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Revista de Direito da ESA Barra

Revista de Direito da ESA Barra57ª SUBSEÇÃO – BARRA DA TIJUCA - RJ

ANO IV - NÚMERO 8Julho/ Dezembro de 2016

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Revista de Direito da ESA Barra

CONSELHO EDITORIAL

Coordenação-GeralClaudio Carneiro Célio Celli

EdiçãoClaudio CarneiroJurema Carneiro de OliveiraCélio Celli

Assitente de EdiçãoChristiano Ricardo de O. Bezerra

Conselho EditorialAna Paula Canoza Caldeira - RJ Célio Celli - RJClaudio Carneiro - RJ Cleyson de Moraes Mello - MG Hércules Pereira - RJ Luiz Annunziata Neto - RJ Polyana Vidal Duarte - MG Rafael Tomaz de Oliveira - SP Rogério Montai de Lima - RO Yuri Schneider - RS

ColaboradoresChristiano Ricardo de O. BezerraDaniela Cavaliere

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57ª Subseção – Barra da Tijuca - RJ

EXPEDIENTE

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - BARRA DA TIJUCA/RJ - 57ª SUBSEÇÃO

PresidenteCláudio Carneiro

Vice-presidenteMarcus Soares

Secretário-GeralRicardo Braga

Secretário-Geral-AdjuntoCélio Celli de Oliveira Lima

TesoureiroChristianne Bernardo

Diretor da ESACélio Celli

Projeto Gráfico / DiagramaçãoGrupo Educacional SignorelliCarla SalgadoRosane Furtado

PublicaçãoGratuita

PeriodicidadeSemestral

FormatoDigital e Impresso

Acessowww.oab-barra.org.br

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SUMÁRIO

CONSELHO EDITORIAL .................................................................3EXPEDIENTE .........................................................................................4SUMÁRIO ................................................................................................5PALAVRA DO PRESIDENTE ..........................................................9por Claudio CarneiroAPRESENTAÇÃO ...............................................................................11por Célio Celli

OS FLUXOS MIGRATÓRIOS NA EUROPA: OS DIREITOS HUMANOS E A SEGURANÇA JURÍDICO-ECONÔMICA À LUZ DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO ....................13por Claudio CarneiroINTRODUÇÃO ....................................................................................151. O CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO .........162. A BOA GOVERNANÇA E O “DIÁLOGO” À LUZ DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO .................................21CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................27REFERENCIAS ....................................................................................28

AS INTERAÇÕES DA BOA–FÉ OBJETIVA NA DINÂMICA CONTRATUAL NÃO TIPIFICADA ...............31POR CARLOS GABRIEL FEIJÓ DE LIMAINTRODUÇÃO ....................................................................................331. NOÇÕES INAUGURAIS ..............................................................35 1.1 OS CONTRATOS ATÍPICOS .........................................................35 1.2 A BOA-FÉ OBJETIVA .......................................................................40

2. ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA TEÓRICA E JUDICIAL DAS INTER REAÇÕES DA BOA-FÉ OBJETIVA DA DINÂMICA CONTRATUAL ATÍPICA ..................................47CONCLUSÃO ......................................................................................61REFERÊNCIAS ....................................................................................63

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DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS E SOCIAIS .......................67por Fabrício de Souza Lopes PereiraINTRODUÇÃO ....................................................................................691. A PROBLEMÁTICA CRIADA PELA FALTA DE DIÁLOGO ..............................................................................................71 1.1 CONTROLE DIFUSO E A RECLAMAÇÃO N.º 4335-5/AC .............................................................................................72 1.2 PAPEL DO SENADO E A REPERCUSSÃO GERAL ............73

2. DA SEPARAÇÃO DOS PODERES ............................................743. DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA .................................764. CONCEPÇÕES DE RONALD DWORKIN E JEREWY WALDRON .......................................................................................81CONCLUSÃO ......................................................................................84REFERÊNCIAS ....................................................................................86

A JUSTA COMPOSIÇÃO DO LITÍGIO FIRMADA NA VERDADE REAL ...............................................................................89por Conceição Cássia de OliveiraINTRODUÇÃO ...................................................................................911. PRINCIPIO DA VERDADE REAL .........................................922. A DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA ...........................943. APRECIAÇÃO DA PROVA ........................................................954. O JUIZ NO CONTROLE DO PROCESSO ............................97CONCLUSÃO .....................................................................................99REFERÊNCIAS .................................................................................100

O VOTO DO PRESO E A RESSOCIALIZAÇÃO................101por Gabriela Grasel BittencourtINTRODUÇÃO ..................................................................................1031. DIREITOS POLÍTICOS ..............................................................1042. DIREITO DE SUFRÁGIO ..........................................................1073. DA SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS ................1114. DIREITOS E GARANTIAS DA PESSOA CONDENADA...............................................................................1125. A REALIDADE DA PESSOA CONDENADA ..................1126. O VOTO DO PRESO E A RESSOCIALIZAÇÃO ...............1137. ÓBICES BUROCRÁTICOS E OPERACIONAIS ................114

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CONCLUSÃO ....................................................................................117REFERÊNCIAS ..................................................................................118

REFLEXÕES SOBRE AS DECISÕES POLÍTICAS SEGUNDO RONALD DWORKIN E O DIREITO FUNDAMENTAL AO ACESSO A MEDICAMENTOS ...121por Alexandra Barbosa de Godoy CorrêaINTRODUÇÃO ..................................................................................123I . PRINCÍPIO, POLÍTICA E PROCESSO PARA RONALD DWORKIN ......................................................................................124II . JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ATIVISMO JUDICIAL ......................................................................................130III . AS DECISÕES NOS CASOS DIFÍCEIS ..............................135IV. CONSIDERAÇÕES SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO NO DIREITO AO ACESSO A MEDICAMENTOS ........137CONCLUSÃO ....................................................................................143REFERÊNCIAS ..................................................................................145

O INSTITUTO DA DAÇÃO EM PAGAMENTO NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO: ANÁLISE DA LEI 13.259 DE 16 DE MARÇO DE 2016 ..............................147por Priscila Rangel BarrosINTRODUÇÃO ..................................................................................1491. O INSTITUTO DA DAÇÃO EM PAGAMENTO ...............150 1.1 DAÇÃO EM PAGAMENTO NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO .......................................................151

2. PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ..........1533. A LEI 13.259 DE 16 DE MARÇO DE 2016 ................................155 3.1 DA RESTRIÇÃO DA DAÇÃO EM PAGAMENTO APENAS PARA CRÉDITOS INSCRITOS NA DÍVIDA ATIVA ................................................................................156

3.2 DA EXPRESSÃO “A CRITÉRIO DO CREDOR” ...................157 3.3 DA EXPRESSÃO “VALOR DE MERCADO” .........................159 3.4 DA EXCLUSÃO DO SIMPLES NACIONAL E A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA ......................160

4. DA OMISSÃO DA LEI NA HIPÓTESES DE O VALOR DO BEM SER SUPERIOR AO VALOR DA DÍVIDA A SER QUITADA ..............................................................................161

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5. DA ABRANGÊNCIA E DA ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DA LEI 13.259 DE 16 DE MARÇO DE 2016 ............................161CONCLUSÃO ....................................................................................162REFERÊNCIAS ..................................................................................163

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TPALAVRA DO PRESIDENTE

odos aqueles que atuam na área editorial sabem o quão difícil é lançar uma revista científica. Mais difícil ainda é mantê-la torná-la uma obra de qualidade acadêmica que seja bem qualificada no cenário nacional.

Estamos todos orgulhosos, pois a Revista de Direito da ESA Barra, ou seja, da Escola Superior de Advocacia da OAB Barra, não só alcançou esse patamar de referência nacional, como também se tornou um periódico de consulta para toda a Advocacia da Região e do Brasil.

Apresentamos agora a 8ª edição com temas interessantes e relevantes para o Direito. O fato de a revista ser editada no tanto no modelo impresso como no digital, permite que a mesma seja acessada em todo Brasil e também em vários países, como por exemplo, Portugal e Espanha.

Agradecemos ao Conselho Editorial e, especialmente, aos autores que através de seus artigos tornam a obra uma re-ferência para todos os operadores do Direito e áreas afins.

Enfim, eis nossa 8ª edição com mais um coletânea imperdível.

Claudio Carneiro

Presidente da OAB Barra

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EAPRESENTAÇÃO

impressionante a repercussão da Revista Jurídica da Esa Barra junto à comunidade profissional da região da 57ª Subseção. Reconhecida como instituição de ensino profissionalizante, a ESA Barra tem proporcionado ações de muita qualidade aos advogados e estagiários da Região, e de outras, pois ampliou suas fronteiras.

A constante necessidade de atualização aumenta a res-ponsabilidade do material de estudo, e disponibilizar mais uma Revista de relevo é estar em consonância com a responsabilidade que a função de Diretor exige, já que muito trabalho já foi feito, porém muito ainda há a ser feito. Conseguimos fechar mais uma edição para esse ano e já começamos a pensar na próxima, uma vez que a recepção da temática contemporânea e a concepção de unir a teoria com a prática surtiram efeitos além do esperado.

Buscaremos a excelência mediante o desenvolvimento da interdisciplinariedade dos artigos apresentados, que permitam a reflexão e a análise das referências bibliográficas deverão servir de fonte de estudo constante. A Revista se encerra com a presente publicação, mas a gama de ideias e projetos a cada dia se multiplica.

Célio Celli Diretor da ESA Barra

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OS FLUXOS MIGRATÓRIOS NA EUROPA: OS DIREITOS HUMANOS E A SEGURANÇA JURÍDICO-ECONÔMICA À LUZ DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

MIGRATION IN EUROPE: HUMAN RIGHTS AND THE LEGAL-ECONOMIC SECURITY UNDER THE PERSPECTIVE OF LAW AND ECONOMICS

por Claudio Carneiro1

RESUMO

O fenômeno da globalização possibilita que se identifiquem, com mais faci-lidade, as crises que assolam o mundo moderno. O problema vivido na Europa, especialmente em alguns países, permite observar o quão importante é manter a estabilidade econômica interna. Dessa forma, se pode analisar a obtenção de recursos que sejam suficientes para realização das despesas públicas, ou seja, a investigação sobre a relação direta ou indireta entre o equilibrio orçamentário-fi-nanceiro e a concretização dos direitos fundamentais e, em um sentido mais amplo, com os direitos humanos. Verifica-se, especialmente na Europa, a ocorrência de um

1 Pós-doutorando pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito Público e Evolução Social. Mestre em Direito Tributário. Pós-graduado em Direito Constitucional e Direito Tributário. Advogado Sócio Fundador do escritório Carneiro & Oliveira Advogados. Presidente da 57ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil/RJ. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro da Comissão Especial de Assuntos da OAB/RJ e da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Membro da International Fiscal Association. Autor de várias obras jurídicas. Ex-Diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB Barra da Tijuca. Ex-Procurador Municipal.

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fluxo migratório forçado, sobretudo no que tange aos refugiados decorrentes de guerras, como por exemplo, a da Síria, ou de ataques terroristas que amedrontam determinadas regiões (estes em menor escala). Com isso, não haverá dúvidas que essa absorção provocará impactos na economia de cada país e da Europa como um todo. Dentro desse contexto, o texto abordará a relação existente entre a boa governança, o acolhimento dos refugiados por países europeus e a necessidade de se investigar a questão não somente sob o viés humanitário, mas principalmen-te, à luz da Teoria da Análise Econômica do Direito, em especial, em tempos de Constitucionalismo Contemporâneo.

PALAVRAS-CHAVE: Fluxos Migratórios. Direitos Humanos. Constituciona-lismo Contemporâneo. Segurança Jurídica. Análise Econômica do Direito.

ABSTRACT

The phenomenon of globalization makes possible to identify more easily, crises plaguing the modern world. The problem experienced in Europe, especially in some countries, allows us to observe how important it is to maintain domestic economic stability. Thus, you can analyze to obtain funds sufficient to realization of public expenditure, that is research on the direct or indirect relationship be-tween the budget and financial balance and the implementation of fundamental rights and, in a broader sense, human rights. There is, especially in Europe, the occurrence of forced migration, particularly with regard to refugees result of wars, for example, Syria, or terrorist attacks that frighten certain areas (this on a smaller scale). Thus, there is no doubt that this absorption will cause impacts on the economy of each country and Europe as a whole. In this context, the article will examine the relationship between good governance, the reception of refugees from European countries and the need to investigate the matter not only in the humanitarian bias, but mainly in the light of the Theory of Law and Economics, especially in times of Constitutionalism Contemporary.

KEYWORDS: Migratory flows. Human Rights. Contemporary Constitutiona-lism. Legal Security. Law and Economics.

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INTRODUÇÃO

O primeiro Pós-Guerra marcou uma profunda alteração na concepção do Consti-tucionalismo Liberal, vez que as Constituições de sintéticas passam a ser classificadas como analíticas, consagrando os chamados direi-tos econômicos e sociais. Em muitos países, a democracia liberal-econômica dá lugar à democracia social, mediante a intervenção do Estado na ordem econômica e social, sendo exemplos desse fenômeno as famosas Consti-tuições do México (1917), a de Weimar (1919) e, do Brasil (1934). Seguindo a história, as Cons-tituições do segundo pós-guerra (1939-1945) prosseguiram na linha das anteriores, trazendo a chamada terceira dimensão de direitos fundamentais.

Embora se reconheça a existência de vários “constitucionalismos nacionais”, como, por exemplo, americano, português e francês, preferimos adotar aqui a ideia de movimentos constitucionais (político-sociais objetivando limitar o poder político arbitrário). Dessa forma, tendo em vista que a expressão Neoconstitucio-nalismo não foi acolhida de forma universal pela doutrina, pode-se avançar para o movimento doravante chamado de Constitucionalismo Contemporâneo.2 É fato que a impossibilidade da lei poder antever todas as hipóteses de aplicabilidade no âmbito social, deslocou o polo de tensão entre os poderes do Estado em direção à jurisdição constitucional e, nesse sentido, sob o ponto de vista histórico, o Direito passou a ter um caráter hermenêutico. O advento do Estado Democrático de Direito

2 A utilização da expressão Constitucionalismo Contemporâneo não foi usada aleatoriamente, mas sim reprodução da nomenclatura adotada por Lenio Streck a partir da quarta edição da obra “Verdade e Consenso” (em 2011), em substituição à terminologia anteriormente empregada para tratar do constitucionalismo insurgente do segundo Pós-Guerra (Neoconstitucionalismo), constituindo, portanto, um modo específico de abordagem, que, em linhas gerais, se opõe ao estabelecimento de uma relação de causalidade existente no trinômio moral-princípios-discricionariedade, própria das posturas neoconstitucionalistas e, com isso, evita uma aproximação com o Positivismo Jurídico. Com seu emprego objetiva-se introduzir um dos núcleos da teoria de Lenio Streck, que consiste, a um só tempo, na realização de dois enfrentamentos: por um lado, na crítica ao(s) Neoconstitucionalismo(s) (especialmente surgidos no âmbito do constitucionalismo espanhol); e, por outro, na busca pela superação do Positivismo Jurídico.

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ou de Direito Democrático, permitiu que as discussões jurídicas se deslocassem para o mundo prático, não mais preso aos conceitos positivistas. Significa dizer que o fenômeno do (neo)constitucionalismo ou, para nós, como já dito, Constitu-cionalismo Contemporâneo, proporciona o surgimento de ordenamentos jurídicos constitucionalizados e, para tanto, é necessário que ocorra a discussão sobre o papel da jurisdição constitucional e seus reflexos, sobretudo na economia.

Os fluxos migratórios são realidade em todo o mundo, em especial na Eu-ropa. Podemos citar como exemplo, o caso dos refugiados da guerra da Síria e os fluxos que ocorrem por força dos ataques terroristas que assolam todo o mundo, sobretudo na Europa e nos EUA. É bem verdade que os países europeus vêm se destacando pela ação humanitária de acolhimento dessa parcela significativa dos refugiados, contudo, nossa abordagem voltar-se-á, mais precisamente, para a Aná-lise Econômica do Direito e a segurança jurídica e econômica que pode vir a com-prometer as finanças dos países europeus caso não se projete a interferência dessa nova população inserida de forma superveniente e rápida à economia nacional.

Nesse sentido, investiga-se se há uma relação direta entre a boa governan-ça e a arrecadação fiscal e, por via de consequência, se a absorção desses fluxos migratórios, pode ou não, em longo prazo, comprometer as finanças dos países acolhedores e em uma análise mais abrangente a redução de garantias constitu-cionais já asseguradas à União Europeia.

1. O CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO

Diante do enfrentamento entre “neoconstitucionalismo” e os vários positivis-

mos é de fundamental importância discutir o problema metodológico representado

pela tríplice questão3 que movimenta a teoria jurídica contemporânea em tempos

de pós-positivismo.

3 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. Constituição Hermenêutica e Teorias Discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito. Rio de Janeiro: Lumen júris. 2009. p. 1: (...) como se interpreta, como se aplica e se é possível alcançar condições interpretativas capazes de garantir uma resposta correta (constitucionalmente adequada), diante da (in)determinabilidade do direito e da crise de efetividade da Constituição, problemática que assume relevância ímpar em países de modernidade tardia como o Brasil, em face da profunda crise de paradigmas que atravessa o direito, a partir de uma dogmática jurídica refém de um positivismo exegético-normativista, produto de uma mixagem de vários modelos jusfilosóficos, como as teorias voluntaristas, intencionalistas, axiológicas e semânticas, para citar apenas algumas, as quais guardam um traço comum: o arraigamento ao esquema sujeito-objeto.

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Em alguns países, tais como, na Itália (1947) e na Alemanha (1949) e, depois,

em Portugal (1976) e na Espanha (1978), as Constituições marcaram a ruptura com

o autoritarismo, estabelecendo um compromisso com a paz, sobretudo no que se

refere ao desenvolvimento e respeito aos direitos humanos. No Brasil, o grande

marco do Constitucionalismo Contemporâneo foi a abertura democrática vivida

em meados da década de 1980 e a elaboração da Constituição de 1988. A primazia

do princípio da dignidade da pessoa humana, a qual deve ser protegida e pro-

movida pelos Poderes Públicos e pela sociedade passou a ser elemento essencial

desse movimento, bem como o enaltecimento da força normativa da constituição.

Segundo CARBONELL4 estas constituições contêm amplos catálogos de direitos

fundamentais: “... lo que viene a suponer um marco muy renovado de relaciones entre el

Estado y los ciudadanos, sobre todo por la profundidad y el grado de detalle de los postu-

lados constitucionales que recongen tales derecho”.

Não se pode permitir que a Constituição deixe de ser um catálogo de compe-

tências, direitos e deveres, de recomendações políticas e morais, mas também não

se pode ignorar a busca de um efetivo Estado Democrático de Direito, pautado na

relação existente entre o Estado e o cidadão5 sob o ponto de vista orçamentário, pois

direitos custam dinheiro.6 Para SARMENTO,7 o Neoconstitucionalismo envolve

fenômenos como a força normativa dos princípios, a rejeição do formalismo, a

reaproximação entre o Direito e a Moral e a judicialização da Política. Para STRE-

CK8 o Neoconstitucionalismo significa ruptura, tanto com o Positivismo como no

modelo de Constitucionalismo Liberal. Por esse motivo, o Direito deixaria de ser

regulador para ser transformador. Para este autor há uma incompatibilidade pa-

radigmática entre o novo Constitucionalismo (compromissório, principiológico e

4 CARBONELL, Miguel e JARAMILLO, Leonardo Garcia. El Canon neoconstitucional. Madri: Editora Trota. 2010. Obra coletiva no artigo El neoconstitucionalismo: Significado y niveles de análisis. p. 154.

5 Não entraremos aqui na distinção relativa à sujeição passiva tributária que separa a figura do contribuinte do responsável tributário.

6 HOLMES, Stephen e SUSTEIN, Cass R. The Cost of Rights. Why liberty depends on taxes. New York – London: Norton & Company. 2012. Pag. 15-48.

7 SARMENTO, Daniel. Filosofia e Teoria Constitucional Contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 113-114.

8 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. Constituição Hermenêutica e Teorias Discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito. Rio de Janeiro: Lumen júris. 2009. p. 8.

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dirigente) e o Positivismo Jurídico, nas suas mais variadas formas, e nesse sentido,

qualquer postura que, de algum modo, se enquadre nas características ou teses

que sustentam o Positivismo, entraria na linha de colisão com esse (novo) tipo de

constitucionalismo.9

Na visão de BARROSO,10 são características do Neoconstitucionalismo a re-

descoberta dos princípios jurídicos (em especial a dignidade da pessoa humana),

a expansão da jurisdição constitucional, com ênfase no surgimento de tribunais

constitucionais, e o desenvolvimento de novos métodos e princípios na herme-

nêutica constitucional. É o que o autor chama de crise da efetividade, que para

STRECK11 decorre da chamada “crise do Estado de Direito”. Para este último,12 falar

em neoconstitucionalismo “implica em ir além de um constitucionalismo de feições liberais

– que, no Brasil, sempre foi um simulacro em anos intercalados por regimes autoritários”,

ou seja, em direção a um constitucionalismo compromissório, de feições dirigen-

tes, que possibilite (em todos os níveis) a efetivação de um regime democrático.

É sempre oportuno frisar que o “novo” texto constitucional representa a real

possibilidade de ruptura do antigo modelo de direito e de Estado, a partir de uma

perspectiva compromissória e dirigente.

9 É importante ressaltar desde já que a expressão “neoconstitucionalismo” incorpora uma plêiade de autores, bem como de posturas teóricas que nem sempre convergem entre si, tampouco podem ser aglutinadas em um mesmo contexto ou sentido, ou até mesmo estabelecer uma unidade de conceituação. Lenio Streck (Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba, 2011, n. 4, Jan-Jun. p. 9-27 (p. 3) ao tratar do tema diz que: “A ciência política norte-americana, por exemplo, chama de ‘new constitucionalism’ os processos de redemocratização que tiveram lugar em vários países da chamada modernidade periférica nas últimas décadas. Entre esses países é possível citar o Brasil, a Argentina, a Colômbia, o Equador, a Bolívia, os países do Leste Europeu, a África do Sul, entre outros. Já no caso da teoria do direito, é possível elencar uma série de autores, espanhóis e italianos principalmente, que procuram enquadrar a produção intelectual sobre o direito a partir do segundo pós-guerra como neoconstitucionalismo, para se referir a um modelo de direito que já não professa mais as mesmas perspectivas sobre a fundamentação do direito, sobre sua interpretação e sua aplicação, no modo como eram pensadas no contexto do primeiro constitucionalismo e do positivismo predominante até então. Assim, jusfilósofos como Ronald Dworkin e Robert Alexy (entre outros) representariam, na sua melhor luz, a grande viragem teórica operada pelo neoconstitucionalismo. (...)”

10 BARROSO, Luiz Roberto. Temas de Direito Constitucional – Tomo III. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2005. P .48.

11 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da Construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1999.

12 STRECK, LENIO. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba, 2011, n. 4, Jan-Jun. p. 9-21 (p. 4).

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Revista de Direito da ESA Barra

Acreditamos que através da Teoria da Análise Econômica do Direito podere-

mos delinear os primeiros confrontos teóricos, antevendo um ativismo judicial13 que

surgirá em função dos conflitos jurídico-econômicos decorrente do acolhimento dos refugiados. Manifestações como estas demonstram exatamente a dramaticidade e complexidade do problema a ser enfrentado.

Há que se destacar, porém, a distinção entre o ideal e o real, ou seja, a exis-tência de uma considerável distância entre o plano do “ser” e do “dever ser”, va-lendo-se da expressão de HABERMAS14 – a “impotência do dever ser”. A tradição, tão combatida por Habermas, mostrou que no modelo anterior não havia espaço para o mundo prático, ou seja, para a discussão dos conflitos sociais. Percebe-se, assim, que o discurso exegético-positivista, ainda dominante no campo da dogmá-tica jurídica, sobretudo sob o ponto de vista fiscal, representa um retrocesso. Isto porque, além de continuar a sustentar discursos objetivistas, identificando texto e sentido do texto, busca nas diversas teorias subjetivistas, a partir de uma axiologia que submete o texto à subjetividade assujeitadora do intérprete, transformar o pro-cesso interpretativo em uma subsunção dualística do fato à norma, como se fato e direito fossem coisas cindíveis e os textos fossem meros enunciados linguísticos.15

Dialogando com ALEXY, os princípios constitucionais (considerados por ele como mandados de otimização), quando em colisão, no fundo acabam por sofrer uma “ponderação”. Por outro lado, o conflito de regras16 (mandados de determi-nação) é solucionado pela subsunção.

É importante destacar que por trás de toda Constituição, em especial as de-mocráticas, não existe apenas uma técnica legislativa, ou um formalismo estéril, mas sim um movimento, uma conquista de pessoas para novos avanços políticos,

13 Em feliz expressão, CALDEIRA se refere a um “movimento pendular”, pois se antes o Judiciário adotava postura passiva e tímida, com o advento do constitucionalismo contemporâneo no Brasil passou a assumir uma excessiva atuação. Para a autora citada, diante desse movimento pendular, o desejável, em busca da própria Democracia, é que agora se procure uma via de equilíbrio entre esses extremos. CALDEIRA, Ana Paula Canoza. O direito à saúde e a sua “curiosa” efetividade em Terrae Brasilis: Do desafio da realização da boa governança excessiva judicialização. Tese de Doutorado. São Leopoldo: UNISINOS. 2013. p. 109.

14 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 83.

15 STRECK, Lenio Luiz. op. cit. p. 9.16 Essa afirmativa carece de um comentário mais apurado, pois para Alexy, a ponderação serve para

a solução entre a colisão de princípios, enquanto que para o conflito, que se dá entre as regras, aplica-se a subsunção. E, para o autor e boa parte da doutrina que o segue, o que se pondera são princípios e não regras. Contudo, o foco do nosso estudo, não adentra neste momento nessa discussão, por isso fizemos um breve comentário despretensioso.

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sociais e, porque não dizer tributários, já que a tributação é um elemento que pode provocar a degradação17 da própria sociedade. Nesse sentido, surge um sentimento constitucional no País e na sociedade que deve ser efetivamente alcan-çado, não deixando essa discussão meramente no plano teórico ou utópico, mas levando-a principalmente para o prático, pois o marco filosófico do “novo” direito constitucional é o pós-positivismo, e o debate sobre sua caracterização situa-se na confluência das duas grandes correntes de pensamento que oferecem paradigmas opostos para o Direito, mas que, por vezes, são singularmente complementares: o Jusnaturalismo e o Positivismo.

No plano teórico, três aspectos passaram a ser importantes no que se refere à aplicação do Direito Constitucional: a força normativa da Constituição; o desen-volvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional e, com isso, a expansão da jurisdição constitucional. Contudo, no campo prático, e esse é o nosso principal questionamento, não percebemos nenhuma mudança significativa.

Caminhando com SUSTEIN18 e POSNER,19 é claro que sabemos a importância do orçamento de um país para fazer frente às despesas. Não sustentamos aqui uma postura anarquista ou de total liberalidade fiscal e, por isso, corroboramos o entendimento de SILVA,20 ao afirmar que o princípio da separação dos Poderes e a competência de dispor do orçamento não são ideias absolutas, pois sofrem limitações constitucionais, nem são fins em si mesmos, mas meios para o controle do Poder Estatal e garantia dos direitos individuais. Aliás, o objetivo é exatamente procurar mostrar a relação existente entre a questão orçamentária e a absorção dessa demanda populacional que, ato contínuo, reflete na concretização de direitos fundamentais.

CELSO DE ALBUQUERQUE21 exemplifica que a Carta Política brasileira (ape-nas como exemplo), já em seu preâmbulo, afirma instituir um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a

17 Entendemos como degradação um dos efeitos da injustiça fiscal, pois face à excessiva carga tributária, percebemos um “índice de mortalidade” das empresas em torno de dois anos.

18 HOLMES, Stephen e SUSTEIN, Cass R. The Cost of Rights. Why liberty depends on taxes. New York – London: Norton & Company. 2012. Pág. 15-48

19 POSNER, Richard A., Cómo deciden los jueces. Madrid | Barcelona | Buenos Aires: Marcial Pons. 2011. P. 365.

20 SILVA, Sandoval Alves da. Direitos sociais: leis orçamentárias como instrumento de implementação. Curitiba: Juruá, 2007. p. 97.

21 SILVA, Celso de Albuquerque. Legitimidade da execução orçamentária: direitos sociais e controle pelo Poder Judiciário. Disponível em: www.anpr.org.br. Acesso em: 02/05/10.

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liberdade, a igualdade, o bem estar e a justiça, dentre outros, como valores su-premos de uma sociedade fraterna. As políticas públicas não são seletivas, mas sim disjuntivas,22 e a reboque, os recursos são finitos, enquanto as demandas são ilimitadas. Assim temos que, o problema é de ordem epistemológica e filosófica, e também de adequação ao conceito e efetividade dos direitos fundamentais, ou seja, em que consiste esse direito e aí sim analisar a interferência e a efetividade desses nas políticas públicas.

2. A BOA GOVERNANÇA E O “DIÁLOGO” À LUZ DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

A presença do Estado como ente ativo e relevante na ordem econômica

e na estrutura social constitui um fenômeno antigo e permanente23 que se dá de

diversas formas. Diante disso, a doutrina se encarrega de estabelecer inúmeras

classificações, mas EROS GRAU24 aduz que a intervenção pode dar-se de forma

direta ou indireta, no domínio econômico e/ou sobre o domínio econômico, sus-

tentando três espécies de intervenção: a primeira seria a intervenção por absorção

ou participação, em que o Estado exerce diretamente alguma participação nas

atividades econômicas; por direção, quando o Estado impõe comportamentos; e

a terceira seria a intervenção por indução, quando a máquina estatal estimula ou

não determinados comportamentos.

É fato que o Estado, para sua própria sobrevivência, precisa intervir na Eco-

nomia seja de maneira direta ou indireta e para o sucesso e eficácia dessa interven-

ção se utiliza de instrumentos jurídicos, como, por exemplo, as normas tributárias

indutoras, que seriam aquelas com aspecto extrafiscal acentuado e finalístico. Nesse

sentido, o Estado pode valer-se de políticas fiscais como mecanismos redutores

de custos e estimulador de atividades econômicas, isto é, através da concessão

22 LEAL, Rogério Gesta. Condições e Possibilidades eficaciais dos Direitos Fundamentais Sociais. Os desafios do Poder Judiciário no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2009. p. 120.

23 KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise. Rio de Janeiro: UERJ/Contraponto, 1999. p. 79. 24 GRAU, Eros. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 25

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de incentivos fiscais setoriais ou regionais.25 Essas normas revelam-se, em tese, eficientes instrumentos de estímulo ao comportamento dos agentes econômicos, promovendo o aumento da demanda, da produção, dos investimentos internos e da oferta de emprego, restando imprescindíveis ao crescimento e desenvolvimento econômico.26 Contudo, apesar de encontrarem limites na própria Constituição27 de modo que não se torne um mero papel,28 contrariando o argumento de que o constitucionalismo moderno avança de um Estado Legislativo de Direito para um Estado Constitucional de Direito. Destaque-se, mais uma vez, que a ideia do Cons-titucionalismo Contemporâneo rompe com essa compreensão procedimentalista das normas constitucionais, e equivale, como Teoria do Direito, a uma concepção de validade das leis que não é mais ancorada apenas na conformidade das suas formas às normas procedimentais que regem a sua elaboração, mas também à coerência dos seus conteúdos com os princípios de justiça constitucionalmente estabelecidos.

Classicamente, a tributação foi idealizada como forma de custear os gastos com os serviços públicos, de forma que os cidadãos fossem os responsáveis pelo financiamento das obras e serviços que o Estado estivesse a realizar, haja vista que sem auferir tal renda ele jamais poderia alcançar os objetivos traçados.29 A partir do advento do modo de produção capitalista e com o Estado Social de Direito, a tributação passou a ser utilizada também como instrumento de interferência na economia, com o fim de influenciar na direção dos setores econômicos, ou seja, com função extrafiscal.30

25 CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. Reflexões sobre o papel do Estado frente à atividade econômica. In: Revista Trimestral de Direito Público, v. 1, n. 20, 1997. p. 73-74.

26 CARNEIRO, Claudio. Impostos Federais, Estaduais e Municipais. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 10.27 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto

Alegre: SAFE, 1991. p. 528 LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Rio de Janeiro: Liber Juris. 1985. p. 2.29 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 96.30 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 20 ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 82.

Define a extrafiscalidade como a forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, com objetivos que não se coadunam com a arrecadação tributária. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 51. Nas palavras de ATALIBA, a extrafiscalidade se configura pelo “emprego deliberado do instrumento tributário para finalidades não financeiras, mas regulatórias de comportamentos sociais, em matéria econômica, social e política”. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: os direitos humanos e a tributação – imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 167. TORRES conceitua a extrafiscalidade “como forma de intervenção estatal na economia, apresenta uma dupla configuração: de um lado, a extrafiscalidade se deixa absorver pela fiscalidade, constituindo a dimensão finalista do tributo; de outro, permanece como categoria autônoma de ingressos públicos, a gerar prestações não tributárias”.

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A ideia de neutralidade do Estado, das leis e de seus intérpretes, assen-tada pela doutrina liberal-normativista, toma por base o status quo, logo, neutra

é a decisão ou a atitude que não afeta nem subverte as distribuições de poder e

riqueza existentes na sociedade, relativamente à propriedade, renda, acesso às

informações, à educação, às oportunidades etc.31

Sob o ponto de vista da estabilidade econômico-financeira, a neutralidade

pode indicar duas vertentes: a necessidade de evitar mudanças no comportamen-

to dos agentes econômicos, mantendo-se o status quo ou o fato de que nenhum

tributo pode ser considerado neutro, porque terá sempre influência sobre o

processo econômico e no contexto social global. A tributação pode ser utilizada

com natureza estimuladora ou desestimuladora da Economia com o objetivo de

gerar desenvolvimento social e econômico. Daí ser necessária a devida adaptação

às realidades de cada país, corrigindo as distorções nas relações econômicas. A

neutralidade da tributação aqui é ausente, porque as normas tributárias indutoras,

ao incentivarem certos comportamentos estariam assumindo a função de alterar

o status quo, aspecto que contradiz a ideia originária de neutralidade.32

O grande questionamento seria investigar se o conceito de boa governança

estaria íntimamente ligada aos recursos financeiros. Para CIVANTOS:33

El Buen Gobierno se caracteriza por integrar una serie de principios que deben regir la actividad de los miembros de la Administraci-ón Pública. Dentro de estos existen unos principios de inveterada tradición legal cuya aplicación consiste en el cumplimiento de las propias normas legales que los integran y, otros, que no hallándose regulados expresamente, requieren de su gestión particularizada, en atención a la propia estructura de la organización. En ambos os casos, la clave de Buen Gobierno está en trasladar sus principios a la actividad del día a día de todos los miembros de la entidad.

CALDEIRA,34 ao analisar a obra do autor supracitado traz outros princí-pios que entende serem integradores da Boa Governança (ou Bom Governo) na

31 BARROSO, Luís Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços in Revista Diálogo Jurídico. Salvador: Centro de Atualização Jurídica, n. 14, pp. 25-57, Agosto, 2002.

32 ELALI, André de Souza Dantas. Tributação e regulação econômica: um exame da tributação como instrumento de regulação econômica na busca da redução das desigualdades regionais. São Paulo: MP, 2007. p. 78.

33 CIVANTOS, Óscar Álvarez. Las claves del Buen Gobierno em la Administración Pública. Granada: Comares, 2010. p. 7.

34 CALDEIRA, Ana Paula Canoza. Op. Cit. P. 57.

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Administração Pública, a saber: a) objetividade; b) integridade; c) neutralidade; d) responsabilidade; e) credibilidade; f) imparcialidade; g) confidencialidade; h) transparência; i) austeridade; j) acessibilidade; j) dedicação ao serviço público; k) eficácia, e l) honradez. E conclui a autora:

Em suma, o que é relevante nessa quadra da história (e isso é ressal-tado pelos doutrinadores que se dedicam ao assunto), é que a pedra de toque da gestão da coisa pública deve ser a qualidade dos serviços prestados, isto é, a Administração Pública deve centrar todos os seus esforços não mais na extensão dos serviços prestados (preocupação observada nos anos 80 e 90), e sim na eficiência dos mesmos. Ou seja, que atenda satisfatoriamente às legítimas expectativas e necessidades dos cidadãos no atendimento de seus direitos.

É bem verdade que a Análise Econômica do Direito (AED)35 sofre seve-ras críticas no sentido de que as discussões jurídicas não podem se subsumir ao aspecto puramente econômico. CANOTILHO36 traz ao debate o que ele denomina de “paradoxia da autossuficência das normas jurídico-constitucionais”, especialmente no que tange ao “superdiscurso social em torno dos direitos fundamentais”. Para esse autor, é imperioso que se proceda a uma leitura crítica do constitucionalismo dirigente, e, para tanto, não se pode descartar a certeza de que o Direito é (também) política e economia. MIRANDA37 diz que, “pelo menos de modo direto e evidente, os direitos, liberdades e garantias pessoais e os direitos económicos sociais e culturais comuns têm a sua fonte na dignidade da pessoa”.

O movimento AED não foi uníssono, surgindo, a partir da Escola de Chicago, outras correntes,38 mesmo em sentidos opostos, para a tentativa de re-solução do mesmo problema ou caso concreto.39

35 A AED é o movimento surgido de maneira embrionária na Universidade de Chicago na década de 1960, e que teve, por escopo principal, importar referenciais da Ciência Econômica para trazer contribuições no enfrentamento de problemas atinentes ao Direito.

36 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O Direito Constitucional como ciência de direcção – o núcleo essencial de prestações sociais ou a localização incerta da socialidade (contributo para a reabilitação da força normativa da “Constituição Social”). In: Direitos Fundamentais Sociais. (Coords. J.J Gomes Canotilho; Marcus Orione Gonçalves Correia, Érica Paula Barcha Correia). São Paulo: Saraiva, 2010. p. 13.

37 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 3ª ed. Portugal: Coimbra editora. 2000. P. 181.

38 Que pela proposta da Tese e para sermos fiéis à linha de pesquisa desta Instituição que ora representamos como discente, falaremos bem brevemente sobre as Escolas da AED.

39 Conforme Morais da Rosa e Aroso Linhares: “A Law and Economics procura analisar estes campos desde duas miradas: a) «positiva»: impacto das normas jurídicas no comportamento dos agentes econômicos, aferidos em face de suas decisões e «bem-estar», cujo critério é econômico de «maximização de riquezas»; e, b) «normativa»: quais as vantagens (ganhos) das normas jurídicas em face do «bem-estar social», cotejando as consequências. Dito de outra maneira, partindo da racionalidade individual e do «bem-estar social» - maximização de riqueza, - busca responder a dois questionamentos: a) quais os impactos das normas legais no comportamento dos sujeitos e Instituições; e b) quais as melhores normas.” ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. Diálogo com a Law & Economics. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. pp. 55 e 57.

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Passemos a mencionar as principais escolas da AED e as diversas formas de abordagem pelas quais estas se alinharam. Decorrente do artigo publicado por COASE,40 a AED possui quatro vertentes principais, a saber.

Tem-se em primeiro lugar a Escola Neoinstitucional, assim intitulada por guardar semelhança com a escola dos economistas “institucionalistas” do princípio do Século XX, que possui como principal elemento definidor o estudo a respeito dos custos de transação e os custos da agência.

Nesse sentido, os neoinstitucionalistas sustentam que todas as transa-ções possuem um custo, uma vez que os participantes se utilizam de tempo e de recursos os mais variados para os fins de alcançarem as informações necessárias para a formulação e o desenvolvimento dos seus planos, negociais ou não.

Uma segunda escola surgiu na Universidade americana de Chicago, daí ser denominada Escola de Chicago e é considerada a mais importante dentro da AED,41 tendo como vetor principal, sua pesquisa a teoria da análise marginal às decisões jurídicas. KRUGMAN42 menciona que as decisões marginais43 envolve-riam um trade-off, isto é, as situações que necessariamente foram postas de lado a partir da eleição de um caminho (uma solução jurídica, a escolha de um bem etc.) em detrimento dos demais.

Em terceiro lugar temos a Escola de Virgínia ou Escola da Decisão Pú-blica (“Public Choice”), capitaneada por James Buchanan que centra suas atenções e a sua teoria da “maximização dos próprios interesses” na análise econômica aplicada à tomada de decisões fora do mercado (non market decision making). Esta escola sustenta que cada ator toma suas decisões levando em conta a maximização dos seus próprios interesses, ainda que a conjugação de inúmeros interesses par-ticulares possa atender a certas necessidades relacionadas a interesses coletivos.

Por fim, mas sem a pretensão de esgotar o tema, tem-se a Escola de Yale, liderada por Guido Calabresi, sendo importante salientar que enquanto a Escola

40 COASE, Ronald H. The problem of Social Cost. In: 3. Journal Law & Economics. 1 (1960), no entanto publicado em 1961.

41 Até mesmo pela enorme produção científica e literária sobre o assunto. 42 O mencionado autor afirma o seguinte: “Elas envolvem um trade-off na margem ; comparar custos e

benefícios de um pouco mais em uma atividade versus um pouco menos. O estudo de tais decisões é conhecido como análise marginal”. KRUGMAN, Paul e WELLS, Robin. Introdução à economia / Helga Hoffmann (trad.). Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p.7.

43 Esta significa uma ponderação entre os custos comparados com os benefícios, relacionados a uma questão de quantificação.

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de Chicago defende abertamente a adoção da “economia positiva”, a Escola de Yale adotando posicionamento diverso, defende a aplicação de conceitos e valores ligados à “economia normativa”.

Assim, para essa Escola, ao invés de apenas se traçar os efeitos de um pro-grama, carece comparar o grau em que as várias propostas atendem aos objetivos pretendidos. Da mesma forma, é preciso que seja realizada a valoração dos reflexos advindos da adoção de cada uma das possibilidades em questão, fazendo-se uso, para tanto, dos mais variados modelos econômicos.

Enfim, percebe-se na prática a inobservância de questões econômicas e tri-butárias para a análise de questões jurídicas relevantes, como o acolhimento de fluxos migratórios pode ou não levar a um sistema autofágico que, por sua vez, pode assumir posições distintas, a saber: a de caminhar junto com a evolução dos movimentos constitucionais ou andar na contramão e violar flagrantemente o “Constitucionalismo Contemporâneo”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A situação hermenêutica instaurada a partir do segundo pós-Guerra propor-cionou o fortalecimento da jurisdição (constitucional), não somente pelo caráter hermenêutico que assume o Direito, em uma fase pós-Positivista e de superação do paradigma da Filosofia da Consciência,44 mas também pela força normativa dos textos constitucionais e pela equação que se forma a partir da inércia na exe-cução de políticas públicas, e na deficiente regulamentação legislativa de direitos previstos nas Constituições.

A importância da tributação não só como forma de intervenção do Estado, mas, sobretudo, pelo desequilíbrio fatal que pode provocar a insegurança do sistema jurídico-tributário.

Cremos que a absorção dos fluxos migratórios forçados por países europeus não pode ser analisada pura e simplesmente sob o viés dos direitos humanos ou, dito de outra forma, com uma concepção estritamente humanística. É de extrema importância a interferência das Escolas que sustentam a Análise Econômica do Direito.

O Direito na pós-modernidade é um sistema complexo de normas que devem estar sempre entrelaçadas. Por isso, de nada adiante absorver demandas que a economia não irá sustentar e, nesse sentido, comprometer a dignidade dos cidadãos nacionais do país acolhedor.

Nesse sentido, deixamos para reflexão a necessidade ou não da interdiscipli-nariedade das Escolas Econômicas para a concretização dos direitos fundamentais e dos direitos humanos.

44 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 190.

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AS INTERAÇÕES DA BOA-FÉ OBJETIVA NA DINÂMICA CONTRATUAL NÃO TIPIFICADA

THE INTERACTIONS OF THE OBJECTIVE GOOD-FAITH IN THE NON-TYPICAL CONTRACTUAL DYNAMICS

por Carlos Gabriel Feijó de Lima45

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo a análise e verificação das interações do princípio da boa-fé objetiva na dinâmica contratual não tipificada, especialmente no que toca sua interpretação.

PALAVRAS- CHAVE: Boa-Fé; Contratos Atípicos; Interpretação

45 Advogado. Pós-graduado em Direito Civil pela UCAM. Pós-graduação em Direito Imobiliário pela UCAM (em andamento, monografia defendida). Pós-graduação em Direito Privado Patrimonial PUC-RIO (em andamento, dissertação apresentada). Bacharel em Direito pela UFRJ.

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ABSTRACT

This article aims to analyze and verify the interaction of the good-will and the non-typical contracts, especially when it comes to its interpretation.

KEYWORDS: Good-Will; Non Typical Contracts; Interpretation

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INTRODUÇÃO

O maior instrumento de modificação do Direito é a vontade humana. Seja pela formação de negócios jurídicos ou, em casos extremos, pela desobediência, a fonte transfor-madora sempre será o homem, seus interesses e suas nuances.

O presente projeto tem por objetivo, analisar, essencialmente, uma das mais impor-tantes atribuições dadas pelo Sistema Jurídico à vontade humana: a liberdade de contratar.

Diante dessa afirmativa, indaga-se: Por que contratar? Qual a necessidade de dar desenho jurídico à vontade comum com fito de concretizar objetivos equivalentes?

O termo “por que” atua como uma provocação. Não se pode negar fato de que “contratar”, ou seja, expressar e conjugar vontades é algo inato do homem, o que torna a indagação inócua à primeira vista. A pergunta mais adequada, então, seria: “para que” contratar (em termos jurídicos)? “Para que” celebrar negócios jurídicos? Pode-se formular uma primeira resposta: para que, de fato, sejam al-cançados certos interesses.

O Sistema Jurídico, lato sensu, mira, e acaba por ter como atribuição, garantir a eficácia desses negócios. Poder-se-ia falar em Segurança Jurídica - não àquela referida na Constituição Federal,46 relacionada à coisa julgada, ao direito adquirido e, por mais que cause estranheza, ao ato jurídico perfeito-, querendo significar o cumprimento obrigacional pelas partes contratantes, não obstante serem identificadas razões “individuais” em sentido contrário.

Aprofundando-se no estado psicológico dos contratantes, há uma certa medida de segurança no adimplemento pleno das cláusulas contratadas, embasada na confiança entre as partes. Contudo, a segurança jurídica, no sentido abordado acima, será realmente testada nos atos de intervenção provocada do Poder Ju-diciário; no conflito entre as partes deverá ser promovida a lealdade contratual.

46 BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 03 jul. 2013.

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Essa lealdade entre os contratantes não é estranha para a análise das re-lações jurídicas interpessoais. Na Roma Antiga já se falava na bona fides, como a expressão de um dever de confiança entre os contratantes.

Em outro aspecto do tema em debate, podemos analisar a liberdade de contratar como a unidade necessária ao progresso humano. Sem receio de se estar diante de uma construção exagerada, não há dúvidas quanto a esta função.

Os contratos expressam e declaram interesses humanos comuns na sua forma, via de regra, mais pragmática, pois dependem da anuência por parte d’outro indivíduo e de eficácia. Assim, pode-se concluir: não se está diante do interesse puro, fruto da cognição individual, mas sim de interesses conjugados, já metamorfoseados pelas características necessárias à relação que se pretende.

O contrato traduz visão comum de mundo: a utopia real das partes; a possibilidade de se atingir dois alvos com uma única flecha; matar dois coelhos, com apenas uma cajadada.

Adentrando o tema do presente projeto, analisar-se-ão os contratos atípicos ou inominados, os quais detêm posição de destaque na conjuntura social moderna.

Primeiramente, o Ordenamento Jurídico é fruto da mente e vontade humana. Assim, naquilo que o ser humano de fato inova, dificilmente o Sistema Jurídico trará previsão legal da hipótese.

Dessa forma, não se poderia exigir que contratos decorrentes da criati-vidade humana, encontrassem previsão legal típica no Ordenamento Jurídico; possuem, sim, autorização para sua validade.

Contudo, não há dúvidas que a existência dos contratos atípicos é essencial para o livre desenvolvimento da sociedade humana, que necessita do respaldo legal para se organizar, porém não pode ficar refém da previsão legal.

Evidenciada a relevância social da relação contratual atípica, é ainda mais importante reiterar que seu cumprimento prescinde da confiança entre as partes e, se necessário, o suprimento desta confiança por parte do poder judiciário.

Daí o porquê ser tão importante frisar o necessário dever de confiança entre contratantes, e dar-lhe nomen iuris: boa-fé objetiva.

Como será demonstrado, é esta boa-fé e suas interações com o contrato que se notabilizará como recurso fundamental para resolução dos conflitos nele formados, por meio da atuação do Poder Judiciário e da aplicação da jurispru-dência pelos Tribunais.

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1. NOÇÕES INAUGURAIS

Como exposto na Introdução, o presente projeto tem por objeto a análise da resolução de conflitos decorrentes da interpretação dos contratos atípicos por meio da aplicação da boa-fé objetiva.

Para tanto, necessário, ab initio, breve ponderação sobre conceitos intrín-secos ao tema, a serem expostos nos itens abaixo.

1.1 OS CONTRATOS ATÍPICOS

O Contrato, enquanto negócio jurídico bilateral, se forma pelo consenso de vontades. Ou seja, a vontade individual deixa o íntimo dos contratantes que, por meio quase dialético, criam vontade nova, não mais no recanto de suas mentes, mas sim no universo jurídico. É consentimento capaz de produzir efeitos normativos.

Nesse sentido, explica Orlando Gomes:47

“No campo dos negócios bilaterais, o poder de regular os próprios interesses presume a liberdade de contratar, a liberdade de obrigar-se, a liberdade de forma. A lei não estabelecia maiores restrições à celebração e ao conteúdo dos contratos. As partes eram livres para contrair as obrigações que entendessem, exigindo-se apenas o consentimento isento de vícios. Contraída a obrigação, por declaração de vontade, havia de cumpri-la a todo o preço, pacta sunt servanda.”

Esse consentimento, exteriorizado por meio da declaração da vontade in-tegrante do plano de existência dos negócios jurídicos, se materializa no universo empírico na forma de interesses e expectativas dos contratantes, decorrentes do conteúdo obrigacional estipulado e seu cumprimento.

Nesse sentido, explica Cristiano Chaves de Farias, aludindo aos dizeres de Junqueira de Azevedo:48

47 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 19ª. ed. Rio de Janeiro : Forense , 2008, p. 241.48 FARIAS, Cristiano. Chaves de. Direito civi - teoria geral. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2005,p.402.

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“Chama atenção para o fato de é a ‘declaração de vontade’ e não a vontade propriamente dita que se constitui elemento existencial do negócio jurídico, uma vez que ‘cronologicamente, ele (o negó-cio) surge, nasce, por ocasião da declaração; sua existência começa nesse momento; todo processo volitivo anterior não faz parte dele; o negócio todo consiste na declaração’. A tudo isso acresça-se que a vontade não exteriorizada nenhum efeito poderá produzir no plano concreto.”

O contrato compreende em seu conceito a ideia de um vínculo jurídico que estabelece relações de direito subjetivo e potestativo, ao sabor da vontade das partes e à observância da lei e seus requisitos.

Peculiar a maneira pela qual a lei atua sobre os contratos. Via de regra, não estarão nela determinados os efeitos ou conteúdo da avença, mas apenas se terá os contornos aos quais deverá estar adstrito tal conteúdo.

Para melhor demonstrar essa construção pode-se imaginar um recipiente preenchido com algum tipo líquido. O líquido representa o contrato em si e seu conteúdo, enquanto o recipiente representa a lei e seus contornos. Não se pode pretender que o líquido fique derramado ou espalhado, pois estar-se-ia diante de conjuntura demasiadamente instável, cuja concretização estaria aquém do interesse a que se refere.

Por outro lado, importante perceber que o recipiente deve ser vazado dispondo de bastante espaço para aquele conteúdo líquido, necessitando apenas de uma fina barreira para, simplesmente, dar-lhe contorno e contenção.

O preenchimento desse recipiente deve ser conduzido de forma a não transbordar esse limite físico imposto, pois caso venha a ocorrer aquele determi-nado conteúdo contratual extrapolou os limites da sua viabilidade legal.

A necessidade de observação da norma, bem como do respeito às suas imposições, se materializa no plano da validade do negócio jurídico.

Entretanto, por mais que estejam preenchidos os requisitos da existência e da validade, mister, ainda, investigar sua efetividade, ou seja, sua disposição a fazer surtir os efeitos avençados no mundo concreto.

A saudável concretização do contrato se vincula diretamente à conduta das partes e a certas situações fáticas, dependendo de um substrato capaz de prover os meios necessários ao adimplemento das obrigações ali contidas. Depreende-se outro plano do negócio jurídico: o da eficácia.49

49 Ibid.

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Analisando estes três planos do negócio jurídico, os quais vêm sendo sus-tentados pela melhor doutrina, esclarece Cristiano Chaves de Farias:50

“a) Plano da existência, relativo ao ser, isto é, a sua estruturação, de acordo com a presença de elementos básicos, fundamentais, para que possa ser admitido, considerado;

b) Plano da validade, dizendo respeito à aptidão do negócio frente ao ordenamento jurídico para produzir efeitos concretos;

c) Plano da eficácia, tendo pertinência com a sua capacidade de produzir, desde logo, efeitos jurídicos ou ficar submetido a determinados elementos acidentais, que podem conter ou liberar tal eficácia.”

Embasados nesses planos essenciais, passa-se a analisar o contrato como elemento do plano fático-jurídico e suas peculiaridades.

Os contratos podem ser classificados como “típicos” e “atípicos”, depen-dendo de previsão legal e conteúdo obrigacional.51

Os pactos típicos caracterizam-se pela prescrição legal, deduzida de ma-neira precisa pela descrição de seu conteúdo e elementos.52 A vontade das partes origina a formação da avença típica. Entretanto, na lei já estarão previstas estrutura, forma e conteúdo dos deveres prestacionais.

Quanto à classificação em atípicos enquadram-se, modernamente, aqueles que não possuem regulamentação legal específica, ou seja, cuja lei não faz referên-cia quanto a seus elementos determinantes. Em outras palavras, a atipicidade é a ausência de tratamento legislativo específico, uma vez que seu “elemento-causa” não encontra disciplina.53

Neste sentido, sustenta Álvaro Villaça Azevedo:54 “Por isso mesmo que tipicidade significa presença, e atipicidade ausência, de tratamento legislativo específico.”.

Quanto à tipicidade, pertinente a manifestação de Pontes de Miranda quanto à origem:55

50 Loc. cit.51 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos: curso de direito civil. 3ª.

ed. São Paulo: Atlas, 2009.52 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 14ª edição. ed. Rio de Janeiro: Editora

Forense, v. III, 2010.53 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos: curso de direito civil. 3ª.

ed. São Paulo: Atlas, 2009.54 Ibid,p.120.55 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, v. 38, 1962,p.366.

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“A tipicidade tem causas histórias, por muito fundada no Direito Romano, porém não só a vida jurídica nos tempos posteriores e nos dias de hoje, atuou e atua, como também o trato dos negócios, em caracterizações inevitáveis. O tráfico jurídico não só tipifica ou corrige o tipo. Por vezes suscita tipos novos (e.g., no direito brasi-leiro, a duplicata mercantil, ou negócios jurídicos atípicos. A vida muda. Embora os princípios permaneçam, mudam-se estruturas e conteúdo de negócios jurídicos.”

Ainda, elucida Orlando Gomes:56

“As relações econômicas habituais travam-se sob as formas jurídi-cas que, por sua frequência, adquirem tipicidade. As espécies mais comuns são objeto de regulamentação legal, configurando-se por traços inconfundíveis e individualizando-se por denominação pri-vativa. É compreensível que a cada forma de estrutura econômica da sociedade correspondam espécies contratuais que satisfaçam às necessidades mais instantes da vida social. Em razão dessa corres-pondência, determinados tipos de contrato preponderam em cada fase da evolução econômica, mas outros se impõem em qualquer regime, embora sem a mesma importância. Esses tipos esquemati-zados pela lei chamam-se contratos nominados ou típicos. Os que se formam à margem dos paradigmas estabelecidos – como fruto da liberdade de obrigar-se – denominam-se inominados ou atípicos.”

Os contratos atípicos formam-se a partir de elementos originais, decor-rentes da dinâmica econômica, dos interesses específicos, da necessidade de otimização de práticas, ou resultam da combinação de elementos obrigacionais de pactos já tipificados.57 No primeiro caso, classificam-se como contratos atípicos “propriamente ditos” ou “singulares”.58 No segundo caso, classificam-se como contratos atípicos “mistos”.

A importância desta distinção revela-se no momento da interpretação, execução e limitação dos pactos.

Nos contratos atípicos singulares, depara-se com silêncio quase total da legislação, pois a prescrição legal oferece apenas normas gerais e poucas normas específicas acerca dos pactos atípicos, sem se aprofundar na temática de seu conteúdo, a exemplo do art. 425 do Código Civil.59 Em vista desta deficiência normativa, aconselha a doutrina que as partes sejam meticulosas ao estabelecer

56 GOMES, Orlando. Contratos. 26ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.57 Ibid.58 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos: curso de direito civil.

3ª. ed. São Paulo: Atlas, 2009.59 BRASIL. Lei nº 10.406 de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.

br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 08 jun. 2013.

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as prestações e contraprestações,60 pois se regulará a relação pelo princípio da autodisciplina dos contratos.

Neste tocante, in verbis, comenta a doutrina:61 “[...] A celebração de um contrato atípico exige-lhes o cuidado de descerem a minúcias extremas, porque na sua disciplina legal falta a sua regulamentação específica [...]”.

Nos contratos atípicos mistos, por sua vez, os elementos que constituem o conteúdo obrigacional decorrem, em parte, da normatividade, o que torna peculiar a análise da avença e, até mesmo, seu cumprimento. Cabe salientar que essa pluralidade de elementos não deve abalar a unidade causa do contrato,62 sob pena de se estar diante de contrato coligado, estranho ao universo da atipicidade contratual. Desta forma, observar-se-á o pacto como um todo unitário, extraindo-se da lei parcial dogmática aquilo que não lhe seja estranho em essência.

A formação dos contratos atípicos justifica-se pela aplicação dos princípios da “liberdade de obrigar-se” e do “consensualismo”,63 decorrendo da necessidade da expressão contratual humana modificar-se e adaptar-se aos moldes que surgem com o avanço do progresso econômico.

Nos dizeres de Cáio Mário da Silva Pereira:64 “[...] a imaginação humana não estanca, pelo fato de o legislador haver deles cogitado em particular [contratos típicos]. Ao contrário, cria novos negócios, estabelece novas relações jurídicas, e então surgem outros contratos afora aqueles que recebem o batismo legislativo... [...]”.

É evidente a autorização e inserção dos negócios atípicos no cotidiano jurídico. Entretanto, necessário observar que a ausência da previsão legal acaba por dificultar o controle do cumprimento e conteúdo das figuras contratuais atípicas. Neste diapasão, alerta Álvaro Villaça sobre a necessidade de surgir, no ordenamento, mecanismo normativo próprio às avenças não tipificadas.65

60 GOMES, Orlando. Contratos. 26ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.61 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 14ª edição. ed. Rio de Janeiro: Editora

Forense, v. III, 2010.62 GOMES, Orlando. Contratos. 26ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.63 Ibid.64 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 14ª edição. ed. Rio de Janeiro: Editora

Forense, v. III, 2010.65 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos: curso de direito civil.

3ª. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

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1.2 A BOA-FÉ OBJETIVA

A boa-fé objetiva foi inicialmente introduzida no Direito Civil brasileiro pelo advento do Código de Defesa do Consumidor. Ao longo do tempo teve sua aplicação expandida pela jurisprudência e Doutrina,66 finalmente consagrada na Lei 10.406/2002, Código Civil, nos artigos 113, 187 e 422.67

Sem receber da norma conceituação exata, passou a ser reconhecida como cláusula geral de observância obrigatória.68 Cáio Mário da Silva Pereira, ao ana-lisar o instituto jurídico, pondera e explicita seu caráter indeterminado, carente de concretização senão da sua aplicabilidade ao caso concreto. A boa-fé consiste, segundo o autor, em um padrão de conduta variável de acordo com as peculiari-dades de cada relação jurídica.69

Embora jurídica, a boa-fé objetiva aparenta transcender a própria lei,70 mencionada apenas como espécie de medida de segurança comportamental que se modifica com o decorrer da própria evolução social.

Imperioso salientar que, nesta ótica, a boa-fé objetiva conduz ao entendi-mento de que não deve prevalecer a linguagem, seja escrita ou oral, sobre a intenção manifestada na declaração da vontade ou nas proposições nela subentendidas decorrentes da natureza das obrigações contraídas ou impostas por força dos usos interpretativos e da própria equidade.71

O instituto da boa-fé objetiva ergue-se, ainda, como tradução do interesse social na segurança das relações jurídicas, exigindo das partes, reciprocamente, lealdade e confiança em todo ciclo da vida dos pactos.72 Entre credor e devedor, imprescindível mútuo apoio na execução do contrato, subordinando-se regras que visem à colaboração de uma parte com a outra.

66 EPEDINO, Gustavo.; BARBOZA, Heloísa Helena.; BODIN DE MORAES, Maria Celina. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, v. I, 2004.

67 BRASIL. Lei nº 10.406 de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 08 jun. 2013.

68 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 14ª edição. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, v. III, 2010.

69 Ibid.70 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil - (Teses de

doutoramento). 4ª. ed. Lisboa: Almedina, 2011.71 GOMES, O. Contratos. 26ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.72 Ibid.

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Faz-se um breve parêntese para elucidar a posição que vem tomando a boa-fé em todo Direito Civil como fonte geradora da tutela da confiança.

Neste sentindo, discorre Anderson Schreiber:73

“[...] o reconhecimento da necessidade de tutela da confiança desloca a atenção do direito, que deixa de se centrar exclusivamente sobre a fonte das condutas para observar também os efeitos fáticos da sua adoção. Passa-se da obsessão pelo sujeito e pela sua vontade individual, como fonte primordial das obrigações para uma visão que, solidária, se faz atenta a repercussão externas dos atos indivi-duais sobre os diversos centros de interesse, atribuindo-lhes eficácia obrigacional independente da vontade ou da intenção do sujeito que os praticou.”

Prosseguindo, outro aspecto a ser considerado é o entendimento empre-endido por Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro que entende a boa-fé objetiva como figura jurídica jurisprudencial, estabelecida na dogmatização e padronização das decisões dos Magistrados.74 A investigação da boa-fé objetiva ocorre quase sempre em terreno de interesses conflitantes, onde sua aplicação e extensão serão determinadas pela jurisdição.

Cabe, nesse momento, diferenciar a boa-fé “objetiva” da boa-fé “subjetiva”.

A boa-fé subjetiva parte de uma investigação quanto à inexistência da in-tenção capaz de macular, in casu, o negócio jurídico. Trata-se de abordagem sobre questão psicológica do agente, inquirindo sua intenção e seu conhecimento dos fatos.

Já na boa-fé objetiva, analisa-se o comportamento externo dos agentes, bem como suas repercussões fáticas, extraindo-se daí um padrão comportamental de lealdade e que explica Judith Martins-Costa:75

“A expressão ‘boa-fé subjetiva’ denota ‘estado de consciência’, ou convencimento individual de obrar [a parte] em conformidade ao direito [sendo] aplicável, em regra ao campo dos direitos reais, es-pecialmente em matéria possessória. Diz-se ‘subjetiva’ justamente porque, para sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antiética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem.’

73 SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório: tutela da confiança e venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,p.88.

74 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e. Da boa fé no direito civil - (Teses de doutoramento). 4ª. ed. Lisboa: Almedina, 2011.

75 MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema de tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999,p. 411.

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‘Já por ‘boa-fé objetiva’ se quer significar – segundo a conotação que adveio da interpretação conferida ao § 242, do Código Civil alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países da common law – modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual ‘cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probida-de’. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subjuntivo.”

Reiterando, diferentemente da boa-fé subjetiva, que implica num estado de consciência do agente representado pela inobservância ou ignorância quanto à mácula, a boa-fé-objetiva, pela própria previsão que recebe na norma, apresenta-se como standard, princípio amplo, carente de concretização, singularmente aplicado ao caso concreto.

Tal construção remete a um padrão de conduta comportamental, desper-tando dever positivo inerente à própria essência dos negócios jurídicos, exigindo das partes cooperação para que o contrato seja cumprido.

Trata-se, portanto, de um instituto funcionalizado, dever positivo, agir dos contratantes, nunca se confundindo com aquele dever subjetivo negativo. Desta forma, a boa-fé objetiva não diz respeito ao estado mental do agente, mas sim a um comportamento de cooperação necessário às relações jurídicas.

Ainda quanto a diferenciações, cabe a distinção entre o princípio da “obri-gatoriedade” e a boa-fé objetiva.

A obrigatoriedade, traduzida nos dizeres latinos pacta sunt servanda, está vinculada a necessária produção de efeitos acordados, para a manutenção da segurança jurídica.

Já a boa-fé objetiva faz referência ao comportamento das partes contratan-tes, cujo resultado é substrato para o devido cumprimento daquilo previamente acordado.

A boa-fé objetiva, segundo Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barbosa e Maria Celina Bodin, inaugura uma posição intermediária entre as tendências subjetiva e objetiva,76 submetendo análise de conduta genérica dos contratantes, depois de já transcendida verificação subjetiva da má-fé.

76 TEPEDINO, Gustavo.; BARBOZA, Heloísa Helena; BODIN DE MORAES, Maria Celina. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, v. I, 2004.

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Solidificou-se na jurisprudência e doutrina que a boa-fé objetiva serve a três funções no direito contratual: a) integrativa-interpretativa; b) criativa ou supletiva; c) corretiva ou limitativa.

Quanto à função integrativa-interpretativa, prescrita no art. 113 do códi-go Civil,77 pode-se afirmar que o instituto pressupõe que a extração do conteúdo volitivo em que se eivam as prestações obrigacionais contratadas e os efeitos avençados, deve sempre obediência a um pressuposto positivo determinado por padrão comportamental seguro e satisfativo, inspirado na fidúcia, para as relações contratuais.

Assim explica Judith Martins-Costa:78 “[...] atua aí a boa-fé [objetiva] como um kanon hábil ao preenchimento de lacunas, uma vez que a relação contratual consta de eventos e situações, fenomênicos e jurídicos, nem sempre previstos ou previsíveis pelos contratantes.”

Nesta funcionalidade, sua atuação se dá em dois momentos.79

Inicialmente, na determinação da intenção ou sentido comum atribuído à declaração contratual. Em consequência natural, determinada a declaração con-tratual, surgem lacunas, ambiguidades e obscuridades impassíveis de superação pela mera análise da intenção dos contratantes.

Eis que surge a segunda etapa da interpretação, na qual se objetiva eliminar falhas inerentes à própria declaração negocial.

Interpretar conforme a boa-fé objetiva é substituir o ponto de vista relevan-te, posicionando no contexto do contrato um modelo de pessoa normal e razoável, a fim de averiguar o sentido que se atribuiria à declaração negocial, caso houvesse percebido a deficiência em sua formação.80

A boa-fé objetiva, portanto, desempenhando esta função, supre a necessi-dade da modificação do contrato ao limite das causas que ensejariam sua rescisão ou resolução, para dizer o que fariam as partes em vista de deficiência, baseada na vontade que originalmente formou a avença e não no conflito entre os contratantes.

77 BRASIL. Lei nº 10.406 de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 08 jun. 2013.

78 MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema de tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999,p. 428.

79 GOMES, Orlando. Contratos. 26ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.80 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 14ª edição. ed. Rio de Janeiro: Editora

Forense, v. III, 2010.

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Acresça-se a isso o comentário tecido por Judith Martins-Costa:81

“Para além desta importante função flexibilizadora e integradora, que se manifesta em ainda outros variadíssimos exemplos (v.g., o controle das cláusulas contratuais abusivas, em casos de exceção de inadimplemento ou na interpretação da regra resolutiva), a boa-fé, utilizada como cânone hermenêutico-integrativo desempenha expo-nencial papel no campo metodológico, pois permite a sistematização das decisões judiciais.”

Quanto à função criativa ou supletiva, a boa-fé objetiva tem o condão de criar deveres jurídicos. Note-se que não emergirão vantagens que poderiam ser juridicamente contratadas em benefício unilateral de uma das partes. Os deveres jurídicos criados são acessórios ao negócio, dizendo respeito a condutas necessaria-mente recíprocas de cuidado, segurança, informação, cooperação, sigilo, prestação de contas, dentre outros ao sabor de cada relação jurídica.

Em sua obra, descreve Judith Martins-Costa alguns exemplos de deveres advindos da função criativa da boa-fé objetiva:82

“[...] a) os deveres de cuidado, previdência e segurança, como o dever do depositário de não apenas guardar a coisa, mas também de bem acondicionar o objeto deixado em depósito; b) os deveres de aviso e esclarecimento, como o do advogado, de aconselhar o seu cliente acerca das melhores possibilidades de cada via judicial pas-sível de escolha para a satisfação do seu desideratum, o do consultor financeiro, de avisar a outra parte sobre os riscos que corre, ou o do médico, de esclarecer ao paciente sobre a relação custo/benefício do tratamento escolhido, ou dos efeitos colaterais do medicamento indicado, ou ainda, na fase pré-contratual, o do sujeito que entra em negociação, de avisar o futuro contratante sobre os fatos que podem ter relevo na formação da declaração negocial; se os deveres de in-formação, de exponencial relevância no âmbito das relações jurídicas de consumo, seja por expressa disposição legal (CDC [Código de Defesa do Consumidor], artigos 12, in fine, 14, 18, 20, 30 e 31, entre outros), seja em atenção ao mandamento da boa-fé objetiva; d) o dever de prestar contas, que incumbe aos gestores e mandatários, em sentido amplo; e) os deveres de colaboração e cooperação, como o de colaborar para o correto adimplemento da prestação principal, ao qual se liga, pela negativa, o de não dificultar o pagamento, por parte do devedor; f) os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte, como, v.g., o dever do proprietário de uma sala de espetáculos ou de um estabelecimento comercial de

81 MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema de tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999,p.436.

82 Ibid, p.439.

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planejar arquitetonicamente o prédio, a fim de diminuir os riscos de acidentes; g) os deveres de omissão e de segredo, como o dever de guardar sigilo sobre atos ou fatos dos quais se teve conhecimento em razão do contrato ou de negociações preliminares, pagamento, por parte do devedor etc.”

Dessa maneira, a boa-fé objetiva atua estabelecendo deveres anexos, vol-tados à mútua colaboração e à cooperação. Diferem-se das obrigações principais avençadas, no que tange a sua finalidade. Estas objetivam os efeitos e os resultados contratados, enquanto que os deveres acessórios, decorrentes da boa-fé objetiva, buscam assegurar o cumprimento das obrigações principais, metamorfoseando-se em deveres comportamentais.83

Nesse sentido, explica Judith Martins-Costa:84 “[...] para que possa ocorrer uma coerente produção dos efeitos do contrato, tornam-se exigíveis às partes, em certas ocasiões, comportamentos que não resultam nem de expressa e cogente disposição legal nem das cláusulas pactuadas.”

Esta funcionalidade encontra-se prevista no Art. 422 do Código Civil85 que, embora apenas defina os momentos de aplicação como os da conclusão e execução dos contratos, não limita sua aplicação aos demais momentos contratuais.

Tal funcionalidade encontra embasamento na jurisprudência:

“Imóvel. Permuta, com torna em dinheiro. Bens adquiridos para incorporação. Irregularidade, porém, da aquisição da permutante, por conta de débito previdenciário de quem lhe transmitira os bens. Artigo 48 da Lei 8.212/91. Contaminação dos atos subsequentes. Falta, ademais, de cumprimento do dever de informação, corolário da boa-fé objetiva em sua função supletiva, levando à frustração do fim do negócio. Teoria da pressuposição. Indenização arbitrada em função da privação do uso dos imóveis permutados, entregues à ré. Sentença mantida. Recurso desprovido.”86

Por fim, a boa-fé objetiva desempenha função corretiva ou limitativa, de modo a limitar a ruptura,87 a desobediência e o abuso do direito daquilo estabe-lecido nos contratos e seus deveres acessórios.

83 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 14ª edição. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, v. III, 2010.

84 MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema de tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999,p. 448.

85 BRASIL. Lei nº 10.406 de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 08 jun. 2013.

86 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 994031129192, da 2ª Turma Cível, 2010.

87 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 14ª edição. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, v. III, 2010.

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Essa funcionalidade, a priori, se expressa na aplicação de institutos jurídicos protetores do equilíbrio contratual, destacando-se, dentre estes: a) proibição ao comportamento contraditório, expresso nos dizeres latinos nec potest venire contra factum proprium, que veda a contradição ou oposição de conduta atual da parte quando já praticada conduta anterior antagônica;88 b) inciviliter agere que proíbe condutas dentro, fora ou decorrentes das relações jurídicas que violem o princípio da dignidade da pessoa humana, em suas muitas conceituações e dimensões; c) tu quoque se que expressa pela invocação inesperada de regra que a própria parte invocadora já tenha violado.

Esta terceira funcionalidade, aplicados os institutos de vedação aos com-portamentos nocivos, visa, conclusivamente, controlar a abusividade contratual e estabelecer parâmetros comportamentais saudáveis e necessários ao desenvol-vimento, cumprimento e execução dos pactos jurídicos.

E complementa Judith Martins-Costa:89 “Apresenta-se a boa-fé como norma que não admite condutas que contrariem o mandamento de agir com lealdade e correção, pois só assim se estará a atingir a função social que lhe é cometida.”.

O Código Civil de 2002 traz a função corretiva da boa-fé objetiva em seu art. 187,90 ao erigi-la como critério de determinação ao abuso de direito.

Nessa tríplice funcionalidade, está a importância do instituto da boa-fé objetiva na qualidade de norteador maior da vivência, eficiência e lealdade contratual, considerando-se e subordinando-se sempre as disposições legais e os nuances avençados. Neste diapasão, Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barbosa e Maria Celina Bodin, em seus comentários ao Código Civil, concluem,91 in verbis:

“[...] é certo que a boa-fé objetiva se limita aos fins objetivamente perseguidos com o contrato. Seja em sua função interpretativa, seja na criação de deveres anexos, ou na restrição de condutas abusiva, a boa-fé objetiva diz sempre respeito ao conteúdo objetivo do negócio celebrado pelas partes [...].”

88 SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório: tutela da confiança e venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,p.88.

89 MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema de tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 457.

90 BRASIL. Lei nº 10.406 de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 08 jun. 2013.

91 TEPEDINO, G.; BARBOZA, H. H.; BODIN DE MORAES, M. C. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, v. I, 2004.

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Ante todo o exposto, servirá a boa-fé objetiva à função genérica de conso-lidar dogmática jurídica voltada ao equilíbrio, eivada na convicção jurídica juris-prudencial inspirada na cultura social de seu tempo e resistente às imperfeições humanas e ao próprio ordenamento jurídico.

Nesse sentido conclui a doutrina de Menezes Cordeiro:92 “[...] uma dog-mática jurídica, radicada a cultura que a suporte e na segurança das convicções científicas dos juristas que a sirvam, coloca, entre a fonte e solução do caso con-creto, um percurso que nenhuma lei pode dispensar e que o legislador não pode corromper [...]”.

2 ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA TEÓRICA E JUDICIAL DAS INTER REAÇÕES DA BOA-FÉ OBJETIVA DA DINÂMICA CONTRATUAL ATÍPICA

Talvez não tão intuitivo numa primeira análise, os contratos atípicos, por mais que tentem se traduzir na libertação dos grilhões do engessamento legal, provocam certa porção de instabilidade, melhor definida, no caso concreto, como uma latente dificuldade de definir expectativas nos de conflitos de expectativa.

A liberdade de contratar, potencializada pelo bordão civilista “se pode fazer tudo aquilo que a lei não proíba”, muitas vezes provoca gênese aleatória de figuras contratuais, causando, por sua vez, a possibilidade de novas relações das quais decorrerão novas e múltiplas figuras.

Nesse infindável universo de relações, inevitável o aparecimento de conflitos. Se diante de uma conjuntura tipificada, a adequação da hipótese legal precedida pelo exercício hermenêutico se teria como ferramenta fundamental, não haveria qualquer tipo de ressalva a ser feita.

Entretanto, conforme já exposto, os contratos atípicos fogem à tipificação legal, ficando apenas adstritos à sua autorização para sua validade, no limite da licitude, tornando-se difícil sua plena compreensão e a definição da gama de expec-

92 DA ROCHA, A. M.; CORDEIRO, M. Da boa fé no direito civil - (teses de doutoramento). 4ª Reimpressão. ed. Coimbra: Almedina, 2011.

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tativas que se esperar de fato dos contratantes. Daí porque sustentar a boa-fé, e suas funções, como recurso indispensável e, talvez, primeiro em se tratar da matéria.

Neste momento, interessante reavivar o conceito capitaneado por Orlando Gomes:

“Têm-se como Contrato Atípico aquele para o qual o ordenamento não traçou uma disciplina jurídica especial, haveremos de assim qualificar o contrato que acabamos de estudar, revelando e salien-tando seu fim próprio. Privado de nomen júris, tem, todavia, uma configuração que resulta de elementos que são estranhos ao tipo legal mais próximo. Delimitada a sua figura, como a vejo, aplicam-se lhes os princípios gerais que valem para todos os contratos e, por analogia, as regras do contrato com o qual tem maior afinidade, que é a locação, à exceção daquelas que rejeitam, ou, em termos bem mais expressivos, daquelas que matam o espírito da inovação.” 93

Durante a execução de um contrato atípico, exposto às intempéries da dinâ-mica das relações civis, despontarão variados conflitos de deveres entre as partes. A previsibilidade destes, entretanto, pode não ser tão clara e, consequentemente, não disporá exaustivamente sobre as hipóteses ou a até eventual legislação aplicável.

Necessário reiterar, ainda, que via de regra, este tipo de contrato apresenta natureza indissociável dos elementos heterônomos que compõem a gama obriga-cional, sob pena de ausente tal coexistência, estar-se diante de contrato incapaz de legitimar sua causa determinante e, portanto, inócuo.

Em prosseguimento, de acordo com o princípio da “autorregulação dos contratos”,94 já discorrido nos itens anteriores, os pactos devem intrinsecamente gerir-se, ou seja, devem dispor de conteúdo regulatório próprio subordinado à permissividade da lei.

Diante de um conflito – desde que não se configure ilicitude- tem-se como primeiro recurso para sua resolução a análise hermenêutica de seu próprio conteúdo contratual.

Neste ponto, indaga-se: não sendo suficiente o contrato, de onde se extrairá os recursos normativos necessários a sanar tais conflitos? Antes que se responda a lei, necessária esmiuçar a questão.

Pressupõe-se, como já dito, que os contratos se autorregulem, até mesmo porque as partes contratantes ficam vinculadas por liame obrigacional. Desta ma-neira, a legislação, a priori, não conterá solução especificamente tipificada quando diante de conflito decorrente das peculiaridades dos contratos atípicos.

93 GOMES, Orlando. Traços do Perfil Jurídico de um “Shopping Center”. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 576, 1983, p. 13.

94 GOMES, O. Contratos. 26ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

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Não se pretende afirmar, arriscando-se cometer grave equívoco, que a Legislação se cale quanto à resolução dos conflitos contratuais atípicos. Ocorre que esta não enfrenta os conflitos diretamente; todavia, indica “fonte” diversa para a extração das informações necessárias a findá-los.

O Código Civil de 2002,95 em seus artigos, faz referência a essas fontes, às quais se deve recorrer, referindo-se aos “Princípios Gerais de Direito” e a “boa-fé”. O presente projeto não debruçará investigação quanto ao primeiro, detendo-se à análise da segunda em sua vertente objetiva e suas interações com o contrato em análise.

A boa fé-objetiva, como já discorrido, possui três funções, quais sejam: fun-ção ”interpretativa-integrativa”, função “criativa” e, por fim, função “limitativa”.

Cada uma destas funções atua sobre o contrato de maneira isolada ou concomitante, sempre quando se apresentarem conflitos, especialmente aqueles referentes a expectativas quanto à postura contratual das partes. Isto é de extre-ma importância, posto que não há que se falar na atuação da boa-fé objetiva se o contrato é devidamente cumprido e executado, visto que, se imaculado, pressu-põe-se a boa-fé.

Caso se esteja diante de problemática referente a algum tipo de lacuna ou divergência de interpretação a ser dada, atua a função interpretativa-integrativa da boa-fé objetiva, ou seja: falhando a linguagem e a declaração constante, inves-tigar-se-á o seu significado, utilizando-se como recurso norteador, aquele standard comportamental que traduza a confiança e a lealdade contratuais.

Nestes casos, a boa-fé objetiva tem sua gênese institucional na jurispru-dência. Tal afirmativa aduz que a boa-fé objetiva, por mais que apresente conteú-do muitas vezes meta-jurídico, é fruto, em grande parcela, de uma percepção de práticas, comportamentos e condutas fidedignos por parte daquela cuja atribuição é exercer a jurisdição. A boa-fé objetiva tem seu ápice normativo quando da sua aplicação ao caso concreto pelo agente julgador.

Muitas vezes, a boa-fé objetiva tende a afastar a interpretação “direciona-da” do contrato para preservar-lhe a essência.

95 BRASIL. Lei nº 10.406 de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 08 jun. 2013.

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Neste sentido, transcreve-se jurisprudência, na qual se observa, na passa-gem grifada, a adoção, por parte do magistrado, de critério interpretativo diverso daquele pretendido pela parte:

“SENTENÇA EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. PEDIDO FUN-DAMENTADO EM CLÁUSULAS CONTRATUAIS. SENTENÇA QUE INTERPRETOU O CONTRATO DE FORMA DIVERSA DA SUSTENTAÇÃO FEITA PELOS AUTORES. SENTENÇA NÃO EXTRAPOLA OS LIMITES DA DEMANDA. RECURSO NÃO PRO-VIDO. A magistrada a quo, Dra. Dayse Herget de Oliveira Marinho não proferiu sentença extra petita ao dar ao contrato, interpretação diversa da defendida pelos autores, pois a análise do pedido fun-damentado em cláusulas contratuais, necessariamente teve que adentrar nos termos da avença e de sua interpretação. Sendo assim, não houve julgamento de tema diverso do que foi proposto na ini-cial, pois “só extrapola os limites da demanda proposta a decisão que deixa de analisar algo que deveria ser apreciado e examina outra coisa em seu lugar, o que não se vislumbra no caso.” (AC n., Rel. Des. Edson Ubaldo, DJ de 12-02-2009). APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR SUSCITADA EM CONTRARRAZÕES. INTEMPES-TIVIDADE DO RECURSO. INOCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO QUE ANTECEDERAM O APELO NÃO FORAM ACOLHIDOS POR INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO NA SENTENÇA. SUSPENSÃO DO PRAZO DOS DEMAIS RECURSOS PELA OPO-SIÇÃO DOS EMBARGOS. OCORRÊNCIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 538, CPC. PRECEDENTES. PRELIMINAR NÃO ACOLHIDA. “Os embargos declaratórios somente têm o condão de interromper o prazo dos demais recursos quando conhecidos pelo julgador, independentemente da sua procedência ou improcedência. (AC n. , Relª. Desª. Salete Silva Sommariva, DJ de 31-8-2004). APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER C/C PEDIDO COMINATÓRIO. EXCLUSIVIDADE DO COMÉRCIO RELATIVO AO MIX SELF-SERVICE OU REFEIÇÃO EM PESO. CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE INFEREM QUE A REGRA DA EXCLUSIVIDADE DA ATIVIDADE NÃO É ABSOLUTA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA E DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. O direito à exclusividade do exercício de atividade dentro do referido shopping center não é absoluto, por inteligência das cláusulas da “escritura pública de alienação de frações ideais de solo, com pagamento em unidades autônomas a serem construídas, instituição, constituição, especificação e convenção de condomínio e outras avenças”, a qual disciplina a relação entre as partes do Condomínio Residencial e Comercial Edifício Atlântico Shopping Center. Ademais pelo disposto no item C. 1 do artigo décimo oitavo da convenção de condomínio (fl. 82), quando houver controvérsia entre o interesse de um proprietário lojista e o interesse coletivo do shopping, deve prevalecer o deste último. De outro norte, a obser-vância da exclusividade irrestrita na atividade de “self service ou refeições em peso” fere o princípio da livre iniciativa (art. 270, CF) uma vez que restringe o direito dos demais lojistas (especialmente os da área da Alimentação) à livre escolha dos meios a serem utilizados para o exercício de suas atividades e a consecução dos seus fins. O

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princípio da função social do contrato também deve observado, não cabendo na presente ordem a interpretação de avença que imponha vantagem excessiva a uma das partes e desvantagem excessiva às demais. Inteligência do art. 421, c/c parágrafo único do art. 2035, ambos do Código Civil. Mantém-se a decisão objurgada de lavra da Juíza de Direito Dra. Dayse Herget de Oliveira Marinho, pois muito bem solveu a questão: “considerando que os litisconsortes servem um tipo de comida específico (comida mineira, comida chinesa e café colonial), não vislumbro a possibilidade de concorrência predatória entre as unidades, o que seria vedado em razão do empreendimento shopping center. Portanto, inocorrente, por falta de precisão, a ex-clusividade comercial pretendida pelos autores, não há que se falar em proibição da exploração do sistema de comida em quilo pelos litisconsortes, de modo que, em sede de ação ordinária de obrigação de não fazer, a pretensão do autor não pode ser atendida. (fl. 383)” Recurso não provido. ”96

A segunda função da boa-fé objetiva também tem papel primordial no enfrentamento de conflitos em contratos atípicos.

Ora, vista a complexa engenharia jurídica necessária à aglomeração de elementos tão diferentes, é coerente imaginar que devam criar certas expectativas e deveres seus pares.

A função criativa agrega ao contrato deveres acessórios traduzidos em comportamentos necessários à estabilidade e ao bom desenvolvimento da avença.

Neste ponto, merece destaque o dever de informação. Se diante de comple-xa interação de elementos que, para satisfazer os interesses contratados, dependem de consenso entre os contratantes, nada mais razoável que estes informem entre si quaisquer variações que tenham o condão de alterar, mesmo que minimamente, a possibilidade de alcançar tais interesses.

Outra obrigação acessória é o dever de transparência. Se o contrato informa a existência de cláusula referente a uma “remuneração percentual”, calculado sobre a venda de determinado bem, necessário que este alienante apresente, mesmo sem cláusula expressa, demonstrativo suficiente ao cálculo da verba.

Nisto, atua também outra obrigação acessória que se refere ao respeito do dever de lealdade entre os contratantes, que, uma vez que dela dependem para que o contrato alcance o interesse sinalagmático, devem ofertar informações e comportamentos verdadeiros.

96 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível, da Primeira Câmara de Direito Civil. Relator: Carlos Prudêncio, 2011.

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Por fim, importante discorrer sobre a terceira função, aquela denominada limitativa, e suas possíveis relações com os contratos atípicos.

Não raro, em relações contratuais atípicas, se estará diante de uma rela-ção entre “forças desproporcionais”, subsistindo certa disparidade econômica e técnica entre os contratantes, devendo atuar a boa-fé objetiva como elemento de limitação de possíveis abusos.

A título de exemplo, serve-se do julgado abaixo colacionado, decorrente do Tribunal de Justiça do Paraná:

“APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO DE LOJA EM SHOPPING CENTER - CONTRATO ATÍPICO (LEI Nº 8.245/91, ART. 54) - LI-VRE PACTUAÇÃO - LIMITES - IMPOSIÇÃO DE CLÁUSULAS E CONDIÇÕES EM DESFAVOR DA PARTE ECONOMICAMENTE MAIS FRACA - DESEQUILÍBRIO - REVISÃO DO PACTUADO - NECESSIDADE. RES SPERATA - SUSPENSÃO DA COBRANÇA - EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO -ACOLHIMENTO - RESCISÃO - DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS - SHOPPING CENTER - MALOGRO DO EMPREENDIMENTO - IDEALIZADOR - RESPONSABILIDADE PELO NÃO CUMPRIMENTO DE SUAS OBRIGAÇÕES DE FOMENTO E ATRAÇÃO DE CLIENTES COM-PROVADA. Apelo desprovido. 1. Não obstante a Lei nº 8.245/91 se resuma a abordar os aspectos meramente imobiliários das relações entre lojistas e o empreendedor de shopping center, a liberdade de pactuação nela prevista (art. 54) não pode ser tomada como autori-zação para a imposição de cláusulas e condições em favor da parte economicamente mais forte (empreendedor), em detrimento da mais fraca (pequenos e médios lojistas). A abusividade na correção do valor do aluguel é passível de revisão pela via própria da ação revisional, onde se busca ajustar o encargo à realidade de mercado por força da aplicação do princípio da boa-fé objetiva, e proteger o devedor dos efeitos de uma prestação excessivamente onerosa. 2. Todo empreendedor de shopping center deve atentar para a ne-cessidade da manutenção do tenant mix, ou seja, do plano geral de distribuição de atividades, de sua inteira responsabilidade, de sorte a proporcionar maior organização do comércio e atratividade de públi-co promovendo a combinação de lojas e atrações capaz de garantir o bom êxito do empreendimento, e na qualidade de criador e gestor do fundo de comércio global do shopping é totalmente responsável por eventual malogro dos negócios. 3. “O lojista pode deixar de efetuar o pagamento das prestações previstas no ‘contrato de direito de reserva de área comercial para instalação de loja e de integração no ‘tenant mix’ do centro comercial’ se o empreendedor descumpre com a sua obrigação de instalar loja âncora no local previsto, em prejuízo do pequeno lojista... (REsp 152.497/SP, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, j. em 15.08.02, DJ 30.09.02 p. 263).”97

97 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível nº 3.653.852, da 12ª Câmara Cível Recurso Especial nº 152.497, da 4ª Turma, 2002.

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Outro exemplo interessante, coincidentemente também versando sobre relações locatícias atípicas, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro enfrentou ques-tão referente à abusividade do empreendimento comercial em relação ao lojista:

“AÇÃO DECLARATÓRIA.CONTRATO DE LOCAÇÃO.ESPAÇO COMERCIAL EM SHOPPING CENTER.ALEGAÇÃO DE NULI-DADE DO CONTRATO DE PROMESSA DE CESSÃO PARCIAL DE DIREITOS DE USO DE INFRAESTRUTURA TÉCNICA POR FALTA DE OBJETO, POIS AS ESTIPULAÇÕES JÁ ESTARIAM ENGLOBA-DAS NO CONTRATO DE LOCAÇÃO, SENDO EXTORSIVO O PA-GAMENTO EXIGIDO.SENTENÇA QUE AFASTOU A ALEGADA PRESCRIÇÃO COM BASE NO ARTIGO 206, § 5º, INCISO I, DO C.C., E JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO.APELAÇÃO DOS AUTORES RENOVANDO OS ARGUMENTOS INICIAIS E ALE-GANDO ABUSIVIDADE, ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E LESÃO DESCRITA NO ARTIGO 157 DO C.C. A tese autoral é de nulidade do ato jurídico e não de sua anulabilidade. Pedido que tem como consectário o reconhecimento da ilegalidade das cobranças funda-das no instrumento e respectiva restituição, e não propriamente em cobrança. Assim, correta a sentença ao afastar a alegada prescrição. Resta claro que o objeto da cessão é a infraestrutura técnica do local, definida esta como equipamentos, instalações e facilidades necessá-rios ao funcionamento, não se vislumbrando violação ao artigo 54 da Lei nº 8.245/91, eis que livremente pactuaram as partes as obri-gações e condições estipuladas, na forma reconhecida na sentença. Caracterização da res sperata, não se reconhecendo extorsividade ou abusividade das parcelas ajustadas em relação aos valores perti-nentes à locação.Os contratos de locação de espaços comerciais em shoppings centers revestem-se de características próprias e especiais exatamente por estarem as lojas inseridas em um centro de comér-cio propício ao consumo, em um ambiente geralmente agradável e seguro, que oferece, além do comércio diversificado, serviços e comodidades, atraindo vários tipos de consumidores a um mesmo local, caracterizando um verdadeiro fundo de comércio distinto do fundo de comércio do lojista/locatário. Os Autores não comprovaram qualquer ilicitude ou ilegalidade na contratação pactuada nem a ocorrência de qualquer lesão ou dano, deixando de demonstrar que o Réu tenha descumprido a sua parte quanto à cessão de direitos ajustada ou que o contrato encerre obrigação desproporcional em prejuízo do locatário ou enriquecimento ilícito em favor do locador ou, ainda, que o locatário não tenha se utilizado da infraestrutura cedida pelo locador. DESPROVIMENTO DO RECURSO.”98

Como já referido nos itens anteriores, a boa-fé objetiva tem sua concre-tização na jurisprudência. Dessa maneira, o locus no qual se deve averiguar sua interação, especificamente, com os contratos atípicos, não poderia ser diverso dos julgados dos tribunais superiores, cuja função primordial é exatamente a padro-

98 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 98382120088290021, da Oitava Câmara Cível, 2010.

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nização interpretativa e decisória, tendo por consequência lógica a padronização dos standards comportamentais incorporados no instituto da boa-fé objetiva.

Subsistem, ainda, na jurisprudência, julgamentos emblemáticos que aca-bam por concentrar as três funções da boa-fé objetiva.

O Recurso Especial nº 1.259.210, de Relatoria (para acórdão) da Exma. Ministra Nancy Andrighi, se apresenta como espécime interessante da conjunção das funcionalidades do instituto.

Primeiramente, passa-se à análise da ementa do julgamento:99

“DIREITO CIVIL. SHOPPING CENTER. INSTALAÇÃO DE LOJA. PROPAGANDA DO EMPREENDIMENTO QUE INDICAVA A PRE-SENÇA DE TRÊS LOJAS-ÂNCORAS. DESCUMPRIMENTO DESSE COMPROMISSO. PEDIDO DE RESCISÃO DO CONTRATO.

1. Conquanto a relação entre lojistas e administradores de Shopping Center não seja regulada pelo CDC, é possível ao Poder Judiciário reconhecer a abusividade em cláusula inserida no contrato de adesão que regula alocação de espaço no estabelecimento, especialmente na hipótese de cláusula que isente a administradora de responsabilidade pela indenização de danos causados ao lojista.

2. A promessa, feita durante a construção do Shopping Center a potenciais lojistas, de que algumas lojas-âncoras de grande renome seriam instaladas no estabelecimento para incrementar a frequência de público, consubstancia promessa de fato de terceiro cujo inadim-plemento pode justificar a rescisão do contrato de locação, notada-mente se tal promessa assumir a condição de causa determinante do contrato e se não estiver comprovada a plena comunicação aos lojistas sobre a desistência de referidas lojas, durante a construção do estabelecimento.

3. Recurso especial conhecido e improvido.” (grifos nossos)

Analisando-se os trechos grifados, identificar-se-ão individualmente as funções da boa-fé objetiva.

No primeiro, “[...] é possível ao Poder Judiciário reconhecer a abusividade em cláusula [...]”,100 identifica-se a função limitativa do instituto, direcionada à contenção da abusividade contratual.

Outro trecho que merece destaque, refere-se à função criativa da boa-fé objetiva na gênese de deveres acessórios aos contratos, notadamente, o dever

99 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1259210, da Terceira Turma, 2011.100 Loc. cit.

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de alerta101 como se observa: “[...] se tal promessa assumir a condição de causa determinante do contrato e se não estiver comprovada a plena comunicação [...]”

Resumidamente, a ação proposta102 pretendeu indenização e rescisão do contrato pela não concretização de suposta promessa, de se estabelecerem no em-preendimento “lojas-âncora”, feita pelo empreendedor (shopping center) ao lojista.

O contrato atípico, em questão, possuía cláusula que eximia o locador de responsabilidade pela não instalação das “lojas-âncora” no estabelecimento. Estes foram os fatos submetidos à cognição dos julgadores.

Ao longo do voto da Relatora, observam-se fragmentos e fundamentos que denotam, mesmo que implicitamente, forte correspondência com os preceitos comportamentais inseridos no instituto da boa-fé objetiva, os quais se analisa.

Primeiramente, destaca-se o fragmento:103

“A pretensão manifestada pela autora da ação- e acolhida, até este momento, pelo Poder Judiciário – está construída sobre um pilar fundamental: o da crença [...]

A crença na instalação dessas lojas de grande porte, portanto, tratada na inicial como uma promessa de fato de terceiro [...]” (meus grifos)

Note-se que a ilustre Relatora, ao descrever os fatos narrados na inicial, expressou-se no vocábulo “crença”. Este vocábulo é a derivação substantiva do verbo “crer”, do latim credere, cujo significado pode ser transcrito em: “ter por certo”, “dar como verdadeiro”, “ter confiança em”, julgar, presumir ou supor.

Correto afirmar, portanto, que a expectativa, objeto da lide em questão, baseou-se na confiança dos autores de que o empreendimento se desenvolveria nos termos contemporâneos à celebração do contrato de locação.

Oportuno, diante da construção acima empreendida, tecer ponderações sobre a atuação da tutela da confiança nas etapas pré-contratuais, configurando uma primeira manifestação da boa-fé objetiva a atuar no contrato.104

101 MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema de tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

102 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1259210, da Terceira Turma, 2011.103 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1259210, da Terceira Turma, 2011.104 MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema de tópica no processo obrigacional.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

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Na fase negocial, por meio da tutela da confiança, atua a boa-fé objetiva sobre o “quase-pacto” provocando daí certos deveres, à semelhança da função supletiva ou criativa.

Nesse sentido, discorrendo sobre outro significado que recebe a boa-fé, notadamente objetiva, esclarece Orlando Gomes:105

“Ao princípio da boa-fé empresta-se ainda outro significado. Para traduzir o interesse social o interesse social de segurança das relações jurídicas, diz-se, como está expresso no Código Civil alemão, que as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas. Numa palavra, devem proceder com boa-fé. Indo mais adiante, aventa-se a ideia de que entre o credor e o devedor é necessária colaboração, um ajudando o outro na execução do contrato. A tanto, evidentemente, não se pode chegar, dada a contraposição de interesses, mas é certo que a conduta, tanto de um como de outro, subordina-se a regras que visam a impedir dificulte uma parte a ação da outra.”

Como bem elucida Lino Diamvutu,106 importando a fala de Menezes Cordeiro:

“(i) os deveres de protecção, os quais obrigam a que, sob pretexto de negociações preliminares, não se inflijam danos à contraparte: danos directos, por um lado, à sua pessoa e bens, embora esta situação, em Portugal, possa ser solucionada pelos esquemas da responsabilidade civil; danos indirectos, por outro, derivados de despesas e outros sacrifícios normais que na contratação revestirem, por força do de-senvolvimento subsquente do processo negocial, uma característica de anormalidade;

ii) os deveres de informação que adstringem as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à conclusão honesta do con-trato. Tanto podem ser violados por acção, portanto com indicações inexactas, como por omissão, ou seja, pelo silêncio face a elementos que a contraparte tinha interesse objectivo em conhecer. O dolo negocial (art. 253.º/1) implica, de forma automática, a violação dos deveres de informação. Mas não a esgota:

pode haver violação que, não justificando a anulação do contrato por dolo, constitua, no entanto, violação culposa do cuidado exigível e, por isso, obrigue a indemnizar por culpa in contrahendo.”

105 GOMES, O. Contratos. 26ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 55.106 DIAMVUTU, Lino. A tutela da confiança nas negociações pré-contratuais. Disponivel em: <http://

www.fd.ul.pt/LinkClik.aspx?fileticket=a DZEi3AE0TQ%#D&tabid=331>. Acesso em: 20 Julho 2013, p.10.

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No julgado em comento, observa-se que, com base nos ensinamentos acima expostos, desde a origem da avença, ocorreu quebra da confiança negocial.

Superou-se, contudo, a etapa negocial e adentrou-se o negócio jurídico devidamente celebrado, sobre o qual requereu, o autor da demanda, a rescisão do contrato.

Dessa maneira, mesmo que não exista cláusula expressa no contrato que verse sobre os deveres mencionados no texto, aplicando-se o instituto da boa-fé objetiva, revela-se que o contratante-locatário confiou no cumprimento daquelas situações, que se converteram em verdadeiras condições para o prosseguimento do contrato.

A expectativa do autor-contratante, portanto, corresponde a um dever de lealdade por parte do réu-contratante, dever este que não consta do conteúdo contratual, mas sim da boa-fé objetiva que permeou o contrato.

A boa-fé objetiva, por não sofrer alteração pelo estado psicológico dos contratantes, foi aplicada para que, mesmo diante de uma conduta irregular por parte da administração do shopping center, fosse resguardado o direito pactuado.

Revela-se aí a função da boa-fé objetiva denominada criativa, estabele-cendo dever acessório de alertar, uma vez que já estava em vigência o “contrato” entre as partes.

Mais adiante, demonstrando ter sido superada a etapa pré-contratual, aduz a Relatora:107 “Seria dever do administrador do empreendimento informar todos os demais lojistas da mudança de planos, deixando-os plenamente cientes de que não mais haveria, no shopping Ilha Plaza, a presença de lojas de renome como atrativo público”.

Mais uma vez, e de forma mais clara, surge, nos fundamentos da relatora, a função criativa da boa-fé objetiva.

A afirmativa quanto à existência de um dever de avisar108 e de alertar109 não encontra, a priori, respaldo nas disposições contratuais ou tipificação especificada na legislação (Lei de Locações e Código Civil).

107 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1259210, da Terceira Turma, 2011.108 Loc. cit.109 MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema de tópica no processo obrigacional.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

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Em vista desta conjuntura, atua a boa-fé objetiva, permeando o pacto e fazendo dele surgir aquelas obrigações não expressas, porém, imprescindíveis à concretização, execução ou preservação dos direitos dos contratantes.

Como exposto no segundo trecho do fragmento retirado do voto da ilustre relatora (“a crença na instalação dessas lojas de grande porte, portanto, tratada na inicial como uma promessa de fato de terceiro”),110 a instalação das “lojas-âncora” representou condição, por parte do locatário, para a celebração do contrato.

A mais propedêutica doutrina ensina que a toda “condição” (evento futuro e incerto) fica atrelada a “expectativa de direito”.

Dessa maneira, o descumprimento do dever acessório, decorrente da boa-fé objetiva, caracteriza objeção ao direito legitimamente esperado e, conse-quentemente, à natureza cogente do dever.

Em outras palavras, pela relevância da condição, mister que se dê ciência, por parte do contratante–locador ao locatário, vez que este entendia, e apenas por isso contratou, depender de seu implemento a viabilidade da atividade econômica.

Tema ainda bastante controverso na jurisprudência, conforme ementa abaixo em caso semelhante, manifestou-se diversamente o Tribunal de São Paulo:

“Reparação de danos materiais e morais. Protocolo de intenções não cumprido pela ré para implementação de salas de cinema em “shopping center” construído pela autora. Alegação de que a conduta da ré contrariou a boa-fé objetiva e causou danos materiais e morais à autora, conforme prova dos autos. Ênfase na conduta da ré, que teria dado certeza à autora do sucesso do empreendimento, nada obstante cláusula que condicionava a concretização do negócio à aprovação prévia da controladora inglesa da empresa ré, que defende a autora ser condição potestativa. Não acolhimento. Empresas em igual condição jurídica, que pactuaram condição lícita livremente. Ausência de conduta ilícita por parte da ré. Indenizações indevidas. Apelo improvido.”111

Operando outra abordagem da funcionalidade da boa-fé objetiva, narra a Relatora: “O contrato de locação celebrado com a recorrida contém cláusula expressa isentando a locadora de qualquer responsabilidade pela não instalação ou permanência de tais lojas âncoras no estabelecimento.

110 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1259210, da Terceira Turma, 2011.111 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação cível nº 9102256582006826, da 34ª Câmara

de Direito Privado, 2011.

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E prossegue:112 “A questão foi solucionada pelo TJ/RJ mediante reconhe-cimento de que referida cláusula, inserida em contrato de adesão, seria abusiva porquanto retiraria do lojista o direito à justa indenização pela frustração de uma promessa efetivamente feita pelo locador”.

Sem prejuízo da discussão se o contrato em questão é de adesão ou em adesão, está-se diante, novamente, de função da boa-fé objetiva, neste caso, a denominada função limitativa, comprovando-se isto pelo trecho seguinte:113 “Contudo, o fato de serem livres as partes as partes em princípio para estabelecer o conteúdo do negócio jurídico por elas celebrado, não impede que, em cada situação concreta, possa haver elementos que limitem essa liberdade”.

A abusividade, portanto, emerge da observação do contrato, dos seus efeitos, de suas consequências e de sua viabilidade; sopesado por um padrão comportamental e jurídico.

Quem ditará esses comportamentos? Os Tribunais que, por meio da ob-servação do universo das relações civis, consolidarão uma dogmática comporta-mental por meio da jurisprudência114, como leciona Menezes Cordeiro. Contudo, deve-se compreender que a consolidação da dogmática não deve se pautar nas teses morais seguidas pelos integrantes destes Tribunais, mas de uma construção de razões pautadas na legalidade e na interpretação.

A possibilidade de contenção da abusividade demonstra-se essencial para a manutenção das práticas comerciais nas hipóteses dos contratos atípicos.

Atua então a boa-fé objetiva diretamente no tecido contratual, aperfeiço-ando-o e buscando garantir o aproveitamento comutativo da avença.

Por fim, no trecho final da fundamentação, ressalva a relatora:115 “Vale ressaltar que não defendo, aqui, a existência de uma suposta obrigação geral de os shopping centers conferirem, sempre, aos respectivos lojistas, garantia de sucesso econômico”.

A posição sustentada pela relatora adequa-se e revela dado fundamental sobre a funcionalidade da boa-fé objetiva.

112 Ibid.113 Ibid.114 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil - (Teses de

doutoramento). 4ª. ed. Lisboa: Almedina, 2011.115 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1259210, da Terceira Turma, 2011.

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Conforme já discorrido, a boa-fé objetiva, pela composição meta-jurídica que apresenta, se diz incorruptível aos interesses individuais e capaz de proezas, como o enfrentamento da própria incoerência e injustiça presentes na Lei,116 e nunca poderia ser sustentáculo ou escora de posições absolutas e anti-contratuais.

Contudo cabe a ressalva dos riscos que se impõem em tentativas de con-tenção das “injustiças na Lei”, uma vez que dificilmente poder-se-á firmar um compromisso de uniformização da moralidade.

Lamentavelmente, por inúmeras vezes, julgamentos autoritários e inter-pretações unilaterais são perpetradas, baseando-se em um discurso fundamentado pela aplicação errônea ou maquiavélica de teses morais travestidas em argumentos acerca da boa-fé objetiva e sua funcionalidade.

Em se tratando dos contratos atípicos, deve-se analisá-los com cautela, especialmente diante de situações nas quais falte ou silencie os demais conteúdos normativos, pois atuará aí a boa-fé objetiva, lembrando-se da ressalva acima.

Quanto a estas situações especificamente, não se pretende, como já enun-ciado, substituir ou afastar aplicabilidade da legislação genérica e específica como esta for adequada.

Deve o aplicador do Direito, funcionando, muito mais, como intérprete da vontade e natureza contratual, identificar os momentos nos quais a legislação não prescreveu fórmula adequada à resolução do conflito casuístico ou, em exer-cício jurídico muito mais complexo, preterir sua aplicação, por mais que pareça adequada, para proteger a unicidade contratual.

Em outras palavras, a atuação da boa-fé objetiva no contrato ocorre todo tempo; esta o permeia desde sua origem.

Cabe, contudo, ao agente julgador, imbuído do manto jurisdicional, vislumbrar hipótese sobre a qual deva o instituto atuar, mesmo diante de aplica-bilidade legal putativa, realizando sobre o pacto um juízo técnico e pertinente à vontade ali grifada para que sejam resguardados, no advento da decisão judicial, os direitos e deveres contratados nos termos de sua gênese quando da celebração da avença.

116 Ibid.

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CONCLUSÃO

Diante da conclusão do presente projeto, necessário reconstruir, resumi-damente, o trajeto percorrido até o momento para que, sem prejuízos, possa-se empreender resolução da hipótese apresentada.

Como objetivo maior, intentou-se demonstrar, logrando-se êxito, a relevân-cia da boa-fé objetiva e suas funções quando da apreciação dos contratos atípicos pelos tribunais na resolução conflitos decorrentes.

Para tanto, discorreu-se sobre as características destas modalidades con-tratuais e o instituto direito civil necessário à resolução de seus conflitos, distin-guindo-o daquele referente aos estados psíquicos dos contratantes, sem os quais tal empreitada se mostraria infrutífera.

Em seguida, procedeu-se à análise dos contratos atípicos, investigando sua natureza jurídica, peculiaridades e as formas de sua interação com o instituto da boa-fé objetiva, demonstrando a aplicabilidade do instituto aos casos concretos dos mais variados Tribunais, especialmente pela análise de leading case do Superior Tribunal de Justiça.

Com base na metodologia adotada, possível algumas constatações.

Por se tratarem de contratos atípicos, inegável a insuficiência da lei, e em segundo momento, do próprio pacto para a resolução de conflitos decorrentes.

Quanto à Lei, lato sensu, sua insuficiência típica encontra causa na própria autorização, ou até permissividade, expressão da liberdade contratual.

Em vista dessa conjuntura, não seria razoável esperar esforços no intuito de tipificar “quantas mais” situações que pudessem ocorrer em relação jurídica tão única e tão dependente da própria liberdade de obrigar-se.

A insuficiência do próprio contrato se explica pela incapacidade das par-tes em vislumbrar todas as hipóteses e eventos que possam ocorrer durante sua execução, devida à complexidade da relação jurídica estabelecida.

Não se pode pretender que detenham, os contratantes, o dom da profecia e da clarividência, para preconceber eventos ou situações que, em muitos momentos, darão causa ou configurarão obstáculos ao contrato em si.

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Observou-se, contudo, que a lei, insuficiente apenas quanto ao enfrenta-mento típico do conflito, deixa transparecer a imprescindível atuação de instituto civilista, capaz de enfrentar a incerteza fática e jurídica que exala da incógnita contratual: a boa-fé objetiva.

Nesse sentido, observado o conflito e sendo posto diante da interpelação do Poder Judiciário – condição sine qua non – por meio do legítimo direito à jurisdição, por parte dos contratantes, o magistrado debruçará sua cognição sobre a hipótese utilizando o instituto civilista no exercício de conceber a resposta jurisdicional.

Nesta resposta, revelar-se-ão as funções e suas maquinações a serem aplicadas ao conflito em si, analisando sua natureza.

A boa-fé objetiva, na investigação perpetrada neste projeto, configura, então, esta exata ferramenta fundamental à resolução dos conflitos contratuais, especialmente na aqueles denominados atípicos, uma vez que sua própria dinâ-mica, conforme demonstrado, baseia-se, primeiramente, na tutela da confiança pré-contratual117 e, em seguida, escora-se, no decorrer da caminhada, em superfí-cie semelhante – senão mesma -,que lhe devolverá o status pretendido na avença sinalagmática.

E o faz, pois, a boa-fé objetiva se erige e se define na perpetuação da re-corrência de seu conteúdo nos julgamentos dos magistrados e tribunais.

Adquire, portanto, o condão de provocar um estado de estabilidade, confiança e certeza, por mais que tenha como substrato um sistema aberto118. A boa-fé afigura-se imprescindível na resolução casuística do conflito contratual em vista de suas repercussões internas e externas, bem como na dinâmica própria dos contratos atípicos.

117 SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório: tutela da confiança e venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

118 MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema de tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

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REFERÊNCIAS

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DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS E SOCIAIS

INSTITUTIONAL AND SOCIAL DIALOGUES

por Fabrício de Souza Lopes Pereira119

RESUMO

Neste artigo pretende-se analisar a notória expansão do Poder Judiciário no contexto institucional no Brasil e no Mundo, protagonizado pelo modelo de constitucionalismo norte-americano, o qual criou, de certa forma, um novo cenário público cada vez mais distante das tradicionais instituições político-reprentativas, colocando em cheque, a princípio, o princípio da separação dos poderes, criada por Aristóteles e aperfeiçoada por Charles de S. de Montesquieu120 e, ainda, a neutralidade do Poder Judiciário, assim como a legitimidade de suas decisões judiciais. Assim é que, em sociedades democráticas, com prevalência ao Estado Democrático de Direito, estas decisões devem adquirir legitimidade a partir de um processo deliberativo, com o fim de viabilizar o diálogo entre as instituições e

119 Advogado atuante desde 2001. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e Processo Civil. Mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (conceito 5 CAPES). Professor Universitário do Curso de Direito desde o ano de 2003. Professor de diversos Cursos Preparatórios para a OAB e concursos da área. Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Estácio de Sá desde o ano de 2010.

120 O modelo norte-americano do Checks and balances, proposto pelos federalistas, é uma evolução dessa teoria.

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perante a própria sociedade, através de mecanismos de exercício direto ou repre-sentativo. E este é o papel dos diálogos institucionais e sociais, impedir, de certa forma, a disseminação do fenômeno da “judicialização da política”, moderando a atuação do Judiciário (minimalismo judicial) e restaurando sua neutralidade, com esteio na Teoria das Instituições.

PALAVRAS CHAVE: Diálogos Institucionais e Sociais. Judicialização da polí-tica. Judicial Review. Controle de Constitucionalidade.

ABSTRACT

This article aims to examine the notable expansion of the Judiciary in the institutional context in Brazil and worldwide, played by the US constitutional mod-el, which in a way created a new public scene increasingly distant from traditional representative institutions, thus putting into question the principle of separate powers (created by Aristotle and improved by Montesquieu), and also the neutral-ity of the judiciary as well as the legitimacy of its judgements. In societies where a democratic state based on the rule of law prevails, those judgements must gain legitimacy from a decision-making process, making possible the dialogue between institutions and to society itself, through direct or representative participation. And that is the role of institutional and social dialogues: to somehow prevent the spread of “political judicialization”, moderating judiciary actions (judiciary minimalism) and restoring its neutrality, relying on the Theory of Institutions.

KEYWORDS: Institutional and Social dialogues. Judicialization of Politics, Judicial Review

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INTRODUÇÃO

O Brasil exerceu sua escolha política em ter um modelo rígido de Constituição, impingindo-lhe a mais grandiosa expressão jurídica da soberania. Definiu, ainda, ao longo das seis Constituições que precederam a atual Carta de 1988, um modelo de jurisdição consti-tucional misto. Junto a isto, nos termos do art. 102 da CRFB/88, o constituinte originário de-terminou o Supremo Tribunal Federal como o guardião da Constituição, de forma a garantir a abertura política e proteger a democracia.

Contudo, não obstante a clara supre-macia garantida ao Poder Judiciário pela Constituição em vigor, resta a indagação se cabe realmente a este poder - especificamente ao Supremo Tribunal federal -, dar a última palavra em nosso sistema democrático.

O eminente Professor Fábio Corrêa Souza de Oliveira, em artigo publicado no ano de 2011121 pondera de maneira clara sobre a real dimensão desta previsão constitucional (art. 102, CRFB/88). Indaga, de maneira crítica, o caráter derradeiro desta voz (STF) que acaba por vibrar mais alto. Alerta, ainda, que:

“O diálogo não conhece encerramento obrigatoriamente no STF. Pode continuar além dele. Seja pela via institucional ou pela via social. A voz do STF é uma voz, certamente com decibéis mais altos que outras, mas não invariavelmente com ressonância. No diálogo, o eco é importante, uma meta.”

Não podemos entender como o melhor resultado para a democracia, um sistema que privilegia, imotivadamente, uma instituição (contramajoritária) em prol de outra como detentora da palavra final. Pelo menos não de forma absoluta.

A propósito e nesses termos, novamente pondera Fábio Corrêa Souza de Oliveira, que:

121 Juris Poiesis, ano 14, n. 14, jan-dez. 2011 ISSN 1516-6635. http://portal.estacio.br/media/3463493/juris-poiesis-14-11-maio1.pdf

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“O juiz dialógico não é aquele descrito por Michel Foucault em outra seara, nada obstante aqui aplicável, como o professor-juiz, o médico-juiz, o educador-juiz, o ‘assistente social’-juiz. E nem assim o legislador ou o administrador. Ou se ouve ou se fala sozinho. Com o risco de se encantar narcisisticamente (solipsistamente) pela própria voz.”

O diálogo encontra diversas facetas e formas de incorporação ao sistema democrático. O que definitivamente não pode ocorrer é um esvaziamento das demais instituições, fazendo do Judiciário um novo poder moderador, ilimitado, como já o fora, em terra brasilis. Assim, o diálogo, independentemente da via escolhida, deve continuar além do judiciário. Não deve encontrar um fim, espe-cificamente, em nenhum dos poderes, mas ao contrário, deve ser criado de forma conjunta, cooperativa, a partir do diálogo, seja pela via institucional, seja pela via social e, quando possível, por ambas.

Não obstante o fato de o Supremo Tribunal Federal desempenhar hoje, um papel ativo na condução das complexas discussões postas à sociedade, inclu-sive em ações individuais, com preponderância a um ativismo judicial crescente, perfazendo em alguns casos verdadeiras alterações constitucionais, com suposto suporte no instituto da mutação constitucional, há de se reconhecer, por outro lado, que o STF não é necessariamente “o último player nas sucessivas rodadas de interpretação da Constituição pelos diversos integrantes de uma sociedade aberta de intérpretes”.

Com apoio de Fábio Corrêa Souza de Oliveira, podemos estender a crítica oriunda dos diálogos no papel das decisões judiciais solipsistas também ao Mi-nistério Público e a todos os demais atores do sistema processual brasileiro, que por vezes, desenvolvem uma atividade (processo) que, por sua natureza e via de regra, é desvinculada do debate democrático, com exceção dos casos em que isto seja possível, como em audiências públicas, e amicus curiae.

O agravamento desta situação possui fortes contornos no controle de jurisdição exercido atualmente no Brasil. Em primeiro plano, há de se dizer que tal controle de constitucionalidade pode ser preventivo, podendo ser exercido também pelo Poder Legislativo.122 Ocorre que possuímos no Brasil um sistema misto (difuso e concentrado) de controle, sendo distintos os efeitos oriundos de um ou outro, pelo menos em tese e por enquanto. Exemplo claro disso é a regra

122 Além do controle de constitucionalidade jurisdicional existe o chamado controle político que é realizado “por órgãos especiais [...], distintos dos demais poderes”.(ALMEIDA, 2005, p.14)

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inserta no art. 52, X da CRFB/88 (que determina ser de competência privativa do Senado Federal à suspensão da execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal).

Contudo, temos tido evidentes sinais de um posicionamento mais que ativo do STF, no sentido de, através da mutação constitucional, afastar esta obri-gatoriedade, de modo a se conceder eficácia erga omnes em decisão proferida em sede de controle incidental, no bojo de recurso extraordinário. Um exemplo desta postura que se segue claramente no STF ocorreu no julgamento da Reclamação nº 4335-5/AC, em breve analisada. Outra questão, a seguir enfrentada, decorre de própria previsão legal, onde nos termos do art. 543-B do CPC, pode o STF conceder efeitos de uma ação individual, à coletividade.

Por outro lado, não obstante o fato de o ordenamento jurídico pátrio, conceder ao STF a guarda da Constituição, muitas vozes soam no sentido de que por força de seu caráter contramajoritário (proteção das minorias contra o abuso das maiorias), certa dúvida poderia surgir com relação a sua legitimidade, sobre-tudo pelo fato de que a corte é composta por juízes não eleitos, onde a solução para as mais altas e complexas discussões (não apenas jurídicas, mas também de cunho político-social), restariam nas mãos de um grupo seleto de juízes. Esta é a “dificuldade majoritária”.123

1. A PROBLEMÁTICA CRIADA PELA FALTA DE DIÁLOGO

São muitos os exemplos atualmente que retratam um avanço considerável do ativismo judicial no Brasil. Em muitos deles, o fenômeno é estimulado pela pró-pria legislação, que confere ao Supremo Tribunal Federal a atribuição de guardar a Constituição. Em outros, encontramos as mais variadas formas de interpretação da Constituição como forma de se impor fim aos conflitos, inclusive, os de índole política. Nesta esteira, temos a mutação constitucional como verdadeiro caminho para a decisão. Contudo, em algumas situações, o instituto da mutação, de origem doutrinária, é deturpado e aplicado de forma antagônica ao que propriamente já se estabelecera no próprio Supremo Tribunal Federal.

123 BICKEL, Alexander. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. 2. ed. New Haven: Yale University Press, 1986

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1.1 CONTROLE DIFUSO E A RECLAMAÇÃO N.º 4335-5/AC

O julgamento da Reclamação 4335-5/AC trouxe grande discussão sobre a possibilidade de concessão de efeitos vinculantes em sede de controle difuso.

No ano de 2006, o STF julgou o HC 82.959-7/SP, em que o impetrante questionava a inconstitucionalidade da Lei n.º 8.072/90 (art. 2º, § 1º). O Tribunal, por maioria, deferiu o pedido de habeas corpus e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072. Comunicado o Senado Federal, diante da regra inserta no art. 52, X da CRFB/88, este manteve-se inerte.

Com isso, percebe-se que diante do controle judicial de constitucionalidade adotado pelo Brasil, uma decisão proferida incidentalmente em controle difuso, não poderia angariar os mesmos efeitos daquela proferida em controle concentrado.

Contudo, no mesmo ano, o STF admitiu a Reclamação n.º 4335-5/AC, onde a Defensoria Pública da União questionava a decisão do juiz de direito da Vara de Execuções Penais de Rio Branco, no caso concreto, em que negou a progressão de regime prisional nos termos do que dispõe a Lei de Crimes Hediondos.

A Reclamação em comento foi conhecida e julgada procedente em 2014. Acrescente-se que, não obstante a edição da Súmula Vinculante n.º 26 (que manda o juízo da execução observar a inconstitucionalidade do art. 2º, da Lei n.º 8.072/90) no transcurso da ação, alguns votos foram proferidos antes mesmo de sua edição, como os dos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau.

O primeiro fato que nos chama atenção é a admissão de reclamação que tenha por objeto decisão do STF mantida em sede de controle difuso, sem que tenha o Senado suspendido a execução da lei. O segundo e, talvez mais preocupante efeito desta Reclamação, embora decorrente do primeiro, consistiu, na verdade, na substituição de um texto por outro texto – este construído pelo STF, sob a alcunha de mutação constitucional.

Curioso, todavia, que o instituto da mutação constitucional foi comple-tamente transmutado, para fins diversos que não aquele de se conceber nova norma ao texto, mas sim a criação de novo texto constitucional, onde nas palavras do próprio Ministro Eros Grau, em consonância com o Ministro Relator Gilmar Mendes, o sentido normativo do art. 52, X da CRFB/88 seria este:

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“passamos em verdade de um texto [pelo qual] compete privativa-mente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, a outro texto: “compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo”.

Passamos a ter no julgamento do STF, em sede de controle difuso, uma tese, uma teoria e não uma decisão.

1.2 PAPEL DO SENADO E A REPERCUSSÃO GERAL

Não bastasse a fragilidade para a democracia e separação dos poderes resultante da aceitação pelo STF de reclamação contra seus julgados (e não teses) obtidas em sede de controle difuso, temos a questão da repercussão geral intro-duzida pela Reforma do Judiciário (EC 45/2004), e regulamentada pelo art. 543-B do Código de Processo Civil, onde o STF a partir de então, poderá conceder re-percussão geral a determinada matéria e determinar a interpretação extraída em sede de controle difuso a todos os jurisdicionados.

Isso permite que o STF seja não somente ativo, mas lhe confere maiores prerrogativas que os demais poderes. Atualmente o STF pode determinar uma forma de interpretação de norma constitucional e impô-la a todos mediante uma decisão tomada por maioria absoluta (seis ministros), quórum menos elevado que para a criação de uma súmula vinculante (oito votos).

A propósito e nesses termos, merece relevo a recente decisão do STF, proferida em novembro de 2014, onde ao julgar o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 709212/DF,124 concedeu-lhe repercussão geral, declarando a incons-titucionalidade do art. 23, § 5º da lei do FGTS e art. 55 do Regulamento do FGTS aprovado pelo Decreto 99.684/1990, na parte em que ressalvam o “privilégio do FGTS à prescrição trintenária”, haja vista violarem o disposto no art. 7º, XXIX, da Carta de 1988, entendendo, doravante, ser de cinco anos o prazo de prescrição aplicável à cobrança de valores não depositados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), nos termos do art. 7º, XXIX da CRFB/88.

124 Demonstra-se como pode o STF derrubar um entendimento tido por décadas (Súmula n.º 362 do TST) e, através de uma ação individual, lhe atribuir efeitos vinculantes, nos termos do art. 543-B do CPC.

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2. DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

O modelo tradicional de divisão de poderes foi alimentado pela Revolução francesa e voltou a ser implementada após a queda do Estado absolutista.

A Teoria da separação dos poderes embora tenha sido aperfeiçoada por Charles de S. de Montesquieu, fora formulada cerca de um século antes, por pensadores (Aristóteles). Esta teoria tinha o intuito de, através de uma divisão de funções (limitações) dos poderes, possibilitar a defesa do cidadão contra a tirania dos governantes. Nesses termos, Montesquieu:125

“Quando na mesma pessoa, ou no mesmo corpo de magistrados, o poder legislativo se junta ao executivo, desaparece a liberdade (...). Não há liberdade se o poder judiciário não está separado do legis-lativo e do executivo (...). Se o judiciário se unisse com o executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. E tudo estaria perdido se a mesma pessoa ou o mesmo corpo de nobres, de notáveis, ou de populares, exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de ordenar a execução das resoluções públicas e o de julgar os crimes e os conflitos dos cidadãos”. (Montesquieu, DO ESPÍRITO DAS LEIS, 1748)

Essa limitação do poder, então, advinda do próprio poder, se denominou de mecanismo de freios e contrapesos (checks and ballances), que posteriormente à crise do Estado Liberal foi readaptada à eficiência do sistema político. Com isso, a separação dos poderes teve de ser alterada, a fim de se amoldar a uma nova realidade que não mais ansiava uma separação fervorosa dos poderes, mas sim uma harmonização entre eles. Nesse sentido, José Afonso da Silva:126

Se ao Legislativo cabe a edição de normas gerais e impessoais, estabelece-se um processo para sua formação em que o Executivo tem participação importante, quer pela iniciativa das leis, quer pela sanção e pelo veto. Mas a iniciativa legislativa do Executivo é contra-balanceada pela possibilidade que o Congresso tem de modificar-lhe o projeto por via de emendas e até de rejeitá-lo. Por outro lado, o Presidente da República tem o poder de veto, que pode exercer em relação a projetos de iniciativa dos congressistas como em relação às emendas aprovadas a projetos de sua iniciativa. Em compensa-ção, o Congresso, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, poderá rejeitar o veto, e, pelo Presidente do Senado, promulgar a lei, se o Presidente da República não o fizer no prazo previsto (...) Se os Tribunais não podem influir no Legislativo, são autorizados

125 MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo: Nova Cultural, 2000. V1.126 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros,

2004.

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a declarar a inconstitucionalidade das leis, não as aplicando neste caso. O Presidente da República não interfere na função jurisdicional, em compensação os ministros dos tribunais superiores são por ele nomeados, sob controle do Senado Federal, a que cabe aprovar o nome escolhido (...) Tudo isso demonstra que os trabalhos do Legis-lativo e do Executivo, especialmente, mas também do Judiciário, só se desenvolverão a bom termo, se esses órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não significa nem o domínio de um pelo outro nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que, aliás, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos.

Paulo Bonavides127 confirma estes novos contornos de modelo de separação dos poderes, ilustrando os freios e contrapesos existentes hoje, ao aduzir que:

A verdade é que ele tomou nas formas constitucionais contempo-râneas, depois de iluminado por uma compreensão interpretativa sem laços com a rigidez do passado, um teor de juridicidade só alcançado por aqueles axiomas cuja importância fundamental nin-guém contesta nem fica exposta a sérias dúvidas doutrinárias [...] Com efeito, poderia afigurar-se um anacronismo, reproduzir aqui as lições dos constituintes e publicistas do liberalismo que, durante o curso dos séculos XVIII e XIX, vazaram, em fórmulas lapidares, tanto nas Constituições como nas páginas de doutrina, a intangibi-lidade da separação de poderes. Mas nunca essa censura se poderia fazer àqueles autores e àquelas Constituições que ainda no fim do século XX mantêm o princípio em apreço como uma das pedras inquebrantáveis do edifício constitucional, cavando alicerces que, se abalados fossem, fariam desabar toda a construção.

No próprio Estados Unidos da América esta relação de equilíbrio já se mostrou frágil em alguns momentos de sua história constitucional. Uma delas em que os Estados poderiam anular ou invalidar lei federal, considerando-a incons-titucional, a partir do instituto da nullification.

127 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

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3. DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

A ideia de que as decisões emanadas pelo Poder legislativo, sob o alber-gue da mais alta legitimidade poderiam ser submetidas ao controle jurisdicional iniciou-se nos Estados Unidos da América (a partir do século XIX), com o julga-mento de Malbury v. Madison (1803). A partir daí, disseminou-se o judicial review pelo mundo, passando a independência judicial a não ser mais a preocupação imediata, eis que atingida.

Passou a Suprema Corte Americana a dar o sentido último da Constitui-ção. Ressalte-se, neste diapasão, a diferença entre monopólio judicial e suprema-cia judicial. O primeiro constitui exclusividade do judiciário a interpretação da Constituição. O segundo, por sua vez, admite a interpretação advinda de outros poderes, restando certo, contudo, que o acerto final, é sempre do judiciário.

Este modelo contrapôs-se ao modelo Britânico de supremacia do Parlamento.

O processo na Europa, então, foi diverso, onde até início do século XX o controle jurisdicional dos atos provenientes do Poder Legislativo ficou afastado pelo positivismo formalista, ficando o judiciário relegado a cumprir os comandos legiferantes.

No Brasil, a Constituição de 1988 traduziu a Carta mais democrática de todos os tempos, trazendo em seu bojo, o sistema misto de jurisdição constitu-cional (difuso e concentrado), estando certo que o judicial review, especificamente na modalidade de controle difuso, fora inserido em nosso ordenamento jurídico desde a Constituição de 1891, influenciado pelas ideias de Rui Barbosa.128

Com a criação do controle concentrado pela EC 16/65 e posteriormente mantida e aperfeiçoado pela Constituição de 1988, não só as instituições passaram a fazer parte, ao menos em tese, do processo dialógico, mas também a própria sociedade. Percebe-se isto com a alteração do rol de legitimados para propor ação declaratória de constitucionalidade (deixando de ser uma “ferramenta” de governo), o qual se igualou ao rol de legitimados para propor a ação direta de inconstitucionalidade.

128 Não obstante o fato de que juízes que exerceram tal controle sofreram processos criminais.

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Junto a isto, percebemos que as funções do judiciário se ampliaram, tomando conta do que antes era conferido apenas ao legislativo, passando-se a um contexto ligado a concepção de decisões maximalistas (onde os juízes definem questões complexas sobre política, moral, filosofia, biologia e economia), em contrapartida do minimalismo constitucional.

Alguns destes casos emblemáticos foram julgados recentemente no Brasil, por conta da ocupação de vazios antes ocupados pelo Poder Legislativo: União Homoafetiva (ADPF 154); Pesquisas com células-tronco embrionárias (ADI 3510); Demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol (Pet 3388 RR); Não recepção da Lei de Imprensa (ADPF 130); criação do município de Luís Eduardo Magalhães (ADI 2240); greve dos servidores públicos (MI 670 e 712); importação de pneus remoldados e reformados (ADPF 101); necessidade de diploma de jornalismo para o exercício da profissão de jornalista (RE 511961); marcha da maconha (ADPF 187); Cotas (ADPF 186 e RE 597285).

Com o aumento deste “ativismo judicial”, surgem também algumas pon-derações e questionamentos sobre a legitimidade do judiciário, que por força do avanço da jurisdição constitucional adquire cada vez mais a ideia de ser o detentor da última palavra.

É certo que questões de enorme complexidade de ordem moral, filosófica política entre outras, são passadas para pessoas (juízes) não eleitas democratica-mente, não obstante o argumento de que para o ingresso dos membros do Su-premo Tribunal Federal se faça necessário a chancela (sabatina) pelo Congresso Nacional.129

Por outro lado, outro argumento torna valioso o julgamento por homens distantes da influência política, ao passo que da mesma forma, se distanciariam de acordos inidôneos e negociatas, concedendo-lhes certa imparcialidade em função disto.

Por certo podemos dizer que, em sede de Constitucionalismo contem-porâneo, questões com repercussão política ou social poderão ser levadas ao conhecimento do Judiciário, mas este, por sua vez, não deve de forma alguma substituir, como já dito, as decisões políticas tradicionais.

129 BICKEL, Alexander. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. 2. ed. New Haven: Yale University Press, 1986.

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Por oportuno, cabe-nos diferenciar o fenômeno da judicialização, de ati-vismo judicial, utilizando as palavras de Luis Roberto Barroso:130

A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance.

De um modo geral alguns fatores ensejaram o aumento da judicialização no brasil. Arantes,131 com base em Tate e Vallinder, elenca alguns motivos que levaram a judicialização da política: “a democracia restabelecida nos anos 80, seguida de uma Constituição pródiga em direitos em 1988, com um número cada vez maior de grupos de interesses organizados demandando solução de conflitos coletivos, contrastando com um sistema político pouco majoritário, de coalizões e partidos frágeis para sustentar o governo, enquanto os de oposição utilizam o Judiciário para contê-lo; além de um modelo constitucional que delegou à Justiça a proteção de interesses em diversas áreas, refletindo até mesmo o alto grau de legitimidade do Judiciário e do Ministério Público como instituições capazes de receber essa delegação.”

Outro fator determinante de uma espécie de judicialização da política é oriunda do próprio Congresso Nacional, quando em disputas político-partidárias ou estritamente políticas, os partidos políticos fazem do judiciário uma nova etapa na respectiva disputa.

Temos ainda que a Constituição de 1988 abrangeu, sistematicamente, um número elevado de matérias, antes deixadas ao crivo do processo político e legis-lação ordinária, transmutando-se, assim, debates políticos em debates litigiosos (políticas públicas, por exemplo).

Um derradeiro fundamento desta judicialização seria nosso próprio sistema de jurisdição constitucional (misto), que permite enorme intervenção do judiciário, ampliando assim, a análise e julgamento de questões ligadas à esfera político-social. Por um lado, uma verdadeira disseminação dos métodos judiciais

130 BARROSO. Luis Roberto. http://www.plataformademocratica.org/Publicacoes/12685_Cached.pdf131 ARANTES, Rogério Bastos. Judiciário entre a Política e a Justiça. In: AVELAR, Lúcia, CINTRA,

Antônio Octávio (Org.). Sistema Político Brasileiro: uma introdução. Editora UNESP, São Paulo, 2007.p. 81-116.

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para arena políticas, por outro, uma incessante busca pela afirmação de direitos e garantias individuais constantes da Constituição. Há que se dizer, contudo, que a petrificação dos direitos fundamentais, adotado em um modelo rígido de Constituição, como em nosso caso, não significa naturalmente uma supremacia judicial.

Outrossim, em sociedades complexas, ungidas pela diversidade e diferen-ças religiosas, morais e filosóficas, em que cidadãos com visões diametralmente opostas convivem em solo único, caracterizado pelo pluralismo (desacordo razoá-vel), deve o Judiciário se manter imparcial quanto a todas estas visões específicas, garantindo a todos, a possibilidade de construção de suas vidas.

Temos, então, que a discussão sobre questões de alta complexidade que envolvem princípios de alta carga moral em detrimento de regras jurídicas, deve ficar a cargo do poder que, por sua natureza, tem a vocação de fazer valer a von-tade do cidadão, por conta de sua legitimidade representativa (Poder Legislati-vo). Traz-se à baila, por oportuno, o art. 68 da Constituição de 1934 e o art. 94 da Constituição de 1937 que vedavam a análise de questões exclusivamente políticas pelo Poder Judiciário.

Não bastasse isso, a mesma Constituição de 1937 contemplou a possibili-dade do Poder Legislativo de invalidar as decisões tomadas pelo Poder Judiciário em controle de constitucionalidade. Guardadas as devidas proporções, isto é o que pretende as PEC’s 03/2011 e 33/2013, ou seja, permitir o controle do Legislativo das decisões do Judiciário em sede de controle de constitucionalidade.

Para o fim de se homogeneizar as distintas visões, por si só, heterogêneas, deve o Judiciário se ater ao princípio da razão pública, de origem Kantiana e de-senvolvida posteriormente por John Rawls. Este princípio circunda-se na ideia de que o judiciário só deve levar a cabo argumentos desnudos de doutrinas religiosas ou metafísicas controvertidas, sobretudo diante do fato de não ser o Judiciário composto de representantes eleitos pelo povo, ficando-lhe vedado, modificar decisões tomadas pela Casa Legislativa, com argumentos que não ligados à razão pública.132133

132 RAWLS, John. O liberalismo político. 2. ed. São Paulo: Ática, 2000. 133 RAWLS, Justiça e democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000b

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Como visto a seguir, para Habermas134 e Garapon135 a judicialização da política possui contornos e conquistas sociais relativas ao bem-estar social, que pode pro-piciar a recuperação do sentido original da soberania popular. Para Dworkin,136 o fenômeno da judicialização (intervenção ativa do Judiciário nas questões políticas) possui o condão de suprir os desejos da maioria em detrimento ao conservado-rismo do Poder Legislativo.

Tal fenômeno da judicialização (protagonismo judicial, ativismo judicial) possui contornos mais expressivos nos países que adotam a common law, em detri-mento daqueles que adotam a civil law, pois naqueles, o Judiciário cria o próprio direito por meios dos precedentes judiciais (jurisprudência), enquanto neste, o ativismo se faz presente por conta das interpretações constitucionais, diante do alto número de normas com natureza de princípio existentes na Constituição.

Convém destacar, nesta esteira, o posicionamento tomado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ação sobre células-tronco embrionárias, onde o Ministro Gilmar Mendes afirma, de forma peremptória, que o sistema Consti-tucional no Brasil garante ao Judiciário um predomínio sobre os demais Poderes. Pontua, ainda, citando Alexy, que muito embora o parlamento represente o cida-dão politicamente, o tribunal o faz, da mesma forma, argumentativamente, senão vejamos:137

“É em momentos como este que podemos perceber, despidos de qualquer dúvida relevante, que a aparente onipotência ou o caráter contramajoritário do Tribunal Constitucional em face do legislador democrático não pode configurar subterfúgio para restringir as competências da Jurisdição na resolução de questões socialmente relevantes e axiologicamente carregadas de valores fundamental-mente contrapostos. (...) apesar dessa constatação, dentro de sua competência de dar a última palavra sobre quais direitos a Constitui-ção protege, as Cortes Constitucionais, quando chamadas a decidir sobre tais controvérsias, têm exercido suas funções com exemplar desenvoltura, sem que isso tenha causado qualquer ruptura do ponto de vista institucional e democrático. Importantes questões nas socie-dades contemporâneas têm sido decididas não pelos representantes

134 HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms: contributions to a discourse Theory of Law and Democracy. Translated by W. Regh. Cambridge: MIT Press, 1996.

135 GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Trad. Maria Luiza de Carvalho, Rio de Janeiro: Revan, 1999.

136 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

137 Voto do Min. Gilmar Ferreira Mendes no julgamento da ADI nº 3.510 – Plenário do STF sessão de julgamento em 29/05/2008. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-mai-31/leia_voto_gilmar_mendes_pesquisas_celulas-tronco?pagina=2>. Acesso em 12/11/2014.

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do povo reunidos no parlamento, mas pelos Tribunais Constitucio-nais. (...) Muito se comentou a respeito do equívoco de um modelo que permite que juízes, influenciados por suas próprias convicções morais e religiosas, deem a última palavra a respeito de grandes questões filosóficas, como a de quando começa a vida. Lembro, em contra-argumento, as palavras de Ronald Dworkin que, na reali-dade norte-americana, ressaltou o fato de que “os Estados Unidos são uma sociedade mais justa do que teriam sido se seus direitos constitucionais tivessem sido confiados à consciência de instituições majoritárias”. (...) O Supremo Tribunal Federal demonstra, com este julgamento, que pode, sim, ser uma Casa do povo, tal qual o par-lamento. Um lugar onde os diversos anseios sociais e o pluralismo político, ético e religioso encontram guarida nos debates procedi-mental e argumentativamente organizados em normas previamente estabelecidas. As audiências públicas, nas quais são ouvidos os expertos sobre a matéria em debate, a intervenção dos amici curiae, com suas contribuições jurídica e socialmente relevantes, assim como a intervenção do Ministério Público, como representante de toda a sociedade perante o Tribunal, e das advocacias pública e privada, na defesa de seus interesses, fazem desta Corte também um espaço democrático. Um espaço aberto à reflexão e à argumentação jurídica e moral, com ampla repercussão na coletividade e nas instituições democráticas. Ressalto, neste ponto, que, tal como nos ensina Robert Alexy, “o parlamento representa o cidadão politicamente, o tribunal constitucional argumentativamente (...)”

4. CONCEPÇÕES DE RONALD DWORKIN E JEREWY WALDRON

As teorias dos autores muito embora caminhem em sentidos diversos, pos-suem uma característica em comum: tentar estabelecer os limites e possibilidades da interpretação constitucional, sobretudo no quesito legitimidade democrática (ativismo judicial ou moderação das decisões judiciais).

Enquanto Ronald Dworkin dá ênfase ao Poder Judiciário como ator prin-cipal na concretização das normas constitucionais, através de ilimitada judicial review, Jerewy Waldron138 sugere a releitura das funções do Poder legislativo, reverenciando às funções proclamadas na Constituição.

Na ótima de Dworkin, a finalidade de aperfeiçoar o sistema democrático, cabe justamente ao Judiciário, através de decisões arraigadas de fundamentos legais

138 WALDRON, Jeremy. A dignidade da Legislação. Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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e morais. O autor, ao criar a figura metafórica do juiz “Hércules”139 pretende que o juiz ao se deparar com questões de difícil e complexa solução, deva questionar-se filosoficamente para decidir corretamente.140

Assim, o almejado por Dworkin era justamente uma decisão embasada em princípios, com o intuito de privilegiar a forma em relação ao conteúdo, em que estaria o aspecto moral envolvido.

Jerewy Waldron defende a recuperação da dignidade do Poder legislativo, desprezada por tempos, sob a ideia de fortalecimento do Estado Democrático de Direito na função judicial, senão vejamos:141

Nosso silêncio nessa questão é ensurdecedor se comparado com a loquacidade sobre o tema dos tribunais. Não há nada sobre legis-ladores ou legislação na moderna jurisprudência filosófica que seja remotamente comparável à discussão da decisão judicial. Ninguém parece ter percebido a necessidade de uma teoria ou de um tipo ideal que faça pela legislação o que o juiz-modelo de Ronald Dworkin, “Hércules”, pretende fazer pelo raciocínio adjudicatório.

Jerewy Waldron acredita que a decisão proferida no seio das assembleias legislativas, apesar de, da mesma forma que àquelas proferidas pelo Poder Judi-ciário, poderem não ser unânimes (e quase nunca serão), terão estas maior teor democrático, privilegiadas pelo debate democrático, estabelecido em razão de sua representatividade.

Para tanto, tenta resgatar a qualidade e autoridade do Poder legislativo, rechaçando a notória má-reputação, oriunda de processos obscuros e egoísticos como negociatas, troca de favores, manobras de assistência mútua, intrigas por interesses. Nesses termos Waldron demostra seu intento, entendendo o Poder Legislativo como a vontade máxima do povo, dono do poder:142

Quero que vejamos o processo de legislação – na sua melhor forma – como algo assim: os representantes da comunidade unindo-se para estabelecer solene e explicitamente esquemas e medidas co-muns, que se podem sustentar em nome de todos eles, e fazendo-o

139 Ao comparar o juiz ao semideus Hércules, pretende o autor conferir às decisões os adjetivos de certeza, segurança, justiça e moralidade, prolatada como “respostas certas”, mesmo nos casos de difícil resolução.

140 DWORKIN, Ronald (1999). O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes.

141 WALDRON, Jeremy. A dignidade da Legislação. Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, p. 1, 2003.

142 WALDRON, Jeremy. A dignidade da Legislação. Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, p. 3, 2003.

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de uma maneira que reconheça abertamente e respeite (em vez de ocultar) as inevitáveis diferenças de opinião e princípio entre eles. Esse é o tipo de compreensão da legislação que eu gostaria de cul-tivar. E penso que, se capturássemos isso como a nossa imagem de legislação, haveria, por sua vez, uma saudável diferença no nosso conceito geral do direito.

Waldron critica o ativismo judicial, norteado pelo sistema norte-americano, em três facetas, a saber: 1 – os limites à regra da maioria; 2 – a hipertrofia de práti-cas contramajoritárias; e 3 – a fixação do centro das atenções nos tribunais, o qual passa a escolher determinados princípios, em função de um provável fundamento de ordem moral, que o torna, neste sentido, arbitrário.

Nesta linha de raciocínio, Wandron,143 Condorcet e Maquiavel defendem que quanto maior o número de cidadãos presentes na elaboração da lei, nas casas legislativas, mais serão estas democráticas. Nesse sentido:

Todos supomos que, mesmo que o executivo e o judiciário sejam ocupados nas suas instâncias mais elevadas por apenas um punha-do de pessoas, a legislatura – sozinha entre todos os ramos de um governo – deve reunir centenas de pessoas. Qual é a base dessa suposição? O que ela nos diz sobre a legislação? Como algo que é tão evidentemente uma má ideia – a legislação por uma grande congregação – pode ter se entrincheirado tanto como princípio de organização constitucional? Nos capítulos que se seguem, argu-mentarei que esse consenso a respeito de “grandes congregações” não é tão monolítico como parece. Maquiavel nos preveniu, quase quinhentos anos atrás, que não nos deixássemos lograr e pensar que calma e solenidade são a marca de uma boa política, e que o barulho e o conflito são sintoma de patologia política. ‘Boas leis’, disse ele, podem surgir de “desses tumultos que muitos maldizem inconsideravelmente”.

Em sentido diverso, Ronald Dworkin defende um sistema de decisão judicial fundamentado em princípios, nos termos da figura do semideus Hércules (sentido figurado que reconhece no juiz, qualidade ética equiparada a um semi-deus), não esquecendo jamais da integridade moral existente na comunidade.

143 WALDRON, Jeremy. A dignidade da Legislação. Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, p. 41, 2003.

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CONCLUSÃO

A teoria dos diálogos institucionais, conforme Batteup,144 defende em suma, que o Judiciário não pode, sob o ponto de vista empírico e, não deve, sob o ponto de vista normativo, deter o monopólio da interpretação constitucional, ense-jando, ao menos em tese, que a decisão final deve ser construída com a participação dos demais atores, além do Judiciário, de modo a angariar representatividade e, sobretudo, legitimidade.

Conforme Fábio Corrêa Souza de Oliveira, o mais importante não é quem dará a palavra final, mas sim, e o mais importante, será como chegaremos a esta conclusão. Que meios utilizaremos para o debate. A indagação, portanto, passa a ser outra: a sociedade e as instituições criarão de forma dialógica esta decisão? Haverá a participação de outros atores nesta “elaboração”, fora o Judiciário? Se a resposta for afirmativa, o fato da palavra final partir de um ou outro poder não terá grandes repercussões maléficas ao nosso sistema democrático, pois nos afas-taremos, nesta ocasião, da arbitrariedade e subjetividade solipsista.

Ainda com Fábio Corrêa Souza de Oliveira, o desejável seria a “perspectiva de um constitucionalismo cooperativo, integrativo comunicativamente (para mais dos órgãos estatais) entre Estados, cujo alicerce deve repousar no protagonismo da comu nidade (sociedade aberta dos intérpretes)”.

Nesta esteira, são os argumentos de Cass R. Sunstein e Adrian Vermeule, no sentido de haver uma “rede de reciprocidade”, projetada a partir a elaboração democrática de decisão coletiva convergente com as distintas noções de justiça de uma sociedade pluralista, de modo a ultrapassarmos um monólogo judicial em um legítimo diálogo interinstitucional.

Voltamos a enfatizar as palavras conclusivas de Fábio Corrêa Souza de Oliveira, onde afirma que:

“O Tribunal Constitucional não é a ressurreição de um Poder Mo-derador dos diálo gos, alguém que vê as conversações de um local privilegiado, harmoniza os discursos e, assim, põe termo ao debate, altaneiro por saber que a fala derradeira será a sua. O diálogo não conhece encerramento obrigatoriamente no STF. Pode con tinuar

144 BATEUP, Christine. The dialogic promise: assessing the normative potential of theories of constitucional dialogue. In: Brooklyn Law Review, v 71, 2006.

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além dele. Seja pela via institucional ou pela via social. A voz do STF é uma voz, certamente com decibéis mais altos que outras, mas não invariavelmente com ressonância. No diálogo, o eco é importante, uma meta”.

Os diálogos institucionais e sociais são, portanto, uma forma de se evitar essa estreita e solitária função de decidir de um único Poder. Exemplos marcantes disso, seria a possibilidade de alteração da Constituição por apelo popular, atra-vés de projeto de emenda, referendo para aprovação de reforma Constitucional, mandatos para os ministros do STF, a revocatória del mandato, existente hoje em alguns de nossos vizinhos sul-americanos.

Quando não atendidos esses diálogos, de forma a moldar as deliberações através de legítimos processos dialéticos que legitimem as decisões, a consequên-cia pode vir por meio de backlash (rejeição de uma decisão pelas many minds, nas palavras de Cass Sunstein),145 ou seja, uma reação da própria sociedade, contrária àquela tomada de forma solipsista ou mesmo unilateral, consagrando sua inauten-ticidade, obrigando o ator público, a retornar ao romance em cadeia, ou mesmo, o inverso, quando o inconformismo decorre do próprio capítulo da novela.

Temos certo que quanto maior a contrariedade da decisão, em relação ao senso comum, maior as chances de backlashes, na medida em que normalmente promovidas pelo Poder Judiciário, típico Poder contramajoritário. Por isso, a pru-dência sugerida por Cass Sunstein, é no sentido de se manter cautela em relação às decisões que guardam singularidade com questões morais, filosóficas e políticas de alta complexidade, pois um deslize e as reações da sociedade poderão trazer intensos prejuízos ao avanço da causa, em muitos casos, um verdadeiro public outrage.

Um exemplo recente de diálogo institucional foi decorrente do julgamento pelo STF da verticalização das coligações partidárias, quando o Congresso aprovou Emenda Constitucional alterando o texto e o sentido emprestado na ação em relação ao antigo texto. Demais exemplos podemos intuir dos institutos da interpretação conforme a Constituição, a modulação de efeitos das decisões e a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.

145 SUNSTEIN, Cass R. A. Constitution of many minds

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A JUSTA COMPOSIÇÃO DO LITÍGIO FIRMADA NA VERDADE REAL

THE FAIR COMPOSITION OF LITIGATION BASED ON THE REAL TRUTH

por Conceição Cássia de Oliveira146

RESUMO

Nesses últimos anos, muito se evoluiu na teoria da prova, particularmente no que tange à nova visão dos poderes do juiz na iniciativa probatória diante da crescente valorização do princípio da verdade real. A doutrina moderna busca ampliar os poderes do juiz na instrução da causa, sob a tese de que o processo é instrumento público e que deve buscar a verdade. Não é possível fazer justiça sem entender, com segurança, o quadro fático trazido à consideração do órgão judicante, na medida em que a justiça da prestação jurisdicional se vincula ao compromisso do processo com a verdade real.

PALAVRAS-CHAVE: Prova. Verdade Real. Juiz. Valoração. Iniciativa Proba-tória.

146 Graduada pela Universidade Cândido Mendes. Advogada.

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SUMMARY

In recent years, much has evolved in the theory of proof, particularly with regard to the new vision of the powers of the judge in the probative initiative in the face of increasing appreciation of the principle of real truth. The modern doctrine seeks to extend the powers of the judge in the investigation of the cause, under the thesis that the process is a public instrument that should seek the truth. It is not possible to do justice without understanding, with certainty, the factual framework brought to the consideration of the judicial body, insofar as the justice of the jurisdictional provision is linked to the commitment of the process with the real truth.

KEYWORDS: Proof. Real Truth. Judge. Valuation.

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INTRODUÇÃO

No processo moderno tanto é impor-tante os interesses das partes, como do juiz, e da sociedade em cujo nome atua. Todos agem em direção ao escopo de cumprir os desígnios máximos da pacificação social. A eliminação dos litígios, de maneira legal e justa, é do inte-resse tanto dos litigantes como de toda a comu-nidade.147 O juiz assume uma posição ativa na colheita da prova, ampliando seus poderes na instrução da causa, autorizando ao magistrado a iniciativa de escolher e determinar as provas que entende relevantes, que passa a não mais caber, exclusivamente, às partes.

A atividade do juiz está vinculada aos limites da demanda, devendo o magistrado buscar a melhor solução, aproxi-mando-se o máximo possível da realidade fática, e as provas podem ser determina-das de ofício, sem que isso, implique em demonstrar parcialidade do magistrado.

Com a democracia social a atuação do juiz no processo, não deve mais estar apenas preocupado com o cumprimento das “regras do jogo”, cabendo-lhe zelar por um processo justo. Não é mais justificável que os fatos não sejam devi-damente verificados em razão da menor sorte econômica ou da menos astúcia de um dos litigantes.

Além da busca da verdade real são princípios constitucionais inerentes ao direito probatório no processo civil: devido processo legal, contraditório, ampla defesa, proibição da prova ilícita, publicidade e motivação das decisões judiciais.

A instrução probatória desempenha papel primordial na formação do convencimento do julgador, não podendo ser entendida como de proveito exclu-sivo da parte, cabendo ao julgador, dirigente do processo e destinatário da prova, a aferição quanto à relevância e à pertinência de sua produção, à vista dos fatos controvertidos constantes dos autos.

O intento desse trabalho é abordar a questão do princípio da verdade real e sua aplicação no processo, demonstrando os pontos favoráveis da aplicação

147 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v.1. 55. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 55.

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do princípio na ampliação dos poderes do juiz na condução da causa, como no comando da apuração da verdade real em todos dos fatos em relação aos quais se estabeleceu o litígio.

Embora a verdade real, em sua substancia absoluta seja um ideal ina-tingível pelo conhecimento limitado do homem, o compromisso com sua ampla busca estimula a superação das deficiências do sistema procedimental, e faz com que o juiz contemporâneo assuma o comando do processo integrado nas garantias fundamentais do Estado Democrático e Social de Direito.

1. PRINCIPIO DA VERDADE REAL

Diante da crescente valorização da busca da verdade real no processo civil, justificada pelo caráter público do processo e sua finalidade precípua que é a pacificação social e a justa prestação da jurisdição, de forma que é necessária a ampla produção de provas e usando todos os meios a seu alcance, o julgador procura descobrir a verdade real, independentemente de iniciativa ou a colabo-ração das partes.

O juiz não pode ser arbitrário, uma vez que a principal finalidade do processo é a justa composição do litígio, podendo ser alcançada quando se baseie na verdade real ou material, e não na presumida por prévios padrões de avaliação dos elementos probatórios.

Não é possível fazer justiça sem entender, com segurança, o quadro fático trazido à consideração do órgão judicante, na medida em que a justiça da prestação jurisdicional se vincula ao compromisso do processo com a verdade real.

Embora a verdade real, em sua substancia absoluta seja um ideal ina-tingível pelo conhecimento limitado do homem, o compromisso com sua ampla busca é o farol que, no processo, estimula a superação das deficiências do sistema procedimental.148

Sérgio Cruz Arenhart149 já afirmou que todo pronunciamento judicial proferido no processo é feito somente com base em verossimilhança.

148 THEODORO JUNIOR, Humberto. op. cit., 2014, p. 42.149 ARENHART, Sérgio Cruz. A verdade e prova no processo civil. Disponível em: http://www.abdpc.

org.br/abdp

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Diz ele que “Embora toda a teoria processual esteja, conforme já visto, calcada na ideia e no ideal de verdade (como o único caminho que pode conduzir à justiça, na medida em que é o pressuposto para a aplicação da lei ao caso concreto) não se pode negar que a ideia de se atingir, através do processo, a verdade real sobre determinado acontecimento não passa de mera utopia”.

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart150 asseveram que “a questão da verdade deve orientar-se pelo estudo do mecanismo que regula o conhecimento humano dos fatos. E, voltando os olhos para o estágio atual das demais ciências, a conclusão a que se chega é uma só: a noção de verdade é, hoje, algo meramente utópico e ideal”.

O artigo 1.107 do CPC, após garantir o direito à ampla defesa dos inte-ressados, autorizando-os os a produzir as provas destinadas a demonstrar as suas alegações, investe o juiz em amplo poder instrutório, garantindo-lhe plena liber-dade para investigar os fatos e ordenar de ofício a realização de quaisquer provas. Os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição, sem violação ao princípio da demanda, podem determinar as provas que lhes aprouverem, a fim de firmar seu juízo de livre convicção motivado, diante do que expõe o art. 130 do CPC.

Além disso, o juiz é o verdadeiro destinatário da prova, cabendo a ele estabelecer aquelas que considera necessárias à formação do seu livre convenci-mento. Igualmente, não pode o mesmo impedir a produção de prova essencial ao deslinde da questão em julgamento, sob pena de ocorrer cerceamento de defesa, ante o desrespeito ao princípio da ampla defesa, previsto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal.

A valorização do princípio da verdade real, demonstra que se busca o aperfeiçoamento da tutela jurisdicional ultrapassando a noção do devido processo legal para concluir um processo justo, através da formação de julgamento à base de um racional convencimento valorizado pelas provas carreadas para os autos do processo.

Ao se autorizar que o juiz possa determinar, de ofício, a produção de provas, com o objetivo de elucidar os fatos, deixando o processo de ser instrumento a serviço dos interesses exclusivos das partes, pretende-se dar ênfase à busca da verdade substancial, trazida como verdadeiro dogma para o direito processual.

150 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: processo de conhecimento. v. 2. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 254-255.

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A importância da busca da verdade substancial (real, material), e não apenas a verdade meramente formal ou ficta, buscando o cumprimento das garan-tias constitucionais inerentes a todo o cidadão num Estado que se diz Democrático e Social de Direito.

A iniciativa probatória do magistrado, em busca da verdade real, com realização de provas de ofício, não se sujeita à preclusão temporal, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça.

2. A DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

Frequentemente se afirma que no direito processual civil o ônus da prova é em parte regra estático, pois o art. 333, incisos I e II, estabelecem que compete ao demandante o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito e cabe ao réu o ônus quanto à comprovação de qualquer fato impeditivo, modificativo ou ex-tintivo do direito autoral.

O entendimento doutrinário e jurisprudencial nos dias de hoje, se fundamenta que nas ações de responsabilidade civil, sobretudo em situações de prestação de serviços técnicos como os dos médicos, dentistas entre outros, admite-se um abrandamento no rigor da distribuição do ônus da prova previsto pelo art. 333 do CPC.

A incidência da distribuição dinâmica do ônus da prova, a partir da qual incumbe ao detentor dos meios materiais de sua produção, realizar a contraprova do direito suscitado pela parte. No caso concreto, conforme evolução do processo, seria atribuído pelo juiz o encargo de prova à parte que detivesse conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos discutidos na causa, ou simples-mente, tivesse maior facilidade na sua demonstração.151

Essa distribuição não estaria revogando o sistema do direito positivo, ao contrário estaria em harmonia com os princípios inspirados em se conseguir um processo justo, comprometido com a verdade real.

151 THEODORO JUNIOR, Humberto. op. cit., p. 472.

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Dessa forma, quando houver prova incompleta e for verificado a ve-rossimilhança, o juiz pode e deve exigir o esclarecimento dos fatos ocorridos ao litigante que possui condições de demonstrar de que forma o evento ocorreu.

Trata-se de hipótese, portanto, em que o ônus da prova não será da parte que alegou, mas sim daquela que pode melhor produzir a prova, o que coincide com os postulados da teoria da carga dinâmica do ônus da prova.152

O juiz não pode permanecer ausente da pesquisa da verdade material. O processo civil moderno se outorga poderes ao juiz para apreciar a prova de acordo com as regras da crítica sadia e para de ofício determinar as provas que se impuserem para o objetivo de alcançar a justiça em sua decisão, deixando, assim, de ser o magistrado simples expectador da vitória do litigante mais competente.

O processo civil é um instrumento de pacificação social, concentrando maiores poderes nas mãos do juiz, para produção e valoração das provas, fazen-do com o processo tenha mais celeridade e haja um maior dinamismo aos atos processuais.

Embora o juiz seja um órgão do Estado que deve atuar com imparcia-lidade, o ordenamento jurídico vigente permite que, na busca da verdade real, ordene a produção de provas necessárias à adequada apreciação da demanda, sem que tal procedimento implique qualquer ilegalidade. Ademais o juiz não se torna parcial por buscar a verdade real, diligenciando provas por iniciativa própria, o que proporciona uma apuração mais profunda e detalhada dos fatos que lhe são levados para análise, e isso não implica em favorecimento a qualquer das partes.

3. APRECIAÇÃO DA PROVA

O legislador deu margem de discricionariedade ao juiz quanto à apre-ciação das provas, pois é o destinatário natural para o deslinde da demanda, como assentado no dispositivo do artigo 131 do Código de Processo Civil.

152 HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Curso Completo de Processo Civil. Niterói: Impetus, 2014, p. 311.

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Na avaliação das provas, segundo Vicente Greco Filho,153 é possível imaginar três sistemas que podem orientar a conclusão do juiz: o sistema da livre apreciação ou da convicção íntima, o sistema da prova legal e o sistema da per-suasão racional.

O sistema da íntima convicção do juiz em desuso no moderno proces-so civil, segundo o qual o juiz deve julgar de acordo com o seu convencimento, tendo total liberdade para apurar a verdade e apreciar as provas segundo seu entendimento.

Por esse sistema o juiz não fica vinculado às provas produzidas, podendo proferir sua decisão, até mesmo, com base em impressões pessoais e fatos de que tomou conhecimento extrajudicialmente.154

Sem a rigidez da prova legal, em que o valor de cada prova é previa-mente fixado na lei, o juiz atendo-se apenas às provas do processo, formará seu convencimento com liberdade e segundo a consciência formada.

Modernamente o critério mais adotado quanto à valoração dos meios de prova no direito processual civil é o do “livre convencimento motivado”, também conhecido como o da “persuasão racional”. Segundo este critério, o magistrado tem plena liberdade em analisar os meios de provas produzidas aos autos, decidindo com base nos mesmos e motivando adequadamente a sua decisão.155

O sistema da persuasão racional é essencial para que o juízo possa pro-ferir decisões que estejam em conformidade com a verdade dos fatos, fazendo do processo um instrumento de efetivo acesso à justiça.

É importante lembrar que a prova presente nos autos, capaz de revelar fato relevante ao julgamento da causa, não pertence nem ao autor, nem ao réu e tampouco ao juiz, ela pertence ao processo. Torna-se uma realidade no processo que ao juiz não é dado ignorar, em decorrência de seu compromisso fundamental com a busca da verdade real.

153 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. v.2. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 243.

154 AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras linhas de direito processual civil. v.2. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 380.

155 PINHO, Humberto Dalla Bernadina de. Direito processual civil contemporâneo, v.1. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 106

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4. O JUIZ NO CONTROLE DO PROCESSO

A figura do juiz passivo, espectador distante, indiferente à controvérsia que lhe foi posta, não mais se adequa às exigências do processo moderno. “O juiz dirigirá o processo”, diz o art. 125 do Código, o que em nada compromete sua independência e imparcialidade. Obviamente que esse controle não é ilimitado, há que se submeter também às demais regras que tratam dos ônus processuais.

A fim de preservar a efetivação da justiça, vige no Brasil o princípio da imparcialidade do juiz. Ao contrário de tempos passados, atualmente repele-se a crença de que imparcialidade seja sinônimo de inatividade. Como se viu, às partes cabiam a produção de provas, restando ao juiz simplesmente apreciar as provas apresentadas.

No entanto, esta concepção está ultrapassada, e hoje não restam dúvi-das de que o juiz não pode ser um mero espectador, pois não é um fantoche que possa ser manejado e conduzido como as partes assim o desejarem, pois a justiça da prestação jurisdicional se vincula ao compromisso do processo com a verdade real, e somente se chegará a essa mediante a instrução probatória.

É evidente e necessário atribuir ao juiz o comando irrestrito da inicia-tiva das provas necessárias ao conhecimento dos fatos constitutivos do quadro litigioso a solucionar.

A jurisdição, atualmente, tem a função de proteger os direitos funda-mentais, ou seja, os direitos considerados básicos para qualquer ser humano, independentemente de condições pessoais específicas.

A posição do juiz modernamente no processo civil, é uma maior ati-vidade, se ocupando do processo como interessado não no benefício individual que a decisão vai trazer, mas sim naquilo que de social e político ela vai realizar: a paz e a manutenção da ordem jurídica.

Tal faculdade se apresenta como uma discricionariedade do juízo, que pode determinar a exigência ou não de mais provas para formar seu convenci-mento na prestação jurisdicional, sendo certo que em âmbito judicial, prevalece o livre convencimento motivado do Juiz e não sistema de tarifação legal de provas.

O Juiz é o verdadeiro destinatário da prova, cabendo a ele estabelecer aquelas que considera necessárias à formação do seu livre convencimento. Igual-

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mente, não pode o mesmo impedir a produção de prova essencial ao deslinde da questão em julgamento, sob pena de ocorrer cerceamento de defesa, ante o desrespeito ao princípio da ampla defesa, previsto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal.

Assim, o ordenamento jurídico brasileiro consagra a iniciativa probatória do juiz como condição da justiça no processo.

A esse respeito, entende a doutrina que o juiz é participativo e assume os poderes de iniciativa pesquisando a verdade real com a finalidade de bem instruir a causa, entendendo que, acima do ônus da prova, prevalece o compromisso com a verdade real.

O juiz que se limita a repetir fórmulas e textos legais, achando que as-sim fundamenta suas decisões, é um mau juiz, que com toda certeza proferiu tal decisão com parcialidade, sendo tal decisão flagrantemente inconstitucional.156

Ainda no mesmo campo das razões que fundamentam o princípio da verdade real e fomentam o poder instrutório do juiz, surge o princípio da coopera-ção, consiste no dever de cooperação entre as partes para o deslinde da demanda, de modo a se alcançar, de forma ágil e eficaz, a justiça no caso concreto.

Tem alcançado prestígio cada vez maior, uma vez que concede mais credibilidade ao Judiciário, orientando o magistrado a tomar uma posição de agente-colaborador do processo, de participante ativo do contraditório e não mais a de um mero fiscal de regras.

Pode-se dizer que a decisão judicial é fruto da atividade processual em cooperação, é resultado das discussões travadas ao longo de todo o arco do procedimento.157

Não há dúvidas de que o Judiciário consegue aproximar-se mais da verdade real principalmente com a participação ativa do juiz.

Não se pode limitar o magistrado, e atualmente a produção de provas deve ser encarada como uma de suas atribuições legais, visto que em qualquer caso, cabe ao juiz determinar de ofício a realização de provas que julgue necessárias, pois não é um mero espectador do processo, que fica aguardando o impulsionar das partes. O poder de ordenar de ofício a realização de provas subsiste íntegro

156 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 51.

157 DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil. v.1. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 90

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mesmo que o juiz tenha anteriormente indeferido o requerimento da parte; não ocorre para ele, preclusão.158

A iniciativa probatória do magistrado, em busca da verdade real, com realização de provas de ofício, não se sujeita à preclusão temporal, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça.

CONCLUSÃO

Ante ao que foi mencionado, conclui-se que a função do juiz, sem anular a dos litigantes, é cada vez mais valorizada pelo princípio inquisitivo, mormente no campo da investigação probatória e na persecução da verdade real para a resolução da demanda.

Nesse mesmo sentido, a legislação pátria confere à figura do magistrado maior liberdade para questionar, instruir, inquirir. Em outras palavras, o julgador deixa de ser um elemento passivo e inerte da fase probatória do processo, e passa a ser um verdadeiro agente investigativo, demonstrando a sua preocupação com os fins sociais do processo, senão o maior interessado no alcance da verdade real, enquanto administrador da justiça, com o dever funcional de decidir.

O juiz é um órgão do Estado e deve atuar com imparcialidade, o ordena-mento jurídico vigente permite que, na busca da verdade real, ordene a produção de provas necessárias à adequada apreciação da demanda, sem que tal procedimento implique qualquer ilegalidade, e ele não se torna parcial apenas por se ocupar da apuração da verdade, diligenciando provas por iniciativa, pois a investigação do direito subjetivo controvertido, tanto nos aspectos de direito como de fato, não pode ficar na dependência da exclusiva vontade das partes.

A participação ativa do juiz na instrução do processo, não ofende a sua imparcialidade. Antes a enaltece, pois o seu objetivo é atingir a verdade real, dando a quem merecer o objeto litigioso.

158 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Novo processo civil brasileiro. 21. ed. Rio de Janeiro: Fo-rense, 2001.

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REFERÊNCIAS

AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

ARENHART, Sérgio Cruz. A verdade e prova no processo civil. Disponível em: http://www.abdpc.org.br/abdp

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Novo Processo Civil Brasileiro. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

DESTEFENNI, Marcos. Manual de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. v.1. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

GUILHERME MARINONI, Luiz. Teoria Geral do Direito: v. 1. Col. Curso de Processo Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2014.

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. v.2. 22 ed. São Paulo: Sarai-va, 2013.

MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: proces-so de conhecimento. v.2. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

PINHO, Humberto Dalla Bernadina de. Direito processual civil contemporâneo, v.1. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v.1. 55. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

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O VOTO DO PRESO E A RESSOCIALIZAÇÃO

THE VOTE OF PRISONERS AND SOCIALIZATION

por Gabriela Grasel Bittencourt159

RESUMO

O sufrágio universal exercido pelo voto, é a forma que o eleitor manifesta sua vontade, votando nos candidatos que mais lhe representa. Ainda que por “sufrágio universal” entenda-se que todos os indivíduos participam na escolha de candidatos e partidos que mais coadunam com seus ideais, há uma parcela da população excluída do sufrágio universal, impedida de selecionar representantes e ter governantes que façam propostas de melhorias voltadas a ela. Essa camada da população é composta pelos presos com sentença condenatória transitada em julgado. Tal exclusão é amparada pelo inciso III, do art. 15 da Constituição Federal, que determina que assim seja feito. Desse modo, os presos condenados não podem manifestar suas opiniões nas eleições, não podem escolher candidatos que os repre-sentem, como consequência óbvia, são esquecidos em presídios superlotados, em condições desumanas. Eleições ocorrem nos presídios desde o ano de 2010, pois os presos provisórios, em razão do princípio da presunção da inocência previsto no art. 5º, LVII da Carta Magna. Insta destacar que nenhum incidente desabonador

159 Advogada e conciliadora na 2ª Vara Cível do TJ-RJ

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vem ocorrendo nesses quatorze anos de seções eleitorais especiais. É chegado o momento da inclusão do preso condenado no processo eleitoral, para que este tenha voz e assim não tenha mais seus direitos ignorados, só assim se alcançara a finalidade primordial da pena, que é a ressocialização.

PALAVRAS-CHAVES: Direitos Políticos, Democracia, Exclusão, Presos, Di-reitos e Garantias, Voto, Seção Eleitoral, Ressocialização.

ABSTRACT

Universal suffrage exercised by vote, is the way that the voter expresses their will by voting for candidates who best represents you. Although by “universal suffrage” is meant that all individuals involved in the choice of candidates and parties more in line with their ideals, there is a portion of the deleted universal suffrage population prevented from selecting representatives and have leaders who make improvement proposals directed to it. This layer of the population is made up of prisoners. Such exclusion is supported by item III of art. 15 of the Federal Constitution, which requires that it be done. Thus, convicted prisoners can not express their opinions in elections, can not choose candidates who represent them, how obvious consequence, are forgotten in overcrowded prisons in inhuman conditions. Elections occur in prisons since 2010, as the pre-trial detainees, because the principle of the presumption of innocence provided for in art. 5, LVII of the Magna Carta. Calls to point out that no discreditable incident has occurred in these fourteen years of special polling stations. It is time to include the inmate in the electoral process so that it has a voice and so no longer have their rights ignored, only then reached the primary purpose of punishment, which is the resocialization

KEYWORDS: Political Rights, Democracy, Exclusion, Prisoners, Rights and Guarantees, Voting, Polling, Resocialization

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INTRODUÇÃO

O presente artigo busca elucidar a im-portância do sufrágio universal, que na prática não é universal. Para tanto, serão esclarecidos os direitos políticos e a suspensão destes. Ao tratar dos Princípios Fundamentais, no art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988, está disposto: “Todo poder emana do povo, por meio de representante eleito ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

O povo exerce referido poder por intermédio dos Direitos Políticos, que estão expressos no art. 14 da Carta Magna. Trata-se de direito destinado a concretizar a soberania popular, que se subdivide em quatro instru-mentos: plebiscito, referendo, iniciativa popular e direito de sufrágio.

Destacando o Direito de Sufrágio, que é exercido praticando o voto, na Carta Magna previsto no art. 14 “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”.

Todavia, no art. 15, III da Constituição Federal, está previsto, a suspensão dos direitos políticos daqueles que têm condenação criminal transitada em jugado enquanto durarem seus efeitos. Diz-se que transitou em julgado quando, contra um acórdão/decisão, não é possível interpor recurso, quer pelo decurso do prazo, que por esgotados todos os recursos cabíveis.

Ora, seria essa uma parcela da população brasileira desinteressada em eleger governantes que atendam suas necessidades? Ou será que esses brasileiros, que praticaram condutas tão diversas umas às outras, que têm em comum apenas a irrecorribilidade de suas sentenças condenatórias, são igualmente desmerecedores de escolherem seus representantes?

Eis um paradoxo: de um lado tem-se que todo poder emana do povo, previsto na Constituição Federal, e que toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e de outro tem-se a suspensão dos direitos políticos daqueles que têm sentença condenatória transitado em julgado, enquanto durarem seus efeitos.

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Imprescindível se faz, explanar os obstáculos operacionais e burocráticos para realização de eleições nos presídios e a importância da inclusão do preso condenado no processo eleitoral. Soa estranho, no tão aclamado Estado Demo-crático de Direito atual, que um número tão grande de pessoas seja excluído do sufrágio Universal. Destaca-se que na citada população carcerária, existem os presos provisórios, que embora presos, ainda não tiveram suas sentenças conde-natórias transitadas em julgado, gozando assim de Direitos Políticos, no entanto, ainda para estes, que tem o direito ao voto assegurado pela Constituição, o mesmo vem sendo garantido timidamente, em alguns estados brasileiros apenas, desde as eleições de 2000.

De fato, é inegável que são muitos os óbices existentes para a inclusão do preso com sentença condenatória transitada em julgado no processo eleitoral, sendo os principais abordados nesse trabalho, quase 30 anos após a promulgação da Constituição e seu polêmico art. 15, inciso III.

1. DIREITOS POLÍTICOS

Os direitos políticos integram o rol dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, tratando-se de princípio universal e prevalecendo a plenitude do gozo dos direitos políticos positivo, e sua privação ou restrição são a exceção, conforme constitucionalista José Afonso da Silva.160

Em consonância, dispõe o parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal, “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Referido diploma legal enuncia o acolhimento do principio democrático, o povo – o conjunto indivisível de cidadãos – detém o poder político, e o exerce diretamente ou por meio de representantes eleitos.

160 Trata-se de princípio universal que já figurava no art. 6º da Declaração de Direitos da Virgínia (1776), no art. 6º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e, especialmente, figura ainda no art. 21, I, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): ‘Toda pessoa tem direito de participar no Governo de seu país, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p.383.

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Em consonância, tem-se ainda o art. 2º do Código Eleitoral, que traz re-dação bem parecida com o art. 1º da Carta Magna, e também dispôs que “todo por emana do povo”161.

A Justiça Eleitoral foi criada em com a instituição do Código Eleitoral. To-davia, durante o Estado Novo, no governo Getúlio Vargas, suas atividades foram interrompidas de 1937 até 1945. Passados alguns anos da ditadura de Vargas, o Código Eleitoral foi sancionado por Humberto de Alencar Castello Branco, primei-ro presidente do regime militar, um ano após o golpe de estado que submeteu o País a uma ditadura militar, e suspendeu a prevalência do principio democrático, privando o povo, por décadas, do direito de votar diretamente para os cargos mais relevantes da estrutura política do país – presidente e vice-presidente eram eleitos indiretamente.

Restabelecida a democracia no Brasil, o poder político do povo passou a ser exercido pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, nos termos do art. 14, I a III da Constituição Federal, e também por iniciativa popular, referendo e plebiscito. Atualmente, conforme Dias Toffoli, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, na solenidade de 70 anos da reinstalação da Justiça Eleitoral, do dia 28 e maio de 2015, “o Brasil hoje tem a quarta maior eleição do mundo, são mais de 140 milhões de eleitores inscritos”.162

O plebiscito é o ato prévio à edição de ato administrativo ou legislativo, por meio do qual, através do voto, o povo rejeita ou não a proposição submetida a sua análise. Por sua vez, O referendo é ato realizado após a edição do ato admi-nistrativo ou legislativo, cumprindo ao povo rejeitar ou não, conforme art. 2º, §1º e §2º da Lei nº 9.709/1998.

A iniciativa popular dispensa que os representantes eleitos iniciem o pro-cesso legislativo, sendo iniciado pelo povo e cabendo ao Parlamento a tramitação normal do projeto de lei.

O sufrágio universal, é o direito de votar e ser votado, que será melhor elucidado posteriormente.

161 Art. 2º Todo poder emana do povo e será exercido em seu nome, por mandatários escolhidos, direta e secretamente, dentre candidatos indicados por partidos políticos nacionais, ressalvada a eleição indireta nos casos previstos na Constituição e leis específicas.

162 CONSELHO FEDERAL, Ordem dos advogados do Brasil. OAB presente em sessão de 70 anos de reinstalação da Justiça Eleitoral. OAB, 2015.

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O alistamento eleitoral é obrigatório para os maiores de 18 anos, e facul-tativo para: os analfabetos; os maiores de setenta anos, os maiores de dezesseis e menores dezoito anos, nos termos do §1º ao art. 14 da Constituição Federal.

O código eleitoral de 1965 em seu art. 5º, cita os que não podem se alistar como eleitores, entre eles os analfabetos e os que não sabem se exprimir em língua nacional.163

Observa-se que dois, dos três incisos, do art. 5º do Código Eleitoral não são mais aplicáveis à realidade do Estado democrático atual. Conforme a Cons-tituição Federal, os analfabetos, são admitidos no alistamento eleitoral. Assim, aqueles que não tiveram acesso a um ensino mínimo, se desejarem podem influir na seleção dos mandatários.

O inciso II, do referido diploma, também é visto com reservas, diante dos indígenas, que por isolamento ou opção, não tem conhecimento da língua portu-guesa, uma vez que o art. 231 da Constituição Federal afasta para os indígenas, a submissão a língua portuguesa.164

Desse modo, a Constituição Federal preceitua quem são os excluídos do alistamento eleitoral, in verbis:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em jul-gado;

II - incapacidade civil absoluta;

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

Nas hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos, a pessoa não poderá alistar-se e, aquele que já se encontrar alistado terá sua inscrição cancelada, no caso de perda dos direitos políticos, ou suspensa, nos demais casos.

163 O inciso I do art. 5 do Código eleitoral foi revogado pelo art.14, § 1º, II, “a”, da Constituição/88.164 Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

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É notória a evolução dos direitos políticos brasileiro, fazendo uma breve retrospectiva alguns pontos merecem destaque:

- A Constituição de 1824: era necessário comprovar rendimentos anuais de-terminados, sendo que quem auferisse renda menor não podia participar do pleito;

- Código Eleitoral provisório de 1932: inclusão do direito do voto da mulher;

- Constituição de 1988: inclusão do direito do analfabeto e do indígena;

Em 1994: inclusão dos maiores de 16 anos e menores de 18 anos.

Para festejar essa evolução, em 07 de maio de 2015, foi sancionada a Lei nº 13.120, que instituiu o dia 26 de junho como o dia Nacional da Consciência do 1º voto, o objetivo é que nesta data sejam realizadas atividades e campanhas de es-clarecimento sobre a importância da participação no processo eleitoral brasileiro e do voto consciente. A data escolhida, é referente à Passeata dos Cem Mil, ocorrida no dia 26 de junho de 1968 no centro do Rio de Janeiro, que foi a manifestação popular contra a ditadura militar e em defesa da democracia.

2. DIREITO DE SUFRÁGIO

Representa a essência dos Direitos Políticos, e significa direito de votar, também chamado alistabilidade, e direito de ser votado, denominado elegibilidade.

O direito de sufrágio deve ser visto sob dois aspectos: capacidade eleitoral ativa e capacidade eleitoral passiva. A capacidade eleitoral ativa consiste no direito de votar, alistar-se eleitor. Por sua vez, a capacidade eleitoral passiva representa o direito de ser votado, ou seja, o direito de eleger-se para um cargo público.

O código eleitoral Brasileiro de 1965 dispõe no art. 82: O sufrágio é universal e direto; o voto, obrigatório e secreto.

O Direito de Sufrágio é exercido pelo voto, assim passa-se a esclarecer peculiaridades do voto e do sufrágio:

- O sufrágio é universal, eis a mais elevada expressão dos Princípios da Soberania Popular, está contemplado também no caput do art. 5º da Constituição Federal e parágrafo único do art. 14. Em oposição ao sufrágio restrito, consiste na

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extensão do sufrágio, ou seja, o direito de voto, a todos os indivíduos considerados intelectualmente ao exercício desse direito essencial.

- O sufrágio é direto, pois o eleitor escolhe sem intermediação, escolhendo ele mesmo o candidato que quiser, podendo votar em branco ou anular seu voto;

- O voto é secreto, o eleitor pode escolher o seu candidato mantendo o sigilo de sua escolha, sendo facultativa sua declaração. Visa proteger a liberdade de escolha do eleitor, pois apenas com o voto secreto o eleitor terá a segurança de não ser eventualmente perseguido em razão do seu voto. Em relação aos procedimentos adotados por ocasião da votação, o eleitor deve necessariamente encaminhar-se sozinho à cabine de votação, em caso de auxílio ao portador de necessidades especiais, será permitido o ingresso à cabine de votação acompanhado de pessoa de sua confiança. O Código eleitoral no art. 103 delibera detalhadamente os meios de garantir o sigilo.165

Com o advento da Lei nº 9.504/97, a Justiça Eleitoral mudou a regra contida no inciso II do dispositivo legal supracitado. O uso das cédulas oficiais, distribuí-das e confeccionadas pela Justiça Eleitoral, passou a se tornar exceção para fins de votação. A regra geral, constante na Lei das Eleições, passou a ser a da utilização, em todo o território nacional, do sistema eletrônico de voto. Sendo que, desde 2000, o sistema eletrônico de votação foi implantado em todo território nacional.

- O voto é obrigatório: tradição iniciada com o Código eleitoral de 1932, e prevista expressamente no art. 14 da Constituição Federal. Ainda que expresse um direito público, o voto é um dever cívico, assim todo brasileiro maior de de-zoito anos deve se alistar e partir de então votar, ou justificar seu voto, em todas as eleições. O não comparecimento do eleitor à seção eleitoral a que pertence, no dia das eleições, deve ser justificado no mesmo dia, em qualquer outra seção do país, ou em até 60 (sessenta) dias, sob pena de sanção e multa. O eleitor que estiver no exterior no dia da eleição, deverá justificar-se no prazo de 30 dias, con-tados a partir do retorno ao país. O eleitor que se abstiver de votar por três vezes consecutivas, nem justificar sua ausência, nem recolher a multa imposta, terá sua inscrição eleitoral cancelada e, em consequência, perderá a condição de cidadão.

165 Não haviam ainda urnas eletrônicos quando foi feita a redação do Art. 103, observa-se que seus incisos fazem referência às cédulas de papel: O sigilo do voto é assegurado mediante as seguintes providências: o uso de cédulas oficiais em todas as eleições, de acordo com modelo aprovado pelo Tribunal Superior; isolamento do eleitor em cabine indevassável para o só efeito de assinalar na cédula o candidato de sua escolha e, em seguida, fechá-la;verificação da autenticidade da cédula oficial à vista das rubricas;emprego de urna que assegure a inviolabilidade do sufrágio e seja suficientemente ampla para que não se acumulem as cédulas na ordem que forem introduzidas.

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O art. 14 da Carta Magna trata sobre o tema também, e dispõe que o voto é direto e secreto, com o mesmo valor para todos.166

Acrescentando mais uma característica, o valor igual para todos do voto, o que significa que independe a condição financeira, cor, raça, sexo ou crença religiosa do eleitor, o voto de cada um tem o mesmo valor.

Para a materialização do ideal democrático, do exercício do direito do voto, conforme o art. 117 Código Eleitoral, as seções eleitorais devem ser organizadas à medida que forem sendo deferidos os pedidos de inscrição, e via de regra não terão mais de quatrocentos eleitores nas capitais, e de trezentos nas outras cidades, nem menos de cinquenta eleitores. Porém para facilitar o exercício do voto esses números podem ser alterados.167

A limitação do número de eleitores por seção ter por finalidade a facilitação da execução das eleições, no entanto é comum o Tribunal Regional Eleitoral autoriza a presença de eleitores, em número maior do que o indicado. Outro aspecto, é que o eleitor deve ser mantido próximo de sua residência, para simplificar o encaminhamento ao local de votação, incluindo, idosos e deficientes que tem dificuldade na locomoção.

Uma característica importante na aplicação do Direito Eleitoral é a expedição das chamadas Resoluções pelo Tribunal Superior Eleitoral. Essas resoluções são atos que disciplinam determinados aspectos das leis e têm aplicabilidade obrigatória, ou seja, têm força de lei. A cada eleição o TSE edita novas resoluções o que valia na eleição anterior pode ser modi-ficado, por exemplo, a Resolução 23.219/2010 previa um número mínimo de vinte presos aptos a votar para instalação de seção eleitoral especial, já a Resolução 23.399/2014 previa um número mínimo de cinquenta presos aptos para votar.

O código eleitoral preceitua que é imprescindível que as seções se-jam instaladas nos locais em que estejam concentrados os eleitores, e no art.

166 Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

167 O art. 117 do Código Eleitoral: § 1º Em casos excepcionais, devidamente justificados, o Tribunal Regional poderá autorizar que sejam ultrapassados os índices previstos neste artigo desde que essa providência venha facilitar o exercício do voto, aproximando o eleitor do local designado para a votação. § 2º Se em seção destinada aos cegos, o número de eleitores não alcançar o mínimo exigido este se completará com outros, ainda que não sejam cegos.

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136 surge a previsão de instalações de seções eleitorais nos estabelecimentos de internação coletiva, onde houver no mínimo cinquenta eleitores.168

Estabelecimento de internação coletiva são os locais em que, normalmente de caráter compulsório, o que pode decorrer de circunstâncias fáticas (cegos que não possam familiares ou meios de subsistência ou de exigência legal (presos), cer-tas pessoas devem permanecer, terminando por serem privados do convívio social.

Os eleitores existentes nos estabelecimentos de internação coletiva, podem estar vinculados a zonas eleitorais diversas, sendo necessário, para votar nesse local, a transferência do título de leitor, ou, mesmo, o seu alistamento originário, no prazo previsto no art. 91 da Lei nº 9.504/1997 (até 150 dias antes da eleição).

Há ainda os eleitores no exterior, o Código Eleitoral tratou deles também, em seu art. 226, e prevê como condição de criação de mesas de votação no exterior um número mínimo de 30 (trinta) eleitores. A Resolução TSE nº 23.207/10 regula-mentou que s repartições consulares ou missões diplomáticas devem comunicar aos eleitores votantes no exterior o horário e o local da votação, atendendo a simultaneidade e peculiaridades regionais.

Exercida a soberania popular pelo sufrágio universal e pelo voto secreto e direto, é essencial a garantia do seu livre exercício, não podendo ser impedido, conforme o Código Eleitoral art. 234 “Ninguém poderá impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio”.

Ocorreu uma cautela tão grande em tutelar a liberdade de votar que im-pedi-lo é ilícito penal, em que são afetados o Estado, a democracia e o eleitor.169

Para tornar as eleições nacionais, estaduais e municipais possíveis, o Tribunal Superior Eleitoral fornece ao Tribunal Regional Eleitoral verbas, como também os bens e equipamentos necessários. Nos termos do art. 369 do Código Eleitoral, incluindo todo o material destinado ao alistamento eleitoral.

Há uma série de regulamentações para o perfeito exercício do direito de sufrágio, por meio deste é exercido a mais efetiva forma de soberania popular.

168 “Art. 136. Deverão ser instaladas seções nas vilas e povoados, assim como nos estabelecimentos de internação coletiva, inclusive para cegos e nos leprosários onde haja, pelo menos, 50 (cin-quenta) eleitores.”

169 Art. 297. Impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio: Pena - Detenção até seis meses e pagamento de 60 a 100 dias-multa.

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3. DA SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS

Há algumas classes da população são privadas de exercer os direitos políticos, seja de forma definitiva (perda) ou de forma temporária (suspensão), e estão expressas nos art. 15 da Constituição Federal.

Sendo no âmbito restrito desse trabalho abordado o inciso III do referido diploma legal, in verbis:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

(...)

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

Condenação criminal transitada em julgado significa que não cabe mais recurso contra a decisão judicial, porque as partes não apresentaram o recurso no prazo em que a lei estabeleceu, ou porque a hipótese jurídica não admite mais interposição do pedido de reexame da matéria. O trânsito em julgado deve ser certificado nos autos do processo, então diz-se que a decisão judicial é definitiva, e irretratável.

Assim, todos os sentenciados que sofreram condenação criminal com trânsito em julgado, estarão com seus direitos políticos suspensos, até que ocorra a extinção da punibilidade. Destaca-se que o termo “condenação criminal transitada em julgado” não distingue quanto à infração penal cometida, nem a natureza da pena aplicada.170

Faz-se necessário esclarecer que no caso de contravenção penal, a suspen-são dos direitos políticos prevista no art. 12, II da Lei nº 3.688/41, é pena acessória, não devendo ser confundida com a suspensão de direitos políticos oriunda de efeitos da sentença condenatória.

A suspensão dos direitos políticos persistirá enquanto durarem as sanções impostas ao condenado, até sua execução, conforme súmula 9 do TSE: “a suspen-

170 A suspensão dos direitos políticos é consequência irretorquível do trânsito em julgado de condenação criminal. A espécie do delito ou a natureza da pena são irrelevantes para a incidência da restrição. (TRE/RS – MS 103-62.2013.6.21.0000 – Rel. MARCO AURÉLIO HEINZ – DJE de 12/09/2013)

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são de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou extinção da pena, independendo de reabilitação ou de prova de reparação dos danos”.

4. DIREITOS E GARANTIAS DA PESSOA CONDENADA

A Constituição preceitua no art. 5º, XLIX: “é assegurado aos presos o res-peito à integridade física e moral;”. Com redação semelhante o art. 40 da Lei de Execuções Penais também assegura: “Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.”

Observa-se que o direito retirado do condenado a pena privativa de liber-dade por condenação criminal irrecorrível é a liberdade, que vem de forma expressa e fundamentada na sentença, nos termos do art. 381 do Código de Processo Penal.

Porém, como efeito da sentença condenatória transitado em julgado se tem também, a suspensão dos direitos políticos, que não precisa ser fundamentada, nem ao menos carece ser citada pelo nobre julgador, pois é autoaplicável como já mencionado, sendo para muitos condenados o fato de não ser permitido mais sua participação no sufrágio universal uma infeliz surpresa.

5. A REALIDADE DA PESSOA CONDENADA

Consabido é, que o sistema penitenciário brasileiro está falido, tornou-se um depósito de pessoas que a sociedade busca esquecer-se da existência

A pena imposta que leva a pessoa condenada ao presidio é a pena priva-tiva de liberdade. Contudo, grande parte dos apenados são submetidos a surras, abusos sexuais, falta de alimentos e higiene, negação de cuidados médicos e falta de assistência jurídica.

Insta citar Michel Foucault, que em ao falar sobre as mudanças de atitude ao longo do tempo das instituições e da sociedade na prática de punir, afirmou

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que “Se a justiça ainda tiver que manipular e tocar o corpo dos justiçáveis, tal se fará a distância, propriamente, seguindo regras rígidas e visando um objetivo bem mais “elevado””.

Com seus direitos suprimidos, sem voz para dialogar com Poder Público, o condenado vai alimentando dentro de si raiva contra a sociedade que o infligiu tanto sofrimento, e já não acha, se algum dia chegou a achar, que a conduta pra-ticada que o levou ao encarceramento seja reprovável.

6. O VOTO DO PRESO E A RESSOCIALIZAÇÃO

Não se pode olvidar, que apenas os presos com sentença condenatória transitado em julgado tem os direitos políticos suspensos. Aos presos provisórios é mantido o direito ao voto, em nome do princípio de presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII da Constituição Federal, não havendo qualquer contro-vérsia teórica no ponto.

Para instalação de seção eleitoral conforme o Código Eleitoral o mínimo são 50 eleitores por seção.

Todavia, para instalação de seções eleitorais em uma embaixada brasileira no exterior, o número mínimo de eleitores aptos é inferior, apenas 30. E no caso das seções para deficientes visuais, há uma flexibilização para inclusão de outros eleitores para completar o número mínimo.

Para criação e implantação de políticas de reintegração social efetivas, a melhor alternativa é permitir a participação do destinatário principal: o preso. Com o voto do preso, se desenha como efeito colateral a mudança do sistema prisional do Brasil. Isso porque os políticos passarão, naturalmente, a olhar para o presidio com outros olhos.

O exercício do direito do voto, além de incorporar direitos que a Constitui-ção assegura a todos, como o de livre opinião, e o de obter representação política adequada a suas convicções e interesses, representa ainda, a manutenção de um elo com a sociedade e auxilia a inserção posterior do ex-presidiário.

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No entanto, há uma ânsia em manter isolados os apenados. Mas isso não é algo novo, nem ao menos uma prática iniciada no Brasil, Michel Foucault, já relatava o interesse do governo em esconder os condenados, “para que a execu-ção deixasse de ser um espetáculo e permanecesse um estranho segredo entre a justiça e o condenado”.

Não é interessante ao Poder Público nem para a sociedade “livre”, ouvir o que essa gente presa, amontoada, pobre e esquecida tem a dizer. Contudo, en-quanto os encarcerados não tiverem alguma coisa para dar em troca, continuarão no esquecimento. Atualmente, fazem pedidos, que se cumpridos, colocam fim em violentas rebeliões.

Sem dúvidas, melhor seria, se pudessem ser ouvidos nas urnas de votação, e não mais por cartazes pendurados em telhados de presídios em frente a corpos mutilados.

7. ÓBICES BUROCRÁTICOS E OPERACIONAIS

O Código Eleitoral, aprovado nos tempos sombrios da Ditadura Militar, já estabelecia ser dever do Estado instalar “seções nos estabelecimentos de inter-nação coletiva, onde haja, pelo menos, 50 eleitores”. Contudo, apenas a partir de 2000 que seções eleitorais começaram a ser instaladas timidamente nos presídios de algumas cidades brasileiras.

O problema inicial é a identificação e qualificação de todos os presos cau-telares em território nacional, para fins de posterior alistamento eleitoral. Como a prisão cautelar pode ser revogada ou decretada a qualquer tempo, a depender de sua necessidade no contexto de determinado procedimento criminal, tornando o número de presos cautelares oscilante. Por sua vez, a identificação dos presos condenados seria bem mais fácil.

Há também a necessidade de instalação de seções eleitorais especiais dentro dos estabelecimentos prisionais, de se criarem mecanismos seguros para que os presos possam ter acesso à propaganda eleitoral dos candidatos, de se providenciar segurança adequada para o dia de votação, contar com material hu-

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mano para serviços de mesários e fiscais, o domicilio eleitoral e impedir a possível manipulação dos eleitores presos pelas organizações criminosas.

A instalação de seções eleitorais nos presídios oferece os riscos de qualquer outra providência efetuada nesses estabelecimentos. As condições de segurança devem ser conhecidas e cautelas devem ser tomadas. Diante de indícios de risco à segurança das pessoas envolvidas no cadastramento dos eleitores ou na vota-ção, o Tribunal Regional Eleitoral, ouvido o Juiz Eleitoral, poderá suspender a realização do ato.

Referente à manipulação dos eleitores presos pelas organizações crimino-sas, o chamado “voto de cabresto”, não deve ser considerada um empecilho, pois as organizações criminosas, especialmente as sediadas em unidades prisionais, não teriam alcançado a força que possuem se agissem de forma ingênua. Se seus líderes determinassem “o voto de cabresto” em um único candidato, valendo-se dos eleitores presos, os eleitos ficariam estigmatizados como apoiadores do cri-me organizado, seria fácil identificar, bastaria verificar como votaram as seções eleitorais dos presídios, ao final do dia de eleição a urna imprime um extrato de quantos votos cada candidato recebeu ali. Muito mais eficaz, é a instrumentaliza-ção do voto dos familiares dos presos, daqueles que já deixaram o presidio ou da população dos bairros dominados por tais organizações.

Alusivo ao quadro de mesários convocados para compor as mesas recepto-ras nas seções eleitorais especiais, a Resolução nº 23.219/2010 também se manifestou e em seu art. 4º e elucidou que os membros das mesas receptoras serão nomeados pelo Juiz Eleitoral, preferencialmente, dentre servidores dos Departamentos Peni-tenciários dos Estados e do Distrito Federal, das Secretarias de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, de Defesa Social, de Assistência Social, do Ministério Público Federal, Estadual e do Distrito Federal, das Defensorias Públicas dos Estados, do Distrito Federal e da União, da Ordem dos advogados do Brasil ou dentre outros cidadãos indicados pelos órgãos citados, que enviarão listagem ao Juízo Eleitoral do local de votação.

Algumas subseções da Ordem dos Advogados do Brasil, vêm disponibi-lizando cadastro para advogados e estagiários interessados em participar como mesário voluntário em seções eleitorais especiais, destacando aqui a OAB-SP, em que o cadastro é feito de forma simples, com o envio de dados do interessado pelo e-mail “[email protected]”.

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No que diz respeito à proibição de Propaganda Eleitoral em Prédios Pú-blicos prevista no art. 37 da Lei 9.504/97, é vedada a veiculação de propaganda, inscrição a tinta, fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados. Assim, para que os presos tenham acessos às propostas dos candidatos, em algumas unidades prisionais, vem sendo exibidos os horários políticos, como por exemplo no Presidio Central de Porto Alegre-RS, em que uma televisão foi instalada na galeria e ligada no horário de transmissão da propaganda eleitoral. Conforme depoimento dos presos ao programa de entrevistas La Urna, não há nenhuma proposta para eles, mas ainda assim eles tinham seus candidatos favoritos.

Em relação ao alistamento eleitoral, muitos presidiários não possuem ne-nhum documento, e apenas após essa regularização se faz possível o alistamento. Quanto aos que já possuem inscrições eleitorais, estas serão transferidas às seções especiais e após o pleito deverão ser automaticamente revertidas às seções de ori-gem, como prevê o art. 17 da Resolução nº 23.219 do TSE. No caso, dos detentos que fizerem a transferência do título para as seções penitenciarias e ganharem direito à liberdade antes do dia da eleição, eles podem retornar ao presídio e votar, este retorno vem acontecendo desde as eleições de 2010, conforme a Procuradoria Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul.

Quase trinta anos já se passaram desde a redação do inciso III do art. 15 da Constituição Federal, que não encontra mais espaço nos dias atuais e deve ser revogado. A única forma da manutenção do referido inciso, é a interpretação de forma restritiva, por se tratar de suspensão de um direito fundamental. Assim, ao falar da suspensão dos direitos políticos por condenação transitado em julgado, seja apenas dos direitos políticos passivos suspensos, e mantidos os direitos po-líticos ativos, sendo regulamentado quais condutas previstas na legislação penal suspenderiam ambas as modalidades dos direitos políticos da pessoa condenada.

A cassação dos direitos políticos enquanto durarem os efeitos da condena-ção, apesar de ser considerado efeito da sentença, constitui, penalidade adicional, que, ao incidir da mesma maneira sobre todo condenado, não faz relação alguma com a gravidade do delito que motivou a condenação. Trata-se de uma dose extra de pena, que atinge a todos os condenados por igual. Não pode haver inclusão social sem garantia da participação efetiva dos apenados no processo democrático.

As seções eleitorais começaram a ser instaladas dentro das unidades pri-sionais muito timidamente em 2000, com destaque ao Sergipe que foi pioneiro no

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tema. Dez anos após a instalação da primeira seção eleitoral especial, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução 23.219/2010, forçando os Tribunais Regio-nais Eleitorais a saírem da inércia, e nas eleições de 2010 vinte e cinco estados e o Distrito Federal proporcionaram que presos provisórios participassem do sufrágio universal.

Os óbices operacionais estão sendo superados e as eleições dentro dos presídios vêm sendo um sucesso, sem relato algum de incidente que desencorajasse os envolvidos em seguir adiante.

CONCLUSÃO

O voto não é um privilégio, é um direito-dever, e assim como é oportu-nizado ao preso provisório deve ser ao preso condenado, devido ao principio básico da inclusão.

É utópico falar em ressocialização, enquanto mantêm-se pessoas em con-dições desumanas sob a tutela Estatal em presídios superlotados.

Os presidiários clamam por melhorias, e são ridicularizados pela mídia, ignorados pelo Estado e pela sociedade. As rebeliões são a única forma que os apenados têm de serem ouvidos, de que o Brasil como um todo lembre que eles estão ali, que eles são seres humanos. Sim, os presos são seres humanos, precisam de médicos, água, luz, condições de higiene, alimentos e não querem seus familiares sendo destratados em dias de visitação.

Não se está a favor da impunidade, de forma alguma. Os autores de ilícitos devem ser investigados, processados e punidos. Se necessário, devem ser presos, mesmo que durante o processo. Mas devem ser garantidas condições dignas, como a qualquer outra pessoa. Para tanto, os presos devem participar das eleições, escolhendo os candidatos que mais o representam.

Uma grande parcela da população se manifesta de forma contrária à inclusão do presidiário ao processo eleitoral, todavia, toda evolução referente ao sufrágio universal foi recepcionada com reservas em um primeiro momento, ao longo da história das eleições no Brasil.

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O desdém da maioria se deu quando foram incluídos nas eleições: os menos abastados, as mulheres, os deficientes físicos, os analfabetos, os índios, os jovens, e os presos provisórios. Contudo, atualmente não se faz mais possível conceber eleições com a exclusão das classes citadas, pois é unânime o entendimento que são pessoas importantes e merecem escolher seus representantes. E agora chegou o momento de inclusão do preso condenado, para que o sufrágio universal seja de fato universal.

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REFLEXÕES SOBRE AS DECISÕES POLÍTICAS SEGUNDO RONALD DWORKIN E O DIREITO FUNDAMENTAL AO ACESSO A MEDICAMENTOS

REFLECTIONS ABOUT POLICY DECISIONS SECOND RONALD DWORKIN AND FUNDAMENTAL RIGHT TO ACCESS TO MEDICINES

por Alexandra Barbosa de Godoy Corrêa171

RESUMO

O presente estudo tem por objetivo refletir sobre a contribuição dada por Ronald Dworkin, em sua obra “Uma Questão de Princípios”, que indaga se os juízes decidem ou deveriam decidir os casos controversos valendo-se de fun-damentos políticos, de modo que a decisão seja não apenas a decisão que certos grupos políticos desejariam, mas também que seja tomada sobre o fundamento de que certos princípios de moralidade política são corretos, ou seja, em princí-pios políticos em que acredita. Neste trabalho será abordada, especificamente, a questão do acesso a medicamentos, uma vez que a judicialização da política está diretamente relacionada à concretização dos Direitos Fundamentais.

PALAVRAS-CHAVE: Ativismo; Judicialização; Decisões políticas; Medicamen-tos; Direitos Fundamentais

171 Doutoranda e mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Professora de Propriedade Intelectual na Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio e na Pós-Graduação em Gestão Empresarial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Bolsista CAPES. Advogada e farmacêutica

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SUMMARY

This study aims to make a reflection on the contribution made by Ronald Dworkin through his book “A Matter of Principles”, which investigates if judges decide or should decide controversial cases taking into consideration political pleas, so that the decision turns out to be not only the one that certain political groups wish, but also that it has been established considering that certain principles of political morality are correct, i.e. political principles that one believes. This work will discuss, specifically, the access to medicines, since the legalization of politics is directly related to the realization of fundamental rights.

KEYWORDS: Activism; Legalization; Policy Decisions; Medicines; Fundamental Rights.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda a contri-buição dada por Ronald Dworkin, em sua obra “Uma Questão de Princípios”, para o papel que as convicções políticas devem desempe-nhar nas decisões que os vários funcionários e cidadãos tomam sobre o que é Direito e quando ele deve ser imposto e obedecido, rejeitando a ideia de que o Direito e a política pertencem a mundos inteiramente diferentes e independentes, assim como a visão oposta, de que Direito e política são exatamente a mesma coisa e que os juízes que decidem casos constitucionais difíceis estão simplesmente votando suas convicções políticas pessoais como se fossem legisladores. A questão se dá sobre como os juízes decidem ou deveriam decidir casos controversos e neste trabalho será abordado a questão do acesso a medicamentos, uma vez que a judicialização da política está diretamente relacionada à concretização dos Direitos Fundamentais.

Deve-se refletir se o direito ao acesso a medicamentos, que está diretamente relacionado ao direito fundamental à saúde compreendido como um direito social, deve ser cumprido pelo Estado, se está no dever agir do Estado, assim como refletir se cabe ao poder judiciário suprir as lacunas do executivo e do legislativo através das demandas judiciais para que o Estado cumpra suas obrigações prestacionais ou trata-se de uma usurpação da função executiva da formulação de políticas públicas.

No Estado Democrático de Direito, em face do caráter compromissório da Constituição e da noção de sua força normativa, ocorre, por vezes, um deslo-camento do polo de tensão dos demais poderes do Estado em direção à justiça constitucional, ou seja, o que antes se focava na vontade geral (Legislativo) e no Estado Social no Executivo, pela necessidade de resolver problemas sociais a partir de políticas públicas, no Estado Democrático de Direito engendra-se uma nova formulação nessa relação, à medida que aumentam sensivelmente as demandas pela ação do Poder Judiciário, a ponto de se admitir que inércias do poder Exe-cutivo e do Legislativo podem ser supridas pela atuação do Poder Judiciário.172

172 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica, 3ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p.43

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I. PRINCÍPIO, POLÍTICA E PROCESSO PARA RONALD DWORKIN

Dworkin inicia sua obra indagando se os juízes devem decidir casos valendo-se de fundamentos políticos, de modo que a decisão seja não apenas a decisão que certos grupos políticos desejariam, mas também que seja tomada sobre o fundamento de que certos princípios de moralidade política são corretos, ou seja, em princípios políticos em que acredita.173

Para o autor existe uma resposta convencional para tal questão, a de que os juízes não devem tomar suas decisões baseando-se em fundamentos políticos, se reportando a Grã-Bretanha, onde os juízes efetivamente tomam decisões po-líticas, apesar do entendimento estabelecido de que não deveriam fazê-lo. Já nos Estados Unidos a opinião sobre o papel político dos juízes se encontra dividida. Um grande número de profissionais e estudiosos sustentam que as decisões judiciais são inevitáveis e corretamente políticas, e que os juízes atuam e devem atuar como legisladores. Porém esta opinião não é unânime nem mesmo entre os próprios juristas norte-americanos.174

Dworkin entende que ambas as visões estão equivocadas, pois este debate negligencia uma distinção importante entre dois tipos de argumentos políticos dos quais os juízes podem se utilizar ao tomar suas decisões. É a distinção entre argumentos de princípio político, que recorrem aos direitos políticos de cida-dãos individuais, e argumentos de procedimento político, que exigem que uma decisão particular promova alguma concepção do bem-estar geral. Segundo ele a visão correta é a de que os juízes devem basear os seus julgamentos de casos controvertidos em argumentos de princípios políticos, mas não em argumentos de procedimento político.175

Para definir a posição que julga estar correta estabelece os critérios de duas concepções estatais, ou seja, do que se entende por Estado de Direito. A primeira concepção ele denominou como “centrada no texto legal”, em que o governo, assim como os cidadãos comuns devem agir em conformidade com essas regras públicas até que elas sejam modificadas (positivismo jurídico). Já a segunda con-

173 DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2005, p.3

174 Idem, p.4175 Idem, p.6

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cepção denominada de “centrada nos direitos”, pressupõe que os cidadãos têm direitos e deveres morais entre si e direitos políticos perante o Estado como um todo, sem deixar de reconhecer o texto legal como fonte de direitos, mas nega o texto legal como fonte exclusiva de direitos.

Basicamente a concepção centrada no livro de regras determina que o Poder Judiciário deve decidir em casos controversos tentando descobrir o que está no texto jurídico, se utilizando de técnicas interpretativas e que os juízes nunca devem decidir tais casos com base em seu próprio julgamento político.

A concepção centrada nos direitos é mais complexa que a concepção cen-trada no texto legal, por buscar como respostas aos questionamentos políticos, a moral – o que não significa que o direito seja tomado por moralismos pessoais - sem deixar de reconhecer o texto legal como fonte de direitos. Segundo Dworkin a concepção centrada nos direitos insistirá em que pelo menos um tipo de questão política consiste justamente nas questões que juízes confrontados com casos con-troversos devem perguntar. A questão final é a de determinar se o queixoso tem o direito moral de receber no tribunal aquilo que exige. O texto jurídico é relevante para essa questão final.176

A concepção centrada no texto jurídico parece ser necessária a uma so-ciedade justa, porém isso não quer dizer que a aquiescência às leis seja suficiente para a justiça, pois suas regras podem ser injustas.177 Por outro lado, a concepção centrada nos direitos é, quase que certamente, uma sociedade justa, uma vez que os cidadãos não precisam exigir a imposição dos seus direitos como indivíduos, já que os funcionários, sábios e justos, protegerão tais direitos por sua própria iniciativa, embora possa ser mal administrada ou carecer de outras qualidades de uma sociedade desejável, como, por exemplo, do devido processo legal.

As duas concepções ainda diferem com relação à neutralidade filosófica. A concepção centrada nos direitos supõe que os cidadãos têm direitos morais, ou seja, outros direitos não declarados pelo direito positivo. Este entendimento é con-trovertido e, portanto, criticado com relação à quais direitos morais as pessoas têm.

A última diferença entre as duas questões está em determinar se os juízes devem tomar decisões políticas em casos controversos, isto é, em casos em que nenhuma regra explícita no livro de regras decide com firmeza a favor de qualquer

176 Idem, p.14177 Idem, p.8

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uma das partes. A concepção centrada no texto legal tem conselhos negativos e positivos a respeito de casos controversos. Argumenta positivamente, que os juízes devem decidir casos controversos tentando descobrir o que está realmente no texto jurídico, em um ou outro sentido desta afirmação. Argumenta negativamente, que os juízes nunca devem decidir tais casos com base em seu próprio julgamento po-lítico, pois uma decisão política não é uma decisão sobre o que está, em qualquer sentido, no texto legal, mas, antes, uma decisão sobre o que deveria estar lá. A concepção centrada no livro de regras defende a visão britânica convencional a respeito de juízes políticos.

Outra questão que surge, em relação aos casos controversos, não porque não há nada no livro de regras que tenha relação com a disputa, mas porque as regras que ali estão falam com voz incerta, e cada juiz tentará, de boa-fé, seguir o ideal do Estado de Direito segundo o livro de regras, tentando descobrir o que as palavras no texto legal realmente significam, trata-se, então, de um problema semântico. Outros preferem considerar que são as decisões e não as palavras que constituem o âmago da questão, ou seja, se presume que os legisladores, para exprimir suas decisões, empregam as palavras em seus sentidos padrão, trata-se de uma questão de psicologia de grupo.178

Por último tem-se a questão contrafactual em que os juízes devem fazer a pergunta certa, revelando o que está no texto jurídico efetivo. Dworkin vai susten-tar a sua tese da existência de uma (única) resposta correta para o caso concreto. Dworkin, logicamente sabe que qualquer texto possibilita várias leituras; o pro-blema da decisão judicial, no entanto, é que a mesma se dá como solução de um litígio concreto e envolve igualmente a interpretação dos fatos que configuram uma situação de aplicação única e irrepetível.179 “Não existem diferentes respostas, mas simplesmente perguntas erradas a fazer”180

A interpretação de um texto jurídico jamais será aleatória. Trata-se de compreender que lidamos com sintaxe e que não podemos isolá-la da semântica, tampouco entender a pragmática como “reserva técnico-hermenêutica” para re-solver insuficiências lógico-semânticas. Cabe destacar, que Dworkin, ao combinar princípios jurídicos com objetivos políticos, coloca à disposição dos juristas/intér-pretes um manancial de possibilidades para a construção de respostas coerentes

178 Idem, p.11179 STRECK, Luiz Lenio. Verdade e Consenso, 5ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2015, p.348180 DWORKIN, Ronald. Op Cit (2005), p.16

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com o direito positivo, que confere uma blindagem à discricionariedade. No Plano das decisões judiciais não se pode decidir de qualquer modo, as normas públicas devem ser criadas e vistas, na medida do possível, de modo a expressar um sistema único e coerente de justiça e equidade na correta proporção.181

Um juiz que segue a concepção do Estado de Direito centrada nos direitos tentará, num caso controverso, estruturar algum princípio que, para ele, capta, no nível adequado de abstração, os direitos morais das partes que são pertinentes às questões levantadas pelo acaso. Mas ele não pode aplicar tal princípio a menos que este, como princípio, seja compatível com a legislação, no seguinte sentido: o princípio não deve estar em conflito com os outros princípios que devem ser pressupostos para justificar a regra que está aplicando ou com qualquer parte considerável das outras regras.

Assim, um juiz que segue a concepção centrada nos direitos não deve de-cidir um caso controverso recorrendo a qualquer princípio que seja incompatível com o repertório legal de sua jurisdição. Mas, ainda assim, deve decidir muitos casos com bases em fundamentos políticos, pois, nesses casos, os princípios mo-rais contraditórios diretamente em questão são, cada um deles, compatíveis com a legislação. Dois juízes decidirão um caso controverso de tal tipo de maneiras diferentes porque defendem visões diferentes quanto aos direitos morais de fundo dos cidadãos. Assim, sua decisão é uma decisão política e é exatamente esse tipo de decisão que a concepção centrada na legislação condena.182

Por que é errado juízes tomarem decisões políticas segundo a concepção centrada nos direitos? O argumento, baseado na democracia, é o de que a decisão de um legislativo eleito pela maioria do público é, em última análise, a melhor maneira de decidir questões sobre direitos que têm os cidadãos individuais. A legislação pode ser um processo mais preciso que outros para decidir o que são os direitos, além disso, em alguns casos, o público que elege legisladores irá, com efeito, participar da discussão sobre se alguém tem ou não direito a algo. É im-provável que o legislativo tome decisões que ofendam a ordem pública. Se isso acontecer, o governo cairá, sendo substituída a legislatura por outra. Mas se os juízes tomarem uma decisão ultrajante, o público não poderá substituí-lo e acabará perdendo o respeito não só por eles, mas pelas instituições e processos do próprio

181 DWORKIN, Ronald. O Império dos Direitos. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003, p,264

182 DWORKIN, Ronald. Op Cit (2005), p.16

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Direito, e a comunidade, como consequência, será menos estável e coesa. Esse argumento insiste que os juízes não devem fazer julgamentos políticos pois isto levará à diminuição do respeito à lei.183 Dworkin discorda e refuta tal entendimento.

No entanto a estabilidade política pode ser um argumento contra a legis-lação que, deliberada ou inadvertidamente, deixa a decisão de questões politica-mente sensíveis aos juízes.

O que deve ser levado em conta é: Se todo poder político fosse transferido para os juízes, a democracia e a igualdade do poder político seriam destruídas. A democracia supõe igualdade de poder político, e se as decisões políticas genuínas são tiradas do legislativo e entregues aos tribunais, então o poder político dos cidadãos individuais, que elegem legisladores e não juízes, é enfraquecido, o que não é justo, porém este entendimento não parece ser unânime.

Dworkin conclui que pode ser salutar a transferência de decisões políti-cas de um poder para o outro, pois, abstratamente, não há nenhuma razão para pensar que a transferência de decisões retardará o ideal democrático da igualdade do poder político,184 e uma atuação inibida do Judiciário, ou seja, uma contenção exagerada, pode gerar tantos males ou prejuízos quanto um desmedido ativismo.

A visão de Dworkin é a de que os tribunais devem tomar decisões de prin-cípios e não de política – decisões sobre que direitos as pessoas têm sob o sistema constitucional, não decisões sobre como se promove o bem-estar geral, e que deve tomar essas decisões elaborando e aplicando a teoria substantiva da representação, extraída do princípio básico de que o governo deve tratar as pessoas como iguais. Mesmo em casos controversos os argumentos que os advogados devem propor e os juízes aceitarem são antes argumentos de princípio do que de política, e que é assim que deve ser. Mesmo em casos em que a lei é nebulosa, não estabelecida ou inexistente, o queixoso deve afirmar que tem direito a vencer e não meramente que a sociedade ganharia se ele vencesse e o juiz irá conceder o direito se conven-cido de que ele tem direito a esse benefício ou irá negá-lo se convencido de que o queixoso não tem direito a tal benefício.185

Lenio Streck é do mesmo entendimento quando diz que a decisão estará adequada na medida em que for respeitada, em maior grau, a autonomia do direito,

183 Idem, p. 17 a 28184 Idem, p.30 a 32185 Idem, p.101 a 113

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evitada a discricionariedade e respeitada a coerência e a integridade do direito, a partir de uma detalhada fundamentação. A resposta adequada à Constituição deve ser de princípios e não de política, isto é, não se pode criar um grau zero de sentido a partir de argumentos de política, que justificariam atitudes meramente baseadas em estratégias econômicas, sociais e morais.186

Dworkin explica que os juízes que aceitam o ideal interpretativo da inte-gridade decidem casos difíceis tentando encontrar, em algum conjunto coerente de princípios de justiça, equidade e devido processo legal, a melhor interpretação de estrutura política e da doutrina jurídica de sua comunidade, da melhor forma possível.187188

Em suma, a leitura moral da constituição, com os aportes da teoria in-tegrativa de Dworkin representa uma blindagem contra interpretações deslegi-timadoras e despistadoras do conteúdo que sustenta o domínio normativo dos textos constitucionais. Em outras palavras, é uma forma de se evitar ativismos necessariamente ligados às práticas discricionárias e ou arbitrárias.

A leitura moral da Constituição não é a leitura do juiz, centrada na sua consciência, valores, opiniões, não é uma interpretação voluntarista, individual, é uma interpretação constitucional, democrática, integrada.189

186 STRECK, Lenio. Verdade e Consenso. 5ªed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014, p.624187 DWORKIN, Ronald. Op Cit (2003), p. 305188 Existem duas concepções clássicas: Interpretativism e Noninterpretativism. Segundo Dworkin as

teorias geralmente classificadas como não interpretativas, as que nos parecem mais ativistas ou liberadas do texto efetivo da Constituição, não desconsideram nem o texto da Constituição nem os motivos dos que a fizeram; antes procuram colocá-los no contexto adequado. Os Teóricos não interpretativistas afirmam que o compromisso de nossa comunidade jurídica com esse documento particular, com esses dispositivos estabelecidos por pessoas com esses motivos, pressupõe um compromisso prévio com certos princípios de justiça política que, se devemos agir com responsabilidade, devem, por conseguinte, ser refletidos pela maneira como a Constituição é lida e aplicada. DWORKIN, Ronald. op cit (2005), p. 45

189 OLIVEIRA, Fábio Corrêa de Souza. Morte e Vida da Constituição Dirigente. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p.130

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II. JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ATIVISMO JUDICIAL

O nosso direito pátrio critica com veemência o ativismo judicial, em que os juízes fazem os seus próprios juízos políticos e morais.

O ativismo e a judicialização são temas que frequentam as grandes discus-sões da teoria jurídica brasileira. O acentuado protagonismo do Poder Judiciário vem despertando, não só no Brasil, pesquisas que buscam a explicação deste fenômeno. Para Barroso o ativismo e a judicialização são fenômenos próximos, mas distintos sendo que eles não possuem as mesmas origens.

A judicialização da política representa um conjunto de coisas sobre as quais o judiciário não possui controle. São fatores preexistentes em relação à sua ativi-dade e atuação. São razões de ordem político-sociais que em virtude do aumento da litigiosidade, leva ao imaginário difuso enxergar no Poder Judiciário o lugar legítimo para se discutir questões que, antes eram debatidas no âmbito político.190

Segundo Lenio Streck,

Em um país como o Brasil, em que a Constituição estabeleceu um catálogo de direitos sociais que são também fundamentais (presta-cionais), é inevitável que ocorra um acentuado grau de judicialização da política. Isto porque, em um país de modernidade tardia, ocorre um déficit de prestações sociais no plano das políticas públicas. Na medida em que o governo não as faz, a população corre para o judiciário. Pronto: tudo fica judicializado, desde o fornecimento de remédios à construção de escolas, oferta de vagas, etc...191

De acordo com José Eisenberg, a judicialização da política é um processo complexo composto por dois movimentos distintos: o primeiro refere-se a um processo de expansão dos poderes de legislar e executar leis do sistema judiciário, representando uma transferência do poder decisório do Poder Executivo e do Poder Legislativo para os juízes e tribunais – isto é, uma politização do judiciário; e o segundo é a disseminação de métodos de tomada de decisão típicos do Poder Judiciário nos outros Poderes.192

190 OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Judicialização não é Sinônimo de Ativismo Judicial. 1º de dezembro de 2010. Disponível em: <http//www.conjur.com.br> Acesso em: 09/09/2013

191 STRECK, Lenio Luiz. Seminário Internacional Direitos Fundamentais no Estado Socioambiental, 16 de setembro de 2013. Disponível em: <http//amp-rs.jusbrasil.com.br/notícias> Acesso em 16/09/2013

192 EISENBERG, José apud VALLE, Vanice Regina Lírio do. Ativismo Jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá Editora, 2009, p.33

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Segundo Vanice Lirio do Valle, a judicialização da política a partir da constituição de 1988 se manifesta como um fenômeno caracterizado pela presen-ça expansiva dos direitos fundamentais, suas garantias e as instituições postas a seu serviço. É compreensível o entusiasmo com que a cidadania tenha se lançado na persecução jurisdicional dos direitos assegurados pelo Novo Texto Fundante, supostamente não garantidos no todo ou em parte, no entanto, por outro lado, previsíveis são os riscos de uma tendência a um ativismo de parte de um Judiciário que, apontado como garantidor desses mesmos direitos, vê-se tentando ampliar o seu espaço de atuação, em nome do valor maior de proteção à dignidade da pessoa.193

Por certo que este fenômeno não é uma exclusividade brasileira. Há uma certa expansão do Poder Judiciário acontecendo, em maior ou menor grau, no ce-nário mundial. Para Luís Roberto Barroso, no contexto brasileiro, a judicialização é uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Assim, o Judiciário decide porque era o que lhe cabia fazer, logo a judicialização não decorre da vontade do Judiciário, mas, sim, do constituinte.194

Conforme Werneck Vianna, após a promulgação da Constituição Fede-ral de 1988, testemunhou-se um crescente processo de judicialização da política, resultante de uma progressiva apropriação das inovações da Carta de Outubro por parte da sociedade e de agentes institucionais, notadamente governadores e Ministério Público.195

Portanto, fica evidenciado que a judicialização é um fenômeno que independe dos desejos ou da vontade do Poder Judiciário. A judicialização, na verdade, é um fenômeno que está envolvido por uma transformação cultural profunda pela qual passaram os países que se organizam politicamente em torno do regime democrático.196

193 VALLE, Vanice Regina Lírio do. Políticas Públicas, Direitos Fundamentais e Controle Judicial. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p.97

194 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Bahia, nº18, abr/mai/jun 2009, p.5. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/artigo/luis-roberto-barroso Acesso em: 13/08/2014

195 VIANNA, L.J.W; BURGOS, Marcelo Baumann; MELO, Manuel Palacios Cunha; CARVALHO, Maria Alice Resende de. A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan,1999, p.53

196 OLIVEIRA, Rafael Tomaz. op cit

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Já o ativismo possui uma raiz completamente diversa. Este sim, liga-se a um desejo do órgão judicante com relação à possibilidade de alteração dos con-textos político-sociais. Pode ser conservador ou progressista. No final, o resultado é o mesmo: o judiciário agindo por motivos de convicção e crença pessoal do magistrado, e não em face da moralidade instituidora da comunidade política.197

Segundo Barroso “O ativismo é uma atitude, a escolha de um modo espe-cífico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance, para ir além do legislador ordinário”.198

A expansão do ativismo amplia o espaço público de debate sobre questões morais e políticas na sociedade, que ganha uma nova arena, o Poder Judiciário, o qual assume papel protagonista na concretização dos direitos fundamentais previstos na Constituição.199

Nas palavras de Lenio Streck,

Enquanto a judicialização é contingencial, o ativismo ocorre quando os juízes e tribunais se substituem ao legislador e ao Poder Executivo fazendo juízos políticos e morais sobre a legislação e sobre o modo de administrar. O problema é que cada juiz faz o seu próprio juízo político e moral. O resultado é uma fragmentação das decisões. Assim ao invés de os Governos elaborarem políticas públicas, aca-bam gastando energias para atender demandas ad hoc. E isso acaba sendo interessante para os governos, porque ao invés de concederem remédios e proporcionarem internamentos através de políticas para todos, eles fornecem advogados para que as pessoas ingressem com ações. E isso forma um círculo vicioso.200

Cabe novamente lembrar que ativismo judicial e judicialização da política são coisas que se confundem, por vezes, na “teoria constitucional contemporânea” do início do século XXI, especialmente por fazerem parte de um gênero maior, o protagonismo judicial. Assim, enquanto se tem no ativismo judicial – uma das modalidades de protagonismo – a feição promotora dos fins sociais postos na Constituição, na outra face do protagonismo judicial, a judicialização, encontra-se um movimento migratório do poder decisório próprio do Legislativo para o Judiciário. Tal movimento ocorre como uma espécie de estratégia de transferência

197 Ibidem198 BARROSO, Luís Roberto. op cit, p.5199 BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz; KOZICKI, Katya apud OLIVEIRA, Heletícia Leão.

Reflexões sobre a Judicialização do Direito Fundamental à Saúde a partir do Ativismo Judicial. Revista Juris Poiesis, ano 16, nº16, 2013, v .p.429, p.407

200 STRECK, Lenio Luiz. Op cit (seminário 2013)

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de poderes (que se movimentam do Legislativo para o Judiciário), sonegando uma série de temas controversos do debate público.201

A Constituição brasileira contém um leque de direitos fundamentais sociais inexistentes em outras Constituições, consequentemente, a judicialização se tornou inexorável. No entanto, o principal problema está na confusão que se faz entre judicialização, que é contingencial, ou seja, ela não é um mal em si, e ativismo, que é uma forma antidemocrática de substituição dos juízos morais, políticos e econômicos que devem ser feitos pelos Poderes Executivo e Legislativo. Se a judicialização é inevitável, foi pela falta de um efetivo controle hermenêutico das decisões judiciais que esta, a judicialização, foi transformada em vulgata do ativismo.202

Em países de modernidade tardia, como o Brasil, na inércia/omissão dos Poderes Legislativo e Executivo no cumprimento do catálogo de direitos funda-mentais (saúde, função social da propriedade, direito ao ensino fundamental, etc.…), não se pode abrir mão da intervenção da justiça constitucional na concreti-zação dos direitos constitucionais de várias dimensões. Daí crescer em importância a necessidade de uma teoria da decisão judicial.

Democracia, neste caso, quer dizer controle das decisões, que implica na presença de uma doutrina que doutrine e que produza “constrangimentos episte-mológicos” para censurar as decisões do Judiciário que sejam feitas por políticas e não por princípios. A democracia corre perigo se a aplicação do direito pelos Tribunais é feita sem uma adequada teoria da decisão judicial.203

Nas palavras de Lenio Streck,

Se no modelo de direito liberal (século XIX, modo simples) tínhamos a prevalência do Legislativo e no Estado Social a prevalência do Executivo, nesta quadra, no auge do constitucionalismo compromis-sório, o Poder Judiciário cresceu sobremodo. E, mormente, no Brasil, no vácuo do Poder Executivo e Legislativo, acabou por tomar para si tarefas que não lhe dizem respeito. Por isso, temos que controlar as decisões judiciais. Democracia é controle. Como fazer isso? Com uma consistente teoria da decisão. Não se pode aceitar decisões mal fundamentadas ou fundamentadas na vontade individual de um membro do judiciário.204

201 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p.47

202 Idem, p.121 203 Idem, p.122 204 STRECK, Lenio Luiz. Op cit (seminário 2013)

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É nesse ponto que se faz necessário enfrentar questões relacionadas à postura do juiz, ou seja, é importante ressaltar o problema da manifestação da ver-dade no próprio ato judicante que não pode se reduzir a um exercício da vontade do intérprete, como se a realidade fosse reduzida à sua representação subjetiva.

Se for feita uma análise do problema, ou seja, dentro de quais limites deve ocorrer a decisão judicial, ficará evidente que as teorias que apostam na vontade do intérprete acabam possibilitando discricionariedades e arbitrariedades. Em regimes e sistemas jurídicos democráticos, não há espaço para que “a convicção pessoal do juiz” seja o critério para resolver as indeterminações da lei, enfim, os casos considerados difíceis.205

Segundo Streck,

Quando critico o “solipsismo judicial” ou, o que é a mesma coisa, as “decisões conforme à consciência do julgador”, tenho em mente a tese de que as decisões judiciais não devem ser tomadas a partir de critérios pessoais, isto é, a partir da consciência psicologista [...]. A justiça e o Judiciário não podem depender da opinião pessoal que juízes e promotores tenham sobre as leis ou fenômenos sociais, até porque os sentidos sobre as leis (e os fenômenos) são produtos de uma intersubjetividade, e não de um indivíduo isolado.206

Na especificidade do direito brasileiro, a grande conquista foi a consti-tuição, sem dúvida a mais democrática do mundo. Esse é o vetor que deve con-formar a atividade do jurista.207 Vivemos em um Estado Constitucional no qual a lei continua ocupando um lugar relevante enquanto expressão do princípio democrático, e a questão que se coloca é a de saber se essa atuação dos tribunais pode ser considerada constitucionalmente legítima.

205 STRECK, Lenio Luiz. O Que é Isto - Decido Conforme Minha Consciência? 4ªed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p.50 e 58

206 Idem, p.117207 Idem, p.114

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III. AS DECISÕES NOS CASOS DIFÍCEIS

A preocupação de Dworkin está voltada para os casos difíceis, imbuídos de graves controvérsias, em que concorrem várias normas que levam a julgados distintos ou contraditórios, bem como quando não há norma aplicável, e é nestes casos que os princípios afiguram ter uma importância destacada.

Para este autor o gênero norma jurídica se divide em duas espécies: regras e princípios. Em termos sucintos, segundo a sua lição amplamente acolhida, as regras estão no plano da validade, o que significa que, quando há conflito entre duas (ou mais) regras, somente uma irá reger, completamente, a situação, com a exclusão da (s) restante (s); ao invés, os princípios ostentam uma dimensão des-conhecida das regras, não exigem regulação integral ou excludente, ou seja, dois ou mais princípios podem, simultaneamente, regular a mesma questão, já que a colisão entre princípios é resolvida pela ponderação, a qual determina o peso relativo de cada um em função da concretude do caso.208

A tese dworkiana deve ser entendida como uma superação da discri-cionariedade positivista justamente através dos princípios. As regras devem ser lidas a partir de Dworkin como um contraponto ao dedutivismo, subsunção e, principalmente, a qualquer pressuposto da filosofia da consciência.

Já no caso, quando a norma é inexistente, omissa, nebulosa o juiz estaria autorizado a utilizar-se de princípios implícitos à prática, porém, com finco em um ou mais princípios. Nem mesmo nos casos difíceis há discricionariedade, sendo dever do juiz descobrir quais são os direitos e as obrigações envolvidas.209 Apesar do entendimento de que o juiz, embora inevitavelmente criador do direito, não é necessariamente um criador completamente livre de vínculos.210Portanto, Dworkin contesta a tese de que, nos casos difíceis, os juízes não estão vinculados por qualquer norma de Direito.211

Dworkin apresenta, então, a tão debatida tese da única resposta certa, ou seja, não existe resposta certa para cada hipótese, mas, sim, uma única resposta

208 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos à Sério. Tradução: Nelson Boeira. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2002, p.42 a 44

209 OLIVEIRA, Fábio Corrêa.Souza de. Op cit, p.123210 Idem, p. 131211 Idem, p.121

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correta para cada problema, não existindo possibilidade de escolhas entre respostas certas. Isto quer dizer que não existe discricionariedade. O juiz é o encarregado de procurar e declarar esta resposta, é o que ele denomina de juiz Hércules212, que é um tipo ideal e metafórico criado por Dworkin para demonstrar a tese da resposta certa.

O Direito e a Moral fornecem apenas uma solução para cada situação, mas se não existir nenhuma resposta certa, em um caso controverso, isso deve acontecer em virtude de algum tipo mais problemático de indeterminação ou incomensurabilidade na teoria moral.213

A resposta correta será a constitucionalmente adequada, segundo Streck. Uma norma que é sempre o produto da interpretação de um texto somente será válida se estiver de acordo com a Constituição. O intérprete deve, antes de tudo, compatibilizar a norma com a Constituição, conferindo-lhe a totalidade eficacial, através da utilização dos diversos recursos hermenêuticos que a tradição nos legou (interpretação conforme, nulidade parcial sem redução de texto, apelo ao legislador).

Nas palavras de Streck,

Todo ato interpretativo é ato de jurisdição constitucional. Mesmo quando o problema parece estar resolvido mediante aplicação da regra, deve, o intérprete verificar se o princípio que subjaz à regra não aponta em outra direção.214

Para Habermas a resposta correta se dá na adequação do discurso pre-viamente fundamentado com a situação concreta, isto porque, em Habermas, ocorre um deslocamento da fundamentação, ou seja, não se trata de fundamentar cada norma concreta, mas, sim, as bases do sistema jurídico, que para ele, ocorre em um ato prévio, a partir de uma série de requisitos; uma norma a ser aplicada deve ter sua validade fundamentada e, portanto, deve estar apta a mostrar a sua aceitabilidade.215

212 O Juiz Hércules é um jurista dotado de habilidade, erudição, paciência e perspicácia sobre-humanas.

213 DWORKIN, Ronald. Op cit (2005), p.213 a 215214 STRECK, Lenio LUIZ. Crítica Hermenêutica do Direito. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2016, p.91215 HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, 2ª edição. Tradução

de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 2003, p.272

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Em síntese, a tese fundamentada na hermenêutica, porque lastreada na incindibilidade entre texto e norma e entre fundamentação e aplicação, admite que se encontre sempre a resposta: nem única nem entre várias possíveis. Trata-se de afirmar que a resposta correta traduz uma resposta verdadeira.216

É certo que tanto a teoria de Habermas como de Dworkin na solução de casos controversos (hard cases) não passam de uma idealização. Assim como o ma-gistrado hercúleo, de Dworkin, é irrealizável, o processo discursivo habermasiano não possui amparo na realidade, constituindo uma utopia.

Para Oliveira, a razão comunicativa de Habermas, e o Hércules que tudo sabe, de Dworkin, são contrafáticos porque são idealizações, conforme, aliás, ad-mitem os próprios autores. No plano do ideal, não há possibilidade de contraditar, pois tudo é perfeito, não há falha, não há perversão. É permitido tanto visualizar um acordo racional derivado de um procedimento dialógico a partir da presença dos requisitos discursivos quanto o Juiz Hércules capaz de apresentar, uma única resposta certa.217

Seja como for, quanto mais democrático o processo, maiores são as chan-ces de uma boa/justa decisão. Não teria sentido, nesta quadra da história em que alcançamos um elevado patamar de discussão democrática do direito, viéssemos a depender da discricionariedade dos juízes na discussão dos denominados hard cases, pois significaria substituir a democracia pela vontade dos juízes.

IV. CONSIDERAÇÕES SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO NO DIREITO AO ACESSO A MEDICAMENTOS

Os direitos fundamentais à vida e à saúde são direitos subjetivos inalie-náveis, constitucionalmente consagrados, cujo primado, em um Estado de Direito Democrático, que reserva especial proteção à dignidade humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais, além de exigir do Estado prestações po-sitivas no sentido de garantia, efetividade da saúde, sob pena de ineficácia de tal direito fundamental.

216 STRECK, Lenio. Op cit (2014), p.372217 OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza de. Op cit, p.138

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Esses direitos se vinculam a ideia de que é incumbência do Estado disponibilizar os meios materiais e o implemento das condições fáticas aptas a possibilitarem o exercício desses direitos.218 O conceito de saúde no Brasil pode ser compreendido como o direito do indivíduo e o dever do Estado de garantir, além da ausência de doenças, condições de vida que possibilitem o seu bem-estar.219

Se o cumprimento do dever estatal de promoção à saúde é negligenciado, o caminho natural é que haja uma invocação judicial desse direito social, em de-terminada situação concreta. Por isso, no campo do direito à saúde, muitas vezes questões complexas são postas à apreciação do órgão judicante.220

E é por isso que em relação ao acesso à saúde (medicamentos, diagnós-ticos, tratamentos, etc...), o STF tem defendido a tese de que cabe na competência do Poder Judiciário evitar que omissões do poder político façam perecer os direitos fundamentais previstos na Constituição, chamando, assim, a si, novas compe-tências, por um processo cujos efeitos são ampliados pelo instituto das súmulas vinculantes, que permite ao STF transformar suas decisões em verdadeiras normas constitucionais, que devem ser cumpridas por todos os juízes e tribunais brasileiros enquanto o STF não as revogar.221

Por mais correto que possa parecer, não consiste em um caminho que fortaleça a cidadania e a democracia, uma vez que o Poder Judiciário não pode exercer funções e tomar decisões que não cabem nas suas competências constitu-cionais, violando, assim, a separação dos poderes. Para Streck “O Poder Judiciário não pode se substituir aos demais poderes e realizar políticas públicas”222

Lenio Streck faz uma crítica às súmulas, segundo ele “As súmulas são uma espécie de adiantamento de sentido ou uma cautelar hermenêutica com efeito satisfativo. Elas são aplicadas independentemente das peculiaridades do caso concreto”.223

218 SARLET. Ingo. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 11ª ed. Porto Alegre: livraria do Advogado, 2012, p.195

219 GUISE, Mônica Steffen. Comércio Internacional, Patentes e Saúde Pública. Curitiba: Juruá Editora, 2007, p.66

220 OLIVEIRA, Heletícia Leão. Reflexões sobre a Judicialização do Direito Fundamental à Saúde a partir do Ativismo Judicial. Revista Juris Poiesis, ano 16, nº 16, v. p 401 – 429, 2003, p.418

221 NUNES, Antonio Jose Avelâs. Os Tribunais e o Direito à Saúde. Revista Juris Poiesis, Rio de Janeiro, ano 14, nº14, v. p. 473-490, jan-dez 2011, p.474

222 STRECK, Lenio Luiz. Op cit (2013), p.45 223 STRECK, Lenio Luiz. Op cit (seminário 2013)

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É certo, que cabe ao Poder Judiciário, a missão de garantir o cumpri-mento das leis vigentes e a efetivação do direito à saúde e à vida dos cidadãos, devendo este prevalecer sobre qualquer outra norma do ordenamento jurídico, inclusive sobre critérios de conveniência e oportunidade da administração pública e da teoria da reserva do possível.224 A intervenção judicial decorre do papel do judiciário enquanto guardião da Constituição e dos direitos fundamentais, sem levar, no entanto, a uma violação ao princípio da separação dos poderes.

Não se trata de uma faculdade dos administradores públicos ou do Po-der Legislativo cumprir a Constituição. Embora possa haver discricionariedade quanto aos meios para se efetivar um direito social, sua efetivação é uma obrigação constitucional e, para não cumprir, deve existir um ônus argumentativo da parte dos poderes políticos.225

Segundo Ana Paula de Barcellos, na área de saúde existe um conjunto de prestações que são exigíveis diante do judiciário por força e em consequência da Constituição. Tais prestações, que fazem parte do mínimo existencial, sem o qual restará violado o núcleo da dignidade da pessoa humana, são oponíveis e exigíveis dos poderes públicos constituídos.226

O direito à saúde é um direito coletivo, um direito de todos ao acesso universal e igualitário às prestações dos serviços de saúde, um direito que o Es-tado deve garantir através de políticas públicas sociais e econômicas, e não ape-nas através do tratamento na doença e da entrega de medicamentos, mas antes, prioritariamente, através de medidas que visam a redução do risco de doença.227

Os recursos financeiros afetados à satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais hão de ser distribuídos de modo a atender a cada um dos vários direitos (saúde, educação, trabalho, habitação, etc.…), e esta distribuição encontra-se no terreno das escolhas políticas que não cabem na competência dos tribunais. Nenhum país dispõe de recursos financeiros para satisfazer todas as necessidades de saúde de todas as pessoas.228

224 NUNES, Antonio Jose Avelâs. Op cit, p. 475225 BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz; JUNG, Thais Michele Winkler. Ativismo Judicial e Judicial

Self Restraint nas Decisões do Supremo tribunal Federal sobre Reserva do Possível. Revista Juris Poiesis, ano 15, nº 15, v.p.143 – 166, 2012, p.153

226 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.272 e 273

227 NUNES, Antonio Jose Avelâs. Op cit, p. 476228 Ibidem

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Caberá ao Judiciário determinar o fornecimento das prestações de saúde que compõem o mínimo, e que se encontram no dever de agir do Estado, mas não poderá fazê-lo em relação a outras, a não ser que tomem a forma de uma lei.229

Pode ocorrer, de medicamentos que constam nas listas do Ministério da Saúde ou de políticas públicas Estaduais e Municipais, não estarem disponíveis à população por problemas de gestão. Logo, o cidadão não pode ser punido pela ação administrativa ineficaz ou pela omissão do gestor do sistema de saúde em adquirir os medicamentos considerados essenciais. Fica, então, nesse caso, confi-gurado um direito subjetivo à prestação de saúde passível de efetivação por meio do Poder Judiciário230. Existindo o dever de agir do Estado, não cabe a alegação da reserva do orçamento.

O Supremo Tribunal Federal em decisão na Arguição de Preceito Funda-mental nº 45 – DF, que teve como relator o Ministro Celso de Mello entendeu que a atribuição de formular e de implementar políticas públicas reside, primariamente no poder Legislativo e Executivo, porém tal incumbência poderá ser atribuída ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.

Para Vanice Lírio do Valle, o direito à saúde deve ser assegurado em benefício de todos, não podendo ser protegido tão-somente na esfera individual de um cidadão,

Os direitos sociais, nos termos em que eles foram consagrados na carta de outubro, pretende assegurar, não uma prestação em concreto em favor de A ou B, mas sim um estado permanente de atenção prio-ritária a uma faceta do modo de existir dos cidadãos. Não se tutela o direito social à saúde quando se determina a entrega de coquetel de combate a AIDS em favor do autor-paciente “A”, mas sim quando se desenvolve e mantém um programa de distribuição desse mesmo remédio, à coletividade que dele necessite. Têm-se, no exemplo, a visível transição de uma concepção individualista, para a social – universalista, como pretendem ser os direitos fundamentais.231

229 BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit , p.274230 MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2011, p.707231 VALLE, Vanice Lírio do. Direitos Sociais e Jurisdição: Riscos do Viver Jurisdicional de um Modelo

Teórico Inacabado. In: KLEVENHUSEN, Renata Braga. Direito Público & Evolução Social – 2ª série. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, v. p.309-328, p.15

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O que se deve dar é prioridade às despesas com a saúde comunitária através de políticas públicas seriamente estruturadas e programadas e não pri-vilegiar despesas com tratamentos e medicamentos que satisfaçam necessidades individuais de determinados doentes (ainda mais se estes forem apenas uma es-cassa minoria que tem condições para ir ao tribunal exigir a sua satisfação), como tem feito o Judiciário.232

Cabe ressaltar que ao Estado não apenas é vedada a possibilidade de tirar a vida, mas também a ele se impõe o dever de proteger ativamente a vida humana, já que esta constitui a própria razão de ser do Estado, além de pressuposto para o exercício de qualquer direito (fundamental ou não). Negar ao indivíduo os recursos materiais mínimos para a manutenção de sua existência pode significar em última análise, condená-lo à morte por inanição, por falta de atendimento mé-dico, etc... Assim cabe ao Estado Social prever as condições existenciais mínimas ao cidadão. O argumento da falta de recursos ou da reserva do possível não pode ser utilizado como um argumento impeditivo da intervenção judicial e desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, especialmente de cunho social.233

Segundo Ada Pelledrini Grinover, descumprido o mínimo existencial, é justificada a intervenção do Judiciário nas políticas públicas, dando ensejo à imediata judicialização dos direitos.234

O que não se pode esquecer é que nem a previsão de direitos sociais na Constituição, nem sua positivação na esfera infraconstitucional têm o condão de, por si só, produzir o padrão desejável de justiça social, já que fórmulas exclusiva-mente jurídicas não fornecem o suficiente instrumental para a sua concretização, assim como a efetiva implantação dos direitos sociais a prestações não pode ficar na dependência exclusiva dos órgãos judiciais, por mais que estes cumpram des-tacado papel nesta esfera.235

O Poder Judiciário não apenas pode como deve zelar pela efetivação dos direitos fundamentais sociais, mas ao fazê-lo haverão de obrar com a máxima cautela e responsabilidade, seja ao concederem, ou não, um direito subjetivo a

232 NUNES, Antonio Jose Avelâs. Op cit, p. 479233 SARLET, Ingo Wolfgang. Op cit, p.351 et seq234 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas. Rio

de Janeiro: Editora Forense, 2013, p. 133235 SARLET, Ingo Wolfgang. Op cit, p.355

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determinada prestação social, seja quando declararem a inconstitucionalidade de alguma medida restritiva e/ou retrocessiva de algum direito social, sem que tal postura, como já esperamos ter logrado fundamentar, venha a implicar necessa-riamente uma violação do princípio democrático e do princípio da separação dos poderes.236 O STF defende que a intervenção dos tribunais nestas questões sempre decorrerá, do ponto de vista da separação dos poderes, numa linha de fronteira muito difícil de definir.

Porém, para Streck,

No Brasil, a questão é bem mais complexa, até pela previsão de direitos sociais no texto constitucional. O problema, portanto, não reside na mera concessão de liminares na área da saúde ou na educação, para citar dois delicados campos sociais. Essa questão se complexou no momento em que os juízes confundiram judicialização com ativismo, optando pelo segundo. Com isso, O Estado deixou de elaborar políticas públicas para atender – por vezes “comodamen-te” – as determinações judiciais, o que enfraquece a cidadania.237

Mais uma vez há de se destacar, que o direito à saúde está inserido na esfera política. Segundo Sarlet “Um planejamento político-administrativo constitui condição procedimental e organizacional para a eficácia e efetividade dos direitos fundamentais sociais”.238

O próprio STF tem reconhecido a necessidade de redimensionar a ques-tão da judicialização do direito à saúde no Brasil, e parece aceitar que o Poder Judiciário não pode interferir na criação e implementação de políticas públicas em matéria de saúde. A necessidade de intervenção judicial não ocorre em razão da absoluta omissão dos outros poderes constituídos, mas sim, em razão de uma de-terminação judicial que concretize o cumprimento da política pública estabelecida. Assim, não se trata de interferência judicial no campo da livre apreciação ou da discricionariedade dos demais poderes quanto à específica definição de políticas públicas, mas pela possibilidade de exigência de sua efetividade.239

De acordo com Vanice Lirio do Valle, no STF assim como no STJ a discus-são do tema das políticas públicas no segmento de saúde se vem sedimentando, com a incorporação da dimensão coletiva – seja pelo enunciado das decisões mais recentes, seja pela abertura a uma maior participação da sociedade em tema que lhe diz de perto.240

236 Idem, p.356 237 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 4ª ed, 2ª tiragem. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p.195238 SARLET, Ingo Wolfgang. Op e loc cit 239 BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz, JUNG, Thais Michele Winkler, Op cit, p.162240 VALLE, Vanice Regina Lírio do. Ativismo Jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá

Editora, 2009, p.132

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CONCLUSÃO

Segundo a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o Es-tado tem à responsabilidade de promover o acesso universal à saúde e isto não se discute, uma vez que vivemos em um Estado Constitucional no qual a lei continua ocupando um lugar relevante enquanto expressão do princípio democrático.

A questão que se colocou se dá sobre a legitimidade da interferência do Poder Judiciário na omissão do Poder Executivo, e, portanto, em matéria orça-mentária.

É certo que, segundo Dworkin, ocorrendo uma omissão por parte do Poder Legislativo ou no caso de leis nebulosas, genéricas, poderá o Poder Judiciário criar a norma do caso concreto sempre com finco em um ou mais princípios, ou seja, entre princípio e diretriz política, deve preponderar o princípio. No entanto, foi possível perceber que na obra estudada, Dworkin não entra na discussão sobre a transferência das competências do Poder Executivo para o Poder Judiciário. Seria para ele, assim como do Legislativo para o Judiciário, também salutar ou até ine-vitável a intervenção judicial no controle de políticas públicas?

Vimos que os direitos sociais, são direitos coletivos, ou seja, devem ser garantidos em benefício de todos e nas mesmas condições para todos. A sua efetiva satisfação não pode ser buscada através de medidas avulsas de juízes que decidem, caso a caso, se este ou aquele doente tem direito a este remédio ou a esta intervenção cirúrgica. Outrossim, ainda existe a questão do acesso à justiça, ou seja, a grande maioria dos necessitados não tem acesso a uma demanda judicial. Neste contexto, o recurso aos tribunais para fazer valer o direito à saúde ou qualquer outro direito social não só não tornará esses direitos efetivos para todos, como acentuará as desigualdades e injustiças no acesso a eles.

É certo que a intervenção do poder judiciário não está relacionada a defi-nição de políticas públicas, mas, sim, a concretização ao cumprimento de políticas públicas estabelecidas e que deverá ocorrer através de uma dimensão coletiva. Se o cumprimento do dever estatal de promoção à saúde é negligenciado, o caminho natural é a invocação judicial desse direito. Por isso, no campo do direito à saúde, muitas vezes questões complexas acabam sendo levadas a apreciação do órgão judicante, mas o problema surge quando os juízes confundem judicialização com ativismo judicial.

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Seguindo o entendimento do Ministro Gilmar Mendes, decisões judiciais que atendem aos interesses individuais na entrega de medicamentos e tratamentos extremamente caros, e que não se encontram no dever de agir do Estado, a uma parte da população que possui melhores condições socioeconômicas e acesso à informação, e, portanto, possuem maior facilidade de acesso ao judiciário, acabam por inviabilizar políticas públicas eficazes, além de ferir os ditames constitucionais do acesso universal e igualitário.

A questão é bem mais complexa do que parece ser. A compreensão juris-prudencial e acadêmica, no Brasil, acerca da intervenção do poder judiciário nas políticas públicas ainda é tímida e encontra resistências.

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_____. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica, 3ªed. Revista dos Tribunais, 2013

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O INSTITUTO DA DAÇÃO EM PAGAMENTO NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO: ANÁLISE DA LEI 13.259 DE 16 DE MARÇO DE 2016

THE INSTITUTE OF PAYMENT IN KIND IN BRAZILIAN TAX LAW ANALYSIS OF LAW 13,259 OF MARCH 16, 2016

por Priscila Rangel Barros241

RESUMO

O presente trabalho trata da análise jurídica da Lei 13.259 de 16 de março de 2016, mais especificamente da análise do art. 4º que regulamenta as condições para dação em pagamento no direito tributário brasileiro. Como se dará na prática o uso de imóveis para quitação de dívidas tributárias segundo o texto original da Lei 13.259/16 e as críticas às alterações promovidas pela Medida Provisória nº 719, convertida na Lei 13.313 de 14 de julho de 2016.

PALAVRAS-CHAVE: Lei 13.259/2016, Lei 13.313/2016, Dação em Pagamento, Extinção do Crédito Tributário, Uso de Bens Imóveis, Crédito Tributário Inscrito em Ativa.

241 Advogada OAB nº 202.080/RJ atuando nas seguintes áreas: cível, imobiliária, tributária e previdenciária; Atua como Delegada OAB na defesa das prerrogativas dos advogados; Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá em 2015; Estágio no Ministério Público - 29ª Promotoria de Investigação Penal em 2012; Pós-graduada em Gestão de Negócios pelo Ibmec em 2010; Inglês fluente. E-mail: [email protected]

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SUMMARY

This articles proposes a legal analysis of Law 13,259 of March 16, 2016, more specifically art. 4º’s analysis that regulates the conditions for payment in kind Brazilian tax law. As will be practice the use of real estate for the liquidation of the tax debt according to the original text of Law 13,259 / 16 and the criticisms of the changes promoted by the Provisional Measure No. 719, converted into Law 13.313 of July 14, 2016.

KEYWORD: Law 13,259 / 2016, Law 13,313 / 2016, Payment In Kind, Extinction Of The Tax Credit, Use Of Real Estate, Tax Credit Registered In Debt Active.

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INTRODUÇÃO

A Lei Ordinária nº 13.259 de 16 de março de 2016 veio regulamentar o instituto da dação em pagamento no direito tributário brasileiro 15 anos após o advento da Lei Com-plementar 104/2001, responsável pelo acréscimo de tal instituto no rol do art. 156 do Código Tributário Nacional, o qual elenca as causas de extinção de crédito tributário.

Até então, havia inúmeras discussões doutrinárias e poucos julgados acerca do uso deste instituto no direito tributário brasileiro. Antes da lei complementar 104/2011 discutia-se a possibilidade ou não do uso do instituto. Após o advento da lei complementar 104/2001, discutia-se a natureza do bem que poderia ser dado em pagamento, se móvel ou imóvel.

O texto original da lei em análise (13.259), publicada em março de 2016, traz a possibilidade da extinção do crédito tributário pela dação em pagamento em imóveis. No entanto, a Medida Provisória nº 719 restringiu a possibilidade de dação em pagamento apenas para créditos tributários inscritos em dívida ativa, fato que prejudicou o contribuinte, visto que inscrições em dívidas ativas, auto-maticamente aumentam a dívida de forma significativa. Tal Medida Provisória foi convertida na Lei 13.313 de 14 de julho de 2016.

Ponto relevante é o fato de o artigo 146, III, b da Constituição da República Federativa do Brasil exigir lei complementar para matéria tributária e em sendo a Lei 13.259/2016 ordinária, há quem levante a hipótese de uma inconstitucionalidade formal. No entanto, há quem entenda que esta lei é aplicável apenas a tributos da União, vez que o artigo 156, XI do CTN exige lei específica de cada ente da federação. E se os outros entes da federação utilizarem o instituto da dação em pagamento? Seria possível o uso desta Lei em análise como regra geral?

Outro ponto que a Lei em questão é omissa é na hipótese de o valor do bem a ser dado em pagamento ser superior ao valor da dívida, seria o antigo proprietário ressarcido?

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Uma questão importante e digna de análise é a proibição expressa no §1º do art. 4º da Lei 13.259/16 da aplicação deste instituto aos créditos tributários refe-rentes ao Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional, fato que restringiu ainda mais tão importante e necessária forma de extinção de crédito do contribuinte.

Para se chagar a essas respostas será necessária uma análise jurídica desta Lei. Este tema é de extrema importância diante da crise em que se encontra o país, visto que ele possibilita a entrega de imóveis em pagamento de dívidas tributárias, aumentando assim as hipóteses de extinção de crédito tributário para o contribuinte brasileiro.

1. O INSTITUTO DA DAÇÃO EM PAGAMENTO

A dação em pagamento surgiu no direito romano, sendo possível apenas com a anuência do credor. No entanto, Justiniano admitiu a hipótese de impor ao credor bem diverso, caso o devedor já acionado, não tivesse conseguido vender os seus bens, seria a datio in solutum necessária, como muito bem explica Diniz (2011, p. 309):

Foi Justiniano quem permitiu ao devedor converter a prestação em dinheiro em obrigação de dar coisa certa, quando lhe fosse impossível pagar soma em dinheiro, a fim de impedir que o devedor, compeli-do a pagar uma dívida, viesse a perder seus haveres por um preço vil. Concedeu-lhe, por isso, o direito de oferecer seus bens móveis, depois os imóveis, até perfazer o montante de seu débito. Avaliados os seus bens, o juiz obrigava o credor a restituir tudo o que excedesse o valor da dívida. Com isso o devedor entregava o seu patrimônio para pagar uma dívida pelo justo valor. Criou-se, então, a datio in solutum necessária que, em certos casos, se impunha ao credor, que não a podia recusar se o devedor já tivesse sido acionado ou se não tivesse encontrado uma oferta razoável para a venda de seus bens. Não havendo qualquer das duas circunstâncias, a datio in solutum reclamava a anuência do credor.

O Código Civil de 2002, em seu art. 356, acolhe a dação em pagamento como forma de extinção das obrigações, ou seja, o recebimento de coisa diversa da que é devida desde que haja o consentimento do credor. É uma forma indireta

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de pagamento, vez que o objetivo final é a extinção da obrigação mediante coisa diversa da res debita.

No direito civil, a dação em pagamento pode ter por objeto prestação di-versa da devida de qualquer natureza, podendo ser bem móvel ou imóvel. O art. 357, do CC/02, estabelece que determinado o preço da coisa dada em pagamento as relações entre as partes regular-se-ão pelas normas de contrato de compra e venda. Maria Helena Diniz vai além, conforme trecho a seguir (2011, p. 311):

[...] o devedor, com a anuência do credor, poderá dar uma coisa por outra; coisa por fato; fato por coisa; fato por fato etc. Isto é assim porque se for dinheiro a coisa dada em pagamento, ou se, não sendo dinheiro, se lhe taxar o preço, a dação em pagamento regular-se-á por normas da compra e venda por haver equivalência entre os bens.

Quanto a natureza jurídica da dação em pagamento, a doutrina é contro-vertida, seria uma troca, uma compra e venda, uma novação ou compensação? Outros veem como um contrato, no entanto Maria Helena Diniz rebate, alegando que o contrato cria obrigações e a dação em pagamento é uma modalidade de extinção de obrigação, defendendo, conforme já dito acima, ser uma forma de pagamento indireto, por ser um acordo liberatório, visando extinguir uma relação obrigacional, tendo este instituto a mesma índole de pagamento.

1.1 DAÇÃO EM PAGAMENTO NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

Em cumprimento ao que dispõe o artigo 146, III da Constituição da Re-pública Federativa de 1988, o Código Tributário Nacional trata das normas gerais do direito tributário. Senão vejamos o art. 3º do CTN:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Ordinariamente, o tributo deve ser pago em dinheiro, no entanto diante da expressão “ou cujo valor nela se possa exprimir” pode-se entender ser possível a dação em pagamento no Direito Tributário Brasileiro tendo por base somente a interpretação literária do artigo 3º do CTN?

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Quanto ao tema, há duas correntes. Ambas convergem quanto a neces-sidade de lei regulamentadora do instituto para que este seja materializado, no entanto há divergência no que se refere ao momento em que surge o instituto da dação em pagamento, bem como em relação aos bens abrangidos por ela:

PRIMEIRA CORRENTE (minoritária):

Alguns autores interpretam esse trecho “ou cujo valor nela se possa ex-primir” como uma autorização genérica para que os entes políticos estabeleçam, no âmbito de seus territórios, essa modalidade de extinção de crédito, coincidem, portanto, o surgimento da dação em pagamento no direito tributário com o ad-vento do próprio CTN.

Para concretização da dação em pagamento, para essa corrente, bastaria lei específica indicando os tributos passíveis de pagamento mediante dação em pagamento, quais bens podem ser dados e os critérios de avaliação desses bens.

Essa primeira corrente não faz distinção entre bens móveis e imóveis, permitindo a dação em pagamento para ambos os casos, vez que o CTN não traz expressamente essa diferenciação. É nesse sentido que Carneiro (2014, p. 257) afirma:

Por fim, questão interessante é saber se a dação em pagamento admi-te apenas os bens imóveis ou se alcançaria também os bens móveis. Embora a matéria seja controvertida, entendemos que sim, porque, ao nosso sentir, o rol do art. 156, XI, é exemplificativo e, nesse sentido, desde que haja lei do ente federativo autorizando também a dação em pagamento de bens móveis, esta é perfeitamente cabível, até porque alguns bens móveis têm mais liquidez de que certos bens imóveis; todavia, ainda prevalece o entendimento da dação em pagamento somente para Bens Imóveis.

SEGUNDA CORRENTE (majoritária):

Para essa corrente, a introdução da dação em pagamento no direito tributário brasileiro se deu com o advento da Lei complementar nº 104 de 2001 que inseriu o inciso XI no art. 156 do CTN. Trata-se de uma autorização que foi inserida após a edição do CTN e permite a dação em pagamento tão somente em bens imóveis, vejamos a literalidade do art. 156, XI:

Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. (Incluído pela LC nº 104 de 2001)

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Entende-se que a dação em pagamento surgiu apenas com o advento da Lei Complementar nº 104 de 2001 e abarca apenas bens imóveis.

Esta segunda corrente também exige lei específica para a concretização desta forma de extinção do crédito. No entanto, não se enxergava qualquer permis-são para a dação em pagamento no art. 3º do CTN, posto que a previsão deveria vir expressa no art. 156 do CTN, inserção realizada posteriormente ao advento do CTN. Ademais, inicialmente, não se entendia pela possibilidade da dação em pagamento em razão do que dispõe o artigo 141 do CTN:

Art. 141 O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou exclu-ída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.

Dessa forma, não havia tal previsão até 2001, quando a LC 104 introduziu expressamente no art. 156 do CTN o inciso XI prevendo a dação em pagamento em bens imóveis como modalidade de extinção de crédito tributário. Nesse sentido, Leite (2013, p. 344):

A dação em pagamento foi incorporada ao direito tributário brasi-leiro através da Lei Complementar nº 104/2001. Ela foi inserida no art. 156, XI, do Código Tributário Nacional como espécie extintiva do crédito tributário, [...]

2. PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

O STF, em poucas decisões, optou pela segunda corrente, como na análise da constitucionalidade da Lei distrital nº 1.624/97, que autorizava o pagamento de tributos distritais com materiais de construção.

Em sede liminar, o STF vislumbrou afronta ao procedimento licitatório em razão da aquisição de material de construção sem prévia licitação e, além disso, à época desta decisão não havia a previsão no artigo 156 do CTN a dação em paga-mento como forma de extinção de crédito tributário, essa decisão foi confirmada após a Lei Complementar 104/2001, senão vejamos:

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Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Publicação: DJe-087 DIVULG 23-08-2007 PUBLIC 24-08-2007 DJ 24-08-2007 PP-00022 EMENT VOL-02286-01 PP-00059 RDDT n. 146, 2007, p. 234-235 LEXSTF v. 29, n. 345, 2007, p. 53-63 RT v. 96, n. 866, 2007, p. 106-111

Parte(s): GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL

MARCELLO ALENCAR DE ARAÚJO E OUTROS

CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL

Ementa

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LICITAÇÃO (CF, ART. 37, XXI).

I - Lei ordinária distrital - pagamento de débitos tributários por meio de dação em pagamento.

II - Hipótese de criação de nova causa de extinção do crédito tri-butário.

III - Ofensa ao princípio da licitação na aquisição de materiais pela administração pública.

IV - Confirmação do julgamento cautelar em que se declarou a in-constitucionalidade da lei ordinária distrital 1.624/1997.

Decisão

O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação direta, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gra-cie. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Março Aurélio. Plenário, 26.04.2007.

Resumo Estruturado

-VIDE EMENTA E INDEXAÇÃO PARCIAL: INCONSTITUCIONA-LIDADE, LEI DISTRITAL, AUTORIZAÇÃO, MICROEMPRESA, EMPRESA DE PEQUENO PORTE, MÉDIA EMPRESA, PAGAMEN-TO, DÉBITO FISCAL, UTILIZAÇÃO, DAÇÃO EM PAGAMENTO, MATERIAL, DESTINAÇÃO, ATENDIMENTO, PROGRAMA GO-VERNAMENTAL. -FUNDAMENTAÇÃO COMPLEMENTAR, MIN. CEZAR PELUSO: PROCESSO REGULAR, AQUISIÇÃO, MERCA-DORIA, INTERMÉDIO, LICITAÇÃO, IMPOSSIBILIDADE, SUBS-TITUIÇÃO, DAÇÃO EM PAGAMENTO. -FUNDAMENTAÇÃO COMPLEMENTAR, MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE: EXISTÊNCIA, VIOLAÇÃO, FORMA INDIRETA, PRINCÍPIO DA LICITAÇÃO, HIPÓTESE, AQUISIÇÃO, BENS, NECESSIDADE, LICITAÇÃO.

Referências Legislativas

CF ANO-1988 ART-00037 INC-00021 ART-00146 INC-00003 INC-00024 LET-B ART-00150 INC-00002

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LEI-005172 ANO-1966 ART-00156

Observações

-Acórdão citado: ADI 2405 MC. Número de páginas: 20 Análise: 21/09/2007, JBM.

3. A LEI 13.259 DE 16 DE MARÇO DE 2016

15 anos após o advento da Lei Complementar nº 104/2001 que introdu-ziu a dação em pagamento como forma de extinção de crédito tributário, a Lei 13.259/2016, além de dispor acerca da incidência de imposto sobre a renda na hipótese de ganho de capital em decorrência da alienação de bens e direitos de qualquer natureza (alteração da lei 8.981/95), para possibilitar a opção de tributação de empresas coligadas no exterior na forma de empresas controladas (alteração da lei 12.973/2014), trouxe a regulamentação do inciso XI do art. 156 da Lei 5.172/66 (CTN), ou seja a regulamentação da dação em pagamento em bens imóveis no direito tributário brasileiro.

Mas especificamente o artigo 4º da Lei estabelece as regras de como se dará dação, senão vejamos, o texto original:

Art. 4º A extinção do crédito tributário pela dação em pagamento em imóveis, na forma do inciso XI do art. 156 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, atenderá às seguintes condições:

I - será precedida de avaliação judicial do bem ou bens ofertados, segundo critérios de mercado;

II - deverá abranger a totalidade do débito ou débitos que se pretende liquidar com atualização, juros, multa e encargos, sem desconto de qualquer natureza, assegurando-se ao devedor a possibilidade de complementação em dinheiro de eventual diferença entre os valores da dívida e o valor do bem ou bens ofertados em dação.

No entanto, dias depois a Medida Provisória nº 719 restringiu a possibilidade de dação em pagamento apenas para créditos tributários inscritos em dívida ativa, ficando conforme a seguir:

Art. 4º O crédito tributário inscrito em dívida ativa da União poderá ser extinto, nos termos do inciso XI do caput do art. 156 da Lei nº

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5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, me-diante dação em pagamento de bens imóveis, a critério do credor, na forma desta Lei, desde que atendidas as seguintes condições: (Redação dada pela Lei nº 13.313, de 2016)

I - a dação seja precedida de avaliação do bem ou dos bens ofertados, que devem estar livres e desembaraçados de quaisquer ônus, nos termos de ato do Ministério da Fazenda; e (Redação dada pela Lei nº 13.313, de 2016)

II - a dação abranja a totalidade do crédito ou créditos que se pre-tende liquidar com atualização, juros, multa e encargos legais, sem desconto de qualquer natureza, assegurando-se ao devedor a pos-sibilidade de complementação em dinheiro de eventual diferença entre os valores da totalidade da dívida e o valor do bem ou dos bens ofertados em dação. (Redação dada pela Lei nº 13.313, de 2016)

§ 1º O disposto no caput não se aplica aos créditos tributários re-ferentes ao Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pe-queno Porte - Simples Nacional. (Redação dada pela Lei nº 13.313, de 2016)

§ 2º Caso o crédito que se pretenda extinguir seja objeto de discussão judicial, a dação em pagamento somente produzirá efeitos após a desistência da referida ação pelo devedor ou corresponsável e a re-núncia do direito sobre o qual se funda a ação, devendo o devedor ou o corresponsável arcar com o pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios. (Redação dada pela Lei nº 13.313, de 2016)

§ 3º A União observará a destinação específica dos créditos extin-tos por dação em pagamento, nos termos de ato do Ministério da Fazenda. (Redação dada pela Lei nº 13.313, de 2016) (grifo meu)

A Medida Provisória transformou-se na Lei 13.313 de 14 de julho de 2016 que alterou a Lei 13.259/16.

3.1 DA RESTRIÇÃO DA DAÇÃO EM PAGAMENTO APENAS PARA CRÉDITOS INSCRITOS NA DÍVIDA ATIVA

O contribuinte restou prejudicado com a restrição dada pela MP nº 719, vez que ele não poderá oferecer bem imóvel para quitar sua dívida até que esta esteja inscrita em dívida ativa, ato que onera em pelo menos 20% o valor da mesma, como bem explica a Justificativa da Emenda do deputado federal Alfredo Kafer, CD/16590.38180-89, mas que, no entanto, não se tornou o texto final. Senão vejamos:

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Também alteramos a redação da medida provisória no sentido de “créditos em dívida ativa”, deixando somente crédito tributário, como já existia na Lei aprovada. Essa alteração é relevante a fim de que o contribuinte, mesmo sem a inscrição em dívida ativa, possa propor medida para a extinção de suas dívidas tributárias, sem ter a necessidade de aguardar a inscrição em dívida ativa, inclusive pelo fato de que tal procedimento oneraria o débito em até 20% em razão do encargo legal do DL 1.025/69, que trata dos honorários advocatícios da Fazenda.

3.2 DA EXPRESSÃO “A CRITÉRIO DO CREDOR”

A expressão “a critério do credor” inexistia na redação original da Lei, veio a ser inserida por meio da MP nº 719. Segundo o parecer do senador Benedito Lira é razoável que a União deva se interessar por receber determinado bem imó-vel em pagamento da dívida tributária para que a dação em pagamento possa se concretizar. Do contrário, argumenta o Senador que seria necessário admitir que o contribuinte teria o poder de decidir se o poder público receberá obrigatoriamente determinado bem em pagamento da dívida pecuniária.

Aduz ainda ser provável que, em muitos casos, a União fosse obrigada a receber bem imóvel cujas condições, localização, estado de conservação ou outros aspectos não atendessem o interesse público. Para o senador Benedito Lira, toda a sociedade seria lesada por transações dessa natureza, sendo, portanto, impres-cindível a concordância da Fazenda Pública, razão pela qual deixaram de acolher as emendas 2 e 3 da MP nº 719.

No entanto, para o senador Alfredo Kaefer, essa expressão “a critério do credor” deveria ser alterada, conforme justificativa CD/16590.38180-89, a seguir:

[...] essa expressão deve ser modificada, pois poderia ser interpretada como apta a conferir poderes à União de negar arbitrariamente o recebimento de imóveis em pagamento de dívidas tributárias por ser tratar de critério subjetivo e que inviabiliza o instituto de grande importância para os contribuintes no cenário atual, além de ser uma relevante medida para recebimentos de créditos tributários pela União, com a redução indireta de litígios tributários, contribuinte para a melhoria do judiciário. Portanto, caso seja atribuído esse poder ao credor, a dação em pagamento poderá ser transformar em instituto formalmente admitido pela legislação, mas sem aplicação prática, o que é importante evitarmos.

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Por isso, sugerimos substituir a expressão “a critério do credor”. Assim, mantemos a necessidade de manifestação da Fazenda Pública credora realizar o contraditório e fazer o controle de legalidade da da-ção em pagamento, mas deixamos de correr o risco de, a seu critério arbitrário, impedir o adimplemento da dívida mediante entrega de bem imóvel, objeto do instituto que o Congresso Nacional regulou.

Ademais, da forma como ficou a redação final da Lei, com o uso da ex-pressão “a critério do credor”, mais uma vez o contribuinte restou prejudicado, pois caso ele possua um imóvel com baixa liquidez, correrá o risco de a Fazenda Pública rejeitar tal oferta para quitação de sua dívida, o que não faz muito sen-tido, tendo em vista que em sede de execução fiscal, caso não haja o pagamento voluntário por parte do contribuinte, automaticamente o fisco penhora os seus bens e segue com um processo que nem precisaria ter iniciado, se desde o início a Fazenda não tivesse a arbitrariedade de rejeitar a oferta da dação em pagamento.

O tributarista Leandro Lucon, em entrevista ao Consultor Jurídico sobre o assunto, opina, como segue:

Muitas pessoas, físicas ou jurídicas, ao longo dos anos, adquiriram inúmeros imóveis, os quais sofreram forte valorização – muito acima da inflação -, mas que, atualmente, pela crise econômica brasileira, estão com baixa liquidez e, assim, vender tal propriedade torna-se uma tarefa muito difícil, quiçá, impossível, dependendo do tamanho e valor do bem. Portanto, quando um contribuinte, proprietário de imóvel, e com débitos inscritos em dívida ativa da União, pretende vender a propriedade para quitar os respectivos tributos inscritos em dívida ativa da União (exceto do Simples Nacional), recomenda-se a utilização do instituto da dação em pagamento de bem imóvel para quitação.

Além disso, Lucon recomenda a utilização da dação aos contri-buintes que estão no meio de discussões judiciais em penhora de faturamento, cuja penhora inviabiliza a continuidade da atividade da empresa ou, ainda, em processos judiciais que bens essenciais à empresa serão encaminhados à hasta pública.

Se o objetivo da lei 13.259/2016 é dar opções ao contribuinte para quitar suas dívidas junto à União, o fato de a Fazenda Pública ter a discricionariedade de aceitar ou não a oferta, onera ainda mais o contribuinte em caso de negativa da mesma, vez que o resultado do inadimplemento gera penhoras desnecessárias que muitas vezes inviabilizam a continuidade das atividades empresariais, caso não houvesse tal discricionariedade.

Em termos de liquidez, entre uma penhora em sede de execução fiscal e um bem dado em dação em pagamento, o ônus da morosidade recai somente sobre o contribuinte, vez que para a Fazenda Pública não há diferença alguma.

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3.3 DA EXPRESSÃO “VALOR DE MERCADO”

O texto original do art. 4º, I, da Lei 13.259/2016 previa que a dação em pagamento será precedida de avaliação judicial do bem ou bens ofertados, se-gundo critérios de mercado. Razoável o parâmetro do mercado, vez que evita a supervalorização para fins ilícitos, bem como evitaria a subvalorização que traria enriquecimento sem causa para a União. Além da avaliação ser necessariamente judicial, de forma a reforçar a transparência e imparcialidade da operação.

Nesse sentido é o que expôs o nobre deputado Alfredo Kaefer e, sua jus-tificativa às emendas não aceitas:

[..], no inciso I, voltamos a incluir que a avaliação seja pelo “valor de mercado”, evitando assim qualquer enriquecimento sem causa do Estado. Mais do que isso, dentro da mesma perspectiva, excluímos a expressão “nos termos de ato do Ministério da Fazenda”, pois já já estabelecemos um critério objetivo de avaliação, qual seja: o valor de mercado.”

[...] também, por cautela, inserimos a necessidade de que a nomea-ção do avaliador seja por meio do Judiciário, reforçando a lisura da operação, transparência e controle.

No entanto, o texto final permaneceu com a avaliação (sem a expressão ‘judicial’) nos termos de ato do Ministério da Fazenda, deixando o contribuinte, mais uma vez, vulnerável. Texto final do inciso I do art. 4º:

Art. 4º O crédito tributário inscrito em dívida ativa da União poderá ser extinto, nos termos do inciso XI do caput do art. 156 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, me-diante dação em pagamento de bens imóveis, a critério do credor, na forma desta Lei, desde que atendidas as seguintes condições: (Redação dada pela Lei nº 13.313, de 2016)

I - a dação seja precedida de avaliação do bem ou dos bens ofertados, que devem estar livres e desembaraçados de quaisquer ônus, nos termos de ato do Ministério da Fazenda; e (Redação dada pela Lei nº 13.313, de 2016) (grifo meu)

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3.4 DA EXCLUSÃO DO SIMPLES NACIONAL E A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Há um comando no art. 170, inciso IX, da Constituição da República Federativa do Brasil que diz que haverá tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. Trata-se de um princípio que deve ser considerado pelo legislador, mas que parece não ter sido observado, ante o texto do §1º do art. 4º da Lei 13.259/2016:

§1º O disposto no caput não se aplica aos créditos tributários refe-rentes ao Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional.

A justificativa para tal restrição é o fato de o SIMPLES NACIONAL abranger o recolhimento unificado de tributos devidos não apenas à União, mas também aos Estados e aos Municípios e como a Lei 13.259/16 regula a dação em pagamento apenas no âmbito federal, não seria possível a sua aplicação para esse tipo de crédito tributário.

O Brasil possui milhões de micros e pequenas empresas que ficaram sem a possibilidade de usar o instituto, em uma clara afronta ao comando constitucional. Nesse sentido, o blog do MMolina Advogados critica:

O primeiro ponto de crítica à norma refere-se à exclusão das micro e pequenas empresas, em razão do inquestionável desrespeito ao tratamento diferenciado e favorecido previsto pela Constituição Federal nos artigos 170, IX e 146, III, “d”. Ademais, sob o aspecto econômico, a previsão resulta em significativo prejuízo a União, pois afasta do instituto importante parcela de contribuintes brasileiros. De acordo com dados do SEBRAE, em 2011, o Brasil tinha cerca de 9 milhões de micro e pequenas empresas, representando 27 % do PIB e 52% dos empregos com carteira assinada no país.

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4. DA OMISSÃO DA LEI NA HIPÓTESES DE O VALOR DO BEM SER SUPERIOR AO VALOR DA DÍVIDA A SER QUITADA

A lei foi omissa na hipótese de o bem ser superior ao valor do crédito tributário devido, seria o antigo proprietário ressarcido?

Não se vislumbra que algum valor seria devolvido ao sujeito passivo, vez que o bem é avaliado a fim de averiguar se o seu valor é suficiente para saldar ou não determinado débito tributário com a União e não para tornar o ente político um “operador do mercado imobiliário”, até por que, caso assim fosse, estaríamos diante de uma brecha legal à possíveis atos ilícitos para desvios de dinheiro público.

5. DA ABRANGÊNCIA E DA ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DA LEI 13.259 DE 16 DE MARÇO DE 2016

Para o doutrinador Eduardo Sabbag, essa lei seria inconstitucional, vez que a dação em pagamento deveria ser regida por lei complementar aplicável a todos os entes, de acordo com o artigo 146, III, b, da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

Definição de tributos e suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

No entanto, há quem entenda que esta lei é aplicável apenas a tributos da União, pois o art. 156, XI do CTN exige lei específica de cada ente da federação.

Como ainda não houve análise acerca de sua validade pelos Tribunais Superiores, eis que a lei é deste ano corrente (2016), prevalece a presunção de constitucionalidade.

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Caso algum outro ente da federação necessite se valer deste instituto deverá editar a sua própria lei. O parecer nº SF/16866.21689-01 do Senado Federal, nº a página 4 diz que a Lei 13.259 de 2016, em seu art. 4º, tratou das normas aplicáveis à dação em pagamento de bens imóveis para quitação de dívidas tributárias na esfera federal, não restando dúvidas quanto à sua abrangência.

CONCLUSÃO

Diante de toda a análise da Lei que regulamenta a dação em pagamento no direito tributário brasileiro, concluímos que, por ser uma lei ordinária, somente pode ser aplicada para extinguir créditos tributários federais, não podendo ser aplicada para extinguir crédito de outros entres da federação, devendo estes editar as suas próprias leis sobre a matéria.

As micro e pequenas empresas estão excluídas do instituto dação em pagamento contrariando o comando constitucional previsto no inciso XI do art. 170 da Constituição.

Na hipótese de o contribuinte oferecer em pagamento imóvel cujo valor seja superior ao valor da dívida, ele deverá abrir mão do excedente, isso porque do contrário, além de ser uma brecha legal para atos ilícitos, tornaria a União um ente operador de mercado imobiliário o que também não condiz com a razão de ser da lei em questão.

A restrição trazida pelo Medida Provisória 719, admitindo a dação apenas aos créditos inscritos da dívida ativa, trouxe desvantagem àquele contribuinte que mesmo sem a inscrição em dívida ativa tenha interesse em extinguir suas dívidas tributárias com o menor ônus possível. Este contribuinte terá que aguar-dar a inscrição, ciente de que tal procedimento onerará o débito em até 20% em razão do encargo legal da DL 1.025/69, que trata dos honorários advocatícios da Procuradoria da Fazenda.

É evidente a predominância do princípio da supremacia do interesse pú-blico na Lei 13.259/2016 em desfavor do contribuinte, no entanto, é necessário que haja o mínimo de equilíbrio nessas forças, visto que o contribuinte é o responsável pela receita do estado e sufocá-lo, principalmente em momentos de crise, pode ser mortal para uma nação.

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REFERÊNCIAS

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DE LIRA, B. Parecer sobre a Medida Provisória nº 719 – Senado Federal. Sala da Comis-são. Brasília: Jul/2016

DINIZ, Mª. H. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 2: teoria Geral das Obrigações. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

KAEFER, A. Parecer sobre a Medida Provisória nº 719/2016 – Câmara dos Deputados. Sala das Sessões. Brasília: Abr/2016.

LEITE, G. S. Extinção do Crédito Tributário. Belo Horizonte: Forum, 2013.

MMOLINA ADVOGADOS Alternativa para quitação de débitos tributários: a dação em pagamento. Disponível em < http://www.molina.adv.br/2016/06/15/alternativa-para-qui-tacao-de-debitos-tributarios-a-dacao-em-pagamento/> Acesso: 18 out. 2016.

MIZUTA, C. O intrincado uso de imóveis para quitação de dívidas tributárias. Disponí-vel em http://www.conjur.com.br/2016-abr-26/intrincado-uso-imoveis-quitacao-dividas-tributarias Acesso: 12 set. 2016.

NETO, A. Dação em pagamento em Bens Imóveis – Lei Federal nº 13.259 de 2016. Dispo-nível em <https://www.estrategiaconcursos.com.br/blog/dacao-em-pagamento-em-bens-imoveis-lei-federal-no-13-259-de-2016/> Acesso: 12 set. 2016.

SABBAG, E. Manual de Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

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