a importância deadaptações de tecnologias. Destacava-se tambémo mérito da execução de “projetos de vanguarda”,com esforço próprio de inovação tecnológica, e,ainda, o uso de soluções gerenciais modernas(BRASIL, 1974).

Ganhou dimensão o esforço próprio desenvolvidopela pesquisa, principalmente por parte dasgrandes empresas nacionais e estrangeiras, e aatualização tecnológica das pequenas e médias,com destaque para as seguintes áreas: tecnologiasde infra-estrutura; as aplicadas ao desenvolvimen-to regional; as das áreas sociais (com ênfase emeducação e saúde); e tecnologias agropecuárias.

Abrindo parênteses, é preciso lembrar a funçãoda agropecuária como fator de desenvolvimentoda economia brasileira e do crescimento do PIB,confirmando, já naquela época, que o Brasil tinhacapacidade de realizar a sua vocação de supridormundial de alimentos e matérias-primas agrícolas

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(com a qual concordo), com ou sem elaboraçãoindustrial (com a qual não concordo plenamente).

Voltando à discussão do II PND, vale apontar queele já enfatizava a necessidade do engajamentodas empresas privadas e públicas na modernizaçãoe na inovação tecnológica. Para tanto, eramencionada: a busca do aperfeiçoamento dapolítica de transferência de tecnologia do exterior(baseada na seleção de tecnologias a importar; autilização flexível do sistema mundial de patentes;o estímulo à adaptação, à absorção e à difusãointerna de tecnologias importadas); a expansão e orevigoramento das atividades de propriedadeindustrial; os incentivos às grandes empresas àrealização de pesquisas para adaptações ouinovações tecnológicas; e o estabelecimento deprogramas para a transferência de tecnologia àspequenas e médias empresas, entre outros (BRASIL,1974). Por sua vez, o II PBDCT visava ampliar aoferta de C&T e criar condições para dinamizar oSistema Nacional de Desenvolvimento Científicoe Tecnológico, procurando, ainda, reforçar acapacidade tecnológica da empresa nacional(BRASIL, 1976).

No III PND (período de 1980 a 1985), constatou-seuma mudança de estratégia, uma vez quefinalmente se reconhecia a dependência entre odesenvolvimento nacional e a pesquisa científicae tecnológica, e que, sendo assim, convinha tornaro Brasil menos vulnerável ao conhecimento dospaíses mais desenvolvidos (BRASIL, 1980b). Quan-to ao III PBDCT, esse reforçava a capacitaçãocientífica, por meio da expansão das atividades depesquisa e da autonomia tecnológica, via geração eseleção de tecnologias mais adequadas, e sua efetivaabsorção (BRASIL, 1980a).

Nesse PBDCT, já se reconhecia a condição suigeneris da atividade de pesquisa e desenvolvimentoem face dos riscos inerentes a ela. Riscos esses queaumentavam em se tratando de pesquisa nos setoresdo agronegócio localizados dentro da porteira.

Pelas questões apresentadas, fica claro que oconhecimento, a pesquisa, a tecnologia e ainovação trazem consigo a necessidade do

casamento do capital privado com o público,como forma de otimizar os recursos do País. Alémdo que demonstra a importância da atualizaçãodo conhecimento científico e tecnológico dosatores envolvidos no ensino e na pesquisa, demodo a facilitar a transferência de tecnologia ede incrementar a propriedade intelectual,representada em uma das quatro modalidades:propriedade industrial (marcas, patentes,indicações geográficas e desenho industrial),software, direitos autorais e cultivares.

Retomando a história e usando as patentes comoexemplo, dir-se-ia que a discussão em torno delasoriginou-se em Veneza, há aproximadamente 600anos, e que as primeiras tentativas significativasde obtenção surgiram quando as invençõespassaram a ser exploradas comercialmente, e deforma generalizada, situação que se dá com oavanço da industrialização e a expansão domercado internacional no final do século 18 e naprimeira metade do século 19 (MONTECINOS,1993). Em 1623, foi a vez da Inglaterra, sendoseguida de outros países, como os EUA (1790), aFrança (1791) e a Suécia (1819)6. Extrai-se aindada literatura que as economias mais interessadasna aplicação de patentes eram as que dominavamo controle da tecnologia de ponta e que possuíamuma boa base científica e tecnológica – fato quese percebe até hoje.

Utilizando os EUA como um agente norteador,constata-se que a evolução da inovação naquelepaís foi motivada basicamente pela organizaçãode programas internos de P&D nas empresasindustriais. Sem deixar de lado, no entanto, aimportância dos vínculos entre pesquisaacadêmica e industrial, fortemente influenciadospela estrutura e pelo financiamento do ensinosuperior naquele país, especialmente dasinstituições públicas dentro do sistema.

Segundo Cruz (2000), quem paga a atividade deC&T nos EUA é o governo e a empresa, no casodo desenvolvimento tecnológico e da pesquisaaplicada. Em se tratando da pesquisa básica, essaé fundamentalmente bancada pelo governo. Fica

6 A convergência dos sistemas nacionais de patentes veio a ser impulsionada pela conclusão do Acordo Internacional sobre Propriedade Intelectual, mais conhecidocomo TRIPS (Trade Related Intellectual Property Rights).

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claro que essa situação está fortemente relacionadacom a capacidade de se apropriar dos resultados.Por seu turno, a execução se faz da seguintemaneira: desenvolvimento tecnológico e pesquisaaplicada (exclusivamente pela empresa); pesquisabásica (realizada fundamentalmente na universi-dade, uma vez que é um importante instrumentode formação de recursos humanos).

No entanto, Assumpção (1999) aponta que aspatentes americanas de origem universitáriatendem a se concentrar em poucos ramos doconhecimento, exatamente naqueles em que opotencial de retorno financeiro é maior, haja vistaa possibilidade de garantir aos administradoresuniversitários a valorização econômica na horade negociar direitos de exploração com empresasinteressadas.

Voltando as atenções ao Brasil, cabe mencionarque, consultadas algumas universidades brasi-leiras, constatou-se que a discussão quanto àpropriedade intelectual, por ser muito recente noPaís, não permitiu, ainda, a concentração daspesquisas em áreas do conhecimento em que aspossíveis patentes geradas apontem para um bomganho financeiro. Essa situação decorre, em boaparte, do interesse, por parte do pesquisadorbrasileiro, de publicar imediatamente osresultados dos experimentos.

Já se formou opinião de que, em alguns casos, épreciso manter, em sigilo, os resultados dapesquisa, por pelo menos uns 2 anos. Com isso, épossível explorá-los, por meio da absorção doconhecimento, e, por conseguinte, obter vantagensno norteamento de uma determinada pesquisa –que induzirá a estratégia do experimento. Essasituação, em parte, é motivada pela insegurançaquanto à confidencialidade dos registros depatentes, e por não estarem, ainda, asuniversidades com a visão de business oupreparadas estruturalmente para a questão.

Outro ponto levantado em instituições de ensinoe pesquisa é que os projetos apoiados comrecursos públicos têm que ter duas vertentes: umasocial (para justificar o investimento – que podeser vista pura e simplesmente como a formaçãode recursos humanos especializados) e outraeconômica (que proporcione um retorno financeiro

ao Sistema de C&T, de modo a que se otimize ouso dos recursos e permita uma disponibilidadecrescente).

Alguns empresários do agronegócio, inquiridossobre propriedade intelectual, relataram que

[...]não existe ainda uma total preocupação,nem valorização quanto ao tema, por falta deconhecimento e motivação e, finalmente, pornão confiarem totalmente no processo e nosatores envolvidos.

Certamente essa postura acha-se embasada nasexperiências internacionais, cujo exemplo peculiaré o caso da Microsoft, acusada por 200 violaçõesde patentes. Diante dessa situação, a Microsoftadotou uma estratégia conhecida como FUD – Fear,Uncertainty and Doubt (medo, incerteza e dúvida).

Segundo Mowery e Rosenberg (2005), a atuaçãodo mercado foi beneficiada graças ao aprimo-ramento da propriedade intelectual, facilitandosobremaneira o uso das instalações de pesquisainternas às empresas, para adquirir novastecnologias.

Cabe mencionar, no âmbito dessa complexadiscussão, a argumentação que o direito depropriedade intelectual tem como um de seusobjetivos assegurar o retorno de capital do autor/inventor, bem como incentivar o desenvolvimentotecnológico futuro. No entanto, é comum criarmonopólios privados e ineficiências, que a análisejurídica tradicional não consegue considerar(LEMOS, 2005).

Um outro ponto que vale ser levantado neste debateestá relacionado à conhecida “tragédia dos benspúblicos”, embasada no fato de que eles semprecorrem risco de escassez em razão da dificuldadede recuperação do investimento.

Segundo Fisher (1998) citado por Lemos (2005),existem cinco estratégias de prevenção dessatragédia, a saber:

• Produção desses bens pelo Estado, que passa aprovê-los por si, remunerando-se ou não por meiode impostos ou taxas. Exemplo: iluminaçãopública.

• Concessão, do Estado a particulares, do direitode produzir esse tipo de bem, com ônus para o

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Estado. Exemplo: sistema de financiamento deprojetos de pesquisa, que apóia financeiramentepesquisadores para que produzam bens científicose outros bens intelectuais úteis a toda acomunidade.

• Concessão de prêmios e outras remuneraçõesa posteriori, àqueles que produzam bens públicos.Exemplo: Prêmio Jovem Cientista.

• Criação de monopólios legais. O melhorexemplo é o direito de pedágio nas estradas. Cabeaqui recordar que a Lei de Propriedade Industrial(nº 9.279/96) confere aos inventores o direito demonopólio, durante 20 anos, de exploraçãoexclusiva de sua idéia inovadora patenteada. Essedireito inclui os bens intelectuais (BRASIL, 1996).

• Proteção, ao provedor do bem público, de gerarcom “exclusividade”, isto é, garantia de exclusãode acesso, a terceiros, ao bem. Exemplo: contratosque proíbem a engenharia reversa de um software.

Os pontos levantados até aqui têm motivado abusca, por parte dos atores envolvidos no Sistemade C&T do País, de ferramentas que criemoportunidades para enfrentar as novas regras domercado e a postura intransigente de países maisdesenvolvidos, tema esse que será desenvolvidono próximo tópico.

A política industrial, tecnológicae de comércio exterior (PITCE)e o plano de aceleraçãodo crescimento da C&TA atual PITCE e o futuro PAC da C&T emcomparação com os antigos PNDs e PBDCTs,apresentam uma promissora novidade, que é aênfase à inovação e à diferenciação de produtose serviços, visando inserir o País nos principaismercados do mundo. O que vai de encontro àvisão do passado de que “deveríamos selecionartecnologias a importar e estimular a adaptação,absorção e difusão interna das mesmas”.

A PITCE, que facilitou a regulamentação da Leinº 10.973 de 2/12/2004, por meio do Decretonº 5.563, de 11/10/2005, conhecida como Lei daInovação, pretende induzir a mudança do patamar

competitivo da indústria brasileira, rumo à maiorinovação e à diferenciação dos produtos, de formaa habilitar-se a enfrentar a competitividadeinternacional – corroborando o fato de que será omecanismo dominante da concorrênciacapitalista neste século.

O PAC de C&T, por sua vez, baseia-se em quatroeixos: “expansão e consolidação do SistemaNacional de C,T & I; promoção da inovaçãotecnológica das empresas, visando à execuçãoda PITCE; P&D em áreas estratégicas, objetivandofortalecer as atividades de pesquisa e inovaçãoem áreas estratégicas para a soberania do País;C&T para o desenvolvimento social, que visaarticular, fomentar e promover ações para apopularização, a difusão e a aplicação doconhecimento científico e tecnológico, comomecanismo de inclusão social e como instrumentode desenvolvimento social e econômico do País”.

Complementarmente, pode-se dizer que a Finep,que hoje tem a missão estratégica de ser a AgênciaBrasileira da Inovação, trabalhará com os quatroeixos que compõem o PAC da C&T e adicionará,como norteador para a priorização de sua atuação,temas como: extensionismo e serviçostecnológicos; nanotecnologia e tecnologias dainformação e comunicação; biodiversidade,biotecnologia, fármacos e medicamentos;biocombustíveis e energias do futuro e, finalmente,meteorologia e mudanças climáticas – os quaisconstam da PITCE e das prioridades de diversosministérios.

Seria de bom alvitre dizer que, ao se comparar osPNDs e os PBDCTs com a PITCE e o PAC da C&T,serão encontrados muitos temas e estratégiascoincidentes, o que nos leva a refletir sobre quatroquestões:

• Faltaram instrumentos para os atores mudaremo cenário passado?

• As estratégias foram corretas?

• O Brasil encontrava-se num estágio de tamanhoatraso científico e tecnológico, que 22 anos nãoforam suficientes para compensá-los?

• Faltaram instrumentos no Brasil que incentivas-sem a Propriedade Intelectual?

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São questões difíceis de responder e avaliar, masa grande verdade é que hoje o Sistema de C&T e,por conseguinte, o Sistema Nacional de PesquisaAgropecuária (SNPA), possuem fatores escassosou inexistentes na História do Brasil para arealização das pesquisas, que seriam: os capitaisfinanceiro e humano; os mecanismos deintegração entre governo e iniciativa privada; osinstrumentos de regulação; e as formas deincentivo ao investimento em um tema (C,T &I)tão complexo para a empresa nacional.

Para responder por partes, é preciso informar, antesde tudo, que, hoje, a Finep, por meio dos FundosSetoriais e das outras fontes de recursos, vemdisponibilizando, para os integrantes dos doissistemas citados, recursos financeiros constantesao longo dos últimos 7 anos – o que é umimportante fator para o desenvolvimento dapesquisa. Diferentemente do que ocorreu nopassado, quando projetos eram interrompidosdurante a execução por falta de recursosfinanceiros, desfazendo equipes, plantéis etornando os laboratórios obsoletos.

Para se fazer uma melhor idéia sobre isso, cumprelembrar que, de 1984 a 2006, a Finep investiu, afundo perdido, R$ 7.863 milhões em 19.407 pro-jetos, com vista não só na recuperação e/ou namodernização de infra-estrutura das instituiçõesde pesquisa e na formação de recursos humanos,mas, também, no apoio a setores ou temasestratégicos para as diversas áreas e na buscapela maior interação com o capital privado. Tudoisso tendo como parâmetros as prioridades

apontadas pelos Comitês Gestores dos Fundos7,bem como as Leis de Inovação e a do Bem8,criadas com o objetivo de facilitar as atividadesde C,T&I no Brasil e incentivar, por conseguinte,a transferência de tecnologia e de licenciamentopara outorga de direito de uso ou de exploraçãode criação reconhecida. Podendo, ainda,acrescentar a Lei de Proteção de Cultivares e ada Biossegurança.

Essa disponibilidade constante de recursos9, aliadaà participação ativa dos diversos atores de cadaárea – que se apercebem das necessidades dosseus setores –, permite que os temas da pesquisasejam explorados de forma conjunta e coesa. Alémdo que serve de álibi para o governo justificar aalocação de recursos em projetos que contribuampara a anulação do quadro de atraso tecnológico(ver Tabela 1) e promova mudanças nosindicadores modestos da C,T&I, compatíveis comos de outros países. Conseqüentemente, o setorpúblico não é onerado com a atribuiçãoexclusiva de promover o desenvolvimento daC&T, uma vez que o segmento privado participade toda a discussão e a execução dos Programas.

Soma-se a isso a constatação de que o orçamentodisponibilizado ao setor (embora não sejatotalmente suficiente) vem facilitando a realizaçãode importantes projetos, que terão como resultadoa melhoria ou o aperfeiçoamento de processos eprodutos e, principalmente, de desenvolvimentode novos produtos. Certamente, esses produtostenderão a ser colocados em mercados nos quaiso Brasil poderá atuar como líder, graças a suas

7 Os Comitês Gestores são formados por representantes da comunidade acadêmica, do setor privado, dos ministérios, da Finep e do CNPq.8 Lei da Inovação (nº 10.973 de 2/12/2004) estimula a P&D de novos processos e produtos nas empresas, a partir da integração de esforços entre universidade,instituições de pesquisa e empresas de base tecnológica. Estabelece, ainda, a concessão de subvenção econômica a empresas para a realização de projetos deinovação; favorece a contratação de pesquisadores pelas empresas; e estabelece um percentual mínimo a ser aplicado nas regiões menos favorecidas do País e emmicro e pequenas empresas (BRASIL, 2004).

Lei do Bem (nº 11.196 de 21.11.2005) incentiva o processo de inovação na empresa, entre outras medidas, ao permitir a redução de 50 % do IPI incidente sobreequipamentos importados para P&D e ao assegurar a dedução do IR em valor equivalente ao dobro do investido pela empresa em P&D. Prevê a concessão desubvenção econômica para empresas que incorporarem pesquisadores, titulados como MS e DR, em atividades de inovação, compartilhando os custos relacionadosa sua remuneração (60 % para empresas localizadas nas áreas da Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA) e para a Agência de Desenvolvimento do Nordeste(Adene) e 40 % para as demais) (BRASIL, 2005a).

Lei de Proteção de Cultivares (nº 9.456, de 25.4.97), que trata dos direitos à propriedade intelectual referentes a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior,que seja claramente distinguível de outras cultivares (BRASIL, 1997).

Lei de Biossegurança (nº 11.105, de 24.3.2005), que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, amanipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambientee o descarte de OGMs (BRASIL, 2005b).9 Essa disponibilização foi facultada pelo lançamento das Chamadas Públicas e das ações transversais e verticais, cujos temas são estabelecidos pelos comitês. Além,é claro, do apoio à cooperação entre empresas e ICTs, que ocorre por meio de projetos de Rede (exemplos: Rede Brasil de Tecnologia, Rede de Carcinicultura, Rede dePesquisa em Aqüicultura, Rede de Visualização e Rede do Setor Sucroalcooleiro).

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características territoriais, edafoclimáticas e debiodiversidade, e nos quais permitirão seupatenteamento.

Não se poderia deixar de mencionar, ainda, quehoje a Finep procura apoiar clientes diversificadose com distintos modelos de financiamento. Emoutras palavras, ela apóia o segmento público depesquisa (por meio dos projetos a fundo perdido),bem como as empresas, via empréstimos a jurossubsidiados, e pela modalidade da subvençãoeconômica, entre outras10.

Aqui devemos destacar a nova modalidadeconhecida como “capital semente”, que visapreencher a falta de projetos específicos deconcessão de financiamento a empresas emestágio pré-operacional, muitas vezes dentro deincubadoras e universidades, que precisam derecursos para a construção de protótipos e acontratação de executivos, e não tinham a quemrecorrer.

A contribuição da FinepOs investimentos realizados pela Finep nosúltimos anos e sua participação ativa naelaboração das políticas de C&T do Brasilconcederam, à Financiadora de Estudos eProjetos, a responsabilidade de atuar comoAgência Brasileira da Inovação.

Essa situação, somada aos fatos narrados, induzirama Finep a procurar mecanismos de incentivo àpesquisa inovativa e ao “reconhecimento do direitode exploração dos seus resultados”.

Um dos mecanismos foi dar apoio a projetos comrecursos a fundo perdido, que contam com aparticipação de empresas privadas comointervenientes. Essa política, além de unir oscapitais privados e públicos em torno de objetivoscomuns, tende a beneficiar os parceiros com osresultados das pesquisas e, conseqüentemente,com as formas de propriedade intelectual.

Segundo Negri et al. (2006), no trabalho O impactodo FNDCT sobre o desempenho e os esforços

tecnológicos das empresas industriais brasileiras,os resultados evidenciam o impacto positivo doapoio Finep sobre o esforço tecnológico das firmasbeneficiárias. Além disso, esse esforçotecnológico, representado pelo número dedepósitos de patentes junto ao Inpi, parece serbastante superior entre aquelas firmas que, emassociação com universidades e centros depesquisa, tiveram acesso ao FNDCT.

Pode-se concluir, também, que os recursosaplicados pelo FNDCT representam um valorirrisório em relação aos investimentos do setorprodutivo brasileiro em P&D, e menor ainda emse tratando da demanda da indústria brasileira.

No que se refere ao apoio ao segmento privadode forma direta, o montante investido pela Finepnos últimos 9 anos, sob a forma de empréstimos,apesar de atingir R$ 1.519 milhões em 473 ope-rações, atendeu a somente 0,07 % das firmasindustriais brasileiras. No entanto, confirmou-seque o apoio impactou positivamente o crescimentodas empresas e o número de pedidos de patentesdas firmas beneficiadas com os recursos da Finep.Segundo Negri et al. (2006), as firmas beneficiárias,que tinham em média 5,59 patentes em 1996,registraram 9,08 patentes em 2004.

Vale aduzir ainda que a Financiadora de Estudose Projetos, sensível e atenta às questões dainovação, e, por conseguinte, da propriedadeintelectual, vem procurando usar mecanismosque contribuam para a melhoria da situaçãodemonstrada ao longo deste texto.

Deve-se mencionar, também, que, nos convêniosda Finep com as instituições contempladas, háuma cláusula que diz que “os direitos depropriedade intelectual sobre qualquer criaçãodesenvolvida com os recursos repassados emvirtude do presente convênio serão disciplinadosem acordo específico a ser apresentado aoconcedente durante a execução do projeto”.

Podem ser citados como exemplos alguns casosque ocorreram em 2006, no Departamento deFomento Análise e Acompanhamento, Técnico I,em que ficou evidenciada a possibilidade de

10 Destaque para capital de risco, fundos de aval, pró-inovação (incentivo a inovação nas empresas), juro zero (financiamento a pequenas empresas inovadoras, ágile com burocracia reduzida) e Inovar (programa de incentivo ao capital inovador).

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geração de patentes de três produtos. A Finepsimplesmente exigiu que o mencionado acordofosse enviado à financiadora para tomar ciênciae anuir, evitando conflitos com os termos doconvênio. Dessa forma, fica caracterizado que oobjetivo da Finep é promover o desenvolvimentocientífico e tecnológico, compensando a defasa-gem científica e tecnológica do Brasil, represen-tada nos indicadores modestos apresentados naTabela 1.

Em se tratando dos indicadores relacionados àformação de recursos humanos e à disponibilidadede pessoal qualificado no segmento privado,verifica-se que, apesar dos investimentos járealizados, o Brasil encontra-se em uma situaçãode defasagem acentuada em comparação aoutras economias.

Pode-se dizer ainda que a indústria brasileirainsiste em manter a postura antiquada de que a

Tabela 1. Investimentos no setor sucroalcooleiro.

Formação de pessoal qualificado(doutor por 100 mil habitantes) (média)

Cientistas e engenheiros em P&Dna indústria por 10 mil habitantes (média)

Pessoal com pós-graduação por empresa (%)• Pequena (de 10 a 90 funcionários)• Média (de 100 a 499 funcionários)• Grande (acima de 500 funcionários)

Relação (%) pesquisa• Patentes• Publicações científicas

Gastos com P&D (%)• Governo• Empresas

Taxa de inovação por porte da empresa (%)• Pequena• Média• Grande

Retorno do investimento em P&D representado empatentes (nº patentes/US$ milhão gasto em P&D)

Indicadores

(1) Estão incluídos países desenvolvidos e emergentes, como: Japão, EUA, Alemanha, França, Inglaterra, Coréia, Itália, Israel, Polônia, Bélgica,Dinamarca, Finlândia, Áustria e Noruega.Fonte: Elaboração a partir de dados do IBGE (2003) e Anpei (2006).

15,7

66

0,40,52,9

418,5

3862

44,358,982,0

0,8

Média de outros países(1)

2,90

5

0,10,32,3

2,01,8

6337

32,943,968,9

0,3

Brasil

contratação de pessoal qualificado não énecessária, ou de que o custo não justifica ainteração com a pesquisa. Essa questão, além dedificultar a interação com a pesquisa, certamentefoi uma das razões para que fosse incluído, na Leido Bem, o benefício, quando da incorporação depesquisadores em atividades de inovação.

Verifica-se também que tanto no Brasil, como emoutros países, o investimento na contratação e/ouna formação de pessoal com pós-graduação éincrementado à medida que cresce o porte daempresa. O que, certamente, repercute na taxade inovação delas.

Quando se trata da relação entre pesquisa epatentes/publicações científicas, constata-se queo Brasil se encontra bem defasado em relação aosindicadores de outros países. Percebe-se tambémque a diferença entre patentes (41 %) e publicaçõescientíficas (8,5 %) é mais acentuada em comparação

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 62

com a de outros países. Ou seja, no exterior, opesquisador tem plena consciência da importânciado patenteamento, enquanto, no Brasil, prioriza-sea publicação científica em detrimento do seupatenteamento.

Um indicador interessante a ser observado é o gastofeito com P&D. Enquanto, no mercado internacional,as empresas tratam a questão como estratégica, noBrasil, onde a visão imediatista do empresário e oelevado custo da atividade inibem a participaçãodo capital privado, cabe ao governo financiar apesquisa na empresa, com custo zero para ela.

Finalizando a discussão, as Tabelas 2 e 3 resumemas questões expostas e servem de reflexão para asatividades que precisam ser incentivadas, de modoa promover um maior volume de processos depropriedade intelectual e a colocar o Brasil emcondições semelhantes às de outras economias (pelomenos aquelas em desenvolvimento).

Tabela 2. Comparação entre situações passadas epresentes no Brasil.

País explorado poreconomias maisdesenvolvidas

P&D vistas como prioridade

Propriedade intelectualmencionada comoimportante

Falta de mão-de-obraespecializada nasempresas

Reconhecimento danecessidade de integraçãoentre os capitais

Agregação de valorescomo estratégico

Recursos financeirosconstantes e crescentes

Recursos financeirossuficientes

País como exportadorde commodities

Indicadores

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Não

Não

Não

Sim

Passado

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Não

Não

Não

Sim

Presente

Tabela 3. Condições para o requerimento de direitosda propriedade intelectual.

Pesquisasde vanguarda

Confiança dospesquisadores

Confiança dasinstituições

Recursos financeirosconstantes ecrescentes

Mão-de-obraespecializada

Novos produtose processos

Aperfeiçoamento deprodutos/processos

Nº crescente depesquisadoresespecializados

Pesquisadores nasempresas em nºsuficiente

Formas deincentivo à inovação

Identificaçãode temas nos quaiso País tenha chancede competir

Incentivo ao registrodos resultados

Política deC&T&I contínua

Capital privado:ver a PI como fontede ganho financeiro

Estreitamento derelação Inpi/Finep

Condições

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Brasilprecisa

Sim

Não

Não

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Não

Sim

Sim

Não

Sim

Não

Não

Brasiltem hoje

Sim

Não

Não

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Não

Sim

Sim

Não

Sim

Não

Não

Precisaincrementar/

ter

ConclusãoConforme discutido, os instrumentos que faltaram nopassado para incentivar a P&D e a formação de re-cursos humanos, entre os quais a disponibilidade

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200863

financeira, hoje estão disponibilizados pelos FundosSetoriais.

Some-se a esses a oferta de recursos subsidiadospara a iniciativa privada, acrescentados da partici-pação ativa dos segmentos econômicos nadeterminação das prioridades. As leis tambémdesempenharam função importante, ao incentiva-rem e facilitarem a atividade de P,D&I para asinstituições e os pesquisadores, servindo comoinstrumentos de regulação.

As estratégias utilizadas foram “corretas”, conside-rando que continuam a ser utilizadas e desenvolvidasno PITCE e no PAC da C&T, nos PNDs e nos PBDCTs.Diferencia-se, agora, por um incentivo ostensivo àinovação e, por conseguinte, à propriedadeintelectual, trazendo, assim, mais benefícios aospesquisadores e às instituições envolvidas. Pode-se,assim, enfatizar que não se está induzindo a impor-tação de tecnologia (como se via nos PBDCTs), mas,e principalmente, estão sendo apoiados projetos quelevam a uma diferenciação de produtos e/ouprocessos.

Quanto ao estágio de atraso científico e tecnológico,conclui-se que, comparando os indicadores do Brasilcom os de países avançados e/ou emergentes, o Paísapresenta números modestos, o que permite concluirque podem ter ocorrido erros estratégicos nacondução dos processos. O Brasil é considerado umpaís com vocação agrícola e a P&D era o caminhopara a busca da diferenciação, da competitividadee da inserção no mercado mundial.11 Entretanto, asáreas de C&T e de agronegócio, representadas pelosministérios correspondentes e seus principais órgãosde pesquisa, não foram ainda contempladas comorçamentos suficientes diante da importância e dademanda potencial, e sofrem com a descontinuidadede políticas em alguns casos – o que inibe, de certaforma, o investimento pelo capital privado, seja elenacional, seja estrangeiro.

O Brasil precisa direcionar suas ações para temasbasilares para o crescimento de áreas deconhecimento ou de setores da economia nos quaiso País tenha oportunidade e capacidade decompetição. A concentração de investimentos emsetores estratégicos, a exemplo do que fazem alguns

países desenvolvidos, sinaliza com chances deretorno financeiro ou de hegemonia no mercado.12

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11 O Brasil aparece em quinto lugar no ranking das economias em desenvolvimento, de acordo com o volume de investimentos em P&D, ficando à frente somente dealguns países da África, do México, da Turquia, de Cingapura e da Tchescoslováquia.12 A Finlândia concentra 50 % dos investimentos em P&D nas telecomunicações; a Alemanha, 29 % na indústria automobilística; o Japão, 90 % em eletrônicos,computação, automobilística, bens de capital e indústria química; e os EUA, 60 % na alta tecnologia.

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Sustentabilidadenos sistemas deprodução de bovinosVisão administrativasobre o método Voisin

André Sorio¹

Resumo: Os produtores são induzidos a investir em tecnologias que não trazem os resultados esperados,pois não enfrentam os problemas que se apresentam na pecuária – manejo inadequado das pastagens,falta de treinamento da mão-de-obra e carência de plano de negócios. Para melhorar os resultadoseconômicos, a primeira medida a ser tomada nas fazendas é dar melhor aproveitamento à produçãode pasto. Existe um potencial subaproveitado de alimentação dos ruminantes. Pela adoção de medidasrelativamente simples com grande impacto administrativo, como a implantação do método Voisin,pode-se criar uma base para dar sustentabilidade ao processo de produção pecuária.

Palavras-chave: administração rural, sustentabilidade, manejo de pastagem.

Abstract: The farmers are induced to invest in technologies that do not bring the expected results,because they not attack the problems that are present in animal husbandry – inadequate managementof pasture, labour without training and lacking business plan. The improvement of the economic resultsby better utilization of the grass production is the first initiative to be taken in the farms. There is apotential of underused feed for ruminants. Through the adoption of simple initiatives with big impactadministrative, like the deployment of the method Voisin, can create a basis to build the sustainability ofthe process of livestock production.

Key-words: rural management, sustainability, grass management.

1 Engenheiro agrônomo, mestrando em Agronegócios pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: [email protected]

IntroduçãoApesar de o Brasil ser o segundo maior produtor eo maior produtor mundial de carne bovina, abovinocultura brasileira é em média ineficiente,com baixas taxas de lotação e prenhez, e elevadaidade de abate. Nossa vantagem competitiva é

baseada na utilização semi-extrativista de áreasimensas e num rebanho que é o maior do mundoem produção comercial. Conforme o IBGE (2008),mais 2,65 milhões de propriedades no Paísexploram a bovinocultura, em cerca de 220 milhõesde hectares de pastagens, nativas e cultivadas.

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A despeito dos importantes avanços obtidos nosúltimos anos, é preciso aumentar a eficiência daprodução, para que a atividade se torne rentávelpara os produtores. Todos os índices zootécnicosmelhoraram na última década, mesmo não tendoalcançado um ponto ideal (ZIMMER; EUCLIDES,1995; IEL, 2000).

Como se sabe, a produção de commoditiesimplica grande escala produtiva, de forma adiminuir os custos fixos e a tornar o custo final doproduto compatível com o preço que osconsumidores se dispõem a pagar. Surge daí apergunta: como, então, intensificar a produção,com baixa capacidade de investimento e numaatividade que demanda elevado capital?

Cada corrente de pensamento ou de interesseeconômico indica uma direção: a) utilização devariados tipos de fertilizantes para aumentar aprodução; b) divisão de pastos, com muitos oupoucos piquetes; c) uso de leguminosas; d) con-finamento ou semiconfinamento dos animaisdurante a seca. E ainda há quem pregue que opecuarista não precisa fazer nada, só manejar oque já tem, usando cochos móveis, lotes imensose outros paliativos de menor importância.

O que todas essas teorias têm em comum é odesconhecimento ou mesmo o desprezo pelosprincípios elementares de administração. Naverdade, nenhuma delas isoladamente estácorreta. Todos os itens descritos são importantes,pois têm potencial de aumentar de alguma formaa produção. A pergunta correta seria: em queseqüência devem ser utilizadas as técnicas maiseficientes sob o aspecto administrativo, para seobter um maior retorno do capital investido?

JustificativaPara que se alcancem índices de lotaçãosatisfatórios, é necessária uma alta produção deforragem por hectare. Para isso, deve-se adotarpráticas eficientes de manejo de pastagens, quepermitam a máxima utilização da energia solar eo máximo suprimento de nutrientes a partir no solo,para o crescimento das forragens e sua conversãoem produtos de valor econômico (carne, leite,fibras e outros produtos animais).

A despeito dos esforços realizados nos últimosanos, os índices médios de desempenhozootécnico do rebanho brasileiro ainda são muitobaixos. Segundo Da Silva e Nascimento Junior(2006), há várias causas para essa ineficiência,mas seguramente o maior motivo provém daconcepção equivocada do que é um sistema deprodução animal em pastagens e de intensificaçãodo processo produtivo. Nesse contexto, o caráterinterativo dos componentes solo-planta-animal-meio e o conhecimento das respostas de plantase animais a estratégias de manejo do pastejo sãocomponentes-chave para a idealização, oplanejamento e a implementação de sistemas deprodução eficientes, sustentáveis e competitivos.

Da Silva (2006) afirma que a primeira condição aser respeitada é a de que só existe produção animalem pastagem se ela for mantida estável eprodutiva. Sorio Junior (2003) complementaconfirmando que os animais são elementostransitórios em uma propriedade rural, enquantoa pastagem é um recurso permanente.

Para se realizar adequadamente o manejo depastagens, é fundamental entender alguns fatoresque influenciam na taxa de crescimento da planta,em especial após a desfolha.

Após o desfolhamento, a energia necessária paraa produção de nova brotação é proveniente dafotossíntese e das reservas acumuladas nas raízese nos pontos de crescimento. A planta necessitade mais reservas orgânicas quando há pouca áreafoliar remanescente ou quando essa áreaapresenta baixa eficiência fotossintética,principalmente em folhas velhas ou secas.

Resultados de pesquisa têm mostrado, eobservações práticas confirmaram, que desfolhasfreqüentes e intensas de plantas forrageiras resultamem redução progressiva da produtividade dapastagem. Basicamente, isso acontece peladiminuição da capacidade do restabelecimento dosníveis originais de reservas orgânicas da planta.

Segundo Rodrigues L. e Rodrigues T. (1987), paramelhor aproveitar as características decrescimento das forrageiras, o especialista devemanejar as plantas de forma a obter uma série de

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rebrotas sucessivas, com o máximo de produçãode forragem em cada uma.

Ainda segundo os mesmos autores, as forrageirasutilizadas atualmente em pastagens são aquelasque se adaptaram morfológica e fisiologicamenteàs condições do ambiente e que adquiriram, aolongo do tempo, a capacidade de rebrotar apóscortes ou pastejos sucessivos. Nesse contexto, oconhecimento da reação das plantas à desfolha éessencial para se conceber um sistema de manejoque propicie a maximização da produtividade dasforrageiras com elevado valor nutritivo e quepermita o ajuste do crescimento das forrageirasàs necessidades dos animais, sem comprometera perenidade da pastagem.

As pastagens ajudam a combater a erosão etambém são recursos de inestimável valor para omanejo e o melhoramento do solo, em suascondições de estrutura e fertilidade (RIOGRANDE DO SUL, 1985). A exploração pecuáriaconsiste no manejo adequado das plantasforrageiras para fins de exploração dos recursosanimais. Ela deve satisfazer os objetivos deconservação e melhoramento do solo e deprodução de alimentos de baixo custo e de grandequalidade biológica.

Beetz e Rinehart (2006) constataram que osecossistemas de pastagem bem manejadoscontribuem de diversas maneiras para umambiente sustentável: a) as terras mais suscetíveisà erosão (ou com qualquer outra limitação àprodução de culturas anuais) podem ser exploradaspermanentemente; b) as terras utilizadas para aagricultura são beneficiadas pela inclusão depastagens no programa de rotação de cultura;c) o ciclo das ervas daninhas, doenças e insetosnas lavouras é interrompido durante os anos derotação com pastagens; d) a vida do solo aumentacom o incremento da matéria orgânica que ocorredurante o adequado manejo de pastagem; e e) aestrutura do solo melhora ao longo do tempo e acompactação é reduzida.

Murphy (1998) comprovou que o uso adequadodos recursos forrageiros ajuda a resolver osproblemas de baixa rentabilidade e a excessivacarga de trabalho, especialmente para produtores

de leite. Por meio de diversas simulações, esteautor demonstra que alimentar o gado compastagens corresponde a apenas 1/6 do custoresultante da alimentação com concentrados.

Para melhor compreender o tema em debate,serão dadas explicações sucintas sobre os sistemasde pastoreio usados na pecuária. Basicamenteexistem dois métodos: contínuo e intermitente.Smethan (1981) define cada um deles, como sesegue:

Pastoreio contínuo: consiste em adaptar acapacidade de carga ao crescimento dapastagem. Como a capacidade de carga emqualquer estabelecimento tende a serconservadora, as áreas submetidas a pastoreiocontínuo tendem a ser sobrepastoreadas durantea seca e subpastoreadadas durante a estaçãochuvosa. Quando a oferta de forragem excede osrequerimentos, os animais são sempre seletivos,tendendo a pastorear as espécies e as partes maispalatáveis e a rejeitar as menos palatáveis. Asgramíneas tendem a desaparecer enquanto asplantas indesejáveis prosperam, invadindo asáreas sobrepastoreadas. Por sua vez, os sítiossubpastoreados tornam-se densos e ainda menospalatáveis. O pastoreio seletivo ocorre quando acarga animal é demasiadamente baixa para fazerfrente à massa verde produzida, mal que só podeser evitado aumentando-se a carga e ajustando-acontinuamente durante o pastoreio. Esse ajustenunca se realiza na prática, com a conseqüentediminuição da produção de pasto, e cujo resultadoé a manutenção de baixas cargas animais nocampo.

Pastoreio intermitente: consiste em dar ao pastotempo de recuperação entre um corte e outro, deforma que as plantas se recuperem e possamfornecer ao gado a alimentação adequada. Paraisso, é necessário que a propriedade seja divididaem invernadas, setores ou piquetes, para permitiro descanso de algumas áreas, enquanto as outrassão ocupadas pelos animais.

Sorio Junior (2003) confirma o juízo de que aterminologia empregada no Brasil é imprecisa.Segundo ele, pastoreio não é sinônimo de pastejo,embora seja com ele confundido. Pastoreio inclui

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o pastejo, mas a ele não se limita. Pastejo consiste,pura e simplesmente, no ato animal de pastar. Nãopodem existir, por esse motivo, sistemas de pastejo,porque os animais pastam da mesma forma emtodas as regiões do planeta. Correto é dizersistemas de pastoreio. Pastejar é a primeira efundamental das atitudes dos herbívoros na lutapela sobrevivência. Pastoreio é o conjunto deações e procedimentos inerentes à arte de guiaro rebanho a seu pasto.

Lembra Beetz (2004), que o pastoreio contínuousualmente resulta em uma comunidade vegetalcomposta de espécies menos desejadas ao longodo tempo. Quando o rebanho pasteja semrestrições, consome primeiro a forragem maispalatável. Se estas plantas são pastejadasrepetidamente, sem o necessário repouso para quesuas reservas se recomponham e suas folhascresçam, elas acabam morrendo. As plantas nãoconsumidas pelos animais acabam maturando eproduzindo sementes. Então, a população dasplantas indesejáveis aumenta, enquanto as plantasmais palatáveis são eliminadas, reduzindo, assim,a qualidade da forragem.

Adjei et al. (1980) relatam que práticas de manejoimpróprias têm causado a degradação de extensasáreas de pastagens naturais no norte da Austrália,envolvendo mudanças na composição botânicada vegetação, aumento de invasoras lenhosas,redução da cobertura vegetal e aumento daerosão do solo. São resultados semelhantes aosque vêm ocorrendo no Centro-Oeste brasileiro,com dezenas de milhões de hectares de pastagensdegradadas.

Na verdade, em todas as regiões do Brasil os danosdo pastoreio contínuo fazem-se notar.Marcantonio (1999) sentencia, com rara poesiaencontrada em textos técnicos:

[...] o pastoreio permanente, ininterrupto, indiferido,dia atrás dia, meses por meses, estações sobreestações, anos após anos, por todo tempo dos tempos,quer o sol calcine o solo, quer as invernias crestem océspede vegetal, e por outro lado, a presençasimultânea de bovinos, ovinos e eqüinos, eis queconsiste o maior flagelo da terra indefesa, do animalsacrificado e do homem insensato. (MARCANTONIO.1999, p. 23).

Romero (1994) sugere a adoção do pastoreiorotativo racional como forma de melhorar areciclagem de nutrientes na pastagem, aumentara produção por área e minimizar os problemasde reforma de pasto. O manejo dos animais emlotes grandes proporciona uma reciclagem degrande quantidade de nutrientes essenciais empouco tempo. As excreções em grande volumeestimulam o desenvolvimento dos organismos dosolo. O processo é rápido e, quando acabam osresíduos (o carbono como fonte de energia), amicroflora morre, liberando nutrientes a partir dosseus constituintes celulares. Já Corsi (1989) informaser normal que apenas 12 % da área de pastagemreceba os excrementos dos animais. Esse autoracredita que o pastejo uniforme, com grandeconcentração de animais, contribui para auniformização na distribuição das excreções dosanimais em pastejo.

O verdadeiro pastoreio rotativo foi definido porAndré Voisin. Em essência, esse método consisteem períodos de pastoreio suficientemente curtos,de modo que não haja rebrote disponível parapastorear e, por conseguinte, as plantas não seesgotem. Por sua vez, o período de descanso ésuficientemente longo de modo a permitir oacúmulo de reservas nas raízes e na base doscolmos das plantas, para um rebrote vigoroso.O erro mais comum cometido na condução dopastoreio rotativo e nas pesquisas que tentamcomparar sua produtividade em relação aocontínuo foi o de estabelecer tempos fixos derepouso, pois os vegetais, em qualquer parte domundo, apresentam ritmos de crescimentodesiguais nas distintas estações do ano. Nessescasos, esses pastejos abusivos, ao invés defortalecerem as plantas pratenses, contribuempara seu esgotamento e a conseqüente queda deprodução (SMETHAN, 1981).

A despeito de a idéia de rotação das pastagensser longamente conhecida e praticada, coube aVoisin (1967a) organizar os princípios para omanejo racional do pasto e dos animais. Eleestabeleceu uma técnica baseada no que chamoude “quatro leis universais do pastoreio racional”.O grande princípio que rege essas quatro leis éque temos que ajudar o pasto em seu crescimento

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e também temos que dirigir os animais na colheitado pasto. A técnica de manejo que segue osprincípios do pastoreio racional, em homenagemao cientista que primeiro difundiu o método, échamada de sistema ou método Voisin.

Resumidamente, as leis do pastoreio racionaldeterminadas por Voisin (1967a) são as que seseguem: a) lei do repouso: ao pasto deve serconcedido um tempo de repouso que permita àplanta acumular reservas orgânicas, que lhepermita rebrotar novamente de forma vigorosa,após o próximo corte; b) lei da ocupação: o pastonunca deve ser cortado mais do que uma vez,pelo dente do animal, dentro do mesmo períodode ocupação de um piquete; c) lei da ajuda: orebanho deve ser separado em categorias animais,conforme a necessidade nutricional de cada umadelas; e d) lei dos rendimentos regulares: aosanimais deve ser fornecida, todos os dias, umaquantidade similar de pasto, de forma que hajaregularidade em seu desempenho.

O sistema Voisin já foi implantado com sucesso emmilhares de propriedades espalhadas por todos osestados brasileiros. E tem aplicação universal. Ouseja, baseia-se em leis universais da natureza, quefuncionam em todos os lugares, independente-mente do clima ou da fertilidade do solo (MELADO,2002).

Segundo o mesmo autor, o pasto só continuará emboas condições de produção se suas necessidadesbásicas forem atendidas. A mais importante é queo pastejo só seja feito no momento em que a plantajá tenha armazenado reservas suficientes para quevolte a brotar. Dessa forma, um fator importantís-simo é o período de repouso entre dois períodos depastejo. Outro fator essencial é o tempo máximode permanência do gado em um mesmo pasto. Esseperíodo de ocupação do pasto deve ser pequeno,de modo a não permitir que o a brotação do capimseja cortada novamente antes que o gado deixe opiquete. Para atender a essas condições, é precisodividir a pastagem em um número adequado depiquetes ou parcelas.

Uma das características marcantes dessa técnicae que particulariza em relação a outros sistemasde pastoreio rotativo, é a observação da variação

do tempo de repouso de acordo com a velocidadede recuperação da planta. Assim, na épocachuvosa e quente os tempos de repouso sãomenores do que na estação seca e fria e nunca seutilizam tempos fixos de ocupação e de descansoda pastagem. Murphy (1998) ressalta que osperíodos de descanso devem ser baseados naobservação do crescimento da planta e naquantidade de pasto disponível. Sob condições deestresse nas plantas, como seca ou frio, énecessário aumentar o período de descanso. Seas condições ambientais forem favoráveis, entãopoderá ser utilizado um menor tempo de descanso.

Da Silva (2006) afirma que recomendaçõesgeneralistas, com base em número fixo epredeterminado de dias de intervalo entredesfoliações, geram melhorias aquém daquilo queseria possível pelo potencial produtivo dasespécies tropicais, especialmente as do gêneroBrachiaria e Panicum.

Voisin (1967b) define pastoreio como “o encontroda vaca com o pasto”. A definição, simplista àprimeira vista, é plena de significados. Se aimportância econômica do pasto é sua função dealimentar os ruminantes, não se pode esquecerque os animais exercem profunda ação sobre apastagem da qual se alimentam. ComplementaSbrissia e Da Silva (2001), dizendo que plantas eanimais têm requerimentos conflitantes, quepodem resultar no colapso do sistema casomedidas de manejo não sejam tomadas de formaorientada e objetiva.

Assegura Sorio Junior (2000) que não são as altascargas animais que determinam as baixas taxasde desmame em gado de corte; tampouco as cargasbaixas o são de altas. A causa decisiva de sucessoou insucesso é o grau de eficiência no controle doabastecimento alimentar do rebanho de cria,considerando-se que as práticas zootécnicas esanitárias tenham sido contempladas.

Conforme Da Silva e Nascimento Junior (2006), omanejo do pastejo é o ponto de partida paraqualquer intervenção no sistema, sempre, e antesque outro tipo de intervenção possa serconsiderado. Esse fato, contudo, não significa quepráticas como correção do solo, adubação e

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irrigação não sejam desejáveis. Significa apenasque, numa escala de prioridades, todo processode intensificação da produção deve passarprimeiro pela colheita, sempre muito bem feitada forragem produzida, antes de se pensar emaumentar a produção por meio do uso defertilizantes e irrigação.

Sistemas de produção animal em pastagens sãocaracterizados por interações multidisciplinaresque impedem que ações de manejo emcomponentes isolados, ou parte deles, resultemem alteração imediata e eficaz da produtividade(DA SILVA; PEDREIRA, 1997). Em contrapartida,a mesma dificuldade em promover alteraçõespositivas em eficiência e produtividade do sistemapor meio de práticas de manejo serve comodispositivo de segurança contra o mau manejo,definindo certo grau de robustez e resiliência aossistemas de produção animal em pastagens(HODGSON, 1990 citado por DA SILVA;NASCIMENTO JUNIOR, 2006).

Primavesi (1985) entende que manejo racional émanejo ecológico, implicando dizer que é o manejoconcomitante do solo, da planta e do animal. Nãoé, pois, nem a exploração dos três nem o sacrifíciode um. E racionais são todas as medidas que tendema aumentar a forragem, mesmo nos períodos demenor desenvolvimento. Por esse juízo entende-se, pois, que é preciso melhorar o valor nutritivo daforragem, aumentar a carga animal e melhorar odesempenho dos animais.

Entre os meios de produção (terra – trabalho –capital – capacidade de gestão – tecnologia) ofator terra é o único irreprodutível, já que se podecomprar terra, mas não se pode fazer terra. Então,a missão econômica de um produtor rural é gerara maior renda líquida possível por unidade deárea. Os trabalhos do administrador e o daconsultoria técnica devem ser desenvolvidos paraque as metas econômicas, zootécnicas, sociais eambientais sejam atingidas. Com o passar dotempo deve-se ampliar essas metas, de forma queresultem na melhoria das pastagens e do traquejoda mão-de-obra, este último garantido por umconstante programa de educação e treinamento.O que instiga o produtor é saber se o sistema

produtivo que utiliza vai propiciar-lhe mais animaisbem nutridos por unidade de área, vai aumentarseu faturamento e diminuir os custos. Em outraspalavras, o que o produtor almeja é o aumento deprodutividade e uma renda líquida adequada(SORIO JUNIOR, 2000).

Vários estudos confirmaram que nem sempre ouso intensivo de tecnologia resulta em melhoriado resultado econômico. Yamaguchi (1997), porexemplo, não conseguiu aumentar a margemlíquida financeira de sistemas de pastoreio usandocapim-elefante, nem mesmo com o fornecimentode ração para as vacas ou com adubação daspastagens. Pelo contrário, com o aumento do usode insumos, diminuiu a margem líquida da rendae aumentou o tempo de retorno do capitalimobilizado.

A divisão de área e a construção de bebedouroscanalizados também não surtirão efeito se aspastagens forem plantadas com forrageirasinadequadas para a região, se o solo for deficienteem minerais e se a escolha da atividade pecuárianão for acertada. Primavesi (1985) confirma queo manejo rotativo racional otimiza as condiçõesda pastagem, mas não consegue criar condiçõesdiferentes. O manejo é considerado ecológicoquando consegue manter em equilíbrio todos osfatores de um lugar ou restabelecer o equilíbrioentre eles, para que não haja decadência doecossistema, e que proporcione as melhorescondições possíveis ao gado. IEL (2000) adverteque a adoção de práticas e técnicas mais sofisti-cadas de produção requer um nível de capacita-ção da mão-de-obra gerencial e operacional,condição que a maioria das propriedades nãoostenta.

Sendo assim, o objetivo deste trabalho é apontaros impactos administrativos que a adoção dosistema de manejo de pastagens conhecido pormétodo Voisin pode provocar nas propriedadespecuárias brasileiras.

Resultados e discussãoNa verdade, uma boa parte dos problemasverificados nas propriedades pecuárias tem origem

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na incapacidade de elas aproveitarem de formaplena os recursos forrageiros existentes. Dessaforma, também não conseguem gerar rendasuficiente que possa justificar mais investimentos,e que possam, por sua vez, levar a uma produçãoem escala e com baixo custo, sem degradaçãoambiental.

Conforme define Da Silva e Nascimento Junior(2006), intensificar é obter o maior rendimentopossível por unidade de recurso produtivo disponível.Assim, em caso de limitação de fertilidade do soloou de uso de fertilizantes, pode-se definir umaprodutividade potencial que, para aquela condição,corresponde ao maior nível possível deintensificação. A intensificação tem, pois, um caráterrelativo, pois varia conforme o contexto de operaçãodo sistema em questão. Em outras palavras, umsistema pode ser considerado intensivo sem utilizaraltas doses de nitrogênio ou irrigação.

Sorio Junior (2003) ressalta que se deve medir aeficiência de uma empresa rural pelo aumentodas unidades produzidas, concomitante com adiminuição dos custos, o que resulta em rendalíquida elevada para o produtor. A função e osobjetivos do produtor não são só aumentar aprodução, mas viabilizar-se economicamente nosetor primário. Se o aumento de produçãoresultante da adoção de determinada tecnologiaou sistema administrativo vier seguido de aumentode custos que cause prejuízos ao produtor, entãoserá imperativo concluir que a tecnologia deveser reavaliada, o sistema administrativo deve serreorganizado e os recursos devem ser realocados.Tecnologia que gasta mais do que produz nãoserve nem ao produtor nem à sociedade.

O grau e o tipo de interação dos componentes dosistema são determinados pelo manejo, que éresponsável pelas tomadas de decisão quanto àsrestrições do meio ao desenvolvimento de plantase animais. O meio determina, a priori, que condutatomar (uso de corretivos e fertilizantes,conservação de solo e suplementação deforragens), revelando se há necessidade deadaptação da base física às soluções adotadas. Oconhecimento de todos os componentes dosistema de produção e de seu perfil é condição

para manejar o pastejo, ou seja, o foco dasatenções passa a ser a colheita da forragemproduzida (DA SILVA; PASSANEZI, 1998).

Esses aspectos da estrutura de sistemas deprodução animal em pastagens é que vãodeterminar a necessidade de uma associaçãoharmônica e estável entre ambiente e plantaforrageira em primeiro lugar, antes que os recursosanimais possam ser considerados parte integranteda proposta técnica de exploração da terra. Poressas ponderações é possível entender, osignificado preciso da expressão “manejo dapastagem”. Trata-se de um conjunto de ações nosfatores solo planta animal ambiente que visam aobem estar e à produtividade da comunidade deplantas e do ambiente. Muito diferente, portanto,do manejo do pastejo, que basicamente consisteno monitoramento e na condução do processo decolheita da forragem pelos animais em pastejo(DA SILVA; NASCIMENTO JÚNIOR, 2006).

Os mesmos autores advertem para o fato de queo estabelecimento de métodos de pastoreio nãopode ser baseado apenas nos fatores decrescimento e desenvolvimento das plantasforrageiras (reservas orgânicas, área foliarremanescente e pontos de crescimento). É precisoconsiderar também os efeitos desses métodossobre o consumo de forragem, o desempenho e aprodutividade animal e, conseqüentemente, sobrea sustentabilidade do sistema de produção.

O administrador deve tomar seguidas decisões,algumas diariamente, outras esporadicamente.Todas elas têm o objetivo de ajustar o negócio auma situação vigente e prevenir situações futuras.Com os instrumentos de planejamento, pode-seprever o resultado dos ajustes, com váriassuposições. É claro que as técnicas deplanejamento não eliminam a possibilidade deprejuízo. Mas, se corretamente usadas, podemreduzir significativamente a probabilidade deperdas (SORIO, 2002).

Cumpre lembrar que uma das característicasmarcantes dos solos brasileiros é sua baixafertilidade natural. Geralmente a acidez é elevada,com presença significativa de alumínio tóxico ebaixos níveis de cálcio, magnésio e fósforo. E que

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a exploração pecuária é realizada nas terras ondeexiste aptidão agrícola menor, provocadaprincipalmente por limitações de relevo, clima efertilidade natural. Sendo assim, as terras maispobres, em regiões com menor previsibilidadeclimática e nos relevos mais acidentados, sãopreferencialmente destinadas à implantação depastagens e à exploração econômica com animaisruminantes.

Deve-se cuidar para que o sistema de produçãoimplantado em cada propriedade seja adaptadoàs especificidades daquela empresa rural. Ou seja,o envolvimento do proprietário com o processo,sua capacidade administrativa e sua capacidadede investimentos devem ser levados em conta.Além disso, não podem ser negligenciados osaspectos clássicos, como clima, solo, relevo,espécies de forragem e de animais.

O primeiro e significativo impacto que a implan-tação do sistema Voisin resulta na necessidade dereorganizar os lotes e a quantidade de animais emcada lote da propriedade. Nesta primeira etapa, éfeito um levantamento da quantidade de animaisda fazenda e sua distribuição em lotes. A quan-tidade de lote, que costuma ser excessiva, deveatender às necessidades individuais de cadacategoria animal, mas de forma racional.

Tome-se o seguinte exemplo, de um caso dedistribuição excessiva de lotes que prejudica omanejo dos animais: um proprietário que divideos lotes em sete, conforme o destino que lhes querreservar. Assim: para vacas prenhas; para vacasprenhas a 1 semana da data de parição; para vacasrecém-paridas; para vacas com bezerros de 1 mêsde idade; para vacas com bezerros de 2 meses;para vacas com bezerros com mais de 2 meses; epara vacas cujos bezerros já foram desmamados.Num outro extremo, um proprietário que divideem pouquíssimos lotes, que não permitem oatendimento adequado às necessidades de cadacategoria animal, provocando, entre outrosprejuízos, a diminuição do desempenho individualdos animais mais jovens por se verem obrigadosa competir com os mais velhos por pasto, água esuplemento mineral.

Nesse sentido, é importante avaliar a constataçãofeita por Da Silva e Nascimento Junior (2006) de

que a intensificação de um sistema de produçãonão é obtida exclusivamente por meio de aumentode produtividade via uso de fertilizantes, irrigaçãoe suplementos, mas sim por meio de ajustes nasdiferentes etapas do processo produtivo visandoao aumento de sua eficiência de produção. Nessecontexto, ajustes na duração do pastejo, no períodode descanso entre pastejos, na taxa de lotaçãoutilizada, na tomada de decisão relativa à comprae à venda de animais, na época de parição e dedesmama, são tão ou mais importantes quanto oaumento do uso de insumos. Esse fato confirmaque intensificação não é, necessariamente,sinônimo de investimentos elevados e aumentode custos de produção como é tradicionalmentedivulgado e aceito no meio técnico e científico.Na realidade, a intensificação também implica oconhecimento do conceito de sistema deprodução e de seu caráter multidisciplinar, asamplitudes de respostas, tanto de plantas quantode animais, a manipulações e as alterações domeio, reforçando a necessidade de compreenderaspectos da ecologia e da fisiologia de plantas eanimais em ambientes de pastagem.

Aguiar (1998) relata que, em pastagens bemmanejadas, com ciclos corretos de pastejo eadubadas, a qualidade da forragem é superior naseca do que no período chuvoso. No outono-inverno, por conta das baixas temperaturas, adeposição da parede celular (lignina, celulose ehemicelulose) na forrageira requer um tempo muitosuperior ao da deposição na primavera-verão.

Há uma crença equivocada de que no sistemaVoisin os piquetes deveriam ser muito pequenos,em torno de 1 ha a 2 ha. Isso não é uma regra.A divisão vai obedecer a uma série de requisitos,entre elas o tamanho da propriedade, o tamanhoda área de pastoreio destinada a cada lote, aprodução de pasto que pode ser alcançada naárea, o desempenho que se deseja daquele lote,a capacidade de investimento do proprietário e aqualidade da mão-de-obra para a realização detrabalhos intensivos. Primavesi (1985, 1990)resume essa questão dizendo que o tamanho dopiquete depende da forragem disponível, da

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intensidade do manejo e da carga animal. E de-pende também da região, do clima, do gado e dahabilidade do pecuarista. Racional deve ser o usodas forrageiras, mas também o manejo geral dapropriedade.

A divisão da propriedade em piquetes pequenosnão é prova de uma adequada rotação depastagens. É possível, por exemplo, que, empiquetes grandes (piquetes de mais de 15 ha, empropriedades extensas, na Amazônia e noPantanal), se realize um manejo de pastagensexemplar, no que respeita à variação dos temposde ocupação e repouso dos pastos ao longo doano. No entanto, Sorio (2003) ressalta que arotação de pastagens e a observância dosprincípios reitores do sistema Voisin, fundamentaispara a manutenção e o aumento da capacidadeprodutiva das propriedades rurais, só se tornampossíveis pela divisão da área de pastejo empiquetes.

O segundo impacto produzido pela implantaçãodo sistema Voisin é a demonstração danecessidade de um planejamento alimentarconsistente na propriedade. Ou seja, a quantidadede forragem produzida deve ser compatível coma quantidade de animais apascentados. Aliás, essedesequilíbrio costuma ser uma das causas diretasda degradação das pastagens.

A maioria das propriedades não conta com umafonte confiável de alimentos volumosos para aépoca seca, que fica dependendo quaseexclusivamente do crescimento dos pastos nessaépoca do ano, que se sabe ser muito escassa.Sugere-se, então, que seja estudada qual aalternativa mais viável para a propriedade, deacordo com sua localização, sua tradição e suacapacidade de investimento. Entre as soluçõespossíveis, as mais clássicas são a fenação, aensilagem de capim e as capineiras. Primavesi(1985) também oferece a opção do plantio dereservas de forragem diretamente em cadapiquete, com o uso de leguminosas arbustivas,como leucena, guandu, algaroba ou mesmopalma-forrageira no caso de regiões semiáridas.Da Silva (2006) mostra que também aconservação do excedente de pastagem, após a

saída dos animais dos piquetes, pode ser uma boasolução de armazenamento de forragem para aestação seca.

O impacto seguinte que o sistema Voisin processana propriedade é efetivamente o aumento daprodução dos pastos. Ao aumentar o tempo dedescanso e diminuir o tempo de ocupação daspastagens, consegue-se recompor as reservasorgânicas das plantas e aumenta-se a quantidadede perfilhos e estolões. Oliveira (2007) afirma que,nos primeiros ciclos de pastejo de uma pastagemem recuperação, não se observam grandesaumentos na altura do dossel ou da parte aérea,apesar de haver aumento da massa de forragemcolhida. E que, com as vedações, ocorremtambém aumento do número de raízes no perfildo solo e aumento da concentração de raízes emsua superfície.

O aumento da quantidade de forragem tem duasaplicações: tanto pode promover o aumentoimediato da carga animal quanto pode se prestara servir de boa cobertura do solo, protegendo-o,ademais, contra o impacto da chuva e a erosão.

A carga animal pode ser aumentada quando omanejo do pastejo é bem dirigido e o gado nuncaconsegue comer a rebrota nova; quando o pastoé melhorado, especialmente com leguminosas ea carga animal não prejudica o pasto por excessode pisoteio (PRIMAVESI, 1985).

Murphy (1998) informa que os benefícios daconversão para um sistema de pastoreio intensivorefletem-se na quantidade e na qualidade daforragem produzida. Isso se traduz em uso menorde concentrados, silagens e feno para o gadoleiteiro. Diminui-se a necessidade de distribuiçãodo alimento e, conseqüentemente, simplifica-seo trabalho. Pelo pastoreio intensivo, usa-se bemmenos tempo do que se usaria com a alimentaçãodo rebanho com concentrados e volumososconservados. Também são citados comobenefícios: a diminuição do trabalho de limpeza;a dispensa da distribuição do esterco; menor custopela diminuição da necessidade de máquinas,combustíveis e agrotóxicos; sem esquecer-se dadiminuição da erosão e da poluição da água.Infelizmente, nossa sociedade ainda não atribuiu

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um valor econômico a isso, razão por que essesitens não são incluídos nas análises econômicas.

Se a escolha feita para aproveitar o aumento deoferta de pasto for o aumento da carga animal, oprodutor deve ter disponibilidade de caixa paracomprar mais animais, ou, então, fazer parceriapara ocupar os pastos com animais de terceiros.Essa decisão deve ser tomada com muito cuidado,já que a compra de animais poderá comprometero capital de giro disponível para o futuro. Aguiar(1998) lembra, a propósito, que essa é a maiorrestrição à adoção de sistemas intensivos para aprodução de carne. Eis mais um motivo para queo pecuarista acompanhe muito bem o mercadode gado, de forma a comprar animais na baixa evender na alta.

O derradeiro impacto que o sistema Voisinprovoca sobre o sistema produtivo se dájustamente sobre os recursos humanos. Naspropriedades rurais brasileiras, é muito comumencontrar mão-de-obra sem treinamentoespecífico para o desempenho de suas atividades.Falta também um planejamento adequado dosserviços a serem desenvolvidos ao longo do ano,provocando, com isso, acúmulo de trabalho emalgumas épocas e ociosidade em outras.

A adoção de fichas de controle, de usorelativamente simples, para preenchimento pelosvaqueiros, consegue trazer à luz dadosimportantes coletados no campo. Com estesnúmeros, podem ser geradas informações queauxiliam o proprietário em seu processo contínuode tomada de decisão.

A capacitação projeta-se na organização dotrabalho, sob a forma de rotinas com tarefas bemdefinidas, e até mesmo na maneira como ovaqueiro lida com os animais. Isso tudo sem contaro prazer de manejar animais bem alimentados eem bom estado corporal.

Considerações finaisMuitas vezes, os produtores são induzidos ainvestir em tecnologias que não trazem osresultados esperados, porque, na verdade, não

avaliam corretamente os problemas que seapresentam na pecuária – manejo inadequado daspastagens, mão-de-obra sem treinamento e planode negócios inexistente ou focado na monocultura.Isso acaba desmotivando os produtores, e astecnologias ficam desacreditadas, quando, naverdade, é o uso inadequado delas que trazresultados econômicos pífios e muitas vezesnegativos.

É indiscutível que as medidas iniciais que devemser tomadas nas fazendas brasileiras, visando àmelhoria dos resultados econômicos, passamnecessariamente pelo melhor aproveitamento daprodução de pasto. Há, com efeito, um imensopotencial subaproveitado de alimentação dosruminantes, pois não se permite ao pasto completarseu ciclo fisiológico, o que possibilitaria rebrotasmais vigorosas e pastagens mais longevas.

Por todas essas razões, a implantação do métodoVoisin pode atuar como uma sólida base sobre aqual será construída a sustentabilidade doprocesso de produção pecuária. Certamente nãoé a única medida a ser tomada, como foidemonstrado ao longo deste texto, porém deveráser a primeira medida a ser adotada pelopecuarista, se quiser se manter competitivo esobreviver explorando pastagens para a produçãode ruminantes.

Se medidas relativamente simples forem adotadas,visando sempre ao manejo racional daspastagens, certamente a pecuária deixará de serum típico exemplo de baixa rentabilidadeeconômica e passará a ocupar um papel dedestaque dentro na economia nacional,promovendo, dessa forma, a melhoria dequalidade de vida das populações rurais.

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Viabilidade econômicade atividades florestaise agropecuárias

Sabina Cerruto Ribeiro1

Márcio Lopes da Silva2

Resumo: O objetivo do presente estudo foi avaliar a viabilidade econômica de diferentes culturasflorestais e agrícolas e da pecuária de corte no Estado do Espírito Santo. Para isso, foram escolhidosdados referentes ao cultivo sem o uso de maquinário e com o uso de baixa a média tecnologia, a fim dese aproximar da realidade de pequenos agricultores capixabas. As atividades selecionadas foramduas culturas florestais (eucalipto e pínus), duas culturas agrícolas (mandioca e café do tipo Conilon) ea pecuária de corte, comuns na Região Sudeste do Brasil. Os critérios de avaliação econômica utilizadosforam o Valor Presente Líquido (VPL), o Valor Presente para um Horizonte Infinito (VPL ∞ ), a TaxaInterna de Retorno (TIR) e o Valor Anual Equivalente (VAE). Verificou-se que todas as atividades, comexceção da pecuária de corte, são economicamente viáveis, com destaque para o café, que apresentouos maiores valores de VPL ∞ (R$ 2.779,77.ha-1), VAE (R$ 277,98.ha-1) e TIR (20,61 %). Quanto às demaisculturas, a mandioca apresentou maior viabilidade econômica, seguida do eucalipto e do pínus. Umapossível alternativa para garantir a viabilidade econômica da pecuária de corte seria promover aintegração lavoura–pecuária.

Palavras-chave: culturas florestais, culturas agrícolas, pecuária de corte.

Economic viability of forest and agropecuary activities

Abstract: The aim of this study was to evaluate the economic viability of different forest and cropcultures and beef cattle in the state of Espírito Santo. Therefore, were chosen data for the cultivationwithout the use of machinery and with the use of low to medium technology, in order to approach of thereality of small farmers. The selected activities were two forest cultures (eucalyptus and pinus), twocrop cultures (cassava and coffee type Conilon) and beef cattle, common in the southeastern region ofBrazil. The economic criteria used were Net Present Value (NPV), Infinite Horizon Present Value (NPV ∞ ),Internal Rate of Return (IRR) and Equivalent Annual Value (EAV). It was found that all the activities,except for the beef cattle, are economically viable, with emphasis on the coffee that presented thegreatest values of NPV ∞ (R$ 2.779,77.ha-1), EAV (R$ 277,98.ha-1) and IRR (20,61 %). As for the othercultures, cassava presented the greater economic viability, followed by eucalyptus and pinus. A possiblealternative to ensure the economic viability of beef cattle would be to promote the integration farming-cattle raising.

Key-words: forest cultures, crop cultures, beef cattle.

1 Doutoranda do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Avenida P. H. Rolfs s/n, CEP 36570-000, Viçosa, MG. E-mail:[email protected] Professor-adjunto do IV Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Avenida P. H. Rolfs s/n, CEP 36570-000, Viçosa, MG. E-mail:[email protected]

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IntroduçãoO Espírito Santo ocupa apenas 0,5 % do territórionacional, mas é o maior produtor de café robusta(Conilon) e coco-anão, e o segundo maior produtore o maior exportador de mamão-papaia do Brasil(PLANO ESTRATÉGICO DA AGRICULTURACAPIXABA, 2003). A grande maioria dos estabe-lecimentos rurais é ocupada pela agriculturafamiliar, a qual abrange cerca de 77 % dessesestabelecimentos (INCRA; FAO, 2000).

O histórico da agricultura familiar capixaba teveinício com a imigração européia, principalmentea italiana e a alemã, por meio da distribuição dascolônias (áreas de 25 ha) no Estado, sendo o cultivodo café a principal atividade econômica indutoradesse processo. Além dos colonos europeus, osescravos alforriados também participaram desseprocesso, que foi responsável pela construção dabase da estrutura agrária e da agricultura familiarda região (PLANO ESTRATÉGICO DA AGRICUL-TURA CAPIXABA, 2003).

Até a década de 1950, o crescimento da produçãoagrícola no Espírito Santo e no Brasil em geral sedava pela expansão da área cultivada. Com a“Revolução Verde”, a partir da década de 1960,foram desenvolvidos novos objetivos e formas deexploração agrícola, do que resultaram muitastransformações, tanto na pecuária quanto naagricultura. As conseqüências desse processoenglobaram, além da acirrada concorrência noque diz respeito à produção, muitos efeitos sociaise econômicos sofridos pela população envolvidacom atividades rurais (BALSAN, 2006).

No que tange aos efeitos socioeconômicos,grande parte é conseqüência da falta de capitaldos pequenos produtores rurais, fato que osimpediu de incorporar inovações tecnológicas emseus plantios. Com isso, o empobrecimento, odesemprego, a favelização dos trabalhadoresrurais, o êxodo rural e a sobreexploração da forçade trabalho rural passaram a ser fatos comuns naépoca (MOREIRA, 2000).

Essa situação começou a mudar com a criaçãodo Programa Nacional de Fortalecimento daAgricultura Familiar (Pronaf), em 1996, cujo

objetivo é fornecer apoio financeiro às atividadesagropecuárias e às não-agropecuárias exploradasmediante emprego direto da força de trabalho doprodutor rural e de sua família (BANCO CENTRALDO BRASIL, 2007). Segundo Mattei (2001), acriação do Pronaf atendeu a uma antigareivindicação dos trabalhadores rurais, querequeriam a formulação e a implementação depolíticas de desenvolvimento rural específicaspara o segmento numericamente mais importante,porém o mais fragilizado da agricultura brasileira,tanto em termos de capacidade técnica quantode inserção nos mercados agropecuários.

Atualmente, observa-se que a agricultura familiarbrasileira apresenta uma grande diversidade emrelação ao seu meio ambiente, à situação dosprodutores, à aptidão das terras, à disponibilidadede infra-estrutura, entre outras, não apenas entreas regiões, mas também dentro de cada região(INCRA; FAO, 2000). No caso específico doEstado do Espírito Santo, observa-se que muitosdos problemas do setor, em geral, também ocorremno Estado, o que demanda a execução de estudosvoltados para a agricultura familiar capixaba,especialmente quando se leva em conta que77 % dos estabelecimentos rurais do Estado sãovoltados para a agricultura familiar, conformemencionado anteriormente.

Em vista disso, estudos que busquem avaliar aviabilidade econômica de diferentes atividades,com base na realidade de pequenos agricultores,são importantes, pois fornecem informações quepodem balizar a seleção das atividades maisrentáveis para esses produtores rurais. Assim, opresente estudo teve como objetivo avaliar aviabilidade econômica de duas culturas florestais(eucalipto e pínus), de duas culturas agrícolas(mandioca e café tipo Conilon) e da pecuária decorte no Estado do Espírito Santo.

Material e métodos

Obtenção dos dados

Os dados para a execução do presente trabalhoforam obtidos do Instituto FNP (2007) e do estudo

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Coeficientes Técnicos e Custos de Produção naAgricultura do Estado do Espírito Santo,desenvolvido pelo Centro de Desenvolvimento doAgronegócio – Cedagro (CEDAGRO, 2006),organização não-governamental do Estado doEspírito Santo que objetiva a defesa, a promoçãoe o fortalecimento do agronegócio. No que serefere aos dados relativos à pecuária de corte(infra-estrutura, insumos, mão-de-obra e aquisiçãode novilhos), foram usados os valoresapresentados por Souza et al. (2007).

No estudo do Cedagro, desenvolvido em novembrode 2006, foram disponibilizadas planilhas de40 culturas agrícolas e florestais. Dentre estas, foramselecionadas duas culturas florestais (eucalipto epínus), duas culturas agrícolas (mandioca e café dotipo Conilon) e a pecuária de corte, comuns na RegiãoSudeste do Brasil, a fim de que fosse possíveldeterminar qual atividade seria a mais promissora eviável para os pequenos produtores da região. Emvista disso, optou-se por analisar atividades queconcorrem pela mesma área de uma propriedadeagrícola e pela seleção de dados referentes ao cultivosem o uso de maquinário, ou seja, em áreas não-motomecanizáveis e com uso de baixa a médiatecnologia.

As culturas selecionadas apresentam as seguintescaracterísticas:

Eucalipto: foi considerado um espaçamento de 3,0 mx 3,0 m (1.111 plantas.ha-1), uma produtividadede 180 m3 e idade de corte igual a 7 anos.

Pínus: foi considerado um espaçamento de 3,0 mx 2,0 m (1.666 plantas.ha-1), uma produtividademédia esperada de 21,14 m3.ha-1.ano-1 e colheitasno 8º, 13º, 17º e 21º anos de madeira para torete,energia (carvão) e serraria (apenas a partir do13º ano).

Pecuária de corte: foi considerado um pastoformado a lanço com capim-marandu (Brachiariabrizantha), com uma capacidade de suporte de2,5 arrobas.ha-1 e uma produtividade bovina de16,5 arrobas.ha-1.

Mandioca: foi considerado um espaçamento de 1,0 mx 0,6 m (16.666 plantas.ha-1), uma produtividademédia de 18.000 kg.ha-1 e colheita aos 12 meses.

Café: foi considerado um sistema não irrigado com2.000 plantas.ha-1 e uma produtividade de15 sacas.ha-1 no 2º ano, 20 sacas.ha-1 no 3º ano e35 sacas.ha-1 nos 4º e 5º anos.

Avaliação financeira

Fluxo de caixa

O fluxo de caixa representa as estimativas dereceitas e custos ao longo do tempo de um projeto(SANTOS et al., 2002). As informações paracompor os coeficientes técnicos utilizados namontagem dos fluxos de caixa de cada culturaforam obtidas dos dados apresentados peloCedagro (2006).

Os custos foram aqueles relativos à implantação eà manutenção de 1 ha da cultura selecionada. Noque se refere ao custo da terra, ele foi obtidoconsiderando-se o custo de oportunidade da terrae o valor da terra na região do Espírito Santo, oqual foi determinado com base em dados do InstitutoFNP (2007). Assim, o custo de oportunidade foicalculado multiplicando-se o valor da terra pelataxa de desconto adotada. No Brasil, a taxa dedesconto costuma variar de 6 % a 12 % paraprojetos florestais (LIMA JÚNIOR et al., 1997). Nopresente estudo, adotou-se uma taxa de descontode 10 % a.a., conforme Paixão et al. (2006).

As receitas, por sua vez, advieram da venda damadeira / cultura agrícola / gado, conformeespecificidades de cada cultura avaliada:

Eucalipto: a venda se deu no 7º ano, sob um preçode R$ 55,00.m-3. Considerou-se um valor de vendada madeira na fábrica, localizada hipoteticamentea 80 km de distância do local do plantio.

Pínus: as vendas ocorreram no 8º, 13º, 17º e21º anos de madeira para torete, energia (carvão)e serraria sob um preço de R$ 70,00.m-3,R$ 40,00.m-3 e R$ 100,00.m-3, respectivamente.Para essa cultura, também foi considerado umvalor de venda da madeira na fábrica, localizadahipoteticamente a 80 km de distância do local doplantio.

Pecuária de corte: as vendas ocorreram do 3º ao5º ano, sob um preço de venda por indivíduo deR$ 57,00.

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Mandioca: a venda deu-se aos 12 meses, sob umpreço de R$ 100,00.t-1.

Café: as vendas ocorreram no 2º, 3º, 4º e 5º anos,sob um preço de R$ 180,00 por saca beneficiadade café do tipo Conilon.

Critérios de avaliação econômica

Os critérios de avaliação econômica usados paraverificar a viabilidade financeira das atividadesselecionadas estão apresentados a seguir.

Valor Presente Líquido (VPL): representa adiferença entre receitas e custos, atualizada deacordo com determinada taxa de desconto(REZENDE; OLIVEIRA, 2001).

∑ ∑= =

−− +−+=n

j

n

j

jj iCjiRjVPL0 0

)1()1( [1]

Em que:

Cj = Custo no final do período j considerado.Rj = Receita no final do período j considerado.i = Taxa de desconto.n = Duração do projeto, em número de períodos.

O projeto será economicamente viável quandoVPL for maior do que zero.

Valor Presente Líquido para um HorizonteInfinito (VPL ∞ ): como as culturas selecionadaspossuem horizontes de planejamento distintos,considerou-se também o VPL ∞ para uma sériede infinitos ciclos da cultura, conforme Rezendee Oliveira (2001).

1)1()1(−+

+=∞ n

n

iiVPLVPL [2]

Em que:

VPL = Valor Presente Líquido.

i = Taxa de desconto.

n = Duração do projeto, em número de períodos.

À semelhança do VPL, o projeto que apresenta oVPL ∞ maior do que zero é economicamenteviável, sendo considerado o melhor aquele queapresentar maior VPL ∞ (SILVA; FONTES, 2005).

Taxa Interna de Retorno (TIR): é a taxa dedesconto que iguala o valor atual das receitas(futuras) ao valor atual dos custos (futuros) doprojeto (REZENDE; OLIVEIRA, 2001).

∑ ∑= =

−− +=+n

j

n

j

jj TIRCjTIRRj0 0

)1()1( [3]

Em que:

Cj = Custo no final do período j considerado.Rj = Receita no final do período j considerado.TIR = Taxa Interna de Retorno.n = Duração do projeto, em número de períodos.

Um projeto será viável economicamente se suaTIR for maior do que a taxa mínima deatratividade do capital, que, no presentetrabalho, é igual a 10 %.

Valor Anual Equivalente (VAE): transforma o valorpresente líquido em um fluxo anual e constantede receitas/custos, de duração igual ao horizontedo projeto (REZENDE; OLIVEIRA, 2001).

])1(1[*

niiVPLVAE−+−

= [4]

Em que:VPL = Valor Presente Líquido.i = Taxa de desconto.n = duração do projeto, em número de períodos.

O projeto será considerado economicamenteviável quando VAE for maior que zero, indicandoque os benefícios periódicos são maiores do queos custos periódicos.

Resultados

Fluxo de caixa

Culturas florestais

Os fluxos de caixa simplificados do eucalipto epínus estão apresentados nas Tabelas 1 e 2.

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 80

Tabela 1. Fluxo de caixa para a cultura do eucalipto.

1

234...7

Ano

Custo de oportunidade da terraImplantaçãoManutençãoManutençãoManutenção

.

.

.Manutenção/Colheita

Fonte de custo151,50

1.609,56443,00276,00265,16

.

.

.4.056,00

R$.ha-1

-1.761,06

-443,00-276,00-265,16

.

.

.5.844,00

Resultadolíquido

(R$.ha-1)

CustoFonte de receita R$.ha-1

Receitas

Fonte: Adaptado de Cedagro (2006).

Venda da madeira 9.900,00

Tabela 2. Fluxo de caixa para a cultura do pínus.

1

23456789

1011121314

.

.1718192021

Ano

Custo de oportunidade da terraImplantaçãoManutençãoManutençãoManutençãoManutençãoManutençãoManutençãoManutençãoManutençãoManutençãoManutençãoManutençãoManutençãoManutenção

. .

ManutençãoManutençãoManutençãoManutençãoManutenção

Fonte de custo151,50

2.218,20684,40584,40584,40404,40624,40404,40

1.414,40494,40314,40314,40184,40

1.874,40184,40

.

.2.280,40

184,40176,40216,40

4.415,00

R$.ha-1

-2.369,70

-684,40-584,40-584,40-404,40-624,40-404,40

1.995,60-494,40-314,40-314,40-184,40

4.275,60-184,40

.

.6.719,60-184,40-176,40-216,40

15.395,00

Resultadolíquido

(R$.ha-1)

CustoFonte de receita R$.ha-1

Receitas

Fonte: Adaptado de Cedagro (2006).

Venda da madeira

Venda da madeira

Venda da madeira

Venda da madeira

3.410,00

6.150,00

9.000,00

19.810,00

Para o eucalipto, a grande maioria dos custosconcentraram-se no ano 1, constando apenas oscustos relacionados ao custo de oportunidade daterra e à manutenção (combate a formigas,capinas, limpeza de aceiros, entre outros) nosdemais anos. No último ano da cultura, além doscustos mencionados anteriormente, podem serdestacados aqueles relacionados com a colheita,

que contribuíram com 95,2 % do total dos custosdeste ano.

Quanto à receita, ela correspondeu a umaprodutividade de 180 m3.ha-1 e à venda damadeira na fábrica, pelo preço de R$ 55,00.m-3.

Da mesma forma que para o eucalipto, a grandemaioria dos custos relativos ao cultivo do pínus

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200881

concentrou-se no ano 1, estando os custos deoportunidade da terra e de manutenção (combatea formigas, capinas, limpeza de aceiros, entreoutros) presentes nos demais anos. Nos 8º, 13º,17º e 21º anos, em virtude da colheita de parte damadeira, foram acrescidos custos além daquelesrelacionados à manutenção citada anteriormente.

No que tange a receita, ela foi correspondente auma produtividade média de 21,14 m3.ha-1.ano-1

e à venda da madeira para torete, energia (carvão)e serraria na fábrica, pelo preço de R$ 70,00.m-3,R$ 40,00.m-3 e R$ 100,00.m-3, no 8º, 13º, 17º e21º anos, respectivamente.

Culturas agrícolas

Os fluxos de caixa simplificados da mandioca ecafé estão apresentados nas Tabelas 3 e 4.

A mandioca apresentou um ciclo anual, já que seconsiderou que sua colheita seria feita aos 12 meses.Os custos referiram-se ao custo de oportunidadeda terra, à implantação, à manutenção e à colheita;já a receita correspondeu à venda da mandioca,por uma produtividade de 18 t e um preço deR$ 100,00.t-1.

Tabela 3. Fluxo de caixa para a cultura da mandioca.

1

Ano

Custo de oportunidade da terraImplantação/Colheita

Fonte de custo151,50

1.491,00

R$.ha-1

157,50

Resultadolíquido

(R$.ha-1)

CustoFonte de receita R$.ha-1

Receitas

Fonte: Adaptado de Cedagro (2006).

Venda da mandioca 1.800,00

Tabela 4. Fluxo de caixa para a cultura do café.

1

2345

Ano

Custo de oportunidade da terraImplantação

ManutençãoManutençãoManutençãoManutenção

Fonte de custo151,50

3.374,00

2.129,183.407,423.348,753.680,42

R$.ha-1

-3.525,50

570,83192,59

2.951,262.619,59

Resultadolíquido

(R$.ha-1)

Custo

Fonte de receita R$.ha-1

Receitas

Fonte: Adaptado de Cedagro (2006).

Venda de caféVenda de caféVenda de caféVenda de café

2.700,003.600,006.300,006.300,00

Quanto ao café, o horizonte de planejamento foide 5 anos, com colheitas a partir do 2º ano. Oscustos foram aqueles relacionados com o custode oportunidade da terra e com a implantação, amanutenção e a colheita (a partir do 2º ano); já asreceitas foram aquelas referentes à venda da sacabeneficiada por R$ 180,00, cada uma.

Pecuária de corte

O fluxo de caixa simplificado da pecuária de corteestá apresentado na Tabela 5. Os custos relativos àimplantação e à manutenção da pastagem ficaramconcentrados no 1º e 2º anos, e, nos anos subse-qüentes, estiveram presentes os custos relacionadoscom a pecuária de corte (infra-estrutura, insumos,mão-de-obra e aquisição de novilhos), além docusto de oportunidade da terra. As receitas foramaquelas referentes à venda do gado, pelo preço deR$ 57,00, cada uma, no 3º, 4º e 5º anos.

Critérios de avaliação

O resultado obtido a partir dos critérios deavaliação de projetos (VPL, VPL ∞ , TIR e VAE)usados, por uma taxa de desconto de 10 % a.a.,estão na Tabela 6.

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 82

Tabela 5. Fluxo de caixa para a pecuária de corte.

1

234...7

Ano

Custo de oportunidade da terraImplantação do pasto

Manutenção do pastoPecuáriaPecuária

.

.

.Pecuária

Fonte de custo151,50

1.087,54

599,60926,78755,47

.

.

.755,47

R$.ha-1

-1.239,04

-599,6013,72

185,03...

185,03

Resultadolíquido

(R$.ha-1)

CustoFonte de receita R$.ha-1

Receitas

Fonte: Adaptado de Cedagro (2006).

Venda do gadoVenda do gado

.

.

.Venda do gado

940,50940,50

.

.

.940,50

Tabela 6. Critérios econômicos (VPL, VPL ∞ , TIR e VAE) utilizados para a avaliação das culturas florestais(eucalipto e pínus) e agrícolas (mandioca e café) e a pecuária de corte, a uma taxa de desconto de 10 % a.a.

Florestal

Agrícola

Pecuária de corte

Cultura

12,5810,82

-20,61

-18,95

TIR(% a.a.)

67,5855,87

157,50277,98

-240,52

VAE(R$.ha-1.ano-1)

3º4º2º1º

Inviável

ClassificaçãoVPL

(R$.ha-1)VPL ∞

(R$.ha-1)

Fonte: Adaptado de Cedagro (2006).

329,02483,18143,18

1.053,75-1.170,95

675,83558,68

1.575,002.779,77

-2.405,20

EucaliptoPínusMandiocaCafé

Os resultados obtidos indicam que todas asatividades, com exceção da pecuária de corte,são economicamente viáveis, com destaque parao café, que apresentou os maiores valores deVPL ∞ (R$ 2.779,77.ha-1), VAE (R$ 277,98.ha-1) eTIR (20,61 %). Quanto às demais culturas, amandioca mostrou maior viabilidade econômica,seguida do eucalipto e do pínus.

Discussão

Fluxo de caixa

Os fluxos de caixa apresentados possuemdiferenças relacionadas, principalmente, com ohorizonte de planejamento de cada atividade, oque leva a distintas épocas de colheita e, assim,de recebimento de receitas. Contudo, é

perfeitamente possível comparar tais atividadesutilizando o VAE e o VPL ∞ , que são critérioseconômicos indicados para a análise de projetoscom horizontes de planejamento diferentes(REZENDE; OLIVEIRA, 2001).

Critérios de avaliação

A análise econômica demonstrou que as culturasagrícolas e florestais são viáveis economica-mente, enquanto a pecuária de corte mostrou-seinviável economicamente.

Os critérios econômicos VPL ∞ , TIR e VAEindicaram que o projeto mais atrativo para osprodutores rurais seria o café. Fontes (2001), emum estudo sobre a caracterização da atividadeflorestal no município de Viçosa (MG), para umcusto de oportunidade da terra de R$ 1.500,00 euma taxa de juros igual a 10 % a.a., também obteve

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200883

o mesmo resultado, considerando o plantio emáreas de encostas (terço inferior e médio), comvalores de VPL, VAE e TIR de R$ 1.651,75.ha-1,R$ 190,98.ha-1 e 15,42 %, respectivamente.

A diferença entre os valores encontrados para oscritérios econômicos pode ser devida ao fato de oautor citado ter considerado uma produtividademédia de 14,79 sc.ha-1 de café e um preço médiode R$ 31,76.arroba-1 de gado, valores estesinferiores aos considerados no presente estudo.

Santos et al. (2000), em um estudo sobre aviabilidade econômica do sistema agroflorestalgrevílea x café na região norte do Estado do Paraná,encontrou, para o sistema puro café, valores deVPL e TIR iguais a R$ 2.860,02.ha-1 e 23,24 %,respectivamente. Nesse caso, usou-se um horizontede planejamento de 17 anos, um preço da saca docafé em coco de R$ 45,00 e uma taxa de juros de12 % a.a. A diferença de parâmetros usados podeter contribuído para a diferença de valoresencontrados com o presente estudo.

No que se refere à mandioca, Santos e Paiva(2002) obtiveram um valor de VPL igual aR$ 268,00.ha-1, o qual é maior do que o obtido nopresente estudo (R$ 143,18.ha-1). O trabalho citadoapresenta alguns aspectos distintos das condiçõesconsideradas neste trabalho: a mandioca era umcomponente de um sistema agroflorestal implan-tado em pequenas propriedades na região doPontal do Paranapanema (SP), a taxa de jurosadotada era de 6 % a.a. e a produtividade média,de 3.950 kg.ha-1.

Apesar de a produtividade média ter sido inferiorà do presente estudo (18.000 kg.ha-1), o fato de ataxa de juros adotada (6 % a.a.) ter sidosignificativamente menor do que a do presenteestudo (10 % a.a.) pode ter contribuído para o VPLdo estudo citado ter sido maior do que o dopresente estudo, já que à medida que se aumentao valor da taxa de desconto, tende-se a alcançarmenores valores de VPL (SANTOS; PAIVA, 2002).

Para o eucalipto, os valores de VPL e TIR encon-trados foram maiores do que os encontrados porFontes (2001), o qual obteve VPL de R$ -285,84.ha-1 eTIR de 8,62 %, para uma taxa de juros de 10 %

a.a., e um custo de oportunidade da terra deR$ 1.500,00.ha-1. Além do fato de ter se consideradoum horizonte de planejamento de 21 anos, esseautor usou um preço de venda para o eucaliptoaos 7 anos de R$ 12,00.ha-1, o qual é inferior aoadotado no presente estudo (R$ 55,00. ha-1). Istopode ter contribuído para a diferença de valoresobservada.

Para o pínus, o presente estudo obteve valores deVPL e VAE menores quando comparados ao estudodesenvolvido por Souza et al. (2004), que, em umaanálise da viabilidade de diferentes arranjosorganizacionais para a exploração de pínus naregião dos Campos de Palmas (PR/SC), encontrouVPL e VAE de R$ 1.510,00.ha-1 e R$ 177,00.ha-1,respectivamente, no melhor cenário. Porém, essadiferença de valores pode ser justificada pelo fatodo autor não ter considerado o custo de oportunidadeda terra na elaboração do fluxo de caixa.

De modo geral, apesar de muitas vezes asculturas florestais não serem a atividade primordialda maioria das pequenas propriedades rurais,segundo Fontes et al. (2003), algumas das razõesque podem torná-las atrativas são: abastecimentoda propriedade, aumento da renda familiar,aproveitamento de áreas ociosas, embelezamentoda propriedade e aspectos conservacionistas. Noentanto, esse autor ressalta que a adoção doreflorestamento para fins conservacionistas é aindauma atitude pouco comum.

Em vista disso, ações governamentais e privadasque venham a estimular a implantação de florestasem pequenas propriedades devem serincentivadas, já que apresentam boa rentabilidadeao pequeno produtor, além de promover diversosserviços ambientais. No caso específico do EspíritoSanto, tem-se que, na maioria das propriedadesonde há culturas florestais, opta-se pelo eucalipto.No entanto, a implantação do pínus deveria serincentivada, já que também possui boarentabilidade e está presente em apenas 4.408 hado Estado, enquanto o eucalipto responde por207.800 ha (ABRAF, 2007).

No que tange à pecuária de corte, o estudo deFontes (2001) também apontou que ela é inviáveleconomicamente, com valores de VPL e TIR de

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 84

R$ -785,58.ha-1 e 5,13 %, respectivamente. Costaet al. (2006) destacaram que uma alternativa paratornar a pecuária de corte viável economicamenteseria sua integração com a lavoura, que, além defacilitar a disponibilização de forragem dequalidade, proporciona a redução de custos comalimentação. Esse autor também ressalta que aintegração lavoura–pecuária leva à diluição dasdespesas administrativas, o que diminui o valordas despesas administrativas.

Fazendo-se um balanço entre as atividadesavaliadas no presente estudo, observa-se que,além da atratividade relacionada à viabilidadeeconômica de certa atividade, pode ser destacadaa questão da concorrência entre atividades porárea de implantação, principalmente no que serefere às encostas, nas quais tende a predominaro cultivo sem o uso de maquinário e sem o uso debaixa a média tecnologia. Dessa forma, as culturasflorestais e agrícolas e a pecuária concorrem entresi por essas áreas, fato que também é levado emconta pelo pequeno agricultor na escolha dedeterminada atividade. Entretanto, é importanteressaltar que a diversidade de culturas e deatividades em uma área pode ser interessante parao produtor, considerando que esse procedimentopode diminuir os riscos relacionados ao mercadoe ao clima.

Conclusões• Os indicadores econômicos apresentadosapontam que o café, seguido da mandioca, doeucalipto e do pínus, podem ser atividades maisrentáveis para pequenos produtores ruraiscapixabas.

• A pecuária de corte, por sua vez, é umaatividade que deve ser vista com cautela, já quefoi considerada inviável economicamente. Umapossível alternativa para garantir a sua viabilidadeeconômica seria promover a integração lavoura–pecuária.

• As culturas florestais, no caso o eucalipto e opínus, são atividades cujo uso deve ser estimulado,pois, além de proporcionarem ganhos financeiros,

promovem ganhos ambientais à propriedade e aomeio ambiente em geral.

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Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200885

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Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 86

O uso do métodoSOMA na avaliaçãode cursos decapacitação

Carlos Roberto de Albuquerque Lima1

Rosilene Ferreira Souto2

Carla Povoa Lemes3

João Luiz Palma Meneguci4

IntroduçãoO agronegócio tem um importante papel para aeconomia brasileira, representando em média de27 % a 30 % do Produto Interno Bruto (PIB)nacional (CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURAE PECUÁRIA DO BRASIL, 2007). Um dos fatoresque contribuíram para a sua evolução e para osbons resultados desse setor foi o crescimento donúmero de ações de transferência de tecnologia,feitas por órgãos do governo, por cooperativas epela iniciativa privada, com a realização de diasde campo, palestras, cursos de capacitação deagricultores e técnicos e divulgação emprogramas de TV, rádio, jornais e revistas. Noentanto, não há estudos sistematizados queavaliem a eficiência desses métodos e de meiosde comunicação, de forma quantitativa, que dêemrespostas às seguintes questões: o que osentrevistados sabiam e faziam antes departiciparem dos cursos, o que aprenderam comos cursos, que comportamentos foram modificadosem decorrência do aprendizado, quanto lhescustou todo esse esforço, como se beneficiou asociedade.

Um estudo do agronegócio, realizado por meioda análise da Produtividade Total dos Fatores (PTF),

mostrou que o uso de tecnologias adequadas temsido decisivo para o bom desempenho doagronegócio, indicando que o aumento de 1% nosgastos com pesquisa resulta em um aumento de0,17 % no PTF (GASQUES et al., 2004a;GASQUES et al., 2004b).

Historicamente, a administração pública brasileiraocupa-se com a avaliação dos programaspúblicos, em geral, e com programas sociais, emparticular. Durante anos, a produção deconhecimento técnico, na busca da melhoria dospadrões de gerenciamento do setor público,sempre esteve mais voltada para os processos deformulação de programas do que para osrelacionados às suas implementação e avaliação.Existem, entretanto, evidências de que essedesinteresse histórico está diminuindorapidamente. As razões que concorreram paraessa mudança decorrem das profundastransformações observadas na sociedade e noEstado brasileiro desde meados dos anos 1980 e,particularmente, em período mais recente.

Segundo Costa e Castanhar (2003), o grandedesafio para a disseminação da prática daavaliação de projetos no setor público é, semdúvida, encontrar formas práticas de mensurar o

1 Engenheiro agrônomo, M.Sc. SFA-GO, Praça Cívica, 100, CEP 74003/010. Goiânia, GO. E-mail: [email protected] Engenheira agrônoma, D.Sc. MAPA, Esplanada dos Ministérios, Bloco D, CEP 70043-900, Brasília, DF. E-mail: [email protected] Engenheira agrônoma, SFA-AM, R. Maceió, 460, CEP 69057-010, Manaus, AM. E-mail: [email protected] Engenheiro agrônomo, D.Sc., Embrapa, SNT/Esc. de Neg. de Goiânia, CEP 74001/970, Goiânia, GO. E-mail: [email protected]

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 200887

desempenho e fornecer, ao responsável pelagestão dos programas sociais, bem como aosdemais atores envolvidos, informações úteis paraa avaliação dos efeitos de tais programas, sobrea necessidade de correções, ou mesmo sobre ainviabilidade do programa.

Uma sugestão de avaliação das capacitações,como aquelas realizadas no Sistema Agrope-cuário de Produção Integrada (Sapi), é o MétodoSOMA (ALBUQUERQUE, 2000), que já vemsendo utilizado em projetos de Educação Sanitáriado Ministério da Agricultura, em várias regiõesdo Brasil.

Na sigla SOMA, há, embutidos, os seguintessignificados: S para “sistêmico”, O para “objetivosclaramente definidos”, M para “monitoramento daevolução das pessoas”, e A para “avaliaçãoconstante e aperfeiçoamento ao longo do proces-so”. O nome SOMA também implica a intençãode somar, contribuir, compartilhar, distribuir, crescerjunto, retribuir, a outras pessoas, as oportunidadesoferecidas ao longo da vida.

Esse método prevê ainda: a) trabalho em parceria,como forma de racionalizar ações e utilizar melhoros recursos públicos e privados; b) abordagemsistêmica de assuntos complexos; c) colaboraçãode diversas áreas do conhecimento humano paraa elaboração de diagnósticos; d) planejamento eimplantação de soluções práticas e efetivas.

A capacitação do homem do campo apresentaenormes desafios: a) dificuldade de reunir produtoresnos horários de expediente; b) falta de diagnósticodos conhecimentos e dos comportamentos iniciaisdos produtores; c) ausência de parâmetros paraavaliação da qualidade das capacitações;d) ausência de indicadores de eficiência do processoensino-aprendizagem e do aumento do aprendizadoresultante da capacitação.

Bíscaro (1994) ensina que, para uma inteligente eobjetiva escolha dos métodos de treinamento,devem ser levados em conta critérios bemdefinidos. A escolha do método adequado para otreinamento vai depender dos objetivosinstrucionais, do tipo de profissional envolvido e

de outros critérios, como objetivos da empresa,disponibilidade de tempo, recursos materiais,orçamento, entre outros.

O processo de treinamento pode ser dividido emquatro etapas: diagnóstico da situação;programação do treinamento para atender àsnecessidades; execução do treinamentopropriamente dito; e avaliação dos resultados(FERREIRA, 1989).

No método SOMA, são estabelecidos critérios-padrão mínimos para avaliar os resultados dacapacitação. Para mensurar o conhecimentoprévio das pessoas a serem capacitadas, utiliza-seum questionário chamado pré-teste, cujo valor,pelos critérios estabelecidos, deve ser inferior a50 %. Valor superior a 50 % é indício de que oconteúdo ensinado já é do domínio da maioria dosaprendizes. Outro parâmetro usado na avaliaçãodos resultados educacionais é a eficiência doprocesso ensino-aprendizagem, processo conhe-cido como eficiência de aprendizagem, que écalculada por meio de fórmula que envolve valoresanteriores e posteriores ao teste.

O critério estabelecido para a eficiência deaprendizagem é que ela deve ser maior que50 %. Os objetivos instrucionais com eficiênciamenor que 50 % indicam que não atingiram ocritério mínimo exigido, ou seja, precisam sercuidadosamente analisados, para que sejamidentificadas as possíveis causas das falhas nainstrução e a proposição de soluções para sanaressa falhas.

Um aspecto importante, que normalmente énegligenciado, consiste na avaliação pós-capacitação dos conhecimentos adquiridos.Interessa, pois, responder a questões como: Quemudanças ocorreram? Em caso negativo, por quenão ocorreram? A tecnologia que foi ensinada eraadequada ao público capacitado? Queensinamentos ficaram definitivamente sedimen-tados decorridos alguns meses do período em queforam ensinados?

No projeto de Educação Sanitária em Agrotóxicos,Saúde Humana e Meio Ambiente, desenvolvido emGoiás, de 1998 a 2004, pela SFA-GO (ALBU-QUERQUE, 2005) e parceiros, verificou-se que:

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• A retenção da aprendizagem decorridos12 meses do final da capacitação foi de 53 % parauma situação inicial de 39 % (pré-teste) e de73 % logo após a capacitação.

• Houve aumento na devolução de embalagensvazias, que foram limpas pelo processo de tríplicelavagem.

• Verificou-se maior procura por assistênciatécnica.

• 62 % dos proprietários adquiriram EPI e 56 %dos patrões colocaram EPIs à disposição dostrabalhadores rurais.

• 44 % dos agricultores já usavam EPI econtinuaram usando, e mais 22 % que usavamocasionalmente passaram a usar o EPIcontinuamente, perfazendo um total de 66 %. Noentanto, o uso dos EPIs é um tema que ainda precisaser mais trabalhado, pois continua elevado onúmero de agricultores que não os usamcontinuamente. Esse público precisa estar cientede que essa é a melhor maneira de evitarintoxicação.

• Não ocorreu nenhum caso de intoxicaçãotranscorridos 12 meses do final do curso, entre aspessoas capacitadas e seus parentes, contra umasituação anterior à capacitação, de 27 % deintoxicados, por uma ou mais vezes.

• 89 % dos agricultores capacitados transmitiramos conhecimentos adquiridos para 3,6 pessoas desua convivência e também procuraram obter maisinformações sobre agrotóxicos.

• Na situação inicial, 33 % dos agricultores tinhambaixo nível tecnológico, 40 %, nível médio e27 %, nível alto. Decorrido um ano do final dacapacitação, 100 % tinham atingido a faixa denível técnico alto, com média de 76 pontos.

Foi feita uma análise benefício–custo, que levouem conta três cenários: com intoxicação zero,de 5 % e de 10 %, em que foram consideradosapenas os aspectos de intoxicação com suasconse-quências (morte, internação em UTI-Unidades de Terapia Intensiva e intoxicação levecom faltas ao trabalho). As relações benefício–custo (retorno para cada R$ 1,00 empregado com

educação sanitária) foram de R$ 390,00, R$ 364,00e R$ 331,00, respectivamente (artigo de CarlosAlbuquerque, no jornal O Popular, suplementoJornal do Campo, de Goiânia, publicado em 15de fevereiro de 2008).

Não foram considerados certos fatores ambientais,como: quanto custa manter e quais os benefíciosdecorrentes da preservação das águas de um rio,de um solo não contaminado e de um ar menospoluído.

O método SOMA se presta também ao acom-panhamento do conhecimento e das mudançasverificadas ao longo do tempo e à avaliação dacapacitação, por meio do Índice de EvoluçãoTécnica do Agricultor (IETA), que engloba osresultados de conhecimentos e comportamentos(adoção das técnicas preconizadas) dosagricultores.

No projeto de Itumbiara (MG), relativo ao usocorreto de agrotóxicos, os agricultores partiramde um IETA 1 (marco zero) de 53 pontos e, logoapós a capacitação, atingiram um IETA 2 de65 pontos. Esse aumento resultou exclusivamentedo trabalho de capacitação, que aumentou o nívelde conhecimento de 46 % no pré-teste, para71 % no pós-teste 1; e o IETA 2, que apresentouum acréscimo de 23 % em relação ao IETA 1.

Quanto ao IETA 3, de 76 pontos decorridos 9 mesesdo final da capacitação, houve um acréscimo de17 % em relação ao IETA 2, e de 43 % em relaçãoao IETA 1. O pós-teste 2, de conhecimentosadquiridos, aplicado após 9 meses da capacitação,foi de 59 %, sendo 17 % inferior ao pós-teste 1(logo após a capacitação).

Por meio da aplicação do Método SOMA, emcurso de capacitação para Produção Integradade Citros e Pragas de Citros, realizado em 2006,em Goiás, verificou-se, como pode ser visto naTabela 1, que a média do pré-teste foi de 28 %,indicando que o curso era necessário àquelepúblico de técnicos, pois a média foi inferior a50 %. A média do pós-teste foi de 63 %. Fazendo-se os cálculos, a média de eficiência do processoensino-aprendizagem foi de 49 % e, ainda queesse resultado esteja muito próximo do limite

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mínimo de 50 %, o curso, em geral, não foieficiente.

Houve aumento de conhecimento médio de124 % em relação ao conhecimento declaradoantes do curso, reforçando a idéia de que o cursode PIC era necessário, pois mais que dobrou osconhecimentos iniciais (Tabela 1).

Analisando os resultados médios para cadaobjetivo educacional, verifica-se que somente apergunta número 1 (vantagens da certificação defrutas) obteve um acerto superior a 50 %: apenasdois treinandos (9 % dos participantes) alcan-çaram, no pré-teste, índice superior a 50 %. Asdemais perguntas registraram, no pré-teste, médiainferior a 50 %, mostrando que esses temas erampouco conhecidos dos treinandos, sugerindo, pois,a necessidade de aplicação do curso. Níveis depré-teste com índices superiores a 50 % indicaramque alguns assuntos já eram do domínio dosparticipantes, não justificando, pois, sua inclusãono curso, o que implicaria perda de tempo e dedinheiro. Por tudo isso, conclui-se que o cursodeve ser replanejado. Antes, porém, de replanejarum curso, é preciso avaliar as seguintespossibilidades: necessidade de reformulação totalou de reformulação parcial, com a retirada ou ainclusão de novos assuntos, diminuição do tempode duração do curso, desenvolvimento deatividades práticas, reformulação de questões edo gabarito, diminuição de temas a serem

Tabela 1. Percentagem de respostas certas, no pré e no pós-teste, eficiência e aumento de aprendizadosobre o tema Produção Integrada de Citros (PIC). Goiânia, GO, 2006.

1 - Citar cinco vantagens da certificação de frutos para produtores econsumidores2 - Citar quatro fatores que restringem a adesão de produtores ao PIC3 - Citar o que produtor precisa fazer para participar do PIC4 - Citar 10 áreas temáticas do PIC5 - Citar os pontos importantes da classificação das recomendações deáreas temáticas6 - Citar os fatores necessários para incluir produtos na grade de agroquímicosMédia (%)

Pergunta(objetivo educacional)

73

63775331

8363

Pós(%)

34*

46*7148*26*

7249*

Eficiência(%)

24

97285489342

108124

Aumento(%)

59*

3220

97

4028

Pré(%)

desenvolvidos, substituição de instrutores, entreoutros.

Com relação ao aproveitamento, chegou-se a váriasconclusões. Para quatro objetivos educacionais, aeficiência de aprendizagem foi inferior a 50 %, o queexige uma análise acurada que determine as causasdesse resultado adverso. O curso não foi eficiente para14 participantes (60 % da turma), o que tambémmerece uma análise mais aprofundada das carac-terísticas desses técnicos, das condições em que foiministrado o curso, da época e da carga horária.A média geral do curso obteve a eficiência de49 %, valor ligeiramente abaixo do critério-padrãomínimo.

Quanto ao aumento de conhecimento dosparticipantes, esse foi muito alto, variando de24 % a 489 %, com média geral de 124 %. Esses altosvalores deveram-se ao fato de que o conhecimentoinicial (pré-teste) era muito baixo (7 %, 9 %, 20 %para as perguntas 5, 4 e 3, respectivamente).

Mesmo não tendo sido aplicado integralmente, ométodo SOMA permitiu a identificação de pontosfalhos de aprendizagem no curso de ProduçãoIntegrada de Citros (PIC), entre os quaisdestacaram os que se seguem:

• Excesso de informações em pouco tempo enecessidade de interrupções para recapitular ereforçar os pontos importantes.

• Pouco debate/diálogo na palestra, decorrente deuma certa inibição, por conta da falta de

*Valores abaixo do padrão mínimo.

Ano XVII – Nº 2 – Abr./Maio/Jun. 2008 90

apresentação inicial dos participantes (“quebra-gelo”) e da ausência da fase de problematização(fase em que são levantadas as experiências dosparticipantes quanto ao tema motivador do curso),ambas muito importantes para colocar as pessoasà vontade e conhecer o que elas vêm fazendo emseus trabalhos de campo (a maior parte dos técnicostinha bastante experiência na profissão).

• O método expositivo costuma inibir perguntas, eo instrutor não tem feedback imediato para fazeros ajustes na condução do curso.

• Ausência de fase prática. O plano de cursos previaduas atividades práticas: uma num pomar, paraidentificar pragas e preencher o caderno de campo;e outra para repassar informações a estudantes deagronegócio da Universidade Católica de Goiás(UCG). Ambas foram prejudicadas por falta detempo, originada por atraso no início do curso epela suspensão das aulas na UCG para a reuniãoda congregação de professores.

• Intervalo do almoço reduzido para uma hora.

• Atraso, quanto ao horário de chegada, por partede alguns participantes, resultando na interrupçãodo fluxo das exposições e interferindo negativa-mente no preenchimento do pré-teste, que, ao final,ou ficou incompleto ou foi malfeito, tanto por contada tensão própria do momento, quanto pelo tempolimitado para fazê-lo.

• Saída antecipada de alguns dos participantes,atribuída a vários motivos, como morarem longedo local, ou dificuldades variadas no percurso,especialmente nas sextas-feiras, fatos que teriamimpedido que preenchessem o pós-teste.

• A época de aplicação do curso, determinada peladisponibilidade de tempo de um instrutor externo,coincidiu, infelizmente, com os jogos da Copa doMundo, desviando, com isso, a atenção dosparticipantes.

ConclusõesPela adoção do método SOMA, foi possívelregistrar e avaliar, de forma quantitativa e objetiva,os conhecimentos adquiridos após as capaci-tações. Esses registros permitirão avaliar, trans-corridos alguns meses do final da capacitação, asmudanças de comportamento dos participantes,a adequação da tecnologia ensinada ao públicoem questão e também o grau de retenção do quefoi ensinado.

ReferênciasALBUQUERQUE, C. Método SOMA: capacitação deagricultores, educação sanitária e ambiental. 2. ed. Goiânia:Bandeirante, 2000. 240 p.

ALBUQUERQUE, C. Educação sanitária: agrotóxicos, saúdehumana e meio ambiente. 2. ed. Goiânia: Bandeirante, 2005.101p.

BÍSCARO, A. W. Métodos e técnicas em T&D. In: BOOG, G.G. (Coord.). Manual de treinamento e desenvolvimento. SãoPaulo: Makron Books, 1994.

COSTA, F. L. da; CASTANHAR, J. C. Avaliação de programaspúblicos: desafios conceituais e metodológicos. Revista deAdministração Pública, Rio de Janeiro, v. 37, n. 5. p. 969-992. set./out. 2003.

CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DOBRASIL. Agropecuária brasileira: uma visão geral. Disponívelem: http://www.cna.org.br/cna/publicacao/down_anexo.wsp?tmp.arquivo=E15_14985Apresentacao.AgropecuariaBrasileira-UmaVisaoGeral.DEZ2006.pdf >. Acesso em: 18 jan. 2007.

FERREIRA, E. M. Manual de levantamento de necessidadesde treinamento. Rio de Janeiro: Manuais CNI, 1989.

GASQUES, J. G.; REZENDE, G. C. de; VERDE, C. M. V.;SALERNO, M. S.; CONCEIÇÃO, J. C. P. R. de. Desempenho ecrescimento do agronegócio no Brasil. Brasília, DF: Ipea,2004a. 43 p. (Texto para discussão, 1009).

GASQUES, J. G.; BASTOS, E. T.; BACCHI, M. P. R.Condicionantes da produtividade na agropecuária brasileira.Brasília, DF: Ipea, 2004b. 33 p. (Texto para discussão, 1017).

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Eficiência de uso defertilizantes naintegração lavoura–pecuária do Cerrado

O agronegócio brasileiro vem crescendo e se trans-formando de maneira expressiva ao longo das últi-mas 3 décadas. Tem, ademais, condições de conti-nuar a crescer nos próximos anos. Entretanto, se,por um lado, os preços elevados das commoditiesagrícolas estimulam os investimentos no setor, poroutro, é motivo de bastante preocupação o rápidoaumento dos custos de produção.

O fator decisivo que explica a retração na oferta,pelo aumento dos custos de produção, tem sido aforte valorização do preço do petróleo. O maiorpreço do petróleo, repassado em diferentes inten-sidades para o óleo diesel, para fretes marítimos erodoviários e para os insumos dependentes dopetróleo – como fertilizantes e agroquímicos –,tem repercutido em fortes aumentos nos custosde produção. Traz apreensão também a forte de-pendência da agropecuária brasileira em relaçãoà importação de fertilizantes. De um modo geral,as potências agrícolas do mundo produzem de70 % a 80 % do fertilizante consumido. No Brasil,a situação inverte-se: o País precisa importar cer-ca de 75 % do fertilizante que consome na suaprodução agrícola.

A partir de dados do Dieese, calcula-se que, en-tre março de 2006 e março de 2008, os preçosreais da cesta básica aumentaram 10,7 %. Para o

Geraldo B. Martha Jr.1

Lourival Vilela2

Pont

o de

Vis

ta

mesmo período, o aumento dos preços reais dauréia, do superfosfato triplo e do cloreto de potás-sio foram de 37 %, 287 % e 130 %, respectiva-mente. E conjectura-se que esse aumento dos pre-ços dos fertilizantes possa ainda não ter sido inte-gralmente repassado aos consumidores, confor-me indicado por essa relativa manutenção nospreços reais da cesta básica diante da substan-cial elevação dos preços reais dos fertilizantes.

Além disso, sabe-se que a agricultura mundial serácada vez mais dependente do uso de fertilizan-tes. Estimativas apresentadas por Louise Fresco,da FAO, indicaram que a aplicação de fertilizan-tes contribui com cerca de 43 % dos 70 milhõesde toneladas de nutrientes removidos pela produ-ção agrícola global. No futuro, para suprir a de-manda crescente por alimentos, essa contribui-ção será de 84 %. Desse modo, o uso eficiente defertilizantes constitui meta prioritária para asse-gurar a competitividade do agronegócio brasilei-ro, para aumentar a eficiência econômica e paradiminuir o impacto ambiental dos sistemas de pro-dução agrícola, assim como para garantir a segu-rança alimentar.

Entre as estratégias para aumentar a eficiênciade uso de nutrientes na agropecuária, destaca-sea integração lavoura–pecuária, que consiste na

1 Pesquisador da Embrapa Cerrados, coordenador do Projeto sobre Expansão da Cana-de-Açúcar e suas Implicações sobre o Uso da Terra e o Desenvolvimentodo Cerrado, financiado pelo CNPq/MCT, professor do Curso de Pós-Graduação em Ciências Animais, da Universidade de Brasília (UnB). E-mail:[email protected] Pesquisador da Embrapa Cerrados, coordenador nacional do Programa de Pesquisa em Integração Lavoura–Pecuária (Prodesilp), financiado pela Finep/MCTe pela Embrapa. E-mail: [email protected]

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implantação de diferentes sistemas produtivos degrãos, fibras, carne, leite, agroenergia e outros,na mesma área, em plantio consorciado, seqüencialou rotacionado. Na fazenda, o uso da terra é alter-nado, no tempo e no espaço, entre lavoura e pecuá-ria. Os sistemas de integração lavoura–pecuáriapoderiam trazer benefícios ao produtor rural nosentido de aumentar a oferta agrícola, com meno-res custos de produção. Esse menor custo seria re-sultado da menor demanda por agroquímicos, emrazão da quebra do ciclo de pragas, de doenças ede plantas daninhas, e motivo de especial interes-se para esta discussão, em virtude da maior efi-ciência no uso de fertilizantes.

Exemplificando, trabalho de longa duração, coor-denado por Djalma Sousa, da Embrapa Cerrados,mostrou que a inclusão de pastagem na rotaçãomilho/soja aumentou de modo expressivo o ren-dimento de grãos e possibilitou maior eficiênciade recuperação do fósforo do fertilizante aplica-do ao solo. Com 3 mg/dm3 de fósforo no solo(Mehlich 1), o rendimento de grãos de soja foi daordem de 3 t/ha e de 2,2 t/ha no sistema pasta-gem/culturas anuais e no sistema exclusivo deculturas anuais, respectivamente. Depois de22 anos de experimento, constatou-se que a efi-ciência de recuperação do fósforo aplicado (quan-tidade total de fósforo absorvida e exportada em

relação à aplicada ao solo, descontando-se ofósforo absorvido do solo sem adubaçãofosfatada), na dose de 100 kg/ha de P2O5, foi de85 % no sistema de cultivos anuais e capim. Essevalor foi bem superior àquele registrado para osistema de apenas culturas anuais, de 44 % dofósforo aplicado.

A esses efeitos positivos da integração lavoura–pecuária sobre a renda do produtor rural, somam-se outros potenciais benefícios para a sociedade,a saber: o aumento da oferta de alimentos, favo-recendo a consolidação de um ambientemacroeconômico mais estável; e a menor pres-são exercida sobre os recursos naturais, pela pos-sibilidade de aumentar a oferta agrícola (alimen-tos e bioenergia) em áreas já desmatadas, degra-dadas ou em degradação.

Por fim, mas não menos importante, deve-se con-siderar que a integração lavoura–pecuária, em-bora seja uma excelente tecnologia, não é umasolução mágica. A integração lavoura–pecuáriademanda recursos para investimento e custeio,capacitação técnica e melhoria da capacidadegerencial para a adequada condução do sistemade produção. Falhas em qualquer um desses que-sitos obviamente colocam em risco o sucesso datecnologia.

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1. Tipo de colaboração

São aceitos, por esta Revista, trabalhos que se enquadrem nasáreas temáticas de política agrícola, agrária, gestão e tecnologiaspara o agronegócio, agronegócio, logísticas e transporte, estudosde casos resultantes da aplicação de métodos quantitativos equalitativos aplicados a sistemas de produção, uso de recursosnaturais e desenvolvimento rural sustentável que ainda não forampublicados nem encaminhados a outra revista para o mesmo fim,dentro das seguintes categorias: a) artigos de opinião; b) artigoscientíficos; d) textos para debates.

Artigo de opinião

É o texto livre, mas bem fundamento sobre algum tema atual e derelevância para os públicos do agronegócio. Deve apresentar oestado atual do conhecimento sobre determinado tema, introduzirfatos novos, defender idéias, apresentar argumentos e dados,fazer proposições e concluir de forma coerente com as idéiasapresentadas.

Artigo científico

O conteúdo de cada trabalho deve primar pela originalidade, istoé, ser elaborado a partir de resultados inéditos de pesquisa queofereçam contribuições teórica, metodológica e substantiva parao progresso do agronegócio brasileiro.

Texto para debates

É um texto livre, na forma de apresentação, destinado à exposiçãode idéias e opiniões, não necessariamente conclusivas, sobretemas importantes atuais e controversos. A sua principal carac-terística é possibilitar o estabelecimento do contraditório. O textopara debate será publicado no espaço fixo desta Revista,denominado Ponto de Vista.

2. Encaminhamento

Aceitam-se trabalhos escritos em Português. Os originais devemser encaminhados ao Editor, via e-mail, para o endereç[email protected].

A carta de encaminhamento deve conter: título do artigo; nomedo(s) autor(es); declaração explícita de que o artigo não foi enviadoa nenhum outro periódico para publicação.

3. Procedimentos editoriais

a) Após análise crítica do Conselho Editorial, o editor comunicaaos autores a situação do artigo: aprovação, aprovaçãocondicional ou não-aprovação. Os critérios adotados são osseguintes:

• adequação à linha editorial da revista;

• valor da contribuição do ponto de vista teórico, metodológico esubstantivo;

• argumentação lógica, consistente, e que ainda assim permitacontra-argumentação pelo leitor (discurso aberto);

• correta interpretação de informações conceituais e de resultados(ausência de ilações falaciosas);

• relevância, pertinência e atualidade das referências.

b) São de exclusiva responsabilidade dos autores, as opiniões eos conceitos emitidos nos trabalhos. Contudo, o editor, com aassistência dos conselheiros, reserva-se o direito de sugerir ousolicitar modificações aconselhadas ou necessárias.

c) Eventuais modificações de estrutura ou de conteúdo, sugeridasaos autores, devem ser processadas e devolvidas ao Editor, noprazo de 15 dias.

d) A seqüência da publicação dos trabalhos é dada pela conclusãode sua preparação e remessa à oficina gráfica, quando entãonão serão permitidos acréscimos ou modificações no texto.

e) À Editoria e ao Conselho Editorial é facultada a encomenda detextos e artigos para publicação.

4. Forma de apresentação

a) Tamanho – Os trabalhos devem ser apresentados no programaWord, no tamanho máximo de 20 páginas, espaço 1,5 entre linhase margens de 2 cm nas laterais, no topo e na base, em formatoA4, com páginas numeradas. A fonte é Times New Roman, corpo12 para o texto e corpo 10 para notas de rodapé. Utilizar apenasa cor preta para todo o texto. Devem-se evitar agradecimentos eexcesso de notas de rodapé.

b) Títulos, Autores, Resumo, Abstract e Palavras-chave (key-words) – Os títulos em Português devem ser grafados em caixabaixa, exceto a primeira palavra ou em nomes próprios, com, nomáximo, 7 palavras. Devem ser claros e concisos e expressar oconteúdo do trabalho. Grafar os nomes dos autores por extenso,com letras iniciais maiúsculas. O resumo e o abstract não devemultrapassar 200 palavras. Devem conter uma síntese dos objetivos,desenvolvimento e principal conclusão do trabalho. É exigida,também, a indicação de no mínimo três e no máximo cinco pala-vras-chave e key-words. Essas expressões devem ser grafadasem letras minúsculas, exceto a letra inicial, e seguidas de doispontos. As Palavras-chave e Key-words devem ser separadaspor vírgulas e iniciadas com letras minúsculas, não devendo conterpalavras que já apareçam no título.

c) No rodapé da primeira página, devem constar a qualificaçãoprofissional principal e o endereço postal completo do(s) autor(es),incluindo-se o endereço eletrônico.

d) Introdução – A palavra Introdução deve ser grafada em caixa-alta-e-baixa e alinhada à esquerda. Deve ocupar, no máximoduas páginas e apresentar o objetivo do trabalho, importância econtextualização, o alcance e eventuais limitações do estudo.

e) Desenvolvimento – Constitui o núcleo do trabalho, onde que seencontram os procedimentos metodológicos, os resultados dapesquisa e sua discussão crítica. Contudo, a palavra Desenvol-vimento jamais servirá de título para esse núcleo, ficando a critériodo autor empregar os títulos que mais se apropriem à natureza doseu trabalho. Sejam quais forem as opções de título, ele deve seralinhado à esquerda, grafado em caixa baixa, exceto a palavrainicial ou substantivos próprios nele contido.

Em todo o artigo, a redação deve priorizar a criação de parágrafosconstruídos com orações em ordem direta, prezando pelaclareza e concisão de idéias. Deve-se evitar parágrafos longosque não estejam relacionados entre si, que não explicam, quenão se complementam ou não concluam a idéia anterior.

f) Conclusões – A palavra Conclusões ou expressão equivalentedeve ser grafada em caixa-alta-e-baixa e alinhada à esquerda dapágina. São elaboradas com base no objetivo e nos resultadosdo trabalho. Não podem consistir, simplesmente, do resumo dosresultados; devem apresentar as novas descobertas da pesquisa.Confirmar ou rejeitar as hipóteses formuladas na Introdução, sefor o caso.

Instrução aos autores

g) Citações – Quando incluídos na sentença, os sobrenomes dosautores devem ser grafados em caixa-alta-e-baixa, com a dataentre parênteses. Se não incluídos, devem estar também dentrodo parêntesis, grafados em caixa alta, separados das datas porvírgula.

• Citação com dois autores: sobrenomes separados por “e”quando fora do parêntesis e com ponto-e-vírgula quando entreparêntesis.

• Citação com mais de dois autores: sobrenome do primeiro autorseguido da expressão et al. em fonte normal.

• Citação de diversas obras de autores diferentes: obedecer àordem alfabética dos nomes dos autores, separadas por ponto-e-vírgula.

• Citação de mais de um documento dos mesmos autores: não hárepetição dos nomes dos autores; as datas das obras, em ordemcronológica, são separadas por vírgula.

• Citação de citação: sobrenome do autor do documento originalseguido da expressão “citado por” e da citação da obraconsultada.

• Citações literais que contenham três linhas ou menos devemaparecer aspeadas, integrando o parágrafo normal. Após o anoda publicação acrescentar a(s) página(s) do trecho citado (entreparênteses e separados por vírgula).

• Citações literais longas (quatro ou mais linhas) serão desta-cadas do texto em parágrafo especial e com recuo de quatroespaços à direita da margem esquerda, em espaço simples,corpo 10.

h) Figuras e Tabelas – As figuras e tabelas devem ser citadas notexto em ordem seqüencial numérica, escritas com a letra inicialmaiúscula, seguidas do número correspondente. As citaçõespodem vir entre parênteses ou integrar o texto. As Tabelas eFiguras devem ser apresentadas no texto, em local próximo aode sua citação. O título de Tabela deve ser escrito sem negrito eposicionado acima desta. O título de Figura também deve serescrito sem negrito, mas posicionado abaixo desta. Só são aceitastabelas e figuras citadas efetivamente no texto.

i) Notas de rodapé – As notas de rodapé devem ser de naturezasubstantiva (não bibliográficas) e reduzidas ao mínimo necessário.

j) Referências – A palavra Referências deve ser grafada comletras em caixa-alta-e-baixa, alinhada à esquerda da página. Asreferências devem conter fontes atuais, principalmente de artigosde periódicos. Podem conter trabalhos clássicos mais antigos,diretamente relacionados com o tema do estudo. Devem sernormalizadas de acordo com a NBR 6023 de Agosto 2002, daABNT (ou a vigente).

Devem-se referenciar somente as fontes utilizadas e citadas naelaboração do artigo e apresentadas em ordem alfabética.

Os exemplos a seguir constituem os casos mais comuns, tomadoscomo modelos:

Monografia no todo (livro, folheto e trabalhos acadêmicospublicados).

WEBER, M. Ciência e política: duas vocações. Trad. de LeônidasHegenberg e Octany Silveira da Mota. 4. ed. Brasília, DF: EditoraUnB, 1983. 128 p. (Coleção Weberiana).

ALSTON, J. M.; NORTON, G. W.; PARDEY, P. G. Science underscarcity: principles and practice for agricultural researchevaluation and priority setting. Ithaca: Cornell University Press,1995. 513 p.

Parte de monografia

OFFE, C. The theory of State and the problems of policy formation.In: LINDBERG, L. (Org.). Stress and contradictions in moderncapitalism. Lexinghton: Lexinghton Books, 1975. p. 125-144.

Artigo de revista

TRIGO, E. J. Pesquisa agrícola para o ano 2000: algumasconsiderações estratégicas e organizacionais. Cadernos deCiência & Tecnologia, Brasília, DF, v. 9, n. 1/3, p. 9-25, 1992.

Dissertação ou Tese

Não publicada:

AHRENS, S. A seleção simultânea do ótimo regime dedesbastes e da idade de rotação, para povoamentos depínus taeda L. através de um modelo de programaçãodinâmica. 1992. 189 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federaldo Paraná, Curitiba.

Publicada: da mesma forma que monografia no todo.

Trabalhos apresentados em Congresso

MUELLER, C. C. Uma abordagem para o estudo da formulação depolíticas agrícolas no Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DEECONOMIA, 8., 1980, Nova Friburgo. Anais... Brasília: ANPEC,1980. p. 463-506.

Documento de acesso em meio eletrônico

CAPORAL, F. R. Bases para uma nova ATER pública. SantaMaria: PRONAF, 2003. 19 p. Disponível em: <http://www.pronaf.gov.br/ater/Docs/Bases%20NOVA%20ATER.doc>.Acesso em: 06 mar. 2005.

MIRANDA, E. E. de (Coord.). Brasil visto do espaço: Goiás eDistrito Federal. Campinas, SP: Embrapa Monitoramento por Satélite;Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2002. 1 CD-ROM.(Coleção Brasil Visto do Espaço).

Legislação

BRASIL. Medida provisória nº 1.569-9, de 11 de dezembro de1997. Estabelece multa em operações de importação, e dá outrasprovidências. Diário Oficial [da] República Federativa doBrasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 14 dez. 1997. Seção 1, p.29514.

SÃO PAULO (Estado). Decreto nº 42.822, de 20 de janeiro de1998. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência, São Paulo,v. 62, n. 3, p. 217-220, 1998.

5. Outras informações

a) O autor ou os autores receberão três exemplares do númeroda Revista no qual o seu trabalho tenha sido publicado.

b) Para outros pormenores sobre a elaboração de trabalhos aserem enviados à Revista de Política Agrícola, contatar acoordenadora editorial, Marlene de Araújo ou a secretária ReginaVaz Margulhão em:

[email protected]: (61) 3448-4159 (Marlene)Telefone: (61) 3218-2209 (Regina)